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Ciências Políticas
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148 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Peace studies origins developments and current critical challenges DOI 1021530civ12n12017611 Gilberto Carvalho de Oliveira1 Resumo Embora os estudos da paz coloquem no núcleo da sua agenda de pesquisa alguns dos desafios mais graves e urgentes do nosso tempo incluindo todas as formas de violência as causas dos conflitos e as condições para a paz é curioso notar a marginalidade ou quase invisibilidade dessa disciplina no meio acadêmico brasileiro bem como a escassez de bibliografia produzida no Brasil dedicada às bases conceituais e metodológicas próprias dessa área de estudos A fim de contribuir para uma maior visibilidade dos estudos da paz este artigo tem por objetivo traçar um panorama geral do percurso de consolidação dos estudos da paz como disciplina acadêmica desde o seu nascimento na década de 1950 até a atualidade Dentro desse propósito o artigo procura destacar as origens e os elementos definidores centrais dos estudos da paz os desenvolvimentos conceituais sobre a violência e a paz ocorridos na obra de Johan Galtung considerado uma das referências centrais dessa área de estudos e os principais desdobramentos e desafios dos estudos da paz na atualidade Palavraschave Conflito Galtung Pesquisa da paz Resolução de conflito Violência Abstract Although peace studies put at the core of its research agenda some of the most serious and urgent challenges of our time including all forms of violence the causes of conflict and the conditions for peace it is curious to note the marginality or almost invisibility of this discipline in the Brazilian academia as well as the scarcity of the literature dedicated to the conceptual and methodological basis of this area of study produced in Brazil In order to contribute to greater visibility of peace studies this article aims to outline an overview of the consolidation of the discipline from its origins in the 1950s to the present For this 1 ProfessorAdjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Email gilbertoolivgmailcom Artigo submetido em 12012017 e aprovado em 19042017 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 149 Gilberto Carvalho de Oliveira purpose the paper highlights the main defining elements of peace studies the conceptual developments about violence and peace in Johan Galtungs work considered one of the central references of the discipline as well as the main developments and challenges of peace studies today Keywords Conflict Galtung Peace research Conflict Resolution Violence Introdução Os estudos da paz constituem a área de pesquisa acadêmica que incorpora o compromisso mais claro e explícito com a nãoviolência e a organização pacífica das relações sociais nos níveis local nacional regional e internacional Desde o seu surgimento como área disciplinar organizada institucionalizada em universidades e centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa há cerca de sessenta anos atrás os estudos da paz têm procurado demonstrar que a paz não é apenas um ideal utópico ou um estado contingente eventualmente alcançado entre guerras inevitáveis mas é um objeto de pesquisa acadêmica a ser estudado em seus próprios méritos e a ser colocado em prática através de políticas concretas Nesse sentido os estudos da paz têm acumulado um vasto manancial de conhecimentos conceitos teorias métodos e análises empíricas que em seu conjunto fornecem indicações relevantes para a compreensão das causas dos conflitos violentos e das condições para a paz Há uma quantidade incontável de tópicos que alimentam a agenda dos estudos da paz incluindo aspectos tão diversos quanto as causas da guerra o problema das armas nucleares do desarmamento e do controle de armas as técnicas de resolução de conflitos as operações de paz a desmobilização reconciliação e reconstrução pósbélica as migrações e os deslocamentos internos a resistência nãoviolenta as variadas formas de violência estrutural e cultural a educação para a paz as condições para uma paz positiva redução das desigualdades econômicas promoção da justiça social redução da exploração e da opressão O que esses poucos tópicos demonstram e a lista poderia ser expandida para muito além desse horizonte é que a agenda dos estudos da paz lida com algumas das questões mais urgentes e graves do nosso tempo o que faz com que a relevância dessa área de pesquisa seja inquestionável Contudo ainda que os estudos da paz se tenham institucionalizado em centenas de universidades e centros de pesquisa em todo o mundo WIBERG 2005 levando 150 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais a um crescente número de estudantes solidamente treinados nessa área tanto em nível de graduação quanto de pósgraduação ainda é notável a marginalidade da disciplina no meio acadêmico brasileiro e a escassez de bibliografia produzida no Brasil dedicada às bases conceituais e questões metodológicas específicas dessa área de estudos Esse aspecto parece surpreendente quando se considera o tradicional posicionamento externo do país em favor da resolução pacífica de conflitos o seu crescente envolvimento nas operações de paz e as formas crônicas de violência direta estrutural e cultural que hoje impactam as relações sociais nas zonas rurais e em grande parte das cidades brasileiras colocando sérios desafios à construção de um ambiente de paz abrangente e sustentável no país Embora esses aspectos remetam a questões típicas da agenda dos estudos da paz dentro de seus variáveis níveis de análise é notória a falta de ênfase e de institucionalização dessa disciplina nos currículos universitários brasileiros Ainda que se deva notar um movimento embrionário de afirmação dessa área de pesquisa traduzido sobretudo pelos esforços de criar uma Rede de Pesquisa em Paz Conflitos e Estudos Críticos de Segurança PCECS e pela recente realização do I Encontro Brasileiro de Estudos para a Paz2 não se pode deixar de ressaltar que muito esforço ainda precisa ser feito no sentido de tirar os estudos da paz da invisibilidade no contexto brasileiro O propósito deste artigo é traçar um panorama geral do percurso de consolidação dos estudos da paz como disciplina acadêmica desde o seu nascimento na década de 1950 até a atualidade Dentro desse propósito o artigo procura destacar as origens e os elementos definidores centrais dos estudos da paz primeira seção os desenvolvimentos conceituais sobre a violência e a paz ocorridos na obra de Johan Galtung considerado uma das referências centrais dessa área de estudos segunda seção e os principais desdobramentos e desafios dos estudos da paz na atualidade terceira seção Tratase portanto de um texto introdutório que não propõe acrescentar conhecimentos originais e nem avançar o debate teórico além do já existente na disciplina mas sim traçar um mapa geral dos seus contornos principais Devese acrescentar ainda que a limitação imposta pela dimensão do artigo impõe uma abordagem seletiva dentro da qual os desenvolvimentos conceituais da obra de Galtung são privilegiados o que obviamente não esgota o amplo leque de temas autores e pontos de vista que caracterizam a diversidade própria da área disciplinar aqui tratada Mesmo dentro desses limites considerase 2 Ver httppcecsblogspotcombr Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 151 Gilberto Carvalho de Oliveira que o artigo oferece uma contribuição relevante não só para professores estudantes e pesquisadores brasileiros3 interessados num panorama geral e introdutório sobre esta área de estudos mas também para leitores que mesmo sem vinculação acadêmica atuam nas esferas governamental e nãogovernamental exercendo atividades relacionadas a ações humanitárias e intervenções em zonas de conflito e de violência endêmica Elementos definidores centrais dos estudos da paz Embora o pensamento sobre a paz remonte à antiguidade estando presente em diversas tradições religiosas correntes filosóficas e vertentes do movimento pacifista os estudos da paz enquanto área disciplinar organizada institucionalizada em universidades e centros de pesquisa dotada de um corpo teórico próprio e de publicações e fóruns de discussão especializados constituem um empreendimento relativamente novo Com essas características institucionais o nascimento dos estudos da paz ocorreu no final da década de 1950 nos Estados Unidos embora sem se referir explicitamente ao termo paz no seu nome de batismo O que se viu nesses momentos iniciais foi a emergência da expressão pesquisa do conflito conflict research empregada para designar a preocupação com a resolução pacífica dos conflitos em larga escala fornecendo as balizas intelectuais que levaram acadêmicos como Kenneth Boulding Herbert Kelman e Anatol Rapoport a criarem o Journal of Conflict Resolution em 1957 e o Center for Research on Conflict Resolution na Universidade de Michigan em 1959 Essa nascente agenda de pesquisa procurou buscar na revolução behaviorista isto é no movimento que projetava sobre as ciências sociais um aparato de validação científica inspirado nas ciências da natureza o mesmo conjunto de ferramentas metodológicas que os realistas e estrategistas começavam a abraçar para se legitimarem como produtores de conhecimento científico JCR 1957 Paralelamente a esses esforços surgiu na Europa uma comunidade de pesquisadores com objetivos semelhantes Porém ao contrário da timidez com que a palavra paz aparecia na proposta dos colegas norteamericanos os 3 Como professor de estudos da paz num curso de graduação tenho constatado a demanda dos alunos por referências bibliográficas dessa área escritas em português que auxiliem os seus estudos Considerando a possibilidade de que os estudos da paz se tornem mais visíveis e presentes nos currículos acadêmicos em função dos recentes movimentos de institucionalização da disciplina no Brasil é possível que essa demanda venha a aumentar o que reforça a relevância aqui apresentada 152 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais pesquisadores europeus optaram por dar uma centralidade a esse termo colocando o conceito de paz no núcleo do seu projeto intelectual e explicitando a palavra paz no título da sua atividade de pesquisa peace research e no nome dos seus institutos e departamentos acadêmicos Nós não temos medo da palavra paz4 afirmava Galtung no editorial de lançamento do Journal of Peace Research JPR 1964 p 4 vinculado ao International Peace Research Institute Oslo PRIO criado em 1959 pelo mesmo acadêmico Nesse editorial Galtung propunha uma perspectiva metodológica mais flexível ainda que se mantivesse firme no propósito de fazer da paz um objeto de estudo científico Desse modo mesmo defendendo um estatuto científico e a formulação de hipóteses e proposições gerais sobre a paz o editorial inaugural do Journal of Peace Research sugeria que a consistência teórica e não a confirmação empírica deveria ser a preocupação central da pesquisa da paz JPR 1964 p 4 Também relevante era o fato do editorial defender explicitamente que a apreciação ideológica poderia coexistir com a avaliação empírica indicando uma posição menos rígida em relação à distinção entre fato e valor Nas origens desse projeto encontravase portanto a pretensão de desenvolver uma ciência normativa da paz dentro da qual o rigor analítico e o respeito aos protocolos científicos de validação do conhecimento seriam temperados pela ideia de que a violência e a guerra têm um valor negativo devendo desse modo ser rejeitadas ou pelo menos reduzidas e que a produção teórica deveria contribuir na prática para a prevenção a mitigação e a resolução dos conflitos violentos Influenciada principalmente pela extraordinária capacidade de Galtung de diversificar suas abordagens conceituais e metodológicas a designação dessa área de pesquisa evolui gradualmente para a expressão estudos da paz que passou a ser vista como um grande rótulo guardachuva destinado a abrigar não só o tipo de pesquisa neopositivista fiel às origens behavioristas da pesquisa do conflito e da pesquisa da paz mas também as abordagens mais reflexivas e críticas que foram incorporadas à disciplina com os conceitos de violência estrutural e cultural e com as influências construtivistas críticas pósestruturalistas feministas e póscolonialistas introduzidas na disciplina a partir das décadas de 1980 e 1990 Dentro desse quadro passaram a conviver não só as agendas de pesquisa racionalistas que até hoje guiam a orientação editorial de revistas tradicionais da área como o Journal of Conflict Resolution e o Journal of Peace Research mas 4 Tradução livre do autor we are not afraid of the word peace Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 153 Gilberto Carvalho de Oliveira também as agendas mais críticas e reflexivistas que se fazem representar através de publicações acadêmicas surgidas posteriormente tais como a Peace and Change e a Peace and Conflict Studies Dentro desse panorama é importante notar que os estudos da paz assumiram desde os seus momentos iniciais uma identidade intelectual que se afirmava em oposição à corrente realista das Relações Internacionais e aos estudos estratégicos Se a reflexão científica sobre a guerra e a paz após o fim da II Guerra Mundial constituía um monopólio da tradição realista e estratégica onde a máxima si vis pacem para bellum5 era auto reproduzida e auto reforçada como verdade fixa e universal a emergência da pesquisa do conflito e da pesquisa da paz nos anos 19501960 representou um desafio a essa concepção dominante Ao assumirem que a paz não era um mero estado contingente alcançado por vitórias militares entre guerras inevitáveis mas se definia por seus próprios méritos como um processo que podia ser construído através de políticas e intervenções orientadas primordialmente para afirmar a vida das pessoas e produzir um mundo melhor mais igualitário e justo livre das manifestações diretas e indiretas de violência os estudos da paz propuseram uma ruptura com o pensamento tradicional rejeitando a máxima se queres a paz preparate para a guerra e colocando em seu lugar uma outra noção igualmente radical se queres a paz preparate para a paz DUNN 2005 p 1 Portanto a ambição de converter a paz em objeto de pesquisa acadêmica sem que isto implicasse em negar o compromisso ético com a nãoviolência e com o propósito político da sua produção de conhecimento sempre esteve presente no projeto intelectual dos estudos da paz e continua a ser um dos seus elementos definidores centrais Um segundo aspecto característico dos estudos da paz é a sua auto definição como área interdisciplinar de pesquisa As duas grandes revistas científicas da área deixam claro desde as suas fundações esse elemento definidor Conforme observam os editores do número inaugural do Journal of Conflict Resolution os assuntos internacionais têm sido um domínio quase que exclusivo dos historiadores e cientistas políticos bem como de profissionais como diplomatas e militares porém continuam os editores a prevenção da guerra requer que se vá além trazendo para esse domínio os conhecimentos produzidos pelos sociólogos psicólogos educadores e pioneiros da ciência behaviorista JCR 1957 O editorial do primeiro número do Journal of Peace Research enfatiza 5 Se queres a paz preparate para a guerra 154 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais igualmente que a pesquisa da paz deve ser interdisciplinar JPR 1964 p 4 Sobre essa característica Galtung 1985 2010 tem sido incansável em chamar a atenção para o fato de a paz ser um tópico demasiadamente complexo para ter a sua compreensão limitada a um quadro unidimensional de análise geralmente orientado por disciplinas tradicionais como a história ou o direito internacional Por essa razão o autor considera que o conceito de paz deve ser permanentemente problematizado e que a pesquisa das condições para a paz deve ligar o abismo existente entre o tradicional e o moderno nas ciências sociais6 1985 p 143 criando uma rede de pesquisadores de várias disciplinas psicologia sociologia politologia etc dentro da qual os pesquisadores da paz possam ser integrados O autor vai mais longe ainda ao defender que estimulados pelo diálogo e o intercâmbio intelectual dentro dessa rede interdisciplinar os pesquisadores da paz caminhem para a transdisciplinaridade ou seja para uma crescente síntese e integração das perspectivas e abordagens dessas diversas disciplinas dentro das suas mentes individuais 1985 2010 Um terceiro aspecto marcante dos estudos da paz é a sua característica multinível Isto significa que os estudos da paz assumem o compromisso de olhar para os diversos níveis implicados na formação dos conflitos e nas condições para a paz incluindo o individual o comunitário o estatal e o internacional De fato a tradicional centralidade do Estado e as convencionais fronteiras entre as esferas interna e interna que marcam as Relações Internacionais têm sido desafiadas pelos estudos da paz desde os seus momentos iniciais devido ao caráter unidimensional e redutor que essas categorias impõem ao estudo dos conflitos e da paz Ainda que os conflitos internacionais permaneçam entre os focos de preocupação relevantes dos estudos da paz isto não implica em assumir que as únicas linhas que cruzam a humanidade criando obstáculos à integração e acentuando a disposição para usar a violência sejam as fronteiras entre Estados portanto usar o Estado como único critério para definir o nível de análise nos estudos da paz parece redutor uma vez que existem outras fronteiras igualmente importantes na formação e divisão de grupos tais como linhas étnicas religiosas sociais ou econômicas potencialmente capazes de produzir antagonismos que levam à violência JPR 1964 Finalmente o elemento que talvez defina os estudos da paz de uma forma mais particular seja a conjugação de uma epistemologia negativa e uma de epistemologia 6 Tradução livre do autor to bridge the gap between traditional and modern social sciences Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 155 Gilberto Carvalho de Oliveira positiva na problematização do conceito de paz RASMUSSEN 2003 Desde o início de sua obra Galtung traz no núcleo do seu projeto intelectual a noção de que os estudos da paz se desdobram em dois ramos de pesquisa baseados em duas perspectivas epistemológicas distintas uma negativa e outra positiva JPR 1964 Da primeira perspectiva a paz é definida de uma forma estreita a partir do que ela não é ou do que ela nega a violência física e a guerra Essa noção batizada por Galtung de paz negativa traduz uma concepção minimalista de paz restrita à ausência das manifestações diretas e aparentes da violência que corresponde não só à perspectiva compartilhada pelo realismo nas Relações Internacionais e pelos estudos estratégicos mas também às perspectivas do senso comum e dos movimentos pacifistas que geralmente enxergam a paz através das lentes do ativismo antiguerra Cabe à pesquisa da paz dentro dessa epistemologia negativa preocuparse com as manifestações explícitas da violência o que leva os pesquisadores a se dedicarem à compreensão das razões causas dinâmicas e formas de lidar com os efeitos diretos do conflito e da guerra Dentro dessa moldura negativa da paz os pesquisadores envolvemse por exemplo com temas como diplomacia negociação mediação e outros instrumentos de gestão e resolução de conflitos papel das organizações internacionais e do direito internacional na contenção da guerra desarmamento e controle de armas especialmente de armas nucleares químicas e bacteriológicas papel das organizações nãogovernamentais e dos mecanismos nãooficiais na resolução de conflitos e outras formas de contenção ou supressão da violência física e aparente Da segunda perspectiva e aqui está a grande novidade introduzida por Galtung a paz definese de uma forma maximalista a partir de tudo o que ela pode agregar a mudança de mentalidades o contato e o intercâmbio entre os grupos sociais a educação a pesquisa a comunicação e o diálogo as transformações sociais e econômicas a cooperação institucional entre grupos e nações e quaisquer outras propostas que se comprometam com a integração humana JPR 1964 Desse ângulo a paz não se define pela mera ausência da violência física e direta ainda que esta continue a ser uma das suas dimensões necessárias mas se expande para além desse horizonte a fim de abranger qualquer iniciativa afirmativa que promova a integração humana Essa segunda dimensão que Galtung chama de paz positiva assume uma feição mais complexa e radical indicando o compromisso com a construção de um sistema social global integrado onde as mudanças sociais possam ser alcançadas através de meios não violentos Dessa perspectiva positiva da paz os pesquisadores envolvemse por exemplo com 156 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais temas relacionados aos direitos humanos questões de gênero desigualdades sociais e econômicas desenvolvimento redução da pobreza e combate à fome bemestar social participação política justiça social transformações sociais não violentas educação para a paz reconstrução pósconflito reconciliação e justiça de transição questões ambientais pluralismo e diversidade cultural diálogo e compreensão em todos os níveis do interpessoal ao intersocial ao internacional Dentro dessa dimensão positiva da paz são cruciais os desenvolvimentos ocorridos na obra de Galtung principalmente a partir do final da década de 1960 com o conceito de violência estrutural e na passagem das décadas de 1980 pata 1990 com o conceito de violência cultural Violência estrutural e os conceitos de peacekeeping peacemaking e peacebuilding A introdução do conceito de violência estrutural na obra de Galtung e a sua articulação com o conceito de paz positiva ocorreu na passagem da década de 1960 para 1970 no contexto de um intenso debate interno fomentado pela crítica oriunda de jovens pesquisadores de orientação marxista que acusavam a disciplina de se ter convertido num tipo de ciência aplicada orientada para os interesses de quem tem o poder de aplicála7 SCHMID 1968 p 229 e como tal uma fonte de conhecimento útil para o controle a manipulação e a integração do sistema internacional pelos grupos dominantes Da perspectiva desses jovens pesquisadores os estudos da paz não passavam de numa espécie de pesquisa para a pacificação produzindo um conhecimento orientado para a harmonização e o alívio imediato dos efeitos da violência sem atentar para a necessidade de reestruturar radicalmente o sistema que estava na base dos antagonismos DENCIK 1970 STOHL CHAMBERLAIN 1972 O conceito de violência estrutural proposto por Galtung 1969 responde em grande medida as críticas acima mencionadas Definida como uma forma indireta de violência cujas raízes estão na distribuição desigual de poder e de recursos nas sociedades ou entre as sociedades a violência estrutural chama a atenção para um tipo de violência quase sempre latente invisível ou disfarçada que resulta das desigualdades sociais das injustiças da pobreza da exploração e 7 Tradução livre do autor who has the power to apply it Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 157 Gilberto Carvalho de Oliveira da opressão Desse modo se o conceito de paz negativa se define pela ausência de violência direta o conceito de paz positiva passa a ser definido como a ausência de violência estrutural e a ser articulado por Galtung através da noção de justiça social A partir desse refinamento conceitual a paz positiva que na formulação original do autor ainda guardava uma dose de idealismo ao ser concebida genericamente como qualquer iniciativa voltada para a integração humana JPR 1964 passa a ser concebida como a superação de todas as formas de desigualdades e injustiças sociais dando à agenda de estudos da paz uma orientação mais reflexiva e emancipatória Essa dimensão estrutural da violência reforçada por Galtung 1971 em sua teoria estrutural do imperialismo traz para a teoria da paz as dinâmicas mundiais de exploração entre centro e periferia bem como as disparidades de desenvolvimento dentro e entre nações respondendo dessa forma à acusação de seus críticos mais radicais de que os estudos da paz até então obcecados pelas dinâmicas estratégicas da Guerra Fria pactuavam em grande medida ou pelo menos não se preocupavam na dimensão necessária com a estrutura dominante de poder e com a lógica de autorreprodução da violência implicada nessa ordem dominante Essa reorientação na teoria da paz e a sua conexão com a teoria do conflito e a teoria do desenvolvimento fornecem elementos essenciais para alimentar as reflexões de Galtung desenvolvidas em meados da década de 1970 sobre três formas possíveis de intervenção em nome da paz no contexto de conflitos violentos peacekeeping peacemaking e peacebuilding GALTUNG 1976 Se hoje os termos peacekeeping peacemaking e peacebuilding pertencem ao léxico usual das chamadas operações de paz da Organização das Nações Unidas ONU é importante salientar que esses conceitos não existem na Carta das Nações Unidas Na verdade até a discussão proposta por Galtung em meados dos anos 1970 apenas as práticas tradicionalmente associadas ao termo peacekeeping manutenção da paz tinham alguma notoriedade desde que Dag Hammarskjöld SecretárioGeral da ONU e Lester Pearson Secretário de Assuntos Externos do governo canadense tinham definido os princípios básicos que guiariam a atuação da Força de Emergência das Nações Unidas UNEF I criada para intervir em 1956 na chamada Crise de Suez ONU 1956 Podese dizer portanto que o termo peacekeeping tornouse conhecido mais pelas práticas de intervenção realizadas sob mandato da ONU durante a Guerra Fria do que por algum debate teórico ou alguma definição doutrinária nos documentos de alto nível daquela Organização A discussão proposta por Galtung representa dentro desse quadro uma tentativa 158 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais pioneira de teorizar as operações de paz e de propor um léxico apropriado às diferentes abordagens à paz que só serão incorporadas à doutrina de intervenções da ONU cerca de quinze anos depois Em seu texto Galtung destaca que o propósito do peacekeeping é manter a paz entre as partes em conflito através da interposição de uma terceira parte entre elas isto significa segundo o autor que essa abordagem tem duas características definidoras centrais ela é dissociativa pois pressupõe que os antagonistas sejam mantidos segregados geograficamente sob a ameaça de punição caso transgridam os limites dessa separação e reflete uma concepção negativa da paz pois limitase à manutenção da ausência de violência direta A segunda categoria o peacemaking restabelecimento da paz confundese com a abordagem de resolução de conflitos e reflete os esforços diplomáticos de negociação de um acordo que tenha um efeito apaziguador e possa ser ratificado pelas partes em conflito Esses esforços de negociação de um acordo podem surgir entre as próprias partes em conflito ou com a ajuda de uma terceira parte Ainda que Galtung considere essa abordagem importante e necessária suas limitações também são relevantes Em primeiro lugar o seu foco também se limita à interrupção da violência direta refletindo portanto uma concepção negativa da paz Em segundo lugar e talvez mais importante o peacemaking depende do empenho e do comprometimento das lideranças de cada parte como tal é uma abordagem elitista e sujeita a flutuações de opiniões e retrocessos em função da eventual mudança dos atoreschave durante as negociações ou no período posterior ao acordo negociado Também problemáticos são os casos bastante frequentes segundo Galtung de acordos produzidos sob pressão de uma terceiraparte que não refletem necessariamente as posições das partes em conflito Isso mostra que as ações de peacemaking podem não ser suficientes para sustentar um sistema de paz o que leva à necessidade de uma terceira abordagem o peacebuilding construção ou consolidação da paz que olhe de uma forma mais profunda para as fontes da violência estrutural e procure superálas através da construção de uma paz positiva Essa terceira abordagem de caráter associativo contrário ao perfil dissociativo do peacekeeping tem por propósito agregar as partes dentro de uma estrutura de paz que substitua a estrutura de violência que está na base do conflito Nesse sentido o peacebuilding requer que a estrutura que produz a violência seja identificada e substituída por uma estrutura alternativa de paz mais igualitária justa e livre de dominação repressão e exploração o que leva segundo Galtung a uma preocupação mais radical com medidas de desenvolvimento social Desse Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 159 Gilberto Carvalho de Oliveira ponto de vista afirma o autor o peacebuilding vai além da abordagem dissociativa do peacekeeping e dos esforços diplomáticos ad hoc para resolver as manifestações superficiais do conflito que caracterizam o peacemaking O peacebuilding envolve uma estrutura social mais horizontalizada portanto menos hierarquizada onde as disparidades de desenvolvimento entre os indivíduos classes grupos nações e regiões sejam reduzidas Desse modo as condições para uma paz positiva podem ser alcançadas assim como um corpo saudável pode produzir os seus próprios anticorpos sem a necessidade da administração ad hoc de medicamentos destaca Galtung recorrendo às suas usuais metáforas médicas um corpo mundial saudável é capaz de produzir seus próprios anticorpos contra a violência para isto é preciso encontrar estruturas que removam as causas da guerra e ofereçam alternativas às guerras em situações onde elas possam surgir8 1976 p 297298 itálico no original Na base das reflexões de Galtung portanto está a noção de que só as transformações estruturais e a justiça social promovidas pelo peacebuilding são capazes de produzir os anticorpos contra a violência o que sugere uma ideia de paz autossustentável que só será incorporada ao léxico internacional mais de uma década depois após o fim da Guerra Fria com a revitalização do papel da ONU na construção de uma ordem mundial mais pacífica Desdobramentos e desafios dos estudos da paz no pósGuerra Fria No início dos anos 1990 Galtung dá mais um salto na sua teoria da paz O autor observa que alguns aspectos próprios da esfera simbólica da existência humana religião ideologia arte linguagem ciência etc podem reforçar as formas diretas e estruturais de violência legitimandoas ou fazendo com que elas sejam percebidas como corretas ou pelo menos pareçam não erradas aos olhos da sociedade GALTUNG 1990 Essas manifestações simbólicas que Galtung chama de violência cultural atuam através de mecanismos sutis e indiretos exercendo uma função importante na construção de identidades coletivas que podem contribuir para a estabilização de determinadas ordens sociais onde formas diretas e estruturais de violência são vistas como normais 1990 O racismo o machismo as superstições os fundamentalismos religiosos os nacionalismos o militarismo as ideologias o colonialismo a meritocracia as etnias e outras 8 Tradução livre do autor structures must be found that remove causes of wars and offer alternatives to war in situations where wars might occur 160 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais construções simbólicas geralmente fundadas em relações binárias do tipo bom mau escolhidonão escolhido superiorinferior amigoinimigo ou racional emocional ilustram esse tipo de violência cultural servindo como mecanismo de justificação ou legitimação de outras formas de violência direta e estrutural Com essa nova categoria conceitual Galtung completa o que ele batiza de triângulo da violência 1996 onde num dos vértices está a violência direta e nos outros dois estão as formas indiretas de violência a estrutural e a cultural Projetando esse triângulo sobre o conceito da paz Galtung chega a uma equação complexa onde a paz negativa se define pela eliminação da violência direta e a paz positiva pela eliminação das duas formas de violência indireta a estrutural e a cultural O ponto de chegada dessa longa trajetória é uma concepção abrangente de paz que corresponde ao somatório da paz negativa com a paz positiva sendo a última o somatório da paz estrutural com a paz cultural figura 1 Figura 1 Triângulos da Violência e da Paz Direta Estrutural e Cultural de Galtung DIRETA CULTURAL ESTRUTURAL ESTRUTURAL CULTURAL DIRETA VIOLÊNCIA PAZ Pn Pp Onde Pn é a paz negativa paz direta e Pp é a paz positiva paz estrutural paz cultural PAZ Fonte GALTUNG 1996 Esses últimos desenvolvimentos na obra de Galtung surgem num contexto fortemente influenciado pela ideia de uma ordem mundial alternativa e pelas questões de identidade que impactam o estudo da política internacional no fim da Guerra Fria Dentro desse quadro as preocupações com a paz e a segurança reorientamse para questões inteiramente novas Perante um número crescente de conflitos civis localizados na periferia do centro desenvolvido do sistema ExIugoslávia Camboja Somália Ruanda Serra Leoa Libéria República Demo crática do Congo Sudão etc os estudos das causas da guerra e das condições para a paz emergem dentro de novos parâmetros Ao olhar para esses conflitos rotulados Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 161 Gilberto Carvalho de Oliveira de novas guerras KALDOR 1999 KEEN 1998 RENO 1999 DUFFIELD 2001 ou de conflitos intratáveis ou persistentes AZAR 1990 2003 diversos autores observam características que não mais se ajustam às dinâmicas sistêmicas da competição bipolar e nem ao tipo de guerra convencional entre Estados marcado pelo enfrentamento de forças armadas profissionalizadas para atingir objetivos políticos claramente definidos Nessa nova conflitualidade onde se observam uma mistura complexa de atores governamentais e nãogovernamentais agendas econômicas oficiais e paralelas degradação ambiental e escassez de recursos naturais bem como profundas divisões étnicas culturais e religiosas o ponto crucial destacado pelos autores é que os conflitos contemporâneos se prolongam indefinidamente sem um ciclo claro de gênese progressão redução e terminação da violência tornandose pouco permeáveis aos esforços formais de resolução de conflitos e consolidação da paz AZAR 1990 2003 COLLIER HOEFFLER 1998 BERDAL MALONE 2000 BALLENTINE SHERMAN 2003 PUGH COOPER 2004 Perante esse quadro de conflitos persistentes e intratáveis em cujas raízes estão graves desequilíbrios estruturais violência estrutural e questões étnicas e religiosas que moldam as identidades dos grupos em conflito violência cultural é importante notar os desenvolvimentos doutrinários e institucionais ocorridos no âmbito da ONU que trazem os estudos da paz para o centro do seu modelo de intervenções e influenciam significativamente a expansão da sua doutrina de operações de paz nos anos 1990 e 2000 Na Agenda para a Paz ONU 1992 onde o então SecretárioGeral BoutrosGhali defende o envolvimento mais ativo da comunidade internacional na prevenção e na gestão dos conflitos violentos as abordagens à paz definidas no trabalho de Galtung em meados da década de 1970 já comentadas na seção anterior são trazidas para o centro das práticas de intervenção da ONU Nesse documento BoutrosGhali propõe quatro tipos de operações que se aplicados em conjunto podem prevenir o conflito antes que ele se converta em violência preventive diplomacy parar o conflito após a violência ter sido deflagrada peacemaking manter a paz após um acordo ter sido alcançado peacekeeping e consolidar a paz na fase pósconflito através das mudanças estruturais necessárias ao bemestar das pessoas e à redução das desigualdades sociais contribuindo assim para evitar novas ondas de violência no futuro peacebuilding Nesse contexto há um crescimento significativo na quantidade de operações de paz a partir dos anos 1990 acompanhado de mudanças fundamentais na sua composição e nas suas funções No que se refere à composição as operações 162 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais de paz passam a incorporar atores tão diversos quanto militares policiais diplomatas agentes humanitários organizações nãogovernamentais agências de desenvolvimento e empresas privadas de segurança Para além dessa diversidade de composição as funções desempenhadas pelas operações de paz também se multiplicam passando a abranger um amplo leque de atividades de natureza militar política e humanitária Na base dessa expansão do modelo de intervenções da ONU encontrase subjacente o compromisso de mobilizar esforços não só para exercer uma influência coerciva sobre os beligerantes no sentido de se produzir uma paz negativa mas também para criar as condições para uma paz positiva através de medidas econômicas culturais políticas técnicas humanitárias e legais capazes de promover as transformações sociais necessárias à consolidação da paz RAMSBOTHAM WOODHOUSE MIALL 2008 Se essa cooptação dos estudos da paz pela ONU indica por um lado a realização política do ideal normativo da disciplina colocando a pesquisa da paz dentro do que se pode chamar de policy oriented mainstream PUREZA CRAVO 2005 p 10 não se pode deixar de notar por outro lado que os desenvolvimentos subsequentes inclusive através da crescente adoção de um aparato militar mais robusto e da autorização de operações sob o capítulo VII da Carta da ONU com mandato para o uso da força caminham para um modelo hegemônico de pacificação de periferias instáveis que traem de forma contundente os propósitos transformativos e emancipatórios originais dos estudos da paz especialmente de sua agenda dedicada à paz positiva Em função desse quadro de conflitos persistentes e intratáveis e dos rumos tomados pelo modelo de intervenções da ONU a partir dos anos 1990 as questões relacionadas à transformação de conflitos e à consolidação da paz emergem como o núcleo de preocupação central da agenda dos estudos da paz nas últimas duas décadas Na base da ideia de transformação de conflitos está a percepção de que os conflitos persistentes não podem ser resolvidos ou solucionados mas sim transformados Embora essa noção já esteja subjacente na obra de Galtung com a ideia de que as violências estrutural e cultural precisam ser transformadas para se alcançar uma paz positiva é apenas em meados da década de 1990 em seu livro Peace by Peacefull Means que a sua teoria da paz se conecta explicitamente à noção de transformação de conflitos Nessa obra o autor propõe que o conceito de paz seja definido não só em função da violência mas também em função do conflito a partir dessa proposta Galtung chega à seguinte definição a paz é a transformação do conflito de forma criativa e não violenta9 1996 p 9 itálico 9 Tradução livre do autor peace is nonviolent and creative conflict transformation Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 163 Gilberto Carvalho de Oliveira no original Com isto o autor pretende chamar a atenção para a necessidade de transformar as atitudes comportamentos e contradições que estão na base dos conflitos sociais a fim de que uma paz abrangente e sustentável seja alcançada Na base da transformação de conflitos está portanto a ideia de que os conflitos são inerentes às relações sociais e como tal não podem ser negados e nem sufocados mas sim transformados de forma criativa e não violenta através de um processo complexo e de longo prazo 1996 Ainda que se deva destacar a pluralidade das abordagens e pontos de vistas dos autores que se dedicam desde os anos 1990 à reflexão sobre a transformação de conflitos uma forma simplificada de síntese desse debate é situálo em termos de uma crítica à noção de resolução de conflitos Conforme destaca Raimo Väyrynen 1999 as receitas de pronto uso e a busca de resultados de curto impacto que geralmente regem as teorias tradicionais de resolução de conflitos negligenciam a complexidade estrutural das situações de conflito e as profundas incompatibilidades de interesses e valores entre os atores envolvidos Por essa razão as abordagens que tentam controlar ou eliminar a violência direta resultam em esforços inúteis a menos que a necessidade de transformação do contexto social e cultural do conflito seja também considerada VÄYRYNEN 1991 Dessa perspectiva a questão chave na transformação de conflitos é identificar as raízes da violência e avaliar a maleabilidade dessas raízes a fim de que os esforços de transformação possam ser bemsucedidos VÄYRYNEN 1999 John P Lederach concorda com essa perspectiva transformativa ao defender a necessidade de se ir ao epicentro do conflito isto é às suas raízes principais e profundas para que uma paz sustentável seja alcançada 2003 Embora esse autor não desconsidere a importância de medidas de resolução dirigidas às expressões visíveis da violência é o foco no epicentro que permite identificar e propor medidas transformativas voltadas para a reestruturação das relações de violência a longo prazo 2003 Segundo Lederach essa reestruturação pode ser concretizada não só através da educação ativismo não violento e mediação 1995 mas também através de uma estratégia de intervenção multidimensional multinível e multitemporal que valorize a participação de um amplo leque de atores externos e locais com especial destaque para os atores não oficiais membros da sociedade civil e vozes normalmente marginalizadas no contexto do conflito 1997 É importante notar que essa perspectiva transformativa tem sido integrada a outros debates nascentes na disciplina Uma dessas agendas tem procurado ir além da reflexão sobre as novas guerras a fim de destacar o que alguns acadêmicos 164 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais têm chamado de novíssimas guerras MOURA 2010 novo urbanismo militar GRAHAN 2010 guerras urbanas BEALL 2006 guerras de favelas RODGERS 2009 cidades frágeis e cidades falhadas BEALL GOODFELLOW RODGERS 2013 LIOTTA MISKEL 2012 MUGGAH 2014 Essa bibliografia compõe um amplo mosaico de abordagens que resguardadas as suas particularidades algumas mais críticas e emancipatórias outras mais conservadoras e estratégicas giram em torno de um eixo comum a intensificação da violência armada e o crescente processo de militarização das grandes metrópoles Dentro de um quadro de relativo declínio das guerras entre Estados o que parece crucial nessa bibliografia do ponto de vista da transformação de conflitos é a constatação de uma escala cada vez mais microscópica de conflitos violentos concentrados em microterritórios dos grandes centros urbanos inclusive em contextos nacionais de paz aparente e formal MOURA 2010 Nessa agenda o trabalho de Tatiana Moura 2010 assume um viés particularmente crítico e reflexivo ao examinar a escala microssocial de conflitos de uma perspectiva feminista Com base na análise da violência armada nas grandes cidades particularmente no Rio de Janeiro a autora observa formas diretas e indiretas de violência estrutural e cultural que perpetuam sistemas de poder em microescala e submetem as populações locais principalmente as mulheres e crianças a uma espiral de inseguranças Embora essas dinâmicas de violência produzam níveis elevados de tensão Moura destaca que elas são negligenciadas dentro das teorias narrativas e práticas dominantes de construção da paz O que parece crucial nesse debate do ponto de vista da transformação de conflitos é a necessidade já enfatizada por Lederach de uma abordagem multinível que dê visibilidade às vozes geralmente marginalizadas nos contextos microssociais dos conflitos Ao chamar a atenção para a hiperconcentração de violência urbana que se dilui e se oculta num contexto de paz institucional e formal Moura lança como desafio a necessidade de se desvendar a construção de identidades feminilidades e masculinidades que legitimam e perpetuam essas novíssimas dinâmicas da violência armada Só assim será possível identificar formas alternativas e não violentas de prevenção e transformação que produzam novíssimas pazes nesses contextos invisíveis e silenciados de violência em microescala MOURA 2010 Outro debate que começa a ser articulado com a reflexão sobre transformação de conflitos resulta da recente revitalização do pensamento sobre a ação não violenta Sob o impacto das revoluções pacíficas da chamada Primavera Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 165 Gilberto Carvalho de Oliveira Árabe parte da atual agenda dos estudos da paz tem retornado aos métodos de protesto nãocooperação e intervenção pacífica Essa temática que já havia inspirado referências clássicas dos estudos da paz GALTUNG 1959 SHARP 1973 BOULDING 1999 tem sido trazida principalmente por Véronique Dudouet 2008 2015 para um quadro de reflexão sobre a transformação de conflitos em situações onde se observam relações de poder assimétricas especialmente nos estágios iniciais de conflitos latentes enraizados em violência estrutural Segundo essa autora o potencial de empoderamento popular de pressão sobre o oponente e de obtenção da simpatia de terceiraspartes torna a ação não violenta um instrumento útil nas mãos de comunidades marginalizadas e desprivilegiadas na busca de uma posição mais fortalecida a partir da qual o caminho para a negociação de concessões pode se tornar propício 2008 Considerando a capacidade da ação não violenta para transformar as relações de poder e transformar as identidades através da persuasão Dudouet sugere uma combinação de princípios e de preocupações pragmáticas que pode fazer da ação nãoviolenta uma ferramenta importante de ação política capaz de atuar através de um duplo processo de diálogo e resistência diálogo com o oponente mais poderoso com o objetivo de persuadilo sobre a justiça e a legitimidade das causas defendidas pelas partes mais fracas e resistência às estruturas injustas de poder com o objetivo de pressionar por mudanças sociais e políticas Ao estudar o conflito entre Israel e Palestina Dudouet 2008 destaca porém que as condições para a operação desse processo dialético da não violência tendem a ser dificultadas nos estágios mais avançados do conflito ou em situações que mostram um alto grau de polarização entre grupos oponentes quanto a aspetos não negociáveis Nesses casos mais extremos a autora considera que a ação não violenta isoladamente pode não ser efetiva na prevenção de malentendidos e na superação dos ressentimentos entre as partes o que sugere a necessidade de integrar a ação nãoviolenta dentro de uma estratégia transformativa de longo prazo que inclua múltiplas formas de intervenção tais como a negociação a mediação a intervenção de terceirasparte e outras medidas de peacemaking e peacebuilding Ao olhar para esse foco dos estudos da paz na transformação de conflitos e na consolidação da paz alguns autores têm alertado porém para o risco de que a ideia de transformação das raízes do conflito e busca de mudanças sociais acabe resultando em projetos de engenharia social VÄYRYNEN 1999 Richmond 2007a concorda com esse alerta ao criticar o grande projeto de engenharia social que se encontra subjacente à chamada paz liberal Segundo o autor essa 166 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais noção de paz consolidada no contexto do liberalismo triunfante do pósGuerra Fria tem submetido as formas de intervenção e os modelos de transformação de conflitos a uma espécie de consenso sobre peacebuilding que leva à exportação do modelo institucional do Estado ocidental liberal para as zonas de conflito 2007a Dentro desse consenso até mesmo as perspectivas emancipatórias comprometidas com a transformação social acabam cooptadas por projetos de engenharia social guiadas pela ideia de que transformar as raízes estruturais e culturais da violência é sinônimo de criar instituições liberais democracia estado de direito direitos humanos desenvolvimento e livre mercado 2007a Dentro desse processo geralmente imposto de cima para baixo e conduzido por agentes externos as pessoas e as dinâmicas locais são apagadas e a almejada transformação das raízes estruturais e culturais do conflito acaba por criar uma paz virtual não compartilhada pelas comunidades locais que atende mais aos objetivos de segurança das Organizações e Estados interventores do que às necessidades concretas de segurança e desenvolvimento em microescala das populações mais vitimadas pela violência 2007a Não se pode deixar de notar que esse projeto intervencionista se tem tornado ainda mais intrusivo e violento a partir dos ataques terroristas de setembro de 2001 quando o uso da força militar pelas potências ocidentais em típicas operações de guerra passou a ser mesclado com um projeto liberal de construção de Estado nos chamados Estados párias como receita de combate ao terrorismo Estrategicamente inseridas na chamada guerra contra o terror Afeganistão e Iraque ou normativamente justificadas com base no princípio da responsabilidade de proteger Líbia essas intervenções não poupam esforços no uso da força instituindo uma forma militarizada de ação que defende a emancipação das populações civis a fim de evitar que elas se tornem vítimas de ditadores e grupos perigosos ao mesmo tempo que admite a morte dessas mesmas populações como um efeito colateral da intervenção DILLON REID 2009 O que se nota com base nesses desenvolvimentos é que a paz ao ser incorporada como conceitochave nas doutrinas e práticas de intervenção internacional no pósGuerra Fria converte se segundo os críticos da paz liberal num novo mecanismo de opressão social numa nova forma de dominação e controle das sociedades alvos de intervenção PUREZA CRAVO 2005 Em função desses desenvolvimentos um dos impactos mais radicais nos desdobramentos contemporâneos dos estudos da paz talvez sejam ilustrados pelo deslocamento do eixo de reflexão do conceito de paz para o conceito Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 167 Gilberto Carvalho de Oliveira de segurança ocorrido na agenda de diversos pesquisadores anteriormente vinculados aos estudos da paz Para esse grupo de pesquisadores muitos deles oriundos do Instituto de Pesquisa da Paz de Copenhague Copenhagen Peace Research Institute COPRI extinto em 2003 e incorporado ao Instituto Dinamarquês para Estudos Internacionais o conceito de segurança em vez do conceito de paz passou a ser a categoriachave através da qual a crítica ao mainstream dos estudos internacionais pode ser conduzida no pósGuerra Fria BUZAN HANSEN 2009 p 135 WAEVER 2004 A esse respeito as palavras de Ole Waever são contundentes se os estudos da paz representaram o grande desafio crítico aos estudos estratégicos durante a Guerra Fria recusandose a aceitar a política oficial do Ocidente quanto às questões de segurança hoje as coisas inverteramse e a paz tornouse um dos conceitos dominantes na formulação de políticas no mundo ocidental servindo inclusive para justificar intervenções violentas desse modo se por um lado a segurança é potencialmente o nome de uma agenda radical subversiva10 e aqui Waever está se referindo obviamente à emergência dos estudos críticos de segurança que desde o fim da Guerra Fria se tem nutrido das perspectivas radicais póspositivistas por outro lado a pesquisa da paz pode ser considerada datada porque a paz se tornou tão doutrinária que o conceito deixou de ser intelectualmente interessante 2004 p 63 Se as palavras do parágrafo acima refletem com propriedade a expansão do conceito de segurança como forma de desafiar as perspectivas realistas e estratégicas no pósGuerra Fria elas soam injustas com os esforços de diversos estudiosos da paz no sentido de incorporar em suas agendas uma orientação igualmente radical e emancipatória Adotando uma perspectiva reflexiva e defendendo uma pluralidade metodológica aberta às influências da teoria crítica do pósestruturalismo do póscolonialismo do feminismo CHANDLER 2010 DILLON REID 2009 DUFFIELD 2001 2007 2010 JABRI 2013 MAC GINTY 2008 MOURA 2010 PORTER 2007 PUGH 2005 PUREZA 2011 RICHMOND 2007a 2011a 2011b RICHMOND MITCHELL 2012 TURNER 2012 ou defendendo uma perspectiva estética voltada para o papel da emoção e das expressões artísticas na construção da paz BLEIKER 2009 RICHMOND 2007b HUTCHISON BLEIKER 2008 esses trabalhos têm contribuído para colocar os estudos da paz em dia com os desenvolvimentos epistemológicos e metodológicos mais recentes e para reforçar a radicalidade do programa de paz positiva originalmente vislumbrado na obra de Galtung 10 Tradução livre do autor security is potentially the name of a radical subversive agenda 168 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Conclusões Os estudos da paz desenvolveramse em torno de duas grandes orientações De um lado a disciplina assumiu um perfil conservador voltado para as explanações mais convencionais e minimalistas da paz focado nas manifestações diretas da violência e na solução dos problemas específicos gerados pela guerra propriamente dita Os resultados alcançados por essa linha mais conservadora predominantemente neopositivista em sua abordagem metodológica não podem ser negligenciados os estudos da paz estão hoje institucionalizados em centenas de universidades e centros de investigação em todo o mundo e o manancial acumulado de pesquisas rigorosas detalhadas documentadas e empiricamente testadas sobre as causas dos conflitos e das guerras e sobre a eficácia das técnicas e métodos de resolução de conflitos podem ser escrutinadas em mais de sessenta volumes do Jornal of Conflict Resolution e mais de cinquenta volumes do Journal of Peace Research revistas hoje situadas entre as publicações científicas com maior fator de impacto no campo das Relações Internacionais Ainda que seja importante reconhecer esse o mérito é igualmente relevante notar que para confrontar as questões estruturais e culturais que estão nas raízes mais profundas do conflito e da paz nem sempre visíveis e mensuráveis pelos protocolos objetivos neopositivistas é preciso estimular o desenvolvimento da segunda orientação da disciplina mais radical maximalista crítica e reflexiva voltada para uma visão transformadora e emancipatória do mundo Se a consolidação e institucionalização dos estudos da paz como disciplina rigorosa passou pela necessidade de sua afirmação como ciência empirista fundamentalmente voltada para as questões técnicas colocadas no campo da resolução de conflitos e reconstrução pósbélica a longa trajetória intelectual de Galtung e os desafios transformativos colocados pela conflitualidade contemporânea reforçam a necessidade de um constante trabalho de conceptualização da paz e de busca de novas perspectivas que sejam capazes de penetrar nas camadas mais profundas nem sempre visíveis de um mundo marcado por conflitos cada vez mais complexos multidimensionais multiníveis e portanto diferentes do conflito macrossocial entre as superpotências que marcou o nascimento dos estudos da paz Nesse sentido a abertura da disciplina para a pluralidade epistemológica e metodológica incorporando as viradas construtivista crítica pósestruturalista póscolonialista feminista e estética que têm impactado o estudo da política internacional bem como para as novas formas através das quais a violência e os conflitos se manifestam no Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 169 Gilberto Carvalho de Oliveira mundo contemporâneo deve ser vista como uma via essencial para que a paz se mantenha como um conceito intelectualmente desafiador fiel à radicalidade que os estudos da paz trazem no seu DNA desde o seu nascimento Referências AZAR Edward The Management of Protracted Social Conflict Theory Cases Aldershot Dartmouth 1990 AZAR Edward Protracted Social Conflicts and Second Track Diplomacy In DAVIES J KAUFMAN E Eds Second Track Citizens Diplomacy Concepts and Techniques for Conflict Transformation Oxford Rowman Littlefield 2003 Capítulo 1 p 1530 BALLENTINE Karen SHERMAN Jake The political Economy of Armed Conflict beyond greed and grievance London Lynne Rienner 2003 BEALL Jo Cities Terrorism and Development Journal of International Development v18 n 1 2006 p 105120 BEALL Jo GOODFELLOW Tom RODGERS Dennis Cities and 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RICHMOND Oliver P MITCHELL Audra org Hybrid Forms of Peace From Everyday Agency to PostLiberalism Basingstoke Palgrave 2012 RODGERS Dennis Slum wars of the 21st century gangs mano dura and the new urban geography of conflict in Central America Development and Change v40 n5 2009 p 949976 SHARP Gene The Politics of Nonviolent Action Vol I Power and Struggle Vol II The Methods of Nonviolent Action Vol III The Dynamics of Nonviolent Action Boston Porter Sargent Publishers 1973 SCHMID Herman Peace Research and Politics Journal of Peace Research v 5 n 3 1968 p 217232 STOHL Michael CHAMBERLAIN Mary Alternative futures for peace research Journal of Conflict Resolution v 16 n 4 1972 p 523530 TURNER Mandy Completing the Circle Peacebuilding as Colonial Practice in the Occupied Palestinian Territory International Peacekeeping v 19 n 4 2012 p 492507 VÄYRYNEN Raimo ed New Directions on Conflict Theory Conflict Resolution and Conflict Transformation London Sage 1991 VÄYRYNEN Raimo From Conflict Resolution to Conflict Transformation A Critical Review In JEONG HoWon Ed The New Agenda for Peace Research Aldershot Ashgate 1999 Capítulo 7 WAEVER Ole Peace and Security Two concepts and their relationship In GUZZINNI Stefano e JUNG Dietrich Eds Contemporary Security Analysis and Copenhagen Peace Research London Routledge 2004 Capítulo 5 p 5366 WIBERG Hakan Investigação para a Paz Passado Presente e Futuro Revista Crítica de Ciências Sociais n 71 2005 p 2142
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148 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Peace studies origins developments and current critical challenges DOI 1021530civ12n12017611 Gilberto Carvalho de Oliveira1 Resumo Embora os estudos da paz coloquem no núcleo da sua agenda de pesquisa alguns dos desafios mais graves e urgentes do nosso tempo incluindo todas as formas de violência as causas dos conflitos e as condições para a paz é curioso notar a marginalidade ou quase invisibilidade dessa disciplina no meio acadêmico brasileiro bem como a escassez de bibliografia produzida no Brasil dedicada às bases conceituais e metodológicas próprias dessa área de estudos A fim de contribuir para uma maior visibilidade dos estudos da paz este artigo tem por objetivo traçar um panorama geral do percurso de consolidação dos estudos da paz como disciplina acadêmica desde o seu nascimento na década de 1950 até a atualidade Dentro desse propósito o artigo procura destacar as origens e os elementos definidores centrais dos estudos da paz os desenvolvimentos conceituais sobre a violência e a paz ocorridos na obra de Johan Galtung considerado uma das referências centrais dessa área de estudos e os principais desdobramentos e desafios dos estudos da paz na atualidade Palavraschave Conflito Galtung Pesquisa da paz Resolução de conflito Violência Abstract Although peace studies put at the core of its research agenda some of the most serious and urgent challenges of our time including all forms of violence the causes of conflict and the conditions for peace it is curious to note the marginality or almost invisibility of this discipline in the Brazilian academia as well as the scarcity of the literature dedicated to the conceptual and methodological basis of this area of study produced in Brazil In order to contribute to greater visibility of peace studies this article aims to outline an overview of the consolidation of the discipline from its origins in the 1950s to the present For this 1 ProfessorAdjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Email gilbertoolivgmailcom Artigo submetido em 12012017 e aprovado em 19042017 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 149 Gilberto Carvalho de Oliveira purpose the paper highlights the main defining elements of peace studies the conceptual developments about violence and peace in Johan Galtungs work considered one of the central references of the discipline as well as the main developments and challenges of peace studies today Keywords Conflict Galtung Peace research Conflict Resolution Violence Introdução Os estudos da paz constituem a área de pesquisa acadêmica que incorpora o compromisso mais claro e explícito com a nãoviolência e a organização pacífica das relações sociais nos níveis local nacional regional e internacional Desde o seu surgimento como área disciplinar organizada institucionalizada em universidades e centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa há cerca de sessenta anos atrás os estudos da paz têm procurado demonstrar que a paz não é apenas um ideal utópico ou um estado contingente eventualmente alcançado entre guerras inevitáveis mas é um objeto de pesquisa acadêmica a ser estudado em seus próprios méritos e a ser colocado em prática através de políticas concretas Nesse sentido os estudos da paz têm acumulado um vasto manancial de conhecimentos conceitos teorias métodos e análises empíricas que em seu conjunto fornecem indicações relevantes para a compreensão das causas dos conflitos violentos e das condições para a paz Há uma quantidade incontável de tópicos que alimentam a agenda dos estudos da paz incluindo aspectos tão diversos quanto as causas da guerra o problema das armas nucleares do desarmamento e do controle de armas as técnicas de resolução de conflitos as operações de paz a desmobilização reconciliação e reconstrução pósbélica as migrações e os deslocamentos internos a resistência nãoviolenta as variadas formas de violência estrutural e cultural a educação para a paz as condições para uma paz positiva redução das desigualdades econômicas promoção da justiça social redução da exploração e da opressão O que esses poucos tópicos demonstram e a lista poderia ser expandida para muito além desse horizonte é que a agenda dos estudos da paz lida com algumas das questões mais urgentes e graves do nosso tempo o que faz com que a relevância dessa área de pesquisa seja inquestionável Contudo ainda que os estudos da paz se tenham institucionalizado em centenas de universidades e centros de pesquisa em todo o mundo WIBERG 2005 levando 150 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais a um crescente número de estudantes solidamente treinados nessa área tanto em nível de graduação quanto de pósgraduação ainda é notável a marginalidade da disciplina no meio acadêmico brasileiro e a escassez de bibliografia produzida no Brasil dedicada às bases conceituais e questões metodológicas específicas dessa área de estudos Esse aspecto parece surpreendente quando se considera o tradicional posicionamento externo do país em favor da resolução pacífica de conflitos o seu crescente envolvimento nas operações de paz e as formas crônicas de violência direta estrutural e cultural que hoje impactam as relações sociais nas zonas rurais e em grande parte das cidades brasileiras colocando sérios desafios à construção de um ambiente de paz abrangente e sustentável no país Embora esses aspectos remetam a questões típicas da agenda dos estudos da paz dentro de seus variáveis níveis de análise é notória a falta de ênfase e de institucionalização dessa disciplina nos currículos universitários brasileiros Ainda que se deva notar um movimento embrionário de afirmação dessa área de pesquisa traduzido sobretudo pelos esforços de criar uma Rede de Pesquisa em Paz Conflitos e Estudos Críticos de Segurança PCECS e pela recente realização do I Encontro Brasileiro de Estudos para a Paz2 não se pode deixar de ressaltar que muito esforço ainda precisa ser feito no sentido de tirar os estudos da paz da invisibilidade no contexto brasileiro O propósito deste artigo é traçar um panorama geral do percurso de consolidação dos estudos da paz como disciplina acadêmica desde o seu nascimento na década de 1950 até a atualidade Dentro desse propósito o artigo procura destacar as origens e os elementos definidores centrais dos estudos da paz primeira seção os desenvolvimentos conceituais sobre a violência e a paz ocorridos na obra de Johan Galtung considerado uma das referências centrais dessa área de estudos segunda seção e os principais desdobramentos e desafios dos estudos da paz na atualidade terceira seção Tratase portanto de um texto introdutório que não propõe acrescentar conhecimentos originais e nem avançar o debate teórico além do já existente na disciplina mas sim traçar um mapa geral dos seus contornos principais Devese acrescentar ainda que a limitação imposta pela dimensão do artigo impõe uma abordagem seletiva dentro da qual os desenvolvimentos conceituais da obra de Galtung são privilegiados o que obviamente não esgota o amplo leque de temas autores e pontos de vista que caracterizam a diversidade própria da área disciplinar aqui tratada Mesmo dentro desses limites considerase 2 Ver httppcecsblogspotcombr Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 151 Gilberto Carvalho de Oliveira que o artigo oferece uma contribuição relevante não só para professores estudantes e pesquisadores brasileiros3 interessados num panorama geral e introdutório sobre esta área de estudos mas também para leitores que mesmo sem vinculação acadêmica atuam nas esferas governamental e nãogovernamental exercendo atividades relacionadas a ações humanitárias e intervenções em zonas de conflito e de violência endêmica Elementos definidores centrais dos estudos da paz Embora o pensamento sobre a paz remonte à antiguidade estando presente em diversas tradições religiosas correntes filosóficas e vertentes do movimento pacifista os estudos da paz enquanto área disciplinar organizada institucionalizada em universidades e centros de pesquisa dotada de um corpo teórico próprio e de publicações e fóruns de discussão especializados constituem um empreendimento relativamente novo Com essas características institucionais o nascimento dos estudos da paz ocorreu no final da década de 1950 nos Estados Unidos embora sem se referir explicitamente ao termo paz no seu nome de batismo O que se viu nesses momentos iniciais foi a emergência da expressão pesquisa do conflito conflict research empregada para designar a preocupação com a resolução pacífica dos conflitos em larga escala fornecendo as balizas intelectuais que levaram acadêmicos como Kenneth Boulding Herbert Kelman e Anatol Rapoport a criarem o Journal of Conflict Resolution em 1957 e o Center for Research on Conflict Resolution na Universidade de Michigan em 1959 Essa nascente agenda de pesquisa procurou buscar na revolução behaviorista isto é no movimento que projetava sobre as ciências sociais um aparato de validação científica inspirado nas ciências da natureza o mesmo conjunto de ferramentas metodológicas que os realistas e estrategistas começavam a abraçar para se legitimarem como produtores de conhecimento científico JCR 1957 Paralelamente a esses esforços surgiu na Europa uma comunidade de pesquisadores com objetivos semelhantes Porém ao contrário da timidez com que a palavra paz aparecia na proposta dos colegas norteamericanos os 3 Como professor de estudos da paz num curso de graduação tenho constatado a demanda dos alunos por referências bibliográficas dessa área escritas em português que auxiliem os seus estudos Considerando a possibilidade de que os estudos da paz se tornem mais visíveis e presentes nos currículos acadêmicos em função dos recentes movimentos de institucionalização da disciplina no Brasil é possível que essa demanda venha a aumentar o que reforça a relevância aqui apresentada 152 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais pesquisadores europeus optaram por dar uma centralidade a esse termo colocando o conceito de paz no núcleo do seu projeto intelectual e explicitando a palavra paz no título da sua atividade de pesquisa peace research e no nome dos seus institutos e departamentos acadêmicos Nós não temos medo da palavra paz4 afirmava Galtung no editorial de lançamento do Journal of Peace Research JPR 1964 p 4 vinculado ao International Peace Research Institute Oslo PRIO criado em 1959 pelo mesmo acadêmico Nesse editorial Galtung propunha uma perspectiva metodológica mais flexível ainda que se mantivesse firme no propósito de fazer da paz um objeto de estudo científico Desse modo mesmo defendendo um estatuto científico e a formulação de hipóteses e proposições gerais sobre a paz o editorial inaugural do Journal of Peace Research sugeria que a consistência teórica e não a confirmação empírica deveria ser a preocupação central da pesquisa da paz JPR 1964 p 4 Também relevante era o fato do editorial defender explicitamente que a apreciação ideológica poderia coexistir com a avaliação empírica indicando uma posição menos rígida em relação à distinção entre fato e valor Nas origens desse projeto encontravase portanto a pretensão de desenvolver uma ciência normativa da paz dentro da qual o rigor analítico e o respeito aos protocolos científicos de validação do conhecimento seriam temperados pela ideia de que a violência e a guerra têm um valor negativo devendo desse modo ser rejeitadas ou pelo menos reduzidas e que a produção teórica deveria contribuir na prática para a prevenção a mitigação e a resolução dos conflitos violentos Influenciada principalmente pela extraordinária capacidade de Galtung de diversificar suas abordagens conceituais e metodológicas a designação dessa área de pesquisa evolui gradualmente para a expressão estudos da paz que passou a ser vista como um grande rótulo guardachuva destinado a abrigar não só o tipo de pesquisa neopositivista fiel às origens behavioristas da pesquisa do conflito e da pesquisa da paz mas também as abordagens mais reflexivas e críticas que foram incorporadas à disciplina com os conceitos de violência estrutural e cultural e com as influências construtivistas críticas pósestruturalistas feministas e póscolonialistas introduzidas na disciplina a partir das décadas de 1980 e 1990 Dentro desse quadro passaram a conviver não só as agendas de pesquisa racionalistas que até hoje guiam a orientação editorial de revistas tradicionais da área como o Journal of Conflict Resolution e o Journal of Peace Research mas 4 Tradução livre do autor we are not afraid of the word peace Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 153 Gilberto Carvalho de Oliveira também as agendas mais críticas e reflexivistas que se fazem representar através de publicações acadêmicas surgidas posteriormente tais como a Peace and Change e a Peace and Conflict Studies Dentro desse panorama é importante notar que os estudos da paz assumiram desde os seus momentos iniciais uma identidade intelectual que se afirmava em oposição à corrente realista das Relações Internacionais e aos estudos estratégicos Se a reflexão científica sobre a guerra e a paz após o fim da II Guerra Mundial constituía um monopólio da tradição realista e estratégica onde a máxima si vis pacem para bellum5 era auto reproduzida e auto reforçada como verdade fixa e universal a emergência da pesquisa do conflito e da pesquisa da paz nos anos 19501960 representou um desafio a essa concepção dominante Ao assumirem que a paz não era um mero estado contingente alcançado por vitórias militares entre guerras inevitáveis mas se definia por seus próprios méritos como um processo que podia ser construído através de políticas e intervenções orientadas primordialmente para afirmar a vida das pessoas e produzir um mundo melhor mais igualitário e justo livre das manifestações diretas e indiretas de violência os estudos da paz propuseram uma ruptura com o pensamento tradicional rejeitando a máxima se queres a paz preparate para a guerra e colocando em seu lugar uma outra noção igualmente radical se queres a paz preparate para a paz DUNN 2005 p 1 Portanto a ambição de converter a paz em objeto de pesquisa acadêmica sem que isto implicasse em negar o compromisso ético com a nãoviolência e com o propósito político da sua produção de conhecimento sempre esteve presente no projeto intelectual dos estudos da paz e continua a ser um dos seus elementos definidores centrais Um segundo aspecto característico dos estudos da paz é a sua auto definição como área interdisciplinar de pesquisa As duas grandes revistas científicas da área deixam claro desde as suas fundações esse elemento definidor Conforme observam os editores do número inaugural do Journal of Conflict Resolution os assuntos internacionais têm sido um domínio quase que exclusivo dos historiadores e cientistas políticos bem como de profissionais como diplomatas e militares porém continuam os editores a prevenção da guerra requer que se vá além trazendo para esse domínio os conhecimentos produzidos pelos sociólogos psicólogos educadores e pioneiros da ciência behaviorista JCR 1957 O editorial do primeiro número do Journal of Peace Research enfatiza 5 Se queres a paz preparate para a guerra 154 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais igualmente que a pesquisa da paz deve ser interdisciplinar JPR 1964 p 4 Sobre essa característica Galtung 1985 2010 tem sido incansável em chamar a atenção para o fato de a paz ser um tópico demasiadamente complexo para ter a sua compreensão limitada a um quadro unidimensional de análise geralmente orientado por disciplinas tradicionais como a história ou o direito internacional Por essa razão o autor considera que o conceito de paz deve ser permanentemente problematizado e que a pesquisa das condições para a paz deve ligar o abismo existente entre o tradicional e o moderno nas ciências sociais6 1985 p 143 criando uma rede de pesquisadores de várias disciplinas psicologia sociologia politologia etc dentro da qual os pesquisadores da paz possam ser integrados O autor vai mais longe ainda ao defender que estimulados pelo diálogo e o intercâmbio intelectual dentro dessa rede interdisciplinar os pesquisadores da paz caminhem para a transdisciplinaridade ou seja para uma crescente síntese e integração das perspectivas e abordagens dessas diversas disciplinas dentro das suas mentes individuais 1985 2010 Um terceiro aspecto marcante dos estudos da paz é a sua característica multinível Isto significa que os estudos da paz assumem o compromisso de olhar para os diversos níveis implicados na formação dos conflitos e nas condições para a paz incluindo o individual o comunitário o estatal e o internacional De fato a tradicional centralidade do Estado e as convencionais fronteiras entre as esferas interna e interna que marcam as Relações Internacionais têm sido desafiadas pelos estudos da paz desde os seus momentos iniciais devido ao caráter unidimensional e redutor que essas categorias impõem ao estudo dos conflitos e da paz Ainda que os conflitos internacionais permaneçam entre os focos de preocupação relevantes dos estudos da paz isto não implica em assumir que as únicas linhas que cruzam a humanidade criando obstáculos à integração e acentuando a disposição para usar a violência sejam as fronteiras entre Estados portanto usar o Estado como único critério para definir o nível de análise nos estudos da paz parece redutor uma vez que existem outras fronteiras igualmente importantes na formação e divisão de grupos tais como linhas étnicas religiosas sociais ou econômicas potencialmente capazes de produzir antagonismos que levam à violência JPR 1964 Finalmente o elemento que talvez defina os estudos da paz de uma forma mais particular seja a conjugação de uma epistemologia negativa e uma de epistemologia 6 Tradução livre do autor to bridge the gap between traditional and modern social sciences Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 155 Gilberto Carvalho de Oliveira positiva na problematização do conceito de paz RASMUSSEN 2003 Desde o início de sua obra Galtung traz no núcleo do seu projeto intelectual a noção de que os estudos da paz se desdobram em dois ramos de pesquisa baseados em duas perspectivas epistemológicas distintas uma negativa e outra positiva JPR 1964 Da primeira perspectiva a paz é definida de uma forma estreita a partir do que ela não é ou do que ela nega a violência física e a guerra Essa noção batizada por Galtung de paz negativa traduz uma concepção minimalista de paz restrita à ausência das manifestações diretas e aparentes da violência que corresponde não só à perspectiva compartilhada pelo realismo nas Relações Internacionais e pelos estudos estratégicos mas também às perspectivas do senso comum e dos movimentos pacifistas que geralmente enxergam a paz através das lentes do ativismo antiguerra Cabe à pesquisa da paz dentro dessa epistemologia negativa preocuparse com as manifestações explícitas da violência o que leva os pesquisadores a se dedicarem à compreensão das razões causas dinâmicas e formas de lidar com os efeitos diretos do conflito e da guerra Dentro dessa moldura negativa da paz os pesquisadores envolvemse por exemplo com temas como diplomacia negociação mediação e outros instrumentos de gestão e resolução de conflitos papel das organizações internacionais e do direito internacional na contenção da guerra desarmamento e controle de armas especialmente de armas nucleares químicas e bacteriológicas papel das organizações nãogovernamentais e dos mecanismos nãooficiais na resolução de conflitos e outras formas de contenção ou supressão da violência física e aparente Da segunda perspectiva e aqui está a grande novidade introduzida por Galtung a paz definese de uma forma maximalista a partir de tudo o que ela pode agregar a mudança de mentalidades o contato e o intercâmbio entre os grupos sociais a educação a pesquisa a comunicação e o diálogo as transformações sociais e econômicas a cooperação institucional entre grupos e nações e quaisquer outras propostas que se comprometam com a integração humana JPR 1964 Desse ângulo a paz não se define pela mera ausência da violência física e direta ainda que esta continue a ser uma das suas dimensões necessárias mas se expande para além desse horizonte a fim de abranger qualquer iniciativa afirmativa que promova a integração humana Essa segunda dimensão que Galtung chama de paz positiva assume uma feição mais complexa e radical indicando o compromisso com a construção de um sistema social global integrado onde as mudanças sociais possam ser alcançadas através de meios não violentos Dessa perspectiva positiva da paz os pesquisadores envolvemse por exemplo com 156 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais temas relacionados aos direitos humanos questões de gênero desigualdades sociais e econômicas desenvolvimento redução da pobreza e combate à fome bemestar social participação política justiça social transformações sociais não violentas educação para a paz reconstrução pósconflito reconciliação e justiça de transição questões ambientais pluralismo e diversidade cultural diálogo e compreensão em todos os níveis do interpessoal ao intersocial ao internacional Dentro dessa dimensão positiva da paz são cruciais os desenvolvimentos ocorridos na obra de Galtung principalmente a partir do final da década de 1960 com o conceito de violência estrutural e na passagem das décadas de 1980 pata 1990 com o conceito de violência cultural Violência estrutural e os conceitos de peacekeeping peacemaking e peacebuilding A introdução do conceito de violência estrutural na obra de Galtung e a sua articulação com o conceito de paz positiva ocorreu na passagem da década de 1960 para 1970 no contexto de um intenso debate interno fomentado pela crítica oriunda de jovens pesquisadores de orientação marxista que acusavam a disciplina de se ter convertido num tipo de ciência aplicada orientada para os interesses de quem tem o poder de aplicála7 SCHMID 1968 p 229 e como tal uma fonte de conhecimento útil para o controle a manipulação e a integração do sistema internacional pelos grupos dominantes Da perspectiva desses jovens pesquisadores os estudos da paz não passavam de numa espécie de pesquisa para a pacificação produzindo um conhecimento orientado para a harmonização e o alívio imediato dos efeitos da violência sem atentar para a necessidade de reestruturar radicalmente o sistema que estava na base dos antagonismos DENCIK 1970 STOHL CHAMBERLAIN 1972 O conceito de violência estrutural proposto por Galtung 1969 responde em grande medida as críticas acima mencionadas Definida como uma forma indireta de violência cujas raízes estão na distribuição desigual de poder e de recursos nas sociedades ou entre as sociedades a violência estrutural chama a atenção para um tipo de violência quase sempre latente invisível ou disfarçada que resulta das desigualdades sociais das injustiças da pobreza da exploração e 7 Tradução livre do autor who has the power to apply it Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 157 Gilberto Carvalho de Oliveira da opressão Desse modo se o conceito de paz negativa se define pela ausência de violência direta o conceito de paz positiva passa a ser definido como a ausência de violência estrutural e a ser articulado por Galtung através da noção de justiça social A partir desse refinamento conceitual a paz positiva que na formulação original do autor ainda guardava uma dose de idealismo ao ser concebida genericamente como qualquer iniciativa voltada para a integração humana JPR 1964 passa a ser concebida como a superação de todas as formas de desigualdades e injustiças sociais dando à agenda de estudos da paz uma orientação mais reflexiva e emancipatória Essa dimensão estrutural da violência reforçada por Galtung 1971 em sua teoria estrutural do imperialismo traz para a teoria da paz as dinâmicas mundiais de exploração entre centro e periferia bem como as disparidades de desenvolvimento dentro e entre nações respondendo dessa forma à acusação de seus críticos mais radicais de que os estudos da paz até então obcecados pelas dinâmicas estratégicas da Guerra Fria pactuavam em grande medida ou pelo menos não se preocupavam na dimensão necessária com a estrutura dominante de poder e com a lógica de autorreprodução da violência implicada nessa ordem dominante Essa reorientação na teoria da paz e a sua conexão com a teoria do conflito e a teoria do desenvolvimento fornecem elementos essenciais para alimentar as reflexões de Galtung desenvolvidas em meados da década de 1970 sobre três formas possíveis de intervenção em nome da paz no contexto de conflitos violentos peacekeeping peacemaking e peacebuilding GALTUNG 1976 Se hoje os termos peacekeeping peacemaking e peacebuilding pertencem ao léxico usual das chamadas operações de paz da Organização das Nações Unidas ONU é importante salientar que esses conceitos não existem na Carta das Nações Unidas Na verdade até a discussão proposta por Galtung em meados dos anos 1970 apenas as práticas tradicionalmente associadas ao termo peacekeeping manutenção da paz tinham alguma notoriedade desde que Dag Hammarskjöld SecretárioGeral da ONU e Lester Pearson Secretário de Assuntos Externos do governo canadense tinham definido os princípios básicos que guiariam a atuação da Força de Emergência das Nações Unidas UNEF I criada para intervir em 1956 na chamada Crise de Suez ONU 1956 Podese dizer portanto que o termo peacekeeping tornouse conhecido mais pelas práticas de intervenção realizadas sob mandato da ONU durante a Guerra Fria do que por algum debate teórico ou alguma definição doutrinária nos documentos de alto nível daquela Organização A discussão proposta por Galtung representa dentro desse quadro uma tentativa 158 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais pioneira de teorizar as operações de paz e de propor um léxico apropriado às diferentes abordagens à paz que só serão incorporadas à doutrina de intervenções da ONU cerca de quinze anos depois Em seu texto Galtung destaca que o propósito do peacekeeping é manter a paz entre as partes em conflito através da interposição de uma terceira parte entre elas isto significa segundo o autor que essa abordagem tem duas características definidoras centrais ela é dissociativa pois pressupõe que os antagonistas sejam mantidos segregados geograficamente sob a ameaça de punição caso transgridam os limites dessa separação e reflete uma concepção negativa da paz pois limitase à manutenção da ausência de violência direta A segunda categoria o peacemaking restabelecimento da paz confundese com a abordagem de resolução de conflitos e reflete os esforços diplomáticos de negociação de um acordo que tenha um efeito apaziguador e possa ser ratificado pelas partes em conflito Esses esforços de negociação de um acordo podem surgir entre as próprias partes em conflito ou com a ajuda de uma terceira parte Ainda que Galtung considere essa abordagem importante e necessária suas limitações também são relevantes Em primeiro lugar o seu foco também se limita à interrupção da violência direta refletindo portanto uma concepção negativa da paz Em segundo lugar e talvez mais importante o peacemaking depende do empenho e do comprometimento das lideranças de cada parte como tal é uma abordagem elitista e sujeita a flutuações de opiniões e retrocessos em função da eventual mudança dos atoreschave durante as negociações ou no período posterior ao acordo negociado Também problemáticos são os casos bastante frequentes segundo Galtung de acordos produzidos sob pressão de uma terceiraparte que não refletem necessariamente as posições das partes em conflito Isso mostra que as ações de peacemaking podem não ser suficientes para sustentar um sistema de paz o que leva à necessidade de uma terceira abordagem o peacebuilding construção ou consolidação da paz que olhe de uma forma mais profunda para as fontes da violência estrutural e procure superálas através da construção de uma paz positiva Essa terceira abordagem de caráter associativo contrário ao perfil dissociativo do peacekeeping tem por propósito agregar as partes dentro de uma estrutura de paz que substitua a estrutura de violência que está na base do conflito Nesse sentido o peacebuilding requer que a estrutura que produz a violência seja identificada e substituída por uma estrutura alternativa de paz mais igualitária justa e livre de dominação repressão e exploração o que leva segundo Galtung a uma preocupação mais radical com medidas de desenvolvimento social Desse Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 159 Gilberto Carvalho de Oliveira ponto de vista afirma o autor o peacebuilding vai além da abordagem dissociativa do peacekeeping e dos esforços diplomáticos ad hoc para resolver as manifestações superficiais do conflito que caracterizam o peacemaking O peacebuilding envolve uma estrutura social mais horizontalizada portanto menos hierarquizada onde as disparidades de desenvolvimento entre os indivíduos classes grupos nações e regiões sejam reduzidas Desse modo as condições para uma paz positiva podem ser alcançadas assim como um corpo saudável pode produzir os seus próprios anticorpos sem a necessidade da administração ad hoc de medicamentos destaca Galtung recorrendo às suas usuais metáforas médicas um corpo mundial saudável é capaz de produzir seus próprios anticorpos contra a violência para isto é preciso encontrar estruturas que removam as causas da guerra e ofereçam alternativas às guerras em situações onde elas possam surgir8 1976 p 297298 itálico no original Na base das reflexões de Galtung portanto está a noção de que só as transformações estruturais e a justiça social promovidas pelo peacebuilding são capazes de produzir os anticorpos contra a violência o que sugere uma ideia de paz autossustentável que só será incorporada ao léxico internacional mais de uma década depois após o fim da Guerra Fria com a revitalização do papel da ONU na construção de uma ordem mundial mais pacífica Desdobramentos e desafios dos estudos da paz no pósGuerra Fria No início dos anos 1990 Galtung dá mais um salto na sua teoria da paz O autor observa que alguns aspectos próprios da esfera simbólica da existência humana religião ideologia arte linguagem ciência etc podem reforçar as formas diretas e estruturais de violência legitimandoas ou fazendo com que elas sejam percebidas como corretas ou pelo menos pareçam não erradas aos olhos da sociedade GALTUNG 1990 Essas manifestações simbólicas que Galtung chama de violência cultural atuam através de mecanismos sutis e indiretos exercendo uma função importante na construção de identidades coletivas que podem contribuir para a estabilização de determinadas ordens sociais onde formas diretas e estruturais de violência são vistas como normais 1990 O racismo o machismo as superstições os fundamentalismos religiosos os nacionalismos o militarismo as ideologias o colonialismo a meritocracia as etnias e outras 8 Tradução livre do autor structures must be found that remove causes of wars and offer alternatives to war in situations where wars might occur 160 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais construções simbólicas geralmente fundadas em relações binárias do tipo bom mau escolhidonão escolhido superiorinferior amigoinimigo ou racional emocional ilustram esse tipo de violência cultural servindo como mecanismo de justificação ou legitimação de outras formas de violência direta e estrutural Com essa nova categoria conceitual Galtung completa o que ele batiza de triângulo da violência 1996 onde num dos vértices está a violência direta e nos outros dois estão as formas indiretas de violência a estrutural e a cultural Projetando esse triângulo sobre o conceito da paz Galtung chega a uma equação complexa onde a paz negativa se define pela eliminação da violência direta e a paz positiva pela eliminação das duas formas de violência indireta a estrutural e a cultural O ponto de chegada dessa longa trajetória é uma concepção abrangente de paz que corresponde ao somatório da paz negativa com a paz positiva sendo a última o somatório da paz estrutural com a paz cultural figura 1 Figura 1 Triângulos da Violência e da Paz Direta Estrutural e Cultural de Galtung DIRETA CULTURAL ESTRUTURAL ESTRUTURAL CULTURAL DIRETA VIOLÊNCIA PAZ Pn Pp Onde Pn é a paz negativa paz direta e Pp é a paz positiva paz estrutural paz cultural PAZ Fonte GALTUNG 1996 Esses últimos desenvolvimentos na obra de Galtung surgem num contexto fortemente influenciado pela ideia de uma ordem mundial alternativa e pelas questões de identidade que impactam o estudo da política internacional no fim da Guerra Fria Dentro desse quadro as preocupações com a paz e a segurança reorientamse para questões inteiramente novas Perante um número crescente de conflitos civis localizados na periferia do centro desenvolvido do sistema ExIugoslávia Camboja Somália Ruanda Serra Leoa Libéria República Demo crática do Congo Sudão etc os estudos das causas da guerra e das condições para a paz emergem dentro de novos parâmetros Ao olhar para esses conflitos rotulados Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 161 Gilberto Carvalho de Oliveira de novas guerras KALDOR 1999 KEEN 1998 RENO 1999 DUFFIELD 2001 ou de conflitos intratáveis ou persistentes AZAR 1990 2003 diversos autores observam características que não mais se ajustam às dinâmicas sistêmicas da competição bipolar e nem ao tipo de guerra convencional entre Estados marcado pelo enfrentamento de forças armadas profissionalizadas para atingir objetivos políticos claramente definidos Nessa nova conflitualidade onde se observam uma mistura complexa de atores governamentais e nãogovernamentais agendas econômicas oficiais e paralelas degradação ambiental e escassez de recursos naturais bem como profundas divisões étnicas culturais e religiosas o ponto crucial destacado pelos autores é que os conflitos contemporâneos se prolongam indefinidamente sem um ciclo claro de gênese progressão redução e terminação da violência tornandose pouco permeáveis aos esforços formais de resolução de conflitos e consolidação da paz AZAR 1990 2003 COLLIER HOEFFLER 1998 BERDAL MALONE 2000 BALLENTINE SHERMAN 2003 PUGH COOPER 2004 Perante esse quadro de conflitos persistentes e intratáveis em cujas raízes estão graves desequilíbrios estruturais violência estrutural e questões étnicas e religiosas que moldam as identidades dos grupos em conflito violência cultural é importante notar os desenvolvimentos doutrinários e institucionais ocorridos no âmbito da ONU que trazem os estudos da paz para o centro do seu modelo de intervenções e influenciam significativamente a expansão da sua doutrina de operações de paz nos anos 1990 e 2000 Na Agenda para a Paz ONU 1992 onde o então SecretárioGeral BoutrosGhali defende o envolvimento mais ativo da comunidade internacional na prevenção e na gestão dos conflitos violentos as abordagens à paz definidas no trabalho de Galtung em meados da década de 1970 já comentadas na seção anterior são trazidas para o centro das práticas de intervenção da ONU Nesse documento BoutrosGhali propõe quatro tipos de operações que se aplicados em conjunto podem prevenir o conflito antes que ele se converta em violência preventive diplomacy parar o conflito após a violência ter sido deflagrada peacemaking manter a paz após um acordo ter sido alcançado peacekeeping e consolidar a paz na fase pósconflito através das mudanças estruturais necessárias ao bemestar das pessoas e à redução das desigualdades sociais contribuindo assim para evitar novas ondas de violência no futuro peacebuilding Nesse contexto há um crescimento significativo na quantidade de operações de paz a partir dos anos 1990 acompanhado de mudanças fundamentais na sua composição e nas suas funções No que se refere à composição as operações 162 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais de paz passam a incorporar atores tão diversos quanto militares policiais diplomatas agentes humanitários organizações nãogovernamentais agências de desenvolvimento e empresas privadas de segurança Para além dessa diversidade de composição as funções desempenhadas pelas operações de paz também se multiplicam passando a abranger um amplo leque de atividades de natureza militar política e humanitária Na base dessa expansão do modelo de intervenções da ONU encontrase subjacente o compromisso de mobilizar esforços não só para exercer uma influência coerciva sobre os beligerantes no sentido de se produzir uma paz negativa mas também para criar as condições para uma paz positiva através de medidas econômicas culturais políticas técnicas humanitárias e legais capazes de promover as transformações sociais necessárias à consolidação da paz RAMSBOTHAM WOODHOUSE MIALL 2008 Se essa cooptação dos estudos da paz pela ONU indica por um lado a realização política do ideal normativo da disciplina colocando a pesquisa da paz dentro do que se pode chamar de policy oriented mainstream PUREZA CRAVO 2005 p 10 não se pode deixar de notar por outro lado que os desenvolvimentos subsequentes inclusive através da crescente adoção de um aparato militar mais robusto e da autorização de operações sob o capítulo VII da Carta da ONU com mandato para o uso da força caminham para um modelo hegemônico de pacificação de periferias instáveis que traem de forma contundente os propósitos transformativos e emancipatórios originais dos estudos da paz especialmente de sua agenda dedicada à paz positiva Em função desse quadro de conflitos persistentes e intratáveis e dos rumos tomados pelo modelo de intervenções da ONU a partir dos anos 1990 as questões relacionadas à transformação de conflitos e à consolidação da paz emergem como o núcleo de preocupação central da agenda dos estudos da paz nas últimas duas décadas Na base da ideia de transformação de conflitos está a percepção de que os conflitos persistentes não podem ser resolvidos ou solucionados mas sim transformados Embora essa noção já esteja subjacente na obra de Galtung com a ideia de que as violências estrutural e cultural precisam ser transformadas para se alcançar uma paz positiva é apenas em meados da década de 1990 em seu livro Peace by Peacefull Means que a sua teoria da paz se conecta explicitamente à noção de transformação de conflitos Nessa obra o autor propõe que o conceito de paz seja definido não só em função da violência mas também em função do conflito a partir dessa proposta Galtung chega à seguinte definição a paz é a transformação do conflito de forma criativa e não violenta9 1996 p 9 itálico 9 Tradução livre do autor peace is nonviolent and creative conflict transformation Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 163 Gilberto Carvalho de Oliveira no original Com isto o autor pretende chamar a atenção para a necessidade de transformar as atitudes comportamentos e contradições que estão na base dos conflitos sociais a fim de que uma paz abrangente e sustentável seja alcançada Na base da transformação de conflitos está portanto a ideia de que os conflitos são inerentes às relações sociais e como tal não podem ser negados e nem sufocados mas sim transformados de forma criativa e não violenta através de um processo complexo e de longo prazo 1996 Ainda que se deva destacar a pluralidade das abordagens e pontos de vistas dos autores que se dedicam desde os anos 1990 à reflexão sobre a transformação de conflitos uma forma simplificada de síntese desse debate é situálo em termos de uma crítica à noção de resolução de conflitos Conforme destaca Raimo Väyrynen 1999 as receitas de pronto uso e a busca de resultados de curto impacto que geralmente regem as teorias tradicionais de resolução de conflitos negligenciam a complexidade estrutural das situações de conflito e as profundas incompatibilidades de interesses e valores entre os atores envolvidos Por essa razão as abordagens que tentam controlar ou eliminar a violência direta resultam em esforços inúteis a menos que a necessidade de transformação do contexto social e cultural do conflito seja também considerada VÄYRYNEN 1991 Dessa perspectiva a questão chave na transformação de conflitos é identificar as raízes da violência e avaliar a maleabilidade dessas raízes a fim de que os esforços de transformação possam ser bemsucedidos VÄYRYNEN 1999 John P Lederach concorda com essa perspectiva transformativa ao defender a necessidade de se ir ao epicentro do conflito isto é às suas raízes principais e profundas para que uma paz sustentável seja alcançada 2003 Embora esse autor não desconsidere a importância de medidas de resolução dirigidas às expressões visíveis da violência é o foco no epicentro que permite identificar e propor medidas transformativas voltadas para a reestruturação das relações de violência a longo prazo 2003 Segundo Lederach essa reestruturação pode ser concretizada não só através da educação ativismo não violento e mediação 1995 mas também através de uma estratégia de intervenção multidimensional multinível e multitemporal que valorize a participação de um amplo leque de atores externos e locais com especial destaque para os atores não oficiais membros da sociedade civil e vozes normalmente marginalizadas no contexto do conflito 1997 É importante notar que essa perspectiva transformativa tem sido integrada a outros debates nascentes na disciplina Uma dessas agendas tem procurado ir além da reflexão sobre as novas guerras a fim de destacar o que alguns acadêmicos 164 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais têm chamado de novíssimas guerras MOURA 2010 novo urbanismo militar GRAHAN 2010 guerras urbanas BEALL 2006 guerras de favelas RODGERS 2009 cidades frágeis e cidades falhadas BEALL GOODFELLOW RODGERS 2013 LIOTTA MISKEL 2012 MUGGAH 2014 Essa bibliografia compõe um amplo mosaico de abordagens que resguardadas as suas particularidades algumas mais críticas e emancipatórias outras mais conservadoras e estratégicas giram em torno de um eixo comum a intensificação da violência armada e o crescente processo de militarização das grandes metrópoles Dentro de um quadro de relativo declínio das guerras entre Estados o que parece crucial nessa bibliografia do ponto de vista da transformação de conflitos é a constatação de uma escala cada vez mais microscópica de conflitos violentos concentrados em microterritórios dos grandes centros urbanos inclusive em contextos nacionais de paz aparente e formal MOURA 2010 Nessa agenda o trabalho de Tatiana Moura 2010 assume um viés particularmente crítico e reflexivo ao examinar a escala microssocial de conflitos de uma perspectiva feminista Com base na análise da violência armada nas grandes cidades particularmente no Rio de Janeiro a autora observa formas diretas e indiretas de violência estrutural e cultural que perpetuam sistemas de poder em microescala e submetem as populações locais principalmente as mulheres e crianças a uma espiral de inseguranças Embora essas dinâmicas de violência produzam níveis elevados de tensão Moura destaca que elas são negligenciadas dentro das teorias narrativas e práticas dominantes de construção da paz O que parece crucial nesse debate do ponto de vista da transformação de conflitos é a necessidade já enfatizada por Lederach de uma abordagem multinível que dê visibilidade às vozes geralmente marginalizadas nos contextos microssociais dos conflitos Ao chamar a atenção para a hiperconcentração de violência urbana que se dilui e se oculta num contexto de paz institucional e formal Moura lança como desafio a necessidade de se desvendar a construção de identidades feminilidades e masculinidades que legitimam e perpetuam essas novíssimas dinâmicas da violência armada Só assim será possível identificar formas alternativas e não violentas de prevenção e transformação que produzam novíssimas pazes nesses contextos invisíveis e silenciados de violência em microescala MOURA 2010 Outro debate que começa a ser articulado com a reflexão sobre transformação de conflitos resulta da recente revitalização do pensamento sobre a ação não violenta Sob o impacto das revoluções pacíficas da chamada Primavera Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 165 Gilberto Carvalho de Oliveira Árabe parte da atual agenda dos estudos da paz tem retornado aos métodos de protesto nãocooperação e intervenção pacífica Essa temática que já havia inspirado referências clássicas dos estudos da paz GALTUNG 1959 SHARP 1973 BOULDING 1999 tem sido trazida principalmente por Véronique Dudouet 2008 2015 para um quadro de reflexão sobre a transformação de conflitos em situações onde se observam relações de poder assimétricas especialmente nos estágios iniciais de conflitos latentes enraizados em violência estrutural Segundo essa autora o potencial de empoderamento popular de pressão sobre o oponente e de obtenção da simpatia de terceiraspartes torna a ação não violenta um instrumento útil nas mãos de comunidades marginalizadas e desprivilegiadas na busca de uma posição mais fortalecida a partir da qual o caminho para a negociação de concessões pode se tornar propício 2008 Considerando a capacidade da ação não violenta para transformar as relações de poder e transformar as identidades através da persuasão Dudouet sugere uma combinação de princípios e de preocupações pragmáticas que pode fazer da ação nãoviolenta uma ferramenta importante de ação política capaz de atuar através de um duplo processo de diálogo e resistência diálogo com o oponente mais poderoso com o objetivo de persuadilo sobre a justiça e a legitimidade das causas defendidas pelas partes mais fracas e resistência às estruturas injustas de poder com o objetivo de pressionar por mudanças sociais e políticas Ao estudar o conflito entre Israel e Palestina Dudouet 2008 destaca porém que as condições para a operação desse processo dialético da não violência tendem a ser dificultadas nos estágios mais avançados do conflito ou em situações que mostram um alto grau de polarização entre grupos oponentes quanto a aspetos não negociáveis Nesses casos mais extremos a autora considera que a ação não violenta isoladamente pode não ser efetiva na prevenção de malentendidos e na superação dos ressentimentos entre as partes o que sugere a necessidade de integrar a ação nãoviolenta dentro de uma estratégia transformativa de longo prazo que inclua múltiplas formas de intervenção tais como a negociação a mediação a intervenção de terceirasparte e outras medidas de peacemaking e peacebuilding Ao olhar para esse foco dos estudos da paz na transformação de conflitos e na consolidação da paz alguns autores têm alertado porém para o risco de que a ideia de transformação das raízes do conflito e busca de mudanças sociais acabe resultando em projetos de engenharia social VÄYRYNEN 1999 Richmond 2007a concorda com esse alerta ao criticar o grande projeto de engenharia social que se encontra subjacente à chamada paz liberal Segundo o autor essa 166 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais noção de paz consolidada no contexto do liberalismo triunfante do pósGuerra Fria tem submetido as formas de intervenção e os modelos de transformação de conflitos a uma espécie de consenso sobre peacebuilding que leva à exportação do modelo institucional do Estado ocidental liberal para as zonas de conflito 2007a Dentro desse consenso até mesmo as perspectivas emancipatórias comprometidas com a transformação social acabam cooptadas por projetos de engenharia social guiadas pela ideia de que transformar as raízes estruturais e culturais da violência é sinônimo de criar instituições liberais democracia estado de direito direitos humanos desenvolvimento e livre mercado 2007a Dentro desse processo geralmente imposto de cima para baixo e conduzido por agentes externos as pessoas e as dinâmicas locais são apagadas e a almejada transformação das raízes estruturais e culturais do conflito acaba por criar uma paz virtual não compartilhada pelas comunidades locais que atende mais aos objetivos de segurança das Organizações e Estados interventores do que às necessidades concretas de segurança e desenvolvimento em microescala das populações mais vitimadas pela violência 2007a Não se pode deixar de notar que esse projeto intervencionista se tem tornado ainda mais intrusivo e violento a partir dos ataques terroristas de setembro de 2001 quando o uso da força militar pelas potências ocidentais em típicas operações de guerra passou a ser mesclado com um projeto liberal de construção de Estado nos chamados Estados párias como receita de combate ao terrorismo Estrategicamente inseridas na chamada guerra contra o terror Afeganistão e Iraque ou normativamente justificadas com base no princípio da responsabilidade de proteger Líbia essas intervenções não poupam esforços no uso da força instituindo uma forma militarizada de ação que defende a emancipação das populações civis a fim de evitar que elas se tornem vítimas de ditadores e grupos perigosos ao mesmo tempo que admite a morte dessas mesmas populações como um efeito colateral da intervenção DILLON REID 2009 O que se nota com base nesses desenvolvimentos é que a paz ao ser incorporada como conceitochave nas doutrinas e práticas de intervenção internacional no pósGuerra Fria converte se segundo os críticos da paz liberal num novo mecanismo de opressão social numa nova forma de dominação e controle das sociedades alvos de intervenção PUREZA CRAVO 2005 Em função desses desenvolvimentos um dos impactos mais radicais nos desdobramentos contemporâneos dos estudos da paz talvez sejam ilustrados pelo deslocamento do eixo de reflexão do conceito de paz para o conceito Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 167 Gilberto Carvalho de Oliveira de segurança ocorrido na agenda de diversos pesquisadores anteriormente vinculados aos estudos da paz Para esse grupo de pesquisadores muitos deles oriundos do Instituto de Pesquisa da Paz de Copenhague Copenhagen Peace Research Institute COPRI extinto em 2003 e incorporado ao Instituto Dinamarquês para Estudos Internacionais o conceito de segurança em vez do conceito de paz passou a ser a categoriachave através da qual a crítica ao mainstream dos estudos internacionais pode ser conduzida no pósGuerra Fria BUZAN HANSEN 2009 p 135 WAEVER 2004 A esse respeito as palavras de Ole Waever são contundentes se os estudos da paz representaram o grande desafio crítico aos estudos estratégicos durante a Guerra Fria recusandose a aceitar a política oficial do Ocidente quanto às questões de segurança hoje as coisas inverteramse e a paz tornouse um dos conceitos dominantes na formulação de políticas no mundo ocidental servindo inclusive para justificar intervenções violentas desse modo se por um lado a segurança é potencialmente o nome de uma agenda radical subversiva10 e aqui Waever está se referindo obviamente à emergência dos estudos críticos de segurança que desde o fim da Guerra Fria se tem nutrido das perspectivas radicais póspositivistas por outro lado a pesquisa da paz pode ser considerada datada porque a paz se tornou tão doutrinária que o conceito deixou de ser intelectualmente interessante 2004 p 63 Se as palavras do parágrafo acima refletem com propriedade a expansão do conceito de segurança como forma de desafiar as perspectivas realistas e estratégicas no pósGuerra Fria elas soam injustas com os esforços de diversos estudiosos da paz no sentido de incorporar em suas agendas uma orientação igualmente radical e emancipatória Adotando uma perspectiva reflexiva e defendendo uma pluralidade metodológica aberta às influências da teoria crítica do pósestruturalismo do póscolonialismo do feminismo CHANDLER 2010 DILLON REID 2009 DUFFIELD 2001 2007 2010 JABRI 2013 MAC GINTY 2008 MOURA 2010 PORTER 2007 PUGH 2005 PUREZA 2011 RICHMOND 2007a 2011a 2011b RICHMOND MITCHELL 2012 TURNER 2012 ou defendendo uma perspectiva estética voltada para o papel da emoção e das expressões artísticas na construção da paz BLEIKER 2009 RICHMOND 2007b HUTCHISON BLEIKER 2008 esses trabalhos têm contribuído para colocar os estudos da paz em dia com os desenvolvimentos epistemológicos e metodológicos mais recentes e para reforçar a radicalidade do programa de paz positiva originalmente vislumbrado na obra de Galtung 10 Tradução livre do autor security is potentially the name of a radical subversive agenda 168 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 Estudos da paz origens desenvolvimentos e desafios críticos atuais Conclusões Os estudos da paz desenvolveramse em torno de duas grandes orientações De um lado a disciplina assumiu um perfil conservador voltado para as explanações mais convencionais e minimalistas da paz focado nas manifestações diretas da violência e na solução dos problemas específicos gerados pela guerra propriamente dita Os resultados alcançados por essa linha mais conservadora predominantemente neopositivista em sua abordagem metodológica não podem ser negligenciados os estudos da paz estão hoje institucionalizados em centenas de universidades e centros de investigação em todo o mundo e o manancial acumulado de pesquisas rigorosas detalhadas documentadas e empiricamente testadas sobre as causas dos conflitos e das guerras e sobre a eficácia das técnicas e métodos de resolução de conflitos podem ser escrutinadas em mais de sessenta volumes do Jornal of Conflict Resolution e mais de cinquenta volumes do Journal of Peace Research revistas hoje situadas entre as publicações científicas com maior fator de impacto no campo das Relações Internacionais Ainda que seja importante reconhecer esse o mérito é igualmente relevante notar que para confrontar as questões estruturais e culturais que estão nas raízes mais profundas do conflito e da paz nem sempre visíveis e mensuráveis pelos protocolos objetivos neopositivistas é preciso estimular o desenvolvimento da segunda orientação da disciplina mais radical maximalista crítica e reflexiva voltada para uma visão transformadora e emancipatória do mundo Se a consolidação e institucionalização dos estudos da paz como disciplina rigorosa passou pela necessidade de sua afirmação como ciência empirista fundamentalmente voltada para as questões técnicas colocadas no campo da resolução de conflitos e reconstrução pósbélica a longa trajetória intelectual de Galtung e os desafios transformativos colocados pela conflitualidade contemporânea reforçam a necessidade de um constante trabalho de conceptualização da paz e de busca de novas perspectivas que sejam capazes de penetrar nas camadas mais profundas nem sempre visíveis de um mundo marcado por conflitos cada vez mais complexos multidimensionais multiníveis e portanto diferentes do conflito macrossocial entre as superpotências que marcou o nascimento dos estudos da paz Nesse sentido a abertura da disciplina para a pluralidade epistemológica e metodológica incorporando as viradas construtivista crítica pósestruturalista póscolonialista feminista e estética que têm impactado o estudo da política internacional bem como para as novas formas através das quais a violência e os conflitos se manifestam no Rev Carta Inter Belo Horizonte v 12 n 1 2017 p 148172 169 Gilberto Carvalho de Oliveira mundo contemporâneo deve ser vista como uma via essencial para que a paz se mantenha como um conceito intelectualmente desafiador fiel à radicalidade que os estudos da paz trazem no seu DNA desde o seu nascimento Referências AZAR Edward The Management of Protracted Social Conflict Theory Cases Aldershot Dartmouth 1990 AZAR Edward Protracted Social Conflicts and Second Track Diplomacy In DAVIES J KAUFMAN E Eds Second Track Citizens Diplomacy Concepts and Techniques for Conflict Transformation Oxford Rowman Littlefield 2003 Capítulo 1 p 1530 BALLENTINE Karen SHERMAN Jake The political Economy of Armed Conflict beyond greed and grievance London Lynne Rienner 2003 BEALL Jo Cities Terrorism and Development Journal of International Development v18 n 1 2006 p 105120 BEALL Jo GOODFELLOW Tom RODGERS Dennis Cities and 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