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Direito Penal
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Texto de pré-visualização
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL MATHEUS BONI BITTENCOURT CRIMINALIDADE VIOLENTA E ESTRUTURA SOCIAL uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Porto Alegre 2022 MATHEUS BONI BITTENCOURT CRIMINALIDADE VIOLENTA E ESTRUTURA SOCIAL uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Tese de Doutorado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Orientador Professor Doutor Alex Niche Teixeira Porto Alegre 2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL REITOR Carlos André Bulhões VICEREITOR Patrícia Pranke DIRETOR DO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Hélio Ricardo do Couto Alves VICEDIRETOR DO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Alex Niche Teixeira COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA Letícia Maria Schabbach Matheus Boni Bittencourt ATA PARA ASSINATURA Nº UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de PósGraduação em Sociologia SOCIOLOGIA Doutorado Ata de defesa de Tese Aluno Matheus Boni Bittencourt com ingresso em 01032017 Título Criminalidade violenta e estrutura social análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Orientador Prof Dr Alex Niche Teixeira Data 28012022 Horário 1400 Local IFCH Banca Examinadora Origem Letícia Maria Schabbach UFRGS Marilia Patta Ramos UFRGS Sergio Simoni Junior UFRGS Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro UFMG Porto Alegre 28 de janeiro de 2022 Membros Assinatura Avaliação Letícia Maria Schabbach por webconferência APROVADO Marilia Patta Ramos por webconferência APROVADO Sergio Simoni Junior por webconferência APROVADO Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro por webconferência APROVADO Conceito Geral da Banca A Correções solicitadas Sim X Não Observação Esta Ata não pode ser considerada como instrumento final do processo de concessão de título ao aluno A aprovação ou reprovação deve ser expressa por cada avaliador com os conceitos Aprovado ou Não Aprovado No caso de aprovação condicionada à realização de mudanças indicar se haverá a necessidade de nova banca Aluno Orientador Programa de PósGraduação em Sociologia Av Bento Gonçalves 9500 Prédio 43322 205D Bairro Agronomia Telefone 33088220 Porto Alegre RS Para a minha amada Tati AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente à minha família pelo apoio e encorajamento aos estudos desde a infância até os primeiros meses do doutorado Agradeço à CAPES e ao PPGSUFRGS pela concessão de apoio financeiro parcial sem o qual não seria possível completar os créditos do curso Agradeço aos meus professores do Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em especial o orientador deste trabalho prof Dr Alex Niche Teixeira Também tenho muito a agradecer ao Prof Dr José Vicente Tavares dos Santos que me fez reorientar o foco da pesquisa para os homicídios intencionais às Profas Dras Letícia Schabbach e Vanessa Marx a aos Profs Drs Ricardo Oliveira e Karl Monsma cujas aulas me ajudaram a construir a problemática deste trabalho e à Profa Dra Raquel Weiss pelo aprendizado teórico e didático propiciado pela sua tutoria no estágio docente Agradeço a Alexandra Asanovna Elbakyan Aaron Swartz e outros que promovem a livre circulação do conhecimento científico Agradeço aos colegas do PPG em Sociologia da UFRGS com os quais construí laços de amizade e de troca de ideias Especialmente Robson Rocha Jr que me ajudou com a questão da moradia em Porto Alegre e se tornou um amigo e um coautor Também aprendi muito nas conversas informais com os colegas Jaime Gomes Davyd Spencer Claudio Dantas Paulinha Agliardi Elias Paludo e Ivan Müller Agradeço aos colegas da SEGERES que me recepcionaram no Núcleo de Estatística e Estudos de Recursos Humanos NUERH em especial Charles Almeida e Zaloar Gomes Agradeço aos servidores do IBGE do IPEA e do DATASUS cujo trabalho de produção e divulgação de dados ao longo de décadas com abrangência nacional e alta qualidade tornaram possíveis trabalhos como este Por último e certamente não menos importante agradeço à minha companheira da vida Tati por sua compreensão e amor apoio e paciência que fizeram tudo valer à pena e me encorajaram a seguir em frente nos momentos de dificuldade Negavam tranquilamente contra toda a evidência que tivéssemos jamais conhecido esse mundo insensato em que o assassinato de um homem era tão cotidiano quanto o das moscas essa selvageria bem definida esse delírio calculado essa prisão que trazia consigo uma pavorosa liberdade em relação a tudo o que não era o presente esse cheiro de morte que entorpecia todos aqueles a quem não matava Albert Camus 20131947 p 204 tinham desejado a reunião com qualquer coisa que não podiam definir mas lhes parecia o único bem desejável E à falta de outro nome chamavamlhe às vezes paz Albert Camus 20131947 p 206 Permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra resultaria no desmoronamento da sociedade Despojados da cobertura protetora das instituições culturais os seres humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social morreriam vítimas de um agudo transtorno social através do vício da perversão do crime e da fome Karl Polanyi 2012 1944 P 7879 BONI BITTENCOURT Matheus Criminalidade violenta e estrutura social uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Orientador Alex Niche Teixeira 2022 363 f Tese Doutorado em Sociologia Programa de PósGraduação em Sociologia Instituto de Filosofia e Ciência Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2022 RESUMO Apresento nesta Tese uma análise teórica e macroquantitativa das tendências variações e condicionantes estruturais das taxas de homicídios intencionais por 100 mil habitantes ao longo do tempo e entre as microrregiões e Estados do Brasil entre 1979 e 2019 Buscamos um diálogo crítico com tradições de análise macrossociais da violência como a do processo civilizador da anomia e tensão social da desorganização social e do utilitarismo Com base na literatura sociológica qualitativa e mista construímos tipos ideais de situações violentas grupos criminais armados e configurações sociais do mundo do crime identificando protagonistas sentidos processos e contextos típicos das violências E com base na criminologia quantitativa e mista formulamos um quadro analítico das motivações constrangimentos e oportunidades sistêmicas da criminalidade violenta O quadro teórico foi mobilizado na análise macroquantitativa e multivariada dos homicídios intencionais nas 558 microrregiões e 27 Estados e Distrito Federal do Brasil além de estudos sobre a conexão entre a subnotificação de mortes violentas intencionais e a violência policial nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e sobre determinantes dos homicídios de jovens e de mulheres e de causas de curto e longo prazo nas microrregiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Uma taxa ajustada de homicídios intencionais visando compensar problemas de subnotificação foi a veriável dependente em geral delimitada ou não por idade ou por gênero Entre as variáveis independentes utilizamos o uso mórbido de psicoativos a posse e o acesso a armas de fogo a estrutura sociodemográfica crescimento densidade ou urbanização proporção de homens ou de jovens as exclusões socioeconômicas mortalidade infantil desemprego desigualdade privação de saneamento básico monoparentalidade feminina baixa escolaridade e políticas públicas setor público per capita despesas com dissuasão policial e com apoio social Os resultados sublinham a complexidade da criminalidade violenta e questionam a ideia de um processo civilizador ligado ao monopólio estatal da violência legítima ressaltando ao contrário a dinâmica dos mercados ilícitos e a estrutura das exclusões socioeconômicas como principais explicações para o aumento dos homicídios intencionais no Brasil PALAVRASCHAVE Violência Teoria Social Homicídio Estrutura Social Criminalidade BONI BITTENCOURT Matheus 2022 Criminalidade violenta e estrutura social uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Doctoral Dissertation Federal University of Rio Grande do Sul Porto Alegre Brazil ABSTRACT In this thesis I present a theoretical and macroquantitative analysis of trends variations and structural causes of intentional homicide rates per 100000 inhabitants over time and between microregions and states in Brazil between 1979 and 2019 We seek a critical dialogue with traditions of macrosocial violence analysis such as the civilizing process anomie and social tension social disorganization and rational choice Based on qualitative and mixed sociological literature we constructed ideal types of violent situations armed criminal groups and social configurations of the world of crime identifying typical protagonists meanings processes and contexts of violence And based on quantitative and mixed criminology we formulate an analytical framework of the systemic motivations constraints and opportunities of violent crime The theoretical framework was mobilized in the macroquantitative and multivariate analysis of intentional homicides in the 558 microregions and 27 States and the Federal District of Brazil as well as studies on the connection between the underreporting of intentional violent deaths and police violence in the States of São Paulo and Rio de Janeiro and on determinants of homicides of young people and women and of short and longterm causes in the metropolitan microregions of Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba and Porto Alegre An adjusted rate of intentional homicides aiming to compensate for underreporting problems was the dependent variable in general whether or not delimited by age or gender Among the independent variables we used the morbid use of psychoactive drugs possession and access to firearms sociodemographic structure growth density or urbanization proportion of men or young people socioeconomic deprivation infant mortality unemployment inequality deprivation of basic sanitation single parenthood low education and public policies public sector per capita expenditure on police deterrence and social support The results underline the complexity of violent crime and question the idea of a civilizing process linked to the state monopoly of legitimate violence highlighting on the contrary the dynamics of illicit markets and the structure of socioeconomic exclusions as the main explanations for the increase in intentional homicides in Brazil KEYWORDS Violence Social Theory Homicide Social Structure Criminality LISTA DE GRÁFICOS FIGURAS Figura 1 Taxas de mortes violentas por intenção indeterminada e de confrontos com a polícia por 100 mil habitantes RJ e SP128 Figura 2 Taxas por 100 mil habitantes de ocorrências de letalidade policial e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo129 Figura 3 Razão entre mortes por intenção indeterminada e por autos de resistência e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo131 Figura 4 Regressões lineares simples entre confrontos policiais seguidos de morte x e mortes violentas por intenção indeterminada por agressão e operações de guerra y RJ 19982018 e SP 19812018133 Figura 5 Números nacionais brasileiras oficiais e ajustados de homicídios intencionais por vários métodos136 Figura 6 Taxas nacionais brasileiras oficiais e ajustadas de homicídios intencionais 137 Figura 7 Subnotificação estimada dos homicídios intencionais por vários métodos 137 Figura 8 taxa ajustada de homicídios intencionais X consumo de psicoativos Brasil 19962018157 Figura 9 taxa de homicídios intencionais X acesso a armas de fogo Brasil 1996 2018158 Figura 10 Taxa de homicídios intencionais X crescimento populacional Brasil 1996 2018159 Figura 11 Taxa de homicídios intencionais e densidade populacional Brasil 1996 2018160 Figura 12 Taxa de homicídios intencionais e mortalidade infantil Brasil 19962018 161 Figura 13 Matriz de correlação entre variáveis explicativas Brasil por microrregião 19962018162 Figura 14 Matriz de correlação entre variáveis independentes metrópoles 1992 2014191 Figura 15 Séries temporais da taxa ajustada de homicídios intencionais de jovens nas metrópoles de Belém1 Fortaleza2 Recife3 Salvador4 Belo Horizonte5 Rio de Janeiro6 São Paulo7 Curitiba8 e Porto Alegre9 19922014194 Figura 16 Regressões bivariadas sobre homicídios de jovens nas metrópoles195 Figura 17 Séries temporais das taxas ajustadas de homicídios de mulheres e feminicídios nas metrópoles brasileiras 19922014226 Figura 18 Taxas ajustadas de assassinatos de mulheres e de homens jovens228 Figura 19 Regressões loglin simples com diversas causas da vitimização letal intencional de mulheres230 Figura 20 Matriz de correlação das variáveis independentes231 Figura 21 Resumo das séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais nas metrópoles brasileiras de Belém 1 Fortaleza 2 Recife 3 Salvador 4 Belo Horizonte 5 Rio de Janeiro 6 São Paulo 7 Curitiba 8 e Porto Alegre 9 entre 1992 e 2018257 Figura 22 Resumo das regressões bivariadas metrópoles brasileiras 19922018 e 1992200120092018258 Figura 23 Matriz de correlação variáveis contemporâneas259 Figura 24 Matriz de correlação variáveis defasadas260 Figura 25 Regressões loglin simples entre indicadores preditivos e taxas ajustadas de homicídios intencionais nos Estados e Distrito Federal 19962019292 Figura 26 Matriz de correlação das variáveis preditivas nos Estados e Distrito Federal293 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1 Resumo das variáveis independentes usadas na Tese34 Quadro 2 Dimensões analíticas da violência criminal68 Quadro 3 Níveis analíticos da violência criminal69 Quadro 4 Mecanismos sociais da violência homicida intencional72 Quadro 5 Situações e atores típicos dos crimes letais intencionais77 Quadro 6 Tipos de organizações criminosas violentas87 Quadro 7 Configurações do mundo do crime nas metrópoles101 Quadro 8 Lista de variáveis e fontes125 Quadro 9 Estatística descritiva RJ 19982018 SP 19812018 59 casos127 Quadro 10 Descrição e fontes das variáveis de interesse do capítulo154 Quadro 11 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 55824 valores ausentes ignorados156 Quadro 12 MQO agrupado usando 12834 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomidicios163 Quadro 13 MQO agrupado usando 12276 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 22 Variável dependente lTxAjHomidicios164 Quadro 14 LAD usando 12834 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios 165 Quadro 15 LAD usando 12276 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios 165 Quadro 16 Variável dependente lTxAjHomidicios166 Quadro 17 Variáveis explicativas da violência criminal nas metrópoles186 Quadro 18 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927193 Quadro 19 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz196 Quadro 20 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz197 Quadro 21 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens198 Quadro 22 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens199 Quadro 23 Estatísticas descritivas metrópoles e vitimização feminina222 Quadro 24 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 923227 Quadro 25 Efeitosfixos usando 207 observações Variável dependente lTxAjFemicidios Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Erros padrão de BeckKatz232 Quadro 26 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjFemicidios Erros padrão de BeckKatz233 Quadro 27 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios234 Quadro 28 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios235 Quadro 29 Descrição e fonte das variáveis metrópoles 19922009 20012018 254 Quadro 30 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 valores ausentes ignorados256 Quadro 31 MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios 19922018 Erros padrão de BeckKatz261 Quadro 32 Estimativas MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios263 Quadro 33 Descrição das variáveis Estados e Distrito Federal289 Quadro 34 Estatísticas Descritivas dos Estados e Distrito Federal 19802019 usando as observações 101 2742 valores ausentes ignorados291 Quadro 35 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz294 Quadro 36 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz295 Quadro 37 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz296 Quadro 38 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz297 Quadro 39 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz298 Quadro 40 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz299 Quadro 41 Estimativas MQO agrupado Variável dependente ltxajhomicidios 300 Quadro 42 Resumo das hipóteses e resultados das variáveis independentes323 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS PM Polícia Militar estadual responsável pelo policiamento ostensivo PC Polícia Civil estadual responsável pela investigação criminal SSP Secretaria Estadual de Segurança Pública CLI Crimes Letais Intencionais DATASUS Sistema de Informações do Ministério da Saúde do Brasil SIMDATASUS Sistema de Informações de Mortalidade subsistema do DATASUS serviço de dados do Ministério da Saúde do Brasil CID9 9ª revisão da Classificação Internacional de Doenças CID10 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEADATA Serviço de gestão tratamento e divulgação de dados do IPEA PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios STN Secretaria do Tesouro Nacional RMDPC Renda média domiciliar per capita Índice Gini Método matemático para a análise da distribuição de um bem qualquer entre uma população no qual o índice varia entre 0 igualdade total da distribuição do recurso e 1 ou 100 apenas um indivíduo concentra todo o recurso em questão PIB Produto Interno Bruto que é a soma de todo valor econômico monetário pro duzido em dada unidade de análise país município estado etc em dado período geralmente um ano PIB per capita Produto Interno Bruto anual dividido pela população residente da unidade de análise em questão MQO OLS Método dos Mínimos Quadrados Ordinários Ordinary Least Squares tam bém conhecido como análise de regressão MQP WLS Mínimos Quadrados Ponderados Weighted Mininum Squares uma forma especial de regressão com dados em painel GLS Generalized Least Squares ou Método de Efeitos Aleatórios para regressão com dados em painel LSDV Least Squares Dummie Variables ou método de Efeitos Fixos para regressão com dados em painel GMMDiff ou GMMSys Generalized Method of Moments Difference ou System método generali zado dos momentos para análise de regressão em painel dinâmico com equações de primeiras diferenças Diff ou de níveis Sys Linlin Regressão linear sem transformação logarítmica das variáveis Loglin Regressão com transformação logarítmica da variável dependente represen tando a relação entre variação linear da variável independente e variação per centual da variável dependente Loglog Regressão com transformação logarítmica das variáveis dependente e inde pendente representando a relação entre as variações percentuais das variá veis independente e dependente ACP Análise de Componentes Principais THI Taxa de Homicídios Intencionais ou seja soma das mortes por agressão e por operações de guerra por 100 mil habitantes TxAjHi Taxa Ajustada de Homicídios Intencionais que acrescente uma proporção das mortes por causas mal definidas e das mortes violentas por intenção indeter minada ao cálculo de homicídios intencionais O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Código de Financiamento 001 This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Finance Code 001 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO19 11 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA19 12 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E DOS OBJETIVOS23 13 METODOLOGIA32 14 ESTRUTURA DA TESE42 2 NÍVEIS E DIMENSÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CRIMINAL ESBOÇO TEÓRICO DE UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA QUANTITATIVA46 21 APRESENTAÇÃO46 22 EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA E ECONOMIA DO CRIME47 23 ESBOÇO DE UMA ABORDAGEM ANALÍTICA51 24 SÍNTESE DO CAPÍTULO72 3 ATORES E CONTEXTOS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA PROPOSTA DE UMA TIPOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS BRASILEIRAS74 31 APRESENTAÇÃO74 32 SITUAÇÕES MOTIVAÇÃO E ENVOLVIMENTO76 33 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS VIOLENTAS85 34 CONFIGURAÇÕES DOS MERCADOS ILÍCITOS99 35 SÍNTESE DO CAPÍTULO103 4 MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA E VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO107 41 APRESENTAÇÃO107 42 DEFINIÇÃO JURÍDICA DA VIOLÊNCIA HOMICIDA109 43 DEFINIÇÃO BIOLÓGICA DA VIOLÊNCIA113 44 AS MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA115 45 VIOLÊNCIA POLICIAL E HOMICÍDIOS DOLOSOS EM SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO118 46 PROBLEMA122 47 METODOLOGIA123 48 RESULTADOS126 49 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS138 410 SÍNTESE DO CAPÍTULO140 5 CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA UMA ANÁLISE DAS MICRORREGIÕES BRASILEIRAS ENTRE 1996 E 2019143 51 APRESENTAÇÃO143 52 DISCUSSÃO TEÓRICA144 53 METODOLOGIA153 54 RESULTADOS155 55 DISCUSSÃO167 56 SÍNTESE DO CAPÍTULO171 6 ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA E HOMICÍDIOS INTENCIONAIS CONTRA JOVENS NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS173 61 APRESENTAÇÃO173 62 OS CONCEITOS DE JUVENTUDE E A SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA174 63 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS184 64 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS192 65 ANÁLISE DOS RESULTADOS199 66 SÍNTESE DO CAPÍTULO206 7 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E ESTRUTURA SOCIAL UMA ANÁLISE DOS DETERMINANTES DA VITIMIZAÇÃO LETAL FEMININA NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS209 71 APRESENTAÇÃO209 72 TEORIA SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER210 73 METODOLOGIA220 74 RESULTADOS226 75 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS235 76 SÍNTESE DO CAPÍTULO239 8 RAÍZES DA VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL CAUSAS DE CURTO E DE LONGO PRAZO DAS TAXAS DE HOMICÍDIOS INTENCIONAIS DAS GRANDES METRÓPOLES BRASILEIRAS ENTRE 2001 E 2018242 81 APRESENTAÇÃO242 82 CAUSAS DA VIOLÊNCIA NO PRESENTE E NO PASSADO243 83 DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS E DO MÉTODO251 84 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS EMPÍRICOS255 85 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS264 86 SÍNTESE DO CAPÍTULO270 9 CRIMINALIDADE VIOLENTA E POLÍTICAS PÚBLICAS O IMPACTO DOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEGURANÇA SOBRE OS HOMICÍDIOS INTENCIONAIS NOS ESTADOS BRASILEIROS273 91 APRESENTAÇÃO273 92 ENTRE A PACIFICAÇÃO CIVIL E A ACUMULAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA 275 93 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A CONSTRUÇÃO DO MODELO286 94 RESULTADOS EMPÍRICOS290 95 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS301 96 SÍNTESE DO CAPÍTULO310 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA TESE313 11 REFERÊNCIAS339 19 1 INTRODUÇÃO Este capítulo como o título nos informa é uma apresentação do projeto e dos principais produtos até agora que constituem esta Tese de Doutorado Primeiramente apresentamos uma exposição do projeto de pesquisa expondo a problemática histórica e teórica dos homicídios intencionais no Brasil os problemas e objetivos a metodologia da pesquisa e um resumo dos principais resultados que se encontram nos capítulos seguintes Buscamos demonstrar a relevância científica e social da pesquisa e justificar as escolhas metodológicas gerais inclusive a opção pelo formato de coletânea de artigos ou multipaper ao invés da tradicional monografia Deixaremos o desenvolvimento da argumentação teórica mais aprofundada e a justificativa das escolhas metodológicas mais específicas para sessões de revisão teórica e de metodologia acrescidas a cada capítulo 11 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA No Brasil das últimas décadas podemos observar o crescimento e consolidação de um fenômeno social massivo com severos impactos humanos econômicos políticos e culturais a criminalidade violenta intencional Como resultado mais visível é fácil apresentar o número de mortos ceifados desde que o Sistema de Informações de Mortalidade SIM foi instituído nacionalmente permitindo uma contagem nacional estadual e municipal de mortes E especialmente das vítimas de mortes violentas por agressão ou por intervenção legal e operações de guerra que ao longo deste trabalho serão tratadas tanto umas quanto as outras como homicídios intencionais A série histórica iniciase em 1979 sendo os dados mais recentes até a presente data os de 2019 Tratamse de ao menos 1628529 pessoas assassinadas E dizemos ao menos porque temos razões para acreditar que o número real pode ser maior superando os 2 milhões conforme evidências e estimativas que serão apresentadas posteriormente ao longo dos capítulos desta Tese especialmente o quarto capítulo Antes de 1979 porém não temos dados sequer subnotificados As raras pesquisas sobre o assunto sugerem que há também um número considerável de 20 mortos por violências dolosas desde os anos 1960 em razão tanto do aumento da criminalidade provavelmente ligada à trajetória socioeconômica do país aumento da desigualdade urbanização acelerada e precária etc quanto do incentivo à violência policial sob o autoritarismo político do regime militar COSENZA 2015 A história anterior do Brasil não está isenta de violência nem em termos relativos mas uma criminalidade violenta massiva difusa e persistente produzindo uma alta letalidade por agressão é muito mais provavelmente um fenômeno das últimas décadas embora seja difícil precisar de quantas sendo razoável localizar a aceleração entre meados da década de 1960 e final dos anos 1970 Outro fenômeno subsequente ao grande crescimento dos homicídios intencionais com certo atraso foi o encarceramento em massa Mais uma vez a repressão não é algo de novo no Brasil e especialmente repressão contra os pobres com graus consideráveis de violência arbitrária tanto física quanto moral Após a Independência e principalmente depois da Abolição a gradual formação de organizações policiais profissionais foi acompanhada da alocação destes funcionários da lei e da ordem para manter a ordem às custas da lei sem economizar no uso da força física especialmente contra pobres e rebeldes O fenômeno do encarceramento em massa foi precedido de 21 anos de ditadura e da continuidade do aparelho policialmilitar expandido e endurecido sob o regime de exceção dos Anos de Chumbo Mas encarcerar em massa sem motivação abertamente política às centenas de milhares de cidadãos anualmente despejando milhões de expresidiários na sociedade ao longo dos anos também parece ser uma novidade histórica Em comum as vítimas dos homicídios intencionais e os aprisionados por crimes têm características típicas são frequentemente homens jovens de baixa ou nenhuma escolaridade se declaram pretos ou pardos e presumidamente são pobres de famílias pobres estando fora ou nas margens do mercado de trabalho BRASIL 2000 2009 e 2015 A conexão com o uso e tráfico de drogas ilícitas está explícito na maioria das prisões e implícito em grande parcela dos assassinatos RIBEIRO COUTO et al 2014 O padrão de vitimização porém exibe uma peculiaridade em comparação com os padrões de encarceramento a maioria dos assassinatos são cometidos com armas de fogo e em vias públicas enquanto os presos por posse ilegal de armas de 21 fogo e por crimes contra a vida são uma minoria em comparação com os detidos pela Lei de Drogas e por crimes contra o patrimônio BRASIL 2015 MINAYO 2009 As ocorrências de homicídios intencionais não se distribuem de maneira aleatória entre a população e o território Pelo contrário têm uma clara tendência à concentração e ao contraste há enormes diferenciais entre Estados da federação grupos de municípios dos mesmos e profunda diferenciação entre áreas dentro dos municípios havendo grupos de bairros com altas e baixas taxas de crimes violentos dentro dos mesmos municípios e discrepâncias análogas nos municípios do mesmo Estado e entre unidades estaduais do país MINAYO 2009 Em geral os homicídios intencionais vitimam os pobres especialmente os jovens entre os pobres e concentramse nos bairros menos afortunados ou seja com moradores de renda e escolaridade mais baixas maior número de desempregados e informais e também com infraestrutura mais pobre Paradoxalmente os homicídios intencionais se concentram nos bairros mais pobres mas não necessariamente dos municípios ou dos grupos de municípios de menor renda Pelo contrário os grandes centros urbanos que são os principais polos econômicos regionais exibem altas taxas de homicídios intencionais Mas se identificase uma grande variação na distribuição espacial das mortes violentas intencionais por outro lado ao longo do tempo dentro de cada unidade territorial as mudanças na incidência relativa de mortalidade por homicídios intencionais tem sido relativamente graduais sendo raros os sobressaltos ZALUAR BARCELLOS 2013 SOUZA SILVA SOUZA 2018 SOARES 2008 SCHABBACH 2016a LIMAet al 2000 FREITAS et al 2000 DUARTE et al 2012 CHAGAS2015 BEATO FILHO 1998 BEATO FILHO et al 2001 BATISTA et al 2016 Para que se tenha uma ideia deste padrão usando dados do DATASUS podemos indicar que das 1628529 vítimas oficiais de mortes por agressão ou intervenção entre 1979 e 2019 354463 eram jovens entre 15 e 29 anos residentes nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Ou seja 2176 da vitimização por agressão e intervenção legal no Brasil se concentram entre os jovens moradores de 9 das 558 microrregiões do Brasil A violência criminal massiva no Brasil adquiriu assim uma feição jovem e urbana 22 A grande maioria dos crimes letais intencionais não são resolvidos pela polícia Entre a minoritária fração dos casos em que há a identificação do culpado pelo crime o agressor típico é similar à vítima típica Dado o padrão de juventude masculinidade baixa escolaridade baixa origem e status socioeconômico e envolvimento com drogas ilícitas entre vítimas de homicídios e suspeitos de crimes inferese que tal grupo acumula desvantagens socioeconômicas e disposições psicossociais que os tornam mais propensos ao envolvimento criminal e mais expostos situações violentas Os dados do encarceramento e condenações além disso sugerem que a participação dos jovens pobres na criminalidade se dá nas franjas mais baixas e arriscada dos mercados ilícitos sobretudo o varejo de drogas ilícitas e a prática de roubos e furtos que podem ser interpretadas por isso como um mercado de trabalho ilegal que é mais aberto para estes jovens pobres que os empregos convencionais RIBEIRO COUTO et al 2014 BRASIL 2009 e 2015 Até aqui usamos a violência como um conceito autoevidente cujo significado é conhecido de imediato por todos A discussão sobre violência na Teoria Social porém tende a problematizar essa pretensa obviedade na medida em que a violência é desdobrada em múltiplos significados havendo violências físicas ou simbólicas que são individuais ou coletivas que são espontâneas ou premeditadas instrumentais ou expressivas desviantes ou legitimas intencionais ou não intencionais ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 MIETHE REGOECZI 2004 Formas extremas massivas e evitáveis de privação material e devastação ambiental que são resultados intencionais ou não da ação humana e capazes de ameaçar ou destruir a subsistência e integridade de indivíduos e grupos são muitas vezes classificadas como violências estruturais ou indiretas GALTUNG 1990 ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 Apesar de a maioria das formulações acerca da violência objetivaestrutural a caracterizar como independente da intencionalidade dos agentes sociais acreditamos que esta não é uma definição precisa já que a caracterização não é aplicada a desastres naturais por exemplo que também podem causar devastação massiva e extrema A violência estrutural ao invés disso poderia ser definida como uma situação na qual privações e desastres com impactos extremos e massivos 23 sobre populações são causadas por ações organizadas e institucionais vistas às vezes como legítimas como atividades administrativas empresariais ou militares que produzem grandes danos colaterais os quais são retoricamente negados e na prática vistos com indiferença pelos poderes e opiniões politicamente dominantes A sutileza da cacterização muitas vezes dificulta o entendimento do fenômeno mas podemos indicar que as violências sejam intencionais e diretas ou estruturais e indiretas produzem o mesmo efeito a anulação da integridade e liberdade dos sujeitos no limite por meio da sua aniquilação física seja por ferimentos inanição exaustão ou envenenamento GALTUNG 1990 ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 Um homicídio intencional certamente se encaixa em uma definição estrita da violência individual intencional e física além de geralmente desviante e ilegítima Um padrão massivo e persistente de homicídios intencionais atingindo desigualmente as divisões de classe de geração e de etnia de uma sociedade e ensejando uma fraca reação políticoinstitucional contrária poderia porém ser caracterizado apenas como uma mera soma das violências individuais E este padrão estruturado de vitimização inversamente poderia ser explicado apenas como expressão da violência estruturalobjetiva se o que observamos é a agregação de crimes intencionais fragmentários e cometidos por razões particulares dos agentes em situações que mais se assemelham entre si do que se conectam diretamente A criminalidade violenta intencional pode ser considerada um fenômeno intermediário que possui condições estruturadas objetivamente e que influenciam a sua incidência mas que é realizada intencionalmente por indivíduos que agridem outros indivíduos individualmente ou em grupo Por isso apesar de reconhecermos a pertinência do conceito de violência estrutural utilizaremos nesta Tese mortes violentas como sinônimo de mortes por causas externas 12 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E DOS OBJETIVOS Um homicídio intencional é uma ação social objetivamente situada ou seja é definido pela convergência espaçotemporal entre um ou mais agentes motivados 24 uma ou mais vítimas desprotegidas e ainda pela ausência de obstáculos eficazes para impedir a consumação da agressão e do seu desfecho letal Os agentes dos homicídios intencionais podem ter uma variedade de motivos para matar e a explicação para a motivação por crenças e atitudes formadas anteriormente é uma questão central nas teorias sociológicas da violência criminal MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 A convergência com a vítima e a ausência de obstáculos sejam físicos sejam sociais e picossociais controles formais e informais são também questões centrais da análise sociológica da violência COHEN FELSON 2006 A soma dos homicídios intencionais de um contexto históricogeográfico é um fenômeno que sendo uma agregação de eventos singulares é dotado de regularidades sociais Apesar da imensa variedade de manifestações singulares os homicídios intencionais assumem padrões estatísticos marcantes quando observados em conjunto em nível agregado e macrossocial Em suma o objeto desta pesquisa são os padrões de variação do nível agregado de homicídios intencionais entre unidades de agregação locais e temporais Estamos em busca não só de descrever estas regularidades coletivas como tendências de variação ao longo do tempo e entre regiões como ainda de explicar ao menos uma parcela da variação da incidência da violência letal dolosa entre os diversos contextos e em função de estruturas sociais socioeconômicas e sociodemográficas Admitimos assim que a soma e proporção agregada dos homicídios intencionais chamemolos por convenção e por comodidade de taxas por 100 mil habitantes ou apenas taxas variam entre os lugares e os tempos e que esta incidência variável não está totalmente separada da intencionalidade dos homicidas nem se confunde com as motivações subjetivas Pressupomos com base na teoria macrosociológica e macrocriminológica que os homicídios intencionais são explicáveis por contextos e processos sociais que também possuem padrões coletivos e mensuráveis que são características emergentes não inteiramente separáveis nem plenamente redutíveis às partes componentes Tratase enfim da ideia de que há uma causalidade estrutural dos homicídios intencionais a configurações macrossociais correspondem alterações aproximadas nas taxas mais ou menos altas de homicídios intencionais Dizendo de outra 25 maneira a causalidade é estrutural e probabilística e é assim porque não podemos conhecer a totalidade dos fatores que determinam um curso de ação porque todas as informações sobre as variáveis possuem suas próprias margens de erro de medida e talvez porque a intencionalidade humana individual guarde algo de avesso à total modelização coletiva Buscamos então a análise da causalidade probabilística entre condições sociais estruturais e a incidência das taxas de homicídios intencionais considerando as condições e os resultados fenômenos coletivos e objetivos mas que têm a sua conexão mediada pelas disposições subjetivas dos agentes Tratase de uma análise macrossociológica das mortes violentas intencionais processos causais relacionados a um contexto amplo de uma microrregião ou Estado impactam as interações sociais ao impor certos constrangimentos e instrumentos para os atores de maneira que coíbem ou estimulam ações violentas sendo a taxa de homicídios intencionais um resultado agregado e como tal possuidor de características relativamente regulares que nos permitem a construção de uma análise estrutural Dialogamos dessa maneira com perspectivas que afirmam ou negam que o nível agregado de criminalidade violenta assim como o envolvimento individual em situações violentas responde a diversos processos macrossociais os quais muitas vezes se sobrepõem e entrelaçam tornando extremamente difícil a predição e prevenção da violência homicida Ao longo do tempo têm sido propostas inúmeras teorias sociais explicativas que podemos agrupar em algumas tradições de pesquisa e realizados numerosos testes empíricos de maior ou menor qualidade para aferir a validade empírica destas formulações teóricas Os testes são muitas vezes dificultados pela escassez fragmentação ou inadequação dos indicadores e dados disponíveis tanto a nível macro quanto a nível microssocial No sentido mais fraco da conexão entre estruturas sociais e criminalidade a ideia de que a incidência de crimes violentos se liga ao contexto socioeconômico é tautológica pois toda ação social ocorre dentro de uma situação objetiva A conexão do tipo associação é descritiva indicando que as violências observadas acontecem naquelas condições estruturadas que podem ou não ter conexão causal direta ou indireta com os eventos criminais violentos A recorrência de certos atos violentos 26 em alguns tipos de contexto socioeconômico em oposição à sua raridade em outros tipos poderia ser tomada como uma conexão de sentido que passa por mecanismos sociais diversos sempre dependentes das atribuições de sentido dos atores e relações entre eles Tal perspectiva é mais comum em estudos de caso orientados por métodos qualitativos e perspectiva fenomenológica Indo mais além no sentido forte da conexão entre estruturas sociais e criminalidade a hipótese é que as condições socioeconômicas possuem efeitos sobre a incidência de eventos violentos como assassinatos confrontos estupros e roubos por meio de processos causais que guardam uma conexão direta ou indireta com as mesmas condições socioeconômicas sendo a associação empírica interpretada como uma evidência de causalidade mediada por mecanismos sociais ainda que passem pelas disposições subjetivas dos atores envolvidos nos eventos violentos Em outras palavras da mesma forma que a situação objetiva é interpretada pelos agentes sociais no decurso das suas ações e escolhas as próprias preferências crenças e capacidades subjetivas dos agentes sociais seriam influenciadas pelas situações objetivas principalmente ao influir na formação de trajetórias individuais e coletivas Esta concepção é mais ligada às análises quantitativas e às qualitativas comparadas Ao perguntar se e quais determinantes estruturais explicam a variação das taxas de homicídios intencionais entre os contextos sociais procuramos verificar hipóteses relativas ao sentido forte do nexo entre estrutura sociais e violência criminal Ainda que pressupondo as ações violentas potencialmente letais como dotadas de um sentido subjetivo para os agentes não descuidamos do fato de que a situação objetiva derivada dos processos de produção e distribuição de recursos estrutura condições que constrangem e viabilizam alguns cursos de ação em detrimento de outros A estas situações objetivas os agentes respondem de diferentes maneiras entre elas as violentas Estas condições são marcadamente desiguais variando em função da posição social objetiva do agente na estrutura de classe gênero e status Ademais as estruturas de oportunidades disponíveis para os atores sociais são diferenciadas em outro sentido algumas são legítimas e legais outras não Dessa 27 maneira a narrativa que os agentes fazem do seu próprio contexto ação e resultados não necessariamente corresponde à explicação objetivamente válida embora esta mesma percepção deva ser considerada como um mecanismo interveniente no processo causal em questão Mesmo um estudo macroquantitativo deve pressupor algumas formas típicas de motivação e percepção para explicar porque uma fração dos agentes sociais reagiram a alterações no contexto social amplo da maneira que produziu os resultados observados em escala agregada Esta linha de argumentação não é a mais comum nas ciências sociais brasileiras nas quais são mais frequentes a perspectiva ideográfica e o rechaço aos métodos quantitativos e generalizações CANO 2012 Os estudos sociológicos da criminalidade não tem sido uma exceção Segundo Alex Niche Teixeira e Ludmila Ribeiro 2017 a literatura de sociologia da violência segurança pública e criminalização no Brasil tem um caráter predominantemente ideográfico centrado em estudos de caso etnográficos com poucas análises comparativas e quantificação Este trabalho busca preencher essa lacuna ao mesmo tempo aproveitando da acumulação de estudos qualitativos e locais como fontes secundárias para análises comparativas e dos bancos de dados da saúde economia e demografia para combinar cortes longitudinais e transversais em painéis de dados De maneira geral a safra de estudos qualitativos podem nos sugerir hipóteses e interpretações causais para as análises quantitativas e posteriormente podem ser utilizadas como aprofundamento sobretudo nos casos desviantes A análise desenvolvida nesta Tese pretende por isso ter um alcance mais amplo de generalização ainda que de caráter probabilístico beneficiandose da acumulação de estudos parciais e locais e da acumulação de grandes levantamentos e bancos de dados estatísticos macroeconômicos sociodemográficos e epidemiológicos mas buscando superar a sua fragmentação e muitas vezes unilateralidade em uma análise multicausal longitudinal e comparativa como contribuição para a identificação de mecanismos sociais que produzem a criminalidade letal intencional que observamos ao longo de décadasno Brasil Dessa maneira queremos responder à pergunta por que a razão entre o 28 número de homicídios intencionais e a população residente taxa de homicídios intencionais varia entre lugares e períodos As condições sociais estruturais explicam a variação espaçotemporal do nível de crimes letais intencionais e por quais mecanismos causais As taxas de homicídios intencionais respondem a alterações nas condições sistêmicas socioeconômicodemográficas e em qual sentido O projeto de pesquisa sociológica cujos produtos são apresentados nos capítulos subsequentes teve como objeto principal os macrodeterminantes das taxas de homicídios intencionais entre as microrregiões brasileiras e ao longo do tempo O propósito foi testar hipóteses relativas à causalidade entre estruturas sociais e níveis agregados de mortalidade por homicídios intencionais que são considerados um evento em si mesmo como também um proxy da criminalidade violenta Como tal os estudos se baseiam em tradições teóricas da Sociologia e da Criminologia que postulam impactos de mecanismos sociais que operam ou são correlatos a processos em nível macrossocial Em termos metodológicos a estrutura social é concebida como um sistema de múltiplas variáveis socioeconômicas e sociodemográficas formando uma configuração da violência que se traduz em taxas variáveis de homicídios intencionais no tempo e no espaço A criminalidade violenta nesta perspectiva não é meramente uma soma de ações individuais que resulta em números e taxas mas um comportamento coletivo e interativo que perpassa redes de relações sociais diversas sendo a taxa agregada de homicídios intencionais uma medida indireta da prevalência de disposições violentas que se constituem em certos contextos e ao longo do tempo e se expressa de acordo com pressões e canais estruturados em certo momento e lugar Conforme dissemos anteriormente os dados do DATASUS revelam que o número de homicídios intencionais acumulados entre 1979 e 2019 no Brasil supera 16 milhão As características agregadas dos homicídios intencionais se mostram bastante regulares com um padrão de incidência nítida sobre algumas camadas socioeconômicas e sociodemográficas predomínio de vitimização masculina jovem pobre não branca menos escolarizada em alguns tipos de territórios grandes centros urbanos e bairros mais pobres dos municípios além de características 29 situacionais como o tipo de local via pública residência ou local de trabalho e os instrumentos armas de fogo armas perfurocortantes e contundentes Porém quando as vítimas são mulheres a frequência de agressões com facas e outras armas brancas e no espaço doméstico aumenta com maior dispersão da idade da vítima mas mantendo características socioeconômicas Quando tratase da frequência em áreas de grande população a tendência é a variação gradual sendo raras as mudanças abruptas de um ano para o outro SOARES 2008 Ao nosso ver estes padrões não têm sido analisados detidamente em função do predomínio do ideografismo como perspectiva epistemológica A consideração pelo caráter altamente estruturado da criminalidade letal intencional no Brasil exigiria um tipo de análise quantitativa comparativa e mista As pesquisas quantitativas têm sido feitas principalmente por economistas e epidemiólogos que se dedicaram ao assunto mas com honrosas exceções a sociologia tem produzido estudos de caso qualitativos com abordagem interpretativista pouco dialogando com as análises quantitativas produzidas internacionalmente ou por outras disciplinas um não debate que é retribuído na mesma moeda Mesmo se restringindo aos métodos qualitativos a acumulação de estudos de casos até agora pouco tem levado à construção de tipologias e modelos ainda que alguns tipos sejam utilizados implicitamente em geral derivados de categorias nativas incluindo narrativas jornalísticas e políticas facções e milícias assassinatos banaispassionais e ligados ao tráfico por exemplo Construção de tipologias teorização sobre mecanismos causais e tradução de proposições qualitativas em modelos quantitativos são contribuições que pretendemos avançar nesta pesquisa como esperamos que fique demonstrado pela leitura dos capítulos Dessa maneira ao par do problema e objetivo centrais de explicar a variação da taxa de homicídios intencionais entre locais microrregiões e estados e períodos anuais no Brasil temos ainda alguns objetivos e questionamentos específicos O primeiro deles é elaborar uma abordagem multicausal dos crimes letais intencionais levando em conta os níveis e dimensões estruturais do fenômeno e seus fundamentos nas situações organizações e configurações da criminalidade violenta O segundo é avaliar a própria construção da categoria teórica e empírica de 30 homicídio intencional sua conexão com o conceito de violência em suas definições jurídicas e biológicas e com os procedimentos administrativos que formam o dado ora analisado O terceiro é a análise de algumas categorias de macrodeterminantes e seus efeitos específicos sobre os homicídios intencionais por meio de mecanismos de tensão social oportunidade criminal e desorganização social os mercados de consumo e de trabalho o consumo mórbido de psicoativos a posse de armas de fogo a estrutura sociodemográfica crescimento densidade e composição populacionais e variadas formas de apoio controle e exclusão socioeconômicas gastos públicos assistência social segurança pública escolaridade desemprego desigualdade serviços básicos de saneamento coesão familiar etc O quarto é analisar os efeitos dos macrodeterminantes postulados sobre homicídios intencionais de jovens e de mulheres bem como as causas de longo prazo da violência criminal nas metrópoles O quinto é distinguir os efeitos do gasto público sobre a criminalidade violenta por tipo diferencial de intervenção estatal ligandoos a mecanismos institucionais de dissuasão policial ou de apoio social público A hipótese que guiou esta pesquisa foi no sentido de verificar as predições consistentes com os postulados teóricos Esperávamos que maior presença de armas e maior consumo de psicoativos levasse a maior violência As armas de fogo são eficientes tecnologias da violência como as definiu Currie 1997 e por isso a sua disponibilidade facilitaria a prática do homicídio O consumo de drogas e álcool causaria violências letais por meio dos efeitos dos psicoativos na consciência exacerbando emoções intensas que poderiam levar a conflitos interpessoais violentos e causando dependência química que motivaria crimes aquisitivos como roubos furtos extorsão tráfico e contrabando etc Por meio dos crimes aquisitivos também atuariam em parte as condições socioeconômicas gerais no curto prazo como o desemprego e a desigualdade de renda levando à prática de crimes motivados pela comparação entre oportunidades lícitas trabalho e ilícitas crimes aquisitivos levando o ator a optar pelas segundas quando considerasse as primeiras pouco atraentes Grandes centros urbanos poderiam favorecer ainda mais a prática criminal devido à maior chance de contato e oportunidades criminais 31 devido à grande aglomeração e circulação de pessoas e riquezas móveis Por outro lado enquanto o acesso a armas de fogo facilitaria o crime violento a ação policial poderia reduzir a criminalidade por meio da dissuasão e incapacitação passando a mensagem de que o crime não compensa por meio da certeza da punição A renda por isso teria efeitos nulos de um lado criaria maiores oportunidades para os crimes aquisitivos e por outro maior renda do trabalho e mais dinheiro arrecadado pelo Estado que poderia gastar mais em segurança pública e assistência social Estas hipóteses se referem ao conceito de fatores facilitadores e recompensadores do crime relevando a dimensão oportunista da criminalidade violenta BECKER 1968 CLARKE 1980 COHEN FELSON 2006 AKERS 1990 MIETHE REGOETZE 2004 CERQUEIRA 2010 FRANCO 2016 CLEMENTE WELTERS 2007 CURRIE 1997 ROSENFELD 2009 COOK 1979 GOLDSTEIN 1985 BEATO FILHO 1998 MISSE 2019 Mas supomos ainda que as condições materiais em especial aquelas que representam formas de exclusão privação ou desvantagem socioeconômicas teriam ainda efeitos indiretos ao gerar sentimentos de frustração pessoal e de esvaziamento das considerações morais potencializadas por uma ordem institucional na qual o sucesso financeiro é o princípio legítimo dominante da ação social A comparação subjetiva entre oportunidades legítimas e ilegítimas entre a busca por um trabalho convencional ou a prática de crimes aquisitivos seria desprovida de critérios morais visando apenas a avaliação de qual poderia propiciar maior renda no menor prazo e com menor esforço Ao mesmo tempo condutas como violências expressivas e uso mórbido de psicoativos poderiam ser procurados por si mesmas como formas de aliviar sofrimentos ou dar vazão a valores tradicionais A motivação criminal violenta poderia ser por isso a busca por meios ilegais para obter resultados que são convencionalmente valorizados como o sucesso financeiro e o consumo individuais a masculinidade ou por meios ilegais para obter satisfações compensatórias para frustrações causadas pela impossibilidade objetiva de obter estes bens socialmente válidos Por isso não é só a presença de fatores que facilitam ou recompensam as práticas ilícitas que devem ser consideradas para explicar a criminalidade mas também os fatores que restringem ou dificultam o acesso a oportunidades legítimas para obter o sucesso 32 desejado e apoios sociais para lidar com as frustrações psicossociais Um desdobramento importante quanto aos últimos é que a privação pode ser relativa ou seja frustrante se comparada com outra situação mais favorável e almejada seja ela percebida no topo da pirâmide social na média ou até mesmo recebida por meio da publicidade comercial Enquanto as oportunidades legítimas estariam ligadas ao mercado de trabalho os apoios sociais poderiam ser propiciados pelas famílias ou pelo Estado MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 e 2015 AGNEW et al 2008 CURRIE 1997 e 2015 PASSAS 1997 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 ROSENFELD 2009 CULLEN 1995 GOLDSTEIN 1985 RIBEIRO CANO 2016 MISSE 2019 Por fim a estrutura sociodemográfica teria efeitos sobre a violência criminal na medida em que por meio da promoção da fragmentação sociocultural e das oportunidades criminais o crescimento densidade e proporção de homens jovens na população causariam o aumento dos homicídios intencionais O crescimento e adensamento populacionais acelerados ligados à urbanização criariam contextos de esvaziamento normativo nos quais os laços sociais dos indivíduos com suas famílias e comunidades seriam frágeis Assim o controle e apoio recíproco entre os atores sociais mediado pelos seus laços sociais seriam ineficazes Inversamente uma rede adensada de laços sociais contribuiria para fortalecer o controle comunitário e moral resultando em baixa incidência de práticas violentas e criminais Esta dimensão do controle social é menos voltada para explicar porque os crimes e violências ocorrem e mais para compreender porque deixam de ocorrer mesmo quando há condições facilitadoras e indutoras para a criminalidade SHAW MCKAY 1942 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 CULLEN 1995 CURRIE 1997 e 2015 LYNCH BOGGESS 2016 KUBRIN WEITZER 2003 KUBRIN WO 2016 MISSE 2019 13 METODOLOGIA Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa tem propósitos de descrição comparação e de interpretação causal das variáveis socioeconômicas demográficas e de mortalidade violenta utilizando tanto fontes primárias quanto 33 secundárias A construção da metodologia orientouse por uma filosofia crítico realista que considera a realidade social como estruturada por mecanismos processos e relações com força causal e que os eventos observáveis são produzidos pelos mecanismos sociais ou seja por processos causais subjacentes que não são diretamente observáveis mas são inferidos por meio de modelos e evidências A orientação epistemológica e ontológica do realismo crítico não permite uma prevalência dos métodos quantitativos ou qualitativos mas é favorável ao diálogo e combinação assim como à interdisciplinaridade BASKHAR 2014 HAMLIN 2000 Neste sentido apresentamos uma discussão com a literatura quantitativa predominante sobre a violência no Brasil que é a da epidemiologia da violência e da economia do crime abordagens que possuem peculiaridades que as distanciam e aproximam das teorias sociológicas e políticas da violência e da criminalidade A partir de então formulamos uma proposta de abordagem sociológica quantitativa baseada em níveis individual comunitário e sistêmico e dimensões motivação constrangimento e instrumental da criminalidade violenta Buscamos também uma apropriação da literatura qualitativa abundante na sociologia história e antropologia como também das literaturas de testemunho que não são análises acadêmicas mas obras de cunho literário e memorialístico escritas por autores testemunharam ou participaram diretamente dos cenários da violência criminal prisões investigações criminais bairros de alta concentração de violência A partir destes estudos e testemunhos tentamos formular tipos ideais abrangendo as situações violentas organizações criminosas armadas e as configurações do mundo do crime A tipologia qualitativa e o framework quantitativo conversam entre si e se complementam pois os tipos descrevem possíveis mecanismos causais mediados por conexões de sentido disposicional As tipologias abrangem elementos de motivação controle e oportunidade na composição de situações violentas organizações armadas e mundos do crime violento Para a construção das análises multivariadas foi preciso fazer da necessidade uma virtude Um desafio foi identificar as fontes de dados disponíveis com as respectivas variáveis que poderiam ser usadas ou derivadas dos dados e organizar de uma maneira que correspondesse aproximadamente às hipóteses 34 teóricas O Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde produz dados regulares de mortalidade e morbidade por meio da qual foi possível construir tanto a variável dependente principal a taxa de homicídios intencionais quanto algumas variáveis explicativas Já para as análises das microrregiões metropolitanas e dos Estados e Distrito Federal foi possível utilizar outras fontes de dados disponibilizadas pelo IBGE e IPEA Quadro 1 Resumo das variáveis independentes usadas na Tese Variável Relevância Metodologia Fontes Consumo mórbido de drogas O uso de psicoativos teria ligação com a dinâmica situacional da violência pela exacerbação de emoções e o vício seria motivador de crimes aquisitivos aos quais os usuários recorrem para adquirir a substância e ainda à violência do tráfico de drogas ilícitas conflitos entre gangues execução de usuários endividados repressão policial ao tráfico e uso etc Proporção de mortes por consumo de álcool cocainoides canabinóides e alucinógenos por 1 milhão de habitantes SIM DATASUS e estimativa populacional do IBGE Posse domiciliar de armas de fogo A posse domiciliar de armas de fogo teria efeito na dinâmica situacional aumentando a letalidade da violência Percentual de suicídios que são cometidos com armas de fogo sobre o total SIM DATASUS Acesso a armas de fogo O acesso a armas de fogo e munições incluindo a posse domiciliar e o contrabando de armas e munições estaria associado à violência sistêmica dos mercados ilícitos e à dinâmica situacional da violência Média entre a razão de suicídios por armas de fogo suicídioPAFSuicídio s e a razão de homicídios por arma de fogo agressões PAFAgressões SIM DATASUS Mortalidade infantil A mortalidade infantil funcionou como uma proxy de exclusão social multidimensional pois análises anteriores demonstraram sua ligação com a desigualdade desemprego baixa escolaridade da mãe eficácia de serviços assistenciais e educativos acesso ao saneamento básico e taxa de fecundidade feminina A exclusão socioeconômica por sua vez atua na formação de disposições e vulnerabilidades à violência tendo efeito decisivo tanto individual pois aqueles que são marginalizados simbólica e economicamente costumam ser os mais atingidos pela violência quanto efeitos coletivos na medida em que uma estrutura social excludente fragmentaria e romperia os laços apoios e controles sociais que inibiriam o envolvimento criminal mortes de crianças menores de 1 ano por mil nascidos vivos SIM DATASUS 35 Variável Relevância Metodologia Fontes Crescimento populacional O crescimento populacional seria um fator de desorganização social pois os imigrantes vindos de diversas origens culturais não teriam laços entre si e nem com a comunidade de chegada gerando fragmentação sociocultural além de sobrecarregar os serviços publicos e os mercados de trabalho e habitacao razão percentual entre a população do ano e a de 1 5 ou 10 anos antes Estimativas populacionai s do IBGE Densidade populacional Uma proxy para urbanização o que segundo a teoria da desorganização social também seria um fator de fragmentação social na medida em que as grandes cidades ensejariam a o anonimato e o individualismo formando um contexto propício ao crime população residente por quilômetro quadrado Estimativas populacionai s do IBGE compilação das áreas das microrregiõe s em 2018 pelo IPEADATA com dados do IBGE Renda media domiciliar per capita É uma proxy do mercado consumidor interno local o que implicaria em maiores oportunidades criminais sendo a tradição utilitarista como também maior capacidade de gasto em políticas públicas de controle do crime violento media entre a media de renda dos moradores de cada domicilio Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desigualdade de renda domiciliar A desigualdade econômica está associada a estruturas de privação relativa e absoluta uma fonte de tensão social que pode motivar a violência criminal Índice Gini de renda domiciliar per capita Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desigualdade de renda por gênero Discriminação e privação de oportunidades e apoios contra mulheres se expressa em desigualdade de renda domiciliar entre homens e mulheres Razão percentual da renda média domiciliar per capita dos homens pela das mulheres Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desemprego seria um indicador da ausência ou bloqueio de oportunidades legítimas o que segundo a teoria da tensão social seria uma fonte de frustração subjetiva sob pressão por sucesso e consumo individual que poderia levar à busca por meios ilícitos e violentos de obter os retornos econômicos e simbólicos desejados e inversamente segundo a teoria do controle social um emprego remunerado legítimo seria uma escora de laços sociais que seriam preventivos do crime Percentual da população maior de 16 anos que não tem emprego remunerado mas está buscando um Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE 36 Variável Relevância Metodologia Fontes Desigualdade laboral de gênero Foi usado como uma medida de discriminação de gênero pois valores machistas que motivam a exclusão de oportunidades de trabalho podem muito bem motivar agressões contra mulheres Razão percentual entre a taxa de desemprego feminina e a masculina Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Monoparentali dade seria agravante da criminalidade violenta segundo as teorias do controle e do apoio social pela sobrecarga da figura materna como única responsável pelo sustento e educação dos filhos que teriam assim menos apoio social e autocontrole o que os tornaria mais propensos ao envolvimento criminal Percentual de famílias cuja pessoa de referência é do sexo feminino Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Urbanização segundo a teoria da desorganização social a urbanização seria um fator de fragmentação social na medida em que as grandes cidades ensejariam a o anonimato e o individualismo formando um contexto propício ao crime similar à densidade populacional proporção de pessoas vivendo em domicílios de áreas urbanas ou de sedes de municípios sobre o total Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Homens por mulher e proporção de jovens ou de homens jovens o peso demográfico das faixas etárias e dos gêneros dentro da população é importante porque conforme já mencionado anteriormente a vitimização e autoria criminal violenta não se distribuem aleatoriamente na população tendo ao contrário uma notória concentração entre homens e jovens e por isso a proporção por gênero e idade funcionaria como variável de controle Razão entre população residente masculina e feminina razão entre população residente com idade entre 15 e 29 anos sobre o total Estimativas populacionai s do IBGE com dados do PNAD e Censo acesso a água encanada acesso ao esgotamento sanitário o acesso a serviços de distribuição de água encanada e coleta de esgoto seriam medidas da capacidade fiscal e administrativa e da vontade política do Estado para universalizar serviços básicos o que segundo as teorias do apoiotensão sociais reduziria a violência criminal Razão entre população residente em domicílios que possuem e que não possuem ligação com a rede de água ou dispositivo de saneamento básico fossa sanitária ou ligação com a rede de esgoto Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE escolaridade a escolaridade obtida pelo número médio de anos de estudo resultaria de uma ampliação das oportunidades educacionais por meio do investimento social público o que segundo teorias da tensão e apoio sociais resultariam em menor violência criminal por meio da democratização das oportunidades de trabalho mediadas pela educação da formação de laços sociais entre alunos e professores e da Número médio de anos de estudo na educação formal Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE 37 Variável Relevância Metodologia Fontes maior quantidade e qualidade da informação acessível aos pais permitindolhes maior competência na criação dos filhos Razão entre escolaridade masculina e feminina Medida de acesso diferencial por gênero a oportunidades e apoio educacionais Razão percentual entre escolaridade média masculina e feminina Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Setor público per capita a presença socioeconômica do Estado teria efeitos de redução do crime violento ao permitir que a administração pública empregue mais pessoal e recursos para reprimir dissuasão penal e prevenir apoio social o crime violento Valor adicionado per capita pelo setor público incluindo salário dos servidores consumo dos órgãos públicos transferências previdenciárias e assistenciais e resultado líquido das empresas públicas Cálculo de Contas Nacionais do IPEADATA com dados do IBGE Despesa em segurança pública A despesa em segurança pública é um indicador de capacidade de dissuasão penal pois representa o gasto com pessoal e equipamentos usados pelas forças policiais municipais e estaduais Despesa pública estadual e municipal em segurança pública por habitante IPEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional STN Despesa em previdência e assistência social o apoio social público contribuiria para reduzir a criminalidade violenta ao contraporse às pressões do mercado de trabalho sobre famílias e jovens socialmente vulneráveis encorajando condutas prósociais mediando o acesso a oportunidades legítimas e amenizando os fatores de tensão e desorganização sociais Despesa pública estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais IPEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional STN Fonte Elaboração própria Sobre as unidades de análise todos os modelos utilizaram o ano como unidade de tempo e a maioria usou a microrregião como unidade territorial mas alguns utilizaram Estados Isso variou muito em função da disponibilidade de dados Em geral para o conjunto das microrregiões apenas dados demográficos e epidemiológicos estavam disponíveis enquanto para os indicadores 38 socioeconômicos renda emprego escolaridade etc haviam dados das microrregiões metropolitanas e Estados e para as finanças públicas haviam dados municipais e estaduais A microrregião ainda possui uma vantagem adicional para a análise que é controlar razoavelmente a dependência espacial das taxas de homicídios intencionais entre os municípios próximos entre si especialmente quando se tratam de microrregiões altamente densas e urbanizadas geralmente em torno das capitais estaduais Utilizando municípios seria necessário controlar por algum procedimento muitas vezes complicado a autocorrelação especial entre as taxas de homicídios intencionais dos municípios enquanto no nível microrregional este controle já está dado na própria unidade geodemográfica Ao lado de análises para o conjunto das microrregiões realizamos algumas das metrópoles de Belém Recife Fortaleza Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre que são pesquisadas por meio do PNADanual desde 1992 pelo IBGE o que permitiu alongar um pouco mais as séries temporais Por outro lado não foi possível agregar dados municipais de finanças públicas em microrregiões dada a criação ou extinção de municípios ao longo do tempo e outras dificuldades operacionais e de capacidade de processamento dos computadores disponíveis para tanto Por isso a ação do Estado nas microrregiões foi simplesmente suposta como abrangendo dissuasão policial regulação socieoconômica e apoio social público mas logo a contribuição relativa de cada tipo de ação pública entrou no radar da pesquisa Em parte a atuação estatal foi interpretada indiretamente a partir da escolaridade e do acesso à rede geral de água ou esgotamento por meio dos quais é possível inferir efeitos sociais acumulados da intervenção estatal e por meio do valor adicionado per capita do setor público a presença socioeconômica relativa do Estado na vida da população Quando utilizamos como variável a despesa primária pública per capita total ou subdividida por função segurança ou assistência a medida da qualidade da despesa pública foi simplesmente considerada como em parte aleatória e em parte controlada pelas demais variáveis do modelo supondo que um setor público mais eficiente conseguiria propiciar maior acesso ao saneamento básico e à escolaridade melhor tratamento de drogadição e controle de 39 armas de fogo combate mais eficaz ao desemprego etc Supondo a qualidade do gasto público controlada ou aleatória seu aumento deveria reduzir a taxa de homicídios intencionais por meio tanto da dissuasão policial dos criminosos quanto da promoção de oportunidades e apoios legítimos reduzindo a vulnerabilidade social Além disso o balanço entre dissuasão policial medida pelo gasto estadual e municipal per capita em segurança pública e política social focada em crianças e jovens medida pelo gasto estadual e municipal per capita em educação e cultura foi endereçado apenas a nível estadual com resultados em parte inesperados A construção de modelos foi essencial e abrangeu todos os capítulos da Tese Acreditamos que esta é uma das principais tarefas das ciências sociais na medida em que o modelo serve de ponte entre a Teoria Social muitas vezes formulada de maneira muito abstrata e a observação empírica que muitas vezes pode ter uma relação muito indireta com os conceitos teóricos A construção de modelos também auxilia na verificação de hipóteses que podem ser corroboradas ou rechaçadas permitindo a acumulação de conhecimento e pode ser direcionada a dados qualitativos quantitativos ou ambos Modelos serviram para articular ideias teóricas ou tipificar ações e contextos como também fazer a conexão entre as variáveis Falando especificamente dos modelos quantitativos utilizamos técnicas descritivas bivariadas e multivariadas O destaque certamente está nos modelos de regressão multivariada que permitem a mensuração e validação de efeitos médios de uma variável preditiva ou independente sobre uma variávelresposta ou dependente mantendo as demais constantes A importância destes modelos de regressão multivariada e não falamos apenas do tradicional método de mínimos quadrados ordinários foi que atualmente é praticamente consensual na criminologia e sociologia da violência que o crime e o homicídio intencional não é exceção à regra é um fenômeno com múltiplas causas exigindo o uso de teorias integradas ou complementares entre si para a sua explicação e análise Além disso alguns mecanismos causais só fazem sentido junto aos resultados quando se considera a cláusula ceteris paribus ou seja que as demais variáveis permaneçam constantes Por exemplo impactos de mecanismos como de privação relativa e de oportunidade criminal só se verificam na regressão multivariada quando constatamos ao mesmo tempo um efeito positivo e 40 significativo da renda média domiciliar per capita e do desemprego sobre os homicídios intencionais com um efeito negativo e positivo do valor adicionado per capita do setor público e da escolaridade média Isso significa que há uma interação entre bloqueio de oportunidades no mercado de trabalho e ampliação do mercado consumidor o primeiro criando tensão social entre os grupos mais expostos ao dessubemprego e o segundo gerando oportunidades criminais pela maior circulação de riqueza retorno médio dos crimes aquisitivos como tráfico roubo e extorsão o que produz uma estrutura de oportunidades diferenciais favorável à violência criminal Em tal contexto a ampliação da escolaridade e da ação pública podem ter efeitos inibidores da criminalidade violenta por meio do fortalecimento de instituições de controle e apoio social com efeitos indiretos sobre a socialização familiar via escolaridade dos pais e mercado de trabalho por um certo nivelamento de oportunidades mediadas pela escolarização bem como da redução da dependência do mercado pela oferta direta de serviços públicos inclusive de segurança e acesso à justiça Estes mecanismos diferenciais não são capturados na análise bivariada por causa da correlação entre as variáveis o que gera até efeitos bizarros e inesperados como um efeito positivo da escolaridade sobre homicídios intencionais o que é revertido quando testada em conjunto com outros fatores Utilizamos testes para a seleção de modelos mais adequados como teste de BreuschPagan para decidir entre os Mínimos Quadrados Ordinários e Efeitos Fixos ou Aleatórios e o teste de Hausmann para decidir entre Efeitos Fixos e Aleatórios além de testes de AR 1 e AR2 para decidir pelo uso ou não de painéis dinâmicos e testes de sobreajuste dinâmico para decidir se o método generalizado dos momentos produziu resultados aproveitáveis A seleção de variáveis em geral seguiu a pertinência teórica mas em muitos casos haviam hipóteses que poderiam ser ligadas a mais de uma variável ou que se referiam como exemplificado acima aos efeitos de uma mantendo algumas outras constantes e ainda havia o problema da multicolinearidade entre as variáveis explicativas Às vezes foi necessário usar o que havia mas no caso das metrópoles a análise de componentes principais foi usada para auxiliar na escolha das proxies evitando problemas graves de multicolinearidade De toda maneira o teste de 41 Fatores de Inflação da Variância FIV foi aplicado a todos os modelos multivariados sendo retiradas todas as variáveis independentes com problemas graves de colinearidade FIV10 sendo raros os casos de FIV maior que 5 entre as que utilizamos em nossos modelos A análise da metodologia de produção dos dados usados foi fundamental para este processo Um exemplo é a pobreza que mostrava bom ajuste mas definido em função do salário mínimo oficial de 2014 quando o mais interessante para os propósitos analíticos seria calcular a pobreza em função do custo de vida que é provavelmente mais alto nas metrópoles mais ricas o que contribuiria para ocultar a pobreza real dentro das regiões afluentes Por isso a pobreza monetaria foi substituída por indicadores de exclusão socioeconomica e apoio social como a desigualdade de renda a mortalidade infantil o desemprego e o gasto em assistência social Em geral a transformação logarítmica da variável dependente e não das independentes foi adotada como regra devido às características das distribuições dos homicídios intencionais em comparação com variáveis socioeconômicas e sociodemográficas por exemplo Por isso os modelos são loglin em sua maioria havendo poucos modelos lineares puros ou loglog sendo estes últimos usados quando constatamos uma dispersão e assimetria mais acentuadas nas variáveis sociodemograficas e epidemiológicas como foi com o conjunto de microrregioes mas não nas regioes metropolitanas ou nos Estados O software Gnu Regression Econometrics and Time Series Library GRETL apesar de muito focado na econometria forneceu um amplo e facilmente utilizável instrumental para a análise de dados quantitativos sobretudo com os modelos de regressão séries temporais dados em painel e transformação das variáveis permitindo ir muito além do que estava sendo construído inicialmente com o PSPP o clone livre do Statistical Package for Social Sciences SPSS da IBM O principal desafio porém não foi construir modelos quantitativos empíricos e sim formular perguntas teóricas e interpretar os resultados em função dos argumentos teóricosociais Muitas das teorias sociológicas sobre a criminalidade e a violência foram formuladas a partir de pressupostos que não levavam em conta um raciocínio probabilístico mas sim um estilo de descrição densa qualitativa que é 42 categórica e refinada Até a sociologia ciência política e criminologia quantitativas produzidas em inglês utilizavam sistemas de informações ou variáveis que nem sempre estavam disponíveis de maneira equivalente para o Brasil ou eram metodologias orientadas para testes em nível individual ou comunitário Como a pergunta de pesquisa se refere ao nível macro ainda que supondo microfundamentos e mecanismos intermediários e como não era uma opção ignorar características do contexto brasileiro foi necessário fazer o esforço de definir tipificar e integrar níveis e dimensões atores e contextos para especificar mecanismos causais subjacentes capazes de explicar as associações estatísticas identificadas ou não De certa forma os modelos conceituais e tipológicos apresentados antes das análises multivariadas respondem a desafios colocados por estas últimas 14 ESTRUTURA DA TESE Optamos pelo formato de coletânea de artigos ou multipaper para a exposição dos resultados da pesquisa Cada um dos capítulos é um produto deste projeto de pesquisa e neste sentido todos atacam problemas e objetivos específicos e ligados ao problema e objetivo gerais da pesquisa Os capítulos possuem um formato similar a um artigo científico e podem ser lidos em sequência ou isoladamente Este formato de tese não é comum nas Ciências Sociais mas é amplamente utilizado nas ciências exatas e naturais e em algumas ciências sociais aplicadas como a Economia Consideramos que este formato atende melhor ao escopo e metodologia desta pesquisa do que uma longa revisão teórico bibliográfica seguida de outra longa apresentação descritiva dos resultados e finalmente uma discussão sintética Ao invés disso cada capítulo apresenta todos estes elementos voltados para um recorte específico do problema e objetivo gerais No próximo capítulo constatamos entre as publicações brasileiras a relativa escassez de análises sociológicas quantitativas da violência e a profusão de estudos epidemiológicos de violências de abordagem tipicamente ecológica e da economia do crime baseados na teoria da escolha racional Diante disso o nosso objetivo foi esboçar uma proposta de abordagem sociológica quantitativa da 43 violência criminal articulando diversos conceitos criminológicos e sociológicos em um esquema de explicação causal da criminalidade violenta que integra as dimensões sociais de motivação controle e oportunidade e os níveis sociais individual comunitário e sistêmico da violência criminal No terceiro capítulo construímos propostas de tipologias de situações violentas organizações criminais armadas e macroconfigurações do mundo do crime Os tipos ideais foram construídos a partir de conceitos das teorias sociológicas da violência e da criminalidade e das análises empíricas qualitativas e qualiquantitativas sobre crimes e violências nas metrópoles brasileiras Apresentamos primeiro as tipologias construídas e a seguir alguns dos estudos de casos nas quais se basearam O propósito não é esgotar o assunto mas propor por meio da tipificação uma discussão comparativa sobre a criminalidade violenta nas cidades brasileiras Nosso propósito no quarto capítulo foi realizar uma discussão sobre a construção do homicídio intencional como categoria estatística que combina elementos jurídicos e biológicos pelos quais procedimentos policiais e médicos produzem dados administrativos que informam pesquisas sobre a violência e decisões políticas Neste processo questionamos a existência de erros sistemáticos de medida e como contribuem para subestimar e enviesar a representação estatística da violência A análise empírica se concentrou nas relações hipotéticas entre as mortes violentas por intenção indeterminada e as mortes por ação policial nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo constatando uma possível associação Propomos então três fórmulas de ajuste do número de homicídios intencionais que aplicamos aos dados de mortalidade de 1979 a 2019 No quinto capítulo propomos uma análise estrutural dos macrodeterminantes dos homicídios intencionais em todas as 558 microrregiões brasileiras entre 1996 e 2018 A análise deste capítulo apresentou limitações quanto à disponibilidades de dados das variáveis e proxies de interesse que poderiam explicar os homicídios intencionais pela nossa perspectiva teórica mas em parte não existem De toda maneira foi possível testar hipóteses de efeitos sistêmicos da presença de armas de fogo e do consumo mórbido de psicoativos da desorganização social causados pelo crescimento e densidade populacionais Mais complexa foi a tarefa de testar efeitos 44 causais das exclusões socioeconômicas para o que utilizamos a mortalidade infantil As hipóteses foram corroboradas testes embora as relativas às armas de fogo se mostrassem sensíveis à especificação do modelo Neste capítulo não foi possível testar os efeitos marginais das formas diferenciadas de exclusão e vulnerabilidade socioeconômicas sobre a vitimização por crimes letais intencionais O sexto capítulo é um estudo sobre homicídios intencionais de jovens nas metrópoles brasileiras A juventude é uma etapa problemática do ciclo de vida no qual a passagem à maturidade é mediada pelas condições econômicas e institucionais que permitem ou bloqueiam a inserção no mundo adulto um percurso que implica na exposição diferencial dos jovens à violência O objetivo deste capítulo foi explicar a dinâmica da violência contra e entre jovens nas metrópoles brasileiras Por meio de modelos mono e multicausais verificamos que a variação da taxa de homicídios intencionais contra jovens responde à demanda por drogas ao desemprego à escolaridade à administração pública local e dependendo do indicador usado à oferta de armas de fogo O sétimo capítulo consiste em uma análise dos macrodeterminantes da criminalidade letal intencional contra mulheres nas metrópoles brasileiras abrangendo tanto homicídios intencionais sem conexão direta com relações de gênero quanto os feminicídios cuja motivação é diretamente relacionada ao gênero Uma hipótese básica é que a prevalência destas violências responde a determinantes gerais como a violência sistêmica e fraqueza do Estado causas em comum com a violência contra homens e também a causas específicas da vitimização feminina Dessa maneira utilizamos o acesso diferenciado por gênero ao emprego à renda e à escolaridade como variáveis explicativas obtendo efeito positivo e significativo para a razão entre desemprego feminino e masculino como também efeito negativo para a urbanização A vitimização feminina se dá tanto pela violência ligada aos mercados ilícitos de drogas e armas quanto às agressões no âmbito de relações de gênero mecanismos que se complementam para explicar as variações das taxas de assassinatos de mulheres entre as metrópoles brasileiras ao longo do tempo No oitavo capítulo consideramos que a teoria sociológica percebe a violência como dependente tanto das situações quanto da trajetória dos atores envolvidos Há 45 uma combinação de múltiplas causas do crime violento atuando no curto médio e longo prazos O propósito deste capítulo foi construir e analisar um modelo quantitativo que abranja determinantes dos homicídios dolosos no curto mesmo ano e no longo prazo décimo ano anterior nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Os resultados mostram nas metrópoles brasileiras que a restrição de oportunidades legítimas e o consumo de álcool e drogas ilícitas são decisivas no curto prazo mas podem ser mediadores dos efeitos de longo prazo da desigualdade econômica escolarização famílias monoparentais e acesso a serviços urbanos fatores ligados à formação dos contextos comunitários e institucionais locais O nono capítulo trata de analisar macroprocessos de pacificação civil e acumulação social da violência ligados à atuação do Estado e à dinâmica dos mercados de armas e de drogas entre os Estados brasileiros e ao longo do tempo no contexto das heterogeneidades regionais e dimensões continentais do Brasil O método é a análise de regressão loglin multivariada com dados em painel testando os efeitos do consumo de álcool e drogas da difusão das armas de fogo das exclusões socioeconômicas da dissuasão policial e do apoio social público O capítulo contribui com a discussão sobre as macrotendências do crime violento apontando a prevalência das armas de fogo e consumo de drogas e a exclusão socioeconômica como elementos favoráveis ao crime violento e o apoio social público como preventivo da violência sendo os gastos com segurança pública sobretudo reativos com efeitos nulos ou inesperados Por fim nas considerações finais são retomados os principais resultados evidências e argumentos discutidos e analisados ao longo dos capítulos buscando a realização de uma síntese dos principais achados obtidos por meio da pesquisa teórica e empírica Uma atenção é dada à transversalidade das conclusões entre os vários capítulos e em que medida os resultados se apoiam mutuamente ou se contrariam entre os modelos variáveis e unidades empíricas diversas indicando as limitações e caminhos para aprofundamento e aprimoramento das análises em pesquisas futuras 46 2 NÍVEIS E DIMENSÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CRIMINAL ESBOÇO TEÓRICO DE UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA QUANTITATIVA Este capítulo apresenta uma discussão teórica a partir das literaturas da epidemiologia das agressões da economia do crime e da sociologia quantitativa da violência Buscando mediar e integrar conceitos de racionalidade individual e de fatores sociais de riscovulnerabilidade sugerimos que a criminalidade violenta deve ser considerada em níveis individual comunitário e sistêmico nos quais operam mecanismos de oportunidade de motivação e de inibição da violência 21 APRESENTAÇÃO Em contraste com a relativa escassez de estudos quantitativos e comparados sobre criminalidade e violência nas ciências sociais brasileiras TEIXEIRA RIBEIRO 2017 observamos entre as publicações que localizamos por meio do Google Acadêmico e do Scielo usando os descritores dos objetos homicídios e violência combinados com descritores dos métodos quantitativo e estatístico uma bibliografia brasileira de análise quantitativa sobre violência que é majoritariamente inserida as áreas da saúde coletiva e da economia o primeiro com recurso à abordagem epidemiológica e a segunda orientada pelo individualismo utilitarista A determinação dos fatores objetivos de risco de um lado e a escolha racional individual de outro são os pressupostos implícitos ou explícitos em muitas dessas análises razão pela qual estas abordagens não são consideradas satisfatórias de um ponto de vista da teoria sociológica e criminológica contemporânea O propósito deste capítulo não é apresentar uma revisão sistemática do estado da arte dos estudos quantitativos sobre violência e criminalidade É antes debater os pontos fracos e fortes de algumas abordagens típicas brasileiras nas análises quantitativas sobre os crimes violentos visando 47 articular uma proposta analíticaexplicativa articulando elementos da sociologia criminologia e ciência política quantitativas e em diálogo com a teoria sociológica contemporânea A partir da constatação dentro da bibliografia quantitativa sobre crime e violência no Brasil da insuficiência teórica dos estudos epidemiológicos e econométricos de um lado e da escassez de análises sociológicas quantitativas de outro recorremos à sociologia e criminologia teórica e quantitativa nacional e estrangeira para formular uma proposta analítica que articule a teoria sociológica da criminalidade violenta com os métodos quantitativos Para tanto distinguimos os níveis individual comunitário e sistêmico de um lado e as dimensões de motivação tensão social de controle desorganização social e de racionalidade oportunidade criminal na explicação dos crimes violentos de outro Esta proposta é um esforço para a construção de um quadro de referência framework integrando conceitos de tradições teóricas muitas vezes vistas como rivais ou mutuamente excludentes como o propósito de orientar a construção de análises sociológicas quantitativas da criminalidade e da violência 22 EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA E ECONOMIA DO CRIME Se o diagnóstico de Teixeira e Ribeiro 2017 demonstra a relativa dispersão e escassez dos estudos quantitativos sobre violência e criminalidade nas áreas de ciências sociais com destaque para a Sociologia o mesmo não pode ser generalizado para o conjunto da pesquisa brasileira publicada sobre o assunto nas últimas décadas especialmente nas áreas de saúde coletiva de geografia humana demografia e de economia Por meio da leitura de um conjunto abrangente de estudos publicados foi possível constatar o predomínio disciplinar e as respectivas abordagens dominantes sobre o crime e a violência o que buscamos resumir nos seguintes tipos ideais Esta tipificação de maneira alguma pretendem fazer justiça a todos os matizes analíticos encontrados na literatura que de fato é mais rica do que sugerimos aqui muitas vezes utilizando conceitos sociológicos Tentamos apenas ressaltam alguns traços proeminentes o que correndo o risco de ser injusto ou caricaturizar estas 48 pesquisas acaba ressaltando os seus pontos fracos No campo de saúde coletiva há muitos estudos epidemiológicos demográficos e geográficos com modesta elaboração teórica quando não com orientação exploratória e descritiva implicitamente orientados por uma perspectiva socioecológica que busca a identificação dos determinantes socioambientais da criminalidade violenta utilizando estatísticas descritivas e modelos causais mono e multivariados apontando principalmente para diferenciações aos níveis intramunicipal e intermunicipal Tratase de uma literatura com especial atenção ao espaço Os crimes registrados são associados a condições da ecologia urbana como características dos locais de moradia ou de ocorrência dos fatos violentos em geral homicídios dolosos No entanto muitos dos resultados são interessantes de um ponto de vista teórico sugerindo implicações para teorias sociológicas da desorganização social associação diferencial e tensão social Podese dizer que os resultados no geral mostram associações entre a concentração de crimes violentos e a concentração de condições de vida desfavoráveis dentro dos municípios embora os municípios mais pobres não sejam necessariamente os mais violentos Pelo contrário é muitas vezes a maior circulação de riqueza no município ou grupo de municípios que favorece a violência criminal enquanto em nível intramunicipal é a pobreza que está associada à violência em conjunto com o desemprego a informalidade do trabalho e da habitação o baixo acesso o saneamento básico e prevalência do tráfico de drogas varejista o que é consistente com os postulados da teoria da tensão social da associação diferencial e da desorganizaçãocontrole social MINAYO 2009 MALTA 2017 et al TAVARES et al 2016 SOUZA 2014 ALVES 2014 COSTA FREITAS 2011 LIMA et al 2000 2005 SOUSA SOUZA SILVA 2018 REIS 2015 CHAGAS 2014 e 2015 SOUZA et al 2014 ANDRADE et al 2011 LOZADA et al 2009 MANSANO et al 2013 SILVA COSTA LAUDERMIR 2009 PORTELLA et al 2019 PAIM et al 1999 NUNES PAIM 2005 SOUZA PINTO SOUZA 2014 CASTRO et AL 2014 KILSZTAJN et al 2003 e 2005 MURRAY CERQUEIRA KAHN 2013 OLIVEIRA 2020 Já no campo da economia predominam os estudos econométricos com grande sensibilidade temporal e e visão voluntarista e utilitarista orientados pela teoria escolha racional e pela economia do crime segundo os postulados 49 microeconômicos de Gary Becker 1968 amplos o bastante para serem interpretados de maneira ambivalente e raramente questionados pelos resultados Um exemplo é o efeito da renda sobre o crime que pode ser tanto positivo quanto negativo já que de um lado cria oportunidades de ganho por meio do crime roubos furtos extorsão narcotráfico etc e de outro fornece meios para ampliar a vigilância pública e privada contra o crime Se os estudos epidemiológicos de abordagem ecológica muitas vezes carecem de sofisticação teórica explicitada falhando em especificar os mecanismos explicativos nos estudos de economia do crime é comum que haja uma sobredeterminação das evidências pela teoria ou seja pelo modelo do homo oeconomicus aplicado à explicação da criminalidade No entanto também lemos em muitos destes trabalhos resultados que são interessantes do ponto de vista de teorias sociológicas da violência e da criminalidade ainda que a discussão destas evidências às vezes ignore tais teorias e conceitos sociológicos Alguns estudos econométricos do crime mostram que as teorias sociais da criminalidade violenta tensão anomia aprendizado e controle sociais seriam mais adequados para a explicação das macrotendências criminais RESENDE ANDRADE 2011 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 CERQUEIRA 2010 CERQUEIRA DE MOURA 2019 ARRARO OLIVEIRA 2016 FRANCO 2016 SANTOS KASSOUFF 2008 BECKER KASSOUF 2017 CLEMENTE WELTERS 2007 MURRAY CERQUEIRA KAHN 2013 CLEMENTE 2007 Enfim uma bibliografia sociológica e da ciência política relativamente escassa e dispersa no uso de métodos multivariados às vezes analisando as causas estruturaissistêmicas às vezes enfocando a implementação e impacto das políticas públicas de segurança ou efeitos preventivos à violência de políticas educativas ou assistenciais Apesar de não exibir o nível de coerência programática coletiva identificada nos estudos epidemiológicos e econômicos sobre crime e violência os poucos estudos de sociologia quantitativa da violência no Brasil são mais explícitos na especificação dos mecanismos causais e na interpretação dos resultados de acordo com postulados teóricos identificando corroborações ou rechaço dos conceitos teóricos pelas evidências BATISTA et al 2016 CANO BORGES RIBEIRO 2012 LEITE 2014 SILVA et al 2018 BEATO et al 2001 BEATO 1998 RIVERO 2010 SCHABBACH 2016a CANO RIBEIRO 2017 50 ROLIM 2014 Comparando em linhas gerais a epidemiologia da violência e a economia do crime parece haver um distanciamento excessivo entre a teoria social e a análise estatística econométrica ou epidemiológica levando ao prejuízo para a explicação causal pois às vezes os mecanismos sociais geradores da violência criminosa não são especificados ou são descritos como escolha racional dos criminosos ou determinação dos atos criminosos pelo ambiente socialespacial Noutras vezes os mecanismos causais definidos não são escorados nas evidências A dicotomia grosso modo entre a literatura epidemiológica de abordagem socioecológica e a econômica de abordagem individualista e utilitarista expressa também um dualismo teórico de um lado os determinantes socioambientais no qual o ambiente social predomina como explicação do comportamento violento e do outro a literatura econômica que expressa a visão do crime como uma escolha racional do criminoso que delibera reflexivamente pesando os custos e os benefícios esperados do crime impunidaderetorno como o faria um investidor bem informado do mercado de capitais Caberia à análise sociológica e política transcender a dicotomia em direção a uma análise relacional e processual da criminalidade violenta que ao mesmo tempo abrangesse os processos objetivos e subjetivos de produção da violência criminosa das condições sócioecológicas e da escolha individual pelo crime Neste diálogo interdisciplinar encontramos alguns dilemas familiares para a teoria sociológica estrutura e agência holismo e individualismo determinismo e voluntarismo macro e micro1 Esquematicamente as abordagens sócioecológicas da saúde coletiva enfatizam a associação da criminalidade violenta com a distribuição espacial e demográfica de vantagens e desvantagens socioeconômicas que implicitamente exerceria um peso determinante na incidência diferencial dos crimes violentos pelos territórios e entre camadas sociais enquanto as abordagens da escolha racional na economia do crime enfatizam o crime como ação voluntária escolha consciente feita pelo indivíduo a partir de um cálculo de custos e benefícios muitas vezes em 1 Outra dicotomia que não trabalharemos aqui é entre explicação e compreensão que grosso modo corresponderia aos métodos quantitativos e qualitativos à busca pelas regularidades causais e pelas especificidades culturais 51 comparação com os custos e benefícios do mercado de trabalho Ao mesmo tempo estas pesquisas proveem evidências relativas às teorias sociológicas da criminalidade Mas não apenas a uma ou outra teoria Estudos ecológicos podem ser relacionados com as premissas da teoria da desorganizaçãocontrole associação diferencial e da tensão social pois mostram como os bairros e aglomerados onde prevalece a pobreza a informalidade do trabalho e da moradia a falta ou precariedade da infraestrutura urbana o consumo e tráfico de drogas e álcool e a desagregação familiar e comunitária possuem maior vulnerabilidade à violência tanto privada quanto policial Inclusive o aparente paradoxo de grupos de municípios mais ricos concentrarem maior violência dentro dos seus bairros mais pobres se explica pelo contraste entre riqueza e pobreza mais explícita quando ambas contrastam visivelmente no cotidiano das metrópoles o que vai de encontro ao conceito de privação relativa como fonte de tensão social Já os estudos econométricos em geral partindo da concepção utilitarista tiveram resultados muitas vezes mais consistentes com a teoria das oportunidades diferenciais desenvolvida por Cloward Ohlin 1960 a partir dos conceitos de anomia e tensão MERTON 1938 e de associação diferencial SUTHERLAND 1955 do que com os próprios pressupostos da economia do crime 23 ESBOÇO DE UMA ABORDAGEM ANALÍTICA Para a construção de uma abordagem sociológica quantitativa da violência partindo de um diálogo interdisciplinar e crítico com a epidemiologia da violência a economia do crime e a teoria sociológica contemporânea é necessário desenvolver um esquema que abranja diversos níveis e dimensões que são analiticamente analisáveis por meio de ferramentas lógicas mas que na realidade empírica encontramse sobrepostos e entrelaçados Dessa maneira a questão é a conexão causal entre a violência criminal e a estrutura social Grande parte da sociologia e criminologia quantitativa da violência criminal tem origem na América do Norte e especialmente nos Estados Unidos Este fato se explica tanto pelas preocupações concretas como o aumento e mudanças da 52 criminalidade e da violência e outros problemas sociais naquele país no século XX em meio ao enorme crescimento econômico experimentado pelos Estados Unidos Também pesa a favor desta proeminência o incentivo à análise quantitativa dos fenômenos sociais naquele contexto devido à disponibilidade de dados e ao apoio institucional para este tipo de pesquisa No período pósII Guerra Mundial estes fatores se tornaram mais fortes e foram acrescentados a outro o crescente contraste entre os Estados Unidos que tiveram um alto nível e persistente de criminalidade violenta juvenil e os outros países desenvolvidos como o Canadá Japão e Estados democráticos europeus ocidentais que exibem níveis muito menores de violência criminal e arranjos institucionais mais socialmente protetivos em comparação com os Estados Unidos CURRIE 1997 É por isso que apesar de terem muitas raízes intelectuais na sociologia clássica europeia as formulações teóricas sobre a criminalidade e violência que identificamos são em grande parte obra de autores estadunidenses e foram gestadas ao longo do século XX em resposta às preocupações concretas do contexto tensãoapoio social desorganizaçãocontrole social associação diferencial atividades rotineiras economia do crime anomia institucional abordagem da rotulação subculturas delinquentes ou da violência aprendizado criminal ou violento oportunidades diferenciais Entre as exceções estão a teoria processual ELlAS 2011 EISNER 2014 e a teoria crítica de raiz marxista RUSCHE KIRSCHHEIMER 1999 SCHINKEL 2010 Esta diversidade de abordagens teóricas sua vinculação com determinadas correntes teóricas funcionalismo interacionismo behaviorismo escolha racional etc e com o contexto estadunidense do século XX exigiram da nossa parte a identificação de alguns problemas gerais relativos à motivação ao controle e à oportunidade da violência e ao indivíduo comunidade e sistema envolvidos Estas dimensões e níveis são o foco das diversas perspectivas mas de maneira diferenciada Buscamos a articulação dos problemas e conceitos fragmentados à luz da teoria sociológica contemporânea especialmente pelas ferramentas analíticas legadas por Anthony Giddens e Pierre Bourdieu considerando a complementaridade entre as diversas tradições criminológicas e sociológicas e os limites impostos pelo dilema entre agência e estrutura ou entre as caracterizações estruturantes e 53 estruturadas das práticas sociais A proposta expressa por isso a dualidade entre a violência criminal como um fenômeno dotado de regularidades objetivas e como um conjunto de ações dotadas de sentido Segundo Giddens 2008 as estruturas sociais são sistemas de recursos e regras que exercem efeitos duplos opostos e complementares sobre o indivíduo ao mesmo tempo produtos e condições da ação são constrangimentos e instrumentais para as práticas dos atores sociais Não há ação social sem estrutura social e vice versa pois pressupõemse mutuamente e são separáveis apenas pela abstração teórica De um lado as estruturas sociais funcionam como constrangimentos objetivos para os atores sociais e de outro como recursos para os agentes sociais viabilizando um leque de ações que não seriam possíveis sem as condições De um ponto de vista dinâmico as estruturas sociais são produtos não intencionais agregados interligados e sedimentados das ações sociais ao longo do tempo e do espaço representando ao mesmo tempo as condições objetivas coerções e instrumentos das ações sociais que podem contribuir para transformar ou reproduzir as estruturas Enfatizar a dualidade da estrutura como coerção e instrumento como restrição e oportunidade de vida como condição e produto é uma das grandes lições da obra de Giddens 2008 Por outro lado relembramos aqui a advertência de Bourdieu 2011 relativa à unilateralidade das perspectivas sociais voluntaristas subjetivistas ou fenomenológicas e deterministas objetivistas ou estruturalistas e a necessidade de colocar a ênfase na dialética e no jogo entre a internalização das estruturas sociais pelos atores e a relevância práticaobjetiva das disposições subjetivas dos agentes As estruturas sociais portanto são estruturadas pelas práticas dos atores e estruturam as ações sociais Onde entra então a subjetividade dos indivíduos Entra como mediadora entre as condições estruturadas e as ações sociais atuando no sentido de promover o ajuste entre a disposição subjetiva e a situação objetiva levando à reprodução social ou pelo contrário ao levar à transformação das estruturas mediante a luta material e simbólica pela distribuição dos recursos e definição das regras de legitimação social A subjetividade do ator funciona como mecanismo de seleção e performance entre os percursos objetivamente possíveis de ação relegando algumas 54 possibilidades e direcionando para outras de acordo com preferências capacidades e crenças que são construídas na própria trajetória social dos indivíduos e dos grupos Em parte como frisam Bourdieu 2011 e Giddens 2008 estas disposições ou esta consciência prática são uma incorporação da própria posição objetiva do agente na estrutura social que tende a se adaptar e habituar às situações vividas mas desajustes entre atitude e situação podem levar a processos de reflexividade e questionamento propiciando mudanças socioculturais e talvez lutas que levem à redistribuição dos fatores de poder e sentido Esta pequena digressão não pretende analisar as teorias bourdieana e giddeniana em profundidade apenas indicar o caráter dinâmico e multidimensional do conceito de estrutura social na teoria sociológica atual Trazendo para a questão deste trabalho as ações criminais violentas são cometidas por atores motivados para usar a violência como expressão de valores ou como instrumento para fins sendo a divisão meramente analítica pois motivos expressivos e instrumentais não raro se combinam sobrepondose e até reforçandose mutuamente A motivação derivada da tensão social e subculturas delinquentes eou violentas é uma condição necessária mas não suficiente para o desfecho do crime violento Este exige ainda o acesso às oportunidades e capacidades necessários para cometer o delito e a ausência de controles sociais internos ou externos que inibam e previnam a consumação dos crimes violentos Os mecanismos da violência não se reduzem à ação individual menos ainda ao cálculo de riscos e benefícios do possível criminoso perpassando as redes de interrelações e chegando aos sistemas políticos e econômicos Tampouco se reduzem à influência objetiva dos fatores de risco ligados ao grupo e ao lugar Dito de outra maneira as estruturas sociais causam violência criminal por meio das motivações individuais para o crime violento e da ausência de controles sociomorais que poderiam inibir a prática E da mesma forma que a trajetória social constitui as motivações criminais e violentas e o controle social e moral da violência um certo nível de criminalidade violenta pode retroagir sobre as estruturas sociais políticas e econômicas ao criar condições propícias ao reforço dos estigmas préexistentes configurações dos mercados ilícitos das forças políticas que capitalizam medos e discriminações do crescimento da indústria da segurança etc 55 A teoria sociológica da criminalidade e da violência possui certa diversidade de abordagens o que muitas vezes dificulta a constituição de análises integradas As diversas teorias sociais do crime e da violência são equivocadas na ênfase unilateral em algumas dimensões e níveis isoladamente mas apresentam convergências e complementaridades entre si Para facilitar a articulação entre categorias analíticas formuladas por diferentes tradições teóricas distinguimos analiticamente as dimensões motivação controle e oportunidade e os níveis individual comunitário e sistêmico dentre os conceitos explicativos da incidência de crimes violentos segundo os paradigmas sociológicos A principal categoria da criminalidade violenta os homicídios intencionais em geral resulta de um conflito entre indivíduos cujos interesses se opõem e são inconciliáveis o que ocorre em uma variedade de situações conjugais sexuais brigas vinganças roubos autodefesas etc cuja incidência varia imensamente no tempo e no espaço embora a maioria dos casos convirjam para algumas situações típicas COUSSON BEAULIEY CUSSON 2003 MIETHE REGOECZE 2004 A composição e nível de criminalidade letal intencional em um contexto mais amplo e ao longo do tempo porém não é plenamente explicável por micromecanismos situacionais embora deva pressupôlos como um microfundamento mas buscando também os macrodeterminantes As motivações para a criminalidade estão ligadas à tensão entre aspirações e situações ou entre as metas hegemônicas e os meios legítimos institucionalizados para a realização dos propósitos de ação que são legitimados pela ordem sociocultural dominante Tratase da disparidade entre a legitimação da busca pelo sucesso financeiro individual como meta de vida geral em contraste com uma relativa negligência quanto à igualdade de oportunidades e à moralidade dos meios para obter o sucesso individual Esta concepção é conhecida na literatura como teoria da anomia ou tensão social muitas vezes tratadas como sinônimo outras vezes como duas teorias independentes formuladas por Merton 1938 O conceito de anomia foi criado por Durkheim como explicação para as variações entre taxas de suicídio e de criminalidade egoístas Foi definida sobretudo como uma ausência de propósitos e limites que poderiam orientar as práticas e refrear as expectativas e aspirações individuais que tendem a ser ilimitadas 56 levando à desorientação do agente potencialmente destrutiva para si e para outros indivíduos DURKHEIM 1989 No entanto o individualismo moral moderno se ligado à anomia também colocaria limitações robustas para a violência interpessoal sendo esta última em suas manifestações expressivas muito mais ligada aos resquícios da mentalidade tradicional na qual a homogeneidade dos sentimentos coletivos teria como efeito encorajar uma retaliação violenta contra quaisquer ações que pudessem ofender as crenças coletivas Porquanto a mudança social para a modernidade industrial seria potencialmente disruptiva e criminogênica o desenvolvimento do moderno individualismo moral teria como resultado o rareamento dos homicídios dolosos em razão do crescente respeito ao indivíduo e redução da divisão forçada do trabalho em favor de um nivelamento de oportunidades o que tornaria a divisão do trabalho uma expressão das diferenças individuais de aptidões e habilidades DICRISTINA 2004 Dessa forma a anomia durkheimeana é ligada à dimensão do descontrole social enquanto a motivação estaria ligada à coesão moral de grupos em torno de valores tradicionais Em outro contexto nacional e etapa do capitalismo industrial Merton 1938 teorizou a anomia como uma disjunção radical entre os objetivos da ação que são legitimados pela ordem sociocultural dominante e as oportunidades e meios instituídos pela ordem socioeconômica estabelecida levando à formação de variados tipos de comportamento desviante A abordagem de Merton reformula a anomia com o recurso à preocupação weberiana sobre a legitimidade e a estratificação da ordem social bem como os meios e os fins da ação A anomia seria então mais relativa contendo uma rejeição aos propósitos da ação no qual os meios legítimos são adotados pelo ator de maneira externa ritualismo como também uma adesão aos objetivos legítimos mas com uma indiferença aos meios para obtêlos serem legítimos ou não inovação pelo rechaço tanto aos meios quanto aos fins legítimos da ação escapismo ou por uma busca ativa pela mudança tanto da ordem dos fins quanto dos meios rebelião Relativo ao seu próprio contexto Merton observa que as metas de enriquecimento e sucesso financeiro são colocadas acima de todos os demais valores sociais enquanto a legitimidade dos meios para obtêlo são vistos com relativa indiferença especialmente quando as oportunidades legítimas de ascensão social não estão 57 disponíveis ao menos não igualitariamente A teoria originária de Merton não era como se vê voltada para a criminalidade especificamente mas para o desvio social no sentido amplo a disjunção entre metas da ordem cultural e a estrutura de oportunidades do sistema socioeconômico promove uma tensão entre os atores que buscam resolver o problema estrutural por meio do desvio social A anomia para Merton seria pois derivada tanto da tensão social entre meios e fins socialmente legítimos em uma dada ordem social Dois problemas no conceito de Merton são primeiro que acaba identificando a criminalidade com as classes populares e segundo que não explica como o ator opta entre um percurso desviante ou outro Uma alternativa para a formulação das motivações criminais foi apresentada por Sutherland 1955 com a ideia de transmissão de valores culturais desviantes pela convivência em grupos informais atuantes nos nichos delinquentes o que incluiria das favelas às gerências das grandes empresas Apesar da transmissão cultural ser importante para pensar a consolidação e difusão de condutas ainda não explica a origem e a adesão a estes valores culturais delinquentes ou violentos De toda maneira a ideia de que o crime é um comportamento aprendido em grupo e difuso em formas diversas por todas as classes sociais é de grande importância O desenvolvimento das noções de tensão e anomia sociais como explicação para a criminalidade em especial dos crimes violentos apesar de certamente sugerida por Merton foi melhor desenvolvida posteriormente muitas vezes incorporando elementos da associação diferencial Sutherland 1955 como na teoria das oportunidades diferenciais de Cloward Ohlin 1960 segundo a qual cada ator social ocupa uma posição na estrutura de oportunidades legítimas e ilegítimas e que o acesso aos meios não legítimos de realização das metas culturais dominantes é tão importante quanto o acesso aos meios legítimos para a explicação da delinquência Dessa maneira as subculturas desviantes que corresponderiam aproximadamente aos tipos de desvio formulados por Merton surgiriam como uma resposta cultural adaptativa às condições de bloqueio de oportunidades legítimas e de disponibilidade de oportunidades ilegítimas A teoria geral da tensão de Agnew 1992 desenvolve esta concepção como explicação dos motivos da ação criminosa sobretudo nos seus fundamentos 58 psicossociais a fonte da tensão é uma relação social negativa na qual um ator percebe a situação como uma na qual não é tratado como acredita que deveria ser é impedido de obter aquilo a que aspira ou perde aquilo que valoriza ou compara a sua própria situação desfavoravelmente à dos outros A percepção da disjunção existencial entre as expectativas subjetivas do ator e sua situação objetiva fomenta uma tensão socioemocional que é incorporada pelo ator e motiva o delito como uma das maneiras possíveis de lidar com a tensão incorporada especialmente as emoções negativas e hostis como a raiva A disjunção entre as metas hegemônicas e as oportunidades restritivas se torna dessa maneira uma das possíveis fontes de tensão social agora reformulada como disjunção incorporada entre expectativas e situações e também pode ser relacionada a delitos sem motivação econômica imediata mas provavelmente impulsionados pelos sentimentos de frustração vividos pelos atores Além da disjunção entre metas positivamente valorizadas e meios socialmente validados para alcançálas a tensão pode ser ocasionada pela perda do que é positivamente valorizado ou pelo sentimento de injustiça de distribuição e tratamento quanto o ator vê a sua própria situação como desfavorável em comparação com as de outros vistos como mais afortunados Os microfundamentos propostos por Agnew incluem ainda a possibilidade de o ator lidar de diferentes maneiras com as emoções negativas produzidas pela tensão psicossocial nem sempre levando à criminalidade à drogadição e à violência o que dependeria ainda dos fatores de controle social e de associação diferencial A teoria da anomia institucional MESSNER THOME ROSENFELD 2008 também reelabora o significado da motivação criminal relativa à tensão social desta vez abordando o desequilíbrio entre a economia de mercado e as outras esferas sociais em diálogo com teorizações da sociologia econômica contemporânea como os mercados desenraizados e também com as concepções do controle social da violência que discutiremos logo a seguir Segundo esta perspectiva o predomínio da economia ou vale dizer do mercado autorregulado como princípio de orientação da conduta em detrimento das demais esferas institucionais política familiar educacional etc termina por provocar um enfraquecimento das lógicas de ação não mercantis orientadas para fins aquisitivos colonizando as relações 59 familiares políticas educacionais etc ao mesmo tempo em que as enfraquece De uma parte da sociedade o mercado passa a ser a principal razão de ser da vida social tornando as outras lógicas práticas subordinadas e periféricas na configuração das normas e papéis sociais fazendo do sucesso financeiro o principal critério de seleção dos meios e fins da ação pelo ator Neste contexto a mercantilização sistêmica induz à ruptura de laços e controles sociais criando condições para alta incidência da criminalidade inclusive a violenta na medida em que crimes são percebido pelos atores envolvidos nas relações mercantilizadas como os meios mais eficientes para alcançar o sucesso financeiro finalidade hegemônica do sistema de mercado os controles comunitários e institucionais da violência criminal são enfraquecidos e fragmentados BERNBURG 2002 A anomia institucional supõe por isso a combinação de fundamentos de motivação criminal com a ausência de controles sociais institucionalizados ambos vinculados à supremacia do mercado autorregulado no sistema social A questão do constrangimento social diz respeito não a fatores que motivam ou facilitam as práticas criminosas e violentas mas às condições e mecanismos que previnem limitam e evitam que a violência seja praticada Os mecanismos vão do autocontrole individual pelo qual o próprio ator regula a sua conduta renunciando a gratificações e respostas imediatas principalmente quando envolvem agressão aos outros até as formas sistêmicas de controle social da violência como o monopólio estatal da violência legítima passando ainda pela formação de laços sociais que regulam o comportamento entre os membros de uma comunidade familiar ou territorial ELIAS 2011 EISNER 2014 BRICEÑOLEÓN 2011 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 MISSE 2007 2008 2010 2019 ZALUAR 1996 ADORNO 2002 Entre os fatores apontados pelos estudos que perseguem este problema está a centralização da violência legítima pelo Estado para promover a pacificação interna reduzindo o total da violência por meio da sua monopolização e subordinação ao sistema jurídico legítimo A constituição de uma organização militar policial e judiciária ordenada por normas codificadas teria no longo prazo levado à redução da violência interpessoal menos diretamente pela dissuasão policial das ações violentas do que pela construção e difusão de disposições moderadas e 60 normativas promovendo um progressivo autocontrole bem como um controle recíproco do comportamento entre os atores sociais articulando a coerção burocrática ao consenso moral na criação de uma cultura civilizada difundida a partir das elites políticas e burocráticas dos Estados nacionais O processo histórico é complexo pois inclui mecanismos de longo médio e curto prazo e alcance entrelaçando a formação dos Estados nacionais burocráticos com a difusão dos valores e das disposições socioculturais favoráveis à moderação e autocontrole e contrárias à violência e agressão correlatas também à elaboração de regras de convívio e negociação mais minuciosas entre as elites políticas dos Estados modernos que atuaram involuntariamente como promotores de mudanças culturais graduais ELIAS 2011 ESNER 2014 A redução da violência na Europa Ocidental no entanto não foi igualitária beneficiando principalmente as classes superiores e médias com a supressão da violência política entre elites e tornando a vulnerabilidade à violência um fardo principalmente dos menos favorecidos econômica e simbolicamente Além disso em momentos de conflagração social e política ou de guerra a violência física volta a ser ampliada e em algumas regiões do espaço físico e social a pacificação acaba nunca sendo efetivamente alcançada Dessa maneira a teoria do processo civilizador possui algo em comum com a concepção da escolha racional a ideia da dissuasão estatal das violências interpessoais Mas explica por um microfundamento diferente ao invés de uma racionalidade do ator individual que deixa de optar pelo crime quando o percebe mais provável de ser punido e com maior dureza a teoria processual assegura que não se trata de um cálculo consciente mas de uma transformação sociocultural que resultou na formação e transmissão de atitudes contrárias à violência e demais condutas impulsivas enfatizando o autocontrole e fomentando os sentimentos de vergonha e repulsa contra determinadas condutas entre as quais as agressões diretas e físicas Alguns críticos do conceito de dissuasão penal e seu reverso a impunidade porém sugeriram que a coerção policial e judiciária é sempre seletiva A criminalidade mais típica das classes subalternas são mais visadas pela polícia sendo o foco típico da justiça criminal em detrimento de crimes de colarinho branco 61 mais ligados às classes dominantes Os acusados de baixo status socioeconômico são acusados e punidos com maior frequência e dureza mesmo quando a comparação supõe crimes similares As ofensas que vitimam os grupos mais privilegiados são investigadas com maior empenho pela polícia e punidos com maior dureza pelo judiciário enquanto violências contra estigmatizados e desfavorecidos tendem a ser negligenciadas especialmente quando os agressores são os próprios policiais O corpo daqueles que são socialmente estigmatizados é considerado menos dignos e valiosos mais descartáveis e desprezíveis sendo a violação da integridade física e moral menos repudiada Aqueles que os agridem são tratados com maior tolerância ainda que sejam membros da mesma classe e etnia da vítima Essa constatação foi ainda mais acentuada quando feita em países subdesenvolvidos mas tendências para a seletividade e até violência policial não deixaram de ser observadas no Primeiro Mundo sobretudo nos Estados Unidos Nos casos de violência policial a condição prévia da vítima em geral uma pessoa de baixa posição socioeconômica se soma à condição do agressor um agente do próprio monopólio estatal da violência legítima COONEY 2017 RIBEIRO MACHADO 2016 ZACCONE 2015 Apesar da coerção estatal ter outros aspectos importantes fiscal monetário militar etc a ideia de que a capacidade coercitiva do Estado é inversamente proporcional à violência total resta assim bastante questionável Na América Latina a internalização das regras de convívio e a efetividade do monopólio estatal da violência legítima ainda é questionável e seletiva falhando em proteger a vida de muitos cidadãos especialmente os pobres indígenas e negros A desproteção e penalização seletivas são promovidas por práticas policiais e judiciárias que incluem a discriminação na aplicação da lei mais dura quando é contra estes grupos empobrecidos e estigmatizados e menos eficaz quando é para garantir seus direitos Ao mesmo tempo mas não descolado destes fatos o tráfico de drogas ilícitas e outros negócios criminosos têm ostentado um persistente desafio ao monopólio estatal da violência legítima com o estabelecimento de formas privadas de violência armada para controle e disputa dos negócios e territórios com vistas à extração de renda dos mercados ilícitos e das populações vulneráveis que são tanto utilizados como mão de obra barata e descartável de atividades ilícitas 62 lucrativas quanto principais alvos da repressão policial contra o narcotráfico e outros mercados ilícitos Embora o Estado detenha a soberania políticomilitar sobre o território nacional na maior parte das vezes sem contestação armada de caráter político oposicionista não é capaz de fazer cumprir as leis e administrar os conflitos privados violentos pois acaba por concorrer com os grupos armados privados na gestão e exercício microterritorial da violência processo que é interligado à fragilidade da confiança entre os cidadãos e destes nas instituições de segurança e justiça Ainda assim é precipitado ver os grupos armados privados como totalmente contrários ao sistema político e econômico dominante em muitos casos são orientados por uma lógica de lucro e masculinidade que é uma exacerbação dos valores hegemônicos e não o seu questionamento Mais ainda podese dizer que uma parcela dos atores estatais ou das elites econômicas são com frequência parceiros ou beneficiários principais dos negócios ilícitos Diante desta realidade os indivíduos também alteram a sua rotina buscam resolver suas disputas por meios informais sem recorrer à justiça formal e buscam meios privados para lidar com a insegurança pessoal e patrimonial Um destes meios é a capacidade de fugir ou evitar o encontro com agressores em especial quando o agressor o procura ativamente ou de defender a si ou ser defendido por outro Táticas de evitação e autoproteção incluem a autossegregação em enclaves fortificados a contratação de serviços de segurança privada deixar de frequentar certos locais e de sair em certos horários ou tentar permanecer mais tempo fora de casa quando o problema é a violência doméstica mudar percursos e trajetórias diárias Alguns compram armas de fogo para ter meios de autodefesa contra possíveis agressões mas a eficiência dessa tática é bastante controversa e duvidosa já que muitas vezes o agressor conta com o efeito surpresa e outras vezes a arma acaba sendo meio usado no suicídio ou na violência doméstica brigas e vinganças pessoais O recurso aos enclaves fortificados e serviços e equipamentos de segurança é privilégio de poucos o que contribui para explicar a menor vitimização dos mais ricos por crimes violentos em geral embora sejam aqueles que tem mais para ser tomado por meio de crimes patrimoniais BRICEÑOLEÓN 2011 MISSE 2007 2008 2010 2019 ZALUAR 1996 ADORNO 2002 CALDEIRA 2000 Muitos autores não consideram que o protagonista do controle social é 63 realmente o aparato policial e punido do Estado e sim as famílias igrejas associações e escolas A força dos laços sociais contraídos com a família escola trabalho e outras associações são considerados como inversamente proporcionais à propensão do indivíduo para o crime em razão das crenças e compromissos desenvolvidos entre os atores representando motivos racionais e emocionais contra o crime Esta formulação considera que os laços sociais e seus efeitos contrários à criminalidade são anteriores e independentes dos efeitos de dissuasão policial e penal pois na verdade é a coerção policial que depende de laços sociais anteriores para ter alguma efetividade pois ao ponderar riscos e benefícios de um crime o próprio ator já está exercendo um tipo de adiamento de gratificação e consideração pela possível ruptura de laços com a família trabalho ou escola caso fossem capturados e punidos HIRSCHI 2004 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Assim como a tensão geral de Agnew fundamentou a Tensão Social é a fraqueza ou ausência relativas dos laços sociais que leva à desorganização social A desorganização social que é a ruptura e dispersão dos laços sociais provoca a escalada da violência a nível comunitário pois afrouxa a rede de laços familiares e comunitários que previnem os comportamentos violentos ao nível local e de maneira informal regulando a conduta dos indivíduos mutuamente envolvidos A desorganização social seria então a ruptura desta capacidade de autocontrole a nível coletivo pois os indivíduos sobretudo jovens se sentiriam desatrelados emocional e racionalmente das pessoas de sua convivência mais próxima seja na família na escola na vizinhança ou no trabalho As normas sociais seriam por isso menos efetividade prática na medida em que não teriam apoio em crenças e razões internalizadas nem no reforço mútuo das condutas entre os indivíduos na convivência rotineira SHAW MCKAY 1942 A tentativa de responder empiricamente quais seriam os condicionantes da desorganização social variou ao longo do tempo sendo inicialmente atribuído à pobreza heterogeneidade e rotatividade da população depois reinterpretada como associação diferencial entre pares delinquentes promovendo o aprendizado de práticas criminais entre gerações de criminosos do mesmo local unidos por relações informais até ser ligada mais concretamente às dinâmicas socioeconômicas e institucionais que enfraquecem os controles sociais locais ao minar as capacidades 64 de apoio e supervisão mútuas entre as famílias e comunidades o que tende a ocorrer principalmente em áreas nas quais se concentram grupos desvalidos socioeconomicamente Esta última formulação conecta o controle social dimensões do constrangimento à tensão social e privação socioeconômica dimensão da motivação A desorganização social seria atribuível portanto menos às características individuais dos residentes de uma área com alto risco de violências do que às características do próprio contexto que formaria assim um tecido social nos quais os laços são menos adensados mais dispersos ocasionando um vácuo de orientação normativa compartilhada entre os moradores do bairro desorganizado Os fatores de proteção e vulnerabilidade se encontram desigualmente concentrados em alguns estratos e áreas das cidades levando à concentração da violência física tanto dos particulares quanto da polícia em associação às condições de maior precariedade habitacional laboral educativa e associativa entre os residentes numa dinâmica na qual privações relativas e absolutas discriminação moral e criminalidade violenta se retroalimentam WACQUANT 2008 KUBRIN WEITZER 2003 Podese dizer que as teses opostas da moderação dos costumes e da desorganização social talvez sejam legítimas sucessoras da reflexão durkheimeana sobre a anomia Em comum consideram que o controle social mais efetivo é exercido de maneira horizontal entre os indivíduos e grupos como regulação mútua e cotidiana e que a dissuasão policial e judiciária é quando muito uma condição necessária para impedir que as guerras internas acabem por esfacelar o tecido social ou como um complemento para dissuadir e controlar casos excepcionais e quando muito teria uma eficácia geral dependente de uma adesão prévia às normas legais o que ocorre devido a crenças e laços entre indivíduos e não por simples intimidação judicial Conquanto a teoria do processo civilizador coloca a interdependência funcional e unificação políticojurídica ambas ligadas à modernização social como redutores das violências interpessoais a teoria desorganização social enxerga o potencial disruptivo da modernização econômica e crescimento populacional como ameaças ou obstáculos para o adensamento dos laços sociais em uma comunidade o que acabaria por inviabilizar um controle social informal Em outras palavras de uma perspectiva durkheimeana e eliasiana a 65 violência física seria um resquício arcaico enquanto a desorganização social seria algo como um efeito patológico da modernização socioeconômica acelerada que causaria um colapso de estruturas familiares e comunitárias de controle e apoio mútuos ao fragmentar a vida social de acordo com uma lógica que Polanyi poderia muito bem considerar como do mercado autorregulado Não é sem razão que o conceito de desorganização social foi resgatada agora com uma fundamentação mais crítica e vista como um dos produtos da sociedade de mercado CURRIE 1997 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 POLANYI 2012 A dimensão da oportunidade das recompensas ao crime ou do acesso a meios ilegítimos foi trabalhada por várias correntes partindo da criminologia clássica e do utilitarismo passando behaviorismo social a escolha racional e as atividades rotineiras e desembocando ao ser articulada às questões da motivação da violência em perspectivas situacionais e sistêmicas no qual as motivações e as oportunidades são combinadas para a explicação dos eventos violentos SUTHERLAND 1955 BECKER 1968 COHEN FELSON 1980 AKERS 1990 MIETHE REGOETZE 2004 COLLINS 2008 Segundo a teoria das atividades rotineiras COHEN FELSON 1980 a criminalidade resulta do encontro entre um ofensor motivado e um alvo vulnerável de um lado e ausência de guardiães capazes de outro Em termos gerais este postulado resume o ponto de partida da nossa proposta analítica motivação oportunidade e constrangimento Porém partindo da visão do individualismo utilitarista esta corrente prefere supor a motivação como dada ou aleatória no qual o ator toma decisões a partir de um cálculo de custos e benefícios Assim teorizam se apenas as oportunidades criminais ainda assim concebidas de uma maneira bastante reducionista como abundância de alvos disponíveis e ausência de vigilância pública ou privada O conceito de oportunidades criminais se combinado à análise das motivações criminais e controles sociais possui implicações para explicar algumas dinâmicas criminais violentas ao considerar que a violência física em especial os homicídios dolosos ocorre a partir de dinâmicas situacionais e interativas MIETHE REGOETZE 2004 COLLIN 2008 Apesar dos limites a teoria das oportunidades criminais surgida pela convergência entre teorias das atividades rotineiras e da escolha racional criminal é 66 capaz de elucidar alguns pontos cegos das explicações baseadas na tensão ou desorganização social por exemplo pois enfatiza uma dinâmica que estava na maior parte das vezes apenas implícita naquelas tradições da sociologia criminal a percepção dos atores de que o crime instrumental naquela situação específica é viável e compensador traduzindose ao nível individual em aprendizado social por reforços diferenciais AKERS 1990 no nível comunitário como associação entre delinquentes para cometer crimes e trocar informações mutuamente proveitosas sobre como quando e onde cometer crimes lucrativos SUTHERLAND 1955 e no nível sistêmico pela formação de mercados ilícitos nos quais circulam e são negociados bens e serviços ilegais e por isso não regulamentadas e mediadas pelo Estado levando os atores envolvidos a usar a violência física para defender posses eliminar concorrentes e retaliar o descumprimento de acordos GOLDSTEIN 1985 O conceito de violência sistêmica é de particular interesse aqui pois reúne as oportunidades de lucro por meios ilícitos à exacerbação da desorganização social ambas por ação do próprio Estado ao criminalizar e banir alguns produtos e serviços da economia legal Sem direitos de propriedade e mediação judicial garantidos para regulamentar as transações o uso da violência física se impõe como recurso estratégico nas interações entre vendedores e consumidores enquanto a corrupção tornase necessária para evitar a repressão policial Esta tendência se torna mais evidente quando olhamos os crimes sem vítimas como o uso e tráfico de drogas prática de jogos de azar prostituição etc que em alguns momentos e contextos acabaram criminalizados e proibidos por decisão política o que ocasionou uma série de consequências imprevistas entre as quais o crescimento do comércio ilegal dos produtos banidos e a violência entre os atores envolvidos neste negócio criminal GOLDSTEIN 1985 MISSE 2006 Este conceito permite analisar possíveis as orientações instrumentais de crimes violentos em função de um contexto institucional mais amplo o que não seria possível apenas recorrendo aos conceitos de oportunidade criminal e de associação diferencial como também observar como o próprio Estado pode induzir a desorganização social em torno de uma atividade econômica ao colocála inteiramente na ilegalidade e por isso mesmo sem qualquer regulação Conforme tentamos sintetizar nos quadros logo abaixo a cada dimensão e a 67 cada nível está associado um conceito e cada vertente enfoca em uma ou mais dimensões ou níveis 68 Quadro 2 Dimensões analíticas da violência criminal Categoria Descrição Bibliografia Motivação por que o ator recorre à vio lência Motivo ou disposição que leva o ator a cometer cri mes violentos quando percebe uma ocasião propícia tais como a tensão social entre aspirações e situa ções a disjunção entre as metas hegemônicas e os meios legítimos para obtêlas a percepção de desi gualdade de oportunidades entre grupos como injus tiça o predomínio de motivos mercadológicos na seleção de cursos de ação e os valores e crenças que poderiam ser usados para justificar a ação crimi nosa violenta Tensão Social e Anomia Insti tucional definições favoráveis ao crime por grupos de refe rência Merton 1938 Ruche Kirschheimer 1999 Suther land 1955 Cohen 1965 Cloward Olihn 2011 Agnew 1992 e 2016 Passas 1997 Messner Thome Rosenfeld 2008 Wacquant 2008 Constrangi mento o que inibe a violên cia Disposições crenças relações e recursos que impe dem o ator de cometer ou sofrer crimes violentos tais como o autocontrole a presença de terceiros pacificadores os laços sociais com a família escola trabalho e vizinhança ou a eficácia de instituições organizadas de controle e apoio social Controle Social e Autocontrole Elias 2011 Hirschi 2006 2017 Gottfredson Hirschi 2006 Dahrendorf 1998 Cul len 1994 Garland 1999 2008 Adorno 2002 Misse 2006 Messner Thome Rosenfeld 2008 Wacquant 2008 BriceñoLeón 2011 Oportuni dade o que possibilita facilita ou recompensa a violência Ocasiões instrumentos e processos que tornam o crime mais fácil e compensador para o criminoso como o acesso a instrumentos armas pex apren dizado apoio grupal e acesso a alvos da violência e do crime lucratividade e colaboração entre crimino sos constituindo meios ilegítimos Oportunidades criminais e associação e reforço diferen cial Sutherland 1955 Cloward Olihn 2011 Clarke 1980 Cohen Fel son 2006 Becker 1968 Akers 1990 Goldstein 1985 Cerqueira 2010 Elaboração própria a partir de revisão da bibliografia teórica e empírica 69 Quadro 3 Níveis analíticos da violência criminal Nível Descrição Bibliografia Individual por que alguns indiví duos são mais propensos ou vulneráveis a se envolver com a violência Relativo às disposições psicos sociais do indivíduo desenvolvi das e internalizadas no pro cesso de socialização primária e secundária Tensão Geral Agnew 1992 Autocontrole individual Hirschi 2004 Hirschi Gottfredson 2006 Elias 2011 Oportu nidades Criminais Clarke 1980 Cohen Felson 2006 Becker 1968 Aprendizado Social do crime e da violência Akers 1990 Collins 2017 Comunitário por que a violência se concentra em algumas áreas e grupos Relativo às redes de relações interpessoais entre indivíduos abrangendo família vizinhan ças local de trabalho e de estudo etc e aos grupos de convivência ou conflito infor mais Associação Diferencial Suther land 1955 Subculturas delin quentes ou da violência Cohen 1965 Athens 1998 Collins 2017 Laços Sociais Hirschi 2006 2017 Hirschi Gottfred son 2006 Apoio comunitário Cullen 1995 Mercadorias Política Misse 2010 Grupos de Referência Passas 1997 Violência situacional Collins 2008 Estrutural por que a violência criminal varia entre cidades regiões ou países e ao longo do tempo Relativo aos sistemas de rela ções organizações e institui ções sociais tais como o judi ciário a polícia o Estado de bemestar social os mercados de trabalho habitação consumo e financeiro os mercados ilícitos Anomia Institucional Tensão Social e Apoio Social Merton 1938 Cloward Ohlin 2011 Passas 1997 Cullen 1995 Currie 1997 e 2015 Messner Rosenfeld Thome 2008 Becker 1968 Acumulação Social da Violência Misse 2011a e 2007 Violência Estru tural Schinkel 2010 Collins 2013 Processo Civilizador Elias 2011 Dissuasão Becker 1968 Atividades rotineiras Cohen Felson 2006 Elaboração própria a partir de revisão da bibliografia teórica e empírica Da combinação de dimensões e níveis resultam nove categorias teóricas que podem ser articuladas para a explicação da variações na incidência individuais ou 70 agregadas da criminalidade violenta como nexos causais entre a criminalidade violenta e as condições socioeconômicas e institucionais Da combinação de motivação ausência de constrangimentos e meios e alvos formase uma interação social violenta e por conseguinte à maior prevalência das condições que motivam facilitam e não inibem a prática da violência resulta em maior nível agregado de criminalidade violenta As dimensões dos processos geradores da criminalidade violenta funcionam ceteris paribus ou seja o incremento de uma dimensão tem efeitos causais controlados pelas demais Na realidade social as dimensões causais com frequência mudam simultaneamente mas no exercício teórico é preciso abstraílas analiticamente para compreendêlas O esquema teórico também contempla a ideia de que existe uma acumulação social da violência MISSE 2019 e 2009 entre os sucessivos níveis no sentido de que os mecanismos operando a nível individual comunitário e estrutural têm poder explicativo cumulativo quando utilizados em conjunto Assim o nível estrutural é necessário para a análise da criminalidade violenta que atinge maior escala e complexidade mercados ilícitos redes criminosas internacionais efeitos das políticas de segurança etc enquanto o nível individual teria poder explicativo restrito a crimes oportunistas impulsivos ou banais mais comuns no cotidiano e mais gerais na incidência entre as diversas sociedades modernas Estes crimes e violências mais simples explicáveis a nível individual seriam predominantes nos contextos de menor incidência de homicídios intencionais enquanto as altas taxas de agressões letais seriam associadas a maiores proporções de execuções sumárias e confrontos armados ligados aos mercados ilícitos organizações criminosas e políticas autoritárias de segurança Inversamente níveis mais baixos de violência criminal também podem envolver estruturas mais robustas de controles e apoios sociais especialmente quando observamos níveis diversos de tensão social e de mercados ilícitos ao longo do tempo No entanto é importante alertar que os níveis mais agregados também são limitados se considerados isoladamente sem pressupor os processos individuais e comunitários que resultam na violência criminosa Da mesma maneira as dimensões da motivação controle e oportunidade 71 operam de maneira combinada a primeira e a última pela presença e a segunda pela ausência ou viceversa Entre as teorias integradoras que mais se aproximam desta abordagem aqui proposta e a inspiraram estão a Teoria da Anomia Institucional MESSNER ROSENFELD THOME 2008 e a análise situacional da violência COLLINS 2008 enquanto a a teoria de Wieviorka 1997 2006 oferece uma visão arrojada e articulada dos vários níveis da violência Se os níveis estão necessariamente articulados o mesmo pode ser dito das dimensões De fato alguns desenvolvimentos teóricos nas diferentes tradições sociológicas e criminológicas passaram pela articulação e convergência entre as dimensões enfatizadas por uma ou outra corrente Estas elaborações apareceram como conjunção e integração de paradigmas explicativos diferentes Por exemplo Sutherland 1955 considerou tanto os controles desorganização social quanto as oportunidades criminais behaviorismo social como relevantes para explicar a delinquência de certa maneira antecipando ainda que de modo incipiente uma série de debates ocorridos na teoria e na pesquisa por meio do conceito de associação diferencial A teoria das oportunidades diferenciais CLOWARD OHLIN 1960 considerou que tanto as oportunidades legítimas quanto as ilegítimas são relevantes para explicar os resultados da tensão social assimilando dessa maneira elementos de motivação controle e oportunidade por meio da integração entre teorias da tensão social e da associação diferencial E a teoria da anomia institucional buscou combinar a análise das motivações tensão social com os controles laços e apoios sociais MESSNER ROSENFELD THOME 2008 Logo a seguir podemos ver uma Quadro que esquematiza os conceitos com os respectivos niveis e dimensões que formam os mecanismos causais 72 Quadro 4 Mecanismos sociais da violência homicida intencional Individual por que o indivíduo cometeu um crime violento Comunitário por que certa violência se con centra em algumas áreas e grupos Estrutural por que a violência criminal varia entre as cidades regiões ou países Motivação por que o ator recorre à violên cia Tensão internalizada entre aspirações subje tivas e situações vividas Subculturas delinquen tes disjunção entre metas hegemônicas de sucesso e acesso a meios institucionais legítimos da ação Constrangimento o que inibe a violência Autocontrole internali zado no processo de socialização Força da rede de Laços Sociais Instituições organizadas de controle e apoio social eficazes Meios ilegítimos o que facilita ou recom pensa a violência Oportunidades Crimi nais Associação Diferencial Violência sistêmica dos mercados ilícitos Crimes típicos expli cáveis até este nível cumulativo Crimes oportunistas e impulsivos brigas fur tos roubo de transeun tes abuso de psicoati vos Tráfico varejista e rou bos por quadrilhas ou bandos disputas entre gangues baixa corrupção no varejo lin chamentos Prática difundida de execuções sumárias violência policial pisto lagem grupos de exter mínio facções milí cias e cartéis crimi nalidade financeira e administrativa contra bando de armas tráfico internacional e ataca dista de drogas Elaboração própria a partir de revisão da literatura teórica e empírica 24 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo procuramos identificar os traços gerais dos estudos quantitativos sobre violência letal intencional no Brasil apontando as limitações das abordagens predominantes a epidemiologia da violência e a economia do crime e a relativa escassez de análises sociológicas quantitativas da criminalidade violenta Dessa maneira procuramos apresentar o esboço de uma proposta analítica para a realização dos estudos sociológicos quantitativos sobre o crime e a violência partindo da identificação de uma dicotomia predominante nas análises quantitativas 73 sobre crimes violentos de um lado os determinantes sociais identificados por meio de análises ecológicas que associam a incidência de crimes violentos à características das localidades e suas diferenciações intramunicipais e intermunicipais e entre camadas sociais de outro a abordagem utilitarista que considera o crime como uma escolha do indivíduo que ponderaria custos e benefícios da ação criminal preferindoa quando a expectativa de lucros supera os riscos certeza dureza e celeridade da punição Os resultados dos trabalhos analisados no entanto dialogam com algumas das teorias sociológicas da criminalidade e da violência sendo relacionáveis para corroborar ou questionar a categorias como tensão social privação relativa anomia institucional desorganização social controle social associação e oportunidades diferenciais No espírito de teorias sociológicas contemporâneas como as de Giddens 2008 e Bourdieu 2011 esquematizando as diversas categorias teóricas em dimensões motivação constrangimento e oportunidade e níveis individual comunitário e estrutural as quais combinadas entre si resultam em um pequeno kit de ferramentas explicativas para abordar os mecanismos sociais que produzem a violência criminal Constatamos que as diferentes dimensões e níveis analíticos são abordados por diversas tradições teóricas cada uma pondo uma ênfase maior em alguma dimensão e nível de análise dando às vezes uma impressão de radical fragmentação e dificultando a integração teórica O desafio a que nos propusemos dessa maneira foi articular as teorias sociológicas da criminalidade e da violência aos métodos quantitativos de pesquisa sem deixar de conversar com a ampla literatura sociológica qualitativa sobre os significados da violência para os atores envolvidos 74 3 ATORES E CONTEXTOS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA PROPOSTA DE UMA TIPOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS BRASILEIRAS Este capítulo possui caráter teórico embora construído também sobre uma literatura empírica qualitativa ou mista composta por estudos sobre contextos urbanos de alta violência e grupos criminais armados por meio de etnografia historiografia e até literatura memorialística o que pode ser considerado uma fonte primária A construção de tipologias abrange situações violentas letais grupos criminais violentos e configurações macrossociais da violência que correspondem aproximadamente aos conceitos níveis e dimensões causais especificados no capítulo anterior 31 APRESENTAÇÃO A criminalidade violenta em especial a agressão letal apresenta uma grande variedade e complexidade de formas e conteúdos sociais As pesquisas qualitativas de metodologia etnográfica ou histórica e orientação fenomenológicasocial vem tentando mapear descrever e interpretar estas diversas formas e processos de interação violenta No Brasil um país com altas taxas de homicídio doloso e de outros crimes porém de distribuição heterogênea entre os territórios e camadas sociais com ocorrências de violências criminais concentradas nas regiões metropolitanas e fronteiriças essa tarefa é realmente hercúlea exigindo numerosos estudos de casos e comparados abrangendo diferentes contextos processos e relações nos quais ocorre a violência criminal Neste capítulo apresentamos tipologias de situações e atores de organizações criminosas violentas e de configurações dos mundos do crime e mercados ilícitos baseada em uma revisão dos estudos urbanos sobre violência nas metrópoles brasileiras As tipologia foram construídas a partir de conceitos teóricos 75 da sociologia e da criminologia como também dos estudos qualitativos e mistos Na formulação clássica de Max Weber 1995 1999 os tipos ideais são construtos teóricos e analíticos que exibem uma coerência maior que a realidade social empírica mas auxiliam o pesquisador nas tarefas de descrição explicação e compreensão dos processos sociais O método tipológico acentua traços e características marcantes dos processos sociais por meio de uma operação que os simplifica na teoria sem confundir a tipificação com a realidade empírica mais complexa onde os traços típicos se mesclam e confundem Ao fornecer um quadro conceitual ordenado e consistente com o qual as evidências empíricas podem ser comparadas porém a tipologia contribui para acentuar características predominantes e especificar mecanismos causais De certa maneira Weber explicitou um procedimento que era adotado implicitamente por vários teóricos sociais anteriores e contemporâneos incluindo os economistas clássicos e filósofos da história assim como Friedrich Nietzsche e Karl Marx A explicitação tornou o princípio sistemático e rigoroso segundo os exemplos mais célebres os tipos ideais da ética protestante e do espírito do capitalismo e os tipos de dominação legítima tradicional carismática e burocrática juntamente com os seus subtipos mais ou menos explicitados Weber assim definiu a característica metodológica fundamental deste procedimento as tipologias são modelos heurísticos de conexões de sentido que permitem a interpretação teórica das motivações e atitudes dos atores sociais em uma dada situação objetiva As tipologias expostas neste trabalho estão longe de ter o alcance e originalidade das postuladas na obra de Max Weber constituindo muito mais uma tentativa ordenar e simplificar um conjunto crescente de evidências sobre casos singulares na esperança de identificar alguns mecanismos e processos causais que auxiliem na explicação das variações da criminalidade violenta no espaço e no tempo Para a exposição vamos inverter o procedimento de pesquisa apresentando primeiro um quadro resumido com as características diferenciais de tipos de situações organizações e configurações criminais e a seguir alguns estudos que a inspiraram 76 32 SITUAÇÕES MOTIVAÇÃO E ENVOLVIMENTO A violência homicida intencional transcorre em um conjunto heterogêneo de situações violentas nas quais ocorrem conflitos com desfecho fatal Estes confrontos são distribuídos de maneira variável entre as linhas históricas e geográficas e geralmente ocorrem entre indivíduos que se opõem menos por suas diferenças que por suas similaridades é por serem próximos e semelhantes que desejam o mesmo pois têm interesses idênticos e desejam os mesmos objetivos e não conseguem chegar a um acordo Uma situação violenta representa uma combinação específica de motivos e ausência de obstáculos entre autores e vítimas presentes em um local Apesar da enorme variedade de situações violentas conjugais sexuais brigas vinganças roubos disputas territoriais autodefesas etc algumas das situações típicas na sua combinação de local atores meios e motivos acabam representando uma parcela majoritária dos homicídios intencionais tornando as outras situações atípicas basicamente minoritárias residuais ou excepcionais CUSSON BEAULIEY CUSSON 2003 MIETHE REGOECZE 2004 A seguir apresentamos algumas das situações tipificadas e em seguida apresentamos alguns exemplos colhidos das pesquisas 77 Quadro 5 Situações e atores típicos dos crimes letais intencionais Tipos de crimes letais intencio nais Locais Situações Vítimas Autores Feminicídios e violência doméstica Residência e vias públicas Relações familia res e de gênero Mulheres e crian ças mais rara mente homens Homens adultos mais raramente mulheres adultas Brigas e disputas banais em espa ços públicos Locais de diver são e trânsito Atividades rotinei ras de desloca mento e diversão Homens mais frequentemente jovens Homens mais frequentemente jovens Roubos Vias públicas estabelecimentos comerciais resi dências Atividades e locais de trans lado trabalho diversão e repouso Transeuntes e famílias Homens jovens Trocas de tiros Vias públicas de áreas pobres das cidades favelas e periferias Disputas entre gangues por vin gança e pontos de venda de dro gas operações policiais Transeuntes membros de gan gues em geral homens jovens pobres e polícias Gangues homens jovens pobres e polícias Execução sumária Áreas pobres das cidades favelas e periferias espaços de con flito agrário Disputas por con trole proteção e extorsão de negócios ilícitos assassinato por encomenda ou retaliação Informantes delatores usuá rios endividados policiais mem bros de gangues e pistoleiros policiais mem bros de gangues e pistoleiros Fonte Elaborado pelo Autor a partir de pesquisa bibliográfica Estes tipos de situações violentas letais estão presentes em todas as regiões do Brasil mas as trocas de tiros e execuções sumárias tendem a se concentrar nas áreas menos afortunadas das grandes cidades sendo a execução sumária encontrável ainda em regiões de conflitos agrários e ambientais Podemos especular 78 que quanto maior a taxa de homicídios intencionais maior é a proporção de mortes representada pelas últimas linhas da Quadro Na Região Metropolitana de Fortaleza a nível da experiência e das percepções sociais nas localidades urbanas de alta concentração de pobreza e de violência os conflitos que surgem de condições objetivas específicas se traduzem em numerosas formas de violência abrangendo as conflitos territoriais entre gangues de jovens marginalizados as brigas entre amigos e conhecidos por questões aparentemente banais a truculência das abordagens e da extorsão policial as agressões contra mulheres e crianças e os roubos e furtos a domicílios transeuntes e ao comércio As numerosas formas de violência a que estão expostos os moradores dos bairros populares e favelas criam sentimentos generalizados e intensos de medo e desconfiança e a experiência de sofrer ou presenciar crimes leva a desejos de vingança e à adesão ao punitivismo Os moradores criam no seu cotidiano táticas de evitação social para administrar os perigos e constroem as suas próprias classificações sociais para lidar com a violência e o crime que os ameaça no cotidiano Distinguemse entre cidadãos ou trabalhadores que são merecedores dos seus ganhos em função da dedicação ao trabalho honesto vadios que são vistos como avessos ao trabalho e buscam sempre se acomodar a situações onde podem sobreviver sem precisar de trabalho remunerado fixo e por isso sempre tentados a cometer crimes e bandidos que são jovens perigosos que ameaçam a paz a segurança e os parcos bens adquiridos pelos trabalhadores com a renda do seu trabalho PAIVA 2014 Assim embora os moradores das áreas estigmatizadas sofram coletivamente com o estigma territorial que impõe a sujeição criminal aos territórios e por conseguinte aos seus moradores os próprios residentes destas áreas interpretam as coisas de outro modo criando várias distinções e hierarquias internas às periferias urbanas Da mesma forma embora as relações sociais sejam entremeadas por diversas formas motivações meios vítimas e agentes da violência os moradores trabalhadores as distinguem entre si considerando que algumas são mais justificáveis e outras mais puníveis PAIVA 2014 Em geral os crimes violentos contra o patrimônio e a dignidade sexual são repudiados de maneira mais decidida sendo os seus autores facilmente 79 considerados merecedores do assassinato Por outro lado os homicídios intencionais costumam ser situados em contextos morais que podem tornálos merecedores de maior repúdio ou pelo contrário amenizados em razão das circunstâncias que teriam motivado os autores É o caso por exemplo das violências que atingem os jovens classificados como bandidos ou seja tidos como ladrões e traficantes violentos cuja morte provoca sentimentos de alívio entre os moradores PAIVA 2014 Dessa forma tanto a violência policial quanto as vinganças e linchamentos são aprovadas contanto que não atinjam inocentes e trabalhadores apenas criminosos que causam problemas para os moradores Da mesma forma a violência contra crianças é considerada recomendável quanto possui motivações pedagógicas capazes de inculcar a disciplina nos filhos da família e a violência contra mulheres é tida como legítima quando traduz uma reação masculina à ofensa e desobediência femininas sobretudo contra o parceiro íntimo desta mulher PAIVA 2014 Já a violência entre gangues e dentro delas é vista com indiferença quando não atinja os trabalhadores e inocentes limitandose apenas aos jovens pobres envolvidos As microdistinções chegam ao ponto de dividir os mais pobres dos menos pobres entre os trabalhadores pobres sendo os mais pobres estigmatizados pelos menos pobres como criminosos da mesma forma que a favela casas mais precárias é tida como ninho de criminosos ao contrário do bairro área de casas mais antigas e estruturadas onde residiriam trabalhadores honrados PAIVA 2014 Os sentimentos de medo da criminalidade e de desconfiança sobre aos vizinhos tidos como suspeitos e frente à polícia tida como corrupta e ineficiente encorajam práticas de evitação social microdistinções e microhierarquias que contribuem para atitudes diferenciadas em relação às várias violências classificadas segundo suas vítimas e motivações ao mesmo tempo em que dificultam a construção de formas de solidariedade social local Nesse contexto a família o parentesco direto passa a ser a principal e quase exclusiva fonte de solidariedade e integração seguida pelo trabalho remunerado O explica porque as violências legitimadas são as justificadas por valores familiares tradicionais como a honra masculina a autoridade paternal e a obediência das crianças e jovens e pela norma 80 social de ganho pelo trabalho como o repúdio contra quem se esquiva da busca e dedicação ao emprego remunerado e a revolta contra quem atenta contra os bens adquiridos pelo trabalhador com o seu esforço pessoal PAIVA 2014 Dessa maneira os moradores da periferia de Fortaleza como os de outras metrópoles brasileiras conduzem as suas vidas em um cotidiano repleto de privações discriminações e ameaças exigindo maneiras de lidar não só com as dificuldades da vida material como também com diversos estigmas que negam a sua dignidade pessoal e coletiva Alguns deles adotam o caminho de se aferrar aos valores e normas da família tradicional e do trabalho remunerado buscando uma modesta ascensão econômica por meio do esforço pessoal tentando corrigir por castigos físicos e vinganças a desobediência das crianças e mulheres em relação a estas normas evitando locais e indivíduos considerados perigosos e avessos à moralidade familiar e laboral e ativamente desejando a morte destes indivíduos temidos e detestados Apesar disso há aqueles entre os trabalhadores pobres que buscam resgatar o sentido da solidariedade por meio do ativismo comunitário Outros pelo contrário preferem buscar no tráfico de drogas ilícitas e nos roubos um meio de acesso ao consumo desejado incorporando a identidade e estima social dos membros das gangues que funcionam assim como um mecanismo de inclusão no pertencimento coletivo e nos mercados ilícitos obtendo uma renda maior e mais rapidamente do que conseguiria pelo trabalho Este caminho no entanto é perigoso pois o uso de drogas ilícitas e a participação em coletivos criminais os expõe à violência das retaliações e disputas armadas entre gangues É arriscado ainda para aqueles que lhes são mais próximos e podem se tornar alvos de retaliações vinganças fogo cruzado e ataques por engano PAIVA 2014 Nas periferias e favelas de Salvador a restrição de acesso à justiça e a legitimação da violência com finalidades vingativas moralistas e pedagógicas são obstáculos para o aprendizado e efetivação da cidadania Na educação familiar há uma oscilação entre a permissividade e a repressão sendo comum a opinião de que as surras e a vigilância são necessárias para educar os filhos inculcarlhes a moral do trabalho e afastálos da delinquência Neste contexto o desemprego deslegitima a figura paterna tradicionalmente provedora de renda para a família cria enormes obstáculos à inserção dos jovens no mundo adulto A identidade masculina 81 fragilizada perde importância simbólica e econômica nas relações familiares e a transição entre a juventude e a idade adulta marcada pelo trabalho remunerado tornase cada vez mais problemática no contexto de alto desemprego e informalidade A necessidade de sobrevivência impele crianças e adolescentes a trabalhos informais nas ruas expondoas ao contato com bandos delinquentes Os grupos de jovens criminosos são organizados em torno de lideranças delinquentes que adquirem importância na regulação despótica de relações sociais locais muitas vezes os moradores procuram os líderes criminosos locais e não a polícia quando querem reparar ofensas reaver bens roubados pedir permissão para receber visitantes externos ao bairro Muitos moradores nessa situação prestam pequenos favores aos bandos delinquentes o que os torna também alvos da repressão policial violenta Essas relações ambíguas e instáveis levam os moradores a conceber interpretações que naturalizam demonizam ou individualizam as ameaças representadas pelos grupos criminosos às vezes são vistos como portadores de um mal inato outras vezes como possuídos pelo demônio e outras vezes como pessoas que optam pela violência e pela maldade e por isso são culpadas exclusivas pela criminalidade violenta que assola o local MACHADO NORONHA 2002 A polícia em geral é vista como uma instituição distante às vezes ausente ou omissa até sócia dos criminosos outras vezes como arbitrária violenta e injusta Há matizes no entanto a PM é alvo de maior desconfiança pela ação repressiva mais ostensiva padronizada e abertamente hostil pior informada sobre o contexto local por isso mais propensa a usar a violência de maneira indiscriminada atingindo trabalhadores e seus familiares enquanto a PC é vista como mais semelhante ao cidadão comum com maior conhecimento da realidade local e capacidade de diferenciar criminosos de trabalhadores Ambas as polícias estaduais no entanto tem a violência como instrumento principal de trabalho nos bairros pobres e usam violências físicas e morais nas abordagens Ambas as corporações policiais têm entre os seus servidores e exservidores partícipes de grupos de extermínio que praticam o assassinato por encomenda a extorsão de criminosos e a venda de segurança privada clandestina a comerciantes Os criminosos que não pagam propinas e favores aos grupos de extermínio são executados e tal qual as gangues 82 delinquentes os policiais desviantes impõem a lei do silêncio ameaçando e matando quem prestar queixa ou testemunho dos seus crimes A atitude dos moradores para com a violência policial é dupla deploram quando essa violência é motivada por corrupção ou quando atinge os trabalhadores mas aprovam a eliminação de criminosos que causam danos e desordens nas comunidades desfavorecidas No entanto os assassinatos cometidos pela polícia mesmo quando têm criminosos contumazes como vítimas provocam disputas pela liderança e controle territorial do crime o que muitas vezes causa desorganização no bairro trocas de tiros e atinge pessoas não envolvidas com a criminalidade A atitude dos moradores trabalhadores não envolvidos diretamente com a criminalidade expressa dessa maneira o profundo desamparo dessas comunidades esmagadas pela miséria abandonadas pelo Estado reféns das disputas violentas e dos arranjos instáveis entre grupos de jovens criminosos e entre estes e policiais corruptos ansiando por soluções rápidas que tragam mais tranquilidade e ordem para o cotidiano MACHADO NORONHA 2002 Apesar de ter fundamentos reais em uma série de riscos e vulnerabilidades identificáveis e quantificáveis a violência percebida não necessariamente corresponde à violência sofrida de tal maneira que períodos de crescimento de agressões letais são muitas vezes associados na percepção popular a maior tranquilidade e paz no bairro De maneira geral os crimes cometidos de maneira mais ou menos desordenadas por grupos de jovens marginalizados como roubos e furtos e confrontos armados entre gangues são vistos como sinônimo de violência e desordem enquanto que inversamente as violências policiais domésticas conjugais e linchamentos não são definidas como violentas O senso comum autoriza a violência física e moral contra alguns alvos e por certos motivos e justificações ao mesmo tempo demonizando e banindo outras associadas à desordem e à delinquência A duplicidade assim concebida representa uma tentativa coletiva de restabelecer e preservar uma ordem comunitária e familiar idealizada mesmo sob condições de pobreza desigualdade abandono e opressão em espaços urbanos segregados e estigmatizados NUNES PAIM 2005 Em Recife a ação policial exerce um efeito desestabilizador na rede de 83 relações em torno dos traficantes varejistas estimulando as disputas violentas de sucessão e território forçando traficantes varejistas usuários e microtraficantes consignados a renegociar constantemente os termos dos acordos de venda e consumo dos ilícitos além de indiretamente afetar as economias locais das periferias das quais dependem os consumidores Como pessoas pobres estes microtraficantes e usuários têm pouca capacidade de acessar a justiça para se defender de arbitrariedades e nenhum dos envolvidos pode acessar qualquer mediação judicial para resolver disputas conflitos e desentendimentos pois tratase de um mercado ilícito O problema da ausência de mediação judicial e da necessidade de fazer tudo na clandestinidade também ocorre aos traficantes e usuários de drogas ilícitas de maneira geral mas quando se tratam de pessoas mais pobres e dos setores varejistas o caráter aberto e descoberto junto com a maior repressão policial ostensiva contribuem para um nível de violência muito maior devido à desconfiança e instabilidade das negociações O comportamento policial merece um comentário à parte pois além da hiperrepressão que criminaliza a pobreza e desestabiliza o frágil equilíbrio das redes de relações do tráfico varejista há paradoxalmente um subpoliciamento Nas comunidades socialmente desfavorecidas há geralmente um menor efetivo policial alocado em proporção à área e população residente Em parte a atitude mais repressiva da polícia nas áreas de maior pobreza se deve à discriminação de classe e raça devido aos preconceitos dos policiais e ao apoio das classes média e alta mas também pode ser explicado como uma tentativa de compensar a menor proporção de agentes de polícia para realizar o controle da criminalidade em lugares aonde os crimes violentos costumam ser mais recorrentes e extremos De qualquer forma esse paradoxo da maior repressão policial com menor efetivo policial faz com que as favelas e periferias urbanas tenham menor aplicação da lei pela polícia e mais violência policial com todos os impactos negativos sobre a desconfiança na polícia na geração de tensão no tráfico de drogas local e na vitimização de pessoas não envolvidas no crime pelo fogo cruzado Por outro lado a repressão mais rara e cirúrgica da polícia sobre o tráfico atacadista e do varejo de classe média contribui para a maior estabilização das redes de interconhecimento entre os traficantes e entre estes e consumidores prevenindo a escalada de disputas violentas RATTON DAUDELIN 84 2017 Se é dura a repressão policial ao tráfico varejista de drogas ilícitas especialmente o tráfico de crack nas áreas urbanas estigmatizadas e aos traficantes e consumidores pobres o mesmo não podese dizer em relação aos homicídios dolosos De fato a capacidade investigativa da polícia pernambucana para a resolução dos crimes letais intencionais por exemplo é tradicionalmente muito baixa e lenta sendo comum a extrapolação do prazo e a devolução do inquérito à Polícia Civil com o pedido do Ministério Público por de maiores investigações policiais em razão da inconsistência ou fragilidade das evidências e indícios apresentados pelos investigadores E no próprio Ministério Público é comum a extrapolação dos prazos legais para a realização da acusação criminal A maior probabilidade de impunidade ocorre entre os crimes dolosos contra a vida nos quais há prisão em flagrante eou provisória dos suspeitos quando o andamento da investigação e julgamento costumam ser mais rápidos Neste contexto o Programa Pacto pela Vida introduziu um conjunto de mecanismos de incentivo à polícia para a resolução de crimes de homicídio doloso utilizandose de indicadores e metas de desempenho que visam proporcionar maior coordenação e empenho das equipes policiais em ações que sejam capazes de dissuadir os crimes letais intencionais RATTON TORRES BASTOS 2011 Para concluir esta sessão nos centros urbanos brasileiros o cenário de maior incidência da violência homicida intencional são as áreas segregadas e desfavorecidas de moradia nas quais se concentram a pobreza o desemprego e a informalidade e precariedade do trabalho e da moradia Se há mais desvantagens entre os indivíduos e famílias há menor e mais precária oferta de serviços e equipamentos coletivos urbanos As polícias em geral veem os moradores como suspeitos e potencialmente perigosos mas o policiamento nestas áreas é mais escasso De baixa renda e escolaridade médias especialmente em comparação com as áreas mais privilegiadas os moradores enfrentam enormes dificuldades para acessar direitos básicos e não podem pagar por advocacia e segurança particulares o que significa que em geral precisam se proteger e resolver seus conflitos por conta própria A presença de grupos criminosos e a fragmentação 85 sociocultural entre os moradores muitas vezes dificultam a formação de solidariedades locais fora do âmbito familiar estrito Além da luta pela obtenção de renda os moradores buscam se resguardar física e simbolicamente muitas vezes legitimando violências associadas a valores conservadores tradicionais como honra masculina e coesão familiar ou para punir transgressores e criminosos que ameaçam os bens e integridade dos outros moradores linchamentos e execuções de suspeitos PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 ADORNO NERY 2019 RATTON DAUDELIN 2017 MARRA 2008 33 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS VIOLENTAS As organizações criminosas não são de fácil definição Um caminho interessante é comparálas às organizações formais Esta ligação tem a vantagem de mostrar tanto as analogias como a operação de mecanismos de diferenciação funcional formação de lideranças recrutamento e adaptação às vicissitudes do contexto mais amplo levando à inovação incremental quanto às conexões já que as organizações formais estão sempre sobrepostas a relações informais entre seus integrantes e não integrantes Schabbach 2008 utiliza os conceitos de exclusão e de organização segundo a formação de Niklas Luhmann argumentando que nas sociedades modernas periféricas a exclusão se autonomiza e perde a complementaridade com a inclusão comprometendo a diferenciação funcional e dando origem a redes de proteção e favores com seus próprios critérios de inclusãoexclusão que estão excluídos do sistema social oficial mas influenciam o seu funcionamento Neste contexto ainda segundo Schabbach os grupos e redes criminosas adquirem características organizacionais estruturadas a partir de um conjunto de decisões interrelacionadas operando na lógica do ilícito e da exclusão que as delimitam e relacionam com outras organizações formais informais e criminosas adquirindo capacidade de inovação para se adaptar a pressões e oportunidades do ambiente social Operar na lógica da exclusão significa que o recrutamento do grupo criminoso não exige credenciais acadêmicas e profissionais tornandose uma oportunidade de ganho 86 financeiro e simbólico para setores que pelos critérios das organizações formais estariam excluídos ou quando muito relegados às piores posições A estes argumentos podemos acrescentar ainda que os grupos criminosos possuem características como liderança artefatos valores explícitos e suposições implícitas analogamente ao que foi constatado na análise das culturas organizacionais empresariais SCHEIN 2009 Embora os estudos qualitativos raramente tenham feito essa relação diretamente é possível observar a importância da liderança criminosa como direcionadora das metas e crenças do grupo as armas de fogo e o consumo ostensivo como artefatos mais comuns entre os grupos criminosos valores explícitos como os lemas das facções e o moralismo de grupos de extermínio e milícias e suposições implícitas sobre os usos da violência masculinidade respeito e sucesso Logo abaixo resumimos diferenças gerais entre os grupos de organizações criminosas violentas identificadas na revisão bibliográfica e em seguida apresentamos alguns estudos de caso 87 Quadro 6 Tipos de organizações criminosas violentas Tipo de organi zação criminosa Origem Protagonistas Negócio princi pal Negócios secun dários Gangue Favelas e perife rias pobres Jovens pobres tráfico varejista localizado roubos de lojas bancos e tran seuntes Banca de Jogos de Azar Ilegais Difusa Empresários policiais e expoli ciais Jogo do Bicho e outros jogos de azar ilegais Financiamento eleitoral e lava gem de dinheiro Comando CV TC PCC ADA FdN Balas Manos etc Prisões Presos por rou bos a bancos fundadores tra ficantes atacadis tas sucessores Tráfico atacadista e varejista de drogas ilícitas roubo a bancos e cargas contra bando de armas extorsão de comerciantes extorsão medi ante sequestro Grupo de exter mínio Polícia política tradicional coro nelismo Policiais execu tores e interme diários matado res freelancer executores empresários e políticos tradicio nais clientes assassinato por encomenda por vingança ou por retaliação Extorsão de comerciantes e criminosos con trabando de armas Milícia Polícia política local Expoliciais e ex militares funda dores empresá rios corruptores clientes políti cos de extrema direita beneficiá rios Extorsão de moradores e con trole de ativida des econômicas e políticas dos territórios Assassinato por encomenda coa ção e compra de votos financia mento eleitoral contrabando de armas tráfico de drogas Fonte Elaborado pelo Autor a partir de revisão bibliográfica As características tipificadas acima se referem a grupos organizados que usam da violência física e como tais operam em áreas desfavorecidas como favelas e periferias urbanas O grau de estruturação e conexão com instituições 88 políticas e policiais variam indo do nível mais baixo a gangue mais simples e distante da polícia e da política até grupos que se encaixam melhor em um conceito de crime organizado a milícia de fato entranhada à polícia e à política local Em comum todas são grupos hierarquizados que operam nos mercados ilícitos usando a violência como instrumento de extração ou controle de rendas e de exercício do poder Na Região Metropolitana de Belo Horizonte entre os protagonistas da violência como vítimas e como agentes destacamse os homens jovens e dentre estes os membros de gangues armadas que que residem nas periferias e favelas Os grupos de jovens delinquentes na RMBH são bastante fragmentados e a violência não decorre só de uma lógica instrumental para o negócio criminoso mas também de motivos ligados à identidade do grupo o que inclui valores de honra masculina vingança e manutenção da coesão e hierarquia do grupo Integrantes das gangues atribuem a si mesmos a missão de manter a ordem vingar delitos como furtos roubos ou estupros cometidos dentro do bairro ou favela por pessoas não pertencentes à gangue inibir os pedidos de ajuda à polícia e intimidar possíveis testemunhas dos crimes Em parte os próprios moradores reconhecem esse papel e procuram membros da gangue para ajudar a resolver problemas e conflitos entre os moradores A resolução privada e violenta de conflitos interpessoais tornase mais aceitável para os que vivem no contexto local marcado pela pobreza pela desconfiança mútua entre os moradores e pela negligência ou incapacidade estatal na provisão de segurança e justiça Surgiram neste cenário comum nas periferias e favelas da Grande Belo Horizonte alianças informais entre jovens despossuídos grupos que se dedicam a negócios criminosos como roubos e tráfico de drogas ilícitas utilizam armas de fogo e valorizam acima de tudo a capacidade de usar a violência para defender a si mesmo e a pessoas próximas e de vingar as ofensas e ameaças contra a própria pessoa grupo criminoso ou comunidade onde se vive Essas disposições se são adequadas para a manutenção da coesão da gangue e para as práticas lucrativas ilegais como o roubo e o tráfico de drogas varejista desencadeiam ciclos de disputas vinganças e retaliações que geram inúmeros assassinatos As motivações homicidas neste contexto se inserem na constituição e disputa pelo controle territorial de atividades econômicas ilegais e na busca por 89 lucro mas nem sempre são estritamente utilitárias ou seguem a lógica de uso eficiente da violência segundo um modelo de crime empresarial mas obedecendo antes à socialização violenta inerente aos valores e normas do mundo do crime e da lei da favela que são formulados e transmitidos pelas gangues de jovens pobres mineiros ZILLI 2015 Dessa maneira o mundo do crime da Grande Belo Horizonte é fracionado entre pequenos grupos criminosos com base nas diversas favelas e bairros metropolitanos alguns deles dividindo a mesma área ou ocupando frações da mesma favela A fragmentação e a proximidade potencializam a violência e por isso os homicídios dolosos em grande parte resultam dos conflitos disputas brigas e vinganças entre moradores dos mesmos bairros ou de bairros próximos muitas vezes previamente envolvidos com atividades ilícitas como o tráfico de drogas ilícitas Como essa dinâmica também retalia quem presta depoimentos ou informações à polícia investigativa é evidente a complexidade do trabalho policial para a resolução de crimes também aumenta quando o homicídio está ligado às disputas entre grupos criminosos ZILLI VARGAS 2013 Em contraste com a fragmentação do mundo do crime em alguns lugares e períodos observamos em algumas metrópoles a formação de agrupamentos mais amplos e estruturados que disputam entre si o controle de várias áreas das cidades Estes grupos são conhecidos como facções A dinâmica da violência letal intencional no Rio de Janeiro obedece a vários determinantes sendo o processo de urbanização desigual e segregador apenas um deles sendo importante considerar igualmente a emergência de redes criminosas violentas dedicadas a negócios ilícitos altamente rentáveis e por isso mesmo disputados e controlados por grupos organizados por meio da força das armas Dentre estes mercados ilícitos o principal é o tráfico de drogas ilícitas dividido entre facções ou seja organizações criminosas armadas surgidas e articuladas de dentro das prisões inicialmente e posteriormente estabelecidas em bases territoriais nas favelas Estas facções eliminam incorporam ou subordinam as antigas gangues de bairros articulando redes de poder mais amplas que controlam várias áreas marginalizadas que são utilizadas como pontos de distribuição e venda de drogas ilícitas A prevalência do mercado de drogas ilícitas no crime organizado carioca data do início da década de 90 1980 quando fatores de ordem internacional como a expansão da produção de coca para exportação nos países andinos ampliaram a oferta e o consumo da cocaína Até então o principal mercado ilícito no Rio de Janeiro era o jogo do bicho que nos anos 196070 foi centralizado em uma coalizão de banqueiros aliados dos governos militares Apesar da proibição formal datar dos anos 1940 foi no final dos anos 1960 que foram estabelecidas leis mais duras para repressão criminal ao tráfico de drogas ilícitas tornando a extorsão de traficantes cada vez mais lucrativas para os policiais O ponto de virada parece ter sido o aumento dos roubos a bancos praticados tanto por grupos de oposição armada à Ditadura Militar quanto por criminosos que buscavam o lucro privado Podese dizer que a prática do roubo a bancos forneceu a experiência organizacional e o capital inicial para negócios criminosos maiores Além disso o dispositivo de criminalização especial do roubo a bancos da Lei de Segurança Nacional de 1969 garantia que os ladrões políticos e comuns de bancos fossem encarcerados juntos como os leis de segurança O planejamento e coordenação exigidos para o roubo a bancos que também permite ganhar rapidamente grandes somas mais a proximidade forçada criaram a ocasião para o surgimento do Comando Vermelho que parece ter alcançado uma relativa hegemonia sobre o narcotráfico na primeira metade dos anos 1980 Depois disso no entanto houve um forte crescimento da criminalidade violenta no Rio de Janeiro devido tanto às divisões internas e territoriais entre os grupos de traficantes se aprofundaram e disseminaram e quanto à escalada da letalidade da reação policial principalmente depois de 1994 MISSE 2007 Dessa forma as facções do Rio de Janeiro guerreiam entre si pelo controle destas áreas utilizando para o comércio e a guerra do tráfico de drogas o recrutamento de jovens moradores pobres para servir como vendedores carregadores seguranças e combatentes Dentro desse universo de trabalho nos negócios ilícitos uma forma de identidade masculina mais violenta se difunde e consolida Tratase de uma masculinidade diferente daquela mais tradicional das classes populares que enfatizava o papel do homem como pai e esposo na provisão do sustento da casa por meio do trabalho manual Por meio do papel de trabalhador remunerado o jovem transitava para a maturidade adquiria autoridade marital e paterna e respeito entre os pares do mesmo gênero e classe social Em 91 lugar do tradicional trabalhador manual de resto muitas vezes desafiados pela antiga figura do malandro avesso ao trabalho bom de lábia e de briga aparece um estilo de juventude e masculinidade que prefere os ganhos rápidos e fartos que permitem o acesso ao consumo de prestígio mesmo que o custo seja arriscar a vida nos perigosos caminhos do tráfico de drogas ilícitas tornandose a um só tempo principal agente e mais provável vítima da violência letal intencional Para incorporar o papel do bandido a serviço do tráfico de drogas ilícitas o jovem pobre precisa demonstrar disposição para usar a violência contra todos os desafiantes sejam informantes da polícia consumidores de drogas endividados pequenos ladrões que atrapalham o varejo do tráfico traficantes das organizações inimigas ou até mesmo contra a polícia Os soldados do tráfico cooptados entre os jovens marginalizados atuam em guerras particulares que envolvem as várias facções criminosas e a polícia O papel desta última não deixa de ser ambivalente instável e variável às vezes cúmplice dos criminosos às vezes abusando a violência contra suspeitos pobres extremos que parecem interligados pelas práticas da corrupção policial e da seletividade penal Orientada por uma conduta histórica de discriminação e violência contra as camadas mais pobres e de cumplicidade não raro corrupta com as classes mais abastadas as polícias do Rio de Janeiro são vistas mais como um exército de ocupação hostil pela população mais pobre Nas favelas e periferias o policiamento é mais escasso porém mais violento A ideia de guerra contra o tráfico e o banditismo contribui para motivar a violência policial A desconfiança na polícia que não raro a justifica com a prática de corrupção ou de violência faz com que os principais mantenedores da ordem nos espaços urbanos da pobreza sejam paradoxalmente os criminosos Além de cobrar propina para proteger os negócios ilícitos e a própria vida dos criminosos atuais ou ex militares e policiais às vezes atuam no contrabando de armas que acabam no arsenal das gangues e facções treinando os soldados do tráfico no uso de armamentos modernos de guerra fuzis carabinas submetralhadoras granadas etc e nos assassinatos por encomenda que são utilizados pelas organizações criminosas para eliminar e castigar os subordinados desobedientes os delatores os concorrentes e os agentes públicos de conduta inconveniente para os negócios ilícitos ZALUAR BARCELOS 2013 Nas regiões Norte e Nordeste o mundo do crime também passou por 92 mudanças associadas a uma elevação da taxa de crimes letais intencionais Houve um considerável crescimento do narcotráfico no Norte do Brasil em razão do uso das vias amazônicas como rotas terrestres fluviais e aéreas de distribuição e escoamento de cocaína produzida nos países andinos para o mercado interno brasileiro e para exportação para a Europa e África Estas vias clandestinas também servem para o contrabando de produtos necessários ao beneficiamento da pasta base em laboratórios clandestinos no Brasil Bolívia Peru e Colômbia Além da fronteira com os países produtores andinos a própria vastidão e diversidade de vias de transporte utilizáveis a possibilidade de usar matas e rios para se locomover escondido e construir pistas de pouso e laboratórios em fazendas particulares tornam a região amazônica privilegiada para a logística do tráfico internacional verdadeira rede empresarial transnacional articulada à lavagem de dinheiro e à corrupção política policial e judiciária Esta geopolítica do narcotráfico tem efeitos amplos sobre a violência nas metrópoles amazônicas favorecida pela atuação precária do Estado e criando lacunas que são aproveitadas pelas redes criminosas COUTO OLIVEIRA 2017 A geopolítica do narcotráfico articula os locais viram nexos ou nós nas redes de distribuição como fronteiras e vias de transporte clandestino a lugares sob controle e domínio territorial violento em geral nos bairros pobres das grandes cidades Aproveitandose das facilidades de transporte terrestre e rodoviário e navegação pela Baía de Guajará da corrupção policial e da vulnerabilidade social especialmente entre os jovens o narcotráfico articula redes de distribuição e domínios territoriais do comércio de drogas na Região Metropolitana de Belém O tráfico não surge das favelas ou periferias mas as utiliza como pontos de venda sob domínio armado por encontrar nelas as condições favoráveis para as suas atividades ilícitas exatamente por causa das carências e estigmas sofridos por seus moradores convertendo alguns jovens pobres em mão de obra baratíssima da economia ilegal E por sua inserção territorial a Região Metropolitana de Belém é estratégica para o escoamento e distribuição de drogas ilícitas em especial da cocaína levando a uma geografia econômica e política do narcotráfico centrada nas vias de circulação e áreas marginalizadas de Belém COUTO 2018a 93 Na Região Metropolitana de Fortaleza em período mais recente as disputas territoriais entre as gangues armadas recrudesceram com situações de domínio de curta duração em áreas marginalizadas sucessões e disputas sangrentas entre as lideranças locais O domínio territorial de uma liderança criminosa é imposta pela força letal sendo constantemente ameaçada por outros bandos que buscam controlar os pontos de vendas de drogas ilícitas As ações dos grupos criminosos provocam ressentimento e revolta que impelem para conflitos em busca de vingança ou para a não colaboração da comunidade com o patrão local Somase a isso à tendência à formação de facções isto é de coletivos de presidiários que se tornam verdadeiras organizações criminosas em expansão buscando incorporar subjugar ou exterminar os demais grupos criminosos dentro das prisões ou nas ruas das favelas e periferias Esta lógica da violência das gangues não condiz com os princípios de uma racionalidade instrumental pela qual a força das armas seria apenas um meio de impor o controle sobre mercados ilícitos e garantir o maior lucro no curto prazo aproveitando as oportunidades e evitando os riscos criados pela proibição Pelo contrário se há de fato uma busca pelo lucro por meio da violência há também motivos expressivos relacionados à identidade pessoal e pertencimento ao grupo implicando na ideia de que ofensas e ameaças ao indivíduo e ao seu grupo local devem ser respondidos com violência física de preferência ostensiva e extrema Os ciclos de disputas e vinganças entre grupos criminosos vêm causando um aumento exponencial dos homicídios na Grande Fortaleza vitimando tanto aqueles que estão envolvidos com o tráfico de drogas quanto os que não estão PAIVA 2019 MORAES SIQUEIRA 2019 O mundo do crime da Região Metropolitana de Porto Alegre atualmente é dividido entre facções criminosas organizadas de dentro dos presídios instalados na metrópole Embora coexistam separadas nas galerias do sistema prisional estes grupos organizados a partir das unidades prisionais em especial do Presídio Central iniciaram com a criação da Falange Gaúcha sob influência ideológica e repercussão do Comando Vermelho carioca em 1987 A Falange Gaúcha liderou rebeliões prisionais desde então forçando concessões e reações das autoridades estaduais até que estas tomaram a decisão de passar a gestão do Presídio Central para a Brigada Militar a PM gaúcha em 1995 A política seguida pela BM desde 94 que assumiu o controle da unidade prisional foi de separar o presídio em galerias autogeridas pelos presidiários alocando os presos de acordo com o seu pertencimento a uma gangue ou ao seu bairros de moradia em Porto Alegre e negociar separadamente com as lideranças criminosas de cada galeria a administração da paz e da ordem dentro do cárcere Essa política contribuiu decisivamente para a relativa estabilização interna das prisões da metrópole central gaúcha mas igualmente contribuiu para a formação e fortalecimento de grupos criminosos territoriais que coexistem separados em diferentes galerias no sistema prisional mas disputam pela violência armada os territórios urbanos do tráfico de drogas ilícitas Grupos que se formaram nos bairros ou que surgiram dentro das galerias prisionais passaram a contar com uma base fixa e um fluxo de novos clientes e recrutas em potencial tudo ligado às unidades territoriais de origem ou que controlavam Com isso desenvolveram identidades coletivas e lideranças negócios dentro das galerias e dos bairros ligando as áreas urbanas de Porto Alegre às diferentes galerias das unidades prisionais As relações dos membros das ganguesfacções com a administração penitenciária com os demais presos e com os moradores dos bairros que controlam são ambivalentes pautadas por favores e serviços ameaças e retaliações violentas Para com as autoridades penitenciárias oscilam entre a colaboração pela manutenção da ordem e a ameaça de rebelião negociando a estabilidade dentro dos muros das prisões e ocupando nichos de negócios criados pela própria anomia e escassez dentro das prisões Em relação aos presos e suas famílias prestam proteção e serviços vitais para a sobrevivência dos presos e o contato com os familiares em compensação se impondo como chefes e exigindo o pagamento e retribuição dos favores criando dívidas e incentivando carreiras criminais leais à facção Com os moradores dos bairros que dominam as gangues têm uma ação dupla De um lado a imposição despótica de regras e ordens pela força das armas sobretudo para garantir o controle de negócios ilegais e informais tráfico de drogas transporte clandestino organização de roubos entre outros extrair renda por meio de taxas de proteção e regular as relações dos moradores com a polícia e com moradores de áreas dominadas por grupos inimigos Por outro lado a ação considerada positiva para a manutenção da ordem comunitária local ajudando moradores a resolver conflitos pessoais usando 95 a violência e ameaça dentro do território contra os criminosos não pertencentes à gangue e até distribuindo alguns favores econômicos em troca de lealdade pessoal No entanto a dimensão de negócio lucrativo tem cada vez mais sobrepujado a dimensão comunitária e a guerra entre os grupos criminosos nos bairros populares tem sido o custo crescente da pacificação interna das unidades prisionais CIPRIANI 2016 CIPRIANI AZEVEDO 2015 O mundo do crime na metrópole de Salvador era caracterizado pela extrema fragmentação Fora o território de residência e ação os criminosos não tinham qualquer identidade entre si para promover a sua união e organização Este cenário tinha impactos importantes no sistema prisional gerando constantes rebeliões desordens e conflitos entre grupos rivais e entre estes e a administração e segurança internas das prisões A solução encontrada foi similar à praticada em vários outros sistemas prisionais estaduais negociar com lideranças criminosas encarceradas a manutenção da ordem e a mediação de conflitos entre presidiários dentro das unidades prisionais com presos realocados de acordo com o pertencimento a grupos ou apenas por área de residência na cidade o que pouco a pouco gerou uma sobreposição entre territórios urbanos e grupos de presos Dessa maneira de um universo criminal e prisional bastante fragmentado os grupos criminosos baianos dedicados ao tráfico de drogas ilícitas e aos roubos mais lucrativos a bancos e a carrosfortes foram se aglutinando em torno das lideranças prisionais que ajudavam as autoridades penitenciárias a manter a ordem atrás das grades Esse processo de agrupamento das gangues sob identidades e lideranças mais amplas consolidou dois grupos criminosos formados dentro das prisões Ambos realizaram contatos negócios e alianças com grupos análogos do Rio de Janeiro e de São Paulo com o objetivo de disputar e centralizar a distribuição de drogas ilícitas na capital e metrópole de Salvador O domínio territorial nos bairros mais desfavorecidos e estigmatizados a colaboração com a direção prisional para a manutenção da ordem interna e serviços prisionais pagos pelos próprios presos protegidosreféns da organização e a disputa pelo controle do tráfico de drogas ilícitas passaram a se retroalimentar mutuamente O poder obtido dentro das galerias prisionais e dos bairros correspondentes serviu para obter mais lucro e o lucro obtido com a exploração de negócios ilícitos dentro das prisões e nos pontos 96 de venda e distribuição das favelas e bairros periféricos serviram para a obtenção de poder prestígio soldados armas territórios e suborno de um lado e extorsão de presos e seus familiares tráfico de drogas ilícitas roubos de grande porte e contrabando de armas de outro É claro que as gangues assim formadas passaram a guerrear entre si pelo butim levando à escalada dos homicídios intencionais em Salvador LOURENÇO ALMEIDA 2013 Analisando reclamações contra militares estaduais junto à Corregedoria da Polícia Militar do Pará nos municípios da Grande Belém SILVA e SOUZA 2016 argumentam que há uma conexão entre a violência e a corrupção policiais pois supõem que as agressões físicas cometidas por policiais resultam do fracasso da negociação entre policiais e criminosos Assim o narcotráfico e a corrupção levariam à violência A corrupção por sua vez está ligada à discricionariedade e aos mercados ilícitos em especial de drogas ilícitas A ameaça da violência policial é um instrumento de extorsão servindo para a obtenção de vantagens ou retaliação contra quem prejudica ou não atende aos interesses particulares do policial Estes comportamentos violentos são aprendidos na convivência com pares mais antigos da polícia e muitas vezes não são combatidos pelos órgãos de controle interno e externo da polícia perpetuando uma cultura policial autocentrada violenta e autoritária Nesse contexto surgem grupos paramilitares ligados à polícia e que operam pela mesma lógica de controle territorial das gangues de traficantes de drogas ilícitas das favelas e periferias da Região Metropolitana de Belém ou seja pela privatização violenta do território e exploração de atividades ilícitas com vistas ao lucro No entanto o envolvimento policial com a criminalidade organizada é mais amplo abrangendo a participação no contrabando de armas extorsão de traficantes e assassinato por encomenda a ponto de COUTO 2018b falar de narcomilícias que combinam as características da participação de ex policiais e ex militares com a atividade do narcotráfico Nos últimos 20 anos surgiu no Rio de Janeiro uma variedade territorializada destes grupos paramilitares as chamadas milícias De maneira similar às gangues e facções criminais os bandos milicianos ocupam áreas marginalizadas da cidade nos quais há múltiplas privações materiais e simbólicas concentradas acentuando a 97 vulnerabilidade dos moradores Nestes locais os paramilitares extorquem moradores e comerciantes e controlam atividades econômicas diversas a começar pela segurança particular das ruas e incluindo ainda outros negócios locais como transporte clandestino gás de cozinha internet e TV a cabo tráfico de drogas ilícitas Envolvemse direta ou indiretamente na política local apoiando alguns candidatos e combatendo outros quando não se lançam diretamente como candidatos transformando a área que controlam pela violência em um curral eleitoralMISSE 2007 ZALUAR BARCELOS 2013 ZALUAR CONCEIÇÃO 2007 DUARTE CANO 2012 Em meio ao ambiente hobbesiano criado pelas guerras entre facções potencializadas pela corrupção e violência policiais muitos cidadãos e empresas têm recorrido à segurança privada em variadas formas de dispositivos de vigilância e controle de acesso instalados em edifícios residenciais e comerciais até a contratação de vigilantes armados e carros blindados Só uma parcela dessa segurança privada no entanto é formalizada Há muitos serviços informais de vigilância privada muitos oferecidos por policiais e expoliciais em horas de folga Para empresas e moradores mais abastados a vigilância privada informal é um serviço contratado que às vezes se mistura à pistolagem Mas não é uma opção para a maioria da população e principalmente para os mais pobres cujas favelas acabam às vezes ocupadas por grupos paramilitares ilegais conhecidos como milícias que se impõem pela intimidação e violência Esta é a diferença da milícia para a segurança privada informal se impor pela coerção armada à semelhança das gangues de traficantes A principal diferença entre as milícias e o narcotráfico é que as primeiras contam a participação de policiais e expoliciais o que contribui para uma postura de indiferença e cumplicidade das corporações policiais e facilita a sustentação de um discurso moralista pelo qual os milicianos se apresentam como protetores da comunidade contra o avanço do tráfico de drogas ilícitas MISSE 2007 ZALUAR BARCELOS 2013 ZALUAR CONCEIÇÃO 2007 Conforme os estudos de caso em muitas cidades constatase a existência de grupos criminosos violentos que operam no narcotráfico e outras atividades ilícitas lucrativas extorsão roubo assassinato por encomenda mas também com 98 propósitos expressivos e simbólicos utilizando da violência e dos favores para garantir a própria manutenção e sobrevivência do grupo e dos seus negócios ilícitos envolvendo a coerção de testemunhas a corrupção de agentes públicos as disputas por poder dentro dos grupos criminosos e confrontos territoriais entre os bandos criminosos Os homens jovens com baixa esperança de ascensão social pelo mercado de trabalho por terem baixa escolaridade e sofrerem estigmas raciais morais e territoriais são os principais integrantes desses grupos no âmbito local sendo empregados no tráfico de drogas ilícitas no varejo e outras ações ilícitas mais arriscadas O engajamento de homens jovens pobres nos mercados ilícitos também expressa uma busca por autoestima e respeito dos pares acesso a parceiras sexuais e proteção mútua e vingança contra outros grupos de jovens que constituem ameaças em potencial Diante das dificuldades e impossibilidades de acesso à justiça formal e à segurança pública ou privada o recurso a soluções privadas para a resolução de conflitos é frequente Às vezes as gangues de jovens reivindicam a manutenção de um algum tipo de ordem comunitária e moral utilizando a força das armas e às vezes negociação e favores Por outro lado as gangues sempre coagem os moradores contra a colaboração com a polícia impondo uma lei do silêncio Não é incomum a construção de uma relação hostil entre os pobres trabalhadores e criminosos Isso ocorre principalmente quando as gangues cometem ou não retaliam crimes violentos e patrimoniais contra os trabalhadores MARRA 2008 PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 NUNES PAIM 2005 ADORNO NERY 2019 ZILLI 2015 ZILLI VARGAS 2013 RATTON DAUDELIN 2017 Dentro deste universo no qual se desenvolve uma correlação entre violência policial e privada corrupção policial jurídica e política lavagem de dinheiro e negócios ilícitos narcotráfico jogatina assassinato por encomenda contrabando de armas extorsão etc a formação de gangues armadas nem sempre se restringe apenas aos jovens pobres Muitas vezes policiais e militares formam seus próprios grupos armados informais às vezes em parceria com particulares entre os quais ex policiais exmilitares empresários e políticos Em épocas e locais diferentes estes grupos com participação policial tiveram rótulos distintos esquadrão da morte grupo 99 de extermínio grupo paramilitar e milícia A principal diferença destes grupos paramilitares para as gangues e facções criminais é que os primeiros possuem uma ligação direta com os órgãos de segurança pública e beneficiamse do treinamento e experiência profissional que seus integrantes adquiriram na função policial isso quando não utilizam até mesmo os recursos materiais e operações policiais ao seu favor Os grupos paramilitares ilegais surgiram por iniciativa de policiais e militares com a cumplicidade das autoridades políticas e militares Inicialmente os grupos de extermínio não possuíam território definido atuando em ações pontuais como assassinatos por encomenda extorsão e proteção de criminosos obstrução de investigações criminais contrabando de armas de fogo etc Assim a ligação destes grupos com a polícia e a política e o discurso de autojustificação reverberado por parte da imprensa que alegava que os grupos paramilitares estariam caçando criminosos perigosos que até então se beneficiavam da lentidão e benevolência do Judiciário ajudaram a garantir a cumplicidade e impunidade para as ações e integrantes dos grupos de extermínio É possível que essa atuação tenha auxiliado na expansão do narcotráfico e certamente contribuiu para a consolidação do jogo do bicho e a escalada dos homicídios dolosos Muitas vezes as práticas de extorsão e venda de proteção se estendiam para comerciantes e empresários comuns MACHADO NORONHA 2002 SILVA e SOUZA 2016 COUTO 2018b MISSE 2007 BICUDO 1977 MANSO 2010 BARCELLOS 2012 SOARES 2001 34 CONFIGURAÇÕES DOS MERCADOS ILÍCITOS Ao longo da exposição dos casos sobre organizações criminosas emergem questões e evidências relativas à configuração destes mundos do crime e mercados ilícitos entendendo por configuração o arranjo entre os grupos e organizações criminosas no âmbito dos mercados ilícitos o que define uma estrutura de poder que regula as interações entre os atores destes mercados A estas configurações corresponderiam a diferentes frequências de trocas de tiros e acertos de contas entre grupos criminosos resultando em variações da violência homicida intencional A lógica seria que os homicídios intencionais sendo em sua maioria desfecho 100 da competição armada entre grupos criminosos pelo domínio territorial dos negócios ilícitos teria uma conexão com o fracionamento do mundo do crime A dispersão em gangues locais disseminariam conflitos armados enquanto a faccionalização aumentaria a disposição e meios das organizações de grande porte mas divididas para disputar territórios pela violência Quando o mundo do crime está concentrado e centralizado sob um grupo organizado dominante a violência criminal decairia junto com a drástica redução das disputas territoriais afinal já teria se consolidado um grupo vencedor das guerras de gangues A seguir resumimos uma tipologia das diferentes configurações do mundo do crime 101 Quadro 7 Configurações do mundo do crime nas metrópoles Configuração Casos Frequência de trocas de tiros Frequência de execu ções sumá rias Narcotráfico e jogo do bicho Centralizado Tráfico de drogas em SP a partir de 2001 Jogo do Bicho dos anos 1980 em diante Baixa Baixa Faccionalizado Tráfico de Drogas ilícitas no Rio de Janeiro depois de 80 Porto Alegre depois de 95 Salvador depois de 2000 Fortaleza depois de 2010 Alta Alta Fragmentado ou disperso Tráfico de drogas em São Paulo antes de 2000 Belo Horizonte Belém Fortaleza antes de 2010 Vitória Recife e Belém Alta Alta Centralizado Pistolagem e milicianismo Grande Vitória entre 1970 e 2000 Média Alta Faccionalizado milícias no Rio de Janeiro depois de 2000 Alta Alta Fragmentado ou disperso São Paulo Rio de Janeiro antes das milícias Belo Horizonte Belém Recife Salvador e Vitó ria depois de 2000 Alta Alta Fonte Elaborado pelo Autor a partir de pesquisa bibliográfica Em alguns casos as gangues permanecem dispersas fragmentárias cada uma agindo isoladamente dentro do seu bairro às vezes com várias gangues disputando o mesmo bairros Noutros surgem comandos que submetem incorporam ou exterminam as outras gangues formando uma espécie de confederação criminosas processo denominado de faccionalização em analogia aos processos de divisão partidária na política institucional O processo de formação 102 de facções criminais aparece sempre articulado ao encarceramento e à desordem no sistema prisional Os grupos de criminosos que deram origem à faccionalização nos diferentes Estados formaram coletivos de presos inicialmente com o propósito de sobrevivência e autodefesa nas duras e brutais condições de encarceramento e muitas vezes sob a liderança de assaltantes de bancos e cargas como foi o Comando Vermelho no Rio de Janeiro a Falange Gaúcha em Porto Alegre e o Primeiro Comando da Capital em São Paulo A experiência de planejamento e organização dos roubos a bancos e cargas parece ter contribuído para a capacidade de se organizar de dentro das prisões mas no caso carioca o primeiro o contato com presos políticos da Ditadura Militar parece ter influído no processo também Da organização para a sobrevivência defesa mútua negociação com a administração penitenciária e fuga da prisão os coletivos passaram a se organizar para cometer crimes fora da prisão sobretudo para assumir o controle do tráfico de drogas ilícitas Apesar de terem se organizado inicialmente em oposição às gestões penitenciárias acusadas de desrespeitarem as próprias leis penais que deveriam cumprir a relação entre a administração e as facções também envolveram negociações e muitas vezes os administradores acabaram por incentivar indiretamente a faccionalização vista como mal menor em comparação às rebeliões sistemáticas O próprio sistema penitenciário passa a servir como fonte de renda e de pessoal para as organizações criminosas com a venda de proteção e produtos para os presos e os seus familiares e o recrutamento de presos que moravam em bairros controlados pela facção A capacidade de manter a ordem dentro das prisões e pressionar a administração penitenciária assim como de controlar vários bairros de áreas marginalizadas das cidades e regiões parecem retroalimentarse com uma espécie de poder político e econômico informal das facções relacionada não só ao poder das armas renda dos negócios ilícitos e número de integrantes como também pelo prestígio e capacidade de pressionar as autoridades políticas e agentes públicos O processo de expansão das facções o surgimento de organizações diferentes ou divisão de um dos movimentos por conta de disputas internas parecem ter acirrado a violência As disputas territoriais entre as facções parecem ter detonado corridas armamentistas o que pode ter reforçado nas polícias a inclinação reativa para também ampliar do seu próprio poder de fogo A tendência 103 já era observada sob a Ditadura Militar mas relacionada à repressão política Em muitos casos as facções se espalharam e infiltraram em outros Estados além daqueles de sua origem em muitos casos formando alianças com grupos locais e noutros entrando em confronto A faccionalização também parece ter permitido que alguns grupos mais organizados lideranças das facções ampliassem a atuação para além do varejo operando também na importação exportação e distribuição de drogas ilícitas contrabando de armas e lavagem de dinheiro Mas apenas em São Paulo o processo de formação e disputa de facções levou ao domínio de uma o Primeiro Comando da Capital sobre os demais grupos criminosos que acabaram subordinados exterminados ou isolados pela organização dominante O processo de expansão e consolidação do PCC nas galerias das prisões e nos pontos de venda das periferias e favelas se relacionou a uma curva em U invertido das taxas de homicídios dolosos em São Paulo ou seja inicialmente as guerras entre grupos escalaram a violência letal na cidade e as rebeliões prisionais mas uma vez consolidada a liderança do PCC acabou estabilizando e até reduzindo a violência entre criminosos por uma espécie de regulação política informal dos mercados ilícitos com a difusão de regras e práticas como os tribunais do crime ADORNO NERY 2019 DIAS 2017 ZALUAR BARCELOS 2013 GODOI 2017 MISSE 2019 35 SÍNTESE DO CAPÍTULO O propósito deste capítulo foi a elaboração e exemplificação de tipologias organizadas a partir de características diferenciais de situações e organizações que possuem como denominador comum a prática da violência homicida intencional seja como desfecho imediato da situação criminal seja como uma ferramenta de trabalho e risco ocupacional dos recrutados pelos grupos criminosos A relação entre os grupos criminosos que se estrutura como uma configuração do mundo do crime e dos mercados ilícitos possuiria impactos significativos sobre a incidência da criminalidade violenta letal intencional sobretudo quando falamos da frequência das trocas de tiros entre bandos armados e aos acertos de contas entre e dentro de grupos criminosos violentos 104 Dessa maneira existe uma certa relação entre situações organizações e configurações criminais violentas na medida em que podemos observar que parte das situações está ligada à existência de organizações enquanto os grupos criminosos estabelecem entre si e com organizações e instituições oficiais relações complexas de conflito indiferença instrumentalização e colaboração Os grupos criminosos estabelecem relações complexas com as organizações policias que são alternativamente evitadas corrompidas instrumentalizadas ou enfrentadas por diversos grupos criminosos de acordo com os interesses posições sociais e percepções dos seus integrantes Além disso todos os grupos criminosos estudados pelos pesquisadores brasileiros se dirigem para objetivos financeiros e em um sentido não convencional propósitos políticos visando o enriquecimento dos seus membros e principalmente dos seus líderes e evitar investigações e punições judiciárias Assim os grupos criminosos acabam construindo para si formas de poder informal que às vezes se assemelham a práticas antigas da política institucional brasileira como as trocas de favores as ameaças e as retaliações violentas típicas do coronelismo e do clientelismo por exemplo Aliás Vitor Nunes Leal 1975 também frisou a importância da instrumentalização da polícia para o coronelismo político seja para perseguir adversários seja para proteger as lideranças e aliados políticos sendo ainda comum o recurso a serviços de indivíduos e grupos armados pistoleiros e jagunços Como o poder econômico era um meio de obter poder poder político e este de obtenção de vantagens econômicas a diferenciação entre política e econômica não era bem delimitada o que é característica também dos atuais mercados ilícitos Na economia criminal a mediação institucional da concorrência pela burocracia tornase impossível pois as mercadorias negociadas são proibidas e sua produção posse e troca criminalizada pelo Estado A violência é usada para vários fins nestes contextos é um meio de defesa de territórios e posses ou de tomada dos mesmos dos concorrentes de dissuasão e negociação com a polícia de retaliação contra informantes consumidores inadimplentes e delatores e de imposição e reforço da hierarquia dos próprios grupos criminosos Complementando 105 a violência armada está a negociação ou concessão de favores como o pagamento de propinas para membros da polícia em troca de proteção ou distribuição de favores para os moradores das áreas pobres onde se instalam os grupos criminosos para obter uma boa relação com a comunidade Os grupos criminosos mais estruturados como as bancas os comandos e as milícias no entanto não deixam de ter similaridades com empresas visar o lucro financeiro dos seus membros e principalmente líderes se organizar em torno de lideranças que definem as regras e metas do grupo constituindo artefatos armas de fogo consumo ostensivo etc compartilhando valores explícitos lemas e justificativas para suas ações e suposições implícitas noções de masculinidade prestígio e poder As organizações criminosas se diferenciam por sua origem protagonistas atividades principais e secundáriasA relação entre os grupos criminosos constitui uma configuração particular e local da criminalidade violenta uma ordem política informal dos mercados ilícitos que segundo os pesquisadores teria efeitos sobre a incidência de eventos como as trocas de tiros e execuções sumárias O caso mais nítido teria sido a ascensão do PCC como organização criminosa hegemônica no tráfico de drogas ilícitas em São Paulo o que correspondeu num primeiro momento ao crescimento das taxas de homicídios dolosos quando o grupo lutava para dominar prisões e favelas contra as gangues dispersas e contra as forças de segurança e num segundo momento de redução do índice de homicídios dolosos ao menos aqueles ligados a guerras de gangues e acertos de contas quando a organização logrou se consolidar como hegemônica e estabelecer regras entre os criminosos Assim estabeleceuse uma ordem dual onde a institucionalidade oficial regula interações entre estratos médios e superiores enquanto a institucionalidade clandestina do PCC regula as interações nas prisões e favelas de São Paulo Esta hipótese causal é sugerida pelo contraste com a situação anterior de dispersão e fragmentação do tráfico de drogas em São Paulo e das situações contemporâneas como a faccionalização no Rio de Janeiro Porto Alegre Salvador e Fortaleza É difícil no entanto fazer uma inferência e generalização deste tipo na medida em que é preciso considerar e controlar por outros fatores que poderiam ser relevantes 106 como o consumo de ilícitos em especial drogas acesso a armas de fogo dinâmica do mercado de trabalho e políticas públicas sociais e de segurança 107 4 MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA E VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO Neste capítulo realizamos uma análise da subnotificação de homicídios intencionais com especial atenção à possível conexão entre violência policial e mortes violentas por intenção indeterminada Esta problemática está ligada à questão da produção de estatísticas criminais e vitais já que a classificação das morbidades e mortalidade por violências está parcialmente ligada às categorias do direito penal e ao trabalho da polícia responsável por identificar informações situacionais que embasam o registro de mortes violentas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças CID Enfocamos os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro encontrando evidências favoráveis à hipótese de uma ocultação estatística da violência policial Também apresentamos métodos para corrigir a taxa de homicídios intencionais na esperança de reduzir o viés de subnotificação 41 APRESENTAÇÃO A associação entre a violência policial e a mortalidade por violências cuja intenção é indeterminada foi conjecturada por Glaucio Soares 2008 Daniel Cerqueira 2012 2013 apresentou modelos estatísticos que ligam a maioria das mortes por intenção indeterminada a homicídios intencionais por similares em diversos quesitos mas não averiguou se haveria conexão com os crimes cometidos por policiais e militares Análises sobre o processamento e controle da violência policial mostram que os procedimentos burocráticos e narrativas jurídicas produzidas sobre as mortes causadas por ação policial tornam opacas as circunstâncias destes homicídios o que poderia comprometer a produção da informação pelos serviços de saúde levando à indeterminação da intencionalidade da violência que levou à morte Para começar discutimos as definições institucionais da violência que se 108 combinam na construção das estatísticas de homicídios intencionais as definições jurídicas baseadas na legislação e que atentam para as intenções do agente e as circunstâncias da ação que resultou na morte e a definição biológica e sanitária que dá maior ênfase à corporalidade da violência A seguir comentamos as literaturas respectivas sobre as estatísticas criminais e vitais sobretudo as possíveis lacunas na sua produção no Brasil e sobre a violência policial especialmente nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo Procedimentos jurídicos e burocráticos utilizados para o controle e processamento das mortes causadas por ação ou reação policial dão origem a narrativas jurídicas padronizadas de confronto armado segundo as quais a letalidade da polícia decorre da resistência armada à prisão por crimes flagrados pelos policiais que apenas se defenderam revidando a injusta agressão É comum que o depoimento do policial autor do homicídio seja tomado como verdade jurídica sem precisar de maior corroboração com evidências materiais terminando com a polícia judiciária e o Ministério Público requisitando o arquivamento do caso sem investigações mais aprofundadas Pela narrativa jurídica da resistência à prisão seguida de morte a vítima do homicídio se torna culpada da própria morte e suspeita de um crimes que teria sido flagrado e os policiais autores do homicídio se tornam vítimas Dessa maneira é verossímil que este processamento diferenciado dificulte o trabalho de investigação registro e classificação acabando por colocar tais mortes violentas entre as de intenção indeterminada Estas ao invés de serem residuais atingem alta proporção em comparação às mortes por agressão e até mesmo em proporção à população e superam mesmo as que são classificadas como intervenções legais e operações de guerra que seria o rótulo adequado para as mortes por ação policial justificáveis pela ordem jurídica brasileira Sem a informação sobre as circunstâncias da morte que é fornecida pela polícia a produção da estatística vital sobre violências fica sem a definição da intencionalidade da ação que levou à morte terminando por classificar a morte como de intenção indeterminada Esta hipótese é corroborada pelas indícios que mostram que o número taxa e proporção de ocorrências de resistência à prisão seguida de morte está 109 positivamente associada à mortalidade por intenção indeterminada mas também às mortes por operações de guerra e por agressão Ao mesmo tempo as evidências sugerem que a maneira como são divulgadas ocorrências de letalidade policial subestima o número de mortos por violência policial pois é possível que cada ocorrência tenha mais de uma vítima Os nossos resultados sugerem que o uso da força letal pela polícia tem contribuído apenas para direta e indiretamente produzir mais mortes violentas muitas delas mal classificadas A análise mostra a importância de levar em conta a proporção de mortes por intenção indeterminada em análises multivariadas de violências criminais fatais Também apresenta um caso de como a construção das estatísticas pode ser sistematicamente enviesada pelo contexto da sua produção e especificamente como a política de gestão da vida e da morte podem influenciar as estatísticas vitais Por fim como alternativa para análises posteriores é apresentada uma fórmula para o ajuste das taxas de homicídios intencionais 42 DEFINIÇÃO JURÍDICA DA VIOLÊNCIA HOMICIDA A definição jurídica brasileira do homicídio expressa no artigo 121 do Código Penal brasileiro Decreto Lei nº 28481940 é simples e aparentemente desprovida de ambiguidades matar alguém A vida o valor social ofendido pelo homicídio seria o principal valor na ordem jurídica e por isso a retribuição seria em tese a mais dura dentre as condutas criminalizadas A mesma lei no entanto discrimina um conjunto de situações que podem ser levadas em conta para agravar ou atenuar a pena aumentando ou reduzindo o tempo de prisão da sentença judicial A lei brasileira distingue o homicídio tentado quando a vítima sobrevive à ação homicida e o consumado quando a vítima não sobrevive Há o culposo no qual não haveria intenção de matar e o homicídio doloso no qual haveria esta intenção A construção do crime de homicídio leva em conta a hipótese de que um homicídio é menos grave se for cometido por motivações consideradas justas em razão de valores sociais ou provocação da vítima na interpretação da autoridade encarregada do julgamento do crime ou se a mesma considerar que o agente perdeu a razão sob o efeito de violenta emoção Ou seja em alguns casos a 110 vítima poderia ser considerada coautora do homicídio que a vitimou ou o agente poderia ele mesmo ser considerado uma vítima de suas próprias violentas emoções Por outro lado a mesma lei em sua versão atual 2020 considera uma série de agravantes alguns aplicáveis ao homicídio culposo outras ao homicídio doloso Assim o homicídio culposo é agravado quando resulta do exercício profissional especialmente da negligência de regras técnicas estabelecidas quando o homicida foge ou abandona a vítima sem prestar socorro ou quando vitima crianças e idosos Já o homicídio doloso possui um conjunto maior de agravantes Se a intenção do agente é considerada atenuante ou agravante se considerada justa ou injusta se resulta de impulso momentâneo ou se pelo contrário mostra uma preparação e planejamento do ato assassino Assim matar por motivos considerados justos ou por emoções fortes e momentâneas é distinto de matar alguém por motivos torpes como o ganho financeiro ou pagamento ou para ocultar e garantir impunidade e outros crimes quando há um crime de ódio contra condição de gênero e racial crença religiosa etc Os meios e artimanhas usadas são também consideradas de modo que o uso de meios que implicam em dano coletivo como fogo explosivos etc ou que tornam a vítima incapaz de se defender incluindo dissimulações emboscadas superioridade numérica É também considerado um agravante quando o crime é cometido por grupos armados privados como as chamadas milícias ou grupos de extermínio em atividades de suposta segurança privada No parágrafo terceiro do artigo 129 do Código Penal há ainda a lesão corporal seguida de morte quando uma ação ofende a integridade corporal da vítima resultando em sua morte porém sem ter a intenção de matar nem assumindo o risco eventual da morte da vítima Repetese no crime de lesão corporal o atenuante da pela interpretação da justiça dos motivos do autor ou da perda da razão devido a fortes emoções Há ainda o latrocínio que é um crime de roubo que resulta na morte da vítima Em tese este crime estaria contemplado nas definições de homicídio doloso com vários qualificadores motivos execráveis vítima indefesa etc mas o legislador preferiu considerálo um crime contra o patrimônio e uma forma agravada de roubo No artigo 23º do Código Penal brasileiro Decreto Lei nº 28481940 é 111 definido ainda o excludente de ilicitude ou seja as circunstâncias em que um crime deixa de ser punível estado de necessidade legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito ressalvando que os excessos dolosos ou culposos da ação ainda são puníveis O terceiro excludente de ilicitude é controverso e merece algumas considerações Em tese se aplicaria à situação do soldado no campo de batalha que mata inimigos em combate do carrasco ao executar a pena de morte de um criminoso condenado As situações de confronto armado ou sequestro de reféns que às vezes envolvem policiais estariam contempladas na legítima defesa ou no estado de necessidade No entanto o dever legal tem sido utilizado como argumento para excluir da ilicitude as mortes provocadas pela ação policial sobretudo com base na investigação da vítima sua proximidade com o estereótipo de bandido pobre desempregado morador de favela etc e de indícios de envolvimento com o uso e tráfico de drogas no varejo mesmo que tais indícios sejam muito tênues Com isso o fato em si deixa de ser investigado e o caso é arquivado porque a vítima é considerada pelos investigadores como culpada pela própria morte apesar do policial ou militar ter sido o agente concreto da morte ZACCONE 2015 MISSE GRILLO NERY 2015 Em 2019 houve a tentativa por parte do governo federal de ampliar a definição do excludente de ilicitude para homicídios cometidos por policiais e militares ou seja facilitar a caracterização jurídica destes crimes como não puníveis na prática reforçando ainda mais a impunidade e promovendo um incentivo a mais para a violência policial e militar contra civis Ironicamente este projeto de lei foi apelidado pelos proponentes e apoiadores como anticrime apesar de o efeito pretendido parecer o exato oposto ANGELO 2019 Finalmente podemos falar do crime de genocídio cuja vítima não é mais plenamente individualizável mas constitui um grupo étnico nacional ou religioso que o criminoso tem a intenção de destruir total ou parcialmente A lei define vários dos meios usados para a consecução de um genocídio incluindo o assassinato massivo a imposição de condições de existência destrutivas esterilização forçada sequestro de recémnascidos incentivo e incitação pública a atos homicidas contra o grupo etc 112 Nem sempre as definições foram estas Por muito tempo o assassinato da esposa pelo marido era considerado um crime menos grave se devidamente justificado pelo comportamento tido como imoral da esposa como o adultério Esta definição foi sendo criticada e abandonada no campo jurídico e posteriormente o crime de feminicídio foi incorporado à legislação O que era antes um atenuante tornouse um agravante Não está no escopo deste trabalho a reconstituição histórica das definições do homicídio Essa breve descrição também não tem a pretensão de ser uma análise jurídicao que fugiria ao escopo deste trabalho Mas pela descrição da legislação em termos literais é possível observar que a aparente simplicidade de matar alguém esconde um certo nível de complexidade e matizes Quanto mais nos aprofundamos mais complicada se torna Assim seria possível comparar legislações de vários países apontar diferenças matizes e ainda se aprofundar na aplicação da lei aos casos reais Tudo isso contribui para desmistificar a ideia do homicídio como um crime natural ou mesmo da ideia de sacralidade da vida já que a própria legislação se encarrega de apontar exceções à regra de punir quem mata A administração da classificação de fatos como homicídios dolosos resultando na contabilidade social da violência letal intencional cabe primordialmente à polícia Os órgãos policiais operam como agentes da lei ou operadores jurídicos primários compondo o primeiro mecanismo de classificação e seleção dos fatos como criminais e dos atores sociais como suspeitos e culpados A confirmação dos atores como culpados por crimes é administrado pelo Judiciário Dessa forma a estatística oficial da criminalidade e dos criminosos é construída não só pelos fatos e suas classificações jurídicas pois estes não são passivos e automaticamente associados mas influem nas estatísticas um conjunto de decisões tomadas por uma rede de atores sociais começando pelos próprios criminosos e passando por uma gama de informantes testemunhas policiais e servidores do Ministério Público e do Judiciário produzindo uma série de documentos e registros que são agrupados em conjuntos de fatos segundo os critérios escolhidos A estatística criminal e penitenciária oficial deve ser lida portanto como o produto das atividades tanto dos criminosos quanto dos órgãos de 113 polícia justiça e informação de segurança pública 43 DEFINIÇÃO BIOLÓGICA DA VIOLÊNCIA A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde CID no XX capítulo da sua 10ª edição CID10 apresenta uma codificação das várias categorias de morbidade e mortalidade por causas externas definidas em oposição às causas internas A causa externa de morbidade e mortalidade é assim compreendida como um dano violento ao organismo vivo causado por condições ambientais ou por ações de outros seres vivos que ferem de fora para dentro tendo causas exógenas podendo ser letais ou não Especificamente as violências originadas de ações humanas se diferenciam pela intencionalidade do agente e pela causa eficiente do ferimento Os códigos V01 a x59 classificam as diversas modalidades de acidentes os códigos x60 e x84 identificam violências autoprovocadas voluntariamente como os suicídios e autoflagelações os códigos x85 e x09 designam as agressões isto é violências intencionais contra outrem o y35 e y36 as mortes decorrentes de intervenção legal e operações de guerra y40 e y84 as complicações de assistência médica cirúrgica e y10 e y34 os eventos cuja intenção é indeterminada esta última uma categoria residual Dentro de cada conjunto de causas externas há subconjuntos que aumentam a especificidade das classificações indicando várias maneiras de sofrer ferimentos por acidente ou de intencionalmente causar ferimentos contra si ou contra os outros Neste sentido os homicídios intencionais abrangeriam as categorias de agressões e de mortes decorrentes de intervenção legal e operações de guerra A violência seria uma ação humana sendo o resultado pretendido ou não mas estando imediatamente vinculada como causa eficiente aos efeitos físicos e psicológicos graves que levariam à necessidade de atendimento médico à incapacitação ou à morte Além da violência direta provocada pela ação ou omissão imediata de um agente humano identificável podese pensar na existência de formas de violência mediadas indiretas e até invisíveis pelas quais os danos são 114 impostos não por uma ação ou omissão imediata mas sim pela imposição ou escolha de determinada condição de vida que provoca danos ferimentos e privações graves à sua vítima A simplicidade aparente das definições iniciais é logo desfeita assim que nos aprofundamos melhor nas especificações adentrando nas classificações e subclassificações que buscam identificar de maneira operacional uma grande variedade de fenômenos bastante diversos entre si Assim partindo da definição biológica e da morbidade e mortalidade por causas externas como forças e ações exógenas que intervêm no organismo vivo e ameaçam a sua sobrevivência chegamos a noções de intencionalidade da ação humana e das suas consequências previstas ou imprevistas conceito que dificilmente pertence ao âmbito das ciências naturais Assim a Organização Mundial da Saúde define a violência como O uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça contra si próprio contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão morte dano psicológico deficiência de desenvolvimento ou privação ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE 2002 p 27 Dessa maneira a definição da perspectiva da saúde coletiva associa ações ou omissões potencialmente danosas a uma intencionalidade dirigida contra si ou contra outros A definição abrange violência física e moral por ação ou por omissão contra si ou contra outros por indivíduos ou por coletividades Da combinação dessas categorias são construídos tipos de violências autoinfligidas interpessoais coletivas violências físicas sexuais psicológicas de privação ou negligência A gestão da classificação dos atendimentos e mortes provocadas por violências cabe principalmente aos agentes do setor de saúde No entanto quando se tratam de algumas categorias como as mortes por agressão por suicídio e por acidentes de trânsito a produção da informação vital se baseia parcialmente em dados situacionais coletados pela polícia às vezes a completa a usa como complemento ou a contradiz Nem sempre as mortes registradas pela polícia são similares àquelas contabilizadas no sistema de saúde tanto na quantidade quanto 115 nas características associadas 44 AS MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA As estatísticas criminais brasileiras ainda são construídas em torno dos tipos penais expressando o paradigma ideológico predominante na área de segurança pública que é vista pelos seus operadores como um assunto essencialmente jurídicopenal militar e policial com pouca abertura e diálogo com outras áreas Como resultado a crescente massa de informações criminais decorrentes da modernização tecnológica da gestão policial tem contribuído pouco para a acumulação de conhecimento sobre a dinâmica da criminalidade e da violência na sociedade brasileira LIMA 2008 No entanto a grande base de dados nacional sobre o assunto está na saúde pública que produz um registro estatístico nacional de morbidades e mortalidades inclusive sobre violências Também chamadas de causas externas em oposição às causas internas ou naturais as violências são classificadas segundo vários quesitos entre os quais as intenções que são identificadas por informações situacionais em geral fornecida pela polícia Na ausência destes dados a intenção se torna desconhecida e a morte em questão um evento fato cuja intenção é indeterminada Segundo Gláucio Soares 2008 as mortes por intenção indeterminada não têm sempre o mesmo significado podendo às vezes ser relacionadas ao desconhecimento real dos agentes públicos responsáveis pelo registro da mortalidade revelando a incapacidade técnica do Estado na produção de estatísticas criminais e vitais em especial das organizações policiais e judiciais Mas estas mortes violentas classificadas como de intenção indeterminada também podem ocultar a vitimização por violência policial Também há problemas de irregularidade e descontinuidade da informação de mortalidade geral por causas internas e externas gerando o problema das mortes por causas mal definidas Em parte a deficiência da estatística vital devese ao nível de riqueza urbanização e estruturação do sistema de saúde O problema da subnotificação da mortalidade em geral e especificamente por violências tem relação 116 com o funcionamento do sistema de saúde muitas vezes devido à falta de recursos e pessoal especializados e com o aparato policial e judicial as mortes por intervenções legais são causadas por policiais e muitas das violências com intencionalidade indeterminada também o são o excesso delas reflete além da violência policial a incompetência dos aparelhos policial e forense SOARES 2008 p136 No Estado do Rio de Janeiro por exemplo Daniel Cerqueira 2012 constatou que a qualidade da informação sobre mortalidade é variável e abaixo da expectativa levando em conta que não se trata de um Estado de baixa renda média Há indícios muito preocupantes sobre as oscilações e a qualidade da informação sobre mortalidade por agressão por suicídios acidentes e por intenção indeterminada esta última muito provavelmente abarcando uma parcela expressiva de homicídios intencionais ocultos o que indica também uma capacidade policial deteriorada de produção de informação criminal contribuindo para a prevalência da impunidade dos atos violentos letais É difícil concluir se os problemas de informação se devem à baixa capacidade técnica falta de pessoal capacitado e equipamentos adequados ou aos incentivos politicamente favoráveis à classificação de óbitos diversos como morte por intenção indeterminada levando à subestimação do número e taxa de mortes por agressão Além da indeterminação da intenção se foi agressão suicídio ou acidente em muitos casos não há registro sequer da causa meio ou instrumento que levou ao óbito CERQUEIRA 2012 Expandindo e aprofundando a análise para todo o país e para uma comparação entre os óbitos por causas externas cuja intenção é indeterminada e óbitos por agressão segundo características socioeconômicas da vítima e situacionais do evento Daniel Cerqueira 2013 estima que na média 75 das mortes violentas por intenção indeterminada são homicídios dolosos mal classificados e no nível agregado há uma subnotificação média de 18 na taxa de mortes por agressão As variáveis utilizadas para esta estimativa envolveram tanto o status socioeconômico da vítima quanto as circunstâncias do óbito As variações temporais e locais da qualidade de informação sobre mortalidade violenta corresponderiam 117 ainda a variações oficiais dos níveis de criminalidade letal intencional Para o Nordeste por exemplo muito do aumento da taxa de homicídios dolosos nos anos anteriores teria relação com a melhoria da informação sobre mortes violentas ajudando a exagerar o aumento das taxas de homicídios dolosos na região nas últimas décadas No Estado da Bahia há também uma forte variação na qualidade da informação sobre mortalidade e observase uma correlação negativa entre a mortalidade por eventos cuja intenção é indeterminada e a incidência de agressões letais Quando somadas as taxas de mortes por agressão e por intenção indeterminada regiões tidas como pacíficas se mostram violentas e regiões já tidas como violentas podem se mostrar ainda mais letais SOUZA SOUZA PINTO 2014 e 2019 No Paraná pesquisadores constataram que entre 1979 e 2005 houve uma a progressiva melhoria da informação sobre mortalidade com a redução gradual dos óbitos por causas externas com intenção indeterminada o que correspondeu ao crescimento da taxa de homicídios dolosos de maneira que foi atingida uma qualidade relativamente boa ao final do período analisado no qual também foi constatada a forte associação a nível municipal entre homicídios dolosos e taxas de urbanização desigualdade econômica e desemprego juvenil LOGADO et al 2009 Em Belo Horizonte pesquisadores também constataram sérias deficiências na qualidade da informação sobre mortalidade por violências O fluxo da informação sobre mortalidade iniciase nos hospitais e delegacias de polícia passando pelas atividades de medicina legal e chegando à secretaria municipal de saúde A avaliação da análise é que há problemas ocorridos no processo de classificação tanto na etapa policial quanto na etapa médica chegando até a etapa de consolidação administrativa e estimam que as taxas de homicídios intencionais suicídios e acidentes estão subnotificadas em razão destas deficiências na produção da informação sobre mortalidade entre os quais a ausência de informações relativas às circunstâncias que levaram ao óbito DE MATTOS PROIETTI BARATA BARRADAS 2007 118 45 VIOLÊNCIA POLICIAL E HOMICÍDIOS DOLOSOS EM SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO As políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro parecem ter contribuído muito para a configuração do processo de acumulação social da violência devido à sobreposição entre mercadorias econômicas ilícitas e mercadorias políticas e pela imposição da sujeição criminal a amplas camadas da juventude pobre como argumentou Misse 2006 2007 Além da corrupção de agentes policiais na relação com as redes criminosas que controlam negócios como o contrabando de armas jogo do bicho tráfico de drogas ilícitas extorsão e assassinato por encomenda é preciso ainda considerar que a concepção militarista punitiva pautada em metáforas de guerra contra um inimigo interno e atendimento de emergências e repercussões contribuiu para a desorganização e descontrole do aparelho policialmilitar gerando um quadro de ineficiência crônica que alguns políticos e servidores da área tentam em vão compensar e dissimular com o recurso à força letal Ao longo de todo o período foi comum que fossem favorecidas ou rechaçadas ao sabor do momento político no curto prazo as iniciativas de controle legal ou de incentivo à violência policial da prevenção social da violência ou da redução da questão criminal a problema policial e militar de polícia comunitária ou de hipermilitarização do policiamento de modernização administrativa ou de enrijecimento dos tradicionais modelos militares e inquisitoriais Muitas vezes as políticas que buscavam controlar os excessos da ação policial eram taxadas de complacentes favorecendo a ascensão de um discurso belicista que fazia crescer os abusos e vítimas letais da polícia acontecimentos cuja repercussão leva a críticas que pediam maior controle e moderação da polícia levando a acusações de conivência com a bandidagem e assim por diante em um círculo vicioso SOARES 2000 Dessa maneira o traço mais distintivo e impressionante da segurança pública do Rio de Janeiro é a letalidade policial que soma a violência e a vitimização policial indicadores que atingiram altas cifras superiores a mil mortes em alguns anos com taxas bastante altas proporcionalmente ao número de policiais na ativa de prisões realizadas pela polícia do total de homicídios dolosos e mesmo sobre a 119 população residente Nesse quesito o fenômeno do policial como autor de homicídios intencionais prevalece em muito sobre os policiais vitimados o que indica não só a vantagem técnica de um policial treinado e equipado em situação de confronto armado com criminosos como também da prática assassinato sumário de suspeitos rendidos e de transeuntes não envolvidos atingidos por disparos de policiais ou de bandidos durante trocas de tiros Há uma similaridade entre os indicadores de violência policial do encarceramento e de homicídios dolosos em geral costumam atingir homens jovens moradores de favelas de baixa escolaridade solteiros em vias públicas de favelas ou nas suas proximidades A semelhança de padrão pode indicar tanto um sentido de discriminação social a maior agressividade policial contra os pobres resultando em maior letalidade policial contra essas categorias estigmatizadas quanto a possível ocorrência de confrontos entre policiais e traficantes à semelhança dos conflitos territoriais entre os grupos criminosos Em geral a ocorrência de mortes provocadas por policiais têm sido administrada de maneira burocrática e banalizada pelos órgãos de justiça criminal a começar pelas polícias que apresentam o argumento de que a letalidade é um instrumento de trabalho necessário à legítima defesa e cumprimento do dever funcional pelo policial A seguir o Ministério Público ao decidir pelo arquivamento ou denúncia do homicídio decorrente de auto de resistência leva em conta mais os antecedentes criminais e socioeconômicos da vítima do que as características objetivas do fato Em outras palavras o policial alega um uso defensivo da violência contra um suspeito que resistiu à prisão ao ser flagrado cometendo crimes e o promotor prefere avaliar se há indícios que permitam associar a vítima ao tráfico varejista de drogas ilícitas na favela do que avaliar se a narrativa policial corresponde às evidências materiais Dessa maneira a prática jurídica acaba por consolidar a classificação de uma parcela da população como indigna de vida e passível de extermínio impune MISSE GRILLO NERI 2015 ZACCONE 2015 Embora a violência policial não fosse uma novidade em São Paulo como em outras cidades e regiões do Brasil a combinação de crescimento urbano desordenado e desigual gerando áreas de concentração da pobreza urbana de um lado e o extremo recrudescimento do autoritarismo políticosocial nos Anos de Chumbo do outro parecem ter criado as condições favoráveis para a administração 120 da ordem social por meio da violência policial em geral associada à corrupção policial e à repressão política Um exemplo é a ação do esquadrão da morte um grupo paramilitar informal de policiais que praticava assassinatos por encomenda e cobrava propinas para traficantes de drogas ilícitas sob a liderança de um dos principais torturadores do aparato de repressão política e sob a proteção velada do regime ditatorial Os homicídios dolosos cometidos de maneira não oficial pelos membros do esquadrão da morte representavam violentas intervenções no tráfico de drogas ilícitas visando extrair lucros proteger traficantes aliados e eliminar traficantes rivais e testemunhas de crimes cometidos pelo grupo BICUDO 1976 MANSO 2010 Outro exemplo é a criação e atuação da ROTA um batalhão especial da Polícia Militar do Estado de São Paulo PMESP que foi inicialmente destinado à repressão política contra a incipiente guerrilha urbana e contra roubos a bancos em geral mas acabou se tornando permanente e com atribuições ampliadas de combate à criminalidade urbana Dentre os mais de 12 mil homicídios que foram documentados como tendo sido cometidos por agentes da PMESP em serviço entre os anos de 1970 a 1992 foram mais de 4200 cometidos por integrantes da ROTA Apesar de sempre justificados como confrontos armados contra criminosos que resistiram à prisão em flagrante delito e forçaram os policiais à autodefesa a análise dos detalhes dos casos revela indícios generalizados de tortura e assassinato de civis rendidos e vítimas sem antecedentes criminais em geral jovens pobres cujas mortes não comovem a imprensa ou a justiça criminal BARCELLOS 2014 Mas os setores políticos e midiáticos herdeiros da Ditadura Militar conseguiram formular um discurso persuasivo para amplas camadas do público alegando que a violência policial letal era necessária para o restabelecimento da ordem e proteção dos cidadãos de bem contra a ação de criminosos irrecuperáveis e incontroláveis um discurso que logrou desgastar e frear as tentativas de reforma policial e garantias de direitos civis dos primeiros governos eleitos da redemocratização CALDEIRA 2000 p 169 Depois da repercussão internacional negativa do Massacre do Carandiru na verdade a culminância de uma política de extermínio de suspeitos pobres que levou a mais de 26 mil mortes oficiais pelas polícias estaduais paulistas entre 1991 e 121 1992 em plena democracia aumentou a pressão política e interna e externa para que o governo estadual tomasse medidas para a modernização administrativa e controle legal mais efetivo da atividade das polícias civil e militar o que acabou se concretizando de maneira bastante relativa e parcial desde meados dos anos 1990 Podese dizer que no entanto a letalidade policial jamais foi controlada de maneira consistente nem a organização policial efetivamente reformulada nos parâmetros da democracia Podemse identificar algumas medidas que beneficiaram o controle administrativo e penal da violência letal mas não chegando a configurar um programa consistente de prevenção e repressão da violência homicida MANSO 2010 Em substituição à fracassada política de extermínio do período ditatorial e do início dos anos 1990 foi posta em prática uma política de encarceramento em massa utilizando como ferramenta privilegiada a prisão em flagrante convertida em provisória e que atingiu principalmente os crimes contra o patrimônio e de drogas ilícitas ou seja a criminalização da circulação ilícita de riquezas provenientes de práticas ilegais de obtenção de renda na economia informal e ilegal e com o tradicional hiperfoco nos pobres e negros SINHORETTO SILVESTRE 2013 Neste período caracterizado por uma gestão cada vez mais carcerária da miséria urbana a conduta policial não deixou de ser orientada por estereótipos racializantes nem de lançar mão de execuções sumárias ou torturas em muitos casos SINHORETTO 2016 Nos anos mais recentes sobretudo após 2018 a violência policial tornouse praticamente uma política governamental declarada endossada publicamente por governador estadual e presidente da república Na prática porém já estava sendo implementada no cotidiano das atividades policiais e judiciais por meio de uma série de práticas dispositivos e procedimentos burocráticos que produzem uma narrativa jurídica padronizada que legitima a ação letal da polícia ao mesmo tempo ocultando a contribuição da violência policial para a criminalidade violenta Esta narrativa tem como centro a suposição de que as mortes se devem sempre ao confronto entre policiais e criminosos em uma situação de flagrante delito no qual o suspeito tenta resistir à tentativa de prisão forçando o policial a se defender sendo a morte do suspeito uma consequência Tal narrativa mescla as figuras da vítima e do autor do 122 homicídio cometido pela polícia levando na maioria das vezes ao arquivamento do caso por exclusão de ilicitude e à indeterminação do real papel dos envolvidos no evento fatal A narrativa jurídica é construída pelo depoimento do policial validado pelo delegado de polícia e acatado pelo Ministério Público Ao invés de ser feita uma investigação para verificar se a alegação do policial é corroborada por evidências materiais a narrativa é tomada como justificativa para a não investigação e arquivamento do caso Digno de nota e especialmente relevante para a presente análise é que o número de mortos pela polícia segundo os Boletins de Ocorrência foi maior do que o oficialmente divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo GODOI et al 2020 A principal diferença entre o Rio de Janeiro e São Paulo comparandose Misse et al 2015 e Godoi et al 2020 é que no território carioca a letalidade policial está muito ligada às ocorrências de tráfico de drogas ilícitas enquanto em São Paulo estão mais ligados à letalidade policial os crimes contra o patrimônio Analisando a judicialização dos homicídios cometidos por policiais em 5 capitais brasileiras Ludmila Ribeiro e Igor Machado 2016 constataram que os policiais são beneficiados por seletividade penal recebendo no geral um tratamento mais benevolente ou seja tendo menor chance de condenação ao serem acusados de homicídios No entanto a análise do processamento revela que a impunidade ocorre principalmente nos homicídios nos quais há alegação de confronto entre policiais e suspeitos e na etapa anterior à judicial no inquérito policial Uma vez que chega à etapa judicialacusatória as chances de condenação tornamse similares às dos demais homicídios que chegam aos tribunais 46 PROBLEMA As mortes por causas externas por intenção indeterminada são mortes por agressão suicídio e acidentes mal classificadas Qual é a influência destas mortes na taxa das demais Uma hipótese é que se trata de um erro aleatório e que a tendência geral seria que na média essas mortes seriam suicídios homicídios e acidentes em proporções que tendem a ser próximas às proporções entre os homicídios suicídios e acidentes classificados 123 A variação se deveria assim ao sucateamento e sobrecarga do serviço de informação médicolegal não contribuindo para ocultar nenhuma das categorias de mortes em especial Outra hipótese é que haveria viés na classificação e que algumas categorias de mortes sobretudo as mortes causadas por ação de outrem com intenção de matar mas posteriormente mal classificadas pelos agentes públicos responsáveis seriam mais comuns que as demais resultando em uma subestimação sistemática das taxas de homicídios intencionais à proporção em que sobem as taxas de mortes por causas externas cuja intenção é indeterminada A tentativa de ocultação de suicídios em contextos onde esse ato gera forte estigmatização moral e religiosa poderiam gerar viés similar de subestimação das mortes por violência autoprovocadas intencionalmente De maneira análoga seríamos levados a perguntar porque um homicídio é mal classificado tratase apenas de erro ou há uma tentativa de ocultar certas categorias de violências dos dados oficiais Quais grupos teriam interesse em pressionar ou manipular os serviços policiais e médicolegais para ocultar certas qualidades e quantidades de violência homicida intencional Relacionando a literatura sobre o controle e processamento da violência policial e sobre a má classificação das violências na categoria de intenção indeterminada é possível especular que uma parcela importante das mortes por intenção indeterminada não seriam apenas homicídios dolosos mal classificados mas principalmente os cometidos por ações policiais 47 METODOLOGIA As mortes violentas por intenção indeterminada ocultam proporções variáveis de homicídios intencionais suicídios e acidentes da mesma forma que as mortes por causas mal definidas ocultam todo tipo de morte por causas internas ou externas Cerqueira 2013 identificou uma similaridade significativa relativa às características da vítima sexo idade cor etc e fato tipo de local e causa mortis etc da ordem de 75 entre mortes indeterminadas e por agressão A questão é se tais eventos cuja intenção é indeterminada ocultam uma categoria específica de homicídios aqueles decorrentes da ação policial nos termos do art 23 do Código 124 Penal brasileiro de 1940 Um fluxo ideal de produção da informação criminal e vital seria que os homicídios decorrentes da ação policial fossem classificados como operações de guerra caso a morte em questão fosse comprovadamente resultado de um confronto armado entre policiais e criminosos ou como morte por agressão caso a investigação concluísse pela intenção de matar do policial no caso em questão O número de ocorrências de letalidade policial seria por isso próximo ao número de mortes por operações de guerrapoliciais Este ideal é o contrafactual implícito da nossa análise mas a nossa hipótese é que um número desproporcional de mortes causadas por intervenção policial é alocada como evento cuja intenção é indeterminada devido à construção burocrática da narrativa do confronto policial e que por isso as mortes por intenção indeterminada responderiam estatisticamente falando às ocorrências de letalidade policial não obstante a existência de uma subnotificação aleatória causada pela precariedade de serviços policiais médicolegais e administrativos encarregados de produzir a informação de mortalidade Embora não haja evidências para concluir fora de dúvidas é possível observar tendências proporções e associações entre categorias de ocorrências e de mortes Evidências favoráveis à hipótese são a variação concomitante no tempo bem como a associação positiva e significativa em uma regressão linear simples enquanto resultados contrários seriam a ausência de associação significativa ou até mesmo o sinal negativo A seguir um quadro com o resumo das variáveis utilizadas na análise 125 Quadro 8 Lista de variáveis e fontes Variável Descrição Fonte Taxa de mortes por agressão Mortes por agressão por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de operações de Guerra ou Policiais Mortes decorrentes de opera ções de guerra ou intervenção legal por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de mortes violentas por intenção indeterminada Mortes por causas externas por 100 mil habitantes que não são classificadas nem como agres sões nem intervenções legaismilitares nem suicídios nem acidentes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Letalidade Policial São Paulo e Rio de Janeiro Ocorrências por 100 mil habi tantes de resistência à prisão seguidas de morte represen tando a letalidade policial ofici almente registrada e contabili zada Secretarias Estaduais de Segu rança Pública de São Paulo e do Rio de Janeiro estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de mortes por causas mal definidas todos os Estados Mortes por 100 mil habitantes cuja causa foi indeterminada ou mal definida SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Homicídios Intencionais Ajusta dos Soma das mortes por agressão por operações de guerra e de uma fração das mortes violen tas cuja intenção é indetermi nada e das mortes por causas mal definidas equivalente à par ticipação dos homicídios inten cionais nas mortes por causas externas e na mortalidade geral respectivamente SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Fonte Elaboração própria Dessa maneira utilizaremos estatísticas descritivas e regressões simples nos dois Estados que disponibilizaram informações mais completas e por mais tempo sobre letalidade policial entre todos da federação São Paulo e Rio de Janeiro Focando na questão específica entre mortes violentas indeterminadas confrontos com a polícia e taxas de homicídios intencionais empregaremos a comparação entre as séries temporais bivariadas e regressão linear simples mínimos quadrados ordinários para verificar se há alguma associação e em qual direção entre as mortes violentas por intenção indeterminada ou por agressão e as ocorrências de 126 letalidade policial autos de confrontos ou resistência à prisão seguidos de morte Escolhemos São Paulo e Rio de Janeiro porque são os Estados que tem publicado de maneira mais regular e duradoura as ocorrências de mortes envolvendo resistência à prisão ou confrontos com a polícia Foi uma escolha de conveniência mas tratamse também do primeiro e terceiro Estados mais populosos do país e com a 1ª e 2ª maiores economias estaduais e com um histórico importante de violência tanto policial quanto privada conforme a bibliografia e dados disponíveis As séries históricas de cada Estado serão analisadas conjuntamente com séries temporais separadas e os modelos de regressão simples abrangem dados de ambos os Estados Finalmente apresentaremos uma metodologia de correção para as taxas de homicídios intencionais visando a redução do viés da qualidade dos dados para futuras análises quantitativas 48 RESULTADOS Apesar da dimensão nacional do problema nossa análise será centrada nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo em anos diferentes compondo um painel desbalanceado com séries temporais de períodos não idênticos entre as unidades e uma comparação entre séries temporais Os parâmetros básicos podem ser vistos logo abaixo e dão uma boa ideia do elevado nível de mortalidade por violências interpessoais e policiais que prevalece nestes Estados como em muitos outros do Brasil 127 Quadro 9 Estatística descritiva RJ 19982018 SP 19812018 59 casos Estado variável média mediania Desvio padrão coef Var soma Rio de Janeiro 1998 2018 nº confronto policial com morte civil 87668 91000 40329 4600 1928700 tx confronto policial com morte civil 529 553 215 4070 11116 nº mortes violentas indeterminadas 193152 168400 73891 3826 4056200 tx mortes violentas indeterminadas 1253 1075 504 4023 26317 nº homicídios intencio nais 648295 645500 113417 1749 13614200 tx homicídios intencio nais 4200 3838 949 2260 88206 São Paulo 1981 2018 nº confronto policial com morte civil 59126 55300 25793 4362 2246800 tx confronto policial com morte civil 163 150 071 4338 6194 nº mortes violentas indeterminadas 245737 221700 106533 4335 9338000 tx mortes violentas indeterminadas 674 600 254 3777 25596 nº homicídios intencio nais 870763 772000 352023 4043 33089000 tx homicídios intencio nais 2476 2514 1017 4106 94084 Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS estimativas populacionais do TCU com dados do IBGE e secretarias estaduais de segurança pública dos respectivos Estados Comparando as séries temporais dos dois Estados constatamos que há uma associação empírica entre a taxa por 100 mil habitantes de mortes violentas por intenção indeterminada com escala no eixo vertical à esquerda e autos de resistência à prisão seguida de morte com escala no eixo vertical à direita tanto para São Paulo quanto para o Rio de Janeiro Há ruídos e exceções é claro que relativizam um pouco uma ligação direta mas a tendência de variação simultânea é visível corroborando a hipótese de uma conexão ao menos parcial entre mortes violentas indeterminadas e violência policial tanto para o Rio de Janeiro quanto para São Paulo ao longo do período analisado 128 Figura 1 Taxas de mortes violentas por intenção indeterminada e de confrontos com a polícia por 100 mil habitantes RJ e SP Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSP A seguir podemos observar as tendências temporais para a conexão entre as ocorrências de letalidade policial e a mortalidade por agressão mais uma vez com a escala dos confrontos com a polícia no eixo y à direita e para agressões no eixo y 129 à esquerda do leitor usando as taxas por 100 mil habitantes como medida Também constatamos uma associação visível ao longo do tempo com algumas exceções Figura 2 Taxas por 100 mil habitantes de ocorrências de letalidade policial e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Devese recordar olhando estes dados históricos que não estão na mesma escala Por isso o que constatamos é que a uma ocorrência de letalidade policial 130 parecem corresponder várias vítimas letais de mortes por agressão ou por intenção indeterminada O padrão se aproxima também quando consideramos ao invés da taxa por 100 mil habitantes a proporção das mortes por intenção indeterminada e dos autos de resistência seguidos de morte em relação aos homicídios dolosos No Rio de Janeiro a proximidade é aparente ao longo de todo o período enquanto em São Paulo apenas o início dos anos 1990 marca uma dissociação parcial conforme já comentamos em relação ao Massacre do Carandiru 131 Figura 3 Razão entre mortes por intenção indeterminada e por autos de resistência e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Pela observação e comparação das séries temporais de cada Estado pode se imaginar que há também uma associação positiva na dispersão entre as variáveis abrangendo ambos os Estados em um só modelo o que foi corroborado pelos resultados Como era de se esperar o resultado maior foi alcançado entre as ocorrências de letalidade policial e as mortes por operações de guerrapoliciais com 132 64 da variância explicada No entanto há menos de uma morte em operações de guerrapoliciais para cada ocorrência de letalidade policial ao contrário do que ocorre com as mortes por agressão e por intenção indetermianda Isso pode ser observado pelo valor do coeficiente para cada 1 ocorrência de letalidade policial por 100 mil habitantes acrescentamse 037 mortes por operações de guerrapoliciais 11 mortes por intenção indeterminada e 3 mortes por agressão chegando a 45 considerando a soma das três categorias como variável dependente Quanto à variância da variávelresposta explicada pelos modelos 27 da mortalidade violenta por intenção indeterminada é explicada pela violência policial sendo o número da variável dependente em escala claramente maior que da independente O mesmo com os efeitos sobre as mortes por agressão que chegam a ser 29 explicadas pelas ocorrências de letalidade policial Enfim a soma das mortes por agressão operações de guerra e intenção indeterminada tem 39 da variância explicada pela taxa de ocorrências de letalidade policial 133 Figura 4 Regressões lineares simples entre confrontos policiais seguidos de morte x e mortes violentas por intenção indeterminada por agressão e operações de guerra y RJ 19982018 e SP 19812018 Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Ainda que a regressão linear simples implique em limitações sérias para tirar conclusões a variância explicada é considerável Relativo às agressões é possível que haja endogeneidade na medida em que uma iniciativa privada criminal violenta encoraja uma violência policial maior e a maior letalidade policial por sua vez produz mais mortes violentas diretamente Mais ainda se criminosos armados acreditarem que serão assassinados eou torturados depois captura estarão mais propensos a confrontar ou executar policiais e estes buscarão vingança pelos colegas assassinados Tratase enfim de um círculo vicioso de brutalidade e assassinato e fica claro que um policiamento mais letal não é uma ferramenta eficaz contra a criminalidade violenta mas antes parece se somar à violência criminal Mas diante destas constatações o que fazer com a provável distorção dos números e taxas de homicídios intencionais possivelmente causadas por erros sistemáticos de registro sejam intencionais ou não Se este erro de medida não é aleatório análises multivariadas podem ser enviesadas Há uma diferença entre 134 considerar que todos os registros inválidos são mortes por violência policial ou considerar que são todos produtos da insuficiência de recursos públicos necessários para a produção de estatísticas criminais e de mortalidade com qualidade satisfatórias Mesmo considerando que o subregistro é aleatório devese admitir que a qualidade da informação não é Algum método de correção tornase necessário Admitindo que as mortes por causas mal definidas são um erro sistemático devido à falta de recursos mas que não necessariamente tendem a ocultar mais homicídios intencionais que outras causas podemos supor que a proporção entre homicídios intencionais mal registrados como mortes por causas mal definidas tende a ser igual à proporção de mortes por agressão sobre as mortes com causas conhecidas violentas e naturais Em outras palavras a subnotificação por causas mal definidas atingiria aleatoriamente as diversas causas fazendo com que sejam pela lei dos grandes números aproximadamente proporcionais no agregado long run As mortes violentas por intenção indeterminada não seguiriam estritamente esta lógica primeiro por incidirem apenas sobre as mortes violentas ou seja por ter já uma qualificação serem causadas por fatores externos como acidentes suicídios agressões intervenções legais e operações de guerra As análises sobre os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo sugerem que a intenção indeterminada tende a ocultar homicídios ligados à violência policial e da vitimização de terceiros durante trocas de tiros entre policiais e grupos armados ilegais o que é consistente com o que a literatura tem apontado quanto ao tratamento jurídico que tem sido dado a estas mortes como resultariam de um confronto armado a intenção é desconhecida pois ficaria entre a agressão e a legítima defesa Nesta lógica os acidentes e suicídios erroneamente classificados como mortes violentas por intenção indeterminada é que seriam exceções Tanto a nossa análise quanto a análise mais abrangente de Cerqueira 2013 sugerem que a intenção indeterminada tende a ocultar mais homicídios intencionais que suicídios e acidentes Um método mais ousado seria simplesmente somar mortes por agressão por guerras e intervenções e por intenção indeterminada supondo que o número de acidentes e suicídios implícitos entre as indeterminadas seria residual e aleatório 135 TxAjHomicidHiMviiHiMccMcid100000Pop Onde Hi é homicídio intencional Mvii é morte violenta por intenção indeterminada Mcc é morte por causal mal definida Mcid é morte por causas definidas e Pop é população Outro método seria considerar que o impacto da mortalidade por causas mal definidas como irrelevante para a subnotificação de violências e o percentual de mortes por suicídios acidentes e sequelas aproximadamente constante e residual entre as mortes violentas por intenção indeterminada Dessa maneira bastaria somar as mortes por agressão operações de guerra ou policiais e mortes violentas por intenção indeterminada TxAjHomicidHiMvii100000Pop O método mais cauteloso seria considerar que o número de homicídios intencionais ocultos sob a classificação de intenção indeterminada é igual à proporção de mortes por agressão sobre as mortes violentas com intenção determinada agressões guerras e intervenções suicídios e acidentes TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Onde Mvid são mortes por causas externas excluindo as com intenção indeterminada A cautela se impõe pelas seguintes razões primeiro porque nada garante que a ocultação da violência policial e por conseguinte sua correlação linear com as mortes violentas por intenção indeterminada seja generalizada por todos os Estados federados nem que seja uma política consistente ao longo do tempo Pelo contrário o que provavelmente é generalizado e abrangente é que polícias com recursos insuficientes e mal alocados na investigação e inteligência desorganização administrativa e direção política autoritária tendem a ser mais incompetentes e negligentes para produzir informação criminal de qualidade Aplicando as fórmulas em comparação com o número oficial de mortes por agressão e intervenção 136 obtemos taxas divergentes em até 10 mortes por 100 mil habitantes e um acréscimo de 400 mil mortes pelo método mais conservador ultrapassando 700 mil mortes por homicídio intencional a mais pelo método mais radical Mas também observamos uma tendência à redução da diferença entre o número oficial e o número ajustado pelos dois métodos de modo que nos últimos anos da série há um estreitamento da distância exceto em 2018 e 2019 quando a divergência volta a aumentar Figura 5 Números nacionais brasileiras oficiais e ajustados de homicídios intencionais por vários métodos Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS 137 Figura 6 Taxas nacionais brasileiras oficiais e ajustadas de homicídios intencionais Fonte elaboração própria com dados do IBGE e DATASUS Figura 7 Subnotificação estimada dos homicídios intencionais por vários métodos Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS 138 Dessa maneira por meio de fórmulas relativamente simples baseadas em algumas suposições mostrouse possível reduzir o enviesamento dos erros de medida das estatísticas epidemiológicas e criminais oficiais Esperase que futuramente o uso deste ajuste contribua para a produção de modelos e análises mais robustos para testar teorias ou auxiliar na tomada de decisão 49 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS As definições institucionais estão na base das estatísticas criminais e vitais e expressam os processos políticos jurídicos administrativos e morais de gestão da vida e da morte das populações pelo Estado As evidências reunidas e analisadas aqui são favoráveis à hipótese enunciada por Glaucio Soares 2008 p 136 de que as mortes por intenção indeterminada não apenas incluem mais homicídios dolosos mal classificados do que acidentes e suicídios CERQUEIRA 2013 como também abrangem uma considerável parcela de mortes causadas pela polícia ao menos nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo Podese inferir que esta associação tem a ver com os procedimentos jurídicos prevalecentes para o processamento das ocorrências de resistência à prisão ou de confronto com a polícia Ademais a letalidade policial mostrouse associada tanto às mortes por operações de guerrapoliciais quanto por agressão e por intenção indeterminada de modo que para cada ocorrência de confrontos policiais por 100 mil habitantes somamse 45 à taxa de mortes violentas sejam intencionais agressões justificadas operações ou de intenção indeterminada Como as investigações tendem a ser arquivadas sem uma investigação aprofundada que elucide as circunstâncias da morte segundo as evidências materiais e testemunhais a intenção da ação policial que causou tais mortes torna se uma incógnita causando a falha na identificação das características situacionais que indicam que a morte foi causada por uma agressão ou por ação legal Em tese tais mortes seriam obrigatoriamente classificadas como resultantes de intervenção legal e operação de guerra mas a comparação das estatísticas do Rio de Janeiro e 139 de São Paulo mostra que o número de resistência à prisão e de confrontos com a polícia com mortes é superior ao número destas mortes Sem investigação não é possível classificar a morte decorrente da ação policial nem como agressão letal nem como intervenção legal ou bélica Por outro lado as mortes por intenção indeterminada também superam o número de resistências à prisão seguidas de morte o que talvez indique que são divulgados o número de ocorrências e não de vítimas Como é possível que haja mais de uma vítima fatal em uma ocorrência as mortes por intenção indeterminada talvez revelem um quadro de violência policial de maior magnitude do que é oficialmente declarado embora não seja válido afirmar que todas as mortes por intenção indeterminada são produtos da violência policial Ineficiência administrativa falta de médicos de investigação criminal e de equipamentos modernos para ambos certamente tem a sua parcela de culpa nas altas cifras de mortalidade violenta por intenção indeterminada e mesmo por mortes mal definidas em geral É importante frisar também que nem todas as mortes causadas por policiais ou militares são necessariamente classificadas como de intenção indeterminada ou como intervenção legal Também encontrou apoio em nossos resultados a hipótese de que muitas das mortes causadas por ações policiais classificadas como mortes por agressão dependendo das circunstâncias do crime e das políticas locais específicas de registro e classificação Os homicídios intencionais praticados por grupos de extermínio por exemplo provavelmente serão computados entre as demais mortes por agressão porque não estão oficialmente ligados à ação policial o mesmo provavelmente ocorrendo com homicídios cometidos por policiais no contexto de brigas pessoais e violência doméstica Em se tratando de políticas de segurança orientadas para o enfrentamento é verossímil que se incluam entre as vítimas terceiros não envolvidos nos confrontos mas atingidos por disparos durante operações policiais contra grupos armados ilegais A construção da estatística criminal e vital dessa maneira tem fundamentos sociais e políticos que precisam ser investigados até mesmo para que haja uma melhor utilização dos dados e indicadores cada vez mais importantes para a tomada de decisão e sempre essenciais para o fazer científico Se as narrativas 140 jurídicas padronizadas e as narrativas políticas e midiáticas correlatas legitimam um uso da força letal pela polícia que muitas vezes excede o lícito e o razoável a influência de tais procedimentos na produção de estatísticas criminais e vitais públicas tem contribuído para subestimar a magnitude estrutural da violência em nossa sociedade E mais que isso também contribui para dissimular o quanto a força letal da polícia quando utilizada sem respeito aos critérios legais e técnicos de razoabilidade e proporcionalidade contribui para a escalada da violência letal intencional senão multiplicandoa ao menos somando aos homicídios dolosos cometidos por particulares o homicídio cometido por policiais e militares conforme sugerem os resultados que demonstram uma associação positiva e significativa com alto poder explicativo da taxa de letalidade policial sobre mortes violentas por agressão por operações de guerra e por intenção indeterminada A diferença fundamental entre a violência entre particulares e dos policiais é que os segundos são profissionais remunerados treinados equipados e legitimados pelo Estado em nome da missão constitucional de prevenir e elucidar os crimes violentos e não para cometêlos 410 SÍNTESE DO CAPÍTULO A construção da informação criminal e sanitária como em geral das estatísticas não é um procedimento sempre neutro e técnico É antes uma atividade social como muitas outras e que possui condições e interesses particulares além de ser praticada por agentes sociais possuidores das suas próprias visões e interesses operando em organizações públicas estruturadas por relações de poder A estatística de mortalidade por violências no Brasil é produzida por agências que manuseiam categorias jurídicopenais como faz a polícia judiciária e conceitos sanitários e biológicos no sistema de saúde Cada uma se refere a características diferentes das mortes e ambas são necessárias para a produção de dados confiáveis No entanto constatamos um alto número de mortes violentas por intenção indeterminada Uma hipótese é que estas mortes seriam erros aleatórios assim 141 como a mortalidade por causas mal definidas ocasionados por falta de recursos ou desorganização administrativa dos órgãos policiais e médicos responsáveis pela produção da informação nas suas etapas sucessivas Outra é que haveria uma política institucionalizada ainda que não declarada de ocultação de homicídios dolosos sobretudo daqueles que são cometidos por policiais Esta última hipóteses é sugerida por algumas análises quantitativas e qualitativas que constataram correlações macrossociais negativas entre taxas de mortes violentas por agressão e indeterminadas similaridade da maior parte das vítimas das mortes indeterminada com as das vítimas de homicídios em comparação com as vítimas de acidentes e suicídios e práticas jurídicopoliciais corriqueiras que produzem narrativas padronizadas de resistência à prisão seguida de morte pela polícia tornando opaca a identificação das intenções Sem informações criminais confiáveis sobre as circunstâncias da morte muitas dessas mortes acabariam classificadas como de intenção indeterminada De fato constatamos pela análise de séries temporais e regressões bivariadas nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo uma associação entre as taxas de mortes por agressão e por intenção indeterminada e das últimas pelos homicídios dolosos de ocorrências de mortes por ação policial e de mortes violentas por intenção indeterminada A evidência apesar de favorável à hipótese não é conclusiva pois não pode ser generalizada para todos os Estados ou considerada imutável no tempo De todo modo mostra que a seletividade na gestão estatal da violência o desprezo pela vida de uma parcela da população brasileira a ineficácia do controle judicial da atividade policial e a tentativa de minimizar a magnitude da violência homicida e policial podem estar distorcendo a produção de estatísticas criminais e de mortalidade Diante destas constatações tentamos por meio de uma fórmula de ajuste reduzir a diferença entre um número real e oficial de mortes por agressão e intervenção partindo do pressuposto de que uma certa fração das mortes por causas mal definidas e das mortes violentas por intenção indeterminada oculta homicídios intencionais mal classificados Utilizando três fórmulas comparamos as taxas pelos números oficiais e 142 ajustados obtendo aumentos expressivos mas também uma redução da diferença ao longo do tempo com possível reversão nos dois últimos anos o que sugere que as altas taxas de homicídios intencionais do Brasil podem ser mais longínquas historicamente do que se pensa além de persistentes 143 5 CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA UMA ANÁLISE DAS MICRORREGIÕES BRASILEIRAS ENTRE 1996 E 2019 Neste capítulo apresentamos uma análise quantitativa das causas dos homicídios intencionais Realizamos um teste de hipóteses por meio de análise de regressão de variáveis associadas aos conceitos de desorganização social mercados ilícitos tensão social e exclusão socioeconômica dentro das possibilidades dadas pela existência de dados A análise abrange todas as 558 microrregiões brasileiras com dados entre 1996 e 2019 sendo os resultados quase inteiramente favoráveis às hipóteses 51 APRESENTAÇÃO A heterogeneidade regional do Brasil é enorme Isso inviabilizaria a busca por macrodeterminantes gerais para as variações das taxas de homicídios intencionais entre as diversas áreas do país Nossa hipótese é que não e que as limitações se devem mais à disponibilidade e à qualidade de dados bem como à necessidade de maior acumulação de pesquisas quantitativas e comparativas com hipóteses causais RIBEIRO e TEIXEIRA 2017 Tampouco acreditamos que é uma empreitada fácil e qualquer tentativa será necessariamente limitada sem deixar de ser necessária Neste capítulo apresentamos uma análise dos macrodeterminantes da taxa de homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras As microrregiões são conjuntos de municípios vizinhos entre si delimitados pelo IBGE Alguns deles formam metrópoles mas os dados indicam na sua maioria regiões com características rurais e de cidades pequenas com baixa densidade populacional onde homicídios e suicídios são relativamente raros Dentro da limitada oferta de dados selecionamos indicadores relevantes para a medição da desorganização social ligada ao crescimento e densidade demográficas SHAW e MCKAY 1942 LYNCH e BOGGESS 2016 HE e 144 MESSNER 2020 KUBRIN e WO 2016 SOUTH e MESSNER 2000 SIMMEL 2005 WIRTH 2005 SOUTH MESSNER 2000 EUFRÁSIO 1999 BARNETT MENCKEN 2009 RODRIGUES 2013 à violência sistêmica ligada ao uso mórbido e ao tráfico de drogas ilícitas GOLDSTEIN 1985 MINAYO e DESLANDES 1998 RARRON DAUDELIN 2017 e à posse de armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 CURRIE 1997 PERES e SANTOS 2005 CERQUEIRA 2010 bem como à exclusão socioeconômica ligada à tensão e anomia sociais AGNEW 2016 MERTON 1938 RUSCHE KIRSCHHEIMER 1999 SHAW e MCKAY 1942 RODRIGUES 2013 CURRIE 1997 CULLEN 1994 PRATT GODSEY 2003 DEFRONZO HANNON 1998 PRIEDMORE 2008 e 2011 MESSNER RAFFALOVICH SUTTON 2010 Utilizando modelos de regressão com especificações diferentes identificamos evidências consistentes a favor das hipóteses causais relativas às drogas ilícitas crescimento e densidade populacionais e exclusão socioeconômicas mas a posse de armas de fogo não teve efeitos significativos em alguns modelos Também constatamos que o poder explicativo sem o uso da taxa defasada de homicídios como variável independente foi baixo evidenciando que fatores históricos não incluídos nos modelos tem grande importância 52 DISCUSSÃO TEÓRICA O homicídios intencional é um fenômeno social estrutural no sentido de que em nível agregado possui parâmetros de volume e composição que são relativamente estáveis com mudanças graduais ao longo do tempo não obstante as fortes concentrações nos territórios e populações sendo mais comuns as transições no tempo e no espaço que as descontinuidades abruptas SOARES 2008 p 28 Quanto à composição sabemos que os homicídios intencionais se concentram entre homens jovens que são as principais vítimas e também os que mais frequentemente são suspeitos acusados e condenados por crimes violentos um padrão que é secular e internacional ibd p 19 RIBEIRO e COUTO 2015 MIETHE e RECOECZI 2004 145 Quanto ao nível agregado o primeiro problema é quanto à precisão da medida Segundo Gláucio Soares 2008 o subregistro de homicídios intencionais é ocultado por duas categorias Primeiro das mortes por causas mal definidas e desconhecidas pelas quais sequer há informação se se tratam de causas internas naturais ou externas violências e acidentes Segundo as mortes violentas por intenção indeterminada que estão na classificação de causas externas mas incompleta porque não se sabe a intenção se foi uma agressão suicídio ou acidente A subnotificação dos homicídios intencionais pode ser devido a características dos serviços que produzidam a informação falta de recursos da polícia judiciária e medicina forense desorganização administrativa ou até tentativa deliberada de ocultar violências nas investigações Dessa maneira é recomendável que os pesquisadores adotem algum meio de correção das taxas de homicídios intencionais O segundo problema quanto ao nível agregado é o das causas estruturais ou macrodeterminantes Soares 2008 p 43111 indica as divergências entre as análises que abordaram as causas em diversas escalas e contextos obtendo muitas vezes sinais opostos para as mesmas variáveis quando testadas para explicar a variação entre bairros ou distritos de um município entre municípios entre estados ou províncias de um país e finalmente entre países chamando ainda a atenção para o fato de que os macrodeterminantes não afetam todos os indivíduos que sofrem seus efeitos apenas uma fração minoritária que acaba se envolvendo nos crimes violentos Comentaremos a seguir os macrodeterminantes relativos ao consumo de psicoativos à oferta de armas de fogo à estrutura sociodemográfica e à exclusão socioeconômica O consumo de substância psicoativas em geral e especificamente o consumo e tráfico das ilícitas maconha cocaína e crack sintéticas etc tem sido apontado como uma das causas da violência criminal em alta incidência na sociedade brasileira contemporânea A literatura muitas vezes distingue entre a violência que é ligada ao consumo excessivo e compulsivo tendo como protagonistas os consumidores mórbidos e uma violência que é ligada à disputa pelo controle do tráfico de drogas ilícitas tendo como protagonistas os traficantes de drogas e a polícia Enquanto a primeira seria um processo psicossocial pela qual violências 146 espontâneas e expressivas são cometidas sob efeito de emoções exacerbadas pelo consumo do psicoativo ou crimes instrumentais são cometidos para obter recursos para comprar os produtos viciantes a segunda seria ligada especificamente à organização dos mercados ilícitos e políticas de controle de drogas alcunhada de violência sistêmica e podem ser considerados um efeito perverso de políticas centradas na proibição criminalização e repressão ao uso produção e comércio de drogas A violência no tráfico de drogas ilícitas aparece em uma variedade de situações precipitadas por disputas e retaliações por domínio hierárquico e territorial entre grupos criminosos relações com moradores não envolvidos no mundo do crime com consumidores e com a polícia O tráfico de drogas ilícitas por sua lucratividade é visto como uma alternativa financeiramente vantajosa se comparada ao mercado de trabalho restrito e precário no qual os jovens desfavorecidos dificilmente conseguirão a renda que obtém como traficantes ainda que o risco assumido seja a prisão ou a morte As tentativas policiais de combater o consumo e tráfico de drogas ilícitas também respondem direta e indiretamente por uma parcela da violência letal sistêmica Mesmo quando as relações entre policiais e traficantes não são mediadas pela corrupção a repressão policial sobre o consumo e tráfico de drogas ilícitas nas favelas e bairros pobres têm efeitos de ruptura e desestabilização podendo atingir moradores não envolvidos no crime ou contribuindo para fomentar as disputas entre os grupos de traficantes de drogas que também costumam se vingar de moradores não envolvidos que são vistos como informantes da polícia ou desobedientes às regras e ordens impostas pelas gangues armadas Por isso o consumo mórbido de psicoativos e o tráfico de drogas ilícitas é considerado um importante catalisador da criminalidade violenta embora seus efeitos e incidência sejam dependentes do contexto e não necessariamente gerem violência por si mesmos sem a presença de outros condicionantes GOLDSTEIN 1985 MISSE 2019 e 2011 RATTON DAUDELIN 2017 ZALUAR 1996 DIAS 2013 MINAYO DESLANDES 1998 BEATO FILHO 2001 O acesso a armas de fogo é apontado como outro fator que está intimamente ligado à violência Apesar de existirem defensores da hipótese de que uma grande presença de armas entre a população pode dissuadir o crime ao menos contra o patrimônio as pesquisas apontam na maioria dos casos que a maior posse de 147 armas de fogo traria mais violência interpessoal suicida ou acidental Isso ocorreria porque as armas são menos um meio de defesa individual do que um instrumento de agressão que podem ser utilizadas para roubos brigas rixas etc Em uma situação de conflito interpessoal uma arma torna mais fácil e letal uma reação violenta de uma das partes o que pode transformar um desentendimento ou rixa de menor importância em um assassinato Em um roubo é pouco provável que uma vítima armada tenha tempo para reagir eficazmente pois em geral será pega de surpresa pelo assaltante sendo mais provável que a tentativa de reação da vítima acabe precipitando a sua própria morte o que ainda permitiria que o ladrão se apossasse da arma da vítima Armas e munições furtadas e roubadas podem ser usadas em outros crimes ou vendidas no mercado ilegal de armamentos e munições A grande disponibilidade de armas que podem ser roubadas furtadas ou contrabandeadas reduz o custo de atividades violentas dos grupos criminosos como as gangues de traficantes O problema de medir a posse de armas recebeu numerosas respostas sendo a proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo a proxy mais comum mas está correlacionada apenas à presença ou não de armas em domicílios HEPBURN e HEMENWAY 2004 CURRIE 1997 PERES e SANTOS 2005 CERQUEIRA 2010 Fatores demográficos são associados à criminalidade violenta por argumentos teóricos e por várias análises empíricas indicando que processos como a migração entre cidades mas não necessariamente os imigrantes o crescimento demográfico e densidade populacional e a proporção de jovens e homens na população possuem conexões causais com a violência criminal embora o sentido desta causalidade nem sempre seja na direção da demografia para a criminalidade Altos níveis de crime podem estimular a emigração e alta letalidade criminal pode deformar a composição de idade e gênero em desfavor dos homens e jovens SOUTH MESSNER 2000 O crescimento populacional acelerado é apontado como um dos possíveis causadores do aumento da violência criminosa por meio do mecanismo da desorganização social Com o rápido aumento da população novos bairros são formados ou bairros antigos são superpovoados causando uma disparidade entre as capacidades estatais e comunitárias de controle social e o afluxo de novas 148 pessoas entre as áreas do mesmo município O crescimento do número de habitantes acaba por superar em velocidade a expansão de serviços públicos a demanda por força de trabalho e o desenvolvimento de laços associativos Então o controle social informal fica fragilizado favorecendo a formação de contextos mais propícios à delinquência em comunidades de baixa eficácia no controle informal dos jovens Isto ocorreria com especial força nos bairros com pior infraestrutura eou localização aonde o custo de moradia é mais acessível aos recémchegados de classe baixa que muitas vezes também enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho local gerando uma concentração de pobreza baixa escolaridade desemprego e informalidade da moradia e do trabalho dos residentes além de baixa oferta e qualidade de serviços públicos no local de modo que a concentração socioespacial de desvantagens socioeconômicas está ligada a muitas condições que facilitam e poucas condições que previnem os crimes violentos EUFRÁSIO 1999 KUBRIN e WO 2016 LYNCH e BOGGESS 2016 SOARES 2008 pp7883 Por outro lado a perda de população também pode se associar à elevação dos homicídios por estar via de regra ligada ao declínio socioeconômico acentuado com severos impactos sobre as capacidades institucionais locais e pela elevação das tensões sociais BARNETT MENCKEN 2009 O impacto do crescimento populacional passaria por isso pela institucionalidade local O crescimento acumulado da população poderia impactar a criminalidade violenta por outra via a do adensamento e aglomeração da população em territórios urbanos A densidade populacional de uma microrregião pode ser considerada uma proxy para a urbanização um processo que também foi associado ao crescimento da criminalidade e da violência Em Simmel 2005 encontramos uma identificação entre a formação do grande centro urbano e a fragilização dos laços sociais reduzindo a capacidade coletiva de intervigilância informal e fortalecendo o individualismo o anonimato e a fragmentação social Embora Simmel não tenha de imediato relacionado a alta urbanização com a criminalidade tal foi feito pela Escola de Chicago que relacionou as características do estilo de vida urbano à formação de contextos favoráveis à criminalidade ao suicídios e à desordem fundamentando assim uma teoria da desorganização social WIRTH 2005 p 12 149 A violência criminal ou seja tanto as ocorrências quanto a residência de autores e vítimas dos crimes porém não se distribuem de maneira aleatória pelo território urbano sendo fortemente concentradas em certos locais com características econômicas territoriais e demográficas peculiares o que foi endereçado pela teoria da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 embora esta perspectiva esteja longe de esgotar a conexão entre violência e demografia SOUTH MESSNER 2000 Segundo RODRIGUES 2013 o processo históricoeconômico de formação das metrópoles brasileiras a produção do espaço metropolitano é marcado pela prevalência de interesses empresariais que perseguem a mercantilização da cidade levando à forte fragmentação e desigualdade socioespacial puxada pela autossegregação dos mais afortunados de um lado e pela segregação por necessidade dos mais pobres que são empurrados para as periferias e favelas desprovidas de infraestrutura urbana pelos preços dos imóveis e aluguéis uma estruturação correspondente também a altos índices de criminalidade e violência Admitese que a fragmentação do tecido urbano seja produto da desigualdade que caracteriza a própria estrutura social capitalista que por sua vez reproduz e aprofunda esta característica em um círculo perverso próprio das sociedades capitalistas de mercado em que são elevados os riscos sociais para a população RODRIGUES 2013 p 62 A elitização e a favelização nas metrópoles são duas faces da mesma moeda e ocorrem em espaços onde predomina a especulação imobiliária e a desigualdade socioeconômica A ligação entre a dinâmica urbana que levou a metrópoles com altos níveis de violência é evidenciada por exemplo pela correlação entre o nível de integração metropolitana do município e o nível agregado de homicídios Ocorre uma colonização do ambiente comum construído pelos interesses da acumulação financeira e dos consumidores mais abastados que se apropriam das melhores localizações Dessa maneira o processo de metropolização predominante no Brasil é caracterizado pela anomia e desorganização social os efeitos da segregação isolam grandes contingentes populacionais e produzem idênticos resultados 150 corrosivos nas estruturas das relações de convivência em comunidades territoriais interferindo sobre a sociabilidade produzida RODRIGUES 2013 p 57 Dessa maneira se processos de crescimento e adensamento populacionais que dão origem aos grandes centros urbanos ativariam mecanismos geradores da criminalidade violenta ou desativariam os mecanismos preventivos é também preciso levar em conta a prevalência das desvantagens socioeconômicas Teorias como a da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 e da anomia tensão social e problemas socioeconômicos MERTON 1938 AGNEW 1992 e 2016 CURRIE 1997 predizem que a um maior nível de privação absoluta ou relativa respectivamente corresponde um maior nível de crimes violentos Esta relação seria mediada na primeira perspectiva pelo mecanismo do controle social informal áreas urbanas nas quais há maior concentração de privação absoluta possuem uma rede menos adensada de laços sociais menores níveis de confiança intersubjetiva reduzindo assim o controle social comunitário sobre o comportamento dos jovens que se sentem livres para cometer delitos A tensão social vai dizer que o mecanismo causal é a frustração com a disjunção entre meios e fins institucionais na ordem social contemporânea pois os jovens se veem instigados a buscar sucesso individual e financeiro dentro de uma lógica de mercado mas o acesso a meios factíveis e legítimos de ascensão social é restrito e desigual o que causaria frustração desconsideração pela legitimidade dos meios e favoreceria a atitude por uma parcela dos jovens de usar quaisquer meios ilegais para obter o sucesso inclusive praticando crimes econômicos e violentos O grande problema sempre foi medir esta conexão das privações absolutas e relativas com a criminalidade comparar seus efeitos relativos entre si e tirar conclusões que permitam decidir por uma teoria ou outra ou rechaçar ou integrar ambas Isso porque indicadores de privação absoluta e relativa estão fortemente correlacionados entre si e tem o impacto mediado por um contexto institucional mais amplo Separáveis abstratamente desigualdade e pobreza frequentemente se encontram sobrepostos empiricamente Priedmore 2008 2011 por exemplo ao criticar a literatura que vincula desigualdade a homicídios intencionais busca como alternativa a mortalidade infantil que seria um proxy para a pobreza absoluta não só monetária mas de condições concretas de vida o que seria correlacionado à 151 remuneração custo de vida e aos laços e apoios sociais obtendo resultados positivos e tornando insignificante a desigualdade como preditora de homicídios intencionais agregados em comparação internacional Messner Raffalovich e Sutton 2010 por outro lado alegam que a mortalidade infantil estaria muito mais conexa às privações relativas índice Gini de distribuição de renda pessoal do que às privações absolutas medidas por faixa de renda abaixo de 2 dólares diários Com base nesta evidência os autores argumentam que a conexão entre bemestar material e nível de renda depende do contexto institucional mais amplo Ao invés de pobreza preferem usar o conceito de exclusão social uma categoria que está ligada tanto às privações absolutas quanto às relativas tanto ao nível individual quanto ao nível coletivo Desta perspectiva a taxa de mortalidade infantil não seria um mero indicador de pobreza absoluta mas capturaria aspectos das duras condições de vida de grupos marginalizados de uma maneira que faixas de renda monetária não conseguiriam como a competição por sobrevivência em situações de escassez a fragilidade dos laços sociais a discriminação social e a privação de apoio social MESSNER RAFFALOVICH SUTTON 2010 Alguns estudos sociológicos e econômicos sobre a saúde coletiva podem ajudar a reforçar este argumento mesmo sem entrar na questão da relação entre mortalidade infantil e homicídios intencionais Dalton e Springer 2001 analisaram a mortalidade infantil e baixo peso ao nascer entre os países da OCDE testando efeitos do gasto per capita em saúde pública desigualdade de renda desemprego e renda média obtendo resultados robustos em favor da hipótese de que a despesa sanitária estatal melhora a saúde dos recém nascidos significativamente por efeitos diretos e indiretamente pelo baixo peso ao nascer como também no curto prazo e via efeitos acumulados dos investimentos entre 3 e 5 anos mesmo controlados pela desigualdade e desemprego Este tipo de ação pública social e caritativa pode ser conectado ao conceito de apoio social CULLEN 1994 que seria um poderoso mecanismo preventivo da criminalidade e da violência em diversos contextos e grupos sociais SILVA et al 2019 fizeram uma análise dos macrodeterminantes socioeconômicos da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros com vários métodos econométricos da perspectiva teórica da economia da saúde e 152 concluíram que a mortalidade infantil é favorecida pela taxa de fecundidade densidade domiciliar analfabetismo proporção de crianças de baixa renda média domiciliar e é prevenida pela escolaridade renda média e acesso a serviços de saneamento básico Almeida e Szwarcwald 2014 também tomando como objeto a variação da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros concluíram que controlando estimadores de subregistro níveis médios de renda de acesso e uso de serviços de saúde e de acesso a serviços básicos de eletrificação e saneamento básicos possuem efeitos preventivos reduzindo a mortalidade infantil no município enquanto o índice Gini de desigualdade de renda e a proporção de domicílios de baixa renda predizem maiores níveis de mortalidade infantil no município Estes resultados condizem com a concepção de exclusão social defendida por Messner Raffalovich e Sutton 2010 para indicar a conexão entre taxas de mortalidade infantil e de homicídios intencionais como vinculada a um contexto institucional abrangente no qual além das privações materiais causadas pela limitação de renda monetária intervêm numerosos fatores mediadores de estruturas de aprendizado redes de apoio social interconexão social bem como segregação e discriminação socioeconômica constituindo uma miríade de mecanismos causais similares àqueles formulados por teorias sociológicas da violência Enfim o uso da mortalidade infantil como variável preditiva não se deve a uma hipótese sobre efeitos diretos nem mediação mas principalmente como um proxy de causas institucionais e socioeconômicas em comum no sentido de que podem causar tanto um quanto outro efeito Como exposto anteriormente estudos constataram a conexão internacional entre desigualdade econômica gasto per capita em saúde pública e mortalidade infantil enquanto estudos sobre os municípios brasileiros identificaram fortes associações da mortalidade infantil a fatores que a partir de conceitos teóricos da sociologia da violência supomos que podem estar correlacionados aos homicídios intencionais como a tensão e a desorganização sociais desigualdade pobreza renda média escolaridade acesso a serviços e infraestruturas de habitação 153 53 METODOLOGIA Foram utilizados dados das 558 microrregiões brasileiras delimitadas pelo IBGE Microrregiões são grupos de municípios vizinhos entre si sendo alguns deles consideradas regiões metropolitanas A escolha da microrregião como unidade de análise se dá em função do controle da autocorrelação espacial da violência criminal o que tende a ocorrer entre municípios com alta letalidade intencional principalmente quando o agrupamento em questão é metropolitano com características de grande centro urbano RODRIGUES 2013 SOARES 2008 Como a microrregião é por si mesma uma agregação estes efeitos já estão controlados e vinculados à hipótese de que a densidade populacional aumenta a taxa de homicídios Os dados históricos vão do ano de 1996 a 2019 estruturados em painel balanceado séries temporais equivalentes de diversos cortes transversais As variáveis conforme a discussão teórica já realizada referemse a fatores de oportunidade armas de fogo de desorganização social crescimento demográfico e de tensão social mortalidade infantil ou a várias dimensões ao mesmo tempo densidade populacional e mortalidade infantil ou enfim a fatores históricos omitidos taxa de homicídios do ano anterior A seguir um quadro das variáveis independentes a serem utilizadas na análise 154 Quadro 10 Descrição e fontes das variáveis de interesse do capítulo Variável Descrição Fonte TxAjHomidicios 19962019 Número de mortes por agres são e por intervenção legalope rações de guerra por 100 mil residentes mais uma estimativa linear de mortes violentas por intenção indeterminada e por mortes por causas mal defini das que seriam homicídios intencionais mal classificados SIMDATASUS e estimativas populacionais do IBGE Consumodrogas 19962019 Mortes por consumo de álcool canabinoides cocainoides e alucinógenos por milhão de habitantes SIMDATASUS e estimativas populacionais do IBGE SuicidioPAF 19962018 Porcentagem dos suicídios que são cometidos com armas de fogo sobre o total de suicídios SIMDATASUS Densidade 19962019 Número de habitantes por quilô metro quadrado de área da microrregião Estimativas populacionais e área das microrregiões do IBGE crescpop5anos 19962019 Variação percentual da popula ção em 10 anos Estimativas populacionais do IBGE mortalidadeinfantil 1994 2019 Mortalidade de crianças meno res de 1 ano de idade por 1000 nascidos vivos DATASUS Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Para lidar com problemas de qualidade da informação adotamos o seguinte procedimento consideramos homicídios intencionais as mortes por agressão as mortes por intervenção legal e operações de guerra uma fração das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção entre mortes por agressão e intervenção suicídios e acidentes e uma fração das mortes por causas mal definidas igual a proporção entre as mortes por agressão e intervenção e o conjunto das mortes por causas conhecidas naturais e violentas A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop 155 Na qual Hi é Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid é Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Como selecionamos os óbitos por residência constatamos numerosas mortes que não estavam alocadas em nenhuma microrregião mas categorizadas por Estados como ignoradas Pressupondo que estas se distribuíam aleatoriamente entre as microrregiões dividimos igualmente estas mortes por local de residência ignorado entre as microrregiões de cada Estado De acordo com a discussão teórica o sinal esperado em todas as variáveis nos modelos é positivo e significativo Utilizaremos estatísticas descritivas e modelos de regressão de mínimos quadrados ordinários MQO simples e múltiplo e modelo de mínimo desvio absoluo MDA de análise multivariada Para os modelos de regressão foi adotado o procedimento de transformação logarítmica da variável dependente e das variáveis independentes visando reduzir a dispersão dos dados que verificamos ser bastante acentuada na análise descritiva exceto o crescimento populacional que possui alguns valores negativos e por isso foi deixada como variável independente linear Tanto os modelos MQO e quanto o MDA foram testados com e sem a inclusão da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior como variável independente um proxy para possíveis fatores históricos não incluídos entre as demais variáveis independentes 54 RESULTADOS Os parâmetros descritivos ilustram a grande heterogeneidade entre as microrregiões brasileiras No período analisado há locais que vão de menos de 2 mil habitantes até cerca de 15 milhões Os indicadores de densidade e crescimento populacional também mostram variações consideráveis no espaço e no tempo Mas há uma diferença a densidade e população tiveram médias muito maiores que a mediania indicam uma alta concentração populacional em alguns centros de um lado e uma grande quantidade de áreas com menos populosas e adensadas Já o 156 crescimento populacional assim como a mortalidade infantil tiveram maior proximidade entre média e mediania O mesmo podemos observar em relação ao nosso objeto que apresentou variações entre 0 e 141 homicídios por 100 mil habitantes tornandose ainda mais notável pelas estimativas corrigidas na média aumentou em 63 a taxa de homicídios intencionais com a amplitude passando de 141 para 906 Esta variação evidencia a alta instabilidade das taxas em contextos de baixa população Um local com mil habitantes por exemplo pode ter taxa de homicídios igual a zero por vários anos saltando para uma taxa de 100 caso ocorra um assassinato de residentes na área Em números absolutos entre 1996 e 2019 ocorreram oficialmente 1228262 assassinatos no país Com o ajuste foi acrescentada uma estimativa de 213472 assassinatos elevando o total para 1441734 Quadro 11 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 55824 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx Consumodrogas 409 343 319 000359 510 suicidioPAF 120 714 161 465e05 100 densidade 929 299 336 0197 621e03 crescpop5anos 497 423 704 433 872 mortalidadeinfantil 196 158 496 000291 263e03 população 334e05 168e05 863e05 186e03 150e07 txhomicídios 192 148 153 00 141 TxAjHomidicios 255 195 250 00 906 Fonte SIMDATASUS área e estimativas populacionais do IBGE Em seguida mostramos as regressões bivariadas começando pela conexão positiva e significativa entre consumo mórbido de psicoativos e taxa ajustada de homicídios intencionais uma relação de pouco menos de 0098 de aumento da taxa de homicídios para cada 1 de aumento do consumo de psicoativos 157 Figura 8 taxa ajustada de homicídios intencionais X consumo de psicoativos Brasil 1996 2018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Relativo à posse de armas de fogo na população encontramos também conexão positiva e significativa com 1 de aumento do acesso a armas de fogo implicando no crescimento em 002 da taxa de homicídios intencionais 158 Figura 9 taxa de homicídios intencionais X acesso a armas de fogo Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE O crescimento populacional também exibiu impactos positivos e significativos na taxa de homicídios no modelo abaixo que mostra um aumento de 0017 dos crimes letais dolosos para cada 1 de aumento percentual da população 159 Figura 10 Taxa de homicídios intencionais X crescimento populacional Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Da mesma forma o efeito da densidade populacional sobre os homicídios intencionais foi que 1 de crescimento da primeira leva a 017 de aumento dos segundos 8 6 4 2 0 2 4 6 8 40 20 0 20 40 60 80 lTxAjHomidicios crescpop5anos lTxAjHomidicios versus crescpop5anos com ajustamento por mínimos quadrados Y 283 00174X 160 Figura 11 Taxa de homicídios intencionais e densidade populacional Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Enfim para a conexão entre a exclusão socioeconômica e os crimes letais intencionais encontramos que a cada 1 a mais de mortalidade infantil temos 0028 a mais de homicídios intencionais 161 Figura 12 Taxa de homicídios intencionais e mortalidade infantil Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Agora apresentamos os modelos multivariados Primeiramente uma matriz de correlações demonstra a baixa associação entre as variáveis independentes o que afasta possíveis problemas de colinearidade na regressão múltipla 162 Figura 13 Matriz de correlação entre variáveis explicativas Brasil por microrregião 1996 2018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Enfim o modelo multivariado Podemos observar que todas as variáveis preditoras mantiveram o sinal e a significância algumas mantendo efeitos similares Chama a atenção que a mortalidade infantil tornouse mais forte na regressão multivariada passando a impactar em 007 a taxa de homicídios intencionais O modelo alcançou 6 de coeficiente de explicação restando por isso uma enorme variância não explicada Matriz de correlação 00 00 00 00 10 01 00 00 10 00 01 00 10 00 00 01 10 00 00 00 10 01 01 01 00 mortalidadeinfantil crescpop5anos densidade suicidioPAF consumodrogas consumodrogas suicidioPAF densidade crescpop5anos mortalidadeinfantil 1 05 0 05 1 163 Quadro 12 MQO agrupado usando 12834 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 197652 00614366 3217 00001 lconsumodrogas 00898743 000846752 1061 00001 lsuicidioPAF 00100924 000356744 2829 00047 ldensidade 0102124 000545639 1872 00001 lmortalidadeinfantil 00696009 00170097 4092 00001 crescpop5anos 00205195 000115602 1775 00001 Média var dependente 2915525 DP var dependente 0940644 Soma resíd quadrados 1069158 EP da regressão 0912938 Rquadrado 0058407 Rquadrado ajustado 0058040 F5 12828 1591436 PvalorF 13e164 Log da verossimilhança 1703865 Critério de Akaike 3408929 Critério de Schwarz 3413405 Critério HannanQuinn 3410426 rô 0644680 DurbinWatson 0661212 Para contornar este problemas decidimos testar dois métodos O primeiro foi incluir o logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior como variável independente visando capturar os efeitos de fatores históricos não observados sobre a variávelresposta O modelo obtido aumentou o coeficiente de explicação para 47 reduziu o coeficiente das demais variáveis e tornou a proporção de suicídios por armas de fogo insignificante 164 Quadro 13 MQO agrupado usando 12276 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 22 Variável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0611801 00514305 1190 00001 lconsumodrogas 00367899 000654383 5622 00001 lsuicidioPAF 000432520 000271181 1595 01107 ldensidade 00299483 000421698 7102 00001 lmortalidadeinfan til 00587492 00141921 4140 00001 crescpop5anos 000720957 0000884814 8148 00001 lTxAjHomidicios1 0651012 000665312 9785 00001 Média var dependente 2927890 DP var dependente 0932767 Soma resíd quadrados 5645477 EP da regressão 0678337 Rquadrado 0471394 Rquadrado ajustado 0471135 F6 12269 1823514 PvalorF 0000000 Log da verossimilhança 1265094 Critério de Akaike 2531589 Critério de Schwarz 2536780 Critério HannanQuinn 2533328 rô 0229980 DurbinWatson 2348029 Outro método utilizado foi o Mínimo Desvio Absoluto visando reduzir o problema da enorme dispersão dos dados Mais uma vez a proporção de suicídios por arma de fogo tornouse insignificante e a mortalidade infantil tornouse a variável com o maior poder explicativo para cada 1 a mais aumenta em 015 a taxa ajustada de homicídios intencionais 165 Quadro 14 LAD usando 12834 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 194787 00949505 2051 00001 lconsumodrogas 00860849 00105820 8135 00001 lsuicidioPAF 000279351 000424213 06585 05102 ldensidade 00635019 000619491 1025 00001 lmortalidadeinfantil 0156571 00280266 5587 00001 crescpop5anos 00207832 000158801 1309 00001 Mediana var dependente 2965728 DP var dependente 0940644 Soma resíd absolutos 8142094 Soma resíd quadrados 1083673 Log da verossimilhança 1588973 Critério de Akaike 3179146 Critério de Schwarz 3183622 Critério HannanQuinn 3180643 A seguir acrescentamos a taxa ajustada de homicídios defasada em um ano como variável independente Constatamos que ao fazêlo as proxies para consumo de drogas e acesso a armas de fogo perdem a significância A mortalidade infantil permanece com o maior efeito depois da taxa de homicídios defasada Quadro 15 LAD usando 12276 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0273417 00395622 6911 00001 lconsumodrogas 000628234 000477925 1315 01887 lsuicidioPAF 000190534 000175231 1087 02769 ldensidade 000738922 000267594 2761 00058 lmortalidadeinfantil 00592318 00126774 4672 00001 crescpop5anos 000283407 0000630828 4493 00001 lTxAjHomidicios1 0847715 000739436 1146 00001 Mediana var dependente 2975782 DP var dependente 0932767 Soma resíd absolutos 4213375 Soma resíd quadrados 6064747 Log da verossimilhança 7657338 Critério de Akaike 1532868 Critério de Schwarz 1538058 Critério HannanQuinn 1534607 A seguir um quadro resumo dos modelos para facilitar a comparação Pode se observar que a densidade e crescimento populacionais e a mortalidade infantil mantiveram o sinal e significância entre todos os modelos enquanto o acesso a armas de fogo só teve o sinal esperado e significativo no MQO agrupado 166 Quadro 16 Variável dependente lTxAjHomidicios I II III IV MQO agrupado MQO agrupado LAD MDA LAD MDA const 20 061 19 027 0061 0051 0095 0040 000 000 000 000 lconsumodrogas 0090 0037 0086 00063 00085 00065 0011 00048 000 000 000 019 lsuicidioPAF 0010 00043 00028 00019 00036 00027 00042 00018 000 011 051 028 ldensidade 010 0030 0064 00074 00055 00042 00062 00027 000 000 000 001 lmortalidadeinfantil 0070 0059 016 0059 0017 0014 0028 0013 000 000 000 000 crescpop5anos 0021 00072 0021 00028 00012 000088 00016 000063 000 000 000 000 lTxAjHomidicios1 065 085 00067 00074 000 000 n 12834 12276 12834 12276 Adj R2 006 047 lnL 17e04 13e04 16e04 77e03 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes indica significância ao nível de 10 por cento indica significância ao nível de 5 por cento 167 55 DISCUSSÃO Os modelos bi e multivariados tiveram resultados em sua maioria favoráveis às hipóteses teóricas de acordo com os conceitos utilizados apesar de alguma variação de resultados o que mostra uma certa sensibilidade das associações estatísticas entre algumas variáveis à especificação do modelo De qualquer maneira identificamos algumas evidências relativamente consistentes entre os modelos bivariados e multivariados Observamos um apoio empírico à conexão entre drogas e violência criminal predita pela ideia de que o consumo mórbido de psicoativos pode estimular a violência por meio tanto dos hábitos de consumo em si mesmos que podem favorecer as violências interpessoais ou contra o patrimônio em razão das alterações psicossociais de um consumo pesado potencialmente letal das substâncias como também de que um alto consumo agregado de psicoativos proibidos as drogas ilícitas o que proporciona maior renda aos traficantes de drogas ilícitas aumentando a atratividade deste crime e a motivação e recursos para a competição violenta entre grupos criminosos pelo controle territorial do tráfico de drogas ilícitas Esta conexão não precisa ser vista em uma chave exclusivamente psicofarmacológica ou instrumental como distinguira John Goldstein 1985 já que efeitos psicofísicos das substâncias estão ligados a situações sociais específicas bem a existência de rituais de interação específicos dos grupos criminosos armados O tráfico de drogas ilícitas poderia ser também um meio de obtenção de instrumentos da violência que pode ser conduzida com finalidades expressivas por traficantes vinganças demonstrações de força etc ou com finalidades instrumentais por usuários mórbidos obter renda por meio de roubos para consumir psicoativos e outros produtos Tampouco a violência ligada às drogas pode ser abstraída do contexto institucional mais amplo Relativo às armas de fogo encontramos efeitos positivos e significativos em 2 dos 4 modelos testados perdendo significância especificamente quando é usada a taxa defasada ajustada de homicídios intencionais como variável independente o que sugere que o uso de armas de fogo pode estar associada a fatores históricos 168 não observados O mesmo ocorre no modelo de Mínimo Desvio Absoluto o que implica talvez que além dos fatores históricos a associação positiva entre armas de fogo e homicídios seja sensível a valores extremos e excepcionais De qualquer forma a hipótese contrária da dissuasão da violência criminal por armamento privado não encontrou qualquer respaldo Os resultados podem sugerir que a proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo é uma proxy inadequada pois está ligada à presença ou não de armas nos domicílios não tendo relação com a quantidade e poder de fogo de armas e munições Armas usadas em homicídios intencionais podem provir também das polícias quartéis empresas de segurança e transporte de valores clubes de tiro e até de contrabando e importação Notícias da imprensa falam até mesmo de oficinas clandestinas onde armas de fogo são fabricadas ilegalmente TEIXEIRA et al 2019 NASCIMENTO 2021 É possível que em vários contextos as armas de fogo em domicílio se tornem menos relevantes para a criminalidade violenta tendo em vista a diversidade de fontes e canais para obter armamento A densidade populacional foi utilizada como um proxy para a urbanização obtendo efeitos positivos e significativos em todos os modelos A relação com a densidade é proposta explicitamente por Wirth 2005 e Simmel 2005 que consideravam esta propriedade estrutural das grandes cidades um incentivo à fragmentação social e anonimato dada a facilidade para todos se misturarem na multidão Ao contrário das áreas rurais e cidades pequenas onde é comum que todos se conheçam nas metrópoles é impossívelo interconhecimento generalizado entre os moradores o fragilizaria os controles sociais informais Grandes cidades são caracterizadas pela intensa circulação rotineira de riquezas móveis e populações o que forneceria numerosas ocasiões para a prática de crimes como roubos e brigas ambos podendo resultar em homicídios Afora estes argumentos que relacionam diretamente as propriedades gerais da vida urbana com a incidência de criminalidade há argumentos teóricos relativos às especificidades históricas da urbanização e metropolização no Brasil marcadas por extrema desigualdade e fragmentação urbanas que também podem ser relacionados à violência criminal como agravantes dos possíveis efeitos criminogênicos da urbanização As evidências apoiaram de maneira consistente as 169 hipóteses sendo a primeira reforçada pelos efeitos do crescimento populacional e a segunda pela exclusão socioeconômica Também relacionável ao processo de metropolização e êxodo rural o crescimento populacional mostrou efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais em todos os modelos construídos Os mecanismos que produzem o aumento populacional podem ser a alta fecundidade com redução da mortalidade geral e a migração Tratandose de áreas urbanas temos um fenômeno de intenso êxodo rural o que talvez sugira que a fragmentação social não seja favorecida apenas pelo individualismo urbano como queriam Simmel 2005 mas também pela sobreposição de pessoas de diversas origens em áreas densamente povoadas tendo em comum as desvantagens socioeconômicas Nesta perspectiva a concentração de população culturalmente heterogênea e economicamente desvalida é que seria o fator criminogênico conforme argumenta a teoria da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 pois enfraqueceria a capacidade comunitária de apoio e controle social Uma interpretação mais direta seria que o crescimento populacional acelerado poderia simplesmente sobrecarregar as redes de apoio e controle sociais públicas e privadas o mercado de trabalho com oferta excedente de mão de obra e o mercado habitacional com excessiva demanda por moradia fazendo crescer a segregação socioeconômica espacial as filas para acesso a serviços a informalidade e o desemprego Mais uma vez é possível especular que esta ligação pode ser ao menos em parte contextodependente tendo em vista o padrão de urbanização e metropolização predominante na história brasileira marcado por desigualdades socioeconômicas no espaço urbano Dessa maneira variadas formas de marginalização exclusão e desigualdade sociais podem estar ligadas à incidência de violência criminal letal Conforme argumentaram alguns autores comentados estas privações e opressões podem incentivar a criminalidade por mecanismos de frustração causada pela disjunção entre metas generalizadas de sucesso financeiro prescritas pela cultura dominante e o bloqueio e desigualdade de oportunidades legítimas ao lado da existência de meios ilegais e violentos de ganho que podem ser perseguidos e utilizados pelo ator diante do bloqueio de fontes legítimas de renda Outro mecanismo seria o 170 enfraquecimento dos laços sociais que seriam fonte de apoios e controles informais propiciados por familiares associações e mobilizações comunitárias religiosas profissionais etc e pelas políticas públicas sociais A atuação de familiares associações e serviços públicos poderia minorar ou compensar efeitos das tensões sociais ou de associações diferenciais reduzindo a violência criminal nos locais e grupos vulneráveis à violência Indicadores como a mortalidade infantil seriam altamente sensíveis às condições de privações socioeconômicas de coesão e de apoio sociais ou seja para além da baixa renda monetária familiar captaria estruturas institucionais que agravam ou aliviam a escassez de meios de consumo Por estas razões a taxa de mortalidade infantil funcionou como uma proxy para a conexão entre exclusão social e criminalidade violenta com efeitos positivos e significativos em todos os modelos como esperado Pudemos observar que o tamanho do efeito coeficiente nos modelos multivariados foi maior que na regressão bivariada sendo ainda maior pelo método de Mínimo Desvio Absoluto o que sugere que nos outros modelos a conexão pode ter sido enfraquecida pela presença por alguns casos extremos outliers Aliás a taxa de mortalidade infantil foi o único indicador preditivo que obteve aumento do coeficiente no modelo de Mínimo Desvio Absoluto podendo ser interpretado que outros fatores mediaram efeitos da exclusão socioeconômica exacerbandoos ao máximo em alguns casos extremos Por omissão de variáveis importantes ou por qualidade insatisfatória das variáveis explicativas a variância explicada foi relativamente baixa mesmo mobilizando hipóteses teóricas complementares Apenas quando adicionada a variável dependente defasada em um ano o modelo obteve um poder explicativo mais alto quase 8 vezes maior que sem este recurso Porém apenas uma variável a proporção de suicídios por armas de fogo perdeu a significância As demais mantiveram o sinal e a significância embora com redução às vezes baixa no coeficiente Estes resultados sugerem que embora relativamente eficazes dentro dos seus limites as variáveis explicativas não fornecem muita da informação que estava carregada na taxa de homicídios defasada 171 Pelo resultado a cada 1 a mais da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior 065 incidiria no ano seguinte Isso não é de todo surpreendente tendo em vista que todas as variáveis explicativas são proxies que pressupomos correlacionadas às causas teoricamente formuladas para a macroincidência de crimes letais dolosos Além disso é consistente com a ideia de que a violência criminal é estrutural sendo mais frequentes as transições que as rupturas ao longo do tempo Entre os fatores não captados pelas demais variáveis que estariam implícitos no efeito da variável dependente defasada poderiam ser mencionados erros sistemáticos de medição em certas unidades transversais e períodos tanto nas variáveis dependentes quanto nas preditivas algumas variáveis relevantes omitidas e aspectos dos conceitos explicativos que foram incluídos nos modelos mas não adequadamente captados pelas proxies De toda maneira o que a magnitude dos efeitos da variável dependente defasada recomendam é que outras análises empíricas quantitativas ou qualitativas sejam produzidas ou levadas em conta para aprofundar o conhecimento das causas da violência criminal que ceifou de 12 milhão a 15 milhão de pessoas no Brasil entre 1996 e 2019 56 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos uma análise quantitativa multivariada das possíveis explicações para a variação das taxas de homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras delimitadas pelo IBGE com dados em painel de 1996 a 2019 abrangendo as 558 microrregiões As hipóteses foram baseadas nas tradições teóricas da tensão social da desorganização social e sobre os nexos sistêmicos entre a violência letal e as armas de fogo e drogas Para testar as teorias foram utilizadas proxies indicadores de medição indireta das variáveis de interesse sobretudo com dados demográficos IBGE e de saúde e mortalidade DATASUS Apesar da relevância dos indicadores socioeconômicos para o quadro teórico estes dados não foram identificados para todas as unidades e o período analisados Tendo em vista dos problemas de subnotificação dos dados de mortalidade foram realizados ajustes na variável dependente pressupondo que as 172 mortes sem identificação de local estavam distribuídas igualmente entre todas as microrregiões de cada Estado e que a proporção de mortes por causas mal definidas e violentas por intenção indeterminada que são homicídios ocultos é igual à proporção de homicídios intencionais registrados sobre a mortalidade geral e sobre as mortes violentas Em geral as hipóteses foram corroboradas pelas evidências produzidas com dados observacionais mas com poder explicativo relativamente baixo dos modelos exceto com a variável dependente defasada Fatores de desorganização social como crescimento e densidade demográficos mostraram associações positivas com a violência criminal dolosa em todos os modelos sugerindo que os mecanismos de fragmentação social teorizados pela tradição do controledesorganização são relevantes para a explicação sociológica dos crimes violentos É possível porém que a associação seja dependente do contexto já que o histórico da urbanização brasileira é marcada por desigualdades urbanas extremas e supremacia dos interesses empresariais e dos consumidores de alta renda O nexo entre drogas e violência obteve apoio em todos os modelos Porém não é possível diferenciar efeitos do consumo sobre brigas e roubos dos efeitos do tráfico de drogas sobre execuções e trocas de tiros Já o nexo positivo entre armas e violência obteve apoio parcial pois sensível à especificação do modelo É possível que o problema esteja na proxy usada que é mais sensível às presença ou não de armas guardas em casa mas não à quantidade poder de fogo e circulação de armas de fogo e munições Mas tampouco a hipótese contrária da dissuasão da violência pela posse privada de armas de fogo obteve qualquer apoio Já a ligação entre exclusão socioeconômica e criminalidade letal intencional foi corroborada em todos os modelos bi e multivariados Mesmo com a medida indireta por meio da mortalidade infantil a evidência reforça a pertinência dos conceitos de tensão social privação socioeconômica e apoio social para a análise e interpretação das taxas de homicídios intencionais no Brasil em conjunto com as ideias de desorganização social e da violência ligada às drogas 173 6 ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA E HOMICÍDIOS INTENCIONAIS CONTRA JOVENS NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS2 Neste capítulo discutimos a condição da juventude nos grandes centros urbanos e as possíveis explicações para a alta mortalidade juvenil por agressões no Brasil Para testar a argumentação desenvolvemos uma análise quantitativa multivariada das causas estruturais da variação dos homicídios intencionais contra jovens entre 15 e 29 anos nas principais metrópoles brasileiras entre 1992 e 2014 com modelos loglin de dados em painel de efeitos fixos e método generalizado dos momentos em diferenças Os resultados variaram com o método e indicador de armas utilizado mas mostram que a violência nas metrópoles possui forte dependência de trajetória estando ainda ligada ao consumo de psicoativos ao desemprego juvenil à oferta de armas de fogo à debilidade econômica do Estado e à baixa escolaridade geral 61 APRESENTAÇÃO Os jovens se destacam como principais vítimas e autores dos crimes violentos no Brasil e as mortes violentas com destaque para as agressões são as principais causas de mortalidade de jovens As áreas urbanas especialmente as metrópoles tem sido o principal macrocontexto espacial dos assassinatos O componente geracional e etário da violência portanto precisa de uma atenção especial para a explicação das altas taxas agregadas de homicídios dolosos nas microrregiões brasileiras em especial nos grandes centros urbanos Ainda que mecanismos causais similares possam contribuir para explicar as diferenças e variações entre os níveis de criminalidade violenta pelos vários estratos demográficos a questão da juventude é importante por causa da grande e desproporcional concentração de mortes no grupo juvenil Haveriam condições 2 Aceito para publicação na Revista Dilemas UFRJ 174 socioeconômicas que tornariam os jovens de uma região em um determinado período mais vulneráveis à criminalidade violenta A hipótese é que a escalada ou distensão da violência contra e entre jovens respondem a condições socioeconômicas por meio de processos causais subjacentes Supomos que os mecanismos sociais como tensão social desorganização social e violência sistêmica são adequadas para explicar a incidência de criminalidade violenta entre os jovens mas o impacto mais intenso entre os jovens passa pela condição juvenil no ciclo de vida o que torna os jovens excepcionalmente mais vulneráveis a fatores criminogênicos especificamente aqueles que restringem oportunidades e apoios legítimos e ampliam as oportunidades ilegítimas ligadas aos mercados ilícitos especialmente os de drogas e armas Para testar a hipótese utilizaremos um modelo multivariado com dados de mortalidade e socioeconômicos para as regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre 62 OS CONCEITOS DE JUVENTUDE E A SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA Segundo Groppo 2010 a juventude tem sido abordada tradicionalmente por duas vias na teoria sociológica de um lado nas abordagens funcionalistas a juventude é analisada pela dicotomia integraçãodesajuste social do outro lado nas abordagens da moratória social vinculadas ao reformismo e ao desenvolvimentismo a rebeldia juvenil é encarada como uma força motriz da mudança social Posteriormente surgiu uma concepção inspirada no chamado pós modernismo e a juventude foi considerada como uma identidade e um estilo de vida tendendo ao fracionamento e à diversificação dos significados atribuídos às juventudes agora categorizadas como nichos culturais a delinquência que é o que mais nos interessa aqui a boêmia e o radicalismo A abordagem pósmoderna no entanto concebe a cultura como irredutível e imponderável o que a impede de relacionar a tendência à fragmentação identitária às tendências objetivas do capitalismo tardio que promove a segmentação cada vez maior dos mercados de trabalho e de consumo como estratégia preferencial de acumulação de capital em 175 contraste com a estratégia de padronização e massificação das relações de trabalho e dos bens de consumo vigente no período fordista e de hegemonia do pensamento funcionalista No entanto argumenta Groppo 2010 a rebeldia juvenil neste contexto também pode ser concebida como uma luta por direitos novos ou por direitos ameaçados ou não efetivados concebendo o jovem como cidadão Por meio desta noção o autor busca ligar as tendências de fragmentação na esfera sociocultural às estratégias na esfera políticoeconômica sobretudo observando que as políticas de desregulação econômica e erosão de dispositivos sociais do Estado ensejam a fragilização da cidadania sentida com mais força pela juventude por afetarem decisivamente as instâncias de socialização e integração pelas quais a juventude passa necessariamente como transição da menoridade para a maturidade Segundo Mauger 2013 a juventude é uma fase no ciclo de vida entre a infância e a maturidade na qual o ator social se encontra em um período de transição indeterminação e não classificação no qual as disposições incorporadas ainda não encontraram as situações que precisam para se ajustar e estabilizar o matrimônio e o trabalho remunerado Dessa maneira a juventude se mostra como fase problemática na qual a busca por escapar ao destino social convive em tensão com a inserção matrimonial e profissional que encerram o ciclo juvenil da vida A distância entre as expectativas e os resultados tornam o jovem propenso à revolta ou ao desencanto mas também podem acelerar a acomodação à situação mais factível para a sua situação socioeconômica Dessa maneira os múltiplos capitais herdados ou não econômico cultural e social ainda não encontram uma plena possibilidade de realização embora já tenham sido parcialmente incorporados As incertezas cada vez maiores a serem encontradas no mercado de trabalho e no mercado matrimonial contribuem para a duração variável da juventude e tornam o encerramento do ciclo juvenil cada vez mais incerto e diferenciado A definição da juventude é assim em larga medida dependente da situação conjuntura e instituições sociais de maneira que não só varia entre as sociedades e épocas como também no interior de cada uma delas em especial quando a transição de torna mais problemática MAUGER 2013 176 Sobre aos efeitos de idade sobre a criminalidade Hirschi Gottfredson 1983 dizem que a correlação entre a juventude e a criminalidade violenta são tão universais e invariantes que tornase pouco relevante para a análise do processo de criminogênese Teorias do crime que não possuem um relato específico sobre os efeitos de idade não deveriam ser descartadas ou criticadas por este motivo pois a evidência massiva e a aparente invariância da associação em forma de sino entre idade e prática de crime com uma rápida escalada a partir do início da adolescência até o início da idade adulta e posterior decréscimo gradual torna o problema da idade de pouco interesse teórico Por ser tão constante e pouco variável através de inúmeras condições sociais e quadros culturais diferentes o efeito de idade não teria uma explicação sendo as tentativas de explicar redundantes Se é constante que a criminalidade chega ao máximo na idade jovem adulta e depois declina o importante é compreender porque alguns indivíduos manifestariam maior disposição ao crime em comparação aos outros o que segundo Hirschi e Gottfredson deveria ser explicado pelos processos de socialização primária pelos quais se constitui o nível de autocontrole individual e capacidade de adiamento da gratificação HIRSCHI 2004 No entanto se o crime de fato é raro na infância e na velhice as trajetórias de carreiras criminais mais comuns não são necessariamente idênticas sendo a associação entre juventude e crime violento mais uma generalização empírica que exige explicação do que um postulado a priori Já na abordagem do interacionismo simbólico o campo de possibilidades de cada ator em cada situação é variado e suas escolhas são realizadas de acordo com experiências prévias que constituem uma identidade social como relação do ator consigo mesmo e com os outros No curso da vida os papéis e compromissos do indivíduo podem transitar dos grupos convencionais para os papéis e compromissos delinquenciais cuja incidência é mais frequente na juventude entre o final da adolescência e o início da idade adulta Essa relação entre juventude e delinquência de rua revela o quanto os compromissos e papéis relacionados ao mundo do crime são de uma duração relativamente curta associada a uma fase da vida quando as disposições físicas e emocionais são mais dispostas para o envolvimento em gangues e prática de crimes violentos e por outro lado as transições de papéis sociais são mais problemáticas especificamente entre a 177 infância e a maturidade Com a maturação e posterior envelhecimento psicofísico o exercício de atividades e compromissos criminosos é declinante até ser abandonado MATSUEDA HEIMER 1997 HEIMER MATSUEDA 1994 Podemos estabelecer uma conexão destas teorizações sobre a juventude com outras relativas à violência criminal Vemos a importância dos laços sociais contraídos junto à família locais de moradia de estudo e de trabalho que são reputados como protetores contra o envolvimento criminal HIRSCHI 2004 CULLEN 1994 E ainda a tensão social devido à contradição entre as metas hegemônicas de sucesso financeiro de um lado e a estrutura muitas vezes desigual e restrita de oportunidades legítimas e ilegítimas de realização individual ocasionando problemas socioeconômicos que alimentam a propensão para o delito drogadição etc MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 AGNEW et al 2015 Provisão de apoio e controle social por instituições públicas poderiam aliviar e compensar efeitos das privações absolutas e relativas por meio da desmercantilização socioeconômica CURRIE 1997 CULLEN 1994 MESSNER ROSENFELD 1997 Inversamente as oportunidades ilegítimas de ganho dentro dos mercados ilícitos colocariam jovens em situações de alta exposição à violência como as disputas entre grupos criminais e a repressão policial GOLDSTEIN 1985 Ruotti Massa Peres 2011 criticam a categoria de risco aplicada aos estudos sobre violência contra e entre jovens Segundo as mesmas a pretensa neutralidade do termo risco quando aplicado à questão da violência contribui para a formação de estigma sobre os grupos sociais que são mais atingidos pelos crimes violentos Ao invés do risco propõem a categoria de vulnerabilidade à violência em busca de uma conjugação entre a análise dos determinantes epidemiológicos e a interpretação dos significados e implicações da violência na trajetória e interação entre os atores sociais O conceito de vulnerabilidade permite evitar a estigmatização das vítimas mais frequentes da violência ao mesmo tempo compreendendo o sentido que os atores atribuem ao seu envolvimento voluntário ou não com situações que os expõem à morte violenta por agressão 178 Na sociedade e cultura contemporâneas presenciamos uma grande ênfase no sucesso medido em termos de renda patrimônio e consumo e uma valorização do ato de se arriscar para obter tal sucesso No entanto este engajamento em assumir os riscos é desigual pois alguns jovens mais privilegiados possuem a segurança e as oportunidades para se envolver em atividades positivas absorvendo riscos por meio do apoio familiar enquanto que aos jovens pobres as oportunidades são escassas e os perigos das atividades ilícitas envolvem a exposição à violência Dessa maneira a juventude se torna uma idade problemática porque a transição entre a infância e o mundo adulto que é mediada pelo trabalho não mais encontra um leque de opções estáveis e confiáveis de trabalho para os jovens das classes populares RUOTTI MASSA PERES 2011 Ao mesmo tempo os jovens são instados a se arriscar pelo sucesso não encontram nem oportunidades materiais nem recompensas simbólicas para a integração produtiva à sociedade nos postos de trabalho em geral instáveis de baixa remuneração e pouco estimados pela cultura hegemônica Dessa maneira as atividades ilícitas lucrativas aparecem como alternativa por gerarem maior renda no curto prazo mesmo ao custo de crescente exposição à violência o que de certa maneira se acomoda ao propósito hegemônico de se arriscar pelo sucesso Nesse sentido a juventude parece uma etapa da vida na qual as tensões sociais tem maior probabilidade de se expressar por meio de conduta delinquente inclusive a violenta RUOTTI MASSA PERES 2011 Gadea et al 2017 a partir de estudo sobre os jovens egressos do sistema socioeducativo FASE em Porto Alegre constata também uma trajetória na qual se evidenciam um conjunto de carências sobrepostas situações socioeconômicas precárias mas também carências culturais e sociais Passando por um sistema escolar precário os jovens de camadas populares se defrontam com um mercado de trabalho caracterizado pela instabilidade informalidade e baixas remunerações A iniciação precoce no mundo do trabalho como no mundo dos pequenos crimes é comum na trajetória destes jovens que muitas vezes buscam desenvolver estratégias de inserção baseados em redes associativas e interpessoais Estas podem conduzir para o aprofundamento da relação com o mundo do crime e com o tráfico de drogas ilícitas ou para a inserção no trabalho remunerado ainda que 179 informal e instável Um complexo conjunto de precariedades se apresenta a estes jovens desprovidos de capital econômico cultural e social e ainda assim tratados como principais responsáveis pela sua própria situação portadores de um estigma que os associa à violência o que às vezes se revela como uma profecia autorrealizadora e em outras apenas um obstáculo a mais na sua vida Ainda sobre o conceito de vulnerabilidade Pimenta 2014 argumenta que esta concepção é capaz de ultrapassar as insuficiências do conceito mais tradicional de pobreza ao considerar múltiplas dimensões das privações absolutas e relativas a que o agente social em questão está submetido como também das suas orientações de ação para lidar com tais condições de vítima O agente social passa a ser dessa maneira mais que mera vítima das suas condições considerado também como um agente ativo que desenvolve práticas singulares Tal conceito é importante para abordar as dinâmicas da violência entre jovens na medida em que considera não só a sua posição socioeconômica ou até mesmo os estigmas que pesam sobre alguns mas as dinâmicas de sociabilidade entendidas como as diferentes relações e interações sociais que permeiam a vida cotidiana de adolescentes e jovens e se dão predominantemente no contexto familiar e na convivência com grupos de pares possibilitam identificar muitas das interações complexas que ajudam a explicar como jovens de ambos os sexos se tornam vítimas e perpetradores da violência PIMENTA 2014 p 230 Considerando os casos de homicídios dolosos julgados nas principais capitais do Brasil são os homens jovens de cor escura e baixa escolaridade os que mais morrem e os que mais matam RIBEIRO COUTO 2015 p 167169 No mesmo estudo constatase que em uma parcela dos casos de homicídios dolosos entre homens jovens o acusado ou suspeito dos crimes acaba sendo assassinado em outro crime com características similares RIBEIRO COUTO 2015 p 170 Apesar da pesquisa supracitada utilizar como fonte os processos judiciais de homicídios dolosos em capitais brasileiras o que representa uma fração minoritária e presumivelmente enviesada dos casos de homicídios dolosos a tipologia 180 desdobrada da análise permite fazer algumas inferências tendo em vista que a vitimização de jovens em áreas de periferia ou favela urbana mortos em locais públicos por disparos de arma de fogo corresponde às características estatisticamente predominantes dos homicídios dolosos como também os grupos demográficos e a conexão com o tráfico ou uso de drogas predominam na população carcerária RIBEIRO COUTO 2015 A semelhança entre agentes e vítimas e o fato de que não é incomum que a vítima de um crime seja o agente de outro denotam um contexto no qual há vinganças retaliações e disputas territoriais entre grupos armados mas também rixas e brigas entre conhecidos levando muitas vezes a desfechos trágicos sendo o segundo tipo mais fácil de resolver que o primeiro o que explica que entre os homicídios dolosos ocorridos e os homicídios dolosos julgados há uma proporção invertida de motivações ligadas às disputas entre gangues de traficantes e das motivações ligadas às rixas e brigas entre conhecidos amigos e familiares RIBEIRO COUTO 2015 p 171 Ao estudar as subculturas de gangues em Belo Horizonte Zilli 2015 constatou a dispersão territorial e associativa dos grupos criminosos dos quais participam sobretudo homens jovens residentes nas áreas de favela e periferia Os jovens se unem a gangues como um mecanismo de defesa mútua contra as gangues rivais e outras ameaças buscando também acessar oportunidades ilícitas de lucro financeiro e de prestígio masculino além de retaliar intimidar e se vingar de ofensores e agressores As gangues acabam por se tornar mantenedoras da ordem comunitária local justificando o uso da violência para retaliar e vingar ataques aos moradores o que é visto também como um meio de desencorajar o recurso dos moradores à polícia instituição que de qualquer maneira não é vista como eficiente ou confiável pelos moradores As disputas internas ou territoriais envolvendo as gangues de jovens armados são provavelmente as principais motivações e circunstâncias dos homicídios dolosos Machado Noronha 2002 pesquisando Salvador e Paiva 2014 pesquisando Fortaleza encontram cenários comunitários muito similares a desconfiança popular nas instituições de segurança e de justiça a desarticulação e precariedade de instituições integradoras família trabalho remunerado escola 181 pública a fragilidade dos laços de solidariedade local a violência policial muitas vezes motivada por preconceitos ou por corrupção e o apoio ou ao menos não reprovação popular às práticas de resolução particular e violenta de conflitos As gangues de jovens pobres nesse cenário de segregação e precariedade buscam explorar as oportunidades de lucro por meio dos roubos e do tráfico de drogas ilícitas tentando se defender das gangues rivais e evitar a repressão policial o que as leva às vezes a desempenhar um papel de mediação e resolução dos conflitos pessoais entre moradores muitas vezes usando a violência e a ameaça Desta maneira tentando generalizar os vários casos podese identificar que o engajamento de jovens com gangues é muitas vezes uma mediação entre uma frustração com a impossibilidade de ascensão social por vias lícitas e fragilidade de laços sociais integradores de um lado e a obtenção de respeito prestígio e renda mais rápida e maior por meio do crime em níveis maiores do que seria possível pelo trabalho nos mercados formal e informal A violência longe de ser uma excepcionalidade é uma constante ameaça partindo muitas vezes de dentro da família ou da polícia sendo raramente controlada por instituições o que parece favorecer não só uma visão instrumental da violência física como também a avaliação de que em muitos casos a violência seja justa e merecida Nos EUA Miethe Regoeczi 2004 p 169171 verificam que a estrutura de situações violentas envolvendo jovens mudou menos que a incidência total dessa violência As situações exclusivas para ofensores jovens envolvem ofensores de minorias negros e latinos uso de armas de fogo vários agressores violência entre estranhos e ambientes urbanos envolvendo grupos similares na etnia gênero e idade decorrentes de violências entre desconhecidos ou entre conhecidos A tendência de crescimento deste tipo é relacionável à epidemia de violência relacionada ao mercado de drogas ilícitas que atingiu o auge em 1993 e ao pertencimento às gangues No entanto o uso de armas de fogo é generalizada entre homens jovens mesmo fora do contexto de drogas e gangues assim como a motivação vingança privada violenta como resposta a ofensas percebidas pelo agressor como cometidas pela vítima contra o próprio agressor sua família ou membros da gangue MIETHE REGOECZI 2004 p 175 181 182 Aparece aqui a dificuldade de acesso a sistemas formais de controle social e mediação de conflitos e a disposição para a busca de vingança particular contra ofensores e desafiantes da honra masculina da família ou da gangue dos agressores Dessa maneira a violência acaba servindo de mecanismo de controle social substitutivo na falta de acesso à justiça formal como também de laços fortes que promovam controle informal familiar ou comunitário Também é comum entre os homicídios intencionais cometidos por jovens a presença de motivações instrumentais ou seja de busca do lucro e ganhos materiais embora no caso dos roubos a morte seja mais uma consequência muitas vezes não planejada ou desejada enquanto nas guerras de gangues o motivo instrumental do controle territorial do tráfico de drogas ilícitas acabe se mesclando às motivações expressivas do prestígio entre os pares masculinidade e vingança MIETHE REGOECZI 2004 p 184 186 e 189 Entre os latinoamericanos há um predomínio de participação em homicídios relacionados a gangues quando são autores ou vitimas MIETHE REGOECZI 2004 p 212 A sobreposição entre classe baixa e raçaetnia minoritárias no contexto estadunidense sugere que a violência tem sido utilizada como um meio substitutivo para a afirmação da identidade masculina independente por homens jovens que não encontram oportunidades para a sua realização pelas vias tradicionais de transição para a idade adulta como um trabalho remunerado e chefiar uma família estável MIETHE REGOECZI 2004 p 225 As causas externas sempre foram proeminentes entre mortes de jovens mas no período entre 1930 e 1991 elas cresceram em termos absolutos proporcionais e relativos com o aumento dos homicídios intencionais e das mortes acidentais e redução de mortes por causas internas em razão da lenta difusão dos avanços da medicina e da seguridade social na onda da expansão econômica e urbanização Depois de 1964 a política econômica e social do autoritarismo burocrático que foi imposta pelo golpe civilmilitar no Brasil favoreceu a concentração de riquezas e o arrocho salarial causando elevação da mortalidade de todos os tipos mas especialmente a violenta e levando a uma relativa estagnação das causas internas Isto é apesar do crescimento econômico da década de 1970 ter permitido algumas possibilidades restritas e desiguais de expansão do consumo e infraestruturas a 183 setores urbanos restritos basicamente a classe média e alta das grandes cidades as políticas de austeridade no início 19641968 e a crise de hiperinflação desigualdade e dívida externa no período final 19781985 geraram mortes massivas mais amplamente que a violência política Parte do aumento se deveu ao crescimento da circulação de automóveis uma tendência desde a década de 1950 mas a urbanização desigual favorecida pela política social autoritária mesmo no período do milagre criou as condições objetivas para a escalada das violências interpessoais policiais e de gangues VERMELHO JORGE 1996 Estudando o efeito das taxas gerais de desemprego sobre os homicídios de jovens nas regiões metropolitanas brasileiras Guimarães 2011 p 185186 constata que metade das mortes por homicídio intencional no Brasil ocorreram nas 10 maiores regiões metropolitanas entre 1980 e 2006 e que os homens entre 15 e 29 anos representavam 6 da população e 30 dos assassinados no mesmo período Articulando as perspectivas da escolha racional da anomia social e do controle social a autora alega que os efeitos da renda média e da pobreza podem ser ambivalentes A renda média pode aumentar a arrecadação do Estado aumentando a sua capacidade de investir em segurança pública como também pode propiciar uma ampliação das oportunidades de ganhos por meios ilícitos roubos furtos tráfico de drogas ilícitas etc Ao contrário do desemprego e do percentual de residentes em favelas que causariam respectivamente a frustração social com a ausência de oportunidades e a desorganização social pela incapacidade do Estado absorver demandas da população urbana De fato os indicadores de desemprego de renda média e de favelização tiveram efeitos significativos e positivos sobre a vitimização de jovens por homicídios intencionais Com relação a explicações demográficas Manetta Alves 2018 estudam se a redução do percentual de homens jovens ajuda a explicar a variação da taxa de homicídios de homens jovens nas regiões metropolitanas de Recife Salvador Rio de Janeiro e São Paulo A hipótese é que a redução do peso demográfico dos homens jovens reduziria a demanda por inserção laboral deste estrato populacional reduzindo então a pressão social que leva à delinquência violenta No entanto apenas em São Paulo houve o resultado esperado e em Recife apenas para o grupo de 2025 anos No Rio de Janeiro e em Salvador pelo contrário houve 184 aumento da inatividade juvenil resultando em menor alteração da taxa de desocupação juvenil Em São Paulo verificouse que a explicação precisou integrar o aumento das taxas de matrícula de jovens no ensino formal médio e superior Em suma podemos identificar nestas pesquisas algumas convergências com teorias criminológicas consagradas Privações socioeconômicas associadas tanto ao mercado de trabalho quanto à prestação de serviços públicos sociais são identificadas como causadoras da criminalidade violenta juvenil especialmente porque a pressão pelo sucesso gera frustrações naqueles que não possuem acesso a canais legítimos de realização pessoal MERTON 1938 nem acesso a dispositivos robustos de apoio social CULLEN 1995 A tensão entre metas de sucesso e oportunidades legítimas restritas tornariam a criminalidade um caminho factível para obter por vias ilegítimas aquilo que não está disponível por meios legais A disputa por estas fontes de lucro criminal ensejaria dinâmicas de retaliação que levariam a uma violência sistêmica GOLDSTEIN 1985 O processo de urbanização também favoreceria esta dinâmica pois geraria uma aglomeração das privações socioeconômicas em frações do espaço urbano como as favelas e as periferias 63 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Foram coletados dados referentes às regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre abrangendo as macrorregiões Norte Nordeste Sudeste e Sul ficando de fora apenas a CentroOeste A escolha das unidades de corte transversal e do comprimento da série temporal foi orientada pela disponibilidade dos dados mas felizmente as regiões correspondem também aproximadamente às maiores em termos populacionais são todas centralizadas por capitais estaduais e representam quase todas as regiões brasileiras exceto o CentroOeste As séries obtidas para todos os dados abrangem estas nove regiões entre os anos de 1992 e 2014 O objetivo é analisar a causalidade social sistêmica da violência letal intencional contra jovens inferida por meio de modelos de regressão simples e 185 múltipla das taxas de homicídios intencionais específica para a idade entre 15 e 29 anos por um conjunto de variáveis socioeconômicas e sociodemográficas Considerando o problema de subnotificação que enviesa quantificação dos homicídios intencionais SOARES 2008 CERQUEIRA 2013 corrigimos a taxa de homicídios de jovens pela seguinte conta somamos o número de mortes por agressão e operações de guerra Em seguida calculamos a proporção relativa às mortes por causas por causas definidas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes com causas mal definidas Repetimos o mesmo mas agora com mortes violentas cuja intenção é conhecida agressões autoprovocadas e acidentais e sequelas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes violentas por intenção indeterminada Ambos os produtos foram somados ao número de mortes por agressão e operações de guerra ou intervenção legal e a partir disso calculamos o número por 100 mil habitantes A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000População Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Utilizamos o recorte etário em todas as etapas Consideramos então que a proporção de mortes de jovens por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais de jovens notificados sobre as mortes de jovens com causa definida e que a proporção de mortes violentas de jovens por intenção indeterminada que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais de jovens sobre mortes de jovens por causas externas cuja intenção é determinada Aplicamos a transformação logarítmica à variável dependente ou seja à taxa corrigida de mortes de jovens 1529 anos por agressão por 100 mil habitantes 186 A seguir apresentamos a lista de variáveis selecionadas segundo a pertinência teórica Quadro 17 Variáveis explicativas da violência criminal nas metrópoles Variável Descrição Fonte TxAjHomicidios 19922018 Taxa de homicídios intencionais ajustada por uma proporção equivalente de mortes violentas indeterminadas e mortes por causas mal definidas SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE TxAjHomicidJovens 19922014 Taxa específica de homicídios intencionais da população entre 15 e 29 anos ajustada por uma proporção equivalente de mortes violentas indeterminadas e de mortes por causas mal definidas SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE Txhomicidios 19922018 Mortes por agressão e por ope rações de guerrapoliciais por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE Txhomicidjovem 19922014 Mortos entre 15 e 29 anos por agressões e por operações de guerrapoliciais por 100 mil habi tantes com idade entre 15 e 29 anos SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE SuicidioPAF 19922018 padrão ouro Proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo proxy da posse de armas de fogo em domicílios SIMDATASUS armasdefogo 19922018 Indice Cook Média entre as proporções de suicídios e de homicídios por armas de fogo sobre os respecti vos totais proxy para o acesso amplo a armas de fogo SIMDATASUS Txabusodrogas 19922018 proporção de mortes por uso de alcool e drogas ilícitas por 1 milhão habitantes SIMDATASUS estimativa popu lacional do IBGE GiniRendaDomiciliar x10019922015 índice Gini de distribuição da renda domiciliar per capita usado como proxy de desigual dade de renda PNAD anual IBGE setorpublico 100 19922018 Valor adicionado per capita a preços constantes da administra ção defesa educação e saúde públicas e seguridade social IPDEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional rendafamiliar 100 19922014 renda média domiciliar per capita PNAD anual IBGE 187 Variável Descrição Fonte homenspormulher 19922014 razão entre homens e mulheres na população residente PNAD anual IBGE Jovens 19922014 Proporção de pessoas entre 15 e 29 anos na população residente PNAD anual IBGE Homensjovens 19922014 Proporção de pessoas de 15 a 29 anos e do gênero masculino na população residente PNAD anual IBGE monoparentfeminina 19922014 proporção de unidades familiares cuja pessoa de referência é do sexo feminino PNAD anual IBGE Urbanizacao 19922014 proporção da população que reside em áreas urbanas e sedes municipais PNAD anual IBGE crescpop5anos 19922018 variação percentual da popula ção em 5 anos PNAD anual IBGE Desemprego 19922018 Proporção de pessoas que não tem ocupação remunerada e estão a procura de um emprego PNAD anual IBGE desempregojovem 19922014 Percentual de jovens 1529 anos que estão desocupados ou seja não possuem emprego remunerado e procuram por um PNAD anual IBGE Coletaesgoto 19922014 proporção da população que habita domicílios com acesso a esgotamento sanitário PNAD anual IBGE Escolaridade 19922014 número médio de anos de estudo formal da população adulta PNAD anual IBGE Fonte Elaboração própria Algumas palavras sobre as variáveis que serão usadas nas análises de regressão A mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas representando a demanda por psicoativos e estilos de vida associados ao seu consumo especialmente aos mais potencialmente letais como o crack e potencializando motivações expressivas e instrumentais para a violência O tráfico de drogas varejista seria então uma fonte de renda acessível a jovens 188 pobres assim como crimes patrimoniais seria um meio para patrocinar o consumo compulsivo de psicoativos e em algumas situações o consumo de psicoativos em especial álcool cocaína e crack precipitariam brigas e rixas mas tudo indica que a violência mais frequente se dá em torno do tráfico de drogas GOLDSTEIN 1985 RATTON DAUDELIN 2017 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 RIBEIRO COUTO 2015 MIETHE REGOECZI 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo e a média entre as proporções de suicídios e de homicídios intencionais por arma de fogo são duas proxies consagradas para o acesso a armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo é considerada o padrão ouro da literatura e está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região CERQUEIRA 2010 HEPBURN HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Porém não informa quantas armas nem o poder de fogo nem a munição disponível nem dá conta de armas de outras fontes como o contrabando e por isso usamos também a média entre proporções de suicídios e homicídios por arma de fogo sobre os respectivos totais conhecido como índice Cook na esperança de capturar a oferta de armas de fogo de quaisquer fontes HEMENWAY et al 2000 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 O valor adicionado per capita pelo setor público isto é a contribuição ao produto interno bruto pelas diversas atividades estatais obtida pela soma dos salários dos servidores consumo intermediário dos órgãos públicos transferências via seguridade social e resultado das empresas públicas representando a presença socioeconômica local do Estado com possíveis efeitos inibidores da violência via controle policial e apoio social sendo a relativa fraqueza do Estado considerada uma causa de violência criminal CULLEN 1995 BECKER KASSOUFf 2017 MESSNER ROSENFELD 1997 ZILLI 2015 RUOTTI MASSA PERES 2011 A renda média domiciliar per capita é pode ser relacionada a oportunidades para obtenção de renda pelos atores tanto criminais quanto laborais como também aos padrões de consumo de referência e à renda tributável que 189 compõe parte do setor público Controlada pelos demais fatores permitirá inferir o peso das oportunidades criminais rentáveis sobre a violência MIETHE REGOECZI 2004 Os homens são o grupo demográfico mais frequentemente envolvidos em situações violentas como autores ou como vítimas com mais frequência ambos e por isso esperase que seu peso relativo na população se correlacione a maior violência MIETHE REGOECZI 2004 PIMENTA 2014 embora altos níveis de violência letal entre os homens possam reduzir a sua proporção na população Monoparentalidade feminina pode ser relacionada aos conceitos de laços sociais e de apoios sociais CULLEN 1995 HIRSCHI 2004 HIRSCHI GOTTFREDSON 1983 na medida em que podemos considerar como uma proxy da proporção de mães solteiras sendo a ausência do pai relacionada ao abandono encarceramento ou mortalidade e de qualquer maneira resultando em menor capacidade de controle e apoio social pela responsável pelo núcleo familiar A questão familiar é importante para a juventude também pela coesão do núcleo familiar de formação quanto pela constituição de novas famílias pelos jovens MAUGER 2013 Os padrões de urbanização desigual que formaram as grandes metrópoles brasileiras são muitas vezes considerados causadores das altas taxas de homicídios destes mileux especialmente em áreas de periferias urbanas e favelas nas quais se constituíram ambientes hostis marcados pela concentração socioespacial de privações absolutas e relativas materiais e simbólicas que erodem localmente os mecanismos de controle e apoio social e o acesso a oportunidades legítimas criando um contexto favorável para a formação de gangues armadas que muitas vezes funcionam como focos de solidariedade grupal e meios de obtenção de renda nos mercados ilícitos para jovens No mesmo sentido o acesso ao esgotamento sanitário controlada pela urbanização é uma proxy da favelização da metrópole VERMELHO JORGE 1996 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 Crescimento populacional é a variação percentual da população nos últimos 5 anos anteriores ao ano de referência Tratase de um indicador clássico para 190 inferir a instabilidade e heterogeneidade sociodemográficas que seria causada pelo afluxo de migrantes e alta natalidade resultando em fragmentação cultural sobrecarga de serviços públicos sobreoferta de força de trabalho e superdemanda habitacional criando um contexto favorável à delinquência SOARES 2008 ZILLI 2015 A educação formal é uma das vias de acesso às oportunidades legítimas como também um veículo de difusão de informação qualificada e de valores democráticos aplacando a vulnerabilidade juvenil à violência RUOTTI MASSA PERES 2011 O mercado de trabalho é central para pensar a questão da juventude GROPPO 2010 MAUGER 2013 O desemprego entre os jovens apontam para o mecanismo do bloqueio de oportunidades legítimas gerando uma tensão social que favoreceria as condutas desviantes como por exemplo a delinquência e a drogadição ao provocar uma frustração persistente como também para a disponibilidade de meios legítimos ou ilegítimos para transitar à vida adulta por meio da inserção profissional e renda individual o que dependendo das circunstâncias pode ser algo muito mais factível por meio do crime do que por trabalhos legítimos Enquanto o desemprego juvenil indica um bloqueio de oportunidades a desigualdade de renda implicaria na violência por meio de uma comparação feita pelos jovens na base da pirâmide social entre a sua situação e entre as dos que estão mais próximos do topo gerando uma frustração pela privação relativa MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 GUIMARÃES 2011RUOTTI MASSA PERES 2011 PIMENTA 2014 ZILLI 2015 A seguir apresentamos a matriz de correlação entre as variáveis independentes 191 Figura 14 Matriz de correlação entre variáveis independentes metrópoles 19922014 Fonte Elaboração própria a partir de dados do IBGE IPEADATA e DATASUS Procedemos com análises descritivas regressões simples e um modelo multivariado Como os dados são estruturados como painel balanceado aplicamos um teste de dependência de corte transversal e um teste de Hausmann concluindo pela utilização do Painel de Efeitos Fixos A vantagem deste método é identificar os efeitos singulares unitários podendo ser considerada uma constante própria somada ou subtraída à constante geral para cada metrópole Sendo assim consideramos que o logaritmo natural da taxa de homicídios intencionais de jovens numa região metropolitana num dado ano é igual a uma constante geral mais ou menos um constante unitária mais a soma do produto do valor de cada uma das variáveis naquela região e ano multiplicada pelo coeficiente beta de cada variável mais um erro aleatório no seguinte formato LnYijConstanteEfeito fixojB1X1ijB2X2ijBkXkijEij Matriz de correlação 01050102060601080104010610 00010002070601020102031006 01040404050502020102100301 00030204040401040210020204 02010200010100021002010101 00060001020402100204020208 00010202010210020001020101 01030302061002040104050606 01000205100601020104050706 01020010050202010004040202 00001000020302000202040001 05100002000301060103040105 10050001010100000200010001 Escolaridade Coletaesgoto desempregojovem crescpop5anos Urbanizacao monoparentfeminina homenspormulher Ginirendadomiciliar rendadomiciliar setorpublico txabusodrogas suicidioPAF armasdefogo armasdefogo suicidioPAF txabusodrogas setorpublico rendadomiciliar Ginirendadomiciliar homenspormulher monoparentfeminina Urbanizacao crescpop5anos desempregojovem Coletaesgoto Escolaridade 1 05 0 05 1 192 Sendo Y a taxa de homicídios intencionais os Xk os proxies selecionados Utilizamos o método PCSE panel corrected standard errors de Beck Katz 1995 para corrigir a heterocedasticidade comum nos modelos de dados em painel e obter estimativas mais eficientes Se o efeito fixo é útil para controlar os efeitos das singularidades locais o modelo de painel dinâmico é usado para o controle do viés causado pela autocorrelação temporal das taxas de homicídios intencionais a dependência de trajetória do nível de crimes letais intencionais Construímos painéis dinâmicos pelo método generalizado dos momentos em diferença GMMDif em um passo e um AR obtendo apoio do teste de Sargan para esta especificação 64 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS Oficialmente 354463 jovens foram assassinados entre 1979 e 2019 nestas regiões metropolitanas Pela nossa estimativa no entanto podem ter sido mais de 408800 Apesar da nossa análise centrarse entre 1992 e 2014 o dado é por si mesmo interessante pois comunica a magnitude da vitimização juvenil por agressões Além do contraste entre as taxas oficiais e as taxas ajustadas de homicídios em geral e juvenis também o desemprego como problemática da juventude podem ser vistos a seguir 193 Quadro 18 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjHomicidios 19922018 436 405 197 853 951 TxAjHomicidJovens 19922014 128 119 646 262 306 Txhomicidios 19922018 386 362 179 528 865 Txhomicidjovem 19922014 825 776 428 151 191 armasdefogo Índice Cook 19922018 450 456 711 221 631 suicidioPAF 19922018 1518 1250 962 095 4252 Txabusodrogas 19922018 286 265 145 472 902 GiniRendaDomiciliar x100 19922014 560 559 400 454 661 setorpublico 100 19922018 252 246 830 100 450 rendafamiliar 100 19922014 898 864 256 426 153 homenspormulher 19922014 906 907 397 456 991 Jovens 19922014 293 293 440 179 412 Homensjovens 19922014 976 958 158 567 144 monoparentfeminina 19922014 340 337 731 181 509 Urbanizacao 19922014 952 972 768 560 998 crescpop5anos 19922018 611 579 419 441 191 Desemprego 19922018 108 106 342 380 195 desempregojovem 19922014 174 173 498 800 296 Coletaesgoto 19922014 802 870 151 370 969 Escolaridade 19922014 756 760 0862 540 930 Fonte Elaboração própria com dados do IBGE DATASUS e IPEADATA A macro incidência das agressões letais contra e entre jovens variou muito ao longo do tempo entre as metrópoles como podese verificar a seguir observando o crescimento da criminalidade violenta especialmente Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Curitiba e Porto Alegre decréscimo em São Paulo e Rio de Janeiro Constatamos também que as metrópoles de Recife e Belo Horizonte tiveram um auge no meio da série com um início de decréscimo posterior 194 Figura 15 Séries temporais da taxa ajustada de homicídios intencionais de jovens nas metrópoles de Belém1 Fortaleza2 Recife3 Salvador4 Belo Horizonte5 Rio de Janeiro6 São Paulo7 Curitiba8 e Porto Alegre9 19922014 Fonte Elaboração própria a partir de dados do DATASUS e IBGE Nas regressões bivariadas o consumo mórbido de drogas o setor público per capita o esgotamento sanitário e a renda média domiciliar não tiveram efeitos significativos sobre a taxa de homicídios intencionais de jovens O desemprego geral e entre jovens a prevalência de armas de fogo pelo Índice Cook a monoparentalidade feminina a urbanização e a taxa de homicídios de jovens do ano anterior como esperado tiveram efeitos positivos e significativos Já o crescimento populacional a razão entre homens e mulheres a escolaridade a posse domiciliar de armas de fogo suicídiosPAF e a desigualdade de renda tiveram efeitos significativos e contrários às expectativas como podese observar a seguir 195 Figura 16 Regressões bivariadas sobre homicídios de jovens nas metrópoles Fonte elaboração própria com dados do DATASUS e IBGE Nos modelos multivariados alguns resultados foram diferentes sugerindo a existência de moderações e mediações entre algumas variáveis Considerando 5 de significância aceitável dois ou três asteriscos o consumo mórbido de drogas e a renda domiciliar per capita adquiriram significância e efeitos positivos enquanto o crescimento populacional a razão entre homens e mulheres a monoparentalidade feminina a desigualdade de renda e a urbanização perderam a significância A presença socioeconômica do Estado tornouse significativa e com sinal negativo O desemprego juvenil e o acesso a armas de fogo mantiveram o efeito positivo e significativo A escolaridade teve o sinal invertido mas perdeu a significância 196 O modelo multivariado pode ter contribuído para isolar efeitos específicos de alguns variáveis e reduzir confusão devido à sobreposição de causalidades Efeitos fixos unitários também podem ter ajudado a eliminar confusões entre múltiplas causas O modelo alcançou 60 de poder explicativo com as dummies unitárias e 46 de coeficiente de explicação por dentro Quadro 19 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 498525 139735 3568 00073 armasdefogo 00213282 000515475 4138 00033 txabusodrogas 00132207 000254969 5185 00008 setorpublico 100 00239682 000697654 3436 00089 rendadomiciliar 00879939 00302708 2907 00197 Ginirendadomiciliar 00257388 00133363 1930 00897 homenspormulher 000730348 000518469 1409 01966 monoparentfeminina 0000780696 00110490 007066 09454 Urbanizacao 0000408921 000362359 01128 09129 desempregojovem 00242590 00101547 2389 00439 Coletaesgoto 000595521 000422006 1411 01959 Escolaridade 00645922 0114442 05644 05879 crescpop5anos 00159593 00111863 1427 01915 Média var dependente 4711233 DP var dependente 0555799 Soma resíd quadrados 2552384 EP da regressão 0370439 Rquadrado LSDV 0598908 Rquadrado por dentro 0463598 Log da verossimilhança 7708383 Critério de Akaike 1961677 Critério de Schwarz 2661548 Critério HannanQuinn 2244698 rô 0722464 DurbinWatson 0495825 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F12 8 152995 com pvalor PF12 8 152995 0000323329 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 821 131002 com pvalor PF8 821 131002 536064e12 197 Trocando o Índice Cook de acesso a armas de fogo pelo percentual de suicídios que são cometidos com armas de fogo obtémse um modelo no qual apenas o consumo letal de drogas e álcool e a administração pública tiveram efeitos significativos positivos e negativos respectivamente dentro do esperado com 43 de variância explicada por dentro e 58 com as dummies unitárias Quadro 20 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 565185 135330 4176 00031 suicidioPAF 00104179 000481846 2162 00626 txabusodrogas 00144018 000275202 5233 00008 setorpublico 00175636 000744145 2360 00459 rendadomiciliar 00615399 00307013 2004 00800 Ginirendadomiciliar 00173817 00138757 1253 02457 homenspormulher 000799002 000453946 1760 01164 monoparentfeminina 000398784 00113783 03505 07350 Urbanizacao 000207772 000408853 05082 06250 desempregojovem 00187421 00115126 1628 01422 Coletaesgoto 000687635 000439594 1564 01564 Escolaridade 00576421 0104575 05512 05966 crescpop5anos 00151274 00110581 1368 02085 Média var dependente 4711233 DP var dependente 0555799 Soma resíd quadrados 2679502 EP da regressão 0379551 Rquadrado LSDV 0578933 Rquadrado por dentro 0436883 Log da verossimilhança 8211424 Critério de Akaike 2062285 Critério de Schwarz 2762156 Critério HannanQuinn 2345306 rô 0787941 DurbinWatson 0391525 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F12 8 126725 com pvalor PF12 8 126725 0000641508 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 812 811779 198 com pvalor PF8 812 811779 539434e08 Os modelos de painel dinâmico usando o método generalizado dos momentos em diferença e em um passo tiveram ainda outro resultado Usando o Índice Cook de acesso a armas de fogo constatamos que o consumo de álcool e drogas manteve o sinal e a significância e a escolaridade adquiriu significância com sinal negativo que era o esperado enquanto a razão de homens por mulher voltou a mostrar sinal negativo e significativo um resultado contrário ao esperado mas consistente com regressão bivariada Quadro 21 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjHomi1 0850289 00231107 3679 00001 armasdefogo 000217235 000452920 04796 06315 txabusodrogas 000490763 000173535 2828 00047 setorpublico 0000548219 000212012 02586 07960 rendadomicili 000613558 00133174 04607 06450 Ginirendadom 000149497 000700265 02135 08309 homenspormul 000319052 000152874 2087 00369 monoparentfem 000333238 000236242 1411 01584 Urbanizacao 000604849 000339786 1780 00751 desempregojov 000139200 000608844 02286 08192 Coletaesgoto 000434031 000323970 1340 01803 Escolaridade 00799668 00304616 2625 00087 crescpop5anos 000820414 000593556 1382 01669 Soma resíd quadrados 1135378 EP da regressão 0253988 Número de instrumentos 165 Testar erros AR1 z 236199 00182 Testar erros AR2 z 0414001 06789 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 153005 04619 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 199 Usando o percentual de suicídios com armas de fogo ao invés do Índice Cook a razão de homens por mulher volta a ser significativa enquanto a urbanização tornase significativa com sinal positivo como na análise bivariada A escolaridade e o uso mórbido de psicoativos mantiveram sinal significativo negativo e positivo respectivamente Quadro 22 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjHomi1 0859602 00185084 4644 00001 suicidioPAF 000386119 000306791 1259 02082 txabusodrogas 000483860 000123237 3926 00001 setorpublico 0000786119 000211842 03711 07106 rendadomicili 417472e05 00137268 0003041 09976 Ginirendadom 0000646112 000801125 008065 09357 homenspormul 000448637 000231036 1942 00522 monoparentfem 000268234 000207177 1295 01954 Urbanizacao 000612156 000262823 2329 00199 desempregojov 000391619 000548246 07143 04750 Coletaesgoto 000458381 000343493 1334 01820 Escolaridade 0100450 00331754 3028 00025 crescpop5anos 000866315 000571143 1517 01293 Soma resíd quadrados 1107430 EP da regressão 0250843 Número de instrumentos 165 Testar erros AR1 z 228882 00221 Testar erros AR2 z 041907 06752 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 154536 04275 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 65 ANÁLISE DOS RESULTADOS O proxy para consumo de álcool e drogas apoia nos modelos multivariados a hipótese da existência de efeitos do consumo de psicoativos álcool e drogas ilícitas sobre a taxa de homicídios dolosos de jovens principalmente pela via das disputas 200 relacionadas aos mercados de drogas ilícitas também mostrando que a mortalidade por consumo de psicoativos pode ser uma proxy útil para inferir o volume de atividade do tráfico de drogas O consumo de psicoativos pode ser ligado à violência em vários níveis Algumas substâncias afrouxam o autocontrole individual ou podem estimular a agressividade aumentando a chance do indivíduo se envolver em situações violentas O uso compulsivo e a falta de dinheiro podem incentivar o usuário a recorrer a atividades ilícitas como meio de aquisição da subsistência e dos psicoativos sobretudo recorrendo aos roubos que podem resultar em mortes latrocínios ou podem ser retaliados por meio de linchamentos violência policial e assassinato por encomenda Usuários mórbidos podem se endividar para consumir drogas ilícitas acabando assassinados pelos traficantes credores A venda de drogas ilícitas serve de fonte de lucro principal para gangues armadas territoriais que disputam entre si pelo controle de pontos de venda e usam a renda obtida com o tráfico para adquirir armas de fogo e subornar policiais O uso e tráfico de drogas ilícitas como atividade proibida e criminalizada é reprimida por forças policiais e militares que podem se envolver em confrontos armados com gangues de traficantes ou cometer excessos e abusos letais no decorrer da ação repressiva Os confrontos entre gangues e destas com políciasmilitares muitas vezes vitimam moradores e transeuntes sem envolvimento com o tráfico de drogas ilícitas Os próprios policiais e militares encarregados de reprimir o tráfico de drogas podem buscar a sua parcela nos lucros extorquindo traficantes por meio da ameaça de prisão ou de morte Por fim o consumo de drogas ilícitas se associa à tensão social e à anomia por ser uma das suas modalidades de expressão GOLDSTEIN 1985 RATTON DAUDELIN 2017 MINAYO 1998 MACHADO NORONHA 2002 ZILLI 2015 MIETHE RECOACZE 2004 A conexão bivariada entre o setor público local e os homicídios de jovens é não significativa na regressão simples e no painel dinâmico mas negativa e significativa no painel de efeitos fixos A explicação reside no controle e mediação dos fatores correlatos às capacidades públicas pois a renda dos mercados consumidores e crescimento econômico impulsionado por investimentos públicos também podem favorecer a violência por meio da multiplicação de oportunidades criminais lucrativas A análise multivariada atesta que a despesa pública direta local 201 para a implementação de políticas públicas e prestação de serviços mostram um efeito dissuasivo e preventivo da violência criminal Não é possível dizer se é a capacidade da polícia e do judiciário efetivarem o monopólio da violência legítima ao punir criminosos violentos ELIAS 2011 EISNER 2014 ou se é o apoio social público compensando o enfraquecimento dos laços sociais tradicionais com as famílias e comunidades com laços sociais modernos ligados à educação e ao trabalho CULLEN 1995 RUOTTI MASSA PERES 2011 ou ainda se é a regulação política dos mercados a coibir a prevalência do instrumentalismo e prevenir o enfraquecimento do poder normativo das instituições e lógicas não mercadológicas prevenindo a anomia institucional MESSNER ROSENFELD 1997 CURRIE 1997 2018 Estudos indicam que tanto gastos na educação ou políticas como o Bolsa Família quanto na segurança pública especialmente na quantidade e qualidade do efetivo policial contribuem para a redução da criminalidade violenta mas que o encarceramento não têm efeitos significativos DE ARAUJO JR et al 2014 BECKER KASSOUFf 2017 GAULEZ FERRO 2018 É mais provável que tratese de uma combinação de dissuasão policial apoio social e regulação normativa que impactam a criminalidade violenta de maneira diferenciada e complementar De qualquer maneira o controle da violência exige a construção de um Estado democrático robusto ao mesmo tempo amplo nas atribuições e eficiente na sua prestação A perda de significância no painel dinâmico pode deverse à ligação entre as trajetórias locais da violência criminal e da formação do Estado sendo talvez a ação estatal no modelo de painel dinâmico melhor capturada indiretamente por meio do efeito preventivo negativo e significativo da escolaridade sobre os homicídios intencionais A renda média domiciliar per capita não foi significativa na análise simples mas foi positiva na análise multivariada de efeitos fixos e não significativa no painel dinâmico A indiferença no modelo simples entre o mercado consumidor e a violência letal contraentre jovens pode ser encarada como a combinação de efeitos em sentido contrário A prosperidade econômica está ligada a maiores oportunidades legítimas trabalho remunerado reduzindo parcialmente uma das principais fontes de tensão social MERTON 1938 AGNEW 2008 e 2015 À maior 202 arrecadação estatal que permite maior aporte em políticas públicas que reduzem a violência por meio do apoio social e da coerção legal CULLEN 1995 HIRSCHI 2004 ELIAS 2011 Por outro lado a renda média indica mais diretamente o tamanho relativo do mercado consumidor o que pode desaguar também nos mercados ilícitos por ação dos próprios consumidores aquisição de produtos ilícitos como drogas armas apostas ilegais produtos roubados e furtados etc ou pelo uso da violência para extrair bens e renda dos mesmos consumidores por meio de roubos e extorsão Por último a renda média pode se revestir de um significado sociocultural ao indicar um possível padrão médio de consumo objeto de anseio e comparação para todos e cuja elevação pode se tornar uma fonte adicional de tensão social quando não é acompanhado por uma ampliação de oportunidades legítimas apoios públicos dissuasão policial e laços sociais Este sentido sociocultural do consumo médio pode ser observado por meio da análise multivariada pela cláusula ceteris paribus mantendo o desemprego desigualdade presença socioeconômica do Estado e condições urbanas acesso a armas e uso mórbido de drogas e álcool o aumento da renda média domiciliar per capita ou seja do mercado consumidor privado interno implica no acréscimo das oportunidades criminais lucrativas e da privação relativa levando ao crescimento dos homicídios intencionais contra jovens MESSNER THOME ROSENFELD 2008 AGNEW 1992 2008 e 2015 Embora uma parcela da violência anômica resultante possa ficar oculta sob a deterioração das estatísticas criminais e vitais o que tentamos corrigir Maior circulação de riquezas entre a população também é maior abundância de renda que pode ser roubada extorquida ou usada para o consumo de mercadorias ilícitas como drogas e armas de fogo propiciando maior lucro para atividades criminosas e por conseguinte o acirramento das disputas entre criminosos pelo controle destas crescentes fontes de renda GOLDSTEIN 1985 ZALUAR BARCELOS 2013 O efeito positivo e significativo da renda média mantendo o desemprego desigualdade serviço público e educação constantes portanto pode ser explicada pelo aumento tanto pelo significado sociocultural do consumo individual quanto do transbordamento da renda dos domicílios para a economia criminal 203 O declínio ou prevalência da família nuclear tradicional chefiada por um homem e seu resultado na regressão bivariada tem afinidade com aquilo que Hirschi e Gottfredson 2006 chamaram de controle social laços sociais fortes dentro de famílias tradicionais O sentido não deixa de ser ambivalente alta monoparentalidade feminina soma tanto mulheres que moram sozinhas com ou sem filhos quanto pais ausentes por terem abandonado filhos e esposa ou terem sido mortos ou encarcerados estas últimas hipóteses podem indicar uma retroalimentação entre violência e arranjos familiares monoparentais em alguns contextos Sozinhas as mães possuem menor capacidade de apoio e supervisão dos filhos do que se compartilhassem estas responsabilidades O sentido é similar ao do setor público local que também contribui para o controle social e apoio social institucionalizados mas por meios administrativos ao invés dos laços sociais Nas análises multivariadas não verificamos significância é provável que o declínio da coesão familiar possa ser compensada por níveis de apoio social público escolarização e oportunidades de trabalho tornandose menos relevante Por outro lado o efeito negativo e significativo do crescimento populacional quinquenal na regressão simples e o efeito não significativo no modelo multivariado contraria a hipótese de que a migração e alta natalidade necessariamente leva à desorganização social Com base neste resultado é possível especular que nas metrópoles brasileiras a atração de migrantes seja efeito da demanda por força de trabalho e da qualidade da administração pública na metrópole enquanto a estagnação populacional revelaria o contrário pois quando controlado pelo desemprego e setor público per capita o crescimento populacional manteve o sinal mas perdeu a significância Contudo o modelo de painel dinâmico atestou um efeito positivo e significativo para o crescimento populacional quinquenal indicando que o resultado não esperado pode se dever à confusão com a própria trajetória dos homicídios intencionais nas regiões metropolitanas em questão No mesmo sentido a urbanização é vista como uma das causadoras da violência criminal por ensejar uma aglomeração de privações socioeconômicas em frações do espaço urbano e reduzir o controle social comunitário criando contextos onde se formam subculturas criminais ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 o que justificaria igualmente a hipótese de efeitos negativos entre 204 esgotamento sanitário e taxa de homicídios No entanto a urbanização só foi significativa e positiva na regressão bivariada e o esgotamento sanitário não foi significativo nem na regressão simples quanto na múltipla com efeitos fixos ou momentos generalizados exceto quando usamos o percentual de suicídios como proxy para o acesso a armas de fogo Podemos especular se o que não foi visto como efeito da urbanização seria na verdade um efeito espacial combinado de um setor público pequeno incluindo um sistema educacional público de baixa qualidade e investimento um mercado de trabalho excludente decadência dos laços sociais tradicionais e aumento das oportunidades criminais lucrativas criadas pelos amplos mercados de consumo protagonizados pelas classes médias e altas urbanas Logo a urbanização impactaria os homicídios intencionais por meio da estrutura socioeconômica das metrópoles A escolaridade contrariando a hipótese mostrou efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais de jovens no modelo de regressão simples enquanto na análise multivariada mudou de sinal talvez devido ao controle por correlatos como a renda média e a urbanização tornandose não significativa pelo método de efeitos fixos e significativa no sentido esperado pelo método generalizado dos momentos Como a escolaridade média é acumulada pelo indivíduo ao longo da trajetória escolar podese interpretar o sinal negativo como a formação de disposições contrárias à violência por meio da socialização escolar na qual se formariam laços com professores e colegas exigindo ainda um maior autocontrole dos alunos para progredir na escolarização incidindo tanto entre gerações quanto no ciclo de vida individual como também viabilizando acesso a melhores oportunidades de trabalho o que reduziria a tensão inerente à fase juvenil MAUGER 2013 GROPPO 2011 PIMENTA 2014 HIRSCHI 2004 RUOTTI PERES e MASSA 2011 O desemprego de jovens mostrou associação positiva e significativa tanto no modelo simples quanto na análise multivariada de efeitos fixos perdendo eficácia apenas no painel dinâmico O resultado apoia parcialmente a hipótese que relaciona o crime violento ao bloqueio de oportunidades e no modelo multivariado de efeitos fixos com o controle pela renda domiciliar a hipótese que explica o crime violento pela privação de oportunidades legítimas em comparação com um maior padrão 205 médio de consumo MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 Um mercado de trabalho restrito cria obstáculos consideráveis para uma parcela dos jovens lograr uma inserção por meio do emprego gerando situações de tensão estrutural que favorecem condutas desviantes pois bloqueiam vias legítimas para a transição entre a menoridade e a maturidade sobretudo relativo à inserção profissional e indiretamente à sustentação econômica de núcleos familiares estáveis Mercados ilícitos sobretudo o narcotráfico e a receptação aparecem então como uma alternativa viável para a obtenção da renda e realização das aspirações ao consumo da mesma forma que a posse de armas de fogo impõe o respeito desejado e o consumo de psicoativos oferece uma solução escapista para as tensões sociais A conexão empírica entre desemprego e homicídio juvenis resistiu ao controle das demais variáveis apontando que a dinâmica do mercado de trabalho está ligada à criminalidade violenta mesmo quando controlada pelos proxies do consumo de drogas e da presença econômica estatal o que pode ser lido como a existência de processos de tensão e desorganização sociais ligados ao desemprego e que podem ou não ser canalizadas para atuação em mercados ilícitos ou moderados por dispositivos de apoio e controle social públicos A evidência portanto apoia alguns dos argumentos mais comentados em relação à juventude a questão do trabalho sobretudo os efeitos que o bloqueio de oportunidades legítimas pode gerar na formação de uma identidade juvenil e o quanto a privação socioeconômica sob uma sociedade de mercado no qual há pressão onipresente pelo sucesso pode ser um precipitador da frustração socioemocional e do envolvimento dos jovens na criminalidade produzindo fortes vulnerabilidades juvenis à violência RUOTTI MASSA PERES 2011 MACHADO NORONHA 2002 ZILLI 2015 PAIVA 2014 GROPPO 2010 MAUGER 2013 GUIMARÃES 2011 O resultado não significativo no painel dinâmico por outro lado sugere que o desemprego pode ter uma forte sobreposição com a própria história local da violência atuando no sentido de reforçar as tendências prévias Inversamente a desigualdade de renda mostrou associação negativa e significativa com a vitimização letal juvenil na regressão simples e insignificante nas regressões multivariadas Isso contraria a hipótese da frustração induzida pela 206 autocomparação dos jovens desfavorecidos com os mais privilegiados a não ser que consideremos que a privação relativa se dá pela comparação não com o topo da distribuição de renda mas sim com padrões médios de consumo mantendo o desemprego e os serviços públicos constantes Também sugere que o inesperado resultado do modelo bivariado desigualdade reduzindo os homicídios de jovens se deveu à confusão com a renda média negativamente associada à desigualdade e com efeitos positivos e significativos sobre a violência criminal na regressão multivariada Atentese ainda que tal como a proporção de homens na população o índice Gini de distribuição de renda mostrou alta estabilidade e baixa dispersão em seus parâmetros descritivos o que talvez torne difícil a avaliação dos efeitos conjunturais da desigualdade sobre a formação e difusão de disposições violentas 66 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste artigo abordamos a questão empírica da variação entre metrópoles da vitimização letal de jovens por agressões genericamente considerados homicídios intencionais Na legislação brasileira na verdade estas ações incluem uma série de categorias de crimes dolosos como homicídio lesão corporal latrocínio e homicídio com excludente de ilicitude por legítima defesa ou cumprimento do dever legal O objeto no entanto respondia à questão teórica da criminalidade violenta e da juventude como categoria social que exprime uma fase do ciclo de vida nas sociedades modernas tardias e periféricas no caso brasileiro A configuração de um cenário macrohistórico de altas taxas de vitimização por crimes dolosos e especificamente de mortalidade juvenil por agressões responde a uma série de macrodeterminantes mediados por mecanismos causais subjacentes Estes postulados presidiram a construção do modelo descritivo simples e multivariado Ao revisar a literatura constatamos que algumas questões relativas à teorização geral sobre as juventudes ligamse a categorias e mecanismos também estabelecidos por argumentos da sociologia criminológica tensão social como atrito entre as metas de sucesso individual generalizadas na ordem cultural hegemônica e a estrutura de oportunidades legítimas e ilegítimas de realização disponíveis aos 207 atores MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 desorganização social como fragilidade ausência ou instabilidade das redes de laços e apoios sociais pela família associações e Estado HIRSCHI 2004 CULLEN 1994 além de abordagens integradas como a anomia institucional MESSNER THOME e ROSENFELD 2008 CURRIE 1997 As teorias da juventude também identificavam nas transformações do mercado de trabalho retração de provisões sociais públicas e fragmentação e instabilidade dos laços sociais características que definiam a problematicidade da juventude GROPPO 2011 MAUGER 2013 Hirschi e Gottfredson 1983 consideraram a associação entre juventude e delinquência um dado natural geral que não merecia explicação sociológica Algumas argumentações e análises empíricas por outro lado problematizaram como a condição juvenil tardomodernaperiférica se constituiu em uma afinidade eletiva com a criminalidade RUOTTI PERES MASS 2011 PIMENTA 2014 HEIMER MATSUEDA 1994 e 1997 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 Privados de meios legítimos de inserção muitos jovens veriam nos mercados ilícitos oportunidades de retorno inacessíveis por meios legítimos mas este envolvimento criminal implicava em forte exposição à violência armada seja dos grupos criminosos rivais seja da polícia em razão da violência sistêmica dos mercados ilícitos GOLDSTEIN 1985 MIETHE REGOECZI 2004 A análise empírica multivariada que desenvolvemos aqui corroborou a hipótese de que o bloqueio de oportunidades legítimas e a violência sistêmica constituída pela demanda por mercadorias ilícitas especialmente a demanda por drogas e a oferta de armas de fogo contribuem para produzir altas taxas de homicídios intencionais contra e entre jovens Receberam apoio misto nos modelos multivariados as ideias de que instituições públicas de apoio e controle social juntamente com o avanço da socialização escolar contribuem para proteger a juventude da criminalidade violenta Por outro lado as evidências relativas à urbanização e monoparentalidade feminina que enfraqueceriam apoios e controles sociais interpessoais e comunitários só foram corroborados na regressão simples sendo rechaçados na análise multivariada 208 Em suma as evidências sugerem que a estrutura de oportunidades legítimas ou ilegítimas contribui amplamente para a explicação da criminalidade violenta contra jovens ao passo que as formas institucionais e familiares de apoio e controle sociais e educação contribuem para inibir a violência No entanto à exceção do consumo de álcool e drogas ilícitas houve diferença considerável entre o painel de efeitos fixos e o método generalizado dos momentos indicando a existência de fortes efeitos estruturais ligados tanto às especificidades de cada região quanto à própria trajetória histórica da violência criminal Ainda assim podemos considerar os resultados dos modelos multivariados como complementares na medida em que contribuem para controlar os condicionantes regionais e históricos da criminalidade violenta e identificar causalidades mais gerais 209 7 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E ESTRUTURA SOCIAL UMA ANÁLISE DOS DETERMINANTES DA VITIMIZAÇÃO LETAL FEMININA NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS Neste capítulo discutimos teoricamente e analisamos empiricamente a questão da vitimização feminina por crimes letais intencionais nas metrópoles brasileiras entre 1992 e 2014 Considerando que a violência contra mulheres se liga tanto à dominação masculina e patriarcalismo mas pode ter causas em comum com a violência contra homens jovens testamos hipóteses usando proxies para a discriminação de gênero e para a atuação do tráfico de drogas e de armas encontrando evidências favoráveis a ambos além de forte dependência de trajetória da vitimização feminina por agressões 71 APRESENTAÇÃO Neste capítulo realizamos uma análise sobre a violência letal intencional que vitima mulheres nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Começamos por uma discussão teórica analisando ideias e argumentos das perspectivas feministas e criminológicas sobre o assunto Oriundas do Norte Ocidental global estas teorias postulam a violência patriarcal protagonizadas por homens em sua maioria cônjuges e familiares e mais raramente violadores desconhecidos cujo mote principal é a dominação sobre o corpo feminino por meio da violência privada tanto física quanto moral A agressão misógina contaria com a aprovação e autorização tácita ou explícita informal ou formal de grande parte dos atores sociais próximos dos autores e vítimas e dos agentes de segurança pública e de justiça criminal que acreditariam ser justificável usar castigos físicos para submeter a subjetividade feminina ou que acreditam que tratase de uma questão privada entre as partes não devendo intervir em relações alheias 210 Embora muito importante a hipótese do patriarcalismo como causa exclusiva é confrontada com estudos empíricos sobretudo na América Latina mostrando a variedade de contextos de violência contra a mulher como a repressão política a violência policial a atuação de organizações criminosas e as disputas entre gangues armadas Para testar as duas hipóteses que se nenhuma das duas se arrogar à exclusividade da explicação consideramos mais complementares que excludentes utilizamos modelos de regressão linear simples e múltipla com dados em painel Postulamos que a atitude patriarcalista se expressa tanto por discriminação econômica quanto por agressão física e que estas estariam associadas mas que a vitimização letal feminina estaria em parte ligada em parte à dinâmica dos mercados ilícitos de drogas armas etc Ambas as hipóteses foram corroboradas em conjunto com a importância do Estado como agente de controle e apoio social na prevenção da violência contra a mulher 72 TEORIA SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER A pesquisa sobre situações violentas aponta que nos homicídios é predominante o caráter intraracial intrasexual e intraetário isto é agressores e vítimas em geral compartilham classe social etnia gênero e idade semelhantes MIETHE REGOECZI 2004 p 142 Dessa maneira há um padrão predominante mas tendências divergentes de assassinato entre pessoas de características e condições diferentes Nos Estados Unidos os homicídios intencionais que têm mulheres como agressoras em comparação com os que têm homens como agressores mostram maior proporção locais domésticos vítimas maiores de 30 anos uso de armas brancas agressoras negras e vítimas aparentadas ou íntimas da agressora e ocorrência durante o dia MIETHE REGOECZI 2004 p 146 As situações nas quais mulheres matam apresentam semelhanças marcantes com as situações nas quais elas são assassinadas As situações nas quais mulheres se envolvem em homicídios como autoras ou como vítimas mostram um histórico prévio de agressões diversas e ameaças MIETHE REGOECZI 2004 p 155156 211 nos quais tomam forma os temas da possessividade e ciúmes com o homem com maior frequência assumindo o papel de agressor inicial ainda que muitas vezes a interação se desenvolva no sentido de agressões mútuas MIETHE REGOECZI 2004 p 159 Os padrões observados de situações violentas que vitimam mulheres ou onde mulheres vitimam mostram uma forte estabilidade ao longo do tempo e a sua interpretação exige a conjugação de fatores de motivação e de possessividade Em outras palavras é preciso levar em conta não só o processo de controle agressivo geralmente masculino mas às vezes recíproco na relação entre os agressores e vítimas dos homicídios que envolvem as mulheres Também é preciso levar em conta que o ambiente doméstico apresenta condições favoráveis à perpetração de violências pelos mais próximos em decorrência tanto da proximidade física e pessoal quanto da privacidade que permite a prática de malfeitos sem vigilância dos vizinhos MIETHE REGOECZI 2004 p 162 E este padrão de violência de gênero transcende diferenças étnicoraciais ou mesmo de classe social correlacionada à identidade étnica em países como Estados Unidos e Brasil impondose como padrão geral nas relações intrafamiliares marcadas pela violência MIETHE REGOECZI 2004 p 217 Segundo Saffioti 2001 a violência nas sociedades perpassa as hierarquias de gênero classe e etnia estruturada por mecanismos de dominação e de exploração pelos quais uma ordem de privilégios e interdições para o uso da violência por interesse próprio é estabelecida e perpetuada Estas relações de dominaçãoexploração se sedimentam na ordem social sendo incorporadas pelos atores na sua vivência desenvolvendo as características de uma realidade objetiva naturalizada pelo senso comum como imutável e aceitável É assim que opera o poder masculino ou patriarcado a forma mais antiga de dominação e exploração entre seres humanos e que se impõe com as aparências de um dado óbvio inquestionável e natural No contexto do patriarcalismo os homens teriam uma autorização para o uso da força física para subjugar as mulheres impondolhes relações de dominação e exploração Decorreria desta ordem sociocultural a autorização tácita para o uso masculino privado da violência para forçar as mulheres à submissão A atitude 212 patriarcal estaria incorporada nos costumes mais arraigados e relativamente intocada pela modernização burocrática e mercantil por se tratarem de relações domésticas e não publicizadas Estas convicções estariam profundamente arraigadas na cultura pois são cruciais no processo de socialização de homens e mulheres no âmbito familiar levandoos a reproduzir a dominação masculina e a submissão feminina Nem todas as relações heterossexuais no entanto teriam esta característica hierárquica e impositiva sendo possível apesar de pouco frequente a existência de uniões igualitárias De maneira semelhante Bourdieu 2010 considera que as relações de poder entre os gêneros masculino e feminino são estruturadas pela polarização entre características associadas à masculinidade como força racionalidade atividade e espaço público e as contrapartes femininas a fraqueza a emotividade a passividade e o espaço doméstico É especialmente importante para Bourdieu a relegação da mulher ao espaço doméstico no qual executa trabalhos não remunerados e subalternos porém essenciais à reprodução biossocial A dominação masculina segundo Bourdieu não perpassa apenas a relação entre homens e mulheres no âmbito familiar se estendendo também às relações públicas entre os gêneros e à relação entre os próprios homens na medida em que a dominação masculina está interligada à dominação de classe Subjugar as mulheres ao ambiente doméstico ao fechamento para o mundo público seria também um meio para que os homens triunfarem no espaço público nas relações econômicas e políticas que ocorrem fora dos lares Cusson 2000 considera que nos países desenvolvidos os homicídios intrafamiliares motivados por ciúmes e possessão mostraram uma relativa estabilidade na sua incidência na América do Norte e na Europa Ocidental locais onde outras categorias de violência letal intencional como os homicídios resultantes de roubos e pilhagens de conflitos interpessoais e de querelas e vinganças entre grupos de parentes e amigos tiveram um declínio gradual ao longo dos séculos Esta análise histórica contradiz o relato de Elias 1993 2011 segundo o qual o processo civilizador que gerou o declínio das guerras feudais e da violência interpessoal entre homens em um espaço público também contribuiu para suavizar as relações domésticas entre os gêneros e as gerações 213 Sobre a posição da mulher na sociedade capitalista moderna Fraser 2011 propõe uma apropriação crítica da obra de Karl Polanyi pela teoria social feminista Segundo Fraser Polanyi opõe mercado e proteção social mercados enraizados e desenraizados enfim uma regulação do mercado pela ordem social solidária à dissolução dos laços pela mercantilização desenraizadora pela qual é a ordem social que se torna subordinada ao mercado autorregulado Fraser critica o relato de Polanyi por negligenciar uma terceira dimensão que ela chama de dominaçãoemancipação no que diz respeito a formas nãomercantis de opressão tradicional com feições paternalistas Fraser 2011 afirma que Polanyi negligenciou a questão da proteção social paternalista e tradicional eixo este que o feminismo pôs em relevo e transformou em alvo principal de análise e crítica No entanto as feministas segundo Fraser o teriam feito de maneira ambígua em relação à mercantilização e à proteção social resultando em um discurso ambivalente Isso porque a crítica feminista atacou os dispositivos de proteção social que fixavam papéis tradicionais de gênero como o saláriofamília Mas não de maneira unânime de um lado feministas liberais e radicais se mostravam mais favoráveis ao processo social de mercantilização das diversas esferas da vida social enquanto inversamente as feministas socialistas trabalhistas e negras se mostravam mais favoráveis à ampliação da proteção social em formatos compatíveis com e promotores da emancipação feminina o que exige o reconhecimento do trabalho não pago de cuidado doméstico como digno de proteção e remuneração No entanto com o avanço da reestruturação neoliberal e pósfordista do capitalismo mundial a posição favorável ao mercado das feministas liberais e radicais prevaleceu na prática As mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho e o saláriofamília foi substituído pelo trabalho dos dois cônjuges fora de casa A crescente participação feminina no mercado de trabalho aprofundou a forte polarização de classe e etnia inclusive entre as mulheres e não foi capaz de solapar a hierarquia de gênero que foi parcialmente estabelecida dentro das profissões e organizações no mercado capitalista FRASER 2011 Indo mais longe Fraser 2011 afirma que o feminismo liberal e radical teria sido funcionalizado para a legitimação do aumento da exploração do trabalho da 214 maioria das mulheres dupla e tripla jornada empregos instáveis e de baixa remuneração etc tendo em vista que segundo Fraser a participação feminina no mercado de trabalho foi às vezes apresentada como emancipação por si só sem questionar se este trabalho feminino estava efetivamente protegido das dinâmicas precarizadoras e excludentes do mercado de trabalho capitalista Apesar de não abordar diretamente a questão da violência letal contra mulheres a crítica de Fraser 2011 pode nos fornecer algumas pistas para a questão por que o avanço da participação feminina no mercado de trabalho e da escolarização feminina não foi capaz de reduzir os níveis de vitimização feminina por agressões Estudos empíricos brasileiros SOUZA et al 2017 BURUFALDI et al 2017 MOREIRA et al 2016 sugerem que as mulheres mais vitimadas pela violência são exatamente as que se encontram em situação socioeconômica mais precária Além disso outros estudos sugerem que a adesão popular a concepções tradicionalistas e patriarcais de família e moralidade podem estar relacionadas à busca por alguma solidariedade básica e primária baseada no parentesco e convivência íntima e que sirva de âncora e apoio em contextos de extrema precariedade insegurança e penúria relativa ou absoluta Esta visão tradicionalista de família e moralidade é idealizada como uma forma solidária e protetiva de convivência o que a torna mais atraente nas periferias e favelas brasileiras No entanto a família e moral tradicionalistas têm conteúdo profundamente patriarcal e paternalista o que implica na legitimação de formas de violência privada com motivações morais tidas como aceitáveis para disciplinar filhos desobedientes se vingar de ofensas à honra masculina castigar os que são considerados imorais desviantes e desafiadores PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 NUNES PAIM 2005 A literatura teórica feminista tem como pressuposto a vigência quase universal e de longa duração do patriarcado Apesar de a definição ser às vezes abstrata às vezes difusa o patriarcado pode ser entendido em um conceito mais amplo que o da formulação clássica de WEBER 2009 p 151 abrangendo desde as formas mais tradicionais de despotismo marital e paternal em sociedades agrárias até os mecanismos mais sutis de inculcação e discriminação das sociedades contemporâneas Nesta lógica apesar do patriarcado ter origens bastante arcaicas e 215 longínquas apresentaria uma capacidade de adaptação muitas vezes sutil às situações de maior emancipação feminina formal das sociedades democráticas A conquista dos direitos políticos iguais do acesso à educação da entrada no mercado de trabalho e de uma relativa autonomia pessoal e sexual por parte das mulheres entram em atrito com as crenças socialmente arraigadas As normas e valores patriarcais dessa maneira repudiam a mulher que não se recolhe à vida privada e à dependência de um homem e com isso autorizam a violência de gênero como expressão de um conceito patriarcal de masculinidade e punição contra o que é visto como um comportamento desafiador e ofensivo à honra masculina tradicional As violências contra mulheres teriam por isso tendência a crimes de maior proximidade envolvendo pessoas íntimas da vítima sobretudo cônjuges esse tipo de violência se expressa por meio de quatro modalidades terrorismo patriarcal ou íntimo violência conjugal situacional violência de resistência utilizada como resposta ao terrorismo íntimo e controle violento mútuo PORTELLA RATTON 2015 p 98 No entanto há também outros tipos de situação nos quais a mulher acaba vitimizada e que são diversas dos conflitos domésticos e conjugais que são enfatizados de maneira hegemônica no pensamento feminista envolvendo por exemplo o contexto das gangues e organizações criminosas que operam nos mercados ilícitos ou do terrorismo estatal ou paraestatal contra dissidentes opositores e insurgentes políticos PORTELLA RATTON 2015 PIMENTA 2014 A maior parte da bibliografia feminista que aborda a questão da violência contra as mulheres é escrita na Europa Ocidental e América do Norte onde as taxas de homicídios intencionais exceto nos Estados Unidos estão entre as mais baixas do mundo A produção intelectual feminista de origem europeia e norteamericana enfatiza a violência fatal como o fim de uma trajetória ascendente de violências morais e físicas contra as mulheres no contexto de relações íntimas e conjugais PORTELLA RATTON 2015 p 113 Na América Latina no entanto o fenômeno do ciclo de violência e do terrorismo íntimo conjugais coexiste com as violências fora da casa e das relações conjugais e familiares expressando dinâmicas de uma criminalidade violenta mais ampla sem prejuízo para as conotações misóginas da violência contra mulheres 216 também dentro do contexto das disputas entre grupos armados nos mercados ilícitos violência policial e repressão política que marcam a história moderna da América Latina Apesar de não serem praticadas sempre no contexto do lar e da intimidade as múltiplas violências perpetradas contra as mulheres nos contextos de disputas de gangues acertos de contas do crime organizado e violência política teriam conteúdos expressivos relacionados à negação da autonomia feminina e à expressão de uma identidade masculina que se afirma pela violência física PORTELLA RATTON 2015 PIMENTA 2014 Segundo Pasinato 2011 o femicídio é uma violência letal motivada por ódio contra a mulher Segundo o discurso que seria dominante nas ciências sociais os femicídios são generalizados como consequência do patriarcado ou dominação masculina uma visão pela qual as mulheres são sempre fixadas na posição de vítimas passivas o que contribui para naturalizar as relações de poder e para considerar as situações concretas de opressão feminina como inescapáveis O problema segundo Pasinato 2011 é a generalização do mesmo modelo de femicídio para todos os casos sem atenção para as coordenadas de classe idade contextos e circunstâncias dos crimes seus autores e suas vítimas Pois não é sempre que o modelo canônico de violência patriarcal se aplica sendo necessária uma atenção maior para identificar matizes e nuances As relações entre homens e mulheres devem ser vistas como dinâmicas de poder e não posições estáticas de domínio e subordinação que devem observadas de uma perspectiva não naturalista sociológica histórica e cultural As experiências da condição masculina e feminina são diferenciados entre as sociedades épocas e entre os vários estratos de uma mesma sociedade e da mesma forma a vivência da violência Considerar quase todos os assassinatos que vitimam mulheres como femicídio ou feminicídios indiscriminadamente é homogeneizar situações diversas entre si o que não contribui para a sua explicação Apesar de a maioria das mortes de mulheres por agressão corresponder em alguma medida ao tipo ideal do feminicídio é preciso atenção às causas e contextos específicos como por exemplo a crescente participação feminina nas atividades ligadas aos mercados ilícitos No Brasil a mortalidade de mulheres por agressão se dá em maior proporção dentro do domicílio e os meios mais comuns utilizados são a arma de fogo seguida 217 de armas brancas e de estrangulamento A vitimização fatal de mulheres jovens foi relativamente mais comum que em outras idades com predomínio da segunda e terceira décadas de vida Existe uma semelhança grande entre as mulheres assassinadas e as vítimas de violências domésticas e conjugais não letais atendidas por serviços de urgência e emergência No entanto relativo à incidência é preciso ter cautela pois as variações da mortalidade por eventos cuja intenção é indeterminada mostra uma associação negativa com as taxas de morte por agressão SOUZA et al 2017 Comparandose as mulheres com e sem notificação prévia de violência antes de serem vítimas de homicídios dolosos ou feminicídios verificase que as primeiras possuem um risco relativo várias vezes maior de serem assassinadas padrão que é observado em várias idades e por vários tipos de violência previamente notificadas Mulheres negras de baixa escolaridade são as principais vítimas tanto de agressões sexuais e físicas não letais quanto de assassinatos Entre os agressores identificados estão uma grande proporção de familiares amigos e conhecidos sobretudo cônjuges atuais ou anteriores sendo a residência ou proximidades os locais mais comuns do evento fatal e as armas brancas e de fogo o instrumento mais recorrente Estes resultados mostram que entre as mulheres vitimadas por agressões letais é frequente uma trajetória anterior de violências físicas morais e sexuais muitas vezes repetidas e uma situação de precariedade socioeconômica mas também atestam a fragilidade da rede de atendimento e proteção disponível para estas mulheres BURUFALDI et al 2017 O conceito da violência contra a mulher como quase exclusivamente doméstica e conjugal3 no entanto é questionável tendo em vista o crescente envolvimento feminino com a criminalidade relacionada ao tráfico de drogas ilícitas Longe de uma simples soma onde mortes decorrentes de disputas e acertos de contas do tráfico de drogas ilícitas somamse aos crimes domésticos e feminicídios É provável que neste crescimento operem de modo articulado elementos da subordinação de gênero e raça e da situação socioeconômica em contextos 3 Exceto é claro quando se tratam de crimes de latrocínio e mortes por balas perdidas no fogo cruzado dos confrontos armados envolvendo disputas entre grupos criminosos e violência policial 218 de criminalidade urbana o que cria uma nova condição de vítima para as mulheres Essa condição não pode ao menos a princípio nem ser imediatamente identificada com a vítima de crimes passionais nem com os homens vítimas da violência criminosa PORTELLA NASCIMENTO 2014 p 51 Dessa forma MENEGHEL HIRAKA 2011 identificaram uma relação positiva e significativa das mortes de mulheres por agressão com a taxa de natalidade a taxa de homicídios dolosos masculina e o percentual de religiosos pentecostais entre a população Os resultados apontam que de um lado há uma forte conexão entre os homicídios que vitimam homens e os que vitimam mulheres sendo possível especular que os mesmos fatores possam ter impactos significativos e no mesmo sentido mas em escalas diferentes quanto a vítimas masculinas e femininas No entanto também apontam causalidades específicas já que a taxa de natalidade e o percentual de pentecostais como variáveis independentes que levam ao crescimento dos feminicídios sugerem que o predomínio de concepções de gênero e família tradicionalistas e patriarcais que parecem associadas tanto ao papel de mulheres como reprodutora levando a maior número de filhos por mulher quanto à visão cristã fundamentalista que valoriza a submissão e docilidade femininas Por outro lado os mesmos indicadores poderiam ser interpretados como expressão de uma precariedade socioeconômica mais dura que resulte em menor acesso a informação e métodos contraceptivos e no mesmo sentido a busca por conforto laços e salvação religiosos diante de uma realidade muito dura de privações e ameaças materiais Em um estudo econométrico MOREIRA et al 2016 identificam que as mulheres mais vitimadas por violência doméstica são aquelas residentes nas áreas rurais de baixa escolaridade sem filhos homens e que recebem o Programa Bolsa Família enquanto que para os homens agressores destas mulheres é fator de risco a situação de desemprego e fator protetivo a maior idade O efeito não intencional do Programa BolsaFamília é interpretado como uma oportunidade para os parceiros agressores de usar a força física e a intimidação para arrancar de suas companheiras o dinheiro recebido por intermédio do programa de auxílio Os autores 219 não cogitam por outro lado que a violência também possa ser uma reação contra as pretensões de autonomia e independência adquiridas por mulheres que recebem o benefício Em resumo o crescimento geral dos assassinatos de mulheres no Brasil entre os anos 1990 e 2000 pode ser interpretado como uma conjuntura complexa que articula relações de gênero classe social e étnicoraciais com prevalência das situações ligadas à violência doméstica e ao tráfico de drogas ilícitas O feminicídio é o assassinato contra mulheres motivado por ódio de gênero misoginia ligado ou à violência sexual eou à pretensão de propriedade sobre a mulher A motivação não é considerada patológica mas inscrita nos valores patriarcais ou misóginos do assassino e presumidamente também de terceiros que se identifiquem com as motivações do criminoso o que muitas vezes inclui familiares das vítimas e integrantes dos órgãos policiais e judiciais Considerar que se trata apenas de um ato patológico individual equivale a negar o seu sentido social e político Isso porque o femicídio é prática recorrente sob a dominação masculina o que pode motivar uma certa seletividade na maneira como a imprensa a polícia e o judiciário lidam com os casos É possível que até mesmo exista uma contradição às vezes a melhoria da situação das mulheres em comparação com os seus parceiros pode levar à violência reativas dos segundos contra as primeiras No entanto a violência entre os homens e a violência contra as mulheres estão ligadas pois sociedades violentas cultivam valores como o machismo e a solução privada violenta de conflitos pessoais Além disso os casos de violência contra a mulher são cada vez mais ligados também à dinâmica dos mercados ilícitos e organizações criminosas que usam a violência como instrumento da busca por lucro Femicídios podem ser ligados à violência doméstica e conjugal mas também à violência sexual e ao tráfico de mulheres ações nas quais a coisificação da mulher é radical e pode motivar a eliminação da vítima depois do uso forçado do seu corpo seja para ocultar o estupro cometido seja porque a mulher explorada pelo tráfico de pessoas não era considerada mais lucrativa O maior crescimento no entanto parece ligado ao tráfico de drogas ilícitas o que não exclui uma superposição de motivações nestes contextos levando à confusão de causas pois apesar de ligados 220 ao tráfico de drogas ilícitas estes assassinatos de mulheres muitas vezes também exibem características misóginas com requintes de crueldade abuso sexual e desfiguração do corpo sugerindo que o assassinato de mulheres mesmo no contexto de disputas entre grupos criminosos adquire conotações simbólicas de machismo e misoginia 73 METODOLOGIA Foram coletados dados referentes às regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre abrangendo as macrorregiões Norte Nordeste Sudeste e Sul ficando de fora apenas a CentroOeste A escolha das unidades de corte transversal e do comprimento da série temporal foi orientada pela disponibilidade dos dados mas felizmente as regiões correspondem também aproximadamente às maiores em termos populacionais e representam quase todas as regiões brasileiras exceto o CentroOeste As séries obtidas abrangiam estas nove regiões entre os anos de 1992 e 2014 O objetivo é analisar a causalidade estrutural da violência intencional contra mulheres nas metrópoles brasileiras usando a vitimização feminina por homicídios intencionais e feminicídios como variável dependente e um conjunto de variáveis independentes que indiquem tanto características dos mercados ilícitos acesso a armas uso de drogas e socioestruturais gerais renda média setor público na economia crescimento demográfico e urbanização e desigualdade de gênero relativas a renda domiciliar emprego e escolaridade Corrigimos a taxa de homicídios de mulheres pela seguinte conta somamos o número de mortes por agressão e operações de guerra Em seguida calculamos a proporção relativa às mortes por causas por causas definidas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes com causas mal definidas Repetimos o mesmo mas agora com mortes violentas cuja intenção é conhecida agressões autoprovocadas e acidentais e sequelas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes violentas por intenção indeterminada Ambos os produtos foram somados ao número de mortes por agressão e operações de guerra ou intervenção legal e a 221 partir disso calculamos o número por 100 mil habitantes Utilizamos o recorte de gênero em todas as etapas Consideramos então que a proporção de mortes por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais notificados sobre as mortes com causa definida e que a proporção de mortes violentas por intenção indeterminada que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais sobre mortes por causas externas cuja intenção é determinada A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Para selecionar as variáveis independentes executamos uma análise de componentes principais com todas as variáveis disponíveis escolhendo as que mostravam maiores valores e adequação ao problema empírico criando ainda algumas variáveis relativas a desigualdades de gênero para capturar a discriminação econômica que esperamos ser correlata à violência misógina A seguir um quadro resumindo os proxies escolhidos para representar as variáveis de interesse 222 Quadro 23 Estatísticas descritivas metrópoles e vitimização feminina Variável Descrição Fonte TxAjFemicidios19922014 taxa de mulheres vítimas de homicídios e femi nicídios por 100 mil mulheres ajustada pela subnotificação proporção de mortes por inten ção indeterminada que são homicídios é igual à proporção entre mortes por agressão e mortes por causas externas e proporção de mortes por causas mal definidas que são homicídiosfemini cídios é igual à proporção entre mortes por agressão e mortalidade geral SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE TxAjHomicidios 19922014 Taxa geral de homicídios calculada como a variável anterior SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE armasdefogo 19922018 Média entre as proporções de mortes intencio nais por suicídio e por homicídio que são come tidos com armas de fogo Índice Cook proxy para o acesso amplo a armas de fogo SIMDATASUS suicidioPAF19922018 Razão percentual dos suicídios cometidos com armas de fogo sobre o total proxy para a posse de armas de fogo em domicílios SIMDATASUS txabusodrogas 19922018 proporção de mortes por uso de alcool e drogas ilícitas por 1 milhão habitantes SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE Setorpublico 19922018 Valor adicionado per capita a preços constantes da administração defesa educação e saúde públicas e seguridade social IPEADATA razaorendagenero 19922014 Razão percentual entre a renda domiciliar per capita dos domicílios chefiados por homens e por mulheres proxy de desigualdade de acesso a renda PNAD IBGE Rendafamiliar 19922014 renda média domiciliar per capita PNAD IBGE Urbanizacao 19922014 proporção da população que reside em áreas urbanas e sedes municipais PNAD IBGE crescpop5anos 19922018 variação percentual da população em 5 anos Estimativas populacionais do IBGE desempregohomens 19922014 Percentual de homens 16 anos sem emprego remunerado e buscando uma ocupação PNAD IBGE desempregomulher 19922014 Percentual de mulheres 16 anos que não tem emprego remunerado e buscam um PNAD IBGE Rendafeminina Renda média domiciliar per capita das mulheres PNAD IBGE 223 Variável Descrição Fonte 19922014 Rendamasculina 19922014 Renda média domiciliar per capita dos homens PNAD IBGE Coletaesgoto 19922014 Percentual da população residente cuja moradia possui esgotamento sanitário PNAD IBGE Escolaridade 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente adulta PNAD IBGE escolaridademulher 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente feminina adulta PNAD IBGE escolaridadehomens 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente masculina adulta PNAD IBGE desigempregogenero 19922014 Razão percentual entre o desemprego feminino e masculino proxy de desigualdade de acesso a trabalho remunerado PNAD IBGE desigedugenero 19922014 Razão percentual entre o número médio de anos de estudo formal das mulheres e dos homens adultos proxy de desigualdade de acesso à educação PNAD IBGE Fonte Elaboração própria Algumas das variáveis podem parecer autoevidentes outras são de utilização mais rara para não dizer inédita especialmente as que tentam capturar a prevalência relativa da opressão de gênero em um contexto Segue um pequeno comentário sobre as proxies e sua motivação A mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas representando a demanda por psicoativos e estilos de vida associados ao seu consumo especialmente aos mais potencialmente letais como o crack a cocaína e o álcool alimentando tanto os mercados ilícitos e suas disputas territoriais armadas quanto crimes instrumentais para bancar o consumo compulsivo e a crimes expressivos favorecidos pelos efeitos psicofísicos das substâncias CERQUEIRA 2010 JORGE 2018 GOLDSTEIN 1985 RATTON e PORTELLA 2015 A proporção de suicídios por arma de fogo e a média entre as proporções de suicídios e de homicídios intencionais por arma de fogo são duas proxies consagradas para o acesso a armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 224 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo é considerada o padrão ouro da literatura e está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região CERQUEIRA 2010 HEPBURN HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Porém não informa quantas armas nem o poder de fogo nem a munição disponível nem dá conta de armas de outras fontes como o contrabando e por isso usamos também a média entre proporções de suicídios e homicídios por arma de fogo sobre os respectivos totais conhecido como índice Cook na esperança de capturar a oferta de armas de fogo de quaisquer fontes HEMENWAY et al 2000 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 O valor adicionado per capita pelo setor público isto é a contribuição ao produto interno bruto PIB pelas diversas atividades estatais obtida pela soma dos salários dos servidores consumo intermediário dos órgãos públicos transferências via seguridade social e resultado das empresas públicas representando a presença socioeconômica local do Estado A renda média domiciliar per capita pode ser relacionada a oportunidades para obtenção de renda pelos atores tanto criminais quanto laborais como também aos padrões de consumo de referência e ao potencial de arrecadação estatal À urbanização é às vezes atribuída o efeito de facilitar a prática criminal pela maior dificuldade de controle social em áreas densamente povoadas intensa circulação de pessoas e mercadorias Por outro lado áreas urbanas poderiam melhorar a autonomia pessoal feminina pelo distanciamento de valores tradicionalistas que seriam mais fortes na área rural O crescimento populacional é um indicador clássico para inferir a instabilidade e heterogeneidade sociodemográficas provocadas pelo afluxo de migrantes resultando em sobredemanda por serviços públicos e moradia superoferta de força de trabalho e fragmentação sociocultural criando um contexto favorável à delinquência pela fragilidade dos controles sociais comunitários Diferenças de renda domiciliar per capita desemprego e escolaridade entre os homens e mulheres são consideradas como proxies de discriminação de gênero influenciando no acesso feminino a renda emprego e educação 225 formal De início realizamos uma análise descritiva da variável dependente e um conjunto de análises bivariadas que serão resumidas em um só quadro A seguir construímos a análise multivariada Como os dados são estruturados como painel balanceado aplicamos um teste de dependência de corte transversal e um teste de Hausmann concluindo que o Painel de Efeitos Fixos é o melhor modelo para explicar a vitimização feminina por homicídios intencionais e feminicídios A utilidade deste método é identificar as especificidades permanentes de cada unidade analítica podendo ser considerada uma constante própria somada ou subtraída à constante geral para cada unidade Sendo assim consideramos que a taxa de assassinatos de mulheres numa região metropolitana num dado trimestre é igual a uma constante geral mais ou menos um constante unitária mais a soma do produto do o valor de cada uma das variáveis naquela região e trimestre multiplicada pelo coeficiente beta de cada variável mais um erro aleatório no seguinte formato YijConstanteEfeito fixojB1X1ijB2X2ijBkXkijEij Sendo Y a taxa de homicídios dolosos os Xk os proxies selecionados e construtos gerados Utilizamos o método PCSE panel corrected standard errors de Beck Katz 1995 para corrigir a heterocedasticidade comum nos modelos de dados em painel e obter estimativas mais eficientes Se o efeito fixo é útil para controlar os efeitos das singularidades locais o modelo de painel dinâmico é usado para o controle do viés causado pela autocorrelação temporal das taxas de homicídios intencionais a dependência de trajetória do nível de crimes letais intencionais Construímos painéis dinâmicos pelo método generalizado dos momentos em diferença GMMDif em um passo obtendo apoio do teste de Sargan para esta especificação 226 74 RESULTADOS As séries temporais de cada metrópole podem ser vista logo a seguir e por elas constatamos que houve variações diferenciadas nas unidades ao longo do tempo com destaque para a curva em forma de sino de Recife Rio de Janeiro e São Paulo e o aumento geral nos últimos anos das demais séries Figura 17 Séries temporais das taxas ajustadas de homicídios de mulheres e feminicídios nas metrópoles brasileiras 19922014 Fonte Elaboração do autor a partir de dados do DATASUS e IBGE Logo abaixo expomos as estatísticas descritivas da variável dependente simples e ajustada e das variáveis explicativas 227 Quadro 24 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 923 Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjFemicidios19922014 577 541 229 0703 113 TxAjHomicidios 19922014 436 405 197 853 951 armasdefogo 19922018 450 456 711 221 631 suicidioPAF19922018 15177 12500 96245 095238 42520 txabusodrogas 19922018 286 265 145 472 902 Setorpublico 19922018 252e0 03 246e00 3 830 100e00 3 450e00 3 razaorendagenero 19922014 102 102 667 709 143 Rendafamiliar 19922014 8980 8643 2564 4260 1526 Urbanizacao 19922014 952 972 768 560 998 crescpop5anos 19922018 611 579 419 441 191 desempregohomens 19922014 851 820 282 330 165 desempregomulher 19922014 129 128 412 450 235 Rendafeminina 19922014 105e0 03 104e00 3 303 503 170e00 3 Rendafamininaa 19922014 112e0 03 108e00 3 313 517 196e00 3 Coletaesgoto 19922014 802 870 151 370 969 Escolaridade 19922014 756 760 0862 540 930 escolaridademulher 19922014 745 750 0908 550 920 escolaridadehomens 19922014 763 760 0867 530 940 razaorendagenero 19922014 102 102 667 709 143 desigempregogenero 19922014 154 152 0195 114 205 desigedugenero 19922014 103 103 00389 0934 112 Fonte Elaboração própria com dados do IBGE IPEA e DATASUS Uma hipótese presente na literatura é que a violência contra mulheres está associada à violência contra homens pois ambas tem em sua maioria autores similares os próprios homens Dessa maneira a prevalência de disposições violentas entre a população favoreceria os assassinatos tanto de homens quanto de mulheres já que a mesma propensão à agressão pode ser voltada contra outros homens ou contra mulheres dependendo das situações e circunstâncias A regressão bivariada apoia esta hipótese a cada 1 assassinato de homens jovens por 100 mil habitantes aumenta em 0014 a taxa de vitimização letal feminina A seguir o gráfico 228 Figura 18 Taxas ajustadas de assassinatos de mulheres e de homens jovens Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE A violência entre homens jovens de classes baixas é comumente atribuída ao consumo e tráfico de psicoativos especialmente os ilegais pois o tráfico de drogas ilícitas forneceria tanto motivações controle territorial eou extorsão dos traficantes quanto os meios armas ilícitas compradas por grupos criminosos imediatos para a violência Mulheres poderiam ser vítimas diretas ou indiretas da violência ligada ao tráfico de drogas ilícitas e a oferta de armas de fogo também facilitaria violências de gênero ou instrumentais contra mulheres Por outro lado mulheres não deixaram de ser vítimas de agressões no contexto de relações de gênero motivadas por estereótipos e crenças o que expressaria atitudes patriarcalistas que também motivam a discriminação econômica e restrição de acesso à educação Na análise bivariada o proxy para a discriminação de gênero no mercado de 229 trabalho mostrou efeitos positivos e significativos sobre o nível de violência na regressão linear simples ou seja quanto maior a prevalência de desemprego feminino em comparação ao masculino também é maior a violência letal intencional contra mulheres O mesmo resultado positivo e significativo apoiando as hipóteses foi verificado quanto ao consumo de psicoativos a oferta de armas de fogo O crescimento populacional quinquenal e a escolaridade média tiveram efeitos contrários ao esperado respectivamente associados ao crescimento e à redução da violência letal contra mulheres Já a renda domiciliar média o setor público local a urbanização o esgotamento saniário as desigualdades de renda domiciliar e de escolaridade entre homens e mulheres não foram significativas 230 Figura 19 Regressões loglin simples com diversas causas da vitimização letal intencional de mulheres Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE Em seguida apresentamos a matriz de correlação das variáveis independentes 231 Figura 20 Matriz de correlação das variáveis independentes Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE No modelo de regressão multivariada com painel de efeitos fixos algumas variáveis mudaram de sinal ou tornaramse significativas ou pelo contrário deixaram de ser significativas Os proxies para consumo de drogas ilícitas oferta de armas de fogo Índice Cook e razão do desemprego femininomasculino mantiveram o sinal esperado e a significância As desigualdades de renda domiciliar e de escolaridade por gênero e a renda domiciliar média se mantiveram sem significância A urbanização tornouse significativa e com sinal negativo estando associada mantendo o resto constante à redução da violência letal dolosa contra mulheres O crescimento demográfico manteve o sinal mas perdeu significância enquanto a administração pública per capita tornouse significativa com sinal negativo como esperado ou seja mantendo o resto constante o crescimento do setor público reduz a violência contra mulheres O modelo alcançou 46 de poder explicativo com as dummies unitárias 28 de explicação da variação interna das metrópoles Matriz de correlação 01 0501 01 06 02 02 06 01 04 06 10 000100 00 04 02 02 07 01 02 10 06 00 03 02 00 04 00 040402 10 0204 02 01 02 00 02 01 00 01 10 02 01 01 01 00 02 00 03 03 05 10 01 04 07 06 01 02 00 02 02 04 10 05 00 04 02 02 02 05 000100 10 04 03 01 00 02 02 02 0202 01 10 00 02 03 02 04 04 06 010201 10 01 0102 00 00 00 00 01 00 00 10 010200 00 02 02 020001 05 10 000202 05 02 00 01 03 0105 10 05 00 01 02 02 01 01 02 0000 01 Escolaridade Coletaesgoto crescpop5anos Urbanizacao rendadomiciliar setorpublico razaoedugenero desigtrabgenero razaorendagenero txabusodrogas suicidioPAF armasdefogo armasdefogo suicidioPAF txabusodrogas razaorendagenero desigtrabgenero razaoedugenero setorpublico rendadomiciliar Urbanizacao crescpop5anos Coletaesgoto Escolaridade 1 05 0 05 1 232 Quadro 25 Efeitosfixos usando 207 observações Variável dependente lTxAjFemicidios Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 354739 183240 1936 00889 armasdefogo 00110450 000461020 2396 00435 txabusodrogas 000950199 000228697 4155 00032 Urbanizacao 000968769 000344859 2809 00229 crescpop5anos 00142438 000908136 1568 01554 Coletaesgoto 000420387 000406682 1034 03315 Escolaridade 0102071 00575317 1774 01140 setorpublico 00184858 000529317 3492 00082 rendafamiliar 00423345 00261321 1620 01439 desigempregogenero 0382012 0163618 2335 00478 desigedugenero 159387 129722 1229 02541 razaorendagenero 000077284 5 000474777 01628 08747 Média var dependente 1664470 DP var dependente 0443309 Soma resíd quadrados 2195479 EP da regressão 0342645 Rquadrado LSDV 0457689 Dentro de Rquadrado 0279352 Log da verossimilhança 6149388 Critério de Akaike 1629878 Critério de Schwarz 2296421 Critério HannanQuinn 1899422 rô 0579926 DurbinWatson 0790786 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F11 8 724894 com pvalor PF11 8 724894 000467755 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 822 780935 com pvalor PF8 822 780935 956703e08 Com o uso do percentual de suicídios que são cometidos por arma de fogo como proxy para a prevalência dos armamentos letais constatamos ainda outras 233 alterações nos resultados O indicador de armas de fogo perdeu a significância porém a escolaridade tornouse significativa e com sinal negativo favorável à nossa hipótese e o setor público per capita não alcançou significância a 95 Quadro 26 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjFemicidios Erros padrão de Beck Katz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 426974 184337 2316 00492 suicidioPAF 000923905 000417780 2211 00579 txabusodrogas 000931636 000246705 3776 00054 setorpublico 00128974 000581214 2219 00573 rendafamiliar 00325362 00271405 1199 02649 razaorendagenero 000274609 000488588 05620 05895 desigempregogenero 0405113 0166424 2434 00409 desigedugenero 129018 130189 09910 03507 Urbanizacao 000876093 000363131 2413 00423 crescpop5anos 00126028 000897963 1403 01981 Coletaesgoto 000412992 000395621 1044 03270 Escolaridade 0148801 00617084 2411 00424 Média var dependente 1664470 DP var dependente 0443309 Soma resíd quadrados 2193885 EP da regressão 0342520 Rquadrado LSDV 0458083 Dentro de Rquadrado 0279875 Log da verossimilhança 6141868 Critério de Akaike 1628374 Critério de Schwarz 2294917 Critério HannanQuinn 1897918 rô 0632827 DurbinWatson 0693111 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F11 8 933513 com pvalor PF11 8 933513 000198459 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 823 487521 com pvalor PF8 823 487521 606407e05 234 Usando o de painel dinâmico novamente testamos dois modelos um com cada proxy para o acesso a armas de fogo Em ambos a escolaridade média teve sinal negativo e o uso de drogas positivo ambos significativos logo apoiando as hipóteses O percentual de suicídios por arma de fogo como proxy do acesso a armamento letal teve sinal negativo e significativo no sentido contrário do esperado As demais variáveis não foram significativas nos painéis dinâmicos Quadro 27 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjFemi1 0691182 00462576 1494 00001 armasdefogo 000329359 000592332 05560 05782 txabusodrogas 000792753 000179004 4429 00001 razaorendage 000339222 000420101 08075 04194 desigtrabgen 000177169 000185126 09570 03386 razaoedugene 000408911 00141849 02883 07731 setorpublico 000265796 000433398 06133 05397 rendadomicili 000126590 00145851 008679 09308 Urbanizacao 000216572 000453261 04778 06328 crescpop5anos 500684e05 000965876 0005184 09959 Coletaesgoto 000271223 000286252 09475 03434 Escolaridade 00801054 00373891 2142 00322 Soma resíd quadrados 2368234 EP da regressão 0365785 Número de instrumentos 164 Testar erros AR1 z 260745 00091 Testar erros AR2 z 0444034 06570 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 146048 06208 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 235 Quadro 28 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjFemi1 0673590 00437845 1538 00001 suicidioPAF 000556363 000245568 2266 00235 txabusodrogas 000720615 000123592 5831 00001 razaorendage 000290060 000447172 06487 05166 desigtrabgen 000173033 000179747 09626 03357 razaoedugene 000197687 00126906 01558 08762 setorpublico 0000830516 000318813 02605 07945 rendadomicili 000390167 00160930 02424 08084 Urbanizacao 000166341 000357450 04654 06417 crescpop5anos 0000102170 000927228 001102 09912 Coletaesgoto 000266424 000293656 09073 03643 Escolaridade 0114549 00322545 3551 00004 Soma resíd quadrados 2291501 EP da regressão 0359810 Número de instrumentos 164 Testar erros AR1 z 26157 00089 Testar erros AR2 z 0394552 06932 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 149786 05356 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 75 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS O dilema já encontrado na revisão se repete aqui Seriam os assassinatos de mulheres uma expressão da violência patriarcal tradicional pela qual os homens possessivos exterminam mulheres que tentam deixálos desobedecêlos ou substituílos Ou seria o envolvimento ou proximidade destas mulheres com a criminalidade violenta em especial do tráfico de drogas ilícitas e prevalência de armas de fogo a razão verdadeira do aumento da violência letal e dolosa contra mulheres Os resultados mostram que as hipóteses não se excluem mutuamente mas se complementam para explicar as variações na vitimização feminina por crimes letais intencionais Mais precisamente parece evidente que a violência patriarcalista 236 motivada pela atitude de mando masculino persiste nos contextos metropolitanos mas cada vez mais coexiste e por vezes se sobrepõe à violência dos grupos criminosos armados gangues milícias facções etc que operam nos mercados ilícitos especialmente no tráfico de drogas aproveitandose das fragilidades e contradições da atuação estatal para obter renda por meio da violência Apesar da motivação em geral econômica das gangues e milícias armadas não podemos esquecer que seus integrantes também são portadores de valores e atitudes sociais entre os quais a primazia do sucesso financeiro e um estilo agressivo e impositivo de masculinidade o que favorece o uso da violência como meio de controlar a retaliar o comportamento das mulheres em especial as mais próximas deles Se mulheres podem ser mortas por assaltantes executadas devido a dívidas com o tráfico de drogas ou atingidas por balas perdidas de confrontos armados também podem ser mortas por companheiros ou estupradores que atuam no tráfico de drogas contrabando de armas extorsão roubo etc e possuem acesso a armas de fogo pela sua participação em grupos criminosos mas são motivados pelos mesmas atitudes patriarcalistas que feminicidas comuns Dentre as medidas de discriminação de gênero apenas a razão entre desempregos feminino e masculino teve efeitos significativos no sentido esperado Quanto maior a prevalência de valores patriarcalistas maior será a probabilidade de uma mulher qualificada para uma vaga ser preterida por um candidato homem com qualificações iguais ou até inferiores Com o tempo isso prejudicará a aquisição de experiência profissional pelas mulheres devido aos períodos mais longos de desemprego em comparação com os dos homens perpetuando a desvantagem e aumentando a chance de uma mulher experimentar consequências derivadas do desemprego e rotatividade como períodos de dependência financeira queda de autoestima busca por meios ilícitos para obter renda e uso de psicoativos para aliviar o sofrimento psíquico Este resultado é favorável à hipótese de que a prevalência de crenças e ideologias patriarcalistas pode afetar negativamente tanto as oportunidades econômicas quanto a vulnerabilidade à violência das mulheres Já a razão da renda familiar per capita entre famílias chefiadas por homens e por mulheres não foi significativa assim como a razão entre escolaridade média masculina e feminina 237 Pode ser apenas que o desemprego seja um proxy mais eficiente que a renda domiciliar enquanto os efeitos emancipadores esperados da maior educação podem ser dependentes da situação do mercado de trabalho As proxies utilizadas para o consumo mórbido de psicoativos prevalência de armas de fogo Índice Cook e para a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho tiveram sinal positivo e significativo com efeitos consistentes tanto na análise bivariada quanto na multivariada por efeitos fixos ou seja tanto o tráfico de drogas quanto o preconceito de gênero estão associados aos assassinatos de mulheres podendo ser considerados interligados respectivamente com o envolvimento feminino ativo e passivo nos mercados ilícitos e com a prevalência de valores e atitudes patriarcais sem prejuízo para a coincidência de ambos os fatores em numerosos casos de assassinatos de mulheres Exceção foi o acesso a armas de fogo cujo sinal dependeu do proxy utilizado sendo o Índice Cook quase sempre significativo e positivo e o percentual de suicídios por armas de fogo às vezes significativo mas sempre negativo Além disso modelos com um ou outro dos proxies tiveram resultados diferentes para algumas variáveis o que sugere mediações e moderações Em especial a perda de significância no painel dinâmico do Índice Cook que tivera melhores e mais esperados resultados em outros modelos pode sugerir que o nível de violência contra a mulher e a prevalência de armas de fogo sejam fortemente entrelaçados a associação com armas de fogo é comum à masculinidade violenta e aos grupos criminais armados Inversamente os resultados do outro indicador sugerem que a simples existência de armas de fogo em domicílios pode ser de menor importância ao menos em contextos nos quais há outros canais para o acesso a armas de fogo e munições Outras variáveis também tiveram mudanças de significância ou de sinal quando testadas na regressão simples e múltipla A perda de significância pode ser interpretada como efeito de mediação da variável acrescentada pela que perdeu o efeito enquanto a inversão do sinal seria uma evidência de moderação da que foi alterada pela que foi acrescentada Assim urbanização a escolaridade e a administração pública tiveram efeitos negativos e significativos em parte dos modelos ou seja urbanização e escolaridade tiveram uma inversão de sinal e o 238 setor público per capita adquiriu significância A urbanização passou a reduzir a vitimização letal feminina o que poderia ser interpretado como um efeito protetor das mudanças de estilo de vida e mentalidade possivelmente associados à urbanização em contraposição à maior prevalência de atitudes patriarcalistas no meio rural devido ao maior tradicionalismo e interconhecimento existente em contextos agrários Da mesma forma o resultado em alguns modelos que indicaram efeitos protetivos da escolarização geral independente da razão entre escolaridades médias dos homens e pela das mulheres sugere que a educação secular e universal pode ser um veículo de difusão e consolidação de valores contrários à violência contra a mulher Mas tais efeitos da educação e da urbanização só se verificaram após controle por outras variáveis como o consumo de álcool e drogas ilícitas a força econômica do setor público e o acesso a armas de fogo e a discriminação de gênero no mercado de trabalho As despesas públicas primárias por sua vez mostraram um potencial protetor quando controladas por outras variáveis por representarem a prestação de serviços e implementação de políticas que agem sobre diversas causas do crime violento aludidas na literatura prestação de apoio social público e regulação dos mercados desmercantilizando parcialmente a força de trabalho O efeito negativo e significativo nos modelos de efeitos fixos pode ser atribuído ao controle de fatores que dependem da ação do Estado como escolaridade saneamento básico e drogadição o que poderia ser interpretado como um controle parcial para a qualidade do gasto público direto Ou seja mantendo a efetividade das políticas estatais constante o aumento da despesa pública direta per capita provoca uma redução dos crimes letais intencionais contra mulheres Por outro lado o financiamento do Estado local é parcialmente dependente de impostos indiretos que incidem sobre o consumo das famílias O controle seria neste caso o quanto o Estado consegue adquirir de outras receitas o quão eficiente é para cobrar impostos e evitar a sonegação Neste sentido o aumento do valor adicionado pelo setor público controlado pela renda das famílias poderia ser tanto uma medida de eficiência administrativa quanto de estatização econômica De todo modo o indicador e seus efeitos ceteris 239 paribus sobre a taxa ajustada de homicídios de mulheres por si mesmos não permitem distinguir se a eficácia estatal contra a violência se dá por meio dissuasão policial da criminalidade violenta PORTELLA e DO NASCIMENTO 2014 BECKER 1968 ou pelo contrário pela ampliação do apoio social e regulação socioeconômica administrados pelas instituições públicas MESSNER ROSENFELD 1997 FRASER 2011 CULLEN 1995 De todo modo alterações qualitativas das políticas públicas sejam de dissuasão policial ou de provimento ou regulação socioeconômica pertencem em grande parte aos efeitos fixos de cada metrópole ou aos erros não explicados da mesma forma que erros de medida e dinâmica sociocultural 76 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos argumentos e dados sobre a violência letal intencional contra mulheres nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Os argumentos discutidos inicialmente apontavam para dois mecanismos principais que geram violência contra a mulher resultando em taxas de mortes no nível agregado temos de um lado uma violência patriarcalista doméstica ou conjugal pela qual os homens impregnados de disposições para o exercício da dominação masculina utilizam a agressão física direta para expressar e obter controle sobre o corpo feminino e intimidar suas parceiras atuais e passadas dentro de uma lógica segundo a qual o homem tem posse sobre a mulher e pode usar da violência física privada para limitar a autonomia feminina e controlar seu comportamento chegando até a dispor da vida da sua mulher podendo vir a assassinála O feminicídio viria como culminância de uma trajetória de agravamento de agressões físicas e psicológicas masculinas às vezes também mútuas e as práticas de violência do homem contra a mulher contaria com uma aprovação tácita de muitas pessoas do convívio dos agressores ou das vítimas e até mesmo de autoridades e agentes públicos encarregados da prevenção investigação e punição de crimes Em ocasiões menos frequentes o assassinato é o resultado ou um meio para esconder a violência sexual cometida anteriormente contra a mesma vítima 240 Aqui os motivos de dominação sobre o corpo também aparecem porém sem necessariamente uma relação afetiva anterior entre agressor e vítima Outra hipótese complementar e contemporânea à da violência patriarcalista ou masculinista é que as mulheres também são cada vez mais vitimadas pela criminalidade violenta ligada a negócios ilícitos como o tráfico de drogas ilícitas roubos e extorsão contrabando de armas de fogo e da violência policial muitas vezes empregada para reprimir tais crimes Com a entrada no mercado de trabalho porém em condições de precarização e desigualdade de classe raça e gênero muitas mulheres se inclinariam a buscar meios ilegais de obter renda e também proteção pessoal em contextos de alta violência como são muitas favelas e periferias brasileiras como o tráfico de drogas ilícitas tornandose traficantes ou parceiras de traficantes As mulheres neste contexto de precariedade social e mercados ilícitos estariam expostas à violência dos grupos criminais inimigos e da repressão policial Até mesmo mulheres não envolvidas mas residentes em áreas em disputa armada poderiam ser atingidas por disparos oriundos de confrontos e acertos de contas as balas perdidas No entanto é possível e muito provável que as motivações da violência contra a mulher às vezes se sobreponham e reforcem mutuamente na medida em que indivíduos envolvidos em crimes instrumentais tráfico de drogas ilícitas roubos extorsão etc também podem ser parceiros possessivos e agressivos ou podem cometer violências sexuais e assassinar as vítimas para eliminar testemunhas Com os dados disponíveis a primeira hipótese acabou por ser mais difícil de verificar e exigiu a construção e teste de uma proxy Segundo a própria teoria social feminista o patriarcalismo é a forma de desigualdade de mais longa duração com origem mais longínqua e maior naturalização persistindo até mesmo após a conquista da igualdade jurídica entre homens e mulheres e aumento da participação feminina no mercado de trabalho Sendo assim persistiria por padrões de socialização familiar nas quais os papéis de gênero tradicionais são inculcados e reproduzidos de maneira habitual ou seja pré e anti reflexiva tornandose uma disposição psicossocial As definições só poderiam então ser captadas por atitudes e valores e no 241 caso pelo efeito agregado da prevalência de atitudes e valores como tentamos na razão entre o desemprego feminino e masculino e na razão entre renda domiciliar e escolaridade masculina e faminina O problema deste proxy é que pode tanto indicar a prevalência de atitudes misóginas gerando discriminação econômica e violência interpessoal contra mulheres quanto explicar parcialmente o envolvimento feminino no narcotráfico quando este é uma fonte de renda direta ou indireta A institucionalização de uma atitude patriarcal pode estar tanto nos empregadores quanto nas próprias mulheres socializadas muito mais para o trabalho doméstico não remunerado que para o trabalho assalariado De qualquer maneira foi apoiada a hipótese de que o maior desemprego feminino em comparação com o masculino e a taxa de assassinatos de mulheres estão associados ambos remetendo à prevalência de disposições patriarcalistas Esperamos porém que o modelo multivariado tenha sido eficaz para isolar parcialmente os efeitos da violência ligada aos mercados ilícitos dos efeitos da discriminação econômica de gênero e ambos dos efeitos preventivos dos serviços e políticas públicas e da educação 242 8 RAÍZES DA VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL CAUSAS DE CURTO E DE LONGO PRAZO DAS TAXAS DE HOMICÍDIOS INTENCIONAIS DAS GRANDES METRÓPOLES BRASILEIRAS ENTRE 2001 E 2018 A ideia de uma causalidade social estrutural sobre os homicídios intencionais nos remete à noção de que a violência pode responder a mecanismos persistentes que atuam no longo prazo e com efeitos que podem demorar para aparecer causando confusão sendo muitas vezes mediados ou condicionantes de causalidades mais conjunturais Neste capítulo desenvolvemos esta ideia por meio de uma análise multivariada das taxas de homicídios intencionais nas principais metrópoles brasileiras com dados de 1992 a 2018 distinguindo variáveis de curto prazo ligados a oportunidades diferenciais e de longo prazo ligados à formação de disposições comunidades e instituições Os resultados permitem vislumbrar a complexidade temporal da causalidade social da criminalidade violenta 81 APRESENTAÇÃO Na literatura sociológica e criminológica sobre violência há muitas vezes especulações à respeito de mecanismos sociais que operariam de maneira não imediata com efeitos que se prolongam no tempo ou que demoram para se fazer sentir Correlações meramente conjunturais entre indicadores sociais diversos e taxas de crimes violentos por isso não seriam totalmente adequadas para captar causalidades retardatárias que influiriam no contexto ao longo de processos duradouros de socialização aprendizado e difusão de valores disposições associações e práticas criminais violentas no contexto comunitário e institucional Nosso objetivo aqui é analisar o impacto dos mecanismos causais nos níveis agregados de homicídios dolosos nas principais metrópoles brasileiras combinando influências de variáveis contemporâneas no mesmo ano e do passado 10 anos antes na variação das taxas de homicídios intencionais Testamos a hipótese por 243 meio do aplicativo GRETL Gnu Regression Econometrics and TimeSeries Library usando variáveis independentes contemporâneas e defasadas em 10 anos Os resultados sugerem que as causas estruturais de longo prazo adicionam grande poder explicativo à análise e são muitas vezes mediadas ou moderadoras das variáveis de curto prazo 82 CAUSAS DA VIOLÊNCIA NO PRESENTE E NO PASSADO A carreira delinquente é construída ao longo da trajetória do sujeito na passagem por diversas situações intersubjetivas levando às transições de papéis sociais adotados pelo indivíduo em relação aos diversos grupos com os quais interage e participa Estes sucessivos grupos e situações dependem decisivamente da posição de classe da sua família da mesma forma que do gênero e da geração As possíveis características hereditárias que explicariam a agressividade interpessoal pois são selecionadas ativadas ou reprimidas por processos de interação social Nestes o indivíduo é inicialmente passivo na infância e com o desenvolvimento na adolescência se torna ativo na maturidade pela incorporação de compromissos e pela transição de papéis sociais de criança para os de adulto Assim na trajetória pessoal é possível que as prédisposições genéticas agressivas sejam inibidas ou estimuladas desde a socialização primária na infância até a maturidade MATSUEDA HEIMER 1997 HEIMER MATSUEDA 1994 A importância dos processos de socialização para a explicação da criminalidade violenta fora percebida por Merton 1938 e por Sutherland 1955 que apresentaram propostas teóricas diferentes para a interpretação Merton 1938 enfatizou que o comportamento desviante expressa contradições estruturais entre as metas e objetivos da ação social que são legitimados pela cultura dominante e a estrutura de oportunidades legítimas para a realização dos propósitos hegemônicos no sistema social Da tensão estrutural entre as aspirações hegemônicas e as oportunidades legítimas poderiam advir quatro tipos desviantes a inovação quando os fins são aceitos mas o ator busca meios alternativos para realizálos o ritualismo no qual fins são rejeitados mas os meios 244 legítimos são praticados ritualmente a desistência em que fins hegemônicos e meios legítimos são ambos rejeitados e a rebelião pela qual o ator procura transformar a própria ordem social que dá origem à tensão estrutural Já para Sutherland 1955 o comportamento desviante era aprendido como técnicas e justificativas aprendidas pela interação em grupos informais de pares O desvio não seria característica do indivíduo mas da sua trajetória de vida na qual associações que se diferenciavam da ordem convencional predominam A criminalidade devia ser explicada de maneira similar ao comportamento convencional segundo o conceito de organização ou associação diferencial segundo o qual haveria grupos informais presentes em vários estratos sociais e nichos territoriais que se associariam para ações delinquentes Parece claro que ambas as perspectivas são complementares Merton não identifica quais seriam os mecanismos que decidiriam qual o tipo de desvio social predominaria entre o grupo social em questão enquanto Sutherland não especificou qual seria a origem das culturas desviantes apenas o mecanismo de transmissão por interação Para Cloward e Olihn 1960 as ações criminosas exigem uma explicação maior que a disjunção entre as metas culturais e as oportunidades legítimas pois este mecanismo não informa qual seria a forma tomada pelo desvio É preciso considerar ainda que são necessárias para a produção da delinquência um conjunto de oportunidades criminais que possam ser usadas obter ganhos pessoais Em parte isso está implícito em Merton quando ele define três tipos ideais de anomia em relação às finalidades e oportunidades legítimas sendo apenas um deles a inovação atribuível ao crime instrumental Mas o próprio termo inovação define o crime uma ação com meios originais e minimiza a questão do acesso aos meios ilegítimos Também Sutherland parecia mostrar consciência do problema ao definir a questão da associação diferencial que promove o aprendizado e apoio práticos para a performance criminosa A existência prévia e o mecanismo de difusão interacional de técnicas criminais supõe implicitamente a percepção da oportunidade criminal No entanto nenhum dos dois considerou explicitamente que há estruturas de oportunidades ilegítimas paralelas às oportunidades legítimas e que a tensão social e associação diferencial exigem meios ilegítimos para se 245 tornarem efetivas na produção da criminalidade Caso contrário seria difícil responder à pergunta por que o indivíduo cometeu um roubo em vez de um suicídio ou adesão a um movimento radical E esses meios ilegítimos estão ligados às subculturas criminais resultantes de processos de acomodação especialização e transmissão de práticas criminosas entre delinquentes de diferentes idades como resposta ao meio social existente relacionando os valores convencionais aos valores desviantes Retomando a conexão entre criminalidade e classes subalternizadas estabelecida teoricamente por Merton Cloward e Olihn consideram que as oportunidades ilegítimas dependem da estrutura social da favela slum para relacionar os valores delinquentes aos valores convencionais criando laços entre diferentes gerações de ofensores e dando origem às subculturas criminal do conflito e desistente Pesquisas empíricas brasileiras apontam para a conexão da concentração territorial de homicídios intencionais com a atuação de grupos de criminosos às vezes chamados de gangues de facções ou capazes de recrutar jovens pobres para atuar em negócios ilícitos e disputas violentas que ocorrem sobretudo em áreas de concentração de desvantagens sendo importante notar que a organização em questão não é só um grupo de indivíduos cometendo crimes como também contribui para a constituição da identidade e estilo de vida dos jovens integrantes CHAGAS 2014 e 2015 BEATO 1998 MACEDO et al 2001 FREITAS 2018 Estes grupos estão em constante conflito pelo controle local de mercados ilícitos Não obstante são hierárquicas e interligadas a redes internacionais de ilícitos As redes criminosas seriam os meios de apoio e difusão de comportamentos violentos entre jovens pobres que ocupariam apenas as posições mais arriscadas e visíveis da economia ilícita diferentes dos grupos que atuam nos pontos mais lucrativos protegidos e discretos dos negócios ilícitos PAIVA 2014 ZALUAR 1996a e 1996b MARRA 2008 COUTO 2017 e 2018a e 2018b ZILLI 2015 NUNES PAIM 2005 LOURENÇO ALMEIDA 2013 RATTON DAUDELIN 2017 MACHADO NORONHA 2002 CANO DUARTE 2012 DIAS 2013 SCHABACH 2008 SILVA SOUZA 2016 246 Estas análises empíricas apoiam e ultrapassam a teoria das oportunidades ilegítimas associadas às subculturais criminosas baseadas nas favelas formulada por Cloward e Olihn Isto porque indicam que as conexões diretas e indiretas da violência dos grupos armados nas áreas de favelas e periferias urbanas são mais amplas que os laços entre pares e gerações de delinquentes pobres Uma perspectiva importante e que enfatiza especificamente a socialização como origem da delinquência é a dos laços sociais e autocontrole De acordo com Hirschi 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 a propensão à violência é inversamente proporcional aos laços sociais entre o indivíduo e a sociedade com relações de compromisso envolvimento afetividade e convicção construídas na convivência no âmbito da família escola vizinhança trabalho igreja etc A principal ligação é a família a relação primária no sentido temporal e de importância para a formação das disposições individuais de autocontrole A obediência às normas tem certa racionalidade uma vez que a prática de crimes pode prejudicar laços sociais convencionais A propensão à criminalidade está ligada à incapacidade de adiar a satisfação à busca por gratificações imediatas mesmo que assumindo o perigo de uma punição ou retaliação mais tarde A capacidade de adiar a gratificação que é exigida pelo estudo e pelo trabalho deriva do autocontrole que é desenvolvido na convivência social primeiramente a coexistência familiar Pais negligentes tendem a criar filhos com baixo autocontrole que não conseguem exercer a moderação necessária para adiar gratificações imediatas e investir tempo em satisfações futuras que exigem maior prazo como ocorre com os frutos do estudo e do trabalho Nem sempre o baixo autocontrole resulta na prática de crimes violentos embora esteja associado com frequência ao fracasso escolar e à instabilidade no trabalho e nas conexões afetivas e íntimas A teoria do autocontrole foca nas microrrelações que condicionam o desenvolvimento da personalidade com destaque para a família e suas capacidades de supervisão e cuidado dos filhos de maneira que o controle social brando exercido por pais professores etc desenvolva o autocontrole Processos macrossociais que condicionam a própria estrutura institucional da família escola trabalho e cidade são menos consideradas A teoria parece mais verossímil em relação aos crimes por impulso e ocasião entre os quais crimes de baixo potencial ofensivo e crimes violentos Também relativo aos 247 diferenciais de gênero com a predominância masculina no crime violento parece verossímil considerar que diferenças de educação com a supervisão mais restritiva sobre as meninas que sobre os meninos a fraqueza dos laços sociais e do autocontrole seja considerada Por outro lado a ambição de generalidade é questionável pois nem todos os crimes são necessariamente impulsivos e a própria relatividade do que é crime punível varia muito de acordo com o contexto Um exemplo são os crimes de colarinho branco que exigem conhecimento técnico planejamento e uma posição estratégica em organizações e mercados Até mesmo roubos a bancos por exemplo exigem planejamento cuidadoso que não se enquadra numa criminalidade impulsiva HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Com base nas perspectivas avançadas por Hirschi e Gottfredson Rolim 2014 analisou a formação de atitudes em jovens violentos mostrando a relevância do estudo das disposições para a violência entre os jovens especialmente os efeitos da exclusão escolar das situações violentas na família dos pares delinquentes Noutra pesquisa MOREIRA et al 2013 a exposição à violência em adolescentes de uma comunidade metropolitana pobre constatou que os jovens mais vulneráveis à violência tinham menos escolaridade e maior absenteísmo escolar pais provedores que consumiam bebidas alcoólicas e amizades que desagradavam seus pais evidências que apoiam a ideia de que o o compromisso com os estudos e a ausência a amizades que desagradam os pais e provedores que não consomem bebidas alcoólicas servem como relativa proteção contra situações de violência entre jovens e adolescentes Estes resultados corroboram a teoria de Hirschi e Gottfredson mas também com a perspectiva de aprendizado social Os já citados estudos sobre gangues também dão conta de dinâmicas de fragilização familiar e de aprendizado da violência em ambientes hostis levando à união de jovens em grupos No entanto as análises sobre gangues em geral as situam no contexto da economia do narcotráfico enfatizando as oportunidades ilícitas de renda criadas pelo comércio ilegal de drogas ao lado da socialização secundária nos grupos criminosos com menor atenção à trajetória da socialização familiar e escolar dos jovens integrantes das gangues A perspectiva dos laços sociais além disso teria a vantagem de explicar a disposição para ações violentas mesmo de pessoas não 248 envolvidas no tráfico varejista de drogas ilícitas como ocorre com os crimes de homicídios intencionais classificados como banais ou passionais entre conhecidos Cullen 2006 considera que a principal categoria de prevenção eficiente dos crimes violentos é o apoio social cuja relação com as taxas de delinquência violenta é inversamente proporcional Comparada à noção de laços sociais de Hirsch comentada acima a categoria de apoio social é mais abrangente e consegue apreender as transformações ocorridas nas diversas instituições sociais Por outro lado o apoio social não aborda a questão da imposição de limites comportamentais O apoio social é compreendido como as disposições instrumentais e expressivas percebidas ou reais fornecidas pela comunidade redes sociais e parceiros de confiança LINN 1986 p 18 apud CULLEN 2006 p 582 Da definição podemse abstrair três elementos a sua pertinência em níveis contextuais diversos a distinção entre apoio instrumental acesso a renda e serviços e apoio expressivo simbólico e afetivo e a provisão tanto por agências organizadas formais públicas ou privadas quanto por laços informais Assim a maior provisão de apoio social tem como efeito prevenir a entrada na delinquência e estimular o abandono de carreiras criminais O apoio social pelo Estado e redes associativas contrapõese às causas de crimes violentos como a experiência social de crescer numa vizinhança violenta ou do encarceramento precoce A percepção da ausência de apoio pode precipitar o desenvolvimento de carreiras delitivas e favorecer a reincidência enquanto a percepção de uma rede de apoio social inibe as práticas criminais violentas Tratase de um conceito estrutural não é apenas a atitude individual expressa por exemplo na filantropia e trabalho voluntário que amplia o apoio social mas principalmente uma ampla rede social organizada incluindo o Estado associações e famílias CULLEN 1995 O nível de apoio social explica segundo Cullen 1995 porque os Estados Unidos possuem um maior nível de criminalidade violenta que outros países de desenvolvimento econômico similar como o Japão e a Europa Ocidental a sociedade estadunidense seria menos estruturalmente voltada para o apoio social principalmente aos mais desfavorecidos e mais comprometida com os valores associados ao individualismo econômico Na perspectiva do apoio social portanto a 249 ação estatal tem um efeito importante sobre a criminalidade violenta não só como monopólio estatal da violência legítima exercendo pressão vertical contra a violência interpessoal e pelo autocontrole no sentido de Elias 2011 como também pelo apoio social às crianças famílias e jovens O estudo de Cerqueira De Moura 2019 sobre a conexão entre oportunidades escolares e de emprego e os homicídios intencionais liga a percepção de baixas oportunidades para o próprio grupo à motivação econômica para cometer crimes O assassinato pode ser resultado não esperado de crimes patrimoniais pode ser um instrumento de controle dos mercados ilícitos tráfico de drogas ou pode ser o primeiro passo de uma carreira delinquente que vai dos crimes de menor potencial ofensivo aos mais graves Além disso o trabalho e a educação implicam em laços sociais que fortalecem as convicções normativas e oferecem recompensas atuais e futuras A análise sobre os municípios brasileiros mostrou que a a renda possui efeitos ambivalentes que se anulam pois de um lado representa melhoria da remuneração do trabalho por outro aumenta a expectativa de ganhos com os crimes b a inclusão escolar possui efeitos consistentes de redução dos homicídios intencionais pois diminui a pressão sobre o mercado de trabalho ocupando jovens nos estudos envolve os jovens em interações com os professores e com outros jovens que buscam melhorar de vida pelo estudo desenvolvendo valores de esforço e respeito e melhora as perspectivas futuras de oportunidades econômicas c a desocupação possui efeitos significativos de aumento dos homicídios intencionais e inversamente a melhoria das oportunidades no mercado de trabalho afasta os homens da criminalidade e reduz a taxa de homicídios em toda a população independentemente da remuneração CERQUEIRA DE MOURA 2019 p 24 Diversas análises encontraram associações consistentes e negativas entre a renda e a escolaridade e a taxa de homicídios intencionais isto é quanto menor a renda e escolaridade maior a taxa de homicídios intencionais ao nível intramunicipal ao nível de bairro ou áreas revelando uma associação entre a concentração de pobreza e analfabetismo e a concentração de crimes contra a pessoa SOUZA et al 2014 SCHABBACH 2016a PORTELLA et al 2019 PAIM et al 1999 SILVA COSTA LAUDERMIR 2009 ANDRADE et al 2011 e 2009 250 MANSANO 2013 Também as análises longitudinais sobre a conexão entre desigualdade econômica e taxas de crimes contra a pessoa e contra a propriedade mostram os efeitos da privação relativa sobre taxas de roubos furtos e homicídios intencionais mas não para estupros e agressões físicas revelando os limites da ideia de privação relativa como explicação geral da criminalidade RUFRANCOS PICKETT WILKINSON 2013 No entanto a nível municipal a taxa de homicídios intencionais não parece relacionada à pobreza mas sim paradoxalmente à riqueza e à concentração da população e atividade econômica apesar de em nível micro os delitos comuns de rua serem cometidos principalmente por pessoas de posição socioeconômica mais baixa sobretudo homens e jovens e relativo aos crimes contra a pessoa nos locais de moradia mais desprovidos de serviços públicos como saneamento básico e acesso à justiça BEATO 1998 LIMA et al 2000 ZALUAR 2007 A ligação do crime com a riqueza e a urbanização sugere que teorias da oportunidade criminal tem algum valor heurístico BEATO 1998 CERQUEIRA MOURA 2019 embora Almeida e Guanzirolli 2013 sugiram que tais teorias são bastante limitadas em relação aos crimes intencionais contra a vida Um panorama mais amplo mostra que a privação relativa medida por índices de desigualdade de renda ou de desemprego é só uma das explicações possível sendo o mecanismo da privação relativa insuficiente para dar conta da complexidade das condições estruturais que favorecem ou inibem as agressões letais SOUZA SILVA SOUZA 2018 Diversos estudos no Brasil apontam para a ligação entre homicídios intencionais e a ação de grupos mais ou menos organizados de jovens dedicados a negócios ilícitos reunidos em torno de lideranças e possuidores de seus próprios códigos de conduta práticas delitivas e justificativas morais construídas no contexto da marginalização socioeconômica e da atividade criminosa ZALUAR 1996a e 1996b ZILLI 2015 CANO DUARTE 2012 DIAS 2013 RATTON DAUDELIN 2017 As mesmas análises não deixam de constatar os efeitos da privação relativa e absoluta para a explicação dos crimes intencionais contra a vida e os elos diretos e 251 indiretos das gangues armadas locais com redes de negócios ilícitas mais amplas sugerindo certa relação entre criminalidade violenta e a financeira e administrativa O mecanismo da associação diferencial também se relaciona ao processo de aprendizado apoio e justificação das práticas de violências ilegais contra pobres acusados de cometer crimes como ocorre nos casos de linchamentos cometidos por multidões MARTINS 2015 e na prática seletiva da violência policial MARRA 2008 NUNES PAIM 2005 MACHADO NORONHA 2002 praticados em contextos territoriais e organizacionais específicos sobretudo favelas e bairros periféricos urbanos nos quais é possível identificar a difusão de definições culturais que favorecem a justiça privada as punições sumárias e a vingança individual e coletiva levadas a cabo por meios extremos assassinato ou tortura mas sempre em nome de valores da preservação da ordem local e das posses dos particulares Pratt Godsay 2003 alegam que os mecanismos de apoio social anomia institucional e tensão geral explicam resultados semelhantes na conexão entre gasto social desigualdade econômica e violência criminosa Usam o homicídio intencional como proxy para a criminalidade violenta utilizam a proporção do PIB em relação ao gasto público em saúde pública como proxy do apoio social a razão de renda entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre da população como indicador de privação relativa a razão de homensmulheres a urbanização e o IDH como covariatas instrumentais para controlar a confusão de efeitos Constatam que os indicadores de apoio social e desigualdade econômica têm efeitos significativos no sentido esperado sobre a taxa de homicídios intencionais Concluem apontando a necessidade de buscar uma integração entre as teorias da anomia institucional apoio social e tensão geral 83 DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS E DO MÉTODO O objetivo é construir modelos com variáveis independentes contemporâneas mesmo ano da variável dependente e defasadas em 10 anos As variáveis independentes contemporâneas ligamse à oferta de armas à demanda mórbida por drogas à urbanização densidade e ao desemprego definindo uma estrutura 252 conjuntural de oportunidades diferenciais legítimas e ilegítimas Tratamse de condições que recompensam motivam ou facilitam o crime não só instrumental como também devido a frustrações As variáveis defasadas em 10 anos indicam favores que influem tanto no processo de socialização de crianças e jovens em especial entre classes mais desfavorecidas quanto no desenvolvimento e consolidação dos laços e apoios sociais comunitários e institucionais capazes de prevenir e controlar a formação e associações criminais e disposições violentas entre os jovens Por isso entre as causas de longo prazo consideramos relevantes os indicadores relativos à família à desigualdade econômica aos serviços urbanos básicos e à escolaridade que podem ser relacionados à transmissão intergeracional e intrageracional de valores sociais A família e a educação também são relevantes como construção de laços sociais e associações positivas enquanto a desigualdade econômica além da disparidade de renda entre as famílias ocasionando frustração pela percepção da desigualdade de oportunidades pode ser correlacionado juntamente com o acesso aos serviços urbanos básicos à segregação socioeconômica que contribui para enfraquecer seletivamente a coesão social fragilizando a efetividade normativa de instituições sociais e comunidades de famílias e bairros Nossa hipótese é que diferente do desemprego que é percebido de maneira mais direta pelos grupos desfavorecidos a desigualdade econômica é sentida mais por suas consequências desintegradoras no longo prazo enquanto os laços familiares e a educação influem na formação de disposições contrárias à violência O efeito defasado ao longo do tempo se dá por isso mediante a formação de comunidades e instituições fortes ou de subculturas criminais e violentas Apesar de passar pela formação da personalidade dos jovens que virão a se envolver ou não na criminalidade violenta a causalidade postulada é por isso de nível comunitário e sistêmico Para ajustar a taxa de crimes letais intencionais utilizamos o seguinte método consideramos homicídios intencionais as mortes por agressão as mortes por intervenção legal e operações de guerra uma fração das mortes violentas por 253 intenção indeterminada igual à proporção entre mortes por agressão e intervenção suicídios e acidentes e uma fração das mortes por causas mal definidas igual a proporção entre as mortes por agressão e intervenção e o conjunto das mortes por causas conhecidas naturais e violentas A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas A seguir um quadro resumindo as variáveis 254 Quadro 29 Descrição e fonte das variáveis metrópoles 19922009 20012018 variável descrição fonte TxAjHomicidios 19922018 Soma das mortes por agressão por intervenção legal e operações de guerra e de uma proporção de mortes violentas indeterminadas e das mortes por cau sas mal SIMDATASUS e estimativas popu lacionais do IBGE Txabusodrogas 19922018 mortes por consumo de álcool cocaína maconha alucinógenos e drogas sintéti cas por milhão de habitantes SIMDATASUS e estimativas popu lacionais do IBGE Armasdefogo 19922018 Média entre as proporções de suicídios e de homicídios com armas de fogo suicídios PAFsuicídioshomicídios pafhomicídios2 SIMDATASUS SuicídiosPAF 19922018 proxy da presença de armas de fogo nos domicílios obtida pelo percentual de suicídios que foram cometidos com armas de fogo suicídios PAFsuicídios SIMDATASUS Desemprego 19922018 Proporção da população economica mente ativa que não tem ocupação remunerada e está procurando uma IBGE e IPEADATA Densidadepopulacional19922018 Razão entre população e área em km² estimativas popu lacionais e área das microrregiões do IBGE e IPEADATA crescpop10anos19922018 Razão percentual entre a população no ano e no décimo ano anterior estimativas popu lacionais do IBGE monoparentfeminina 19922008 percentual de domicílios cuja pessoa de referência é do gênero feminino IBGE PNAD altaescolaridade 19922008 percentual de pessoas adultas que com anos de estudo iguais ou maiores que 12 anos IBGE PNAD DesigGini 19922008 Razão percentual entre a renda média dos brancos e dos negros IBGE PNAD Acessoaguaestatal 19922008 Percentual de pessoas sem acesso à rede geral de distribuição de água na residência IBGE PNAD Fonte Elaborado pelo Autor Realizamos primeiramente uma análise descritiva com os parâmetros básicos de todas as variáveis de interesse e as séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais Em seguida testamos cada variável com as respectivas temporalidades prédefinidas com o método de regressão de Mínimos Quadrados Ordinários MQO bivariada Por fim construímos um modelo com as variáveis contemporâneas entre si entre 1992 e 2018 depois adicionamos sequencialmente um conjunto de variáveis defasadas em 10 anos 255 84 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS EMPÍRICOS As estatísticas descritivas mostram que o ajuste da taxa de aumentou em 6 por 100 mil habitantes o número médio e mediano de homicídios intencionais Além da taxa de homicídios cuja média foi 436 chegando a até 95 por 100 mil habitantes e nunca abaixo de 85 são dignos de nota a persistência e amplitude da desigualdade de renda o baixo percentual médio de pessoas que completaram o ensino básico e prosseguiram os estudos e o percentual expressivo de pessoas sem acesso à água encanada na residência dentro dos principais centros econômicos e administrativos do país As medidas básica de posição e dispersão das variáveis estão descritas no quadro a seguir 256 Quadro 30 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjHomicidios 1992 2018 436 405 197 853 951 armasdefogo 1992 2018 450 456 711 221 631 suicidioPAF 1992 2018 15177 12500 96245 0952 38 42520 Txabusodrogas 1992 2018 286 265 145 472 902 Desemprego 1992 2018 108 106 342 380 195 densidpopulacional 19922018 759 582 494 128 188e003 crescpop10anos 19922018 180 154 955 185 419 desiggini 19922015 0560 0559 00400 0454 0661 Altaescolaridade 1992 2014 137 131 430 650 258 monoparentfeminina 19922014 340 337 731 181 509 Acessoagua 1992 2014 898 905 843 636 988 Fonte elaboração própria com dados do IBGE IPEADATA e DATASUS As séries temporais mostram tendências díspares entre as metrópoles analisadas Enquanto Rio de Janeiro Recife e São Paulo tiveram uma queda gradual e expressiva da violência criminal letal Belém Fortaleza Salvador e Porto Alegre tiveram um aumento expressivo das taxas de homicídios intencional Belo Horizonte e Curitiba por sua vez começaram o período com aumentos expressivos que foram seguidos por quedas contínuas que fizeram Curitiba voltar ao mesmo patamar e Belo Horizonte chegar a um nível de violência menor do que em 2001 257 Figura 21 Resumo das séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais nas metrópoles brasileiras de Belém 1 Fortaleza 2 Recife 3 Salvador 4 Belo Horizonte 5 Rio de Janeiro 6 São Paulo 7 Curitiba 8 e Porto Alegre 9 entre 1992 e 2018 Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Nas regressões simples contra a hipótese a presença de armas de fogo em domicílio mostrouse negativamente associada à taxa ajustada de homicídios intencionais Mas a outra medida de arma de fogo Índice Cook mostrouse positiva e significativa conforme postulamos O consumo mórbido de drogas e álcool teve efeito positivo e significativo sobre a taxa de homicídios intencionais no curto prazo como esperado Também conforme à hipótese o nível de desemprego tem sinal positivo e significativo sobre a taxa de homicídios no mesmo ano Da mesma forma a densidade populacional exibiu sinal positivo e significativo Contra a nossa hipótese o crescimento demográfico decenal teve sinal negativo e significativo O índice Gini da desigualdade de renda domiciliar como 258 esperado aumenta a taxa de homicídios intencionais no décimo ano seguinte No mesmo sentido a proporção de domicílios chefiados por mulheres exige associação positiva e significativa com a taxa de homicídios intencionais no décimo ano seguinte conforme esperado O acesso a água encanada mais básico serviço coletivo urbano e o percentual de pessoas com 12 ou mais anos de escolaridade formal por sua vez mostraram sinal negativo e significativo o que dá apoio à hipótese empírica Abaixo um resumo dos modelos de regressão simples Figura 22 Resumo das regressões bivariadas metrópoles brasileiras 1992 2018 e 1992200120092018 Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS As correlações entre as variáveis independentes foram fracas ou moderadas em sua maioria Uma exceção foram os dois indicadores para a presença de armas de fogo que tem correlação de 50 entre si mas não foram usadas 259 simultaneamente e o crescimento e densidade populacionais que tiveram associação negativa de 50 Por isso testes de fatores de inflação de variância FIV foram aplicados sem mostrar problemas grades de multicolinearidade Figura 23 Matriz de correlação variáveis contemporâneas Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Para as variáveis defasadas em 10 anos vemos uma correlação negativa de 70 entre desigualdade de renda e percentual de pessoas com escolaridade acima do ensino básico como também entre escolaridade e monoparentalidade positiva a 50 Mais uma vez utilizamos o teste FIV para verificar problemas de multicolinearidade que não se mostraram sérios 260 Figura 24 Matriz de correlação variáveis defasadas Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Vamos agora à análise multivariada O índice Cook de acesso a armas de fogo manteve significância e sinal positivo em todos os 5 modelos Desemprego consumo de psicoativos e crescimento populacional mantiveram o sinal e significância da análise bivariada mas a densidade a perdeu O acréscimo da desigualdade econômica mostrou sinal positivo e significativo e tirou a significância do consumo de psicoativos mas tornou a densidade significativa com sinal contrário ao esperado e à análise bivariada O próprio índice Gini porém perdeu a significância ao adicionarmos o percentual de pessoas com 12 ou mais anos de estudo que teve sinal negativo e significativo como esperado Depois foi a vez do desemprego perder significância com a inclusão da monoparentalidade feminina que também tornou insignificante a densidade populacional Por fim o acréscimo do 261 acesso à água tornou insignificante o crescimento populacional Mantiveramse relevantes portanto o acesso a armas de fogo a alta escolaridade a monoparentalidade feminina e o acesso à rede de água todos com o sinal esperado Quadro 31 MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios 19922018 Erros padrão de BeckKatz 1 2 3 4 5 const 2668 07278 3002 2768 2777 02549 04121 07189 06677 06812 armasdefogo 001813 002976 002814 003195 003781 0003475 0007582 0005828 0005662 0005735 txabusodrogas 0005350 0001952 0001665 00006352 0001529 0001989 0001855 0001601 0001481 0001878 densidpopulacional 2550e05 00002930 00002415 00001309 4113e05 00001144 00001051 8623e05 8342e05 9233e05 Desemprego 003469 002522 001570 0003477 0005740 0008804 0005426 0004891 0005763 0006096 crescpop10anos 001838 001110 001746 0008993 0005627 0004655 0003385 0003734 0003795 0004571 desiggini10 3332 09504 005248 02602 1029 1184 1095 1141 Altaescolaridade10 005686 006654 005040 001078 001093 001411 monoparentfeminina10 002054 001993 0004373 0004387 Acessoagua10 0009381 0003758 n 243 153 153 153 153 Adj R2 02431 03612 04284 04696 04826 lnL 1408 5248 4345 3719 3476 Erros padrão entre parênteses significativo ao nível de 10 por cento significativo ao nível de 5 por cento significativo ao nível de 1 por cento 262 Mudando o indicador de acesso a armas de fogo os resultados são alterados ligeiramente O indicador de armas manteve o sinal da bivariada inesperado e negativo e o consumo de drogas só se mostrou significativo a 90 abaixo do critério habitual de 95 Desemprego e crescimento populacional mantiveram a significância e o sinal da análise multivariada A adição da desigualdade econômica com sinal positivo e significativa como esperado tornou sem significância o indicador de armas de fogo e tornou significativa a densidade populacional com sinal invertido ao da análise bivariada e da hipótese O indicador de escolaridade tornou não significativa a desigualdade econômica e a monoparentalidade feminina afetou a significância do desemprego O acréscimo do acesso à rede de água não alterou o sinal e significância das demais variáveis Restaram significativas a densidade e crescimento populacionais com sinais contrários às hipóteses e o percentual de pessoas adultas com 12 ou mais anos de escolaridade e o percentual de famílias chefiadas por mulheres com sinais esperados 263 Quadro 32 Estimativas MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios I II III IV V const 39 19 41 39 39 018 043 081 077 073 000 000 000 000 000 suicidioPAF 0012 00073 00029 00033 00030 00037 00061 00049 00054 00053 001 027 057 056 059 txabusodrogas 00039 00021 00017 000070 000089 00021 00023 00021 00020 00025 010 037 043 074 073 densidpopulacional 000015 000044 000038 000030 000031 000011 000011 90e05 87e05 84e05 020 000 000 001 001 Desemprego 0024 0025 0016 00075 00073 00096 00075 00060 00069 00073 003 001 003 031 034 crescpop10anos 0019 0014 0021 0015 0015 00037 00031 00041 00039 00043 000 000 000 000 001 desiggini10 40 16 098 094 092 12 11 13 000 020 041 047 Altaescolaridade10 0059 0070 0071 0015 0016 0019 000 000 001 monoparentfemi nina10 0016 0016 00052 00052 001 001 Acessoagua10 000074 00046 087 n 243 153 153 153 153 Adj R2 023 027 034 036 036 lnL 14e02 62 54 51 51 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes 264 significativo ao nível de 10 por cento significativo ao nível de 5 por cento significativo ao nível de 1 por cento 85 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS Os modelos construídos testaram os efeitos de variáveis no mesmo ano 20012018 e no décimo ano anterior 19922009 à taxa de homicídios intencionais no período analisado Em geral as regressões simples tiveram resultados mais favoráveis às hipóteses com exceção apenas de um dos indicadores de acesso a armas de fogo enquanto as regressões multivariadas mostraram apoio misto em relação ao esperado A adição sequencial das variáveis defasadas em 10 anos ajudou a identificar a diferença dos sinais quando são acrescentadas passo a passo tanto em relação às variáveis contemporâneas da taxa de homicídios quanto em relação às demais variáveis independentes defasadas A posse de armas de fogo aumentaria a violência tanto por ser um meio de extração de renda e bens por meio de roubos e extorsão quanto por levar muitas brigas rixas e disputas entre indivíduos a desfechos fatais mas relativo a um dos indicadores utilizados porcentagem de suicídios por armas de fogo os efeitos foram contrários ao esperado na regressão simples e não significativos na multivariada com regressores defasados CERQUEIRA 2010 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 Já o índice Cook média entre os percentuais de suicídios e de homicídios por armas de fogo teve sinal positivo e significativo em todos os modelos o que sugere que posse doméstica de armas por particulares pode ser muito menos relevante que o contrabando de armas e a violência policial Os resultados exigem cautela podendo indicar características apenas das grandes metrópoles brasileiras e do período analisado já que numerosos estudos obtiveram resultados diferentes usando a proporção de suicídios por armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Verificamos que na regressão bivariada e múltipla o nexo entre violência e 265 drogas se confirma perdendo os efeitos quando controlamos pela desigualdade econômica 10 anos antes A demanda mórbida por drogas responde a vários fatores mas nossa evidência sugere que possa ser um efeito de longo prazo da desigualdade econômica o que pode ser relacionado ao tipo de desvio retracionista da tensão social MERTON 1938 AGNEW 1992 Hábitos e mercados ligados aos psicoativos são favoráveis à violência criminal seja por efeitos psicofísicos do uso seja pela prática de crimes instrumentais para aquisição de substâncias por consumidores compulsivos seja enfim pelos conflitos armados entre os grupos criminosos que disputam pontos de venda e posições de poder nos mercados ilícitos A alta lucratividade do narcotráfico também pode atrair a cobiça de atores com poder de extorquir e proteger traficantes contribuindo para incentivar a violência policial por meio da corrupção O próprio consumo mórbido de álcool e de drogas ilícitas porém parece ter uma conexão de longo prazo com a desigualdade econômica Isto nos lembra que além da delinquência uma consequência tipificada por Merton 1938 para as tensões sociais é o retraimento pela qual os atores sociais rejeitam tanto os meios institucionais quanto os fins socioculturais legitimados um percurso desviante que pode muito bem ser ligado ao uso mórbido de psicoativos No mesmo sentido Agnew 1992 considera que o uso de psicoativos pode ser um meio para muitas pessoas lidarem com as tensões socialmente vivenciadas entre as quais os sentimentos de injustiça e de frustração que podem ser atribuídos à percepção das desigualdades econômicas É possível ainda que as desigualdades não só de fato como ainda a sua legitimação políticoideológica promovam uma lógica socialdarwinista que é contrária à formação de laços comunitários mais amplos favorecendo a desmoralização das condutas no sentido de indiferença moral dos agentes quanto aos meios usados na ação social A perda de significância diante da inclusão do indicador educacional por outro lado sugere que a formação de laços disposições e acesso a oportunidades legítimas adquiridas por meio da educação no longo prazo contribui para controlar possíveis efeitos embrutecedores e criminogênicos das desigualdades econômicas Atestada na análise bi e multivariada no curto prazo a ligação entre desemprego e violência pode ser interpretada tanto diretamente pela exclusão que 266 implica tanto econômica quanto simbólica tanto individual quanto para a família do desempregado e tanto pela frustração social que gera quanto por aumentar a o número de jovens desempregados e desalentados nas vizinhanças podendo levar à formação ou ingresso de grupos de pares delinquentes enquanto jovens empregados terão renda estima e interações associadas ao próprio trabalho MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 CLOWARD OHLIN 2011 Porém estes efeitos desaparecem na regressão múltipla quando acrescentamos a desigualdade econômica a escolaridade e a monoparentalidade feminina defasadas em 10 anos É possível que conforme Cullen 1995 e Pratt e Godsay 2003 as formas familiares e institucionais de apoio social sejam capazes de moderar os efeitos do desemprego sobre os homicídios intencionais de modo que o crescimento do desemprego mantendo constantes a desigualdade a escolaridade e a monoparentalidade feminina não leve a aumento significativo dos homicídios intencionais Isso ocorre é claro pela cláusula ceteris paribus já que o próprio desemprego tem ligação com outros fatores econômicos como escolaridade e desigualdade O percentual de famílias cuja pessoa de referência é mulher é um indicador insatisfatório para a coesão familiar pois inclui também as mulheres que moram sozinhas sem filhos e famílias chefiadas por mulheres que são de fato estáveis e coesas O IBGE dispõe apenas do sexo biológico da pessoa de referência sem desagregar se são mulheres com ou sem filhos ainda menos se são mães solteiras ou viúvas Ainda assim o impacto da monoparentalidade feminina na violência no longo prazo é positivo e significativo em todos os modelos testados Uma mãe que cria sozinha os seus filhos geralmente dispõe de menos tempo e recursos para investir em cada um dos filhos reduzindo a capacidade familiar de apoio e supervisão Casais biparentais podem dividir as responsabilidades e somar as rendas beneficiando os filhos com maior atenção e recursos e por isso filhos destas famílias serão menos provavelmente autores ou vítimas de homicídios intencionais O percentual de famílias chefiadas por mulheres pode ser ainda um proxy da prevalência das separações ou da gravidez precoce bem como da ausência paterna em função do abandono ou mesmo da mortalidade ou encarceramento do pai 267 sendo as últimas hipóteses uma possibilidade de perpetuação intergeracional da criminalidade violenta e transmissão de efeitos da criminalização A ênfase na educação familiar e escolar como inibidora da violência é consistente com a associação significativa da prevalência do ensino médio completo e da monoparentalidade feminina com as taxas de homicídios intencionais no longo prazo Os arranjos familiares monoparentais parecem influenciar a criminalidade violenta por meio da sobrecarga da figura materna que acaba tendo a sua capacidade de apoio atenção e supervisão dos filhos reduzida aumentando a vulnerabilidade das crianças e jovens ao envolvimento precoce com a criminalidade Não se trata da figura feminina como chefe de família em si como na retórica da família tradicional mas do contexto e processo que geram a monoparentalidade muitas vezes resultante da gravidez precoce e abandono paterno ou da prisão ou morte dos pais e cônjuges fazendo da mulher a única responsável pelos filhos Possíveis efeitos da estigmatização ligada a todas estas situações também não podem ser subestimados Em resumo o mecanismo causal entre a monoparentalidade feminina e a violência criminal é o enfraquecimento nas capacidades familiares de apoio e controle social CULLEN 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Cumpre observar ainda que a monoparentalidade é um dos fatores considerados sendo ainda necessário observar que pode ser compensada pelo aumento da escolaridade redução das desigualdades e qualidade e quantidade de serviços públicos no longo prazo assim como da redução do desemprego drogadição e acesso a armas de fogo no curto prazo A associação negativa entre a escolarização e a violência no longo prazo tem o mesmo sentido dos resultados para a monoparentalidade feminina ao indicar que a proporção de pessoas com ensino médio completo pode levar à redução da taxa de homicídios 10 anos depois Familiares mais escolarizados possuem acesso maior e mais qualificado à informação necessária para instruir supervisionar e apoiar os filhos e mais provavelmente terão ainda acesso a oportunidades de trabalho melhores e transmitirão aos filhos valores favoráveis à educação como um meio de ascensão social e desenvolvimento pessoal Trajetórias mais longas de escolarização exigem maior autocontrole 268 constituem laços sociais dentro das instituições de ensino entre colegas e entre professores e posteriormente melhoram ou nivelam as chances no mercado de trabalho e na capacidade de resolução dialogada ou juridicamente mediada de alguns conflitos interpessoais Finalmente considerase que maior prevalência de médios e altos graus de escolarização em uma comunidade aumentam a capacidade de associação e mobilização coletivos Ou seja a proporção de adultos 25 ou mais anos com 12 ou mais anos de estudo ensino médio completo pode ter efeitos preventivos de longo prazo contra a violência pela difusão de disposições para o autocontrole que são via de regra exigidas para percorrer um ciclo escolar mais longo bem como do capital cultural incorporado que é transmitido na convivência familiar sendo ainda digno de nota a convivência mais duradoura no âmbito da própria comunidade escolar o que poderia ainda afastar o jovem do contato com subculturas criminais A educação exerce um efeito protetor coletivo de impacto não imediato mas duradouro contribuindo para a redução da violência criminosa ao longo dos anos Novamente observamos uma convergência entre as categorias de laços sociais associação diferencial e tensão social no longo prazo o que reforça a necessidade de construção de abordagens multidimensionais na sociologia da violência e da criminalidade ELIAS 2011 MERTON 1938 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 CERQUEIRA MOURA 2019 CLOWARD OLIN 1960 SUTHERLAND 1955 CULLEN 1995 Das variáveis demográficas só a densidade populacional na análise bivariada teve sinal positivo e significativo corroborando a hipótese Porém quando testada conjuntamente com o desemprego consumo de psicoativos acesso a armas de fogo e crescimento demográfico a densidade perdeu a significância tendo até mesmo o sinal invertido para o negativo quando controlado por variáveis defasadas em 10 anos relativas à desigualdade escolaridade serviços urbanos e famílias monoparentais O crescimento populacional decenal quando significativo teve sinais negativos contrários ao esperado assim como a densidade populacional nas análises multivariadas Podese inferir que a atração de imigrantes seja uma característica de metrópoles mais dinâmicas e desenvolvidas Indo além e pensando os resultados 269 da densidade e crescimento populacionais que aquilo que é atribuído à urbanização ao adensamento e à heterogeneidade populacionais talvez seja apenas um efeito indireto e condicionado pela estrutura social da expansão urbana Em outras palavras a desorganização social não é tanto uma característica da aglomeração populacional urbana mas sobretudo uma consequência de longo prazo das desigualdades econômicas e exclusão educacional urbanas MERTON 1938 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 CERQUEIRA MOURA 2019 CLOWARD OLIN 1960 CRUTCHFIELD 2006 O acesso à rede geral de água é um indicador negativo da exclusão e precariedade de serviços urbanos e por conseguinte de privação absoluta de um bem coletivo o que pode sinalizar um baixo desempenho social do Estado e estar associado à concentração de desvantagens socioeconômicas no espaço urbano o que nos remete mais uma vez aos mecanismos da tensão desorganização e apoio sociais O estado da infraestrutura urbana do bairro onde o indivíduo nasce e os de outros mais privilegiados também pode implicar na privação relativa pois seria uma comparação desfavorável para si em relação à situação dos outros sem que haja uma legitimação desta situação em função de talentos esforços ou outros tipos de justificação moral Finalmente a incapacidade de universalizar o acesso a um serviço coletivo tão básico pode indicar um comprometimento da capacidade administrativa do Estado para prestar serviços à população e implementar políticas públicas o que poderia ser a causa direta de falhas de controle e apoio social estatal quanto indiretamente de perda na confiança na eficácia das instituições públicas para apoiar o cidadão Isso também ocorre com a questão educacional e em parte com as desigualdades sociais embora tudo isso também dependa das prioridades políticas em vários níveis de governo que nem sempre tem a redução das desigualdades e elevação da educação na sua principal agenda Como os grupos criminosos florescem nos nichos de maior precariedade social ligada às privações socioeconômicas esperase que níveis mais altos de acesso à educação e a serviços urbanos e níveis mais baixos de desigualdade econômica e desagregação familiar contribuam para a redução da criminalidade violenta no longo prazo Isso porque produzem um contexto no qual o fortalecimento 270 de capacidades coletivas de laços comunitários é favorecido enquanto que a formação de disposições violentas e envolvimento criminal teria menor chance de prosperar ao menos no longo prazo Os resultados empíricos apoiam amplamente estas hipóteses HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 SUTHERLAND 1955 CLOWARD OLIHN 1960 SCHABBACH 2016a CHAGAS 2014 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 BEATO 1998 CRUTCHFIELD 2006 CULLEN 2006 A análise indicou pois que alguns preditores no curto prazo talvez seriam melhor explicados como impactos indiretos ou condicionados por determinantes no longo prazo como a prevalência de arranjos familiares biparentais desigualdades econômicas serviços coletivos e escolaridade dos adultos Como analisamos a conexão entre macrodeterminantes no curto e longo prazo e níveis agregados de violência criminal a formação de atitudes e associações conducentes aos homicídios intencionais foi formulada interpretativamente A formação de atitudes expressa uma trajetória incorporada uma internalização do próprio contexto metropolitano de socialização familiar escolar comunitária etc no qual mecanismos de tensão social aprendizado e apoio e controle sociais operam de maneira combinada e desigual com efeitos duradouros na formação de laços e capacidades legítimas difundindo as disposições contrárias à resolução violenta de conflitos entre particulares ou ao uso instrumental da violência para objetivos privados ou prestando apoio e exercendo controle Nesta perspectiva a violência criminal tem raízes mais profundas que as flutuações conjunturais da eficiência policial e dos mercados de trabalho e de ilícitos exigindo uma explicação institucional e comunitária formando trajetórias violentas individuais e coletivas CRUTCHFIELD 2006 BOURDIEU 2011 86 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos uma análise mecanismos causais de curto e no longo prazo que podem explicar a variação dos níveis de criminalidade violenta nas metrópoles brasileiras Especial atenção foi dispensada às temporalidades diversas pelas quais estes mecanismos produzem a violência No curto prazo e na análise 271 bivariada o desemprego e o consumo de psicoativos mostraramse preditores de alterações significativas na taxa de homicídios intencionais no sentido das hipóteses postuladas Para o acesso a armas de fogo o resultado dependeu da proxy utilizada e o sinal negativo deve ser visto com cautela pois contraria a evidência acumulada e os próprios resultados com o outro indicador De toda maneira o indicador de armas de fogo que mais obteve significância entre os modelos foi o que apresentou sinal positivo o que corrobora a hipótese do acesso a armas de fogo como um facilitador de crimes violentos A densidade populacional teve efeitos inconsistentes mas ficou claro que o sinal positivo é condicionado por outras variáveis no curto e longo prazos enquanto o crescimento populacional teve efeitos contrários às expectativas Já a ligação entre desemprego e violência pode ser interpretada tanto diretamente pela exclusão que implica tanto econômica quanto simbólica tanto individual quanto para a família do desempregado e tanto pela frustração social que gera quanto por aumentar a interação entre jovens desempregados e desalentados das mesmas vizinhanças podendo levar à formação ou ingresso de grupos de pares delinquentes enquanto jovens empregados terão renda estima e interações associadas ao próprio trabalho MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 CLOWARD OHLIN 2011 Apenas diante da questão familiar o desemprego perdeu significância o que sugere uma interação entre mecanismos de tensão e de laço social O consumo de drogas e álcool mostrouse significativo na análise bivariada e na multivariada sem os regressores defasados perdendo a significância assim que a desigualdade de renda foi incluída no modelo No curto prazo podemos apontar uma mistura de efeitos psicossociais com o uso como fator precipitador de agressões e a compulsão como motivador de roubos furtos etc e o próprio tráfico de drogas ilícitas como motivador de violências instrumentais A alta margem de lucro dos traficantes fornece meios e motivação para uma competição armada pela liderança e domínio territorial do narcotráfico quanto mais dinheiro uma gangue obtém mais armas pode adquirir dos contrabandistas e quanto maior o lucro de um ponto de vendas de drogas maior é o resultado de quem o controla E mais propina policiais corruptos podem extrair dos grupos criminosos usando a violência policial como ameaça que muitas vezes se consuma No longo prazo porém a ligação entre 272 violência e drogas perde espaço para a desigualdade econômica a educação a família e os serviços coletivos Analisando as influências no longo prazo sobre a incidência da agressividade letal observamos que as oportunidades diferenciais de curto prazo representadas pelo tráfico de drogas e pelo mercado de trabalho fornecem por assim dizer a ocasião para expressão das disposições violentas que são construídas internalizadas e difundidas anteriormente nas condições propiciadas por contextos de desigualdades econômicas baixo acesso à educação e a serviços urbanos e famílias desagregadas Estes fatores podem ser relacionados aos mecanismos sociais de tensão desorganização e apoio sociais Como esperado a desigualdade econômica mostrouse positivamente associada aos crimes letais intencionais no longo prazo Porém perde a significância frente ao percentual de adultos com ensino médio ou superior e ainda com a monoparentalidade feminina e acesso à rede de água Em conjunto os resultados nos levam à questão da formação de comunidades ou seja de apoios e controles sociais exercidos nas relações interpessoais e associativas O apoio e controle social exercidos pela família se fortalecem devido a dois fatores a biparentalidade que permite que os responsáveis pelo domicílio somem as suas rendas e tempo para a supervisão e apoio das crianças e jovens da família e a instrução que aumenta o acesso tanto a mais e melhores informações para o desempenho parental e associativo quanto a mais e melhores oportunidades de trabalho Já a desigualdade econômica indica provavelmente circunstâncias que enfraquecem a coesão social especialmente entre grupos localizados mais abaixo da pirâmide social além de promover a tensão e anomia sociais que são lenha na fogueira das subculturas da violência Em conjunto com o não acesso a serviços urbanos a desigualdade pode indicar ainda a prevalência de segregação social Porém o resultado mostra que o efeito da desigualdade econômica é condicionado pelo acesso à educação ambas no longo prazo 273 9 CRIMINALIDADE VIOLENTA E POLÍTICAS PÚBLICAS O IMPACTO DOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEGURANÇA SOBRE OS HOMICÍDIOS INTENCIONAIS NOS ESTADOS BRASILEIROS Nos capítulos anteriores identificamos que a força econômica do Estado medida pelo valor adicionado per capita do setor público provoca redução dos homicídios intencionais Por este resultado porém não identificamos se o efeito se dá por meio da dissuasão policial da criminalidade ou pela prevenção da violência mediante apoio social público ou ambos Neste capítulo diferenciamos a ação estatal sobre os homicídios intencionais por função orçamentária uma associada à dissuasão policial segurança pública outra ao apoio social assistência e previdência sociais juntamente com variáveis relativas a drogas armas homens jovens e exclusões socioeconômicas A dissuasão policial para nossa surpresa mostrouse positivamente relacionada aos homicídios intencionais o que questiona frontalmente a aplicação do processo civilizador à realidade brasileira 91 APRESENTAÇÃO Qual é a importância da segurança e da assistência social públicas do desemprego do consumo de drogas ilícitas e do acesso às armas de fogo para a explicação das taxas de mortalidade por agressão Nas análises sociológico históricas sobre as tendências de longo prazo na violência criminal letal na Europa o processo de pacificação civil interna com o gradativo declínio da incidência de violência letal entre particulares teria sido condicionado pela formação dos Estados nacionais burocratizados com capacidades efetivas para monopolizar e uniformizar a coerção militar judicial e tributária 274 As autoridades políticas nacionais foram capazes de pôr fim às guerras feudais que marcaram o período medieval e expropriar os meios de violência bélica que estavam na posse da nobreza guerreira assim como organizar um sistema administrativo eficaz para o controle social formal e difundir valores e costumes que prezam pelo autocontrole e moderação dos impulsos em especial os agressivos Estes processos não foram planejados mas resultariam da construção do aparato estatal centralizado no longo prazo ELIAS 2011 GIDDENS 2008 EISNER 2014 CUSSON 2000 Outros porém questionam a conexão entre a centralização da violência estatal legítima e o e declínio da violência alegando que o fortalecimento do aparelho estatal aumenta exponencialmente a capacidade de violência organizada muito mais destrutiva que a violência interpessoal levando a morticínios massivos nas guerras e ditaduras BAUMAN 1998 MALESEVIC 2013 Além disso e enfocando no plano da ordem social interna tão ou mais importante que a capacidade dissuasiva policial judicial e militar no processo de pacificação civil seria a capacidade de integração social mediadas pelas oportunidades legítimas e pelo apoio social público que poderia compensar as tensões sociais prevenir a desorganização social e criar uma rede de apoio e integração sociais institucionalizada contribuindo para fortalecer as disposições e atitudes contrárias à violência ao ampliar as oportunidades e apoios legítimos para crianças e jovens CULLEN 1995 DEFRONZO HANNON 1998 ROSENFELD MESSNER 1997 BECKER e KASSOUF 2017 CURRIE 1997 e 2015 Finalmente há aqueles que observando os efeitos do tráfico de armas e de drogas ligados às atividades dos grupos criminais armados e à violência e corrupção policial e política questionam se a pacificação civil está sofrendo uma reversão se foi um processo seletivo e restrito a setores privilegiados da sociedade ou mesmo se o conceito teria qualquer validade para a América Latina formulando como alternativas conceitos como o de acumulação social da violência que parecem uma efetiva inversão do processo civilizador ADORNO 2002 RAMÍRES et al 2013 MISSE 2008 2010 2019 Para abordar esta problemática utilizaremos a construção de modelos descritivos e multivariados para observar os efeitos das despesas públicas em 275 segurança e assistência social da posse e oferta de armas e do consumo mórbido de álcool e drogas ilícitas sobre a variação da criminalidade letal intencional entre os Estados brasileiros de 1996 a 2019 Verificamos que as evidências corroboram as hipóteses de que a difusão de armas de fogo favorece o aumento da violência criminal letal e de que a despesa pública em assistência e previdência funciona como uma barreira aos homicídios intencionais da mesma forma que a violência em nível individual enquanto o desemprego tende a aumentar a violência criminal Não encontramos apoio à hipótese do nexo entre violência e drogas e contrariamente à hipótese da coerção e dissuasão do crime identificamos uma conexão positiva e significativa entre gastos em segurança pública e taxas de homicídios intencionais sugerindo que as políticas de segurança tem sido mais uma reação ineficaz à criminalidade violenta com possíveis efeitos perversos e circulares do que um meio eficiente para controlar e reduzir os homicídios intencionais 92 ENTRE A PACIFICAÇÃO CIVIL E A ACUMULAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA A literatura sobre a conexão entre capacidades estatais e níveis de violência interpessoal tem um clássico em Norbert Elias Apesar de Weber já ter estabelecido a definição do Estado como organização capaz de exercer o monopólio da violência legítima sobre um território determinado foi Elias quem postulou que o grau de consolidação deste monopólio estatal da violência legítima é inversamente proporcional à incidência da violência ilegítima dos particulares Esta conexão passa tanto pela concentração dos meios de violência quanto pela transformação gradual dos costumes no sentido de maior civilidade a partir da difusão de normas e valores que promovem a moderação dos comportamentos em sociedade Dessa maneira Elias 2011 argumenta que as disposições para autocontrole e refinamento de maneiras induzidos por mecanismos de coerção estatal típicos das sociedades modernas especialmente dos seus estratos superiores é produto 276 não planejado de um processo histórico de longo prazo de civilização da política e dos costumes A sociedade feudal era politicamente caracterizada pelo domínio territorial local de chefes guerreiros A ética guerreira excluía o refinamento a vergonha e a introspecção preferindo uma expressão mais espontânea e brutal dos apetites e impulsos corporais e emocionais em especial a crueldade e a fúria contra os inimigos e os subordinados ELIAS 2011 Após um período de feudalização com a descentralização cada vez maior do exercício da violência nas mãos de uma classe de guerreiros ligados entre si por laços hierárquicos de vassalagem pessoal e territorial cada vez mais parcelados levando ao enfraquecimento das autoridades centrais o processo competitivo pelo controle territorial armado entre os diversos senhores feudais aliado à crescente ampliação das relações de interdependência e diferenciação funcional em círculos cada vez mais amplos favoreceu uma gradual centralização do exercício da violência legítima nas mãos de autoridades políticas cada vez mais centralizadas que aglutinavam antigos feudos menores em unidades territoriais maiores ELIAS 2011 O resultado imprevisto no longo prazo foi a formação de uma pressão pelo autocontrole nas interações sociais A nobreza guerreira que se isolava nos seus domínios rurais e buscavam defender por suas próprias armas a independência dos seus territórios foi aos poucos sendo subordinada e cooptada para as cortes dos reis em ascensão A classe de guerreiros foi sendo convertida em uma classe de cortesãos ou seja de hábeis políticos gravitando em torno do monarca absoluto ou dos parlamentos Beneficiados pela crescente capacidade fiscal derivada da centralização da tributação e da moeda os reis empregaram as camadas urbano burguesas em ascensão como funcionários administrativos do Estado As classes burguesas por sua vez também se beneficiaram da maior unificação monetária tributária e militar dos países e da aliança com os monarcas contra as investidas dos senhores feudais locais contra o governo urbanomercantil ELIAS 2011 Esta nova situação caracterizada por um monopólio do exercício da violência física e tributação legítima por autoridades centrais pelo equilíbrio de poder entre a burguesia ascendente e a nobreza de corte e pela complexificação e ampliação da interdependência material entre os atores sociais impôs uma pressão vertical 277 monopólio da violência e tributação legítimas e horizontal crescente interdependência econômicosocial pelo autocontrole dos impulsos e emoções primários Ao menos implicitamente na análise de Elias 2011 o processo civilizador também pode ser ligado ao desenvolvimento da economia urbana e à centralização do poder nas principais cidades que se tornavam cada vez mais centros de comércio e de administração estatal como sedes das cortes aristocráticas dos príncipes absolutistas e lar das burguesias em ascensão em oposição aos domínios rurais da nobreza provinciana baixa diferenciação funcional e relativa independência econômica Junto ao refinamento e moderação do comportamento em sociedade também abriuse mais espaço para a introspecção e a instrução Costumes à mesa ou hábitos como a leitura se tornaram cada vez mais difundidos a partir dos novos estratos políticos e letrados dos centros urbanos e monárquicos Este processo civilizador correlato à racionalização à psicologização da cultura e ao desenvolvimento dos sentimentos de vergonha e repulsa gerou uma nova estrutura de personalidade mais comedida e reservada na sua sensibilidade por disposições inculcadas desde a tenra infância sobre cada nova geração e uma gradual redução da agressividade interpessoal e maior autocontenção corporal bem como a busca por satisfações compensatórias e refinadas para os impulsos espontâneos cada vez mais restringidos e controlados ELIAS 2011 Este processo civilizador no entanto não é acabado e permanente sendo possível apontar seu enfraquecimento em situações de guerra sublevação ou colonização nas quais as pressões pelo autocontrole são enfraquecidos pela ruptura do monopólio estatal da violência legítima ou pela desestabilização das relações de interdependência funcional Por outro lado processos de formação do Estado nos quais há uma proeminência da imposição policial e militar da autoridade centralizada como Elias sugere ter sido nos principados germânicos podem tornar o monopólio da violência uma centralização burocrática tardia realizada por meio de uma força policial e militar poderosas implicando menor pressão por autocontrole que imposição unilateral de um controle externo e repressivo ELIAS 2011 278 A análise de Giddens 2008 sobre a constituição do Estadonação moderno distingue as categorias de recursos alocativos e autoritários apontando para a diferenciação entre os poderes sociais relacionados a cada um dos tipos de recursos de dominação A construção das burocracias estatais para Giddens está relacionada não só à concentração de capacidade coercitiva centralizada e organizada segundo normas legais Este processo é importante mas o sociólogo inglês enfatiza que o poder do Estado moderno é sobretudo de coordenar atividades a longas distâncias e por longos períodos coletar e armazenar informações codificadas sobre vários aspectos do território população e Estados rivais enfim de estabelecer um alto grau de previsibilidade para as rotinas Este poder administrativo do qual o monopólio da força militar é apenas um dos aspectos foi o que permitiu alcançar altos níveis de pacificação interna e mobilização para guerras externas no longo prazo Para além do poderio militar e policial centralizada e sua correlação com a difusão das disposições culturais à moderação na dialética entre coerção social organizada e autocontrole individual Giddens 2008 argumenta que o poder do Estado moderno é a coordenação eficiente de atividades cotidianas entre consideráveis distâncias espaciais e temporais Ao invés da associação entre uma pressão vertical na forma do monopólio da violência física e uma pressão horizontal na forma de crescente interdependência material gerando padrões de convivência difundidos de cima para baixo Giddens 2008 alega que é o desenvolvimento de uma dialética do controle entre governantes e governados no emprego de recursos autoritários que contribuiu para a pacificação e disciplina Para isso foi necessário não só centralizar os recursos autoritários como também separálos formal e materialmente da posse dos recursos alocativos Se os primeiros foram nacionalizados e apropriados pela burocracia estatal promovendo maior impessoalidade no exercício da coerção política os segundos foram convertidos em mercadorias de modo que puderam ser cada vez mais acumulados de maneira independente da posse ou não do poder político do seu possuidor Muito diferente por exemplo da sociedade feudal na qual o senhor feudal era o líder guerreiro e o proprietário da terra além de exercer poderes punitivos pessoais sobre os servos residentes nos seus domínios territoriais 279 No mesmo sentido Messner Rosenfeld 1991 e Eisner 2014 trouxeram com dados etnográficos e historiográficos respectivamente evidências favoráveis à hipótese históricosocial de Norbert Elias de que o grau de organização político jurídica de sociedades tradicionais parece capaz de reduzir o nível de violência homicida intencional Na transição do Estado feudal para o Estado moderno passando pelo Absolutismo patrimonialista a violência entre particulares foi gradualmente dirimida enquanto hábitos mais refinados fincaram raízes na cultura substituindo aos poucos as disposições guerreiras por disposições moderadas e autocontidas ligadas por exemplo à difusão de costumes de boas maneiras à mesa ao costume da leitura até mesmo a burocratização e industrialização da guerra que tornaram supérfluas as virtudes guerreiras A questão que se coloca muitas vezes é a validade externa desta análise Até que ponto é generalizável para fora da Europa Ocidental A conexão entre capacidade estatal e violência também pode ser vista como inversa quando a violência considerada não é só a interpessoal mas também a política e militar Malesevic 2013 questiona parcialmente a relação entre centralização políticoadministrativa e redução da violência letal proposta por Elias como processo civilizador Primeiro embora reconheça que a centralização política e modernização administrativa foram correlatas a um certo declínio e estabilização da violência interpessoal o autor aponta que agressividade e violência são coisas distintas A primeira é um impulso emocional de raízes psicobiológicas enquanto a violência intencional é aprendida no contexto social e costuma ser condenada quando não possui justificativas aceitas socialmente e assim tende a ser um evento raro Segundo embora nas sociedades estratificadas tradicionais de castas feudal ou escravista a violência entre grupos fosse um meio socialmente autorizado de exercício de despotismos particulares e mostrasse extrema crueldade expressiva ainda era usada e legitimada como uma reação dos proprietários e superiores políticos contra a desobediência ou desafio contra as hierarquias e fronteiras entre grupos sociais Este tipo de violência tende ao declínio em função da destituição do poder particular dos poderosos locais pelo Estado nacional e burocrático Terceiro se as violências entre indivíduos ou entre estratos hierárquicos tradicionais tenderam a declinar progressivamente na Europa também é verdade que a capacidade 280 tecnológica e organização para a violência legítima centralizada pelos Estados nacionais não foi só centralizada como propunham Weber e Elias mas também aumentada exponencialmente beneficiada pela burocratização e industrialização da sociedade e do Estado Entre a violência legítimaestatal e a violência ilegítimaprivada há um excedente cada vez maior a favor da primeira em contraste com o declínio e estabilização lenta gradual e linear da segunda E não como Malesevic atribui a Elias uma redução generalizada da violência em função da centralização da violência legítima pelo Estado nacional O potencial destrutivo foi multiplicado o que é facilmente observável na escala cada vez maior da mortalidade e destruição provocadas pelas guerras e autoritarismos Quarto no período moderno é que surgiriam sistemas ideológicos capazes de legitimar a violência em larga escala operando sobretudo pelo mecanismo de desumanização de grupos estrangeiros ou estigmatizados relegados à condição de vidas desprezíveis Até aí a argumentação de Malesevic 2013 parece complementar apontando as limitações do processo civilizador e explorando fatos não aprofundados por Elias 2011 No entanto é relativo ao quarto argumento que as teses de Malesevic se tornam mais frágeis pois ele argumenta que a justificação ideológica da macro violência estatal das guerras e ditaduras decorre dos ideais modernos de igualdade universalismo e cidadania Há uma confusão entre modernização econômica e administrativa e modernidade cultural e política na narrativa de Malesevic Conquanto a primeira crie a escalada de potencial destrutivo por meio do desenvolvimento da organização e das tecnologias da violência a segunda apresenta projetos emancipadores ainda que incompletos de democracia e justiça social Como a violência autoritária contra grupos racializados ou opositores operados por regimes ditatoriais ou domínios coloniais poderia ser atribuído aos ideais democráticos É impossível não questionar que muitos dos grandes massacres dos séculos XIX e XX foram perpetrados sob justificativas antiigualitárias e antidemocráticas que buscavam escorar a repressão e a guerra em uma naturalização das desigualdades sociais O nazismo e o colonialismo são exemplos clássicos dessa dupla atitude conquanto abraçassem a modernização tecnológica como instrumental para os seus objetivos políticos e econômicos os colonialistas e 281 os nazistas negavam os valores igualitários e universalistas da modernidade e afirmavam hierarquias raciais e sexuais naturalizadas como raciais e hereditárias É notório tanto na análise construída por Elias quanto na sua crítica por Malisevic uma ausência de reflexões sobre a questão colonial que contribuiria para relativizar tanto o processo civilizador quanto a rígida teoria pessimista da modernização de Malesevic 2013 Indo um pouco além da discussão à respeito da conexão entre centralização organizada da violência legítima e volume total de violência na sociedade é preciso atentar para as demais atribuições que o Estado agregou ao longo do tempo especialmente por pressão de movimentos sociais e da necessidade de lidar com as crises sistêmicas do capitalismo de mercado Assim além da capacidade de exercer o monopólio estatal da violência legítima uma faceta orientada sobretudo pela coerção burocratizada e de punição da violência física privada a legitimação do Estado moderno passa também pela capacidade de prestação de benefícios e serviços para os cidadãos Não só esta atribuição e exigência de despesa social pública é fortemente demandada por amplas camadas da população como também pode ser considerada mais e mais necessária para efetivar alguns dos requisitos mínimos de um Estado democrático de Direito A ênfase no monopólio estatal da violência legítima é criticada por sua unilateralidade já que o Estado se viu compelido a expandir as suas atribuições abarcando uma série de políticas para regular coordenar e ou prover diretamente uma gama de atividades socioeconômicas entre as quais a prestação de seguridade social e a garantia de um trabalho remunerado WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015 Ao lado da dissuasão policial e punitiva a ação provedora do Estado também foi teorizada como instrumento de controle e prevenção social da criminalidade violenta por meio de processos de constrangimento político dos mercados e desmercantilização da força de trabalho reduzindo a macroanomia social por meio do fortalecimento de laços e apoios sociais MESSNER ROSENFELD 1997 Por outro lado a retração de prestações sociais e coordenação econômicas pelo Estado no sentido do desenvolvimento de uma sociedade de mercado teria como impacto o aumento da criminalidade violenta na medida em que os fundos e coerções estatais seriam instrumentalizadas para a imposição cada vez mais ampla 282 e profunda de uma lógica de mercado na vida cotidiana e até mesmo em atividades não diretamente mercantis um processo social que contribuiria para ativar e fortalecer vários mecanismos criminogênicos em nível micro e intermediário como por exemplo o agravamento das tensões gerais a precarização do emprego eou o aumento do desemprego o enfraquecimento dos laços sociais comunitários e a retratação das redes de apoio social tanto dos familiares adultos sobrecarregados pelo trabalho ou desempregados quanto pela retração e reformatação das instituições públicas de provisão e regulamentação sociais WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015MESSNER ROSENFELD 1997 O apoio social no sentido amplo pode ser instrumental ou expressivo formal ou informal público ou privado e incidiria em diversas etapas do ciclo de vida contribuindo para prevenção e para a desistência do crime com ênfase no apoio social que é exercido na infância e adolescência como também na recuperação e superação de sequelas e traumas por vítimas de crimes violentos O Estado aparece como o principal agente de apoio social na sociedade tanto direta por meio dos serviços públicos quanto indiretamente por políticas públicas de fortalecimento de famílias associações e comunidades O apoio social público teria a possibilidade de não apenas encorajar diretamente as práticas prósociais como ainda indiretamente apoiar o apoio social em nível micro provido por familiares e comunidades CULLEN 1995 Os efeitos de redução da criminalidade associados a diversas rubricas de despesas públicas sociais por exemplo podem ser consideradas proxies de uma modalidade de apoio social público e macro cujos efeitos podem ser considerados complementares aos da dissuasão policial contra a criminalidade violenta ambos atuando por meio de mecanismos micro como os laços sociais e redução da tensão geral ou pela dissuasão e incapacitação de ofensores BECKER KASSOUFF 2017 Podese dizer que a legitimidade política exige cada vez mais que a autoridade do Estado seja reconhecida pela sua capacidade de regulamentar contratos e garantir o acesso do cidadão a serviços diversos especialmente para aqueles que não conseguem obtêlos no mercado Neste sentido Messner Rosenfeld 1997 mostram que o nível de despesa social está negativamente 283 associada à taxa de homicídios intencionais e argumentam que o resultado reflete a capacidade do apoio social estatal em fortalecer os laços e apoios sociais que previnem a violência e reduzir a macroanomia que é produzida pela tensão social entre a estrutura de oportunidades e apoios sociais de um lado e as metas culturais hegemônicas de sucesso e consumo individuais independente da moralidade dos meios usados para obtêlos Um Estado social mínimo inversamente promove o predomínio dos princípios de mercado na orientação da conduta e da interação social de tal maneira que as instituições passam a enfatizar o enriquecimento e consumo individual de um lado e a serem incapazes de prevenir a fragilização dos laços regulações e apoios sociais que poderiam compensar ou atenuar a anomia crônica da economia capitalista de outro Sem uma regulação política dos mercados estes prevaleceriam em nível sistêmico desequilibrando o sistema social em favor dos mecanismos econômicomercantis e em detrimento das instituições socioculturais O resultado seria uma elevação dos níveis de criminalidade violenta especialmente das suas manifestações mais graves como os homicídios intencionais No mesmo sentido Defronzo e Hannon 1998 analisando as microrregiões com mais de 100 mil habitantes dos Estados Unidos e controlando por variáveis demográficas e econômicas chegaram à conclusão de que níveis mais altos de assistência social pública aos pobres correspondem a níveis mais baixos de violência interpessoal letal Os achados segundo os autores relativizando tanto as hipóteses utilitaristas quanto as culturalistas favorecem as explicações baseadas no apoio social e na privação material No Brasil Becker e Kassouf 2017 identificaram uma conexão negativa e significativa entre taxa de homicídios intencionais e gastos públicos per capita em segurança e educação públicas nos Estados brasileiros concluindo pela necessária complementaridade das estratégias de dissuasão policial e de prevenção socioeducativa da criminalidade violenta Um desafio importante às capacidades estatais no mundo contemporâneo e sobretudo as capacidades de manutenção da ordem pública e exercício do monopólio estatal da violência legítima é a expansão dos mercados ilícitos e da oferta de armas de fogo Os negócios ilícitos são disputados por atores sociais que são mais ou menos organizados em grupos e redes criminais inclusive articulados a 284 agentes públicos Estes empreendedores dos mercados ilícitos se aproveitam do vácuo de regulação devido à proibição de certos produtos e serviços e das fragilidades relativas e seletivas do poder estatal para obter lucros e domínios por meio da violência armada e da distribuição de favores pondo em cheque a efetividade do monopólio estatal da violência legítima ao tratar a coerção policial e judiciária como um risco e custo a mais no negócio Os mercados ilícitos como o de drogas ilegais atualmente e o do jogo do bicho no passado são considerados importantes catalisadores da violência homicida Tais atividades econômicas proibidas e puníveis operam na informalidade e precisam ainda de algum grau de omissão ou cumplicidade dos agentes públicos que possuem a obrigação e o poder legal para vigiar investigar e punir as práticas econômicas ilegais A ausência de mediação judicial para os conflitos submete os mercados à luta pelo controle por meios também ilegais e violentos que incluem a utilização de uma combinação variável de violência e corrupção na interação entre empreendedores ilícitos e agentes públicos Por fim apesar de ilegais e criminalizadas essas atividades econômicas só realizam a acumulação de capital quando conseguem algum entrosamento com sistema financeiro oficial utilizando a moeda oficial para as transações e dissimulando a origem ilícita do capital acumulado a chamada lavagem de dinheiro A lavagem de dinheiro é uma das atividades centrais mais discretas e uma das mais complexas dos mercados ilegais Assim os mercados ilegais não constituem apenas atividades econômicas criminalizadas como também estabelecem elos políticos entrelaçados aos mecanismos de exercício de poder privado e estatal As relações de poder ligadas aos mercados ilegais têm uma distribuição desigual de riscos e lucros impactando de maneira díspar as camadas sociais e territórios sendo particularmente destrutivas para as camadas mais pobres e estigmatizadas RAMÍREZ 2013 SANTOS KASSOUF 2007 ADORNO 2002 GOLDSTEIN 1985 Junto aos mercados ilícitos a circulação e posse de armas de fogo entre a população é reputada como um importante preditor da criminalidade violenta Neste quesito a maioria dos estudos encontrou uma conexão positiva ou seja quanto mais armas mais homicídios e roubos com armas de fogo afastando a hipótese de uma autodefesa armada dos particulares reduzir a incidência de crimes violentos 285 graves Pelo contrário as armas de fogo e munições legais são com frequência furtadas roubadas ou vendidas ilegalmente acabando muitas vezes nas mãos de criminosos violentos E mesmo nas mãos de cidadãos comuns uma arma de fogo pode transformar uma briga ou rixa cotidiana em um assassinato Autodefesas contra roubos e agressões de criminosos podem muitas vezes ser ineficazes devido ao elemento surpresa utilizado pelos criminosos e a arma de fogo em um domicílio pode até tornálo um alvo mais atrativo para criminosos CERQUEIRA 2010 HEPBURN e HEMENWAY 2004 Mas assim como o consumo de drogas ilícitas também é um problema a medição da presença de armas de fogo entre a população de um lugar em um período A proporção de suicídios por arma de fogo está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região e por isso tem sido o proxy mais habitual para medir a oferta e posse de armas de fogo numa região CERQUEIRA 2010 Esta medida entretanto não informa quantas armas ou munições existem no domicílio nem sobre as armas e munições das forças policiais e militares empresas de segurança privada ou clubes de tiro que também estão sujeitas a furtos roubos usos criminosos etc sendo uma alternativa conhecida como Índice Cook a proporção de mortes intencionais homicídios e suicídios por armas de fogo sobre o total COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 p 420 JORGE 2018 Neste sentido Misse 2008 2010 2019 inverte a hipótese de Elias 2011 ao aplicála às principais metrópoles brasileiras propondo a existência de um processo de acumulação social da violência que tal qual um processo civilizador no sentido contrário é uma combinação cumulativa e retroalimentada de mecanismos sociais e políticos que provocam o crescimento a altos patamares de violência agregada e concentrada em segmentos marginalizados do território e da população Estes mecanismos segundo Misse 2019 são as desigualdades socioeconômicas e a aglomeração territorial que provocam a acumulação de desvantagens sociais em grandes contingentes sociais a sujeição criminal expressão pela qual o autor designa a produção de estereótipos sociais definidos como portadores da criminalidade sujeitos temíveis e odiados perigosos e matáveis num processo retroalimentado de estigmatização moral seletividade 286 penal carreiras delinquentes e formação de coletivos criminais com identidades sociais próprias MISSE 2010 a expansão de mercados informais e ilícitos operados por atores que utilizam da violência como instrumento de lucro negociação e controle de atividades e territórios o que Misse denomina de mercadorias políticas entendidas como mercantilização da coerção física cujo monopólio é uma pretensão do Estado nacional MISSE 2007 Assim o processo de acumulação social da violência não é só o processo civilizador ao contrário pois também a formação do Estado moderno detentor formal do monopólio da violência legítima ou a crescente interdependência não são por si sós eficazes na contenção da violência e difusão das disposições de autocontrole Inversamente muitos dos atores estatais políticos policiais militares e até membros do judiciário e ministério público se colocam nos mercados ilícitos como operadores privilegiados das mercadorias políticas ou seja dos processos de mercantilização do uso da violência física e da coerção política para fins particulares ligados aos negócios ilícitos 93 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A CONSTRUÇÃO DO MODELO Utilizamos dados dos estados e Distrito Federal entre 1996 e 2019 coletados do SIMDATASUS IBGE e IPEADATA e organizados em painel para a análise Aplicamos um ajuste à taxa de homicídios intencionais que foi construída pelos seguintes procedimentos somamos o número de mortes por agressão ao número de mortes por operações de guerra em seguida somamos a uma proporção das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção de mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto das mortes por causas externas com intencionalidade conhecida agressões suicídios acidentes etc e finalmente somamos com uma proporção das mortes por causas mal definidas igual à proporção das mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto da mortalidade por causas conhecidas 287 TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000População Na qual TxAjHomicid é a taxa ajustada de homicídios intencionais por 100 mil habitantes Hi é o número de mortes por agressão e confrontos militares ou policiais Mvid é o número de mortes violentas por intenção conhecida agressões confrontos suicídios e acidentes Mvii é o número de mortes violentas por intenção indeterminada Mcc é o número de mortes por causas conhecidas e Mcid é o número de mortes por causas desconhecidas Em seguida aplicamos uma transformação logarítmica Para as variáveis independente utilizamos o PIB estadual per capita para medir o nível de riqueza geral e a desigualdade de renda o desemprego e a mortalidade infantil como medidas de exclusão socioeconômica e tensão geral WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015 SANTOS KASSOUF 2007 DEFRONZO HANNON 1998 ADORNO 2000 MISSE 2010 o percentual de homens entre 15 e 29 anos na população que são o grupo mais frequentemente envolvido em agressões letais como autores e vítimas CERQUEIRA 2010 a mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas por 1 milhão de habitantes para medir o uso mórbido e potencialmente letal de álcool e drogas ilícitas e por conseguinte tanto os crimes patrimoniais e interpessoais precipitados pelo próprio uso dos psicoativos quanto a violência pelo controle do tráfico de drogas ilícitas que lucra com a demanda por psicoativos ilegais GOLDSTEIN 1985 RAMIREZ et al 2013 o Índice Cook de média entre os percentuais de suicídios e de homicídios por armas de fogo e o indicador mais habitual de percentual de suicídios por arma de fogo como indicadores de acesso a tecnologias da violência COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 p 420 HEMENAY et al 2000 CURRIE 1997 288 a média móvel de 2 anos de gasto estadual e municipal per capita em segurança pública para medir a capacidade de dissuasão policial e efetivação do monopólio estatal da violência legítima ELIAS 2011 ADORNO 2002 EISNER 2014 e a média móvel de 5 anos do gasto estadual e municipal per capita em previdência e assistência sociais para medir a capacidade e efetivação do apoio macrosocial público CULLEN 1994 CURRIE 1997 e 2015 ROSENFELD e MESSNER 1997 DEFRONZO e HANNON 1998 As variáveis relativas a gastos públicos foram atualizados por meio do Índice Geral de Preços Mercado IGPM do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas FGV IBRE tendo como base dezembro de 2019 A média móvel dos gastos públicos foi calculada de frente para trás ou seja do mesmo ano da taxa de homicídios para trás Por exemplo para 1997 utilizamos a média de gasto assistencial entre 1997 e 1993 e para segurança entre 1997 e 1996 A ideia é que as despesas em políticas públicas demoram um certo tempo para maturar os efeitos sendo o da segurança em um prazo mais curto por atuar por meio do patrulhamento das ruas resposta a pedidos de ajuda e investigação criminal dos delitos já consumados ou tentados e a previência e assistência sociais por um período mais longo por agir como prevenção social atuando sobre as motivações individuais controles e apoios interpessoais precisando de um tempo para o benefício ser absorvido pelo públicoalvo A maturação da despesa em segurança pública incluiria ainda efeitos de treinamento e equipamentos policiais que são gastos minoritários mas que podem render frutos ao longo do tempo A seguir expomos a lista das variáveis utilizadas 289 Quadro 33 Descrição das variáveis Estados e Distrito Federal Variável Descrição Fonte Gini 19802019 Índice Gini de desigualdade da renda domiciliar per capita PNAD IBGE mortalidadeinfantil 19942019 Óbitos de menores de 1 ano por mil nascidos vivos SIM DATASUS Desemprego 19922019 Percentual de pessoas 16anos que não possuem uma ocupação remunerada mas a procuram PNAD IBGE homensjovens 19802020 Proporção de homens entre 15 e 29 anos na população residente Estimativas populacionais IBGE PIBpercapita19802019 Razão entre o Produto Interno Bruto estadual a preços constan tes e a população residente IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE Consumodrogas 19802019 Mortes por consumo de alcool e drogas ilegais por milhão de habitantes SIM DATASUS e estimativas populacionais IBGE propsuicidPAF 19802019 Proporção dos suicídios que são cometidos com arma de fogo SIM DATASUS armasdefogo 19802019 Média entre os percentuais de suicídios e de agressões que são cometidas com armas de fogo conhecido como Índice Cook SIM DATASUS assistenciaprevidencia 1990 2019 Despesa estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE assistprev5media 19942019 Média móvel de 5 anos da des pesa estadual e municipal por habitante em assistência e previ dência sociais a preços constan tes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE Segpub 19902019 Despesa estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE segpub2media 19942019 Média móvel de 2 anos da des pesa estadual e municipal por habitante em segurança pública a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE txajhomicidios 19802019 Número ajustado de homicídios intencionais por 100 mil habitan tes SIM DATASUS e estimativas populacionais IBGE Fonte Elaboração própria Para a construção da análise utilizamos primeiro os parâmetros descritivos básicos de posição e dispersão dos dados de cada variável Em seguida empregamos o método de mínimos quadrados ordinários para produzir modelos 290 bivariados com os efeitos cada uma das variáveis independentes sobre o logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais Após isso fizemos uma matriz de correlação entre as variáveis independentes contínuas para identificar associações e auxiliar na interpretação dos resultados das regressões multivariadas Por fim construímos conjunto de modelos multivariados pelo método dos mínimos quadrados ponderados com três especificações com dummies macrorregionais e variáveis entre 1980 e 2019 depois acrescentando variáveis de 1994 a 2019 e por fim com a variável dependente defasada ao invés dos dummies macrorregionais Os três modelos foram duplicados com cada indicador de armas de fogo o índice Cook e o percentual de suicídios por arma de fogo Para cada uma destas especificações construímos um modelo com um diferente indicador de armas de fogo O uso de dummies para as macrorregiões foi preferido em detrimento do painel de efeitos fixos com dummies para cada Estado e Distrito Federal por causa da perda de graus de liberdade E o uso do painel dinâmico pelo método generalizado dos momentos apresentou problemas sérios de sobreajuste medido pelo teste de Sargan A a significância foi considerada a um p valor menor que 005 94 RESULTADOS EMPÍRICOS O ajuste da taxa de homicídios intencionais resultou em média no aumento da taxa em 52 por 100 mil habiantes A seguir um quadro resumo descritivo das variáveis utilizadas 291 Quadro 34 Estatísticas Descritivas dos Estados e Distrito Federal 19802019 usando as observações 101 2742 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx Gini 19802019 552 555 482 377 683 mortalidadeinfantil 1994 2019 188 168 92 853 156 Desemprego 19922019 827 81 27 068 205 homensjovens 19802020 14 14 103 11 18 PIBpercapita19802019 R 1290000 R 1060000 R 868000 R 175000 R 7280000 Consumodrogas 1980 2019 263 233 181 01 119 propsuicidPAF 1980 2019 168 148 109 003 100 ÍndiceCookdearmasde fogo 19802019 555 552 209 073 963 assistenciaprevidencia 19902019 R 60000 R 52400 R 42900 R 1640 R 362000 assistprev5media 1994 2019 R 57400 R 48500 R 39100 R 2520 R 293000 Segpub 19902019 R 32800 R 29900 R 22400 R 297 R 178000 segpub2media 19942019 R 32500 R 29200 R 21900 R 751 R 174000 txajhomicidios 1980 2019 303 279 159 383 858 Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS IBGE PNAD e estimativas populacionais IPEADATASTN As regressões bivariadas mostram que o índice Gini de distribuição de renda domiciliar a mortalidade infantil e a média móvel quinquenal das despesas em assistência e previdência não tiveram efeitos significativos O desemprego o consumo de drogas e álcool e o acesso a armas de fogo índice Cook como esperado tiveram efeitos positivos e significativos Contra as nossas hipóteses o Produto Interno Bruto por habitante o percentual de suicídios por arma de fogo e a média móvel bianual das despesas em segurança pública tiveram efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais Também a autocorrelação temporal das taxas ajustadas de homicídios intencionais mostrouse consistente com o que era esperado 292 Figura 25 Regressões loglin simples entre indicadores preditivos e taxas ajustadas de homicídios intencionais nos Estados e Distrito Federal 19962019 Fonte Elaboração própria com dados do IPEADATA IBGE e DATASUS Para avaliar a possibilidade de multicolinearidade na regressão múltipla construímos uma matriz de correlação Há várias associações moderadas que nos auxiliarão a interpretar as diferenças entre as regressões bivariadas e multivariadas as associação positivas moderadas entre mortalidade infantil desemprego desigualdade de renda por exemplo As únicas associações de moderadas para fortes foram entre as despesas em segurança e em seguridade social e entre ambas e o PIB Estadual per capita pela razão óbvia de que ambas dependem dos recursos do orçamento estadual e municipal que além da arrecadação tributária sobre o PIB estadual pode vir de transferências da União para Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios Além disso a alocação dos recursos e da tributação possui um certo nível de variação em razão das decisões políticas locais 293 Figura 26 Matriz de correlação das variáveis preditivas nos Estados e Distrito Federal Fonte Elaboração própria com dados do IPEADATA IBGE e DATASUS A seguir descrevemos os resultados da análise multivariada utilizando modelos em painel de Mínimos Quadrados Ordinários com dummies macrorregionais para as séries mais longas de 1980 a 2019 e Mínimos Quadrados Ordinários com variáveis binárias macrorregionais ou variável dependente defasada em um ano Cada modelo foi duplicado usando indicadores diferentes de acesso a armas de fogo em cada um Consideramos um índice de significância de 95 Para os painéis mais longos os modelos usaram especificações diferentes mas alcançaram resultados similares exceto para o sinal dos indicadores de acesso a armas de fogo A desigualdade de renda domiciliar o uso mórbido do álcool e das drogas ilícitas e o produto interno bruto tiveram sinal significativo e positivo enquanto o percentual de homens jovens só foi significativa e com sinal negativo no modelo com o Indice Cook de acesso a armas de fogo Matriz de correlação 02 03 01 02 05 02 01 02 06 10 02 04 00 03 07 04 01 04 10 06 01 03 02 02 02 05 03 10 04 02 02 03 01 01 00 04 10 03 01 01 02 03 01 01 03 10 04 05 04 02 01 03 00 01 10 03 00 02 07 05 01 02 01 10 01 01 01 02 03 02 03 01 10 01 00 01 01 02 00 01 04 10 01 02 03 03 03 03 04 03 10 04 03 01 01 02 02 01 02 02 segpub2media assistprev5media armasdefogo propsuicidPAF consumodrogas PIBpercapita homensjovens desemprego mortalidadeinfantil Gini Gini mortalidadeinfantil desemprego homensjovens PIBpercapita consumodrogas propsuicidPAF armasdefogo assistprev5media segpub2media 1 05 0 05 1 294 Quadro 35 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0276849 0411530 06727 05071 Norte 202675 0208763 9708 00001 Nordeste 192034 0211346 9086 00001 Sudeste 148731 0177086 8399 00001 Centroeste 182850 0204491 8942 00001 Sul 109906 0172740 6363 00001 Gini 00163938 000358067 4578 00001 homensjovens 00258278 00113134 2283 00309 consumodrogas 000870214 0000817826 1064 00001 PIBpercapita 000459307 0000529765 8670 00001 propsuicidPAF 000542600 000144093 3766 00009 Média var dependente 3261909 DP var dependente 0567850 Soma resíd quadrados 2552920 EP da regressão 0488686 Rquadrado 0266250 Rquadrado ajustado 0259386 F10 26 1089565 PvalorF 131e18 Log da verossimilhança 7536071 Critério de Akaike 1529214 Critério de Schwarz 1584046 Critério HannanQuinn 1549976 rô 0895298 DurbinWatson 0171845 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 32163 com pvalor 0200258 295 Quadro 36 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0524254 0440357 1191 02446 Norte 191752 0196817 9743 00001 Nordeste 177747 0201192 8835 00001 Sudeste 144834 0172451 8399 00001 Centroeste 169221 0188229 8990 00001 Sul 100749 0167745 6006 00001 Gini 00166094 000396770 4186 00003 homensjovens 0000778072 00111389 006985 09448 consumodrogas 000304981 0000960189 3176 00038 PIBpercapita 000410269 0000498953 8223 00001 armasdefogo 00116040 000106838 1086 00001 Média var dependente 3261909 DP var dependente 0567850 Soma resíd quadrados 2160720 EP da regressão 0449584 Rquadrado 0378974 Rquadrado ajustado 0373165 F10 26 1208797 PvalorF 352e19 Log da verossimilhança 6635370 Critério de Akaike 1349074 Critério de Schwarz 1403906 Critério HannanQuinn 1369836 rô 0876685 DurbinWatson 0199771 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 545471 com pvalor 00653919 Para as séries históricas a partir de 1994 constatamos a perda de significância da desigualdade de renda provavelmente devido ao controle pelo desemprego e mortalidade infantil também indicadores de exclusão socioeconômica e do apoio social público O percentual de suicídios por arma de fogo também perdeu a significância enquanto o Índice Cook manteve e no mesmo sentido Para a nossa surpresa a dissuasão policial apresentou sinal positivo e significativo Ou seja maior despesa per capita em segurança parece incitar uma maior mortalidade por agressões e operações de guerra 296 Quadro 37 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 183321 0569445 3219 00034 Norte 129267 0293800 4400 00002 Nordeste 129098 0303732 4250 00002 Sudeste 100233 0256738 3904 00006 Centroeste 126716 0273068 4640 00001 Sul 0726607 0224856 3231 00033 Gini 000149497 000475697 03143 07558 homensjovens 00488721 00131052 3729 00009 consumodrogas 000609465 0000922233 6609 00001 PIBpercapita 000264387 0000760624 3476 00018 mortalidadeinfantil 0000311210 000154860 02010 08423 desemprego 00676856 000586001 1155 00001 apoiosocialpublico 000399141 000641114 06226 05390 dissuasaopolicial 00263139 000959629 2742 00109 propsuicidPAF 455865e05 000202830 002248 09822 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1094785 EP da regressão 0399196 Rquadrado 0333859 Rquadrado ajustado 0320284 F14 26 8949953 PvalorF 245e18 Log da verossimilhança 3438647 Critério de Akaike 7177295 Critério de Schwarz 7860385 Critério HannanQuinn 7441314 rô 0885253 DurbinWatson 0208296 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 100422 com pvalor 0605253 Para o modelo com o Índice Cook especificamente o percentual de homens jovens perdeu significância enquanto a mortalidade infantil desemprego e apoio social público foram significativos e no sentido esperado Mais uma vez a despesa em segurança pública se mostrou positiva e significativamente associada aos homicídios intencionais O coeficiente de explicação ajustado alcançou quase 45 297 Quadro 38 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00519853 0563657 009223 09272 Norte 186501 0270482 6895 00001 Nordeste 166536 0284641 5851 00001 Sudeste 126797 0234371 5410 00001 Centroeste 159720 0249787 6394 00001 Sul 0953964 0212834 4482 00001 Gini 0000734006 000473022 01552 08779 homensjovens 00160401 00150784 1064 02972 consumodrogas 000492653 0000910373 5412 00001 PIBpercapita 000419533 0000770050 5448 00001 mortalidadeinfantil 000609305 000164538 3703 00010 desemprego 00425097 000615070 6911 00001 apoiosocialpublico 00176870 000721968 2450 00213 dissuasaopolicial 00191236 000724844 2638 00139 armasdefogo 00155645 000135632 1148 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 8390693 EP da regressão 0349479 Rquadrado 0489454 Rquadrado ajustado 0479050 F14 26 2119523 PvalorF 414e23 Log da verossimilhança 2504918 Critério de Akaike 5309836 Critério de Schwarz 5992926 Critério HannanQuinn 5573856 rô 0826774 DurbinWatson 0270031 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 101058 com pvalor 00063907 Com o uso do logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior a maior parte das variáveis perdeu significância exceto o consumo de drogas e o desemprego 298 Quadro 39 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00986726 0122193 08075 04267 Gini 0000499664 000165248 03024 07648 homensjovens 000747430 000679685 1100 02816 consumodrogas 0000847169 0000411539 2059 00497 PIBpercapita 0000126404 0000104517 1209 02374 mortalidadeinfantil 0000310316 0000746883 04155 06812 desemprego 000611547 000283897 2154 00407 apoiosocialpublico 000323826 000276808 1170 02527 dissuasaopolicial 000284189 000375785 07563 04563 propsuicidPAF 132965e05 0000940544 001414 09888 ltxajhomicidios1 0932746 00149736 6229 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1268594 EP da regressão 0135495 Rquadrado 0922810 Rquadrado ajustado 0921693 F10 26 7639616 PvalorF 185e29 Log da verossimilhança 4126222 Critério de Akaike 8032444 Critério de Schwarz 7531511 Critério HannanQuinn 7838829 rô 0005603 DurbinWatson 1853009 No modelo com o Índice Cook para acesso a armas de fogo apenas o desemprego manteve a significância com o mesmo sinal O consumo de drogas e o apoio social público com os sentidos esperados ficaram em apenas 90 Ambos os modelos com variáveis defasadas ficaram com 92 de variância explicada 299 Quadro 40 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00831321 0123184 06749 05057 Gini 0000839630 000160655 05226 06057 homensjovens 000797401 000673222 1184 02469 consumodrogas 0000699914 0000398000 1759 00904 PIBpercapita 935583e05 0000107683 08688 03929 mortalidadeinfantil 0000685117 0000753715 09090 03717 desemprego 000590433 000277320 2129 00429 apoiosocialpublico 000515625 000292720 1761 00899 dissuasaopolicial 000448177 000386140 1161 02563 armasdefogo 000101414 0000611871 1657 01095 ltxajhomicidios1 0921044 00183922 5008 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1257699 EP da regressão 0134912 Rquadrado 0923473 Rquadrado ajustado 0922366 F10 26 8307621 PvalorF 624e30 Log da verossimilhança 4156498 Critério de Akaike 8092996 Critério de Schwarz 7592063 Critério HannanQuinn 7899381 rô 0002686 DurbinWatson 1838281 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 152444 com pvalor 789428e34 A seguir apresentamos um quadro comparativo com um resumo de cada modelo 300 Quadro 41 Estimativas MQO agrupado Variável dependente ltxajhomicidios I 1980 2019 II 1980 2019 III 1994 2019 IV 1994 2019 V 1995 2019 VI 1995 2019 const 028 052 18 005 01 008 041 044 057 056 012 012 051 024 000 093 043 051 Norte 20 19 13 19 021 02 029 027 000 000 000 000 Nordeste 19 18 13 17 021 02 03 028 000 000 000 000 Sudeste 15 14 10 13 018 017 026 023 000 000 000 000 Centroeste 18 17 13 16 02 019 027 025 000 000 000 000 Sul 11 10 073 095 017 017 022 021 000 000 000 000 Gini 0016 0017 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 000 000 076 088 076 061 homensjovens 0026 0 0049 002 001 001 001 001 001 002 001 001 003 094 000 030 028 025 consumodrogas 00087 00030 00061 00049 000085 000070 0 0 0 0 0 0 000 000 000 000 005 009 PIBpercapita 00046 00041 00026 00042 0 940E05 0 0 0 0 0 0 000 000 000 000 024 039 propsuicidPAF 00054 460E05 130E05 0 0 0 000 098 099 armasdefogo 0012 0016 0 0 0 0 000 000 011 mortalidadeinfantil 0 00061 0 0 0 0 0 0 301 I 1980 2019 II 1980 2019 III 1994 2019 IV 1994 2019 V 1995 2019 VI 1995 2019 084 000 068 037 desemprego 0068 0043 00061 00059 001 001 0 0 000 000 004 004 apoiosocialpublico 0 0018 0 00052 001 001 0 0 054 002 025 009 dissuasaopolicial 0026 0019 0 0 001 001 0 0 001 001 046 026 ltxajhomicidios1 093 092 002 002 000 000 n 1080 1080 702 702 702 702 Adj R2 026 037 032 048 092 092 lnL 750E02 660E02 340E02 250E02 410E02 420E02 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes indica significância ao nível de 10 por cento indica significância ao nível de 5 por cento 95 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O ajuste realizado na variável dependente aumentou em média em 181 a taxa de homicídios intencionais Glaucio Soares 2008 suspeitava que as mortes por intenção indeterminada são em sua maioria homicídios por ação policial que são registrados dessa maneira pela ineficácia dos mecanismos de controle da polícia e de investigação criminal enquanto as mortes por causas mal definidas abrangeriam uma miríade de causas naturais e violentas mal classificadas incluindo assassinatos em razão da precariedade ou sobrecarga dos serviços médicolegais Buscamos corrigir este problema considerando que a fração de mortes violentas por intenção indeterminada ou mortes por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção dos homicídios sobre as mortes por 302 causas externas com intenção conhecida e mortalidade por causas definidas O ajuste foi relativamente conservador pois supõe uma distribuição proporcional entre as categorias de homicídios suicídios e acidentes dentro das mortes violentas com intenção indeterminada sem viés a favor dos homicídios intencionais como Soares 2008 e Cerqueira 2012 2013 sugeriram A prevalência do desemprego o consumo de álcool e drogas ilícitas e o Índice Cook de armas de fogo mostraramse preditores eficazes tanto na análise bi quanto multivariada comparandose os vários modelos A desigualdade de renda mostrou se significativa e positiva no modelo mais longo e controlando pelos efeitos fixos macrorregionais perdendo o efeito na série mais curta e diante do controle pelo desemprego mortalidade infantil e despesas com previdência e assistência social Podese interpretar pelo lado econômico que entre as classes populares o desemprego é uma séria restrição das oportunidades legítimas tornando as fontes de renda ilegais mais atraentes por comparação com as escassas vagas de emprego enquanto a abundância de armas de fogo legais ou ilegais domésticas ou de contrabando reduz os custos dos crimes violentos Quanto às armas de fogo a divergência entre os indicadores usados exige cautela sendo possível que o Índice Cook tenha capturado melhor a existência de mercados ilícitos de armas possivelmente alimentados pela demanda do tráfico de drogas No aspecto simbólico o desemprego representa uma fonte de frustração e instabilidade pessoal e relacional pois priva o indivíduo da autoestima e reconhecimento associados ao trabalho remunerado Ademais membros desempregados podem sobrecarregar a capacidade de apoio social das famílias Os jovens de baixa escolaridade são especialmente vulneráveis ao desemprego e podem sentilo como uma privação da própria capacidade de tornarse adulto Devese atentar porém que se o desemprego foi o mais robusto os demais fatores de exclusão socioeconômica também apresentaram quando significativos os sinais esperados desigualdade de renda e mortalidade infantil tiveram ligação com o aumento dos homicídios intencionais Isso implica que muito provavelmente não se trate apenas de uma exclusão de oportunidades legítimas de vida mas de uma exclusão social em sentido mais amplo pela qual se sobrepõem desigualdade pobreza e serviços públicos ausentes ou precários criando condições propícias para 303 o acirramento das tensões socioeconômicas e da desorganização sociocultural A desigualdade econômica ainda possivelmente está ligada à desvalorização simbólica da própria vida dos grupos localizados na base da pirâmide social o que poderia afrouxar mecanismos inibidores da violência quando a vítima pertence às classes menos favorecidas da sociedade A posse de armas de fogo por sua vez pode favorecer uma dinâmica situacional de violência na medida em que encoraja o sentimento de poder do possuidor o que pode levar desentendimentos banais a resultarem em homicídios por impulso ou retaliação O consumo de drogas ilícitas caminha no mesmo sentido o tráfico de drogas ilícitas é uma alternativa atraente de renda ilícita pois propicia retornos rápidos e alta margem de lucro sem exigir diplomas e experiência prévia e ao mesmo tempo algumas as drogas como álcool e cocaínacrack podem se ligar a dinâmicas situacionais que favorecem as violências espontâneas e expressivas Conforme a análise de Goldstein 1985 o nexo entre drogas e violência se dá tanto pelos efeitos psicossociais do consumo que favorecem a depender da substância do consumidor e da situação de uso as violências interpessoais ou a compulsão psicofísica que motiva o usuário a praticar crimes contra o patrimônio para adquirir as drogas quanto ao próprio comércio ilegal de drogas O último é o mais complexo pois está ligado tanto à ausência de mediação judicial e legal quanto à própria repressão policial Traficantes usam a violência para garantir obediência a acordos defender posses e impor um monopólio territorial do negócio ou para tomar posses e territórios de outros traficantes assassinando ainda os usuários endividados e pessoas vistas como informantes da polícia Já policiais podem se sentir tentados ou incentivados por governantes mídia ou colegas a usar a violência contra usuários e traficantes na tentativa de suprimir o tráfico de drogas ou podem usar o poder para tomar dinheiro dos traficantes que podem resistir ou se vingar de policiais quanto tem armamento para tanto Na medida em que jovens pobres aderem a gangues de traficantes tanto para obter renda quanto para adquirir prestígio local ou se vingar de membros das gangues rivais e que policiais podem se sentir justiceiros ou agir por vingança os 304 motivos instrumentais e expressivos da violência ligada às drogas ilícitas facilmente se sobrepõem e reforçam mutuamente O efeito positivo do Produto Interno Bruto per capita sobre os homicídios intencionais pode ser relacionado ao conceito de oportunidades criminais de lucro quanto maior a renda média mais abundantes as chances de obter renda por meio de crimes contra o patrimônio pela extorsão ou pela venda de produtos ilícitos Outro significado da renda média aparece quando controlamos a renda média pela desigualdade desemprego mortalidade infantil e despesas com apoio social a privação relativa ou seja o sentimento de penúria pela percepção da prosperidade alheia Mantendo os fatores de privação socioeconômica constantes portanto o aumento da renda média pode gerar uma frustração maior para quem foi excluído do crescimento econômico O percentual de homens jovens na população não teve efeitos positivos esperados sendo negativa quando significativa Uma possibilidade é que altas taxas de homicídios intencionais ao longo do tempo causem uma redução gradual da população de homens jovens Ademais não se tratam apenas de características psicobiológicas da juventude e da masculinidade os motivadores do envolvimento na criminalidade violenta Está claro que mecanismos facilitadores indutores e inibidores da violência sejam de natureza psicossocial sociocultural ou socioeconômica possuem um poder explicativo mais relevante Já para as políticas estaduais e municipais de segurança pública e de seguridade social os resultados foram inesperados para a primeira e dentro das expectativa para a segunda quando significativos Os efeitos de dissuasão policial por isso devem ser interpretados com cautela Ao contrário de Becker e Kassouff 2017 não constatamos um efeito negativo tanto das despesas sociais quanto policiais Em todos os modelos a despesa em segurança teve efeito de aumentar a violência quando significativa Já para a despesa socioassistencial os resultados significativos foram negativos quando atingiram significância o que converge parcialmente com os argumentos teóricos de Currie 1997 Wacquant 2007 e Cullen 1995 bem como a análise empírica de DeFronzo e Hannon 1998 e de Messner e Rosenfeld 1997 que constataram a importância da prevenção social da 305 violência atribuída principalmente aos gastos públicos em rubricas sociais como assistência e previdência social As análises de Rosenfeld e Messner 1997 e DeFronzo e Hannon 1997 caminham no sentido de enfatizar a despesa social por causa do efeito de proteção das camadas vulneráveis contra o envolvimento em situações violentas como autores ou vítimas ligadas a atividades criminais instrumentais ou conflitos interpessoais Esta conexão apesar de testada com homicídios intencionais também seria verossímil verificar com relação a outras categorias de mortalidade e de patologias psicossociais mortes por causas naturais entre crianças e idosos por exemplo como suicídios drogadição e doenças mentais e somáticas ligadas ao estresse e privações materiais Como evidenciados nos resultados das análises multivariadas o gasto público previdenciário e assistencial atuaria nos mecanismos de reprodução social e por isso pode ser considerado um indicador do nível de apoio social público ensejando uma desmercantilização parcial da reprodução social da força de trabalho mediante transferências diretas de recursos para mães pobres e crianças Bolsa Família idosos pessoas com deficiência viúvas e órfãos além de diversos serviços assistenciais prestados diretamente por redes estaduais e municipais de assistência social Estes serviços prestados à sociedade pelo Estado com atenção especial a grupos mais vulneráveis seriam uma contraposição à anomia social causada pela supremacia do mercado autorregulado como princípio de coordenação institucional Uma pura lógica de mercado seria a de simplesmente abandonar todos à própria sorte considerando os vulneráveis como perdedores e os bemsucedidos como vencedores restando ao Estado apenas proteger a propriedade dos últimos e disciplinar punitivamente os primeiros A garantia de trabalho remunerado e o combate ao desemprego seria outro meio importante do Estado investir direta ou indiretamente na prevenção da violência criminal da mesma forma que o tratamento da drogadição e o controle de armas de fogo conforme inferimos da nossa análise empírica como um todo Os resultados multivariados para a despesa quinquenal média em previdência e assistência social desigualdade de renda mortalidade infantil uso mórbido de 306 psicoativos e para o desemprego se complementam e reforçam mutuamente indicando o mercado de trabalho como um foco possível de geração de violência ou de proteção por meio do desemprego e das oportunidades legítimas respectivamente além da desigualdade de oportunidades sendo a drogadição uma categoria de escapismo anômico Logo o resultado fornece uma evidência favorável aos argumentos teóricos que enfatizam a prevenção social institucionalizada da criminalidade violenta que estaria ligada a exclusões socioeconômicas causadoras de tensões e de desorganização social ROSENFELD MESSNER 1997 CURRIE 1997 e 2015 CULLEN 1995 DEFRONZO e HANNON 1997 WACQUANT 2007 As ideias de Currie 1997 sobre a conexão entre violência criminal e mercado autorregulado são especialmente interessantes à luz das evidências apresentadas aqui pois combinam a questão do trabalho do apoio social público e das armas de fogo Por outro lado o gasto em segurança pública proxy para a dissuasão policial mostrouse quando significativo com sinal sempre positivo Ou seja no sentido contrário ao predito pelos conceitos de dissuasão policial e de monopólio estatal da violência legítima ELIAS 2011 EISNER 2014 Inclusive não é um resultado diretamente postulado sequer pelos críticos destes conceitos MALISEVIC 2013 BAUMAN 1998 Eisner 2014 e Elias 2011 atribuem grande importância à mudança sociocultural com a difusão das disposições para o autocontrole e moderação o que também poderia ser ligada ao investimento social No entanto estes autores consideram que a pacificação se dá antes de cima para baixo por meio da redução da violência intra e inter elites promovida pela centralização do poder coercitivo do Estado nacional Seria entre estas elites pacificadas submetidas e protegidas por um aparato coercitivo centralizado que se formariam as disposições moderadas e autocontidas depois difundidas entre as demais camadas sociais por uma espécie de transbordamento e gotejamento da civilidade Não verificamos a conexão entre redução da violência e capacidade coercitiva dos governos estaduais e municipais mas o oposto mais gastos em segurança mais violência Mas isso não quer dizer que o gasto em segurança pública seja 307 causa direta de violência ou que os homicídios intencionais seriam drasticamente reduzidos se o governo cortasse toda a despesa com a polícia do dia para a noite Há quatro interpretações complementares para o achado inesperado A primeira é que a associação positiva e significativa seria produzida pela maior capacidade policial de produção de informações criminais mas se a nossa correção da variável dependente foi eficaz para eliminar este viés podese descartar a hipótese A segunda é que o gasto em segurança pública é que está acompanhando o nível de criminalidade violenta como uma tentativa governamental de contenção repressiva da violência criminal uma resposta que se mostraria efetiva ou não apenas posteriormente É uma possibilidade que tentamos controlar parcialmente pelo uso da média móvel bianual mas ainda assim pode estar presente uma vez que a despesa bianual não surte o efeito negativo esperado de acordo a hipótese da dissuasão o simples aumento quantitativo da segurança não leva à intimidação e controle de criminosos violentos Ou seja mais policiais maiores remunerações para a polícia compra de armas e construção de prisões não teriam o efeito dissuasivo esperado contra a criminalidade A terceira hipótese é que o aumento do poderio bélico das polícias aparelhadas com armas de guerra e treinamento militar para combater o crime levaria ao crescimento da letalidade policial do medo da polícia e desconfiança na justiça exacerbando a desorganização social já promovida pela desigualdade desemprego e carência de serviços coletivos A quarta hipótese é que a seletividade policial e penal que tem na discriminação moral e racial pela polícia a filtragem inicial dos suspeitos pode acirrar as tensões sociais ligadas à exclusão socioeconômica criando ainda via encarceramento massivo condições para a formação de grupos criminosos violentos que circulam entre as prisões e as periferias e favelas Estas hipóteses não são excludentes e podem ser complementares e muitas vezes sobrepostas o que explicaria a conexão entre gasto em segurança pública e taxa de homicídios intencionais Não se trataria portanto de uma causalidade direta e geral mas efeitos do modelo de segurança pública predominante no Brasil 308 Dessa maneira os proponentes do nexo entre dissuasão e pacificação não cogitaram que as elites políticas e econômicas poderiam se segregar voluntariamente protegidos por aparelhos públicos e privados de segurança e cultivar uma atitude dupla de negociação e civilidade entre os pares e de autoritarismo e distanciamento com o restante da população O processo civilizador ficaria restrito aos reduzidos círculos de privilegiados e poderosos autossegregados em enclaves fortificados muito capazes de dialogar entre si mas excluindo as demais classes de qualquer respeito e consideração CALDEIRA 2000 É o que Cusson 2000 chamou à atenção quando escreveu que a análise de Elias se refere à violência entre grupos privilegiados em espaços públicos não explicando as trajetórias das violências domésticas nem entre grupos desfavorecidos o que o torna cego à marginalização do homicídio no sentido de se tornar menos legitimado e mais repudiado entre as classes médias e altas mas não entre e sobretudo contra grupos moral e economicamente marginalizados Neste sentido a redução da violência entre as classes desfavorecidas não poderia ser obtida apenas pela centralização militar e judicial do Estado exigindo uma ação pública que altere as condições de vida dos grupos mais vulneráveis protegendoos dos ciclos econômicos segmentação de mercados e encarecimento de serviços e bens básicos necessários à reprodução social e encorajando o comportamento prósocial A questão principal aparece como a efetividade socioeconômica do Estado na vida cotidiana menos como uma organização de controle coercitivo menos um Étatgendarme e muito mais como uma rede institucional de integração e apoio social As evidências relativa ao desemprego à desigualdade e à mortalidade infantil como preditores de aumento dos homicídios intencionais nos diversos modelos reforçam este argumento Oportunidades legítimas e niveladas mediante o trabalho e apoio social público mostraramse mais capazes de prevenir a violência que a dissuasão policial É importante observar que o apoio social público na análise bivariada não se mostrou significativo adquirindo significância condicionada pelo Produto Interno Bruto per capita Tratase então de um jogo entre as oportunidades criminais de lucro propiciadas por uma renda média maior e as decisões alocativas que priorizam o uso das ferramentas de arrecadação e de gasto 309 público para o combate às desigualdades ao desemprego e às múltiplas vulnerabilidades sociais As armas de fogo segundo a literatura são meios tanto para crimes violentos instrumentais quanto expressivos Podese utilizálas para roubar extorquir eliminar testemunhas ou liquidar competidores ou ainda para se vingar de desafetos e até mesmo para intimidar agressores em potencial Como se vê há apenas uma hipótese entre várias nas quais a posse de armas poderia inibir a violência mas apenas como uma ameaça de violência reativa por parte da vítima Neste sentido os dois indicadores para o acesso às armas de fogo tiveram resultados contraditórios sendo o percentual de suicídios com armas de fogo negativo ou não significativo enquanto a média entre percentuais de suicídios e de homicídios com armas de fogo teve efeitos com mais frequência significativos e sempre positivos Dada a correlação moderada entre o segundo indicador chamado de Índice Cook na literatura e o consumo mórbido de psicoativos podemos sugerir que se trata de um tipo de acesso a armas de fogo que não se dá por vias legais com armas mantidas em casa e sim por meio de contrabando de armas e munições furtadas ou roubadas de particulares de arsenais públicos ou de empresas de segurança o que realmente tem produzido altas taxas de vitimização letal dolosa no Brasil A conexão entre armas de fogo e homicídios intencionais é um dos mecanismos causais segundo Currie 1997 que tornam violentas as sociedades de mercado a liberalização do comércio das tecnologias da violência No Brasil porém é provável que boa parte da liberalização se dê por meio da ilegalidade e do contrabando e inclua uma parcela significativa de violência e corrupção policial e de lavagem de dinheiro De certa maneira vemos aqui uma aliança imprevista entre coerção estatal e mercados autorregulados WACQUANT 2007 mas por meio do uso e comércio ilegais de armas de fogo inclusive por policiais levando a um processo de fragmentação e privatização da violência que desestabiliza o monopólio estatal do uso legítimo da violência física e gerando altos níveis de criminalidade letal intencional 310 96 SÍNTESE DO CAPÍTULO Este capítulo propôs uma abordagem para o problema da criminalidade violenta e controle social público quer dizer do significado da ampliação da capacidade do Estado na gestão repressiva e preventiva da violência letal intencional A produção da violência letal apareceria neste contexto não só como função negativa do monopólio estatal da violência como na formulação clássica de Elias 2011 mas como efetivador da integração social por meio do apoio social aos vulneráveis controle de armas e redução do desemprego e da desigualdade de renda O Estado é aqui tomado no sentido tanto de coerção organizada e institucionalizada quanto de regulação de mercados e de provisão coordenada de serviços não mercantis com sua capacidade variável de implementação de políticas públicas voltados para a garantia de direitos aos cidadãos sendo o direito primordial a própria vida sem o qual os demais direitos não fazem sentido A hipótese que vinculava a violência à ausência de dissuasão e monopólio da violência pelo Estado foi diretamente questionada pelas evidências tendo em vista que a despesa estadual e municipal na segurança pública se mostrou associada ao crescimento dos homicídios intencionais em todos os modelos nos quais foi significativa e não à redução da violência como era esperado pela hipótese da dissuasão policial Por outro lado há suporte à ideia de que um sistema público robusto de provisão social pode ser uma espécie de colchão social contra a desorganização e tensão sociais provendo apoio social público para diversas categorias vulneráveis no mercado Explicações que caminham no sentido de indicar as privações socioeconômicas como condições favoráveis à violência seja por consideraremnas geradoras de tensões psicossociais entre os grupos desfavorecidos quanto por enfraquecerem a legitimidade e internalização das normas e princípios da convivência pacífica encontraram forte apoio Tanto os resultados para o desemprego no modelo simples quanto para o desemprego desigualdade mortalidade infantil e gasto em previdência e assistência social na regressão multivariada favorecem as hipóteses que vinculam a criminalidade violenta à exclusão socioeconômica 311 O processo civilizador atribuído por Elias 2011 e Eisner 2014 à centralização da coerção da coerção estatal talvez se aplique mais propriamente aos apoios sociais públicos às oportunidades legítimas à redução da desigualdade econômica e ao controle de armas de fogo O indicador de riqueza geral o Produto Interno Bruto por habitante mostrou se positivo quando significativo o que dá vasão ao conceito de oportunidades criminais dinheiro e bens a serem roubados furtados extorquidos etc ou renda para o consumo de mercadorias ilícitas ou roubadas e furtadas que podem ser combustível para a violência por meio das disputas pelo controle dos mercados ilícitos A ausência de garantias regulação e mediação legais para a concorrência e propriedade nos mercados ilícitos obriga os agentes econômicos ilegais a recorrer a negociações pessoais informais usando sempre a violência armada como ameaça e retaliação contra a quebra de acordos ou como um meio para tomar posses e territórios alheios garantindo ou expandindo monopólios de nicho e territoriais Este seria ainda o principal mecanismo pelo qual o consumo de psicoativos causaria violência criminal e como vimos uma via pela qual armas de fogo legais escoam para grupos criminosos Analogamente às armas de fogo o consumo de psicoativos seria um precipitador de violências interpessoais resultantes de brigas exacerbando emoções hostis e afrouxando o autocontrole A dependência psíquica do uso de drogas poderia se tornar por si mesma uma motivação para violências instrumentais visando obter recursos necessários à aquisição da droga Mas é provável que o principal mecanismo gerador de violências pelo consumo de drogas seja por meio do tráfico de drogas ilícitas o principal mercado ilícito existente Por outro lado indicadores macroeconômicos ligados ao desenvolvimento social como o gasto por função previdênciaassistência a desigualdade a mortalidade infantil e o desemprego exibiram resultados mais consistentes apoiando a conexão negativa entre apoio social e violência e positiva entre exclusão socioeconômica e homicídios intencionais Dessa maneira a legitimidade do Estado contemporâneo sua capacidade de construir uma ordem normativa efetiva se vincula muito mais à promoção de apoio social e de oportunidades legítimas que diretamente à coerção policial sendo essa vista muito mais como um instrumento 312 via tributação coordenação administrativa e cumprimento da lei para a construção de uma ampla rede institucional de integração social Ao mostrar incapacidade para realizar esta orientação normativa inclusiva e integradora o Estado perde a legitimidade e a ordem normativa que torna possível a gestão da violência é esvaziada A tentativa de gerir a violência criminal apenas por meio da dissuasão policial não consegue deter a dinâmica de fragmentação privatização e escalada da criminalidade violenta Na verdade a evidência obtida nesta análise sugere que a reação hiperrepressiva dos governos estaduais e municipais por meio do aumento do gasto na política pública de segurança repressiva que predomina no Brasil pode contribuir para aumentar a violência criminal por meio de uma lógica securitária de confronto armado Isso não significa que toda ação policial necessariamente gera mais violência e sim que o modelo tradicional de segurança pública no Brasil não tem sido capaz de um controle efetivo dos crimes violentos Mudanças qualitativas nas organizações e políticas de segurança pública poderiam alterar este quadro se forem politicamente viabilizadas e estabelecerem políticas de segurança pública e prevenção social da violência orientadas por evidências e resultados mas também pelo respeito aos direitos dos cidadãos O crescimento dos crimes letais intencionais porém não pode ser dissociado da difusão das tecnologias da violência como as armas de fogo cuja posse e circulação se mostraram diretamente proporcionais à taxa de homicídios intencionais o que nos lembra mais uma vez a reflexão de Eliott Currie sobre a violência das sociedades de mercado A abordagem utilizou o Índice Cook por entender que não se trata apenas da presença ou não de armas em domicílios medidas pelo proxy da proporção de suicídios por arma de fogo mas que é preciso atentar para a quantidade e potência das armas e munições em posse da população quaisquer que sejam as origens legais Armas utilizadas nos homicídios intencionais podem ser compradas por indivíduos órgãos militares e policiais empresas de segurança privada ou clubes de tiro mas todas acabam legal ou ilegalmente nas mãos de homicidas em algum momento 313 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA TESE A tese que fechamos agora foi instigada por uma constatação de Teixeira e Ribeiro 2017 uma relativa escassez de estudos quantitativos e comparativos com orientação causal sobre a violência nas principais revistas da área de Sociologia retomando a expressão do calcanhar de Aquiles metodológico um ponto fraco que torna toda a estrutura e argumentação teóricas e empíricas vulneráveis já que desprovida de uma robustez metodológica em um ponto que deveria darlhe sustentação e agilidade Tomamos este diagnóstico como o desafio central para o projeto que só adquiriu uma forma mais clara depois da etapa de qualificação quando a reformulação endereçou especificamente a explicação da variação nas taxas de homicídios intencionais entre microrregiões ou estados e ao longo dos anos no Brasil com a construção de hipóteses amplas a serem testadas com dados quantitativos e comparações visando uma generalização provisória dos resultados A escassez de análises quantitativas e comparativas de orientação causal apesar de ter fornecido a ocasião para a construção do projeto de pesquisa por si mesma dificultou a realização da pesquisa logo nas primeiras etapas O motivo foi que dada a raridade deste tipo de análise na Sociologia brasileira a solução foi procurar análises equivalentes em outras disciplinas na produção sociológica estrangeira e tentar por assim dizer espremer a produção sociológica qualitativa ou mista brasileira para extrair o máximo que fosse utilizável por meio de síntese e comparação por fontes secundárias e primárias As três soluções mostraramse mais ou menos promissoras mas bastante trabalhosas Podese dizer que tiveram um rendimento desigual mas contribuíram para a produção da tese como um todo A produção quantitativa sobre violência e criminalidade no Brasil foi identificada majoritariamente às áreas da Economia e da Saúde Coletiva que faziam amplo uso de métodos econométricos e epidemiológicos respectivamente para identificar determinantes micro e macro sociais da criminalidade e da violência Os economistas com orientação utilitarista partem dos pressupostos 314 delineados pela Economia do Crime de Gary Becker 1968 pressupondo que o crime é uma escolha individual racional orientada por um cálculo subjetivo mas plenamente informado de riscos e benefícios resultantes do crime nos quais pesam a probabilidade e a dureza da punição como perigos enfrentados pelo criminoso em potencial e os retornos materiais esperados do crime possíveis recompensas e ganhos Os custos e lucros esperados do crime seriam ponderados pelo criminoso que observando que o primeiro supera o segundo não cometeria o crime e quando o segundo superasse o primeiro o cometeria O modelo básico da economia do crime apesar da elegância e simplicidade é relativamente imune à refutação afinal sabemos que o indivíduo preferiu o crime e o considerou lucrativo por têlo cometido e que se o indivíduo não cometeu um crime é porque o considerou pouco lucrativo eou muito arriscado Os problemas de informação perfeita que este modelo microeconômico pressupõe juntamente com suas suposições normativas foram fortemente criticados por teóricos econômicos e políticos MYRDAL 1997 SCIBERRAS DE CARVALHO 2008 ELSTER 1994 A hipótese empírica possível pelo modelo é o da dissuasão penal segundo a qual a criminalidade seria inversamente proporcional à punitividade produto da eficiência e dureza penal Especificamente houve uma tentativa de conciliação entre sociologia e economia do crime por exclusão mútua HIRSCHI 2004 ao estilo de cada macaco no seu galho Também houve uma consistente argumentação no sentido de que o modelo de escolha racional seria uma versão empobrecida e não realista da teoria da aprendizagem diferencial que pressupõe uma estrutura de reforço diferencial com estímulos positivos e negativos para a conduta convencional ou desviante operando mediante a percepção dos atores sociais AKERS 1990 Algum tipo de comparação feita pelo ator entre oportunidades legítimas de um lado e oportunidades ilegítimas e ilegais de outro para obtenção de renda era também pressuposta na teoria da anomia Este no entanto se afastava do modelo utilitarista de ação humana ao considerar que a meta para o sucesso financeiro e consumo individual seriam internalizadas pelos atores dentro de um quadro institucional que favoreceria ao máximo o individualismo e o materialismo como atitudes predominantes frente à vida social tornando moralmente indiferentes os meios utilizados para alcançar os objetivos legítimos contanto que fossem eficientes 315 para o enriquecimento individual do ator e especialmente quando oportunidades legítimas estivessem ausentes ocasionando uma tensão subjetiva entre as metas prescritas e as oportunidades instituídas o que poderia dar origem a respostas típicas diferenciadas dos atores sociais MERTON 1938 Podese dizer que para as teorias da tensão e do aprendizado social o modelo utilitarista seria persuasivo por relevar e simplificar unilateralmente alguns aspectos da etiologia criminal por meio de suposições estáticas e simplistas sobre a mente e a sociedade humanas As tensões sociais se traduziriam individualmente como sentimentos de frustração relacionados a bloqueios de oportunidades discriminação desigualdade de recursos e apoios etc que impedissem a obtenção dos valores positivamente avaliados retirasse o acesso a tais metas ou os distribuísse de maneira considerada injusta e não merecida o que seria particularmente propício à violência e à criminalidade quando o sentimento produzido pela tensão social fosse a raiva o que poderia ser reforçado pela interação social com pares em situações similares e poderia se minorado pela existência de controles sociais AGNEW 1992 Ou seja na perspectiva da anomia a finalidade do enriquecimento e a ênfase na eficiência dos meios para obter riqueza ao invés da legitimidade legal e moral seria uma atitude internalizada nos quadros de uma ordem competiviva na qual o mercado coloniza as outras esferas da vida social como princípio de integração social enfraquecendo os mecanismos que poderiam mediar ou compensar as tensões psicossociais e sócioestruturais causadas pelo prevalência do mercado como os laços e apoios institucionalizados nas famílias associativismo participação e políticas públicas sociais e educacionais MESSNER ROSENFELD THOME 2008 Talvez a maior contribuição dos modelos de escolha racional não tenha sido reviver a ênfase na dissuasão penal detterence mas a ideia de oportunidade criminal consistindo no o conjunto das situações nas quais se encontram alguém com motivos para cometer crimes um alvo disponível vítima dinheiro bens etc e a ausência de guardiões capazes de dissuadir ou impedir o criminoso em potencial COHEN FELSON 2006 o que pode enriquecer as análises sociológicas da criminalidade e seria integrável a outras perspectivas sociológicas se por motivação não for pressuposto um motivo genérico ou aleatório fundamentado em 316 uma visão estática unidimensional e naturalizada de ator social Uma concepção de racionalidade limitada amplamente utilizada na análise de políticas públicas e na sociologia econômica poderia permitir que noções de motivação constrangimento e oportunidade fossem consideradas complementares na análise da criminalidade violenta já que as ações individuais estariam imersas nas estruturas sociais e relacionais GRANOVETTER 2007 FLIEGSTEIN DAUTER 2012 Apesar dos pressupostos utilitaristas as análises da criminalidade realizadas por economistas brasileiros não são de todo incompatíveis com as teorias sociológicas do crime e da violência havendo trabalhos que de fato concluíram que os modelos econômicos são melhores preditores de crimes contra o patrimônio e outros com fins lucrativos do que dos homicídios estupros e outros crimes contra a pessoa que muitas vezes não obedecem a uma lógica de custos e benefícios entre a expectativa de impunidade e retorno financeiro do crime CERQUEIRA 2010 CERQUEIRA MOURA 2019 BECKER KASSOUF 2017 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 RESENDE ANDRADE 2011 O componente instrumental do crime que se manifesta no nível microssocial como oportunidade criminal se configura no nível macrossocial como mercados ilícitos aos quais se atribuem violências sistêmicas que são derivadas da própria ilegalidade dos negócios como não há propriedades regularizadas nem possibilidade de apelar à polícia aos tribunais e órgãos reguladores quando há descumprimento de acordos roubos e inadimplência reina uma desconfiança generalizada a violência e a intimidação pela força das armas de fogo se tornam um recurso central que pode servir para defender as próprias posses e acordos quanto para tomar as alheias e dissuadir retaliações de outros negociantes de ilícitos Quando se tratam de produtos criminalizados há ainda o problema para o empreendedor criminal de escapar à punição e à repressão policial e neste sentido a corrupção dos agentes públicos e a intimidação de testemunhas e informantes em potencial se tornam um importante instrumento na medida em que a omissão deliberada de agentes públicos é indispensável e a colaboração ativa de alguns atores da burocracia estatal pode ser um recurso estratégico valioso nas disputas com outros empreendedores criminais Enfim o mercado ilícito apesar da ilegalidade das atividades ou negócios 317 ilícitos ainda é uma rede econômica que utiliza normalmente a moeda oficial constituindo um poderoso meio de acumulação de capital pela possibilidade de não custear o pagamento de impostos e o cumprimento de regras de regulação incluindo o respeito à concorrência que pode ser eliminada pela força das armas com a imposição de monopólios em nichos e territórios específicos O capital acumulado por meios ilícitos precisa ter a sua origem dissimulada para que possa ser reinvestido nos mercados lícitos e propriedades oficialmente protegidas pelo Estado com o auxílio de firmas especializadas neste tipo de operação a lavagem de dinheiro que limpa o dinheiro sujo obtido por meio do crime nos mercados ilícitos GOLDSTEIN 1985 ZALUAR 1996 OLIVEIRA 2007 RAMÍREZ et al 2013 MISSE 2007 e 2011 SERRANOLÓPES 2020 Os trabalhos ligados à saúde coletiva são em geral orientados por uma abordagem sócioecológica que supõe que o comportamento individual responde a estímulos do ambiente social formulado como um conjunto de características do grupo demográfico e do local de ocorrência do crime e residência do criminoso Assim características diferenciadas entre áreas dos municípios ou entre municípios são observadas como capazes de influenciar direta ou indiretamente as ações dos indivíduos e grupos que respondem aos ambientes social e materialmente hostis por meio de condutas diversas entre as quais as violentas Em outras palavras características geográficas e demográficas constituiriam fatores de risco com uma certa probabilidade de se traduzirem em ações criminais violentas a depender da resposta do indivíduo que varia de acordo com a sua constituição biopsicosocial Se os postulados da economia do crime implicam na falácia de composição típica do microrreducionismo a abordagem ecológica da violência corre o risco de cair na falácia ecológica na qual comportamentos individuais são deduzidos de características do lugar onde ocorrem No entanto as análises socioespaciais são compatíveis com postulados sociológicos da Teoria da Desorganização Social segundo a qual o crime é um comportamento social facilitado e aprendido em determinado contexto especificamente aquele no qual há uma transmissão cultural de técnicas e valores delinquentes e também uma baixa densidade dos laços sociais familiares e comunitários capazes de mobilizar um controle social informal sobre a conduta dos 318 jovens do lugar naquele momento ocasionando desse modo uma uma concentração socioespacial da autoria e das ocorrências criminais o que estaria ligado em escala municipal ao crescimento e densidade populacionais e na escala intramunicipal às privações socioeconômicas e à fragmentação sociocultural concentradas e sobrepostas em algumas partes das cidades Inversamente as áreas rurais cidades pequenas e comunidades urbanas homogêneas estáveis e prósperas teriam baixa incidência criminal em função da força e do adensamento dos controles sociais familiares e comunitários SHAW MCKAY 1942 KUBRIN WEITZER 2003 KUBRIN 2016 LYNCH BOGGESS 2016 A perspectiva teórica da desorganização social enfatiza o controle social ou seja o conjunto de mecanismos causais que impedem a ocorrência dos crimes mesmo quando há motivação e oportunidade criminal propícia para tanto refreando a prática de delitos o que produziria variações consideráveis do envolvimento criminal não só entre comunidades territorialmente delimitadas como também entre indivíduos em função da experiência de socialização primária e estabilização de relações sociais levando ao desenvolvimento do autocontrole individual HIRSCHI 2004 Por outro lado se a prática delitiva pode ser refreada pelo controle exercido pelo próprio indivíduo sobre si mesmo ou por grupos sociais sobre a conduta de cada um dos seus membros também pode ser prevenida por meio do apoio social ou seja pelo encorajamento instrumental e simbólico das condutas legítimas e pelo acolhimento em situações de grande pressão psicossocial estressoras o que pode ser realizado por familiares empresas associações comunitárias profissionais religiosas etc ou por instituições públicas CULLEN 1994 Nas análises sociológicas quantitativas estas perspectivas teóricas são adotadas de maneira explícita em geral enunciando diretamente as hipóteses empíricas derivadas de tal ou tal teoria explicativa do crime desorganização anomia e tensão violência sistêmica etc e cada vez mais operando pela reconstrução complementação ou integração entre as várias teorias sociológicas da criminalidade e da violência TRENT PRIEDMORE 2012 Mas este tipo de trabalho é ainda relativamente escasso no Brasil talvez por deficiências de treinamento adequado para lidar com dados e softwares quantitativos nos cursos de Ciências Sociais o 319 que se entrelaça a um preconceito difuso e até mesmo politizado contra os métodos quantitativos atacados como positivistas que reduzem pessoas a números o que acaba legitimando uma baixa preocupação com o rigor metodológico em geral inclusive quando são utilizados métodos inteiramente qualitativos levando ao uso retórico das fontes e evidências prejudicando a inferência causal a precisão analítica a capacidade de generalização e a possibilidade de aplicações práticas o que não é exceção na sociologia da violência CANO 2012 SOARES 2005 TEIXEIRA e RIBEIRO 2017 Ainda assim existem exemplos de boas análises sociológicas qualitativas quantitativas e mistas da criminalidade violenta publicadas no Brasil BATISTA et al 2016 CANO BORGES RIBEIRO 2012 LEITE 2014 SILVA et al 2018 BEATO et al 2001 BEATO 1998 RIVERO 2010 SCHABBACH 2016a CANO RIBEIRO 2017 ROLIM 2014 A partir das análises qualitativas e mistas centradas em casos específicos mais raramente para comparações estudos de pequeno número de casos e de obras literárias de testemunho formulamos tipologias de situações violentas organizações criminais armadas e configurações do mundo do crime respectivamente micro meso e macro contextos da violência As análises qualitativas também apresentavam interpretações de segunda ordem das motivações justificativas e percepções dos atores sociais envolvidos nos universos da criminalidade violenta As tipologias históricas auxiliaram na formulação dos conceitos heurísticos que foram utilizados ao longo dos vários capítulos que trataram diretamente da construção de modelos multivariados preenchendo com carne e sangue o que muitas vezes nos pareciam construções formais e modelos formulados em outros contextos nacionais e históricos Dessa maneira a teorização quantiorientada e a teorização qualiorientada se complementam e reforçam A apropriação interdisciplinar das literaturas quantitativa e qualitativa sobre a violência criminal no Brasil portanto nos auxiliou a enriquecer análise com uma compreensão tanto dos determinantes estruturais quanto dos significados das práticas da criminalidade violenta em seu contexto A abordagem de níveis e dimensões causais apresentada no capítulo sobre a literatura quantitativa foi neste sentido constituída em conversa com a formulação da tipologia de situações organizações e configurações da criminalidade violenta e ambos os capítulos como 320 os demais desta Tese podem ser lidos independentemente em qualquer ordem mas são complementares entre si e produtos do mesmo projeto de pesquisa Além das variáveis independentes ou preditivas foi necessário problematizar e analisar a variável dependente ou resposta os homicídios intencionais Conforme argumentado ao longo da tese mas principalmente no capítulo sobre as mortes violentas por intenção indeterminada e sua possível conexão com a violência policial o homicídio intencional é uma categoria constituída por elementos jurídicos e biológicos com um fundo moral embasado na noção de intencionalidade individual que o torna passível de culpa jurídica A construção administrativa da categoria de morte por agressão passa pela polícia e pela medicina a primeira operando categorias jurídicopenais e elucidando a situação que originou a morte e a segunda operando categorias biológicas para explicar as causas eficientes do óbito O crime de homicídio doloso por resultar em um cadáver é considerado o mais registrado e menos enviesado além de ser uma proxy eficaz para o conjunto da criminalidade violenta que produziria as mortes por meio da violência sistêmica dos mercados ilícitos da violência expressiva dos conflitos interpessoais domésticos conjugais etc ligados a valores de honra intolerância e machismo Ausência de informação produzida por policiais ou por médicos ou falha de comunicação entre as agências de segurança e sanitária gerariam a subnotificação que em uma hipótese extrema seria aleatória o que não prejudicaria inferências e em outro extremo seriam sistemáticas tanto no sentido de ser produzida tanto pela escassez de recursos públicos alocados nas polícias e medicina legal quanto de uma política institucionalizada para ocultar um tipo específico de homicídio intencional ou incidental cometido contra categorias sociais específicas Apesar da análise não ter sido conclusiva como nenhuma outra aliás constatamos que de fato há uma associação forte e negativa entre a taxa de mortes por agressão e por operações de guerrapolícia e a proporção de mortes violentas por intenção indeterminada ou por causas mal definidas em relação às mortes por agressão e por operações de guerra ou intervenção legal Também constatamos nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo uma associação temporal e bivariada entre os números proporções em relação às mortes por agressão e as taxas por 100 mil habitantes das ocorrências de morte por ação 321 policial autos de resistência seguidos de morte e os números proporções em relação às mortes por agressão e as taxas por 100 mil habitantes das mortes violentas por intenção indeterminada As mortes violentas indeterminadas porém mostraram números taxas e proporções muito maiores indicando uma possível subnotificação da vitimização associada à violência policial Diante destes achados propusemos uma reconstrução da categoria de homicídios intencionais por meio de dois métodos de ajuste O primeiro mais conservador utiliza os números de mortes por agressão por operações de guerra e intervenção legal mais uma proporção das mortes por causas mal definidas igual à razão entre mortes por agressão e operações e as mortes por causas conhecidas e mais uma proporção das mortes violentas por intenção indeterminada igual à razão entre mortes por agressão e operações pelas mortes violentas homicídios operações suicídios e acidentes O segundo ajuste mais radical difere do anterior apenas por considerar todas as mortes por intenção indeterminada como homicídios intencionais mantendo igual o restante da fórmula de ajuste O ajuste conservador supõe que todo o erro é causado por ineficiências policiais e médicas enquanto o ajuste radical pressupõe que ao lado da ineficácia há uma política institucionalizada mas não explícita de ocultação da vitimização causada pela violência policial Por cautela a construção de modelos multivariados nos demais capítulos utilizou a fórmula mais conservadora para a construção da categoria de homicídios intencionais também por não sabermos se as correlações verificadas nos Estados de São Paulo e no Rio de Janeiro podem ser generalizadas no país e ao longo do tempo enquanto inversamente é certo que problemas de ineficiência na produção de estatísticas de mortalidade violenta muito provavelmente se repetem em todo o país e ao longo dos anos Além disso pressupomos que a violência policial responde a causas conexas às da violência privada já que excessos e arbitrariedades policiais são praticados nas tentativas de reprimir ou extorquir atores envolvidos nos mercados ilícitos Enfim chegamos à construção dos modelos com dados em painel Esta estrutura de dados tem a vantagem de medir tanto as divisões transversais cross section quanto temporais time series Utilizamos microrregiões como unidade de 322 análise mais frequente abrangendo todas as 558 microrregiões ou focando nas principais microrregiões metropolitanas A microrregião é um grupo de municípios vizinhos entre si às vezes com forte interligação econômica e mobilidade pendular entre os municípios e nestes casos são chamadas de metrópoles em geral tendo uma capital estadual como núcleo O IBGE faz o acompanhamento de vários indicadores socioeconômicos e demográficos das metrópoles desde 1992 o que permitiu a construção de análises simples e multivariadas utilizando estes dados Para o conjunto das microrregiões a principal fonte de dados é o DATASUS e por isso foi necessário construir as proxies inteiramente por meio de dados de mortalidade e demografia Era nosso desejo realizar uma análise das microrregiões utilizando dados das finanças públicas municipais para despesas em funções específicas o que teria vantagens sobre o uso de unidades municipais pelo fato da unidade microrregional tornar irrelevante as tendências de concentração espacial dos dados devido à tendência da violência criminal a transbordar contaminar ou se difundir para os municípios imediatamente circundantes O uso de 5568 municípios com dados anuais entre 1996 e 2018 resultaria em pelo menos 128064 casos com pelo menos 7 variáveis em cada um o que poderia ser excelente para a inferência mas muito provavelmente excederia a capacidade de processamento do computador disponível No entanto o banco de dados disponível para finanças públicas o IPEADATA continha numerosos municípios que foram criados ou extintos ao longo dos anos o que criou dificuldades para a soma das despesas públicas dos municípios de cada região Para analisar efeitos de despesas públicas por função utilizamos os Estados pois estas unidades federativas tiveram notória continuidade em todo o período analisado Já para indicadores como renda emprego escolaridade arranjos familiares composição de idade e gênero da população qualidade e proporção da urbanização e presença socioeconômica do Estado com efeitos de longo prazo defasagens em 10 anos de algumas variáveis independentes ou para vitimização de jovens e de mulheres utilizamos dados metropolitanos que constituem a maior parte das análises produzidas A seguir um quadro resumindo o sinal positivo ou negativo esperado e os 323 resultados para cada uma das variáveis Quadro 42 Resumo das hipóteses e resultados das variáveis independentes Variável Conceito Sinal esperado Resultados bivariados Resultados multivariados Consumo mórbido de drogas Violência instrumental para comprar drogas ou para lucrar traficandoas violência expressiva precipitada pelo uso de drogas Positivo Positivo Positivo Acesso a armas de fogo percentual de suicídios por arma de fogo Posse privada de armas facilita o uso individual da violência Positivo Inconsistente Inconsistente Acesso a armas de fogo média entre percentuais de suicídios e homicídios por arma de fogo Mercados legais e ilegais de armas de fogo e munição barateiam as tecnologias da violência Positivo Positivo Positivo Mortalidade infantil Exclusão social tensão e desorganização sociais Positivo Positivo Positivo Crescimento populacional desorganização social Positivo Positivo Positivo Densidade populacional desorganização social Positivo Positivo Positivo Renda media domiciliar per capita Oportunidades criminais Insignificante Insignificante Positivo Desigualdade de renda domiciliar curto prazo Tensão Social e Anomia por privação relativa Positivo Inconsistente Inconsistente Desigualdade de renda domiciliar longo prazo Tensão social desigualdade de oportunidades e desorganização social desconfiança generalizada Positivo Positivo Positivo Desigualdade de renda por gênero Discriminação de gênero Positivo Insignificante Insignificante Desemprego Tensão social por restrição de oportunidades legítimas Positivo Positivo Positivo Desigualdade laboral de gênero Discriminação de gênero Positivo Positivo Positivo Monoparentalidade curto prazo Apoio social e desorganização social Positivo Positivo Insignificante Monoparentalidade longo prazo Apoio social e desorganização social Positivo Positivo Positivo Urbanização desorganização social Positivo Positivo Insignificante 324 Variável Conceito Sinal esperado Resultados bivariados Resultados multivariados Homens por mulher Masculinidade e violência Positivo Negativo Insignificante proporção de jovens ou de homens jovens Juventude masculina e violência Positivo Inconsistente Inconsistente Serviços urbanos esgotamento sanitário curto prazo tensão apoio e desorganização sociais Negativo Inconsistente Inconsistente Serviços urbanos água encanada longo prazo tensão apoio e desorganização sociais Negativo Negativo Negativo escolaridade curto prazo oportunidades legítimas laços sociais educacionais Negativo Positivo Inconsistente escolaridade longo prazo oportunidades legítimas laços sociais educacionais Negativo Negativo Negativo Razão entre escolaridade masculina e feminina Discriminação de gênero Positivo Insignificante Insignificante Setor público per capita Dissuasão PolicialApoio Social Negativo Insignificante Negativo Despesa em segurança pública Dissuasão Policial Penal Negativo Positivo Positivo Despesa em previdência e assistência social Apoio Social Público Negativo Insignificante Negativo Fonte Elaboração própria A única variável explicativa usada em todos os modelos multivariados foi o consumo mórbido de psicoativos indicado pela mortalidade causada por álcool cocaína maconha e alucinógenos O proxy visava a captura sem distinção das três hipóteses de relações causais entre substâncias psicoativas A primeira é a violência interpessoal precipitada pela alteração de estados emocionais causadas pelo uso de álcool ou drogas ilícitas em situações de tensão e conflito interpessoal levando aos efeitos momentâneos de exacerbação da raiva e perda de autocontrole A segunda hipótese é que a dependência e a compulsão psicofísica pela substância fariam o usuário mórbido cometer crimes aquisitivos para obter a renda necessária para comprar álcool e drogas ilícitas e assim os homicídios intencionais poderiam resultar incidentalmente do roubo ou das retaliações posteriores contra os praticantes dos roubos e furtos A terceira hipótese seria a violência sistêmica do próprio mercado ilícito de drogas devido à ilegalidade e criminalização da atividade ou produto envolvendo em síntese toda a violência utilizada para controlar proteger ou reprimir o uso e o tráfico de drogas ilícitas abrangendo violência policial 325 guerras de gangues eliminação de inadimplentes e informantes ou delatores os x9 no jargão nativo e possíveis danos colaterais mortos no foto cruzado ou por engano GOLDSTEIN 1985 RATTTO DAUDELIN 2017 MISSE 2007 ROSENFELD 2009 A terceira hipótese poderia ser desdobrada em violências privadas entre criminosos para o controle e manutenção do tráfico de drogas de um lado e violências policiais para suprimir o uso e o tráfico de drogas de outro mas a simbiose entre corrupção policial e tráfico de drogas torna essa separação bastante problemática no mundo empírico ainda que formalmente possível A compulsão no consumo de psicoativos sobretudo os ilegais também pode causar reações sociais no sentido de estigmatizar moralmente os usuários facilitando a impunidade de quem os mata embora seja muito difícil encontrar evidências de que essa vulnerabilização judicial dos usuários incida igualmente sobre consumidores de psicoativos em todas as classes socioeconômicas E o próprio consumo compulsivo poderia ser considerado uma das modalidades de desvio tipificadas por Merton 1938 a desistência assim como o recurso ao tráfico de drogas ilícitas e à extorsão e proteção de traficantes seriam exemplos do desvio inovação e de oportunidades ilegítimas MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 Por conseguinte o uso compulsivo e o tráfico de drogas ilícitas poderiam ser ambos remetidos à tensão social internalizada pelo ator social AGNEW 1992 O uso de drogas é claro seria ainda uma conduta juvenil facilitada pela desorganização social SHAW e MCKAY 1942 e pelo baixo autocontrole individual HIRSCHI 2004 sendo ainda uma conduta aprendida pela interação social SUTHERLAND 1955 BECKER 2008 Na maior parte dos modelos simples e multivariados o consumo mórbido de psicoativos explicou significativamente uma parcela do aumento da taxa de homicídios intencionais o que forneceu amplo apoio às hipóteses do nexo entre drogas e violência embora não para uma em detrimento das outras A evidência qualitativa acumulada porém sugere que a terceira hipótese a da violência sistêmica ligada aos mercados ilícitos seja a de maior força causal inclusive porque este tipo de violência é identificável também em outros mercados ilícitos como o de receptação e revenda de produtos furtados e roubados jogos de azar ilegais 326 contrabando etc ROSENFELD 2009 MISSE 2006 ZALUAR 1996 ZALUAR BARCELLOS 2011 A violência dos mercados ilícitos além destes aspectos econômicos pode ter sentidos políticos sendo um deles mais comum e generalizado a espetacularização e instrumentalização políticomidiática conservadora visando a promoção de uma agenda política de endurecimento penal e policial Mas ainda há formas importantes de instrumentalização direta da violência criminal por membros das elites políticas por meio da aliança com grupos criminosos violentos com ou sem participação policial ou militar para eliminar adversários políticos e delatores de crimes envolvendo o político mandante coagir e intimidar eleitores intimidar e eliminar lideranças e ativistas incômodos usar capitais de origem criminosa para financiar campanhas eleitorais etc KLEINFELD BARHAM 2018 Em todas as análises multivariadas utilizamos uma ou outra das duas proxies para as armas de fogo uma para a posse em residência proporção de suicídios por armas de fogo e outra para um uso e oferta mais amplos proporção de suicídios e agressões letais cometidos por arma de fogo Ambos os indicadores são consagrados mas o primeiro uma espécie de padrão ouro dos estudos do nexo entre violência e armas de fogo apresentou mais problemas entre os quais uma forte correlação positiva com a taxa de suicídios por sua vez negativamente correlacionadas aos homicídios intencionais nas metrópoles e nos Estados Inversamente a proporção de homicídios que são cometidos com armas de fogo é direta e fortemente associada à taxa de homicídios intencionais Isso sugere que a presença ou não de uma arma de fogo em parcela dos domicílios é menos importante do que a quantidade e potência das armas de fogo e munições em uma metrópole ou Estado em um dado ano sem importar se estas armas foram adquiridas por particulares para autodefesa ou por empresas de segurança privada clubes de tiro colecionadores caçadores ou por órgãos públicos de segurança e defesa A disparidade entre a totalidade das microrregiões de um lado e as microrregiões metropolitanas e os Estados de outro pode ser interpretada como diferenciais estruturais entre a violência dolosa nas áreas rurais e pequenas cidades e nos grandes centros urbanos Em situações de violências interpessoais ou crimes contra o patrimônio a 327 posse individual de armas de fogo por uma ou ambas as partes pode levar uma briga um roubo ou um furto a se tornar um homicídio doloso Este tipo de situação violenta provavelmente predomina nas áreas rurais e cidades pequenas juntamente com as violências ligadas aos conflitos agrários e ambientais provavelmente também facilitadas pela difusão de armas de fogo entre a população local Este padrão de conexão entre armas de posse pessoal é predominante quando testamos para o conjunto das microrregiões do país devido à importância das áreas rurais e de cidades pequenas Mas como as metrópoles respondem pela maior fração de homicídios intencionais nos Estados estes acabam influenciados pela tendência daquelas ou seja por grandes números de mortes resultantes da violência policial munida pelos arsenais estatais e da violência de gangues que usam armas e munições roubadas furtadas e contrabandeadas Tratamse em suma de violências sistêmicas resultantes de padrões de atuação policial e da dinâmica dos mercados ilícitos cumulativas e às vezes sobrepostas às violências interpessoais e patrimoniais O proxy que usa a proporção de mortes intencionais com armas de fogo também não está isento de problemas uma vez que possivelmente há tanto uma tendência de a quantidade e a potência das armas de fogo em circulação aumentarem a violência quanto do aumento da violência levar ao maior uso proporcional de armas de fogo Não é sem razão que Eliott Currie indicou a liberalização das tecnologias da violência como um dos mecanismos pelos quais sociedades de mercado produzem crimes violentos e não o mecanismo CURRIE 1997 As teorias sociológicas da criminalidade e da violência especificaram um conjunto de mecanismos causais que produziriam o envolvimento e vitimização criminal e violenta não só de acordo com os meios e objetos da prática criminal como as armas e drogas por exemplo mas em função de estruturas sociais cujos efeitos seriam motivar ou constranger a criminalidade mediante a formação de subjetividades Estruturas sociais conforme explicita Giddens 2008 são conjuntos de regras e recursos que estabelecem relações sistemáticas de dominação e de sentido constituindo aquilo que as tradições sociológicas denominaram de instituições sociais políticas jurídicas socioculturais e econômicas Relativo à 328 explicação da incidência diferencial da criminalidade violenta tanto entre autores quanto entre vítimas as teorias especificam mecanismos que tornam alguns atores sociais mais vulneráveis à vitimização ou mais propensos a vitimizar os outros havendo ainda aqueles que são colocados em uma condição dupla de vítimas e agressores em potencial As estruturas sociais podem influenciar estes processos não só ao distribuir os meios de ação legítima e ilegítima como também ao contribuir para a constituição de atitudes capazes de motivar a violência tornandoa um meio aceitável para obter fins particulares do agente ou dotar a violência física de um significado cultural que a torne obrigatória ou justificável em função de valores contrários A exposição diferencial à violência seja tornandose um agressor seja tornandose vulnerável seria assim uma função da posição social do agente em estruturas socioeconômicas e sociopolíticas A produção da propensão e vulnerabilidade criminais violentas dessa maneira poderia coincidir ou diferenciar se entre os agentes sociais e passaria ou pela ausência ruptura ou afrouxamento de possíveis controles sociais que refreassem as ações violentas especialmente de agressão física ou que apoiassem a conduta pacífica legal de convivência respeitosa A força dos controles sociais seria produzida por características dos laços sociais e das organizações que exercem o controle social Os controles sociais informais exercidos por famílias e por comunidades de vizinhança escolares profissionais etc seriam os mais importantes por serem os mais presentes no cotidiano e ao longo da vida mas estariam sujeitos à estrutura demográfica Tendências de forte crescimento e densidade populacional favoreceriam a fragmentação social afrouxando os controles sociais além de sobrecarregar os serviços públicos mercados de habitação e de trabalho Para o conjunto das microrregiões esta hipótese foi corroborada de maneira robusta mas para as metrópoles os resultados foram menos consistentes ou contrários Uma explicação definida por ausência de controles e apoios sociais seria seriamente limitada sem explicar porque o indivíduo em questão se envolve em crimes violentos qual seria o motivo pressão ou incentivo favorável à violência criminal que pesou sobre aquele agente Teorias da desorganizaçãocontrole social 329 em geral simplesmente supõem que a motivação é constante e natural o impulso egoísta e imediatista da natureza humana Teorias da tensão social e associação diferencial por outro lado pressupõem um processo de formação da atitude violenta que é fundamentada na experiência social de intensa privação relativa do sujeito levando à formação de sentimentos de frustração e raiva ênfase no sucesso e indiferença moral quanto aos meios para vencer e consumir Formas de privação material e simbólica estariam associadas à criminalidade violenta da mesma forma que elementos que recompensam e facilitam o crime As experiências de privação relativa formariam sentimentos de frustração e percepções de que a justeza dos meios usados é indiferente contanto que sejam alcançados os fins de sucesso prescritos pelo sistema institucional dominante nas sociedades de mercado A ausência de laços sociais capazes de fornecer apoio social ou exercer controle informal poderia ser considerada uma forma de privação socioeconômica da mesma maneira que a escassez ausência ou precarização de serviços públicos sociais que pudessem funcionar como uma rede de apoios e controles sociais públicos Tudo é claro em um nível macrossocial e encarado de maneira probabilística respeitando a variedade de respostas individuais às circunstâncias de exclusão social Se as tensões e desorganização favorecem a criminalidade violenta entre os pobres sabemos que a maioria dos desafortunados não se tornam criminosos menos ainda violentos Tudo é uma questão de probabilidades Mas ainda que estes fatores tornem só uma minoria criminosa e violenta as repercussões são maiores e as respostas podem ser coletivas Diante disso o desafio foi medir a privação socioeconômica para verificar seu impacto sobre a criminalidade violenta Utilizamos uma variedade de indicadores de acordo com a disponibilidade e avaliação da qualidade dos dados Para o conjunto das microrregiões o indicador selecionado foi a mortalidade infantil por ser considerada muito sensível às mudanças de condições sociais sobretudo de marginalização e exclusão socioeconômicas em função tanto das condições de renda emprego moradia fecundidade e escolaridade das famílias e especialmente das mulheres quanto das políticas públicas sociais e da desigualdade de renda Os resultados obtidos com a mortalidade infantil foram positivos e significativos ainda 330 que não lineares corroborando a hipótese do nexo entre privação socioeconômica e violência criminal Para um grupo específico de microrregiões as metrópoles de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre foi possível acessar um conjunto mais amplo de proxies coletados entre 1992 e 2014 dentre os quais o desemprego a renda média domiciliar per capita diferenciada por etnia e gênero as proporções de homens e mulheres grupos de cor e idade na população o acesso a saneamento básico a escolaridade a proporção da população em áreas urbanas e o valor adicionado pelo setor público à economia especialmente por serviços de segurança defesa educação seguridade social e empresas públicas Estes indicadores permitiram três análises específicas a criminalidade como efeito de longo prazo dos fatores presentes no contexto da socialização e desenvolvimento das crianças e adolescentes que futuramente seriam autores ou vítimas de crimes violentos os homicídios intencionais contra e entre jovens entre 15 e 29 anos e homicídios e feminicídios que vitimam mulheres Tratamse de três problemas interligados mas relativamente diferentes e por isso usamos proxies diferenciados Para os macrodeterminantes de longo prazo e a violência contra e entre jovens pressupomos que há um conjunto de mecanismos que operam no curto prazo estabelecendo oportunidades diferenciais perceptíveis entre as quais algumas são legítimas e protegem contra o crime violento como o emprego remunerado e o acesso a diversos serviços públicos que constituem dispositivos estatais de controle e apoio sociais e outras que expõem o ator à violência sistêmica ligada às drogas e armas de fogo Por outro lado há mecanismos que operam no longo prazo pois passam pelo contexto da socialização e desenvolvimento da personalidade dos jovens afetandoos na infância e adolescência a família a educação a desigualdade e discriminação econômicas e raciais As evidências apoiam a hipótese geral de causalidades operando no curto bloqueio de oportunidades e violência sistêmica dos mercados ilícitos e no longo prazo desigualdade econômica famílias chefiadas por mulheres educação e acesso à rede geral de água mas as proxies não funcionaram igualmente em todos os modelos Em especial com o uso de indicadores altamente defasados os 331 resultados se mostraram sensíveis à especificação pois apesar de não terem contrariado as hipóteses as apoiaram em algumas especificações e não em outras Em geral podemos apontar a educação como um preditor negativo da violência tanto mediante o efeito benéfico da escolaridade dos pais na criação dos filhos que reduz a taxa de homicídios no longo prazo quanto da escolaridade atualmente incorporada à população e como diremos adiante o investimento estatal atual e acumulado na educação das crianças e jovens A monoparentalidade feminina as administrações públicas menores e a razão de renda entre brancos e negros também apresentaram efeitos positivos no longo prazo em vários modelos fornecendo apoio parcial às hipóteses de uma sobrecarga da chefe de família mulher tipicamente uma mãe solteira devido ao abandono morte ou prisão do pai dos filhos que precisa prover a renda do lar e dar atenção aos filhos sozinha o que reduz em muito o apoio social familiar e a desigualdade econômica sobretudo racializada que pode ser uma fonte de frustração socioemocional para crianças e jovens levando à formação da tensão social sendo a distribuição de água um proxy da capacidade estatal para alcançar a população com serviços e infraestruturas básicas O desemprego especialmente entre os jovens 16 a 29 anos é também um importante preditor no curto prazo nas análises simples e multivariadas mostrando a importância da frustração devido ao bloqueio de oportunidades como uma explicação para o envolvimento na criminalidade violenta embora o desemprego perca a significância quando adicionadas as variáveis defasadas em 10 anos o que indicaria enfim que a tensão social é internalizada ao longo do tempo e pode ser minorada por laços e apoios sociais mesmo que seja potencializada pelo desemprego no curto prazo A renda média por outro lado mostrouse insignificante por si própria mas positiva e significativa quando controlada pelo desemprego e setor público per capita indicando processos de privação relativa embora sejam os mais pobres os que se envolvem com mais frequência nos crimes violentos isso tende a ocorrer nas metrópoles mais ricas mantendo constante o resto consumo de drogas oferta de armas desemprego e serviço público Quanto mais cresce a renda média maior é o retorno médio dos crimes aquisitivos e mais a ausência de apoios e oportunidades 332 legítimos é sentida pelo ator quando ele percebe uma melhoria relativa na situação econômica alheia da qual se sente marginalizado Renda escolaridade e tamanho do serviço público em geral estão associados já que o aumento da renda eleva a arrecadação fiscal e atrai ou exige mão de obra mais qualificada O investimento público faz a economia crescer e a escolarização aumentar mas exige servidores públicos altamente especializados para ser operacionalizado e a educação aumentando também melhora a produtividade do trabalho Porém há um grau de separação entre estes fatores graças ao processo políticoinstitucional que prioriza diferencialmente a alocação da renda gerada É precisamente nestas diferenças que o efeito na análise multivariada deve ser interpretado Em suma aumentando o mercado consumidor sem correspondente ampliação das oportunidades de trabalho e serviços públicos ampliase o que Rosenfeld e Messner chamaram de anomia institucional que é o predomínio do princípio de conduta mercantil egoístaracional sobre o tecido social agravando as tensões sociais e reduzindo os laços e apoios reguladores o que levaria à elevação dos crimes violentos e da corrupção MESSNER ROSENFELD THOME 2008 CURRIE 1997 Os assassinados de mulheres podem ser feminicídios quando a motivação é relativa ao gênero sentimento de posse e controle obsessivo ou podem ser homicídios intencionais quando não se enquadram estritamente na motivação de gênero abrangendo uma trama similar aos assassinatos de homens Constatamos uma correlação entre assassinatos de mulheres e de homens jovens indicando que ao menos uma parcela da vitimização feminina possui fatores em comum com a masculina Mulheres podem ser vítimas de latrocínios podem ser atingidas pelo fogo cruzado dos conflitos entre grupos criminosos armados e pela violência policial Ou podem se envolver diretamente como traficantes por exemplo o que as expõe à violência ligada à criminalidade aquisitiva O desafio metodologicamente foi captar a prevalência de atitudes machistas que pudessem motivar e legitimar a violência de gênero A partir da teoria crítica de Nancy Fraser 2011 consideramos que o machismo se manifesta no mercado de trabalho desigualando oportunidades de trabalho entre homens e mulheres Uma discriminação de gênero institucionalizada no mercado de trabalho ainda que não 333 explicitada como tal poderia também influenciar atitudes violentas contra mulheres e marginalização econômica das mulheres poderia incentivar a frustração e a busca por meios ilícitos para obter renda O resultado a partir da razão percentual entre desemprego feminino e masculino deu suporte empírico à ideia Também constatamos que a violência contra a mulher declina com a urbanização o que também pode ser ligado à prevalência de valores patriarcais tradicionais na área rural Uma fonte de privação relativa que é discriminação de gênero contribui direta e indiretamente para tornar as mulheres mais vulneráveis aos crimes letais intencionais As formas de privação socioeconômica seja privação de laços familiares oportunidades de trabalho tratamento não discriminatório acesso a serviços públicos etc influenciam a criminalidade violenta seja por levar à internalização da tensão social pelo ator seja por dissolver controles e apoios sociais que preveniriam o envolvimento criminal violento As análises sobre as microrregiões e metrópoles deixaram claro que ao lado dos fatores sistêmicos drogas e armas e das estruturas sociodemográficas as formas de privação socioeconômica possuem efeitos importantes e significativos sobre a violência dolosa mas essa correlação é mediada por diversos mecanismos e estes processos causais são captados de maneira diferenciada pelas proxies utilizadas Nas áreas metropolitanas o serviço público medido pelo valor adicionado per capita pela administração pública mostrouse consistentemente preditor de uma menor taxa de homicídios intencionais seja em geral de jovens ou de mulheres Em teoria o Estado poderia reduzir a violência criminal por duas vias a dissuasão e o apoio social A dissuasão seria obtida por meio da força policial e da punição legal que serviriam para intimidar criminosos em potencial por medo da punição ou dissuasão geral e incapacitar os atuais agressores pelo confinamento penal incapacitação O apoio social pode ser direto por meio da prestação de serviços públicos não mercantis ou indireto por meio incentivos e regras que fortalecem as famílias e comunidades Estas duas formas de controlar o crime violento são distintas analiticamente mas não puderam ser separadas empiricamente na análise das metrópoles A solução foi construir uma análise com outro tipo de unidade de corte 334 transversal os Estados entre 1996 e 2019 Mantivemos os preditores da violência sistêmica ligada às drogas e às armas de fogo e indicadores macroeconômicos básicos como PIB per capita e crescimento econômico mas simplificamos o modelo com três preditores socioeconômicos um para a dissuasão policial outro para o apoioregulação social e um terceiro para o desemprego Como a legislação penal é federal e não teve severas modificações o elemento diferencial entre os Estados e Municípios brasileiros ao longo do tempo seria a dissuasão material medida pela média bianual do gasto municipal e estadual per capita em segurança pública uma despesa na qual se incluem os salários dos policiais e bombeiros estaduais e os guardas civis municipais além dos equipamentos e serviços consumidos pelos órgãos de segurança O resultado para este foram o contrário do esperando sugerindo que a ampliação da dissuasão policial via aumento do gasto público em segurança pode ser mais uma resposta dos governantes ao crescimento da violência e do medo do que um mecanismo efetivo de controle Pior pode ter efeitos imprevistos no sentido oposto do que era pretendido levando ao crescimento da violência por meio do aumento da letalidade policial e do agravamento da desorganização e isolamento social entre os setores desfavorecidos das cidades Para o apoio e regulação sociais a proxy utilizada foi a média móvel quinquenal do gasto estadual e municipal per capita em previdência e assistência sociais que seriam particularmente interessantes por proverem um apoio social público focado na socialização dos riscos socioeconômicos e da reprodução social da força de trabalho contribuindo para a desmercantilização parcial da sociedade Isso segundo a teoria da anomia institucional do apoio social e da tensão e desorganização sociais poderia reduzir direta e indiretamente a atuação de mecanismos geradores da violência e ligados às privações socioeconômicas e fragmentação sociocultural Os resultados apoiam estas hipóteses mostrando uma redução significativa da taxa de homicídios intencionais quando aumentado a média quinquenal de gasto público per capita em previdência e assistência social Desta maneira podemos apontar alguns grupos de indicadores sistêmicos armas e drogas demográficos crescimento e densidade populacionais urbanização proporção de homens e jovens socioeconômicos renda média desigualdades monoparentalidade feminina desemprego escolaridade acesso ao 335 saneamento etc Os indicadores serviram para a observação de hipóteses causais formuladas como mecanismos não diretamente observáveis ainda que descritos qualitativamente As análises quantitativas se restringiram às tendências e processos macrossociais aos quais atribuímos características estruturais formando processos e contextos favoráveis à produção de microviolências cujos níveis agregados são resultado direto ou indireto dos macrodeterminantes Mas a influência estrutural passaria por situações de microinteração mecanismos intermediários de formação de disposições e grupos Dessa maneira a causalidade estrutural sobre a violência criminal letal é sempre mediada pela agência intencional dos atores sociais Fatores ligados ao envolvimento individual na criminalidade violenta ao diferencial de incidência entre grupos étnicos ou entre áreas do município e ao impacto de modificações qualitativas em políticas públicas não foram abordados diretamente Por isso as respostas individuais aos mecanismos estruturais foram pressupostas como basicamente aleatórias entre indivíduos embora não entre camadas socioeconômicas etárias e de gênero Ainda assim esperamos ter feito uma contribuição genuína ainda que infinitesimal à compreensão das causas macrossociais das violências individuais que já ceifaram mais de 2 milhões de pessoas no Brasil nos últimos 40 anos Os limites deste estudo podem ser ligados a sugestões para aprofundamento Entre as limitações estão aquelas dos métodos quantitativos em geral tratamse de modelos da realidade social pelos quais dados codificados e estruturados são relacionados entre si de acordo com determinadas hipóteses deduzidas das teorias explicativas Correlação não é causalidade mas pode apoiar uma teoria causal Sua vantagem é a maior generalização da explicação mas pagase com perda de detalhamento Da mesma forma que partimos de uma literatura anterior predominantemente qualitativa na sociologia e política ou mista considerando o conjunto interdisciplinar mais amplo com o qual dialogamos epidemiologia das agressões economia do crime sociologia da violência políticas públicas de segurança o caminho inverso é perfeitamente válido partir dos nossos resultados gerais e buscar aprofundamento detalhado de casos discrepantes das tendências gerais Este procedimento poderia enriquecer enormemente a compreensão teórica 336 e histórica da criminalidade violenta Investigar contextos nos quais a exclusão socioeconômica foi reduzida especialmente com queda do desemprego mas a violência aumentou nos quais a dissuasão policial teve eficácia contra a criminalidade e não produziu aumento da violência nos quais o tráfico de drogas opera com baixa violência armada nos quais é comum a posse de armas de fogo mas baixa incidência de assassinatos e roubos áreas rurais com alta taxa de homicídios intencionais e áreas urbanas ou adensadas mais pacíficas etc Pode ser que encontremos a partir destes casos uma nova maneira de enxergar os resultados e tendências gerais ou a uma variável omitida nos modelos e que se mostre presente nestes casos em especial Nossa análise da literatura quantitativa econômica epidemiológica e sociológica e qualitativa e mista sociológica antropológica e histórica usou um método de revisão narrativa não sistemática que privilegiou tiposideais de abordagens quantitativas ou de resultados qualitativos e mistos Por essa razão pode ter negligenciado ou superestimado alguns aspectos ou outros Em parte isso foi intencional o objetivo não era construir um quadro completo da produção quantitativa interdisciplinar brasileira mas identificar limitações de algumas abordagens fundamentais Mas para nós é muito claro que há algum diálogo entre economia do crime e epidemiologia da violência E também escritos de economistas e epidemiólogos que usam conceitos sociológicos só não nos pareceram típicos Revisões sistemáticas como as que inspiraram a problemática deste projeto de pesquisa poderiam nos informar melhor à respeito dos métodos variáveis e resultados especialmente das pesquisas quantitativas e mistas Utilizamos dados produzidos e prétratados pelo IBGE DATASUS IPEA secretarias de segurança pública Ministério da Economia entre outros Supusemos que as variáveis construídas a partir destes dados tinham um sentido causal mediado por outra variável um tipo de processo causal mecanismo que não foi possível observar diretamente mas que estava previamente descrita por estudos qualitativos anteriores ou por uma modelização teórica apriori Testes mais diretos das teorias com a utilização de questionários construídos a partir dos conceitos teóricos podem contribuir para fortalecer a validade interna 337 das evidências além de permitir a abordagem em níveis individual comunitário e estrutural e uma medição com construtos diretamente inspirados por conceitos teóricos Os vínculos entre o desemprego e a violência criminal por exemplo passam mais pela tensão entre metas hegemônicas e meios legítimos ou pela formação de grupos jovens desempregados ou desalentados levar à formação de gangues enquanto os jovens empregados interagem mais entre si ou ambos A discriminação econômica de gênero anda junto com a motivação favorável à violência de gênero ou é a dificuldade em obter autonomia financeira que torna a mulher mais vulnerável à violência Ocorrências de letalidade policial possuem em média mais de uma vítima ou a violência policial possui efeitos indiretos exacerbando a desconfiança nas instituições a legitimação da violência física para resolução de conflitos e as lutas de sucessão e território entre gangues A exclusão socioeconômica gera violência por causa da autocomparação com os mais afortunados por criar um contexto de polarização e fragmentação social que mina todo tipo de solidariedade social porque o acesso à justiça e à segurança é condicionado pelas propriedades e rendas individuais ou porque a estigmatização moral dos pobres é tão grande que podem ser mortos impunemente Buscamos a análisa das causas da violência mas um caminho interessente seria buscar os efeitos da violência de prejuízos econômicos perda de anos de vida e desperdício de recursos em políticas ineficazes até efeitos de sentimentos de medo e de vingança desorganização social e estimatização moral que retroalimentam a violência Isso contribuiria para explicar a forte dependência de trajetória que muitas vezes ameaça a validade dos resultados empíricos das análises quantitativas causais sobre homicídios intencionais Como abordamos mortes violentas o recorte necessariamente deixa de fora violências que não são letais Pressupomos simplesmente que os homicídios intencionais são uma proxy da criminalidade violenta geral com base na literatura que aponta que os crimes letais intencionais estão ligados a brigas rixas roubos extorsão tráfico de drogas contrabando de armas corrupção e brutalidade policial violência sexual etc sendo uma fração destas situações as que possuem desfechos fatais Mas até que ponto há esta associação tão estreita e em quais condições 338 Até que ponto os diversos crimes violentos não letais respondem às mesmas causas que os letais São questões a serem aprofundadas em futuras pesquisas 339 11 REFERÊNCIAS ADORNO Sérgio Monopólio Estatal da Violência na Sociedade Brasileira Contemporânea In MICELI Sérgio org O que ler na Ciência Social Brasileira Vol IV São Paulo ANPOCSEd Sumaré Brasília CAPES 2002 p 267307 NERY Marcelo Batista Crime e violências em São Paulo retrospectiva teóricometodológica avanços limites e perspectivas futuras Cadernos Metrópole São Paulo v 21 n 44 p 169194 2019 Disponível httpswwwscielobrjcmaW4wbLBTYnNdKLVR4CVH3FSSlangpt Acesso 27102021 AGNEW Robert Foundation for a general strain theory of crime and delinquency Criminology v 30 n 1 p 4788 1992 Disponível httpsonlinelibrarywileycomdoiabs101111j174591251992tb01093x Acesso 27102021 Strain Economic 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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL MATHEUS BONI BITTENCOURT CRIMINALIDADE VIOLENTA E ESTRUTURA SOCIAL uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Porto Alegre 2022 MATHEUS BONI BITTENCOURT CRIMINALIDADE VIOLENTA E ESTRUTURA SOCIAL uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Tese de Doutorado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Orientador Professor Doutor Alex Niche Teixeira Porto Alegre 2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL REITOR Carlos André Bulhões VICEREITOR Patrícia Pranke DIRETOR DO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Hélio Ricardo do Couto Alves VICEDIRETOR DO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Alex Niche Teixeira COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA Letícia Maria Schabbach Matheus Boni Bittencourt ATA PARA ASSINATURA Nº UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de PósGraduação em Sociologia SOCIOLOGIA Doutorado Ata de defesa de Tese Aluno Matheus Boni Bittencourt com ingresso em 01032017 Título Criminalidade violenta e estrutura social análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Orientador Prof Dr Alex Niche Teixeira Data 28012022 Horário 1400 Local IFCH Banca Examinadora Origem Letícia Maria Schabbach UFRGS Marilia Patta Ramos UFRGS Sergio Simoni Junior UFRGS Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro UFMG Porto Alegre 28 de janeiro de 2022 Membros Assinatura Avaliação Letícia Maria Schabbach por webconferência APROVADO Marilia Patta Ramos por webconferência APROVADO Sergio Simoni Junior por webconferência APROVADO Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro por webconferência APROVADO Conceito Geral da Banca A Correções solicitadas Sim X Não Observação Esta Ata não pode ser considerada como instrumento final do processo de concessão de título ao aluno A aprovação ou reprovação deve ser expressa por cada avaliador com os conceitos Aprovado ou Não Aprovado No caso de aprovação condicionada à realização de mudanças indicar se haverá a necessidade de nova banca Aluno Orientador Programa de PósGraduação em Sociologia Av Bento Gonçalves 9500 Prédio 43322 205D Bairro Agronomia Telefone 33088220 Porto Alegre RS Para a minha amada Tati AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente à minha família pelo apoio e encorajamento aos estudos desde a infância até os primeiros meses do doutorado Agradeço à CAPES e ao PPGSUFRGS pela concessão de apoio financeiro parcial sem o qual não seria possível completar os créditos do curso Agradeço aos meus professores do Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em especial o orientador deste trabalho prof Dr Alex Niche Teixeira Também tenho muito a agradecer ao Prof Dr José Vicente Tavares dos Santos que me fez reorientar o foco da pesquisa para os homicídios intencionais às Profas Dras Letícia Schabbach e Vanessa Marx a aos Profs Drs Ricardo Oliveira e Karl Monsma cujas aulas me ajudaram a construir a problemática deste trabalho e à Profa Dra Raquel Weiss pelo aprendizado teórico e didático propiciado pela sua tutoria no estágio docente Agradeço a Alexandra Asanovna Elbakyan Aaron Swartz e outros que promovem a livre circulação do conhecimento científico Agradeço aos colegas do PPG em Sociologia da UFRGS com os quais construí laços de amizade e de troca de ideias Especialmente Robson Rocha Jr que me ajudou com a questão da moradia em Porto Alegre e se tornou um amigo e um coautor Também aprendi muito nas conversas informais com os colegas Jaime Gomes Davyd Spencer Claudio Dantas Paulinha Agliardi Elias Paludo e Ivan Müller Agradeço aos colegas da SEGERES que me recepcionaram no Núcleo de Estatística e Estudos de Recursos Humanos NUERH em especial Charles Almeida e Zaloar Gomes Agradeço aos servidores do IBGE do IPEA e do DATASUS cujo trabalho de produção e divulgação de dados ao longo de décadas com abrangência nacional e alta qualidade tornaram possíveis trabalhos como este Por último e certamente não menos importante agradeço à minha companheira da vida Tati por sua compreensão e amor apoio e paciência que fizeram tudo valer à pena e me encorajaram a seguir em frente nos momentos de dificuldade Negavam tranquilamente contra toda a evidência que tivéssemos jamais conhecido esse mundo insensato em que o assassinato de um homem era tão cotidiano quanto o das moscas essa selvageria bem definida esse delírio calculado essa prisão que trazia consigo uma pavorosa liberdade em relação a tudo o que não era o presente esse cheiro de morte que entorpecia todos aqueles a quem não matava Albert Camus 20131947 p 204 tinham desejado a reunião com qualquer coisa que não podiam definir mas lhes parecia o único bem desejável E à falta de outro nome chamavamlhe às vezes paz Albert Camus 20131947 p 206 Permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra resultaria no desmoronamento da sociedade Despojados da cobertura protetora das instituições culturais os seres humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono social morreriam vítimas de um agudo transtorno social através do vício da perversão do crime e da fome Karl Polanyi 2012 1944 P 7879 BONI BITTENCOURT Matheus Criminalidade violenta e estrutura social uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Orientador Alex Niche Teixeira 2022 363 f Tese Doutorado em Sociologia Programa de PósGraduação em Sociologia Instituto de Filosofia e Ciência Humanas Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2022 RESUMO Apresento nesta Tese uma análise teórica e macroquantitativa das tendências variações e condicionantes estruturais das taxas de homicídios intencionais por 100 mil habitantes ao longo do tempo e entre as microrregiões e Estados do Brasil entre 1979 e 2019 Buscamos um diálogo crítico com tradições de análise macrossociais da violência como a do processo civilizador da anomia e tensão social da desorganização social e do utilitarismo Com base na literatura sociológica qualitativa e mista construímos tipos ideais de situações violentas grupos criminais armados e configurações sociais do mundo do crime identificando protagonistas sentidos processos e contextos típicos das violências E com base na criminologia quantitativa e mista formulamos um quadro analítico das motivações constrangimentos e oportunidades sistêmicas da criminalidade violenta O quadro teórico foi mobilizado na análise macroquantitativa e multivariada dos homicídios intencionais nas 558 microrregiões e 27 Estados e Distrito Federal do Brasil além de estudos sobre a conexão entre a subnotificação de mortes violentas intencionais e a violência policial nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e sobre determinantes dos homicídios de jovens e de mulheres e de causas de curto e longo prazo nas microrregiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Uma taxa ajustada de homicídios intencionais visando compensar problemas de subnotificação foi a veriável dependente em geral delimitada ou não por idade ou por gênero Entre as variáveis independentes utilizamos o uso mórbido de psicoativos a posse e o acesso a armas de fogo a estrutura sociodemográfica crescimento densidade ou urbanização proporção de homens ou de jovens as exclusões socioeconômicas mortalidade infantil desemprego desigualdade privação de saneamento básico monoparentalidade feminina baixa escolaridade e políticas públicas setor público per capita despesas com dissuasão policial e com apoio social Os resultados sublinham a complexidade da criminalidade violenta e questionam a ideia de um processo civilizador ligado ao monopólio estatal da violência legítima ressaltando ao contrário a dinâmica dos mercados ilícitos e a estrutura das exclusões socioeconômicas como principais explicações para o aumento dos homicídios intencionais no Brasil PALAVRASCHAVE Violência Teoria Social Homicídio Estrutura Social Criminalidade BONI BITTENCOURT Matheus 2022 Criminalidade violenta e estrutura social uma análise dos homicídios intencionais no Brasil 19792019 Doctoral Dissertation Federal University of Rio Grande do Sul Porto Alegre Brazil ABSTRACT In this thesis I present a theoretical and macroquantitative analysis of trends variations and structural causes of intentional homicide rates per 100000 inhabitants over time and between microregions and states in Brazil between 1979 and 2019 We seek a critical dialogue with traditions of macrosocial violence analysis such as the civilizing process anomie and social tension social disorganization and rational choice Based on qualitative and mixed sociological literature we constructed ideal types of violent situations armed criminal groups and social configurations of the world of crime identifying typical protagonists meanings processes and contexts of violence And based on quantitative and mixed criminology we formulate an analytical framework of the systemic motivations constraints and opportunities of violent crime The theoretical framework was mobilized in the macroquantitative and multivariate analysis of intentional homicides in the 558 microregions and 27 States and the Federal District of Brazil as well as studies on the connection between the underreporting of intentional violent deaths and police violence in the States of São Paulo and Rio de Janeiro and on determinants of homicides of young people and women and of short and longterm causes in the metropolitan microregions of Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba and Porto Alegre An adjusted rate of intentional homicides aiming to compensate for underreporting problems was the dependent variable in general whether or not delimited by age or gender Among the independent variables we used the morbid use of psychoactive drugs possession and access to firearms sociodemographic structure growth density or urbanization proportion of men or young people socioeconomic deprivation infant mortality unemployment inequality deprivation of basic sanitation single parenthood low education and public policies public sector per capita expenditure on police deterrence and social support The results underline the complexity of violent crime and question the idea of a civilizing process linked to the state monopoly of legitimate violence highlighting on the contrary the dynamics of illicit markets and the structure of socioeconomic exclusions as the main explanations for the increase in intentional homicides in Brazil KEYWORDS Violence Social Theory Homicide Social Structure Criminality LISTA DE GRÁFICOS FIGURAS Figura 1 Taxas de mortes violentas por intenção indeterminada e de confrontos com a polícia por 100 mil habitantes RJ e SP128 Figura 2 Taxas por 100 mil habitantes de ocorrências de letalidade policial e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo129 Figura 3 Razão entre mortes por intenção indeterminada e por autos de resistência e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo131 Figura 4 Regressões lineares simples entre confrontos policiais seguidos de morte x e mortes violentas por intenção indeterminada por agressão e operações de guerra y RJ 19982018 e SP 19812018133 Figura 5 Números nacionais brasileiras oficiais e ajustados de homicídios intencionais por vários métodos136 Figura 6 Taxas nacionais brasileiras oficiais e ajustadas de homicídios intencionais 137 Figura 7 Subnotificação estimada dos homicídios intencionais por vários métodos 137 Figura 8 taxa ajustada de homicídios intencionais X consumo de psicoativos Brasil 19962018157 Figura 9 taxa de homicídios intencionais X acesso a armas de fogo Brasil 1996 2018158 Figura 10 Taxa de homicídios intencionais X crescimento populacional Brasil 1996 2018159 Figura 11 Taxa de homicídios intencionais e densidade populacional Brasil 1996 2018160 Figura 12 Taxa de homicídios intencionais e mortalidade infantil Brasil 19962018 161 Figura 13 Matriz de correlação entre variáveis explicativas Brasil por microrregião 19962018162 Figura 14 Matriz de correlação entre variáveis independentes metrópoles 1992 2014191 Figura 15 Séries temporais da taxa ajustada de homicídios intencionais de jovens nas metrópoles de Belém1 Fortaleza2 Recife3 Salvador4 Belo Horizonte5 Rio de Janeiro6 São Paulo7 Curitiba8 e Porto Alegre9 19922014194 Figura 16 Regressões bivariadas sobre homicídios de jovens nas metrópoles195 Figura 17 Séries temporais das taxas ajustadas de homicídios de mulheres e feminicídios nas metrópoles brasileiras 19922014226 Figura 18 Taxas ajustadas de assassinatos de mulheres e de homens jovens228 Figura 19 Regressões loglin simples com diversas causas da vitimização letal intencional de mulheres230 Figura 20 Matriz de correlação das variáveis independentes231 Figura 21 Resumo das séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais nas metrópoles brasileiras de Belém 1 Fortaleza 2 Recife 3 Salvador 4 Belo Horizonte 5 Rio de Janeiro 6 São Paulo 7 Curitiba 8 e Porto Alegre 9 entre 1992 e 2018257 Figura 22 Resumo das regressões bivariadas metrópoles brasileiras 19922018 e 1992200120092018258 Figura 23 Matriz de correlação variáveis contemporâneas259 Figura 24 Matriz de correlação variáveis defasadas260 Figura 25 Regressões loglin simples entre indicadores preditivos e taxas ajustadas de homicídios intencionais nos Estados e Distrito Federal 19962019292 Figura 26 Matriz de correlação das variáveis preditivas nos Estados e Distrito Federal293 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1 Resumo das variáveis independentes usadas na Tese34 Quadro 2 Dimensões analíticas da violência criminal68 Quadro 3 Níveis analíticos da violência criminal69 Quadro 4 Mecanismos sociais da violência homicida intencional72 Quadro 5 Situações e atores típicos dos crimes letais intencionais77 Quadro 6 Tipos de organizações criminosas violentas87 Quadro 7 Configurações do mundo do crime nas metrópoles101 Quadro 8 Lista de variáveis e fontes125 Quadro 9 Estatística descritiva RJ 19982018 SP 19812018 59 casos127 Quadro 10 Descrição e fontes das variáveis de interesse do capítulo154 Quadro 11 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 55824 valores ausentes ignorados156 Quadro 12 MQO agrupado usando 12834 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomidicios163 Quadro 13 MQO agrupado usando 12276 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 22 Variável dependente lTxAjHomidicios164 Quadro 14 LAD usando 12834 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios 165 Quadro 15 LAD usando 12276 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios 165 Quadro 16 Variável dependente lTxAjHomidicios166 Quadro 17 Variáveis explicativas da violência criminal nas metrópoles186 Quadro 18 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927193 Quadro 19 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz196 Quadro 20 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz197 Quadro 21 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens198 Quadro 22 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens199 Quadro 23 Estatísticas descritivas metrópoles e vitimização feminina222 Quadro 24 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 923227 Quadro 25 Efeitosfixos usando 207 observações Variável dependente lTxAjFemicidios Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Erros padrão de BeckKatz232 Quadro 26 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjFemicidios Erros padrão de BeckKatz233 Quadro 27 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios234 Quadro 28 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios235 Quadro 29 Descrição e fonte das variáveis metrópoles 19922009 20012018 254 Quadro 30 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 valores ausentes ignorados256 Quadro 31 MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios 19922018 Erros padrão de BeckKatz261 Quadro 32 Estimativas MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios263 Quadro 33 Descrição das variáveis Estados e Distrito Federal289 Quadro 34 Estatísticas Descritivas dos Estados e Distrito Federal 19802019 usando as observações 101 2742 valores ausentes ignorados291 Quadro 35 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz294 Quadro 36 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz295 Quadro 37 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz296 Quadro 38 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz297 Quadro 39 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz298 Quadro 40 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz299 Quadro 41 Estimativas MQO agrupado Variável dependente ltxajhomicidios 300 Quadro 42 Resumo das hipóteses e resultados das variáveis independentes323 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS PM Polícia Militar estadual responsável pelo policiamento ostensivo PC Polícia Civil estadual responsável pela investigação criminal SSP Secretaria Estadual de Segurança Pública CLI Crimes Letais Intencionais DATASUS Sistema de Informações do Ministério da Saúde do Brasil SIMDATASUS Sistema de Informações de Mortalidade subsistema do DATASUS serviço de dados do Ministério da Saúde do Brasil CID9 9ª revisão da Classificação Internacional de Doenças CID10 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEADATA Serviço de gestão tratamento e divulgação de dados do IPEA PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios STN Secretaria do Tesouro Nacional RMDPC Renda média domiciliar per capita Índice Gini Método matemático para a análise da distribuição de um bem qualquer entre uma população no qual o índice varia entre 0 igualdade total da distribuição do recurso e 1 ou 100 apenas um indivíduo concentra todo o recurso em questão PIB Produto Interno Bruto que é a soma de todo valor econômico monetário pro duzido em dada unidade de análise país município estado etc em dado período geralmente um ano PIB per capita Produto Interno Bruto anual dividido pela população residente da unidade de análise em questão MQO OLS Método dos Mínimos Quadrados Ordinários Ordinary Least Squares tam bém conhecido como análise de regressão MQP WLS Mínimos Quadrados Ponderados Weighted Mininum Squares uma forma especial de regressão com dados em painel GLS Generalized Least Squares ou Método de Efeitos Aleatórios para regressão com dados em painel LSDV Least Squares Dummie Variables ou método de Efeitos Fixos para regressão com dados em painel GMMDiff ou GMMSys Generalized Method of Moments Difference ou System método generali zado dos momentos para análise de regressão em painel dinâmico com equações de primeiras diferenças Diff ou de níveis Sys Linlin Regressão linear sem transformação logarítmica das variáveis Loglin Regressão com transformação logarítmica da variável dependente represen tando a relação entre variação linear da variável independente e variação per centual da variável dependente Loglog Regressão com transformação logarítmica das variáveis dependente e inde pendente representando a relação entre as variações percentuais das variá veis independente e dependente ACP Análise de Componentes Principais THI Taxa de Homicídios Intencionais ou seja soma das mortes por agressão e por operações de guerra por 100 mil habitantes TxAjHi Taxa Ajustada de Homicídios Intencionais que acrescente uma proporção das mortes por causas mal definidas e das mortes violentas por intenção indeter minada ao cálculo de homicídios intencionais O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Código de Financiamento 001 This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Finance Code 001 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO19 11 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA19 12 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E DOS OBJETIVOS23 13 METODOLOGIA32 14 ESTRUTURA DA TESE42 2 NÍVEIS E DIMENSÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CRIMINAL ESBOÇO TEÓRICO DE UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA QUANTITATIVA46 21 APRESENTAÇÃO46 22 EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA E ECONOMIA DO CRIME47 23 ESBOÇO DE UMA ABORDAGEM ANALÍTICA51 24 SÍNTESE DO CAPÍTULO72 3 ATORES E CONTEXTOS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA PROPOSTA DE UMA TIPOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS BRASILEIRAS74 31 APRESENTAÇÃO74 32 SITUAÇÕES MOTIVAÇÃO E ENVOLVIMENTO76 33 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS VIOLENTAS85 34 CONFIGURAÇÕES DOS MERCADOS ILÍCITOS99 35 SÍNTESE DO CAPÍTULO103 4 MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA E VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO107 41 APRESENTAÇÃO107 42 DEFINIÇÃO JURÍDICA DA VIOLÊNCIA HOMICIDA109 43 DEFINIÇÃO BIOLÓGICA DA VIOLÊNCIA113 44 AS MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA115 45 VIOLÊNCIA POLICIAL E HOMICÍDIOS DOLOSOS EM SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO118 46 PROBLEMA122 47 METODOLOGIA123 48 RESULTADOS126 49 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS138 410 SÍNTESE DO CAPÍTULO140 5 CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA UMA ANÁLISE DAS MICRORREGIÕES BRASILEIRAS ENTRE 1996 E 2019143 51 APRESENTAÇÃO143 52 DISCUSSÃO TEÓRICA144 53 METODOLOGIA153 54 RESULTADOS155 55 DISCUSSÃO167 56 SÍNTESE DO CAPÍTULO171 6 ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA E HOMICÍDIOS INTENCIONAIS CONTRA JOVENS NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS173 61 APRESENTAÇÃO173 62 OS CONCEITOS DE JUVENTUDE E A SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA174 63 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS184 64 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS192 65 ANÁLISE DOS RESULTADOS199 66 SÍNTESE DO CAPÍTULO206 7 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E ESTRUTURA SOCIAL UMA ANÁLISE DOS DETERMINANTES DA VITIMIZAÇÃO LETAL FEMININA NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS209 71 APRESENTAÇÃO209 72 TEORIA SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER210 73 METODOLOGIA220 74 RESULTADOS226 75 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS235 76 SÍNTESE DO CAPÍTULO239 8 RAÍZES DA VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL CAUSAS DE CURTO E DE LONGO PRAZO DAS TAXAS DE HOMICÍDIOS INTENCIONAIS DAS GRANDES METRÓPOLES BRASILEIRAS ENTRE 2001 E 2018242 81 APRESENTAÇÃO242 82 CAUSAS DA VIOLÊNCIA NO PRESENTE E NO PASSADO243 83 DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS E DO MÉTODO251 84 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS EMPÍRICOS255 85 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS264 86 SÍNTESE DO CAPÍTULO270 9 CRIMINALIDADE VIOLENTA E POLÍTICAS PÚBLICAS O IMPACTO DOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEGURANÇA SOBRE OS HOMICÍDIOS INTENCIONAIS NOS ESTADOS BRASILEIROS273 91 APRESENTAÇÃO273 92 ENTRE A PACIFICAÇÃO CIVIL E A ACUMULAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA 275 93 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A CONSTRUÇÃO DO MODELO286 94 RESULTADOS EMPÍRICOS290 95 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS301 96 SÍNTESE DO CAPÍTULO310 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA TESE313 11 REFERÊNCIAS339 19 1 INTRODUÇÃO Este capítulo como o título nos informa é uma apresentação do projeto e dos principais produtos até agora que constituem esta Tese de Doutorado Primeiramente apresentamos uma exposição do projeto de pesquisa expondo a problemática histórica e teórica dos homicídios intencionais no Brasil os problemas e objetivos a metodologia da pesquisa e um resumo dos principais resultados que se encontram nos capítulos seguintes Buscamos demonstrar a relevância científica e social da pesquisa e justificar as escolhas metodológicas gerais inclusive a opção pelo formato de coletânea de artigos ou multipaper ao invés da tradicional monografia Deixaremos o desenvolvimento da argumentação teórica mais aprofundada e a justificativa das escolhas metodológicas mais específicas para sessões de revisão teórica e de metodologia acrescidas a cada capítulo 11 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA No Brasil das últimas décadas podemos observar o crescimento e consolidação de um fenômeno social massivo com severos impactos humanos econômicos políticos e culturais a criminalidade violenta intencional Como resultado mais visível é fácil apresentar o número de mortos ceifados desde que o Sistema de Informações de Mortalidade SIM foi instituído nacionalmente permitindo uma contagem nacional estadual e municipal de mortes E especialmente das vítimas de mortes violentas por agressão ou por intervenção legal e operações de guerra que ao longo deste trabalho serão tratadas tanto umas quanto as outras como homicídios intencionais A série histórica iniciase em 1979 sendo os dados mais recentes até a presente data os de 2019 Tratamse de ao menos 1628529 pessoas assassinadas E dizemos ao menos porque temos razões para acreditar que o número real pode ser maior superando os 2 milhões conforme evidências e estimativas que serão apresentadas posteriormente ao longo dos capítulos desta Tese especialmente o quarto capítulo Antes de 1979 porém não temos dados sequer subnotificados As raras pesquisas sobre o assunto sugerem que há também um número considerável de 20 mortos por violências dolosas desde os anos 1960 em razão tanto do aumento da criminalidade provavelmente ligada à trajetória socioeconômica do país aumento da desigualdade urbanização acelerada e precária etc quanto do incentivo à violência policial sob o autoritarismo político do regime militar COSENZA 2015 A história anterior do Brasil não está isenta de violência nem em termos relativos mas uma criminalidade violenta massiva difusa e persistente produzindo uma alta letalidade por agressão é muito mais provavelmente um fenômeno das últimas décadas embora seja difícil precisar de quantas sendo razoável localizar a aceleração entre meados da década de 1960 e final dos anos 1970 Outro fenômeno subsequente ao grande crescimento dos homicídios intencionais com certo atraso foi o encarceramento em massa Mais uma vez a repressão não é algo de novo no Brasil e especialmente repressão contra os pobres com graus consideráveis de violência arbitrária tanto física quanto moral Após a Independência e principalmente depois da Abolição a gradual formação de organizações policiais profissionais foi acompanhada da alocação destes funcionários da lei e da ordem para manter a ordem às custas da lei sem economizar no uso da força física especialmente contra pobres e rebeldes O fenômeno do encarceramento em massa foi precedido de 21 anos de ditadura e da continuidade do aparelho policialmilitar expandido e endurecido sob o regime de exceção dos Anos de Chumbo Mas encarcerar em massa sem motivação abertamente política às centenas de milhares de cidadãos anualmente despejando milhões de expresidiários na sociedade ao longo dos anos também parece ser uma novidade histórica Em comum as vítimas dos homicídios intencionais e os aprisionados por crimes têm características típicas são frequentemente homens jovens de baixa ou nenhuma escolaridade se declaram pretos ou pardos e presumidamente são pobres de famílias pobres estando fora ou nas margens do mercado de trabalho BRASIL 2000 2009 e 2015 A conexão com o uso e tráfico de drogas ilícitas está explícito na maioria das prisões e implícito em grande parcela dos assassinatos RIBEIRO COUTO et al 2014 O padrão de vitimização porém exibe uma peculiaridade em comparação com os padrões de encarceramento a maioria dos assassinatos são cometidos com armas de fogo e em vias públicas enquanto os presos por posse ilegal de armas de 21 fogo e por crimes contra a vida são uma minoria em comparação com os detidos pela Lei de Drogas e por crimes contra o patrimônio BRASIL 2015 MINAYO 2009 As ocorrências de homicídios intencionais não se distribuem de maneira aleatória entre a população e o território Pelo contrário têm uma clara tendência à concentração e ao contraste há enormes diferenciais entre Estados da federação grupos de municípios dos mesmos e profunda diferenciação entre áreas dentro dos municípios havendo grupos de bairros com altas e baixas taxas de crimes violentos dentro dos mesmos municípios e discrepâncias análogas nos municípios do mesmo Estado e entre unidades estaduais do país MINAYO 2009 Em geral os homicídios intencionais vitimam os pobres especialmente os jovens entre os pobres e concentramse nos bairros menos afortunados ou seja com moradores de renda e escolaridade mais baixas maior número de desempregados e informais e também com infraestrutura mais pobre Paradoxalmente os homicídios intencionais se concentram nos bairros mais pobres mas não necessariamente dos municípios ou dos grupos de municípios de menor renda Pelo contrário os grandes centros urbanos que são os principais polos econômicos regionais exibem altas taxas de homicídios intencionais Mas se identificase uma grande variação na distribuição espacial das mortes violentas intencionais por outro lado ao longo do tempo dentro de cada unidade territorial as mudanças na incidência relativa de mortalidade por homicídios intencionais tem sido relativamente graduais sendo raros os sobressaltos ZALUAR BARCELLOS 2013 SOUZA SILVA SOUZA 2018 SOARES 2008 SCHABBACH 2016a LIMAet al 2000 FREITAS et al 2000 DUARTE et al 2012 CHAGAS2015 BEATO FILHO 1998 BEATO FILHO et al 2001 BATISTA et al 2016 Para que se tenha uma ideia deste padrão usando dados do DATASUS podemos indicar que das 1628529 vítimas oficiais de mortes por agressão ou intervenção entre 1979 e 2019 354463 eram jovens entre 15 e 29 anos residentes nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Ou seja 2176 da vitimização por agressão e intervenção legal no Brasil se concentram entre os jovens moradores de 9 das 558 microrregiões do Brasil A violência criminal massiva no Brasil adquiriu assim uma feição jovem e urbana 22 A grande maioria dos crimes letais intencionais não são resolvidos pela polícia Entre a minoritária fração dos casos em que há a identificação do culpado pelo crime o agressor típico é similar à vítima típica Dado o padrão de juventude masculinidade baixa escolaridade baixa origem e status socioeconômico e envolvimento com drogas ilícitas entre vítimas de homicídios e suspeitos de crimes inferese que tal grupo acumula desvantagens socioeconômicas e disposições psicossociais que os tornam mais propensos ao envolvimento criminal e mais expostos situações violentas Os dados do encarceramento e condenações além disso sugerem que a participação dos jovens pobres na criminalidade se dá nas franjas mais baixas e arriscada dos mercados ilícitos sobretudo o varejo de drogas ilícitas e a prática de roubos e furtos que podem ser interpretadas por isso como um mercado de trabalho ilegal que é mais aberto para estes jovens pobres que os empregos convencionais RIBEIRO COUTO et al 2014 BRASIL 2009 e 2015 Até aqui usamos a violência como um conceito autoevidente cujo significado é conhecido de imediato por todos A discussão sobre violência na Teoria Social porém tende a problematizar essa pretensa obviedade na medida em que a violência é desdobrada em múltiplos significados havendo violências físicas ou simbólicas que são individuais ou coletivas que são espontâneas ou premeditadas instrumentais ou expressivas desviantes ou legitimas intencionais ou não intencionais ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 MIETHE REGOECZI 2004 Formas extremas massivas e evitáveis de privação material e devastação ambiental que são resultados intencionais ou não da ação humana e capazes de ameaçar ou destruir a subsistência e integridade de indivíduos e grupos são muitas vezes classificadas como violências estruturais ou indiretas GALTUNG 1990 ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 Apesar de a maioria das formulações acerca da violência objetivaestrutural a caracterizar como independente da intencionalidade dos agentes sociais acreditamos que esta não é uma definição precisa já que a caracterização não é aplicada a desastres naturais por exemplo que também podem causar devastação massiva e extrema A violência estrutural ao invés disso poderia ser definida como uma situação na qual privações e desastres com impactos extremos e massivos 23 sobre populações são causadas por ações organizadas e institucionais vistas às vezes como legítimas como atividades administrativas empresariais ou militares que produzem grandes danos colaterais os quais são retoricamente negados e na prática vistos com indiferença pelos poderes e opiniões politicamente dominantes A sutileza da cacterização muitas vezes dificulta o entendimento do fenômeno mas podemos indicar que as violências sejam intencionais e diretas ou estruturais e indiretas produzem o mesmo efeito a anulação da integridade e liberdade dos sujeitos no limite por meio da sua aniquilação física seja por ferimentos inanição exaustão ou envenenamento GALTUNG 1990 ZIZEK 2006 SCHINKELL 2010 MISSE 2017 Um homicídio intencional certamente se encaixa em uma definição estrita da violência individual intencional e física além de geralmente desviante e ilegítima Um padrão massivo e persistente de homicídios intencionais atingindo desigualmente as divisões de classe de geração e de etnia de uma sociedade e ensejando uma fraca reação políticoinstitucional contrária poderia porém ser caracterizado apenas como uma mera soma das violências individuais E este padrão estruturado de vitimização inversamente poderia ser explicado apenas como expressão da violência estruturalobjetiva se o que observamos é a agregação de crimes intencionais fragmentários e cometidos por razões particulares dos agentes em situações que mais se assemelham entre si do que se conectam diretamente A criminalidade violenta intencional pode ser considerada um fenômeno intermediário que possui condições estruturadas objetivamente e que influenciam a sua incidência mas que é realizada intencionalmente por indivíduos que agridem outros indivíduos individualmente ou em grupo Por isso apesar de reconhecermos a pertinência do conceito de violência estrutural utilizaremos nesta Tese mortes violentas como sinônimo de mortes por causas externas 12 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E DOS OBJETIVOS Um homicídio intencional é uma ação social objetivamente situada ou seja é definido pela convergência espaçotemporal entre um ou mais agentes motivados 24 uma ou mais vítimas desprotegidas e ainda pela ausência de obstáculos eficazes para impedir a consumação da agressão e do seu desfecho letal Os agentes dos homicídios intencionais podem ter uma variedade de motivos para matar e a explicação para a motivação por crenças e atitudes formadas anteriormente é uma questão central nas teorias sociológicas da violência criminal MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 A convergência com a vítima e a ausência de obstáculos sejam físicos sejam sociais e picossociais controles formais e informais são também questões centrais da análise sociológica da violência COHEN FELSON 2006 A soma dos homicídios intencionais de um contexto históricogeográfico é um fenômeno que sendo uma agregação de eventos singulares é dotado de regularidades sociais Apesar da imensa variedade de manifestações singulares os homicídios intencionais assumem padrões estatísticos marcantes quando observados em conjunto em nível agregado e macrossocial Em suma o objeto desta pesquisa são os padrões de variação do nível agregado de homicídios intencionais entre unidades de agregação locais e temporais Estamos em busca não só de descrever estas regularidades coletivas como tendências de variação ao longo do tempo e entre regiões como ainda de explicar ao menos uma parcela da variação da incidência da violência letal dolosa entre os diversos contextos e em função de estruturas sociais socioeconômicas e sociodemográficas Admitimos assim que a soma e proporção agregada dos homicídios intencionais chamemolos por convenção e por comodidade de taxas por 100 mil habitantes ou apenas taxas variam entre os lugares e os tempos e que esta incidência variável não está totalmente separada da intencionalidade dos homicidas nem se confunde com as motivações subjetivas Pressupomos com base na teoria macrosociológica e macrocriminológica que os homicídios intencionais são explicáveis por contextos e processos sociais que também possuem padrões coletivos e mensuráveis que são características emergentes não inteiramente separáveis nem plenamente redutíveis às partes componentes Tratase enfim da ideia de que há uma causalidade estrutural dos homicídios intencionais a configurações macrossociais correspondem alterações aproximadas nas taxas mais ou menos altas de homicídios intencionais Dizendo de outra 25 maneira a causalidade é estrutural e probabilística e é assim porque não podemos conhecer a totalidade dos fatores que determinam um curso de ação porque todas as informações sobre as variáveis possuem suas próprias margens de erro de medida e talvez porque a intencionalidade humana individual guarde algo de avesso à total modelização coletiva Buscamos então a análise da causalidade probabilística entre condições sociais estruturais e a incidência das taxas de homicídios intencionais considerando as condições e os resultados fenômenos coletivos e objetivos mas que têm a sua conexão mediada pelas disposições subjetivas dos agentes Tratase de uma análise macrossociológica das mortes violentas intencionais processos causais relacionados a um contexto amplo de uma microrregião ou Estado impactam as interações sociais ao impor certos constrangimentos e instrumentos para os atores de maneira que coíbem ou estimulam ações violentas sendo a taxa de homicídios intencionais um resultado agregado e como tal possuidor de características relativamente regulares que nos permitem a construção de uma análise estrutural Dialogamos dessa maneira com perspectivas que afirmam ou negam que o nível agregado de criminalidade violenta assim como o envolvimento individual em situações violentas responde a diversos processos macrossociais os quais muitas vezes se sobrepõem e entrelaçam tornando extremamente difícil a predição e prevenção da violência homicida Ao longo do tempo têm sido propostas inúmeras teorias sociais explicativas que podemos agrupar em algumas tradições de pesquisa e realizados numerosos testes empíricos de maior ou menor qualidade para aferir a validade empírica destas formulações teóricas Os testes são muitas vezes dificultados pela escassez fragmentação ou inadequação dos indicadores e dados disponíveis tanto a nível macro quanto a nível microssocial No sentido mais fraco da conexão entre estruturas sociais e criminalidade a ideia de que a incidência de crimes violentos se liga ao contexto socioeconômico é tautológica pois toda ação social ocorre dentro de uma situação objetiva A conexão do tipo associação é descritiva indicando que as violências observadas acontecem naquelas condições estruturadas que podem ou não ter conexão causal direta ou indireta com os eventos criminais violentos A recorrência de certos atos violentos 26 em alguns tipos de contexto socioeconômico em oposição à sua raridade em outros tipos poderia ser tomada como uma conexão de sentido que passa por mecanismos sociais diversos sempre dependentes das atribuições de sentido dos atores e relações entre eles Tal perspectiva é mais comum em estudos de caso orientados por métodos qualitativos e perspectiva fenomenológica Indo mais além no sentido forte da conexão entre estruturas sociais e criminalidade a hipótese é que as condições socioeconômicas possuem efeitos sobre a incidência de eventos violentos como assassinatos confrontos estupros e roubos por meio de processos causais que guardam uma conexão direta ou indireta com as mesmas condições socioeconômicas sendo a associação empírica interpretada como uma evidência de causalidade mediada por mecanismos sociais ainda que passem pelas disposições subjetivas dos atores envolvidos nos eventos violentos Em outras palavras da mesma forma que a situação objetiva é interpretada pelos agentes sociais no decurso das suas ações e escolhas as próprias preferências crenças e capacidades subjetivas dos agentes sociais seriam influenciadas pelas situações objetivas principalmente ao influir na formação de trajetórias individuais e coletivas Esta concepção é mais ligada às análises quantitativas e às qualitativas comparadas Ao perguntar se e quais determinantes estruturais explicam a variação das taxas de homicídios intencionais entre os contextos sociais procuramos verificar hipóteses relativas ao sentido forte do nexo entre estrutura sociais e violência criminal Ainda que pressupondo as ações violentas potencialmente letais como dotadas de um sentido subjetivo para os agentes não descuidamos do fato de que a situação objetiva derivada dos processos de produção e distribuição de recursos estrutura condições que constrangem e viabilizam alguns cursos de ação em detrimento de outros A estas situações objetivas os agentes respondem de diferentes maneiras entre elas as violentas Estas condições são marcadamente desiguais variando em função da posição social objetiva do agente na estrutura de classe gênero e status Ademais as estruturas de oportunidades disponíveis para os atores sociais são diferenciadas em outro sentido algumas são legítimas e legais outras não Dessa 27 maneira a narrativa que os agentes fazem do seu próprio contexto ação e resultados não necessariamente corresponde à explicação objetivamente válida embora esta mesma percepção deva ser considerada como um mecanismo interveniente no processo causal em questão Mesmo um estudo macroquantitativo deve pressupor algumas formas típicas de motivação e percepção para explicar porque uma fração dos agentes sociais reagiram a alterações no contexto social amplo da maneira que produziu os resultados observados em escala agregada Esta linha de argumentação não é a mais comum nas ciências sociais brasileiras nas quais são mais frequentes a perspectiva ideográfica e o rechaço aos métodos quantitativos e generalizações CANO 2012 Os estudos sociológicos da criminalidade não tem sido uma exceção Segundo Alex Niche Teixeira e Ludmila Ribeiro 2017 a literatura de sociologia da violência segurança pública e criminalização no Brasil tem um caráter predominantemente ideográfico centrado em estudos de caso etnográficos com poucas análises comparativas e quantificação Este trabalho busca preencher essa lacuna ao mesmo tempo aproveitando da acumulação de estudos qualitativos e locais como fontes secundárias para análises comparativas e dos bancos de dados da saúde economia e demografia para combinar cortes longitudinais e transversais em painéis de dados De maneira geral a safra de estudos qualitativos podem nos sugerir hipóteses e interpretações causais para as análises quantitativas e posteriormente podem ser utilizadas como aprofundamento sobretudo nos casos desviantes A análise desenvolvida nesta Tese pretende por isso ter um alcance mais amplo de generalização ainda que de caráter probabilístico beneficiandose da acumulação de estudos parciais e locais e da acumulação de grandes levantamentos e bancos de dados estatísticos macroeconômicos sociodemográficos e epidemiológicos mas buscando superar a sua fragmentação e muitas vezes unilateralidade em uma análise multicausal longitudinal e comparativa como contribuição para a identificação de mecanismos sociais que produzem a criminalidade letal intencional que observamos ao longo de décadasno Brasil Dessa maneira queremos responder à pergunta por que a razão entre o 28 número de homicídios intencionais e a população residente taxa de homicídios intencionais varia entre lugares e períodos As condições sociais estruturais explicam a variação espaçotemporal do nível de crimes letais intencionais e por quais mecanismos causais As taxas de homicídios intencionais respondem a alterações nas condições sistêmicas socioeconômicodemográficas e em qual sentido O projeto de pesquisa sociológica cujos produtos são apresentados nos capítulos subsequentes teve como objeto principal os macrodeterminantes das taxas de homicídios intencionais entre as microrregiões brasileiras e ao longo do tempo O propósito foi testar hipóteses relativas à causalidade entre estruturas sociais e níveis agregados de mortalidade por homicídios intencionais que são considerados um evento em si mesmo como também um proxy da criminalidade violenta Como tal os estudos se baseiam em tradições teóricas da Sociologia e da Criminologia que postulam impactos de mecanismos sociais que operam ou são correlatos a processos em nível macrossocial Em termos metodológicos a estrutura social é concebida como um sistema de múltiplas variáveis socioeconômicas e sociodemográficas formando uma configuração da violência que se traduz em taxas variáveis de homicídios intencionais no tempo e no espaço A criminalidade violenta nesta perspectiva não é meramente uma soma de ações individuais que resulta em números e taxas mas um comportamento coletivo e interativo que perpassa redes de relações sociais diversas sendo a taxa agregada de homicídios intencionais uma medida indireta da prevalência de disposições violentas que se constituem em certos contextos e ao longo do tempo e se expressa de acordo com pressões e canais estruturados em certo momento e lugar Conforme dissemos anteriormente os dados do DATASUS revelam que o número de homicídios intencionais acumulados entre 1979 e 2019 no Brasil supera 16 milhão As características agregadas dos homicídios intencionais se mostram bastante regulares com um padrão de incidência nítida sobre algumas camadas socioeconômicas e sociodemográficas predomínio de vitimização masculina jovem pobre não branca menos escolarizada em alguns tipos de territórios grandes centros urbanos e bairros mais pobres dos municípios além de características 29 situacionais como o tipo de local via pública residência ou local de trabalho e os instrumentos armas de fogo armas perfurocortantes e contundentes Porém quando as vítimas são mulheres a frequência de agressões com facas e outras armas brancas e no espaço doméstico aumenta com maior dispersão da idade da vítima mas mantendo características socioeconômicas Quando tratase da frequência em áreas de grande população a tendência é a variação gradual sendo raras as mudanças abruptas de um ano para o outro SOARES 2008 Ao nosso ver estes padrões não têm sido analisados detidamente em função do predomínio do ideografismo como perspectiva epistemológica A consideração pelo caráter altamente estruturado da criminalidade letal intencional no Brasil exigiria um tipo de análise quantitativa comparativa e mista As pesquisas quantitativas têm sido feitas principalmente por economistas e epidemiólogos que se dedicaram ao assunto mas com honrosas exceções a sociologia tem produzido estudos de caso qualitativos com abordagem interpretativista pouco dialogando com as análises quantitativas produzidas internacionalmente ou por outras disciplinas um não debate que é retribuído na mesma moeda Mesmo se restringindo aos métodos qualitativos a acumulação de estudos de casos até agora pouco tem levado à construção de tipologias e modelos ainda que alguns tipos sejam utilizados implicitamente em geral derivados de categorias nativas incluindo narrativas jornalísticas e políticas facções e milícias assassinatos banaispassionais e ligados ao tráfico por exemplo Construção de tipologias teorização sobre mecanismos causais e tradução de proposições qualitativas em modelos quantitativos são contribuições que pretendemos avançar nesta pesquisa como esperamos que fique demonstrado pela leitura dos capítulos Dessa maneira ao par do problema e objetivo centrais de explicar a variação da taxa de homicídios intencionais entre locais microrregiões e estados e períodos anuais no Brasil temos ainda alguns objetivos e questionamentos específicos O primeiro deles é elaborar uma abordagem multicausal dos crimes letais intencionais levando em conta os níveis e dimensões estruturais do fenômeno e seus fundamentos nas situações organizações e configurações da criminalidade violenta O segundo é avaliar a própria construção da categoria teórica e empírica de 30 homicídio intencional sua conexão com o conceito de violência em suas definições jurídicas e biológicas e com os procedimentos administrativos que formam o dado ora analisado O terceiro é a análise de algumas categorias de macrodeterminantes e seus efeitos específicos sobre os homicídios intencionais por meio de mecanismos de tensão social oportunidade criminal e desorganização social os mercados de consumo e de trabalho o consumo mórbido de psicoativos a posse de armas de fogo a estrutura sociodemográfica crescimento densidade e composição populacionais e variadas formas de apoio controle e exclusão socioeconômicas gastos públicos assistência social segurança pública escolaridade desemprego desigualdade serviços básicos de saneamento coesão familiar etc O quarto é analisar os efeitos dos macrodeterminantes postulados sobre homicídios intencionais de jovens e de mulheres bem como as causas de longo prazo da violência criminal nas metrópoles O quinto é distinguir os efeitos do gasto público sobre a criminalidade violenta por tipo diferencial de intervenção estatal ligandoos a mecanismos institucionais de dissuasão policial ou de apoio social público A hipótese que guiou esta pesquisa foi no sentido de verificar as predições consistentes com os postulados teóricos Esperávamos que maior presença de armas e maior consumo de psicoativos levasse a maior violência As armas de fogo são eficientes tecnologias da violência como as definiu Currie 1997 e por isso a sua disponibilidade facilitaria a prática do homicídio O consumo de drogas e álcool causaria violências letais por meio dos efeitos dos psicoativos na consciência exacerbando emoções intensas que poderiam levar a conflitos interpessoais violentos e causando dependência química que motivaria crimes aquisitivos como roubos furtos extorsão tráfico e contrabando etc Por meio dos crimes aquisitivos também atuariam em parte as condições socioeconômicas gerais no curto prazo como o desemprego e a desigualdade de renda levando à prática de crimes motivados pela comparação entre oportunidades lícitas trabalho e ilícitas crimes aquisitivos levando o ator a optar pelas segundas quando considerasse as primeiras pouco atraentes Grandes centros urbanos poderiam favorecer ainda mais a prática criminal devido à maior chance de contato e oportunidades criminais 31 devido à grande aglomeração e circulação de pessoas e riquezas móveis Por outro lado enquanto o acesso a armas de fogo facilitaria o crime violento a ação policial poderia reduzir a criminalidade por meio da dissuasão e incapacitação passando a mensagem de que o crime não compensa por meio da certeza da punição A renda por isso teria efeitos nulos de um lado criaria maiores oportunidades para os crimes aquisitivos e por outro maior renda do trabalho e mais dinheiro arrecadado pelo Estado que poderia gastar mais em segurança pública e assistência social Estas hipóteses se referem ao conceito de fatores facilitadores e recompensadores do crime relevando a dimensão oportunista da criminalidade violenta BECKER 1968 CLARKE 1980 COHEN FELSON 2006 AKERS 1990 MIETHE REGOETZE 2004 CERQUEIRA 2010 FRANCO 2016 CLEMENTE WELTERS 2007 CURRIE 1997 ROSENFELD 2009 COOK 1979 GOLDSTEIN 1985 BEATO FILHO 1998 MISSE 2019 Mas supomos ainda que as condições materiais em especial aquelas que representam formas de exclusão privação ou desvantagem socioeconômicas teriam ainda efeitos indiretos ao gerar sentimentos de frustração pessoal e de esvaziamento das considerações morais potencializadas por uma ordem institucional na qual o sucesso financeiro é o princípio legítimo dominante da ação social A comparação subjetiva entre oportunidades legítimas e ilegítimas entre a busca por um trabalho convencional ou a prática de crimes aquisitivos seria desprovida de critérios morais visando apenas a avaliação de qual poderia propiciar maior renda no menor prazo e com menor esforço Ao mesmo tempo condutas como violências expressivas e uso mórbido de psicoativos poderiam ser procurados por si mesmas como formas de aliviar sofrimentos ou dar vazão a valores tradicionais A motivação criminal violenta poderia ser por isso a busca por meios ilegais para obter resultados que são convencionalmente valorizados como o sucesso financeiro e o consumo individuais a masculinidade ou por meios ilegais para obter satisfações compensatórias para frustrações causadas pela impossibilidade objetiva de obter estes bens socialmente válidos Por isso não é só a presença de fatores que facilitam ou recompensam as práticas ilícitas que devem ser consideradas para explicar a criminalidade mas também os fatores que restringem ou dificultam o acesso a oportunidades legítimas para obter o sucesso 32 desejado e apoios sociais para lidar com as frustrações psicossociais Um desdobramento importante quanto aos últimos é que a privação pode ser relativa ou seja frustrante se comparada com outra situação mais favorável e almejada seja ela percebida no topo da pirâmide social na média ou até mesmo recebida por meio da publicidade comercial Enquanto as oportunidades legítimas estariam ligadas ao mercado de trabalho os apoios sociais poderiam ser propiciados pelas famílias ou pelo Estado MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 e 2015 AGNEW et al 2008 CURRIE 1997 e 2015 PASSAS 1997 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 ROSENFELD 2009 CULLEN 1995 GOLDSTEIN 1985 RIBEIRO CANO 2016 MISSE 2019 Por fim a estrutura sociodemográfica teria efeitos sobre a violência criminal na medida em que por meio da promoção da fragmentação sociocultural e das oportunidades criminais o crescimento densidade e proporção de homens jovens na população causariam o aumento dos homicídios intencionais O crescimento e adensamento populacionais acelerados ligados à urbanização criariam contextos de esvaziamento normativo nos quais os laços sociais dos indivíduos com suas famílias e comunidades seriam frágeis Assim o controle e apoio recíproco entre os atores sociais mediado pelos seus laços sociais seriam ineficazes Inversamente uma rede adensada de laços sociais contribuiria para fortalecer o controle comunitário e moral resultando em baixa incidência de práticas violentas e criminais Esta dimensão do controle social é menos voltada para explicar porque os crimes e violências ocorrem e mais para compreender porque deixam de ocorrer mesmo quando há condições facilitadoras e indutoras para a criminalidade SHAW MCKAY 1942 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 CULLEN 1995 CURRIE 1997 e 2015 LYNCH BOGGESS 2016 KUBRIN WEITZER 2003 KUBRIN WO 2016 MISSE 2019 13 METODOLOGIA Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa tem propósitos de descrição comparação e de interpretação causal das variáveis socioeconômicas demográficas e de mortalidade violenta utilizando tanto fontes primárias quanto 33 secundárias A construção da metodologia orientouse por uma filosofia crítico realista que considera a realidade social como estruturada por mecanismos processos e relações com força causal e que os eventos observáveis são produzidos pelos mecanismos sociais ou seja por processos causais subjacentes que não são diretamente observáveis mas são inferidos por meio de modelos e evidências A orientação epistemológica e ontológica do realismo crítico não permite uma prevalência dos métodos quantitativos ou qualitativos mas é favorável ao diálogo e combinação assim como à interdisciplinaridade BASKHAR 2014 HAMLIN 2000 Neste sentido apresentamos uma discussão com a literatura quantitativa predominante sobre a violência no Brasil que é a da epidemiologia da violência e da economia do crime abordagens que possuem peculiaridades que as distanciam e aproximam das teorias sociológicas e políticas da violência e da criminalidade A partir de então formulamos uma proposta de abordagem sociológica quantitativa baseada em níveis individual comunitário e sistêmico e dimensões motivação constrangimento e instrumental da criminalidade violenta Buscamos também uma apropriação da literatura qualitativa abundante na sociologia história e antropologia como também das literaturas de testemunho que não são análises acadêmicas mas obras de cunho literário e memorialístico escritas por autores testemunharam ou participaram diretamente dos cenários da violência criminal prisões investigações criminais bairros de alta concentração de violência A partir destes estudos e testemunhos tentamos formular tipos ideais abrangendo as situações violentas organizações criminosas armadas e as configurações do mundo do crime A tipologia qualitativa e o framework quantitativo conversam entre si e se complementam pois os tipos descrevem possíveis mecanismos causais mediados por conexões de sentido disposicional As tipologias abrangem elementos de motivação controle e oportunidade na composição de situações violentas organizações armadas e mundos do crime violento Para a construção das análises multivariadas foi preciso fazer da necessidade uma virtude Um desafio foi identificar as fontes de dados disponíveis com as respectivas variáveis que poderiam ser usadas ou derivadas dos dados e organizar de uma maneira que correspondesse aproximadamente às hipóteses 34 teóricas O Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde produz dados regulares de mortalidade e morbidade por meio da qual foi possível construir tanto a variável dependente principal a taxa de homicídios intencionais quanto algumas variáveis explicativas Já para as análises das microrregiões metropolitanas e dos Estados e Distrito Federal foi possível utilizar outras fontes de dados disponibilizadas pelo IBGE e IPEA Quadro 1 Resumo das variáveis independentes usadas na Tese Variável Relevância Metodologia Fontes Consumo mórbido de drogas O uso de psicoativos teria ligação com a dinâmica situacional da violência pela exacerbação de emoções e o vício seria motivador de crimes aquisitivos aos quais os usuários recorrem para adquirir a substância e ainda à violência do tráfico de drogas ilícitas conflitos entre gangues execução de usuários endividados repressão policial ao tráfico e uso etc Proporção de mortes por consumo de álcool cocainoides canabinóides e alucinógenos por 1 milhão de habitantes SIM DATASUS e estimativa populacional do IBGE Posse domiciliar de armas de fogo A posse domiciliar de armas de fogo teria efeito na dinâmica situacional aumentando a letalidade da violência Percentual de suicídios que são cometidos com armas de fogo sobre o total SIM DATASUS Acesso a armas de fogo O acesso a armas de fogo e munições incluindo a posse domiciliar e o contrabando de armas e munições estaria associado à violência sistêmica dos mercados ilícitos e à dinâmica situacional da violência Média entre a razão de suicídios por armas de fogo suicídioPAFSuicídio s e a razão de homicídios por arma de fogo agressões PAFAgressões SIM DATASUS Mortalidade infantil A mortalidade infantil funcionou como uma proxy de exclusão social multidimensional pois análises anteriores demonstraram sua ligação com a desigualdade desemprego baixa escolaridade da mãe eficácia de serviços assistenciais e educativos acesso ao saneamento básico e taxa de fecundidade feminina A exclusão socioeconômica por sua vez atua na formação de disposições e vulnerabilidades à violência tendo efeito decisivo tanto individual pois aqueles que são marginalizados simbólica e economicamente costumam ser os mais atingidos pela violência quanto efeitos coletivos na medida em que uma estrutura social excludente fragmentaria e romperia os laços apoios e controles sociais que inibiriam o envolvimento criminal mortes de crianças menores de 1 ano por mil nascidos vivos SIM DATASUS 35 Variável Relevância Metodologia Fontes Crescimento populacional O crescimento populacional seria um fator de desorganização social pois os imigrantes vindos de diversas origens culturais não teriam laços entre si e nem com a comunidade de chegada gerando fragmentação sociocultural além de sobrecarregar os serviços publicos e os mercados de trabalho e habitacao razão percentual entre a população do ano e a de 1 5 ou 10 anos antes Estimativas populacionai s do IBGE Densidade populacional Uma proxy para urbanização o que segundo a teoria da desorganização social também seria um fator de fragmentação social na medida em que as grandes cidades ensejariam a o anonimato e o individualismo formando um contexto propício ao crime população residente por quilômetro quadrado Estimativas populacionai s do IBGE compilação das áreas das microrregiõe s em 2018 pelo IPEADATA com dados do IBGE Renda media domiciliar per capita É uma proxy do mercado consumidor interno local o que implicaria em maiores oportunidades criminais sendo a tradição utilitarista como também maior capacidade de gasto em políticas públicas de controle do crime violento media entre a media de renda dos moradores de cada domicilio Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desigualdade de renda domiciliar A desigualdade econômica está associada a estruturas de privação relativa e absoluta uma fonte de tensão social que pode motivar a violência criminal Índice Gini de renda domiciliar per capita Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desigualdade de renda por gênero Discriminação e privação de oportunidades e apoios contra mulheres se expressa em desigualdade de renda domiciliar entre homens e mulheres Razão percentual da renda média domiciliar per capita dos homens pela das mulheres Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Desemprego seria um indicador da ausência ou bloqueio de oportunidades legítimas o que segundo a teoria da tensão social seria uma fonte de frustração subjetiva sob pressão por sucesso e consumo individual que poderia levar à busca por meios ilícitos e violentos de obter os retornos econômicos e simbólicos desejados e inversamente segundo a teoria do controle social um emprego remunerado legítimo seria uma escora de laços sociais que seriam preventivos do crime Percentual da população maior de 16 anos que não tem emprego remunerado mas está buscando um Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE 36 Variável Relevância Metodologia Fontes Desigualdade laboral de gênero Foi usado como uma medida de discriminação de gênero pois valores machistas que motivam a exclusão de oportunidades de trabalho podem muito bem motivar agressões contra mulheres Razão percentual entre a taxa de desemprego feminina e a masculina Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Monoparentali dade seria agravante da criminalidade violenta segundo as teorias do controle e do apoio social pela sobrecarga da figura materna como única responsável pelo sustento e educação dos filhos que teriam assim menos apoio social e autocontrole o que os tornaria mais propensos ao envolvimento criminal Percentual de famílias cuja pessoa de referência é do sexo feminino Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Urbanização segundo a teoria da desorganização social a urbanização seria um fator de fragmentação social na medida em que as grandes cidades ensejariam a o anonimato e o individualismo formando um contexto propício ao crime similar à densidade populacional proporção de pessoas vivendo em domicílios de áreas urbanas ou de sedes de municípios sobre o total Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Homens por mulher e proporção de jovens ou de homens jovens o peso demográfico das faixas etárias e dos gêneros dentro da população é importante porque conforme já mencionado anteriormente a vitimização e autoria criminal violenta não se distribuem aleatoriamente na população tendo ao contrário uma notória concentração entre homens e jovens e por isso a proporção por gênero e idade funcionaria como variável de controle Razão entre população residente masculina e feminina razão entre população residente com idade entre 15 e 29 anos sobre o total Estimativas populacionai s do IBGE com dados do PNAD e Censo acesso a água encanada acesso ao esgotamento sanitário o acesso a serviços de distribuição de água encanada e coleta de esgoto seriam medidas da capacidade fiscal e administrativa e da vontade política do Estado para universalizar serviços básicos o que segundo as teorias do apoiotensão sociais reduziria a violência criminal Razão entre população residente em domicílios que possuem e que não possuem ligação com a rede de água ou dispositivo de saneamento básico fossa sanitária ou ligação com a rede de esgoto Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE escolaridade a escolaridade obtida pelo número médio de anos de estudo resultaria de uma ampliação das oportunidades educacionais por meio do investimento social público o que segundo teorias da tensão e apoio sociais resultariam em menor violência criminal por meio da democratização das oportunidades de trabalho mediadas pela educação da formação de laços sociais entre alunos e professores e da Número médio de anos de estudo na educação formal Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE 37 Variável Relevância Metodologia Fontes maior quantidade e qualidade da informação acessível aos pais permitindolhes maior competência na criação dos filhos Razão entre escolaridade masculina e feminina Medida de acesso diferencial por gênero a oportunidades e apoio educacionais Razão percentual entre escolaridade média masculina e feminina Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílios PNAD do IBGE Setor público per capita a presença socioeconômica do Estado teria efeitos de redução do crime violento ao permitir que a administração pública empregue mais pessoal e recursos para reprimir dissuasão penal e prevenir apoio social o crime violento Valor adicionado per capita pelo setor público incluindo salário dos servidores consumo dos órgãos públicos transferências previdenciárias e assistenciais e resultado líquido das empresas públicas Cálculo de Contas Nacionais do IPEADATA com dados do IBGE Despesa em segurança pública A despesa em segurança pública é um indicador de capacidade de dissuasão penal pois representa o gasto com pessoal e equipamentos usados pelas forças policiais municipais e estaduais Despesa pública estadual e municipal em segurança pública por habitante IPEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional STN Despesa em previdência e assistência social o apoio social público contribuiria para reduzir a criminalidade violenta ao contraporse às pressões do mercado de trabalho sobre famílias e jovens socialmente vulneráveis encorajando condutas prósociais mediando o acesso a oportunidades legítimas e amenizando os fatores de tensão e desorganização sociais Despesa pública estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais IPEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional STN Fonte Elaboração própria Sobre as unidades de análise todos os modelos utilizaram o ano como unidade de tempo e a maioria usou a microrregião como unidade territorial mas alguns utilizaram Estados Isso variou muito em função da disponibilidade de dados Em geral para o conjunto das microrregiões apenas dados demográficos e epidemiológicos estavam disponíveis enquanto para os indicadores 38 socioeconômicos renda emprego escolaridade etc haviam dados das microrregiões metropolitanas e Estados e para as finanças públicas haviam dados municipais e estaduais A microrregião ainda possui uma vantagem adicional para a análise que é controlar razoavelmente a dependência espacial das taxas de homicídios intencionais entre os municípios próximos entre si especialmente quando se tratam de microrregiões altamente densas e urbanizadas geralmente em torno das capitais estaduais Utilizando municípios seria necessário controlar por algum procedimento muitas vezes complicado a autocorrelação especial entre as taxas de homicídios intencionais dos municípios enquanto no nível microrregional este controle já está dado na própria unidade geodemográfica Ao lado de análises para o conjunto das microrregiões realizamos algumas das metrópoles de Belém Recife Fortaleza Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre que são pesquisadas por meio do PNADanual desde 1992 pelo IBGE o que permitiu alongar um pouco mais as séries temporais Por outro lado não foi possível agregar dados municipais de finanças públicas em microrregiões dada a criação ou extinção de municípios ao longo do tempo e outras dificuldades operacionais e de capacidade de processamento dos computadores disponíveis para tanto Por isso a ação do Estado nas microrregiões foi simplesmente suposta como abrangendo dissuasão policial regulação socieoconômica e apoio social público mas logo a contribuição relativa de cada tipo de ação pública entrou no radar da pesquisa Em parte a atuação estatal foi interpretada indiretamente a partir da escolaridade e do acesso à rede geral de água ou esgotamento por meio dos quais é possível inferir efeitos sociais acumulados da intervenção estatal e por meio do valor adicionado per capita do setor público a presença socioeconômica relativa do Estado na vida da população Quando utilizamos como variável a despesa primária pública per capita total ou subdividida por função segurança ou assistência a medida da qualidade da despesa pública foi simplesmente considerada como em parte aleatória e em parte controlada pelas demais variáveis do modelo supondo que um setor público mais eficiente conseguiria propiciar maior acesso ao saneamento básico e à escolaridade melhor tratamento de drogadição e controle de 39 armas de fogo combate mais eficaz ao desemprego etc Supondo a qualidade do gasto público controlada ou aleatória seu aumento deveria reduzir a taxa de homicídios intencionais por meio tanto da dissuasão policial dos criminosos quanto da promoção de oportunidades e apoios legítimos reduzindo a vulnerabilidade social Além disso o balanço entre dissuasão policial medida pelo gasto estadual e municipal per capita em segurança pública e política social focada em crianças e jovens medida pelo gasto estadual e municipal per capita em educação e cultura foi endereçado apenas a nível estadual com resultados em parte inesperados A construção de modelos foi essencial e abrangeu todos os capítulos da Tese Acreditamos que esta é uma das principais tarefas das ciências sociais na medida em que o modelo serve de ponte entre a Teoria Social muitas vezes formulada de maneira muito abstrata e a observação empírica que muitas vezes pode ter uma relação muito indireta com os conceitos teóricos A construção de modelos também auxilia na verificação de hipóteses que podem ser corroboradas ou rechaçadas permitindo a acumulação de conhecimento e pode ser direcionada a dados qualitativos quantitativos ou ambos Modelos serviram para articular ideias teóricas ou tipificar ações e contextos como também fazer a conexão entre as variáveis Falando especificamente dos modelos quantitativos utilizamos técnicas descritivas bivariadas e multivariadas O destaque certamente está nos modelos de regressão multivariada que permitem a mensuração e validação de efeitos médios de uma variável preditiva ou independente sobre uma variávelresposta ou dependente mantendo as demais constantes A importância destes modelos de regressão multivariada e não falamos apenas do tradicional método de mínimos quadrados ordinários foi que atualmente é praticamente consensual na criminologia e sociologia da violência que o crime e o homicídio intencional não é exceção à regra é um fenômeno com múltiplas causas exigindo o uso de teorias integradas ou complementares entre si para a sua explicação e análise Além disso alguns mecanismos causais só fazem sentido junto aos resultados quando se considera a cláusula ceteris paribus ou seja que as demais variáveis permaneçam constantes Por exemplo impactos de mecanismos como de privação relativa e de oportunidade criminal só se verificam na regressão multivariada quando constatamos ao mesmo tempo um efeito positivo e 40 significativo da renda média domiciliar per capita e do desemprego sobre os homicídios intencionais com um efeito negativo e positivo do valor adicionado per capita do setor público e da escolaridade média Isso significa que há uma interação entre bloqueio de oportunidades no mercado de trabalho e ampliação do mercado consumidor o primeiro criando tensão social entre os grupos mais expostos ao dessubemprego e o segundo gerando oportunidades criminais pela maior circulação de riqueza retorno médio dos crimes aquisitivos como tráfico roubo e extorsão o que produz uma estrutura de oportunidades diferenciais favorável à violência criminal Em tal contexto a ampliação da escolaridade e da ação pública podem ter efeitos inibidores da criminalidade violenta por meio do fortalecimento de instituições de controle e apoio social com efeitos indiretos sobre a socialização familiar via escolaridade dos pais e mercado de trabalho por um certo nivelamento de oportunidades mediadas pela escolarização bem como da redução da dependência do mercado pela oferta direta de serviços públicos inclusive de segurança e acesso à justiça Estes mecanismos diferenciais não são capturados na análise bivariada por causa da correlação entre as variáveis o que gera até efeitos bizarros e inesperados como um efeito positivo da escolaridade sobre homicídios intencionais o que é revertido quando testada em conjunto com outros fatores Utilizamos testes para a seleção de modelos mais adequados como teste de BreuschPagan para decidir entre os Mínimos Quadrados Ordinários e Efeitos Fixos ou Aleatórios e o teste de Hausmann para decidir entre Efeitos Fixos e Aleatórios além de testes de AR 1 e AR2 para decidir pelo uso ou não de painéis dinâmicos e testes de sobreajuste dinâmico para decidir se o método generalizado dos momentos produziu resultados aproveitáveis A seleção de variáveis em geral seguiu a pertinência teórica mas em muitos casos haviam hipóteses que poderiam ser ligadas a mais de uma variável ou que se referiam como exemplificado acima aos efeitos de uma mantendo algumas outras constantes e ainda havia o problema da multicolinearidade entre as variáveis explicativas Às vezes foi necessário usar o que havia mas no caso das metrópoles a análise de componentes principais foi usada para auxiliar na escolha das proxies evitando problemas graves de multicolinearidade De toda maneira o teste de 41 Fatores de Inflação da Variância FIV foi aplicado a todos os modelos multivariados sendo retiradas todas as variáveis independentes com problemas graves de colinearidade FIV10 sendo raros os casos de FIV maior que 5 entre as que utilizamos em nossos modelos A análise da metodologia de produção dos dados usados foi fundamental para este processo Um exemplo é a pobreza que mostrava bom ajuste mas definido em função do salário mínimo oficial de 2014 quando o mais interessante para os propósitos analíticos seria calcular a pobreza em função do custo de vida que é provavelmente mais alto nas metrópoles mais ricas o que contribuiria para ocultar a pobreza real dentro das regiões afluentes Por isso a pobreza monetaria foi substituída por indicadores de exclusão socioeconomica e apoio social como a desigualdade de renda a mortalidade infantil o desemprego e o gasto em assistência social Em geral a transformação logarítmica da variável dependente e não das independentes foi adotada como regra devido às características das distribuições dos homicídios intencionais em comparação com variáveis socioeconômicas e sociodemográficas por exemplo Por isso os modelos são loglin em sua maioria havendo poucos modelos lineares puros ou loglog sendo estes últimos usados quando constatamos uma dispersão e assimetria mais acentuadas nas variáveis sociodemograficas e epidemiológicas como foi com o conjunto de microrregioes mas não nas regioes metropolitanas ou nos Estados O software Gnu Regression Econometrics and Time Series Library GRETL apesar de muito focado na econometria forneceu um amplo e facilmente utilizável instrumental para a análise de dados quantitativos sobretudo com os modelos de regressão séries temporais dados em painel e transformação das variáveis permitindo ir muito além do que estava sendo construído inicialmente com o PSPP o clone livre do Statistical Package for Social Sciences SPSS da IBM O principal desafio porém não foi construir modelos quantitativos empíricos e sim formular perguntas teóricas e interpretar os resultados em função dos argumentos teóricosociais Muitas das teorias sociológicas sobre a criminalidade e a violência foram formuladas a partir de pressupostos que não levavam em conta um raciocínio probabilístico mas sim um estilo de descrição densa qualitativa que é 42 categórica e refinada Até a sociologia ciência política e criminologia quantitativas produzidas em inglês utilizavam sistemas de informações ou variáveis que nem sempre estavam disponíveis de maneira equivalente para o Brasil ou eram metodologias orientadas para testes em nível individual ou comunitário Como a pergunta de pesquisa se refere ao nível macro ainda que supondo microfundamentos e mecanismos intermediários e como não era uma opção ignorar características do contexto brasileiro foi necessário fazer o esforço de definir tipificar e integrar níveis e dimensões atores e contextos para especificar mecanismos causais subjacentes capazes de explicar as associações estatísticas identificadas ou não De certa forma os modelos conceituais e tipológicos apresentados antes das análises multivariadas respondem a desafios colocados por estas últimas 14 ESTRUTURA DA TESE Optamos pelo formato de coletânea de artigos ou multipaper para a exposição dos resultados da pesquisa Cada um dos capítulos é um produto deste projeto de pesquisa e neste sentido todos atacam problemas e objetivos específicos e ligados ao problema e objetivo gerais da pesquisa Os capítulos possuem um formato similar a um artigo científico e podem ser lidos em sequência ou isoladamente Este formato de tese não é comum nas Ciências Sociais mas é amplamente utilizado nas ciências exatas e naturais e em algumas ciências sociais aplicadas como a Economia Consideramos que este formato atende melhor ao escopo e metodologia desta pesquisa do que uma longa revisão teórico bibliográfica seguida de outra longa apresentação descritiva dos resultados e finalmente uma discussão sintética Ao invés disso cada capítulo apresenta todos estes elementos voltados para um recorte específico do problema e objetivo gerais No próximo capítulo constatamos entre as publicações brasileiras a relativa escassez de análises sociológicas quantitativas da violência e a profusão de estudos epidemiológicos de violências de abordagem tipicamente ecológica e da economia do crime baseados na teoria da escolha racional Diante disso o nosso objetivo foi esboçar uma proposta de abordagem sociológica quantitativa da 43 violência criminal articulando diversos conceitos criminológicos e sociológicos em um esquema de explicação causal da criminalidade violenta que integra as dimensões sociais de motivação controle e oportunidade e os níveis sociais individual comunitário e sistêmico da violência criminal No terceiro capítulo construímos propostas de tipologias de situações violentas organizações criminais armadas e macroconfigurações do mundo do crime Os tipos ideais foram construídos a partir de conceitos das teorias sociológicas da violência e da criminalidade e das análises empíricas qualitativas e qualiquantitativas sobre crimes e violências nas metrópoles brasileiras Apresentamos primeiro as tipologias construídas e a seguir alguns dos estudos de casos nas quais se basearam O propósito não é esgotar o assunto mas propor por meio da tipificação uma discussão comparativa sobre a criminalidade violenta nas cidades brasileiras Nosso propósito no quarto capítulo foi realizar uma discussão sobre a construção do homicídio intencional como categoria estatística que combina elementos jurídicos e biológicos pelos quais procedimentos policiais e médicos produzem dados administrativos que informam pesquisas sobre a violência e decisões políticas Neste processo questionamos a existência de erros sistemáticos de medida e como contribuem para subestimar e enviesar a representação estatística da violência A análise empírica se concentrou nas relações hipotéticas entre as mortes violentas por intenção indeterminada e as mortes por ação policial nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo constatando uma possível associação Propomos então três fórmulas de ajuste do número de homicídios intencionais que aplicamos aos dados de mortalidade de 1979 a 2019 No quinto capítulo propomos uma análise estrutural dos macrodeterminantes dos homicídios intencionais em todas as 558 microrregiões brasileiras entre 1996 e 2018 A análise deste capítulo apresentou limitações quanto à disponibilidades de dados das variáveis e proxies de interesse que poderiam explicar os homicídios intencionais pela nossa perspectiva teórica mas em parte não existem De toda maneira foi possível testar hipóteses de efeitos sistêmicos da presença de armas de fogo e do consumo mórbido de psicoativos da desorganização social causados pelo crescimento e densidade populacionais Mais complexa foi a tarefa de testar efeitos 44 causais das exclusões socioeconômicas para o que utilizamos a mortalidade infantil As hipóteses foram corroboradas testes embora as relativas às armas de fogo se mostrassem sensíveis à especificação do modelo Neste capítulo não foi possível testar os efeitos marginais das formas diferenciadas de exclusão e vulnerabilidade socioeconômicas sobre a vitimização por crimes letais intencionais O sexto capítulo é um estudo sobre homicídios intencionais de jovens nas metrópoles brasileiras A juventude é uma etapa problemática do ciclo de vida no qual a passagem à maturidade é mediada pelas condições econômicas e institucionais que permitem ou bloqueiam a inserção no mundo adulto um percurso que implica na exposição diferencial dos jovens à violência O objetivo deste capítulo foi explicar a dinâmica da violência contra e entre jovens nas metrópoles brasileiras Por meio de modelos mono e multicausais verificamos que a variação da taxa de homicídios intencionais contra jovens responde à demanda por drogas ao desemprego à escolaridade à administração pública local e dependendo do indicador usado à oferta de armas de fogo O sétimo capítulo consiste em uma análise dos macrodeterminantes da criminalidade letal intencional contra mulheres nas metrópoles brasileiras abrangendo tanto homicídios intencionais sem conexão direta com relações de gênero quanto os feminicídios cuja motivação é diretamente relacionada ao gênero Uma hipótese básica é que a prevalência destas violências responde a determinantes gerais como a violência sistêmica e fraqueza do Estado causas em comum com a violência contra homens e também a causas específicas da vitimização feminina Dessa maneira utilizamos o acesso diferenciado por gênero ao emprego à renda e à escolaridade como variáveis explicativas obtendo efeito positivo e significativo para a razão entre desemprego feminino e masculino como também efeito negativo para a urbanização A vitimização feminina se dá tanto pela violência ligada aos mercados ilícitos de drogas e armas quanto às agressões no âmbito de relações de gênero mecanismos que se complementam para explicar as variações das taxas de assassinatos de mulheres entre as metrópoles brasileiras ao longo do tempo No oitavo capítulo consideramos que a teoria sociológica percebe a violência como dependente tanto das situações quanto da trajetória dos atores envolvidos Há 45 uma combinação de múltiplas causas do crime violento atuando no curto médio e longo prazos O propósito deste capítulo foi construir e analisar um modelo quantitativo que abranja determinantes dos homicídios dolosos no curto mesmo ano e no longo prazo décimo ano anterior nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Os resultados mostram nas metrópoles brasileiras que a restrição de oportunidades legítimas e o consumo de álcool e drogas ilícitas são decisivas no curto prazo mas podem ser mediadores dos efeitos de longo prazo da desigualdade econômica escolarização famílias monoparentais e acesso a serviços urbanos fatores ligados à formação dos contextos comunitários e institucionais locais O nono capítulo trata de analisar macroprocessos de pacificação civil e acumulação social da violência ligados à atuação do Estado e à dinâmica dos mercados de armas e de drogas entre os Estados brasileiros e ao longo do tempo no contexto das heterogeneidades regionais e dimensões continentais do Brasil O método é a análise de regressão loglin multivariada com dados em painel testando os efeitos do consumo de álcool e drogas da difusão das armas de fogo das exclusões socioeconômicas da dissuasão policial e do apoio social público O capítulo contribui com a discussão sobre as macrotendências do crime violento apontando a prevalência das armas de fogo e consumo de drogas e a exclusão socioeconômica como elementos favoráveis ao crime violento e o apoio social público como preventivo da violência sendo os gastos com segurança pública sobretudo reativos com efeitos nulos ou inesperados Por fim nas considerações finais são retomados os principais resultados evidências e argumentos discutidos e analisados ao longo dos capítulos buscando a realização de uma síntese dos principais achados obtidos por meio da pesquisa teórica e empírica Uma atenção é dada à transversalidade das conclusões entre os vários capítulos e em que medida os resultados se apoiam mutuamente ou se contrariam entre os modelos variáveis e unidades empíricas diversas indicando as limitações e caminhos para aprofundamento e aprimoramento das análises em pesquisas futuras 46 2 NÍVEIS E DIMENSÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA CRIMINAL ESBOÇO TEÓRICO DE UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA QUANTITATIVA Este capítulo apresenta uma discussão teórica a partir das literaturas da epidemiologia das agressões da economia do crime e da sociologia quantitativa da violência Buscando mediar e integrar conceitos de racionalidade individual e de fatores sociais de riscovulnerabilidade sugerimos que a criminalidade violenta deve ser considerada em níveis individual comunitário e sistêmico nos quais operam mecanismos de oportunidade de motivação e de inibição da violência 21 APRESENTAÇÃO Em contraste com a relativa escassez de estudos quantitativos e comparados sobre criminalidade e violência nas ciências sociais brasileiras TEIXEIRA RIBEIRO 2017 observamos entre as publicações que localizamos por meio do Google Acadêmico e do Scielo usando os descritores dos objetos homicídios e violência combinados com descritores dos métodos quantitativo e estatístico uma bibliografia brasileira de análise quantitativa sobre violência que é majoritariamente inserida as áreas da saúde coletiva e da economia o primeiro com recurso à abordagem epidemiológica e a segunda orientada pelo individualismo utilitarista A determinação dos fatores objetivos de risco de um lado e a escolha racional individual de outro são os pressupostos implícitos ou explícitos em muitas dessas análises razão pela qual estas abordagens não são consideradas satisfatórias de um ponto de vista da teoria sociológica e criminológica contemporânea O propósito deste capítulo não é apresentar uma revisão sistemática do estado da arte dos estudos quantitativos sobre violência e criminalidade É antes debater os pontos fracos e fortes de algumas abordagens típicas brasileiras nas análises quantitativas sobre os crimes violentos visando 47 articular uma proposta analíticaexplicativa articulando elementos da sociologia criminologia e ciência política quantitativas e em diálogo com a teoria sociológica contemporânea A partir da constatação dentro da bibliografia quantitativa sobre crime e violência no Brasil da insuficiência teórica dos estudos epidemiológicos e econométricos de um lado e da escassez de análises sociológicas quantitativas de outro recorremos à sociologia e criminologia teórica e quantitativa nacional e estrangeira para formular uma proposta analítica que articule a teoria sociológica da criminalidade violenta com os métodos quantitativos Para tanto distinguimos os níveis individual comunitário e sistêmico de um lado e as dimensões de motivação tensão social de controle desorganização social e de racionalidade oportunidade criminal na explicação dos crimes violentos de outro Esta proposta é um esforço para a construção de um quadro de referência framework integrando conceitos de tradições teóricas muitas vezes vistas como rivais ou mutuamente excludentes como o propósito de orientar a construção de análises sociológicas quantitativas da criminalidade e da violência 22 EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA E ECONOMIA DO CRIME Se o diagnóstico de Teixeira e Ribeiro 2017 demonstra a relativa dispersão e escassez dos estudos quantitativos sobre violência e criminalidade nas áreas de ciências sociais com destaque para a Sociologia o mesmo não pode ser generalizado para o conjunto da pesquisa brasileira publicada sobre o assunto nas últimas décadas especialmente nas áreas de saúde coletiva de geografia humana demografia e de economia Por meio da leitura de um conjunto abrangente de estudos publicados foi possível constatar o predomínio disciplinar e as respectivas abordagens dominantes sobre o crime e a violência o que buscamos resumir nos seguintes tipos ideais Esta tipificação de maneira alguma pretendem fazer justiça a todos os matizes analíticos encontrados na literatura que de fato é mais rica do que sugerimos aqui muitas vezes utilizando conceitos sociológicos Tentamos apenas ressaltam alguns traços proeminentes o que correndo o risco de ser injusto ou caricaturizar estas 48 pesquisas acaba ressaltando os seus pontos fracos No campo de saúde coletiva há muitos estudos epidemiológicos demográficos e geográficos com modesta elaboração teórica quando não com orientação exploratória e descritiva implicitamente orientados por uma perspectiva socioecológica que busca a identificação dos determinantes socioambientais da criminalidade violenta utilizando estatísticas descritivas e modelos causais mono e multivariados apontando principalmente para diferenciações aos níveis intramunicipal e intermunicipal Tratase de uma literatura com especial atenção ao espaço Os crimes registrados são associados a condições da ecologia urbana como características dos locais de moradia ou de ocorrência dos fatos violentos em geral homicídios dolosos No entanto muitos dos resultados são interessantes de um ponto de vista teórico sugerindo implicações para teorias sociológicas da desorganização social associação diferencial e tensão social Podese dizer que os resultados no geral mostram associações entre a concentração de crimes violentos e a concentração de condições de vida desfavoráveis dentro dos municípios embora os municípios mais pobres não sejam necessariamente os mais violentos Pelo contrário é muitas vezes a maior circulação de riqueza no município ou grupo de municípios que favorece a violência criminal enquanto em nível intramunicipal é a pobreza que está associada à violência em conjunto com o desemprego a informalidade do trabalho e da habitação o baixo acesso o saneamento básico e prevalência do tráfico de drogas varejista o que é consistente com os postulados da teoria da tensão social da associação diferencial e da desorganizaçãocontrole social MINAYO 2009 MALTA 2017 et al TAVARES et al 2016 SOUZA 2014 ALVES 2014 COSTA FREITAS 2011 LIMA et al 2000 2005 SOUSA SOUZA SILVA 2018 REIS 2015 CHAGAS 2014 e 2015 SOUZA et al 2014 ANDRADE et al 2011 LOZADA et al 2009 MANSANO et al 2013 SILVA COSTA LAUDERMIR 2009 PORTELLA et al 2019 PAIM et al 1999 NUNES PAIM 2005 SOUZA PINTO SOUZA 2014 CASTRO et AL 2014 KILSZTAJN et al 2003 e 2005 MURRAY CERQUEIRA KAHN 2013 OLIVEIRA 2020 Já no campo da economia predominam os estudos econométricos com grande sensibilidade temporal e e visão voluntarista e utilitarista orientados pela teoria escolha racional e pela economia do crime segundo os postulados 49 microeconômicos de Gary Becker 1968 amplos o bastante para serem interpretados de maneira ambivalente e raramente questionados pelos resultados Um exemplo é o efeito da renda sobre o crime que pode ser tanto positivo quanto negativo já que de um lado cria oportunidades de ganho por meio do crime roubos furtos extorsão narcotráfico etc e de outro fornece meios para ampliar a vigilância pública e privada contra o crime Se os estudos epidemiológicos de abordagem ecológica muitas vezes carecem de sofisticação teórica explicitada falhando em especificar os mecanismos explicativos nos estudos de economia do crime é comum que haja uma sobredeterminação das evidências pela teoria ou seja pelo modelo do homo oeconomicus aplicado à explicação da criminalidade No entanto também lemos em muitos destes trabalhos resultados que são interessantes do ponto de vista de teorias sociológicas da violência e da criminalidade ainda que a discussão destas evidências às vezes ignore tais teorias e conceitos sociológicos Alguns estudos econométricos do crime mostram que as teorias sociais da criminalidade violenta tensão anomia aprendizado e controle sociais seriam mais adequados para a explicação das macrotendências criminais RESENDE ANDRADE 2011 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 CERQUEIRA 2010 CERQUEIRA DE MOURA 2019 ARRARO OLIVEIRA 2016 FRANCO 2016 SANTOS KASSOUFF 2008 BECKER KASSOUF 2017 CLEMENTE WELTERS 2007 MURRAY CERQUEIRA KAHN 2013 CLEMENTE 2007 Enfim uma bibliografia sociológica e da ciência política relativamente escassa e dispersa no uso de métodos multivariados às vezes analisando as causas estruturaissistêmicas às vezes enfocando a implementação e impacto das políticas públicas de segurança ou efeitos preventivos à violência de políticas educativas ou assistenciais Apesar de não exibir o nível de coerência programática coletiva identificada nos estudos epidemiológicos e econômicos sobre crime e violência os poucos estudos de sociologia quantitativa da violência no Brasil são mais explícitos na especificação dos mecanismos causais e na interpretação dos resultados de acordo com postulados teóricos identificando corroborações ou rechaço dos conceitos teóricos pelas evidências BATISTA et al 2016 CANO BORGES RIBEIRO 2012 LEITE 2014 SILVA et al 2018 BEATO et al 2001 BEATO 1998 RIVERO 2010 SCHABBACH 2016a CANO RIBEIRO 2017 50 ROLIM 2014 Comparando em linhas gerais a epidemiologia da violência e a economia do crime parece haver um distanciamento excessivo entre a teoria social e a análise estatística econométrica ou epidemiológica levando ao prejuízo para a explicação causal pois às vezes os mecanismos sociais geradores da violência criminosa não são especificados ou são descritos como escolha racional dos criminosos ou determinação dos atos criminosos pelo ambiente socialespacial Noutras vezes os mecanismos causais definidos não são escorados nas evidências A dicotomia grosso modo entre a literatura epidemiológica de abordagem socioecológica e a econômica de abordagem individualista e utilitarista expressa também um dualismo teórico de um lado os determinantes socioambientais no qual o ambiente social predomina como explicação do comportamento violento e do outro a literatura econômica que expressa a visão do crime como uma escolha racional do criminoso que delibera reflexivamente pesando os custos e os benefícios esperados do crime impunidaderetorno como o faria um investidor bem informado do mercado de capitais Caberia à análise sociológica e política transcender a dicotomia em direção a uma análise relacional e processual da criminalidade violenta que ao mesmo tempo abrangesse os processos objetivos e subjetivos de produção da violência criminosa das condições sócioecológicas e da escolha individual pelo crime Neste diálogo interdisciplinar encontramos alguns dilemas familiares para a teoria sociológica estrutura e agência holismo e individualismo determinismo e voluntarismo macro e micro1 Esquematicamente as abordagens sócioecológicas da saúde coletiva enfatizam a associação da criminalidade violenta com a distribuição espacial e demográfica de vantagens e desvantagens socioeconômicas que implicitamente exerceria um peso determinante na incidência diferencial dos crimes violentos pelos territórios e entre camadas sociais enquanto as abordagens da escolha racional na economia do crime enfatizam o crime como ação voluntária escolha consciente feita pelo indivíduo a partir de um cálculo de custos e benefícios muitas vezes em 1 Outra dicotomia que não trabalharemos aqui é entre explicação e compreensão que grosso modo corresponderia aos métodos quantitativos e qualitativos à busca pelas regularidades causais e pelas especificidades culturais 51 comparação com os custos e benefícios do mercado de trabalho Ao mesmo tempo estas pesquisas proveem evidências relativas às teorias sociológicas da criminalidade Mas não apenas a uma ou outra teoria Estudos ecológicos podem ser relacionados com as premissas da teoria da desorganizaçãocontrole associação diferencial e da tensão social pois mostram como os bairros e aglomerados onde prevalece a pobreza a informalidade do trabalho e da moradia a falta ou precariedade da infraestrutura urbana o consumo e tráfico de drogas e álcool e a desagregação familiar e comunitária possuem maior vulnerabilidade à violência tanto privada quanto policial Inclusive o aparente paradoxo de grupos de municípios mais ricos concentrarem maior violência dentro dos seus bairros mais pobres se explica pelo contraste entre riqueza e pobreza mais explícita quando ambas contrastam visivelmente no cotidiano das metrópoles o que vai de encontro ao conceito de privação relativa como fonte de tensão social Já os estudos econométricos em geral partindo da concepção utilitarista tiveram resultados muitas vezes mais consistentes com a teoria das oportunidades diferenciais desenvolvida por Cloward Ohlin 1960 a partir dos conceitos de anomia e tensão MERTON 1938 e de associação diferencial SUTHERLAND 1955 do que com os próprios pressupostos da economia do crime 23 ESBOÇO DE UMA ABORDAGEM ANALÍTICA Para a construção de uma abordagem sociológica quantitativa da violência partindo de um diálogo interdisciplinar e crítico com a epidemiologia da violência a economia do crime e a teoria sociológica contemporânea é necessário desenvolver um esquema que abranja diversos níveis e dimensões que são analiticamente analisáveis por meio de ferramentas lógicas mas que na realidade empírica encontramse sobrepostos e entrelaçados Dessa maneira a questão é a conexão causal entre a violência criminal e a estrutura social Grande parte da sociologia e criminologia quantitativa da violência criminal tem origem na América do Norte e especialmente nos Estados Unidos Este fato se explica tanto pelas preocupações concretas como o aumento e mudanças da 52 criminalidade e da violência e outros problemas sociais naquele país no século XX em meio ao enorme crescimento econômico experimentado pelos Estados Unidos Também pesa a favor desta proeminência o incentivo à análise quantitativa dos fenômenos sociais naquele contexto devido à disponibilidade de dados e ao apoio institucional para este tipo de pesquisa No período pósII Guerra Mundial estes fatores se tornaram mais fortes e foram acrescentados a outro o crescente contraste entre os Estados Unidos que tiveram um alto nível e persistente de criminalidade violenta juvenil e os outros países desenvolvidos como o Canadá Japão e Estados democráticos europeus ocidentais que exibem níveis muito menores de violência criminal e arranjos institucionais mais socialmente protetivos em comparação com os Estados Unidos CURRIE 1997 É por isso que apesar de terem muitas raízes intelectuais na sociologia clássica europeia as formulações teóricas sobre a criminalidade e violência que identificamos são em grande parte obra de autores estadunidenses e foram gestadas ao longo do século XX em resposta às preocupações concretas do contexto tensãoapoio social desorganizaçãocontrole social associação diferencial atividades rotineiras economia do crime anomia institucional abordagem da rotulação subculturas delinquentes ou da violência aprendizado criminal ou violento oportunidades diferenciais Entre as exceções estão a teoria processual ELlAS 2011 EISNER 2014 e a teoria crítica de raiz marxista RUSCHE KIRSCHHEIMER 1999 SCHINKEL 2010 Esta diversidade de abordagens teóricas sua vinculação com determinadas correntes teóricas funcionalismo interacionismo behaviorismo escolha racional etc e com o contexto estadunidense do século XX exigiram da nossa parte a identificação de alguns problemas gerais relativos à motivação ao controle e à oportunidade da violência e ao indivíduo comunidade e sistema envolvidos Estas dimensões e níveis são o foco das diversas perspectivas mas de maneira diferenciada Buscamos a articulação dos problemas e conceitos fragmentados à luz da teoria sociológica contemporânea especialmente pelas ferramentas analíticas legadas por Anthony Giddens e Pierre Bourdieu considerando a complementaridade entre as diversas tradições criminológicas e sociológicas e os limites impostos pelo dilema entre agência e estrutura ou entre as caracterizações estruturantes e 53 estruturadas das práticas sociais A proposta expressa por isso a dualidade entre a violência criminal como um fenômeno dotado de regularidades objetivas e como um conjunto de ações dotadas de sentido Segundo Giddens 2008 as estruturas sociais são sistemas de recursos e regras que exercem efeitos duplos opostos e complementares sobre o indivíduo ao mesmo tempo produtos e condições da ação são constrangimentos e instrumentais para as práticas dos atores sociais Não há ação social sem estrutura social e vice versa pois pressupõemse mutuamente e são separáveis apenas pela abstração teórica De um lado as estruturas sociais funcionam como constrangimentos objetivos para os atores sociais e de outro como recursos para os agentes sociais viabilizando um leque de ações que não seriam possíveis sem as condições De um ponto de vista dinâmico as estruturas sociais são produtos não intencionais agregados interligados e sedimentados das ações sociais ao longo do tempo e do espaço representando ao mesmo tempo as condições objetivas coerções e instrumentos das ações sociais que podem contribuir para transformar ou reproduzir as estruturas Enfatizar a dualidade da estrutura como coerção e instrumento como restrição e oportunidade de vida como condição e produto é uma das grandes lições da obra de Giddens 2008 Por outro lado relembramos aqui a advertência de Bourdieu 2011 relativa à unilateralidade das perspectivas sociais voluntaristas subjetivistas ou fenomenológicas e deterministas objetivistas ou estruturalistas e a necessidade de colocar a ênfase na dialética e no jogo entre a internalização das estruturas sociais pelos atores e a relevância práticaobjetiva das disposições subjetivas dos agentes As estruturas sociais portanto são estruturadas pelas práticas dos atores e estruturam as ações sociais Onde entra então a subjetividade dos indivíduos Entra como mediadora entre as condições estruturadas e as ações sociais atuando no sentido de promover o ajuste entre a disposição subjetiva e a situação objetiva levando à reprodução social ou pelo contrário ao levar à transformação das estruturas mediante a luta material e simbólica pela distribuição dos recursos e definição das regras de legitimação social A subjetividade do ator funciona como mecanismo de seleção e performance entre os percursos objetivamente possíveis de ação relegando algumas 54 possibilidades e direcionando para outras de acordo com preferências capacidades e crenças que são construídas na própria trajetória social dos indivíduos e dos grupos Em parte como frisam Bourdieu 2011 e Giddens 2008 estas disposições ou esta consciência prática são uma incorporação da própria posição objetiva do agente na estrutura social que tende a se adaptar e habituar às situações vividas mas desajustes entre atitude e situação podem levar a processos de reflexividade e questionamento propiciando mudanças socioculturais e talvez lutas que levem à redistribuição dos fatores de poder e sentido Esta pequena digressão não pretende analisar as teorias bourdieana e giddeniana em profundidade apenas indicar o caráter dinâmico e multidimensional do conceito de estrutura social na teoria sociológica atual Trazendo para a questão deste trabalho as ações criminais violentas são cometidas por atores motivados para usar a violência como expressão de valores ou como instrumento para fins sendo a divisão meramente analítica pois motivos expressivos e instrumentais não raro se combinam sobrepondose e até reforçandose mutuamente A motivação derivada da tensão social e subculturas delinquentes eou violentas é uma condição necessária mas não suficiente para o desfecho do crime violento Este exige ainda o acesso às oportunidades e capacidades necessários para cometer o delito e a ausência de controles sociais internos ou externos que inibam e previnam a consumação dos crimes violentos Os mecanismos da violência não se reduzem à ação individual menos ainda ao cálculo de riscos e benefícios do possível criminoso perpassando as redes de interrelações e chegando aos sistemas políticos e econômicos Tampouco se reduzem à influência objetiva dos fatores de risco ligados ao grupo e ao lugar Dito de outra maneira as estruturas sociais causam violência criminal por meio das motivações individuais para o crime violento e da ausência de controles sociomorais que poderiam inibir a prática E da mesma forma que a trajetória social constitui as motivações criminais e violentas e o controle social e moral da violência um certo nível de criminalidade violenta pode retroagir sobre as estruturas sociais políticas e econômicas ao criar condições propícias ao reforço dos estigmas préexistentes configurações dos mercados ilícitos das forças políticas que capitalizam medos e discriminações do crescimento da indústria da segurança etc 55 A teoria sociológica da criminalidade e da violência possui certa diversidade de abordagens o que muitas vezes dificulta a constituição de análises integradas As diversas teorias sociais do crime e da violência são equivocadas na ênfase unilateral em algumas dimensões e níveis isoladamente mas apresentam convergências e complementaridades entre si Para facilitar a articulação entre categorias analíticas formuladas por diferentes tradições teóricas distinguimos analiticamente as dimensões motivação controle e oportunidade e os níveis individual comunitário e sistêmico dentre os conceitos explicativos da incidência de crimes violentos segundo os paradigmas sociológicos A principal categoria da criminalidade violenta os homicídios intencionais em geral resulta de um conflito entre indivíduos cujos interesses se opõem e são inconciliáveis o que ocorre em uma variedade de situações conjugais sexuais brigas vinganças roubos autodefesas etc cuja incidência varia imensamente no tempo e no espaço embora a maioria dos casos convirjam para algumas situações típicas COUSSON BEAULIEY CUSSON 2003 MIETHE REGOECZE 2004 A composição e nível de criminalidade letal intencional em um contexto mais amplo e ao longo do tempo porém não é plenamente explicável por micromecanismos situacionais embora deva pressupôlos como um microfundamento mas buscando também os macrodeterminantes As motivações para a criminalidade estão ligadas à tensão entre aspirações e situações ou entre as metas hegemônicas e os meios legítimos institucionalizados para a realização dos propósitos de ação que são legitimados pela ordem sociocultural dominante Tratase da disparidade entre a legitimação da busca pelo sucesso financeiro individual como meta de vida geral em contraste com uma relativa negligência quanto à igualdade de oportunidades e à moralidade dos meios para obter o sucesso individual Esta concepção é conhecida na literatura como teoria da anomia ou tensão social muitas vezes tratadas como sinônimo outras vezes como duas teorias independentes formuladas por Merton 1938 O conceito de anomia foi criado por Durkheim como explicação para as variações entre taxas de suicídio e de criminalidade egoístas Foi definida sobretudo como uma ausência de propósitos e limites que poderiam orientar as práticas e refrear as expectativas e aspirações individuais que tendem a ser ilimitadas 56 levando à desorientação do agente potencialmente destrutiva para si e para outros indivíduos DURKHEIM 1989 No entanto o individualismo moral moderno se ligado à anomia também colocaria limitações robustas para a violência interpessoal sendo esta última em suas manifestações expressivas muito mais ligada aos resquícios da mentalidade tradicional na qual a homogeneidade dos sentimentos coletivos teria como efeito encorajar uma retaliação violenta contra quaisquer ações que pudessem ofender as crenças coletivas Porquanto a mudança social para a modernidade industrial seria potencialmente disruptiva e criminogênica o desenvolvimento do moderno individualismo moral teria como resultado o rareamento dos homicídios dolosos em razão do crescente respeito ao indivíduo e redução da divisão forçada do trabalho em favor de um nivelamento de oportunidades o que tornaria a divisão do trabalho uma expressão das diferenças individuais de aptidões e habilidades DICRISTINA 2004 Dessa forma a anomia durkheimeana é ligada à dimensão do descontrole social enquanto a motivação estaria ligada à coesão moral de grupos em torno de valores tradicionais Em outro contexto nacional e etapa do capitalismo industrial Merton 1938 teorizou a anomia como uma disjunção radical entre os objetivos da ação que são legitimados pela ordem sociocultural dominante e as oportunidades e meios instituídos pela ordem socioeconômica estabelecida levando à formação de variados tipos de comportamento desviante A abordagem de Merton reformula a anomia com o recurso à preocupação weberiana sobre a legitimidade e a estratificação da ordem social bem como os meios e os fins da ação A anomia seria então mais relativa contendo uma rejeição aos propósitos da ação no qual os meios legítimos são adotados pelo ator de maneira externa ritualismo como também uma adesão aos objetivos legítimos mas com uma indiferença aos meios para obtêlos serem legítimos ou não inovação pelo rechaço tanto aos meios quanto aos fins legítimos da ação escapismo ou por uma busca ativa pela mudança tanto da ordem dos fins quanto dos meios rebelião Relativo ao seu próprio contexto Merton observa que as metas de enriquecimento e sucesso financeiro são colocadas acima de todos os demais valores sociais enquanto a legitimidade dos meios para obtêlo são vistos com relativa indiferença especialmente quando as oportunidades legítimas de ascensão social não estão 57 disponíveis ao menos não igualitariamente A teoria originária de Merton não era como se vê voltada para a criminalidade especificamente mas para o desvio social no sentido amplo a disjunção entre metas da ordem cultural e a estrutura de oportunidades do sistema socioeconômico promove uma tensão entre os atores que buscam resolver o problema estrutural por meio do desvio social A anomia para Merton seria pois derivada tanto da tensão social entre meios e fins socialmente legítimos em uma dada ordem social Dois problemas no conceito de Merton são primeiro que acaba identificando a criminalidade com as classes populares e segundo que não explica como o ator opta entre um percurso desviante ou outro Uma alternativa para a formulação das motivações criminais foi apresentada por Sutherland 1955 com a ideia de transmissão de valores culturais desviantes pela convivência em grupos informais atuantes nos nichos delinquentes o que incluiria das favelas às gerências das grandes empresas Apesar da transmissão cultural ser importante para pensar a consolidação e difusão de condutas ainda não explica a origem e a adesão a estes valores culturais delinquentes ou violentos De toda maneira a ideia de que o crime é um comportamento aprendido em grupo e difuso em formas diversas por todas as classes sociais é de grande importância O desenvolvimento das noções de tensão e anomia sociais como explicação para a criminalidade em especial dos crimes violentos apesar de certamente sugerida por Merton foi melhor desenvolvida posteriormente muitas vezes incorporando elementos da associação diferencial Sutherland 1955 como na teoria das oportunidades diferenciais de Cloward Ohlin 1960 segundo a qual cada ator social ocupa uma posição na estrutura de oportunidades legítimas e ilegítimas e que o acesso aos meios não legítimos de realização das metas culturais dominantes é tão importante quanto o acesso aos meios legítimos para a explicação da delinquência Dessa maneira as subculturas desviantes que corresponderiam aproximadamente aos tipos de desvio formulados por Merton surgiriam como uma resposta cultural adaptativa às condições de bloqueio de oportunidades legítimas e de disponibilidade de oportunidades ilegítimas A teoria geral da tensão de Agnew 1992 desenvolve esta concepção como explicação dos motivos da ação criminosa sobretudo nos seus fundamentos 58 psicossociais a fonte da tensão é uma relação social negativa na qual um ator percebe a situação como uma na qual não é tratado como acredita que deveria ser é impedido de obter aquilo a que aspira ou perde aquilo que valoriza ou compara a sua própria situação desfavoravelmente à dos outros A percepção da disjunção existencial entre as expectativas subjetivas do ator e sua situação objetiva fomenta uma tensão socioemocional que é incorporada pelo ator e motiva o delito como uma das maneiras possíveis de lidar com a tensão incorporada especialmente as emoções negativas e hostis como a raiva A disjunção entre as metas hegemônicas e as oportunidades restritivas se torna dessa maneira uma das possíveis fontes de tensão social agora reformulada como disjunção incorporada entre expectativas e situações e também pode ser relacionada a delitos sem motivação econômica imediata mas provavelmente impulsionados pelos sentimentos de frustração vividos pelos atores Além da disjunção entre metas positivamente valorizadas e meios socialmente validados para alcançálas a tensão pode ser ocasionada pela perda do que é positivamente valorizado ou pelo sentimento de injustiça de distribuição e tratamento quanto o ator vê a sua própria situação como desfavorável em comparação com as de outros vistos como mais afortunados Os microfundamentos propostos por Agnew incluem ainda a possibilidade de o ator lidar de diferentes maneiras com as emoções negativas produzidas pela tensão psicossocial nem sempre levando à criminalidade à drogadição e à violência o que dependeria ainda dos fatores de controle social e de associação diferencial A teoria da anomia institucional MESSNER THOME ROSENFELD 2008 também reelabora o significado da motivação criminal relativa à tensão social desta vez abordando o desequilíbrio entre a economia de mercado e as outras esferas sociais em diálogo com teorizações da sociologia econômica contemporânea como os mercados desenraizados e também com as concepções do controle social da violência que discutiremos logo a seguir Segundo esta perspectiva o predomínio da economia ou vale dizer do mercado autorregulado como princípio de orientação da conduta em detrimento das demais esferas institucionais política familiar educacional etc termina por provocar um enfraquecimento das lógicas de ação não mercantis orientadas para fins aquisitivos colonizando as relações 59 familiares políticas educacionais etc ao mesmo tempo em que as enfraquece De uma parte da sociedade o mercado passa a ser a principal razão de ser da vida social tornando as outras lógicas práticas subordinadas e periféricas na configuração das normas e papéis sociais fazendo do sucesso financeiro o principal critério de seleção dos meios e fins da ação pelo ator Neste contexto a mercantilização sistêmica induz à ruptura de laços e controles sociais criando condições para alta incidência da criminalidade inclusive a violenta na medida em que crimes são percebido pelos atores envolvidos nas relações mercantilizadas como os meios mais eficientes para alcançar o sucesso financeiro finalidade hegemônica do sistema de mercado os controles comunitários e institucionais da violência criminal são enfraquecidos e fragmentados BERNBURG 2002 A anomia institucional supõe por isso a combinação de fundamentos de motivação criminal com a ausência de controles sociais institucionalizados ambos vinculados à supremacia do mercado autorregulado no sistema social A questão do constrangimento social diz respeito não a fatores que motivam ou facilitam as práticas criminosas e violentas mas às condições e mecanismos que previnem limitam e evitam que a violência seja praticada Os mecanismos vão do autocontrole individual pelo qual o próprio ator regula a sua conduta renunciando a gratificações e respostas imediatas principalmente quando envolvem agressão aos outros até as formas sistêmicas de controle social da violência como o monopólio estatal da violência legítima passando ainda pela formação de laços sociais que regulam o comportamento entre os membros de uma comunidade familiar ou territorial ELIAS 2011 EISNER 2014 BRICEÑOLEÓN 2011 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 MISSE 2007 2008 2010 2019 ZALUAR 1996 ADORNO 2002 Entre os fatores apontados pelos estudos que perseguem este problema está a centralização da violência legítima pelo Estado para promover a pacificação interna reduzindo o total da violência por meio da sua monopolização e subordinação ao sistema jurídico legítimo A constituição de uma organização militar policial e judiciária ordenada por normas codificadas teria no longo prazo levado à redução da violência interpessoal menos diretamente pela dissuasão policial das ações violentas do que pela construção e difusão de disposições moderadas e 60 normativas promovendo um progressivo autocontrole bem como um controle recíproco do comportamento entre os atores sociais articulando a coerção burocrática ao consenso moral na criação de uma cultura civilizada difundida a partir das elites políticas e burocráticas dos Estados nacionais O processo histórico é complexo pois inclui mecanismos de longo médio e curto prazo e alcance entrelaçando a formação dos Estados nacionais burocráticos com a difusão dos valores e das disposições socioculturais favoráveis à moderação e autocontrole e contrárias à violência e agressão correlatas também à elaboração de regras de convívio e negociação mais minuciosas entre as elites políticas dos Estados modernos que atuaram involuntariamente como promotores de mudanças culturais graduais ELIAS 2011 ESNER 2014 A redução da violência na Europa Ocidental no entanto não foi igualitária beneficiando principalmente as classes superiores e médias com a supressão da violência política entre elites e tornando a vulnerabilidade à violência um fardo principalmente dos menos favorecidos econômica e simbolicamente Além disso em momentos de conflagração social e política ou de guerra a violência física volta a ser ampliada e em algumas regiões do espaço físico e social a pacificação acaba nunca sendo efetivamente alcançada Dessa maneira a teoria do processo civilizador possui algo em comum com a concepção da escolha racional a ideia da dissuasão estatal das violências interpessoais Mas explica por um microfundamento diferente ao invés de uma racionalidade do ator individual que deixa de optar pelo crime quando o percebe mais provável de ser punido e com maior dureza a teoria processual assegura que não se trata de um cálculo consciente mas de uma transformação sociocultural que resultou na formação e transmissão de atitudes contrárias à violência e demais condutas impulsivas enfatizando o autocontrole e fomentando os sentimentos de vergonha e repulsa contra determinadas condutas entre as quais as agressões diretas e físicas Alguns críticos do conceito de dissuasão penal e seu reverso a impunidade porém sugeriram que a coerção policial e judiciária é sempre seletiva A criminalidade mais típica das classes subalternas são mais visadas pela polícia sendo o foco típico da justiça criminal em detrimento de crimes de colarinho branco 61 mais ligados às classes dominantes Os acusados de baixo status socioeconômico são acusados e punidos com maior frequência e dureza mesmo quando a comparação supõe crimes similares As ofensas que vitimam os grupos mais privilegiados são investigadas com maior empenho pela polícia e punidos com maior dureza pelo judiciário enquanto violências contra estigmatizados e desfavorecidos tendem a ser negligenciadas especialmente quando os agressores são os próprios policiais O corpo daqueles que são socialmente estigmatizados é considerado menos dignos e valiosos mais descartáveis e desprezíveis sendo a violação da integridade física e moral menos repudiada Aqueles que os agridem são tratados com maior tolerância ainda que sejam membros da mesma classe e etnia da vítima Essa constatação foi ainda mais acentuada quando feita em países subdesenvolvidos mas tendências para a seletividade e até violência policial não deixaram de ser observadas no Primeiro Mundo sobretudo nos Estados Unidos Nos casos de violência policial a condição prévia da vítima em geral uma pessoa de baixa posição socioeconômica se soma à condição do agressor um agente do próprio monopólio estatal da violência legítima COONEY 2017 RIBEIRO MACHADO 2016 ZACCONE 2015 Apesar da coerção estatal ter outros aspectos importantes fiscal monetário militar etc a ideia de que a capacidade coercitiva do Estado é inversamente proporcional à violência total resta assim bastante questionável Na América Latina a internalização das regras de convívio e a efetividade do monopólio estatal da violência legítima ainda é questionável e seletiva falhando em proteger a vida de muitos cidadãos especialmente os pobres indígenas e negros A desproteção e penalização seletivas são promovidas por práticas policiais e judiciárias que incluem a discriminação na aplicação da lei mais dura quando é contra estes grupos empobrecidos e estigmatizados e menos eficaz quando é para garantir seus direitos Ao mesmo tempo mas não descolado destes fatos o tráfico de drogas ilícitas e outros negócios criminosos têm ostentado um persistente desafio ao monopólio estatal da violência legítima com o estabelecimento de formas privadas de violência armada para controle e disputa dos negócios e territórios com vistas à extração de renda dos mercados ilícitos e das populações vulneráveis que são tanto utilizados como mão de obra barata e descartável de atividades ilícitas 62 lucrativas quanto principais alvos da repressão policial contra o narcotráfico e outros mercados ilícitos Embora o Estado detenha a soberania políticomilitar sobre o território nacional na maior parte das vezes sem contestação armada de caráter político oposicionista não é capaz de fazer cumprir as leis e administrar os conflitos privados violentos pois acaba por concorrer com os grupos armados privados na gestão e exercício microterritorial da violência processo que é interligado à fragilidade da confiança entre os cidadãos e destes nas instituições de segurança e justiça Ainda assim é precipitado ver os grupos armados privados como totalmente contrários ao sistema político e econômico dominante em muitos casos são orientados por uma lógica de lucro e masculinidade que é uma exacerbação dos valores hegemônicos e não o seu questionamento Mais ainda podese dizer que uma parcela dos atores estatais ou das elites econômicas são com frequência parceiros ou beneficiários principais dos negócios ilícitos Diante desta realidade os indivíduos também alteram a sua rotina buscam resolver suas disputas por meios informais sem recorrer à justiça formal e buscam meios privados para lidar com a insegurança pessoal e patrimonial Um destes meios é a capacidade de fugir ou evitar o encontro com agressores em especial quando o agressor o procura ativamente ou de defender a si ou ser defendido por outro Táticas de evitação e autoproteção incluem a autossegregação em enclaves fortificados a contratação de serviços de segurança privada deixar de frequentar certos locais e de sair em certos horários ou tentar permanecer mais tempo fora de casa quando o problema é a violência doméstica mudar percursos e trajetórias diárias Alguns compram armas de fogo para ter meios de autodefesa contra possíveis agressões mas a eficiência dessa tática é bastante controversa e duvidosa já que muitas vezes o agressor conta com o efeito surpresa e outras vezes a arma acaba sendo meio usado no suicídio ou na violência doméstica brigas e vinganças pessoais O recurso aos enclaves fortificados e serviços e equipamentos de segurança é privilégio de poucos o que contribui para explicar a menor vitimização dos mais ricos por crimes violentos em geral embora sejam aqueles que tem mais para ser tomado por meio de crimes patrimoniais BRICEÑOLEÓN 2011 MISSE 2007 2008 2010 2019 ZALUAR 1996 ADORNO 2002 CALDEIRA 2000 Muitos autores não consideram que o protagonista do controle social é 63 realmente o aparato policial e punido do Estado e sim as famílias igrejas associações e escolas A força dos laços sociais contraídos com a família escola trabalho e outras associações são considerados como inversamente proporcionais à propensão do indivíduo para o crime em razão das crenças e compromissos desenvolvidos entre os atores representando motivos racionais e emocionais contra o crime Esta formulação considera que os laços sociais e seus efeitos contrários à criminalidade são anteriores e independentes dos efeitos de dissuasão policial e penal pois na verdade é a coerção policial que depende de laços sociais anteriores para ter alguma efetividade pois ao ponderar riscos e benefícios de um crime o próprio ator já está exercendo um tipo de adiamento de gratificação e consideração pela possível ruptura de laços com a família trabalho ou escola caso fossem capturados e punidos HIRSCHI 2004 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Assim como a tensão geral de Agnew fundamentou a Tensão Social é a fraqueza ou ausência relativas dos laços sociais que leva à desorganização social A desorganização social que é a ruptura e dispersão dos laços sociais provoca a escalada da violência a nível comunitário pois afrouxa a rede de laços familiares e comunitários que previnem os comportamentos violentos ao nível local e de maneira informal regulando a conduta dos indivíduos mutuamente envolvidos A desorganização social seria então a ruptura desta capacidade de autocontrole a nível coletivo pois os indivíduos sobretudo jovens se sentiriam desatrelados emocional e racionalmente das pessoas de sua convivência mais próxima seja na família na escola na vizinhança ou no trabalho As normas sociais seriam por isso menos efetividade prática na medida em que não teriam apoio em crenças e razões internalizadas nem no reforço mútuo das condutas entre os indivíduos na convivência rotineira SHAW MCKAY 1942 A tentativa de responder empiricamente quais seriam os condicionantes da desorganização social variou ao longo do tempo sendo inicialmente atribuído à pobreza heterogeneidade e rotatividade da população depois reinterpretada como associação diferencial entre pares delinquentes promovendo o aprendizado de práticas criminais entre gerações de criminosos do mesmo local unidos por relações informais até ser ligada mais concretamente às dinâmicas socioeconômicas e institucionais que enfraquecem os controles sociais locais ao minar as capacidades 64 de apoio e supervisão mútuas entre as famílias e comunidades o que tende a ocorrer principalmente em áreas nas quais se concentram grupos desvalidos socioeconomicamente Esta última formulação conecta o controle social dimensões do constrangimento à tensão social e privação socioeconômica dimensão da motivação A desorganização social seria atribuível portanto menos às características individuais dos residentes de uma área com alto risco de violências do que às características do próprio contexto que formaria assim um tecido social nos quais os laços são menos adensados mais dispersos ocasionando um vácuo de orientação normativa compartilhada entre os moradores do bairro desorganizado Os fatores de proteção e vulnerabilidade se encontram desigualmente concentrados em alguns estratos e áreas das cidades levando à concentração da violência física tanto dos particulares quanto da polícia em associação às condições de maior precariedade habitacional laboral educativa e associativa entre os residentes numa dinâmica na qual privações relativas e absolutas discriminação moral e criminalidade violenta se retroalimentam WACQUANT 2008 KUBRIN WEITZER 2003 Podese dizer que as teses opostas da moderação dos costumes e da desorganização social talvez sejam legítimas sucessoras da reflexão durkheimeana sobre a anomia Em comum consideram que o controle social mais efetivo é exercido de maneira horizontal entre os indivíduos e grupos como regulação mútua e cotidiana e que a dissuasão policial e judiciária é quando muito uma condição necessária para impedir que as guerras internas acabem por esfacelar o tecido social ou como um complemento para dissuadir e controlar casos excepcionais e quando muito teria uma eficácia geral dependente de uma adesão prévia às normas legais o que ocorre devido a crenças e laços entre indivíduos e não por simples intimidação judicial Conquanto a teoria do processo civilizador coloca a interdependência funcional e unificação políticojurídica ambas ligadas à modernização social como redutores das violências interpessoais a teoria desorganização social enxerga o potencial disruptivo da modernização econômica e crescimento populacional como ameaças ou obstáculos para o adensamento dos laços sociais em uma comunidade o que acabaria por inviabilizar um controle social informal Em outras palavras de uma perspectiva durkheimeana e eliasiana a 65 violência física seria um resquício arcaico enquanto a desorganização social seria algo como um efeito patológico da modernização socioeconômica acelerada que causaria um colapso de estruturas familiares e comunitárias de controle e apoio mútuos ao fragmentar a vida social de acordo com uma lógica que Polanyi poderia muito bem considerar como do mercado autorregulado Não é sem razão que o conceito de desorganização social foi resgatada agora com uma fundamentação mais crítica e vista como um dos produtos da sociedade de mercado CURRIE 1997 MESSNER ROSENFELD THOME 2008 POLANYI 2012 A dimensão da oportunidade das recompensas ao crime ou do acesso a meios ilegítimos foi trabalhada por várias correntes partindo da criminologia clássica e do utilitarismo passando behaviorismo social a escolha racional e as atividades rotineiras e desembocando ao ser articulada às questões da motivação da violência em perspectivas situacionais e sistêmicas no qual as motivações e as oportunidades são combinadas para a explicação dos eventos violentos SUTHERLAND 1955 BECKER 1968 COHEN FELSON 1980 AKERS 1990 MIETHE REGOETZE 2004 COLLINS 2008 Segundo a teoria das atividades rotineiras COHEN FELSON 1980 a criminalidade resulta do encontro entre um ofensor motivado e um alvo vulnerável de um lado e ausência de guardiães capazes de outro Em termos gerais este postulado resume o ponto de partida da nossa proposta analítica motivação oportunidade e constrangimento Porém partindo da visão do individualismo utilitarista esta corrente prefere supor a motivação como dada ou aleatória no qual o ator toma decisões a partir de um cálculo de custos e benefícios Assim teorizam se apenas as oportunidades criminais ainda assim concebidas de uma maneira bastante reducionista como abundância de alvos disponíveis e ausência de vigilância pública ou privada O conceito de oportunidades criminais se combinado à análise das motivações criminais e controles sociais possui implicações para explicar algumas dinâmicas criminais violentas ao considerar que a violência física em especial os homicídios dolosos ocorre a partir de dinâmicas situacionais e interativas MIETHE REGOETZE 2004 COLLIN 2008 Apesar dos limites a teoria das oportunidades criminais surgida pela convergência entre teorias das atividades rotineiras e da escolha racional criminal é 66 capaz de elucidar alguns pontos cegos das explicações baseadas na tensão ou desorganização social por exemplo pois enfatiza uma dinâmica que estava na maior parte das vezes apenas implícita naquelas tradições da sociologia criminal a percepção dos atores de que o crime instrumental naquela situação específica é viável e compensador traduzindose ao nível individual em aprendizado social por reforços diferenciais AKERS 1990 no nível comunitário como associação entre delinquentes para cometer crimes e trocar informações mutuamente proveitosas sobre como quando e onde cometer crimes lucrativos SUTHERLAND 1955 e no nível sistêmico pela formação de mercados ilícitos nos quais circulam e são negociados bens e serviços ilegais e por isso não regulamentadas e mediadas pelo Estado levando os atores envolvidos a usar a violência física para defender posses eliminar concorrentes e retaliar o descumprimento de acordos GOLDSTEIN 1985 O conceito de violência sistêmica é de particular interesse aqui pois reúne as oportunidades de lucro por meios ilícitos à exacerbação da desorganização social ambas por ação do próprio Estado ao criminalizar e banir alguns produtos e serviços da economia legal Sem direitos de propriedade e mediação judicial garantidos para regulamentar as transações o uso da violência física se impõe como recurso estratégico nas interações entre vendedores e consumidores enquanto a corrupção tornase necessária para evitar a repressão policial Esta tendência se torna mais evidente quando olhamos os crimes sem vítimas como o uso e tráfico de drogas prática de jogos de azar prostituição etc que em alguns momentos e contextos acabaram criminalizados e proibidos por decisão política o que ocasionou uma série de consequências imprevistas entre as quais o crescimento do comércio ilegal dos produtos banidos e a violência entre os atores envolvidos neste negócio criminal GOLDSTEIN 1985 MISSE 2006 Este conceito permite analisar possíveis as orientações instrumentais de crimes violentos em função de um contexto institucional mais amplo o que não seria possível apenas recorrendo aos conceitos de oportunidade criminal e de associação diferencial como também observar como o próprio Estado pode induzir a desorganização social em torno de uma atividade econômica ao colocála inteiramente na ilegalidade e por isso mesmo sem qualquer regulação Conforme tentamos sintetizar nos quadros logo abaixo a cada dimensão e a 67 cada nível está associado um conceito e cada vertente enfoca em uma ou mais dimensões ou níveis 68 Quadro 2 Dimensões analíticas da violência criminal Categoria Descrição Bibliografia Motivação por que o ator recorre à vio lência Motivo ou disposição que leva o ator a cometer cri mes violentos quando percebe uma ocasião propícia tais como a tensão social entre aspirações e situa ções a disjunção entre as metas hegemônicas e os meios legítimos para obtêlas a percepção de desi gualdade de oportunidades entre grupos como injus tiça o predomínio de motivos mercadológicos na seleção de cursos de ação e os valores e crenças que poderiam ser usados para justificar a ação crimi nosa violenta Tensão Social e Anomia Insti tucional definições favoráveis ao crime por grupos de refe rência Merton 1938 Ruche Kirschheimer 1999 Suther land 1955 Cohen 1965 Cloward Olihn 2011 Agnew 1992 e 2016 Passas 1997 Messner Thome Rosenfeld 2008 Wacquant 2008 Constrangi mento o que inibe a violên cia Disposições crenças relações e recursos que impe dem o ator de cometer ou sofrer crimes violentos tais como o autocontrole a presença de terceiros pacificadores os laços sociais com a família escola trabalho e vizinhança ou a eficácia de instituições organizadas de controle e apoio social Controle Social e Autocontrole Elias 2011 Hirschi 2006 2017 Gottfredson Hirschi 2006 Dahrendorf 1998 Cul len 1994 Garland 1999 2008 Adorno 2002 Misse 2006 Messner Thome Rosenfeld 2008 Wacquant 2008 BriceñoLeón 2011 Oportuni dade o que possibilita facilita ou recompensa a violência Ocasiões instrumentos e processos que tornam o crime mais fácil e compensador para o criminoso como o acesso a instrumentos armas pex apren dizado apoio grupal e acesso a alvos da violência e do crime lucratividade e colaboração entre crimino sos constituindo meios ilegítimos Oportunidades criminais e associação e reforço diferen cial Sutherland 1955 Cloward Olihn 2011 Clarke 1980 Cohen Fel son 2006 Becker 1968 Akers 1990 Goldstein 1985 Cerqueira 2010 Elaboração própria a partir de revisão da bibliografia teórica e empírica 69 Quadro 3 Níveis analíticos da violência criminal Nível Descrição Bibliografia Individual por que alguns indiví duos são mais propensos ou vulneráveis a se envolver com a violência Relativo às disposições psicos sociais do indivíduo desenvolvi das e internalizadas no pro cesso de socialização primária e secundária Tensão Geral Agnew 1992 Autocontrole individual Hirschi 2004 Hirschi Gottfredson 2006 Elias 2011 Oportu nidades Criminais Clarke 1980 Cohen Felson 2006 Becker 1968 Aprendizado Social do crime e da violência Akers 1990 Collins 2017 Comunitário por que a violência se concentra em algumas áreas e grupos Relativo às redes de relações interpessoais entre indivíduos abrangendo família vizinhan ças local de trabalho e de estudo etc e aos grupos de convivência ou conflito infor mais Associação Diferencial Suther land 1955 Subculturas delin quentes ou da violência Cohen 1965 Athens 1998 Collins 2017 Laços Sociais Hirschi 2006 2017 Hirschi Gottfred son 2006 Apoio comunitário Cullen 1995 Mercadorias Política Misse 2010 Grupos de Referência Passas 1997 Violência situacional Collins 2008 Estrutural por que a violência criminal varia entre cidades regiões ou países e ao longo do tempo Relativo aos sistemas de rela ções organizações e institui ções sociais tais como o judi ciário a polícia o Estado de bemestar social os mercados de trabalho habitação consumo e financeiro os mercados ilícitos Anomia Institucional Tensão Social e Apoio Social Merton 1938 Cloward Ohlin 2011 Passas 1997 Cullen 1995 Currie 1997 e 2015 Messner Rosenfeld Thome 2008 Becker 1968 Acumulação Social da Violência Misse 2011a e 2007 Violência Estru tural Schinkel 2010 Collins 2013 Processo Civilizador Elias 2011 Dissuasão Becker 1968 Atividades rotineiras Cohen Felson 2006 Elaboração própria a partir de revisão da bibliografia teórica e empírica Da combinação de dimensões e níveis resultam nove categorias teóricas que podem ser articuladas para a explicação da variações na incidência individuais ou 70 agregadas da criminalidade violenta como nexos causais entre a criminalidade violenta e as condições socioeconômicas e institucionais Da combinação de motivação ausência de constrangimentos e meios e alvos formase uma interação social violenta e por conseguinte à maior prevalência das condições que motivam facilitam e não inibem a prática da violência resulta em maior nível agregado de criminalidade violenta As dimensões dos processos geradores da criminalidade violenta funcionam ceteris paribus ou seja o incremento de uma dimensão tem efeitos causais controlados pelas demais Na realidade social as dimensões causais com frequência mudam simultaneamente mas no exercício teórico é preciso abstraílas analiticamente para compreendêlas O esquema teórico também contempla a ideia de que existe uma acumulação social da violência MISSE 2019 e 2009 entre os sucessivos níveis no sentido de que os mecanismos operando a nível individual comunitário e estrutural têm poder explicativo cumulativo quando utilizados em conjunto Assim o nível estrutural é necessário para a análise da criminalidade violenta que atinge maior escala e complexidade mercados ilícitos redes criminosas internacionais efeitos das políticas de segurança etc enquanto o nível individual teria poder explicativo restrito a crimes oportunistas impulsivos ou banais mais comuns no cotidiano e mais gerais na incidência entre as diversas sociedades modernas Estes crimes e violências mais simples explicáveis a nível individual seriam predominantes nos contextos de menor incidência de homicídios intencionais enquanto as altas taxas de agressões letais seriam associadas a maiores proporções de execuções sumárias e confrontos armados ligados aos mercados ilícitos organizações criminosas e políticas autoritárias de segurança Inversamente níveis mais baixos de violência criminal também podem envolver estruturas mais robustas de controles e apoios sociais especialmente quando observamos níveis diversos de tensão social e de mercados ilícitos ao longo do tempo No entanto é importante alertar que os níveis mais agregados também são limitados se considerados isoladamente sem pressupor os processos individuais e comunitários que resultam na violência criminosa Da mesma maneira as dimensões da motivação controle e oportunidade 71 operam de maneira combinada a primeira e a última pela presença e a segunda pela ausência ou viceversa Entre as teorias integradoras que mais se aproximam desta abordagem aqui proposta e a inspiraram estão a Teoria da Anomia Institucional MESSNER ROSENFELD THOME 2008 e a análise situacional da violência COLLINS 2008 enquanto a a teoria de Wieviorka 1997 2006 oferece uma visão arrojada e articulada dos vários níveis da violência Se os níveis estão necessariamente articulados o mesmo pode ser dito das dimensões De fato alguns desenvolvimentos teóricos nas diferentes tradições sociológicas e criminológicas passaram pela articulação e convergência entre as dimensões enfatizadas por uma ou outra corrente Estas elaborações apareceram como conjunção e integração de paradigmas explicativos diferentes Por exemplo Sutherland 1955 considerou tanto os controles desorganização social quanto as oportunidades criminais behaviorismo social como relevantes para explicar a delinquência de certa maneira antecipando ainda que de modo incipiente uma série de debates ocorridos na teoria e na pesquisa por meio do conceito de associação diferencial A teoria das oportunidades diferenciais CLOWARD OHLIN 1960 considerou que tanto as oportunidades legítimas quanto as ilegítimas são relevantes para explicar os resultados da tensão social assimilando dessa maneira elementos de motivação controle e oportunidade por meio da integração entre teorias da tensão social e da associação diferencial E a teoria da anomia institucional buscou combinar a análise das motivações tensão social com os controles laços e apoios sociais MESSNER ROSENFELD THOME 2008 Logo a seguir podemos ver uma Quadro que esquematiza os conceitos com os respectivos niveis e dimensões que formam os mecanismos causais 72 Quadro 4 Mecanismos sociais da violência homicida intencional Individual por que o indivíduo cometeu um crime violento Comunitário por que certa violência se con centra em algumas áreas e grupos Estrutural por que a violência criminal varia entre as cidades regiões ou países Motivação por que o ator recorre à violên cia Tensão internalizada entre aspirações subje tivas e situações vividas Subculturas delinquen tes disjunção entre metas hegemônicas de sucesso e acesso a meios institucionais legítimos da ação Constrangimento o que inibe a violência Autocontrole internali zado no processo de socialização Força da rede de Laços Sociais Instituições organizadas de controle e apoio social eficazes Meios ilegítimos o que facilita ou recom pensa a violência Oportunidades Crimi nais Associação Diferencial Violência sistêmica dos mercados ilícitos Crimes típicos expli cáveis até este nível cumulativo Crimes oportunistas e impulsivos brigas fur tos roubo de transeun tes abuso de psicoati vos Tráfico varejista e rou bos por quadrilhas ou bandos disputas entre gangues baixa corrupção no varejo lin chamentos Prática difundida de execuções sumárias violência policial pisto lagem grupos de exter mínio facções milí cias e cartéis crimi nalidade financeira e administrativa contra bando de armas tráfico internacional e ataca dista de drogas Elaboração própria a partir de revisão da literatura teórica e empírica 24 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo procuramos identificar os traços gerais dos estudos quantitativos sobre violência letal intencional no Brasil apontando as limitações das abordagens predominantes a epidemiologia da violência e a economia do crime e a relativa escassez de análises sociológicas quantitativas da criminalidade violenta Dessa maneira procuramos apresentar o esboço de uma proposta analítica para a realização dos estudos sociológicos quantitativos sobre o crime e a violência partindo da identificação de uma dicotomia predominante nas análises quantitativas 73 sobre crimes violentos de um lado os determinantes sociais identificados por meio de análises ecológicas que associam a incidência de crimes violentos à características das localidades e suas diferenciações intramunicipais e intermunicipais e entre camadas sociais de outro a abordagem utilitarista que considera o crime como uma escolha do indivíduo que ponderaria custos e benefícios da ação criminal preferindoa quando a expectativa de lucros supera os riscos certeza dureza e celeridade da punição Os resultados dos trabalhos analisados no entanto dialogam com algumas das teorias sociológicas da criminalidade e da violência sendo relacionáveis para corroborar ou questionar a categorias como tensão social privação relativa anomia institucional desorganização social controle social associação e oportunidades diferenciais No espírito de teorias sociológicas contemporâneas como as de Giddens 2008 e Bourdieu 2011 esquematizando as diversas categorias teóricas em dimensões motivação constrangimento e oportunidade e níveis individual comunitário e estrutural as quais combinadas entre si resultam em um pequeno kit de ferramentas explicativas para abordar os mecanismos sociais que produzem a violência criminal Constatamos que as diferentes dimensões e níveis analíticos são abordados por diversas tradições teóricas cada uma pondo uma ênfase maior em alguma dimensão e nível de análise dando às vezes uma impressão de radical fragmentação e dificultando a integração teórica O desafio a que nos propusemos dessa maneira foi articular as teorias sociológicas da criminalidade e da violência aos métodos quantitativos de pesquisa sem deixar de conversar com a ampla literatura sociológica qualitativa sobre os significados da violência para os atores envolvidos 74 3 ATORES E CONTEXTOS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA PROPOSTA DE UMA TIPOLOGIA BASEADA EM EVIDÊNCIAS BRASILEIRAS Este capítulo possui caráter teórico embora construído também sobre uma literatura empírica qualitativa ou mista composta por estudos sobre contextos urbanos de alta violência e grupos criminais armados por meio de etnografia historiografia e até literatura memorialística o que pode ser considerado uma fonte primária A construção de tipologias abrange situações violentas letais grupos criminais violentos e configurações macrossociais da violência que correspondem aproximadamente aos conceitos níveis e dimensões causais especificados no capítulo anterior 31 APRESENTAÇÃO A criminalidade violenta em especial a agressão letal apresenta uma grande variedade e complexidade de formas e conteúdos sociais As pesquisas qualitativas de metodologia etnográfica ou histórica e orientação fenomenológicasocial vem tentando mapear descrever e interpretar estas diversas formas e processos de interação violenta No Brasil um país com altas taxas de homicídio doloso e de outros crimes porém de distribuição heterogênea entre os territórios e camadas sociais com ocorrências de violências criminais concentradas nas regiões metropolitanas e fronteiriças essa tarefa é realmente hercúlea exigindo numerosos estudos de casos e comparados abrangendo diferentes contextos processos e relações nos quais ocorre a violência criminal Neste capítulo apresentamos tipologias de situações e atores de organizações criminosas violentas e de configurações dos mundos do crime e mercados ilícitos baseada em uma revisão dos estudos urbanos sobre violência nas metrópoles brasileiras As tipologia foram construídas a partir de conceitos teóricos 75 da sociologia e da criminologia como também dos estudos qualitativos e mistos Na formulação clássica de Max Weber 1995 1999 os tipos ideais são construtos teóricos e analíticos que exibem uma coerência maior que a realidade social empírica mas auxiliam o pesquisador nas tarefas de descrição explicação e compreensão dos processos sociais O método tipológico acentua traços e características marcantes dos processos sociais por meio de uma operação que os simplifica na teoria sem confundir a tipificação com a realidade empírica mais complexa onde os traços típicos se mesclam e confundem Ao fornecer um quadro conceitual ordenado e consistente com o qual as evidências empíricas podem ser comparadas porém a tipologia contribui para acentuar características predominantes e especificar mecanismos causais De certa maneira Weber explicitou um procedimento que era adotado implicitamente por vários teóricos sociais anteriores e contemporâneos incluindo os economistas clássicos e filósofos da história assim como Friedrich Nietzsche e Karl Marx A explicitação tornou o princípio sistemático e rigoroso segundo os exemplos mais célebres os tipos ideais da ética protestante e do espírito do capitalismo e os tipos de dominação legítima tradicional carismática e burocrática juntamente com os seus subtipos mais ou menos explicitados Weber assim definiu a característica metodológica fundamental deste procedimento as tipologias são modelos heurísticos de conexões de sentido que permitem a interpretação teórica das motivações e atitudes dos atores sociais em uma dada situação objetiva As tipologias expostas neste trabalho estão longe de ter o alcance e originalidade das postuladas na obra de Max Weber constituindo muito mais uma tentativa ordenar e simplificar um conjunto crescente de evidências sobre casos singulares na esperança de identificar alguns mecanismos e processos causais que auxiliem na explicação das variações da criminalidade violenta no espaço e no tempo Para a exposição vamos inverter o procedimento de pesquisa apresentando primeiro um quadro resumido com as características diferenciais de tipos de situações organizações e configurações criminais e a seguir alguns estudos que a inspiraram 76 32 SITUAÇÕES MOTIVAÇÃO E ENVOLVIMENTO A violência homicida intencional transcorre em um conjunto heterogêneo de situações violentas nas quais ocorrem conflitos com desfecho fatal Estes confrontos são distribuídos de maneira variável entre as linhas históricas e geográficas e geralmente ocorrem entre indivíduos que se opõem menos por suas diferenças que por suas similaridades é por serem próximos e semelhantes que desejam o mesmo pois têm interesses idênticos e desejam os mesmos objetivos e não conseguem chegar a um acordo Uma situação violenta representa uma combinação específica de motivos e ausência de obstáculos entre autores e vítimas presentes em um local Apesar da enorme variedade de situações violentas conjugais sexuais brigas vinganças roubos disputas territoriais autodefesas etc algumas das situações típicas na sua combinação de local atores meios e motivos acabam representando uma parcela majoritária dos homicídios intencionais tornando as outras situações atípicas basicamente minoritárias residuais ou excepcionais CUSSON BEAULIEY CUSSON 2003 MIETHE REGOECZE 2004 A seguir apresentamos algumas das situações tipificadas e em seguida apresentamos alguns exemplos colhidos das pesquisas 77 Quadro 5 Situações e atores típicos dos crimes letais intencionais Tipos de crimes letais intencio nais Locais Situações Vítimas Autores Feminicídios e violência doméstica Residência e vias públicas Relações familia res e de gênero Mulheres e crian ças mais rara mente homens Homens adultos mais raramente mulheres adultas Brigas e disputas banais em espa ços públicos Locais de diver são e trânsito Atividades rotinei ras de desloca mento e diversão Homens mais frequentemente jovens Homens mais frequentemente jovens Roubos Vias públicas estabelecimentos comerciais resi dências Atividades e locais de trans lado trabalho diversão e repouso Transeuntes e famílias Homens jovens Trocas de tiros Vias públicas de áreas pobres das cidades favelas e periferias Disputas entre gangues por vin gança e pontos de venda de dro gas operações policiais Transeuntes membros de gan gues em geral homens jovens pobres e polícias Gangues homens jovens pobres e polícias Execução sumária Áreas pobres das cidades favelas e periferias espaços de con flito agrário Disputas por con trole proteção e extorsão de negócios ilícitos assassinato por encomenda ou retaliação Informantes delatores usuá rios endividados policiais mem bros de gangues e pistoleiros policiais mem bros de gangues e pistoleiros Fonte Elaborado pelo Autor a partir de pesquisa bibliográfica Estes tipos de situações violentas letais estão presentes em todas as regiões do Brasil mas as trocas de tiros e execuções sumárias tendem a se concentrar nas áreas menos afortunadas das grandes cidades sendo a execução sumária encontrável ainda em regiões de conflitos agrários e ambientais Podemos especular 78 que quanto maior a taxa de homicídios intencionais maior é a proporção de mortes representada pelas últimas linhas da Quadro Na Região Metropolitana de Fortaleza a nível da experiência e das percepções sociais nas localidades urbanas de alta concentração de pobreza e de violência os conflitos que surgem de condições objetivas específicas se traduzem em numerosas formas de violência abrangendo as conflitos territoriais entre gangues de jovens marginalizados as brigas entre amigos e conhecidos por questões aparentemente banais a truculência das abordagens e da extorsão policial as agressões contra mulheres e crianças e os roubos e furtos a domicílios transeuntes e ao comércio As numerosas formas de violência a que estão expostos os moradores dos bairros populares e favelas criam sentimentos generalizados e intensos de medo e desconfiança e a experiência de sofrer ou presenciar crimes leva a desejos de vingança e à adesão ao punitivismo Os moradores criam no seu cotidiano táticas de evitação social para administrar os perigos e constroem as suas próprias classificações sociais para lidar com a violência e o crime que os ameaça no cotidiano Distinguemse entre cidadãos ou trabalhadores que são merecedores dos seus ganhos em função da dedicação ao trabalho honesto vadios que são vistos como avessos ao trabalho e buscam sempre se acomodar a situações onde podem sobreviver sem precisar de trabalho remunerado fixo e por isso sempre tentados a cometer crimes e bandidos que são jovens perigosos que ameaçam a paz a segurança e os parcos bens adquiridos pelos trabalhadores com a renda do seu trabalho PAIVA 2014 Assim embora os moradores das áreas estigmatizadas sofram coletivamente com o estigma territorial que impõe a sujeição criminal aos territórios e por conseguinte aos seus moradores os próprios residentes destas áreas interpretam as coisas de outro modo criando várias distinções e hierarquias internas às periferias urbanas Da mesma forma embora as relações sociais sejam entremeadas por diversas formas motivações meios vítimas e agentes da violência os moradores trabalhadores as distinguem entre si considerando que algumas são mais justificáveis e outras mais puníveis PAIVA 2014 Em geral os crimes violentos contra o patrimônio e a dignidade sexual são repudiados de maneira mais decidida sendo os seus autores facilmente 79 considerados merecedores do assassinato Por outro lado os homicídios intencionais costumam ser situados em contextos morais que podem tornálos merecedores de maior repúdio ou pelo contrário amenizados em razão das circunstâncias que teriam motivado os autores É o caso por exemplo das violências que atingem os jovens classificados como bandidos ou seja tidos como ladrões e traficantes violentos cuja morte provoca sentimentos de alívio entre os moradores PAIVA 2014 Dessa forma tanto a violência policial quanto as vinganças e linchamentos são aprovadas contanto que não atinjam inocentes e trabalhadores apenas criminosos que causam problemas para os moradores Da mesma forma a violência contra crianças é considerada recomendável quanto possui motivações pedagógicas capazes de inculcar a disciplina nos filhos da família e a violência contra mulheres é tida como legítima quando traduz uma reação masculina à ofensa e desobediência femininas sobretudo contra o parceiro íntimo desta mulher PAIVA 2014 Já a violência entre gangues e dentro delas é vista com indiferença quando não atinja os trabalhadores e inocentes limitandose apenas aos jovens pobres envolvidos As microdistinções chegam ao ponto de dividir os mais pobres dos menos pobres entre os trabalhadores pobres sendo os mais pobres estigmatizados pelos menos pobres como criminosos da mesma forma que a favela casas mais precárias é tida como ninho de criminosos ao contrário do bairro área de casas mais antigas e estruturadas onde residiriam trabalhadores honrados PAIVA 2014 Os sentimentos de medo da criminalidade e de desconfiança sobre aos vizinhos tidos como suspeitos e frente à polícia tida como corrupta e ineficiente encorajam práticas de evitação social microdistinções e microhierarquias que contribuem para atitudes diferenciadas em relação às várias violências classificadas segundo suas vítimas e motivações ao mesmo tempo em que dificultam a construção de formas de solidariedade social local Nesse contexto a família o parentesco direto passa a ser a principal e quase exclusiva fonte de solidariedade e integração seguida pelo trabalho remunerado O explica porque as violências legitimadas são as justificadas por valores familiares tradicionais como a honra masculina a autoridade paternal e a obediência das crianças e jovens e pela norma 80 social de ganho pelo trabalho como o repúdio contra quem se esquiva da busca e dedicação ao emprego remunerado e a revolta contra quem atenta contra os bens adquiridos pelo trabalhador com o seu esforço pessoal PAIVA 2014 Dessa maneira os moradores da periferia de Fortaleza como os de outras metrópoles brasileiras conduzem as suas vidas em um cotidiano repleto de privações discriminações e ameaças exigindo maneiras de lidar não só com as dificuldades da vida material como também com diversos estigmas que negam a sua dignidade pessoal e coletiva Alguns deles adotam o caminho de se aferrar aos valores e normas da família tradicional e do trabalho remunerado buscando uma modesta ascensão econômica por meio do esforço pessoal tentando corrigir por castigos físicos e vinganças a desobediência das crianças e mulheres em relação a estas normas evitando locais e indivíduos considerados perigosos e avessos à moralidade familiar e laboral e ativamente desejando a morte destes indivíduos temidos e detestados Apesar disso há aqueles entre os trabalhadores pobres que buscam resgatar o sentido da solidariedade por meio do ativismo comunitário Outros pelo contrário preferem buscar no tráfico de drogas ilícitas e nos roubos um meio de acesso ao consumo desejado incorporando a identidade e estima social dos membros das gangues que funcionam assim como um mecanismo de inclusão no pertencimento coletivo e nos mercados ilícitos obtendo uma renda maior e mais rapidamente do que conseguiria pelo trabalho Este caminho no entanto é perigoso pois o uso de drogas ilícitas e a participação em coletivos criminais os expõe à violência das retaliações e disputas armadas entre gangues É arriscado ainda para aqueles que lhes são mais próximos e podem se tornar alvos de retaliações vinganças fogo cruzado e ataques por engano PAIVA 2014 Nas periferias e favelas de Salvador a restrição de acesso à justiça e a legitimação da violência com finalidades vingativas moralistas e pedagógicas são obstáculos para o aprendizado e efetivação da cidadania Na educação familiar há uma oscilação entre a permissividade e a repressão sendo comum a opinião de que as surras e a vigilância são necessárias para educar os filhos inculcarlhes a moral do trabalho e afastálos da delinquência Neste contexto o desemprego deslegitima a figura paterna tradicionalmente provedora de renda para a família cria enormes obstáculos à inserção dos jovens no mundo adulto A identidade masculina 81 fragilizada perde importância simbólica e econômica nas relações familiares e a transição entre a juventude e a idade adulta marcada pelo trabalho remunerado tornase cada vez mais problemática no contexto de alto desemprego e informalidade A necessidade de sobrevivência impele crianças e adolescentes a trabalhos informais nas ruas expondoas ao contato com bandos delinquentes Os grupos de jovens criminosos são organizados em torno de lideranças delinquentes que adquirem importância na regulação despótica de relações sociais locais muitas vezes os moradores procuram os líderes criminosos locais e não a polícia quando querem reparar ofensas reaver bens roubados pedir permissão para receber visitantes externos ao bairro Muitos moradores nessa situação prestam pequenos favores aos bandos delinquentes o que os torna também alvos da repressão policial violenta Essas relações ambíguas e instáveis levam os moradores a conceber interpretações que naturalizam demonizam ou individualizam as ameaças representadas pelos grupos criminosos às vezes são vistos como portadores de um mal inato outras vezes como possuídos pelo demônio e outras vezes como pessoas que optam pela violência e pela maldade e por isso são culpadas exclusivas pela criminalidade violenta que assola o local MACHADO NORONHA 2002 A polícia em geral é vista como uma instituição distante às vezes ausente ou omissa até sócia dos criminosos outras vezes como arbitrária violenta e injusta Há matizes no entanto a PM é alvo de maior desconfiança pela ação repressiva mais ostensiva padronizada e abertamente hostil pior informada sobre o contexto local por isso mais propensa a usar a violência de maneira indiscriminada atingindo trabalhadores e seus familiares enquanto a PC é vista como mais semelhante ao cidadão comum com maior conhecimento da realidade local e capacidade de diferenciar criminosos de trabalhadores Ambas as polícias estaduais no entanto tem a violência como instrumento principal de trabalho nos bairros pobres e usam violências físicas e morais nas abordagens Ambas as corporações policiais têm entre os seus servidores e exservidores partícipes de grupos de extermínio que praticam o assassinato por encomenda a extorsão de criminosos e a venda de segurança privada clandestina a comerciantes Os criminosos que não pagam propinas e favores aos grupos de extermínio são executados e tal qual as gangues 82 delinquentes os policiais desviantes impõem a lei do silêncio ameaçando e matando quem prestar queixa ou testemunho dos seus crimes A atitude dos moradores para com a violência policial é dupla deploram quando essa violência é motivada por corrupção ou quando atinge os trabalhadores mas aprovam a eliminação de criminosos que causam danos e desordens nas comunidades desfavorecidas No entanto os assassinatos cometidos pela polícia mesmo quando têm criminosos contumazes como vítimas provocam disputas pela liderança e controle territorial do crime o que muitas vezes causa desorganização no bairro trocas de tiros e atinge pessoas não envolvidas com a criminalidade A atitude dos moradores trabalhadores não envolvidos diretamente com a criminalidade expressa dessa maneira o profundo desamparo dessas comunidades esmagadas pela miséria abandonadas pelo Estado reféns das disputas violentas e dos arranjos instáveis entre grupos de jovens criminosos e entre estes e policiais corruptos ansiando por soluções rápidas que tragam mais tranquilidade e ordem para o cotidiano MACHADO NORONHA 2002 Apesar de ter fundamentos reais em uma série de riscos e vulnerabilidades identificáveis e quantificáveis a violência percebida não necessariamente corresponde à violência sofrida de tal maneira que períodos de crescimento de agressões letais são muitas vezes associados na percepção popular a maior tranquilidade e paz no bairro De maneira geral os crimes cometidos de maneira mais ou menos desordenadas por grupos de jovens marginalizados como roubos e furtos e confrontos armados entre gangues são vistos como sinônimo de violência e desordem enquanto que inversamente as violências policiais domésticas conjugais e linchamentos não são definidas como violentas O senso comum autoriza a violência física e moral contra alguns alvos e por certos motivos e justificações ao mesmo tempo demonizando e banindo outras associadas à desordem e à delinquência A duplicidade assim concebida representa uma tentativa coletiva de restabelecer e preservar uma ordem comunitária e familiar idealizada mesmo sob condições de pobreza desigualdade abandono e opressão em espaços urbanos segregados e estigmatizados NUNES PAIM 2005 Em Recife a ação policial exerce um efeito desestabilizador na rede de 83 relações em torno dos traficantes varejistas estimulando as disputas violentas de sucessão e território forçando traficantes varejistas usuários e microtraficantes consignados a renegociar constantemente os termos dos acordos de venda e consumo dos ilícitos além de indiretamente afetar as economias locais das periferias das quais dependem os consumidores Como pessoas pobres estes microtraficantes e usuários têm pouca capacidade de acessar a justiça para se defender de arbitrariedades e nenhum dos envolvidos pode acessar qualquer mediação judicial para resolver disputas conflitos e desentendimentos pois tratase de um mercado ilícito O problema da ausência de mediação judicial e da necessidade de fazer tudo na clandestinidade também ocorre aos traficantes e usuários de drogas ilícitas de maneira geral mas quando se tratam de pessoas mais pobres e dos setores varejistas o caráter aberto e descoberto junto com a maior repressão policial ostensiva contribuem para um nível de violência muito maior devido à desconfiança e instabilidade das negociações O comportamento policial merece um comentário à parte pois além da hiperrepressão que criminaliza a pobreza e desestabiliza o frágil equilíbrio das redes de relações do tráfico varejista há paradoxalmente um subpoliciamento Nas comunidades socialmente desfavorecidas há geralmente um menor efetivo policial alocado em proporção à área e população residente Em parte a atitude mais repressiva da polícia nas áreas de maior pobreza se deve à discriminação de classe e raça devido aos preconceitos dos policiais e ao apoio das classes média e alta mas também pode ser explicado como uma tentativa de compensar a menor proporção de agentes de polícia para realizar o controle da criminalidade em lugares aonde os crimes violentos costumam ser mais recorrentes e extremos De qualquer forma esse paradoxo da maior repressão policial com menor efetivo policial faz com que as favelas e periferias urbanas tenham menor aplicação da lei pela polícia e mais violência policial com todos os impactos negativos sobre a desconfiança na polícia na geração de tensão no tráfico de drogas local e na vitimização de pessoas não envolvidas no crime pelo fogo cruzado Por outro lado a repressão mais rara e cirúrgica da polícia sobre o tráfico atacadista e do varejo de classe média contribui para a maior estabilização das redes de interconhecimento entre os traficantes e entre estes e consumidores prevenindo a escalada de disputas violentas RATTON DAUDELIN 84 2017 Se é dura a repressão policial ao tráfico varejista de drogas ilícitas especialmente o tráfico de crack nas áreas urbanas estigmatizadas e aos traficantes e consumidores pobres o mesmo não podese dizer em relação aos homicídios dolosos De fato a capacidade investigativa da polícia pernambucana para a resolução dos crimes letais intencionais por exemplo é tradicionalmente muito baixa e lenta sendo comum a extrapolação do prazo e a devolução do inquérito à Polícia Civil com o pedido do Ministério Público por de maiores investigações policiais em razão da inconsistência ou fragilidade das evidências e indícios apresentados pelos investigadores E no próprio Ministério Público é comum a extrapolação dos prazos legais para a realização da acusação criminal A maior probabilidade de impunidade ocorre entre os crimes dolosos contra a vida nos quais há prisão em flagrante eou provisória dos suspeitos quando o andamento da investigação e julgamento costumam ser mais rápidos Neste contexto o Programa Pacto pela Vida introduziu um conjunto de mecanismos de incentivo à polícia para a resolução de crimes de homicídio doloso utilizandose de indicadores e metas de desempenho que visam proporcionar maior coordenação e empenho das equipes policiais em ações que sejam capazes de dissuadir os crimes letais intencionais RATTON TORRES BASTOS 2011 Para concluir esta sessão nos centros urbanos brasileiros o cenário de maior incidência da violência homicida intencional são as áreas segregadas e desfavorecidas de moradia nas quais se concentram a pobreza o desemprego e a informalidade e precariedade do trabalho e da moradia Se há mais desvantagens entre os indivíduos e famílias há menor e mais precária oferta de serviços e equipamentos coletivos urbanos As polícias em geral veem os moradores como suspeitos e potencialmente perigosos mas o policiamento nestas áreas é mais escasso De baixa renda e escolaridade médias especialmente em comparação com as áreas mais privilegiadas os moradores enfrentam enormes dificuldades para acessar direitos básicos e não podem pagar por advocacia e segurança particulares o que significa que em geral precisam se proteger e resolver seus conflitos por conta própria A presença de grupos criminosos e a fragmentação 85 sociocultural entre os moradores muitas vezes dificultam a formação de solidariedades locais fora do âmbito familiar estrito Além da luta pela obtenção de renda os moradores buscam se resguardar física e simbolicamente muitas vezes legitimando violências associadas a valores conservadores tradicionais como honra masculina e coesão familiar ou para punir transgressores e criminosos que ameaçam os bens e integridade dos outros moradores linchamentos e execuções de suspeitos PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 ADORNO NERY 2019 RATTON DAUDELIN 2017 MARRA 2008 33 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS VIOLENTAS As organizações criminosas não são de fácil definição Um caminho interessante é comparálas às organizações formais Esta ligação tem a vantagem de mostrar tanto as analogias como a operação de mecanismos de diferenciação funcional formação de lideranças recrutamento e adaptação às vicissitudes do contexto mais amplo levando à inovação incremental quanto às conexões já que as organizações formais estão sempre sobrepostas a relações informais entre seus integrantes e não integrantes Schabbach 2008 utiliza os conceitos de exclusão e de organização segundo a formação de Niklas Luhmann argumentando que nas sociedades modernas periféricas a exclusão se autonomiza e perde a complementaridade com a inclusão comprometendo a diferenciação funcional e dando origem a redes de proteção e favores com seus próprios critérios de inclusãoexclusão que estão excluídos do sistema social oficial mas influenciam o seu funcionamento Neste contexto ainda segundo Schabbach os grupos e redes criminosas adquirem características organizacionais estruturadas a partir de um conjunto de decisões interrelacionadas operando na lógica do ilícito e da exclusão que as delimitam e relacionam com outras organizações formais informais e criminosas adquirindo capacidade de inovação para se adaptar a pressões e oportunidades do ambiente social Operar na lógica da exclusão significa que o recrutamento do grupo criminoso não exige credenciais acadêmicas e profissionais tornandose uma oportunidade de ganho 86 financeiro e simbólico para setores que pelos critérios das organizações formais estariam excluídos ou quando muito relegados às piores posições A estes argumentos podemos acrescentar ainda que os grupos criminosos possuem características como liderança artefatos valores explícitos e suposições implícitas analogamente ao que foi constatado na análise das culturas organizacionais empresariais SCHEIN 2009 Embora os estudos qualitativos raramente tenham feito essa relação diretamente é possível observar a importância da liderança criminosa como direcionadora das metas e crenças do grupo as armas de fogo e o consumo ostensivo como artefatos mais comuns entre os grupos criminosos valores explícitos como os lemas das facções e o moralismo de grupos de extermínio e milícias e suposições implícitas sobre os usos da violência masculinidade respeito e sucesso Logo abaixo resumimos diferenças gerais entre os grupos de organizações criminosas violentas identificadas na revisão bibliográfica e em seguida apresentamos alguns estudos de caso 87 Quadro 6 Tipos de organizações criminosas violentas Tipo de organi zação criminosa Origem Protagonistas Negócio princi pal Negócios secun dários Gangue Favelas e perife rias pobres Jovens pobres tráfico varejista localizado roubos de lojas bancos e tran seuntes Banca de Jogos de Azar Ilegais Difusa Empresários policiais e expoli ciais Jogo do Bicho e outros jogos de azar ilegais Financiamento eleitoral e lava gem de dinheiro Comando CV TC PCC ADA FdN Balas Manos etc Prisões Presos por rou bos a bancos fundadores tra ficantes atacadis tas sucessores Tráfico atacadista e varejista de drogas ilícitas roubo a bancos e cargas contra bando de armas extorsão de comerciantes extorsão medi ante sequestro Grupo de exter mínio Polícia política tradicional coro nelismo Policiais execu tores e interme diários matado res freelancer executores empresários e políticos tradicio nais clientes assassinato por encomenda por vingança ou por retaliação Extorsão de comerciantes e criminosos con trabando de armas Milícia Polícia política local Expoliciais e ex militares funda dores empresá rios corruptores clientes políti cos de extrema direita beneficiá rios Extorsão de moradores e con trole de ativida des econômicas e políticas dos territórios Assassinato por encomenda coa ção e compra de votos financia mento eleitoral contrabando de armas tráfico de drogas Fonte Elaborado pelo Autor a partir de revisão bibliográfica As características tipificadas acima se referem a grupos organizados que usam da violência física e como tais operam em áreas desfavorecidas como favelas e periferias urbanas O grau de estruturação e conexão com instituições 88 políticas e policiais variam indo do nível mais baixo a gangue mais simples e distante da polícia e da política até grupos que se encaixam melhor em um conceito de crime organizado a milícia de fato entranhada à polícia e à política local Em comum todas são grupos hierarquizados que operam nos mercados ilícitos usando a violência como instrumento de extração ou controle de rendas e de exercício do poder Na Região Metropolitana de Belo Horizonte entre os protagonistas da violência como vítimas e como agentes destacamse os homens jovens e dentre estes os membros de gangues armadas que que residem nas periferias e favelas Os grupos de jovens delinquentes na RMBH são bastante fragmentados e a violência não decorre só de uma lógica instrumental para o negócio criminoso mas também de motivos ligados à identidade do grupo o que inclui valores de honra masculina vingança e manutenção da coesão e hierarquia do grupo Integrantes das gangues atribuem a si mesmos a missão de manter a ordem vingar delitos como furtos roubos ou estupros cometidos dentro do bairro ou favela por pessoas não pertencentes à gangue inibir os pedidos de ajuda à polícia e intimidar possíveis testemunhas dos crimes Em parte os próprios moradores reconhecem esse papel e procuram membros da gangue para ajudar a resolver problemas e conflitos entre os moradores A resolução privada e violenta de conflitos interpessoais tornase mais aceitável para os que vivem no contexto local marcado pela pobreza pela desconfiança mútua entre os moradores e pela negligência ou incapacidade estatal na provisão de segurança e justiça Surgiram neste cenário comum nas periferias e favelas da Grande Belo Horizonte alianças informais entre jovens despossuídos grupos que se dedicam a negócios criminosos como roubos e tráfico de drogas ilícitas utilizam armas de fogo e valorizam acima de tudo a capacidade de usar a violência para defender a si mesmo e a pessoas próximas e de vingar as ofensas e ameaças contra a própria pessoa grupo criminoso ou comunidade onde se vive Essas disposições se são adequadas para a manutenção da coesão da gangue e para as práticas lucrativas ilegais como o roubo e o tráfico de drogas varejista desencadeiam ciclos de disputas vinganças e retaliações que geram inúmeros assassinatos As motivações homicidas neste contexto se inserem na constituição e disputa pelo controle territorial de atividades econômicas ilegais e na busca por 89 lucro mas nem sempre são estritamente utilitárias ou seguem a lógica de uso eficiente da violência segundo um modelo de crime empresarial mas obedecendo antes à socialização violenta inerente aos valores e normas do mundo do crime e da lei da favela que são formulados e transmitidos pelas gangues de jovens pobres mineiros ZILLI 2015 Dessa maneira o mundo do crime da Grande Belo Horizonte é fracionado entre pequenos grupos criminosos com base nas diversas favelas e bairros metropolitanos alguns deles dividindo a mesma área ou ocupando frações da mesma favela A fragmentação e a proximidade potencializam a violência e por isso os homicídios dolosos em grande parte resultam dos conflitos disputas brigas e vinganças entre moradores dos mesmos bairros ou de bairros próximos muitas vezes previamente envolvidos com atividades ilícitas como o tráfico de drogas ilícitas Como essa dinâmica também retalia quem presta depoimentos ou informações à polícia investigativa é evidente a complexidade do trabalho policial para a resolução de crimes também aumenta quando o homicídio está ligado às disputas entre grupos criminosos ZILLI VARGAS 2013 Em contraste com a fragmentação do mundo do crime em alguns lugares e períodos observamos em algumas metrópoles a formação de agrupamentos mais amplos e estruturados que disputam entre si o controle de várias áreas das cidades Estes grupos são conhecidos como facções A dinâmica da violência letal intencional no Rio de Janeiro obedece a vários determinantes sendo o processo de urbanização desigual e segregador apenas um deles sendo importante considerar igualmente a emergência de redes criminosas violentas dedicadas a negócios ilícitos altamente rentáveis e por isso mesmo disputados e controlados por grupos organizados por meio da força das armas Dentre estes mercados ilícitos o principal é o tráfico de drogas ilícitas dividido entre facções ou seja organizações criminosas armadas surgidas e articuladas de dentro das prisões inicialmente e posteriormente estabelecidas em bases territoriais nas favelas Estas facções eliminam incorporam ou subordinam as antigas gangues de bairros articulando redes de poder mais amplas que controlam várias áreas marginalizadas que são utilizadas como pontos de distribuição e venda de drogas ilícitas A prevalência do mercado de drogas ilícitas no crime organizado carioca data do início da década de 90 1980 quando fatores de ordem internacional como a expansão da produção de coca para exportação nos países andinos ampliaram a oferta e o consumo da cocaína Até então o principal mercado ilícito no Rio de Janeiro era o jogo do bicho que nos anos 196070 foi centralizado em uma coalizão de banqueiros aliados dos governos militares Apesar da proibição formal datar dos anos 1940 foi no final dos anos 1960 que foram estabelecidas leis mais duras para repressão criminal ao tráfico de drogas ilícitas tornando a extorsão de traficantes cada vez mais lucrativas para os policiais O ponto de virada parece ter sido o aumento dos roubos a bancos praticados tanto por grupos de oposição armada à Ditadura Militar quanto por criminosos que buscavam o lucro privado Podese dizer que a prática do roubo a bancos forneceu a experiência organizacional e o capital inicial para negócios criminosos maiores Além disso o dispositivo de criminalização especial do roubo a bancos da Lei de Segurança Nacional de 1969 garantia que os ladrões políticos e comuns de bancos fossem encarcerados juntos como os leis de segurança O planejamento e coordenação exigidos para o roubo a bancos que também permite ganhar rapidamente grandes somas mais a proximidade forçada criaram a ocasião para o surgimento do Comando Vermelho que parece ter alcançado uma relativa hegemonia sobre o narcotráfico na primeira metade dos anos 1980 Depois disso no entanto houve um forte crescimento da criminalidade violenta no Rio de Janeiro devido tanto às divisões internas e territoriais entre os grupos de traficantes se aprofundaram e disseminaram e quanto à escalada da letalidade da reação policial principalmente depois de 1994 MISSE 2007 Dessa forma as facções do Rio de Janeiro guerreiam entre si pelo controle destas áreas utilizando para o comércio e a guerra do tráfico de drogas o recrutamento de jovens moradores pobres para servir como vendedores carregadores seguranças e combatentes Dentro desse universo de trabalho nos negócios ilícitos uma forma de identidade masculina mais violenta se difunde e consolida Tratase de uma masculinidade diferente daquela mais tradicional das classes populares que enfatizava o papel do homem como pai e esposo na provisão do sustento da casa por meio do trabalho manual Por meio do papel de trabalhador remunerado o jovem transitava para a maturidade adquiria autoridade marital e paterna e respeito entre os pares do mesmo gênero e classe social Em 91 lugar do tradicional trabalhador manual de resto muitas vezes desafiados pela antiga figura do malandro avesso ao trabalho bom de lábia e de briga aparece um estilo de juventude e masculinidade que prefere os ganhos rápidos e fartos que permitem o acesso ao consumo de prestígio mesmo que o custo seja arriscar a vida nos perigosos caminhos do tráfico de drogas ilícitas tornandose a um só tempo principal agente e mais provável vítima da violência letal intencional Para incorporar o papel do bandido a serviço do tráfico de drogas ilícitas o jovem pobre precisa demonstrar disposição para usar a violência contra todos os desafiantes sejam informantes da polícia consumidores de drogas endividados pequenos ladrões que atrapalham o varejo do tráfico traficantes das organizações inimigas ou até mesmo contra a polícia Os soldados do tráfico cooptados entre os jovens marginalizados atuam em guerras particulares que envolvem as várias facções criminosas e a polícia O papel desta última não deixa de ser ambivalente instável e variável às vezes cúmplice dos criminosos às vezes abusando a violência contra suspeitos pobres extremos que parecem interligados pelas práticas da corrupção policial e da seletividade penal Orientada por uma conduta histórica de discriminação e violência contra as camadas mais pobres e de cumplicidade não raro corrupta com as classes mais abastadas as polícias do Rio de Janeiro são vistas mais como um exército de ocupação hostil pela população mais pobre Nas favelas e periferias o policiamento é mais escasso porém mais violento A ideia de guerra contra o tráfico e o banditismo contribui para motivar a violência policial A desconfiança na polícia que não raro a justifica com a prática de corrupção ou de violência faz com que os principais mantenedores da ordem nos espaços urbanos da pobreza sejam paradoxalmente os criminosos Além de cobrar propina para proteger os negócios ilícitos e a própria vida dos criminosos atuais ou ex militares e policiais às vezes atuam no contrabando de armas que acabam no arsenal das gangues e facções treinando os soldados do tráfico no uso de armamentos modernos de guerra fuzis carabinas submetralhadoras granadas etc e nos assassinatos por encomenda que são utilizados pelas organizações criminosas para eliminar e castigar os subordinados desobedientes os delatores os concorrentes e os agentes públicos de conduta inconveniente para os negócios ilícitos ZALUAR BARCELOS 2013 Nas regiões Norte e Nordeste o mundo do crime também passou por 92 mudanças associadas a uma elevação da taxa de crimes letais intencionais Houve um considerável crescimento do narcotráfico no Norte do Brasil em razão do uso das vias amazônicas como rotas terrestres fluviais e aéreas de distribuição e escoamento de cocaína produzida nos países andinos para o mercado interno brasileiro e para exportação para a Europa e África Estas vias clandestinas também servem para o contrabando de produtos necessários ao beneficiamento da pasta base em laboratórios clandestinos no Brasil Bolívia Peru e Colômbia Além da fronteira com os países produtores andinos a própria vastidão e diversidade de vias de transporte utilizáveis a possibilidade de usar matas e rios para se locomover escondido e construir pistas de pouso e laboratórios em fazendas particulares tornam a região amazônica privilegiada para a logística do tráfico internacional verdadeira rede empresarial transnacional articulada à lavagem de dinheiro e à corrupção política policial e judiciária Esta geopolítica do narcotráfico tem efeitos amplos sobre a violência nas metrópoles amazônicas favorecida pela atuação precária do Estado e criando lacunas que são aproveitadas pelas redes criminosas COUTO OLIVEIRA 2017 A geopolítica do narcotráfico articula os locais viram nexos ou nós nas redes de distribuição como fronteiras e vias de transporte clandestino a lugares sob controle e domínio territorial violento em geral nos bairros pobres das grandes cidades Aproveitandose das facilidades de transporte terrestre e rodoviário e navegação pela Baía de Guajará da corrupção policial e da vulnerabilidade social especialmente entre os jovens o narcotráfico articula redes de distribuição e domínios territoriais do comércio de drogas na Região Metropolitana de Belém O tráfico não surge das favelas ou periferias mas as utiliza como pontos de venda sob domínio armado por encontrar nelas as condições favoráveis para as suas atividades ilícitas exatamente por causa das carências e estigmas sofridos por seus moradores convertendo alguns jovens pobres em mão de obra baratíssima da economia ilegal E por sua inserção territorial a Região Metropolitana de Belém é estratégica para o escoamento e distribuição de drogas ilícitas em especial da cocaína levando a uma geografia econômica e política do narcotráfico centrada nas vias de circulação e áreas marginalizadas de Belém COUTO 2018a 93 Na Região Metropolitana de Fortaleza em período mais recente as disputas territoriais entre as gangues armadas recrudesceram com situações de domínio de curta duração em áreas marginalizadas sucessões e disputas sangrentas entre as lideranças locais O domínio territorial de uma liderança criminosa é imposta pela força letal sendo constantemente ameaçada por outros bandos que buscam controlar os pontos de vendas de drogas ilícitas As ações dos grupos criminosos provocam ressentimento e revolta que impelem para conflitos em busca de vingança ou para a não colaboração da comunidade com o patrão local Somase a isso à tendência à formação de facções isto é de coletivos de presidiários que se tornam verdadeiras organizações criminosas em expansão buscando incorporar subjugar ou exterminar os demais grupos criminosos dentro das prisões ou nas ruas das favelas e periferias Esta lógica da violência das gangues não condiz com os princípios de uma racionalidade instrumental pela qual a força das armas seria apenas um meio de impor o controle sobre mercados ilícitos e garantir o maior lucro no curto prazo aproveitando as oportunidades e evitando os riscos criados pela proibição Pelo contrário se há de fato uma busca pelo lucro por meio da violência há também motivos expressivos relacionados à identidade pessoal e pertencimento ao grupo implicando na ideia de que ofensas e ameaças ao indivíduo e ao seu grupo local devem ser respondidos com violência física de preferência ostensiva e extrema Os ciclos de disputas e vinganças entre grupos criminosos vêm causando um aumento exponencial dos homicídios na Grande Fortaleza vitimando tanto aqueles que estão envolvidos com o tráfico de drogas quanto os que não estão PAIVA 2019 MORAES SIQUEIRA 2019 O mundo do crime da Região Metropolitana de Porto Alegre atualmente é dividido entre facções criminosas organizadas de dentro dos presídios instalados na metrópole Embora coexistam separadas nas galerias do sistema prisional estes grupos organizados a partir das unidades prisionais em especial do Presídio Central iniciaram com a criação da Falange Gaúcha sob influência ideológica e repercussão do Comando Vermelho carioca em 1987 A Falange Gaúcha liderou rebeliões prisionais desde então forçando concessões e reações das autoridades estaduais até que estas tomaram a decisão de passar a gestão do Presídio Central para a Brigada Militar a PM gaúcha em 1995 A política seguida pela BM desde 94 que assumiu o controle da unidade prisional foi de separar o presídio em galerias autogeridas pelos presidiários alocando os presos de acordo com o seu pertencimento a uma gangue ou ao seu bairros de moradia em Porto Alegre e negociar separadamente com as lideranças criminosas de cada galeria a administração da paz e da ordem dentro do cárcere Essa política contribuiu decisivamente para a relativa estabilização interna das prisões da metrópole central gaúcha mas igualmente contribuiu para a formação e fortalecimento de grupos criminosos territoriais que coexistem separados em diferentes galerias no sistema prisional mas disputam pela violência armada os territórios urbanos do tráfico de drogas ilícitas Grupos que se formaram nos bairros ou que surgiram dentro das galerias prisionais passaram a contar com uma base fixa e um fluxo de novos clientes e recrutas em potencial tudo ligado às unidades territoriais de origem ou que controlavam Com isso desenvolveram identidades coletivas e lideranças negócios dentro das galerias e dos bairros ligando as áreas urbanas de Porto Alegre às diferentes galerias das unidades prisionais As relações dos membros das ganguesfacções com a administração penitenciária com os demais presos e com os moradores dos bairros que controlam são ambivalentes pautadas por favores e serviços ameaças e retaliações violentas Para com as autoridades penitenciárias oscilam entre a colaboração pela manutenção da ordem e a ameaça de rebelião negociando a estabilidade dentro dos muros das prisões e ocupando nichos de negócios criados pela própria anomia e escassez dentro das prisões Em relação aos presos e suas famílias prestam proteção e serviços vitais para a sobrevivência dos presos e o contato com os familiares em compensação se impondo como chefes e exigindo o pagamento e retribuição dos favores criando dívidas e incentivando carreiras criminais leais à facção Com os moradores dos bairros que dominam as gangues têm uma ação dupla De um lado a imposição despótica de regras e ordens pela força das armas sobretudo para garantir o controle de negócios ilegais e informais tráfico de drogas transporte clandestino organização de roubos entre outros extrair renda por meio de taxas de proteção e regular as relações dos moradores com a polícia e com moradores de áreas dominadas por grupos inimigos Por outro lado a ação considerada positiva para a manutenção da ordem comunitária local ajudando moradores a resolver conflitos pessoais usando 95 a violência e ameaça dentro do território contra os criminosos não pertencentes à gangue e até distribuindo alguns favores econômicos em troca de lealdade pessoal No entanto a dimensão de negócio lucrativo tem cada vez mais sobrepujado a dimensão comunitária e a guerra entre os grupos criminosos nos bairros populares tem sido o custo crescente da pacificação interna das unidades prisionais CIPRIANI 2016 CIPRIANI AZEVEDO 2015 O mundo do crime na metrópole de Salvador era caracterizado pela extrema fragmentação Fora o território de residência e ação os criminosos não tinham qualquer identidade entre si para promover a sua união e organização Este cenário tinha impactos importantes no sistema prisional gerando constantes rebeliões desordens e conflitos entre grupos rivais e entre estes e a administração e segurança internas das prisões A solução encontrada foi similar à praticada em vários outros sistemas prisionais estaduais negociar com lideranças criminosas encarceradas a manutenção da ordem e a mediação de conflitos entre presidiários dentro das unidades prisionais com presos realocados de acordo com o pertencimento a grupos ou apenas por área de residência na cidade o que pouco a pouco gerou uma sobreposição entre territórios urbanos e grupos de presos Dessa maneira de um universo criminal e prisional bastante fragmentado os grupos criminosos baianos dedicados ao tráfico de drogas ilícitas e aos roubos mais lucrativos a bancos e a carrosfortes foram se aglutinando em torno das lideranças prisionais que ajudavam as autoridades penitenciárias a manter a ordem atrás das grades Esse processo de agrupamento das gangues sob identidades e lideranças mais amplas consolidou dois grupos criminosos formados dentro das prisões Ambos realizaram contatos negócios e alianças com grupos análogos do Rio de Janeiro e de São Paulo com o objetivo de disputar e centralizar a distribuição de drogas ilícitas na capital e metrópole de Salvador O domínio territorial nos bairros mais desfavorecidos e estigmatizados a colaboração com a direção prisional para a manutenção da ordem interna e serviços prisionais pagos pelos próprios presos protegidosreféns da organização e a disputa pelo controle do tráfico de drogas ilícitas passaram a se retroalimentar mutuamente O poder obtido dentro das galerias prisionais e dos bairros correspondentes serviu para obter mais lucro e o lucro obtido com a exploração de negócios ilícitos dentro das prisões e nos pontos 96 de venda e distribuição das favelas e bairros periféricos serviram para a obtenção de poder prestígio soldados armas territórios e suborno de um lado e extorsão de presos e seus familiares tráfico de drogas ilícitas roubos de grande porte e contrabando de armas de outro É claro que as gangues assim formadas passaram a guerrear entre si pelo butim levando à escalada dos homicídios intencionais em Salvador LOURENÇO ALMEIDA 2013 Analisando reclamações contra militares estaduais junto à Corregedoria da Polícia Militar do Pará nos municípios da Grande Belém SILVA e SOUZA 2016 argumentam que há uma conexão entre a violência e a corrupção policiais pois supõem que as agressões físicas cometidas por policiais resultam do fracasso da negociação entre policiais e criminosos Assim o narcotráfico e a corrupção levariam à violência A corrupção por sua vez está ligada à discricionariedade e aos mercados ilícitos em especial de drogas ilícitas A ameaça da violência policial é um instrumento de extorsão servindo para a obtenção de vantagens ou retaliação contra quem prejudica ou não atende aos interesses particulares do policial Estes comportamentos violentos são aprendidos na convivência com pares mais antigos da polícia e muitas vezes não são combatidos pelos órgãos de controle interno e externo da polícia perpetuando uma cultura policial autocentrada violenta e autoritária Nesse contexto surgem grupos paramilitares ligados à polícia e que operam pela mesma lógica de controle territorial das gangues de traficantes de drogas ilícitas das favelas e periferias da Região Metropolitana de Belém ou seja pela privatização violenta do território e exploração de atividades ilícitas com vistas ao lucro No entanto o envolvimento policial com a criminalidade organizada é mais amplo abrangendo a participação no contrabando de armas extorsão de traficantes e assassinato por encomenda a ponto de COUTO 2018b falar de narcomilícias que combinam as características da participação de ex policiais e ex militares com a atividade do narcotráfico Nos últimos 20 anos surgiu no Rio de Janeiro uma variedade territorializada destes grupos paramilitares as chamadas milícias De maneira similar às gangues e facções criminais os bandos milicianos ocupam áreas marginalizadas da cidade nos quais há múltiplas privações materiais e simbólicas concentradas acentuando a 97 vulnerabilidade dos moradores Nestes locais os paramilitares extorquem moradores e comerciantes e controlam atividades econômicas diversas a começar pela segurança particular das ruas e incluindo ainda outros negócios locais como transporte clandestino gás de cozinha internet e TV a cabo tráfico de drogas ilícitas Envolvemse direta ou indiretamente na política local apoiando alguns candidatos e combatendo outros quando não se lançam diretamente como candidatos transformando a área que controlam pela violência em um curral eleitoralMISSE 2007 ZALUAR BARCELOS 2013 ZALUAR CONCEIÇÃO 2007 DUARTE CANO 2012 Em meio ao ambiente hobbesiano criado pelas guerras entre facções potencializadas pela corrupção e violência policiais muitos cidadãos e empresas têm recorrido à segurança privada em variadas formas de dispositivos de vigilância e controle de acesso instalados em edifícios residenciais e comerciais até a contratação de vigilantes armados e carros blindados Só uma parcela dessa segurança privada no entanto é formalizada Há muitos serviços informais de vigilância privada muitos oferecidos por policiais e expoliciais em horas de folga Para empresas e moradores mais abastados a vigilância privada informal é um serviço contratado que às vezes se mistura à pistolagem Mas não é uma opção para a maioria da população e principalmente para os mais pobres cujas favelas acabam às vezes ocupadas por grupos paramilitares ilegais conhecidos como milícias que se impõem pela intimidação e violência Esta é a diferença da milícia para a segurança privada informal se impor pela coerção armada à semelhança das gangues de traficantes A principal diferença entre as milícias e o narcotráfico é que as primeiras contam a participação de policiais e expoliciais o que contribui para uma postura de indiferença e cumplicidade das corporações policiais e facilita a sustentação de um discurso moralista pelo qual os milicianos se apresentam como protetores da comunidade contra o avanço do tráfico de drogas ilícitas MISSE 2007 ZALUAR BARCELOS 2013 ZALUAR CONCEIÇÃO 2007 Conforme os estudos de caso em muitas cidades constatase a existência de grupos criminosos violentos que operam no narcotráfico e outras atividades ilícitas lucrativas extorsão roubo assassinato por encomenda mas também com 98 propósitos expressivos e simbólicos utilizando da violência e dos favores para garantir a própria manutenção e sobrevivência do grupo e dos seus negócios ilícitos envolvendo a coerção de testemunhas a corrupção de agentes públicos as disputas por poder dentro dos grupos criminosos e confrontos territoriais entre os bandos criminosos Os homens jovens com baixa esperança de ascensão social pelo mercado de trabalho por terem baixa escolaridade e sofrerem estigmas raciais morais e territoriais são os principais integrantes desses grupos no âmbito local sendo empregados no tráfico de drogas ilícitas no varejo e outras ações ilícitas mais arriscadas O engajamento de homens jovens pobres nos mercados ilícitos também expressa uma busca por autoestima e respeito dos pares acesso a parceiras sexuais e proteção mútua e vingança contra outros grupos de jovens que constituem ameaças em potencial Diante das dificuldades e impossibilidades de acesso à justiça formal e à segurança pública ou privada o recurso a soluções privadas para a resolução de conflitos é frequente Às vezes as gangues de jovens reivindicam a manutenção de um algum tipo de ordem comunitária e moral utilizando a força das armas e às vezes negociação e favores Por outro lado as gangues sempre coagem os moradores contra a colaboração com a polícia impondo uma lei do silêncio Não é incomum a construção de uma relação hostil entre os pobres trabalhadores e criminosos Isso ocorre principalmente quando as gangues cometem ou não retaliam crimes violentos e patrimoniais contra os trabalhadores MARRA 2008 PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 NUNES PAIM 2005 ADORNO NERY 2019 ZILLI 2015 ZILLI VARGAS 2013 RATTON DAUDELIN 2017 Dentro deste universo no qual se desenvolve uma correlação entre violência policial e privada corrupção policial jurídica e política lavagem de dinheiro e negócios ilícitos narcotráfico jogatina assassinato por encomenda contrabando de armas extorsão etc a formação de gangues armadas nem sempre se restringe apenas aos jovens pobres Muitas vezes policiais e militares formam seus próprios grupos armados informais às vezes em parceria com particulares entre os quais ex policiais exmilitares empresários e políticos Em épocas e locais diferentes estes grupos com participação policial tiveram rótulos distintos esquadrão da morte grupo 99 de extermínio grupo paramilitar e milícia A principal diferença destes grupos paramilitares para as gangues e facções criminais é que os primeiros possuem uma ligação direta com os órgãos de segurança pública e beneficiamse do treinamento e experiência profissional que seus integrantes adquiriram na função policial isso quando não utilizam até mesmo os recursos materiais e operações policiais ao seu favor Os grupos paramilitares ilegais surgiram por iniciativa de policiais e militares com a cumplicidade das autoridades políticas e militares Inicialmente os grupos de extermínio não possuíam território definido atuando em ações pontuais como assassinatos por encomenda extorsão e proteção de criminosos obstrução de investigações criminais contrabando de armas de fogo etc Assim a ligação destes grupos com a polícia e a política e o discurso de autojustificação reverberado por parte da imprensa que alegava que os grupos paramilitares estariam caçando criminosos perigosos que até então se beneficiavam da lentidão e benevolência do Judiciário ajudaram a garantir a cumplicidade e impunidade para as ações e integrantes dos grupos de extermínio É possível que essa atuação tenha auxiliado na expansão do narcotráfico e certamente contribuiu para a consolidação do jogo do bicho e a escalada dos homicídios dolosos Muitas vezes as práticas de extorsão e venda de proteção se estendiam para comerciantes e empresários comuns MACHADO NORONHA 2002 SILVA e SOUZA 2016 COUTO 2018b MISSE 2007 BICUDO 1977 MANSO 2010 BARCELLOS 2012 SOARES 2001 34 CONFIGURAÇÕES DOS MERCADOS ILÍCITOS Ao longo da exposição dos casos sobre organizações criminosas emergem questões e evidências relativas à configuração destes mundos do crime e mercados ilícitos entendendo por configuração o arranjo entre os grupos e organizações criminosas no âmbito dos mercados ilícitos o que define uma estrutura de poder que regula as interações entre os atores destes mercados A estas configurações corresponderiam a diferentes frequências de trocas de tiros e acertos de contas entre grupos criminosos resultando em variações da violência homicida intencional A lógica seria que os homicídios intencionais sendo em sua maioria desfecho 100 da competição armada entre grupos criminosos pelo domínio territorial dos negócios ilícitos teria uma conexão com o fracionamento do mundo do crime A dispersão em gangues locais disseminariam conflitos armados enquanto a faccionalização aumentaria a disposição e meios das organizações de grande porte mas divididas para disputar territórios pela violência Quando o mundo do crime está concentrado e centralizado sob um grupo organizado dominante a violência criminal decairia junto com a drástica redução das disputas territoriais afinal já teria se consolidado um grupo vencedor das guerras de gangues A seguir resumimos uma tipologia das diferentes configurações do mundo do crime 101 Quadro 7 Configurações do mundo do crime nas metrópoles Configuração Casos Frequência de trocas de tiros Frequência de execu ções sumá rias Narcotráfico e jogo do bicho Centralizado Tráfico de drogas em SP a partir de 2001 Jogo do Bicho dos anos 1980 em diante Baixa Baixa Faccionalizado Tráfico de Drogas ilícitas no Rio de Janeiro depois de 80 Porto Alegre depois de 95 Salvador depois de 2000 Fortaleza depois de 2010 Alta Alta Fragmentado ou disperso Tráfico de drogas em São Paulo antes de 2000 Belo Horizonte Belém Fortaleza antes de 2010 Vitória Recife e Belém Alta Alta Centralizado Pistolagem e milicianismo Grande Vitória entre 1970 e 2000 Média Alta Faccionalizado milícias no Rio de Janeiro depois de 2000 Alta Alta Fragmentado ou disperso São Paulo Rio de Janeiro antes das milícias Belo Horizonte Belém Recife Salvador e Vitó ria depois de 2000 Alta Alta Fonte Elaborado pelo Autor a partir de pesquisa bibliográfica Em alguns casos as gangues permanecem dispersas fragmentárias cada uma agindo isoladamente dentro do seu bairro às vezes com várias gangues disputando o mesmo bairros Noutros surgem comandos que submetem incorporam ou exterminam as outras gangues formando uma espécie de confederação criminosas processo denominado de faccionalização em analogia aos processos de divisão partidária na política institucional O processo de formação 102 de facções criminais aparece sempre articulado ao encarceramento e à desordem no sistema prisional Os grupos de criminosos que deram origem à faccionalização nos diferentes Estados formaram coletivos de presos inicialmente com o propósito de sobrevivência e autodefesa nas duras e brutais condições de encarceramento e muitas vezes sob a liderança de assaltantes de bancos e cargas como foi o Comando Vermelho no Rio de Janeiro a Falange Gaúcha em Porto Alegre e o Primeiro Comando da Capital em São Paulo A experiência de planejamento e organização dos roubos a bancos e cargas parece ter contribuído para a capacidade de se organizar de dentro das prisões mas no caso carioca o primeiro o contato com presos políticos da Ditadura Militar parece ter influído no processo também Da organização para a sobrevivência defesa mútua negociação com a administração penitenciária e fuga da prisão os coletivos passaram a se organizar para cometer crimes fora da prisão sobretudo para assumir o controle do tráfico de drogas ilícitas Apesar de terem se organizado inicialmente em oposição às gestões penitenciárias acusadas de desrespeitarem as próprias leis penais que deveriam cumprir a relação entre a administração e as facções também envolveram negociações e muitas vezes os administradores acabaram por incentivar indiretamente a faccionalização vista como mal menor em comparação às rebeliões sistemáticas O próprio sistema penitenciário passa a servir como fonte de renda e de pessoal para as organizações criminosas com a venda de proteção e produtos para os presos e os seus familiares e o recrutamento de presos que moravam em bairros controlados pela facção A capacidade de manter a ordem dentro das prisões e pressionar a administração penitenciária assim como de controlar vários bairros de áreas marginalizadas das cidades e regiões parecem retroalimentarse com uma espécie de poder político e econômico informal das facções relacionada não só ao poder das armas renda dos negócios ilícitos e número de integrantes como também pelo prestígio e capacidade de pressionar as autoridades políticas e agentes públicos O processo de expansão das facções o surgimento de organizações diferentes ou divisão de um dos movimentos por conta de disputas internas parecem ter acirrado a violência As disputas territoriais entre as facções parecem ter detonado corridas armamentistas o que pode ter reforçado nas polícias a inclinação reativa para também ampliar do seu próprio poder de fogo A tendência 103 já era observada sob a Ditadura Militar mas relacionada à repressão política Em muitos casos as facções se espalharam e infiltraram em outros Estados além daqueles de sua origem em muitos casos formando alianças com grupos locais e noutros entrando em confronto A faccionalização também parece ter permitido que alguns grupos mais organizados lideranças das facções ampliassem a atuação para além do varejo operando também na importação exportação e distribuição de drogas ilícitas contrabando de armas e lavagem de dinheiro Mas apenas em São Paulo o processo de formação e disputa de facções levou ao domínio de uma o Primeiro Comando da Capital sobre os demais grupos criminosos que acabaram subordinados exterminados ou isolados pela organização dominante O processo de expansão e consolidação do PCC nas galerias das prisões e nos pontos de venda das periferias e favelas se relacionou a uma curva em U invertido das taxas de homicídios dolosos em São Paulo ou seja inicialmente as guerras entre grupos escalaram a violência letal na cidade e as rebeliões prisionais mas uma vez consolidada a liderança do PCC acabou estabilizando e até reduzindo a violência entre criminosos por uma espécie de regulação política informal dos mercados ilícitos com a difusão de regras e práticas como os tribunais do crime ADORNO NERY 2019 DIAS 2017 ZALUAR BARCELOS 2013 GODOI 2017 MISSE 2019 35 SÍNTESE DO CAPÍTULO O propósito deste capítulo foi a elaboração e exemplificação de tipologias organizadas a partir de características diferenciais de situações e organizações que possuem como denominador comum a prática da violência homicida intencional seja como desfecho imediato da situação criminal seja como uma ferramenta de trabalho e risco ocupacional dos recrutados pelos grupos criminosos A relação entre os grupos criminosos que se estrutura como uma configuração do mundo do crime e dos mercados ilícitos possuiria impactos significativos sobre a incidência da criminalidade violenta letal intencional sobretudo quando falamos da frequência das trocas de tiros entre bandos armados e aos acertos de contas entre e dentro de grupos criminosos violentos 104 Dessa maneira existe uma certa relação entre situações organizações e configurações criminais violentas na medida em que podemos observar que parte das situações está ligada à existência de organizações enquanto os grupos criminosos estabelecem entre si e com organizações e instituições oficiais relações complexas de conflito indiferença instrumentalização e colaboração Os grupos criminosos estabelecem relações complexas com as organizações policias que são alternativamente evitadas corrompidas instrumentalizadas ou enfrentadas por diversos grupos criminosos de acordo com os interesses posições sociais e percepções dos seus integrantes Além disso todos os grupos criminosos estudados pelos pesquisadores brasileiros se dirigem para objetivos financeiros e em um sentido não convencional propósitos políticos visando o enriquecimento dos seus membros e principalmente dos seus líderes e evitar investigações e punições judiciárias Assim os grupos criminosos acabam construindo para si formas de poder informal que às vezes se assemelham a práticas antigas da política institucional brasileira como as trocas de favores as ameaças e as retaliações violentas típicas do coronelismo e do clientelismo por exemplo Aliás Vitor Nunes Leal 1975 também frisou a importância da instrumentalização da polícia para o coronelismo político seja para perseguir adversários seja para proteger as lideranças e aliados políticos sendo ainda comum o recurso a serviços de indivíduos e grupos armados pistoleiros e jagunços Como o poder econômico era um meio de obter poder poder político e este de obtenção de vantagens econômicas a diferenciação entre política e econômica não era bem delimitada o que é característica também dos atuais mercados ilícitos Na economia criminal a mediação institucional da concorrência pela burocracia tornase impossível pois as mercadorias negociadas são proibidas e sua produção posse e troca criminalizada pelo Estado A violência é usada para vários fins nestes contextos é um meio de defesa de territórios e posses ou de tomada dos mesmos dos concorrentes de dissuasão e negociação com a polícia de retaliação contra informantes consumidores inadimplentes e delatores e de imposição e reforço da hierarquia dos próprios grupos criminosos Complementando 105 a violência armada está a negociação ou concessão de favores como o pagamento de propinas para membros da polícia em troca de proteção ou distribuição de favores para os moradores das áreas pobres onde se instalam os grupos criminosos para obter uma boa relação com a comunidade Os grupos criminosos mais estruturados como as bancas os comandos e as milícias no entanto não deixam de ter similaridades com empresas visar o lucro financeiro dos seus membros e principalmente líderes se organizar em torno de lideranças que definem as regras e metas do grupo constituindo artefatos armas de fogo consumo ostensivo etc compartilhando valores explícitos lemas e justificativas para suas ações e suposições implícitas noções de masculinidade prestígio e poder As organizações criminosas se diferenciam por sua origem protagonistas atividades principais e secundáriasA relação entre os grupos criminosos constitui uma configuração particular e local da criminalidade violenta uma ordem política informal dos mercados ilícitos que segundo os pesquisadores teria efeitos sobre a incidência de eventos como as trocas de tiros e execuções sumárias O caso mais nítido teria sido a ascensão do PCC como organização criminosa hegemônica no tráfico de drogas ilícitas em São Paulo o que correspondeu num primeiro momento ao crescimento das taxas de homicídios dolosos quando o grupo lutava para dominar prisões e favelas contra as gangues dispersas e contra as forças de segurança e num segundo momento de redução do índice de homicídios dolosos ao menos aqueles ligados a guerras de gangues e acertos de contas quando a organização logrou se consolidar como hegemônica e estabelecer regras entre os criminosos Assim estabeleceuse uma ordem dual onde a institucionalidade oficial regula interações entre estratos médios e superiores enquanto a institucionalidade clandestina do PCC regula as interações nas prisões e favelas de São Paulo Esta hipótese causal é sugerida pelo contraste com a situação anterior de dispersão e fragmentação do tráfico de drogas em São Paulo e das situações contemporâneas como a faccionalização no Rio de Janeiro Porto Alegre Salvador e Fortaleza É difícil no entanto fazer uma inferência e generalização deste tipo na medida em que é preciso considerar e controlar por outros fatores que poderiam ser relevantes 106 como o consumo de ilícitos em especial drogas acesso a armas de fogo dinâmica do mercado de trabalho e políticas públicas sociais e de segurança 107 4 MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA E VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO Neste capítulo realizamos uma análise da subnotificação de homicídios intencionais com especial atenção à possível conexão entre violência policial e mortes violentas por intenção indeterminada Esta problemática está ligada à questão da produção de estatísticas criminais e vitais já que a classificação das morbidades e mortalidade por violências está parcialmente ligada às categorias do direito penal e ao trabalho da polícia responsável por identificar informações situacionais que embasam o registro de mortes violentas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças CID Enfocamos os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro encontrando evidências favoráveis à hipótese de uma ocultação estatística da violência policial Também apresentamos métodos para corrigir a taxa de homicídios intencionais na esperança de reduzir o viés de subnotificação 41 APRESENTAÇÃO A associação entre a violência policial e a mortalidade por violências cuja intenção é indeterminada foi conjecturada por Glaucio Soares 2008 Daniel Cerqueira 2012 2013 apresentou modelos estatísticos que ligam a maioria das mortes por intenção indeterminada a homicídios intencionais por similares em diversos quesitos mas não averiguou se haveria conexão com os crimes cometidos por policiais e militares Análises sobre o processamento e controle da violência policial mostram que os procedimentos burocráticos e narrativas jurídicas produzidas sobre as mortes causadas por ação policial tornam opacas as circunstâncias destes homicídios o que poderia comprometer a produção da informação pelos serviços de saúde levando à indeterminação da intencionalidade da violência que levou à morte Para começar discutimos as definições institucionais da violência que se 108 combinam na construção das estatísticas de homicídios intencionais as definições jurídicas baseadas na legislação e que atentam para as intenções do agente e as circunstâncias da ação que resultou na morte e a definição biológica e sanitária que dá maior ênfase à corporalidade da violência A seguir comentamos as literaturas respectivas sobre as estatísticas criminais e vitais sobretudo as possíveis lacunas na sua produção no Brasil e sobre a violência policial especialmente nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo Procedimentos jurídicos e burocráticos utilizados para o controle e processamento das mortes causadas por ação ou reação policial dão origem a narrativas jurídicas padronizadas de confronto armado segundo as quais a letalidade da polícia decorre da resistência armada à prisão por crimes flagrados pelos policiais que apenas se defenderam revidando a injusta agressão É comum que o depoimento do policial autor do homicídio seja tomado como verdade jurídica sem precisar de maior corroboração com evidências materiais terminando com a polícia judiciária e o Ministério Público requisitando o arquivamento do caso sem investigações mais aprofundadas Pela narrativa jurídica da resistência à prisão seguida de morte a vítima do homicídio se torna culpada da própria morte e suspeita de um crimes que teria sido flagrado e os policiais autores do homicídio se tornam vítimas Dessa maneira é verossímil que este processamento diferenciado dificulte o trabalho de investigação registro e classificação acabando por colocar tais mortes violentas entre as de intenção indeterminada Estas ao invés de serem residuais atingem alta proporção em comparação às mortes por agressão e até mesmo em proporção à população e superam mesmo as que são classificadas como intervenções legais e operações de guerra que seria o rótulo adequado para as mortes por ação policial justificáveis pela ordem jurídica brasileira Sem a informação sobre as circunstâncias da morte que é fornecida pela polícia a produção da estatística vital sobre violências fica sem a definição da intencionalidade da ação que levou à morte terminando por classificar a morte como de intenção indeterminada Esta hipótese é corroborada pelas indícios que mostram que o número taxa e proporção de ocorrências de resistência à prisão seguida de morte está 109 positivamente associada à mortalidade por intenção indeterminada mas também às mortes por operações de guerra e por agressão Ao mesmo tempo as evidências sugerem que a maneira como são divulgadas ocorrências de letalidade policial subestima o número de mortos por violência policial pois é possível que cada ocorrência tenha mais de uma vítima Os nossos resultados sugerem que o uso da força letal pela polícia tem contribuído apenas para direta e indiretamente produzir mais mortes violentas muitas delas mal classificadas A análise mostra a importância de levar em conta a proporção de mortes por intenção indeterminada em análises multivariadas de violências criminais fatais Também apresenta um caso de como a construção das estatísticas pode ser sistematicamente enviesada pelo contexto da sua produção e especificamente como a política de gestão da vida e da morte podem influenciar as estatísticas vitais Por fim como alternativa para análises posteriores é apresentada uma fórmula para o ajuste das taxas de homicídios intencionais 42 DEFINIÇÃO JURÍDICA DA VIOLÊNCIA HOMICIDA A definição jurídica brasileira do homicídio expressa no artigo 121 do Código Penal brasileiro Decreto Lei nº 28481940 é simples e aparentemente desprovida de ambiguidades matar alguém A vida o valor social ofendido pelo homicídio seria o principal valor na ordem jurídica e por isso a retribuição seria em tese a mais dura dentre as condutas criminalizadas A mesma lei no entanto discrimina um conjunto de situações que podem ser levadas em conta para agravar ou atenuar a pena aumentando ou reduzindo o tempo de prisão da sentença judicial A lei brasileira distingue o homicídio tentado quando a vítima sobrevive à ação homicida e o consumado quando a vítima não sobrevive Há o culposo no qual não haveria intenção de matar e o homicídio doloso no qual haveria esta intenção A construção do crime de homicídio leva em conta a hipótese de que um homicídio é menos grave se for cometido por motivações consideradas justas em razão de valores sociais ou provocação da vítima na interpretação da autoridade encarregada do julgamento do crime ou se a mesma considerar que o agente perdeu a razão sob o efeito de violenta emoção Ou seja em alguns casos a 110 vítima poderia ser considerada coautora do homicídio que a vitimou ou o agente poderia ele mesmo ser considerado uma vítima de suas próprias violentas emoções Por outro lado a mesma lei em sua versão atual 2020 considera uma série de agravantes alguns aplicáveis ao homicídio culposo outras ao homicídio doloso Assim o homicídio culposo é agravado quando resulta do exercício profissional especialmente da negligência de regras técnicas estabelecidas quando o homicida foge ou abandona a vítima sem prestar socorro ou quando vitima crianças e idosos Já o homicídio doloso possui um conjunto maior de agravantes Se a intenção do agente é considerada atenuante ou agravante se considerada justa ou injusta se resulta de impulso momentâneo ou se pelo contrário mostra uma preparação e planejamento do ato assassino Assim matar por motivos considerados justos ou por emoções fortes e momentâneas é distinto de matar alguém por motivos torpes como o ganho financeiro ou pagamento ou para ocultar e garantir impunidade e outros crimes quando há um crime de ódio contra condição de gênero e racial crença religiosa etc Os meios e artimanhas usadas são também consideradas de modo que o uso de meios que implicam em dano coletivo como fogo explosivos etc ou que tornam a vítima incapaz de se defender incluindo dissimulações emboscadas superioridade numérica É também considerado um agravante quando o crime é cometido por grupos armados privados como as chamadas milícias ou grupos de extermínio em atividades de suposta segurança privada No parágrafo terceiro do artigo 129 do Código Penal há ainda a lesão corporal seguida de morte quando uma ação ofende a integridade corporal da vítima resultando em sua morte porém sem ter a intenção de matar nem assumindo o risco eventual da morte da vítima Repetese no crime de lesão corporal o atenuante da pela interpretação da justiça dos motivos do autor ou da perda da razão devido a fortes emoções Há ainda o latrocínio que é um crime de roubo que resulta na morte da vítima Em tese este crime estaria contemplado nas definições de homicídio doloso com vários qualificadores motivos execráveis vítima indefesa etc mas o legislador preferiu considerálo um crime contra o patrimônio e uma forma agravada de roubo No artigo 23º do Código Penal brasileiro Decreto Lei nº 28481940 é 111 definido ainda o excludente de ilicitude ou seja as circunstâncias em que um crime deixa de ser punível estado de necessidade legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito ressalvando que os excessos dolosos ou culposos da ação ainda são puníveis O terceiro excludente de ilicitude é controverso e merece algumas considerações Em tese se aplicaria à situação do soldado no campo de batalha que mata inimigos em combate do carrasco ao executar a pena de morte de um criminoso condenado As situações de confronto armado ou sequestro de reféns que às vezes envolvem policiais estariam contempladas na legítima defesa ou no estado de necessidade No entanto o dever legal tem sido utilizado como argumento para excluir da ilicitude as mortes provocadas pela ação policial sobretudo com base na investigação da vítima sua proximidade com o estereótipo de bandido pobre desempregado morador de favela etc e de indícios de envolvimento com o uso e tráfico de drogas no varejo mesmo que tais indícios sejam muito tênues Com isso o fato em si deixa de ser investigado e o caso é arquivado porque a vítima é considerada pelos investigadores como culpada pela própria morte apesar do policial ou militar ter sido o agente concreto da morte ZACCONE 2015 MISSE GRILLO NERY 2015 Em 2019 houve a tentativa por parte do governo federal de ampliar a definição do excludente de ilicitude para homicídios cometidos por policiais e militares ou seja facilitar a caracterização jurídica destes crimes como não puníveis na prática reforçando ainda mais a impunidade e promovendo um incentivo a mais para a violência policial e militar contra civis Ironicamente este projeto de lei foi apelidado pelos proponentes e apoiadores como anticrime apesar de o efeito pretendido parecer o exato oposto ANGELO 2019 Finalmente podemos falar do crime de genocídio cuja vítima não é mais plenamente individualizável mas constitui um grupo étnico nacional ou religioso que o criminoso tem a intenção de destruir total ou parcialmente A lei define vários dos meios usados para a consecução de um genocídio incluindo o assassinato massivo a imposição de condições de existência destrutivas esterilização forçada sequestro de recémnascidos incentivo e incitação pública a atos homicidas contra o grupo etc 112 Nem sempre as definições foram estas Por muito tempo o assassinato da esposa pelo marido era considerado um crime menos grave se devidamente justificado pelo comportamento tido como imoral da esposa como o adultério Esta definição foi sendo criticada e abandonada no campo jurídico e posteriormente o crime de feminicídio foi incorporado à legislação O que era antes um atenuante tornouse um agravante Não está no escopo deste trabalho a reconstituição histórica das definições do homicídio Essa breve descrição também não tem a pretensão de ser uma análise jurídicao que fugiria ao escopo deste trabalho Mas pela descrição da legislação em termos literais é possível observar que a aparente simplicidade de matar alguém esconde um certo nível de complexidade e matizes Quanto mais nos aprofundamos mais complicada se torna Assim seria possível comparar legislações de vários países apontar diferenças matizes e ainda se aprofundar na aplicação da lei aos casos reais Tudo isso contribui para desmistificar a ideia do homicídio como um crime natural ou mesmo da ideia de sacralidade da vida já que a própria legislação se encarrega de apontar exceções à regra de punir quem mata A administração da classificação de fatos como homicídios dolosos resultando na contabilidade social da violência letal intencional cabe primordialmente à polícia Os órgãos policiais operam como agentes da lei ou operadores jurídicos primários compondo o primeiro mecanismo de classificação e seleção dos fatos como criminais e dos atores sociais como suspeitos e culpados A confirmação dos atores como culpados por crimes é administrado pelo Judiciário Dessa forma a estatística oficial da criminalidade e dos criminosos é construída não só pelos fatos e suas classificações jurídicas pois estes não são passivos e automaticamente associados mas influem nas estatísticas um conjunto de decisões tomadas por uma rede de atores sociais começando pelos próprios criminosos e passando por uma gama de informantes testemunhas policiais e servidores do Ministério Público e do Judiciário produzindo uma série de documentos e registros que são agrupados em conjuntos de fatos segundo os critérios escolhidos A estatística criminal e penitenciária oficial deve ser lida portanto como o produto das atividades tanto dos criminosos quanto dos órgãos de 113 polícia justiça e informação de segurança pública 43 DEFINIÇÃO BIOLÓGICA DA VIOLÊNCIA A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde CID no XX capítulo da sua 10ª edição CID10 apresenta uma codificação das várias categorias de morbidade e mortalidade por causas externas definidas em oposição às causas internas A causa externa de morbidade e mortalidade é assim compreendida como um dano violento ao organismo vivo causado por condições ambientais ou por ações de outros seres vivos que ferem de fora para dentro tendo causas exógenas podendo ser letais ou não Especificamente as violências originadas de ações humanas se diferenciam pela intencionalidade do agente e pela causa eficiente do ferimento Os códigos V01 a x59 classificam as diversas modalidades de acidentes os códigos x60 e x84 identificam violências autoprovocadas voluntariamente como os suicídios e autoflagelações os códigos x85 e x09 designam as agressões isto é violências intencionais contra outrem o y35 e y36 as mortes decorrentes de intervenção legal e operações de guerra y40 e y84 as complicações de assistência médica cirúrgica e y10 e y34 os eventos cuja intenção é indeterminada esta última uma categoria residual Dentro de cada conjunto de causas externas há subconjuntos que aumentam a especificidade das classificações indicando várias maneiras de sofrer ferimentos por acidente ou de intencionalmente causar ferimentos contra si ou contra os outros Neste sentido os homicídios intencionais abrangeriam as categorias de agressões e de mortes decorrentes de intervenção legal e operações de guerra A violência seria uma ação humana sendo o resultado pretendido ou não mas estando imediatamente vinculada como causa eficiente aos efeitos físicos e psicológicos graves que levariam à necessidade de atendimento médico à incapacitação ou à morte Além da violência direta provocada pela ação ou omissão imediata de um agente humano identificável podese pensar na existência de formas de violência mediadas indiretas e até invisíveis pelas quais os danos são 114 impostos não por uma ação ou omissão imediata mas sim pela imposição ou escolha de determinada condição de vida que provoca danos ferimentos e privações graves à sua vítima A simplicidade aparente das definições iniciais é logo desfeita assim que nos aprofundamos melhor nas especificações adentrando nas classificações e subclassificações que buscam identificar de maneira operacional uma grande variedade de fenômenos bastante diversos entre si Assim partindo da definição biológica e da morbidade e mortalidade por causas externas como forças e ações exógenas que intervêm no organismo vivo e ameaçam a sua sobrevivência chegamos a noções de intencionalidade da ação humana e das suas consequências previstas ou imprevistas conceito que dificilmente pertence ao âmbito das ciências naturais Assim a Organização Mundial da Saúde define a violência como O uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça contra si próprio contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão morte dano psicológico deficiência de desenvolvimento ou privação ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE 2002 p 27 Dessa maneira a definição da perspectiva da saúde coletiva associa ações ou omissões potencialmente danosas a uma intencionalidade dirigida contra si ou contra outros A definição abrange violência física e moral por ação ou por omissão contra si ou contra outros por indivíduos ou por coletividades Da combinação dessas categorias são construídos tipos de violências autoinfligidas interpessoais coletivas violências físicas sexuais psicológicas de privação ou negligência A gestão da classificação dos atendimentos e mortes provocadas por violências cabe principalmente aos agentes do setor de saúde No entanto quando se tratam de algumas categorias como as mortes por agressão por suicídio e por acidentes de trânsito a produção da informação vital se baseia parcialmente em dados situacionais coletados pela polícia às vezes a completa a usa como complemento ou a contradiz Nem sempre as mortes registradas pela polícia são similares àquelas contabilizadas no sistema de saúde tanto na quantidade quanto 115 nas características associadas 44 AS MORTES VIOLENTAS POR INTENÇÃO INDETERMINADA As estatísticas criminais brasileiras ainda são construídas em torno dos tipos penais expressando o paradigma ideológico predominante na área de segurança pública que é vista pelos seus operadores como um assunto essencialmente jurídicopenal militar e policial com pouca abertura e diálogo com outras áreas Como resultado a crescente massa de informações criminais decorrentes da modernização tecnológica da gestão policial tem contribuído pouco para a acumulação de conhecimento sobre a dinâmica da criminalidade e da violência na sociedade brasileira LIMA 2008 No entanto a grande base de dados nacional sobre o assunto está na saúde pública que produz um registro estatístico nacional de morbidades e mortalidades inclusive sobre violências Também chamadas de causas externas em oposição às causas internas ou naturais as violências são classificadas segundo vários quesitos entre os quais as intenções que são identificadas por informações situacionais em geral fornecida pela polícia Na ausência destes dados a intenção se torna desconhecida e a morte em questão um evento fato cuja intenção é indeterminada Segundo Gláucio Soares 2008 as mortes por intenção indeterminada não têm sempre o mesmo significado podendo às vezes ser relacionadas ao desconhecimento real dos agentes públicos responsáveis pelo registro da mortalidade revelando a incapacidade técnica do Estado na produção de estatísticas criminais e vitais em especial das organizações policiais e judiciais Mas estas mortes violentas classificadas como de intenção indeterminada também podem ocultar a vitimização por violência policial Também há problemas de irregularidade e descontinuidade da informação de mortalidade geral por causas internas e externas gerando o problema das mortes por causas mal definidas Em parte a deficiência da estatística vital devese ao nível de riqueza urbanização e estruturação do sistema de saúde O problema da subnotificação da mortalidade em geral e especificamente por violências tem relação 116 com o funcionamento do sistema de saúde muitas vezes devido à falta de recursos e pessoal especializados e com o aparato policial e judicial as mortes por intervenções legais são causadas por policiais e muitas das violências com intencionalidade indeterminada também o são o excesso delas reflete além da violência policial a incompetência dos aparelhos policial e forense SOARES 2008 p136 No Estado do Rio de Janeiro por exemplo Daniel Cerqueira 2012 constatou que a qualidade da informação sobre mortalidade é variável e abaixo da expectativa levando em conta que não se trata de um Estado de baixa renda média Há indícios muito preocupantes sobre as oscilações e a qualidade da informação sobre mortalidade por agressão por suicídios acidentes e por intenção indeterminada esta última muito provavelmente abarcando uma parcela expressiva de homicídios intencionais ocultos o que indica também uma capacidade policial deteriorada de produção de informação criminal contribuindo para a prevalência da impunidade dos atos violentos letais É difícil concluir se os problemas de informação se devem à baixa capacidade técnica falta de pessoal capacitado e equipamentos adequados ou aos incentivos politicamente favoráveis à classificação de óbitos diversos como morte por intenção indeterminada levando à subestimação do número e taxa de mortes por agressão Além da indeterminação da intenção se foi agressão suicídio ou acidente em muitos casos não há registro sequer da causa meio ou instrumento que levou ao óbito CERQUEIRA 2012 Expandindo e aprofundando a análise para todo o país e para uma comparação entre os óbitos por causas externas cuja intenção é indeterminada e óbitos por agressão segundo características socioeconômicas da vítima e situacionais do evento Daniel Cerqueira 2013 estima que na média 75 das mortes violentas por intenção indeterminada são homicídios dolosos mal classificados e no nível agregado há uma subnotificação média de 18 na taxa de mortes por agressão As variáveis utilizadas para esta estimativa envolveram tanto o status socioeconômico da vítima quanto as circunstâncias do óbito As variações temporais e locais da qualidade de informação sobre mortalidade violenta corresponderiam 117 ainda a variações oficiais dos níveis de criminalidade letal intencional Para o Nordeste por exemplo muito do aumento da taxa de homicídios dolosos nos anos anteriores teria relação com a melhoria da informação sobre mortes violentas ajudando a exagerar o aumento das taxas de homicídios dolosos na região nas últimas décadas No Estado da Bahia há também uma forte variação na qualidade da informação sobre mortalidade e observase uma correlação negativa entre a mortalidade por eventos cuja intenção é indeterminada e a incidência de agressões letais Quando somadas as taxas de mortes por agressão e por intenção indeterminada regiões tidas como pacíficas se mostram violentas e regiões já tidas como violentas podem se mostrar ainda mais letais SOUZA SOUZA PINTO 2014 e 2019 No Paraná pesquisadores constataram que entre 1979 e 2005 houve uma a progressiva melhoria da informação sobre mortalidade com a redução gradual dos óbitos por causas externas com intenção indeterminada o que correspondeu ao crescimento da taxa de homicídios dolosos de maneira que foi atingida uma qualidade relativamente boa ao final do período analisado no qual também foi constatada a forte associação a nível municipal entre homicídios dolosos e taxas de urbanização desigualdade econômica e desemprego juvenil LOGADO et al 2009 Em Belo Horizonte pesquisadores também constataram sérias deficiências na qualidade da informação sobre mortalidade por violências O fluxo da informação sobre mortalidade iniciase nos hospitais e delegacias de polícia passando pelas atividades de medicina legal e chegando à secretaria municipal de saúde A avaliação da análise é que há problemas ocorridos no processo de classificação tanto na etapa policial quanto na etapa médica chegando até a etapa de consolidação administrativa e estimam que as taxas de homicídios intencionais suicídios e acidentes estão subnotificadas em razão destas deficiências na produção da informação sobre mortalidade entre os quais a ausência de informações relativas às circunstâncias que levaram ao óbito DE MATTOS PROIETTI BARATA BARRADAS 2007 118 45 VIOLÊNCIA POLICIAL E HOMICÍDIOS DOLOSOS EM SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO As políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro parecem ter contribuído muito para a configuração do processo de acumulação social da violência devido à sobreposição entre mercadorias econômicas ilícitas e mercadorias políticas e pela imposição da sujeição criminal a amplas camadas da juventude pobre como argumentou Misse 2006 2007 Além da corrupção de agentes policiais na relação com as redes criminosas que controlam negócios como o contrabando de armas jogo do bicho tráfico de drogas ilícitas extorsão e assassinato por encomenda é preciso ainda considerar que a concepção militarista punitiva pautada em metáforas de guerra contra um inimigo interno e atendimento de emergências e repercussões contribuiu para a desorganização e descontrole do aparelho policialmilitar gerando um quadro de ineficiência crônica que alguns políticos e servidores da área tentam em vão compensar e dissimular com o recurso à força letal Ao longo de todo o período foi comum que fossem favorecidas ou rechaçadas ao sabor do momento político no curto prazo as iniciativas de controle legal ou de incentivo à violência policial da prevenção social da violência ou da redução da questão criminal a problema policial e militar de polícia comunitária ou de hipermilitarização do policiamento de modernização administrativa ou de enrijecimento dos tradicionais modelos militares e inquisitoriais Muitas vezes as políticas que buscavam controlar os excessos da ação policial eram taxadas de complacentes favorecendo a ascensão de um discurso belicista que fazia crescer os abusos e vítimas letais da polícia acontecimentos cuja repercussão leva a críticas que pediam maior controle e moderação da polícia levando a acusações de conivência com a bandidagem e assim por diante em um círculo vicioso SOARES 2000 Dessa maneira o traço mais distintivo e impressionante da segurança pública do Rio de Janeiro é a letalidade policial que soma a violência e a vitimização policial indicadores que atingiram altas cifras superiores a mil mortes em alguns anos com taxas bastante altas proporcionalmente ao número de policiais na ativa de prisões realizadas pela polícia do total de homicídios dolosos e mesmo sobre a 119 população residente Nesse quesito o fenômeno do policial como autor de homicídios intencionais prevalece em muito sobre os policiais vitimados o que indica não só a vantagem técnica de um policial treinado e equipado em situação de confronto armado com criminosos como também da prática assassinato sumário de suspeitos rendidos e de transeuntes não envolvidos atingidos por disparos de policiais ou de bandidos durante trocas de tiros Há uma similaridade entre os indicadores de violência policial do encarceramento e de homicídios dolosos em geral costumam atingir homens jovens moradores de favelas de baixa escolaridade solteiros em vias públicas de favelas ou nas suas proximidades A semelhança de padrão pode indicar tanto um sentido de discriminação social a maior agressividade policial contra os pobres resultando em maior letalidade policial contra essas categorias estigmatizadas quanto a possível ocorrência de confrontos entre policiais e traficantes à semelhança dos conflitos territoriais entre os grupos criminosos Em geral a ocorrência de mortes provocadas por policiais têm sido administrada de maneira burocrática e banalizada pelos órgãos de justiça criminal a começar pelas polícias que apresentam o argumento de que a letalidade é um instrumento de trabalho necessário à legítima defesa e cumprimento do dever funcional pelo policial A seguir o Ministério Público ao decidir pelo arquivamento ou denúncia do homicídio decorrente de auto de resistência leva em conta mais os antecedentes criminais e socioeconômicos da vítima do que as características objetivas do fato Em outras palavras o policial alega um uso defensivo da violência contra um suspeito que resistiu à prisão ao ser flagrado cometendo crimes e o promotor prefere avaliar se há indícios que permitam associar a vítima ao tráfico varejista de drogas ilícitas na favela do que avaliar se a narrativa policial corresponde às evidências materiais Dessa maneira a prática jurídica acaba por consolidar a classificação de uma parcela da população como indigna de vida e passível de extermínio impune MISSE GRILLO NERI 2015 ZACCONE 2015 Embora a violência policial não fosse uma novidade em São Paulo como em outras cidades e regiões do Brasil a combinação de crescimento urbano desordenado e desigual gerando áreas de concentração da pobreza urbana de um lado e o extremo recrudescimento do autoritarismo políticosocial nos Anos de Chumbo do outro parecem ter criado as condições favoráveis para a administração 120 da ordem social por meio da violência policial em geral associada à corrupção policial e à repressão política Um exemplo é a ação do esquadrão da morte um grupo paramilitar informal de policiais que praticava assassinatos por encomenda e cobrava propinas para traficantes de drogas ilícitas sob a liderança de um dos principais torturadores do aparato de repressão política e sob a proteção velada do regime ditatorial Os homicídios dolosos cometidos de maneira não oficial pelos membros do esquadrão da morte representavam violentas intervenções no tráfico de drogas ilícitas visando extrair lucros proteger traficantes aliados e eliminar traficantes rivais e testemunhas de crimes cometidos pelo grupo BICUDO 1976 MANSO 2010 Outro exemplo é a criação e atuação da ROTA um batalhão especial da Polícia Militar do Estado de São Paulo PMESP que foi inicialmente destinado à repressão política contra a incipiente guerrilha urbana e contra roubos a bancos em geral mas acabou se tornando permanente e com atribuições ampliadas de combate à criminalidade urbana Dentre os mais de 12 mil homicídios que foram documentados como tendo sido cometidos por agentes da PMESP em serviço entre os anos de 1970 a 1992 foram mais de 4200 cometidos por integrantes da ROTA Apesar de sempre justificados como confrontos armados contra criminosos que resistiram à prisão em flagrante delito e forçaram os policiais à autodefesa a análise dos detalhes dos casos revela indícios generalizados de tortura e assassinato de civis rendidos e vítimas sem antecedentes criminais em geral jovens pobres cujas mortes não comovem a imprensa ou a justiça criminal BARCELLOS 2014 Mas os setores políticos e midiáticos herdeiros da Ditadura Militar conseguiram formular um discurso persuasivo para amplas camadas do público alegando que a violência policial letal era necessária para o restabelecimento da ordem e proteção dos cidadãos de bem contra a ação de criminosos irrecuperáveis e incontroláveis um discurso que logrou desgastar e frear as tentativas de reforma policial e garantias de direitos civis dos primeiros governos eleitos da redemocratização CALDEIRA 2000 p 169 Depois da repercussão internacional negativa do Massacre do Carandiru na verdade a culminância de uma política de extermínio de suspeitos pobres que levou a mais de 26 mil mortes oficiais pelas polícias estaduais paulistas entre 1991 e 121 1992 em plena democracia aumentou a pressão política e interna e externa para que o governo estadual tomasse medidas para a modernização administrativa e controle legal mais efetivo da atividade das polícias civil e militar o que acabou se concretizando de maneira bastante relativa e parcial desde meados dos anos 1990 Podese dizer que no entanto a letalidade policial jamais foi controlada de maneira consistente nem a organização policial efetivamente reformulada nos parâmetros da democracia Podemse identificar algumas medidas que beneficiaram o controle administrativo e penal da violência letal mas não chegando a configurar um programa consistente de prevenção e repressão da violência homicida MANSO 2010 Em substituição à fracassada política de extermínio do período ditatorial e do início dos anos 1990 foi posta em prática uma política de encarceramento em massa utilizando como ferramenta privilegiada a prisão em flagrante convertida em provisória e que atingiu principalmente os crimes contra o patrimônio e de drogas ilícitas ou seja a criminalização da circulação ilícita de riquezas provenientes de práticas ilegais de obtenção de renda na economia informal e ilegal e com o tradicional hiperfoco nos pobres e negros SINHORETTO SILVESTRE 2013 Neste período caracterizado por uma gestão cada vez mais carcerária da miséria urbana a conduta policial não deixou de ser orientada por estereótipos racializantes nem de lançar mão de execuções sumárias ou torturas em muitos casos SINHORETTO 2016 Nos anos mais recentes sobretudo após 2018 a violência policial tornouse praticamente uma política governamental declarada endossada publicamente por governador estadual e presidente da república Na prática porém já estava sendo implementada no cotidiano das atividades policiais e judiciais por meio de uma série de práticas dispositivos e procedimentos burocráticos que produzem uma narrativa jurídica padronizada que legitima a ação letal da polícia ao mesmo tempo ocultando a contribuição da violência policial para a criminalidade violenta Esta narrativa tem como centro a suposição de que as mortes se devem sempre ao confronto entre policiais e criminosos em uma situação de flagrante delito no qual o suspeito tenta resistir à tentativa de prisão forçando o policial a se defender sendo a morte do suspeito uma consequência Tal narrativa mescla as figuras da vítima e do autor do 122 homicídio cometido pela polícia levando na maioria das vezes ao arquivamento do caso por exclusão de ilicitude e à indeterminação do real papel dos envolvidos no evento fatal A narrativa jurídica é construída pelo depoimento do policial validado pelo delegado de polícia e acatado pelo Ministério Público Ao invés de ser feita uma investigação para verificar se a alegação do policial é corroborada por evidências materiais a narrativa é tomada como justificativa para a não investigação e arquivamento do caso Digno de nota e especialmente relevante para a presente análise é que o número de mortos pela polícia segundo os Boletins de Ocorrência foi maior do que o oficialmente divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo GODOI et al 2020 A principal diferença entre o Rio de Janeiro e São Paulo comparandose Misse et al 2015 e Godoi et al 2020 é que no território carioca a letalidade policial está muito ligada às ocorrências de tráfico de drogas ilícitas enquanto em São Paulo estão mais ligados à letalidade policial os crimes contra o patrimônio Analisando a judicialização dos homicídios cometidos por policiais em 5 capitais brasileiras Ludmila Ribeiro e Igor Machado 2016 constataram que os policiais são beneficiados por seletividade penal recebendo no geral um tratamento mais benevolente ou seja tendo menor chance de condenação ao serem acusados de homicídios No entanto a análise do processamento revela que a impunidade ocorre principalmente nos homicídios nos quais há alegação de confronto entre policiais e suspeitos e na etapa anterior à judicial no inquérito policial Uma vez que chega à etapa judicialacusatória as chances de condenação tornamse similares às dos demais homicídios que chegam aos tribunais 46 PROBLEMA As mortes por causas externas por intenção indeterminada são mortes por agressão suicídio e acidentes mal classificadas Qual é a influência destas mortes na taxa das demais Uma hipótese é que se trata de um erro aleatório e que a tendência geral seria que na média essas mortes seriam suicídios homicídios e acidentes em proporções que tendem a ser próximas às proporções entre os homicídios suicídios e acidentes classificados 123 A variação se deveria assim ao sucateamento e sobrecarga do serviço de informação médicolegal não contribuindo para ocultar nenhuma das categorias de mortes em especial Outra hipótese é que haveria viés na classificação e que algumas categorias de mortes sobretudo as mortes causadas por ação de outrem com intenção de matar mas posteriormente mal classificadas pelos agentes públicos responsáveis seriam mais comuns que as demais resultando em uma subestimação sistemática das taxas de homicídios intencionais à proporção em que sobem as taxas de mortes por causas externas cuja intenção é indeterminada A tentativa de ocultação de suicídios em contextos onde esse ato gera forte estigmatização moral e religiosa poderiam gerar viés similar de subestimação das mortes por violência autoprovocadas intencionalmente De maneira análoga seríamos levados a perguntar porque um homicídio é mal classificado tratase apenas de erro ou há uma tentativa de ocultar certas categorias de violências dos dados oficiais Quais grupos teriam interesse em pressionar ou manipular os serviços policiais e médicolegais para ocultar certas qualidades e quantidades de violência homicida intencional Relacionando a literatura sobre o controle e processamento da violência policial e sobre a má classificação das violências na categoria de intenção indeterminada é possível especular que uma parcela importante das mortes por intenção indeterminada não seriam apenas homicídios dolosos mal classificados mas principalmente os cometidos por ações policiais 47 METODOLOGIA As mortes violentas por intenção indeterminada ocultam proporções variáveis de homicídios intencionais suicídios e acidentes da mesma forma que as mortes por causas mal definidas ocultam todo tipo de morte por causas internas ou externas Cerqueira 2013 identificou uma similaridade significativa relativa às características da vítima sexo idade cor etc e fato tipo de local e causa mortis etc da ordem de 75 entre mortes indeterminadas e por agressão A questão é se tais eventos cuja intenção é indeterminada ocultam uma categoria específica de homicídios aqueles decorrentes da ação policial nos termos do art 23 do Código 124 Penal brasileiro de 1940 Um fluxo ideal de produção da informação criminal e vital seria que os homicídios decorrentes da ação policial fossem classificados como operações de guerra caso a morte em questão fosse comprovadamente resultado de um confronto armado entre policiais e criminosos ou como morte por agressão caso a investigação concluísse pela intenção de matar do policial no caso em questão O número de ocorrências de letalidade policial seria por isso próximo ao número de mortes por operações de guerrapoliciais Este ideal é o contrafactual implícito da nossa análise mas a nossa hipótese é que um número desproporcional de mortes causadas por intervenção policial é alocada como evento cuja intenção é indeterminada devido à construção burocrática da narrativa do confronto policial e que por isso as mortes por intenção indeterminada responderiam estatisticamente falando às ocorrências de letalidade policial não obstante a existência de uma subnotificação aleatória causada pela precariedade de serviços policiais médicolegais e administrativos encarregados de produzir a informação de mortalidade Embora não haja evidências para concluir fora de dúvidas é possível observar tendências proporções e associações entre categorias de ocorrências e de mortes Evidências favoráveis à hipótese são a variação concomitante no tempo bem como a associação positiva e significativa em uma regressão linear simples enquanto resultados contrários seriam a ausência de associação significativa ou até mesmo o sinal negativo A seguir um quadro com o resumo das variáveis utilizadas na análise 125 Quadro 8 Lista de variáveis e fontes Variável Descrição Fonte Taxa de mortes por agressão Mortes por agressão por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de operações de Guerra ou Policiais Mortes decorrentes de opera ções de guerra ou intervenção legal por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de mortes violentas por intenção indeterminada Mortes por causas externas por 100 mil habitantes que não são classificadas nem como agres sões nem intervenções legaismilitares nem suicídios nem acidentes SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Letalidade Policial São Paulo e Rio de Janeiro Ocorrências por 100 mil habi tantes de resistência à prisão seguidas de morte represen tando a letalidade policial ofici almente registrada e contabili zada Secretarias Estaduais de Segu rança Pública de São Paulo e do Rio de Janeiro estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Taxa de mortes por causas mal definidas todos os Estados Mortes por 100 mil habitantes cuja causa foi indeterminada ou mal definida SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Homicídios Intencionais Ajusta dos Soma das mortes por agressão por operações de guerra e de uma fração das mortes violen tas cuja intenção é indetermi nada e das mortes por causas mal definidas equivalente à par ticipação dos homicídios inten cionais nas mortes por causas externas e na mortalidade geral respectivamente SIMDATASUS estimativa populacional do TCU com dados do IBGE Fonte Elaboração própria Dessa maneira utilizaremos estatísticas descritivas e regressões simples nos dois Estados que disponibilizaram informações mais completas e por mais tempo sobre letalidade policial entre todos da federação São Paulo e Rio de Janeiro Focando na questão específica entre mortes violentas indeterminadas confrontos com a polícia e taxas de homicídios intencionais empregaremos a comparação entre as séries temporais bivariadas e regressão linear simples mínimos quadrados ordinários para verificar se há alguma associação e em qual direção entre as mortes violentas por intenção indeterminada ou por agressão e as ocorrências de 126 letalidade policial autos de confrontos ou resistência à prisão seguidos de morte Escolhemos São Paulo e Rio de Janeiro porque são os Estados que tem publicado de maneira mais regular e duradoura as ocorrências de mortes envolvendo resistência à prisão ou confrontos com a polícia Foi uma escolha de conveniência mas tratamse também do primeiro e terceiro Estados mais populosos do país e com a 1ª e 2ª maiores economias estaduais e com um histórico importante de violência tanto policial quanto privada conforme a bibliografia e dados disponíveis As séries históricas de cada Estado serão analisadas conjuntamente com séries temporais separadas e os modelos de regressão simples abrangem dados de ambos os Estados Finalmente apresentaremos uma metodologia de correção para as taxas de homicídios intencionais visando a redução do viés da qualidade dos dados para futuras análises quantitativas 48 RESULTADOS Apesar da dimensão nacional do problema nossa análise será centrada nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo em anos diferentes compondo um painel desbalanceado com séries temporais de períodos não idênticos entre as unidades e uma comparação entre séries temporais Os parâmetros básicos podem ser vistos logo abaixo e dão uma boa ideia do elevado nível de mortalidade por violências interpessoais e policiais que prevalece nestes Estados como em muitos outros do Brasil 127 Quadro 9 Estatística descritiva RJ 19982018 SP 19812018 59 casos Estado variável média mediania Desvio padrão coef Var soma Rio de Janeiro 1998 2018 nº confronto policial com morte civil 87668 91000 40329 4600 1928700 tx confronto policial com morte civil 529 553 215 4070 11116 nº mortes violentas indeterminadas 193152 168400 73891 3826 4056200 tx mortes violentas indeterminadas 1253 1075 504 4023 26317 nº homicídios intencio nais 648295 645500 113417 1749 13614200 tx homicídios intencio nais 4200 3838 949 2260 88206 São Paulo 1981 2018 nº confronto policial com morte civil 59126 55300 25793 4362 2246800 tx confronto policial com morte civil 163 150 071 4338 6194 nº mortes violentas indeterminadas 245737 221700 106533 4335 9338000 tx mortes violentas indeterminadas 674 600 254 3777 25596 nº homicídios intencio nais 870763 772000 352023 4043 33089000 tx homicídios intencio nais 2476 2514 1017 4106 94084 Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS estimativas populacionais do TCU com dados do IBGE e secretarias estaduais de segurança pública dos respectivos Estados Comparando as séries temporais dos dois Estados constatamos que há uma associação empírica entre a taxa por 100 mil habitantes de mortes violentas por intenção indeterminada com escala no eixo vertical à esquerda e autos de resistência à prisão seguida de morte com escala no eixo vertical à direita tanto para São Paulo quanto para o Rio de Janeiro Há ruídos e exceções é claro que relativizam um pouco uma ligação direta mas a tendência de variação simultânea é visível corroborando a hipótese de uma conexão ao menos parcial entre mortes violentas indeterminadas e violência policial tanto para o Rio de Janeiro quanto para São Paulo ao longo do período analisado 128 Figura 1 Taxas de mortes violentas por intenção indeterminada e de confrontos com a polícia por 100 mil habitantes RJ e SP Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSP A seguir podemos observar as tendências temporais para a conexão entre as ocorrências de letalidade policial e a mortalidade por agressão mais uma vez com a escala dos confrontos com a polícia no eixo y à direita e para agressões no eixo y 129 à esquerda do leitor usando as taxas por 100 mil habitantes como medida Também constatamos uma associação visível ao longo do tempo com algumas exceções Figura 2 Taxas por 100 mil habitantes de ocorrências de letalidade policial e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Devese recordar olhando estes dados históricos que não estão na mesma escala Por isso o que constatamos é que a uma ocorrência de letalidade policial 130 parecem corresponder várias vítimas letais de mortes por agressão ou por intenção indeterminada O padrão se aproxima também quando consideramos ao invés da taxa por 100 mil habitantes a proporção das mortes por intenção indeterminada e dos autos de resistência seguidos de morte em relação aos homicídios dolosos No Rio de Janeiro a proximidade é aparente ao longo de todo o período enquanto em São Paulo apenas o início dos anos 1990 marca uma dissociação parcial conforme já comentamos em relação ao Massacre do Carandiru 131 Figura 3 Razão entre mortes por intenção indeterminada e por autos de resistência e homicídios intencionais no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Pela observação e comparação das séries temporais de cada Estado pode se imaginar que há também uma associação positiva na dispersão entre as variáveis abrangendo ambos os Estados em um só modelo o que foi corroborado pelos resultados Como era de se esperar o resultado maior foi alcançado entre as ocorrências de letalidade policial e as mortes por operações de guerrapoliciais com 132 64 da variância explicada No entanto há menos de uma morte em operações de guerrapoliciais para cada ocorrência de letalidade policial ao contrário do que ocorre com as mortes por agressão e por intenção indetermianda Isso pode ser observado pelo valor do coeficiente para cada 1 ocorrência de letalidade policial por 100 mil habitantes acrescentamse 037 mortes por operações de guerrapoliciais 11 mortes por intenção indeterminada e 3 mortes por agressão chegando a 45 considerando a soma das três categorias como variável dependente Quanto à variância da variávelresposta explicada pelos modelos 27 da mortalidade violenta por intenção indeterminada é explicada pela violência policial sendo o número da variável dependente em escala claramente maior que da independente O mesmo com os efeitos sobre as mortes por agressão que chegam a ser 29 explicadas pelas ocorrências de letalidade policial Enfim a soma das mortes por agressão operações de guerra e intenção indeterminada tem 39 da variância explicada pela taxa de ocorrências de letalidade policial 133 Figura 4 Regressões lineares simples entre confrontos policiais seguidos de morte x e mortes violentas por intenção indeterminada por agressão e operações de guerra y RJ 19982018 e SP 19812018 Fonte Elaboração própria com dados do DATASUS IBGE e SSPRJ e SSPSP Ainda que a regressão linear simples implique em limitações sérias para tirar conclusões a variância explicada é considerável Relativo às agressões é possível que haja endogeneidade na medida em que uma iniciativa privada criminal violenta encoraja uma violência policial maior e a maior letalidade policial por sua vez produz mais mortes violentas diretamente Mais ainda se criminosos armados acreditarem que serão assassinados eou torturados depois captura estarão mais propensos a confrontar ou executar policiais e estes buscarão vingança pelos colegas assassinados Tratase enfim de um círculo vicioso de brutalidade e assassinato e fica claro que um policiamento mais letal não é uma ferramenta eficaz contra a criminalidade violenta mas antes parece se somar à violência criminal Mas diante destas constatações o que fazer com a provável distorção dos números e taxas de homicídios intencionais possivelmente causadas por erros sistemáticos de registro sejam intencionais ou não Se este erro de medida não é aleatório análises multivariadas podem ser enviesadas Há uma diferença entre 134 considerar que todos os registros inválidos são mortes por violência policial ou considerar que são todos produtos da insuficiência de recursos públicos necessários para a produção de estatísticas criminais e de mortalidade com qualidade satisfatórias Mesmo considerando que o subregistro é aleatório devese admitir que a qualidade da informação não é Algum método de correção tornase necessário Admitindo que as mortes por causas mal definidas são um erro sistemático devido à falta de recursos mas que não necessariamente tendem a ocultar mais homicídios intencionais que outras causas podemos supor que a proporção entre homicídios intencionais mal registrados como mortes por causas mal definidas tende a ser igual à proporção de mortes por agressão sobre as mortes com causas conhecidas violentas e naturais Em outras palavras a subnotificação por causas mal definidas atingiria aleatoriamente as diversas causas fazendo com que sejam pela lei dos grandes números aproximadamente proporcionais no agregado long run As mortes violentas por intenção indeterminada não seguiriam estritamente esta lógica primeiro por incidirem apenas sobre as mortes violentas ou seja por ter já uma qualificação serem causadas por fatores externos como acidentes suicídios agressões intervenções legais e operações de guerra As análises sobre os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo sugerem que a intenção indeterminada tende a ocultar homicídios ligados à violência policial e da vitimização de terceiros durante trocas de tiros entre policiais e grupos armados ilegais o que é consistente com o que a literatura tem apontado quanto ao tratamento jurídico que tem sido dado a estas mortes como resultariam de um confronto armado a intenção é desconhecida pois ficaria entre a agressão e a legítima defesa Nesta lógica os acidentes e suicídios erroneamente classificados como mortes violentas por intenção indeterminada é que seriam exceções Tanto a nossa análise quanto a análise mais abrangente de Cerqueira 2013 sugerem que a intenção indeterminada tende a ocultar mais homicídios intencionais que suicídios e acidentes Um método mais ousado seria simplesmente somar mortes por agressão por guerras e intervenções e por intenção indeterminada supondo que o número de acidentes e suicídios implícitos entre as indeterminadas seria residual e aleatório 135 TxAjHomicidHiMviiHiMccMcid100000Pop Onde Hi é homicídio intencional Mvii é morte violenta por intenção indeterminada Mcc é morte por causal mal definida Mcid é morte por causas definidas e Pop é população Outro método seria considerar que o impacto da mortalidade por causas mal definidas como irrelevante para a subnotificação de violências e o percentual de mortes por suicídios acidentes e sequelas aproximadamente constante e residual entre as mortes violentas por intenção indeterminada Dessa maneira bastaria somar as mortes por agressão operações de guerra ou policiais e mortes violentas por intenção indeterminada TxAjHomicidHiMvii100000Pop O método mais cauteloso seria considerar que o número de homicídios intencionais ocultos sob a classificação de intenção indeterminada é igual à proporção de mortes por agressão sobre as mortes violentas com intenção determinada agressões guerras e intervenções suicídios e acidentes TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Onde Mvid são mortes por causas externas excluindo as com intenção indeterminada A cautela se impõe pelas seguintes razões primeiro porque nada garante que a ocultação da violência policial e por conseguinte sua correlação linear com as mortes violentas por intenção indeterminada seja generalizada por todos os Estados federados nem que seja uma política consistente ao longo do tempo Pelo contrário o que provavelmente é generalizado e abrangente é que polícias com recursos insuficientes e mal alocados na investigação e inteligência desorganização administrativa e direção política autoritária tendem a ser mais incompetentes e negligentes para produzir informação criminal de qualidade Aplicando as fórmulas em comparação com o número oficial de mortes por agressão e intervenção 136 obtemos taxas divergentes em até 10 mortes por 100 mil habitantes e um acréscimo de 400 mil mortes pelo método mais conservador ultrapassando 700 mil mortes por homicídio intencional a mais pelo método mais radical Mas também observamos uma tendência à redução da diferença entre o número oficial e o número ajustado pelos dois métodos de modo que nos últimos anos da série há um estreitamento da distância exceto em 2018 e 2019 quando a divergência volta a aumentar Figura 5 Números nacionais brasileiras oficiais e ajustados de homicídios intencionais por vários métodos Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS 137 Figura 6 Taxas nacionais brasileiras oficiais e ajustadas de homicídios intencionais Fonte elaboração própria com dados do IBGE e DATASUS Figura 7 Subnotificação estimada dos homicídios intencionais por vários métodos Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS 138 Dessa maneira por meio de fórmulas relativamente simples baseadas em algumas suposições mostrouse possível reduzir o enviesamento dos erros de medida das estatísticas epidemiológicas e criminais oficiais Esperase que futuramente o uso deste ajuste contribua para a produção de modelos e análises mais robustos para testar teorias ou auxiliar na tomada de decisão 49 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS As definições institucionais estão na base das estatísticas criminais e vitais e expressam os processos políticos jurídicos administrativos e morais de gestão da vida e da morte das populações pelo Estado As evidências reunidas e analisadas aqui são favoráveis à hipótese enunciada por Glaucio Soares 2008 p 136 de que as mortes por intenção indeterminada não apenas incluem mais homicídios dolosos mal classificados do que acidentes e suicídios CERQUEIRA 2013 como também abrangem uma considerável parcela de mortes causadas pela polícia ao menos nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo Podese inferir que esta associação tem a ver com os procedimentos jurídicos prevalecentes para o processamento das ocorrências de resistência à prisão ou de confronto com a polícia Ademais a letalidade policial mostrouse associada tanto às mortes por operações de guerrapoliciais quanto por agressão e por intenção indeterminada de modo que para cada ocorrência de confrontos policiais por 100 mil habitantes somamse 45 à taxa de mortes violentas sejam intencionais agressões justificadas operações ou de intenção indeterminada Como as investigações tendem a ser arquivadas sem uma investigação aprofundada que elucide as circunstâncias da morte segundo as evidências materiais e testemunhais a intenção da ação policial que causou tais mortes torna se uma incógnita causando a falha na identificação das características situacionais que indicam que a morte foi causada por uma agressão ou por ação legal Em tese tais mortes seriam obrigatoriamente classificadas como resultantes de intervenção legal e operação de guerra mas a comparação das estatísticas do Rio de Janeiro e 139 de São Paulo mostra que o número de resistência à prisão e de confrontos com a polícia com mortes é superior ao número destas mortes Sem investigação não é possível classificar a morte decorrente da ação policial nem como agressão letal nem como intervenção legal ou bélica Por outro lado as mortes por intenção indeterminada também superam o número de resistências à prisão seguidas de morte o que talvez indique que são divulgados o número de ocorrências e não de vítimas Como é possível que haja mais de uma vítima fatal em uma ocorrência as mortes por intenção indeterminada talvez revelem um quadro de violência policial de maior magnitude do que é oficialmente declarado embora não seja válido afirmar que todas as mortes por intenção indeterminada são produtos da violência policial Ineficiência administrativa falta de médicos de investigação criminal e de equipamentos modernos para ambos certamente tem a sua parcela de culpa nas altas cifras de mortalidade violenta por intenção indeterminada e mesmo por mortes mal definidas em geral É importante frisar também que nem todas as mortes causadas por policiais ou militares são necessariamente classificadas como de intenção indeterminada ou como intervenção legal Também encontrou apoio em nossos resultados a hipótese de que muitas das mortes causadas por ações policiais classificadas como mortes por agressão dependendo das circunstâncias do crime e das políticas locais específicas de registro e classificação Os homicídios intencionais praticados por grupos de extermínio por exemplo provavelmente serão computados entre as demais mortes por agressão porque não estão oficialmente ligados à ação policial o mesmo provavelmente ocorrendo com homicídios cometidos por policiais no contexto de brigas pessoais e violência doméstica Em se tratando de políticas de segurança orientadas para o enfrentamento é verossímil que se incluam entre as vítimas terceiros não envolvidos nos confrontos mas atingidos por disparos durante operações policiais contra grupos armados ilegais A construção da estatística criminal e vital dessa maneira tem fundamentos sociais e políticos que precisam ser investigados até mesmo para que haja uma melhor utilização dos dados e indicadores cada vez mais importantes para a tomada de decisão e sempre essenciais para o fazer científico Se as narrativas 140 jurídicas padronizadas e as narrativas políticas e midiáticas correlatas legitimam um uso da força letal pela polícia que muitas vezes excede o lícito e o razoável a influência de tais procedimentos na produção de estatísticas criminais e vitais públicas tem contribuído para subestimar a magnitude estrutural da violência em nossa sociedade E mais que isso também contribui para dissimular o quanto a força letal da polícia quando utilizada sem respeito aos critérios legais e técnicos de razoabilidade e proporcionalidade contribui para a escalada da violência letal intencional senão multiplicandoa ao menos somando aos homicídios dolosos cometidos por particulares o homicídio cometido por policiais e militares conforme sugerem os resultados que demonstram uma associação positiva e significativa com alto poder explicativo da taxa de letalidade policial sobre mortes violentas por agressão por operações de guerra e por intenção indeterminada A diferença fundamental entre a violência entre particulares e dos policiais é que os segundos são profissionais remunerados treinados equipados e legitimados pelo Estado em nome da missão constitucional de prevenir e elucidar os crimes violentos e não para cometêlos 410 SÍNTESE DO CAPÍTULO A construção da informação criminal e sanitária como em geral das estatísticas não é um procedimento sempre neutro e técnico É antes uma atividade social como muitas outras e que possui condições e interesses particulares além de ser praticada por agentes sociais possuidores das suas próprias visões e interesses operando em organizações públicas estruturadas por relações de poder A estatística de mortalidade por violências no Brasil é produzida por agências que manuseiam categorias jurídicopenais como faz a polícia judiciária e conceitos sanitários e biológicos no sistema de saúde Cada uma se refere a características diferentes das mortes e ambas são necessárias para a produção de dados confiáveis No entanto constatamos um alto número de mortes violentas por intenção indeterminada Uma hipótese é que estas mortes seriam erros aleatórios assim 141 como a mortalidade por causas mal definidas ocasionados por falta de recursos ou desorganização administrativa dos órgãos policiais e médicos responsáveis pela produção da informação nas suas etapas sucessivas Outra é que haveria uma política institucionalizada ainda que não declarada de ocultação de homicídios dolosos sobretudo daqueles que são cometidos por policiais Esta última hipóteses é sugerida por algumas análises quantitativas e qualitativas que constataram correlações macrossociais negativas entre taxas de mortes violentas por agressão e indeterminadas similaridade da maior parte das vítimas das mortes indeterminada com as das vítimas de homicídios em comparação com as vítimas de acidentes e suicídios e práticas jurídicopoliciais corriqueiras que produzem narrativas padronizadas de resistência à prisão seguida de morte pela polícia tornando opaca a identificação das intenções Sem informações criminais confiáveis sobre as circunstâncias da morte muitas dessas mortes acabariam classificadas como de intenção indeterminada De fato constatamos pela análise de séries temporais e regressões bivariadas nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo uma associação entre as taxas de mortes por agressão e por intenção indeterminada e das últimas pelos homicídios dolosos de ocorrências de mortes por ação policial e de mortes violentas por intenção indeterminada A evidência apesar de favorável à hipótese não é conclusiva pois não pode ser generalizada para todos os Estados ou considerada imutável no tempo De todo modo mostra que a seletividade na gestão estatal da violência o desprezo pela vida de uma parcela da população brasileira a ineficácia do controle judicial da atividade policial e a tentativa de minimizar a magnitude da violência homicida e policial podem estar distorcendo a produção de estatísticas criminais e de mortalidade Diante destas constatações tentamos por meio de uma fórmula de ajuste reduzir a diferença entre um número real e oficial de mortes por agressão e intervenção partindo do pressuposto de que uma certa fração das mortes por causas mal definidas e das mortes violentas por intenção indeterminada oculta homicídios intencionais mal classificados Utilizando três fórmulas comparamos as taxas pelos números oficiais e 142 ajustados obtendo aumentos expressivos mas também uma redução da diferença ao longo do tempo com possível reversão nos dois últimos anos o que sugere que as altas taxas de homicídios intencionais do Brasil podem ser mais longínquas historicamente do que se pensa além de persistentes 143 5 CONDICIONANTES ESTRUTURAIS DA CRIMINALIDADE VIOLENTA UMA ANÁLISE DAS MICRORREGIÕES BRASILEIRAS ENTRE 1996 E 2019 Neste capítulo apresentamos uma análise quantitativa das causas dos homicídios intencionais Realizamos um teste de hipóteses por meio de análise de regressão de variáveis associadas aos conceitos de desorganização social mercados ilícitos tensão social e exclusão socioeconômica dentro das possibilidades dadas pela existência de dados A análise abrange todas as 558 microrregiões brasileiras com dados entre 1996 e 2019 sendo os resultados quase inteiramente favoráveis às hipóteses 51 APRESENTAÇÃO A heterogeneidade regional do Brasil é enorme Isso inviabilizaria a busca por macrodeterminantes gerais para as variações das taxas de homicídios intencionais entre as diversas áreas do país Nossa hipótese é que não e que as limitações se devem mais à disponibilidade e à qualidade de dados bem como à necessidade de maior acumulação de pesquisas quantitativas e comparativas com hipóteses causais RIBEIRO e TEIXEIRA 2017 Tampouco acreditamos que é uma empreitada fácil e qualquer tentativa será necessariamente limitada sem deixar de ser necessária Neste capítulo apresentamos uma análise dos macrodeterminantes da taxa de homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras As microrregiões são conjuntos de municípios vizinhos entre si delimitados pelo IBGE Alguns deles formam metrópoles mas os dados indicam na sua maioria regiões com características rurais e de cidades pequenas com baixa densidade populacional onde homicídios e suicídios são relativamente raros Dentro da limitada oferta de dados selecionamos indicadores relevantes para a medição da desorganização social ligada ao crescimento e densidade demográficas SHAW e MCKAY 1942 LYNCH e BOGGESS 2016 HE e 144 MESSNER 2020 KUBRIN e WO 2016 SOUTH e MESSNER 2000 SIMMEL 2005 WIRTH 2005 SOUTH MESSNER 2000 EUFRÁSIO 1999 BARNETT MENCKEN 2009 RODRIGUES 2013 à violência sistêmica ligada ao uso mórbido e ao tráfico de drogas ilícitas GOLDSTEIN 1985 MINAYO e DESLANDES 1998 RARRON DAUDELIN 2017 e à posse de armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 CURRIE 1997 PERES e SANTOS 2005 CERQUEIRA 2010 bem como à exclusão socioeconômica ligada à tensão e anomia sociais AGNEW 2016 MERTON 1938 RUSCHE KIRSCHHEIMER 1999 SHAW e MCKAY 1942 RODRIGUES 2013 CURRIE 1997 CULLEN 1994 PRATT GODSEY 2003 DEFRONZO HANNON 1998 PRIEDMORE 2008 e 2011 MESSNER RAFFALOVICH SUTTON 2010 Utilizando modelos de regressão com especificações diferentes identificamos evidências consistentes a favor das hipóteses causais relativas às drogas ilícitas crescimento e densidade populacionais e exclusão socioeconômicas mas a posse de armas de fogo não teve efeitos significativos em alguns modelos Também constatamos que o poder explicativo sem o uso da taxa defasada de homicídios como variável independente foi baixo evidenciando que fatores históricos não incluídos nos modelos tem grande importância 52 DISCUSSÃO TEÓRICA O homicídios intencional é um fenômeno social estrutural no sentido de que em nível agregado possui parâmetros de volume e composição que são relativamente estáveis com mudanças graduais ao longo do tempo não obstante as fortes concentrações nos territórios e populações sendo mais comuns as transições no tempo e no espaço que as descontinuidades abruptas SOARES 2008 p 28 Quanto à composição sabemos que os homicídios intencionais se concentram entre homens jovens que são as principais vítimas e também os que mais frequentemente são suspeitos acusados e condenados por crimes violentos um padrão que é secular e internacional ibd p 19 RIBEIRO e COUTO 2015 MIETHE e RECOECZI 2004 145 Quanto ao nível agregado o primeiro problema é quanto à precisão da medida Segundo Gláucio Soares 2008 o subregistro de homicídios intencionais é ocultado por duas categorias Primeiro das mortes por causas mal definidas e desconhecidas pelas quais sequer há informação se se tratam de causas internas naturais ou externas violências e acidentes Segundo as mortes violentas por intenção indeterminada que estão na classificação de causas externas mas incompleta porque não se sabe a intenção se foi uma agressão suicídio ou acidente A subnotificação dos homicídios intencionais pode ser devido a características dos serviços que produzidam a informação falta de recursos da polícia judiciária e medicina forense desorganização administrativa ou até tentativa deliberada de ocultar violências nas investigações Dessa maneira é recomendável que os pesquisadores adotem algum meio de correção das taxas de homicídios intencionais O segundo problema quanto ao nível agregado é o das causas estruturais ou macrodeterminantes Soares 2008 p 43111 indica as divergências entre as análises que abordaram as causas em diversas escalas e contextos obtendo muitas vezes sinais opostos para as mesmas variáveis quando testadas para explicar a variação entre bairros ou distritos de um município entre municípios entre estados ou províncias de um país e finalmente entre países chamando ainda a atenção para o fato de que os macrodeterminantes não afetam todos os indivíduos que sofrem seus efeitos apenas uma fração minoritária que acaba se envolvendo nos crimes violentos Comentaremos a seguir os macrodeterminantes relativos ao consumo de psicoativos à oferta de armas de fogo à estrutura sociodemográfica e à exclusão socioeconômica O consumo de substância psicoativas em geral e especificamente o consumo e tráfico das ilícitas maconha cocaína e crack sintéticas etc tem sido apontado como uma das causas da violência criminal em alta incidência na sociedade brasileira contemporânea A literatura muitas vezes distingue entre a violência que é ligada ao consumo excessivo e compulsivo tendo como protagonistas os consumidores mórbidos e uma violência que é ligada à disputa pelo controle do tráfico de drogas ilícitas tendo como protagonistas os traficantes de drogas e a polícia Enquanto a primeira seria um processo psicossocial pela qual violências 146 espontâneas e expressivas são cometidas sob efeito de emoções exacerbadas pelo consumo do psicoativo ou crimes instrumentais são cometidos para obter recursos para comprar os produtos viciantes a segunda seria ligada especificamente à organização dos mercados ilícitos e políticas de controle de drogas alcunhada de violência sistêmica e podem ser considerados um efeito perverso de políticas centradas na proibição criminalização e repressão ao uso produção e comércio de drogas A violência no tráfico de drogas ilícitas aparece em uma variedade de situações precipitadas por disputas e retaliações por domínio hierárquico e territorial entre grupos criminosos relações com moradores não envolvidos no mundo do crime com consumidores e com a polícia O tráfico de drogas ilícitas por sua lucratividade é visto como uma alternativa financeiramente vantajosa se comparada ao mercado de trabalho restrito e precário no qual os jovens desfavorecidos dificilmente conseguirão a renda que obtém como traficantes ainda que o risco assumido seja a prisão ou a morte As tentativas policiais de combater o consumo e tráfico de drogas ilícitas também respondem direta e indiretamente por uma parcela da violência letal sistêmica Mesmo quando as relações entre policiais e traficantes não são mediadas pela corrupção a repressão policial sobre o consumo e tráfico de drogas ilícitas nas favelas e bairros pobres têm efeitos de ruptura e desestabilização podendo atingir moradores não envolvidos no crime ou contribuindo para fomentar as disputas entre os grupos de traficantes de drogas que também costumam se vingar de moradores não envolvidos que são vistos como informantes da polícia ou desobedientes às regras e ordens impostas pelas gangues armadas Por isso o consumo mórbido de psicoativos e o tráfico de drogas ilícitas é considerado um importante catalisador da criminalidade violenta embora seus efeitos e incidência sejam dependentes do contexto e não necessariamente gerem violência por si mesmos sem a presença de outros condicionantes GOLDSTEIN 1985 MISSE 2019 e 2011 RATTON DAUDELIN 2017 ZALUAR 1996 DIAS 2013 MINAYO DESLANDES 1998 BEATO FILHO 2001 O acesso a armas de fogo é apontado como outro fator que está intimamente ligado à violência Apesar de existirem defensores da hipótese de que uma grande presença de armas entre a população pode dissuadir o crime ao menos contra o patrimônio as pesquisas apontam na maioria dos casos que a maior posse de 147 armas de fogo traria mais violência interpessoal suicida ou acidental Isso ocorreria porque as armas são menos um meio de defesa individual do que um instrumento de agressão que podem ser utilizadas para roubos brigas rixas etc Em uma situação de conflito interpessoal uma arma torna mais fácil e letal uma reação violenta de uma das partes o que pode transformar um desentendimento ou rixa de menor importância em um assassinato Em um roubo é pouco provável que uma vítima armada tenha tempo para reagir eficazmente pois em geral será pega de surpresa pelo assaltante sendo mais provável que a tentativa de reação da vítima acabe precipitando a sua própria morte o que ainda permitiria que o ladrão se apossasse da arma da vítima Armas e munições furtadas e roubadas podem ser usadas em outros crimes ou vendidas no mercado ilegal de armamentos e munições A grande disponibilidade de armas que podem ser roubadas furtadas ou contrabandeadas reduz o custo de atividades violentas dos grupos criminosos como as gangues de traficantes O problema de medir a posse de armas recebeu numerosas respostas sendo a proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo a proxy mais comum mas está correlacionada apenas à presença ou não de armas em domicílios HEPBURN e HEMENWAY 2004 CURRIE 1997 PERES e SANTOS 2005 CERQUEIRA 2010 Fatores demográficos são associados à criminalidade violenta por argumentos teóricos e por várias análises empíricas indicando que processos como a migração entre cidades mas não necessariamente os imigrantes o crescimento demográfico e densidade populacional e a proporção de jovens e homens na população possuem conexões causais com a violência criminal embora o sentido desta causalidade nem sempre seja na direção da demografia para a criminalidade Altos níveis de crime podem estimular a emigração e alta letalidade criminal pode deformar a composição de idade e gênero em desfavor dos homens e jovens SOUTH MESSNER 2000 O crescimento populacional acelerado é apontado como um dos possíveis causadores do aumento da violência criminosa por meio do mecanismo da desorganização social Com o rápido aumento da população novos bairros são formados ou bairros antigos são superpovoados causando uma disparidade entre as capacidades estatais e comunitárias de controle social e o afluxo de novas 148 pessoas entre as áreas do mesmo município O crescimento do número de habitantes acaba por superar em velocidade a expansão de serviços públicos a demanda por força de trabalho e o desenvolvimento de laços associativos Então o controle social informal fica fragilizado favorecendo a formação de contextos mais propícios à delinquência em comunidades de baixa eficácia no controle informal dos jovens Isto ocorreria com especial força nos bairros com pior infraestrutura eou localização aonde o custo de moradia é mais acessível aos recémchegados de classe baixa que muitas vezes também enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho local gerando uma concentração de pobreza baixa escolaridade desemprego e informalidade da moradia e do trabalho dos residentes além de baixa oferta e qualidade de serviços públicos no local de modo que a concentração socioespacial de desvantagens socioeconômicas está ligada a muitas condições que facilitam e poucas condições que previnem os crimes violentos EUFRÁSIO 1999 KUBRIN e WO 2016 LYNCH e BOGGESS 2016 SOARES 2008 pp7883 Por outro lado a perda de população também pode se associar à elevação dos homicídios por estar via de regra ligada ao declínio socioeconômico acentuado com severos impactos sobre as capacidades institucionais locais e pela elevação das tensões sociais BARNETT MENCKEN 2009 O impacto do crescimento populacional passaria por isso pela institucionalidade local O crescimento acumulado da população poderia impactar a criminalidade violenta por outra via a do adensamento e aglomeração da população em territórios urbanos A densidade populacional de uma microrregião pode ser considerada uma proxy para a urbanização um processo que também foi associado ao crescimento da criminalidade e da violência Em Simmel 2005 encontramos uma identificação entre a formação do grande centro urbano e a fragilização dos laços sociais reduzindo a capacidade coletiva de intervigilância informal e fortalecendo o individualismo o anonimato e a fragmentação social Embora Simmel não tenha de imediato relacionado a alta urbanização com a criminalidade tal foi feito pela Escola de Chicago que relacionou as características do estilo de vida urbano à formação de contextos favoráveis à criminalidade ao suicídios e à desordem fundamentando assim uma teoria da desorganização social WIRTH 2005 p 12 149 A violência criminal ou seja tanto as ocorrências quanto a residência de autores e vítimas dos crimes porém não se distribuem de maneira aleatória pelo território urbano sendo fortemente concentradas em certos locais com características econômicas territoriais e demográficas peculiares o que foi endereçado pela teoria da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 embora esta perspectiva esteja longe de esgotar a conexão entre violência e demografia SOUTH MESSNER 2000 Segundo RODRIGUES 2013 o processo históricoeconômico de formação das metrópoles brasileiras a produção do espaço metropolitano é marcado pela prevalência de interesses empresariais que perseguem a mercantilização da cidade levando à forte fragmentação e desigualdade socioespacial puxada pela autossegregação dos mais afortunados de um lado e pela segregação por necessidade dos mais pobres que são empurrados para as periferias e favelas desprovidas de infraestrutura urbana pelos preços dos imóveis e aluguéis uma estruturação correspondente também a altos índices de criminalidade e violência Admitese que a fragmentação do tecido urbano seja produto da desigualdade que caracteriza a própria estrutura social capitalista que por sua vez reproduz e aprofunda esta característica em um círculo perverso próprio das sociedades capitalistas de mercado em que são elevados os riscos sociais para a população RODRIGUES 2013 p 62 A elitização e a favelização nas metrópoles são duas faces da mesma moeda e ocorrem em espaços onde predomina a especulação imobiliária e a desigualdade socioeconômica A ligação entre a dinâmica urbana que levou a metrópoles com altos níveis de violência é evidenciada por exemplo pela correlação entre o nível de integração metropolitana do município e o nível agregado de homicídios Ocorre uma colonização do ambiente comum construído pelos interesses da acumulação financeira e dos consumidores mais abastados que se apropriam das melhores localizações Dessa maneira o processo de metropolização predominante no Brasil é caracterizado pela anomia e desorganização social os efeitos da segregação isolam grandes contingentes populacionais e produzem idênticos resultados 150 corrosivos nas estruturas das relações de convivência em comunidades territoriais interferindo sobre a sociabilidade produzida RODRIGUES 2013 p 57 Dessa maneira se processos de crescimento e adensamento populacionais que dão origem aos grandes centros urbanos ativariam mecanismos geradores da criminalidade violenta ou desativariam os mecanismos preventivos é também preciso levar em conta a prevalência das desvantagens socioeconômicas Teorias como a da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 e da anomia tensão social e problemas socioeconômicos MERTON 1938 AGNEW 1992 e 2016 CURRIE 1997 predizem que a um maior nível de privação absoluta ou relativa respectivamente corresponde um maior nível de crimes violentos Esta relação seria mediada na primeira perspectiva pelo mecanismo do controle social informal áreas urbanas nas quais há maior concentração de privação absoluta possuem uma rede menos adensada de laços sociais menores níveis de confiança intersubjetiva reduzindo assim o controle social comunitário sobre o comportamento dos jovens que se sentem livres para cometer delitos A tensão social vai dizer que o mecanismo causal é a frustração com a disjunção entre meios e fins institucionais na ordem social contemporânea pois os jovens se veem instigados a buscar sucesso individual e financeiro dentro de uma lógica de mercado mas o acesso a meios factíveis e legítimos de ascensão social é restrito e desigual o que causaria frustração desconsideração pela legitimidade dos meios e favoreceria a atitude por uma parcela dos jovens de usar quaisquer meios ilegais para obter o sucesso inclusive praticando crimes econômicos e violentos O grande problema sempre foi medir esta conexão das privações absolutas e relativas com a criminalidade comparar seus efeitos relativos entre si e tirar conclusões que permitam decidir por uma teoria ou outra ou rechaçar ou integrar ambas Isso porque indicadores de privação absoluta e relativa estão fortemente correlacionados entre si e tem o impacto mediado por um contexto institucional mais amplo Separáveis abstratamente desigualdade e pobreza frequentemente se encontram sobrepostos empiricamente Priedmore 2008 2011 por exemplo ao criticar a literatura que vincula desigualdade a homicídios intencionais busca como alternativa a mortalidade infantil que seria um proxy para a pobreza absoluta não só monetária mas de condições concretas de vida o que seria correlacionado à 151 remuneração custo de vida e aos laços e apoios sociais obtendo resultados positivos e tornando insignificante a desigualdade como preditora de homicídios intencionais agregados em comparação internacional Messner Raffalovich e Sutton 2010 por outro lado alegam que a mortalidade infantil estaria muito mais conexa às privações relativas índice Gini de distribuição de renda pessoal do que às privações absolutas medidas por faixa de renda abaixo de 2 dólares diários Com base nesta evidência os autores argumentam que a conexão entre bemestar material e nível de renda depende do contexto institucional mais amplo Ao invés de pobreza preferem usar o conceito de exclusão social uma categoria que está ligada tanto às privações absolutas quanto às relativas tanto ao nível individual quanto ao nível coletivo Desta perspectiva a taxa de mortalidade infantil não seria um mero indicador de pobreza absoluta mas capturaria aspectos das duras condições de vida de grupos marginalizados de uma maneira que faixas de renda monetária não conseguiriam como a competição por sobrevivência em situações de escassez a fragilidade dos laços sociais a discriminação social e a privação de apoio social MESSNER RAFFALOVICH SUTTON 2010 Alguns estudos sociológicos e econômicos sobre a saúde coletiva podem ajudar a reforçar este argumento mesmo sem entrar na questão da relação entre mortalidade infantil e homicídios intencionais Dalton e Springer 2001 analisaram a mortalidade infantil e baixo peso ao nascer entre os países da OCDE testando efeitos do gasto per capita em saúde pública desigualdade de renda desemprego e renda média obtendo resultados robustos em favor da hipótese de que a despesa sanitária estatal melhora a saúde dos recém nascidos significativamente por efeitos diretos e indiretamente pelo baixo peso ao nascer como também no curto prazo e via efeitos acumulados dos investimentos entre 3 e 5 anos mesmo controlados pela desigualdade e desemprego Este tipo de ação pública social e caritativa pode ser conectado ao conceito de apoio social CULLEN 1994 que seria um poderoso mecanismo preventivo da criminalidade e da violência em diversos contextos e grupos sociais SILVA et al 2019 fizeram uma análise dos macrodeterminantes socioeconômicos da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros com vários métodos econométricos da perspectiva teórica da economia da saúde e 152 concluíram que a mortalidade infantil é favorecida pela taxa de fecundidade densidade domiciliar analfabetismo proporção de crianças de baixa renda média domiciliar e é prevenida pela escolaridade renda média e acesso a serviços de saneamento básico Almeida e Szwarcwald 2014 também tomando como objeto a variação da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros concluíram que controlando estimadores de subregistro níveis médios de renda de acesso e uso de serviços de saúde e de acesso a serviços básicos de eletrificação e saneamento básicos possuem efeitos preventivos reduzindo a mortalidade infantil no município enquanto o índice Gini de desigualdade de renda e a proporção de domicílios de baixa renda predizem maiores níveis de mortalidade infantil no município Estes resultados condizem com a concepção de exclusão social defendida por Messner Raffalovich e Sutton 2010 para indicar a conexão entre taxas de mortalidade infantil e de homicídios intencionais como vinculada a um contexto institucional abrangente no qual além das privações materiais causadas pela limitação de renda monetária intervêm numerosos fatores mediadores de estruturas de aprendizado redes de apoio social interconexão social bem como segregação e discriminação socioeconômica constituindo uma miríade de mecanismos causais similares àqueles formulados por teorias sociológicas da violência Enfim o uso da mortalidade infantil como variável preditiva não se deve a uma hipótese sobre efeitos diretos nem mediação mas principalmente como um proxy de causas institucionais e socioeconômicas em comum no sentido de que podem causar tanto um quanto outro efeito Como exposto anteriormente estudos constataram a conexão internacional entre desigualdade econômica gasto per capita em saúde pública e mortalidade infantil enquanto estudos sobre os municípios brasileiros identificaram fortes associações da mortalidade infantil a fatores que a partir de conceitos teóricos da sociologia da violência supomos que podem estar correlacionados aos homicídios intencionais como a tensão e a desorganização sociais desigualdade pobreza renda média escolaridade acesso a serviços e infraestruturas de habitação 153 53 METODOLOGIA Foram utilizados dados das 558 microrregiões brasileiras delimitadas pelo IBGE Microrregiões são grupos de municípios vizinhos entre si sendo alguns deles consideradas regiões metropolitanas A escolha da microrregião como unidade de análise se dá em função do controle da autocorrelação espacial da violência criminal o que tende a ocorrer entre municípios com alta letalidade intencional principalmente quando o agrupamento em questão é metropolitano com características de grande centro urbano RODRIGUES 2013 SOARES 2008 Como a microrregião é por si mesma uma agregação estes efeitos já estão controlados e vinculados à hipótese de que a densidade populacional aumenta a taxa de homicídios Os dados históricos vão do ano de 1996 a 2019 estruturados em painel balanceado séries temporais equivalentes de diversos cortes transversais As variáveis conforme a discussão teórica já realizada referemse a fatores de oportunidade armas de fogo de desorganização social crescimento demográfico e de tensão social mortalidade infantil ou a várias dimensões ao mesmo tempo densidade populacional e mortalidade infantil ou enfim a fatores históricos omitidos taxa de homicídios do ano anterior A seguir um quadro das variáveis independentes a serem utilizadas na análise 154 Quadro 10 Descrição e fontes das variáveis de interesse do capítulo Variável Descrição Fonte TxAjHomidicios 19962019 Número de mortes por agres são e por intervenção legalope rações de guerra por 100 mil residentes mais uma estimativa linear de mortes violentas por intenção indeterminada e por mortes por causas mal defini das que seriam homicídios intencionais mal classificados SIMDATASUS e estimativas populacionais do IBGE Consumodrogas 19962019 Mortes por consumo de álcool canabinoides cocainoides e alucinógenos por milhão de habitantes SIMDATASUS e estimativas populacionais do IBGE SuicidioPAF 19962018 Porcentagem dos suicídios que são cometidos com armas de fogo sobre o total de suicídios SIMDATASUS Densidade 19962019 Número de habitantes por quilô metro quadrado de área da microrregião Estimativas populacionais e área das microrregiões do IBGE crescpop5anos 19962019 Variação percentual da popula ção em 10 anos Estimativas populacionais do IBGE mortalidadeinfantil 1994 2019 Mortalidade de crianças meno res de 1 ano de idade por 1000 nascidos vivos DATASUS Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Para lidar com problemas de qualidade da informação adotamos o seguinte procedimento consideramos homicídios intencionais as mortes por agressão as mortes por intervenção legal e operações de guerra uma fração das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção entre mortes por agressão e intervenção suicídios e acidentes e uma fração das mortes por causas mal definidas igual a proporção entre as mortes por agressão e intervenção e o conjunto das mortes por causas conhecidas naturais e violentas A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop 155 Na qual Hi é Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid é Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Como selecionamos os óbitos por residência constatamos numerosas mortes que não estavam alocadas em nenhuma microrregião mas categorizadas por Estados como ignoradas Pressupondo que estas se distribuíam aleatoriamente entre as microrregiões dividimos igualmente estas mortes por local de residência ignorado entre as microrregiões de cada Estado De acordo com a discussão teórica o sinal esperado em todas as variáveis nos modelos é positivo e significativo Utilizaremos estatísticas descritivas e modelos de regressão de mínimos quadrados ordinários MQO simples e múltiplo e modelo de mínimo desvio absoluo MDA de análise multivariada Para os modelos de regressão foi adotado o procedimento de transformação logarítmica da variável dependente e das variáveis independentes visando reduzir a dispersão dos dados que verificamos ser bastante acentuada na análise descritiva exceto o crescimento populacional que possui alguns valores negativos e por isso foi deixada como variável independente linear Tanto os modelos MQO e quanto o MDA foram testados com e sem a inclusão da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior como variável independente um proxy para possíveis fatores históricos não incluídos entre as demais variáveis independentes 54 RESULTADOS Os parâmetros descritivos ilustram a grande heterogeneidade entre as microrregiões brasileiras No período analisado há locais que vão de menos de 2 mil habitantes até cerca de 15 milhões Os indicadores de densidade e crescimento populacional também mostram variações consideráveis no espaço e no tempo Mas há uma diferença a densidade e população tiveram médias muito maiores que a mediania indicam uma alta concentração populacional em alguns centros de um lado e uma grande quantidade de áreas com menos populosas e adensadas Já o 156 crescimento populacional assim como a mortalidade infantil tiveram maior proximidade entre média e mediania O mesmo podemos observar em relação ao nosso objeto que apresentou variações entre 0 e 141 homicídios por 100 mil habitantes tornandose ainda mais notável pelas estimativas corrigidas na média aumentou em 63 a taxa de homicídios intencionais com a amplitude passando de 141 para 906 Esta variação evidencia a alta instabilidade das taxas em contextos de baixa população Um local com mil habitantes por exemplo pode ter taxa de homicídios igual a zero por vários anos saltando para uma taxa de 100 caso ocorra um assassinato de residentes na área Em números absolutos entre 1996 e 2019 ocorreram oficialmente 1228262 assassinatos no país Com o ajuste foi acrescentada uma estimativa de 213472 assassinatos elevando o total para 1441734 Quadro 11 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 55824 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx Consumodrogas 409 343 319 000359 510 suicidioPAF 120 714 161 465e05 100 densidade 929 299 336 0197 621e03 crescpop5anos 497 423 704 433 872 mortalidadeinfantil 196 158 496 000291 263e03 população 334e05 168e05 863e05 186e03 150e07 txhomicídios 192 148 153 00 141 TxAjHomidicios 255 195 250 00 906 Fonte SIMDATASUS área e estimativas populacionais do IBGE Em seguida mostramos as regressões bivariadas começando pela conexão positiva e significativa entre consumo mórbido de psicoativos e taxa ajustada de homicídios intencionais uma relação de pouco menos de 0098 de aumento da taxa de homicídios para cada 1 de aumento do consumo de psicoativos 157 Figura 8 taxa ajustada de homicídios intencionais X consumo de psicoativos Brasil 1996 2018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Relativo à posse de armas de fogo na população encontramos também conexão positiva e significativa com 1 de aumento do acesso a armas de fogo implicando no crescimento em 002 da taxa de homicídios intencionais 158 Figura 9 taxa de homicídios intencionais X acesso a armas de fogo Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE O crescimento populacional também exibiu impactos positivos e significativos na taxa de homicídios no modelo abaixo que mostra um aumento de 0017 dos crimes letais dolosos para cada 1 de aumento percentual da população 159 Figura 10 Taxa de homicídios intencionais X crescimento populacional Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Da mesma forma o efeito da densidade populacional sobre os homicídios intencionais foi que 1 de crescimento da primeira leva a 017 de aumento dos segundos 8 6 4 2 0 2 4 6 8 40 20 0 20 40 60 80 lTxAjHomidicios crescpop5anos lTxAjHomidicios versus crescpop5anos com ajustamento por mínimos quadrados Y 283 00174X 160 Figura 11 Taxa de homicídios intencionais e densidade populacional Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Enfim para a conexão entre a exclusão socioeconômica e os crimes letais intencionais encontramos que a cada 1 a mais de mortalidade infantil temos 0028 a mais de homicídios intencionais 161 Figura 12 Taxa de homicídios intencionais e mortalidade infantil Brasil 19962018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Agora apresentamos os modelos multivariados Primeiramente uma matriz de correlações demonstra a baixa associação entre as variáveis independentes o que afasta possíveis problemas de colinearidade na regressão múltipla 162 Figura 13 Matriz de correlação entre variáveis explicativas Brasil por microrregião 1996 2018 Fonte Elaboração do autor a partir de informações do DATASUS e do IBGE Enfim o modelo multivariado Podemos observar que todas as variáveis preditoras mantiveram o sinal e a significância algumas mantendo efeitos similares Chama a atenção que a mortalidade infantil tornouse mais forte na regressão multivariada passando a impactar em 007 a taxa de homicídios intencionais O modelo alcançou 6 de coeficiente de explicação restando por isso uma enorme variância não explicada Matriz de correlação 00 00 00 00 10 01 00 00 10 00 01 00 10 00 00 01 10 00 00 00 10 01 01 01 00 mortalidadeinfantil crescpop5anos densidade suicidioPAF consumodrogas consumodrogas suicidioPAF densidade crescpop5anos mortalidadeinfantil 1 05 0 05 1 163 Quadro 12 MQO agrupado usando 12834 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 197652 00614366 3217 00001 lconsumodrogas 00898743 000846752 1061 00001 lsuicidioPAF 00100924 000356744 2829 00047 ldensidade 0102124 000545639 1872 00001 lmortalidadeinfantil 00696009 00170097 4092 00001 crescpop5anos 00205195 000115602 1775 00001 Média var dependente 2915525 DP var dependente 0940644 Soma resíd quadrados 1069158 EP da regressão 0912938 Rquadrado 0058407 Rquadrado ajustado 0058040 F5 12828 1591436 PvalorF 13e164 Log da verossimilhança 1703865 Critério de Akaike 3408929 Critério de Schwarz 3413405 Critério HannanQuinn 3410426 rô 0644680 DurbinWatson 0661212 Para contornar este problemas decidimos testar dois métodos O primeiro foi incluir o logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior como variável independente visando capturar os efeitos de fatores históricos não observados sobre a variávelresposta O modelo obtido aumentou o coeficiente de explicação para 47 reduziu o coeficiente das demais variáveis e tornou a proporção de suicídios por armas de fogo insignificante 164 Quadro 13 MQO agrupado usando 12276 observações Incluídas 558 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 22 Variável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0611801 00514305 1190 00001 lconsumodrogas 00367899 000654383 5622 00001 lsuicidioPAF 000432520 000271181 1595 01107 ldensidade 00299483 000421698 7102 00001 lmortalidadeinfan til 00587492 00141921 4140 00001 crescpop5anos 000720957 0000884814 8148 00001 lTxAjHomidicios1 0651012 000665312 9785 00001 Média var dependente 2927890 DP var dependente 0932767 Soma resíd quadrados 5645477 EP da regressão 0678337 Rquadrado 0471394 Rquadrado ajustado 0471135 F6 12269 1823514 PvalorF 0000000 Log da verossimilhança 1265094 Critério de Akaike 2531589 Critério de Schwarz 2536780 Critério HannanQuinn 2533328 rô 0229980 DurbinWatson 2348029 Outro método utilizado foi o Mínimo Desvio Absoluto visando reduzir o problema da enorme dispersão dos dados Mais uma vez a proporção de suicídios por arma de fogo tornouse insignificante e a mortalidade infantil tornouse a variável com o maior poder explicativo para cada 1 a mais aumenta em 015 a taxa ajustada de homicídios intencionais 165 Quadro 14 LAD usando 12834 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 194787 00949505 2051 00001 lconsumodrogas 00860849 00105820 8135 00001 lsuicidioPAF 000279351 000424213 06585 05102 ldensidade 00635019 000619491 1025 00001 lmortalidadeinfantil 0156571 00280266 5587 00001 crescpop5anos 00207832 000158801 1309 00001 Mediana var dependente 2965728 DP var dependente 0940644 Soma resíd absolutos 8142094 Soma resíd quadrados 1083673 Log da verossimilhança 1588973 Critério de Akaike 3179146 Critério de Schwarz 3183622 Critério HannanQuinn 3180643 A seguir acrescentamos a taxa ajustada de homicídios defasada em um ano como variável independente Constatamos que ao fazêlo as proxies para consumo de drogas e acesso a armas de fogo perdem a significância A mortalidade infantil permanece com o maior efeito depois da taxa de homicídios defasada Quadro 15 LAD usando 12276 observaçõesVariável dependente lTxAjHomidicios Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0273417 00395622 6911 00001 lconsumodrogas 000628234 000477925 1315 01887 lsuicidioPAF 000190534 000175231 1087 02769 ldensidade 000738922 000267594 2761 00058 lmortalidadeinfantil 00592318 00126774 4672 00001 crescpop5anos 000283407 0000630828 4493 00001 lTxAjHomidicios1 0847715 000739436 1146 00001 Mediana var dependente 2975782 DP var dependente 0932767 Soma resíd absolutos 4213375 Soma resíd quadrados 6064747 Log da verossimilhança 7657338 Critério de Akaike 1532868 Critério de Schwarz 1538058 Critério HannanQuinn 1534607 A seguir um quadro resumo dos modelos para facilitar a comparação Pode se observar que a densidade e crescimento populacionais e a mortalidade infantil mantiveram o sinal e significância entre todos os modelos enquanto o acesso a armas de fogo só teve o sinal esperado e significativo no MQO agrupado 166 Quadro 16 Variável dependente lTxAjHomidicios I II III IV MQO agrupado MQO agrupado LAD MDA LAD MDA const 20 061 19 027 0061 0051 0095 0040 000 000 000 000 lconsumodrogas 0090 0037 0086 00063 00085 00065 0011 00048 000 000 000 019 lsuicidioPAF 0010 00043 00028 00019 00036 00027 00042 00018 000 011 051 028 ldensidade 010 0030 0064 00074 00055 00042 00062 00027 000 000 000 001 lmortalidadeinfantil 0070 0059 016 0059 0017 0014 0028 0013 000 000 000 000 crescpop5anos 0021 00072 0021 00028 00012 000088 00016 000063 000 000 000 000 lTxAjHomidicios1 065 085 00067 00074 000 000 n 12834 12276 12834 12276 Adj R2 006 047 lnL 17e04 13e04 16e04 77e03 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes indica significância ao nível de 10 por cento indica significância ao nível de 5 por cento 167 55 DISCUSSÃO Os modelos bi e multivariados tiveram resultados em sua maioria favoráveis às hipóteses teóricas de acordo com os conceitos utilizados apesar de alguma variação de resultados o que mostra uma certa sensibilidade das associações estatísticas entre algumas variáveis à especificação do modelo De qualquer maneira identificamos algumas evidências relativamente consistentes entre os modelos bivariados e multivariados Observamos um apoio empírico à conexão entre drogas e violência criminal predita pela ideia de que o consumo mórbido de psicoativos pode estimular a violência por meio tanto dos hábitos de consumo em si mesmos que podem favorecer as violências interpessoais ou contra o patrimônio em razão das alterações psicossociais de um consumo pesado potencialmente letal das substâncias como também de que um alto consumo agregado de psicoativos proibidos as drogas ilícitas o que proporciona maior renda aos traficantes de drogas ilícitas aumentando a atratividade deste crime e a motivação e recursos para a competição violenta entre grupos criminosos pelo controle territorial do tráfico de drogas ilícitas Esta conexão não precisa ser vista em uma chave exclusivamente psicofarmacológica ou instrumental como distinguira John Goldstein 1985 já que efeitos psicofísicos das substâncias estão ligados a situações sociais específicas bem a existência de rituais de interação específicos dos grupos criminosos armados O tráfico de drogas ilícitas poderia ser também um meio de obtenção de instrumentos da violência que pode ser conduzida com finalidades expressivas por traficantes vinganças demonstrações de força etc ou com finalidades instrumentais por usuários mórbidos obter renda por meio de roubos para consumir psicoativos e outros produtos Tampouco a violência ligada às drogas pode ser abstraída do contexto institucional mais amplo Relativo às armas de fogo encontramos efeitos positivos e significativos em 2 dos 4 modelos testados perdendo significância especificamente quando é usada a taxa defasada ajustada de homicídios intencionais como variável independente o que sugere que o uso de armas de fogo pode estar associada a fatores históricos 168 não observados O mesmo ocorre no modelo de Mínimo Desvio Absoluto o que implica talvez que além dos fatores históricos a associação positiva entre armas de fogo e homicídios seja sensível a valores extremos e excepcionais De qualquer forma a hipótese contrária da dissuasão da violência criminal por armamento privado não encontrou qualquer respaldo Os resultados podem sugerir que a proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo é uma proxy inadequada pois está ligada à presença ou não de armas nos domicílios não tendo relação com a quantidade e poder de fogo de armas e munições Armas usadas em homicídios intencionais podem provir também das polícias quartéis empresas de segurança e transporte de valores clubes de tiro e até de contrabando e importação Notícias da imprensa falam até mesmo de oficinas clandestinas onde armas de fogo são fabricadas ilegalmente TEIXEIRA et al 2019 NASCIMENTO 2021 É possível que em vários contextos as armas de fogo em domicílio se tornem menos relevantes para a criminalidade violenta tendo em vista a diversidade de fontes e canais para obter armamento A densidade populacional foi utilizada como um proxy para a urbanização obtendo efeitos positivos e significativos em todos os modelos A relação com a densidade é proposta explicitamente por Wirth 2005 e Simmel 2005 que consideravam esta propriedade estrutural das grandes cidades um incentivo à fragmentação social e anonimato dada a facilidade para todos se misturarem na multidão Ao contrário das áreas rurais e cidades pequenas onde é comum que todos se conheçam nas metrópoles é impossívelo interconhecimento generalizado entre os moradores o fragilizaria os controles sociais informais Grandes cidades são caracterizadas pela intensa circulação rotineira de riquezas móveis e populações o que forneceria numerosas ocasiões para a prática de crimes como roubos e brigas ambos podendo resultar em homicídios Afora estes argumentos que relacionam diretamente as propriedades gerais da vida urbana com a incidência de criminalidade há argumentos teóricos relativos às especificidades históricas da urbanização e metropolização no Brasil marcadas por extrema desigualdade e fragmentação urbanas que também podem ser relacionados à violência criminal como agravantes dos possíveis efeitos criminogênicos da urbanização As evidências apoiaram de maneira consistente as 169 hipóteses sendo a primeira reforçada pelos efeitos do crescimento populacional e a segunda pela exclusão socioeconômica Também relacionável ao processo de metropolização e êxodo rural o crescimento populacional mostrou efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais em todos os modelos construídos Os mecanismos que produzem o aumento populacional podem ser a alta fecundidade com redução da mortalidade geral e a migração Tratandose de áreas urbanas temos um fenômeno de intenso êxodo rural o que talvez sugira que a fragmentação social não seja favorecida apenas pelo individualismo urbano como queriam Simmel 2005 mas também pela sobreposição de pessoas de diversas origens em áreas densamente povoadas tendo em comum as desvantagens socioeconômicas Nesta perspectiva a concentração de população culturalmente heterogênea e economicamente desvalida é que seria o fator criminogênico conforme argumenta a teoria da desorganização social LYNCH e BOGGESS 2016 KUBRIN e WO 2016 pois enfraqueceria a capacidade comunitária de apoio e controle social Uma interpretação mais direta seria que o crescimento populacional acelerado poderia simplesmente sobrecarregar as redes de apoio e controle sociais públicas e privadas o mercado de trabalho com oferta excedente de mão de obra e o mercado habitacional com excessiva demanda por moradia fazendo crescer a segregação socioeconômica espacial as filas para acesso a serviços a informalidade e o desemprego Mais uma vez é possível especular que esta ligação pode ser ao menos em parte contextodependente tendo em vista o padrão de urbanização e metropolização predominante na história brasileira marcado por desigualdades socioeconômicas no espaço urbano Dessa maneira variadas formas de marginalização exclusão e desigualdade sociais podem estar ligadas à incidência de violência criminal letal Conforme argumentaram alguns autores comentados estas privações e opressões podem incentivar a criminalidade por mecanismos de frustração causada pela disjunção entre metas generalizadas de sucesso financeiro prescritas pela cultura dominante e o bloqueio e desigualdade de oportunidades legítimas ao lado da existência de meios ilegais e violentos de ganho que podem ser perseguidos e utilizados pelo ator diante do bloqueio de fontes legítimas de renda Outro mecanismo seria o 170 enfraquecimento dos laços sociais que seriam fonte de apoios e controles informais propiciados por familiares associações e mobilizações comunitárias religiosas profissionais etc e pelas políticas públicas sociais A atuação de familiares associações e serviços públicos poderia minorar ou compensar efeitos das tensões sociais ou de associações diferenciais reduzindo a violência criminal nos locais e grupos vulneráveis à violência Indicadores como a mortalidade infantil seriam altamente sensíveis às condições de privações socioeconômicas de coesão e de apoio sociais ou seja para além da baixa renda monetária familiar captaria estruturas institucionais que agravam ou aliviam a escassez de meios de consumo Por estas razões a taxa de mortalidade infantil funcionou como uma proxy para a conexão entre exclusão social e criminalidade violenta com efeitos positivos e significativos em todos os modelos como esperado Pudemos observar que o tamanho do efeito coeficiente nos modelos multivariados foi maior que na regressão bivariada sendo ainda maior pelo método de Mínimo Desvio Absoluto o que sugere que nos outros modelos a conexão pode ter sido enfraquecida pela presença por alguns casos extremos outliers Aliás a taxa de mortalidade infantil foi o único indicador preditivo que obteve aumento do coeficiente no modelo de Mínimo Desvio Absoluto podendo ser interpretado que outros fatores mediaram efeitos da exclusão socioeconômica exacerbandoos ao máximo em alguns casos extremos Por omissão de variáveis importantes ou por qualidade insatisfatória das variáveis explicativas a variância explicada foi relativamente baixa mesmo mobilizando hipóteses teóricas complementares Apenas quando adicionada a variável dependente defasada em um ano o modelo obteve um poder explicativo mais alto quase 8 vezes maior que sem este recurso Porém apenas uma variável a proporção de suicídios por armas de fogo perdeu a significância As demais mantiveram o sinal e a significância embora com redução às vezes baixa no coeficiente Estes resultados sugerem que embora relativamente eficazes dentro dos seus limites as variáveis explicativas não fornecem muita da informação que estava carregada na taxa de homicídios defasada 171 Pelo resultado a cada 1 a mais da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior 065 incidiria no ano seguinte Isso não é de todo surpreendente tendo em vista que todas as variáveis explicativas são proxies que pressupomos correlacionadas às causas teoricamente formuladas para a macroincidência de crimes letais dolosos Além disso é consistente com a ideia de que a violência criminal é estrutural sendo mais frequentes as transições que as rupturas ao longo do tempo Entre os fatores não captados pelas demais variáveis que estariam implícitos no efeito da variável dependente defasada poderiam ser mencionados erros sistemáticos de medição em certas unidades transversais e períodos tanto nas variáveis dependentes quanto nas preditivas algumas variáveis relevantes omitidas e aspectos dos conceitos explicativos que foram incluídos nos modelos mas não adequadamente captados pelas proxies De toda maneira o que a magnitude dos efeitos da variável dependente defasada recomendam é que outras análises empíricas quantitativas ou qualitativas sejam produzidas ou levadas em conta para aprofundar o conhecimento das causas da violência criminal que ceifou de 12 milhão a 15 milhão de pessoas no Brasil entre 1996 e 2019 56 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos uma análise quantitativa multivariada das possíveis explicações para a variação das taxas de homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras delimitadas pelo IBGE com dados em painel de 1996 a 2019 abrangendo as 558 microrregiões As hipóteses foram baseadas nas tradições teóricas da tensão social da desorganização social e sobre os nexos sistêmicos entre a violência letal e as armas de fogo e drogas Para testar as teorias foram utilizadas proxies indicadores de medição indireta das variáveis de interesse sobretudo com dados demográficos IBGE e de saúde e mortalidade DATASUS Apesar da relevância dos indicadores socioeconômicos para o quadro teórico estes dados não foram identificados para todas as unidades e o período analisados Tendo em vista dos problemas de subnotificação dos dados de mortalidade foram realizados ajustes na variável dependente pressupondo que as 172 mortes sem identificação de local estavam distribuídas igualmente entre todas as microrregiões de cada Estado e que a proporção de mortes por causas mal definidas e violentas por intenção indeterminada que são homicídios ocultos é igual à proporção de homicídios intencionais registrados sobre a mortalidade geral e sobre as mortes violentas Em geral as hipóteses foram corroboradas pelas evidências produzidas com dados observacionais mas com poder explicativo relativamente baixo dos modelos exceto com a variável dependente defasada Fatores de desorganização social como crescimento e densidade demográficos mostraram associações positivas com a violência criminal dolosa em todos os modelos sugerindo que os mecanismos de fragmentação social teorizados pela tradição do controledesorganização são relevantes para a explicação sociológica dos crimes violentos É possível porém que a associação seja dependente do contexto já que o histórico da urbanização brasileira é marcada por desigualdades urbanas extremas e supremacia dos interesses empresariais e dos consumidores de alta renda O nexo entre drogas e violência obteve apoio em todos os modelos Porém não é possível diferenciar efeitos do consumo sobre brigas e roubos dos efeitos do tráfico de drogas sobre execuções e trocas de tiros Já o nexo positivo entre armas e violência obteve apoio parcial pois sensível à especificação do modelo É possível que o problema esteja na proxy usada que é mais sensível às presença ou não de armas guardas em casa mas não à quantidade poder de fogo e circulação de armas de fogo e munições Mas tampouco a hipótese contrária da dissuasão da violência pela posse privada de armas de fogo obteve qualquer apoio Já a ligação entre exclusão socioeconômica e criminalidade letal intencional foi corroborada em todos os modelos bi e multivariados Mesmo com a medida indireta por meio da mortalidade infantil a evidência reforça a pertinência dos conceitos de tensão social privação socioeconômica e apoio social para a análise e interpretação das taxas de homicídios intencionais no Brasil em conjunto com as ideias de desorganização social e da violência ligada às drogas 173 6 ESTRUTURA SOCIOECONÔMICA E HOMICÍDIOS INTENCIONAIS CONTRA JOVENS NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS2 Neste capítulo discutimos a condição da juventude nos grandes centros urbanos e as possíveis explicações para a alta mortalidade juvenil por agressões no Brasil Para testar a argumentação desenvolvemos uma análise quantitativa multivariada das causas estruturais da variação dos homicídios intencionais contra jovens entre 15 e 29 anos nas principais metrópoles brasileiras entre 1992 e 2014 com modelos loglin de dados em painel de efeitos fixos e método generalizado dos momentos em diferenças Os resultados variaram com o método e indicador de armas utilizado mas mostram que a violência nas metrópoles possui forte dependência de trajetória estando ainda ligada ao consumo de psicoativos ao desemprego juvenil à oferta de armas de fogo à debilidade econômica do Estado e à baixa escolaridade geral 61 APRESENTAÇÃO Os jovens se destacam como principais vítimas e autores dos crimes violentos no Brasil e as mortes violentas com destaque para as agressões são as principais causas de mortalidade de jovens As áreas urbanas especialmente as metrópoles tem sido o principal macrocontexto espacial dos assassinatos O componente geracional e etário da violência portanto precisa de uma atenção especial para a explicação das altas taxas agregadas de homicídios dolosos nas microrregiões brasileiras em especial nos grandes centros urbanos Ainda que mecanismos causais similares possam contribuir para explicar as diferenças e variações entre os níveis de criminalidade violenta pelos vários estratos demográficos a questão da juventude é importante por causa da grande e desproporcional concentração de mortes no grupo juvenil Haveriam condições 2 Aceito para publicação na Revista Dilemas UFRJ 174 socioeconômicas que tornariam os jovens de uma região em um determinado período mais vulneráveis à criminalidade violenta A hipótese é que a escalada ou distensão da violência contra e entre jovens respondem a condições socioeconômicas por meio de processos causais subjacentes Supomos que os mecanismos sociais como tensão social desorganização social e violência sistêmica são adequadas para explicar a incidência de criminalidade violenta entre os jovens mas o impacto mais intenso entre os jovens passa pela condição juvenil no ciclo de vida o que torna os jovens excepcionalmente mais vulneráveis a fatores criminogênicos especificamente aqueles que restringem oportunidades e apoios legítimos e ampliam as oportunidades ilegítimas ligadas aos mercados ilícitos especialmente os de drogas e armas Para testar a hipótese utilizaremos um modelo multivariado com dados de mortalidade e socioeconômicos para as regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre 62 OS CONCEITOS DE JUVENTUDE E A SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA Segundo Groppo 2010 a juventude tem sido abordada tradicionalmente por duas vias na teoria sociológica de um lado nas abordagens funcionalistas a juventude é analisada pela dicotomia integraçãodesajuste social do outro lado nas abordagens da moratória social vinculadas ao reformismo e ao desenvolvimentismo a rebeldia juvenil é encarada como uma força motriz da mudança social Posteriormente surgiu uma concepção inspirada no chamado pós modernismo e a juventude foi considerada como uma identidade e um estilo de vida tendendo ao fracionamento e à diversificação dos significados atribuídos às juventudes agora categorizadas como nichos culturais a delinquência que é o que mais nos interessa aqui a boêmia e o radicalismo A abordagem pósmoderna no entanto concebe a cultura como irredutível e imponderável o que a impede de relacionar a tendência à fragmentação identitária às tendências objetivas do capitalismo tardio que promove a segmentação cada vez maior dos mercados de trabalho e de consumo como estratégia preferencial de acumulação de capital em 175 contraste com a estratégia de padronização e massificação das relações de trabalho e dos bens de consumo vigente no período fordista e de hegemonia do pensamento funcionalista No entanto argumenta Groppo 2010 a rebeldia juvenil neste contexto também pode ser concebida como uma luta por direitos novos ou por direitos ameaçados ou não efetivados concebendo o jovem como cidadão Por meio desta noção o autor busca ligar as tendências de fragmentação na esfera sociocultural às estratégias na esfera políticoeconômica sobretudo observando que as políticas de desregulação econômica e erosão de dispositivos sociais do Estado ensejam a fragilização da cidadania sentida com mais força pela juventude por afetarem decisivamente as instâncias de socialização e integração pelas quais a juventude passa necessariamente como transição da menoridade para a maturidade Segundo Mauger 2013 a juventude é uma fase no ciclo de vida entre a infância e a maturidade na qual o ator social se encontra em um período de transição indeterminação e não classificação no qual as disposições incorporadas ainda não encontraram as situações que precisam para se ajustar e estabilizar o matrimônio e o trabalho remunerado Dessa maneira a juventude se mostra como fase problemática na qual a busca por escapar ao destino social convive em tensão com a inserção matrimonial e profissional que encerram o ciclo juvenil da vida A distância entre as expectativas e os resultados tornam o jovem propenso à revolta ou ao desencanto mas também podem acelerar a acomodação à situação mais factível para a sua situação socioeconômica Dessa maneira os múltiplos capitais herdados ou não econômico cultural e social ainda não encontram uma plena possibilidade de realização embora já tenham sido parcialmente incorporados As incertezas cada vez maiores a serem encontradas no mercado de trabalho e no mercado matrimonial contribuem para a duração variável da juventude e tornam o encerramento do ciclo juvenil cada vez mais incerto e diferenciado A definição da juventude é assim em larga medida dependente da situação conjuntura e instituições sociais de maneira que não só varia entre as sociedades e épocas como também no interior de cada uma delas em especial quando a transição de torna mais problemática MAUGER 2013 176 Sobre aos efeitos de idade sobre a criminalidade Hirschi Gottfredson 1983 dizem que a correlação entre a juventude e a criminalidade violenta são tão universais e invariantes que tornase pouco relevante para a análise do processo de criminogênese Teorias do crime que não possuem um relato específico sobre os efeitos de idade não deveriam ser descartadas ou criticadas por este motivo pois a evidência massiva e a aparente invariância da associação em forma de sino entre idade e prática de crime com uma rápida escalada a partir do início da adolescência até o início da idade adulta e posterior decréscimo gradual torna o problema da idade de pouco interesse teórico Por ser tão constante e pouco variável através de inúmeras condições sociais e quadros culturais diferentes o efeito de idade não teria uma explicação sendo as tentativas de explicar redundantes Se é constante que a criminalidade chega ao máximo na idade jovem adulta e depois declina o importante é compreender porque alguns indivíduos manifestariam maior disposição ao crime em comparação aos outros o que segundo Hirschi e Gottfredson deveria ser explicado pelos processos de socialização primária pelos quais se constitui o nível de autocontrole individual e capacidade de adiamento da gratificação HIRSCHI 2004 No entanto se o crime de fato é raro na infância e na velhice as trajetórias de carreiras criminais mais comuns não são necessariamente idênticas sendo a associação entre juventude e crime violento mais uma generalização empírica que exige explicação do que um postulado a priori Já na abordagem do interacionismo simbólico o campo de possibilidades de cada ator em cada situação é variado e suas escolhas são realizadas de acordo com experiências prévias que constituem uma identidade social como relação do ator consigo mesmo e com os outros No curso da vida os papéis e compromissos do indivíduo podem transitar dos grupos convencionais para os papéis e compromissos delinquenciais cuja incidência é mais frequente na juventude entre o final da adolescência e o início da idade adulta Essa relação entre juventude e delinquência de rua revela o quanto os compromissos e papéis relacionados ao mundo do crime são de uma duração relativamente curta associada a uma fase da vida quando as disposições físicas e emocionais são mais dispostas para o envolvimento em gangues e prática de crimes violentos e por outro lado as transições de papéis sociais são mais problemáticas especificamente entre a 177 infância e a maturidade Com a maturação e posterior envelhecimento psicofísico o exercício de atividades e compromissos criminosos é declinante até ser abandonado MATSUEDA HEIMER 1997 HEIMER MATSUEDA 1994 Podemos estabelecer uma conexão destas teorizações sobre a juventude com outras relativas à violência criminal Vemos a importância dos laços sociais contraídos junto à família locais de moradia de estudo e de trabalho que são reputados como protetores contra o envolvimento criminal HIRSCHI 2004 CULLEN 1994 E ainda a tensão social devido à contradição entre as metas hegemônicas de sucesso financeiro de um lado e a estrutura muitas vezes desigual e restrita de oportunidades legítimas e ilegítimas de realização individual ocasionando problemas socioeconômicos que alimentam a propensão para o delito drogadição etc MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 AGNEW et al 2015 Provisão de apoio e controle social por instituições públicas poderiam aliviar e compensar efeitos das privações absolutas e relativas por meio da desmercantilização socioeconômica CURRIE 1997 CULLEN 1994 MESSNER ROSENFELD 1997 Inversamente as oportunidades ilegítimas de ganho dentro dos mercados ilícitos colocariam jovens em situações de alta exposição à violência como as disputas entre grupos criminais e a repressão policial GOLDSTEIN 1985 Ruotti Massa Peres 2011 criticam a categoria de risco aplicada aos estudos sobre violência contra e entre jovens Segundo as mesmas a pretensa neutralidade do termo risco quando aplicado à questão da violência contribui para a formação de estigma sobre os grupos sociais que são mais atingidos pelos crimes violentos Ao invés do risco propõem a categoria de vulnerabilidade à violência em busca de uma conjugação entre a análise dos determinantes epidemiológicos e a interpretação dos significados e implicações da violência na trajetória e interação entre os atores sociais O conceito de vulnerabilidade permite evitar a estigmatização das vítimas mais frequentes da violência ao mesmo tempo compreendendo o sentido que os atores atribuem ao seu envolvimento voluntário ou não com situações que os expõem à morte violenta por agressão 178 Na sociedade e cultura contemporâneas presenciamos uma grande ênfase no sucesso medido em termos de renda patrimônio e consumo e uma valorização do ato de se arriscar para obter tal sucesso No entanto este engajamento em assumir os riscos é desigual pois alguns jovens mais privilegiados possuem a segurança e as oportunidades para se envolver em atividades positivas absorvendo riscos por meio do apoio familiar enquanto que aos jovens pobres as oportunidades são escassas e os perigos das atividades ilícitas envolvem a exposição à violência Dessa maneira a juventude se torna uma idade problemática porque a transição entre a infância e o mundo adulto que é mediada pelo trabalho não mais encontra um leque de opções estáveis e confiáveis de trabalho para os jovens das classes populares RUOTTI MASSA PERES 2011 Ao mesmo tempo os jovens são instados a se arriscar pelo sucesso não encontram nem oportunidades materiais nem recompensas simbólicas para a integração produtiva à sociedade nos postos de trabalho em geral instáveis de baixa remuneração e pouco estimados pela cultura hegemônica Dessa maneira as atividades ilícitas lucrativas aparecem como alternativa por gerarem maior renda no curto prazo mesmo ao custo de crescente exposição à violência o que de certa maneira se acomoda ao propósito hegemônico de se arriscar pelo sucesso Nesse sentido a juventude parece uma etapa da vida na qual as tensões sociais tem maior probabilidade de se expressar por meio de conduta delinquente inclusive a violenta RUOTTI MASSA PERES 2011 Gadea et al 2017 a partir de estudo sobre os jovens egressos do sistema socioeducativo FASE em Porto Alegre constata também uma trajetória na qual se evidenciam um conjunto de carências sobrepostas situações socioeconômicas precárias mas também carências culturais e sociais Passando por um sistema escolar precário os jovens de camadas populares se defrontam com um mercado de trabalho caracterizado pela instabilidade informalidade e baixas remunerações A iniciação precoce no mundo do trabalho como no mundo dos pequenos crimes é comum na trajetória destes jovens que muitas vezes buscam desenvolver estratégias de inserção baseados em redes associativas e interpessoais Estas podem conduzir para o aprofundamento da relação com o mundo do crime e com o tráfico de drogas ilícitas ou para a inserção no trabalho remunerado ainda que 179 informal e instável Um complexo conjunto de precariedades se apresenta a estes jovens desprovidos de capital econômico cultural e social e ainda assim tratados como principais responsáveis pela sua própria situação portadores de um estigma que os associa à violência o que às vezes se revela como uma profecia autorrealizadora e em outras apenas um obstáculo a mais na sua vida Ainda sobre o conceito de vulnerabilidade Pimenta 2014 argumenta que esta concepção é capaz de ultrapassar as insuficiências do conceito mais tradicional de pobreza ao considerar múltiplas dimensões das privações absolutas e relativas a que o agente social em questão está submetido como também das suas orientações de ação para lidar com tais condições de vítima O agente social passa a ser dessa maneira mais que mera vítima das suas condições considerado também como um agente ativo que desenvolve práticas singulares Tal conceito é importante para abordar as dinâmicas da violência entre jovens na medida em que considera não só a sua posição socioeconômica ou até mesmo os estigmas que pesam sobre alguns mas as dinâmicas de sociabilidade entendidas como as diferentes relações e interações sociais que permeiam a vida cotidiana de adolescentes e jovens e se dão predominantemente no contexto familiar e na convivência com grupos de pares possibilitam identificar muitas das interações complexas que ajudam a explicar como jovens de ambos os sexos se tornam vítimas e perpetradores da violência PIMENTA 2014 p 230 Considerando os casos de homicídios dolosos julgados nas principais capitais do Brasil são os homens jovens de cor escura e baixa escolaridade os que mais morrem e os que mais matam RIBEIRO COUTO 2015 p 167169 No mesmo estudo constatase que em uma parcela dos casos de homicídios dolosos entre homens jovens o acusado ou suspeito dos crimes acaba sendo assassinado em outro crime com características similares RIBEIRO COUTO 2015 p 170 Apesar da pesquisa supracitada utilizar como fonte os processos judiciais de homicídios dolosos em capitais brasileiras o que representa uma fração minoritária e presumivelmente enviesada dos casos de homicídios dolosos a tipologia 180 desdobrada da análise permite fazer algumas inferências tendo em vista que a vitimização de jovens em áreas de periferia ou favela urbana mortos em locais públicos por disparos de arma de fogo corresponde às características estatisticamente predominantes dos homicídios dolosos como também os grupos demográficos e a conexão com o tráfico ou uso de drogas predominam na população carcerária RIBEIRO COUTO 2015 A semelhança entre agentes e vítimas e o fato de que não é incomum que a vítima de um crime seja o agente de outro denotam um contexto no qual há vinganças retaliações e disputas territoriais entre grupos armados mas também rixas e brigas entre conhecidos levando muitas vezes a desfechos trágicos sendo o segundo tipo mais fácil de resolver que o primeiro o que explica que entre os homicídios dolosos ocorridos e os homicídios dolosos julgados há uma proporção invertida de motivações ligadas às disputas entre gangues de traficantes e das motivações ligadas às rixas e brigas entre conhecidos amigos e familiares RIBEIRO COUTO 2015 p 171 Ao estudar as subculturas de gangues em Belo Horizonte Zilli 2015 constatou a dispersão territorial e associativa dos grupos criminosos dos quais participam sobretudo homens jovens residentes nas áreas de favela e periferia Os jovens se unem a gangues como um mecanismo de defesa mútua contra as gangues rivais e outras ameaças buscando também acessar oportunidades ilícitas de lucro financeiro e de prestígio masculino além de retaliar intimidar e se vingar de ofensores e agressores As gangues acabam por se tornar mantenedoras da ordem comunitária local justificando o uso da violência para retaliar e vingar ataques aos moradores o que é visto também como um meio de desencorajar o recurso dos moradores à polícia instituição que de qualquer maneira não é vista como eficiente ou confiável pelos moradores As disputas internas ou territoriais envolvendo as gangues de jovens armados são provavelmente as principais motivações e circunstâncias dos homicídios dolosos Machado Noronha 2002 pesquisando Salvador e Paiva 2014 pesquisando Fortaleza encontram cenários comunitários muito similares a desconfiança popular nas instituições de segurança e de justiça a desarticulação e precariedade de instituições integradoras família trabalho remunerado escola 181 pública a fragilidade dos laços de solidariedade local a violência policial muitas vezes motivada por preconceitos ou por corrupção e o apoio ou ao menos não reprovação popular às práticas de resolução particular e violenta de conflitos As gangues de jovens pobres nesse cenário de segregação e precariedade buscam explorar as oportunidades de lucro por meio dos roubos e do tráfico de drogas ilícitas tentando se defender das gangues rivais e evitar a repressão policial o que as leva às vezes a desempenhar um papel de mediação e resolução dos conflitos pessoais entre moradores muitas vezes usando a violência e a ameaça Desta maneira tentando generalizar os vários casos podese identificar que o engajamento de jovens com gangues é muitas vezes uma mediação entre uma frustração com a impossibilidade de ascensão social por vias lícitas e fragilidade de laços sociais integradores de um lado e a obtenção de respeito prestígio e renda mais rápida e maior por meio do crime em níveis maiores do que seria possível pelo trabalho nos mercados formal e informal A violência longe de ser uma excepcionalidade é uma constante ameaça partindo muitas vezes de dentro da família ou da polícia sendo raramente controlada por instituições o que parece favorecer não só uma visão instrumental da violência física como também a avaliação de que em muitos casos a violência seja justa e merecida Nos EUA Miethe Regoeczi 2004 p 169171 verificam que a estrutura de situações violentas envolvendo jovens mudou menos que a incidência total dessa violência As situações exclusivas para ofensores jovens envolvem ofensores de minorias negros e latinos uso de armas de fogo vários agressores violência entre estranhos e ambientes urbanos envolvendo grupos similares na etnia gênero e idade decorrentes de violências entre desconhecidos ou entre conhecidos A tendência de crescimento deste tipo é relacionável à epidemia de violência relacionada ao mercado de drogas ilícitas que atingiu o auge em 1993 e ao pertencimento às gangues No entanto o uso de armas de fogo é generalizada entre homens jovens mesmo fora do contexto de drogas e gangues assim como a motivação vingança privada violenta como resposta a ofensas percebidas pelo agressor como cometidas pela vítima contra o próprio agressor sua família ou membros da gangue MIETHE REGOECZI 2004 p 175 181 182 Aparece aqui a dificuldade de acesso a sistemas formais de controle social e mediação de conflitos e a disposição para a busca de vingança particular contra ofensores e desafiantes da honra masculina da família ou da gangue dos agressores Dessa maneira a violência acaba servindo de mecanismo de controle social substitutivo na falta de acesso à justiça formal como também de laços fortes que promovam controle informal familiar ou comunitário Também é comum entre os homicídios intencionais cometidos por jovens a presença de motivações instrumentais ou seja de busca do lucro e ganhos materiais embora no caso dos roubos a morte seja mais uma consequência muitas vezes não planejada ou desejada enquanto nas guerras de gangues o motivo instrumental do controle territorial do tráfico de drogas ilícitas acabe se mesclando às motivações expressivas do prestígio entre os pares masculinidade e vingança MIETHE REGOECZI 2004 p 184 186 e 189 Entre os latinoamericanos há um predomínio de participação em homicídios relacionados a gangues quando são autores ou vitimas MIETHE REGOECZI 2004 p 212 A sobreposição entre classe baixa e raçaetnia minoritárias no contexto estadunidense sugere que a violência tem sido utilizada como um meio substitutivo para a afirmação da identidade masculina independente por homens jovens que não encontram oportunidades para a sua realização pelas vias tradicionais de transição para a idade adulta como um trabalho remunerado e chefiar uma família estável MIETHE REGOECZI 2004 p 225 As causas externas sempre foram proeminentes entre mortes de jovens mas no período entre 1930 e 1991 elas cresceram em termos absolutos proporcionais e relativos com o aumento dos homicídios intencionais e das mortes acidentais e redução de mortes por causas internas em razão da lenta difusão dos avanços da medicina e da seguridade social na onda da expansão econômica e urbanização Depois de 1964 a política econômica e social do autoritarismo burocrático que foi imposta pelo golpe civilmilitar no Brasil favoreceu a concentração de riquezas e o arrocho salarial causando elevação da mortalidade de todos os tipos mas especialmente a violenta e levando a uma relativa estagnação das causas internas Isto é apesar do crescimento econômico da década de 1970 ter permitido algumas possibilidades restritas e desiguais de expansão do consumo e infraestruturas a 183 setores urbanos restritos basicamente a classe média e alta das grandes cidades as políticas de austeridade no início 19641968 e a crise de hiperinflação desigualdade e dívida externa no período final 19781985 geraram mortes massivas mais amplamente que a violência política Parte do aumento se deveu ao crescimento da circulação de automóveis uma tendência desde a década de 1950 mas a urbanização desigual favorecida pela política social autoritária mesmo no período do milagre criou as condições objetivas para a escalada das violências interpessoais policiais e de gangues VERMELHO JORGE 1996 Estudando o efeito das taxas gerais de desemprego sobre os homicídios de jovens nas regiões metropolitanas brasileiras Guimarães 2011 p 185186 constata que metade das mortes por homicídio intencional no Brasil ocorreram nas 10 maiores regiões metropolitanas entre 1980 e 2006 e que os homens entre 15 e 29 anos representavam 6 da população e 30 dos assassinados no mesmo período Articulando as perspectivas da escolha racional da anomia social e do controle social a autora alega que os efeitos da renda média e da pobreza podem ser ambivalentes A renda média pode aumentar a arrecadação do Estado aumentando a sua capacidade de investir em segurança pública como também pode propiciar uma ampliação das oportunidades de ganhos por meios ilícitos roubos furtos tráfico de drogas ilícitas etc Ao contrário do desemprego e do percentual de residentes em favelas que causariam respectivamente a frustração social com a ausência de oportunidades e a desorganização social pela incapacidade do Estado absorver demandas da população urbana De fato os indicadores de desemprego de renda média e de favelização tiveram efeitos significativos e positivos sobre a vitimização de jovens por homicídios intencionais Com relação a explicações demográficas Manetta Alves 2018 estudam se a redução do percentual de homens jovens ajuda a explicar a variação da taxa de homicídios de homens jovens nas regiões metropolitanas de Recife Salvador Rio de Janeiro e São Paulo A hipótese é que a redução do peso demográfico dos homens jovens reduziria a demanda por inserção laboral deste estrato populacional reduzindo então a pressão social que leva à delinquência violenta No entanto apenas em São Paulo houve o resultado esperado e em Recife apenas para o grupo de 2025 anos No Rio de Janeiro e em Salvador pelo contrário houve 184 aumento da inatividade juvenil resultando em menor alteração da taxa de desocupação juvenil Em São Paulo verificouse que a explicação precisou integrar o aumento das taxas de matrícula de jovens no ensino formal médio e superior Em suma podemos identificar nestas pesquisas algumas convergências com teorias criminológicas consagradas Privações socioeconômicas associadas tanto ao mercado de trabalho quanto à prestação de serviços públicos sociais são identificadas como causadoras da criminalidade violenta juvenil especialmente porque a pressão pelo sucesso gera frustrações naqueles que não possuem acesso a canais legítimos de realização pessoal MERTON 1938 nem acesso a dispositivos robustos de apoio social CULLEN 1995 A tensão entre metas de sucesso e oportunidades legítimas restritas tornariam a criminalidade um caminho factível para obter por vias ilegítimas aquilo que não está disponível por meios legais A disputa por estas fontes de lucro criminal ensejaria dinâmicas de retaliação que levariam a uma violência sistêmica GOLDSTEIN 1985 O processo de urbanização também favoreceria esta dinâmica pois geraria uma aglomeração das privações socioeconômicas em frações do espaço urbano como as favelas e as periferias 63 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Foram coletados dados referentes às regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre abrangendo as macrorregiões Norte Nordeste Sudeste e Sul ficando de fora apenas a CentroOeste A escolha das unidades de corte transversal e do comprimento da série temporal foi orientada pela disponibilidade dos dados mas felizmente as regiões correspondem também aproximadamente às maiores em termos populacionais são todas centralizadas por capitais estaduais e representam quase todas as regiões brasileiras exceto o CentroOeste As séries obtidas para todos os dados abrangem estas nove regiões entre os anos de 1992 e 2014 O objetivo é analisar a causalidade social sistêmica da violência letal intencional contra jovens inferida por meio de modelos de regressão simples e 185 múltipla das taxas de homicídios intencionais específica para a idade entre 15 e 29 anos por um conjunto de variáveis socioeconômicas e sociodemográficas Considerando o problema de subnotificação que enviesa quantificação dos homicídios intencionais SOARES 2008 CERQUEIRA 2013 corrigimos a taxa de homicídios de jovens pela seguinte conta somamos o número de mortes por agressão e operações de guerra Em seguida calculamos a proporção relativa às mortes por causas por causas definidas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes com causas mal definidas Repetimos o mesmo mas agora com mortes violentas cuja intenção é conhecida agressões autoprovocadas e acidentais e sequelas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes violentas por intenção indeterminada Ambos os produtos foram somados ao número de mortes por agressão e operações de guerra ou intervenção legal e a partir disso calculamos o número por 100 mil habitantes A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000População Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Utilizamos o recorte etário em todas as etapas Consideramos então que a proporção de mortes de jovens por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais de jovens notificados sobre as mortes de jovens com causa definida e que a proporção de mortes violentas de jovens por intenção indeterminada que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais de jovens sobre mortes de jovens por causas externas cuja intenção é determinada Aplicamos a transformação logarítmica à variável dependente ou seja à taxa corrigida de mortes de jovens 1529 anos por agressão por 100 mil habitantes 186 A seguir apresentamos a lista de variáveis selecionadas segundo a pertinência teórica Quadro 17 Variáveis explicativas da violência criminal nas metrópoles Variável Descrição Fonte TxAjHomicidios 19922018 Taxa de homicídios intencionais ajustada por uma proporção equivalente de mortes violentas indeterminadas e mortes por causas mal definidas SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE TxAjHomicidJovens 19922014 Taxa específica de homicídios intencionais da população entre 15 e 29 anos ajustada por uma proporção equivalente de mortes violentas indeterminadas e de mortes por causas mal definidas SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE Txhomicidios 19922018 Mortes por agressão e por ope rações de guerrapoliciais por 100 mil habitantes SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE Txhomicidjovem 19922014 Mortos entre 15 e 29 anos por agressões e por operações de guerrapoliciais por 100 mil habi tantes com idade entre 15 e 29 anos SIMDATASUS estimativa populacional do IBGE SuicidioPAF 19922018 padrão ouro Proporção de suicídios que são cometidos com armas de fogo proxy da posse de armas de fogo em domicílios SIMDATASUS armasdefogo 19922018 Indice Cook Média entre as proporções de suicídios e de homicídios por armas de fogo sobre os respecti vos totais proxy para o acesso amplo a armas de fogo SIMDATASUS Txabusodrogas 19922018 proporção de mortes por uso de alcool e drogas ilícitas por 1 milhão habitantes SIMDATASUS estimativa popu lacional do IBGE GiniRendaDomiciliar x10019922015 índice Gini de distribuição da renda domiciliar per capita usado como proxy de desigual dade de renda PNAD anual IBGE setorpublico 100 19922018 Valor adicionado per capita a preços constantes da administra ção defesa educação e saúde públicas e seguridade social IPDEADATA com dados da Secretaria do Tesouro Nacional rendafamiliar 100 19922014 renda média domiciliar per capita PNAD anual IBGE 187 Variável Descrição Fonte homenspormulher 19922014 razão entre homens e mulheres na população residente PNAD anual IBGE Jovens 19922014 Proporção de pessoas entre 15 e 29 anos na população residente PNAD anual IBGE Homensjovens 19922014 Proporção de pessoas de 15 a 29 anos e do gênero masculino na população residente PNAD anual IBGE monoparentfeminina 19922014 proporção de unidades familiares cuja pessoa de referência é do sexo feminino PNAD anual IBGE Urbanizacao 19922014 proporção da população que reside em áreas urbanas e sedes municipais PNAD anual IBGE crescpop5anos 19922018 variação percentual da popula ção em 5 anos PNAD anual IBGE Desemprego 19922018 Proporção de pessoas que não tem ocupação remunerada e estão a procura de um emprego PNAD anual IBGE desempregojovem 19922014 Percentual de jovens 1529 anos que estão desocupados ou seja não possuem emprego remunerado e procuram por um PNAD anual IBGE Coletaesgoto 19922014 proporção da população que habita domicílios com acesso a esgotamento sanitário PNAD anual IBGE Escolaridade 19922014 número médio de anos de estudo formal da população adulta PNAD anual IBGE Fonte Elaboração própria Algumas palavras sobre as variáveis que serão usadas nas análises de regressão A mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas representando a demanda por psicoativos e estilos de vida associados ao seu consumo especialmente aos mais potencialmente letais como o crack e potencializando motivações expressivas e instrumentais para a violência O tráfico de drogas varejista seria então uma fonte de renda acessível a jovens 188 pobres assim como crimes patrimoniais seria um meio para patrocinar o consumo compulsivo de psicoativos e em algumas situações o consumo de psicoativos em especial álcool cocaína e crack precipitariam brigas e rixas mas tudo indica que a violência mais frequente se dá em torno do tráfico de drogas GOLDSTEIN 1985 RATTON DAUDELIN 2017 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 RIBEIRO COUTO 2015 MIETHE REGOECZI 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo e a média entre as proporções de suicídios e de homicídios intencionais por arma de fogo são duas proxies consagradas para o acesso a armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo é considerada o padrão ouro da literatura e está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região CERQUEIRA 2010 HEPBURN HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Porém não informa quantas armas nem o poder de fogo nem a munição disponível nem dá conta de armas de outras fontes como o contrabando e por isso usamos também a média entre proporções de suicídios e homicídios por arma de fogo sobre os respectivos totais conhecido como índice Cook na esperança de capturar a oferta de armas de fogo de quaisquer fontes HEMENWAY et al 2000 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 O valor adicionado per capita pelo setor público isto é a contribuição ao produto interno bruto pelas diversas atividades estatais obtida pela soma dos salários dos servidores consumo intermediário dos órgãos públicos transferências via seguridade social e resultado das empresas públicas representando a presença socioeconômica local do Estado com possíveis efeitos inibidores da violência via controle policial e apoio social sendo a relativa fraqueza do Estado considerada uma causa de violência criminal CULLEN 1995 BECKER KASSOUFf 2017 MESSNER ROSENFELD 1997 ZILLI 2015 RUOTTI MASSA PERES 2011 A renda média domiciliar per capita é pode ser relacionada a oportunidades para obtenção de renda pelos atores tanto criminais quanto laborais como também aos padrões de consumo de referência e à renda tributável que 189 compõe parte do setor público Controlada pelos demais fatores permitirá inferir o peso das oportunidades criminais rentáveis sobre a violência MIETHE REGOECZI 2004 Os homens são o grupo demográfico mais frequentemente envolvidos em situações violentas como autores ou como vítimas com mais frequência ambos e por isso esperase que seu peso relativo na população se correlacione a maior violência MIETHE REGOECZI 2004 PIMENTA 2014 embora altos níveis de violência letal entre os homens possam reduzir a sua proporção na população Monoparentalidade feminina pode ser relacionada aos conceitos de laços sociais e de apoios sociais CULLEN 1995 HIRSCHI 2004 HIRSCHI GOTTFREDSON 1983 na medida em que podemos considerar como uma proxy da proporção de mães solteiras sendo a ausência do pai relacionada ao abandono encarceramento ou mortalidade e de qualquer maneira resultando em menor capacidade de controle e apoio social pela responsável pelo núcleo familiar A questão familiar é importante para a juventude também pela coesão do núcleo familiar de formação quanto pela constituição de novas famílias pelos jovens MAUGER 2013 Os padrões de urbanização desigual que formaram as grandes metrópoles brasileiras são muitas vezes considerados causadores das altas taxas de homicídios destes mileux especialmente em áreas de periferias urbanas e favelas nas quais se constituíram ambientes hostis marcados pela concentração socioespacial de privações absolutas e relativas materiais e simbólicas que erodem localmente os mecanismos de controle e apoio social e o acesso a oportunidades legítimas criando um contexto favorável para a formação de gangues armadas que muitas vezes funcionam como focos de solidariedade grupal e meios de obtenção de renda nos mercados ilícitos para jovens No mesmo sentido o acesso ao esgotamento sanitário controlada pela urbanização é uma proxy da favelização da metrópole VERMELHO JORGE 1996 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 Crescimento populacional é a variação percentual da população nos últimos 5 anos anteriores ao ano de referência Tratase de um indicador clássico para 190 inferir a instabilidade e heterogeneidade sociodemográficas que seria causada pelo afluxo de migrantes e alta natalidade resultando em fragmentação cultural sobrecarga de serviços públicos sobreoferta de força de trabalho e superdemanda habitacional criando um contexto favorável à delinquência SOARES 2008 ZILLI 2015 A educação formal é uma das vias de acesso às oportunidades legítimas como também um veículo de difusão de informação qualificada e de valores democráticos aplacando a vulnerabilidade juvenil à violência RUOTTI MASSA PERES 2011 O mercado de trabalho é central para pensar a questão da juventude GROPPO 2010 MAUGER 2013 O desemprego entre os jovens apontam para o mecanismo do bloqueio de oportunidades legítimas gerando uma tensão social que favoreceria as condutas desviantes como por exemplo a delinquência e a drogadição ao provocar uma frustração persistente como também para a disponibilidade de meios legítimos ou ilegítimos para transitar à vida adulta por meio da inserção profissional e renda individual o que dependendo das circunstâncias pode ser algo muito mais factível por meio do crime do que por trabalhos legítimos Enquanto o desemprego juvenil indica um bloqueio de oportunidades a desigualdade de renda implicaria na violência por meio de uma comparação feita pelos jovens na base da pirâmide social entre a sua situação e entre as dos que estão mais próximos do topo gerando uma frustração pela privação relativa MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 GUIMARÃES 2011RUOTTI MASSA PERES 2011 PIMENTA 2014 ZILLI 2015 A seguir apresentamos a matriz de correlação entre as variáveis independentes 191 Figura 14 Matriz de correlação entre variáveis independentes metrópoles 19922014 Fonte Elaboração própria a partir de dados do IBGE IPEADATA e DATASUS Procedemos com análises descritivas regressões simples e um modelo multivariado Como os dados são estruturados como painel balanceado aplicamos um teste de dependência de corte transversal e um teste de Hausmann concluindo pela utilização do Painel de Efeitos Fixos A vantagem deste método é identificar os efeitos singulares unitários podendo ser considerada uma constante própria somada ou subtraída à constante geral para cada metrópole Sendo assim consideramos que o logaritmo natural da taxa de homicídios intencionais de jovens numa região metropolitana num dado ano é igual a uma constante geral mais ou menos um constante unitária mais a soma do produto do valor de cada uma das variáveis naquela região e ano multiplicada pelo coeficiente beta de cada variável mais um erro aleatório no seguinte formato LnYijConstanteEfeito fixojB1X1ijB2X2ijBkXkijEij Matriz de correlação 01050102060601080104010610 00010002070601020102031006 01040404050502020102100301 00030204040401040210020204 02010200010100021002010101 00060001020402100204020208 00010202010210020001020101 01030302061002040104050606 01000205100601020104050706 01020010050202010004040202 00001000020302000202040001 05100002000301060103040105 10050001010100000200010001 Escolaridade Coletaesgoto desempregojovem crescpop5anos Urbanizacao monoparentfeminina homenspormulher Ginirendadomiciliar rendadomiciliar setorpublico txabusodrogas suicidioPAF armasdefogo armasdefogo suicidioPAF txabusodrogas setorpublico rendadomiciliar Ginirendadomiciliar homenspormulher monoparentfeminina Urbanizacao crescpop5anos desempregojovem Coletaesgoto Escolaridade 1 05 0 05 1 192 Sendo Y a taxa de homicídios intencionais os Xk os proxies selecionados Utilizamos o método PCSE panel corrected standard errors de Beck Katz 1995 para corrigir a heterocedasticidade comum nos modelos de dados em painel e obter estimativas mais eficientes Se o efeito fixo é útil para controlar os efeitos das singularidades locais o modelo de painel dinâmico é usado para o controle do viés causado pela autocorrelação temporal das taxas de homicídios intencionais a dependência de trajetória do nível de crimes letais intencionais Construímos painéis dinâmicos pelo método generalizado dos momentos em diferença GMMDif em um passo e um AR obtendo apoio do teste de Sargan para esta especificação 64 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS Oficialmente 354463 jovens foram assassinados entre 1979 e 2019 nestas regiões metropolitanas Pela nossa estimativa no entanto podem ter sido mais de 408800 Apesar da nossa análise centrarse entre 1992 e 2014 o dado é por si mesmo interessante pois comunica a magnitude da vitimização juvenil por agressões Além do contraste entre as taxas oficiais e as taxas ajustadas de homicídios em geral e juvenis também o desemprego como problemática da juventude podem ser vistos a seguir 193 Quadro 18 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjHomicidios 19922018 436 405 197 853 951 TxAjHomicidJovens 19922014 128 119 646 262 306 Txhomicidios 19922018 386 362 179 528 865 Txhomicidjovem 19922014 825 776 428 151 191 armasdefogo Índice Cook 19922018 450 456 711 221 631 suicidioPAF 19922018 1518 1250 962 095 4252 Txabusodrogas 19922018 286 265 145 472 902 GiniRendaDomiciliar x100 19922014 560 559 400 454 661 setorpublico 100 19922018 252 246 830 100 450 rendafamiliar 100 19922014 898 864 256 426 153 homenspormulher 19922014 906 907 397 456 991 Jovens 19922014 293 293 440 179 412 Homensjovens 19922014 976 958 158 567 144 monoparentfeminina 19922014 340 337 731 181 509 Urbanizacao 19922014 952 972 768 560 998 crescpop5anos 19922018 611 579 419 441 191 Desemprego 19922018 108 106 342 380 195 desempregojovem 19922014 174 173 498 800 296 Coletaesgoto 19922014 802 870 151 370 969 Escolaridade 19922014 756 760 0862 540 930 Fonte Elaboração própria com dados do IBGE DATASUS e IPEADATA A macro incidência das agressões letais contra e entre jovens variou muito ao longo do tempo entre as metrópoles como podese verificar a seguir observando o crescimento da criminalidade violenta especialmente Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Curitiba e Porto Alegre decréscimo em São Paulo e Rio de Janeiro Constatamos também que as metrópoles de Recife e Belo Horizonte tiveram um auge no meio da série com um início de decréscimo posterior 194 Figura 15 Séries temporais da taxa ajustada de homicídios intencionais de jovens nas metrópoles de Belém1 Fortaleza2 Recife3 Salvador4 Belo Horizonte5 Rio de Janeiro6 São Paulo7 Curitiba8 e Porto Alegre9 19922014 Fonte Elaboração própria a partir de dados do DATASUS e IBGE Nas regressões bivariadas o consumo mórbido de drogas o setor público per capita o esgotamento sanitário e a renda média domiciliar não tiveram efeitos significativos sobre a taxa de homicídios intencionais de jovens O desemprego geral e entre jovens a prevalência de armas de fogo pelo Índice Cook a monoparentalidade feminina a urbanização e a taxa de homicídios de jovens do ano anterior como esperado tiveram efeitos positivos e significativos Já o crescimento populacional a razão entre homens e mulheres a escolaridade a posse domiciliar de armas de fogo suicídiosPAF e a desigualdade de renda tiveram efeitos significativos e contrários às expectativas como podese observar a seguir 195 Figura 16 Regressões bivariadas sobre homicídios de jovens nas metrópoles Fonte elaboração própria com dados do DATASUS e IBGE Nos modelos multivariados alguns resultados foram diferentes sugerindo a existência de moderações e mediações entre algumas variáveis Considerando 5 de significância aceitável dois ou três asteriscos o consumo mórbido de drogas e a renda domiciliar per capita adquiriram significância e efeitos positivos enquanto o crescimento populacional a razão entre homens e mulheres a monoparentalidade feminina a desigualdade de renda e a urbanização perderam a significância A presença socioeconômica do Estado tornouse significativa e com sinal negativo O desemprego juvenil e o acesso a armas de fogo mantiveram o efeito positivo e significativo A escolaridade teve o sinal invertido mas perdeu a significância 196 O modelo multivariado pode ter contribuído para isolar efeitos específicos de alguns variáveis e reduzir confusão devido à sobreposição de causalidades Efeitos fixos unitários também podem ter ajudado a eliminar confusões entre múltiplas causas O modelo alcançou 60 de poder explicativo com as dummies unitárias e 46 de coeficiente de explicação por dentro Quadro 19 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 498525 139735 3568 00073 armasdefogo 00213282 000515475 4138 00033 txabusodrogas 00132207 000254969 5185 00008 setorpublico 100 00239682 000697654 3436 00089 rendadomiciliar 00879939 00302708 2907 00197 Ginirendadomiciliar 00257388 00133363 1930 00897 homenspormulher 000730348 000518469 1409 01966 monoparentfeminina 0000780696 00110490 007066 09454 Urbanizacao 0000408921 000362359 01128 09129 desempregojovem 00242590 00101547 2389 00439 Coletaesgoto 000595521 000422006 1411 01959 Escolaridade 00645922 0114442 05644 05879 crescpop5anos 00159593 00111863 1427 01915 Média var dependente 4711233 DP var dependente 0555799 Soma resíd quadrados 2552384 EP da regressão 0370439 Rquadrado LSDV 0598908 Rquadrado por dentro 0463598 Log da verossimilhança 7708383 Critério de Akaike 1961677 Critério de Schwarz 2661548 Critério HannanQuinn 2244698 rô 0722464 DurbinWatson 0495825 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F12 8 152995 com pvalor PF12 8 152995 0000323329 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 821 131002 com pvalor PF8 821 131002 536064e12 197 Trocando o Índice Cook de acesso a armas de fogo pelo percentual de suicídios que são cometidos com armas de fogo obtémse um modelo no qual apenas o consumo letal de drogas e álcool e a administração pública tiveram efeitos significativos positivos e negativos respectivamente dentro do esperado com 43 de variância explicada por dentro e 58 com as dummies unitárias Quadro 20 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjHomicidJovens Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 565185 135330 4176 00031 suicidioPAF 00104179 000481846 2162 00626 txabusodrogas 00144018 000275202 5233 00008 setorpublico 00175636 000744145 2360 00459 rendadomiciliar 00615399 00307013 2004 00800 Ginirendadomiciliar 00173817 00138757 1253 02457 homenspormulher 000799002 000453946 1760 01164 monoparentfeminina 000398784 00113783 03505 07350 Urbanizacao 000207772 000408853 05082 06250 desempregojovem 00187421 00115126 1628 01422 Coletaesgoto 000687635 000439594 1564 01564 Escolaridade 00576421 0104575 05512 05966 crescpop5anos 00151274 00110581 1368 02085 Média var dependente 4711233 DP var dependente 0555799 Soma resíd quadrados 2679502 EP da regressão 0379551 Rquadrado LSDV 0578933 Rquadrado por dentro 0436883 Log da verossimilhança 8211424 Critério de Akaike 2062285 Critério de Schwarz 2762156 Critério HannanQuinn 2345306 rô 0787941 DurbinWatson 0391525 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F12 8 126725 com pvalor PF12 8 126725 0000641508 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 812 811779 198 com pvalor PF8 812 811779 539434e08 Os modelos de painel dinâmico usando o método generalizado dos momentos em diferença e em um passo tiveram ainda outro resultado Usando o Índice Cook de acesso a armas de fogo constatamos que o consumo de álcool e drogas manteve o sinal e a significância e a escolaridade adquiriu significância com sinal negativo que era o esperado enquanto a razão de homens por mulher voltou a mostrar sinal negativo e significativo um resultado contrário ao esperado mas consistente com regressão bivariada Quadro 21 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjHomi1 0850289 00231107 3679 00001 armasdefogo 000217235 000452920 04796 06315 txabusodrogas 000490763 000173535 2828 00047 setorpublico 0000548219 000212012 02586 07960 rendadomicili 000613558 00133174 04607 06450 Ginirendadom 000149497 000700265 02135 08309 homenspormul 000319052 000152874 2087 00369 monoparentfem 000333238 000236242 1411 01584 Urbanizacao 000604849 000339786 1780 00751 desempregojov 000139200 000608844 02286 08192 Coletaesgoto 000434031 000323970 1340 01803 Escolaridade 00799668 00304616 2625 00087 crescpop5anos 000820414 000593556 1382 01669 Soma resíd quadrados 1135378 EP da regressão 0253988 Número de instrumentos 165 Testar erros AR1 z 236199 00182 Testar erros AR2 z 0414001 06789 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 153005 04619 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 199 Usando o percentual de suicídios com armas de fogo ao invés do Índice Cook a razão de homens por mulher volta a ser significativa enquanto a urbanização tornase significativa com sinal positivo como na análise bivariada A escolaridade e o uso mórbido de psicoativos mantiveram sinal significativo negativo e positivo respectivamente Quadro 22 Painel dinâmico GGMDif em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjHomicidJovens Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjHomi1 0859602 00185084 4644 00001 suicidioPAF 000386119 000306791 1259 02082 txabusodrogas 000483860 000123237 3926 00001 setorpublico 0000786119 000211842 03711 07106 rendadomicili 417472e05 00137268 0003041 09976 Ginirendadom 0000646112 000801125 008065 09357 homenspormul 000448637 000231036 1942 00522 monoparentfem 000268234 000207177 1295 01954 Urbanizacao 000612156 000262823 2329 00199 desempregojov 000391619 000548246 07143 04750 Coletaesgoto 000458381 000343493 1334 01820 Escolaridade 0100450 00331754 3028 00025 crescpop5anos 000866315 000571143 1517 01293 Soma resíd quadrados 1107430 EP da regressão 0250843 Número de instrumentos 165 Testar erros AR1 z 228882 00221 Testar erros AR2 z 041907 06752 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 154536 04275 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 65 ANÁLISE DOS RESULTADOS O proxy para consumo de álcool e drogas apoia nos modelos multivariados a hipótese da existência de efeitos do consumo de psicoativos álcool e drogas ilícitas sobre a taxa de homicídios dolosos de jovens principalmente pela via das disputas 200 relacionadas aos mercados de drogas ilícitas também mostrando que a mortalidade por consumo de psicoativos pode ser uma proxy útil para inferir o volume de atividade do tráfico de drogas O consumo de psicoativos pode ser ligado à violência em vários níveis Algumas substâncias afrouxam o autocontrole individual ou podem estimular a agressividade aumentando a chance do indivíduo se envolver em situações violentas O uso compulsivo e a falta de dinheiro podem incentivar o usuário a recorrer a atividades ilícitas como meio de aquisição da subsistência e dos psicoativos sobretudo recorrendo aos roubos que podem resultar em mortes latrocínios ou podem ser retaliados por meio de linchamentos violência policial e assassinato por encomenda Usuários mórbidos podem se endividar para consumir drogas ilícitas acabando assassinados pelos traficantes credores A venda de drogas ilícitas serve de fonte de lucro principal para gangues armadas territoriais que disputam entre si pelo controle de pontos de venda e usam a renda obtida com o tráfico para adquirir armas de fogo e subornar policiais O uso e tráfico de drogas ilícitas como atividade proibida e criminalizada é reprimida por forças policiais e militares que podem se envolver em confrontos armados com gangues de traficantes ou cometer excessos e abusos letais no decorrer da ação repressiva Os confrontos entre gangues e destas com políciasmilitares muitas vezes vitimam moradores e transeuntes sem envolvimento com o tráfico de drogas ilícitas Os próprios policiais e militares encarregados de reprimir o tráfico de drogas podem buscar a sua parcela nos lucros extorquindo traficantes por meio da ameaça de prisão ou de morte Por fim o consumo de drogas ilícitas se associa à tensão social e à anomia por ser uma das suas modalidades de expressão GOLDSTEIN 1985 RATTON DAUDELIN 2017 MINAYO 1998 MACHADO NORONHA 2002 ZILLI 2015 MIETHE RECOACZE 2004 A conexão bivariada entre o setor público local e os homicídios de jovens é não significativa na regressão simples e no painel dinâmico mas negativa e significativa no painel de efeitos fixos A explicação reside no controle e mediação dos fatores correlatos às capacidades públicas pois a renda dos mercados consumidores e crescimento econômico impulsionado por investimentos públicos também podem favorecer a violência por meio da multiplicação de oportunidades criminais lucrativas A análise multivariada atesta que a despesa pública direta local 201 para a implementação de políticas públicas e prestação de serviços mostram um efeito dissuasivo e preventivo da violência criminal Não é possível dizer se é a capacidade da polícia e do judiciário efetivarem o monopólio da violência legítima ao punir criminosos violentos ELIAS 2011 EISNER 2014 ou se é o apoio social público compensando o enfraquecimento dos laços sociais tradicionais com as famílias e comunidades com laços sociais modernos ligados à educação e ao trabalho CULLEN 1995 RUOTTI MASSA PERES 2011 ou ainda se é a regulação política dos mercados a coibir a prevalência do instrumentalismo e prevenir o enfraquecimento do poder normativo das instituições e lógicas não mercadológicas prevenindo a anomia institucional MESSNER ROSENFELD 1997 CURRIE 1997 2018 Estudos indicam que tanto gastos na educação ou políticas como o Bolsa Família quanto na segurança pública especialmente na quantidade e qualidade do efetivo policial contribuem para a redução da criminalidade violenta mas que o encarceramento não têm efeitos significativos DE ARAUJO JR et al 2014 BECKER KASSOUFf 2017 GAULEZ FERRO 2018 É mais provável que tratese de uma combinação de dissuasão policial apoio social e regulação normativa que impactam a criminalidade violenta de maneira diferenciada e complementar De qualquer maneira o controle da violência exige a construção de um Estado democrático robusto ao mesmo tempo amplo nas atribuições e eficiente na sua prestação A perda de significância no painel dinâmico pode deverse à ligação entre as trajetórias locais da violência criminal e da formação do Estado sendo talvez a ação estatal no modelo de painel dinâmico melhor capturada indiretamente por meio do efeito preventivo negativo e significativo da escolaridade sobre os homicídios intencionais A renda média domiciliar per capita não foi significativa na análise simples mas foi positiva na análise multivariada de efeitos fixos e não significativa no painel dinâmico A indiferença no modelo simples entre o mercado consumidor e a violência letal contraentre jovens pode ser encarada como a combinação de efeitos em sentido contrário A prosperidade econômica está ligada a maiores oportunidades legítimas trabalho remunerado reduzindo parcialmente uma das principais fontes de tensão social MERTON 1938 AGNEW 2008 e 2015 À maior 202 arrecadação estatal que permite maior aporte em políticas públicas que reduzem a violência por meio do apoio social e da coerção legal CULLEN 1995 HIRSCHI 2004 ELIAS 2011 Por outro lado a renda média indica mais diretamente o tamanho relativo do mercado consumidor o que pode desaguar também nos mercados ilícitos por ação dos próprios consumidores aquisição de produtos ilícitos como drogas armas apostas ilegais produtos roubados e furtados etc ou pelo uso da violência para extrair bens e renda dos mesmos consumidores por meio de roubos e extorsão Por último a renda média pode se revestir de um significado sociocultural ao indicar um possível padrão médio de consumo objeto de anseio e comparação para todos e cuja elevação pode se tornar uma fonte adicional de tensão social quando não é acompanhado por uma ampliação de oportunidades legítimas apoios públicos dissuasão policial e laços sociais Este sentido sociocultural do consumo médio pode ser observado por meio da análise multivariada pela cláusula ceteris paribus mantendo o desemprego desigualdade presença socioeconômica do Estado e condições urbanas acesso a armas e uso mórbido de drogas e álcool o aumento da renda média domiciliar per capita ou seja do mercado consumidor privado interno implica no acréscimo das oportunidades criminais lucrativas e da privação relativa levando ao crescimento dos homicídios intencionais contra jovens MESSNER THOME ROSENFELD 2008 AGNEW 1992 2008 e 2015 Embora uma parcela da violência anômica resultante possa ficar oculta sob a deterioração das estatísticas criminais e vitais o que tentamos corrigir Maior circulação de riquezas entre a população também é maior abundância de renda que pode ser roubada extorquida ou usada para o consumo de mercadorias ilícitas como drogas e armas de fogo propiciando maior lucro para atividades criminosas e por conseguinte o acirramento das disputas entre criminosos pelo controle destas crescentes fontes de renda GOLDSTEIN 1985 ZALUAR BARCELOS 2013 O efeito positivo e significativo da renda média mantendo o desemprego desigualdade serviço público e educação constantes portanto pode ser explicada pelo aumento tanto pelo significado sociocultural do consumo individual quanto do transbordamento da renda dos domicílios para a economia criminal 203 O declínio ou prevalência da família nuclear tradicional chefiada por um homem e seu resultado na regressão bivariada tem afinidade com aquilo que Hirschi e Gottfredson 2006 chamaram de controle social laços sociais fortes dentro de famílias tradicionais O sentido não deixa de ser ambivalente alta monoparentalidade feminina soma tanto mulheres que moram sozinhas com ou sem filhos quanto pais ausentes por terem abandonado filhos e esposa ou terem sido mortos ou encarcerados estas últimas hipóteses podem indicar uma retroalimentação entre violência e arranjos familiares monoparentais em alguns contextos Sozinhas as mães possuem menor capacidade de apoio e supervisão dos filhos do que se compartilhassem estas responsabilidades O sentido é similar ao do setor público local que também contribui para o controle social e apoio social institucionalizados mas por meios administrativos ao invés dos laços sociais Nas análises multivariadas não verificamos significância é provável que o declínio da coesão familiar possa ser compensada por níveis de apoio social público escolarização e oportunidades de trabalho tornandose menos relevante Por outro lado o efeito negativo e significativo do crescimento populacional quinquenal na regressão simples e o efeito não significativo no modelo multivariado contraria a hipótese de que a migração e alta natalidade necessariamente leva à desorganização social Com base neste resultado é possível especular que nas metrópoles brasileiras a atração de migrantes seja efeito da demanda por força de trabalho e da qualidade da administração pública na metrópole enquanto a estagnação populacional revelaria o contrário pois quando controlado pelo desemprego e setor público per capita o crescimento populacional manteve o sinal mas perdeu a significância Contudo o modelo de painel dinâmico atestou um efeito positivo e significativo para o crescimento populacional quinquenal indicando que o resultado não esperado pode se dever à confusão com a própria trajetória dos homicídios intencionais nas regiões metropolitanas em questão No mesmo sentido a urbanização é vista como uma das causadoras da violência criminal por ensejar uma aglomeração de privações socioeconômicas em frações do espaço urbano e reduzir o controle social comunitário criando contextos onde se formam subculturas criminais ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 o que justificaria igualmente a hipótese de efeitos negativos entre 204 esgotamento sanitário e taxa de homicídios No entanto a urbanização só foi significativa e positiva na regressão bivariada e o esgotamento sanitário não foi significativo nem na regressão simples quanto na múltipla com efeitos fixos ou momentos generalizados exceto quando usamos o percentual de suicídios como proxy para o acesso a armas de fogo Podemos especular se o que não foi visto como efeito da urbanização seria na verdade um efeito espacial combinado de um setor público pequeno incluindo um sistema educacional público de baixa qualidade e investimento um mercado de trabalho excludente decadência dos laços sociais tradicionais e aumento das oportunidades criminais lucrativas criadas pelos amplos mercados de consumo protagonizados pelas classes médias e altas urbanas Logo a urbanização impactaria os homicídios intencionais por meio da estrutura socioeconômica das metrópoles A escolaridade contrariando a hipótese mostrou efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais de jovens no modelo de regressão simples enquanto na análise multivariada mudou de sinal talvez devido ao controle por correlatos como a renda média e a urbanização tornandose não significativa pelo método de efeitos fixos e significativa no sentido esperado pelo método generalizado dos momentos Como a escolaridade média é acumulada pelo indivíduo ao longo da trajetória escolar podese interpretar o sinal negativo como a formação de disposições contrárias à violência por meio da socialização escolar na qual se formariam laços com professores e colegas exigindo ainda um maior autocontrole dos alunos para progredir na escolarização incidindo tanto entre gerações quanto no ciclo de vida individual como também viabilizando acesso a melhores oportunidades de trabalho o que reduziria a tensão inerente à fase juvenil MAUGER 2013 GROPPO 2011 PIMENTA 2014 HIRSCHI 2004 RUOTTI PERES e MASSA 2011 O desemprego de jovens mostrou associação positiva e significativa tanto no modelo simples quanto na análise multivariada de efeitos fixos perdendo eficácia apenas no painel dinâmico O resultado apoia parcialmente a hipótese que relaciona o crime violento ao bloqueio de oportunidades e no modelo multivariado de efeitos fixos com o controle pela renda domiciliar a hipótese que explica o crime violento pela privação de oportunidades legítimas em comparação com um maior padrão 205 médio de consumo MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 Um mercado de trabalho restrito cria obstáculos consideráveis para uma parcela dos jovens lograr uma inserção por meio do emprego gerando situações de tensão estrutural que favorecem condutas desviantes pois bloqueiam vias legítimas para a transição entre a menoridade e a maturidade sobretudo relativo à inserção profissional e indiretamente à sustentação econômica de núcleos familiares estáveis Mercados ilícitos sobretudo o narcotráfico e a receptação aparecem então como uma alternativa viável para a obtenção da renda e realização das aspirações ao consumo da mesma forma que a posse de armas de fogo impõe o respeito desejado e o consumo de psicoativos oferece uma solução escapista para as tensões sociais A conexão empírica entre desemprego e homicídio juvenis resistiu ao controle das demais variáveis apontando que a dinâmica do mercado de trabalho está ligada à criminalidade violenta mesmo quando controlada pelos proxies do consumo de drogas e da presença econômica estatal o que pode ser lido como a existência de processos de tensão e desorganização sociais ligados ao desemprego e que podem ou não ser canalizadas para atuação em mercados ilícitos ou moderados por dispositivos de apoio e controle social públicos A evidência portanto apoia alguns dos argumentos mais comentados em relação à juventude a questão do trabalho sobretudo os efeitos que o bloqueio de oportunidades legítimas pode gerar na formação de uma identidade juvenil e o quanto a privação socioeconômica sob uma sociedade de mercado no qual há pressão onipresente pelo sucesso pode ser um precipitador da frustração socioemocional e do envolvimento dos jovens na criminalidade produzindo fortes vulnerabilidades juvenis à violência RUOTTI MASSA PERES 2011 MACHADO NORONHA 2002 ZILLI 2015 PAIVA 2014 GROPPO 2010 MAUGER 2013 GUIMARÃES 2011 O resultado não significativo no painel dinâmico por outro lado sugere que o desemprego pode ter uma forte sobreposição com a própria história local da violência atuando no sentido de reforçar as tendências prévias Inversamente a desigualdade de renda mostrou associação negativa e significativa com a vitimização letal juvenil na regressão simples e insignificante nas regressões multivariadas Isso contraria a hipótese da frustração induzida pela 206 autocomparação dos jovens desfavorecidos com os mais privilegiados a não ser que consideremos que a privação relativa se dá pela comparação não com o topo da distribuição de renda mas sim com padrões médios de consumo mantendo o desemprego e os serviços públicos constantes Também sugere que o inesperado resultado do modelo bivariado desigualdade reduzindo os homicídios de jovens se deveu à confusão com a renda média negativamente associada à desigualdade e com efeitos positivos e significativos sobre a violência criminal na regressão multivariada Atentese ainda que tal como a proporção de homens na população o índice Gini de distribuição de renda mostrou alta estabilidade e baixa dispersão em seus parâmetros descritivos o que talvez torne difícil a avaliação dos efeitos conjunturais da desigualdade sobre a formação e difusão de disposições violentas 66 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste artigo abordamos a questão empírica da variação entre metrópoles da vitimização letal de jovens por agressões genericamente considerados homicídios intencionais Na legislação brasileira na verdade estas ações incluem uma série de categorias de crimes dolosos como homicídio lesão corporal latrocínio e homicídio com excludente de ilicitude por legítima defesa ou cumprimento do dever legal O objeto no entanto respondia à questão teórica da criminalidade violenta e da juventude como categoria social que exprime uma fase do ciclo de vida nas sociedades modernas tardias e periféricas no caso brasileiro A configuração de um cenário macrohistórico de altas taxas de vitimização por crimes dolosos e especificamente de mortalidade juvenil por agressões responde a uma série de macrodeterminantes mediados por mecanismos causais subjacentes Estes postulados presidiram a construção do modelo descritivo simples e multivariado Ao revisar a literatura constatamos que algumas questões relativas à teorização geral sobre as juventudes ligamse a categorias e mecanismos também estabelecidos por argumentos da sociologia criminológica tensão social como atrito entre as metas de sucesso individual generalizadas na ordem cultural hegemônica e a estrutura de oportunidades legítimas e ilegítimas de realização disponíveis aos 207 atores MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 AGNEW 1992 2008 e 2015 desorganização social como fragilidade ausência ou instabilidade das redes de laços e apoios sociais pela família associações e Estado HIRSCHI 2004 CULLEN 1994 além de abordagens integradas como a anomia institucional MESSNER THOME e ROSENFELD 2008 CURRIE 1997 As teorias da juventude também identificavam nas transformações do mercado de trabalho retração de provisões sociais públicas e fragmentação e instabilidade dos laços sociais características que definiam a problematicidade da juventude GROPPO 2011 MAUGER 2013 Hirschi e Gottfredson 1983 consideraram a associação entre juventude e delinquência um dado natural geral que não merecia explicação sociológica Algumas argumentações e análises empíricas por outro lado problematizaram como a condição juvenil tardomodernaperiférica se constituiu em uma afinidade eletiva com a criminalidade RUOTTI PERES MASS 2011 PIMENTA 2014 HEIMER MATSUEDA 1994 e 1997 ZILLI 2015 MACHADO NORONHA 2002 PAIVA 2014 Privados de meios legítimos de inserção muitos jovens veriam nos mercados ilícitos oportunidades de retorno inacessíveis por meios legítimos mas este envolvimento criminal implicava em forte exposição à violência armada seja dos grupos criminosos rivais seja da polícia em razão da violência sistêmica dos mercados ilícitos GOLDSTEIN 1985 MIETHE REGOECZI 2004 A análise empírica multivariada que desenvolvemos aqui corroborou a hipótese de que o bloqueio de oportunidades legítimas e a violência sistêmica constituída pela demanda por mercadorias ilícitas especialmente a demanda por drogas e a oferta de armas de fogo contribuem para produzir altas taxas de homicídios intencionais contra e entre jovens Receberam apoio misto nos modelos multivariados as ideias de que instituições públicas de apoio e controle social juntamente com o avanço da socialização escolar contribuem para proteger a juventude da criminalidade violenta Por outro lado as evidências relativas à urbanização e monoparentalidade feminina que enfraqueceriam apoios e controles sociais interpessoais e comunitários só foram corroborados na regressão simples sendo rechaçados na análise multivariada 208 Em suma as evidências sugerem que a estrutura de oportunidades legítimas ou ilegítimas contribui amplamente para a explicação da criminalidade violenta contra jovens ao passo que as formas institucionais e familiares de apoio e controle sociais e educação contribuem para inibir a violência No entanto à exceção do consumo de álcool e drogas ilícitas houve diferença considerável entre o painel de efeitos fixos e o método generalizado dos momentos indicando a existência de fortes efeitos estruturais ligados tanto às especificidades de cada região quanto à própria trajetória histórica da violência criminal Ainda assim podemos considerar os resultados dos modelos multivariados como complementares na medida em que contribuem para controlar os condicionantes regionais e históricos da criminalidade violenta e identificar causalidades mais gerais 209 7 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E ESTRUTURA SOCIAL UMA ANÁLISE DOS DETERMINANTES DA VITIMIZAÇÃO LETAL FEMININA NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS Neste capítulo discutimos teoricamente e analisamos empiricamente a questão da vitimização feminina por crimes letais intencionais nas metrópoles brasileiras entre 1992 e 2014 Considerando que a violência contra mulheres se liga tanto à dominação masculina e patriarcalismo mas pode ter causas em comum com a violência contra homens jovens testamos hipóteses usando proxies para a discriminação de gênero e para a atuação do tráfico de drogas e de armas encontrando evidências favoráveis a ambos além de forte dependência de trajetória da vitimização feminina por agressões 71 APRESENTAÇÃO Neste capítulo realizamos uma análise sobre a violência letal intencional que vitima mulheres nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Começamos por uma discussão teórica analisando ideias e argumentos das perspectivas feministas e criminológicas sobre o assunto Oriundas do Norte Ocidental global estas teorias postulam a violência patriarcal protagonizadas por homens em sua maioria cônjuges e familiares e mais raramente violadores desconhecidos cujo mote principal é a dominação sobre o corpo feminino por meio da violência privada tanto física quanto moral A agressão misógina contaria com a aprovação e autorização tácita ou explícita informal ou formal de grande parte dos atores sociais próximos dos autores e vítimas e dos agentes de segurança pública e de justiça criminal que acreditariam ser justificável usar castigos físicos para submeter a subjetividade feminina ou que acreditam que tratase de uma questão privada entre as partes não devendo intervir em relações alheias 210 Embora muito importante a hipótese do patriarcalismo como causa exclusiva é confrontada com estudos empíricos sobretudo na América Latina mostrando a variedade de contextos de violência contra a mulher como a repressão política a violência policial a atuação de organizações criminosas e as disputas entre gangues armadas Para testar as duas hipóteses que se nenhuma das duas se arrogar à exclusividade da explicação consideramos mais complementares que excludentes utilizamos modelos de regressão linear simples e múltipla com dados em painel Postulamos que a atitude patriarcalista se expressa tanto por discriminação econômica quanto por agressão física e que estas estariam associadas mas que a vitimização letal feminina estaria em parte ligada em parte à dinâmica dos mercados ilícitos de drogas armas etc Ambas as hipóteses foram corroboradas em conjunto com a importância do Estado como agente de controle e apoio social na prevenção da violência contra a mulher 72 TEORIA SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER A pesquisa sobre situações violentas aponta que nos homicídios é predominante o caráter intraracial intrasexual e intraetário isto é agressores e vítimas em geral compartilham classe social etnia gênero e idade semelhantes MIETHE REGOECZI 2004 p 142 Dessa maneira há um padrão predominante mas tendências divergentes de assassinato entre pessoas de características e condições diferentes Nos Estados Unidos os homicídios intencionais que têm mulheres como agressoras em comparação com os que têm homens como agressores mostram maior proporção locais domésticos vítimas maiores de 30 anos uso de armas brancas agressoras negras e vítimas aparentadas ou íntimas da agressora e ocorrência durante o dia MIETHE REGOECZI 2004 p 146 As situações nas quais mulheres matam apresentam semelhanças marcantes com as situações nas quais elas são assassinadas As situações nas quais mulheres se envolvem em homicídios como autoras ou como vítimas mostram um histórico prévio de agressões diversas e ameaças MIETHE REGOECZI 2004 p 155156 211 nos quais tomam forma os temas da possessividade e ciúmes com o homem com maior frequência assumindo o papel de agressor inicial ainda que muitas vezes a interação se desenvolva no sentido de agressões mútuas MIETHE REGOECZI 2004 p 159 Os padrões observados de situações violentas que vitimam mulheres ou onde mulheres vitimam mostram uma forte estabilidade ao longo do tempo e a sua interpretação exige a conjugação de fatores de motivação e de possessividade Em outras palavras é preciso levar em conta não só o processo de controle agressivo geralmente masculino mas às vezes recíproco na relação entre os agressores e vítimas dos homicídios que envolvem as mulheres Também é preciso levar em conta que o ambiente doméstico apresenta condições favoráveis à perpetração de violências pelos mais próximos em decorrência tanto da proximidade física e pessoal quanto da privacidade que permite a prática de malfeitos sem vigilância dos vizinhos MIETHE REGOECZI 2004 p 162 E este padrão de violência de gênero transcende diferenças étnicoraciais ou mesmo de classe social correlacionada à identidade étnica em países como Estados Unidos e Brasil impondose como padrão geral nas relações intrafamiliares marcadas pela violência MIETHE REGOECZI 2004 p 217 Segundo Saffioti 2001 a violência nas sociedades perpassa as hierarquias de gênero classe e etnia estruturada por mecanismos de dominação e de exploração pelos quais uma ordem de privilégios e interdições para o uso da violência por interesse próprio é estabelecida e perpetuada Estas relações de dominaçãoexploração se sedimentam na ordem social sendo incorporadas pelos atores na sua vivência desenvolvendo as características de uma realidade objetiva naturalizada pelo senso comum como imutável e aceitável É assim que opera o poder masculino ou patriarcado a forma mais antiga de dominação e exploração entre seres humanos e que se impõe com as aparências de um dado óbvio inquestionável e natural No contexto do patriarcalismo os homens teriam uma autorização para o uso da força física para subjugar as mulheres impondolhes relações de dominação e exploração Decorreria desta ordem sociocultural a autorização tácita para o uso masculino privado da violência para forçar as mulheres à submissão A atitude 212 patriarcal estaria incorporada nos costumes mais arraigados e relativamente intocada pela modernização burocrática e mercantil por se tratarem de relações domésticas e não publicizadas Estas convicções estariam profundamente arraigadas na cultura pois são cruciais no processo de socialização de homens e mulheres no âmbito familiar levandoos a reproduzir a dominação masculina e a submissão feminina Nem todas as relações heterossexuais no entanto teriam esta característica hierárquica e impositiva sendo possível apesar de pouco frequente a existência de uniões igualitárias De maneira semelhante Bourdieu 2010 considera que as relações de poder entre os gêneros masculino e feminino são estruturadas pela polarização entre características associadas à masculinidade como força racionalidade atividade e espaço público e as contrapartes femininas a fraqueza a emotividade a passividade e o espaço doméstico É especialmente importante para Bourdieu a relegação da mulher ao espaço doméstico no qual executa trabalhos não remunerados e subalternos porém essenciais à reprodução biossocial A dominação masculina segundo Bourdieu não perpassa apenas a relação entre homens e mulheres no âmbito familiar se estendendo também às relações públicas entre os gêneros e à relação entre os próprios homens na medida em que a dominação masculina está interligada à dominação de classe Subjugar as mulheres ao ambiente doméstico ao fechamento para o mundo público seria também um meio para que os homens triunfarem no espaço público nas relações econômicas e políticas que ocorrem fora dos lares Cusson 2000 considera que nos países desenvolvidos os homicídios intrafamiliares motivados por ciúmes e possessão mostraram uma relativa estabilidade na sua incidência na América do Norte e na Europa Ocidental locais onde outras categorias de violência letal intencional como os homicídios resultantes de roubos e pilhagens de conflitos interpessoais e de querelas e vinganças entre grupos de parentes e amigos tiveram um declínio gradual ao longo dos séculos Esta análise histórica contradiz o relato de Elias 1993 2011 segundo o qual o processo civilizador que gerou o declínio das guerras feudais e da violência interpessoal entre homens em um espaço público também contribuiu para suavizar as relações domésticas entre os gêneros e as gerações 213 Sobre a posição da mulher na sociedade capitalista moderna Fraser 2011 propõe uma apropriação crítica da obra de Karl Polanyi pela teoria social feminista Segundo Fraser Polanyi opõe mercado e proteção social mercados enraizados e desenraizados enfim uma regulação do mercado pela ordem social solidária à dissolução dos laços pela mercantilização desenraizadora pela qual é a ordem social que se torna subordinada ao mercado autorregulado Fraser critica o relato de Polanyi por negligenciar uma terceira dimensão que ela chama de dominaçãoemancipação no que diz respeito a formas nãomercantis de opressão tradicional com feições paternalistas Fraser 2011 afirma que Polanyi negligenciou a questão da proteção social paternalista e tradicional eixo este que o feminismo pôs em relevo e transformou em alvo principal de análise e crítica No entanto as feministas segundo Fraser o teriam feito de maneira ambígua em relação à mercantilização e à proteção social resultando em um discurso ambivalente Isso porque a crítica feminista atacou os dispositivos de proteção social que fixavam papéis tradicionais de gênero como o saláriofamília Mas não de maneira unânime de um lado feministas liberais e radicais se mostravam mais favoráveis ao processo social de mercantilização das diversas esferas da vida social enquanto inversamente as feministas socialistas trabalhistas e negras se mostravam mais favoráveis à ampliação da proteção social em formatos compatíveis com e promotores da emancipação feminina o que exige o reconhecimento do trabalho não pago de cuidado doméstico como digno de proteção e remuneração No entanto com o avanço da reestruturação neoliberal e pósfordista do capitalismo mundial a posição favorável ao mercado das feministas liberais e radicais prevaleceu na prática As mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho e o saláriofamília foi substituído pelo trabalho dos dois cônjuges fora de casa A crescente participação feminina no mercado de trabalho aprofundou a forte polarização de classe e etnia inclusive entre as mulheres e não foi capaz de solapar a hierarquia de gênero que foi parcialmente estabelecida dentro das profissões e organizações no mercado capitalista FRASER 2011 Indo mais longe Fraser 2011 afirma que o feminismo liberal e radical teria sido funcionalizado para a legitimação do aumento da exploração do trabalho da 214 maioria das mulheres dupla e tripla jornada empregos instáveis e de baixa remuneração etc tendo em vista que segundo Fraser a participação feminina no mercado de trabalho foi às vezes apresentada como emancipação por si só sem questionar se este trabalho feminino estava efetivamente protegido das dinâmicas precarizadoras e excludentes do mercado de trabalho capitalista Apesar de não abordar diretamente a questão da violência letal contra mulheres a crítica de Fraser 2011 pode nos fornecer algumas pistas para a questão por que o avanço da participação feminina no mercado de trabalho e da escolarização feminina não foi capaz de reduzir os níveis de vitimização feminina por agressões Estudos empíricos brasileiros SOUZA et al 2017 BURUFALDI et al 2017 MOREIRA et al 2016 sugerem que as mulheres mais vitimadas pela violência são exatamente as que se encontram em situação socioeconômica mais precária Além disso outros estudos sugerem que a adesão popular a concepções tradicionalistas e patriarcais de família e moralidade podem estar relacionadas à busca por alguma solidariedade básica e primária baseada no parentesco e convivência íntima e que sirva de âncora e apoio em contextos de extrema precariedade insegurança e penúria relativa ou absoluta Esta visão tradicionalista de família e moralidade é idealizada como uma forma solidária e protetiva de convivência o que a torna mais atraente nas periferias e favelas brasileiras No entanto a família e moral tradicionalistas têm conteúdo profundamente patriarcal e paternalista o que implica na legitimação de formas de violência privada com motivações morais tidas como aceitáveis para disciplinar filhos desobedientes se vingar de ofensas à honra masculina castigar os que são considerados imorais desviantes e desafiadores PAIVA 2014 MACHADO NORONHA 2002 NUNES PAIM 2005 A literatura teórica feminista tem como pressuposto a vigência quase universal e de longa duração do patriarcado Apesar de a definição ser às vezes abstrata às vezes difusa o patriarcado pode ser entendido em um conceito mais amplo que o da formulação clássica de WEBER 2009 p 151 abrangendo desde as formas mais tradicionais de despotismo marital e paternal em sociedades agrárias até os mecanismos mais sutis de inculcação e discriminação das sociedades contemporâneas Nesta lógica apesar do patriarcado ter origens bastante arcaicas e 215 longínquas apresentaria uma capacidade de adaptação muitas vezes sutil às situações de maior emancipação feminina formal das sociedades democráticas A conquista dos direitos políticos iguais do acesso à educação da entrada no mercado de trabalho e de uma relativa autonomia pessoal e sexual por parte das mulheres entram em atrito com as crenças socialmente arraigadas As normas e valores patriarcais dessa maneira repudiam a mulher que não se recolhe à vida privada e à dependência de um homem e com isso autorizam a violência de gênero como expressão de um conceito patriarcal de masculinidade e punição contra o que é visto como um comportamento desafiador e ofensivo à honra masculina tradicional As violências contra mulheres teriam por isso tendência a crimes de maior proximidade envolvendo pessoas íntimas da vítima sobretudo cônjuges esse tipo de violência se expressa por meio de quatro modalidades terrorismo patriarcal ou íntimo violência conjugal situacional violência de resistência utilizada como resposta ao terrorismo íntimo e controle violento mútuo PORTELLA RATTON 2015 p 98 No entanto há também outros tipos de situação nos quais a mulher acaba vitimizada e que são diversas dos conflitos domésticos e conjugais que são enfatizados de maneira hegemônica no pensamento feminista envolvendo por exemplo o contexto das gangues e organizações criminosas que operam nos mercados ilícitos ou do terrorismo estatal ou paraestatal contra dissidentes opositores e insurgentes políticos PORTELLA RATTON 2015 PIMENTA 2014 A maior parte da bibliografia feminista que aborda a questão da violência contra as mulheres é escrita na Europa Ocidental e América do Norte onde as taxas de homicídios intencionais exceto nos Estados Unidos estão entre as mais baixas do mundo A produção intelectual feminista de origem europeia e norteamericana enfatiza a violência fatal como o fim de uma trajetória ascendente de violências morais e físicas contra as mulheres no contexto de relações íntimas e conjugais PORTELLA RATTON 2015 p 113 Na América Latina no entanto o fenômeno do ciclo de violência e do terrorismo íntimo conjugais coexiste com as violências fora da casa e das relações conjugais e familiares expressando dinâmicas de uma criminalidade violenta mais ampla sem prejuízo para as conotações misóginas da violência contra mulheres 216 também dentro do contexto das disputas entre grupos armados nos mercados ilícitos violência policial e repressão política que marcam a história moderna da América Latina Apesar de não serem praticadas sempre no contexto do lar e da intimidade as múltiplas violências perpetradas contra as mulheres nos contextos de disputas de gangues acertos de contas do crime organizado e violência política teriam conteúdos expressivos relacionados à negação da autonomia feminina e à expressão de uma identidade masculina que se afirma pela violência física PORTELLA RATTON 2015 PIMENTA 2014 Segundo Pasinato 2011 o femicídio é uma violência letal motivada por ódio contra a mulher Segundo o discurso que seria dominante nas ciências sociais os femicídios são generalizados como consequência do patriarcado ou dominação masculina uma visão pela qual as mulheres são sempre fixadas na posição de vítimas passivas o que contribui para naturalizar as relações de poder e para considerar as situações concretas de opressão feminina como inescapáveis O problema segundo Pasinato 2011 é a generalização do mesmo modelo de femicídio para todos os casos sem atenção para as coordenadas de classe idade contextos e circunstâncias dos crimes seus autores e suas vítimas Pois não é sempre que o modelo canônico de violência patriarcal se aplica sendo necessária uma atenção maior para identificar matizes e nuances As relações entre homens e mulheres devem ser vistas como dinâmicas de poder e não posições estáticas de domínio e subordinação que devem observadas de uma perspectiva não naturalista sociológica histórica e cultural As experiências da condição masculina e feminina são diferenciados entre as sociedades épocas e entre os vários estratos de uma mesma sociedade e da mesma forma a vivência da violência Considerar quase todos os assassinatos que vitimam mulheres como femicídio ou feminicídios indiscriminadamente é homogeneizar situações diversas entre si o que não contribui para a sua explicação Apesar de a maioria das mortes de mulheres por agressão corresponder em alguma medida ao tipo ideal do feminicídio é preciso atenção às causas e contextos específicos como por exemplo a crescente participação feminina nas atividades ligadas aos mercados ilícitos No Brasil a mortalidade de mulheres por agressão se dá em maior proporção dentro do domicílio e os meios mais comuns utilizados são a arma de fogo seguida 217 de armas brancas e de estrangulamento A vitimização fatal de mulheres jovens foi relativamente mais comum que em outras idades com predomínio da segunda e terceira décadas de vida Existe uma semelhança grande entre as mulheres assassinadas e as vítimas de violências domésticas e conjugais não letais atendidas por serviços de urgência e emergência No entanto relativo à incidência é preciso ter cautela pois as variações da mortalidade por eventos cuja intenção é indeterminada mostra uma associação negativa com as taxas de morte por agressão SOUZA et al 2017 Comparandose as mulheres com e sem notificação prévia de violência antes de serem vítimas de homicídios dolosos ou feminicídios verificase que as primeiras possuem um risco relativo várias vezes maior de serem assassinadas padrão que é observado em várias idades e por vários tipos de violência previamente notificadas Mulheres negras de baixa escolaridade são as principais vítimas tanto de agressões sexuais e físicas não letais quanto de assassinatos Entre os agressores identificados estão uma grande proporção de familiares amigos e conhecidos sobretudo cônjuges atuais ou anteriores sendo a residência ou proximidades os locais mais comuns do evento fatal e as armas brancas e de fogo o instrumento mais recorrente Estes resultados mostram que entre as mulheres vitimadas por agressões letais é frequente uma trajetória anterior de violências físicas morais e sexuais muitas vezes repetidas e uma situação de precariedade socioeconômica mas também atestam a fragilidade da rede de atendimento e proteção disponível para estas mulheres BURUFALDI et al 2017 O conceito da violência contra a mulher como quase exclusivamente doméstica e conjugal3 no entanto é questionável tendo em vista o crescente envolvimento feminino com a criminalidade relacionada ao tráfico de drogas ilícitas Longe de uma simples soma onde mortes decorrentes de disputas e acertos de contas do tráfico de drogas ilícitas somamse aos crimes domésticos e feminicídios É provável que neste crescimento operem de modo articulado elementos da subordinação de gênero e raça e da situação socioeconômica em contextos 3 Exceto é claro quando se tratam de crimes de latrocínio e mortes por balas perdidas no fogo cruzado dos confrontos armados envolvendo disputas entre grupos criminosos e violência policial 218 de criminalidade urbana o que cria uma nova condição de vítima para as mulheres Essa condição não pode ao menos a princípio nem ser imediatamente identificada com a vítima de crimes passionais nem com os homens vítimas da violência criminosa PORTELLA NASCIMENTO 2014 p 51 Dessa forma MENEGHEL HIRAKA 2011 identificaram uma relação positiva e significativa das mortes de mulheres por agressão com a taxa de natalidade a taxa de homicídios dolosos masculina e o percentual de religiosos pentecostais entre a população Os resultados apontam que de um lado há uma forte conexão entre os homicídios que vitimam homens e os que vitimam mulheres sendo possível especular que os mesmos fatores possam ter impactos significativos e no mesmo sentido mas em escalas diferentes quanto a vítimas masculinas e femininas No entanto também apontam causalidades específicas já que a taxa de natalidade e o percentual de pentecostais como variáveis independentes que levam ao crescimento dos feminicídios sugerem que o predomínio de concepções de gênero e família tradicionalistas e patriarcais que parecem associadas tanto ao papel de mulheres como reprodutora levando a maior número de filhos por mulher quanto à visão cristã fundamentalista que valoriza a submissão e docilidade femininas Por outro lado os mesmos indicadores poderiam ser interpretados como expressão de uma precariedade socioeconômica mais dura que resulte em menor acesso a informação e métodos contraceptivos e no mesmo sentido a busca por conforto laços e salvação religiosos diante de uma realidade muito dura de privações e ameaças materiais Em um estudo econométrico MOREIRA et al 2016 identificam que as mulheres mais vitimadas por violência doméstica são aquelas residentes nas áreas rurais de baixa escolaridade sem filhos homens e que recebem o Programa Bolsa Família enquanto que para os homens agressores destas mulheres é fator de risco a situação de desemprego e fator protetivo a maior idade O efeito não intencional do Programa BolsaFamília é interpretado como uma oportunidade para os parceiros agressores de usar a força física e a intimidação para arrancar de suas companheiras o dinheiro recebido por intermédio do programa de auxílio Os autores 219 não cogitam por outro lado que a violência também possa ser uma reação contra as pretensões de autonomia e independência adquiridas por mulheres que recebem o benefício Em resumo o crescimento geral dos assassinatos de mulheres no Brasil entre os anos 1990 e 2000 pode ser interpretado como uma conjuntura complexa que articula relações de gênero classe social e étnicoraciais com prevalência das situações ligadas à violência doméstica e ao tráfico de drogas ilícitas O feminicídio é o assassinato contra mulheres motivado por ódio de gênero misoginia ligado ou à violência sexual eou à pretensão de propriedade sobre a mulher A motivação não é considerada patológica mas inscrita nos valores patriarcais ou misóginos do assassino e presumidamente também de terceiros que se identifiquem com as motivações do criminoso o que muitas vezes inclui familiares das vítimas e integrantes dos órgãos policiais e judiciais Considerar que se trata apenas de um ato patológico individual equivale a negar o seu sentido social e político Isso porque o femicídio é prática recorrente sob a dominação masculina o que pode motivar uma certa seletividade na maneira como a imprensa a polícia e o judiciário lidam com os casos É possível que até mesmo exista uma contradição às vezes a melhoria da situação das mulheres em comparação com os seus parceiros pode levar à violência reativas dos segundos contra as primeiras No entanto a violência entre os homens e a violência contra as mulheres estão ligadas pois sociedades violentas cultivam valores como o machismo e a solução privada violenta de conflitos pessoais Além disso os casos de violência contra a mulher são cada vez mais ligados também à dinâmica dos mercados ilícitos e organizações criminosas que usam a violência como instrumento da busca por lucro Femicídios podem ser ligados à violência doméstica e conjugal mas também à violência sexual e ao tráfico de mulheres ações nas quais a coisificação da mulher é radical e pode motivar a eliminação da vítima depois do uso forçado do seu corpo seja para ocultar o estupro cometido seja porque a mulher explorada pelo tráfico de pessoas não era considerada mais lucrativa O maior crescimento no entanto parece ligado ao tráfico de drogas ilícitas o que não exclui uma superposição de motivações nestes contextos levando à confusão de causas pois apesar de ligados 220 ao tráfico de drogas ilícitas estes assassinatos de mulheres muitas vezes também exibem características misóginas com requintes de crueldade abuso sexual e desfiguração do corpo sugerindo que o assassinato de mulheres mesmo no contexto de disputas entre grupos criminosos adquire conotações simbólicas de machismo e misoginia 73 METODOLOGIA Foram coletados dados referentes às regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre abrangendo as macrorregiões Norte Nordeste Sudeste e Sul ficando de fora apenas a CentroOeste A escolha das unidades de corte transversal e do comprimento da série temporal foi orientada pela disponibilidade dos dados mas felizmente as regiões correspondem também aproximadamente às maiores em termos populacionais e representam quase todas as regiões brasileiras exceto o CentroOeste As séries obtidas abrangiam estas nove regiões entre os anos de 1992 e 2014 O objetivo é analisar a causalidade estrutural da violência intencional contra mulheres nas metrópoles brasileiras usando a vitimização feminina por homicídios intencionais e feminicídios como variável dependente e um conjunto de variáveis independentes que indiquem tanto características dos mercados ilícitos acesso a armas uso de drogas e socioestruturais gerais renda média setor público na economia crescimento demográfico e urbanização e desigualdade de gênero relativas a renda domiciliar emprego e escolaridade Corrigimos a taxa de homicídios de mulheres pela seguinte conta somamos o número de mortes por agressão e operações de guerra Em seguida calculamos a proporção relativa às mortes por causas por causas definidas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes com causas mal definidas Repetimos o mesmo mas agora com mortes violentas cuja intenção é conhecida agressões autoprovocadas e acidentais e sequelas e multiplicamos o resultado pelo número de mortes violentas por intenção indeterminada Ambos os produtos foram somados ao número de mortes por agressão e operações de guerra ou intervenção legal e a 221 partir disso calculamos o número por 100 mil habitantes Utilizamos o recorte de gênero em todas as etapas Consideramos então que a proporção de mortes por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais notificados sobre as mortes com causa definida e que a proporção de mortes violentas por intenção indeterminada que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção de homicídios intencionais sobre mortes por causas externas cuja intenção é determinada A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas Para selecionar as variáveis independentes executamos uma análise de componentes principais com todas as variáveis disponíveis escolhendo as que mostravam maiores valores e adequação ao problema empírico criando ainda algumas variáveis relativas a desigualdades de gênero para capturar a discriminação econômica que esperamos ser correlata à violência misógina A seguir um quadro resumindo os proxies escolhidos para representar as variáveis de interesse 222 Quadro 23 Estatísticas descritivas metrópoles e vitimização feminina Variável Descrição Fonte TxAjFemicidios19922014 taxa de mulheres vítimas de homicídios e femi nicídios por 100 mil mulheres ajustada pela subnotificação proporção de mortes por inten ção indeterminada que são homicídios é igual à proporção entre mortes por agressão e mortes por causas externas e proporção de mortes por causas mal definidas que são homicídiosfemini cídios é igual à proporção entre mortes por agressão e mortalidade geral SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE TxAjHomicidios 19922014 Taxa geral de homicídios calculada como a variável anterior SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE armasdefogo 19922018 Média entre as proporções de mortes intencio nais por suicídio e por homicídio que são come tidos com armas de fogo Índice Cook proxy para o acesso amplo a armas de fogo SIMDATASUS suicidioPAF19922018 Razão percentual dos suicídios cometidos com armas de fogo sobre o total proxy para a posse de armas de fogo em domicílios SIMDATASUS txabusodrogas 19922018 proporção de mortes por uso de alcool e drogas ilícitas por 1 milhão habitantes SIM DATASUS estimativas populacionais do IBGE Setorpublico 19922018 Valor adicionado per capita a preços constantes da administração defesa educação e saúde públicas e seguridade social IPEADATA razaorendagenero 19922014 Razão percentual entre a renda domiciliar per capita dos domicílios chefiados por homens e por mulheres proxy de desigualdade de acesso a renda PNAD IBGE Rendafamiliar 19922014 renda média domiciliar per capita PNAD IBGE Urbanizacao 19922014 proporção da população que reside em áreas urbanas e sedes municipais PNAD IBGE crescpop5anos 19922018 variação percentual da população em 5 anos Estimativas populacionais do IBGE desempregohomens 19922014 Percentual de homens 16 anos sem emprego remunerado e buscando uma ocupação PNAD IBGE desempregomulher 19922014 Percentual de mulheres 16 anos que não tem emprego remunerado e buscam um PNAD IBGE Rendafeminina Renda média domiciliar per capita das mulheres PNAD IBGE 223 Variável Descrição Fonte 19922014 Rendamasculina 19922014 Renda média domiciliar per capita dos homens PNAD IBGE Coletaesgoto 19922014 Percentual da população residente cuja moradia possui esgotamento sanitário PNAD IBGE Escolaridade 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente adulta PNAD IBGE escolaridademulher 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente feminina adulta PNAD IBGE escolaridadehomens 19922014 Número médio de anos de estudo da população residente masculina adulta PNAD IBGE desigempregogenero 19922014 Razão percentual entre o desemprego feminino e masculino proxy de desigualdade de acesso a trabalho remunerado PNAD IBGE desigedugenero 19922014 Razão percentual entre o número médio de anos de estudo formal das mulheres e dos homens adultos proxy de desigualdade de acesso à educação PNAD IBGE Fonte Elaboração própria Algumas das variáveis podem parecer autoevidentes outras são de utilização mais rara para não dizer inédita especialmente as que tentam capturar a prevalência relativa da opressão de gênero em um contexto Segue um pequeno comentário sobre as proxies e sua motivação A mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas representando a demanda por psicoativos e estilos de vida associados ao seu consumo especialmente aos mais potencialmente letais como o crack a cocaína e o álcool alimentando tanto os mercados ilícitos e suas disputas territoriais armadas quanto crimes instrumentais para bancar o consumo compulsivo e a crimes expressivos favorecidos pelos efeitos psicofísicos das substâncias CERQUEIRA 2010 JORGE 2018 GOLDSTEIN 1985 RATTON e PORTELLA 2015 A proporção de suicídios por arma de fogo e a média entre as proporções de suicídios e de homicídios intencionais por arma de fogo são duas proxies consagradas para o acesso a armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 224 2004 A proporção de suicídios por arma de fogo é considerada o padrão ouro da literatura e está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região CERQUEIRA 2010 HEPBURN HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Porém não informa quantas armas nem o poder de fogo nem a munição disponível nem dá conta de armas de outras fontes como o contrabando e por isso usamos também a média entre proporções de suicídios e homicídios por arma de fogo sobre os respectivos totais conhecido como índice Cook na esperança de capturar a oferta de armas de fogo de quaisquer fontes HEMENWAY et al 2000 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 O valor adicionado per capita pelo setor público isto é a contribuição ao produto interno bruto PIB pelas diversas atividades estatais obtida pela soma dos salários dos servidores consumo intermediário dos órgãos públicos transferências via seguridade social e resultado das empresas públicas representando a presença socioeconômica local do Estado A renda média domiciliar per capita pode ser relacionada a oportunidades para obtenção de renda pelos atores tanto criminais quanto laborais como também aos padrões de consumo de referência e ao potencial de arrecadação estatal À urbanização é às vezes atribuída o efeito de facilitar a prática criminal pela maior dificuldade de controle social em áreas densamente povoadas intensa circulação de pessoas e mercadorias Por outro lado áreas urbanas poderiam melhorar a autonomia pessoal feminina pelo distanciamento de valores tradicionalistas que seriam mais fortes na área rural O crescimento populacional é um indicador clássico para inferir a instabilidade e heterogeneidade sociodemográficas provocadas pelo afluxo de migrantes resultando em sobredemanda por serviços públicos e moradia superoferta de força de trabalho e fragmentação sociocultural criando um contexto favorável à delinquência pela fragilidade dos controles sociais comunitários Diferenças de renda domiciliar per capita desemprego e escolaridade entre os homens e mulheres são consideradas como proxies de discriminação de gênero influenciando no acesso feminino a renda emprego e educação 225 formal De início realizamos uma análise descritiva da variável dependente e um conjunto de análises bivariadas que serão resumidas em um só quadro A seguir construímos a análise multivariada Como os dados são estruturados como painel balanceado aplicamos um teste de dependência de corte transversal e um teste de Hausmann concluindo que o Painel de Efeitos Fixos é o melhor modelo para explicar a vitimização feminina por homicídios intencionais e feminicídios A utilidade deste método é identificar as especificidades permanentes de cada unidade analítica podendo ser considerada uma constante própria somada ou subtraída à constante geral para cada unidade Sendo assim consideramos que a taxa de assassinatos de mulheres numa região metropolitana num dado trimestre é igual a uma constante geral mais ou menos um constante unitária mais a soma do produto do o valor de cada uma das variáveis naquela região e trimestre multiplicada pelo coeficiente beta de cada variável mais um erro aleatório no seguinte formato YijConstanteEfeito fixojB1X1ijB2X2ijBkXkijEij Sendo Y a taxa de homicídios dolosos os Xk os proxies selecionados e construtos gerados Utilizamos o método PCSE panel corrected standard errors de Beck Katz 1995 para corrigir a heterocedasticidade comum nos modelos de dados em painel e obter estimativas mais eficientes Se o efeito fixo é útil para controlar os efeitos das singularidades locais o modelo de painel dinâmico é usado para o controle do viés causado pela autocorrelação temporal das taxas de homicídios intencionais a dependência de trajetória do nível de crimes letais intencionais Construímos painéis dinâmicos pelo método generalizado dos momentos em diferença GMMDif em um passo obtendo apoio do teste de Sargan para esta especificação 226 74 RESULTADOS As séries temporais de cada metrópole podem ser vista logo a seguir e por elas constatamos que houve variações diferenciadas nas unidades ao longo do tempo com destaque para a curva em forma de sino de Recife Rio de Janeiro e São Paulo e o aumento geral nos últimos anos das demais séries Figura 17 Séries temporais das taxas ajustadas de homicídios de mulheres e feminicídios nas metrópoles brasileiras 19922014 Fonte Elaboração do autor a partir de dados do DATASUS e IBGE Logo abaixo expomos as estatísticas descritivas da variável dependente simples e ajustada e das variáveis explicativas 227 Quadro 24 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 923 Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjFemicidios19922014 577 541 229 0703 113 TxAjHomicidios 19922014 436 405 197 853 951 armasdefogo 19922018 450 456 711 221 631 suicidioPAF19922018 15177 12500 96245 095238 42520 txabusodrogas 19922018 286 265 145 472 902 Setorpublico 19922018 252e0 03 246e00 3 830 100e00 3 450e00 3 razaorendagenero 19922014 102 102 667 709 143 Rendafamiliar 19922014 8980 8643 2564 4260 1526 Urbanizacao 19922014 952 972 768 560 998 crescpop5anos 19922018 611 579 419 441 191 desempregohomens 19922014 851 820 282 330 165 desempregomulher 19922014 129 128 412 450 235 Rendafeminina 19922014 105e0 03 104e00 3 303 503 170e00 3 Rendafamininaa 19922014 112e0 03 108e00 3 313 517 196e00 3 Coletaesgoto 19922014 802 870 151 370 969 Escolaridade 19922014 756 760 0862 540 930 escolaridademulher 19922014 745 750 0908 550 920 escolaridadehomens 19922014 763 760 0867 530 940 razaorendagenero 19922014 102 102 667 709 143 desigempregogenero 19922014 154 152 0195 114 205 desigedugenero 19922014 103 103 00389 0934 112 Fonte Elaboração própria com dados do IBGE IPEA e DATASUS Uma hipótese presente na literatura é que a violência contra mulheres está associada à violência contra homens pois ambas tem em sua maioria autores similares os próprios homens Dessa maneira a prevalência de disposições violentas entre a população favoreceria os assassinatos tanto de homens quanto de mulheres já que a mesma propensão à agressão pode ser voltada contra outros homens ou contra mulheres dependendo das situações e circunstâncias A regressão bivariada apoia esta hipótese a cada 1 assassinato de homens jovens por 100 mil habitantes aumenta em 0014 a taxa de vitimização letal feminina A seguir o gráfico 228 Figura 18 Taxas ajustadas de assassinatos de mulheres e de homens jovens Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE A violência entre homens jovens de classes baixas é comumente atribuída ao consumo e tráfico de psicoativos especialmente os ilegais pois o tráfico de drogas ilícitas forneceria tanto motivações controle territorial eou extorsão dos traficantes quanto os meios armas ilícitas compradas por grupos criminosos imediatos para a violência Mulheres poderiam ser vítimas diretas ou indiretas da violência ligada ao tráfico de drogas ilícitas e a oferta de armas de fogo também facilitaria violências de gênero ou instrumentais contra mulheres Por outro lado mulheres não deixaram de ser vítimas de agressões no contexto de relações de gênero motivadas por estereótipos e crenças o que expressaria atitudes patriarcalistas que também motivam a discriminação econômica e restrição de acesso à educação Na análise bivariada o proxy para a discriminação de gênero no mercado de 229 trabalho mostrou efeitos positivos e significativos sobre o nível de violência na regressão linear simples ou seja quanto maior a prevalência de desemprego feminino em comparação ao masculino também é maior a violência letal intencional contra mulheres O mesmo resultado positivo e significativo apoiando as hipóteses foi verificado quanto ao consumo de psicoativos a oferta de armas de fogo O crescimento populacional quinquenal e a escolaridade média tiveram efeitos contrários ao esperado respectivamente associados ao crescimento e à redução da violência letal contra mulheres Já a renda domiciliar média o setor público local a urbanização o esgotamento saniário as desigualdades de renda domiciliar e de escolaridade entre homens e mulheres não foram significativas 230 Figura 19 Regressões loglin simples com diversas causas da vitimização letal intencional de mulheres Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE Em seguida apresentamos a matriz de correlação das variáveis independentes 231 Figura 20 Matriz de correlação das variáveis independentes Fonte elaboração do autor com dados do DATASUS e IBGE No modelo de regressão multivariada com painel de efeitos fixos algumas variáveis mudaram de sinal ou tornaramse significativas ou pelo contrário deixaram de ser significativas Os proxies para consumo de drogas ilícitas oferta de armas de fogo Índice Cook e razão do desemprego femininomasculino mantiveram o sinal esperado e a significância As desigualdades de renda domiciliar e de escolaridade por gênero e a renda domiciliar média se mantiveram sem significância A urbanização tornouse significativa e com sinal negativo estando associada mantendo o resto constante à redução da violência letal dolosa contra mulheres O crescimento demográfico manteve o sinal mas perdeu significância enquanto a administração pública per capita tornouse significativa com sinal negativo como esperado ou seja mantendo o resto constante o crescimento do setor público reduz a violência contra mulheres O modelo alcançou 46 de poder explicativo com as dummies unitárias 28 de explicação da variação interna das metrópoles Matriz de correlação 01 0501 01 06 02 02 06 01 04 06 10 000100 00 04 02 02 07 01 02 10 06 00 03 02 00 04 00 040402 10 0204 02 01 02 00 02 01 00 01 10 02 01 01 01 00 02 00 03 03 05 10 01 04 07 06 01 02 00 02 02 04 10 05 00 04 02 02 02 05 000100 10 04 03 01 00 02 02 02 0202 01 10 00 02 03 02 04 04 06 010201 10 01 0102 00 00 00 00 01 00 00 10 010200 00 02 02 020001 05 10 000202 05 02 00 01 03 0105 10 05 00 01 02 02 01 01 02 0000 01 Escolaridade Coletaesgoto crescpop5anos Urbanizacao rendadomiciliar setorpublico razaoedugenero desigtrabgenero razaorendagenero txabusodrogas suicidioPAF armasdefogo armasdefogo suicidioPAF txabusodrogas razaorendagenero desigtrabgenero razaoedugenero setorpublico rendadomiciliar Urbanizacao crescpop5anos Coletaesgoto Escolaridade 1 05 0 05 1 232 Quadro 25 Efeitosfixos usando 207 observações Variável dependente lTxAjFemicidios Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 354739 183240 1936 00889 armasdefogo 00110450 000461020 2396 00435 txabusodrogas 000950199 000228697 4155 00032 Urbanizacao 000968769 000344859 2809 00229 crescpop5anos 00142438 000908136 1568 01554 Coletaesgoto 000420387 000406682 1034 03315 Escolaridade 0102071 00575317 1774 01140 setorpublico 00184858 000529317 3492 00082 rendafamiliar 00423345 00261321 1620 01439 desigempregogenero 0382012 0163618 2335 00478 desigedugenero 159387 129722 1229 02541 razaorendagenero 000077284 5 000474777 01628 08747 Média var dependente 1664470 DP var dependente 0443309 Soma resíd quadrados 2195479 EP da regressão 0342645 Rquadrado LSDV 0457689 Dentro de Rquadrado 0279352 Log da verossimilhança 6149388 Critério de Akaike 1629878 Critério de Schwarz 2296421 Critério HannanQuinn 1899422 rô 0579926 DurbinWatson 0790786 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F11 8 724894 com pvalor PF11 8 724894 000467755 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 822 780935 com pvalor PF8 822 780935 956703e08 Com o uso do percentual de suicídios que são cometidos por arma de fogo como proxy para a prevalência dos armamentos letais constatamos ainda outras 233 alterações nos resultados O indicador de armas de fogo perdeu a significância porém a escolaridade tornouse significativa e com sinal negativo favorável à nossa hipótese e o setor público per capita não alcançou significância a 95 Quadro 26 Efeitosfixos usando 207 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 23 Variável dependente lTxAjFemicidios Erros padrão de Beck Katz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 426974 184337 2316 00492 suicidioPAF 000923905 000417780 2211 00579 txabusodrogas 000931636 000246705 3776 00054 setorpublico 00128974 000581214 2219 00573 rendafamiliar 00325362 00271405 1199 02649 razaorendagenero 000274609 000488588 05620 05895 desigempregogenero 0405113 0166424 2434 00409 desigedugenero 129018 130189 09910 03507 Urbanizacao 000876093 000363131 2413 00423 crescpop5anos 00126028 000897963 1403 01981 Coletaesgoto 000412992 000395621 1044 03270 Escolaridade 0148801 00617084 2411 00424 Média var dependente 1664470 DP var dependente 0443309 Soma resíd quadrados 2193885 EP da regressão 0342520 Rquadrado LSDV 0458083 Dentro de Rquadrado 0279875 Log da verossimilhança 6141868 Critério de Akaike 1628374 Critério de Schwarz 2294917 Critério HannanQuinn 1897918 rô 0632827 DurbinWatson 0693111 Teste conjunto nos regressores designados Estatística de teste F11 8 933513 com pvalor PF11 8 933513 000198459 Teste robusto para diferenciar interceptos de grupos Hipótese nula Os grupos têm um intercepto comum Estatística de teste Welch F8 823 487521 com pvalor PF8 823 487521 606407e05 234 Usando o de painel dinâmico novamente testamos dois modelos um com cada proxy para o acesso a armas de fogo Em ambos a escolaridade média teve sinal negativo e o uso de drogas positivo ambos significativos logo apoiando as hipóteses O percentual de suicídios por arma de fogo como proxy do acesso a armamento letal teve sinal negativo e significativo no sentido contrário do esperado As demais variáveis não foram significativas nos painéis dinâmicos Quadro 27 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjFemi1 0691182 00462576 1494 00001 armasdefogo 000329359 000592332 05560 05782 txabusodrogas 000792753 000179004 4429 00001 razaorendage 000339222 000420101 08075 04194 desigtrabgen 000177169 000185126 09570 03386 razaoedugene 000408911 00141849 02883 07731 setorpublico 000265796 000433398 06133 05397 rendadomicili 000126590 00145851 008679 09308 Urbanizacao 000216572 000453261 04778 06328 crescpop5anos 500684e05 000965876 0005184 09959 Coletaesgoto 000271223 000286252 09475 03434 Escolaridade 00801054 00373891 2142 00322 Soma resíd quadrados 2368234 EP da regressão 0365785 Número de instrumentos 164 Testar erros AR1 z 260745 00091 Testar erros AR2 z 0444034 06570 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 146048 06208 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 235 Quadro 28 Painel dinâmico em 1 passo usando 189 observações Incluídas 9 unidades de corte transversal Matriz H de acordo com OxDPD Variável dependente lTxAjFemicidios Coeficiente Erro Padrão z pvalor lTxAjFemi1 0673590 00437845 1538 00001 suicidioPAF 000556363 000245568 2266 00235 txabusodrogas 000720615 000123592 5831 00001 razaorendage 000290060 000447172 06487 05166 desigtrabgen 000173033 000179747 09626 03357 razaoedugene 000197687 00126906 01558 08762 setorpublico 0000830516 000318813 02605 07945 rendadomicili 000390167 00160930 02424 08084 Urbanizacao 000166341 000357450 04654 06417 crescpop5anos 0000102170 000927228 001102 09912 Coletaesgoto 000266424 000293656 09073 03643 Escolaridade 0114549 00322545 3551 00004 Soma resíd quadrados 2291501 EP da regressão 0359810 Número de instrumentos 164 Testar erros AR1 z 26157 00089 Testar erros AR2 z 0394552 06932 Teste de Sargan para a sobreidentificação Quiquadrado152 149786 05356 Teste de Wald conjunto Quiquadrado0 NA 75 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS O dilema já encontrado na revisão se repete aqui Seriam os assassinatos de mulheres uma expressão da violência patriarcal tradicional pela qual os homens possessivos exterminam mulheres que tentam deixálos desobedecêlos ou substituílos Ou seria o envolvimento ou proximidade destas mulheres com a criminalidade violenta em especial do tráfico de drogas ilícitas e prevalência de armas de fogo a razão verdadeira do aumento da violência letal e dolosa contra mulheres Os resultados mostram que as hipóteses não se excluem mutuamente mas se complementam para explicar as variações na vitimização feminina por crimes letais intencionais Mais precisamente parece evidente que a violência patriarcalista 236 motivada pela atitude de mando masculino persiste nos contextos metropolitanos mas cada vez mais coexiste e por vezes se sobrepõe à violência dos grupos criminosos armados gangues milícias facções etc que operam nos mercados ilícitos especialmente no tráfico de drogas aproveitandose das fragilidades e contradições da atuação estatal para obter renda por meio da violência Apesar da motivação em geral econômica das gangues e milícias armadas não podemos esquecer que seus integrantes também são portadores de valores e atitudes sociais entre os quais a primazia do sucesso financeiro e um estilo agressivo e impositivo de masculinidade o que favorece o uso da violência como meio de controlar a retaliar o comportamento das mulheres em especial as mais próximas deles Se mulheres podem ser mortas por assaltantes executadas devido a dívidas com o tráfico de drogas ou atingidas por balas perdidas de confrontos armados também podem ser mortas por companheiros ou estupradores que atuam no tráfico de drogas contrabando de armas extorsão roubo etc e possuem acesso a armas de fogo pela sua participação em grupos criminosos mas são motivados pelos mesmas atitudes patriarcalistas que feminicidas comuns Dentre as medidas de discriminação de gênero apenas a razão entre desempregos feminino e masculino teve efeitos significativos no sentido esperado Quanto maior a prevalência de valores patriarcalistas maior será a probabilidade de uma mulher qualificada para uma vaga ser preterida por um candidato homem com qualificações iguais ou até inferiores Com o tempo isso prejudicará a aquisição de experiência profissional pelas mulheres devido aos períodos mais longos de desemprego em comparação com os dos homens perpetuando a desvantagem e aumentando a chance de uma mulher experimentar consequências derivadas do desemprego e rotatividade como períodos de dependência financeira queda de autoestima busca por meios ilícitos para obter renda e uso de psicoativos para aliviar o sofrimento psíquico Este resultado é favorável à hipótese de que a prevalência de crenças e ideologias patriarcalistas pode afetar negativamente tanto as oportunidades econômicas quanto a vulnerabilidade à violência das mulheres Já a razão da renda familiar per capita entre famílias chefiadas por homens e por mulheres não foi significativa assim como a razão entre escolaridade média masculina e feminina 237 Pode ser apenas que o desemprego seja um proxy mais eficiente que a renda domiciliar enquanto os efeitos emancipadores esperados da maior educação podem ser dependentes da situação do mercado de trabalho As proxies utilizadas para o consumo mórbido de psicoativos prevalência de armas de fogo Índice Cook e para a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho tiveram sinal positivo e significativo com efeitos consistentes tanto na análise bivariada quanto na multivariada por efeitos fixos ou seja tanto o tráfico de drogas quanto o preconceito de gênero estão associados aos assassinatos de mulheres podendo ser considerados interligados respectivamente com o envolvimento feminino ativo e passivo nos mercados ilícitos e com a prevalência de valores e atitudes patriarcais sem prejuízo para a coincidência de ambos os fatores em numerosos casos de assassinatos de mulheres Exceção foi o acesso a armas de fogo cujo sinal dependeu do proxy utilizado sendo o Índice Cook quase sempre significativo e positivo e o percentual de suicídios por armas de fogo às vezes significativo mas sempre negativo Além disso modelos com um ou outro dos proxies tiveram resultados diferentes para algumas variáveis o que sugere mediações e moderações Em especial a perda de significância no painel dinâmico do Índice Cook que tivera melhores e mais esperados resultados em outros modelos pode sugerir que o nível de violência contra a mulher e a prevalência de armas de fogo sejam fortemente entrelaçados a associação com armas de fogo é comum à masculinidade violenta e aos grupos criminais armados Inversamente os resultados do outro indicador sugerem que a simples existência de armas de fogo em domicílios pode ser de menor importância ao menos em contextos nos quais há outros canais para o acesso a armas de fogo e munições Outras variáveis também tiveram mudanças de significância ou de sinal quando testadas na regressão simples e múltipla A perda de significância pode ser interpretada como efeito de mediação da variável acrescentada pela que perdeu o efeito enquanto a inversão do sinal seria uma evidência de moderação da que foi alterada pela que foi acrescentada Assim urbanização a escolaridade e a administração pública tiveram efeitos negativos e significativos em parte dos modelos ou seja urbanização e escolaridade tiveram uma inversão de sinal e o 238 setor público per capita adquiriu significância A urbanização passou a reduzir a vitimização letal feminina o que poderia ser interpretado como um efeito protetor das mudanças de estilo de vida e mentalidade possivelmente associados à urbanização em contraposição à maior prevalência de atitudes patriarcalistas no meio rural devido ao maior tradicionalismo e interconhecimento existente em contextos agrários Da mesma forma o resultado em alguns modelos que indicaram efeitos protetivos da escolarização geral independente da razão entre escolaridades médias dos homens e pela das mulheres sugere que a educação secular e universal pode ser um veículo de difusão e consolidação de valores contrários à violência contra a mulher Mas tais efeitos da educação e da urbanização só se verificaram após controle por outras variáveis como o consumo de álcool e drogas ilícitas a força econômica do setor público e o acesso a armas de fogo e a discriminação de gênero no mercado de trabalho As despesas públicas primárias por sua vez mostraram um potencial protetor quando controladas por outras variáveis por representarem a prestação de serviços e implementação de políticas que agem sobre diversas causas do crime violento aludidas na literatura prestação de apoio social público e regulação dos mercados desmercantilizando parcialmente a força de trabalho O efeito negativo e significativo nos modelos de efeitos fixos pode ser atribuído ao controle de fatores que dependem da ação do Estado como escolaridade saneamento básico e drogadição o que poderia ser interpretado como um controle parcial para a qualidade do gasto público direto Ou seja mantendo a efetividade das políticas estatais constante o aumento da despesa pública direta per capita provoca uma redução dos crimes letais intencionais contra mulheres Por outro lado o financiamento do Estado local é parcialmente dependente de impostos indiretos que incidem sobre o consumo das famílias O controle seria neste caso o quanto o Estado consegue adquirir de outras receitas o quão eficiente é para cobrar impostos e evitar a sonegação Neste sentido o aumento do valor adicionado pelo setor público controlado pela renda das famílias poderia ser tanto uma medida de eficiência administrativa quanto de estatização econômica De todo modo o indicador e seus efeitos ceteris 239 paribus sobre a taxa ajustada de homicídios de mulheres por si mesmos não permitem distinguir se a eficácia estatal contra a violência se dá por meio dissuasão policial da criminalidade violenta PORTELLA e DO NASCIMENTO 2014 BECKER 1968 ou pelo contrário pela ampliação do apoio social e regulação socioeconômica administrados pelas instituições públicas MESSNER ROSENFELD 1997 FRASER 2011 CULLEN 1995 De todo modo alterações qualitativas das políticas públicas sejam de dissuasão policial ou de provimento ou regulação socioeconômica pertencem em grande parte aos efeitos fixos de cada metrópole ou aos erros não explicados da mesma forma que erros de medida e dinâmica sociocultural 76 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos argumentos e dados sobre a violência letal intencional contra mulheres nas regiões metropolitanas de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre Os argumentos discutidos inicialmente apontavam para dois mecanismos principais que geram violência contra a mulher resultando em taxas de mortes no nível agregado temos de um lado uma violência patriarcalista doméstica ou conjugal pela qual os homens impregnados de disposições para o exercício da dominação masculina utilizam a agressão física direta para expressar e obter controle sobre o corpo feminino e intimidar suas parceiras atuais e passadas dentro de uma lógica segundo a qual o homem tem posse sobre a mulher e pode usar da violência física privada para limitar a autonomia feminina e controlar seu comportamento chegando até a dispor da vida da sua mulher podendo vir a assassinála O feminicídio viria como culminância de uma trajetória de agravamento de agressões físicas e psicológicas masculinas às vezes também mútuas e as práticas de violência do homem contra a mulher contaria com uma aprovação tácita de muitas pessoas do convívio dos agressores ou das vítimas e até mesmo de autoridades e agentes públicos encarregados da prevenção investigação e punição de crimes Em ocasiões menos frequentes o assassinato é o resultado ou um meio para esconder a violência sexual cometida anteriormente contra a mesma vítima 240 Aqui os motivos de dominação sobre o corpo também aparecem porém sem necessariamente uma relação afetiva anterior entre agressor e vítima Outra hipótese complementar e contemporânea à da violência patriarcalista ou masculinista é que as mulheres também são cada vez mais vitimadas pela criminalidade violenta ligada a negócios ilícitos como o tráfico de drogas ilícitas roubos e extorsão contrabando de armas de fogo e da violência policial muitas vezes empregada para reprimir tais crimes Com a entrada no mercado de trabalho porém em condições de precarização e desigualdade de classe raça e gênero muitas mulheres se inclinariam a buscar meios ilegais de obter renda e também proteção pessoal em contextos de alta violência como são muitas favelas e periferias brasileiras como o tráfico de drogas ilícitas tornandose traficantes ou parceiras de traficantes As mulheres neste contexto de precariedade social e mercados ilícitos estariam expostas à violência dos grupos criminais inimigos e da repressão policial Até mesmo mulheres não envolvidas mas residentes em áreas em disputa armada poderiam ser atingidas por disparos oriundos de confrontos e acertos de contas as balas perdidas No entanto é possível e muito provável que as motivações da violência contra a mulher às vezes se sobreponham e reforcem mutuamente na medida em que indivíduos envolvidos em crimes instrumentais tráfico de drogas ilícitas roubos extorsão etc também podem ser parceiros possessivos e agressivos ou podem cometer violências sexuais e assassinar as vítimas para eliminar testemunhas Com os dados disponíveis a primeira hipótese acabou por ser mais difícil de verificar e exigiu a construção e teste de uma proxy Segundo a própria teoria social feminista o patriarcalismo é a forma de desigualdade de mais longa duração com origem mais longínqua e maior naturalização persistindo até mesmo após a conquista da igualdade jurídica entre homens e mulheres e aumento da participação feminina no mercado de trabalho Sendo assim persistiria por padrões de socialização familiar nas quais os papéis de gênero tradicionais são inculcados e reproduzidos de maneira habitual ou seja pré e anti reflexiva tornandose uma disposição psicossocial As definições só poderiam então ser captadas por atitudes e valores e no 241 caso pelo efeito agregado da prevalência de atitudes e valores como tentamos na razão entre o desemprego feminino e masculino e na razão entre renda domiciliar e escolaridade masculina e faminina O problema deste proxy é que pode tanto indicar a prevalência de atitudes misóginas gerando discriminação econômica e violência interpessoal contra mulheres quanto explicar parcialmente o envolvimento feminino no narcotráfico quando este é uma fonte de renda direta ou indireta A institucionalização de uma atitude patriarcal pode estar tanto nos empregadores quanto nas próprias mulheres socializadas muito mais para o trabalho doméstico não remunerado que para o trabalho assalariado De qualquer maneira foi apoiada a hipótese de que o maior desemprego feminino em comparação com o masculino e a taxa de assassinatos de mulheres estão associados ambos remetendo à prevalência de disposições patriarcalistas Esperamos porém que o modelo multivariado tenha sido eficaz para isolar parcialmente os efeitos da violência ligada aos mercados ilícitos dos efeitos da discriminação econômica de gênero e ambos dos efeitos preventivos dos serviços e políticas públicas e da educação 242 8 RAÍZES DA VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL CAUSAS DE CURTO E DE LONGO PRAZO DAS TAXAS DE HOMICÍDIOS INTENCIONAIS DAS GRANDES METRÓPOLES BRASILEIRAS ENTRE 2001 E 2018 A ideia de uma causalidade social estrutural sobre os homicídios intencionais nos remete à noção de que a violência pode responder a mecanismos persistentes que atuam no longo prazo e com efeitos que podem demorar para aparecer causando confusão sendo muitas vezes mediados ou condicionantes de causalidades mais conjunturais Neste capítulo desenvolvemos esta ideia por meio de uma análise multivariada das taxas de homicídios intencionais nas principais metrópoles brasileiras com dados de 1992 a 2018 distinguindo variáveis de curto prazo ligados a oportunidades diferenciais e de longo prazo ligados à formação de disposições comunidades e instituições Os resultados permitem vislumbrar a complexidade temporal da causalidade social da criminalidade violenta 81 APRESENTAÇÃO Na literatura sociológica e criminológica sobre violência há muitas vezes especulações à respeito de mecanismos sociais que operariam de maneira não imediata com efeitos que se prolongam no tempo ou que demoram para se fazer sentir Correlações meramente conjunturais entre indicadores sociais diversos e taxas de crimes violentos por isso não seriam totalmente adequadas para captar causalidades retardatárias que influiriam no contexto ao longo de processos duradouros de socialização aprendizado e difusão de valores disposições associações e práticas criminais violentas no contexto comunitário e institucional Nosso objetivo aqui é analisar o impacto dos mecanismos causais nos níveis agregados de homicídios dolosos nas principais metrópoles brasileiras combinando influências de variáveis contemporâneas no mesmo ano e do passado 10 anos antes na variação das taxas de homicídios intencionais Testamos a hipótese por 243 meio do aplicativo GRETL Gnu Regression Econometrics and TimeSeries Library usando variáveis independentes contemporâneas e defasadas em 10 anos Os resultados sugerem que as causas estruturais de longo prazo adicionam grande poder explicativo à análise e são muitas vezes mediadas ou moderadoras das variáveis de curto prazo 82 CAUSAS DA VIOLÊNCIA NO PRESENTE E NO PASSADO A carreira delinquente é construída ao longo da trajetória do sujeito na passagem por diversas situações intersubjetivas levando às transições de papéis sociais adotados pelo indivíduo em relação aos diversos grupos com os quais interage e participa Estes sucessivos grupos e situações dependem decisivamente da posição de classe da sua família da mesma forma que do gênero e da geração As possíveis características hereditárias que explicariam a agressividade interpessoal pois são selecionadas ativadas ou reprimidas por processos de interação social Nestes o indivíduo é inicialmente passivo na infância e com o desenvolvimento na adolescência se torna ativo na maturidade pela incorporação de compromissos e pela transição de papéis sociais de criança para os de adulto Assim na trajetória pessoal é possível que as prédisposições genéticas agressivas sejam inibidas ou estimuladas desde a socialização primária na infância até a maturidade MATSUEDA HEIMER 1997 HEIMER MATSUEDA 1994 A importância dos processos de socialização para a explicação da criminalidade violenta fora percebida por Merton 1938 e por Sutherland 1955 que apresentaram propostas teóricas diferentes para a interpretação Merton 1938 enfatizou que o comportamento desviante expressa contradições estruturais entre as metas e objetivos da ação social que são legitimados pela cultura dominante e a estrutura de oportunidades legítimas para a realização dos propósitos hegemônicos no sistema social Da tensão estrutural entre as aspirações hegemônicas e as oportunidades legítimas poderiam advir quatro tipos desviantes a inovação quando os fins são aceitos mas o ator busca meios alternativos para realizálos o ritualismo no qual fins são rejeitados mas os meios 244 legítimos são praticados ritualmente a desistência em que fins hegemônicos e meios legítimos são ambos rejeitados e a rebelião pela qual o ator procura transformar a própria ordem social que dá origem à tensão estrutural Já para Sutherland 1955 o comportamento desviante era aprendido como técnicas e justificativas aprendidas pela interação em grupos informais de pares O desvio não seria característica do indivíduo mas da sua trajetória de vida na qual associações que se diferenciavam da ordem convencional predominam A criminalidade devia ser explicada de maneira similar ao comportamento convencional segundo o conceito de organização ou associação diferencial segundo o qual haveria grupos informais presentes em vários estratos sociais e nichos territoriais que se associariam para ações delinquentes Parece claro que ambas as perspectivas são complementares Merton não identifica quais seriam os mecanismos que decidiriam qual o tipo de desvio social predominaria entre o grupo social em questão enquanto Sutherland não especificou qual seria a origem das culturas desviantes apenas o mecanismo de transmissão por interação Para Cloward e Olihn 1960 as ações criminosas exigem uma explicação maior que a disjunção entre as metas culturais e as oportunidades legítimas pois este mecanismo não informa qual seria a forma tomada pelo desvio É preciso considerar ainda que são necessárias para a produção da delinquência um conjunto de oportunidades criminais que possam ser usadas obter ganhos pessoais Em parte isso está implícito em Merton quando ele define três tipos ideais de anomia em relação às finalidades e oportunidades legítimas sendo apenas um deles a inovação atribuível ao crime instrumental Mas o próprio termo inovação define o crime uma ação com meios originais e minimiza a questão do acesso aos meios ilegítimos Também Sutherland parecia mostrar consciência do problema ao definir a questão da associação diferencial que promove o aprendizado e apoio práticos para a performance criminosa A existência prévia e o mecanismo de difusão interacional de técnicas criminais supõe implicitamente a percepção da oportunidade criminal No entanto nenhum dos dois considerou explicitamente que há estruturas de oportunidades ilegítimas paralelas às oportunidades legítimas e que a tensão social e associação diferencial exigem meios ilegítimos para se 245 tornarem efetivas na produção da criminalidade Caso contrário seria difícil responder à pergunta por que o indivíduo cometeu um roubo em vez de um suicídio ou adesão a um movimento radical E esses meios ilegítimos estão ligados às subculturas criminais resultantes de processos de acomodação especialização e transmissão de práticas criminosas entre delinquentes de diferentes idades como resposta ao meio social existente relacionando os valores convencionais aos valores desviantes Retomando a conexão entre criminalidade e classes subalternizadas estabelecida teoricamente por Merton Cloward e Olihn consideram que as oportunidades ilegítimas dependem da estrutura social da favela slum para relacionar os valores delinquentes aos valores convencionais criando laços entre diferentes gerações de ofensores e dando origem às subculturas criminal do conflito e desistente Pesquisas empíricas brasileiras apontam para a conexão da concentração territorial de homicídios intencionais com a atuação de grupos de criminosos às vezes chamados de gangues de facções ou capazes de recrutar jovens pobres para atuar em negócios ilícitos e disputas violentas que ocorrem sobretudo em áreas de concentração de desvantagens sendo importante notar que a organização em questão não é só um grupo de indivíduos cometendo crimes como também contribui para a constituição da identidade e estilo de vida dos jovens integrantes CHAGAS 2014 e 2015 BEATO 1998 MACEDO et al 2001 FREITAS 2018 Estes grupos estão em constante conflito pelo controle local de mercados ilícitos Não obstante são hierárquicas e interligadas a redes internacionais de ilícitos As redes criminosas seriam os meios de apoio e difusão de comportamentos violentos entre jovens pobres que ocupariam apenas as posições mais arriscadas e visíveis da economia ilícita diferentes dos grupos que atuam nos pontos mais lucrativos protegidos e discretos dos negócios ilícitos PAIVA 2014 ZALUAR 1996a e 1996b MARRA 2008 COUTO 2017 e 2018a e 2018b ZILLI 2015 NUNES PAIM 2005 LOURENÇO ALMEIDA 2013 RATTON DAUDELIN 2017 MACHADO NORONHA 2002 CANO DUARTE 2012 DIAS 2013 SCHABACH 2008 SILVA SOUZA 2016 246 Estas análises empíricas apoiam e ultrapassam a teoria das oportunidades ilegítimas associadas às subculturais criminosas baseadas nas favelas formulada por Cloward e Olihn Isto porque indicam que as conexões diretas e indiretas da violência dos grupos armados nas áreas de favelas e periferias urbanas são mais amplas que os laços entre pares e gerações de delinquentes pobres Uma perspectiva importante e que enfatiza especificamente a socialização como origem da delinquência é a dos laços sociais e autocontrole De acordo com Hirschi 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 a propensão à violência é inversamente proporcional aos laços sociais entre o indivíduo e a sociedade com relações de compromisso envolvimento afetividade e convicção construídas na convivência no âmbito da família escola vizinhança trabalho igreja etc A principal ligação é a família a relação primária no sentido temporal e de importância para a formação das disposições individuais de autocontrole A obediência às normas tem certa racionalidade uma vez que a prática de crimes pode prejudicar laços sociais convencionais A propensão à criminalidade está ligada à incapacidade de adiar a satisfação à busca por gratificações imediatas mesmo que assumindo o perigo de uma punição ou retaliação mais tarde A capacidade de adiar a gratificação que é exigida pelo estudo e pelo trabalho deriva do autocontrole que é desenvolvido na convivência social primeiramente a coexistência familiar Pais negligentes tendem a criar filhos com baixo autocontrole que não conseguem exercer a moderação necessária para adiar gratificações imediatas e investir tempo em satisfações futuras que exigem maior prazo como ocorre com os frutos do estudo e do trabalho Nem sempre o baixo autocontrole resulta na prática de crimes violentos embora esteja associado com frequência ao fracasso escolar e à instabilidade no trabalho e nas conexões afetivas e íntimas A teoria do autocontrole foca nas microrrelações que condicionam o desenvolvimento da personalidade com destaque para a família e suas capacidades de supervisão e cuidado dos filhos de maneira que o controle social brando exercido por pais professores etc desenvolva o autocontrole Processos macrossociais que condicionam a própria estrutura institucional da família escola trabalho e cidade são menos consideradas A teoria parece mais verossímil em relação aos crimes por impulso e ocasião entre os quais crimes de baixo potencial ofensivo e crimes violentos Também relativo aos 247 diferenciais de gênero com a predominância masculina no crime violento parece verossímil considerar que diferenças de educação com a supervisão mais restritiva sobre as meninas que sobre os meninos a fraqueza dos laços sociais e do autocontrole seja considerada Por outro lado a ambição de generalidade é questionável pois nem todos os crimes são necessariamente impulsivos e a própria relatividade do que é crime punível varia muito de acordo com o contexto Um exemplo são os crimes de colarinho branco que exigem conhecimento técnico planejamento e uma posição estratégica em organizações e mercados Até mesmo roubos a bancos por exemplo exigem planejamento cuidadoso que não se enquadra numa criminalidade impulsiva HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Com base nas perspectivas avançadas por Hirschi e Gottfredson Rolim 2014 analisou a formação de atitudes em jovens violentos mostrando a relevância do estudo das disposições para a violência entre os jovens especialmente os efeitos da exclusão escolar das situações violentas na família dos pares delinquentes Noutra pesquisa MOREIRA et al 2013 a exposição à violência em adolescentes de uma comunidade metropolitana pobre constatou que os jovens mais vulneráveis à violência tinham menos escolaridade e maior absenteísmo escolar pais provedores que consumiam bebidas alcoólicas e amizades que desagradavam seus pais evidências que apoiam a ideia de que o o compromisso com os estudos e a ausência a amizades que desagradam os pais e provedores que não consomem bebidas alcoólicas servem como relativa proteção contra situações de violência entre jovens e adolescentes Estes resultados corroboram a teoria de Hirschi e Gottfredson mas também com a perspectiva de aprendizado social Os já citados estudos sobre gangues também dão conta de dinâmicas de fragilização familiar e de aprendizado da violência em ambientes hostis levando à união de jovens em grupos No entanto as análises sobre gangues em geral as situam no contexto da economia do narcotráfico enfatizando as oportunidades ilícitas de renda criadas pelo comércio ilegal de drogas ao lado da socialização secundária nos grupos criminosos com menor atenção à trajetória da socialização familiar e escolar dos jovens integrantes das gangues A perspectiva dos laços sociais além disso teria a vantagem de explicar a disposição para ações violentas mesmo de pessoas não 248 envolvidas no tráfico varejista de drogas ilícitas como ocorre com os crimes de homicídios intencionais classificados como banais ou passionais entre conhecidos Cullen 2006 considera que a principal categoria de prevenção eficiente dos crimes violentos é o apoio social cuja relação com as taxas de delinquência violenta é inversamente proporcional Comparada à noção de laços sociais de Hirsch comentada acima a categoria de apoio social é mais abrangente e consegue apreender as transformações ocorridas nas diversas instituições sociais Por outro lado o apoio social não aborda a questão da imposição de limites comportamentais O apoio social é compreendido como as disposições instrumentais e expressivas percebidas ou reais fornecidas pela comunidade redes sociais e parceiros de confiança LINN 1986 p 18 apud CULLEN 2006 p 582 Da definição podemse abstrair três elementos a sua pertinência em níveis contextuais diversos a distinção entre apoio instrumental acesso a renda e serviços e apoio expressivo simbólico e afetivo e a provisão tanto por agências organizadas formais públicas ou privadas quanto por laços informais Assim a maior provisão de apoio social tem como efeito prevenir a entrada na delinquência e estimular o abandono de carreiras criminais O apoio social pelo Estado e redes associativas contrapõese às causas de crimes violentos como a experiência social de crescer numa vizinhança violenta ou do encarceramento precoce A percepção da ausência de apoio pode precipitar o desenvolvimento de carreiras delitivas e favorecer a reincidência enquanto a percepção de uma rede de apoio social inibe as práticas criminais violentas Tratase de um conceito estrutural não é apenas a atitude individual expressa por exemplo na filantropia e trabalho voluntário que amplia o apoio social mas principalmente uma ampla rede social organizada incluindo o Estado associações e famílias CULLEN 1995 O nível de apoio social explica segundo Cullen 1995 porque os Estados Unidos possuem um maior nível de criminalidade violenta que outros países de desenvolvimento econômico similar como o Japão e a Europa Ocidental a sociedade estadunidense seria menos estruturalmente voltada para o apoio social principalmente aos mais desfavorecidos e mais comprometida com os valores associados ao individualismo econômico Na perspectiva do apoio social portanto a 249 ação estatal tem um efeito importante sobre a criminalidade violenta não só como monopólio estatal da violência legítima exercendo pressão vertical contra a violência interpessoal e pelo autocontrole no sentido de Elias 2011 como também pelo apoio social às crianças famílias e jovens O estudo de Cerqueira De Moura 2019 sobre a conexão entre oportunidades escolares e de emprego e os homicídios intencionais liga a percepção de baixas oportunidades para o próprio grupo à motivação econômica para cometer crimes O assassinato pode ser resultado não esperado de crimes patrimoniais pode ser um instrumento de controle dos mercados ilícitos tráfico de drogas ou pode ser o primeiro passo de uma carreira delinquente que vai dos crimes de menor potencial ofensivo aos mais graves Além disso o trabalho e a educação implicam em laços sociais que fortalecem as convicções normativas e oferecem recompensas atuais e futuras A análise sobre os municípios brasileiros mostrou que a a renda possui efeitos ambivalentes que se anulam pois de um lado representa melhoria da remuneração do trabalho por outro aumenta a expectativa de ganhos com os crimes b a inclusão escolar possui efeitos consistentes de redução dos homicídios intencionais pois diminui a pressão sobre o mercado de trabalho ocupando jovens nos estudos envolve os jovens em interações com os professores e com outros jovens que buscam melhorar de vida pelo estudo desenvolvendo valores de esforço e respeito e melhora as perspectivas futuras de oportunidades econômicas c a desocupação possui efeitos significativos de aumento dos homicídios intencionais e inversamente a melhoria das oportunidades no mercado de trabalho afasta os homens da criminalidade e reduz a taxa de homicídios em toda a população independentemente da remuneração CERQUEIRA DE MOURA 2019 p 24 Diversas análises encontraram associações consistentes e negativas entre a renda e a escolaridade e a taxa de homicídios intencionais isto é quanto menor a renda e escolaridade maior a taxa de homicídios intencionais ao nível intramunicipal ao nível de bairro ou áreas revelando uma associação entre a concentração de pobreza e analfabetismo e a concentração de crimes contra a pessoa SOUZA et al 2014 SCHABBACH 2016a PORTELLA et al 2019 PAIM et al 1999 SILVA COSTA LAUDERMIR 2009 ANDRADE et al 2011 e 2009 250 MANSANO 2013 Também as análises longitudinais sobre a conexão entre desigualdade econômica e taxas de crimes contra a pessoa e contra a propriedade mostram os efeitos da privação relativa sobre taxas de roubos furtos e homicídios intencionais mas não para estupros e agressões físicas revelando os limites da ideia de privação relativa como explicação geral da criminalidade RUFRANCOS PICKETT WILKINSON 2013 No entanto a nível municipal a taxa de homicídios intencionais não parece relacionada à pobreza mas sim paradoxalmente à riqueza e à concentração da população e atividade econômica apesar de em nível micro os delitos comuns de rua serem cometidos principalmente por pessoas de posição socioeconômica mais baixa sobretudo homens e jovens e relativo aos crimes contra a pessoa nos locais de moradia mais desprovidos de serviços públicos como saneamento básico e acesso à justiça BEATO 1998 LIMA et al 2000 ZALUAR 2007 A ligação do crime com a riqueza e a urbanização sugere que teorias da oportunidade criminal tem algum valor heurístico BEATO 1998 CERQUEIRA MOURA 2019 embora Almeida e Guanzirolli 2013 sugiram que tais teorias são bastante limitadas em relação aos crimes intencionais contra a vida Um panorama mais amplo mostra que a privação relativa medida por índices de desigualdade de renda ou de desemprego é só uma das explicações possível sendo o mecanismo da privação relativa insuficiente para dar conta da complexidade das condições estruturais que favorecem ou inibem as agressões letais SOUZA SILVA SOUZA 2018 Diversos estudos no Brasil apontam para a ligação entre homicídios intencionais e a ação de grupos mais ou menos organizados de jovens dedicados a negócios ilícitos reunidos em torno de lideranças e possuidores de seus próprios códigos de conduta práticas delitivas e justificativas morais construídas no contexto da marginalização socioeconômica e da atividade criminosa ZALUAR 1996a e 1996b ZILLI 2015 CANO DUARTE 2012 DIAS 2013 RATTON DAUDELIN 2017 As mesmas análises não deixam de constatar os efeitos da privação relativa e absoluta para a explicação dos crimes intencionais contra a vida e os elos diretos e 251 indiretos das gangues armadas locais com redes de negócios ilícitas mais amplas sugerindo certa relação entre criminalidade violenta e a financeira e administrativa O mecanismo da associação diferencial também se relaciona ao processo de aprendizado apoio e justificação das práticas de violências ilegais contra pobres acusados de cometer crimes como ocorre nos casos de linchamentos cometidos por multidões MARTINS 2015 e na prática seletiva da violência policial MARRA 2008 NUNES PAIM 2005 MACHADO NORONHA 2002 praticados em contextos territoriais e organizacionais específicos sobretudo favelas e bairros periféricos urbanos nos quais é possível identificar a difusão de definições culturais que favorecem a justiça privada as punições sumárias e a vingança individual e coletiva levadas a cabo por meios extremos assassinato ou tortura mas sempre em nome de valores da preservação da ordem local e das posses dos particulares Pratt Godsay 2003 alegam que os mecanismos de apoio social anomia institucional e tensão geral explicam resultados semelhantes na conexão entre gasto social desigualdade econômica e violência criminosa Usam o homicídio intencional como proxy para a criminalidade violenta utilizam a proporção do PIB em relação ao gasto público em saúde pública como proxy do apoio social a razão de renda entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre da população como indicador de privação relativa a razão de homensmulheres a urbanização e o IDH como covariatas instrumentais para controlar a confusão de efeitos Constatam que os indicadores de apoio social e desigualdade econômica têm efeitos significativos no sentido esperado sobre a taxa de homicídios intencionais Concluem apontando a necessidade de buscar uma integração entre as teorias da anomia institucional apoio social e tensão geral 83 DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS E DO MÉTODO O objetivo é construir modelos com variáveis independentes contemporâneas mesmo ano da variável dependente e defasadas em 10 anos As variáveis independentes contemporâneas ligamse à oferta de armas à demanda mórbida por drogas à urbanização densidade e ao desemprego definindo uma estrutura 252 conjuntural de oportunidades diferenciais legítimas e ilegítimas Tratamse de condições que recompensam motivam ou facilitam o crime não só instrumental como também devido a frustrações As variáveis defasadas em 10 anos indicam favores que influem tanto no processo de socialização de crianças e jovens em especial entre classes mais desfavorecidas quanto no desenvolvimento e consolidação dos laços e apoios sociais comunitários e institucionais capazes de prevenir e controlar a formação e associações criminais e disposições violentas entre os jovens Por isso entre as causas de longo prazo consideramos relevantes os indicadores relativos à família à desigualdade econômica aos serviços urbanos básicos e à escolaridade que podem ser relacionados à transmissão intergeracional e intrageracional de valores sociais A família e a educação também são relevantes como construção de laços sociais e associações positivas enquanto a desigualdade econômica além da disparidade de renda entre as famílias ocasionando frustração pela percepção da desigualdade de oportunidades pode ser correlacionado juntamente com o acesso aos serviços urbanos básicos à segregação socioeconômica que contribui para enfraquecer seletivamente a coesão social fragilizando a efetividade normativa de instituições sociais e comunidades de famílias e bairros Nossa hipótese é que diferente do desemprego que é percebido de maneira mais direta pelos grupos desfavorecidos a desigualdade econômica é sentida mais por suas consequências desintegradoras no longo prazo enquanto os laços familiares e a educação influem na formação de disposições contrárias à violência O efeito defasado ao longo do tempo se dá por isso mediante a formação de comunidades e instituições fortes ou de subculturas criminais e violentas Apesar de passar pela formação da personalidade dos jovens que virão a se envolver ou não na criminalidade violenta a causalidade postulada é por isso de nível comunitário e sistêmico Para ajustar a taxa de crimes letais intencionais utilizamos o seguinte método consideramos homicídios intencionais as mortes por agressão as mortes por intervenção legal e operações de guerra uma fração das mortes violentas por 253 intenção indeterminada igual à proporção entre mortes por agressão e intervenção suicídios e acidentes e uma fração das mortes por causas mal definidas igual a proporção entre as mortes por agressão e intervenção e o conjunto das mortes por causas conhecidas naturais e violentas A fórmula usada foi a seguinte TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000Pop Na qual Hi são Homicídios Intencionais agressões e intervenções legais ou operações de guerra Mvid são Mortes Violentas com Intenção Conhecida agressões suicídios acidentes e intervenções legais ou operações de guerra Mvii são Mortes violentas por por intenção indeterminada Mcc são mortes por causas conhecidas e Mcid são mortes por causas desconhecidas A seguir um quadro resumindo as variáveis 254 Quadro 29 Descrição e fonte das variáveis metrópoles 19922009 20012018 variável descrição fonte TxAjHomicidios 19922018 Soma das mortes por agressão por intervenção legal e operações de guerra e de uma proporção de mortes violentas indeterminadas e das mortes por cau sas mal SIMDATASUS e estimativas popu lacionais do IBGE Txabusodrogas 19922018 mortes por consumo de álcool cocaína maconha alucinógenos e drogas sintéti cas por milhão de habitantes SIMDATASUS e estimativas popu lacionais do IBGE Armasdefogo 19922018 Média entre as proporções de suicídios e de homicídios com armas de fogo suicídios PAFsuicídioshomicídios pafhomicídios2 SIMDATASUS SuicídiosPAF 19922018 proxy da presença de armas de fogo nos domicílios obtida pelo percentual de suicídios que foram cometidos com armas de fogo suicídios PAFsuicídios SIMDATASUS Desemprego 19922018 Proporção da população economica mente ativa que não tem ocupação remunerada e está procurando uma IBGE e IPEADATA Densidadepopulacional19922018 Razão entre população e área em km² estimativas popu lacionais e área das microrregiões do IBGE e IPEADATA crescpop10anos19922018 Razão percentual entre a população no ano e no décimo ano anterior estimativas popu lacionais do IBGE monoparentfeminina 19922008 percentual de domicílios cuja pessoa de referência é do gênero feminino IBGE PNAD altaescolaridade 19922008 percentual de pessoas adultas que com anos de estudo iguais ou maiores que 12 anos IBGE PNAD DesigGini 19922008 Razão percentual entre a renda média dos brancos e dos negros IBGE PNAD Acessoaguaestatal 19922008 Percentual de pessoas sem acesso à rede geral de distribuição de água na residência IBGE PNAD Fonte Elaborado pelo Autor Realizamos primeiramente uma análise descritiva com os parâmetros básicos de todas as variáveis de interesse e as séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais Em seguida testamos cada variável com as respectivas temporalidades prédefinidas com o método de regressão de Mínimos Quadrados Ordinários MQO bivariada Por fim construímos um modelo com as variáveis contemporâneas entre si entre 1992 e 2018 depois adicionamos sequencialmente um conjunto de variáveis defasadas em 10 anos 255 84 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS EMPÍRICOS As estatísticas descritivas mostram que o ajuste da taxa de aumentou em 6 por 100 mil habitantes o número médio e mediano de homicídios intencionais Além da taxa de homicídios cuja média foi 436 chegando a até 95 por 100 mil habitantes e nunca abaixo de 85 são dignos de nota a persistência e amplitude da desigualdade de renda o baixo percentual médio de pessoas que completaram o ensino básico e prosseguiram os estudos e o percentual expressivo de pessoas sem acesso à água encanada na residência dentro dos principais centros econômicos e administrativos do país As medidas básica de posição e dispersão das variáveis estão descritas no quadro a seguir 256 Quadro 30 Estatísticas Descritivas usando as observações 101 927 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx TxAjHomicidios 1992 2018 436 405 197 853 951 armasdefogo 1992 2018 450 456 711 221 631 suicidioPAF 1992 2018 15177 12500 96245 0952 38 42520 Txabusodrogas 1992 2018 286 265 145 472 902 Desemprego 1992 2018 108 106 342 380 195 densidpopulacional 19922018 759 582 494 128 188e003 crescpop10anos 19922018 180 154 955 185 419 desiggini 19922015 0560 0559 00400 0454 0661 Altaescolaridade 1992 2014 137 131 430 650 258 monoparentfeminina 19922014 340 337 731 181 509 Acessoagua 1992 2014 898 905 843 636 988 Fonte elaboração própria com dados do IBGE IPEADATA e DATASUS As séries temporais mostram tendências díspares entre as metrópoles analisadas Enquanto Rio de Janeiro Recife e São Paulo tiveram uma queda gradual e expressiva da violência criminal letal Belém Fortaleza Salvador e Porto Alegre tiveram um aumento expressivo das taxas de homicídios intencional Belo Horizonte e Curitiba por sua vez começaram o período com aumentos expressivos que foram seguidos por quedas contínuas que fizeram Curitiba voltar ao mesmo patamar e Belo Horizonte chegar a um nível de violência menor do que em 2001 257 Figura 21 Resumo das séries temporais das taxas ajustadas de homicídios intencionais nas metrópoles brasileiras de Belém 1 Fortaleza 2 Recife 3 Salvador 4 Belo Horizonte 5 Rio de Janeiro 6 São Paulo 7 Curitiba 8 e Porto Alegre 9 entre 1992 e 2018 Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Nas regressões simples contra a hipótese a presença de armas de fogo em domicílio mostrouse negativamente associada à taxa ajustada de homicídios intencionais Mas a outra medida de arma de fogo Índice Cook mostrouse positiva e significativa conforme postulamos O consumo mórbido de drogas e álcool teve efeito positivo e significativo sobre a taxa de homicídios intencionais no curto prazo como esperado Também conforme à hipótese o nível de desemprego tem sinal positivo e significativo sobre a taxa de homicídios no mesmo ano Da mesma forma a densidade populacional exibiu sinal positivo e significativo Contra a nossa hipótese o crescimento demográfico decenal teve sinal negativo e significativo O índice Gini da desigualdade de renda domiciliar como 258 esperado aumenta a taxa de homicídios intencionais no décimo ano seguinte No mesmo sentido a proporção de domicílios chefiados por mulheres exige associação positiva e significativa com a taxa de homicídios intencionais no décimo ano seguinte conforme esperado O acesso a água encanada mais básico serviço coletivo urbano e o percentual de pessoas com 12 ou mais anos de escolaridade formal por sua vez mostraram sinal negativo e significativo o que dá apoio à hipótese empírica Abaixo um resumo dos modelos de regressão simples Figura 22 Resumo das regressões bivariadas metrópoles brasileiras 1992 2018 e 1992200120092018 Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS As correlações entre as variáveis independentes foram fracas ou moderadas em sua maioria Uma exceção foram os dois indicadores para a presença de armas de fogo que tem correlação de 50 entre si mas não foram usadas 259 simultaneamente e o crescimento e densidade populacionais que tiveram associação negativa de 50 Por isso testes de fatores de inflação de variância FIV foram aplicados sem mostrar problemas grades de multicolinearidade Figura 23 Matriz de correlação variáveis contemporâneas Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Para as variáveis defasadas em 10 anos vemos uma correlação negativa de 70 entre desigualdade de renda e percentual de pessoas com escolaridade acima do ensino básico como também entre escolaridade e monoparentalidade positiva a 50 Mais uma vez utilizamos o teste FIV para verificar problemas de multicolinearidade que não se mostraram sérios 260 Figura 24 Matriz de correlação variáveis defasadas Fonte elaborado pelo Autor com dados do IBGE e DATASUS Vamos agora à análise multivariada O índice Cook de acesso a armas de fogo manteve significância e sinal positivo em todos os 5 modelos Desemprego consumo de psicoativos e crescimento populacional mantiveram o sinal e significância da análise bivariada mas a densidade a perdeu O acréscimo da desigualdade econômica mostrou sinal positivo e significativo e tirou a significância do consumo de psicoativos mas tornou a densidade significativa com sinal contrário ao esperado e à análise bivariada O próprio índice Gini porém perdeu a significância ao adicionarmos o percentual de pessoas com 12 ou mais anos de estudo que teve sinal negativo e significativo como esperado Depois foi a vez do desemprego perder significância com a inclusão da monoparentalidade feminina que também tornou insignificante a densidade populacional Por fim o acréscimo do 261 acesso à água tornou insignificante o crescimento populacional Mantiveramse relevantes portanto o acesso a armas de fogo a alta escolaridade a monoparentalidade feminina e o acesso à rede de água todos com o sinal esperado Quadro 31 MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios 19922018 Erros padrão de BeckKatz 1 2 3 4 5 const 2668 07278 3002 2768 2777 02549 04121 07189 06677 06812 armasdefogo 001813 002976 002814 003195 003781 0003475 0007582 0005828 0005662 0005735 txabusodrogas 0005350 0001952 0001665 00006352 0001529 0001989 0001855 0001601 0001481 0001878 densidpopulacional 2550e05 00002930 00002415 00001309 4113e05 00001144 00001051 8623e05 8342e05 9233e05 Desemprego 003469 002522 001570 0003477 0005740 0008804 0005426 0004891 0005763 0006096 crescpop10anos 001838 001110 001746 0008993 0005627 0004655 0003385 0003734 0003795 0004571 desiggini10 3332 09504 005248 02602 1029 1184 1095 1141 Altaescolaridade10 005686 006654 005040 001078 001093 001411 monoparentfeminina10 002054 001993 0004373 0004387 Acessoagua10 0009381 0003758 n 243 153 153 153 153 Adj R2 02431 03612 04284 04696 04826 lnL 1408 5248 4345 3719 3476 Erros padrão entre parênteses significativo ao nível de 10 por cento significativo ao nível de 5 por cento significativo ao nível de 1 por cento 262 Mudando o indicador de acesso a armas de fogo os resultados são alterados ligeiramente O indicador de armas manteve o sinal da bivariada inesperado e negativo e o consumo de drogas só se mostrou significativo a 90 abaixo do critério habitual de 95 Desemprego e crescimento populacional mantiveram a significância e o sinal da análise multivariada A adição da desigualdade econômica com sinal positivo e significativa como esperado tornou sem significância o indicador de armas de fogo e tornou significativa a densidade populacional com sinal invertido ao da análise bivariada e da hipótese O indicador de escolaridade tornou não significativa a desigualdade econômica e a monoparentalidade feminina afetou a significância do desemprego O acréscimo do acesso à rede de água não alterou o sinal e significância das demais variáveis Restaram significativas a densidade e crescimento populacionais com sinais contrários às hipóteses e o percentual de pessoas adultas com 12 ou mais anos de escolaridade e o percentual de famílias chefiadas por mulheres com sinais esperados 263 Quadro 32 Estimativas MQO agrupado Variável dependente lTxAjHomicidios I II III IV V const 39 19 41 39 39 018 043 081 077 073 000 000 000 000 000 suicidioPAF 0012 00073 00029 00033 00030 00037 00061 00049 00054 00053 001 027 057 056 059 txabusodrogas 00039 00021 00017 000070 000089 00021 00023 00021 00020 00025 010 037 043 074 073 densidpopulacional 000015 000044 000038 000030 000031 000011 000011 90e05 87e05 84e05 020 000 000 001 001 Desemprego 0024 0025 0016 00075 00073 00096 00075 00060 00069 00073 003 001 003 031 034 crescpop10anos 0019 0014 0021 0015 0015 00037 00031 00041 00039 00043 000 000 000 000 001 desiggini10 40 16 098 094 092 12 11 13 000 020 041 047 Altaescolaridade10 0059 0070 0071 0015 0016 0019 000 000 001 monoparentfemi nina10 0016 0016 00052 00052 001 001 Acessoagua10 000074 00046 087 n 243 153 153 153 153 Adj R2 023 027 034 036 036 lnL 14e02 62 54 51 51 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes 264 significativo ao nível de 10 por cento significativo ao nível de 5 por cento significativo ao nível de 1 por cento 85 DISCUSSÃO DAS EVIDÊNCIAS Os modelos construídos testaram os efeitos de variáveis no mesmo ano 20012018 e no décimo ano anterior 19922009 à taxa de homicídios intencionais no período analisado Em geral as regressões simples tiveram resultados mais favoráveis às hipóteses com exceção apenas de um dos indicadores de acesso a armas de fogo enquanto as regressões multivariadas mostraram apoio misto em relação ao esperado A adição sequencial das variáveis defasadas em 10 anos ajudou a identificar a diferença dos sinais quando são acrescentadas passo a passo tanto em relação às variáveis contemporâneas da taxa de homicídios quanto em relação às demais variáveis independentes defasadas A posse de armas de fogo aumentaria a violência tanto por ser um meio de extração de renda e bens por meio de roubos e extorsão quanto por levar muitas brigas rixas e disputas entre indivíduos a desfechos fatais mas relativo a um dos indicadores utilizados porcentagem de suicídios por armas de fogo os efeitos foram contrários ao esperado na regressão simples e não significativos na multivariada com regressores defasados CERQUEIRA 2010 COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 Já o índice Cook média entre os percentuais de suicídios e de homicídios por armas de fogo teve sinal positivo e significativo em todos os modelos o que sugere que posse doméstica de armas por particulares pode ser muito menos relevante que o contrabando de armas e a violência policial Os resultados exigem cautela podendo indicar características apenas das grandes metrópoles brasileiras e do período analisado já que numerosos estudos obtiveram resultados diferentes usando a proporção de suicídios por armas de fogo HEPBURN e HEMENWAY 2004 HEMENWAY et al 2000 Verificamos que na regressão bivariada e múltipla o nexo entre violência e 265 drogas se confirma perdendo os efeitos quando controlamos pela desigualdade econômica 10 anos antes A demanda mórbida por drogas responde a vários fatores mas nossa evidência sugere que possa ser um efeito de longo prazo da desigualdade econômica o que pode ser relacionado ao tipo de desvio retracionista da tensão social MERTON 1938 AGNEW 1992 Hábitos e mercados ligados aos psicoativos são favoráveis à violência criminal seja por efeitos psicofísicos do uso seja pela prática de crimes instrumentais para aquisição de substâncias por consumidores compulsivos seja enfim pelos conflitos armados entre os grupos criminosos que disputam pontos de venda e posições de poder nos mercados ilícitos A alta lucratividade do narcotráfico também pode atrair a cobiça de atores com poder de extorquir e proteger traficantes contribuindo para incentivar a violência policial por meio da corrupção O próprio consumo mórbido de álcool e de drogas ilícitas porém parece ter uma conexão de longo prazo com a desigualdade econômica Isto nos lembra que além da delinquência uma consequência tipificada por Merton 1938 para as tensões sociais é o retraimento pela qual os atores sociais rejeitam tanto os meios institucionais quanto os fins socioculturais legitimados um percurso desviante que pode muito bem ser ligado ao uso mórbido de psicoativos No mesmo sentido Agnew 1992 considera que o uso de psicoativos pode ser um meio para muitas pessoas lidarem com as tensões socialmente vivenciadas entre as quais os sentimentos de injustiça e de frustração que podem ser atribuídos à percepção das desigualdades econômicas É possível ainda que as desigualdades não só de fato como ainda a sua legitimação políticoideológica promovam uma lógica socialdarwinista que é contrária à formação de laços comunitários mais amplos favorecendo a desmoralização das condutas no sentido de indiferença moral dos agentes quanto aos meios usados na ação social A perda de significância diante da inclusão do indicador educacional por outro lado sugere que a formação de laços disposições e acesso a oportunidades legítimas adquiridas por meio da educação no longo prazo contribui para controlar possíveis efeitos embrutecedores e criminogênicos das desigualdades econômicas Atestada na análise bi e multivariada no curto prazo a ligação entre desemprego e violência pode ser interpretada tanto diretamente pela exclusão que 266 implica tanto econômica quanto simbólica tanto individual quanto para a família do desempregado e tanto pela frustração social que gera quanto por aumentar a o número de jovens desempregados e desalentados nas vizinhanças podendo levar à formação ou ingresso de grupos de pares delinquentes enquanto jovens empregados terão renda estima e interações associadas ao próprio trabalho MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 CLOWARD OHLIN 2011 Porém estes efeitos desaparecem na regressão múltipla quando acrescentamos a desigualdade econômica a escolaridade e a monoparentalidade feminina defasadas em 10 anos É possível que conforme Cullen 1995 e Pratt e Godsay 2003 as formas familiares e institucionais de apoio social sejam capazes de moderar os efeitos do desemprego sobre os homicídios intencionais de modo que o crescimento do desemprego mantendo constantes a desigualdade a escolaridade e a monoparentalidade feminina não leve a aumento significativo dos homicídios intencionais Isso ocorre é claro pela cláusula ceteris paribus já que o próprio desemprego tem ligação com outros fatores econômicos como escolaridade e desigualdade O percentual de famílias cuja pessoa de referência é mulher é um indicador insatisfatório para a coesão familiar pois inclui também as mulheres que moram sozinhas sem filhos e famílias chefiadas por mulheres que são de fato estáveis e coesas O IBGE dispõe apenas do sexo biológico da pessoa de referência sem desagregar se são mulheres com ou sem filhos ainda menos se são mães solteiras ou viúvas Ainda assim o impacto da monoparentalidade feminina na violência no longo prazo é positivo e significativo em todos os modelos testados Uma mãe que cria sozinha os seus filhos geralmente dispõe de menos tempo e recursos para investir em cada um dos filhos reduzindo a capacidade familiar de apoio e supervisão Casais biparentais podem dividir as responsabilidades e somar as rendas beneficiando os filhos com maior atenção e recursos e por isso filhos destas famílias serão menos provavelmente autores ou vítimas de homicídios intencionais O percentual de famílias chefiadas por mulheres pode ser ainda um proxy da prevalência das separações ou da gravidez precoce bem como da ausência paterna em função do abandono ou mesmo da mortalidade ou encarceramento do pai 267 sendo as últimas hipóteses uma possibilidade de perpetuação intergeracional da criminalidade violenta e transmissão de efeitos da criminalização A ênfase na educação familiar e escolar como inibidora da violência é consistente com a associação significativa da prevalência do ensino médio completo e da monoparentalidade feminina com as taxas de homicídios intencionais no longo prazo Os arranjos familiares monoparentais parecem influenciar a criminalidade violenta por meio da sobrecarga da figura materna que acaba tendo a sua capacidade de apoio atenção e supervisão dos filhos reduzida aumentando a vulnerabilidade das crianças e jovens ao envolvimento precoce com a criminalidade Não se trata da figura feminina como chefe de família em si como na retórica da família tradicional mas do contexto e processo que geram a monoparentalidade muitas vezes resultante da gravidez precoce e abandono paterno ou da prisão ou morte dos pais e cônjuges fazendo da mulher a única responsável pelos filhos Possíveis efeitos da estigmatização ligada a todas estas situações também não podem ser subestimados Em resumo o mecanismo causal entre a monoparentalidade feminina e a violência criminal é o enfraquecimento nas capacidades familiares de apoio e controle social CULLEN 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 Cumpre observar ainda que a monoparentalidade é um dos fatores considerados sendo ainda necessário observar que pode ser compensada pelo aumento da escolaridade redução das desigualdades e qualidade e quantidade de serviços públicos no longo prazo assim como da redução do desemprego drogadição e acesso a armas de fogo no curto prazo A associação negativa entre a escolarização e a violência no longo prazo tem o mesmo sentido dos resultados para a monoparentalidade feminina ao indicar que a proporção de pessoas com ensino médio completo pode levar à redução da taxa de homicídios 10 anos depois Familiares mais escolarizados possuem acesso maior e mais qualificado à informação necessária para instruir supervisionar e apoiar os filhos e mais provavelmente terão ainda acesso a oportunidades de trabalho melhores e transmitirão aos filhos valores favoráveis à educação como um meio de ascensão social e desenvolvimento pessoal Trajetórias mais longas de escolarização exigem maior autocontrole 268 constituem laços sociais dentro das instituições de ensino entre colegas e entre professores e posteriormente melhoram ou nivelam as chances no mercado de trabalho e na capacidade de resolução dialogada ou juridicamente mediada de alguns conflitos interpessoais Finalmente considerase que maior prevalência de médios e altos graus de escolarização em uma comunidade aumentam a capacidade de associação e mobilização coletivos Ou seja a proporção de adultos 25 ou mais anos com 12 ou mais anos de estudo ensino médio completo pode ter efeitos preventivos de longo prazo contra a violência pela difusão de disposições para o autocontrole que são via de regra exigidas para percorrer um ciclo escolar mais longo bem como do capital cultural incorporado que é transmitido na convivência familiar sendo ainda digno de nota a convivência mais duradoura no âmbito da própria comunidade escolar o que poderia ainda afastar o jovem do contato com subculturas criminais A educação exerce um efeito protetor coletivo de impacto não imediato mas duradouro contribuindo para a redução da violência criminosa ao longo dos anos Novamente observamos uma convergência entre as categorias de laços sociais associação diferencial e tensão social no longo prazo o que reforça a necessidade de construção de abordagens multidimensionais na sociologia da violência e da criminalidade ELIAS 2011 MERTON 1938 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 CERQUEIRA MOURA 2019 CLOWARD OLIN 1960 SUTHERLAND 1955 CULLEN 1995 Das variáveis demográficas só a densidade populacional na análise bivariada teve sinal positivo e significativo corroborando a hipótese Porém quando testada conjuntamente com o desemprego consumo de psicoativos acesso a armas de fogo e crescimento demográfico a densidade perdeu a significância tendo até mesmo o sinal invertido para o negativo quando controlado por variáveis defasadas em 10 anos relativas à desigualdade escolaridade serviços urbanos e famílias monoparentais O crescimento populacional decenal quando significativo teve sinais negativos contrários ao esperado assim como a densidade populacional nas análises multivariadas Podese inferir que a atração de imigrantes seja uma característica de metrópoles mais dinâmicas e desenvolvidas Indo além e pensando os resultados 269 da densidade e crescimento populacionais que aquilo que é atribuído à urbanização ao adensamento e à heterogeneidade populacionais talvez seja apenas um efeito indireto e condicionado pela estrutura social da expansão urbana Em outras palavras a desorganização social não é tanto uma característica da aglomeração populacional urbana mas sobretudo uma consequência de longo prazo das desigualdades econômicas e exclusão educacional urbanas MERTON 1938 HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 CERQUEIRA MOURA 2019 CLOWARD OLIN 1960 CRUTCHFIELD 2006 O acesso à rede geral de água é um indicador negativo da exclusão e precariedade de serviços urbanos e por conseguinte de privação absoluta de um bem coletivo o que pode sinalizar um baixo desempenho social do Estado e estar associado à concentração de desvantagens socioeconômicas no espaço urbano o que nos remete mais uma vez aos mecanismos da tensão desorganização e apoio sociais O estado da infraestrutura urbana do bairro onde o indivíduo nasce e os de outros mais privilegiados também pode implicar na privação relativa pois seria uma comparação desfavorável para si em relação à situação dos outros sem que haja uma legitimação desta situação em função de talentos esforços ou outros tipos de justificação moral Finalmente a incapacidade de universalizar o acesso a um serviço coletivo tão básico pode indicar um comprometimento da capacidade administrativa do Estado para prestar serviços à população e implementar políticas públicas o que poderia ser a causa direta de falhas de controle e apoio social estatal quanto indiretamente de perda na confiança na eficácia das instituições públicas para apoiar o cidadão Isso também ocorre com a questão educacional e em parte com as desigualdades sociais embora tudo isso também dependa das prioridades políticas em vários níveis de governo que nem sempre tem a redução das desigualdades e elevação da educação na sua principal agenda Como os grupos criminosos florescem nos nichos de maior precariedade social ligada às privações socioeconômicas esperase que níveis mais altos de acesso à educação e a serviços urbanos e níveis mais baixos de desigualdade econômica e desagregação familiar contribuam para a redução da criminalidade violenta no longo prazo Isso porque produzem um contexto no qual o fortalecimento 270 de capacidades coletivas de laços comunitários é favorecido enquanto que a formação de disposições violentas e envolvimento criminal teria menor chance de prosperar ao menos no longo prazo Os resultados empíricos apoiam amplamente estas hipóteses HIRSCHI 2006 HIRSCHI GOTTFREDSON 2006 SUTHERLAND 1955 CLOWARD OLIHN 1960 SCHABBACH 2016a CHAGAS 2014 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 BEATO 1998 CRUTCHFIELD 2006 CULLEN 2006 A análise indicou pois que alguns preditores no curto prazo talvez seriam melhor explicados como impactos indiretos ou condicionados por determinantes no longo prazo como a prevalência de arranjos familiares biparentais desigualdades econômicas serviços coletivos e escolaridade dos adultos Como analisamos a conexão entre macrodeterminantes no curto e longo prazo e níveis agregados de violência criminal a formação de atitudes e associações conducentes aos homicídios intencionais foi formulada interpretativamente A formação de atitudes expressa uma trajetória incorporada uma internalização do próprio contexto metropolitano de socialização familiar escolar comunitária etc no qual mecanismos de tensão social aprendizado e apoio e controle sociais operam de maneira combinada e desigual com efeitos duradouros na formação de laços e capacidades legítimas difundindo as disposições contrárias à resolução violenta de conflitos entre particulares ou ao uso instrumental da violência para objetivos privados ou prestando apoio e exercendo controle Nesta perspectiva a violência criminal tem raízes mais profundas que as flutuações conjunturais da eficiência policial e dos mercados de trabalho e de ilícitos exigindo uma explicação institucional e comunitária formando trajetórias violentas individuais e coletivas CRUTCHFIELD 2006 BOURDIEU 2011 86 SÍNTESE DO CAPÍTULO Neste capítulo apresentamos uma análise mecanismos causais de curto e no longo prazo que podem explicar a variação dos níveis de criminalidade violenta nas metrópoles brasileiras Especial atenção foi dispensada às temporalidades diversas pelas quais estes mecanismos produzem a violência No curto prazo e na análise 271 bivariada o desemprego e o consumo de psicoativos mostraramse preditores de alterações significativas na taxa de homicídios intencionais no sentido das hipóteses postuladas Para o acesso a armas de fogo o resultado dependeu da proxy utilizada e o sinal negativo deve ser visto com cautela pois contraria a evidência acumulada e os próprios resultados com o outro indicador De toda maneira o indicador de armas de fogo que mais obteve significância entre os modelos foi o que apresentou sinal positivo o que corrobora a hipótese do acesso a armas de fogo como um facilitador de crimes violentos A densidade populacional teve efeitos inconsistentes mas ficou claro que o sinal positivo é condicionado por outras variáveis no curto e longo prazos enquanto o crescimento populacional teve efeitos contrários às expectativas Já a ligação entre desemprego e violência pode ser interpretada tanto diretamente pela exclusão que implica tanto econômica quanto simbólica tanto individual quanto para a família do desempregado e tanto pela frustração social que gera quanto por aumentar a interação entre jovens desempregados e desalentados das mesmas vizinhanças podendo levar à formação ou ingresso de grupos de pares delinquentes enquanto jovens empregados terão renda estima e interações associadas ao próprio trabalho MERTON 1938 SUTHERLAND 1955 AGNEW 1992 CLOWARD OHLIN 2011 Apenas diante da questão familiar o desemprego perdeu significância o que sugere uma interação entre mecanismos de tensão e de laço social O consumo de drogas e álcool mostrouse significativo na análise bivariada e na multivariada sem os regressores defasados perdendo a significância assim que a desigualdade de renda foi incluída no modelo No curto prazo podemos apontar uma mistura de efeitos psicossociais com o uso como fator precipitador de agressões e a compulsão como motivador de roubos furtos etc e o próprio tráfico de drogas ilícitas como motivador de violências instrumentais A alta margem de lucro dos traficantes fornece meios e motivação para uma competição armada pela liderança e domínio territorial do narcotráfico quanto mais dinheiro uma gangue obtém mais armas pode adquirir dos contrabandistas e quanto maior o lucro de um ponto de vendas de drogas maior é o resultado de quem o controla E mais propina policiais corruptos podem extrair dos grupos criminosos usando a violência policial como ameaça que muitas vezes se consuma No longo prazo porém a ligação entre 272 violência e drogas perde espaço para a desigualdade econômica a educação a família e os serviços coletivos Analisando as influências no longo prazo sobre a incidência da agressividade letal observamos que as oportunidades diferenciais de curto prazo representadas pelo tráfico de drogas e pelo mercado de trabalho fornecem por assim dizer a ocasião para expressão das disposições violentas que são construídas internalizadas e difundidas anteriormente nas condições propiciadas por contextos de desigualdades econômicas baixo acesso à educação e a serviços urbanos e famílias desagregadas Estes fatores podem ser relacionados aos mecanismos sociais de tensão desorganização e apoio sociais Como esperado a desigualdade econômica mostrouse positivamente associada aos crimes letais intencionais no longo prazo Porém perde a significância frente ao percentual de adultos com ensino médio ou superior e ainda com a monoparentalidade feminina e acesso à rede de água Em conjunto os resultados nos levam à questão da formação de comunidades ou seja de apoios e controles sociais exercidos nas relações interpessoais e associativas O apoio e controle social exercidos pela família se fortalecem devido a dois fatores a biparentalidade que permite que os responsáveis pelo domicílio somem as suas rendas e tempo para a supervisão e apoio das crianças e jovens da família e a instrução que aumenta o acesso tanto a mais e melhores informações para o desempenho parental e associativo quanto a mais e melhores oportunidades de trabalho Já a desigualdade econômica indica provavelmente circunstâncias que enfraquecem a coesão social especialmente entre grupos localizados mais abaixo da pirâmide social além de promover a tensão e anomia sociais que são lenha na fogueira das subculturas da violência Em conjunto com o não acesso a serviços urbanos a desigualdade pode indicar ainda a prevalência de segregação social Porém o resultado mostra que o efeito da desigualdade econômica é condicionado pelo acesso à educação ambas no longo prazo 273 9 CRIMINALIDADE VIOLENTA E POLÍTICAS PÚBLICAS O IMPACTO DOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEGURANÇA SOBRE OS HOMICÍDIOS INTENCIONAIS NOS ESTADOS BRASILEIROS Nos capítulos anteriores identificamos que a força econômica do Estado medida pelo valor adicionado per capita do setor público provoca redução dos homicídios intencionais Por este resultado porém não identificamos se o efeito se dá por meio da dissuasão policial da criminalidade ou pela prevenção da violência mediante apoio social público ou ambos Neste capítulo diferenciamos a ação estatal sobre os homicídios intencionais por função orçamentária uma associada à dissuasão policial segurança pública outra ao apoio social assistência e previdência sociais juntamente com variáveis relativas a drogas armas homens jovens e exclusões socioeconômicas A dissuasão policial para nossa surpresa mostrouse positivamente relacionada aos homicídios intencionais o que questiona frontalmente a aplicação do processo civilizador à realidade brasileira 91 APRESENTAÇÃO Qual é a importância da segurança e da assistência social públicas do desemprego do consumo de drogas ilícitas e do acesso às armas de fogo para a explicação das taxas de mortalidade por agressão Nas análises sociológico históricas sobre as tendências de longo prazo na violência criminal letal na Europa o processo de pacificação civil interna com o gradativo declínio da incidência de violência letal entre particulares teria sido condicionado pela formação dos Estados nacionais burocratizados com capacidades efetivas para monopolizar e uniformizar a coerção militar judicial e tributária 274 As autoridades políticas nacionais foram capazes de pôr fim às guerras feudais que marcaram o período medieval e expropriar os meios de violência bélica que estavam na posse da nobreza guerreira assim como organizar um sistema administrativo eficaz para o controle social formal e difundir valores e costumes que prezam pelo autocontrole e moderação dos impulsos em especial os agressivos Estes processos não foram planejados mas resultariam da construção do aparato estatal centralizado no longo prazo ELIAS 2011 GIDDENS 2008 EISNER 2014 CUSSON 2000 Outros porém questionam a conexão entre a centralização da violência estatal legítima e o e declínio da violência alegando que o fortalecimento do aparelho estatal aumenta exponencialmente a capacidade de violência organizada muito mais destrutiva que a violência interpessoal levando a morticínios massivos nas guerras e ditaduras BAUMAN 1998 MALESEVIC 2013 Além disso e enfocando no plano da ordem social interna tão ou mais importante que a capacidade dissuasiva policial judicial e militar no processo de pacificação civil seria a capacidade de integração social mediadas pelas oportunidades legítimas e pelo apoio social público que poderia compensar as tensões sociais prevenir a desorganização social e criar uma rede de apoio e integração sociais institucionalizada contribuindo para fortalecer as disposições e atitudes contrárias à violência ao ampliar as oportunidades e apoios legítimos para crianças e jovens CULLEN 1995 DEFRONZO HANNON 1998 ROSENFELD MESSNER 1997 BECKER e KASSOUF 2017 CURRIE 1997 e 2015 Finalmente há aqueles que observando os efeitos do tráfico de armas e de drogas ligados às atividades dos grupos criminais armados e à violência e corrupção policial e política questionam se a pacificação civil está sofrendo uma reversão se foi um processo seletivo e restrito a setores privilegiados da sociedade ou mesmo se o conceito teria qualquer validade para a América Latina formulando como alternativas conceitos como o de acumulação social da violência que parecem uma efetiva inversão do processo civilizador ADORNO 2002 RAMÍRES et al 2013 MISSE 2008 2010 2019 Para abordar esta problemática utilizaremos a construção de modelos descritivos e multivariados para observar os efeitos das despesas públicas em 275 segurança e assistência social da posse e oferta de armas e do consumo mórbido de álcool e drogas ilícitas sobre a variação da criminalidade letal intencional entre os Estados brasileiros de 1996 a 2019 Verificamos que as evidências corroboram as hipóteses de que a difusão de armas de fogo favorece o aumento da violência criminal letal e de que a despesa pública em assistência e previdência funciona como uma barreira aos homicídios intencionais da mesma forma que a violência em nível individual enquanto o desemprego tende a aumentar a violência criminal Não encontramos apoio à hipótese do nexo entre violência e drogas e contrariamente à hipótese da coerção e dissuasão do crime identificamos uma conexão positiva e significativa entre gastos em segurança pública e taxas de homicídios intencionais sugerindo que as políticas de segurança tem sido mais uma reação ineficaz à criminalidade violenta com possíveis efeitos perversos e circulares do que um meio eficiente para controlar e reduzir os homicídios intencionais 92 ENTRE A PACIFICAÇÃO CIVIL E A ACUMULAÇÃO SOCIAL DA VIOLÊNCIA A literatura sobre a conexão entre capacidades estatais e níveis de violência interpessoal tem um clássico em Norbert Elias Apesar de Weber já ter estabelecido a definição do Estado como organização capaz de exercer o monopólio da violência legítima sobre um território determinado foi Elias quem postulou que o grau de consolidação deste monopólio estatal da violência legítima é inversamente proporcional à incidência da violência ilegítima dos particulares Esta conexão passa tanto pela concentração dos meios de violência quanto pela transformação gradual dos costumes no sentido de maior civilidade a partir da difusão de normas e valores que promovem a moderação dos comportamentos em sociedade Dessa maneira Elias 2011 argumenta que as disposições para autocontrole e refinamento de maneiras induzidos por mecanismos de coerção estatal típicos das sociedades modernas especialmente dos seus estratos superiores é produto 276 não planejado de um processo histórico de longo prazo de civilização da política e dos costumes A sociedade feudal era politicamente caracterizada pelo domínio territorial local de chefes guerreiros A ética guerreira excluía o refinamento a vergonha e a introspecção preferindo uma expressão mais espontânea e brutal dos apetites e impulsos corporais e emocionais em especial a crueldade e a fúria contra os inimigos e os subordinados ELIAS 2011 Após um período de feudalização com a descentralização cada vez maior do exercício da violência nas mãos de uma classe de guerreiros ligados entre si por laços hierárquicos de vassalagem pessoal e territorial cada vez mais parcelados levando ao enfraquecimento das autoridades centrais o processo competitivo pelo controle territorial armado entre os diversos senhores feudais aliado à crescente ampliação das relações de interdependência e diferenciação funcional em círculos cada vez mais amplos favoreceu uma gradual centralização do exercício da violência legítima nas mãos de autoridades políticas cada vez mais centralizadas que aglutinavam antigos feudos menores em unidades territoriais maiores ELIAS 2011 O resultado imprevisto no longo prazo foi a formação de uma pressão pelo autocontrole nas interações sociais A nobreza guerreira que se isolava nos seus domínios rurais e buscavam defender por suas próprias armas a independência dos seus territórios foi aos poucos sendo subordinada e cooptada para as cortes dos reis em ascensão A classe de guerreiros foi sendo convertida em uma classe de cortesãos ou seja de hábeis políticos gravitando em torno do monarca absoluto ou dos parlamentos Beneficiados pela crescente capacidade fiscal derivada da centralização da tributação e da moeda os reis empregaram as camadas urbano burguesas em ascensão como funcionários administrativos do Estado As classes burguesas por sua vez também se beneficiaram da maior unificação monetária tributária e militar dos países e da aliança com os monarcas contra as investidas dos senhores feudais locais contra o governo urbanomercantil ELIAS 2011 Esta nova situação caracterizada por um monopólio do exercício da violência física e tributação legítima por autoridades centrais pelo equilíbrio de poder entre a burguesia ascendente e a nobreza de corte e pela complexificação e ampliação da interdependência material entre os atores sociais impôs uma pressão vertical 277 monopólio da violência e tributação legítimas e horizontal crescente interdependência econômicosocial pelo autocontrole dos impulsos e emoções primários Ao menos implicitamente na análise de Elias 2011 o processo civilizador também pode ser ligado ao desenvolvimento da economia urbana e à centralização do poder nas principais cidades que se tornavam cada vez mais centros de comércio e de administração estatal como sedes das cortes aristocráticas dos príncipes absolutistas e lar das burguesias em ascensão em oposição aos domínios rurais da nobreza provinciana baixa diferenciação funcional e relativa independência econômica Junto ao refinamento e moderação do comportamento em sociedade também abriuse mais espaço para a introspecção e a instrução Costumes à mesa ou hábitos como a leitura se tornaram cada vez mais difundidos a partir dos novos estratos políticos e letrados dos centros urbanos e monárquicos Este processo civilizador correlato à racionalização à psicologização da cultura e ao desenvolvimento dos sentimentos de vergonha e repulsa gerou uma nova estrutura de personalidade mais comedida e reservada na sua sensibilidade por disposições inculcadas desde a tenra infância sobre cada nova geração e uma gradual redução da agressividade interpessoal e maior autocontenção corporal bem como a busca por satisfações compensatórias e refinadas para os impulsos espontâneos cada vez mais restringidos e controlados ELIAS 2011 Este processo civilizador no entanto não é acabado e permanente sendo possível apontar seu enfraquecimento em situações de guerra sublevação ou colonização nas quais as pressões pelo autocontrole são enfraquecidos pela ruptura do monopólio estatal da violência legítima ou pela desestabilização das relações de interdependência funcional Por outro lado processos de formação do Estado nos quais há uma proeminência da imposição policial e militar da autoridade centralizada como Elias sugere ter sido nos principados germânicos podem tornar o monopólio da violência uma centralização burocrática tardia realizada por meio de uma força policial e militar poderosas implicando menor pressão por autocontrole que imposição unilateral de um controle externo e repressivo ELIAS 2011 278 A análise de Giddens 2008 sobre a constituição do Estadonação moderno distingue as categorias de recursos alocativos e autoritários apontando para a diferenciação entre os poderes sociais relacionados a cada um dos tipos de recursos de dominação A construção das burocracias estatais para Giddens está relacionada não só à concentração de capacidade coercitiva centralizada e organizada segundo normas legais Este processo é importante mas o sociólogo inglês enfatiza que o poder do Estado moderno é sobretudo de coordenar atividades a longas distâncias e por longos períodos coletar e armazenar informações codificadas sobre vários aspectos do território população e Estados rivais enfim de estabelecer um alto grau de previsibilidade para as rotinas Este poder administrativo do qual o monopólio da força militar é apenas um dos aspectos foi o que permitiu alcançar altos níveis de pacificação interna e mobilização para guerras externas no longo prazo Para além do poderio militar e policial centralizada e sua correlação com a difusão das disposições culturais à moderação na dialética entre coerção social organizada e autocontrole individual Giddens 2008 argumenta que o poder do Estado moderno é a coordenação eficiente de atividades cotidianas entre consideráveis distâncias espaciais e temporais Ao invés da associação entre uma pressão vertical na forma do monopólio da violência física e uma pressão horizontal na forma de crescente interdependência material gerando padrões de convivência difundidos de cima para baixo Giddens 2008 alega que é o desenvolvimento de uma dialética do controle entre governantes e governados no emprego de recursos autoritários que contribuiu para a pacificação e disciplina Para isso foi necessário não só centralizar os recursos autoritários como também separálos formal e materialmente da posse dos recursos alocativos Se os primeiros foram nacionalizados e apropriados pela burocracia estatal promovendo maior impessoalidade no exercício da coerção política os segundos foram convertidos em mercadorias de modo que puderam ser cada vez mais acumulados de maneira independente da posse ou não do poder político do seu possuidor Muito diferente por exemplo da sociedade feudal na qual o senhor feudal era o líder guerreiro e o proprietário da terra além de exercer poderes punitivos pessoais sobre os servos residentes nos seus domínios territoriais 279 No mesmo sentido Messner Rosenfeld 1991 e Eisner 2014 trouxeram com dados etnográficos e historiográficos respectivamente evidências favoráveis à hipótese históricosocial de Norbert Elias de que o grau de organização político jurídica de sociedades tradicionais parece capaz de reduzir o nível de violência homicida intencional Na transição do Estado feudal para o Estado moderno passando pelo Absolutismo patrimonialista a violência entre particulares foi gradualmente dirimida enquanto hábitos mais refinados fincaram raízes na cultura substituindo aos poucos as disposições guerreiras por disposições moderadas e autocontidas ligadas por exemplo à difusão de costumes de boas maneiras à mesa ao costume da leitura até mesmo a burocratização e industrialização da guerra que tornaram supérfluas as virtudes guerreiras A questão que se coloca muitas vezes é a validade externa desta análise Até que ponto é generalizável para fora da Europa Ocidental A conexão entre capacidade estatal e violência também pode ser vista como inversa quando a violência considerada não é só a interpessoal mas também a política e militar Malesevic 2013 questiona parcialmente a relação entre centralização políticoadministrativa e redução da violência letal proposta por Elias como processo civilizador Primeiro embora reconheça que a centralização política e modernização administrativa foram correlatas a um certo declínio e estabilização da violência interpessoal o autor aponta que agressividade e violência são coisas distintas A primeira é um impulso emocional de raízes psicobiológicas enquanto a violência intencional é aprendida no contexto social e costuma ser condenada quando não possui justificativas aceitas socialmente e assim tende a ser um evento raro Segundo embora nas sociedades estratificadas tradicionais de castas feudal ou escravista a violência entre grupos fosse um meio socialmente autorizado de exercício de despotismos particulares e mostrasse extrema crueldade expressiva ainda era usada e legitimada como uma reação dos proprietários e superiores políticos contra a desobediência ou desafio contra as hierarquias e fronteiras entre grupos sociais Este tipo de violência tende ao declínio em função da destituição do poder particular dos poderosos locais pelo Estado nacional e burocrático Terceiro se as violências entre indivíduos ou entre estratos hierárquicos tradicionais tenderam a declinar progressivamente na Europa também é verdade que a capacidade 280 tecnológica e organização para a violência legítima centralizada pelos Estados nacionais não foi só centralizada como propunham Weber e Elias mas também aumentada exponencialmente beneficiada pela burocratização e industrialização da sociedade e do Estado Entre a violência legítimaestatal e a violência ilegítimaprivada há um excedente cada vez maior a favor da primeira em contraste com o declínio e estabilização lenta gradual e linear da segunda E não como Malesevic atribui a Elias uma redução generalizada da violência em função da centralização da violência legítima pelo Estado nacional O potencial destrutivo foi multiplicado o que é facilmente observável na escala cada vez maior da mortalidade e destruição provocadas pelas guerras e autoritarismos Quarto no período moderno é que surgiriam sistemas ideológicos capazes de legitimar a violência em larga escala operando sobretudo pelo mecanismo de desumanização de grupos estrangeiros ou estigmatizados relegados à condição de vidas desprezíveis Até aí a argumentação de Malesevic 2013 parece complementar apontando as limitações do processo civilizador e explorando fatos não aprofundados por Elias 2011 No entanto é relativo ao quarto argumento que as teses de Malesevic se tornam mais frágeis pois ele argumenta que a justificação ideológica da macro violência estatal das guerras e ditaduras decorre dos ideais modernos de igualdade universalismo e cidadania Há uma confusão entre modernização econômica e administrativa e modernidade cultural e política na narrativa de Malesevic Conquanto a primeira crie a escalada de potencial destrutivo por meio do desenvolvimento da organização e das tecnologias da violência a segunda apresenta projetos emancipadores ainda que incompletos de democracia e justiça social Como a violência autoritária contra grupos racializados ou opositores operados por regimes ditatoriais ou domínios coloniais poderia ser atribuído aos ideais democráticos É impossível não questionar que muitos dos grandes massacres dos séculos XIX e XX foram perpetrados sob justificativas antiigualitárias e antidemocráticas que buscavam escorar a repressão e a guerra em uma naturalização das desigualdades sociais O nazismo e o colonialismo são exemplos clássicos dessa dupla atitude conquanto abraçassem a modernização tecnológica como instrumental para os seus objetivos políticos e econômicos os colonialistas e 281 os nazistas negavam os valores igualitários e universalistas da modernidade e afirmavam hierarquias raciais e sexuais naturalizadas como raciais e hereditárias É notório tanto na análise construída por Elias quanto na sua crítica por Malisevic uma ausência de reflexões sobre a questão colonial que contribuiria para relativizar tanto o processo civilizador quanto a rígida teoria pessimista da modernização de Malesevic 2013 Indo um pouco além da discussão à respeito da conexão entre centralização organizada da violência legítima e volume total de violência na sociedade é preciso atentar para as demais atribuições que o Estado agregou ao longo do tempo especialmente por pressão de movimentos sociais e da necessidade de lidar com as crises sistêmicas do capitalismo de mercado Assim além da capacidade de exercer o monopólio estatal da violência legítima uma faceta orientada sobretudo pela coerção burocratizada e de punição da violência física privada a legitimação do Estado moderno passa também pela capacidade de prestação de benefícios e serviços para os cidadãos Não só esta atribuição e exigência de despesa social pública é fortemente demandada por amplas camadas da população como também pode ser considerada mais e mais necessária para efetivar alguns dos requisitos mínimos de um Estado democrático de Direito A ênfase no monopólio estatal da violência legítima é criticada por sua unilateralidade já que o Estado se viu compelido a expandir as suas atribuições abarcando uma série de políticas para regular coordenar e ou prover diretamente uma gama de atividades socioeconômicas entre as quais a prestação de seguridade social e a garantia de um trabalho remunerado WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015 Ao lado da dissuasão policial e punitiva a ação provedora do Estado também foi teorizada como instrumento de controle e prevenção social da criminalidade violenta por meio de processos de constrangimento político dos mercados e desmercantilização da força de trabalho reduzindo a macroanomia social por meio do fortalecimento de laços e apoios sociais MESSNER ROSENFELD 1997 Por outro lado a retração de prestações sociais e coordenação econômicas pelo Estado no sentido do desenvolvimento de uma sociedade de mercado teria como impacto o aumento da criminalidade violenta na medida em que os fundos e coerções estatais seriam instrumentalizadas para a imposição cada vez mais ampla 282 e profunda de uma lógica de mercado na vida cotidiana e até mesmo em atividades não diretamente mercantis um processo social que contribuiria para ativar e fortalecer vários mecanismos criminogênicos em nível micro e intermediário como por exemplo o agravamento das tensões gerais a precarização do emprego eou o aumento do desemprego o enfraquecimento dos laços sociais comunitários e a retratação das redes de apoio social tanto dos familiares adultos sobrecarregados pelo trabalho ou desempregados quanto pela retração e reformatação das instituições públicas de provisão e regulamentação sociais WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015MESSNER ROSENFELD 1997 O apoio social no sentido amplo pode ser instrumental ou expressivo formal ou informal público ou privado e incidiria em diversas etapas do ciclo de vida contribuindo para prevenção e para a desistência do crime com ênfase no apoio social que é exercido na infância e adolescência como também na recuperação e superação de sequelas e traumas por vítimas de crimes violentos O Estado aparece como o principal agente de apoio social na sociedade tanto direta por meio dos serviços públicos quanto indiretamente por políticas públicas de fortalecimento de famílias associações e comunidades O apoio social público teria a possibilidade de não apenas encorajar diretamente as práticas prósociais como ainda indiretamente apoiar o apoio social em nível micro provido por familiares e comunidades CULLEN 1995 Os efeitos de redução da criminalidade associados a diversas rubricas de despesas públicas sociais por exemplo podem ser consideradas proxies de uma modalidade de apoio social público e macro cujos efeitos podem ser considerados complementares aos da dissuasão policial contra a criminalidade violenta ambos atuando por meio de mecanismos micro como os laços sociais e redução da tensão geral ou pela dissuasão e incapacitação de ofensores BECKER KASSOUFF 2017 Podese dizer que a legitimidade política exige cada vez mais que a autoridade do Estado seja reconhecida pela sua capacidade de regulamentar contratos e garantir o acesso do cidadão a serviços diversos especialmente para aqueles que não conseguem obtêlos no mercado Neste sentido Messner Rosenfeld 1997 mostram que o nível de despesa social está negativamente 283 associada à taxa de homicídios intencionais e argumentam que o resultado reflete a capacidade do apoio social estatal em fortalecer os laços e apoios sociais que previnem a violência e reduzir a macroanomia que é produzida pela tensão social entre a estrutura de oportunidades e apoios sociais de um lado e as metas culturais hegemônicas de sucesso e consumo individuais independente da moralidade dos meios usados para obtêlos Um Estado social mínimo inversamente promove o predomínio dos princípios de mercado na orientação da conduta e da interação social de tal maneira que as instituições passam a enfatizar o enriquecimento e consumo individual de um lado e a serem incapazes de prevenir a fragilização dos laços regulações e apoios sociais que poderiam compensar ou atenuar a anomia crônica da economia capitalista de outro Sem uma regulação política dos mercados estes prevaleceriam em nível sistêmico desequilibrando o sistema social em favor dos mecanismos econômicomercantis e em detrimento das instituições socioculturais O resultado seria uma elevação dos níveis de criminalidade violenta especialmente das suas manifestações mais graves como os homicídios intencionais No mesmo sentido Defronzo e Hannon 1998 analisando as microrregiões com mais de 100 mil habitantes dos Estados Unidos e controlando por variáveis demográficas e econômicas chegaram à conclusão de que níveis mais altos de assistência social pública aos pobres correspondem a níveis mais baixos de violência interpessoal letal Os achados segundo os autores relativizando tanto as hipóteses utilitaristas quanto as culturalistas favorecem as explicações baseadas no apoio social e na privação material No Brasil Becker e Kassouf 2017 identificaram uma conexão negativa e significativa entre taxa de homicídios intencionais e gastos públicos per capita em segurança e educação públicas nos Estados brasileiros concluindo pela necessária complementaridade das estratégias de dissuasão policial e de prevenção socioeducativa da criminalidade violenta Um desafio importante às capacidades estatais no mundo contemporâneo e sobretudo as capacidades de manutenção da ordem pública e exercício do monopólio estatal da violência legítima é a expansão dos mercados ilícitos e da oferta de armas de fogo Os negócios ilícitos são disputados por atores sociais que são mais ou menos organizados em grupos e redes criminais inclusive articulados a 284 agentes públicos Estes empreendedores dos mercados ilícitos se aproveitam do vácuo de regulação devido à proibição de certos produtos e serviços e das fragilidades relativas e seletivas do poder estatal para obter lucros e domínios por meio da violência armada e da distribuição de favores pondo em cheque a efetividade do monopólio estatal da violência legítima ao tratar a coerção policial e judiciária como um risco e custo a mais no negócio Os mercados ilícitos como o de drogas ilegais atualmente e o do jogo do bicho no passado são considerados importantes catalisadores da violência homicida Tais atividades econômicas proibidas e puníveis operam na informalidade e precisam ainda de algum grau de omissão ou cumplicidade dos agentes públicos que possuem a obrigação e o poder legal para vigiar investigar e punir as práticas econômicas ilegais A ausência de mediação judicial para os conflitos submete os mercados à luta pelo controle por meios também ilegais e violentos que incluem a utilização de uma combinação variável de violência e corrupção na interação entre empreendedores ilícitos e agentes públicos Por fim apesar de ilegais e criminalizadas essas atividades econômicas só realizam a acumulação de capital quando conseguem algum entrosamento com sistema financeiro oficial utilizando a moeda oficial para as transações e dissimulando a origem ilícita do capital acumulado a chamada lavagem de dinheiro A lavagem de dinheiro é uma das atividades centrais mais discretas e uma das mais complexas dos mercados ilegais Assim os mercados ilegais não constituem apenas atividades econômicas criminalizadas como também estabelecem elos políticos entrelaçados aos mecanismos de exercício de poder privado e estatal As relações de poder ligadas aos mercados ilegais têm uma distribuição desigual de riscos e lucros impactando de maneira díspar as camadas sociais e territórios sendo particularmente destrutivas para as camadas mais pobres e estigmatizadas RAMÍREZ 2013 SANTOS KASSOUF 2007 ADORNO 2002 GOLDSTEIN 1985 Junto aos mercados ilícitos a circulação e posse de armas de fogo entre a população é reputada como um importante preditor da criminalidade violenta Neste quesito a maioria dos estudos encontrou uma conexão positiva ou seja quanto mais armas mais homicídios e roubos com armas de fogo afastando a hipótese de uma autodefesa armada dos particulares reduzir a incidência de crimes violentos 285 graves Pelo contrário as armas de fogo e munições legais são com frequência furtadas roubadas ou vendidas ilegalmente acabando muitas vezes nas mãos de criminosos violentos E mesmo nas mãos de cidadãos comuns uma arma de fogo pode transformar uma briga ou rixa cotidiana em um assassinato Autodefesas contra roubos e agressões de criminosos podem muitas vezes ser ineficazes devido ao elemento surpresa utilizado pelos criminosos e a arma de fogo em um domicílio pode até tornálo um alvo mais atrativo para criminosos CERQUEIRA 2010 HEPBURN e HEMENWAY 2004 Mas assim como o consumo de drogas ilícitas também é um problema a medição da presença de armas de fogo entre a população de um lugar em um período A proporção de suicídios por arma de fogo está associada à presença ou não de armas em domicílio numa região e por isso tem sido o proxy mais habitual para medir a oferta e posse de armas de fogo numa região CERQUEIRA 2010 Esta medida entretanto não informa quantas armas ou munições existem no domicílio nem sobre as armas e munições das forças policiais e militares empresas de segurança privada ou clubes de tiro que também estão sujeitas a furtos roubos usos criminosos etc sendo uma alternativa conhecida como Índice Cook a proporção de mortes intencionais homicídios e suicídios por armas de fogo sobre o total COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 p 420 JORGE 2018 Neste sentido Misse 2008 2010 2019 inverte a hipótese de Elias 2011 ao aplicála às principais metrópoles brasileiras propondo a existência de um processo de acumulação social da violência que tal qual um processo civilizador no sentido contrário é uma combinação cumulativa e retroalimentada de mecanismos sociais e políticos que provocam o crescimento a altos patamares de violência agregada e concentrada em segmentos marginalizados do território e da população Estes mecanismos segundo Misse 2019 são as desigualdades socioeconômicas e a aglomeração territorial que provocam a acumulação de desvantagens sociais em grandes contingentes sociais a sujeição criminal expressão pela qual o autor designa a produção de estereótipos sociais definidos como portadores da criminalidade sujeitos temíveis e odiados perigosos e matáveis num processo retroalimentado de estigmatização moral seletividade 286 penal carreiras delinquentes e formação de coletivos criminais com identidades sociais próprias MISSE 2010 a expansão de mercados informais e ilícitos operados por atores que utilizam da violência como instrumento de lucro negociação e controle de atividades e territórios o que Misse denomina de mercadorias políticas entendidas como mercantilização da coerção física cujo monopólio é uma pretensão do Estado nacional MISSE 2007 Assim o processo de acumulação social da violência não é só o processo civilizador ao contrário pois também a formação do Estado moderno detentor formal do monopólio da violência legítima ou a crescente interdependência não são por si sós eficazes na contenção da violência e difusão das disposições de autocontrole Inversamente muitos dos atores estatais políticos policiais militares e até membros do judiciário e ministério público se colocam nos mercados ilícitos como operadores privilegiados das mercadorias políticas ou seja dos processos de mercantilização do uso da violência física e da coerção política para fins particulares ligados aos negócios ilícitos 93 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A CONSTRUÇÃO DO MODELO Utilizamos dados dos estados e Distrito Federal entre 1996 e 2019 coletados do SIMDATASUS IBGE e IPEADATA e organizados em painel para a análise Aplicamos um ajuste à taxa de homicídios intencionais que foi construída pelos seguintes procedimentos somamos o número de mortes por agressão ao número de mortes por operações de guerra em seguida somamos a uma proporção das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção de mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto das mortes por causas externas com intencionalidade conhecida agressões suicídios acidentes etc e finalmente somamos com uma proporção das mortes por causas mal definidas igual à proporção das mortes por agressão e operações de guerra sobre o conjunto da mortalidade por causas conhecidas 287 TxAjHomicidHiHiMvidMviiHiMccMcid100000População Na qual TxAjHomicid é a taxa ajustada de homicídios intencionais por 100 mil habitantes Hi é o número de mortes por agressão e confrontos militares ou policiais Mvid é o número de mortes violentas por intenção conhecida agressões confrontos suicídios e acidentes Mvii é o número de mortes violentas por intenção indeterminada Mcc é o número de mortes por causas conhecidas e Mcid é o número de mortes por causas desconhecidas Em seguida aplicamos uma transformação logarítmica Para as variáveis independente utilizamos o PIB estadual per capita para medir o nível de riqueza geral e a desigualdade de renda o desemprego e a mortalidade infantil como medidas de exclusão socioeconômica e tensão geral WACQUANT 2007 CURRIE 1997 e 2015 SANTOS KASSOUF 2007 DEFRONZO HANNON 1998 ADORNO 2000 MISSE 2010 o percentual de homens entre 15 e 29 anos na população que são o grupo mais frequentemente envolvido em agressões letais como autores e vítimas CERQUEIRA 2010 a mortalidade por consumo de álcool e drogas ilícitas por 1 milhão de habitantes para medir o uso mórbido e potencialmente letal de álcool e drogas ilícitas e por conseguinte tanto os crimes patrimoniais e interpessoais precipitados pelo próprio uso dos psicoativos quanto a violência pelo controle do tráfico de drogas ilícitas que lucra com a demanda por psicoativos ilegais GOLDSTEIN 1985 RAMIREZ et al 2013 o Índice Cook de média entre os percentuais de suicídios e de homicídios por armas de fogo e o indicador mais habitual de percentual de suicídios por arma de fogo como indicadores de acesso a tecnologias da violência COOK 1979 HEPBURN e HEMENWAY 2004 p 420 HEMENAY et al 2000 CURRIE 1997 288 a média móvel de 2 anos de gasto estadual e municipal per capita em segurança pública para medir a capacidade de dissuasão policial e efetivação do monopólio estatal da violência legítima ELIAS 2011 ADORNO 2002 EISNER 2014 e a média móvel de 5 anos do gasto estadual e municipal per capita em previdência e assistência sociais para medir a capacidade e efetivação do apoio macrosocial público CULLEN 1994 CURRIE 1997 e 2015 ROSENFELD e MESSNER 1997 DEFRONZO e HANNON 1998 As variáveis relativas a gastos públicos foram atualizados por meio do Índice Geral de Preços Mercado IGPM do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas FGV IBRE tendo como base dezembro de 2019 A média móvel dos gastos públicos foi calculada de frente para trás ou seja do mesmo ano da taxa de homicídios para trás Por exemplo para 1997 utilizamos a média de gasto assistencial entre 1997 e 1993 e para segurança entre 1997 e 1996 A ideia é que as despesas em políticas públicas demoram um certo tempo para maturar os efeitos sendo o da segurança em um prazo mais curto por atuar por meio do patrulhamento das ruas resposta a pedidos de ajuda e investigação criminal dos delitos já consumados ou tentados e a previência e assistência sociais por um período mais longo por agir como prevenção social atuando sobre as motivações individuais controles e apoios interpessoais precisando de um tempo para o benefício ser absorvido pelo públicoalvo A maturação da despesa em segurança pública incluiria ainda efeitos de treinamento e equipamentos policiais que são gastos minoritários mas que podem render frutos ao longo do tempo A seguir expomos a lista das variáveis utilizadas 289 Quadro 33 Descrição das variáveis Estados e Distrito Federal Variável Descrição Fonte Gini 19802019 Índice Gini de desigualdade da renda domiciliar per capita PNAD IBGE mortalidadeinfantil 19942019 Óbitos de menores de 1 ano por mil nascidos vivos SIM DATASUS Desemprego 19922019 Percentual de pessoas 16anos que não possuem uma ocupação remunerada mas a procuram PNAD IBGE homensjovens 19802020 Proporção de homens entre 15 e 29 anos na população residente Estimativas populacionais IBGE PIBpercapita19802019 Razão entre o Produto Interno Bruto estadual a preços constan tes e a população residente IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE Consumodrogas 19802019 Mortes por consumo de alcool e drogas ilegais por milhão de habitantes SIM DATASUS e estimativas populacionais IBGE propsuicidPAF 19802019 Proporção dos suicídios que são cometidos com arma de fogo SIM DATASUS armasdefogo 19802019 Média entre os percentuais de suicídios e de agressões que são cometidas com armas de fogo conhecido como Índice Cook SIM DATASUS assistenciaprevidencia 1990 2019 Despesa estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE assistprev5media 19942019 Média móvel de 5 anos da des pesa estadual e municipal por habitante em assistência e previ dência sociais a preços constan tes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE Segpub 19902019 Despesa estadual e municipal por habitante em assistência e previdência sociais a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE segpub2media 19942019 Média móvel de 2 anos da des pesa estadual e municipal por habitante em segurança pública a preços constantes de 2019 IPEADATASTN e estimativas populacionais IBGE txajhomicidios 19802019 Número ajustado de homicídios intencionais por 100 mil habitan tes SIM DATASUS e estimativas populacionais IBGE Fonte Elaboração própria Para a construção da análise utilizamos primeiro os parâmetros descritivos básicos de posição e dispersão dos dados de cada variável Em seguida empregamos o método de mínimos quadrados ordinários para produzir modelos 290 bivariados com os efeitos cada uma das variáveis independentes sobre o logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais Após isso fizemos uma matriz de correlação entre as variáveis independentes contínuas para identificar associações e auxiliar na interpretação dos resultados das regressões multivariadas Por fim construímos conjunto de modelos multivariados pelo método dos mínimos quadrados ponderados com três especificações com dummies macrorregionais e variáveis entre 1980 e 2019 depois acrescentando variáveis de 1994 a 2019 e por fim com a variável dependente defasada ao invés dos dummies macrorregionais Os três modelos foram duplicados com cada indicador de armas de fogo o índice Cook e o percentual de suicídios por arma de fogo Para cada uma destas especificações construímos um modelo com um diferente indicador de armas de fogo O uso de dummies para as macrorregiões foi preferido em detrimento do painel de efeitos fixos com dummies para cada Estado e Distrito Federal por causa da perda de graus de liberdade E o uso do painel dinâmico pelo método generalizado dos momentos apresentou problemas sérios de sobreajuste medido pelo teste de Sargan A a significância foi considerada a um p valor menor que 005 94 RESULTADOS EMPÍRICOS O ajuste da taxa de homicídios intencionais resultou em média no aumento da taxa em 52 por 100 mil habiantes A seguir um quadro resumo descritivo das variáveis utilizadas 291 Quadro 34 Estatísticas Descritivas dos Estados e Distrito Federal 19802019 usando as observações 101 2742 valores ausentes ignorados Variável Média Mediana DP Mín Máx Gini 19802019 552 555 482 377 683 mortalidadeinfantil 1994 2019 188 168 92 853 156 Desemprego 19922019 827 81 27 068 205 homensjovens 19802020 14 14 103 11 18 PIBpercapita19802019 R 1290000 R 1060000 R 868000 R 175000 R 7280000 Consumodrogas 1980 2019 263 233 181 01 119 propsuicidPAF 1980 2019 168 148 109 003 100 ÍndiceCookdearmasde fogo 19802019 555 552 209 073 963 assistenciaprevidencia 19902019 R 60000 R 52400 R 42900 R 1640 R 362000 assistprev5media 1994 2019 R 57400 R 48500 R 39100 R 2520 R 293000 Segpub 19902019 R 32800 R 29900 R 22400 R 297 R 178000 segpub2media 19942019 R 32500 R 29200 R 21900 R 751 R 174000 txajhomicidios 1980 2019 303 279 159 383 858 Fonte Elaboração própria com dados do SIMDATASUS IBGE PNAD e estimativas populacionais IPEADATASTN As regressões bivariadas mostram que o índice Gini de distribuição de renda domiciliar a mortalidade infantil e a média móvel quinquenal das despesas em assistência e previdência não tiveram efeitos significativos O desemprego o consumo de drogas e álcool e o acesso a armas de fogo índice Cook como esperado tiveram efeitos positivos e significativos Contra as nossas hipóteses o Produto Interno Bruto por habitante o percentual de suicídios por arma de fogo e a média móvel bianual das despesas em segurança pública tiveram efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais Também a autocorrelação temporal das taxas ajustadas de homicídios intencionais mostrouse consistente com o que era esperado 292 Figura 25 Regressões loglin simples entre indicadores preditivos e taxas ajustadas de homicídios intencionais nos Estados e Distrito Federal 19962019 Fonte Elaboração própria com dados do IPEADATA IBGE e DATASUS Para avaliar a possibilidade de multicolinearidade na regressão múltipla construímos uma matriz de correlação Há várias associações moderadas que nos auxiliarão a interpretar as diferenças entre as regressões bivariadas e multivariadas as associação positivas moderadas entre mortalidade infantil desemprego desigualdade de renda por exemplo As únicas associações de moderadas para fortes foram entre as despesas em segurança e em seguridade social e entre ambas e o PIB Estadual per capita pela razão óbvia de que ambas dependem dos recursos do orçamento estadual e municipal que além da arrecadação tributária sobre o PIB estadual pode vir de transferências da União para Estados e Municípios e dos Estados para os Municípios Além disso a alocação dos recursos e da tributação possui um certo nível de variação em razão das decisões políticas locais 293 Figura 26 Matriz de correlação das variáveis preditivas nos Estados e Distrito Federal Fonte Elaboração própria com dados do IPEADATA IBGE e DATASUS A seguir descrevemos os resultados da análise multivariada utilizando modelos em painel de Mínimos Quadrados Ordinários com dummies macrorregionais para as séries mais longas de 1980 a 2019 e Mínimos Quadrados Ordinários com variáveis binárias macrorregionais ou variável dependente defasada em um ano Cada modelo foi duplicado usando indicadores diferentes de acesso a armas de fogo em cada um Consideramos um índice de significância de 95 Para os painéis mais longos os modelos usaram especificações diferentes mas alcançaram resultados similares exceto para o sinal dos indicadores de acesso a armas de fogo A desigualdade de renda domiciliar o uso mórbido do álcool e das drogas ilícitas e o produto interno bruto tiveram sinal significativo e positivo enquanto o percentual de homens jovens só foi significativa e com sinal negativo no modelo com o Indice Cook de acesso a armas de fogo Matriz de correlação 02 03 01 02 05 02 01 02 06 10 02 04 00 03 07 04 01 04 10 06 01 03 02 02 02 05 03 10 04 02 02 03 01 01 00 04 10 03 01 01 02 03 01 01 03 10 04 05 04 02 01 03 00 01 10 03 00 02 07 05 01 02 01 10 01 01 01 02 03 02 03 01 10 01 00 01 01 02 00 01 04 10 01 02 03 03 03 03 04 03 10 04 03 01 01 02 02 01 02 02 segpub2media assistprev5media armasdefogo propsuicidPAF consumodrogas PIBpercapita homensjovens desemprego mortalidadeinfantil Gini Gini mortalidadeinfantil desemprego homensjovens PIBpercapita consumodrogas propsuicidPAF armasdefogo assistprev5media segpub2media 1 05 0 05 1 294 Quadro 35 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0276849 0411530 06727 05071 Norte 202675 0208763 9708 00001 Nordeste 192034 0211346 9086 00001 Sudeste 148731 0177086 8399 00001 Centroeste 182850 0204491 8942 00001 Sul 109906 0172740 6363 00001 Gini 00163938 000358067 4578 00001 homensjovens 00258278 00113134 2283 00309 consumodrogas 000870214 0000817826 1064 00001 PIBpercapita 000459307 0000529765 8670 00001 propsuicidPAF 000542600 000144093 3766 00009 Média var dependente 3261909 DP var dependente 0567850 Soma resíd quadrados 2552920 EP da regressão 0488686 Rquadrado 0266250 Rquadrado ajustado 0259386 F10 26 1089565 PvalorF 131e18 Log da verossimilhança 7536071 Critério de Akaike 1529214 Critério de Schwarz 1584046 Critério HannanQuinn 1549976 rô 0895298 DurbinWatson 0171845 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 32163 com pvalor 0200258 295 Quadro 36 MQO agrupado usando 1080 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 40 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 0524254 0440357 1191 02446 Norte 191752 0196817 9743 00001 Nordeste 177747 0201192 8835 00001 Sudeste 144834 0172451 8399 00001 Centroeste 169221 0188229 8990 00001 Sul 100749 0167745 6006 00001 Gini 00166094 000396770 4186 00003 homensjovens 0000778072 00111389 006985 09448 consumodrogas 000304981 0000960189 3176 00038 PIBpercapita 000410269 0000498953 8223 00001 armasdefogo 00116040 000106838 1086 00001 Média var dependente 3261909 DP var dependente 0567850 Soma resíd quadrados 2160720 EP da regressão 0449584 Rquadrado 0378974 Rquadrado ajustado 0373165 F10 26 1208797 PvalorF 352e19 Log da verossimilhança 6635370 Critério de Akaike 1349074 Critério de Schwarz 1403906 Critério HannanQuinn 1369836 rô 0876685 DurbinWatson 0199771 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 545471 com pvalor 00653919 Para as séries históricas a partir de 1994 constatamos a perda de significância da desigualdade de renda provavelmente devido ao controle pelo desemprego e mortalidade infantil também indicadores de exclusão socioeconômica e do apoio social público O percentual de suicídios por arma de fogo também perdeu a significância enquanto o Índice Cook manteve e no mesmo sentido Para a nossa surpresa a dissuasão policial apresentou sinal positivo e significativo Ou seja maior despesa per capita em segurança parece incitar uma maior mortalidade por agressões e operações de guerra 296 Quadro 37 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 183321 0569445 3219 00034 Norte 129267 0293800 4400 00002 Nordeste 129098 0303732 4250 00002 Sudeste 100233 0256738 3904 00006 Centroeste 126716 0273068 4640 00001 Sul 0726607 0224856 3231 00033 Gini 000149497 000475697 03143 07558 homensjovens 00488721 00131052 3729 00009 consumodrogas 000609465 0000922233 6609 00001 PIBpercapita 000264387 0000760624 3476 00018 mortalidadeinfantil 0000311210 000154860 02010 08423 desemprego 00676856 000586001 1155 00001 apoiosocialpublico 000399141 000641114 06226 05390 dissuasaopolicial 00263139 000959629 2742 00109 propsuicidPAF 455865e05 000202830 002248 09822 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1094785 EP da regressão 0399196 Rquadrado 0333859 Rquadrado ajustado 0320284 F14 26 8949953 PvalorF 245e18 Log da verossimilhança 3438647 Critério de Akaike 7177295 Critério de Schwarz 7860385 Critério HannanQuinn 7441314 rô 0885253 DurbinWatson 0208296 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 100422 com pvalor 0605253 Para o modelo com o Índice Cook especificamente o percentual de homens jovens perdeu significância enquanto a mortalidade infantil desemprego e apoio social público foram significativos e no sentido esperado Mais uma vez a despesa em segurança pública se mostrou positiva e significativamente associada aos homicídios intencionais O coeficiente de explicação ajustado alcançou quase 45 297 Quadro 38 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00519853 0563657 009223 09272 Norte 186501 0270482 6895 00001 Nordeste 166536 0284641 5851 00001 Sudeste 126797 0234371 5410 00001 Centroeste 159720 0249787 6394 00001 Sul 0953964 0212834 4482 00001 Gini 0000734006 000473022 01552 08779 homensjovens 00160401 00150784 1064 02972 consumodrogas 000492653 0000910373 5412 00001 PIBpercapita 000419533 0000770050 5448 00001 mortalidadeinfantil 000609305 000164538 3703 00010 desemprego 00425097 000615070 6911 00001 apoiosocialpublico 00176870 000721968 2450 00213 dissuasaopolicial 00191236 000724844 2638 00139 armasdefogo 00155645 000135632 1148 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 8390693 EP da regressão 0349479 Rquadrado 0489454 Rquadrado ajustado 0479050 F14 26 2119523 PvalorF 414e23 Log da verossimilhança 2504918 Critério de Akaike 5309836 Critério de Schwarz 5992926 Critério HannanQuinn 5573856 rô 0826774 DurbinWatson 0270031 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 101058 com pvalor 00063907 Com o uso do logaritmo da taxa ajustada de homicídios intencionais do ano anterior a maior parte das variáveis perdeu significância exceto o consumo de drogas e o desemprego 298 Quadro 39 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00986726 0122193 08075 04267 Gini 0000499664 000165248 03024 07648 homensjovens 000747430 000679685 1100 02816 consumodrogas 0000847169 0000411539 2059 00497 PIBpercapita 0000126404 0000104517 1209 02374 mortalidadeinfantil 0000310316 0000746883 04155 06812 desemprego 000611547 000283897 2154 00407 apoiosocialpublico 000323826 000276808 1170 02527 dissuasaopolicial 000284189 000375785 07563 04563 propsuicidPAF 132965e05 0000940544 001414 09888 ltxajhomicidios1 0932746 00149736 6229 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1268594 EP da regressão 0135495 Rquadrado 0922810 Rquadrado ajustado 0921693 F10 26 7639616 PvalorF 185e29 Log da verossimilhança 4126222 Critério de Akaike 8032444 Critério de Schwarz 7531511 Critério HannanQuinn 7838829 rô 0005603 DurbinWatson 1853009 No modelo com o Índice Cook para acesso a armas de fogo apenas o desemprego manteve a significância com o mesmo sinal O consumo de drogas e o apoio social público com os sentidos esperados ficaram em apenas 90 Ambos os modelos com variáveis defasadas ficaram com 92 de variância explicada 299 Quadro 40 MQO agrupado usando 702 observações Incluídas 27 unidades de corte transversal Comprimento da série temporal 26 Variável dependente ltxajhomicidios Erros padrão de BeckKatz Coeficiente Erro Padrão razãot pvalor const 00831321 0123184 06749 05057 Gini 0000839630 000160655 05226 06057 homensjovens 000797401 000673222 1184 02469 consumodrogas 0000699914 0000398000 1759 00904 PIBpercapita 935583e05 0000107683 08688 03929 mortalidadeinfantil 0000685117 0000753715 09090 03717 desemprego 000590433 000277320 2129 00429 apoiosocialpublico 000515625 000292720 1761 00899 dissuasaopolicial 000448177 000386140 1161 02563 armasdefogo 000101414 0000611871 1657 01095 ltxajhomicidios1 0921044 00183922 5008 00001 Média var dependente 3403933 DP var dependente 0484197 Soma resíd quadrados 1257699 EP da regressão 0134912 Rquadrado 0923473 Rquadrado ajustado 0922366 F10 26 8307621 PvalorF 624e30 Log da verossimilhança 4156498 Critério de Akaike 8092996 Critério de Schwarz 7592063 Critério HannanQuinn 7899381 rô 0002686 DurbinWatson 1838281 Teste da normalidade dos resíduos Hipótese nula o erro tem distribuição Normal Estatística de teste Quiquadrado2 152444 com pvalor 789428e34 A seguir apresentamos um quadro comparativo com um resumo de cada modelo 300 Quadro 41 Estimativas MQO agrupado Variável dependente ltxajhomicidios I 1980 2019 II 1980 2019 III 1994 2019 IV 1994 2019 V 1995 2019 VI 1995 2019 const 028 052 18 005 01 008 041 044 057 056 012 012 051 024 000 093 043 051 Norte 20 19 13 19 021 02 029 027 000 000 000 000 Nordeste 19 18 13 17 021 02 03 028 000 000 000 000 Sudeste 15 14 10 13 018 017 026 023 000 000 000 000 Centroeste 18 17 13 16 02 019 027 025 000 000 000 000 Sul 11 10 073 095 017 017 022 021 000 000 000 000 Gini 0016 0017 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 000 000 076 088 076 061 homensjovens 0026 0 0049 002 001 001 001 001 001 002 001 001 003 094 000 030 028 025 consumodrogas 00087 00030 00061 00049 000085 000070 0 0 0 0 0 0 000 000 000 000 005 009 PIBpercapita 00046 00041 00026 00042 0 940E05 0 0 0 0 0 0 000 000 000 000 024 039 propsuicidPAF 00054 460E05 130E05 0 0 0 000 098 099 armasdefogo 0012 0016 0 0 0 0 000 000 011 mortalidadeinfantil 0 00061 0 0 0 0 0 0 301 I 1980 2019 II 1980 2019 III 1994 2019 IV 1994 2019 V 1995 2019 VI 1995 2019 084 000 068 037 desemprego 0068 0043 00061 00059 001 001 0 0 000 000 004 004 apoiosocialpublico 0 0018 0 00052 001 001 0 0 054 002 025 009 dissuasaopolicial 0026 0019 0 0 001 001 0 0 001 001 046 026 ltxajhomicidios1 093 092 002 002 000 000 n 1080 1080 702 702 702 702 Adj R2 026 037 032 048 092 092 lnL 750E02 660E02 340E02 250E02 410E02 420E02 Erros padrão entre parênteses pvalores entre colchetes indica significância ao nível de 10 por cento indica significância ao nível de 5 por cento 95 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O ajuste realizado na variável dependente aumentou em média em 181 a taxa de homicídios intencionais Glaucio Soares 2008 suspeitava que as mortes por intenção indeterminada são em sua maioria homicídios por ação policial que são registrados dessa maneira pela ineficácia dos mecanismos de controle da polícia e de investigação criminal enquanto as mortes por causas mal definidas abrangeriam uma miríade de causas naturais e violentas mal classificadas incluindo assassinatos em razão da precariedade ou sobrecarga dos serviços médicolegais Buscamos corrigir este problema considerando que a fração de mortes violentas por intenção indeterminada ou mortes por causas mal definidas que são homicídios intencionais subnotificados é igual à proporção dos homicídios sobre as mortes por 302 causas externas com intenção conhecida e mortalidade por causas definidas O ajuste foi relativamente conservador pois supõe uma distribuição proporcional entre as categorias de homicídios suicídios e acidentes dentro das mortes violentas com intenção indeterminada sem viés a favor dos homicídios intencionais como Soares 2008 e Cerqueira 2012 2013 sugeriram A prevalência do desemprego o consumo de álcool e drogas ilícitas e o Índice Cook de armas de fogo mostraramse preditores eficazes tanto na análise bi quanto multivariada comparandose os vários modelos A desigualdade de renda mostrou se significativa e positiva no modelo mais longo e controlando pelos efeitos fixos macrorregionais perdendo o efeito na série mais curta e diante do controle pelo desemprego mortalidade infantil e despesas com previdência e assistência social Podese interpretar pelo lado econômico que entre as classes populares o desemprego é uma séria restrição das oportunidades legítimas tornando as fontes de renda ilegais mais atraentes por comparação com as escassas vagas de emprego enquanto a abundância de armas de fogo legais ou ilegais domésticas ou de contrabando reduz os custos dos crimes violentos Quanto às armas de fogo a divergência entre os indicadores usados exige cautela sendo possível que o Índice Cook tenha capturado melhor a existência de mercados ilícitos de armas possivelmente alimentados pela demanda do tráfico de drogas No aspecto simbólico o desemprego representa uma fonte de frustração e instabilidade pessoal e relacional pois priva o indivíduo da autoestima e reconhecimento associados ao trabalho remunerado Ademais membros desempregados podem sobrecarregar a capacidade de apoio social das famílias Os jovens de baixa escolaridade são especialmente vulneráveis ao desemprego e podem sentilo como uma privação da própria capacidade de tornarse adulto Devese atentar porém que se o desemprego foi o mais robusto os demais fatores de exclusão socioeconômica também apresentaram quando significativos os sinais esperados desigualdade de renda e mortalidade infantil tiveram ligação com o aumento dos homicídios intencionais Isso implica que muito provavelmente não se trate apenas de uma exclusão de oportunidades legítimas de vida mas de uma exclusão social em sentido mais amplo pela qual se sobrepõem desigualdade pobreza e serviços públicos ausentes ou precários criando condições propícias para 303 o acirramento das tensões socioeconômicas e da desorganização sociocultural A desigualdade econômica ainda possivelmente está ligada à desvalorização simbólica da própria vida dos grupos localizados na base da pirâmide social o que poderia afrouxar mecanismos inibidores da violência quando a vítima pertence às classes menos favorecidas da sociedade A posse de armas de fogo por sua vez pode favorecer uma dinâmica situacional de violência na medida em que encoraja o sentimento de poder do possuidor o que pode levar desentendimentos banais a resultarem em homicídios por impulso ou retaliação O consumo de drogas ilícitas caminha no mesmo sentido o tráfico de drogas ilícitas é uma alternativa atraente de renda ilícita pois propicia retornos rápidos e alta margem de lucro sem exigir diplomas e experiência prévia e ao mesmo tempo algumas as drogas como álcool e cocaínacrack podem se ligar a dinâmicas situacionais que favorecem as violências espontâneas e expressivas Conforme a análise de Goldstein 1985 o nexo entre drogas e violência se dá tanto pelos efeitos psicossociais do consumo que favorecem a depender da substância do consumidor e da situação de uso as violências interpessoais ou a compulsão psicofísica que motiva o usuário a praticar crimes contra o patrimônio para adquirir as drogas quanto ao próprio comércio ilegal de drogas O último é o mais complexo pois está ligado tanto à ausência de mediação judicial e legal quanto à própria repressão policial Traficantes usam a violência para garantir obediência a acordos defender posses e impor um monopólio territorial do negócio ou para tomar posses e territórios de outros traficantes assassinando ainda os usuários endividados e pessoas vistas como informantes da polícia Já policiais podem se sentir tentados ou incentivados por governantes mídia ou colegas a usar a violência contra usuários e traficantes na tentativa de suprimir o tráfico de drogas ou podem usar o poder para tomar dinheiro dos traficantes que podem resistir ou se vingar de policiais quanto tem armamento para tanto Na medida em que jovens pobres aderem a gangues de traficantes tanto para obter renda quanto para adquirir prestígio local ou se vingar de membros das gangues rivais e que policiais podem se sentir justiceiros ou agir por vingança os 304 motivos instrumentais e expressivos da violência ligada às drogas ilícitas facilmente se sobrepõem e reforçam mutuamente O efeito positivo do Produto Interno Bruto per capita sobre os homicídios intencionais pode ser relacionado ao conceito de oportunidades criminais de lucro quanto maior a renda média mais abundantes as chances de obter renda por meio de crimes contra o patrimônio pela extorsão ou pela venda de produtos ilícitos Outro significado da renda média aparece quando controlamos a renda média pela desigualdade desemprego mortalidade infantil e despesas com apoio social a privação relativa ou seja o sentimento de penúria pela percepção da prosperidade alheia Mantendo os fatores de privação socioeconômica constantes portanto o aumento da renda média pode gerar uma frustração maior para quem foi excluído do crescimento econômico O percentual de homens jovens na população não teve efeitos positivos esperados sendo negativa quando significativa Uma possibilidade é que altas taxas de homicídios intencionais ao longo do tempo causem uma redução gradual da população de homens jovens Ademais não se tratam apenas de características psicobiológicas da juventude e da masculinidade os motivadores do envolvimento na criminalidade violenta Está claro que mecanismos facilitadores indutores e inibidores da violência sejam de natureza psicossocial sociocultural ou socioeconômica possuem um poder explicativo mais relevante Já para as políticas estaduais e municipais de segurança pública e de seguridade social os resultados foram inesperados para a primeira e dentro das expectativa para a segunda quando significativos Os efeitos de dissuasão policial por isso devem ser interpretados com cautela Ao contrário de Becker e Kassouff 2017 não constatamos um efeito negativo tanto das despesas sociais quanto policiais Em todos os modelos a despesa em segurança teve efeito de aumentar a violência quando significativa Já para a despesa socioassistencial os resultados significativos foram negativos quando atingiram significância o que converge parcialmente com os argumentos teóricos de Currie 1997 Wacquant 2007 e Cullen 1995 bem como a análise empírica de DeFronzo e Hannon 1998 e de Messner e Rosenfeld 1997 que constataram a importância da prevenção social da 305 violência atribuída principalmente aos gastos públicos em rubricas sociais como assistência e previdência social As análises de Rosenfeld e Messner 1997 e DeFronzo e Hannon 1997 caminham no sentido de enfatizar a despesa social por causa do efeito de proteção das camadas vulneráveis contra o envolvimento em situações violentas como autores ou vítimas ligadas a atividades criminais instrumentais ou conflitos interpessoais Esta conexão apesar de testada com homicídios intencionais também seria verossímil verificar com relação a outras categorias de mortalidade e de patologias psicossociais mortes por causas naturais entre crianças e idosos por exemplo como suicídios drogadição e doenças mentais e somáticas ligadas ao estresse e privações materiais Como evidenciados nos resultados das análises multivariadas o gasto público previdenciário e assistencial atuaria nos mecanismos de reprodução social e por isso pode ser considerado um indicador do nível de apoio social público ensejando uma desmercantilização parcial da reprodução social da força de trabalho mediante transferências diretas de recursos para mães pobres e crianças Bolsa Família idosos pessoas com deficiência viúvas e órfãos além de diversos serviços assistenciais prestados diretamente por redes estaduais e municipais de assistência social Estes serviços prestados à sociedade pelo Estado com atenção especial a grupos mais vulneráveis seriam uma contraposição à anomia social causada pela supremacia do mercado autorregulado como princípio de coordenação institucional Uma pura lógica de mercado seria a de simplesmente abandonar todos à própria sorte considerando os vulneráveis como perdedores e os bemsucedidos como vencedores restando ao Estado apenas proteger a propriedade dos últimos e disciplinar punitivamente os primeiros A garantia de trabalho remunerado e o combate ao desemprego seria outro meio importante do Estado investir direta ou indiretamente na prevenção da violência criminal da mesma forma que o tratamento da drogadição e o controle de armas de fogo conforme inferimos da nossa análise empírica como um todo Os resultados multivariados para a despesa quinquenal média em previdência e assistência social desigualdade de renda mortalidade infantil uso mórbido de 306 psicoativos e para o desemprego se complementam e reforçam mutuamente indicando o mercado de trabalho como um foco possível de geração de violência ou de proteção por meio do desemprego e das oportunidades legítimas respectivamente além da desigualdade de oportunidades sendo a drogadição uma categoria de escapismo anômico Logo o resultado fornece uma evidência favorável aos argumentos teóricos que enfatizam a prevenção social institucionalizada da criminalidade violenta que estaria ligada a exclusões socioeconômicas causadoras de tensões e de desorganização social ROSENFELD MESSNER 1997 CURRIE 1997 e 2015 CULLEN 1995 DEFRONZO e HANNON 1997 WACQUANT 2007 As ideias de Currie 1997 sobre a conexão entre violência criminal e mercado autorregulado são especialmente interessantes à luz das evidências apresentadas aqui pois combinam a questão do trabalho do apoio social público e das armas de fogo Por outro lado o gasto em segurança pública proxy para a dissuasão policial mostrouse quando significativo com sinal sempre positivo Ou seja no sentido contrário ao predito pelos conceitos de dissuasão policial e de monopólio estatal da violência legítima ELIAS 2011 EISNER 2014 Inclusive não é um resultado diretamente postulado sequer pelos críticos destes conceitos MALISEVIC 2013 BAUMAN 1998 Eisner 2014 e Elias 2011 atribuem grande importância à mudança sociocultural com a difusão das disposições para o autocontrole e moderação o que também poderia ser ligada ao investimento social No entanto estes autores consideram que a pacificação se dá antes de cima para baixo por meio da redução da violência intra e inter elites promovida pela centralização do poder coercitivo do Estado nacional Seria entre estas elites pacificadas submetidas e protegidas por um aparato coercitivo centralizado que se formariam as disposições moderadas e autocontidas depois difundidas entre as demais camadas sociais por uma espécie de transbordamento e gotejamento da civilidade Não verificamos a conexão entre redução da violência e capacidade coercitiva dos governos estaduais e municipais mas o oposto mais gastos em segurança mais violência Mas isso não quer dizer que o gasto em segurança pública seja 307 causa direta de violência ou que os homicídios intencionais seriam drasticamente reduzidos se o governo cortasse toda a despesa com a polícia do dia para a noite Há quatro interpretações complementares para o achado inesperado A primeira é que a associação positiva e significativa seria produzida pela maior capacidade policial de produção de informações criminais mas se a nossa correção da variável dependente foi eficaz para eliminar este viés podese descartar a hipótese A segunda é que o gasto em segurança pública é que está acompanhando o nível de criminalidade violenta como uma tentativa governamental de contenção repressiva da violência criminal uma resposta que se mostraria efetiva ou não apenas posteriormente É uma possibilidade que tentamos controlar parcialmente pelo uso da média móvel bianual mas ainda assim pode estar presente uma vez que a despesa bianual não surte o efeito negativo esperado de acordo a hipótese da dissuasão o simples aumento quantitativo da segurança não leva à intimidação e controle de criminosos violentos Ou seja mais policiais maiores remunerações para a polícia compra de armas e construção de prisões não teriam o efeito dissuasivo esperado contra a criminalidade A terceira hipótese é que o aumento do poderio bélico das polícias aparelhadas com armas de guerra e treinamento militar para combater o crime levaria ao crescimento da letalidade policial do medo da polícia e desconfiança na justiça exacerbando a desorganização social já promovida pela desigualdade desemprego e carência de serviços coletivos A quarta hipótese é que a seletividade policial e penal que tem na discriminação moral e racial pela polícia a filtragem inicial dos suspeitos pode acirrar as tensões sociais ligadas à exclusão socioeconômica criando ainda via encarceramento massivo condições para a formação de grupos criminosos violentos que circulam entre as prisões e as periferias e favelas Estas hipóteses não são excludentes e podem ser complementares e muitas vezes sobrepostas o que explicaria a conexão entre gasto em segurança pública e taxa de homicídios intencionais Não se trataria portanto de uma causalidade direta e geral mas efeitos do modelo de segurança pública predominante no Brasil 308 Dessa maneira os proponentes do nexo entre dissuasão e pacificação não cogitaram que as elites políticas e econômicas poderiam se segregar voluntariamente protegidos por aparelhos públicos e privados de segurança e cultivar uma atitude dupla de negociação e civilidade entre os pares e de autoritarismo e distanciamento com o restante da população O processo civilizador ficaria restrito aos reduzidos círculos de privilegiados e poderosos autossegregados em enclaves fortificados muito capazes de dialogar entre si mas excluindo as demais classes de qualquer respeito e consideração CALDEIRA 2000 É o que Cusson 2000 chamou à atenção quando escreveu que a análise de Elias se refere à violência entre grupos privilegiados em espaços públicos não explicando as trajetórias das violências domésticas nem entre grupos desfavorecidos o que o torna cego à marginalização do homicídio no sentido de se tornar menos legitimado e mais repudiado entre as classes médias e altas mas não entre e sobretudo contra grupos moral e economicamente marginalizados Neste sentido a redução da violência entre as classes desfavorecidas não poderia ser obtida apenas pela centralização militar e judicial do Estado exigindo uma ação pública que altere as condições de vida dos grupos mais vulneráveis protegendoos dos ciclos econômicos segmentação de mercados e encarecimento de serviços e bens básicos necessários à reprodução social e encorajando o comportamento prósocial A questão principal aparece como a efetividade socioeconômica do Estado na vida cotidiana menos como uma organização de controle coercitivo menos um Étatgendarme e muito mais como uma rede institucional de integração e apoio social As evidências relativa ao desemprego à desigualdade e à mortalidade infantil como preditores de aumento dos homicídios intencionais nos diversos modelos reforçam este argumento Oportunidades legítimas e niveladas mediante o trabalho e apoio social público mostraramse mais capazes de prevenir a violência que a dissuasão policial É importante observar que o apoio social público na análise bivariada não se mostrou significativo adquirindo significância condicionada pelo Produto Interno Bruto per capita Tratase então de um jogo entre as oportunidades criminais de lucro propiciadas por uma renda média maior e as decisões alocativas que priorizam o uso das ferramentas de arrecadação e de gasto 309 público para o combate às desigualdades ao desemprego e às múltiplas vulnerabilidades sociais As armas de fogo segundo a literatura são meios tanto para crimes violentos instrumentais quanto expressivos Podese utilizálas para roubar extorquir eliminar testemunhas ou liquidar competidores ou ainda para se vingar de desafetos e até mesmo para intimidar agressores em potencial Como se vê há apenas uma hipótese entre várias nas quais a posse de armas poderia inibir a violência mas apenas como uma ameaça de violência reativa por parte da vítima Neste sentido os dois indicadores para o acesso às armas de fogo tiveram resultados contraditórios sendo o percentual de suicídios com armas de fogo negativo ou não significativo enquanto a média entre percentuais de suicídios e de homicídios com armas de fogo teve efeitos com mais frequência significativos e sempre positivos Dada a correlação moderada entre o segundo indicador chamado de Índice Cook na literatura e o consumo mórbido de psicoativos podemos sugerir que se trata de um tipo de acesso a armas de fogo que não se dá por vias legais com armas mantidas em casa e sim por meio de contrabando de armas e munições furtadas ou roubadas de particulares de arsenais públicos ou de empresas de segurança o que realmente tem produzido altas taxas de vitimização letal dolosa no Brasil A conexão entre armas de fogo e homicídios intencionais é um dos mecanismos causais segundo Currie 1997 que tornam violentas as sociedades de mercado a liberalização do comércio das tecnologias da violência No Brasil porém é provável que boa parte da liberalização se dê por meio da ilegalidade e do contrabando e inclua uma parcela significativa de violência e corrupção policial e de lavagem de dinheiro De certa maneira vemos aqui uma aliança imprevista entre coerção estatal e mercados autorregulados WACQUANT 2007 mas por meio do uso e comércio ilegais de armas de fogo inclusive por policiais levando a um processo de fragmentação e privatização da violência que desestabiliza o monopólio estatal do uso legítimo da violência física e gerando altos níveis de criminalidade letal intencional 310 96 SÍNTESE DO CAPÍTULO Este capítulo propôs uma abordagem para o problema da criminalidade violenta e controle social público quer dizer do significado da ampliação da capacidade do Estado na gestão repressiva e preventiva da violência letal intencional A produção da violência letal apareceria neste contexto não só como função negativa do monopólio estatal da violência como na formulação clássica de Elias 2011 mas como efetivador da integração social por meio do apoio social aos vulneráveis controle de armas e redução do desemprego e da desigualdade de renda O Estado é aqui tomado no sentido tanto de coerção organizada e institucionalizada quanto de regulação de mercados e de provisão coordenada de serviços não mercantis com sua capacidade variável de implementação de políticas públicas voltados para a garantia de direitos aos cidadãos sendo o direito primordial a própria vida sem o qual os demais direitos não fazem sentido A hipótese que vinculava a violência à ausência de dissuasão e monopólio da violência pelo Estado foi diretamente questionada pelas evidências tendo em vista que a despesa estadual e municipal na segurança pública se mostrou associada ao crescimento dos homicídios intencionais em todos os modelos nos quais foi significativa e não à redução da violência como era esperado pela hipótese da dissuasão policial Por outro lado há suporte à ideia de que um sistema público robusto de provisão social pode ser uma espécie de colchão social contra a desorganização e tensão sociais provendo apoio social público para diversas categorias vulneráveis no mercado Explicações que caminham no sentido de indicar as privações socioeconômicas como condições favoráveis à violência seja por consideraremnas geradoras de tensões psicossociais entre os grupos desfavorecidos quanto por enfraquecerem a legitimidade e internalização das normas e princípios da convivência pacífica encontraram forte apoio Tanto os resultados para o desemprego no modelo simples quanto para o desemprego desigualdade mortalidade infantil e gasto em previdência e assistência social na regressão multivariada favorecem as hipóteses que vinculam a criminalidade violenta à exclusão socioeconômica 311 O processo civilizador atribuído por Elias 2011 e Eisner 2014 à centralização da coerção da coerção estatal talvez se aplique mais propriamente aos apoios sociais públicos às oportunidades legítimas à redução da desigualdade econômica e ao controle de armas de fogo O indicador de riqueza geral o Produto Interno Bruto por habitante mostrou se positivo quando significativo o que dá vasão ao conceito de oportunidades criminais dinheiro e bens a serem roubados furtados extorquidos etc ou renda para o consumo de mercadorias ilícitas ou roubadas e furtadas que podem ser combustível para a violência por meio das disputas pelo controle dos mercados ilícitos A ausência de garantias regulação e mediação legais para a concorrência e propriedade nos mercados ilícitos obriga os agentes econômicos ilegais a recorrer a negociações pessoais informais usando sempre a violência armada como ameaça e retaliação contra a quebra de acordos ou como um meio para tomar posses e territórios alheios garantindo ou expandindo monopólios de nicho e territoriais Este seria ainda o principal mecanismo pelo qual o consumo de psicoativos causaria violência criminal e como vimos uma via pela qual armas de fogo legais escoam para grupos criminosos Analogamente às armas de fogo o consumo de psicoativos seria um precipitador de violências interpessoais resultantes de brigas exacerbando emoções hostis e afrouxando o autocontrole A dependência psíquica do uso de drogas poderia se tornar por si mesma uma motivação para violências instrumentais visando obter recursos necessários à aquisição da droga Mas é provável que o principal mecanismo gerador de violências pelo consumo de drogas seja por meio do tráfico de drogas ilícitas o principal mercado ilícito existente Por outro lado indicadores macroeconômicos ligados ao desenvolvimento social como o gasto por função previdênciaassistência a desigualdade a mortalidade infantil e o desemprego exibiram resultados mais consistentes apoiando a conexão negativa entre apoio social e violência e positiva entre exclusão socioeconômica e homicídios intencionais Dessa maneira a legitimidade do Estado contemporâneo sua capacidade de construir uma ordem normativa efetiva se vincula muito mais à promoção de apoio social e de oportunidades legítimas que diretamente à coerção policial sendo essa vista muito mais como um instrumento 312 via tributação coordenação administrativa e cumprimento da lei para a construção de uma ampla rede institucional de integração social Ao mostrar incapacidade para realizar esta orientação normativa inclusiva e integradora o Estado perde a legitimidade e a ordem normativa que torna possível a gestão da violência é esvaziada A tentativa de gerir a violência criminal apenas por meio da dissuasão policial não consegue deter a dinâmica de fragmentação privatização e escalada da criminalidade violenta Na verdade a evidência obtida nesta análise sugere que a reação hiperrepressiva dos governos estaduais e municipais por meio do aumento do gasto na política pública de segurança repressiva que predomina no Brasil pode contribuir para aumentar a violência criminal por meio de uma lógica securitária de confronto armado Isso não significa que toda ação policial necessariamente gera mais violência e sim que o modelo tradicional de segurança pública no Brasil não tem sido capaz de um controle efetivo dos crimes violentos Mudanças qualitativas nas organizações e políticas de segurança pública poderiam alterar este quadro se forem politicamente viabilizadas e estabelecerem políticas de segurança pública e prevenção social da violência orientadas por evidências e resultados mas também pelo respeito aos direitos dos cidadãos O crescimento dos crimes letais intencionais porém não pode ser dissociado da difusão das tecnologias da violência como as armas de fogo cuja posse e circulação se mostraram diretamente proporcionais à taxa de homicídios intencionais o que nos lembra mais uma vez a reflexão de Eliott Currie sobre a violência das sociedades de mercado A abordagem utilizou o Índice Cook por entender que não se trata apenas da presença ou não de armas em domicílios medidas pelo proxy da proporção de suicídios por arma de fogo mas que é preciso atentar para a quantidade e potência das armas e munições em posse da população quaisquer que sejam as origens legais Armas utilizadas nos homicídios intencionais podem ser compradas por indivíduos órgãos militares e policiais empresas de segurança privada ou clubes de tiro mas todas acabam legal ou ilegalmente nas mãos de homicidas em algum momento 313 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA TESE A tese que fechamos agora foi instigada por uma constatação de Teixeira e Ribeiro 2017 uma relativa escassez de estudos quantitativos e comparativos com orientação causal sobre a violência nas principais revistas da área de Sociologia retomando a expressão do calcanhar de Aquiles metodológico um ponto fraco que torna toda a estrutura e argumentação teóricas e empíricas vulneráveis já que desprovida de uma robustez metodológica em um ponto que deveria darlhe sustentação e agilidade Tomamos este diagnóstico como o desafio central para o projeto que só adquiriu uma forma mais clara depois da etapa de qualificação quando a reformulação endereçou especificamente a explicação da variação nas taxas de homicídios intencionais entre microrregiões ou estados e ao longo dos anos no Brasil com a construção de hipóteses amplas a serem testadas com dados quantitativos e comparações visando uma generalização provisória dos resultados A escassez de análises quantitativas e comparativas de orientação causal apesar de ter fornecido a ocasião para a construção do projeto de pesquisa por si mesma dificultou a realização da pesquisa logo nas primeiras etapas O motivo foi que dada a raridade deste tipo de análise na Sociologia brasileira a solução foi procurar análises equivalentes em outras disciplinas na produção sociológica estrangeira e tentar por assim dizer espremer a produção sociológica qualitativa ou mista brasileira para extrair o máximo que fosse utilizável por meio de síntese e comparação por fontes secundárias e primárias As três soluções mostraramse mais ou menos promissoras mas bastante trabalhosas Podese dizer que tiveram um rendimento desigual mas contribuíram para a produção da tese como um todo A produção quantitativa sobre violência e criminalidade no Brasil foi identificada majoritariamente às áreas da Economia e da Saúde Coletiva que faziam amplo uso de métodos econométricos e epidemiológicos respectivamente para identificar determinantes micro e macro sociais da criminalidade e da violência Os economistas com orientação utilitarista partem dos pressupostos 314 delineados pela Economia do Crime de Gary Becker 1968 pressupondo que o crime é uma escolha individual racional orientada por um cálculo subjetivo mas plenamente informado de riscos e benefícios resultantes do crime nos quais pesam a probabilidade e a dureza da punição como perigos enfrentados pelo criminoso em potencial e os retornos materiais esperados do crime possíveis recompensas e ganhos Os custos e lucros esperados do crime seriam ponderados pelo criminoso que observando que o primeiro supera o segundo não cometeria o crime e quando o segundo superasse o primeiro o cometeria O modelo básico da economia do crime apesar da elegância e simplicidade é relativamente imune à refutação afinal sabemos que o indivíduo preferiu o crime e o considerou lucrativo por têlo cometido e que se o indivíduo não cometeu um crime é porque o considerou pouco lucrativo eou muito arriscado Os problemas de informação perfeita que este modelo microeconômico pressupõe juntamente com suas suposições normativas foram fortemente criticados por teóricos econômicos e políticos MYRDAL 1997 SCIBERRAS DE CARVALHO 2008 ELSTER 1994 A hipótese empírica possível pelo modelo é o da dissuasão penal segundo a qual a criminalidade seria inversamente proporcional à punitividade produto da eficiência e dureza penal Especificamente houve uma tentativa de conciliação entre sociologia e economia do crime por exclusão mútua HIRSCHI 2004 ao estilo de cada macaco no seu galho Também houve uma consistente argumentação no sentido de que o modelo de escolha racional seria uma versão empobrecida e não realista da teoria da aprendizagem diferencial que pressupõe uma estrutura de reforço diferencial com estímulos positivos e negativos para a conduta convencional ou desviante operando mediante a percepção dos atores sociais AKERS 1990 Algum tipo de comparação feita pelo ator entre oportunidades legítimas de um lado e oportunidades ilegítimas e ilegais de outro para obtenção de renda era também pressuposta na teoria da anomia Este no entanto se afastava do modelo utilitarista de ação humana ao considerar que a meta para o sucesso financeiro e consumo individual seriam internalizadas pelos atores dentro de um quadro institucional que favoreceria ao máximo o individualismo e o materialismo como atitudes predominantes frente à vida social tornando moralmente indiferentes os meios utilizados para alcançar os objetivos legítimos contanto que fossem eficientes 315 para o enriquecimento individual do ator e especialmente quando oportunidades legítimas estivessem ausentes ocasionando uma tensão subjetiva entre as metas prescritas e as oportunidades instituídas o que poderia dar origem a respostas típicas diferenciadas dos atores sociais MERTON 1938 Podese dizer que para as teorias da tensão e do aprendizado social o modelo utilitarista seria persuasivo por relevar e simplificar unilateralmente alguns aspectos da etiologia criminal por meio de suposições estáticas e simplistas sobre a mente e a sociedade humanas As tensões sociais se traduziriam individualmente como sentimentos de frustração relacionados a bloqueios de oportunidades discriminação desigualdade de recursos e apoios etc que impedissem a obtenção dos valores positivamente avaliados retirasse o acesso a tais metas ou os distribuísse de maneira considerada injusta e não merecida o que seria particularmente propício à violência e à criminalidade quando o sentimento produzido pela tensão social fosse a raiva o que poderia ser reforçado pela interação social com pares em situações similares e poderia se minorado pela existência de controles sociais AGNEW 1992 Ou seja na perspectiva da anomia a finalidade do enriquecimento e a ênfase na eficiência dos meios para obter riqueza ao invés da legitimidade legal e moral seria uma atitude internalizada nos quadros de uma ordem competiviva na qual o mercado coloniza as outras esferas da vida social como princípio de integração social enfraquecendo os mecanismos que poderiam mediar ou compensar as tensões psicossociais e sócioestruturais causadas pelo prevalência do mercado como os laços e apoios institucionalizados nas famílias associativismo participação e políticas públicas sociais e educacionais MESSNER ROSENFELD THOME 2008 Talvez a maior contribuição dos modelos de escolha racional não tenha sido reviver a ênfase na dissuasão penal detterence mas a ideia de oportunidade criminal consistindo no o conjunto das situações nas quais se encontram alguém com motivos para cometer crimes um alvo disponível vítima dinheiro bens etc e a ausência de guardiões capazes de dissuadir ou impedir o criminoso em potencial COHEN FELSON 2006 o que pode enriquecer as análises sociológicas da criminalidade e seria integrável a outras perspectivas sociológicas se por motivação não for pressuposto um motivo genérico ou aleatório fundamentado em 316 uma visão estática unidimensional e naturalizada de ator social Uma concepção de racionalidade limitada amplamente utilizada na análise de políticas públicas e na sociologia econômica poderia permitir que noções de motivação constrangimento e oportunidade fossem consideradas complementares na análise da criminalidade violenta já que as ações individuais estariam imersas nas estruturas sociais e relacionais GRANOVETTER 2007 FLIEGSTEIN DAUTER 2012 Apesar dos pressupostos utilitaristas as análises da criminalidade realizadas por economistas brasileiros não são de todo incompatíveis com as teorias sociológicas do crime e da violência havendo trabalhos que de fato concluíram que os modelos econômicos são melhores preditores de crimes contra o patrimônio e outros com fins lucrativos do que dos homicídios estupros e outros crimes contra a pessoa que muitas vezes não obedecem a uma lógica de custos e benefícios entre a expectativa de impunidade e retorno financeiro do crime CERQUEIRA 2010 CERQUEIRA MOURA 2019 BECKER KASSOUF 2017 ALMEIDA GUANZIROLI 2013 RESENDE ANDRADE 2011 O componente instrumental do crime que se manifesta no nível microssocial como oportunidade criminal se configura no nível macrossocial como mercados ilícitos aos quais se atribuem violências sistêmicas que são derivadas da própria ilegalidade dos negócios como não há propriedades regularizadas nem possibilidade de apelar à polícia aos tribunais e órgãos reguladores quando há descumprimento de acordos roubos e inadimplência reina uma desconfiança generalizada a violência e a intimidação pela força das armas de fogo se tornam um recurso central que pode servir para defender as próprias posses e acordos quanto para tomar as alheias e dissuadir retaliações de outros negociantes de ilícitos Quando se tratam de produtos criminalizados há ainda o problema para o empreendedor criminal de escapar à punição e à repressão policial e neste sentido a corrupção dos agentes públicos e a intimidação de testemunhas e informantes em potencial se tornam um importante instrumento na medida em que a omissão deliberada de agentes públicos é indispensável e a colaboração ativa de alguns atores da burocracia estatal pode ser um recurso estratégico valioso nas disputas com outros empreendedores criminais Enfim o mercado ilícito apesar da ilegalidade das atividades ou negócios 317 ilícitos ainda é uma rede econômica que utiliza normalmente a moeda oficial constituindo um poderoso meio de acumulação de capital pela possibilidade de não custear o pagamento de impostos e o cumprimento de regras de regulação incluindo o respeito à concorrência que pode ser eliminada pela força das armas com a imposição de monopólios em nichos e territórios específicos O capital acumulado por meios ilícitos precisa ter a sua origem dissimulada para que possa ser reinvestido nos mercados lícitos e propriedades oficialmente protegidas pelo Estado com o auxílio de firmas especializadas neste tipo de operação a lavagem de dinheiro que limpa o dinheiro sujo obtido por meio do crime nos mercados ilícitos GOLDSTEIN 1985 ZALUAR 1996 OLIVEIRA 2007 RAMÍREZ et al 2013 MISSE 2007 e 2011 SERRANOLÓPES 2020 Os trabalhos ligados à saúde coletiva são em geral orientados por uma abordagem sócioecológica que supõe que o comportamento individual responde a estímulos do ambiente social formulado como um conjunto de características do grupo demográfico e do local de ocorrência do crime e residência do criminoso Assim características diferenciadas entre áreas dos municípios ou entre municípios são observadas como capazes de influenciar direta ou indiretamente as ações dos indivíduos e grupos que respondem aos ambientes social e materialmente hostis por meio de condutas diversas entre as quais as violentas Em outras palavras características geográficas e demográficas constituiriam fatores de risco com uma certa probabilidade de se traduzirem em ações criminais violentas a depender da resposta do indivíduo que varia de acordo com a sua constituição biopsicosocial Se os postulados da economia do crime implicam na falácia de composição típica do microrreducionismo a abordagem ecológica da violência corre o risco de cair na falácia ecológica na qual comportamentos individuais são deduzidos de características do lugar onde ocorrem No entanto as análises socioespaciais são compatíveis com postulados sociológicos da Teoria da Desorganização Social segundo a qual o crime é um comportamento social facilitado e aprendido em determinado contexto especificamente aquele no qual há uma transmissão cultural de técnicas e valores delinquentes e também uma baixa densidade dos laços sociais familiares e comunitários capazes de mobilizar um controle social informal sobre a conduta dos 318 jovens do lugar naquele momento ocasionando desse modo uma uma concentração socioespacial da autoria e das ocorrências criminais o que estaria ligado em escala municipal ao crescimento e densidade populacionais e na escala intramunicipal às privações socioeconômicas e à fragmentação sociocultural concentradas e sobrepostas em algumas partes das cidades Inversamente as áreas rurais cidades pequenas e comunidades urbanas homogêneas estáveis e prósperas teriam baixa incidência criminal em função da força e do adensamento dos controles sociais familiares e comunitários SHAW MCKAY 1942 KUBRIN WEITZER 2003 KUBRIN 2016 LYNCH BOGGESS 2016 A perspectiva teórica da desorganização social enfatiza o controle social ou seja o conjunto de mecanismos causais que impedem a ocorrência dos crimes mesmo quando há motivação e oportunidade criminal propícia para tanto refreando a prática de delitos o que produziria variações consideráveis do envolvimento criminal não só entre comunidades territorialmente delimitadas como também entre indivíduos em função da experiência de socialização primária e estabilização de relações sociais levando ao desenvolvimento do autocontrole individual HIRSCHI 2004 Por outro lado se a prática delitiva pode ser refreada pelo controle exercido pelo próprio indivíduo sobre si mesmo ou por grupos sociais sobre a conduta de cada um dos seus membros também pode ser prevenida por meio do apoio social ou seja pelo encorajamento instrumental e simbólico das condutas legítimas e pelo acolhimento em situações de grande pressão psicossocial estressoras o que pode ser realizado por familiares empresas associações comunitárias profissionais religiosas etc ou por instituições públicas CULLEN 1994 Nas análises sociológicas quantitativas estas perspectivas teóricas são adotadas de maneira explícita em geral enunciando diretamente as hipóteses empíricas derivadas de tal ou tal teoria explicativa do crime desorganização anomia e tensão violência sistêmica etc e cada vez mais operando pela reconstrução complementação ou integração entre as várias teorias sociológicas da criminalidade e da violência TRENT PRIEDMORE 2012 Mas este tipo de trabalho é ainda relativamente escasso no Brasil talvez por deficiências de treinamento adequado para lidar com dados e softwares quantitativos nos cursos de Ciências Sociais o 319 que se entrelaça a um preconceito difuso e até mesmo politizado contra os métodos quantitativos atacados como positivistas que reduzem pessoas a números o que acaba legitimando uma baixa preocupação com o rigor metodológico em geral inclusive quando são utilizados métodos inteiramente qualitativos levando ao uso retórico das fontes e evidências prejudicando a inferência causal a precisão analítica a capacidade de generalização e a possibilidade de aplicações práticas o que não é exceção na sociologia da violência CANO 2012 SOARES 2005 TEIXEIRA e RIBEIRO 2017 Ainda assim existem exemplos de boas análises sociológicas qualitativas quantitativas e mistas da criminalidade violenta publicadas no Brasil BATISTA et al 2016 CANO BORGES RIBEIRO 2012 LEITE 2014 SILVA et al 2018 BEATO et al 2001 BEATO 1998 RIVERO 2010 SCHABBACH 2016a CANO RIBEIRO 2017 ROLIM 2014 A partir das análises qualitativas e mistas centradas em casos específicos mais raramente para comparações estudos de pequeno número de casos e de obras literárias de testemunho formulamos tipologias de situações violentas organizações criminais armadas e configurações do mundo do crime respectivamente micro meso e macro contextos da violência As análises qualitativas também apresentavam interpretações de segunda ordem das motivações justificativas e percepções dos atores sociais envolvidos nos universos da criminalidade violenta As tipologias históricas auxiliaram na formulação dos conceitos heurísticos que foram utilizados ao longo dos vários capítulos que trataram diretamente da construção de modelos multivariados preenchendo com carne e sangue o que muitas vezes nos pareciam construções formais e modelos formulados em outros contextos nacionais e históricos Dessa maneira a teorização quantiorientada e a teorização qualiorientada se complementam e reforçam A apropriação interdisciplinar das literaturas quantitativa e qualitativa sobre a violência criminal no Brasil portanto nos auxiliou a enriquecer análise com uma compreensão tanto dos determinantes estruturais quanto dos significados das práticas da criminalidade violenta em seu contexto A abordagem de níveis e dimensões causais apresentada no capítulo sobre a literatura quantitativa foi neste sentido constituída em conversa com a formulação da tipologia de situações organizações e configurações da criminalidade violenta e ambos os capítulos como 320 os demais desta Tese podem ser lidos independentemente em qualquer ordem mas são complementares entre si e produtos do mesmo projeto de pesquisa Além das variáveis independentes ou preditivas foi necessário problematizar e analisar a variável dependente ou resposta os homicídios intencionais Conforme argumentado ao longo da tese mas principalmente no capítulo sobre as mortes violentas por intenção indeterminada e sua possível conexão com a violência policial o homicídio intencional é uma categoria constituída por elementos jurídicos e biológicos com um fundo moral embasado na noção de intencionalidade individual que o torna passível de culpa jurídica A construção administrativa da categoria de morte por agressão passa pela polícia e pela medicina a primeira operando categorias jurídicopenais e elucidando a situação que originou a morte e a segunda operando categorias biológicas para explicar as causas eficientes do óbito O crime de homicídio doloso por resultar em um cadáver é considerado o mais registrado e menos enviesado além de ser uma proxy eficaz para o conjunto da criminalidade violenta que produziria as mortes por meio da violência sistêmica dos mercados ilícitos da violência expressiva dos conflitos interpessoais domésticos conjugais etc ligados a valores de honra intolerância e machismo Ausência de informação produzida por policiais ou por médicos ou falha de comunicação entre as agências de segurança e sanitária gerariam a subnotificação que em uma hipótese extrema seria aleatória o que não prejudicaria inferências e em outro extremo seriam sistemáticas tanto no sentido de ser produzida tanto pela escassez de recursos públicos alocados nas polícias e medicina legal quanto de uma política institucionalizada para ocultar um tipo específico de homicídio intencional ou incidental cometido contra categorias sociais específicas Apesar da análise não ter sido conclusiva como nenhuma outra aliás constatamos que de fato há uma associação forte e negativa entre a taxa de mortes por agressão e por operações de guerrapolícia e a proporção de mortes violentas por intenção indeterminada ou por causas mal definidas em relação às mortes por agressão e por operações de guerra ou intervenção legal Também constatamos nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo uma associação temporal e bivariada entre os números proporções em relação às mortes por agressão e as taxas por 100 mil habitantes das ocorrências de morte por ação 321 policial autos de resistência seguidos de morte e os números proporções em relação às mortes por agressão e as taxas por 100 mil habitantes das mortes violentas por intenção indeterminada As mortes violentas indeterminadas porém mostraram números taxas e proporções muito maiores indicando uma possível subnotificação da vitimização associada à violência policial Diante destes achados propusemos uma reconstrução da categoria de homicídios intencionais por meio de dois métodos de ajuste O primeiro mais conservador utiliza os números de mortes por agressão por operações de guerra e intervenção legal mais uma proporção das mortes por causas mal definidas igual à razão entre mortes por agressão e operações e as mortes por causas conhecidas e mais uma proporção das mortes violentas por intenção indeterminada igual à razão entre mortes por agressão e operações pelas mortes violentas homicídios operações suicídios e acidentes O segundo ajuste mais radical difere do anterior apenas por considerar todas as mortes por intenção indeterminada como homicídios intencionais mantendo igual o restante da fórmula de ajuste O ajuste conservador supõe que todo o erro é causado por ineficiências policiais e médicas enquanto o ajuste radical pressupõe que ao lado da ineficácia há uma política institucionalizada mas não explícita de ocultação da vitimização causada pela violência policial Por cautela a construção de modelos multivariados nos demais capítulos utilizou a fórmula mais conservadora para a construção da categoria de homicídios intencionais também por não sabermos se as correlações verificadas nos Estados de São Paulo e no Rio de Janeiro podem ser generalizadas no país e ao longo do tempo enquanto inversamente é certo que problemas de ineficiência na produção de estatísticas de mortalidade violenta muito provavelmente se repetem em todo o país e ao longo dos anos Além disso pressupomos que a violência policial responde a causas conexas às da violência privada já que excessos e arbitrariedades policiais são praticados nas tentativas de reprimir ou extorquir atores envolvidos nos mercados ilícitos Enfim chegamos à construção dos modelos com dados em painel Esta estrutura de dados tem a vantagem de medir tanto as divisões transversais cross section quanto temporais time series Utilizamos microrregiões como unidade de 322 análise mais frequente abrangendo todas as 558 microrregiões ou focando nas principais microrregiões metropolitanas A microrregião é um grupo de municípios vizinhos entre si às vezes com forte interligação econômica e mobilidade pendular entre os municípios e nestes casos são chamadas de metrópoles em geral tendo uma capital estadual como núcleo O IBGE faz o acompanhamento de vários indicadores socioeconômicos e demográficos das metrópoles desde 1992 o que permitiu a construção de análises simples e multivariadas utilizando estes dados Para o conjunto das microrregiões a principal fonte de dados é o DATASUS e por isso foi necessário construir as proxies inteiramente por meio de dados de mortalidade e demografia Era nosso desejo realizar uma análise das microrregiões utilizando dados das finanças públicas municipais para despesas em funções específicas o que teria vantagens sobre o uso de unidades municipais pelo fato da unidade microrregional tornar irrelevante as tendências de concentração espacial dos dados devido à tendência da violência criminal a transbordar contaminar ou se difundir para os municípios imediatamente circundantes O uso de 5568 municípios com dados anuais entre 1996 e 2018 resultaria em pelo menos 128064 casos com pelo menos 7 variáveis em cada um o que poderia ser excelente para a inferência mas muito provavelmente excederia a capacidade de processamento do computador disponível No entanto o banco de dados disponível para finanças públicas o IPEADATA continha numerosos municípios que foram criados ou extintos ao longo dos anos o que criou dificuldades para a soma das despesas públicas dos municípios de cada região Para analisar efeitos de despesas públicas por função utilizamos os Estados pois estas unidades federativas tiveram notória continuidade em todo o período analisado Já para indicadores como renda emprego escolaridade arranjos familiares composição de idade e gênero da população qualidade e proporção da urbanização e presença socioeconômica do Estado com efeitos de longo prazo defasagens em 10 anos de algumas variáveis independentes ou para vitimização de jovens e de mulheres utilizamos dados metropolitanos que constituem a maior parte das análises produzidas A seguir um quadro resumindo o sinal positivo ou negativo esperado e os 323 resultados para cada uma das variáveis Quadro 42 Resumo das hipóteses e resultados das variáveis independentes Variável Conceito Sinal esperado Resultados bivariados Resultados multivariados Consumo mórbido de drogas Violência instrumental para comprar drogas ou para lucrar traficandoas violência expressiva precipitada pelo uso de drogas Positivo Positivo Positivo Acesso a armas de fogo percentual de suicídios por arma de fogo Posse privada de armas facilita o uso individual da violência Positivo Inconsistente Inconsistente Acesso a armas de fogo média entre percentuais de suicídios e homicídios por arma de fogo Mercados legais e ilegais de armas de fogo e munição barateiam as tecnologias da violência Positivo Positivo Positivo Mortalidade infantil Exclusão social tensão e desorganização sociais Positivo Positivo Positivo Crescimento populacional desorganização social Positivo Positivo Positivo Densidade populacional desorganização social Positivo Positivo Positivo Renda media domiciliar per capita Oportunidades criminais Insignificante Insignificante Positivo Desigualdade de renda domiciliar curto prazo Tensão Social e Anomia por privação relativa Positivo Inconsistente Inconsistente Desigualdade de renda domiciliar longo prazo Tensão social desigualdade de oportunidades e desorganização social desconfiança generalizada Positivo Positivo Positivo Desigualdade de renda por gênero Discriminação de gênero Positivo Insignificante Insignificante Desemprego Tensão social por restrição de oportunidades legítimas Positivo Positivo Positivo Desigualdade laboral de gênero Discriminação de gênero Positivo Positivo Positivo Monoparentalidade curto prazo Apoio social e desorganização social Positivo Positivo Insignificante Monoparentalidade longo prazo Apoio social e desorganização social Positivo Positivo Positivo Urbanização desorganização social Positivo Positivo Insignificante 324 Variável Conceito Sinal esperado Resultados bivariados Resultados multivariados Homens por mulher Masculinidade e violência Positivo Negativo Insignificante proporção de jovens ou de homens jovens Juventude masculina e violência Positivo Inconsistente Inconsistente Serviços urbanos esgotamento sanitário curto prazo tensão apoio e desorganização sociais Negativo Inconsistente Inconsistente Serviços urbanos água encanada longo prazo tensão apoio e desorganização sociais Negativo Negativo Negativo escolaridade curto prazo oportunidades legítimas laços sociais educacionais Negativo Positivo Inconsistente escolaridade longo prazo oportunidades legítimas laços sociais educacionais Negativo Negativo Negativo Razão entre escolaridade masculina e feminina Discriminação de gênero Positivo Insignificante Insignificante Setor público per capita Dissuasão PolicialApoio Social Negativo Insignificante Negativo Despesa em segurança pública Dissuasão Policial Penal Negativo Positivo Positivo Despesa em previdência e assistência social Apoio Social Público Negativo Insignificante Negativo Fonte Elaboração própria A única variável explicativa usada em todos os modelos multivariados foi o consumo mórbido de psicoativos indicado pela mortalidade causada por álcool cocaína maconha e alucinógenos O proxy visava a captura sem distinção das três hipóteses de relações causais entre substâncias psicoativas A primeira é a violência interpessoal precipitada pela alteração de estados emocionais causadas pelo uso de álcool ou drogas ilícitas em situações de tensão e conflito interpessoal levando aos efeitos momentâneos de exacerbação da raiva e perda de autocontrole A segunda hipótese é que a dependência e a compulsão psicofísica pela substância fariam o usuário mórbido cometer crimes aquisitivos para obter a renda necessária para comprar álcool e drogas ilícitas e assim os homicídios intencionais poderiam resultar incidentalmente do roubo ou das retaliações posteriores contra os praticantes dos roubos e furtos A terceira hipótese seria a violência sistêmica do próprio mercado ilícito de drogas devido à ilegalidade e criminalização da atividade ou produto envolvendo em síntese toda a violência utilizada para controlar proteger ou reprimir o uso e o tráfico de drogas ilícitas abrangendo violência policial 325 guerras de gangues eliminação de inadimplentes e informantes ou delatores os x9 no jargão nativo e possíveis danos colaterais mortos no foto cruzado ou por engano GOLDSTEIN 1985 RATTTO DAUDELIN 2017 MISSE 2007 ROSENFELD 2009 A terceira hipótese poderia ser desdobrada em violências privadas entre criminosos para o controle e manutenção do tráfico de drogas de um lado e violências policiais para suprimir o uso e o tráfico de drogas de outro mas a simbiose entre corrupção policial e tráfico de drogas torna essa separação bastante problemática no mundo empírico ainda que formalmente possível A compulsão no consumo de psicoativos sobretudo os ilegais também pode causar reações sociais no sentido de estigmatizar moralmente os usuários facilitando a impunidade de quem os mata embora seja muito difícil encontrar evidências de que essa vulnerabilização judicial dos usuários incida igualmente sobre consumidores de psicoativos em todas as classes socioeconômicas E o próprio consumo compulsivo poderia ser considerado uma das modalidades de desvio tipificadas por Merton 1938 a desistência assim como o recurso ao tráfico de drogas ilícitas e à extorsão e proteção de traficantes seriam exemplos do desvio inovação e de oportunidades ilegítimas MERTON 1938 CLOWARD OHLIN 2011 Por conseguinte o uso compulsivo e o tráfico de drogas ilícitas poderiam ser ambos remetidos à tensão social internalizada pelo ator social AGNEW 1992 O uso de drogas é claro seria ainda uma conduta juvenil facilitada pela desorganização social SHAW e MCKAY 1942 e pelo baixo autocontrole individual HIRSCHI 2004 sendo ainda uma conduta aprendida pela interação social SUTHERLAND 1955 BECKER 2008 Na maior parte dos modelos simples e multivariados o consumo mórbido de psicoativos explicou significativamente uma parcela do aumento da taxa de homicídios intencionais o que forneceu amplo apoio às hipóteses do nexo entre drogas e violência embora não para uma em detrimento das outras A evidência qualitativa acumulada porém sugere que a terceira hipótese a da violência sistêmica ligada aos mercados ilícitos seja a de maior força causal inclusive porque este tipo de violência é identificável também em outros mercados ilícitos como o de receptação e revenda de produtos furtados e roubados jogos de azar ilegais 326 contrabando etc ROSENFELD 2009 MISSE 2006 ZALUAR 1996 ZALUAR BARCELLOS 2011 A violência dos mercados ilícitos além destes aspectos econômicos pode ter sentidos políticos sendo um deles mais comum e generalizado a espetacularização e instrumentalização políticomidiática conservadora visando a promoção de uma agenda política de endurecimento penal e policial Mas ainda há formas importantes de instrumentalização direta da violência criminal por membros das elites políticas por meio da aliança com grupos criminosos violentos com ou sem participação policial ou militar para eliminar adversários políticos e delatores de crimes envolvendo o político mandante coagir e intimidar eleitores intimidar e eliminar lideranças e ativistas incômodos usar capitais de origem criminosa para financiar campanhas eleitorais etc KLEINFELD BARHAM 2018 Em todas as análises multivariadas utilizamos uma ou outra das duas proxies para as armas de fogo uma para a posse em residência proporção de suicídios por armas de fogo e outra para um uso e oferta mais amplos proporção de suicídios e agressões letais cometidos por arma de fogo Ambos os indicadores são consagrados mas o primeiro uma espécie de padrão ouro dos estudos do nexo entre violência e armas de fogo apresentou mais problemas entre os quais uma forte correlação positiva com a taxa de suicídios por sua vez negativamente correlacionadas aos homicídios intencionais nas metrópoles e nos Estados Inversamente a proporção de homicídios que são cometidos com armas de fogo é direta e fortemente associada à taxa de homicídios intencionais Isso sugere que a presença ou não de uma arma de fogo em parcela dos domicílios é menos importante do que a quantidade e potência das armas de fogo e munições em uma metrópole ou Estado em um dado ano sem importar se estas armas foram adquiridas por particulares para autodefesa ou por empresas de segurança privada clubes de tiro colecionadores caçadores ou por órgãos públicos de segurança e defesa A disparidade entre a totalidade das microrregiões de um lado e as microrregiões metropolitanas e os Estados de outro pode ser interpretada como diferenciais estruturais entre a violência dolosa nas áreas rurais e pequenas cidades e nos grandes centros urbanos Em situações de violências interpessoais ou crimes contra o patrimônio a 327 posse individual de armas de fogo por uma ou ambas as partes pode levar uma briga um roubo ou um furto a se tornar um homicídio doloso Este tipo de situação violenta provavelmente predomina nas áreas rurais e cidades pequenas juntamente com as violências ligadas aos conflitos agrários e ambientais provavelmente também facilitadas pela difusão de armas de fogo entre a população local Este padrão de conexão entre armas de posse pessoal é predominante quando testamos para o conjunto das microrregiões do país devido à importância das áreas rurais e de cidades pequenas Mas como as metrópoles respondem pela maior fração de homicídios intencionais nos Estados estes acabam influenciados pela tendência daquelas ou seja por grandes números de mortes resultantes da violência policial munida pelos arsenais estatais e da violência de gangues que usam armas e munições roubadas furtadas e contrabandeadas Tratamse em suma de violências sistêmicas resultantes de padrões de atuação policial e da dinâmica dos mercados ilícitos cumulativas e às vezes sobrepostas às violências interpessoais e patrimoniais O proxy que usa a proporção de mortes intencionais com armas de fogo também não está isento de problemas uma vez que possivelmente há tanto uma tendência de a quantidade e a potência das armas de fogo em circulação aumentarem a violência quanto do aumento da violência levar ao maior uso proporcional de armas de fogo Não é sem razão que Eliott Currie indicou a liberalização das tecnologias da violência como um dos mecanismos pelos quais sociedades de mercado produzem crimes violentos e não o mecanismo CURRIE 1997 As teorias sociológicas da criminalidade e da violência especificaram um conjunto de mecanismos causais que produziriam o envolvimento e vitimização criminal e violenta não só de acordo com os meios e objetos da prática criminal como as armas e drogas por exemplo mas em função de estruturas sociais cujos efeitos seriam motivar ou constranger a criminalidade mediante a formação de subjetividades Estruturas sociais conforme explicita Giddens 2008 são conjuntos de regras e recursos que estabelecem relações sistemáticas de dominação e de sentido constituindo aquilo que as tradições sociológicas denominaram de instituições sociais políticas jurídicas socioculturais e econômicas Relativo à 328 explicação da incidência diferencial da criminalidade violenta tanto entre autores quanto entre vítimas as teorias especificam mecanismos que tornam alguns atores sociais mais vulneráveis à vitimização ou mais propensos a vitimizar os outros havendo ainda aqueles que são colocados em uma condição dupla de vítimas e agressores em potencial As estruturas sociais podem influenciar estes processos não só ao distribuir os meios de ação legítima e ilegítima como também ao contribuir para a constituição de atitudes capazes de motivar a violência tornandoa um meio aceitável para obter fins particulares do agente ou dotar a violência física de um significado cultural que a torne obrigatória ou justificável em função de valores contrários A exposição diferencial à violência seja tornandose um agressor seja tornandose vulnerável seria assim uma função da posição social do agente em estruturas socioeconômicas e sociopolíticas A produção da propensão e vulnerabilidade criminais violentas dessa maneira poderia coincidir ou diferenciar se entre os agentes sociais e passaria ou pela ausência ruptura ou afrouxamento de possíveis controles sociais que refreassem as ações violentas especialmente de agressão física ou que apoiassem a conduta pacífica legal de convivência respeitosa A força dos controles sociais seria produzida por características dos laços sociais e das organizações que exercem o controle social Os controles sociais informais exercidos por famílias e por comunidades de vizinhança escolares profissionais etc seriam os mais importantes por serem os mais presentes no cotidiano e ao longo da vida mas estariam sujeitos à estrutura demográfica Tendências de forte crescimento e densidade populacional favoreceriam a fragmentação social afrouxando os controles sociais além de sobrecarregar os serviços públicos mercados de habitação e de trabalho Para o conjunto das microrregiões esta hipótese foi corroborada de maneira robusta mas para as metrópoles os resultados foram menos consistentes ou contrários Uma explicação definida por ausência de controles e apoios sociais seria seriamente limitada sem explicar porque o indivíduo em questão se envolve em crimes violentos qual seria o motivo pressão ou incentivo favorável à violência criminal que pesou sobre aquele agente Teorias da desorganizaçãocontrole social 329 em geral simplesmente supõem que a motivação é constante e natural o impulso egoísta e imediatista da natureza humana Teorias da tensão social e associação diferencial por outro lado pressupõem um processo de formação da atitude violenta que é fundamentada na experiência social de intensa privação relativa do sujeito levando à formação de sentimentos de frustração e raiva ênfase no sucesso e indiferença moral quanto aos meios para vencer e consumir Formas de privação material e simbólica estariam associadas à criminalidade violenta da mesma forma que elementos que recompensam e facilitam o crime As experiências de privação relativa formariam sentimentos de frustração e percepções de que a justeza dos meios usados é indiferente contanto que sejam alcançados os fins de sucesso prescritos pelo sistema institucional dominante nas sociedades de mercado A ausência de laços sociais capazes de fornecer apoio social ou exercer controle informal poderia ser considerada uma forma de privação socioeconômica da mesma maneira que a escassez ausência ou precarização de serviços públicos sociais que pudessem funcionar como uma rede de apoios e controles sociais públicos Tudo é claro em um nível macrossocial e encarado de maneira probabilística respeitando a variedade de respostas individuais às circunstâncias de exclusão social Se as tensões e desorganização favorecem a criminalidade violenta entre os pobres sabemos que a maioria dos desafortunados não se tornam criminosos menos ainda violentos Tudo é uma questão de probabilidades Mas ainda que estes fatores tornem só uma minoria criminosa e violenta as repercussões são maiores e as respostas podem ser coletivas Diante disso o desafio foi medir a privação socioeconômica para verificar seu impacto sobre a criminalidade violenta Utilizamos uma variedade de indicadores de acordo com a disponibilidade e avaliação da qualidade dos dados Para o conjunto das microrregiões o indicador selecionado foi a mortalidade infantil por ser considerada muito sensível às mudanças de condições sociais sobretudo de marginalização e exclusão socioeconômicas em função tanto das condições de renda emprego moradia fecundidade e escolaridade das famílias e especialmente das mulheres quanto das políticas públicas sociais e da desigualdade de renda Os resultados obtidos com a mortalidade infantil foram positivos e significativos ainda 330 que não lineares corroborando a hipótese do nexo entre privação socioeconômica e violência criminal Para um grupo específico de microrregiões as metrópoles de Belém Fortaleza Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Curitiba e Porto Alegre foi possível acessar um conjunto mais amplo de proxies coletados entre 1992 e 2014 dentre os quais o desemprego a renda média domiciliar per capita diferenciada por etnia e gênero as proporções de homens e mulheres grupos de cor e idade na população o acesso a saneamento básico a escolaridade a proporção da população em áreas urbanas e o valor adicionado pelo setor público à economia especialmente por serviços de segurança defesa educação seguridade social e empresas públicas Estes indicadores permitiram três análises específicas a criminalidade como efeito de longo prazo dos fatores presentes no contexto da socialização e desenvolvimento das crianças e adolescentes que futuramente seriam autores ou vítimas de crimes violentos os homicídios intencionais contra e entre jovens entre 15 e 29 anos e homicídios e feminicídios que vitimam mulheres Tratamse de três problemas interligados mas relativamente diferentes e por isso usamos proxies diferenciados Para os macrodeterminantes de longo prazo e a violência contra e entre jovens pressupomos que há um conjunto de mecanismos que operam no curto prazo estabelecendo oportunidades diferenciais perceptíveis entre as quais algumas são legítimas e protegem contra o crime violento como o emprego remunerado e o acesso a diversos serviços públicos que constituem dispositivos estatais de controle e apoio sociais e outras que expõem o ator à violência sistêmica ligada às drogas e armas de fogo Por outro lado há mecanismos que operam no longo prazo pois passam pelo contexto da socialização e desenvolvimento da personalidade dos jovens afetandoos na infância e adolescência a família a educação a desigualdade e discriminação econômicas e raciais As evidências apoiam a hipótese geral de causalidades operando no curto bloqueio de oportunidades e violência sistêmica dos mercados ilícitos e no longo prazo desigualdade econômica famílias chefiadas por mulheres educação e acesso à rede geral de água mas as proxies não funcionaram igualmente em todos os modelos Em especial com o uso de indicadores altamente defasados os 331 resultados se mostraram sensíveis à especificação pois apesar de não terem contrariado as hipóteses as apoiaram em algumas especificações e não em outras Em geral podemos apontar a educação como um preditor negativo da violência tanto mediante o efeito benéfico da escolaridade dos pais na criação dos filhos que reduz a taxa de homicídios no longo prazo quanto da escolaridade atualmente incorporada à população e como diremos adiante o investimento estatal atual e acumulado na educação das crianças e jovens A monoparentalidade feminina as administrações públicas menores e a razão de renda entre brancos e negros também apresentaram efeitos positivos no longo prazo em vários modelos fornecendo apoio parcial às hipóteses de uma sobrecarga da chefe de família mulher tipicamente uma mãe solteira devido ao abandono morte ou prisão do pai dos filhos que precisa prover a renda do lar e dar atenção aos filhos sozinha o que reduz em muito o apoio social familiar e a desigualdade econômica sobretudo racializada que pode ser uma fonte de frustração socioemocional para crianças e jovens levando à formação da tensão social sendo a distribuição de água um proxy da capacidade estatal para alcançar a população com serviços e infraestruturas básicas O desemprego especialmente entre os jovens 16 a 29 anos é também um importante preditor no curto prazo nas análises simples e multivariadas mostrando a importância da frustração devido ao bloqueio de oportunidades como uma explicação para o envolvimento na criminalidade violenta embora o desemprego perca a significância quando adicionadas as variáveis defasadas em 10 anos o que indicaria enfim que a tensão social é internalizada ao longo do tempo e pode ser minorada por laços e apoios sociais mesmo que seja potencializada pelo desemprego no curto prazo A renda média por outro lado mostrouse insignificante por si própria mas positiva e significativa quando controlada pelo desemprego e setor público per capita indicando processos de privação relativa embora sejam os mais pobres os que se envolvem com mais frequência nos crimes violentos isso tende a ocorrer nas metrópoles mais ricas mantendo constante o resto consumo de drogas oferta de armas desemprego e serviço público Quanto mais cresce a renda média maior é o retorno médio dos crimes aquisitivos e mais a ausência de apoios e oportunidades 332 legítimos é sentida pelo ator quando ele percebe uma melhoria relativa na situação econômica alheia da qual se sente marginalizado Renda escolaridade e tamanho do serviço público em geral estão associados já que o aumento da renda eleva a arrecadação fiscal e atrai ou exige mão de obra mais qualificada O investimento público faz a economia crescer e a escolarização aumentar mas exige servidores públicos altamente especializados para ser operacionalizado e a educação aumentando também melhora a produtividade do trabalho Porém há um grau de separação entre estes fatores graças ao processo políticoinstitucional que prioriza diferencialmente a alocação da renda gerada É precisamente nestas diferenças que o efeito na análise multivariada deve ser interpretado Em suma aumentando o mercado consumidor sem correspondente ampliação das oportunidades de trabalho e serviços públicos ampliase o que Rosenfeld e Messner chamaram de anomia institucional que é o predomínio do princípio de conduta mercantil egoístaracional sobre o tecido social agravando as tensões sociais e reduzindo os laços e apoios reguladores o que levaria à elevação dos crimes violentos e da corrupção MESSNER ROSENFELD THOME 2008 CURRIE 1997 Os assassinados de mulheres podem ser feminicídios quando a motivação é relativa ao gênero sentimento de posse e controle obsessivo ou podem ser homicídios intencionais quando não se enquadram estritamente na motivação de gênero abrangendo uma trama similar aos assassinatos de homens Constatamos uma correlação entre assassinatos de mulheres e de homens jovens indicando que ao menos uma parcela da vitimização feminina possui fatores em comum com a masculina Mulheres podem ser vítimas de latrocínios podem ser atingidas pelo fogo cruzado dos conflitos entre grupos criminosos armados e pela violência policial Ou podem se envolver diretamente como traficantes por exemplo o que as expõe à violência ligada à criminalidade aquisitiva O desafio metodologicamente foi captar a prevalência de atitudes machistas que pudessem motivar e legitimar a violência de gênero A partir da teoria crítica de Nancy Fraser 2011 consideramos que o machismo se manifesta no mercado de trabalho desigualando oportunidades de trabalho entre homens e mulheres Uma discriminação de gênero institucionalizada no mercado de trabalho ainda que não 333 explicitada como tal poderia também influenciar atitudes violentas contra mulheres e marginalização econômica das mulheres poderia incentivar a frustração e a busca por meios ilícitos para obter renda O resultado a partir da razão percentual entre desemprego feminino e masculino deu suporte empírico à ideia Também constatamos que a violência contra a mulher declina com a urbanização o que também pode ser ligado à prevalência de valores patriarcais tradicionais na área rural Uma fonte de privação relativa que é discriminação de gênero contribui direta e indiretamente para tornar as mulheres mais vulneráveis aos crimes letais intencionais As formas de privação socioeconômica seja privação de laços familiares oportunidades de trabalho tratamento não discriminatório acesso a serviços públicos etc influenciam a criminalidade violenta seja por levar à internalização da tensão social pelo ator seja por dissolver controles e apoios sociais que preveniriam o envolvimento criminal violento As análises sobre as microrregiões e metrópoles deixaram claro que ao lado dos fatores sistêmicos drogas e armas e das estruturas sociodemográficas as formas de privação socioeconômica possuem efeitos importantes e significativos sobre a violência dolosa mas essa correlação é mediada por diversos mecanismos e estes processos causais são captados de maneira diferenciada pelas proxies utilizadas Nas áreas metropolitanas o serviço público medido pelo valor adicionado per capita pela administração pública mostrouse consistentemente preditor de uma menor taxa de homicídios intencionais seja em geral de jovens ou de mulheres Em teoria o Estado poderia reduzir a violência criminal por duas vias a dissuasão e o apoio social A dissuasão seria obtida por meio da força policial e da punição legal que serviriam para intimidar criminosos em potencial por medo da punição ou dissuasão geral e incapacitar os atuais agressores pelo confinamento penal incapacitação O apoio social pode ser direto por meio da prestação de serviços públicos não mercantis ou indireto por meio incentivos e regras que fortalecem as famílias e comunidades Estas duas formas de controlar o crime violento são distintas analiticamente mas não puderam ser separadas empiricamente na análise das metrópoles A solução foi construir uma análise com outro tipo de unidade de corte 334 transversal os Estados entre 1996 e 2019 Mantivemos os preditores da violência sistêmica ligada às drogas e às armas de fogo e indicadores macroeconômicos básicos como PIB per capita e crescimento econômico mas simplificamos o modelo com três preditores socioeconômicos um para a dissuasão policial outro para o apoioregulação social e um terceiro para o desemprego Como a legislação penal é federal e não teve severas modificações o elemento diferencial entre os Estados e Municípios brasileiros ao longo do tempo seria a dissuasão material medida pela média bianual do gasto municipal e estadual per capita em segurança pública uma despesa na qual se incluem os salários dos policiais e bombeiros estaduais e os guardas civis municipais além dos equipamentos e serviços consumidos pelos órgãos de segurança O resultado para este foram o contrário do esperando sugerindo que a ampliação da dissuasão policial via aumento do gasto público em segurança pode ser mais uma resposta dos governantes ao crescimento da violência e do medo do que um mecanismo efetivo de controle Pior pode ter efeitos imprevistos no sentido oposto do que era pretendido levando ao crescimento da violência por meio do aumento da letalidade policial e do agravamento da desorganização e isolamento social entre os setores desfavorecidos das cidades Para o apoio e regulação sociais a proxy utilizada foi a média móvel quinquenal do gasto estadual e municipal per capita em previdência e assistência sociais que seriam particularmente interessantes por proverem um apoio social público focado na socialização dos riscos socioeconômicos e da reprodução social da força de trabalho contribuindo para a desmercantilização parcial da sociedade Isso segundo a teoria da anomia institucional do apoio social e da tensão e desorganização sociais poderia reduzir direta e indiretamente a atuação de mecanismos geradores da violência e ligados às privações socioeconômicas e fragmentação sociocultural Os resultados apoiam estas hipóteses mostrando uma redução significativa da taxa de homicídios intencionais quando aumentado a média quinquenal de gasto público per capita em previdência e assistência social Desta maneira podemos apontar alguns grupos de indicadores sistêmicos armas e drogas demográficos crescimento e densidade populacionais urbanização proporção de homens e jovens socioeconômicos renda média desigualdades monoparentalidade feminina desemprego escolaridade acesso ao 335 saneamento etc Os indicadores serviram para a observação de hipóteses causais formuladas como mecanismos não diretamente observáveis ainda que descritos qualitativamente As análises quantitativas se restringiram às tendências e processos macrossociais aos quais atribuímos características estruturais formando processos e contextos favoráveis à produção de microviolências cujos níveis agregados são resultado direto ou indireto dos macrodeterminantes Mas a influência estrutural passaria por situações de microinteração mecanismos intermediários de formação de disposições e grupos Dessa maneira a causalidade estrutural sobre a violência criminal letal é sempre mediada pela agência intencional dos atores sociais Fatores ligados ao envolvimento individual na criminalidade violenta ao diferencial de incidência entre grupos étnicos ou entre áreas do município e ao impacto de modificações qualitativas em políticas públicas não foram abordados diretamente Por isso as respostas individuais aos mecanismos estruturais foram pressupostas como basicamente aleatórias entre indivíduos embora não entre camadas socioeconômicas etárias e de gênero Ainda assim esperamos ter feito uma contribuição genuína ainda que infinitesimal à compreensão das causas macrossociais das violências individuais que já ceifaram mais de 2 milhões de pessoas no Brasil nos últimos 40 anos Os limites deste estudo podem ser ligados a sugestões para aprofundamento Entre as limitações estão aquelas dos métodos quantitativos em geral tratamse de modelos da realidade social pelos quais dados codificados e estruturados são relacionados entre si de acordo com determinadas hipóteses deduzidas das teorias explicativas Correlação não é causalidade mas pode apoiar uma teoria causal Sua vantagem é a maior generalização da explicação mas pagase com perda de detalhamento Da mesma forma que partimos de uma literatura anterior predominantemente qualitativa na sociologia e política ou mista considerando o conjunto interdisciplinar mais amplo com o qual dialogamos epidemiologia das agressões economia do crime sociologia da violência políticas públicas de segurança o caminho inverso é perfeitamente válido partir dos nossos resultados gerais e buscar aprofundamento detalhado de casos discrepantes das tendências gerais Este procedimento poderia enriquecer enormemente a compreensão teórica 336 e histórica da criminalidade violenta Investigar contextos nos quais a exclusão socioeconômica foi reduzida especialmente com queda do desemprego mas a violência aumentou nos quais a dissuasão policial teve eficácia contra a criminalidade e não produziu aumento da violência nos quais o tráfico de drogas opera com baixa violência armada nos quais é comum a posse de armas de fogo mas baixa incidência de assassinatos e roubos áreas rurais com alta taxa de homicídios intencionais e áreas urbanas ou adensadas mais pacíficas etc Pode ser que encontremos a partir destes casos uma nova maneira de enxergar os resultados e tendências gerais ou a uma variável omitida nos modelos e que se mostre presente nestes casos em especial Nossa análise da literatura quantitativa econômica epidemiológica e sociológica e qualitativa e mista sociológica antropológica e histórica usou um método de revisão narrativa não sistemática que privilegiou tiposideais de abordagens quantitativas ou de resultados qualitativos e mistos Por essa razão pode ter negligenciado ou superestimado alguns aspectos ou outros Em parte isso foi intencional o objetivo não era construir um quadro completo da produção quantitativa interdisciplinar brasileira mas identificar limitações de algumas abordagens fundamentais Mas para nós é muito claro que há algum diálogo entre economia do crime e epidemiologia da violência E também escritos de economistas e epidemiólogos que usam conceitos sociológicos só não nos pareceram típicos Revisões sistemáticas como as que inspiraram a problemática deste projeto de pesquisa poderiam nos informar melhor à respeito dos métodos variáveis e resultados especialmente das pesquisas quantitativas e mistas Utilizamos dados produzidos e prétratados pelo IBGE DATASUS IPEA secretarias de segurança pública Ministério da Economia entre outros Supusemos que as variáveis construídas a partir destes dados tinham um sentido causal mediado por outra variável um tipo de processo causal mecanismo que não foi possível observar diretamente mas que estava previamente descrita por estudos qualitativos anteriores ou por uma modelização teórica apriori Testes mais diretos das teorias com a utilização de questionários construídos a partir dos conceitos teóricos podem contribuir para fortalecer a validade interna 337 das evidências além de permitir a abordagem em níveis individual comunitário e estrutural e uma medição com construtos diretamente inspirados por conceitos teóricos Os vínculos entre o desemprego e a violência criminal por exemplo passam mais pela tensão entre metas hegemônicas e meios legítimos ou pela formação de grupos jovens desempregados ou desalentados levar à formação de gangues enquanto os jovens empregados interagem mais entre si ou ambos A discriminação econômica de gênero anda junto com a motivação favorável à violência de gênero ou é a dificuldade em obter autonomia financeira que torna a mulher mais vulnerável à violência Ocorrências de letalidade policial possuem em média mais de uma vítima ou a violência policial possui efeitos indiretos exacerbando a desconfiança nas instituições a legitimação da violência física para resolução de conflitos e as lutas de sucessão e território entre gangues A exclusão socioeconômica gera violência por causa da autocomparação com os mais afortunados por criar um contexto de polarização e fragmentação social que mina todo tipo de solidariedade social porque o acesso à justiça e à segurança é condicionado pelas propriedades e rendas individuais ou porque a estigmatização moral dos pobres é tão grande que podem ser mortos impunemente Buscamos a análisa das causas da violência mas um caminho interessente seria buscar os efeitos da violência de prejuízos econômicos perda de anos de vida e desperdício de recursos em políticas ineficazes até efeitos de sentimentos de medo e de vingança desorganização social e estimatização moral que retroalimentam a violência Isso contribuiria para explicar a forte dependência de trajetória que muitas vezes ameaça a validade dos resultados empíricos das análises quantitativas causais sobre homicídios intencionais Como abordamos mortes violentas o recorte necessariamente deixa de fora violências que não são letais Pressupomos simplesmente que os homicídios intencionais são uma proxy da criminalidade violenta geral com base na literatura que aponta que os crimes letais intencionais estão ligados a brigas rixas roubos extorsão tráfico de drogas contrabando de armas corrupção e brutalidade policial violência sexual etc sendo uma fração destas situações as que possuem desfechos fatais Mas até que ponto há esta associação tão estreita e em quais condições 338 Até que ponto os diversos crimes violentos não letais respondem às mesmas causas que os letais São questões a serem aprofundadas em futuras pesquisas 339 11 REFERÊNCIAS ADORNO Sérgio Monopólio Estatal da Violência na Sociedade Brasileira Contemporânea In MICELI Sérgio org O que ler na Ciência Social Brasileira Vol IV São Paulo ANPOCSEd Sumaré Brasília CAPES 2002 p 267307 NERY Marcelo Batista Crime e violências em São Paulo retrospectiva teóricometodológica avanços limites e perspectivas futuras Cadernos Metrópole São Paulo v 21 n 44 p 169194 2019 Disponível httpswwwscielobrjcmaW4wbLBTYnNdKLVR4CVH3FSSlangpt Acesso 27102021 AGNEW Robert Foundation for a general strain theory of crime and delinquency Criminology v 30 n 1 p 4788 1992 Disponível httpsonlinelibrarywileycomdoiabs101111j174591251992tb01093x Acesso 27102021 Strain Economic 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