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Antônio Carlos Wolkmer HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL REVISTA E ATUALIZADA EDITORA FORENSE 3ª edição HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL ANTONIO CARLOS WOLKMER Professor titular de História das Instituições Jurídicas da UFSC Professor nos Cursos de Graduação e Pósgraduação em Direito da UFSC Doutor em Direito Mestre em Ciência Política Pesquisador do CNPq HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL 3ª edição Revista e atualizada Rio de Janeiro 2003 1ª edição 1998 2ª edição 1999 2ª edição 2000 2ª tiragem 3ª edição 2002 3ª edição 2003 2ª tiragem Copyright Antonio Carlos Wolkmer CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ W843h Wolkmer Antonio Carlos 1952 História do direito no Brasil Antonio Carlos Wolkmer Rio de Janeiro Forense 2003 Inclui bibliografia ISBN 8530916352 1 Direito Brasil História I Título 980936 CDU 3481 091 O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação sem prejuízo da indenização cabível art 102 da Lei nº 9610 de 19021998 Quem vender expuser à venda ocultar adquirir distribuir tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude com a finalidade de vender obter ganho vantagem proveito lucro direto ou indireto para si ou para outrem será solidariamente responsável com o contratador nos termos dos artigos precedentes respondendo como contratadores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior art 104 da Lei nº 961098 A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição aí compreendidas a impressão e a apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseálo e lêlo Os vícios relacionados à atualização da obra aos conceitos doutrinários às concepções ideológicas e referências indevidas são de responsabilidade do autor eou atualizador As reclamações devem ser feitas até noventa dias a partir da compra e venda com nota fiscal interpretação do art 26 da Lei n 8078 de 11091990 Reservados os direitos de propriedade desta edição pela COMPANHIA EDITORA FORENSE Endereço na Internet httpwwwforensecombr email forenseforensecombr Av Erasmo Braga 299 1 2 e 7 andares 20020000 Rio de Janeiro RJ Tel 0XX21 25335537 Fax 0XX21 25334752 Impresso no Brasil Printed in Brazil Para STEFAN GABRIELE História do Direito só alcança real significado enquanto interpretação críticodialética da formação e da evolução das fontes idéias norteadoras formas técnicas e instituições jurídicas primando pela transformação presente do conteúdo legal instituído e buscando nova compreensão historicista do Direito num sentido social e humanizador SUMÁRIO Abreviaturas e Siglas Usadas XI Introdução 1 Capítulo I PARADIGMAS HISTORIOGRAFIA CRÍTICA E DIREITO MODERNO11 11 Questões Paradigmáticas para Repensar a História 11 12 Historiografia Jurídica Tradicional Natureza e Função 14 13 Novos Marcos na Historicidade do Direito 17 14 Pressupostos da Modernidade Jurídica Burguesa Idéias e Instituições 24 Capítulo II O DIREITO NA ÉPOCA DO BRASIL COLONIAL 35 21 Primórdios da Estrutura PolíticoEconômica Brasileira 35 22 A Legislação Colonizadora e o Direito Nativo 45 23 Os Operadores Jurídicos e a Administração da Justiça Capítulo III ESTADO ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 73 31 O Liberalismo Pátrio Natureza e Especificidade 74 32 O Liberalismo e a Cultura Jurídica no Século XIX 79 33 Magistrados e Judiciário no Tempo do Império 90 34 O Perfil Ideológico dos Atores Jurídicos o Bacharelismo Liberal 98 Capítulo IV HORIZONTES IDEOLÓGICOS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA 105 41 Trajetória SócioPolítica do Direito Público 105 42 As Instituições Privadas e a Tradição Jurídica Individualista 116 43 Historicidade e Natureza do Pensamento Jusfilosófico Nacional 125 Considerações Finais 143 Bibliografia 147 Índice Onomástico 159 Índice de Assuntos 165 Sobre o Autor 169 ABREVIATURAS E SIGLAS USADAS abr abril bib biblioteca cf conferir Cia companhia CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico coord coordenador depto departamento dir diretor ed edição Ed Editora ESAF Escola de Administração Fazendária ESAG Fundação de Estudos Superiores de Administração e Gerência IBEJ Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos IBF Instituto Brasileiro de Filosofia IDA Instituto de Direito Alternativo IFIL Instituto de Filosofia da Libertação INL Instituto Nacional do Livro jun junho mar março n número op cit Opus citatum org organizador out outubro p página Pe Padre PR Paraná PUC Pontífica Universidade Católica RS Rio Grande do Sul SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SC Santa Catarina sd sem data t tomo UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UnB Universidade Nacional de Brasília UNESP Universidade Estadual Paulista UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Unisinos Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina UNOESC Universidade do Oeste de Santa Catarina URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões USP Universidade de São Paulo v volume INTRODUÇÃO É inegável o significado da retomada dos estudos históricos no âmbito do Direito principalmente quando se tem em conta a necessidade de repensar e reordenar uma tradição normativa objetivando depurar criticamente determinadas práticas sociais fontes fundamentais e experiências culturais pretéritas que poderão no presente viabilizar o cenário para um processo de conscientização e emancipação Naturalmente esta preocupação distanciase de uma historicidade jurídica estruturada na tradição teóricoempírica construída pela força da autoridade da continuidade da acumulação da previsibilidade e do formalismo A obtenção de nova leitura histórica do fenômeno jurídico enquanto expressão cultural de idéias pensamento e instituições implica a reinteração das fontes do passado sob o viés da interdisciplinaridade social econômico e político e da reordenação metodológica em que o Direito seja descrito sob uma perspectiva desmitificadora Para atingir esta condição históricocrítica sobre determinado tipo de sociedade e suas instituições jurídicas impõese obrigatoriamente visualizar o Direito como reflexo de uma estrutura pulverizada não só por certo modo de produção da riqueza e por relações de forças societárias mas sobretudo por suas representações ideológicas práticas discursivas hegemônicas manifestações organizadas de poder e conflitos entre múltiplos atores sociais1 Assim participase da preocupação constantemente evidenciada por alguns juristas que questionam o conhecimento dogmático e estimulam uma visualização mais sócio política da historicidade jurídica2 Aceitar a politização das idéias e das instituições jurídicas significa superar todo e qualquer viés metodológico representado pelo historicismo legal de cunho formalista erudito e elitista Por conseguinte nessa renovação crítica da historicidade jurídica engendrada e articulada na dialética da vida produtiva e das relações sociais tornase imperioso explicitar a real apreensão do que possam significar as formas simbólicas de instituições jurídicas cultura jurídica e História do Direito num contexto interpretativo críticoideológico Nessa perspectiva partese da premissa de que as instituições jurídicas têm reproduzido ideologicamente em cada época e em cada lugar fragmentos parcelados montagens e representações míticas que revelam a retórica normativa o senso comum 1 WOLKMER Antonio C Fundamentos de História do Direito Belo Horizonte Del Rey 1996 p 7 2 Vide neste sentido CORRADINI Domenico Historicismo y Politicidad del Derecho Madrid Editoriales de Derecho Reunidas 1982 SCHIAVONE Aldo Historiografía y Crítica del Derecho Madrid Editoriales de Derecho Reunidas 1982 HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Lisboa Livros Horizontes sd Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia SI Publicações EuropaAmérica 1997 T ARELLO Giovanni Cultura Jurídica y Política del Derecho México Fondo de Cultura Económica 1995 BERMAN Harold J La Formación de la Tradición Jurídica de Occidente México Fondo de Cultura Económica 1996 BRETONE Mario Derecho y Tiempo en la Tradición Europea México Fondo de Cultura Económica 1999 legislativo e o ritualismo dos procedimentos judiciais Tal condição se aproxima de uma primeira noção de instituição jurídica projetada como estrutura normativa sistematizada e permanente atuando e coordenando determinados núcleos de ação que têm funções específicas controle social sanção administração política e financeira ordem familiar satisfação das necessidades comunitárias operadores profissionais juiz advogado defensor público e órgãos de decisão tribunais de justiça Justificase deste modo a importância da presente incursão teórica sobre alguns momentos do processo históricoevolutivo de nossa cultura jurídica porquanto o enfoque não recairá num historicismo meramente linear assentado numa dinâmica regular do tradicional para o moderno ou do religioso para o secularizado3 mas temse a preocupação de contemplar uma historicidade marcada por crises rupturas avanços e recuos bem como pela convivência de contradições desigualdades e conflitos dentro de um espaço capitalista neocolonial dependente e periférico Ademais a proposta temática ao repensar as idéias as formas oficializadas de pensamento e as instituições jurídicas nacionais não só problematiza o Direito como fenômeno sóciocultural mas sobretudo redimensiona o conceito de cultura4 sob a luz de uma contextualização críticoideológica Deixando de lado a concepção elitista de cultura associada à acumulação de conhecimentos à uniformidade de padrões transmitidos e à racionalidade individualista buscase introduzir a noção de cultura à práxis humana e às manifestações intelectivas da consciência criadora de um povo Podese com efeito particularizar uma certa prática de cultura atribuindo maior significado à cultura popular ou à erudita à cultura das classes subalternas ou das classes dominantes Reconhecendo uma circularidade de influências recíprocas entre os dois níveis Carlo Ginzburg assinala que a expressão cultura pode definir o conjunto de atitudes crenças códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo período histórico 5 3 BOSI Alfredo Prefácio In MOTA Carlos Guilherme Ideologia da Cultura Brasileira 193319744 ed São Paulo Ática 1978 4 Recordando algumas formulações convencionais de cultura cumpre assinalar que esta pode expressar a a totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo JAEGER Werner Paidea A Formação do Homem Grego São Paulo Martins Fontes 1979 p 7 b o conjunto de tudo aquilo que nos planos material e espiritual o homem constrói sobre a base da natureza quer para modificála quer para modificarse a si mesmo REALE Miguel Lições Preliminares de Direito 11 ed São Paulo Saraiva 1984 p 2526 c cultura é o conjunto das práticas das técnicas dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social BOSI Alfredo Dialética da Colonização São Paulo Companhia das Letras 1992p 16 Para uma maior precisão consultar ainda MALINOWSKI Bronislaw Uma Teoria Científica da Cultura 3 ed Rio de Janeiro Zahar 1975 GEERTZ Clifford A Interpretação das Culturas Rio de Janeiro Zahar 1978 5 GINSBURG Carlo O Queijo e os Vermes São Paulo Companhia das Letras 1987 p 1617 Com essa preocupação aparece aqui a opção comprometida do juristahistoriador por uma narrativa calcada na compreensão de cultura como instrumental de significações capaz de sublinhar a historicidade das contradições entre alienaçãodependênciaexploração e libertação emancipação quer no que se refere aos indivíduos quer no que se refere às instituições sociais Daí se depreende igualmente a significação de cultura jurídica como as representações padronizadas da ilegalidade na produção das idéias no comportamento prático e nas instituições de decisão judicial transmitidas e internalizadas no âmbito de determinada formação social Uma vez explicitado o marco teórico e o tipo de História do Direito almejado sua interação com instituições e cultura assinalase agora o espaço para uma preocupação didáticopedagógica Cabe referir de forma convencional a questão do conceito da natureza dos objetivos da área de investigação e a revisão da literatura no âmbito nacional Podese conceituar a História do Direito como a parte da História geral que examina o Direito como fenômeno sóciocultural inserido num contexto fático produzido dialeticamente pela interação humana através dos tempos e materializado evolutivamente por fontes históricas documentos jurídicos agentes operantes e instituições legais reguladoras A natureza da História do Direito é marcada por uma distinção clássica entre história externa e história interna A primeira trata do exame formal dos acontecimentos políticosociais que engendram e influenciam as fontes clássicas do Direito documentos legislação costumes jurisprudência A segunda é um estudo material da vida dos institutos e das instituições públicas e privadas família propriedade evolução do contrato desenvolvimento das corporações etc Quanto aos objetivos da História do Direito o intento é fazer compreender como é que o Direito atual se formou e se desenvolveu bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos6 Igualmente a meta é o exame crítico das legislações passadas com o fim de expor as suas sucessivas transformações salientando os modos por que estas se verificaram de acordo com as mudanças da consciência das condições e necessidades sociais7 Em suma a finalidade essencial da História do Direito é a interpretação crítico dialética da formação e da evolução das fontes idéias norteadoras formas técnicas e instituições jurídicas primando pela transformação presente do conteúdo legal instituído e buscando nova compreensão historicista do Direito num sentido social e humanizador 6 GILISSEN John Introdução Histórica ao Direito Lisboa Calouste Gulbenkian 1988 p 13 7 TRIPOLI César História do Direito Brasileiro Época Colonial vol I São Paulo Revista dos Tribunais 1936 p 12 A tradição da literatura sobre o desenvolvimento da História do Direito no Brasil no que se refere às suas fontes e à sua produção tem sido discreta e pouco satisfatória Em grande parte trata de uma historiografia que cobre do período colonial ao Império estudos descritivos e pouco sistemáticos marcados por um enfoque tradicional e algumas vezes erudito mas sem uma contextualização crítica maior Talvez isso possa ser o sintoma direto de que a disciplina História do Direito nunca foi correta nem devidamente considerada desde a criação dos primeiros cursos jurídicos em 1827 Na verdade foi somente com a Reforma Benjamin Constant em 1891 responsável pela reorganização das faculdades de Direito que se implantou a cadeira de História do Direito Nacional Contudo a pobreza de pesquisas nesta área e a falta de maior interesse na produção bibliográfica relegaram quase ao esquecimento a disciplina História do Direito Brasileiro nos programas do ensino jurídico das inúmeras faculdades do país ao longo da República8 Uma breve revisão da literatura mostra que a primeira obra de importância foi a História do Direito Nacional 1895 escrita por José Isidoro Martins Júnior um dos principais integrantes da Escola do Recife Tratase de trabalho pioneiro que abarca de forma sucinta mas ordenada a evolução do Direito do período colonial até a Independência Ao par dessa referência necessário é recordar que em 1927 a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em comemoração ao centenário da fundação dos cursos jurídicos no país promoveu a organização de um livro jubilar aglutinando diversos textos sobre a História do Direito Brasileiro Contudo obra singular pela clareza e sistematização foi a História do Direito Brasileiro de César Tripoli compreendendo no primeiro volume a época colonial editado em 1936 e no segundo tomo parte do Império edição de 1947 A morte do jurista inviabilizou avanço maior de seu inventário do Direito Nacional Talvez a pesquisa mais minuciosa e abrangente sobre nossas fontes legais cobrindo os séculos XVI XVII e XVIII esteja registrada nos quatro volumes da História do Direito no Brasil publicada nos anos 50 de autoria de Waldemar Ferreira De outra parte não pode ser esquecido o trabalho de Haroldo Valladão História do Direito Especialmente do Direito Brasileiro caracterizado como exposição um tanto desordenada e acrítica apesar da riqueza de informações e da grande erudição Por fim merecem ainda registro as didáticas Lições de História do Direito de Walter Vieira do Nascimento que reservam seus quatro últimos capítulos ao Direito Brasileiro bem como as descritivas e panorâmicas História Resumida do Direito Brasileiro de Nilton Duarte Segurado e Direito em História de Ronaldo Leite Pedrosa 8 Cf TRIPOLI César Op cit p 1619 De todas merece destaque pela erudição e pela qualidade da proposta a obra do Prof José Reinaldo de Lima Lopes O Direito na História Lições Introdutórias9 Isso consignado e sem esgotar todas as obras que foram escritas sobre o assunto cabe uma vez mais chamar a atenção para a especificidade deste livro como introdução sócio política de alguns momentos da História do Direito no Brasil Tratase de uma perspectiva que busca destacar e entrelaçar a produção cultural de idéias procedimentos e instituições como processo dialético de avanços rupturas e superações Fazse assim a leitura sob um viés históricocrítico que compreende como diz Octávio Ianni um questionamento do real a partir dos movimentos desse real um modo de vêlo no âmbito das diversidades e desigualdades que fundam as suas contradições Assim descortina um horizonte diferente por meio do qual se pode deslindar o caleidoscópio em que se mesclam e distinguem o passado e o presente10 Essas asserções conduzem à imediata explicação dos principais objetivos deste livro que se direcionam no sentido de reinventar brevemente a trajetória da historicidade jurídica nacional quer apontando seus mitos falácias e contradições quer evidenciando seu perfil e sua natureza ideológica Tais constatações refletem a especificidade de uma tradição legal profundamente comprometida com uma formação social elitista agráriomercantil antidemocrática e formalista Mais claramente nos objetivos procurase demonstrar que a transposição e a adequação do direito escrito europeu para a estrutura colonial brasileira acabou obstruindo o reconhecimento e a incorporação de práticas legais nativas consuetudinárias resultando na imposição de um certo tipo de cultura jurídica que reproduziria a estranha e contraditória convivência de procedimentos burocrático patrimonialistas com a retórica do formalismo liberal e individualista A dinâmica dessa junção eclodiu nos horizontes ideológicos de uma tradição legal seja no âmbito das idéias 9 Para comprovação consultar MARTINS JÚNIOR José Isidoro História do Direito Nacional 3 ed Brasília Depto de Imprensa Nacional 1979 TRIPOLI César Op cit FERREIRA Waldemar História do Direito Brasileiro 2 ed São Paulo Max Limonad 1962 VALLADÃO Haroldo História do Direito Especialmente do Direito Brasileiro 4 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1980 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de História do Direito 3 ed Rio de Janeiro Forense 1984 SEGURADO Milton Duarte História Resumida do Direito Brasileiro Rio de Janeiro Ed Rio 1982 PEDROSA Ronaldo Leite Direito em História 3 ed Nova Friburgo Imagem Virtual 2000 LOPES José Reinaldo de Lima O Direito na História Lições Preliminares São Paulo Max Limonad 2000 Devemse registrar também obras panorâmicas de história das idéias e do pensamento jusfilosófico brasileiro como MACHADO NETO A L História das Idéias Jurídicas no Brasil São Paulo Grijalbo 1969 MENDES Antonio Celso Filosofia Jurídica no Brasil São Paulo Ibrasa Curitiba Ed Univ Champagnat 1992 Apontamse como significativas outras obras de cunho histórico que resgatam temas experiências ou instituições jurídicas particularmente VENANCIO FILHO Alberto Das Arcadas ao Bacharelismo São Paulo Perspectiva sd SALDANHA Nelson A Escola do Recife 2 ed São Paulo Convívio 1985 ADORNO Sergio Os Aprendizes do Poder Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 DUTRA Pedro Literatura Jurídica no Império Rio de Janeiro Topbooks 1992 10 IANNI Octávio A Idéia de Brasil Moderno São Paulo Brasiliense 1992 p 83 seja no âmbito das instituições marcada pelo que se irá designar como perfil liberal conservador Essa direção está delimitada particularmente em três momentos da produção jurídica nacional representados na vigência institucional do Direito Público no espaço conflitivo do Direito Privado oficial e no processo de constituição do pensamento jusfilosófico pátrio Nada mais natural que a obra recaia na opção por um procedimento metodológico históricocrítico sem descartar aproximações interdisciplinares pois além de envolver a discussão sobre uma totalidade específica e regionalizada pulverizada por conflitos sócio políticos contradições estruturais e mitificações institucionalizadas busca instituir igualmente um quadro cultural de reordenação do Direito no conjunto das práticas sociais que o determinam Por fim assinalase que a sistematização da obra compreenderá quatro etapas intrinsecamente amarradas na lógica seqüencial do tempo e do espaço Iniciase o primeiro capítulo com a problematização das relações entre a História e o Direito procurando descrever a natureza e a função da historiografia tradicional bem como a questão das mudanças sociais a crise dos paradigmas e os novos marcos teóricometodológicos que possibilitam repensar e alcançar outra historicidade das idéias e das instituições no Direito No segundo capítulo adentrase pela singularidade do sistema institucional brasileiro durante o período da colonização demarcando não só seus traços estruturais mas sobretudo os primórdios de um Direito nativo desconsiderado pela Metrópole a imposição da legislação romanolusitana os primeiros operadores jurídicos e a administração da justiça representada pelo Tribunal da Relação e pelos magistrados portugueses O capítulo seguinte relata o processo histórico edificador da produção jurídica nacional a partir da independência do país em 1822 Tratase de precisar a relevância das fontes alienígenas na codificação do sistema legal brasileiro especialmente de que modo as diretrizes do liberalismo político e econômico foram difundidas adaptadas e exerceram influência na fundação das primeiras escolas de Direito Recife e São Paulo e na formação intelectual de uma elite burocrática composta por magistrados e por bacharéis profissionais estes preparados para os serviços da administração no governo e na vida pública Em suma no último momento da obra procurase descrever criticamente os parâmetros sóciopolíticos da produção jurídica nacional mediante três etapas históricas configuradas na retrospectiva institucional do Direito Público no espaço legal das instituições privadas e na problematização evolutiva do pensamento jurídico nacional Eis portanto os intentos desta investigação histórica não tem a pretensão de traduzir uma história geral e completa tampouco uma tese acadêmica rigorosamente neutra sistemática e científica mas uma breve introdução históricocrítica acerca de determinados momentos do Direito pátrio Enfim nos marcos de certos limites e possibilidades contextualizase por meio de uma interpretação críticodesmitificadora de teor sóciopolítico a releitura e a revisão de nossa cultura jurídica tradicional apontando para a construção de nova historicidade no Direito Capítulo I PARADIGMAS HISTORIOGRAFIA CRÍTICA E DIREITO MODERNO 11 Questões paradigmáticas para repensar a História Examinar e problematizar as relações entre a História e o Direito revestese hoje da maior importância principalmente quando se tem em conta a percepção da normatividade extraída de um determinado contexto histórico definido como experiência pretérita que conscientiza e liberta o presente Naturalmente tal preocupação dissociase de uma historicidade do jurídico marcada por toda uma tradição teóricoempírica assentada em proposições revestidas pela força da continuidade da previsibilidade do formalismo e da linearidade Mas para alcançar nova leitura histórica do fenômeno jurídico enquanto expressão de idéias pensamento e instituições é necessário apurar a distinção das especificidades inerentes a cada campo científico do que seja História do que seja Direito bem como o sentido e a função de uma interpretação que se reveste do viés tradicional ou crítico Antes de tratar de questões relativas à vinculação mais direta da historiografia historicidade e história ao Direito passamos a considerar a História como área de investigação com autonomia e características próprias Neste sentido a História pode ser visualizada como a sucessão temporal dos atos humanos dinamicamente relacionados com a natureza e a sociedade1 A História expressa a complexa manifestação da experiência humana interagida no bojo de fatos acontecimentos e instituições O caráter mutável imperfeito e relativo da experiência humana permite proceder múltiplas interpretações dessa historicidade Daí a formulação ora de uma História oficial descritiva e personalizada do passado e que serve para justificar a totalidade do presente ora da elaboração de uma História subjacente diferenciada e problematizante que serve para modificarrecriar a realidade vigente A postura contrastante entre História tradicional e História alternativa é perfeitamente sentida por historiadores como Peter Burke identificados com a nova História Utilizando categorias advindas da filosofia da ciência Thomas Kuhn e da Escola dos Annales Peter Burke observa que a percepção da inconsistência do paradigma 1 Cf BESSELAAR José Van Den Introdução aos Estudos Históricos 3 ed São Paulo Herder 1970 p 29 CARR E H Que é História Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 VEYNE Paul Como se Escreve a HistóriaFoucault Revoluciona a História Brasília UnB 1982 LE GOFF Jacques História e Memória 3 ed Campinas Unicamp 1994 tradicional foi motivada por ampla variedade de mudanças que levaram à redefinição dos conceitos das fontes do método e da interpretação da História escrita2 A análise atenta leva o historiador inglês a indicar alguns pontos essenciais que distinguem a antiga da nova História Primeiramente há de se observar que a nova História começou a privilegiar toda a atividade humana desde os mínimos detalhes o trivial e o cotidiano Tal preocupação explica um relativismo cultural destruidor de tradicionais hegemonias temáticas que distinguem acontecimentos importantes e que merecem ser narrados e outros que devem ser postos de lado e esquecidos Agora tudo tem uma História3 Um segundo aspecto a considerar é que a nova História não se ocupa mais da narração de acontecimentos mas sobretudo das mudanças estruturais mormente no social e no econômico A terceira constatação é que a História convencional parte de uma perspectiva de cima ou seja tem destacado a obra dos grandes homens estadistas generais ou ocasionalmente eclesiásticos Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da história4 Tratase agora de recuperar a experiência histórica das bases das pessoas comuns e das mentalidades coletivas que aspiram por rupturas sociais Um quarto ponto que cabe sublinhar é a obrigatoriedade de redefinir as fontes ainda muito presas aos registros oficiais e aos documentos preservados em arquivos buscando outros tipos de evidências confiáveis Além da crítica que pode ser feita ao modelo tradicional de interpretação e explicação histórica Burke assevera por último a presunção do paradigma tradicional em se ater a uma suposta objetividade dos fatos que não existe pois a realidade é sempre visualizada através de representações preconceitos e estereótipos5 Essa distinção entre antiga e nova História introduzida por Peter Burke permite aprofundar a incursão no sentido de ter presente a inadequação de um modelo teórico tradicional e a consciência do rompimento estabelecendo com clareza que tipo de perspectiva histórica é radicalmente rejeitada e que espécie de historicidade se busca Não mais uma história de justificações do passado mas de transgressões e rupturas em relação ao presente Daí resulta o desafio apontado por José Honório Rodrigues quando interpreta a história da cultura e da sociedade brasileira ou seja a recuperação de outro tipo de historicidade comprometida com a transformação do mundo e com a salvação do próprio homem6 É a recusa de uma historicidade identificada com a verdade dominante oficial 2 Cf BURKE Peter org A Escrita da História Novas Perspectivas São Paulo UNESP 1993 p 1920 3 BURKE Peter Op cit p 11 4 BURKE Peter Op cit p 1213 5 Cf BURKE Peter Op cit p 1415 6 RODRIGUES José Honório Filosofia e História Rio de Janeiro Nova Fronteira 1981 p 29 arcaica e colonizada e a opção por uma História criadora e militante que combate pela renovação e pela transformação constante do mundo por sua melhoria sua paz sua justiça A História está indissoluvelmente ligada à consciência o que nos leva ou deve levar a agir de modo históricopolítico O passado não deve ser estudado como um objeto morto como uma ruína nem como uma fonte de autoridade mas como uma experiência apreendida e consolidada7 A partir de uma interpretação das raízes históricas de nosso passado José Honório Rodrigues utilizase da História como uma ciência instrumental que critica a realidade presente assumindo papel de subversão ao cenário de opressão manipulação e dependência Tenta demonstrar em seus estudos históricos a missão política do historiador que não pode ser de omissão e alheamento aos acontecimentos da realidade presente mas de um agente de motivação no sentido de contribuir para capacitar o povo a fazer sua própria história Esse engajamento do historiador implica também a reinterpretação das fontes do passado a redefinição da pesquisa historiográfica e a reordenação metodológica8 A mesma preocupação por uma História crítica e flexível é defendida por A Vivar Flores quando busca o marco de referência teórica para embasar uma proposta de libertação latinoamericana Até hoje fezse uma interpretação elitista da História impondose como aclama Leonardo Boff citado por A Vivar Flores a História dos que triunfaram dos que chegaram ao poder Não é a história dos vencidos dos humilhados e ofendidos Estes são esquecidos9 Há que se fazer uma releitura da História de nosso continente periférico processo este que implica recuperar a verdadeira história da América Latina feita pelo homem latino americano até agora silenciado pela história oficial sustentada pelos grupos de poder de dentro e de fora do território latinoamericano10 Esses subsídios oferecidos por cientistas sociais como P Burke J H Rodrigues e A V Flores possibilitamnos repensar o campo da História dentro de nova perspectiva metodológica bem como sua aproximação e interação com o fenômeno jurídico sob o viés crítico desmitificador 12 Historiografia jurídica tradicional natureza e função Na trajetória da cultura jurídica moderna há consenso de que áreas de investigação como História do Direito História das Instituições Jurídicas e História das Idéias ou do 7 RODRIGUES José Honório Op cit p 30 8 Cf RODRIGUES José Honório Op cit p 3132 9 FLORES Alberto Vivar Antropologia da libertação latinoamericana São Paulo Paulinas 1991 p 39 10 Ibidem 10 Ibidem Pensamento Jurídico estão todas identificadas ora com um saber formalista abstrato e erudito ora com uma verdade extraída de grandes textos legislativos interpretações exegéticas de magistrados formulações herméticas de jusfilósofos e institutos arcaicos e burocratizados Todavia essa longa tradição foi interrompida nas últimas duas décadas por um renovado interesse de natureza críticoideológica por questões metodológicas sobre a História do Direito Tal approach reflete também o esgotamento de certo tipo de historiografia jurídica embasada em valores liberalindividualistas Essa retomada do viés historicista acerca das idéias ou das instituições jurídicas busca superar a demasiada crise que se abateu sobre esse campo de pesquisa A pouca relevância da disciplina não se deve à falta de especialistas ou aficcionados mas muito mais em função de uma crise motivada por sua falta de significado e pela dificuldade de encontrar uma função que realmente justifique sua existência11 Na verdade uma análise mais atenta sobre as razões do exaurimento da História do Direito realça o fato de que a historiografia jurídica da modernidade constituída em grande parte por princípios e valores liberalburgueses desempenha no dizer de Antonio M Hespanha dois objetivos muito claros a primeiramente relativizar e conseqüentemente desvalorizar a ordem social e jurídica préburguesa apresentandoa como fundada na irracionalidade no preconceito e na injustiça b segundo realizar a apologia da luta da burguesia contra essa ordem ilegítima Ancien Régime e a favor da construção de um Direito e de uma sociedade naturais e harmônicos isto é libertos da arbitrariedade e historicidade anteriores12 Obviamente que a crítica burguesa empregada contra o antigo Direito e as organizações políticas feudais gerou efeitos e foi eficaz num primeiro momento histórico mas acabou perdendo significado com a edificação da ordem e da hegemonia liberal individualista Assim a missão da historiografia tornouse mecanismo de endeusamento da ordem jurídica política e social do modo de produção capitalista na medida em que o espaço institucionalizado passa a ser coberto por um universo ideológico apresentado como uma situação natural e independente do devir histórico13 Daí a historiografia jurídica presa aos textos legais e à exegese de seus corifeus orientarse rumo ora a um formalismo técnico dogmático ora a uma antiquada erudição da vida social 11 HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Lisboa Livros Horizontes sd p 09 Ver igualmente do mesmo autor Nova História e História do Direito In Vértice Coimbra v 46 n 470472 abrjun 1986 p 1733 Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime Colectânea de Textos Lisboa Calouste Gulbenkian 1984 12 Ibidem 13 HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Op cit p 11 Dessa forma como salienta o lúcido investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa alguns juristashistoriadores declinaram para uma narrativa conservadora e dogmática que visava a justificação da ordem social e jurídica vigente tentando provar que ela mergulhava na tradição no espírito nacional ou que resultava num paulatino progresso do espírito humano14 Tal postura negligenciava toda e qualquer explicitação do Direito por um processo dinâmico inserido no bojo de conflitos e tensões sociais Outra tendência dos operadores do legalismo no meio acadêmico era a desconsideração a uma historicidade das instituições que possibilitasse na formação dos juristas a prática de condutas eficazes e legitimamente identificadas com os problemas da sociedade Com isso favoreciase a oficialização de uma historiografia erudita e passadista que tendia a refugiarse nas épocas históricas mais remotas15 e em discussões meramente teóricoacadêmicas de cunho idealistaabstrato O surto do historicismo tradicional ocultandose no suposto mito da neutralidade do saber e da universalidade dos princípios da ciência positivista expressão da fase concorrencial do Capitalismo abnega o problema crítico do conhecimento histórico e ordenase por uma perspectiva linear estática e conservadora Forjase assim um conhecimento histórico elitista calcado na construção mútua da neutralidade da cultura e dos intelectuais transformados numa espécie de instância arbitral colocada acima dos conflitos de classe16 Na medida em que a historiografia tradicional liberalburguesa passa a ser mera disciplina de justificação da ordem legal imperante e da acumulação de conhecimentos para a chamada cultura superior sem fins úteis para com a realidade a História do Direito perde sua significação e entra em constante descrédito constituindose num campo do saber de pouca utilidade acabando seus pressupostos por sucumbir numa crise de eficácia As profundas mudanças epistemológicas nas ciências humanas os novos interesses a insurgência de conflitos sociais e as recentes transformações por que vêm passando as formas de vida contemporânea determinam uma renovação metodológica nos estudos históricos das instituições jurídicas e políticas Desta feita urge redefinir na historicidade da crise os novos marcos teóricos metodológicos que possibilitam alcançar novo paradigma envolvendo modalidades alternativas de interpretação pesquisa e investigação histórica Não mais uma historicidade 14 HESPANHA Antonio M História das Instituições Coimbra Almedina 1982 p 33 15 Ibidem 16 HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Op cit p 1213 linear elitista e acumulativa mas problematizante desmitificadora e transformadora Tendo em conta esse tipo de preocupação importa refletir um pouco mais a questão das mudanças sociais a crise dos paradigmas e os novos referenciais para repensar a historicidade das idéias e das instituições no Direito 13 Novos marcos na historicidade do direito A renovação crítica na historiografia do Direito no âmbito de suas fontes históricas suas idéias e de suas instituições começa a aparecer em fins dos anos 60 e ao longo da década de 7017 Tratase de substituir os modelos teóricos construídos de forma abstrata e dogmatizada por investigações históricas engendradas na dialética da produção e das relações sociais concretas Sendo assim há de se apontar que tipo de influências do pensamento filosófico e da teoria social contribuiu para repensar quer a compreensão historicista do universo jurídico quer o desenvolvimento crítico da historiografia do Direito Scm aterse a uma descrição pormenorizada e exaustiva cabe assinalar cinco eventos epislemológicos que exerceram e ainda exercem significativa influência como marco de referência aos novos estudos históricos do Direito na América Latina A título exemplificativo começase com o registro dos três primeiros eventos também já mencionados pelo juristahistoriador Antonio M Hespanha 1 O primeiro deles é a emergência principalmente na Europa Ocidental no final da década de 60 de uma corrente progressista de cunho neomarxista que desencadeou profundas mudanças na teoria social em geral A este propósito Antonio M Hespanha escreve que a renovação dos estudos marxistas possibilitada politicamente pelo fim da guerra fria consistiu na revaloração dos próprios textos clássicos e na descoberta das potencialidades teóricas da interpretação gramsciana do marxismo mérito de G Della Volpe e de L Althusser e suas escolas18 A retomada dos escritos de A Gramsci propiciava o deslocamento do dogmatismo e do mecanicismo leninista para uma política cultural mais flexível e aberta à autocrítica Já Louis Althusser parte da desconstrução estruturalista e economicista para lançar as bases epistemológicas de uma ciência pura do marxismo O aumento do debate sobre a teoria marxista bem como o amplo alcance de uma revisão necessária de seus cânones coincidiu com a explosão do movimento de 68 cuja 17 Cf HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Op cit p 1415 Nova História e História do Direito p 21 e segs 18 HESPANHA Antonio A História do Direito na História Social Op cit p 1415 Nova História e História do Direito p 22 manifestação mais intensa foi o movimento estudantil de Maio de 68 que imbuído por uma estratégia antiimperialista e anticapitalista trouxe consigo o discurso dos novos sujeitos sociais e os novos conteúdos da revolução materializando a crítica ideológica da ciência das instituições e da divisão social do trabalho19 Sob o ângulo da Historiografia contribuição importante foi a reação à filosofia analítica por parte do marxismo britânico representado por teóricos como E Hobsbawm C Hill e E P Thompson20 no sentido de discutir e fundar uma historiografia social 2 Outro evento epistemológico é a proposta de uma teoria crítica de inspiração neomarxistafreudiana representada pela Escola de Frankfurt e tendo como ideólogos T Adorno M Horkheimer H Marcuse e J Habermas A grande contribuição da escola alemã é propor uma filosofia históricosocial que possibilite a mudança da sociedade a partir da constituição de novo tipo de homem De um homem emancipado de sua condição de alienado da sua reconciliação com a natureza nãorepressora e com o processo histórico por ele montado A meta de alcance utópico está na reconciliação entre o sujeito social a natureza nãorepressora e a história21 Naturalmente a teoria crítica revelase como instrumental operante que permite a tomada de consciência dos sujeitos na história e a ruptura de sua condição de opressão espoliação e marginalidade Além desse aspecto relevante da teoria crítica enquanto processo adequado ao esclarecimento e à emancipação recuperando todo um conteúdo utópicolibertador do pensamento ocidental destacase igualmente como contundente crítica dos grandes mitos da objetividade da filosofia burguesa nomeadamente o positivismo e o neopositivismo22 Sendo assim para efeito de uma Filosofia da História é de um lado a afirmação da validade teórica do subjetivismo e do idealismo humanistas de outro sob o aspecto prático traz para a experiência da investigação histórica novos domínios da realidade humana e social com o que se abrem novos problemas e se exigem novas sínteses explicativas23 3 terceiro referencial a considerar como contribuição à renovação da historiografia ocidental particularmente da periferia é o conjunto de critérios de investigação e análise posto pela Escola francesa dos Annales Um recorte bem talhado de seus traços é delineado na apresentação de obra coletiva publicada na França em 1980 na revista Magazine Littéraire 19 Cf KALLSCHEUER Otto Marxismo e Teorias do Conhecimento In HOBSBAWM Eric r org História do Marxismo O Marxismo Hoje Segunda Parte Rio de Janeiro Paz e Terra 1989 V 12 p 1415 17 ANDERSON Perry Considerações sobre o Marxismo Ocidental Porto Afrontamento sd 20 THOMPSON Edward P Senhores Caçadores A origem da Lei Negra Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 21 WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 3 ed São Paulo Saraiva 2001 p 58 22 HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Op cit p 15 23 Ibidem Gerada pelo grupo que dirigiu a revista francesa Annales que teve como figuras centrais Lucien Febvre Marc Bloch e Fernand Braudel a chamada Nova História sofreu um grande impulso nos últimos quinze anos ao ponto de tomarse a expressão mais características da historiografia francesa dos nossos dias De facto em França e não só a história das mentalidades a históriaproblema vieram ocupar o espaço da históriarelato O próprio facto histórico durante tanto tempo um valor seguro da ciência positivista passou a ser um material como qualquer outro tal como no caso da Economia Política da Lingüística da Demografia ou da Psicanálise24 Na verdade desfazemse liames do paradigma tradicional da narrativa histórica envolto na complexidade de grandes estruturas explicativas isoladas marcadas ora por um idealismo eclético ora por um mecanicismo cientificista optandose agora por uma História que interrelaciona os diversos significados da atividade humana Deste modo a renovação da História sob o aspecto da significação interdisciplinar proposta pela Escola dos Annales objetiva segundo o preciso esclarecimento de Antonio M Hespanha a ultrapassar o positivismo histórico inclinado para a pura descrição de fatos isolados através de um esforço no sentido de surpreender as estruturas mais profundas e mais estáveis estruturas demográficas econômicas culturais lingüísticas etc que explicam a verificação e o encadeamento desses fatos b eliminar os obstáculos que se levantam entre os diversos setores especializados da história de modo a estabelecer uma história global restaurando a unidade real da vida em que os diversos aspectos de atividade humana se interrelacionam c buscar uma História Social que se socorra dos resultados das ciências humanas sociologia lingüística economia semiologia d finalmente ter em conta a história não só como ciência do passado mas como ciência do presente na medida em que em ligação com as ciências humanas investiga as leis de organização e transformação das sociedades humanas24 Transpondo esses pressupostos da Nova História para o campo das fontes das idéias e das instituições jurídicas chegase à proposta de alinhamento de um modelo metodológico que venha redefinir as funções dos estudos históricos no âmbito do Direito Tal postura implica adesão a uma estratégia interdisciplinar não uma interdisciplinaridade 24 LE GOFF Jacques LE ROY LADURIE Emmanuel et alii História e Nova História Lisboa Teorema 1986 p 5 Para um panorama geral da Escola Francesa ver BURKE Peter A Escola dos Annales 192919892 ed São Paulo UNESP 1992 DOSSE François A História em Migalhas dos Annales à Nova História São Paulo Ensaios 1992 BOURDÉ Guy MARTIN Hervé As Escolas Históricas SI Publicações Europa América sd CARDOSO Ciro Flamarion S e VAINFAS Ronaldo orgs Domínios da História Ensaios de Teoria e Metodologia Rio de Janeiro Campus 1997 p 127162 meramente formal mas que tenha presente a crítica e a transformação do conteúdo problematizado Se os três primeiros fatores emergência do neomarxismo da teoria crítica e da Nova História desempenharam grande motivação e avanços na historiografia ocidental importa consignar outras duas propostas que poderão exercer incisiva contribuição para os estudos históricojurídicos na América Latina qual seja o pensamento filosófico da libertação e a corrente da hermenêutica jurídica alternativa 4 a quarta linha de força é a existência de um pensamento libertador latino americano que se define por uma luta teóricoprática contra uma situação sóciopolítica de dominação opressão exploração e injustiça É o combate à plena adversidade e a busca incontida por mudanças radicais Algumas formulações teóricas têm desempenhado uma função essencial no desenvolvimento do pensamento libertador florescente na América Latina como a teoria da dependência vertente econômicapolítica Theotonio dos Santos Ruy M Marini A Gunder Frank Anibal Quijano P González Casanova a teologia da libertação G Gutierrez L Boff H Assman a pedagogia libertadora do oprimido Paulo Freire e a filosofia da libertação E Dussel J C Scannone Rodolfo Kusch Arturo A Roig e outros25 Ademais como escreve corretamente David S Rubio múltiplas devem ser consideradas as matrizes condicionantes deste boom libertador Desde o peculiar fenômeno do populismo latinoamericano espécie de simulada alternativa às vias capitalista e socialista passando pelos acontecimentos históricos tão significativos como a Revolução Cubana a Guerra Fria os efeitos do processo descolonizador dos povos do Terceiro Mundo até a influência de figuras vinculadas diretamente com a arena política e social do porte de Camilo Torres Fidel Castro Salvador Allende Frantz Fanon Velasco Alvarado e Che Guevara26 O que se deve destacar como tributo do pensamento libertador latino americano para a nova historicidade das formas de controle legal e de normatividade social é a afirmação de uma alteridade emancipadora mediante um Direito livre da injustiça e da coerção composta por sujeitoscidadãos autênticos Introduzemse assim na pesquisa histórica os conceitos de alteridade libertação e justiça social 24 HESPANHA Antonio M História das Instituições Coimbra Almedina 1982 p 17 25 Consultar neste sentido SANCHEZ RUBIO David Proyección jurídica de la filosofía latinoamericana de la liberación Aproximación concreta a la obra de Leopoldo Zea y Enrique Dussel Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de Sevilha 01121994 720 p CERUTI GULDBERG Horácio Filosofia de la Liberacíón Latinoamericana México Fondo de Cultura Económica 1983 FANON Frantz Os Condenados da Terra 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1979 26 SANCHEZ RUBIO David Op cit p 13 5 Por último a presença mais recente da prática e da hermenêutica jurídica alternativa Não se trata rigorosamente de uma escola homogênea com uma proposta acabada mas muito mais de uma corrente que emerge no final dos anos 80 e início dos 90 no Brasil por parte de alguns magistrados juízes gaúchos da AJURIS como Amilton B de Carvalho e de professores universitários Edmundo L Arruda Jr Roberto A R de Aguiar José Geraldo de Souza Jr e outros Implica a estratégia de luta dentro da legalidade instituída no âmbito dos aparatos institucionalizados e da legalidade a instituir esfera da pluralidade dos grupos e movimentos sociais que têm seus direitos negados e reprimidos Exploramse as fissuras e deficiências da ordem jurídica formalindividualista buscando recuperar através de interpretação crítica e aplicação humanista dos textos legais a dimensão transformadora do Direito pondoo a serviço da libertação27 Ainda que não se tenha elaboração sistematizada e definitiva de suas características alguns critérios podem ser registrados em função da proposta teórica de seus fundadores Amilton B de Carvalho Edmundo Arruda Jr Senão vejase a o Direito é um instrumento de luta a favor dos menos favorecidos e injustiçados b rejeitamse a neutralidade e a apoliticidade dos agentes e das instâncias de jurisdição c buscase construir uma sociedade democrática e pluralista d opção metodológica por um instrumental históricosocial dialético e privilegiase a legitimidade das maiorias e a justiça social28 Os efeitos inovadores da juridicidade alternativa podem perfeitamente contribuir para estabelecer novos parâmetros de fundamentação conceituação e finalidade no estudo historiográfico das idéias e das instituições jurídicas Esses eventos epistemológicos aqui destacados revelamse inesgotáveis subsídios para compor os novos referenciais metodológicos de uma hermenêutica crítica e interdisciplinar no estudo histórico das idéias e das instituições no campo do Direito Certamente que a meta é alcançar nova compreensão historicista que rompa com o culturalismo elitista e o dogmatismo positivista permitindo que as múltiplas e diversas disciplinas históricas do Direito História do Direito História das Idéias eou do Pensamento 27 Cf WOLKMER Antonio Carlos Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico 2 ed São Paulo Acadêmica 1995 p 142145 28 Consultar neste sentido CARVALHO Amilton B Magistratura e Direito Alternativo São Paulo Acadêmica 1992 p 8596 ARRUDA Jr Edmundo L de Introdução à Sociologia Jurídica Alternativa São Paulo Acadêmica 1993 p 115142 RODRIGUES Horácio Wanderlei Ensino Jurídico e Direito Alternativo São Paulo Acadêmica 1993 p 151167 Jurídico História das Instituições deixem de ter sentido apologético e ilusório da ordem tradicional dominante adquirindo sentido desmitificador e libertário Libertador da verdade engendrada pela prática social e sintonizado com o devir histórico radicado na realização humana29 De um devir histórico em que o homem seja o ser privilegiado seu significado maior o real sujeito da história Com isso descartase o falso modismo do fim da História e da morte do sujeito na história Repensase num novo sujeito sujeitos coletivos como fonte de legitimação de nova historicidade normativa Daí que para promover nova concepção histórica das fontes das idéias e das instituições impõese rever criticamente as ações os acontecimentos e as produções do passado no que tange às práticas de regulamentação e de controle social É o que se verá a seguir antes do exame históricocrítico da cultura jurídica brasileira cabe problematizar o tipo de direito que foi transposto e incorporado com a colonização e indagar a natureza do moderno Direito liberalburguês a especificidade ideológica de suas instituições pública e privada e o núcleo caracterizador da historicidade de seu pensamento 14 Pressupostos da modernidade jurídica burguesa idéias e instituições A cultura jurídica produzida ao longo dos séculos XVII e XVIII na Europa Ocidental resultou de um complexo específico de condições engendradas pela formação social burguesa pelo desenvolvimento econômico capitalista pela justificação de interesses liberalindividualistas e por uma estrutura estatal centralizada Esse entendimento não só compartilha da idéia de que subsiste em cada período histórico uma prática jurídica dominante como sobretudo confirma a concepção de que o Direito sempre é produto da vida organizada enquanto manifestação de relações sociais provenientes de necessidades humanas Há que se observar assim como essas diferentes estruturas causais compatibilizaramse na constituição teórica e instrumental do moderno paradigma jurídico marcado por determinadas características geral abstrato coercível e impessoal principais institutos propriedade privada liberdade de contratar e autonomia da vontade direitos subjetivos e cosmovisões jusfilosóficas hegemônicas jusnaturalismo e positivismo jurídico Antes de tudo importa considerar a nova visão de mundo que emerge com a modernidade fundada numa racionalização éticofilosófica e técnicoprodutiva expressando valores crenças e interesses próprios de camadas sociais emergentes em luta contra o feudalismo aristocráticofundiário Fatores como o renascimento a reforma o processo de 29 Cf HESPANHA Antonio M A História do Direito na História Social Op cit p 1718 secularização as transformações econômicomercantis e o progresso científico favoreceram o advento de uma cultura liberalindividualista Os princípios norteadores da concepção políticosocial liberalindividualista definemse prontamente com o advento do sistema comercial capitalista e com a organização social da burguesia individualista O liberalindividualismo enquanto princípio fundamental que surge das condições materiais emergentes e das novas relações sociais tornouse proposta ideológica adequada às necessidades de um novo mundo bem como à legitimação das novas formas de produção da riqueza e à justificação racionalista da era que nascia O individualismo como expressão da moralidade social burguesa enaltece o homem como centro autônomo de escolhas econômicas políticas e racionais faz do ser individual um valor absoluto Nessa dinâmica histórica a ordem jurídica é instrumentalizada como estatuto de uma sociedade que proclama a vontade individual priorizando formalmente a liberdade e a igualdade de seus atores sociais Daí a necessária distinção entre a velha e a nova ordem jurídica A esse propósito descreve De La Torre Rangel o Direito Medieval reconhece a desigualdade social e trata de maneira desigual os desiguais É um Direito que protege aos privilegiados 30 gerando um modo de produção injusto que tem seus efeitos minimizados pelo próprio reconhecimento da desigualdade Assim é um direito mais vivo e real Já o Direito moderno liberalindividualista se assenta numa abstração que oculta as condições sociais concretas Tem a pretensão de ser um Direito igual supondo a igualdade dos homens sem tomar em conta os condicionamentos sociais concretos produzindo uma lei abstrata geral e impessoal31 Na verdade tal concepção de legalidade vai constituindose em fins da Idade Média com o crescimento e a influência dos mercadores que gradativamente vão lutando contra a velha estrutura feudal primeiro para sobreviver e depois para converterse em classe hegemônica Por sua vez é natural a emergência de juristas identificados com os interesses dos estratos burgueses desempenhando uma função significativa de desenterrar as normas jurídicas romanas o as adaptando às necessidades dos mercadores pondo especial ênfase em uma reinterpretação do Direito de Propriedade e do Direito Contratual32 Mais tarde indo além do jusnaturalismo teológico defendido pelos doutores da Igreja a doutrina laicizada do Direito Natural clássico cultivada nas universidades rompe com o silêncio da tradição jurídica romanística e põe em discussão a 30 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio El Derecho como Anna de Liberación en América Latina México Centro de Estudios Ecuménicos 1984 p 40 31 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 4041 32 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 41 Para um aprofundamento observar também TIGAR Michael E LEVY Madeleine R O Direito e a Ascensão do Capitalismo Rio de Janeiro Zahar 1978 noção dos direitos naturais subjetivos que alcança seu ápice com a ascensão da burguesia na eclosão da Revolução Francesa33 No processo de constituição do liberalismo jurídico individualista a escola do Direito Natural clássico consagrou concomitantemente com a existência do Direito Privado a criação de um Direito Público com efetividade para tornar reais os direitos naturais do homem e garantir as liberdades da pessoa humana34 A partir do século XVIII a doutrina passa a priorizar não mais o saber legal oficializado pelas universidades mas o peso soberano da vontade do legislador35 Com efeito o jusracionalismo clássico contribuiu no dizer De La Torre Rangel para três fatores causais que modelam o moderno Direito liberalindividualista a A igualdade formal de todos os homens ao consagrar os direitos subjetivos desconhecidos para o Direito romano b A codificação do Direito em normas gerais abstratas e impessoais ditadas pelo Estado legislador que chegará a identificar como no positivismo do século XIX o Direito com a Lei esvaziando o Direito de toda a idéia de justiça c A criação do Direito Público paralelo ao Direito Privado como forma de garantir os direitos subjetivos e a igualdade formal proclamados do Direito Natural36 É dentro desses marcos teóricos e operacionais que se pode caracterizar o Direito Moderno como direito estatal centralizado escrito previsível segurança e certeza jurídicas e normativo Sua estrutura técnicoformal é constituída por um complexo de normas de teor geral abstrato coercível e impessoal O princípio da generalidade implica a regra jurídica como preceito de ordem abrangente obrigando a um número de pessoas que estejam em igual situação jurídica A lei é para todos e não apenas para algumas pessoas Por outro lado a norma de Direito é abstrata princípio da abstratividade porque objetiva alcançar maior número possível de ações e acontecimentos A disposição legal é indeterminada pois o legislador não pode produzir leis e códigos completos acabados não tem condições de prever todos os casos concretos frente às contínuas mudanças da vida social Por sua vez a coercibilidade é a possibilidade do uso da coação psicológica e material garantida pelo poder político estatal Tratase do estado permanente da força ou coação acionado pelo aparato estatal para constranger ou induzir à obediência de condutas a serviço das instituições em 33 Cf DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 42 Para aprofundar essa discussão na perspectiva do Direito Público confrontar ENTERRÍA Eduardo García de La Lengua de los Derechos La Formación del Derecho Público Europeo Tras la Revolución Francesa Madrid Alianza 1994 34 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 43 35 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 43 36 DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 43 geral37 Por último o princípio da impessoalidade referese à situação de neutralidade diante da particularidade individual pois a aplicação da norma tem a pretensão de estenderse a uma quantidade indefinida de pessoas de modo aleatório e não particularizado Certamente que tais princípios de abstração generalidade e impessoalidade têm no modelo liberal individualista um significado ideológico o de ocultar a desigualdade real dos agentes econômicos para desse modo se conseguir a aparência de uma igualdade formal a igualdade perante a lei38 Tal ordenação privativista equipara com uma mesma medida as desigualdades e as diferenças situa os indivíduos num mesmo patamar sem questionar as distinções que fazem da organização social uma pirâmide39 Importa salientar agora alguns dos principais institutos do Direito liberal individualista que se desenvolve no contexto da cultura social burguesa e da produção capitalista da riqueza O primeiro grande instituto da juridicidade moderna é o direito de propriedade simbolizando uma forma de poder qualificado como absoluto exclusivo e perpétuo40 Enquanto na estrutura econômica feudal a propriedade fundiária assume um caráter fragmentário instrumento de servilismo porquanto a mesma porção de terra divide se entre vários proprietários subordinados uns aos outros contraprestação na ordem sócio econômico capitalista o regime adquire um aspecto unitário e exclusivo principalmente nos grandes textos burguesesindividualistas como o Código Civil Francês Ao romper com o sistema de exploração e privilégios feudais e ao dar destaque à propriedade privada expressão do domínio absoluto e inviolável a legislação napoleônica traduziu os interesses individualistas e os avanços revolucionários dos segmentos sociais que passaram a exercer hegemonia livre agora de encargos que oneravam a utilização do solo41 O sagrado e inviolável direito de propriedade exclui de seu uso e gozo qualquer outro nãoproprietário sendo para quem dele dispõe um direito pleno e ilimitado Não se deve esquecer como assinala Gustav Radbruch que para o liberalismo o direito privado é o coração de toda a vida jurídica e o direito público pelo contrário apenas uma leve moldura 37 Cf DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Del Pensamiento Jurídico Contemporáneo Aportaciones Críticas México Escuela Libre de Derecho 1992 p 6061 NOVOA MÓNREAL Eduardo O Direito como Obstáculo à Transformação Social Porto Alegre Sergio Fabris 1988 p 131144 38 FIGUEIRA Eliseu Renovação do Sistema de Direito Privado Lisboa Caminho 1989 p 5052 39 GOMES Orlando A Crise do Direito São Paulo Max Limonad 1955 p 8687 40 Cf DE LA TORRE RANGEL Jesus Antonio Op cit 1984 p 5657 Para o exame mais pormenorizado dos principais institutos do Direito Privado moderno consultar GALGANO Francesco Il Diritto Privato Fra Codice e Costituzione 2 ed Bologna Zanichelli 1983 BARCELLONA Pietro Diritto Privato e Società Moderna Napoli Jovene editore 1996 41 Cf GOMES Orlando Op cit p 116118 e 146147 que deve servir de proteção ao primeiro e particularmente a direito da propriedade42 Mas não é só isso Interessa igualmente resaltar que a conceituação individualista do direito real de propriedade a relação entre os sujeitos e os bens dános uma visão estática desse Direito subjetivo como poder direto imediato e exclusivo sobre os bens escondendo o aspecto dinâmico de sua inserção na produção e portanto a irradiação de interesses centrados no mesmo bem quando objecto de relações sociais43 O contrato é outro símbolo máximo do poder da vontade individual numa estrutura sócioeconômica capitalista O exacerbado individualismo da livre contratação e da autonomia da vontade funciona através do chamado negócio jurídico um instrumento de autoregulamentação dos interesses dos particulares que não deixa de ocultar a desigualdade real44 A construção jurídica da teoria individualista expressa as exigências de um novo modo de produção equilibrando interesses e mediando as relações sócioeconômicas Esse pacto montado conforme a declaração de vontade das partes intervenientes é concebido para homens abstratos livres e que estejam na condição de igualdade formal realidade específica dos proprietários burgueses Sustenta Ripert que o contrato é superior à lei como fonte jurídica vinculante porque é aceito pelas partes e não imposto como a segunda45 Certamente o individualismo jurídico que teve sua materialização plena no Código de Napoleão consagrou o contrato como instrumento insubstituível das relações humanas proclamando entre os sujeitos iguais e autônomos a soberania da liberdade de contratar Os excessos do liberalismo contratualista não deixam de ser imperativos das novas conveniências políticas e das novas necessidades materiais da vida social burguesa46 Não sem razão assinala Orlando Gomes que a apregoada liberdade contratual enquanto pilar jurídico do sistema capitalista tem sido uma fonte das mais clamorosas injustiças Em suas malhas se esconde a opressão real com que veladamente a classe dominante abroquela seus interesses materiais Realmente a liberdade de contratar é liberdade para o que possui esse poder para aquele contra quem se insurge é ao contrário impotência Não tem liberdade não pode têla quem possui como bem único a sua forçatrabalho Nesse fundamento do Direito Civil burguês manifestase também e sem subterfúgios o conteúdo de classe que o domina47 Não é possível compreender totalmente o Direito Moderno enquanto resposta de regulamentação aos problemas insurgentes da estrutura mercantilista e concorrencial sem deixar de contemplar algumas categorias nucleares como sujeito de direito e direito subjetivo 42 RADBRUCH Gustav Filosofia do Direito Coimbra Armenio Armado 1979 p 253 43 FIGUEIRA Eliseu Op cit p 117 44 FIGUEIRA Eliseu Op cit p 7273 45 In NOVOA MONREAL Eduardo Op cit p 138 46 GOMES Orlando Op cit p 113114 e 267 47 GOMES Orlando Op cit p 88 O conceito de sujeito de direito individual materializa uma abstração formalista e ideológica de um ente moral livre e igual no bojo de vontades autônomas reguladas pelas leis do mercado e afetadas pelas condições de inserção no processo do capital e do trabalho48 A questão do sujeito abstrato que dispõe de personalidade jurídica mediatiza a condição dos agentes que exercem o controle e a manipulação dos meios de produção e distribuição na sociedade incidindo não apenas na singularidade de pessoas e indivíduos mas também em grupos ou instituições cujos interesses coletivos a norma se propõe tutelar49 Como se sabe foi a partir do século XVIII que a doutrina clássica do Direito Natural reconheceu e fortaleceu a condição dos direitos subjetivos encarados como a possibilidade de fazer ou pretender fazer algo de forma garantida nos limites atributivos da regra do Direito50 Reconhece Georges Sarotte que os direitos subjetivos implicam aquelas faculdades físicas e morais atribuídas às pessoas que lhes permite agir em defesa dos seus interesses materiais e morais51 De qualquer modo podese compreender direito subjetivo como uma noção metafísica uma convenção valorativa criada pela doutrina jurídica burguesa para expressar vontade livre e autônoma que reivindica e que requer direitos negados Em suma os direitos subjetivos estão diretamente vinculados às formulações da autonomia da vontade e ao interesse juridicamente protegido É nessa perspectiva que é preciso situar como faz Michel Miaille que a noção de direito subjetivo é inseparável da concepção de sujeito de direito revelado claramente pela revolução política de 1789 As reivindicações políticas trouxeram consigo a utilização do termo direito embora a palavra desejo ou possibilidade tivesse sido mais justa Terseia transformado em direitos o que não eram mais do que casos de proteção concedida pela lei a certos interesses52 Caberia mencionar ainda determinados princípiosfins do Direito Moderno como a segurança e a certeza jurídicas Para alguns a segurança é uma necessidade fundamental da vida moderna organizada tendo como fim imediato a realização da justiça A doutrina tradicional alude que se trata da garantia dada a um indivíduo a seus bens e a seus direitos de que sua situação não será alterada senão por procedimentos regulares previstos na legislação53 Adverte P Nader para o fato de que segurança e certeza jurídicas não se confundem pois a primeira é de caráter objetivo e se manifesta concretamente através de um 48 WOLKMER Antonio Carlos Pluralismo Jurídico Fundamentos de Uma Nova Cultura no Direito São Paulo AlfaOmega 1994 p 211 49 FIGUEIRA Eliseu Op cit p 61 50 BESSA Paulo Uma Nova Introdução ao Direito Rio de Janeiro Renovar 1986 p147 51 SAROTTE Georges O Materialismo Histórico no Estudo do Direito Lisboa Estampa 1975 p 264 52 MIAILLE Michel Uma Introdução Crítica ao Direito Lisboa Moraes p 142 53 NOVOA MONREAL Eduardo Op cit p 143 Direito definido que reúne algumas qualidades a certeza jurídica expressa o estado de conhecimento da ordem jurídica pelas pessoas54 Contrapondose às posições formalistas que encaram tais princípios como verdadeiros fins do Direito e que jamais obstaculizam o progresso do Direito juristas como Elías Díaz argumentam que a mera certeza normativa não é suficiente para demonstrar as exigências contidas no valor segurança A segurança não pode identificarse exclusivamente com a idéia de uma ordem jurídica existente e com o conseqüente saber público do que está proibido e permitido55 Na verdade para Elías Díaz o Direito não se esgota na sua função de proporcionar segurança como sinônimo de ordem pois isto seria insuficiente oferecendo uma idéia superficial de seu conceito É necessário além de um sistema de seguridadelegalidade um sistema de seguridadelegitimidade ou seja segurança não como fato mas como prática que implique valores considerados imprescindíveis como liberdade paz igualdade e justiça56 Assim a idéia de ordem normativa e segurançafim deve estar subordinada às exigências humanas de legitimidade e não a uma idealização tecnoformal sem limites o que se tem revelado numa cultura individualpositivista natural impedimento da transformação e do avanço do Direito Uma vez delineadas algumas das principais características e instituições da modernidade jurídica liberalindividualista importa igual mente assinalar em nível das idéias eou do pensamento fundante as concepções doutrinárias jusfilosóficas que exerceram hegemonia e que alcançaram o maior êxito Primeiramente cabe destacar a doutrina idealista do Direito Natural que compreende uma grande variedade de teorias e escolas antecedendo a sociedade burguêscapitalista e tendo suas origens na antigüidade clássica ocidental O ponto comum dessas concepções chamadas de jusnaturalismo é admitir uma ordem jurídica a priori superior e ideal o que implica o reconhecimento de um certo dualismo no Direito As múltiplas manifestações jusnaturalistas traduzem a crença de um preceito superior advindo da vontade divina da ordem natural das coisas ou mesmo da razão do homem57 A doutrina clássica do Direito Natural individualista produto do liberal contratualismo e do racionalismo do século XVIII refletiu as condições sociais e econômicas da burguesia capitalista ascendente A função ideológica do jusnaturalismo enquanto proposição defensora de um ideal eterno e universal nada mais fez do que esconder seu real objetivo ou seja possibilitar a transposição para outro tipo de relação política social e econômica sem 54 NADER Paulo Introdução ao Estudo do Direito Rio de Janeiro Forense 19 p 143144 55 DÍAZ Elías Sociología y Filosofia del Derecho Madrid Taurus 19 p 47 56 DÍAZ Elías Op cit p 46 57 WOLKMER Antonio Carlos Ideologia Estado e Direito 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1995 p 147148 revelar os verdadeiros atores beneficiados Os princípios enunciados por esse jusnaturalismo mostraramse extremamente falsos ao clamarem por uma retórica formalista da igualdade da liberdade e da fraternidade de todos os cidadãos Por sua vez o processo desencadeado pela Revolução Industrial século XIX e suas conseqüências na modernidade tecnocientífica bem como os vastos desenvolvimentos de codificação e consolidação sóciopolítica da burguesia acabaram propiciando a expressão máxima do racionalismo formal moderno ou seja o positivismo58 A concepção positivista diferenciase da doutrina do Direito Natural na medida em que rejeita toda e qualquer dimensão a priori Descarta assim princípios e juízos valorativos em função de uma suposta neutralidade axiomática de um rigoroso experimentalismo e ao mesmo tempo de um tecnicismo formalista O Direito é explicado pela sua própria materialidade coercitiva e concreta Toda a sua validade e imputação fundamentam se na própria existência de uma organização normativa e hierarquizada59 A mundialidade do positivismo jurídico que se manifesta através de um rigoroso formalismo normativista com pretensões de ciência tornase o autêntico produto de uma sociedade burguesa solidamente edificada no progresso industrial técnico e científico Esse formalismo legal esconde as origens sociais e econômicas da estrutura capitalista de poder harmonizando as relações entre capital e trabalho e eternizando através das regras de controle a cultura liberalindividualista dominante60 Em síntese uma vez demonstrado teoricamente o cenário histórico do moderno Direito europeu englobando a constituição de seus pressupostos lógicoformais e epistemológicos características instituições e idéias há de se ver agora a transposição e a adaptação desse modelo jurídico liberalindividualista à historicidade periférica de antigas colônias sulamericanas como o Brasil Por conseqüência na próxima etapa entrase numa análise de teor crítico ideológico acerca do processo evolutivo de nossa historicidade jurídica tendo presentes seus grandes ciclos representados pelos períodos colonial o Direito autóctone é submetido ao Direito determinado pela Metrópole lusitana imperial influência das fontes legais alienígenas na codificação do sistema jurídico nacional e republicano efetividade da tradição formalpositiva e liberalconservadora do Direito Brasileiro Notabilizase uma constatação ao examinarse comparativamente a especificidade da mesma matriz jurídica em contexto histórico diverso de um lado a estável 58 WOLKMER Antonio Carlos Op cit 1994 p 59 59 WOLKMER Antonio Carlos Op cit 1995 p 151 60 WOLKMER Antonio Carlos Op cit 1994 p 60 e criadora formação histórica da legalidade em espaços institucionais favorecidos por um padrão de desenvolvimento econômico independente e pela difusão da doutrina política do liberalismo como é o caso da experiência autônoma das metrópoles colonizadoras européias de outro a consolidação de uma legalidade imposta sem autonomia própria inerente à historicidade da periferia colonizada orientada para a produção econômica de dependência convivendo com a territorialidade do absolutismo político e moldandose à singularidade local de práticas institucionais burocráticopatrimonialistas Capítulo II O DIREITO NA ÉPOCA DO BRASIL COLONIAL 21 Primórdios da estrutura políticoeconômica brasileira Uma vez configurados os principais traços do Direito Moderno na sociedade liberalindividualista ocidental há de se verificar agora de um lado que aspectos desta legalidade em suas idéias jusfilosóficas e em seus principais institutos são transpostos e adequados para o contexto evolutivo das nossas instituições e de outro que particularidades históricopolíticas patrimonialismo burocracia tradição conservadora e herança liberal são herdadas incorporadas e assimiladas a partir do processo de colonização lusitana Decorrendo dessa dinâmica histórica a formação de uma cultura singular sintetizadora de idéias e práticas paradoxais com especificidade própria deixando de ser ora um mero produto de mimetismo cultural ora a expressão de uma natureza que prima por uma originalidade ímpar Para isso e antes de aterse ao fenômeno jurídico é necessária sua abordagem estrutural que conduza ao desenvolvimento de situações históricas atravessadas por diferentes instâncias como já se fez com o Direito positivo europeu o econômico modo de produção o social formação dos atores o ideológico concepção justificadora de mundo e o político estrutura de poder unitário que constituem momentos organicamente interligados entre si não podendo ser apreciados separadamente enquanto totalidades completas1 Assim as raízes e a evolução das instituições jurídicas só poderão realmente ser A categoria patrimonialismo deve ser interpretada sob a óptica do referencial weberiano ou seja como um tipo de dominação tradicional em que não se diferenciam nitidamente as esferas do público e do privado Sua prática no Brasil ocorre quando o poder público é utilizado em favor e como se fosse exclusividade de um estrato social constituído por oligarquias agrárias e por grandes proprietários de terras Nessa contextualização escreve Raymundo Faoro não é a sociedade civil a base da sociedade mas uma ordem política em que os indivíduos ou são basicamente governantes ou são governados O soberano e seu quadro administrativo controlam diretamente os recursos econômicos e militares do seu domínio que é também seu patrimônio A sociedade em tal situação pode chegar a ser um pouco autônoma mas nunca independente não será ela que ditará ao poder público a política mas será a política que lhe ditará a conduta Herdeiro do patrimonialismo português o Brasil recebeu com a independência o impacto do mundo inglês já moderno adotando a máscara capitalista e liberal sem negar ou sem superar o patrimonialismo In A Aventura Liberal numa Ordem Patrimonialista Revista da USP Dossiê LiberalismoNeoliberalismo São Paulo n 17 marabrmaio 1993 p 1617 O conservadorismo compreende aqui atitude condição ou forma de ser consciente ou não envolvendo procedimentos estratégias e práticas que compartilham uma visão do mundo cuja dinâmica se processa por evolução natural da ordem social engendrada no contexto de uma historicidade assentada na tradição experiência hierarquia centralização formalidade legal propriedade patrimonial e diferenciação social Para aprofundarse no conservadorismo ver NISBET Robert O Conservadorismo Lisboa Estampa 1987 MANNHEIM Karl O pensamento conservador In MARTINS José de Souza org Introdução Critica à Sociologia Rural São Paulo Hucitec 1986 p 77131 TRINDADE Liana S As Raízes Ideológicas das Teorias Sociais São Paulo Ática 1978 1 Vide DOWBOR Ladislau A Formação do Capitalismo Dependente no Brasil São Paulo Brasiliense 1982 p 14 compreendidas na dinâmica das contradições e do processo de relações recíprocas quer sob o reflexo de um passado colonial patrimonialista e escravocrata quer sob o impacto presente da dominação social de uma elite agrária da hegemonia ideológica de um liberalismo conservador e da submissão econômica aos Estados centrais do capitalismo avançado2 Ao analisar o processo de formação de nossas instituições e de seus atores sociais verificase que a herança colonial patrimonialismo e mentalidade conservadora marcou profundamente o desenvolvimento posterior da sociedade brasileira tanto no Império quanto na República Ora o modo de produção e a formação social surgiram e se consolidaram como uma etapa da lenta transição que ocorreu na Europa Ocidental entre aproximadamente finais de século XV regime feudal e o século XVIII sistema capitalista As transformações econômicas e sociais nesse período foram comandadas por grupos ascendentes e enriquecidos provenientes do comércio e das práticas mercantis Lembra Álvaro de Vita que enquanto o trabalho servil a forma de trabalho obrigatorio própria do feudalismo desaparecia na Europa os europeus recriaram a escravidão em suas colônias A produção de gêneros tropicais para o comércio no Brasil foi organizada com base na exploração do trabalho escravo3 Nos primeiros séculos após o descobrimento o Brasil colonizado sob a inspiração doutrinária do mercantilismo e integrante do Império Português refletiu os interesses econômicos da Metrópole e em função deles articulouse4 Nessa perspectiva o BrasilColônia só poderia gerar produtos tropicais que a Metrópole pudesse revender com lucro no mercado europeu além disso as outras atividades produtivas deveriam limitarse de modo a não estabelecer concorrência devendo a Colônia adquirir tudo o que a Metrópole tivesse condições de vender Para Portugal o Brasil deveria servir seus interesses existia para ele e em função dele 2 VITA Álvaro de Sociologia da Sociedade Brasileira São Paulo Ática 1989 p 11 3 VITA Álvaro de Op cit p 1213 4 Observa Ladislau Dowbor op cit p 20 que na história do Brasil o longo período colonial recebeu interpretações absolutamente contraditórias como a tese do feudalismo defendida por Alberto Passos Guimarães entre outros encontra sólidos argumentos empíricos mas tem dificuldades para explicar os aspectos escravistas e capitalistas do sistema a tese do modo de produção escravista Nelson Werneck Sodré por exemplo à qual Ciro Flamarion Cardoso objeta com razão que não se pode confundir o sistema econômico da antigüidade com o Brasil Colonial pois a escravidão dos dois casos não corresponde em absoluto ao mesmo nível de desenvolvimento das forças produtivas a tese capitalista em torno da qual encontramos os melhores historiadores da economia brasileira Caio Prado Júnior Roberto Simonsen Celso Furtado mas que tem evidentemente dificuldades em digerir uma série de elementos estranhos ao capitalismo pelo menos ao capitalismo sob a forma européia ou americana Igualmente sob essa questão Antonio C Mazzeo lembra que autores como Ciro Flamarion Cardoso Jacob Gorender e Décio Saes desenvolvendo e defendendo a teoria do modo de produção escravista colonial refutam as análises que vêem nas colônias estruturas produtivas integradas rio modo de produção capitalista MAZZEO Antonio C Estado e Burguesia no Brasil Belo Horizonte Oficina de Livros 1989 p 60 Efetivamente o Brasil sendo colonizado pelo processo de exploração criou as condições para agricultura tropical centrada economicamente em tomo do cultivo das terras transformandose numa grande empresa extrativa destinada a fornecer produtos primários aos centros europeus A gestão da Colônia se faria através da Metrópole cabendolhe tomar efetivos os princípios do mercantilismo principalmente através da constituição de monopólios É no sistema monopolista que reside o núcleo de toda essa conjuntura O monopólio do comércio pela Metrópole visava naturalmente impedir que outras nações européias pusessem em risco com a concorrência aqueles privilégios advindos da restrição comercial tão lucrativa aos comerciantes portugueses que não encontravam no seu reduzido espaço satisfação para sua ambição5 O país se edificou como uma sociedade agrária baseada no latifúndio existindo sobretudo em função da Metrópole como economia complementar em que o monopólio exercido opressivamente era fundamental para a burguesia mercantil lusitana6 Por outro lado o universo da formação social do período colonial foi marcado pela polarização entre os imensos latifúndios e a massa de mãodeobra escrava Em tais condições percebiase a estreita conjunção entre a monocultura empregada nas fazendas visando à exportação e à sobreposição de relações sociais incrementadas tendo em conta a escravidão Deste modo a organização social definese de um lado pela existência de uma elite constituída por grandes proprietários rurais e de outro por pequenos proprietários índios mestiços e negros sendo que entre os últimos pouca diferença havia pois sua classificação social era quase a mesma Para a exploração mais lucrativa dos latifúndios a alternativa escrava era a que melhor serviria ao sistema porque se fossem importados homens livres estes poderiam tomarse donos de um pedaço das terras devolutas que existiam em abundância além disso aos traficantes era lucrativo trocar negros por produtos tropicais que comercializavam na Europa7 Há de se levar em conta que diante do fracasso da tentativa de escravizar os índios os grandes proprietários assentaram seu poder econômico e social no incremento do tráfico de negros escravos 5 Cf WOLKMER M F S O Caráter LiberalConservadorda Constituição de 1824 Mimeo São Leopoldo out de 1984 p 3133 6 Para a descrição mais pormenorizada do processo de evolução políticoeconômico do Brasil colonial consultar PRADO JÚNIOR Caio Evolução Política do Brasil 12 ed São Paulo Brasiliense 1980 p 1341 SODRÉ Nelson Wemeck Formação Histórica do Brasil 5 ed São Paulo Brasiliense 1970 p 5994 FURTADO Celso Formação Econômica do Brasil 18 ed São Paulo Cia Editora Nacional 1982 p 4164 NOVAIS Fernando A O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial In Brasil em Perspectiva MOTTA Carlos G Org 11 ed São Paulo Difel 1980 7 Cf WOLKMER M F S Op cit p 3334 Na verdade como assinala Darcy Ribeiro o Brasil nasceu como se fosse um proletariado externo das sociedades européias destinado a contribuir para o preenchimento das condições de sobrevivência de conforto e de riqueza destas e não das suas próprias8 O correto é que o sistema aglutinava certas práticas de base feudal com uma incipiente economia de exportação centrada na produção escravista Já no que se refere à estrutura política registrase a consolidação de uma instância de poder que além de incorporar o aparato burocrático e profissional da administração lusitana surgiu sem identidade nacional completamente desvinculada dos objetivos de sua população de origem da sociedade como um todo Alheia à manifestação e à vontade da população a Metrópole instaurou extensões de seu poder real na Colônia implantando um espaço institucional que evoluiu para a montagem de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donatários senhores de escravos e proprietários de terras9 Com isso desenvolveuse como lembra Antonio C Mendes um cenário contraditório de dominação política de um lado a pulverização do poder na mão dos donos das terras e dos engenhos seja pelo profundo quadro de divisão de classes seja pelo vulto da extensão territorial de outra parte o esforço centralizador que a Coroa impunha através dos governadoresgerais e da administração legalista A ordem jurídica vigente no domínio privado ou público marchará decisivamente no sentido de preeminência do poder público sobre as comunidades solidificando uma estrutura com tendência à perpetuação das situações de domínio estatal10 A aliança do poder aristocrático da Coroa com as elites agrárias locais permitiu construir um modelo de Estado que defenderia sempre mesmo depois da independência os intentos de segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de produção Naturalmente o aparecimento do Estado não foi resultante do amadurecimento históricopolítico de uma Nação 8 RIBEIRO Darcy Os Brasileiros Teoria do Brasil Petrópolis Vozes 1981 p 112 Para o aprofundamento consultar RIBEIRO Darcy O Povo Brasileiro A Formação e o Sentido do Brasil São Paulo Companhia das Letras 1995 VERDASCA José Raízes da Nação Brasileira Os Portugueses no Brasil São Paulo Ibrasa 1997 9 A propósito reforçando a descrição da estrutura política colonial Alfredo Bosi pontifica que esta incorpora o intento dos senhores rurais sob uma administração local que se exerce pelas câmaras dos homens bons do povo isto é proprietários Mas o seu raio de poder é curto É o rei que nomeia o governador com mandato de quatro anos tendo competência militar e administrativa enquanto preside os corpos armados e as Juntas da Fazenda e da Justiça com critérios estabelecidos pela Coroa e expressos em regimentos e em cartas e ordens régias As juntas se compõem de funcionários reais provedores ouvidores procuradores e ao tempo das minas intendentes a sua ação é controlada em Lisboa a partir de 1642 pelo Conselho Ultramarino De 1696 em diante até as câmaras municipais sofreram interferência da metrópole que passou a nomear os juízes de fora sobrepondose à instituição dos juízes eleitos nas suas vilas Os historiadores têm salientado a estreita margem de ação das câmaras sob a onipresença das Ordenações e Leis do Reino de Portugal a tensão entre as oligarquias e a centralização crescente da Coroa será um dos fatores da crise do sistema político desde os fins do século XVIII In Dialética da Colonização São Paulo Companhia das Letras 1992 p 24 10 MENDES Antonio Celso Filosofia Jurídica no Brasil São Paulo Ibrasa Curitiba Champagnat 1992 p 20 unida ou de uma sociedade consciente mas de imposição da vontade do Império colonizador Instaurase assim a tradição de um intervencionismo estatal no âmbito das instituições sociais e na dinâmica do desenvolvimento econômico Tal referencial aproximase do modelo de Estado absolutista europeu ou seja no Brasil o Capitalismo se desenvolveria sem o capital como produto e recriação da acumulação exercida pelo próprio Estado11 É dessas constatações que se pode auferir a confluência paradoxal de um lado da herança colonial burocrática e patrimonialista de outro de uma estrutura sócioeconômica que serviu e sempre foi utilizada não em função de toda a sociedade ou da maioria de sua população mas no interesse exclusivo dos donos do poder12 Isso configura desde o início da colonização uma combinação estranha e atípica de relações políticoeconômicas marcadas de um lado pela passagem de uma situação agrária semifeudal para um modo de produção capitalista ora mercantil ora industrial refletindo regionalmente as imposições econômicas das metrópoles centrais de outro pela incorporação e adaptação por parte das instituições políticas de diretrizes patrimonialistas e burocráticas inerentes ao modelo conservador de organização administrativa portuguesa13 Não se pode negar que essas duas concepções a econômica e a política são extremamente importantes e não podem ser deixadas de lado quando se busca com seriedade encontrar as raízes da formação social e política brasileira Por compreender que o reducionismo isoladamente não consegue explicitar integralmente o fenômeno histórico e contraditório de nossa organização institucional impõese examinar suas tipicidades dentro de uma perspectiva mais abrangente14 Nos primeiros dois séculos da colonização não há que se registrar com muita nitidez uma concepção de idéias justificadoras do mundo autenticamente brasileira No plano das idéias dos valores e das formas de pensamento do colonizador que eram condicionados pelo mercantilismo econômico e pela administração centralizadora burocrática emergiu uma mentalidade calcada na racionalidade escolásticotomista e nas teses do absolutismo elitista português Herdase dessa feita uma estrutura feudalmercantil embasada em raízes senhoriais que reproduziam toda uma ideologia da ContraRefonna Esse carácter românticosenhorial da cultura portuguesa que predominou no período da expansão 11 Cf CARRION Eduardo K Estado Partidos e Movimentos Sociais Porto Alegre Edipaz 1985 p 7275 12 WOLKMER Antonio Carlos Elementos para uma Crítica do Estado Porto Alegre Sergio Fabris 1980 p 4547 13 Ver a esse propósito as obras FAORO Raymundo Os Donos do Poder Porto Alegre Globo 1979 URICOECHEA Fernando O Minotauro Imperial Rio de Janeiro Difel 1978 SCHWARTZMAN Simon Bases do Autoritarismo Brasileiro São Paulo Campus 1982 14 Cf WOLKMER Antonio Carlos Op cit p 4445 ultramarina estava associado a uma ética inspirada nas cruzadas na honra cavalheresca dos antepassados na subserviência espiritual aos ditames da Igreja e no desprezo pelas práticas mercantis lucrativas Toda essa mentalidade senhorial orientada para servir a Deus e ao Rei não iria favorecer o surgimento de uma classe burguesa enriquecida capaz de projetarse e impulsionar uma forma capitalista à exploração da riqueza15 A incapacidade política da elite lusitana acaba favorecendo maior articulação do Estado e empurrando Portugal para uma posição secundária no rol do desenvolvimento econômico europeu Apesar de ter tido um papel importante durante a expansão marítima e ao longo da conquista os Estados ibéricos acabaram absorvendo e implementando a filosofia da ContraReforma distintamente daqueles países como Holanda Inglaterra e Alemanha em que o ideário da Reforma Protestante acabou impondose16 Neste sentido o Concílio de Trento oficializou a divisão de forças propiciando que a Península Ibérica se convertesse no principal baluarte de reação ao protestantismo Em verdade como escreve P Mercadante nos países de maior desenvolvimento capitalista onde predominavam as idéias de Lutero e Calvino nenhuma medida repressiva conteria a revolução científica iniciada por Galileu e Copérnico Na Península Ibérica recolhese a elite numa escolástica decadente barrando qualquer idéia nova que viesse dos países adiantados Temendo a expansão protestante urgira a reafirmação da integridade da fé e dos dogmas teria início o processo de censura inquisitorial que aniquilaria o alvorecer do humanismo luso Neste contexto a Companhia de Jesus e a Inquisição vieram configurar os contornos da sociedade17 Em conseqüência Portugal distanciavase do ideário renascentista da modernidade científica e filosófica do espírito crítico e das novas práticas do progresso material advindas com o Capitalismo fechandose no dogma eclesiástico da fé e da revelação no apego à tradição estabelecida na propagação de crenças religiosas pautadas na renúncia no servilismo e na disciplina18 Esses traços são essenciais para compreender o tipo de cultura que foi propagado pela Metrópole durante os primórdios da colonização lusitana no Brasil19 Tratavase de uma 15 MERCADANTE Paulo Militares Civis a Ética e o Compromisso Rio de Janeiro Zahar 1978 p 1617 16 Ibidem p 18 Estudo mais completo e acurado sobre a herança iberoamericana e o contraste desta com a cultura angloamericana encontrase em MORSE Richard M O Espelho de Próspero Cultura e Idéias nas Américas São Paulo Companhia das Letras 1988 17 MERCADANTE Paulo Op cit 1978 p 1819 18 Cf MERCADANTE Paulo Op cit 1978 p 1923 Observar também do mesmo autor A Consciência Conservadora no Brasil 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1972 p 2126 19 Sobre a cultura da colonização escreve Alfredo Bosi que se trata de uma cultura letrada ou seja é rigorosamente estamental não dando azo à mobilidade vertical a não ser em raros casos de apadrinhamento que confirmam a regra geral O domínio do alfabeto reservado a poucos serve como divisor de águas entre a cultura cultura senhorial escolástica jesuítica católica absolutista autoritária obscurantista e acrítica Em tal contexto o principal pólo irradiador da formação cultural da nova Colônia foi a solidificação da catequese católica e do ensino do humanismo escolástico transplantada predominantemente pela Companhia de Jesus20 que implicaria como reconhece Alberto Venâncio Filho que a cultura portuguesa nos séculos XVI e XVII e na primeira metade do século XVIII conservarseia impermeável às transformações que se processavam no continente europeu após o Renascimento com a expansão dos estudos científicos e a disseminação do método experimental21 A reconciliação de Portugal com a Europa se efetivaria com os precursores ensinamentos iluministas de Luis Antonio Verney expoente teórico da modernidade lusa do século XVIII e com a implementação das drásticas reformas do Marquês do Pombal A renovação cultural Pombalina que influenciaria ideologicamente a Colônia forneceria segundo R Faoro as bases para a modificação do Estado restaurando a autoridade pública fraca corrupta e atrasada22 As inovações não alcançam as camadas populares e o absolutismo continua em vigor só que agora um absolutismo esclarecido num espectro cultural amplo e aberto que minimiza o peso do ranço imobilista e jesuítico23 oficial e a vida popular O cotidiano colonialpopular se organizou e se reproduziu sob o limiar da escrita In Dialética da Colonização Op cit p 25 20 Quanto à ordem religiosa dos jesuítas assinala Alfredo Bosi que empenhados na prática de uma Igreja supranacional cumprem o projeto das missões junto aos índios Essa possibilidade aberta no início da colonização quando era moeda corrente a idéia do papel cristianizador da expansão portuguesa passaria depois a exercerse apenas às margens ou nas folgas do sistema enfim a longo prazo sucumbirá sob a pressão dos bandeirantes e à força do Exército colonial Aos jesuítas sobraria a alternativa de ministrar educação humanística aos jovens provenientes de famílias abastadas Op cit p 25 Entretanto o papel da catequese pode ser interpretado como forma de apaziguamento ou prelúdio da submissão o que permitia a integração da mãodeobra indígena para o reforço de uma ordem colonial servil e inescrupulosa Este na p 43 A ruptura violenta e a substituição do escravo índio pelo escravo negro como força de trabalho foi inevitável Com efeito a primazia da conquista das almas da Companhia de Jesus era como diz Euclides da Cunha eufemismo casuístico disfarçando o monopólio do braço indígena Daí a luta que se travou entre o jesuíta e o colono sobretudo no sul logo no início da colonização e no século XVII no Maranhão e no Pará Dois tipos aparentemente opostos mas integrados num idêntico sentido de ação se defrontam na colônia De um lado o jesuíta empenhado na conquista espiritual e o aventureiro disposto à conquista da terra e dos bens materiais Coube ao aventureiro e ao jesuíta a fixação da cultura européia em nossa terra Um abrirá caminhos construirá aldeias plantará cidades o outro modelará a inteligência brasileira Aí se esboça talvez uma contradição da nossa história e também o antagonismo dos dois aspectos da cultura no Brasil In CRUZ COSTA João Contribuição à História das Idéias no Brasil Rio de Janeiro José Olympio 1956 p 5055 e 438 Acerca da trajetória dos jesuítas no país o estudo clássico é o do Pe Serafim Leite História da Companhia de Jesus no Brasil 9ts LísboaRio de Janeiro INL 1949 Já para uma análise crítícodessacralizadora das relações entre os jesuítas e os índios consultar NEVES Luiz Felipe Baêta O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios Colonialismo e Repressão Cultural Rio de Janeiro ForenseUniversitária 1978 GAMBINI Roberto O Espelho Índio os Jesuítas e a Destruição da Alma Indígena Rio de Janeiro Espaço e Tempo 1994 CUNHA Luiz Antonio A Universidade Temporã o Ensino Superior da Colônia à Era Vargas Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1980 p 1836 este na p 44 21 VENÂNCIO FILHO Alberto Das Arcadas ao Bacharelismo São Paulo Perspectiva 1977 p 3 e 5 22 FAORO Raymundo Existe um Pensamento Político Brasileiro São Paulo Ática 1994 p 40 VITA Luis Washington Panorama da Filosofia no Brasil Porto Alegre Globo 1969 p 3234 23 FAORO Raymundo Op cit 1994 p 4144 Com efeito as reformas pombalinas limitam largamente a jurisdição do clero os jesuítas são expulsos de Portugal em 1759 restringem os benefícios da nobreza incrementam o poder econômico da burguesia e impulsionam a reformulação do ensino e do modelo universitário alcançando a Universidade de Coimbra Certamente que esse movimento renovador do iluminismo pombalino centrado na abertura aos avanços científicoculturais na reforma do ensino e da máquina administrativa e na desestruturação da força jesuítica favorece as condições para o advento do liberalismo português Em fins do século XVIII e ao longo do século XIX começam a chegar ao Brasil os ecos do ciclo de idéias representados pelo iluminismo pombalino e pelas primeiras manifestações do liberalismo engendrados na Metrópole lusitana Uma vez delineado ideologicamente o quadro sócioeconômico e políticocultural da estrutura colonial passaremos a examinar o processo de formação e desenvolvimento do sistema jurídico 22 A legislação colonizadora e o Direito Nativo Na sua globalidade a compreensão quer da cultura brasileira quer do próprio Direito não foi produto da evolução linear e gradual de uma experiência comunitária como ocorreu com a legislação de outros povos mais antigos Na verdade o processo colonizador que representava o projeto da Metrópole instala e impõe numa região habitada por populações indígenas toda uma tradição cultural a1ienígena e todo um sistema de legalidade avançada sob o ponto de vista do controle e da efetividade formal O empreendimento do colonizador lusitano caracterizando muito mais uma ocupação do que uma conquista trazia consigo uma cultura considerada mais evoluída herdeira de uma tradição jurídica milenária proveniente do Direito Romano24 O Direito Português enquanto expressão maior do avanço legislativo na península ibérica acabou constituindose na base quase que exclusiva do Direito pátrio Analisando as raízes culturais da legislação brasileira escreve A L Machado Neto que dos três grupos étnicos que constituíram nossa nacionalidade somente a do colonizador luso trouxe influência dominante e definitiva à nossa formação jurídica Se a contribuição dos indígenas foi relevante para a construção de nossa cultura o mesmo não se pode dizer quanto à origem do Direito nacional pois os nativos não conseguiram impor seus mores e suas leis participando mais na humilde condição de objeto do direito real ou 24 Cf MACHADO NETO A L Sociologia Jurídica 4 ed São Paulo Saraiva 1979 p307310 seja objetos de proteção jurídica Igualmente o negro para aqui trazido na condição de escravo se sua presença é mais visível e assimilável no contexto cultural brasileiro a sua própria condição servil e a desintegração cultural a que lhes impelia a imigração forçada a que se viam sujeitos não lhes permitiu também pudessem competir com o luso na elaboração do Direito brasileiro25 O certo é que Portugal não teve outra saída senão buscar trabalhadores na África diante da destruição dos povos nativos e da conseqüente carência da mãodeobra agrícola No entanto os africanos não vieram como colonos livres mas sim como escravos forçados a trabalhar em fazendas e grandes plantações de canadeaçúcar sem nenhum direito e não podendo recompor suas organizações de origem É nesse contexto colonial de economia de exportação e de estrutura social constituída em grande parte por populações indígenas e por escravos africanos alijados do governo e sem direitos pessoais que se deve perceber os primórdios de um Direito essencialmente particular cuja fonte repousava na autoridade interna dos donatários que administravam seus domínios como feudos particulares26 Como escreve Nelson W Sodré sendo empreendimento planejado que expressava uma necessidade nova decorrente da expansão ultramamarina a colonização viu se na contingência de criar um Direito especial para a direção e organização da própria atividade colonial27 O primeiro momento da colonização brasileira que vai de 1520 a 1549 foi marcado por uma prática políticoadministrativa tipicamente feudal designada como regime das Capitanias Hereditárias28 As primeiras disposições legais desse período eram compostas pela Legislação Eclesiástica pelas Cartas de Doação e pelos Forais As Cartas de Doação e os forais eram no dizer de Isidoro Martins Júnior a engrenagem do maquinismo inventado pela Metrópole para o povoamento e enriquecimento da possessão brasileira As cartas de foral constituíam uma conseqüência e um complemento das de doações mas estas estabeleciam apenas a legitimidade da posse e os direitos e privilégios dos donatários ao passo que aquelas eram um contrato enfitêutico em virtude do qual se constituíam perpétuos tributários da coroa e dos donatários capitãesmores que recebessem terras de 25 MACHADO NETO A L Op cit p 309310 26 Cf SHIRLEY Robert Weaver Antropologia Jurídica São Paulo Saraiva 1987 p80 27 Cf SODRÉ Nelson Werneck Op cit p 77 28 Ao explicar a expressão capitanias hereditárias Wa1ter V do Nascimento assina1a 1 capitanias de capitão indicando chefia governança 2 hereditárias porque inalienáveis só se transmitiam por herança e indivisíveis porque o sucessor era apenas um único herdeiro mediante o critério de exclusão e com vistas à legitimidade preferência dos filhos legítimos à idade preferência do mais velho e ao sexo preferência aos varões In Lições de História do Direito 3 ed Rio de Janeiro Forense 1984 p 210 sesmarias29 Com o fracasso da grande maioria das capitanias tratou a Metrópole de dar à Colônia outra orientação designada como sistema de governadoresgerais Surgiu assim a utilização de um certo número de prescrições decretadas em Portugal reunindo desde cartas de Doação e Forais das capitanias até CartasRégias Alvarás Regimentos dos governadores gerais leis e finalmente as Ordenações Reais30 De fato o Direito vigente no BrasilColônia foi transferência da legislação portuguesa contida nas compilações de leis e costumes conhecidos como Ordenações Reais que englobavam as Ordenações Afonsinas 1446 as Ordenações Manuelinas 1521 e as Ordenações Filipinas 1603 Em geral a legislação privada comum fundada nessas Ordenações do Reino era aplicada sem qualquer alteração em todo o território nacional Concomitantemente a inadequação no Brasil de certas normas e preceitos de Direito Público que vigoravam em Portugal determinava a elaboração de uma legislação especial que regulasse a organização administrativa da Colônia31 Entretanto a insuficiência das Ordenações para resolver todas as necessidades da Colônia tornava obrigatória a promulgação avulsa e independente de várias Leis Extravagantes32 versando sobretudo sobre matérias comerciais No século XVIII com as reformas pombalinas a grande mudança em matéria legislativa foi a Lei da Boa Razão 1769 que definia regras centralizadoras e uniformes para interpretação e aplicação das leis no caso de omissão imprecisão ou lacuna A Lei da Boa Razão minimizava a autoridade do Direito Romano da glosa e dos arestos dando preferência e dignidade às leis pátrias e só recorrendo àquele direito subsidiariamente se estivesse de acordo com o direito natural c as leis das Nações Cristãs iluminadas e polidas se em boa razão fossem fundadas33 29 MARTINS JÚNIOR Isidoro História do Direito Nacional 3 ed Brasília Depto de Imprensa Nacional 1979 p 104 30 Cf SODRÉ Nelson Werneck Op cit p 77 MACHADO NETO A L Op cit p 313314 TRIPOLI César História do Direito Brasileiro Época Colonial São Paulo Revista dos Tribunais 1936 vl p 6263 80 81 e 9596 31 Cf MARTINS JÚNIOR Isidoro Op cit p 6384 MONTORO André Franco Introdução à Ciência do Direito 20 ed São Paulo Ed RT 1991 p 565569 GUSMÃO Paulo D Introdução ao Estudo do Direito 11 ed Rio de Janeiro Forense 1986 p 395397 TRIPOLI César Op cit p 5682 32 32 Ver neste sentido TRIPOLI César Op cit p 75 33 VALLADÃO Haroldo História do Direito Principalmente do Direito Brasileiro 4 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1980 p 76 MARTINS JÚNIOR Isidoro Op cit p 7880 TRIPOLI César Op cit p 154 155 Ainda sobre a Lei da Boa Razão ver GOMES Orlando Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro Salvador Livraria ProgressoUniversidade da Bahia 1958 p 914 WEHLING Amo e WEHLING Maria José Cultura Jurídica e Julgados do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro a Invocação da Boa Razão e o Uso da Doutrina Uma Amostragem In SILVA Maria Beatriz Nizze da Cultura Portuguesa na Terra de Santa Cruz Lisboa Estampa 1995 p 235247 WEHLING Amo Despotismo Ilustrado e Uniformização Legislativa o Direito Comum nos Períodos Pombalino e PósPombalino Revista Ciências Humanas Rio de Janeiro v 20 n I p 143159 jun 1997 Não resta dúvida de que o principal escopo dessa legislação era beneficiar e favorecer a Metrópole A experiência políticojurídica colonial reforçou uma realidade que se repetiria constantemente na história do Brasil a dissociação entre a elite governante e a imensa massa da população O governo português ultramar evidenciava pouca atenção na aplicação da legislação no interior do vasto espaço territorial pois seu interesse maior era criar regras para assegurar o pagamento dos impostos e tributos aduaneiros bem como estabelecer um ordenamento penal rigoroso para precaverse de ameaças diretas à sua dominação Como assinala Robert Shirley Portugal não tencionava trazer justiça ao povo ou mesmo prestar os serviços mais elementares à sua colônia34 Numa administração de cunho neofeudal e patrimonialista o direito da elite agrária não era o Direito da maior parte da população porém existia para proteger os interesses do governo real e manter o poder dos fazendeiros proprietários de terras35 O modelo jurídico hegemônico durante os primeiros dois séculos de colonização foi por conseqüência marcado pelos princípios e pelas diretrizes do Direito alienígena segregador e discricionário com relação à própria população nativa revelando mais do que nunca as intenções e o comprometimento da estrutura elitista de poder Nesse sentido para Antonio C Mendes a subjugação da população era praticamente completa pois distribuída entre raros colonos livres e uma maioria de trabalhadores escravos seus direitos estavam codificados no arbítrio dos donatários das capitanias que enfeixavam em si a figura do único proprietário do único responsável pelos castigos e pelas penas chefe industrial e militar distribuidor de sesmarias e de prêmios36 Desde o início da colonização além da marginalização e do descaso pelas práticas costumeiras de um Direito nativo e informal a ordem normativa oficial implementava gradativamente as condições necessárias para institucionalizar o projeto expansionista lusitano A consolidação desse ordenamento formalista e dogmático está calcada doutrinariamente num primeiro momento no idealismo jusnaturalista posteriormente na exegese positivista Cumpre ressaltar nessa trajetória que os traços reais de uma tradição subjacente de práticas jurídicas informais nãooficiais podem ser encontrados nas remotas comunidades de índios e negros do Brasil colonial Sob tal prisma é essencial o resgate histórico de um pluralismo jurídico comunitário localizado e propagado através das ações legais associativas no interior dos antigos quilombos de negros37 e nas reduções 34 SHIRLEY Robert W Op cit p 80 35 Ibidem 36 MENDES Antonio C Op cit p 16 37 Os quilombos se constituíram em pequenas comunidades rurais povoadas por escravos negros fugidos das fazendas que buscavam defenderse da dominação e repressão colonial Eram organizados livremente e de forma indígenas38 sob a orientação jesuítica constituindose nas formas primárias e autênticas de um Direito insurgente eficaz nãoestatal39 Tais concepções desmentem o mito da centralização jurídica ocidental moderna fundada na unicidade territorial de um Direito estatal e formal A historiografia oficial em geral não reconhece a existência no período anterior à colonização de várias nações indígenas cada qual com um Direito próprio base de suas formas de procedimento no âmbito da propriedade posse família sucessão matrimônio e delito Na verdade a riqueza desses grupos indígenas revelase na convivência com a pluralidade de valores culturais diversos organizando suas modalidades de comportamento conforme disposições jurídicas que nada têm a ver com o Direito Estatal porque são a expressão de uma sociedade sem estado cujas formas de poder são legitimadas por mecanismos diferentes dos formais e legais do Estado40 Como adverte Carlos F Marés o reconhecimento de um direito entre as comunidades indígenas não é uma discussão contemporânea pois tem suas origens nas invasões ibéricas em terras latinoamericanas41 Tal polêmica passa pelo questionamento da natureza humana pela legitimidade e pela capacidade jurídica dos índios levantadas por Francisco de Vitoria na Unversidade de Salamanca 153942 pela denúncia de Bartolomé de Las Casas em Valladolid 1547 a 1550 contra a sangrenta conquista espanhola e pela revelação do genocídio autosuficiente baseados na ocupação da terra na propriedade coletiva na agricultura de subsistência e na luta armada Para maior abrangência consultar FREITAS Décio Palmares a Guerra dos escravos 5 ed Porto Alegre Mercado Aberto 1987 MOURA Clóvis Os Quilombos e a Rebelião Negra 7 ed São Paulo Brasiliense 1987 38 Já as reduções consistiam em comunidades indígenas muitas das quais apoiadas por padres jesuítas onde as terras a propriedade os bens e os meios de produção eram compartilhados e assumidos em comum fundados sobre as bases do coletivismo solidário Observar a propósito LUGON C A República Comunista Cristã dos Guaranis 3 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 BRUXEL Arnaldo 2 ed Os Trinta Povos Guaranis Porto Alegre ESTNovaDimensão 1987 KERN Amo Alvarez Missões Uma Utopia Política Porto Alegre Mercado Aberto 1982 39 ALFONSIN Jacques Távora et alii Negros e Índios no Cativeiro da Terra Rio de Janeiro AJUPFASE 1989 p 20 40 MARÉS DE SOUZA FILHO Carlos F Índios e Direito O Jogo Duro do Estado In Negros e Índios no Cativeiro da Terra Rio de Janeiro AJUPFASEjun 1989 p 8 Sobre a temática indígena projetada no e relacionada com o mundo jurídico observar BEVILÁQUA Clóvis Instituições e Costumes Jurídicos dos Indígenas Brasileiros ao Tempo da Conquista In SOUZA FILHO Carlos Marés Textos Clássicos sobre o Direito e os Povos Indígenas Curitiba Juruá 1994 p 7792 MENDES JÚNIOR João Os Indígenas do Brasil seus Direitos Individuais e Políticos São Paulo Typ Hennies Irmãos 1912 CUNHA Manuela Carneiro Os Direitos do Índio Ensaios e Documentos São Paulo Brasiliense 1987 COMISSÃO PRÓÍNDIOSP O Índio e a Cidadania São Paulo Brasiliense 1983 SANTOS Sílvio Coelho dos org O Índio Perante o Direito Florianópolis Ed da UFSC 1982 COLAÇO Thais Luzia O Direito Guarani PréColonial e as Missões Jesuíticas A Questão da Incapacidade Indígena e da Tutela Religiosa Tese de Doutorado em Direito Florianópolis CPGDUFSC 1998 468p 41 Cf MARÉS DE SOUZA FILHO Carlos F Op cit p 7 Para exposição mais completa consultar WOLKMER Antonio Carlos org Direito e Justiça na América Indígena da Conquista à Colonização Porto Alegre Livraria dos Advogados 1998 42 Ver VITORIA Francisco de Doctrina sobre los Índios Salamanca San Sebastian 1992 dos índios43 pela defesa eloqüente e pela proteção ardorosa dos indígenas e em alguns momentos dos escravos negros contra a cobiça dos colonizadores portugueses impetrada pelo Pe Antonio Vieira no Maranhão e na Bahia na metade do século XVII44 Naturalmente a legalidade oficial imposta pelos colonizadores nunca reconheceu devidamente como Direito as práticas tribais espontâneas que organizaram e ainda continuam mantendo vivas algumas dessas sociedades sobreviventes V ale dizer que o máximo que a justiça estatal admitiu desde o período colonial foi conceber o Direito indígena como uma experiência costumeira de caráter secundário Autores como João Bernardino Gonzaga admitem uma justiça penal indígena no tempo do descobrimento ainda que seja impossível estabelecer um único direito criminal gerado por uma fonte superior em face das diversidades existentes entre os incontáveis grupos indígenas inexistência de homogeneidade até mesmo em nações nativas maiores como a dos tupis tampouco podese reconhecer qualquer influência dessas práticas penais sobre o Direito dos conquistadores lusitanos45 De qualquer modo outra especificidade a ressaltar é que como assinala Carlos F Marés se a legalidade de cada uma das nações indígenas é o resultado de uma cultura aceita e professada por todos os habitantes igualmente inclusive na aceitação das diferenças o Direito Estatal Brasileiro é fruto de uma sociedade profundamente dividida onde a dominação de uns pelos outros é o primado principal e o individualismo o marcante traço característico46 43 Constatar LAS CASAS Frei Bartolomé de O Paraíso Destruído Brevíssima Relação da Destruição das Índias 5 ed Porto Alegre L PM 1991 Sobre o tema ver BRUIT Héctor Hernan Bartolomé de las Casas e a Simulação dos Vencidos Campinas Unicamp São Paulo Iluminuras 1995 DUSSEL Enrique 1492 o Encobrimento do Outro a origem do mito da modernidade Petrópolis Vozes 1993 LEONPORTILHA Miguel A Conquista da América Latina Vista pelos Índios 4 ed Petrópolis Vozes 1991 TODOROV Tzvetan A Conquista da América A Questão do Outro São Paulo Martins Fontes 1993 44 Entretanto a ação catequista protetora dúbia e limitada de Antonio Vieira ou mesmo de Manuel da Nóbrega nem sempre irá estenderse à escravidão africana encarada por vezes como de utilização necessária e providencial Ora ainda que os jesuítas se interessassem muito pela libertação dos índios certamente nada fizeram em favor dos negros africanos os quais continuaram durante mais de três séculos a sofrer o jugo da escravidão Desse modo não foi considerada comum a sorte dos índios e a dos negros africanos no Brasil In TRIPOLI César Op cit p 108109 Para melhor compreensão da postura de Antonio Vieira em defesa do direito dos índios ver VIEIRA Pe Antonio Escritos Instrumentais sobre os Índios São Paulo LoyolaEDUC 1992 Igualmente BOSI Alfredo Dialética da Colonização São Paulo Companhia das Letras 1992 p 119148 HOORNAERT Eduardo Teologia e Ação Pastoral em Antonio Vieira SJ 16521661 In História da Teologia na América Latina São Paulo Paulinas 1981 p 6374 MEIHY Jose Carlos Sebe Bom Vieira a Catequese segundo os Sermões Anais do X Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros UNIJUÍ Campus Santa Rosa 1994 I 250260 VILELA Magno Uma Questão de Igualdade Antonio Vieira e a Escravidão Negra na Bahia do Século XVII Rio de Janeiro Relume Dumará 1997 Sobre aspectos da política colonialista dos portugueses acerca dos indígenas brasileiros verificar THOMAS Georg Política Indigenista dos Portugueses no Brasil 15001640 São Paulo Loyola 1982 CUNHA Manuela Carneiro Op cit p 53101 103117 ALMEIDA Rita Heloísa de O Diretório dos Índios um Projeto de Civilização no Brasil do Século XVIII Brasília UnB 1997 45 Cf GONZAGA João Bernardino O Direito Penal Indígena à época do descobrimento do Brasil São Paulo Max Limonad sd p 1115 46 MARÉS SOUZA FILHO Carlos F Op cit p 9 Nesse período que merece destaque a experiência em terras da bacia platina Paraguay Argentina e Brasil durante os séculos XVII e XVIII do sistema comunal missioneiro de posse da terra junção de práticas políticolegais européias com o solidarismo das reduções indígenas utilizado e incentivado pelos padres jesuítas espanhóis aos povos Guaranis aí reduzidos Foi um coletivismo indígena de bases municipais surgido e desenvolvido graças à autonomia com que nessa área incidiu a legislação da Coroa de Castela sobre uma realidade nativa suficientemente respeitada47 Nesse contexto histórico como breve ilustração mencionase o comentário de A Bruxel de que toda a estrutura de controle e punição nas Missões distintamente da justiça de tradição européia não castigava na proporção do delito para o restabelecimento da justiça lesada justiça punitiva mas na medida em que o exigia a recuperação do delinqüente justiça medicinal Alcançada a correção indultavase o réu48 Vale nesse contexto outra referência extensa mas não menos ilustrativa sobre o sistema de controle social e sobre a organização da Justiça missioneira trazida pelo historiador Amo A Kern que destaca nas Missões da Província Jesuítica do Paraguai o Código Penal estava inserido no Livro de Ordens onde se registravam todas as determinações que emanavam quer das autoridades da Companhia de Jesus quer das próprias da administração espanhola O Código Penal proibia as punições privadas pois o castigo deveria servir como exemplo aos demais e assim também se impediam os excessos O pior crime que Se poderia cometer o homicídio era punido com prisão perpétua não havendo pena de morte Cada crime tinha estipulada a pena não podendo jamais ser aumentada mas somente diminuída pois eram levadas em conta as boas disposições do culpado As crianças eram punidas por um máximo de quatro ou cinco açoites de acordo com a idade aplicados por quem estivesse no controle de sua atividade As mulheres só podiam ser punidas por um máximo de vinte açoites sendo a sentença sempre executada por outra mulher para evitar violência nos golpes As mulheres grávidas estavam isentas de castigo Para os homens as penas podiam ser maiores mas jamais ultrapassavam vinte e cinco chicotadas diárias mesmo se a pena fosse superior a isso 47 RUSCHEL Ruy Ruben O Direito de Propriedade dos Índios Missioneiros In Veritas Porto Alegre PUC v 33 n 153 março 1994 p 107 Para aprofundar o estudo da questão indígena nas missões jesuíticas constatar KERN Arno Missões Uma Utopia Política Porto Alegre Mercado Aberto 1982 FLORES Moacyr Colonialismo e Missões Jesuíticas Porto Alegre ESTICHRS 1983 QUEVEDO Julio As Missões Crise e Redefinição São Paulo Ática 1993 HAUBERT Maxime Índios e Jesuítas no Tempo das Missões São Paulo Companhia das LetrasCírculo do Livro 1990 48 BRUXEL Arnaldo Op cit p 54 As referências a prisões nas Missões são inexistentes ou se referem a prisões domiciliares Seguindo os costumes espanhóis que jamais permitiam a punição de autoridades em praça pública os caciques também não sofriam esta pena Os culpados jamais eram acorrentados ou algemados seus casos eram sempre estudados e as testemunhas ouvidas e acareadas A punição usual nas Missões era a reprimenda Ocorria também em casos muito extremos o ostracismo de certos criminosos para Missões longínquas e mesmo o banimento O fato de ser a punição sempre pública e aplicada pelos próprios índios limitava a possibilidade de abusos e excessos na aplicação das penas O sistema penal nunca foi rigoroso em excesso o que foi extraordinário para uma época em que as punições mesmo na Europa eram ainda violentas A coercitividade era assim mínima e durante um século e meio não fizeram os guaranis nenhuma revolta contra os jesuítas enquanto no mesmo período as reações contra os encomendeiros foram violentas e freqüentes Só um sistema penal nãorigoroso pode explicar como apenas dois padres podiam controlar uma Missão inteira A disciplina como bem salientou Sagot era mais rigorosa do ponto de vista coletivo social do que individualmente quando era pouco exigente49 Na verdade os jesuítas se constituíram ao mesmo tempo em juízes e em jamais superiores das causas indígenas no interior das reduções Tendo em vista que as Missões eram parte da Coroa Espanhola a legislação aplicada nas reduções eram as Leis das Índias À insuficiência ou inadequação das Leis das Índias na resolução de casos concretos facultavase aos jesuítas da América por concessão do Papa Paulo III a elaboração de estatutos ou normas para suprir essa falta Assim como escreve B Fernández Herrero os jesuítas elaboraram regras específicas para a sua circunstância local e estas normas que compuseram o corpo legislativo das reduções foram recolhidas no Livro de Ordens que cada padre devia ter em sua redução e que seguindoo não daria lugar para improvisações que fizessem diferentes os sistemas administrativos de cada povo com vistas a alcançar uma uniformidade 50 Mas o tema da justiça e da legalidade paralela durante a colonização não abarca apenas os esforços de ocupação indígena pois o projeto escravista senhorial de negação do outro integra também a coerção despersonalizada a violência física e a discriminação social da cultura negra Desde o século XVII a elite dominante e seus letrados servis buscaram justificar sob o aspecto religioso moral e jurídico um projeto cristãocolonialista colocando 49 KERN Arno A Op cit p 5759 Para aprofundarse no estudo do Direito e da Justiça na experiência das reduções guaraníticas examinar HERRERO Beatriz Fernández La Utopía de América Teoria Leyes Experimentos Barcelona Anthropos 1992 CHASESARDI Miguel El Derecho Consuetudinario Indigena y su Bibliografia Antropológica en el Paraguay Asunción Biblioteca Paraguaya de Antropología 1990 50 HERRERO Beatriz Fernández Op Cit p 322323 Sobre o Livro de Ordens observar LUGON Clóvis A República Comunista Cristã dos Guaranis p 9295 em relevo a legitimidade da escravidão e a fundamentação de normas que institucionalizassem o controle Daí a resposta das massas negras engajadas na resistência à escravidão51 Essa luta pela libertação alcança seu momento mais expressivo nos quilombos do sudeste do Brasil entre os séculos XVII e XVIII Tal forma do estrutura político econômica que teve em Palmares o melhor exemplo de organização florescimento e resistência enquanto regime comunitário mantevese com base na agricultura e na criação de animais de subsistência Assim os negros de Palmares tornandose autosuficientes e criando formas de defesa e sobrevivência ao escravismo colonial desenvolveram práticas de convivência respaldadas no igualitarismo e na participação comunitária dirimindo possíveis procedimentos causa dores de atritos e confrontos sociais O fato real é que os quilombos no relato de um estudioso do assunto ao repudiar o sistema de latifúndio dos sesmeiros adotaram a forma do uso útil de pequenos tratos roçados base econômica da família livre o excedente da produção era dado ao Estado como contribuição para a riqueza social e defesa do sistema a solidariedade e a cooperação eram praticadas desde o início dos quilombos que deve remontar aos princípios do século XVII a sociedade livre era regida por leis consagradas pelos usos e costumes não existiam vadios nem exploradores nos quilombos mas sim uma ativa fiscalização como sói acontecer nas sociedades que se formam no meio de lutas contra forma ultrapassadas de relações de produção 52 51 Escreve Alfredo Bosi op cit p 24 A alternativa para o escravo não era em princípio a passagem para um regime assalariado mas a fuga para os quilombos Lei trabalho e opressão são correlatos sob o escravismo colonial Nos casos de alforria que se tornam menos raros a partir do apogeu das minas a alternativa para o escravo passou a ser a mera vida de subsistência como posseiro em sítios marginais ou a condição subalterna de agregado que subsistiu ainda depois da abolição do cativeiro De qualquer modo ser negro livre era sempre sinônimo de dependência Para aprofundar a análise da resistência negra da luta organizada e dos processos criminais resultantes da escravidão examinar MACHADO Maria Helena P T Crime e Escravidão Trabalho Luta e Resistência nas Lavouras Paulistas 18301888 São Paulo Brasiliense 1987 GRINBERG Keila Liberata A Lei da Ambigüidade As Ações de Liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro Século XIX Rio de Janeiro RelumeDumara 1994 52 MOURA Clovis Op cit p 3839 Vide ainda ROCHA Osvaldo de Alencar O Negro e a Posse da Terra no Brasil In Negros e Índios no Cativeiro da Terra Op cit p 48 VAINFAS Ronaldo Ideologia Escravidão Os Letrados e a Sociedade Escravista no Brasil Colonial Petrópolis Vozes 1986 ROCHA Manoel Ribeiro Etíope Resgatado In SUESS Paulo ed Petrópolis Vozes 1992 Interessante observar o descaso das autoridades coloniais e a inexistência de uma legislação oficial reguladora das condições garantias e direitos dos escravos negros A esse respeito escreve César Trípoli op cit p 110 144 que realmente a legislação só se preocupou com sua importação De fato foi em virtude do Alvará de 29 de março de 1559 que os senhores de engenhos no Brasil ficaram autorizados a mandar vir escravos de S Tomé com licença do Governador Geral I Não há vestígio depois do Alvará de 1559 de qualquer lei com referência aos negros africanos cuja importação foi sempre aumentando Afirmase que durante o século XVII entraram no Brasil cerca de quarenta mil negros africanos por ano Foi somente nos últimos vinte anos do dito século que se tratou deles na legislação Os seus inestimáveis serviços nunca mereceram a consideração dos governadores e muito menos da Metrópole e a Metrópole acordou quando os negros constituíram um Estado no Estado com a implantação da República dos Palmares e procurou então obter pelas vias legislativas o que as expedições militares não tinham podido conseguir De fato foi expedido o Alvará de 10 de março de 1682 determinando várias providências para chamar os quilombolas ao trabalho dos engenhos c das propriedades agrícolas de onde haviam fugido e assegurandolhes a prescrição do Na busca da real historicidade das instituições o avanço pelo cenário de uma legalidade autóctone como se constatou também possibilita contemplar o lado da oficialidade De fato importa reconhecer o papel desempenhado pelos operadores hegemônicos da justiça oficial considerando a estrutura econômica marcada por práticas mercantilistas e escravistas bem como por uma montagem políticoadministrativa semifeudal patrimonialista e elitista cuja dinâmica histórica nega o direito do outro o filho nativo da terra para incorporar e impor o Direito alienígena colonizador Assim para que esse ordenamento colonial funcionasse formalmente foi necessário um aparato institucionalizado composto de atores profissionais juízes ouvidores escrivães e instâncias processuais Administração da Justiça Tribunal da Relação Casa da Suplicação etc Daí a obrigatoriedade de se examinar na etapa seguinte a organização a competência e os integrantes da Justiça Colonial 23 Os operadores jurídicos e a administração da justiça Para entender a dinâmica da justiça no período colonial impõese descrever seu quadro organizacional como um todo razão pela qual se ressalta a constituição e a competência das instâncias jurisdicionais bem como o recrutamento o comportamento as funções e influências dos magistrados na sociedade enquanto operadores jurídicos Analisando o primeiro aspecto cabe caracterizar que a administração da justiça no período das capitanias hereditárias estava entregue aos senhores donatários que como possuidores soberanos da terra exerciam as funções de administradores chefes militares e juízes Assim os donatários detendo os mais amplos poderes para organizar seus domínios não dividiam com outros o Direito de aplicar a lei aos casos ocorrentes dirimindo os conflitos de interesses e direitos entre os habitantes a capitania53 A situação modificouse consideravelmente com o advento dos governadores gerais evoluindo para a criação de uma justiça colonial para a formação de uma pequena burocracia composta por um grupo de agentes profissionais Isso foi possível na medida em que as antigas capitanias se transformaram em espécie de províncias unificadas pela domínio dos senhores no prazo de cinco anos a contar do dia em que voltassem ao convívio do povo Em 1687 ainda foram ajustadas condições entre o governador de Pernambuco e o paulista Domingos Jorge Velho para conquistar e destruir os negros levantados dos Palmares Oportuna é também a releitura crítica da condição do negro escravo frente à legislação oficial em SILVA Dimas Salustiano da Direito Insurgente do Negro no Brasil Perspectivas e Limites no Direito Oficial In CHAGAS S D org Lições de Direito Civil Alternativo São Paulo Acadêmica 1994 p 5771 FREITAS Décio Escravidão de Índios e Negros no Brasil Porto Alegre ESTICP 1980 53 MARTINS JÚNIOR Isidoro Op cit p 125 autoridade do mandatáriorepresentante da Metrópole Tornouse mais fácil com a reforma políticoadministrativa impor um sistema de jurisdição centralizadora controlada pela legislação da Coroa Por orientação das Cartas de Doação a primeira autoridade da Justiça Colonial foi o cargo particular de ouvidor designado e subordinado aos donatários das capitanias por um prazo renovável de três anos Tratavase numa primeira fase de meros representantes judiciais dos donatários com competência sobre ações cíveis e criminais Mais tarde em 1549 com a implantação do primeiro governogeral e com o alargamento das responsabilidades burocráticas e fiscais os primitivos ouvidores passaram a ser ouvidoresgerais com maiores poderes e com mais independência em relação à administração política Neste sentido Stuart B Schwartz escreve que o estabelecimento da função de ouvidorgeral no Brasil refletiu não só o desejo da Coroa de melhorar a situação da justiça mas também sua vontade de aumentar o controle real centralizado O interesse da Coroa pela área cresceu a partir de 1550 e o ouvidorgeral na qualidade de funcionário real de confiança a cada passo assumiu novas funções e responsabilidades em nome do interesse real54 Não resta dúvida de que o ouvidorgeral acabou transformandose num dos cargos mais importantes durante a segunda fase da colonização juntamente com o de governadorgeral e o de provedormor da fazenda Por resolver as questões de justiça e os conflitos de interesses o ouvidorgeral detinha um poder quase sem limites sujeito ao seu próprio arbítrio pessoal de suas decisões na maioria das vezes não cabia apelação nem agravo55 O crescimento das cidades e da população aumentou os conflitos determinando o alargamento do quadro de funcionários e autoridades da justiça A organização judiciária reproduzindo na verdade a estrutura portuguesa apresentava uma primeira instância formada por juízes singulares que eram distribuídos nas categorias de ouvidores juízes ordinários e juízes especiais Por sua vez estes se desdobravam em juízes de vintena juízes de fora juízes de órfãos juízes de sesmarias etc A segunda instância composta de juízes colegiados agrupava os chamados Tribunais de Relação que apreciavam os recursos ou embargos Seus membros designavamse desembargadores e suas decisões acórdãos Já o Tribunal de Justiça Superior de terceira e última instância com sede na Metrópole era representado pela Casa da Suplicação uma espécie de tribunal de apelação56 54 SCHWARTZ Stuart B Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial São Paulo Perspectiva 1979 p 28 55 Cf MARTINS JÚNIOR Isidoro Op cit p 114 Igualmente constatar TRIPOLI César Op cit p 221 56 Cf MARTINS JÚNIOR I Op cit p 129 NASCIMENTO Walter V Op cit p 248251 CARVALHO José Murilo A Construção da Ordem a Elite Política Imperial Rio de Janeiro Campus 1980 p 135 Ainda sobre a organização judiciária e policial do período colonial verificar LEAL Victor Nunes Coronelismo Uma descrição completa do sistema judicial lusitano dos séculos XVI e XVII não pode deixar de destacar o supremo conselho institucionalizado e a esfera mais elevada de jurisdição qual seja o Desembargo do Paço Já consagrado pelas Ordenações Manuelinas o Desembargo do Paço não tinha função específica de julgamento mas sim de assessoria para todos os assuntos de justiça e administração legal embora causas de mérito especial que houvessem exaurido todos os outros meios de acordo pudessem ser levadas até esse órgão57 De igual modo cabiam lhe a elaboração e correção da legislação a designação promoção e avaliação do desempenho de magistrados58 É certo que tais tribunais superiores Desembargo do Paço e Casa da Suplicação mesmo sendo transferidos para o Brasil em 1808 seguiram sendo sempre instituições remotas para a maioria dos brasileiros59 O primeiro Tribunal da Relação criado em 1587 para atuar na Colônia não chegou a entrar em funcionamento pois o navio que trazia os dez ministros nomeados acabou não podendo zarpar de Portugal Posteriormente o governo da Metrópole constituiu um segundo Tribunal da Relação oficializado para ocorrer na Bahia dandolhe regulamentação em 7 de março de 1609 Entretanto como descreve Rodolfo Garcia a invasão da Bahia pelos holandeses fez com que Portugal decidisse abolir essa Relação temporariamente por alvará de 5 de abril de 1626 sendo restaurada posteriormente por interesse da Câmara Bahiana em 12 de Setembro de 1652 O Brasil teria quase um século depois outro Tribunal da Relação dessa feita no Rio de Janeiro pelo alvará de 13 de outubro de 175160 Outros Tribunais de Relação seriam ainda criados no Maranhão em 1812 e no Pernambuco em 1821 subindo os feitos nos casos de apelações e agravos das decisões desses Tribunais para a Casa da Suplicação61 A justificação plena da Relação do Rio de Janeiro deuse porque a população do Sul do Brasil ficava deslocada e distante geograficamente da Relação de Salvador sua jurisdição abrangia todo o norte de Porto Seguro até a capitania do Rio Negro não podendo permanecer nela suas causas e requerimentos sem padecer grandes demoras despesas e perigos o que só podia evitarse criandose outra Relação Enxada e Voto 4 ed São Paulo AlfaOmega 1978 p 181188 ROCHA POMBO José Francisco da História do Brasil V IV O Regime Colonial Rio de JaneiroSão Paulo W M Jackson Inc Editores sd p 144161 SEGURADO Milton Duarte História Resumida do Direito Brasileiro Rio de Janeiro Ed Rio 1982 p 1133 57 SCHWARTZ Stuart E Op cit p 9 58 Ibidem 59 FLORY Thomas El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial 18081871 México Fondo de Cultura Económica 1986 p 59 60 GARCIA Rodolfo Ensaios sobre a História Política e Administrativa do Brasil 15001810 Rio de Janeiro José Olympio 1956 p 8386 Igualmente ver TRIPOLI César Op cit p 251252 61 Cf CALMON Pedro História da Civilização Brasileira 2 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1935 p 133134 na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro 62 Além é claro da hipótese de que o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro surgira para tornar mais eficaz a máquina judiciária desencadeando maior presteza nos litígios Historiadores do Direito como Amo e Maria José Wehling sugerem que as mudanças determinantes das decisões mais rápidas acerca de demandas judiciais ligadas em grande parte às atividades de exploração mineradora contribuíram para suplantar os efeitos negativos dos sucessivos embargos e recursos dilatórios que paralisavam a produção aurífera e reduziam a arrecadação63 Esse segundo Tribunal recursal foi inspirado no modelo do Tribunal da Relação da Bahia o que explica o mesmo número de desembargadores com idênticos vencimentos Sua jurisdição compreendia Rio de Janeiro Minas Gerais São Paulo e o sul do País Como esclarecem os Wehling os encargos do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro compreendiam três situações do ponto de vista jurídico processual Era uma instância recursal e enquanto tal recebia dois tipos de recursos as apelações e os agravos Recebia ações novas nas áreas cível criminal e do patrimônio estatal em certos casos Possuía também competência avocatória em situações de juízo criminal O Tribunal não era portanto a despeito de seu caráter geral revisor exclusivamente recursal64 Cabe ainda mencionar como inerente ao organismo judiciário da época as Juntas de Justiça já referidas pelo Regimento de Tomé de Souza mas adquirindo maior notoriedade pelo alvará de 18 de junho de 1765 e tornandose extensivas a todo o território do Brasil onde houvesse ouvidores No dizer de Martins Júnior as ditas Juntas de Justiça eram pequenos tribunais compostos do ouvidor de uma capitania e de dois letrados adjuntos que sentenciavam sumariamente em certos pontos do país 65 Com a criação e o funcionamento do Tribunal da Relação66 no Brasil consolidouse uma forma de administração da justiça não mais efetuada pelo ouvidorgeral mas centrada na burocracia de funcionários civis preparados e treinados na Metrópole Assim o segundo aspecto sobre o qual incide nosso interesse é referente a composição funções e 62 FERREIRA Waldemar O Direito Público Colonial do Estado do Brasil sob o Signo Pombalino Rio de Janeiro Ed Nacional de Direito 1960 p 80 63 WEHLING Amo e WEHLING Maria José As Origens do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro SBPH Anais da XIV Reunião Salvador 1994 p 136 64 WEHLING Arno e WEHLING Maria José A Atividade Judicial do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro 17511808 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro 156 386 janmar 1995 p 81 65 MARTINS JÚNIOR L Op cit p 129 GARCIA Rodolfo Op cit p 87 66 Sobre a composição funcional dos primeiros Tribunais Superiores escreve Rocha Pombo que cada Relação compunhase de doze membros sendo um Governador ou Regedor um Chanceler cinco Desembargadores de agravos dois Ouvidores Gerais um do cível outro do crime um Procurador da Coroa promotor da Justiça e um Juiz dos Feitos da Fazenda Real Contava ainda o seguinte pessoal de ofício nove escrivães dois inquiridores um do crime outro do cível um guardamor dois guardamenores dois meirinhos um capelão um médico além de um cirurgião e um sangrador e um carcereiro Todos os juízes e oficiais tinham ordenado e propinas exceto os escrivães que só percebiam custas O Governador Geral do Estado era de direito o Regedor da Relação História do Brasil O Regime Colonial V II p 145 conduta dos principais agentes jurídicos no âmbito do aparelho judiciário colonial Para examinar mais de perto a formação social e o comportamento profissional dessa burocracia de magistrados tomouse como fonte o estudo clássico de Stuart B Schwartz envolvendo o primeiro órgão de Justiça Superior conhecido exatamente como Tribunal da Relação da Bahia entre 1609 e 1751 e as pesquisas históricas sobre os magistrados no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro no século XVIII desenvolvidas por Amo e Maria José Wehling Justificase deste modo o interesse em examinar a magistratura portuguesa por ter sido a que compôs inicialmente a primeira instância brasileira de apelação e que iria influenciar o perfil dos juízes nascidos na colônia principalmente a partir do século XVIII67 Os magistrados revelavam lealdade e obediência enquanto integrantes da justiça criada e imposta pela Coroa o que explica sua posição e seu poder em relação aos interesses reais resultando em benefícios nas futuras promoções e recompensas Na verdade a magistratura lusa de cujo núcleo nasceu a brasileira ainda que tenha emergido de estrutura burocrática adquirira condição de organização moderna e profissional habilitandose a tarefas de natureza política e administrativa68 A carreira do magistrado estava inseri da na rigidez de um sistema burocrático que delineava a circulação e a prestação de serviço na Metrópole e nas colônias Em geral o exercício da atividade judicial era regido por uma série de normas que objetivavam coibir envolvimento maior dos magistrados com a vida local mantendoos eqüidistantes e leais servidores da Coroa Dentre algumas dessas regras vale lembrar a designação por apenas um período de tempo no mesmo lugar as proibições de casar sem licença especial de pedir terras na sua jurisdição e de exercer o comércio em proveito pessoal Ainda que essas regras se impusessem em Portugal no Tribunal Superior da Bahia sua violação acabava sendo constante tanto por parte de desembargadores portugueses aqueles que pretendiam permanecer no país quanto de magistrados brasileiros69 67 A propósito em suas investigações sobre o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro Arno Wehling assinala que o número de desembargadores naturais do Brasil comprova o papel que a colônia desde o início do século XVII veio a desempenhar no Império português Vinte e nove vírgula quatro por cento dos magistrados eram nascidos no Brasil com predomínio casual ou não da região mais nova a do sudoeste minerador Na Bahia entre 1609 e 1759 dos 168 desembargadores apenas 9 eram brasileiros É evidente que na segunda metade do século XVIII aumentou a presença brasileira na burocracia portuguesa colonial ou metropolitana garantindose sua unidade ideológica pela formação jurídica comum numa única universidade pela existência de critérios padronizados de ingresso ao serviço público e por um cursus honorum que garante se iniciava por um juizado de fora encerrandose na magistratura colegiada A naturalidade em si colonial ou portuguesa não distinguia estes burocratas uns dos outros In O Magistrado do Tribunal da Relação Origem Geográfica e Social Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica SBPH Anais da XVI Reunião Curitiba 1996 p154 68 Cf CARVALHO José Murilo Op cit p 134 69 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 139145 CARVALHO José Murilo Op cit p 134 Por tratarse da espinha dorsal do governo real o acesso à magistratura enquanto função privilegiada impunha certos procedimentos de triagem com critérios de seleção baseados na origem social Ainda que o apadrinhamento e a venda clandestina não fossem descartados impunhase um processo de recrutamento que assegurasse padrão mínimo de eficiência organização e profissionalismo70 Na descrição de Stuart B Schwartz a administração real escolhia os futuros profissionais da justiça num extenso leque da sociedade portuguesa com predominância de indivíduos de origem social específica A grande maioria dos operadores jurídicos que vieram para o Tribunal da Relação da Bahia entre 1609 e 1759 eram de classe média e sua presença no funcionalismo real refletia o uso que faziam da carreira de jurista como canal de ascensão social71 Naturalmente que de todas as camadas sociais a pequena nobreza filhos de fidalgos e o funcionalismo filhos de fiscais inspetores ou tabeliães foram os que mais contribuíram além de filhos e netos de letrados para a composição de cargos profissionais na Justiça Havia restrições aos descendentes de comerciantes ou negociantes bem como aos cristãos novos e aos impuros de sangue como os mestiços mulatos judeus e outros72 Para ingressar na carreira além da origem social era condição indispensável ser graduado na Universidade de Coimbra de preferência em Direito Civil ou Canônico ter exercido a profissão por dois anos e ter sido selecionado através do exame de ingresso ao serviço público a leitura de bacharéis pelo Desembargo do Paço em Lisboa Sua atividade profissional começava como juiz de fora prosseguindo como ouvidor de comarca e corregedor Somente após uma boa experiência na administração judiciária é que o magistrado era promovido a desembargador podendo ser designado tanto para a Metrópole quanto para as colônias A designação da função de desembargador para o Tribunal da Relação resultava de nomeação do Rei através fia Mesa do Desembargo do Paço devendo o escolhido atender a um perfil jurídicoinstitucional que estava definido em normas de variada natureza Tal perfil previa suas características pessoais morais psicológicas e materiais e a natureza das funções a desempenhar73 Ainda que em regra os juízes fossem designados para o Brasil com a promessa de promoção ao término de seis anos muitos 70 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 5762 Ver ainda WEHLING Arno e WEHLING Maria José As Leituras de Bacharéis e o Ingresso à Burocracia Judiciária Portuguesa O Caso Lusobrasileiro Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro 156 387 253263 abrjun 1995 71 SCHWARTZ Stuart B Op cit p 227 72 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 62 72 e 232 Observar também WEHLING Arno e WEHLING Maria José O Magistrado do Tribunal da Relação Origem Geografia e Social p 151 e 154 73 WEHLING Maria José e WEHLING Arno O Magistrado no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro Perfil JurídicoInstitucional Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica SBPH Anais da XVI Reunião Curitiba 1996 p 157 ligavamse pessoalmente de tal forma à colônia por motivo de casamento ou enriquecimento que acabavam adiando a volta por muitos anos ou mesmo recusando as nomeações posteriores74 Uma análise da administração da justiça no período colonial revela segundo Stuart B Schwartz a interrelação e a convivência de duas modalidades complexas e opostas de organização sóciopolítica a relações burocráticas calcadas em procedimentos racionais formais e profissionais b relações primárias pessoais baseadas em parentesco amizade apadrinhamento e suborno75 O entrelaçamento desses dois sistemas de organização burocracia e relações pessoais projetaria uma distorção que marcaria profundamente o desenvolvimento de nossa cultura jurídica institucional Essa particularidade reconhecida na sociedade colonial veio a ser o fenômeno que Stuart B Schwartz identifica como o abrasileiramento dos burocratas ou seja a inserção numa estrutura de padrões rigidamente formais de práticas firmadas em laços de parentesco dinheiro e poder O abrasileiramento da magistratura significava a corrupção das metas essencialmente burocráticas porquanto os critérios de validade passavam a ser imputados a pessoas à posição social e a interesses econômicos A corrupção cobria um lastro de desvios da legislação e das regras burocráticas76 Evidentemente os magistrados em diversas ocasiões empregaram o poder e a influência do seu cargo para obter vantagens pessoais conveniências ou para proteger suas famílias e dependentes Freqüentemente o abuso do cargo se dava para a obtenção de vantagens pessoais diretas77 o que implicava favorecimento e suborno capazes de subverter a própria justiça Ademais o comportamento profissional de setores da magistratura era constantemente afetado por uma gama de relações primárias que iam desde o casamento colonial forma de incorporação na sociedade local e de aquisição de riqueza e propriedades até os laços de amizade e de compadrio padrinho de batismo ou de casamento78 Esses contatos pessoais e esses critérios nãoburocráticos que extrapolavam os regula mentos formais da profissão abriam o acesso ao dinheiro prestígio e posse de terras de tradicionais famílias ligadas à criação de gado e ao plantio da canadeaçúcar Conquanto a hegemonia das oligarquias agrárias nacionais não se tenha constituído por descendência nobre mas sim pela 74 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit pp 142271274 Ver igualmente FLORY Thomas Op cit p 60 75 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 251292 76 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 252261 FLORY Thomas Op cit p 62 77 SCHWARTZ Stuart B Op cit p 264267 78 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 271273274 riqueza derivada do domínio de terras não é de causar estranheza a existência de magistrados que buscavam a aquisição de uma fazenda ou de um engenho de canadeaçúcar Na medida em que a posse da terra possibilitava aos magistrados fortuna e poder social nada mais natural que aspirassem permanecer na colônia desinteressandose por promoções funcionais79 As possíveis irregularidades e os desvios dos objetivos profissionais eram acomodados pelo controle fiscalizador da Coroa na medida em que esses funcionários judiciais bem treinados obedientes e leais eram símbolo dos interesses reais absolutistas Parece muito claro como sugere Stuart B Schwartz que as distorções praticadas pela Relação bahiana e por seus magistrados eram na óptica da Coroa compensadas em parte pelas funções políticas que eles desempenhavam Na medida em que o governo do Brasil saiu das mãos dos donatários das capitanias e passou a ser diretamente controlado pela Coroa os funcionários judiciais assumiram importantes funções políticas e administrativas80 Portanto o magistrado da Relação do Rio de Janeiro além das funções de natureza judicial acumulavaas com outras como o ministério público e as atividades políticas e administrativas que o tornavam de fato um membro do governo colonial81 O governo imperial favoreceu a emergência de uma elite de funcionários reais que ocupavam um espaço estratégico no processo de dominação política exploração econômica e controle institucional A natureza de tal dinâmica refletia as contradições entre procedimentos formais inerentes ao aparato burocrático português e práticas de relações pessoais primárias próprias da estrutura dependente e subserviente De fato esses operadores jurídicos na maior parte das vezes almejavam objetivos coletivos ou pessoais que conflitavam frontalmente com os padrões dos cargos que ocupavam Era este o paradoxo do governo colonial paradoxo que no entanto dava vida ao regime ao conciliar os interesses da Metrópole com as colônias82 É indiscutível portanto reconhecer que no BrasilColônia a administração da justiça atuou sempre como instrumento de dominação colonial A monarquia portuguesa tinha bem em conta a necessária imperiosa identificação entre o aparato governamental e o poder judicial Frizase deste modo que a organização judicial estava diretamente vinculada aos níveis mais elevados da administração real de tal forma que se tornava difícil distinguir em certos lugares da colônia a representação de poder das instituições uma da outra pois ambas se confundiam83 79 Cf SCHWARTZ Stuart B Op cit p 266267 80 SCHWARTZ Stuart B Op cit p 290 81 In O Magistrado no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro Perfil JurídicoInstitucional p 16l 82 SCHWARTZ Stuart B Op cit p 292 83 Cf FLORY Thomas Op cit p 58 Nesta historicidade buscouse sobretudo descrever o processo ideológico de formação do Direito e da Justiça oficiais ao longo da colonização do país bem como sua interdependência com uma ordem institucional políticoadministrativa marcada pela coexistência antagônica e conflitante de formas tradicionais patrimonialismo com procedimentos racionais burocracia As expressões burocracia e patrimonialismo foram não só tratadas sociologicamente por Max Weber para designar fenômenos distintos movidos por princípios reguladores opostos como também foram empregadas concomitante e hibridamente para configurar o desenvolvimento de certa prática de organização política pré moderna É pois neste sentido particular que se procurou enquadrar a experiência legal institucional brasileira caracterizada essencialmente por traços pertencentes em parte à forma racional de dominação e outros no entanto à forma tradicional 84 Tratase da adequação no interior da sociedade colonial de atitudes e relações nãoprofissionais de dominação tradicional com práticas administrativas profissionais marcadas pela especialização hierarquia e carreira burocrática Naturalmente todo esse aparato jurídicoadministrativo que nada mais foi do que a transposição da estrutura funcional da legislação interna e da organização institucional portuguesa na colônia estava longe de ser equânime ampla e eficaz Tais assertivas são corroboradas pela historiografia mais recente que rastreia aspectos da cultura jurídica brasileira no século XVIII É nessa perspectiva os Wehling reconhecem com precisão que a justiça oficial justapunhase muitas vezes à justiça privada exerci da no interior por proprietários rurais cujo poder não era contestado pelas autoridades coloniais por absoluta incapacidade de meios O mandonismo rural sempre foi ao longo do século XVIII um eficiente contrapeso em vastas regiões do país à atuação das políticas de centralização A própria justiça oficial estava longe de ser eficiente Literatos teólogos e administradores contemporâneos escreveram sobre ela lastimando sua morosidade a venalidade de seus funcionários a cupidez dos advogados ou a incapacidade dos juízes ordinários Houve também casos de denúncias de corrupção de juízes de fora ouvidores e até desembargadores da Relação da Bahia85 Além das formas convencionais de administração da justiça produzidas e mantidas pelo Estado no período da colonização cabe aludir no amplo cenário de procedimentos históricos legais e na determinante influência da Igreja Católica à época a presença da justiça eclesiástica acolhida e resguardada pela Inquisição Sabese que o 84 URICOECHEA Fernando Op cit p 14 85 WEHLING Arno e WEHLING Maria José A Atividade Judicial do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro 17511808 p 81 Tribunal do Santo Ofício possuía um Regimento Interno composto por leis jurisprudência ordens e regulamentos sendo os crimes de maior gravidade aqueles considerados contra a fé e contra a moral e os costumes prevalecendo métodos de ação como a denúncia a confissão a tortura e a pena de morte na fogueira86 Em que pese nunca ter havido um Tribunal no Brasil a Inquisição teve atuação marcante na Colônia com as chamadas Visitação do Santo Ofício Ainda que se destacassem três tribunais em Portugal Lisboa Coimbra e Évora sempre que necessário e nos casos de maior gravidade os acusados brasileiros eram julgados pelo Tribunal Inquisitorial de Lisboa Em face da dependência funcional da Colônia escreve Anita Novinsky os agentes inquisitoriais foram enviados para o Brasil para investigar prender os suspeitos de heresias Apesar de em 1580 o Santo Ofício já ter delegado poderes inquisitoriais ao bispo da Bahia para enviar os hereges a Lisboa foi somente em 1591 que Portugal nomeou um visitador Heitor Furtado de Mendonça para ir a São Toma Cabo Verde e Brasil inquirir in loco os habitantes e iniciar os processos inquisitoriais Esse visitador ficou no Brasil de 1591 a 1595 inquirindo primeiro na Bahia e em seguida em Pernambuco e registrou em seus nove livros centenas de confissões e denunciações Perante o visitador são apresentadas as mais variadas heresias feitiçarias bruxarias sodomia bigamia blasfêmias desacatos e os crimes de religião judaísmo luteranismo etc87 As inspeções inquisitoriais ocorreram no Brasil durante toda a época colonial Ainda que se possa destacar num primeiro momento as Visitações de 1591 e de 1618 o aumento considerável das perseguições inquisitoriais no Brasil deuse na primeira metade do século XV quando a produção do ouro dominava a economia colonial Nessa ocasião a maior parte dos prisioneiros era composta de cristãosnovos do Rio de Janeiro88 É no conjunto desses fatos históricos que se há de concluir não deixando de apoiarse uma vez mais na caracterização de Anita Novinsky ou seja de que o Tribunal Inquisitorial do Santo Ofício tanto na Península Ibérica quanto no Brasil serviuse da religião para fundamentar arbitrariamente um sistema político de dominação e onde não havia lugar para os judeus cristãosnovos muçulmanos negros mulatos ciganos heterodoxos ou constestadores de qualquer espécie Através de seu sistema de ameaças 86 NOVINSKY Anita A Inquisição 2 ed São Paulo Brasiliense 1983 p 5660 Consultar ainda SIQUEIRA Sonia A A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial São Paulo Ática 1978 p 121122 e 276305 87 NOVINSKY Anita Op cit p 76 Examinar também VAINFAS Ronaldo org Confissões da Bahia O Santo Oficio da Inquisição de Lisboa São Paulo Companhia das Letras 1997 p 0536 88 NOVINSKY Anita Op cit p 7879 SIQUEIRA Soma A Op cit p 191 de perseguição de tortura a Inquisição garantiu a continuidade da estrutura social do antigo regime e a religião preencheu sua função políticoideológica89 Em verdade a especificidade da estrutura colonial de Justiça favoreceu um cenário institucional que inviabilizou desde seus primórdios o pleno exercício da cidadania participativa e de práticas políticolegais descentralizadas próprias de sociedade democrática e pluralista Naturalmente o padrão políticoadministrativo alienígena instaurado pela administração portuguesa e incorporado paulatinamente por nossas instituições acabaria assumindo por seu formalismo retórico e por seu tecnicismo um perfil de teor predominantemente exc1udente Sem dúvida seria assim marcado por ambivalências e contradições que que sintetizariam permanentemente a singularidade de uma cultura jurídica formada de um lado por procedimentos de raiz conservadora herança do burocratismo patrimonial do BrasilColônia e de outro por valores de matiz liberal propagados durante o Império e nos primórdios da República Em síntese o delineamento dos parâmetros constitutivos da legalidade colonial brasileira que negou e excluiu radicalmente o pluralismo jurídico nativo reproduziria um arcabouço normativo legitimado pela elite dirigente e por operadores jurisdicionais a serviço dos interesses da Metrópole e que moldou toda uma existência institucional em cima de institutos idéias e princípios de tradição centralizadora e formalista Tendo consciência desse processo há de se ver na etapa seguinte como tais valores priorizados relacionaramse e integraramse ao projeto doutrinário do liberalismo pátrio E mais como a especificidade dessa relação alcançou ressonância nos horizontes do saber jurídico na atuação dos atores centrais e na vigência da legislação oficial aplicada 89 NOVINSKY Anita Op cit p 90 Ver VAINFAS Ronaldo Trópico dos Pecados Moral Sexualidade e Inquisição Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 p 193332 BOSCHI Caio C As Visitas Diocesanas e a Inquisição na Colônia Revista Brasileira de História São Paulo v 7 n 14 p 151184 marago 1987 Capítulo III ESTADO ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL Tendo problematizado inicialmente que as fontes idéias e institutos do moderno legalismo da sociedade burguêscapitalista advieram de uma cultura liberal individualista legitimada e formalizada pelo poder estatal soberano procurouse num segundo momento apreciar a transposição da legalidade européia configurada na variante do Direito Português para o BrasilColônia Com isso assinalouse de um lado a sufocação do Direito nativo informal e a imposição de uma regulamentação alienígena de outro a consolidação de um estatuto normativo montado para defender os interesses da Coroa e colocado em ação por uma elite de profissionais bem treinados que se articularam mediante práticas burocráticopatrimonialistas Tomase imperioso agora refletir sobre a historicidade da formação de uma cultura jurídica nacional que se fez necessária e que se impôs a partir da Independência do país em 1822 Tratase de apreciar de que maneira o liberalismo acabou constituindose na mais importante proposta doutrinária de alcance econômico e político bem como de que forma suas diretrizes se manifestaram no bojo de um saber irradiado com a fundação das primeiras escolas de Direito na criação de uma elite jurídica própria e na construção de um arcabouço legal positivo durante o Império e o início da República Há de se considerar primeiramente a natureza a especificidade e as contradições desse liberalismo e posteriormente sua presença e contribuição na edificação da ordem nacional e na profissionalização dos agentes jurídicos 31 O liberalismo pátrio natureza e especificidade O liberalismo emergiu como nova concepção de mundo impregnada de princípios idéias e interesses de cunho individualista traduzíveis em regras e instituições e vinculado à condução e à regulamentação da vida pessoal em sociedade1 A doutrina global do liberalismo em grande parte cultivada por segmentos da burguesia em ascensão contra o absolutismo monárquico não só reproduziu as novas condições materiais de produção da riqueza e as novas relações sociais direcionadas pelas necessidades do 1 Cf BOBBIO Norberto O Futuro da Democracia uma Defesa das Regras do Jogo Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 116 mercado como sobretudo tornouse a expressão de uma liberdade integral presente em diferentes níveis da realidade desde o ético até o social o econômico e o político O exame de seu conteúdo conduz na correta observação de Roy C Macridis ao reconhecimento imperativo de alguns traços essenciais centrados em núcleos ético filosófico econômico e político jurídico2 A dimensão éticofilosófica do liberalismo denota afirmação de valores e direitos básicos atribuíveis à natureza moral e racional do ser humano Suas diretrizes assentam nos princípios da liberdade pessoal do individualismo da tolerância da dignidade e da crença na vida Já o aspecto econômico referese sobretudo às condições que abrangem a propriedade privada a economia de mercado a ausência ou minimização do controle estatal a livre empresa e a iniciativa privada Ainda como parte integrante desse referencial encontramse os direitos econômicos representados pelo direito de propriedade o direito de herança o direito de acumular riqueza e capital o direito à plena liberdade de produzir de comprar e de vender Por último a perspectiva políticojurídica do liberalismo está calcada em princípios básicos como consentimento individual representação política divisão dos poderes descentralização administrativa soberania popular direitos e garantias individuais supremacia constitucional e Estado de Direito Tendo presente essas asserções genéricas melhor se pode compreender as ambigüidades e os limites do liberalismo brasileiro porquanto desde os primórdios de sua adaptação e incorporação teve de conviver com uma estrutura políticoadministrativa patrimonialista e conservadora e com uma dominação econômica escravista das elites agrárias Não sem razão comenta Emília Viotti da Costa não se deve realçar em demasia a importância das idéias liberais européias nas convulsões sociais ocorridas no Brasil Inconfidência Mineira Revolução Pernambucana etc desde fins do século XVIII pois tais movimentos não chegaram a ter grande alcance ideológico Tal realidade é comprovada porque a nova doutrina era de conhecimento limitado entre determinados segmentos revolucionários uma vez que a maioria da população era mantida analfabeta e alienada para que não viesse a ter verdadeira consciência das concepções importadas3 O que sobretudo importa ter em vista é esta clara distinção entre o liberalismo europeu como ideologia revolucionária articulada por novos setores emergentes e forjados na luta contra os privilégios da nobreza e o liberalismo brasileiro canalizado e adequado para 2 MACRIDIS Roy Ideologias Políticas Contemporâneas Brasília UnB 1982 p 3841 3 Cf VIOTTI DA COSTA Emília Da Monarquia à República Momentos Decisivos 3 ed São Paulo Brasiliense 1985 p 2627 servir de suporte aos interesses das oligarquias dos grandes proprietários de terra e do clientelismo vinculado ao monarquismo imperial Essa faceta das origens de nosso liberalismo é por demais reconhecida indubitavelmente porque a falta de uma revolução burguesa no Brasil restringiu a possibilidade de que se desenvolvesse a ideologia liberal nos moldes em que ocorreu em países como Inglaterra França e Estados Unidos4 Nesses países o 1iberalismo foi a doutrina política libertadora que representou a ascensão da burguesia contra o absolutismo tornandose conservadora à medida que a burguesia se instala no poder e sentese ameaçada pelo proletariado5 Já no Brasil o liberalismo expressaria a necessidade de reordenação do poder nacional e a dominação das elites agrárias processo esse marcado pela ambigüidade da junção de formas liberais sobre estruturas de conteúdo oligárquico ou seja a discrepante dicotomia que iria perdurar ao longo de toda a tradição republicana a retórica liberal sob a dominação oligárquica o conteúdo conservador sob a aparência de formas democráticas6 Exemplo disso é a paradoxal conciliação liberalismoescravidão Na verdade como aponta Viotti da Costa a principal limitação ao liberalismo brasileiro foi sua peculiar convivência com a institucionalização do escravismo Nessa situação oficial atípica soariam falsos e inócuos os alardes em prol das fórmulas representativas de governo os discursos afirmando a soberania do povo pregando a igualdade e a liberdade como direitos inalienáveis e imprescritíveis do homem quando na realidade se pretendia manter escravizada boa parte da população e alienada da vida política outra parte7 Eram profundamente contraditórias as aspirações de liberdade entre diferentes setores da sociedade brasileira Para a população mestiça negra marginalizada e despossuída o liberalismo simbolizado na Independência do país significava a abolição dos preconceitos de cor bem como a efetivação da igualdade econômica e a transformação da ordem social Já para os estratos sociais que participaram diretamente do movimento em 1822 o liberalismo representava instrumento de luta visando à eliminação dos vínculos coloniais Tais grupos objetivando manter intactos seus interesses e as relações de dominação interna não chegaram a reformar a estrutura de produção nem a estrutura da so ciedade Por isso a escravidão seria mantida assim como a economia de exportação8 4 WOLKMER Antonio Carlos Ideologia Estado e Direito São Paulo Revista dos Tribunais 1989 p 97 5 GANDINI Raquel C Tecnocracia capitalismo e educação em Anísio Teixeira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1980 p 134 6 WEFFORT Francisco O Populismo na Política Brasileira Rio de Janeiro Paz e Terra 1980 p 108112 7 VIOTTI DA COSTA Emília Op cit p 2829 8 VIOTTI DA COSTA Emília Op cit p 33 Liberalismo Brasileiro uma Ideologia de Tantas Caras Folha de São Paulo 24021985 Folhetim p 79 Naturalmente superada a fase da luta emancipadora e do ajuste do sistema pós independência os segmentos sociais que se apropriaram da ideologia importada canalizaram na num sentido ora de mudança setores que serão excluídos e superados ora de conservação facção da restauração e da conciliação As circunstâncias favorecem o atrofiamento e o banimento do verdadeiro liberalismo aos moldes franceses restando o absolutismo mascarado de D João VI e de D Pedro I que desclassificou todas as concepções liberais autenticamente liberais o absolutismo reformista assume com o rótulo o liberalismo vigente oficial o qual em nome do liberalismo desqualificou os liberais Os liberais do ciclo emancipador foram banidos da história das liberdades qualificados de exaltados de extremados de quiméricos teóricos e metafísicos9 O Estado liberal brasileiro como qualifica Trindade nasceu em virtude da vontade do próprio governo da elite dominante e não em virtude de um processo revolucionário O liberalismo apresentavase assim desde o início como a forma cabocla do liberalismo anglosaxão que em vez de identificarse com a liberação de uma ordem absolutista preocupavase com a necessidade de ordenação do poder nacional10 Analisando sua especificidade histórica Emília Viotti da Costa reconhece no liberalismo brasileiro uma ideologia de tantas caras que se estruturou ao longo do século XIX sendo usada em momentos distintos por diferentes grupos sociais com intenções diversas Das várias facetas assumidas pelo liberalismo como o heróico próprio dos movimentos emancipatórios anteriores à Independência o antidemocrático os revolucionários da primeira Constituinte o moderado adeptos da monarquia constitucional o radical reformistas do período da Regência podese dizer que acabou impondose o liberalismo de tendência conservadora praticado por minorias hegemônicas antidemocráticas apegadas às práticas do favor do clientelismo e da patronagem11 Igualmente a retórica conservadora sobre o liberalismo democrático projetouse como imaginário simbólico destituído de historicidade real pois na correta advertência de Décio Saes o liberalismo político das oligarquias fundavase numa concepção de democracia representativa sem nenhuma relação com a representatividade da vontade popular tratavase ao contrário de uma concepção elitista que negava às massas incultas a 9 FAORO Raymundo Existe um Pensamento Político Brasileiro São Paulo Ática 1994 p 8283 Para aprofundamento consultar BOSI Alfredo Dialética da Colonização São Paulo Companhia das Letras 1992 p 194245 10 TRINDADE Hélgio Bases da Democracia Brasileira Lógica Liberal e Práxis Autoritária 18221945 In Lamounier Bolivar et alii Como Renascem as Democracias São Paulo Brasiliense 1985 p 67 11 VIOTTI DA COSTA Emília Liberalismo Brasileiro uma Ideologia de Tantas Caras Op cit p 7 Da Monarquia à República Op cit p 121138 capacidade de participação no processo decisório e atribuía aos homens letrados a responsabilidade exclusiva do funcionamento das instituições democráticas12 A rigor tendo em conta uma leitura conservadora de liberdade as minorias agrárias enquanto segmentos hegemônicos concebiam o jogo democrático como uma espécie de clube aristocrático do qual as massas rurais e urbanas deveriam ser descartadas em virtude de sua ignorância incapacidade e imaturidade13 De resto se dermos crédito aos argumentos de Roberto Schwarz as idéias estavam fora do lugar uma vez que a presença da escravidão e de práticas alicerçadas no favor e no clientelismo esvaziavam e tomavam inadequadas as concepções liberais A escravidão desfazia e desmentia as diretrizes de liberdade e de direitos fundamentais permitindo que o discurso oficial oco e deslocado refletisse idéias liberais que não podiam praticar sendo ao mesmo tempo indescartáveis Foram postas numa constelação especial uma constelação prática a qual formou sistema e não deixaria de as afetar14 Ademais na trajetória de sua reprodução social o Brasil iria pôr e repor idéias européias sempre em sentido impróprio15 Enfim a tradição das idéias liberais no Brasil não só conviveu de modo anômalo com a herança patrimonialista e com a escravidão como ainda favoreceu a evolução retórica da singularidade de um liberalismo conservador elitista antidemocrático e antipopular matizado por práticas autoritárias formalistas ornamentais e ilusórias16 32 O liberalismo e a cultura jurídica no século XIX Com a Independência do país o liberalismo acabou constituindose na proposta de progresso e modernização superadora do colonialismo ainda que contraditoriamente admitisse a propriedade escrava e convivesse com a estrutura patrimonialista de poder Ao conferir as bases ideológicas para a transposição do status colonial o liberalismo não só se tomou componente indispensável na vida cultural brasileira durante o Império como também na projeção das bases essenciais de organização do Estado e de integração da sociedade nacional17 Entretanto o projeto liberal que se impôs expressaria a vitória dos conservadores 12 SAES Décio Classe Média e Sistema Político no Brasil São Paulo T A Queiróz 1984 p 48 13 Ibidem 14 SCHWARZ Roberto As Idéias Fora do Lugar Cadernos Cebrap São Paulo n31973 p 153159 15 SCHWARZ Roberto Op cit p 160 16 NOGUEIRA Marco Aurélio As Desventuras do Liberalismo Rio de Janeiro paz e Terra 1984 p 67 17 Cf ADORNO Sérgio Os Aprendizes do Poder Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 p 343545 SALDANHA Nelson Rui Barbosa e o Bacharelismo Liberal In As Idéias Políticas no Brasil CRIPPA Adolfo coord São Paulo Convívio 1979 v I p 164 sobre os radicais estando dissociado de práticas democráticas e excluindo grande parte das aspirações dos setores rurais e urbanos populares e moviase convivendo e ajustandose com procedimentos burocráticocentralizadores inerentes à dominação patrimonial18 Tratase da complexa e ambígua conciliação entre patrimonialismo e liberalismo resultando numa estratégia liberalconservadora que de um lado permitiria o favor o clientelismo e a cooptação de outro introduziria uma cultura jurídicoinstitucional marcadamente formalista retórica e ornamental Além de seus aspectos conservadores individualistas antipopulares e nãodemocráticos o liberalismo brasileiro deve ser visto igualmente por seu profundo traço juridicista Foi nessa junção entre individualismo político e formalismo legalista que se moldou ideologicamente o principal perfil de nossa cultura jurídica o bacharelismo liberal19 De fato a vertente juridicista do liberalismo brasileiro teria papel determinante na construção da ordem políticojurídico nacional Numa análise mais acurada constatase que dois fatores foram responsáveis pela edificação da cultura jurídica nacional ao longo do século XIX Primeiramente a criação dos cursos jurídicos e a conseqüente formação de uma elite jurídica própria integralmente adequada à realidade do Brasil independente Em segundo a elaboração de um notável arcabouço jurídico no Império uma constituição vários códigos leis20 etc A implantação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil em 1827 um em São Paulo e outro em Recife transferido de Olinda em 1854 refletiu a exigência de uma elite sucessora da dominação colonizadora que buscava concretizar a independência político cultural recompondo ideologicamente a estrutura de poder e preparando nova camada burocráticoadministrativa setor que assumiria a responsabilidade de gerenciar o país Neste sentido os cursos jurídicos surgiram concomitantemente com o processo de independência e a construção do Estado nacional Tais centros de reprodução da legalidade oficial positiva destinavamse muito mais a responder aos interesses do Estado do que às expectativas judiciais da sociedade Na verdade sua finalidade básica não era formar advogados mas isto sim atender as prioridades burocráticas do Estado21 Assim as escolas de Direito foram destinadas a assumir duas funções específicas primeiro ser pólo de sistematização e irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia políticojurídica capaz de defender e 18 Cf ADORNO Sérgio Op cit p 6671 19 SALDANHA Nelson Op cit p 164 VENÂNCIO FILHO Alberto Das Arcadas ao Bacharelismo São Paulo Perspectiva sd p 271335 20 LACOMBE Américo Jacobina A Cultura Jurídica In História Geral da Civilização Brasileira t II O Brasil monárquico HOLANDA Sérgio Buarque de dir São Paulo Difel 1976 v 3 p 356 21 FARIA José Eduardo Sociologia Jurídica Crise do Direito e Práxis Política Rio de Janeiro Forense 1984 p 158 Consultar ainda neste aspecto AGUIAR Roberto A R de A Crise da Advocacia no Brasil São Paulo AlfaOmega 1991 p7879 integrar a sociedade segundo dar efetivação institucional ao liberalismo no contexto formador de um quadro administrativoprofissional22 Contudo essas funções distintas mas interligadas não deixam de revelar certa contradição que como demonstra Joaquim de A Falcão comprovase na pretensão de serem de um lado defensoras dos princípios liberais de outro de fomentadoras da emergência de uma elite burocrática para o controle do poder Ademais fácil é perceber o paradoxo revelado quando os ideais liberais usados para a libertação da tutela colonial e emancipação nacional pretendem legitimar e assegurar os privilégios herdados pela elite na sociedade estratificada oriunda do período colonial23 As primeiras faculdades de Direito inspiradas em pressupostos formais de modelos alienígenas contribuíram para elaborar um pensamento jurídico ilustrado cosmopolita e literário bem distante dos anseios de uma sociedade agrária da qual grande parte da população encontravase excluída e marginalizada Pela importância que essas duas escolas Recife e São Paulo exerceram como redutos encarregados de formar atores jurídicos cabe sublinhar algumas diferenciações A Faculdade de Direito pernambucana expressaria tendência para a erudição a ilustração e o acolhimento de influências estrangeiras vinculadas ao ideário liberal24 A Escola do Recife introduziria para a cultura do país a partir da segunda metade do século XIX os mais avançados pensamentos da época sobretudo a contribuição do germanismo via Tobias Barreto limitando a excessiva influência portuguesa e francesa25 O intento do Grupo do Recife foi tratar o fenômeno jurídico a partir de uma pluralidade temática reforçada por leituras naturalistas biologistas cientificistas históricas e sociológicas apoiandose fortemente num somatório de tendências que resultavam basicamente no evolucionismo e no monismo sem desconsiderar a crítica sistemática a certas formulações jusnaturalistas e 22 FALCÃO Joaquim de Os Advogados Ensino Jurídico e Mercado de TrabalhoRecife FINMassangana 1984 p 32 FARIA José E Op cit p 159 23 FALCÃO Joaquim de A Op cit p 32 24 Cf NEDER Gizlene O Direito no Brasil História e Ideologia In Desordem e Processo Org Doreodó Araújo Lima Porto Alegre Sérgio Fabris 1986 p 155 Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil Porto Alegre Sergio AFabris 1995 p 99130 Ao pesquisar a história da Faculdade do Direito do Recife Lilia M Schwarez destaca que a primeira etapa decorrida em Olinda pouco ofereceu enquanto produção intelectual inovadora O que restou foram sobretudo as estruturas rígidas dos cursos as reproduções de obras jurídicas do estrangeiro as profundas raízes e influências dos mestres religiosos e do jusnaturalismo católico Tratase de uma ciência católica comprometida com a revelação divina e com a defesa do caráter imutável da monarquia A mudança para Recife em 1854 assinalará por sua vez uma guinada tanto geográfica como intelectual É só a partir de então que se pode pensar em uma produção original e na existência de um verdadeiro centro criador de idéias e aglutinador de intelectuais engajados com os problemas de seu tempo e de seu país É a partir desse momento que se percebe o surgimento de um novo grupo de intelectuais cuja produção transporá os estreitos limites regionais In SCHWARCZ Lilia Moritz O Espetáculo das Raças Cientistas Instituições e Questão Racial no Brasil18701930 São Paulo Companhia das Letras 1993 p 146147 25 Cf VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p 9597 espiritualistas26 Podese registrar assim como faz Lilia M Schwarcz que a recepção dessas teorias científicas deterministas significava a entrada de um discurso secular e temporal que no contexto brasileiro transformavase em instrumento de combate a uma série de instituições assentadas No caso da Faculdade do Recife a introdução simultânea dos modelos evolucionistas e social darwinistas resultou em uma tentativa bastante imediata de adaptar o direito a essas teorias aplicandoas à realidade nacional Recife foi talvez o centro que se apegou de forma mais radical tanto às doutrinas deterministas da época quanto a uma certa ética científica que então se difundia Afastados dos centros de decisão política do país esses pesquisadores viviam ao menos a certeza de que representavam a vanguarda científica no Brasil27 Já a Academia de São Paulo cenário privilegiado do bacharelismo liberal e da oligarquia agrária paulista trilhou na direção da reflexão e da militância política no jornalismo e na ilustração artística e literária Aliás foi o intenso periodismo acadêmico o traço maior que predominou na tradição do Largo de São Francisco levando os bacharéis ao desencadeamento de lutas em prol de direitos individuais e liberdades públicas Como aponta Sergio Adorno naquele espaço se desenrolaram os conflitos entre liberalismo e democracia as disputas entre liberais moderados e radicais e as adesões à causa abolicionista republicana28 Destaque há que ser feito também a algumas diretrizes filosóficoculturais que encontrariam guarida no interesse do corpo acadêmico como o jusnaturalismo o ecletismo filosófico o laicismo e finalmente o próprio positivismo29 Naturalmente que a Escola paulista vivenciou um ecletismo autodidata porquanto seus integrantes não se limitaram ao estudo exclusivo da cultura jurídica mas aderiram à prática do periodismo e da militância política Em função de sua posição estratégica a Faculdade de Direito tomouse um dos centros privilegiados da formação dos intelectuais destinados à cooptação pela burocracia estatal De fato a própria localização da escola é também em si um dado digno de destaque No período que vai de 1870 a 1930 enquanto Pernambuco vivia um período de declínio financeiro e político São Paulo conhecia pela primeira vez o que significava concentrar predomínio econômico e político no mesmo local30 26 Cf SALDANHA Nelson A Escola do Recife 2 ed São Paulo Convívio Brasília INL 1985 p 101108 PAIM Antonio A Filosofia da Escola do Recife 2 ed São Paulo Convívio 1981 p 23 Ainda sobre a Escola do Recife consultar MACHADO NETO A L História das Idéias Jurídicas no Brasil São Paulo Grijalbo 1969 p 73175 CHACON Vamireh Da Escola do Recife ao Código Civil Rio de Janeiro Organização Simões 1969 REALE Miguel Horizontes do Direito e da História São Paulo Saraiva 1977 p 215222 27 SCHWARCZ Lilia M Op cit p 150151 28 Cf ADORNO Sérgio Op cit p 9295 29 Ibidem p 96 98100 30 SCHWARCZ Lilia M Op cit p 174 Por fim embora longa a análise comparativa de Lilia M Schwarcz sobre as duas escolas de Direito parece lapidar e merece transcrição Vêse que enquanto Recife educou e se preparou para produzir doutrinadores homens de sciencia no sentido que a época lhe conferia São Paulo foi responsável pela formação dos grandes políticos e burocratas de Estado De Recife partia todo um movimento de autocelebração que exaltava a criação de um centro intelectual produtor de idéias autônomas em São Paulo reinava a confiança de um núcleo que reconhecia certas deficiências teóricas mas destacava seu papel na direção política da nação Acima das divergências intelectuais que de fato existem está um certo projeto de inserção este sim bastante diverso De Recife vinha a teoria os novos modelos criticados em seus excessos pelos juristas paulistas de São Paulo partiam as práticas políticas convertidas em leis e medidas Enquanto na Escola de Recife um modelo claramente determinista dominava em São Paulo um liberalismo de fachada cartão de visita para questões de cunho oficial convivia com um discurso racial prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias explicar desigualdades A teoria racial cumpria o papel quando utilizada de deixar claro como para esses juristas falar em democracia não significava discorrer sobre a noção de cidadania Em Recife um público mais desvinculado do domínio oligárquico rural passava a dominar as fileiras dessa faculdade por oposição a uma clientela paulista caracterizada pelo pertencimento a uma elite econômica de ascensão recente De Recife partiam mais claramente os gritos de descontentamento respaldados pela clara mudança do eixo políticoeconômico enquanto São Paulo passava aos poucos de contestador a defensor e responsável por uma fala oficial Guardadas as diferenças o que se pode dizer no entanto é que para ambas as faculdades o Brasil tinha saída Por meio de uma mestiçagem modeladora e uniformizadora apregoada por Recife Por meio da ação missionária de um Estado liberal como tanto desejavam os acadêmicos paulistanos31 Depois das Escolas Jurídicas passase agora para o segundo fator nuclear que iria contribuir para consolidar a emancipação da cultura jurídica no Brasil ou seja o desencadeamento do processo de elaboração de legislação própria no Público e no Privado Inegavelmente o primeiro grande documento normativo do período pósindependência foi a Constituição Imperial de 1824 imbuída de idéias e instituições marcadamente liberais originadas da Revolução Francesa e de doutrinas do constitucionalismo francês associadas principalmente ao publicista Benjamin Constant Tratavase de uma Constituição outorgada que institucionalizou uma monarquia parlamentar 31 SCHWARCZ Lilia M Op cit p 183184 186187 impregnada por um individualismo econômico e um acentuado centralismo político Naturalmente essa Lei Maior afirmavase idealmente mediante uma fachada liberal que ocultava a escravidão e excluía a maioria da população do país A contradição entre o formalismo retórico do texto constitucional e a realidade social agrária não preocupava nem um pouco a elite dominante que não se cansava de proclamar teoricamente os princípios constitucionais direito à propriedade à liberdade à segurança ignorando a distância entre o legal e a vida brasileira do século XIX Como deixa antever Sérgio Adorno a Carta Constitucional de 1824 não só consagrava o compromisso entre a burocracia patrimonial conservadores e liberais moderados como igualmente instrumentalizava fórmulas conciliatórias para ajustar o Estado patrimonial ao modelo liberal de exercício do poder 32 A comprovação de que o texto assumia teor liberalconservador expurgando traços mais radicais e democráticos e projetando preceituações legais que se transformavam em meras ilusões discursivas era revelada quando retoricamente se proclamavam e ao mesmo tempo anulavamse as liberdades ainda quando se asseguravam direitos mas os tomavam passíveis de serem suspensos e a igualdade suscitada era freqüentemente remetida à existência de desigualdades naturais entre os indivíduos33 Se a Constituição de 1824 incluindo as célebres disposições de sua reforma como o Ato Adicional de 1834 e a Lei de Interpretação de 1840 inscreveuse como a principal criação do governo imperial sob o ponto de vista da formulação político administrativa do Estado não menos significativo para a implementação das instituições nacionais foi o processo de codificação das leis ordinárias Assim sendo o segundo arcabouço legislativo foi o Código Criminal de 1830 advindo das Câmaras do Império e de árdua realização Tal estatuto era não só redigido segundo a melhor doutrina clássica penal como também se afinava com o espírito liberal da época Representava um avanço se comparado aos processos cruéis das Ordenações Ainda que tenha conservado a pena de morte mais tarde transformada em prisão perpétua orientavase de um lado pelo princípio da legalidade ou seja a proporcionalidade entre o crime e a pena de outro pelo princípio da pessoalidade das penas devendo a aplicação da pena incidir exclusivamente no condenado não se estendendo aos descendentes34 32 ADORNO Sérgio Op cit p 61 33 Ibidem p 63 34 Cf NASCIMENTO Walter V do Lições de História do Direito 3 ed Rio de Janeiro Forense 1984 p 229 231 MACHADO NETO A L Sociologia Jurídica São Paulo Saraiva 1979 p 326327 LACOMBE Ilustrativo neste sentido é aludir o pretenso esquecimento e a deliberada omissão dessas primeiras legislações Constituição de 1824 e Código Criminal de 1830 sobre o direito dos índios e dos negros escravos Tudo demonstra que a legislação oitocentista ao ocultar o escravismo colonial parecia envergonhada35 por não considerar o escravo como pessoa civil sujeita de direitos O formalismo oficial ocultava uma postura autoritária e etnocêntrica do legislador da primeira metade do século XIX com relação a certos segmentos marginalizados e excluídos da cidadania Tendo em conta essa realidade assinala Carlos F Marés que a análise do Código Criminal é muito reveladora porque por um lado mostra uma omissão em relação aos índios não considera sequer sua orfandade Já em relação aos escravos omitidos totalmente na legislação civil são tratados na lei criminal É estranho mas perfeitamente compreensível dentro do sistema a lei penal dedicada integralmente aos marginalizados sociais não registra referência à mais marginal de todas as populações os indígenas porque ou estavam fora da sociedade não lhes alcançando a ação penal o simples revide guerreiro ou dentro da sociedade não se diferenciavam dos pobres marginalizados Em relação aos escravos diz tãosomente que as penas de trabalhos forçados em galés e as de morte serão substituídas pela de açoites para que o seu dono não sofresse prejuízo isto é a direção da norma é a proteção da propriedade do senhor não a pessoa do apenado36 A reforma liberal do sistema judicial no período posterior à Independência se completa com o Código de Processo Criminal Elaborado por uma comissão conjunta da Câmara e do Senado apareceu logo no ano seguinte o Código de Processo Criminal que aprovado em 1832 veio atestar nossa autonomia no âmbito do controle ao mesmo tempo que reforçava as instituições liberais existentes como o juiz de paz37 Esses juízes de paz eleitos que tinham atribuições policiais e criminais possuíam igualmente poderes para atuar na formação da culpa dos acusados antes do julgamento e também de julgar certas infrações menores dando termos de bem viver aos vadios mendigos bêbados por vício meretrizes escandalosas e baderneiros Além desses crimes as demais infrações deveriam ser julgadas pelos juízes criminais As infrações da alçada dos juízes de paz eram chamadas crimes de polícia38 O Código combinava práticas processualistas derivadas do sistema inglês e do Américo J Op cit p 356357 BICUDO Hélio P O Direito e a Justiça no Brasil São Paulo Símbolo 1978 p 5354 35 Expressão usada por Carlos F Marés de Souza Filho 36 MARÉS DE SOUZA FILHO Carlos F O Direito Envergonhado O Direito e os índios no Brasil In Estudos Jurídicos Curitiba PUC n 1 1993 p 29 37 Cf FLORY Thomas El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil imperial México Fondo de Cultura Económica 1986 p 175176 38 LIMA Roberto Kant de Tradição Inquisitorial no Brasil da Colônia à República da Devassa ao Inquérito Policial Revista Religião e Sociedade 1612 1992 p 96113 francês o que representava uma vez mais a vitória do espírito liberal e a supressão do ritual inquisitório filipino Os anseios do novo espírito iriam refletirse não apenas na inovação do habeas corpus e na consagração do sistema de jurado mas na própria modificação da hierarquia e da composição judiciária Com isso extinguiuse a estrutura colonial portuguesa apoiada sobre os ouvidores e os juízes de fora A magistratura especial da Relação composta de juízes municipais juízes de Direito e de desembargadores passava agora a integrar uma nova organização judiciária eliminando os restos formais do sistema legal português39 No entanto durante a sua vigência o estatuto processual foi alvo de uma reforma de caráter conservador que introduziu o chefe de polícia nas atribuições da Justiça No objeto da Reforma de 1841 ficava nítida a substituição das diretrizes judiciais descentralizadas por uma centralização rígida poderosa e policialesca40 Reforçavase com isso o aparato burocrático da dominação patrimonialista ao longo do regime monárquico em que o exercício da Justiça era sustentadoconservadoramente pelo mais absoluto policialismo judiciário41 A etapa seguinte de evolução jurídica foi o Código Comercial de 1850 que após ter passado por lento processo de redação parlamentar acabou configurandose num modelo normativo para diversas legislações mercantis latinoamericanas Na observação de Américo J Lacombe o Código nasceu já envelhecido sem conhecer as estradas de ferro nem a navegação a vapor Apesar de tudo refletia quando elaborado as melhores idéias a respeito do Direito Comercial42 Mais do que ter suas fontes de inspiração nos textos romanos na doutrina italiana e na exegese civil napoleônica reproduzia a conveniência de relações mercantis e os interesses contratuais e obrigacionais da elite local As necessidades imediatas as atividades negociais e o desenvolvimento comercial fizeram com que a principiante burguesia latifundiária priorizasse a regulamentação da vida econômica sobre a vida civil Tendo em conta que para a burguesia a ordenação do comércio e da produção da riqueza era mais imperiosa do que a proteção e a garantia dos direitos civis nada mais natural do que o Código Comercial preceder em 67 anos o Código Civil43 Acompanhando o Estatuto Comercial maior seguiuse no mesmo ano o Regulamento 737 expedido pela Administração Real e 39 FLORY Thomas Op cit p 175 Sobre o Código de Processo Criminal do Império escreve Roberto Kant de Lima op cit p 102 que além dos juízes de paz eleitos constavam os juízes municipais e juízes de Direito nomeados e jurados alistados anualmente por uma junta composta do juiz de paz do pároco e do presidente da Câmara Municipal dentre os cidadãos que podiam ser eleitores Este Código acabou com as devassas transformou as querelas em queixas tomandose a denúncia o meio de ação do Ministério Público A iniciativa do processo ex officio era mantida para todos os casos em que era cabível a denúncia 40 Cf LACOMBE Américo J Op cit p 257258 41 ADORNO Sérgio Op cit p 66 7273 42 LACOMBE Américo J Op cit p 359 43 Cf MACHADO NETO A L Op cit p 1979 p 327 BICUDO Hélio P Op cit p 155160 que disciplinava o processo comercial estendido às causas civis até o advento da República ditando as linhas gerais do processo da execução e dos recursos cabíveis44 As três tentativas de Codificação Civil que atravessaram o Império malograram sem que tivessem obtido sucesso o avançado esboço de Teixeira de Freitas publicado em 1860 que exerceu profunda influência na feitura da legislação de outros países particularmente da Argentina o projeto do senador Nabuco de Araújo de 1872 e finalmente a proposta de Felício dos Santos de 1881 Com o advento da República dois novos projetos o de Coelho Rodrigues em 1890 que acabou sendo abandonado e o de Clóvis Beviláqua concluído em 189945 Este último após longa tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado da República onde recebeu críticas contundentes principalmente de Rui Barbosa e modificações consideráveis acabou sendo sancionado somente em 1916 vigorando a partir de 1917 O primeiro e tão esperado ordenamento civil substituto das Ordenações Portuguesas deixa transparecer o espírito que norteava seu redator Clóvis Beviláqua integrante da Escola do Recife e com pendores naturais pela recepção do Direito alemão O Código Civil em que pesem seus reconhecidos méritos de rigor metodológico sistematização técnicoformal e avanços sobre a obsoleta legislação portuguesa anterior era avesso às grandes inovações sociais que já se infiltravam na legislação dos países mais avançados do Ocidente refletindo a mentalidade patriarcal individualista e machista de uma sociedade agrária preconceituosa presa aos interesses dos grandes fazendeiros de café dos proprietários de terra e de uma gananciosa burguesia mercantil Num exame mais atento de caráter crítico ideológico constatase corroborando A L Machado Neto que foi inegável a penetração de um privatismo doméstico sobre a regulamentação da família e da sucessão hereditária tratandose assim de acerto legal e conciliador entre os arrojos individualistas dos intelectuais de classe média arrojos bafejados pelo apoio da burguesia urbana e mercantil que enxergava no liberalismo econômico a ideologia mais compatível com a expansão de seus interesses e a ação conservadora dos representantes da burguesia rural e latifundiária 46 Em verdade a Codificação Civil enquanto uma das primeiras grandes realizações da jovem República traduzia em seus avanços relativos sem muita ousadia os intentos de uma classe média consciente e receptiva aos ideais liberais mas igualmente comprometida com o poder oligárquico familiar Essa nota predominante da legislação pátria é assim compreendida porquanto seus idealizadores tinham a clara percepção de que ofereciam à Nação um quadro 44 Cf NASCIMENTO Walter V do Op cit p 234 45 Cf BICUDO Hélio P Op cit p 137140 MACHADO NETO A L 1979 Op cit p 327328 LACOMBE Américo J Op cit p 359360 46 MACHADO NETO A L Op cit 1979 p 328 normativo de direito privado compatível com as aspirações de uma sociedade interessada em afirmar as excelências do regime capitalista de produção propósito que encontrava obstáculos na estrutura agrária dominante e não recebia títulos de uma organização industrial a que se somassem o ímpeto libertário da burguesia mercantil47 Cumpre examinar agora sob o reflexo do legado cultural lusopatrimonialista o cenário institucional forjado sob o influxo da matriz liberal de onde emergem os principais operadores jurídicos transformados em elite burocrática do poder legitimados para o exercício de construção da identidade nacional 33 Magistrados e Judiciário no tempo do Império Tratase dos segmentos sociais e dos mecanismos funcionais que compuseram a máquina de administração da justiça48 ungidos para interpretar e aplicar a legalidade estatal garantir a segurança do sistema e resolver os conflitos de interesses das elites dominantes Constatase pois o procedimento profissional e político dos magistrados enquanto atores privilegiados da elite imperial sua relação com o poder político com a sociedade civil e sua contribuição na formação das instituições nacionais Para isso é necessário descrever primeiramente que a Independência do país não encontrou adesão integral na antiga magistratura pois enquanto alguns apoiaram a ruptura muitos outros permaneceram fiéis à monarquia lusitana49 Segundo Thomas Flory não é fácil demarcar o número de juízes que por lealdade abandonaram o país e regressaram a Portugal bem como os que por conveniência comprometeramse com as novas condições políticas que se implantaram Ademais determinados fatores contribuíram para dar singularidade à postura da magistratura no período que se sucede à Independência o corporativismo elitista a burocracia como poder de construção nacional e a corrupção como prática oficializada Na análise que faz do legado judicial engendrado a partir de 1822 Thomas Flory assinala já naquela época existência muito forte do exc1usivismo educacional e do espírito corporativista na magistratura Esses profissionais formados na erudição e no tradicionalismo da 47 BICUDO Hélio P Op cit p 142 48 Para relembrar o cenário institucional anterior à Independência a lição de José Murilo de Carvalho Por ocasião da chegada da Corte a estrutura judicial da Colônia compunhase da Relaçãoda Bahia que abrangia os ouvidoresgerais provinciais os juízes de fora e os ouvidores de comarcas Em nível municipal havia os juízes ordinários eleitos À exceção dos últimos todos os outros eram letrados isto é formados em Coimbra e membros da magistratura portuguesa Alguns juízes de fora e ouvidores que serviram no Brasil foram promovidos a desembargadores sem terem antes passado por período intermediário em Portugal ou em outra colônia Mas isso não era a regra D João criou no Brasil os equivalentes da Casa da Suplicação e do Desembargo do Paço In A Construção da Ordem A elite política imperial Rio de Janeiro Campus 1980 p 136137 49 Cf FLORY Thomas El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial México Fondo de Cultura Económica 1986 p 6365 Universidade de Coimbra assumiram no cotidiano da Colônia procedimento pautado na superioridade e na prepotência magisterial50 O exc1usivismo intelectual gerado em princípios e valores alienígenos que os transformava em elite privilegiada e distante da população revelava que tais agentes mais do que fazer justiça eram preparados e treinados para servir aos interesses da administração colonial A arrogância profissional o isolamento elitista e a própria acumulação de trabalho desses magistrados aliados a uma lenta administração da justiça pesada e comprometida colonialmente motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais sobretudo para alguns no âmbito do sistema de justiça Daí resultariam o processo de constitucionalização Carta Imperial de 1824 a criação das faculdades de Direito 1827 e o primeiro código nacional de controle social Código Penal de 1830 Nas décadas posteriores à Independência em função do tipo de educação superior dos valores e das idéias que incorporava a camada profissional dos juízes se constituiria num dos setores essenciais da unidade e num dos pilares para construção da organização política nacional O que distingue a magistratura de todas as outras ocupações é o fato de que ela representava e desenvolvia formas de ação rígidas hierarquizadas e disciplinadas que melhor revelavam o padrão que favorecia práticas burocráticas para o exercício do poder público e para o fortalecimento do Estado No dizer de José Murilo de Carvalho dos segmentos principais como Judiciário Clero e Militares que teriam papel importante na formação das instituições brasileiras na primeira metade do século XIX a espinha dorsal do governo foi indiscutivelmente a magistratura51 De todos os setores burocráticos herdados de Portugal é o que dispunha de melhor organização profissional com estrutura e coesão internas superiores a todos os outros segmentos o que a legitimava como força para a negociação Tratavase de uma camada privilegiada treinada nas tradições do mercantilismo e absolutismo portugueses unida ideologicamente por valores crenças e práticas que em nada se identificava à cultura da população do país Entretanto por sua educação e orientação os magistrados estavam preparados para exercer papel de relevância nas tarefas de governo Daí que marcados por um sentido mais ou menos político sua homogeneidade social e ocupação projetavaos não só como os primeiros funcionários modernos do Estado nascente mas sobretudo como os principais agentes de articulação da unidade e da consolidação nacional52 Temos assim a montagem de uma estrutura em que no dizer de José M de Carvalho pareceu pacífico supor que o emprego público seria a ocupação que mais favorecia uma 50 Cf FLORY Thomas Op cit p 6768 51 Cf CARVALHO José Murilo de Op cit p 133 52 Cf CARVALHO José Murilo de Op cit p 112 115 e 178 orientação estatista e que melhor treinava para as tarefas de construção do Estado na fase inicial de acumulação do poder A suposição era particularmente válida em se tratando dos magistrados que apresentavam a mais perfeita combinação de elementos intelectuais ideológicos e práticos favoráveis ao estatismo Na verdade foram os mais completos construtores do Estado no Império especialmente os da geração coimbrã Além das características de educação eles tinham a experiência da aplicação cotidiana da lei e sua carreira lhes fornecia elementos adicionais de treinamento para o exercício do poder público53 O quadro dessa elite de servidores letrados autênticos representantes do estamento burocrático estatal com papel decisivo na organização e na unidade das instituições nacionais somente se completa quando se leva em consideração o comportamento desses atores suas relações e práticas com a sociedade civil Nesse aspecto há que se registrar o aparecimento de práticas revestidas de nepotismo impunidade e corrupção em diversos segmentos da magistratura lusobrasileira ao longo do Império Essa tradição condenada por muitos acentuouse em razão das amplas garantias vantagens e honrarias que os juízes desfrutavam e que se manteve com suas vinculações políticas compromissos partidários e subserviências ao poder principalmente na esfera da administração local54 Na prática o poder judicial estava identificado com o poder político embora institucionalmente suas funções fossem distintas O governo central utilizavase dos mecanismos de nomeação e remoção de juízes para administrar seus interesses fazendo com que a justiça fosse partidária e o cargo utilizado para futuros processos eleitorais fraudes e desvios ou mesmo para recompensar amigos e políticos aliados55 Assim o juiz deixava de apreciar conflitos de sua competência impessoalidade neutralidade para entrar numa prática antijudiciária em que só contava o atendimento ao partido aliado e aos chefes no interior Daí a duplicidade da conduta do juiz ora submetido às exigências da legalidade partidária aliado ou adversário das facções locais ora impelido aos deveres funcionais do cargo como aplicador da lei56 Naturalmente que tal prática simultânea do exercício de funções administrativas e judiciais engendrava no dizer de Andrei Koerner tensões permanentes que reproduziam uma certa limitação dos magistrados no exercício partidário dos seus poderes e também uma fonte de pressão no sentido da separação entre as atividades judiciária e 53 CARVALHO José Murilo de Op cit p 76 54 Cf LEAL Victor Nunes Coronelismo Enxada e Voto 4 ed São Paulo AlfaOmega 1978 p 197 55 Cf KOERNER Andrei O Poder Judiciário na Constituição da República São Paulo Dissertação de Mestrado em Ciência Política USP 1992 p 39 Igualmente consultar FLORY Thomas Op cit p 285286 56 KOERNER Andrei Op cit p 4142 FLORY Thomas Op cit p 285286 política57 Parece claro por conseguinte que se de um lado a magistratura constituíase no modelo privilegiado de ingresso na elite política imperial de outro os juízes eram controlados pelos poderes de remoção promoção suspensão e aposentadoria do governo central58 Certamente que esta situação que os agentes da justiça vivenciavam refletiu uma cultura marcada pela ética colonialpatrimonialista em que a impunidade como escreve Antonio F Zancanaro estava intimamente associada ao modelo jurídico que prevaleceu no Estado luso Os vícios crônicos do Reino foram transplantados para a Colônia como estruturas éticas gravadas nas consciências dos servidores públicos e dos emigrados acrescidas posteriormente de antivalores desenvolvidos a partir da realidade colonial59 Assim implantouse uma espécie de administração calcada nos critérios de pessoalidade amizade parentesco retribuição privilégio e em disposições legais carentes de objetividade sendo que a ordem pública que se instituiu veio marcada pelo acaso e pelo arbítrio do Rei e de seus prepostos60 Devese em muito às forças liberais já a partir da segunda metade do século XIX a luta por reformas que viabilizassem maior garantia aos magistrados para exercer a função jurisdicional e aplicar a lei com autonomia frente ao poder político Em termos de peso e de eficácia as grandes mudanças que atingiram a magistratura e a organização judiciária como um todo foram trazidas pelo descentralizador Código de Processo Criminal de 1832 por força dos liberais pela reforma desta mesma legislação em dezembro de 1841 por influência dos conservadores e por fim pela mais significativa de todas as alterações realizadas no sistema jurisdicional do Império a Reforma de 187161 57 KOERNER Andrei Op cit p 42 58 Ibidem 59 ZANCANARO Antonio Frederico A Corrupção PolíticoAdministrativa no Brasil São Paulo Acadêmica 1994 p 146147 60 Ibidem 61 Sob o ponto de vista institucional uma sucinta e genérica descrição da organização judicial oitocentista é feita por José Murilo de Carvalho op cit p 136 Após 1841 definiuse o sistema judiciário que duraria com pequenas modificações até o final do Império Permaneceu o juiz de paz eleito mas com atribuições muito reduzidas A magistratura togada abrangia desde os juízes municipais até os ministros do Supremo Tribunal de Justiça Os juízes municipais e de órfãos eram nomeados entre bacharéis com um mínimo de um ano de prática forense para períodos de quatro anos Podiam então ser promovidos a juiz de direito ou ser nomeados para outro quadriênio ou mesmo abandonar a carreira pois não tinham estabilidade Já os juízes de direito possuíam estabilidade e só perdiam o cargo por processo legal embora pudessem ser removidos de um lugar para outro A seguir vinham os desembargadores que no final do Império eram onze e que operavam nas capitais provinciais O degrau mais alto da carreira era o Superior Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro cujos membros tinham honras de ministro Ao todo havia em 1889 1576 promotores e juízes distribuídos pela Corte e pelas 20 províncias do Império Outros membros da magistratura incluíam os juízes substitutos criados em 1871 e os promotores que serviam nas comarcas e em geral não eram juízes de direito Por sinal certo está Andrei Koemer ao apontar que a Reforma Judiciária de 1871 nascida de propostas advindas do programa liberal com o aval na sua execução dos conservadores nada mais foi do que a tênue estratégia legal de transição do escravismo para a produção laboral livre ou seja efetivouse em razão do estágio de desenvolvimento das forças econômicas e sociais que exigiam uma crescente profissionalização dos magistrados e de transição para o trabalho livre no qual os fazendeiros defendiam leis que obrigassem ao trabalho ao aumento do controle policial sobre os homens livres e pobres aos libertos e aos imigrantes62 Entretanto autores como Thomas Flory entendem que as modificações realmente importantes pelo teor inovador surgem por pressão da filosofia liberal na criação dos juízes de paz em 1827 e no estabelecimento do sistema participativo de jurado introduzido pela Carta Imperial de 1824 e consagrado pelo Código de Processo Criminal de 183263 De fato no período que sucede à Independência do país a junção de forças liberais com grupos de aliados nativos determinou alguns avanços políticojurídicos como o sistema de júri popular e o de juízes locais eleitos aptos para a conciliação prévia de causas cíveis em geral Ainda que os juízes de paz não fossem juízes pagos e exercessem funções de menor importância tratavase de alteração importante na organização de um judiciário reconhecidamente exclusivista e centralizador Em seu clássico estudo sobre o Juiz de Paz durante o Império Thomas Flory escreve que os reformadores liberais fizeram do Juiz de Paz o portaestandarte de suas próprias preocupações filosóficas e práticas formas democráticas localismo autonomia e descentralização Por outro lado os conservadores viram no magistrado local uma ameaça ao controle social no vasto Império A nova instituição estava desenhada idealmente para funcionar dentro de uma estrutura legal liberal compatível porém de fato o Juiz de Paz começou a sua existência isoladamente sem o benefício de nenhuma legislação que o apoiasse O Juiz de Paz encontrouse desde o início à deriva da estrutura incompleta e hostil de uma judicatura colonial sem mudanças64 Ademais como reconhece ainda Thomas Flory a relevância da figura do Juiz de Paz estava muito mais no que representava em termos de independência distrital do que propriamente como potencial de melhoramento do sistema legal65 Depois de 1832 os poderes do Juiz de A última grande reforma judiciária do Império foi em 1871 e seu principal objetivo foi separar as funções policiais e judiciárias misturadas em 1841 nas atribuições dos delegados e subdelegados de polícia Quanto à carreira judiciária propriamente dita a reforma levou adiante o esforço que já há algum tempo vinha sendo tentado de profissionalizar mais os magistrados aumentando as restrições ao exercício de cargos políticos Observar ainda LEAL Victor Nunes Op cit p 188193 62 KOERNER Andrei Op cit p 89 63 Cf FLORY Thomas Op cit p 81 e 180181 64 FLORY Thomas Op cit p 8182 65 Cf FLORY Thomas Op cit p 84 Paz foram estendidos à jurisdição penal adquirindo um perfil mais coercitivo e de controle Contudo se a Reforma de 1841 limitou e reduziu em muito as funções do Juiz de Paz a Reforma Judiciária de 1871 alargouas novamente atribuindo à sua esfera o chamado processo sumaríssimo menos formal e mais simplificado66 Além dessa experiência renovadora de magistratura popular escolhida pela participação da comunidade merece atenção igualmente a instituição do Tribunal do Júri67 que representou as aspirações de autonomia judicial e localismo em maior grau do que as decisões do Juiz de Paz Essa instância avançada é também exaltada por Thomas Flory para quem o instituto ameaça diretamente a magistratura profissional e põe à prova suposições básicas sobre a sociedade brasileira A criação do sistema de jurado assemelhouse ao do Julgado de Paz em que se ampliou o espaço entre a magistratura profissional e os liberais Tal como o magistrado local o Tribunal do Júri constituiu um ataque frontal à elite judicial68 Em suma um ponto que parece importante constatar ao longo da sociedade monárquica é a ascensão em nível nacional de outros grupos profissionais diversificados e dinâmicos Certamente a plural idade e a passagem de novos atores gerou maior representação das classes sociais comprovando o paulatino afastamento dos burocratas do seio da elite e a entrada de profissionais liberais69 Essa realidade com suas mudanças é apanhada com precisão por José Murilo de Carvalho para quem os dois grupos mais ilustrativos para amostragem foram os magistrados e os advogados Estes incorporaram o efetivo deslocamento a partir da metade do século XIX daquela situação que era um domínio de funcionários públicos no início para um domínio de profissionais liberais no final 70 Em linhas gerais numa possível distinção entre ambos escreve José Murilo de Carvalho os magistrados foram formados em grande parte em Coimbra enquanto os advogados quase todos educados no Brasil Além disso a relação do bacharel com o poder público era completamente distinta daquela assumida pelos juízes que como funcionários públicos 66 Vide KOERNER Andrei Op cit p 92 CARVALHO José Murilo de Op cit p 136 LEAL Victor Nunes Op cit p 193 67 Especificamente sobre a montagem técnica do sistema de jurado comenta Andrei Koemer op cit p 65 Os juízes de Direito presidiam o Tribunal do Júri o qual foi até o final do Império o tribunal comum para o julgamento da maior parte dos crimes A reforma de 1841 criou restrições para a escolha dos jurados como o requisito da alfabetização e estabeleceu diferenças na renda mínima para a sua qualificação de acordo com a sua origem de modo que as rendas provenientes de atividades industriais e comerciais teriam que ser o dobro daquelas derivadas de empregos públicos ou da propriedade de terras Ao mesmo tempo a qualificação dos jurados deixou de ser atribuição dos juízes de paz passando aos delegados de polícia com recurso para uma junta de revisão composta pelo juiz de direito promotor público e o presidente do conselho municipal O juiz de direito presidente do tribunal do júri podia apelar à Relação de decisões do júri contrárias às evidências 68 FLORY Thomas Op cit p 181183 69 CARVALHO José Murilo de Op cit p 176 70 CARVALHO José Murilo de Op cit p 79 tinham a missão de aplicar o preceito legal e garantir os intentos da ordem oficial De todas as ocupações liberais o advogado passou a representar os interesses individuais ou coletivos tomandose o portavoz tanto de oposições quanto do poder público Seu papel se tomaria mais importante em relação à construção do Estado em uma fase posterior quando a participação se tomasse um problema mais básico do que a concentração de poder71 Em síntese foi no cenário instituído por uma cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista que se projetou a singularidade de uma magistratura incumbida de edificar os quadros políticoburocráticos do Império 34 O perfil ideológico dos atores jurídicos o bacharelismo liberal No cenário instituído por uma cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista projetase a singularidade de um agente profissional incumbido de compor os quadros políticoburocráticos do Império e de grande parte da República Com a criação dos primeiros cursos jurídicos o aparecimento do bacharel em Direito acabou impondose como uma constante na vida política brasileira Tratavase não só da composição de cargos a serviço de uma administração estatal em expansão mas sobretudo representava um ideal de vida com reais possibilidades de segurança profissional e ascensão a um status social superior Isso se revestia de demasiado significado numa sociedade escravocrata em que o trabalho manual era desprezado em função de letrados urbanos que se iam ajustando e ocupando as crescentes e múltiplas atividades públicas72 No que se refere à solidificação do imaginário legal oficial não estão muito distantes em termos de equivalência funcional o magistrado português do período colonial que servia aos interesses da Metrópole e o bachareljurista dos séculos XIX e XX que expressava com sua presença o resguardo dos intentos locais das elites agrárias Vale destacar que na prática o sucesso do bacharelismo legalista deviase não tanto ao fato de ser uma profissão porém muito mais uma carreira política com amplas alternativas no exercício público liberal précondição para a montagem coesa e disciplinada de uma burocracia de funcionários73 É preciso reconhecer que o bacharelismo não obstante originarse de camadas sociais com interesses heterogêneos pois expressava intentos agrários e urbanos favorecia igualmente uma formação liberalconservadora que primava pela autonomia da ação 71 CARVALHO José Murilo de Op cit p 78 72 Cf VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p 276 73 Cf VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p 273286 individual sobre a ação coletiva Não menos verdade o bacharelismo nascido de uma estrutura agrárioescravista se havia projetado como o melhor corpo profissional preparado para sustentar setores da administração política do Judiciário e Legislativo viabilizando as alianças entre segmentos diversos e a mediação entre interesses privados e interesses públicos entre o estamento patrimonial e os grupos sociais locais74 Ao que parece a iniciação nas academias jurídicas permitia uma identidade cultural apta ao exercício da advocacia da literatura do periodismo e da militância política Para além do envolvimento com a política nacional foi o periodismo universitário a ação prática que mais absorveu e se incorporou à formação intelectual do acadêmico das leis Além disso há que se fazer menção ao perfil dos bacharéis de Direito mediante alguns traços particulares e inconfundíveis Ninguém melhor do que eles para usar e abusar do uso incontinente do palavreado pomposo sofisticado e ritualístico Não se pode deixar de chamar a atenção para o divórcio entre os reclamos mais imediatos das camadas populares do campo e das cidades e o proselitismo acrítico dos profissionais da lei que valendose de um intelectualismo alienígeno inspirado em princípios advindos da cultura inglesa francesa ou alemã ocultavam sob o manto da neutralidade e da moderação política a institucionalidade de um espaço marcado por privilégios econômicos e profundas desigualdades sociais Na verdade o perfil do bacharel juridicista se constrói numa tradição pontilhada pela adesão ao conhecimento ornamental e ao cultivo da erudição lingüística75 Essa postura treinada no mais acabado formalismo retórico soube reproduzir a primazia da segurança da ordem e das liberdades individuais sobre qualquer outro princípio A compreensão desses profissionais da lei e sua inserção no processo histórico social possibilita descortinar a singularidade das relações reais entre o fenômeno jurídico e a formação social brasileira na virada do século XIX para o XX Não resta dúvida de que na construção da ordem burguesa nacional tais implicações definem um imaginário jurídico complexo desdobrado em duas atuações ideológicas muito claras e distintas a personalidade do bacharel strictu sensu e a notoriedade respeitável do jurista76 Certamente que esses operadores jurídicos tiveram cada qual uma função expressiva no processo de ideologização do saber hegemônico instituído Em suas memórias Afonso Arinos descreve que a herança lusocoimbrã favoreceu o desenvolvimento de uma intelectualidade jurídica constituída por juristas e 74 ADORNO Sérgio Op cit p 78 239 75 ADORNO Sérgio Op cit p 158159 76 Cf NEDER Gizlene Op cit p 146147 Para uma discussão mais completa verificar Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil Porto Alegre Sergio A Fabris 1995 p 99130 bacharéis O juridicismo estaria associado a posturas teóricas à abstração filosófica e científica à inadequação com a política militante e a maior capacidade indutiva apta a extrair e criar o Direito a partir da dinâmica social sempre aberta às mudanças às inovações da realidade vital seja na direção evolutiva como Tobias seja na orientação reacionária como Campos77 Já o bacharelismo por natureza expressaria um pendor para questões não especulativas mais afeito à mecânica exegética estilística e interpretativa resultando no apego às fórmulas consagradas à imutabilidade das estruturas78 aos padrões prefixados e aos valores identificados com a conservação Os princípios liberais conferiram legitimidade à idealização de mundo transposta no discurso e no comportamento desses bacharéis De fato ainda que não tenha sido o único foi no entanto o liberalismo em diferentes matizes a grande bandeira ideológica ensinada e defendida no interior das academias jurídicas No bojo das instituições amarravase com muita lógica o ideário de uma camada profissional comprometida com o projeto burguêsindividualista projeto assentado na liberdade na segurança e na propriedade Com efeito a harmonização do bacharelismo com o liberalismo reforçava o interesse pela supremacia da ordem legal constituída Estado de Direito e pela defesa dos direitos individuais dos sujeitos habilitados à cidadania sem prejuízo do Direito à propriedade privada79 O bacharel assimilou e viveu um discurso sócio político que gravitava em torno de projeções liberais desvinculadas de práticas democráticas e solidárias Privilegiaramse o fraseado os procedimentos e a representação de interesses em detrimento da efetividade social da participação e da experiência concreta Concomitantemente o caráter nãodemocrático das instituições brasileiras inviabilizava também a existência de um liberalismo autenticamente popular nos operadores do Direito Vale dizer que na construção de sua identidade os atores jurídicos buscaram conciliar uma certa práxis cujos limites nem sempre muito claros conjugavam idéias liberais e conservadoras80 Disso resulta que o ideário do bacharelismo liberal que iria conformar as práticas políticas da virada do século XIX para o XX não determinou como assinala Sérgio Adorno a despatrimonialização do Estado Brasileiro Com efeito a especificidade do processo demonstra que a consagração do liberalismo como a principal ideologia do Estado burguês nacional não chega a destruir como poderia acontecer o legado societário de cunho burocráticopatrimonial81 77 FRANCO Afonso Arinos de Melo apud VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p291292 78 FRANCO Afonso Arinos de Meio apud VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p292 79 Cf ADORNO Sérgio Op cit p 171 80 Cf ADORNO Sérgio Op cit p 178 81 ADORNO Sérgio Op cit p 245 Aliás a evolução dessa particularidade no contexto de nossas instituições político jurídicas permite compreender como a visão liberal dos operadores jurídicos adquiriu roupagem nitidamente conservadora Seja como for a trajetória conduziu igualmente a um estranho e conveniente ecletismo à tradição de um patrimonialismo sóciopolítico autoritário de inspiração lusitana com uma cultura jurídica liberalburguesa de matiz francês inglês e norteamericano Ora o influxo do liberalismo não deve ser apenas contemplado na formação no comportamento e na visão de mundo dos bacharéis jurídicos uma vez que as premissas liberais incidiram na formalização técnica das normas positivas na aplicação dos textos legais e no exercício da atividade judicial Neste aspecto o recorte mais ilustrativo foi Rui Barbosa que corretamente sintetizou o bacharelismo liberal na cultura jurídica brasileira até a primeira metade deste século Certamente ninguém melhor do que o Águia de Haia para configurar o protótipo do advogado identificado com uma cultura jurídica tradicional individualizante e formalista Por toda uma geração Rui Barbosa encamou quer para as elites quer para a sociedade em geral o advogado erudito que soube com veemência viver o idealismo político e o vernaculismo jornalístico Seu juridicismo liberal constituído por extremados dotes verbalísticos sólidas leituras literárias e históricas exagerados e grandiloqüentes apelos retóricos só veio reforçar a convicção de que Rui foi um intelectual integrado que expressou muito bem as necessidades e as contradições de sua época não deixando de estar sintonizado com as aspirações e interesses das camadas sociais dominantes82 Foi a legítima materialização de um certo padrão clássico de bacharel que ao fecharse no proselitismo das letras no culturalismo ornamental e na fidelidade rigorosa a um legalismo constitucionalista acabou incidindo no que Oliveira Vianna designou de marginalismo jurídico Ou seja em que pese todo seu cosmopolitismo de leituras estrangeiras revelou pouco interesse pela brasilianidade Naturalmente excluindo a bibliografia de caráter jurídico e parlamentar o Brasil lhe interessava pouco como povo isto é como civilização como psicologia coletiva como estrutura Em boa verdade nunca o estudou83 Rui em seu tempo e os bacharéis da legalidade ao longo da história institucional brasileira compuseram um imaginário social distanciado tanto do Direito vivo e comunitário 82 Sobre o bacharelismo liberal representado por Rui Barbosa consultar a análise mais pormenorizada de SALDANHA Nelson Rui Barbosa e o Bacharelismo Liberal Op cit 1979 v 1 p 163165 e 168173 Para a releitura do projeto e da ação política de Rui Barbosa ver ROCHA Leonel S A Democracia em Rui Barbosa O Projeto Político LiberalRacional Rio de Janeiro Líber Juris 1995 83 OLIVEIRA VIANNA F J Instituições Políticas Brasileiras Rio de Janeiro Record 1974 v 2 p 3437 NEDER Gizlene Op cit p 153 quanto das mudanças efetivas da sociedade Tratase aqui do imaginário afastado de uma legalidade produzida pela população no bojo de um processo sintonizado com necessidades reais reivindicações lutas conflitos e conquistas84 A retrospectiva comprova que até hoje tais agentes se revelaram não só hábeis servidores do ritualizado Direito estatal afeito mais diretamente aos intentos dos donos do poder e dos grandes proprietários como sobretudo talentosos reprodutores de uma legalidade estreita fechada e artificial Esses procedimentos definem uma atuação em grande parte conservadora própria para justificar a exclusão de significativos setores da sociedade e a manutenção da ordem vigente Percebese assim uma tradição advocatícia desvinculada de atitudes mais comprometidas com a vida cotidiana e com uma sociedade em constante transformação A postura técnica e casuística fechase frente ao dinamismo dos fatos e resiste a um direcionamento criativo não conseguindo mais responder a novas e emergentes necessidades85 Mas se a tradição do bacharelismo juridicista no Brasil foi predominantemente um espaço de manutenção e defesa de uma legalidade dissociada da sociedade concreta e das grandes massas populares nada impede de se redefinir contemporaneamente o papel do advogado enquanto profissional e cidadão Há de se repensar o exercício da prática jurídica tendo em conta uma nova lógica éticoracional capaz de encarar a produção dos direitos como inerentes ao processo históricosocial um Direito que transpõe os limites do Estado encontrandose na práxis social nas lutas cotidianas nas coletividades emergentes nos movimentos sociais etc 84 Ver nesse sentido AGUIAR Roberto A R O Imaginário dos Juristas In Revista de Direito Alternativo São Paulo Acadêmica n 2 1993 p 1827 85 Observar igualmente AGUIAR Roberto A R de Op cit 1991 p 91100 Capítulo IV HORIZONTES IDEOLÓGICOS DA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA Nas etapas anteriores foram demonstrados os traços do moderno Direito Ocidental bem como sua transposição e adequação para a estrutura periférica brasileira No percurso de um longo processo de colonização portuguesa consolidouse a singularidade de uma cultura jurídica que reproduziu historicamente as condições contraditórias da retórica formalista liberal e do conservadorismo de práticas burocráticopatrimonialistas A dinâmica dessa junção resultou nos horizontes ideológicos de uma tradição legal quer seja em suas idéias quer em suas instituições marcada por um perfil liberalconservador Sublinhando essa perspectiva importa situála teoricamente em três momentos da cultura jurídica nacional configurados no desenvolvimento institucional do Direito Público no espaço positivado das instituições privadas e no cenário das idéias jusfilosóficas 41 Trajetória sóciopolítica do Direito Público A dinâmica histórica do Direito Público nacional tem sua formação autônoma a partir dos parâmetros institucionais consolidados com a Independência do país Alguns fatores mais imediatos podem ser reconhecidos como causas impulsionadoras da doutrina política do Direito Público emergente desse processo Dentre elas a influência das Revoluções Francesa e NorteAmericana movimentos do século XVIII que propuseram declarações de filosofias liberais e individualistas a vinda da Fanulia Real e a instalação da Corte no Brasil em face da ameaça e da invasão napoleônica abrindo novas direções para a emancipação política e para o esboço originário de uma consciência nacionale finalmente a eclosão de um exacerbado nacionalismo aliado à aspiração ardente de independência dos povos latinoamericanos As idéias e os interesses que politicamente dominavam no início do século XIX os países latinoamericanos fortalecidos pelas guerras de independência iriam oferecer um campo propício para o surgimento no âmbito do Direito Público de uma doutrina políticojurídica específica que demarcava a necessária limitação do poder absolutista das metrópoles européias e sintetizava a luta lenta tenaz e histórica do povo periférico explorado e dominado em prol de sua liberdade emancipação participação e busca de seus direitos de cidadania Tratavase na verdade dos horizontes ideológicos do chamado Constitucionalismo que em seu sentido clássico representava a concepção técnicoformal do liberalismo político na esfera do Direito Esta noção de origem burguesa e que se universalizava em diferentes experiências históricas privilegiava a contenção das atividades dos órgãos estatais nos limites de um Estado de Direito Naturalmente o perfil ideológico do Constitucionalismo enquanto sustentáculo teórico do Direito Público do período pós independência traduziu não só o jogo dos valores institucionais dominantes e as diversificações de um momento singular da organização políticosocial como expressou a junção notória de algumas diretrizes como o liberalismo econômico sem a intervenção do Estado o dogma da livre iniciativa a limitação do poder centralizador do governante e a supremacia dos direitos individuais1 Como se deixou antever no terceiro capítulo toda a estrutura sócioeconômica da sociedade brasileira ao longo do Império amparouse na monocultura latifundiária e na técnica do trabalho escravo2 Isso iria refletirse na construção inicial da ordem político jurídica do país Nos marcos delineadores do Direito Público seus pressupostos liberal conservadores são claramente reproduzidos nos primeiros textos constitucionais pátrios Um exame mais atento da Constituição Monárquica de 1824 outorgada pelo próprio Imperador pennite assinalar que ela representava não só os intentos do absolutismo real como basicamente os interesses dos grandes proprietários de terras dos senhores de engenho e dos latifundiários que receberam o novo Direito como uma dádiva sem qualquer sacrifício de sua parte para conquistálo3 Constatase a especificidade desse ordenamento constitucional que em relação aos demais países latinoamericanos foi o primeiro a ser fixado e sistematizado por um regime monárquico Seus fundamentos ainda que repousassem fortemente no Constitucionalismo francês Constituição de 1814 não estavam imunes ao liberalismo inglês no que aglutinava preceitos que consolidavam uma estrutura de Estado parlamentar com um Poder Moderador atribuído ao Imperador bem como um governo monárquico hereditário constitucionalmente representativo Sedimentava a forma unitária e centralizada de Estado dividindo o país em entidades administrativas denominadas de províncias A divisão clássica dos poderes também se articulava no funcionamento do Executivo presidido pelo Imperador e exercido por um Conselho de Ministros O Legislativo modelava um bicameralismo sustentado por Câmara temporária e Senado vitalício Os direitos políticos eram atribuídos 1 O delineamento da seqüência deste quadro é embasado em reflexões levantadas e já contidas em WOLKMER Antonio C Constitucionalismo e Direitos Sociais no Brasil São Paulo Acadêmica 1989 p 2835 2 PINTO FERREIRA Luís Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno 5º ed São Paulo Revista dos Tribunais 1971 p 108 3 LUCAS Fábio Conteúdo Social nas Constituições Brasileiras Belo Horizonte Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG 1959 p 54 com primazia aos grupos hegemônicos que detinham certo nível de renda Conseqüentemente desvinculavase do processo político quase a totalidade da população obreira do país aqui compreendendo naturalmente os servos os escravos os caixeiros e outros Igualmente criou se um complexo processo hierarquizado de eleições através de assembléias que iam restringindo paulatinamente o círculo dos cidadãos participantes4 É natural nesse aspecto que o texto imperial tenha sido incapaz de impulsionar as idéias fossem elas revolucionárias fossem liberais principalmente no âmbito da cidadania e dos direitos fundamentais Politicamente se o Ato Adicional de 1834 refletiu anseios e disposições mais flexíveis a Lei de Interpretação de 1840 restaurou o teor mais conservador da Carta de 1824 A desagregação da economia agrária e a perda de poder por parte da elite latifundiária dominante despojada da propriedade escravista propiciou o crescimento de concepções antimonarquistas favorecendo o clima para a expansão do ideário liberalconservador que passou a valerse em certo momento de diretrizes advindas do positivismo e do republicanismo Sob uma perspectiva históricopolítica podese nitidamente delinear que além da questão abolicionista de outros fatores institucionais não podem ser olvidados tais como a crise militar e o estremecimento das relações entre a Igreja e o Estado ambos responsáveis pelo enfraquecimento da monarquia No entanto foi a crise econômica uma das razões principais para o desmantelamento do Império e o surgimento do Estado Liberal Republicano em 1889 Se contudo como assinala Maurício de Albuquerque a mudança na forma de regime alterou a correlação de forças e a estrutura jurídicopolítica no interior da formação social brasileira por outro lado as relações de subordinação com as estruturas dominantes do Capitalismo Internacional não foram afetadas o novo Governo declarou que incorporava os compromissos assumidos com potências estrangeiras e também as dívidas externas do regime monárquico5 De qualquer modo cabe apontar como central na caracterização das instituições imperiais a presença e a preeminência da escravidão repercutindo principalmente no Direito Privado e do Poder Moderador alcançando doutrinariamente sobretudo o Direito Público ambas questões que marcaram profundamente as esferas da Sociedade do Estado e da Justiça6 Quanto à dinâmica produtiva convém também assinalar que enquanto a base econômica do Império se assentava na produção de canadeaçúcar e o monopólio do poder 4 MENDES Antonio Celso Filosofia Jurídica no Brasil São Paulo Ibrasa Curitiba Editora Universitária Champagnat 1992 p 32 5 ALBUQUERQUE Manoel Maurício de Pequena História da Formação Social Brasileira Rio de Janeiro Graal 1981 p 514 6 Cf DUTRA Pedro Literatura Jurídica no Império Rio de Janeiro Topbooks 1992 p 110 político se localizava na zona nordestina compreendendo Bahia e Pernambuco a República passou a ter novo produtochave o café que iria deslocar o domínio político mais para o sul notadamente para Minas Gerais e São Paulo A Velha República corporificando os interesses do setor agrárioexportador rompe com práticas de um feudalismo imperfeito e inacabado aliado a um incipiente modo de produção escravagista A Primeira República em seus três decênios iniciais veio representar a emergência da oligarquia cafeeira e de um republicanismo legal subordinado e ajustado às condições políticosociais dos empresários do café O arcabouço ideológico do texto constitucional de 1891 expressava valores assentados na filosofia política republicanopositivista pautados por procedimentos inerentes a uma democracia burguesa formal gerada nos princípios do clássico liberalismo individualista Na realidade a retórica do legalismo federalista sustentandose na aparência de um discurso constitucional e acentuando o povo como detentor único do poder político erguiase como suporte formalizador de uma ordem sócioeconômica que beneficiava somente segmentos oligárquicos regionais Em tal contexto o aparato oficial conferia legalidade necessária ao poder hegemônico do Sudeste cafeicultor sobretudo do seu pólo dominante que era São Paulo Sob a aparência formal de uma igualdade jurídica na prática a autonomia estadual se localizava numa hierarquia dominada pelas desigualdades do desenvolvimento econômico e financeiro regional e conseqüentemente limitando de fato o poder das unidades da Federação7 A estrutura social sofreu substanciais modificações na medida em que se dava a decadência do suporte escravocrata e a ascensão de uma ainda pequena burguesia urbana que sem apoiarse no mercado interno valiase de uma economia agroexportadora Em decorrência o liberalismo político antidemocrático não só beneficiaria os intentos dos grupos oligárquicos hegemônicos como sobretudo asseguraria que a facção dominante da burguesia agrária detivesse poder exclusivo até fins da década de 20 sem o incômodo aparecimento de forças contrárias Isso contudo não descartaria a presença do tenentismo como a mais significativa reação ao predomínio dos setores agroexportadores marcada por tipificações que transcendem a mera contestação liberalreformista das classes médias8 As duas primeiras constituições elaboradas no século XIX a Constituição Monárquica de 1824 e a Constituição da República de 1891 foram portanto imbuídas profundamente pela particularidade de um individualismo liberalconservador expressando 7 ALBUQUERQUE M M Op cit p 518 8 WOLKMER Antonio C Op cit 1989 p 32 formas de governabilidade e de representação sem nenhum vínculo com a vontade e com a participação popular descartandose assim das regras do jogo as massas rurais e urbanas Na verdade os fundamentos da prática constitucional incidiam basicamente nas formas clientelísticas de representação política na conservação rigorosa da grande propriedade na defesa desenfreada de um liberalismo econômico bem como na introdução aparente e formalista de direitos civis A ausência de uma política mais democratizante do Estatuto republicano de 1891 demonstra que ainda prevalecia a tradicional economia de fuqdo agrário e que conseqüentemente no campo o latifundiário ainda podia contar com os processos habituais de controle para assegurar a continuidade de sua dominação9 Sem sombra de dúvida os textos constitucionais em questão configuram o controle políticoeconômico das oligarquias agroexportadoras que enquanto parcelas detentoras do poder acabavam impondo seus próprios interesses e moldavam a dinâmica do Direito Público compreendido entre a Independência do país e o fim da Velha República Tais constituições materializaram consensualidades em cujo horizonte sobressaíam a supremacia de frações definidas da elite dominante e uma ordenação ampla do Estado no sentido de seus procedimentos burocráticopatrimonialistas Parece inconteste entretanto que em dado momento da evolução republicana ainda na primeira metade deste século determinadas forças emergentes insatisfeitas procuraram reagir à máquina políticojurídica da oligarquia cafeeira antinacionalista advogando objetivos vinculados às mudanças das instituições e ao desenvolvimento econômicoindustrial numa clara estratégia por um certo tipo de modernização conservadora Isso se explica tendo em conta as profundas e intensas contradições nas relações entre a estrutura rígida do poder e a estrutura dinâmica da sociedade que se rompem ao longo dos anos 20 acabando por instaurar a via que conduziria à crise da Velha República Os delineamentos de tais impasses advêm do aparecimento de reivindicações identificadas aos novos atores dentre os quais as massas urbanas associadas à principiante atividade fabril e às pressões de núcleos oligárquicos dissidentes que propugnavam a imediata industrialização e a modernização das instituições políticas O colapso da economia agroexportadora e a falência das instituições da Velha República inseridos num cenário conflitivo interagido pela participação de diferentes atores pelas propostas antagônicas de mudanças e inovações pelas cisões nas antigas lideranças e recomposição de alianças definiram um quadro político marcado pela incapacidade de 9 LOPEZ Luiz Roberto História do Brasil Contemporâneo Porto Alegre Mercado Aberto 1980 p 23 qualquer um dos setores em confronto sobreporse aos demais10 Como resultado dessa disjunção o processo histórico se articularia através de singularidade própria capaz de reordenar as forças sociais em confronto dando legitimidade à estrutura de poder Tratavase da entrada em cena do Estado de um Estado que não deixava de ser oligárquico Assim frente à inércia dos segmentos hegemônicos dissidentes e de uma sociedade fragmentada pelos poderes regionais o Estado acabou projetandose para ocupar o vazio existente como o único sujeito político apto a unificar nacionalmente a sociedade burguesa e de fomentar o moderno arranque do desenvolvimento industrial11 É nesse espaço institucional que se verifica a referência de Luiz Werneck Vianna acerca da enorme distância existente entre um Brasil real e um Brasil legal entre a abstração ideal e a realidade concreta da legislação entre um regime constitucional ostensivo e um regime constitucional concreto12 Ademais a ordem jurídica liberal da época decorria para Luiz W Vianna de uma construção arbitrária do legislador inadequada à tessitura particular das relações sociais na sociedade Convinha então repensar o universo constitucional de modo que os níveis legal e real pudessem confluir A iniciativa de recuperar a verdadeira trama por detrás da fachada arbitrária legal bem como a encurtar o espaço entre a concepção da lei e a sociedade concreta caberiam ao Estado13 De fato nessa historicidade tornase mais fácil compreender a dimensão política e sobretudo social do Direito Público centrado na doutrina do Constitucionalismo Efetivamente o Constitucionalismo brasileiro quer em sua primeira fase política representado pelas Constituições de 1824 e 1891 quer em sua etapa social posterior Constituição de 1934 expressou muito mais os intentos de regulamentação das elites agrárias locais do que propriamente a autenticidade de movimento nascido das lutas populares por cidadania ou mesmo de avanços alcançados por uma burguesia nacional constituída no interregno de espaços democráticos As demais constituições brasileiras 1937 1946 1967 e 1969 representaram sempre um Constitucionalismo de base nãodemocrática no sentido popular sem a plenitude da participação do povo utilizado muito mais como instrumental retórico de uma legalidade individualista formalista e programática A Constituição de 1934 conseqüência da Revolução de 30 e refletindo uma época de mudanças sócioeconômicas caracterizouse por ser um pacto político híbrido sem unidade ideológica que através de seus pressupostos herdados da Carta Mexicana de 1917 e 10 Cf WOLKMER Antonio C Op cit 1989 p 34 11 Cf WOLKMER Antonio C Elementos Para Uma Crítica do Estado Porto Alegre Sergio Fabris 1990 p 48 12 VIANNA Luiz Werneck Liberalismo e Sindicato no Brasil Rio de Janeiro paz e Terra 1978 p 109 13 Idem Ibidem da Lei Fundamental de Weimer 1919 introduziu pela primeira vez os postulados do Constitucionalismo social no país Sua especificidade não resultou em ser necessária e espontânea mas em projetarse como compromisso estratégico manobra política e imposição de um Estado oligárquicopatrimonialista com pretensões de modernização Certamente que o Texto de 1934 permitiria a presença de uma série de reformulações ao Constitucionalismo liberalindividualista de 1891 Ainda que conservassem os quadros do federalismo regionalista e elitista procurouse no entanto delimitar parte das extrapolações de um presidencialismo caudilhesco Num bicameralismo disfarçado atribuiuse à Câmara dos Deputados o exercício efetivo do Legislativo transformando o Senado Federal em simples poder colaborador Pela primeira vez a Câmara dos Deputados era composta não só por representantes do povo eleitos diretamente mas surgia a chamada representação profissional eleita indiretamente mediante associações profissionais Introduziase a Justiça Eleitoral no Poder Judiciário que inovava com o voto feminino Além dos direitos políticos e da declaração burguesa de direitos individuais instituíramse direitos econômicos e sociais em que a Justiça do Trabalho surgia para dirimir paternalisticamente conflitos coletivos e para manipular quase toda a atividade sindical Na verdade com relação ao seu tão decantado avanço tal legislação social chegou como instrumento para aparar os choques entre classes No dizer de Fábio Lucas essa legislação elaborada pelos proprietários realiza o jogo tático destes pois agrada o trabalhador sem darlhe a participação que lhe deveria caber na riqueza e na fortuna nacional A conclusão a que chegamos é que em 1934 tivemos uma grande reforma da fachada renovação integral da pintura embora a estrutura do prédio permanecesse inabalável14 Prosseguindo a Constituição de 1937 inspirada no Fascismo europeu instituiu o autoritarismo corporativista do Estado Novo e implantou uma ditadura do Executivo todos os poderes concentrados nas mãos do presidente da República que se permitia legislar por decretosleis e reduzir arbitrariamente a função do Congresso Nacional bem como dirigir a economia do país intervir nas organizações sociais partidárias e representativas além de restringir a prática efetiva e plena dos direitos dos cidadãos O texto políticojurídico de 1946 por sua vez restabeleceu a democracia formal representativa a independência aparente dos poderes a autonomia relativa das unidades federativas e a garantia dos direitos civis fundamentais Essa Constituição do pósguerra polarizou as principais forças políticas da época no sentido de um arranjo burguês nacionalista entre forças conservadoras e grupos liberais reformistas 14 LUCAS Fábio Conteúdo Social nas Constituições Brasileiras Belo Horizonte Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais 1959 p 6771 As diretrizes que alimentaram o Direito Público na década de 60 foram geradas pelas cartas constitucionais centralizadoras arbitráriase antidemocráticas 1967 e 1969 cuja particularidade foi reproduzir a aliança conservadora da burguesia agráriaindustrial com parcelas emergentes de uma tecnoburocracia civil e militar A tradição de nosso Constitucionalismo portanto primou sempre por formalizar toda a realidade viva da nação adequandoa a textos políticojurídicos estanques plenos de ideais e princípios meramente programáticos Em regra as constituições brasileiras recheadas de abstrações racionais não apenas abafaram as manifestações coletivas como também não refletiram as aspirações e necessidades mais imediatas da sociedade Embora exista a possibilidade de se admitir que a Constituição de 1988 não escape totalmente desse enquadramento apriorístico e racional há de se reconhecer certos avanços que aproximam mais diretamente suas 315 disposições normativas com o momento histórico e a realidade social existente no país Aliás seu retrato igualmente liberal formalista e vulnerável não inviabiliza um alcance múltiplo afinal tanto serve à legitimação da vontade das elites e à preservação do status quo quanto poderá representar um instrumento de efetiva modernização da sociedade pois além de consagrar mecanismos da democracia direta e de maior participação e autonomia municipal novos direitos comunitários foram previstos principalmente aqueles instrumentalizados pela figura inovadora dos sujeitos sociais como entidades sindicais associações civis etc15 Ainda que possa ser acusada de um texto analítico demasiadamente minucioso e detalhista a Constituição de 1988 mais do que em qualquer outro momento da história brasileira além de ter contribuído para enterrar a longa etapa de autoritarismo e repressão do golpismo militarista expressou importantes avanços da sociedade civil e materializou a consagração de direitos alcançados pela participação de movimentos sociais organizados Entretanto todo esse esforço articulado de múltiplos segmentos sociais começou a ser minimizado e desconsiderado na metade dos anos 90 quando forças conservadoras da elite nacional apoiada na onda neoliberal de prevalência absoluta do mercado e nas mudanças mundiais configuradas pela globalização da economia desencadearam ações privativistasreformistas que tanto objetivaram obstaculizar e enfraquecer os direitos de cidadania quanto deflagrar uma precipitada e oportunista reforma constitucional Nessa perspectiva a atual Constituição é atingida profundamente por restrições na área social por fluxos de desmobilização que sacodem a sociedade civil e por diretrizes que conduzem à supressão do espaço político da cidadania Isso porque seguindo a tradição 15 Cf CARRION Eduardo K A Nova Constituição II DS Porto Alegre 10111989 institucional de nosso capitalismo periférico liberalindividualista a democracia aparece sob a forma de concessão não deixando de ser mais uma vez controlada Ora vêse assim de um lado uma democracia manipulada pelo poder econômico das elites dominantes refletindo a presente derrocada e insuficiência das forças progressistas de outro a cantilena de um discurso neoliberal que operacionalizado pelos segmentos reacionários reintroduz hegemonicamente novos valores categorias e concepções de mundo16 Antes de encerrar a contextualização históricocrítica do Direito Público interessa introduzir ainda que de forma sucinta alguns dos principais agentes que interpretaram e reproduziram as verdades oficiais na instância do publicismo jurídico De fato a trajetória histórica das idéias e das instituições de Direito Público aqui englobando as áreas do Constitucional Administrativo Penal e do Trabalho foi em muito construída pelo alargamento teórico de alguns publicistas conservadores e liberais monarquistas e republicanos positivistas e ecléticos identificados com a cultura jurídica dominante ao longo dos séculos XIX e XX como o atestam entre outros Bernardo Pereira de Vasconcelos 1795 1850 Zacharias Goes e Vasconcellos 18151877 Henrique de Souza Braz Florentino José Antonio Pimenta Bueno 18041878 Paulino José Soares de Souza o Visconde do Uruguai 18071866 Rui Barbosa 18491923 Francisco José de Oliveira Viana 18831951 Francisco Campos 18911968 Nélson Hungria Antonio de Cesarino Júnior Santiago Dantas Afonso Arinos de Melo Franco e Paulo Bonavides A conclusão que se pode extrair da evolução do Direito Público caracterizado nessa reflexão basicamente pelas principais constituições do Brasil é que ele foi marcado ideologicamente por urna doutrina de nítido perfil liberalconservador calcada numa lógica de ação atravessada por temas muito relevantes para as elites hegemônicas tais como a conciliação e o reformismo O processo histórico nacional evidencia que as instâncias do Direito Público jamais foram resultantes de urna sociedade democrática e de urna cidadania participativa pois a evolução destas foi fragmentária ambígua e individualista além de permanecerem sujeitas a constantes rupturas escamoteamentos e desvios institucionais Em suma a falta de tradição verdadeiramente democrática nos liames do que se convencionou chamar de liberalismo burguês fez com que inexistisse na evolução das instituições do país a consolidação e a constância de um Constitucionalismo de base popularburguesa pois tanto o político quanto o social foram sempre construções momentâneas e inacabadas das oligarquias agrárias Como já se assinalou em outro 16 Cf LACERDA Antonia Denise Os Direitos Sociais e o Direito Constitucional Brasileiro Dissertação de Mestrado em Direito Florian6polis CPGDUFSC 1995 p 7980 8792 contexto17 o Constitucionalismo brasileiro nunca deixou de ser o contínuo produto da conciliaçãocompromisso entre o patrimonialismo autoritário modernizante e o liberalismo burguês conservador 42 As instituições privadas e a tradição jurídica individualista Além do inventário do Direito Público projetado na doutrina do Constitucionalismo apurase outro momento da cultura jurídica nacional relacionado com as instituições de Direito Privado Ao adentrarse pela radiografia da legislação privada constata se sua identificação com a retórica liberalindividualista e com o formalismo discriminador das preceituações normativas que imperam sobre uma sociedade odiosamente estratificada Numa estrutura agrária e escravocrata como a brasileira do século XIX não havia lugar para o abrigo de concepções avançadas na esfera do Direito Privado Como atenta Mercadante enquanto a ordem privatista inviabilizava sua adequação à realidade social o Direito Público era alimentado por doutrinadores e publicistas simpatizantes da tripartição dos poderes e de idéias originadas de Montesquieu e Benjamin Constant18 Ainda que cingido pelo monopólio do Poder Moderador e limitado pelas demasiadas prerrogativas do Estado frente às tênues práticas de direitos do cidadão inconteste foi o avanço do Direito Público se comparado com a legislação civil denegri da gravemente pela escravidão19 Na verdade os influxos da legislação napoleônica alcançou o Brasil mas de forma comedida a tal ponto que os expositores franceses do Código Civil e o próprio Savigny eram estranhos à maioria dos estudiosos Aqueles doutrinadores amedrontavam a sociedade escravocrata que repelia a introdução de normas modernas no âmbito do Direito Privado incumbido de regular as relações internas de produção20 Dentro desse contexto Mercadante adverte sobre a pertinente e necessária proposta conciliatória expressa pelo dualismo do Direito Privado que deixa de lado a institucionalização do Código Civil e privilegia a promulgação da legislação comercial Enquanto o país independente implementa sua legislação constitucional penal processual e mercantil no período que se instaura com a emancipação política de 1822 sua regulamentação civil seria norteada pelas ordenações leis e jurisprudências portuguesas21 17 Cf WOLKMER Antonio C Op cit 1989 p 35 18 Cf MERCADANTE Paulo A Consciência Conservadora no Brasil 2ª ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1972 p 171 19 Cf DUTRA Pedro Literatura Jurídica no Império Rio de Janeiro Topbooks 1992 p 103 MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 134 20 Cf MERCADANTE Paulo Op cit p 134 21 Cf MERCADANTE Paulo Op cit p 125 Certamente a legislação comercial implementada pelo esforço de José da Silva Lisboa e inspirada nos princípios do liberalismo econômico europeu e nas diretrizes da codificação napoleônica não ficava restrita tãosomente a disciplinar as práticas do comércio em geral Sua esfera de incidência ampliavase e cobria atos da vida civil nem sempre caracterizados pela intervenção específica de comerciantes Havia portanto nesse alargamento demasiada valoração de suas normas bem mais do que elas proclamavam Como conseqüência inevitável a legislação mercantil alcançava o âmbito das indústrias manufatureiras de transporte e outros auxiliares do comércio Invadia ademais território do Direito Civil e introduzia no texto desse diploma a parte geral relativa a obrigações e contratos mandato locação hipoteca autênticos institutos de Direito Civil o que levaria Teixeira de Freitas a declarar que o Código exorbitara e que os seus redatores tudo mercantilizaram22 É inegável que a duplicidade das leis na esfera privada e a passividade do legislador com relação ao instituto da escravidão encontravam firme guarida nas elites agrárias que admitiam adaptações legislativas e introjeções liberais desde que não modificassem as relações de produção Na adequada observação de Pedro Outra o problema do escravismo era encarado como legado dos colonizadores lusos tornandoo manifestação histórica de nosso meio social Isso inviabilizava a promoção de desenvolvimento do país pois enquanto a Europa atravessava a Revolução Industrial aqui economicamente o braço escravo ditava o modo de produção da riqueza assim como socialmente a questão servil danava a cultura e repercutia nefastamente nos mais diversos setores da sociedade23 Somente em 1855 é que o governo imperial incumbiu o jurista Teixeira de Freitas de preparar a consolidação de nossas leis civis Ainda que avesso à duplicidade das relações de produção do domínio e adversário do escravismo o maior privativista brasileiro do século XIX montou um projeto de Código Civil de grande rigor sistemático que ao longo de seus mais de 1300 artigos aglutinava um texto de preceituações comuns ao Direito Civil e Comercial Embora tenha pugnado pela unicidade do Direito Privado defendeu a precedência das regras civis sobre as comerciais mas não conseguiu adequar as idéias liberais com o escravismo Considerado repugnante e vergonhoso para a constituição de nossa cultura o problema da escravidão passou em silêncio sendo propositadamente deixado de lado ou seja simplesmente foi classificado à parte em seu projeto final Em nenhum momento de seus artigos iria figurar a regulamentação sobre a condição do escravo24 22 MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 135136 23 Cf DUTRA Pedro Op cit p 104 24 Cf MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 177 MENDES Antonio Celso Opcit p 4546 REALE Miguel Horizontes do Direito e da História São Paulo Saraiva 1977 p 173 GRINBERG Keila Op cit p 4758 Mesmo que não tenha sido aproveitado o Esboço tido como arrojado por muitos abriu caminho e foi decisivo para o projeto definitivo de Clóvis Beviláqua senão ainda tomouse a base sulamericana de codificações inspirando Velez Sarsfield na redação do Código Civil argentino e alcançando o Uruguai o Paraguai estendendose ainda por toda a região influenciada por Andrés Bello sobretudo o Chile Tratavase de nações que haviam abolido a escravidão e por conseguinte podiam sentir a repercussão das idéias mais avançadas no campo do Direito Privado25 Neste sentido podese dizer que a historicidade brasileira não foi diferente pois foi com a abolição do sistema escravocrata e com o advento do regime republicano que se concretizou de vez a extinção das Ordenações26 Herdeiro dos estudos e das contribuições inacabadas efetivadas pela jurisprudência imperial o projeto de Clóvis Beviláqua elaborado em 1899 só foi promulgado em 1916 passando a vigorar um ano após Influenciado pelo Código Civil alemão de 189627 que entrou em vigência no dia 1 de janeiro de 1900 sua aprovação passou por inúmeras discussões na Câmara e no Senado da República o que não impediu de aproveitar toda a rica tradição doutrinária nacional sobretudo as contribuições de Teixeira de Freitas cuja idéia de unificação do Direito Privado não foi porém acolhida28 Impunhase a orientação conciliadora do legislador pátrio de adaptar as inovações com as tradições de adequar seus dispositivos com as novas exigências da realidade social brasileira além do que o germanismo inspiraria a distribuição das matérias ganhando força na esfera da fanu1ia a pessoa individual no direito das coisas a idéia da propriedade no direito das obrigações a idéia de crédito no das sucessões a transmissão hereditária dos bens O primado da pessoa como critério de classificação atendia já às novas condições de produção resultantes do fim da escravatura29 Ora esse ímpeto nem sempre bem sucedido de se livrar do passado e inaugurar instituições novas30 encontrava sustentação no ideário liberal individualista e na tentativa de adequar determinados institutos econômicos a uma sociedade constituída pela aliança de oligarquias agrárias 25 MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 183 Constatar igualmente MERCADANTE Paulo Militares Civis A Ética e o Compromisso Rio de Janeiro Zahar 1978 p 136137 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de História do Direito 3 ed Rio de Janeiro Forense 1984 p 240241 VALLADÃO Haroldo História do Direito Especialmente do Direito Brasileiro 400 Rio de Janeiro Freitas Bastos 1980 p 143153 26 Cf MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 182 27 Sobre a formação e as fontes do Código Civil brasileiro uma das análises mais completas é a de PONTES DE MIRANDA FC Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro 2 ed Rio de Janeiro Forense 1981 p 196 Também observar CHACON Vamireh Da Escola do Recife ao Código Civil Rio de Janeiro Simões 1969 GOMES Orlando Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro Salvador Livraria ProgressoUniversidade da Bahia 1958 p 1867 28 REALE Miguel Op cit p 190 29 MERCADANTE Paulo Op cit 1972 p 137 30 PRADO JÚNIOR Caio Evolução Política do Brasil 12 ed São Paulo Brasiliense 1980 p 197 Sem desconsiderar o valor e o avanço do processo de codificação em relação ao anacronismo da legislação portuguesa até então dominante o Código Civil reproduz em muito as condições sócioeconômicas do final do século XIX As características do novo Código estavam mais próximas de um perfil conservador do que inovador em razão da ênfase muito maior atribuída ao patrimônio privado do que realmente às pessoas admitindo um pátrio poder rigoroso que foi diminuído posteriormente com a gradativa concessão de outros direitos à esposa31 De qualquer modo como comenta Antônio Mendes a legislação civil que reproduzia as situações históricas da época condições que permaneceram até os dias atuais manteve inalterados os privilégios jurídicos da burguesia agrária não se adentrando na regulamentação de avanços efetivados no âmbito principalmente de direitos de natureza política e social32 Certamente o Direito Civil brasileiro tendo suas raízes no velho Direito metropolitano que o Império transformou e em parte materializou seria pouco eficaz e fracassaria em inúmeras questões essenciais Além desse demasiado apego dos juristas pátrios ao passado escondidos sob o manto de uma retórica artificial e de conhecimentos abstratos estes não levaram em conta as necessidades reais e nem sempre conseguiram visualizar corretamente a diversidade e a particularidade das condições brasileiras33 Oportuno é trazer Caio Prado Júnior que foi quem pontificou pertinentemente sobre tal cenário legislativo inaplicável e distante das peculiaridades do país diante do imobilismo geral das instituições sociais Temse assim em muitos setores institucionais um Direito vazio e inoperante favorecendo uma ausência de regulamentação jurídica para muitas situações específicas Um caso ilustrativo e mais flagrante é talvez o regime de terras tão importante num país agrícola e na maior parte ainda deserto e que disto nunca foi devidamente tratado nas leis brasileiras 31 CHACON Vamireh Op cit p 177 32 Cf MENDES Antonio Celso Op cit p 64 Assinala igualmente Orlando Gomes que se sob o aspecto da técnica jurídica aclamouse a excelência do Código Civil como obra concisa de linguagem escorreita notável em segurança e precisão já de outro representou a sistematização de um Direito da Civilização urbana mal adequado às condições de vida do interior do país tanto econômica como política e socialmente Em todo o curso de sua elaboração nos longos anos em que se arrastou no Congresso Nacional o Código Civil não foi acusado em tempo algum de ter descurado a questão social No Brasil daquele tempo não havia clima para crítica dessa natureza Orlando Gomes assevera que Clóvis Beviláqua não desconhecia o desencadeamento da reação ao individualismo jurídico Assumindo de modo nítido e firme posição categórica contra as inovações de fundo social que se infiltravam desde então na legislação dos povos mais adiantados Estava convencido de que as novas formações não possuíam substantividade não se lhes devendo injetetar seiva para que se não processasse uma intervenção funesta na economia da vida social Conhecia portanto o movimento incipiente de revisão do Direito Privado mas as condições sociais do país seu atraso econômico e a distribuição de sua riqueza não ensejavam sua assimilação Por mais esclarecido que fosse seu pensamento de professor de legislação comparada não seria possível superar as limitações do meio In Introdução ao Direito Civil 3ª ed Rio de Janeiro Forense 1971 pp 8486 33 Cf PRADO JÚNIOR Caio Op cit p 197 MENDES Antonio Celso Op cit p 55 GOMES Orlando Op cit 1958 p 3966 O que sempre tivemos na matéria foi copiado de legislações européias onde naturalmente a situação é inteiramente outra A única tentativa séria de regulamentação da propriedade fundiária no Brasil a Lei de Terras de 1850 nunca foi efetivamente executada Somente uma pequena fração do território brasileiro encontrase regularmente inscrita e registrada e basta para verificálo consultar a longa lista de processos e litígios em torno de questões de terras Esse é apenas um exemplo entre muitos outros para ilustrar as falhas da elaboração jurídica do Império34 O mapeamento da historicidade do Direito nacional cobre não só sua legislação instituições e idéias mas também seus principais vultos responsáveis por engendrar e reproduzir uma certa especificidade de cultura jurídica no país Tendo em vista que muitos já se ocuparam de analisar mais pormenorizadamente a vida e a obra dos chamados grandes juristas do Direito Oficial35 e não ser tema aqui privilegiado cabe tãosomente mencionar algumas figuras ilustrativas Mister é assim reconhecer as contribuições que vão desde Augusto Teixeira de Freitas 18161883 certamente o maior civilista brasileiro do século XIX e que lançou as bases de nosso Direito Privado até o nome de José Antonio Pimenta Bueno 18041878 mais tarde Marquês de São Vicente a principal expressão do Direito Público do Império mas que também enveredou com competência para as áreas do Direito Processual Civil e do Direito Internacional Privado36 Ao lado destes os privativistas como José Antonio Souza Lisboa o Visconde de Cairu expoente da prática jurídicomercantil e divulgador das idéias de Adam Smith Francisco Paula Batista 18111881 com contribuições para o processo civil e para a hermenêutica jurídica Cândido Mendes de Almeida 18181881 investigador das ordenações coloniais e doutrinador erudito profundo conhecedor da legislação filipina e canônica Lafayette Rodrigues Pereira 18341917 um dos mais renomados jurisconsultos do século XIX grande intérprete do Direito de Família e do Direito das Coisas Clóvis Beviláqua 18591944 renovador do Direito brasileiro autor do projeto do Código Civil de 1916 e um dos mais completos jurisconsultos da Escola do Recife Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda 18921979 possivelmente a maior expressão do Direito brasileiro neste século jurista eclético que em seus inúmeros densos e sólidos tratados discorreu com brilhantismo sobre Direito Privado Direito Constitucional 34 PRADO JÚNIOR Caio Op cit p 197198 35 Consultar a propósito SILVA Justino Adriano Farias da Pequeno Opúsculo sobre a Vida e Obra de Pontes de Miranda Porto Alegre EST 1981 LIMA Hermes Tobias Barreto A Época e o Homem 2 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1957 DUTRA Pedro Literatura Jurídica no Império Rio de Janeiro Topbooks 1992 MEIRA Silvio Teixeira de Freitas O Jurisconsulto do Império Vida e Obra Brasília 1983 VIANA FILHO Luiz A Vida de Rui Barbosa 6 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1960 REALE Miguel Figuras da Inteligência Brasileira Rio de Janeiro Tempo Brasileiro Fortaleza Universidade Federal do Ceará 36 Cf REALE Miguel Op cit p 173 Idem Figuras da Inteligência Brasileira Op cit p 34 Processual Filosofia e Sociologia Jurídicas J X Carvalho de Mendonça vulto maior que modernizou e desenvolveu o Direito Mercantil na primeira República Orlando Gomes 19091988 consagrado professor consultor jurídico e civilista que se empenhou sempre pela crítica e pela renovação de temas da dogmática legal37 Não obstante haver conquistado um Direito nacional e codificado a República consolidou um modelo privatista de legalidade não muito diverso do período imperial no que se refere ao alheamento de suas normas às condições históricosociais e às reais necessidades de sua população A ordem jurídica positiva republicana por demais individualista ritualizada e dogmática em suas diretrizes ordenadoras quase nunca traduziu as profundas aspirações e intentos do todo social Na verdade tanto a legislação privada quanto as políticas públicas impostas por um Estado oligárquico e autoritário não conseguiram na trajetória deste século enfrentar e solucionar adequadamente as agudas questões estruturais da sociedade no Brasil como a concentração da riqueza nas mãos de poucos as abissais desigualdades sociais e a crescente exclusão da moradia e da posse da terra para milhões de pessoas Fonte de um dos maiores conflitos contemporâneos de ordem privada a luta pela posse uso e distribuição da terra se efetiva no contexto de uma estrutura agrária de privilégios e injustiças assentada na dominação política autoritária e clientelística nos intentos capitalistas especulativos e discriminadores e na produção de legalidade oficial comprometida com os interesses das tradicionais elites agrárias Temos assim toda uma legislação positivodogmática marcada pela tradição individualista de proteção e de conservação do Direito de Propriedade art 524 do Código Civil Brasileiro que acaba reservando para um plano indireto suplementar e secundário o Direito da Posse art 485 do Código Civil Brasileiro Esse caráter subordinativo da posse à propriedade permite entender que ainda que não a exerça diretamente o proprietário tem sido sempre obrigatoriamente o possuidor podendo reaver a coisa quando for privado de sua posse mediante ações de reintegração previstas no próprio art 524 do Código Civil Brasileiro Vêse dessa forma que a posse de natureza dinâmica e socialmente evolutiva é restringida e colocada como decorrência de um patrimônio configurado por uma abstração legal disposta estatisticamente no Texto de 191638 37 Observar DUTRA Pedro Op cit p 5357 64707580 e 8283 MENDES Antonio Celso Op cit p 43 46 6265 e 8185 REALE Miguel Op cit 1977 p 172200 38 WOLKMER Antonio Carlos Pluralismo Jurídico Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito São Paulo AlfaOmega 1994 p 9495 A propósito cabe lembrar que mesmo excluindo da presente descrição a discussão acerca dos trabalhos técnicos e das possíveis inovações temáticas Direito de Família por exemplo está tramitando no Congresso Nacional há mais de 14 anos o projeto do novo Código Civil Brasileiro Com efeito todo fundamento desse modelo jurídico liberalconservador montado no início do século para assegurar e proteger os interesses da oligarquia rural veio privilegiar de modo exclusivo inatacável e absoluto o Direito Individual de propriedade Enfim em que pesem as profundas e céleres mudanças vivenciadas pela sociedade brasileira na virada do século XX basta o exame atento das fontes históricas da evolução e da aplicação dos dispositivos do Código Civil engendrado no ideário da segunda metade do século XIX e ainda em plena vigência para se ter com muita clareza um perfil ideológico e o grau de comprometimento do Direito Privado como um todo De fato sua filosofia tem reproduzido até hoje de um lado os princípios do individualismo burguês advindos da moderna cultura jurídica européia de outro o legado colonial de práticas institucionais burocráticopatrimonialistas que apenas têm favorecido a garantia e a proteção de bens patrimoniais deixando de contemplar e resolver os conflitos sociais de massa Os limites o artificialismo e a pouca funcionalidade desse sistema de legalidade formalista e conservador propiciam as condições favoráveis para a seqüência de confrontos intermináveis e os horizontes de ruptura com os procedimentos da justiça oficial e estatal Daí a premência de se definir novo quadro de autoregulamentação emanado da e pela própria sociedade 43 Historicidade e natureza do pensamento jusfilosófico nacional No contexto inicial da colonização e da exploração das riquezas não houve lugar para qualquer elaboração de idéias originais pois toda e qualquer produção teórica ficou reduzida à propagação missionária e à repetição dos ensinamentos evangélicos mediatizados e impostos pelos jesuítas No mimetismo sacralizado que marcaria os primeiros séculos da colonização não comporta registrar uma teoria jurídica secularizada pois toda concepção sobre lei direito e justiça restringiase às diretrizes éticoreligiosas da Igreja Católica que refletia um jusnaturalismo tomistaescolástico Apontase que os primórdios de um trabalho de cunho jusfilosófico no Brasil teria aparecido somente no século XVIII de autoria do poeta inconfidente de nacionalidade portuguesa Tomás Antonio Gonzaga 17441809 Mas ao contrário do que se poderia esperar de um intelectual afinado com certas concepções iluministas republicanas e liberais seu Tratado de Direito Natural ao refletir sem muita originalidade de pensamento prêssupostos identificados com o jusnaturalismo de inspiração teológica destinavase claramente a não desagradar os meios culturais dominantes na Metrópole39 Não ocorreram profundas alterações nessa direção do idealismo jusnaturalista inaugurado por Tomás A Gonzaga mesmo depois da Independência do país e da criação por D Pedro I das duas Faculdades de Direito a de Olinda depois Recife e a de São Paulo O que se pode aventar é que o jusnaturalismo foi incorporando ao longo do século XIX certos matizes do racionalismo Iluminista e do individualismo liberal Durante o Império a estrutura ideológica da sociedade brasileira continuou fundada na monocultura latifundiária no trabalho escravo e na especificidade institucional de uma monarquia hereditária Além do que a elite intelectual adotou entusiasticamente um sistema filosófico eclético advindo do historicismo espiritualista francês Com efeito o ecletismo se constituiu como bem diz Luiz Washington Vita na principal e na melhor sistematização do pensamento brasileiro em grande parte do século XIX representado por MontAlverne Gonçalves de Magalhães Ferreira França Morais e Vale e Antonio Pedro de Figueiredo inspirados em maior ou menor grau por Victor Cousin que pretendia conciliar num sistema pouco definido o que julgava verdadeiro em todos os sistemas considerados como manifestações parciais de uma verdade única e mais ampla Nesse sentido é o ecletismo uma reunião de teses conciliáveis tomadas de diferentes sistemas de Filosofia e que são justapostas deixando de lado pura e simplesmente as partes nãoconciliáveis destes sistemas Portanto o ecletismo foi a Filosofia oficial no Brasil entre 1840 e 1880 numa tentativa de hegemonia filosófica única em toda a nossa história das idéias40 Reconhece igualmente Antonio Paim que essa opção pela Filosofia de Victor Cousin não se deve pura e simplesmente pela ausência de tradição filosófica ou seja nada teve de fortuita mas resultou de uma escolha consciente de parte 39 Cf MACHADO NETO A L História das Idéias Jurídicas no Brasil São Paulo GrijaboEDUSP 1969 p 15 18 Oportuno é ainda transcrever as observações feitas por Paulo Nader acerca do primeiro lente de filosofia jurídica na Academia de São Paulo logo após sua criação Se em nossa área de estudo a primeira obra de autor radicado no Brasil pertenceu a um escritor luso Tomás Antonio Gonzaga há dois séculos também daquela nacionalidade foi o nosso primeiro professor de Direito José Maria de Avelar Brotero 17981878 que por decreto de 12 de outubro de 1827 foi nomeado pelo Imperador para reger a cátedra de Direito Natural da recém criada Faculdade de Direito de São Paulo cabendolhe a honra de proferir a aula inaugural dos cursos jurídicos em 10 de março de 1828 Seguindo a orientação dos regulamentos então vigentes publicou em 1829 um compêndio da matéria destinado aos alunos Princípios de Direito Natural o qual lhe trouxe amargos ressentimentos em face da repercussão negativa alcançada A Comissão de Instrução Pública emitiu parecer contrário à adoção da obra sob o fundamento de que lhe faltavam consistência lógica clareza precisão e ser uma compilação de vários autores Em conseqüência o livro foi substituído pelo de Perreau Éléments de Législation Naturelle obra sem maior expressão e que se baseava nos ensinamentos de Burlamaqui datando de 1831 a sua primeira edição A velar Brotero não reagiu nem ficou privado em contrapartida do exercício de seu cargo In Filosofia do Direito 3 ed Rio de Janeiro Forense 1994 p 251 40 VITA Luiz Washington Panorama da Filosofia no Brasil Porto Alegre Globo 1969 p 6162 de nossa elite dirigente41 Ainda que a relevância do ecletismo francês tenha servido aos setores dominantes da sociedade brasileira especialmente como bússola na solução dos problemas políticos na concepção e na implantação das instituições da administração do ensino etc ao longo do Segundo Reinado a expressão filosófica desse estado de espírito variou com o tempo42 Na verdade um exame mais atento de sua trajetória permite concluir com Roberto Gomes que o nosso ecletismo não foi apenas o primeiro grande movimento filosófico a se estruturar tampouco o mero reflexo de uma determinada situação política e social Na verdade foi e tem sido resultado direto da indiferenciação cultural que até hoje perdura É manifestação de alguns traços básicos de nosso caráter intelectual e de nossa condição política e continua vivo ainda encontradiço prezado e vigente entre nós 43 Em síntese o ecletismo representa o que Roberto Gomes designa como o mito brasileiro da imparcialidade No quadro filosófico até aqui descrito devese mencionar que o interior da formação social foi afetado profundamente na virada do século XIX para o início do século XX por transformações decorrentes da modificação do sistema sóciopolítico monarquia república do deslocamento no domínio da correlação de forças senhores de engenho oligarquias cafeeiras agroexportadoras e das novas estruturas jurídicopolíticas edificadas a partir da implantação do espírito positivistarepublicano e da construção de uma ordem liberal burguesa Ainda que sob o impacto cultural de uma situação colonial e de independência reflexo atrasado de modismos alienígenas e da escassa originalidade criativa o Brasil em fins do século XIX viu surgir um mundo de idéias novas que viriam romper a tradição jusnaturalista ainda dominante em nosso país até a entrada do último quartel do século quando surgem expressões brasileiras do positivismo e do evolucionismo que representam em nosso meio o influxo de uma relativa urbanização e modernização da vida social que em pouco tempo repercutiria no plano mais visível da vida política com a abolição da escravatura e a proclamação da República Positivismo e evolucionismo são realmente as duas rubricas teóricas com as quais se pode resumir um conjunto de idéias novas que povoaram o final do século com mais significativo influxo sobre a teoria jurídica Embora muitos pensadores brasileiros tenham feito uma transição entre o positivismo e o evolucionismo em suas diversas nuances tal como ocorreu a Sílvio Romero e a Tobias Barreto não há que negar que o 41 PAIM Antonio História das Idéias Filosóficas no Brasil 3 ed São Paulo Convívio Brasília INL 1984 p 289 42 PAIM Antonio Op cit 1984 p 193 43 GOMES Roberto Crítica da Razão Tupiniquim 3 ed Porto Alegre MovimentoUFRGS 1979 p 3233 comtismo ortodoxo ou em suas múltiplas heterodoxias contou com a preferência da intelectualidade do sul do país em particular Rio São Paulo e Rio Grande do Sul enquanto o monismo evolucionista montou seu quartelgeneral na chamada Escola do Recife 44 A larga influência do positivismo sobre a intelectualidade brasileira composta em sua grande parte no final do século por bacharéis e juristas vinculados ao pensamento liberal burguês e formados para exercer altos postos na administração burocrática do Estado acabou produzindo um ambiente renovador de pesquisa e de sistematização das idéias na Escola do Recife Esta foi como já se consignou o baluarte jurídico mais expressivo de reação às diversas variantes do idealismo jusnaturalista instituído e o núcleo impulsionador básico à codificação da legislação privada no país45 Ultrapassando as dimensões do fenômeno jurídico a Escola do Recife como lembra Alberto Venâncio Filho consagrava ainda no bojo de seu movimento intelectual a questão da evolução de idéias que sacudiram os horizontes da filosofia da produção científica e da crítica literária46 Certamente que a Escola do Recife47 enquanto núcleo de polarização cultural constituiuse ao lado do positivismo e do catolicismo de Jackson de Figueiredo exemplo de um movimento intelectual brasileiro que formou escola e perdurou além da duração dos fundadores48 Uma análise detida permite destacar que não é muito fácil identificar um único e sistemático pensamento ideológico norteador da Escola do Recife pois seu processo históricoconstitutivo é marcado por momentos caracterizadores poéticoliterário críticofilosófico jurídicosociológico e por perfis biográficos distintos Tobias Barreto Sílvio Romero Artur Orlando José Isidoro Martins Clóvis Beviláqua Se num primeiro momento para combater o jusnaturalismo a metafísica e o ec1etismo espiritualista incorpora e assimila posturas materialistas evolucionistas e 44 MACHADO NETO A L A Filosofia do Direito no BrasilIn CRIPPA Adolpho org As Idéias Filosóficas no Brasil Século XX II Parte São Paulo Convívio 1978 p 14 Idem 1969 p 46 45 Cf NEDER Gizlene O Direito no Brasil História e Ideologia In L YRA Doreodó Araújo org Desordem e Processo Porto Alegre Sérgio Fabris Editor 1986 p 147156 Ver igualmente da mesma autora Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil Porto Alegre Sérgio Fabris 1995 46 Cf VENÂNCIO FILHO Alberto Das Arcadas ao Bacharelismo São Paulo Perspectiva sd p 96 47 Destacando seu caráter de frente cientificista que se insere no surto de idéias novas dos anos 70 do século XIX Antonio Paim op cit p 378 e 413 esclarece que a Escola do Recife conjuntamente com o positivismo materializou os movimentos culturais mais significativos e complexos Sua complexidade advém do fato de que os pensadores que os integram recorrem às correntes inspiradoras estrangeiras a fim de enfrentar e resolver determinados problemas cuja magnitude advinha de nossa peculiar consubstancialidade Por essa forma não cabe considerálos como simples projeções mas abordálos de modo autônomo tomando como referência a obra local e a problemática que suscita Assim carece de maior significação batizar a Escola do Recife de corrente evolucionista ou contentarse com a classificação de positivismo ortodoxo e positivismo dissidente elaborada em conformidade com o modelo francês Nos começos do século entretanto o abandono da filosofia pela sociologia de parte de Sílvio Romero e Artur Orlando ou pelo Direito no caso de Clóvis Beviláqua marcariam o declínio e o desaparecimento da Escola do Recife como corrente filosófica Ver igualmente do mesmo autor O Estudo do Pensamento Filosófico Brasileiro Rio de Janeiro Tempo Brasileiro v 57 1979 p 6364 48 VENÂNCIO FILHO Alberto Op cit p 96 positivistas numa etapa posterior em nome do monismo do sociologismo e do cientificismo abandona e contesta o positivismo ortodoxo principalmente aquele de matriz filosófica francesa A supremacia do positivismo jurídico nacional constróise no contexto progressivo de uma ideologização representada e promovida pelos dois maiores pólos de ensino do saber jurídico a Escola do Recife e a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco São Paulo Produto de concepções consideradas avançadas na Europa o apelo cientificista do positivismo surgia como discurso hegemônico e uniforme identificado com os interesses emergentes da burguesia urbana liberal e com as novas aspirações normativas da formação sócioeconômica brasileira daquele momento específico Neste sentido é razoável aludir que diante do conservadorismo projetado pelo jusnaturalismo tomistaescolástico a nova proposição jurídica delineada pelo positivismo tanto em sua vertente do monismo evolucionista quanto na do sociologismo naturalista representava uma forma de pensamento mais adequada às novas condições econômicas advindas das transformações trazidas pela República Múltiplas implicações para a cultura jurídica brasileira advêm da irradiação positiva e negativa da Escola do Recife À parte seus frutos incontestes de romper com a metafísica e com a lógica imperantes do período colonial bem como de estimular a modernização das instituições políticolegais Código Civil e de propelir uma ordenação históricosociológica da cultura nacional impõese assinalar sua função ideológica na produção de nova consciência jurídica burguesa laicizada mas não menos presa como no paradigma anterior à mentalidade legal dogmática e à manutenção da ordem vigente em face das transformações por que passava a sociedade com a derrocada do Império e o aparecimento da República Após as primeiras décadas deste século o processo históricoevolutivo motivado por novas e crescentes necessidades determinaria não só um conseqüente desgaste da epistemologia jurídica naturalistadogmática de largo impacto modernizador como sobretudo evidenciaria a paulatina insuficiência do discurso cientificista difundido durante gerações pela Escola do Recife e por alguns de seus principais teóricos como Tobias Barreto49 Sílvio Romero50 Clóvis Beviláqua51 e posteriormente Pontes de Miranda em sua fase inicial 49 Transcrevemse aqui as palavras de A L Machado Neto que apresenta Tobias Barreto 18391889 como o mestiço de extraordinário talento poeta e orador jurista político e filósofo inegavelmente o líder e orientador do movimento que se abriga sob a rubrica de Escola do Recife Em sua evolução espiritual Tobias passa por uma fase predominantemente literária de inspiração hugoana e dali a uma predominância dos estudos filosóficos primeiro sob a influência do ecletismo espiritualista depois com parcial adesão ao positivismo volvendose já em violenta crítica ao comtismo brasileiro ou estrangeiro crítica esta feita do ponto de vista de um monismo evolucionista a princípio inspirado na obra de Haeckel e pois de cunho acentuadamente mecanicista e mais tarde por influência de Noiré transformado ao monismo teleológico que já se permitia alguma influência da gnosiologia kantiana A fase final de sua vida Tobias a dedicou predominantemente aos O declínio da força cultural irradiadora representada pela Escola do Recife e a expansão de um positivismo ilustrado de cunho comtiano que expressava a legalidade de uma burguesia cafeeira repercutem amplamente em alguns autores do centro do país até a primeira metade do século XX Nas Arcadas do Largo de São Francisco transformadas pelas condições políticosociais como uma das fontes autênticas do bacharelismo liberal e do formalismo jurídico tradicional passaram e exerceram prolongada influência os jusfilósofos Pedro Lessa 18591921 e João Arruda 18611943 que como críticos das doutrinas metafísicas e propugnadores do estudo científico do Direito sob a óptica de um positivismo ilustrado contribuíram como professores de Filosofia do Direito para a fonnação do imaginário liberalindividualista no ensino e na aplicação do Direito52 Além da inegável importância da Escola do Recife e da Academia do Largo de São Francisco eixos do iluminismo jurídico tupiniquim a produção jusfilosófica oficial estudos filosóficos e científicos a propósito do Direito como uma conseqüência de sua entrada na Faculdade de Direito pela porta de um brilhante concurso Sua obra tem um marcado sentido polêmico quiça uma reação do mestiço de invulgar talento às restrições da sociedade provincianamente aristocrática e escravista do Recife de seu tempo Em teoria do Direito Tobias combinava as concepções de Jhering e Hermann Post que refletiam no direito as teorias de Darwin e Haeckel Neste campo produziu numerosas obras todas elas marcadas pelo rasgo característico de seu espírito polêmico e inovador In Teoria da Ciência do Direito São Paulo Saraiva 1975 p 199 50 Seguindo as lições do mestre baiano Sílvio Romero 18511914 é o segundo nome mais importante da Escola do Recife Historiador da literatura e das idéias folclorista e sociólogo polemista e pensador o pensamento brasileiro muito deve a Sílvio Romero em uma permanente atualização com as idéias vigentes na Europa combinada harmoniosamente com um também permanente e incansável interesse pelas coisas brasileiras No âmbito da teoria do Direito a obra fundamental de Sílvio Romero é o livro titulado Ensaios de Philosophia do Direito obra que escreveu quando professor dessa cátedra em mais de uma faculdade de direito no Rio de Janeiro Antes como candidato ao doutorado da Faculdade de Direito do Recife ficou famosa sua célebre afirmação agressivamente contrária às idéias de seus examinadores jusnaturalistas de acordo com a qual a metafísica estava morta Depois desse cometimento juvenil Sílvio Romero apartouse do Direito volvendo sua atenção para os estudos de história da literatura e das idéias no Brasil e além disso para os estudos folclóricos Neste empenho teórico é que Sílvio Romero em seu compêndio de filosofia jurídica explica e difunde o espírito novo em filosofia a sociologia e sua localização entre as ciências as criações fundamentais e irredutíveis da humanidade e o direito entre elas a extensão das criações políticas do homem até o Estado e o Direito os elementos natural cultural e nacional no Direito e os elementos que o compõem Como se vê o sociologismo domina a teoria jurídica de Sílvio Romero que nos presenteia com uma espécie de sociologia geral do Direito Op cit p 200201 51 Por fim a figura do elaborador do Código Civil Clóvis Beviláqua 1859944 reconhecido por A L Machado Neto como o maior jurista da Escola do Recife É verdade que a parte mais substancial de sua obra se situa no campo do Direito Positivo e não especialmente na teoria do Direito Porém ainda neste âmbito além de uma extensa e cuidada obra histórica sobre a Faculdade de Direito do Recife publicada em 1927 em comemoração do primeiro centenário de sua fundação Beviláqua publicou vários livros de ensaios versando temas de filosofia sociologia e história do direito Suas influências teóricas predominantes são Jhering e Post aquele referindose como nada menos que o jurista de seu século e do futuro De Jhering toma o fim social criador do Direito e de Post o naturalismo que faz do Direito uma expressão social das forças de atração e repulsão que governam o cosmos Sua visão da evolução jurídica é otimista e progressista Pelo visto embora fosse um jurista prático de significação internacional Beviláqua não pôde eludir um influxo sociologista acentuado sobre seu pensamento teórico acerca do Direito Tal influxo se manifesta mais visivelmente quando afirma que a sociologia é quem nos pode dar uma verdadeira concepção do Direito In Op cit p 202 52 PAIM Antonio Op cit 1984 p 457466 479484 NADER Paulo Op cit p264269 brasileira foi enriquecida contemporaneamente por outras idéias e por outros matizes teóricos distintos e às vezes isolados de autores diversos como Francisco Campos Pontes de Miranda Djacir Menezes Hennes Lima Sílvio de Macedo Lourival Vilanova A L Machado Neto Goffredo Telles Júnior Miguel Reate e mais recentemente Tércio Sampaio Ferraz Júnior e Luiz Fernando Coelho Muito mais próximo do Direito Público do que da Filosofia do Direito Francisco Campos foi o protótipo do jurista que sempre colocou seu saber enciclopédico a serviço das forças mais retrógradas e mais autoritárias que governaram o Brasil mentor da Constituição ditatorial de Vargas e do Ato Institucional n 1 do golpismo militar de 1964 Em sua tese Introdução Crítica à Filosofia do Direito Belo Horizonte 1918 deixa claro todo seu repúdio a uma deontologia do Direito fazendo apelo tanto ao positivismo naturalístico quanto à orientação cientificista delegando à filosofia jurídica um papel meramente fenomenológico53 Provavelmente um dos mais festejados juristas civilista processualista constitucionalista etc do século XX tenha sido Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda possuidor de vasta erudição que transcende o Direito Positivo tanto o Direito Privado quanto o Direito Público chegando com competência e profundidade ao domínio perfeito da filosofia da sociologia da política das ciências naturais etc Em sua obra essencial sobre a teoria jurídica Sistema de Ciência Positiva do Direito procurando conciliar o sociologismo com o empirismo lógico apresenta o Direito como uma ciência causal descritiva A natureza sociológica desta ciência normativa é identificada com a logicidade fática e com o formalismo empírico que ordenam as leis da cientificidade Não resta dúvida de que o rigor técnico de seu pensamento privativista e neopositivista serviu de substrato dogmático para o imaginário retórico e ornamental de juristas e bacharéis por dezenas de geraçoes54 Seguindo os passos e a influência de Pontes de Miranda e do pensamento hegeliano Djacir Menezes proclama a necessidade da sistematizaçãoda Ciência Jurídica com base na metodologia indutiva pois o Direito enquanto fenômeno natural só pode ser apreciado epistemologicamente através da observação experimental55 A trajetória culturalista de Djacir Menezes passa de um apologismo pontiano da primeira fase para o cultivo ulterior de um hermetismo neohegeliano extremamente reacionário Isso fica notório em seu 53 Cf MACHADO NETO A L Op cit 1969 p 180183 Muitas das formulações jurídicopolíticas de Francisco Campos podem ser encontradas em O Estado Nacional Rio de Janeiro José Olympio 1940 54 Observar PONTES DE MIRANDA F C Sistema de Ciência Positiva do Direito Rio de janeiro Borsoi 1972 t I e II 55 MACHADO NETO A L Op Cito 1969 p 186190 Tratado de Filosofia do Direito de 1980 cujas incursões por um tecnismo metafísico escamoteiam sua visão elitista da sociedade e do Estado56 Ainda há que se mencionar num amplo leque de abstrações idealistas e variadas formalizações as posturas do juridicismo socialista de Hermes Lima o acentuado egologismo de fundamentação raciovitalista e sociológica de A L Machado Neto o forte apelo do jusnaturalismo neotomista e católico Armando Câmara Alceu Amoroso Lima Alexandre Correia A B Alves da Silva Benjamim Oliveira Filho José Pedra Galvão de Souza Edgar de Godói da Matta Machado André Franco Montoro 57 e a posição original dos juristas do nordeste o historicismo clássico de Nelson N Saldanha o sociologismo de Cláudio Souto e as incursões pela lógica jurídica e pela filosofia da linguagem de Sílvio de Macedo e principalmente de Lourival Vilanova58 Por fim a necessária alusão às tendências culturalistas de Paulo Mercadante Luiz Luisi Paulo Dourado Gusmão Renato C Czema e Miguel Reale59 Concomitante com a crise sócioeconômica que sacudiu a estrutura capitalista da Velha República liberalpositivista e com as contradições sociais decorrentes da emergência dos novos atores no âmbito da dominação política burguesa oligárquica sobressaíram novas teses como o culturalismo a conciliação o nacionalismo de esquerda e o desenvolvimentismo Essas tendências ideológicas materializadas em fins dos anos 30 Revolução de 30 Estado Novo integralismo nacionalismo conservador etc e ao longo dos anos 4050 Segunda Grande Guerra e democratização social do Brasil deixaram sulcos também na linearidade do pensamento políticojurídico institucionalizado Entendese assim a crise que atravessou o positivismo jurídico liberal em suas vertentes evolucionistas naturalistas sociológicas e cientificistas diante das críticas vigorosas e das renovadoras propostas epistemológicas argüidas pelo ecletismo conciliador e 56 Constatar MENEZES Djacir Tratado de Filosofia do Direito São Paulo Atlas 1980 57 Ver LIMA Hennes Introdução à Ciência do Direito 27 ed Rio de Janeiro Freitas Bastos 1983 CÂMARA Armando Reflexões sobre a Definição do Valor Estudos Jurídicos São Leopoldo Unisinos n 4 1972 LIMA Alceu Amoroso Introdução ao Direito Moderno 3 ed Rio de Janeiro Agir 1978 SOUZA José Pedro Galvão de Direito Natural Direito Positivo e Estado de Direito São Paulo RT 1977 MATA MACHADO Edgar de G da Elementos de Teoria Geral do Direito 3 ed Belo Horizonte UFMG 1986 MONTORO André Franco Introdução à Ciência do Direito 20 ed São Paulo RT 1991 58 Verificar SALDANHA Nelson O Problema da História na Ciência Jurídica Contemporânea 2 ed Porto Alegre Escola Osvaldo Vergara 1978 SOUTO Claudio Introdução ao Direito como Ciência Social Brasília UnB Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1971 MACEDO Sílvio de Introdução à Filosofia do Direito 2 ed São Paulo RT1978 VILANOVA Lourival As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo São Paulo RT 1977 59 Consultar MERCADANTE Paulo Militares e Civis A Ética e o Compromisso Rio de Janeiro Zahar 1978 GUSMÃO Paulo Dourado O Pensamento Jurídico Contemporâneo São Paulo Saraiva 1955 CZERNA Renato Cirell Ensaios de Filosofia Jurídica e Social São Paulo Saraiva 1965 REALE Miguel Horizontes do Direito e da História São Paulo Saraiva 1956 Filosofia do Direito 9 ed São Paulo Saraiva 1982 pela retórica culturalista introduzidas na esfera da teoria jurídica60 O Culturalismo Jusfilosófico que teve grande impulso no Brasil após a Segunda Grande Guerra inspirando se em Kant e considerandose herdeiro de Tobias Barreto busca reorientar as diversas tradições filosóficas nacionais rumo a uma interlocução e entrada nos valores na pluralidade e no mundo da cultura Sob I a condução de Miguel Reale e integrado por muitos pensadores dentre os quais Luiz Washington Vita Renato Cirell Czerna Djacir Menezes Paulo Mercadante Nelson Saldanha e Antonio Paim a corrente culturalista fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia mF que se projetou como instituição devotada a promover o diálogo entre as diversas correntes de filosofia existentes no país Desde então enquanto filosoficamente a Escola Culturalista de São Paulo incorporou posições conectadas com a problemática axiológica e com o transcendentalismo neokantiano sem deixar de estar aberta e incluir outras direções como o próprio idealismo historicista de Cirell Czerna ou o hegelianismo de Djacir Menezes politicamente alguns de seus membros gradualmente propenderam não só para recuperar mas sobretudo para alinharse com a tradição liberal brasileira Ora se nas últimas décadas o Culturalismo Jusfilosófico temse identificado com posturas idealistas ecléticas e liberais com um perfil ideológico conservador não cabe desmerecêlo pois na metade do século se projetara como alternativa crítica ao jusnaturalismo metafísico e às variantes dogmáticas do positivismo cientificista que atravessavam os cursos jurídicos do país Provavelmente a crítica mais incisiva e mais séria à realidade de exaurimento e de derrocada do naturalismo jurídicosociológico enquanto estatuto epistemológico hegemônico foi a tese de teor culturalista desenvolvida em Fundamentos do Direito apresentada por 60 A corrente do Culturalismo Jurídico nutrida por um certo historicismo relativista tem no dizer de Paulo Dourado Gusmão como referência inicial a caracterização de origem kantiana entre natureza valor e cultura A cultura como objetivação de valores ou sentidos exige segundo os defensores desse posicionamento método de conhecimento diverso do empregado nas ciências físiconaturais O direito para essa corrente pertence ao reino da Cultura e não ao da Natureza physis Está no mundo construído pelo Homem através da História em uma sociedade e civilização carregado de sentido Por tal motivo o seu conhecimento depende de metodologia própria diversa da específica das ciências físiconaturais interessadas em explicar os fenômenos por suas causas enquanto as ciências culturais em compreendêIos por seus sentidos ou valores u Por isso o Direito não faz parte da Natureza nem é exclusivamente valor pois pertence à Cultura ou seja ao reino construído pelo Homem Legislador jurista particulares em função de uma situação históricosocial realizando um valor para alcançar satisfatoriamente uma finalidade Na América Latina o culturalismo jurídico se fu1nou não só com Recaséns Siches teoria vitalista do direito como também com Carlos Cossio teoria egológica do direito e com Miguel Reale teoria tridimensional do direito In Introdução ao Estudo do Direito 16 ed Rio de Janeiro Forense 1994 p 412414 Igualmente Luiz Femando Coelho chama a atenção para o fato de que o Culturalismo Jurídico privilegia aqueles valores específicos do Direito que são basicamente plurilaterais Alguns desses valores assumem maior importância sob o influxo de conteúdos ideológicos em diferentes épocas e também conforme a problemática social de cada tempo e lugar In Teoria da Ciência do Direito São Paulo Saraiva 1974 p 60 Miguel Reale em 1940 no concurso para a cátedra de Filosofia do Direito61 Tratavase de nova visão do fenômeno jurídico moldada na aglutinação e na sistematização de uma tridimensionalidade assentado no fato sociologismo no valor idealismo e nà norma formalismo Realmente desde os anos 50 quando amadurece sua epistemologia jurídica tridimensional e promove o desenvolvimento de um núcleo de pensadores culturalistas das mais distintas orientações em tomo do qual surgem não só o Instituto Brasileiro de Filosofia mas igualmente a Revista Brasileira de Filosofia Miguel Reale tornase indiscutivelmente o mais importante expoente da cultura jusfilosófica brasileira62 O culturalismo de Miguel Reale procurou superar as limitações das epistemologias idealistas e empíricofonnais integrando dinamicamente os pressupostos nonnativos com o elemento fático e o elemento axiológico e inserindo a partir de um realismo ontognoseologia de matiz kantiano a experiência da normatividade jurídica no mundo da cultura63 Se num primeiro momento o tridimensionalismo de Miguel Reale foi um pensamento renovador em relação ao positivismo ortodoxo e aos múltiplos reducionismos formalistas decorridas algumas décadas acaba transformandose numa proposta jurídica sem alcance transformador e sem muita eficácia para as novas necessidades de regulamentação social e para os objetivos políticojurídicos de uma sociedade de desenvolvimento tardio do Capitalismo periférico como a brasileira deste final de século XX A integração culturalista dos fatores fáticoaxiológiconormativo não descaracteriza na totalidade de sua essência o fenômeno jurídico com uma certa espécie atenuada e idealista de formalismo legal Discorrendo sobre tal problemática Clemerson Cleve procura demonstrar com razão que o saber jurídico em Miguel Reale continuará sendo um saber normativo ligado à normatividade do Direito Positivo Entretanto diferente do que acontecia em Kelsen para quem o Direito apenas estudava as normas cabendo à sociologia os fatos e à filosofia os valores a dialética realeana a qual ele chama de dialética de implicaçãopolaridade não separa a realidade do Direito em domínios estanques O tridimensionalismo realeano ultrapassa o formalismo positivista incorporando à esfera 61 Cf CAVALCANTI FILHO Theophilo Papel Desempenhado por Fundamentos do Direito na Filosofia Jurídica Nacional In REALE Miguel Fundamentos do Direito 2 ed São Paulo Revista dos TribunaisEDUSP 1972 p XXILVI Aspectos da formação e evolução do pensamento jusfilosófico de Miguel Reale consultar Miguel Reale na Universidade de Brasília Brasília UnB 1981 coleção Itinerárias Memórias V I e II São Paulo Saraiva 198688 62 Sobre a importância da obra de Miguel Reale na cultura brasileira ver CAVALCANTI Teófilo Org Estudos em Homenagem a Miguel Reale São Paulo Revista dos TribunaisEDUSP 1977 VITA Luiz Washington Op cit p 116120 MACHADO NETO A L Op cit 1969 p 219225 ACERBONI Lidia Op cit p 7078 NADER Paulo Op cit p 269274 MENDES Antonio Celso Op cit p 98100 63 Cf MARQUES NETO Agostinho Ramalho A Ciência do Direito Conceito Objeto Método Rio de Janeiro Forense 1982 p 136138 Para maior comprovação verificar REALE Miguel Teoria Tridimensional do Direito 3 ed São Paulo Saraiva 1980 do saber jurídico elementos dispensados pela depuração de Kelsen64 Além da hegemonia e da incisiva influência do culturalismo axiológico de Miguel Reale na formação jusfilosófica de várias gerações cabe registrar a partir do final dos anos 70 e início dos anos 80 algumas contribuições teóricas que vão desde o idealismo disfarçado até o rigor de distinções de alcance analítico sociológico e zetético todas marcadas pelo enfoque antidogmático como o formalismo retórico da teoria da decisão jurídica de Tércio Sampaio Ferraz o sociologismo estruturafuncionalista de José Eduardo Faria o culturalismo fenomenológico de Luiz Fernando Coelho as tendências epistêmicas de base semiológicodiscursiva de Luiz Alberto Warat e as proposições juspsicanalíticas de Agostinho Ramalho Marques Neto65 Naturalmente é significativo ter a percepção correta da predominância de um senso comum teórico tradicional quer seja jusnaturalista quer seja positivista ambos em suas múltiplas variantes quando se procede a uma reflexão críticodesmitificadora das origens da evolução e da funcionalidade do pensamento jusfilosófico brasileiro Não sem razão nesse sentido assevera José Eduardo Faria que a cultura jurídica brasileira é marcada por uma visão formalista do Direito destinada a garantir valores burgueses e insistindo em categorias formuladas desde a Revolução Francesa como por exemplo a univocidade da lei a racionalidade e a coerência lógica dos ordenamentos a natureza neutra descritiva e científica da dogmática etc reproduz um saber jurídico ret6rico cuja superação é de difícil consecução pois é justificadora e mantenedora do sistema político entreabrindo a visão do Direito apenas como um instrumento de poder Daí por extensão seus princípios fundamentais se identificarem com um dogmatismo que pressupõe verdades perenes e imutáveis capazes de exercer o controle social sem sacrifício de sua segurança e aparente neutralidade66 Tais asserções possibilitam avançar na reflexão de que o conhecimento a produção e o discurso jurídico reinantes no Brasil normalmente calcados na lógica da racionalidade técnicoformal e nos pressupostos dogmáticos do cientificismo positivista não respondem mais com eficácia às reivindicações e às necessidades da etapa de desenvolvimento sócioeconômico e dos parâmetros de evolução das instituições políticas da sociedade periférica brasileira 64 CLINE Clemerson M O Direito e os Direitos São Paulo Acadêmica 1988 p 7374 65 Maiores detalhes consultar FERRAZ Jr Tércio Sampaio Função Social da Dogmática Jurídica São Paulo RT 1980 Introdução ao Estudo do Direito São Paulo Atlas 1988 FARIA José Eduardo Eficácia Jurídica e Violência Simbólica São Paulo EDUSP 1988 COELHO Luiz Fernando Lógica Jurídica e Interpretação das Leis Rio de Janeiro Forense 1981 WARAT Luiz Alberto e colaboradores O Direito e sua Linguagem 2 versão Porto Alegre Sérgio Fabris 1984 MARQUES NETO Agostinho Ramalho Sujeitos Coletivos de Direito Podese Considerálos a partir de uma Referência à Psicanálise Palavração Revista de Psicanálise Curitiba Bib Freudiana de Curitiba n 2 out 1994 p 149166 66 FARIA José Eduardo Sociologia Jurídica Crise do Direito e Práxis Política Rio de Janeiro Forense 1984 p 182 Na verdade o pensamento jurídico nacional em menos de uma década além de manter e reproduzir suas grandes matrizes idealismo e formalismo costumeiramente legitimadoras e encobridoras do Direito oficial e das estruturas de poder não pode ficar imune a formulações epistemológicas e metodol6gicas advindas das mudanças e dos avanços paradigmáticos nas ciências humanas Reconhece a esse propósito Antonio Carlos Mendes que o discurso tradicional da experiência jurídica não poderia continuar o mesmo com o aprofundamento da sociologia marxista e weberiana bem como das novas bases epistemológicas de fundamentação do discurso das ciências com Bachelard Foucault e Popper entre outros Dessa forma foi tomando corpo entre os jusfilósofos a consciência cada vez mais nítida do papel conservador e quase sempre reacionário que a ciência jurídica tradicional cristalizada sob a forma dogmática desempenha no processo de legitimação 67 Justificase assim colocar em discussão articular e operacionalizar um projeto de cunho críticointerdisciplinar no Direito ainda que se reconheçam as dificuldades de sua elaboração política e epistemológica Evidentemente que uma filosofia jurídica motivadora do desmascaramento das contradições entre as classes sociais e da ruptura com a tradição legalista vigente não deve ter o caráter destrutivo ou niilista mas se impõe e adquire legitimidade tomandose a instância estimuladora de novos mecanismos implementadores de avanços e soluções para a presente historicidade68 As novas tendências paradigmáticas que compõem o que se convencionou chamar de pensamento crítico ou de crítica jurídica69 rompem e desmitificam as dimensões políticoideológicas que sustentam a racionalidade do dogmatismo juspositivista contemporâneo Mesmo que essas concepções jusfilosóficas contestatórias se estruturem em suportes epistemológicos distintos análise sistêmica dialética semiológica e psicanalítica todas se intertextualizam numa ampla frente de crítica jurídica interligadas pela identificação mínima de alguns de seus pressupostos comuns Daí que tais correntes produzidas a partir de perspectivas metodológicas distintas apresentam finalidades relativamente compatíveis porquanto se aproximam quando denunciam as funções político ideológicas do normativismo estatal quando apontam as falácias e as abstrações técnico 67 MENDES Antonio C Op cit p 134 68 Cf WOLKMER Antonio C Op cit 2001 p 7981 69 As expressões pensamento crítico ou crítica jurídica usadas aqui como sinônimas referemse à formulação teóricoprática que se revela sob a forma do exercício reflexivo operacionalizar uma nova mentalidade capaz de questionar o que está ordenado e oficialmente consagrado no conhecimento no discurso e no comportamento em uma dada formação social e a possibilidade de conceber outras formas diferenciadas emancipadoras e pluralistas de prática jurídica Cf WOLKMER A C Op cit p 18 formalistas dos discursos legais quando questionam as bases epistemológicas que comandam a produção tradicional da ciência jurídica dessacralizando as crenças teóricas dos juristas em torno da problemática da verdade e da objetividade recolocando por fim o Direito no conjunto das práticas sociais que o determinam 70 Como conseqüência desse processo histórico da crescente produção jurídica filosófica e sociológica na teoria e na práxis social emerge uma plêiade de novos e críticos juristas brasileiros Nesse horizonte sob o aspecto da atual produção teóricoprática verificase a destacada presença nas últimas duas décadas de operadores e professores do Direito como dentre tantos Roberto Lyra Filho José Geraldo de Souza Júnior José Reinaldo de L Lopes Roberto A R de Aguiar Tarso Fernando Genro Agostinho Ramalho Marques Neto Edmundo de Lima Arruda Jr João Maurício Adeodato Willis Santiago Guerra Filho71 Em suma repensar seriamente a trajetória da cultura jusfilosófica tradicional no Brasil como têm feito estes e outros intérpretes desperta para a construção de um pensamento crítico interdisciplinar marcado por uma racionalidade jurídica emancipadora e por uma ética da alteridade expressão de novas práticas sociais participativas Evidenciaramse nesta obra sem pretensão de exaurir a complexidade temática uma descrição crítica e uma releitura sóciopolítica de determinados ângulos do processo históricoevolutivo da cultura jurídica no Brasil levando em conta seus grandes ciclos demarcadores percorridos durante a Colônia o Império e a República Demonstrouse desde seus primórdios que a matriz jurídica trazida e imposta às colônias da América Latina como o Brasil advém da implantação e adequação das fontes históricas lusoromanísticas bem como do processo posterior de assimilação do legado institucional regulador colonialista ibérico para uma estrutura social dependente e periférica Particularmente durante o período da colonização portuguesa prevaleceu a reprodução de um aparato jurídicorepressivo patrimonialista compatível com a organização produtiva escravista ao passo que com a Independência do país e o rompimento com a Metrópole forjaramse as condições para que uma elite nacional mantendo o controle sobre a economia de exportação incorporasse e difundisse os princípios de uma tradição jurídica formalmente 70 Cf WOLKMER Antonio C Op cit 2001 p 8081 WARAT Luíz Alberto A Pureza do Poder Florianópolis Ed da UFSC 1983 p 39 71 Ver LYRA FILHO Roberto O Que é Direito São Paulo Brasiliense 1982 SOUZA Jr José Geraldo de Para uma Crítica do Eficácia do Direito Porto Alegre Sérgio Fabis 1984 MARQUES NETO Agostinho Ramalho A Ciência do Direito Conceito Objeto Método Rio de Janeiro Forense 1982 LOPES José Reinaldo de L Direito Justiça e Utopia Rio de Janeiro AJUPFASE 1988 ARRUDA Ir Edmundo de L Introdução à Sociologia Jurídica Alternativa São Paulo Acadêmica 1993 ADEODATO João Maurício L Filosofia do Direito São Paulo Saraiva 1996 GUERRA FILHO Willis Santiago Teoria do Ciência Jurídica São Paulo Saraiva 2001 dogmáticopositivista e retoricamente liberalindividualista sem deixar de ser exc1udente Não resta dúvida de que o nascedouro da produção jurídica no Brasil está profundamente amarrado a um passado econômico colonial e à implantação de um sistema sóciopolítico discriminador marcado por uma historicidade conciliadora e por um nível de desenvolvimento nem sempre compatível com as necessidades e exigências do país Certamente é na origem mercantilista absolutista e contrareformista da formação social portuguesa que se podem buscar ainda que remotamente os primeiros fatores geradores de uma tradição políticojurídica burocrática individualista erudita e legalista Constatouse assim que a imposição e o favorecimento dos pressupostos do Direito alienígena além de discriminar grande parte da própria população nativa desconsiderava as práticas costumeiras de um Direito autóctone largamente exercidas em incontáveis comunidades de índios e populações negras escravizadas Naturalmente tratavase dos traços reais de uma tradição subjacente e marginalizada de experiências jurídicas informais que não chegaram a influenciar tampouco foram reconhecidas e incorporadas pela legalidade oficial Sufocaramse assim as tradições de um Direito nacional mais autêntico proveniente das comunidades indígenas em função do Direito estrangeiro trazido pelo colonizador e que não expressava as genuínas aspirações da população nativa que aqui vivia A especificidade do processo favoreceu a dinâmica de um mimetismo cultural que ao mesmo tempo que absorveu e integralizou acabou distorcendo as matrizes formadoras tanto o idealismo jusnaturalista como o formalismo positivista Isso possibilita repensar as formas de representação acerca do tipo de jusnaturalismo e juspositivismo que se teve Incentivaramse o ecletismo e o paradoxo da internalização inicial de conceitos e diretrizes chaves mas sem vivenciar posteriormente uma correta reprodução do referencial inspirador mesmo frente à ruptura a situação direcionouse pela ausência de uma variante autônoma acabada e plenamente eficaz Em tal cenário de produção jurídica personalista ritualista e erudita quer o magistrado português do período colonial que servia aos interesses da Metrópole quer o bachareljurista dos séculos XIX e XX paladino dos intentos das elites agrárias locais mesmo vivendo em momentos distintos desempenharam papéis de destaque na constituição na ordenação e na distribuição do poder A isso há que se acrescer menção ao divórcio entre as necessidades mais imediatas da população do campo e da cidade e o proselitismo acrítico da neutralidade e da moderação política dos operadores da lei nos limites de um espaço configurado por privilégios econômicos e profundas desigualdades sociais No processo de formação de nossas instituições destacouse a estranha e contraditória confluência de um lado da herança colonial burocráticopatrimonialista marcada por práticas nitidamente conservadoras de outro de uma tradição liberal que serviu e sempre foi utilizada não em função de toda a sociedade mas no interesse exclusivo de grande parcela das elites hegemônicas detentoras do poder da propriedade privada e dos meios de produção da riqueza Destarte a produção jurídica brasileira esteve quase sempre associada ao resguardo e à satisfação dos intentos das minorias oligárquicas pouco democráticas individualistas e subservientes às forças e imposições do mercado internacional Isso permite compreender que o Direito oficial nem sempre representou o genuíno espaço de cidadania de participação e das garantias legais para grande parte da população A prática do Direito oficial do Estado ensejou longo processo histórico em que a sociedade brasileira viveu permanentemente a fome a exclusão e a carência de justiça Assim a constituição estrutural dessa cultura jurídica beneficiou de um lado a prática do favor do clientelismo do nepotismo e da cooptação de outro introduziu um padrão de legalidade inegavelmente formalista retórico eclético e ornamental Incluindo suas características individualistas antipopulares e nãodemocráticas o liberalismo brasileiro haveria de ser contemplado igualmente por seu incisivo traço juridicista Ademais o cruzamento entre individualismo político e formalismo legalista delineou politicamente a montagem do cenário principal de nosso Direito o bacharelismo liberal Em suma a conclusão que se pode extrair desta perspectiva histórica e da releitura questionadora das idéias e das instituições jurídicas é a imediata necessidade de articular na teoria e na prática um projeto crítico de reconstrução democrática do Direito Por conseqüência redefinir essa trajetória de idéias e instituições jurídicas públicasprivadas no Brasil envolve concretamente a problematização e a ordenação pedagógica de estratégias efetivas fundadas na democracia no pluralismo e na interdisciplinaridade que conduzem a uma historicidade social do jurídico capaz de formar novos operadores e juristas orgânicos comprometidos com a superação dos velhos paradigmas e com as transformações das instituições arcaicas elitistas e nãodemocráticas Uma cultura jurídica que reflita idéias e instituições sintonizada com anseios e aspirações dos sujeitos sociais e dos cidadãos de nova juridicidade BIBLIOGRAFIA ACERBONI Lidia A Filosofia Contemporânea no Brasil São Paulo Grijalbo 1969 ADEODATO João Maurício L Filosofia do Direito São Paulo Saraiva 1996 ADORNO Sérgio Os Aprendizes 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