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SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros RAMALHO JR Mundo do crime a ordem pelo avesso online Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 2008 165 p ISBN 9788599662267 Available from SciELO Books httpbooksscieloorg All the contents of this chapter except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons AttributionNon CommercialShareAlike 30 Unported Todo o conteúdo deste capítulo exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição Uso Não Comercial Partilha nos Mesmos Termos 30 Não adaptada Todo el contenido de este capítulo excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons ReconocimentoNoComercialCompartirIgual 30 Unported Mundo do crime a ordem pelo avesso José Ricardo Ramalho MUNDO DO CRIME a ordem pelo avesso José Ricardo Ramalho 1 Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais wwwbvceorg Copyright 2008 José Ricardo Ramalho Copyright 2008 desta edição online Centro Edelstein de Pesquisas Sociais Ano da última edição 2002 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio de comunicação para uso comercial sem a permissão escrita dos proprietários dos direitos autorais A publicação ou partes dela podem ser reproduzidas para propósito nãocomercial na medida em que a origem da publicação assim como seus autores seja reconhecida ISBN 9788599662267 Centro Edelstein de Pesquisas Sociais wwwcentroedelsteinorgbr Rua Visconde de Pirajá 3301205 Ipanema Rio de Janeiro RJ CEP 22410000 Brasil Contato bvcecentroedelsteinorgbr 2 não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande de um preso da Casa de Detenção de São Paulo A Neide Esterci 3 ÍNDICE Prefácio Sérgio Adorno4 Nota à 3a edição 7 INTRODUÇÃO12 CAPÍTULO I A CADEIA E SEUS MUROS 17 Casa de Detenção o campo da pesquisa 17 Introdução à cadeia a mediação necessária e suas implicações22 No interior da cadeia o pesquisador e os presos 24 Os cinco pavilhões uma breve visita 27 CAPÍTULO II O MUNDO DO CRIME NA CADEIA 35 A massa do crime código da malandragem 35 O malandro figura principal da massa 51 O juiz de xadrez e o funcionário disciplina e crime na cadeira59 Mundo do crime e Trabalho recusa de uma barreira intransponível69 O nato percepção de uma trajetória sem retorno 72 O significado e o privilégio de uma ocupação na cadeia82 Avaliação da experiência da cadeia 83 Recuperação estreita passagem entre dois mundos 85 A ilusão do esforço pessoal 86 Admissão e denúncia dos obstáculos 86 Os pavilhões a lógica social no espaço da cadeia 98 O pavilhão do trabalho porta de saída 98 O pavilhão do castigo loucos e perigosos quem são104 Os residentes a imagem do cobra criada 106 Os cabeça fresca para início de carreira no fundão110 CAPÍTULO III A SUJEIÇÃO PELO CRIME 115 BIBLIOGRAFIA 134 ANEXO 138 4 Prefácio Embora não seja um problema exclusivamente brasileiro esta sociedade vem conhecendo desde a década passada taxas crescentes de criminalidade urbana em especial a de tipo violento Inicialmente mais visíveis em grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro hoje podem ser observadas na maior parte das médias e grandes cidades brasileiras Tudo indica que esse rápido crescimento é senão no todo ao menos em grande parte responsável pelos sentimentos coletivos de insegurança e medo diante da violência e do crime sentimentos que ultrapassaram as tradicionais barreiras de classe gênero geração etnia Hoje independentemente de clivagens sócioeconômicas ou culturais qualquer cidadão ou cidadã tende a revelar profunda inquietação pessoal quanto à possibilidade de vir a ser vítima de uma grave ofensa criminal A mudança do comportamento coletivo medo de circular sozinho de atravessar certas áreas da cidade de permanecer nas ruas em horários noturnos e a necessidade de busca de proteção pessoal de que inclusive vem resultando uma arquitetura urbana de espaços cerrados é apenas um dos sintomas mais visíveis do clima de pânico social que vem se disseminando com rapidez Desde a década passada o impacto deste problema vem estimulando o desenvolvimento de pesquisas no domínio das ciências sociais Em recente e exaustivo balanço analítico da literatura especializada Zaluar 1999 demonstrou o quanto já se avançou na caracterização do fenômeno face ao pouco que se sabia em passado não distante Não obstante não parece ainda haver consenso entre os cientistas sociais antropólogos cientistas políticos e sociólogos quanto às causas desse crescimento Mesmo assim não são poucos os que conferem peso à incapacidade do sistema de justiça criminal agências policiais ministério público tribunais de justiça e sistema penitenciário em conter o crime e a violência nos marcos do estado democrático de direito O crime cresceu e mudou de qualidade porém o sistema de justiça permaneceu operando como o fazia há três ou quatro décadas atrás Em outras palavras aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do estado de impor lei e ordem Sob este particular o modo como o estado brasileiro tem procurado operacionalizar o controle social revela formulação e implementação de diretrizes políticas antagônicas Não sem motivos os debates públicos se apresentam acirrados Sem pretender reduzilos a esquemas dicotômicos podese identificar nesses debates dois conjuntos de orientações políticas Por um lado medidas liberais que buscam marcar distância das políticas penais adotadas durante a vigência do regime autoritário Apelam para o império da lei e do estado de direito procuram conter a violência institucional e defendem os direitos dos cidadãos tutelados pelo sistema de justiça 5 penal Por outro lado medidas conservadoras que contemplam maior rigor punitivo apelando sobretudo para as medidas de supressão de liberdade em instituições voltadas para o cumprimento de pena em regime fechado O Brasil como muitos outros países do mundo ocidental vem apresentando nos últimos dez anos taxas crescentes de encarceramento O número cada vez maior de pessoas encarceradas no entanto não tem sido acompanhado de condições adequadas que atendam aos requisitos da tutela de presos ou do cumprimento de penas nos termos das exigências legais e institucionais estabelecidas em convenções internacionais em particular as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso da ONU O déficit no número de vagas as precárias condições de habitabilidade das prisões a falta de assistência de programas de assistência médica social e jurídica têm sido responsáveis por constantes movimentos de revolta e resistência por parte dos presos As rebeliões explodem em delegacias de polícia cadeias públicas e penitenciárias da capital e do interior do estado envolvendo danos às instalações e equipamentos e sobretudo ferimentos e mortes entre os presos policiais e funcionários além de suscitar e exacerbar os sentimentos de medo e insegurança presentes na população urbana Este porém não é um cenário recente nascido na década passada como muitas vezes se possa imaginar O livro de José Ricardo Ramalho é um de seus testemunhos mais significativos Realizado no curso dos anos setenta resulta de um estudo pioneiro que guarda ainda sua atualidade Pioneiro sob não poucos aspectos Em primeiro lugar face à conjuntura política em que foi concebido ainda durante a vigência da ditadura Aquela conjuntura dominada pela repressão à dissidência política não se constituía em cenário favorável ao estudo sobre as prisões e sobre o preso comum de modo geral desprezados quer pelo debate público quer pelo debate acadêmico Ao colocar em evidência o mundo do crime sob a ótica de seus protagonistas o livro de José Ricardo Ramalho não apenas antecipou o que já estava em marcha o crescimento da criminalidade urbana e da insegurança coletivas deixando entrever alguns de seus principais contornos mas também suspeitou que entre a repressão à dissidência política e à repressão ao crime comum havia uma espécie de solidariedade que o processo de transição democrática acabou por tornar transparente Mas há outros aspectos que merecem destaque Ao aproximar o mundo do crime da pesquisa etnográfica àquela época tratamento metodológico pouco usual no domínio desses estudos o estudo já apontava para outras novidades ao demonstrar as fluídas fronteiras entre o legalidade e desordem social a partir da ótica dos delinqüentes contribuiu para relativizar o peso das concepções sobre crime e ordem social herdeiras da tradição durkheimiana e que durante longo tempo dominaram os estudos no domínio da sociologia da violência No mesmo sentido pôs o dedo na ferida de uma tese cara à esquerda política a de que havia inevitáveis relações entre 6 pobreza e crime Sob esta perspectiva seu estudo permitiu deslocar o eixo da discussão da determinação e das causas do crime para o processo de criminalização do comportamento das classes populares onde são preferencialmente recrutados os pobres processo que encontra na prisão um de seus pontos de inflexão justamente porque longe de combater e conter o crime a prisão produz a delinqüência e acentua a reincidência criminal No início desta década o cenário parece ter mudado acentuadamente face ao que José Ricardo Ramalho relata em seu estudo Certamente observase o declínio do embate ideológico polarizado entre liberais e conservadores Agravaramse as condições de vida nas prisões a violência se tornou novamente moeda corrente a negociação dos direitos fundamentais inclusive o direito à vida reapareceu com força resoluta É também significativo o relativo empobrecimento do sistema carcerário em muitos de seus aspectos entre os quais ausência de uniforme para o preso e exigüidade dos serviços de manutenção alimentação asseio e higiene pessoais vestuário etc os quais passam a ser supridos pela família ou por amigos estimulando a rede de comércio local e acentuando as oportunidades de corrupção Não é menos significativo que os funcionários de menor qualificação guardas carcerários por exemplo sejam recrutados no mesmo meio social de onde provém a maior parte dos delinqüentes A tudo isso é preciso considerar que mudou a composição social das massas carcerárias Estudos recentes e mesmo o censo penitenciário indicam que esta população está se tornando mais jovem e dotada de maior escolaridade o que pode estar influenciando atitudes de inconformidade e de protesto coletivo Nada disso contudo diminui o valor deste estudo Muito ao contrário pois parte deste cenário já se deixa entrever nas entrevistas e no desfecho de análises Tudo isso sugere o quanto pesquisas bem conduzidas são capazes de decifrar nossos acontecimentos contemporâneos atribuindo sentido àquilo que não raro parece destituído de sentido e de explicação Ao reeditar esse estudo clássico o IBCCRIM não apenas contribui para reavivar o interesse no estudo sobre populações carcerárias sobre as prisões e o sistema penitenciário no Brasil suprindo fragrante lacuna nesta área do conhecimento científico como também contribui para divulgar junto a um público mais amplo e familiarizado com a tais questões um estudo que constitui ainda hoje um marco na sociologia da violência no Brasil Sérgio Adorno Núcleo de Estudos da Violência NEVUSP Janeiro 2002 7 NOTA À 3a EDIÇÃO A publicação revisada de Mundo do Crime a Ordem pelo Avesso pelo IBCCRIM vinte e dois anos depois de seu lançamento Graal 1979 e 1983 me obriga a fazer um breve retrospecto do contexto da realização da pesquisa do significado que estudos desse tipo adquiriram no Brasil ao longo desse período e alguns comentários sobre a atualidade do livro A pesquisa sobre os presos da Casa de Detenção de São Paulo ocorreu em meados dos anos 1970 em plena ditadura militar quando a perseguição aos opositores do regime se manifestava em variados aspectos da vida cotidiana e institucional Nesta conjuntura além da resistência que se constituiu nas diversas instâncias da vida social ao cerceamento da liberdade de expressão às restrições à vida associativa sindicatos movimentos sociais etc e ao amordaçamento da vida política criouse também um importante movimento em defesa dos direitos humanos contra a tortura contra a violência e o desaparecimento de presos políticos Tudo isto para dizer que estudar a prisão e os presos naquele momento trazia inevitavelmente a marca da política No entanto dizer que pretendia pesquisar os presos chamados comuns motivava olhares e expressões de surpresa e mesmo de desaprovação Direitos humanos para esse tipo de preso parecia ser uma preocupação secundária e elegêlo como objeto de pesquisa passava longe das principais ênfases das ciências sociais naquele momento dada a proeminência das preocupações com os atores propriamente políticos da sociedade Na minha pesquisa entretanto o tema estava relacionado com uma preocupação mais geral com os marginalizados das sociedades latinoamericanas e as oportunidades de pesquisa me fizeram combinar essa perspectiva geral com a questão do crime e dos criminosos encarada então como uma variação da questão das classes sociais e da desigualdade econômica Informado pela concepção de durkheimiana de crime a necessidade se impunha de falar com aqueles aos quais eram imputados crimes diversos contra a sociedade Mas como contactá los Desde o início a idéia era recorrer aos participantes do mundo do crime nas ruas mas isso esbarrava na extrema dificuldade de estabelecer um contato freqüente além de colocar a questão da segurança pessoal A partir do momento em que se abriu a possibilidade de acesso à Casa de Detenção de São Paulo decidi estudar o crime dentro da cadeia Naquele tempo pesquisadores eram vistos com suspeição tanto pelos responsáveis pela instituição quanto pelos presos Abordar a criminalidade via uma instituição total na linha do pensamento de Goffman trouxe no entanto novos elementos para a proposta inicial da investigação 8 Fiz um trabalho de levantamento das principais categorias utilizadas pelos presos Adotando a perspectiva clássica da investigação sobre o outro parto da percepção dos presos e procuro desvendar uma série de aspectos próprios do mundo do crime na prisão e de suas implicações na relação entre o criminoso e as instituições sociais A proposta era de pensar não só como o criminoso via o mundo do crime e suas formas de manifestação na prisão mas também as formas pelas quais sua consciência captava a situação num contexto mais amplo em que a origem social tinha um peso fundamental na sua identificação enquanto delinqüente À medida em que realizava o trabalho fui descobrindo gradativamente um outro lado das velhas hipóteses sobre as causas do crime e da existência dos criminosos um lado positivo que tinha implicações para a manutenção do sistema social As características da delinqüência e os indícios do crime se relacionavam com as características e os indícios da pobreza Bastava ler os jornais ouvir rádio ou ver televisão na época para perceber uma evidente ligação entre o crime e os grupos sociais mais pobres O modo de identificar um delinqüente estava sempre mais referido aos aspectos característicos de sua posição social do que à evidência de delitos cometidos Na verdade o reconhecimento do crime aparecia essencialmente no fato do delinqüente estar desempregado ou morar numa favela Eram ou ainda são pergunto eu esses os indícios explicitamente admitidos para a identificação de um criminoso Anos depois Sérgio Adorno 19935 a partir de uma larga base de dados confirmou essa concepção recorrente sobre o perfil dos delinqüentes Diz ele estudos indicam que os delinqüentes são preferencialmente recrutados entre grupos de trabalhadores urbanos de baixa renda o que significa que seu perfil social não difere do perfil social da população pobre A crença de que os delinqüentes possuem uma natureza antihumana perversa resultado de sua suposta inferioridade racial étnica social e cultural não se sustenta em qualquer das pesquisas realizadas E citando Brant 1986 conclui que as prisões estão abarrotadas por presos que em sua maior parte tiveram história ocupacional definida nos padrões do estrato ocupacional a que pertencem tendo mantido empregos regulares nos diversos setores da vida econômica Vigiar e Punir de Michel Foucault sobre a história das prisões foi uma obra extremamente oportuna nesse momento do trabalho Foucault me permitiu fazer o retorno a uma análise mais geral sobre as ligações do sistema penitenciário com o desenvolvimento do sistema capitalista sem ter que minimizar o valor elucidativo da análise dos dados obtidos através do estudo de caso Inspirado nele comecei a investigar também para o caso brasileiro as razões que levavam a prisão seja por tentativas de fuga seja por problemas de superlotação seja por rebeliões internas a soluções que sempre indicavam a construção de novos estabelecimentos penitenciários 9 Um conjunto bastante significativo de pesquisadores brasileiros se dedicou nesses últimos vinte anos aos estudos sobre a problemática da violência da criminalidade e da prisão e os resultados não se restringiram a boas análises Houve também um engajamento em tentativas de interferir na realidade através da luta na defesa dos direitos humanos na elaboração de subsídios para a elaboração de políticas públicas e na participação política em administrações municipais estaduais e federais Na esfera da produção intelectual ao meu ver os balanços feitos por Alba Zaluar 1999 e Sérgio Adorno 1993 tiveram o efeito revigorante de mostrar o quanto se caminhou nesse setor de estudos A resenha crítica feita por Zaluar 19991319 mapeia esse campo intelectual e faz um interessante resgate dos autores que dele participam Para a autora a discussão acerca de criminalidade e violência no Brasil tomou um rumo muito marcado pela recente história política do país e destaca o papel que nela tiveram os intelectuais que trabalhavam nas universidades e organizações nãogovernamentais E ressalta nesse debate como as várias abordagens apresentadas nos últimos anos ganharam uma dimensão mais rica ao incorporar a discussão sobre uma ordem pública democrática sobre os problemas na concretização da cidadania sobre o direito à vida e à segurança de toda a população inclusive a pobre Embora reconhecendo a grande presença de cientistas sociais com formação em sociologia e antropologia no total de 81 trabalhos Zaluar Idem23 e 85 constata poucos estudos etnográficos em profundidade que conseguiram fazer entender o ethos ou as práticas sociais ou ainda a subcultura dos grupos estudados provavelmente pelas dificuldades enfrentadas no campo e no relacionamento com o objetosujeito do estudo Por outro lado identifica um consenso na forte campanha de condenação das iniqüidades do sistema penal brasileiro especialmente por sua opção preferencial pelos pobres que vem desde o início da década de 80 A autora no entanto embora reconheça a enorme importância da crítica considera que esta posição colide com as articulações entre a explicação da carência material para o crime e a política pública que também padeceram das incongruências e superposições com que se terminou por confundir a política social com a política de segurança pública como se embora havendo áreas comuns não houvesse distinções entre elas Disso resultou um excesso de retórica muitas vezes sem nenhum resultado prático Certamente temos aqui um ponto polêmico para debate ao qual Zaluar acrescenta a falta de aprofundamento da literatura do período em outras áreas como por exemplo as relações da sociedade dos cativos com o crime organizado os usos feitos dos menores de rua pelos vários agentes do crimenegócio nas cidades No mesmo mote não se acompanharam devidamente os Sobre esta temática ver também balanço recente de Misse et al 2001 10 resultados das novas situações surgidas com as mudanças institucionais que ocorreram no país após a promulgação da Constituição de 1988 o funcionamento dos novos programas de governos locais e estaduais Em resenha crítica anterior Adorno 19936 já reconhecia que a abordagem científica da criminalidade no Brasil extrapolou o âmbito restrito de sua formulação jurídica deslocando o eixo de atenção em lugar de situála descrevêla e explicála tendo por diretriz exclusivamente o saber jurídico e a legislação penal a abordagem sociológica lato senso vem buscando refletir sobre as possíveis conexões entre o recrudescimento da violência criminal o modelo de desenvolvimento econômicosocial vigente o estilo de exercício do poder de Estado e a sobrevivência de políticas de segurança e de justiça penal herdadas do regime autoritário Adorno reconhece também como Zaluar a generalização da tese de que não é possível compreender o movimento da criminalidade urbana ignorando o funcionamento das agências de controle e repressão ao crime A não observância pelos agentes encarregados de manter a ordem pública dos princípios consagrados na lei destinados à proteção dos direitos civis é freqüentemente invocada sobretudo pelas organizações de defesa dos direitos humanos como a responsável pela situação de tensão permanente a que se vê relegado o sistema de justiça criminal A Casa de Detenção continua sendo emblemática para se entender as dimensões e as dificuldades do sistema prisional no país Após todos esses anos creio que se pode dizer que cresceram bastante as pesquisas e a produção intelectual sobre essas instituições seus problemas suas políticas e seus habitantes Um bom exemplo é o interesse em torno do livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella Como nunca várias entidades têm se dedicado a denunciar e a cobrar das autoridades responsáveis resultados e providências e também propor políticas que levem em consideração aspectos básicos de direitos humanos Por outro lado não há como não manifestar o espanto com o descaso em que permanecem estas populações carcerárias Confesso que não consigo deixar de ficar chocado com a descrição feita pela Anistia Internacional em seu relatório de 1999 sobre as violações de direitos humanos contra detentos no Brasil É a constatação de que o sistema penitenciário brasileiro continua em crise os condenados passam meses em condições de superlotação e falta de higiene nas carceragens das delegacias sua transferência para penitenciárias adiada devido à falta de espaço inércia da justiça ou corrupção As condições de detenção existentes em numerosas prisões e delegacias brasileiras são pavorosas e equivalem a formas cruéis desumanas e degradantes de tratamento e punição Os internos correm o risco de contrair doenças potencialmente fatais como a tuberculose e a AIDS e os presos afetados não recebem tratamento adequado 11 Para terminar quero dizer que mesmo com os avanços referidos minha convicção é de que ainda é preciso mais A questão do crime e das prisões no Brasil se explica pelo lado das desigualdades sociais endêmicas pela pobreza pelo desemprego pelo desrespeito aos direitos humanos mas já exige também que se agreguem outras explicações outras abordagens no sentido de complexificar análises que se tornaram quase consensuais A necessidade do tema ser mais pesquisado nas universidades e nos institutos de pesquisa parece evidente com ênfase em abordagens interdisciplinares Mas também não vejo como deixar de contribuir para uma discussão que resulte em subsídios concretos para formuladores de políticas públicas para entidades de defesa dos direitos humanos e mesmo para redes sóciopolíticas construídas nos bairros e nas comunidades em uma conjuntura urbana em que a questão da segurança precisa ser seriamente discutida e reformulada de forma a garantir aos cidadãos principalmente os mais pobres proteção contra a violência do crime e da polícia ao mesmo tempo em que garanta aos que foram detidos nas prisões condições humanas para cumprir suas penas Rio de Janeiro novembro de 2001 José Ricardo Ramalho 12 Introdução O crime e a prisão constituem os objetos de estudo deste livro Procurase percebêlos a partir da ótica do próprio criminoso enquanto preso ponto de vista nem sempre reconhecido como legítimo1 As várias discussões sobre o tema têm sistematicamente colocado em uma nova roupagem velhas concepções sobre os criminosos e a prisão concepções estas que em geral reproduzem versões difundidas pelo sistema judiciário É para pensar esta temática através de outra perspectiva que este trabalho procura se desenvolver Discutese aqui não só a versão do criminoso sobre o mundo do crime e suas formas de manifestação na prisão como também as formas pelas quais sua consciência capta a situação num contexto mais amplo em que a origem social tem um peso fundamental na sua identificação enquanto delinqüente A palavra dos presos a lógica pela qual percebem o espaço interno da prisão e os atributos com que qualificam o retorno à vida social revelam um conjunto de problemas que apontam a necessidade de rever concepções há tanto tempo repetidas e que encobrem relações desconhecidas entre o crime e as classes sociais na sociedade brasileira Na medida em que este trabalho foi sendo realizado na ordem aqui reproduzida na exposição foise descobrindo gradativamente um outro lado das velhas hipóteses sobre as causas do crime e dos criminosos um lado positivo da existência do crime que implica na manutenção do sistema social Crime e delinqüência seriam também parte do próprio sistema social que os condena e paradoxalmente deles não pode prescindir As características da delinqüência e os indícios do crime estão relacionados às características e aos indícios da pobreza Basta ler os jornais ouvir rádio ou ver televisão para perceber uma evidente ligação entre o crime e os grupos sociais mais pobres em geral componentes da classe trabalhadora O modo de identificar um delinqüente está sempre mais referido a aspectos próprios das pessoas enquanto membros desses grupos sociais do que à evidência de delitos cometidos por eles Na verdade o reconhecimento do crime está essencialmente no fato de estar desempregado morar na favela ser umbandista ou ser analfabeto São esses os indícios explicitamente admitidos pela sociedade para a identificação do criminoso A delinqüência é portanto reconhecida através de atributos dos grupos sociais mais pobres 1 Este trabalho é uma versão revista e modificada da minha dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Contou com o apoio fundamental da Profa Ruth Cardoso e da Fapesp Sua realização se deve aos presos da Casa de Detenção de São Paulo que se dispuseram a me falar de suas vidas e ao Dr Geraldo Colonnese e o Sr Henrique Schomburg que tornaram meu trabalho de campo possível Sou grato também a Neide Esterci José Augusto Guilhon Albuquerque e Peter Fry pelas críticas e sugestões e a Ângela Maria Dias da Rocha e Cecília Dias da Rocha pelo apoio técnico indispensável na elaboração dessa 3a edição 13 Os próprios presos reproduzem na cadeia esta associação entre crime e pobreza em virtude de sinais de pobreza identificam os que entre eles fizeram opção pelo mundo do crime e ao assumirem a perspectiva da recuperação procuram ao máximo dentro de suas estreitas possibilidades cobrirse com os símbolos da riqueza Assim é que a pretexto de vigiar o crime dentro e fora da cadeia se exerce a repressão sobre os mais pobres colocados sempre sob suspeição A ação da polícia por exemplo deixa isto bem claro Sua atividade está voltada acima de tudo para repressão dos grupos sociais mais pobres e ver neles características da delinqüência lhes dá o direito a essa vigilância constante Por fim a prisão aparece como elo fundamental da corrente de soluções aparentes para o crime que na verdade mais concorrem para mantêlo Esta visão não esteve clara para mim como pesquisador desde o início Na medida em que fui compreendendo a lógica dos presos e a forma pela qual a sociedade se apresentava para eles comecei a perceber as implicações do significado do crime para uma sociedade como a nossa Ao pesquisador não foi dado guiarse a priori por concepções teóricas sobre a relação entre crime e classes sociais As propostas teóricas sobre o tema foram sendo descobertas e apropriadas ao longo da pesquisa sempre posteriores às indicações obtidas pelo método de ver as coisas a partir dos criminosos De fato assumiuse a perspectiva de trabalhar o discurso dos presos a respeito de suas condições tanto anteriores quanto posteriores à imputação do crime em função do qual cumprem pena carcerária Incluemse aí considerações sobre origem social relações com a família formação profissional nível de escolaridade acontecimentos relacionados ao crime e à inserção na ilegalidade assim como condições internas à cadeia Às formulações dos presos é conferido o valor estratégico de via de acesso às questões levantadas em torno do sistema penitenciário e da função social do crime Elas fornecem as primeiras relações a partir das quais se tenta a construção de articulações sociologicamente mais elucidativas das questões propostas Levar em conta a percepção dos presos implica pois num certo posicionamento teórico e metodológico teoricamente implica na valorização do ponto de vista do sujeito metodologicamente implica no esforço de discernir os princípios que regem a percepção dos mesmos com o objetivo de atingir fórmulas mais explicativas A análise das formulações do sujeito passa no entanto pela compreensão das categorias não conscientes através das quais ele organiza seu universo Tratase portanto de conhecer estas categorias Para tanto é necessário desvendar noções desconhecidas que se ocultam sob termos todavia bastante conhecidos tomados à linguagem comum Essas noções são chamadas categorias e 14 são tomadas aqui no sentido durkheimiano de instrumentos do pensamento Através delas um grupo social expressa a concepção que tem do mundo em que vive classifica agrupa distingue relaciona os objetos seres sentimentos acontecimentos que conhece e com os quais se relaciona Durkheim 19681227 se refere a noções essenciais que dominam a vida intelectual dos homens e sem as quais estes são incapazes de pensar qualquer objeto Eles são como lossature de linteligence As categorias se definem por serem socialmente forjadas por resultarem de uma imposição da sociedade sobre os objetos Aparecem para as pessoas como naturais como uma projeção das próprias coisas a que se referem sobre a mente que conhece Daí que as categorias prescindem de serem definidas e explicadas pelos que se servem delas pois para estes as noções se confundem com a própria realidade das coisas Fica portanto ao pesquisador a tarefa de romper com a evidência e a naturalidade das categorias e revelarlhes o conteúdo Uma reflexão preliminar do sistema penitenciário permite pensar a cadeia como o espaço destinado pelas instituições dominantes na sociedade aos considerados infratores das leis O depoimento dos presos no entanto possibilita o acesso a uma complexidade de relações e posições em jogo nesse espaço ocupado por pessoas muitas vezes identificadas entre si pela condição comum de infratores e presos Esta complexidade está justamente presente na multiplicidade de categorias utilizadas pelos presos ao referiremse a si mesmos aos seus companheiros aos representantes do aparelho judiciário na cadeia aos visitantes em diversos contextos em diversas situações O livro está dividido em três capítulos O primeiro referese basicamente à relação estabelecida entre o pesquisador e os presos da Casa de Detenção de São Paulo onde foi realizada a pesquisa Trata das condições em que os dados foram obtidos ou seja das condições do trabalho de campo cuja importância está no fato de que o tipo de relação mantida pelo pesquisador com o sujeito de sua pesquisa qualifica suas informações Quando entra em contato com o grupo que pretende conhecer o pesquisador passa de si uma imagem que sempre interfere nas informações que lhe são dadas e portanto na compreensão que consegue ter do grupo Por mais que tente o pesquisador não consegue controlar inteiramente esta imagem de modo a obter com pleno sucesso os resultados pretendidos Além disso segundo Berreman 1975125 o sujeito da pesquisa estará também tentando controlar a impressão que causa ao pesquisador É pelo fato de nem um nem outro serem plenamente bem sucedidos que a pesquisa é ao mesmo tempo possível e limitada Possível na medida em que o pesquisador percebe 15 coisas que o sujeito gostaria de ocultar e limitada porque o pesquisador nunca é pleno sabedor de como a impressão que exerce sobre os outros condiciona os dados que lhe são fornecidos Partindo deste pressuposto adquirem importância algumas considerações sobre a relação do pesquisador com os presos durante a pesquisa O modo como se deu o contato com o grupo a mediação da hierarquia administrativa da cadeia pela qual se logrou acesso aos presos a especificidade da posição dos presos que lhe foi dado entrevistar interferiram decisivamente na qualidade dos dados e são fatores a serem considerados na análise dos mesmos O segundo capítulo constitui o cerne do trabalho partindo da percepção dos presos procura se desvendar uma série de aspectos próprios do mundo do crime na prisão de suas implicações na relação entre o criminoso e as demais instituições sociais O desvendamento do mundo do crime passa necessariamente pela compreensão dessa categoria chave que é a massa do crime conjunto de normas de comportamento de regras do proceder que regem a vida do crime dentro e fora da prisão Procedese à análise dessas regras no que concerne à variabilidade de sua aplicação e vigência no espaço socialmente diferenciado da prisão Da mesma forma procurase pensar o malandro a figura principal da massa do crime que encarna as qualidades ideais e positivas para os presos daquele que participa do mundo do crime e que cumpre à risca as leis da massa Considerase ainda a relação entre o conjunto de regras da massa do crime e as regras de funcionamento da prisão É nesta conjunção de dois códigos normativos que se dá a referência a determinadas funções existentes na prisão como a do juiz de xadrez e a do funcionário cada um representando um sistema de regras do qual é feito guardião Na prisão mundo do crimetrabalho aparece como uma oposição de fundamental importância No contexto desta oposição está em jogo a discussão sobre a possibilidade ou não de retorno ao mundo legítimo Aparece a figura do nato aquele que apresenta todos os atributos próprios de quem já fez opção pelo mundo do crime ou seja aquele em cuja trajetória de vida são reconhecidos todos os fatores que o identificam definitivamente como delinqüente Definindose por oposição ao nato os presos procuram pensar sua reclusão como passageira atribuindoa muitas vezes ao acaso Nesta tentativa o trabalho adquire importância significativa na medida em que aparece ligado à noção de recuperação A noção de recuperação leva por um lado à lógica do livre arbítrio da força de vontade do esforço pessoal Isto se dá quando o preso se pensa dentro da prisão Através dessa lógica obscurecemse as situações decorrentes da inserção de classe que determinam estruturalmente suas condições de existência na sociedade Quando no entanto os presos pensam a recuperação para fora da prisão sua percepção lhes denuncia instituições tais como a justiça o governo a polícia como mecanismos que desempenham 16 função oposta àquelas a que se propõem Na verdade como fica explícito em algumas entrevistas os presos conseguem perceber que estranhamente estes mecanismos têm servido para manter o círculo no qual o delinqüente desempenha um papel fundamental A oposição mundo do crimetrabalho é relacionada também à localização espacial dos presos dentro da prisão onde o conjunto de características de cada pavilhão reflete a um ou outro dos termos da oposição Nesse sentido o pavilhão 2 cujos presos na sua maioria desempenham algumas atividade de trabalho na prisão aparece como o mais afastado dos valores do mundo do crime O mundo do crime é identificado ao fundão pavilhões 8 e 9 cujos presos são acusados de não estarem interessados na recuperação e dispostos a prosseguir na vida do crime Esta concepção a respeito dos presos do fundão reproduz na cadeia a suspeição que paira sobre os mais pobres da sociedade brasileira e se liga imediatamente à relação que este trabalho propõe demonstrar entre o crime e a pobreza Para os presos esta lógica implica numa outra relação aquela que estabelecem entre recuperação e sinais de riqueza Em meio a estes opostos o pavilhão 5 aparece para os presos como o pavilhão do castigo ou a cadeia dentro da cadeia uma absolutização da reclusão O terceiro capítulo de caráter mais geral e conclusivo procura fazer a ligação entre a concepção dos presos e o modo como a prisão o crime e a delinqüência são vistos por representantes da sociedade brasileira Pela análise das diversas críticas ao funcionamento da prisão evidenciase afinal a adequação do sistema penitenciário à função de reprodução social da delinqüência Pensase a condenação à delinqüência como forma de controle e sujeição de grupos sociais inteiros por razões que não têm muito a ver com infração das leis Por fim a consideração da função mantenedora do crime coloca a questão das implicações políticas e econômicas dessa manutenção Tomase pois a questão pelo seu avesso em vez de pensar mais uma vez nas dificuldades de combater o crime a proposta é pensaremse as razões pelas quais o crime não pode acabar 17 CAPÍTULO I A CADEIA E SEUS MUROS Casa de Detenção o campo da pesquisa No período da pesquisa a Casa de Detenção de São Paulo era um presídio2 o maior do país com uma população que atingia os seis mil homens embora sua capacidade de abrigo fosse de 2200 lugares Eram noventa mil metros quadrados de área construída com cinco pavilhões um destinado exclusivamente a atividades artesanais e burocráticas o pavilhão 6 e os outros quatro ao alojamento dos presos Os funcionários da Casa de Detenção costumavam definir os pavilhões de alojamento do seguinte modo o pavilhão 2 ficava reservado para os presos tidos segundo os critérios da direção da cadeia como bem comportados e enquadrados em delitos considerados pouco perigosos o pavilhão 8 se destinava aos presos que estavam na cadeia por mais de uma vez sendo por isso chamados de reincidentes e o pavilhão 9 era utilizado para aqueles que vinham pela primeira vez os primários segundo os funcionários O pavilhão 5 considerado o mais protegido do presídio cercado por muros tão altos quanto os que separavam a cadeia da rua era ocupado pelos presos considerados doentes mentais e por presos na avaliação dos funcionários como de mau comportamento ou seja aqueles que estariam constantemente envolvidos em transgressões às regras de funcionamento do presídio Um relatório de atividades anuais da Casa de Detenção de 1974 ano anterior ao início do trabalho de pesquisa dá uma idéia da composição dos presos pelo tipo de delito de que eram acusados De um total de 4395 presos na época as acusações mais freqüentes eram as de roubo com 1240 casos 28 de furto3 com 1085 casos 26 e comércio de entorpecentes com 626 14 que de um conjunto de 28 delitos classificados pela estatística perfaziam uma porcentagem significativa de 68 Quanto à cor o relatório mostra que os presos se dividiam em 2627 brancos 1141 pardos 605 pretos e 22 amarelos Com relação à idade e ao grau de instrução aparecem os seguintes dados de 18 a 30 anos eram 3117 presos ou seja 70 ficando os restantes 30 na faixa acima de 31 2 Presídio é uma cadeia cujos presos estão à espera de julgamento portanto sem pena definida 3 O Código Penal faz a seguinte diferenciação entre roubo e furto furto subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel roubo subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem mediante emprego ou ameaça de emprego de violência contra pessoa ou depois de havêla por qualquer modo reduzido à impossibilidade de resistência Código Penal de 211069 Belo Horizonte Edições Lemi pp 139 e 141 18 anos Do total de 4395 472 foram classificados como analfabetos 3282 com instrução primária 606 com instrução secundária e 35 com instrução superior apresentando portanto um quadro em que a ampla maioria tinha apenas a instrução básica4 Os números correspondentes aos crimes contra o patrimônio5 principalmente roubo e furto tanto na Casa de Detenção de São Paulo em que eram maioria 54 como em outros estabelecimentos prisionais no Estado de São Paulo ou mesmo em outros centros urbanos como a antigo Estado da Guanabara se mantinham semelhantes em termos percentuais Segundo o Anuário Estatístico do Brasil 1974 na parte referente aos estabelecimentos prisionais 1972 em São Paulo capital de um total de 4814 detentos 1447 eram acusados de furto 30 1335 de roubo 27 vindo em terceiro lugar as acusações de tráfico de entorpecentes com 553 11 além de outros delitos com pouca significação percentual No Estado de São Paulo dos 11494 presos 3299 eram acusados de furto 28 1957 de roubo 17 vindo depois o tráfico de entorpecentes com 942 casos 8 No antigo Estado da Guanabara com 3607 presos em 1972 731 eram acusados de furto 20 611 de roubo 17 450 de estelionato 12 e 566 de tráfico de entorpecentes 166 Por outro lado dados sobre as ocorrências policiais na região da Grande São Paulo no período de 19691974 mostravam também que os casos correspondentes aos crimes contra o patrimônio representavam uma significativa porcentagem do total de ocorrências7 Na Casa de Detenção novos presos chegavam diariamente Desembarcavam de caminhões da polícia no pátio do pavilhão 2 e já então começavam uma preparação para a nova vida que em geral durava todo o primeiro dia recebiam outras roupas calça azul que era comum a todos os presos cortavam os cabelos e a barba e passavam no setor de assistência judiciária para registrar sua situação processual Na primeira noite todos dormiam no chão de uma cela do pavilhão 2 para no dia seguinte serem alocados nos outros pavilhões pelo diretor da prisão cujo discurso inicial ressaltava as regras básicas de funcionamento da cadeia assim como as punições decorrentes do não cumprimento das regras8 4 Casa de Detenção de São Paulo Relatório Anual Exercício de 1974 Período de dezembro1973 novembro1974 5 Designação do código Penal para os delitos cometidos contra a propriedade 6 Anuário Estatístico do Brasil 1974Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística p 933 7 Em 1969 os casos de crimes contra o patrimônio que compreendem furto punga contos estelionato apropriação indébita fraude no pagamento roubo tentativa de roubo assalto correspondiam a 233 do total de ocorrências Em 1970 esses casos subiram para 247 em1971 para 251 em 1972 para 268 em 1973 para 240 e no 1º semestre de 1974 para 295 Região Metropolitana do estado de São Paulo Diagnóstico 75 Desenvolvimento Sócio econômico Segurança Pública p 21 8 Uma descrição mais detalhada dessa e de outras atividades da Casa de Detenção de São Paulo pode ser encontrada no livro de Percival de SOUZA A Prisão São Paulo Editora AlfaOmega 1977 19 Para cuidar da grande quantidade de presos a Casa de Detenção contava com centenas de funcionários a maioria guardas de presídio cujas funções variavam de acordo com as necessidades Havia desde função como chefe de disciplina de pavilhão até carcereiro passando pelos que faziam trabalho burocrático O serviço do setor burocrático se sustentava principalmente no trabalho dos presos que supriam a deficiência de funcionários reservados para os cargos de mando Esta situação era comum também em outros setores da instituição Os cargos mais altos na hierarquia de cadeia eram os de diretor diretor técnico chefe do expediente chefes de disciplina médicos dentistas e advogados Apesar de estarem todos ligados aos presos de algum modo preenchiam aspectos diferentes do relacionamento do preso com a cadeia O chefe de disciplina por exemplo tinha um contato com o preso que se referia à segurança e à disciplina da cadeia enquanto o dentista e o médico representavam a parte de assistência dispensada pela cadeia ao preso Estes funcionários pela posição que ocupavam tinham um horário especial de trabalho mais flexível e local para refeições separado dos outros funcionários O modo de vida do preso variava de um pavilhão para outro No pavilhão 2 os presos em sua maioria trabalhavam no setor burocrático ou em qualquer outra função e o regime era de livre trânsito no pátio no próprio pavilhão O recolhimento às celas se dava ao final da tarde depois do dia de trabalho Nos pavilhões 5 8 e 9 o tratamento diferia substancialmente pois aos presos permitiase somente quatro horas diárias de recreação para tomar sol nos pátios e áreas livres existentes ao lado dos prédios Isto quer dizer que passavam o restante do dia dentro de suas celas sem qualquer ocupação Não havia trabalho para todos na cadeia Dos seis mil presos da Casa de Detenção na época da pesquisa pelo menos 3500 viviam numa ociosidade forçada por falta de oportunidade de trabalhar o que por força das circunstâncias acaba se transformando num alto privilégio9 O trabalho disponível se dividia entre o serviço burocrático da cadeia o trabalho artesanal o serviço de limpeza das instalações do presídio e o trabalho de cozinha e afins Havia também atividades esportivas e religiosas que ocupavam parte do tempo livre Trabalhar na cadeia não significava muito em termos de dinheiro Na verdade a importância do trabalho estava no fato de que oferecia prestígio aos presos que assim se consideravam em fase de recuperação para retornar a vida social Isto será objeto de análise mais adiante A escolha da Casa de Detenção de São Paulo para a realização da pesquisa decorreu também de outros fatores 1 A dificuldade de contatos com pessoas consideradas infratoras da lei fora da prisão 2 a oportunidade de entrar na cadeia através de um funcionário cuja posição na hierarquia 9 Percival de SOUZA Jornal da Tarde São Paulo 07 de julho de 1976 20 dos funcionários lhe conferia poderes de requisitar presos para entrevistas 3 a possibilidade de entrevistar presos acusados de crimes contra o patrimônio Foram realizadas cerca de 35 entrevistas gravadas com os presos O período de realização do trabalho de campo foi de maio de 1975 até setembro de 1976 com algumas pequenas interrupções O critério que norteou a escolha dos entrevistados foi o da ligação com crimes contra o patrimônio Em princípio pensei em privilegiar esse tipo de delito estabelecido pelo Código Penal e ligálo a uma situação econômica de pobreza da população brasileira No decorrer da pesquisa entretanto embora não tenha abandonado este critério de seleção percebi que a relação pobreza crime contra o patrimônio não era tão significativa para a compreensão do objeto de estudo As histórias de vida recolhidas junto aos acusados de crime foram evidenciando outras variáveis e outras relações sociologicamente mais significativas para compreensão do chamado mundo do crime como por exemplo a relação entre certos caracteres sociais de classe e os caracteres socialmente considerados como identificadores de criminosos ou suspeitos de crime Introdução à cadeia a mediação necessária e suas implicações O contato inicial com a Casa de Detenção se deu através de um médico da instituição que na ocasião mesmo estando em processo de aposentadoria tornou possível a realização do trabalho de campo Através dele a idéia da pesquisa foi levada à direção antes que eu como pesquisador tivesse qualquer acesso à cadeia Esta mediação e o fato de ter sido feita por um homem de confiança na hierarquia dos funcionários parece ter sido fundamental para a obtenção do consentimento Devese notar que apesar de toda burocracia e dos rígidos critérios de segurança que caracterizam instituições deste tipo nunca tive conhecimento de nenhuma ordem por escrito que me facultasse o acesso livre ao local A confiabilidade estabelecida em termos pessoais jogou um papel essencial no caso pois o responsável pelo contato inicial era um funcionário conhecido por sua honestidade e correção embora não ocupasse uma posição formal de mando Nas primeiras idas à Casa de Detenção me foram feitas duas recomendações explicitas Primeiro não usar calça azul para não ser confundido com os presos Uma confusão desse tipo tornaria necessária uma longa série de procedimentos para a comprovação de identidade que incluía um reconhecimento fotográfico uma pesquisa de nome uma procura de informações no prontuário até se ter certeza que a pessoa não era um preso em fuga Com a experiência das várias idas à cadeia um temor inicial de poder ser confundido se amenizou principalmente porque as visitas se 21 realizavam na companhia de funcionários conhecidos e respeitados pela posição na hierarquia Na verdade a questão não estava na cor da calça mas no status do funcionário que me acompanhava A segunda recomendação era de ir bem vestido para impressionar positivamente a direção do presídio e seus funcionários mais graduados o que foi seguido à risca durante todo o período de trabalho de campo Embora os contatos iniciais tenham sido feitos por esse médico a proximidade de sua aposentadoria fez com que ele me introduzisse a um amigo de trabalho que também era o chefe do expediente da Casa de Detenção Foi com esse funcionário que acabei estabelecendo uma ligação mais estreita sendo que a posição que ocupava como responsável dos prontuários do arquivo e do histórico dos presos acabou de certa forma facilitando o meu contato com os presos No entanto apesar de essencial para o funcionamento da cadeia o cargo não representava posição com grande poder de mando A este aspecto ficavam restritos pouquíssimos postos com ênfase no diretor da cadeia o coronel que mantinha em suas mãos as decisões mais importantes Contudo para que a pesquisa prosseguisse o chefe do expediente tinha poderes suficientes como por exemplo para requisitar a presença de qualquer preso na sua sala O contato com esse funcionário trouxe uma série de vantagens tornou possível por exemplo entrevistar qualquer preso ter acesso ao fichário com sua situação penal sem passar por intermediários Os motivos que fizeram com que a minha presença como pesquisador fosse pouco notada durante todo o período de trabalho de campo podem ser atribuídas não só a um espaçamento proposital das idas à cadeia no caso uma opção somente do pesquisador como também ao fato de que a função de pesquisar apresentava muitas semelhanças com o trabalho do próprio setor de expediente local onde os presos prestavam informações sobre suas vidas Além disso eu permanecia no setor de expediente sem circular pelas dependências do presídio a não ser na hora do almoço o que significava ficar fora do alcance de possíveis controles por parte dos funcionários mais graduados O diretor da Casa de detenção por exemplo nunca me abordou diretamente para falar sobre a pesquisa nem se preocupou em saber as idéias que a norteavam Embora tenha finalmente se aposentado da Casa de Detenção o médico que viabilizou minha entrada nas dependências da cadeia manteve o seu apoio durante o período de pesquisa Tive dele uma atenção constante através de demonstrações de confiança pessoal junto aos outros funcionários além do interesse em discutir o conteúdo das entrevistas realizadas Por outro lado sua amizade com o chefe do expediente facilitou o meu relacionamento com este funcionário e abriu maiores possibilidades em termos de informações sobre a cadeia Caso o contato tivesse se realizado por meio de um outro tipo de funcionário ligado à parte repressiva por exemplo ou 22 ligado de alguma forma à direção do presídio as conversas teriam sido provavelmente mais cuidadosas No entanto o contato com o chefe do expediente ao longo de um ano e meio de pesquisa variou frequentemente O espaço de tempo entre uma e outra ida à cadeia girava em torno de quinze dias tendo algumas vezes aumentado para um mês e em outras diminuído para uma semana Nos períodos em que as visitas se tornavam mais intensas notavase uma maior dificuldade no relacionamento Para tentar superar esse tipo de empecilho visitei sua casa por três durante esse período A primeira vez teve o propósito de esclarecer os objetivos do trabalho A segunda vez no final de 1975 correspondeu a uma fase de dificuldades cuja conseqüência foi a impossibilidade de acesso à cadeia por três semanas seguidas Nesse período o chefe do expediente evitava me atender e ao contrário do que sempre fazia preferia se comunicar pelo telefone com a portaria dizendose muito ocupado e sem tempo para dar atenção Este dar atenção no caso significava poder permanecer junto ao pesquisador durante sua conversa com os presos exercendo de fato real controle sobre o que era dito É bom lembrar que a mim nunca foi dada autonomia para manter com os presos uma relação sem a mediação de um funcionário As visitas constantes à cadeia realizadas por mim por esse motivo criavam problemas para a manutenção eficiente desse controle A terceira e última visita à sua casa ocorreu já no final do trabalho de campo para comunicarlhe o fim das minhas visitas à Casa de Detenção Na ocasião o chefe do expediente manifestou a certeza na boa qualidade do trabalho embora duvidasse da utilidade dos dados pois os presos segundo ele costumavam mentir muito Entrar na Casa de Detenção era um verdadeiro ritual Seis enormes portões de ferro separavam a rua do pavilhão onde se realizavam as entrevistas Para ultrapassálos eu dependia fundamentalmente da companhia de algum funcionário conhecido e graduado cuja presença junto aos porteiros tornava permitido o acesso Nenhum portão se abria sem que o seguinte estivesse fechado Ultrapassando o primeiro portão o único cuja entrada era livre eu anunciava na portaria do presídio com quem queria falar Os funcionários atendentes procuravam localizar a pessoa indicada no caso o chefe do expediente que vinha até a entrada encaminhar o convidado para as dependências do presídio Nesse momento eu recebia uma senha trocada pela carteira de identidade com a qual se adquiria o status de visitante o que significava que o funcionário autor do convite ficava responsável pela pessoa durante todo o tempo que estivesse no prédio Embora o chefe do expediente não fosse um funcionário extremamente poderoso na instituição seu relacionamento com os outros funcionários era de uma pessoa com bastante prestígio Até o final do primeiro ano de trabalho de campo a travessia dos portões se fez sem problemas já que se realizou em sua companhia Com as idas mais freqüentes à cadeia sua presença na portaria diminuiu 23 e foi substituída por funcionários subalternos mandados por ele que me acompanhavam nesse percurso até o setor de expediente Essa segunda fase caracterizouse por dificuldades na passagem dos portões Os porteiros tornaramse mais exigentes comigo e com o gravador que carregava sempre Várias vezes nesse período a Polícia Militar encarregada da segurança do presídio não só me revistava como só permitia a entrada do gravador mediante a intercessão direta do chefe do expediente Diante da argumentação de que passo aqui há um ano e vocês ainda não me conhecem sempre respondiam temos por obrigação te revistar afinal você pensa que aqui é o que Isso aqui é uma cadeia Os funcionários subalternos que nestas ocasiões me acompanhavam limitavamse a informar que vinham a mando do chefe do expediente mas não impedia a revista Os problemas na passagem dos portões só cessavam quando era o próprio chefe do expediente que comparecia Na verdade a diferença no tratamento ao visitante variava conforme o status do funcionário que o acompanhava Se o contato com o chefe do expediente trazia as facilidades apontadas acarretava por outro lado uma limitação das minhas atividades de pesquisador principalmente em virtude do controle exercido sobre o meu relacionamento com os presos A presença física do chefe do expediente era constante no momento das entrevistas de forma tal que ficava evidente seu interesse sobre o que estava sendo conversado sobre as perguntas e as respostas Além disso atividades que implicassem num maior conhecimento das condições de existência da cadeia como visita às celas oficinas de trabalho e outros setores ficaram rigidamente vedadas no primeiro ano de pesquisa e selecionadas no período restante quando foi possível conhecer algumas oficinas de artesanato e percorrer as principais dependências da cadeia por uma única vez Nesse sentido uma idéia inicial de conversar com presos em suas celas tornouse inviável e as entrevistas tiveram obrigatoriamente de se realizar no próprio setor de expediente sob a tutela dos funcionários A minha relação de pesquisador com a hierarquia do presídio tinha um lado estratégico na medida em que viabilizava a continuação e a aceitação do meu trabalho A figura máxima da Casa de Detenção era o coronel diretor do presídio Era conhecido por todos funcionários e presos pelo modo autoritário de resolver os problemas administrativos e disciplinares Nessa relação hierárquica percebiase que todos os seus comandados agiam com muito receio de suas opiniões inclusive os que participavam com ele da diretoria Nada se decidia de mais complicado pelo menos nos setores onde tive acesso sem que se perguntasse antes a opinião do coronel Ele mantinha sob seu controle pessoal todas as resoluções decisivas para o funcionamento do presídio ao mesmo tempo desenvolvia uma imagem de homem compreensivo capaz de resolver todos os problemas Os presos entrevistados freqüentemente se referiam a ele como um homem bom com todos embora fosse temido por sua valentia e autoridade 24 Embora tenha parecido vantajoso dar ênfase à ligação com o chefe do expediente opção pela qual evitava possíveis suspeitas sobre minhas atividades havia sempre algum tipo de contato com os funcionários mais graduados o que acontecia principalmente na hora do almoço quando a cúpula da cadeia se reunia Com o diretor do presídio meu relacionamento sempre foi bastante restrito e formal Desde o primeiro dia em que tomou conhecimento da pesquisa o coronel sempre se limitava a me cumprimentar Seu conhecimento do trabalho explicitamente nunca passou disso e aparentemente nunca colocou obstáculo à sua realização Já na fase final de trabalho de campo algumas vezes a Casa de Detenção ficou sem a direção do coronel Nesses momentos o cargo era ocupado pelo diretor técnico que tendo um estilo pessoal diferente conseguia criar um clima de maior descontração entre os funcionários e até entre os presos Com o diretor técnico meu contato foi mais descontraído embora não muito freqüente pois este mesmo conhecendo superficialmente os objetivos do trabalho gostava mesmo era de falar sobre sua experiência na vida penitenciária principalmente no trato com os presos Excetuando essas duas pessoas que ocupavam postos mais importantes na estrutura de poder da instituição os demais funcionários achavamse no mesmo nível ou abaixo do chefe do expediente nessa hierarquia Em igual condição estariam os profissionais liberais médicos e dentistas principalmente que trabalhavam no presídio Estes apesar da posição que ocupavam por não terem a vida profissional girando inteiramente em torno dos presos ficavam menos envolvidos com os problemas do cotidiano da maioria dos funcionários Com esse grupo minha relação foi bastante cordial O contato com os funcionários de posição mais baixa na hierarquia resultou bastante produtivo Com eles mantive uma aproximação maior já que muitos trabalhavam no mesmo setor onde se realizavam as entrevistas Tornaramse fiéis acompanhantes do trabalho fazendo comentários e oferecendo sugestões para o seu prosseguimento O fato de não terem responsabilidade sobre a minha presença tornouos mais descontraídos o que permitiu a obtenção de informações importantes sobre o funcionamento da cadeia No interior da cadeia o pesquisador e os presos O meu contato com os presos variou conforme o período do trabalho de campo e do aprofundamento dos laços de ligação com estes mesmos presos Como diz Berreman 1975141 a presença do pesquisador diante dos membros do grupo estudado geralmente é encarada como a de um intruso desconhecido cujo surgimento é inesperado e freqüentemente indesejado O sucesso do trabalho de pesquisa ou seja a validez e a possibilidade 25 de obter os dados é determinado pelas impressões que estes têm de sua presença Entre si o pesquisador e os membros do grupo estudado se apresentam simultaneamente como atores e público Tem que julgar os motivos e demais atributos de uns e do outro com base em base em contato breve mas intenso e em seguida decidir que definição de si mesmos e da situação circundante desejam projetar o que revelarão e o que ocultarão e como será melhor fazêlo Cada um tentará dar ao outro a impressão que melhor serve aos seus interesses tal como os vê Inicialmente o fato de estar no presídio graças a um funcionário não pareceu interferir no meu relacionamento com os presos Mais tarde uma convivência maior com a vida da cadeia mostrou que as atitudes do chefe do expediente a escolha dos entrevistados segundo seus critérios e principalmente de sua presença física freqüente no momento das entrevistas tiveram grande influência junto aos presos Nas primeiras idas à Casa de Detenção o critério através do qual se procurava um preso para ser entrevistado fora o fato de estarem todos enquadrados na categoria dos crimes contra o patrimônio era inteiramente seu sendo escolhidos aqueles que segundo ele seriam um bom papo com muita história pra contar papo sadio Somente após alguns meses quando tomou conhecimento da dinâmica das entrevistas e passou a se sentir seguro da situação tornouse possível conversar com outros presos não necessariamente selecionados por ele Às vezes a escolha dos entrevistados partia de outros funcionários do setor de expediente subalternos e portanto menos preocupados em controlar minha atividade de pesquisador outras vezes os próprios presos que já tinham sido entrevistados chamavam outros companheiros Esta mudança de procedimento levou à descoberta de vários aspectos da vida carcerária que me eram totalmente desconhecidos Por outro lado a experiência de várias idas à cadeia e de conversas com os presos possibilitou também a percepção de diferenças até então pouco notadas por mim como por exemplo as diferenças entre os presos dos 4 pavilhões A única diferenciação conhecida no início se baseava na classificação oficial pavilhão 9 ou pavilhão dos primários pavilhão 8 ou pavilhão dos reincidentes pavilhão 5 ou pavilhão dos presos mais perigosos e o pavilhão 2 ou pavilhão dos presos de bom comportamento e de menor periculosidade Seis ou sete meses depois estas diferenças ficaram simples demais e por esse motivo tentouse alargar a faixa de entrevistados de modo a abranger presos de todos os pavilhões Nesse momento contudo houve um cerceamento da minha já limitada possibilidade de escolha que se expressou na permissão para conversar somente os presos do pavilhão 2 As entrevistas portanto se realizaram quase todas com presos desse pavilhão e apenas esporadicamente podese falar com gente dos outros pavilhões em geral quando coincidia de um preso dos pavilhões 5 8 ou 9 estar no setor de expediente por algum motivo pessoal Embora não se deva desconsiderar esta limitação cumpre lembrar que os entrevistados em 26 geral já tinham passado períodos de tempo em outros pavilhões Estas observações precisam ser assinaladas porque o ponto de vista do preso variava também conforme a posição que ele ocupava no espaço interno da cadeia que como se terá oportunidade de aprofundar adiante aparece como sociologicamente diferenciado É nesse sentido que as informações sobre a prisão têm necessariamente que levar em conta a posição espacial de quem fala com relação ao pavilhão de que fala A sala da chefia do expediente foi o local onde se realizaram as entrevistas Nesta sala de aproximadamente 12 metros quadrados com duas mesas e alguns armários de ferro ficavam o chefe do expediente e seu auxiliar mais direto As conversas com os presos se realizavam num canto desta sala no intervalo entre essas duas mesas Às costas do entrevistador se colocava o chefe do expediente numa posição que lhe permitia observar de frente o entrevistado Poucas vezes foi possível escapar deste constrangimento e quando essa regra foi rompida as situações criadas quase impediram o prosseguimento da pesquisa A presença assídua do chefe do expediente junto aos entrevistados nos primeiros meses de trabalho evidenciou sua preocupação com o conteúdo das perguntas e das respostas Esta atitude deliberada de controle implicou naturalmente em uma inibição por parte dos presos No entanto aparentemente o objetivo principal do controle se voltava para as perguntas formuladas pelo pesquisador cujo teor era desconhecido O receio imposto aos presos teve como conseqüência imediata a omissão por parte deles de certas informações notadamente aquelas referentes aos funcionários ou à administração Quando o chefe do expediente ou qualquer outro funcionário demonstrava interesse no depoimento de um preso sua tendência era de baixar a voz às vezes mudar de assunto ou então elogiar os funcionários Ao mesmo tempo bastava um momento a sós comigo para que viessem à tona outras informações Ou seja como diz Berreman 1975142 o controle sobre o outro numa relação de pesquisa numa é obtido de modo absoluto Cabe ao pesquisador explorar as vantagens que lhe são oferecidas por tal impossibilidade As impressões que tanto o pesquisador como seus sujeitos procuram projetar são aquelas julgadas mais favoráveis à realização de seus objetivos respectivos o pesquisador tenta conseguir informações sobre a região interior de seus sujeitos e estes procuram manter seus segredos que ameaçam a imagem pública que desejam proteger10 10 A concepção de região interior e exterior faz parte de uma abordagem de Erving Goffman que visa discutir a interação social do ponto de vista do controle das impressões Segundo ele tomando como exemplo o teatro com freqüência descobrimos uma divisão entre região interior onde a representação de uma rotina preparada e região exterior onde a representação é apresentada O acesso a essas regiões é controlado a fim de impedir que a platéia veja os bastidores e que estranhos tenham acesso a uma representação que não se dirige a eles Entre os membros da equipe descobrimos que prevalece a familiaridade que a solidariedade tem possibilidade de se desenvolver e que seus segredos capazes de fazerem fracassar o espetáculo são compartilhados e guardados Erving GOFFMAN The Presentation of self in every day life NY Doubleday 1959 p 238 27 O convívio mais intenso com a cadeia bastou para que os presos tomassem maior conhecimento das minhas atitudes e intenções como pesquisador Com o correr do tempo as impressões e as resistências iniciais se desfizeram e o relacionamento assumiu características mais explícitas Embora eu não fosse reconhecido pelos presos como um igual aos funcionários pois nesse período de contato creio ter dado demonstrações claras de não estar ligado a eles mantinha um bom relacionamento também com os funcionários O contato com o chefe do expediente representante e membro da diretoria era sólido sem implicar em compromissos Para os presos perceber esta nuance significava poder entender e controlar sua relação com o pesquisador Por esse motivo em determinados contextos eles passavam informações que seriam absolutamente omitidas se houvesse algum funcionário presente O meu comportamento em certas situações o interesse por certos aspectos da vida do preso evidente na própria formulação das perguntas as opiniões emitidas poucas sobre os problemas da cadeia compunham um quadro que permitia aos presos se quisessem diferenciar a posição do pesquisador no contexto de seu relacionamento com os funcionários de prisão Por outro lado evitouse envolvimento pessoal com qualquer preso e também a criação de qualquer expectativa com relação a possibilidades concretas de ajuda nos diversos casos Constituiuse regra inclusive não pedir o nome do entrevistado Apesar desses cuidados fui identificado algumas vezes com os funcionários me tornando também uma ameaça para os presos outras vezes minha atitude de interesse de compreensão e de valorização dos pontos de vista dos presos me levaram a ser confundido com um advogado um jornalista ou alguém que pudesse de alguma forma contribuir par a solução dos problemas vividos por eles É neste sentido que as condições sob as quais realizaramse as entrevistas devem ser entendidas como parte integrante dos dados qualificandoos significativamente Os Cinco Pavilhões uma breve visita Um dos principais objetivos da pesquisa na Casa de Detenção foi de início conversar com os presos de todos os pavilhões em suas celas locais de atividade artesanal e de recreação buscando ter uma idéia global da cadeia No entanto as condições de pesquisa se mostraram diferentes do esperado e as minhas atividades ficaram restritas ao pavilhão 6 do setor de expediente e ao refeitório dos funcionários Com o correr do tempo as entrevistas feitas com os presos e o conhecimento sobre a cadeia que foi se acumulando diferenças entre os presos os funcionários os pavilhões reafirmaram a necessidade de se ter uma visão de conjunto da própria estrutura material e especial da cadeia Aproveitando a fase final da pesquisa e com esse argumento 28 novas sondagens foram feitas junto ao chefe do expediente procurando viabilizar pelo menos uma visita às outras dependências da Casa de Detenção Embora houvesse muita relutância de sua parte inclusive com a alegação de que era preciso pedir uma difícil permissão ao coronel que afinal consentiu esta visita se concretizou na última ida à cadeia Nesse sentido as impressões que vou relatar a seguir são ligeiras não só devido ao pouco tempo de observação como também ao controle exercido pelos funcionários que determinaram os lugares a serem visitados o período de permanência em cada local e as pessoas com quem se poderia falar Durante o percurso estive sempre acompanhado do chefe do expediente que orientou na maioria das vezes o seu rumo No pavilhão 5 foi o chefe de disciplina que se prontificou a mostrar algumas dependências de sua escolha e dar algumas informações sobre o pavilhão Nos outros pavilhões os chefes de disciplina não se mostram muito interessados em me acompanhar encarregandose o chefe do expediente de ir aos lugares de seu conhecimento e preferência No pavilhão 9 a meu pedido foi possível conhecer o setor de celasfortes sendo que para isto o chefe de disciplina do pavilhão designou um carcereiro como acompanhante Minhas impressões foram as seguintes O primeiro pavilhão a ser visitado foi o pavilhão 5 Conhecido pelos presos e funcionários como a cadeia dentro da cadeia este pavilhão permanentemente vigiado por guardas de segurança ficava todo cercado por muros tão altos quanto os que cercam a cadeia separandoa da rua Suas entradas e saídas começavam e terminavam no pátio de outros pavilhões Os portões de ferro eram guardados de modo a só permitir a passagem de pessoas com autorização ou pessoas já conhecidas O primeiro local visitado foram as isoladas Em um imenso corredor escuro e frio podiase ver uma fileira de portas maciças com uma pequena janela servindo de abertura para entrar um prato de comida Alguns poucos presos conversavam através dessas aberturas O resto era silêncio O chefe de expediente não se arriscou a percorrer o corredor mas mesmo assim foi possível observar por uma janela o interior de uma cela vazia um cubículo de dimensões bastante reduzidas onde não entrava sol a luz era artificial sem nenhum móvel nem mesmo cama para dormir Diziam os presos que ali para dormir só se recebia uma manta Não dava para ver a fisionomia das pessoas nessas celas isoladas e embora tenham notado a presença de gente diferente no local não fizeram qualquer comentário Para a isolada eram mandados os presos que cometiam alguma contravenção na cadeia e assim era chamada porque o preso ficava isolado de qualquer contato com outros presos Saindo dali apareceu o chefe de disciplina daquele pavilhão que inteirado do motivo da visita tratou ele mesmo de me ciceronear Informou inicialmente que o pavilhão contava com 950 presos sendo que 300 exerciam alguma atividade Dando ênfase a esse aspecto o chefe de 29 disciplina fez questão de mostrar as oficinas de trabalho por volta de cinco com os mais variados tipos de serviço destacandose os trabalhos de acabamento em confecções semiprontas trabalhos em madeira principalmente brinquedos e uma oficina de gravação em cobre O produto do trabalho nas oficinas era vendido aos visitantes aos domingos ou fazia parte de contratos firmados com empresas comerciais que se aproveitavam do custo muito barato da mãodeobra do preso Apesar do orgulho com que o chefe de disciplina se referia a estas atividades eram poucos os que estavam efetivamente dedicados ao trabalho cerca de vinte pessoas Próxima às oficinas uma sala improvisada servia de escola e trinta presos assistiam a uma aula de português ministrada por um preso que exercia a função de professor Ao lado desta sala três pequenas estantes de livros velhos com a denominação de biblioteca Logo adiante havia uma outra pequena sala equipada com televisão onde se transmitiam cursos da TV Cultura de São Paulo Perto das oficinas de trabalho existia também um templo para serviços religiosos tanto católicos como protestantes Todas essas atividades se realizavam em departamentos à direita de quem entra pela porta principal do pavilhão À esquerda funcionava o serviço médico da Casa de Detenção Eram consultório ambulatório sala de cirurgia que nunca tinha sido usada segundo o funcionário e consultório odontológico No 5º andar deste pavilhão ficavam os presos considerados doentes mentais e à disposição do serviço psiquiátrico O setor médico também foi motivo para uma longa explicação do chefe de disciplina que exaltou a utilidade do serviço numa cadeia com tão grande quantidade de presos Embora tudo estivesse realmente muito limpo não havia ninguém sendo atendido o que confirmava depoimentos de presos segundo os quais o atendimento médico se realizava no hospital municipal nos casos de ferimentos enquanto nos casos de rotina como dores doenças crônicas e problemas dos olhos o atendimento demorava muito Ainda neste pavilhão alguns aspectos da relação presofuncionário comum aos demais pavilhões da cadeia puderam ser observados sempre que um funcionário entrava em alguma sala ou oficina os presos se levantavam paravam o trabalho e permaneciam quase em posição de sentido Apesar do interesse demonstrado por mim não tive acesso aos outros andares do pavilhão para conhecer as celas onde ficavam os presos mais perigosos e os doentes mentais O chefe de disciplina anunciou que não havia necessidade de percorrer esses andares devido a grande semelhança com o que já tinha sido visto Aliás se o encontro com este funcionário tivesse ocorrido antes de ver as isoladas certamente este local também ficaria sem visita Explicou ele que o primeiro e o segundo andares do pavilhão estavam separados para os presos com trabalho e o terceiro e quarto se destinavam aos considerados muito perigosos e que portanto precisavam ficar permanentemente presos Nas entrevistas os presos diziam que a distinção do grau de 30 periculosidade de um companheiro se media pelo andar do pavilhão 5 quanto mais alto mais perigoso No 5º andar estaria localizado além das celas fortes cuja função é abrigar os acusados de cometerem contravenções na cadeia o setor dos doentes mentais11 Neste pavilhão embora me sentisse constrangido e procurasse identificar nos presos algum esboço de reação ao que parecia com aquela visita uma intromissão e uma violação esta reação não pode ser identificada Os presos mantinham claramente uma posição de subserviência e respeito O chefe de disciplina aparentemente bastante respeitado pelos presos se portou sempre de forma a apresentar da melhor maneira possível o setor pelo qual era responsável e prudentemente evitou locais que pudessem mostrar algo diferente da imagem que procurava passar ao visitante Do pavilhão 5 voltouse ao pavilhão 2 No térreo deste pavilhão funcionava o refeitório dos guardas de presídio e de outros funcionários a sala dos advogados logo à direita da entrada principal e a copa que se destinava aos funcionários mais graduados e convidados do diretor conhecida como copa da diretoria onde inclusive se fez a maioria das refeições no período de pesquisa Guiada novamente pelo chefe de expediente a visita começou pelos andares superiores Na sala do chefe de disciplina este ao contrário do outro não se importou com a presença de visitante prosseguindo em sua sesta Este chefe de disciplina aliás mantinha com a diretoria uma relação algo diferente pois era o único dos encarregados de pavilhões a almoçar na copa da diretoria quase sempre próximo do diretor da prisão Numa das vezes que teve contato comigo falou de sua outra função a de arranjar e passar filmes para os presos Com o chefe da disciplina dormindo o chefe de expediente se incumbiu de mostrar aquele 2º andar inclusive com uma certa familiaridade já que ali fora local do setor de expediente antes da construção do pavilhão 6 pavilhão destinado unicamente às atividades burocráticas e artesanais Fora esse setor onde funcionavam algumas salas de funcionários chegavase a um corredor composto por uma seqüência de pequenas portas de madeira maciça trancadas por uma barra de ferro As portas eram estreitas e mal cabiam uma pessoa Mesmo que as portas estivessem fechadas era regra da cadeia manter as trancas abertas Era proibido fecharse na cela dizia o chefe do expediente Diante da minha manifesta curiosidade em conhecer o interior de uma cela o chefe do expediente parou em uma das portas abriu e foi entrando A reação dos presos diante daquilo que para mim parecia uma intromissão ao invés de surpresa ou reclamação foi de respeito ficaram de pé e permaneceram parados A celas do pavilhão 2 eram pequenas mas eram as melhores de todo 11 Como não foi possível detectar o que se entendia na cadeia por doente mental preferi pensar esta como mais uma entre as muitas classificações pelas quais a administração percebia os presos 31 presídio Na verdade podiase descrever uma delas como um corredor de pouco mais de 15m de largura por 35m de comprimento onde se encaixavam 4 beliches Dentro existia uma portinha que separava as camas do vaso sanitário e do chuveiro Nesta cela os presos fizeram questão de mostrar um armário trabalho coletivo que colocado entre 2 beliches conseguia economizar um pouco de espaço A luz ficava acesa obrigatoriamente 24 horas e um dos presos que acordava cedo e que dormia na cama de cima do beliche tinha inventado um quebraluz de papel que o protegia durante o sono Os que ficavam em baixo tinham o recurso de pregar uma cortina para poder descansar no escuro Como em todas as celas do presídio a decoração predileta era com pôster de mulheres Na saída os presos agradeceram a visita No mesmo andar do lado esquerdo de quem sobe a escada logo a primeira cela parecia diferente das outras Era um cômodo razoavelmente grande com espaço entre as camas e uma mesa de refeições ou de leitura Destinavase a um tipo de preso com mais privilégios em geral auxiliares de funcionários mais graduados Quando entramos os presos estavam almoçando e a comida parecia ser de boa qualidade a mesma servida na copa da diretoria O privilégio de comer na cela e melhor só se conseguia através dos funcionários Além disso as camas estavam com lençóis novos e tinha até cortina na janela A explicação do chefe do expediente para esta diferença confirmou as vantagens daqueles presos com a justificava de que trabalhavam muito e cumpriam bem suas funções Como acontecera anteriormente não me foi dada a oportunidade de ver os outros andares do pavilhão novamente com a alegação desta vez do chefe do expediente de que era tudo igual ao que tinha sido visto No caminho para os pavilhões 8 e 9 conhecidos como o fundão e abrigando a maior parte dos presos da Casa de Detenção passavase por uma ampla área livre que era ocupada pela caixa dágua pelo lixo e do outro lado pelo principal campo de futebol da cadeia Uns 10 presos estavam na ocasião cuidando do campo para mais uma partida do campeonato da Casa de Detenção Esta local servia normalmente para recreação diária dos presos desses pavilhões e em dias de festa ou celebrações era utilizado para reunir o conjunto dos presos Os pavilhões 8 e 9 eram iguais em tamanho embora o pavilhão 9 tivesse mais gente O pavilhão 8 era conhecido pela designação oficial da cadeia como o pavilhão dos reincidentes O pátio interno espaçoso estava repleto de presos sentados no chão alguns sem camisa outros só de cueca ou calção Novamente aqui o chefe de disciplina do pavilhão não se incomodou com a presença dos visitantes e permaneceu em sua sala O chefe do expediente então se encaminhou para mostrar as oficinas de trabalho Neste dia todos os funcionários em contato com o pesquisador procuraram ressaltar as atividades que denotavam recuperação do preso e em nenhum momento se falou das precárias condições da cadeia Perto das oficinas havia duas capelas uma católica e outra protestante cujos cultos se 32 realizavam aos domingos As salas não eram muito grandes mas comportavam mais ou menos cem pessoas sentadas O número de oficinas de trabalho era maior neste pavilhão mas assim como nos outros eram poucos os homens trabalhando embora a produção fosse mais variada Havia uma sapataria cujos produtos se destinavam à venda nos dias da visita de familiares e amigos Uma outra oficina trabalhava no aproveitamento de sobras de tapetes e também existia uma fabriqueta de bolas de futebol um setor de montagem de sacolas de papelão para lojas comerciais e outras que só foi possível olhar rapidamente Em todos esses lugares a presença dos visitantes fazia com que os presos se levantassem e ficassem em posição de respeito Numa oficina de carpintaria dois homens se dedicavam à produção de abajours cinzeiros e outros objetos de madeira Na conversa com eles reclamaram muito da quantidade de tempo despendido na fabricação de cada uma das peças em comparação com o preço ínfimo oferecido pelas lojas comerciais o que aliás era de praxe Pagava se pouquíssimo pelo trabalho do preso Até o chefe do expediente na ocasião fez comentários sobre a atividade dos presos sugerindo novas peças pois naquelas segundo ele todos reconheciam o trabalho de um preso O trabalho na cadeia era visto como recuperação para os presos mas para que o produto do trabalho fosse valorizado era preciso que não fosse conhecido como tendo sido feito por eles Depois do setor de oficinas novamente sem subir aos andares superiores do pavilhão onde possivelmente poderia observar outros aspectos das condições de vida dos presos e com a mesma alegação anterior de que tudo era igual ao que tinha sido visto antes o chefe de expediente já se encaminhando para a saída encontrou um preso que segundo ele era considerado o maior falsário do país Era um senhor muito inteligente de uma subserviência irritante mas demonstrando ser profundo conhecedor das regras de sobrevivência na cadeia A um convite para entrevista respondeu imediatamente com altos elogios à direção da cadeia dizendose sem queixas e agradecendo o ótimo tratamento que estava recebendo Um outro preso que também veio conversar encarregavase de organizar o campeonato de futebol Este pavilhão possuía uma sala somente para a organização de atividades esportivas cujas paredes se achavam repletas de pôster de equipes e nomes famosos no futebol profissional O preso muito simpático recebeu o chefe do expediente avisando que o time do pavilhão 2 estava muito fraco e dificilmente ganharia o campeonato Na porta da sala um quadro negro trazia os nomes dos times e suas respectivas colocações na tabela do campeonato interno No pavilhão 9 a chegada coincidiu com a hora dos presos descerem para tomar sol e era grande o reboliço de homens se enfileirando para seguir até o campo de futebol Os presos dos pavilhões 8 e 9 tomavam sol em horários diferentes para evitar o ajuntamento de muitos presos 33 num só local Estes à medida que saíam eram revistados pelos guardas de presídio O pavilhão 9 na época contava com cerca de dois mil presos embora sua capacidade de absorção fosse bem menor A entrada do pavilhão estava tão congestionada que mal se conseguia atingir o pátio interno A primeira atitude foi procurar o chefe de disciplina e anunciar a visita Este se mostrou amável mas não se moveu do lugar No pátio chamava a atenção o som forte de um atabaque vindo de uma sala onde funcionava um terreiro de umbanda No pavilhão 9 também havia várias religiões cada uma com uma sala separada para seus cultos Em determinado momento cruzouse com um grupo de presos bíblias debaixo do braço dirigindose para uma Igreja Assembléia de Deus e parecendo bastante orgulhosos do que estavam fazendo Ainda no pátio ficava localizado o arquivo morto do presídio setor da cadeia sob as ordens do chefe do expediente cuja função principal era guardar os prontuários de todos aqueles que passaram pela cadeia Este arquivo continha mais de 85 mil prontuários além de todos os ofícios expedidos pela Casa de Detenção e o livro de ponto de todos os funcionários que já tinham trabalhado no presídio Este setor funcionava com o trabalho dos presos Um deles por exemplo no momento que passávamos fazia uma estatística do presídio especificando os presos por idade sexo instrução delito cometido Todos eles no entanto deram demonstrações de ter perfeito conhecimento do serviço e se expressavam com facilidade sobre a situação carcerária no que diz respeito à parte processual Nova insistência para ver as celas agora daquele pavilhão fizeram com que o chefe do expediente se dirigisse ao chefe de disciplina que destacou um carcereiro para mostrar os andares superiores As escadas se localizavam na entrada do pavilhão e como ainda era grande o congestionamento utilizouse o elevador Por ordem do carcereiro o ascensorista detento foi até o 5º andar Do elevador sempre guiados pelo carcereiro chegouse a um enorme corredor repleto de celas com iluminação artificial com o chão gasto e um ambiente de pobreza Do lado esquerdo ficavam as celas E externo mais amplas e com grande quantidade de presos Do lado direito ficavam as celas cujos números estavam acompanhados da letra I correspondente ao lado interno do pavilhão e que foram construídas como celas individuais O carcereiro abriu uma delas Dentro comprimiamse três homens num cubículo onde mal cabia uma pessoa esticada além de um triliche havia um buraco que servia como sanitário e lavatório Novamente aqui não pôde ser identificada nenhuma reação de irritação dos presos ao que para o pesquisador parecia uma intromissão No fundo desse corredor ficava o setor das celasforte O preso que ia para a cela forte segundo o carcereiro tinha cometido algum delito grave dentro do pavilhão Trancado por mais uma porta de ferro o setor das celasforte era um lugar quase totalmente escuro um corredor 34 estreito com uma seqüência de dez portas Andando por esse corredor tinhase a impressão de estar passando por jaulas De vez em quando apareciam alguns rostos nas janelinhas mas nenhuma palavra O lugar fedia muito e era muito escuro Voltando para o pavilhão 6 descobri que ali funcionava a principal cozinha da prisão O encarregado do setor um preso informou que o consumo de comida girava em torno de 2 mil quilos de carne por dia 50 quilos de feijão e uma outra grande quantidade de arroz A Casa de Detenção preparava 20 mil refeições diárias não só para seu consumo interno mas também para as delegacias e outros presídios da cidade de São Paulo Depois de mostrar tudo aquilo este preso arrematou agradecendo a direção da prisão pelo carinho dedicado aos presos O elogio soou como um refrão sempre repetido na presença de qualquer visitante acompanhado de funcionários graduados No pavilhão 6 encerramos esta única visita mais ampla às instalações da Casa de Detenção 35 CAPÍTULO II O MUNDO DO CRIME NA CADEIA A massa do crime código da malandragem Assim como a direção da cadeia tinha suas regras de funcionamento e as impunha com rigor aos presos estes também dispunham de um conjunto próprio de regras que tinha vigência entre eles e eram aplicáveis por uns presos sobre os outros somente As regras da cadeia assim como as leis da justiça de um país tinham autoridades reconhecidas como tais às quais era atribuído o poder de aplicálas poder que pairava acima das partes envolvidas Na massa cada um era juiz de sua própria causa e a ninguém era atribuído o poder de arbitrar as questões de outros Os presos referiamse a tais regras como as leis da massa São elas que regulavam a ordem na vida do crime Poderseia pensar que massa era o conjunto dos presos ou dos criminosos ou um subgrupo deles De fato Na massa é o crime é o pessoal do crime A leitura ao pé da letra dessas expressões no entanto tem que ceder lugar a uma acuidade maior para que se possa escapar ao engano que elas produzem inicialmente Na verdade a massa é uma entidade é uma entidade deles Entidade de que Entidade do delinqüente A massa como eu estava explicando a massa é um trato entre nós mesmos quer dizer a massa refere ao crime a massa refere ao crime Entidade e trato são termos chave para desvendar o significado de massa como algo distinto dos presos ou dos criminosos e permite compreendêla como conjunto de regras postulado e seguido por eles Permite também compreender porque estando todos sob as leis da massa dentro da cadeia nem todos os presos faziam todavia parte da vida do crime e embora fossem considerados todos criminosos do ponto de vista das leis oficiais não o eram necessariamente assim considerados do ponto de vista das leis da massa De fato num primeiro momento foi possível pensar que o delinqüente o criminoso ou mesmo o crime a que se referia o preso era o mesmo a que se referiam as leis oficiais a massa não tem mais ninguém sem ser do crime só é criminoso 36 é só dentro do crime porque fora do crime não mais Não é criminoso não pertence à massa Esta impressão se desfaz quando os presos definiam quem era que pertencia à massa Quer dizer que para a massa tem gente aqui dentro que não é criminoso Não não é porque vem gente para a cadeia que já está recuperado Ele é trabalhador pai de família mas correu com o carro e atropelou um cidadão Aí ele foi condenado porque ele matou é recuperado mas tem a condenação Ele vem para a cadeia ele não é criminoso Quer dizer aí já não faz parte de massa Quer dizer esse aquele errou mas ele vai pagar por aquele vai embora já era Esqueceu já nunca mais vai lembrar da massa Agora aquele indivíduo da massa ele vai embora o nome dele vai ficar aqui na cadeia Lá fora ele deixa um livro na cadeia aí manda recado para um amigo que está na cadeia aí o nome dele fica sempre na massa O jornal mostra a foto dele o fulano tá fazendo isso e aquilo aquele tá fazendo aquilo certo Agora outro preso um criminoso comum matou o outro por acaso aconteceu acidente ele não é da massa foi um erro por acaso Esse aí já é esquecido Só é lembrado mesmo e considerado na massa aquele que vive na massa que praticou dentro da massa a vive na massa certo A diferença é essa Portanto apesar de serem todos os presos infratores ou suspeitos de infração do ponto de vista da lei penal do ponto de vista dos presos nem todos eram criminosos nem todos pertenciam à massa Não pertencia à massa a pessoa cuja vinda para a cadeia estava ligada ao acaso ou acidente sendo esta pessoa em geral um trabalhador pai de família Ainda dois elementos aparecem em função dos quais se definia o criminoso segundo a pertinência à massa a ligação depois que saia da cadeia com quem estava dentro a continuação na prática de atos criminosos Estes dois elementos faziam o sujeito ser lembrado e havia duas expressões dessa continuidade a foto no jornal e o nome que ia ficar na cadeia Quem chegava na cadeia como preso era imediatamente testado por quem pertencia à massa sobre o seu conhecimento do crime Nesta abordagem havia duas possibilidades a do indivíduo que era pacato a respeito do crime e então ia ser aproveitado pelos da massa Com essa experiência na cadeia a pessoa não passava a ser imediatamente da massa O período era um período de aprendizado onde se tomava conhecimento da vida do crime sem ter participado permanecendo ali dentro numa posição desvantajosa O pertencer à massa só iria se dar depois quando a pessoa saia da cadeia e partia pro crime A outra possibilidade era a do indivíduo que já era da massa antes de entrar na cadeia Nesse caso ele já sabia se expressar conhecia as leis da massa e procurava se fazer respeitar Diante de qualquer atitude que punha isso em dúvida ele sabia como agir e manter a moral em pé perante a malandragem 37 Porque geralmente é na conversa O malandro chega e troca uma idéia Se ver que o cara é pacato a respeito do crime que não tem conhecimento do crime aí eles se aproveitam Mas se eles vêem que o cara tem explicação então passa liso É onde eu saco um erro do governo não separar não separar as qualidades Tem muitos que vem aqui dentro que tem crimes banais nem é criminoso na nossa massa Então chega aqui dentro e se mistura com essas pessoas Ele é covardemente viciado quer dizer pelos outros presos Bom aí já é motivo para a revolta dele Ele sai daqui vai para a rua mas depois dele sair ele já aprendeu muitas coisas Aí ele chega e diz na cadeia os caras fizeram isso isso e isso comigo Então eles falam revoltados Já vai partir pro crime já vai entrar na massa Que muitos deles fazem isso aí por ter acontecido isso com eles Agora quando o cara se expressa se explica dá uma explicação que o cara vê que não tem condições eles não acontece nada Muitas vezes não tem nem conversa Ele responde para o preso olha comigo não Vai acontecer isso sou malandro sou homem agora amanhã ele vai e mata o cara Dormindo ou no campo ele vai lá e mata o cara Quer dizer ele quis manter a moral dele em pé perante a malandragem perante a massa Pertencendo ou não à massa o preso depois que entrava na cadeia permanecia sob suas leis No entanto as leis da massa não se impunham igualmente a todos os presos Havia variações na sua aplicação que dependiam principalmente da diferenciação entre os presos conforme sua localização no espaço da cadeia como será mostrado mais adiante Dentro como fora da cadeia as leis da massa disputavam com as leis oficiais um espaço de atuação A massa implicava em um proceder que na maioria das vezes se chocava com o comportamento prescrito pelas regras da cadeia e as leis da justiça penal No acerto conflituoso da fronteira entre os dois códigos a caguetagem e em contrapartida o repúdio que lhe era devotado por parte da massa constituía um ponto crítico o pior que se pode fazer é um preso cuidar do outro em favor da polícia Polícia é polícia Preso é preso A massa exige um proceder proceder de malandro Este proceder se compunha de determinadas regras cuja infração acarretava sanções de pesos desiguais Havia certas infrações cuja sanção por parte da massa era em geral mais branda e não implicava necessariamente em atitudes drásticas a não ser no caso de repetições ou desavenças pessoais anteriores Em outros casos a infração assumia na massa um outro caráter e exigia sanções mais enérgicas por parte de quem era atingido Os problemas entre presos podiam ser solucionados com uma discussão em que os motivos eram explicados e aceitos ou uma briga motivos não aceitos o que em geral dava aos participantes principalmente ao perdedor o direito de retaliação podendo até chegar ao assassinato 38 Entre as regras do proceder as principais eram a regras que se referiam à vida cotidiana no interior do xadrez12 b regras que se referiam às trocas e circulação de objetos entre os presos em geral c regras que se referiam às prescrições de solidariedade e ajuda mútua entre os presos em geral d regras que referiam às atitudes morais dos presos de modo geral e finalmente a regra fundamental não caguetar Considerandoas mais detalhadamente podiase perceber que eram consistentes com a vida na prisão e na massa a regras que se referiam à vida cotidiana no interior do xadrez Na cadeia nem todos os presos tinham recursos para negociar ou comprar algo extra para si que tanto podia ser uma comida melhor como uma roupa ou um cigarro para fumar Alguns recebiam aos domingos na visita de familiares e amigos esse pouco mais Outros quando tinham visitas o máximo que conseguiam era guardar parte da comida diária da prisão para repartir com os filhos e a mulher Isso naturalmente gerava problemas no xadrez e não eram raros os casos de presos acusados de estarem mexendo nos pertences de outro preso Daí se dizer que na massa preso não podia mexer nas coisas de outro preso sob o risco de sofrer alguma sanção Tudo quanto é tipo de coisas ruim pode acontecer na massa Até por um cigarro de maconha pode morrer um dois três quatro até cinco Por um maço de cigarro já morreu gente na cadeia Por um pão já morreu gente na cadeia Por que acontece isso Olha aqui na cadeia a alimentação dos presos cada um tem uma cota então não é pelo alimento mas pelo proceder Porque a massa exige um proceder que é a educação apesar que lá fora nós somos tirado como não tem como explicar é um bicho pra mim certo Mas eu tenho em mim que não é nada disso Se as pessoas souberem a realidade elas tiram diferente não pensam assim Bom então é o seguinte tem a educação é o que a massa chama de proceder proceder de malandro Quer dizer se está aqui é daquele preso tem que ser daquele preso ninguém pode mexer certo Quer dizer se você for lá e mexer você tem que explicar porque mexeu Então muitas vezes eu mexo hoje o rapaz deixa pra lá eu mexo amanhã o rapaz deixa pra lá mas depois daí o que eu tenho você tem por que vai pegar o meu Não tem condição Então dali nasce a discussão Nasceu a discussão se não sair na mão sair uma briga na mão os dois um quebra a cara do outro o que sair com prejuízo amanhã quer vingar Então ele arruma um chico doce um pau de cama ou ele arruma um estilete então 12 Xadrez era o nome que o preso usava quando se referia à cela 39 Havia também outras regras do proceder dentro do xadrez que se referiam basicamente ao comportamento de preso com relação às atividades mais comuns como por exemplo dormir Nesses casos exigiase respeito ao sono da maioria ou aos horários que eram considerados como horários de descanso O proceder do malandro na cadeia apesar de estar na cadeia mas a pessoa tem que da melhor maneira possível usar o máximo da educação dele Não é porque é preso ou delinqüente que não tem educação né Então se tem uma pessoa dormindo ali tem que fazer o maior silêncio pra ele dormir Mas o outro não está com sono ele quer trocar um diálogo com o outro detento quer dizer é uma falta de proceder a não ser que esteja todo mundo acordado já é uma falta de educação está perturbando o sono dos demais certo Então está tirando fazendo uma sesta eu acho que é falta de educação a pessoa fumar Quer dizer tudo isso aí é falta de proceder b regras que se referiam às trocas e circulação de objetos entre os presos em geral A correção no pagamento de dívidas era fundamental para o bom nome e integridade física de um preso Aqui até os maiores estelionatários pagam em dia O empréstimo de objetos entre os presos já era problemático e dependendo da situação podia implicar em retribuições por parte do devedor que este nem sempre estava disposto a cumprir favores sexuais por exemplo Muitas dívidas eram contraídas para a manutenção de um consumo regular de tóxicos principalmente a maconha que por ser bem raro de difícil circulação exigia do preso uma posição especial para conseguíla e passála Alguns presos chegavam a roubar de outros dentro da cadeia para cobrir as dívidas de tóxicos Não pagar as dívidas significava faltar com o procedimento segundo as leis da massa e nessa situação o preso estava sujeito a cobranças repetidas que podiam terminar em soluções mais violentas Da mesma forma quem emprestava tinha por obrigação cobrar a dívida caso contrário também ficava mal visto na massa Peguei uma maconha de você e não quis te pagar Aí marca pra você me pagar marca o dia geralmente é domingo dia de visita Aí eu não te pago Não vou te pagar Então surge o conflito Às vezes você fica quieto e não toma uma atitude então você é o bundamole como eles chamam Você é isso aí você não tomou atitude você é isso aí Agora se você vendeu e eu falo que não vou te pagar você pega e me dá umas pauladas me mete o cacete na minha cara Aí você é respeitado na massa É Se acontece alguma coisa um motivo pequeno mas você toma de outra maneira vai em cima do cara bate nele xinga ele então você A circulação de tóxicos fugia um pouco ao âmbito interno do xadrez e se realizava não só dentro dele mas principalmente entre os xadrezes já que para exercer a função de fazer circular a 40 maconha era preciso contar com uma liberdade maior que em geral era conseguida por quem trabalhava na distribuição de comida ou na faxina dos pavilhões Isto ocorria nos pavilhões onde os presos passavam a maior parte tempo na tranca13 Aqui o cara que trabalha na faxina não aqui no 2 mas no 5 8 e 9 geralmente são bandidões Geralmente os caras que trabalham na faxina são os considerados bandidões Por que Ficam soltos né Depois que sobem do sol lá sobem 345 vai todo mundo pra tranca Eles não Os que trabalham na faxina ficam até 9 horas soltos mas eles não caguetam dizem carregam maconha Geralmente os que trabalham na faxina já é descido por um outro cara que geralmente está na tranca mas os que trabalham na faxina sabem que ele tem uma maconha então ele cria aquela amizade de interesse então ele já arrasta pra faxina também c regras que se referiam às prescrições de solidariedade e ajuda mútua entre os presos em geral Tratar bem o companheiro era uma regra do proceder válida para todos os presos especialmente para aqueles que tinham alguma regalia dentro da cadeia como por exemplo e principalmente os presos com acesso à parte burocrática de cadeia trabalhando junto à diretoria ou setor de expediente e sala de advogados Este privilégio dava ao preso a chance de lidar com certos elementos capazes de lhe possibilitar fazer um recurso ou uma revisão de processo que podiam diminuir seu tempo de cadeia O preso nesta posição era muito solicitado pelos outros para favores não só por sua mobilidade como também pelo acesso aos funcionários e ao mesmo tempo muito visado pois com qualquer descuido podia ser acusado de fazer o jogo da direção de estar caguetando Daí a expressão dar atenção a todo mundo como uma forma de ser considerado na massa Isto era também entendido como adiantar o lado do outro ficar benquisto na massa Quem participava desse privilégio o trabalho dentro da cadeia podia estar numa de adianto mas também podia estar numa de atraso O cara benquisto na massa como é que é É um cara decente um cara de adianto um cara que está numa posição melhor que os outros na cadeia E ele começa a ajudar No meu caso eu tenho uma posição na cadeia privilegiada Eu posso andar pelos pavilhões eu tenho trânsito livre então eu passo a ajudar um elemento lá do fundo Se o elemento precisar dar um recado eu vou e faço com muito prazer então a gente passa a ser mais conhecido e mais não respeitado mas visto com bons olhos pela malandragem Eles falam aquele cara é um bom malandro Bom malandro na rua quer dizer um cara decente tá entendendo Se um indivíduo precisa tirar um documento esse indivíduo vem a mim e pede que quando vier alguma visita que peça para tirálo e tal então você já passa a ser visto de uma outra maneira uma maneira de adianto de bom malandro é isso 13 Significativamente não foram obtidas informações sobre este assunto no pavilhão 2 já que os entrevistados eram em sua maioria de lá 41 d regras que se referiam às atitudes morais dos presos de modo geral Infrações a estas regras eram apontadas como uma das principais causas de conflitos graves que podiam terminar em confrontos físicos muitas vezes fatais Um preso atingia a moral de outro através de certos xingamentos ou fazendolhe propostas sexuais A contrapartida dessas ofensas devia ser uma atitude por parte do ofendido que fosse considerada compatível com a ofensa sofrida Quando a ofensa afetava a definição sexual de homem do preso a ausência de uma atitude considerada compatível em geral a eliminação física do ofensor implicava para o ofendido na perda de sua moral de homem O momento crucial dessa definição era o da chegada do preso na cadeia Ele vem pra cadeia com a moral em pé e chega na cadeia se acontecer alguma coisa com ele a moral já era Como assim Se acontecer alguma coisa com ele sobre pederastia a moral dele já era Ele é do jeito que veio quando chega no xadrez se um simpatizar por ele porque existe o amor entre dois homens aqui dentro no xadrez certo Como o sistema penitenciário negava ao preso o direito de relacionarse sexualmente com mulheres a prática homossexual tendia a ser mais freqüente na cadeia Deixando de lado a questão de homossexualismo em si procurouse perceber a relação entre as concepções e as regras que a ela se referiam e as condições de existência impostas pela cadeia Nesta sentido a própria classificação que os presos faziam dos parceiros sexuais que representavam a parte feminina no relacionamento sexual continha algumas indicações Quer dizer apenas moleque de cadeia que eles caçam é o boy Boy lá fora é o cara novo cheio de nove horas gosta de andar moderno É o boy Pra mim o boy aqui na cadeia é aquele cara que se faz de mulher pra um outro preso igual aos travestis Mas tem diferença entre o boy e o travesti Tem O boy ele é feito ele é criado na marra forçado O travesti já é de já vem de longo tempo já vem da rua Distinguindo o boy do travesti os presos reconheciam de certo modo uma forma de imposição da prática homossexual resultante das condições do sistema penitenciário se o travesti já veio para a cadeia assim o boy é feito ele é criado na marra forçado Entretanto a percepção do homossexualismo com imposição das condições não chegava às últimas consequências na visão do preso Isto se pode avaliar em diversas formulações De fato a escolha do boy se fazia na chegada do bonde caminhão que trazia os presos onde os presos já observavam algum menino bonito que vá pro pavilhão A partir daí eram tomadas medidas para que coincidisse do preso novo ficar na cela apropriada 42 Então tem aqueles mais malandros mais conceituados e tem ainda o maior problema inclusive em todas as cadeias que eu acho que não vai acabar nunca É o problema da pederastia Então acontece de vir rapaz novo o menino então quando ele já vem já no bonde ele já entra com aquilo na cabeça que ele é garoto novo e que vai acontecer coisa com ele Então ele já vem com medo e no fim acaba acontecendo ou mesmo não acontece você entende Agora tem casos graves aqui dentro Tem casos de estupro e tem outros casos que o elemento já pratica o ato de pederastia já com medo de alguma conseqüência Tem outros que aproveitam a ocasião de chegar o menino novo menino bonito inexperiente aí eles comentam você viu que menino bonito chegou hoje já tem outros que são vendidos quando chegam no bonde Quando vai pro pavilhão então já chegam os mais malandros e fala pô aquele menino bonito que chegou hoje toma tanto e coloca ele no meu xadrez toma tantos pacotes e aí já faz aquela cabalação para aquele garoto já ir pra aquele xadrez Depende da aparência dele e da atitude dele aqui Muitos vêm pra cadeia e o cara vai com conversa desse tipo conversa com ele ele toma uma atitude mata o cara briga na mão leva a sério os outros Muitas vezes ele chega a ser viciado pelos outros presos então ele vira fica conhecido na cadeia como um um pederasta Assim sendo os presos reconheciam que aquele que se tornava boy muitas vezes não tinha condição de impedir que isso acontecesse Além de já ser considerado como destinado a este fim por razões independentes de seu arbítrio boa aparência jovem não dispunha de experiência e relações que lhe permitissem evitálo não conhecia a cadeia não tinha amigos não sabia afinal lidar com a situação Mesmo fornecendo todas estas indicações a respeito da imposição sobre a vontade do indivíduo ao avaliarem o boy do ponto de vista moral os presos o faziam negativamente Transferiam ao boy a responsabilidade que em outros momentos tinham reconhecido ser exterior a ele e supunham que ele tinha a possibilidade de escapar de uma situação que antes eles haviam reconhecido sem saída Mas eu acho que o preso para defender a sua moral de homem não se faz de mulher para outro preso Acho que ele deve tomar uma atitude drástica Mas esse tipo de atitude aí eu nunca precisei tomar porque ninguém nunca dirigiu essa palavra de pederastia sobre a minha pessoa Eu já tive diversas discussões por causa de futebol por causa de outro dirigir palavrão para mim e eu dirigir para ele já tive em diversas discussões mas nunca aconteceu de tomar nem eu nem o outro tomar uma atitude drástica Sempre ficou em conversa na paz Como é esse negócio aí de palavrão Quer dizer o puto o boy na cadeia Chamado puto também Puto também Se vira mulher de vagabundo é puto é boy quer dizer tem tipos de brincadeira aí que tem na 43 cadeia em geral isso aí muitos estão andando na cadeia aí Você é puto você não pode levar uma O cara está falando aí você é isso você é aquilo esse aí é o sentido do palavrão Mandar o outro pra um lugar tudo é nesse sentido Uma vez na condição de boy outras regras se impunham O boy tem que arrumar alguém para ele ficar Esse alguém era o fanchona que no caso era o marido Era grande a disputa por parceiros sexuais e aquele que fosse conquistado devia ser respeitado como mulher do preso As brigas e mortes que ocorriam por infrações a essas regras eram freqüentes segundo os presos e os motivos em geral se referiam a infidelidade ou desrespeito O preso que tinha um boy como mulher devia saber como mantêlo longe das possíveis aproximações de outros presos O fanchona tinha como função mínima darlhe proteção no caso de alguma briga daí a preferência dos boys pelos que brigavam bem além de ser aquele que saía de casa para conseguirlhe o sustento Havia diferenças no comportamento esperado do boy em cada pavilhão No pavilhão 2 os presos diziam que brigas por questão sexuais eram mais raras porque o boy aqui também chamado menino faz como uma mulher na avenida sai com quem quer e depois cobra Nos outros pavilhões ocorria mais do boy preferir arranjar algum malandro para tomar conta Briga por causa de mulher também tem Depende Geralmente tem o boy e o chamado fanchona que no caso é o marido Então o boy quando chega na cadeia se ele já foi de RPM se ele já foi lá quando era na rua ou foi ser aqui então então ele tem que arrumar alguém pra ele ficar porque de qualquer maneira ele vai ter que se submeter a isso então ele vai tentar arrumar alguém que como homem é a proteção da casa no caso vai ter que arrumar alguém que dê cobertura para ele Cobertura em caso de briga Nesse caso o fanchona é que tem que brigar vai ter que dar uma comida uma comida melhor vai ter que tudo Manutenção em geral Todo cara que tem mulher aqui dentro tem que sustentar Tem claro Agora aqui nesta parte aqui não tem isso Se é tem que arrumar alguém porque fica sem praticar Se é os caras sabem que é tem que praticar Agora é diferente aqui neste pavilhão não tem briga Muito difícil você ver uma briga aqui a coisa mais difícil Por isso é que é chamado pavilhão modelo Os meninos no caso ele vão com quem eles querem Às vezes arrumam também como no fundo alguém pra tomar conta deles Aqui eles vão com quem bem entender Fazem como fazem as prostitutas na rua o michê então ele vai sai com um agora pega a quantia que ele pediu e assim vai Na única entrevista realizada com um preso que admitia explicitamente desempenhar a parte feminina no relacionamento sexual uma nova classificação foi significativamente introduzida Ele começou por classificarse como homossexual passivo atribuindo a outros a designação de travesti e de boy Entre homossexual passivo e travesti por um lado e boy por outro ele repetiu a 44 distinção que aparecia quando os outros presos falavam Mas quando questionado sobre o motivo das brigas na cadeia negou que elas se dessem em torno do homossexual Por outro lado entre aqueles que os outros presos classificavam como travesti que já veio pra cadeia assim ele se distinguia jogando sobre os outros toda a carga negativa da concepção geralmente veiculada No 8 você ficou numa cela individual Ficaram com medo de que acontecesse alguma coisa Não existe receio Aqui há essa separação é norma Cada um de nós tem que morar com pessoas iguais a nós ou sozinho Eu optei por xadrez sozinho As que têm aí são travestis suadeira não têm convicções Bicha que põe peruca leva o homem para o hotel rouba o homem sem comportamento nenhum Aqui dentro mesmo faz sobrancelha se escandaliza se escracha Eu não quero me juntar Pra gente regredir é fácil eu quero ser melhor Foi por isso você não quis ficar na individual Foi porque na individual lavava roupa passava roupa e aí arranjava dinheiro pro cigarro é uma luta árdua Depois que vim pro 2 as coisas melhoraram Dizem que existe muita briga por causa Não não existe isso Pelo contrário quem fala isso mente Nunca existiu na cadeia um crime relacionado com um detento que tivesse algo com um homossexual passivo ou um efeminado Há o caso do boy Boy é o elemento na cadeia que entra como homem que é homem e se corrompe aqui dentro é viciado em tóxico ele se vende Ele é um elemento periculoso vai pra cama com você e depois quer ser respeitado como homem A massa sabendo disso não vai respeitar Mas isso raramente acontece O que há mais é tóxico assalto de tóxico agressão de palavras que ele levam como ofensa mas é que eles têm 200 anos de cadeia e não pensam mais nada da vida e basta ele implicar com você olhar atravessado para eles que acham que não está certo então ele queima uma maconha e mata você Quando os presos se referiam aos travestis no entanto reafirmavam a idéia de que muitas brigas eram geradas a partir de disputas entre os presos pelos mesmos Neste sentido a separação em cela só para travestis aparecia como meio de evitar que as disputas resultassem em brigas Agora os travestis que é declarado mulher mesmo de preso aqui é separado Mora separado são separados no xadrez deles Porque eles mora no xadrez deles já evita um pouco Porque é o seguinte se o homem deixar todos os travestis chegar na cadeia morar no xadrez coletivo vai sair morte todo dia porque um quer outro não quer outro quer Acontece mas evita Aí é uma grande oportunidade de evitar as coisas acontecerem Parece que a lógica dos presos ao se referirem à prática homossexual consistia sempre em negar de algum modo para si avaliações vigentes mais negativas a respeito do homossexualismo É o que se depreende do discurso do homossexual passivo mencionado acima quando ele se distinguia dos travestis e dos boys É também o que aparece no que diz um preso que admitiu ter mantido relações com outro assumindo porém a posição de homem na relação De fato mesmo 45 neste caso a situação é idealmente rejeitada na medida em que o referido preso procurava caracterizar pela excepcionalidade aquele a quem teve como parceiro Quer dizer já tive problemas assim Não vou dizer que eu nunca participei de ato de pederastia na cadeia Mas aqui tem um travesti chamado Katia ela era da inclusive quando ela chegou na cadeia o diretor da cadeia mandou tirar uma foto dela não sei mandou pra onde mas era fora do comum Aquela era pra ser uma mulher mulher mesmo Então na rua ela já se acostuma a gostar de homem de outro homem porque pra mim é a mesma coisa porque tem aquele defeito mas ao mesmo tempo não corresponde nada Então comecei a ter amizade com a mulher mas tinha um outro preso que gostava dela também então nós entramos em desentendimento mas ela não gostava dele gostava de mim Mas ia acontecendo uma série de incidentes entre nós mas através de outros amigos não aconteceu nada ficou em paz Em virtude do cerceamento da dimensão sexual da vida dos presos a prática do homossexualismo ato de pederastia segundo os presos vinha a ser encarada como solução possível e daí a concepção de adianto que lhe era atribuída mas a concepção de adianto estava o tempo todo beirando o seu contrário na medida em que se valorizava aquele que mantinha de pé sua moral em que se descarregava todo o desprezo em certos tipos que a praticavam o boy e se dava exemplo de mais baixo grau de corrupção ao que praticava homossexualismo e ao mesmo tempo caguetava No mesmo sentido apontar os termos negativos que se usavam para falar na iniciação às práticas homossexuais corromper viciar perder a moral além dos termos prostituto e puto pilantra que se referiam a aqueles que se vendem como mulher na avenida fora no fato de se dizer que as brigas eram em geral por causa de boys e travestis E quem que não é considerado na massa O cagueta não é considerado na massa Tem puto que também não é considerado Aqui tem todo tipo de coisa o pederasta que é pederasta que fez uma vez e gostou E já tem outros que é pederasta por causa da força das circunstâncias Agora tem pederasta porque já é sem vergonha que são por causa de tóxicos e ele só vai adquirir o tóxico fazendo michê como uma mulher faz michê na avenida Então ele faz michê na cadeia para ganhar baguinha de fumo pra ganhar um maço de cigarro pra fazer uma transação O que é michê Michê na rua não tem as mulheres que ficam batendo bolsinha Então recebe o cara no carro pra ganhar 10 15 cruzeiros Aqui dentro tem os putos os malandros que fazem isso então ele vai num andar e fala olha é 3 maços de cigarro então ele vai com o cara e tal ou mesmo por uma baga de fumo ou por um sapato ou por outra coisa qualquer Então ele se torna aquele puto pilantra então já faz já se torna um prostituto entendeu Agora tem outros que já faz por necessidade por boa vida então tem puto aí que se faz de menina pra morar num bom xadrez para ter uma boa comida para ter uma boa maconha para fumar para ter um fanchone para trabalhar 46 pra ele então tem uma série de coisa que é só passando uma temporada pra saber Um pederasta pode ser benquisto na massa Tem um pederasta aqui é além de ser pederasta é policial porque além de praticar o ato de pederastia ele cagueta Esse vou falar é desprezado Agora aquele que pratique só o ato de pederastia o malandro tem Eu vou explicar este porém O que pratica o ato de pederastia somente o ato de pederastia o malandro tem como adiantar o lado Ele adianta Agora aquele que pratica o ato de pederastia e cagueta ele tá atrasando Ele além de praticar um ato de pederastia com preso depois vai prejudicar o outro então ele tá atrasando então o que tem valor na massa mas tem mais valor um puto que um cagueta Tem mais valor um puto que um cagueta porque o cagueta tá prejudicando o puto tá guentando entendeu e a regra fundamental não caguetar Não caguetar era a regra principal do proceder da massa Assim como a prática homossexual na cadeia a caguetagem rompia com a fronteira de duas esferas muito importantes e bem determinadas no primeiro caso estava em jogo a fronteira que distinguia e opunha os sexos no segundo estava em jogo a fronteira que opunha e distinguia o preso e a polícia as leis da massa e as regras da cadeia No entanto a caguetagem assim como a prática homossexual era decorrência necessária das condições da vida na cadeia Não é sem razão que os presos sempre as correlacionavam Acontece porém que do ponto de vista dos presos o ato de pederastia constituía um adianto enquanto a caguetagem era um atraso o que pratica o ato de pederastia somente o ato de pederastia o malandro tem ele como adiantar o lado agora aquele que cagueta ele tá atrasando De fato a caguetagem era uma peça fundamental na manutenção da disciplina na cadeia Com 6000 presos num recinto destinado a 2200 e com um total de cerca de 200 encarregados de segurança e serviços burocráticos o fracasso de fugas e rebeliões eram explicados em grande parte pela delação Os presos comentavam que nenhum plano neste sentido chegava a ser mantido em segredo senão por um curto espaço de tempo Mas não só fugas e rebeliões eram objeto de delação a figura do cagueta espreitava as infrações cotidianas às regras da cadeia Não não porque aí existe o caso que eles chamam caguetas Cagueta é a pessoa vamos supor o senhor está ali queimando um fumo aí é cagueta Agora existe como existe aquele que entra na bolinha me dá uma bolinha aí Daqui a pouco ele deixa o senhor aquele aquele no fumo e vai lá e olha lá tão queimando um jereré Este é o cagueta desbaratinado A malandragem aqui tem uma série de tipos Um fala que é malandro e não é malandro é aquele tal de cagueta que eles tratam de cabra Cabra É 47 Nego que só serve atrapalhar a vida dos outros fica caguetando o companheiro de xadrez fica prejudicando Caguetando como Por exemplo eles não podem ver nada que se passa dentro da cadeia que eles já correm no ouvido do chefe de disciplina uma coisa ou outra Isso aí agora ultimamente é rotina de cadeia Em todo pavilhão existe isso E tem o cagueta que é o seguinte ele não pode ver nada de contravenção nada de errado que ele corre em cima da polícia e dá faz a polícia ir dar uma naquele cara que praticou a contravenção Esses filhos da puta que eles falam é um cara que vem pra cadeia é mais ou menos do tipo do vagabundo então começa caguentando todo mundo vai contar pra polícia fica pesquisando a vida dos outros você entende a vida nossa Caguetagem você sabe existe em tudo quanto é lugar O elemento que vê uma coisa errada e dizer pro funcionário que aquilo está errado e aquele fulano está infringindo a leiO que acontece com um cara assim Geralmente pensase em vingança Procurase um meio de vingança Na verdade caguetas reconhecidos como tais existiam poucos e por serem rotulados reconhecidos por todos eram praticamente neutralizados em suas funções de delação Mas a caguetagem existia e a possibilidade de alguém um qualquer do grupo caguetar acabava por ser um elemento de restrição do espaço das infrações Mas não só o preso se sentia ameaçado pela caguetagem e tinha uma baixa consideração pelo cagueta O funcionário também desconfiava do preso que caguetava porque do mesmo modo que falava de um preso podia falar dele e prejudicálo Para o funcionário o cagueta podia ser útil mas não era confiável mas existe muita gentemas aí os próprios chefes de disciplina funcionários eles não gostam Se eu sou um cagueta eu estou caguetando aquele pro senhor acontece que noutro dia a senhor faz uma asneira e eu posso chegar para o superior e falar que o senhor fez isso isso Então eu já perdi toda confiança do senhor Mas não caguetar era uma regra fundamental do proceder da massa e não só regulava o comportamento do criminoso dentro da cadeia como também ultrapassava seus muros e regia o mundo do crime fora da cadeia Tratavase de uma regra de caráter abrangente diferente das regras anteriormente descritas que se restringiam ao âmbito da cadeia pois se referiam à massa num sentido mais amplo em relação à sociedade fora da cadeia Dentro dessa perspectiva os presos descreviam dois tipos de cagueta na prisão o primeiro tipo era reconhecido como o preso que caguetava porque tinha dificuldade de se relacionar com 48 outros presos e assumia esta atitude esperando obter melhores condições de vida dentro da cadeia embora percebesse o risco de ser alvo de represálias O segundo tipo de cagueta se definia como o preso que antes de entrar na cadeia ainda durante os inquéritos na polícia se portava de uma forma prejudicial aos seus companheiros e em geral era acusado de ter falado demais Na cadeia este preso considerado cagueta tinha problemas com os outros presos especialmente aqueles que se sentiam diretamente prejudicados por seus atos Ante as ameaças freqüentes de vingança o preso em geral optava pelas garantias existentes na cadeia para os que corriam risco de vida recorriam ao chamado seguro de vida ou seja o direito de ficar numa cela individual num local bastante vigiado pelos funcionários da cadeia em geral o pavilhão 5 e o 5o andar dos outros pavilhões Então quer dizer que tem cagueta lá fora e cagueta aqui dentro Qual é a diferença A diferença de um cagueta aqui dentro é a seguinte muitos não têm justamente não tem ambiente não sabem fazer o ambiente deles não tem jeito de fazer uma regalia gozar de uma regalia fora a regalia normal e tem que gozar uma regalia a mais Então começa a caguetar os outros Ele vê um companheiro fumando maconha ele vai lá e fala pro homem O homem vai lá e pune o cara põe ele numa cela Fala para quem Pro chefe de disciplina Fala pro chefe de disciplina Ele põe o outro na cela então ele vê o outro fazendo uma faca vai lá e diz fulano tá fazendo uma faca então vai lá apanha Todos aqueles que eles pegam fazendo uma faca na cadeia apanham quer dizer não sou a favor disso Um preso fazendo uma faca dentro da cela é prejudicar outro preso Não sou a favor disso sou contra então ele apanha então o cagueta o homem vai dar uma oportunidade pra aquele lá porque então ele fica solto aonde ele se faz Aquele que não tem condições de fazer um ambiente normal ele faz por esse lado o cagueta Esse é o cagueta da cadeia Mas lá fora ele nunca caguetou lá fora mas ele vai caguetar aqui dentro para fazer um ambienteAgora tem o cagueta lá fora ele rouba lá fora e cagueta lá fora mesmo Quando vem pra cadeia os caras que ele caguetou estão na cadeia Muitas vezes os caras matam ele bagunçam ele fazem ele pedir seguro de vida Tem isso também Tem Se você chegar a pedir pro homem seguro de vida o homem manda o cara pro 5 É o 5º andar do 5 É depois do assalto uns dias depois esse elemento veio pra cadeia Um tal de Saruca mas aí os jornais as revistas etc escrachou ele como cagueta Falou mesmo que foi ele quem caguetou É hoje ele está aqui no pavilhão 8 mas ele mora no 5º andar O 5º andar do pavilhão 8 é o lugar de seguro Todo elemento de seguro de vida com medo de morrer na cadeia mora no 5º andar Não porque eu nem meu companheiro de processo tivéssemos colocado ele lá mas pela própria malandragem Que um elemento que cagueta qualquer negócio não pode viver normal ou ele morre ou ele então tem que ir pro seguro Então ele fica no 5º andar no seguro Então ele tá sentindo na carne pela lei da malandragem o ato que ele cometeu de caguetar Agora no código da malandragem isso não pode acontecer Então ele fica no seguro Mas eu digo uma coisa esse elemento ainda vai morrer dentro de uma cadeia porque ele ficou manchado pro resto da vida dele Ele não pode viver mais dentro da sociedade e não pode viver dentro 49 do crime ele não vai encostar em nenhum malandro mais Quer dizer ele é um elemento queimado As reações dos presos à caguetagem variavam conforme o pavilhão da cadeia Nos pavilhões 8 e 9 conhecidos como fundão os atos de caguetagem além de serem considerados faltas graves no proceder da massa adquiriam uma dimensão especial na medida em que intervinham diretamente na convivência dos presos com as regras da cadeia que no fundão eram exigidas de forma rigorosa Esta atenção com o fundão explicase por serem estes pavilhões considerados pela direção da cadeia como os locais onde ocorriam contravenções possuir algum tipo de arma negociar tóxico brigar e por isso mesmo onde mais era necessário uma estreita vigilância Nesse sentido a caguetagem fundamental para o exercício da repressão merecia por parte da massa a punição maior Quem caguetava estava sempre correndo o risco de ser morto Na massa as atitudes tomadas contra o cagueta eram plenamente legitimadas e o preso que dava uma facada num cagueta mesmo sabendo que ia ser punido pelo sistema disciplinar da cadeia tinha certeza de que seria bem considerado na massa No pavilhão 8 quando descobrem que ele é cagueta ele já tem que subir para o 5º andar Ela já sobe pro 5º andar porque senão ele vai tomar uma paulada pode tomar uma facada Coerentemente os presos do fundão tendiam a enfatizar nas suas formulações uma rígida separação entre os presos e os agentes da repressão Essa ênfase tinha também sua função na percepção da caguetagem o pior que se pode fazer é um preso cuidar do outro em favor da polícia Polícia é polícia preso é preso Preso faz o serviço dele e obedece a polícia e tal mas não cede informação de preso à polícia se o preso fulano de tal estiver fazendo alguma coisa errada quem tem que descobrir é a polícia Então o supra sumo da indecência é esse é preso cuidar de preso Preso cuida da sua vida e polícia cuida da sua e do preso Então não compete ao preso dar informações à polícia sobre o que o fulano faz ou não faz No pavilhão 2 com relação à caguetagem as coisas ocorriam de modo diferente embora a regra do proceder fosse a mesma Os presos do pavilhão 2 eram considerados como tendo uma outra perspectiva de vida na cadeia a perspectiva de estar o mais rápido possível em liberdade Na verdade eram eles que tinham a oportunidade de preencher as poucas vagas de atividades para presos existentes na cadeia e portanto procuravam evitar qualquer problema que questionasse suas vantagens ou aumentasse o tempo de cadeia A caguetagem no pavilhão 2 implicava em atitudes por parte dos presos muito mais de evitação do que de agressão física ou algo semelhante Ninguém desejava se envolver com o 50 cagueta Tal atitude ligada ao fato de que era maior o contato com os funcionários da cadeia fazia com que os presos do pavilhão 2 fossem chamados pelos presos dos outros pavilhões de caguetas Naturalmente esta consideração não os ajudava mas para estas situações eram dadas várias explicações que negavam com insistência tal acusação Por aqui muitíssimo importante é aqueles três macaquinhos que fecham os ouvidos a boca e os olhos Tem que adotar a lei dos três macaquinhos Boa política com a polícia com os funcionários respeito consideração e ter o obséquio mas não permitir a ele nunca nos falar a respeito falar da vida dos outros Porque eu com todas as intimidades que o senhor pode perceber que eu tenho com o senhor X e com quase todos os funcionários antigos nunca dei a eles oportunidade de me perguntar o que o colega fulano de tal faz ou deixa de fazer Eles nunca me perguntaram isso eles mantêm esse padrão de respeito comigo porque sabem que são perguntas que eu não posso e não devo responder Então eles têm a decência de não me fazerem perguntas que eu não posso responder e eu não peço a eles coisas que não podem fazer nunca solicito a eles que me façam um obséquio que possa prejudicálos Por isso eles nunca me disseram não O preso que trabalhava em geral do pavilhão 2 que fazia um serviço burocrático na cadeia também se defendia da acusação de caguetagem dizendo que havia muita inveja dos presos do fundão ou então afirmando que tinha conseguido a posição porque batalhou porque tinha força de vontade ou porque estava a fim de sair logo Esses presos entendiam que quanto mais estreitos os laços de ligação com os funcionários com a diretoria maiores seriam suas chances de serem postos em liberdade de receber um parecer favorável num processo ainda em andamento na justiça além de outros privilégios Na verdade isto não significava que também entre os presos do pavilhão 2 não fossem seguidas as leis da massa As mesmas regras do proceder que serviam para os outros pavilhões serviam para o pavilhão 2 com a diferença de que a imposição dessas regras se dava de modo talvez mais brando Seria incoerência pensar que um preso que estava com a cabaça na rua em geral presos com penas mais leves quisesse matar um outro por qualquer problema e com isso aumentar sua prisão por mais tempo Nessa sentido a regra do não caguetar também existia no pavilhão 2 mas seu cumprimento ocorria em um outro contexto Agora no pavilhão 2 já é um pavilhão maneiro Então os caguetas nem são chamados de caguetas eles chamam de cabra aquele cara é cabra deixa pra lá e já no pavilhão 2 ninguém vai dar paulada ninguém vai dar facada Porque a maior parte já está tudo a fim de ir embora Mas tem aqueles pilantras que vê uma contravenção e já vai caguetar Mas a maior parte sabe que ele é cagueta e tal mas nem liga convive Agora quando cagueta e vai pro fundo aí ele se sente perdido se sente acuado é como cachorro que acua uma caça no campo então ele fica amedrontado e muda até de sistema 51 O malandro figura principal da massa No mundo do crime o malandro era a figura principal Ser malandro era ter adquirido uma série de características próprias de quem pertence à massa principalmente no que se refere à experiência e ao conhecimento de suas regras de procedimento Quando os presos qualificavam o malandro em malandro positivo e malandro negativo estavam se referindo ao contexto do procedimento ou das relações entre os membros da massa embora os presos tivessem restringido este aspecto às regras do proceder dentro da cadeia Aqui então o malandro era também malandro positivo por oposição ao malandro negativo e esta oposição reflete claramente o proceder que a massa exigia do preso O malandro positivo ou o bom malandro se caracterizava por cumprir as regras do proceder na massa era o que adiantava pro lado dos outros presos e assim se tornava uma pessoa benquista na massa O malandro negativo era imediatamente identificado como cagueta que só fazia prejudicar os outros que atrasava o lado dos outros e que pelo seu próprio proceder desrespeitava profundamente as leis da massa O malandro é um cara que é marginal nato mas aqui na cadeia ele tem um procedimento ele tem uma certa conduta Então ele é um cara que não cagueta Se ele pede 2 pacotes de cigarro emprestado ele paga certo Se ele é um camarada respeitável que veio da massa esse é o malandro Sabe o que acontece na cadeia tem dois tipos de malandro O malandro positivo e o malandro negativo que é o cagueta o cara que trouxe os companheiros pra cadeia Confirmei só aquilo e nada mais pra continuar sendo o José e não um safado cagueta na gíria da malandragem Quando os presos falavam sobre o malandro no contexto da prática do crime suas formulações se referiam à oposição entre o malandro e o metido a malandro Esta oposição tem como base uma hierarquia segundo o critério de conhecimento da massa do crime O metido a malandro era o preso que em geral por falta de experiência na vida da cadeia e ao mesmo tempo percebendo a relação que existia entre o conhecimento e o poder na massa chegava na cadeia e sentia necessidade de construir uma imagem perante os outros presos que lhe garantisse um mínimo de respeito e segurança além das vantagens de ser visto como verdadeiro malandro Ele procurava impressionar pela valentia precisava meter medo e provar que era malandro O verdadeiro malandro era considerado o preso que já tinha o domínio das leis da massa e não precisava ficar mostrando qualidades Ele tomava atitudes com segurança e por isso era respeitado O malandro mesmo é aquele que pratica a delinqüência assalto roubo tudo quanto é tipo de criminalidade Esse é o verdadeiro malandro 52 Tem o malandro o que é metido a malandro Como é que é Depende da pessoa Tem uns que não são malandros chegam aqui na cadeia querem levar uma pra impressionar pra meter medo O sujeito é primário e precisa Vou levar uma pra mostrar que sou malandro Mas o pessoal já conhece O cara chega aqui se transforma inteiramente Diz o que E fiz isso faz aquilo na rua troquei tiro matei Vai ver o prontuário dele não é nada disso A gente vê falando com a pessoa a gente nota vê que não é nada daquilo que está falando E o malandro mesmo como é que é Malandro mesmo é o perigoso A gente vê logo que ele não tem ele mata Se precisar matar o outro ele mata O sujeito faz uma bobagem ele mata Esse é o perigoso A turma aqui nós tiramos isso aí como uma pessoa ressabiada uma pessoa cismada Então ele chega aqui e ele fica com cisma porque ele vê contar que jeito que é a Detenção que eles contam lá fora Os que não conhecem falam Ah a Detenção é isso e aquilo muito perigoso os caras com qualquer coisinha faz e acontece Então eles ficam aqui com aquele temor aquele medo Então ele começa a contar façanha lá fora pra ver se ele entusiasma os que estão aqui pros caras ficarem falando ah esse cara de fato é malandro mesmo então não vai ser zuado É o que acontece mas normalmente não fizeram nada disso No contexto da relação com os agentes da repressão os presos se referiam à oposição malandro ou bom malandro e falso malandro ou mau malandro no sentido de mostrar o malandro como aquele que conseguia escapar dos castigos enganar a polícia e por isso ser respeitado por ela ou que permanecia sempre fora da cadeia A definição de malandro nesse contexto implica em considerálo capaz de lidar com os obstáculos às práticas da massa do crime O falso malandro por outro lado se caracterizava por não ser respeitado pela repressão e por estar sempre às voltas com a polícia ou a prisão Esse aí é o falso malandro É que eles falam que são bom malandro mas chega aqui está carregado que o bom malandro não está aqui não não vem pra cá Como que você classifica as pessoas aqui dentro Falso malandro porque atualmente não há mais respeito pela polícia ao malandro Atualmente aqui dentro existe a falso malandro O que é falso malandro Ser malandro agora você me fez uma pergunta é a primeira que você vai conseguir me embatucar Ser malandro não existe a palavra ser malandro Dizem que o carioca é malandro Ser malandro aqui é não pegar castigo driblar a polícia o bom malandro O mau malandro é o que tem complexo de superioridade e só vive na cela forte Em qualquer dos contextos em que os presos falam parece que a categoria existente é a categoria do malandro enquanto os outros termos verdadeiro malandro metido a malandro falso malandro etc se apresentam como adjetivações que confirmam ou negam a identidade de malandro Malandro se define por cumprir as regras do proceder entre malandros das quais a 53 mais importante era não caguetar ter experiência na massa ou ter prática no crime e saber lidar com a polícia Na verdade é como se os presos estivessem referidos em suas formulações a um modelo ideal de malandro que supõe a prática de muitos crimes a habilidade para escapar sempre da polícia e o cumprimento das regras do proceder da massa a não caguetagem a solidariedade para com os companheiros O malandro é aquele que vem pra cadeia não trouxe ninguém só trouxe aquilo que ele fez sem complicar os demais Então esse é o bom malandro malandro nota dez Quem está na cadeia é o que Otário veio pra cadeia Se estivesse na rua era malandro se está na cadeia é otário Quem está na cadeia é otário mas tem muito malandro lá que diz que é malandro mas disso aí eu não entendo muito bem dessa parte aí O que é Negócio de bom malandro bom malandro em que parte No geral o bom malandro é o seguinte é o mais conhecido por todos tem umas amizades cativa as amizades do outro que vem e outros mais Tem umas convivências aí de um carrega alguma coisa cada vez que manda o sujeito falar um negócio pro chefe da disciplina o que ele falou nenhum outro preso volta atrás Esse é o que É o malandro ele ativa os outros O malandro tem a possibilidade de ativar os outros mas eu acho que o bom malandro está lá fora O bom malandro é aquele que dispensa a sua humanidade para companheiro certo Está vendo o companheiro fazendo faxina todo dia vai lá e dá uma força ajuda Eu mesmo no outro xadrez que eu morava era meu dia de fazer faxina sozinho mas tinha sempre 2 ou 3 meus companheiros que sempre me ajudavam Quando eu via o outro fazendo também eu ia e ajudava Mas isso é mau malandro ele não tem nada de malandragem ele tem de ignorância nele falta princípio na massa Se ser malandro supõe idealmente escapar sempre à polícia e se todavia o malandro ideal deve existir para cada um como um modelo de identificação dentro da massa nada mais coerente que os presos justificassem a vinda para a cadeia por um fator alheio à sua responsabilidade em geral a traição ou o acidente No entanto esta justificativa não era necessariamente aceita e através da categoria fantasiado ou falso malandro alguém podia ver negado o status de malandro que reivindicava O fantasiado é aquele que é o seguinte ele veio para cadeia assinou uma pacoteira lá em cima complicou um monte de companheiros dele mas aqui na cadeia ele fala que foi beltrano que deu ele sicrano que deu ele Sempre dá uma desculpa pra aquilo que ele fez Está se fantasiando de bom malandro O falso malandro é aquele que é o seguinte ele nunca foi malandro ele praticou um assalto só deu um desacerto ele veio num flagrante pra cadeia 54 Chega aqui dentro bate no peito que é malandro mas na verdade ele nunca apanhou no DEIC não fez nada disso Os presos costumavam se utilizar também de outras categorias quando se referiam a um contraponto de malandro no aspecto relativo a saber ou não lidar com o mundo do crime A categoria cabeça fresca por exemplo traz importantes revelações sobre o aprendizado pelo qual passava o preso para se tornar parte da massa para ser reconhecido como malandro O moleque cabeça fresca era em geral definido como um preso classificado pelo Código Penal como primário bastante jovem mas com 50 60 inquéritos assinados e disposto a fazer de tudo para se tornar conhecido e respeitado na massa do crime embora ainda lhe faltassem as condições ligadas ao proceder para ser reconhecido como verdadeiro malandro Tem que saber fazer o ambiente e tudo Se quiser encrenca encontra encrenca em qualquer pavilhão Hoje em dia os primários que estão entrando aí é tudo cabeça fresca Entra uma gurizada de 17 18 anos com 50 60 assaltos Pode ver hoje em dia é tudo assim Tudo 18 19 anos pega a estatística aí é tudo 157 Assalto é o crime do momento Agora lá tem o problema lá tem moleque cabeça mais fresca Moleque que tem 20 30 inquéritos assinados ele quer fazer o nome dele Ele na rua não teve coragem de fazer o nome trocando tiro com a polícia ou então não assinou os inquéritos Então ele vem fazer o nome na cadeia Quando chega aqui a primeira coisa que ele faz é pegar uma faquinha fuma uns cigarrinhos de maconha então ele sai vendendo uma maconha com a faca dando cobertura pra ele mesmo e acha que é malandro e coisa e tal Qualquer negocinho que você chiar com ele o cara por exemplo compra um negócio mas não tem condições de pagar no dia em que combinou com ele acha que é motivo menosprezo pra ele já acha que tem que tomar uma atitude Então é por isso que ele classificam o pavilhão do fundo o 8 e 9 como que sendo barra pesada Este último trecho de entrevista revela alguns aspectos importantes que dizem respeito ao aprendizado A impressão que se tem é de que o início do aprendizado se dava nos pavilhões 8 e 9 ou o que parece mais forte ainda os pavilhões 8 e 9 funcionariam como uma espécie de introdução que eliminava para quase todos a possibilidade de sair da massa Quando o entrevistado fala do 8 e 9 como barra pesada por causa da falta de tato dos cabeça fresca na verdade o que parece ocorrer é de certo modo a ausência ou o cumprimento pouco correto das regras que faziam com que tais pavilhões fossem considerados barra pesada Outras classificações existiam pelas quais os presos identificavam os que apenas se iniciavam na prática do crime Uma das formas de hierarquização dos componentes da massa do crime se fazia justamente de acordo com a fase de iniciação ao crime vivida pelo criminoso As categorias loque e laranja se referiam ao período inicial da vida no mundo do crime e da cadeia 55 Ambas se opunham ao malandro servem a este dentro ou fora da cadeia não tinham conhecimento nem prática do crime Na cadeia não existia por parte da administração separação especial de presos segundo seus delitos Num mesmo xadrez podiam ser colocados presos acusados de assalto homicídio estelionato Portanto os presos que conviviam uns com os outros tinham graus e tipos de experiência que variavam enormemente O loque era o indivíduo que entrava pela primeira vez na cadeia e sofria na mão dos mais experientes Era o trouxa como diziam O loque acabava servindo aos outros de modo degradante Nos pavilhões do fundão era comum segundo os presos o loque ficar encarregado de fazer faxina lavar roupa pro malandro ou até servir de taxi de malandro o loque se abaixava e depois do outro subir às suas costas saia carregando o malandro para os locais desejados Como o que ocorria com as demais leis da massa os do pavilhão 2 diziam que o tratamento do loque não era uniforme em todos os pavilhões Tem o loque O loque é o trouxa é o sujeito que entra aí a primeira vez aí sofre Ele o cara que é trouxa no pavilhão 2 não porque aqui a gente respeita mas se cai num pavilhão do fundo ele vai fazer faxina limpar o xadrez lavar roupa pro malandro O laranja era definido como o loque antes de vir para a cadeia Os presos diziam que quando o malandro precisava de alguém para fazer a parte mais arriscada ou mais perigosa de uma determinada ação criminosa ele escolhia uma pessoa que não tivesse pleno conhecimento do perigo que estava correndo Quando chegava a polícia esta pessoa pouco ou nada sabia do que estava acontecendo e assim tinha pouco a dizer sobre os outros companheiros O laranja depois que vinha para a cadeia e aprendia como se deve agir na massa deixava de ser laranja e segundo os presos passava a procurar outros sem experiência para serem laranjas O laranja é aquele cara que fica na esquina eu passo um cheque deixo uma mala com ele e passo levo o dinheiro ele fica na esquina me esperando Aí passa a polícia e leva ele e ele está com 5 folhas de cheque feito Então ele dança de bobeira e entra então ele chega aí e fala eu não fiz nada eu não sei nem o que é isso aqui Aí depois que ele fica aqui aí ele diz também depois que eu sair daqui só porque a polícia me prendeu vou começar a passar cheque Quer dizer ele já sabia aí já não é mais laranja já é um laranja inteligente Aí ele vai arrumar mais uns laranjas quando ele está em liberdade Nesta época eu não sabia de nada também eu era como chamam um laranja O que é um laranja Laranja é que eu pegava os carros eu entregava os carros lá na agência o laranja quer dizer que aquele que eles pegassem primeiro era eu Por que chamam laranjas Laranja é assim tem o cabeça o cabeça é o chefão e o laranja é aquele que cercava ele que faz isto faz aquilo outro Olha leva este carro em tal lugar e se a polícia pegar é um laranja Quer dizer que como é que chamam trouxe a laranja a pessoa 56 está ganhando dinheiro nas minhas costas Este é que eu acho que é o laranja laranja porque abre joga fora apodreceu joga fora depois dá semente nasce outra flor outros pro lugar e assim por diante O falso bacana era uma categoria própria de vida na cadeia pois estava ligada a situações que implicavam na localização do preso dentro da cadeia a que pavilhão pertencia Na Casa de Detenção os presos do pavilhão 2 eram considerados pelos presos dos outros pavilhões como falsos bacanas Por que falso bacana Primeiro porque não havia bacanas na cadeira e depois pelas próprias características do falso bacana era um preso que procurava andar o mais bem arrumado possível Na verdade esta categoria assim como a de malandro falso magnata distinguia as pessoas ou os pavilhões através de elementos que simbolizavam riqueza e pobreza Assim como características da pobreza podiase perceber presos que andavam maltrapilhos a mulher que se prostituía lá fora o preso que na cadeia não tinha como arrumar dinheiro não tinha família nem visitas Simbolizando a riqueza o ter boas roupas poder emprestar dinheiro aos outros o ter roubado muito ter advogados fumar cigarros caros ser magnata Existem duas formas de perceber o falso bacana A primeira delas é pejorativa tem um tom acusatório e era reconhecida como vinda de quem em geral não estava no pavilhão 2 E tem o falso bacana que é o seguinte na rua ele não roubou muito mas o jornal escrachou O jornal pôs que ele roubou 3 bilhões 4 bilhões e então ele vem pra cadeia com a imagem que o jornal fez dele Então ele chega na cadeia ele não tem nada não tem nada na rua Se der um tiro não vai ter onde cair porque não tem nada Mas ele veio com o nome feito pelo jornal Então ele chega aqui na cadeia ele se põe numa boa camisa que ele comprou da triagem quando estava no DEIC os sapatos que ele tomou de um doente lá no DEIC compra uma calcinha de tergal aí na Casa tem a imagem do jornal você entende mas se você falar com ele preciso de 50 cruzeiros agora ele não tem pra te arrumar Sempre maneirando porque a família vai trazer na portaria que a minha noiva vem do Rio trazer muda pro pavilhão 2 e arruma serviço logo num lugar de destaque entendeu Então ele sempre sempre escrevendo cartinha pras namoradinhas dizendo que são advogadas dele esse é o falso bacana da cadeia Tem o malandro arrogante o falso malandro o malandro falso magnata O que é malandro falso magnata É o que conta muita vantagem diz que é dono de empresa que é dono de agência de carros Aquele que faz com que a própria mulher fique se prostituindo lá fora pra que no final da semana traga cigarro Hilton pra ele fumar O fato de fumar Hilton faz com que ele aja assim o que existe muito no pavilhão 2 come mortadela e arrota presunto Pensamento do ladrão que vem pra cá principalmente o primário que vem a primeira vez ele pensa em sair fazer um assalto assalto chamado milionário pra ganhar 300 500 milhões onde ele acaba voltando pra cá e volta volta volta e 57 é assim A maioria pensa nesse assalto milionário pra sair do estado sair do Brasil viver como magnata O ladrão é o falso bacana como se diz mania de ser bacana principalmente no pavilhão 2 Pessoas que lá não têm às vezes o que comer aqui eles botam uma roupinha limpa isso aquilo dão uma de doutor A maioria do pavilhão 2 Nos outros também tem isso Nos outros tem mais é pobreza viu mais a pobreza Uma grande parte não tem visitas muitos nortistas muitos como eu te falei não tem família mesmo Às vezes tem família mas a família nunca visita O preso do pavilhão 2 acusado de falso bacana argumentava contra esta acusação que lhe faziam Segundo ele tornavase quase obrigatório estar bem vestido pois o 2 era um local de circulação freqüente de visitas e de membros da diretoria Este jogo de acusações e defesas entre os presos dos pavilhões revela com mais clareza a contradição entre os presos que estavam com a cabeça na rua e os que permaneciam na vida do crime O preso do pavilhão 2 por suas condições de vida na cadeia precisava dar sinais de recuperação a qualquer custo já que disso dependia sua aceitação na sociedade Vestirse bem e manter boa aparência era sinal de quem queria se recuperar Na verdade nesta contradição estava em jogo também num sentido mais amplo o modo como a delinqüência era encarada pela sociedade fora da prisão A concepção de delinqüência sempre esteve associada às características dos grupos sociais mais pobres e na cadeia isto se repetia entre os presos O preso do pavilhão 2 precisava dar sinais de recuperação precisava portanto fazerse de bacana e reconhecer o delinqüente ou quem quisesse permanecer na vida do crime entre os presos dos outros pavilhões entre os quais apareciam as mesmas características dos grupos sociais mais pobres Como é essa história de falso bacana É o caso do pavilhão 2 A maior parte deles tem família e tal uns que se conhecem um funcionário que conhece o outro então vai ficando no 2 Andam de qualquer jeito qualquer roupinha pra eles que tiver no corpo está tudo certo Aqui não Aqui a turma faz questão de andar na linha e os outros presos lá andam trapilho Aqueles que tem condições de arrumar uma roupa na rua uma camisa uma coisa da rua eles arrumam Se não tem anda com a roupa da Casa mesmo A calça tem que ser tudo azul somente a camisa pode ser diferente No 2 não aqui é coisa diferente mais bacana então eles falam falso bacana que eles acham que se todo mundo fosse bacana como falam no 2 estariam lá fora não estariam na cadeia Bacana rico não vem pra cadeia a não ser alguns por motivos de revolta por sentimento que o resto não precisa Porque aqui tem 4 mil e poucos presos mais ou menos mas se eles fossem bacanas mesmo não estavam na cadeia Então eles são falsos bacana por esse motivo Lá não lá eles não estão nem aí É bola eles lutam capoeira lá tem curso de capoeira de boxe halterofilismo Não estão nem aí resolvido Quer dizer tem os mais chegados tem as visitas vão visitas lá Então no campo é tudo short bermuda à vontade No pátio não na seção onde a gente trabalha é tudo arrumadinho e tal não podem andar nem de bermuda nem de short que é pra visita não chegar e não é Por que o 58 cara quer ser bacana No pavilhão 2 Não é bem o cara que quer ser bacana é as circunstâncias onde ele se encontra o ambiente onde ele se encontra obriga Aqui mesmo nesse setor aqui o diretor aqui lá o sujeito acaba de jogar capoeira lá fica lá aquela roupa vem uma visita aí fica mal não é Administração da casa então a gente se sente obrigado a andar arrumadinho tem a copa dos funcionários cada pavilhão tem a copa dos funcionários Eu não vou trabalhar numa copa dos funcionários com uma roupa suja sapato sujo Apesar que é cadeia mas nós temos que ter um pouco de asseio No 8 no 9 no 5 a mesma coisa uns tem o guardapó branco outros o guardapó azul cabelinho cortado é essa a diferenciação As categorias vagabundo piolho e serrote ou mancha do xadrez rato de xadrez todas se opunham a malandro de uma forma negativa Cada uma delas expressava características que não correspondiam às características que compunham o modelo ideal de malandro Ao pensar estes tipos pejorativamente os presos estavam portanto confirmando este modelo No caso do piolho isto se dava porque o piolho mesmo sendo um preso que já tinha bastante conhecimento do proceder exigido pela massa estava sendo constantemente pego pela polícia Piolho é que já teve várias passagens já está tarimbado já conhece chega aí como vai fulano tem uma moquinha aí é esses já são piolhos As categorias serrote mancha do xadrez ou rato de xadrez se referiam à vida interna do xadrez e eram usadas para designar aquele que roubava de outro preso dentro do seu próprio xadrez Existe também o caso do maço de cigarro que anda O senhor deixa o cigarro aqui e vem o serrote O serrote que a gente diz é o mancha do xadrez o rato do xadrez Então o senhor deixou o maço de cigarro lá e foi tomar um banho Se enxuga e tal e quando volta cadê meu maço de cigarro Aí o outro que já foi levado na caixa de fósforo diz vai ver que ele foi dar umas voltas por aí Mas para se pegar o mancha a gente deixa um outro maço aí ele acostuma Então existe lá no 8 quando se pega a pessoa com o maço cheio e novo que é o mancha do xadrez e diz olha você vai ficar barraqueiro do xadrez não precisa mais fazer isso todo dia tem dois maços pra você fumar tá bom Tá bom Acabou acabou porque a coisa mais feia aqui dentro é essa A concepção de vagabundo se opunha à concepção de malandro na medida em que por vagabundo designavase um preso que não roubou para vir para a prisão e roubar é o traço básico do malandro A descrição de vagabundo em geral correspondia à de um mendigo ou desempregado que a polícia pegava e mandava para a cadeia e não tinha ligação com a massa do crime Para os presos o malandro era o cara que é profissão marginal que vinha para a cadeia porque a polícia traz enquanto o vagabundo arruma um jeito de vir pra cá 59 Percebese nesse caso novamente a reprodução da ligação que existe na sociedade entre delinqüência e pobreza o vagabundo não era considerado como parte da massa pelos presos mas se enquadrava na classificação de delinqüência acionada pelo aparelho repressivo O vagabundo é o cara que é o seguinte isso é a definição daqui da cadeia Ele vem pra cadeia porque gosta da cadeia O marginal vem pra cadeia porque a polícia traz agora o vagabundo vem pra cadeia porque gosta da cadeia Tem cara que se sente bem aqui se acomoda vive uma vida aqui dentro Tem caras que se ambientam que procuram levar uma vida aqui dentro por causa das circunstâncias É esse o caso do malandro cara que é profissão marginal certo Então o vagabundo é o cara que lá fora não quer roubar não quer fazer nada e às vezes arrumam um jeito de vir pra cá Mas sabe o que acontece isso aí é outro caso simples Tem mendigo que vem preso pra cá Eles ficam lavando carro aí nos pontos geralmente o bacana chega ele diz eu vou lavar o carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor O bacana deixa o carro aberto mas o bacana foi pro baile foi pro restaurante a polícia passa e vê o cara lá dentro do carro que você tá fazendo aí Ah estou tomando conta Flagrante O que foi ah ele estava roubando o carro do moço então ele vem pra cadeia Chega aqui é condenado às vezes absolvido vai embora pra rua ele continua no mesmo lugar Então quer dizer o cara ali tomando conta do carro pra mim não é um serviço seguro porque já aconteceu a primeira vez com ele se ficar ali pode acontecer a segunda e a terceira Então eles falam que o cara é vagabundo que estava lá e que quer voltar pra cadeia Apesar que tem um caso desses aí que passam fome mesmo na realidade na rua que não é todo dia que os tem carro pra tomar conta tem carro pra lavar ali e que vai sair um dinheiro que dá pra ele comer Pode ganhar hoje amanhã não ganha Então a massa fala Se ele for roubar ele vai roubar dinheiro Ele pode vir pra cadeia ele roubou dinheiro ele fica comendo aqui o governo paga O governo dá a alimentação então eles fala que é vagabundo O juiz de xadrez e o funcionário disciplina e crime na cadeia O termo juiz de xadrez designava uma posição ocupada por um preso escolhido entre os presos de um mesmo xadrez para desempenhar determinadas funções O juiz de xadrez ao mesmo tempo em que era visto como um preso com capacidade para ensinar aos companheiros como se comportar frente às regras do sistema carcerário exercia também a função de elemento doutrinador do outro conjunto de regras que existia na cadeia as leis da massa Tornavase um dos principais componentes da massa na cadeia em função de ser o depositário das regras do proceder Mas o juiz de xadrez não tinha poder para punir os infratores também não tinha esse poder com relação às regras do sistema carcerário já que as infrações as contravenções eram detectadas e punidas 60 pelos funcionários da administração da cadeia sem sua intervenção A hipótese de um juiz de xadrez informar a administração sobre infrações cometidas pelos companheiros não era sequer admitida pelos presos O juiz de xadrez era pois o ponto de contato entre os dois sistemas de regras Sobre a massa o juiz orientava no modo de proceder dos presos uns com os outros Por ter mais experiência e conhecimento da prisão ensinava como um preso devia agir frente a determinadas situações concretas A cada pequeno deslize no proceder o preso ficava sujeito a receber uma repreensão do juiz de xadrez que tinha legitimidade para tal Por outro lado fugir às recomendações do juiz de xadrez colocava o infrator à mercê das sanções preconizadas pela massa independente de qualquer interferência do juiz de xadrez O termo designativo da posição carregava pois de forma analógica a noção que tem o mesmo termo no sistema judiciário o juiz interpreta e proclama as prescrições da lei mas não executa sentenças Esta atitude o juiz de xadrez a assumia tanto em relação às regras do sistema penitenciário quanto com relação às regras da massa A indicação do juiz de xadrez partia da administração da cadeia através dos chefes de disciplina e a escolha recaia sobre o preso mais velho do xadrez À primeira vista este critério pareceu associado à idade do preso quanto mais idoso maior experiência maior conhecimento das coisas da cadeia de sua regras e dos limites dessas regras A idade ofereceria a status necessário para que o administrador do xadrez fosse respeitado pelos outros presos Mas o critério não funcionava assim e a idade do juiz de xadrez se referia ao tempo de vida na cadeia e à experiência adquirida durante esse tempo O juiz de xadrez era o mais velho do xadrez no sentido de que era o preso com mais tempo cumprido no xadrez além de ser o que melhor conhecia o modo de comportar do preso diante dos funcionários e diante dos outros presos entendendo que eram dois contextos distintos Chefe de cela é uma coisa porque chefe da cela geralmente é o mais velho da cela pode ser o mais fraco entre os presos mas é respeitado porque é o mais velho Isso é uma lei aqui dentro Pode ser o mais raquítico da cela que por ser o mais velho é o chefe juiz do xadrez O juiz de xadrez é geralmente o mais velho O cara que mora mais tempo no xadrez Por exemplo eu tem um outro que chegou há mais tempo no xadrez eu cheguei aqui depois dele eu sou o segundo Então ele sai e eu fico tomando conta A responsabilidade ali de alguma coisa sou eu Qual a função do juiz de xadrez A função dele é ver a roupa o dia da faxina do cara qual é Tem um outro que mora comigo e tem na faxina a faxina tá certa Você não fez a faxina direito e os outros vão falar alguma coisa e eu sendo juiz de xadrez tenho que tomar alguma providência Você faça a faxina direitinho lava direitinho lava a louça lava tudo em seu dia Então o serviço dele é esse aí 61 Então tem 12 no xadrez Agora tem o mais velho do xadrez Ele responde perante a polícia pelas coisas erradas que acontecem no xadrez Por exemplo acontece um negócio no xadrez eles requisitam o juiz de xadrez pra ele falar pra ver se ele viu se ele sabe quem fez quem não fez O juiz de xadrez era indicado pela administração da cadeia mas não colaborava com ela Fazia questão de se definir como preso com uma posição bastante clara perante seus companheiros Não compactuar com funcionários tinha o significado claro de evitar acusações do tipo estar fazendo o jogo da polícia estar vigiando os próprios companheiros e principalmente estar negando o papel de depositário das leis da massa O juiz de xadrez zela pelo bom nome do xadrez O que de pior podia acontecer em um xadrez era este ser considerado manjado pela polícia Nesses casos as blitzs policiais se realizavam a qualquer hora sem aviso prévio e fazendo com que os presos do xadrez perdessem o sossego O juiz de xadrez procurava evitar esse confronto tendo por isso legitimidade para chegar junto ao chefe de disciplina do pavilhão e pedir a transferência de um preso para outro xadrez quando este estava chamando os olhos da repressão para o xadrez Esta atitude do juiz de xadrez não era vista como caguetagem e na verdade significava a preservação da massa enquanto tal Não chamar a atenção da polícia significava preservar as leis da massa não misturar as coisas de preso com as coisas da polícia A posição do juiz de xadrez não traz dúvidas quanto à sua posição a favor do preso mas era uma posição limite de contato entre um mundo e outro mesmo com os contornos do papel já definidos Chefe de cela como é que é Não tem juiz de xadrez Aquele lá é a pessoa designada pelo chefe de disciplina por exemplo a pessoa que já é mais antiga naquele xadrez Então ele tem que zelar pelo xadrez manter a ordem e o respeito pra não haver muita bagunça essas coisarada contravenção dentro do xadrez Quer dizer ele é um segundo cabeça responsável depois do chefe de disciplina Então pra evitar todos esses aborrecimentos essas conversas essas coisinhas que eles costuma levar para o chefe de disciplina reclamação que não deixam ele dormir que fica mexendo com ele que fica zuando ele fazem todas aquelas coisaradas quer dizer então o chefe de disciplina é obrigado aliás o juiz de xadrez é obrigado a ver tudo pra ver se a pessoa tem condição de permanecer naquele xadrez ou não Se não tiver então ele comunica ao chefe de disciplina então ele é transferido de xadrez Mas o juiz de xadrez não é sempre o que manda no xadrez É o juiz de xadrez o mais antigo do xadrez o mais antigo do xadrez Se criar caso dá briga É existe a blitz existem todas essas coisas Porque a coisa mais triste dura aqui é o xadrez manjado visado pelos funcionários porque geralmente tem cisma aqui dentro do xadrez existe 62 contravenção a toda hora Aí não tem hora deles darem batida Às vezes a gente está dormindo sossegado está descansando às vezes é uma parte a gente não mexe mas paga por aqueles que mexem Então é obrigado a ficar se sujeitando a tudo sem às vezes dever Ah juiz de xadrez Juiz de xadrez tem o mais velho Sempre o mais velho é o juiz de xadrez E este cara era o juiz de xadrez no teu Era o juiz de xadrez agora está no 5 Mas sempre tem pelo seguinte por exemplo eu faço um negócio errado aí então o juiz de xadrez diz que isto não está certo morar lá por causa disto e disto o senhor muda ele pra outro xadrez aí o chefe de disciplina toma as providências cabíveis por parte dele Ele chama o fulano fulano vamos mudar de xadrez e tal porque o pessoal acha que não está gostando de você você muda pra outro xadrez Tudo certo Mas se o cara não vai se adaptar em lugar nenhum tem que vir aqui pro 5 Não se adapta no 8 não se adapta no 2 ele tem que vir pro 5 Se alguma coisa está acontecendo no xadrez o juiz de xadrez tem que ele é o primeiro encabeçando a chefia tem que tomar as providências cabíveis pra não haver problemas depois com os demais então ele é o encarregado disso aí eu não falo que ele faça como se fala caguetar Falar fulano está fazendo isso lá não sei que Por exemplo nós aqui temos um negócio Ninguém sabe de nada ninguém viu nada Isso é regra entre nós pelo seguinte eu não falo no negócio de um bronca muito alta aí porque vai prejudicar todo mundo até os funcionários Aí nós somos obrigados a chegar e falar com o diretor falar com o chefe de disciplina falar com o funcionário pra tomar as providências Os nossos problemas ficam entre nós mesmos Eu não posso chegar e falar fulano fez isto Por que eu vou falar Vou ficar mal visto entre meus companheiros Os funcionários ocupavam um lugar importante no discurso dos presos sobre a cadeia Basicamente quando se referiam aos funcionários colocavamnos em oposição aos presos como representantes do sistema penitenciário como agentes legítimos e diretos encarregados da manutenção das regras do sistema que representavam Esta designação genérica não acarretava inexistência de distinção entre uns funcionários e outros nem excluía a percepção de uma certa identidade entre funcionários e presos como carcereiros e encarcerados As distinções se faziam tendo em vista a hierarquia do posto ocupado no corpo administrativo da cadeia o tipo e a proximidade do contato que os funcionários mantinham com o preso a função que exercia e finalmente a atitude que assumia com relação aos presos e aos fatos que ocorriam na cadeia A hierarquia dos postos ocupados pelos funcionários fazia com que na avaliação dos presos os mais graduados os que ocupavam cargos de direção ficassem mais protegidos de acusações e valorações negativas Entre estes destacavase o coronel diretor da cadeia De fato era comum 63 um preso falar dos funcionários de forma pejorativa demonstrando que a interferência dos funcionários prejudicava sua vida No entanto quando se referia a algum membro da diretoria sua tendência era de elogiar ou justificar as atitudes desses funcionários na cadeia Os funcionários a maior parte se você fizer uma pesquisa não tem o primário A gente tem que ensinar eles Não é o caso da diretoria que são pessoas que tem condição de exercer o cargo Mas os funcionários que tem que nos reeducar são piores que nós A maior parte são de Itu Taubaté e você não sabe nem o que pode esperar deles nem dialogar pode A competência para o cargo o grau de instrução o lugar de procedência expressam nesta formulação a distinção valorativa que acompanhava a hierarquia dos postos Distinções valorativas no mesmo sentido se faziam entre os funcionários conforme o tipo de contato e o grau de proximidade que mantinham com os presos aqueles que lidavam mais diretamente com os presos seja no setor burocrático seja na parte disciplinar eram identificados pelos presos como policiais Na verdade os funcionários desempenhavam funções de polícia na cadeia Existiam para vigiar e vigiar acima de tudo os locais considerados mais perigosos dentro da cadeia Significativamente tais locais na cadeia guardavam com relação aos locais considerados perigosos fora dela as mesmas características de pobreza A função dos funcionários não se restringia a vigiar os presos para que se mantivessem dentro das regras disciplinares estabelecidas pelo sistema penitenciário mas era também de punir castigar os infratores destas regras exatamente como fazia a polícia Mas tornase também necessário perceber as diferenciações que se fazem entre estes funcionários que lidavam diretamente com os presos havia por um lado aqueles funcionários incumbidos de cuidar essencialmente do aspecto disciplinar e por outro lado os funcionários que desempenhavam outras funções especialmente as burocráticas embora também exercessem o papel de vigiar os presos Do funcionário que vigiava e punia os presos ressaltavam as semelhanças negativas que tinha com a polícia Referiamse principalmente aos métodos utilizados para arrancar confissões dos presos acusados de cometer alguma contravenção considerada mais grave Para o preso que não falava sobre os outros eventuais participantes da infração eles abriam essa lei do silêncio com umas carícias que eles têm Os funcionários daqui a gente chama de polícia é polícia Já teve pau aqui dentro de nego perder perna braço clavícula não é brincadeira Em qualquer contravenção É as contravenções mais pesadas bronca de faca bronca de maconha então aí já complica já tem aquela acareação mais pesada é uma acareação com carícias mas os fatos mesmos são resolvidos pelo chefe de disciplina os carcereiros chefe de seção mas quando já é uma contravenção mais pesada então já implica outro tratamento outro carinho que é aqueles carinhos pesados 64 Entretanto não apenas sinais negativos eram atribuídos aos funcionários quando pensados como policiais Os funcionários apareciam também com a função de proteger os presos Esta função também era coerente com a definição que se tem da polícia ela vigia todos pune os infratores e protege as potenciais vítimas dos infratores É nós chamamos funcionários sempre de polícia É polícia porque a realidade é essa eles estão nos policiando estão nos vigiando porque é a função deles nos vigiar em todos os sentidos vigiar para nós não ficarmos sem comer para nós não fugirmos não pularmos o muro não darmos facada em ninguém não levar facada de ninguém eles estão aí para isso E a gente ressalvando as responsabilidades estabelecendo um nível de respeito há aqui determinados funcionários que eu trato por você tu com determinada liberdade mas isso não é desrespeito E nunca tive problema com funcionário nunca recebi castigo terceira vez que estou na Casa e nunca tive um castigo e nunca levei um tapa nem nunca dei um tapa num companheiro nunca tive um problema em qualquer pavilhão Antes da outra vez que estive aqui eu tinha trânsito livre em todos os pavilhões em função do trabalho que eu fazia que era serviço de manutenção então eu ia em todos os pavilhões inclusive ia sem escolta Outro aspecto da relação do preso com os funcionários diz respeito à principal regra do proceder na massa o não caguetar Na verdade o que aqui se coloca é a avaliação dos presos de acordo com a proximidade que eles mantinham com os funcionários Se se pensa em termos das diferenças entre os pavilhões no fundão os funcionários por estarem mais ligados à parte disciplinar de repressão eram vistos como inimigos da massa Por esse motivo qualquer contato de preso com funcionário era imediatamente qualificado como um ato de caguetagem A oposição presofuncionário era mais acirrada e por isso acusações de caguetagem eram muito graves No pavilhão 2 os funcionários mesmo sendo reconhecidos em sua função de vigiar mantinham com os presos uma relação um pouco mais amena Por essa razão os presos do pavilhão 2 eram chamados de caguetas pelos presos dos outros pavilhões Isto se devia ao contato diário que o preso tinha com o corpo de funcionários especialmente no setor de trabalho burocrático A caguetagem considerada como a pior infração às regras do proceder também o era no pavilhão 2 embora o relacionamento direto com os funcionários não pudesse ser evitado Em alguns casos setores da burocracia da cadeia eram dirigidos por funcionários e compostos de presos Mesmo sendo acusados de caguetagem os presos do pavilhão 2 também seguiam as regras do proceder na massa mas justificavam o relacionamento com os funcionários em função das vantagens que podiam advir dessa relação como por exemplo uma libertação mais rápida e a 65 prova de que estavam se esforçando para se recuperar O modo como os presos do pavilhão 2 rechaçavam a acusação de caguetagem se expressava na oposição formulada por eles entre os que fizeram opção pela recuperação e os que se resolveram pela vida do crime Eles chamam aquilo de polícia mas não é polícia é guarda de presídio é funcionário é funcionário Eles chamam o funcionário de polícia Aqui dentro o funcionário é considerado polícia Qualquer funcionário Qualquer um E quem trabalha com funcionário Nós que trabalhamos com os funcionários somos os que menos damos problemas nunca sai briga Perigoso são os outros que vem de fora eles não sabem de nada mesmo também se souber eu não quero saber de nada eu estou na minha Não tem uma história de que preso que conversa com funcionário é cagueta No2 não deve ser assim Não lá devido à ignorância é considerado mas não é nada disso Quando eles vierem pra cá talvez um dia reconhecerem que aqui é a melhora deles eles vão ver que não é nada disso Como eles consideram Consideram caguetas Você acha que estar conversando comigo vai trazer problema pra você depois Não talvez não pelo seguinte devido ao tempo que eu já me encontro na cadeia e eu nunca deixei dúvida quanto a isso Então eu tenho um ambiente formado que não vai deixar margem às dúvidas Mas sujeito que conversa muito com funcionário é sinal É sinal de que já tá entregando quer dizer no 2 é mais difícil Ter isso porque aqui o elemento luta trabalha ele não tem tempo pra ficar olhando a vida de ninguém certo Finalmente os presos distinguiam os funcionários pelo que poderia aparecer como sendo atitudes individuais Alguns funcionários eram bem vistos pelos presos porque se preocupavam em ajudálos Se o funcionário faz é para o bem dos presos o funcionário é bem visto e o preso também é mas se o preso tiver ligação com funcionário e o funcionário atrasar e punir e prejudicar outro preso nem o funcionário nem o preso é bem visto Entretanto estes estavam em geral localizados no setor burocrático da cadeia Os funcionários que exerciam funções especificamente disciplinares eram sempre mal vistos e segundo os presos só existiam para atrasar punir e prejudicar outro preso Ou seja novamente a avaliação positiva ou negativa acompanhava em última instância as funções que os funcionários exerciam Para chegar a uma conclusão do que eram os funcionários na concepção do preso é preciso considerar além do que foi dito sobre vigiar punir proteger ser representante das regras da cadeia convém refletir sobre a seguinte formulação o cagueta que cagueta preso cagueta funcionário Se eu tiro 10 anos de cadeia o funcionário tira 5 porque ele entra aqui só sai de noite porque ele entra aqui 6 horas da manhã e só sai às 6 e meia da noite então enquanto eu 66 tiro 10 anos aqui ele tira 5 Quer dizer ele é metade do preso também Então sempre tem uma coisa que o funcionário não pode fazer ele também devido a humanidade dele e talvez muitos casos aconteceu por necessidade porque preso não vai sair daqui pra ir buscar um Está aqui pra não fazer nada certo Ou seja ao falar do cagueta e talvez para enfatizar o caráter negativo deste os presos chegavam a minimizar por um momento a oposição mantida em todos os outros contextos entre funcionários e preso Ao fazêlo introduziam novas dimensões da percepção que tinham do funcionário é metade preso também ou seja mantinham com o preso uma certa identidade de situação podia até adiantar o lado do preso devido à humanidade dele Ao realizar a oposição presofuncionário faziase necessário ressaltar o cagueta como o inimigo comum Por outro lado a oposição presofuncionário na verdade expressava um aspecto da relação que não implicava só oposição e conflito mas também identidades deveres mútuos e hierarquia eu respeito eles como autoridades e eles me respeitam como detento certo E a gente ressalvando as responsabilidades estabelecendo um nível de respeito há aqui determinados funcionários que eu trato por você tu com determinada liberdade mas isso não significa desrespeito Outro aspecto a ser ressaltado na relação dos funcionários com os presos dizia respeito às contravenções e os castigos na cadeia As regras de disciplina da cadeia mantinhamse de várias maneiras e as sanções para infratores dessas regras também variavam conforme o que se considerava grave em termos de infração Na cadeia as infrações eram chamadas de contravenções Existiam muitas formas de contravenções e as principais puderam ser detectadas principalmente aquelas que implicavam em castigo mais severo Os castigos se definiam pelo tipo de contravenção cometida A decisão sobre o castigo era tomada por qualquer funcionário que constatasse uma contravenção mas a definição do castigo tempo tipo de cela percebiase como atribuição do coronel diretor da prisão Contravenção na cadeia prendeu é castigo Porque contravenção na cadeia é castigo por ordem do coronel diretamente Não precisa nem de comunicação nem falar com ele o carcereiro assina o chefe de disciplina assina o diretor determina quanto tempo de castigo ele vai pegar As contravenções que implicavam em desrespeito a funcionário em não dar atenção a ordens de funcionários eram punidas com um período na triagem Um pouco mais graves eram consideradas as contravenções que implicavam numa briga dentro do xadrez ou em atividades proibidas do tipo jogo a dinheiro ou a manutenção de objetos com algum valor dentro do xadrez 67 que eram encaradas como causadoras de agressões e às vezes morte Graves também eram consideradas as infrações do tipo portar alguma arma faca estilete e fazer uso dela numa briga como também o fato de traficar ou possuir tóxicos As contravenções mais graves eram punidas com período de confinamento mais ou menos longos na isolada e na cela forte A triagem era descrita como uma cela que existia em todos os pavilhões sem qualquer móvel nem mesmo uma cama assumindo uma importância maior no pavilhão 2 por ser o local onde os presos novos passavam a primeira noite na cadeia antes de serem distribuídos para os outros pavilhões Todos recebiam apenas uma manta para dormir A isolada localizada no pavilhão 5 caracterizavase por ser uma cela individual também sem móveis onde ficavam os presos que por terem cometido contravenções consideradas mais sérias ficavam completamente isolados dos outros se tornando alvo constante da repressão da cadeia A cela forte que existia principalmente no fundão ou nos pavilhões onde se considerava que ocorriam mais contravenções era descrita como uma cela pequena escura onde eram colocados 3 ou 4 homens sem nenhum móvel nem mesmo uma coberta para dormir Segundo os presos não havia condições nem de esticar o corpo e esta aglomeração parecia constituir um dos elementos do castigo Como é que é a cela forte Cela forte é uma cela pequenininha quadradinha dá um por um dizer e ali costuma ali não tem que ali não entra coberta não entra nada é um castigo mesmo É que nem uma solitária É o tipo de uma solitária e ali às vezes costuma conforme a época de ficarem 3 4 dentro Não tem condição de se esticar a perna Como é que é a isolada É um xadrez também individual no pavilhão 5 limpo não existe nada lá dentro e o cara tira o castigo dele ali Em geral dá sempre 15 20 30 dias E a triagem que você falouA triagem é castigo pequeno desrespeito a funcionário coisinha simplesO que é triagem A triagem é um xadrez de castigo que existe no pavilhão 2 que existe a cela forte mas foi censurada mandaram tirar Então tem esse xadrez que eles chamam de triagem que é onde recolhem a turma que vem do DEIC vem de fora então eles passam a noite ali pra no dia seguinte ser distribuídos então é considerado como uma triagem Então esses que sofre um castigo leve aí então passam uns dias lá 10 15 dias uma semana porque a triagem por exemplo um funcionário chama a atenção de um preso e às vezes o preso faz que não escuta ou às vezes o funcionário diz pra não passar de tal lugar ou não fazer isso e ele faz então isso aí é uma triagem comum 10 15 dias Agora a isolada já existe mais agressão uma briga dentro do xadrez ou se pega com baralho ou se pega comBaralho não pode porque Não pode É porque muitos com baralho já começam a jogar dinheiro e dinheiro na cadeia cresce os olhos e na mão onde existe dinheiro existe às vezes morte então pra evitar essas coisas eles censuram isso que nem o rádio também É proibido usar Rádio dentro da cadeia não pode usar 68 Por que Não pode tudo devido ao roubo porque dentro de um xadrez se o cara largar um objeto lá um outro distraiu vem e pega e então já forma aquela guerra Então pra não estar dando essas dores de cabeça esse aborrecimento pra diretoria chefia essas coisaradas então eles proíbem Então quer dizer que evitando isso evita muitas coisas E a solitária como é que é A cela forte por exemplo já é caso se o cara é pego com faca se dá uma facada no outro ou se é pego com tóxico qualquer coisa com contravenções que não pode ser quer dizer então que esse aí já vai pra um castigo mais severo Quando o sujeito faz uma contravenção ele vai pra onde Tem a triagem em todos os pavilhões tem a triagem Aqui no 2 quando há um castigo mais severo às vezes fica uma semana duas semanas na triagem é castigo não tem cama nem nada só vai a manta quando chega Então a pessoa fica lá dois três meses Lá é esse cimento aqui pra ver se aprende então dáse aquela colher de chá Aí faz a segunda vez na terceira então vai pra cela forte Tem isolada também Existe no pavilhão 5 O que é pior a cela forte ou a isolada Olha nenhuma delas são boa mas se o senhor perguntasse se eu preferisse isolada ou cela forte eu já respondia nenhuma delas mas pra aquele que faz uma contrariedade muito braba é preferível ir pra cela forte do que para a isolada Na isolada ele fica isolado de todos só sai pra levar a debulha como se diz Debulha é o pau É O castigo servia também para diferenciar os presos na cadeia Cada preso possuía uma ficha no setor de expediente e em princípio qualquer contravenção mas principalmente se considerada entre as mais graves era suficiente para que o preso ficasse impossibilitado de exercer uma série de atividades O preso que tinha ficha sem contravenção tornavase sempre preferido dos funcionários no momento de alguma regalia como por exemplo um trabalho ou o deslocamento para um pavilhão melhor Os presos diziam que só conseguia trabalho na cadeia quem tinha bom comportamento Esse argumento era utilizado sobretudo pelos presos do pavilhão 2 que assim procuravam se diferenciar daqueles que eram vistos como já tendo feito opção pela vida do crime Essa turma daqui mesmo pra já estar no 2 pra trabalhar numa seção que nem nós trabalhamos é pessoa que tem uma ficha branca demonstra castigo nenhum na Casa porque se a pessoa for uma pessoa que já tem castigo na Casa falta na Casa então não tem condições pra trabalhar num setor assim e nem tampouco morar no pavilhão 2Vocês são considerados o que Bom comportamento 69 Mundo do crime e trabalho recusa de uma barreira intransponível As categorias trabalho e mundo do crime ou vida do crime são fundamentais na representação dos presos sobre a cadeia Referiamse a situações distintas de suas vidas na prisão Estar no mundo do crime ou na vida do crime significava estar ilegitimado em virtude da acusação de infração aos códigos e leis Neste contexto trabalho representava a via de retorno à legitimidade social a possibilidade teórica de recuperarse A trabalho estavam associados família amigos visitas esforço de alfabetização e instrução espaço ocupado na cadeia Tenho impressão que isso aí é formação educação dos pais desde pequeno Os pais podem ser pobres mas se desde pequeno colocam na cabeça do garoto que ele tem que estudar tem que trabalhar não deve roubar isso e aquilo a criança vai se criando naqueleÉ pobre vai ganhar o salário mínimo mas sendo pobre deixando de lado o filho brigando deixando sem estudo sem nada se cria abandonada a criança vai acabar roubando Então tem uns caras que estão aqui dentro não quer saber de nada mesmo só que saber de não vive bem com ninguém e vive mal com deus Tem sim mas isso aí são bastantes fatores Às vezes o cara não tem visita de ninguém não tem ajuda de ninguém o cara é fumante e não tem cigarro essas coisas Se no contexto da oposição entre mundo do crime e mundo do trabalho a recuperação era um valor positivo para os presos como explicavam o fazerem parte do mundo do crime Os presos entrevistados se consideravam no mundo do crime por descuido ou acidente e se auto definiam como parte deste mundo embora afirmassem enfaticamente que sempre trabalharam ou seja sempre mantiveram laços visíveis com o mundo do trabalho Estes presos procuravam se colocar entre os recuperados pela cadeia Até hoje eu sou trabalhador mas eu acho que foi por causa das circunstâncias da vida como se fala levar e roubar porque realmente um bom ladrão assalta como um assaltante nunca mata e também nunca fere alguém só assim num caso obrigado mesmo Outros presos eram considerados como já tendo feito opção pelo mundo do crime e portanto colocados na posição de quem não tinha recuperação ou não tinha condições de trabalho fora da cadeia Tem muita gente que sai daqui na sexta e na terça feira chega de volta Por que Ele só quer delinqüir Este daí não tem recuperação muitos que não tem chance Vai embora volta vai embora volta Às vezes uma pessoa que chega com um inquérito aqui banal não consegue ir embora Por que tem esse pessoal que vai e volta A vida deles é esta delinqüir não tem coragem de trabalhar coragem de eles querem delinqüir e a vida deles é 70 esta mesmo O caminho o objetivo deles é este é roubar não tem outro objetivo Analisando os instintos da pessoa e através das suas conversas e nessas conversas se vê que ele não quer ser reeducado ele não quer nada com a sociedade entendeu Ele não quer ser reintegrado socialmente então se vê que ele é uma pessoa de maus princípios Então se pode dizer que é um elemento ruim um elemento baixo Ao procurar afastarse deste mundo mundo do crime o preso se refere à ligação com o trabalho e a família Assim se defronta com a ideologia da sociedade tentando exatamente afirmar para si aquilo que a sociedade lhe negava Trabalho e família são indicadores de recuperação Ele afirma sua ligação com esses dois valores embora consciente da dificuldade que a sociedade impunha ao expreso Uma base de uns 20 estão recuperados e outros pretendem se recuperar e esperam apoio lá fora Tem muitos que dizem quando eu sair daqui eu vou lutar se eu tiver apoio senão eu me desvio Inclusive tem um no xadrez que era polícia foi guarda muitos anos lutou lutou depois foi destruído foi pra vida do crime Aqui dentro está recuperado então ele diz saindo lá fora eu vou trabalhar mas se eu ver que não dá certo não vou ter apoio da sociedade porque tem gente que se sente destruído nessa situação Agora se sou mal visto aqui eu vou pra outro lugar vou fazer tudo pra ser bem recebido vou viver de acordo Se um dia um daqui que não me considerava chegar lá e disser alguma coisa o de lá não vai acreditar Você vai acreditar no que vê não no que ouve Quando eu sair daqui pego minha família e vou para outro lugar Eu sinto é prazer de ver uma pessoa crescer e luto pra crescer também não passar ele mas ir chegando perto dele com os esforços que ele conseguiu Mas tem pessoas que não 90 dos que estão aqui dizem que não têm condições de trabalhar ficar no prejuízo também não dá então tem que sair para roubar Como os presos entrevistados estavam em geral engajados numa ocupação dentro da cadeia e portanto pleiteavam sempre estar em processo de recuperação tendiam muitas vezes a obscurecer a dificuldade de concluir seus planos atribuindo o poder ou não fazêlo a um ato individual de vontade Eu acredito que o elemento quando quer realmente trabalhar nasceu nessa quando não passa pela cabeça ser desonesto ele se sujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Então por exemplo o elemento que sai depois de 4 5 anos e depois volta sabe o que eles falam Eu tentei arranjar emprego mas não deu Tudo conversa fiada Se ele quisesse realmente trabalhar trabalharia porque emprego na rua não falta Eu sempre trabalhei aprontei muito mas sempre trabalhei sempre tive bons empregos entendeu 71 Sem poder romper com a ideologia da qual participava e segundo a qual certas pessoas pertenciam ao mundo do crime e eram voluntariamente irrecuperáveis não reeducáveis e não reintegráveis à sociedade trabalho e família cada preso na verdade negava essa ideologia quando a recusava para si através do artifício simples de afirmála para o outro Ele podia romper com o modelo porque isto implicava no próprio desvendamento da sua condição da condição dentro da qual ele existia na e para a sociedade Não podendo romper com o modelo também não podia aceitálo para si o que seria a afirmação realista desta condição ou de suas implicações nasce no crime morre no crime Donde estes existem mas eu não faço parte deles sou um daqueles circunstancialmente colocados nesta condição por acidente acaso má companhia erro judiciário injustiçaQuem eram estes outros Talvez estes outros fossem tão ideais na sua irrecuperabilidade na sua vocação e destinação nata para o crime quanto o próprio eu recuperável e reintegrável Muitas vezes no entanto os presos explicavam estarem na vida do crime através de suas referências à impossibilidade de obter através do trabalho a satisfação de suas expectativas o trabalho que lhes cabia na sociedade não era gratificante não dava status nem compensações materiais quando ele quer realmente trabalhar nasceu nessa quando não passa pela cabeça ser desonesto e ele se sujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Então se eu tive consciência disso e acho que delinqüir é para manter status que eu não tenho condições culturais digamos nem profissionais de viver honestamente no padrão que vivo desonestamente Então parei de delinqüir quando eu consegui isso Sou muito vaidoso sonho muito alto e a minha vaidade me leva a voltar pro crime Mas quando só diz respeito a mim eu não tenho papas na língua Então eu sempre tive ambições que me levaram ao crime porque na realidade eu não tenho capacidade de ganhar honestamente o que eu tenho capacidade pra ganhar no crime Nestas formulações identificamse como em tantas outras os elementos que mostram pertencer o preso à camada classe grupo mais pobre da sociedade O próprio preso explicita tais elementos falta de capacitação profissional impossibilidade de acesso a profissões melhores exclusão com relação à escola Diferentemente do que se poderia perceber em outras passagens aqui parece não estar em jogo uma justificativa para amenizar a responsabilidade da infração que conduziu ao crime Pelo contrário parece às vezes que se dá uma espécie de confissão da própria motivação para o crime sou muito vaidoso sonho muito alto e a minha vaidade me leva a voltar pro crime Do outro lado a exaltação de quem apesar de tudo não cai na vida do crime 72 também é reveladora ele se assujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Tais opções identificam a situação de desvantagem quase de degradação a que se vê relegado todo o grupo a que pertence o preso ele se assujeita A manifestação no discurso dos presos dos elementos que os identificam a todos como pobres não significa que eles cheguem a perceber inteiramente a trama social em que estavam envolvidos não enquanto indivíduos mas enquanto grupo No final das contas sempre se impõe à sua possibilidade de equacionar intelectualmente a situação a idéia de autodeterminação e livre arbítrio individual no que diz respeito a estar ou não na vida do crime O nato percepção de uma trajetória sem retorno A primeira impressão que se tem ao ouvir falar de marginal nato criminoso nato ou ladrão nato é de que a categoria nato remete a uma concepção lombrosiana segundo a qual as características físicobiológicas determinariam a inserção na vida do crime ou no mundo do crime Na verdade é preciso pensála no contexto antes definido pelo qual através da recuperação os presos buscavam estabelecer uma ponte entre o mundo do crime e o mundo do trabalho que possibilitava o caminho de volta Com isto é difícil por razões que eles mesmos identificavam e como todavia a recuperação não poderia ser negada pois se o fosse a condição de delinqüente estaria desvendada revelada cada preso costumava pensarse como o oposto ideal recuperável de um tipo ideal que seria sempre um outro não identificado para o qual a recuperação não existiria este seria o nato Se aquele que está na vida do crime por fatores circunstanciais e transitórios pode fazer o caminho de volta para o nato isto não se colocava porque nasceu na marginalidade vem desde moleque roubando viveu na RPM faz o crime de profissão está circulando dentro do vício não se recupera vai sair daqui e continuar do mesmo jeito encerram a vida deles na cadeia Ora como todos esses elementos remetem às condições sociais e não físicobiológicas podese dizer que o termo nato que designa a categoria realiza uma naturalização das condições sociais afastando da consciência do preso a percepção da impossibilidade de agir sobre seu destino individual Tal impossibilidade estava sempre depositada na conta do outro Se o nato não tinha recuperação porque nasceu na marginalidade os que não eram natos podiam recuperarse pois uma eventualidade os colocou no mundo do crime ao qual na verdade não pertenciam A transformação a recuperação se fazia por meio de atos de vontade e individuais únicos meios que os presos eram capazes de propor na transformação da situação Não percebendo que condições sociais podiam ser mudadas toda transformação ficava restrita a 73 processos individuais com base em ações que neste sentido podiam realizar pessoas enquanto indivíduos por atos de vontade A naturalização que o termo nato realiza aparece como expressiva sobretudo quando os presos pensavam sua própria trajetória por oposição à do criminoso nato O nato nasceu na marginalidade é criado em favela vem desde moleque roubando etc A trajetória eminentemente social é naturalizada na medida em que a naturalização implica em irreversibilidade e inalterabilidade do processo da trajetória O que é marginal nato Marginal nato é aquele que desde cedo começou a delinqüir Ele vai pro RPM O RPM é o ginásio do crime Aqui é a faculdade Então a vida dele passa a ser uma seqüência de crimes em virtude da miséria os próprios pais aceitam aquilo que ele traz para casa sabendo que é produto de um erro Então o marginal vem dentro da própria casa Não é culpa dos pais mas eles têm parcela de culpa pois eles admitem Aceitam devido a necessidade Esse é o marginal nato porque ele não se recupera São aqueles que 5 ou 6 vezes saem daqui e voltam Quando chega o bonde que são os presos novos que chegam aqui mesmo se comenta fulano de tal voltou e a gente vai ver se é realmente e já se comenta fulano de tal voltou aqui internamente então a gente até brinca pois a gente está fazendo uma luta pra ir embora e você já voltou E dão sorte pior a revolta da gente é essa Mas o que é marginal Seria assim um indivíduo que desde criança já vem roubando por influência dos pais assim penso eu Não sei bem se é isso acredito que deve ser São pessoas que não têm estudo Não não esse dificilmente tem A única coisa que ele deve saber é contar um dinheiro e pensar na maldade o criminoso nato O que é marginal nato Isso é uma questão de sociologia aí já é diferente porque você vê uma família que vive numa favela aqui você tem famílias numerosas de 10 15 20 numerosas numa favela que mora num barraco não posso comparar a uma família de 3 4 filhos dispondo de todos os recursos de educação e tudo O nato a meu ver eu acho que vem daí Não tem casos de gente que rouba por necessidade Realmente existem casos como este mas é muito raro O elemento quando chega a ser preso cumprir pena no presídio é porque é delinqüente nato faz o crime de profissão ou está por acaso na prisão O que é delinqüente nato Delinqüente nato é aquele que já vem desde infância tá entendendo já vem de Juizado de Menores já vem desde infância mesmo É criado em maloca favela e tal Já vem desde infância o camarada revoltado com a sociedade Você sabe que a maior parte dos marginais sai mesmo das favelas O que eu entendo por delinqüente nato simplesmente o camarada que acredita que a vida do crime compensa Não importa do que for assalto etc Ele aproveita a vinda pra cadeia pra fazer novos contatos novas amizades 74 pra quando sair daqui se meter de novo por aí acreditando sempre que a polícia é mais trouxa do que ele compreendeu Depois vem pra cá diz que é injusto mas tem que se acostumar com isso e então começa tudo de novo Bolar de novo novos planos novos assaltos novos roubos Sai daqui e acaba voltando novamente No meu xadrez por exemplo tem um camarada que é batedor de carteira que tem 19 entradas no xadrez É isso que eu chamo delinqüente nato Pessoas que foram criadas em favela que vem já desde moleque roubando RPM essas coisas Marginal nato aquele que já nasceu na marginalidade Então é o marginal nato aquele que não tem recuperação mesmo não se consertam mais Tem camarada com 15 entradas na Casa É um camarada completamente irrecuperável Criminoso nato tem é o irrecuperável Marginal nato é aquele que já nasce marginal desde pequeno roubando já está no juizado do juizado vem pra cá isso é que é marginal nato Porque há o ladrão e o ladrão da RPM quer dizer e há o ladrão nato Há o ladrão da RPM já passou pelo RPM vai pro DEIC vem pra cá você entende Quer dizer ele aceita este ambiente aqui E tem pessoas que por necessidade que não é nato entende Não é de RPM e então às vezes por necessidade ele vem você entende acontece coisas com ele e aí tudo perdido aí sai recalcado Marginal nato é o cara que já entrou pela terceira vez na Casa de Detenção incidentes específicos e genéricos não tem jeito que dê jeito na vida dele Ele sai daqui e vai roubar vai tornar a delinqüir ele está sabendo vai vender maconha delinqüir esse é o marginal natoDe onde vem esse cara Acho que é de família Desde quando o passado os antecedentes do camarada quando ele era quando ele tinha 6 anos de idade ele viu o pai agredir a mãe ou a mãe agredis o pai ou o pai estuprar a irmã viver na RPM assim por diante A vida dele é aquilo sempre passando pela RPM com 18 anos veio pra cadeia pela primeira vez e assim vai não tem saída Mas acontece que geralmente esses camaradas encerram a vida deles na cadeia Conforme a descrição dos presos o RPM e o Juizado eram instituições necessariamente incluídas na trajetória do nato trajetória que começava na favela passava pelo RPM e terminava na cadeia A descrição feita pelos presos dá uma pequena mostra das condições a que eram submetidos os menores considerados delinqüentes estabelece comparações entre a vida no Juizado e a vida na cadeia e se refere ao processo de socialização para a vida do crime Mas o RPM é a mesma coisa que uma cadeia dessas Era pior que uma cadeia dessas na época que eu tive aí Por que Não sei se é devido a ser muito grande tem diversos tipos de menores diversas qualidades de delinqüentes de menores porque se a gente for analisar direito muitos menores são mais perigosos que muitos maiores que estão na cadeia Eles 75 não pensam pra fazer as coisas eles fazem e está feito E muitos deles fazem as coisas sabendo premeditada Bom eu posso fazer sou menor se eu matar aquela pessoa ali se roubar eu não vou pro Juizado de Menor pra cadeia nem nada Também esses fazem sabendo muitos fazem inocente e outros pro que pode acontecer no futuro O Juizado daqui eu até comparei o Juizado do RPM com a cadeia daqui essa Casa de Detenção Lá não se entendia com o outro era uma política juntava 3 4 5 quebrava entrava maconha vinha tudo louco eu tava no meio deles certo Nessa época minha acho que até hoje ainda é comparada Muitas pessoa teme essa cadeia Não sei se é o modo de agir mais preso regime mais seguro o menor a polícia não vai querer desabonar eles através da violência da ignorância Não adianta a ignorância inclusive Por que não adianta Acho que a ignorância não tanto para o menor quanto pra gente também é mais difícil é mais fácil que uma pessoa querer regenerar um delinqüente com carinho do que com a ignorância No atendimento tem diversas diferenças entre a polícia que trata os maiores e os menores Que diferenças A diferença é que aqui eles não querem saber onde estão batendo Lá tem lá no menor eles batem no corpo na mão no pé eles escolhe o lugar pra bater na pessoa eles falam que é com mais humanidade com mais carinho pelas pessoas Muita ignorância não adianta Por exemplo o cara tem 5 6 filhos 10 filhos uma porção então o modo brasileiro é esse faz tem mais de 10 filhos e não quer saber as consequências Aonde acontece um bocado de coisa as pessoas são levadas pro Juizado crescem no Juizado porque agora na época que nós estamos essas pessoas desamparadas pela mãe pelo pai e vai pro Juizado eles crescem criminosos porque ele se infiltra no meio dos outros menores que já tem noção do crime certo Ele entro aí dentro o que ele passou lá ele já esqueceu então ele vai continuar ali ele vai ter um embalo Cada preso pleiteava para si a definição de criminoso por acidente O que era natural na trajetória do nato seria uma espécie de anomalia na sua própria trajetória Eu não saberia explicar assim mais detalhadamente sobre esse tipo de elemento Pra mim se torna meio difícil justamente porque não estou dentro desse círculo de criminosos desse tipo de criminoso Eu nunca tive convivência com esse pessoal então eu não posso dizer nada Dependendo muito do elemento também entende comigo por exemplo eu trabalho com a administração há 6 anos aqui trabalho com a administração quer dizer eu procuro me isolar totalmente da massa então quando ele vem aqui se encontra o cara se encontra Aqui ele vai refletir o que ele fez não tem jeito ele vai chegar à conclusão que aquilo que ele fez é um troço que se ele fosse se ele pudesse voltar atrás ele jamais faria novamente Então o camarada sai daqui procura de todos os meios retornar ao convívio social voltar a seus familiares Se a dicotomia criminoso por acidente criminoso nato era professada por todos os entrevistados e se o nato era sempre alguém ideal nunca identificado havia no entanto uma 76 exceção significativa a esta regra Um dos presos que tinha todos os caracteres do modelo ideal de nato dividia os presos entre os que estavam no crime por revolta e os que nele estavam por necessidade Uma revolta simples sem maldade com eles sem vingança pra eles O meu motivo foi esse Agora a maioria é falta de amparo é falta de amor porque a pessoa vive uma vida que só Deus sabe Quem ganha bolsa de estudo é só filho de Jarbas Passarinho Os pobres se revoltam Você pode ver que aqui na cadeia não só tem criminoso que vem de criança Na cadeia tem diversos tipos de criminosos que já fizeram o que Que já praticaram crimes depois de adultos muitos mesmo necessidade Ninguém rouba sem necessidade a não ser alguns que tem na cadeia igual eu falei que eles roubam por revolta A realidade é que dinheiro não vale nada porque dinheiro é uma coisa que é um papel amaldiçoado Por causa dele acontece muitas coisas desespero Então esses que estão aí que roubam é porque passam na rua vê um dormindo no chão passa numa avenida qualquer aí num bairro e vê bater na porta e pedir um prato de comida Tem muitos que fazem isto você vê uma coisa mas muitos é por necessidade Quer dizer então que tem o crime por necessidade e tem o crime por revolta Qual a diferença então Bom O teu caso por exemplo é revolta ou necessidade Por um lado foi revoltaNecessidade não teve Pouco nem tanto no meu caso não não teve necessidade no meu caso não Culpo no caso de mais de mil aí mas no meu caso não culpo tanto a necessidade Os presos costumavam se referir à família ou às relações familiares como fundamentais para o processo de recuperação Valorizar a família equivalia a um sinal de recuperabilidade significava a possibilidade de voltar ao mundo do trabalho O contrário implicava em afirmar os valores do mundo do crime Juntamente com o trabalho a família representava um forte laço de ligação do preso com seu possível retorno à vida na sociedade 50 não se pode considerar como humano Tem corpo e alma de gente mas não são gente Não respeitam nem a própria família Se uma pessoa não considera nem a própria família que mais ele vai considerar Se não tem amor na própria vida e nem na família não pode nem existir mais Uma grande parte é assim Não fala na mãe na mulher nos filhos nos parentes Matou por coisas banais Uma pessoa que tem coragem de tirar a vida de um ser humano assim a troco de nada creio que não tem jeito pra viver na sociedade que sabe que é irrecuperável que não pensa em sair daqui não pensa em reconstruir uma família não ele quer sair daqui e volta como tem elementos que sai depois de 3 dias está voltando está retornando no bonde No entanto a utilização da família como argumento não se dava de modo uniforme a referência à família mudava de qualidade quando os presos falavam sobre a trajetória de vida do 77 nato Neste caso a família passava a ser um dos elementos que propiciava a introdução à vida do crime que favorecia a opção pelo crime Então a vida dele passa a ser uma seqüência de crime em virtude da miséria os próprios pais são em parte culpados pois os próprios pais aceitam aquilo que ele traz para casa sabendo que é produto de um erro Então o marginal vem dentro da própria casa O que é marginal nato Isso é uma questão de sociologia aí já é diferente porque você vê uma família que vive numa favela Aqui você tem famílias numerosas de 10 15 20 numerosas numa favela que mora num barraco não posso comparar a uma família de 3 4 filhos dispondo de todos os recursos da educação e tudo O nato a meu ver eu acho que vem daí De onde vem esse cara Acho que é de família Desde quando o passado os antecedentes do camarada quando ele era quando ele tinha 6 anos de idade ele via o pai agredir a mão ou a mãe agredir o pai ou o pai estuprar a irmã viver na RPM assim por diante Os termos irrecuperável e ruim utilizados na definição de certos presos estão ligados também ao significado da categoria nato na medida em que enfatizavam os aspectos naturais de sua trajetória de vida Contudo o termo irrecuperável estava referido mais concretamente à situação do criminoso enquanto preso já que a cadeia era o lugar onde se colocava a questão da recuperabilidade ou não do preso O irrecuperável segundo os entrevistados não quer abandonar o mundo do crime e nesse sentido era considerado uma pessoa ruim de maus princípios Portanto irrecuperável é um dos elementos que compõem as características do nato e tem a ver com o contexto da cadeia sendo utilizado para descrever situações próprias da cadeia E o 9 é um pavilhão de primário aonde tem só no 9 2700 presos e no 8 tem 1500 todos reincidentes Todos já específicos e genéricos irrecuperáveis mesmo então ali é que é praticamente a cadeia que você sente você vê a miséria você vê mesmo o elemento que tem o sangue de bandido que tem o sangue de mal que sabe que é irrecuperável que não pensa em sair daqui não pensa em reconstruir uma família Então ele sai daqui depois de 3 dias você vê o elemento retornando no bonde muita gente toma isso como uma escola Eu por exemplo tomo isso como exemplo então o cara teve a chance de sair novamente para a vida porque saiu pra vida pois aqui dentro está praticamente morto saiu pra vida e preferir voltar Já teve gente que saiu pra vida 12 horas 24 horas e voltou Tem tem muita gente boa e tem muita gente ruim Tem muita gente irrecuperável Como você identifica um cara ruim É pelo instinto da pessoa Analisando os instintos das pessoas e através das sua conversas se vê que ele é um camarada que não quer abandonar o mundo do crime ele não quer ser reeducado ele não quer nada com a sociedade entendeu Ele não quer ser reintegrado socialmente então se vê que ele é uma pessoa de 78 maus princípios então se pode dizer que é um elemento ruim um elemento baixo Então você trabalha na faxina então já vai conviver você chega lá é um sangue ruim o cara que não se dá com ninguém sempre metido em encrenca O gênio dele não combina com o gênio de ninguém tá entendendo então não é isso então às vezes ele convivendo não é o que ele é assim às vezes não é nada daquilo Mas é com convivência Mais convive com sangue se torna mais sangue ruim ainda porque os caras têm os problemas deles e às vezes não quer entender o dos outros entende Às vezes uma palavra você sabe que ajuda Então o cara chega lá num xadrez daqueles com 15 caras chega lá os caras querem meter nele não querem deixar comida pra ele aí o cara se revolta ao máximo onde acontecem os maiores incidentes pega faca enfia no outro Então tem uns caras que estão aqui dentro não quer saber de nada mesmo Só quer saber de não vive bem com ninguém e vive mal com Deus Tem sim mas isso aí são bastantes fatores Às vezes o cara não tem visita de ninguém não tem ajuda de ninguém o cara fuma e não tem cigarro essas coisas É isso que torna às vezes às vezes ele é uma pessoa boa mas por esses motivos ele se torna uma pessoa ruim ele compreende que às vezes o único culpado por aquilo é ele e às vezes não Os presos se autodesignavam também de acordo com o número dos artigos do Código Penal Esta forma muito utilizada implicava naturalmente em diferenciações estabelecidas pelos artigos do Código Aos números mais usados na cadeia correspondiam aos artigos que definem as infrações de que eram acusados a maioria dos presos 171 correspondia a estelionato 155 furto 157 furto com uso de violência física 281 tráfico de entorpecentes 129 agressão 12 homicídio e outros Ao se utilizarem da classificação imposta pelo Código Penal os presos operavam no entanto uma síntese pela qual opunham o 171 ao 157 Ao fazêlo privilegiavam no entanto não o tipo de infração cometida mas o fato de ter ou não sido usada a violência física contra a vítima o 171 por oposição ao 157 era reconhecido como o infrator que não usava de violência contra sua vítima A esta oposição os presos costumavam associar uma outra síntese também significativa que refere à distribuição no espaço dizem que os 171 ocupavam o 2 enquanto que os 157 estavam no fundão Seria possível pensar que estas duas oposições associadas remetem a termos tais que de um lado temse a violência a ruindade a irrecuperabilidade Faz parte ainda da argumentação dos entrevistados que se utilizavam da dicotomia baseada no Código Penal a noção de que a coragem do 157 sua audácia ele a conseguia através do uso de tóxicos o 171 pelo contrário devia absterse dos entorpecentes para realizar sua ações de que o 171 contava como vantagem o fato de não ter que manter contato com a entidade ou a pessoa lesada por sua ação e faz o delito na frente da polícia sem ninguém perceber que ele está 79 praticando que o produto do roubo era sempre maior e não corria o risco de reação já que as infrações em geral se davam contra instituições bancárias comerciais ou mesmo pessoas abastadas o que oferecia justificativas mais generalizantes e mais atenuantes para o crime 171 usa a cabeça é inteligente 171 é mais inteligente não usa arma não usa violência Esta polarização valorativa na qual um dos pólos tem sinal positivo e o outro negativo era afirmada pelos presos não enquadrados no 157 ou que pleiteavam não estar nesta classificação O entendimento é o que por exemplo o 171 o estelionatário ele é um malandro mas o artigo dele é só caneta já é um outro motivo de diferença de artigo Ou é estelionatário ele só mexe com cheque e falsificação certo quer dizer ele não aplica violência em ninguém a intimidade dele é menos do que um assaltante Que intimidade Quer dizer o 171 o estelionatário ele pra fazer um delito ele chega e faz o delito na frente da polícia na frente de qualquer um sem ninguém perceber que ele está praticando Ele só vai praticar depois que o banco a firma o dono do cheque sentir o erro do cheque o erro da transação que ele fez com o 171 Agora o assaltante não o assaltante chega aqui pega do revólver com mais 3 ou 4 e puxa e intima Quer dizer o fator surpresa dele Ele chega e intima e tem que ter um pra ele tem que dar o que ele quiser se não der eles estão sendo ameaçado de morte Então é a diferença tem diferença de artigos O 171 reivindicava uma superioridade com relação aos que usavam a violência se bem que reconhecesse que estar na cadeia o igualava aos outros Um dos entrevistados acusado de estelionato chegou significativamente a fazer uma distinção ente crime e delito para justificar a separação entre o 171 e o 157 Também nesse caso constatase uma distinção diferente daquela estabelecida pelo Código Também os funcionários para certos efeitos operavam com a mesma dicotomia proposta pelos presos No cotidiano da cadeia preferiam os 171 para os serviços burocráticos porque eram em geral considerados mais inteligentes com instrução básica e com capacidade inclusive para substituir funcionários em algumas funções Eram estes os presos geralmente encontrados no pavilhão 2 ao qual significativamente se deu permissão de acesso ao pesquisador Aqui dentro somos iguais não há distinção não se cogita se fulano é assaltante é traficante ou é estelionatário Somos todos iguais mas na rua por força de ambiente o senhor haverá de convir que por exemplo um ladrão que faça pequenos furtos tão insignificantes de baixo padrão de baixo custo ele não tem condição de freqüentar digamos camarada que faz aí um furto de 500 cruzeiros não tem condição de jantar no Franciscano de ter um carro a sua disposição que custa hoje 800 cruzeiros por dia Então já o estelionatário por exemplo é bem mais elástico não vai passar cheque de 500 cruzeiros já 35 mil na mão não interessa deixa pra lá Aí está a separação Via de regra marginal que pratica crimes sob violência sob audácia como furto o assalto o arrombamento carece muito de um 80 estímulo e busca o estímulo no entorpecente No meu caso 171 por exemplo se dá exatamente o contrário não que eu desconheça entorpecente pois não sou nenhum anjinho não eu conheço Eu não uso por várias razões primeiro desinteresse pessoal segundo porque para delinqüir só me atrasaria A maconha a cocaína retardam os reflexos e eu sou um homem que tem que estar sempre ativo quando delinqüir super ativo estar de olho vivo e pé ligeiro A maioria dessa turma que precisa de um pouco de audácia de agressividade busca a agressividade nos tóxicos Isso nos distância nos diferencia O camarada viciado tem que estar atrás de entorpecente constantemente freqüenta um ambiente eu freqüento outro E qual a diferença de crime e delito Bom crime naturalmente digamos é uma coisa mais premeditada onde tem a violência a ação em si mas o 171 eu considero como um delito Mas o 171 também é premeditado não é Bom claro que premeditação existe nos 2 casos tanto no delito como no crime mas eu me expressei mal quero dizer que o crime a meu ver é uma coisa mais violenta mais O 155 que é roubo é sem violência seria delito ou crime A meu ver seria delito delito agravante delito agravante Mas por que delito agravante Porque ele vai com a intenção e roubar sem ser visto e elevai com certeza armado geral quer dizer ele não vai usar a força nem a violência caso não for necessário mas em geral ele é prevenido em geral é Mas em geral o 171 nem pensa em usar a violência Bom o 171 nunca pensou em usar a violência o 155 ainda a dúvida pode existir O 157 sim a partir do 157 o 129 121 todos esses crimes eu considero como crime Outras categorias classificatórias existiam ainda na representação dos presos sobre os personagens do mundo do crime Eram elas marginal bandido delinqüente Marginal era a mais utilizada e de caráter mais inclusivo Referindose aos presos podia incluílos todos O problema da minha definição eu não me classifiquei aqui Marginal todos desde que cruzou os portões aí para a sociedade é considerado marginal sem dúvida Tá na cadeia é marginal Eu não sou marginal porque nasci marginal Agora eu estou nas condições de marginal você tem que admitir isso estou condenado Não sou desde garoto na RPM sem pai sem ninguém pra cuidar nada disso Sobre a minha família eu não posso dizer nada Por outro lado sua aplicação transcendia a condição de preso para abranger todos os que infringem a lei Isso aí tem diversos casos aqui quer dizer vamos dizer sabe o que é é o marginal é por acaso entende O marginal por acaso que marginal essa palavra é empregada em qualquer crime que ele cometeu Essa palavra é empregada em qualquer crime que o cidadão comete Infringiu o código penal ele é um marginal isso não tenha sombra de dúvida nenhuma 81 Os presos distinguiam no entanto nascer marginal e estar nas condições de marginal Esta distinção remete a uma outra mencionada anteriormente quando se tratou da categoria nato Todos os presos podiam admitir estar nas condições de marginal o que era coerente com as explicações dadas para sua inserção na vida do crime estes apelavam sempre para o ocasional e o acidental A categoria bandido tinha um uso próximo à de marginal quando esta se referia ao nato No contexto da prisão esta semelhança entre as duas categorias se expressava também pela caracterização do preso como um animal Alguns presos costumavam se queixar do fato de serem tratados e serem mantidos como animais na cadeia Outros internalizavam inteiramente esta imposição ou eram levados a crer que se animalizavam Trocava de automóvel todo ano que era um direito que a firma me dava e de repente me sinto acuado me sinto um bandido como bicho como uma fera preso sou um marginal sou uma fera Pô esse aqui está pouco esse aqui tirou 8 anos de cadeia esse daqui é um bandido então o elemento que passa por aqui ele fica marcado pro resto da vida Se ele não tiver mesmo força de vontade ele vai ter que ser um marginal um bandido pro resto da vida E você sente que o cara tem sangue de marginal na veia pela maneira de agir pela maneira de falar como sabe aqui dentro mesmo com toda vigilância o elemento consegue uma faca um estilete Então esses elementos se armam com estilete cortam vitrô então por aí você vê que esses elementos têm mesmo no sangue a sina de um marginal A sina de um bandido Não sei se é autoafirmação se muita gente que se sente fraco dentro da cadeia e o elemento então se arma pra se tornar mais importante Agora existem os chefões também geralmente são os que na rua geralmente são os bandidos natos mesmo respeitados pelos assaltos assassinatos que fizeram aqui eles são respeitados Sendo que lá na rua é famoso bandido famoso etc e não tem o que pôr na boca dentro de casa Ele vem com esse nome essa fama de bandido ele vem aqui dentro tem tudo à vontade não fica doente porque tem assistência médica tem comida pra jogar fora então são os donos da cadeia aqui é um rei O tipo ideal de marginal bandido incluía uma série de elementos positivos não ter medo não entregar os pontos fácil ter mais amor Todo PM tem bronca de bandido Por que Tem bronca de bandido porque talvez o bandido é muito afoito não tem medo deles Eu falo bandido eu não falo que nem fala chega aqui dá um tapa no cara não fui eu foi ele Bandido mesmo o homem perigoso que não se entrega os pontos fácil 82 Porque eu vou falar o ladrão o bandido eu não sei porque mas eu acho que ele tem mais amor do que muitas pessoas O senhor pode ver mesmo que ele tem mais amor do que da alta sociedade Não sei talvez tenha amor ao próximo também O senhor pode ver que todo assaltante ela é mão aberta todos eles Tudo que ele tem ele dá O significado e o privilégio de uma ocupação na cadeia A Casa de Detenção oferecia poucas oportunidades de trabalho para os presos Nesse sentido a oportunidade de exercer alguma atividade na cadeia adquiria em determinados contextos o caráter de uma regalia além de significar uma forma de diferenciação entre os presos Concretamente o trabalho na cadeia podia abrir para os presos maiores chances de comunicação com o exterior acompanhamento de revisões de processo apelações judiciais petições principalmente para aqueles que pertenciam ao setor burocrático Portanto podia significar uma possibilidade de sair da cadeia mais rápido Mesmo tendo em vista estas oportunidades que o trabalho abria os presos valorizavam o trabalho no sentido de ser ele um meio de aliviar tensões e escapar idealmente da prisão Estou trabalhando aqui agora Trabalhei na rouparia lá onde guarda as roupas civis quando a gente chega Depois trabalhei com ele diretor Trabalhei 6 7 meses e agora estou trabalhando aqui O pavilhão 2 é melhor não é Trabalhando não tem dúvida você não sente o tempo passar esquece um pouco as preocupações aquele desespero que vem de momento assim Enquanto está trabalhando a gente esquece porque a gente se considera em liberdade quando a gente está trabalhando e está dormindo Trabalhar na cadeia era encarado por alguns presos como a oportunidade de se isolar da massa Nesse caso o que estava em jogo era a oposição trabalhomundo do crime em que o fato de exercer uma atividade na cadeia e quanto mais próxima dos funcionários graduados melhor conferia ao preso a chance de se considerar em processo de recuperação Eu trabalho com a administração Há 6 anos que eu estou aqui trabalho com a administração quer dizer eu procuro me isolar totalmente da massa Por outro lado o trabalho na cadeia podia também ser uma forma do preso ser bem considerado na massa e neste sentido aproximálo da massa O preso que trabalhava tinha como adiantar o lado de outros presos não só por seu melhor relacionamento com os funcionários principalmente no pavilhão 2 como também por sua maior mobilidade dentro da cadeia 83 Vir para o pavilhão 2 e trabalhar junto à administração parecia um alvo a ser atingido pelos que trabalhavam Nessas condições o preso passava a gozar de regalias no seu xadrez comida melhor além de ser tratado pela diretoria com mais cortesia Estes presos eram escolhidos dentre aqueles que a diretoria esperava que não fossem criar casos e que estivessem querendo sair logo De todas as atividades nas quais os presos podiam ser empregados as mais ambicionadas eram as burocráticas A seleção dos presos para desempenho dessas tarefas por parte da administração variava conforme o tipo de delito do qual o preso era acusado O delito em que estava enquadrado e o passado do preso caracterizavam sua periculosidade e informavam se ele estava apto ou não para ser requisitado pela administração A avaliação do preso segundo sua periculosidade ou não era sobretudo acionada quando se tratava do exercício de atividades de caráter burocrático Embora o critério da aptidão saber escrever datilografar ter experiências no ramo fosse também acionado nesses casos se um preso fosse considerado perigoso esta avaliação o excluía Para outros tipos de trabalho a ênfase era dada principalmente à aptidão sendo a avaliação da periculosidade ou não do preso um critério secundário As atividades de cunho artesanal e industrial também existiam na cadeia embora absorvessem um número pequeno de presos relativamente ao total deles No entanto os pavilhões tinham oficinas onde se produziam determinados objetos para serem vendidos por firmas comerciais Podiase constatar uma produção de objetos de madeira bronze acrílico sapatos sacolas de papel tapetes posteriormente vendida quando não para firmas para os visitantes Mas o trabalho parecia não abrir apenas oportunidade para o mundo do trabalho Como já foi dito anteriormente o fato de no fundão os presos viverem permanentemente na tranca fazia com que o trabalho executado fora das celas fosse considerado um grande privilégio e desse a esses presos a oportunidade de exercerem um papel fundamental nos negócios entre os presos do pavilhão Na hora da distribuição da comida por exemplo o preso que fazia o serviço podia vender os melhores alimentos em troca de objetos ou cigarro Ou então exerciam a função de traficantes de entorpecentes graças a sua mobilidade dentro do pavilhão Aqui atividade considerada trabalho abria a possibilidade para o exercício de atividades próprias da massa Avaliação da experiência da cadeia Apesar de reconhecer e denunciar constantemente toda degradação e aviltamento a que o submetia as condições da cadeia quando o preso se colocava diante da avaliação de sua experiência individual com vistas a legitimarse para mundo do trabalho ele tendia sempre a concluir que a cadeia local que a sociedade separou para a recuperação dos criminosos o preparou e o 84 recuperou Não importa que dissesse que recebeu na cadeia uma lição de otimismo todo mundo é bom ou que a lição foi imbecil em qualquer dos casos diria que depois de ter passado por ela tornouse apto para viver e valorizar o trabalho a família a leitura valores próprios de quem se recupera valores do mundo do trabalho Aparentemente a idéia de lição punição veiculada oficialmente sobre o papel da cadeia era assumida pelo preso Entretanto esta idéia era acionada em função da necessidade de convencerse e aos outros de que já aprendeu já podia viver em liberdade Nunca ela representava um endosso à noção de que a cadeia recupera O que estava em jogo era a trajetória que ia do crime à cadeia e trazia de volta ao mundo do trabalho Fora da cadeia e do mundo do crime a passagem pela cadeia representaria o período necessário e inquestionável no qual se processou a recuperação A vida aqui ensina O homem se ele não aprender aqui não aprende em lugar nenhum Não adianta ele ir pra penitenciária não adianta ele ir pra o manicômio não adianta ir pra lugar nenhum Se uma pessoa é boa pra você eu tenho que ser bom pra ela Então um funcionário aqui na casa se eu sou ruim pra ele se eu desobedeço então ele tem que me tratar mal também Se eu trato mal ele ele tem que me tratar mal e talvez me pôr no castigo que é competente e nós devemos respeitálos porque eles são talvez como nossos pais aqui e tomam conta de nós a vigilância E muita gente que fala pensa que a Casa de Detenção e pensa que é isto e aquilo outro é coisa do outro mundo Não é nada do que o pessoal pensa lá fora Aqui é uma casa de recuperação Infelizmente hoje estou aqui infelizmente e estou chegando ao fim entendeu e vou te dizer mais uma coisa isto aqui foi uma lição se bem que meio imbecil levar lições nesse sentido Mas é um problema uma coisa que eu nunca ia perceber nunca ia compreender entender da forma como eu aprendi aqui dentro Agora três anos aqui você quer que eu fale na realidade o que vai acontecer Não é issoAqui também aprendi uma porção de coisas refleti bastante pensei bastante eu acho que eu agora estou preparado pra enfrentar a vida você entende e pra vencer Sabe eu me conformo de um modo porque não há punições de recuperação a não ser com esforço Então eu acho que o que eu aprendi aqui dentro o que posso usar lá fora é a experiência Aprendi muito a respeito da experiência não confiar em mais ninguém não ver todos com os mesmos olhos e ser livre e sozinho A minha companhia tem que ser meu filho e minha mulher Nem no meu irmão eu vou confiar mais não vou acreditar em mais ninguém O que o senhor viu nesses 10 anos de cadeia Bastante coisa sabe bastante mesmo isso aqui me ensina muito Mas de tudo mesmo sabe apesar da gente ter um pouco de experiência na cadeia a gente aprende mais 85 ainda mais ainda É um mundo aparte como ia dizendo meu amigo poeta que passa seus lazeres escrevendo livros fazendo poesia É uma das ocupações que não nos são proibidas pelo contrário beneficia Vai lançar seu livro daqui a uns meses sobre presos está pra sair que é justamente a vida da cadeia No mesmo momento em que se fala de recuperação surgia o problema da total desconfiança que o mundo do trabalho depositava no expreso e ai então os presos como que recuperavam a verdadeira dimensão da situação em que se encontravam Por outro lado os presos percebiam a situação sem saída em que estavam mas a ideologia que incorporavam como única saída possível os colocava na posição de manter as esperanças e de ver uma saída na recuperação Recuperação estreita passagem entre dois mundos Na percepção dos presos a categoria recuperação remete primeiramente ao período de passagem na cadeia como o tempo de reclusão que propicia a saída do chamado mundo do crime Era necessário acreditar que o esforço para demonstrar a capacidade de recuperação dentro da cadeia seria uma recomendação para ser aceito fora dela Se por um lado eles afirmavam diante do pesquisador e visando o outro mundo que não o do crime que a recuperação existia por outro lado eram obrigados a negála diante de certas evidências que a experiência de sua condição lhes fornecia A viabilidade da recuperação se afirmava pela prática do trabalho pela manutenção ou restauração de laços familiares pelo acesso à instrução pela profissionalização valores aos quais o preso aderia por esforço pessoal voluntariamente Era bom saber que para efeitos da recuperação era fundamentalmente considerado trabalho a atividade exercida no setor burocrático da cadeia A faxina o trabalho na cozinha e mesmo as atividades artesanais exercidas por alguns eram pensados apenas secundariamente como indicadores de recuperação Isto permite pensar o caráter geral dos elementos pelos quais os presos se afirmavam em processo de recuperação a instrução o trabalho burocrático assim como a profissionalização eram sinais de negação do grupo social ou classe de onde se recrutavam os presos e pelos quais se identificavam os delinqüentes Significativamente a atividade burocrática era exercida apenas no pavilhão 2 A negação da recuperação se fazia pela referência á justiça à cadeia ao governo à polícia instituições sociais que escapavam a qualquer controle que ele como indivíduo pudesse exercer 86 A ilusão do esforço pessoal Quando se referiam à relação entre presos na cadeia a oposição no mundo do crime se fazia necessária para que os presos empregados em alguma atividade se posicionassem diferentemente dos outros assumindo a opção pelo mundo do trabalho e portanto a via da recuperação No contato com o pesquisador representante do mundo exterior e da sociedade esses presos necessitavam reafirmar a ideologia da recuperação segundo a qual quem se esforça pode recuperarse Na verdade vivenciavam nas condições impostas pela cadeia esta ideologia ao privilegiar determinados valores considerados fundamentais para o retorno à sociedade trabalho laços familiares estudo Tratavase de uma concepção pela qual a recuperação era entendida como restritas a aqueles que se esforçavam que se sacrificavam E entendida como teoricamente acessível a todos mas de fato realizável apenas por alguns na medida da vontade individual Ficava também descartada de que a cadeia enquanto tal recupera para a vida social Dentro da cadeia a ideologia da recuperação era como a ideologia da mobilidade social só ocorria para quem se esforçava ou trabalhava embora as oportunidades fossem aparentemente iguais para todos Na verdade como já foi dito anteriormente o trabalho na cadeia não era acessível à grande maioria dos presos e a seleção dos que podiam trabalhar realizada pelos funcionários estava longe de ter como objetivo a recuperação dos escolhidos Quem reafirmava a ideologia da recuperação era o preso escolhido para trabalhar e que passava a se considerar como apto a recuperarse retornar ao mundo do trabalho fora da cadeia Admissão e denúncia dos obstáculos No contexto em se referem às instituições da sociedade que com eles relacionavam os presos negavam a recuperação Nesse caso o preso se via como alguém que precisava provar à sociedade que se recuperou e ao mesmo tempo esbarrava com a evidência de que essa mesma sociedade oferecia pouca ou quase nenhuma chance para que ele voltasse à situação anterior à sua vinda para a cadeia Nesse instante a figura do pesquisador adquiria um outro significado deixava de ser aquela pessoa que vinha fiscalizar o processo de recuperação do preso e passava a ser quem devia constatar junto ao preso a impossibilidade da sua recuperação embora o preso pessoalmente continuasse reafirmando sua possibilidade de recuperação Nesse contexto o discurso dos presos se tornava impessoal mesmo que os depoimentos fossem expressos em termos pessoais e enfatizava a luta do preso como expreso para retornar à sociedade A dificuldade desse retorno se expressava no freqüente tom de queixa das entrevistas onde as principais instituições da sociedade 87 eram apresentadas como indiferentes à sorte de quem saia da prisão Mesmo os presos que se consideravam já recuperados quando falavam do futuro da hora de sair da prisão veiculavam as soluções mais fantasiosas soluções que incluíam todos os percalços bastante conhecidos da vida de quem saia da cadeia Ele sai do portão e é entregue as baratas porque se não tiver dinheiro pra condução ele vai ficar no vazio porque não tem uma assistente social pra dizer olha seu José o senhor tirou 8 anos agora tem um problema na sua época não tinha metrô agora tem o metrô é isso o metrô é aquilo O senhor não tem documento então o senhor vai procurar esse lugar pra tirar seus documentos Ninguém procura ele pra dizer isso tá entendendo Então aquele elemento sai ao mundo completamente estranho novamente e fala o que eu vou fazer no mundo estou perdido novamente Então o que ele vai fazer não vai fazer nada viveu 8 anos no meio de ladrão de assaltante de estelionatário de tudo de toda espécie que a sociedade diz de ruim dele Ele fica perdido no mundo se ele vai procurar um emprego as portas são fechadas pra ele e ele não pode trabalhar Necessita de antecedentes ele não tem e vão mandar embora Ele vai bater em outra porta Pô esse aqui tá louco esse aqui tirou 8 anos de cadeia esse aqui é um bandido Então o elemento que passa por aqui ele fica marcado para o resto da vida Se ele não tiver mesmo força de vontade vai ter que ser um marginal um bandido pro resto da vida A cadeia como local separado pela sociedade para recuperação dos infratores da lei aparecia totalmente desacreditada nas entrevistas com os presos Em geral a cadeia era apresentada como a escola ou a faculdade do crime pela socialização eficiente exercida sobre os presos no que diz respeito ao aprendizado das regras do mundo do crime Para eles a cadeia cumpria a função exatamente oposta a que oficialmente se propunha em vez de recuperar o preso o aprofundava na vida do crime Por outro lado os presos percebiam claramente esta aparente contradição entre os objetivos e os resultados assim como percebiam a quase impossibilidade do retorno a uma vida normal depois da cadeia Isto fazia aumentar a consciência de que ser preso ou ser delinqüente em um caráter mais geral significava fazer parte de um grupo que parecia estar previamente escolhido pela sociedade para desempenhar tal função O fato da sociedade discriminar os que saiam da prisão segundo os presos fazia com que eles facilmente retornassem à chamada vida do crime Ao fazêlo voltavam de uma forma mais sofisticada com a mente mais evoluída no que diz respeito ao saber do mundo do crime Segundo os presos para quem saia da prisão havia duas possibilidades ou ser honesto demais ou bandido demais Por estar na cadeia frente ao pesquisador falando sobre recuperação os presos se referiam aos que saiam honestos Nesse caso aparentemente o objetivo era apresentar um retrato aceitável de seu comportamento na cadeia e principalmente mostrar as dificuldades encontradas para ao sair da cadeia não voltar ao mundo do crime 88 Eu saio daqui com o interesse de me regenerar a sociedade não me deu apoio vou voltar pro crime Mil problemas mil problemas Eu por exemplo estou com uma série deles e penso que na hora eu quero me esforçar o máximo pra não vacilar entendeu Vou vacilar mas não vou dar mancada Não vou dizer que vou voltar à vida do crime porque não sou da vida do crime vou voltar a trabalhar Uma situação igual a essa eu não volto Capacidade não me falta agora precisa ver as pessoas que vão me dar serviço se vão me dar confiança me dar crédito Confiança e crédito na pessoa e não na capacidade O sujeito ter estado na cadeia vai dificultar 90 Se não tiver ninguém que ajude acredito que o camarada encontra bastante dificuldade que às vezes tem gente que sai da cadeia e já falaram pra mim que não tem uma casa um lar não tem ninguém pra receber Então infelizmente se o cara quer se recuperar quer se regenerar não pode Ele sai não tem ninguém pra dar uma ajuda não tem dinheiro chega na rua ele tem que roubar mesmo Ele não tem que roubar ele tem que sair de outra maneira mas ele não quer saber disso A última coisa que ele fez foi roubar então ele vai roubar outra vez Na argumentação dos presos sobre a dificuldade e mesmo inviabilidade da recuperação um elemento crucial era a existência na cadeia de um pavilhão chamado pavilhão dos reincidentes A grande quantidade de reincidentes servia como espelho para que os outros presos em geral na cadeia pela primeira vez percebessem o círculo vicioso em que se encontravam e a inacessibilidade do retorno à vida legal Significativamente alguns se referiam ao reincidente como residente Então eles não conseguem jamais deixar o crime Aquele que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão 8 que é residente mil e poucos residentes Muitos ali voltaram por não ter um apoio lá fora A sociedade não abriu o ser a humanidade para eles então eles voltaram a delinqüir outra vez Aonde estão ai dali eles vão pra penitenciária dali eles atrasam na cadeia em vez de adiantar não aprendeu nada quer dizer aqui neste estabelecimento penal não tem o suficiente pro que o preso precisa porque se tem 45 de preso era recuperado Suponhamos 45 fosse recuperado já era uma grande vantagem pro nosso país Já era 40 livre A reincidência eu refuto 90 desses É o seguinte via de regra o camarada primário vem pra cadeia a primeira vez ele sai realmente a primeira vez apavorado não quer mais voltar de maneira nenhuma e tal Mas e o campo Trabalhar aonde e faz o que Já perdeu o emprego que estava não consegue voltar e não vai conseguir outro Já não consegue uma carta de apresentação e isso resulta na reincidência Tem camarada que sai daqui senta no meio fio não sabe pra onde vai e fazer o que Assistência social não funciona no Brasil em lugar nenhum 89 Um dos problemas centrais de quem saia da prisão segundo os presos era encontrar trabalho Qualquer emprego exigia atestado de bons antecedentes e a marca da passagem pela cadeia ia significar um indesejável pretencimento ao mundo do crime argumento suficiente para que o empregador escolhesse outra pessoa Para os presos tal fato ocorria mesmo para aqueles com uma profissão definida Esta situação se agravava ainda mais porque o preso ao sair da cadeia se achava sem recursos para recomeçar a vida A cadeia não oferecia condições para que o preso pudesse exercer sua profissão ou mesmo aprender alguma e muito menos para conseguir dinheiro antevendo as dificuldades da saída A sociedade não dá apoio e já que eles acham que é humilhação pedir emprego pois se for tirar documentos vai constar que ele esteve aqui dentro então não vai procurar emprego não vai tirar documento porque senão sai manchado É difícil uma firma dar emprego pra uma pessoa assim O camarada que esteve aqui duas ou três vezes ele adquire seu atestado de antecedentes ele vai à rua à Singer ao Banco Moreira Sales essas companhias essas companhias tem investigadores particular É natural entendeu O camarada apresenta atestado de antecedentes eles mandam aguardar um tempo e dá aquilo para o investigador o investigador vai levantar a vida pessoal Eles não vão querer um elemento que é um problema muito sério Quer dizer com isto isto também é um fator que vem dificultar a reeducação do detento do presidiário Isto dificulta quer dizer se o camarada sai daqui com vontade de trabalhar de progredir chega lá fora ele não encontra apoio e não encontra apoio moral apoio material um apoio da sociedade ele só tem uma solução voltar para o crime então ele volta a cometer outros delitos quer dizer isto também é um problema muito sério porque a sociedade prejudica muito também O cara sai puxou uma cadeia ele não tem mais antecedente criminal limpo e são poucas as firmas que vão aceitar No que o estado ajuda o preso No que Aqui é a escola do crime O cara sai geralmente geralmente não 90 volta Tem rapaz que chegou na cadeia junto comigo em 75 eu ainda estou aqui primeira entrada vi o prontuário dele outro dia 4 entradas Fica difícil tudo mesmo tendo uma profissão como tem muitos ai ferramenteiro escriturário etc quem é que vai aceitar um cara desses a não ser um parente Um parente já é difícil quem vai aceitar Então o que que a sociedade o que que o estado quer Eles querem acabar com o crime Querem nada estão querendo mais Se eu soubesse eu tinha vindo antes Aqui não falta nada você fica vivendo como um vegetal um velho Só come dorme engorda Se engorda né Estou pesando agora 80 e tantos quilos Olha pra mim e vão dizer você está gostando da cadeia não está sofrendo É principalmente a falta de apoio lá fora Voltei e não se vivia muito bem a não ser com algum dinheiro e eu não tinha possibilidade de conseguir principalmente depois de ter cumprido uma pena que a sociedade nos dá esse direito de retornar a ela salvo que com 90 algum numerário Isso é notório a sociedade não dá essa oportunidade Quando levantar o fichário do artista e verificar que já foi preso vai tudo por terra Então eu tinha que arrumar algum dinheiro para começar a vida ai eu delinqüi novamente Na manutenção do círculo vicioso em que se via aprisionado o preso percebia outros elementos que operavam no sentido contrário ao da recuperação a imprensa e a polícia A imprensa funcionava no sentido de segregar o grupo de pessoas selecionadas para o crime na medida em que exacerbava a importância do crime e dos criminosos e os afundava cada vez mais na vida do crime Isto tanto ocorria pelo exagero do noticiário como pelo fato de que a imprensa estava constantemente jogando a população contra os infratores Eu estou com força de vontade mas ninguém me ajuda Eu vou voltar pro crime Quando ele voltar pro crime ele volta completamente diferente a mente dele evoluída conviver aqui dentro aprendeu Aqui é a escola a verdadeira escola viveu aqui aprendeu Então ele vai praticar coisas que nunca praticou onde o jornal é muito útil manual porque o jornal faz o bandido também a imprensa Então o cara se sente puxa vida o jornal está me criticando falando que eu sou isso sou aquilo esses caras vão me matar Tem medo deles matar então no fim ele sai matando também pra depois morrer No mesmo sentido atuava a polícia Para a polícia a pessoa que passava pela prisão pertencia ao crime definitivamente Segundo os presos a perseguição policial aos expresos era comum e era considerado como dos principais motivos para o aumento da reincidência A polícia não deixava o expreso sair do círculo vicioso do crime e fazia questão de estar permanentemente reafirmando a condição que quisesse ou não lhe era imposta A polícia não acredita em ninguém não admite que ninguém se regenere tanto que eu fui preso por uma casualidade Porque a gente encontra aquele problema também de perseguição policial Eu tenho certo de sair no fim do ano mas eu não posso dar nem 10 passos na rua que eu sei que a polícia vai estar em cima de mim Porque Porque eu sou o o cara que fez o maior assalto do Brasil Pô vamos pegar ele Então vão me pegar levar pro distrito pra ver se eu tenho serviço Pô o que você anda fazendo o que você não anda fazendo Então o primeiro passo é sair aqui de São Paulo se eu quiser seguir uma outra vida Esse problema de perseguição é sério não é Não isso ai é seríssimo O elemento por si sozinho ele tem que ser muito forte pra se recuperar porque senão a própria polícia não deixa Eles vão analisar o elemento aquele é o já saiu da cadeia Vamos lá conversar com ele Você está precisando de alguma coisa Está precisando de documento Tem um amigo meu que pode te arrumar uma colocaçãonão não vai fazer nada disso Pô é o lá pára ai pára ai Abre as portas e tal e fala é você saiu da cadeia você vai dar o nome de malandro qualquer que saiu e tal A própria polícia faz isso você entende 91 Mas quem tem culpa de ter essa gente aqui Problema da justiça porque eu acho que tem crimes que poderiam ser pagos com uma fiança não é necessário vir pra aqui Já a polícia é vista por nós aqui dentro como o demônio vê a cruz ninguém gosta Você não aceita eles quer dizer também não é por causa disso que a gente vai querer reagir contra eles Simplesmente deixando de lado Eles ocupam o lugar de defensores da lei certo nós estamos marcados Isso fica marcado na vida da pessoa mas não que a gente vá sair e fazer alguma coisa não deixamos isso de lado Simplesmente não dar motivo pra eles certo A polícia fica em cima Eles ficam em cima mesmo de uma forma que o elemento fica apavorado Pode acontecer isso com você Não porque de imediato eu vou procurar documentos trabalho certo com documentos eu posso provar que não estou mais no crime O poder judiciário é o aparelho de Estado encarregado não só de julgar e punir as infrações cometidas mas também de prover canais de reconciliação e readaptação dos infratores com a vida social da qual são retirados pela oficialização de sua condição de infratores A organização carcerária é um dos instrumentos de que se utiliza o poder judiciário no desempenho dessas funções No discurso dos presos o poder judiciário era a justiça e significativamente costumavam se queixar da justiça como um obstáculo à sua trajetória com vistas à recuperação Encaravam a vida na cadeia como uma forma de socializar para a vida do crime e não o contrário As condições de vida na cadeia o excesso e a arbitrariedade das penas impostas pela justiça eram elementos apontados pelos presos como opostos à recuperação14 Aqui na cadeia é um mundo completamente diferente daquele mundo que você imagina mas elementos recuperáveis que a justiça esquece que aquele elemento já se recuperou então deixa ele ai um bocado O problema da justiça é muito grave Um elemento por exemplo ele pode estar condenado a um ano de cadeia Se ele consegue uma fuga então é mobilizada toda a polícia pra capturar aquele elemento Ao passo que tem elementos que tiram 8 10 11 anos de cadeia quando ele sai não tem assistente social pra orientar aonde vai tirar um documento você entende A justiça não se preocupa em ver selecionar entrevistar Há indivíduos condenados a 300 anos de cadeia convivendo com condenados a três anos Há marginais natos confinados no meio de primários Agora você imagina o que pode dar isso O primário está numa faculdade do crime onde não há necessidade de vestibular ele já passa direto porque eles chegam aqui não sabem roubar não sabem assaltar realmente A sociedade aqui em São Paulo eles queimam dois ou três cigarros de maconha com um revólver na mão e eles se sentem donos do mundo mas aquilo não quer dizer que a pessoa seja marginal porque o efeito do tóxico passa daqui a meia hora E que dá azar a polícia passa e joga pra cadeia e aqui ninguém se preocupa 14 Usavase também o termo regenerar para substituir recuperar 92 em recuperar ninguém Então vai fazer o que Você só encontra desaforo aqui dentro espezinhação castigo punição Você não encontra uma palavra de amor e compreensão Ódio já é normal A sociedade não tem consciência disso Que a justiça não tomou uma atitude ainda porque se ela tomasse uma uma iniciativa mais rigorosa podia não acabar mas diminuiria O primário por exemplo eu sou primário mas se eu voltar aqui outra vez deus me livre pela mesma coisa que eu queria tirar de outro por uma distração você é motorista e está sem documentos ai você pode cair várias vezes passar um dia na polícia e não faz mal Um crime por exemplo um homicídio depende do motivo do homicídio agora por exemplo esse tal de latrocínio o cara mata um pai de família pra tirar dinheiro que ele ganhou pra sustentar os filhos isso ai a justiça está certa de dar uma pena pro cara Pra isso não existe perdão As acusações dos presos ao poder judiciário chegavam a questionar frontalmente todas as definições oficiais sobre as funções desse aparelho Só se recupera quem for muito forte de espírito porque a revolta é grande A revolta pela própria justiça A justiça faz com que a pessoa fique revoltada Eu vou te dizer uma coisa aqui dentro tem 6200 homens se a justiça quisesse eles colocariam para fora 2000 numa semana isso elemento que tem direitos pela própria lei Isso daqui praticamente é uma indústria certo então no meu modo de entender alguém tira proveito disso daqui alguém não muita gente você entende é onde há morosidade num processo Mandar a julgamento uma sentença etc então quanto mais tempo o elemento fica aqui a folha de despesa é maior A formulação acima vinda de um preso coloca uma questão que abrange as preocupações desse estudo e diz respeito aos interesses que parecem evidentes na manutenção do crime na sociedade As instituições que atendem o preso ou expreso segundo eles reforçam na realidade o aspecto da não recuperabilidade do delinqüente embora na definição de suas funções apareçam como órgãos capacitados para recuperar o infrator A categoria recuperação aparece também referida às instituições designadas pelos termos governo e sociedade Na verdade governo e sociedade assim como justiça polícia devem ser vistos aqui em função de compreender como para os presos se colocava a recuperação A referência ao governo aparecia quando a recuperação estava ligada a uma avaliação do sistema carcerário Segundo os presos o governo e a sociedade da qual o governo seria o representante não davam nenhuma demonstração de estarem preocupados com a situação do homem que era colocado na prisão por infração das leis pelo contrário suas atitudes expressavam um total descaso pela sorte dessas pessoas 93 Quer dizer cadeia não endireita ninguém A cadeia põe a pessoa má pra pessoa voltar a delinqüir Não são nem as grades de uma prisão nem as muralhas e nem a pancada como eles dão e sim ele a si próprio É isso que endireita É isso quer dizer o apoio da sociedade que a gente precisa também não temos A polícia faz o que quer o que entende e eles mesmos são os próprios ladrões São eles que fazem nós fazermos É porque eu acredito que o DIP não tem condições de dar uma assistência social pro preso comum compreendeu Então se isto existe na cadeia porque não tem diferença do desinteresse que os pais tiveram por seus filhos e o desinteresse que as autoridades estão tendo com os que estão aqui dentro Isto por impossibilidade talvez do governo organizar de imediato uma assistência social aqui dentro Mas automaticamente isto existindo o nível do preso comum vai melhorar O descaso se mostrava também com relação à situação do expreso que encontrava sérias dificuldades para retornar a uma vida normal A sociedade precisa também oferecer mais campo para aqueles que querem se reintegrar na sociedade que procuram se reeducar A sociedade tem que oferecer mais alguma coisa porque nem sempre a sociedade está favorável pra aquele que teve um passado um pouquinho escuro Então eu acho que a sociedade deveria de abrir mais de mão e dar melhora para um ex presidiário para que este possa com apoio da sociedade venha a ser um pouquinho melhor A justiça a sociedade não protege ninguém não dá apoio a ninguém O maior fracasso da gente a revolta da maioria é essa ai é saber que não vai ter um apoio S e a família despreza o que ele será Igual a muitos que tem por ai não tem família família não vem ver mulher larga filhos não vem ver mãe não vem ver fica desprezado pela sociedade e pela família Então qual a atitude dele Ele vai sair daqui não vai ter onde morar Sem comer vai fazer o que Não tem um documento não tem nada Um expresidiário não conseguir sair daqui e conseguir documento ali e qualquer documento que vai tirar vem constando lá delinqüente pronto o que ele vai conseguir Nada Então eu acharia que devia existir um pouquinho de humanidade da sociedade e eles dessem uma oportunidade a aqueles que pretendem se recuperar Alguns presos no entanto iam mais além nas suas acusações às funções do sistema carcerário e chegavam a afirmar que alguém devia estar tirando proveito dessa situação A sociedade não quer a cadeia é um meio de vida pra eles nós aqui somos meio de vida pra eles meio de vida A partir desta formulação podese alargar o leque de justificativas para o comportamento da sociedade frente ao sistema carcerário Para os presos a cadeia acaba aparecendo como algo mais 94 do que um local de reclusão dos infratores da lei A cadeia corresponderia a um conjunto de interesses principalmente de ordem econômica e social a cadeia é um meio de vida Esta questão era também formulada de forma ainda mais categórica quando o preso se referia à cadeia como a indústria do crime A indústria do crime como toda indústria tem seus produtos e lucro O produto no caso seria o crime e os criminosos para cujo aumento e manutenção ela concorria Segundo o preso o lucro dessa indústria resultaria das atividades existentes em função do crime Por ser uma indústria rendosa os investimentos as verbas aumentavam e ao invés de esvaziarem a cadeia faziam com que ela estivesse cada vez mais cheia Eu vou falar uma coisa é até uma coisa pesada o que eu vou falar eu não sei quem é se é a justiça se é a própria sociedade ou se é o governo eu não sei explicar Mas tem alguém que quer que continue esta imagem de bichos este mito pra tirar proveito não sei de que Só pra ilustrar o por que ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai ter que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart O advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande É a mesma coisa que acabar o petróleo pô Eu tenho um poço de petróleo então não posso deixar secar não é verdade Se aquele tá secando então vou ter que fazer outro pra tirar Eu não acredito que seja interesse do governo estar desperdiçando de verba por mês 105 milhões como dispõe aqui pra Casa de Detenção Eu acho que não é interessante pro governo Ele poderia gastar muito dinheiro construindo faculdades tá certo porque o problema maior de São Paulo é problema do ensino Você vê que todo ano quantos excedentes ficam ai então o governo gasta 100150 bi com o problema carcerário do que gastar 5 6 fazendo uma faculdade fazendo professores não é verdade Agora por exemplo ai você vê qual é o interesse Talvez que a indústria faculdade não seja tão rendoso pra eles só posso analisar desta maneira Rendoso como É aonde que eu quero saber que eu quero que alguém veja isso ai Eu não vejo até agora não enxerguei ainda Por que te dá essa impressão Me dá essa impressão porque nesse caso que eu falei se a justiça quisesse botar 2 mil elementos pra fora dentro de uma semana ela punha Só elemento que já está dentro de um direito pela própria lei em código penal você entende Então por ai que eu acho que há interesse Você raciocinando não vai chegar à mesma coisa do que eu Se ele tem um direito é truncado esse direito por que Então há interesse de alguém manter aquilo Se não quisesse manter era só chamar o sujeito tá aqui no código tem direito vai embora vai pra tua casa tocar tua vida Não tem condições você entende como é o negócio Então é isso acho que ai deve haver alguém interessado 95 A polícia quando acionada no contexto da recuperação o é em virtude de sua relação com o preso e com aquele que sai da prisão A polícia representava um dos principais elementos de um conjunto que incentiva o crime no sentido de que não havia preocupação com a meta da recuperação Pelo contrário para os presos alguns inclusive já pela segunda ou terceira vez na prisão a perseguição policial aos que passaram pela prisão produzia o efeito inverso ao que oficialmente se propalava que a reclusão teria O expreso para a polícia ao invés de recuperado para a sociedade era visto como legítimo representante do mundo do crime e como tal era tratado A polícia se utilizava de várias formas no tratamento do expreso para ela ainda um criminoso todas elas levando a um único caminho o retorno à prisão Torturas pressões axarques eram práticas comuns segundo os presos em cada encontro da polícia com o mundo do crime entendido por ela com o conjunto composto não só de todos aqueles que participavam do crime mas também de todos que de uma forma ou de outra estivessem nele envolvidos Dentro deste raciocínio e como já foi colocado antes a polícia seria um dos elementos que concorreriam para a manutenção da indústria do crime Se a polícia não fabrica o criminoso como dizem os presos ao menos teria uma parcela fundamental de responsabilidade na manutenção do mundo do crime e no seu alargamento Vamos supor às vezes tem processo ai de 1969 1968 então quer dizer o criminoso fabrica o criminoso a polícia faz com que ele volte daquele jeito a polícia faz com ela seja um mau elemento Você é maltratado que nem um animal eu não sou um animal sou um ser humano então quer dizer que eles fabricam o criminoso e eles fabricam o processo Aqui nós só ficamos até responder Responde chega um e dá reclusão chega outro assina e se não assinar vai pro prontuário é a mesma coisa Assinou ou não assinou é a mesma coisa certo que assim nós temos que fazer batalha pra ganhar eles Agora eles não querem saber disso eles querem mais um nome em cima de nós eles querem fazer o nome deles Eles fazendo nome pegam um posto maior Não tem serviço é assalto isto e aquilo outro Eles fabricam um criminoso Eles fabricam porque se eu não era delinqüente e eu comecei a trabalhar com caminhão e eu fui preso no meio da rua e me levaram junto com o caminhão para a delegacia Que nem eu podia sair de casa se não mudasse daqui de São Paulo porque aqui em São Paulo eles prenderiam Eu digo pra eles doutor eu tenho aqui 5 milhões de cruzeiros pro senhor ai Oh sim senhor fulano de tal como é que vai tudo bem Oh tem ai oh quanto tem na mão ai oh Pô tô mal e tal Pô até parece que tu não é malandro Como é que tá funcionando ai Ë qualquer dia desse vou te pôr de cana ai vamos ver como é que fica É mas o senhor sabe eu estou trabalhando estou trabalhando pode ver ai Ladrão também tem casa onde pula muro Tenho carteira assinada trabalho e tal Que Bandido também tem carteira de trabalho assinada aqui Eles não querem saber entendeu Encontram na rua lá ai dizem Pô fulano toma 1 mil cruzeiros ai pra você tudo certo vai com deus Deus te ajude O juiz não sabia de caso nenhum 96 ele diz que não mas a polícia faz toma tudo que você tem mesmo que você não tiver praticado toma até dinheiro que Você acha que é a perseguição da polícia que faz A perseguição da polícia faz com que o homem se torne um delinqüente Quer dizer que mais um processo aberto pra eles é uma fama é uma altura Quer dizer que eles querem e nós não queremos estar aqui Meu irmão inclusive esteve aqui em 69 junto comigo ele por um roubo simples lá por uma bobaginha lá que acusaram ele veio pras cadeia Foi absolvido porque não possui aqui nada contra ele mas mesmo assim uma vez andaram perseguindo ele Eu segurava as coisas falava que fui eu e pra livrar ele pra livrar ele porque este negócio de reclusão ai condenação mesmo falei que fui eu eu assino e pode mandar ele embora quer dizer às vezes nós temos que arcar com as conseqüências O caso do Menegheti quem foi que fez ele ladrão A polícia Então quer dizer que não há condições de recuperação nenhum elemento numa cadeia dessas de São Paulo do jeito que está porque a polícia faz o ladrão A polícia faz o assaltante a polícia faz o marginal Ela em vez de dar o apoio por exemplo os menores eles põe ai querem saber o serviço o menor dá a cabeça tem coitados ai que nem nunca roubou na vida vem pra cá pô mas não fiz nada tô na cadeia Quando ele sair que que vai fazer ah vou roubar que se dane num tô nem ai Certo Então essa ai é a minha conclusão perante a justiça e a justiça não é questão que ela é cega ela vai pelo que está escrito E vai também pelo que a testemunha fala onde a polícia incentiva a testemunha a acusar o réu A polícia chega tem três policiais e tem a vítima aqui às vezes não fui eu às vezes não foi pode ser também que tenha sido então o policial pega fala pra vítima fazer coisas que não foi e agora você fala assim assim assado certo quando você chega no fim eles contradizem a versão da história deles que eles não sabem o que o outro falou o outro falou o outro falou É chamado um por vez É um por vez pra declarar lá no Forum então quer dizer que o juiz tira pela maioria será que é isso mesmo do jeito que está São Paulo bota 10 e 2 de medida pro moço ai ele que se defenda por lá Eu tenho advogado quer dizer que 80 está na cadeia porque não tem advogado e que o advogado que chega ai toma tudo que tem e não tira ninguém da cadeia O advogado era parte do conjunto de elementos do que estava sendo chamado de indústria do crime O advogado na concepção dos presos respondia a uma necessidade devido ao seu conhecimento no tratamento com as leis mas concretamente podia fazer uso de suas prerrogativas profissionais como um meio de obter vantagens aproveitandose da situação de desespero em que se achava o preso e os amigos ou familiares que pretendiam libertálo O serviço de advocacia da Casa de Detenção funcionava precariamente com um advogado assessorado por alguns presos que já tinham experiência com o manejo de leis Na verdade os presos estavam abandonados no sentido 97 de uma assistência jurídica mínima e eram vários os casos de pessoas que alongavam sua permanência na cadeia por falta de conhecimento de leis ou por não terem a quem recorrer quando percebiam uma possibilidade de redução de pena Os presos no entanto no seu contato com advogados só tinham a reclamar do engodo por que em geral todos passavam Recebia o nome pejorativo de advogado de porta de cadeia Sua ação ocorria na chegada dos presos novos principalmente com aqueles que estavam vindo pela primeira vez Aliás o advogado dava prioridade a esse tipo de preso cujos nomes eram obtidos previamente em algum órgão do aparelho judiciário Segundo os presos o advogado agia rapidamente oferecia seus serviços em geral prometendo uma imediata libertação além de outras soluções que aos olhos do preso pareciam bastante viáveis A possibilidade de sair rapidamente da cadeia fazia com que o preso oferecesse tudo que podia ao advogado que estando de posse de dinheiro ou outro bens em geral desaparecia ou arranjava uma justificativa para o fracasso da tentativa de libertação Eles aproveitam das circunstâncias Vários advogados ai se aproveitam das circunstâncias do detento Vêem a família no desespero ai pra fazer um requerimento dão qualquer coisa Eu mesmo por exemplo tive um caso com um advogado Tive uma garota que me visitava aqui então esse advogado falou pra ela sem eu saber e ela também não me falou nada que como eu estava fazendo recurso aqui na Casa ele falou pra ela que a minha liberdade dependia de um recurso que ele ia fazer em Brasília Pra fazer esse recurso ele precisaria de 1 milhão de cruzeiros Isso foi em 71 Então o que ela fez ela foi ao banco em que ela tem conta pediu pro gerente um empréstimo de 1 milhão Dinheiro na mão dele e ele não fez nada Conclusão quando eu soube aqui dentro da sala de advogado eu quase bati nele Fiquei louco Nunca mais apareceu Eu pensava que eles podiam justamente me salvar Primeiro pelas conversas dos advogados Naturalmente que os advogados fazem tudo pro cliente naturalmente para tirar o cliente da cadeia Mas como tudo isso não passa de conversa vai passando o tempo vai passando vai passando e um belo dia a gente tem que falar a verdade Como é que é advogado de cadeia Advogado de cadeia é uma pessoa que não tem a capacidade de esperar seus clientes esperar no seu escritório Ele tem que chegar aqui por exemplo chegam 50 pessoas que nós chamamos aqui bonde do DEIC Estes advogados ficam é esperando o bonde do DEIC o o que eles fazem Muitos deles eu não falo todos sei que eles pegam os nomes das pessoas que vieram pra Casa de Detenção chegam ai talvez 6 horas da manhã Fulano de tal está em tal situação ninguém pode pagar um advogado a não ser acontece com todo mundo Chega lá ele fala Fulano daqui 3 dias eu tiro daqui a 5 dias talvez um que esteja condenado por flagrante e se relaxar 21 dias vai embora 30 dias e a pessoa talvez seja primária mas sempre dá o que tem dá carro dá casa dá o que tiver pra ir embora aonde ele não conseguiu 98 Esse problema de advogado ai é um problema muito sério Eu nunca confiei em advogado Por que No meu caso por exemplo aqui mesmo eu não confiando passaram quatro Os quatros acabaram de tomar até as minhas últimas roupas que eu tinha em casa Foram embora não me resolveram nada Com 15 dias na Casa me apareceu um fulano ai que disse que em 30 dias eu estava na rua Ele pegou meu último pagamento da firma e até hoje não vi mais a cara dele De advogado principalmente o de porta de cadeia o preso desconfiava Ao mesmo tempo que ele percebia a importância dos serviços de advocacia via também no advogado mais um componente do conjunto que vivia em função do preso e do crime O advogado se enquadraria no que segundo os presos se configurava como fortes interesses que existiam por trás da manutenção de tanta gente na cadeia e na vida do crime Só pra ilustrar o porque ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart O advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande Através da categoria recuperação imposta ao preso como forma de ocultação de sua condição ele podia portanto vislumbrar a afirmação de uma ordem hostil a todo esforço que como indivíduo ele pudesse fazer no sentido de deixar a vida do crime Os pavilhões a lógica social no espaço da cadeia O pavilhão do trabalho porta de saída Para que as formulações dos presos sobre o espaço da cadeia ajudassem a compreender o significado da localização espacial nas relações e situações que ai se realizavam era preciso levar em conta quem era o preso que falava Na escolha dos presos que constituíram o foco da pesquisa optouse por aqueles enquadrados de acordo com o Código Penal vigente no país nos artigos que tratam dos crimes contra o patrimônio A este critério do pesquisador foi acrescentado um outro 99 imposto pelos funcionários os presos entrevistados eram em sua maioria do pavilhão 2 e trabalhavam na cadeia Nesse sentido o pavilhão 2 ficou sendo o ponto de vista a partir do qual foram vistos os outros pavilhões ou seja os pavilhões do crime na cadeia foram vistos através da ótica do pavilhão do trabalho15 Este não só era o ponto de vista dos presos em função da posição que ocupavam na cadeia mas também em função de falarem para o pesquisador que era percebido como representante do mundo do trabalho O pavilhão 2 era elemento fundamental na caracterização da cadeia e compunha um dos pólos da oposição constantemente referida pelos presos entre o pavilhão 2 e o fundão composto pelos pavilhões 8 e 9 O pavilhão 2 se caracterizava pelos presos selecionados pela direção da prisão para desfrutar o privilégio de trabalhar dentro da cadeia Para estes presos o trabalho significava a possibilidade de ser aceito pela sociedade depois da prisão pois quanto mais perto do trabalho mais perto da recuperação Por outro lado quanto mais em direção ao fundão mais se confirmavam as características que a sociedade atribuía aos delinqüentes A distribuição dos presos no espaço da cadeia podia também ser considerado como a manifestação das regras sociais na cadeia os presos constantemente afirmados como delinqüentes e colocados no ponto mais afastado e de mais difícil acesso da cadeia além de estarem mais afastados da possibilidade de trabalho e portanto da recuperação eram também os que carregavam mais fortemente todos os caracteres que identificavam as classes menos privilegiadas da hierarquia social não tinham instrução formal não tinham capacitação profissional não recebiam visitas pois as famílias e amigos moravam longe e não tinham condições financeiras de fazêlas No pavilhão 2 tanto a relação dos presos entre si quanto a relação deles com diretores e funcionários eram fortemente marcadas pela busca da legitimidade de através do trabalho retornar à sociedade Pelos presos de outros pavilhões o 2 era constantemente definido por oposição ao fundão como o pavilhão da banha no sentido de que havia lá os presos além de terem o privilégio de uma ocupação valorizada recebiam uma alimentação melhor e estavam sempre gordos Na verdade esta designação era sobretudo pejorativa pois havia ao mesmo tempo referência a uma situação de privilégios entre os quais o de comer bem e uma referência aos vícios e deformações do ponto de vista do mundo do crime que tais privilégios criavam Segundo os presos do 2 no pavilhão estariam colocadas as pessoas inclusive com mais instrução e portanto com mais possibilidades de 15 Na referência ao pavilhão do trabalho não se pode esquecer que as atividades burocráticas na verdade se realizavam no pavilhão 6 local destinado a essas e outras atividades como carpintaria artesanato barbearia ao qual os presos do pavilhão 2 tinham livre acesso Na percepção dos presos o 2 e o 6 formavam um conjunto indistinto 100 exercer melhor as diversas atividades para as quais eram requisitadas Na verdade as argumentações formuladas de lado a lado assumem conotações que transcendem a oposição circunstancial entre os presos para apontar caracteres pelos quais se costumam identificar as classes sociais Eu acredito que no 2 você coma melhor Você está perto da administração tem mais facilidade E o pavilhão 2 é o famoso pavilhão da banha onde fica as pessoas que são não é questão de boa família são pessoas que são mais de cultura de nível mais Agora no 2 é um pavilhão que dá como é que se diz quem tiver que tirar cadeia é preferível que tira no pavilhão 2 porque no 2 o pessoal é mais culto O pavilhão 2 era o pavilhão em que a maioria dos presos tinha alguma atividade As atividades que exigiam mais condições do preso e que eram mais consideradas se situavam na faixa do trabalho burocrático Havia também atividades de faxina manutenção ou de artesanato mas excluindo o trabalho burocrático que requeria que o preso tivesse um certo grau de instrução e fosse considerado como de pouca periculosidade pelos funcionários os outros tipos de trabalho se realizavam em todos os pavilhões pois eram necessários à manutenção dos mesmos Viuse anteriormente que fundamentalmente o trabalho burocrático é que era considerado como trabalho no sentido de ser fator que leva à recuperação As outras atividades que também seriam trabalho e que existem em todos os pavilhões não eram percebidas como tal Em certos casos acontecia até o oposto a atividade podia ser pensada como pretexto e oportunidade para o desempenho na cadeia de ações próprias do mundo do crime Nesse sentido boa parte dos presos do pavilhão 2 se restringia ao setor burocrático e a maioria dos que trabalhavam no setor burocrático eram do pavilhão 2 Os presos do pavilhão 2 exercendo tarefas burocráticas falavam de sua estadia neste pavilhão como fruto de um processo de seleção que se fazia a partir da chegada à cadeia Alguns poucos eram conduzidos diretamente ao 2 em função da menor gravidade das acusações pelas quais respondiam da idade avançada ou de prerrogativas legais decorrentes do status social grau de instrução Os demais que constituíam a grande maioria eram encaminhados para os pavilhões do fundão fundão Para serem daí transferidos dependiam sempre em última instância de um ato de decisão pessoal do coronel O coronel tinha como critério fundamental o bom comportamento do escolhido que se traduzia no fato de não ter este cometido infrações às regras da cadeia contravenções Ao corresponder positivamente a este primeiro critério de avaliação 101 que pesava sobre ele dentro da cadeia o preso estava se habilitando como pessoa apta a empreender no espaço da cadeia o caminho de volta ao trabalho o que lá se representava pelo deslocamento do fundão para o 2 Na cadeia como fora dela daquele que reivindicava trabalho uma ocupação mais dignificante exigiase uma espécie de atestado de bons antecedentes que dependia da anterior submissão a um código socialmente sancionado No pavilhão 2 estavam pois os presos julgados em condições de trabalhar portanto em condições de recuperação O pavilhão 2 é um pavilhão de trabalho os presos são selecionados 80 dos presos são selecionados Tem alguns dos outros pavilhões mas é muito difícil Isso é problema de comportamento Em geral o pavilhão 2 é considerado como da administração já que todo mundo aqui trabalha Agora como 200 presos que trabalham e são efetivos 6 mil tem então mais desocupados Aqui é a cada da banha É o seguinte no xadreznós estamos num xadrez privilegiado no pavilhão 2 meu xadrez especialmente o 405 porque é o seguinte todos os xadrezes ai tem sete camas Nós fizemos uma batalha através de um conhecimento de um chefe de disciplina nós conseguimos tirar uma cama Eliminamos uma cama do xadrez ficamos morando em 12 Só morava pessoas selecionadas entendeu pessoas que não tem furo na malandragem pessoas que estão com idéia de ir embora pessoas que deixaram alguma coisa na rua mas não fica se fantasiando daquilo que deixou entendeu pessoa que tem um nível de vida bom Então tem 12 no xadrez De tal modo a decisão do coronel associada ao bom comportamento aparecia ao preso como fundamentais na sua transferência para o pavilhão 2 que ele chegava a representála como alcançável em todos os casos através de uma conversa com o coronel na qual expunha sua vontade de trabalhar e recuperarse Tudo depende de batalha de cada um aqui dentro também certo então chegou pro diretor e falou Que tem gente que não tem iniciativa de chegar pro diretor e falar olha eu quero ir pro pavilhão 2 e trabalhar Outra forma de conseguir a transferência para o pavilhão 2 seria através de pedidos de familiares de presos ao coronel Estes pedidos teriam a força que lhes conferiam os laços familiares entendidos como fator importante de recuperação O fato do preso ter família e desta ser capaz de interceder por sua sorte junto à autoridade influía positivamente no processo de recuperação Outra característica comumente acionada pelos presos como vantagem do pavilhão 2 sobre os demais se referia aos aspectos da assistência jurídica na verdade bastante precária em toda a 102 cadeia mas que era mais acessível aos presos do pavilhão 2 A razão para essa vantagem segundo os presos estava no fato de que o pavilhão 6 onde funcionava o setor de expediente permitia livre trânsito aos presos do 2 e era o local onde se fazem todos os recursos e um recurso à justiça pedindo redução de pena revisão de processo significava possibilidade de sair rápido da cadeia O setor que se encarregava de encaminhar recursos ou quaisquer pedidos dos presos no judiciário era dirigido por funcionários com a mãodeobra dos presos O contato constante com os funcionários que cuidavam dessa parte da cadeia possibilitava aos presos que trabalhavam no setor uma possibilidade maior de resolver determinados problemas na área jurídica Além disso estar no setor burocrático oferecia ao preso outras vantagens como por exemplo a oportunidade de poder se comunicar para fora da cadeia com mais freqüência através do uso de telefone ou de conversa com visitas de fora do pavilhão A essa facilidade no aspecto jurídico que tinham os presos do pavilhão2 se contrapunha a assistência nessa área que era prestada no fundão Lá também existia o judiciário mas segundo os presos a dificuldade para fazerse um recurso ou uma apelação era muito grande Tal afirmação dos presos é coerente logicamente com a análise que tem sido feita sobre as implicações decorrentes da localização espacial na cadeia a qual na verdade expressaria a maior ou menor possibilidade de retorno à legalidade ao trabalho de que se achava investido o preso O isolamento a carga de preconceitos e atribuições pejorativas que do ponto de vista da própria administração da cadeia pesavam sobre o fundão encaminham no mesmo sentido expresso pelos presos com relação ao acesso a benefícios do judiciário No entanto os presos que conseguiam chegar ao 2 passavam a ser acusados pelos do fundão e pelo menos no contexto em que argumentavam contra tais acusações deixavam de perceber as razões mais profundas da diferença que eles mesmos denunciavam para depositarem a responsabilidade das desvantagens apontadas nos ombros daqueles mesmos que seriam prejudicados Aqui é onde se faz todos os recursos então ele quer vir pra cá Porque ele tendo aqui toda hora pede a um pede a outro então consegue a liberdade dele mais rápido e lá não Lá no fundão mesmo é mais difícil é mais difícil apesar que tem um judiciário lá é preso que mexe então ele sempre ele não faz aquilo com boa vontade porque o dinheiro nosso aqui dentro é cigarro é cigarro é o selo do cigarro É o selo do cigarro Quer dizer a gente fala selo do cigarro mas é um maço de cigarro custa um pacote de cigarro aqui aqui tudo é um pacote 5 maços 2 maços não tem quantia de dinheiro o que vale o dinheiro é o cigarro Quer dizer se eu chegar no cara que trabalha no judiciário preciso fazer um recurso olha eu preciso fazer uma revisão assim assim no processo eu não dou nada pra eles eles faz de mávontade como talvez nem faça Mas se eu chegar com 2 3 pacotes de cigarro e pedir faz uma revisão pra mim ai ela sai no dia e sai bem feita certo Então lá no pavilhão tem isso e aqui os caras não podem fazer isso se 103 fizer os funcionários manda eles de bonde de transferência de volta Então ele não pode cobrar nada Mesmo assim por fora tem essas trapalhadas quer dizer então o pavilhão 2 é tomado desse modo só tem bundamole Pra mim não é pra mim é igual mas pra aqueles que não gostam da liberdade eles toma como bundamole Os presos do pavilhão 2 consideravam também uma vantagem o fato de que mantinham mais contato com os funcionários e com a diretoria da cadeia Isto no entanto só era acionado no contexto em que tal contato pudesse significar a oportunidade de uma libertação mais rápida e ser readmitido na sociedade como recuperado Não se deve esquecer que os dados foram obtidos numa situação em que o pesquisador estava sempre representando por aquele que vinha constatar o processo de recuperação do preso Numa outra situação as afirmações contendo elogios ao contato com funcionários apareciam simplesmente como uma grave infração às leis da massa a caguetagem16 A valorização negativa do pavilhão 2 era feita especialmente por parte de quem não estava nele Nesse caso havia uma inversão que agora se processava nos sinais atribuídos aos pólos da oposição trabalhomundo do crime Ou seja até o momento em que o preso falava da recuperação tudo que se relacionava com trabalho tinha sinal positivo e tudo que se relacionava como crime e mundo do crime tinha sinal negativo Isto porque o ponto de partida era o preso do pavilhão 2 e o processo de recuperação A inversão ocorria quando a avaliação da cadeia passava a assumir um ponto de vista o ponto de vista dos presos do fundão ou dos que eram considerados como parte do mundo do crime Os presos do pavilhão 2 eram chamados pelos outros de bundamole metido a rico metido a bacana e finalmente de cagueta A acusação de caguetagem estava ligada ao fato de que os presos do 2 mantinham um contato diário e constante com os funcionários que para a massa eram considerados policiais Acusar os presos do 2 de metido a rico metido a bacana também tinha a ver com a oposição trabalhomundo do crime na medida em que o fundão era reconhecido como composto de pessoas pobres sem possibilidades de ascensão social por falta de oportunidade de emprego sem instrução o contrário dos presos que vinham para o 2 Estes se consideravam em processo de recuperação já que agora tinham trabalho e outras vantagens motivo pelo qual sentiam necessidade de vestiremse melhor e fugirem da imagem que estava associada a aqueles que pertenciam à vida do crime Se você é metido a rico metido a bacana é no pavilhão 2 Mas não é nada disso A pessoa que tem proceder não só na cadeia na rua em qualquer lugar ele é benquisto o que tem proceder Mas aquele que não tem 16 A caguetagem fazia parte das avaliações negativas a respeito do pavilhão 2 que serão posteriormente consideradas 104 proceder não tem educação nem aqui nem na rua O bom já nasce bom e o mau já nasce mau mas há recuperação para o mau que nem há para o preso Outro aspecto importante nesta avaliação do pavilhão 2 era a diferença que os presos percebiam entre os pavilhões no modo como as regras de disciplina da cadeia eram aplicadas No pavilhão 2 tem mais liberdade mas a disciplina é mais rígida No fundão acontecia o oposto era pior a cadeia mas a disciplina é mais branda A disciplina mais rígida se referia à perda da oportunidade de trabalho na cadeia por qualquer contravenção Uma infração mais grave no pavilhão 2 podia significar a volta do preso para o fundão Nesse sentido era que se falava de disciplina mais rígida pois todos sabiam que no fundão os castigos eram mais freqüentes assim como a repressão era mais intensa Ter mais liberdade quer dizer não ficar na cela permanentemente porque havia trabalho enquanto nos outros pavilhões os presos costumavam permanecer a maior parte do dia na tranca Sabe o que que é porque eles falam que de nós tudo é malandro e coisa e tal mas isso não muda nada Eles querem falar porque acham que todo mundo que está no 2 é cagueta Por que Não sei porque porque a gente quase que não faz nada É um caso de polícia isso ai Por causa disso que eles chamam de bundamole mas a disciplina daqui é mais rígida que a de lá É mais sopa mas disciplina é mais rígida Por que é mais rígida Porque é mais qualquer coisinha enfia na gaiola qualquer coisinha manda pra triagem É lógico que tem mais liberdade mas é mais rígida Lá o sujeito fica mais na tranca tá tudo certo Qual a diferença do 2 pro 8 Há mais convivência há mais convivência melhor é bem melhor que lá no 8 é melhor se tirar cadeia É melhor porque eu falei agora por causa da disciplina A disciplina lá é toda branda aqui não aqui é mais disciplinar aqui aqui não tem muita briga O pavilhão do castigo loucos e perigosos quem são O pavilhão 5 era chamado pelos presos de pavilhão seguro ou pavilhão de castigo e descrito por eles como a cadeia dentro da cadeia Efetivamente este pavilhão estava todo cercado por muros bastante altos A diretoria o utilizava para cumprimento dos castigos que se impunham aos presos em conseqüência de contravenções na própria cadeia Nele colocava os presos considerados mais perigosos ai alojados desde a entrada na cadeia e também aqueles presos que tendo sido gravemente ameaçados por outros eram postos no 5 por medida de segurança Além disso no pavilhão 5 funcionava o setor médico da prisão Na verdade a parte médica não se restringia ao atendimento e uma parte deste pavilhão especificamente uma seção do 5º andar último andar era destinada aos presos considerados desequilibrados mentais Como não me foi possível ter acesso a este lugar sobre este ponto podemse apenas levantar algumas dúvidas quem 105 seriam os presos assim considerados Como interpretar o fato de que estivessem colocados no mesmo pavilhão que os presos ditos mais perigosos A partir de que critério um preso era classificado como desequilibrado mental e remetido para o pavilhão 5 Estas questões ficavam sem respostas O fato porém é que neste pavilhão ficavam aqueles que de uma maneira ou de outra por atos classificados como contravenção ou como loucura ameaçavam a estrutura mesma de funcionamento da cadeia Quem é que vai pra lá Só elementos que pega castigos seguro elementos com muita cadeia esperando uma vaga na penitenciária elemento com muita periculosidade está ali 5 é o pavilhão seguro Lá tem enfermaria e casos de loucura casos de doença O pavilhão 5 era visto pelos presos de uma forma tão diferente dos outros pavilhões que parecia estar fora da oposição trabalhomundo do crime Na verdade os presos não o consideravam como um pavilhão de alojamento de presos mas um lugar onde eram aplicados os castigos por faltas cometidas dentro da própria cadeia fossem elas classificadas como contravenções ou como fruto de loucura O pavilhão 5 era portanto o centro da repressão na cadeia Era uma cadeia dentro de uma cadeia onde segundo os presos se mantinha um regime disciplinar rigoroso semelhante ao da penitenciária17 e que diferia essencialmente do regime disciplinar dos outros pavilhões O pavilhão 5 também servia como proteção para aqueles presos que infringiam as regras do proceder na massa O preso que caguetava por exemplo receoso de qualquer vingança que colocasse sua vida em risco recorria ao chefe de disciplina de seu pavilhão para pedir seguro de vida Nesses casos o preso era enviado para o pavilhão 5 onde o controle de quem entrava era bastante rigoroso Quando os presos falavam pavilhão de segurança duas coisas estavam em jogo por um lado o fato de que o pavilhão 5 era o local mais bem vigiado da cadeia e por outro a segurança que também representava para o preso que era mandado pra lá Já quando eles falavam de pavilhão de castigo referiamse às regras disciplinares da cadeia O 5 é uma cadeia dentro de uma cadeia Já tem um regime diferente é praticamente um regime penitenciário é um regime completamente diferente dos demais pavilhões O 5 é uma penitenciária dentro da cadeia dentro da Casa de Detenção Ali você vê que ele é um pavilhão de segurança você vê que ele é localizado no meio da cadeia sendo fechado e tal Quem é que vai pra lá Só elementos que pega castigos seguro elementos com muita cadeia esperando vaga na penitenciária elemento com muita periculosidade está tudo ali 17 A Penitenciária servia como exemplo de repressão na cadeia pois era o local para onde eram mandados os presos que a direção da cadeia considerava mais explosivos mais perigosos ou com uma longa pena a cumprir 106 Olha de todos os pavilhões que tem aqui o pior é o pavilhão 5 Não conheço mas dizem todo mundo diz qualquer coisinha parece brincadeira mas se o cara é pego com uma faca ele pega seis meses de cela toma aquele pau Sabe como é o pau aqui Já falaram pra você Ih rapaz eles não escolhem lugar batem em todo mundo Corrente pedaço de pau É polícia civil E se você está distante da família então ai eles te matam você morre quanta gente já não morreu aqui de tanto apanhar Muitos não faz o ambiente não se adapta no pavilhão às vezes é transferido pro 2 Chega aqui trabalha e faz o ambiente trabalhando ou vai pro 5 que é o pavilhão ele é o hospital ao mesmo tempo que ele é um pavilhão normal É também porque os presos que apronta nos outros pavilhões a maior parte vem pro 5 Do pavilhão 5 ele é removido para a penitenciária do estado então aqueles que não faz ambiente se sente inseguro eles pede pra vir pro 5 porque no 5 cada unidade desce por dia porque tem a divisão né Como é que é essa divisão A divisão é assim aqueles que não mexe com nada não quer saber de nada já brigou apanhou moram no quinto andar é um seguro Aquele dia quando desce aquele andar os outro andar que é valentão já brigou já deu facada deu porrada não desce quer dizer que é a divisão né E é isolado aquele pavilhão né O 5 é castigo Aquele que tá em castigo tem que cumprir o tempo que o diretor determinou pra depois sair em liberdade Sair em liberdade significa voltar pro pavilhão de origem Pro pavilhão de origem quer dizer o preso faz o ambiente dele assim Os residentes a imagem do cobra criada O pavilhão 8 e o pavilhão 9 compunham o que os presos chamavam de fundão No entanto o pavilhão 8 apresentava características bastante peculiares se comparado com o pavilhão 9 embora ambos representassem na oposição trabalhomundo do crime o espaço na cadeia reconhecido como local onde estavam os que fizeram opção pelo mundo do crime O pavilhão 8 era destinado pela administração da cadeia aos presos reincidentes ou seja aqueles que já tinham estado na cadeia duas ou mais vezes Para os presos era o pavilhão dos residentes ou dos cobra criada A expressão residente se referia à pessoa que já fazia parte do mundo do crime e estava passando mais um período na cadeia e cadeia neste ponto devia ser entendida como um elemento fundamental no caminho percorrido pelo delinqüente inclusive na sua formação Este preso fazia da cadeia uma residência com suas idas e vindas embora residente pudesse ser fruto de uma confusão no entendimento da palavra reincidente Aquele que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão 8 que é residente mil e poucos residentes 107 A expressão cobra criada dizia respeito aos presos que já tinham passado pelo processo de aprendizagem das regras do mundo do crime e seu desdobramento na cadeia Eles eram definidos comumente como homens tranqüilos porque as fronteiras da massa já eram bem conhecidas e bem delineadas mas eram considerados também violentos porque assim como as leis da massa eram bem conhecidas as sanções para quem infringia essas leis eram em geral cumpridas à risca Além de serem classificados como já tendo feito opção pelo mundo do crime os presos do pavilhão 8 eram também identificados como os maiores conhecedores desse mundo O pavilhão 8 pavilhão dos famosos cobra criada Quem diz na cadeia cobra criada são as pessoas reincidentes Reconheciase o pavilhão 8 como um dos mais calmos em termos disciplinares e ao mesmo tempo o mais radical no cumprimento das leis da massa O tratamento dado pelos funcionários aos presos apresentava diferenças em comparação com os outros pavilhões Em geral consideravase mais fácil a manutenção da disciplina pois os presos considerados mais sossegados assim o eram exatamente porque já estavam familiarizados não só com as regras da cadeia mas com as regras do proceder na massa Por serem definidos como do mundo do crime recebem segundo os presos um tratamento diferente por parte dos funcionários daí até o pavilhão 8 ser considerado um pavilhão mais liberal Esta liberalidade estaria ligada segundo os presos a um medo ou respeito dos funcionários frente aos residentes e argumentavam que determinadas infrações as menos graves que em outros pavilhões seriam motivo de castigo não sofriam qualquer represália por parte dos funcionários no pavilhão 8 Que tipo de preso tem lá no 8 É um pavilhão mais geralmente o cara tem um monte de passagens pela cadeia É o reincidente o cara já conhece sabe como é a rotina então os caras vivem mais sossegados entre eles não tem tantos conflitos e quando alguém faz alguma coisa eles se arranjam entre eles Nos outros pavilhões o cara dá uma maconha fica tudo certo Lá não lá ou é ou não é É mais rápido A polícia mesmo deixa eles mais a vontade porque sabem que eles são mais conscientes porque geralmente o do 9 é um cara novo 20 19 anos se ele matar um na cadeia ele nem liga Agora o reincidente não o cara vê direito porque ele sabe que se ele aprontar ele vem pra cadeia Tranca em geral é igual mas lá é mais sossegado 8 é um pavilhão mais liberal A polícia que nós chamamos os funcionários já transa o elemento bem diferente do tratamento que se dá no pavilhão 9 2 e 5 Por que Porque ali só existem reincidentes elementos que já estão perdidos mesmo eles fumam maconha se o funcionário vê ele engole a maconha e acabou O funcionário chega sente o cheiro e deixa pra lá Nos outros não tem nada disso enquanto no 8 você entra sente aquele cheiro e os funcionários não estão nem ai você entende Mesmo no arejamento na hora do sol o pessoal desce faz uma rodinha e vão jogar e 108 os funcionários não sei se sentem medo ou respeito mas não vai lá pra dar uma bronca então já é mais a vontade Por outro lado o pavilhão 8 quando referido como o mais violento da cadeia remetia à oposição trabalhomundo do crime dentro da cadeia na medida em que esta argumentação era acionada pelos presos que já tendo passado por lá e estando agora no pavilhão 2 procuravam delimitar claramente suas diferenças com aqueles que já teriam optado pelo mundo do crime A violência como foi abordado anteriormente era uma característica da vida do crime Como é que é a situação no pavilhão 8 Foi justamente a violência do pavilhão 8 que fez com que eu pedisse para voltar ao 2 Porque eu nunca vi tanta gente ser espancada violentada Eu vi vinte e poucas baixas na enfermaria por causa da violência com problema de coração por causa da violência Eu vi muita gente que eu gostava ser espancada e até a morte na minha frente e você não pode fazer nada não pode se meter na frente pois se não você é morto porque geralmente a pessoa está sob o efeito de tóxico e fica descontrolado pois nem um animal a gente trata desse jeito vi muita gente ser morta com 20 30 facadas O malandro muitas vezes perde a sua dignidade porque quer se formar aqui dentro e qualquer coisa fere a masculinidade E eu pedi ao diretor pra me mudar por causa disso tudo Isso me chocou e eu perdi uns amigos bem caros Pelo menos no pavilhão 2 não existe isso a gente está mais tranqüilo Os presos do pavilhão 8 dificilmente conseguiam chegar ao pavilhão 2 Esta constatação feita pelos presos não só revela uma dificuldade real já que eventuais passagens de presos do pavilhão 8 para outros pavilhões eram rigidamente controladas como também revela uma discriminação da administração do sistema penitenciário com relação a aqueles que na sua acepção fizeram opção pelo mundo do crime julgavamnos incapazes de desincumbirse do trabalho na medida em que a realização do trabalho principalmente de certos tipos de trabalho representava a ponte para a recuperação A dificuldade imposta à mudança para um pavilhão melhor serve como indicador de percepção de que a vida do pavilhão 8 era excepcionalmente marcada pela violência e pelo crime o que ao nível da ideologia o opõe ao outro mundo o da sociabilidade do trabalho especialmente localizado no pavilhão 2 Os presos que confirmavam essa noção pela qual se dividia e colocava um parte da cadeia como sendo o mundo do crime em geral estavam fora do fundão O 2 por exemplo é difícil mesmo você ver um caso bárbaro Uma pessoa já de um nível mais sociável naturalmente em proporção mas no 8 não No 8 são mais violentos É uma cadeia só mas com ambiente à parte É isso que eu queria saber O 2 é administrativo gente que estão decidido a trabalhar paga o seu tempo trabalhando faz o serviço de administração e outros assim o que é patronato tudo mais que trabalhe que produza faz alguma coisa No 8 são os reincidentes os que entram na cadeia 15 dias depois voltam e assim por diante os conhecidos O 9 são os primários 109 aqueles que nunca entraram na cadeia e o 5 os doentes os doentes ou então aqueles em regime de castigo Mas tem diferença entre alguém do 8 e do 2 Tudo é relativo Uma pessoa que vai entrar hoje no pavilhão 2 ele vai ter mesmo dos companheiros do 8 e 9 de tanto falar nem conhecer é uma questão de propaganda como se diz De ouvir dizer só de ouvir dizer eu tenho medo Agora um que está na cadeia como eu que está tirando tantos anos de cadeia o 8 e o 9 pra mim não têm diferença nenhuma Se o senhor olhar uma pessoa ai fora no pátio o senhor diz de que pavilhão que é Não de jeito nenhum Pelo jeito de vestir jeito de Bom de vestir talvez sim porque eles tem menos possibilidades Tem na aparência tem tem uma certa diferença na aparência em si Em geral um preso do 9 o que que é Tem menos recurso muito mais dificuldade para eles qualquer coisa para eles recurso judiciário conseguir no almoxarifado qualquer coisa a mais tudo como se diz está concentrado aqui no 2 então só passar no 8 por exemplo pra cá já é si uma dificuldade Obrigatoriamente a pessoa pediu lá você sente naturalmente a reação uma certa barreira É verdade que o pessoal do 8 e do 9 tem raiva tem bronca do pessoal do 2 Eles estão pensando com motivo na vida eles estão às vezes que o 2 tem uma situação muito melhor que tem mais regalia pode circularMas é verdade Deve existir uma certa realidade pelo fato do trabalho em si porque no 2 quase todo mundo trabalha Pode ser que o trânsito entre o 2 e 6 pavilhão é totalmente livre não é no 9 já não é quer dizer esse fato só de transitar de um pavilhão pra outro eles consideram isso como uma regalia embora que pra nós trabalhador da cadeia é uma normal Saímos do pavilhão 2 pra trabalhar aqui é normal vai e vem Agora o 6 o 9 não pode O pavilhão 8 não oferecia oportunidades aos presos de exercerem alguma atividade passando a maior parte deles o dia todo na tranca dispondo somente de 4 horas diárias para tomar sol Mesmo esse período fora do xadrez era motivo de cuidados por parte dos funcionários que verificavam sistematicamente o número de presos que entrava e saia de cada cela após a recreação Nos dias de chuva não era permitido aos presos sairem de suas celas Como estas saídas eram muito valorizadas a chuva tornavase um dos seus principais inimigos No 8 como é que é É um pavilhão grande é mais trancado Vai ao sol às 8 e meia recolhe às 10 e meia Desce a 1 e meia e recolhe às 3 e meia 4 horas recolhe o sol ai vai pra tranca Depois tem a contagem de manhã e contagem à noite Contagem pra que A contagem é feita pra ver se não tem nenhum preso fora do xadrez em outro xadrez tentou fugir ou ver se não está aqui no pavilhão 2 se eu estou pro 8 e fico aqui no pavilhão 2 a minha ficha fica de lado até eu chegar lá Quando eu chego lá minha ficha é colocada num arquivo Aqui é feita a mesma coisa É feita de tarde a contagem Enquanto não encontrar o preso o funcionário não pode assinar a contagem Quer dizer quenão é A contagem é obrigatória fazer para ver onde é que está o preso cadê o preso Às vezes o preso de um xadrez foi dormir em outro e não pode tem que dormir aqui E se acontece alguma coisa tem que dormir cada um no seu xadrez Se dorme 8 num xadrez é 8 se é 10 é 10 Vai ter 10 fichas lá Aqui é igual o 110 xadrez lá lado I e lado E Nº do xadrez 201 Nº 201 tem 8 presos então 8 presos atendem então tudo certo Se não encontrar não baixa a ficha Os cabeça fresca para início de carreira no fundão O pavilhão 9 como parte do fundão se enquadrava nas características referentes ao mundo do crime na dicotomia trabalhomundo do crime O preso que era removido para o pavilhão 2 encarava esta mudança como a passagem para um outro mundo o do trabalho no qual aumentavam suas chances de recuperação Os que permaneciam no 9 nessa perspectiva eram considerados como já tendo optado pela vida do crime A descrição do pavilhão 9 feita pelos presos que por lá já tinham passado e que se encontravam no pavilhão 2 apresenta situações com as características próprias do mundo do crime As conversas dos presos por exemplo eram reconhecidas como conversas sobre o crime e sobre as atividades próprias do crime como os assaltos os golpes Argumentavase também com respeito às atitudes disciplinares que seriam descabidas por parte de quem estivesse pensando em recuperação Quando vim vim pro pavilhão 9 Lá fiquei uns 5 6 meses Situação lá é mal É mal porque ali não tem elementos que converse com a gente sadiamente Tudo é severidade pederastia complexo que eles tem sabe Eles pensam que a gente ser preso a gente é um fora da sociedade é um verme não tem condições de dialogar com ninguém quer dizer eles consideram Lá no pavilhão 9 é difícil a gente encontrar uma pessoa que a gente tenha prazer de conversar certas coisas entendeu A porcentagem lá 60 70 é menino novo ainda só pensa no sensacionalismo das coisas que fez entendeu Por incrível que pareça tem cara ai que diz que assaltou assalta isso assalta aquilo dá tiro e mata acontece então quer dizer a história lá no fundo o tema da conversa é essa Então ele chega aqui fica ai 2 meses ele tem direito a sursis Foi embora pra rua certo mas acontece que ele conviveu ficou no pavilhão 9 o que eu não quis ele escutou porque a conversa aqui na cadeia é essa lá no convívio Não todos mas na maioria das vezes é sobre crime sobre mortes essas coisas sabe então o cara escuta escuta e nunca assaltou mas agora chegou na rua vai assaltar Agora o pavilhão 9 aonde estive quase 1 mês ali é uma barbaridade mesmo Ali você ouve 16 a 18 horas por dia depende do tempo que você ficar acordado você só ouve tiro Elemento conversando contigo dizendo que atirou na ROTA que atirou em não sei quem eu vou fazer uma lança alta quando eu sair daqui vou fazer isso vou fazer aquilo Barra pesada que eles falam aquié negócio de crime contravenção eu não considero uma barra pesada não Desse lado eu não considero barra 111 pesada não Sabe por que Porque esses que começam a pôr as manguinhas de fora vem cá pra dentro logo logo tomam destino viu Esses valentão que diz que faz que acontece ou ele vai pra penitenciária ou ele acaba morrendo pelos próprios companheiros dele As atividades atribuídas aos presos do fundão coincidem com as atividades do delinqüente conforme são vistas pela sociedade O pavilhão 9 abrigava todos aqueles com as características do delinqüente ou seja repetia no contexto interno da cadeia a mesma situação em que se encontravam os presos como um todo face ao mundo exterior A forma como a sociedade classifica o delinqüente é semelhante ao modo como o preso do pavilhão 2 classificava os do fundão O próprio nome designativo dos pavilhões 8 e 9 fundão fundo dá a conotação do lugar que os delinqüentes ocupavam na sociedade e na cadeia Com relação ao pavilhão 9 também funcionava a ideologia de que o preso podia recuperar se através do trabalho com a diferença de que neste pavilhão a chance de trabalho era pequena Para os presos conseguir trabalho no 9 seria o início de uma recuperação que os levaria em seguida ao 2 Assim se entende porque os presos que começavam seu período de cadeia no 9 e que estavam no 2 explicavam a exceção que eles mesmos constituíam pelo fato de se diferenciarem dos demais presos do pavilhão 9 pelo esforço pessoal conseguiram um trabalho Na verdade no processo de seleção para transferência de presos para outros pavilhões o engajamento no trabalho não funcionava de forma automática Não bastava exercer uma atividade no pavilhão 9 para ser transferido Existiam várias formas de pressão para que a transferência se realizasse interesse particular da direção pedidos pessoais que podiam vir dos presos familiares de presos funcionários e até de representantes da diversas religiões que realizavam atividades caritativas junto aos presos18 Fui logo arrumando serviço me encostando daí comecei a conversar com os home ai pra eles me mandar pra cá pra mim poder trabalhar Por que o coronel te trouxe pra cá Ele me conheceu através da tia Ada Assembléia de Deus Ela ia lá no pavilhão e procurava todos conversava com todos que queriam conversar com ela Aí eu falei com ela expliquei minha situação pra ela Ela se interessou pouco foi na minha casa foi onde eu morava chegou conversou com os meus vizinhos lá pessoas que me viram da idade de pequeno até a idade de formado conversou com várias pessoas e ouviu o que disseram pra ela e chegou aqui falou pro coronel Olha coronel se o senhor quer saber essa é uma pessoa inocente que está na cadeia Ai o coronel que inocente não tem inocente na cadeia eles estão te tapeando você é boba você ouve tudo deles Não que eu estou 18 Podeseia pensar na prática religiosa como mais um dos valores que se acrescentariam ao trabalho à profissionalização à instrução e à família como elementos positivamente associados à trajetória de recuperação Embora faltem elementos para isto pareceu significativo que uma representante de seita religiosa seja representada como intercessora bem sucedida em favor do preso junto à diretoria 112 ouvindo não fui ver quem é ele O que eu estou falando para você não é o que eu ouvi é o que eu vi com meus olhos Ai pegou me trouxe pra cá sabe prometeu de me ajudar e tudo Havia outras avaliações negativas na comparação estabelecida entre o pavilhão 9 e o pavilhão 2 Uma delas referiase às dificuldades impostas às visitas A visita aos presos se realizava aos domingos dividida em 2 turnos de manhã e à tarde Os pavilhões 9 e 5 recebiam visita pela manhã e os pavilhões 2 e 8 na parte da tarde Os presos do 2 apontavam as vantagens de estarem no 2 e não no pavilhão 9 principalmente o fato do número de pessoas que visitava o pavilhão 2 ser menor em comparação com o 9 que tinha mais de dois mil presos Isto implicava na possibilidade de um tempo mais prolongado de contato com familiares e amigos e também num conforto maior para os visitantes já que para visitar os presos do pavilhão 9 as pessoas demoravam mais para entrar no pavilhão e precisavam chegar bem mais cedo O coronel falou vem pra cá fica aqui aqui é o melhor pavilhão é um lugar bom de trabalhar e tudo Se você não gostar dentro de 3 meses você chega pra mim e pede que como eu te trago eu te levo Ai vim pra cá sabe No começo o ritmo o regime era diferente e tudo né Depois comecei a trabalhar me adaptei ai fiquei Agora faço por todas pra não voltar pra lá Por que O motivo é a visita Visita aqui é a tarde menos pra eles andarem menos fila menos sacrifício e tudo Lá no fundo menos conforto mais complicação pra chegar lá tem que levantar cedo Uma visita tinha que chegar 5 da manhã pra chegar às 730 lá no fundo quer dizer que não há condições E aqui não Pavilhão 2 tem todas essas vantagens O pavilhão 9 era um lugar perigoso selvagem matava e brigava quase todo o dia Esta imagem reproduz a concepção que existia sobre os presos A cadeia era considerada como um lugar perigoso selvagem e contra estes conceitos os presos reagiam Ao se pensarem no contexto interno à cadeia os presos sentiam necessidade de negar para si esta imagem e de caracterizarse como não pertencente ao mundo do crime no qual estavam associados os atributos acima Usavam então a própria diferenciação espacial no interior da cadeia para alocar as características do que a sociedade identificava como próprias do delinqüente ou delinqüência o pavilhão 9 ou o fundão passava a representar o mundo do crime daí ser perigoso selvagem Completando a imagem construída sobre o pavilhão 9 os presos apontavam ainda outros fatores o pavilhão 9 é mais tranca ou seja no pavilhão 9 os presos passavam a maior parte do dia no xadrez e somente durante quatro horas diárias quando não chovia podiam sair para um período de recreação No pavilhão 9 existiam atividades para um número pequeno de pessoas levandose em conta a população do pavilhão e a maioria que não trabalhava levava a vida na cadeia sem ter com que se ocupar Assim quem não tinha trabalho ficava preso Havia também uma diferenciação quanto ao tipo de preso que ocupava o pavilhão especificidade até em 113 comparação com os presos do pavilhão 8 Os presos do 9 eram definidos como os moleque cabeça fresca aqueles que ainda bastante jovens já vinham para a cadeia com 50 60 inquéritos assinados em geral acusados de assalto O moleque cabeça fresca nesse contexto era entendido como nato ou seja sua trajetória de vida era própria daqueles que estavam na vida do crime Diferença que lá é mais tranca É difícil trabalhar nos outros pavilhões tem pouco trabalho Essa história de que é mais violento Tem que saber fazer o ambiente e tudo Se quiser encrenca encontra encrenca em qualquer pavilhão Hoje em dia os primários que estão entrando lá é tudo cabeça fresca Entra uma gurizada de 17 18 anos com 50 60 assaltos Pode ver hoje em dia tá tudo assim Tudo 18 19 anospega a estatística ai é tudo 157 assalto é crime do momento O pavilhão 9 a turma trata de pavilhão do sufoco Naquele a pessoa não tem condições para nada O cara está ali o negócio dele é estar no xadrez fazendo castelo porque não tem outra coisa pra fazer Agora aqui no pavilhão 2 é bem diferente A pessoa está trabalhando está distraindo não fica pondo macaquinho na cabeça distrai O que é que o cara do 9 faz Não faz nada o dia inteiro Não uns deles fazem trabalham lá no xadrez outros tem uma parte da manutenção ali que é pouco mas é pouca gente também Agora umas no meio de 3 mil detentos se eles tiraram 200 que trabalha é muito O resto não tem o que fazer É só campo e xadrez No pavilhão 9 era mais precária a assistência oferecida aos presos em todos os sentidos Além de abrigar mais presos que sua capacidade admitida a assistência jurídica era praticamente inacessível à grande maioria Lá no pavilhão 9 tem muita gente Lá tem 2 mil e poucos detentos As coisas são mais difíceis É fica mais difícil pra vir aqui no setor judiciário pra se falar com o advogado quer dizer as coisas ficam mais difíceis realmente Tem pouco acesso com o setor de expediente Tem muita gente no xadrez Tem xadrez lá que tem 28 tem menos tem 30 Outros tem 10 15 dependendo do xadrez O pavilhão 9 com as características do mundo do crime era o lugar onde o preso primário e ainda basicamente inexperiente recebia um tratamento disciplinar dos mais repressivos que o socializava para as regras da cadeia e lhe ensinava as regras do proceder na massa dentro da cadeia Como é que é o pessoal lá Ali o regime dos homens não é lá um regime severo eles tem a liberdade deles mas só que eles tem que andar dentro das disciplinas Dentro do xadrez tem xadrez ali que as condições que mais afetam ali o preso é a convivência dentro do xadrez de morar muita gente num xadrez pequeno E tem xadrez ali que é um absurdo está suportando gente até demais dormindo às vezes dois caras numa caminha só porque não tem mais onde colocar gente 114 Por exemplo lá tem 2200 presos num xadrez tem às vezes 16 18 pessoas Ali é a lei do mais forte não é tudo que você pode contar pros guarda Aqui você sabe tem faca tem pederastria tem tóxico Olha sinceramente aqui na cadeia tem mais tóxico do que na rua Então é o seguinte lá tem o problema de todo mundo trabalha já são pessoas mais umas famílias melhores mais cultas um pouco mais de instrução Lá tem gente que tem instrução nenhuma não sabe nem assinar o nome completamente ignorante entende Então já no xadrez chega lá junta uma turminha de 4 ou 5 faz um grupinho e pronto Tem cela com muita gente Tem cela que tem 3 caras né e era pra morar um individual mas tem cela que mora 3 Agora no coletivo que era pra morar 4 ou 5 mora 12 15 Comi o pão que o diabo amassou diz um preso do pavilhão 2 que começou no pavilhão 9 e agora opõe significativamente os dois Nessa situação tendia a perceber negativamente os presos que permaneciam no pavilhão 9 principalmente no que diz respeito ao processo de recuperação A recuperação nesse contexto de diferenciação espacial dentro da cadeia aparecia como dependendo de esforço pessoal da força de vontade os que permaneciam era porque optaram pela vida do crime Afirmavase também que no 9 impera muita miséria o que parece bastante significativo na medida em que não havia deficiência de alimentação na prisão Na verdade o que estava em jogo parece ser a própria origem social do preso no pavilhão 9 que em última instância era de todos os presos mas que identificava a miséria com o mundo do crime No 9 impera muita miséria Quer dizer tem cara lá que é parasita não consegue fazer uma batalha não sabe fazer uma batalha de nada Então ele tem um lençol e nada mais Uma manta que a Casa paga só tem aquilo que a Casa paga entendeu Estas idéias da força de vontade que recupera ou da opção que faz permanecer na vida do crime no 9 parecem operar no mesmo sentido percebido várias vezes de impedir o desenvolvimento do sistema de manutenção e reprodução da delinqüência É como se os presos se aproximassem freqüentemente deste desvendamento sem nunca atingilo É significativo por exemplo que os presos do 2 dissessem que no 9 impera a miséria Na verdade a miséria era característica do grupo social de origem de todos os presos Ao colocála como característica dos presos do 9 o preso do 2 operava com a mesma identificação entre miséria e mundo do crime Por outro lado jogando com seu deslocamento espacial e sua trajetória dentro da cadeia visualizava como possível desfazerse da miséria e sair do mundo do crime contanto que individualmente se esforçasse para isto 115 CAPÍTULO III A SUJEICÃO PELO CRIME A Casa de Detenção de São Paulo construída para oferecer 2200 vagas tem hoje uma população carcerária da ordem de 5705 presos19 A superpopulação das prisões tem sido um dos mais freqüentes focos das constantes críticas que se fazem ao sistema carcerário brasileiro Juízes juristas advogados jornalistas e autoridades governamentais do setor penitenciário e judiciário reconhecem e repetem periodicamente outras críticas às condições das cadeias e à vida dos presos propondo reformas medidas soluções que raramente vão além dos planos A questão das prisões se coloca nessas críticas em termos de problemas e soluções repetidamente referidos No entanto a questão está em que os problemas através dos quais se expressam as dificuldades do sistema carcerário em hipótese alguma questionam a existência mesma da cadeia e as soluções em geral não são mais que tentativas de adaptála às novas conseqüências que o tipo de desenvolvimento sócioeconômico tem acarretado para o crescimento da população das cadeias sem contudo cogitar de redefinir a forma de punição por transgressões à lei Por mais graves que sejam as críticas à cadeia por mais que se chegue à constatação de que ela não cumpre as finalidades básicas pela qual se justifica que ela exista punição do infrator e sua recuperação para a sociedade por mais que se conclua que ela pune em excesso e devolve à sociedade um homem marcado para sempre exatamente por ter passado pela cadeia ainda assim os autores das críticas eles mesmos permanecem irremediavelmente presos à idéia de que cadeia é vital para a existência da sociedade A crítica da prisão e de seus métodos é antiga Segundo Foucault 1977234236 já no século XIX se faziam críticas à prisão que se resumiam nos seguintes pontos as prisões não diminuem a taxa de criminalidade a detenção provoca a reincidência a prisão não pode deixar de fabricar delinqüentes20 a prisão torna possível ou melhor favorece a organização de um meio de delinqüentes solidários entre si hierarquizados prontos para todas as cumplicidades futuras as condições dadas aos detentos liberados condenamnos fatalmente à reincidência a prisão fabrica indiretamente delinqüentes ao fazer cair na miséria a família do detento Na verdade estas formulações críticas têm se repetido até hoje e também se verificam no Brasil Os exemplos abaixo 19 Insegurança o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 p 23 20 Foucault distingue entre delinqüente e infrator Esta distinção será esclarecida nas próximas páginas e utilizada ao longo desta exposição 116 citados embora se refiram a situações específicas bem o demonstram Aliás o próprio fato de estarem as críticas sempre referidas a casos concretos permite a seus formuladores articular sem contradições evidentes a constatação de que a cadeia não está cumprindo suas funções com a noção de que ela é imprescindível É que se os problemas são circunstanciais podem ser solucionados de tal modo que as funções previstas sejam afinal cumpridas Presídios velhos inadequados e superlotados sujos medievais desumanos que não recuperam e quase sempre degradam onde o homem é relegado à condição de ser estranho e indesejável à sociedade cárceres exíguos escuros e úmidos eis um retrato pálido do atual sistema penitenciário brasileiro cuja estrutura data de 1924 é superada mas resiste ao tempo aos governos aos simpósios congressos e críticas de todos os tempos21 O sistema penitenciário brasileiro não cumpre sua função no processo de recuperação do preso para a vida social Nesta formulação parte de uma reportagem baseada em levantamento nacional da situação das prisões no Brasil se vê que a crítica não poupa adjetivos ao levantar dúvidas sobre a eficácia corretiva da cadeia e no entanto a própria crítica revela que o referido sistema resiste às mesmas críticas de todos em todos os tempos Segundo o corregedor do presídio de Cuibá e juiz criminal Mauro José Pereira na situação em que está a cadeia de Mato Grosso jamais se alcançará o objetivo legal de recuperar o criminoso pois ele pode passar 10 20 ou 30 anos segregado e volta ainda pior para o convívio social A pena não é o ódio e nossas cadeias dão ao preso uma vida pior que aquela que ele levava antes do crime É uma farsa dizer que essas cadeias visam recuperar elas só marginalizam e segregam o homem tornandoo ainda mais nocivo e marcado pela sociedade22 Novamente e desta vez através de um representante do próprio aparelho judiciário criticase a capacidade de recuperação da cadeia O que aparentemente seria radical e contraditório o fato de um representante da justiça na sociedade afirmar que as cadeias na sua função de recuperar são uma farsa na verdade não o é Embora o discurso seja veemente questiona simplesmente as condições atuais sem colocar qualquer dúvida sobre a existência ou as funções da cadeia na sociedade As conclusões da CPI sobre a superlotação de nossos presídios conferem em gênero número e grau com denúncias que o atual Corregedor da Justiça vem formulando Há um erro básico que precisa ser corrigido a menos que todas as medidas que forem tomadas para resolver o problema se transformem em meros paliativos Esse erro está na própria mentalidade dos 21 Levantamento nacional sobre a situação dos presídios no Brasil Jornal do Brasil Rio de Janeiro 18 de agosto de 1974 22 Prisões a pósgraduação do crime Jornal do Brasil Rio de janeiro 6 de agosto de 1972 117 que não sabem que além da prisão outros recursos existem destinados a combater a delinqüência sem necessidade de recolhimento dos sentenciados nas celas das casas de grades Em obra que nasceu clássica La defense contre le crime Locard bem situa a questão quando considera a prisão carcerária como constituindo uma escola da delinqüência não existem verdadeiros profissionais do crime senão depois de haverem passado por estabelecimentos penitenciários é somente após ser detido e condenado por um pequeno furto por uma rixa por uma resistência a agentes da polícia que o homem se torna criminoso habitual23 A prisão é uma escola da delinqüência diz o relatório da CPI das prisões citando Locard e no entanto seus autores são incapazes de tirar todas as implicações da citação que fazem Se é verdade que o contato inevitável entre presos de diversos tipos tende a preparar para as atividades de delinqüência aqueles que não estavam definitivamente engajados no crime antes da prisão se é verdade que para esta reincidência e processo de corrupção concorrem os próprios guardas de presídio em função de seu despreparo e de sua própria corrupção24 não é menos verdade que estes elementos têm sido captados onde quer que se saiba que o sistema carcerário tenha existido No mesmo sentido e com grau de explicação ainda maior se encaminha a crítica seguinte Uma penitenciária uma cadeia ou uma casa de detenção permitem que milhares de criminosos vivam juntos Você encontra reunidos aí por exemplo bons assaltantes hábeis estupradores simpáticos corruptores de menores violentos assassinos alegres homossexuais e mais uma série de homens com muito vivência no submundo da marginalidadeAgora você junta todos estes entendidos do crime num lugar sossegado como o pátio da prisão onde eles possam trocar idéias sem serem incomodados O que acontece Simples as mais eficientes quadrilhas são formadas os mais engenhosos planos são elaborados A experiência criminal de cada um é passada para os demais E depois quando cumprem a pena saem ansiosos para começar a agir E desta vez com novas idéias para pôr em prática 25 Este trecho recolhido de uma propaganda da Campanha da Casa do Albergado da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo mostra como é evidente para os membros de próprio sistema carcerário o fato de que a prisão só serve para incentivar o crime Chega ao ponto em que os próprios encarregados de manter o sistema o criticam reconhecem seu fracasso na forma como vem lidando com os presos E o que propõem Liquidálo Não criarlhe um apêndice a prisão albergue Até isso o sistema é capaz de suportar A solução proposta tem como objetivo reduzir a 23 As conclusões da CPI sobre nossos presídios Jornal da Tarde São Paulo 28 de outubro de 1975 24 Guarda um problema na prisão Estado de São Paulo São Paulo 12 de dezembro 1975 25 Este é o melhor lugar para os criminosos planejarem os crimes mais perfeitos sem serem incomodados pela polícia Campanha da Casa do Albergado da Secretária de Justiça do Estado de São Paulo Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 118 população das penitenciárias cadeias mantendo controle maior sobre os que escolheram a delinqüência A prisãoalbergue abrigaria os que não apresentam nenhuma periculosidade e condenados por crimes que admitam esse benefício26 A partir do dia em que consegue a liberdade o presidiário transformase em um homem acuado com uma série de problemas para retornar ao convívio social A dificuldade maior está na obtenção da reabilitação criminal a maioria dos egressos termo usado na justiça encontra enormes dificuldades para conseguir emprego em conseqüência das restrições tradicionalmente feitas às pessoas que cumprem pena Essas restrições resultam quase sempre da folha de antecedentes que registra a pena cumprida27 Quem já esteve preso carrega consigo um estigma que praticamente o impede de conseguir emprego não conseguindo emprego fica sujeito a uma prisão por vadiagem pois a polícia o avalia em função de sua ficha criminal e não titubeia em mandálo novamente para a cadeia É esta quase fatalidade a que se acham sujeitos os que passaram alguma vez pelos órgãos policiais que acaba por fornecer a base de mais uma crítica que também não vai ao cerne da questão Dizse a meia verdade que a forma como é tratado o expreso incitao a reincidir no crime De qualquer modo a crítica capta a ordem inversa em que as coisas estão acontecendo a prisão existiria para reeducar o infrator e deixálo apto a reintegrarse à vida social ao fim de um período de segregação Entretanto o próprio documento pelo qual ele é liberado condenao na verdade a permanecer segregado ainda que fora das grades Em todos os Estados a penitenciária destinada aos sentenciados às vezes única fica na capital Com isso atrás do preso mesmo de um condenado a nove meses por lesões corporais vai a numerosa e desamparada família instalandose em favelas ao redor dos presídios como ocorre por exemplo em João Pessoa e Salvador28 O texto acima mostra que a prisão não produz e reproduz delinqüentes somente entre os que lhe são diretamente submetidos Estende suas implicações nocivas à própria família do preso fazendoa enfrentar dificuldades e muitas vezes passar necessidades Enfim a crítica à prisão pode ser vista inclusive por esse ângulo como entendendo suas implicações nocivas para outros membros do grupo social do preso À constatação de que as críticas ao sistema carcerário se repetem caberia acrescentar depois de têlas percorrido que todos formulam a mesma denúncia o sistema não concorre para liquidar nem diminuir a delinqüência mas pelo contrário para reproduzila e aumentála Por outro lado as 26 Ibidem Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 27 A vida depois da prisão Jornal da Tarde São Paulo 24 de novembro de 1975 28 Soltar para recuperar Veja São Paulo 14 de janeiro de 1976 119 formulações mais claras a respeito de porque isto acontece apontam elementos sem os quais uma prisão não seria uma prisão ou seja a segregação dos infratores com relação a seus parceiros sociais não atingidos pela lei a convivência obrigatória com outros infratores a identificação do ex preso enquanto tal nos documentos pelos quais ele é reconhecido socialmente finalmente o rigor e a violência sem os quais não se submeteriam os homens a um tal sistema As soluções apresentadas em função dessas críticas em geral se resumem a proposições que não questionam a existência em si da prisão pelo contrário propõem soluções que inovam no tratamento ao preso mas que na verdade significam apresentar novamente a prisão como solução para seus próprios problemas Foucault 1977237 Depois de severas críticas às condições prisionais de hoje no Brasil a CPI das prisões em seu relatório final sugere um novo sistema de penas dotado de substitutivos à pena de prisão revestidos de eficácia pedagógica de forma a restringir a privação da liberdade a crimes graves e delinqüentes perigosos A busca de outras sanções para criminosos sem periculosidde diminuirá a ação criminógena do cárcere e atuará como fator de despopulação das prisões recaindo as tentativas de descriminalização sobre figuras delituosas que não contribuem para a superlotação carcerária recomendase a construção de novas penitenciárias com capacidade máxima para 500 quinhentos presos e distribuídos por regiões a fim de conserválos tanto quanto possível no seu próprio meio Temse como princípio impostergável a adoção da cela individual e a obediência a modelos arquitetônicos que possibilitem as prisões semiabertas e abertas sem as quais é impossível levar a termo o processo de reeducação do delinqüente o exame da personalidde do sentenciado tendo em vista a natureza do crime é que determinará sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena 29 Em suma depois de tantas críticas à prisão as sugestões voltam a falar da prisão como reeducadora de infratores como solução para o problema de delinqüência Refinase um pouco a prática penitenciária modernizamse alguns setores mais antiquados melhoramse as condições de habitabilidade e pronto a prisão é apresentada como solução para o permanente fracasso da prisão Às sugestões acima mencionadas somamse várias outras de juizes advogados jornalistas que com freqüência atacam a prisão mas não conseguem romper o sistema de idéias que a entende como parte necessária da estrutura da sociedade À crítica ao excesso de presos nas prisões ao incentivo à repetição das infrações e à delinqüência se contrapõem formulações pelas quais não há qualquer ruptura na forma de pensar a prisão como punição e reabilitação não se vai ao ponto de 29 Relatório e conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a proceder ao levantamento da situação penitenciária no país Câmara dos Deputados Brasília 1976 p 25 120 questionar a existência da cadeia porque talvez isto leve ao questionamento da estrutura da própria sociedade Neste sentido e não no sentido pensado por seus críticos a cadeia mantém com a sociedade uma relação de caráter necessário Como entender que com tantas críticas e tantas soluções propostas o sistema penitenciário permaneça e com ele os mesmos problemas de sempre Diria Foucault Idem239 o sistema carcerário junta numa mesma figura discursos e arquitetos regulamentos coercitivos e proposições científicas efeitos sociais reais e utopias invencíveis programas para corrigir a delinqüência e mecanismos que solidificam a delinqüência O pretenso fracasso não faria então parte do funcionamento da prisão O que está por trás do fracasso da prisão Qual é a utilidade de determinados fenômenos constantemente criticados como a manutenção da delinqüência a indução à chamada reincidência a transformação do infrator ocasional em delinqüente habitual Como explicar a contínua perseguição ao expreso embora este já tenha cumprido sua pena A estas questões responde Foucault com formulações que coincidem com as conclusões às quais se pode chegar a partir da visão captada entre os presos da Casa de detenção de São Paulo Segundo Foucault Idem240 as penalidades não seriam um meio de reprimir as infrações mas de diferenciálas atribuílas aos diversos grupos sociais utilizandoas com o objetivo de dar terreno a alguns fazer pressão sobre outros excluir uma parte neutralizar este tirar proveito daqueles A penalidade carcerária identificaria um tipo de transgressão de ilegalismo atribuindoa a determinados grupos como forma de pressão neutralização e sujeição A justiça seria pois um aparelho gerenciador de ilegalismos e o decantado fracasso das prisões se vê não poderia mesmo levar à tese de sua eliminação pois na verdade traduziria em negativo sua função social Tais considerações refletem com fidelidade as observações feitas ao longo do contato com os presos da Casa de Detenção Em primeiro lugar eles eram acusados de ilegalismos cuja atribuição recaia sempre sobre grupos sociais perfeitamente identificados com uma situação social de pobreza e sujeição Por outro lado quando entre eles se falava na possibilidade de recuperação esta aparecia sempre referida a valores e alternativas sociais dos grupos mais privilegiados da sociedade enquanto seu termo oposto a continuação n mundo do crime era marcada por sinais de pobreza e sujeição tanto dentro quanto fora da cadeia Prosseguindo na análise das razões que garantem a manutenção da prisão convém falar sobre os mecanismos pelos quais o sistema penitenciário faz de um infrator de leis um delinqüente A diferença entre um infrator e um delinqüente está em que o que caracteriza o delinqüente não é o ato de infração mas a sua vida A justiça condena o infrator pelo ato de infração o sistema carcerário não apenas faz com que a infração o marque pela vida toda como realiza a socialização 121 que o insere definitivamente no mundo do crime por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito revelase o caráter do delinqüente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica A introdução do biógrafo é importante na história da penalidade Porque ele faz existir o criminoso antes do crime e num raciocínio limite fora deste Idem224 O delinqüente e a delinqüência transcendem a situação carcerária Uma análise cuidadosa das características atribuídas aos delinqüentes na sociedade brasileira pode constatar não só que a delinqüência abarca a vida de determinados indivíduos presos como infratores da lei como também se estende pelos grupos mais pobres da população e que constituem a classe trabalhadora brasileira Os atributos pelos quais se define o delinqüente na verdade são expressão dos preconceitos afirmados com relação a certos grupos sociais A biografia do delinqüente é pois na verdade a biografia comum a todos os membros destes grupos sociais Costumase dizer que são as condições de pobreza da classe trabalhadora em geral ocupando a periferia das grandes cidades e composta em boa parte por pessoas vindas de áreas rurais que permitem o aumento crescente da criminalidade e da delinqüência a situação em que vive esta população baixos salários insalubridade habitação inadequada levaria os indivíduos a optar pela delinqüência Na verdade há uma contradição sutil nessas afirmações e uma inversão significativa na ordem dos fatores um rápido passar de olhos nas estatísticas sobre as prisões é suficiente para se perceber que realmente a maioria esmagadora dos presidiários vem das populações mais pobres no entanto proporcionalmente ao conjunto da classe trabalhadora o número de presos não é tão vasto assim Portanto e aqui está a sutileza dizer que recrutamse os presos ou os delinqüentes entre os membros desses grupos sociais é mais adequado do que dizer que as condições desse grupo levam seus membros a delinqüir Desse ponto de vista são os membros dos grupos mais pobres que são colocados suspeição O lugar onde a pessoa mora o tipo de trabalho que tem sua religião é que vão definir esta pessoa como propensa a atos delinqüentes Assim como se não bastasse a árdua luta pela sobrevivência esses grupos sociais ainda têm que lidar cotidianamente com a repressão oficial da sociedade através da polícia que encontra nos locais de moradia desse setor majoritário da população brasileira um vasto campo para exercer sua atividade coercitiva Deixemos por enquanto a polícia de lado para mostrar como se explicam as representações que a sociedade formula sobre a delinqüência e o delinqüente Estas representações se fazem em diversos níveis e abrangem aspectos da vida dos trabalhadores mais pobres como por exemplo as condições de habitação em geral em áreas periféricas ou favelas o baixo grau de instrução formal a adesão às religiões de origem africana e consideradas de mais forte apelo místico a situação empregatícia com grande número de desempregados subempregados empregados de ocasião e 122 biscateiros Em vez de expressarem atributos específicos de indivíduos que infringem a lei expressam atributos de uma situação social Seria mais fácil explicar essas representações se elas fossem encaradas como formulações da ideologia dominante pelas quais se expressa basicamente o sistema de entendimento da sociedade por parte das classes dominantes No entanto a ideologia dominante penetra também nas concepções dos mais pobres e em diversos momentos as representações sobre determinados fenômenos a delinqüência no caso se mostram se bem que de pontos de vista diferentes com muitas semelhanças É neste sentido que se pode entender porque as representações dos presos sobre o delinqüente e os motivos para a delinqüência tendem a confirmar as explicações que consideram as características de um grupo social como as do delinqüente A classe trabalhadora não só é colocada em suspeição como também coloca a si mesma sob suspeição quando assume para si as razões que fundamentam a representação dominante acerca da delinqüência Entre os presos é freqüente o raciocínio através do qual as razões gerais para a delinqüência estavam no tipo de emprego na falta de instrução nos problemas de família que supostamente caracterizam os grupos sociais a que pertencem Nos depoimentos sobre os casos pessoais os motivos das infrações no entanto eram outros não tendo nunca nenhuma relação necessária com as características atribuídas à grupos sociais e em conseqüência à delinqüência As razões para a delinqüência constituem também freqüentemente objeto de explicações por parte de pessoas de algum modo comprometidas com o sistema judicial e repressivo Delas podem se retirar racionalizações comuns principalmente no que se refere à origem social dos delinqüentes Interpretam sempre que o caminho para o crime começa na família na relação de emprego no local de moradia ou seja nas formas pelas quais esses grupos sociais realizam sua existência E ao pensarem tais formas as pensam de um ponto de vista negativo degradado de modo que elas passam a ser o lugar onde germina a chamada subcultura da violência A violência tornase assim um atributo das populações mais pobres está bem localizada e fácil de combater Esta tem sido a função da polícia Assim expressa por exemplo o exSecretário de Segurança Pública de São Paulo coronel Erasmo Dias sobre o assunto O problema todo é a família Se o garoto nasce filho de mãe solteira se o garoto vive no mocó se o garoto assiste seguidamente uma família descomposta em tudo e por tudo o que é o senhor acha que vai acontecer O crime O subemprego em São Paulo representa a maior escola de formação de criminoso E se o senhor descer aqui a rua Alagoas em qualquer esquina o senhor vê 5 6 7 10 menores e maiores e marmanjos e 123 crianças vendendo flores limpando vidros vendendo flanelas tudo isso é bandido em potencial Todos eles são ladrões30 O Coronel Antônio Erasmo Dias que comanda todo o aparelho civil e militar lembra que 70 dos atos antisociais praticados em São Paulo decorrem de uma infraestrutura falha originandose entre as populações mais atingidas por problemas como subnutrição subhabitação etc Essas populações engrossadas dia a dia pelos contingentes de migração acabam por se autodestruir na luta pela sobrevivência contribuindo de modo acentuado para a formação da chamada subcultura da violência31 As causas da delinqüência apontadas pelo exsecretário oscilam falaciosamente entre comportamentos percebidos de modo negativo e imputados aos membros dos grupos sociais pobres a mãe solteira a família decomposta até razões de ordem social que transcenderiam as responsabilidades individuais e recairiam como denúncias sobre a própria ordem social o subemprego Para desmascarar as razões da primeira ordem basta refletir sobre o caráter tendencioso delas de fato não se fala freqüentemente em mães solteiras ou famílias decompostas quando é outra extração social da mulher ou da família referida Mãe solteira é fundamentalmente uma imputação a mulheres pobres e dificilmente mulheres de outros grupos sociais em situações conjugais idênticas são designadas como tal Por outro lado as razões sociais captadas são logo destituídas de quaisquer implicações lógicas ou práticas a constatação da pobreza de subemprego de subnutrição de subhabitação não leva ao questionamento da ordem social mas à discussão sobre a eficiência da polícia Aumentarlhe o contingente a eficácia repressiva dos quadros e argumentos vem sempre a ser o melhor modo de combater a chamada subcultura da violência da qual contra todas as evidências se exclui a própria polícia Certamente ao contrário do que conclui o coronel os atos antisociais não ocorrem apenas entre as populações a que se refere Como diria Paoli 19773 mesmo quando chega a ser reconhecido que a criminalidade transgressão da ordem definida pela lei é disseminada por toda a estrutura de classes sociais não sendo privilégio dos trabalhadores o roubo as mortes violentas as agressividades passionais e outras várias as condenações e punições parecem ser privilégio de classe mais de 90 delas incide sobre pessoas de renda baixa bastando perceber a composição do pessoal dos presídios Nestas condições ao proporcionar punições com um caráter de classe tão marcado a justiça comum parece fundar um estilo próprio de pôr em vigência o texto legal Instala simultaneamente o espaço para o uso da violência no controle social sob a forma de uma vigilância constante e ameaça permanente de punição 30 Para acabar com o crime na cadeia na cidade uso até canhão Aqui São Paulo São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 p 20 124 O delinqüente é reconhecido pelos problemas que afetam estruturalmente os grupos sociais mais pobres e na verdade esses problemas se prestam a fazer convergir para os que vivem nessas condições a suspeita e as acusações de delinqüência Não ter emprego fixo estar trabalhando em biscates são situações pelas quais as forças de repressão da sociedade identificam o delinqüente e do seu ponto de vista os assim identificados percebem a trama A primeira vez me prenderam por vadiagem e não adiantou dizer que eu era estivador Depois eles não deixam mais a gente melhorar de vida afirmando que a ficha já está suja mesmo agora é botar pra quebrar É isso que eu venho fazendo32 Tava vadiando não Sou safaonça na Praça 11 fico parado perto dos caminhões a frete esperando carreto Só que nem sempre tem trabalho Mas como é que a gente vai provar isso pros homens do camburão33 A prisão pelo que o Código Penal chama de vadiagem cujas estatísticas de prisões revelam um número elevado de casos é a condenação pela falta de um trabalho que não é oferecido a todos Do grupo social submetido a estas condições as forças de repressão retiram aqueles que serão conhecidos e segregados socialmente como delinqüentes Parou na minha delegacia ficou Se chegam 10 suspeitos eu faço 10 autuações Primeiro porque acho que lugar de vadio é na cadeia Posso devolver à sociedade um elemento ruim Depois porque faço polícia não faço justiça34 Vadio é elemento ruim diz esse delegado de polícia e quem não tem emprego ou não tem comprovação em documentos de que trabalha pode ser considerado vadio e delinqüente e assim se classificam ou se ordenam certos grupos sociais como ameaçadores da ordem ou prontos para ações delituosas35 A prisão por esse motivo início de uma trajetória que leva de modo quase infalível à delinqüência caracteriza a maioria dos casos de ocorrência policial e através dela começa a separação entre aqueles que no futuro serão perseguidos pela polícia A perseguição se justifica pela ameaça que representam para a população Paradoxalmente a ameaça se exerce sobretudo sobre a outra parte dos grupos sociais de onde vieram já que sua ação vai recair principalmente sobre seus pares de origem 31 Insegurança o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 p 19 32 Norma COURI Vadiagem um caso de polícia Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 de junho de 1974 33 Idem 34 Idem 35 Aliás a observação não é nova e não se justifica somente para o caso do Brasil Referindose ao início da Revolução Industrial Marx dizia Los padres de la clase obrera moderna empezaron viendose castigados por algo que ellos mismos eran victimas por verse reducidos a vagabundos y mendigos La legislación los trataba como a delincuentes voluntários como si dependese de su buena voluntad el continuar trabajando en las viejas condiciones ya abolidas Karl MARX El Capital México Fondo de Cultura Economica 5ª edição 1968 VI p 625 125 Além do tipo de família e da situação de emprego o tipo de moradia dos mais pobres aparece sempre associada à delinqüência Eucanam de Azevedo um favelado de 20 anos foi quem chefiou a quadrilha que no final do ano passado praticou um dos maiores assaltos já ocorridos no Brasil roubando mais de 4 milhões de cruzeiros de uma agência do Bamerindus36 O delinqüente é identificado pelo fato de ser favelado antes de sêlo pelo ato de que é acusado Na favela habita boa parte das populações mais carentes dos grandes centros urbanos e que de forma alguma é composta de delinqüentes Não se pode negar que a maior parte dos presos procede de periferias favelas bairros pobres mas a sutileza da argumentação está no fato de que isto não significa que haja uma relação necessária e natural entre ser favelado e ser delinqüente a relação é social Na sua grande maioria os moradores das favelas não são delinqüentes mas são tratados enquanto tais pela polícia e pela justiça Uma inversão do argumento muda substancialmente o seu sentido As formas de representação social da delinqüência mostram o delinqüente como um favelado na perspectiva de que através dessa classificação quem fica qualificado é o favelado e não o delinqüente Em outras palavras quem precisa se defender da acusação de delinqüente é o favelado que por esse motivo procura isolar o grupo de delinqüentes diferenciálo dentro da própria favela tentando evitar a mistura das características do delinqüente com a sua embora essa medida não signifique um tratamento diferenciado por parte da polícia pois esta a todo instante investe contra essa população indiscriminadamente O que ocorre na realidade então é uma repressão organizada contra toda a população favelada ou periférica servindo como pretexto dizerse que o delinqüente mora ou se esconde nesses locais Os assaltos a mão armada foram quase 3 mil Os policiais mais experientes sustentam que a grande maioria desses assaltos foi cometido por favelados ou agentes do mesmo nível econômico e social que depois fogem e se escondem nos morros o que desmente a tese de alguns sobretudo o estilo de crime no Rio37 Às 20 horas de sextafeira toda a polícia da cidade foi mobilizada com 2 mil e 800 homens e 108 viaturas Morros favelas logradouros onde é conhecida a freqüência de delinqüentes foram vasculhados até as 4 horas de Sábado38 O coronel Edevaldo José dos Santos lembra que nesta região vivem mais de um milhão e trezentas mil pessoas que compõem uma população muito diversificada Há as áreas dos jardins da classe alta mas próximas do 36 Favelado chefiou assalto no Rio ao Bamerindus Estado de São Paulo 13 de março de 1976 37 Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 de novembro de 1972 grifos nossos 38 Jornal do Brasil Rio de Janeiro 11 de janeiro de 1976 grifos nossos 126 quartel do 1º BPM existem mais de 200 favelas e mais de 300 vilas lugares considerados como redutos de marginais O tenentecoronel explicou que seus homens já saíram para agir nas áreas onde há maior incidência de crime Eles já conheciam bem esses lugares e fizeram patrulhamento intenso com paradas em bares revista de documentos porte de arma etc Mas diz o tenentecoronel outro grave problema que interferiu na ação policial foi a precariedade de recursos da maior parte da região com ruas sem pavimentação sem comunicação luz água etc39 Este último texto por exemplo apresenta claramente alguns pontos fundamentais numa região de São Paulo Zona Sul onde vivem especialmente próximas pessoas ricas e pobres o policiamento tem que ser intenso O quartel da PM portanto fica perto de 200 favelas e os locais mais conhecidos pelos policiais são aqueles em que há precariedade de recursos Em outras palavras a polícia vigia intensamente não só a movimentação dos delinqüentes mas também toda a população Foucault 1977246 da qual são recrutados os delinqüentes As notícias redigidas por jornalistas denotam a naturalização do caminho e da origem da delinqüência É natural que os morros e favelas sejam os lugares considerados como reduto de marginais e deste ponto de vista tornase natural o vasculhamento freqüente desses locais Tais representações sobre a delinqüência também existem para essas populações sob as quais repousa a suspeição de que são a origem e o caminho do criminoso Para ele é necessário maior violência e repressão no trato com os delinqüentes já que são os mais afetados por suas atividades embora percebam que a polícia os considera a todos como potencialmente delinqüentes Na verdade esses fatos giram em torno da suspeição contra determinados grupos sociais Além da família da relação de emprego e do local de moradia outros elementos característicos da forma de existência desses grupos postos em suspeição são ainda associados à violência e à delinqüência Vejase por exemplo como a filiação a determinadas crenças religiosas é acionada neste sentido Os marginais raramente são corajosos Têm medo da polícia da reação das vítimas e supersticiosos temem sobretudo o castigo das almas Geralmente recorrem aos entorpecentes para ficar leão corajoso ousado como costumam dizer E para evitar a captura a morte ou o malogro apelam para a Umbanda e a Quimbanda preferindo naturalmente os Exus do mal Entre as diversas práticas a mais comum é a de fechar o corpo É na Quimbanda entretanto onde os marginais mais se apoiam oferecendo comidas e abatendo animais destinados a Exus para alcança seus objetivos ilícitos 39 Jornal do Brasil São Paulo 3 de maio de 1976 grifos nossos 127 As mulheres delinqüentes as que se dedicam ao lenocínio ou freqüentam bares suspeitos e inferninhos são fervorosas adeptas de Pomba Gira a mulher se sente Exu 40 A forma pela qual se relaciona o crime com a religião na verdade investe em primeiro lugar contra a religião e em segundo lugar contra o crime O que fica patente é uma condenação aberta às formas de manifestação religiosa professadas pelos grupos sociais mais pobres que se dá mais fortemente do que a delinqüência propriamente dita Em outras palavras as crenças religiosas do grupo são antes degradadas e então associadas a práticas ilegais de modo a constituírem atributos negativos do grupo e aparecem como componente naturais da delinqüência O preconceito se expressa claramente com relação ao tipo de religião em geral considerada atrasada de negros e ligada a outros valores não legitimados pelas chamadas religiões históricas A descrição de aspectos dessa religião adquire um tom de ridicularização Através da denúncia de delinqüentes condenase formas de manifestação religiosa reconhecidas como formas nas quais os delinqüentes se apoiam para cometer seus atos criminosos Mas o procedimento contra a crença popular não termina ai Uma análise científica professada por um psicanalista também incorre nas mesmas formulações Os criminosos não fogem às limitações do homem do povo Somandose as deficiências patológicas as insuficiências biopsíquicas mais as condições criminógenas do meio temos terreno fértil para propagação de crendices e superstições41 Neste caso a opinião é mais radical na medida em junto às crendices e superstições são apresentadas razões de ordem científica A ciência e sua objetividade desempenham um papel legitimador de preconceitos contra a cultura de outra classe social que não a do cientista naturalmente Pela expressão limitações do homem do povo o cientista pretende demonstrar que não só com relação às crenças mas também em outros aspectos o povo é atrasado além de reconhecer abertamente que o criminoso tem sua origem no povo Prosseguindo neste caminho outros fatores alegados como condição para a delinqüência tais como as condições criminógenas do meio expressam a mesma idéia de que as condições de determinados grupos sociais os predispõem naturalmente para o crime Como está falando do povo é do seu meio que se produz o delinqüente Por outro lado as crendices e superstições atributos de caráter popular tornamse parte de uma explicação que considera inclusive estas atitudes como problemas 40 Ramão Gomes PORTÃO Marginal busca proteção no sobrenatural Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 41 Psicanálise interpreta os impulsos Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 128 patológicos com a diferença no caso de que o patológico está sendo conferido a toda uma camada da população Sendo discriminadas com relação ao local de moradia à religião ao trabalho à família à educação as pessoas passam a reagir defensivamente dentro do seu próprio grupo em suspeição procurando cada qual definirse como diferente dos outros do mesmo grupo que formariam o conjunto dos delinqüentes Pleiteiam tal diferenciação apresentadose por exemplo como tendo um trabalho fixo com carteira assinada Isso porque sabem que estar desempregado ou subempregado e consequentemente sem documentos comprobatórios de vínculo empregatício implica ser identificado como delinqüente e correr o risco de ser preso como vadio Neste mesmo sentido outros elementos tais como instrução formal vestuário local de moradia podem ser acionados alternativamente ou simultaneamente com o intuito de distanciarse das características do seu próprio grupo Tudo isto levanta uma série de problemas no que diz respeito às formas de representação social da delinqüência A possibilidade de perceber estes preconceitos contra determinados grupos sociais não pode ser deixada de lado quando se explicita a definição da delinqüência ainda porque como em todo o preconceito seu objeto no caso os grupos mais pobres assume para si os atributos que lhe estão sendo imputados Os delinqüentes são pensados como naturalmente procedentes dos grupos sociais mais pobres e nestas condições é difícil acreditar que a lei se exerça igualmente para todos e em nome de todos Neste sentido como diz Foucault 197724344 a prisão mesmo fracassando atinge seu objetivo ou seja suscita uma forma particular de ilegalismo separado e organizado por ela A prisão contribui para estabelecer um ilegalismo a delinqüência que na verdade resume simbolicamente todas as outras formas de ilegalismos mas que deixa de lado aqueles ilegalismos que convém tolerar A delinqüência seria para Foucault um efeito da penalidade de detenção na medida em que serve para diferenciar os ilegalismos Sem dúvida a delinqüência é uma das formas de ilegalidade em todo caso tem suas raízes nela mas é um ilegalismo que o sistema carcerário com todas as suas ramificações investiu recortou penetrou organizou fechou num meio definido e ao qual deu um papel instrumental em relação aos outros ilegalismos Em vez de fracasso podese então dizer que a prisão é bem sucedida em produzir a delinqüência ou mais ainda em especificar uma delinqüência A prisão substitui o infrator da lei pelo delinqüente A delinqüência produzida pela penalidade de detenção seria um ilegalismo fechado separado e útil O círculo da delinqüência não seria o subproduto de uma prisão que ao punir não 129 conseguisse corrigir seria o efeito direito de uma penalidade que para gerir as práticas ilegais investiria algumas delas num mecanismo de punição reprodução de que o encarceramento seria uma das peças principaisIdem244 A delinqüência como um ilegalismo fechado traz uma série de vantagens A começar pela facilidade com que pode ser controlada Diferente do bandido europeu dos séculos XVIII e XIX que tinha apoio do grupo social de onde saia pois expressava de certo modo a rebelião do grupo contra a situação social pela qual passava hoje o delinqüente pratica uma criminalidade recusada pela população da qual é recrutado pois a violência da ação delituosa assim como a violência da prática repressiva que supostamente a ação desencadeia recai sobre esta mesma populaçãoIdem245 A delinqüência permite que em nome do seu controle se vigie toda a população atingida dessa forma Considerar a favela por exemplo como um reduto de criminosos justifica uma repressão constante sobre toda sua população No entanto para que a delinqüência possa se manter isolada e útil tornamse necessários mecanismos além da prisão para sua produção Devese a isso o desenvolvimento dos controles policiais A função da polícia de controlar a delinqüência se exerce principalmente nos grupos sociais mais pobres Na verdade é desses mesmos grupos sociais que se recrutam tanto o delinqüente quanto seu repressor o policial A sociedade de classes mantém um sistema de repressão pelo qual da classe colocada em suspeição são retirados tanto os elementos que justificam a vigilância constante quanto os elementos que exercem tal vigilância42 O policial não pode não está preparado e nem tem condições É fácil entender isso Por mais que nós selecionemos o policial o policial nós selecionamos exatamente na sociedade em que vai servir O policial militar por exemplo o patrulheiro ele é selecionado numa classe efetivamente de nível baixo É um cidadão que tem quando muito o primário quando muito tem o ginasial e esse cidadão normalmente tem dentro de si tudo aquilo que tem a sociedade43 A policia juntamente com a prisão desempenha um papel fundamental na produção e manutenção da delinqüência Segundo Foucault 1977248 a políciaprisãodelinqüência se apóiam uns sobre os outros e formam um circuito que nunca é interrompido Este circuito se inicia 42 Paoli expressa muito bem esta idéia de que vítimas agressores e repressores tem a mesma extração social vítimas e agressores pertencem a uma mesma população da qual aliás são também retirados os baixos escalões dos órgãos repressivos encarregados desta vigilância constante Violência e controle portanto estão intimamente entrelaçados nas condições da vida dos trabalhadores urbanos mas a sua relativa indistinção deste prisma deixa de existir na medida em que a violência é objeto de monopólio legal pelos órgãos de repressão Maria Célia PAOLI op cit p 7 43 Para acabar com o crime na cidade uso até canhão Aqui São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 130 quando a polícia recruta nas populações mais pobres os indivíduos para se iniciarem na delinqüência A prisão é o passo seguinte pois através dela estes indivíduos são socializados para o crime se juntam com delinqüentes já formados se organizam para atuarem depois da cadeia Aqueles que entram na cadeia ficam definitivamente marcados como delinqüentes Basta ouvir os presos para saber dos obstáculos cuidadosamente erguidos a partir da cadeia de modo a tornar impossível a reinserção na vida social Os documentos além de difíceis de conseguir são discriminatoriamente marcados daí ser difícil obter emprego A polícia também os persegue por terem antecedentes criminais e assim que caem em suas mãos retornam à prisão A utilização da delinqüência para um maior controle de determinados setores da sociedade se expressa também através do noticiário policial das emissoras de rádio e de vários jornais em geral populares É comum a esses jornais apresentarem o crime e o criminoso como próximos e parte do cotidiano e assim tentar tornar cada vez mais aceitável a ação da polícia e seus colaboradores Da maneira como essas formulações estão sendo feitas à primeira vista pode parecer que se está supondo uma intencionalidade ou um plano maquiavelicamente elaborado de subjugação de classe Na verdade não se trata disso mas sim da constatação de articulações necessárias entre elementos que constituem parte importante no funcionamento do nosso sistema social Em outras palavras tanto a polícia a prisão e a justiça se aprimoram para a manutenção do status quo existem para sua defesa mas a suposição explícita é de que tal manutenção e defesa requerem uma ação que tenha êxito em eliminar a delinqüência O que a análise mostra é bem o contrário a polícia a prisão a justiça produzem a delinqüência embora eliminando alguns delinqüentes e ao fazêlo mantêm e defendem o sistema Por fim após constatarmos a importância da delinqüência como forma de controle sobre todo um campo social composto pelas camadas mais pobres da sociedade convém fazer referência também ao modo pelo qual a delinqüência desempenha um papel econômico e político cujo desmembramento se estende por diversas atividades da sociedade A importância neste sentido é ainda maior se se entende o grupo dos delinqüentes como um grupo discriminado controlado e ainda alvo da desconfiança dos demais componentes dos grupos sociais de onde provêm Foucault percebeu que este fato proporciona às classes dominantes a possibilidade de ter como resultado um gigantesco lucro econômico e lembrou as somas fabulosas que produzem a prostituição o tráfico de drogas além do que a delinqüência produziria um lucro político pois quanto mais há delinqüentes mais a população aceita os controles policiais sem falar no benefício de uma mãode 131 obra garantida para as baixas jogadas policiais boateiros agentes provocadores eleitorais furadores de greve44 O produto econômico do crime não termina com os lucros que a delinqüência isolada proporciona mas se diversifica se pensarmos no modo pelo qual a delinqüência produz ou mantém uma grande quantidade de atividades Contudo a forma pela qual essas atividades se ligam ao crime nem sempre estão explícitas Se o lucro político é mais encoberto o lucro econômico chega a ser percebido e denunciado pelos próprios delinqüentes Num depoimento marcado pela revolta contra a situação dos presos na cadeia um preso através de sua denúncia deixa claro sua concepção acerca da ligação do crime com outras atividades econômicas Eu vou falar uma coisa é uma coisa pesada o que eu vou falar eu não sei quem é se é a justiça se é a própria sociedade ou se é o governo eu não sei explicar mas tem alguém que quer que continue esta imagem de bichos este mito pra tirar proveito não sei de que Só pra ilustrar o porque ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai ter que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart o advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acaba uma indústria muito grande Depoimento de um preso da Casa de Detenção SP O preso localiza na continuação de seu depoimento num interesse para ele inexplicável de que o crime continue e com tanto interesse em jogo Prosseguindo o raciocínio o preso chega a formular a dúvida porque será que se investe mais em cárceres que em escolas E agora é ele que coloca a sociedade em suspeição É a mesma coisa que acabar o petróleo pô Eu tenho um poço de petróleo então não posso deixar secar não é verdade Se aquele está secando então vou ter que fazer outro pra tirar A mesma coisa com um poço de água Eu tenho uma casa que não tem água encanada se aquele poço está secando ôpa Vou fazer outro poço porque essa água vai acabar Então eu acho que tem elementosnão interessa Agora de quem não sei Eu não acredito que seja interesse do governo estar desperdiçando de verba por mês 105 milhões como dispõe pra Casa de Detenção Eu acho que não é interessante pro governo Ele poderia gastar muito dinheiro construindo faculdades tá certo porque o problema maior de São Paulo é problema de ensino Você vê que todo ano quantos excedentes ficam ai então o governo gasta 100 150 bi com o problema carcerário do que gastar 5 6 fazendo 44 Opinião Rio de Janeiro 16 de maio de 1975 Entrevista com Michel Foucault 132 uma faculdade fazendo professores não é verdade Agora por exemplo ai você vê qual é o interesse Talvez que a indústria faculdade não seja tão rendosa pra eles só posso analisar desta maneira Rendoso como é onde que eu quero saber que eu quero alguém veja isso ai Eu não vejo até agora não enxerguei ainda Depoimento de um preso da Casa de Detenção SP Marx 197420304 parece partilhar desta visão segundo a qual a delinqüência produz lucros sociais além de delitos o delinqüente produz delitos mas não apenas isso produz também um direito penal produz o professor que dá cursos sobre direito penal e até o inevitável manual em que este professor congrega suas aulas com vista ao comércio Além disso o delinqüente produz toda a organização da polícia e da justiça penal produz os agentes policiais os juízes os jurados etc e estas diversas profissões que constituem outras tantas categorias de divisão social do trabalho desenvolvem as diversas faculdades do espírito humano criam novas necessidades e novas formas de satisfazêlas A tortura por si só provocou os inventos mecânicos mais engenhosos e deu trabalho a toda uma multidão de trabalhadores honrados dedicados à produção de seus instrumentos O delinqüente produz uma impressão de caráter moral e às vezes trágica estimulando deste modo a reação dos sentimentos morais e estéticos do público Além dos manuais de direito penal de códigos penais e legisladores produz arte literatura novelas e até tragédiasIdem20304 A delinqüência teria um alcance maior na sociedade exercendo também a função de reguladora do mercado de trabalho O crime alivia o mercado de trabalho de uma parte da população sobrante atenua a concorrência entre os trabalhadores e impede até certo ponto que o salário baixe do nível mínimo por outro lado a luta contra o crime dá trabalho a outra parte da mesma população O delinqüente vem a ser pois um desses fatores que estabelecem o saudável equilíbrio e abrem uma perspectiva de ocupações úteisIdem Seguindo esta linha de raciocínio diríamos que os desdobramentos econômicos oriundos do crime são ainda maiores desenvolvese a indústria que se ocupa em produzir instrumental para as penitenciárias45 a tecnologia para a fabricação da moeda evitando a falsificação os enlatados da TV um dos sustentáculos da indústria cinematográfica e que retiram seus enredos dos temas ligados ao crime Por outro lado a ameaça que a delinqüência faz pairar sobre a propriedade abre espaço para criação de novas 45 Nos EUA foi o único ramo da indústria a crescer no período de recessão econômica dos primeiros anos da década que se iniciou em 1970 A Southern Steel uma velha indústria norteamericana garante que pelo menos um setor não está sendo atingido pela recessão econômica internacional o de produção de equipamentos para prisões e penitenciárias A Southern é a maior e a mais antiga fábrica deste tipo de material nos Estados Unidos e distribuiu recentemente um relatório a seus acionistas onde dizia que este é o melhor período de sua história a receita da empresa cresceu 38 em relação ao mesmo período do ano anterior 133 medidas de segurança aparelhagem de controle mais moderna para ser mais eficaz tecnologia mais apurada para descobrir fraudes Marx 1974204 Em suma a importância que assume a delinqüência na sociedade de hoje extrapola de muito seus limites A delinqüência não serve somente ao exercício de um controle mais rígido sobre os grupos sociais mais pobres como também propicia crescimento da indústria descompressão do mercado de trabalho fatores econômicos que monstram sua complexidade no conjunto dos fenômenos sociais O crime e o criminoso desempenham um papel social relevante para a manutenção do sistema social 134 Bibliografia utilizada ADORNO Sérgio 1993 A criminalidade urbana violenta no Brasil um recorte temático BIB 35 São Paulo ANPOCS ANISTIA Internacional 1999 Brasil Aqui ninguém dorme sossegado Violações de direitos humanos contra detentos São Paulo Anistia Internacional pp3 BERREMAN Gerard D 1975 Etnografia e controle de impressões em uma aldeia do HimalaiaDesvendando Máscaras Sociais GUIMARÃES Alba Zaluar org Rio de Janeiro Livraria Francisco Alves Editora SA BRANDT VC e outros 1986 O trabalhador preso no Estado de São Paulo São Paulo Cebrap CASA DE DETENÇÃO DE SÃO PAULO 1974 Relatório anual exercício de 1974 São Paulo CÓDIGO PENAL 1960 Belo Horizonte Edições LEMI DURKHEIM Émile 1968 Les formes élémentaires de la vie religieuse Paris Presses Universitaires de France FOUCAULT Michel 1977 Vigiar e punir história da violência nas prisões Petrópolis Vozes 1975 Surveiller et punir naissance de la prison Paris Editions Gallimard GOFFMAN Erving 1959 The presentation of self in every day life Nova York Doubleday IBGE Anuário estatístico do Brasil Rio de Janeiro 1974 MARX Karl 1968 El Capital México Fondo de Cultura Economica 5ª edição VI 1974 História crítica da teoria da maisvalia Buenos Aires Ed Brumário VI MISSE M et al 2001 Violência Criminalidade Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil uma bibliografia BIB 50 São Paulo ANPOCS PAOLI Maria Célia 1977 Justiça e poder as classes subalternas e o direito São Paulo USP mimeo REGIÃO METROPOLITANA DO ESTADO DE SÃO PAULO diagnóstico 75 Segurança Pública São Paulo 1975 RELATÓRIO e conclusões da CPI destinada ao levantamento da situação penitenciária no país Brasília 1976 SOUZA Percival de 1977 A prisão histórias dos homens que vivem no maior presídio do mundo São Paulo Editora Alfa Omega ZALUAR Alba 1999 Violência e Crime O que ler na ciência social brasileira 19701995 Miceli Sérgio org São Paulo Editora SumaréANPOCS Jornais e Revistas A VIDA depois da prisão Jornal da Tarde São Paulo 24 de novembro de 1975 AS CONCLUSÕES da CPI sobre nossos presídios Jornal da Tarde São Paulo 28 de outubro de 1975 135 COURI Norma Vadiagem um caso de polícia Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 de junho de 1974 ESTADO de São Paulo São Paulo 15 de julho de 1975 ESTE é o melhor lugar para os criminosos planejam os crimes mais perfeitos sem serem incomodados pela polícia Campanha da Casa do Albergado da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 FAVELADO chefiou assalto no Rio ao Bamerindus Estado de São Paulo São Paulo 13 de março de 1976 GUARDA um problema na prisão Estado de São Paulo São Paulo 12 de dezembro de 1975 INSEGURANÇA o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 JORNAL do Brasil Rio de Janeiro 5 de novembro de 1972 JORNAL do Brasil Rio de Janeiro 11 de janeiro de 1976 JORNAL da Tarde São Paulo 3 de maio de 1976 LEVANTAMENTO nacional sobre a situação dos presídios no Brasil Jornal do Brasil Rio de Janeiro 18 de agosto de 1974 OPINIÃO Rio de Janeiro 16 de maio de 1975 PARA acabar com o crime na cidade uso até canhão Aqui São Paulo São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 PORTÃO Ramão Gomes Marginal busca proteção no sobrenatural Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 PRISÕES A PÓSGRADUAÇÃO DO CRIME Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 de agosto de 1976 PSICANÁLISE interpreta os impulsos Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 SOLTAR para recuperar Veja São Paulo 14 de janeiro de 1976 SOUZA Percival Jornal da Tarde São Paulo 7 de julho de 1976 Bibliografia consultada ANTONIO João 1975 Leão de chácara Rio de Janeiro Civilização Brasileira BARBOSA Adriano 1971 Esquadrão da morte um mal necessário Rio de Janeiro Editora Mandarino 1971 Mariel um Ringo a sangue frio Rio de Janeiro Lós Editora Ltda BARRETO Djalma LG 1975 Violência arquétipo e lei Petrópolis Vozes BECKER Howard 1971 Los Extraños sociologia de la desviación Buenos Aires Editora Tiempo Contemporaneo BERLINCK Manoel T 1975 Marginalidade Social e relações de classes em São Paulo Petrópolis Vozes BRITTO Lemos 1946 O crime e os criminosos na literatura brasileira Rio de Janeiro José Olympio Editora 136 CONY Carlos Heitor et alii 1965 Assim marcha a família Rio de Janeiro Civilização Brasileira CUNHA LIMA João M 1974 Polícia e Criminologia São Paulo Ibrasa DAVIS Shelton H org 1973 Antropologia do direito estudo comparitivo de categoria de dívida e contrato Rio de Janeiro Zahar Durkheim E 1971 Las reglas del metodo sociologico Buenos Aires Schapire Editor ENZENBRGER Hans Magnus 1968 Política y delito Barcelona Editorial Seix Barral ESTERCI Neide 1972 O mito da democracia no país das bandeiras análise dos discursos sobre colonização e migração no Estado Novo Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo FRANCO M S de Carvalho 1969 Homens livres na ordem escravocrata São Paulo IEB GARCIA Jr Afrânio R 1975 Terra de trabalho Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo GOFFMAN Erving 1971 Asylums essays on the social situation of mental patients and other inmates Middlesex Penguim Books GOLDWASSER Maria Julia 1974 Cria fama e deitate na cama um estudo de estigmatização numa instituição total VELHO Gilberto org Desvio e divergência Rio de Janeiro Zahar HOBSBAWM EJ 1975 Bandidos Rio de Janeiro Forense Universitária KOWARICK Lúcio 1975 Capitalismo e marginalidade na América Latina Rio de Janeiro Paz e Terra LEINWAND Gerald 1972 The police Nova York Pocket Books LEITE LOPES José Sergio 1976 O vapor do diabo o trabalho dos operários do açúcar Rio de Janeiro Paz e Terra LOPES REY Manuel 1973 Crime um estudo analítico Rio de Janeiro Artenova LOUZEIRO José 1975 Lúcio Flávio o passageiro da agonia Rio de Janeiro Civilização Brasileira MACHADO DA SILVA LA 1971 Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo MAIA Clive 1962 Sol quadrado Rio de Janeiro Pongetti MALINOWSKI Bronislaw 1966 Argonauts of Western Pacific London Routledge Kegan Paul MARCOS Plínio 1976 Uma reportagem maldita Querô São Paulo Símbolo PAOLI Maria Célia 1974 Desenvolvimento e marginalidade São Paulo Pioneira PEREIRA J 1975 Violência uma análise do homo brutalis São Paulo Editora AlfaOmega RAMOS Graciliano 1960 Memórias do Cárcere São Paulo Editora Martins RIBEIRO Otávio 1977 Barra pesada Rio de Janeiro Editora Codecri SANTOS Ary dos 1939 Como nascem como vivem e como morrem os criminosos Lisboa Livraria Academia 137 STOFFELS Marie Ghislaine 1977 Os mendigos na cidade de São Paulo Rio de Janeiro Paz e Terra SUTHERLAND Edwin H org 1972 The professional thief by a professional thief Chicago The University of Chicago Press 12ª edição THOMPSON Augusto F G 1976 A questão penitenciária Petrópolis Vozes TYGEL Angela M F et al 1973 Delinqüência juvenil na Guanabara Rio de Janeiro Rival Artes Gráficas Ltda 138 Anexo Entre as experiências relatadas pelos presos da Casa de Detenção de São Paulo uma pareceu particularmente esclarecedora do argumento desenvolvido neste livro Tratase da experiência limite de um preso na tentativa de provarse como recuperável face a obstáculos impostos e intransponíveis infelizmente temse que omitir alguns trechos dos mais convincentes neste para não identificar a pessoa A riqueza de detalhes e a força da denúncia da entrevista justificam sua inclusão como uma forma de divulgação do protesto nela contido e uma contribuição a quantos se disponham a aprofundar a reflexão sobre o tema em questão Seus pais faziam o que Minha família é uma família meio humilde Família pobre Meus irmãos são muito pobres É mais meu pai eu não cheguei a conhecer Não tive um amor de pai Tive uma senhora mãe que se encontra viva até hoje cinco irmãos casados o único solteiro na família sou eu Você é o mais novo mais velho Mais novo Sou o caçula E teu pai fazia o que Ah Meu pai era o irmão dele tinha uma fazenda no interior de então ele vivia na fazenda trabalhando depois todos nós viemos para depois que ele morreu E tua mãe trabalhava Trabalhava E ela era o que Lavadeira E teus irmãos sempre trabalhavam Sempre trabalhavam É eles são pintores de parede Todos eles Todos eles Mas você você fez escola em você chegou a estudar Fiz Eu cheguei a estudar até o segundo ano Mas eu não adquiri o suficiente na segunda parte A maior parte do estudo que eu vim aprender foi na cadeia Você começou a trabalhar com que idade mais ou menos Com quatorze anos eu era balconista no E depois disso você continuou balconista Continuei sendo balconista Eu morava num bairro muito e eu era muito popular no bairro onde eu morava Era conhecido geral de todo mundo Mas tudo parte de uma coisa sabe eu conto a história e ninguém acredita Eu conheci uma família lá em foi nessa família a primeira garota que eu comecei a gostar dela Eu gostava de jogar futebol mas o time que eu jogava lá os dois donos do time tinham passagem pela polícia tinham fama de maconheiro eram mal vistos no bairro Mas eu não deixava os rapazes pela má fama deles Porque eu jogava no time o que eles eram não me interessava Mas como eu andava junto com eles no grupo lá eu comecei a ser difamado por eles certo Justamente a família que eu tinha amizade criticou minha pessoa me falaram que eu estava 139 praticando os mesmos atos que eles praticavam Eu tinha um amigo que era irmão da garota que eu queria na época A família proibiu o rapaz de andar comigo por essas coisas Como é que você conheceu esse pessoal Eu conheci na brincadeira eu e o rapaz com quem eu me dava a moça também Jogando bola É jogando bola Peguei amizade com a família Foi época que começaram as críticas Ele chegava em mim e explicava minha família não quer mais que eu ande com você porque você está se dando com fulano fulano fulano e você é isso e aquilo Mas ele não deixou a amizade dele nós se encontrávamos por outros lados por outros meios Eu gostava da irmã dele é uma história complicada sabe Bom a família proibiu ele de andar comigo ele começou a andar com a pessoa que eu estava andando no fim aquela pessoa matou ele matou ele Era um dos caras Era um dos caras Quer dizer a família proibiu ele de andar comigo ele foi andar com um cara o cara matou ele Quer dizer eu tinha uma amizade sincera com ele apesar de que eu nunca pus a mão em nada de ninguém eu era apenas moleque sem cabeça mesmo Mas com a morte dele e a má fama que tinham colocado em cima de mim eu me senti revoltado me senti tenho sentimentos Naquele dia eu até comecei a andar mesmo com aqueles rapazes Eu não era estavam me criticando eu comecei a andar Mas eu tive muita advertência quanto à minha pessoa mas não adiantou nada Porque você começou a andar Eu trabalhava nunca tinha posto a tal de maconha na boca eu estava sendo criticado no bairro todo que eu era maconheiro era ladrão era isso era aquilo a única amizade que eu tinha era esse rapaz e a irmã dele que eu gostava muito deles A família proibiu ele de andar comigo a irmã também proibiu nossa amizade então eu me senti um cara diferente né Então eu sai com essa eu não roubo não fumo maconha eles tão me criticando então eu vou praticar o que eles estão falando ai Eles estão falando o que eu não sou Ai eu comecei a andar com os caras então eu conheci tipos de tóxicos eu conheci através de todo esse meio Já roubei depois eu comecei a roubar comecei a andar com eles comecei a roubar Primeira coisa que eu roubei foi uma bicicleta Daí partimos pra cidade comecei a roubar carro continuei ai a crítica aumentou mais né Eu acho que a culpa a metade é da minha parte mas a metade é da família devido à critica que fez à pessoa sendo que essa pessoa não praticou delito Mas me explica uma coisa essa família que você falou agora ela era o que uma família do bairro onde você morava Ela era do bairro Uma família de gente bem um lar honesto modesto então eles achavam que se eu fosse realmente o que eles falavam não merecia amizade da família certo E a tua família o que que falava A minha família me criticava também A minha família nunca viu nada de mim antes dessa família criticar Eu fui sempre benquisto em casa e sou até hoje Não é porque eu errei porque eu estou na cadeia que eles esqueceram de mim Acho que o mesmo amor que minha mãe e meus irmãos tinham por mim eles têm até hoje E como é que você conheceu esse rapaz jogando bola né Ai ele te chamou para casa As irmãs dele estavam no colégio ai ele ia todo dia buscar elas no colégio e me chamou pra ir junto com ele Eu ia junto com ele quando ele pedia Esse rapaz trabalhava no Diário de na cidade de no jornal Ele fazia o que Ele entregava jornal ele era estafeta lá da firma E eu ia também com ele De vez em quando eu estava de folga porque eu trabalhava de meiodia pra tarde e de manhã eu ia com ele entregar jornal Nossa amizade começou assim E quando você começou andar com esse pessoal mais ou menos que idade você tinha Eu tinha 15 ou 16 quase pra 17 anos já Já fazia bastante tempo eu já estava com amizade com essa família E esse rapaz morreu você tinha quantos anos 140 Eu já estava com 17 anos E porque ele morreu Um dos rapazes lá deu uma facada nele no umbigo então ele chegou no hospital num agüentou deu derrame interno não agüentou a operação e ele morreu Porque ele deu a facada você sabe Não fiquei sabendo porque quando ele matou o rapaz no mesmo dia ele entrou em flagrante foi cadeia Mas quando ele foi pra cadeia eu não quis mais ficar lá em ai minha irmã já estava em São Paulo ela me trouxe pra cá Porque no dia em que ele morreu eu jurei a vingança dele do rapaz mas eu falei por nervosismo Também essa família pediu para a minha irmã me trazer para São Paulo quando ele foi pra cadeia Quando eu cheguei em São Paulo fiquei sabendo que ele ficou seis meses na cadeia e depois foi embora para a rua A própria mãe do rapaz escreveu pra mim dizendo porque no dia do enterro do rapaz eles se arrependeram de ter cortado a amizade do rapaz comigo se o rapaz não tivesse morto nada disso ia acontecer Ai você com 17 anos veio pra cá Vim pra São Paulo E aqui que é que você fez Aqui minha irmã era noiva de um rapaz que era dono de uma oficina mecânica e ela arrumou um serviço pra eu trabalhar com ele ser ajudante de pintor de automóvel Ai eu comecei a trabalhar com ele na oficina lá Eu tinha um pouco de experiência do que é a vida de um delinqüente Nessa época você já tinha feito alguma coisa lá em Em Já tinha feito diversas coisas principalmente depois do rapaz morrer O que você tinha feito lá Mas a polícia nunca tinha te pegado né Já tinha ido pro Juizado de Menores fui internado eu nesse tempo ai dos 14 aos 17 anos fui internado duas vezes Fui pro juizado umas 3 ou 4 vezes depois acalmou um pouco Como é que é dentro do Juizado O Juizado é um estabelecimento não é tão pesado quanto uma cadeia dessas sabe as pessoas se tratam com mais amor mais carinho assim mais quer dizer eles têm mais responsabilidade eles têm mais cuidado com as pessoas com os menores Muito apoio principalmente do governo da sociedade das assistentes que trabalham né que elas são funcionárias públicas também É um lugar que se dá pra recuperar o menor ali dentro Isso na minha terra E o RPM daqui que tal O RPM é a mesma coisa que uma cadeia dessas Era pior que uma cadeia dessas na época que eu tive ai Por que Não sei se é devido a ser muito grande tem diversos tipos de menores diversas qualidades de delinqüentes de menores Porque se a gente for analisar direito muitos menores são mais perigosos que muitos maiores que estão na cadeia Eles não pensam pra fazer as coisas eles fazem e está feito e muitos deles fazem as coisas sabendo premeditada Bom eu posso fazer sou menor se eu matar aquela pessoa ali se eu roubar eu vou pro Juizado de Menor pra cadeia nem nada Também esses fazem sabendo O Juizado daqui eu até comparei o Juizado do RPM com a cadeia daqui essa Casa de Detenção Lá não se entendia com o outro era uma política juntava 3 4 5 quebrava entrava maconha vinha tudo louco e eu também tava no meio deles certo Nessa época minha acho que até hoje ainda é comparada Muitas pessoas temem o RPM e não teme essa cadeia Não sei se é o modo de agir mais preso regime mais seguro O menor a polícia não vai querer desabonar eles através da violência da ignorância Não adianta a ignorância inclusive Por que não adianta Acho que a ignorância não tanto para o menor quanto pra gente também é mais difícil É mais fácil uma pessoa querer regenerar um delinqüente com carinho do que com a ignorância A ignorância fica mais sentida porque eu apanhei muito na minha vida Apanhei muito porque em frente à minha casa morava um delegado aposentado a minha mãe me amarrou uma vez ele foi lá pediu pra 141 minha mãe me tirar porque minha mãe bateu em mim Todo dia eu apanhava para não mexer com nada de ninguém nem sair de casa Minha mãe não gostava que eu saísse quer dizer couro não adiantou pra mim então essa experiência eu tiro por mim mesmo apesar que a gente tomar uma surra de mãe não é igual tomar uma surra de uma polícia né No atendimento tem diversas diferenças entre a polícia que trata os maiores e os menores Que diferenças A diferença é que aqui eles batem não quer saber onde está batendo se é na cabeça se é no pulmão se é eles não querem saber onde tá batendo Lá no menor eles batem no corpo na mão no pé Eles escolhem o lugar pra bater na pessoa eles falam que é com mais humanidade com mais carinho pelas pessoas Muita ignorância não adianta muita ignorância não adianta Você quando esteve lá no Juizado de Menores em quando você saiu você não pensava em mudar alguma coisa Olha todo tempo que eu saí pra fazer as molecagens na rua eu sempre trabalhei até em São Paulo eu estava trabalhando Quer dizer não era um criminoso totalmente entregue ao crime Entram as duas partes eu me dedicava ao crime e me dedicava ao trabalho Portanto meus crimes foi tudo à noite É menos periculosidade porque o crime feito de dia é mais periculoso que o de noite De noite a pessoa tem menos periculosidade porque de dia a pessoa tem mais Eu trabalhava de dia na oficina de noite eu saia com um rapaz e aprontava E lá em que que você fez Primeiro carro que eu roubei foi um jipe Depois do jipe comecei a roubar carro meus parentes lá são tudo eles trabalham pro governo No DETRAN tem outro que trabalha na Captura tudo tio cunhado primo toda a minha família a única ovelha negra sou eu mesmo E tua família acha que você é ovelha negra É né já que meu nome foi lançado no rol dos culpado também o nome da família ficou sujo não como ladrão porque o culpado sou eu que que pode acontecer Descobriram esse nome quem tem que pagar sou eu mas também fica marcado o nome da pessoa na justiça como ladrão apesar de que a pessoa acha que o nome ladrão é uma coisa fora do comum mas não é é simples a explicação Qual é a explicação Tem pessoas que estão aqui na cadeia e não tem necessidade de roubar Ela rouba por revolta das coisas que ela vê na rua Eu conheço aqui dentro uns quatro ou cinco rapazes ai que são de família muito bem e não precisa roubar não o pai tem carro e tudo O que precisa é do apoio que eles sabem e precisam Já troquei um diálogo com eles muitas vezes aqui então eu perguntei você não precisa roubar por que vocês estão aqui Então eles explicaram que geralmente é são pessoas que sabem o que é uma humanidade Se chega num lugar sabe mais coisa tem mais conhecimento Esse rapaz mesmo que eu troquei um diálogo com ele ai ele roubou fuma maconha vive na vida do crime porque ele acha que muita gente passa fome e vive na rua precisa de uma ajuda e não tem e ele tem muito ele tem demais É uma conclusão lógica eu também acho que dinheiro não traz felicidade né pode acalmar o ambiente resolver as coisas mas não traz felicidade Tem milhões de gente ai que tem milhões de dinheiro e não adianta nada Tem certas horas que acontecem as coisas com eles e eles falam cadê meu dinheiro Sabe né É o caso desse rapaz que está preso Esses caras roubam sem necessidade Sem necessidade E tem casos de gente que rouba por necessidade Tem esse tem Que caso é esse Eu tenho uma conclusão que quando eu morava na tranca entrava diversos no xadrez porque a distribuição quando eles entravam na cadeia vão direto pro xadrez né Então de noite dia a gente estava trancado a gente dialogava né O que você fez Você é casado É solteiro Eles explicaram o salário mínimo lá fora estava em 400 e poucos contos há um ano atrás O custo de vida estava super alto porque o custo de vida dos pobres aqui em São Paulo é mais caro do que tudo é 142 acima de tudo Então o brasileiro só sabe ele é comodista Geralmente o brasileiro tem cinco seis filhos pra cima Cinco seis filhos pra cima e ganhando 400 e poucos contos por mês é impossível dele sobreviver Agora comprar leite arroz alimento pra família roupa não tem casa pra morar tem que pagar aluguel como é que ele vai se manter com 400 e poucos conto Não tem condições Ai a gente se sente apertado Um filho chora porque está com fome o outro chora por causa do leite o outro chora porque está com o pé no chão o outro chora porque tem que ir pro hospital porque o rato comeu o pé dele porque mora lá na maloca O pai se sente apavorado e sai Talvez no próprio emprego dele ele rouba aonde a necessidade influi quer dizer porque eu já vi diversos caso no jornal criança morreu porque o médico não quis atender Mas eu também já vi médico não queria atender O outro morreu por falta de sangue o pai não tem dinheiro pra pagar pelo o sangue então morre O outro quebra o leite do padeiro o padeiro vem chiar Quer dizer uma falta de humanidade geral sabe Qual a diferença entre o cara que tem toda essa situação e continua na sua vidinha lá e tal e o que resolve roubar Eu vou explicar Muitas vezes não vem todos pra cadeia um ele foge larga a família abandona a família e vai pra longe ele vira mendigo na rua Então ele começa a mendigar na rua dormir na rua esquece a família Ai aparece no jornal sumiu faz tanto tanto tempo Mas ele está mentindo é ou não é O outro arruma lá outra mulher a outra a amante a outra amante ela é sozinha ai tem um filho ai ele separa Os outros muitas vezes os suicidas não sabem porque se suicidaram mas porque Devido às necessidades que passou então não quer roubar ele se suicida Roubar é Certo E a outra metade é o homem que chega ao ato de praticar o delito e vem pra cadeia Eles se dividem em diversas partes Muitas pessoas não têm condições Se existem 50 mil que passam por isso 10 mil estão na cadeia e os 40 os 40 se dividem em diversas partes entre morte sumiu abandono É mas a grande maioria não faz nem isso A grande maioria está lá passando necessidade mas Como é que você explica isso Para eu explicar isso ai pra gente ver isso ai a gente tem que ir aonde existe isso ai certo Porque vendo ele crê Eu acho que se uma pessoa por exemplo num lugar onde tem essas coisas favela Nas favelas as pessoas vivem assim A gente vê a necessidade vê a fome e vê o que eles estão passando certo Outros nós falamos aqui que a maior parte fica no mesmo lugar e continua vivendo do mesmo jeito Outros a mulher sai para lavar roupa em qualquer lugar Pra trabalhar a mulher abandona Não só tanto o homem a mulher também abandona A outra joga os filhinhos no quintal deixa eles passando fome A família acha de levar ele pra polícia Quer dizer se a gente for procurar ver com os próprios olhos a gente vai ver que não tem condições a realidade é essa mesmo Então de tudo e qualquer maneira eles arrumam um jeito pra se livrar da culpa Apesar de que eles se livram da covardemente porque apesar de que eu sou um presidiário errei está certo eu sou reconhecedor do meu erro não tenho nada que reclamar pelo erro que cometi certo Paguei estou pagando mas eu acho que a gente tem que encarar as coisas como é e não como a gente quer não é Então é onde as pessoas se desdeixam se desdeixam dos seus sentimentos faz tudo pra sair faz tudo para sair para a vida mesmo o que acontece até hoje Porque que você acha que é covardia deles Sujeito desses não se diz que é corajoso Deixa a família abandona a família que se suicida se mata vai pro crime Mas por que é covardia Corajoso é aquele que você acabou de citar agora Vive naquela vida mas ele é difícil aquele que entra nessa vida mas por outro lado pra manter sempre aquela vida ele vai pra um lado dá um jeito do outro se lhe tomam a casa ele muda para uma outra vai mudando a vida ele vira um andarilho com a família Esse é o corajoso Mas esse que se deixa se meter ai pela vida é covardia Por exemplo o cara tem cinco filhos seis filhos dez filhos uma porção então o modo brasileiro é esse faz tem mais de dez filhos e não quer saber as conseqüências que vai as mulheres botam no mundo na hora dedepois joga também fora Aonde acontece um bocado de coisa as pessoas são levadas pro Juizado crescem no Juizado porque agora na época que nós estamos essas pessoas desamparadas pela mãe pelo pai vai pro Juizado Eles crescem criminosos porque ele se infiltra no meio dos outros 143 menores que já tem noção do crime certo Ele entrou aí dentro o que ele passou lá ele já esqueceu Então ele vai continuar ali ele vai ter um embalo Porque eu acho que tudo que é criminoso é dirigido por um embalo Um chama o outro fala as coisas então ele quer fazer as mesmas coisas que os outros fazem Você chama isso embalo É Então é onde acontece por tudo quanto é lado já vivi em tudo quanto é lugar Em lugares bons e ruins tudo Eu já passei do ruim do bom e do melhor Tudo que existe eu já passei na minha vida então eu falo isso por experiência própria Aqui em São Paulo mesmo na favela do Piquiri eu vi diversos moleques destes 10 11 anos já praticando atos delinqüentes vi com meus próprios olhos Tem um que teve há pouco tempo aqui Ele era desses tais garotos Passou de maior veio pra cadeia por assalto Latrocínio Eles se cria mesmo vendo os outros fazendo No Juizado mesmo ele é marcado como uma escola Você acha que aconteceu isso com você Eu não fui por esse motivo Como nós falamos no início eu não sei explicar qual foi o sentimento que veio pra mim naquele dia Eu senti uma pessoa que revoltei contra a pessoa que me pintou Uma revolta simples sem maldade sem vingança pra eles O meu motivo foi esse Agora a maioria é falta de amparo é falta de amor porque a pessoa vive uma vida que só Deus sabe Quem ganha bolsa de estudo é só filho de Jarbas Passarinho Os pobres se revoltam Você pode ver que aqui na cadeia não tem só criminoso que vem de criança Na cadeia tem diverso tipos de criminosos que já fizeram o que Que já praticaram crimes depois de adultos muito mesmo Necessidade Ninguém rouba sem necessidade a não ser alguns que tem a na cadeia igual eu falei que eles roubam também por revolta A realidade é que dinheiro não vale nada porque dinheiro é um papel amaldiçoado Por causa dele acontece muitas coisas Desespero Então esses que estão ai que rouba é porque passam na rua vê um dormindo no chão passa numa avenida qualquer ai num bairro e vê um bater na porta e pedir um prato de comida Tem muitos que faz isto você vê uma coisa mas muitos é por necessidade Quer dizer então que tem o crime por necessidade e tem o crime por revolta Qual a diferença então O por revolta qual é O teu caso por exemplo é revolta ou necessidade Por um lado foi revolta Necessidade não teve No meu caso não teve necessidade no meu caso não Culpo no caso de mais de mil aí Porque não é com qualquer uma pessoa que aconteceu Isso é chato O senhor é honesto trabalhador vive sua vida amanhã vem uma pessoa e fala que o senhor é isso isso e aquilo o senhor não é quer dizer como o senhor vê na minha terra apesar que agora não mas antigamente ladrão falar o nome de ladrão era uma coisa fora do comum Te chamavam de ladrão Ladrão maconheiro era isso era aquilo E qualquer um que hoje ainda se começar o bairro todo criticando ele se sente louco Eu não sou o que eles tão falando Não tem jeito pra você mostrar pra elesA gente já estão mostrando pra eles a nossa hombridade mas eles já está falando o que é não tem mais meio de mostrar Você está vivendo no caminho certo eles tão criticando qual é o meio de mostrar pra eles O único meio que eu achei pra mostra foi praticando o que eles insinuavam E tem outro tipo de crime além da necessidade e revolta aqui dentro Tem diversos crimes mas é raro Quer dizer muitos dos que estão aqui na cadeia são pessoas que sofrem das faculdades mentais Esses praticam o ato mas não são conscientes do que estão praticando São pessoas tem a mente com distúrbios estes são os sem necessidade sem revolta Muitos estão aqui na cadeia estão pagando pelo erro que eles não cometeram devido como eu falei à violência Que tipo é esse ai Eu vou comparar com um caso No Rio um senhor de 40 e poucos anos foi acusado de homicídio ele matou a amante dele Ele era inocente Bom o advogado pegou logo e falou o moço é 144 inocente O juiz então fala Por que o senhor assinou esse papel aqui Por que o senhor assinou o processo Apanhei O senhor apanhou Não há provas que o senhor apanhou Mas eu apanhei O juiz não quer nem saber Bom foi você não foi São polícia e tem que prender Vem as testemunhas que falou que ele matou Ele é a primeira vítima porque ele vive com a pessoa O primeiro suspeito é ele Mas não é porque a pessoa é suspeita que vai pegar ele levar pra delegacia bater e fazer assinar o inquérito Tem que ver os pormenores do acontecimento Pegaram o velho enfiaram o pau nele ele assinou o inquérito porque ninguém é de ferro todo mundo é humano Aí vem o advogado ainda querendo provar que ele era inocente o juiz não acreditou Ele já falou não é só ele que está falando a testemunha já falou que foi ele Condenaram ele Ele puxou cinco anos de cadeia a advogada achou que pelo diário dele ele era inocente Então a advogada se interessou mais ainda pelo caso pelo motivo da própria advogada sentir que ele não era culpado Então ela seguiu as informações as investigações sobre ela mesma ela encontrou a vítima num manicômio louca da cabeça Então a advogada foi lá consultou pegou os documentos tudo deixou na Procuradoria Geral Aqui está passando um processo assim assim assim mas eu achei a vítima a vítima está viva e o moço está cumprindo cinco anos de cadeia e ele é inocente Vamos ver mexe pra cá mexe pra lá mexe a resposta da justiça vamos indenizar o rapaz Não podemos porque foi erro da justiça A resposta O rapaz cumpriu cinco anos de cadeia inocente tinha testemunha de ele matou a mulher de que a mulher estava no Instituto MédicoLegal Foi tudo provadoe a mulher foi achada no manicômio Esse moço saiu dali a justiça não indenizou ele foi um erro O que ele vai fazer depois de cinco anos perdidos dentro de uma cadeia inocente Ele vai sair vai trabalhar sai totalmente revoltado contra a justiça Então um caso igual esse ai tem diversos aqui na cadeia Tem diversos aqui na cadeia Tem uns que faz os crimes que estão encoberto pode falar que ninguém se apresenta Mas eles estão aqui dentro igual tinha um caso de crime que um eu sou culpado e os crimes estão encoberto lá fora tem os inocentes que é pegado como cobaia lá fora vem pra cadeia com o crime dos outros Não tem muitos casos desse ai tem Tem tem muitos casos desses Tem muitos casos que eu sou culpado por dez inquéritos Meu mesmo mas eu vim por quatorze Esses quatro a polícia jogou ai eu assinei e está acabado certo Portanto tem inquérito que a vítima ai fora não conhece o réu Por esse motivo porque se eu pratico a falta contra a sua pessoa qualquer lugar que o senhor me veja o senhor me reconheceria não é Se eu chego pro senhor o senhor vai dizer acho que não é ele não não foi esse não às vezes não me acho em capacidade certo No teu caso você apanhou muito Olha pra falar a verdade hoje estou na cadeia mesmo já cumpri se eu não apanhasse eu não assinaria todos os inquéritos não E só assinei devido a violência Porque eu sozinho com cinco ou seis pessoas me batendo sem poder me defender não tem esse que resista nem Sansão resistiria Cinco ou seis batendo Lá na polícia não sei se o senhor já foi no DEIC alguma vez porque ninguém vê ninguém vê Chega lá pendura o cara de uma mesinha a outra fica igual a frango assado no espeto amarrado indefeso Eles pegam o senhor lembra aquele telefone antigamente aquela maquininha mesmo Eles pegam dois amarram na pessoa diversas partes do corpo nos lugares onde não é pra se amarrar eles amarram e aplicam o choque Eu agarrava nas pessoas ai o choque dobra E ali fica e aí quando eles não deixa o cara duas três horas só amarrado Sabe sal com água É o que eu bebia Você não agüenta Sem comida sem nada sem alimento ali só apanhando todo dia desce e sobe desce e sobe Ninguém é de ferro Batendo assim não tem esse na terra que faça bater e ir lá e apanhe da polícia e não assine eu desconheço Não é Que tipo é esse ai Bom geralmente são aqueles que praticam o erro a primeira vez que eu fui praticar um erro fui preso vem pra cadeia Bom você foi assinou Tem uns tipos de vagabundo também que ele está lá com o erro praticado diversos erros praticado mas ele troca a liberdade dele pela dos outros Mas com é que é isso ai 145 A polícia prendeu esse aqui com não sei quantos inquéritos se você assina você vai embora mas eu quero que você me leve aonde está fulano e sicrano que ainda tem mais do que ele Ai ele fala está ali ali e ali Aonde os caras são o cagueta Então os caras trocam a liberdade deles Muitos fazem isso é Muitos muitos Mas vem pra cadeia depois Vem não adianta Ele passa aí um dia aí ele vê um filho de um policial um expolicial do DEIC quer dizer o era viciado em tóxicos não era ladrão mas de tanto o pai dele aí já é outro lado do crime Enquanto o pai dele prender vagabundo judiar bagunçar até mesmo então sabe o nome do filho sabe o nome do pai então quem é que estava no inquérito no dia quem fez essas coisas contigo foi fulano e sicrano então o nome dele está ali registrado Outro erro da justiça que a justiça também não vê Foi o filho do senhor o filho do senhor que falou isso tudo Então Foi ele mesmo então o escrivão bateu Então vamos ver também o inquérito ele não praticou o erro Então vai pro delegado o delegado assina e vai pro Fórum Mas o juiz julga o inquérito à revelia quer dizer sem a presença do réu Então é condenado todo mundo Amanhã aquele dito tal que é filho da do polícia está vindo pra cadeia sem saber Já tem dois aqui Um é do meu distrito do meu bairro o outro é da cidade filho de um rapaz do DEIC ai Esses também vai sair ai não é porque o pai dele é polícia esses também amanhã vai sair e vai continuar a mesma coisa Quer dizer esses são já é por ato de vingança o pai é polícia bateu em mim já põe o filho dele no inquérito Já é vingança e covardia por isso que eu acho que se eu vou vingar de uma pessoa faço direito já que eu vou cometer um erro mesmo Então vou cometer o erro certo O erro tem o seu lugar Quando você veio pra São Paulo você disse que você começou a trabalhar assim numa oficina e depois você arranjou uma turminha então como é que foi Inclusive um trabalhava comigo sabe nós éramos cinco Mas ele já era conhecido da polícia paulista fazia tempo Através dele eu conheci mais elementos O primeiro assalto que eu fiz foi até num dia de jogo vamos sair vamos sair vamo Quando eu sai eles já vieram com um caro roubado um JK nós saímos Sai com eles praticamos delitos fomos em diversos lugar até madrugar e voltamos mas eu continuei quer dizer eu mesmo mesmo os crimes que eu participei eu participei de 4 furtos e 2 assaltos é pelo que eu estou na cadeia Esses quatro furtos foram o que automóvel Não só pra curtir Quer dizer não tinha idéia lucrativa Nem o dinheiro de parte de roubo não ia dividir Porque o que eu ganhava trabalhando com meu cunhado já era suficiente para mim certo Então quer dizer tanto que eu vim pra cadeia estava trabalhando Nunca deixei de trabalhar nunca deixei de trabalhar Então porque que você fazia isso Ah Nós vamos voltar no velho assunto Mas ainda é aquela explicação Ainda é por causa disso Já estava errado nome já tava na polícia desde menor desde menor já está na polícia Quer dizer o jornalOlha se não me engano ainda tenho hoje um artigo da Notícia Popular Eu nunca assaltei um posto de gasolina nunca fui chefe de quadrilha e lá na Notícia tem que nós assaltamos uns quarenta posto de gasolina e que eu era o chefe da quadrilha Ai meu cunhado me botou um advogado e me tirou da delegacia fui embora pra casa Cheguei em casa minha mãe me mostrou a foto no jornal assalta 40 posto de gasolina chefe de quadrilha Eu nunca fui chefe de quadrilha e nunca assaltei posto de gasolina meus inquéritos são quatro furtos de automóvel e dois assaltos Mas quando você veio pra São Paulo você falou naquele negócio que você estava revoltado porque o pessoal achava que você era ladrão e tal Perfeitamente Mas quando você veio aqui pra São Paulo não tinha mais esse problema e você continuou fazendo negócio como é que é 146 Não tinha esse problema que eu falei pro senhor da crítica esse não tinha Mas tudo o que eu fazia se eu pensasse na minha mãe que estava lá eu pensava no acontecimento quer dizer eu não esqueci do acontecimento Sempre eu lembrava quer dizer é onde eu culpei a família de acontecer tudo isso que está acontecendo agora quer dizer eu culpei a família de ser eles os culpados Então toda vez que eu penso na família eu lembro eu me sinto diferente Quer dizer eles pensa comigo teve indivíduo que se diz de viver com os próprios olhos dele com a própria cabeça É ou não é Se era realmente aquilo que eles estava dizendo Se eu era mesmo culpado daquelas críticas que estavam caindo sobre mim Eles não procurava saber isso ai Eles sujaram meu nome e pronto Me levantaram uma calúnia Então todas vez que eu penso na minha família eu penso neles Eu nunca mais vou esquecer deles Também não tenho nada não tenho espírito de vingança contra eles nem nada certo Apesar de que depois que eu sai da cadeia já me comuniquei com eles através de carta Eles me explicaram Minha família falou que depois se arrependeram de ter cortado a amizade comigo Que o rapaz tivesse andado comigo não teria acontecido o que aconteceu não é Quer dizer o arrependimento deles veio tarde porque eles reconheceram o erro Agora você quando estava aqui em São Paulo você disse que na RPM Fui Quantas vezes Três vezes Porque motivo Furto Furto também Mas ai é independente do motivo porque você está aqui Ou são os mesmos motivos Independente Entre outros motivos É porque lá eu era menor e O que você fez Furto de que Arrombamento Arrombamento De automóvel também Não uma loja e duas residências No crime na massa eles falam goma não tem ninguém que tinha engomado a casa Que é isso que se fala na massa Você falou na massa Na massa é o crime é o pessoal do crime é uma entidade é uma entidade deles Entidade de que Entidade do delinqüente Na massa a massa não tem mais ninguém sem ser do crime só é criminoso é tudo da massa A massa como eu tava explicando a massa é um trato entre nós que somos delinqüentes certo é um trato só entre nós mesmos quer dizer a massa refere ao crime Quando é que você usa essa expressão Num diálogo com outro delinqüente com outro preso qualquer quer dizer sempre a gente dizendo alguma coisa que acende ou apaga a gente sempre fala a massa Quer dizer essa massa já não está mais como era antigamente A massa já não presta mais A massa já está podre já está cheia de extravagância a massa já estáQuer dizer qualquer diálogo que a gente trocar entre a gente mesmo a gente fala a massa A massa corresponde ao crime Todo mundo que está aqui dentro em todos pavilhões é a massa É a massa Quer dizer se tiver uma de 10 corresponde à massa É só dentro do crime porque fora do crime não é mais É a mesma coisa que uma torcida de um time Que eles vão falar a massa não sei o que não é Quer dizer de onde tem um setor naquele setor o crime a gente fala que corresponde à massa E na massa todo mundo todo mundo é igual basta ser criminoso é d massa Não é criminoso não pertence à massa 147 Mas não tem diferença dentro da massa não Assim do cara não se achar que faz parte da massa e tal Tem Como é que é Tem diferença tem pessoas que muitos presos que tem aqui acham que eles faz parte da massa por ele ser um delinqüente certo Mas ele acha que não pode praticar atos de criminalidade junto com a massa Devido a achar que não tem capacidade Outro já é malandro demais outro já é menos capacitado que ele então quer dizer é onde criticam a massa Então eu estou por fora dessa massa eu vou roubar sozinho vou praticar sozinho vou sair fora da massa vou regenerar A diferença é essa tem diversas críticas entre nós Quais são essas críticas Uma dessas que acabei de falar agora outras que aqui mesmo na cadeia tem pessoa contrariando um e outro Existe encrenca entre nós mesmo Como é que essa situação O que aconteceu Acontece muita coisa entre nós Aqui existe morte existe tudo quanto é tipo de coisas ruim pode acontecer na massa Até por um cigarro de maconha se pode morrer Um dois três quatro até cinco Por um maço de cigarro já morreu gente aqui na cadeia Por um pão já morreu gente aqui na cadeia Por que aconteceu isso Olha aqui na cadeia a alimentação dos preso são cada um tem uma cota então não é pelo dinheiro mas pelo proceder porque a massa exige um proceder que é a educação apesar que lá fora nós somos tirado comoassim eu penso muito gente não todos nós somos tirado como uma pessoa não tem nem como explicar é um bicho pra mim certo Mas tenho em mim que não é nada disso Se as pessoas souberem a realidade eles tiram diferente não pensam assim Bom então é o seguinte tem a educação é o que a massa chama de proceder Proceder de malandro Quer dizer se está aqui é daquele preso tem que ser daquele preso ninguém pode mexer certo Quer dizer se for lá e mexer você tem que explicar porque que mexeu Então muitas vezes eu mexo hoje o rapaz deixa pra lá eu mexo amanhã o rapaz deixa pra lá Mas depois daí não dá o que eu tenho você tem porque vai pega o meu Não tem condição Então dali nasce a discussão Nasceu a discussão se não sair na mão sair uma briga na mão dos dois um quebra a cara do outro o que sair com prejuízo amanhã quer vingar Então ele arruma um chicodoce um pau de cana ou ele arruma um estilete ou então faca decadeia então O que é faca de cadeia É um punhal é um punhal é um estilete destes vitrô ai quer dizer muitas vezes eles arrancam quebra ele amola vira uma faca ai ele quer prejudicar um preso acaba por prejudicar qualquer um Serve pra mim serve pra todo mundo então é onde acontecem as mortes Por isso tudo na cadeia pode morrer Ai tem diversos prontuários ai ou no arquivo morto que morreu outros ficaram louco ruim da cabeça O outro matou um rapaz lá por causa de três maços de cigarro Perdeu pro rapaz achou que o outro não valia de nada falou olha não vou pagar pra você Vê o que você pode fazer por mim O que ele pode fazer foi esperar o outro no xadrez meter o pau na cabeça dele esfacelou a cabeça dele e matou Nos temos um jogo de bolinha aqui no xadrez na cadeia Que tipo de jogo de bolinha É um sabe como a gente chama Já morreu um por causa desse jogo de bolinha No jogo de bolinha se desentenderam chutando a bolinha se desentenderam ai na descida do campo um desceu com um chicodoce bateu na cabeça dele e morreu também Usou o chicodoce É agora esse tal de chicodoce eu não achei meios ainda pra explicar nasceu esse nome ai na massa e até hoje Como o paudecana pédemesa é chicodoce é uma gíria da massa E você falou um negócio ai de proceder de malandro O que é isso Proceder corresponde à educação 148 Mas qual é o proceder do malandro O proceder do malandro na cadeia apesar de estando na cadeia mas a pessoa tem que da melhor maneira possível usar o máximo da educação dele Porque não é porque é preso ou delinqüente que não tem educação Então uma se tem uma pessoa dormindo ali tem que fazer o maior silêncio pra ele dormir Mas o outro não está com sono ele quer trocar um diálogo com outro detento quer dizer é uma falta de proceder a não ser que esteja todo mundo acordado já é uma falta de educação está perturbando o sono dos demais certo Então está tirando fazendo uma ceia eu acho que é falta de educação a pessoa quer dizer muitos levam a sério e outros não levam Fumar Ou então chegar n banheiro se despir pra fazer as necessidades Quer dizer tudo isso ai é falta de proceder certo Atingir a moral do outro A maior parte da cadeia que é respeitado é a moral do preso Porque aqui o preso como se diz nós não temos convívio com ser feminino Então na cadeia acontece muita coisa Tem travesti que tem na cadeia tem diversos tipo de travesti na cadeia Os que já vem da rua os outros que nascem aqui dentro covardemente obrigados Tem muitos casos desse aqui Quer dizer essas daí são uns que saem daqui revoltados porque não tem separação de qualidade Um erro um erro do governo é esse Um preso vem para aqui por homicídio 121 mas ele chega vai embolar no meio de ladrão no meio de criminoso então um preso novo simpático mas os presos Você estava falando do cara do 121 em geral ele chega e ele é o que Bem o 121 ele não tem nada contra o outro ele não tem nada a envolver com o crime com a massa Quer dizer ele veio pra cadeia por acaso aconteceu um crime ele matou uma pessoa então ele vai ter que pagar pelo erro que cometeu Ele vem pra cadeia porque o lugar dele é aqui mesmo certo Então é onde acontece Então o que acontece Os caras passa pra um lado diferente com ele Então se o cara fosse um outro assaltante o que aconteceria Acontece também E ele sendo bem visto se a aparência dele é de chamar a atenção de muitos presos então é onde acontece também pode ser qualquer um Depende da aparência dele e da atitude dele aqui Muitos vêm pra cadeia e o cara vai conversar desse tipo Conversa com ele ele toma uma atitude mata o cara briga na mão leva a sério os outros Muitas vezes ele chega a viciado pelos outros presos onde ele vira fica conhecido na cadeia um pederasta Na cadeia tem tudo isso tem pederasta passivo e o ativo Qual a diferença Bom passivo O ativo é é relativo quer dizer apenas moleque de cadeia que eles caçam e o boy Boy lá fora o cara novo cheio de nove horas gosta de andar moderno É o boy Pra mim o boy aqui na cadeia é aquele cara que se faz de mulher pra um outro preso Igual os travestis Mas tem diferença entre o boy e o travesti Tem O boy ele é feito ele é criado na marra forçado O travesti já é de já vem de longo tempo já vem da rua e o boy da cadeia é feito aqui na cadeia Ele vem pra cadeia com a moral em pé e chega na cadeia se acontecer alguma coisa com ele a moral já era Se acontecer alguma coisa com ele o que Se acontecer alguma coisa com ele sobre pederastia a moral dele já era Mas o que o cara fez lá fora não influencia nada aqui dentro quando ele chega não O respeito dele e tal Sobre o crime que ele cometeu É porque o cara vem lá de fora com uma história Então ele chega no xadrez com aquela história dele ai o pessoal do xadrez vai querer comer ele da mesma maneira ou como é que é Ele é do jeito que ele veio quando ele chega no xadrez se um se simpatizar por ele porque existe o amor entre dois homens aqui dentro no xadrez certo É um caso de boy e um travesti Então é o seguinte chega um rapaz às vezes novo e bonito geralmente tens uns lá que é mais velho tem uma porção de anos de cadeia então eles trocam uma idéia se o cara não aceitar eles pegam na 149 marra eles pegam na marra Ali já aconteceu Daquele dia em diante esse ai ali vai ser visto como mulher de preso Agora e se ele for um cara que tiver um passado assim A respeito da pederastia Não um cara por exemplo é um bandido famoso lá fora Ai ele toma uma atitude com o cara na conversa que eles tiver Porque geralmente são nas conversa o malandro chega e troca uma idéia Se ver que o cara e pacato a respeito de crime que não tem conhecimento do crime ai eles se aproveitam Mas se eles vê que o cara tem explicação então passa liso Ë onde eu saco um erro do governo é isso não separar não separa as qualidades Tem muitos que vem aqui dento que tem crimes banais nem é criminoso na nossa massa Então chega aqui dentro e se mistura com essas pessoas Ele é covardemente viciado quer dizer pelos outros presos Bom ai já é motivo pra revolta dele Ele sai daqui vai pra rua mas depois dele sair ele já aprendeu muitas coisas Ai chega e diz na cadeia os caras fizeram isso isso e isso comigo Então eles falam revoltado Já vai partir pro crime já vai entrar na massa Que muitos deles fazem isso ai por ter acontecido isso com eles Agora quando o cara quando o cara se expressa se explica dá uma explicação que o cara vê que não tem condições ele não aconteceu nada Muitas vezes não tem nem conversa Ele responde pro preso olha comigo não Vai acontecer isso sou malandro sou homem sou sujeito Agora amanhã ele vai e mata o cara Dormindo ou no campo ele vai lá e mata o cara Quer dizer ele quis manter a moral dele em pé perante a malandragem perante a massa Essa é a diferença entre o travesti e o boy de cadeia Agora quer dizer que pra massa criminoso é uma coisa e lá fora criminoso é outra coisa Você acha que tem diferença Não O criminoso na massa o criminoso é aquele que faz parte da delinqüência Que pratica delitos A diferença da massa do crime dentro e lá fora é uma diferença grande porque lá fora a pessoa na cadeia a maior parte quem conhece mesmo é a justiça o Fórum a família umas pessoa que vem fazer uma visita Então é tem uma diferença Mas a diferença mesmo é grande Agora precisa ser dialogada pra pessoa vê o que é diferente e saber na massa do crime Quer dizer que para a massa tem gente aqui dentro que não é criminoso Não Não porque Vem gente pra cadeia que já estão recuperado Ele é trabalhador pai de família mas correu com o carro e atropelou um cidadão Ai ele foi condenado porque ele matou é recuperado mas tem a condenação Ele vem pra cadeia Ele não é um criminoso Quer dizer ai já não já não faz parte da massa É um erro humano é um erro humano porque errar todos nós erramos pecado maior que dizem é errar e permanecer no erro certo Quer dizer esse aquele errou mas ele vai pagar por aquele vai embora já era Esqueceu já nunca mais vai lembrar da massa Agora aquele indivíduo da massa ele vai embora o nome dele vai ficar aqui na cadeia Lá fora ele deixa um livro na cadeia ai manda recado pra um amigo que está na cadeia ai o nome dele fica sempre na massa O jornal mostra a foto dele o fulano está fazendo isso e aquilo aquele está fazendo aquilo certo Agora o outro preso um criminoso comum matou o outro por acaso aconteceu acidente ele não é da massa foi um erro por acaso Esse ai já é esquecido Só é lembrado mesmo e considerado na massa aquele que vive na massa que praticou dentro da massa e vive na massa certo A diferença é essa E você é parte da massa Eu desde que eu terminei com revolta da minha parte desde que eu pratiquei o primeiro delito eu faço parte da massa E hoje Hoje apesar de que eu estava lá fora nem sabia o era o 157 o 155 não sabia o que era artigo nenhum não sabia quanto é que dava pena para um delinqüente não sabia nada não procurava nem saber isso ai não tava no meu conhecimento Depois eu vim saber disso depois que eu vim pra cadeia como preso Fui processado fui a Fórum já andei em diversos advogados diversos reconhecimentos de vítimas e com o meu convívio com os outros presos aqui dentro eu estou sabendo o que é o artigo Quanto dá uma pena de 155 157 225 213 214 129 todos os artigos do Código Penal 150 eu aprendi porque conhecendo a pena que sofrerá o culpado aqui dentro porque lá fora eu não conhecia nada disso Vim conhecer aqui dentro Agora eu hoje apesar que eu tenho bastante sentimento no caso se eu fosse levar tudo a sério era mais motivo pra minha revolta Quer dizer eu tenho certeza que essa cadeia aqui é uma grande escola do crime também Porque hoje no presente momento eu sei coisas que nunca sabia A minha mente no campo do crime evoluiu milhões de vezes Tenho mais pensamentos sobre o crime tenho conhecimento profundo Qualquer espécie de criminalidade eu entendo sei o que é agora Quer dizer eu tenho comigo uma boa vontade que qualquer coisa que eu me interessar em fazer eu faço na cadeia mesmo eu não tinha profissão Eu comecei a trabalhar na seção de marcenaria lá na manutenção eu trabalhei seis meses eu já mexia em tudo quanto é máquina não tinha uma máquina que eu não mexia Em seis meses Quer dizer eu tenho boa vontade eu tenho pra tudo Quer dizer qualquer coisa que eu quiser fazer qualquer coisa que você sugerir eu tomo a iniciativa certo Tanto faz pro lado do bem como pro lado do mal Como assim Eu não entendo Por exemplo se eu for sair daqui pra rua for praticar crime eu já vou ser um preso mais um preso mais um criminoso comum como sou agora como eu era Se eu voltar pro crime eu vou sair com mais atenção mais experiência fazer as coisas com mais atenção mais premeditação Pra fazer um crime ali vou premeditado O que eu não fiz no passado sabe Se nunca fiz um crime Se eu for procurar também pro outro lado no bem eu também tenho condições de enfrentar qualquer profissão Não vou chegar lá aprontar o serviço no mesmo dia mas se eu tiver uma oportunidade eu consigo Então eu creio que com a minha força de vontade eu consigo fazer qualquer serviço em qualquer lugar Quer dizer eu aprendi o mal aqui dentro eu aprendi o bem também Aonde eu falo que é minha escola Aqui sai ou honesto demais ou bandido demais um dos dois tem que sair Geralmente aqueles que saem com um pensamento na honestidade eles querem ter um apoio aí fora da sociedade Se ele receber um apoio eu tenho certeza de que aquele jamais cometerá um erro Mas se ele não receber um apoio total da sociedade não tem condições pra ele diz puxa vida eu saio daqui com o interesse de me regenerar a sociedade não me deu um apoio vou voltar pro crime Ele já volta com a mente evoluída ele já vai praticar crimes que ele jamais praticou No meu caso eu não sou inteligente não me julgo um cara inteligente não me julgo um cara inteligente mas se me sugerir uma coisa que eu tenho aqui em mente eu sou capaz de fazer na minha boa vontade na maior boa vontade Tanto faz pelo bem ou pelo mal Quer dizer eu não tenho ainda fixo na minha idéia o que eu vou fazer lá fora Porque pelo menos por dentro estar a par do que estou passando do que se passa comigo na cadeia Então muitos saem daqui lá fora vão lá fora e arrumam um emprego então tem apoio total Tem muitos com inteligência boa aqui dentro porque tem tempo pra pensar refletir pra trabalhar e estudar Então ele sai daqui e vai e não aceitado não é aceitado Então eles não conseguem jamais deixar o crime Aqueles que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão oito que é residente mil e poucos residentes Muitos ali voltaram por falta de força de vontade e outros voltaram por não ter um apoio lá fora A sociedade não abriu o ser a humanidade pra eles Então eles voltaram a delinqüir Então eles voltaram a delinqüir outra vez aonde estão ai Dali eles vão pra penitenciária dali eles atrasam na cadeia em vez de adiantar não aprendem nada Quer dizer aqui neste estabelecimento penal não tem o suficiente pro que o preso precisa porque se tem 40 do preso era recuperado Talvez mais se tivesse Suponhamos 40 fosse recuperado já era uma grande vantagem pra nosso país Já era 40 livre Mas não tem o suficiente pra que o preso possa se sentir ajudado Agora me diz uma coisa me conta como é que você você foi preso e tal por esses quatro furtos e esses dois assaltos Me conta como é que foi o princípio O princípio dos meus erros foi em 69 Porque um dois dos inquéritos era 68 68 Os outros era 69 Mas eu já tinha assinado e ido pra rua Um dos inquéritos já tinha sido condenado à revelia quer dizer sem a presença do réu O juiz condenou Mas eu pratiquei um outro delito e levei um flagrante prisão em flagrante preso com o carro e a arma ai eles me trouxeram pra cadeia mas quando eu cheguei aqui na cadeia eu já estava condenado Já estava condenado quer dizer que Como é que foi Me conta o teu primeiro dia ai 151 Na cadeia É Ah No primeiro dia como eu falei no começo eu tinha conhecido uns rapazes lá fora eu já tinha mais conhecimento do crime Quando eu vim pra cadeia eles já estavam aqui quer dizer eu cheguei já recebi um apoio total Eu cheguei novo vinte anos mas eu sou um cara que não gosto de agir com violência com ninguém quer dizer sem necessidade Quer dizer a gente usa certas vezes violência com precisão se precisar resolver na paz a gente resolve na melhor maneira possível Se não tiver jeito ai usa a violência Então eu cheguei e tive um apoio total de uns amigos que eu já tinha Você chegou aqui e foi direto pro nove Já foi pro xadrez que estavam os seus amigos Fui pro xadrez que estavam os meus amigos E eu fiz meu ambiente Ali eu já tinha convivência com os outros então eu comecei a ser distinto na massa Quer dizer meu nome já estava lá fora Inclusive eu citei no começo que o jornal fez uma propaganda que nunca existiu de assaltar quarenta posto de gasolina Eu nunca assaltei posto de gasolina nem nunca fui chefe de quadrilha quer dizer o jornal entra aqui na cadeia eu sai no jornal todo mundo está sabendo principalmente o pessoal aqui na cadeia Então um comenta com o outro esse cara aqui era meu companheiro lá fora roubava comigo praticava isso comigo ele está chegando na cadeia Quando eu cheguei aqui todo mundo que eu estava chegando Igual agora também todo mundo sabe quem vem e quem não vem pra cadeia Então fiz ambiente Comecei a trabalhar na faxina de alimentação fazendo alimentação pros outros detentos O que é isso Comida alimento Sim mas porque que você quis fazer isso É porque é preso que paga Aqui preso faz comida preso paga comida preso faz faxina Funcionário não faz nada Funcionário só administra administração Toma conta pune se você errar Os funcionários só faz isso o resto tudo é preso porque se os presos não fazer nada aqui não funciona nada na cadeia Isso ai se o senhor quiser ver isso ai o senhor só vê preso trabalhando Funcionário mesmo só vê assinando papel Então se os presos parar de bater a máquina parar de faze faxina parar de fazer comida o que vira isso aqui Então a administração quem faz a cadeia quem faz é o preso mesmo Porque a lei diz que quem faz comida quem faz tudo é o funcionário mas na penitenciária preso não faz recurso preso não pega em papel nenhum preso só assina quem faz é advogado e funcionário Aqui não aqui tudo é preso que faz Ai você fazia faxina pros outros Bom as panelas de comida de alimento ia pra lá Porque é feito aqui Então eu ia de xadrez em xadrez de carrinho pagando os pratos pra eles Se chama pagar os pratos É dando o alimento pra outro detento a gente chama pagar pagar comida Por que chama pagar a comida Porque é um porque corresponde a uma obrigação pagar Eu tenho que pagar pra ele a comida Quer dizer tem outros termos pagar também pode ser o cara xingar se fazer de valente perante outro detento ele fala pagar Ô Paulinho você tá pagando pra fulano Quer dizer é uma coisa Dando de mim pro outro sai de mim pro outro mesma coisa com a alimentação Eu tenho obrigação de pagar a comida pra eles café pão leite o que vier Tudo de alimento que vier aqui pra cadeia nós pagamos pra eles Então essa palavra pagar é no sentido de obrigação Nestes termos Tem muitas coisas nessa cadeia que sabe A história dessa cadeia é uma história longa Como é que você criou seu ambiente Você chegou e tal você já tinha conhecido você já tinha certo nome na massa então você teve algum problema Não eu não tive problema nenhum Os caras tentaram te agarrar Não porque uma que já me conheciam e outra porque meus companheiros já tinhaporque aqui o preso que tem 30 e 40 anos de cadeia de prisão eles são respeitados são temidos 152 entre os outros presos que tem cinco a seis anos de cadeia Muitas vezes o preso está com dois anos de cadeia ele mata um preso ai que está com 100 anos de cadeia ele atrasa o lado Ele matou um preso na cadeia a justiça já vai condenar ele por mais severo uma condenação mais severa Tem diversos casos assim Então os presos que tem mais tempo de cadeia são temido e de vez em quando eles transferem os presos que tem mais cadeia pra penitenciária porque a detenção é pra tirar detenção não reclusão lugar de reclusão é na penitenciária Então portanto a população carcerária está em números grandes por isso Não tem lugar na penitenciária manicômio então tem que ficar tudo aqui dentro Tinha muita gente no teu xadrez No meu xadrez tinha oito presos Quando cheguei ficamos em nove Mas no decorrer do tempo foi chegando mais gente e então ficamos com doze dentro do xadrez Então era seis beliches seis camas de beliche ficamos em doze camas Tem xadrez ai pra cima que é seis beliche e inda dorme gente no chão porque não tem condição Está superlotado Você sempre ficou nesse xadrez ou não Eu mudei mudei pra diversos xadrez Por que você mudou Porque logo que eu cheguei fui trabalhar e quem trabalha fica solto o dia inteiro das seis da manhã às seis da tarde então eu tinha que morar no xadrez da faxina Era um xadrez perto da gaiola onde ficava as panelas encarregado da alimentação Então eu tinha que morar com ele Então devido eu trabalhar eu tinha que mudar então eu mudei de xadrez porque no xadrez era tranca o sujeito só desce na hora do arejamento do sol tomar o sol volta pra almoçar toma sol e volta quatro horas E você preferiu Trabalhar Quer dizer na rua eu trabalhava quer dizer cheguei na cadeia continuei a trabalhar Quer dizer eu acho que trabalhando eu não sinto tanto a cadeia como uma pessoa na tranca fechada Eu trabalhando vou pra ali pago uma comida pra um vou levar uma comida pra outro vou no outro xadrez conversar com um amigo E tem gente que prefere ficar na tranca Tem gente é geralmente aqueles que tem menos cadeia menos condenação preferem ficar na tranca Por que Porque vai embora logo eles não sente a cadeia Muitos residentes que estão ai é por causa disso vem pra cadeia fica um mês dois meses na cadeia e vai embora Ele não sentiu a cadeia o peso ele não sentiu o símbolo da justiça é pesado porque eu já estou carregando há sete anos e já estou suportando mais E tão inocente então vai pra rua e pratica um outro delito porque não sentiu não chegou a conhecer o que é uma cadeia Então tem muita gente ai que volta como residente ai por diante Me conta alguma coisa ai que aconteceu com você ai nesse período que você era do xadrez ai no nove Uma coisa assim que você de ressentimento teu Com outro companheiro É Ah Já aconteceu diversas coisas Eu nunca precisei tomar nenhuma atitude drástica na cadeia E eu tenho em mim que eu não devo destruir ninguém da massa deve destruir um com o outro certo Eu sou contra isso ai Mas eu acho que o preso que o preso pra defender a sua moral de homem não faz de mulher pra outro preso acho que ele deve tomar uma atitude drástica mas essa esse tipo de atitude ai eu nunca precisei tomar porque ninguém nunca dirigiu essa palavra de pederastia sobre a minha pessoa Eu já tive diversas discussões por causa de futebol por causa de outro dirigir palavrão pra mim e eu dirigir pra ele eu já tive em diversas discussões mas nunca aconteceu de nós tomar uma atitude drástica sempre ficou em conversa na paz Mas alguma vez não aconteceu um troço mais sério assim com você Não Não Até hoje não E como é esse negócio ai de palavrão 153 Quer dizer o puto o boy na cadeia Chamado puto também Puto também Se vira mulher de vagabundo é puto é boy quer dizer tem certos tipos de brincadeira ai que tem na cadeia geral isso ai muitos estão andando na cadeia ai Você é puto você não pode levar uma O cara está falando ai você é isso você é aquilo esse ai é o sentido do palavrão Mandar o outro pra um tal lugar tudo é nesse sentido Quer dizer já tive problemas assim não vou dizer que eu nunca participei de ato de pederastia na cadeia mas aqui tem uma travesti chamado ela era da inclusive quando ela chegou na cadeia o diretor da cadeia mandou tirar uma foto dela não sei mandou pra onde mas era fora do comum Aquela era pra ser uma mulher mulher mesmo Então na rua ela já se acostuma a gostar do homem de outro homem porque pra mim é a mesma coisa porque tem aquele defeito mas ao mesmo tempo não corresponde nada Então comecei a ter amizade com a mulher mas tinha um outro preso que gostava dela também então nós entramos em desentendimento mas ela não gostava dele gostava de mim Mas ia acontecendo uma série de incidentes entre nós mas através de outros amigos não aconteceu nada ficou em paz Eu fiz ver a ele que ela estava na cadeia por passagem ela ia embora e nós ia ficar Então eu tive diversas vezes relações sexuais com ele certo O outro rapaz também teve porque eu fiz ver a ele que ela ia embora e nós ia ficar na cadeia Portanto esse rapaz queria destruir comigo por causa de personalidade está hoje na penitenciária do estado com mais de setenta anos de cadeia Quer dizer se eu tivesse tomado uma atitude drástica com ele eu estaria no lugar aonde ele está hoje também E a menina tinha ido embora como foi embora Está na rua desfrutando da liberdade de nós oprimido aqui dentro Então fiz ver a ele que não Eu já tive relações você pode continuar que pra mim tudo certo Quer dizer todos esses que aconteceu comigo eu consegui por mim mesmo na paz Mas tem gente que não consegue Tem gente que não consegue mas ai é falta de muitas vezes falta de experiência falta de compreensão entre nós mesmos Muitas vezes é por valentia quer se apresentar Porque tem muito ai que matam os outros para se apresentar querer ter nome na massa Porque aquele que mata na cadeia também é respeitado O cara que quer se apresentar na massa o que é isso Ele é quer dizer ele é um cara que está na massa já está reconhecido e tal mas ele está legal Inclusive tóxico na cadeia é que faz tudo Porque tem nós somos preso aqui mas tem Tem de tudo quanto é tipo de tóxico tem aqui na cadeia Apesar de que se nós formos pegos com ele somos punido Assinamos inquérito respondemos pelo erro ms tem Então ele quer se apresentar ele arruma com um camarada vai lá e compra um tóxico do outro de um outro indivíduo não paga o outro indivíduo vai falar com ele ele paga e mata o cara já se apresentou Daquele dia em diante todo mundo vai ser amigo dele Quer dizer sempre tem um valentão ai Mas não adianta ele se apresentar perante a nós e se enterrar na cadeia vai pra penitenciária e puxar de 15 a 20 anos de cadeia Acho que não é justo Então é preferível ele ser um preso humilde um preso pacato e ir embora em liberdade o mais brevemente possível do que estar lá como tem casos desses Mataram aqui levantar o nome aqui na cadeia perante os presos e tá lá hoje enterrado lá na cadeia Uns enrola o pescoço e se mata não adianta nada E esse desentendimento que você teve com esse outro cara como é que foi Da menina É O caso é o mesmo Ele quis ter negócio com ela mas a menina não não parava na dele Ele se simpatizou comigo Eu era faxina ficava solto se simpatizou comigo e achou que aquilo não tava certo Falou que ele vinha me pegar Vinha me matar não sei o que Mas eu fui lá troquei uma idéia com ele e fiz ver a ele que Que você disse a ele Eu expliquei a ele ó você queria se entender comigo eu estou puxando tantos anos de cadeia você também está com uma porção de anos de cadeia Eu estou pra ir embora você eu não sei se 154 vai embora mas o meu prazer é ver você ir embora primeiro do que eu Depois eu é ou não é Então é melhor nós não s destruir por causa dela porque ela vai embora logo mais ela vai embora porque ela está aqui por causa de maconha Maconha o máximo que vai é um ano de cadeia Ela está aqui por causa da maconha ela vai embora e nós vamos ficar aqui Agora vamos discutir por causa dela Não tem problema pode levar tudo certo Pra mim não faz não faz diferença Passou ficamos amigos a mesma coisa Ela foi embora nós ficamos na cadeia ele foi embora pra penitenciária e eu ainda estou aqui Quer dizer tudo aconteceu quer dizer que pode acontecer muita coisa sabe Mas o que aconteceu comigo eu resolvi na paz Temvocê teve algum outro tipo de desentendimento por outra coisa a não ser mulher Bom O que é comum acontecer além de desentendimento por causa de mulher Tem é por causa de futebol mas futebol acaba num canto mesmo Quer dizer aqui na cadeia ninguém se pede nada a ninguém por motivo de ter desentendimento Eu estou ali no meu xadrez com cigarro meu meus amigos é que me trouxe por sinal um perfume que eu ganhei ai eu comprei o cigarro Mas têm muitos que em vez de comprar o cigarro pra ele ele é viciado em vez de comprar o cigarro pra ele fumar ele compra tóxico pra ele fumar Então eles querem cigarro Então ele fumou o tóxico dele acabou o tóxico dele então ele vai querer fumar do meu cigarro Se eu sou um cara ignorante desumano eu vou dizer eu não vou dar cigarro pra você você você comprou sua maconha você fumou sua maconha eu vou fumar o meu cigarro Eu não faço isso eu dou maço pacote dou pra mim não faz diferença Mas se é outro outra fala vou te dar esse maço de cigarro aqui vou pedir uma cara pra você Quer dizer o cara vai pedir um cara pra ele ele quer falou no sentido de fazer ele d mulher porque pediu o cigarro Tem isso também Tem Esse é outro tipo de discussões também desentendimento certo A visita vem dia de domingo traz um bocado de coisas da rua coisa que aqui não tem então no xadrez aonde a gente mora ali o que a visita trouxe é nosso mesmo Sabonete pasta isso ai é geral não tem individualismo Mas o cigarro é individual Eu tenho meu vício que eu sustento mas cada um tem que ter o seu cigarro Isso ai é motivo pra discussões também se eu não tenho vou ficar pedindo tudo pro rapaz Ele vai tratar de mim e dele não tem condições Quer dizer isso ai também já aconteceu morte por causa disso O cara pediu não deu ele achou ruim foi matou ele Muitos acontece ai Sai de tudo quanto é tipo de desentendimento aqui na cadeia O que precisa fazer para se ter um bom ambiente aqui Olha aqui nesse presídio dois cinco oito e nove são quatro pavilhões certo Eu acharia que como os residentes estão separados dos primários porque os residentes tem mais é mais evoluído do que os primários Evoluído como Evoluído pro crime Mais sabido mais experiente O primário não o primário vem pela primeira vez pra cadeia não sabe nada não sabe o que é uma cadeia não sabem muitos deles não sabem porque veio Essa separação já tem agora a separação que eu acho que devia ter é a separação de qualidade de criminoso Quer dizer o cara que 155 rouba carro tem muitos deles ai que tem 10 a 15 inquéritos de carro roubado mas rouba carro pra curtir passear pra se apresentar na rua com carro dos outros Muitas vezes são preso comum preso sem periculosidade É um preso que não faz nada com um Então esses preso ai são uns presos como na massa se trata são uns preso bobo Então eu acho que tinha que separar aqueles presos dos de 155 separar de 157 do 121 separar eles pavilhão de 121 aqui é só 155 aqui é 157 divisão d qualidades de crimes certo Ai eu acharia que tinha possibilidade de recuperação dos presos Mas um cara que na situação atual que chega no nove por exemplo Como é que ele faz Um cara que não tem nome na massa 155 Geralmente ele pede uma visita vai falar com o diretor pra arrumar um serviço pra ele Ele desceu começa arrumar amizade no serviço já arrumou amizade no serviço já arrumou amizade em todo o pavilhão Então muitos jogam a bola lá fora porque aqui na cadeia o importante é jogar bola ele fica conhecido da cadeia toda Então ele arruma logo um time pra jogar bola Vai lá faz um contrato com o inspetor de esportes começa a jogar bola e faz o ambiente dele no futebol Vamos lá amanhã vai ter um jogo vamos assistir um jogo e tal ai ele vai lá Vamos lá no meu xadrez trocar uma idéia Quer dizer ele faz o ambiente dele por ele mesmo Muitos não faz o ambiente não se adapta no pavilhão às vezes é transferido pro dois Chega aqui trabalha e faz ambiente trabalhando ou vai pro cinco que é o pavilhão ele é o hospital ao mesmo tempo que ele é um pavilhão normal É também porque os presos que apronta nos outros pavilhões a maior parte vem pro cinco Do pavilhão cinco ele é removido pra a penitenciária do estado Então aqueles que não faz ambiente se sente inseguro eles pede pra vir pro cinco porque no cinco cada unidade desce por dia porque tem a divisão Como é que essa divisão A divisão é assim aqueles que não mexe com nada não quer saber de nada já brigou apanhou moram no quinto andar é um seguro Aquele dia quando desce aquele andar os outros andar que é valentão já brigou já deu porrada não desce Quer dizer que é divisão E é isolado aquele pavilhão O cinco é castigo Aquele que está em castigo tem que cumprir o tempo que o diretor determinou pra depois sair em liberdade Sair em liberdade significa voltar pro pavilhão de origem Pro pavilhão de origem Quer dizer o preso faz o ambiente dele assim Ou ele vai pro futebol ou ele vai pro cinema ou ele vai qualquer diversão pública que tiver lá ele faz o ambiente dele Tem diferença entre os pavilhões pra massa A diferença entre os pavilhões na massa dentro da massa é a seguinte o pavilhão oito só tem residente já teve na cadeia uma vez duas três quatro cinco passou d duas passou de uma vez aqui na cadeia é residente ficam no pavilhão oito Quer dizer eles se sentem eles se sente por eles os mais sabidos do que os outros Sou residente estou chegando na cadeia de novo No dois tem residente e tem primário mas os residentes que tem no dois são tudo residente comportado Tem um bom comportamento bom ambiente uma pessoa segura de não cometer delitos aqui dentro contra o próprio preso Então são esses residentes que tão aqui são esses ai Do contrário os residentes são tudo do pavilhão oito Quer dizer acontece muita advertência entre o pavilhão oito o cinco e o dois quando um preso deve pro outro na rua caguetou o outro na rua vem pra cadeia Então um atravessa pro outro pavilhão vem jogar bola trinta a quarenta caras de um pavilhão então é a disputa sai na mão o outro mata um qualquer coisa acontece o que tiver que acontecer acontece A diferença é essa E o nove como é que é O nove é um pavilhão que antigamente quando eu cheguei na cadeia ele era um pavilhão que muitas coisas aconteciam sabe Inclusive saiu muita facada Muita advertência Por que Porque é no caso de uma dívida de um preso com o outro quer dizer o cagueta não é benquisto na massa Porque ele prejudica diferente da polícia veio pra cadeia ele já é um cagueta Então quer dizer que tem cagueta lá fora e cagueta aqui dento e qual é a diferença A diferença de um cagueta aqui dentro é a seguinte muitos não tem justamente não tem ambiente não sabem fazer o ambiente deles não tem jeito de fazer uma regalia gozar de uma regalia fora a regalia normal e tem que gozar uma regalia a mais então ele começa a caguetar os outros Ele vê um companheiro fumando maconha ele vai lá fala pro homem o homem vai lá pune o cara põe ele numa cela Fala pra quem Pro chefe de disciplina Você chama o que o homem 156 É Fala pro chefe de disciplina ele põe o outro na cela Então ele vê outro fazendo uma faca vai lá e diz o fulano está fazendo uma faca então ele vai lá apanha Todos aqueles que ele pegam fazendo uma faca na cadeia apanham quer dizer não sou a favor disso um preso fazendo uma faca dentro da cela é pra prejudicar outro preso Não sou à favor disso sou contra então ele apanha então o cagueta o homem vai dar uma oportunidade pra aquele lá porque então ele fica solto aonde ele se faz aquele que não tem condições de fazer um ambiente normal ele faz por esse lado o cagueta Esse é o cagueta de cadeia Mas lá fora ele nunca caguetou mas ele vai caguetar aqui dentro para fazer um ambiente Não tinha vontade d fazer um ambiente normal então ele caguetou isso aqui dentro pra fazer um ambiente Agora tem o cagueta lá fora ele rouba lá fora e cagueta lá fora mesmo quando vem pra cadeia os cara que ele caguetou estão na cadeia muitas vezes os cara mata ele bagunça ele Faz ele pedir seguro de vida Tem isso também Tem Se você chegar a pedir pro homem seguro de vida o homem manda o cara pro cinco É o quinto andar do quinto Ali só tem seguro o outro lado é detentos que sofrem das faculdades mental São fraco da memória então eles mandam pra lá Corresponde ao manicômio um hospital de doenças E separações mais de pavilhões não tem a não ser esta Eu ouvi dizer ai que para a massa o oito e o nove é tudo igual Como é que é Não É o seguinte quer dizer o preso eu mesmo não conheço todo mundo da cadeia mas conheço uma quantidade Então se eu for pro oito eu se for pro oito tenho aqueles meus amigos ali Então eu sou conhecido sou igual a eles sou igual a outros presos também tenho pra eles Mas aqueles que eu não conheço não me conhecem também é diferente não sabem sou eu é a diferença que É igual é igual pra mim é tudo igual Quer dizer aqueles que tem ambiente com dez presos é aquele é o ambiente dele é aquele ali E esse papo que o pessoal do dois é bundamole Bom ai o cara do dois o pavilhão dois é o pavilhão mais seguro aqui da cadeia Geralmente a maior parte dos caras que devem o outro preso eles pede pra vir pra cá Porque os presos que está lá querem fazer alguma coisa com ele não pode entrar lá todo dia então o cara fica lá seguro Por outro lado aqui é onde se faz todos os recursos Então ele quer vir pra cá porque ele estando aqui toda hora pede a outro então ele consegue a liberdade dele mais rápido e lá não Lá no fundão mesmo é mais difícil é mais difícil apesar que tem uma judiciária lá e preso que mexe então ele sempre ele não faz aquilo com boa vontade porque o dinheiro nosso aqui dentro é cigarro é o selo do cigarro É o selo do cigarro Quer dizer a gente fala selo do cigarro mas é um maço de cigarroum pacote de cigarro aqui aqui tudo é pacote cinco maço um não tem quantia de dinheiro o que vale o dinheiro é o cigarro Então ele fala o selo Quer dizer se eu chegar no cara que trabalha no judiciário preciso fazer um recurso olha eu preciso fazer uma revisão assim assim assim no processo eu não dou nada pra eles faz de má vontade como talvez nem faça Mas se eu chegar com dois três pacotes de cigarro e pedir faz uma revisão pra mim ai ela sai no dia e sai bem feita certo Então lá no pavilhão tem isso e aqui os caras não pode fazer os funcionários manda eles de bonde de transferência de volta Então ele não pode cobrar nada Mesmo assim por fora tem essas trapalhadas Quer dizer então o pavilhão dois é tomado desse modo só tem bundamole Pra mim não é Pra mim é igual mas pra aqueles que não gostam de liberdade eles tomam como bundamole No meio da massa como é que é esse negócio É considerado um quer dizer eles falam no pavilhão dois só vai quemnão aprontar não mexe com nada o cara que pensa no futuro ai n frente Porque aqui quem está no pavilhão dois o interesse dele é só na rua Quer dizer aqueles que estão lá também muitos deles o interesse deles é rua Mas a maior parte não estão nem ai mexe com tudo não tão nem ai pra cadeia E você nunca quis vir para o dois não 157 Eu já tive diversas propostas pra ir pro dois mas cheguei lá quer dizer ele me deu um apoio total principalmente depois que eu fiz o primeiro Eu já tinha um ambiente lá então achei que eu não deveria sair de lá abandonar a confiança que o chefe de disciplina me deu Eu tive diversas propostas de trabalhar na manutenção marcenaria tive proposta de trabalhar no dois na cozinha como cozinheiro não quis Quer dizer eu preciso de quero ficar lá mesmo Então eu estou lá anos lá e sem sair de lá Você não é mau visto na massa não Com esse negócio o chefe de disciplina e tal não tem esse papo não Não quer dizer tem muitos presos lá que é mau visto do chefe d disciplina mais devido dele prejudicar os outros Que tem muitos que fica do lado do chefe de disciplina tem regalia mas prejudicam Eu não tenho a minha regalia a minha confiança mas o que ele está fazendo por mim a regalia que ele está me dando eu dei pra ele quando eu vim Em benefício ao pavilhão que fiz pra ele não foi porque eu caguetei ninguém nem porque atingiu o lado de ninguém foi só um benefício Então quer dizer eu fiz aquele serviço pra ele ele tem por obrigação de me deixar a pampa O que é a pampa À pampa corresponde a de cigarro sem perseguição sem nada mas muitos faz amizade com o homem através de caguetagem Quer dizer isso ai tem que ter na cadeia mesmo Se não tem isso na cadeia não é cadeia Por que Porque no xadrez aqui os funcionários eles não entra no xadrez e ficam no xadrez eles não sabem com quem a gente está trocando idéia com quem está falando Então é preso mesmo então o preso escuta vai fugir amanhã vai fazer uma tereza vai jogar na muralha e vai fugir Então aquele preso que tem regalia com o homem vai falar pro homem O homem vai no xadrez dá uma blitz e acha a tereza O que é isso Tereza é o lençol trançado com um gancho de ferro na ponta para jogar na muralha Chama tereza É o meio de fuga que tem aqui Então ele vai lá e fala pro funcionário ai o funcionário de lá vai autuar ai vem para cá a comunicação bate a comunicação vem pra mão do diretor ai o diretor manda colocar ele numa cela forte Depois que tiver cumprido o regime de cela forte a pessoa é removida pra penitenciária Quer dizer o cagueta tem que existir mas o cagueta nunca foi bem visto na massa e nunca vai ser porque nós temos por nós o cagueta preso cagueta funcionário Se eu tiro dez anos de cadeia o funcionário tira cinco Porque ele entra aqui e só sai de noite porque ele entra aqui seis horas da manhã e só sai às seis da noite então enquanto eu tiro dez anos aqui ele tira cinco Quer dizer ele é metade do preso também Então sempre tem uma coisa que o funcionário não pode fazer ele também faz devido a humanidade dele E talvez muitos casos aconteceu por necessidade porque preso não vai sair pra ir buscar um Está aqui pra não fazer nada certo Mas tem preso mais que ninguém é Quer dizer todos preso que é punido que vai no Fórum o juiz pergunta quem é que te deu isso Como você conseguiu E é condenado talvez pegue até medida de segurança E esse negócio que preso que fala com funcionário é cagueta Se o que o funcionário faz é para o bem dos presos o funcionário é bem visto e o preso também é Mas se o preso tiver ligação com o funcionário atrasar e punir e prejudicar outro preso nem o funcionário nem o preso é bem visto Esse negócio de malandro Tem diferença de malandro Essa história de entendido a malandro o que é isso O entendimento é o que por exemplo o 171 o estelionatário Ele é um malandro mas o artigo dele é só caneta já é outro motivo de diferença de artigo Ou estelionatário ele só mexe com cheque e falsificação certo Quer dizer ele não aplica violência em ninguém intimidade dele é menos do que um assaltante Que intimidade 158 Quer dizer o 171 o estelionatário ele pra fazer um delito ele chega e faz o delito na frente da polícia Na frente de qualquer um sem ninguém perceber que ele está praticado Ele só vai praticar depois que o banco a firma o dono do cheque sentir o erro do cheque o erro da transação que ele fez com o 171 Agora o assaltante não o assaltante chega aqui pega de revólver com mais 3 ou 4 e puxa e intima a intimidade dele Quer dizer o fator surpresa dele Ele chega e intima e tem que ver um para ele tem que dar o que ele quiser se não der tão sendo ameaçado de morte Então é a diferença Tem o traficante Quer dizer o assaltante é o grau mais periculoso que tem na massa É os caras mais considerado é o assaltante e o matador O resto é tirado como preso comum não como bundamole Tem diferença entre o assaltante e o delinqüente ou é a mesma coisa Não quer dizer a delinqüência é a mesma coisa ele praticou delito ele é delinqüente mas a diferença é apenas de ação de ação Quer dizer é muito mais de arma na mão outro age de conversa outro age pratica o delito de caneta só assinando o papel quer dizer o outro criminoso mas ele a criminalidade dele é que ele está dando pros outro vendendo pros outros uma contravenção pena Tem o viciado que não é um criminoso ele é pelas experiências que já fizeram ai ele é um doente mental quer dizer o viciado não pode viver sem o troço Ele não é um criminoso é um viciado esse ai tem separação geral é viciado não é criminoso mas na massa ele é tratado mesma coisa está preso todo mundo é preso todo mundo está sofrendo igual é a mesma coisa A única diferença é o crime os artigos em ações E a diferença entre o malandro e entendido qual é Tem malandro que ele é malandro mas ao mesmo tempo ele é otário trabalhador entendido quer dizer ele é trabalhador mas ele fuma maconha Toma cuidado e de vício ele entende tudo Então pro cara ser viciado ele tem que ter contato com ladrão porque geralmente o ladrão que se regenera diz eu não vou rouba mais vou vender maconha então ele vai e monta uma boca de maconha de maconha aqui Então eu sou trabalhador mas eu sou viciado fumo maconha então o malandro entendido é esse Trabalha é honesto é filho de bacana de gente bem ai é um elemento entendido Então esse parecer ai do malandro entendido é devido a ele ter contato com delinqüente mesmo com ladrão mesmo E o malandro como é que é O malandro mesmo é aquele que pratica a delinqüência Assalto roubo tudo quanto é tipo de criminalidade Esse é o verdadeiro malandro E esse negócio de que vem gente pra cá que não quer mais sair daqui Que vem pra cá porque lá fora está mal de vida chega aqui tem comida e tal Não não tem Olha pela maior regalia que o preso tiver dentro da cadeia ele nunca rejeitaria uma liberdade Isso ai é um problema que é fácil de explicar Por exemplo eu tenho condições de sair de liberdade condicional quer dizer liberdade condicional se chegar hoje aqui eu vou direto pra rua Então em vez dele ganhar liberdade condicional ele ganha colônia favorável Então ele fala não eu não quero ir pra colônia Prefiro ficar aqui e esperar minha condicional Porque se ele foi pra colônia vai ficar mais tempo na colônia Até ver os papéis até pedir a condicional dele ele vai ficar mais tempo E ele esperando mais tempo aqui ele sai direto daqui pra rua Então é onde eles fazem isso não quero ir embora prefiro ficar na cadeia Entendi Não tem essa do cara que não quer nada lá fora faz alguma coisa para ficar na cadeia Mas sabe o que acontece Isso ai é outro caso simples Tem mendigo que vem preso pra cá Eles fica lavando caro ai nos pontos Geralmente o bacana chega ele diz eu vou lavar o carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor O bacana deixa o carro aberto Mas o bacana foi pro baile foi pro restaurante a polícia passa e vê o cara lá dentro do carro Que você está fazendo Eu estou tomando conta Flagrante O que foi Ah Ele tava roubando o carro do moço Então ele vem pra cadeia Chega aqui é condenado às vezes absolvido vai embora pra rua e continua no mesmo lugar Então quer dizer o cara ali tomando conta pra mim não é um serviço seguro Porque já aconteceu a primeira vez com ele se ficar ali pode acontecer a segunda e terceira 159 então ele fala que o cara é vagabundo Que estava lá e que quer voltar pra cadeia Apesar que tem um caso desses ai que passam fome na realidade na rua que não é todo dia que tem carro pra tomar conta tem carro pra lavar ali sair um dinheiro que dá pra ele comer Pode ganhar dinheiro hoje amanhã não ganha Então a massa fala se ele for roubar ele vai roubar dinheiro Ele pode vi pra cadeia ele roubou dinheiro ele fica comendo aqui que governo paga O governo dá alimentação então eles fala que é vagabundo E essa história de que tem outro tipo de gente aqui além do malandro Como é que é essa história do falso bacana É o caso dos do pavilhão dois A maior parte deles em família e tal uns que se conhecem um funcionário que conhece o outro então vai ficando no dois Lá os caras andam de qualquer jeito qualquer roupinha pra eles que tiver no corpo está tudo certo Aqui não aqui a turma faz questão de andar na linha Então os outros presos lá andam trapilho aqueles que tem condições de arrumar uma roupa da rua uma camisa uma coisa da rua eles arrumam Se não tem anda com a roupa da Casa tem que ser tudo azul somente pode ser diferente No dois não Aqui é uma coisa diferente mais bacana Então eles falam falso bacana Que eles acham que se todo mundo fosse bacana como falam no dois estariam lá fora e não na cadeia Bacanarico não vem pra cadeia A num ser alguns por motivo de revolta por sentimento que o resto não precisa porque aqui tem quatro mil e poucos presos mais ou menos Mas se eles fossem bacanas mesmo não estavam na cadeia então muitos vagabundos espalhados que eles são falsos bacana por esse motivo Eles anda bem arrumado andar na linha é Lá não lá ele não tem nem ai É bola eles lutam capoeira lá tem curso de capoeira de boxe halterofilismo então não tão nem ai resolvido Quer dizer tem os mais chegados tem as visitas vão visitas então no campo é tudo short à vontade No pátio não na seção onde a gente trabalha é tudo arrumadinho e tal Não podem andar nem de bermuda nem de short que é para visita não chegar e não é Porque que o cara quer ser bacana Não é bem o cara que quer ser bacana É a circunstância onde ele se encontra o ambiente onde ele se encontra obriga Aqui mesmo nesse setor aqui o diretor aqui Lá o sujeito acaba de jogar capoeira lá fica lá aquela roupa vem uma visita ai fica mal não é Administração da casaentão a gente se sente obrigado a andar arrumadinho tem as copa dos funcionários Cada pavilhão tem a copa dos funcionários Eu não vou trabalhar numa copa dos funcionários com uma roupa suja sapato sujo Apesar de que é cadeia mas nós temos que ter um pouco de asseio E esse é problema Muitos está na copa de funcionários você não vê um mal arrumado é tudo arrumado No oito no nove no cinco a mesma coisa mas têm os guardapó branco outros o guardapó azul cabelinho cortado É essa a diferença Não é que é bacana é a conveniência obriga Então os outros que vem ai que andam de qualquer maneira julgam aos falsos bacanas por esse motivo Mas há falta de compreensão Quem são as tuas amizades A minha amizade enfim todos aqueles que quiser conversar comigo eu aceito Sim mas quem é que é teu amigo assim Tenho uns amigos particulares Aqueles amigos que eu convivo diariamente com eles principalmente os que moram comigo no meu xadrez Nós moramos em quarto individual Quer dizer o que está com menos cadeia lá sou eu Estou talvez se eu não tiver má sorte eu vou embora novamente Agora o resto um está com doze anos de cadeia o outro está com cento e doze É um rapaz novo inteligente inteligente Fala um montão de bobagem fala montão de coisa mas ninguém sabe mesmo a realidade que um com outro vai fazer lá fora Eu posso falar que não vou roubar quando sair daqui Vou regenerar vou trabalhar eu posso está mentindo pra ele Então eu posso ir lá pra fora e continuar roubando quer dizer a gente conversa troca idéia fala tudo tudo quer dizer se existir um espião entre nós é fácil descobrir porque preso tem língua solta preso tem língua solta Mas amigo mesmo são esses que você tem diálogo 160 Que mora comigo e que trabalha na minha seção amigos íntimos mesmo Mas fora isso eu sou amigo de todo mundo Se eles me parecem pra trocar um diálogo eu troco Se me perguntarem uma coisa se tiver ao meu alcance eu respondo Se me pedirem uma ajuda já ajudei muito Esse pessoal que você fala é conceituado na massa É na massa O cara que é benquisto na massa embora a minha personalidade também é apesar de eu ter eu posso ter minha amizade com todo mundo isso ai é óbvio e qualquer um pode Não pode mas pode arrumar um serviço com o homem sem prejudicar ninguém Explica pro homem que está com muita cadeia pra ver se Agora têm muitos que lá e prejudica logo cinco seis manda logo pro xadrez pra carceragem fez isso fez aquilo prejudica os outros Mas o que tem nenhum desses tudo bem porque eu acho que não deve prejudicar o outro Se eu prejudicar o outro estou prejudicando a mim mesmo Porque o que eles praticam eu também não devo praticar Não para o mal apesar de que desde que eu entrei na cadeia cheguei Eu não tava me adaptando mais Então há condições que mesmo no rol de amigos íntimos mesmo eu tenho consideração São pessoas que não cuidam da vida dos outros Eu sou a contrário Se eu não puder ajudar atrapalhar também não atrapalho Esse é meu bem Isso é fundamental aqui dentro É lógico que uma pessoa vai prejudicar a outro alguém que seja batizado por ele toma raiva ódio E fica mal visto porque se ele prejudicar o outro também Então os cara não querem conversa com eles A minha política é outra Esses caras esses tipos assim eles são completamente esquecidos d massa isolados desprezados completamente da massa Ninguém bate papo com ele muitos deles podem até pra ir pra penitenciária Um pederasta pode ser benquisto na massa Tem um pederasta aqui é além dele ser pederasta é policial porque além de praticar o ato de pederastia ele cagueta Esse vou falar É desprezado Agora aquele que pratica só o ato de pederastia o malandro tem Eu vou explicar este porém o que pratica o ato de pederastia o malandro tem ele como adiantar o lado Ele adianta agora aquele que pratica o ato de pederastia e cagueta ele está atrasando Ele além de praticar um ato de pederastia com um preso depois vai prejudicar o outro então ele está atrasando Então o que tem valor na massa masmas tem mais valor um puto que um cagueta Tem mais valor um puto que um cagueta porque está prejudicando o puto está guentando entendeu O pior de todos então é o cagueta Entre um cara que é só cagueta e um cagueta pederasta esse é pior ainda É pior pior ainda Esse ninguém quer saber ninguém quer saber dele nem pederasta nem nada é isolado O único que pode se dar com ele é o mesmo naipe o outro que é mesma coisa dele Por que tem gente que não se adapta ao xadrez Tem que no xadrez na cadeia não pode ser ocupado por muita gente não O máximo de dois cada cela Então obrigatoriamente a gente tem conhecimento mas por via das dúvidas a gente leva aqueles o mais velho no xadrez que morou primeiro ali leva os mais chegados Você pode escolher aquele cidadão no xadrez Chega lá fala pro homem Olha chefe eu vou levar fulano fulano o senhor autoriza autoriza então pode mudar Autoriza o que é isso Autorizar tem que assinar Autorizar a mudança Vou levar você você você certo Chega no chefe de disciplina e fala chefe eu estou precisando desses caras ai autoriza mudar de xadrez Autorizo Então Vocês vão se dar bem Vamos e então não tem encrencas Não então Autoriza Autorizado então quer dizer antes de efetuar a mudança Ele pergunta se se dar bem se vai não tem encrenca nem nada Agora os travesti que é declarado mulher mesmo de preso aqui é separado Mora separado São separados no xadrez deles Porque eles mora no xadrez deles já evita uma pouco Porque é o seguinte se o homem deixar todos os travesti chegar na cadeia morar no xadrez coletivo 161 vai sair morto todo dia porque um quer outro não quer outro quer Acontece mas evita Ai é uma grande oportunidade de evitar as coisas acontecerem E no xadrez coletivo como é Muita gente Dez oito até quinze Chegou uma época ai que tinha dezoito no xadrez São xadrez do tamanho desse aqui E tem diferença entre cara que mora no individual e cara que mora no coletivo Não É a mesma coisa Mas tem problema de fazer ambiente Assim fica mais difícil no coletivo não fica não Não fica mais fácil mais fácil há muita gente Quer dizer se tem dez eu faço ambiente com aqueles dez ali Aqueles dez apresentam uns dez ou vinte então vão chegando E tal Eu conversei com aquele outro rapaz ali ele falou que o primeiro xadrez que ele foi coletivo No primeiro dia um cara já falou pô essa cara ai vai vai fazer a faxina pra mim e tal Ah Tem esse problema Quer dizer no xadrez moramos em doze Eu não vou fazer faxina todo dia sozinho Todo mundo Então no xadrez cada dia um fazia a faxina Quer dizer existe xadrez lá pra cima dos malandros demais que eu falei chegando novos então eles deitam Faz faxina pra nós ai Então a faxina pra nós ai Então o cara fica com medo e e fica todo dia fazendo faxina pra ele Se não fizer o que acontece Se ele faz numa boa sem violência passa cada dia um fica fazendo uma mas se ele levar Então aparece sempre um que quer ser mais do que ele então vai querer uma briga com ele e é o que acontece Geralmente essas coisas de valentia mandar o outro pra faxina acontecem no xadrez onde o cara está até no pescoço de cadeia Cem duzentos anos Ai tem preso com trezentos anos de cadeia Cinquenta de dez pra cima tem monte A maior parte é isso ai Então esses ai levam uma perante o outro grupo Mas é raro isso Não é todo lugar que acontece isso Com você não aconteceu isso não Não sobre faxina Não pelo seguinte no meu xadrez que eu morava só morava cara quisto da massa Eu também sou benquisto na massa mas se eu tiver que fazer faxina eu também vou fazer Hoje é dia de fulano amanhã é meu dia todo mundo faz faxina Mas passa lá o tempo todo ali sem O cara que é bom malandro ele faz esse negócio ele faz o loque fazer Não é raro Esse pra mim esse não é bom malandro Esse é o mau malandro no meu parecer O que é bom malandro O bom malandro é aquele que dispensa a sua humanidade para o companheiro certo Está vendo o companheiro fazendo faxina todo dia vai lá e dá uma força ajuda Eu mesmo no outro xadrez que eu morava era meu dia de fazer faxina mas tinha sempre dois três meus companheiros sempre me ajudava Quando eu via o outro fazendo também eu ia e ajudava Mas isso ai é o bom malandro Mas o outro na cama intimando os outros a fazer isso ai é o mau malandro Ele não tem nada de malandragem ele tem de ignorância nele falta princípio na massa Ele é respeitado na massa Dentro do xadrez dele Só no xadrez dele No xadrez dele Fora ele é igual aos outros Tem diferença entre o cara benquisto na massa e cara respeitado na massa Tem Qual a diferença Por exemplo o cara que é respeitado O bom malandro é respeitado num certo termo ele não mexe com a vida de ninguém ele não adianta ele não ajuda mais também não atrasa esse é um bom malandro essa é a diferença O malandro demais é aquele que quer ser mais do que os outros por exemplo ele já matou na cadeia já brigou ele não precisa brigar não se ele tem uma faca e foi preso com uma faca perante os funcionários também já malandro demais então ele anda só com uma faca 162 ele queria matar alguém na cadeia Então todo mundo quer amizade com ele Esse cara vai acontecer alguma coisa eu quero amizade com ele É um conceito é mínima coisa isso ai Esses ai estão respeitando É respeitado Mas também ele não mexe com todo mundo ele sabe com quem ele mexe ele vai mexer com uma pessoa de um nível mis menos que ele Porque se ele for mexer com um igual a ele ai fica ruim Se um cara é respeitado na massa porque matou e tal mexe com um cara que é benquisto na massa que é bom malandro o que acontece Ele é prejudicado Porque a própria massa critica O cara não é safado não cagueta não trouxe você pra cadeia não caguetou você não ofendeu sua moral é ou não é Porque você vai mexer com cara O cara é malandro igual a você e treta Os caras acende logo Então um já arruma uma faca pro outro e diz toma pronto vai lá Isso é contravenção na cadeia faca não pode O mal de preso é esse é eu chegar e dar uma faca pro outro Então acontece o que voc6e falou a treta que é isso A treta é o atritoO cara está com treta com fulano está com treta Então treta corresponde ao atrito a encrenca Ai se providencia logo uma faca pro outro Ou o amigo dele ou o xadrez dele ele tem um companheiro lá em cima que tem ele vai lá e pega e se ele não tiver meios ele vai na turma dele quebra os pés da cama aproveita e quebra o pé da mesa o pé da cadeira Lá tem diversos banco Mas a massa não se mete com a briga Não só ele mesmo A massa só se mete quando é muito raro Três quatro cara pegar um cara só de faca Três presos cada um com uma faca na mão pega um cara só Ai muitas vezes a massa se revolta quando o cara é considerado Ai é covardia três cara pegar um cara só ai a massa ajuda esse ai Mas quando é um cara sem vergonha um cara que não é benquisto na massa não tão nem ai Eles deixam Deixam passar Você já assistiu uma briga de faca assim Já Já assisti muita coisa que eu cheguei a arrepiar o cabelo do couro Quer dizer eu não podia me meter porque sou sozinho Quer dizer muitas coisas que eu vi o próprio a própria vítima procurou Se ele procurou ele que arque com as conseqüências Se ele não procurasse qualquer um ajudava ele apaziguar ele Chegava lá e sai falando deixa pra lá e tal e deixa de bobera e tal apaziguava e tal Mas quis levar uma de valentão então deixa ele se virar porque os valentes sempre morrem nas mãos dos fracos Se não matar no campomata dormindo jogando bola tomando banho Aconteceu isso ai Na cadeia na massa não existe conceito vale tudo dormindo agachado sentado tomando banho só não vale caguetar Isso é um grande conceito da massa do crime isso é geral no mundo todo Que ai tem diversos criminoso ai estrangeiros nós dialogamos que eles que aprendem logo o português nós dialogamos nós entramos em contato ele explica é a mesma coisa em geral isso ai é um crime em geral isso ai é um crime é só no mundo todo não existe não pode existir cagueta No tempo do Al Capone cagueta não existia apesar que desde que existiu Cristo já existiu o cagueta que traiu Deus por umas moedas mas nunca foi quisto na massa Fica mal né É fica mal Você naquele ódio puxa o vizinho está tomando conta da minha vida Tudo que ele critica Tem um ditado que está certo aquele que tem fortuna aquele que tem uma fortuna existe um crime por detrás Não pode um crime grave mas existe um crime por detrás um erro um erro Está dando certo Tem um rapaz ai que é engenheiroeletrônico Ele tem uma inteligência fora do comum mas o que adianta Ele não aproveita Trabalha na diretoria Ele faz um mapa um painel central pra Polícia Militar magnético fez aqui na cadeia Eu tenho por mim que esse era um dos que o governo tinha que aproveitar ele agora pelo contrário lá fora ninguém vai ligar para ele foi o caso que 163 eu falei que muitas pessoas sai daqui cometendo crime por falta de amparo porque tem muita gente inteligente nessa cadeia Porque a inteligência não vem da leitura vem de si próprio Eu creio que a leitura faz falta mas já senti eu mesmo eu falo isso porque muitas vezes eu já senti falta da leitura muitas vezes em São Paulo quando eu cheguei pra cá eu queria ler uma coisa e não conseguia queria ler no ônibus e não conseguia tinha que perguntar pros outros mas quando eu comecei a ler e senti que eu estava lendo puxavida foi uma grande alegria apesar de tudo quer dizer eu senti falta mas eu creio que muitos presos aqui é dentro é mais inteligente que um estudado Eu vim pensar na capacidade da metade do homem aqui na cadeia A mentalidade humana é a coisa mais perigosa do mundo é mentalidade humana Tanto faz para o bem quanto para o mal Porque a maior parte do mundo usa a quarta parte da sua mentalidade e se todo mundo usar sempre há honestidade a inteligências certo Quer dizer eu mesmo sou católico desde criança se me visse como gente eu sou católico Mas eu freqüentei de umbanda macumba candomblé tudo quanto é coisa ruim eu freqüentei Os próprios umbandistas os próprios macumbeiros não sabe o que é a macumba Eles sabem que a macumba é seita deles Mas eu aqui dentro da cadeia tive a oportunidade e aprovei a realidade sobre essa seita Aquilo ali que pratica é força da mentalidade da pessoa não é nada de espírito que vem do céu não é nada disso é o poder da mente a mente é muito é muito quer dizer não estou falando que eu tinha a minha mente suficiente para mim apodera de alguma coisa mas eu tenho a minha força de vontade a minha crença faz com que sugerir acontecer Eu não pus nada em plano não fiz é castelo de nada por enquanto eu quero sair da cadeia se eu falar que eu vou sair daqui vou me regenerar estou mentindo Se falar que não vou roubar estou mentindo porque eu não sei o que eu vou fazer lá fora Vou procurar um meio da minha melhora da minha melhora porque se eu melhorando a minha vida eu posso melhorar a dos outros Apesar de que eu gostaria de ver todo mundo bem primeiro do que eu eu ser o último Pra mim apesar da minha ignorância dos meus erros eu sou um cara humano queria ver todo mundo na paz na tranqüilidade mas ninguém tem condições de manter a paz na guerra É difícil Então a violência gera violência A paz gera a paz a mesma coisa pra mim estou numa guerra agora Quer dizer a vida de um criminoso a vida de criminoso ele pode do mal ele pode chegar ao ultimo grau da bondade mas para que isso aconteça ele tem que ter um apoio total Amor com ele não somente crítica no jornal Eu vou sair daqui vou arrumar um serviço lá fora quer dizer eu tenho passagem pela polícia apesar de eu nunca deixar de trabalhar mesmo na cadeia vou tirar meus documentos está sujo Vou tirar um antecedente está sujo As firmas não me aceitam o que eu vou fazer lá fora se eu não consigo escrever Vou pensar na maldade outra vez Pra poxa eu queria regenerar mas não consigo As firmas não aceitam tenho um apoio do governo não tenho um uma pessoa que pode me ajudar As pessoas da minha família é humilde da minha família é pobre Eu estou com força de vontade mas ninguém me ajuda eu vou voltar pro crime Quando ele voltar pro crime ele volta completamente diferente a mente dele evoluída conviver aqui aprendeu Aqui é a escola a verdadeira escola viveu aqui aprendeu Então ele vai praticar coisas que nunca praticou onde o jornal é muito útil manual Porque o jornal faz o bandido também a imprensa Muitos jornais faz O bandido de Assis morreu foi feito O cara foi feito porque os companheiros dele estão aqui na cadeia tudo está aqui na cadeia Foi feito do jornal Por isso é que a impressa tinha que fazer uma coisa pedir a prisão dele e não difamar ele Ele é um bandido ele é perigoso e ele é assim não é nada disso Então o cara se sente puxavida o jornal está me criticando falando que eu sou aquilo esses caras vão me matar Tem medo deles matar Então no fim ele sai matando também pra depois morrer Quer dizer então em vez da imprensa fazer isso ai precisamos pegar um bandido assim assim assim pra botar ele na polícia Pra isso existe a cadeia pra pagar o crime que cometeu porque não tem ninguém com direito de matar ninguém Eu sou contra aquele que também mata pra roubar Eu nunca precisei dar um tiro em ninguém não sei se vou precisar lá fora agora Até hoje eu precisei um tiro nem nada eu sou contra isso ai Mas tem muita gente que faz isso ai Faz tem muita gente que faz Essa ROTA que saiu fora agora Eles são desumano esses cara tudo ignorante Eles não tem curso Pra isso o governo acabou com a guarda civil Porque a guarda 164 civil tinha que ter curso de pintura educação e humanidade Pra eles dá uma blitz num cidadão na rua eles vinha coma maior educação do mundo Se fosse pra eu falar pela polícia eu falaria pela guarda civil mais ninguém Porque a força pública qualquer ignorante que chegar ai se ele tiver os braços fortes saber dar tiro ele já tem um vaga pra ele vai ser polícia Todos esses ai são ignorantes não tem cultura não tem principio Então ele vai ver um carro correndo um ladrão correndo não precisa não ele está de viatura persegue até ele parar ai ele vai parar Prende manda pra cadeia vai cumprir sua pena você sabe ele dando tiro em cima o cara estava com um revólver também já sai dando tiro neles como eu tava falando que o homem é perigoso O jornal e a polícia faz o bandido Isso ai todo mundo fala O que é verdade ninguém gosta de falar o preso morre o bandido quando morre ele entre já como defunto Agora me fala O número de bandido morto está sendo está batendo recorde Mas é mentira Se morre trinta polícia e morre cinqüenta bandido eles fala que morreu cem bandido e dez polícia Mas morreu trinta viu Por ignorância deles porque se fosse pelos bandido não tinha troca de tiro não tinha nada Quer dizer ele ia embora Se não fosse violado não ia violar ninguém Como é que está o teu caso Por que você não ganha esse recurso Meu recurso é um problema sabe Estou condenado a Estou cumprindo anos Já era pra você ter saído então Já era pra eu ter saído Porque no código penal reza que na metade da pena eu posso ter livramento condicional e com o terço tenho direito à colônia porque eu tinha cinco meses aqui Então eu tinha uma falta disciplinar na casa O que aconteceu É falta de disciplina Discussão com funcionário Então eu fui punido Abandona a falta que é perdoada depois de um ano então houve possibilidade de eu ir pra colônia Quando eu atingi um ano pra abonar a falta eu já estava dentro da liberdade condicional Mas como eu tinha lhe dito eu tinha obrigação de fazer exame com o médico psiquiatra que a medida de segurança é obrigatória depois de um ano passar pela sala do psiquiatra Como que é o exame Ah O exame psiquiátrico é por exemplo Você chega lá que ele faz Você fica sentado na mesa dele eu chego ele lê o processo então ele pergunta desde quando eu nasci desde quando eu nasci até esse último momento Se o que eu fiz tem sangue tem violência tem agressão o que eu fiz aqui que eu vou continuar a fazer quer dizer é um diálogo pra ver se ele consegue sentir sua mente normal Sem distúrbio mental Então desde criança até agora ele pergunta Ele faz diversas perguntas quer dizer E ai Passei foi favorável Mas chegou na Execução eles não aceitaram o que o médico tinha me dado O não aceitou Quer dizer o cara não é É médicopsiquiatra do governo Mas é o seguinte a diferença é que na biotipologia é uma junta médica não é um só mas são quatro em psiquiatria uma assistente um psicólogo e um eletroencefalograma São quatro a examinar É uma junta médica Aqui é um só O juiz da Execuções não aceitou o exame dele não foi acatado não acatou o exame dele Mandaram eu pra biotipologia Chegou na biotipologia eu fiz quatro exames Eu não tenho distúrbio mental não tenho nada que ataca a minha mentalidade A biotipologia não deu contrário não deu favorável sugeriu Não é dar nem negar Certo E também não pode existir uma coisa sugerida Alguma coisa vá acontecer estou fazendo exame alguma coisa já aconteceu então eles sugeriram maior prazo de observação minha aqui na cadeia Isso ai foi quando eu fiz os outros exames Bom não deram nem negaram não entendi mais nada me senti apavorado não deram nem negaram Perdi a condicional Fiz outro exame na penitenciária Os mesmos exames eu fiz novamente Eletroencefalograma e o que mais Eletroencefalograma eu fiz por último e a psicóloga psicologia a assistente social Ela perguntou o que 165 Desde o dia em que eu nasci até o presente momento sobre a minha pessoa sobre a minha família o que eles tem o que eles não tem a doença que eles sofre se eu se meus parentes já tiveram internado em hospital por causa de mentalidade fraca Então tudo isso tudo quanto é tipo de doença em perguntaram quer dizer a minha vida desde criança até o presente momento perguntaram Tanto faz da segunda vez perguntaram mesma coisa A única coisa que foi diferente foi o exame da cabeça que é o eletroencefalograma O único diferente o resto a mesma coisa E deram contrário dessa vez Esta é o motivo que eu acho que a justiça não tem intenção de recuperar ninguém Apesar de regenerar quinhentos milhões de vezes mas eles regeneram quinhentos milhões de vezes é melhor pra eles Então mas eles não tem intenção de regenerar ninguém porque se eles colocaram um médico psiquiatra aqui na Detenção o exame dele tem que ser válido em qualquer lugar certo Jamais eles podem recusar o exame de um médico psiquiatra O médico que tirou o diploma tem capacidade pra exercer o cargo que ele exerce Então ele tem que ser acatado o exame dele Não acataram o exame dele Foi favorável Então o exame que eu fiz com ele foi favorável foi favorável As mesmas idéias que eu troquei na penitenciária eu dialoguei com ele Porque são tudo médico psiquiatra então são todas as idéias comparadas Quer dizer a posição dele aqui é o médico daqui Ai por que O Dr é médico psiquiatra eles tem que acatar Se a Detenção de São Paulo não vão acatar os laudos dos médicos deles então pra que tem médico na Casa de Detenção de São Paulo Então a minha não é revolta os meus sentimentos certo toda a compreensão da humanidade nessa parte Quando eu cheguei a atingir o direito de livramento condicional se eles me botassem na rua as minhas idéias tinha virado pra mim e meu povo eu ia procurar mais inteligência para minha mente pra eu poder dispor dela para o bem do meu povo Eu ia fazer o bem pra eles pelo contrário eles fizeram em mim pensar coisas contra eles Porque eu até o segundo ano quando eu estudei não estudei nada que pudesse influir na mente sabe Mas a minha força de vontade fez com que eu tivesse tudo que por na mente o poder da vida Então eu consegui consegui influir na minha mentalidade a estar bem amadurecida em qualquer ponto isso eu tenho certeza minha mente está bem amadurecida em qualquer canto que eu for certo A única coisa que eu queria era que eles me dessem essa oportunidade o direito que eu tenho que é da liberdade condicional não me deram me negaram isso também
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SciELO Books SciELO Livros SciELO Libros RAMALHO JR Mundo do crime a ordem pelo avesso online Rio de Janeiro Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 2008 165 p ISBN 9788599662267 Available from SciELO Books httpbooksscieloorg All the contents of this chapter except where otherwise noted is licensed under a Creative Commons AttributionNon CommercialShareAlike 30 Unported Todo o conteúdo deste capítulo exceto quando houver ressalva é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição Uso Não Comercial Partilha nos Mesmos Termos 30 Não adaptada Todo el contenido de este capítulo excepto donde se indique lo contrario está bajo licencia de la licencia Creative Commons ReconocimentoNoComercialCompartirIgual 30 Unported Mundo do crime a ordem pelo avesso José Ricardo Ramalho MUNDO DO CRIME a ordem pelo avesso José Ricardo Ramalho 1 Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais wwwbvceorg Copyright 2008 José Ricardo Ramalho Copyright 2008 desta edição online Centro Edelstein de Pesquisas Sociais Ano da última edição 2002 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio de comunicação para uso comercial sem a permissão escrita dos proprietários dos direitos autorais A publicação ou partes dela podem ser reproduzidas para propósito nãocomercial na medida em que a origem da publicação assim como seus autores seja reconhecida ISBN 9788599662267 Centro Edelstein de Pesquisas Sociais wwwcentroedelsteinorgbr Rua Visconde de Pirajá 3301205 Ipanema Rio de Janeiro RJ CEP 22410000 Brasil Contato bvcecentroedelsteinorgbr 2 não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande de um preso da Casa de Detenção de São Paulo A Neide Esterci 3 ÍNDICE Prefácio Sérgio Adorno4 Nota à 3a edição 7 INTRODUÇÃO12 CAPÍTULO I A CADEIA E SEUS MUROS 17 Casa de Detenção o campo da pesquisa 17 Introdução à cadeia a mediação necessária e suas implicações22 No interior da cadeia o pesquisador e os presos 24 Os cinco pavilhões uma breve visita 27 CAPÍTULO II O MUNDO DO CRIME NA CADEIA 35 A massa do crime código da malandragem 35 O malandro figura principal da massa 51 O juiz de xadrez e o funcionário disciplina e crime na cadeira59 Mundo do crime e Trabalho recusa de uma barreira intransponível69 O nato percepção de uma trajetória sem retorno 72 O significado e o privilégio de uma ocupação na cadeia82 Avaliação da experiência da cadeia 83 Recuperação estreita passagem entre dois mundos 85 A ilusão do esforço pessoal 86 Admissão e denúncia dos obstáculos 86 Os pavilhões a lógica social no espaço da cadeia 98 O pavilhão do trabalho porta de saída 98 O pavilhão do castigo loucos e perigosos quem são104 Os residentes a imagem do cobra criada 106 Os cabeça fresca para início de carreira no fundão110 CAPÍTULO III A SUJEIÇÃO PELO CRIME 115 BIBLIOGRAFIA 134 ANEXO 138 4 Prefácio Embora não seja um problema exclusivamente brasileiro esta sociedade vem conhecendo desde a década passada taxas crescentes de criminalidade urbana em especial a de tipo violento Inicialmente mais visíveis em grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro hoje podem ser observadas na maior parte das médias e grandes cidades brasileiras Tudo indica que esse rápido crescimento é senão no todo ao menos em grande parte responsável pelos sentimentos coletivos de insegurança e medo diante da violência e do crime sentimentos que ultrapassaram as tradicionais barreiras de classe gênero geração etnia Hoje independentemente de clivagens sócioeconômicas ou culturais qualquer cidadão ou cidadã tende a revelar profunda inquietação pessoal quanto à possibilidade de vir a ser vítima de uma grave ofensa criminal A mudança do comportamento coletivo medo de circular sozinho de atravessar certas áreas da cidade de permanecer nas ruas em horários noturnos e a necessidade de busca de proteção pessoal de que inclusive vem resultando uma arquitetura urbana de espaços cerrados é apenas um dos sintomas mais visíveis do clima de pânico social que vem se disseminando com rapidez Desde a década passada o impacto deste problema vem estimulando o desenvolvimento de pesquisas no domínio das ciências sociais Em recente e exaustivo balanço analítico da literatura especializada Zaluar 1999 demonstrou o quanto já se avançou na caracterização do fenômeno face ao pouco que se sabia em passado não distante Não obstante não parece ainda haver consenso entre os cientistas sociais antropólogos cientistas políticos e sociólogos quanto às causas desse crescimento Mesmo assim não são poucos os que conferem peso à incapacidade do sistema de justiça criminal agências policiais ministério público tribunais de justiça e sistema penitenciário em conter o crime e a violência nos marcos do estado democrático de direito O crime cresceu e mudou de qualidade porém o sistema de justiça permaneceu operando como o fazia há três ou quatro décadas atrás Em outras palavras aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do estado de impor lei e ordem Sob este particular o modo como o estado brasileiro tem procurado operacionalizar o controle social revela formulação e implementação de diretrizes políticas antagônicas Não sem motivos os debates públicos se apresentam acirrados Sem pretender reduzilos a esquemas dicotômicos podese identificar nesses debates dois conjuntos de orientações políticas Por um lado medidas liberais que buscam marcar distância das políticas penais adotadas durante a vigência do regime autoritário Apelam para o império da lei e do estado de direito procuram conter a violência institucional e defendem os direitos dos cidadãos tutelados pelo sistema de justiça 5 penal Por outro lado medidas conservadoras que contemplam maior rigor punitivo apelando sobretudo para as medidas de supressão de liberdade em instituições voltadas para o cumprimento de pena em regime fechado O Brasil como muitos outros países do mundo ocidental vem apresentando nos últimos dez anos taxas crescentes de encarceramento O número cada vez maior de pessoas encarceradas no entanto não tem sido acompanhado de condições adequadas que atendam aos requisitos da tutela de presos ou do cumprimento de penas nos termos das exigências legais e institucionais estabelecidas em convenções internacionais em particular as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso da ONU O déficit no número de vagas as precárias condições de habitabilidade das prisões a falta de assistência de programas de assistência médica social e jurídica têm sido responsáveis por constantes movimentos de revolta e resistência por parte dos presos As rebeliões explodem em delegacias de polícia cadeias públicas e penitenciárias da capital e do interior do estado envolvendo danos às instalações e equipamentos e sobretudo ferimentos e mortes entre os presos policiais e funcionários além de suscitar e exacerbar os sentimentos de medo e insegurança presentes na população urbana Este porém não é um cenário recente nascido na década passada como muitas vezes se possa imaginar O livro de José Ricardo Ramalho é um de seus testemunhos mais significativos Realizado no curso dos anos setenta resulta de um estudo pioneiro que guarda ainda sua atualidade Pioneiro sob não poucos aspectos Em primeiro lugar face à conjuntura política em que foi concebido ainda durante a vigência da ditadura Aquela conjuntura dominada pela repressão à dissidência política não se constituía em cenário favorável ao estudo sobre as prisões e sobre o preso comum de modo geral desprezados quer pelo debate público quer pelo debate acadêmico Ao colocar em evidência o mundo do crime sob a ótica de seus protagonistas o livro de José Ricardo Ramalho não apenas antecipou o que já estava em marcha o crescimento da criminalidade urbana e da insegurança coletivas deixando entrever alguns de seus principais contornos mas também suspeitou que entre a repressão à dissidência política e à repressão ao crime comum havia uma espécie de solidariedade que o processo de transição democrática acabou por tornar transparente Mas há outros aspectos que merecem destaque Ao aproximar o mundo do crime da pesquisa etnográfica àquela época tratamento metodológico pouco usual no domínio desses estudos o estudo já apontava para outras novidades ao demonstrar as fluídas fronteiras entre o legalidade e desordem social a partir da ótica dos delinqüentes contribuiu para relativizar o peso das concepções sobre crime e ordem social herdeiras da tradição durkheimiana e que durante longo tempo dominaram os estudos no domínio da sociologia da violência No mesmo sentido pôs o dedo na ferida de uma tese cara à esquerda política a de que havia inevitáveis relações entre 6 pobreza e crime Sob esta perspectiva seu estudo permitiu deslocar o eixo da discussão da determinação e das causas do crime para o processo de criminalização do comportamento das classes populares onde são preferencialmente recrutados os pobres processo que encontra na prisão um de seus pontos de inflexão justamente porque longe de combater e conter o crime a prisão produz a delinqüência e acentua a reincidência criminal No início desta década o cenário parece ter mudado acentuadamente face ao que José Ricardo Ramalho relata em seu estudo Certamente observase o declínio do embate ideológico polarizado entre liberais e conservadores Agravaramse as condições de vida nas prisões a violência se tornou novamente moeda corrente a negociação dos direitos fundamentais inclusive o direito à vida reapareceu com força resoluta É também significativo o relativo empobrecimento do sistema carcerário em muitos de seus aspectos entre os quais ausência de uniforme para o preso e exigüidade dos serviços de manutenção alimentação asseio e higiene pessoais vestuário etc os quais passam a ser supridos pela família ou por amigos estimulando a rede de comércio local e acentuando as oportunidades de corrupção Não é menos significativo que os funcionários de menor qualificação guardas carcerários por exemplo sejam recrutados no mesmo meio social de onde provém a maior parte dos delinqüentes A tudo isso é preciso considerar que mudou a composição social das massas carcerárias Estudos recentes e mesmo o censo penitenciário indicam que esta população está se tornando mais jovem e dotada de maior escolaridade o que pode estar influenciando atitudes de inconformidade e de protesto coletivo Nada disso contudo diminui o valor deste estudo Muito ao contrário pois parte deste cenário já se deixa entrever nas entrevistas e no desfecho de análises Tudo isso sugere o quanto pesquisas bem conduzidas são capazes de decifrar nossos acontecimentos contemporâneos atribuindo sentido àquilo que não raro parece destituído de sentido e de explicação Ao reeditar esse estudo clássico o IBCCRIM não apenas contribui para reavivar o interesse no estudo sobre populações carcerárias sobre as prisões e o sistema penitenciário no Brasil suprindo fragrante lacuna nesta área do conhecimento científico como também contribui para divulgar junto a um público mais amplo e familiarizado com a tais questões um estudo que constitui ainda hoje um marco na sociologia da violência no Brasil Sérgio Adorno Núcleo de Estudos da Violência NEVUSP Janeiro 2002 7 NOTA À 3a EDIÇÃO A publicação revisada de Mundo do Crime a Ordem pelo Avesso pelo IBCCRIM vinte e dois anos depois de seu lançamento Graal 1979 e 1983 me obriga a fazer um breve retrospecto do contexto da realização da pesquisa do significado que estudos desse tipo adquiriram no Brasil ao longo desse período e alguns comentários sobre a atualidade do livro A pesquisa sobre os presos da Casa de Detenção de São Paulo ocorreu em meados dos anos 1970 em plena ditadura militar quando a perseguição aos opositores do regime se manifestava em variados aspectos da vida cotidiana e institucional Nesta conjuntura além da resistência que se constituiu nas diversas instâncias da vida social ao cerceamento da liberdade de expressão às restrições à vida associativa sindicatos movimentos sociais etc e ao amordaçamento da vida política criouse também um importante movimento em defesa dos direitos humanos contra a tortura contra a violência e o desaparecimento de presos políticos Tudo isto para dizer que estudar a prisão e os presos naquele momento trazia inevitavelmente a marca da política No entanto dizer que pretendia pesquisar os presos chamados comuns motivava olhares e expressões de surpresa e mesmo de desaprovação Direitos humanos para esse tipo de preso parecia ser uma preocupação secundária e elegêlo como objeto de pesquisa passava longe das principais ênfases das ciências sociais naquele momento dada a proeminência das preocupações com os atores propriamente políticos da sociedade Na minha pesquisa entretanto o tema estava relacionado com uma preocupação mais geral com os marginalizados das sociedades latinoamericanas e as oportunidades de pesquisa me fizeram combinar essa perspectiva geral com a questão do crime e dos criminosos encarada então como uma variação da questão das classes sociais e da desigualdade econômica Informado pela concepção de durkheimiana de crime a necessidade se impunha de falar com aqueles aos quais eram imputados crimes diversos contra a sociedade Mas como contactá los Desde o início a idéia era recorrer aos participantes do mundo do crime nas ruas mas isso esbarrava na extrema dificuldade de estabelecer um contato freqüente além de colocar a questão da segurança pessoal A partir do momento em que se abriu a possibilidade de acesso à Casa de Detenção de São Paulo decidi estudar o crime dentro da cadeia Naquele tempo pesquisadores eram vistos com suspeição tanto pelos responsáveis pela instituição quanto pelos presos Abordar a criminalidade via uma instituição total na linha do pensamento de Goffman trouxe no entanto novos elementos para a proposta inicial da investigação 8 Fiz um trabalho de levantamento das principais categorias utilizadas pelos presos Adotando a perspectiva clássica da investigação sobre o outro parto da percepção dos presos e procuro desvendar uma série de aspectos próprios do mundo do crime na prisão e de suas implicações na relação entre o criminoso e as instituições sociais A proposta era de pensar não só como o criminoso via o mundo do crime e suas formas de manifestação na prisão mas também as formas pelas quais sua consciência captava a situação num contexto mais amplo em que a origem social tinha um peso fundamental na sua identificação enquanto delinqüente À medida em que realizava o trabalho fui descobrindo gradativamente um outro lado das velhas hipóteses sobre as causas do crime e da existência dos criminosos um lado positivo que tinha implicações para a manutenção do sistema social As características da delinqüência e os indícios do crime se relacionavam com as características e os indícios da pobreza Bastava ler os jornais ouvir rádio ou ver televisão na época para perceber uma evidente ligação entre o crime e os grupos sociais mais pobres O modo de identificar um delinqüente estava sempre mais referido aos aspectos característicos de sua posição social do que à evidência de delitos cometidos Na verdade o reconhecimento do crime aparecia essencialmente no fato do delinqüente estar desempregado ou morar numa favela Eram ou ainda são pergunto eu esses os indícios explicitamente admitidos para a identificação de um criminoso Anos depois Sérgio Adorno 19935 a partir de uma larga base de dados confirmou essa concepção recorrente sobre o perfil dos delinqüentes Diz ele estudos indicam que os delinqüentes são preferencialmente recrutados entre grupos de trabalhadores urbanos de baixa renda o que significa que seu perfil social não difere do perfil social da população pobre A crença de que os delinqüentes possuem uma natureza antihumana perversa resultado de sua suposta inferioridade racial étnica social e cultural não se sustenta em qualquer das pesquisas realizadas E citando Brant 1986 conclui que as prisões estão abarrotadas por presos que em sua maior parte tiveram história ocupacional definida nos padrões do estrato ocupacional a que pertencem tendo mantido empregos regulares nos diversos setores da vida econômica Vigiar e Punir de Michel Foucault sobre a história das prisões foi uma obra extremamente oportuna nesse momento do trabalho Foucault me permitiu fazer o retorno a uma análise mais geral sobre as ligações do sistema penitenciário com o desenvolvimento do sistema capitalista sem ter que minimizar o valor elucidativo da análise dos dados obtidos através do estudo de caso Inspirado nele comecei a investigar também para o caso brasileiro as razões que levavam a prisão seja por tentativas de fuga seja por problemas de superlotação seja por rebeliões internas a soluções que sempre indicavam a construção de novos estabelecimentos penitenciários 9 Um conjunto bastante significativo de pesquisadores brasileiros se dedicou nesses últimos vinte anos aos estudos sobre a problemática da violência da criminalidade e da prisão e os resultados não se restringiram a boas análises Houve também um engajamento em tentativas de interferir na realidade através da luta na defesa dos direitos humanos na elaboração de subsídios para a elaboração de políticas públicas e na participação política em administrações municipais estaduais e federais Na esfera da produção intelectual ao meu ver os balanços feitos por Alba Zaluar 1999 e Sérgio Adorno 1993 tiveram o efeito revigorante de mostrar o quanto se caminhou nesse setor de estudos A resenha crítica feita por Zaluar 19991319 mapeia esse campo intelectual e faz um interessante resgate dos autores que dele participam Para a autora a discussão acerca de criminalidade e violência no Brasil tomou um rumo muito marcado pela recente história política do país e destaca o papel que nela tiveram os intelectuais que trabalhavam nas universidades e organizações nãogovernamentais E ressalta nesse debate como as várias abordagens apresentadas nos últimos anos ganharam uma dimensão mais rica ao incorporar a discussão sobre uma ordem pública democrática sobre os problemas na concretização da cidadania sobre o direito à vida e à segurança de toda a população inclusive a pobre Embora reconhecendo a grande presença de cientistas sociais com formação em sociologia e antropologia no total de 81 trabalhos Zaluar Idem23 e 85 constata poucos estudos etnográficos em profundidade que conseguiram fazer entender o ethos ou as práticas sociais ou ainda a subcultura dos grupos estudados provavelmente pelas dificuldades enfrentadas no campo e no relacionamento com o objetosujeito do estudo Por outro lado identifica um consenso na forte campanha de condenação das iniqüidades do sistema penal brasileiro especialmente por sua opção preferencial pelos pobres que vem desde o início da década de 80 A autora no entanto embora reconheça a enorme importância da crítica considera que esta posição colide com as articulações entre a explicação da carência material para o crime e a política pública que também padeceram das incongruências e superposições com que se terminou por confundir a política social com a política de segurança pública como se embora havendo áreas comuns não houvesse distinções entre elas Disso resultou um excesso de retórica muitas vezes sem nenhum resultado prático Certamente temos aqui um ponto polêmico para debate ao qual Zaluar acrescenta a falta de aprofundamento da literatura do período em outras áreas como por exemplo as relações da sociedade dos cativos com o crime organizado os usos feitos dos menores de rua pelos vários agentes do crimenegócio nas cidades No mesmo mote não se acompanharam devidamente os Sobre esta temática ver também balanço recente de Misse et al 2001 10 resultados das novas situações surgidas com as mudanças institucionais que ocorreram no país após a promulgação da Constituição de 1988 o funcionamento dos novos programas de governos locais e estaduais Em resenha crítica anterior Adorno 19936 já reconhecia que a abordagem científica da criminalidade no Brasil extrapolou o âmbito restrito de sua formulação jurídica deslocando o eixo de atenção em lugar de situála descrevêla e explicála tendo por diretriz exclusivamente o saber jurídico e a legislação penal a abordagem sociológica lato senso vem buscando refletir sobre as possíveis conexões entre o recrudescimento da violência criminal o modelo de desenvolvimento econômicosocial vigente o estilo de exercício do poder de Estado e a sobrevivência de políticas de segurança e de justiça penal herdadas do regime autoritário Adorno reconhece também como Zaluar a generalização da tese de que não é possível compreender o movimento da criminalidade urbana ignorando o funcionamento das agências de controle e repressão ao crime A não observância pelos agentes encarregados de manter a ordem pública dos princípios consagrados na lei destinados à proteção dos direitos civis é freqüentemente invocada sobretudo pelas organizações de defesa dos direitos humanos como a responsável pela situação de tensão permanente a que se vê relegado o sistema de justiça criminal A Casa de Detenção continua sendo emblemática para se entender as dimensões e as dificuldades do sistema prisional no país Após todos esses anos creio que se pode dizer que cresceram bastante as pesquisas e a produção intelectual sobre essas instituições seus problemas suas políticas e seus habitantes Um bom exemplo é o interesse em torno do livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella Como nunca várias entidades têm se dedicado a denunciar e a cobrar das autoridades responsáveis resultados e providências e também propor políticas que levem em consideração aspectos básicos de direitos humanos Por outro lado não há como não manifestar o espanto com o descaso em que permanecem estas populações carcerárias Confesso que não consigo deixar de ficar chocado com a descrição feita pela Anistia Internacional em seu relatório de 1999 sobre as violações de direitos humanos contra detentos no Brasil É a constatação de que o sistema penitenciário brasileiro continua em crise os condenados passam meses em condições de superlotação e falta de higiene nas carceragens das delegacias sua transferência para penitenciárias adiada devido à falta de espaço inércia da justiça ou corrupção As condições de detenção existentes em numerosas prisões e delegacias brasileiras são pavorosas e equivalem a formas cruéis desumanas e degradantes de tratamento e punição Os internos correm o risco de contrair doenças potencialmente fatais como a tuberculose e a AIDS e os presos afetados não recebem tratamento adequado 11 Para terminar quero dizer que mesmo com os avanços referidos minha convicção é de que ainda é preciso mais A questão do crime e das prisões no Brasil se explica pelo lado das desigualdades sociais endêmicas pela pobreza pelo desemprego pelo desrespeito aos direitos humanos mas já exige também que se agreguem outras explicações outras abordagens no sentido de complexificar análises que se tornaram quase consensuais A necessidade do tema ser mais pesquisado nas universidades e nos institutos de pesquisa parece evidente com ênfase em abordagens interdisciplinares Mas também não vejo como deixar de contribuir para uma discussão que resulte em subsídios concretos para formuladores de políticas públicas para entidades de defesa dos direitos humanos e mesmo para redes sóciopolíticas construídas nos bairros e nas comunidades em uma conjuntura urbana em que a questão da segurança precisa ser seriamente discutida e reformulada de forma a garantir aos cidadãos principalmente os mais pobres proteção contra a violência do crime e da polícia ao mesmo tempo em que garanta aos que foram detidos nas prisões condições humanas para cumprir suas penas Rio de Janeiro novembro de 2001 José Ricardo Ramalho 12 Introdução O crime e a prisão constituem os objetos de estudo deste livro Procurase percebêlos a partir da ótica do próprio criminoso enquanto preso ponto de vista nem sempre reconhecido como legítimo1 As várias discussões sobre o tema têm sistematicamente colocado em uma nova roupagem velhas concepções sobre os criminosos e a prisão concepções estas que em geral reproduzem versões difundidas pelo sistema judiciário É para pensar esta temática através de outra perspectiva que este trabalho procura se desenvolver Discutese aqui não só a versão do criminoso sobre o mundo do crime e suas formas de manifestação na prisão como também as formas pelas quais sua consciência capta a situação num contexto mais amplo em que a origem social tem um peso fundamental na sua identificação enquanto delinqüente A palavra dos presos a lógica pela qual percebem o espaço interno da prisão e os atributos com que qualificam o retorno à vida social revelam um conjunto de problemas que apontam a necessidade de rever concepções há tanto tempo repetidas e que encobrem relações desconhecidas entre o crime e as classes sociais na sociedade brasileira Na medida em que este trabalho foi sendo realizado na ordem aqui reproduzida na exposição foise descobrindo gradativamente um outro lado das velhas hipóteses sobre as causas do crime e dos criminosos um lado positivo da existência do crime que implica na manutenção do sistema social Crime e delinqüência seriam também parte do próprio sistema social que os condena e paradoxalmente deles não pode prescindir As características da delinqüência e os indícios do crime estão relacionados às características e aos indícios da pobreza Basta ler os jornais ouvir rádio ou ver televisão para perceber uma evidente ligação entre o crime e os grupos sociais mais pobres em geral componentes da classe trabalhadora O modo de identificar um delinqüente está sempre mais referido a aspectos próprios das pessoas enquanto membros desses grupos sociais do que à evidência de delitos cometidos por eles Na verdade o reconhecimento do crime está essencialmente no fato de estar desempregado morar na favela ser umbandista ou ser analfabeto São esses os indícios explicitamente admitidos pela sociedade para a identificação do criminoso A delinqüência é portanto reconhecida através de atributos dos grupos sociais mais pobres 1 Este trabalho é uma versão revista e modificada da minha dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Contou com o apoio fundamental da Profa Ruth Cardoso e da Fapesp Sua realização se deve aos presos da Casa de Detenção de São Paulo que se dispuseram a me falar de suas vidas e ao Dr Geraldo Colonnese e o Sr Henrique Schomburg que tornaram meu trabalho de campo possível Sou grato também a Neide Esterci José Augusto Guilhon Albuquerque e Peter Fry pelas críticas e sugestões e a Ângela Maria Dias da Rocha e Cecília Dias da Rocha pelo apoio técnico indispensável na elaboração dessa 3a edição 13 Os próprios presos reproduzem na cadeia esta associação entre crime e pobreza em virtude de sinais de pobreza identificam os que entre eles fizeram opção pelo mundo do crime e ao assumirem a perspectiva da recuperação procuram ao máximo dentro de suas estreitas possibilidades cobrirse com os símbolos da riqueza Assim é que a pretexto de vigiar o crime dentro e fora da cadeia se exerce a repressão sobre os mais pobres colocados sempre sob suspeição A ação da polícia por exemplo deixa isto bem claro Sua atividade está voltada acima de tudo para repressão dos grupos sociais mais pobres e ver neles características da delinqüência lhes dá o direito a essa vigilância constante Por fim a prisão aparece como elo fundamental da corrente de soluções aparentes para o crime que na verdade mais concorrem para mantêlo Esta visão não esteve clara para mim como pesquisador desde o início Na medida em que fui compreendendo a lógica dos presos e a forma pela qual a sociedade se apresentava para eles comecei a perceber as implicações do significado do crime para uma sociedade como a nossa Ao pesquisador não foi dado guiarse a priori por concepções teóricas sobre a relação entre crime e classes sociais As propostas teóricas sobre o tema foram sendo descobertas e apropriadas ao longo da pesquisa sempre posteriores às indicações obtidas pelo método de ver as coisas a partir dos criminosos De fato assumiuse a perspectiva de trabalhar o discurso dos presos a respeito de suas condições tanto anteriores quanto posteriores à imputação do crime em função do qual cumprem pena carcerária Incluemse aí considerações sobre origem social relações com a família formação profissional nível de escolaridade acontecimentos relacionados ao crime e à inserção na ilegalidade assim como condições internas à cadeia Às formulações dos presos é conferido o valor estratégico de via de acesso às questões levantadas em torno do sistema penitenciário e da função social do crime Elas fornecem as primeiras relações a partir das quais se tenta a construção de articulações sociologicamente mais elucidativas das questões propostas Levar em conta a percepção dos presos implica pois num certo posicionamento teórico e metodológico teoricamente implica na valorização do ponto de vista do sujeito metodologicamente implica no esforço de discernir os princípios que regem a percepção dos mesmos com o objetivo de atingir fórmulas mais explicativas A análise das formulações do sujeito passa no entanto pela compreensão das categorias não conscientes através das quais ele organiza seu universo Tratase portanto de conhecer estas categorias Para tanto é necessário desvendar noções desconhecidas que se ocultam sob termos todavia bastante conhecidos tomados à linguagem comum Essas noções são chamadas categorias e 14 são tomadas aqui no sentido durkheimiano de instrumentos do pensamento Através delas um grupo social expressa a concepção que tem do mundo em que vive classifica agrupa distingue relaciona os objetos seres sentimentos acontecimentos que conhece e com os quais se relaciona Durkheim 19681227 se refere a noções essenciais que dominam a vida intelectual dos homens e sem as quais estes são incapazes de pensar qualquer objeto Eles são como lossature de linteligence As categorias se definem por serem socialmente forjadas por resultarem de uma imposição da sociedade sobre os objetos Aparecem para as pessoas como naturais como uma projeção das próprias coisas a que se referem sobre a mente que conhece Daí que as categorias prescindem de serem definidas e explicadas pelos que se servem delas pois para estes as noções se confundem com a própria realidade das coisas Fica portanto ao pesquisador a tarefa de romper com a evidência e a naturalidade das categorias e revelarlhes o conteúdo Uma reflexão preliminar do sistema penitenciário permite pensar a cadeia como o espaço destinado pelas instituições dominantes na sociedade aos considerados infratores das leis O depoimento dos presos no entanto possibilita o acesso a uma complexidade de relações e posições em jogo nesse espaço ocupado por pessoas muitas vezes identificadas entre si pela condição comum de infratores e presos Esta complexidade está justamente presente na multiplicidade de categorias utilizadas pelos presos ao referiremse a si mesmos aos seus companheiros aos representantes do aparelho judiciário na cadeia aos visitantes em diversos contextos em diversas situações O livro está dividido em três capítulos O primeiro referese basicamente à relação estabelecida entre o pesquisador e os presos da Casa de Detenção de São Paulo onde foi realizada a pesquisa Trata das condições em que os dados foram obtidos ou seja das condições do trabalho de campo cuja importância está no fato de que o tipo de relação mantida pelo pesquisador com o sujeito de sua pesquisa qualifica suas informações Quando entra em contato com o grupo que pretende conhecer o pesquisador passa de si uma imagem que sempre interfere nas informações que lhe são dadas e portanto na compreensão que consegue ter do grupo Por mais que tente o pesquisador não consegue controlar inteiramente esta imagem de modo a obter com pleno sucesso os resultados pretendidos Além disso segundo Berreman 1975125 o sujeito da pesquisa estará também tentando controlar a impressão que causa ao pesquisador É pelo fato de nem um nem outro serem plenamente bem sucedidos que a pesquisa é ao mesmo tempo possível e limitada Possível na medida em que o pesquisador percebe 15 coisas que o sujeito gostaria de ocultar e limitada porque o pesquisador nunca é pleno sabedor de como a impressão que exerce sobre os outros condiciona os dados que lhe são fornecidos Partindo deste pressuposto adquirem importância algumas considerações sobre a relação do pesquisador com os presos durante a pesquisa O modo como se deu o contato com o grupo a mediação da hierarquia administrativa da cadeia pela qual se logrou acesso aos presos a especificidade da posição dos presos que lhe foi dado entrevistar interferiram decisivamente na qualidade dos dados e são fatores a serem considerados na análise dos mesmos O segundo capítulo constitui o cerne do trabalho partindo da percepção dos presos procura se desvendar uma série de aspectos próprios do mundo do crime na prisão de suas implicações na relação entre o criminoso e as demais instituições sociais O desvendamento do mundo do crime passa necessariamente pela compreensão dessa categoria chave que é a massa do crime conjunto de normas de comportamento de regras do proceder que regem a vida do crime dentro e fora da prisão Procedese à análise dessas regras no que concerne à variabilidade de sua aplicação e vigência no espaço socialmente diferenciado da prisão Da mesma forma procurase pensar o malandro a figura principal da massa do crime que encarna as qualidades ideais e positivas para os presos daquele que participa do mundo do crime e que cumpre à risca as leis da massa Considerase ainda a relação entre o conjunto de regras da massa do crime e as regras de funcionamento da prisão É nesta conjunção de dois códigos normativos que se dá a referência a determinadas funções existentes na prisão como a do juiz de xadrez e a do funcionário cada um representando um sistema de regras do qual é feito guardião Na prisão mundo do crimetrabalho aparece como uma oposição de fundamental importância No contexto desta oposição está em jogo a discussão sobre a possibilidade ou não de retorno ao mundo legítimo Aparece a figura do nato aquele que apresenta todos os atributos próprios de quem já fez opção pelo mundo do crime ou seja aquele em cuja trajetória de vida são reconhecidos todos os fatores que o identificam definitivamente como delinqüente Definindose por oposição ao nato os presos procuram pensar sua reclusão como passageira atribuindoa muitas vezes ao acaso Nesta tentativa o trabalho adquire importância significativa na medida em que aparece ligado à noção de recuperação A noção de recuperação leva por um lado à lógica do livre arbítrio da força de vontade do esforço pessoal Isto se dá quando o preso se pensa dentro da prisão Através dessa lógica obscurecemse as situações decorrentes da inserção de classe que determinam estruturalmente suas condições de existência na sociedade Quando no entanto os presos pensam a recuperação para fora da prisão sua percepção lhes denuncia instituições tais como a justiça o governo a polícia como mecanismos que desempenham 16 função oposta àquelas a que se propõem Na verdade como fica explícito em algumas entrevistas os presos conseguem perceber que estranhamente estes mecanismos têm servido para manter o círculo no qual o delinqüente desempenha um papel fundamental A oposição mundo do crimetrabalho é relacionada também à localização espacial dos presos dentro da prisão onde o conjunto de características de cada pavilhão reflete a um ou outro dos termos da oposição Nesse sentido o pavilhão 2 cujos presos na sua maioria desempenham algumas atividade de trabalho na prisão aparece como o mais afastado dos valores do mundo do crime O mundo do crime é identificado ao fundão pavilhões 8 e 9 cujos presos são acusados de não estarem interessados na recuperação e dispostos a prosseguir na vida do crime Esta concepção a respeito dos presos do fundão reproduz na cadeia a suspeição que paira sobre os mais pobres da sociedade brasileira e se liga imediatamente à relação que este trabalho propõe demonstrar entre o crime e a pobreza Para os presos esta lógica implica numa outra relação aquela que estabelecem entre recuperação e sinais de riqueza Em meio a estes opostos o pavilhão 5 aparece para os presos como o pavilhão do castigo ou a cadeia dentro da cadeia uma absolutização da reclusão O terceiro capítulo de caráter mais geral e conclusivo procura fazer a ligação entre a concepção dos presos e o modo como a prisão o crime e a delinqüência são vistos por representantes da sociedade brasileira Pela análise das diversas críticas ao funcionamento da prisão evidenciase afinal a adequação do sistema penitenciário à função de reprodução social da delinqüência Pensase a condenação à delinqüência como forma de controle e sujeição de grupos sociais inteiros por razões que não têm muito a ver com infração das leis Por fim a consideração da função mantenedora do crime coloca a questão das implicações políticas e econômicas dessa manutenção Tomase pois a questão pelo seu avesso em vez de pensar mais uma vez nas dificuldades de combater o crime a proposta é pensaremse as razões pelas quais o crime não pode acabar 17 CAPÍTULO I A CADEIA E SEUS MUROS Casa de Detenção o campo da pesquisa No período da pesquisa a Casa de Detenção de São Paulo era um presídio2 o maior do país com uma população que atingia os seis mil homens embora sua capacidade de abrigo fosse de 2200 lugares Eram noventa mil metros quadrados de área construída com cinco pavilhões um destinado exclusivamente a atividades artesanais e burocráticas o pavilhão 6 e os outros quatro ao alojamento dos presos Os funcionários da Casa de Detenção costumavam definir os pavilhões de alojamento do seguinte modo o pavilhão 2 ficava reservado para os presos tidos segundo os critérios da direção da cadeia como bem comportados e enquadrados em delitos considerados pouco perigosos o pavilhão 8 se destinava aos presos que estavam na cadeia por mais de uma vez sendo por isso chamados de reincidentes e o pavilhão 9 era utilizado para aqueles que vinham pela primeira vez os primários segundo os funcionários O pavilhão 5 considerado o mais protegido do presídio cercado por muros tão altos quanto os que separavam a cadeia da rua era ocupado pelos presos considerados doentes mentais e por presos na avaliação dos funcionários como de mau comportamento ou seja aqueles que estariam constantemente envolvidos em transgressões às regras de funcionamento do presídio Um relatório de atividades anuais da Casa de Detenção de 1974 ano anterior ao início do trabalho de pesquisa dá uma idéia da composição dos presos pelo tipo de delito de que eram acusados De um total de 4395 presos na época as acusações mais freqüentes eram as de roubo com 1240 casos 28 de furto3 com 1085 casos 26 e comércio de entorpecentes com 626 14 que de um conjunto de 28 delitos classificados pela estatística perfaziam uma porcentagem significativa de 68 Quanto à cor o relatório mostra que os presos se dividiam em 2627 brancos 1141 pardos 605 pretos e 22 amarelos Com relação à idade e ao grau de instrução aparecem os seguintes dados de 18 a 30 anos eram 3117 presos ou seja 70 ficando os restantes 30 na faixa acima de 31 2 Presídio é uma cadeia cujos presos estão à espera de julgamento portanto sem pena definida 3 O Código Penal faz a seguinte diferenciação entre roubo e furto furto subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel roubo subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem mediante emprego ou ameaça de emprego de violência contra pessoa ou depois de havêla por qualquer modo reduzido à impossibilidade de resistência Código Penal de 211069 Belo Horizonte Edições Lemi pp 139 e 141 18 anos Do total de 4395 472 foram classificados como analfabetos 3282 com instrução primária 606 com instrução secundária e 35 com instrução superior apresentando portanto um quadro em que a ampla maioria tinha apenas a instrução básica4 Os números correspondentes aos crimes contra o patrimônio5 principalmente roubo e furto tanto na Casa de Detenção de São Paulo em que eram maioria 54 como em outros estabelecimentos prisionais no Estado de São Paulo ou mesmo em outros centros urbanos como a antigo Estado da Guanabara se mantinham semelhantes em termos percentuais Segundo o Anuário Estatístico do Brasil 1974 na parte referente aos estabelecimentos prisionais 1972 em São Paulo capital de um total de 4814 detentos 1447 eram acusados de furto 30 1335 de roubo 27 vindo em terceiro lugar as acusações de tráfico de entorpecentes com 553 11 além de outros delitos com pouca significação percentual No Estado de São Paulo dos 11494 presos 3299 eram acusados de furto 28 1957 de roubo 17 vindo depois o tráfico de entorpecentes com 942 casos 8 No antigo Estado da Guanabara com 3607 presos em 1972 731 eram acusados de furto 20 611 de roubo 17 450 de estelionato 12 e 566 de tráfico de entorpecentes 166 Por outro lado dados sobre as ocorrências policiais na região da Grande São Paulo no período de 19691974 mostravam também que os casos correspondentes aos crimes contra o patrimônio representavam uma significativa porcentagem do total de ocorrências7 Na Casa de Detenção novos presos chegavam diariamente Desembarcavam de caminhões da polícia no pátio do pavilhão 2 e já então começavam uma preparação para a nova vida que em geral durava todo o primeiro dia recebiam outras roupas calça azul que era comum a todos os presos cortavam os cabelos e a barba e passavam no setor de assistência judiciária para registrar sua situação processual Na primeira noite todos dormiam no chão de uma cela do pavilhão 2 para no dia seguinte serem alocados nos outros pavilhões pelo diretor da prisão cujo discurso inicial ressaltava as regras básicas de funcionamento da cadeia assim como as punições decorrentes do não cumprimento das regras8 4 Casa de Detenção de São Paulo Relatório Anual Exercício de 1974 Período de dezembro1973 novembro1974 5 Designação do código Penal para os delitos cometidos contra a propriedade 6 Anuário Estatístico do Brasil 1974Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística p 933 7 Em 1969 os casos de crimes contra o patrimônio que compreendem furto punga contos estelionato apropriação indébita fraude no pagamento roubo tentativa de roubo assalto correspondiam a 233 do total de ocorrências Em 1970 esses casos subiram para 247 em1971 para 251 em 1972 para 268 em 1973 para 240 e no 1º semestre de 1974 para 295 Região Metropolitana do estado de São Paulo Diagnóstico 75 Desenvolvimento Sócio econômico Segurança Pública p 21 8 Uma descrição mais detalhada dessa e de outras atividades da Casa de Detenção de São Paulo pode ser encontrada no livro de Percival de SOUZA A Prisão São Paulo Editora AlfaOmega 1977 19 Para cuidar da grande quantidade de presos a Casa de Detenção contava com centenas de funcionários a maioria guardas de presídio cujas funções variavam de acordo com as necessidades Havia desde função como chefe de disciplina de pavilhão até carcereiro passando pelos que faziam trabalho burocrático O serviço do setor burocrático se sustentava principalmente no trabalho dos presos que supriam a deficiência de funcionários reservados para os cargos de mando Esta situação era comum também em outros setores da instituição Os cargos mais altos na hierarquia de cadeia eram os de diretor diretor técnico chefe do expediente chefes de disciplina médicos dentistas e advogados Apesar de estarem todos ligados aos presos de algum modo preenchiam aspectos diferentes do relacionamento do preso com a cadeia O chefe de disciplina por exemplo tinha um contato com o preso que se referia à segurança e à disciplina da cadeia enquanto o dentista e o médico representavam a parte de assistência dispensada pela cadeia ao preso Estes funcionários pela posição que ocupavam tinham um horário especial de trabalho mais flexível e local para refeições separado dos outros funcionários O modo de vida do preso variava de um pavilhão para outro No pavilhão 2 os presos em sua maioria trabalhavam no setor burocrático ou em qualquer outra função e o regime era de livre trânsito no pátio no próprio pavilhão O recolhimento às celas se dava ao final da tarde depois do dia de trabalho Nos pavilhões 5 8 e 9 o tratamento diferia substancialmente pois aos presos permitiase somente quatro horas diárias de recreação para tomar sol nos pátios e áreas livres existentes ao lado dos prédios Isto quer dizer que passavam o restante do dia dentro de suas celas sem qualquer ocupação Não havia trabalho para todos na cadeia Dos seis mil presos da Casa de Detenção na época da pesquisa pelo menos 3500 viviam numa ociosidade forçada por falta de oportunidade de trabalhar o que por força das circunstâncias acaba se transformando num alto privilégio9 O trabalho disponível se dividia entre o serviço burocrático da cadeia o trabalho artesanal o serviço de limpeza das instalações do presídio e o trabalho de cozinha e afins Havia também atividades esportivas e religiosas que ocupavam parte do tempo livre Trabalhar na cadeia não significava muito em termos de dinheiro Na verdade a importância do trabalho estava no fato de que oferecia prestígio aos presos que assim se consideravam em fase de recuperação para retornar a vida social Isto será objeto de análise mais adiante A escolha da Casa de Detenção de São Paulo para a realização da pesquisa decorreu também de outros fatores 1 A dificuldade de contatos com pessoas consideradas infratoras da lei fora da prisão 2 a oportunidade de entrar na cadeia através de um funcionário cuja posição na hierarquia 9 Percival de SOUZA Jornal da Tarde São Paulo 07 de julho de 1976 20 dos funcionários lhe conferia poderes de requisitar presos para entrevistas 3 a possibilidade de entrevistar presos acusados de crimes contra o patrimônio Foram realizadas cerca de 35 entrevistas gravadas com os presos O período de realização do trabalho de campo foi de maio de 1975 até setembro de 1976 com algumas pequenas interrupções O critério que norteou a escolha dos entrevistados foi o da ligação com crimes contra o patrimônio Em princípio pensei em privilegiar esse tipo de delito estabelecido pelo Código Penal e ligálo a uma situação econômica de pobreza da população brasileira No decorrer da pesquisa entretanto embora não tenha abandonado este critério de seleção percebi que a relação pobreza crime contra o patrimônio não era tão significativa para a compreensão do objeto de estudo As histórias de vida recolhidas junto aos acusados de crime foram evidenciando outras variáveis e outras relações sociologicamente mais significativas para compreensão do chamado mundo do crime como por exemplo a relação entre certos caracteres sociais de classe e os caracteres socialmente considerados como identificadores de criminosos ou suspeitos de crime Introdução à cadeia a mediação necessária e suas implicações O contato inicial com a Casa de Detenção se deu através de um médico da instituição que na ocasião mesmo estando em processo de aposentadoria tornou possível a realização do trabalho de campo Através dele a idéia da pesquisa foi levada à direção antes que eu como pesquisador tivesse qualquer acesso à cadeia Esta mediação e o fato de ter sido feita por um homem de confiança na hierarquia dos funcionários parece ter sido fundamental para a obtenção do consentimento Devese notar que apesar de toda burocracia e dos rígidos critérios de segurança que caracterizam instituições deste tipo nunca tive conhecimento de nenhuma ordem por escrito que me facultasse o acesso livre ao local A confiabilidade estabelecida em termos pessoais jogou um papel essencial no caso pois o responsável pelo contato inicial era um funcionário conhecido por sua honestidade e correção embora não ocupasse uma posição formal de mando Nas primeiras idas à Casa de Detenção me foram feitas duas recomendações explicitas Primeiro não usar calça azul para não ser confundido com os presos Uma confusão desse tipo tornaria necessária uma longa série de procedimentos para a comprovação de identidade que incluía um reconhecimento fotográfico uma pesquisa de nome uma procura de informações no prontuário até se ter certeza que a pessoa não era um preso em fuga Com a experiência das várias idas à cadeia um temor inicial de poder ser confundido se amenizou principalmente porque as visitas se 21 realizavam na companhia de funcionários conhecidos e respeitados pela posição na hierarquia Na verdade a questão não estava na cor da calça mas no status do funcionário que me acompanhava A segunda recomendação era de ir bem vestido para impressionar positivamente a direção do presídio e seus funcionários mais graduados o que foi seguido à risca durante todo o período de trabalho de campo Embora os contatos iniciais tenham sido feitos por esse médico a proximidade de sua aposentadoria fez com que ele me introduzisse a um amigo de trabalho que também era o chefe do expediente da Casa de Detenção Foi com esse funcionário que acabei estabelecendo uma ligação mais estreita sendo que a posição que ocupava como responsável dos prontuários do arquivo e do histórico dos presos acabou de certa forma facilitando o meu contato com os presos No entanto apesar de essencial para o funcionamento da cadeia o cargo não representava posição com grande poder de mando A este aspecto ficavam restritos pouquíssimos postos com ênfase no diretor da cadeia o coronel que mantinha em suas mãos as decisões mais importantes Contudo para que a pesquisa prosseguisse o chefe do expediente tinha poderes suficientes como por exemplo para requisitar a presença de qualquer preso na sua sala O contato com esse funcionário trouxe uma série de vantagens tornou possível por exemplo entrevistar qualquer preso ter acesso ao fichário com sua situação penal sem passar por intermediários Os motivos que fizeram com que a minha presença como pesquisador fosse pouco notada durante todo o período de trabalho de campo podem ser atribuídas não só a um espaçamento proposital das idas à cadeia no caso uma opção somente do pesquisador como também ao fato de que a função de pesquisar apresentava muitas semelhanças com o trabalho do próprio setor de expediente local onde os presos prestavam informações sobre suas vidas Além disso eu permanecia no setor de expediente sem circular pelas dependências do presídio a não ser na hora do almoço o que significava ficar fora do alcance de possíveis controles por parte dos funcionários mais graduados O diretor da Casa de detenção por exemplo nunca me abordou diretamente para falar sobre a pesquisa nem se preocupou em saber as idéias que a norteavam Embora tenha finalmente se aposentado da Casa de Detenção o médico que viabilizou minha entrada nas dependências da cadeia manteve o seu apoio durante o período de pesquisa Tive dele uma atenção constante através de demonstrações de confiança pessoal junto aos outros funcionários além do interesse em discutir o conteúdo das entrevistas realizadas Por outro lado sua amizade com o chefe do expediente facilitou o meu relacionamento com este funcionário e abriu maiores possibilidades em termos de informações sobre a cadeia Caso o contato tivesse se realizado por meio de um outro tipo de funcionário ligado à parte repressiva por exemplo ou 22 ligado de alguma forma à direção do presídio as conversas teriam sido provavelmente mais cuidadosas No entanto o contato com o chefe do expediente ao longo de um ano e meio de pesquisa variou frequentemente O espaço de tempo entre uma e outra ida à cadeia girava em torno de quinze dias tendo algumas vezes aumentado para um mês e em outras diminuído para uma semana Nos períodos em que as visitas se tornavam mais intensas notavase uma maior dificuldade no relacionamento Para tentar superar esse tipo de empecilho visitei sua casa por três durante esse período A primeira vez teve o propósito de esclarecer os objetivos do trabalho A segunda vez no final de 1975 correspondeu a uma fase de dificuldades cuja conseqüência foi a impossibilidade de acesso à cadeia por três semanas seguidas Nesse período o chefe do expediente evitava me atender e ao contrário do que sempre fazia preferia se comunicar pelo telefone com a portaria dizendose muito ocupado e sem tempo para dar atenção Este dar atenção no caso significava poder permanecer junto ao pesquisador durante sua conversa com os presos exercendo de fato real controle sobre o que era dito É bom lembrar que a mim nunca foi dada autonomia para manter com os presos uma relação sem a mediação de um funcionário As visitas constantes à cadeia realizadas por mim por esse motivo criavam problemas para a manutenção eficiente desse controle A terceira e última visita à sua casa ocorreu já no final do trabalho de campo para comunicarlhe o fim das minhas visitas à Casa de Detenção Na ocasião o chefe do expediente manifestou a certeza na boa qualidade do trabalho embora duvidasse da utilidade dos dados pois os presos segundo ele costumavam mentir muito Entrar na Casa de Detenção era um verdadeiro ritual Seis enormes portões de ferro separavam a rua do pavilhão onde se realizavam as entrevistas Para ultrapassálos eu dependia fundamentalmente da companhia de algum funcionário conhecido e graduado cuja presença junto aos porteiros tornava permitido o acesso Nenhum portão se abria sem que o seguinte estivesse fechado Ultrapassando o primeiro portão o único cuja entrada era livre eu anunciava na portaria do presídio com quem queria falar Os funcionários atendentes procuravam localizar a pessoa indicada no caso o chefe do expediente que vinha até a entrada encaminhar o convidado para as dependências do presídio Nesse momento eu recebia uma senha trocada pela carteira de identidade com a qual se adquiria o status de visitante o que significava que o funcionário autor do convite ficava responsável pela pessoa durante todo o tempo que estivesse no prédio Embora o chefe do expediente não fosse um funcionário extremamente poderoso na instituição seu relacionamento com os outros funcionários era de uma pessoa com bastante prestígio Até o final do primeiro ano de trabalho de campo a travessia dos portões se fez sem problemas já que se realizou em sua companhia Com as idas mais freqüentes à cadeia sua presença na portaria diminuiu 23 e foi substituída por funcionários subalternos mandados por ele que me acompanhavam nesse percurso até o setor de expediente Essa segunda fase caracterizouse por dificuldades na passagem dos portões Os porteiros tornaramse mais exigentes comigo e com o gravador que carregava sempre Várias vezes nesse período a Polícia Militar encarregada da segurança do presídio não só me revistava como só permitia a entrada do gravador mediante a intercessão direta do chefe do expediente Diante da argumentação de que passo aqui há um ano e vocês ainda não me conhecem sempre respondiam temos por obrigação te revistar afinal você pensa que aqui é o que Isso aqui é uma cadeia Os funcionários subalternos que nestas ocasiões me acompanhavam limitavamse a informar que vinham a mando do chefe do expediente mas não impedia a revista Os problemas na passagem dos portões só cessavam quando era o próprio chefe do expediente que comparecia Na verdade a diferença no tratamento ao visitante variava conforme o status do funcionário que o acompanhava Se o contato com o chefe do expediente trazia as facilidades apontadas acarretava por outro lado uma limitação das minhas atividades de pesquisador principalmente em virtude do controle exercido sobre o meu relacionamento com os presos A presença física do chefe do expediente era constante no momento das entrevistas de forma tal que ficava evidente seu interesse sobre o que estava sendo conversado sobre as perguntas e as respostas Além disso atividades que implicassem num maior conhecimento das condições de existência da cadeia como visita às celas oficinas de trabalho e outros setores ficaram rigidamente vedadas no primeiro ano de pesquisa e selecionadas no período restante quando foi possível conhecer algumas oficinas de artesanato e percorrer as principais dependências da cadeia por uma única vez Nesse sentido uma idéia inicial de conversar com presos em suas celas tornouse inviável e as entrevistas tiveram obrigatoriamente de se realizar no próprio setor de expediente sob a tutela dos funcionários A minha relação de pesquisador com a hierarquia do presídio tinha um lado estratégico na medida em que viabilizava a continuação e a aceitação do meu trabalho A figura máxima da Casa de Detenção era o coronel diretor do presídio Era conhecido por todos funcionários e presos pelo modo autoritário de resolver os problemas administrativos e disciplinares Nessa relação hierárquica percebiase que todos os seus comandados agiam com muito receio de suas opiniões inclusive os que participavam com ele da diretoria Nada se decidia de mais complicado pelo menos nos setores onde tive acesso sem que se perguntasse antes a opinião do coronel Ele mantinha sob seu controle pessoal todas as resoluções decisivas para o funcionamento do presídio ao mesmo tempo desenvolvia uma imagem de homem compreensivo capaz de resolver todos os problemas Os presos entrevistados freqüentemente se referiam a ele como um homem bom com todos embora fosse temido por sua valentia e autoridade 24 Embora tenha parecido vantajoso dar ênfase à ligação com o chefe do expediente opção pela qual evitava possíveis suspeitas sobre minhas atividades havia sempre algum tipo de contato com os funcionários mais graduados o que acontecia principalmente na hora do almoço quando a cúpula da cadeia se reunia Com o diretor do presídio meu relacionamento sempre foi bastante restrito e formal Desde o primeiro dia em que tomou conhecimento da pesquisa o coronel sempre se limitava a me cumprimentar Seu conhecimento do trabalho explicitamente nunca passou disso e aparentemente nunca colocou obstáculo à sua realização Já na fase final de trabalho de campo algumas vezes a Casa de Detenção ficou sem a direção do coronel Nesses momentos o cargo era ocupado pelo diretor técnico que tendo um estilo pessoal diferente conseguia criar um clima de maior descontração entre os funcionários e até entre os presos Com o diretor técnico meu contato foi mais descontraído embora não muito freqüente pois este mesmo conhecendo superficialmente os objetivos do trabalho gostava mesmo era de falar sobre sua experiência na vida penitenciária principalmente no trato com os presos Excetuando essas duas pessoas que ocupavam postos mais importantes na estrutura de poder da instituição os demais funcionários achavamse no mesmo nível ou abaixo do chefe do expediente nessa hierarquia Em igual condição estariam os profissionais liberais médicos e dentistas principalmente que trabalhavam no presídio Estes apesar da posição que ocupavam por não terem a vida profissional girando inteiramente em torno dos presos ficavam menos envolvidos com os problemas do cotidiano da maioria dos funcionários Com esse grupo minha relação foi bastante cordial O contato com os funcionários de posição mais baixa na hierarquia resultou bastante produtivo Com eles mantive uma aproximação maior já que muitos trabalhavam no mesmo setor onde se realizavam as entrevistas Tornaramse fiéis acompanhantes do trabalho fazendo comentários e oferecendo sugestões para o seu prosseguimento O fato de não terem responsabilidade sobre a minha presença tornouos mais descontraídos o que permitiu a obtenção de informações importantes sobre o funcionamento da cadeia No interior da cadeia o pesquisador e os presos O meu contato com os presos variou conforme o período do trabalho de campo e do aprofundamento dos laços de ligação com estes mesmos presos Como diz Berreman 1975141 a presença do pesquisador diante dos membros do grupo estudado geralmente é encarada como a de um intruso desconhecido cujo surgimento é inesperado e freqüentemente indesejado O sucesso do trabalho de pesquisa ou seja a validez e a possibilidade 25 de obter os dados é determinado pelas impressões que estes têm de sua presença Entre si o pesquisador e os membros do grupo estudado se apresentam simultaneamente como atores e público Tem que julgar os motivos e demais atributos de uns e do outro com base em base em contato breve mas intenso e em seguida decidir que definição de si mesmos e da situação circundante desejam projetar o que revelarão e o que ocultarão e como será melhor fazêlo Cada um tentará dar ao outro a impressão que melhor serve aos seus interesses tal como os vê Inicialmente o fato de estar no presídio graças a um funcionário não pareceu interferir no meu relacionamento com os presos Mais tarde uma convivência maior com a vida da cadeia mostrou que as atitudes do chefe do expediente a escolha dos entrevistados segundo seus critérios e principalmente de sua presença física freqüente no momento das entrevistas tiveram grande influência junto aos presos Nas primeiras idas à Casa de Detenção o critério através do qual se procurava um preso para ser entrevistado fora o fato de estarem todos enquadrados na categoria dos crimes contra o patrimônio era inteiramente seu sendo escolhidos aqueles que segundo ele seriam um bom papo com muita história pra contar papo sadio Somente após alguns meses quando tomou conhecimento da dinâmica das entrevistas e passou a se sentir seguro da situação tornouse possível conversar com outros presos não necessariamente selecionados por ele Às vezes a escolha dos entrevistados partia de outros funcionários do setor de expediente subalternos e portanto menos preocupados em controlar minha atividade de pesquisador outras vezes os próprios presos que já tinham sido entrevistados chamavam outros companheiros Esta mudança de procedimento levou à descoberta de vários aspectos da vida carcerária que me eram totalmente desconhecidos Por outro lado a experiência de várias idas à cadeia e de conversas com os presos possibilitou também a percepção de diferenças até então pouco notadas por mim como por exemplo as diferenças entre os presos dos 4 pavilhões A única diferenciação conhecida no início se baseava na classificação oficial pavilhão 9 ou pavilhão dos primários pavilhão 8 ou pavilhão dos reincidentes pavilhão 5 ou pavilhão dos presos mais perigosos e o pavilhão 2 ou pavilhão dos presos de bom comportamento e de menor periculosidade Seis ou sete meses depois estas diferenças ficaram simples demais e por esse motivo tentouse alargar a faixa de entrevistados de modo a abranger presos de todos os pavilhões Nesse momento contudo houve um cerceamento da minha já limitada possibilidade de escolha que se expressou na permissão para conversar somente os presos do pavilhão 2 As entrevistas portanto se realizaram quase todas com presos desse pavilhão e apenas esporadicamente podese falar com gente dos outros pavilhões em geral quando coincidia de um preso dos pavilhões 5 8 ou 9 estar no setor de expediente por algum motivo pessoal Embora não se deva desconsiderar esta limitação cumpre lembrar que os entrevistados em 26 geral já tinham passado períodos de tempo em outros pavilhões Estas observações precisam ser assinaladas porque o ponto de vista do preso variava também conforme a posição que ele ocupava no espaço interno da cadeia que como se terá oportunidade de aprofundar adiante aparece como sociologicamente diferenciado É nesse sentido que as informações sobre a prisão têm necessariamente que levar em conta a posição espacial de quem fala com relação ao pavilhão de que fala A sala da chefia do expediente foi o local onde se realizaram as entrevistas Nesta sala de aproximadamente 12 metros quadrados com duas mesas e alguns armários de ferro ficavam o chefe do expediente e seu auxiliar mais direto As conversas com os presos se realizavam num canto desta sala no intervalo entre essas duas mesas Às costas do entrevistador se colocava o chefe do expediente numa posição que lhe permitia observar de frente o entrevistado Poucas vezes foi possível escapar deste constrangimento e quando essa regra foi rompida as situações criadas quase impediram o prosseguimento da pesquisa A presença assídua do chefe do expediente junto aos entrevistados nos primeiros meses de trabalho evidenciou sua preocupação com o conteúdo das perguntas e das respostas Esta atitude deliberada de controle implicou naturalmente em uma inibição por parte dos presos No entanto aparentemente o objetivo principal do controle se voltava para as perguntas formuladas pelo pesquisador cujo teor era desconhecido O receio imposto aos presos teve como conseqüência imediata a omissão por parte deles de certas informações notadamente aquelas referentes aos funcionários ou à administração Quando o chefe do expediente ou qualquer outro funcionário demonstrava interesse no depoimento de um preso sua tendência era de baixar a voz às vezes mudar de assunto ou então elogiar os funcionários Ao mesmo tempo bastava um momento a sós comigo para que viessem à tona outras informações Ou seja como diz Berreman 1975142 o controle sobre o outro numa relação de pesquisa numa é obtido de modo absoluto Cabe ao pesquisador explorar as vantagens que lhe são oferecidas por tal impossibilidade As impressões que tanto o pesquisador como seus sujeitos procuram projetar são aquelas julgadas mais favoráveis à realização de seus objetivos respectivos o pesquisador tenta conseguir informações sobre a região interior de seus sujeitos e estes procuram manter seus segredos que ameaçam a imagem pública que desejam proteger10 10 A concepção de região interior e exterior faz parte de uma abordagem de Erving Goffman que visa discutir a interação social do ponto de vista do controle das impressões Segundo ele tomando como exemplo o teatro com freqüência descobrimos uma divisão entre região interior onde a representação de uma rotina preparada e região exterior onde a representação é apresentada O acesso a essas regiões é controlado a fim de impedir que a platéia veja os bastidores e que estranhos tenham acesso a uma representação que não se dirige a eles Entre os membros da equipe descobrimos que prevalece a familiaridade que a solidariedade tem possibilidade de se desenvolver e que seus segredos capazes de fazerem fracassar o espetáculo são compartilhados e guardados Erving GOFFMAN The Presentation of self in every day life NY Doubleday 1959 p 238 27 O convívio mais intenso com a cadeia bastou para que os presos tomassem maior conhecimento das minhas atitudes e intenções como pesquisador Com o correr do tempo as impressões e as resistências iniciais se desfizeram e o relacionamento assumiu características mais explícitas Embora eu não fosse reconhecido pelos presos como um igual aos funcionários pois nesse período de contato creio ter dado demonstrações claras de não estar ligado a eles mantinha um bom relacionamento também com os funcionários O contato com o chefe do expediente representante e membro da diretoria era sólido sem implicar em compromissos Para os presos perceber esta nuance significava poder entender e controlar sua relação com o pesquisador Por esse motivo em determinados contextos eles passavam informações que seriam absolutamente omitidas se houvesse algum funcionário presente O meu comportamento em certas situações o interesse por certos aspectos da vida do preso evidente na própria formulação das perguntas as opiniões emitidas poucas sobre os problemas da cadeia compunham um quadro que permitia aos presos se quisessem diferenciar a posição do pesquisador no contexto de seu relacionamento com os funcionários de prisão Por outro lado evitouse envolvimento pessoal com qualquer preso e também a criação de qualquer expectativa com relação a possibilidades concretas de ajuda nos diversos casos Constituiuse regra inclusive não pedir o nome do entrevistado Apesar desses cuidados fui identificado algumas vezes com os funcionários me tornando também uma ameaça para os presos outras vezes minha atitude de interesse de compreensão e de valorização dos pontos de vista dos presos me levaram a ser confundido com um advogado um jornalista ou alguém que pudesse de alguma forma contribuir par a solução dos problemas vividos por eles É neste sentido que as condições sob as quais realizaramse as entrevistas devem ser entendidas como parte integrante dos dados qualificandoos significativamente Os Cinco Pavilhões uma breve visita Um dos principais objetivos da pesquisa na Casa de Detenção foi de início conversar com os presos de todos os pavilhões em suas celas locais de atividade artesanal e de recreação buscando ter uma idéia global da cadeia No entanto as condições de pesquisa se mostraram diferentes do esperado e as minhas atividades ficaram restritas ao pavilhão 6 do setor de expediente e ao refeitório dos funcionários Com o correr do tempo as entrevistas feitas com os presos e o conhecimento sobre a cadeia que foi se acumulando diferenças entre os presos os funcionários os pavilhões reafirmaram a necessidade de se ter uma visão de conjunto da própria estrutura material e especial da cadeia Aproveitando a fase final da pesquisa e com esse argumento 28 novas sondagens foram feitas junto ao chefe do expediente procurando viabilizar pelo menos uma visita às outras dependências da Casa de Detenção Embora houvesse muita relutância de sua parte inclusive com a alegação de que era preciso pedir uma difícil permissão ao coronel que afinal consentiu esta visita se concretizou na última ida à cadeia Nesse sentido as impressões que vou relatar a seguir são ligeiras não só devido ao pouco tempo de observação como também ao controle exercido pelos funcionários que determinaram os lugares a serem visitados o período de permanência em cada local e as pessoas com quem se poderia falar Durante o percurso estive sempre acompanhado do chefe do expediente que orientou na maioria das vezes o seu rumo No pavilhão 5 foi o chefe de disciplina que se prontificou a mostrar algumas dependências de sua escolha e dar algumas informações sobre o pavilhão Nos outros pavilhões os chefes de disciplina não se mostram muito interessados em me acompanhar encarregandose o chefe do expediente de ir aos lugares de seu conhecimento e preferência No pavilhão 9 a meu pedido foi possível conhecer o setor de celasfortes sendo que para isto o chefe de disciplina do pavilhão designou um carcereiro como acompanhante Minhas impressões foram as seguintes O primeiro pavilhão a ser visitado foi o pavilhão 5 Conhecido pelos presos e funcionários como a cadeia dentro da cadeia este pavilhão permanentemente vigiado por guardas de segurança ficava todo cercado por muros tão altos quanto os que cercam a cadeia separandoa da rua Suas entradas e saídas começavam e terminavam no pátio de outros pavilhões Os portões de ferro eram guardados de modo a só permitir a passagem de pessoas com autorização ou pessoas já conhecidas O primeiro local visitado foram as isoladas Em um imenso corredor escuro e frio podiase ver uma fileira de portas maciças com uma pequena janela servindo de abertura para entrar um prato de comida Alguns poucos presos conversavam através dessas aberturas O resto era silêncio O chefe de expediente não se arriscou a percorrer o corredor mas mesmo assim foi possível observar por uma janela o interior de uma cela vazia um cubículo de dimensões bastante reduzidas onde não entrava sol a luz era artificial sem nenhum móvel nem mesmo cama para dormir Diziam os presos que ali para dormir só se recebia uma manta Não dava para ver a fisionomia das pessoas nessas celas isoladas e embora tenham notado a presença de gente diferente no local não fizeram qualquer comentário Para a isolada eram mandados os presos que cometiam alguma contravenção na cadeia e assim era chamada porque o preso ficava isolado de qualquer contato com outros presos Saindo dali apareceu o chefe de disciplina daquele pavilhão que inteirado do motivo da visita tratou ele mesmo de me ciceronear Informou inicialmente que o pavilhão contava com 950 presos sendo que 300 exerciam alguma atividade Dando ênfase a esse aspecto o chefe de 29 disciplina fez questão de mostrar as oficinas de trabalho por volta de cinco com os mais variados tipos de serviço destacandose os trabalhos de acabamento em confecções semiprontas trabalhos em madeira principalmente brinquedos e uma oficina de gravação em cobre O produto do trabalho nas oficinas era vendido aos visitantes aos domingos ou fazia parte de contratos firmados com empresas comerciais que se aproveitavam do custo muito barato da mãodeobra do preso Apesar do orgulho com que o chefe de disciplina se referia a estas atividades eram poucos os que estavam efetivamente dedicados ao trabalho cerca de vinte pessoas Próxima às oficinas uma sala improvisada servia de escola e trinta presos assistiam a uma aula de português ministrada por um preso que exercia a função de professor Ao lado desta sala três pequenas estantes de livros velhos com a denominação de biblioteca Logo adiante havia uma outra pequena sala equipada com televisão onde se transmitiam cursos da TV Cultura de São Paulo Perto das oficinas de trabalho existia também um templo para serviços religiosos tanto católicos como protestantes Todas essas atividades se realizavam em departamentos à direita de quem entra pela porta principal do pavilhão À esquerda funcionava o serviço médico da Casa de Detenção Eram consultório ambulatório sala de cirurgia que nunca tinha sido usada segundo o funcionário e consultório odontológico No 5º andar deste pavilhão ficavam os presos considerados doentes mentais e à disposição do serviço psiquiátrico O setor médico também foi motivo para uma longa explicação do chefe de disciplina que exaltou a utilidade do serviço numa cadeia com tão grande quantidade de presos Embora tudo estivesse realmente muito limpo não havia ninguém sendo atendido o que confirmava depoimentos de presos segundo os quais o atendimento médico se realizava no hospital municipal nos casos de ferimentos enquanto nos casos de rotina como dores doenças crônicas e problemas dos olhos o atendimento demorava muito Ainda neste pavilhão alguns aspectos da relação presofuncionário comum aos demais pavilhões da cadeia puderam ser observados sempre que um funcionário entrava em alguma sala ou oficina os presos se levantavam paravam o trabalho e permaneciam quase em posição de sentido Apesar do interesse demonstrado por mim não tive acesso aos outros andares do pavilhão para conhecer as celas onde ficavam os presos mais perigosos e os doentes mentais O chefe de disciplina anunciou que não havia necessidade de percorrer esses andares devido a grande semelhança com o que já tinha sido visto Aliás se o encontro com este funcionário tivesse ocorrido antes de ver as isoladas certamente este local também ficaria sem visita Explicou ele que o primeiro e o segundo andares do pavilhão estavam separados para os presos com trabalho e o terceiro e quarto se destinavam aos considerados muito perigosos e que portanto precisavam ficar permanentemente presos Nas entrevistas os presos diziam que a distinção do grau de 30 periculosidade de um companheiro se media pelo andar do pavilhão 5 quanto mais alto mais perigoso No 5º andar estaria localizado além das celas fortes cuja função é abrigar os acusados de cometerem contravenções na cadeia o setor dos doentes mentais11 Neste pavilhão embora me sentisse constrangido e procurasse identificar nos presos algum esboço de reação ao que parecia com aquela visita uma intromissão e uma violação esta reação não pode ser identificada Os presos mantinham claramente uma posição de subserviência e respeito O chefe de disciplina aparentemente bastante respeitado pelos presos se portou sempre de forma a apresentar da melhor maneira possível o setor pelo qual era responsável e prudentemente evitou locais que pudessem mostrar algo diferente da imagem que procurava passar ao visitante Do pavilhão 5 voltouse ao pavilhão 2 No térreo deste pavilhão funcionava o refeitório dos guardas de presídio e de outros funcionários a sala dos advogados logo à direita da entrada principal e a copa que se destinava aos funcionários mais graduados e convidados do diretor conhecida como copa da diretoria onde inclusive se fez a maioria das refeições no período de pesquisa Guiada novamente pelo chefe de expediente a visita começou pelos andares superiores Na sala do chefe de disciplina este ao contrário do outro não se importou com a presença de visitante prosseguindo em sua sesta Este chefe de disciplina aliás mantinha com a diretoria uma relação algo diferente pois era o único dos encarregados de pavilhões a almoçar na copa da diretoria quase sempre próximo do diretor da prisão Numa das vezes que teve contato comigo falou de sua outra função a de arranjar e passar filmes para os presos Com o chefe da disciplina dormindo o chefe de expediente se incumbiu de mostrar aquele 2º andar inclusive com uma certa familiaridade já que ali fora local do setor de expediente antes da construção do pavilhão 6 pavilhão destinado unicamente às atividades burocráticas e artesanais Fora esse setor onde funcionavam algumas salas de funcionários chegavase a um corredor composto por uma seqüência de pequenas portas de madeira maciça trancadas por uma barra de ferro As portas eram estreitas e mal cabiam uma pessoa Mesmo que as portas estivessem fechadas era regra da cadeia manter as trancas abertas Era proibido fecharse na cela dizia o chefe do expediente Diante da minha manifesta curiosidade em conhecer o interior de uma cela o chefe do expediente parou em uma das portas abriu e foi entrando A reação dos presos diante daquilo que para mim parecia uma intromissão ao invés de surpresa ou reclamação foi de respeito ficaram de pé e permaneceram parados A celas do pavilhão 2 eram pequenas mas eram as melhores de todo 11 Como não foi possível detectar o que se entendia na cadeia por doente mental preferi pensar esta como mais uma entre as muitas classificações pelas quais a administração percebia os presos 31 presídio Na verdade podiase descrever uma delas como um corredor de pouco mais de 15m de largura por 35m de comprimento onde se encaixavam 4 beliches Dentro existia uma portinha que separava as camas do vaso sanitário e do chuveiro Nesta cela os presos fizeram questão de mostrar um armário trabalho coletivo que colocado entre 2 beliches conseguia economizar um pouco de espaço A luz ficava acesa obrigatoriamente 24 horas e um dos presos que acordava cedo e que dormia na cama de cima do beliche tinha inventado um quebraluz de papel que o protegia durante o sono Os que ficavam em baixo tinham o recurso de pregar uma cortina para poder descansar no escuro Como em todas as celas do presídio a decoração predileta era com pôster de mulheres Na saída os presos agradeceram a visita No mesmo andar do lado esquerdo de quem sobe a escada logo a primeira cela parecia diferente das outras Era um cômodo razoavelmente grande com espaço entre as camas e uma mesa de refeições ou de leitura Destinavase a um tipo de preso com mais privilégios em geral auxiliares de funcionários mais graduados Quando entramos os presos estavam almoçando e a comida parecia ser de boa qualidade a mesma servida na copa da diretoria O privilégio de comer na cela e melhor só se conseguia através dos funcionários Além disso as camas estavam com lençóis novos e tinha até cortina na janela A explicação do chefe do expediente para esta diferença confirmou as vantagens daqueles presos com a justificava de que trabalhavam muito e cumpriam bem suas funções Como acontecera anteriormente não me foi dada a oportunidade de ver os outros andares do pavilhão novamente com a alegação desta vez do chefe do expediente de que era tudo igual ao que tinha sido visto No caminho para os pavilhões 8 e 9 conhecidos como o fundão e abrigando a maior parte dos presos da Casa de Detenção passavase por uma ampla área livre que era ocupada pela caixa dágua pelo lixo e do outro lado pelo principal campo de futebol da cadeia Uns 10 presos estavam na ocasião cuidando do campo para mais uma partida do campeonato da Casa de Detenção Esta local servia normalmente para recreação diária dos presos desses pavilhões e em dias de festa ou celebrações era utilizado para reunir o conjunto dos presos Os pavilhões 8 e 9 eram iguais em tamanho embora o pavilhão 9 tivesse mais gente O pavilhão 8 era conhecido pela designação oficial da cadeia como o pavilhão dos reincidentes O pátio interno espaçoso estava repleto de presos sentados no chão alguns sem camisa outros só de cueca ou calção Novamente aqui o chefe de disciplina do pavilhão não se incomodou com a presença dos visitantes e permaneceu em sua sala O chefe do expediente então se encaminhou para mostrar as oficinas de trabalho Neste dia todos os funcionários em contato com o pesquisador procuraram ressaltar as atividades que denotavam recuperação do preso e em nenhum momento se falou das precárias condições da cadeia Perto das oficinas havia duas capelas uma católica e outra protestante cujos cultos se 32 realizavam aos domingos As salas não eram muito grandes mas comportavam mais ou menos cem pessoas sentadas O número de oficinas de trabalho era maior neste pavilhão mas assim como nos outros eram poucos os homens trabalhando embora a produção fosse mais variada Havia uma sapataria cujos produtos se destinavam à venda nos dias da visita de familiares e amigos Uma outra oficina trabalhava no aproveitamento de sobras de tapetes e também existia uma fabriqueta de bolas de futebol um setor de montagem de sacolas de papelão para lojas comerciais e outras que só foi possível olhar rapidamente Em todos esses lugares a presença dos visitantes fazia com que os presos se levantassem e ficassem em posição de respeito Numa oficina de carpintaria dois homens se dedicavam à produção de abajours cinzeiros e outros objetos de madeira Na conversa com eles reclamaram muito da quantidade de tempo despendido na fabricação de cada uma das peças em comparação com o preço ínfimo oferecido pelas lojas comerciais o que aliás era de praxe Pagava se pouquíssimo pelo trabalho do preso Até o chefe do expediente na ocasião fez comentários sobre a atividade dos presos sugerindo novas peças pois naquelas segundo ele todos reconheciam o trabalho de um preso O trabalho na cadeia era visto como recuperação para os presos mas para que o produto do trabalho fosse valorizado era preciso que não fosse conhecido como tendo sido feito por eles Depois do setor de oficinas novamente sem subir aos andares superiores do pavilhão onde possivelmente poderia observar outros aspectos das condições de vida dos presos e com a mesma alegação anterior de que tudo era igual ao que tinha sido visto antes o chefe de expediente já se encaminhando para a saída encontrou um preso que segundo ele era considerado o maior falsário do país Era um senhor muito inteligente de uma subserviência irritante mas demonstrando ser profundo conhecedor das regras de sobrevivência na cadeia A um convite para entrevista respondeu imediatamente com altos elogios à direção da cadeia dizendose sem queixas e agradecendo o ótimo tratamento que estava recebendo Um outro preso que também veio conversar encarregavase de organizar o campeonato de futebol Este pavilhão possuía uma sala somente para a organização de atividades esportivas cujas paredes se achavam repletas de pôster de equipes e nomes famosos no futebol profissional O preso muito simpático recebeu o chefe do expediente avisando que o time do pavilhão 2 estava muito fraco e dificilmente ganharia o campeonato Na porta da sala um quadro negro trazia os nomes dos times e suas respectivas colocações na tabela do campeonato interno No pavilhão 9 a chegada coincidiu com a hora dos presos descerem para tomar sol e era grande o reboliço de homens se enfileirando para seguir até o campo de futebol Os presos dos pavilhões 8 e 9 tomavam sol em horários diferentes para evitar o ajuntamento de muitos presos 33 num só local Estes à medida que saíam eram revistados pelos guardas de presídio O pavilhão 9 na época contava com cerca de dois mil presos embora sua capacidade de absorção fosse bem menor A entrada do pavilhão estava tão congestionada que mal se conseguia atingir o pátio interno A primeira atitude foi procurar o chefe de disciplina e anunciar a visita Este se mostrou amável mas não se moveu do lugar No pátio chamava a atenção o som forte de um atabaque vindo de uma sala onde funcionava um terreiro de umbanda No pavilhão 9 também havia várias religiões cada uma com uma sala separada para seus cultos Em determinado momento cruzouse com um grupo de presos bíblias debaixo do braço dirigindose para uma Igreja Assembléia de Deus e parecendo bastante orgulhosos do que estavam fazendo Ainda no pátio ficava localizado o arquivo morto do presídio setor da cadeia sob as ordens do chefe do expediente cuja função principal era guardar os prontuários de todos aqueles que passaram pela cadeia Este arquivo continha mais de 85 mil prontuários além de todos os ofícios expedidos pela Casa de Detenção e o livro de ponto de todos os funcionários que já tinham trabalhado no presídio Este setor funcionava com o trabalho dos presos Um deles por exemplo no momento que passávamos fazia uma estatística do presídio especificando os presos por idade sexo instrução delito cometido Todos eles no entanto deram demonstrações de ter perfeito conhecimento do serviço e se expressavam com facilidade sobre a situação carcerária no que diz respeito à parte processual Nova insistência para ver as celas agora daquele pavilhão fizeram com que o chefe do expediente se dirigisse ao chefe de disciplina que destacou um carcereiro para mostrar os andares superiores As escadas se localizavam na entrada do pavilhão e como ainda era grande o congestionamento utilizouse o elevador Por ordem do carcereiro o ascensorista detento foi até o 5º andar Do elevador sempre guiados pelo carcereiro chegouse a um enorme corredor repleto de celas com iluminação artificial com o chão gasto e um ambiente de pobreza Do lado esquerdo ficavam as celas E externo mais amplas e com grande quantidade de presos Do lado direito ficavam as celas cujos números estavam acompanhados da letra I correspondente ao lado interno do pavilhão e que foram construídas como celas individuais O carcereiro abriu uma delas Dentro comprimiamse três homens num cubículo onde mal cabia uma pessoa esticada além de um triliche havia um buraco que servia como sanitário e lavatório Novamente aqui não pôde ser identificada nenhuma reação de irritação dos presos ao que para o pesquisador parecia uma intromissão No fundo desse corredor ficava o setor das celasforte O preso que ia para a cela forte segundo o carcereiro tinha cometido algum delito grave dentro do pavilhão Trancado por mais uma porta de ferro o setor das celasforte era um lugar quase totalmente escuro um corredor 34 estreito com uma seqüência de dez portas Andando por esse corredor tinhase a impressão de estar passando por jaulas De vez em quando apareciam alguns rostos nas janelinhas mas nenhuma palavra O lugar fedia muito e era muito escuro Voltando para o pavilhão 6 descobri que ali funcionava a principal cozinha da prisão O encarregado do setor um preso informou que o consumo de comida girava em torno de 2 mil quilos de carne por dia 50 quilos de feijão e uma outra grande quantidade de arroz A Casa de Detenção preparava 20 mil refeições diárias não só para seu consumo interno mas também para as delegacias e outros presídios da cidade de São Paulo Depois de mostrar tudo aquilo este preso arrematou agradecendo a direção da prisão pelo carinho dedicado aos presos O elogio soou como um refrão sempre repetido na presença de qualquer visitante acompanhado de funcionários graduados No pavilhão 6 encerramos esta única visita mais ampla às instalações da Casa de Detenção 35 CAPÍTULO II O MUNDO DO CRIME NA CADEIA A massa do crime código da malandragem Assim como a direção da cadeia tinha suas regras de funcionamento e as impunha com rigor aos presos estes também dispunham de um conjunto próprio de regras que tinha vigência entre eles e eram aplicáveis por uns presos sobre os outros somente As regras da cadeia assim como as leis da justiça de um país tinham autoridades reconhecidas como tais às quais era atribuído o poder de aplicálas poder que pairava acima das partes envolvidas Na massa cada um era juiz de sua própria causa e a ninguém era atribuído o poder de arbitrar as questões de outros Os presos referiamse a tais regras como as leis da massa São elas que regulavam a ordem na vida do crime Poderseia pensar que massa era o conjunto dos presos ou dos criminosos ou um subgrupo deles De fato Na massa é o crime é o pessoal do crime A leitura ao pé da letra dessas expressões no entanto tem que ceder lugar a uma acuidade maior para que se possa escapar ao engano que elas produzem inicialmente Na verdade a massa é uma entidade é uma entidade deles Entidade de que Entidade do delinqüente A massa como eu estava explicando a massa é um trato entre nós mesmos quer dizer a massa refere ao crime a massa refere ao crime Entidade e trato são termos chave para desvendar o significado de massa como algo distinto dos presos ou dos criminosos e permite compreendêla como conjunto de regras postulado e seguido por eles Permite também compreender porque estando todos sob as leis da massa dentro da cadeia nem todos os presos faziam todavia parte da vida do crime e embora fossem considerados todos criminosos do ponto de vista das leis oficiais não o eram necessariamente assim considerados do ponto de vista das leis da massa De fato num primeiro momento foi possível pensar que o delinqüente o criminoso ou mesmo o crime a que se referia o preso era o mesmo a que se referiam as leis oficiais a massa não tem mais ninguém sem ser do crime só é criminoso 36 é só dentro do crime porque fora do crime não mais Não é criminoso não pertence à massa Esta impressão se desfaz quando os presos definiam quem era que pertencia à massa Quer dizer que para a massa tem gente aqui dentro que não é criminoso Não não é porque vem gente para a cadeia que já está recuperado Ele é trabalhador pai de família mas correu com o carro e atropelou um cidadão Aí ele foi condenado porque ele matou é recuperado mas tem a condenação Ele vem para a cadeia ele não é criminoso Quer dizer aí já não faz parte de massa Quer dizer esse aquele errou mas ele vai pagar por aquele vai embora já era Esqueceu já nunca mais vai lembrar da massa Agora aquele indivíduo da massa ele vai embora o nome dele vai ficar aqui na cadeia Lá fora ele deixa um livro na cadeia aí manda recado para um amigo que está na cadeia aí o nome dele fica sempre na massa O jornal mostra a foto dele o fulano tá fazendo isso e aquilo aquele tá fazendo aquilo certo Agora outro preso um criminoso comum matou o outro por acaso aconteceu acidente ele não é da massa foi um erro por acaso Esse aí já é esquecido Só é lembrado mesmo e considerado na massa aquele que vive na massa que praticou dentro da massa a vive na massa certo A diferença é essa Portanto apesar de serem todos os presos infratores ou suspeitos de infração do ponto de vista da lei penal do ponto de vista dos presos nem todos eram criminosos nem todos pertenciam à massa Não pertencia à massa a pessoa cuja vinda para a cadeia estava ligada ao acaso ou acidente sendo esta pessoa em geral um trabalhador pai de família Ainda dois elementos aparecem em função dos quais se definia o criminoso segundo a pertinência à massa a ligação depois que saia da cadeia com quem estava dentro a continuação na prática de atos criminosos Estes dois elementos faziam o sujeito ser lembrado e havia duas expressões dessa continuidade a foto no jornal e o nome que ia ficar na cadeia Quem chegava na cadeia como preso era imediatamente testado por quem pertencia à massa sobre o seu conhecimento do crime Nesta abordagem havia duas possibilidades a do indivíduo que era pacato a respeito do crime e então ia ser aproveitado pelos da massa Com essa experiência na cadeia a pessoa não passava a ser imediatamente da massa O período era um período de aprendizado onde se tomava conhecimento da vida do crime sem ter participado permanecendo ali dentro numa posição desvantajosa O pertencer à massa só iria se dar depois quando a pessoa saia da cadeia e partia pro crime A outra possibilidade era a do indivíduo que já era da massa antes de entrar na cadeia Nesse caso ele já sabia se expressar conhecia as leis da massa e procurava se fazer respeitar Diante de qualquer atitude que punha isso em dúvida ele sabia como agir e manter a moral em pé perante a malandragem 37 Porque geralmente é na conversa O malandro chega e troca uma idéia Se ver que o cara é pacato a respeito do crime que não tem conhecimento do crime aí eles se aproveitam Mas se eles vêem que o cara tem explicação então passa liso É onde eu saco um erro do governo não separar não separar as qualidades Tem muitos que vem aqui dentro que tem crimes banais nem é criminoso na nossa massa Então chega aqui dentro e se mistura com essas pessoas Ele é covardemente viciado quer dizer pelos outros presos Bom aí já é motivo para a revolta dele Ele sai daqui vai para a rua mas depois dele sair ele já aprendeu muitas coisas Aí ele chega e diz na cadeia os caras fizeram isso isso e isso comigo Então eles falam revoltados Já vai partir pro crime já vai entrar na massa Que muitos deles fazem isso aí por ter acontecido isso com eles Agora quando o cara se expressa se explica dá uma explicação que o cara vê que não tem condições eles não acontece nada Muitas vezes não tem nem conversa Ele responde para o preso olha comigo não Vai acontecer isso sou malandro sou homem agora amanhã ele vai e mata o cara Dormindo ou no campo ele vai lá e mata o cara Quer dizer ele quis manter a moral dele em pé perante a malandragem perante a massa Pertencendo ou não à massa o preso depois que entrava na cadeia permanecia sob suas leis No entanto as leis da massa não se impunham igualmente a todos os presos Havia variações na sua aplicação que dependiam principalmente da diferenciação entre os presos conforme sua localização no espaço da cadeia como será mostrado mais adiante Dentro como fora da cadeia as leis da massa disputavam com as leis oficiais um espaço de atuação A massa implicava em um proceder que na maioria das vezes se chocava com o comportamento prescrito pelas regras da cadeia e as leis da justiça penal No acerto conflituoso da fronteira entre os dois códigos a caguetagem e em contrapartida o repúdio que lhe era devotado por parte da massa constituía um ponto crítico o pior que se pode fazer é um preso cuidar do outro em favor da polícia Polícia é polícia Preso é preso A massa exige um proceder proceder de malandro Este proceder se compunha de determinadas regras cuja infração acarretava sanções de pesos desiguais Havia certas infrações cuja sanção por parte da massa era em geral mais branda e não implicava necessariamente em atitudes drásticas a não ser no caso de repetições ou desavenças pessoais anteriores Em outros casos a infração assumia na massa um outro caráter e exigia sanções mais enérgicas por parte de quem era atingido Os problemas entre presos podiam ser solucionados com uma discussão em que os motivos eram explicados e aceitos ou uma briga motivos não aceitos o que em geral dava aos participantes principalmente ao perdedor o direito de retaliação podendo até chegar ao assassinato 38 Entre as regras do proceder as principais eram a regras que se referiam à vida cotidiana no interior do xadrez12 b regras que se referiam às trocas e circulação de objetos entre os presos em geral c regras que se referiam às prescrições de solidariedade e ajuda mútua entre os presos em geral d regras que referiam às atitudes morais dos presos de modo geral e finalmente a regra fundamental não caguetar Considerandoas mais detalhadamente podiase perceber que eram consistentes com a vida na prisão e na massa a regras que se referiam à vida cotidiana no interior do xadrez Na cadeia nem todos os presos tinham recursos para negociar ou comprar algo extra para si que tanto podia ser uma comida melhor como uma roupa ou um cigarro para fumar Alguns recebiam aos domingos na visita de familiares e amigos esse pouco mais Outros quando tinham visitas o máximo que conseguiam era guardar parte da comida diária da prisão para repartir com os filhos e a mulher Isso naturalmente gerava problemas no xadrez e não eram raros os casos de presos acusados de estarem mexendo nos pertences de outro preso Daí se dizer que na massa preso não podia mexer nas coisas de outro preso sob o risco de sofrer alguma sanção Tudo quanto é tipo de coisas ruim pode acontecer na massa Até por um cigarro de maconha pode morrer um dois três quatro até cinco Por um maço de cigarro já morreu gente na cadeia Por um pão já morreu gente na cadeia Por que acontece isso Olha aqui na cadeia a alimentação dos presos cada um tem uma cota então não é pelo alimento mas pelo proceder Porque a massa exige um proceder que é a educação apesar que lá fora nós somos tirado como não tem como explicar é um bicho pra mim certo Mas eu tenho em mim que não é nada disso Se as pessoas souberem a realidade elas tiram diferente não pensam assim Bom então é o seguinte tem a educação é o que a massa chama de proceder proceder de malandro Quer dizer se está aqui é daquele preso tem que ser daquele preso ninguém pode mexer certo Quer dizer se você for lá e mexer você tem que explicar porque mexeu Então muitas vezes eu mexo hoje o rapaz deixa pra lá eu mexo amanhã o rapaz deixa pra lá mas depois daí o que eu tenho você tem por que vai pegar o meu Não tem condição Então dali nasce a discussão Nasceu a discussão se não sair na mão sair uma briga na mão os dois um quebra a cara do outro o que sair com prejuízo amanhã quer vingar Então ele arruma um chico doce um pau de cama ou ele arruma um estilete então 12 Xadrez era o nome que o preso usava quando se referia à cela 39 Havia também outras regras do proceder dentro do xadrez que se referiam basicamente ao comportamento de preso com relação às atividades mais comuns como por exemplo dormir Nesses casos exigiase respeito ao sono da maioria ou aos horários que eram considerados como horários de descanso O proceder do malandro na cadeia apesar de estar na cadeia mas a pessoa tem que da melhor maneira possível usar o máximo da educação dele Não é porque é preso ou delinqüente que não tem educação né Então se tem uma pessoa dormindo ali tem que fazer o maior silêncio pra ele dormir Mas o outro não está com sono ele quer trocar um diálogo com o outro detento quer dizer é uma falta de proceder a não ser que esteja todo mundo acordado já é uma falta de educação está perturbando o sono dos demais certo Então está tirando fazendo uma sesta eu acho que é falta de educação a pessoa fumar Quer dizer tudo isso aí é falta de proceder b regras que se referiam às trocas e circulação de objetos entre os presos em geral A correção no pagamento de dívidas era fundamental para o bom nome e integridade física de um preso Aqui até os maiores estelionatários pagam em dia O empréstimo de objetos entre os presos já era problemático e dependendo da situação podia implicar em retribuições por parte do devedor que este nem sempre estava disposto a cumprir favores sexuais por exemplo Muitas dívidas eram contraídas para a manutenção de um consumo regular de tóxicos principalmente a maconha que por ser bem raro de difícil circulação exigia do preso uma posição especial para conseguíla e passála Alguns presos chegavam a roubar de outros dentro da cadeia para cobrir as dívidas de tóxicos Não pagar as dívidas significava faltar com o procedimento segundo as leis da massa e nessa situação o preso estava sujeito a cobranças repetidas que podiam terminar em soluções mais violentas Da mesma forma quem emprestava tinha por obrigação cobrar a dívida caso contrário também ficava mal visto na massa Peguei uma maconha de você e não quis te pagar Aí marca pra você me pagar marca o dia geralmente é domingo dia de visita Aí eu não te pago Não vou te pagar Então surge o conflito Às vezes você fica quieto e não toma uma atitude então você é o bundamole como eles chamam Você é isso aí você não tomou atitude você é isso aí Agora se você vendeu e eu falo que não vou te pagar você pega e me dá umas pauladas me mete o cacete na minha cara Aí você é respeitado na massa É Se acontece alguma coisa um motivo pequeno mas você toma de outra maneira vai em cima do cara bate nele xinga ele então você A circulação de tóxicos fugia um pouco ao âmbito interno do xadrez e se realizava não só dentro dele mas principalmente entre os xadrezes já que para exercer a função de fazer circular a 40 maconha era preciso contar com uma liberdade maior que em geral era conseguida por quem trabalhava na distribuição de comida ou na faxina dos pavilhões Isto ocorria nos pavilhões onde os presos passavam a maior parte tempo na tranca13 Aqui o cara que trabalha na faxina não aqui no 2 mas no 5 8 e 9 geralmente são bandidões Geralmente os caras que trabalham na faxina são os considerados bandidões Por que Ficam soltos né Depois que sobem do sol lá sobem 345 vai todo mundo pra tranca Eles não Os que trabalham na faxina ficam até 9 horas soltos mas eles não caguetam dizem carregam maconha Geralmente os que trabalham na faxina já é descido por um outro cara que geralmente está na tranca mas os que trabalham na faxina sabem que ele tem uma maconha então ele cria aquela amizade de interesse então ele já arrasta pra faxina também c regras que se referiam às prescrições de solidariedade e ajuda mútua entre os presos em geral Tratar bem o companheiro era uma regra do proceder válida para todos os presos especialmente para aqueles que tinham alguma regalia dentro da cadeia como por exemplo e principalmente os presos com acesso à parte burocrática de cadeia trabalhando junto à diretoria ou setor de expediente e sala de advogados Este privilégio dava ao preso a chance de lidar com certos elementos capazes de lhe possibilitar fazer um recurso ou uma revisão de processo que podiam diminuir seu tempo de cadeia O preso nesta posição era muito solicitado pelos outros para favores não só por sua mobilidade como também pelo acesso aos funcionários e ao mesmo tempo muito visado pois com qualquer descuido podia ser acusado de fazer o jogo da direção de estar caguetando Daí a expressão dar atenção a todo mundo como uma forma de ser considerado na massa Isto era também entendido como adiantar o lado do outro ficar benquisto na massa Quem participava desse privilégio o trabalho dentro da cadeia podia estar numa de adianto mas também podia estar numa de atraso O cara benquisto na massa como é que é É um cara decente um cara de adianto um cara que está numa posição melhor que os outros na cadeia E ele começa a ajudar No meu caso eu tenho uma posição na cadeia privilegiada Eu posso andar pelos pavilhões eu tenho trânsito livre então eu passo a ajudar um elemento lá do fundo Se o elemento precisar dar um recado eu vou e faço com muito prazer então a gente passa a ser mais conhecido e mais não respeitado mas visto com bons olhos pela malandragem Eles falam aquele cara é um bom malandro Bom malandro na rua quer dizer um cara decente tá entendendo Se um indivíduo precisa tirar um documento esse indivíduo vem a mim e pede que quando vier alguma visita que peça para tirálo e tal então você já passa a ser visto de uma outra maneira uma maneira de adianto de bom malandro é isso 13 Significativamente não foram obtidas informações sobre este assunto no pavilhão 2 já que os entrevistados eram em sua maioria de lá 41 d regras que se referiam às atitudes morais dos presos de modo geral Infrações a estas regras eram apontadas como uma das principais causas de conflitos graves que podiam terminar em confrontos físicos muitas vezes fatais Um preso atingia a moral de outro através de certos xingamentos ou fazendolhe propostas sexuais A contrapartida dessas ofensas devia ser uma atitude por parte do ofendido que fosse considerada compatível com a ofensa sofrida Quando a ofensa afetava a definição sexual de homem do preso a ausência de uma atitude considerada compatível em geral a eliminação física do ofensor implicava para o ofendido na perda de sua moral de homem O momento crucial dessa definição era o da chegada do preso na cadeia Ele vem pra cadeia com a moral em pé e chega na cadeia se acontecer alguma coisa com ele a moral já era Como assim Se acontecer alguma coisa com ele sobre pederastia a moral dele já era Ele é do jeito que veio quando chega no xadrez se um simpatizar por ele porque existe o amor entre dois homens aqui dentro no xadrez certo Como o sistema penitenciário negava ao preso o direito de relacionarse sexualmente com mulheres a prática homossexual tendia a ser mais freqüente na cadeia Deixando de lado a questão de homossexualismo em si procurouse perceber a relação entre as concepções e as regras que a ela se referiam e as condições de existência impostas pela cadeia Nesta sentido a própria classificação que os presos faziam dos parceiros sexuais que representavam a parte feminina no relacionamento sexual continha algumas indicações Quer dizer apenas moleque de cadeia que eles caçam é o boy Boy lá fora é o cara novo cheio de nove horas gosta de andar moderno É o boy Pra mim o boy aqui na cadeia é aquele cara que se faz de mulher pra um outro preso igual aos travestis Mas tem diferença entre o boy e o travesti Tem O boy ele é feito ele é criado na marra forçado O travesti já é de já vem de longo tempo já vem da rua Distinguindo o boy do travesti os presos reconheciam de certo modo uma forma de imposição da prática homossexual resultante das condições do sistema penitenciário se o travesti já veio para a cadeia assim o boy é feito ele é criado na marra forçado Entretanto a percepção do homossexualismo com imposição das condições não chegava às últimas consequências na visão do preso Isto se pode avaliar em diversas formulações De fato a escolha do boy se fazia na chegada do bonde caminhão que trazia os presos onde os presos já observavam algum menino bonito que vá pro pavilhão A partir daí eram tomadas medidas para que coincidisse do preso novo ficar na cela apropriada 42 Então tem aqueles mais malandros mais conceituados e tem ainda o maior problema inclusive em todas as cadeias que eu acho que não vai acabar nunca É o problema da pederastia Então acontece de vir rapaz novo o menino então quando ele já vem já no bonde ele já entra com aquilo na cabeça que ele é garoto novo e que vai acontecer coisa com ele Então ele já vem com medo e no fim acaba acontecendo ou mesmo não acontece você entende Agora tem casos graves aqui dentro Tem casos de estupro e tem outros casos que o elemento já pratica o ato de pederastia já com medo de alguma conseqüência Tem outros que aproveitam a ocasião de chegar o menino novo menino bonito inexperiente aí eles comentam você viu que menino bonito chegou hoje já tem outros que são vendidos quando chegam no bonde Quando vai pro pavilhão então já chegam os mais malandros e fala pô aquele menino bonito que chegou hoje toma tanto e coloca ele no meu xadrez toma tantos pacotes e aí já faz aquela cabalação para aquele garoto já ir pra aquele xadrez Depende da aparência dele e da atitude dele aqui Muitos vêm pra cadeia e o cara vai com conversa desse tipo conversa com ele ele toma uma atitude mata o cara briga na mão leva a sério os outros Muitas vezes ele chega a ser viciado pelos outros presos então ele vira fica conhecido na cadeia como um um pederasta Assim sendo os presos reconheciam que aquele que se tornava boy muitas vezes não tinha condição de impedir que isso acontecesse Além de já ser considerado como destinado a este fim por razões independentes de seu arbítrio boa aparência jovem não dispunha de experiência e relações que lhe permitissem evitálo não conhecia a cadeia não tinha amigos não sabia afinal lidar com a situação Mesmo fornecendo todas estas indicações a respeito da imposição sobre a vontade do indivíduo ao avaliarem o boy do ponto de vista moral os presos o faziam negativamente Transferiam ao boy a responsabilidade que em outros momentos tinham reconhecido ser exterior a ele e supunham que ele tinha a possibilidade de escapar de uma situação que antes eles haviam reconhecido sem saída Mas eu acho que o preso para defender a sua moral de homem não se faz de mulher para outro preso Acho que ele deve tomar uma atitude drástica Mas esse tipo de atitude aí eu nunca precisei tomar porque ninguém nunca dirigiu essa palavra de pederastia sobre a minha pessoa Eu já tive diversas discussões por causa de futebol por causa de outro dirigir palavrão para mim e eu dirigir para ele já tive em diversas discussões mas nunca aconteceu de tomar nem eu nem o outro tomar uma atitude drástica Sempre ficou em conversa na paz Como é esse negócio aí de palavrão Quer dizer o puto o boy na cadeia Chamado puto também Puto também Se vira mulher de vagabundo é puto é boy quer dizer tem tipos de brincadeira aí que tem na 43 cadeia em geral isso aí muitos estão andando na cadeia aí Você é puto você não pode levar uma O cara está falando aí você é isso você é aquilo esse aí é o sentido do palavrão Mandar o outro pra um lugar tudo é nesse sentido Uma vez na condição de boy outras regras se impunham O boy tem que arrumar alguém para ele ficar Esse alguém era o fanchona que no caso era o marido Era grande a disputa por parceiros sexuais e aquele que fosse conquistado devia ser respeitado como mulher do preso As brigas e mortes que ocorriam por infrações a essas regras eram freqüentes segundo os presos e os motivos em geral se referiam a infidelidade ou desrespeito O preso que tinha um boy como mulher devia saber como mantêlo longe das possíveis aproximações de outros presos O fanchona tinha como função mínima darlhe proteção no caso de alguma briga daí a preferência dos boys pelos que brigavam bem além de ser aquele que saía de casa para conseguirlhe o sustento Havia diferenças no comportamento esperado do boy em cada pavilhão No pavilhão 2 os presos diziam que brigas por questão sexuais eram mais raras porque o boy aqui também chamado menino faz como uma mulher na avenida sai com quem quer e depois cobra Nos outros pavilhões ocorria mais do boy preferir arranjar algum malandro para tomar conta Briga por causa de mulher também tem Depende Geralmente tem o boy e o chamado fanchona que no caso é o marido Então o boy quando chega na cadeia se ele já foi de RPM se ele já foi lá quando era na rua ou foi ser aqui então então ele tem que arrumar alguém pra ele ficar porque de qualquer maneira ele vai ter que se submeter a isso então ele vai tentar arrumar alguém que como homem é a proteção da casa no caso vai ter que arrumar alguém que dê cobertura para ele Cobertura em caso de briga Nesse caso o fanchona é que tem que brigar vai ter que dar uma comida uma comida melhor vai ter que tudo Manutenção em geral Todo cara que tem mulher aqui dentro tem que sustentar Tem claro Agora aqui nesta parte aqui não tem isso Se é tem que arrumar alguém porque fica sem praticar Se é os caras sabem que é tem que praticar Agora é diferente aqui neste pavilhão não tem briga Muito difícil você ver uma briga aqui a coisa mais difícil Por isso é que é chamado pavilhão modelo Os meninos no caso ele vão com quem eles querem Às vezes arrumam também como no fundo alguém pra tomar conta deles Aqui eles vão com quem bem entender Fazem como fazem as prostitutas na rua o michê então ele vai sai com um agora pega a quantia que ele pediu e assim vai Na única entrevista realizada com um preso que admitia explicitamente desempenhar a parte feminina no relacionamento sexual uma nova classificação foi significativamente introduzida Ele começou por classificarse como homossexual passivo atribuindo a outros a designação de travesti e de boy Entre homossexual passivo e travesti por um lado e boy por outro ele repetiu a 44 distinção que aparecia quando os outros presos falavam Mas quando questionado sobre o motivo das brigas na cadeia negou que elas se dessem em torno do homossexual Por outro lado entre aqueles que os outros presos classificavam como travesti que já veio pra cadeia assim ele se distinguia jogando sobre os outros toda a carga negativa da concepção geralmente veiculada No 8 você ficou numa cela individual Ficaram com medo de que acontecesse alguma coisa Não existe receio Aqui há essa separação é norma Cada um de nós tem que morar com pessoas iguais a nós ou sozinho Eu optei por xadrez sozinho As que têm aí são travestis suadeira não têm convicções Bicha que põe peruca leva o homem para o hotel rouba o homem sem comportamento nenhum Aqui dentro mesmo faz sobrancelha se escandaliza se escracha Eu não quero me juntar Pra gente regredir é fácil eu quero ser melhor Foi por isso você não quis ficar na individual Foi porque na individual lavava roupa passava roupa e aí arranjava dinheiro pro cigarro é uma luta árdua Depois que vim pro 2 as coisas melhoraram Dizem que existe muita briga por causa Não não existe isso Pelo contrário quem fala isso mente Nunca existiu na cadeia um crime relacionado com um detento que tivesse algo com um homossexual passivo ou um efeminado Há o caso do boy Boy é o elemento na cadeia que entra como homem que é homem e se corrompe aqui dentro é viciado em tóxico ele se vende Ele é um elemento periculoso vai pra cama com você e depois quer ser respeitado como homem A massa sabendo disso não vai respeitar Mas isso raramente acontece O que há mais é tóxico assalto de tóxico agressão de palavras que ele levam como ofensa mas é que eles têm 200 anos de cadeia e não pensam mais nada da vida e basta ele implicar com você olhar atravessado para eles que acham que não está certo então ele queima uma maconha e mata você Quando os presos se referiam aos travestis no entanto reafirmavam a idéia de que muitas brigas eram geradas a partir de disputas entre os presos pelos mesmos Neste sentido a separação em cela só para travestis aparecia como meio de evitar que as disputas resultassem em brigas Agora os travestis que é declarado mulher mesmo de preso aqui é separado Mora separado são separados no xadrez deles Porque eles mora no xadrez deles já evita um pouco Porque é o seguinte se o homem deixar todos os travestis chegar na cadeia morar no xadrez coletivo vai sair morte todo dia porque um quer outro não quer outro quer Acontece mas evita Aí é uma grande oportunidade de evitar as coisas acontecerem Parece que a lógica dos presos ao se referirem à prática homossexual consistia sempre em negar de algum modo para si avaliações vigentes mais negativas a respeito do homossexualismo É o que se depreende do discurso do homossexual passivo mencionado acima quando ele se distinguia dos travestis e dos boys É também o que aparece no que diz um preso que admitiu ter mantido relações com outro assumindo porém a posição de homem na relação De fato mesmo 45 neste caso a situação é idealmente rejeitada na medida em que o referido preso procurava caracterizar pela excepcionalidade aquele a quem teve como parceiro Quer dizer já tive problemas assim Não vou dizer que eu nunca participei de ato de pederastia na cadeia Mas aqui tem um travesti chamado Katia ela era da inclusive quando ela chegou na cadeia o diretor da cadeia mandou tirar uma foto dela não sei mandou pra onde mas era fora do comum Aquela era pra ser uma mulher mulher mesmo Então na rua ela já se acostuma a gostar de homem de outro homem porque pra mim é a mesma coisa porque tem aquele defeito mas ao mesmo tempo não corresponde nada Então comecei a ter amizade com a mulher mas tinha um outro preso que gostava dela também então nós entramos em desentendimento mas ela não gostava dele gostava de mim Mas ia acontecendo uma série de incidentes entre nós mas através de outros amigos não aconteceu nada ficou em paz Em virtude do cerceamento da dimensão sexual da vida dos presos a prática do homossexualismo ato de pederastia segundo os presos vinha a ser encarada como solução possível e daí a concepção de adianto que lhe era atribuída mas a concepção de adianto estava o tempo todo beirando o seu contrário na medida em que se valorizava aquele que mantinha de pé sua moral em que se descarregava todo o desprezo em certos tipos que a praticavam o boy e se dava exemplo de mais baixo grau de corrupção ao que praticava homossexualismo e ao mesmo tempo caguetava No mesmo sentido apontar os termos negativos que se usavam para falar na iniciação às práticas homossexuais corromper viciar perder a moral além dos termos prostituto e puto pilantra que se referiam a aqueles que se vendem como mulher na avenida fora no fato de se dizer que as brigas eram em geral por causa de boys e travestis E quem que não é considerado na massa O cagueta não é considerado na massa Tem puto que também não é considerado Aqui tem todo tipo de coisa o pederasta que é pederasta que fez uma vez e gostou E já tem outros que é pederasta por causa da força das circunstâncias Agora tem pederasta porque já é sem vergonha que são por causa de tóxicos e ele só vai adquirir o tóxico fazendo michê como uma mulher faz michê na avenida Então ele faz michê na cadeia para ganhar baguinha de fumo pra ganhar um maço de cigarro pra fazer uma transação O que é michê Michê na rua não tem as mulheres que ficam batendo bolsinha Então recebe o cara no carro pra ganhar 10 15 cruzeiros Aqui dentro tem os putos os malandros que fazem isso então ele vai num andar e fala olha é 3 maços de cigarro então ele vai com o cara e tal ou mesmo por uma baga de fumo ou por um sapato ou por outra coisa qualquer Então ele se torna aquele puto pilantra então já faz já se torna um prostituto entendeu Agora tem outros que já faz por necessidade por boa vida então tem puto aí que se faz de menina pra morar num bom xadrez para ter uma boa comida para ter uma boa maconha para fumar para ter um fanchone para trabalhar 46 pra ele então tem uma série de coisa que é só passando uma temporada pra saber Um pederasta pode ser benquisto na massa Tem um pederasta aqui é além de ser pederasta é policial porque além de praticar o ato de pederastia ele cagueta Esse vou falar é desprezado Agora aquele que pratique só o ato de pederastia o malandro tem Eu vou explicar este porém O que pratica o ato de pederastia somente o ato de pederastia o malandro tem como adiantar o lado Ele adianta Agora aquele que pratica o ato de pederastia e cagueta ele tá atrasando Ele além de praticar um ato de pederastia com preso depois vai prejudicar o outro então ele tá atrasando então o que tem valor na massa mas tem mais valor um puto que um cagueta Tem mais valor um puto que um cagueta porque o cagueta tá prejudicando o puto tá guentando entendeu e a regra fundamental não caguetar Não caguetar era a regra principal do proceder da massa Assim como a prática homossexual na cadeia a caguetagem rompia com a fronteira de duas esferas muito importantes e bem determinadas no primeiro caso estava em jogo a fronteira que distinguia e opunha os sexos no segundo estava em jogo a fronteira que opunha e distinguia o preso e a polícia as leis da massa e as regras da cadeia No entanto a caguetagem assim como a prática homossexual era decorrência necessária das condições da vida na cadeia Não é sem razão que os presos sempre as correlacionavam Acontece porém que do ponto de vista dos presos o ato de pederastia constituía um adianto enquanto a caguetagem era um atraso o que pratica o ato de pederastia somente o ato de pederastia o malandro tem ele como adiantar o lado agora aquele que cagueta ele tá atrasando De fato a caguetagem era uma peça fundamental na manutenção da disciplina na cadeia Com 6000 presos num recinto destinado a 2200 e com um total de cerca de 200 encarregados de segurança e serviços burocráticos o fracasso de fugas e rebeliões eram explicados em grande parte pela delação Os presos comentavam que nenhum plano neste sentido chegava a ser mantido em segredo senão por um curto espaço de tempo Mas não só fugas e rebeliões eram objeto de delação a figura do cagueta espreitava as infrações cotidianas às regras da cadeia Não não porque aí existe o caso que eles chamam caguetas Cagueta é a pessoa vamos supor o senhor está ali queimando um fumo aí é cagueta Agora existe como existe aquele que entra na bolinha me dá uma bolinha aí Daqui a pouco ele deixa o senhor aquele aquele no fumo e vai lá e olha lá tão queimando um jereré Este é o cagueta desbaratinado A malandragem aqui tem uma série de tipos Um fala que é malandro e não é malandro é aquele tal de cagueta que eles tratam de cabra Cabra É 47 Nego que só serve atrapalhar a vida dos outros fica caguetando o companheiro de xadrez fica prejudicando Caguetando como Por exemplo eles não podem ver nada que se passa dentro da cadeia que eles já correm no ouvido do chefe de disciplina uma coisa ou outra Isso aí agora ultimamente é rotina de cadeia Em todo pavilhão existe isso E tem o cagueta que é o seguinte ele não pode ver nada de contravenção nada de errado que ele corre em cima da polícia e dá faz a polícia ir dar uma naquele cara que praticou a contravenção Esses filhos da puta que eles falam é um cara que vem pra cadeia é mais ou menos do tipo do vagabundo então começa caguentando todo mundo vai contar pra polícia fica pesquisando a vida dos outros você entende a vida nossa Caguetagem você sabe existe em tudo quanto é lugar O elemento que vê uma coisa errada e dizer pro funcionário que aquilo está errado e aquele fulano está infringindo a leiO que acontece com um cara assim Geralmente pensase em vingança Procurase um meio de vingança Na verdade caguetas reconhecidos como tais existiam poucos e por serem rotulados reconhecidos por todos eram praticamente neutralizados em suas funções de delação Mas a caguetagem existia e a possibilidade de alguém um qualquer do grupo caguetar acabava por ser um elemento de restrição do espaço das infrações Mas não só o preso se sentia ameaçado pela caguetagem e tinha uma baixa consideração pelo cagueta O funcionário também desconfiava do preso que caguetava porque do mesmo modo que falava de um preso podia falar dele e prejudicálo Para o funcionário o cagueta podia ser útil mas não era confiável mas existe muita gentemas aí os próprios chefes de disciplina funcionários eles não gostam Se eu sou um cagueta eu estou caguetando aquele pro senhor acontece que noutro dia a senhor faz uma asneira e eu posso chegar para o superior e falar que o senhor fez isso isso Então eu já perdi toda confiança do senhor Mas não caguetar era uma regra fundamental do proceder da massa e não só regulava o comportamento do criminoso dentro da cadeia como também ultrapassava seus muros e regia o mundo do crime fora da cadeia Tratavase de uma regra de caráter abrangente diferente das regras anteriormente descritas que se restringiam ao âmbito da cadeia pois se referiam à massa num sentido mais amplo em relação à sociedade fora da cadeia Dentro dessa perspectiva os presos descreviam dois tipos de cagueta na prisão o primeiro tipo era reconhecido como o preso que caguetava porque tinha dificuldade de se relacionar com 48 outros presos e assumia esta atitude esperando obter melhores condições de vida dentro da cadeia embora percebesse o risco de ser alvo de represálias O segundo tipo de cagueta se definia como o preso que antes de entrar na cadeia ainda durante os inquéritos na polícia se portava de uma forma prejudicial aos seus companheiros e em geral era acusado de ter falado demais Na cadeia este preso considerado cagueta tinha problemas com os outros presos especialmente aqueles que se sentiam diretamente prejudicados por seus atos Ante as ameaças freqüentes de vingança o preso em geral optava pelas garantias existentes na cadeia para os que corriam risco de vida recorriam ao chamado seguro de vida ou seja o direito de ficar numa cela individual num local bastante vigiado pelos funcionários da cadeia em geral o pavilhão 5 e o 5o andar dos outros pavilhões Então quer dizer que tem cagueta lá fora e cagueta aqui dentro Qual é a diferença A diferença de um cagueta aqui dentro é a seguinte muitos não têm justamente não tem ambiente não sabem fazer o ambiente deles não tem jeito de fazer uma regalia gozar de uma regalia fora a regalia normal e tem que gozar uma regalia a mais Então começa a caguetar os outros Ele vê um companheiro fumando maconha ele vai lá e fala pro homem O homem vai lá e pune o cara põe ele numa cela Fala para quem Pro chefe de disciplina Fala pro chefe de disciplina Ele põe o outro na cela então ele vê o outro fazendo uma faca vai lá e diz fulano tá fazendo uma faca então vai lá apanha Todos aqueles que eles pegam fazendo uma faca na cadeia apanham quer dizer não sou a favor disso Um preso fazendo uma faca dentro da cela é prejudicar outro preso Não sou a favor disso sou contra então ele apanha então o cagueta o homem vai dar uma oportunidade pra aquele lá porque então ele fica solto aonde ele se faz Aquele que não tem condições de fazer um ambiente normal ele faz por esse lado o cagueta Esse é o cagueta da cadeia Mas lá fora ele nunca caguetou lá fora mas ele vai caguetar aqui dentro para fazer um ambienteAgora tem o cagueta lá fora ele rouba lá fora e cagueta lá fora mesmo Quando vem pra cadeia os caras que ele caguetou estão na cadeia Muitas vezes os caras matam ele bagunçam ele fazem ele pedir seguro de vida Tem isso também Tem Se você chegar a pedir pro homem seguro de vida o homem manda o cara pro 5 É o 5º andar do 5 É depois do assalto uns dias depois esse elemento veio pra cadeia Um tal de Saruca mas aí os jornais as revistas etc escrachou ele como cagueta Falou mesmo que foi ele quem caguetou É hoje ele está aqui no pavilhão 8 mas ele mora no 5º andar O 5º andar do pavilhão 8 é o lugar de seguro Todo elemento de seguro de vida com medo de morrer na cadeia mora no 5º andar Não porque eu nem meu companheiro de processo tivéssemos colocado ele lá mas pela própria malandragem Que um elemento que cagueta qualquer negócio não pode viver normal ou ele morre ou ele então tem que ir pro seguro Então ele fica no 5º andar no seguro Então ele tá sentindo na carne pela lei da malandragem o ato que ele cometeu de caguetar Agora no código da malandragem isso não pode acontecer Então ele fica no seguro Mas eu digo uma coisa esse elemento ainda vai morrer dentro de uma cadeia porque ele ficou manchado pro resto da vida dele Ele não pode viver mais dentro da sociedade e não pode viver dentro 49 do crime ele não vai encostar em nenhum malandro mais Quer dizer ele é um elemento queimado As reações dos presos à caguetagem variavam conforme o pavilhão da cadeia Nos pavilhões 8 e 9 conhecidos como fundão os atos de caguetagem além de serem considerados faltas graves no proceder da massa adquiriam uma dimensão especial na medida em que intervinham diretamente na convivência dos presos com as regras da cadeia que no fundão eram exigidas de forma rigorosa Esta atenção com o fundão explicase por serem estes pavilhões considerados pela direção da cadeia como os locais onde ocorriam contravenções possuir algum tipo de arma negociar tóxico brigar e por isso mesmo onde mais era necessário uma estreita vigilância Nesse sentido a caguetagem fundamental para o exercício da repressão merecia por parte da massa a punição maior Quem caguetava estava sempre correndo o risco de ser morto Na massa as atitudes tomadas contra o cagueta eram plenamente legitimadas e o preso que dava uma facada num cagueta mesmo sabendo que ia ser punido pelo sistema disciplinar da cadeia tinha certeza de que seria bem considerado na massa No pavilhão 8 quando descobrem que ele é cagueta ele já tem que subir para o 5º andar Ela já sobe pro 5º andar porque senão ele vai tomar uma paulada pode tomar uma facada Coerentemente os presos do fundão tendiam a enfatizar nas suas formulações uma rígida separação entre os presos e os agentes da repressão Essa ênfase tinha também sua função na percepção da caguetagem o pior que se pode fazer é um preso cuidar do outro em favor da polícia Polícia é polícia preso é preso Preso faz o serviço dele e obedece a polícia e tal mas não cede informação de preso à polícia se o preso fulano de tal estiver fazendo alguma coisa errada quem tem que descobrir é a polícia Então o supra sumo da indecência é esse é preso cuidar de preso Preso cuida da sua vida e polícia cuida da sua e do preso Então não compete ao preso dar informações à polícia sobre o que o fulano faz ou não faz No pavilhão 2 com relação à caguetagem as coisas ocorriam de modo diferente embora a regra do proceder fosse a mesma Os presos do pavilhão 2 eram considerados como tendo uma outra perspectiva de vida na cadeia a perspectiva de estar o mais rápido possível em liberdade Na verdade eram eles que tinham a oportunidade de preencher as poucas vagas de atividades para presos existentes na cadeia e portanto procuravam evitar qualquer problema que questionasse suas vantagens ou aumentasse o tempo de cadeia A caguetagem no pavilhão 2 implicava em atitudes por parte dos presos muito mais de evitação do que de agressão física ou algo semelhante Ninguém desejava se envolver com o 50 cagueta Tal atitude ligada ao fato de que era maior o contato com os funcionários da cadeia fazia com que os presos do pavilhão 2 fossem chamados pelos presos dos outros pavilhões de caguetas Naturalmente esta consideração não os ajudava mas para estas situações eram dadas várias explicações que negavam com insistência tal acusação Por aqui muitíssimo importante é aqueles três macaquinhos que fecham os ouvidos a boca e os olhos Tem que adotar a lei dos três macaquinhos Boa política com a polícia com os funcionários respeito consideração e ter o obséquio mas não permitir a ele nunca nos falar a respeito falar da vida dos outros Porque eu com todas as intimidades que o senhor pode perceber que eu tenho com o senhor X e com quase todos os funcionários antigos nunca dei a eles oportunidade de me perguntar o que o colega fulano de tal faz ou deixa de fazer Eles nunca me perguntaram isso eles mantêm esse padrão de respeito comigo porque sabem que são perguntas que eu não posso e não devo responder Então eles têm a decência de não me fazerem perguntas que eu não posso responder e eu não peço a eles coisas que não podem fazer nunca solicito a eles que me façam um obséquio que possa prejudicálos Por isso eles nunca me disseram não O preso que trabalhava em geral do pavilhão 2 que fazia um serviço burocrático na cadeia também se defendia da acusação de caguetagem dizendo que havia muita inveja dos presos do fundão ou então afirmando que tinha conseguido a posição porque batalhou porque tinha força de vontade ou porque estava a fim de sair logo Esses presos entendiam que quanto mais estreitos os laços de ligação com os funcionários com a diretoria maiores seriam suas chances de serem postos em liberdade de receber um parecer favorável num processo ainda em andamento na justiça além de outros privilégios Na verdade isto não significava que também entre os presos do pavilhão 2 não fossem seguidas as leis da massa As mesmas regras do proceder que serviam para os outros pavilhões serviam para o pavilhão 2 com a diferença de que a imposição dessas regras se dava de modo talvez mais brando Seria incoerência pensar que um preso que estava com a cabaça na rua em geral presos com penas mais leves quisesse matar um outro por qualquer problema e com isso aumentar sua prisão por mais tempo Nessa sentido a regra do não caguetar também existia no pavilhão 2 mas seu cumprimento ocorria em um outro contexto Agora no pavilhão 2 já é um pavilhão maneiro Então os caguetas nem são chamados de caguetas eles chamam de cabra aquele cara é cabra deixa pra lá e já no pavilhão 2 ninguém vai dar paulada ninguém vai dar facada Porque a maior parte já está tudo a fim de ir embora Mas tem aqueles pilantras que vê uma contravenção e já vai caguetar Mas a maior parte sabe que ele é cagueta e tal mas nem liga convive Agora quando cagueta e vai pro fundo aí ele se sente perdido se sente acuado é como cachorro que acua uma caça no campo então ele fica amedrontado e muda até de sistema 51 O malandro figura principal da massa No mundo do crime o malandro era a figura principal Ser malandro era ter adquirido uma série de características próprias de quem pertence à massa principalmente no que se refere à experiência e ao conhecimento de suas regras de procedimento Quando os presos qualificavam o malandro em malandro positivo e malandro negativo estavam se referindo ao contexto do procedimento ou das relações entre os membros da massa embora os presos tivessem restringido este aspecto às regras do proceder dentro da cadeia Aqui então o malandro era também malandro positivo por oposição ao malandro negativo e esta oposição reflete claramente o proceder que a massa exigia do preso O malandro positivo ou o bom malandro se caracterizava por cumprir as regras do proceder na massa era o que adiantava pro lado dos outros presos e assim se tornava uma pessoa benquista na massa O malandro negativo era imediatamente identificado como cagueta que só fazia prejudicar os outros que atrasava o lado dos outros e que pelo seu próprio proceder desrespeitava profundamente as leis da massa O malandro é um cara que é marginal nato mas aqui na cadeia ele tem um procedimento ele tem uma certa conduta Então ele é um cara que não cagueta Se ele pede 2 pacotes de cigarro emprestado ele paga certo Se ele é um camarada respeitável que veio da massa esse é o malandro Sabe o que acontece na cadeia tem dois tipos de malandro O malandro positivo e o malandro negativo que é o cagueta o cara que trouxe os companheiros pra cadeia Confirmei só aquilo e nada mais pra continuar sendo o José e não um safado cagueta na gíria da malandragem Quando os presos falavam sobre o malandro no contexto da prática do crime suas formulações se referiam à oposição entre o malandro e o metido a malandro Esta oposição tem como base uma hierarquia segundo o critério de conhecimento da massa do crime O metido a malandro era o preso que em geral por falta de experiência na vida da cadeia e ao mesmo tempo percebendo a relação que existia entre o conhecimento e o poder na massa chegava na cadeia e sentia necessidade de construir uma imagem perante os outros presos que lhe garantisse um mínimo de respeito e segurança além das vantagens de ser visto como verdadeiro malandro Ele procurava impressionar pela valentia precisava meter medo e provar que era malandro O verdadeiro malandro era considerado o preso que já tinha o domínio das leis da massa e não precisava ficar mostrando qualidades Ele tomava atitudes com segurança e por isso era respeitado O malandro mesmo é aquele que pratica a delinqüência assalto roubo tudo quanto é tipo de criminalidade Esse é o verdadeiro malandro 52 Tem o malandro o que é metido a malandro Como é que é Depende da pessoa Tem uns que não são malandros chegam aqui na cadeia querem levar uma pra impressionar pra meter medo O sujeito é primário e precisa Vou levar uma pra mostrar que sou malandro Mas o pessoal já conhece O cara chega aqui se transforma inteiramente Diz o que E fiz isso faz aquilo na rua troquei tiro matei Vai ver o prontuário dele não é nada disso A gente vê falando com a pessoa a gente nota vê que não é nada daquilo que está falando E o malandro mesmo como é que é Malandro mesmo é o perigoso A gente vê logo que ele não tem ele mata Se precisar matar o outro ele mata O sujeito faz uma bobagem ele mata Esse é o perigoso A turma aqui nós tiramos isso aí como uma pessoa ressabiada uma pessoa cismada Então ele chega aqui e ele fica com cisma porque ele vê contar que jeito que é a Detenção que eles contam lá fora Os que não conhecem falam Ah a Detenção é isso e aquilo muito perigoso os caras com qualquer coisinha faz e acontece Então eles ficam aqui com aquele temor aquele medo Então ele começa a contar façanha lá fora pra ver se ele entusiasma os que estão aqui pros caras ficarem falando ah esse cara de fato é malandro mesmo então não vai ser zuado É o que acontece mas normalmente não fizeram nada disso No contexto da relação com os agentes da repressão os presos se referiam à oposição malandro ou bom malandro e falso malandro ou mau malandro no sentido de mostrar o malandro como aquele que conseguia escapar dos castigos enganar a polícia e por isso ser respeitado por ela ou que permanecia sempre fora da cadeia A definição de malandro nesse contexto implica em considerálo capaz de lidar com os obstáculos às práticas da massa do crime O falso malandro por outro lado se caracterizava por não ser respeitado pela repressão e por estar sempre às voltas com a polícia ou a prisão Esse aí é o falso malandro É que eles falam que são bom malandro mas chega aqui está carregado que o bom malandro não está aqui não não vem pra cá Como que você classifica as pessoas aqui dentro Falso malandro porque atualmente não há mais respeito pela polícia ao malandro Atualmente aqui dentro existe a falso malandro O que é falso malandro Ser malandro agora você me fez uma pergunta é a primeira que você vai conseguir me embatucar Ser malandro não existe a palavra ser malandro Dizem que o carioca é malandro Ser malandro aqui é não pegar castigo driblar a polícia o bom malandro O mau malandro é o que tem complexo de superioridade e só vive na cela forte Em qualquer dos contextos em que os presos falam parece que a categoria existente é a categoria do malandro enquanto os outros termos verdadeiro malandro metido a malandro falso malandro etc se apresentam como adjetivações que confirmam ou negam a identidade de malandro Malandro se define por cumprir as regras do proceder entre malandros das quais a 53 mais importante era não caguetar ter experiência na massa ou ter prática no crime e saber lidar com a polícia Na verdade é como se os presos estivessem referidos em suas formulações a um modelo ideal de malandro que supõe a prática de muitos crimes a habilidade para escapar sempre da polícia e o cumprimento das regras do proceder da massa a não caguetagem a solidariedade para com os companheiros O malandro é aquele que vem pra cadeia não trouxe ninguém só trouxe aquilo que ele fez sem complicar os demais Então esse é o bom malandro malandro nota dez Quem está na cadeia é o que Otário veio pra cadeia Se estivesse na rua era malandro se está na cadeia é otário Quem está na cadeia é otário mas tem muito malandro lá que diz que é malandro mas disso aí eu não entendo muito bem dessa parte aí O que é Negócio de bom malandro bom malandro em que parte No geral o bom malandro é o seguinte é o mais conhecido por todos tem umas amizades cativa as amizades do outro que vem e outros mais Tem umas convivências aí de um carrega alguma coisa cada vez que manda o sujeito falar um negócio pro chefe da disciplina o que ele falou nenhum outro preso volta atrás Esse é o que É o malandro ele ativa os outros O malandro tem a possibilidade de ativar os outros mas eu acho que o bom malandro está lá fora O bom malandro é aquele que dispensa a sua humanidade para companheiro certo Está vendo o companheiro fazendo faxina todo dia vai lá e dá uma força ajuda Eu mesmo no outro xadrez que eu morava era meu dia de fazer faxina sozinho mas tinha sempre 2 ou 3 meus companheiros que sempre me ajudavam Quando eu via o outro fazendo também eu ia e ajudava Mas isso é mau malandro ele não tem nada de malandragem ele tem de ignorância nele falta princípio na massa Se ser malandro supõe idealmente escapar sempre à polícia e se todavia o malandro ideal deve existir para cada um como um modelo de identificação dentro da massa nada mais coerente que os presos justificassem a vinda para a cadeia por um fator alheio à sua responsabilidade em geral a traição ou o acidente No entanto esta justificativa não era necessariamente aceita e através da categoria fantasiado ou falso malandro alguém podia ver negado o status de malandro que reivindicava O fantasiado é aquele que é o seguinte ele veio para cadeia assinou uma pacoteira lá em cima complicou um monte de companheiros dele mas aqui na cadeia ele fala que foi beltrano que deu ele sicrano que deu ele Sempre dá uma desculpa pra aquilo que ele fez Está se fantasiando de bom malandro O falso malandro é aquele que é o seguinte ele nunca foi malandro ele praticou um assalto só deu um desacerto ele veio num flagrante pra cadeia 54 Chega aqui dentro bate no peito que é malandro mas na verdade ele nunca apanhou no DEIC não fez nada disso Os presos costumavam se utilizar também de outras categorias quando se referiam a um contraponto de malandro no aspecto relativo a saber ou não lidar com o mundo do crime A categoria cabeça fresca por exemplo traz importantes revelações sobre o aprendizado pelo qual passava o preso para se tornar parte da massa para ser reconhecido como malandro O moleque cabeça fresca era em geral definido como um preso classificado pelo Código Penal como primário bastante jovem mas com 50 60 inquéritos assinados e disposto a fazer de tudo para se tornar conhecido e respeitado na massa do crime embora ainda lhe faltassem as condições ligadas ao proceder para ser reconhecido como verdadeiro malandro Tem que saber fazer o ambiente e tudo Se quiser encrenca encontra encrenca em qualquer pavilhão Hoje em dia os primários que estão entrando aí é tudo cabeça fresca Entra uma gurizada de 17 18 anos com 50 60 assaltos Pode ver hoje em dia é tudo assim Tudo 18 19 anos pega a estatística aí é tudo 157 Assalto é o crime do momento Agora lá tem o problema lá tem moleque cabeça mais fresca Moleque que tem 20 30 inquéritos assinados ele quer fazer o nome dele Ele na rua não teve coragem de fazer o nome trocando tiro com a polícia ou então não assinou os inquéritos Então ele vem fazer o nome na cadeia Quando chega aqui a primeira coisa que ele faz é pegar uma faquinha fuma uns cigarrinhos de maconha então ele sai vendendo uma maconha com a faca dando cobertura pra ele mesmo e acha que é malandro e coisa e tal Qualquer negocinho que você chiar com ele o cara por exemplo compra um negócio mas não tem condições de pagar no dia em que combinou com ele acha que é motivo menosprezo pra ele já acha que tem que tomar uma atitude Então é por isso que ele classificam o pavilhão do fundo o 8 e 9 como que sendo barra pesada Este último trecho de entrevista revela alguns aspectos importantes que dizem respeito ao aprendizado A impressão que se tem é de que o início do aprendizado se dava nos pavilhões 8 e 9 ou o que parece mais forte ainda os pavilhões 8 e 9 funcionariam como uma espécie de introdução que eliminava para quase todos a possibilidade de sair da massa Quando o entrevistado fala do 8 e 9 como barra pesada por causa da falta de tato dos cabeça fresca na verdade o que parece ocorrer é de certo modo a ausência ou o cumprimento pouco correto das regras que faziam com que tais pavilhões fossem considerados barra pesada Outras classificações existiam pelas quais os presos identificavam os que apenas se iniciavam na prática do crime Uma das formas de hierarquização dos componentes da massa do crime se fazia justamente de acordo com a fase de iniciação ao crime vivida pelo criminoso As categorias loque e laranja se referiam ao período inicial da vida no mundo do crime e da cadeia 55 Ambas se opunham ao malandro servem a este dentro ou fora da cadeia não tinham conhecimento nem prática do crime Na cadeia não existia por parte da administração separação especial de presos segundo seus delitos Num mesmo xadrez podiam ser colocados presos acusados de assalto homicídio estelionato Portanto os presos que conviviam uns com os outros tinham graus e tipos de experiência que variavam enormemente O loque era o indivíduo que entrava pela primeira vez na cadeia e sofria na mão dos mais experientes Era o trouxa como diziam O loque acabava servindo aos outros de modo degradante Nos pavilhões do fundão era comum segundo os presos o loque ficar encarregado de fazer faxina lavar roupa pro malandro ou até servir de taxi de malandro o loque se abaixava e depois do outro subir às suas costas saia carregando o malandro para os locais desejados Como o que ocorria com as demais leis da massa os do pavilhão 2 diziam que o tratamento do loque não era uniforme em todos os pavilhões Tem o loque O loque é o trouxa é o sujeito que entra aí a primeira vez aí sofre Ele o cara que é trouxa no pavilhão 2 não porque aqui a gente respeita mas se cai num pavilhão do fundo ele vai fazer faxina limpar o xadrez lavar roupa pro malandro O laranja era definido como o loque antes de vir para a cadeia Os presos diziam que quando o malandro precisava de alguém para fazer a parte mais arriscada ou mais perigosa de uma determinada ação criminosa ele escolhia uma pessoa que não tivesse pleno conhecimento do perigo que estava correndo Quando chegava a polícia esta pessoa pouco ou nada sabia do que estava acontecendo e assim tinha pouco a dizer sobre os outros companheiros O laranja depois que vinha para a cadeia e aprendia como se deve agir na massa deixava de ser laranja e segundo os presos passava a procurar outros sem experiência para serem laranjas O laranja é aquele cara que fica na esquina eu passo um cheque deixo uma mala com ele e passo levo o dinheiro ele fica na esquina me esperando Aí passa a polícia e leva ele e ele está com 5 folhas de cheque feito Então ele dança de bobeira e entra então ele chega aí e fala eu não fiz nada eu não sei nem o que é isso aqui Aí depois que ele fica aqui aí ele diz também depois que eu sair daqui só porque a polícia me prendeu vou começar a passar cheque Quer dizer ele já sabia aí já não é mais laranja já é um laranja inteligente Aí ele vai arrumar mais uns laranjas quando ele está em liberdade Nesta época eu não sabia de nada também eu era como chamam um laranja O que é um laranja Laranja é que eu pegava os carros eu entregava os carros lá na agência o laranja quer dizer que aquele que eles pegassem primeiro era eu Por que chamam laranjas Laranja é assim tem o cabeça o cabeça é o chefão e o laranja é aquele que cercava ele que faz isto faz aquilo outro Olha leva este carro em tal lugar e se a polícia pegar é um laranja Quer dizer que como é que chamam trouxe a laranja a pessoa 56 está ganhando dinheiro nas minhas costas Este é que eu acho que é o laranja laranja porque abre joga fora apodreceu joga fora depois dá semente nasce outra flor outros pro lugar e assim por diante O falso bacana era uma categoria própria de vida na cadeia pois estava ligada a situações que implicavam na localização do preso dentro da cadeia a que pavilhão pertencia Na Casa de Detenção os presos do pavilhão 2 eram considerados pelos presos dos outros pavilhões como falsos bacanas Por que falso bacana Primeiro porque não havia bacanas na cadeira e depois pelas próprias características do falso bacana era um preso que procurava andar o mais bem arrumado possível Na verdade esta categoria assim como a de malandro falso magnata distinguia as pessoas ou os pavilhões através de elementos que simbolizavam riqueza e pobreza Assim como características da pobreza podiase perceber presos que andavam maltrapilhos a mulher que se prostituía lá fora o preso que na cadeia não tinha como arrumar dinheiro não tinha família nem visitas Simbolizando a riqueza o ter boas roupas poder emprestar dinheiro aos outros o ter roubado muito ter advogados fumar cigarros caros ser magnata Existem duas formas de perceber o falso bacana A primeira delas é pejorativa tem um tom acusatório e era reconhecida como vinda de quem em geral não estava no pavilhão 2 E tem o falso bacana que é o seguinte na rua ele não roubou muito mas o jornal escrachou O jornal pôs que ele roubou 3 bilhões 4 bilhões e então ele vem pra cadeia com a imagem que o jornal fez dele Então ele chega na cadeia ele não tem nada não tem nada na rua Se der um tiro não vai ter onde cair porque não tem nada Mas ele veio com o nome feito pelo jornal Então ele chega aqui na cadeia ele se põe numa boa camisa que ele comprou da triagem quando estava no DEIC os sapatos que ele tomou de um doente lá no DEIC compra uma calcinha de tergal aí na Casa tem a imagem do jornal você entende mas se você falar com ele preciso de 50 cruzeiros agora ele não tem pra te arrumar Sempre maneirando porque a família vai trazer na portaria que a minha noiva vem do Rio trazer muda pro pavilhão 2 e arruma serviço logo num lugar de destaque entendeu Então ele sempre sempre escrevendo cartinha pras namoradinhas dizendo que são advogadas dele esse é o falso bacana da cadeia Tem o malandro arrogante o falso malandro o malandro falso magnata O que é malandro falso magnata É o que conta muita vantagem diz que é dono de empresa que é dono de agência de carros Aquele que faz com que a própria mulher fique se prostituindo lá fora pra que no final da semana traga cigarro Hilton pra ele fumar O fato de fumar Hilton faz com que ele aja assim o que existe muito no pavilhão 2 come mortadela e arrota presunto Pensamento do ladrão que vem pra cá principalmente o primário que vem a primeira vez ele pensa em sair fazer um assalto assalto chamado milionário pra ganhar 300 500 milhões onde ele acaba voltando pra cá e volta volta volta e 57 é assim A maioria pensa nesse assalto milionário pra sair do estado sair do Brasil viver como magnata O ladrão é o falso bacana como se diz mania de ser bacana principalmente no pavilhão 2 Pessoas que lá não têm às vezes o que comer aqui eles botam uma roupinha limpa isso aquilo dão uma de doutor A maioria do pavilhão 2 Nos outros também tem isso Nos outros tem mais é pobreza viu mais a pobreza Uma grande parte não tem visitas muitos nortistas muitos como eu te falei não tem família mesmo Às vezes tem família mas a família nunca visita O preso do pavilhão 2 acusado de falso bacana argumentava contra esta acusação que lhe faziam Segundo ele tornavase quase obrigatório estar bem vestido pois o 2 era um local de circulação freqüente de visitas e de membros da diretoria Este jogo de acusações e defesas entre os presos dos pavilhões revela com mais clareza a contradição entre os presos que estavam com a cabeça na rua e os que permaneciam na vida do crime O preso do pavilhão 2 por suas condições de vida na cadeia precisava dar sinais de recuperação a qualquer custo já que disso dependia sua aceitação na sociedade Vestirse bem e manter boa aparência era sinal de quem queria se recuperar Na verdade nesta contradição estava em jogo também num sentido mais amplo o modo como a delinqüência era encarada pela sociedade fora da prisão A concepção de delinqüência sempre esteve associada às características dos grupos sociais mais pobres e na cadeia isto se repetia entre os presos O preso do pavilhão 2 precisava dar sinais de recuperação precisava portanto fazerse de bacana e reconhecer o delinqüente ou quem quisesse permanecer na vida do crime entre os presos dos outros pavilhões entre os quais apareciam as mesmas características dos grupos sociais mais pobres Como é essa história de falso bacana É o caso do pavilhão 2 A maior parte deles tem família e tal uns que se conhecem um funcionário que conhece o outro então vai ficando no 2 Andam de qualquer jeito qualquer roupinha pra eles que tiver no corpo está tudo certo Aqui não Aqui a turma faz questão de andar na linha e os outros presos lá andam trapilho Aqueles que tem condições de arrumar uma roupa na rua uma camisa uma coisa da rua eles arrumam Se não tem anda com a roupa da Casa mesmo A calça tem que ser tudo azul somente a camisa pode ser diferente No 2 não aqui é coisa diferente mais bacana então eles falam falso bacana que eles acham que se todo mundo fosse bacana como falam no 2 estariam lá fora não estariam na cadeia Bacana rico não vem pra cadeia a não ser alguns por motivos de revolta por sentimento que o resto não precisa Porque aqui tem 4 mil e poucos presos mais ou menos mas se eles fossem bacanas mesmo não estavam na cadeia Então eles são falsos bacana por esse motivo Lá não lá eles não estão nem aí É bola eles lutam capoeira lá tem curso de capoeira de boxe halterofilismo Não estão nem aí resolvido Quer dizer tem os mais chegados tem as visitas vão visitas lá Então no campo é tudo short bermuda à vontade No pátio não na seção onde a gente trabalha é tudo arrumadinho e tal não podem andar nem de bermuda nem de short que é pra visita não chegar e não é Por que o 58 cara quer ser bacana No pavilhão 2 Não é bem o cara que quer ser bacana é as circunstâncias onde ele se encontra o ambiente onde ele se encontra obriga Aqui mesmo nesse setor aqui o diretor aqui lá o sujeito acaba de jogar capoeira lá fica lá aquela roupa vem uma visita aí fica mal não é Administração da casa então a gente se sente obrigado a andar arrumadinho tem a copa dos funcionários cada pavilhão tem a copa dos funcionários Eu não vou trabalhar numa copa dos funcionários com uma roupa suja sapato sujo Apesar que é cadeia mas nós temos que ter um pouco de asseio No 8 no 9 no 5 a mesma coisa uns tem o guardapó branco outros o guardapó azul cabelinho cortado é essa a diferenciação As categorias vagabundo piolho e serrote ou mancha do xadrez rato de xadrez todas se opunham a malandro de uma forma negativa Cada uma delas expressava características que não correspondiam às características que compunham o modelo ideal de malandro Ao pensar estes tipos pejorativamente os presos estavam portanto confirmando este modelo No caso do piolho isto se dava porque o piolho mesmo sendo um preso que já tinha bastante conhecimento do proceder exigido pela massa estava sendo constantemente pego pela polícia Piolho é que já teve várias passagens já está tarimbado já conhece chega aí como vai fulano tem uma moquinha aí é esses já são piolhos As categorias serrote mancha do xadrez ou rato de xadrez se referiam à vida interna do xadrez e eram usadas para designar aquele que roubava de outro preso dentro do seu próprio xadrez Existe também o caso do maço de cigarro que anda O senhor deixa o cigarro aqui e vem o serrote O serrote que a gente diz é o mancha do xadrez o rato do xadrez Então o senhor deixou o maço de cigarro lá e foi tomar um banho Se enxuga e tal e quando volta cadê meu maço de cigarro Aí o outro que já foi levado na caixa de fósforo diz vai ver que ele foi dar umas voltas por aí Mas para se pegar o mancha a gente deixa um outro maço aí ele acostuma Então existe lá no 8 quando se pega a pessoa com o maço cheio e novo que é o mancha do xadrez e diz olha você vai ficar barraqueiro do xadrez não precisa mais fazer isso todo dia tem dois maços pra você fumar tá bom Tá bom Acabou acabou porque a coisa mais feia aqui dentro é essa A concepção de vagabundo se opunha à concepção de malandro na medida em que por vagabundo designavase um preso que não roubou para vir para a prisão e roubar é o traço básico do malandro A descrição de vagabundo em geral correspondia à de um mendigo ou desempregado que a polícia pegava e mandava para a cadeia e não tinha ligação com a massa do crime Para os presos o malandro era o cara que é profissão marginal que vinha para a cadeia porque a polícia traz enquanto o vagabundo arruma um jeito de vir pra cá 59 Percebese nesse caso novamente a reprodução da ligação que existe na sociedade entre delinqüência e pobreza o vagabundo não era considerado como parte da massa pelos presos mas se enquadrava na classificação de delinqüência acionada pelo aparelho repressivo O vagabundo é o cara que é o seguinte isso é a definição daqui da cadeia Ele vem pra cadeia porque gosta da cadeia O marginal vem pra cadeia porque a polícia traz agora o vagabundo vem pra cadeia porque gosta da cadeia Tem cara que se sente bem aqui se acomoda vive uma vida aqui dentro Tem caras que se ambientam que procuram levar uma vida aqui dentro por causa das circunstâncias É esse o caso do malandro cara que é profissão marginal certo Então o vagabundo é o cara que lá fora não quer roubar não quer fazer nada e às vezes arrumam um jeito de vir pra cá Mas sabe o que acontece isso aí é outro caso simples Tem mendigo que vem preso pra cá Eles ficam lavando carro aí nos pontos geralmente o bacana chega ele diz eu vou lavar o carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor O bacana deixa o carro aberto mas o bacana foi pro baile foi pro restaurante a polícia passa e vê o cara lá dentro do carro que você tá fazendo aí Ah estou tomando conta Flagrante O que foi ah ele estava roubando o carro do moço então ele vem pra cadeia Chega aqui é condenado às vezes absolvido vai embora pra rua ele continua no mesmo lugar Então quer dizer o cara ali tomando conta do carro pra mim não é um serviço seguro porque já aconteceu a primeira vez com ele se ficar ali pode acontecer a segunda e a terceira Então eles falam que o cara é vagabundo que estava lá e que quer voltar pra cadeia Apesar que tem um caso desses aí que passam fome mesmo na realidade na rua que não é todo dia que os tem carro pra tomar conta tem carro pra lavar ali e que vai sair um dinheiro que dá pra ele comer Pode ganhar hoje amanhã não ganha Então a massa fala Se ele for roubar ele vai roubar dinheiro Ele pode vir pra cadeia ele roubou dinheiro ele fica comendo aqui o governo paga O governo dá a alimentação então eles fala que é vagabundo O juiz de xadrez e o funcionário disciplina e crime na cadeia O termo juiz de xadrez designava uma posição ocupada por um preso escolhido entre os presos de um mesmo xadrez para desempenhar determinadas funções O juiz de xadrez ao mesmo tempo em que era visto como um preso com capacidade para ensinar aos companheiros como se comportar frente às regras do sistema carcerário exercia também a função de elemento doutrinador do outro conjunto de regras que existia na cadeia as leis da massa Tornavase um dos principais componentes da massa na cadeia em função de ser o depositário das regras do proceder Mas o juiz de xadrez não tinha poder para punir os infratores também não tinha esse poder com relação às regras do sistema carcerário já que as infrações as contravenções eram detectadas e punidas 60 pelos funcionários da administração da cadeia sem sua intervenção A hipótese de um juiz de xadrez informar a administração sobre infrações cometidas pelos companheiros não era sequer admitida pelos presos O juiz de xadrez era pois o ponto de contato entre os dois sistemas de regras Sobre a massa o juiz orientava no modo de proceder dos presos uns com os outros Por ter mais experiência e conhecimento da prisão ensinava como um preso devia agir frente a determinadas situações concretas A cada pequeno deslize no proceder o preso ficava sujeito a receber uma repreensão do juiz de xadrez que tinha legitimidade para tal Por outro lado fugir às recomendações do juiz de xadrez colocava o infrator à mercê das sanções preconizadas pela massa independente de qualquer interferência do juiz de xadrez O termo designativo da posição carregava pois de forma analógica a noção que tem o mesmo termo no sistema judiciário o juiz interpreta e proclama as prescrições da lei mas não executa sentenças Esta atitude o juiz de xadrez a assumia tanto em relação às regras do sistema penitenciário quanto com relação às regras da massa A indicação do juiz de xadrez partia da administração da cadeia através dos chefes de disciplina e a escolha recaia sobre o preso mais velho do xadrez À primeira vista este critério pareceu associado à idade do preso quanto mais idoso maior experiência maior conhecimento das coisas da cadeia de sua regras e dos limites dessas regras A idade ofereceria a status necessário para que o administrador do xadrez fosse respeitado pelos outros presos Mas o critério não funcionava assim e a idade do juiz de xadrez se referia ao tempo de vida na cadeia e à experiência adquirida durante esse tempo O juiz de xadrez era o mais velho do xadrez no sentido de que era o preso com mais tempo cumprido no xadrez além de ser o que melhor conhecia o modo de comportar do preso diante dos funcionários e diante dos outros presos entendendo que eram dois contextos distintos Chefe de cela é uma coisa porque chefe da cela geralmente é o mais velho da cela pode ser o mais fraco entre os presos mas é respeitado porque é o mais velho Isso é uma lei aqui dentro Pode ser o mais raquítico da cela que por ser o mais velho é o chefe juiz do xadrez O juiz de xadrez é geralmente o mais velho O cara que mora mais tempo no xadrez Por exemplo eu tem um outro que chegou há mais tempo no xadrez eu cheguei aqui depois dele eu sou o segundo Então ele sai e eu fico tomando conta A responsabilidade ali de alguma coisa sou eu Qual a função do juiz de xadrez A função dele é ver a roupa o dia da faxina do cara qual é Tem um outro que mora comigo e tem na faxina a faxina tá certa Você não fez a faxina direito e os outros vão falar alguma coisa e eu sendo juiz de xadrez tenho que tomar alguma providência Você faça a faxina direitinho lava direitinho lava a louça lava tudo em seu dia Então o serviço dele é esse aí 61 Então tem 12 no xadrez Agora tem o mais velho do xadrez Ele responde perante a polícia pelas coisas erradas que acontecem no xadrez Por exemplo acontece um negócio no xadrez eles requisitam o juiz de xadrez pra ele falar pra ver se ele viu se ele sabe quem fez quem não fez O juiz de xadrez era indicado pela administração da cadeia mas não colaborava com ela Fazia questão de se definir como preso com uma posição bastante clara perante seus companheiros Não compactuar com funcionários tinha o significado claro de evitar acusações do tipo estar fazendo o jogo da polícia estar vigiando os próprios companheiros e principalmente estar negando o papel de depositário das leis da massa O juiz de xadrez zela pelo bom nome do xadrez O que de pior podia acontecer em um xadrez era este ser considerado manjado pela polícia Nesses casos as blitzs policiais se realizavam a qualquer hora sem aviso prévio e fazendo com que os presos do xadrez perdessem o sossego O juiz de xadrez procurava evitar esse confronto tendo por isso legitimidade para chegar junto ao chefe de disciplina do pavilhão e pedir a transferência de um preso para outro xadrez quando este estava chamando os olhos da repressão para o xadrez Esta atitude do juiz de xadrez não era vista como caguetagem e na verdade significava a preservação da massa enquanto tal Não chamar a atenção da polícia significava preservar as leis da massa não misturar as coisas de preso com as coisas da polícia A posição do juiz de xadrez não traz dúvidas quanto à sua posição a favor do preso mas era uma posição limite de contato entre um mundo e outro mesmo com os contornos do papel já definidos Chefe de cela como é que é Não tem juiz de xadrez Aquele lá é a pessoa designada pelo chefe de disciplina por exemplo a pessoa que já é mais antiga naquele xadrez Então ele tem que zelar pelo xadrez manter a ordem e o respeito pra não haver muita bagunça essas coisarada contravenção dentro do xadrez Quer dizer ele é um segundo cabeça responsável depois do chefe de disciplina Então pra evitar todos esses aborrecimentos essas conversas essas coisinhas que eles costuma levar para o chefe de disciplina reclamação que não deixam ele dormir que fica mexendo com ele que fica zuando ele fazem todas aquelas coisaradas quer dizer então o chefe de disciplina é obrigado aliás o juiz de xadrez é obrigado a ver tudo pra ver se a pessoa tem condição de permanecer naquele xadrez ou não Se não tiver então ele comunica ao chefe de disciplina então ele é transferido de xadrez Mas o juiz de xadrez não é sempre o que manda no xadrez É o juiz de xadrez o mais antigo do xadrez o mais antigo do xadrez Se criar caso dá briga É existe a blitz existem todas essas coisas Porque a coisa mais triste dura aqui é o xadrez manjado visado pelos funcionários porque geralmente tem cisma aqui dentro do xadrez existe 62 contravenção a toda hora Aí não tem hora deles darem batida Às vezes a gente está dormindo sossegado está descansando às vezes é uma parte a gente não mexe mas paga por aqueles que mexem Então é obrigado a ficar se sujeitando a tudo sem às vezes dever Ah juiz de xadrez Juiz de xadrez tem o mais velho Sempre o mais velho é o juiz de xadrez E este cara era o juiz de xadrez no teu Era o juiz de xadrez agora está no 5 Mas sempre tem pelo seguinte por exemplo eu faço um negócio errado aí então o juiz de xadrez diz que isto não está certo morar lá por causa disto e disto o senhor muda ele pra outro xadrez aí o chefe de disciplina toma as providências cabíveis por parte dele Ele chama o fulano fulano vamos mudar de xadrez e tal porque o pessoal acha que não está gostando de você você muda pra outro xadrez Tudo certo Mas se o cara não vai se adaptar em lugar nenhum tem que vir aqui pro 5 Não se adapta no 8 não se adapta no 2 ele tem que vir pro 5 Se alguma coisa está acontecendo no xadrez o juiz de xadrez tem que ele é o primeiro encabeçando a chefia tem que tomar as providências cabíveis pra não haver problemas depois com os demais então ele é o encarregado disso aí eu não falo que ele faça como se fala caguetar Falar fulano está fazendo isso lá não sei que Por exemplo nós aqui temos um negócio Ninguém sabe de nada ninguém viu nada Isso é regra entre nós pelo seguinte eu não falo no negócio de um bronca muito alta aí porque vai prejudicar todo mundo até os funcionários Aí nós somos obrigados a chegar e falar com o diretor falar com o chefe de disciplina falar com o funcionário pra tomar as providências Os nossos problemas ficam entre nós mesmos Eu não posso chegar e falar fulano fez isto Por que eu vou falar Vou ficar mal visto entre meus companheiros Os funcionários ocupavam um lugar importante no discurso dos presos sobre a cadeia Basicamente quando se referiam aos funcionários colocavamnos em oposição aos presos como representantes do sistema penitenciário como agentes legítimos e diretos encarregados da manutenção das regras do sistema que representavam Esta designação genérica não acarretava inexistência de distinção entre uns funcionários e outros nem excluía a percepção de uma certa identidade entre funcionários e presos como carcereiros e encarcerados As distinções se faziam tendo em vista a hierarquia do posto ocupado no corpo administrativo da cadeia o tipo e a proximidade do contato que os funcionários mantinham com o preso a função que exercia e finalmente a atitude que assumia com relação aos presos e aos fatos que ocorriam na cadeia A hierarquia dos postos ocupados pelos funcionários fazia com que na avaliação dos presos os mais graduados os que ocupavam cargos de direção ficassem mais protegidos de acusações e valorações negativas Entre estes destacavase o coronel diretor da cadeia De fato era comum 63 um preso falar dos funcionários de forma pejorativa demonstrando que a interferência dos funcionários prejudicava sua vida No entanto quando se referia a algum membro da diretoria sua tendência era de elogiar ou justificar as atitudes desses funcionários na cadeia Os funcionários a maior parte se você fizer uma pesquisa não tem o primário A gente tem que ensinar eles Não é o caso da diretoria que são pessoas que tem condição de exercer o cargo Mas os funcionários que tem que nos reeducar são piores que nós A maior parte são de Itu Taubaté e você não sabe nem o que pode esperar deles nem dialogar pode A competência para o cargo o grau de instrução o lugar de procedência expressam nesta formulação a distinção valorativa que acompanhava a hierarquia dos postos Distinções valorativas no mesmo sentido se faziam entre os funcionários conforme o tipo de contato e o grau de proximidade que mantinham com os presos aqueles que lidavam mais diretamente com os presos seja no setor burocrático seja na parte disciplinar eram identificados pelos presos como policiais Na verdade os funcionários desempenhavam funções de polícia na cadeia Existiam para vigiar e vigiar acima de tudo os locais considerados mais perigosos dentro da cadeia Significativamente tais locais na cadeia guardavam com relação aos locais considerados perigosos fora dela as mesmas características de pobreza A função dos funcionários não se restringia a vigiar os presos para que se mantivessem dentro das regras disciplinares estabelecidas pelo sistema penitenciário mas era também de punir castigar os infratores destas regras exatamente como fazia a polícia Mas tornase também necessário perceber as diferenciações que se fazem entre estes funcionários que lidavam diretamente com os presos havia por um lado aqueles funcionários incumbidos de cuidar essencialmente do aspecto disciplinar e por outro lado os funcionários que desempenhavam outras funções especialmente as burocráticas embora também exercessem o papel de vigiar os presos Do funcionário que vigiava e punia os presos ressaltavam as semelhanças negativas que tinha com a polícia Referiamse principalmente aos métodos utilizados para arrancar confissões dos presos acusados de cometer alguma contravenção considerada mais grave Para o preso que não falava sobre os outros eventuais participantes da infração eles abriam essa lei do silêncio com umas carícias que eles têm Os funcionários daqui a gente chama de polícia é polícia Já teve pau aqui dentro de nego perder perna braço clavícula não é brincadeira Em qualquer contravenção É as contravenções mais pesadas bronca de faca bronca de maconha então aí já complica já tem aquela acareação mais pesada é uma acareação com carícias mas os fatos mesmos são resolvidos pelo chefe de disciplina os carcereiros chefe de seção mas quando já é uma contravenção mais pesada então já implica outro tratamento outro carinho que é aqueles carinhos pesados 64 Entretanto não apenas sinais negativos eram atribuídos aos funcionários quando pensados como policiais Os funcionários apareciam também com a função de proteger os presos Esta função também era coerente com a definição que se tem da polícia ela vigia todos pune os infratores e protege as potenciais vítimas dos infratores É nós chamamos funcionários sempre de polícia É polícia porque a realidade é essa eles estão nos policiando estão nos vigiando porque é a função deles nos vigiar em todos os sentidos vigiar para nós não ficarmos sem comer para nós não fugirmos não pularmos o muro não darmos facada em ninguém não levar facada de ninguém eles estão aí para isso E a gente ressalvando as responsabilidades estabelecendo um nível de respeito há aqui determinados funcionários que eu trato por você tu com determinada liberdade mas isso não é desrespeito E nunca tive problema com funcionário nunca recebi castigo terceira vez que estou na Casa e nunca tive um castigo e nunca levei um tapa nem nunca dei um tapa num companheiro nunca tive um problema em qualquer pavilhão Antes da outra vez que estive aqui eu tinha trânsito livre em todos os pavilhões em função do trabalho que eu fazia que era serviço de manutenção então eu ia em todos os pavilhões inclusive ia sem escolta Outro aspecto da relação do preso com os funcionários diz respeito à principal regra do proceder na massa o não caguetar Na verdade o que aqui se coloca é a avaliação dos presos de acordo com a proximidade que eles mantinham com os funcionários Se se pensa em termos das diferenças entre os pavilhões no fundão os funcionários por estarem mais ligados à parte disciplinar de repressão eram vistos como inimigos da massa Por esse motivo qualquer contato de preso com funcionário era imediatamente qualificado como um ato de caguetagem A oposição presofuncionário era mais acirrada e por isso acusações de caguetagem eram muito graves No pavilhão 2 os funcionários mesmo sendo reconhecidos em sua função de vigiar mantinham com os presos uma relação um pouco mais amena Por essa razão os presos do pavilhão 2 eram chamados de caguetas pelos presos dos outros pavilhões Isto se devia ao contato diário que o preso tinha com o corpo de funcionários especialmente no setor de trabalho burocrático A caguetagem considerada como a pior infração às regras do proceder também o era no pavilhão 2 embora o relacionamento direto com os funcionários não pudesse ser evitado Em alguns casos setores da burocracia da cadeia eram dirigidos por funcionários e compostos de presos Mesmo sendo acusados de caguetagem os presos do pavilhão 2 também seguiam as regras do proceder na massa mas justificavam o relacionamento com os funcionários em função das vantagens que podiam advir dessa relação como por exemplo uma libertação mais rápida e a 65 prova de que estavam se esforçando para se recuperar O modo como os presos do pavilhão 2 rechaçavam a acusação de caguetagem se expressava na oposição formulada por eles entre os que fizeram opção pela recuperação e os que se resolveram pela vida do crime Eles chamam aquilo de polícia mas não é polícia é guarda de presídio é funcionário é funcionário Eles chamam o funcionário de polícia Aqui dentro o funcionário é considerado polícia Qualquer funcionário Qualquer um E quem trabalha com funcionário Nós que trabalhamos com os funcionários somos os que menos damos problemas nunca sai briga Perigoso são os outros que vem de fora eles não sabem de nada mesmo também se souber eu não quero saber de nada eu estou na minha Não tem uma história de que preso que conversa com funcionário é cagueta No2 não deve ser assim Não lá devido à ignorância é considerado mas não é nada disso Quando eles vierem pra cá talvez um dia reconhecerem que aqui é a melhora deles eles vão ver que não é nada disso Como eles consideram Consideram caguetas Você acha que estar conversando comigo vai trazer problema pra você depois Não talvez não pelo seguinte devido ao tempo que eu já me encontro na cadeia e eu nunca deixei dúvida quanto a isso Então eu tenho um ambiente formado que não vai deixar margem às dúvidas Mas sujeito que conversa muito com funcionário é sinal É sinal de que já tá entregando quer dizer no 2 é mais difícil Ter isso porque aqui o elemento luta trabalha ele não tem tempo pra ficar olhando a vida de ninguém certo Finalmente os presos distinguiam os funcionários pelo que poderia aparecer como sendo atitudes individuais Alguns funcionários eram bem vistos pelos presos porque se preocupavam em ajudálos Se o funcionário faz é para o bem dos presos o funcionário é bem visto e o preso também é mas se o preso tiver ligação com funcionário e o funcionário atrasar e punir e prejudicar outro preso nem o funcionário nem o preso é bem visto Entretanto estes estavam em geral localizados no setor burocrático da cadeia Os funcionários que exerciam funções especificamente disciplinares eram sempre mal vistos e segundo os presos só existiam para atrasar punir e prejudicar outro preso Ou seja novamente a avaliação positiva ou negativa acompanhava em última instância as funções que os funcionários exerciam Para chegar a uma conclusão do que eram os funcionários na concepção do preso é preciso considerar além do que foi dito sobre vigiar punir proteger ser representante das regras da cadeia convém refletir sobre a seguinte formulação o cagueta que cagueta preso cagueta funcionário Se eu tiro 10 anos de cadeia o funcionário tira 5 porque ele entra aqui só sai de noite porque ele entra aqui 6 horas da manhã e só sai às 6 e meia da noite então enquanto eu 66 tiro 10 anos aqui ele tira 5 Quer dizer ele é metade do preso também Então sempre tem uma coisa que o funcionário não pode fazer ele também devido a humanidade dele e talvez muitos casos aconteceu por necessidade porque preso não vai sair daqui pra ir buscar um Está aqui pra não fazer nada certo Ou seja ao falar do cagueta e talvez para enfatizar o caráter negativo deste os presos chegavam a minimizar por um momento a oposição mantida em todos os outros contextos entre funcionários e preso Ao fazêlo introduziam novas dimensões da percepção que tinham do funcionário é metade preso também ou seja mantinham com o preso uma certa identidade de situação podia até adiantar o lado do preso devido à humanidade dele Ao realizar a oposição presofuncionário faziase necessário ressaltar o cagueta como o inimigo comum Por outro lado a oposição presofuncionário na verdade expressava um aspecto da relação que não implicava só oposição e conflito mas também identidades deveres mútuos e hierarquia eu respeito eles como autoridades e eles me respeitam como detento certo E a gente ressalvando as responsabilidades estabelecendo um nível de respeito há aqui determinados funcionários que eu trato por você tu com determinada liberdade mas isso não significa desrespeito Outro aspecto a ser ressaltado na relação dos funcionários com os presos dizia respeito às contravenções e os castigos na cadeia As regras de disciplina da cadeia mantinhamse de várias maneiras e as sanções para infratores dessas regras também variavam conforme o que se considerava grave em termos de infração Na cadeia as infrações eram chamadas de contravenções Existiam muitas formas de contravenções e as principais puderam ser detectadas principalmente aquelas que implicavam em castigo mais severo Os castigos se definiam pelo tipo de contravenção cometida A decisão sobre o castigo era tomada por qualquer funcionário que constatasse uma contravenção mas a definição do castigo tempo tipo de cela percebiase como atribuição do coronel diretor da prisão Contravenção na cadeia prendeu é castigo Porque contravenção na cadeia é castigo por ordem do coronel diretamente Não precisa nem de comunicação nem falar com ele o carcereiro assina o chefe de disciplina assina o diretor determina quanto tempo de castigo ele vai pegar As contravenções que implicavam em desrespeito a funcionário em não dar atenção a ordens de funcionários eram punidas com um período na triagem Um pouco mais graves eram consideradas as contravenções que implicavam numa briga dentro do xadrez ou em atividades proibidas do tipo jogo a dinheiro ou a manutenção de objetos com algum valor dentro do xadrez 67 que eram encaradas como causadoras de agressões e às vezes morte Graves também eram consideradas as infrações do tipo portar alguma arma faca estilete e fazer uso dela numa briga como também o fato de traficar ou possuir tóxicos As contravenções mais graves eram punidas com período de confinamento mais ou menos longos na isolada e na cela forte A triagem era descrita como uma cela que existia em todos os pavilhões sem qualquer móvel nem mesmo uma cama assumindo uma importância maior no pavilhão 2 por ser o local onde os presos novos passavam a primeira noite na cadeia antes de serem distribuídos para os outros pavilhões Todos recebiam apenas uma manta para dormir A isolada localizada no pavilhão 5 caracterizavase por ser uma cela individual também sem móveis onde ficavam os presos que por terem cometido contravenções consideradas mais sérias ficavam completamente isolados dos outros se tornando alvo constante da repressão da cadeia A cela forte que existia principalmente no fundão ou nos pavilhões onde se considerava que ocorriam mais contravenções era descrita como uma cela pequena escura onde eram colocados 3 ou 4 homens sem nenhum móvel nem mesmo uma coberta para dormir Segundo os presos não havia condições nem de esticar o corpo e esta aglomeração parecia constituir um dos elementos do castigo Como é que é a cela forte Cela forte é uma cela pequenininha quadradinha dá um por um dizer e ali costuma ali não tem que ali não entra coberta não entra nada é um castigo mesmo É que nem uma solitária É o tipo de uma solitária e ali às vezes costuma conforme a época de ficarem 3 4 dentro Não tem condição de se esticar a perna Como é que é a isolada É um xadrez também individual no pavilhão 5 limpo não existe nada lá dentro e o cara tira o castigo dele ali Em geral dá sempre 15 20 30 dias E a triagem que você falouA triagem é castigo pequeno desrespeito a funcionário coisinha simplesO que é triagem A triagem é um xadrez de castigo que existe no pavilhão 2 que existe a cela forte mas foi censurada mandaram tirar Então tem esse xadrez que eles chamam de triagem que é onde recolhem a turma que vem do DEIC vem de fora então eles passam a noite ali pra no dia seguinte ser distribuídos então é considerado como uma triagem Então esses que sofre um castigo leve aí então passam uns dias lá 10 15 dias uma semana porque a triagem por exemplo um funcionário chama a atenção de um preso e às vezes o preso faz que não escuta ou às vezes o funcionário diz pra não passar de tal lugar ou não fazer isso e ele faz então isso aí é uma triagem comum 10 15 dias Agora a isolada já existe mais agressão uma briga dentro do xadrez ou se pega com baralho ou se pega comBaralho não pode porque Não pode É porque muitos com baralho já começam a jogar dinheiro e dinheiro na cadeia cresce os olhos e na mão onde existe dinheiro existe às vezes morte então pra evitar essas coisas eles censuram isso que nem o rádio também É proibido usar Rádio dentro da cadeia não pode usar 68 Por que Não pode tudo devido ao roubo porque dentro de um xadrez se o cara largar um objeto lá um outro distraiu vem e pega e então já forma aquela guerra Então pra não estar dando essas dores de cabeça esse aborrecimento pra diretoria chefia essas coisaradas então eles proíbem Então quer dizer que evitando isso evita muitas coisas E a solitária como é que é A cela forte por exemplo já é caso se o cara é pego com faca se dá uma facada no outro ou se é pego com tóxico qualquer coisa com contravenções que não pode ser quer dizer então que esse aí já vai pra um castigo mais severo Quando o sujeito faz uma contravenção ele vai pra onde Tem a triagem em todos os pavilhões tem a triagem Aqui no 2 quando há um castigo mais severo às vezes fica uma semana duas semanas na triagem é castigo não tem cama nem nada só vai a manta quando chega Então a pessoa fica lá dois três meses Lá é esse cimento aqui pra ver se aprende então dáse aquela colher de chá Aí faz a segunda vez na terceira então vai pra cela forte Tem isolada também Existe no pavilhão 5 O que é pior a cela forte ou a isolada Olha nenhuma delas são boa mas se o senhor perguntasse se eu preferisse isolada ou cela forte eu já respondia nenhuma delas mas pra aquele que faz uma contrariedade muito braba é preferível ir pra cela forte do que para a isolada Na isolada ele fica isolado de todos só sai pra levar a debulha como se diz Debulha é o pau É O castigo servia também para diferenciar os presos na cadeia Cada preso possuía uma ficha no setor de expediente e em princípio qualquer contravenção mas principalmente se considerada entre as mais graves era suficiente para que o preso ficasse impossibilitado de exercer uma série de atividades O preso que tinha ficha sem contravenção tornavase sempre preferido dos funcionários no momento de alguma regalia como por exemplo um trabalho ou o deslocamento para um pavilhão melhor Os presos diziam que só conseguia trabalho na cadeia quem tinha bom comportamento Esse argumento era utilizado sobretudo pelos presos do pavilhão 2 que assim procuravam se diferenciar daqueles que eram vistos como já tendo feito opção pela vida do crime Essa turma daqui mesmo pra já estar no 2 pra trabalhar numa seção que nem nós trabalhamos é pessoa que tem uma ficha branca demonstra castigo nenhum na Casa porque se a pessoa for uma pessoa que já tem castigo na Casa falta na Casa então não tem condições pra trabalhar num setor assim e nem tampouco morar no pavilhão 2Vocês são considerados o que Bom comportamento 69 Mundo do crime e trabalho recusa de uma barreira intransponível As categorias trabalho e mundo do crime ou vida do crime são fundamentais na representação dos presos sobre a cadeia Referiamse a situações distintas de suas vidas na prisão Estar no mundo do crime ou na vida do crime significava estar ilegitimado em virtude da acusação de infração aos códigos e leis Neste contexto trabalho representava a via de retorno à legitimidade social a possibilidade teórica de recuperarse A trabalho estavam associados família amigos visitas esforço de alfabetização e instrução espaço ocupado na cadeia Tenho impressão que isso aí é formação educação dos pais desde pequeno Os pais podem ser pobres mas se desde pequeno colocam na cabeça do garoto que ele tem que estudar tem que trabalhar não deve roubar isso e aquilo a criança vai se criando naqueleÉ pobre vai ganhar o salário mínimo mas sendo pobre deixando de lado o filho brigando deixando sem estudo sem nada se cria abandonada a criança vai acabar roubando Então tem uns caras que estão aqui dentro não quer saber de nada mesmo só que saber de não vive bem com ninguém e vive mal com deus Tem sim mas isso aí são bastantes fatores Às vezes o cara não tem visita de ninguém não tem ajuda de ninguém o cara é fumante e não tem cigarro essas coisas Se no contexto da oposição entre mundo do crime e mundo do trabalho a recuperação era um valor positivo para os presos como explicavam o fazerem parte do mundo do crime Os presos entrevistados se consideravam no mundo do crime por descuido ou acidente e se auto definiam como parte deste mundo embora afirmassem enfaticamente que sempre trabalharam ou seja sempre mantiveram laços visíveis com o mundo do trabalho Estes presos procuravam se colocar entre os recuperados pela cadeia Até hoje eu sou trabalhador mas eu acho que foi por causa das circunstâncias da vida como se fala levar e roubar porque realmente um bom ladrão assalta como um assaltante nunca mata e também nunca fere alguém só assim num caso obrigado mesmo Outros presos eram considerados como já tendo feito opção pelo mundo do crime e portanto colocados na posição de quem não tinha recuperação ou não tinha condições de trabalho fora da cadeia Tem muita gente que sai daqui na sexta e na terça feira chega de volta Por que Ele só quer delinqüir Este daí não tem recuperação muitos que não tem chance Vai embora volta vai embora volta Às vezes uma pessoa que chega com um inquérito aqui banal não consegue ir embora Por que tem esse pessoal que vai e volta A vida deles é esta delinqüir não tem coragem de trabalhar coragem de eles querem delinqüir e a vida deles é 70 esta mesmo O caminho o objetivo deles é este é roubar não tem outro objetivo Analisando os instintos da pessoa e através das suas conversas e nessas conversas se vê que ele não quer ser reeducado ele não quer nada com a sociedade entendeu Ele não quer ser reintegrado socialmente então se vê que ele é uma pessoa de maus princípios Então se pode dizer que é um elemento ruim um elemento baixo Ao procurar afastarse deste mundo mundo do crime o preso se refere à ligação com o trabalho e a família Assim se defronta com a ideologia da sociedade tentando exatamente afirmar para si aquilo que a sociedade lhe negava Trabalho e família são indicadores de recuperação Ele afirma sua ligação com esses dois valores embora consciente da dificuldade que a sociedade impunha ao expreso Uma base de uns 20 estão recuperados e outros pretendem se recuperar e esperam apoio lá fora Tem muitos que dizem quando eu sair daqui eu vou lutar se eu tiver apoio senão eu me desvio Inclusive tem um no xadrez que era polícia foi guarda muitos anos lutou lutou depois foi destruído foi pra vida do crime Aqui dentro está recuperado então ele diz saindo lá fora eu vou trabalhar mas se eu ver que não dá certo não vou ter apoio da sociedade porque tem gente que se sente destruído nessa situação Agora se sou mal visto aqui eu vou pra outro lugar vou fazer tudo pra ser bem recebido vou viver de acordo Se um dia um daqui que não me considerava chegar lá e disser alguma coisa o de lá não vai acreditar Você vai acreditar no que vê não no que ouve Quando eu sair daqui pego minha família e vou para outro lugar Eu sinto é prazer de ver uma pessoa crescer e luto pra crescer também não passar ele mas ir chegando perto dele com os esforços que ele conseguiu Mas tem pessoas que não 90 dos que estão aqui dizem que não têm condições de trabalhar ficar no prejuízo também não dá então tem que sair para roubar Como os presos entrevistados estavam em geral engajados numa ocupação dentro da cadeia e portanto pleiteavam sempre estar em processo de recuperação tendiam muitas vezes a obscurecer a dificuldade de concluir seus planos atribuindo o poder ou não fazêlo a um ato individual de vontade Eu acredito que o elemento quando quer realmente trabalhar nasceu nessa quando não passa pela cabeça ser desonesto ele se sujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Então por exemplo o elemento que sai depois de 4 5 anos e depois volta sabe o que eles falam Eu tentei arranjar emprego mas não deu Tudo conversa fiada Se ele quisesse realmente trabalhar trabalharia porque emprego na rua não falta Eu sempre trabalhei aprontei muito mas sempre trabalhei sempre tive bons empregos entendeu 71 Sem poder romper com a ideologia da qual participava e segundo a qual certas pessoas pertenciam ao mundo do crime e eram voluntariamente irrecuperáveis não reeducáveis e não reintegráveis à sociedade trabalho e família cada preso na verdade negava essa ideologia quando a recusava para si através do artifício simples de afirmála para o outro Ele podia romper com o modelo porque isto implicava no próprio desvendamento da sua condição da condição dentro da qual ele existia na e para a sociedade Não podendo romper com o modelo também não podia aceitálo para si o que seria a afirmação realista desta condição ou de suas implicações nasce no crime morre no crime Donde estes existem mas eu não faço parte deles sou um daqueles circunstancialmente colocados nesta condição por acidente acaso má companhia erro judiciário injustiçaQuem eram estes outros Talvez estes outros fossem tão ideais na sua irrecuperabilidade na sua vocação e destinação nata para o crime quanto o próprio eu recuperável e reintegrável Muitas vezes no entanto os presos explicavam estarem na vida do crime através de suas referências à impossibilidade de obter através do trabalho a satisfação de suas expectativas o trabalho que lhes cabia na sociedade não era gratificante não dava status nem compensações materiais quando ele quer realmente trabalhar nasceu nessa quando não passa pela cabeça ser desonesto e ele se sujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Então se eu tive consciência disso e acho que delinqüir é para manter status que eu não tenho condições culturais digamos nem profissionais de viver honestamente no padrão que vivo desonestamente Então parei de delinqüir quando eu consegui isso Sou muito vaidoso sonho muito alto e a minha vaidade me leva a voltar pro crime Mas quando só diz respeito a mim eu não tenho papas na língua Então eu sempre tive ambições que me levaram ao crime porque na realidade eu não tenho capacidade de ganhar honestamente o que eu tenho capacidade pra ganhar no crime Nestas formulações identificamse como em tantas outras os elementos que mostram pertencer o preso à camada classe grupo mais pobre da sociedade O próprio preso explicita tais elementos falta de capacitação profissional impossibilidade de acesso a profissões melhores exclusão com relação à escola Diferentemente do que se poderia perceber em outras passagens aqui parece não estar em jogo uma justificativa para amenizar a responsabilidade da infração que conduziu ao crime Pelo contrário parece às vezes que se dá uma espécie de confissão da própria motivação para o crime sou muito vaidoso sonho muito alto e a minha vaidade me leva a voltar pro crime Do outro lado a exaltação de quem apesar de tudo não cai na vida do crime 72 também é reveladora ele se assujeita a qualquer coisa a trabalhar como lixeiro pedreiro lavador de prato qualquer coisa Tais opções identificam a situação de desvantagem quase de degradação a que se vê relegado todo o grupo a que pertence o preso ele se assujeita A manifestação no discurso dos presos dos elementos que os identificam a todos como pobres não significa que eles cheguem a perceber inteiramente a trama social em que estavam envolvidos não enquanto indivíduos mas enquanto grupo No final das contas sempre se impõe à sua possibilidade de equacionar intelectualmente a situação a idéia de autodeterminação e livre arbítrio individual no que diz respeito a estar ou não na vida do crime O nato percepção de uma trajetória sem retorno A primeira impressão que se tem ao ouvir falar de marginal nato criminoso nato ou ladrão nato é de que a categoria nato remete a uma concepção lombrosiana segundo a qual as características físicobiológicas determinariam a inserção na vida do crime ou no mundo do crime Na verdade é preciso pensála no contexto antes definido pelo qual através da recuperação os presos buscavam estabelecer uma ponte entre o mundo do crime e o mundo do trabalho que possibilitava o caminho de volta Com isto é difícil por razões que eles mesmos identificavam e como todavia a recuperação não poderia ser negada pois se o fosse a condição de delinqüente estaria desvendada revelada cada preso costumava pensarse como o oposto ideal recuperável de um tipo ideal que seria sempre um outro não identificado para o qual a recuperação não existiria este seria o nato Se aquele que está na vida do crime por fatores circunstanciais e transitórios pode fazer o caminho de volta para o nato isto não se colocava porque nasceu na marginalidade vem desde moleque roubando viveu na RPM faz o crime de profissão está circulando dentro do vício não se recupera vai sair daqui e continuar do mesmo jeito encerram a vida deles na cadeia Ora como todos esses elementos remetem às condições sociais e não físicobiológicas podese dizer que o termo nato que designa a categoria realiza uma naturalização das condições sociais afastando da consciência do preso a percepção da impossibilidade de agir sobre seu destino individual Tal impossibilidade estava sempre depositada na conta do outro Se o nato não tinha recuperação porque nasceu na marginalidade os que não eram natos podiam recuperarse pois uma eventualidade os colocou no mundo do crime ao qual na verdade não pertenciam A transformação a recuperação se fazia por meio de atos de vontade e individuais únicos meios que os presos eram capazes de propor na transformação da situação Não percebendo que condições sociais podiam ser mudadas toda transformação ficava restrita a 73 processos individuais com base em ações que neste sentido podiam realizar pessoas enquanto indivíduos por atos de vontade A naturalização que o termo nato realiza aparece como expressiva sobretudo quando os presos pensavam sua própria trajetória por oposição à do criminoso nato O nato nasceu na marginalidade é criado em favela vem desde moleque roubando etc A trajetória eminentemente social é naturalizada na medida em que a naturalização implica em irreversibilidade e inalterabilidade do processo da trajetória O que é marginal nato Marginal nato é aquele que desde cedo começou a delinqüir Ele vai pro RPM O RPM é o ginásio do crime Aqui é a faculdade Então a vida dele passa a ser uma seqüência de crimes em virtude da miséria os próprios pais aceitam aquilo que ele traz para casa sabendo que é produto de um erro Então o marginal vem dentro da própria casa Não é culpa dos pais mas eles têm parcela de culpa pois eles admitem Aceitam devido a necessidade Esse é o marginal nato porque ele não se recupera São aqueles que 5 ou 6 vezes saem daqui e voltam Quando chega o bonde que são os presos novos que chegam aqui mesmo se comenta fulano de tal voltou e a gente vai ver se é realmente e já se comenta fulano de tal voltou aqui internamente então a gente até brinca pois a gente está fazendo uma luta pra ir embora e você já voltou E dão sorte pior a revolta da gente é essa Mas o que é marginal Seria assim um indivíduo que desde criança já vem roubando por influência dos pais assim penso eu Não sei bem se é isso acredito que deve ser São pessoas que não têm estudo Não não esse dificilmente tem A única coisa que ele deve saber é contar um dinheiro e pensar na maldade o criminoso nato O que é marginal nato Isso é uma questão de sociologia aí já é diferente porque você vê uma família que vive numa favela aqui você tem famílias numerosas de 10 15 20 numerosas numa favela que mora num barraco não posso comparar a uma família de 3 4 filhos dispondo de todos os recursos de educação e tudo O nato a meu ver eu acho que vem daí Não tem casos de gente que rouba por necessidade Realmente existem casos como este mas é muito raro O elemento quando chega a ser preso cumprir pena no presídio é porque é delinqüente nato faz o crime de profissão ou está por acaso na prisão O que é delinqüente nato Delinqüente nato é aquele que já vem desde infância tá entendendo já vem de Juizado de Menores já vem desde infância mesmo É criado em maloca favela e tal Já vem desde infância o camarada revoltado com a sociedade Você sabe que a maior parte dos marginais sai mesmo das favelas O que eu entendo por delinqüente nato simplesmente o camarada que acredita que a vida do crime compensa Não importa do que for assalto etc Ele aproveita a vinda pra cadeia pra fazer novos contatos novas amizades 74 pra quando sair daqui se meter de novo por aí acreditando sempre que a polícia é mais trouxa do que ele compreendeu Depois vem pra cá diz que é injusto mas tem que se acostumar com isso e então começa tudo de novo Bolar de novo novos planos novos assaltos novos roubos Sai daqui e acaba voltando novamente No meu xadrez por exemplo tem um camarada que é batedor de carteira que tem 19 entradas no xadrez É isso que eu chamo delinqüente nato Pessoas que foram criadas em favela que vem já desde moleque roubando RPM essas coisas Marginal nato aquele que já nasceu na marginalidade Então é o marginal nato aquele que não tem recuperação mesmo não se consertam mais Tem camarada com 15 entradas na Casa É um camarada completamente irrecuperável Criminoso nato tem é o irrecuperável Marginal nato é aquele que já nasce marginal desde pequeno roubando já está no juizado do juizado vem pra cá isso é que é marginal nato Porque há o ladrão e o ladrão da RPM quer dizer e há o ladrão nato Há o ladrão da RPM já passou pelo RPM vai pro DEIC vem pra cá você entende Quer dizer ele aceita este ambiente aqui E tem pessoas que por necessidade que não é nato entende Não é de RPM e então às vezes por necessidade ele vem você entende acontece coisas com ele e aí tudo perdido aí sai recalcado Marginal nato é o cara que já entrou pela terceira vez na Casa de Detenção incidentes específicos e genéricos não tem jeito que dê jeito na vida dele Ele sai daqui e vai roubar vai tornar a delinqüir ele está sabendo vai vender maconha delinqüir esse é o marginal natoDe onde vem esse cara Acho que é de família Desde quando o passado os antecedentes do camarada quando ele era quando ele tinha 6 anos de idade ele viu o pai agredir a mãe ou a mãe agredis o pai ou o pai estuprar a irmã viver na RPM assim por diante A vida dele é aquilo sempre passando pela RPM com 18 anos veio pra cadeia pela primeira vez e assim vai não tem saída Mas acontece que geralmente esses camaradas encerram a vida deles na cadeia Conforme a descrição dos presos o RPM e o Juizado eram instituições necessariamente incluídas na trajetória do nato trajetória que começava na favela passava pelo RPM e terminava na cadeia A descrição feita pelos presos dá uma pequena mostra das condições a que eram submetidos os menores considerados delinqüentes estabelece comparações entre a vida no Juizado e a vida na cadeia e se refere ao processo de socialização para a vida do crime Mas o RPM é a mesma coisa que uma cadeia dessas Era pior que uma cadeia dessas na época que eu tive aí Por que Não sei se é devido a ser muito grande tem diversos tipos de menores diversas qualidades de delinqüentes de menores porque se a gente for analisar direito muitos menores são mais perigosos que muitos maiores que estão na cadeia Eles 75 não pensam pra fazer as coisas eles fazem e está feito E muitos deles fazem as coisas sabendo premeditada Bom eu posso fazer sou menor se eu matar aquela pessoa ali se roubar eu não vou pro Juizado de Menor pra cadeia nem nada Também esses fazem sabendo muitos fazem inocente e outros pro que pode acontecer no futuro O Juizado daqui eu até comparei o Juizado do RPM com a cadeia daqui essa Casa de Detenção Lá não se entendia com o outro era uma política juntava 3 4 5 quebrava entrava maconha vinha tudo louco eu tava no meio deles certo Nessa época minha acho que até hoje ainda é comparada Muitas pessoa teme essa cadeia Não sei se é o modo de agir mais preso regime mais seguro o menor a polícia não vai querer desabonar eles através da violência da ignorância Não adianta a ignorância inclusive Por que não adianta Acho que a ignorância não tanto para o menor quanto pra gente também é mais difícil é mais fácil que uma pessoa querer regenerar um delinqüente com carinho do que com a ignorância No atendimento tem diversas diferenças entre a polícia que trata os maiores e os menores Que diferenças A diferença é que aqui eles não querem saber onde estão batendo Lá tem lá no menor eles batem no corpo na mão no pé eles escolhe o lugar pra bater na pessoa eles falam que é com mais humanidade com mais carinho pelas pessoas Muita ignorância não adianta Por exemplo o cara tem 5 6 filhos 10 filhos uma porção então o modo brasileiro é esse faz tem mais de 10 filhos e não quer saber as consequências Aonde acontece um bocado de coisa as pessoas são levadas pro Juizado crescem no Juizado porque agora na época que nós estamos essas pessoas desamparadas pela mãe pelo pai e vai pro Juizado eles crescem criminosos porque ele se infiltra no meio dos outros menores que já tem noção do crime certo Ele entro aí dentro o que ele passou lá ele já esqueceu então ele vai continuar ali ele vai ter um embalo Cada preso pleiteava para si a definição de criminoso por acidente O que era natural na trajetória do nato seria uma espécie de anomalia na sua própria trajetória Eu não saberia explicar assim mais detalhadamente sobre esse tipo de elemento Pra mim se torna meio difícil justamente porque não estou dentro desse círculo de criminosos desse tipo de criminoso Eu nunca tive convivência com esse pessoal então eu não posso dizer nada Dependendo muito do elemento também entende comigo por exemplo eu trabalho com a administração há 6 anos aqui trabalho com a administração quer dizer eu procuro me isolar totalmente da massa então quando ele vem aqui se encontra o cara se encontra Aqui ele vai refletir o que ele fez não tem jeito ele vai chegar à conclusão que aquilo que ele fez é um troço que se ele fosse se ele pudesse voltar atrás ele jamais faria novamente Então o camarada sai daqui procura de todos os meios retornar ao convívio social voltar a seus familiares Se a dicotomia criminoso por acidente criminoso nato era professada por todos os entrevistados e se o nato era sempre alguém ideal nunca identificado havia no entanto uma 76 exceção significativa a esta regra Um dos presos que tinha todos os caracteres do modelo ideal de nato dividia os presos entre os que estavam no crime por revolta e os que nele estavam por necessidade Uma revolta simples sem maldade com eles sem vingança pra eles O meu motivo foi esse Agora a maioria é falta de amparo é falta de amor porque a pessoa vive uma vida que só Deus sabe Quem ganha bolsa de estudo é só filho de Jarbas Passarinho Os pobres se revoltam Você pode ver que aqui na cadeia não só tem criminoso que vem de criança Na cadeia tem diversos tipos de criminosos que já fizeram o que Que já praticaram crimes depois de adultos muitos mesmo necessidade Ninguém rouba sem necessidade a não ser alguns que tem na cadeia igual eu falei que eles roubam por revolta A realidade é que dinheiro não vale nada porque dinheiro é uma coisa que é um papel amaldiçoado Por causa dele acontece muitas coisas desespero Então esses que estão aí que roubam é porque passam na rua vê um dormindo no chão passa numa avenida qualquer aí num bairro e vê bater na porta e pedir um prato de comida Tem muitos que fazem isto você vê uma coisa mas muitos é por necessidade Quer dizer então que tem o crime por necessidade e tem o crime por revolta Qual a diferença então Bom O teu caso por exemplo é revolta ou necessidade Por um lado foi revoltaNecessidade não teve Pouco nem tanto no meu caso não não teve necessidade no meu caso não Culpo no caso de mais de mil aí mas no meu caso não culpo tanto a necessidade Os presos costumavam se referir à família ou às relações familiares como fundamentais para o processo de recuperação Valorizar a família equivalia a um sinal de recuperabilidade significava a possibilidade de voltar ao mundo do trabalho O contrário implicava em afirmar os valores do mundo do crime Juntamente com o trabalho a família representava um forte laço de ligação do preso com seu possível retorno à vida na sociedade 50 não se pode considerar como humano Tem corpo e alma de gente mas não são gente Não respeitam nem a própria família Se uma pessoa não considera nem a própria família que mais ele vai considerar Se não tem amor na própria vida e nem na família não pode nem existir mais Uma grande parte é assim Não fala na mãe na mulher nos filhos nos parentes Matou por coisas banais Uma pessoa que tem coragem de tirar a vida de um ser humano assim a troco de nada creio que não tem jeito pra viver na sociedade que sabe que é irrecuperável que não pensa em sair daqui não pensa em reconstruir uma família não ele quer sair daqui e volta como tem elementos que sai depois de 3 dias está voltando está retornando no bonde No entanto a utilização da família como argumento não se dava de modo uniforme a referência à família mudava de qualidade quando os presos falavam sobre a trajetória de vida do 77 nato Neste caso a família passava a ser um dos elementos que propiciava a introdução à vida do crime que favorecia a opção pelo crime Então a vida dele passa a ser uma seqüência de crime em virtude da miséria os próprios pais são em parte culpados pois os próprios pais aceitam aquilo que ele traz para casa sabendo que é produto de um erro Então o marginal vem dentro da própria casa O que é marginal nato Isso é uma questão de sociologia aí já é diferente porque você vê uma família que vive numa favela Aqui você tem famílias numerosas de 10 15 20 numerosas numa favela que mora num barraco não posso comparar a uma família de 3 4 filhos dispondo de todos os recursos da educação e tudo O nato a meu ver eu acho que vem daí De onde vem esse cara Acho que é de família Desde quando o passado os antecedentes do camarada quando ele era quando ele tinha 6 anos de idade ele via o pai agredir a mão ou a mãe agredir o pai ou o pai estuprar a irmã viver na RPM assim por diante Os termos irrecuperável e ruim utilizados na definição de certos presos estão ligados também ao significado da categoria nato na medida em que enfatizavam os aspectos naturais de sua trajetória de vida Contudo o termo irrecuperável estava referido mais concretamente à situação do criminoso enquanto preso já que a cadeia era o lugar onde se colocava a questão da recuperabilidade ou não do preso O irrecuperável segundo os entrevistados não quer abandonar o mundo do crime e nesse sentido era considerado uma pessoa ruim de maus princípios Portanto irrecuperável é um dos elementos que compõem as características do nato e tem a ver com o contexto da cadeia sendo utilizado para descrever situações próprias da cadeia E o 9 é um pavilhão de primário aonde tem só no 9 2700 presos e no 8 tem 1500 todos reincidentes Todos já específicos e genéricos irrecuperáveis mesmo então ali é que é praticamente a cadeia que você sente você vê a miséria você vê mesmo o elemento que tem o sangue de bandido que tem o sangue de mal que sabe que é irrecuperável que não pensa em sair daqui não pensa em reconstruir uma família Então ele sai daqui depois de 3 dias você vê o elemento retornando no bonde muita gente toma isso como uma escola Eu por exemplo tomo isso como exemplo então o cara teve a chance de sair novamente para a vida porque saiu pra vida pois aqui dentro está praticamente morto saiu pra vida e preferir voltar Já teve gente que saiu pra vida 12 horas 24 horas e voltou Tem tem muita gente boa e tem muita gente ruim Tem muita gente irrecuperável Como você identifica um cara ruim É pelo instinto da pessoa Analisando os instintos das pessoas e através das sua conversas se vê que ele é um camarada que não quer abandonar o mundo do crime ele não quer ser reeducado ele não quer nada com a sociedade entendeu Ele não quer ser reintegrado socialmente então se vê que ele é uma pessoa de 78 maus princípios então se pode dizer que é um elemento ruim um elemento baixo Então você trabalha na faxina então já vai conviver você chega lá é um sangue ruim o cara que não se dá com ninguém sempre metido em encrenca O gênio dele não combina com o gênio de ninguém tá entendendo então não é isso então às vezes ele convivendo não é o que ele é assim às vezes não é nada daquilo Mas é com convivência Mais convive com sangue se torna mais sangue ruim ainda porque os caras têm os problemas deles e às vezes não quer entender o dos outros entende Às vezes uma palavra você sabe que ajuda Então o cara chega lá num xadrez daqueles com 15 caras chega lá os caras querem meter nele não querem deixar comida pra ele aí o cara se revolta ao máximo onde acontecem os maiores incidentes pega faca enfia no outro Então tem uns caras que estão aqui dentro não quer saber de nada mesmo Só quer saber de não vive bem com ninguém e vive mal com Deus Tem sim mas isso aí são bastantes fatores Às vezes o cara não tem visita de ninguém não tem ajuda de ninguém o cara fuma e não tem cigarro essas coisas É isso que torna às vezes às vezes ele é uma pessoa boa mas por esses motivos ele se torna uma pessoa ruim ele compreende que às vezes o único culpado por aquilo é ele e às vezes não Os presos se autodesignavam também de acordo com o número dos artigos do Código Penal Esta forma muito utilizada implicava naturalmente em diferenciações estabelecidas pelos artigos do Código Aos números mais usados na cadeia correspondiam aos artigos que definem as infrações de que eram acusados a maioria dos presos 171 correspondia a estelionato 155 furto 157 furto com uso de violência física 281 tráfico de entorpecentes 129 agressão 12 homicídio e outros Ao se utilizarem da classificação imposta pelo Código Penal os presos operavam no entanto uma síntese pela qual opunham o 171 ao 157 Ao fazêlo privilegiavam no entanto não o tipo de infração cometida mas o fato de ter ou não sido usada a violência física contra a vítima o 171 por oposição ao 157 era reconhecido como o infrator que não usava de violência contra sua vítima A esta oposição os presos costumavam associar uma outra síntese também significativa que refere à distribuição no espaço dizem que os 171 ocupavam o 2 enquanto que os 157 estavam no fundão Seria possível pensar que estas duas oposições associadas remetem a termos tais que de um lado temse a violência a ruindade a irrecuperabilidade Faz parte ainda da argumentação dos entrevistados que se utilizavam da dicotomia baseada no Código Penal a noção de que a coragem do 157 sua audácia ele a conseguia através do uso de tóxicos o 171 pelo contrário devia absterse dos entorpecentes para realizar sua ações de que o 171 contava como vantagem o fato de não ter que manter contato com a entidade ou a pessoa lesada por sua ação e faz o delito na frente da polícia sem ninguém perceber que ele está 79 praticando que o produto do roubo era sempre maior e não corria o risco de reação já que as infrações em geral se davam contra instituições bancárias comerciais ou mesmo pessoas abastadas o que oferecia justificativas mais generalizantes e mais atenuantes para o crime 171 usa a cabeça é inteligente 171 é mais inteligente não usa arma não usa violência Esta polarização valorativa na qual um dos pólos tem sinal positivo e o outro negativo era afirmada pelos presos não enquadrados no 157 ou que pleiteavam não estar nesta classificação O entendimento é o que por exemplo o 171 o estelionatário ele é um malandro mas o artigo dele é só caneta já é um outro motivo de diferença de artigo Ou é estelionatário ele só mexe com cheque e falsificação certo quer dizer ele não aplica violência em ninguém a intimidade dele é menos do que um assaltante Que intimidade Quer dizer o 171 o estelionatário ele pra fazer um delito ele chega e faz o delito na frente da polícia na frente de qualquer um sem ninguém perceber que ele está praticando Ele só vai praticar depois que o banco a firma o dono do cheque sentir o erro do cheque o erro da transação que ele fez com o 171 Agora o assaltante não o assaltante chega aqui pega do revólver com mais 3 ou 4 e puxa e intima Quer dizer o fator surpresa dele Ele chega e intima e tem que ter um pra ele tem que dar o que ele quiser se não der eles estão sendo ameaçado de morte Então é a diferença tem diferença de artigos O 171 reivindicava uma superioridade com relação aos que usavam a violência se bem que reconhecesse que estar na cadeia o igualava aos outros Um dos entrevistados acusado de estelionato chegou significativamente a fazer uma distinção ente crime e delito para justificar a separação entre o 171 e o 157 Também nesse caso constatase uma distinção diferente daquela estabelecida pelo Código Também os funcionários para certos efeitos operavam com a mesma dicotomia proposta pelos presos No cotidiano da cadeia preferiam os 171 para os serviços burocráticos porque eram em geral considerados mais inteligentes com instrução básica e com capacidade inclusive para substituir funcionários em algumas funções Eram estes os presos geralmente encontrados no pavilhão 2 ao qual significativamente se deu permissão de acesso ao pesquisador Aqui dentro somos iguais não há distinção não se cogita se fulano é assaltante é traficante ou é estelionatário Somos todos iguais mas na rua por força de ambiente o senhor haverá de convir que por exemplo um ladrão que faça pequenos furtos tão insignificantes de baixo padrão de baixo custo ele não tem condição de freqüentar digamos camarada que faz aí um furto de 500 cruzeiros não tem condição de jantar no Franciscano de ter um carro a sua disposição que custa hoje 800 cruzeiros por dia Então já o estelionatário por exemplo é bem mais elástico não vai passar cheque de 500 cruzeiros já 35 mil na mão não interessa deixa pra lá Aí está a separação Via de regra marginal que pratica crimes sob violência sob audácia como furto o assalto o arrombamento carece muito de um 80 estímulo e busca o estímulo no entorpecente No meu caso 171 por exemplo se dá exatamente o contrário não que eu desconheça entorpecente pois não sou nenhum anjinho não eu conheço Eu não uso por várias razões primeiro desinteresse pessoal segundo porque para delinqüir só me atrasaria A maconha a cocaína retardam os reflexos e eu sou um homem que tem que estar sempre ativo quando delinqüir super ativo estar de olho vivo e pé ligeiro A maioria dessa turma que precisa de um pouco de audácia de agressividade busca a agressividade nos tóxicos Isso nos distância nos diferencia O camarada viciado tem que estar atrás de entorpecente constantemente freqüenta um ambiente eu freqüento outro E qual a diferença de crime e delito Bom crime naturalmente digamos é uma coisa mais premeditada onde tem a violência a ação em si mas o 171 eu considero como um delito Mas o 171 também é premeditado não é Bom claro que premeditação existe nos 2 casos tanto no delito como no crime mas eu me expressei mal quero dizer que o crime a meu ver é uma coisa mais violenta mais O 155 que é roubo é sem violência seria delito ou crime A meu ver seria delito delito agravante delito agravante Mas por que delito agravante Porque ele vai com a intenção e roubar sem ser visto e elevai com certeza armado geral quer dizer ele não vai usar a força nem a violência caso não for necessário mas em geral ele é prevenido em geral é Mas em geral o 171 nem pensa em usar a violência Bom o 171 nunca pensou em usar a violência o 155 ainda a dúvida pode existir O 157 sim a partir do 157 o 129 121 todos esses crimes eu considero como crime Outras categorias classificatórias existiam ainda na representação dos presos sobre os personagens do mundo do crime Eram elas marginal bandido delinqüente Marginal era a mais utilizada e de caráter mais inclusivo Referindose aos presos podia incluílos todos O problema da minha definição eu não me classifiquei aqui Marginal todos desde que cruzou os portões aí para a sociedade é considerado marginal sem dúvida Tá na cadeia é marginal Eu não sou marginal porque nasci marginal Agora eu estou nas condições de marginal você tem que admitir isso estou condenado Não sou desde garoto na RPM sem pai sem ninguém pra cuidar nada disso Sobre a minha família eu não posso dizer nada Por outro lado sua aplicação transcendia a condição de preso para abranger todos os que infringem a lei Isso aí tem diversos casos aqui quer dizer vamos dizer sabe o que é é o marginal é por acaso entende O marginal por acaso que marginal essa palavra é empregada em qualquer crime que ele cometeu Essa palavra é empregada em qualquer crime que o cidadão comete Infringiu o código penal ele é um marginal isso não tenha sombra de dúvida nenhuma 81 Os presos distinguiam no entanto nascer marginal e estar nas condições de marginal Esta distinção remete a uma outra mencionada anteriormente quando se tratou da categoria nato Todos os presos podiam admitir estar nas condições de marginal o que era coerente com as explicações dadas para sua inserção na vida do crime estes apelavam sempre para o ocasional e o acidental A categoria bandido tinha um uso próximo à de marginal quando esta se referia ao nato No contexto da prisão esta semelhança entre as duas categorias se expressava também pela caracterização do preso como um animal Alguns presos costumavam se queixar do fato de serem tratados e serem mantidos como animais na cadeia Outros internalizavam inteiramente esta imposição ou eram levados a crer que se animalizavam Trocava de automóvel todo ano que era um direito que a firma me dava e de repente me sinto acuado me sinto um bandido como bicho como uma fera preso sou um marginal sou uma fera Pô esse aqui está pouco esse aqui tirou 8 anos de cadeia esse daqui é um bandido então o elemento que passa por aqui ele fica marcado pro resto da vida Se ele não tiver mesmo força de vontade ele vai ter que ser um marginal um bandido pro resto da vida E você sente que o cara tem sangue de marginal na veia pela maneira de agir pela maneira de falar como sabe aqui dentro mesmo com toda vigilância o elemento consegue uma faca um estilete Então esses elementos se armam com estilete cortam vitrô então por aí você vê que esses elementos têm mesmo no sangue a sina de um marginal A sina de um bandido Não sei se é autoafirmação se muita gente que se sente fraco dentro da cadeia e o elemento então se arma pra se tornar mais importante Agora existem os chefões também geralmente são os que na rua geralmente são os bandidos natos mesmo respeitados pelos assaltos assassinatos que fizeram aqui eles são respeitados Sendo que lá na rua é famoso bandido famoso etc e não tem o que pôr na boca dentro de casa Ele vem com esse nome essa fama de bandido ele vem aqui dentro tem tudo à vontade não fica doente porque tem assistência médica tem comida pra jogar fora então são os donos da cadeia aqui é um rei O tipo ideal de marginal bandido incluía uma série de elementos positivos não ter medo não entregar os pontos fácil ter mais amor Todo PM tem bronca de bandido Por que Tem bronca de bandido porque talvez o bandido é muito afoito não tem medo deles Eu falo bandido eu não falo que nem fala chega aqui dá um tapa no cara não fui eu foi ele Bandido mesmo o homem perigoso que não se entrega os pontos fácil 82 Porque eu vou falar o ladrão o bandido eu não sei porque mas eu acho que ele tem mais amor do que muitas pessoas O senhor pode ver mesmo que ele tem mais amor do que da alta sociedade Não sei talvez tenha amor ao próximo também O senhor pode ver que todo assaltante ela é mão aberta todos eles Tudo que ele tem ele dá O significado e o privilégio de uma ocupação na cadeia A Casa de Detenção oferecia poucas oportunidades de trabalho para os presos Nesse sentido a oportunidade de exercer alguma atividade na cadeia adquiria em determinados contextos o caráter de uma regalia além de significar uma forma de diferenciação entre os presos Concretamente o trabalho na cadeia podia abrir para os presos maiores chances de comunicação com o exterior acompanhamento de revisões de processo apelações judiciais petições principalmente para aqueles que pertenciam ao setor burocrático Portanto podia significar uma possibilidade de sair da cadeia mais rápido Mesmo tendo em vista estas oportunidades que o trabalho abria os presos valorizavam o trabalho no sentido de ser ele um meio de aliviar tensões e escapar idealmente da prisão Estou trabalhando aqui agora Trabalhei na rouparia lá onde guarda as roupas civis quando a gente chega Depois trabalhei com ele diretor Trabalhei 6 7 meses e agora estou trabalhando aqui O pavilhão 2 é melhor não é Trabalhando não tem dúvida você não sente o tempo passar esquece um pouco as preocupações aquele desespero que vem de momento assim Enquanto está trabalhando a gente esquece porque a gente se considera em liberdade quando a gente está trabalhando e está dormindo Trabalhar na cadeia era encarado por alguns presos como a oportunidade de se isolar da massa Nesse caso o que estava em jogo era a oposição trabalhomundo do crime em que o fato de exercer uma atividade na cadeia e quanto mais próxima dos funcionários graduados melhor conferia ao preso a chance de se considerar em processo de recuperação Eu trabalho com a administração Há 6 anos que eu estou aqui trabalho com a administração quer dizer eu procuro me isolar totalmente da massa Por outro lado o trabalho na cadeia podia também ser uma forma do preso ser bem considerado na massa e neste sentido aproximálo da massa O preso que trabalhava tinha como adiantar o lado de outros presos não só por seu melhor relacionamento com os funcionários principalmente no pavilhão 2 como também por sua maior mobilidade dentro da cadeia 83 Vir para o pavilhão 2 e trabalhar junto à administração parecia um alvo a ser atingido pelos que trabalhavam Nessas condições o preso passava a gozar de regalias no seu xadrez comida melhor além de ser tratado pela diretoria com mais cortesia Estes presos eram escolhidos dentre aqueles que a diretoria esperava que não fossem criar casos e que estivessem querendo sair logo De todas as atividades nas quais os presos podiam ser empregados as mais ambicionadas eram as burocráticas A seleção dos presos para desempenho dessas tarefas por parte da administração variava conforme o tipo de delito do qual o preso era acusado O delito em que estava enquadrado e o passado do preso caracterizavam sua periculosidade e informavam se ele estava apto ou não para ser requisitado pela administração A avaliação do preso segundo sua periculosidade ou não era sobretudo acionada quando se tratava do exercício de atividades de caráter burocrático Embora o critério da aptidão saber escrever datilografar ter experiências no ramo fosse também acionado nesses casos se um preso fosse considerado perigoso esta avaliação o excluía Para outros tipos de trabalho a ênfase era dada principalmente à aptidão sendo a avaliação da periculosidade ou não do preso um critério secundário As atividades de cunho artesanal e industrial também existiam na cadeia embora absorvessem um número pequeno de presos relativamente ao total deles No entanto os pavilhões tinham oficinas onde se produziam determinados objetos para serem vendidos por firmas comerciais Podiase constatar uma produção de objetos de madeira bronze acrílico sapatos sacolas de papel tapetes posteriormente vendida quando não para firmas para os visitantes Mas o trabalho parecia não abrir apenas oportunidade para o mundo do trabalho Como já foi dito anteriormente o fato de no fundão os presos viverem permanentemente na tranca fazia com que o trabalho executado fora das celas fosse considerado um grande privilégio e desse a esses presos a oportunidade de exercerem um papel fundamental nos negócios entre os presos do pavilhão Na hora da distribuição da comida por exemplo o preso que fazia o serviço podia vender os melhores alimentos em troca de objetos ou cigarro Ou então exerciam a função de traficantes de entorpecentes graças a sua mobilidade dentro do pavilhão Aqui atividade considerada trabalho abria a possibilidade para o exercício de atividades próprias da massa Avaliação da experiência da cadeia Apesar de reconhecer e denunciar constantemente toda degradação e aviltamento a que o submetia as condições da cadeia quando o preso se colocava diante da avaliação de sua experiência individual com vistas a legitimarse para mundo do trabalho ele tendia sempre a concluir que a cadeia local que a sociedade separou para a recuperação dos criminosos o preparou e o 84 recuperou Não importa que dissesse que recebeu na cadeia uma lição de otimismo todo mundo é bom ou que a lição foi imbecil em qualquer dos casos diria que depois de ter passado por ela tornouse apto para viver e valorizar o trabalho a família a leitura valores próprios de quem se recupera valores do mundo do trabalho Aparentemente a idéia de lição punição veiculada oficialmente sobre o papel da cadeia era assumida pelo preso Entretanto esta idéia era acionada em função da necessidade de convencerse e aos outros de que já aprendeu já podia viver em liberdade Nunca ela representava um endosso à noção de que a cadeia recupera O que estava em jogo era a trajetória que ia do crime à cadeia e trazia de volta ao mundo do trabalho Fora da cadeia e do mundo do crime a passagem pela cadeia representaria o período necessário e inquestionável no qual se processou a recuperação A vida aqui ensina O homem se ele não aprender aqui não aprende em lugar nenhum Não adianta ele ir pra penitenciária não adianta ele ir pra o manicômio não adianta ir pra lugar nenhum Se uma pessoa é boa pra você eu tenho que ser bom pra ela Então um funcionário aqui na casa se eu sou ruim pra ele se eu desobedeço então ele tem que me tratar mal também Se eu trato mal ele ele tem que me tratar mal e talvez me pôr no castigo que é competente e nós devemos respeitálos porque eles são talvez como nossos pais aqui e tomam conta de nós a vigilância E muita gente que fala pensa que a Casa de Detenção e pensa que é isto e aquilo outro é coisa do outro mundo Não é nada do que o pessoal pensa lá fora Aqui é uma casa de recuperação Infelizmente hoje estou aqui infelizmente e estou chegando ao fim entendeu e vou te dizer mais uma coisa isto aqui foi uma lição se bem que meio imbecil levar lições nesse sentido Mas é um problema uma coisa que eu nunca ia perceber nunca ia compreender entender da forma como eu aprendi aqui dentro Agora três anos aqui você quer que eu fale na realidade o que vai acontecer Não é issoAqui também aprendi uma porção de coisas refleti bastante pensei bastante eu acho que eu agora estou preparado pra enfrentar a vida você entende e pra vencer Sabe eu me conformo de um modo porque não há punições de recuperação a não ser com esforço Então eu acho que o que eu aprendi aqui dentro o que posso usar lá fora é a experiência Aprendi muito a respeito da experiência não confiar em mais ninguém não ver todos com os mesmos olhos e ser livre e sozinho A minha companhia tem que ser meu filho e minha mulher Nem no meu irmão eu vou confiar mais não vou acreditar em mais ninguém O que o senhor viu nesses 10 anos de cadeia Bastante coisa sabe bastante mesmo isso aqui me ensina muito Mas de tudo mesmo sabe apesar da gente ter um pouco de experiência na cadeia a gente aprende mais 85 ainda mais ainda É um mundo aparte como ia dizendo meu amigo poeta que passa seus lazeres escrevendo livros fazendo poesia É uma das ocupações que não nos são proibidas pelo contrário beneficia Vai lançar seu livro daqui a uns meses sobre presos está pra sair que é justamente a vida da cadeia No mesmo momento em que se fala de recuperação surgia o problema da total desconfiança que o mundo do trabalho depositava no expreso e ai então os presos como que recuperavam a verdadeira dimensão da situação em que se encontravam Por outro lado os presos percebiam a situação sem saída em que estavam mas a ideologia que incorporavam como única saída possível os colocava na posição de manter as esperanças e de ver uma saída na recuperação Recuperação estreita passagem entre dois mundos Na percepção dos presos a categoria recuperação remete primeiramente ao período de passagem na cadeia como o tempo de reclusão que propicia a saída do chamado mundo do crime Era necessário acreditar que o esforço para demonstrar a capacidade de recuperação dentro da cadeia seria uma recomendação para ser aceito fora dela Se por um lado eles afirmavam diante do pesquisador e visando o outro mundo que não o do crime que a recuperação existia por outro lado eram obrigados a negála diante de certas evidências que a experiência de sua condição lhes fornecia A viabilidade da recuperação se afirmava pela prática do trabalho pela manutenção ou restauração de laços familiares pelo acesso à instrução pela profissionalização valores aos quais o preso aderia por esforço pessoal voluntariamente Era bom saber que para efeitos da recuperação era fundamentalmente considerado trabalho a atividade exercida no setor burocrático da cadeia A faxina o trabalho na cozinha e mesmo as atividades artesanais exercidas por alguns eram pensados apenas secundariamente como indicadores de recuperação Isto permite pensar o caráter geral dos elementos pelos quais os presos se afirmavam em processo de recuperação a instrução o trabalho burocrático assim como a profissionalização eram sinais de negação do grupo social ou classe de onde se recrutavam os presos e pelos quais se identificavam os delinqüentes Significativamente a atividade burocrática era exercida apenas no pavilhão 2 A negação da recuperação se fazia pela referência á justiça à cadeia ao governo à polícia instituições sociais que escapavam a qualquer controle que ele como indivíduo pudesse exercer 86 A ilusão do esforço pessoal Quando se referiam à relação entre presos na cadeia a oposição no mundo do crime se fazia necessária para que os presos empregados em alguma atividade se posicionassem diferentemente dos outros assumindo a opção pelo mundo do trabalho e portanto a via da recuperação No contato com o pesquisador representante do mundo exterior e da sociedade esses presos necessitavam reafirmar a ideologia da recuperação segundo a qual quem se esforça pode recuperarse Na verdade vivenciavam nas condições impostas pela cadeia esta ideologia ao privilegiar determinados valores considerados fundamentais para o retorno à sociedade trabalho laços familiares estudo Tratavase de uma concepção pela qual a recuperação era entendida como restritas a aqueles que se esforçavam que se sacrificavam E entendida como teoricamente acessível a todos mas de fato realizável apenas por alguns na medida da vontade individual Ficava também descartada de que a cadeia enquanto tal recupera para a vida social Dentro da cadeia a ideologia da recuperação era como a ideologia da mobilidade social só ocorria para quem se esforçava ou trabalhava embora as oportunidades fossem aparentemente iguais para todos Na verdade como já foi dito anteriormente o trabalho na cadeia não era acessível à grande maioria dos presos e a seleção dos que podiam trabalhar realizada pelos funcionários estava longe de ter como objetivo a recuperação dos escolhidos Quem reafirmava a ideologia da recuperação era o preso escolhido para trabalhar e que passava a se considerar como apto a recuperarse retornar ao mundo do trabalho fora da cadeia Admissão e denúncia dos obstáculos No contexto em se referem às instituições da sociedade que com eles relacionavam os presos negavam a recuperação Nesse caso o preso se via como alguém que precisava provar à sociedade que se recuperou e ao mesmo tempo esbarrava com a evidência de que essa mesma sociedade oferecia pouca ou quase nenhuma chance para que ele voltasse à situação anterior à sua vinda para a cadeia Nesse instante a figura do pesquisador adquiria um outro significado deixava de ser aquela pessoa que vinha fiscalizar o processo de recuperação do preso e passava a ser quem devia constatar junto ao preso a impossibilidade da sua recuperação embora o preso pessoalmente continuasse reafirmando sua possibilidade de recuperação Nesse contexto o discurso dos presos se tornava impessoal mesmo que os depoimentos fossem expressos em termos pessoais e enfatizava a luta do preso como expreso para retornar à sociedade A dificuldade desse retorno se expressava no freqüente tom de queixa das entrevistas onde as principais instituições da sociedade 87 eram apresentadas como indiferentes à sorte de quem saia da prisão Mesmo os presos que se consideravam já recuperados quando falavam do futuro da hora de sair da prisão veiculavam as soluções mais fantasiosas soluções que incluíam todos os percalços bastante conhecidos da vida de quem saia da cadeia Ele sai do portão e é entregue as baratas porque se não tiver dinheiro pra condução ele vai ficar no vazio porque não tem uma assistente social pra dizer olha seu José o senhor tirou 8 anos agora tem um problema na sua época não tinha metrô agora tem o metrô é isso o metrô é aquilo O senhor não tem documento então o senhor vai procurar esse lugar pra tirar seus documentos Ninguém procura ele pra dizer isso tá entendendo Então aquele elemento sai ao mundo completamente estranho novamente e fala o que eu vou fazer no mundo estou perdido novamente Então o que ele vai fazer não vai fazer nada viveu 8 anos no meio de ladrão de assaltante de estelionatário de tudo de toda espécie que a sociedade diz de ruim dele Ele fica perdido no mundo se ele vai procurar um emprego as portas são fechadas pra ele e ele não pode trabalhar Necessita de antecedentes ele não tem e vão mandar embora Ele vai bater em outra porta Pô esse aqui tá louco esse aqui tirou 8 anos de cadeia esse aqui é um bandido Então o elemento que passa por aqui ele fica marcado para o resto da vida Se ele não tiver mesmo força de vontade vai ter que ser um marginal um bandido pro resto da vida A cadeia como local separado pela sociedade para recuperação dos infratores da lei aparecia totalmente desacreditada nas entrevistas com os presos Em geral a cadeia era apresentada como a escola ou a faculdade do crime pela socialização eficiente exercida sobre os presos no que diz respeito ao aprendizado das regras do mundo do crime Para eles a cadeia cumpria a função exatamente oposta a que oficialmente se propunha em vez de recuperar o preso o aprofundava na vida do crime Por outro lado os presos percebiam claramente esta aparente contradição entre os objetivos e os resultados assim como percebiam a quase impossibilidade do retorno a uma vida normal depois da cadeia Isto fazia aumentar a consciência de que ser preso ou ser delinqüente em um caráter mais geral significava fazer parte de um grupo que parecia estar previamente escolhido pela sociedade para desempenhar tal função O fato da sociedade discriminar os que saiam da prisão segundo os presos fazia com que eles facilmente retornassem à chamada vida do crime Ao fazêlo voltavam de uma forma mais sofisticada com a mente mais evoluída no que diz respeito ao saber do mundo do crime Segundo os presos para quem saia da prisão havia duas possibilidades ou ser honesto demais ou bandido demais Por estar na cadeia frente ao pesquisador falando sobre recuperação os presos se referiam aos que saiam honestos Nesse caso aparentemente o objetivo era apresentar um retrato aceitável de seu comportamento na cadeia e principalmente mostrar as dificuldades encontradas para ao sair da cadeia não voltar ao mundo do crime 88 Eu saio daqui com o interesse de me regenerar a sociedade não me deu apoio vou voltar pro crime Mil problemas mil problemas Eu por exemplo estou com uma série deles e penso que na hora eu quero me esforçar o máximo pra não vacilar entendeu Vou vacilar mas não vou dar mancada Não vou dizer que vou voltar à vida do crime porque não sou da vida do crime vou voltar a trabalhar Uma situação igual a essa eu não volto Capacidade não me falta agora precisa ver as pessoas que vão me dar serviço se vão me dar confiança me dar crédito Confiança e crédito na pessoa e não na capacidade O sujeito ter estado na cadeia vai dificultar 90 Se não tiver ninguém que ajude acredito que o camarada encontra bastante dificuldade que às vezes tem gente que sai da cadeia e já falaram pra mim que não tem uma casa um lar não tem ninguém pra receber Então infelizmente se o cara quer se recuperar quer se regenerar não pode Ele sai não tem ninguém pra dar uma ajuda não tem dinheiro chega na rua ele tem que roubar mesmo Ele não tem que roubar ele tem que sair de outra maneira mas ele não quer saber disso A última coisa que ele fez foi roubar então ele vai roubar outra vez Na argumentação dos presos sobre a dificuldade e mesmo inviabilidade da recuperação um elemento crucial era a existência na cadeia de um pavilhão chamado pavilhão dos reincidentes A grande quantidade de reincidentes servia como espelho para que os outros presos em geral na cadeia pela primeira vez percebessem o círculo vicioso em que se encontravam e a inacessibilidade do retorno à vida legal Significativamente alguns se referiam ao reincidente como residente Então eles não conseguem jamais deixar o crime Aquele que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão 8 que é residente mil e poucos residentes Muitos ali voltaram por não ter um apoio lá fora A sociedade não abriu o ser a humanidade para eles então eles voltaram a delinqüir outra vez Aonde estão ai dali eles vão pra penitenciária dali eles atrasam na cadeia em vez de adiantar não aprendeu nada quer dizer aqui neste estabelecimento penal não tem o suficiente pro que o preso precisa porque se tem 45 de preso era recuperado Suponhamos 45 fosse recuperado já era uma grande vantagem pro nosso país Já era 40 livre A reincidência eu refuto 90 desses É o seguinte via de regra o camarada primário vem pra cadeia a primeira vez ele sai realmente a primeira vez apavorado não quer mais voltar de maneira nenhuma e tal Mas e o campo Trabalhar aonde e faz o que Já perdeu o emprego que estava não consegue voltar e não vai conseguir outro Já não consegue uma carta de apresentação e isso resulta na reincidência Tem camarada que sai daqui senta no meio fio não sabe pra onde vai e fazer o que Assistência social não funciona no Brasil em lugar nenhum 89 Um dos problemas centrais de quem saia da prisão segundo os presos era encontrar trabalho Qualquer emprego exigia atestado de bons antecedentes e a marca da passagem pela cadeia ia significar um indesejável pretencimento ao mundo do crime argumento suficiente para que o empregador escolhesse outra pessoa Para os presos tal fato ocorria mesmo para aqueles com uma profissão definida Esta situação se agravava ainda mais porque o preso ao sair da cadeia se achava sem recursos para recomeçar a vida A cadeia não oferecia condições para que o preso pudesse exercer sua profissão ou mesmo aprender alguma e muito menos para conseguir dinheiro antevendo as dificuldades da saída A sociedade não dá apoio e já que eles acham que é humilhação pedir emprego pois se for tirar documentos vai constar que ele esteve aqui dentro então não vai procurar emprego não vai tirar documento porque senão sai manchado É difícil uma firma dar emprego pra uma pessoa assim O camarada que esteve aqui duas ou três vezes ele adquire seu atestado de antecedentes ele vai à rua à Singer ao Banco Moreira Sales essas companhias essas companhias tem investigadores particular É natural entendeu O camarada apresenta atestado de antecedentes eles mandam aguardar um tempo e dá aquilo para o investigador o investigador vai levantar a vida pessoal Eles não vão querer um elemento que é um problema muito sério Quer dizer com isto isto também é um fator que vem dificultar a reeducação do detento do presidiário Isto dificulta quer dizer se o camarada sai daqui com vontade de trabalhar de progredir chega lá fora ele não encontra apoio e não encontra apoio moral apoio material um apoio da sociedade ele só tem uma solução voltar para o crime então ele volta a cometer outros delitos quer dizer isto também é um problema muito sério porque a sociedade prejudica muito também O cara sai puxou uma cadeia ele não tem mais antecedente criminal limpo e são poucas as firmas que vão aceitar No que o estado ajuda o preso No que Aqui é a escola do crime O cara sai geralmente geralmente não 90 volta Tem rapaz que chegou na cadeia junto comigo em 75 eu ainda estou aqui primeira entrada vi o prontuário dele outro dia 4 entradas Fica difícil tudo mesmo tendo uma profissão como tem muitos ai ferramenteiro escriturário etc quem é que vai aceitar um cara desses a não ser um parente Um parente já é difícil quem vai aceitar Então o que que a sociedade o que que o estado quer Eles querem acabar com o crime Querem nada estão querendo mais Se eu soubesse eu tinha vindo antes Aqui não falta nada você fica vivendo como um vegetal um velho Só come dorme engorda Se engorda né Estou pesando agora 80 e tantos quilos Olha pra mim e vão dizer você está gostando da cadeia não está sofrendo É principalmente a falta de apoio lá fora Voltei e não se vivia muito bem a não ser com algum dinheiro e eu não tinha possibilidade de conseguir principalmente depois de ter cumprido uma pena que a sociedade nos dá esse direito de retornar a ela salvo que com 90 algum numerário Isso é notório a sociedade não dá essa oportunidade Quando levantar o fichário do artista e verificar que já foi preso vai tudo por terra Então eu tinha que arrumar algum dinheiro para começar a vida ai eu delinqüi novamente Na manutenção do círculo vicioso em que se via aprisionado o preso percebia outros elementos que operavam no sentido contrário ao da recuperação a imprensa e a polícia A imprensa funcionava no sentido de segregar o grupo de pessoas selecionadas para o crime na medida em que exacerbava a importância do crime e dos criminosos e os afundava cada vez mais na vida do crime Isto tanto ocorria pelo exagero do noticiário como pelo fato de que a imprensa estava constantemente jogando a população contra os infratores Eu estou com força de vontade mas ninguém me ajuda Eu vou voltar pro crime Quando ele voltar pro crime ele volta completamente diferente a mente dele evoluída conviver aqui dentro aprendeu Aqui é a escola a verdadeira escola viveu aqui aprendeu Então ele vai praticar coisas que nunca praticou onde o jornal é muito útil manual porque o jornal faz o bandido também a imprensa Então o cara se sente puxa vida o jornal está me criticando falando que eu sou isso sou aquilo esses caras vão me matar Tem medo deles matar então no fim ele sai matando também pra depois morrer No mesmo sentido atuava a polícia Para a polícia a pessoa que passava pela prisão pertencia ao crime definitivamente Segundo os presos a perseguição policial aos expresos era comum e era considerado como dos principais motivos para o aumento da reincidência A polícia não deixava o expreso sair do círculo vicioso do crime e fazia questão de estar permanentemente reafirmando a condição que quisesse ou não lhe era imposta A polícia não acredita em ninguém não admite que ninguém se regenere tanto que eu fui preso por uma casualidade Porque a gente encontra aquele problema também de perseguição policial Eu tenho certo de sair no fim do ano mas eu não posso dar nem 10 passos na rua que eu sei que a polícia vai estar em cima de mim Porque Porque eu sou o o cara que fez o maior assalto do Brasil Pô vamos pegar ele Então vão me pegar levar pro distrito pra ver se eu tenho serviço Pô o que você anda fazendo o que você não anda fazendo Então o primeiro passo é sair aqui de São Paulo se eu quiser seguir uma outra vida Esse problema de perseguição é sério não é Não isso ai é seríssimo O elemento por si sozinho ele tem que ser muito forte pra se recuperar porque senão a própria polícia não deixa Eles vão analisar o elemento aquele é o já saiu da cadeia Vamos lá conversar com ele Você está precisando de alguma coisa Está precisando de documento Tem um amigo meu que pode te arrumar uma colocaçãonão não vai fazer nada disso Pô é o lá pára ai pára ai Abre as portas e tal e fala é você saiu da cadeia você vai dar o nome de malandro qualquer que saiu e tal A própria polícia faz isso você entende 91 Mas quem tem culpa de ter essa gente aqui Problema da justiça porque eu acho que tem crimes que poderiam ser pagos com uma fiança não é necessário vir pra aqui Já a polícia é vista por nós aqui dentro como o demônio vê a cruz ninguém gosta Você não aceita eles quer dizer também não é por causa disso que a gente vai querer reagir contra eles Simplesmente deixando de lado Eles ocupam o lugar de defensores da lei certo nós estamos marcados Isso fica marcado na vida da pessoa mas não que a gente vá sair e fazer alguma coisa não deixamos isso de lado Simplesmente não dar motivo pra eles certo A polícia fica em cima Eles ficam em cima mesmo de uma forma que o elemento fica apavorado Pode acontecer isso com você Não porque de imediato eu vou procurar documentos trabalho certo com documentos eu posso provar que não estou mais no crime O poder judiciário é o aparelho de Estado encarregado não só de julgar e punir as infrações cometidas mas também de prover canais de reconciliação e readaptação dos infratores com a vida social da qual são retirados pela oficialização de sua condição de infratores A organização carcerária é um dos instrumentos de que se utiliza o poder judiciário no desempenho dessas funções No discurso dos presos o poder judiciário era a justiça e significativamente costumavam se queixar da justiça como um obstáculo à sua trajetória com vistas à recuperação Encaravam a vida na cadeia como uma forma de socializar para a vida do crime e não o contrário As condições de vida na cadeia o excesso e a arbitrariedade das penas impostas pela justiça eram elementos apontados pelos presos como opostos à recuperação14 Aqui na cadeia é um mundo completamente diferente daquele mundo que você imagina mas elementos recuperáveis que a justiça esquece que aquele elemento já se recuperou então deixa ele ai um bocado O problema da justiça é muito grave Um elemento por exemplo ele pode estar condenado a um ano de cadeia Se ele consegue uma fuga então é mobilizada toda a polícia pra capturar aquele elemento Ao passo que tem elementos que tiram 8 10 11 anos de cadeia quando ele sai não tem assistente social pra orientar aonde vai tirar um documento você entende A justiça não se preocupa em ver selecionar entrevistar Há indivíduos condenados a 300 anos de cadeia convivendo com condenados a três anos Há marginais natos confinados no meio de primários Agora você imagina o que pode dar isso O primário está numa faculdade do crime onde não há necessidade de vestibular ele já passa direto porque eles chegam aqui não sabem roubar não sabem assaltar realmente A sociedade aqui em São Paulo eles queimam dois ou três cigarros de maconha com um revólver na mão e eles se sentem donos do mundo mas aquilo não quer dizer que a pessoa seja marginal porque o efeito do tóxico passa daqui a meia hora E que dá azar a polícia passa e joga pra cadeia e aqui ninguém se preocupa 14 Usavase também o termo regenerar para substituir recuperar 92 em recuperar ninguém Então vai fazer o que Você só encontra desaforo aqui dentro espezinhação castigo punição Você não encontra uma palavra de amor e compreensão Ódio já é normal A sociedade não tem consciência disso Que a justiça não tomou uma atitude ainda porque se ela tomasse uma uma iniciativa mais rigorosa podia não acabar mas diminuiria O primário por exemplo eu sou primário mas se eu voltar aqui outra vez deus me livre pela mesma coisa que eu queria tirar de outro por uma distração você é motorista e está sem documentos ai você pode cair várias vezes passar um dia na polícia e não faz mal Um crime por exemplo um homicídio depende do motivo do homicídio agora por exemplo esse tal de latrocínio o cara mata um pai de família pra tirar dinheiro que ele ganhou pra sustentar os filhos isso ai a justiça está certa de dar uma pena pro cara Pra isso não existe perdão As acusações dos presos ao poder judiciário chegavam a questionar frontalmente todas as definições oficiais sobre as funções desse aparelho Só se recupera quem for muito forte de espírito porque a revolta é grande A revolta pela própria justiça A justiça faz com que a pessoa fique revoltada Eu vou te dizer uma coisa aqui dentro tem 6200 homens se a justiça quisesse eles colocariam para fora 2000 numa semana isso elemento que tem direitos pela própria lei Isso daqui praticamente é uma indústria certo então no meu modo de entender alguém tira proveito disso daqui alguém não muita gente você entende é onde há morosidade num processo Mandar a julgamento uma sentença etc então quanto mais tempo o elemento fica aqui a folha de despesa é maior A formulação acima vinda de um preso coloca uma questão que abrange as preocupações desse estudo e diz respeito aos interesses que parecem evidentes na manutenção do crime na sociedade As instituições que atendem o preso ou expreso segundo eles reforçam na realidade o aspecto da não recuperabilidade do delinqüente embora na definição de suas funções apareçam como órgãos capacitados para recuperar o infrator A categoria recuperação aparece também referida às instituições designadas pelos termos governo e sociedade Na verdade governo e sociedade assim como justiça polícia devem ser vistos aqui em função de compreender como para os presos se colocava a recuperação A referência ao governo aparecia quando a recuperação estava ligada a uma avaliação do sistema carcerário Segundo os presos o governo e a sociedade da qual o governo seria o representante não davam nenhuma demonstração de estarem preocupados com a situação do homem que era colocado na prisão por infração das leis pelo contrário suas atitudes expressavam um total descaso pela sorte dessas pessoas 93 Quer dizer cadeia não endireita ninguém A cadeia põe a pessoa má pra pessoa voltar a delinqüir Não são nem as grades de uma prisão nem as muralhas e nem a pancada como eles dão e sim ele a si próprio É isso que endireita É isso quer dizer o apoio da sociedade que a gente precisa também não temos A polícia faz o que quer o que entende e eles mesmos são os próprios ladrões São eles que fazem nós fazermos É porque eu acredito que o DIP não tem condições de dar uma assistência social pro preso comum compreendeu Então se isto existe na cadeia porque não tem diferença do desinteresse que os pais tiveram por seus filhos e o desinteresse que as autoridades estão tendo com os que estão aqui dentro Isto por impossibilidade talvez do governo organizar de imediato uma assistência social aqui dentro Mas automaticamente isto existindo o nível do preso comum vai melhorar O descaso se mostrava também com relação à situação do expreso que encontrava sérias dificuldades para retornar a uma vida normal A sociedade precisa também oferecer mais campo para aqueles que querem se reintegrar na sociedade que procuram se reeducar A sociedade tem que oferecer mais alguma coisa porque nem sempre a sociedade está favorável pra aquele que teve um passado um pouquinho escuro Então eu acho que a sociedade deveria de abrir mais de mão e dar melhora para um ex presidiário para que este possa com apoio da sociedade venha a ser um pouquinho melhor A justiça a sociedade não protege ninguém não dá apoio a ninguém O maior fracasso da gente a revolta da maioria é essa ai é saber que não vai ter um apoio S e a família despreza o que ele será Igual a muitos que tem por ai não tem família família não vem ver mulher larga filhos não vem ver mãe não vem ver fica desprezado pela sociedade e pela família Então qual a atitude dele Ele vai sair daqui não vai ter onde morar Sem comer vai fazer o que Não tem um documento não tem nada Um expresidiário não conseguir sair daqui e conseguir documento ali e qualquer documento que vai tirar vem constando lá delinqüente pronto o que ele vai conseguir Nada Então eu acharia que devia existir um pouquinho de humanidade da sociedade e eles dessem uma oportunidade a aqueles que pretendem se recuperar Alguns presos no entanto iam mais além nas suas acusações às funções do sistema carcerário e chegavam a afirmar que alguém devia estar tirando proveito dessa situação A sociedade não quer a cadeia é um meio de vida pra eles nós aqui somos meio de vida pra eles meio de vida A partir desta formulação podese alargar o leque de justificativas para o comportamento da sociedade frente ao sistema carcerário Para os presos a cadeia acaba aparecendo como algo mais 94 do que um local de reclusão dos infratores da lei A cadeia corresponderia a um conjunto de interesses principalmente de ordem econômica e social a cadeia é um meio de vida Esta questão era também formulada de forma ainda mais categórica quando o preso se referia à cadeia como a indústria do crime A indústria do crime como toda indústria tem seus produtos e lucro O produto no caso seria o crime e os criminosos para cujo aumento e manutenção ela concorria Segundo o preso o lucro dessa indústria resultaria das atividades existentes em função do crime Por ser uma indústria rendosa os investimentos as verbas aumentavam e ao invés de esvaziarem a cadeia faziam com que ela estivesse cada vez mais cheia Eu vou falar uma coisa é até uma coisa pesada o que eu vou falar eu não sei quem é se é a justiça se é a própria sociedade ou se é o governo eu não sei explicar Mas tem alguém que quer que continue esta imagem de bichos este mito pra tirar proveito não sei de que Só pra ilustrar o por que ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai ter que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart O advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande É a mesma coisa que acabar o petróleo pô Eu tenho um poço de petróleo então não posso deixar secar não é verdade Se aquele tá secando então vou ter que fazer outro pra tirar Eu não acredito que seja interesse do governo estar desperdiçando de verba por mês 105 milhões como dispõe aqui pra Casa de Detenção Eu acho que não é interessante pro governo Ele poderia gastar muito dinheiro construindo faculdades tá certo porque o problema maior de São Paulo é problema do ensino Você vê que todo ano quantos excedentes ficam ai então o governo gasta 100150 bi com o problema carcerário do que gastar 5 6 fazendo uma faculdade fazendo professores não é verdade Agora por exemplo ai você vê qual é o interesse Talvez que a indústria faculdade não seja tão rendoso pra eles só posso analisar desta maneira Rendoso como É aonde que eu quero saber que eu quero que alguém veja isso ai Eu não vejo até agora não enxerguei ainda Por que te dá essa impressão Me dá essa impressão porque nesse caso que eu falei se a justiça quisesse botar 2 mil elementos pra fora dentro de uma semana ela punha Só elemento que já está dentro de um direito pela própria lei em código penal você entende Então por ai que eu acho que há interesse Você raciocinando não vai chegar à mesma coisa do que eu Se ele tem um direito é truncado esse direito por que Então há interesse de alguém manter aquilo Se não quisesse manter era só chamar o sujeito tá aqui no código tem direito vai embora vai pra tua casa tocar tua vida Não tem condições você entende como é o negócio Então é isso acho que ai deve haver alguém interessado 95 A polícia quando acionada no contexto da recuperação o é em virtude de sua relação com o preso e com aquele que sai da prisão A polícia representava um dos principais elementos de um conjunto que incentiva o crime no sentido de que não havia preocupação com a meta da recuperação Pelo contrário para os presos alguns inclusive já pela segunda ou terceira vez na prisão a perseguição policial aos que passaram pela prisão produzia o efeito inverso ao que oficialmente se propalava que a reclusão teria O expreso para a polícia ao invés de recuperado para a sociedade era visto como legítimo representante do mundo do crime e como tal era tratado A polícia se utilizava de várias formas no tratamento do expreso para ela ainda um criminoso todas elas levando a um único caminho o retorno à prisão Torturas pressões axarques eram práticas comuns segundo os presos em cada encontro da polícia com o mundo do crime entendido por ela com o conjunto composto não só de todos aqueles que participavam do crime mas também de todos que de uma forma ou de outra estivessem nele envolvidos Dentro deste raciocínio e como já foi colocado antes a polícia seria um dos elementos que concorreriam para a manutenção da indústria do crime Se a polícia não fabrica o criminoso como dizem os presos ao menos teria uma parcela fundamental de responsabilidade na manutenção do mundo do crime e no seu alargamento Vamos supor às vezes tem processo ai de 1969 1968 então quer dizer o criminoso fabrica o criminoso a polícia faz com que ele volte daquele jeito a polícia faz com ela seja um mau elemento Você é maltratado que nem um animal eu não sou um animal sou um ser humano então quer dizer que eles fabricam o criminoso e eles fabricam o processo Aqui nós só ficamos até responder Responde chega um e dá reclusão chega outro assina e se não assinar vai pro prontuário é a mesma coisa Assinou ou não assinou é a mesma coisa certo que assim nós temos que fazer batalha pra ganhar eles Agora eles não querem saber disso eles querem mais um nome em cima de nós eles querem fazer o nome deles Eles fazendo nome pegam um posto maior Não tem serviço é assalto isto e aquilo outro Eles fabricam um criminoso Eles fabricam porque se eu não era delinqüente e eu comecei a trabalhar com caminhão e eu fui preso no meio da rua e me levaram junto com o caminhão para a delegacia Que nem eu podia sair de casa se não mudasse daqui de São Paulo porque aqui em São Paulo eles prenderiam Eu digo pra eles doutor eu tenho aqui 5 milhões de cruzeiros pro senhor ai Oh sim senhor fulano de tal como é que vai tudo bem Oh tem ai oh quanto tem na mão ai oh Pô tô mal e tal Pô até parece que tu não é malandro Como é que tá funcionando ai Ë qualquer dia desse vou te pôr de cana ai vamos ver como é que fica É mas o senhor sabe eu estou trabalhando estou trabalhando pode ver ai Ladrão também tem casa onde pula muro Tenho carteira assinada trabalho e tal Que Bandido também tem carteira de trabalho assinada aqui Eles não querem saber entendeu Encontram na rua lá ai dizem Pô fulano toma 1 mil cruzeiros ai pra você tudo certo vai com deus Deus te ajude O juiz não sabia de caso nenhum 96 ele diz que não mas a polícia faz toma tudo que você tem mesmo que você não tiver praticado toma até dinheiro que Você acha que é a perseguição da polícia que faz A perseguição da polícia faz com que o homem se torne um delinqüente Quer dizer que mais um processo aberto pra eles é uma fama é uma altura Quer dizer que eles querem e nós não queremos estar aqui Meu irmão inclusive esteve aqui em 69 junto comigo ele por um roubo simples lá por uma bobaginha lá que acusaram ele veio pras cadeia Foi absolvido porque não possui aqui nada contra ele mas mesmo assim uma vez andaram perseguindo ele Eu segurava as coisas falava que fui eu e pra livrar ele pra livrar ele porque este negócio de reclusão ai condenação mesmo falei que fui eu eu assino e pode mandar ele embora quer dizer às vezes nós temos que arcar com as conseqüências O caso do Menegheti quem foi que fez ele ladrão A polícia Então quer dizer que não há condições de recuperação nenhum elemento numa cadeia dessas de São Paulo do jeito que está porque a polícia faz o ladrão A polícia faz o assaltante a polícia faz o marginal Ela em vez de dar o apoio por exemplo os menores eles põe ai querem saber o serviço o menor dá a cabeça tem coitados ai que nem nunca roubou na vida vem pra cá pô mas não fiz nada tô na cadeia Quando ele sair que que vai fazer ah vou roubar que se dane num tô nem ai Certo Então essa ai é a minha conclusão perante a justiça e a justiça não é questão que ela é cega ela vai pelo que está escrito E vai também pelo que a testemunha fala onde a polícia incentiva a testemunha a acusar o réu A polícia chega tem três policiais e tem a vítima aqui às vezes não fui eu às vezes não foi pode ser também que tenha sido então o policial pega fala pra vítima fazer coisas que não foi e agora você fala assim assim assado certo quando você chega no fim eles contradizem a versão da história deles que eles não sabem o que o outro falou o outro falou o outro falou É chamado um por vez É um por vez pra declarar lá no Forum então quer dizer que o juiz tira pela maioria será que é isso mesmo do jeito que está São Paulo bota 10 e 2 de medida pro moço ai ele que se defenda por lá Eu tenho advogado quer dizer que 80 está na cadeia porque não tem advogado e que o advogado que chega ai toma tudo que tem e não tira ninguém da cadeia O advogado era parte do conjunto de elementos do que estava sendo chamado de indústria do crime O advogado na concepção dos presos respondia a uma necessidade devido ao seu conhecimento no tratamento com as leis mas concretamente podia fazer uso de suas prerrogativas profissionais como um meio de obter vantagens aproveitandose da situação de desespero em que se achava o preso e os amigos ou familiares que pretendiam libertálo O serviço de advocacia da Casa de Detenção funcionava precariamente com um advogado assessorado por alguns presos que já tinham experiência com o manejo de leis Na verdade os presos estavam abandonados no sentido 97 de uma assistência jurídica mínima e eram vários os casos de pessoas que alongavam sua permanência na cadeia por falta de conhecimento de leis ou por não terem a quem recorrer quando percebiam uma possibilidade de redução de pena Os presos no entanto no seu contato com advogados só tinham a reclamar do engodo por que em geral todos passavam Recebia o nome pejorativo de advogado de porta de cadeia Sua ação ocorria na chegada dos presos novos principalmente com aqueles que estavam vindo pela primeira vez Aliás o advogado dava prioridade a esse tipo de preso cujos nomes eram obtidos previamente em algum órgão do aparelho judiciário Segundo os presos o advogado agia rapidamente oferecia seus serviços em geral prometendo uma imediata libertação além de outras soluções que aos olhos do preso pareciam bastante viáveis A possibilidade de sair rapidamente da cadeia fazia com que o preso oferecesse tudo que podia ao advogado que estando de posse de dinheiro ou outro bens em geral desaparecia ou arranjava uma justificativa para o fracasso da tentativa de libertação Eles aproveitam das circunstâncias Vários advogados ai se aproveitam das circunstâncias do detento Vêem a família no desespero ai pra fazer um requerimento dão qualquer coisa Eu mesmo por exemplo tive um caso com um advogado Tive uma garota que me visitava aqui então esse advogado falou pra ela sem eu saber e ela também não me falou nada que como eu estava fazendo recurso aqui na Casa ele falou pra ela que a minha liberdade dependia de um recurso que ele ia fazer em Brasília Pra fazer esse recurso ele precisaria de 1 milhão de cruzeiros Isso foi em 71 Então o que ela fez ela foi ao banco em que ela tem conta pediu pro gerente um empréstimo de 1 milhão Dinheiro na mão dele e ele não fez nada Conclusão quando eu soube aqui dentro da sala de advogado eu quase bati nele Fiquei louco Nunca mais apareceu Eu pensava que eles podiam justamente me salvar Primeiro pelas conversas dos advogados Naturalmente que os advogados fazem tudo pro cliente naturalmente para tirar o cliente da cadeia Mas como tudo isso não passa de conversa vai passando o tempo vai passando vai passando e um belo dia a gente tem que falar a verdade Como é que é advogado de cadeia Advogado de cadeia é uma pessoa que não tem a capacidade de esperar seus clientes esperar no seu escritório Ele tem que chegar aqui por exemplo chegam 50 pessoas que nós chamamos aqui bonde do DEIC Estes advogados ficam é esperando o bonde do DEIC o o que eles fazem Muitos deles eu não falo todos sei que eles pegam os nomes das pessoas que vieram pra Casa de Detenção chegam ai talvez 6 horas da manhã Fulano de tal está em tal situação ninguém pode pagar um advogado a não ser acontece com todo mundo Chega lá ele fala Fulano daqui 3 dias eu tiro daqui a 5 dias talvez um que esteja condenado por flagrante e se relaxar 21 dias vai embora 30 dias e a pessoa talvez seja primária mas sempre dá o que tem dá carro dá casa dá o que tiver pra ir embora aonde ele não conseguiu 98 Esse problema de advogado ai é um problema muito sério Eu nunca confiei em advogado Por que No meu caso por exemplo aqui mesmo eu não confiando passaram quatro Os quatros acabaram de tomar até as minhas últimas roupas que eu tinha em casa Foram embora não me resolveram nada Com 15 dias na Casa me apareceu um fulano ai que disse que em 30 dias eu estava na rua Ele pegou meu último pagamento da firma e até hoje não vi mais a cara dele De advogado principalmente o de porta de cadeia o preso desconfiava Ao mesmo tempo que ele percebia a importância dos serviços de advocacia via também no advogado mais um componente do conjunto que vivia em função do preso e do crime O advogado se enquadraria no que segundo os presos se configurava como fortes interesses que existiam por trás da manutenção de tanta gente na cadeia e na vida do crime Só pra ilustrar o porque ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart O advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acabar uma indústria muito grande Através da categoria recuperação imposta ao preso como forma de ocultação de sua condição ele podia portanto vislumbrar a afirmação de uma ordem hostil a todo esforço que como indivíduo ele pudesse fazer no sentido de deixar a vida do crime Os pavilhões a lógica social no espaço da cadeia O pavilhão do trabalho porta de saída Para que as formulações dos presos sobre o espaço da cadeia ajudassem a compreender o significado da localização espacial nas relações e situações que ai se realizavam era preciso levar em conta quem era o preso que falava Na escolha dos presos que constituíram o foco da pesquisa optouse por aqueles enquadrados de acordo com o Código Penal vigente no país nos artigos que tratam dos crimes contra o patrimônio A este critério do pesquisador foi acrescentado um outro 99 imposto pelos funcionários os presos entrevistados eram em sua maioria do pavilhão 2 e trabalhavam na cadeia Nesse sentido o pavilhão 2 ficou sendo o ponto de vista a partir do qual foram vistos os outros pavilhões ou seja os pavilhões do crime na cadeia foram vistos através da ótica do pavilhão do trabalho15 Este não só era o ponto de vista dos presos em função da posição que ocupavam na cadeia mas também em função de falarem para o pesquisador que era percebido como representante do mundo do trabalho O pavilhão 2 era elemento fundamental na caracterização da cadeia e compunha um dos pólos da oposição constantemente referida pelos presos entre o pavilhão 2 e o fundão composto pelos pavilhões 8 e 9 O pavilhão 2 se caracterizava pelos presos selecionados pela direção da prisão para desfrutar o privilégio de trabalhar dentro da cadeia Para estes presos o trabalho significava a possibilidade de ser aceito pela sociedade depois da prisão pois quanto mais perto do trabalho mais perto da recuperação Por outro lado quanto mais em direção ao fundão mais se confirmavam as características que a sociedade atribuía aos delinqüentes A distribuição dos presos no espaço da cadeia podia também ser considerado como a manifestação das regras sociais na cadeia os presos constantemente afirmados como delinqüentes e colocados no ponto mais afastado e de mais difícil acesso da cadeia além de estarem mais afastados da possibilidade de trabalho e portanto da recuperação eram também os que carregavam mais fortemente todos os caracteres que identificavam as classes menos privilegiadas da hierarquia social não tinham instrução formal não tinham capacitação profissional não recebiam visitas pois as famílias e amigos moravam longe e não tinham condições financeiras de fazêlas No pavilhão 2 tanto a relação dos presos entre si quanto a relação deles com diretores e funcionários eram fortemente marcadas pela busca da legitimidade de através do trabalho retornar à sociedade Pelos presos de outros pavilhões o 2 era constantemente definido por oposição ao fundão como o pavilhão da banha no sentido de que havia lá os presos além de terem o privilégio de uma ocupação valorizada recebiam uma alimentação melhor e estavam sempre gordos Na verdade esta designação era sobretudo pejorativa pois havia ao mesmo tempo referência a uma situação de privilégios entre os quais o de comer bem e uma referência aos vícios e deformações do ponto de vista do mundo do crime que tais privilégios criavam Segundo os presos do 2 no pavilhão estariam colocadas as pessoas inclusive com mais instrução e portanto com mais possibilidades de 15 Na referência ao pavilhão do trabalho não se pode esquecer que as atividades burocráticas na verdade se realizavam no pavilhão 6 local destinado a essas e outras atividades como carpintaria artesanato barbearia ao qual os presos do pavilhão 2 tinham livre acesso Na percepção dos presos o 2 e o 6 formavam um conjunto indistinto 100 exercer melhor as diversas atividades para as quais eram requisitadas Na verdade as argumentações formuladas de lado a lado assumem conotações que transcendem a oposição circunstancial entre os presos para apontar caracteres pelos quais se costumam identificar as classes sociais Eu acredito que no 2 você coma melhor Você está perto da administração tem mais facilidade E o pavilhão 2 é o famoso pavilhão da banha onde fica as pessoas que são não é questão de boa família são pessoas que são mais de cultura de nível mais Agora no 2 é um pavilhão que dá como é que se diz quem tiver que tirar cadeia é preferível que tira no pavilhão 2 porque no 2 o pessoal é mais culto O pavilhão 2 era o pavilhão em que a maioria dos presos tinha alguma atividade As atividades que exigiam mais condições do preso e que eram mais consideradas se situavam na faixa do trabalho burocrático Havia também atividades de faxina manutenção ou de artesanato mas excluindo o trabalho burocrático que requeria que o preso tivesse um certo grau de instrução e fosse considerado como de pouca periculosidade pelos funcionários os outros tipos de trabalho se realizavam em todos os pavilhões pois eram necessários à manutenção dos mesmos Viuse anteriormente que fundamentalmente o trabalho burocrático é que era considerado como trabalho no sentido de ser fator que leva à recuperação As outras atividades que também seriam trabalho e que existem em todos os pavilhões não eram percebidas como tal Em certos casos acontecia até o oposto a atividade podia ser pensada como pretexto e oportunidade para o desempenho na cadeia de ações próprias do mundo do crime Nesse sentido boa parte dos presos do pavilhão 2 se restringia ao setor burocrático e a maioria dos que trabalhavam no setor burocrático eram do pavilhão 2 Os presos do pavilhão 2 exercendo tarefas burocráticas falavam de sua estadia neste pavilhão como fruto de um processo de seleção que se fazia a partir da chegada à cadeia Alguns poucos eram conduzidos diretamente ao 2 em função da menor gravidade das acusações pelas quais respondiam da idade avançada ou de prerrogativas legais decorrentes do status social grau de instrução Os demais que constituíam a grande maioria eram encaminhados para os pavilhões do fundão fundão Para serem daí transferidos dependiam sempre em última instância de um ato de decisão pessoal do coronel O coronel tinha como critério fundamental o bom comportamento do escolhido que se traduzia no fato de não ter este cometido infrações às regras da cadeia contravenções Ao corresponder positivamente a este primeiro critério de avaliação 101 que pesava sobre ele dentro da cadeia o preso estava se habilitando como pessoa apta a empreender no espaço da cadeia o caminho de volta ao trabalho o que lá se representava pelo deslocamento do fundão para o 2 Na cadeia como fora dela daquele que reivindicava trabalho uma ocupação mais dignificante exigiase uma espécie de atestado de bons antecedentes que dependia da anterior submissão a um código socialmente sancionado No pavilhão 2 estavam pois os presos julgados em condições de trabalhar portanto em condições de recuperação O pavilhão 2 é um pavilhão de trabalho os presos são selecionados 80 dos presos são selecionados Tem alguns dos outros pavilhões mas é muito difícil Isso é problema de comportamento Em geral o pavilhão 2 é considerado como da administração já que todo mundo aqui trabalha Agora como 200 presos que trabalham e são efetivos 6 mil tem então mais desocupados Aqui é a cada da banha É o seguinte no xadreznós estamos num xadrez privilegiado no pavilhão 2 meu xadrez especialmente o 405 porque é o seguinte todos os xadrezes ai tem sete camas Nós fizemos uma batalha através de um conhecimento de um chefe de disciplina nós conseguimos tirar uma cama Eliminamos uma cama do xadrez ficamos morando em 12 Só morava pessoas selecionadas entendeu pessoas que não tem furo na malandragem pessoas que estão com idéia de ir embora pessoas que deixaram alguma coisa na rua mas não fica se fantasiando daquilo que deixou entendeu pessoa que tem um nível de vida bom Então tem 12 no xadrez De tal modo a decisão do coronel associada ao bom comportamento aparecia ao preso como fundamentais na sua transferência para o pavilhão 2 que ele chegava a representála como alcançável em todos os casos através de uma conversa com o coronel na qual expunha sua vontade de trabalhar e recuperarse Tudo depende de batalha de cada um aqui dentro também certo então chegou pro diretor e falou Que tem gente que não tem iniciativa de chegar pro diretor e falar olha eu quero ir pro pavilhão 2 e trabalhar Outra forma de conseguir a transferência para o pavilhão 2 seria através de pedidos de familiares de presos ao coronel Estes pedidos teriam a força que lhes conferiam os laços familiares entendidos como fator importante de recuperação O fato do preso ter família e desta ser capaz de interceder por sua sorte junto à autoridade influía positivamente no processo de recuperação Outra característica comumente acionada pelos presos como vantagem do pavilhão 2 sobre os demais se referia aos aspectos da assistência jurídica na verdade bastante precária em toda a 102 cadeia mas que era mais acessível aos presos do pavilhão 2 A razão para essa vantagem segundo os presos estava no fato de que o pavilhão 6 onde funcionava o setor de expediente permitia livre trânsito aos presos do 2 e era o local onde se fazem todos os recursos e um recurso à justiça pedindo redução de pena revisão de processo significava possibilidade de sair rápido da cadeia O setor que se encarregava de encaminhar recursos ou quaisquer pedidos dos presos no judiciário era dirigido por funcionários com a mãodeobra dos presos O contato constante com os funcionários que cuidavam dessa parte da cadeia possibilitava aos presos que trabalhavam no setor uma possibilidade maior de resolver determinados problemas na área jurídica Além disso estar no setor burocrático oferecia ao preso outras vantagens como por exemplo a oportunidade de poder se comunicar para fora da cadeia com mais freqüência através do uso de telefone ou de conversa com visitas de fora do pavilhão A essa facilidade no aspecto jurídico que tinham os presos do pavilhão2 se contrapunha a assistência nessa área que era prestada no fundão Lá também existia o judiciário mas segundo os presos a dificuldade para fazerse um recurso ou uma apelação era muito grande Tal afirmação dos presos é coerente logicamente com a análise que tem sido feita sobre as implicações decorrentes da localização espacial na cadeia a qual na verdade expressaria a maior ou menor possibilidade de retorno à legalidade ao trabalho de que se achava investido o preso O isolamento a carga de preconceitos e atribuições pejorativas que do ponto de vista da própria administração da cadeia pesavam sobre o fundão encaminham no mesmo sentido expresso pelos presos com relação ao acesso a benefícios do judiciário No entanto os presos que conseguiam chegar ao 2 passavam a ser acusados pelos do fundão e pelo menos no contexto em que argumentavam contra tais acusações deixavam de perceber as razões mais profundas da diferença que eles mesmos denunciavam para depositarem a responsabilidade das desvantagens apontadas nos ombros daqueles mesmos que seriam prejudicados Aqui é onde se faz todos os recursos então ele quer vir pra cá Porque ele tendo aqui toda hora pede a um pede a outro então consegue a liberdade dele mais rápido e lá não Lá no fundão mesmo é mais difícil é mais difícil apesar que tem um judiciário lá é preso que mexe então ele sempre ele não faz aquilo com boa vontade porque o dinheiro nosso aqui dentro é cigarro é cigarro é o selo do cigarro É o selo do cigarro Quer dizer a gente fala selo do cigarro mas é um maço de cigarro custa um pacote de cigarro aqui aqui tudo é um pacote 5 maços 2 maços não tem quantia de dinheiro o que vale o dinheiro é o cigarro Quer dizer se eu chegar no cara que trabalha no judiciário preciso fazer um recurso olha eu preciso fazer uma revisão assim assim no processo eu não dou nada pra eles eles faz de mávontade como talvez nem faça Mas se eu chegar com 2 3 pacotes de cigarro e pedir faz uma revisão pra mim ai ela sai no dia e sai bem feita certo Então lá no pavilhão tem isso e aqui os caras não podem fazer isso se 103 fizer os funcionários manda eles de bonde de transferência de volta Então ele não pode cobrar nada Mesmo assim por fora tem essas trapalhadas quer dizer então o pavilhão 2 é tomado desse modo só tem bundamole Pra mim não é pra mim é igual mas pra aqueles que não gostam da liberdade eles toma como bundamole Os presos do pavilhão 2 consideravam também uma vantagem o fato de que mantinham mais contato com os funcionários e com a diretoria da cadeia Isto no entanto só era acionado no contexto em que tal contato pudesse significar a oportunidade de uma libertação mais rápida e ser readmitido na sociedade como recuperado Não se deve esquecer que os dados foram obtidos numa situação em que o pesquisador estava sempre representando por aquele que vinha constatar o processo de recuperação do preso Numa outra situação as afirmações contendo elogios ao contato com funcionários apareciam simplesmente como uma grave infração às leis da massa a caguetagem16 A valorização negativa do pavilhão 2 era feita especialmente por parte de quem não estava nele Nesse caso havia uma inversão que agora se processava nos sinais atribuídos aos pólos da oposição trabalhomundo do crime Ou seja até o momento em que o preso falava da recuperação tudo que se relacionava com trabalho tinha sinal positivo e tudo que se relacionava como crime e mundo do crime tinha sinal negativo Isto porque o ponto de partida era o preso do pavilhão 2 e o processo de recuperação A inversão ocorria quando a avaliação da cadeia passava a assumir um ponto de vista o ponto de vista dos presos do fundão ou dos que eram considerados como parte do mundo do crime Os presos do pavilhão 2 eram chamados pelos outros de bundamole metido a rico metido a bacana e finalmente de cagueta A acusação de caguetagem estava ligada ao fato de que os presos do 2 mantinham um contato diário e constante com os funcionários que para a massa eram considerados policiais Acusar os presos do 2 de metido a rico metido a bacana também tinha a ver com a oposição trabalhomundo do crime na medida em que o fundão era reconhecido como composto de pessoas pobres sem possibilidades de ascensão social por falta de oportunidade de emprego sem instrução o contrário dos presos que vinham para o 2 Estes se consideravam em processo de recuperação já que agora tinham trabalho e outras vantagens motivo pelo qual sentiam necessidade de vestiremse melhor e fugirem da imagem que estava associada a aqueles que pertenciam à vida do crime Se você é metido a rico metido a bacana é no pavilhão 2 Mas não é nada disso A pessoa que tem proceder não só na cadeia na rua em qualquer lugar ele é benquisto o que tem proceder Mas aquele que não tem 16 A caguetagem fazia parte das avaliações negativas a respeito do pavilhão 2 que serão posteriormente consideradas 104 proceder não tem educação nem aqui nem na rua O bom já nasce bom e o mau já nasce mau mas há recuperação para o mau que nem há para o preso Outro aspecto importante nesta avaliação do pavilhão 2 era a diferença que os presos percebiam entre os pavilhões no modo como as regras de disciplina da cadeia eram aplicadas No pavilhão 2 tem mais liberdade mas a disciplina é mais rígida No fundão acontecia o oposto era pior a cadeia mas a disciplina é mais branda A disciplina mais rígida se referia à perda da oportunidade de trabalho na cadeia por qualquer contravenção Uma infração mais grave no pavilhão 2 podia significar a volta do preso para o fundão Nesse sentido era que se falava de disciplina mais rígida pois todos sabiam que no fundão os castigos eram mais freqüentes assim como a repressão era mais intensa Ter mais liberdade quer dizer não ficar na cela permanentemente porque havia trabalho enquanto nos outros pavilhões os presos costumavam permanecer a maior parte do dia na tranca Sabe o que que é porque eles falam que de nós tudo é malandro e coisa e tal mas isso não muda nada Eles querem falar porque acham que todo mundo que está no 2 é cagueta Por que Não sei porque porque a gente quase que não faz nada É um caso de polícia isso ai Por causa disso que eles chamam de bundamole mas a disciplina daqui é mais rígida que a de lá É mais sopa mas disciplina é mais rígida Por que é mais rígida Porque é mais qualquer coisinha enfia na gaiola qualquer coisinha manda pra triagem É lógico que tem mais liberdade mas é mais rígida Lá o sujeito fica mais na tranca tá tudo certo Qual a diferença do 2 pro 8 Há mais convivência há mais convivência melhor é bem melhor que lá no 8 é melhor se tirar cadeia É melhor porque eu falei agora por causa da disciplina A disciplina lá é toda branda aqui não aqui é mais disciplinar aqui aqui não tem muita briga O pavilhão do castigo loucos e perigosos quem são O pavilhão 5 era chamado pelos presos de pavilhão seguro ou pavilhão de castigo e descrito por eles como a cadeia dentro da cadeia Efetivamente este pavilhão estava todo cercado por muros bastante altos A diretoria o utilizava para cumprimento dos castigos que se impunham aos presos em conseqüência de contravenções na própria cadeia Nele colocava os presos considerados mais perigosos ai alojados desde a entrada na cadeia e também aqueles presos que tendo sido gravemente ameaçados por outros eram postos no 5 por medida de segurança Além disso no pavilhão 5 funcionava o setor médico da prisão Na verdade a parte médica não se restringia ao atendimento e uma parte deste pavilhão especificamente uma seção do 5º andar último andar era destinada aos presos considerados desequilibrados mentais Como não me foi possível ter acesso a este lugar sobre este ponto podemse apenas levantar algumas dúvidas quem 105 seriam os presos assim considerados Como interpretar o fato de que estivessem colocados no mesmo pavilhão que os presos ditos mais perigosos A partir de que critério um preso era classificado como desequilibrado mental e remetido para o pavilhão 5 Estas questões ficavam sem respostas O fato porém é que neste pavilhão ficavam aqueles que de uma maneira ou de outra por atos classificados como contravenção ou como loucura ameaçavam a estrutura mesma de funcionamento da cadeia Quem é que vai pra lá Só elementos que pega castigos seguro elementos com muita cadeia esperando uma vaga na penitenciária elemento com muita periculosidade está ali 5 é o pavilhão seguro Lá tem enfermaria e casos de loucura casos de doença O pavilhão 5 era visto pelos presos de uma forma tão diferente dos outros pavilhões que parecia estar fora da oposição trabalhomundo do crime Na verdade os presos não o consideravam como um pavilhão de alojamento de presos mas um lugar onde eram aplicados os castigos por faltas cometidas dentro da própria cadeia fossem elas classificadas como contravenções ou como fruto de loucura O pavilhão 5 era portanto o centro da repressão na cadeia Era uma cadeia dentro de uma cadeia onde segundo os presos se mantinha um regime disciplinar rigoroso semelhante ao da penitenciária17 e que diferia essencialmente do regime disciplinar dos outros pavilhões O pavilhão 5 também servia como proteção para aqueles presos que infringiam as regras do proceder na massa O preso que caguetava por exemplo receoso de qualquer vingança que colocasse sua vida em risco recorria ao chefe de disciplina de seu pavilhão para pedir seguro de vida Nesses casos o preso era enviado para o pavilhão 5 onde o controle de quem entrava era bastante rigoroso Quando os presos falavam pavilhão de segurança duas coisas estavam em jogo por um lado o fato de que o pavilhão 5 era o local mais bem vigiado da cadeia e por outro a segurança que também representava para o preso que era mandado pra lá Já quando eles falavam de pavilhão de castigo referiamse às regras disciplinares da cadeia O 5 é uma cadeia dentro de uma cadeia Já tem um regime diferente é praticamente um regime penitenciário é um regime completamente diferente dos demais pavilhões O 5 é uma penitenciária dentro da cadeia dentro da Casa de Detenção Ali você vê que ele é um pavilhão de segurança você vê que ele é localizado no meio da cadeia sendo fechado e tal Quem é que vai pra lá Só elementos que pega castigos seguro elementos com muita cadeia esperando vaga na penitenciária elemento com muita periculosidade está tudo ali 17 A Penitenciária servia como exemplo de repressão na cadeia pois era o local para onde eram mandados os presos que a direção da cadeia considerava mais explosivos mais perigosos ou com uma longa pena a cumprir 106 Olha de todos os pavilhões que tem aqui o pior é o pavilhão 5 Não conheço mas dizem todo mundo diz qualquer coisinha parece brincadeira mas se o cara é pego com uma faca ele pega seis meses de cela toma aquele pau Sabe como é o pau aqui Já falaram pra você Ih rapaz eles não escolhem lugar batem em todo mundo Corrente pedaço de pau É polícia civil E se você está distante da família então ai eles te matam você morre quanta gente já não morreu aqui de tanto apanhar Muitos não faz o ambiente não se adapta no pavilhão às vezes é transferido pro 2 Chega aqui trabalha e faz o ambiente trabalhando ou vai pro 5 que é o pavilhão ele é o hospital ao mesmo tempo que ele é um pavilhão normal É também porque os presos que apronta nos outros pavilhões a maior parte vem pro 5 Do pavilhão 5 ele é removido para a penitenciária do estado então aqueles que não faz ambiente se sente inseguro eles pede pra vir pro 5 porque no 5 cada unidade desce por dia porque tem a divisão né Como é que é essa divisão A divisão é assim aqueles que não mexe com nada não quer saber de nada já brigou apanhou moram no quinto andar é um seguro Aquele dia quando desce aquele andar os outro andar que é valentão já brigou já deu facada deu porrada não desce quer dizer que é a divisão né E é isolado aquele pavilhão né O 5 é castigo Aquele que tá em castigo tem que cumprir o tempo que o diretor determinou pra depois sair em liberdade Sair em liberdade significa voltar pro pavilhão de origem Pro pavilhão de origem quer dizer o preso faz o ambiente dele assim Os residentes a imagem do cobra criada O pavilhão 8 e o pavilhão 9 compunham o que os presos chamavam de fundão No entanto o pavilhão 8 apresentava características bastante peculiares se comparado com o pavilhão 9 embora ambos representassem na oposição trabalhomundo do crime o espaço na cadeia reconhecido como local onde estavam os que fizeram opção pelo mundo do crime O pavilhão 8 era destinado pela administração da cadeia aos presos reincidentes ou seja aqueles que já tinham estado na cadeia duas ou mais vezes Para os presos era o pavilhão dos residentes ou dos cobra criada A expressão residente se referia à pessoa que já fazia parte do mundo do crime e estava passando mais um período na cadeia e cadeia neste ponto devia ser entendida como um elemento fundamental no caminho percorrido pelo delinqüente inclusive na sua formação Este preso fazia da cadeia uma residência com suas idas e vindas embora residente pudesse ser fruto de uma confusão no entendimento da palavra reincidente Aquele que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão 8 que é residente mil e poucos residentes 107 A expressão cobra criada dizia respeito aos presos que já tinham passado pelo processo de aprendizagem das regras do mundo do crime e seu desdobramento na cadeia Eles eram definidos comumente como homens tranqüilos porque as fronteiras da massa já eram bem conhecidas e bem delineadas mas eram considerados também violentos porque assim como as leis da massa eram bem conhecidas as sanções para quem infringia essas leis eram em geral cumpridas à risca Além de serem classificados como já tendo feito opção pelo mundo do crime os presos do pavilhão 8 eram também identificados como os maiores conhecedores desse mundo O pavilhão 8 pavilhão dos famosos cobra criada Quem diz na cadeia cobra criada são as pessoas reincidentes Reconheciase o pavilhão 8 como um dos mais calmos em termos disciplinares e ao mesmo tempo o mais radical no cumprimento das leis da massa O tratamento dado pelos funcionários aos presos apresentava diferenças em comparação com os outros pavilhões Em geral consideravase mais fácil a manutenção da disciplina pois os presos considerados mais sossegados assim o eram exatamente porque já estavam familiarizados não só com as regras da cadeia mas com as regras do proceder na massa Por serem definidos como do mundo do crime recebem segundo os presos um tratamento diferente por parte dos funcionários daí até o pavilhão 8 ser considerado um pavilhão mais liberal Esta liberalidade estaria ligada segundo os presos a um medo ou respeito dos funcionários frente aos residentes e argumentavam que determinadas infrações as menos graves que em outros pavilhões seriam motivo de castigo não sofriam qualquer represália por parte dos funcionários no pavilhão 8 Que tipo de preso tem lá no 8 É um pavilhão mais geralmente o cara tem um monte de passagens pela cadeia É o reincidente o cara já conhece sabe como é a rotina então os caras vivem mais sossegados entre eles não tem tantos conflitos e quando alguém faz alguma coisa eles se arranjam entre eles Nos outros pavilhões o cara dá uma maconha fica tudo certo Lá não lá ou é ou não é É mais rápido A polícia mesmo deixa eles mais a vontade porque sabem que eles são mais conscientes porque geralmente o do 9 é um cara novo 20 19 anos se ele matar um na cadeia ele nem liga Agora o reincidente não o cara vê direito porque ele sabe que se ele aprontar ele vem pra cadeia Tranca em geral é igual mas lá é mais sossegado 8 é um pavilhão mais liberal A polícia que nós chamamos os funcionários já transa o elemento bem diferente do tratamento que se dá no pavilhão 9 2 e 5 Por que Porque ali só existem reincidentes elementos que já estão perdidos mesmo eles fumam maconha se o funcionário vê ele engole a maconha e acabou O funcionário chega sente o cheiro e deixa pra lá Nos outros não tem nada disso enquanto no 8 você entra sente aquele cheiro e os funcionários não estão nem ai você entende Mesmo no arejamento na hora do sol o pessoal desce faz uma rodinha e vão jogar e 108 os funcionários não sei se sentem medo ou respeito mas não vai lá pra dar uma bronca então já é mais a vontade Por outro lado o pavilhão 8 quando referido como o mais violento da cadeia remetia à oposição trabalhomundo do crime dentro da cadeia na medida em que esta argumentação era acionada pelos presos que já tendo passado por lá e estando agora no pavilhão 2 procuravam delimitar claramente suas diferenças com aqueles que já teriam optado pelo mundo do crime A violência como foi abordado anteriormente era uma característica da vida do crime Como é que é a situação no pavilhão 8 Foi justamente a violência do pavilhão 8 que fez com que eu pedisse para voltar ao 2 Porque eu nunca vi tanta gente ser espancada violentada Eu vi vinte e poucas baixas na enfermaria por causa da violência com problema de coração por causa da violência Eu vi muita gente que eu gostava ser espancada e até a morte na minha frente e você não pode fazer nada não pode se meter na frente pois se não você é morto porque geralmente a pessoa está sob o efeito de tóxico e fica descontrolado pois nem um animal a gente trata desse jeito vi muita gente ser morta com 20 30 facadas O malandro muitas vezes perde a sua dignidade porque quer se formar aqui dentro e qualquer coisa fere a masculinidade E eu pedi ao diretor pra me mudar por causa disso tudo Isso me chocou e eu perdi uns amigos bem caros Pelo menos no pavilhão 2 não existe isso a gente está mais tranqüilo Os presos do pavilhão 8 dificilmente conseguiam chegar ao pavilhão 2 Esta constatação feita pelos presos não só revela uma dificuldade real já que eventuais passagens de presos do pavilhão 8 para outros pavilhões eram rigidamente controladas como também revela uma discriminação da administração do sistema penitenciário com relação a aqueles que na sua acepção fizeram opção pelo mundo do crime julgavamnos incapazes de desincumbirse do trabalho na medida em que a realização do trabalho principalmente de certos tipos de trabalho representava a ponte para a recuperação A dificuldade imposta à mudança para um pavilhão melhor serve como indicador de percepção de que a vida do pavilhão 8 era excepcionalmente marcada pela violência e pelo crime o que ao nível da ideologia o opõe ao outro mundo o da sociabilidade do trabalho especialmente localizado no pavilhão 2 Os presos que confirmavam essa noção pela qual se dividia e colocava um parte da cadeia como sendo o mundo do crime em geral estavam fora do fundão O 2 por exemplo é difícil mesmo você ver um caso bárbaro Uma pessoa já de um nível mais sociável naturalmente em proporção mas no 8 não No 8 são mais violentos É uma cadeia só mas com ambiente à parte É isso que eu queria saber O 2 é administrativo gente que estão decidido a trabalhar paga o seu tempo trabalhando faz o serviço de administração e outros assim o que é patronato tudo mais que trabalhe que produza faz alguma coisa No 8 são os reincidentes os que entram na cadeia 15 dias depois voltam e assim por diante os conhecidos O 9 são os primários 109 aqueles que nunca entraram na cadeia e o 5 os doentes os doentes ou então aqueles em regime de castigo Mas tem diferença entre alguém do 8 e do 2 Tudo é relativo Uma pessoa que vai entrar hoje no pavilhão 2 ele vai ter mesmo dos companheiros do 8 e 9 de tanto falar nem conhecer é uma questão de propaganda como se diz De ouvir dizer só de ouvir dizer eu tenho medo Agora um que está na cadeia como eu que está tirando tantos anos de cadeia o 8 e o 9 pra mim não têm diferença nenhuma Se o senhor olhar uma pessoa ai fora no pátio o senhor diz de que pavilhão que é Não de jeito nenhum Pelo jeito de vestir jeito de Bom de vestir talvez sim porque eles tem menos possibilidades Tem na aparência tem tem uma certa diferença na aparência em si Em geral um preso do 9 o que que é Tem menos recurso muito mais dificuldade para eles qualquer coisa para eles recurso judiciário conseguir no almoxarifado qualquer coisa a mais tudo como se diz está concentrado aqui no 2 então só passar no 8 por exemplo pra cá já é si uma dificuldade Obrigatoriamente a pessoa pediu lá você sente naturalmente a reação uma certa barreira É verdade que o pessoal do 8 e do 9 tem raiva tem bronca do pessoal do 2 Eles estão pensando com motivo na vida eles estão às vezes que o 2 tem uma situação muito melhor que tem mais regalia pode circularMas é verdade Deve existir uma certa realidade pelo fato do trabalho em si porque no 2 quase todo mundo trabalha Pode ser que o trânsito entre o 2 e 6 pavilhão é totalmente livre não é no 9 já não é quer dizer esse fato só de transitar de um pavilhão pra outro eles consideram isso como uma regalia embora que pra nós trabalhador da cadeia é uma normal Saímos do pavilhão 2 pra trabalhar aqui é normal vai e vem Agora o 6 o 9 não pode O pavilhão 8 não oferecia oportunidades aos presos de exercerem alguma atividade passando a maior parte deles o dia todo na tranca dispondo somente de 4 horas diárias para tomar sol Mesmo esse período fora do xadrez era motivo de cuidados por parte dos funcionários que verificavam sistematicamente o número de presos que entrava e saia de cada cela após a recreação Nos dias de chuva não era permitido aos presos sairem de suas celas Como estas saídas eram muito valorizadas a chuva tornavase um dos seus principais inimigos No 8 como é que é É um pavilhão grande é mais trancado Vai ao sol às 8 e meia recolhe às 10 e meia Desce a 1 e meia e recolhe às 3 e meia 4 horas recolhe o sol ai vai pra tranca Depois tem a contagem de manhã e contagem à noite Contagem pra que A contagem é feita pra ver se não tem nenhum preso fora do xadrez em outro xadrez tentou fugir ou ver se não está aqui no pavilhão 2 se eu estou pro 8 e fico aqui no pavilhão 2 a minha ficha fica de lado até eu chegar lá Quando eu chego lá minha ficha é colocada num arquivo Aqui é feita a mesma coisa É feita de tarde a contagem Enquanto não encontrar o preso o funcionário não pode assinar a contagem Quer dizer quenão é A contagem é obrigatória fazer para ver onde é que está o preso cadê o preso Às vezes o preso de um xadrez foi dormir em outro e não pode tem que dormir aqui E se acontece alguma coisa tem que dormir cada um no seu xadrez Se dorme 8 num xadrez é 8 se é 10 é 10 Vai ter 10 fichas lá Aqui é igual o 110 xadrez lá lado I e lado E Nº do xadrez 201 Nº 201 tem 8 presos então 8 presos atendem então tudo certo Se não encontrar não baixa a ficha Os cabeça fresca para início de carreira no fundão O pavilhão 9 como parte do fundão se enquadrava nas características referentes ao mundo do crime na dicotomia trabalhomundo do crime O preso que era removido para o pavilhão 2 encarava esta mudança como a passagem para um outro mundo o do trabalho no qual aumentavam suas chances de recuperação Os que permaneciam no 9 nessa perspectiva eram considerados como já tendo optado pela vida do crime A descrição do pavilhão 9 feita pelos presos que por lá já tinham passado e que se encontravam no pavilhão 2 apresenta situações com as características próprias do mundo do crime As conversas dos presos por exemplo eram reconhecidas como conversas sobre o crime e sobre as atividades próprias do crime como os assaltos os golpes Argumentavase também com respeito às atitudes disciplinares que seriam descabidas por parte de quem estivesse pensando em recuperação Quando vim vim pro pavilhão 9 Lá fiquei uns 5 6 meses Situação lá é mal É mal porque ali não tem elementos que converse com a gente sadiamente Tudo é severidade pederastia complexo que eles tem sabe Eles pensam que a gente ser preso a gente é um fora da sociedade é um verme não tem condições de dialogar com ninguém quer dizer eles consideram Lá no pavilhão 9 é difícil a gente encontrar uma pessoa que a gente tenha prazer de conversar certas coisas entendeu A porcentagem lá 60 70 é menino novo ainda só pensa no sensacionalismo das coisas que fez entendeu Por incrível que pareça tem cara ai que diz que assaltou assalta isso assalta aquilo dá tiro e mata acontece então quer dizer a história lá no fundo o tema da conversa é essa Então ele chega aqui fica ai 2 meses ele tem direito a sursis Foi embora pra rua certo mas acontece que ele conviveu ficou no pavilhão 9 o que eu não quis ele escutou porque a conversa aqui na cadeia é essa lá no convívio Não todos mas na maioria das vezes é sobre crime sobre mortes essas coisas sabe então o cara escuta escuta e nunca assaltou mas agora chegou na rua vai assaltar Agora o pavilhão 9 aonde estive quase 1 mês ali é uma barbaridade mesmo Ali você ouve 16 a 18 horas por dia depende do tempo que você ficar acordado você só ouve tiro Elemento conversando contigo dizendo que atirou na ROTA que atirou em não sei quem eu vou fazer uma lança alta quando eu sair daqui vou fazer isso vou fazer aquilo Barra pesada que eles falam aquié negócio de crime contravenção eu não considero uma barra pesada não Desse lado eu não considero barra 111 pesada não Sabe por que Porque esses que começam a pôr as manguinhas de fora vem cá pra dentro logo logo tomam destino viu Esses valentão que diz que faz que acontece ou ele vai pra penitenciária ou ele acaba morrendo pelos próprios companheiros dele As atividades atribuídas aos presos do fundão coincidem com as atividades do delinqüente conforme são vistas pela sociedade O pavilhão 9 abrigava todos aqueles com as características do delinqüente ou seja repetia no contexto interno da cadeia a mesma situação em que se encontravam os presos como um todo face ao mundo exterior A forma como a sociedade classifica o delinqüente é semelhante ao modo como o preso do pavilhão 2 classificava os do fundão O próprio nome designativo dos pavilhões 8 e 9 fundão fundo dá a conotação do lugar que os delinqüentes ocupavam na sociedade e na cadeia Com relação ao pavilhão 9 também funcionava a ideologia de que o preso podia recuperar se através do trabalho com a diferença de que neste pavilhão a chance de trabalho era pequena Para os presos conseguir trabalho no 9 seria o início de uma recuperação que os levaria em seguida ao 2 Assim se entende porque os presos que começavam seu período de cadeia no 9 e que estavam no 2 explicavam a exceção que eles mesmos constituíam pelo fato de se diferenciarem dos demais presos do pavilhão 9 pelo esforço pessoal conseguiram um trabalho Na verdade no processo de seleção para transferência de presos para outros pavilhões o engajamento no trabalho não funcionava de forma automática Não bastava exercer uma atividade no pavilhão 9 para ser transferido Existiam várias formas de pressão para que a transferência se realizasse interesse particular da direção pedidos pessoais que podiam vir dos presos familiares de presos funcionários e até de representantes da diversas religiões que realizavam atividades caritativas junto aos presos18 Fui logo arrumando serviço me encostando daí comecei a conversar com os home ai pra eles me mandar pra cá pra mim poder trabalhar Por que o coronel te trouxe pra cá Ele me conheceu através da tia Ada Assembléia de Deus Ela ia lá no pavilhão e procurava todos conversava com todos que queriam conversar com ela Aí eu falei com ela expliquei minha situação pra ela Ela se interessou pouco foi na minha casa foi onde eu morava chegou conversou com os meus vizinhos lá pessoas que me viram da idade de pequeno até a idade de formado conversou com várias pessoas e ouviu o que disseram pra ela e chegou aqui falou pro coronel Olha coronel se o senhor quer saber essa é uma pessoa inocente que está na cadeia Ai o coronel que inocente não tem inocente na cadeia eles estão te tapeando você é boba você ouve tudo deles Não que eu estou 18 Podeseia pensar na prática religiosa como mais um dos valores que se acrescentariam ao trabalho à profissionalização à instrução e à família como elementos positivamente associados à trajetória de recuperação Embora faltem elementos para isto pareceu significativo que uma representante de seita religiosa seja representada como intercessora bem sucedida em favor do preso junto à diretoria 112 ouvindo não fui ver quem é ele O que eu estou falando para você não é o que eu ouvi é o que eu vi com meus olhos Ai pegou me trouxe pra cá sabe prometeu de me ajudar e tudo Havia outras avaliações negativas na comparação estabelecida entre o pavilhão 9 e o pavilhão 2 Uma delas referiase às dificuldades impostas às visitas A visita aos presos se realizava aos domingos dividida em 2 turnos de manhã e à tarde Os pavilhões 9 e 5 recebiam visita pela manhã e os pavilhões 2 e 8 na parte da tarde Os presos do 2 apontavam as vantagens de estarem no 2 e não no pavilhão 9 principalmente o fato do número de pessoas que visitava o pavilhão 2 ser menor em comparação com o 9 que tinha mais de dois mil presos Isto implicava na possibilidade de um tempo mais prolongado de contato com familiares e amigos e também num conforto maior para os visitantes já que para visitar os presos do pavilhão 9 as pessoas demoravam mais para entrar no pavilhão e precisavam chegar bem mais cedo O coronel falou vem pra cá fica aqui aqui é o melhor pavilhão é um lugar bom de trabalhar e tudo Se você não gostar dentro de 3 meses você chega pra mim e pede que como eu te trago eu te levo Ai vim pra cá sabe No começo o ritmo o regime era diferente e tudo né Depois comecei a trabalhar me adaptei ai fiquei Agora faço por todas pra não voltar pra lá Por que O motivo é a visita Visita aqui é a tarde menos pra eles andarem menos fila menos sacrifício e tudo Lá no fundo menos conforto mais complicação pra chegar lá tem que levantar cedo Uma visita tinha que chegar 5 da manhã pra chegar às 730 lá no fundo quer dizer que não há condições E aqui não Pavilhão 2 tem todas essas vantagens O pavilhão 9 era um lugar perigoso selvagem matava e brigava quase todo o dia Esta imagem reproduz a concepção que existia sobre os presos A cadeia era considerada como um lugar perigoso selvagem e contra estes conceitos os presos reagiam Ao se pensarem no contexto interno à cadeia os presos sentiam necessidade de negar para si esta imagem e de caracterizarse como não pertencente ao mundo do crime no qual estavam associados os atributos acima Usavam então a própria diferenciação espacial no interior da cadeia para alocar as características do que a sociedade identificava como próprias do delinqüente ou delinqüência o pavilhão 9 ou o fundão passava a representar o mundo do crime daí ser perigoso selvagem Completando a imagem construída sobre o pavilhão 9 os presos apontavam ainda outros fatores o pavilhão 9 é mais tranca ou seja no pavilhão 9 os presos passavam a maior parte do dia no xadrez e somente durante quatro horas diárias quando não chovia podiam sair para um período de recreação No pavilhão 9 existiam atividades para um número pequeno de pessoas levandose em conta a população do pavilhão e a maioria que não trabalhava levava a vida na cadeia sem ter com que se ocupar Assim quem não tinha trabalho ficava preso Havia também uma diferenciação quanto ao tipo de preso que ocupava o pavilhão especificidade até em 113 comparação com os presos do pavilhão 8 Os presos do 9 eram definidos como os moleque cabeça fresca aqueles que ainda bastante jovens já vinham para a cadeia com 50 60 inquéritos assinados em geral acusados de assalto O moleque cabeça fresca nesse contexto era entendido como nato ou seja sua trajetória de vida era própria daqueles que estavam na vida do crime Diferença que lá é mais tranca É difícil trabalhar nos outros pavilhões tem pouco trabalho Essa história de que é mais violento Tem que saber fazer o ambiente e tudo Se quiser encrenca encontra encrenca em qualquer pavilhão Hoje em dia os primários que estão entrando lá é tudo cabeça fresca Entra uma gurizada de 17 18 anos com 50 60 assaltos Pode ver hoje em dia tá tudo assim Tudo 18 19 anospega a estatística ai é tudo 157 assalto é crime do momento O pavilhão 9 a turma trata de pavilhão do sufoco Naquele a pessoa não tem condições para nada O cara está ali o negócio dele é estar no xadrez fazendo castelo porque não tem outra coisa pra fazer Agora aqui no pavilhão 2 é bem diferente A pessoa está trabalhando está distraindo não fica pondo macaquinho na cabeça distrai O que é que o cara do 9 faz Não faz nada o dia inteiro Não uns deles fazem trabalham lá no xadrez outros tem uma parte da manutenção ali que é pouco mas é pouca gente também Agora umas no meio de 3 mil detentos se eles tiraram 200 que trabalha é muito O resto não tem o que fazer É só campo e xadrez No pavilhão 9 era mais precária a assistência oferecida aos presos em todos os sentidos Além de abrigar mais presos que sua capacidade admitida a assistência jurídica era praticamente inacessível à grande maioria Lá no pavilhão 9 tem muita gente Lá tem 2 mil e poucos detentos As coisas são mais difíceis É fica mais difícil pra vir aqui no setor judiciário pra se falar com o advogado quer dizer as coisas ficam mais difíceis realmente Tem pouco acesso com o setor de expediente Tem muita gente no xadrez Tem xadrez lá que tem 28 tem menos tem 30 Outros tem 10 15 dependendo do xadrez O pavilhão 9 com as características do mundo do crime era o lugar onde o preso primário e ainda basicamente inexperiente recebia um tratamento disciplinar dos mais repressivos que o socializava para as regras da cadeia e lhe ensinava as regras do proceder na massa dentro da cadeia Como é que é o pessoal lá Ali o regime dos homens não é lá um regime severo eles tem a liberdade deles mas só que eles tem que andar dentro das disciplinas Dentro do xadrez tem xadrez ali que as condições que mais afetam ali o preso é a convivência dentro do xadrez de morar muita gente num xadrez pequeno E tem xadrez ali que é um absurdo está suportando gente até demais dormindo às vezes dois caras numa caminha só porque não tem mais onde colocar gente 114 Por exemplo lá tem 2200 presos num xadrez tem às vezes 16 18 pessoas Ali é a lei do mais forte não é tudo que você pode contar pros guarda Aqui você sabe tem faca tem pederastria tem tóxico Olha sinceramente aqui na cadeia tem mais tóxico do que na rua Então é o seguinte lá tem o problema de todo mundo trabalha já são pessoas mais umas famílias melhores mais cultas um pouco mais de instrução Lá tem gente que tem instrução nenhuma não sabe nem assinar o nome completamente ignorante entende Então já no xadrez chega lá junta uma turminha de 4 ou 5 faz um grupinho e pronto Tem cela com muita gente Tem cela que tem 3 caras né e era pra morar um individual mas tem cela que mora 3 Agora no coletivo que era pra morar 4 ou 5 mora 12 15 Comi o pão que o diabo amassou diz um preso do pavilhão 2 que começou no pavilhão 9 e agora opõe significativamente os dois Nessa situação tendia a perceber negativamente os presos que permaneciam no pavilhão 9 principalmente no que diz respeito ao processo de recuperação A recuperação nesse contexto de diferenciação espacial dentro da cadeia aparecia como dependendo de esforço pessoal da força de vontade os que permaneciam era porque optaram pela vida do crime Afirmavase também que no 9 impera muita miséria o que parece bastante significativo na medida em que não havia deficiência de alimentação na prisão Na verdade o que estava em jogo parece ser a própria origem social do preso no pavilhão 9 que em última instância era de todos os presos mas que identificava a miséria com o mundo do crime No 9 impera muita miséria Quer dizer tem cara lá que é parasita não consegue fazer uma batalha não sabe fazer uma batalha de nada Então ele tem um lençol e nada mais Uma manta que a Casa paga só tem aquilo que a Casa paga entendeu Estas idéias da força de vontade que recupera ou da opção que faz permanecer na vida do crime no 9 parecem operar no mesmo sentido percebido várias vezes de impedir o desenvolvimento do sistema de manutenção e reprodução da delinqüência É como se os presos se aproximassem freqüentemente deste desvendamento sem nunca atingilo É significativo por exemplo que os presos do 2 dissessem que no 9 impera a miséria Na verdade a miséria era característica do grupo social de origem de todos os presos Ao colocála como característica dos presos do 9 o preso do 2 operava com a mesma identificação entre miséria e mundo do crime Por outro lado jogando com seu deslocamento espacial e sua trajetória dentro da cadeia visualizava como possível desfazerse da miséria e sair do mundo do crime contanto que individualmente se esforçasse para isto 115 CAPÍTULO III A SUJEICÃO PELO CRIME A Casa de Detenção de São Paulo construída para oferecer 2200 vagas tem hoje uma população carcerária da ordem de 5705 presos19 A superpopulação das prisões tem sido um dos mais freqüentes focos das constantes críticas que se fazem ao sistema carcerário brasileiro Juízes juristas advogados jornalistas e autoridades governamentais do setor penitenciário e judiciário reconhecem e repetem periodicamente outras críticas às condições das cadeias e à vida dos presos propondo reformas medidas soluções que raramente vão além dos planos A questão das prisões se coloca nessas críticas em termos de problemas e soluções repetidamente referidos No entanto a questão está em que os problemas através dos quais se expressam as dificuldades do sistema carcerário em hipótese alguma questionam a existência mesma da cadeia e as soluções em geral não são mais que tentativas de adaptála às novas conseqüências que o tipo de desenvolvimento sócioeconômico tem acarretado para o crescimento da população das cadeias sem contudo cogitar de redefinir a forma de punição por transgressões à lei Por mais graves que sejam as críticas à cadeia por mais que se chegue à constatação de que ela não cumpre as finalidades básicas pela qual se justifica que ela exista punição do infrator e sua recuperação para a sociedade por mais que se conclua que ela pune em excesso e devolve à sociedade um homem marcado para sempre exatamente por ter passado pela cadeia ainda assim os autores das críticas eles mesmos permanecem irremediavelmente presos à idéia de que cadeia é vital para a existência da sociedade A crítica da prisão e de seus métodos é antiga Segundo Foucault 1977234236 já no século XIX se faziam críticas à prisão que se resumiam nos seguintes pontos as prisões não diminuem a taxa de criminalidade a detenção provoca a reincidência a prisão não pode deixar de fabricar delinqüentes20 a prisão torna possível ou melhor favorece a organização de um meio de delinqüentes solidários entre si hierarquizados prontos para todas as cumplicidades futuras as condições dadas aos detentos liberados condenamnos fatalmente à reincidência a prisão fabrica indiretamente delinqüentes ao fazer cair na miséria a família do detento Na verdade estas formulações críticas têm se repetido até hoje e também se verificam no Brasil Os exemplos abaixo 19 Insegurança o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 p 23 20 Foucault distingue entre delinqüente e infrator Esta distinção será esclarecida nas próximas páginas e utilizada ao longo desta exposição 116 citados embora se refiram a situações específicas bem o demonstram Aliás o próprio fato de estarem as críticas sempre referidas a casos concretos permite a seus formuladores articular sem contradições evidentes a constatação de que a cadeia não está cumprindo suas funções com a noção de que ela é imprescindível É que se os problemas são circunstanciais podem ser solucionados de tal modo que as funções previstas sejam afinal cumpridas Presídios velhos inadequados e superlotados sujos medievais desumanos que não recuperam e quase sempre degradam onde o homem é relegado à condição de ser estranho e indesejável à sociedade cárceres exíguos escuros e úmidos eis um retrato pálido do atual sistema penitenciário brasileiro cuja estrutura data de 1924 é superada mas resiste ao tempo aos governos aos simpósios congressos e críticas de todos os tempos21 O sistema penitenciário brasileiro não cumpre sua função no processo de recuperação do preso para a vida social Nesta formulação parte de uma reportagem baseada em levantamento nacional da situação das prisões no Brasil se vê que a crítica não poupa adjetivos ao levantar dúvidas sobre a eficácia corretiva da cadeia e no entanto a própria crítica revela que o referido sistema resiste às mesmas críticas de todos em todos os tempos Segundo o corregedor do presídio de Cuibá e juiz criminal Mauro José Pereira na situação em que está a cadeia de Mato Grosso jamais se alcançará o objetivo legal de recuperar o criminoso pois ele pode passar 10 20 ou 30 anos segregado e volta ainda pior para o convívio social A pena não é o ódio e nossas cadeias dão ao preso uma vida pior que aquela que ele levava antes do crime É uma farsa dizer que essas cadeias visam recuperar elas só marginalizam e segregam o homem tornandoo ainda mais nocivo e marcado pela sociedade22 Novamente e desta vez através de um representante do próprio aparelho judiciário criticase a capacidade de recuperação da cadeia O que aparentemente seria radical e contraditório o fato de um representante da justiça na sociedade afirmar que as cadeias na sua função de recuperar são uma farsa na verdade não o é Embora o discurso seja veemente questiona simplesmente as condições atuais sem colocar qualquer dúvida sobre a existência ou as funções da cadeia na sociedade As conclusões da CPI sobre a superlotação de nossos presídios conferem em gênero número e grau com denúncias que o atual Corregedor da Justiça vem formulando Há um erro básico que precisa ser corrigido a menos que todas as medidas que forem tomadas para resolver o problema se transformem em meros paliativos Esse erro está na própria mentalidade dos 21 Levantamento nacional sobre a situação dos presídios no Brasil Jornal do Brasil Rio de Janeiro 18 de agosto de 1974 22 Prisões a pósgraduação do crime Jornal do Brasil Rio de janeiro 6 de agosto de 1972 117 que não sabem que além da prisão outros recursos existem destinados a combater a delinqüência sem necessidade de recolhimento dos sentenciados nas celas das casas de grades Em obra que nasceu clássica La defense contre le crime Locard bem situa a questão quando considera a prisão carcerária como constituindo uma escola da delinqüência não existem verdadeiros profissionais do crime senão depois de haverem passado por estabelecimentos penitenciários é somente após ser detido e condenado por um pequeno furto por uma rixa por uma resistência a agentes da polícia que o homem se torna criminoso habitual23 A prisão é uma escola da delinqüência diz o relatório da CPI das prisões citando Locard e no entanto seus autores são incapazes de tirar todas as implicações da citação que fazem Se é verdade que o contato inevitável entre presos de diversos tipos tende a preparar para as atividades de delinqüência aqueles que não estavam definitivamente engajados no crime antes da prisão se é verdade que para esta reincidência e processo de corrupção concorrem os próprios guardas de presídio em função de seu despreparo e de sua própria corrupção24 não é menos verdade que estes elementos têm sido captados onde quer que se saiba que o sistema carcerário tenha existido No mesmo sentido e com grau de explicação ainda maior se encaminha a crítica seguinte Uma penitenciária uma cadeia ou uma casa de detenção permitem que milhares de criminosos vivam juntos Você encontra reunidos aí por exemplo bons assaltantes hábeis estupradores simpáticos corruptores de menores violentos assassinos alegres homossexuais e mais uma série de homens com muito vivência no submundo da marginalidadeAgora você junta todos estes entendidos do crime num lugar sossegado como o pátio da prisão onde eles possam trocar idéias sem serem incomodados O que acontece Simples as mais eficientes quadrilhas são formadas os mais engenhosos planos são elaborados A experiência criminal de cada um é passada para os demais E depois quando cumprem a pena saem ansiosos para começar a agir E desta vez com novas idéias para pôr em prática 25 Este trecho recolhido de uma propaganda da Campanha da Casa do Albergado da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo mostra como é evidente para os membros de próprio sistema carcerário o fato de que a prisão só serve para incentivar o crime Chega ao ponto em que os próprios encarregados de manter o sistema o criticam reconhecem seu fracasso na forma como vem lidando com os presos E o que propõem Liquidálo Não criarlhe um apêndice a prisão albergue Até isso o sistema é capaz de suportar A solução proposta tem como objetivo reduzir a 23 As conclusões da CPI sobre nossos presídios Jornal da Tarde São Paulo 28 de outubro de 1975 24 Guarda um problema na prisão Estado de São Paulo São Paulo 12 de dezembro 1975 25 Este é o melhor lugar para os criminosos planejarem os crimes mais perfeitos sem serem incomodados pela polícia Campanha da Casa do Albergado da Secretária de Justiça do Estado de São Paulo Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 118 população das penitenciárias cadeias mantendo controle maior sobre os que escolheram a delinqüência A prisãoalbergue abrigaria os que não apresentam nenhuma periculosidade e condenados por crimes que admitam esse benefício26 A partir do dia em que consegue a liberdade o presidiário transformase em um homem acuado com uma série de problemas para retornar ao convívio social A dificuldade maior está na obtenção da reabilitação criminal a maioria dos egressos termo usado na justiça encontra enormes dificuldades para conseguir emprego em conseqüência das restrições tradicionalmente feitas às pessoas que cumprem pena Essas restrições resultam quase sempre da folha de antecedentes que registra a pena cumprida27 Quem já esteve preso carrega consigo um estigma que praticamente o impede de conseguir emprego não conseguindo emprego fica sujeito a uma prisão por vadiagem pois a polícia o avalia em função de sua ficha criminal e não titubeia em mandálo novamente para a cadeia É esta quase fatalidade a que se acham sujeitos os que passaram alguma vez pelos órgãos policiais que acaba por fornecer a base de mais uma crítica que também não vai ao cerne da questão Dizse a meia verdade que a forma como é tratado o expreso incitao a reincidir no crime De qualquer modo a crítica capta a ordem inversa em que as coisas estão acontecendo a prisão existiria para reeducar o infrator e deixálo apto a reintegrarse à vida social ao fim de um período de segregação Entretanto o próprio documento pelo qual ele é liberado condenao na verdade a permanecer segregado ainda que fora das grades Em todos os Estados a penitenciária destinada aos sentenciados às vezes única fica na capital Com isso atrás do preso mesmo de um condenado a nove meses por lesões corporais vai a numerosa e desamparada família instalandose em favelas ao redor dos presídios como ocorre por exemplo em João Pessoa e Salvador28 O texto acima mostra que a prisão não produz e reproduz delinqüentes somente entre os que lhe são diretamente submetidos Estende suas implicações nocivas à própria família do preso fazendoa enfrentar dificuldades e muitas vezes passar necessidades Enfim a crítica à prisão pode ser vista inclusive por esse ângulo como entendendo suas implicações nocivas para outros membros do grupo social do preso À constatação de que as críticas ao sistema carcerário se repetem caberia acrescentar depois de têlas percorrido que todos formulam a mesma denúncia o sistema não concorre para liquidar nem diminuir a delinqüência mas pelo contrário para reproduzila e aumentála Por outro lado as 26 Ibidem Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 27 A vida depois da prisão Jornal da Tarde São Paulo 24 de novembro de 1975 28 Soltar para recuperar Veja São Paulo 14 de janeiro de 1976 119 formulações mais claras a respeito de porque isto acontece apontam elementos sem os quais uma prisão não seria uma prisão ou seja a segregação dos infratores com relação a seus parceiros sociais não atingidos pela lei a convivência obrigatória com outros infratores a identificação do ex preso enquanto tal nos documentos pelos quais ele é reconhecido socialmente finalmente o rigor e a violência sem os quais não se submeteriam os homens a um tal sistema As soluções apresentadas em função dessas críticas em geral se resumem a proposições que não questionam a existência em si da prisão pelo contrário propõem soluções que inovam no tratamento ao preso mas que na verdade significam apresentar novamente a prisão como solução para seus próprios problemas Foucault 1977237 Depois de severas críticas às condições prisionais de hoje no Brasil a CPI das prisões em seu relatório final sugere um novo sistema de penas dotado de substitutivos à pena de prisão revestidos de eficácia pedagógica de forma a restringir a privação da liberdade a crimes graves e delinqüentes perigosos A busca de outras sanções para criminosos sem periculosidde diminuirá a ação criminógena do cárcere e atuará como fator de despopulação das prisões recaindo as tentativas de descriminalização sobre figuras delituosas que não contribuem para a superlotação carcerária recomendase a construção de novas penitenciárias com capacidade máxima para 500 quinhentos presos e distribuídos por regiões a fim de conserválos tanto quanto possível no seu próprio meio Temse como princípio impostergável a adoção da cela individual e a obediência a modelos arquitetônicos que possibilitem as prisões semiabertas e abertas sem as quais é impossível levar a termo o processo de reeducação do delinqüente o exame da personalidde do sentenciado tendo em vista a natureza do crime é que determinará sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena 29 Em suma depois de tantas críticas à prisão as sugestões voltam a falar da prisão como reeducadora de infratores como solução para o problema de delinqüência Refinase um pouco a prática penitenciária modernizamse alguns setores mais antiquados melhoramse as condições de habitabilidade e pronto a prisão é apresentada como solução para o permanente fracasso da prisão Às sugestões acima mencionadas somamse várias outras de juizes advogados jornalistas que com freqüência atacam a prisão mas não conseguem romper o sistema de idéias que a entende como parte necessária da estrutura da sociedade À crítica ao excesso de presos nas prisões ao incentivo à repetição das infrações e à delinqüência se contrapõem formulações pelas quais não há qualquer ruptura na forma de pensar a prisão como punição e reabilitação não se vai ao ponto de 29 Relatório e conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a proceder ao levantamento da situação penitenciária no país Câmara dos Deputados Brasília 1976 p 25 120 questionar a existência da cadeia porque talvez isto leve ao questionamento da estrutura da própria sociedade Neste sentido e não no sentido pensado por seus críticos a cadeia mantém com a sociedade uma relação de caráter necessário Como entender que com tantas críticas e tantas soluções propostas o sistema penitenciário permaneça e com ele os mesmos problemas de sempre Diria Foucault Idem239 o sistema carcerário junta numa mesma figura discursos e arquitetos regulamentos coercitivos e proposições científicas efeitos sociais reais e utopias invencíveis programas para corrigir a delinqüência e mecanismos que solidificam a delinqüência O pretenso fracasso não faria então parte do funcionamento da prisão O que está por trás do fracasso da prisão Qual é a utilidade de determinados fenômenos constantemente criticados como a manutenção da delinqüência a indução à chamada reincidência a transformação do infrator ocasional em delinqüente habitual Como explicar a contínua perseguição ao expreso embora este já tenha cumprido sua pena A estas questões responde Foucault com formulações que coincidem com as conclusões às quais se pode chegar a partir da visão captada entre os presos da Casa de detenção de São Paulo Segundo Foucault Idem240 as penalidades não seriam um meio de reprimir as infrações mas de diferenciálas atribuílas aos diversos grupos sociais utilizandoas com o objetivo de dar terreno a alguns fazer pressão sobre outros excluir uma parte neutralizar este tirar proveito daqueles A penalidade carcerária identificaria um tipo de transgressão de ilegalismo atribuindoa a determinados grupos como forma de pressão neutralização e sujeição A justiça seria pois um aparelho gerenciador de ilegalismos e o decantado fracasso das prisões se vê não poderia mesmo levar à tese de sua eliminação pois na verdade traduziria em negativo sua função social Tais considerações refletem com fidelidade as observações feitas ao longo do contato com os presos da Casa de Detenção Em primeiro lugar eles eram acusados de ilegalismos cuja atribuição recaia sempre sobre grupos sociais perfeitamente identificados com uma situação social de pobreza e sujeição Por outro lado quando entre eles se falava na possibilidade de recuperação esta aparecia sempre referida a valores e alternativas sociais dos grupos mais privilegiados da sociedade enquanto seu termo oposto a continuação n mundo do crime era marcada por sinais de pobreza e sujeição tanto dentro quanto fora da cadeia Prosseguindo na análise das razões que garantem a manutenção da prisão convém falar sobre os mecanismos pelos quais o sistema penitenciário faz de um infrator de leis um delinqüente A diferença entre um infrator e um delinqüente está em que o que caracteriza o delinqüente não é o ato de infração mas a sua vida A justiça condena o infrator pelo ato de infração o sistema carcerário não apenas faz com que a infração o marque pela vida toda como realiza a socialização 121 que o insere definitivamente no mundo do crime por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito revelase o caráter do delinqüente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica A introdução do biógrafo é importante na história da penalidade Porque ele faz existir o criminoso antes do crime e num raciocínio limite fora deste Idem224 O delinqüente e a delinqüência transcendem a situação carcerária Uma análise cuidadosa das características atribuídas aos delinqüentes na sociedade brasileira pode constatar não só que a delinqüência abarca a vida de determinados indivíduos presos como infratores da lei como também se estende pelos grupos mais pobres da população e que constituem a classe trabalhadora brasileira Os atributos pelos quais se define o delinqüente na verdade são expressão dos preconceitos afirmados com relação a certos grupos sociais A biografia do delinqüente é pois na verdade a biografia comum a todos os membros destes grupos sociais Costumase dizer que são as condições de pobreza da classe trabalhadora em geral ocupando a periferia das grandes cidades e composta em boa parte por pessoas vindas de áreas rurais que permitem o aumento crescente da criminalidade e da delinqüência a situação em que vive esta população baixos salários insalubridade habitação inadequada levaria os indivíduos a optar pela delinqüência Na verdade há uma contradição sutil nessas afirmações e uma inversão significativa na ordem dos fatores um rápido passar de olhos nas estatísticas sobre as prisões é suficiente para se perceber que realmente a maioria esmagadora dos presidiários vem das populações mais pobres no entanto proporcionalmente ao conjunto da classe trabalhadora o número de presos não é tão vasto assim Portanto e aqui está a sutileza dizer que recrutamse os presos ou os delinqüentes entre os membros desses grupos sociais é mais adequado do que dizer que as condições desse grupo levam seus membros a delinqüir Desse ponto de vista são os membros dos grupos mais pobres que são colocados suspeição O lugar onde a pessoa mora o tipo de trabalho que tem sua religião é que vão definir esta pessoa como propensa a atos delinqüentes Assim como se não bastasse a árdua luta pela sobrevivência esses grupos sociais ainda têm que lidar cotidianamente com a repressão oficial da sociedade através da polícia que encontra nos locais de moradia desse setor majoritário da população brasileira um vasto campo para exercer sua atividade coercitiva Deixemos por enquanto a polícia de lado para mostrar como se explicam as representações que a sociedade formula sobre a delinqüência e o delinqüente Estas representações se fazem em diversos níveis e abrangem aspectos da vida dos trabalhadores mais pobres como por exemplo as condições de habitação em geral em áreas periféricas ou favelas o baixo grau de instrução formal a adesão às religiões de origem africana e consideradas de mais forte apelo místico a situação empregatícia com grande número de desempregados subempregados empregados de ocasião e 122 biscateiros Em vez de expressarem atributos específicos de indivíduos que infringem a lei expressam atributos de uma situação social Seria mais fácil explicar essas representações se elas fossem encaradas como formulações da ideologia dominante pelas quais se expressa basicamente o sistema de entendimento da sociedade por parte das classes dominantes No entanto a ideologia dominante penetra também nas concepções dos mais pobres e em diversos momentos as representações sobre determinados fenômenos a delinqüência no caso se mostram se bem que de pontos de vista diferentes com muitas semelhanças É neste sentido que se pode entender porque as representações dos presos sobre o delinqüente e os motivos para a delinqüência tendem a confirmar as explicações que consideram as características de um grupo social como as do delinqüente A classe trabalhadora não só é colocada em suspeição como também coloca a si mesma sob suspeição quando assume para si as razões que fundamentam a representação dominante acerca da delinqüência Entre os presos é freqüente o raciocínio através do qual as razões gerais para a delinqüência estavam no tipo de emprego na falta de instrução nos problemas de família que supostamente caracterizam os grupos sociais a que pertencem Nos depoimentos sobre os casos pessoais os motivos das infrações no entanto eram outros não tendo nunca nenhuma relação necessária com as características atribuídas à grupos sociais e em conseqüência à delinqüência As razões para a delinqüência constituem também freqüentemente objeto de explicações por parte de pessoas de algum modo comprometidas com o sistema judicial e repressivo Delas podem se retirar racionalizações comuns principalmente no que se refere à origem social dos delinqüentes Interpretam sempre que o caminho para o crime começa na família na relação de emprego no local de moradia ou seja nas formas pelas quais esses grupos sociais realizam sua existência E ao pensarem tais formas as pensam de um ponto de vista negativo degradado de modo que elas passam a ser o lugar onde germina a chamada subcultura da violência A violência tornase assim um atributo das populações mais pobres está bem localizada e fácil de combater Esta tem sido a função da polícia Assim expressa por exemplo o exSecretário de Segurança Pública de São Paulo coronel Erasmo Dias sobre o assunto O problema todo é a família Se o garoto nasce filho de mãe solteira se o garoto vive no mocó se o garoto assiste seguidamente uma família descomposta em tudo e por tudo o que é o senhor acha que vai acontecer O crime O subemprego em São Paulo representa a maior escola de formação de criminoso E se o senhor descer aqui a rua Alagoas em qualquer esquina o senhor vê 5 6 7 10 menores e maiores e marmanjos e 123 crianças vendendo flores limpando vidros vendendo flanelas tudo isso é bandido em potencial Todos eles são ladrões30 O Coronel Antônio Erasmo Dias que comanda todo o aparelho civil e militar lembra que 70 dos atos antisociais praticados em São Paulo decorrem de uma infraestrutura falha originandose entre as populações mais atingidas por problemas como subnutrição subhabitação etc Essas populações engrossadas dia a dia pelos contingentes de migração acabam por se autodestruir na luta pela sobrevivência contribuindo de modo acentuado para a formação da chamada subcultura da violência31 As causas da delinqüência apontadas pelo exsecretário oscilam falaciosamente entre comportamentos percebidos de modo negativo e imputados aos membros dos grupos sociais pobres a mãe solteira a família decomposta até razões de ordem social que transcenderiam as responsabilidades individuais e recairiam como denúncias sobre a própria ordem social o subemprego Para desmascarar as razões da primeira ordem basta refletir sobre o caráter tendencioso delas de fato não se fala freqüentemente em mães solteiras ou famílias decompostas quando é outra extração social da mulher ou da família referida Mãe solteira é fundamentalmente uma imputação a mulheres pobres e dificilmente mulheres de outros grupos sociais em situações conjugais idênticas são designadas como tal Por outro lado as razões sociais captadas são logo destituídas de quaisquer implicações lógicas ou práticas a constatação da pobreza de subemprego de subnutrição de subhabitação não leva ao questionamento da ordem social mas à discussão sobre a eficiência da polícia Aumentarlhe o contingente a eficácia repressiva dos quadros e argumentos vem sempre a ser o melhor modo de combater a chamada subcultura da violência da qual contra todas as evidências se exclui a própria polícia Certamente ao contrário do que conclui o coronel os atos antisociais não ocorrem apenas entre as populações a que se refere Como diria Paoli 19773 mesmo quando chega a ser reconhecido que a criminalidade transgressão da ordem definida pela lei é disseminada por toda a estrutura de classes sociais não sendo privilégio dos trabalhadores o roubo as mortes violentas as agressividades passionais e outras várias as condenações e punições parecem ser privilégio de classe mais de 90 delas incide sobre pessoas de renda baixa bastando perceber a composição do pessoal dos presídios Nestas condições ao proporcionar punições com um caráter de classe tão marcado a justiça comum parece fundar um estilo próprio de pôr em vigência o texto legal Instala simultaneamente o espaço para o uso da violência no controle social sob a forma de uma vigilância constante e ameaça permanente de punição 30 Para acabar com o crime na cadeia na cidade uso até canhão Aqui São Paulo São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 p 20 124 O delinqüente é reconhecido pelos problemas que afetam estruturalmente os grupos sociais mais pobres e na verdade esses problemas se prestam a fazer convergir para os que vivem nessas condições a suspeita e as acusações de delinqüência Não ter emprego fixo estar trabalhando em biscates são situações pelas quais as forças de repressão da sociedade identificam o delinqüente e do seu ponto de vista os assim identificados percebem a trama A primeira vez me prenderam por vadiagem e não adiantou dizer que eu era estivador Depois eles não deixam mais a gente melhorar de vida afirmando que a ficha já está suja mesmo agora é botar pra quebrar É isso que eu venho fazendo32 Tava vadiando não Sou safaonça na Praça 11 fico parado perto dos caminhões a frete esperando carreto Só que nem sempre tem trabalho Mas como é que a gente vai provar isso pros homens do camburão33 A prisão pelo que o Código Penal chama de vadiagem cujas estatísticas de prisões revelam um número elevado de casos é a condenação pela falta de um trabalho que não é oferecido a todos Do grupo social submetido a estas condições as forças de repressão retiram aqueles que serão conhecidos e segregados socialmente como delinqüentes Parou na minha delegacia ficou Se chegam 10 suspeitos eu faço 10 autuações Primeiro porque acho que lugar de vadio é na cadeia Posso devolver à sociedade um elemento ruim Depois porque faço polícia não faço justiça34 Vadio é elemento ruim diz esse delegado de polícia e quem não tem emprego ou não tem comprovação em documentos de que trabalha pode ser considerado vadio e delinqüente e assim se classificam ou se ordenam certos grupos sociais como ameaçadores da ordem ou prontos para ações delituosas35 A prisão por esse motivo início de uma trajetória que leva de modo quase infalível à delinqüência caracteriza a maioria dos casos de ocorrência policial e através dela começa a separação entre aqueles que no futuro serão perseguidos pela polícia A perseguição se justifica pela ameaça que representam para a população Paradoxalmente a ameaça se exerce sobretudo sobre a outra parte dos grupos sociais de onde vieram já que sua ação vai recair principalmente sobre seus pares de origem 31 Insegurança o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 p 19 32 Norma COURI Vadiagem um caso de polícia Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 de junho de 1974 33 Idem 34 Idem 35 Aliás a observação não é nova e não se justifica somente para o caso do Brasil Referindose ao início da Revolução Industrial Marx dizia Los padres de la clase obrera moderna empezaron viendose castigados por algo que ellos mismos eran victimas por verse reducidos a vagabundos y mendigos La legislación los trataba como a delincuentes voluntários como si dependese de su buena voluntad el continuar trabajando en las viejas condiciones ya abolidas Karl MARX El Capital México Fondo de Cultura Economica 5ª edição 1968 VI p 625 125 Além do tipo de família e da situação de emprego o tipo de moradia dos mais pobres aparece sempre associada à delinqüência Eucanam de Azevedo um favelado de 20 anos foi quem chefiou a quadrilha que no final do ano passado praticou um dos maiores assaltos já ocorridos no Brasil roubando mais de 4 milhões de cruzeiros de uma agência do Bamerindus36 O delinqüente é identificado pelo fato de ser favelado antes de sêlo pelo ato de que é acusado Na favela habita boa parte das populações mais carentes dos grandes centros urbanos e que de forma alguma é composta de delinqüentes Não se pode negar que a maior parte dos presos procede de periferias favelas bairros pobres mas a sutileza da argumentação está no fato de que isto não significa que haja uma relação necessária e natural entre ser favelado e ser delinqüente a relação é social Na sua grande maioria os moradores das favelas não são delinqüentes mas são tratados enquanto tais pela polícia e pela justiça Uma inversão do argumento muda substancialmente o seu sentido As formas de representação social da delinqüência mostram o delinqüente como um favelado na perspectiva de que através dessa classificação quem fica qualificado é o favelado e não o delinqüente Em outras palavras quem precisa se defender da acusação de delinqüente é o favelado que por esse motivo procura isolar o grupo de delinqüentes diferenciálo dentro da própria favela tentando evitar a mistura das características do delinqüente com a sua embora essa medida não signifique um tratamento diferenciado por parte da polícia pois esta a todo instante investe contra essa população indiscriminadamente O que ocorre na realidade então é uma repressão organizada contra toda a população favelada ou periférica servindo como pretexto dizerse que o delinqüente mora ou se esconde nesses locais Os assaltos a mão armada foram quase 3 mil Os policiais mais experientes sustentam que a grande maioria desses assaltos foi cometido por favelados ou agentes do mesmo nível econômico e social que depois fogem e se escondem nos morros o que desmente a tese de alguns sobretudo o estilo de crime no Rio37 Às 20 horas de sextafeira toda a polícia da cidade foi mobilizada com 2 mil e 800 homens e 108 viaturas Morros favelas logradouros onde é conhecida a freqüência de delinqüentes foram vasculhados até as 4 horas de Sábado38 O coronel Edevaldo José dos Santos lembra que nesta região vivem mais de um milhão e trezentas mil pessoas que compõem uma população muito diversificada Há as áreas dos jardins da classe alta mas próximas do 36 Favelado chefiou assalto no Rio ao Bamerindus Estado de São Paulo 13 de março de 1976 37 Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 de novembro de 1972 grifos nossos 38 Jornal do Brasil Rio de Janeiro 11 de janeiro de 1976 grifos nossos 126 quartel do 1º BPM existem mais de 200 favelas e mais de 300 vilas lugares considerados como redutos de marginais O tenentecoronel explicou que seus homens já saíram para agir nas áreas onde há maior incidência de crime Eles já conheciam bem esses lugares e fizeram patrulhamento intenso com paradas em bares revista de documentos porte de arma etc Mas diz o tenentecoronel outro grave problema que interferiu na ação policial foi a precariedade de recursos da maior parte da região com ruas sem pavimentação sem comunicação luz água etc39 Este último texto por exemplo apresenta claramente alguns pontos fundamentais numa região de São Paulo Zona Sul onde vivem especialmente próximas pessoas ricas e pobres o policiamento tem que ser intenso O quartel da PM portanto fica perto de 200 favelas e os locais mais conhecidos pelos policiais são aqueles em que há precariedade de recursos Em outras palavras a polícia vigia intensamente não só a movimentação dos delinqüentes mas também toda a população Foucault 1977246 da qual são recrutados os delinqüentes As notícias redigidas por jornalistas denotam a naturalização do caminho e da origem da delinqüência É natural que os morros e favelas sejam os lugares considerados como reduto de marginais e deste ponto de vista tornase natural o vasculhamento freqüente desses locais Tais representações sobre a delinqüência também existem para essas populações sob as quais repousa a suspeição de que são a origem e o caminho do criminoso Para ele é necessário maior violência e repressão no trato com os delinqüentes já que são os mais afetados por suas atividades embora percebam que a polícia os considera a todos como potencialmente delinqüentes Na verdade esses fatos giram em torno da suspeição contra determinados grupos sociais Além da família da relação de emprego e do local de moradia outros elementos característicos da forma de existência desses grupos postos em suspeição são ainda associados à violência e à delinqüência Vejase por exemplo como a filiação a determinadas crenças religiosas é acionada neste sentido Os marginais raramente são corajosos Têm medo da polícia da reação das vítimas e supersticiosos temem sobretudo o castigo das almas Geralmente recorrem aos entorpecentes para ficar leão corajoso ousado como costumam dizer E para evitar a captura a morte ou o malogro apelam para a Umbanda e a Quimbanda preferindo naturalmente os Exus do mal Entre as diversas práticas a mais comum é a de fechar o corpo É na Quimbanda entretanto onde os marginais mais se apoiam oferecendo comidas e abatendo animais destinados a Exus para alcança seus objetivos ilícitos 39 Jornal do Brasil São Paulo 3 de maio de 1976 grifos nossos 127 As mulheres delinqüentes as que se dedicam ao lenocínio ou freqüentam bares suspeitos e inferninhos são fervorosas adeptas de Pomba Gira a mulher se sente Exu 40 A forma pela qual se relaciona o crime com a religião na verdade investe em primeiro lugar contra a religião e em segundo lugar contra o crime O que fica patente é uma condenação aberta às formas de manifestação religiosa professadas pelos grupos sociais mais pobres que se dá mais fortemente do que a delinqüência propriamente dita Em outras palavras as crenças religiosas do grupo são antes degradadas e então associadas a práticas ilegais de modo a constituírem atributos negativos do grupo e aparecem como componente naturais da delinqüência O preconceito se expressa claramente com relação ao tipo de religião em geral considerada atrasada de negros e ligada a outros valores não legitimados pelas chamadas religiões históricas A descrição de aspectos dessa religião adquire um tom de ridicularização Através da denúncia de delinqüentes condenase formas de manifestação religiosa reconhecidas como formas nas quais os delinqüentes se apoiam para cometer seus atos criminosos Mas o procedimento contra a crença popular não termina ai Uma análise científica professada por um psicanalista também incorre nas mesmas formulações Os criminosos não fogem às limitações do homem do povo Somandose as deficiências patológicas as insuficiências biopsíquicas mais as condições criminógenas do meio temos terreno fértil para propagação de crendices e superstições41 Neste caso a opinião é mais radical na medida em junto às crendices e superstições são apresentadas razões de ordem científica A ciência e sua objetividade desempenham um papel legitimador de preconceitos contra a cultura de outra classe social que não a do cientista naturalmente Pela expressão limitações do homem do povo o cientista pretende demonstrar que não só com relação às crenças mas também em outros aspectos o povo é atrasado além de reconhecer abertamente que o criminoso tem sua origem no povo Prosseguindo neste caminho outros fatores alegados como condição para a delinqüência tais como as condições criminógenas do meio expressam a mesma idéia de que as condições de determinados grupos sociais os predispõem naturalmente para o crime Como está falando do povo é do seu meio que se produz o delinqüente Por outro lado as crendices e superstições atributos de caráter popular tornamse parte de uma explicação que considera inclusive estas atitudes como problemas 40 Ramão Gomes PORTÃO Marginal busca proteção no sobrenatural Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 41 Psicanálise interpreta os impulsos Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 128 patológicos com a diferença no caso de que o patológico está sendo conferido a toda uma camada da população Sendo discriminadas com relação ao local de moradia à religião ao trabalho à família à educação as pessoas passam a reagir defensivamente dentro do seu próprio grupo em suspeição procurando cada qual definirse como diferente dos outros do mesmo grupo que formariam o conjunto dos delinqüentes Pleiteiam tal diferenciação apresentadose por exemplo como tendo um trabalho fixo com carteira assinada Isso porque sabem que estar desempregado ou subempregado e consequentemente sem documentos comprobatórios de vínculo empregatício implica ser identificado como delinqüente e correr o risco de ser preso como vadio Neste mesmo sentido outros elementos tais como instrução formal vestuário local de moradia podem ser acionados alternativamente ou simultaneamente com o intuito de distanciarse das características do seu próprio grupo Tudo isto levanta uma série de problemas no que diz respeito às formas de representação social da delinqüência A possibilidade de perceber estes preconceitos contra determinados grupos sociais não pode ser deixada de lado quando se explicita a definição da delinqüência ainda porque como em todo o preconceito seu objeto no caso os grupos mais pobres assume para si os atributos que lhe estão sendo imputados Os delinqüentes são pensados como naturalmente procedentes dos grupos sociais mais pobres e nestas condições é difícil acreditar que a lei se exerça igualmente para todos e em nome de todos Neste sentido como diz Foucault 197724344 a prisão mesmo fracassando atinge seu objetivo ou seja suscita uma forma particular de ilegalismo separado e organizado por ela A prisão contribui para estabelecer um ilegalismo a delinqüência que na verdade resume simbolicamente todas as outras formas de ilegalismos mas que deixa de lado aqueles ilegalismos que convém tolerar A delinqüência seria para Foucault um efeito da penalidade de detenção na medida em que serve para diferenciar os ilegalismos Sem dúvida a delinqüência é uma das formas de ilegalidade em todo caso tem suas raízes nela mas é um ilegalismo que o sistema carcerário com todas as suas ramificações investiu recortou penetrou organizou fechou num meio definido e ao qual deu um papel instrumental em relação aos outros ilegalismos Em vez de fracasso podese então dizer que a prisão é bem sucedida em produzir a delinqüência ou mais ainda em especificar uma delinqüência A prisão substitui o infrator da lei pelo delinqüente A delinqüência produzida pela penalidade de detenção seria um ilegalismo fechado separado e útil O círculo da delinqüência não seria o subproduto de uma prisão que ao punir não 129 conseguisse corrigir seria o efeito direito de uma penalidade que para gerir as práticas ilegais investiria algumas delas num mecanismo de punição reprodução de que o encarceramento seria uma das peças principaisIdem244 A delinqüência como um ilegalismo fechado traz uma série de vantagens A começar pela facilidade com que pode ser controlada Diferente do bandido europeu dos séculos XVIII e XIX que tinha apoio do grupo social de onde saia pois expressava de certo modo a rebelião do grupo contra a situação social pela qual passava hoje o delinqüente pratica uma criminalidade recusada pela população da qual é recrutado pois a violência da ação delituosa assim como a violência da prática repressiva que supostamente a ação desencadeia recai sobre esta mesma populaçãoIdem245 A delinqüência permite que em nome do seu controle se vigie toda a população atingida dessa forma Considerar a favela por exemplo como um reduto de criminosos justifica uma repressão constante sobre toda sua população No entanto para que a delinqüência possa se manter isolada e útil tornamse necessários mecanismos além da prisão para sua produção Devese a isso o desenvolvimento dos controles policiais A função da polícia de controlar a delinqüência se exerce principalmente nos grupos sociais mais pobres Na verdade é desses mesmos grupos sociais que se recrutam tanto o delinqüente quanto seu repressor o policial A sociedade de classes mantém um sistema de repressão pelo qual da classe colocada em suspeição são retirados tanto os elementos que justificam a vigilância constante quanto os elementos que exercem tal vigilância42 O policial não pode não está preparado e nem tem condições É fácil entender isso Por mais que nós selecionemos o policial o policial nós selecionamos exatamente na sociedade em que vai servir O policial militar por exemplo o patrulheiro ele é selecionado numa classe efetivamente de nível baixo É um cidadão que tem quando muito o primário quando muito tem o ginasial e esse cidadão normalmente tem dentro de si tudo aquilo que tem a sociedade43 A policia juntamente com a prisão desempenha um papel fundamental na produção e manutenção da delinqüência Segundo Foucault 1977248 a políciaprisãodelinqüência se apóiam uns sobre os outros e formam um circuito que nunca é interrompido Este circuito se inicia 42 Paoli expressa muito bem esta idéia de que vítimas agressores e repressores tem a mesma extração social vítimas e agressores pertencem a uma mesma população da qual aliás são também retirados os baixos escalões dos órgãos repressivos encarregados desta vigilância constante Violência e controle portanto estão intimamente entrelaçados nas condições da vida dos trabalhadores urbanos mas a sua relativa indistinção deste prisma deixa de existir na medida em que a violência é objeto de monopólio legal pelos órgãos de repressão Maria Célia PAOLI op cit p 7 43 Para acabar com o crime na cidade uso até canhão Aqui São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 130 quando a polícia recruta nas populações mais pobres os indivíduos para se iniciarem na delinqüência A prisão é o passo seguinte pois através dela estes indivíduos são socializados para o crime se juntam com delinqüentes já formados se organizam para atuarem depois da cadeia Aqueles que entram na cadeia ficam definitivamente marcados como delinqüentes Basta ouvir os presos para saber dos obstáculos cuidadosamente erguidos a partir da cadeia de modo a tornar impossível a reinserção na vida social Os documentos além de difíceis de conseguir são discriminatoriamente marcados daí ser difícil obter emprego A polícia também os persegue por terem antecedentes criminais e assim que caem em suas mãos retornam à prisão A utilização da delinqüência para um maior controle de determinados setores da sociedade se expressa também através do noticiário policial das emissoras de rádio e de vários jornais em geral populares É comum a esses jornais apresentarem o crime e o criminoso como próximos e parte do cotidiano e assim tentar tornar cada vez mais aceitável a ação da polícia e seus colaboradores Da maneira como essas formulações estão sendo feitas à primeira vista pode parecer que se está supondo uma intencionalidade ou um plano maquiavelicamente elaborado de subjugação de classe Na verdade não se trata disso mas sim da constatação de articulações necessárias entre elementos que constituem parte importante no funcionamento do nosso sistema social Em outras palavras tanto a polícia a prisão e a justiça se aprimoram para a manutenção do status quo existem para sua defesa mas a suposição explícita é de que tal manutenção e defesa requerem uma ação que tenha êxito em eliminar a delinqüência O que a análise mostra é bem o contrário a polícia a prisão a justiça produzem a delinqüência embora eliminando alguns delinqüentes e ao fazêlo mantêm e defendem o sistema Por fim após constatarmos a importância da delinqüência como forma de controle sobre todo um campo social composto pelas camadas mais pobres da sociedade convém fazer referência também ao modo pelo qual a delinqüência desempenha um papel econômico e político cujo desmembramento se estende por diversas atividades da sociedade A importância neste sentido é ainda maior se se entende o grupo dos delinqüentes como um grupo discriminado controlado e ainda alvo da desconfiança dos demais componentes dos grupos sociais de onde provêm Foucault percebeu que este fato proporciona às classes dominantes a possibilidade de ter como resultado um gigantesco lucro econômico e lembrou as somas fabulosas que produzem a prostituição o tráfico de drogas além do que a delinqüência produziria um lucro político pois quanto mais há delinqüentes mais a população aceita os controles policiais sem falar no benefício de uma mãode 131 obra garantida para as baixas jogadas policiais boateiros agentes provocadores eleitorais furadores de greve44 O produto econômico do crime não termina com os lucros que a delinqüência isolada proporciona mas se diversifica se pensarmos no modo pelo qual a delinqüência produz ou mantém uma grande quantidade de atividades Contudo a forma pela qual essas atividades se ligam ao crime nem sempre estão explícitas Se o lucro político é mais encoberto o lucro econômico chega a ser percebido e denunciado pelos próprios delinqüentes Num depoimento marcado pela revolta contra a situação dos presos na cadeia um preso através de sua denúncia deixa claro sua concepção acerca da ligação do crime com outras atividades econômicas Eu vou falar uma coisa é uma coisa pesada o que eu vou falar eu não sei quem é se é a justiça se é a própria sociedade ou se é o governo eu não sei explicar mas tem alguém que quer que continue esta imagem de bichos este mito pra tirar proveito não sei de que Só pra ilustrar o porque ontem por exemplo vieram 34 elementos no bonde então desses 34 elementos analisa bem pelo menos 50 vai ter que constituir advogado é lógico mas a Casa não tem advogado Então o advogado vai tirar deste elemento o advogado tem emprego tem que pagar o empregado então ele está tirando deste elemento pra pagar o empregado O advogado tem um Dart novo então vai tirar deste elemento pra pagar o Dart o advogado tem casa de campo então vai tirar deste elemento pra pagar a casa de campo Então é uma indústria não tem necessidade de acabar o crime eu acho que não tem porque se acabar o crime vai acaba uma indústria muito grande Depoimento de um preso da Casa de Detenção SP O preso localiza na continuação de seu depoimento num interesse para ele inexplicável de que o crime continue e com tanto interesse em jogo Prosseguindo o raciocínio o preso chega a formular a dúvida porque será que se investe mais em cárceres que em escolas E agora é ele que coloca a sociedade em suspeição É a mesma coisa que acabar o petróleo pô Eu tenho um poço de petróleo então não posso deixar secar não é verdade Se aquele está secando então vou ter que fazer outro pra tirar A mesma coisa com um poço de água Eu tenho uma casa que não tem água encanada se aquele poço está secando ôpa Vou fazer outro poço porque essa água vai acabar Então eu acho que tem elementosnão interessa Agora de quem não sei Eu não acredito que seja interesse do governo estar desperdiçando de verba por mês 105 milhões como dispõe pra Casa de Detenção Eu acho que não é interessante pro governo Ele poderia gastar muito dinheiro construindo faculdades tá certo porque o problema maior de São Paulo é problema de ensino Você vê que todo ano quantos excedentes ficam ai então o governo gasta 100 150 bi com o problema carcerário do que gastar 5 6 fazendo 44 Opinião Rio de Janeiro 16 de maio de 1975 Entrevista com Michel Foucault 132 uma faculdade fazendo professores não é verdade Agora por exemplo ai você vê qual é o interesse Talvez que a indústria faculdade não seja tão rendosa pra eles só posso analisar desta maneira Rendoso como é onde que eu quero saber que eu quero alguém veja isso ai Eu não vejo até agora não enxerguei ainda Depoimento de um preso da Casa de Detenção SP Marx 197420304 parece partilhar desta visão segundo a qual a delinqüência produz lucros sociais além de delitos o delinqüente produz delitos mas não apenas isso produz também um direito penal produz o professor que dá cursos sobre direito penal e até o inevitável manual em que este professor congrega suas aulas com vista ao comércio Além disso o delinqüente produz toda a organização da polícia e da justiça penal produz os agentes policiais os juízes os jurados etc e estas diversas profissões que constituem outras tantas categorias de divisão social do trabalho desenvolvem as diversas faculdades do espírito humano criam novas necessidades e novas formas de satisfazêlas A tortura por si só provocou os inventos mecânicos mais engenhosos e deu trabalho a toda uma multidão de trabalhadores honrados dedicados à produção de seus instrumentos O delinqüente produz uma impressão de caráter moral e às vezes trágica estimulando deste modo a reação dos sentimentos morais e estéticos do público Além dos manuais de direito penal de códigos penais e legisladores produz arte literatura novelas e até tragédiasIdem20304 A delinqüência teria um alcance maior na sociedade exercendo também a função de reguladora do mercado de trabalho O crime alivia o mercado de trabalho de uma parte da população sobrante atenua a concorrência entre os trabalhadores e impede até certo ponto que o salário baixe do nível mínimo por outro lado a luta contra o crime dá trabalho a outra parte da mesma população O delinqüente vem a ser pois um desses fatores que estabelecem o saudável equilíbrio e abrem uma perspectiva de ocupações úteisIdem Seguindo esta linha de raciocínio diríamos que os desdobramentos econômicos oriundos do crime são ainda maiores desenvolvese a indústria que se ocupa em produzir instrumental para as penitenciárias45 a tecnologia para a fabricação da moeda evitando a falsificação os enlatados da TV um dos sustentáculos da indústria cinematográfica e que retiram seus enredos dos temas ligados ao crime Por outro lado a ameaça que a delinqüência faz pairar sobre a propriedade abre espaço para criação de novas 45 Nos EUA foi o único ramo da indústria a crescer no período de recessão econômica dos primeiros anos da década que se iniciou em 1970 A Southern Steel uma velha indústria norteamericana garante que pelo menos um setor não está sendo atingido pela recessão econômica internacional o de produção de equipamentos para prisões e penitenciárias A Southern é a maior e a mais antiga fábrica deste tipo de material nos Estados Unidos e distribuiu recentemente um relatório a seus acionistas onde dizia que este é o melhor período de sua história a receita da empresa cresceu 38 em relação ao mesmo período do ano anterior 133 medidas de segurança aparelhagem de controle mais moderna para ser mais eficaz tecnologia mais apurada para descobrir fraudes Marx 1974204 Em suma a importância que assume a delinqüência na sociedade de hoje extrapola de muito seus limites A delinqüência não serve somente ao exercício de um controle mais rígido sobre os grupos sociais mais pobres como também propicia crescimento da indústria descompressão do mercado de trabalho fatores econômicos que monstram sua complexidade no conjunto dos fenômenos sociais O crime e o criminoso desempenham um papel social relevante para a manutenção do sistema social 134 Bibliografia utilizada ADORNO Sérgio 1993 A criminalidade urbana violenta no Brasil um recorte temático BIB 35 São Paulo ANPOCS ANISTIA Internacional 1999 Brasil Aqui ninguém dorme sossegado Violações de direitos humanos contra detentos São Paulo Anistia Internacional pp3 BERREMAN Gerard D 1975 Etnografia e controle de impressões em uma aldeia do HimalaiaDesvendando Máscaras Sociais GUIMARÃES Alba Zaluar org Rio de Janeiro Livraria Francisco Alves Editora SA BRANDT VC e outros 1986 O trabalhador preso no Estado de São Paulo São Paulo Cebrap CASA DE DETENÇÃO DE SÃO PAULO 1974 Relatório anual exercício de 1974 São Paulo CÓDIGO PENAL 1960 Belo Horizonte Edições LEMI DURKHEIM Émile 1968 Les formes élémentaires de la vie religieuse Paris Presses Universitaires de France FOUCAULT Michel 1977 Vigiar e punir história da violência nas prisões Petrópolis Vozes 1975 Surveiller et punir naissance de la prison Paris Editions Gallimard GOFFMAN Erving 1959 The presentation of self in every day life Nova York Doubleday IBGE Anuário estatístico do Brasil Rio de Janeiro 1974 MARX Karl 1968 El Capital México Fondo de Cultura Economica 5ª edição VI 1974 História crítica da teoria da maisvalia Buenos Aires Ed Brumário VI MISSE M et al 2001 Violência Criminalidade Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil uma bibliografia BIB 50 São Paulo ANPOCS PAOLI Maria Célia 1977 Justiça e poder as classes subalternas e o direito São Paulo USP mimeo REGIÃO METROPOLITANA DO ESTADO DE SÃO PAULO diagnóstico 75 Segurança Pública São Paulo 1975 RELATÓRIO e conclusões da CPI destinada ao levantamento da situação penitenciária no país Brasília 1976 SOUZA Percival de 1977 A prisão histórias dos homens que vivem no maior presídio do mundo São Paulo Editora Alfa Omega ZALUAR Alba 1999 Violência e Crime O que ler na ciência social brasileira 19701995 Miceli Sérgio org São Paulo Editora SumaréANPOCS Jornais e Revistas A VIDA depois da prisão Jornal da Tarde São Paulo 24 de novembro de 1975 AS CONCLUSÕES da CPI sobre nossos presídios Jornal da Tarde São Paulo 28 de outubro de 1975 135 COURI Norma Vadiagem um caso de polícia Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 de junho de 1974 ESTADO de São Paulo São Paulo 15 de julho de 1975 ESTE é o melhor lugar para os criminosos planejam os crimes mais perfeitos sem serem incomodados pela polícia Campanha da Casa do Albergado da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo Jornal da Tarde São Paulo 12 de dezembro de 1975 FAVELADO chefiou assalto no Rio ao Bamerindus Estado de São Paulo São Paulo 13 de março de 1976 GUARDA um problema na prisão Estado de São Paulo São Paulo 12 de dezembro de 1975 INSEGURANÇA o cotidiano na grande cidade Visão São Paulo 17 de maio de 1976 JORNAL do Brasil Rio de Janeiro 5 de novembro de 1972 JORNAL do Brasil Rio de Janeiro 11 de janeiro de 1976 JORNAL da Tarde São Paulo 3 de maio de 1976 LEVANTAMENTO nacional sobre a situação dos presídios no Brasil Jornal do Brasil Rio de Janeiro 18 de agosto de 1974 OPINIÃO Rio de Janeiro 16 de maio de 1975 PARA acabar com o crime na cidade uso até canhão Aqui São Paulo São Paulo 6 a 12 de maio de 1976 PORTÃO Ramão Gomes Marginal busca proteção no sobrenatural Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 PRISÕES A PÓSGRADUAÇÃO DO CRIME Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 de agosto de 1976 PSICANÁLISE interpreta os impulsos Estado de São Paulo São Paulo 2 de abril de 1972 SOLTAR para recuperar Veja São Paulo 14 de janeiro de 1976 SOUZA Percival Jornal da Tarde São Paulo 7 de julho de 1976 Bibliografia consultada ANTONIO João 1975 Leão de chácara Rio de Janeiro Civilização Brasileira BARBOSA Adriano 1971 Esquadrão da morte um mal necessário Rio de Janeiro Editora Mandarino 1971 Mariel um Ringo a sangue frio Rio de Janeiro Lós Editora Ltda BARRETO Djalma LG 1975 Violência arquétipo e lei Petrópolis Vozes BECKER Howard 1971 Los Extraños sociologia de la desviación Buenos Aires Editora Tiempo Contemporaneo BERLINCK Manoel T 1975 Marginalidade Social e relações de classes em São Paulo Petrópolis Vozes BRITTO Lemos 1946 O crime e os criminosos na literatura brasileira Rio de Janeiro José Olympio Editora 136 CONY Carlos Heitor et alii 1965 Assim marcha a família Rio de Janeiro Civilização Brasileira CUNHA LIMA João M 1974 Polícia e Criminologia São Paulo Ibrasa DAVIS Shelton H org 1973 Antropologia do direito estudo comparitivo de categoria de dívida e contrato Rio de Janeiro Zahar Durkheim E 1971 Las reglas del metodo sociologico Buenos Aires Schapire Editor ENZENBRGER Hans Magnus 1968 Política y delito Barcelona Editorial Seix Barral ESTERCI Neide 1972 O mito da democracia no país das bandeiras análise dos discursos sobre colonização e migração no Estado Novo Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo FRANCO M S de Carvalho 1969 Homens livres na ordem escravocrata São Paulo IEB GARCIA Jr Afrânio R 1975 Terra de trabalho Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo GOFFMAN Erving 1971 Asylums essays on the social situation of mental patients and other inmates Middlesex Penguim Books GOLDWASSER Maria Julia 1974 Cria fama e deitate na cama um estudo de estigmatização numa instituição total VELHO Gilberto org Desvio e divergência Rio de Janeiro Zahar HOBSBAWM EJ 1975 Bandidos Rio de Janeiro Forense Universitária KOWARICK Lúcio 1975 Capitalismo e marginalidade na América Latina Rio de Janeiro Paz e Terra LEINWAND Gerald 1972 The police Nova York Pocket Books LEITE LOPES José Sergio 1976 O vapor do diabo o trabalho dos operários do açúcar Rio de Janeiro Paz e Terra LOPES REY Manuel 1973 Crime um estudo analítico Rio de Janeiro Artenova LOUZEIRO José 1975 Lúcio Flávio o passageiro da agonia Rio de Janeiro Civilização Brasileira MACHADO DA SILVA LA 1971 Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade Rio de Janeiro Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ Tese de Mestrado Mimeo MAIA Clive 1962 Sol quadrado Rio de Janeiro Pongetti MALINOWSKI Bronislaw 1966 Argonauts of Western Pacific London Routledge Kegan Paul MARCOS Plínio 1976 Uma reportagem maldita Querô São Paulo Símbolo PAOLI Maria Célia 1974 Desenvolvimento e marginalidade São Paulo Pioneira PEREIRA J 1975 Violência uma análise do homo brutalis São Paulo Editora AlfaOmega RAMOS Graciliano 1960 Memórias do Cárcere São Paulo Editora Martins RIBEIRO Otávio 1977 Barra pesada Rio de Janeiro Editora Codecri SANTOS Ary dos 1939 Como nascem como vivem e como morrem os criminosos Lisboa Livraria Academia 137 STOFFELS Marie Ghislaine 1977 Os mendigos na cidade de São Paulo Rio de Janeiro Paz e Terra SUTHERLAND Edwin H org 1972 The professional thief by a professional thief Chicago The University of Chicago Press 12ª edição THOMPSON Augusto F G 1976 A questão penitenciária Petrópolis Vozes TYGEL Angela M F et al 1973 Delinqüência juvenil na Guanabara Rio de Janeiro Rival Artes Gráficas Ltda 138 Anexo Entre as experiências relatadas pelos presos da Casa de Detenção de São Paulo uma pareceu particularmente esclarecedora do argumento desenvolvido neste livro Tratase da experiência limite de um preso na tentativa de provarse como recuperável face a obstáculos impostos e intransponíveis infelizmente temse que omitir alguns trechos dos mais convincentes neste para não identificar a pessoa A riqueza de detalhes e a força da denúncia da entrevista justificam sua inclusão como uma forma de divulgação do protesto nela contido e uma contribuição a quantos se disponham a aprofundar a reflexão sobre o tema em questão Seus pais faziam o que Minha família é uma família meio humilde Família pobre Meus irmãos são muito pobres É mais meu pai eu não cheguei a conhecer Não tive um amor de pai Tive uma senhora mãe que se encontra viva até hoje cinco irmãos casados o único solteiro na família sou eu Você é o mais novo mais velho Mais novo Sou o caçula E teu pai fazia o que Ah Meu pai era o irmão dele tinha uma fazenda no interior de então ele vivia na fazenda trabalhando depois todos nós viemos para depois que ele morreu E tua mãe trabalhava Trabalhava E ela era o que Lavadeira E teus irmãos sempre trabalhavam Sempre trabalhavam É eles são pintores de parede Todos eles Todos eles Mas você você fez escola em você chegou a estudar Fiz Eu cheguei a estudar até o segundo ano Mas eu não adquiri o suficiente na segunda parte A maior parte do estudo que eu vim aprender foi na cadeia Você começou a trabalhar com que idade mais ou menos Com quatorze anos eu era balconista no E depois disso você continuou balconista Continuei sendo balconista Eu morava num bairro muito e eu era muito popular no bairro onde eu morava Era conhecido geral de todo mundo Mas tudo parte de uma coisa sabe eu conto a história e ninguém acredita Eu conheci uma família lá em foi nessa família a primeira garota que eu comecei a gostar dela Eu gostava de jogar futebol mas o time que eu jogava lá os dois donos do time tinham passagem pela polícia tinham fama de maconheiro eram mal vistos no bairro Mas eu não deixava os rapazes pela má fama deles Porque eu jogava no time o que eles eram não me interessava Mas como eu andava junto com eles no grupo lá eu comecei a ser difamado por eles certo Justamente a família que eu tinha amizade criticou minha pessoa me falaram que eu estava 139 praticando os mesmos atos que eles praticavam Eu tinha um amigo que era irmão da garota que eu queria na época A família proibiu o rapaz de andar comigo por essas coisas Como é que você conheceu esse pessoal Eu conheci na brincadeira eu e o rapaz com quem eu me dava a moça também Jogando bola É jogando bola Peguei amizade com a família Foi época que começaram as críticas Ele chegava em mim e explicava minha família não quer mais que eu ande com você porque você está se dando com fulano fulano fulano e você é isso e aquilo Mas ele não deixou a amizade dele nós se encontrávamos por outros lados por outros meios Eu gostava da irmã dele é uma história complicada sabe Bom a família proibiu ele de andar comigo ele começou a andar com a pessoa que eu estava andando no fim aquela pessoa matou ele matou ele Era um dos caras Era um dos caras Quer dizer a família proibiu ele de andar comigo ele foi andar com um cara o cara matou ele Quer dizer eu tinha uma amizade sincera com ele apesar de que eu nunca pus a mão em nada de ninguém eu era apenas moleque sem cabeça mesmo Mas com a morte dele e a má fama que tinham colocado em cima de mim eu me senti revoltado me senti tenho sentimentos Naquele dia eu até comecei a andar mesmo com aqueles rapazes Eu não era estavam me criticando eu comecei a andar Mas eu tive muita advertência quanto à minha pessoa mas não adiantou nada Porque você começou a andar Eu trabalhava nunca tinha posto a tal de maconha na boca eu estava sendo criticado no bairro todo que eu era maconheiro era ladrão era isso era aquilo a única amizade que eu tinha era esse rapaz e a irmã dele que eu gostava muito deles A família proibiu ele de andar comigo a irmã também proibiu nossa amizade então eu me senti um cara diferente né Então eu sai com essa eu não roubo não fumo maconha eles tão me criticando então eu vou praticar o que eles estão falando ai Eles estão falando o que eu não sou Ai eu comecei a andar com os caras então eu conheci tipos de tóxicos eu conheci através de todo esse meio Já roubei depois eu comecei a roubar comecei a andar com eles comecei a roubar Primeira coisa que eu roubei foi uma bicicleta Daí partimos pra cidade comecei a roubar carro continuei ai a crítica aumentou mais né Eu acho que a culpa a metade é da minha parte mas a metade é da família devido à critica que fez à pessoa sendo que essa pessoa não praticou delito Mas me explica uma coisa essa família que você falou agora ela era o que uma família do bairro onde você morava Ela era do bairro Uma família de gente bem um lar honesto modesto então eles achavam que se eu fosse realmente o que eles falavam não merecia amizade da família certo E a tua família o que que falava A minha família me criticava também A minha família nunca viu nada de mim antes dessa família criticar Eu fui sempre benquisto em casa e sou até hoje Não é porque eu errei porque eu estou na cadeia que eles esqueceram de mim Acho que o mesmo amor que minha mãe e meus irmãos tinham por mim eles têm até hoje E como é que você conheceu esse rapaz jogando bola né Ai ele te chamou para casa As irmãs dele estavam no colégio ai ele ia todo dia buscar elas no colégio e me chamou pra ir junto com ele Eu ia junto com ele quando ele pedia Esse rapaz trabalhava no Diário de na cidade de no jornal Ele fazia o que Ele entregava jornal ele era estafeta lá da firma E eu ia também com ele De vez em quando eu estava de folga porque eu trabalhava de meiodia pra tarde e de manhã eu ia com ele entregar jornal Nossa amizade começou assim E quando você começou andar com esse pessoal mais ou menos que idade você tinha Eu tinha 15 ou 16 quase pra 17 anos já Já fazia bastante tempo eu já estava com amizade com essa família E esse rapaz morreu você tinha quantos anos 140 Eu já estava com 17 anos E porque ele morreu Um dos rapazes lá deu uma facada nele no umbigo então ele chegou no hospital num agüentou deu derrame interno não agüentou a operação e ele morreu Porque ele deu a facada você sabe Não fiquei sabendo porque quando ele matou o rapaz no mesmo dia ele entrou em flagrante foi cadeia Mas quando ele foi pra cadeia eu não quis mais ficar lá em ai minha irmã já estava em São Paulo ela me trouxe pra cá Porque no dia em que ele morreu eu jurei a vingança dele do rapaz mas eu falei por nervosismo Também essa família pediu para a minha irmã me trazer para São Paulo quando ele foi pra cadeia Quando eu cheguei em São Paulo fiquei sabendo que ele ficou seis meses na cadeia e depois foi embora para a rua A própria mãe do rapaz escreveu pra mim dizendo porque no dia do enterro do rapaz eles se arrependeram de ter cortado a amizade do rapaz comigo se o rapaz não tivesse morto nada disso ia acontecer Ai você com 17 anos veio pra cá Vim pra São Paulo E aqui que é que você fez Aqui minha irmã era noiva de um rapaz que era dono de uma oficina mecânica e ela arrumou um serviço pra eu trabalhar com ele ser ajudante de pintor de automóvel Ai eu comecei a trabalhar com ele na oficina lá Eu tinha um pouco de experiência do que é a vida de um delinqüente Nessa época você já tinha feito alguma coisa lá em Em Já tinha feito diversas coisas principalmente depois do rapaz morrer O que você tinha feito lá Mas a polícia nunca tinha te pegado né Já tinha ido pro Juizado de Menores fui internado eu nesse tempo ai dos 14 aos 17 anos fui internado duas vezes Fui pro juizado umas 3 ou 4 vezes depois acalmou um pouco Como é que é dentro do Juizado O Juizado é um estabelecimento não é tão pesado quanto uma cadeia dessas sabe as pessoas se tratam com mais amor mais carinho assim mais quer dizer eles têm mais responsabilidade eles têm mais cuidado com as pessoas com os menores Muito apoio principalmente do governo da sociedade das assistentes que trabalham né que elas são funcionárias públicas também É um lugar que se dá pra recuperar o menor ali dentro Isso na minha terra E o RPM daqui que tal O RPM é a mesma coisa que uma cadeia dessas Era pior que uma cadeia dessas na época que eu tive ai Por que Não sei se é devido a ser muito grande tem diversos tipos de menores diversas qualidades de delinqüentes de menores Porque se a gente for analisar direito muitos menores são mais perigosos que muitos maiores que estão na cadeia Eles não pensam pra fazer as coisas eles fazem e está feito e muitos deles fazem as coisas sabendo premeditada Bom eu posso fazer sou menor se eu matar aquela pessoa ali se eu roubar eu vou pro Juizado de Menor pra cadeia nem nada Também esses fazem sabendo O Juizado daqui eu até comparei o Juizado do RPM com a cadeia daqui essa Casa de Detenção Lá não se entendia com o outro era uma política juntava 3 4 5 quebrava entrava maconha vinha tudo louco e eu também tava no meio deles certo Nessa época minha acho que até hoje ainda é comparada Muitas pessoas temem o RPM e não teme essa cadeia Não sei se é o modo de agir mais preso regime mais seguro O menor a polícia não vai querer desabonar eles através da violência da ignorância Não adianta a ignorância inclusive Por que não adianta Acho que a ignorância não tanto para o menor quanto pra gente também é mais difícil É mais fácil uma pessoa querer regenerar um delinqüente com carinho do que com a ignorância A ignorância fica mais sentida porque eu apanhei muito na minha vida Apanhei muito porque em frente à minha casa morava um delegado aposentado a minha mãe me amarrou uma vez ele foi lá pediu pra 141 minha mãe me tirar porque minha mãe bateu em mim Todo dia eu apanhava para não mexer com nada de ninguém nem sair de casa Minha mãe não gostava que eu saísse quer dizer couro não adiantou pra mim então essa experiência eu tiro por mim mesmo apesar que a gente tomar uma surra de mãe não é igual tomar uma surra de uma polícia né No atendimento tem diversas diferenças entre a polícia que trata os maiores e os menores Que diferenças A diferença é que aqui eles batem não quer saber onde está batendo se é na cabeça se é no pulmão se é eles não querem saber onde tá batendo Lá no menor eles batem no corpo na mão no pé Eles escolhem o lugar pra bater na pessoa eles falam que é com mais humanidade com mais carinho pelas pessoas Muita ignorância não adianta muita ignorância não adianta Você quando esteve lá no Juizado de Menores em quando você saiu você não pensava em mudar alguma coisa Olha todo tempo que eu saí pra fazer as molecagens na rua eu sempre trabalhei até em São Paulo eu estava trabalhando Quer dizer não era um criminoso totalmente entregue ao crime Entram as duas partes eu me dedicava ao crime e me dedicava ao trabalho Portanto meus crimes foi tudo à noite É menos periculosidade porque o crime feito de dia é mais periculoso que o de noite De noite a pessoa tem menos periculosidade porque de dia a pessoa tem mais Eu trabalhava de dia na oficina de noite eu saia com um rapaz e aprontava E lá em que que você fez Primeiro carro que eu roubei foi um jipe Depois do jipe comecei a roubar carro meus parentes lá são tudo eles trabalham pro governo No DETRAN tem outro que trabalha na Captura tudo tio cunhado primo toda a minha família a única ovelha negra sou eu mesmo E tua família acha que você é ovelha negra É né já que meu nome foi lançado no rol dos culpado também o nome da família ficou sujo não como ladrão porque o culpado sou eu que que pode acontecer Descobriram esse nome quem tem que pagar sou eu mas também fica marcado o nome da pessoa na justiça como ladrão apesar de que a pessoa acha que o nome ladrão é uma coisa fora do comum mas não é é simples a explicação Qual é a explicação Tem pessoas que estão aqui na cadeia e não tem necessidade de roubar Ela rouba por revolta das coisas que ela vê na rua Eu conheço aqui dentro uns quatro ou cinco rapazes ai que são de família muito bem e não precisa roubar não o pai tem carro e tudo O que precisa é do apoio que eles sabem e precisam Já troquei um diálogo com eles muitas vezes aqui então eu perguntei você não precisa roubar por que vocês estão aqui Então eles explicaram que geralmente é são pessoas que sabem o que é uma humanidade Se chega num lugar sabe mais coisa tem mais conhecimento Esse rapaz mesmo que eu troquei um diálogo com ele ai ele roubou fuma maconha vive na vida do crime porque ele acha que muita gente passa fome e vive na rua precisa de uma ajuda e não tem e ele tem muito ele tem demais É uma conclusão lógica eu também acho que dinheiro não traz felicidade né pode acalmar o ambiente resolver as coisas mas não traz felicidade Tem milhões de gente ai que tem milhões de dinheiro e não adianta nada Tem certas horas que acontecem as coisas com eles e eles falam cadê meu dinheiro Sabe né É o caso desse rapaz que está preso Esses caras roubam sem necessidade Sem necessidade E tem casos de gente que rouba por necessidade Tem esse tem Que caso é esse Eu tenho uma conclusão que quando eu morava na tranca entrava diversos no xadrez porque a distribuição quando eles entravam na cadeia vão direto pro xadrez né Então de noite dia a gente estava trancado a gente dialogava né O que você fez Você é casado É solteiro Eles explicaram o salário mínimo lá fora estava em 400 e poucos contos há um ano atrás O custo de vida estava super alto porque o custo de vida dos pobres aqui em São Paulo é mais caro do que tudo é 142 acima de tudo Então o brasileiro só sabe ele é comodista Geralmente o brasileiro tem cinco seis filhos pra cima Cinco seis filhos pra cima e ganhando 400 e poucos contos por mês é impossível dele sobreviver Agora comprar leite arroz alimento pra família roupa não tem casa pra morar tem que pagar aluguel como é que ele vai se manter com 400 e poucos conto Não tem condições Ai a gente se sente apertado Um filho chora porque está com fome o outro chora por causa do leite o outro chora porque está com o pé no chão o outro chora porque tem que ir pro hospital porque o rato comeu o pé dele porque mora lá na maloca O pai se sente apavorado e sai Talvez no próprio emprego dele ele rouba aonde a necessidade influi quer dizer porque eu já vi diversos caso no jornal criança morreu porque o médico não quis atender Mas eu também já vi médico não queria atender O outro morreu por falta de sangue o pai não tem dinheiro pra pagar pelo o sangue então morre O outro quebra o leite do padeiro o padeiro vem chiar Quer dizer uma falta de humanidade geral sabe Qual a diferença entre o cara que tem toda essa situação e continua na sua vidinha lá e tal e o que resolve roubar Eu vou explicar Muitas vezes não vem todos pra cadeia um ele foge larga a família abandona a família e vai pra longe ele vira mendigo na rua Então ele começa a mendigar na rua dormir na rua esquece a família Ai aparece no jornal sumiu faz tanto tanto tempo Mas ele está mentindo é ou não é O outro arruma lá outra mulher a outra a amante a outra amante ela é sozinha ai tem um filho ai ele separa Os outros muitas vezes os suicidas não sabem porque se suicidaram mas porque Devido às necessidades que passou então não quer roubar ele se suicida Roubar é Certo E a outra metade é o homem que chega ao ato de praticar o delito e vem pra cadeia Eles se dividem em diversas partes Muitas pessoas não têm condições Se existem 50 mil que passam por isso 10 mil estão na cadeia e os 40 os 40 se dividem em diversas partes entre morte sumiu abandono É mas a grande maioria não faz nem isso A grande maioria está lá passando necessidade mas Como é que você explica isso Para eu explicar isso ai pra gente ver isso ai a gente tem que ir aonde existe isso ai certo Porque vendo ele crê Eu acho que se uma pessoa por exemplo num lugar onde tem essas coisas favela Nas favelas as pessoas vivem assim A gente vê a necessidade vê a fome e vê o que eles estão passando certo Outros nós falamos aqui que a maior parte fica no mesmo lugar e continua vivendo do mesmo jeito Outros a mulher sai para lavar roupa em qualquer lugar Pra trabalhar a mulher abandona Não só tanto o homem a mulher também abandona A outra joga os filhinhos no quintal deixa eles passando fome A família acha de levar ele pra polícia Quer dizer se a gente for procurar ver com os próprios olhos a gente vai ver que não tem condições a realidade é essa mesmo Então de tudo e qualquer maneira eles arrumam um jeito pra se livrar da culpa Apesar de que eles se livram da covardemente porque apesar de que eu sou um presidiário errei está certo eu sou reconhecedor do meu erro não tenho nada que reclamar pelo erro que cometi certo Paguei estou pagando mas eu acho que a gente tem que encarar as coisas como é e não como a gente quer não é Então é onde as pessoas se desdeixam se desdeixam dos seus sentimentos faz tudo pra sair faz tudo para sair para a vida mesmo o que acontece até hoje Porque que você acha que é covardia deles Sujeito desses não se diz que é corajoso Deixa a família abandona a família que se suicida se mata vai pro crime Mas por que é covardia Corajoso é aquele que você acabou de citar agora Vive naquela vida mas ele é difícil aquele que entra nessa vida mas por outro lado pra manter sempre aquela vida ele vai pra um lado dá um jeito do outro se lhe tomam a casa ele muda para uma outra vai mudando a vida ele vira um andarilho com a família Esse é o corajoso Mas esse que se deixa se meter ai pela vida é covardia Por exemplo o cara tem cinco filhos seis filhos dez filhos uma porção então o modo brasileiro é esse faz tem mais de dez filhos e não quer saber as conseqüências que vai as mulheres botam no mundo na hora dedepois joga também fora Aonde acontece um bocado de coisa as pessoas são levadas pro Juizado crescem no Juizado porque agora na época que nós estamos essas pessoas desamparadas pela mãe pelo pai vai pro Juizado Eles crescem criminosos porque ele se infiltra no meio dos outros 143 menores que já tem noção do crime certo Ele entrou aí dentro o que ele passou lá ele já esqueceu Então ele vai continuar ali ele vai ter um embalo Porque eu acho que tudo que é criminoso é dirigido por um embalo Um chama o outro fala as coisas então ele quer fazer as mesmas coisas que os outros fazem Você chama isso embalo É Então é onde acontece por tudo quanto é lado já vivi em tudo quanto é lugar Em lugares bons e ruins tudo Eu já passei do ruim do bom e do melhor Tudo que existe eu já passei na minha vida então eu falo isso por experiência própria Aqui em São Paulo mesmo na favela do Piquiri eu vi diversos moleques destes 10 11 anos já praticando atos delinqüentes vi com meus próprios olhos Tem um que teve há pouco tempo aqui Ele era desses tais garotos Passou de maior veio pra cadeia por assalto Latrocínio Eles se cria mesmo vendo os outros fazendo No Juizado mesmo ele é marcado como uma escola Você acha que aconteceu isso com você Eu não fui por esse motivo Como nós falamos no início eu não sei explicar qual foi o sentimento que veio pra mim naquele dia Eu senti uma pessoa que revoltei contra a pessoa que me pintou Uma revolta simples sem maldade sem vingança pra eles O meu motivo foi esse Agora a maioria é falta de amparo é falta de amor porque a pessoa vive uma vida que só Deus sabe Quem ganha bolsa de estudo é só filho de Jarbas Passarinho Os pobres se revoltam Você pode ver que aqui na cadeia não tem só criminoso que vem de criança Na cadeia tem diverso tipos de criminosos que já fizeram o que Que já praticaram crimes depois de adultos muito mesmo Necessidade Ninguém rouba sem necessidade a não ser alguns que tem a na cadeia igual eu falei que eles roubam também por revolta A realidade é que dinheiro não vale nada porque dinheiro é um papel amaldiçoado Por causa dele acontece muitas coisas Desespero Então esses que estão ai que rouba é porque passam na rua vê um dormindo no chão passa numa avenida qualquer ai num bairro e vê um bater na porta e pedir um prato de comida Tem muitos que faz isto você vê uma coisa mas muitos é por necessidade Quer dizer então que tem o crime por necessidade e tem o crime por revolta Qual a diferença então O por revolta qual é O teu caso por exemplo é revolta ou necessidade Por um lado foi revolta Necessidade não teve No meu caso não teve necessidade no meu caso não Culpo no caso de mais de mil aí Porque não é com qualquer uma pessoa que aconteceu Isso é chato O senhor é honesto trabalhador vive sua vida amanhã vem uma pessoa e fala que o senhor é isso isso e aquilo o senhor não é quer dizer como o senhor vê na minha terra apesar que agora não mas antigamente ladrão falar o nome de ladrão era uma coisa fora do comum Te chamavam de ladrão Ladrão maconheiro era isso era aquilo E qualquer um que hoje ainda se começar o bairro todo criticando ele se sente louco Eu não sou o que eles tão falando Não tem jeito pra você mostrar pra elesA gente já estão mostrando pra eles a nossa hombridade mas eles já está falando o que é não tem mais meio de mostrar Você está vivendo no caminho certo eles tão criticando qual é o meio de mostrar pra eles O único meio que eu achei pra mostra foi praticando o que eles insinuavam E tem outro tipo de crime além da necessidade e revolta aqui dentro Tem diversos crimes mas é raro Quer dizer muitos dos que estão aqui na cadeia são pessoas que sofrem das faculdades mentais Esses praticam o ato mas não são conscientes do que estão praticando São pessoas tem a mente com distúrbios estes são os sem necessidade sem revolta Muitos estão aqui na cadeia estão pagando pelo erro que eles não cometeram devido como eu falei à violência Que tipo é esse ai Eu vou comparar com um caso No Rio um senhor de 40 e poucos anos foi acusado de homicídio ele matou a amante dele Ele era inocente Bom o advogado pegou logo e falou o moço é 144 inocente O juiz então fala Por que o senhor assinou esse papel aqui Por que o senhor assinou o processo Apanhei O senhor apanhou Não há provas que o senhor apanhou Mas eu apanhei O juiz não quer nem saber Bom foi você não foi São polícia e tem que prender Vem as testemunhas que falou que ele matou Ele é a primeira vítima porque ele vive com a pessoa O primeiro suspeito é ele Mas não é porque a pessoa é suspeita que vai pegar ele levar pra delegacia bater e fazer assinar o inquérito Tem que ver os pormenores do acontecimento Pegaram o velho enfiaram o pau nele ele assinou o inquérito porque ninguém é de ferro todo mundo é humano Aí vem o advogado ainda querendo provar que ele era inocente o juiz não acreditou Ele já falou não é só ele que está falando a testemunha já falou que foi ele Condenaram ele Ele puxou cinco anos de cadeia a advogada achou que pelo diário dele ele era inocente Então a advogada se interessou mais ainda pelo caso pelo motivo da própria advogada sentir que ele não era culpado Então ela seguiu as informações as investigações sobre ela mesma ela encontrou a vítima num manicômio louca da cabeça Então a advogada foi lá consultou pegou os documentos tudo deixou na Procuradoria Geral Aqui está passando um processo assim assim assim mas eu achei a vítima a vítima está viva e o moço está cumprindo cinco anos de cadeia e ele é inocente Vamos ver mexe pra cá mexe pra lá mexe a resposta da justiça vamos indenizar o rapaz Não podemos porque foi erro da justiça A resposta O rapaz cumpriu cinco anos de cadeia inocente tinha testemunha de ele matou a mulher de que a mulher estava no Instituto MédicoLegal Foi tudo provadoe a mulher foi achada no manicômio Esse moço saiu dali a justiça não indenizou ele foi um erro O que ele vai fazer depois de cinco anos perdidos dentro de uma cadeia inocente Ele vai sair vai trabalhar sai totalmente revoltado contra a justiça Então um caso igual esse ai tem diversos aqui na cadeia Tem diversos aqui na cadeia Tem uns que faz os crimes que estão encoberto pode falar que ninguém se apresenta Mas eles estão aqui dentro igual tinha um caso de crime que um eu sou culpado e os crimes estão encoberto lá fora tem os inocentes que é pegado como cobaia lá fora vem pra cadeia com o crime dos outros Não tem muitos casos desse ai tem Tem tem muitos casos desses Tem muitos casos que eu sou culpado por dez inquéritos Meu mesmo mas eu vim por quatorze Esses quatro a polícia jogou ai eu assinei e está acabado certo Portanto tem inquérito que a vítima ai fora não conhece o réu Por esse motivo porque se eu pratico a falta contra a sua pessoa qualquer lugar que o senhor me veja o senhor me reconheceria não é Se eu chego pro senhor o senhor vai dizer acho que não é ele não não foi esse não às vezes não me acho em capacidade certo No teu caso você apanhou muito Olha pra falar a verdade hoje estou na cadeia mesmo já cumpri se eu não apanhasse eu não assinaria todos os inquéritos não E só assinei devido a violência Porque eu sozinho com cinco ou seis pessoas me batendo sem poder me defender não tem esse que resista nem Sansão resistiria Cinco ou seis batendo Lá na polícia não sei se o senhor já foi no DEIC alguma vez porque ninguém vê ninguém vê Chega lá pendura o cara de uma mesinha a outra fica igual a frango assado no espeto amarrado indefeso Eles pegam o senhor lembra aquele telefone antigamente aquela maquininha mesmo Eles pegam dois amarram na pessoa diversas partes do corpo nos lugares onde não é pra se amarrar eles amarram e aplicam o choque Eu agarrava nas pessoas ai o choque dobra E ali fica e aí quando eles não deixa o cara duas três horas só amarrado Sabe sal com água É o que eu bebia Você não agüenta Sem comida sem nada sem alimento ali só apanhando todo dia desce e sobe desce e sobe Ninguém é de ferro Batendo assim não tem esse na terra que faça bater e ir lá e apanhe da polícia e não assine eu desconheço Não é Que tipo é esse ai Bom geralmente são aqueles que praticam o erro a primeira vez que eu fui praticar um erro fui preso vem pra cadeia Bom você foi assinou Tem uns tipos de vagabundo também que ele está lá com o erro praticado diversos erros praticado mas ele troca a liberdade dele pela dos outros Mas com é que é isso ai 145 A polícia prendeu esse aqui com não sei quantos inquéritos se você assina você vai embora mas eu quero que você me leve aonde está fulano e sicrano que ainda tem mais do que ele Ai ele fala está ali ali e ali Aonde os caras são o cagueta Então os caras trocam a liberdade deles Muitos fazem isso é Muitos muitos Mas vem pra cadeia depois Vem não adianta Ele passa aí um dia aí ele vê um filho de um policial um expolicial do DEIC quer dizer o era viciado em tóxicos não era ladrão mas de tanto o pai dele aí já é outro lado do crime Enquanto o pai dele prender vagabundo judiar bagunçar até mesmo então sabe o nome do filho sabe o nome do pai então quem é que estava no inquérito no dia quem fez essas coisas contigo foi fulano e sicrano então o nome dele está ali registrado Outro erro da justiça que a justiça também não vê Foi o filho do senhor o filho do senhor que falou isso tudo Então Foi ele mesmo então o escrivão bateu Então vamos ver também o inquérito ele não praticou o erro Então vai pro delegado o delegado assina e vai pro Fórum Mas o juiz julga o inquérito à revelia quer dizer sem a presença do réu Então é condenado todo mundo Amanhã aquele dito tal que é filho da do polícia está vindo pra cadeia sem saber Já tem dois aqui Um é do meu distrito do meu bairro o outro é da cidade filho de um rapaz do DEIC ai Esses também vai sair ai não é porque o pai dele é polícia esses também amanhã vai sair e vai continuar a mesma coisa Quer dizer esses são já é por ato de vingança o pai é polícia bateu em mim já põe o filho dele no inquérito Já é vingança e covardia por isso que eu acho que se eu vou vingar de uma pessoa faço direito já que eu vou cometer um erro mesmo Então vou cometer o erro certo O erro tem o seu lugar Quando você veio pra São Paulo você disse que você começou a trabalhar assim numa oficina e depois você arranjou uma turminha então como é que foi Inclusive um trabalhava comigo sabe nós éramos cinco Mas ele já era conhecido da polícia paulista fazia tempo Através dele eu conheci mais elementos O primeiro assalto que eu fiz foi até num dia de jogo vamos sair vamos sair vamo Quando eu sai eles já vieram com um caro roubado um JK nós saímos Sai com eles praticamos delitos fomos em diversos lugar até madrugar e voltamos mas eu continuei quer dizer eu mesmo mesmo os crimes que eu participei eu participei de 4 furtos e 2 assaltos é pelo que eu estou na cadeia Esses quatro furtos foram o que automóvel Não só pra curtir Quer dizer não tinha idéia lucrativa Nem o dinheiro de parte de roubo não ia dividir Porque o que eu ganhava trabalhando com meu cunhado já era suficiente para mim certo Então quer dizer tanto que eu vim pra cadeia estava trabalhando Nunca deixei de trabalhar nunca deixei de trabalhar Então porque que você fazia isso Ah Nós vamos voltar no velho assunto Mas ainda é aquela explicação Ainda é por causa disso Já estava errado nome já tava na polícia desde menor desde menor já está na polícia Quer dizer o jornalOlha se não me engano ainda tenho hoje um artigo da Notícia Popular Eu nunca assaltei um posto de gasolina nunca fui chefe de quadrilha e lá na Notícia tem que nós assaltamos uns quarenta posto de gasolina e que eu era o chefe da quadrilha Ai meu cunhado me botou um advogado e me tirou da delegacia fui embora pra casa Cheguei em casa minha mãe me mostrou a foto no jornal assalta 40 posto de gasolina chefe de quadrilha Eu nunca fui chefe de quadrilha e nunca assaltei posto de gasolina meus inquéritos são quatro furtos de automóvel e dois assaltos Mas quando você veio pra São Paulo você falou naquele negócio que você estava revoltado porque o pessoal achava que você era ladrão e tal Perfeitamente Mas quando você veio aqui pra São Paulo não tinha mais esse problema e você continuou fazendo negócio como é que é 146 Não tinha esse problema que eu falei pro senhor da crítica esse não tinha Mas tudo o que eu fazia se eu pensasse na minha mãe que estava lá eu pensava no acontecimento quer dizer eu não esqueci do acontecimento Sempre eu lembrava quer dizer é onde eu culpei a família de acontecer tudo isso que está acontecendo agora quer dizer eu culpei a família de ser eles os culpados Então toda vez que eu penso na família eu lembro eu me sinto diferente Quer dizer eles pensa comigo teve indivíduo que se diz de viver com os próprios olhos dele com a própria cabeça É ou não é Se era realmente aquilo que eles estava dizendo Se eu era mesmo culpado daquelas críticas que estavam caindo sobre mim Eles não procurava saber isso ai Eles sujaram meu nome e pronto Me levantaram uma calúnia Então todas vez que eu penso na minha família eu penso neles Eu nunca mais vou esquecer deles Também não tenho nada não tenho espírito de vingança contra eles nem nada certo Apesar de que depois que eu sai da cadeia já me comuniquei com eles através de carta Eles me explicaram Minha família falou que depois se arrependeram de ter cortado a amizade comigo Que o rapaz tivesse andado comigo não teria acontecido o que aconteceu não é Quer dizer o arrependimento deles veio tarde porque eles reconheceram o erro Agora você quando estava aqui em São Paulo você disse que na RPM Fui Quantas vezes Três vezes Porque motivo Furto Furto também Mas ai é independente do motivo porque você está aqui Ou são os mesmos motivos Independente Entre outros motivos É porque lá eu era menor e O que você fez Furto de que Arrombamento Arrombamento De automóvel também Não uma loja e duas residências No crime na massa eles falam goma não tem ninguém que tinha engomado a casa Que é isso que se fala na massa Você falou na massa Na massa é o crime é o pessoal do crime é uma entidade é uma entidade deles Entidade de que Entidade do delinqüente Na massa a massa não tem mais ninguém sem ser do crime só é criminoso é tudo da massa A massa como eu tava explicando a massa é um trato entre nós que somos delinqüentes certo é um trato só entre nós mesmos quer dizer a massa refere ao crime Quando é que você usa essa expressão Num diálogo com outro delinqüente com outro preso qualquer quer dizer sempre a gente dizendo alguma coisa que acende ou apaga a gente sempre fala a massa Quer dizer essa massa já não está mais como era antigamente A massa já não presta mais A massa já está podre já está cheia de extravagância a massa já estáQuer dizer qualquer diálogo que a gente trocar entre a gente mesmo a gente fala a massa A massa corresponde ao crime Todo mundo que está aqui dentro em todos pavilhões é a massa É a massa Quer dizer se tiver uma de 10 corresponde à massa É só dentro do crime porque fora do crime não é mais É a mesma coisa que uma torcida de um time Que eles vão falar a massa não sei o que não é Quer dizer de onde tem um setor naquele setor o crime a gente fala que corresponde à massa E na massa todo mundo todo mundo é igual basta ser criminoso é d massa Não é criminoso não pertence à massa 147 Mas não tem diferença dentro da massa não Assim do cara não se achar que faz parte da massa e tal Tem Como é que é Tem diferença tem pessoas que muitos presos que tem aqui acham que eles faz parte da massa por ele ser um delinqüente certo Mas ele acha que não pode praticar atos de criminalidade junto com a massa Devido a achar que não tem capacidade Outro já é malandro demais outro já é menos capacitado que ele então quer dizer é onde criticam a massa Então eu estou por fora dessa massa eu vou roubar sozinho vou praticar sozinho vou sair fora da massa vou regenerar A diferença é essa tem diversas críticas entre nós Quais são essas críticas Uma dessas que acabei de falar agora outras que aqui mesmo na cadeia tem pessoa contrariando um e outro Existe encrenca entre nós mesmo Como é que essa situação O que aconteceu Acontece muita coisa entre nós Aqui existe morte existe tudo quanto é tipo de coisas ruim pode acontecer na massa Até por um cigarro de maconha se pode morrer Um dois três quatro até cinco Por um maço de cigarro já morreu gente aqui na cadeia Por um pão já morreu gente aqui na cadeia Por que aconteceu isso Olha aqui na cadeia a alimentação dos preso são cada um tem uma cota então não é pelo dinheiro mas pelo proceder porque a massa exige um proceder que é a educação apesar que lá fora nós somos tirado comoassim eu penso muito gente não todos nós somos tirado como uma pessoa não tem nem como explicar é um bicho pra mim certo Mas tenho em mim que não é nada disso Se as pessoas souberem a realidade eles tiram diferente não pensam assim Bom então é o seguinte tem a educação é o que a massa chama de proceder Proceder de malandro Quer dizer se está aqui é daquele preso tem que ser daquele preso ninguém pode mexer certo Quer dizer se for lá e mexer você tem que explicar porque que mexeu Então muitas vezes eu mexo hoje o rapaz deixa pra lá eu mexo amanhã o rapaz deixa pra lá Mas depois daí não dá o que eu tenho você tem porque vai pega o meu Não tem condição Então dali nasce a discussão Nasceu a discussão se não sair na mão sair uma briga na mão dos dois um quebra a cara do outro o que sair com prejuízo amanhã quer vingar Então ele arruma um chicodoce um pau de cana ou ele arruma um estilete ou então faca decadeia então O que é faca de cadeia É um punhal é um punhal é um estilete destes vitrô ai quer dizer muitas vezes eles arrancam quebra ele amola vira uma faca ai ele quer prejudicar um preso acaba por prejudicar qualquer um Serve pra mim serve pra todo mundo então é onde acontecem as mortes Por isso tudo na cadeia pode morrer Ai tem diversos prontuários ai ou no arquivo morto que morreu outros ficaram louco ruim da cabeça O outro matou um rapaz lá por causa de três maços de cigarro Perdeu pro rapaz achou que o outro não valia de nada falou olha não vou pagar pra você Vê o que você pode fazer por mim O que ele pode fazer foi esperar o outro no xadrez meter o pau na cabeça dele esfacelou a cabeça dele e matou Nos temos um jogo de bolinha aqui no xadrez na cadeia Que tipo de jogo de bolinha É um sabe como a gente chama Já morreu um por causa desse jogo de bolinha No jogo de bolinha se desentenderam chutando a bolinha se desentenderam ai na descida do campo um desceu com um chicodoce bateu na cabeça dele e morreu também Usou o chicodoce É agora esse tal de chicodoce eu não achei meios ainda pra explicar nasceu esse nome ai na massa e até hoje Como o paudecana pédemesa é chicodoce é uma gíria da massa E você falou um negócio ai de proceder de malandro O que é isso Proceder corresponde à educação 148 Mas qual é o proceder do malandro O proceder do malandro na cadeia apesar de estando na cadeia mas a pessoa tem que da melhor maneira possível usar o máximo da educação dele Porque não é porque é preso ou delinqüente que não tem educação Então uma se tem uma pessoa dormindo ali tem que fazer o maior silêncio pra ele dormir Mas o outro não está com sono ele quer trocar um diálogo com outro detento quer dizer é uma falta de proceder a não ser que esteja todo mundo acordado já é uma falta de educação está perturbando o sono dos demais certo Então está tirando fazendo uma ceia eu acho que é falta de educação a pessoa quer dizer muitos levam a sério e outros não levam Fumar Ou então chegar n banheiro se despir pra fazer as necessidades Quer dizer tudo isso ai é falta de proceder certo Atingir a moral do outro A maior parte da cadeia que é respeitado é a moral do preso Porque aqui o preso como se diz nós não temos convívio com ser feminino Então na cadeia acontece muita coisa Tem travesti que tem na cadeia tem diversos tipo de travesti na cadeia Os que já vem da rua os outros que nascem aqui dentro covardemente obrigados Tem muitos casos desse aqui Quer dizer essas daí são uns que saem daqui revoltados porque não tem separação de qualidade Um erro um erro do governo é esse Um preso vem para aqui por homicídio 121 mas ele chega vai embolar no meio de ladrão no meio de criminoso então um preso novo simpático mas os presos Você estava falando do cara do 121 em geral ele chega e ele é o que Bem o 121 ele não tem nada contra o outro ele não tem nada a envolver com o crime com a massa Quer dizer ele veio pra cadeia por acaso aconteceu um crime ele matou uma pessoa então ele vai ter que pagar pelo erro que cometeu Ele vem pra cadeia porque o lugar dele é aqui mesmo certo Então é onde acontece Então o que acontece Os caras passa pra um lado diferente com ele Então se o cara fosse um outro assaltante o que aconteceria Acontece também E ele sendo bem visto se a aparência dele é de chamar a atenção de muitos presos então é onde acontece também pode ser qualquer um Depende da aparência dele e da atitude dele aqui Muitos vêm pra cadeia e o cara vai conversar desse tipo Conversa com ele ele toma uma atitude mata o cara briga na mão leva a sério os outros Muitas vezes ele chega a viciado pelos outros presos onde ele vira fica conhecido na cadeia um pederasta Na cadeia tem tudo isso tem pederasta passivo e o ativo Qual a diferença Bom passivo O ativo é é relativo quer dizer apenas moleque de cadeia que eles caçam e o boy Boy lá fora o cara novo cheio de nove horas gosta de andar moderno É o boy Pra mim o boy aqui na cadeia é aquele cara que se faz de mulher pra um outro preso Igual os travestis Mas tem diferença entre o boy e o travesti Tem O boy ele é feito ele é criado na marra forçado O travesti já é de já vem de longo tempo já vem da rua e o boy da cadeia é feito aqui na cadeia Ele vem pra cadeia com a moral em pé e chega na cadeia se acontecer alguma coisa com ele a moral já era Se acontecer alguma coisa com ele o que Se acontecer alguma coisa com ele sobre pederastia a moral dele já era Mas o que o cara fez lá fora não influencia nada aqui dentro quando ele chega não O respeito dele e tal Sobre o crime que ele cometeu É porque o cara vem lá de fora com uma história Então ele chega no xadrez com aquela história dele ai o pessoal do xadrez vai querer comer ele da mesma maneira ou como é que é Ele é do jeito que ele veio quando ele chega no xadrez se um se simpatizar por ele porque existe o amor entre dois homens aqui dentro no xadrez certo É um caso de boy e um travesti Então é o seguinte chega um rapaz às vezes novo e bonito geralmente tens uns lá que é mais velho tem uma porção de anos de cadeia então eles trocam uma idéia se o cara não aceitar eles pegam na 149 marra eles pegam na marra Ali já aconteceu Daquele dia em diante esse ai ali vai ser visto como mulher de preso Agora e se ele for um cara que tiver um passado assim A respeito da pederastia Não um cara por exemplo é um bandido famoso lá fora Ai ele toma uma atitude com o cara na conversa que eles tiver Porque geralmente são nas conversa o malandro chega e troca uma idéia Se ver que o cara e pacato a respeito de crime que não tem conhecimento do crime ai eles se aproveitam Mas se eles vê que o cara tem explicação então passa liso Ë onde eu saco um erro do governo é isso não separar não separa as qualidades Tem muitos que vem aqui dento que tem crimes banais nem é criminoso na nossa massa Então chega aqui dentro e se mistura com essas pessoas Ele é covardemente viciado quer dizer pelos outros presos Bom ai já é motivo pra revolta dele Ele sai daqui vai pra rua mas depois dele sair ele já aprendeu muitas coisas Ai chega e diz na cadeia os caras fizeram isso isso e isso comigo Então eles falam revoltado Já vai partir pro crime já vai entrar na massa Que muitos deles fazem isso ai por ter acontecido isso com eles Agora quando o cara quando o cara se expressa se explica dá uma explicação que o cara vê que não tem condições ele não aconteceu nada Muitas vezes não tem nem conversa Ele responde pro preso olha comigo não Vai acontecer isso sou malandro sou homem sou sujeito Agora amanhã ele vai e mata o cara Dormindo ou no campo ele vai lá e mata o cara Quer dizer ele quis manter a moral dele em pé perante a malandragem perante a massa Essa é a diferença entre o travesti e o boy de cadeia Agora quer dizer que pra massa criminoso é uma coisa e lá fora criminoso é outra coisa Você acha que tem diferença Não O criminoso na massa o criminoso é aquele que faz parte da delinqüência Que pratica delitos A diferença da massa do crime dentro e lá fora é uma diferença grande porque lá fora a pessoa na cadeia a maior parte quem conhece mesmo é a justiça o Fórum a família umas pessoa que vem fazer uma visita Então é tem uma diferença Mas a diferença mesmo é grande Agora precisa ser dialogada pra pessoa vê o que é diferente e saber na massa do crime Quer dizer que para a massa tem gente aqui dentro que não é criminoso Não Não porque Vem gente pra cadeia que já estão recuperado Ele é trabalhador pai de família mas correu com o carro e atropelou um cidadão Ai ele foi condenado porque ele matou é recuperado mas tem a condenação Ele vem pra cadeia Ele não é um criminoso Quer dizer ai já não já não faz parte da massa É um erro humano é um erro humano porque errar todos nós erramos pecado maior que dizem é errar e permanecer no erro certo Quer dizer esse aquele errou mas ele vai pagar por aquele vai embora já era Esqueceu já nunca mais vai lembrar da massa Agora aquele indivíduo da massa ele vai embora o nome dele vai ficar aqui na cadeia Lá fora ele deixa um livro na cadeia ai manda recado pra um amigo que está na cadeia ai o nome dele fica sempre na massa O jornal mostra a foto dele o fulano está fazendo isso e aquilo aquele está fazendo aquilo certo Agora o outro preso um criminoso comum matou o outro por acaso aconteceu acidente ele não é da massa foi um erro por acaso Esse ai já é esquecido Só é lembrado mesmo e considerado na massa aquele que vive na massa que praticou dentro da massa e vive na massa certo A diferença é essa E você é parte da massa Eu desde que eu terminei com revolta da minha parte desde que eu pratiquei o primeiro delito eu faço parte da massa E hoje Hoje apesar de que eu estava lá fora nem sabia o era o 157 o 155 não sabia o que era artigo nenhum não sabia quanto é que dava pena para um delinqüente não sabia nada não procurava nem saber isso ai não tava no meu conhecimento Depois eu vim saber disso depois que eu vim pra cadeia como preso Fui processado fui a Fórum já andei em diversos advogados diversos reconhecimentos de vítimas e com o meu convívio com os outros presos aqui dentro eu estou sabendo o que é o artigo Quanto dá uma pena de 155 157 225 213 214 129 todos os artigos do Código Penal 150 eu aprendi porque conhecendo a pena que sofrerá o culpado aqui dentro porque lá fora eu não conhecia nada disso Vim conhecer aqui dentro Agora eu hoje apesar que eu tenho bastante sentimento no caso se eu fosse levar tudo a sério era mais motivo pra minha revolta Quer dizer eu tenho certeza que essa cadeia aqui é uma grande escola do crime também Porque hoje no presente momento eu sei coisas que nunca sabia A minha mente no campo do crime evoluiu milhões de vezes Tenho mais pensamentos sobre o crime tenho conhecimento profundo Qualquer espécie de criminalidade eu entendo sei o que é agora Quer dizer eu tenho comigo uma boa vontade que qualquer coisa que eu me interessar em fazer eu faço na cadeia mesmo eu não tinha profissão Eu comecei a trabalhar na seção de marcenaria lá na manutenção eu trabalhei seis meses eu já mexia em tudo quanto é máquina não tinha uma máquina que eu não mexia Em seis meses Quer dizer eu tenho boa vontade eu tenho pra tudo Quer dizer qualquer coisa que eu quiser fazer qualquer coisa que você sugerir eu tomo a iniciativa certo Tanto faz pro lado do bem como pro lado do mal Como assim Eu não entendo Por exemplo se eu for sair daqui pra rua for praticar crime eu já vou ser um preso mais um preso mais um criminoso comum como sou agora como eu era Se eu voltar pro crime eu vou sair com mais atenção mais experiência fazer as coisas com mais atenção mais premeditação Pra fazer um crime ali vou premeditado O que eu não fiz no passado sabe Se nunca fiz um crime Se eu for procurar também pro outro lado no bem eu também tenho condições de enfrentar qualquer profissão Não vou chegar lá aprontar o serviço no mesmo dia mas se eu tiver uma oportunidade eu consigo Então eu creio que com a minha força de vontade eu consigo fazer qualquer serviço em qualquer lugar Quer dizer eu aprendi o mal aqui dentro eu aprendi o bem também Aonde eu falo que é minha escola Aqui sai ou honesto demais ou bandido demais um dos dois tem que sair Geralmente aqueles que saem com um pensamento na honestidade eles querem ter um apoio aí fora da sociedade Se ele receber um apoio eu tenho certeza de que aquele jamais cometerá um erro Mas se ele não receber um apoio total da sociedade não tem condições pra ele diz puxa vida eu saio daqui com o interesse de me regenerar a sociedade não me deu um apoio vou voltar pro crime Ele já volta com a mente evoluída ele já vai praticar crimes que ele jamais praticou No meu caso eu não sou inteligente não me julgo um cara inteligente não me julgo um cara inteligente mas se me sugerir uma coisa que eu tenho aqui em mente eu sou capaz de fazer na minha boa vontade na maior boa vontade Tanto faz pelo bem ou pelo mal Quer dizer eu não tenho ainda fixo na minha idéia o que eu vou fazer lá fora Porque pelo menos por dentro estar a par do que estou passando do que se passa comigo na cadeia Então muitos saem daqui lá fora vão lá fora e arrumam um emprego então tem apoio total Tem muitos com inteligência boa aqui dentro porque tem tempo pra pensar refletir pra trabalhar e estudar Então ele sai daqui e vai e não aceitado não é aceitado Então eles não conseguem jamais deixar o crime Aqueles que não tem apoio ele volta pro crime novamente é o homem que está no pavilhão oito que é residente mil e poucos residentes Muitos ali voltaram por falta de força de vontade e outros voltaram por não ter um apoio lá fora A sociedade não abriu o ser a humanidade pra eles Então eles voltaram a delinqüir Então eles voltaram a delinqüir outra vez aonde estão ai Dali eles vão pra penitenciária dali eles atrasam na cadeia em vez de adiantar não aprendem nada Quer dizer aqui neste estabelecimento penal não tem o suficiente pro que o preso precisa porque se tem 40 do preso era recuperado Talvez mais se tivesse Suponhamos 40 fosse recuperado já era uma grande vantagem pra nosso país Já era 40 livre Mas não tem o suficiente pra que o preso possa se sentir ajudado Agora me diz uma coisa me conta como é que você você foi preso e tal por esses quatro furtos e esses dois assaltos Me conta como é que foi o princípio O princípio dos meus erros foi em 69 Porque um dois dos inquéritos era 68 68 Os outros era 69 Mas eu já tinha assinado e ido pra rua Um dos inquéritos já tinha sido condenado à revelia quer dizer sem a presença do réu O juiz condenou Mas eu pratiquei um outro delito e levei um flagrante prisão em flagrante preso com o carro e a arma ai eles me trouxeram pra cadeia mas quando eu cheguei aqui na cadeia eu já estava condenado Já estava condenado quer dizer que Como é que foi Me conta o teu primeiro dia ai 151 Na cadeia É Ah No primeiro dia como eu falei no começo eu tinha conhecido uns rapazes lá fora eu já tinha mais conhecimento do crime Quando eu vim pra cadeia eles já estavam aqui quer dizer eu cheguei já recebi um apoio total Eu cheguei novo vinte anos mas eu sou um cara que não gosto de agir com violência com ninguém quer dizer sem necessidade Quer dizer a gente usa certas vezes violência com precisão se precisar resolver na paz a gente resolve na melhor maneira possível Se não tiver jeito ai usa a violência Então eu cheguei e tive um apoio total de uns amigos que eu já tinha Você chegou aqui e foi direto pro nove Já foi pro xadrez que estavam os seus amigos Fui pro xadrez que estavam os meus amigos E eu fiz meu ambiente Ali eu já tinha convivência com os outros então eu comecei a ser distinto na massa Quer dizer meu nome já estava lá fora Inclusive eu citei no começo que o jornal fez uma propaganda que nunca existiu de assaltar quarenta posto de gasolina Eu nunca assaltei posto de gasolina nem nunca fui chefe de quadrilha quer dizer o jornal entra aqui na cadeia eu sai no jornal todo mundo está sabendo principalmente o pessoal aqui na cadeia Então um comenta com o outro esse cara aqui era meu companheiro lá fora roubava comigo praticava isso comigo ele está chegando na cadeia Quando eu cheguei aqui todo mundo que eu estava chegando Igual agora também todo mundo sabe quem vem e quem não vem pra cadeia Então fiz ambiente Comecei a trabalhar na faxina de alimentação fazendo alimentação pros outros detentos O que é isso Comida alimento Sim mas porque que você quis fazer isso É porque é preso que paga Aqui preso faz comida preso paga comida preso faz faxina Funcionário não faz nada Funcionário só administra administração Toma conta pune se você errar Os funcionários só faz isso o resto tudo é preso porque se os presos não fazer nada aqui não funciona nada na cadeia Isso ai se o senhor quiser ver isso ai o senhor só vê preso trabalhando Funcionário mesmo só vê assinando papel Então se os presos parar de bater a máquina parar de faze faxina parar de fazer comida o que vira isso aqui Então a administração quem faz a cadeia quem faz é o preso mesmo Porque a lei diz que quem faz comida quem faz tudo é o funcionário mas na penitenciária preso não faz recurso preso não pega em papel nenhum preso só assina quem faz é advogado e funcionário Aqui não aqui tudo é preso que faz Ai você fazia faxina pros outros Bom as panelas de comida de alimento ia pra lá Porque é feito aqui Então eu ia de xadrez em xadrez de carrinho pagando os pratos pra eles Se chama pagar os pratos É dando o alimento pra outro detento a gente chama pagar pagar comida Por que chama pagar a comida Porque é um porque corresponde a uma obrigação pagar Eu tenho que pagar pra ele a comida Quer dizer tem outros termos pagar também pode ser o cara xingar se fazer de valente perante outro detento ele fala pagar Ô Paulinho você tá pagando pra fulano Quer dizer é uma coisa Dando de mim pro outro sai de mim pro outro mesma coisa com a alimentação Eu tenho obrigação de pagar a comida pra eles café pão leite o que vier Tudo de alimento que vier aqui pra cadeia nós pagamos pra eles Então essa palavra pagar é no sentido de obrigação Nestes termos Tem muitas coisas nessa cadeia que sabe A história dessa cadeia é uma história longa Como é que você criou seu ambiente Você chegou e tal você já tinha conhecido você já tinha certo nome na massa então você teve algum problema Não eu não tive problema nenhum Os caras tentaram te agarrar Não porque uma que já me conheciam e outra porque meus companheiros já tinhaporque aqui o preso que tem 30 e 40 anos de cadeia de prisão eles são respeitados são temidos 152 entre os outros presos que tem cinco a seis anos de cadeia Muitas vezes o preso está com dois anos de cadeia ele mata um preso ai que está com 100 anos de cadeia ele atrasa o lado Ele matou um preso na cadeia a justiça já vai condenar ele por mais severo uma condenação mais severa Tem diversos casos assim Então os presos que tem mais tempo de cadeia são temido e de vez em quando eles transferem os presos que tem mais cadeia pra penitenciária porque a detenção é pra tirar detenção não reclusão lugar de reclusão é na penitenciária Então portanto a população carcerária está em números grandes por isso Não tem lugar na penitenciária manicômio então tem que ficar tudo aqui dentro Tinha muita gente no teu xadrez No meu xadrez tinha oito presos Quando cheguei ficamos em nove Mas no decorrer do tempo foi chegando mais gente e então ficamos com doze dentro do xadrez Então era seis beliches seis camas de beliche ficamos em doze camas Tem xadrez ai pra cima que é seis beliche e inda dorme gente no chão porque não tem condição Está superlotado Você sempre ficou nesse xadrez ou não Eu mudei mudei pra diversos xadrez Por que você mudou Porque logo que eu cheguei fui trabalhar e quem trabalha fica solto o dia inteiro das seis da manhã às seis da tarde então eu tinha que morar no xadrez da faxina Era um xadrez perto da gaiola onde ficava as panelas encarregado da alimentação Então eu tinha que morar com ele Então devido eu trabalhar eu tinha que mudar então eu mudei de xadrez porque no xadrez era tranca o sujeito só desce na hora do arejamento do sol tomar o sol volta pra almoçar toma sol e volta quatro horas E você preferiu Trabalhar Quer dizer na rua eu trabalhava quer dizer cheguei na cadeia continuei a trabalhar Quer dizer eu acho que trabalhando eu não sinto tanto a cadeia como uma pessoa na tranca fechada Eu trabalhando vou pra ali pago uma comida pra um vou levar uma comida pra outro vou no outro xadrez conversar com um amigo E tem gente que prefere ficar na tranca Tem gente é geralmente aqueles que tem menos cadeia menos condenação preferem ficar na tranca Por que Porque vai embora logo eles não sente a cadeia Muitos residentes que estão ai é por causa disso vem pra cadeia fica um mês dois meses na cadeia e vai embora Ele não sentiu a cadeia o peso ele não sentiu o símbolo da justiça é pesado porque eu já estou carregando há sete anos e já estou suportando mais E tão inocente então vai pra rua e pratica um outro delito porque não sentiu não chegou a conhecer o que é uma cadeia Então tem muita gente ai que volta como residente ai por diante Me conta alguma coisa ai que aconteceu com você ai nesse período que você era do xadrez ai no nove Uma coisa assim que você de ressentimento teu Com outro companheiro É Ah Já aconteceu diversas coisas Eu nunca precisei tomar nenhuma atitude drástica na cadeia E eu tenho em mim que eu não devo destruir ninguém da massa deve destruir um com o outro certo Eu sou contra isso ai Mas eu acho que o preso que o preso pra defender a sua moral de homem não faz de mulher pra outro preso acho que ele deve tomar uma atitude drástica mas essa esse tipo de atitude ai eu nunca precisei tomar porque ninguém nunca dirigiu essa palavra de pederastia sobre a minha pessoa Eu já tive diversas discussões por causa de futebol por causa de outro dirigir palavrão pra mim e eu dirigir pra ele eu já tive em diversas discussões mas nunca aconteceu de nós tomar uma atitude drástica sempre ficou em conversa na paz Mas alguma vez não aconteceu um troço mais sério assim com você Não Não Até hoje não E como é esse negócio ai de palavrão 153 Quer dizer o puto o boy na cadeia Chamado puto também Puto também Se vira mulher de vagabundo é puto é boy quer dizer tem certos tipos de brincadeira ai que tem na cadeia geral isso ai muitos estão andando na cadeia ai Você é puto você não pode levar uma O cara está falando ai você é isso você é aquilo esse ai é o sentido do palavrão Mandar o outro pra um tal lugar tudo é nesse sentido Quer dizer já tive problemas assim não vou dizer que eu nunca participei de ato de pederastia na cadeia mas aqui tem uma travesti chamado ela era da inclusive quando ela chegou na cadeia o diretor da cadeia mandou tirar uma foto dela não sei mandou pra onde mas era fora do comum Aquela era pra ser uma mulher mulher mesmo Então na rua ela já se acostuma a gostar do homem de outro homem porque pra mim é a mesma coisa porque tem aquele defeito mas ao mesmo tempo não corresponde nada Então comecei a ter amizade com a mulher mas tinha um outro preso que gostava dela também então nós entramos em desentendimento mas ela não gostava dele gostava de mim Mas ia acontecendo uma série de incidentes entre nós mas através de outros amigos não aconteceu nada ficou em paz Eu fiz ver a ele que ela estava na cadeia por passagem ela ia embora e nós ia ficar Então eu tive diversas vezes relações sexuais com ele certo O outro rapaz também teve porque eu fiz ver a ele que ela ia embora e nós ia ficar na cadeia Portanto esse rapaz queria destruir comigo por causa de personalidade está hoje na penitenciária do estado com mais de setenta anos de cadeia Quer dizer se eu tivesse tomado uma atitude drástica com ele eu estaria no lugar aonde ele está hoje também E a menina tinha ido embora como foi embora Está na rua desfrutando da liberdade de nós oprimido aqui dentro Então fiz ver a ele que não Eu já tive relações você pode continuar que pra mim tudo certo Quer dizer todos esses que aconteceu comigo eu consegui por mim mesmo na paz Mas tem gente que não consegue Tem gente que não consegue mas ai é falta de muitas vezes falta de experiência falta de compreensão entre nós mesmos Muitas vezes é por valentia quer se apresentar Porque tem muito ai que matam os outros para se apresentar querer ter nome na massa Porque aquele que mata na cadeia também é respeitado O cara que quer se apresentar na massa o que é isso Ele é quer dizer ele é um cara que está na massa já está reconhecido e tal mas ele está legal Inclusive tóxico na cadeia é que faz tudo Porque tem nós somos preso aqui mas tem Tem de tudo quanto é tipo de tóxico tem aqui na cadeia Apesar de que se nós formos pegos com ele somos punido Assinamos inquérito respondemos pelo erro ms tem Então ele quer se apresentar ele arruma com um camarada vai lá e compra um tóxico do outro de um outro indivíduo não paga o outro indivíduo vai falar com ele ele paga e mata o cara já se apresentou Daquele dia em diante todo mundo vai ser amigo dele Quer dizer sempre tem um valentão ai Mas não adianta ele se apresentar perante a nós e se enterrar na cadeia vai pra penitenciária e puxar de 15 a 20 anos de cadeia Acho que não é justo Então é preferível ele ser um preso humilde um preso pacato e ir embora em liberdade o mais brevemente possível do que estar lá como tem casos desses Mataram aqui levantar o nome aqui na cadeia perante os presos e tá lá hoje enterrado lá na cadeia Uns enrola o pescoço e se mata não adianta nada E esse desentendimento que você teve com esse outro cara como é que foi Da menina É O caso é o mesmo Ele quis ter negócio com ela mas a menina não não parava na dele Ele se simpatizou comigo Eu era faxina ficava solto se simpatizou comigo e achou que aquilo não tava certo Falou que ele vinha me pegar Vinha me matar não sei o que Mas eu fui lá troquei uma idéia com ele e fiz ver a ele que Que você disse a ele Eu expliquei a ele ó você queria se entender comigo eu estou puxando tantos anos de cadeia você também está com uma porção de anos de cadeia Eu estou pra ir embora você eu não sei se 154 vai embora mas o meu prazer é ver você ir embora primeiro do que eu Depois eu é ou não é Então é melhor nós não s destruir por causa dela porque ela vai embora logo mais ela vai embora porque ela está aqui por causa de maconha Maconha o máximo que vai é um ano de cadeia Ela está aqui por causa da maconha ela vai embora e nós vamos ficar aqui Agora vamos discutir por causa dela Não tem problema pode levar tudo certo Pra mim não faz não faz diferença Passou ficamos amigos a mesma coisa Ela foi embora nós ficamos na cadeia ele foi embora pra penitenciária e eu ainda estou aqui Quer dizer tudo aconteceu quer dizer que pode acontecer muita coisa sabe Mas o que aconteceu comigo eu resolvi na paz Temvocê teve algum outro tipo de desentendimento por outra coisa a não ser mulher Bom O que é comum acontecer além de desentendimento por causa de mulher Tem é por causa de futebol mas futebol acaba num canto mesmo Quer dizer aqui na cadeia ninguém se pede nada a ninguém por motivo de ter desentendimento Eu estou ali no meu xadrez com cigarro meu meus amigos é que me trouxe por sinal um perfume que eu ganhei ai eu comprei o cigarro Mas têm muitos que em vez de comprar o cigarro pra ele ele é viciado em vez de comprar o cigarro pra ele fumar ele compra tóxico pra ele fumar Então eles querem cigarro Então ele fumou o tóxico dele acabou o tóxico dele então ele vai querer fumar do meu cigarro Se eu sou um cara ignorante desumano eu vou dizer eu não vou dar cigarro pra você você você comprou sua maconha você fumou sua maconha eu vou fumar o meu cigarro Eu não faço isso eu dou maço pacote dou pra mim não faz diferença Mas se é outro outra fala vou te dar esse maço de cigarro aqui vou pedir uma cara pra você Quer dizer o cara vai pedir um cara pra ele ele quer falou no sentido de fazer ele d mulher porque pediu o cigarro Tem isso também Tem Esse é outro tipo de discussões também desentendimento certo A visita vem dia de domingo traz um bocado de coisas da rua coisa que aqui não tem então no xadrez aonde a gente mora ali o que a visita trouxe é nosso mesmo Sabonete pasta isso ai é geral não tem individualismo Mas o cigarro é individual Eu tenho meu vício que eu sustento mas cada um tem que ter o seu cigarro Isso ai é motivo pra discussões também se eu não tenho vou ficar pedindo tudo pro rapaz Ele vai tratar de mim e dele não tem condições Quer dizer isso ai também já aconteceu morte por causa disso O cara pediu não deu ele achou ruim foi matou ele Muitos acontece ai Sai de tudo quanto é tipo de desentendimento aqui na cadeia O que precisa fazer para se ter um bom ambiente aqui Olha aqui nesse presídio dois cinco oito e nove são quatro pavilhões certo Eu acharia que como os residentes estão separados dos primários porque os residentes tem mais é mais evoluído do que os primários Evoluído como Evoluído pro crime Mais sabido mais experiente O primário não o primário vem pela primeira vez pra cadeia não sabe nada não sabe o que é uma cadeia não sabem muitos deles não sabem porque veio Essa separação já tem agora a separação que eu acho que devia ter é a separação de qualidade de criminoso Quer dizer o cara que 155 rouba carro tem muitos deles ai que tem 10 a 15 inquéritos de carro roubado mas rouba carro pra curtir passear pra se apresentar na rua com carro dos outros Muitas vezes são preso comum preso sem periculosidade É um preso que não faz nada com um Então esses preso ai são uns presos como na massa se trata são uns preso bobo Então eu acho que tinha que separar aqueles presos dos de 155 separar de 157 do 121 separar eles pavilhão de 121 aqui é só 155 aqui é 157 divisão d qualidades de crimes certo Ai eu acharia que tinha possibilidade de recuperação dos presos Mas um cara que na situação atual que chega no nove por exemplo Como é que ele faz Um cara que não tem nome na massa 155 Geralmente ele pede uma visita vai falar com o diretor pra arrumar um serviço pra ele Ele desceu começa arrumar amizade no serviço já arrumou amizade no serviço já arrumou amizade em todo o pavilhão Então muitos jogam a bola lá fora porque aqui na cadeia o importante é jogar bola ele fica conhecido da cadeia toda Então ele arruma logo um time pra jogar bola Vai lá faz um contrato com o inspetor de esportes começa a jogar bola e faz o ambiente dele no futebol Vamos lá amanhã vai ter um jogo vamos assistir um jogo e tal ai ele vai lá Vamos lá no meu xadrez trocar uma idéia Quer dizer ele faz o ambiente dele por ele mesmo Muitos não faz o ambiente não se adapta no pavilhão às vezes é transferido pro dois Chega aqui trabalha e faz ambiente trabalhando ou vai pro cinco que é o pavilhão ele é o hospital ao mesmo tempo que ele é um pavilhão normal É também porque os presos que apronta nos outros pavilhões a maior parte vem pro cinco Do pavilhão cinco ele é removido pra a penitenciária do estado Então aqueles que não faz ambiente se sente inseguro eles pede pra vir pro cinco porque no cinco cada unidade desce por dia porque tem a divisão Como é que essa divisão A divisão é assim aqueles que não mexe com nada não quer saber de nada já brigou apanhou moram no quinto andar é um seguro Aquele dia quando desce aquele andar os outros andar que é valentão já brigou já deu porrada não desce Quer dizer que é divisão E é isolado aquele pavilhão O cinco é castigo Aquele que está em castigo tem que cumprir o tempo que o diretor determinou pra depois sair em liberdade Sair em liberdade significa voltar pro pavilhão de origem Pro pavilhão de origem Quer dizer o preso faz o ambiente dele assim Ou ele vai pro futebol ou ele vai pro cinema ou ele vai qualquer diversão pública que tiver lá ele faz o ambiente dele Tem diferença entre os pavilhões pra massa A diferença entre os pavilhões na massa dentro da massa é a seguinte o pavilhão oito só tem residente já teve na cadeia uma vez duas três quatro cinco passou d duas passou de uma vez aqui na cadeia é residente ficam no pavilhão oito Quer dizer eles se sentem eles se sente por eles os mais sabidos do que os outros Sou residente estou chegando na cadeia de novo No dois tem residente e tem primário mas os residentes que tem no dois são tudo residente comportado Tem um bom comportamento bom ambiente uma pessoa segura de não cometer delitos aqui dentro contra o próprio preso Então são esses residentes que tão aqui são esses ai Do contrário os residentes são tudo do pavilhão oito Quer dizer acontece muita advertência entre o pavilhão oito o cinco e o dois quando um preso deve pro outro na rua caguetou o outro na rua vem pra cadeia Então um atravessa pro outro pavilhão vem jogar bola trinta a quarenta caras de um pavilhão então é a disputa sai na mão o outro mata um qualquer coisa acontece o que tiver que acontecer acontece A diferença é essa E o nove como é que é O nove é um pavilhão que antigamente quando eu cheguei na cadeia ele era um pavilhão que muitas coisas aconteciam sabe Inclusive saiu muita facada Muita advertência Por que Porque é no caso de uma dívida de um preso com o outro quer dizer o cagueta não é benquisto na massa Porque ele prejudica diferente da polícia veio pra cadeia ele já é um cagueta Então quer dizer que tem cagueta lá fora e cagueta aqui dento e qual é a diferença A diferença de um cagueta aqui dentro é a seguinte muitos não tem justamente não tem ambiente não sabem fazer o ambiente deles não tem jeito de fazer uma regalia gozar de uma regalia fora a regalia normal e tem que gozar uma regalia a mais então ele começa a caguetar os outros Ele vê um companheiro fumando maconha ele vai lá fala pro homem o homem vai lá pune o cara põe ele numa cela Fala pra quem Pro chefe de disciplina Você chama o que o homem 156 É Fala pro chefe de disciplina ele põe o outro na cela Então ele vê outro fazendo uma faca vai lá e diz o fulano está fazendo uma faca então ele vai lá apanha Todos aqueles que ele pegam fazendo uma faca na cadeia apanham quer dizer não sou a favor disso um preso fazendo uma faca dentro da cela é pra prejudicar outro preso Não sou à favor disso sou contra então ele apanha então o cagueta o homem vai dar uma oportunidade pra aquele lá porque então ele fica solto aonde ele se faz aquele que não tem condições de fazer um ambiente normal ele faz por esse lado o cagueta Esse é o cagueta de cadeia Mas lá fora ele nunca caguetou mas ele vai caguetar aqui dentro para fazer um ambiente Não tinha vontade d fazer um ambiente normal então ele caguetou isso aqui dentro pra fazer um ambiente Agora tem o cagueta lá fora ele rouba lá fora e cagueta lá fora mesmo quando vem pra cadeia os cara que ele caguetou estão na cadeia muitas vezes os cara mata ele bagunça ele Faz ele pedir seguro de vida Tem isso também Tem Se você chegar a pedir pro homem seguro de vida o homem manda o cara pro cinco É o quinto andar do quinto Ali só tem seguro o outro lado é detentos que sofrem das faculdades mental São fraco da memória então eles mandam pra lá Corresponde ao manicômio um hospital de doenças E separações mais de pavilhões não tem a não ser esta Eu ouvi dizer ai que para a massa o oito e o nove é tudo igual Como é que é Não É o seguinte quer dizer o preso eu mesmo não conheço todo mundo da cadeia mas conheço uma quantidade Então se eu for pro oito eu se for pro oito tenho aqueles meus amigos ali Então eu sou conhecido sou igual a eles sou igual a outros presos também tenho pra eles Mas aqueles que eu não conheço não me conhecem também é diferente não sabem sou eu é a diferença que É igual é igual pra mim é tudo igual Quer dizer aqueles que tem ambiente com dez presos é aquele é o ambiente dele é aquele ali E esse papo que o pessoal do dois é bundamole Bom ai o cara do dois o pavilhão dois é o pavilhão mais seguro aqui da cadeia Geralmente a maior parte dos caras que devem o outro preso eles pede pra vir pra cá Porque os presos que está lá querem fazer alguma coisa com ele não pode entrar lá todo dia então o cara fica lá seguro Por outro lado aqui é onde se faz todos os recursos Então ele quer vir pra cá porque ele estando aqui toda hora pede a outro então ele consegue a liberdade dele mais rápido e lá não Lá no fundão mesmo é mais difícil é mais difícil apesar que tem uma judiciária lá e preso que mexe então ele sempre ele não faz aquilo com boa vontade porque o dinheiro nosso aqui dentro é cigarro é o selo do cigarro É o selo do cigarro Quer dizer a gente fala selo do cigarro mas é um maço de cigarroum pacote de cigarro aqui aqui tudo é pacote cinco maço um não tem quantia de dinheiro o que vale o dinheiro é o cigarro Então ele fala o selo Quer dizer se eu chegar no cara que trabalha no judiciário preciso fazer um recurso olha eu preciso fazer uma revisão assim assim assim no processo eu não dou nada pra eles faz de má vontade como talvez nem faça Mas se eu chegar com dois três pacotes de cigarro e pedir faz uma revisão pra mim ai ela sai no dia e sai bem feita certo Então lá no pavilhão tem isso e aqui os caras não pode fazer os funcionários manda eles de bonde de transferência de volta Então ele não pode cobrar nada Mesmo assim por fora tem essas trapalhadas Quer dizer então o pavilhão dois é tomado desse modo só tem bundamole Pra mim não é Pra mim é igual mas pra aqueles que não gostam de liberdade eles tomam como bundamole No meio da massa como é que é esse negócio É considerado um quer dizer eles falam no pavilhão dois só vai quemnão aprontar não mexe com nada o cara que pensa no futuro ai n frente Porque aqui quem está no pavilhão dois o interesse dele é só na rua Quer dizer aqueles que estão lá também muitos deles o interesse deles é rua Mas a maior parte não estão nem ai mexe com tudo não tão nem ai pra cadeia E você nunca quis vir para o dois não 157 Eu já tive diversas propostas pra ir pro dois mas cheguei lá quer dizer ele me deu um apoio total principalmente depois que eu fiz o primeiro Eu já tinha um ambiente lá então achei que eu não deveria sair de lá abandonar a confiança que o chefe de disciplina me deu Eu tive diversas propostas de trabalhar na manutenção marcenaria tive proposta de trabalhar no dois na cozinha como cozinheiro não quis Quer dizer eu preciso de quero ficar lá mesmo Então eu estou lá anos lá e sem sair de lá Você não é mau visto na massa não Com esse negócio o chefe de disciplina e tal não tem esse papo não Não quer dizer tem muitos presos lá que é mau visto do chefe d disciplina mais devido dele prejudicar os outros Que tem muitos que fica do lado do chefe de disciplina tem regalia mas prejudicam Eu não tenho a minha regalia a minha confiança mas o que ele está fazendo por mim a regalia que ele está me dando eu dei pra ele quando eu vim Em benefício ao pavilhão que fiz pra ele não foi porque eu caguetei ninguém nem porque atingiu o lado de ninguém foi só um benefício Então quer dizer eu fiz aquele serviço pra ele ele tem por obrigação de me deixar a pampa O que é a pampa À pampa corresponde a de cigarro sem perseguição sem nada mas muitos faz amizade com o homem através de caguetagem Quer dizer isso ai tem que ter na cadeia mesmo Se não tem isso na cadeia não é cadeia Por que Porque no xadrez aqui os funcionários eles não entra no xadrez e ficam no xadrez eles não sabem com quem a gente está trocando idéia com quem está falando Então é preso mesmo então o preso escuta vai fugir amanhã vai fazer uma tereza vai jogar na muralha e vai fugir Então aquele preso que tem regalia com o homem vai falar pro homem O homem vai no xadrez dá uma blitz e acha a tereza O que é isso Tereza é o lençol trançado com um gancho de ferro na ponta para jogar na muralha Chama tereza É o meio de fuga que tem aqui Então ele vai lá e fala pro funcionário ai o funcionário de lá vai autuar ai vem para cá a comunicação bate a comunicação vem pra mão do diretor ai o diretor manda colocar ele numa cela forte Depois que tiver cumprido o regime de cela forte a pessoa é removida pra penitenciária Quer dizer o cagueta tem que existir mas o cagueta nunca foi bem visto na massa e nunca vai ser porque nós temos por nós o cagueta preso cagueta funcionário Se eu tiro dez anos de cadeia o funcionário tira cinco Porque ele entra aqui e só sai de noite porque ele entra aqui seis horas da manhã e só sai às seis da noite então enquanto eu tiro dez anos aqui ele tira cinco Quer dizer ele é metade do preso também Então sempre tem uma coisa que o funcionário não pode fazer ele também faz devido a humanidade dele E talvez muitos casos aconteceu por necessidade porque preso não vai sair pra ir buscar um Está aqui pra não fazer nada certo Mas tem preso mais que ninguém é Quer dizer todos preso que é punido que vai no Fórum o juiz pergunta quem é que te deu isso Como você conseguiu E é condenado talvez pegue até medida de segurança E esse negócio que preso que fala com funcionário é cagueta Se o que o funcionário faz é para o bem dos presos o funcionário é bem visto e o preso também é Mas se o preso tiver ligação com o funcionário atrasar e punir e prejudicar outro preso nem o funcionário nem o preso é bem visto Esse negócio de malandro Tem diferença de malandro Essa história de entendido a malandro o que é isso O entendimento é o que por exemplo o 171 o estelionatário Ele é um malandro mas o artigo dele é só caneta já é outro motivo de diferença de artigo Ou estelionatário ele só mexe com cheque e falsificação certo Quer dizer ele não aplica violência em ninguém intimidade dele é menos do que um assaltante Que intimidade 158 Quer dizer o 171 o estelionatário ele pra fazer um delito ele chega e faz o delito na frente da polícia Na frente de qualquer um sem ninguém perceber que ele está praticado Ele só vai praticar depois que o banco a firma o dono do cheque sentir o erro do cheque o erro da transação que ele fez com o 171 Agora o assaltante não o assaltante chega aqui pega de revólver com mais 3 ou 4 e puxa e intima a intimidade dele Quer dizer o fator surpresa dele Ele chega e intima e tem que ver um para ele tem que dar o que ele quiser se não der tão sendo ameaçado de morte Então é a diferença Tem o traficante Quer dizer o assaltante é o grau mais periculoso que tem na massa É os caras mais considerado é o assaltante e o matador O resto é tirado como preso comum não como bundamole Tem diferença entre o assaltante e o delinqüente ou é a mesma coisa Não quer dizer a delinqüência é a mesma coisa ele praticou delito ele é delinqüente mas a diferença é apenas de ação de ação Quer dizer é muito mais de arma na mão outro age de conversa outro age pratica o delito de caneta só assinando o papel quer dizer o outro criminoso mas ele a criminalidade dele é que ele está dando pros outro vendendo pros outros uma contravenção pena Tem o viciado que não é um criminoso ele é pelas experiências que já fizeram ai ele é um doente mental quer dizer o viciado não pode viver sem o troço Ele não é um criminoso é um viciado esse ai tem separação geral é viciado não é criminoso mas na massa ele é tratado mesma coisa está preso todo mundo é preso todo mundo está sofrendo igual é a mesma coisa A única diferença é o crime os artigos em ações E a diferença entre o malandro e entendido qual é Tem malandro que ele é malandro mas ao mesmo tempo ele é otário trabalhador entendido quer dizer ele é trabalhador mas ele fuma maconha Toma cuidado e de vício ele entende tudo Então pro cara ser viciado ele tem que ter contato com ladrão porque geralmente o ladrão que se regenera diz eu não vou rouba mais vou vender maconha então ele vai e monta uma boca de maconha de maconha aqui Então eu sou trabalhador mas eu sou viciado fumo maconha então o malandro entendido é esse Trabalha é honesto é filho de bacana de gente bem ai é um elemento entendido Então esse parecer ai do malandro entendido é devido a ele ter contato com delinqüente mesmo com ladrão mesmo E o malandro como é que é O malandro mesmo é aquele que pratica a delinqüência Assalto roubo tudo quanto é tipo de criminalidade Esse é o verdadeiro malandro E esse negócio de que vem gente pra cá que não quer mais sair daqui Que vem pra cá porque lá fora está mal de vida chega aqui tem comida e tal Não não tem Olha pela maior regalia que o preso tiver dentro da cadeia ele nunca rejeitaria uma liberdade Isso ai é um problema que é fácil de explicar Por exemplo eu tenho condições de sair de liberdade condicional quer dizer liberdade condicional se chegar hoje aqui eu vou direto pra rua Então em vez dele ganhar liberdade condicional ele ganha colônia favorável Então ele fala não eu não quero ir pra colônia Prefiro ficar aqui e esperar minha condicional Porque se ele foi pra colônia vai ficar mais tempo na colônia Até ver os papéis até pedir a condicional dele ele vai ficar mais tempo E ele esperando mais tempo aqui ele sai direto daqui pra rua Então é onde eles fazem isso não quero ir embora prefiro ficar na cadeia Entendi Não tem essa do cara que não quer nada lá fora faz alguma coisa para ficar na cadeia Mas sabe o que acontece Isso ai é outro caso simples Tem mendigo que vem preso pra cá Eles fica lavando caro ai nos pontos Geralmente o bacana chega ele diz eu vou lavar o carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor vou tomar conta do carro do senhor O bacana deixa o carro aberto Mas o bacana foi pro baile foi pro restaurante a polícia passa e vê o cara lá dentro do carro Que você está fazendo Eu estou tomando conta Flagrante O que foi Ah Ele tava roubando o carro do moço Então ele vem pra cadeia Chega aqui é condenado às vezes absolvido vai embora pra rua e continua no mesmo lugar Então quer dizer o cara ali tomando conta pra mim não é um serviço seguro Porque já aconteceu a primeira vez com ele se ficar ali pode acontecer a segunda e terceira 159 então ele fala que o cara é vagabundo Que estava lá e que quer voltar pra cadeia Apesar que tem um caso desses ai que passam fome na realidade na rua que não é todo dia que tem carro pra tomar conta tem carro pra lavar ali sair um dinheiro que dá pra ele comer Pode ganhar dinheiro hoje amanhã não ganha Então a massa fala se ele for roubar ele vai roubar dinheiro Ele pode vi pra cadeia ele roubou dinheiro ele fica comendo aqui que governo paga O governo dá alimentação então eles fala que é vagabundo E essa história de que tem outro tipo de gente aqui além do malandro Como é que é essa história do falso bacana É o caso dos do pavilhão dois A maior parte deles em família e tal uns que se conhecem um funcionário que conhece o outro então vai ficando no dois Lá os caras andam de qualquer jeito qualquer roupinha pra eles que tiver no corpo está tudo certo Aqui não aqui a turma faz questão de andar na linha Então os outros presos lá andam trapilho aqueles que tem condições de arrumar uma roupa da rua uma camisa uma coisa da rua eles arrumam Se não tem anda com a roupa da Casa tem que ser tudo azul somente pode ser diferente No dois não Aqui é uma coisa diferente mais bacana Então eles falam falso bacana Que eles acham que se todo mundo fosse bacana como falam no dois estariam lá fora e não na cadeia Bacanarico não vem pra cadeia A num ser alguns por motivo de revolta por sentimento que o resto não precisa porque aqui tem quatro mil e poucos presos mais ou menos Mas se eles fossem bacanas mesmo não estavam na cadeia então muitos vagabundos espalhados que eles são falsos bacana por esse motivo Eles anda bem arrumado andar na linha é Lá não lá ele não tem nem ai É bola eles lutam capoeira lá tem curso de capoeira de boxe halterofilismo então não tão nem ai resolvido Quer dizer tem os mais chegados tem as visitas vão visitas então no campo é tudo short à vontade No pátio não na seção onde a gente trabalha é tudo arrumadinho e tal Não podem andar nem de bermuda nem de short que é para visita não chegar e não é Porque que o cara quer ser bacana Não é bem o cara que quer ser bacana É a circunstância onde ele se encontra o ambiente onde ele se encontra obriga Aqui mesmo nesse setor aqui o diretor aqui Lá o sujeito acaba de jogar capoeira lá fica lá aquela roupa vem uma visita ai fica mal não é Administração da casaentão a gente se sente obrigado a andar arrumadinho tem as copa dos funcionários Cada pavilhão tem a copa dos funcionários Eu não vou trabalhar numa copa dos funcionários com uma roupa suja sapato sujo Apesar de que é cadeia mas nós temos que ter um pouco de asseio E esse é problema Muitos está na copa de funcionários você não vê um mal arrumado é tudo arrumado No oito no nove no cinco a mesma coisa mas têm os guardapó branco outros o guardapó azul cabelinho cortado É essa a diferença Não é que é bacana é a conveniência obriga Então os outros que vem ai que andam de qualquer maneira julgam aos falsos bacanas por esse motivo Mas há falta de compreensão Quem são as tuas amizades A minha amizade enfim todos aqueles que quiser conversar comigo eu aceito Sim mas quem é que é teu amigo assim Tenho uns amigos particulares Aqueles amigos que eu convivo diariamente com eles principalmente os que moram comigo no meu xadrez Nós moramos em quarto individual Quer dizer o que está com menos cadeia lá sou eu Estou talvez se eu não tiver má sorte eu vou embora novamente Agora o resto um está com doze anos de cadeia o outro está com cento e doze É um rapaz novo inteligente inteligente Fala um montão de bobagem fala montão de coisa mas ninguém sabe mesmo a realidade que um com outro vai fazer lá fora Eu posso falar que não vou roubar quando sair daqui Vou regenerar vou trabalhar eu posso está mentindo pra ele Então eu posso ir lá pra fora e continuar roubando quer dizer a gente conversa troca idéia fala tudo tudo quer dizer se existir um espião entre nós é fácil descobrir porque preso tem língua solta preso tem língua solta Mas amigo mesmo são esses que você tem diálogo 160 Que mora comigo e que trabalha na minha seção amigos íntimos mesmo Mas fora isso eu sou amigo de todo mundo Se eles me parecem pra trocar um diálogo eu troco Se me perguntarem uma coisa se tiver ao meu alcance eu respondo Se me pedirem uma ajuda já ajudei muito Esse pessoal que você fala é conceituado na massa É na massa O cara que é benquisto na massa embora a minha personalidade também é apesar de eu ter eu posso ter minha amizade com todo mundo isso ai é óbvio e qualquer um pode Não pode mas pode arrumar um serviço com o homem sem prejudicar ninguém Explica pro homem que está com muita cadeia pra ver se Agora têm muitos que lá e prejudica logo cinco seis manda logo pro xadrez pra carceragem fez isso fez aquilo prejudica os outros Mas o que tem nenhum desses tudo bem porque eu acho que não deve prejudicar o outro Se eu prejudicar o outro estou prejudicando a mim mesmo Porque o que eles praticam eu também não devo praticar Não para o mal apesar de que desde que eu entrei na cadeia cheguei Eu não tava me adaptando mais Então há condições que mesmo no rol de amigos íntimos mesmo eu tenho consideração São pessoas que não cuidam da vida dos outros Eu sou a contrário Se eu não puder ajudar atrapalhar também não atrapalho Esse é meu bem Isso é fundamental aqui dentro É lógico que uma pessoa vai prejudicar a outro alguém que seja batizado por ele toma raiva ódio E fica mal visto porque se ele prejudicar o outro também Então os cara não querem conversa com eles A minha política é outra Esses caras esses tipos assim eles são completamente esquecidos d massa isolados desprezados completamente da massa Ninguém bate papo com ele muitos deles podem até pra ir pra penitenciária Um pederasta pode ser benquisto na massa Tem um pederasta aqui é além dele ser pederasta é policial porque além de praticar o ato de pederastia ele cagueta Esse vou falar É desprezado Agora aquele que pratica só o ato de pederastia o malandro tem Eu vou explicar este porém o que pratica o ato de pederastia o malandro tem ele como adiantar o lado Ele adianta agora aquele que pratica o ato de pederastia e cagueta ele está atrasando Ele além de praticar um ato de pederastia com um preso depois vai prejudicar o outro então ele está atrasando Então o que tem valor na massa masmas tem mais valor um puto que um cagueta Tem mais valor um puto que um cagueta porque está prejudicando o puto está guentando entendeu O pior de todos então é o cagueta Entre um cara que é só cagueta e um cagueta pederasta esse é pior ainda É pior pior ainda Esse ninguém quer saber ninguém quer saber dele nem pederasta nem nada é isolado O único que pode se dar com ele é o mesmo naipe o outro que é mesma coisa dele Por que tem gente que não se adapta ao xadrez Tem que no xadrez na cadeia não pode ser ocupado por muita gente não O máximo de dois cada cela Então obrigatoriamente a gente tem conhecimento mas por via das dúvidas a gente leva aqueles o mais velho no xadrez que morou primeiro ali leva os mais chegados Você pode escolher aquele cidadão no xadrez Chega lá fala pro homem Olha chefe eu vou levar fulano fulano o senhor autoriza autoriza então pode mudar Autoriza o que é isso Autorizar tem que assinar Autorizar a mudança Vou levar você você você certo Chega no chefe de disciplina e fala chefe eu estou precisando desses caras ai autoriza mudar de xadrez Autorizo Então Vocês vão se dar bem Vamos e então não tem encrencas Não então Autoriza Autorizado então quer dizer antes de efetuar a mudança Ele pergunta se se dar bem se vai não tem encrenca nem nada Agora os travesti que é declarado mulher mesmo de preso aqui é separado Mora separado São separados no xadrez deles Porque eles mora no xadrez deles já evita uma pouco Porque é o seguinte se o homem deixar todos os travesti chegar na cadeia morar no xadrez coletivo 161 vai sair morto todo dia porque um quer outro não quer outro quer Acontece mas evita Ai é uma grande oportunidade de evitar as coisas acontecerem E no xadrez coletivo como é Muita gente Dez oito até quinze Chegou uma época ai que tinha dezoito no xadrez São xadrez do tamanho desse aqui E tem diferença entre cara que mora no individual e cara que mora no coletivo Não É a mesma coisa Mas tem problema de fazer ambiente Assim fica mais difícil no coletivo não fica não Não fica mais fácil mais fácil há muita gente Quer dizer se tem dez eu faço ambiente com aqueles dez ali Aqueles dez apresentam uns dez ou vinte então vão chegando E tal Eu conversei com aquele outro rapaz ali ele falou que o primeiro xadrez que ele foi coletivo No primeiro dia um cara já falou pô essa cara ai vai vai fazer a faxina pra mim e tal Ah Tem esse problema Quer dizer no xadrez moramos em doze Eu não vou fazer faxina todo dia sozinho Todo mundo Então no xadrez cada dia um fazia a faxina Quer dizer existe xadrez lá pra cima dos malandros demais que eu falei chegando novos então eles deitam Faz faxina pra nós ai Então a faxina pra nós ai Então o cara fica com medo e e fica todo dia fazendo faxina pra ele Se não fizer o que acontece Se ele faz numa boa sem violência passa cada dia um fica fazendo uma mas se ele levar Então aparece sempre um que quer ser mais do que ele então vai querer uma briga com ele e é o que acontece Geralmente essas coisas de valentia mandar o outro pra faxina acontecem no xadrez onde o cara está até no pescoço de cadeia Cem duzentos anos Ai tem preso com trezentos anos de cadeia Cinquenta de dez pra cima tem monte A maior parte é isso ai Então esses ai levam uma perante o outro grupo Mas é raro isso Não é todo lugar que acontece isso Com você não aconteceu isso não Não sobre faxina Não pelo seguinte no meu xadrez que eu morava só morava cara quisto da massa Eu também sou benquisto na massa mas se eu tiver que fazer faxina eu também vou fazer Hoje é dia de fulano amanhã é meu dia todo mundo faz faxina Mas passa lá o tempo todo ali sem O cara que é bom malandro ele faz esse negócio ele faz o loque fazer Não é raro Esse pra mim esse não é bom malandro Esse é o mau malandro no meu parecer O que é bom malandro O bom malandro é aquele que dispensa a sua humanidade para o companheiro certo Está vendo o companheiro fazendo faxina todo dia vai lá e dá uma força ajuda Eu mesmo no outro xadrez que eu morava era meu dia de fazer faxina mas tinha sempre dois três meus companheiros sempre me ajudava Quando eu via o outro fazendo também eu ia e ajudava Mas isso ai é o bom malandro Mas o outro na cama intimando os outros a fazer isso ai é o mau malandro Ele não tem nada de malandragem ele tem de ignorância nele falta princípio na massa Ele é respeitado na massa Dentro do xadrez dele Só no xadrez dele No xadrez dele Fora ele é igual aos outros Tem diferença entre o cara benquisto na massa e cara respeitado na massa Tem Qual a diferença Por exemplo o cara que é respeitado O bom malandro é respeitado num certo termo ele não mexe com a vida de ninguém ele não adianta ele não ajuda mais também não atrasa esse é um bom malandro essa é a diferença O malandro demais é aquele que quer ser mais do que os outros por exemplo ele já matou na cadeia já brigou ele não precisa brigar não se ele tem uma faca e foi preso com uma faca perante os funcionários também já malandro demais então ele anda só com uma faca 162 ele queria matar alguém na cadeia Então todo mundo quer amizade com ele Esse cara vai acontecer alguma coisa eu quero amizade com ele É um conceito é mínima coisa isso ai Esses ai estão respeitando É respeitado Mas também ele não mexe com todo mundo ele sabe com quem ele mexe ele vai mexer com uma pessoa de um nível mis menos que ele Porque se ele for mexer com um igual a ele ai fica ruim Se um cara é respeitado na massa porque matou e tal mexe com um cara que é benquisto na massa que é bom malandro o que acontece Ele é prejudicado Porque a própria massa critica O cara não é safado não cagueta não trouxe você pra cadeia não caguetou você não ofendeu sua moral é ou não é Porque você vai mexer com cara O cara é malandro igual a você e treta Os caras acende logo Então um já arruma uma faca pro outro e diz toma pronto vai lá Isso é contravenção na cadeia faca não pode O mal de preso é esse é eu chegar e dar uma faca pro outro Então acontece o que voc6e falou a treta que é isso A treta é o atritoO cara está com treta com fulano está com treta Então treta corresponde ao atrito a encrenca Ai se providencia logo uma faca pro outro Ou o amigo dele ou o xadrez dele ele tem um companheiro lá em cima que tem ele vai lá e pega e se ele não tiver meios ele vai na turma dele quebra os pés da cama aproveita e quebra o pé da mesa o pé da cadeira Lá tem diversos banco Mas a massa não se mete com a briga Não só ele mesmo A massa só se mete quando é muito raro Três quatro cara pegar um cara só de faca Três presos cada um com uma faca na mão pega um cara só Ai muitas vezes a massa se revolta quando o cara é considerado Ai é covardia três cara pegar um cara só ai a massa ajuda esse ai Mas quando é um cara sem vergonha um cara que não é benquisto na massa não tão nem ai Eles deixam Deixam passar Você já assistiu uma briga de faca assim Já Já assisti muita coisa que eu cheguei a arrepiar o cabelo do couro Quer dizer eu não podia me meter porque sou sozinho Quer dizer muitas coisas que eu vi o próprio a própria vítima procurou Se ele procurou ele que arque com as conseqüências Se ele não procurasse qualquer um ajudava ele apaziguar ele Chegava lá e sai falando deixa pra lá e tal e deixa de bobera e tal apaziguava e tal Mas quis levar uma de valentão então deixa ele se virar porque os valentes sempre morrem nas mãos dos fracos Se não matar no campomata dormindo jogando bola tomando banho Aconteceu isso ai Na cadeia na massa não existe conceito vale tudo dormindo agachado sentado tomando banho só não vale caguetar Isso é um grande conceito da massa do crime isso é geral no mundo todo Que ai tem diversos criminoso ai estrangeiros nós dialogamos que eles que aprendem logo o português nós dialogamos nós entramos em contato ele explica é a mesma coisa em geral isso ai é um crime em geral isso ai é um crime é só no mundo todo não existe não pode existir cagueta No tempo do Al Capone cagueta não existia apesar que desde que existiu Cristo já existiu o cagueta que traiu Deus por umas moedas mas nunca foi quisto na massa Fica mal né É fica mal Você naquele ódio puxa o vizinho está tomando conta da minha vida Tudo que ele critica Tem um ditado que está certo aquele que tem fortuna aquele que tem uma fortuna existe um crime por detrás Não pode um crime grave mas existe um crime por detrás um erro um erro Está dando certo Tem um rapaz ai que é engenheiroeletrônico Ele tem uma inteligência fora do comum mas o que adianta Ele não aproveita Trabalha na diretoria Ele faz um mapa um painel central pra Polícia Militar magnético fez aqui na cadeia Eu tenho por mim que esse era um dos que o governo tinha que aproveitar ele agora pelo contrário lá fora ninguém vai ligar para ele foi o caso que 163 eu falei que muitas pessoas sai daqui cometendo crime por falta de amparo porque tem muita gente inteligente nessa cadeia Porque a inteligência não vem da leitura vem de si próprio Eu creio que a leitura faz falta mas já senti eu mesmo eu falo isso porque muitas vezes eu já senti falta da leitura muitas vezes em São Paulo quando eu cheguei pra cá eu queria ler uma coisa e não conseguia queria ler no ônibus e não conseguia tinha que perguntar pros outros mas quando eu comecei a ler e senti que eu estava lendo puxavida foi uma grande alegria apesar de tudo quer dizer eu senti falta mas eu creio que muitos presos aqui é dentro é mais inteligente que um estudado Eu vim pensar na capacidade da metade do homem aqui na cadeia A mentalidade humana é a coisa mais perigosa do mundo é mentalidade humana Tanto faz para o bem quanto para o mal Porque a maior parte do mundo usa a quarta parte da sua mentalidade e se todo mundo usar sempre há honestidade a inteligências certo Quer dizer eu mesmo sou católico desde criança se me visse como gente eu sou católico Mas eu freqüentei de umbanda macumba candomblé tudo quanto é coisa ruim eu freqüentei Os próprios umbandistas os próprios macumbeiros não sabe o que é a macumba Eles sabem que a macumba é seita deles Mas eu aqui dentro da cadeia tive a oportunidade e aprovei a realidade sobre essa seita Aquilo ali que pratica é força da mentalidade da pessoa não é nada de espírito que vem do céu não é nada disso é o poder da mente a mente é muito é muito quer dizer não estou falando que eu tinha a minha mente suficiente para mim apodera de alguma coisa mas eu tenho a minha força de vontade a minha crença faz com que sugerir acontecer Eu não pus nada em plano não fiz é castelo de nada por enquanto eu quero sair da cadeia se eu falar que eu vou sair daqui vou me regenerar estou mentindo Se falar que não vou roubar estou mentindo porque eu não sei o que eu vou fazer lá fora Vou procurar um meio da minha melhora da minha melhora porque se eu melhorando a minha vida eu posso melhorar a dos outros Apesar de que eu gostaria de ver todo mundo bem primeiro do que eu eu ser o último Pra mim apesar da minha ignorância dos meus erros eu sou um cara humano queria ver todo mundo na paz na tranqüilidade mas ninguém tem condições de manter a paz na guerra É difícil Então a violência gera violência A paz gera a paz a mesma coisa pra mim estou numa guerra agora Quer dizer a vida de um criminoso a vida de criminoso ele pode do mal ele pode chegar ao ultimo grau da bondade mas para que isso aconteça ele tem que ter um apoio total Amor com ele não somente crítica no jornal Eu vou sair daqui vou arrumar um serviço lá fora quer dizer eu tenho passagem pela polícia apesar de eu nunca deixar de trabalhar mesmo na cadeia vou tirar meus documentos está sujo Vou tirar um antecedente está sujo As firmas não me aceitam o que eu vou fazer lá fora se eu não consigo escrever Vou pensar na maldade outra vez Pra poxa eu queria regenerar mas não consigo As firmas não aceitam tenho um apoio do governo não tenho um uma pessoa que pode me ajudar As pessoas da minha família é humilde da minha família é pobre Eu estou com força de vontade mas ninguém me ajuda eu vou voltar pro crime Quando ele voltar pro crime ele volta completamente diferente a mente dele evoluída conviver aqui aprendeu Aqui é a escola a verdadeira escola viveu aqui aprendeu Então ele vai praticar coisas que nunca praticou onde o jornal é muito útil manual Porque o jornal faz o bandido também a imprensa Muitos jornais faz O bandido de Assis morreu foi feito O cara foi feito porque os companheiros dele estão aqui na cadeia tudo está aqui na cadeia Foi feito do jornal Por isso é que a impressa tinha que fazer uma coisa pedir a prisão dele e não difamar ele Ele é um bandido ele é perigoso e ele é assim não é nada disso Então o cara se sente puxavida o jornal está me criticando falando que eu sou aquilo esses caras vão me matar Tem medo deles matar Então no fim ele sai matando também pra depois morrer Quer dizer então em vez da imprensa fazer isso ai precisamos pegar um bandido assim assim assim pra botar ele na polícia Pra isso existe a cadeia pra pagar o crime que cometeu porque não tem ninguém com direito de matar ninguém Eu sou contra aquele que também mata pra roubar Eu nunca precisei dar um tiro em ninguém não sei se vou precisar lá fora agora Até hoje eu precisei um tiro nem nada eu sou contra isso ai Mas tem muita gente que faz isso ai Faz tem muita gente que faz Essa ROTA que saiu fora agora Eles são desumano esses cara tudo ignorante Eles não tem curso Pra isso o governo acabou com a guarda civil Porque a guarda 164 civil tinha que ter curso de pintura educação e humanidade Pra eles dá uma blitz num cidadão na rua eles vinha coma maior educação do mundo Se fosse pra eu falar pela polícia eu falaria pela guarda civil mais ninguém Porque a força pública qualquer ignorante que chegar ai se ele tiver os braços fortes saber dar tiro ele já tem um vaga pra ele vai ser polícia Todos esses ai são ignorantes não tem cultura não tem principio Então ele vai ver um carro correndo um ladrão correndo não precisa não ele está de viatura persegue até ele parar ai ele vai parar Prende manda pra cadeia vai cumprir sua pena você sabe ele dando tiro em cima o cara estava com um revólver também já sai dando tiro neles como eu tava falando que o homem é perigoso O jornal e a polícia faz o bandido Isso ai todo mundo fala O que é verdade ninguém gosta de falar o preso morre o bandido quando morre ele entre já como defunto Agora me fala O número de bandido morto está sendo está batendo recorde Mas é mentira Se morre trinta polícia e morre cinqüenta bandido eles fala que morreu cem bandido e dez polícia Mas morreu trinta viu Por ignorância deles porque se fosse pelos bandido não tinha troca de tiro não tinha nada Quer dizer ele ia embora Se não fosse violado não ia violar ninguém Como é que está o teu caso Por que você não ganha esse recurso Meu recurso é um problema sabe Estou condenado a Estou cumprindo anos Já era pra você ter saído então Já era pra eu ter saído Porque no código penal reza que na metade da pena eu posso ter livramento condicional e com o terço tenho direito à colônia porque eu tinha cinco meses aqui Então eu tinha uma falta disciplinar na casa O que aconteceu É falta de disciplina Discussão com funcionário Então eu fui punido Abandona a falta que é perdoada depois de um ano então houve possibilidade de eu ir pra colônia Quando eu atingi um ano pra abonar a falta eu já estava dentro da liberdade condicional Mas como eu tinha lhe dito eu tinha obrigação de fazer exame com o médico psiquiatra que a medida de segurança é obrigatória depois de um ano passar pela sala do psiquiatra Como que é o exame Ah O exame psiquiátrico é por exemplo Você chega lá que ele faz Você fica sentado na mesa dele eu chego ele lê o processo então ele pergunta desde quando eu nasci desde quando eu nasci até esse último momento Se o que eu fiz tem sangue tem violência tem agressão o que eu fiz aqui que eu vou continuar a fazer quer dizer é um diálogo pra ver se ele consegue sentir sua mente normal Sem distúrbio mental Então desde criança até agora ele pergunta Ele faz diversas perguntas quer dizer E ai Passei foi favorável Mas chegou na Execução eles não aceitaram o que o médico tinha me dado O não aceitou Quer dizer o cara não é É médicopsiquiatra do governo Mas é o seguinte a diferença é que na biotipologia é uma junta médica não é um só mas são quatro em psiquiatria uma assistente um psicólogo e um eletroencefalograma São quatro a examinar É uma junta médica Aqui é um só O juiz da Execuções não aceitou o exame dele não foi acatado não acatou o exame dele Mandaram eu pra biotipologia Chegou na biotipologia eu fiz quatro exames Eu não tenho distúrbio mental não tenho nada que ataca a minha mentalidade A biotipologia não deu contrário não deu favorável sugeriu Não é dar nem negar Certo E também não pode existir uma coisa sugerida Alguma coisa vá acontecer estou fazendo exame alguma coisa já aconteceu então eles sugeriram maior prazo de observação minha aqui na cadeia Isso ai foi quando eu fiz os outros exames Bom não deram nem negaram não entendi mais nada me senti apavorado não deram nem negaram Perdi a condicional Fiz outro exame na penitenciária Os mesmos exames eu fiz novamente Eletroencefalograma e o que mais Eletroencefalograma eu fiz por último e a psicóloga psicologia a assistente social Ela perguntou o que 165 Desde o dia em que eu nasci até o presente momento sobre a minha pessoa sobre a minha família o que eles tem o que eles não tem a doença que eles sofre se eu se meus parentes já tiveram internado em hospital por causa de mentalidade fraca Então tudo isso tudo quanto é tipo de doença em perguntaram quer dizer a minha vida desde criança até o presente momento perguntaram Tanto faz da segunda vez perguntaram mesma coisa A única coisa que foi diferente foi o exame da cabeça que é o eletroencefalograma O único diferente o resto a mesma coisa E deram contrário dessa vez Esta é o motivo que eu acho que a justiça não tem intenção de recuperar ninguém Apesar de regenerar quinhentos milhões de vezes mas eles regeneram quinhentos milhões de vezes é melhor pra eles Então mas eles não tem intenção de regenerar ninguém porque se eles colocaram um médico psiquiatra aqui na Detenção o exame dele tem que ser válido em qualquer lugar certo Jamais eles podem recusar o exame de um médico psiquiatra O médico que tirou o diploma tem capacidade pra exercer o cargo que ele exerce Então ele tem que ser acatado o exame dele Não acataram o exame dele Foi favorável Então o exame que eu fiz com ele foi favorável foi favorável As mesmas idéias que eu troquei na penitenciária eu dialoguei com ele Porque são tudo médico psiquiatra então são todas as idéias comparadas Quer dizer a posição dele aqui é o médico daqui Ai por que O Dr é médico psiquiatra eles tem que acatar Se a Detenção de São Paulo não vão acatar os laudos dos médicos deles então pra que tem médico na Casa de Detenção de São Paulo Então a minha não é revolta os meus sentimentos certo toda a compreensão da humanidade nessa parte Quando eu cheguei a atingir o direito de livramento condicional se eles me botassem na rua as minhas idéias tinha virado pra mim e meu povo eu ia procurar mais inteligência para minha mente pra eu poder dispor dela para o bem do meu povo Eu ia fazer o bem pra eles pelo contrário eles fizeram em mim pensar coisas contra eles Porque eu até o segundo ano quando eu estudei não estudei nada que pudesse influir na mente sabe Mas a minha força de vontade fez com que eu tivesse tudo que por na mente o poder da vida Então eu consegui consegui influir na minha mentalidade a estar bem amadurecida em qualquer ponto isso eu tenho certeza minha mente está bem amadurecida em qualquer canto que eu for certo A única coisa que eu queria era que eles me dessem essa oportunidade o direito que eu tenho que é da liberdade condicional não me deram me negaram isso também