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21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 142 Este texto foi publicado no Jus no endereço httpsjuscombrartigos18805 Para ver outras publicações como esta acesse httpsjuscombr O fenômeno jurídico na antiguidade O fenômeno jurídico na antiguidade Jairo Coelho Moraes Publicado em 032011 Elaborado em 122007 SUMÁRIO1 Considerações preliminares 2 Introdução 3 As culturas do Oriente Médio 31 Sociedade e direito babilônico 32 Aspectos da primitiva sociedade hebraica 321 O direito hebreu 4 A sociedade grega 41 Formação étnica 42 Periodização 43 A civilização cretense 44 A civilização aquéia ou micênica 45 A organização gentílica 46 A Grécia arcaica 461 O despertar da democracia ateniense Drácon e Sólon 47 O período clássico e seu legado jurídicopolítico 471 O governo de Clístenes 472 Péricles e o apogeu democrático 5 A decadência das CidadesEstado e o Helenismo 6 Conclusão 7 Bibliografia 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A cultura científica sedimentada no ocidente sempre exigiu do cientista a posse de aprofundadoconhecimento do ofício Nas recentes décadas com a imposição de novos paradigmas de leitura do mundo temse buscado o equilibrado conhecimento do ofício porquanto o saber aprofundado há muito se confundiu a especializado tornandose então sinônimo de saber estanque compartimentalizado e fragmentário E um saber assim constituído achase inarredavelmente aprisionado em estreitos limites porquanto quanto mais se vê em profundidade menos se vê em extensão Como sucede no país afora inexpressivas exceções o ensino jurídico hoje ministrado nas academias ainda perpetua práticas acadêmicas fragmentárias herança do fracassado paradigma científico moderno propagado entre tantos pelos adeptos do taylorismo Em oposição aos fortes resquícios desse modelo a construção do saber está a pugnar práticas pedagógicas holísticas inter e transdisciplinares bem assim a repartição do saberpoder realidade ainda distante de muitas instituições educacionais 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 242 Efetivamente o império da cultura pragmática e imediatista em todos os setores da vida social não haveria que poupar o ensino universitário Por tal razão o embate com seus princípios há muito cristalizados é árdua porém indispensável missão haja vista que o seu enfrentamento contribuirá para a formação alunos sujeito pensadores da vida e do direito Em termos práticos em se pretendendo a promoção de mudanças comportamentais impõe substituir práticas pedagógicas e metodologias anacrônicas que ainda persistem aplicadas a todo o processo de ensino em todas as suas disciplinas Vale dizer em substituição da simplista fórmula do saber fazer impõe acrescentar o como por que e para que fazer Em troca de métodos e modelos autocráticos de ensinar impõe suscitar a dialogicidade pedagógica e a filosófica amizade pela pesquisa Tudo isso em resgate do sabersabor do aprender Portanto na contramão do insciente paradigma inaugurado na modernidade os desafios do tempo presente estão a reclamar a atuação de profissionais munidos de novas competências habilidades e saberes os quais se demonstrem capazes de romper os clássicos e aparentemente inconciliáveis dualismos inaugurados pelo cartesianismo Noutra expressão o tempo está a reivindicar capacidade de reatar em necessário equilíbrio a dimensão teórica à prática a dimensão cognitiva à afetiva a pessoalidade à sociabilidade e o doméstico ao político sobretudo nesses dias em que prevalece tão drástico narcisismo Tais tendências impelem o ensino jurídico como de resto as demais modalidades de ensino à reestruturação de sua dinâmica e à reorientação de seus fins Por essas razões aos estudantes de direito atuais e futuros cientistas da ciência jurídica incumbe a inarredável vocação da reflexão do filosófico estranhamento diante das muitas certezas impostas pela experiência sócio profissional e muitas vezes também pelas lições acadêmicas Para tanto precisarão desvendar os princípios os fundamentos ou a ratio essendi da ciência jurídica e não há como fazêlo senão mediante o diálogo a interação e muitas vezes a solitária pesquisa Noutros termos aos alunos se impõe o constante exercício da cogitação acerca dos derradeiros fins que fazem a essência do saber jurídico de modo a perseguirem com a devida autonomia intelectual uma ontologia e uma deontologia do direito o que aliás lhes possibilitará transitar do papel de meros repetidores de textos legais para o profícuo papel de juristas Desse modo reiterese ao lado do necessário apelo praticista impregnado nas academias e manifesto na pragmática indagação do pra que serve impõe resgatar o que e por que algo é e para que fins ele se orienta Afinal o direito é saber instrumental cuja existência deve servir à harmonização social Ademais a empreitada da reflexão sobre os fundamentos científicos é tarefa que se dirige ao ensino em geral e não apenas a determinado conjunto de disciplinas batizadas no meio acadêmico de disciplinas teóricas históricas ou filosóficas termos digase costumeira e equivocadamente adotados com certo sentido pejorativo como reflexão despida de significado prático 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 342 Concorrentes para a alteração de todo esse quadro embora ainda inseridas dentro de limitadas e seccionadas referências pedagógicas encontramse disciplinas como a Filosofia o Direito Romano e a História do Direito a Ética além das chamadas teorias gerais cujo rol engloba a Teoria Geral do Direito a Teoria Geral do Estado e a Teoria Geral do Processo Ao contrário do que se pensa o aprendizado fomentado por tais disciplinas revelase condição fundamental à práxis profissional cotidiana haja vista que essas assim como outros conteúdos tal como as atividades de prática jurídica constituem momentos de fermentação dos componentes teóricopráticos e desempenham relevante papel convergente e sintetizador dos vários e dispersivos saberes adquiridos no percurso acadêmico esmerandose enfim por capturar o ser e o deverser do Direito 2 INTRODUÇÃO A experiência jurídica é coetânea à vida cultural urdida pelo homem Ao longo do tempo todas os agrupamentos humanos desde os mais primevos aos contemporâneos ocuparamse de edificar determinado conjunto de normas com vistas a reger o convívio a normatizar a dimensão essencialmente social do ser humano Assim o fizeram antigos mesopotâmicos hebreus indus gregos e romanos entre outros povos Experiências sintetizáveis no conhecido brocardo latino ubi homo ibi jus ou seja onde está o homem aí estará o direito Com suporte nessa premissa o presente estudo pretende visitar ainda que brevemente a dinâmica social peculiar a algumas culturas da antiguidade destacandose por razões peculiares ao curso os efeitos jurígenos que nascem da dimensão social humana Nesse sentido neste estudo serão tratados breves aspectos da cultura e do direito hebraicocristão do direito egípcio e enfim da clássica experiência jurídica grecoromana de cujo desfecho resultaram modernas instituições do direito público e privado ocidental legado tardiamente trazido ao Brasil por força da empresa colonial lusitana do século XVI Frisese que o empreendimento ora abraçado pretende transcender ao mero conhecimento de institutos localizados na prática jurídica contemporânea Objetiva mais inteligir as bases culturais políticas econômicas e sociais sobre as quais se edificou a experiência civilizatória do mundo ocidental A par dessa realidade serão abordados os elementos constitutivos da sociedade grega sua formação estruturação desenvolvimento e declínio com vistas a aí verificar a organização do fenômeno jurídico possível àquele espaço e tempo Quanto ao sistema jurídico erigido pelos romanos em face de sua capital influência na configuração do direito privado nacional será tratado em capítulo ulterior 3 AS CULTURAS DO ORIENTE MÉDIO 01 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 442 A região a que se denomina Oriente Médio compreende geograficamente as áreas ao leste do mediterrâneo da Turquia ao Egito estendendose até o Irã e a Península Arábica No remoto passado nessa região desenvolveramse grandes civilizações como a egípcia a babilônica e a hebraica Por ora serão estudados alguns aspectos da organização social babilônica e hebraica da primeira em face do vanguardismo jurídico vislumbrado na compilação de leis efetuada por Hamurábi e seus reflexos sobre a cultura e o direito hebraico primitivo da segunda em função da influência exercida sobre as instituições políticojurídicas do mundo ocidental plasmado à luz da cultura judaicocristã 31 SOCIEDADE E DIREITO BABILÔNICO A Babilônia foi uma das principais cidades da Mesopotâmia região situada entre os rios Tigre e Eufrates em que conviviam várias e independentes cidadesEstado Por volta de 2000 a C a cidade da Babilônia sob a liderança do rei Hamurábi unificou a maior parte dos mesopotâmicos vindo a formar o Império Babilônico Essa unificação política encontra seus fundamentos entre outras variáveis na própria centralização jurídica e administrativa empreendida por Hamurábi Então com vistas a comandar extensa e diversificada população Hamurábi fez reunir e gravar em pedra ao final de seu reinado vários mandamentos então conhecidos e praticados instituindo a famosa codificação que levara o seu nome A base da sociedade mesopotâmica era o clã A sociedade marcavase por profundas desigualdades entre classes dividindose a população em três camadas nobreza homens livres servos e escravos Na economia prevalecia a atividade agrícola ao lado do comércio e artesanato cujo controle incumbia ao governante De um modo geral várias sociedades orientais praticaram a teocracia nas quais os governantes atuavam como arautos do desígnio divino No Egito o faraó era considerado filho do deus Hórus na Pérsia o rei era representante de Ahura Masda na Mesopotâmia era o sacerdote de Anu deus do Céu Nessas civilizações o regime político era teocrático e a forma de governo a monarquia absoluta Quanto aos mesopotâmicos praticavam uma religiosidade politeísta e muitas de suas divindades representavam forças da natureza Assim como noutras sociedades antigas na sociedade babilônica embora houvesse separação entre poder político rei e religioso sacerdotes o direito sofria fortes implicações da religiosidade Esses entrelaçamentos estão dispostos em documentos da época Num deles gravado em pedra o próprio rei Hamurábi deixara um depoimento em que revela ter sido escolhido pela divindade Marduk para distribuir a justiça e promover o bemestar de seu povo 02 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 542 Para que o forte não oprima o fraco para dar direitos ao órfão e à viúva para decidir as decisões do país para fazer justiça ao oprimido Eu sou o rei que transcende entre os reis minhas palavras são escolhidas Minha inteligência não tem rival Por ordem de Shamash o grande juiz dos céus e da terra que meu direito resplandeça pelo país pela palavra de Marduk meu Senhor que ninguém apague meu brilho apague minha imagem na Esagil que amo que meu nome seja sempre celebrado com benevolência com bençãos Autopanegírico de Hamurábi 5953 sic Composto de 282 artigos o código de Hamurábi reunia preceitos de direto penal civil comercial e processual homicídio lesão corporal roubo indenizações civis regras contratuais e escravistas inclusive a escravidão por dívidas Várias disposições do código revelam o princípio de talião conhecido pelo brocardo olho por olho dente por dente princípio que representou à época significativa mudança na aplicação do direito porquanto inaugurara a idéia de proporcionalidade de dosimetria na equação delitosanção Por força do princípio adequavase a sanção em intensidade e extensidade ao dano causado à vítima prática até então inexistente vez que se adotava o livre arbítrio e a força bruta na reparação das contendas interpessoais e intertribais O código baseavase ademais na casuística Estruturavase em um rol de eventos fatos e situações do cotidiano instituindolhes correspondentes sanções Por não se ocuparem de caracterizações gerais dos delitos os artigos descreviam casos específicos e não tinham necessariamente a função de standards ou padrões a serem seguidos em situações semelhantes Nesse particular releva destacar que a sociedade babilônica era rigorosamente estratificada e que a atribuição de direitos e obrigações operava na medida da desigualdade de seus membros Assim era comum que a lei contivesse sanções diversas para mesma categoria de delito distinção que se ancorava no status civil e na capacidade econômica dos destinatários sociais da norma De qualquer modo prevalecia naquele regime o princípio de que o responsável por danos causados a terceiros não ficava incólume Na esfera do direito do consumidor as regras assemelhavamse em parte às atuais quem houvesse vendido mercadoria estragada sujeitavase à apreensão da mercadoria bem assim ao castigo físico e moral mediante exposição social da punição aplicada Na época era comum que comerciantes fossem condenados ao suplício público por chibatadas desferindolhes tantas chibatadas quantas fossem necessárias ao cobrimento do preço da mercadoria adulterada Quanto aos crimes contra o patrimônio como o furto a legislação era severíssima Previa pena de morte ao criminoso apanhado em flagrante delito Na esfera do direito familiar mesma sanção sofria a mulher adúltera condenada ao lançamento no rio algumas vezes atada ao seu cúmplice 03 04 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 642 Tais preceitos revelam a insopitável vocação do direito por ofertar respostas aos desafios sociais constituindose ciência que surge se conforma e expande com suporte na moldura sócioeconômica de determinada comunidade A evolução do direito obedece pois a imperativos espaçotemporais ao dinamismo da vida social e das forças aí atuantes Desse modo a compilação hamurabiana visava a regular o complexo das relações econômicas e intersubjetivas com vistas a evitar a anomia e o caos social provocado pelo agir arbitrário e desmedido na solução dos conflitos Objetiva enfim coibir o exercício da vingança privada e seus efeitos desestabilizadores da vida social Esse diálogo entre o sistema jurídico e demais sistemas sociais é corroborado pelas lições de Flamarion 199548 ao referirse à força das relações econômicas sobre o sistema jurídico bem assim à intervenção do poder político sobre regras jurídicas com vistas a amainar os rigores da vida social Os mercadores formavam na Babilônia uma corporação subordinada ao Estado e faziam negócios a mando do governo Mas também negociavam em proveito próprio dentro e fora da Mesopotâmia praticavam ainda o empréstimo a juros formavam sociedades mercantis compravam terras e escravos Um dos sinais de que tais atividades tinham importância considerável é o desenvolvimento do direito privado em especial de Hammurabi 17921750 aC Outro sinal é a frequência com que a prazos irregulares e sem aviso prévio para não interromper as atividades de crédito os reis decretavam a misharum justiça edito que anulava as dívidas e a escravidão por dívidas o que era uma forma de proteger a pequena propriedade privada da terra gn Se por um lado essa interatividade entre o sistema jurídico e os demais sistemas sociais serve a produzir relativa equalização social por outro pode também se destinar a intentos legitimatórios de certos grupos sociais instalados no poder estatal Nessa hipótese funciona então o direito como sustentáculo da dominação de classes como instrumento de manutenção do status quo em face do constante antagonismo de classes existente na história humana Nesse sentido dizia Marx e Engels no Manifesto A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu senhor feudal e servo mestre de corporação e companheiro em resumo opressores e oprimidos em constante oposição têm vivido numa guerra ininterrupta ora franca ora disfarçada Nas mais remotas épocas da História verificamos quase por toda parte uma completa estruturação da sociedade em classes distintas uma múltipla gradação de posições sociais Na Roma antiga encontramos patrícios cavaleiros plebeus escravos na Idade Média senhores vassalos mestres de corporações aprendizes companheiros servos e em cada uma destas classes outras gradações particulares 05 06 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 742 Dedicada a verificar a gênese o funcionamento e os antagonismos do modo de produção capitalista a análise social empreendida por Marx não se limita aos fenômenos econômicos mas observa os fenômenos sociais em sua totalidade sobressaindose as relações econômicas e políticas como focos fundamentais porém não exclusivos de sua análise Releva sublinhar que para desnudar as contradições do modo de produção capitalista Marx remontara à organização econômicosocial das sociedades primitivas investigando as estruturas mestras dos modos de produção asiático feudal e burguês Sua perspectiva pretendia demonstrar ao contrário do que cria Hegel que é a realidade que determina a consciência humana que o ideal não é senão o material traduzido e transposto na mente do homem Desse modo sua teoria social desvelava as relações e influências existentes entre as condições reais de existência e as representações sobre o existir projetadas pelo homem concreto real situado no mundo da produção Na produção social da própria existência os homens entram em relações determinadas necessárias independentes de sua vontade estas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social política e intelectual Não é a consciência dos homens que determina a realidade é a realidade que determina a consciência Corroborando essa perspectiva Marx deixara transparecer que o direito sistema resultante das condições materiais de existência a tais condições se inclina em servil obediência Portanto o direito emblemática expressão da ordem cultural e simbólica seria emanação dos anseios da classe dominante haja vista que as idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante Marx 194630 O viés analítico marxiano sustenta pois a inevitabilidade de conflitos entre as forças materiais da sociedade com as relações de produção e enfim com as relações de apropriação da propriedade até então socialmente desenvolvidas Isso porque a realidade natural e social evoluiria a partir das próprias contradições internas de modo dialético Nesse diapasão não haveria idéias leis e direito desvinculado de uma práxis social Efetivamente não restam dúvidas que o direito parte integrante da abrangente realidade humana formase com base em múltiplas e recíprocas determinações culturais sociais naturais derivadas dessa complexa realidade A lição que nos vem da teoria marxiana consiste no resgate da autorização do homem enquanto agente autor e ator da história Suas idéias contribuíram e contribuem para a concepção do humano como projeto como viraser e a 07 08 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 842 concepção da história como fruto da ação humana consciente não mais escrita ou ditada pelos deuses quer antigos ou modernos No decurso da histórica realidade o homem entidade histórica se descobriu determinado pelas condições objetivas de sua existência mas também capaz de influir no curso da história pessoal e coletiva modificandoa por meio da práxis política haja vista que toda ação humana envolvese em relações de poder socialmente estabelecidas Emprestada pois a perspectiva marxiana para iluminar a realidade em estudo restanos concluir que o direito babilônico como de resto os demais sistemas que futuramente estudaremos espelhou as marcantes características da sociedade do Oriente Próximo uma sociedade escravagista agrária estratificada e profundamente enlaçada pelas representações religiosas Seu conjunto normativo notabilizouse como não podia ser diferente como instrumento fundamental de controle social manejado pela classe dos homens livres sacerdotes comerciantes guerreiros burocratas em face do campesinato e da grande massa de escravos 32ASPECTOS DA PRIMITIVA SOCIEDADE HEBRAICA As regras fundamentais do direito hebreu inclusive aquelas atinentes ao culto sagrado achamse esparsamente dispostas em cinco livros Êxodo Gênesis Levítico Deuteronômio e Números o conjunto chamado pentateuco Antes de se verificar alguns elementos desse quadro normativo impõe visitar a história jurídicopolítica dos hebreus manifesta em três grandes períodos o patriarcado o juizado e a monarquia Esse percurso fazse necessário porquanto se crê impossível apreender a experiência jurídica de um povo olvidandose o substrato social do qual ela emerge Tal suposição é sobremaneira válida em face dos hebreus haja vista que o direito desse povo afirmouse justamente quando Israel surgiu se organizou e se reconheceu com identidade própria como povo como nação A história dos hebreus remonta ao ano 2000 a C e situase em Canaã Nessa região por volta do ano 2000 a C viviam os cananeus descendentes dos amoritas entre os quais encontramos variados povos mesopotâmicos como Abraão e seu grupo vindos de Ur na Caldéia como também os clãs de Isaac e Jacó todos chamados patriarcas do povo hebreu A forma de organização social típica dessa época era a família patriarcal um grande agrupamento de pessoas que incluía além de pai mãe e filhos a prole casada e sua família concubinas e escravos Esse povo organizouse inicialmente em tribos nômades e cada uma delas tinha como líder um patriarca com poderes sacerdotais e judiciários Como a agricultura era ainda incipiente transitavam pelas planícies mesopotâmicas em busca de água e pastagens tendo portanto como base econômica a pecuária Naquela época as cidades haviamse constituído nas planícies férteis próximas ao mar e ali iniciaram ampla dominação sobre os camponeses Assim por volta de 1500 a C as cidadesestado hebréias mantinhamse por meio de exaustiva tributação incidente sobre a massa camponesa os quais além do pagamento de impostos in natura obrigavamse ao trabalho forçado para o rei a corvéia De um 09 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 942 modo geral as cidades dominavam a vida no campo e não era incomum que as cidadesestado para protegeremse umas das outras e da pirataria generalizada recorressem à proteção das milícias do faraó egípcio renunciando para obtêla à autonomia econômica e política Nesse cenário como reação à exploração econômica à pobreza causada por conflitos intertribais e pelas dificuldades naturais levas de trabalhadores rurais buscando escapar ao controle político refugiavamse no campo mantendo distância do poder real radicado nos núcleos urbanos palestinos Outros grupos migravam para terras egípcias acalentados pela esperança de trabalho e sucesso A respeito e segundo conta a Bíblia esses migrantes encontravam inspiração na experiência de José um dos filhos de Jacó que então vivia com êxito e prestígio na corte egípcia Já outra parcela de trabalhadores preferia permanecer em Canaã porém resistindo à exploração Para tanto organizavamse em bandos armados os hapiru vocábulo utilizado para designar grupos errantes socialmente marginalizados não protegidos pela ordem social com vistas a promover saques às rotas comerciais Notese que tanto o distanciamento da esfera de influência do poder governamental o êxodo urbano quanto o ataque ao seu funcionamento a marginalidade criminosa revelam as contundentes contradições sócio econômicas praticadas na comunidade hebréia primitiva Após a organização patriarcal os clãs hebreus reuniramse em tribos ampliando a sua organização sócioeconômica que passa a basearse em interesses vários e não mais nos laços de consaguinidade A posse de terras conduz à sedentarização e a criação de novos papéis sociais Para zelar pela comunidade e administrar a justiça surge a figura dos juízes Durante o juizado prevalecera certa harmonia social as terras eram distribuídas por sorteio cuja propriedade era coletiva das tribos o poder político era compartido e as leis criadas comunitariamente Durante o período da monarquia cerca do ano 1000 aC a situação desse povo era bem diversa a gradual apropriação de melhores e maiores porções agrárias havia criado latifúndios e irreparáveis distinções de classe as cidades haviamse formado em torno do poder real que instituíra pesada tributação sobre os camponeses os núcleos urbanos fomentavam práticas de exploração corrupção idolatria religiosa além de fornecerem amplo deleite a funcionários estatais e milícias reais em oposição à dura vida e à pobreza dominante no campo Em conseqüência desses e de outros fatores no século VIII Israel dividiuse em duas Israel e Judá essa última dominada no ano VI pela Babilônia Quanto ao ideal de justiça na era patriarcal identificado como sinal de fidelidade a Deus e afeição ao próximo fora ofuscado na época monárquica quando a corrupção do sistema administrativo e judiciário tomou dimensões absurdas Rebelandose contra a deformidade do sistema jurídico e político muitas vozes se rebelaram Merece destaque a contundente denúncia do movimento profético capitaneado por profetas como Isaías Jeremias Amós e tantos outros 321 O DIREITO HEBREU 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1042 Narra a Bíblia que durante o Patriarcado os hebreus foram dominados pelos egípcios Como dito naquela época era comum que em períodos de secas os camponeses migrassem para as férteis terras banhadas pelo Nilo em busca de trabalho Lá eram recebidos ao custo de se submeterem a trabalhos em obras do faraó sob severo regime de escravidão Com o tempo decepcionados com as falsas promessas de sucesso fora da terra de origem e esgotados pela exploração os migrantes cananeus arquitetaram a fuga do Egito outorgando no curso do longo regresso a liderança de tal feito a Moisés Por ocasião da volta à terra prometida e em função da necessidade de impor regras à difícil convivência da ampla e dispersiva multidão camponesa é que surgiram os Dez Mandamentos ou o Decálogo importante conjunto de preceitos ditados por Deus a Moisés os quais se destinavam a reger as relações de um aglomerado de pessoas de raças culturas línguas e regiões diferentes uma multidão misturada como qualificara o livro do Êxodo A verificação dos relatos bíblicos autoriza inferir que a constituição do direito hebreu defluiu de três fatores capitais a da carismática liderança exercida por Moisés à frente de um grupo rebelde e heterogêneo b da necessidade de enfrentar os imponderáveis riscos da perigosa travessia do deserto e a inerente conflitividade decorrente da longa convivência social e c da paulatina consolidação da crença num deus único atuante na história e cultuado como divindade libertadora da opressão Efetivamente Moisés fora um paradigma de liderança Soubera conduzir com êxito um grupo de estranhos identificados inicialmente apenas pelo ideal da fuga A unidade desse povo seria conseguida somente depois a duras penas a partir da convivência no deserto Naquele momento além da hostilidade natural e dos variados conflitos internos pairava sobre os migrantes o risco de ataque de piratas Desse húmus histórico é que surgiriam leis cuja observância se tornaria imprescindível à penosa travessia Tais leis foram concebidas como uma Aliança celebrada entre Deus e o povo cujo arauto fora Moisés E Deus falou todas essas palavras dizendo Eu sou o Senhor teu Deus que te fiz sair da terra do Egito da casa da servidão não terás outros deuses diante de mim honra teu pai e tua mãe a fim de que teus dias se prolonguem sobre a terra que o Senhor teu Deus de dá Não cometerás homicídio Não cometerás adultério Não raptarás Não prestarás testemunho mentiroso contra teu próximo Não cobiçarás a casa de teu próximo Não cobiçarás a mulher de teu próximo nem o teu servo sua serva seu boi ou seu jumento nada que pertença a teu próximo Destaquese que os hebreus distinguiam as noções de direito e justiça identificando essa com o desígnio divino e portanto como sentimento superior àquele De um modo geral o sentimento de justiça entendida como amparo aos pobres como fraternidade e obediência à vontade divina envolvia em essência 10 11 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1142 todo o sistema jurídico hebreu Nessa direção aponta o magistério do biblista Léon Epsztein que aponta a existência de dois vocábulos naquela cultura para se referir à justiça mishpat e çedeq O primeiro usavam para se referirem tanto ao direito quanto à justiça A raiz desse vocábulo shapat evoca a idéia de julgar de pronunciar uma sentença referindose à justiça aplicada pelos tribunais Por força da atuação dos profetas esse termo imiscuiuse em profundo conteúdo religioso Já a palavra çedeq vinculavase à prática da equidade nos julgamentos Era evidente a prevalência do ideal de justiçaequidade sobre o direito ou leis materiais e processuais do direito hebreu Nas palavras do referido biblista isso significava apreciar as leis com vistas a alcançar o ideal de transcendentalidade nelas contida Várias passagens ilustram o desiderato hebreu de justiça Os juízes não deveriam julgar com parcialidade mas com justiça Lv 1915 Dt 116 e seus veredictos têm de ser justos Pr 3119 Dt 161820 o processo ilegal derruba a justiça Am 57 e transforma o direito em veneno Am 612 a corrupção da justiça deturpa os processos justos e os direitos do inocente Is 5 23 Veja que o ideal moral da justiça prevalecia e informava o regramento legal as normas e sua aplicação Mckenzie citado por Sella 200371 aduz que a idéia hebraica de justiça consistia tanto na reivindicação de um direito quanto na prática justa de um processo pelo qual se reivindicava o próprio direito ou se afirmava a própria inocência Resgata ainda Sella as teses de outro estudioso Pinzetta para afirmar a predominância da religiosidade sobre o direito demonstrando a confusão da terminologia jurídica com a teológica Naquele sistema jurídico Pinzetta é Deus que dá a sentença Ele é o ponto de referência Se a sentença do juiz não for de acordo com a sua não há justiça cedaqah Portanto para haver a çedaqah é preciso agir conforme a Lei de Deus Citando variadas passagens do Antigo Testamento Sella 200373 demonstra que o ideal do justo na antiga sociedade hebraica manifestavase sob quatro formas básicas a compromisso da autoridade juiz rei de fazer justiça integrando o pobre no seu direito b manutenção de conduta compatível com os preceitos divinos c busca da sabedoria ou seja a justiça como sendo a sabedoria posta em prática d a justiça como sendo o reconhecimento divino pelas boas obras uma recompensa devida aos justos Importa sublinhar que a totalidade dos exegetas reforça a constante preocupação social das leis semíticas manifesta na proteção do pobre e do injustiçado Nessa direção Sella 200374 agora com suporte na pesquisa de Léon Epsztein reitera a prevalência da religiosidade sobre a experiência jurídica de Israel de modo a submeter o legislador rei ou juiz à vontade de Javé porque ele recebeu de Deus as virtudes do direito e da justiça mishpat e çedaqah Sl 721 Esta prevalência traduz radical diferença entre o direito hebreu e os demais como o egípcio haja vista que naquele os reis e juízes eram concebidos como simples arautos da justiça divina e não os seus criadores Nas palavras do autor 12 13 14 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1242 As diferenças entre o rei em Israel e o faraó do Egito é que o rei israelita tem somente um papel instrumental e funcional à vontade de Javé ou seja uma função judiciária e sem criar o direito pois a fonte de direito é Deus Isto é o rei israelita não tem um poder legislativo como o faraó O papel do rei é restituir o direito sobretudo protegendo os fracos e os pobres as viúvas e os órfãos A outra diferença é que a justiça não é procurada pela vantagem econômica e política como era nos outros povos vizinhos A justiça semita tem o próprio objetivo de fazer privilegiar o direito e por isso é fortemente marcada pela imparcialidade Nesse sentido os códigos israelitas são claros Não cometam injustiças no julgamento Não seja parcial para favorecer o pobre ou para agradar o rico julgue com justiça os concidadãos no Código de santidade Lv 1915 no Deuteronômio 117 está escrito Não façam acepção de pessoas no julgamento escutem de maneira igual o pequeno e o grande Afora essas e outras substanciais diferenças o direito hebreu também guardava algumas semelhanças com a ordem jurídica de povos vizinhos Tal se deve à proximidade geográfica de várias outras etnias como também à dominação a que foram submetidos os hebreus ao longo de sua trajetória Nesse sentido demonstrando o peso da cultura sobre a configuração do sistema jurídico o direito hebreu tal como o mesopotâmico previa penas severas tal como a pena de morte para atos como desacato moral ou agressão física à autoridade paterna ou materna De modo especial por força da influência cultural mesopotâmica os hebreus conheciam o princípio de talião inserto no livro doÊxodo Quem ferir mortalmente um homem será morto E quando homens em briga ferirem uma mulher grávida mas a criança nascer sem problema será preciso pagar uma indenização a ser imposta pelo marido da mulher e decidida por arbitragem Mas se acontecer dano grave pagarás vida por vida olho por olho dente por dente mão por mão pé por pé queimadura por queimadura ferimento por ferimento contusão por contusão O livro do Êxodo traça ainda várias outras regras dedicadas a ordenar o uso de bens a destinação da propriedade agrária e as obrigações em geral como o empréstimo Na esfera familiar embora consentisse na poligamia aquele direito impunha indenização ao pai na hipótese de sedução de filha virgem por varão não compromissado ao casamento sancionava mortalmente a zoofilia condenava a homofilia e repelia o incesto Já no campo social ocupavase da proteção do migrante da viúva e do órfão bem como condenava veementemente a usura disposição essa conservada até hoje pelo direito canônico Interessante é que a corrupção também recebera tratativa naquele direito Fenômeno ancestral cuja prática e repressão se verifica em variados tempos e lugares a corrupção desde sempre transita com desenvoltura no espaço público manifestandose nas funções de administração legiferação e jurisdição 15 16 17 18 19 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1342 Em face dessa constatação é que vários trechos do Pentateuco admoestam para a observância da imparcialidade dos julgadores e a lealdade das partes no exercício de atos processuais nos julgamentos verbis Não espalharás ou receberás se juiz boatos sem fundamento Não tomes o partido de um culpado dando um testemunho falso Não seguirás uma maioria que quer o mal e não intervirás num processo inclinandote em favor de uma maioria parcial Não favorecerás com parcialidade um fraco no seu processo Não falsificarás o direito do teu pobre no seu processo Manterás distância de uma causa mentirosa Não aceitarás propinas pois a propina cega as pessoas lúcidas e compromete a causa dos justos Após este excerto contido no Êxodo adiante no Levítico outra regra já citada alhures dirigese especificamente ao julgador não cometais injustiça nos vossos julgamentos não dês vantagem ao fraco e não favoreças o grande mas julga com justiça o teu compatriota Ao estudarmos o direito hebreu urge considerar que uma das grandes questões desse grupo consistiu em haveremse constituído como povo sem antes possuírem uma pátria Fora justamente a partir da travessia do deserto logo em terra estrangeira que os hebreus se reconheceram como povo para somente após se enraizarem num território E ao que parece apenas por ocasião do retorno do Egito quando pactuaram o Código da Aliança é que os hebreus se tornaram efetivamente sedentários e se reorganizaram em torno dos chefes militares chamados Juízes lideranças guerreiras políticas e religiosas Durante o juizado estruturados de forma associativa buscaram promover a defesa comum contra povos vizinhos e fomentaram a prosperidade econômica coletiva Fizeramno mediante a criação da denominada confederação das doze tribos de Israel que durou cerca de 200 anos Nessa confederação as leis previam a propriedade coletiva da terra porque criase que Deus era único dono dos bens proteção aos pobres e a descentralização do poder político compartilhado entre as famílias as quais possuíam seus líderes os anciãos Em épocas de ameaça externa escolhiamse chefes militares os chamados juízes Todas as famílias participavam das decisões políticas mediante sua organização na assembléia ou no conselho das tribos As leis não apenas garantiam o uso coletivo da terra e a defesa dos mais fracos como órfãos e viúvas mas também zelavam pela unidade do culto monoteísta no qual os israelitas professavam a fé num deus presente na realidade cotidiana um deus militante e libertador israel deus luta em hebraico O governo dos juízes assinalou o fim do período patriarcal Os juízes mais conhecidos foram Gedeão Sansão e Samuel esse último idealizador da instalação de um governo monárquico para os hebreus O declínio do equilíbrio econômico jurídico e político típico do regime da Liga das Tribos viria findarse graças à diferenciação econômicosocial surgida entre as famílias Seguindo a trilha das teses defendidas por Marx o crescimento 20 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1442 econômico obtido por algumas tribos faria surgir diferenças sociais políticas e ideológicas intransponíveis no seio daquela confederação políticoreligiosa trincandolhe a harmonia Também contribuíra para a queda da Liga a necessidade de segurança diante das constantes ameaças representadas por estrangeiros bem assim o intuito expansionista e comercial promovido pela produção de excedentes econômicos por parte de famílias enriquecidas Tais mudanças repercutiriam na organização do poder político então praticado E como quem detém poder econômico detém poder político a centralização do poder tornouse inevitável para corresponder às novas necessidades implantarase o regime monárquico em 1052 a C sob a liderança de Saul Entre outros principais monarcas registrase Davi e Salomão Com a morte deste o reino de Israel dividirase em dois o reino de Judá ao sul e o de Israel ao norte A alternativa monárquica que surgiu como saída para graves problemas converteuse em outro ainda maior O advento do regime monárquico fez recrudescer a concentração de poder nas cidades principalmente nas capitais Samaria e Jerusalém Nesse período as cidades voltaram a representar o pior da cultura daquele povo núcleo irradiador de corrupção da exploração dos pobres da idolatria e muitas outras perversões Na esfera do direito a crença na justiça caíra em profundo descrédito A justiça tornarase instrumento legitimador do poder manifesta no desvirtuamento das leis na prática de julgamentos tendenciosos os quais foram veementemente combatidos por pregadores lideranças chamados profetas como o campesino Amós que exortando os governantes e magistrados dizia Vocês vendem o homem justo por dinheiro e o indigente por um par de sandálias Vocês esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos Vocês transformam o direito em veneno e derrubam a justiça Em severa crítica à falsa justiça praticada pelos juízes do povo à falta de retos critérios de afirmação do justo na conturbada sociedade israelita dizia o profeta Acaso cavalos galopam sobre rochedos e lavrase aí com bois para fazerdes com que o direito se torne veneno e o fruto da justiça uma cicuta Enfim a derradeira decadência da sociedade hebraica tivera lugar no período monárquico Com o tempo tanto o reino do norte quanto o do sul após sucessivas crises econômicas sociais e religiosas caíram sob o domínio de novas superpotências O norte fora dominado pelos assírios por volta do século VIII a C e o sul Judá sucumbira ante o poder dos babilônicos no século VI a C promovendose então a primeira diáspora do povo hebreu No século VI os hebreus libertos pelo rei Persa Ciro retornaram à Palestina e lá constituíram um pequeno Estado na região de Judá sendo a partir de então chamados judeus Posteriormente os gregos os macedônios e os romanos também dominaram a Palestina 4 A SOCIEDADE GREGA 21 22 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1542 A chamada cultura clássica é vasta Por onde começar o seu estudo Emprestando a resposta à Heidegger com os gregos Porque na Grécia estão as sólidas bases de toda a cultura ocidental Efetivamente com genial inventividade lançaram os gregos as sementes da Física da Matemática da Retórica da Política e da mãe de todas as ciências a Filosofia Foram também eles os primeiros a se habilitarem na definição do homem Sócrates definira o homem como ser dotado de palavra e pensamento zoon logikon echon Aristóteles na Política definira o homem com suporte em sua aptidão para a coexistência social em sua vocação política segundo a participação na vida da pólis portanto como ser capaz de dar vida de formar ou plasmar a sociedade zoon politikon Vemnos também dos gregos precisamente de Aristóteles a célebre tripartição de poderes resgatada na modernidade pelo Barão de Montesquieau Entretanto antes de nuclearmos a alguns aspectos da cultura e do direito daquele povo cuidemos primeiro de situá los e apreender a sua formação A Grécia localizase na Península Balcânica no Mediterrâneo oriental entre os continentes europeu e asiáticoSeu território dividese em três regiões distintas Grécia continental peninsular e insular O território grego apresenta topografia montanhosa formando inúmeros vales O litoral é recortado e apresenta vários portos naturais o que contribuiu para o desenvolvimento da navegação e do comércio A compreensão da formação sóciocultural política e jurídica dos gregos assim como a dos romanos achase permeada por elementos míticoreligiosos A religião primitiva funcionou naquelas sociedades como fundamental amálgama a vincular donde um dos sentidos do vocábulo religião derivado de religare verbo latino que significa encadear unir atar com profundo significado as variadas experiências sociais tal como a experiência jurídica Unindo o profano ao divino a religião primitiva plasmou a forma da cidadeEstado antiga centrada no culto sagrado Essa é a perspectiva defendida por Fustel de Coulanges na Cidade Antiga muito embora não atraia nesse particular a aceitação de significativa corrente de historiadores Ensina Cardoso 1987 19 que a célula inicial da sociedade grega era o genos família de nobres que agregava demais membros livres e escravos além de variado conjunto de bens terras animais edificações plantações víveres etc elementos humanos e materiais que se subordinavam a um chefe comum Os genos eram também uma nucleação cultural e religiosa de sorte que os membros desse grupo aristocrático criam descender de um herói ou de um deus Ao entorno desse ampliado núcleo familiar também denominado oikos viviam os trabalhadores que prestavam serviços de medicina de artesanato especializado e outros ofícios Muitas são as teorias existentes acerca da formação da pólis grega Porque não nos interessa tal polêmica poderseia afirmar que a cidadeEstado surgiu a partir da integração de plúrimos fatores como os conflitos agrários a superpopulação a crescente urbanização a divisão do trabalho e o crescimento da atividade 23 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1642 mercantil A partir da progressiva conjugação desses elementos a primitiva estrutura gentílica se transformaria na nucleação urbana econômica política e jurídica a pólis grega Ao longo do tempo destacaramse na Grécia continental as cidadesestado de Tebas Delfos e Atenas Na região peninsular separada do continente pelo golfo de Corinto sobressaíramse Esparta Corinto e Olímpia Já na Grécia insular que compreende várias ilhas ao longo do mar Egeu e do Mediterrâneo sobressaíramse Creta Lesbos e Eubéia Entre todas as cidades merece destaque a cidade de Atenas a precursora da ordem políticodemocrática ocidental o que se fará adiante 41 FORMAÇÃO ÉTNICA Vários foram os grupos que ao longo do tempo povoaram a península Sabese que os primitivos habitantes da região eram povos seminômades migrantes de origem indoeuropéia Embora cressem serem autóctones ou seja originários da própria terra em que habitavam os gregos compunhamse da miscigenação de povos vários Os seus primeiros ocupantes viveram em Creta por volta do ano 2000 a C Um século depois migrando da Ásia para a Península chegaram os aqueus e posteriormente os jônios os dórios e os eólios 42 PERIODIZAÇÃO Não se deve esquecer que toda periodização acerca do fenômeno histórico é arbitrária haja vista que a História se processa num continuum em que os eventos se entrelaçam em inevitável corrente de relações Desse modo a divisão aqui adotada tem como suporte critérios sedimentados pela historiografia e objetiva tãosomente inteligir os fatos pretéritos e suas múltiplas interfaces sociais econômicas religiosas políticas jurídicas e culturais Costumeiramente dividese o processar da civilização grega nos seguintes períodos préhomérico século XX a XII a C época da formação do povo grego marcada pela vida agrária homérico século XII a VIII a C período da organização gentílica da vida nas gens arcaico século VII e VI a C que marca a transição entre a vida gentílica e rural para a formação da polis Período quando ocorre a consolidação da oligarquia política ateniense clássico século V IV a C consolidação da pólis e apogeu da vida político jurídica grega notadamente de Atenas 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1742 helenístico século IV II a C fase de decadência políticoeconômica e conseqüente dominação grega pelos macedônicos 43 A CIVILIZAÇÃO CRETENSE Dos primórdios das civilizações egéias muito pouco se sabe haja vista que a escrita primitiva daquelas populações ainda não fora suficientemente decifrada Desse modo as sínteses até hoje elaboradas sobre os primitivos gregos devem ser atribuídas aos esforços da arqueologia e do estudo de textos lendários como os de Homero A ilha de Creta situada ao sul da Península Balcânica foi o primeiro centro cultural do mar Egeu Provavelmente entre o ano 1700 e 1450 verificouse em Creta o florescimento de uma monarquia teocrática absolutista o governo dos Minos Dados arqueológicos revelam a construção de palácios como o de Cnossos cujos afrescos permitem certas inferências políticas e sociais A julgar pelos elementos arqueológicos acreditase que do trono palacial palácio de complicada arquitetura como que um labirinto o governante desempenhava funções variadas como a administração do Estado do exército e do comércio cuidando ainda da distribuição da justiça Governando através de uma burocracia estatal própria o soberano editava atos e os fazia gravar por escrito A experiência econômica cretense baseavase no exercício da atividade comercial e em incursões imperialistas promovidas na Península Balcânica Quanto às práticas religiosas vigorava entre os cretenses por força da influência de outras culturas orientais um princípio feminino de fecundidade expresso na representação da GrandeMãe deusa servida por outras sacerdotisas revelando assim um autêntico culto à fertilidade A vida social cretense notabilizouse pela pequena distinção entre classes sociais pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e pela pouca importância atribuída à escravidão Entre suas principais cidades citase Faístos Cnossos Haghia e Tríada 44 A CIVILIZAÇÃO AQUÉIA OU MICÊNICA Digase preambularmente que a civilização aquéia costuma ser estudada após a civilização cretense Tal conduta tem natureza meramente metodológica posto que não se pode olvidar que ambas as civilizações hajam coexistido por um certo tempo Os aqueus eram povos de origem indoeuropéia que ocuparam Cnossos por volta de 1450 Da fusão e evolução entre as culturas cretense e aquéia resultou a denominada civilização cretomicênica em referência a mais importante das cidades aquéias Micenas sede do palácio real A principal atividade econômica dos micênicos era o comércio então praticado com egípcios mesopotâmicos e habitantes da Itália Justamente em razão da expansão de seus interesses marítimocomerciais é que os micênicos se 24 25 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1842 envolveram ao lado de Esparta e demais cidades na fabulosa guerra de Tróia cidade que ocupava estratégica posição econômicocomercial ao norte da Ásia Menor banhada pelo mar Egeu e próxima ao mar Negro o que facilitava o contacto com o ocidente pelo mediterrâneo e com o extremo oriente pelo mar Negro 45 A ORGANIZAÇÃO GENTÍLICA A partir do século XVIII nova onda de povos imigrantes atinge a Grécia destacandose a pacífica chegada dos jônios e eólios os quais se misturam à organização social local Migram os jônios para a Eubéia Naxos e demais regiões próximas a Àtica e para a porção central da Ásia Menor Essa região ficou depois conhecida por Jônia local onde seria fundada posteriormente uma confederação de cidades Os dórios chegaram à região no século XII Um povo dotado de sólida cultura Ao suplantar a cultura dos aqueus provocoulhes a dispersão ao longo do mediterrâneo Não é demais reiterar que os dados acerca desse período são esparsos e precários e quase tudo que se sabe tem como fonte os poemas homéricos Aliás muito pouco se conhece sobre a formação da cidadeEstado grega organização política que se constituiu no século VIII O que se sabe com certeza é que os povos que habitavam a Grécia praticavam formas sociais de organização políticofamiliar as gens as fratrias e as tribos enredadas por determinante elemento religioso A organização social micênica assentavase na gens organização social baseada em grandes famílias cujos membros acreditavam descender de um mesmo antepassado Os membros das gens tinhamse por parentes e cultuavam deuses comuns A economia baseavase na agricultura na propriedade coletiva da terra e em uma incipiente atividade comercial alicerçada na troca A religião era politeísta cujas cerimônias exaltavam e cultuavam os heróis e seus grandiosos feitos No campo do direito e da política cada gens elegia um chefe que se revestia de atribuições militares religiosas e jurídicas basileu cujo encargo era exercido sem qualquer remuneração ou privilégio Naquele período em que prevalecia o poder comunitário com suporte nos clãs poucos e relativamente singelos eram os conflitos de interesses verificados na sociedade grega Contudo nos séculos seguintes o surgimento da propriedade privada a concentração de terras e de demais riquezas nas mãos de poucos viria produzir grave conflitividade social demandando pois a instalação de um governo oligárquico As classes abastadas receosas quanto aos riscos representados pelas camadas excluídas bem assim pela ação de grupos vizinhos passaram a reivindicar a instalação de um governo de segurança centralizado e forte 26 27 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 1942 É consentâneo o fato de que a civilização grega primitiva desconhecera regimes políticos absolutos Mesmo na época da Monarquia o rei basileu governava com apoio em duas importantes instituições um conselho de anciãos denominado gerusia Esparta e Areópago Atenas respectivamente e uma assembléia popular formada por guerreiros Entretanto com o passar do tempo o crescimento das forças produtivas imprimiria nova configuração às instituições jurídicopolíticas A expansão do comércio na região da Àsia Menor o crescimento do latifúndio familiar e o poderio bélico das camadas enriquecidas viria arruinar a organização monárquica em torno dos clãs No novo cenário econômico delineado a aplicação do direito funcionava como importante instrumento legitimatório e mantenedor do status social da emergente aristocracia O impacto de tais mudanças sobre a vida jurídica fora assim assinalada por Petit As grandes famílias dominavam o conselho dos Anciãos distribuíam a justiça segundo as leis não escritas a Têmis uma justiça freqüentemente privada e baseada na solidariedade familial e eram as únicas a conhecer os arcanos da religião o meio de conciliar para todos os favores dos deuses O rei tendia a ser apenas um magistrado de atribuições religiosas secundárias os que não pertencessem a um genos eram explorados sem apelo Com a paulatina desagregação da sociedade gentílica as fratrias tornaramse aglomerados de destaque social Em seu interior importantes questões casamento filiação maioridade serviço do exército e atribuição de direitos cívicos eram tratadas e decididas sempre aos cuidados dos deuses Já as tribos representavam a agremiação de várias fratrias unidas pela adoção de um ancestral primitivo e obedientes a um mesmo rei phylobassileus No interior das tribos a prestação da justiça incumbia ao basileu ou rei Das fileiras tribais recrutavamse os membros da magistratura os participantes da assembléia conselheira da realeza e os servidores do exército A evolução dos fatores sócioeconômicos formataria novas instituições sociais e políticas O declínio da vida comunitária e a paulatina apropriação e concentração dos meios de produção nas mãos de certas famílias ensejaria a consolidação de uma nova classe social econômica e juridicamente preponderante a aristocracia Então a vida na cidade suplantaria a vida no campo a vida litorânea e comercial precederia à vida interiorana restando no campo uma agricultura escassa e pauperizada Nesse período as cidadesEstado se afirmaram como centros independentes e autônomos nos aspectos políticos religiosos e militares A seguir constituídas organizadas e bem armadas elas dariam início a um grande movimento de expansão em toda a região balcânica entre os séculos VII e VI 46 A GRÉCIA ARCAICA 28 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2042 As instituições aristocráticas típicas do regime monárquico prevaleceram durante séculos na Grécia Antiga Enquanto durou o regime aristocrático a aplicação do direito obedeceu a um regime de leis calcado na parcialidade no privilégio de classes na excludência e no poder exercido por uma minoria Segundo informa Petit 1979 79 as assembléias da Grécia arcaica eram formadas unicamente por proprietários os quais detinham prerrogativas como o de votar leis por simples aclamação e de eleger magistrados Os conselhos sempre restritos compunham se de antigos magistrados ricos e idosos dotados de amplo poder decisório enquanto outros magistrados chamados pritanos arcontes ou dikastai juízes cuidavam da execução das decisões dos primeiros Em cidades mais conservadoras os juízes exerciam suas funções sob o regime da hereditariedade ou da vitaliciedade noutras mais democráticas como Atenas eram eleitos anualmente De todo modo era comum naquele regime o conluio das poderosas famílias com vistas a compartilharem os postos essenciais da vida pública Com o tempo o dinamismo da vida sócioeconômica cuidaria de por fim à predominância política aristocrática Entre os fatores explicativos da crise do regime oligárquico costumase citar o aparecimento de nova classe social emersa da colonização grega e da atividade comercial uma burguesia mercantil enriquecida e ávida por tomar parte nos negócios públicos Além desse importante fator registrase também o surgimento e a lenta difusão da moeda e de novas técnicas bélicas como a substituição de lentos navios por ágeis naus de combate movidas e equipadas por representantes de camadas populares bem assim as inovações na técnica de combate em terra substituindose o pesado lutador pelo soldado ágil o hoplita organizado em densas falanges Essas novas circunstâncias promoveram a inclusão de grupos sociais marginais na ordem econômica e na defesa da pólis de sorte que por tais razões passaram a também reivindicar real espaço na condução da vida política Destaquese que o processo de integração de tais camadas nas decisões políticas estenderase no tempo e marcarase por violentos conflitos civis cuja intensidade e duração variara de cidade para cidade conforme a capacidade de resistência da privilegiada aristocracia de então Foi nesse cenário crítico que surgiriam as primeiras tentativas de condensação legislativa O avanço das forças sócioeconômicas e produtivas os conflitos de interesses entre povos e entre indivíduos de mesma raiz criariam a necessidade de objetivar de se inscrever em formas e fórmulas o direito consuetudinário até então praticado E para quê tal esforçoA objetivação do direito visava a controlar o exercício do poder dos julgadores a findar com os privilégios no conhecimento das leis tornandoas públicas acessíveis ao povo obedecendo assim às palavras Teseu proferidas nas Suplicantes de Eurípedes ao afirmar que quando as leis são escritas o pobre e o rico têm justiça socialLicurgo de Esparta Drácon e Sólon de Atenas foram os mais conhecidos magistrados do período arcaico 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2142 Como se tem verificado as formas de governo na Antiga Grécia antes de acederem à democracia materializaramse na monarquia centrada no poder real e no conselho de nobres depois na oligarquia aristocrática em que os nobres proprietários governavam representados pelos arcontes e eventualmente na tirania governo de lideranças populistas que combatiam os privilégios da aristocracia agrária Relativamente a essas variadas formas de governo praticadas nas muitas cidades gregas importantes contribuições foram legadas pelo ensino de Aristóteles que viveu entre 384322 a C Após estudar mais de uma centena de constituições Aristóteles basearase na constituição de Atenas para formular sua teoria política politéia em grego que significa Estado Evitando vislumbrar um regime político idealizado concebido a priori como o fizera Platão na República Aristóteles partiu da realidade política concreta para então distinguir três tipos fundamentais de constituição a monarquia a aristocracia e a democracia Sem rejeitar qualquer uma delas aduzia que todas essas formas de governo poderiam ser boas segundo a época as condições e as necessidades dos povos Contudo não deixou Sócrates de preconizar um modelo ético para o Estado para o estagirita o Estado perfeito seria aquele fundado no equilíbrio mesotes no meiotermo de modo a evitar os extremos quer da opulência quer da escassez Em termos políticos esse meiotermo ou essa áurea mediocridade aristotélica apresentava como condição de virtude o evitarse a prevalência dos muito ricos ou dos muito pobres na gestão do Estado Desse modo pretendendo a evitar a total exclusão de grupos por outros o Estado aristotélico preconizava a prevalência do atendimento à diversidade de interesses sociais de modo a materializaria o virtuoso equilíbrio ético na gestão estatal As sempre oportunas reflexões aristotélicas impelemnos à sua transcrição Chamamos monarquia ao governo em que o poder dirigido para o interesse comum pertence a um só Aristocracia àquele em que o poder é confiado a mais de um isto é a poucas pessoas escolhidas entre as mais honestas e que só têm em vista o bem comum do Estado e de seus membros E democracia aquele governo em que o poder é do povo que governa para a utilidade pública Essas três formas de governo podem degenerar em governos viciados a realeza em tirania a aristocracia em oligarquia a democracia em demagogia E prossegue a tirania é a monarquia orientada para o interesse do rei a oligarquia é a aristocracia voltada para o interesse dos ricos e a demagogia só vê o interesse dos pobres nenhuma dessas formas de governo se ocupa do interesse geral A aristocracia distribui as honras os cargos públicos segundo o merecimento das pessoas A oligarquia os distribui segundo a riqueza excluindo os pobres Na democracia o governo caminha segundo a lei Mas onde as leis não têm força aí aparecem os demagogos Eles pisam as leis aos seus pés e fazem predominar os decretos 29 30 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2242 Como se vê para Aristóteles a virtude objetivada no Estado é a justiça que numa comunidade significa tratamento com igualdade para todos os que se igualam e que a busca do justo é a busca do meiotermo pois a lei é o meiotermo 461 O DESPERTAR DA DEMOCRACIA ATENIENSE DRÁCON E SÓLON Interessa aproximar da experiência política ateniense porque fora lá que emergiram os pilares do regime democrático contemporâneo Entre os sustentáculos jurídicopolíticos urdidos pelos cidadãos de Atenas estão os princípios da representação popular o princípio da participatividade política bem ainda os princípios da isonomia e da legalidade todos retores do regime democrático moderno Atenas inaugurou o direito político o que justifica dela se aproximar Atenas fora fundada pelos jônios que se estabeleceram na península da Ática região habitada pelos primitivos cretenses Contam as lendas que os jônios liderados por Teseu dominaram as aldeias cretenses e lá fundaram uma cidade que batizaram de Atenas em homenagem à deusa da sabedoria Atená A primeira forma de governo de Atenas fora a monarquia Nesse regime o rei basileu desempenhava funções religiosas jurídicas e administrativas e a participação no governo restringiase aos eupátridas os bemnascidos ou cidadãos os quais tomavam parte do poder mediante a eleição de uma assembléia de representantes chamados arcontes Por volta dos séculos VIII e VII aC o governo passou a ser exercido por um grupo de arcontes magistrados eleitos entre membros da aristocracia em número total de nove os quais exerciam funções variadas funções religiosas outros militares e outros ainda dotados de atribuições judiciárias Entre os arcontes seis incumbiamse da jurisdicção e tinham por obrigação redigir e publicizar repertórios de decisões já proferidas e tornadas obrigatórias para toda a comunidade Ao lado do arcontado funcionava o Areópago um conselho de anciãos formado por ex arcontes uma espécie de tribunal supremo e vitalício zeloso pelo funcionamento do regime Ao tempo dos primeiros legisladores a situação em Atenas era conflituosa aos fatores naturais como a escassez de terras férteis e o aumento populacional somavamse outros de ordem política como a insatisfação popular com o regime aristocrático e o empobrecimento massivo dos camponeses cujas terras vinham sendo hipotecadas em face de crescentes dívidas contraídas junto à nobreza latifundiária Nessa época no campo se praticava a escravidão por dívidas Como saídas para problemas como superpopulação e escassez alimentar os gregos promoveram expansões ao longo do mediterrâneo em busca de novas terras Tratavase do colonialismo grego Em solução aos embates econômicos e políticos entre a nobreza e a multidão popular surgira a atividade legislativa que em Atenas iniciase com Drácon em 621 aC Além de consolidar o direito consuetudinalizado em leis Drácon dotouas de peculiar severidade Pretendia desse modo coibir antigas vinditas familiares 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2342 entre os nobres e ofertar maior proteção à prática dos negócios públicos Escritas em pedras e colocadas na praça pública ágora as leis de Drácon tinham entretanto caráter conservador porquanto mantinham inalteradas as bases da organização social e política Contudo elas abrigavam inegável fator de equidade social porquanto retiravam das mãos dos eupátridas o privilégio do conhecimento das leis e conseqüentemente o poder de sua aplicação As medidas abraçadas evitavam o arbítrio dos eupátridas na manipulação da aplicação das normas legais prática comum em face do direito não escrito até então vivenciado de sorte que ao conjunto das leis todos deviam obediência ou seja governantes juízes e governadosComeçavase então a atribuir à prestação da justiça a um corpo de agentes tutelado pelo Estado O governo conservador empreendido por Drácon manteve inalterada a estrutura políticosocial provocando revoltas que conduziram o legislador Sólon à magistratura Eupátrida enriquecido pelo comércio Sólon promoveu medidas jurídicas de natureza eminentemente públicas e econômicas do agrado da classe mercantil e dos camponeses revogou a escravidão por dívidas libertando os então cativos impôs limites ao latifúndio promoveu a liberação de hipotecas de endividados e incentivou a produção dos médios proprietários fomentando ademais a atividade marítima mercantil A máxima do arconte Sólon fora governar sem excessos Esse legislador instituiu nova constituição e fez promulgar novas leis de sorte que os atenienses abandonaram o código de Drácon à exceção das leis sobre homicídio mantidas por um certo tempo O senso de equilíbrio almejado por seu governo pode ser captado na seguinte exortação aos ricos lembrada por Aristóteles Contenham em seus peitos os seus corações poderosos vocês já possuem muito das boas coisas da vida satisfaçam seu orgulho com o que é moderado pois não iremos tolerar excessos nem reviraremos tudo da maneira que vocês querem A democratização do exercício e do acesso à atividade jurídica derase também na magistratura de Sólon Ao criar novas regras processuais franqueou o acesso dos mais pobres injustiçados aos tribunais É ainda Aristóteles quem se reporta às principais medidas adotadas no governo de Sólon O que se segue parecem ser as três características mais populares da constituição de Sólon A primeira e mais importante é que ninguém pode tomar dinheiro emprestado sob garantia da liberdade de alguém a segunda é que ninguém pode tirar proveito daqueles que foram injustiçados e a terceira que dizem ter sido a que mais contribuiu para o fortalecimento da democracia institui o direito de participar do dicastério pois quando o povo tem o direito de votar nos tribunais controla a constituição 31 32 33 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2442 No campo político Sólon protagonizara a ulterior instauração da democracia ateniense Embora haja também mantido a estrutura oligárquica criou instituições cujo aperfeiçoamento marcaria o apogeu democrático ateniense Opondose ao governo eugênico até então praticado refutou o recenseamento social com base no nascimento e estabeleceu nova divisão censitária capaz de ampliar a participação na vida da pólis Para tanto dividiu os cidadãos atenienses em classes com base na renda agrária anual Mesmo tendo conservado os nobres no poder a divisão censitária preconizada por esse legislador viria depois a admitir até mesmo a renda mobiliária para o cálculo do censo permitindo assim a inclusão de comerciantes e armadores em altos cargos da vida política Para institucionalizar a partilha do exercício do poder novos mecanismos de governo da vida coletiva foram criados Sólon instituíra a Eclésia assembléia popular aberta a todos os cidadãos a Hélia ou Helieu tribunal judiciário popular e a Bulé conselho composto de 400 membros representantes das tribos cuja função consistia no controle do Areópago antiga instituição política formada pela nobreza aristocrática Entretanto apesar das substanciais modificações políticas as ações implementadas demonstraramse insuficientes para solver os conflitos sócio econômicos efervescentes na sociedade ateniense E o insucesso das reformas legislativas na contenção das disputas sociais promoveria a ascensão de tiranos ao governo tendo sido Psístrato o primeiro deles Aristocrata de raiz Psístrato ascendera ao poder com suporte em sua fortuna pessoal e no apoio das insatisfeitas camadas populares Seu governo teve como marcas o incentivo ao comércio marítimo a construção de inúmeras obras públicas o confisco de terras da nobreza para distribuição entre os camponeses e o patrocínio de variados eventos culturais o que contribuiu para atrair a Atenas muitos poetas filósofos e artistas 47 O período clássico e seu legado jurídicopolítico 471 O governo de Clístenes A tirania de Psístrato cedera ante as reações aristocráticas lideradas por Clístenes político de raiz nobre que assumira o governo de Atenas a pretexto de introduzir amplas reformas políticas na condução da pólis Seu governo se notabilizou pelas regras introduzidas no direito público A nota essencial do governo de Clístenes fora a afirmação da democracia Poder seia dizer que enquanto Sólon preparara a formação da democracia Clístenes a consolidara E o fizera neutralizando a força das facções regionais e o extremo poderio da aristocracia rural Para tanto substituiu a divisão social baseada em tribos étnicas instituindo nova classificação fulcrada em dez tribos e 160 divisões administrativas os demos os quais por sua vez se repartiram em trinta circunscrições eleitorais Tais circunscrições contemplavam as tribos do interior da cidade e do litoral Das demos se recrutavam os arcontes magistrados em 34 35 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2542 número de 10 os membros da Bulé do exército hoplitas e valeiros e das demais instituições Em geral as medidas ampliaram a participação social nas decisões políticas abolindo a votação censitária instituída no governo de Sólon que privilegiava a atuação dos membros das grandes e poderosas famílias Em relação à Bulé Clístenes elevara para 500 o número de seus participantes cinqüenta por tribo escolhidos à sorte tornandoa a mais importante instituição governamental porquanto dotada de atribuições administrativas legislativas preparação de projetos de lei judiciárias apreciação de alguns processos específicos uma espécie de competência ratione materiae e ainda de competência para controlar o exercício das magistraturas As ações desse arconte não pararam aí Alguns registros lhe atribuem a criação do ostracismo bem como a ampliação dos poderes dos estrategos militares mediante a instituição de processos eletivos ao invés da prática do sorteio para acesso a tais funções Tendo ou não sido obras de seu engenho fato é que as ações empreendidas por esse legislador foram tão significativas que a historiografia costuma qualificarlhe como sendo o pai da democracia clássica Efetivamente o governo de Clístenes teve como mérito a ampliação da participação popular na vida pública e a criação de mecanismos políticos destinados a afastar os riscos de retrocessos tirânicos e demagógicos no cenário público Tais ações foram imprescindíveis ao ulterior aprimoramento democrático que despontaria no século seguinte 472 PÉRICLES E O APOGEU DEMOCRÁTICO Se com Clístenes nasceu a democracia com Péricles ela evoluiu Filho de família aristocrática Péricles foi eleito estratego no século V aC e governou Atenas por quatorze vezes entre 443 e 429 aC A sua magnitude política fez projetar a qualificação de o século de Péricles a todo o período remanescente ao seu governo Entre outras medidas criou condições efetivas à participação dos cidadãos pobres e interioranos nos debates públicos da ágora instaurando o princípio da isonomia no regime democrático grego além de haver diminuído o poder do Areópago instituição aristocrática na condução da vida pública Nesse período o principal órgão político ou seja da pólis ateniense era a Eclésia reunião pública da qual todos os cidadãos maiores de 18 anos participavam debatendo e votando proposições À Eclésia competiam funções administrativas a declaração de guerra ou os tratados de paz a tomada de contas dos magistrados judiciárias julgamento de certos delitos eleitorais deliberação sobre a escolha de magistrados os estrategos responsáveis pela execução das leis e legislativas votação de leis Paralelamente à Eclésia funcionavam outras instituições como a Bulé a Estratégia e aHeliae ou Helieu A Bulé era um conselho composto por quinhentos cidadãos representantes das demos eleitorais Para oportunizar o acesso indiscriminado de ricos e pobres nesse conselho seus membros eram recrutados por sorteio e exerciam o mandato por um ano Porém apenas assumiam a função após se submeterem a exame moral dokimasia 36 37 38 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2642 efetuado por antigos membros do conselho devendo ademais ao final do mandato prestar contas da atividade exercida A principal atribuição da Bulé era a elaboração de projetos de lei os quais se submetiam à apreciação da Eclésia A Estratégia outra instituição do período era uma espécie de poder executivo composto por 10 estrategos eleitos anualmente pelos participantes da Eclésia cuja reeleição era permitida Os estrategos exerciam a atividade sem remuneração e de início tinham por função capital o comando do exército Com o tempo ao assumirem novas funções se encarregaram de dar cumprimento às leis votadas pelo povo A terceira instituição a Heliae respondia pela prestação da justiça Era um tribunal popular composto por seis mil cidadãos sorteados pelos membros da Eclésia para mandato ânuo sem possibilidade de reeleição As magistraturas eram colegiadas em geral dez membros por categoria e classificadas por especialidades tal como sucedia com o arconterei basileu encarregado das funções religiosas e da presidência do Areópago e os seis arcontes tesmótetas incumbidos de presidir os tribunais e de compilar anualmente as leis atenienses Além de zelar pela prática do culto esse tribunal popular era responsável pela condução dos processos e pelo julgamento de variadas causas públicas ou privadas à exceção dos crimes de sangue vg homicídios envenenamento e incêndio que permaneceram na competência do Areópago Acerca da constituição e do funcionamento dessas instituições políticojurídicas no governo de Péricles oportuno é o magistério do historiador Petit 1979124 A constituição quase não foi modificada cabendo o essencial dos poderes à Bulé clisteniana de 500 membros a qual resolve os negócios correntes dirige a diplomacia julga os magistrados com apelo da Eclésia e tem a iniciativa legislativa pelos seus proboulemata projetos de lei A Assembléia reunida mais de 40 vezes por ano exprime diretamente não há deputados a vontade nacional decide a respeito de tudo a paz a guerra finanças elege estrategos e tesoureiros sendo os demais magistrados escolhidos por sorteio e fiscalizaos vota leis e decretos julga em grau de apelo certos crimes e diretamente os de Estado traição ilegalidade Não há partidos organizados cada um pode tomar a palavra propor uma decisão ou uma emenda mas na prática apenas os especialistas intervêm e a ameaça de acusação de ilegalidade evita as iniciativas inconvenientes ou perigosas Os magistrados não são como em Roma os depositários da autoridade pública mas os servidores do povo tirados à sorte uns são simples executantes eleitos após docimasia controle moral e político os estrategos e tesoureiros são vigiadíssimos prestações de contas e expostos a múltiplas acusações o que enfraquece o executivo A justiça está igualmente nas mãos do povo se os crimes de sangue e religiosos são de alçada do Areópago e os pequenos delitos submetidos à arbitragem dos juízes dos demos todo o resto passa diante do Helieu formado de 10 tribunais de 500 jurados cada um justiça popular pouco corruptível por causa do número por vezes mal esclarecida e sensível às paixões políticas sobretudo 39 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2742 Enfim os eventos marcantes do governo de Péricles poderiam ser agrupados da seguinte forma extensão de direitos políticos a todos os cidadãos ou seja aos homens maiores e livres instituição do princípio da isonomia princípio indispensável ao exercício democrático diminuição da influência política e jurídica da nobreza Areópago mediante a diminuição de seus poderes políticos e conseqüentemente o fortalecimento dos poderes da assembléia popular atenção dispensada às camadas desassistidas da população pela implementação da filantropia que se concretizou em mecanismos como as misthoi as indenizações e os benefícios pagos a viúvas órfãos e mutilados em guerras entre outros Em síntese as principais características do direito grego residiram na valorização da oralidade na prática dos atos jurídicos donde o apreço à retórica na popularidade dos tribunais compostos por pessoas comuns tirados à sorte e ante a inexistência do instituto da representação judicial na laicidade dos atores forenses de sorte que a atuação nos tribunais era feita pelos próprios particulares interessados na causa Releva ainda anotar que a constituição de tribunais populares em muito contribuiu para a formação da justiça por arbitragem naquela sociedade levada a cabo por árbitros públicos e privados Por último em símile com a figura dos Juizados Especiais tão em voga na atualidade os gregos também instituíram a seu modo juizados especiais itinerantes destinados a apreciar demandas de pequeno valor Compreendida enfim a formação a estrutura e o funcionamento das instituições democráticas gregas releva abordar os séculos que sucederam ao governo de Péricles Séculos de crise que marcaram o declínio do regime Em breve termo serão visitadas as causas de tanto 5 A decadência das CidadesEstado e o Helenismo Sob a perspectiva desse breve estudo os séculos V e IV aC apresentam pouco interesse porquanto assinalam a decadência da civilização grega E os principais fatores que promoveram essa situação podem ser agrupados em dois a as constantes guerras externas sobretudo contra os persas e b a política imperialista promovida pelas cidadesEstado o que gerou enorme belicosidade entre as principais delas como Atenas e Esparta e conseqüentemente o enfraquecimento político e econômico do mundo grego 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2842 A guerra do Peloponeso representara o estopim da decadência grega iniciandose com o ataque de Atenas a Corinto Tal agressão produzira uma política de alianças recíprocas gerando um estado geral de guerra entre os povos gregos Ao aliarse aos coríntios os espartanos passaram a combater os atenienses desencadeando cerca de trinta anos de lutas entre as cidades A disseminação dessa belicosidade resultou no esgotamento da capacidade econômica da navegação do comércio etc do mundo grego Após sucessivos períodos de hegemonia política exercida pelas potências gregas primeiro Atenas depois Esparta e por fim Tebas sobre as demais cidades os gregos politicamente divididos e economicamente fragilizados foram dominados pelos macedônicos povos que viviam ao norte da Grécia Sob a liderança de Filipe II e depois de seu filho Alexandre Magno os macedônicos expandiramse pela Ásia Síria Fenícia Palestina Egito Pérsia e Índia fundindo a cultura oriental com a grega originando o que se convencionou chamar helenismo Mais tarde com a morte de Alexandre e a instauração de sucessivos conflitos entre os generais pelo controle do poder o império macedônico caíra sob a conquista romana entre os séculos I e II a C 6 CONCLUSÃO O Direito é fruto de seu tempo É experiênciairmã da experiência política Política e Direito alimentamse reciprocamente de sorte que esse nasce e se dinamiza com vistas a ofertar respostas capazes de possibilitar a harmônica convivência entre indivíduos grupos e comunidades no espaço da pólis no mundo Direito é ciênciaserviço saberinstrumento criatura vocacionada a solver os desafios ditados pela realidade de seu criador pela cultura humana Como se viu o direito antigo constituiuse em face da predominante influência da religiosidade sobre sua estrutura e conteúdo e pelo apego ao sagrado como dimensão legitimadora de sua aplicação à ordem social Desenvolvendo importante função apaziguadora revelouse um direito rigorosamente controlado e manipulado por governantes e classes sociais íntimas do poder As primeiras manifestações jurídicas se assentaram em normas costumeiras socialmente reeditadas de geração em geração pela oralidade e pela força coesiva exercida sobre a comunidade Apenas tardiamente os governantes premidos por pressões sociais objetivaram as normas consuetudinárias Assim sucedeu com o direito hebreu mesopotâmico e grego A experiência grega destacase entre as até aqui estudadas em função da significativa contribuição dada à constituição da cultura jurídica ocidental notadamente para o emolduramento dos regimes democráticos modernos Embora primitivos elementos do direito hebreu tenham chegado até nós por força da cultura românicocristã a inventividade políticojurídica grega ressalta soberba 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 2942 e inusitada em muitos aspectos Os gregos foram dadas as suas condições materiais e culturais peculiares magnânimos na criação do direito público notadamente do direito político Entre as variadas dimensões humanas zelaram pela dimensão política que segundo eles peculiarizava o propriamente humano Por tal razão incitavam e favoreciam a participação do cidadão nos destinos da vida pública E mais alicerçaram a experiência democrática em leis ditadas pelo povo vindo a instaurar governos legais em oposição a governos ditados pelo arbítrio E o fizeram porque criam ser um acinte à natureza humana o menosprezo à vida pública à vivência comunitária na pólis Efetivamente sábias são as lições gregas sobretudo nesses dias em que os indivíduos escapam ao cenário coletivo recolhendose à falsa segurança doméstica dias em que os homens se desumanizam ao relegarem sua essencial vocação de sercomooutro quando se afastam segregam dividemse Em dias como os que vivemos certamente os gregos nos apelariam ao retorno à agora e ao enfrentamento coletivo e solidário dos desafios da vida política da vida em sociedade No regime do Estado Democrático de Direito no qual todas as ações e transformações se operacionalizam sob a batuta da legitimidade sóciopolítica e da legalidade obediência normativa tais lições remanescem oportuníssimas Ao apelo grego apenas acrescentaríamos a necessária fecundação do direito e de sua aplicação com as sementes da dignidade humana e da indistinta inclusão de todos ao abrigo da ordem jurídicosocial E como nos revela a mestra História toda inclusão requer participação E participar significa tomar parte de tomar partido opinar agir Significa escolher exercendo livre e soberanamente a consciência de que se vive junto com de que se convive associado e enredado numa mesma dinâmica nessa imensa pólis global cujos desafios reclamam a ação política de todos nós De fato novamente é preciso reconhecer aos gregos certa razão a experiência jurídica continua sendo uma das mais refinadas expressões da vida política 7 BIBLIOGRAFIA ARIÈS Phillipe DUBY George História da vida privada Do Império Romano ao ano mil Organização Paul Veyne tradução Hildegard Feist São Paulo Companhia das Letras ARISTÓTELES Política São Paulo Editora Nova Cultural Col Os Pensadores 1999 A constituição de Atenas São Paulo Editora Nova Cultural Col Os Pensadores 1999 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3042 CARDOSO Ciro Flamarion Sociedades do antigo Oriente Próximo São Paulo Ática 1995 A cidadeestado antiga Série Princípios 2ª ed Ática São Paulo 1987 COULANGES Fustel de A cidade antiga Tradução de Pietro Nasseti São Paulo Martins Claret 2002 MARANHÃO Ricardo ANTUNES Fernanda M Trabalho e civilização Uma história global 1 ed Vol 1 São Paulo Moderna 1999 MCKENZIE John Justo justiça justificação Em dicionário bíblico 2ª ed São Paulo Paulus 1984 apud SELLA Adriano Ética da justiça São Paulo Paulus 2003 MARX Karl ENGELS Friedrich Manifesto Comunista Tradução de Álvaro Pina São Paulo Boitempo 1995 Editorial Contribuição à Crítica da Economia Política Tradução de Florestan Fernandes São Paulo Ed Flama 1946 La ideologia alemana Montevidéu Ediciones Pueblos Unidos 1958 PETIT Paul História Antiga Tradução de Moacyr Campos Rio de Janeiro Difel 1979 343 p Título Original Précis dHistoire Ancienne PINSKY Jaime 100 textos de história antiga São Paulo Contexto 1991 p 16 Modos de produção na antiguidade 2 ed São Paulo Global 1984 PLUTARCO Vida de Tibério Craco ARIÈS Phillipe DUBY George História da vida privada Do Império Romano ao ano mil Organização Paul Veyne tradução Hildegard Feist São Paulo Companhia das Letras ARISTÓTELES Política São Paulo Editora Nova Cultural Col Os Pensadores 1999 A constituição de Atenas São Paulo Editora Nova Cultural Col Os Pensadores 1999 CARDOSO Ciro Flamarion Sociedades do antigo Oriente Próximo São Paulo Ática 1995 A cidadeestado antiga Série Princípios 2ª ed Ática São Paulo 1987 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3142 COULANGES Fustel de A cidade antiga Tradução de Pietro Nasseti São Paulo Martins Claret 2002 MARANHÃO Ricardo ANTUNES Fernanda M Trabalho e civilização Uma história global 1 ed Vol 1 São Paulo Moderna 1999 MCKENZIE John Justo justiça justificação Em dicionário bíblico 2ª ed São Paulo Paulus 1984 apud SELLA Adriano Ética da justiça São Paulo Paulus 2003 MARX Karl ENGELS Friedrich Manifesto Comunista Tradução de Álvaro Pina São Paulo Boitempo 1995 Editorial Contribuição à Crítica da Economia Política Tradução de Florestan Fernandes São Paulo Ed Flama 1946 La ideologia alemana Montevidéu Ediciones Pueblos Unidos 1958 PETIT Paul História Antiga Tradução de Moacyr Campos Rio de Janeiro Difel 1979 343 p Título Original Précis dHistoire Ancienne PINSKY Jaime 100 textos de história antiga São Paulo Contexto 1991 p 16 Modos de produção na antiguidade 2 ed São Paulo Global 1984 PLUTARCO Vida de Tibério Craco IX 4 apud PINSKY Jaime 100 textos de história antiga 5ª edição São Paulo Contexto 1991 RUNCIMAN Steven A civilização bizantina Rio de Janeiro Zahar Editores 1977 p 52 SELLA Adriano Ética da justiça São Paulo Paulus 2003 IX 4 apud PINSKY Jaime 100 textos de história antiga 5ª edição São Paulo Contexto 1991 RUNCIMAN Steven A civilização bizantina Rio de Janeiro Zahar Editores 1977 p 52 SELLA Adriano Ética da justiça São Paulo Paulus 2003 NOTAS 1 O vocábulo é aqui adotado no vigor de seu sentido literal primitivo formado pela preposição inter com significado de entre no meio dentro de acrescida da forma verbal primitiva ligere que significa ler Portanto a inteligência de algo consiste na sua leitura por dentro na apreensão de seu núcleo de sentido o que se dá mediante a análise e síntese de suas partes constitutivas de modo que conhecer consiste em decompor as partes e investigar suas necessárias interrelações tendo em vista compor o sentido 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3242 de algo síntese Inteligir consiste pois em captar a rede de conexões que compõe um todo as razões que determinam o sentido de algo 2 A adequação terminológica requer que se denomine condensação ou compilação e não código ao conjunto de regras agregadas e disseminadas naquela região Explicase embora dotada de peculiar racionalidade a atividade legislativa dos antigos legisladores em muito divergira das práticas de sistematização científica inerentes aos códigos surgidos na modernidade a começar pela codificação empreendida na França pósrevolucionária Os modernos movimentos codificatórios embasaramse numa estruturalidade racional coerente coesa e uniforme no tratamento de temas amparados inclusive por novos conhecimentos lingüísticos Embora tenham raiz nas compilações já praticadas pelo direito canônico em fins da Idade Média a estruturação moderna da legislação tem sede na codificação napoleônica e alemã Notese que no Brasil as codificações tardaram As primeiras foram empreendidas apenas em fins do século XIX e início do século XX Aqui antes dos códigos penal comercial civil e processual vigiam Cartas Régias alvarás leis decretos imperiais e leis esparsas Retornandose pois ao chamado código de Hamurábi compunhase na verdade de um consolidado de regras empiricamente vividas e posteriormente gravadas em um bloco de pedra negra Essa compilação fora encontrada em 1901 por ocasião de escavações arqueológicas feitas na cidade de Susa Escrita em acádio no alto da pedra há um relevo que demonstra o rei Hamurábi recebendo do deus Shamash divindade representativa do sol e da justiça o poder de elaborar e impor leis A ligação estabelecida nesse código entre poder políticojurídico e religiosidade permite concluir o caráter sagrado do direito babilônico Tal entrelaçamento pretendia obstar questionamentos ao poder instituído haja vista que desacatar ao soberano e suas leis equivaleria a desobedecer aos deuses Anotese enfim que outras compilações legais precederam à de Hamurábi tal como o código de UrNammu protótipo das leis sumerianas babilônicas e assírias e que fora adotado na Suméria na cidade de Ur por volta de 2100 aC portanto cerca de três séculos antes do código de Hamurábi 3 PINSKY 1991 p 16 Importa considerar que as autocracias antigas conheceram também o poder das mulheres Tanto na Mesopotâmia quanto no antigo Egito figuraram lendárias rainhas poderosas por sua autoridade e conhecimento Citese a rainha Nefertite no Egito e na Mesopotâmia as rainhas de Shibtu de Mari e ShudiAd da cidade de Ur 4 Em ilustração seguem algumas disposições do código Sobre lesões corporais e outros delitos se um homem livre cegou o olho de um homem livre o seu próprio olho será cegado se um homem quebrou um osso de outro homem o seu osso será quebrado se ele cegou ou quebrou um osso a um plebeu pagará uma mina de prata se ele cegou o olho ou quebrou um osso de um escravo pagará a metade do valor deste escravo se um homem bateu na face de outro homem que é igual a ele pagará uma mina de prata 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3342 Mas se bateu na face de um homem superior será açoitado sessenta vezes com um chicote de couro se um homem violentou uma mulher virgem e foi surpreendido ele será morto e essa mulher estará isenta de culpa Obrigações se o inquilino pagou todo o aluguel de um ano e o proprietário da casa lhe disser para sair antes de terminar o prazo o proprietário perderá a prata que o inquilino deu Se um mercador emprestou a juros sem testemunhas ou sem contrato perderá tudo o que tiver emprestado Direito de família se um filho bateu no pai as suas mãos serão cortadas se um homem tomou uma esposa e não redigiu o seu contrato essa mulher não será sua esposa se a esposa de um homem for surpreendida com outro homem eles serão amarrados e lançados à água Mas se o marido perdoar sua esposa então a deixará viver Sobre responsabilidade civil se um médico tratar da ferida grave de um outro homem com punção de bronze e se ele morrer terá as mãos decepadas se um arquiteto construir para um outro uma casa e não a fizer bastante sólida se a casa cair matando o dono esse arquiteto é passível de morte Se for o filho do dono da casa quem morrer o filho do arquiteto também será mortoDireitos reais se um homem arrendar um campo para cultivo mas não cultiválo e nada produzir ele o devolverá ao proprietário e pagará a cevada correspondente à produção do campo se um homem tem uma dívida mas seu campo foi inundado ou secado por falta de água e por isso ali nada cresceu então ele não dará cevada ao seu credor e nem pagará os juros desse ano se um homem foi negligente em fortificar o dique de seu campo e por isso o dique se rompeu e as águas inundaram os campos vizinhos então ele indenizará os que foram prejudicados Se não puder indenizar este homem será vendido junto com os seus bens e o total será divido entre os prejudicadosNotese por último que o direito mesopotâmico não condescendia com a mentira com a má fé com condutas temerárias como o falso juramento Considerava o falso testemunho e a acusação leviana crimes passíveis de aplicação da penalidade capital Dispunha se um homem acusar o outro de assassinato mas não puder comprovar então o acusador será morto 5 CARDOSO 1995 p 48 6 MARX 1995 p 40 7 MARX K 1946 p 3031 8 A idéia do processo dialético remonta ao pensamento de Heráclito de Éfeso na Grécia Antiga para quem o princípio da realidade era o movimento o constante devir Esse pensamento fora resgatado no início do século XIX por Hegel quem concebeu o real a história como processo contínuo de mudança de evolução a partir da contradição ou seja a partir da luta dos contrários do conflito interno que subjaz no ser na realidade Vale dizer a realidade contém em si um momento de afirmação outro de negação e outro ainda de superação do momento anterior Esses três momentos convivem no real e constituem a chamada tríade dialética a tese antítese e a síntese Para Hegel a realidade evolui e se transforma a partir da contradição em constante processar dialético Como filósofo idealista e 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3442 metafísico que era Hegel acreditava que a dialética se processava tanto no real quanto no pensamento e que o ser e o pensar formavam uma unidade de sorte que tanto a realidade natural quanto a social seriam apenas figuras do Espírito É por isso que se diz que em Hegel o ideal é que explica e informa o real não havendo distinção entre o real e o racional entre ser e pensamento Embora Marx tenha criticado essa posição metafísica ainda assim do método dialético hegeliano se aproveitou para analisar tãosomente a realidade histórica empírica material Marx buscou demonstrar que a realidade social é movida por contradições internas e que a dialética é o motor do real Como alhures se viu para Marx são as condições materiais de vida que determinam o pensamento a consciência O real é que determina o ideal São as concretas condições e relações sociais e econômicas que moldam a consciência humana e não o contrário como defendia Hegel 9 Canaã era o nome de uma região situada entre o Egito e a Mesopotâmia uma espécie de corredor comercial existente entre essas duas potências da Antiguidade Notese que muitas das civilizações antigas floresceram no Oriente Médio na região da crescente fértil banhada pelos rios Nilo Tigre e Eufrates Ilustramno o Egito a Mesopotâmia atual Iraque a Pérsia Irã além de outras vizinhas como a Palestina Israel a Fenícia Líbano e Creta além das mais distantes Índia e China Observe que os hebreus vindos primitivamente da Mesopotâmia passaram com o êxodo a habitar a Palestina região que primitivamente compreendia quase toda a costa leste do mar mediterrâneo 10 Interessa observar que enquanto egípcios e mesopotâmicos se unificaram em torno de governos centralizadores e despóticos os hebreus uniramse a partir da religiosidade da crença em uma divindade única e comum o javismo Na Bíblia o fenômeno da escravidão bem assim a unidade religiosa desse povo pode ser verificado em variadas passagens como Êxodo 1 11 210 3715 318 11 BÍBLIA Sagrada AT Êxodo 20 117 São Paulo Ed Loyola 1995p 91 12 EPSZTEIN Leon A justiça social no antigo Oriente Médio e o povo da Bíblia São Paulo Paulus 1990 p 7 apud SELLA Adriano Ética da justiça São Paulo Paulus 2003 13 MCKENZIE John Justo justiça justificação Em dicionário bíblico 2ª ed São Paulo Paulus 1984 14 PINZETTA Inácio Um projeto de defesa aos estrangeiros a proposta de Deuteronômio Em estudos bíblicos n 27 Petrópolis Vozes 1990 p 34 15 SELLA 2003 p 74 16 BÍBLIA Sagrada AT Êxodo 21 1517 São Paulo Ed Loyola 1995p 93 Um basilar princípio compreensivo da cultura hebréia fora o princípio do patriarcalismo Por ele todas as relações sociais ordenavamse ao entorno da figura masculina Esse princípio de natureza religiosa e moral ainda agora permeia todo um conjunto de relações e papéis sociais vividos na sociedade hodierna de modo a configurar muitas das contemporâneas representações acerca do masculino e do feminino em nosso meio 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3542 17 BÍBLIA Sagrada AT Êxodo 21 2225 O mesmo princípio é repetido em Levítico 2419 e ss e Deuteronômio 1921 Já no Novo Testamento precisamente no livro de Mateus Mt 538 e Lucas Lc 6 2930 a nova ética e o novo direito romanocristão repudiaram a aplicação do princípio de talião ao recomendar o perdão ao agravo e a repulsa à violência como forma de promover a justiça 18 BÍBLIA Sagrada AT Levítico 18 624 São Paulo Ed Loyola 1995p 138 19 A corrupção contra a qual tanto se luta parece ser ôntica subjacente à natureza humana cuja manifestação desde remotas épocas sempre fora jocosamente abordada na literatura e nas artes em geral O conhecido cartunista Millôr Fernandes certa vez tratara do tema com peculiar ironia Escrevera que a corrupção tivera início no Jardim do Éden quando os protosafadoscorrompidos pela serpente desrespeitaram a Lei do Senhor e comeram do fruto proibido Julgados verificouse o concurso de crimes uso indevido de bem público e formação de quadrilha Como sanção o TodoPoderoso determinoulhes a pena de exílio a expulsão do Paraíso além de outras sanções Embora a abordagem do mito bíblico se dê em tom jocoso o núcleo do relato parece conter uma constatação inafastável que a gênese da corrupção deve ser buscada no interior do próprio homem no desejo insaciável de autoafirmação no instinto de poderpotência em suas multifárias manifestações poder político poder financeiro poder no exercício da sexualidade etc em termos políticos já sabemos que a corrupção é filha do poder era prática existente entre os antigos e comuníssima em Roma onde envolvia desde governadores e soldados a detentores de funções comezinhas na burocracia imperial Lá a corrupção o nepotismo e o clientelismo eram condutas corriqueiras exigiase pagamento de propinas para quase tudo de sorte que essas chegaram a ter seus valores como que tabelados pelo governo no período imperial Na esfera da administração pública era igualmente comum que cidadãos influentes indicassem amigos parentes e protegidos de toda sorte para ocuparem cargos na estrutura estatal romana No direito atual a corrupção pública adquire expressões penais e civis o peculato a concussão a corrupção passiva e a prevaricação além dos crimes vinculados à improbidade administrativa conforme previstos na Lei nº 849292 no Decretolei nº 20167 e noutros diplomas 20 Confirase a propósito o livro do Êxodo 23 18 e Levítico 1915 21 BÍBLIA Sagrada AT Amós 6 12 São Paulo Ed Loyola 1995p 653 22 A Palestina é uma região há muito marcada por conflitos Durante a dominação romana os judeus se revoltaram em 70 d C com a destruição do templo de Jerusalém fato que ocasionou a sua posterior dispersão diáspora para variadas regiões do mediterrâneo Mais tarde por ocasião da divisão do Império Romano no século IV d C a Palestina ficou sob o domínio do Império Bizantino Depois com a expansão do islamismo a região foi dominada pelos árabes e mais tarde durante toda a Idade Moderna e parte da Contemporânea fora dominada pelo Império Otomano 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3642 Ulteriormente no século XIX por influência de um jornalista austríaco de origem judaica Theodor Herzl os judeus dispersos pelo mundo foram motivados ao retorno à terra natal Tratavase do movimento sionista porque preconizava o retorno a Sião cujos apelos tiveram adesão imediata em todo o mundo Assim em fins desse mesmo século milhares de judeus sobretudo os que habitavam a Europa Central e Oriental migraram de volta a Sião Palestina No início do século XX logo após a Primeira Guerra Mundial criouse na região o Reino Hashemita porém sob controle dos árabes locais Com o advento da Segunda Guerra o feroz genocídio judeu patrocinado por Hitler coagira as lideranças mundiais para a criação de um Estado judeu soberano o que se efetuou em 27 de Novembro de 1947 mediante resolução da Organização das Nações Unidas instalandose o Estado de Israel no ano seguinte Imediatamente após a criação do Estado judeu sobreveio a reação dos árabes locais mediante conflitos que perduraram até 1967 quando a guerra entre Egito e Israel se estendera à Jordânia e à Síria ocasião em que os judeus ao fim da Guerra dos Seis Dias adquiriram o controle de toda a Península do Sinai parte do Canal de Suez a faixa de Gaza e as colinas de Golan na Síria Em 1973 surge novo conflito a Guerra do Yon Kippur em que Síria e Egito pretendiam retomar os territórios outrora ocupados A cessação desse conflito derase graças à intervenção da ONU e dos Estados Unidos De lá para cá o desentendimento árabejudeu parece não ter fim Computando avanços e retrocessos e oscilando entre acordos e desacordos de paz selados sob o olhar e patrocínio de nações geopoliticamente interessadas na região o mundo aguarda o momento de ver expirar o quase secular conflito 23 A filosofia grega tem periodização segundo a exponencial figura de Sócrates pensador ateniense do século IV aC Dividese em présocráticos socráticos e póssocráticos Os primeiros também chamados filósofos naturalistas preocupavamse em desvendar os segredos do universo buscando para tanto um princípio explicativo ou originador arché das coisas Formavam várias escolas como os Jônios Tales Heráclito e outros os Eleatas Xenófanes Parmênides etc os Pitagóricos discípulos do matemático Pitágoras Ao lado desse grupo militavam outros filósofos cuja preocupação ao contrário dos predecessores era o humano e não mais a ordem cósmica natural foram chamados sofistas os mestres da retórica e tinham por expoente Protágoras de Abdera cujo pensamento gravitava em torno da máxima o homem é a medida de todas as coisas No segundo grupo temos obviamente Sócrates Platão e enfim Aristóteles De Sócrates sabemos que embora muito tenha ensinado nada porém escreveu Seu pensamento chegounos pelas mãos de seguidores como Platão nas obras Diálogos e nos Memoráveis de Xenofonte Quanto a Platão suas idéias estão contidas nas obras República Leis e no Político Já a filosofia de Aristóteles está contida na Ética de Nicômaco na Política e noutros escritos O terceiro grupo os póssocráticos tem como pilares a filosofia 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3742 estóica capitaneada por Zenão de Cipre e a filosofia epicurista liderada por Epicuro de Samos 24 Apenas para dimensionar as lacunas na pesquisa e compreensão dessa cultura tenhase que os parcos conhecimentos obtidos não permitem sequer o reconhecimento e a denominação de personagens como os primeiros reis cretenses de sorte que o termo Minos que se lhes aplica equivaleria a uma espécie de título social ou ao nome de uma dinastia 25 Desde sempre os mitos exerceram capital importância na formação das variadas culturas humanas Todos os povos em todos os tempos e lugares se reconhecem nas metáforas que criam para explicaremse e ao mundo que os encerra O enorme poderio dos cretenses fora fabulosamente narrado no mito do Minotauro Muito provavelmente vinculase esse relato à dominação imperialista exercida pelos cretenses sobre os demais habitantes da península no período minóico Conta o mito que havia em Creta um monstro metade homem e metade touro que habitava um labirinto de onde ninguém jamais conseguira escapar e a quem se ofertavam jovens em sacrifícios Segundo a narrativa o Minotauro fora derrotado pelo herói ateniense Teseu auxiliado por Ariadne filha do rei de Creta quem lhe dera um novelo de lã para demarcar o itinerário percorrido dentro do labirinto e com isso dele pudesse retornar Notese que a mitologia grega é riquíssima em imagens sociais e representações psíquicas ainda vívidas na cultura e no imaginário contemporâneo A título de exemplo para explicar a origem do cosmos no relato de Nix e Èrebro e do homem no mito do titã Prometeu que roubara o fogo do Olimpo para transformar criaturas irracionais em homens inventaram um universo de mitos povoados de deuses semideuses oráculos crenças e cultos 26 Os conflitos existentes entre gregos e troianos marcaram de tal modo a vida cultural daquele povo que fora objeto da principal obra poética grega atribuída a Homero a Ilíada do grego Ilion Tróia Conta essa obra que três deusas do Olimpo disputavam a conquista do título da mais fulgurante beleza Afrodite deusa do amor Atena deusa da sabedoria e Hera esposa de Zeus principal deus grego A disputa tinha como juiz um jovem mortal da cidade de Tróia Páris Para seduzir corromper o príncipejuiz cada qual prometeralhe benefícios a primeira lhe daria a mulher mais bela do mundo a segunda tornarlheia o homem mais sábio entre todos a terceira iria fazêlo um rei Colocado diante do dilema a escolha entre o amor a inteligência ou o poder Páris optou pelo amor elegendo e raptando a mais bela mulher Helena que entretanto era casada com Menelau rei de Esparta Para rever a belíssima esposa real os espartanos iniciaram a famosa guerra Outra importante obra do período antigo é a Odisséia de Odisseus Ulisses que narra o desfecho do conflito nela o relato da famosa estratégia do cavalo de Tróia e o trajeto da longa viagem de retorno do herói Ulisses a Ítaca sua terra natal Importa frisar que embora freqüentemente utilizados pela historiografia os poemas Ilíada e Odisséia surgidos no século VIII são segundo o historiador Paul Petit o resultado de um aglomerado de crenças 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3842 valores e visões de variados povos aqueus mesopotâmicos fenícios que fora em um certo momento coligido não se tratando pois de uma obra primitiva mas do resultado de uma organização motivada por interesses vários inclusive não expansionistas que pretendiamdesencorajar a expansão grega para o ocidente razão bastante para neles inserir o relato das trágicas aventuras de Ulisses nas proximidades da Sicília e da Itália Meridional Ademais o fantástico o culto ao herói e as imprecisões que marcam esses poemas decorrem do fato de trataremse de obras de natureza literária o que obviamente não lhes retira o mérito histórico Aliás como adverte Petit 197950 os gregos até o fim de sua história admitiram serem os poemas homéricos de certa forma o seu patrimônio comum o magnífico testemunho de sua unidade fundamental 27 As circunstâncias sócioeconômicas sugerem que a origem da pólis estaria ligada à disputas internas localizadas no seio da organização gentílica notadamente pela posse de melhores terras além dos constantes conflitos intertribais o que requerera a centralização políticoadministrativa Assim para se protegerem as gens teriamse associado às fratrias de cujo conjunto formaramse as tribos das quais se originaria um aglomerado urbano mais complexo a cidadeEstado Uma vez constituída cada cidade representava uma ampla unidade social religiosa moral jurídicopolítica e econômica 28 PETIT 1979 p 43 29 Afirma na Política que no Estado a virtude objetivada é a justiça que numa comunidade significa tratamento com igualdade para todos os que se igualam e que a busca do justo é a busca do meiotermo pois a lei é o meio termo ARISTÓTELES Política p 234 247 30 ARISTÓTELES Tratado de política Lisboa p 7995 31 Esse efeito eqüitativo produzido pela objetivação do direito rejeitandose o direito ditado pelos deuses ou imposto pelo costume de uma só classe social fora igualmente produzido no século V na Roma republicana mediante a edição da Lei das XII Tábuas compilação destinada a aplacar os ânimos revoltosos dos plebeus em face do direito da nobreza patrícia Quanto aos efeitos da implantação do direito escrito entre os gregos não prevalece consenso entre os historiadores Para alguns as reformas legislativas serviram para aumentar o controle político exercido pelos dirigentes da pólis sobre o grosso dos habitantes para outros aumentaram a participação popular na condução da vida pública De qualquer modo as circunstâncias indicam que as primeiras leis editadas tinham natureza eminentemente aristocrática Apenas posteriormente a partir de Sólon é que viriam adquirir caráter democrático deixando revelar a contínua passagem da autonomia da vida privad como por exemplo a prática da autotutela para a heteronomia típica da vida política ocasião em que a prestação da justiça a jurisdicção tornouse incumbência estatal e os cidadãos viramse coagidos a participar da vida coletiva 32 ARISTÓTELES A Constituição de Atenas p 258 Importa destacar que em Atenas o direito processual evoluiu substantivamente Segundo relata 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 3942 Aristóteles na obra aqui referenciada os atenienses buscavam o juízo eqüitativo de árbitros cujas decisões eram passíveis de apelo bem ainda conheciam singela distinção entre ações públicas graphé e ações privadas diké 33 ARISTÓTELES A Constituição de Atenas p 261 34 Ibidem p 259 35 O regime da tirania não é exclusividade de Atenas Governos tirânicos foram amplamente praticados no mundo grego antigo Importa destacar a respeito que diversamente do que hoje se pensa as tiranias gregas embora exercidas pela força e constituídas de forma ilegítima nem sempre eram alvo de reprovação popular do grosso da sociedade Isso se explica pelo fato de que as tiranias eram gestadas no torvelinho das variadas necessidades populares Em geral tais governos constituíamse em épocas de crise quando muitas lideranças despontavam como figuras messiânicas capazes de ofertar saídas aos impasses vividos Uma vez no poder e quando dotados de habilidade política os tiranos cuidavam de realizar grandes ações e importantes obras destinadas à manutenção do próprio regime Para tanto instalavam amigos e clientes em lugares e instituições estratégicas assembléias tribunais conselhos exerciam forte controle político ideológico sobre o povo perseguiam tenazmente os opositores do governo inclusive mediante o confisco de propriedades e a condenação ao exílio ou mesmo à execução em resposta ao anseio popular promoviam certa equalização social apoderavamse ainda dos rituais sagrados e das festividades populares festas dedicadas a Dionísio a Atená etc com vistas a exercerem o controle das representações mentais dos sujeitos e a mantê los placidamente divertidos Na Grécia antiga citamse sem prejuízo de outras as conhecidas tiranias de Trasíbulo em Mileto de Polícrates em Samos e de Psístrato em Atenas este entre os séculos 545527 aC cujo governo nas palavras de Aristóteles na Constituição de Atenas se desenvolvera muito mais com moderação e constitucionalismo do que com tirania 36 O ostracismo era sanção política votada em assembléia que objetivava impor a penalidade de exílio ao cidadão suspeito de conspirar contra o adequado funcionamento das instituições democráticas A pena tinha duração de dez anos e era determinada após sufrágio feito em pedaços de cerâmica chamados ostrakon donde ostracismo nosquais se escrevia o nome dos cidadãos a serem condenados por delitos como corrupção ilegalidade deserção militar conspiração contra a segurança da cidade e também furto de bens públicos Tais delitos tinham natureza de delitos públicos porquanto representavam ameaça à ordem democrática à vida da polis Não é demais anotar que os gregos davam enorme importância à vida pública ao cumprimento das normas ditadas pela participação coletiva Para eles desacatar as leis as instituições da polis equivalia a desobedecer aos deuses da cidade conduta que atraía inclusive sanções capitais como o exílio ou a morte Ilustra o vigor desse elemento cultural sobre a vida jurídica a famosa 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 4042 condenação de Sócrates sentenciado a beber cicuta sob a acusação de perversão das leis da cidade e da juventude Nesse evento diante do impasse entre salvarse fugindo à condenação ou enfrentar o vaticínio fatal o filósofo prefere a morte a desobedecer à lei ditada pela cidade No relato de Platão precisamente no diálogo travado com Hípias afirmou o filósofo refletindo sobre o rigor das leis que o condenaram que era preciso que homens bons cumprissem leis más para que homens maus respeitassem leis sábias 37 A isonomia vocábulo composto de dois radicais gregos do prefixo iso igual semelhante acrescido do substantivo nomos lei consistia na equalização das condições de participação na vida política Note que a raiz desse princípio deve ser buscada na organização econômicosocial do período para comparecer às discussões públicas muitos cidadãos precisavam ausentarse de seus afazeres cotidianos de modo que aqueles que não dispunham de mãodeobra escrava ou tinhamna insuficientemente optavam para não recolherem prejuízos pela ausência aos debates evitando também a assunção de cargos públicos Péricles visando a resolver tal desequilíbrio instituíra certa remuneração chamada mistoforia destinada a recompensar o exercício de certos cargos públicos Aqui se impõe tecer singela observação tendo várias vezes reportado à participatividade político social releva frisar que a tão decantada democracia ateniense tinha limites impostos pela cultura de então Assim do total de 400 mil habitantes da Ática apenas 40 mil fruíam do status de cidadãos e desses somente 5 ou 6 mil portanto uma minoria tomavam parte dos debates na Eclésia Assim era comum que o grosso da população ou seja os habitantes do interior e litoral e os ricos não comparecesse à assembléia Ausentavamse no primeiro caso motivados por dificuldades econômicas e de transporte no segundo por certo sentimento de orgulho e vaidade diante da possibilidade de se misturarem ao povo Afora isso o regime democrático ainda excluía de seus benefícios os metecos estrangeiros em cerca de 70 mil pessoas os escravos em população aproximada de 200 mil servos além de mulheres e crianças Como se vê tratase de equívoca idealização crer que a democracia grega funcionava como um festival popular alicerçado na ampla opinião de todos sobre tudo que envolvia a vida cotidiana Na verdade além de se manter às custas do imperialismo econômico da extensa carga tributária inclusive mediante contribuições compulsórias incidentes sobre cidadãos abastados eisphora e não raro da belicosidade a democracia direta prevalecera justamente e paradoxalmente em função de seu caráter restritivo lastreado em critérios econômicos culturais etários e de gênero 38 A retórica era o ensino artificioso do bem falar era a arte da argumentação e da persuasão ministrada pelos sofistas a quem Sócrates tanto criticara qualificandoos de mercadores da palavra e ilusionistas porquanto desapegados das autênticas questões filosóficas porém atentos aos lucros advindos do ensino da argumentação Notese que os debates públicos travados na Eclésia situados na agora justificam o costumeiro apreço 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 4142 social pela retórica saber tornado instrumento de êxito na vida pública tornandose por vezes pedra de apoio de políticos demagógicos e oportunistas Ademais não se pode olvidar a importantíssima função da retórica na experiência jurídica grega uma vez que tanto o regime processual quanto o jurisdicional dos gregos era conduzido por leigos por cidadãos comuns Os tribunais compunhamse de juízes leigos os heliastas indicados porsorteio e as ações propostas eram conduzidas pelos próprios litigantes quase sempre auxiliados por retóricos hábeis e experientes os quais produziam postulações defesas e discursos a serem apresentados pelas partes nos tribunais ou assembléias 39Os gregos produziram regras de direito material e processual com nítida precedência do segundo sobre o primeiro Ou seja ao que parece antes de escrever ou de inscrever o direito em leis escritas habilitaramse os gregos nos instrumentos de resolução de conflitos regras de julgamento ou direito processual mediante a aplicação do direito vivido Ademais criaram um direito político processo legislativo processo jurisdicional direitos e deveres públicos um direito mercantil por força do colonialismo e típico da ágora da praça pública e um direito privado doméstico peculiar à oikos regras de casamento sucessão adoção divórcio etc Quanto às competências dos tribunais a justiça penal era aplicada pelo Areópago a civil pela Heliae A discussão de questões que envolvessem interesses da cidadeEstado competiam à Bulé e à Eclésia Em face dos conhecidos riscos de corrupção nos julgamentos os gregos visando a evitálos e a qualquer outro ardil faziam a cada julgamento um novo sorteio entre os membros do tribunal de sorte que algumas centenas deles eram habilitados a apreciar a lide As sessões para julgamento chamavamse dikasterias e os julgadores eram denominados diskastas Nos julgamentos funcionava um magistrado que presidia os atos processuais porém sem neles intervir Ali cada parte apresentava o seu esforço persuasivo sua argumentação diretamente ao imenso tribunal cujos membros votavam ao final das exposições Como alhures se referiu porque não se conhecia a figura de intermediários ou de advogados nos tribunais a parte amparavase em peças processuais textos e discursos produzidos por retóricos e entendidos das leis os locógrafos mercadores de discursos forenses Autor Jairo Coelho Moraes Advogado mestre em Direito Administrativo pela UFMG professor de Processo Civil e História do Direito da PUC Minas 21082020 O fenômeno jurídico na antiguidade Juscombr Jus Navigandi httpsjuscombrimprimir18805ofenomenojuridiconaantiguidade 4242 Informações sobre o texto Como citar este texto NBR 60232018 ABNT MORAES Jairo Coelho O fenômeno jurídico na antiguidade Revista Jus Navigandi ISSN 15184862 Teresina ano 16 n 2828 30 mar 2011 Disponível em httpsjuscombrartigos18805 Acesso em 21 ago 2020