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Ciências Políticas

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Vilson J Leffa Língua estrangeira Ensino e aprendizagem Vilson J Leffa UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS Chanceler D Jacinto Bergmann Reitor José Carlos Bachettini Júnior PróReitora Acadêmica Patricia Haertel Giusti PróReitor Administrativo Eduardo Luis Insaurriaga dos Santos EDUCAT EDITORA DA UCPel Editora Executiva Ana Gertrudes Gonçalves Cardoso CONSELHO EDITORIAL Osmar Miguel Schaefer Presidente Antonio Reges Brasil UCPel Cezar Augusto Burket Bastos FURG Christiane Saraiva Ogrodowski FURG Eduardo Antonio Cesar da Costa UCPel Erico João Hammes PUCRS Fábio Souza da Cruz UFPel Hiram Larangeira de Almeida Júnior UCPel Luiz Antônio Bogo Chies UCPel Manoel Luis Cardoso Vasconcellos UFPel Vilson José Leffa UCPel EDUCAT Editora da Universidade Católica de Pelotas Rua Félix da Cunha 412 Fone 5321288297 FAX 5321288229 Pelotas RS Brasil Vilson J Leffa Língua estrangeira Ensino e aprendizagem Editora da Universidade Católica de Pelotas 2016 2016 Vison J Leffa Direitos desta edição reservados à Editora da Universidade Católica de Pelotas Rua Félix da Cunha 412 Fone 5321288297 Fax 5321288229 Pelotas RS Brasil Editora filiada A revisão textual e de conteúdo é de inteira responsabilidade dos autores e dos organizadores PROJETO EDITORIAL EDUCAT EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA Ana Gertrudes G Cardoso Este livro usa a licença Creative Commons CC BY O leitor pode distribuir remixar e adaptar o texto desde que atribua ao autor o devido crédito L493l Leffa Vilson J Língua estrangeira Ensino e aprendizagem Vilson J Leffa Pelotas EDUCAT 2016 324p ISBN 9788575901809 1 língua estrangeira aquisição 2 língua estrangeira estudo e ensino 3 língua estrangeira ensino fundamental I Título II CDD 41840071 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cristiane de Freitas Chim CRB 101233 Sumário Introdução 7 Primeira Parte Ensino 1 Do método ao pósmétodo a evolução no ensino de línguas 21 2 O ensino das línguas estrangeiras no Brasil 49 3 O professor ideal 67 4 Aspectos políticos da formação do professor de LE 81 5 Como produzir materiais para o ensino de línguas 105 6 O ensino da LE na era da cibercultura 127 7 O ensino da LE no futuro da dicotomia para a convergência 147 Segunda Parte Aprendizagem 8 A perspectiva do aluno da escola fundamental 169 9 A perspectiva do aluno universitário 181 10 A leitura da outra língua uma crítica das estratégias 195 11 Texto autêntico e interdisciplinaridade em língua instrumental utopia ou realidade 211 12 O processo de autorrevisão na produção do texto em LE 221 13Escrevendo para a comunidade científica o desafio de ser original de acordo com as normas 243 14 Aspectos externos e internos da aquisição lexical 257 15 A autonomia na aprendizagem de línguas 287 Referências 305 7 Língua Estrangeira Introdução A paixão de aprender uma língua estrangeira Este livro foi escrito por alguém que sempre se sentiu seduzido pelo mistério da língua estrangeira LE doravante Não se trata de uma segunda língua falada pelo vizinho que mora do outro lado da rua ou por colegas da sala de aula e nem se trata de uma língua adicional dada por acréscimo e sem mistério No meu caso eram línguas estrangeiras mesmo estranhas no som e na combinação das palavras prometendo mundos distantes que eu estava ansioso por conhecer Um dos prazeres de minha juventude era economizar uns trocados para poder passar numa boa banca de revistas e escolher um jornal em espanhol uma revista em francês ou um livro de bolso em inglês Muitas noites passei com o ouvido colado no rádio de ondas curtas buscando estações do mundo inteiro e ouvindo noticiários em línguas diferentes Quando ia ao cinema buscava não só aqueles que apresentavam o filme que eu queria ver mas também aqueles que tinham o melhor equipamento de som para que eu pudesse entender o que as pessoas falavam Não tinha preferência por uma ou outra língua gostava de todas sem a mínima preocupação de saber se minha mente estava ou não sendo colonizada Tinha não só os olhos e ouvidos abertos mas também a mente e o coração Com essa abertura total sem qualquer tipo de filtro ou proteção é inevitável que eu tenha sido contaminado por algum vírus provavelmente um Cavalo de Tróia daquele tipo que entra disfarçado no organismo carregando dentro de si o inimigo Vou me esforçar para mostrar os conflitos e os perigos que enfrentamos ao aprender uma língua estrangeira mas como acabei ficando totalmente seduzido pelo que vou abordar neste livro o ensino e a aprendizagem da língua estrangeira sinto que a visão lá no fim será pacificadora 8 Vilson J Leffa Do estranhamento ao entranhamento Ao me deixar levar pela paixão das línguas estrangeiras descobri também que sua aprendizagem não é fácil Tratase de uma façanha tão extraordinária que muitos não conseguem realizá la por mais que se empenhem Dominar uma língua com proficiência pode levar muitos anos ou mesmo uma vida inteira Não conheço alguém que tenha se arrependido de ter aprendido uma língua estrangeira mas conheço alguns que teriam desistido se soubessem que seria tão difícil Essa dificuldade surge em primeiro lugar da necessidade de modificar os automatismos básicos que construímos ao longo dos anos de uso da língua materna e em segundo lugar da própria complexidade do que é aprender uma LE Em relação direta com a mudança dos automatismos há os estranhamentos iniciais que devem ser vencidos incluindo sons que precisam ser percebidos mas que escapam ao nosso ouvido ou que precisam ser articulados mas que nos parecem impronunciáveis A tarefa de aprender uma LE envolve também uma reestruturação múltipla que repercute em diferentes domínios da nossa mente No domínio cognitivo as relações que tranquilamente acreditávamos existir entre as frases e o mundo deixam de existir Se em português dizemos bom dia antes do almoço e boa tarde depois temos que aprender que em francês se diz bom dia de manhã e de tarde No domínio afetivo aquilo que amávamos pode tornarse execrável e viceversa Nossa própria ideologia entra em rota de colisão com o mundo da LE em áreas que julgávamos insuspeitas incluindo diferentes relações de poder novas questões éticas distanciamentos maiores e menores entre os corpos etc Descobrimos que o domínio de uma LE não é um conhecimento a mais que se adquire e que se soma ao que já temos como se fosse uma mercadoria acrescentada ao patrimônio O que é estrangeiro e portanto estranho a nós precisa penetrar na nossa intimidade provocando um entranhamento que mexe na nossa estrutura psicomotora afetiva cognitiva e social 9 Língua Estrangeira Essa passagem do estranhamento para o entranhamento é muito mais difícil do que faz acreditar a publicidade de alguns cursinhos e livros didáticos às vezes prometendo o domínio da LE em menos de um ano com uma hora de estudo por dia Não há uma fórmula mágica que produza um resultado tão rápido a não ser talvez a paixão Delimitando o território A complexidade da LE abrange diferentes domínios do conhecimento não só do ponto de vista individual mas também do ponto de vista coletivo como ciência interdisciplinar São dois universos que se desdobram e que precisam ser estudados em dois planos diferentes um que está dentro de nós entranhado em nossa mente envolvendo como já vimos os domínios cognitivo afetivo e psicomotor e um outro externo a nós envolvendo áreas de conhecimento como a Linguística Linguística Aplicada Psicologia Pedagogia Antropologia etc Escrever um livro sobre o ensino e aprendizagem da LE é mapear esses dois universos o interno com endereço impreciso mas residente em algum lugar do nosso cérebro e o externo disseminado por diferentes disciplinas o que dá o caráter essencialmente transdisciplinar da área Um mapeamento adequado exige portanto o estabelecimento de fronteiras para que se possa definir com alguma precisão o que pertence ou não pertence à LE Identificar as fronteiras de cada um desses universos já é em si uma tarefa desafiadora mas é apenas o primeiro passo O outro mais importante e necessário pela extensão da área é selecionar os tópicos que não podem faltar num livro sobre o ensino da LE escrito numa determinada época e num determinado lugar O desafio aqui é determinar a nacionalidade dos tópicos principalmente quando fronteiriços trazendoos para a LE quando relevantes para a área ou deixandoos do outro lado da fronteira quando não forem essenciais Parto aqui do princípio de que é melhor abranger menos e aprofundar mais saindo da superfície e 10 Vilson J Leffa perfurando o terreno do que abranger mais e aprofundar menos ficando na superfície e não construindo uma base sólida Pretendese fazer essa demarcação usando dois pontos de referência o ensino e a aprendizagem Mostrase de um lado a perspectiva do professor com ênfase no ensino visto como a oferta de condições para que a aprendizagem ocorra do outro está a perspectiva do aluno e de como ele percebe essa aprendizagem que lhe é oferecida Enquanto o professor tem um ponto de referência mais ou menos fixo o aluno se caracteriza pela mobilidade marcada pela sua evolução no processo de aprendizagem O aluno da escola fundamental por exemplo não pode ser visto da mesma maneira que o aluno universitário A questão do ensino Na primeira parte do livro enfoco alguns problemas do ensino da LE partindo da perspectiva do professor A ideia nestes sete capítulos iniciais é situar o professor de línguas estrangeiras nos diferentes espaços que ele pode ocupar do histórico ao geográfico e do metodológico ao político Tento refletir sobre algumas questões essenciais incluindo as opções metodológicas disponíveis ao professor o que é um professor ideal a formação política do professor a produção de materiais de ensino e a evolução do ensino de línguas procurando mostrar essencialmente de onde viemos onde estamos e para onde vamos O Capítulo 1 Do método ao pósmétodo a evolução no ensino de línguas trata da questão do método Tento resgatar aí o essencial do que já foi feito e o que está sendo proposto sobre a ciência e a arte de se ensinar uma LE mostrando o caminho percorrido pelos diferentes métodos A meu ver evoluímos da ideia do método único para uma convivência mais saudável de diferentes maneiras de ensinar e aprender A verdade não está mais contida numa capela fechada inacessível aos que não aderirem a uma determinada cartilha mas transborda e se espalha por diferentes teorias Considero este capítulo um texto de fundamentação teórica abordando o que é básico para qualquer reflexão sobre a área 11 Língua Estrangeira O Capítulo 2 O ensino das línguas estrangeiras no Brasil aborda a questão do ensino da LE em nosso país em sua evolução histórica mostrando o contorno de ascensão e queda da LE na escola A história da LE no Brasil parece ser marcada por diferentes movimentos pendulares indo de um extremo a outro Tento resgatar aí algumas dessas dicotomias mostrando os momentos de centralização e descentralização os períodos de construção e destruição e as difíceis reconstruções para recuperar os prejuízos causados por determinadas legislações Inicio neste capítulo algumas questões que serão retomadas mais tarde como a questão política do ensino de línguas e o uso das novas tecnologias O Capítulo 3 O professor ideal enfoca a questão das qualidades desejáveis do professor de línguas estrangeiras Inicialmente teço algumas considerações sobre teorias que aparentemente conspiram contra a ação do professor diminuindo sua importância como a ideia por exemplo de que o professor não sabe o que ensina ou de que a verdadeira aprendizagem não pode ser implementada pelo professor na medida em que ocorre abaixo do nível da consciência Tento mostrar que ao lado de uma ênfase no papel do inconsciente existe um movimento contrário de valorização da consciência incluindo a ideia de que o professor deva ser um profissional reflexivo Faço uma revisão da literatura sobre as competências desejáveis do professor em termos do conteúdo da metodologia e dos traços de personalidade que ele deve possuir para facilitar a aprendizagem Finalmente destaco e amplio dessa literatura algumas competências essências com ênfase no domínio afetivo A que interesses deve servir o professor de línguas estrangeiras Esta é a pergunta que tento responder no Capítulo 4 Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras destacando a importância da formação política do professor Parto do pressuposto de que o ensino da língua estrangeira envolve um conflito de interesses que o professor precisa saber resolver e proponho um novo paradigma de prioridades usando como exemplo o ensino da língua inglesa 12 Vilson J Leffa para alunos brasileiros Tento argumentar que o inglês na atualidade como é também até certo ponto o espanhol e como foi o francês no passado não são línguas nacionais mas multinacionais e por isso requerem uma abordagem diferente Essa abordagem diferente deve permitir por exemplo que se escolha uma determinada variedade da língua até mesmo uma variedade local quando disponível como a opção pelo inglês brasileiro por exemplo O professor não precisa estar sempre presente para atuar ele pode também atuar na ausência através de algum artefato como um texto ou uma folha de exercícios Este é o tópico do Capítulo 5 Como produzir materiais para o ensino de línguas em que trato da produção de materiais de ensino pelo professor A ideia é mostrar que ao produzir seu próprio material o professor tem mais condições de atender aos interesses e necessidade de seus alunos Tentase oferecer ao professor um roteiro básico do que ele precisa fazer para ampliar sua ação didática retomando alguns conceitos clássicos do ensino como a taxionomia dos objetivos de Bloom os eventos instrucionais de Gagné e o modelo clássico da motivação envolvendo atenção relevância confiança e satisfação Consideramse também alguns aspectos básicos da produção de materiais como o ensino mediado pelo instrumento e o uso de materiais autênticos O Capítulo 6 O ensino da LE na era da cibercultura é uma tentativa de descrever o ensino da língua estrangeira na era da globalização e da internet retomando algumas questões que considero fundamentais como a dicotomia entre realidade e virtualidade a criação das comunidades virtuais não mais baseadas em fronteiras geográficas mas em fronteiras ocupacionais e o impacto que tudo isso traz para o ensino da LE na medida em que cria e aumenta a necessidade de aprender outras línguas A virtualidade é apresentada aqui não como oposição à realidade mas como uma forma de materialização do virtual Argumentase que ao lado de uma realidade virtual temos também uma virtualidade real Todo esse contexto lança para o professor um desafio maior que é preparar o aluno não para o 13 Língua Estrangeira mundo em que vivemos hoje mas para o mundo em que o aluno vai viver amanhã O Capítulo 7 O ensino da LE no futuro encerra a primeira parte do livro Analisando os dados que temos sobre o passado e do que sabemos sobre o presente tento identificar alguns padrões recursivos para fazer uma projeção sobre o futuro do ensino da língua estrangeira Entendo que estamos encerrando um período de dicotomias finalmente vencendo a síndrome do pêndulo para iniciar uma era de convergências numa posição assumidamente otimista Vislumbro para o futuro um processo generalizado de convergências fundindo tecnologias métodos e teorias Entre as possíveis convergências destaco a união da pesquisa com o ensino da inteligência com a emoção do local com o global e do real com o virtual A ideia é de que vivemos num mundo interdependente onde tudo e todos se relacionam A questão da aprendizagem A segunda parte do livro enfoca a aprendizagem da LE da perspectiva do aluno tentando descrever como ele vê essa aprendizagem as estratégias que usa para resolver os problemas que encontra como lê como escreve e como administra sua própria aprendizagem O Capítulo 8 A perspectiva do aluno da escola fundamental tenta descrever qual é a visão que o aluno tem da língua estrangeira antes de começar a estudála É uma pesquisa de campo em que se analisam quatro aspectos que conceito o aluno tem da LE o que é um falante da LE como se aprende uma LE e finalmente para que serve aprender uma determinada LE A principal conclusão desse estudo é que os alunos veem a LE como uma disciplina do currículo usada basicamente na sala de aula e não como um instrumento de comunicação usado na vida real por pessoas em situações autênticas de uso Enquanto o Capítulo 8 analisou a perspectiva do aluno antes de estudar a língua o Capítulo 9 A perspectiva do aluno universitário vai analisar a concepção de LE do aluno que passou 14 Vilson J Leffa por vários anos de estudo Selecionouse um grupo de alunos que eram leitores proficientes da língua estrangeira e solicitouse a esse grupo que individualmente ajudasse um colega menos proficiente a entender um texto em língua inglesa escrevendo um diário sobre a experiência A análise dos diários mostrou que os leitores proficientes da LE nunca expostos a aulas de inglês instrumental têm uma concepção de leitura muito próxima do que dizem os teóricos da área incluindo o uso dos processos de inferenciação para resolver as dificuldades do léxico Veem como fatores importantes da compreensão no entanto tanto a competência linguística como a competência estratégica sem priorizar uma ou outra O Capítulo 10 A leitura da outra língua uma crítica das estratégias retoma essa questão da necessidade maior ou menor da competência estratégica em contraponto com a competência linguística Faço uma revisão de como as estratégias têm sido usadas pelos especialistas da área da leitura desde o que chamo de abordagem quantitativa em que o sucesso do leitor vai depender de sua proficiência no uso de diversas estratégias passando por abordagens qualitativas com ênfase na ideia de que há estratégias certas e erradas até a hipótese da compensação de Stanovich 1980 segundo a qual o déficit que o leitor possa ter em alguma área de conhecimento ex lexical tem a possibilidade de ser compensado pelo domínio de uma outra área ex conhecimento do tópico O Capítulo 11 Texto autêntico e interdisciplinaridade em língua instrumental Utopia ou realidade aborda a questão das línguas instrumentais com os problemas que o seu ensino traz para o professor e para o aluno Embora eu não defenda o uso de textos simplificados e até concordo com a ideia de que se deva simplificar a tarefa e não o texto mesmo assim sinto a necessidade de chamar a atenção para as dificuldades do texto autêntico quando usado na sala de aula tanto para o professor como para o aluno O professor porque precisa ler e entender um texto que normalmente não é de sua área de conhecimento o aluno porque geralmente acaba lendo um texto que na realidade 15 Língua Estrangeira não foi escrito para ele e que por isso deixa de ser um texto autêntico Algumas possíveis soluções são apresentadas com suas respectivas vantagens e desvantagens No Capítulo 12 O processo de autorrevisão na produção do texto em língua estrangeira procuro analisar como o aluno universitário escreve na língua estrangeira O processo da revisão importante na produção de texto em língua materna é ainda mais importante na LE pelas dificuldades maiores que apresenta demandando mais esforço do aluno para superar os problemas encontrados principalmente de ordem linguística Embora os alunos aparentemente não revisem seus textos de modo espontâneo ficando apenas no passar a limpo com algumas alterações que se resumem a aspectos de apresentação gráfica e correção gramatical do texto o estudo realizado aqui mostrou que quando obrigados a reescrever novamente todo o texto esses mesmos alunos introduzem mudanças significativas principalmente na expressão das ideias quer corrigindo incoerências quer melhorando o estilo O Capítulo 13 Escrevendo para a comunidade científica o desafio de ser original de acordo com as normas abordo a questão da escrita no nível do mestrado quando o aluno passa pelo batismo de fogo ao ser obrigado a produzir uma dissertação e entrar na comunidade discursiva dos especialistas de sua área Tratase portanto de um processo de aculturação que procuro descrever em 5 passos essenciais que o aluno precisa galgar 1 adquirir competência na língua estrangeira geralmente visto como um prérequisito 2 familiarizarse com a terminologia privilegiada pela comunidade 3 apropriarse do conhecimento compartilhado pressuposto pelos especialistas da comunidade 4 adquirir as convenções que determinam o discurso específico da comunidade em questão 5 identificar os objetivos da comunidade que podem ter uma orientação mais teórica ou mais prática Enfatizo no capítulo a importância da criação de comunidades solidárias de pesquisadores em os alunos possam não só interagir com os mestres mas também apoiarse uns nos outros 16 Vilson J Leffa No Capítulo 14 Aspectos externos e internos da aquisição lexical analiso a questão de como o aluno pode desenvolver o vocabulário com ênfase na tensão que se estabelece entre a palavra com seu significado prédefinido e as forças do texto ressignificando a própria palavra Entender até onde vai o sentido da palavra e até onde predominam as restrições do texto é uma das competências que o aluno precisa adquirir para usar a língua adequadamente Várias estratégias para o desenvolvimento do vocabulário são também apresentadas ressaltando a importância da profundidade de processamento o uso adequado do contexto a necessidade de ser seletivo e as estratégias de fixação A ideia geral do capítulo é de que o vocabulário é um aspecto importante na aprendizagem de uma língua mas que só faz sentido quando se leva em consideração as restrições do texto Finalmente no Capítulo 15 A autonomia na aprendizagem de línguas abordo a questão do aluno autônomo capaz de gerenciar sua própria aprendizagem Parto do princípio de que o mundo atual conspira contra a autonomia Teoricamente tanto na Psicologia como na Linguística e principalmente na Análise do Discurso há a ideia generalizada de aniquilamento do sujeito Além das restrições teóricas há também as restrições práticas tanto de parte do aluno como do professor e da escola Em que pese todas essas restrições tento mostrar a necessidade que o aluno tem de ir além do que é dado na escola o que só é possível com o exercício da autonomia A sedução da LE Há mais coisas sobre o ensino e aprendizagem de uma LE do que está exposto neste livro Como qualquer texto há também aqui lacunas que o leitor precisa preencher para completar a obra O que se oferece na realidade é um balizamento colocando plataformas sobre um território que considero vasto movediço e até perigoso A aprendizagem de uma língua estrangeira mexe não apenas com nossa inteligência e sentimentos mais íntimos mas também com relações de poder entre os países envolvendo 17 Língua Estrangeira amores e ódios autonomia e submissão conquistas e frustrações A aprendizagem de uma língua estrangeira atravessa o indivíduo e a sociedade Tudo isso é abordado neste livro mas não pode ser feito de modo exaustivo Por isso optouse pela construção de plataformas a travessia entre uma plataforma e outra fica sob a responsabilidade do leitor Na imagem bíblica da Torre de Babel as línguas estrangeiras foram criadas para castigar e confundir as pessoas O objetivo secreto ingênuo e quase inconfessável deste livro é fazer o contrário destruir a torre aproximar as pessoas e mostrar o fascínio de aprender a língua do outro 19 Língua Estrangeira PRIMEIRA PARTE ENSINO 21 Língua Estrangeira 1 Este capítulo é uma versão atualizada e ampliada de LEFFA Vilson J Metodologia do ensino de línguas In BOHN Hilário VANDRESEN Paulino Org Tópicos de linguística aplicada o ensino de línguas estrangeiras Florianópolis 1988 v 1 p 211236 Capítulo 1 Do método ao pósmétodo a evolução no ensino de línguas1 Introdução O objetivo deste capítulo é dar uma visão dos principais métodos de ensino de línguas tanto do ponto de vista diacrônico a sucessão histórica dos diferentes métodos como sincrônico a convivência de diferentes métodos numa época A intenção não é doutrinar o professor no uso de um determinado método mas informálo das opções existentes Cabe a ele partindo de sua experiência das características de seus alunos e das condições existentes tomar a decisão final O que se pretende com uma revisão histórica dos métodos é fazer com que o professor comece onde os outros pararam sem necessidade de reinventar a roda ou repetir os erros do passado Sem uma visão histórica a evolução se torna impossível O problema da terminologia Para descrever os diferentes métodos pelos quais se pode aprender uma língua estrangeira precisase de uma terminologia adequada Devido à grande abrangência com que se usava o termo método no passado desde a fundamentação teórica que sustenta o próprio método até a elaboração de normas para a criação de um determinado curso convencionouse subdividi lo em abordagem approach em inglês e método propriamente dito Abordagem é o termo mais abrangente e engloba os 22 Vilson J Leffa pressupostos teóricos acerca da língua e da aprendizagem As abordagens variam na medida em que variam esses pressupostos 0 pressuposto por exemplo de que a língua é uma resposta automática a um estímulo e de que a aprendizagem se dá pela automatização dessas respostas vai gerar uma determinada abordagem para o ensino de línguas que será diferente da abordagem gerada pela crença de que a língua é uma atividade cognitiva e de que a aprendizagem se dá pela internalização das regras que geram essa atividade O método tem uma abrangência mais restrita e pode estar contido dentro de uma abordagem Não trata dos pressupostos teóricos da aprendizagem de línguas mas de normas de aplicação desses pressupostos O método por exemplo pode envolver regras para a seleção ordenação e apresentação dos itens linguísticos bem como normas de avaliação para a elaboração de um determinado curso A única dificuldade nessas definições de abordagem e de método está na imprecisão histórica do termo método já consagrado tanto no sentido amplo como no restrito Exemplo o método Direto que na verdade não é um método mas uma abordagem A solução proposta aqui é usar o termo na acepção atual e fazer a necessária ressalva para cada caso Um outro refinamento atual é a distinção entre aprendizagem e aquisição Entendese por aprendizagem o desenvolvimento formal e consciente da língua normalmente obtido através da explicitação de regras Aquisição é o desenvolvimento informal e espontâneo da segunda língua obtido normalmente através de situações reais sem esforço consciente Na aprendizagem o enunciado tem origem na língua materna podendo conscientemente passar para a segunda língua Na aquisição o enunciado já se origina diretamente na segunda língua Não existe um termo abrangente para as duas acepções embora a palavra desenvolvimento tenha sido sugerida por alguns teóricos Usarseá aqui o termo aprendizagem quando se precisar dessa abrangência que assim valerá tanto para aquisição como para aprendizagem propriamente dita 23 Língua Estrangeira Uma distinção que também precisa ser feita referese aos termos segunda língua e língua estrangeira Temos o estudo de uma segunda língua no caso em que a língua estudada é usada fora da sala de aula da comunidade em que vive o aluno exemplo situação do aluno brasileiro que foi estudar francês na França Temos língua estrangeira quando a comunidade não usa a língua estudada na sala de aula exemplo situação do aluno que estuda inglês no Brasil Para os dois casos usase aqui como termo abrangente a sigla L2 Um último termo é necessário este para descrever a pessoa que examina critica eou propõe métodos de ensino de línguas Essa pessoa pode ser um educador um linguista aplicado um teórico um autor de livro didático a até um professor mas não exerce nenhuma dessas funções quando assina um artigo sobre o ensino de línguas Para essa pessoa usase aqui o termo metodólogo A abordagem da gramática e da tradução AGT Conhecida tradicionalmente como método a AGT tem sido a metodologia com mais tempo de uso na história do ensino de línguas e a que mais críticas tem recebido Surgiu com o interesse pelas culturas grega e latina na época do renascimento e continua sendo empregada até hoje ainda que de modo bastante esporádico com diversas adaptações e finalidades mais específicas Basicamente a AGT consiste no ensino da segunda língua pela primeira Toda a informação necessária para construir uma frase entender um texto ou apreciar um autor é dada através de explicações na língua materna do aluno Os três passos essenciais para a aprendizagem da língua são a memorização prévia de uma lista de palavras b conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e c exercícios de tradução e versão tema É uma abordagem dedutiva partindo sempre da regra para o exemplo 24 Vilson J Leffa A ênfase está na forma escrita da língua desde os exercícios iniciais até a leitura final dos autores clássicos do idioma Pouca ou nenhuma atenção é dada aos aspectos de pronúncia e de entonação A origem da maioria das atividades da sala de aula está no livrotexto de modo que o domínio oral da língua por parte do professor não é um aspecto crucial O que ele precisa mais é o domínio da terminologia gramatical e o conhecimento profundo das regras do idioma com todas as suas exceções Saber responder prontamente a uma dúvida surgida em aula ainda que usando a obscura exceção de uma regra é mais importante do que saber pronunciar corretamente a mais simples das frases O Anexo 1 mostra atividades desenvolvidas na sala de aula em que se utiliza a metodologia AGT O objetivo final da AGT é ou era levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura da L2 Na consecução desse objetivo acreditavase que ele acabava adquirindo um conhecimento mais profundo de seu próprio idioma desenvolvendo sua inteligência e capacidade de raciocínio A abordagem direta tradicionalmente Método Direto A Abordagem Direta AD é quase tão antiga quanto a AGT Surgiu como uma reação a esta e evidências de seu uso datam do início do século XVI O caso de Montaigne o famoso ensaísta francês que já na década de 1530 aprendeu latim pelo método direto é citado pelos defensores da AD como um exemplo de seu sucesso Enquanto que a AGT sofreu sempre severas críticas sem nenhum nome importante ligado a ela é até mais fácil citar pessoas que se destacaram por ataques a abordagem como Vietor no século XIX na Alemanha a AD teve grandes defensores Harold Palmer Otto Jespersen Emile de Sauzé etc A primeira escola Berlitz fundada nos Estados Unidos em 1878 é um exemplo do sucesso comercial da abordagem A oficialização do método direto na Bélgica 1895 França 1902 e Alemanha 1902 obrigando seu uso nas escolas públicas atesta o prestígio 25 Língua Estrangeira de que gozava a abordagem no início do século Harold Palmer na Inglaterra batizouo de Método Científico inaugurando um epíteto que mais tarde seria reivindicado por vários outros métodos O Anexo 2 mostra como na prática a AD apresenta o material de ensino 0 princípio fundamental da AD é de que a L2 se aprende através da L2 a língua materna nunca deve ser usada na sala de aula A transmissão do significado dáse através de gestos e gravuras sem jamais recorrer à tradução 0 aluno deve aprender a pensar na língua A ênfase está na língua oral mas a escrita pode ser introduzida já nas primeiras aulas 0 uso de diálogos situacionais Ex no banco fazendo compras etc e pequenos trechos de leitura são o ponto de partida para exercícios orais compreensão auditiva conversação livre pronúncia a exercícios escritos preferencialmente respostas a questionários A integração das quatro habilidades na sequência de ouvir falar ler e escrever é usada pela primeira vez no ensino de línguas A gramática e mesmo os aspectos culturais da L2 são ensinados indutivamente 0 aluno é primeiro exposto aos fatos da língua para mais tarde chegar a sua sistematização 0 exercício oral deve preceder o exercício escrito A técnica da repetição é usada para o aprendizado automático da língua 0 uso de diálogos sobre assuntos da vida diária tem por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula 0 ditado é abolido como exercício A AD foi introduzida no Brasil em 1932 no Colégio Pedro II através de uma reforma radical no método de ensino turmas de 15 a 20 alunos seleção rigorosa de professores escolha de material adequado etc A AD em que pese seu prestígio e apoio oficial inclusive no Brasil teve sempre dificuldade em se expandir Ou por não ter os prérequisitos linguísticos exigidos fluência oral e boa pronúncia ou por não possuir a resistência física necessária para manter a ênfase na fala durante várias horas diárias o professor após o entusiasmo inicial com a AD acabava sistematicamente regredindo a uma versão metodológica da AGT 26 Vilson J Leffa 0 antagonismo entre a AD defendida pelos metodólogos e a AGT empregada pela maioria dos professores na prática parece mostrar uma luta constante que perpassa todo o ensino de línguas através das mais diferentes abordagens e métodos O desabafo de Gatenby um dos mais recentes defensores da AD atesta do lado dos metodólogos essa batalha aparentemente inglória com os professores A recusa de gerações de professores e administradores escolares em se beneficiar dos experimentos bem sucedidos e das teorias comprovadas do passado é em parte um exemplo da perversidade humana as pessoas negamse a escolher o certo o melhor ou o que é bom quando isso lhes é mostrado GATENBY 197245 Abordagem para a leitura tradicionalmente Método da Leitura Um dos poucos países que não deu apoio oficial à Abordagem Direta foram os Estados Unidos da América Ao examinar a AD em 1892 a Comissão dos Doze composta de autoridades educacionais americanas concluiu que o desenvolvimento da língua oral não era o objetivo principal do ensino de línguas nas escolas secundárias americanas A habilidade da fala era apenas um objetivo secundário que mesmo assim parecia contrariar a natureza e função da escola já que em condições normais só seria atingido num grau modesto O ensino de línguas deveria antes visar o gosto pela cultura e literatura do povo estudado o que seria melhor conseguido em versões atualizadas da Abordagem da Gramática e da Tradução MACKEY 1965148 Na verdade o que faltava era um estudo comparativo entre a AD e a AGT As vantagens e desvantagens de cada abordagem precisavam ser avaliadas não só em termos absolutos mas também relativos a uma determinada realidade e aos objetivos para o qual se estuda uma determinada língua Este estudo foi feito através 27 Língua Estrangeira de uma das maiores pesquisas já realizadas sobre o ensino de línguas o Modern Foreign Language Studies MFLS O MFLS começou nos Estados Unidos em 1923 e terminou no Canadá em 1927 depois de investigar entre outros estabelecimentos de ensino 647 centros de ensino superior 128 faculdades de educação e 1980 departamentos de línguas estrangeiras Os resultados foram publicados entre 1927 a 1932 em dezessete volumes envolvendo os mais diferentes aspectos do ensino de línguas De acordo com Valnir Chagas Tudo como se vê foi feito pacientemente objetivamente estatisticamente Cientificamente em suma Nada até onde possível se deixou á mercê do acaso ou das soluções improvisadas não raro personalíssimas que haviam caracterizado a renovação didática dos idiomas estrangeiros nos últimos cinquenta anos CHAGAS 195775 A conclusão de todo este estudo foi de que o objetivo da aprendizagem de línguas na escola secundária deveria ser essencialmente prático Para isso propõese uma combinação da Abordagem da Tradução com a Abordagem Direta da primeira adotavase a ênfase na língua escrita com a reformulação das regras de gramática fixandose no essencial para a compreensão da AD adotavase o princípio de que o aluno deveria ser exposto diretamente à língua A praticidade estava em primeiro lugar no fato de que dentro das condições existentes na escola secundária não era possível o desenvolvimento equilibrado das quatro habilidades da língua Em segundo lugar defendiase a premissa de que as necessidades dos alunos na sua grande maioria não envolviam conhecimento da língua oral O objetivo principal da Abordagem para Leitura AL era obviamente desenvolver a habilidade da leitura Para isso procuravase criar o máximo de condições que propiciassem a leitura tanto dentro como fora da sala de aula Como o desenvolvimento do vocabulário era considerado essencial tentavase expandilo o mais rápido possível Nas primeiras lições 28 Vilson J Leffa era cuidadosamente controlado uma média de seis palavras novas por página baseadas em estatísticas de frequência Embora houvesse a preocupação de ensinar a produzir e reconhecer os sons da língua a ênfase na pronúncia era mínima Predominavam os exercícios escritos principalmente os questionários baseados em textos A gramática restringiase ao necessário para a compreensão da leitura enfatizando os aspectos morfofonológicos e construções sintáticas mais comuns Os exercícios mais usados para aprendizagem da gramática eram os de transformação de frases Ocasionalmente exercícios de tradução eram também empregados A AL expandiuse pelas escolas secundárias dos Estados Unidos na década de 1930 tendo permanecido até o fim da Segunda Guerra Mundial Críticos não faltaram contra a AL dentro e fora dos Estados Unidos De acordo com o Professor Carneiro Leão O ensino das línguas vivas é a parte fraca do sistema norte americano de educação Não há um só educador um só crítico de educação nos Estados Unidos que assim não pense As escolas norteamericanas não deram ainda às línguas vivas a situação a que elas têm direito LEÃO 1935235 A premissa de que se pudesse desenvolver uma só habilidade para fins específicos foi o ponto mais atacado Segundo Gatenby Não se concebe que um professor de matemática decida evitar a multiplicação e a divisão devido a sua dificuldade e dedique sua atenção ao desenvolvimento da adição e da subtração entre seus alunos no entanto um procedimento muito semelhante é adotado pelo professor de línguas que exasperado pela incapacidade de seus alunos em aprender ou de si mesmo em ensinar abandona o ouvir o falar o escrever e se concentra somente na leitura GATENBY 197243 29 Língua Estrangeira Segundo o Professor Valnir Chagas Há uma interdependência tão íntima dos quatro aspectos instrumentais do ensino dos idiomas ouvir falar ler e escrever que nenhum deles poderá ser atingido isoladamente sem que se dê justo relevo aos demais Treinados exclusivamente para a leitura os escolares americanos terminaram por não aprender nem mesmo a ler Não se altera impunemente a ordem natural das coisas CHAGAS 1957420 Abordagem audiolingual A Abordagem Audiolingual AAL é a reação dos próprios americanos contra a AL Surgiu durante a Segunda Guerra Mundial quando o exército americano precisou de falantes fluentes em várias línguas estrangeiras e não os encontrou A solução foi produzir esses falantes da maneira mais rápida possível Para isso nenhum esforço foi poupado linguistas e informantes nativos foram contratados as turmas de aprendizagem foram reduzidas ao tamanho ideal e o tempo apesar da urgência foi dado com liberalidade nove horas por dia por um período de seis a nove meses Embora nada houvesse de novo no método usado pelo exército uma reedição da Abordagem Direta anteriormente rejeitada pela Comissão dos Doze seu sucesso foi tão grande que as universidades se interessaram pela experiência Depois as escolas secundárias seguiram na adoção do método provocando um aumento significativo no número de matrículas Devido à existência de linguistas no projeto o ensino de línguas adquiria agora o status de ciência Com o tempo o Método do Exército foi refinado e se desenvolveu no que hoje é conhecido como Abordagem Audiolingual As premissas que sustentavam o método foram reformuladas com clareza a formaram uma doutrina coesa que por muitos anos dominou o ensino de línguas Essas premissas são as seguintes 30 Vilson J Leffa Língua é fala não escrita Estava restabelecida a ênfase na língua oral No momento em que se equiparava a fala com a língua o que não fosse fala também não era língua Daí que ensinar a leitura não era ensinar a língua já que a escrita era uma fotografia muito mal feita da fala A implicação pedagógica dessa premissa era de que o aluno deveria primeiro ouvir e falar depois ler e escrever como acontece individualmente na aprendizagem da língua materna e como acontece com os povos em geral que só aprendem a escrever muito depois de terem aprendido a falar 0 aluno só deveria ser exposto à língua escrita quando os padrões da língua oral já estivessem bem automatizados A apresentação precoce da escrita prejudicava a pronúncia A forma preferida de apresentação era o diálogo justamente por representar a língua viva do diaadia 0 laboratório de línguas pela possibilidade de apresentar gravações de falantes nativos possibilitando assim uma pronúncia perfeita tornouse um importante recurso audiovisual Língua é um conjunto de hábitos O behaviorismo de Skinner foi o suporte da AAL em termos de aprendizagem A língua era vista como um hábito condicionado que se adquiria através de um processo mecânico de estímulo e resposta As respostas certas dadas pelo aluno deveriam ser imediatamente reforçadas pelo professor Havia uma grande preocupação em evitar que os alunos cometessem erros Para isso o ensino era feito através de pequenos passos com a aprendizagem gradual das estruturas que eram apresentadas uma a uma No audiolingualismo não se aprendia errando Acreditavase que quem errava acabava aprendendo os próprios erros As estruturas básicas da língua deveriam ser praticadas até a automatização o que era conseguido através de exercícios de repetição A aprendizagem só ocorria quando o aluno tivesse 31 Língua Estrangeira realizado a superaprendizagem isto é quando tivesse automatizado a resposta menos do que isso não era aprendizagem Ensine a língua não sobre a língua A premissa era de que se aprendia uma língua pela prática não através de explicitações ou explicações de regras Perguntas por parte dos alunos eram desencorajadas A gramática era ensinada através da analogia indutiva Como na abordagem direta o aluno era exposto aos fatos da língua A língua é o que os falantes nativos dizem não o que alguém acha que eles deveriam dizer O que a gramática normativa muitas vezes apontava como errado era no entanto sistematicamente usado pelos falantes da língua padrão Em vez de certo e errado preferiuse usar os termos aceitável e não aceitável Se os falantes cultos do inglês por exemplo usavam em situações informais a expressão its me em vez do prescrito its I o professor deveria ensinar nos diálogos a forma its me Do mesmo modo em cursos de português para estrangeiros sugeriase a expressão vi ele em vez do tradicionalmente correto vio As línguas são diferentes O audiolingualismo defendia uma versão forte da análise contrastiva Pela comparação dos sistemas fonológicos lexicais sintáticos a culturais entre duas línguas podiase prever os erros dos alunos A tarefa primordial do planejador de cursos era detectar as diferenças entre a primeira e a segunda línguas e concentrar aí as atividades evitando assim os erros que seriam causados pela interferência da língua materna O audiolingualismo dominou o ensino de línguas até o início da década de 1970 Bloomfield no campo da linguística Skinner no da psicologia Nida Fries e Lado no da metodologia são alguns dos grandes nomes do movimento 32 Vilson J Leffa As objeções que foram surgindo contra a AAL tímidas na década de 1960 e cada vez mais frequentes na década seguinte eram tanto de ordem teórica como prática Teoricamente começou se a questionar o embasamento linguístico e psicológico da abordagem A primazia da fala cedeu lugar a uma visão da língua em que a fala e a escrita eram formas paralelas de manifestação Devido à capacidade do ser humano de gerar frases novas a língua não podia ser um conjunto de hábitos 0 professor não devia só ensinar a língua mas também sobre a língua Competência na língua é mais importante que a performance dos indivíduos com todos os erros e hesitações Finalmente os aspectos universais da língua sobrepujavam de longe as pequenas diferenças entre uma língua a outra Na prática havia também problemas sérios Os alunos que aprenderam pela abordagem audiolingual pareciam apresentar as mesmas falhas de aprendizes de métodos anteriores no momento em que se defrontavam com falantes nativos em situações reais de comunicação pareciam esquecer tudo o que tinham aprendido na sala de aula As repetições intermináveis para desenvolver a superaprendizagem tornavam as aulas cansativas para os alunos e professores A ênfase na forma em detrimento do significado faziam os alunos papaguear frases que não entendiam O Anexo 3 apresenta alguns exercícios que exemplificam esta mecanização no ato de aprender O humanismo e o cognitivismo que predominavam agora na psicologia não aceitavam a fragmentação da aprendizagem em pequenas etapas A ideia de que uma teoria de aprendizagem humana pudesse se basear em automatismos passou a ser rejeitada Até recentemente início da década de 70 considerava se uma heresia sugerir que seres humanos eram de algum modo interessante diferente de ratos Acreditavase que uma pessoa aprendia uma língua tanto a primeira como a segunda como ela e os ratos aprendiam qualquer outra coisa através da repetição do exercício e da assimilação de coisas novas sobre uma estrutura antiga já aprendida 33 Língua Estrangeira Achavase que era perigoso deixar uma pessoa pensar sobre as frases que elas estavam aprendendo LAKOFF 1972601 O ensino de línguas tinha entrado em uma de suas crises mais sérias 0 que tinha acontecido até então quando se rejeitava uma abordagem era porque se tinha outra supostamente melhor para oferecer Com a rejeição do audiolingualismo no entanto isso não acontecia os linguistas gerativotransformacionais ao contrário dos linguistas de escolas anteriores não traziam uma solução pronta para o ensino de línguas Período de transição Obviamente o ensino de línguas não morreu com o audiolingualismo ao lado de um ecleticismo generalizado que seguiu seu desaparecimento floresceram vários métodos geralmente ligados a um nome às vezes envoltos numa aura de misticismo e com propostas pouco convencionais para o ensino de línguas Entre esses métodos destacamse Sugestologia de Lozanov Enfatiza os fatores psicológicos da aprendizagem que devem ser favorecidos até pelo ambiente físico A sala deve ser confortável poltronas macias luz indireta música de fundo suave a fim de proporcionar o ambiente mais agradável possível Para reduzir a ansiedade e inibição os alunos podem receber pseudônimos e adquirir uma nova personalidade O desenvolvimento maciço do vocabulário é o aspecto linguístico mais enfatizado As quatro habilidades são ensinadas ao mesmo tempo principalmente através de longos diálogos lidos pelo professor com constantes variações de entonação 34 Vilson J Leffa Método de Curran Aprendizagem por Aconselhamento Método de aprendizagem centrado no aluno que consiste no uso de técnicas de terapia de grupo para o ensino de línguas Os alunos são colocados em círculos confrontandose enquanto que o professor circula pelo lado de fora Quando alguém deseja dizer alguma coisa o professor se aproxima e traduz em voz baixa na língua estrangeira a frase do aluno 0 aluno usando um gravador repete em voz alta a frase traduzida pelo professor No fim da sessão a gravação com todas as frases dos alunos é reproduzida e transcrita para comentários e observações incluindo reações pessoais dos alunos ao processo de aprendizagem da língua Com o tempo os alunos começam a criar frases diretamente na segunda língua e podem assumir o papel do professor do lado de fora do círculo Método silencioso de Gattegno Consiste fundamentalmente no ensino da língua através de pequenos bastões coloridos que o professor usa para criar as mais diferentes situações de aprendizagem juntamente com gráficos também coloridos para o ensino da pronúncia A segunda língua é adquirida à medida que o aluno vai manipulando os bastões e consultando o gráfico 0 professor permanece calado a maior parte do tempo Método de Asher Resposta física Total Basicamente consiste no ensino da segunda língua através de comandos emitidos pelo professor e executados pelo aluno No começo estes comandos são simples exemplo levantese sentese mas tornamse mais complexos à medida que se avança no curso ex Carlos vá ao quadro e desenhe uma cadeira com giz amarelo uma mesa com giz branco e um armário com giz vermelho 35 Língua Estrangeira A premissa fundamental do método é de que se aprende melhor uma língua depois de ouvila e entendêla Daí que a prática oral por parte do aluno só começa mais tarde quando ele estiver interessado em falar Abordagem Natural É a abordagem que tenta aplicar na sala de aula a teoria de Stephen Krashen conhecida como Modelo do Monitor ou Modelo do Input Visa desenvolver a aquisição da língua uso inconsciente das regras gramaticais em vez da aprendizagem uso consciente A premissa básica é que o aluno deve receber um input linguístico quase totalmente compreensível de modo a ampliar sua compreensão da língua A fala deve surgir naturalmente sem pressão do professor Abordagem Comunicativa Enquanto que nos Estados Unidos quer na linguística estruturalista de Bloomfield ou na gramática gerativo transformacional de Chomsky os linguistas se concentravam no código da língua analisada ascendentemente até o nível da frase na Europa os linguistas mantinham a tradição dos estudos semânticos e sociolinguísticos enfatizando o estudo do discurso Esse estudo pressupunha não apenas a análise do texto oral ou escrito mas também as circunstâncias em que o texto era produzido e interpretado A língua era analisada não como um conjunto de frases mas como um conjunto de eventos comunicativos Essa nova visão da língua aliada a um grande interesse pelo seu ensino que não existia na escola gerativo transformacional veio preencher o enorme vazio deixado pelo declínio do audiolingualismo Os metodólogos do ensino de línguas após vários anos de abandono reencontraram o apoio que lhes tinha sido negado pelos linguistas da escola de Chomsky 36 Vilson J Leffa Nascia dessa nova união com grande impacto para o ensino de línguas a Abordagem Comunicativa AC Enquanto que no audiolingualismo o ensino da língua se concentrava no código amplamente descrito durante os vários anos do estruturalismo a nova abordagem enfatizava a semântica da língua descrita fragmentariamente em alguns estudos esparsos Dai que o primeiro desafio dos metodólogos foi elaborar um inventário das noções e funções que normalmente se expressam através da língua 0 objetivo não era descrever a forma da língua mas aquilo que se faz através da língua Não faltaram as chamadas taxionomias tentativas de classificação sistemática das noções e funções As duas mais citadas são as de Wilkins 1976 e van Ek 1976 Wilkins dividiu as noções em duas categorias categorias semânticogramaticais e categorias de funções comunicativas As categorias semânticogramaticais expressam noções gerais de tempo espaço quantidade caso etc As categorias de funções comunicativas expressam o propósito para o qual se usa a língua Van Ek dividiu as funções da língua em seis grandes categorias cada uma subdividida em funções menores 1 expressando e descobrindo informações factuais exemplo identificando perguntando etc 2 expressando e descobrindo atitudes intelectuais exemplo concordando negando etc 3 expressando e descobrindo atitudes emocionais exemplo expressando ou inquirindo sobre prazer surpresa gratidão etc 4 expressando e descobrindo atitudes morais exemplo pedindo desculpas expressando aprovação etc 5 suasão exemplo pedir a alguém para fazer alguma coisa 6 socialização exemplo cumprimentar despedirse etc O uso de elementos dessas taxionomias na elaboração de material didático foi uma das características mais salientes da AC Até os títulos das unidades eram muitas vezes expressos em termos funcionais perguntando e dizendo o nome oferecendo aceitando e recusando ajuda perguntando e dizendo o que as pessoas fazem todos os dias etc Como essas funções podem ser expressas não só em diferentes graus de complexidade sintática mas também em diversos níveis de formalidade elas são 37 Língua Estrangeira apresentadas várias vezes durante o curso partindo geralmente do uso de expoentes linguísticos mais simples para os mais complexos é a chamada abordagem espiral O fato de que a mesma função pode ser expressa através de um grande número de expoentes linguísticos demonstra que as palavras não têm apenas significado imediato aquele registrado no dicionário mas adquirem um valor especifico relativo ao contexto em que são usadas Há por exemplo inúmeras maneiras de se pedir para que alguém deixe o recinto em que a gente se encontra Pode ser um simples sai um preciso me concentrar neste artigo um não quer brincar lá fora com a bola nova um jocoso vai ver se estou lá na esquina ou até uma expressão altamente contextualizada como meu marido vai chegar daqui a pouco A função a força ilocucionária ou o valor de todas essas expressões é o mesmo o interlocutor é solicitado a se retirar do recinto É o contexto o relacionamento entre os participantes e até as características intelectuais e afetivas do falante que vão determinar a escolha do expoente linguístico O uso de linguagem apropriada adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes é uma grande preocupação na Abordagem Comunicativa Os diálogos artificiais elaborados para apresentarem pontos gramaticais são rejeitados A ênfase da aprendizagem não está na forma linguística mas na comunicação As formas linguísticas serão ensinadas apenas quando necessárias para desenvolver a competência comunicativa e poderão ter mais ou menos importância do que outros aspectos do evento comunicativo O desenvolvimento de uma competência estratégica saber como usar a língua para se comunicar pode ser tão ou mais importante do que a competência gramatical O material usado para a aprendizagem da língua deve ser autêntico Os diálogos devem apresentar personagens em situações reais de uso da língua incluindo até os ruídos que normalmente interferem no enunciado conversas de fundo vozes distorcidas no telefone dicções imperfeitas sotaques etc Os textos escritos não devem se restringir aos livros ou artigos de revista mas 38 Vilson J Leffa abranger todas as formas de impressos jornais notícias manchetes fotos com legendas propagandas anúncios classificados etc cartas formulários contas catálogos rótulos cardápios cartazes instruções mapas programas bilhetes contratos cartões listas telefônicas tudo enfim ao que o falante nativo está exposto diariamente 0 uso de textos simplificados deve ser evitado porque prejudicaria a autenticidade do material simplificar a tarefa se necessário mas não simplificar a língua Não existe ordem de preferência na apresentação das quatro habilidades linguísticas nem restrições maiores quanto ao uso da língua materna Em cursos gerais as quatro habilidades são apresentadas de modo integrado mas dependendo dos objetivos pode haver concentração em uma só 0 desenvolvimento do vocabulário passivo é defendido 0 uso da língua materna é permitido principalmente no início do curso ou quando se deseja criar um contexto para o uso e aprendizagem da L2 0 Anexo 4 mostra algumas das diferenças entre a Abordagem Audiolingual e a Abordagem Comunicativa Um dos aspectos mais criticados pela Abordagem Comunicativa em relação às abordagens anteriores foi a falta de objetivos específicos no ensino de línguas O pressuposto anteriormente defendido de que independente do objetivo final há sempre um núcleo comum inicial a ser aprendido por todos é questionado pela AC Os cursos devem ser planejados a partir das necessidades e interesses dos alunos Um curso de L2 preparado para um bancário pode não servir para um comerciário e viceversa Os inúmeros cursos existentes atualmente para os mais diversos fins atestam a importância do que em inglês se convencionou chamar de ESP English for Specific Purposes A Abordagem Comunicativa defende a aprendizagem centrada no aluno não só em termos de conteúdo mas também de técnicas usadas em sala de aula 0 professor deixa de exercer seu papel de autoridade de distribuidor de conhecimentos para assumir o papel de orientador O aspecto afetivo é visto como uma variável importante e o professor deve mostrar sensibilidade 39 Língua Estrangeira aos interesses dos alunos encorajando a participação e acatando sugestões Técnicas de trabalho em grupo são adotadas O entusiasmo dos metodólogos pela Abordagem Comunicativa foi avassalador na teoria e na prática do ensino de línguas produzindo uma safra fecunda de manuais nocionais funcionais para professores e de material comunicativo para alunos Publicações anteriores oriundas de uma abordagem estruturalista ou eram abandonadas ou transvestidas numa roupagem comunicativa A ideia generalizada entre metodólogos autores de livros didáticos e professores era de que a AC tinha vindo para ficar o entusiasmo inicial se transformaria na consolidação definitiva Há no entanto alguns problemas No âmbito da teoria persiste a grande dificuldade em se definir categorias semânticas tanto nocionais como funcionais de modo distinto e abrangente O verbo solicitar por exemplo foi proposto por Dobson 1979 como uma categoria maior que engloba entre outras as seguintes subcategorias perguntar indagar solicitar e interrogar em inglês to ask to inquire to request to question 0 problema é de um lado como fazer a distinção entre os dois verbos solicitar que aparecem em duas categorias de níveis diferentes e do outro lado como estabelecer os limites de abrangência dos verbos perguntar indagar e interrogar que aparecem na mesma categoria Embora a abordagem comunicativa tenha produzido na teoria várias tentativas de taxionomias na prática parece impossível aplicar os princípios taxionômicos de modo que uma unidade de ensino forme um todo integrado pelas suas partes O fato de que uma função independe da realidade física em que se encontram os participantes uma pessoa pode discordar numa loja num restaurante ou numa aula torna difícil ou impossível encapsular uma série de funções menores numa função maior Um dos problemas por exemplo com materiais comunicativos é identificar o conteúdo de cada unidade normalmente expresso através de listas de funções simultaneamente repetitivas incompletas e sem qualquer relação entre si A compartimentalização da língua em funções corre o risco de atomização da aprendizagem 40 Vilson J Leffa O pósmétodo Numa época em que predomina o prefixo pós pós graduação pósmodernidade póshumano seria de se esperar que esse prefixo chegasse também ao ensino de línguas o que realmente aconteceu com a cunhagem do termo pósmétodo proposto e desenvolvido por Kumaravadivelu 1994 2001 2003 2006a 2006b Há três aspectos que caracterizam de modo especial o pósmétodo 1 a busca da autonomia do professor 2 a aprendizagem baseada em projetos e tarefas e 3 a proposta de uma pedagogia crítica Em relação ao professor a ideia é de que ele deve guiar sua ação não por aquilo que os teóricos dizem que ele deve fazer mas pelo que emerge de sua prática no contexto em que atua ninguém conhece sua realidade melhor do que ele principalmente quando vista e analisada por sua própria reflexão e pesquisa SCHÖN 1995 TRIP 2005 THIOLLENT 2005 LEFFA 2008c Durante o longo período da história de línguas o professor sempre esteve submisso ao que determinavam os teóricos da área agora pela primeira vez criase uma situação nova em que ele tem a possibilidade de exercer sua autonomia tomar suas decisões e até investigar sua ação pedagógica Já a aprendizagem baseada em projetos e tarefas torna o aluno responsável e agente de sua aprendizagem saindo do modelo passivo de aprender sentado para ingressar no paradigma dinâmico de aprender fazendo envolvendose mais com os colegas recursos de aprendizagem e comunidade dentro e fora da sala de aula HERNÁNDEZ 1998 MACHADO 2000 ALMEIDA 2002 PRADO 2009 Um exemplo de aprendizagem baseada em projetos com o uso de textos autênticos e relevantes para o aluno pode ser encontrado em Schlatter e Garcez 2012 Também as propostas baseadas nos recursos da internet como a Webquest ABAR BARBOSA 2008 estão ganhando espaço com apelo motivacional significativo para os jovens SANTOS 2012 por priorizar o trabalho em grupo e o uso de diferentes mídias 41 Língua Estrangeira Por fim a pedagogia crítica tenta alertar o professor e os alunos para o fato de que não basta o conhecimento contemplativo da língua vista apenas como o domínio de uma habilidade individual é também preciso vêla e saber usála como um instrumento coletivo de mudança visando o bem comum e a cidadania A língua é um instrumento de poder na nossa relação com o outro por meio dela podemos ser mentalmente colonizados e manipulados mas podemos também junto com o outro tentar construir um mundo melhor mais fraternal e solidário PENNYCOOK 1994 1995 COX ASSISPETERSON 2001 Conclusão Um fator ainda não estabelecido no ensino de línguas é até que ponto a metodologia empregada faz a diferença entre o sucesso e o fracasso da aprendizagem Às vezes dáse à metodologia uma importância maior do que ela realmente possui esquecendose de que o aluno pode tanto deixar de aprender como também apreender apesar da abordagem usada pelo professor As inúmeras variáveis que afetam a situação de ensino podem sobrepujar a metodologia usada de modo que o que parece funcionar numa determinada situação não funciona em outra e viceversa As abordagens que dão origem aos métodos são geralmente monolíticas e dogmáticas Por serem uma reação ao que existia antes tendem a um maniqueísmo pedagógico sem meiotermo tudo estava errado e agora tudo está certo Abordagens pedagógicas que pela experiência do professor deveriam conviver na prática tornamse preceitos antagônicos e irredutíveis indução versus dedução escrita versus fala significado versus forma aprendizagem versus aquisição material autêntico versus material adaptado são apenas alguns exemplos Daí que a história do ensino de línguas tem sido comparada por alguns metodólogos aos movimentos de um pêndulo balançando sempre de um lado a outro uma constante sucessão de tese e antítese sem jamais chegar à síntese 42 Vilson J Leffa INDICATIVE MOOD PRETÉRITO IMPERFEITO we were uer eramos estavamos you were ereis estaveis They were eram estavam Past Tense I was uoz era estava thou wast uozt eras estavas he he it was era estava A solução proposta por alguns metodólogos é a do ecleticismo inteligente baseado na experiência da sala de aula nem a aceitação incondicional de tudo que é novo nem a adesão inarredável a uma verdade que no fundo nunca é para todos os contextos Nenhuma abordagem contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir A atitude sábia é incorporar o novo ao antigo o maior ou menor grau de acomodação vai depender do contexto em que se encontra o professor de sua experiência e de seu nível de conhecimento Grammar 8 A forma affirmativa do partitivo inglez é some soem Não se traduz geralmente em vernaculo Empregase diante de qualquer substantivo evocando idéia de quantidade Ex She had some ink ella tinha tinta Table têboel meza Box boks caixa Chalk tcholk giz Duster doester escova para pedra Curtain koertin cortina Easel izoel cavallete Picture piktchoer quadro pintura Gaslamp gaslamp bico de gaz Electriclamp ilektriklamp lampada electrica ANEXO 1 Abordagem da Gramática e da Tradução COLEÇÃO FTD s d p 1214 Fragmentos mostrando as principais características da abordagem estudo do vocabulário e explicações gramaticais com longos exercícios de tradução versão e versão tema 43 Língua Estrangeira Versão IV II What is some Some is not a definite article it is a partitive 11 Was I a bad pupil 12 Was she not diligent 13 Who has an easel The teacher has an easel on the easel is a good blackboard 14 Where were you I was with the teacher in the class 15 Was not the first lesson difficult No it was not but the third and the fourth were not easy 16 What is in the box Some chalk Thema IV I A pedra estava num cavallete 2 A mesa e a caixa eram curtas mas a cortina era comprida 3 N aula ha um bico de gaz e não ha lampada electrica 4 O professor estava na aula nós tambem estavamos alli 5 Ereis applicados ou preguiçosos 6 Tinham um bom professor mas não eram applicadas 7 Nós não tinhamos a mesma lição mas elles tinham o ANEXO 2 Abordagem Direta ROBIN BERGEAUD 1941 P 67 Montagem mostrando o uso da ilustração para a transmissão do significado e alguns exercícios característicos da abordagem Note o uso exclusivo da L2 44 Vilson J Leffa LA CHAMBRE Le garçon est dans la chambre Voilà la porte Voilà la fenêtre Voilà la porte et la fenêtre Voilà le plafond le mur et le plancher Voici la table la lampe et la chaise Voici lencrier le papier buvard et le plumier Lencrier est ici la fenêtre est là la maison est làbas Le cahier est dans le sac de classe Ou est La question La réponse ANEXO 3 Abordagem Audiolingual YÁZIGI s d p 18 Note a ênfase nos padrões lingüísticos patterns que devem ser automatizados pelos alunos 1Où est le garçon 2 Où est la chambre 3 Où est le professeur 4 Où est lencre une encre 5 Où est le porteplume 6 Où est le cahier 7 Où est la craie Le garçon est dans la chambre La chambre est dans une maison Le professeur est dans la salle de classe Lencre est dans lencrier Le porteplume est dans le plumier Le cahier est dans le sac de classe La craie est dans la boîte 45 Língua Estrangeira dialogue II Mr Pep I like to drink coffee Pepita Do you drink milk Mr Pep Yes I do I like milk with coffee Pepita Dont you like tea Mr Pep No I dont Pepita You like tea dont you Zip Zip No I dont Pepita What do you like to drink Zip Zip I like to dink wine dont you pattern drill I drink coffee I dont drink tea I drink beer I dont drink wine I drink milk I dont drink water I like coffee I dont like coffee You like tea I like beer You dont like beer You like wine I like English You dont like English You like French I like Spanish You dont like Spanish You like Italian I like tennis You dont like tennis You like basketball I like soccer You dont like soccer You like baseball I like to drink milk I dont like to drink tea I like to drink beer water I dont like to drink milk I like to speak English I dont like to speak French I like to speak German I dont like to speak Italian I like to play tennis I dont like to play soccer I like to play soccer I dont like to play basketball 46 Vilson J Leffa ANEXO 4 Abordagem Audiolingual versus Comunicativa O primeiro sumário ABBS FREEBAIRN 1977 p 5 mostra a ênfase no uso enquanto que o segundo ALEXANDER 1976 p v mostra a ênfase na forma Ênfase no uso Contents UNIT 1 My names Sally Set 1 Ask somebodys name and say you name Set 2 Ask and say where places and people are UNIT 2 Im a Journalist Set 1 Greet people formally and introduce yourself Set 2 Ask and say what somebodys job is 1 Sat what your job is UNIT 3 Hello and Goodbye Set 1 Introduce people 1 and greet informally Set 2 Ask and say what somebodys job is 2 Set 3 Ask and say somebodys name 47 Língua Estrangeira Ênfase na forma 3 This is Alice She is shes French He is hes German Its a French car Its French Its an English car Its English Hisher name is names Hesshes a French student Yes she is No she isnt Yes he is No he isnt 4 Are you French too Yes I am No I am Im not Im a typist Im an engineer Whats you hisher job 49 Língua Estrangeira Capítulo 2 O ensino das línguas estrangeiras no Brasil2 Introdução O objetivo deste capítulo é descrever o lugar das línguas estrangeiras no contexto educacional do Brasil Pretendese mostrar de onde viemos resgatando parte da nossa história e tentar descrever onde estamos mostrando o contexto metodológico e político da questão Na medida em que ensinar é tocar o futuro pretendese também sugerir alguns possíveis caminhos usandose para isso não algum exercício de futurologia mas a trajetória percorrida até aqui Entendese que há uma complexidade crescente no desenvolvimento desta tarefa enquanto é relativamente fácil mostrar o caminho percorrido já que se olha para o conhecido é mais difícil descrever o presente e extremamente mais complexo tentar prever o futuro na medida em que se procura tornar conhecido o que ainda é desconhecido Esse no entanto é nosso grande desafio como professores preparar os alunos não para o mundo em que nós vivemos hoje mas para o mundo em que eles vão viver amanhã Tratase na verdade de uma questão de sobrevivência A história tem demonstrado que um povo incapaz de usar o passado para prever o futuro não está apenas condenado a repetir os erros do passado mas fadado à extinção Os brasileiros somos muitas vezes criticados por copiar aqui dentro o que acontece lá fora numa imitação servil de outras culturas e violação da nossa identidade É óbvio que um país não pode viver fechado dentro de si mesmo mas parece que ao invés de incorporar aspectos de outras culturas à nossa o que fazemos 2 Este capítulo é uma versão atualizada e ampliada do texto publicado em LEFFA Vilson J O Ensino de línguas estrangeiras no contexto nacional Contexturas São Paulo v 4 n 4 p 1324 1999 50 Vilson J Leffa muitas vezes é submeter nossa cultura às outras Isso fica mais evidente no caso da língua estrangeira uma questão extremamente delicada onde nem sempre fica claro se estudamos uma língua para servir ao nosso país ou servir aos interesses dos outros Historicamente o que aconteceu com o ensino de línguas no Brasil tem sido um eco do que aconteceu em outros países geralmente com um retardo de alguns decênios tanto em termos de conteúdo línguas escolhidas como de metodologia método da tradução método direto etc O método direto por exemplo foi introduzido no Brasil em 1931 ou seja 30 anos depois de sua implementação na França Este capítulo pretende mostrar o ensino das línguas estrangeiras no contexto nacional resgatando parte de sua história e mostrando os movimentos de centralização e descentralização de seu ensino os períodos de ascensão e declínio da língua estrangeira os momentos de construção e de destruição e das trabalhosas reconstruções para tentar recuperar os estragos feitos por certas legislações Durante o império e antes dele Deixando de lado os primórdios da catequização dos índios quando o próprio português era uma língua estrangeira e começando com as primeiras escolas fundadas pelos jesuítas podese dizer que a tradição brasileira é de uma grande ênfase no ensino das línguas inicialmente nas línguas clássicas grego e latim e posteriormente nas línguas modernas francês inglês alemão e italiano O espanhol só muito recentemente considerando a perspectiva histórica foi incluído no currículo Durante o período colonial antes e depois da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal o grego e o latim eram as disciplinas dominantes As outras incluindo o vernáculo história e geografia eram normalmente ensinadas através das línguas clássicas nos exercícios de tradução e nos comentários dos autores lidos Franca 1952 Foi só muito lentamente a princípio com a chegada da Família Real em 1808 posteriormente com a criação 51 Língua Estrangeira do Colégio Pedro II em 1837 e finalmente com a reforma de 1855 que o currículo da escola secundária começou a evoluir para dar ao ensino das línguas modernas um status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas O ensino das línguas modernas durante o império parecia sofrer de dois graves problemas falta de metodologia adequada e sérios problemas de administração A metodologia para o ensino das chamadas línguas vivas era a mesma das línguas mortas tradução de textos e análise gramatical A administração incluindo decisões curriculares por outro lado estava centralizada nas congregações dos colégios aparentemente com muito poder e pouca competência para gerenciar a crescente complexidade do ensino de línguas Segundo Chagas 1957 subtraiuse à escola a sua função primordial de ensinar e educar e formar para relegála à burocrática rotina de aprovar e fornecer diplomas p 88 Foi também durante o império que se iniciou a decadência do ensino de línguas junto com o desprestígio crescente da escola secundária onde parecia predominar a ideia do ensino livre seguido de exames os chamados exames de madureza parcelados preparatórios ou de Estado geralmente realizados às pressas e sem qualquer rigor científico CHAGAS 1957 p 89 Ainda que não se tenha estatísticas exatas sobre aspectos importantes do ensino de línguas desse período muitos deles dependentes de decisões locais tomadas pelas congregações das escolas tais como a carga horária semanal de cada língua ensinada o que se tem através de leis decretos e portarias mostra uma queda gradual no prestígio das línguas estrangeiras na escola Somando os anos de estudo prescritos para cada língua o número de línguas ensinadas e estimando uma carga horária semanal de 2 a 3 horas chegase em termos aproximados aos dados da Tabela 1 Esses dados mostram que os alunos durante o império estudaram no mínimo quatro línguas no ensino secundário muitas vezes cinco e às vezes até seis quando a língua italiana facultativamente era incluída Embora o número de línguas ensinadas tenha permanecido praticamente o mesmo o número de horas dedicadas 52 Vilson J Leffa ao seu estudo foi gradualmente reduzido chegando a pouco mais da metade no fim do império Tabela 1 O ensino das línguas no império em horas de estudo Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Total em horas 1855 18 009 09 08 06 3F 50 1857 18 006 09 10 04 3F 47 1862 18 006 09 10 04 6F 47 1870 14 006 12 10 42 1876 12 006 08 06 6F 32 1878 12 006 08 06 04 36 1881 12 006 08 06 04 3F 36 Fonte Chagas 1957 Nota O número de horas é a soma das horas semanais em cada ano de estudo Exemplo uma carga horária de 2 horas semanais durante 5 anos equivale a uma soma de 10 horas Na primeira república Durante a república embora partindo de um ímpeto inicial bastante expressivo principalmente com a reforma de Fernando Lobo em 1892 notase uma redução ainda mais acelerada na carga horária semanal dedicada ao ensino das línguas Assim para 76 horas semanaisanuais em 1892 chegase em 1925 a 29 horas o que é menos da metade O ensino do grego desaparece o italiano não é oferecido ou tornase facultativo e o inglês e alemão passam a ser oferecidos de modo exclusivo o aluno faz uma língua ou outra mas não as duas ao mesmo tempo A frequência livre permaneceu de certa maneira desoficializando o ensino que era substituído por uma prova de estudos realizada por meio de um exame sumário superficial e incompleto como simples formalidade para o início do curso 53 Língua Estrangeira superior FREITAS apud CHAGAS 1957 p 89 A crítica de Chagas sobre o ensino neste período da república é bastante dura Se antes não se estudavam os idiomas considerados facultativos a esta altura já não se aprendiam nem mesmo os obrigatórios simplesmente porque ao anacronismo dos métodos se aliava a quasecerteza das aprovações gratuitas p 89 Tabela 2 O ensino das línguas de 1890 a 1931 em horas de estudo Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Espanhol Total em horas 1890 12 08 12 11 ou 11 43 1892 15 14 16 16 15 76 1900 10 08 12 10 10 50 1911 10 03 09 10 ou 10 32 1915 10 10 10 ou 10 30 1925 12 09 08 ou 08 2F 29 1931 06 0 09 08 6F 23 Fonte Chagas 1957 A reforma de 1931 Em 1930 foi criado o Ministério de Educação e Saúde Pública e em 1931 a reforma de Francisco de Campos propunha se a soerguer a educação de segundo grau do caos e do descrédito em que fora mergulhada CHAGAS 1957 p 89 Extinguiuse a frequência livre e instituiuse o regime seriado obrigatório visando não apenas preparar o aluno para a universidade mas proporcionar a formação integral do adolescente No que concerne ao ensino de línguas a reforma de 1931 introduziu mudanças não apenas quanto ao conteúdo mas principalmente quanto à metodologia de ensino Em termos de conteúdo foi dada mais ênfase às línguas modernas não por um acréscimo em sua carga horária mas pela diminuição da carga 54 Vilson J Leffa horária do latim A grande mudança porém foi em termos de metodologia Pela primeira vez introduziase oficialmente no Brasil o que tinha sido feito na França em 1901 instruções metodológicas para o uso do método direto ou seja o ensino da língua através da própria língua O grande destaque da época foi a figura do Professor Carneiro Leão que dentro do espírito da reforma introduziu o método direto no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro em 1931 experiência relatada em detalhes no livro que publicou em 1935 O ensino das línguas vivas O método estava baseado em 33 artigos entre os quais destacamos a título de ilustração os seguintes A aprendizagem da língua deve obedecer à sequência ouvir falar ler e escrever O ensino da língua deve ter um caráter prático e ser ministrado na própria língua adotandose o método direto desde a primeira aula O significado das palavras deve ser transmitido não pela tradução mas pela ligação direta do objeto a sua expressão usandose para isso ilustrações e objetos do mundo real As noções gramaticais devem ser deduzidas pela própria observação e nunca apresentadas sob a forma teórica ou abstrata de regras A leitura será feita não só nos autores indicados mas também nos jornais revistas almanaques ou outros impressos que possibilitem aos alunos conhecer o idioma atual do país Além dessas instruções metodológicas outras medidas também foram tomadas na reforma feita no Colégio Pedro II incluindo a divisão das turmas seleção de novos professores e renovação dos materiais de ensino Nas palavras de Chagas a reforma introduzida pelo Professor Carneiro Leão é uma experiência magnífica que até hoje não achou continuadores no âmbito da escola brasileira de segundo grau CHAGAS 1957 p 92 55 Língua Estrangeira A reforma Capanema A reforma Capanema de 1942 teve o grande mérito de equiparar todas as modalidades de ensino médio secundário normal militar comercial industrial e agrícola de um lado democratizando o ensino ao dar a todos os cursos o mesmo status embora de outro lado tenha sido acusada por alguns de ser uma reforma fascista e de promover o classicismo aristocrático e acadêmico dos últimos dias do Império O próprio ministro Capanema na sua exposição de motivos ao apresentar o projeto ao governo reforça a ideia de que o ensino não deve ficar apenas nos aspectos instrumentais A lei que propõe segundo ele deve formar nos adolescentes uma sólida cultura geral marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das humanidades modernas e bem assim de neles acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística apud CHAGAS 1957 p 94 O ensino médio ficava dividido em um primeiro ciclo denominado ginásio com duração de quatro anos e um segundo ciclo com duas ramificações uma denominada clássico com ênfase no estudo de línguas clássicas e modernas e outra denominada científico com ênfase maior no estudo das ciências física química biologia matemática etc Como a reforma de 1931 a reforma Capanema com as instruções que a seguiram Portaria Ministerial 114 de 29 de janeiro de 1943 preocupouse muito com a questão metodológica Recomendavase o uso do método direto com ênfase em um ensino pronunciadamente prático embora deixando claro que o ensino de línguas deve ser orientado não só para objetivos instrumentais compreender falar ler e escrever mas também para objetivos educativos contribuir para a formação da mentalidade desenvolvendo hábitos de observação e reflexão e culturais conhecimento da civilização estrangeira e capacidade de compreender tradições e ideais de outros povos inculcando no aluno noções da própria unidade do espírito humano 56 Vilson J Leffa Os instrumentos que deveriam ser usados para atingir esses objetivos foram também detalhados até o nível da aplicação pedagógica na sala de aula O vocabulário seria escolhido pelo critério de frequência a leitura deveria iniciarse por manuais de preferência ilustrados dentro e fora da sala de aula começando com histórias fáceis e progredindo até a leitura de obras literárias completas os recursos audiovisuais desde giz colorido ilustrações e objetos até discos gravados e filmes são amplamente recomendados A educação nacional ficou centralizada no Ministério de Educação de onde partiam praticamente todas as decisões desde as línguas que deveriam ser ensinadas a metodologia a ser empregada pelo professor e o programa que deveria ser desenvolvido em cada série do ginásio e em cada ano do colégio em todo o território nacional Algumas dessas decisões parecem ter sido mais facilmente seguidas do que outras Não houve problema quanto às línguas a serem ensinadas deve ter havido algumas dificuldades quanto ao programa a ser desenvolvido mas a metodologia proposta baseada ainda no método direto parece não ter chegado à sala de aula No caminho entre o Ministério e a escola o método direto foi substituído por uma versão simplificada do método da leitura usado nos Estados Unidos Segundo Chagas não é o método direto Não é nem mesmo o método da leitura porque do sistema de Claude Marcel ou do velho reading method americano tomou apenas a forma exterior captou simplesmente a liturgia sem penetrar lhe o verdadeiro e profundo sentido CHAGAS 1957 p99 A Reforma Capanema ainda que criticada por alguns educadores como um documento fascista pela sua exaltação do nacionalismo foi paradoxalmente a reforma que deu mais importância ao ensino das línguas estrangeiras Todos os alunos desde o ginásio até o científico ou clássico estudavam latim 57 Língua Estrangeira francês inglês e espanhol Muitos terminavam o ensino médio lendo os autores nos originais e pelo que se pode perceber através de alguns depoimentos da época apreciando o que liam desde as éclogas de Virgílio até os romances de Hemingway Visto de uma perspectiva histórica as décadas de 40 e 50 sob a Reforma Capanema formam os anos dourados das línguas estrangeiras no Brasil LDB de 1961 A LDB de 1961 publicado no dia 20 dezembro mantém os sete anos do ensino médio ainda com a divisão entre ginásio e colégio e inicia a descentralização do ensino Cria para isso o Conselho Federal de Educação constituído por 24 membros nomeados pelo Presidente da República por seis anos dentre pessoas de notável saber e experiência em matéria de educação No artigo 35 parágrafo 1o estabelece que Ao Conselho Federal de Educação compete indicar para todos os sistemas de ensino médio até cinco disciplinas obrigatórias cabendo aos conselhos estaduais de educação completar o seu número e relacionar as de caráter optativo que podem ser adotadas pelos estabelecimentos de ensino Decisões sobre o ensino da língua estrangeira ficaram sob a responsabilidade dos conselhos estaduais de educação O latim com raras exceções foi retirado do currículo o francês quando não retirado teve sua carga semanal diminuída e o inglês de um modo geral permaneceu sem grandes alterações 58 Vilson J Leffa Tabela 3 O ensino das línguas após 1931 Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Espanhol Total em horas 1942 8 13 12 2 35 1961 8 12 2 22 1971 9 9 9 1996 6 eou 12 eou 6 18 Fonte Autor Nota 1 O número de horas nas reformas de 1961 1971 e 1996 é estimativo em valores aproximados do que se considera a média nacional Comparada à Reforma Capanema e à LDB que veio em seguida a lei de 1961 é o começo do fim dos anos dourados das línguas estrangeiras Apesar de ter surgido depois do lançamento do primeiro satélite artificial russo que provocou um impacto na educação americana com expansão do ensino das línguas estrangeiras em muitos países a LDB do início da década de 60 reduziu o ensino de línguas a menos de 23 do que foi durante a Reforma Capanema LDB de 1971 Menos de dez anos depois da LDB de 1961 era publicada a nova LDB Lei 5692 de 11 de agosto de 1971 O ensino é reduzido de 12 para 11 anos introduzindose o 1o grau com 8 anos de duração e o segundo com 3 Enfatizase a formação especial com ênfase na habilitação profissional O Conselho Federal de Educação artigo 4o parágrafo 3o ficava encarregado de fixar além do núcleo comum o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins A redução de um ano de escolaridade e a necessidade de se introduzir a habilitação profissional provocaram uma redução drástica nas horas de ensino de língua estrangeira agravada ainda 59 Língua Estrangeira por um parecer posterior do Conselho Federal de que a língua estrangeira seria dada por acréscimo dentro das condições de cada estabelecimento Muitas escolas tiraram a língua estrangeira do 1o grau e no segundo grau não ofereciam mais do que uma hora por semana às vezes durante apenas um ano Inúmeros alunos principalmente do supletivo passaram pelo 1o e 2o graus sem nunca terem visto uma língua estrangeira LDB de 1996 No dia 20 de dezembro de 1996 25 anos da LDB anterior é publicada a nova LDB Lei nº 9394 O ensino de 1o e 2o graus é substituído por ensino fundamental e médio Continua existindo uma base nacional comum que deve ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas características regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela Art 26 O 5º desse mesmo artigo deixa bem clara a necessidade da língua estrangeira no ensino fundamental Na parte diversificada do currículo será incluído obrigatoriamente a partir da quinta série o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar dentro das possibilidades da instituição Art 26 5º Também em relação ao ensino médio a lei dispõe que será incluída uma língua estrangeira moderna como disciplina obrigatória escolhida pela comunidade escolar e uma segunda em caráter optativo dentro das disponibilidades da instituição Art 36 Inciso III A ideia de um único método certo é finalmente abandonada já que o ensino será ministrado com base no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas Art3º Inciso III dentro de uma grande flexibilidade curricular conforme está previsto no Art 23 A educação básica poderá organizarse em séries anuais períodos semestrais ciclos alternância regular de períodos de estudos grupos não seriados com base na idade na competência e em outros critérios ou por forma diversa de organização sempre que o interesse do processo de aprendizagem 60 Vilson J Leffa assim o recomendar O inciso IV do Art 24 corrobora essa disposição poderão organizarse classes ou turmas com alunos de séries distintas com níveis equivalentes de adiantamento na matéria para o ensino de línguas estrangeiras artes ou outros componentes curriculares PCNs OCEM e BNCC Complementando a nova LDB foram publicados diversos documentos legais incluindo os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs para o Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental de Línguas Estrangeiras e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio OCEM Linguagens Códigos e suas Tecnologias Está também em andamento a Base Nacional Comum Curricular BNCC Os PCNs amplos em seus objetivos estão baseados no princípio da transversalidade destacando o contexto maior em que deve estar inserido o ensino das línguas estrangeiras e incorporando questões como a relação entre a escola e a juventude a diversidade cultural os movimentos sociais o problema da violência o tráfico e uso de drogas a superação da discriminação educação ambiental educação para a segurança orientação sexual educação para o trabalho tecnologia da comunicação realidade social e ideologia Os Parâmetros não chegam a propor uma metodologia específica de ensino de línguas mas sugerem uma abordagem sociointeracional com ênfase no desenvolvimento da leitura justificada segundo seus autores pelas necessidades do aluno e as condições de aprendizagem Portanto a leitura atende por um lado às necessidades da educação formal e por outro é a habilidade que o aluno pode usar em seu próprio contexto social imediato Além disso a aprendizagem de leitura em LE pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em LE pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua LM 61 Língua Estrangeira Devese considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras carga horária reduzida classes superlotadas pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores material didático reduzido ao giz e livro didático etc podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas Assim o foco na leitura pode ser justificado em termos da função social das LEs no país e também em termos dos objetivos realizáveis tendo em vista condições existentes Parâmetros Curriculares Nacionais para Línguas Estrangeiras Esta ênfase na leitura gerou muitas críticas por parte de muitos professores Argumentase que enquanto a própria lei baseiase no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas Art3º Inciso III os Parâmetros restringem o espaço de ação do professor Embora haja muitos argumentos a favor dessa ênfase a escola não vai recuperar o ensino da língua estrangeira deslocado para os cursos de línguas como está explicitado nos próprios parâmetros devido justamente à ênfase na leitura Muito breve o aluno provavelmente perceberá que para falar uma língua estrangeira só frequentando um um curso de línguas As OCEM publicadas em 2006 trazem para o ensino de línguas a perspectiva do letramento digital associando educação com tecnologia mas indo além da dimensão meramente operacional saber operar a máquina para chegar às dimensões cultural intercultural e crítica da aprendizagem O ensino da língua estrangeira na escola não visa apenas ao desenvolvimento da habilidade linguística característica dos cursos de línguas por exemplo entre outros aspectos põe ênfase maior na função educacional da língua reafirmando a relevância da noção de cidadania debate a relação exclusãoinclusão e o domínio de uma língua estrangeira no mundo globalizado atual e chama a atenção de que os objetivos do ensino de LE na escola são diferentes dos objetivos dos cursos de línguas 62 Vilson J Leffa A proposta da Base Nacional Comum Curricular BNCC3 embora ainda em discussão no momento da elaboração deste capítulo merece ser mencionada pelo impacto que pode trazer para a área do ensino de línguas não tanto pela novidade do que propõe já que fundamentalmente retoma propostas de outros documentos mas pelo cuidado na sua elaboração partindo de uma ampla consulta nacional Das OCEM inclui a necessidade de acesso ampliado do aluno a diferentes espaços físicos e virtuais incluindo o uso das TIC da LDB de 1996 traz a pluralidade de ofertas de línguas além do inglês e do espanhol incluindo línguas de herança de sinais etc dos documentos oficiais em geral retoma com maior ênfase o que podemos chamar de práticas cidadãs incluindo a aceitação da diferença questões de consumo ética na publicidade e no trabalho entre outras Em relação aos PCNs no entanto há uma divergência clara além da compreensão e produção escrita propõe também a inclusão das habilidades de escuta e produção oral Chama também a atenção a ideia de uma base comum incluída no título Base Nacional Comum que sugere uma retomada da LDB de 1971 que propunha um núcleo comum para todo o território nacional Onde estamos O momento atual é de um grande interesse na educação de um modo geral e de uma revitalização do ensino de línguas de modo particular em que pese alguns percalços como as sugestões dos Parâmetros Nacionais Há a meu ver uma percepção geral de que a riqueza de um país não está apenas no seu solo ou subsolo nem mesmo nos seus recursos hídricos ou na sua biodiversidade mas principalmente no conhecimento e no domínio da tecnologia para saber usar esses recursos É óbvio que no momento em que se valoriza o conhecimento criase um 3 Disponível em httpbasenacionalcomummecgovbrsiteinicio 63 Língua Estrangeira contexto favorável para a aprendizagem da língua estrangeira veículo importante para a divulgação desse conhecimento A educação deixou de ser tratada apenas em reuniões de professores para ser tratada também em encontros de cúpula entre países Na grande imprensa inúmeras são as reportagens sobre a escola a necessidade de se investir na educação entrevistas com especialistas da área as reformas que estão sendo propostas etc Parece haver um consenso de que a melhoria do ensino passa pelo investimento no professor quer na sua formação quer na melhoria de seu salário As oportunidades de emprego no magistério principalmente para professores de línguas são maiores do que em muitas outras áreas Há também melhores perspectivas de crescimento profissional devido à necessidade de professores qualificados principalmente nas universidades Para onde vamos Língua é informação e a grande mudança que está ocorrendo atualmente no mundo da informação conforme Negroponte 1995 é a substituição do átomo pelo bit O bit oferece algumas grandes vantagens sobre o átomo incluindo um custo baixíssimo capacidade de ser teletransportável e uma camaleônica versatilidade Um livro impresso em folhas de papel por exemplo é átomo Como tal é relativamente caro seu transporte só é possível por meios físicos e sua apresentação é fixa O mesmo livro transposto para a internet transformase em bits configurandose como arquivo digital Como tal seu preço pode ser reduzido em várias centenas de vezes chegando a ser praticamente gratuito para quem já tem acesso à rede Isso vale não só para livros mas para cursos completos de línguas incluindo além de texto verbal escrito recursos de áudio e vídeo Por ser um arquivo digital o livro eletrônico ou curso pode ser transportado para qualquer parte do mundo na velocidade de transmissão das bandas largas da internet Ao contrário de um livro impresso o arquivo digital pode ser instantaneamente reproduzido e multiplicado em inúmeros computadores sem 64 Vilson J Leffa restrições geográficas ou alfandegárias resguardando obviamente os princípios de autoria com base nas licenças da Creative Commons4 A apresentação gráfica do texto pode também ser modificada ao gosto e preferência de cada leitor incluindo cor tamanho e tipo de letra Leitores com dificuldade de visão podem ter as letras ampliadas ou mesmo ouvir o texto se assim o desejarem Buscas de determinadas palavras ou expressões podem ser feitas em segundos por maior que seja a extensão do texto Levantamentos de vocabulário em contextos de uso que antes consumiam anos de trabalho hoje poder ser feitos em minutos O computador na medida em que lida com bits oferece uma versatilidade de usos cujo único limite parece ser a imaginação do leitor ou pesquisador Essa transformação do átomo para bits do mundo analógico para o digital acabará tendo um impacto na educação com novos desafios para o professor A máquina não poderá substituílo mas poderá ajudálo na sua interação com o aluno Acho equivocada a ideia de que no futuro estaremos interagindo com máquinas A máquina servirá apenas como um instrumento para realçar a ação do professor tanto para o aspecto positivo como negativo Além da máquina estará sempre o aluno Se o professor for bom o benefício será grande para o aluno se for ruim o prejuízo também será enorme O desafio para o professor será encontrar novas maneiras de utilizar esses recursos tecnológicos para o benefício da aprendizagem CELANI 1997 p 161 Durante o império e república como na história geral do ensino de línguas com a ênfase no método o grande problema foi sempre o professor que em qualquer época e lugar parece ter sempre atrapalhado a implementação da metodologia proposta levando até à procura de um método à prova de professor Uma máquina que seguisse à risca as instruções de uma determinada metodologia proposta seria portanto um excelente substituto 4 ONG voltada para a distribuição de obras que permitam a cópia sem o tradicional todos os direitos reservados 65 Língua Estrangeira Com a chegada das máquinas ditas inteligentes descobriuse no entanto que uma metodologia que possa ser implementada por uma máquina não merece confiança e que o verdadeiro professor é insubstituível Estamos descobrindo agora no início de um novo milênio que o professor não é o problema mas a solução e que há um retorno maior investindo no professor e no seu aperfeiçoamento do que na metodologia As novas tecnologias não substituem o professor mas ampliam seu papel tornandoo mais importante A máquina pode ser uma excelente aplicadora de métodos mas o professor precisa ser mais do que isso Para usar a máquina com eficiência ele precisa ser aquilo que a máquina não é ou seja crítico criativo e comprometido com a educação Esse é na minha percepção o caminho apontado pela trajetória que percorremos até aqui 67 Língua Estrangeira Capítulo 3 O professor ideal5 Introdução Neste capítulo vou abordar a questão das qualidades desejáveis que o professor de línguas estrangeiras deve possuir Estou dividindo o conteúdo em três partes No primeiro momento abordo a questão do ensino versus aprendizagem mostrando a necessidade de uma compatibilidade entre os dois não há razão para se falar no trabalho do professor se não descobrirmos uma relação entre o que ele faz e o que o aluno aprende Em seguida faço um rápido levantamento dos infindáveis estudos que têm sido feitos para caracterizar o professor ideal de línguas estrangeiras Finalmente na última parte aprofundo o que considero o essencial no trabalho do professor e que pode ter um impacto na aprendizagem do aluno A questão ensinoaprendizagem revisitada Há uma longa tradição no ensino de línguas de que ensinamos aos alunos uma coisa e eles aprendem outra Cito aqui dois exemplos que a meu ver confirmam essa tradição Um está relacionado à premissa histórica já parcialmente abandonada de que os alunos deveriam aprender sempre as quatro habilidades escutar falar ler e escrever independente dos objetivos que tivessem no estudo da língua independente de em algumas circunstâncias precisarem desenvolver proficiência em apenas uma habilidade O outro exemplo vem do debate que existiu 5 Uma versão anterior deste capítulo em inglês foi publicada em LEFFA Vilson J Making ends meet in the classroom The attributes of the good language teacher CADERNOS DO IL n 12 p 107116 1994 68 Vilson J Leffa entre aquisição versus aprendizagem em que o professor conscientemente ensinava uma coisa ao aluno e o aluno inconscientemente adquiria outra Considerando o contexto histórico do ensino das quatro habilidades veja abordagem audiolingual no Cap 1 a ideia de que os professores pudessem focalizar apenas a habilidade da leitura em vez de leitura e fala criou um dilema teórico já que a língua era definida como fala e não como escrita A escrita na melhor das hipóteses seria uma mera e pobre representação da língua uma fotografia desfocada sem vida e sem cor do que era o objeto real da língua E talvez não chegasse nem a isso Uma foto pelo menos mostra semelhança com o objeto real a escrita nem isso A qualidade de reprodução da escrita é tão pobre que qualquer semelhança possível com a língua falada era perdida Quando por exemplo lemos uma palavra nunca ouvida principalmente numa língua em que há pouca concordância entre fonemas e letras como é o caso do inglês não conseguimos pronunciar a palavra ou seja não sabemos a que se refere a forma escrita não sabemos o que ela representa Logo seguindo esse raciocínio é impossível aprender uma língua através de sua escrita A analogia da escrita com a fotografia do objeto real fornecia um argumento imbatível para os defensores da língua como fala Vejamos um outro exemplo Se vejo uma foto de minha mãe eu imediatamente a reconheço na foto Posso me lembrar de sua voz ainda que a foto não seja sonora da cor de seus olhos ainda que a foto não seja colorida Mas se olho para a foto de uma pessoa que nunca vi antes a foto vai me dizer muito pouco Não dá para saber como realmente é a pessoa e posso ser facilmente enganado pelo que penso ver na foto A pessoa pode ser mais velha ou mais jovem do que parece O que posso discernir sobre a personalidade da pessoa Será entusiástica Criativa Inteligente Ambiciosa Generosa Egoísta Não posso obter todas essas informações apenas pelas informações da foto 69 Língua Estrangeira Há portanto uma grande diferença entre ver uma foto de alguém que já conhecemos e alguém que nunca vimos antes Assim seguindo a linha de raciocínio se lemos uma palavra que já conhecemos uma palavra que já ouvimos e falamos podemos reconhecêla imediatamente e reconstruir todas as associações entre aquela desfocada representação da palavra impressa na página e a rica experiência de vida que está além dela Por outro lado se for uma palavra que nunca vimos não podemos saber como realmente é esta palavra Temos uma experiência artificial vicária da língua Tudo isso levou ao princípio pedagógico de que na aprendizagem da língua as habilidades não devem ser apresentadas ao mesmo tempo mas em sequência dentro de uma ordem de aprendizagem Primeiro ouvimos a língua depois a falamos depois a lemos e finalmente a escrevemos Em nenhuma circunstância independente de qualquer objetivo que se possa ter essa ordem pode ser quebrada O princípio fala antes da escrita deve ser obedecido mesmo quando o objetivo seja apenas ler A ideia de que os alunos secundários deveriam adquirir apenas a habilidade da leitura em língua estrangeira teve uma aceitação muito grande nos Estados Unidos como vimos no Capítulo 1 A hipótese de que compreensão oral seria necessária para a leitura foi testada várias vezes A primeira grande investigação COLEMAN 1929 foi realizada na década de 20 envolvendo milhares de escolas e centenas de universidades tanto nos Estados Unidos como no Canadá A conclusão deste estudo foi de que os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura foi enfatizada na escola O segundo estudo foi conduzido na década de 40 AGARD DUNKEL 1948 Conclusão os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura for enfatizada na escola O terceiro estudo conhecido como The Pennsylvania Foreign Language Project SMITH 1970 foi conduzido na década de 60 Conclusão deste estudo os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura for 70 Vilson J Leffa enfatizada na escola Tudo isso sugere em termos de escrita versus leitura que os alunos aprendem aquilo que lhes for ensinado ensine a ler e eles aprenderão a ler ensine a falar e eles aprenderão a falar A ideia de uma correlação entre ensino e aprendizagem está desacreditada na pedagogia atual e tem o apoio de áreas afins como a Psicologia e a Linguística em que pese algumas vozes tímidas de abordagens metacognitivas COHEN 1998 HOSENFELD 1981 SOLÉ 1998 que defendem o ensino consciente das estratégias de aprendizagem É no mínimo ingênuo se não perigoso deixar o professor pensar que seu ensino possa gerar uma aprendizagem correspondente no aluno quando há tantas outras variáveis atuando na sala de aula Na Linguística e na aprendizagem de línguas em particular a dicotomia deixou de ser entre ensino e aprendizagem introduziu se uma distinção mais complexa dando mais crédito ao que é inconsciente Refirome aqui à dicotomia aquisição aprendizagem Podese até aceitar a ideia de que haja uma correspondência entre uma e outra mas o que os alunos aprendem conscientemente não é importante O que é importante é o que eles adquirem e o que eles adquirem é diferente do que eles aprendem Retomase a ideia da ordenação learning order em inglês não mais no âmbito da aprendizagem mas no próprio âmbito da aquisição Passouse a defender a ideia de que as pessoas adquirem uma segunda língua numa determinada ordem No caso da aquisição do inglês por exemplo a forma ING o passado irregular e a terceira pessoa do singular são sempre adquiridos nessa ordem independentemente de onde venham os sujeitos ou de qual seja sua língua materna A ideia é de que a chamada ordem natural de aquisição é totalmente refratária a qualquer instrução formal da sala de aula mesmo que o professor ensine ao seu aluno a terceira pessoa do singular antes da forma ING o aluno não vai adquirir esses dois morfemas na sequência em que foram ensinados mas na sequência oposta de acordo com a ordem natural Em outras palavras o ensino não afeta a 71 Língua Estrangeira aquisição Na melhor das hipóteses pode acelerar a aquisição e talvez melhorar o desempenho do aluno em termos de correção gramatical o que seriam considerados aspectos marginais O aspecto crucial da ordem natural de aquisição é imune ao ensino De certo modo a ideia antiga de que era preciso ensinar os alunos a falar uma língua estrangeira para que eles aprendessem a ler nessa língua o professor ensina uma coisa e o aluno aprende outra na dicotomia ensinoaprendizagem evolui para uma tricotomia o professor ensina uma coisa o aluno aprende outra e adquire uma terceira A aquisição dáse através de uma caixa preta tecnicamente conhecida como Dispositivo de Aquisição da Língua Language Acquisition Device LAD em inglês que é ativada automaticamente sem controle da consciência quando ocorre input linguístico no ambiente em que se encontra o sujeito A aquisição da língua dáse portanto de modo incidental onde o aluno conscientemente faz uma coisa e inconscientemente adquire outra O objetivo ambicioso deste capítulo é propor uma abordagem que reduza a polaridade entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende A premissa ainda mais ambiciosa é de que embora muitas das atividades feitas pelo professor estejam abaixo do nível da consciência algumas delas pelo menos possam ser trazidas para a arena aberta da consciência Podese argumentar também que ao lado de uma ênfase no papel do inconsciente existe um movimento contrário de valorização da consciência incluindo aí o que tem sido proposto em termos de ensino de estratégias de aprendizagem SOLÉ 1998 OXFORD 1989 COHEN 1998 a ideia de que a consciência desempenha um papel mais importante na aquisição da língua do que originalmente aceita SCHMIDT 1990 o papel da conscientização no ensino de línguas estrangeiras e a ideia do professor como um profissional reflexivo WALLACE 1991 O argumento principal no entanto talvez seja a ênfase dada ao aspecto afetivo no fundo defendo a ideia de que a paixão é o caminho mais curto para aproximar a ação do professor dos resultados desejados Para isso proponho aqui como atributos 72 Vilson J Leffa básicos do professor ideal três características 1 criatividade 2 intuição e 3 paixão O professor como ele deveria ser Antes de entrar nas três características básicas que estou propondo para o professor ideal de línguas estrangeiras gostaria de fazer uma breve resenha do que diz a literatura nessa área O ensino de uma língua estrangeira exige do professor determinadas qualidades umas mais óbvias do que outras A mais óbvia de todas é que o professor deve conhecer o conteúdo daquilo que ensina deve também possuir uma metodologia adequada para transpor esse conteúdo para o aluno e finalmente deve ter determinados traços de personalidade para facilitar todo esse processo de aprendizagem Segundo Lund Pedersen 2001 não faltam sugestões de quais seriam essas qualidades No domínio do conteúdo por exemplo podemos encontrar indicações de que o professor deve conhecer a língua que leciona e sua respectiva cultura Dentro da língua deve conhecer idealmente sua história os diferentes registros de uso desde a língua informal falada até a língua formal escrita além de um bom domínio da gramática Entre os aspectos culturais é desejável que o professor tenha algum conhecimento da história do povo cuja língua ensina e que tenha lido pelo menos as principais obras de sua literatura Também não faltam indicações do que o professor deve saber em termos de abordagens metodologias e técnicas de ensino O que segue é a lista de um levantamento feito no estudo clássico de Politzer Weiss 1971 o bom professor de línguas estrangeiras conhece psicologia educacional sabe motivar os alunos produz input adequado ao nível dos alunos estabelece objetivos claros envolve os alunos 73 Língua Estrangeira avalia com imparcialidade incentiva participação sabe dar feedback possui domínio de classe sabe preparar materiais de ensino tem uma filosofia de educação Finalmente em termos de traços desejáveis de personalidade os inúmeros levantamentos feitos junto aos alunos têm demonstrado entre outros aspectos que o bom professor de línguas estrangeiras é paciente é flexível tem mente aberta é tolerante tem senso de humor gosta de ensinar tem entusiasmo é honesto é criativo é eficiente tem autodisciplina assume a autoridade quando necessário é prestimoso é humilde é organizado inspira os alunos é competente é sensível tem calor humano Deixando de lado os aspectos mais óbvios como aqueles que se relacionam ao conhecimento do conteúdo e de uma metodologia de ensino eu gostaria de retomar e aprofundar algumas das características psicológicas do professor com ênfase 74 Vilson J Leffa no domínio afetivo e fixandome em três aspectos 1 criatividade já citado na literatura como uma qualidade desejável 2 intuição não diretamente citado mas que pode ser percebido na afirmação de que o professor deve ser sensível e 3 paixão também não citado diretamente mas percebível em termos como gosta de ensinar tem calor humano e mostra entusiasmo Vejamos cada um desses aspectos Criatividade O ensino da língua estrangeira é mais uma arte do que uma ciência e o professor cria a partir daquilo de que dispõe na sala de aula Um artista não precisa de muita coisa para criar uma obra prima às vezes nada mais do que um cinzel um martelo e um bloco de pedra Às vezes quanto menos se tem melhor é a obra que pode sair mais densa e enxuta Na sala de aula portanto podemos definir criatividade como a capacidade de explorar os recursos limitados de que se dispõe para criar um número ilimitado de condições de aprendizagem Tal como o bloco de pedra que oferece inúmeras possibilidades ao escultor uma sala cheia de alunos pode ser uma fonte de inspiração para o professor como artista Como supervisor de estágio tenho observado centenas de aulas e tenho assistido a algumas que são verdadeiras obras de arte do mesmo modo que uma pintura uma peça musical ou uma obra dramática Sentado no fundo da sala vi alguns professores produzindo com seus alunos o que realmente se poderia chamar de uma obra prima Uma aula tem componentes espaciais e temporais não só acontece dentro de quatro paredes como também acontece num espaço de tempo envolvendo o encontro de pessoas que interagem entre si exercendo diferentes papéis falando como alunos e como professor A aula como arte pode estar centrada no professor no aluno ou na tarefa que esteja sendo executada Não privilegia necessariamente o aluno sobre o professor Às vezes pode até estar centrada no professor 75 Língua Estrangeira Lembro de um professor que tinha uma grande capacidade de criar um ritmo em sua aula Era um professor que se poderia classificar de tradicional na medida em que todas as atividades de aula emanavam dele Mas não agia como um sargento dando ordem unida na verdade parecia mais um maestro conduzindo uma orquestra fazendo com que todos os músicos participassem uns mais outros menos mas cada um tocando seu instrumento O professor desenvolvia um conteúdo específico e todas as perguntas dos alunos eram reconhecidas rapidamente e incorporadas ao conteúdo Conseguia fazer com que os alunos dessem o melhor de si talvez porque também desse a eles o melhor de si de modo que parecia haver na aula um contrato implícito de que se aceitaria apenas o melhor de cada um Não percebi qualquer sinal de angústia ou ansiedade entre os alunos As atividades fluíam serenamente como fluem as notas musicais de uma sinfonia No final da aula aquela sensação agradável de que tinham realizado alguma coisa Admito que a descrição oferecida acima seja extremamente subjetiva mas espero que não seja inútil Foi um rápido exemplo de aula como arte nas mãos de um professor experiente Tal como o personagem Santiago em O Velho e o Mar esse professor conhecia todos os truques de sua profissão e sabia usálos para criar sua aula como o compositor usa seu conhecimento dos instrumentos para criar uma música como o escultor usa sua habilidade com o cinzel para criar uma estátua O ensino como uma arte não deve no entanto ser um atributo exclusivo do professor experiente Vi também muitos professores principiantes usando muita criatividade em suas aulas O que segue é apenas um exemplo Sexta série do ensino fundamental cerca de 35 alunos na sala uma tarde quente A aula estava pela metade e os alunos trabalhavam em um diálogo sobre o que gostavam e não gostavam com um foco gramatical no uso de pronomes A professora que parecia quase da mesma idade que os alunos abre uma pasta e mostra um pôster de um cantor popular Reação imediata dos alunos uns aprovando e outros reprovando Outro pôster é 76 Vilson J Leffa apresentado com uma reação semelhante só que desta vez com resultados invertidos os alunos que gostaram do primeiro pôster detestaram o segundo e viceversa Era exatamente o que a professora queria Dividiu a aula em três grupos os que preferiam um cantor os que preferiam o outro e os que não tinham preferência Cada aluno em cada grupo deveria escrever duas frases relacionadas entre si usando as preferências e rejeições em suas famílias com o vocabulário da unidade em que estavam trabalhando A professora deu alguns exemplos no caso em língua inglesa My mother likes Roberto Carlos I cant stand him My sister likes the Ramones She thinks they are terrific Com alguma supervisão da professora os alunos foram solicitados a criar suas próprias frases que eram recolhidas dobradas e colocadas num caixa de sapato A professora então explicou que eles iam fazer um jogo e demonstrou as regras Um aluno de um dos grupos viria para a frente da aula pegaria um pedaço de papel da caixa leria as duas frases silenciosamente e deveria então interpretar a frase para os membros de seu grupo usando apenas gestos Os membros do grupo tentariam adivinhar o que estava escrito produzindo em voz alta diferentes frases durante até um minuto Se conseguissem adivinhar qual era a frase o grupo ganhava um ponto Depois um outro aluno de um outro grupo viria para a frente e repetiria o procedimento para os membros do seu grupo O jogo continuaria usando cada vez um aluno diferente O grupo com o número maior de pontos seria o vencedor Durante cerca de 20 minutos os alunos ficaram conversando naquela aula gostando do que estavam fazendo e provavelmente aprendendo muitas coisas incluindo os pronomes da língua inglesa Gostaria de terminar esta parte sobre criatividade parafraseando Emily Dickinson poetisa americana do Século XIX 77 Língua Estrangeira Para ser criativo na sala de aula o professor precisa de alunos e de uma lousa mas se não tiver uma lousa bastam os alunos Intuição Vejamos agora o segundo dos nossos atributos desejáveis que vou chamar de intuição Podemos definir intuição como a capacidade de fazer conexões quanto mais conexões se fizer mais intuição se tem De certa maneira a intuição implica a habilidade de reconstruir dentro de nós o mundo externo de modo a maximizar nossas relações com este mundo A habilidade de se adaptar às circunstâncias de perceber as relações entre aspectos teóricos e o que acontece na sala de aula de identificar num conjunto complexo de variáveis aquela que pode influir na aprendizagem de um determinado traço linguístico são a meu ver indícios da intuição Uma vez se acreditava que a língua era feita de palavras Mais tarde fomos informados de que a língua era feita de sons Com Chomsky recebemos a garantia de que a língua era feita de sentenças que eram geradas e transformadas da estrutura profunda pela aplicação de certas regras Com o advento da pragmática nos disseram que a língua era feita de eventos comunicativos Posteriormente suspeitamos que a língua seja feita de sintagmas lexicais não adquirimos uma língua criando regras mas absorvendo esses fragmentos préfabricados da língua Como será no futuro Parece que precisamos de intuição não apenas para compreender o passado e relacionálo ao presente mas principalmente para prever o futuro Em termos da disciplina que lecionamos como será o futuro daqui a uma década Será que nossos alunos querem ou precisam do que temos para lhes oferecer Parece que o ensino da língua é sempre afetado pela tecnologia que temos ä disposição Até agora a chegada de uma nova tecnologia rádio gravador de áudio gravador de vídeo 78 Vilson J Leffa computador correio eletrônico máquina de fax CDROMs tem não apenas modificado a maneira como ensinamos a língua mas também permanentemente aumentado a necessidade de aprender uma língua estrangeira Cada vez mais alunos a cada ano sentem a necessidade crescente de reservar umas horas no meio de suas outras disciplinas para estudar uma língua estrangeira A maioria deles não porque gosta mas porque sente a necessidade de Como será no futuro Seguiremos a mesma tendência No caso do inglês terá essa língua se tornado tão invasiva tão onipresente que será usada por todos como uma língua franca ou surgirá uma nova tecnologia como a tradução automática e instantânea que tornará desnecessária a aquisição de uma nova língua Algumas atividades relacionadas ao nosso campo de trabalho provavelmente serão feitas por máquinas num futuro não muito distante incluindo muitas tarefas de tradução como cartas comerciais e boletins de previsão do tempo Outras atividades mais próximas do nosso campo de trabalho também serão afetadas pelas tecnologias emergentes Até agora a interação professoraluno só era possível com a atividade do professor Até recentemente as tecnologias disponíveis podiam apenas apresentar conteúdo para os alunos às vezes com a ajuda de som e animação mas essas tecnologias em si não reagiam ou se transformavam para atender as necessidades específicas do aluno Agora também isso está mudando O vídeo interativo e programas de computador com preços cada vez mais acessíveis podem se adaptar ao estilo de aprendizagem do aluno e simular muitas das atividades do professor Assim provavelmente teremos que nos adaptar a este novo mundo Muitas das coisas que ainda precisamos fazer talvez se tornem desnecessárias o que poder ser bom porque nos dará tempo para outras coisas mais interessantes Na minha percepção esses aspectos se relacionam à intuição porque chegamos a eles ligando um ponto com outro e fazendo projeções sobre o futuro Podem parecer confusos e caóticos mas devem ter um padrão recursivo que poderá ser percebido através da intuição 79 Língua Estrangeira Paixão Paixão é entusiasmo pelo que se faz e entusiasmo como todos sabemos é uma palavra que em sua origem grega significa ter Deus dentro de si Paixão é um estado de espírito ou se preferirem um estado de coração Não é algo que vem de fora é algo que está dentro de nós Pode ser às oito horas de uma manhã de segundafeira ou às duas horas de uma tarde quente e abafada Quando temos paixão podemos mais facilmente mudar as coisas que nos cercam e que não nos agradam do que ser mudado por elas Isso é assim porque não somos afetados pelas coisas que não vemos se não vemos o fracasso e a derrota eles não existem para nós Não podemos ser afetados por algo que nos é totalmente estranho Não interagimos com o mundo como ele é mas como nós o percebemos Se percebo meus alunos agressivos como seres humanos e sensíveis e os trato com toda delicadeza e respeito minhas palavras tocarão esses alunos de um modo mais efetivo É até provável que no fim sejamos consciente ou inconscientemente mudados pelo mundo que nos cerca mas será um mundo que já foi alterado pelo nosso desejo Admito que isso possa ser idealístico e talvez impraticável se não ingênuo De fato pode ser perigoso porque na nossa ingenuidade podemos ser destruídos pelo mundo que não queremos aceitar Não posso chegar ao ponto de adotar a filosofia de Hemingway em O Velho e o Mar e afirmar que o homem pode ser destruído mas não vencido Não vejo razão para destruir o professor mesmo argumentando que suas ideias permanecerão vivas Mas também não posso aceitar a ideia de que o professor seja ameaçado de destruição por tentar mudar o mundo Acredito que não correrá este perigo principalmente se combinar a paixão com os dois outros atributos apresentados criatividade e intuição O segredo da paixão é que ela afeta o sentimento das pessoas e por isso as envolve As pessoas não aprendem se não forem envolvidas A ideia do envolvimento como prérequisito da aprendizagem vem de longe aparentemente da Antiga China provavelmente de Confúcio 80 Vilson J Leffa Digame e eu esqueço Ensiname e eu lembro Envolvame e eu aprendo Conclusão Meu principal objetivo neste capítulo foi argumentar que é possível diminuir a diferença entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende se os professores possuírem o que considero os três atributos fundamentais de nossa profissão criatividade intuição e paixão Em termos de criatividade meu argumento principal é de que as coisas não vêm prontas para as nossas circunstâncias temos que criar as condições para que a aprendizagem ocorra usando os recursos que temos num determinado momento numa determinada aula Em termos de intuição enfatizei a ideia de que devemos tentar prever o futuro imediato Devemos preparar os nossos alunos para o mundo em que eles vão viver amanhã não para o mundo em que nós vivemos hoje E finalmente devemos usar a paixão para envolver nossos alunos O domínio afetivo é muito importante e será atendido na medida em que trabalharmos com paixão 81 Língua Estrangeira Capítulo 4 Aspectos políticos da formação do professor de LE6 Introdução O ser humano possui algumas características que são exclusivas de sua condição humana Nenhum outro ser por exemplo tem a capacidade da articulação linguística em termos de léxico e sintaxe nenhum outro ser é capaz de pensar e refletir sobre sua própria condição e nenhum outro ser é capaz de evoluir de uma geração para outra como faz o ser humano Dessas características exclusivas e essenciais do ser humano duas precisam ser destacadas quando se fala em formação de professores de línguas estrangeiras Uma é a capacidade da fala o homem não é apenas um animal político é um animal político que fala A outra característica importante é a capacidade de evoluir O ser humano não permanece o mesmo de uma geração para outra ele se transforma transforma o mundo e transforma a percepção que temos do mundo O professor de línguas estrangeiras quando ensina uma língua a um aluno toca o ser humano na sua essência tanto pela ação do verbo ensinar que significa provocar uma mudança estabelecendo portanto uma relação com a capacidade de evoluir como pelo objeto do verbo que é a própria língua estabelecendo aí uma relação com a fala Mas se lidar com a essência do ser humano é o aspecto fascinante da profissão há no entanto um preço a se pagar por essa prerrogativa que é o longo e pesado investimento que precisa ser feito para formar um professor de 6 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras In LEFFA Vilson J Org O professor de línguas estrangeiras construindo a profissão 2 Ed Pelotas 2008d p 353376 82 Vilson J Leffa línguas estrangeiras Sem esse investimento não se obtém um profissional dentro do perfil que se deseja reflexivo crítico e comprometido com a educação A formação de um professor de línguas estrangeiras envolve o domínio de diferentes áreas de conhecimento incluindo o domínio da língua que ensina e o domínio da ação pedagógica necessária para fazer a aprendizagem da língua acontecer na sala de aula A formação de um profissional competente nessas duas áreas de conhecimento língua e metodologia na medida em que envolve a definição do perfil desejado pela sociedade é mais uma questão política do que acadêmica A sala de aula não é uma redoma de vidro isolada do mundo e o que acontece dentro da sala de aula está condicionado pelo que acontece lá fora Os fatores que determinam o perfil do profissional de línguas dependem de ações menos ou mais explícitas conduzidas fora do ambiente estritamente acadêmico e que afetam o trabalho do professor Entre as ações mais explícitas temos as leis e diretrizes governamentais o trabalho das associações de professores os projetos das secretarias de educação dos estados os convênios entre diferentes instituições etc Entre as menos explícitas temos aquelas que resultam das relações de poder que permeiam os diferentes setores da sociedade hoje globalizada No caso das línguas estrangeiras temos os fatores políticos e econômicos que influenciam a decisão por uma ou outra língua incluindo por exemplo a questão da multinacionalidade da língua inglesa na atualidade Todas essas questões afetam a formação do professor tanto em situações de préserviço eg a definição de uma carga horária mínima para uma disciplina no curso de graduação como em situações de serviço eg a organização de um curso de atualização para professores do ensino médio O grande desafio Um aspecto que tem sido muito enfatizado na preparação de professores é a necessidade de estabelecer de modo bem claro a diferença entre treinar e formar e a partir dessa diferença passar 83 Língua Estrangeira a formar o professor e não apenas a treinálo Tradicionalmente temse definido treinamento como o ensino de técnicas e estratégias de ensino que o professor deve dominar e reproduzir mecanicamente sem qualquer preocupação com sua fundamentação teórica Pennington 1990 Wallace 1991 ver também Celani neste volume Caracterizase por abordagens que concebem a preparação profissional como a familiarização dos alunos mestres com técnicas e habilidades para serem aplicadas em sala de aula Richards e Nunan 1990 p xi Por outro lado formação tem sido descrita como uma preparação mais complexa do professor envolvendo a fusão do conhecimento recebido com o conhecimento experimental e uma reflexão sobre esses dois tipos de conhecimento Neste capítulo procurase introduzir uma perspectiva temporal para distinguir treinamento de formação Assim define se treinamento como a preparação para executar uma tarefa que produza resultados imediatos A formação por outro lado é vista como uma preparação para o futuro Um exemplo clássico de treinamento são os cursos às vezes oferecidos pelas escolas particulares de línguas aos seus futuros professores e que visam simplesmente desenvolver a competência no uso do material de ensino produzido pela própria escola O objetivo imediato é ensinar o professor a usar aquele material no dia em que o material for substituído o professor deverá fazer um outro curso Geralmente não há condições de dar ao professor um embasamento teórico buscamse resultados imediatos que devem ser obtidos da maneira mais rápida e econômica possível Formação é diferente busca a reflexão e o motivo por que uma ação é feita da maneira que é feita Há assim uma preocupação com o embasamento teórico que subjaz à atividade do professor Enquanto que o treinamento limitase ao aqui e agora a formação olha além A figura 1 tenta ilustrar a diferença entre treinamento e formação Formação por ser um processo contínuo é representada por um círculo onde a iniciação pode darse em qualquer um dos três pontos Começando pela teoria que 84 Vilson J Leffa podemos definir também como conhecimento recebido vaise para a prática que é o conhecimento experimental ou experiencial e chegase à reflexão que por sua vez realimenta a teoria iniciando um novo ciclo O treinamento já segue uma linha horizontal serial e sequencial onde não há retorno inicia e termina com a prática A necessidade de prever o futuro é o maior de todos os desafios Quando formamos um professor não o estamos preparando para o mundo em que vivemos hoje mas para o mundo em que os alunos desse professor vão viver daqui a cinco dez ou vinte anos Como será esse mundo não temos condições de prever Podemos aventar algumas hipóteses mas não podemos garantir que essas hipóteses serão confirmadas O que podemos fazer é alertar o futuro professor que o conteúdo que ele está recebendo agora através dos livros é um conteúdo de valor temporário e que muito brevemente como muitos outros produtos fabricados pelo homem terá sua validade vencida Já está se desenvolvendo no meio acadêmico a consciência de que o conhecimento tem uma validade que prescreve depois de um certo período Para a avaliação do currículo de um pesquisador por exemplo só interessa sua produção científica dos últimos cinco anos sendo que em muitas circunstâncias como na avaliação de cursos por exemplo só é considerado o que foi produzido nos últimos dois anos Na verdade um diploma de conclusão de curso deveria ter impresso junto com a data um termo de validade deixando bem claro que um determinado conhecimento é um bem perecível O conhecimento evolui e aquilo que é verdade hoje provavelmente não será verdade amanhã O conhecimento não é apenas o armazenamento de fatos mas também a reflexão de como esses fatos podem ser obtidos avaliados e atualizados Isso é formação 85 Língua Estrangeira O treinamento tem um começo um meio e um fim A formação não Ela é contínua Um professor que trabalha com um produto extremamente perecível como o conhecimento tem a obrigação de estar sempre atualizado Representação e participação Ao refletir sobre a questão dos aspectos políticos na formação do professor partese do princípio de que nenhum ser humano tem a mínima possibilidade de existir sozinho A ideia do herói solitário que vai enfrentar sozinho sem qualquer ajuda os bandidos que estão ameaçando a cidadezinha do Velho Oeste tem um apelo romântico muito grande mas não é realidade é ficção Figura 1 Diferença entre formação e treinamento Fonte Autor 86 Vilson J Leffa O grande escritor americano do Século XX e expoente máximo do individualismo exacerbado Ernest Hemingway usou como título de um de seus livros o título de um poema de John Donne poeta inglês que viveu na Inglaterra no Século XVII Por quem os sinos dobram Hemingway na verdade não usa apenas o título do poema para seu livro mas certamente para deixar bem claro o que ele quer dizer com o título usa o próprio poema como epígrafe do livro Um poema que resumidamente diz o seguinte nenhum homem é uma ilha todo homem é parte do continente por isso quando ouvirmos os sinos tocarem pela morte de alguém não devemos perguntar por quem os sinos dobram eles dobram por nós Viver portanto é conviver e a necessidade de convivência aumenta na medida em que evolui a humanidade Cada vez mais a execução de uma tarefa depende da interação com os outros A própria inteligência que sempre foi vista como uma característica individual passa a ser vista como uma característica social distribuída entre os participantes de um determinado grupo quer seja um time de futebol a equipe da Nasa que enviou o homem à lua ou os responsáveis pela produção de um automóvel Muitas atividades que há algum tempo ainda eram executadas individualmente um sistema operacional para microcomputadores um dicionário monolíngue um projeto de lei agora só podem ser realizadas coletivamente Nomes como Webster Aurélio ou Michaelis indivíduos que deram origem aos dicionários que levam seus nomes atualmente não seriam mais individualmente responsáveis pelas obras que idealizaram hoje seus dicionários são obras coletivas resultado de um trabalho de equipe É pertinente lembrar que a palavra política que historicamente surgiu com a criação das cidades tem em comum com a palavra cidade o mesmo radical polis em grego As palavras cidade e cidadania por sua vez também têm o mesmo radical o que mostra em suma que política cidade e cidadania são palavras da mesma família todas surgidas da intensificação da convivência entre os seres humanos Essa 87 Língua Estrangeira convivência com o tempo foi se tornando tão complexa que surgiu a necessidade de se regulamentar as relações entre as pessoas basicamente estabelecendo uma série de direitos e obrigações para que cada indivíduo pudesse exercer na coletividade a sua cidadania Surgia assim a ciência da política que no início tinha condições de ser totalmente participativa todas as pessoas interessadas se reuniam num determinado local e estabeleciam sem intermediários a normas de convivência que deveriam seguir para poder sobreviver coletivamente Com o crescimento da cidade e a complexidade das relações entre as pessoas a participação foi substituída pela representação o cidadão não participava mais diretamente das decisões que afetavam sua vida mas escolhia um representante para defender seus direitos Atualmente com o avanço da tecnologia que amplia a possibilidade de comunicação e interação entre as pessoas há uma tendência de retorno à cidadania participativa com maior ou menor grau dependendo apenas da vontade política dos principais interessados Assim como é possível por exemplo identificar em poucas horas entre milhões de apostadores da Loto em todo o país quem possui o cartão vencedor seria também possível verificar diretamente o desejo de toda a população nas decisões que afetam a todos Não há razão para sermos consultados somente a cada eleição na era digital o exercício da cidadania já não será esporádico e direcionado pelos governos mas sim exercido próativamente pelos cidadãos digitais interconectados em poderosas redes virtuais ROSSI 2000 p 34 Se não é feito numa época em que já estamos definitivamente entrando num sistema de governo digital e government com grande possibilidade de participação TAQUARI 2000 p 2 é porque falta vontade política tanto de representantes como de representados A tradição liberal de que o ser humano estaria mais interessando na proteção de seus 88 Vilson J Leffa interesses individuais do que no bem da coletividade LEVINE 1981 parece que ainda é muito forte Da parte dos representados é mais fácil delegar do que participar já que participar exige não só inteirarse dos problemas que ameaçam nossos direitos mas também trabalhar concretamente em sua defesa O preço que se paga pela cidadania participativa é o tempo de que precisamos dispor para poder exercêla incluindo reflexão e ação A luz condutora da democracia participativa é a consciência de que as escolhas devem ser feitas dentro de qualquer contexto social sem o domínio da vontade de uma elite mesmo de uma elite eleita Ao contrário da teoria liberal clássica a democracia participativa reconhece a escolha como a essência da atividade de um ser humano moral responsável e comprometido A política não é uma atividade para ser exercida de modo superficial e ocasional em determinados momentos BEYER 1988 p 265 Tradução minha A legislação vigente Do ponto de vista político a formação do professor de línguas estrangeiras envolve não só questões ligadas estritamente à formação incluindo aí as exigências legais para o exercício da profissão mas também questões de política linguística A legislação a respeito começando pela LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional parece bem clara em todos esses aspectos esclarecendo por exemplo quem deve estar legalmente habilitado para o ensino de uma língua estrangeira onde a formação deve ser obtida quais os conteúdos que devem ser desenvolvidos incluindo até a carga horária mínima para a prática de ensino quem e a partir de que série deve estudar línguas estrangeiras a quem cabe decidir a escolha das línguas a serem ensinadas na escola etc Os dispositivos da LDB sobre o ensino da língua estrangeira têm sido recebidos de um modo geral com simpatia pelos 89 Língua Estrangeira pesquisadores No levantamento que fiz dos trabalhos apresentados no II Encontro Nacional sobre Políticas de Ensino de Línguas Estrangeiras realizado em Pelotas em setembro de 2000 não encontrei um único trabalho que criticasse negativamente o que estabelece a lei Alguns eram explicitamente favoráveis ex GONÇALVES 2000 KUNDMAN 2000 enquanto que outros davam a entender que a lei deveria ser cumprida ex CAIXETA 2000 COSTA et al 2000 Entre os pontos positivos mais citados está a obrigatoriedade do ensino da língua estrangeira a partir da quinta série e a determinação de no mínimo 300 horas para a prática de ensino na graduação Outro consenso entre os especialistas é de que a lei está certa quando estabelece que o ensino da língua estrangeira deva ser decidido pela comunidade onde está inserida a escola Não é a lei não é o estado quem vai decidir qual ou quais línguas deverão ser ensinadas é a comunidade a partir de seus interesses e necessidades O grande impacto da LDB está na habilitação para a docência O trabalho do MEC avaliando as condições dos cursos de graduação e futuramente aplicando exames nacionais de línguas estrangeiras para alunos da graduação haverá de mexer com a formação do professor As universidades até agora não têm sido capazes de formar profissionais competentes e suficientes para suprir as necessidades do mercado de trabalho Embora seja talvez um exagero afirmar que a universidade em vez de formar está deformando o professor PAIVA 1997 a verdade é que há um desequilíbrio entre a oferta e a procura envolvendo aspectos quantitativos e qualitativos a procura por professores é maior do que a oferta de profissionais competentes O resultado é o surgimento de propostas e ações para formar o professor fora da universidade em escolas de línguas ou instituições estrangeiras de divulgação de outras culturas que atuam dentro do Brasil o que tem provocado a reação de muitos especialistas que defendem a universidade como a instância responsável pela formação do professor ex VOLPI 2000 90 Vilson J Leffa Achar que um profissional de letras possa ser formado nos bancos da universidade é uma ilusão necessária ou não Será necessária na medida em que o professor formador vai precisar dessa ilusão para dar continuidade ao seu trabalho Possivelmente não há tempo e nem condições para isso na universidade A formação de um verdadeiro profissional reflexivo crítico confiável e capaz de demonstrar competência e segurança no que faz é um trabalho de muitos anos que apenas inicia quando o aluno sai da universidade A verdadeira formação que incorpora não apenas aquilo que já sabemos mas que abre espaço para abrigar também aquilo que ainda não sabemos é mais ou menos como fizeram os gregos na antiguidade que construíram altares não apenas para os deuses conhecidos mas que já deixaram um altar pronto para venerar um possível deus que viesse a surgir no futuro Entre as propostas específicas que têm surgido dos pesquisadores da área destacamse a necessidade da educação contínua SILVA 2000 a atualização dos professores BOHN 2000 e a criação de bancos de materiais nas escolas PAIVA 1997 A legislação por si só não pode ter condições de garantir um ensino de qualidade Sua própria implementação depende de muitos fatores não só de ordem econômica mas também da vontade política de governantes alunos pais e professores A grande vantagem da LDB em relação ao ensino de línguas estrangeiras é que ela tem mais aspectos positivos do que negativos fazendo com que a maior preocupação do professor esteja não em modificar a lei mas em fazer com que ela seja implementada e cumprida O problema maior da LDB pode ser a falta de condições para que ela seja efetivamente implementada o que nos coloca na estranha situação de não estarmos à altura da lei que temos Isso a princípio pode ser preocupante mas talvez seja mais um aspecto positivo na pior das hipóteses temos que evoluir temos que melhorar para que possamos cumprir a lei O que se deve fazer portanto não é tentar mudar a lei mas criar condições com urgência para que ela possa ser cumprida 91 Língua Estrangeira O papel das associações de professores As associações de professores podem desempenhar dois papéis importantes na formação do professor um interno e outro externo Internamente a associação pode promover a interação entre seus associados basicamente pondo os professores em contato uns com os outros para a troca de ideias e experiências Externamente esperase que a associação contribua para a defesa dos interesses de seus associados Essa contribuição pode darse com maior ou menor intensidade através de diferentes iniciativas como eventos publicações formação de comissões encaminhamento de moções junto às autoridades educacionais e governamentais Entre os eventos estão os inúmeros encontros regionais e nacionais de professores realizados anualmente em todo o Brasil incluindo congressos simpósios fóruns de debates cursos e jornadas de atualização além de centenas de atividades menores como palestras demonstração de materiais didáticos relatos de experiências e de viagens colegas que voltam de um estágio no exterior por exemplo oficinas de preparação de materiais Alguns desses eventos às vezes têm sido realizados em convênio com as secretarias de educação tanto do estado como do município No caso de algumas línguas incluindo aí o espanhol francês e alemão o apoio de órgãos estrangeiros tem sido bastante frequente As associações procuram também divulgar as informações entre seus associados através de diferentes formas de publicação incluindo periódicos acadêmicos Ex Contexturas da Associação dos Professores de Língua Inglesa do Estado de São Paulo anais de congressos e principalmente boletins e informativos As associações além de promover a interação entre seus associados podem também agir junto às autoridades educacionais e governamentais fornecendo subsídios para determinados projetos políticos na área da educação ou mesmo encaminhando outros 92 Vilson J Leffa As associações científicas e de professores na medida em que conseguem dar ao professor a oportunidade de formar com outros colegas uma comunidade discursiva com interesses comuns para a troca de ideias pode contribuir muito para a formação contínua do professor O professor não deve apenas querer ouvir o que os especialistas têm a dizer e muito menos esperar fórmulas prontas Ele deve também ter a oportunidade de trazer suas ideias e trocar experiências com os colegas de sua profissão As associações podem contribuir neste aspecto continuando o trabalho de formação iniciado na universidade Questões de multinacionalidade As questões políticoeconômicas muitas vezes resultantes da multinacionalidade de uma língua podem também afetar a formação do professor influenciando desde decisões pessoais na escolha da língua o aluno por exemplo pode gostar mais de francês mas resolve estudar inglês porque acha essa língua mais importante na hora de conseguir um emprego até decisões coletivas feitas pela comunidade escolar ou mesmo pelos sistemas municipais ou estaduais provavelmente determinadas por fatores econômicos ou ideológicos levando ou não em conta as preferências individuais dos alunos A língua estrangeira mais estudada no mundo é o inglês Há uma série de fatos que contribuem para isso entre os quais podemos destacar os seguintes 1 o inglês é falado por mais de um bilhão e meio de pessoas 2 o inglês é a língua usada em mais de 70 das publicações científicas 3 o inglês é a língua das organizações internacionais A razão mais forte no entanto é o fato de que o inglês não tem fronteiras geográficas Enquanto que o chinês por exemplo também é falado por mais de um bilhão de pessoas a língua chinesa está restrita à China e a alguns países vizinhos O inglês por outro lado é não só declaradamente a língua oficial de 62 países mas é também a língua estrangeira mais falada no mundo para cada falante nativo há dois falantes nãonativos que a usam para sua comunicação O inglês é 93 Língua Estrangeira provavelmente a única língua estrangeira que possui mais falantes não nativos do que nativos A situação multinacional do inglês tem gerado muito protesto em todo o mundo não só de países periféricos mas também de países do primeiro mundo que se veem na contingência de terem que estudar o inglês como a França e o Japão por exemplo A oposição de muitos intelectuais franceses contra a multinacionalidade do inglês é notória e pode refletir os sentimentos de muitos alunos tanto de países centrais como periféricos Eu penso eu vivo eu amo e eu critico em francês É nesta língua que eu faço as reflexões mais sofisticadas mais refinadas que eu consigo produzir Escrever em inglês significa enfraquecer mediocrizar meu trabalho GOUIN 1998 Há muitas diferenças entre estudar uma língua estrangeira multinacional e uma língua estrangeira nacional envolvendo aspectos como obrigatoriedade versus deslumbramento colonialismo mental versus consciência crítica motivação instrumental versus motivação integrativa entre outras Quando um aluno brasileiro escolhe estudar alemão italiano ou mesmo francês ele normalmente faz isso por gosto pessoal envolvendo questões afetivas O aluno por exemplo chega à faculdade e resolve estudar italiano porque essa era a língua falada em sua comunidade na infância Essa busca pelas suas raízes é vista como algo que deve ser incentivado Caso ele venha a se deslumbrar com a língua e a cultura italiana ou alemã isso é também visto com bons olhos pelo menos hoje quando tanto a Itália como a Alemanha não têm mais pretensões explicitamente colonialistas como acontecia durante a II Guerra Mundial por exemplo O fascínio pela arquitetura veneziana ou mesmo pela filosofia alemã é visto como um deslumbramento lícito 94 Vilson J Leffa No entanto se o aluno escolhe inglês as hipóteses de sua motivação já são diferentes ele pode estar escolhendo o inglês não por gosto pessoal mas por uma motivação instrumental por uma imposição do mercado de trabalho Vai estudar inglês porque precisa não porque gosta Há um interesse imediato menos nobre que se sobrepõe a uma motivação integrativa no sentido de Gardner e Lambert 1972 A hipótese de que o aluno quer estudar inglês porque admira a língua e a cultura pode ser vista neste caso como alienação e colonialismo mental A formação do professor de inglês ou de qualquer língua que venha a se tornar multinacional deve incluir também a preparação do professor para que ele se dê conta de que há uma diferença entre ensinar uma língua que é ou não multinacional Que reflexos essas diferenças teriam na formação do professor Oferecemse aqui algumas sugestões considerando uma língua multinacional como é o inglês na atualidade Partese da ideia herética para alguns de que a vinculação entre língua e cultura não é unívoca e indissolúvel uma língua pode representar mais de uma cultura Uma língua como a inglesa por exemplo falada nos mais diferentes países no hemisfério norte e no hemisfério sul no ocidente e no oriente não fica atrelada a uma única cultura Não só a cultura mas também a própria língua muda O inglês da África do Sul é diferente do inglês dos Estados Unidos que é diferente do inglês da Austrália que é diferente do inglês da Nigéria e assim por diante O inglês tornouse uma língua internacional mas teve que pagar um preço por isso perdeu sua identidade perdeu sua nacionalidade Atualmente existe até a variedade já reconhecida de inglês brasileiro que qualquer professor pode e até talvez deva ensinar Ninguém vai estudar finlandês se não estiver interessado na Finlândia como não vai estudar javanês se não estiver interessado na Indonésia ou na Malásia Com o inglês isso não acontece podese estudar inglês sem estar de modo algum interessado num determinado país Podese perfeitamente estudar inglês estando interessado apenas em computadores ou em 95 Língua Estrangeira telefonia celular ou mesmo na Finlândia onde praticamente toda a população fala inglês Como colocou Bhatia essa língua a inglesa não representa apenas uma cultura ou apenas uma única maneira de viver BHATIA 1997 p 315 Tradução minha Não se quer dizer com isso que o inglês seja uma língua neutra Nenhuma língua o é nem mesmo uma língua artificial como o Esperanto criada segundo Zamenhof seu autor para promover a fraternidade universal Embora ninguém provavelmente seja contra a celebração da fraternidade universal é preciso reconhecer no entanto que no momento em que se associa essa ideologia a uma língua essa língua deixa de ser neutra por mais desejável que seja a ideologia Algo semelhante pode acontecer com o inglês Vai sempre transmitir uma ideologia que não precisa ser necessariamente de conteúdo negativo o que parece até ser reconhecido pelos próprios críticos da hegemonia da língua inglesa PENNYCOOK 1994 1995 COX ASSISPETERSON 2001 Nas palavras de Cox AssisPeterson A expansão do inglês no mundo não é a mera expansão de uma língua mas é também a expansão de um conjunto de discursos que fazem circular idéias de desenvolvimento democracia capitalismo neoliberalismo modernização Podemos perceber que o ensino instrumental é só mais uma armadilha COX ASSISPETERSON 2001 p 19 Embora a maioria dos intelectuais atribua às palavras capitalismo neoliberalismo e mesmo modernização uma conotação negativa seria um exagero achar que ideias de desenvolvimento e democracia não devem ser disseminadas Achar também que o ensino instrumental do inglês deva ser evitado porque é só mais uma armadilha para a colonização mental do aluno seria falta de discernimento num mundo onde mais de 70 das publicações científicas estão em língua inglesa A solução me parece estaria no ensino crítico da língua inglesa mas partindo principalmente da ideia de Bathia 1997 de que o 96 Vilson J Leffa inglês não representa necessariamente uma única cultura Esta mesma ideia está subjacente na proposta de Pennycook 1994 quando sugere que na prática de sala de aula o ensino de inglês deve começar criticamente explorando as culturas dos alunos ênfase minha PENNYCOOK p 311 Ao se propor o ensino da língua inglesa a partir da cultura do aluno não se está na realidade propondo qualquer novidade pelo menos no Brasil É preciso reconhecer que já na década de 60 o Instituto de Idiomas Yázigi sob a orientação pedagógica do Prof Francisco Gomes de Matos ainda que com ênfase mais na fala do que na leitura apregoava e praticava o ensino da língua dentro da cultura brasileira A Figura 2 por exemplo reproduz uma página do 2o Estágio do Curso de Inglês Conversacional onde se pode observar a ênfase na cultura brasileira O tema do livro é na verdade uma viagem pelas principais cidades do Brasil onde se mostram a uma família americana diferentes aspectos da cultura local A ideia do enfoque na cultura brasileira tem permanecido através das décadas conforme se pode perceber na Figura 3 retirada do livro de Luiz Paulo da Moita Lopes Read Read Read publicado em 1998 com ênfase não mais na fala mas na leitura Desta vez não só os locais mas os próprios personagens são também totalmente brasileiros alunos de quinta e sexta séries 97 Língua Estrangeira Uma língua multinacional como o inglês caracterizase por não ter nacionalidade Adaptase como um camaleão não aos interesses da Inglaterra ou dos Estados Unidos mas aos interesses das pessoas que a falam e que podem ser do Japão da Suíça ou mesmo do Brasil Pode ser a língua da internet da Globalização ou do capitalismo mas não é a língua de um determinado país Falar uma língua multinacional é como possuir ações de uma grande empresa na medida em que o acionista se unir a outros Figura 2 Exemplo de ensino de inglês com ênfase na cultura brasileira na década de 60 Fonte Course of conversational English Yázigi Second Stage p 17 98 Vilson J Leffa acionistas e formar com eles uma maioria pode até decidir a política da empresa Falar uma língua é apropriarse dela seja como falante nativo ou nãonativo Se um dia a língua portuguesa fosse falada mais por falantes estrangeiros do que brasileiros na proporção de dois estrangeiros para cada falante nacional e fosse fonológica e lexicamente invadida por elementos estranhos à própria língua provavelmente leríamos editoriais na imprensa e veríamos manifestações dos imortais da Academia Brasileira de Letras contra a desnacionalização da língua portuguesa O português deixaria de ser a língua do Brasil ou de Portugal para ser a língua dos outros multinacional e multicultural As pessoas deixariam de estudar o português por afeição a Portugal ou ao Brasil estudariam mais por motivação instrumental às vezes até detestando um ou outro país de fala portuguesa É o preço que se paga por ser uma língua multinacional Figura 3 Exemplo de ensino de inglês com ênfase na cultura brasileira na década de 90 Fonte Moita Lopes 1998 p 13 99 Língua Estrangeira Como ensinar uma língua multinacional Podese estudar uma língua estrangeira para defender os interesses do país onde se mora como por exemplo estudar inglês no Brasil para receber turistas de outras nacionalidades ou para vender um produto brasileiro no exterior Podese também estudar uma língua estrangeira com interesse no país onde a língua é falada como por exemplo estudar japonês para melhor conhecer a cultura do Japão O foco de interesse portanto pode estar localizado no país onde a língua é estudada ou no país onde é falada A determinação do foco de interesse tem implicações metodológicas para seu ensino e consequentemente para a formação de professores Quando se estuda uma língua multinacional temse geralmente uma motivação instrumental onde não cabe mais a ideia tradicional do ensino de línguas estrangeiras baseado na noção de uma língua uma cultura Quando se trata de uma língua multinacional como o inglês na atualidade sem uma identidade nacional definida precisase de um novo paradigma de ensino de línguas capaz de dar conta dessa natureza multinacional Há necessidade de uma mudança de prioridades no ensino da língua estrangeira Entre essas novas prioridades tomando a língua inglesa como exemplo podemos destacar as seguintes 1 ensine a variedade local da língua multinacional 2 ensine a língua multinacional para produção 3 ensine a língua multinacional para objetivos específicos Ensine a variedade local da língua multinacional No caso do ensino do inglês no Brasil por exemplo não se preocupar se se deve ensinar inglês britânico ou inglês americano ensine inglês brasileiro como uma variedade legítima da língua inglesa Assim como existe o inglês dos Estados Unidos da Inglaterra e mesmo da Nigéria existe também o inglês de Gerard Depardieu com sotaque francês o inglês de Antônio Banderas com sotaque espanhol e pode existir com toda legitimidade o inglês do Brasil Não há razão para supor que os brasileiros devam falar inglês como falantes nativos que a propósito são uma minoria entre os 100 Vilson J Leffa falantes da língua Uma das condições para que o inglês seja uma língua multinacional é aceitar a diversidade da própria língua No momento em que o inglês passa a ser falado no Brasil há de ter uma variedade brasileira como o português falado no Rio Grande do Sul tem uma variedade gaúcha Se a variação de uma língua pode ocorrer de um estado para outro por que não ocorrerá de um país para outro Havia uma escola de línguas no Brasil que usava a seguinte frase para mostrar a qualidade de seu ensino depois do nosso curso o difícil vai ser provar para os outros que você é brasileiro A ilusão de que uma escola possa ensinar uma língua estrangeira sem sotaque pode ser necessária como um jogo de marketing mas sabemos que é uma ilusão e que nem é necessária Ensine a língua multinacional para produção A língua multinacional não deve ser ensinada apenas para recepção fazendo com que os alunos sejam por exemplo apenas leitores da língua incapazes de falar de escrever ou mesmo de ouvir e entender a língua Sabemos que uma língua possui quatro modos de passar a informação sendo dois de produção fala e escrita e dois de recepção escuta e leitura Para haver interlocução isto é a troca e não apenas a recepção de ideias é necessário que pelo menos dois canais sejam usados sendo um de recepção e outro de produção fala e escuta ou escrita e leitura A informação precisa fluir nos dois sentidos A leitura sozinha não permite a interlocução A Figura 4 ilustra como a informação na leitura flui apenas de quem produz para quem recebe o texto já que fala e escrita ficam desativadas Figura 4 Fluxo da informação na leitura Fonte Autor 101 Língua Estrangeira Podese argumentar também que uma ênfase exclusiva na leitura reforça a ideia de que a informação no mundo deve fluir unilateralmente dos países centrais para os periféricos disseminando a arte cultura e ciência em apenas uma direção O aluno será no máximo um consumidor de informação sem condições de chegar a produzila embora vivendo num mundo em que tecnicamente e pela primeira vez na história da humanidade é possível a interlocução entre duas pessoas de qualquer parte do mundo fazendo a informação fluir nos dois sentidos Basta ter algo para dizer A ênfase na leitura deve ser vista como uma fase transitória no caminho da produção linguística e não como um fim no ensino de uma língua multinacional Ensine a língua multinacional para objetivos específicos A língua estrangeira normalmente não compete com a língua materna é usada para funções diferentes Em situações normais ninguém precisa aprender uma língua estrangeira para falar com o cônjuge no café da manhã pedir o carro emprestado do pai ou discutir com o irmão Quando aprendemos uma língua estrangeira normalmente a usamos para objetivos específicos comercialmente para encomendar um produto do exterior academicamente para apresentar um trabalho em nossa área de conhecimento ou até por lazer trocando emails com alguém de um outro país com quem temos um interesse em comum A língua estrangeira e a materna normalmente coexistem em distribuição complementar desempenhando funções diferentes sem necessariamente concorrer uma com a outra Quando se ensina uma língua multinacional como o inglês onde os falantes nativos são uma minoria ensinase uma língua franca usada como meio de comunicação entre povos diferentes e culturas diferentes Podese por opção associar esse ensino a uma determinada cultura mas não necessariamente dos Estados Unidos ou da Inglaterra pode ser até a cultura do país onde a língua é ensinada eg o ensino do inglês explorando aspectos da cultura brasileira o que já tem sido uma prática frequente em muitos livros didáticos produzidos no Brasil 102 Vilson J Leffa Conclusão A formação de um professor de línguas estrangeiras envolve aspectos acadêmicos e políticos Este capítulo enfocou alguns aspectos políticos dessa formação considerando implicações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB o papel das universidades e das associações de professores e principalmente as implicações que podem advir do ensino de uma língua multinacional como parece ser a língua inglesa na atualidade Partiuse da ideia de que a formação de um professor de línguas estrangeiras competente crítico e comprometido com a educação é uma tarefa extremamente complexa difícil de ser completada num curso de graduação por envolver aspectos linguísticos e políticos da natureza humana Linguisticamente temos a expectativa de que o professor de línguas estrangeiras seja competente o suficiente para criar uma nova língua na mente do aluno tocando o ser humano naquilo que ele possui de mais essencial que é a capacidade da fala Politicamente temos também a expectativa de que o professor seja suficientemente crítico para perceber as relações de poder que se estabelecem entre falantes de diferentes países quando se comunicam através de uma língua estrangeira e que possa definir o lugar do aluno nesses eventos comunicativos não apenas como receptor mas também produtor de informação Fomos criados numa tradição de que o professor na sala de aula não deve se envolver com política A realidade política não é percebida como um assunto adequado para ser discutido com os alunos Os professores não se veem como seres políticos e nem veem o ensino como uma atividade política PONDER 1971 p 364 No entanto como vimos somos todos professores alunos e a própria escola afetados por escolhas políticas Transmitimos valores políticos não só pelo que fazemos mas também pelo que somos Os estudantes por sua vez 103 Língua Estrangeira também precisam aprender que o desenvolvimento individual da comunidade e do país depende da habilidade em conduzir negociações nas novas relações de poder que se estabelecem com o uso da língua estrangeira 105 Língua Estrangeira Capítulo 5 Como produzir materiais para o ensino de línguas7 A produção de materiais de ensino é uma sequência de atividades que tem por objetivo criar um instrumento de aprendizagem Essa sequência de atividades pode ser descrita de várias maneiras envolvendo um número maior ou menor de etapas Minimamente deve envolver pelo menos quatro momentos 1 análise 2 desenvolvimento 3 implementação e 4 avaliação Idealmente essas quatro etapas devem formar um ciclo recursivo onde a avaliação leve a uma nova análise reiniciando um novo ciclo A produção de materiais é também um processo sistemático e de complexidade variada Na extremidade mais simples está por exemplo o resumo esquemático distribuído durante uma palestra para acompanhar o que diz o palestrante Na extremidade superior da escala podem ser listados projetos envolvendo o uso de vídeo ou de multimídia interativa o que pela sua complexidade exige um planejamento mais detalhado Falta de planejamento nesse nível pode resultar em perda de tempo dinheiro e esforço FARDOULY 2002 Análise A análise parte de um exame das necessidades dos alunos incluindo seu nível de adiantamento e o que eles precisam aprender As necessidades são geralmente mais bem atendidas quando levam em consideração as características pessoais dos 7 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J Como produzir materiais para o ensino de línguas In LEFFA Vilson J Org Produção de materiais de ensino teoria e prática Pelotas EDUCAT 2008b p 1541 106 Vilson J Leffa alunos seus anseios e expectativas preferência por um ou outro estilo de aprendizagem Para que a aprendizagem ocorra é também necessário que o material entregue ao aluno esteja adequado ao nível de conhecimento do conteúdo a ser desenvolvido O que o aluno já sabe deve servir de andaime para que ele alcance o que ainda não sabe Ninguém aprende algo que é totalmente conhecido e nem algo que seja totalmente novo A capacidade de acionar o conhecimento prévio do aluno é uma condição necessária para o sucesso de um determinado material O que o aluno precisa aprender portanto não é determinado apenas pela soma de competências exigida por uma determinada circunstância seja ela originada pela escola pela comunidade ou mesmo pelo mercado de trabalho Uma determinada circunstância pode exigir do aluno por exemplo que ele seja capaz de escrever cartas comerciais numa língua estrangeira envolvendo uma série de competências como domínio de uma terminologia específica o uso correto das normas sintáticas da língua disposição gráfica do texto na página conhecimento do gênero epistolar etc Isso não significa no entanto que o aluno precisa aprender num determinado momento todas essas competências o que o aluno precisa aprender vai depender do que ele já sabe O material a ser produzido deve oferecer ao aluno a ajuda que ele precisa no grau exato de seu adiantamento e de suas necessidades preenchendo possíveis lacunas A análise inicial das necessidades deve ser capaz não só de estabelecer o total das competências a serem desenvolvidas mas também descontar dessas competências o que o aluno já domina O saldo dessa operação é o que o aluno precisa aprender Desenvolvimento A etapa do desenvolvimento parte dos objetivos que são definidos depois da análise das necessidades A definição clara dos objetivos dá uma direção à atividade que está sendo desenvolvida com o uso do material Ajuda a quem aprende porque fica sabendo o que é esperado dele Ajuda a quem elabora 107 Língua Estrangeira o material porque permite ver se a aprendizagem está sendo eficiente facilitando assim a avaliação A definição dos objetivos Os objetivos podem ser gerais ou específicos Objetivos gerais são elaborados para períodos maiores de aprendizagem como o planejamento de um curso os objetivos específicos para períodos menores envolvendo por exemplo uma aula ou atividade Ambos devem começar com um verbo que descreva o comportamento final desejado para o aluno Para os objetivos gerais usamse geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis Entre esses verbos os seguintes têm sido usados com mais frequência saber compreender interpretar aplicar analisar integrar julgar aceitar apreciar criar etc Para os objetivos específicos usamse verbos de ação envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados Entre eles destacamse identificar definir nomear relacionar destacar afirmar distinguir escrever recitar selecionar combinar localizar usar responder detectar etc Verbos que denotam processo aprender desenvolver memorizar adquirir etc não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais eles não descrevem o resultado da aprendizagem O objetivo de aprendizagem tem três componentes essenciais 1 as condições de desempenho 2 o comportamento que o aluno deve demonstrar expresso por um verbo 3 o critério de execução da tarefa No modelo clássico de Bloom ANDERSON KRATHWOHL 2001 o objetivo é sempre apresentado em termos do que o aluno deve alcançar sob a perspectiva do próprio aluno não do material desenvolvido A ênfase está na aprendizagem naquilo que o aluno deve adquirir e no comportamento que ele deve demonstrar não no ensino não no material que vai ser usado para levar o aluno a atingir o objetivo 108 Vilson J Leffa É objetivo de aprendizagem ao ler um texto o aluno deverá ser capaz de identificar três ideias principais Não é um objetivo de aprendizagem Ensinar a diferença entre ideia principal e ideia secundária As condições de desempenho especificam as circunstâncias sob as quais o comportamento deve ser demonstrado Podem e devem ser expressas de modo simples através de uma afirmação Alguns exemplos Ao assistir o vídeo de um comercial o aluno deverá Ao ouvir a gravação de uma música o aluno deverá O comportamento que o aluno deve demonstrar deve ser expresso através de um verbo que denota uma ação diretamente observável Os critérios de execução da tarefa podem ser expressos em termos de velocidade grau de correção ou qualidade O critério estabelecido no objetivo é visto como o mínimo que o aluno deve atingir Se a atividade pede por exemplo que o aluno responda a dez perguntas com 70 de acertos critério o objetivo será atingido com qualquer percentual igual ou acima de 70 É possível traçar os objetivos do material a ser produzido não só no domínio cognitivo envolvendo conhecimento mas também no domínio afetivo envolvendo atitudes e mesmo no domínio psicomotor envolvendo habilidades A definição desses objetivos leva em consideração não só a análise das necessidades mas também o tempo disponível sendo às vezes muito difícil adequar os objetivos ao tempo de que se dispõe 109 Língua Estrangeira A seguir apresentamos uma lista de exemplos em cada um desses objetivos nos três domínios aplicado ao ensino de línguas cada objetivo geral é seguido de objetivos específicos Taxionomia de objetivos para o ensino de línguas Domínio cognitivo 1 Conhece o vocabulário relacionado a um determinado tópico 11 identifica sinônimos 12 relaciona antônimos 13 define palavras 14 nomeia objetos 15 soletra palavras 16 deduz o significado de palavras desconhecidas através do contexto 2 Compreende a estrutura gramatical 21 substitui palavras numa frase 22 transforma frases interrogação negação 23 identifica anomalias gramaticais 24 fornece o tempo verbal correto 25 identifica sentenças completas 26 identifica sinonímia estrutural 3 Aplica regras gramaticais 31 constrói frases 32 responde oralmente 33 responde por escrito 34 traduz para o português 35 traduz para a língua estrangeira 36 apresenta alguém 37 cumprimenta 38 atende a um pedido 4 Analisa textos escritos 41 infere emoção 42 identifica estereótipos culturais 110 Vilson J Leffa 43 deduz consequências 44 descreve personagens 45 esquematiza enredo 46 descreve contexto 47 identifica tema 48 relaciona informação textual com informação extratextual 5 Integra conhecimentos de diferentes áreas 51 usa mecanismos adequados para iniciar e encerrar turnos de conversação 52 resume extraindo as ideias principais de um texto 53 usa o sumário e índice remissivo de um livro para encontrar a informação desejada 54 escreve um parágrafo bem organizado 55 completa exercícios de cloze 56 expressa relações entre partes do texto através de conectores 57 organiza adequadamente a informação num texto dissertativo 58 faz o mapa conceitual de um texto 59 transforma um mapa conceitual em texto 6 Julga o valor de material escrito 61 explica a finalidade de um mecanismo retórico 62 justifica o uso da linguagem figurada 63 relaciona estilo com objetivo 64 identifica níveis de formalidade Domínio afetivo 1 Aceita diferenças culturais 11 olha com atenção para fotos 12 faz perguntas sobre ilustrações 13 aponta para detalhes das ilustrações 14 faz comentários sobre fotos 2 Demonstra interesse no tópico 21 oferecese como voluntário para responder perguntas 22 faz atividades além do que é solicitado 111 Língua Estrangeira 23 traz material extra para a aula 24 pergunta sobre cursos na comunidade 25 cumprimenta o professor na LE 3 Aprecia obras literárias 31 empresta livros da biblioteca 32 lê além do que pede o professor por prazer 33 discute diferentes autores 34 elogia algumas obras literárias 4 Integra conhecimento da língua em seu plano de vida 41justifica a importância de conhecer a língua em sua futura profissão 42 lê revistas especializadas 43 busca na internet tópicos tratados em aula 5 Demonstra consistência na prática da língua estrangeira 51 aproveita todas as oportunidades para praticar a LE 52 participa de salas de batepapo na LE na internet 53 procura ouvir e ler a LE diariamente Domínio psicomotor 1 Reconhece vogais na língua estrangeira 11 discrimina vogais em pares mínimos 12 identifica a vogal numa sentença 2 Sabe a posição dos órgãos da fala para os diferentes fonemas 21 pronuncia corretamente sequências de fonemas inexistentes na língua materna slow 22 explica a posição da língua para uma determinada vogal 23 mostra a posição correta dos lábios 24 abre a boca corretamente 3 Imita sentenças que ouve 31 repete adequadamente o modelo 32 executa exercícios simples de expansão 33 executa substituições em exercícios orais 4 Fala naturalmente 41 pronuncia sentenças em velocidade normal 42 usa a entonação adequada para perguntas 112 Vilson J Leffa 43 acentua adequadamente palavras em uma frase 5 Fala fluentemente 51 fala sem hesitação 52 produz frases no ritmo adequado da língua 53 usa pausas corretamente 6 Ajusta a fala à situação 61 fala mais rápido quando tem menos tempo 62 articula as palavras com mais cuidado quando diante de um auditório maior 7 Muda a pronúncia 71 imita sotaques regionais 72 imita a fala de pessoas famosas A definição da abordagem UUma vez definidos os objetivos de aprendizagem é necessário selecionar os conteúdos pelos quais os objetivos serão alcançados Se o objetivo por exemplo for levar o aluno a compreender um texto de uma determinada área de conhecimento o conteúdo selecionado pode ser um texto uma amostra do léxico típico da área uma lista de determinados mecanismos retóricos ou uma integração de diferentes conteúdos A opção por um desses aspectos é determinada pela filosofia de aprendizagem a que se filia o professor Tradicionalmente no ensino de línguas há seis grandes abordagens KRAHNKE 1987 que ampliamos abaixo incluindo aspectos da língua materna Abordagem estrutural O que o aluno precisa aprender são o léxico e as estruturas gramaticais da língua Deve saber expressarse dentro de um vocabulário adequado e com correção gramatical Pode haver uma tolerância maior ou menor para com os vícios de linguagem incluindo estrangeirismos problemas de regência mas geralmente não são aceitos A preocupação é mais com a forma do que com o conteúdo Abordagem nocionalfuncional A ênfase está no objetivo para o qual se usa a língua na realidade mais na função do que na noção No caso da língua estrangeira parte de uma taxionomia 113 Língua Estrangeira das funções como discordar apresentar alguém pedir desculpas etc Também pode ser aplicado ao ensino da língua materna como escrever uma carta de pedido de emprego como rejeitar um convite educadamente como solicitar ao auditório que se levante para cantar o hino nacional etc Abordagem situacional O conteúdo a ser ensinado parte de uma situação em que a língua é usada visita ao médico check in no aeroporto abertura de uma reunião de negócios etc O pressuposto é de que nessas situações há uma sequência típica de funções que ocorrem sempre da mesma maneira usando sempre o mesmo tipo de linguagem e que pode portanto ser pré determinado Abordagem baseada em competências Parte do princípio de que a linguagem usada numa determinada situação é relativamente independente da situação dependendo mais de competências e processos linguísticos domínio dos aspectos fonológicos lexicais sintáticos discursivos capacidade em detectar a ideia principal em fazer uma apresentação oral etc que perpassam diferentes situações Abordagem baseada em tarefa Caracterizase por subordinar a aprendizagem da língua à execução de uma determinada tarefa É a execução da tarefa que vai determinar que conteúdo linguístico precisa ser aprendido Diferenciase da abordagem situacional por não predeterminar esse conteúdo que pode surgir de modo imprevisível durante o desempenho da tarefa Abordagem baseada em conteúdo Põe a ênfase no conteúdo usando a língua que o aluno precisa aprender O pressuposto é de que enquanto o aluno presta atenção no conteúdo acaba adquirindo a língua incidentalmente O material portanto não é desenvolvido a partir de tópicos linguísticos mas de tópicos do próprio conteúdo Ainda que seja possível desenvolver material de ensino rigorosamente dentro de uma única abordagem a prática sugere a integração de duas ou mais É também aconselhável levar em consideração os objetivos de aprendizagem e a partir daí escolher a abordagem mais adequada 114 Vilson J Leffa A definição do conteúdo O conteúdo na produção de um determinado material pode ser definido de várias maneiras dependendo da concepção que se tem de língua Se entendo por exemplo que língua é um conjunto de palavras ligadas por regras gramaticais faço um recorte do léxico e da sintaxe se vejo a língua como um conjunto de eventos comunicativos incluo outros aspectos como regras de formalidade os lugares sociais de onde falam os interlocutores os efeitos de sentido que suas falas podem provocar etc se entendo a língua como um meio para desempenho de determinadas atividades posso selecionar uma lista de tarefas que devem ser executadas pelos alunos como escrever uma carta comercial elaborar um currículo fazer uma homepage etc Quando se fala em produção de materiais temse privilegiado o ensino baseado na tarefa Nesse caso há uma preocupação maior com o mundo real e o uso de dados linguísticos autênticos A ideia é de que o aluno não deve passar por um curso sem conhecer a língua como ela é realmente usada fora da sala de aula Muitas vezes os alunos têm dificuldade de transferir para o mundo real aquilo que aprendem na escola Não vendo aplicação prática para o conhecimento adquirido achamse muitas vezes donos de um conhecimento inútil O uso de material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem A transferência no entanto parece estar apoiada em um paradoxo de difícil solução 1 para sobreviver no mundo real o aluno precisa ser preparado pela escola 2 para ser preparado de modo que a aprendizagem faça sentido o aluno precisa conhecer o mundo real O desafio aqui usando uma metáfora frequentemente citada na educação WEININGER 2001 é como levar o aluno do ambiente protegido do aquário para os perigos do mar aberto A solução proposta por alguns usando ainda a mesma metáfora é jogar o aluno no mar puxandoo de vez em quando para que respire WILSON JONASSEN COLE 1993 A ideia é de que o tempo entre o investimento inicial do aluno na aprendizagem e o retorno pelo esforço despendido seja o mais breve possível o que pode ser facilitado na medida em 115 Língua Estrangeira que o aluno seja solicitado desde o início a realizar tarefas significativas e próximas do mundo real CARROLL 1990 Na definição do conteúdo a preocupação está em definir da maneira mais clara possível o que exatamente o aluno precisa aprender para atingir os objetivos definidos anteriormente A definição das atividades A produção de materiais de ensino é uma área essencialmente prática A teoria é importante na medida em que fornece o suporte teórico necessário para justificar cada atividade proposta mas subjaz à atividade podendo ou não ser explicitada Quem prepara o material precisa ter uma noção bem clara da fundamentação sobre a qual se baseia mas vai concentrar todo seu esforço em mostrar a prática não a teoria A teoria trabalha nos bastidores a prática é o que aparece no palco Um bom trabalho de bastidores dá segurança ao que é apresentado permitindo inovações e até ousadias As atividades propostas para o ensino de línguas têm sido tradicionalmente classificadas em quatro grandes áreas 1 fala 2 escuta 3 leitura e 4 escrita Os materiais podem ser preparados para cada uma dessas habilidades em separado ou de modo integrado incluindo duas ou mais habilidades A Figura 1 mostra o recorte de uma atividade que pode ser usada para a prática da leitura de tabelas produção oral e escuta A definição dos recursos A definição dos recursos envolve basicamente o suporte sobre o qual a língua vai ser apresentada ao aluno Tradicionalmente o suporte mais comum tem sido o papel que por sua vez pode ser subdividido em muitos outros livro jornal revista revista em quadrinhos revista acadêmica etc Com o desenvolvimento e barateamento das tecnologias de comunicação outros suportes tornaramse populares incluindo fitas de áudio fitas de vídeo e mais recentemente o computador e a internet 116 Vilson J Leffa competências incluindo a capacidade de trabalhar com arquivos eletrônicos saber como salvar um arquivo copiálo de um computador para outro compactálo e descompactálo enviálo pela internet navegar na rede localizar arquivos em qualquer ponto do planeta instalar e desinstalar programas usar antivírus etc O computador na realidade representa uma convergência de diferentes tecnologias incluindo textos imagens sons e movimentos Para quem possui as competências pressupostas pela nova literacia os recursos que podem ser usados para o desenvolvimento de materiais de aprendizagem nunca foram tantos tão fáceis de usar e tão disponíveis Muitos recursos que há alguns anos só estavam disponibilizados para grandes empresas com altos custos de produção agora podem ser acessados praticamente por qualquer indivíduo a um custo A introdução do computador parece demandar uma nova alfabetização ou letramento com a exigência de novas Figura 1 Exemplo de material para ensino de Português como língua estrangeira Fonte Autor 117 Língua Estrangeira irrisório ou inexistente A Figura 2 por exemplo mostra o resultado de uma pesquisa usando o Google onde o objeto procurado era a imagem de mãe com filho woman e child em inglês Em menos de um segundo o sistema conseguiu localizar milhares de arquivos contendo imagens de mulher com criança Depois de acessado um arquivo eletrônico por sua natureza líquida altamente mutável pode ser modificado e reformulado de inúmeras maneiras MALEY1998 Uma imagem pode ser não só ampliada reduzida alongada distorcida etc mas também inserida num determinado texto que o professor tenha selecionado para um grupo de alunos Seja qual for o texto é sempre possível ilustrálo com uma foto ou desenho rigorosamente adequado a um determinado conteúdo ou objetivo de uma aula Fonte Autor Figura 2 Imagens selecionadas do Google com as palavraschave woman e child de um universo de milhares de imagens 118 Vilson J Leffa Ordenamento das atividades Os dois critérios básicos para o ordenamento das atividades são facilidade e necessidade Pelo primeiro critério iniciase pelo que é mais fácil e simples para o aluno progredindo gradativamente para o que é mais difícil e complexo O retorno pelo investimento feito na aprendizagem pode às vezes demorar um pouco até produzir algo útil Pelo critério da necessidade começase pelo que é mais necessário e útil para o aluno com retorno mais imediato A situação ideal é aquela em que se possa unir os dois critérios quando isso não for possível a tendência tem sido sacrificar pelo menos parte da facilidade em benefício da utilidade antecipada Uma maneira mais ampla e geral de ordenar as atividades baseiase nos nove eventos instrucionais de Gagné assim descritos Garanta atenção Inicie despertando a curiosidade do aluno para o tópico da atividade Conte uma história mostre uma ilustração faça uma analogia conte uma anedota cite um pensamento interessante Informe os objetivos Deixe claro para os alunos o que eles vão aprender No fim dessa atividade vocês vão saber como Crie uma expectativa através dos objetivos Acione o conhecimento prévio Faça os alunos pensar sobre o que eles já sabem Relacione a atividade nova a situações e conhecimento que lhe são familiares Apresente o conteúdo Mostre os pontos mais importantes use técnicas variadas para manter a atenção e aumentar a compreensão Use ilustrações fotos objetos Facilite a aprendizagem Ajude os alunos a seguir no processo de aprendizagem orientando esclarecendo dando exemplos Solicite desempenho Mantenha participação ativa dos alunos Peça para que executem tarefas relacionadas ao que estão aprendendo Envolvaos perguntando discutindo demonstrando Forneça feedback Deixe claro para seus alunos de como eles estão acompanhando a atividade ajudando com mais 119 Língua Estrangeira esclarecimento quando necessário Tente produzir o material de aprendizagem de modo a poder inserir feedback Avalie o desempenho Verifique a aprendizagem dos alunos pela observação perguntas Na produção de materiais abra espaço para avaliação contínua Ajude na retenção e transferência Faça com que os alunos lembrem o que estão aprendendo e ajudeos a aplicar seus novos conhecimentos A questão da motivação Manter a motivação durante e após a atividade de ensino tem sido uma das grandes metas da educação e é uma das preocupações básicas na produção de materiais A atividade deve ser prazerosa para o aluno despertar sua curiosidade e mantêlo interessado no assunto mesmo depois que tenha terminado O modelo mais conhecido para incorporar técnicas de motivação em atividades de ensino é o ARCS Sigla para Atenção Relevância Confiança e Satisfação desenvolvido por John Keller na Universidade do Estado da Flórida A teoria básica sobre a qual se apoia o modelo é a chamada expectativa de valor segundo a qual a motivação é medida pelo esforço demonstrado na execução de uma tarefa Para que haja esforço duas condições são necessárias 1 a pessoa deve acreditar que a tarefa seja importante 2 a pessoa deve acreditar que é capaz de executar a tarefa VROOM 1964 PORTER LAWLER 1968 TOMLINSON 1998 O modelo ARCS identifica quatro estratégicas básicas para sustentar a motivação Estratégias de atenção A para despertar e manter a curiosidade e o interesse Pense em maneiras pela qual se pode introduzir uma novidade surpresa ou incerteza no início de uma atividade Como fazer perguntas e apresentar problemas que possam estimular a curiosidade Como introduzir variação na atividade que está sendo proposta 120 Vilson J Leffa Estratégias de relevância R para mostrar a utilidade de uma tarefa quais são seus objetivos e quais são os métodos que podem ser usados para chegar aos objetivos mostrando também a importância que a tarefa pode ter na vida dos alunos Permitir que os alunos exponham seus interesses e necessidades Relacionar a tarefa à experiência e valores apreciados pelos alunos Expor a tarefa de maneira clara e compreensível para os alunos Estratégias de confiança C que ajudem os alunos a desenvolver uma expectativa positiva de sucesso Informar aos alunos quais são os critérios de avaliação o que se espera deles em termos de trabalhos a serem executados Oferecer oportunidades de sucesso através de projeto menores que preparem os alunos para os projetos maiores Reconhecer o esforço pessoal do aluno e seus acertos em cada atividade proposta Estratégias de satisfação S que mostre reconhecimento pelo esforço intrínseco e extrínseco do aluno Exemplos de esforço intrínseco envolvem a satisfação pela própria aprendizagem possivelmente mostrando o exemplo de pessoas conhecidas que possuem a habilidade em questão Exemplos extrínsecos incluem feedback diplomas homenagens etc Implementação A etapa da implementação pode receber um cuidado maior ou menor dependendo via de regra da maior ou menor presença de quem preparou o material Há três situações básicas 1 o material vai ser usado pelo próprio professor 2 o material vai ser usado por outro professor 3 o material vai ser usado diretamente pelo aluno sem presença de um professor Cada um desses casos requer uma estratégia diferente de implementação Quando o próprio professor prepara o material para os seus alunos a implementação dáse de modo intuitivo complementada pelo professor que oralmente explica aos alunos o que dever ser feito Normalmente o material pressupõe essa intervenção oral 121 Língua Estrangeira funcionando em distribuição complementar com o professor Erros maiores e malentendidos que atrapalharam na implementação podem ser anotados e reformulados para uma próxima apresentação A Figura 3 mostra um exemplo deste tipo de atividade Quando o material vai ser usado por um outro professor há necessidade de instruções de como o material deve ser apresentado e trabalhado pelos alunos Usando ainda como exemplo a Figura 3 o autor teria que explicar o objetivo da atividade o tipo de conhecimento que está sendo construído como a atividade deve ser conduzida junto com os alunos as possíveis respostas para as questões que estão sendo colocadas como certas respostas dadas pelos alunos deveriam ser trabalhadas etc Figura 3 Exemplo de material sem instruções de uso 1 Trabalhando em grupo complete as lacunas do pseudopoema abaixo usando sem repetir uma consoante de cada vez PSEUDOPOEMA DIGITAL É uma arma mas não tem ala Às vezes não salva e me ala Outras vezes fica mudo e ala Com um disco se acende e ala Se a festa for de ala Ele se destaca na ala Quando se quebra não leva ala Se fica velho jogase na ala É antirreflexo e não usa ala O computador que levo na ala 2 Que fontes de conhecimento o leitor deve acionar para apreciar o significado de cada uma das frases abaixo Mais vale um pássaro voando do que dois na mão 122 Vilson J Leffa Dizem que Pedro morreu como um passarinho deve ter sido de estilingue Quando bebia ficava falando com todos na rua dizia que preferia ser um bêbado conhecido ao um alcoólatra anônimo Todo mundo acreditou na história do sapo que virou príncipe menos a mãe da princesa Era do tempo em que a filha apresentava o namorado à mãe hoje é a mãe que apresenta o namorado à filha Anúncio de linha no ZH classificado É o menor barato Fonte Autor A situação mais difícil e que requer maior cuidado é aquela em que o material vai ser usado sem a presença do professor Há dois grandes desafios aqui O primeiro é estabelecer contato com o aluno idealmente oferecendo nem menos nem mais do que ele precisa descendo ao seu nível de conhecimento mas sem distorcer a complexidade do saber que precisa ser apreendido O segundo desafio é tentar prever o que pode acontecer Como o professor não estará presente durante a execução da tarefa é preciso ter uma ideia das possíveis dúvidas do aluno Prever no entanto é partir do préconstruído sem espaço para a criatividade e o inesperado Tudo o que o aluno fizer além do que estiver previsto no material ficará sem retorno de modo que quanto mais criativo for o aluno mais abandonado ele ficará Alguns exemplos tradicionais de material produzido para ensino sem a presença do professor são os livros com chaves de respostas cursos de línguas com fitas de áudio às vezes incluindo perguntas com tempo de espera para a resposta do aluno seguida da gravação da resposta correta para que o aluno possa escutar e comparar seu desempenho Com a informatização e a possibilidade da tomada de decisão pela máquina a aprendizagem sem a presença do professor pode ser melhorada em termos de gerenciamento uma ajuda 123 Língua Estrangeira automática pode ser apresentada para o aluno em caso de erro a avaliação do desempenho pode ser dada logo após a resposta solicitada uma estratégia de leitura pode ser sugerida no momento em que o aluno demonstrar precisar dela etc A aprendizagem independente sem a ajuda do professor parece ter duas grandes limitações 1 Necessidade de alta motivação A aprendizagem só ocorre se o aluno demonstrar o empenho suficiente para vencer todos os obstáculos que podem ocorrer durante a execução das tarefas Será preciso muitas vezes refazer o trabalho buscar ajuda em outros materiais usando diferentes estratégias para resolver os inúmeros problemas que surgem Sem essa motivação constante que perdure além do entusiasmo inicial não há possibilidade de manter o envolvimento necessário com o conteúdo para que a aprendizagem ocorra 2 Falta de uma avaliação externa O aluno é o juiz de seu próprio desempenho Como seu desempenho não é assistido haverá erros e desvios em sua aprendizagem que passarão desapercebidos e poderão ficar automatizados Mesmo em ambiente informatizado não há possibilidade de captar todos os desvios que podem ser produzidos pelo aluno e que afetarão negativamente sua aprendizagem É possível que com a distribuição do conhecimento em rede não apenas informação que se observa do lado de fora mas conhecimento que se compartilha o aluno tenha oportunidade de testar seus conhecimentos comparandoo com o conhecimento dos outros Algumas hipóteses já construídas serão rejeitadas outras serão confirmadas e uma validação mais precisa da aprendizagem será possível A aprendizagem autônoma não será a utopia prometida em muitos livros populares que aparecem nos jornaleiros com títulos chamativos do tipo Aprenda a falar em público sozinho Francês sem mestre Inglês em 30 dias etc mas poderá ser mais viável por uma razão muito simples Num mundo em que se distribui a inteligência e a cognição a distribuição do conhecimento parece uma hipótese razoável A própria autonomia como a cognição a inteligência e o 124 Vilson J Leffa conhecimento deixa também de ser individualizada para ser coletiva e distribuída Avaliação A avaliação de materiais pode ser feita de modo informal geralmente quando envolve o trabalho de um único professor que prepara uma folha de exercícios usa uma vez vê como funciona reformula para usar uma segunda vez e assim indefinidamente com diferentes grupos de alunos sem chegar a uma versão definitiva Em outras situações o material é preparado por um grupo de professores para uso próprio eou de outros colegas da mesma instituição Nesses casos a avaliação assume um caráter mais formal e pode ser feita por consultoria de um especialista ou por questionários e entrevistas com os alunos Em escala maior como no caso da publicação de um livro os materiais são normalmente pilotados DONOVAN 1998 A avaliação formal pode também ser feita através de protocolos onde os alunos ao fazerem as tarefas solicitadas pelo material procuram expressar o que estão pensando demonstrando assim os tipos de raciocínio em que estão envolvidos as estratégias de aprendizagem que estão usando e as atitudes que estão desenvolvendo Os questionários entrevistas e mesmo a análise de protocolos têm sido criticados por não serem muito confiáveis Por questões de respeito e ameaça à face do professor o aluno poderá dizer não exatamente o que pensa mas o que acha que o professor gostaria de ouvir Por isso muitos pesquisadores preferem a observação direta do trabalho do aluno com o material mais importante do que o que os alunos respondem ou dizem é o que eles realmente fazem Isso só se obtém pela observação A pilotagem mostra basicamente o que pode permanecer como está e o que precisa ser melhorado Isso só é possível quando o material é testado com os alunos para o qual se destina quando então se pode constatar se houve ou não o ponto de contato entre o nível de conhecimento pressuposto pelo material e o nível real do aluno 125 Língua Estrangeira Conclusão Em termos de teoria principalmente no que concerne os papéis do professor e do aluno a produção de materiais diverge tanto da abordagem tradicional que põe o professor no centro do processo de aprendizagem como da abordagem mais recente que salienta o papel do aluno Produção de materiais não está centrada nem no professor nem no aluno está centrada na tarefa É importante não confundir produto com tarefa O produto é o artefato produzido a folha de exercício a fita de áudio o programa de computador A tarefa é a atividade que resulta do encontro desse artefato com o aluno Em outras palavras o artefato é o instrumento pelo qual a tarefa se realiza Ensino centrado na tarefa realça obviamente a tarefa e não o artefato 127 Língua Estrangeira Capítulo 6 O ensino da LE na era da cibercultura Introdução O objetivo deste capítulo é fazer algumas reflexões sobre o ensino de línguas estrangeiras na atualidade Partese do princípio de que vivemos um momento de transição onde podemos saber de onde viemos mas temos dificuldade de saber onde estamos e achamos que é impossível saber para onde vamos Essa dificuldade em achar uma direção pode ser explicada pelo fato de que atualmente estamos mais habituados a navegar do que a caminhar Há uma diferença muito grande entre uma atividade e outra Caminhar pressupõe uma estrada em terra firme construída anteriormente por uma outra pessoa que deixou os sulcos abertos no chão para direcionar os viajantes Navegar é diferente Quando se navega não há caminhos é impossível abrir sulcos na água Quando se navega temse pela frente apenas a extensão do mar aberto Quando se caminha olhase para baixo procurando a estrada Quando se navega olhase para cima procurando orientação no sol e nas estrelas Para dissertar sobre o ensino de línguas estrangeiras na atualidade sigo aqui o seguinte roteiro argumentativo Em primeiro lugar tento retomar alguns conceitos básicos incluindo a ideia de globalização como ponto de partida e a questão fundamental da evolução do átomo ao bit Associo depois o átomo ao que normalmente entendemos como sendo a realidade concreta e o bit à realidade virtual argumentando que a evolução da humanidade é na sua essência um processo de virtualização A ideia aqui é mostrar como a virtualização cria uma nova realidade expandindo as relações entre as pessoas para além das fronteiras geográficas criando a necessidade de expandir o nosso conhecimento de outras línguas 128 Vilson J Leffa A partir daí tento argumentar que quando aumentamos nosso círculo de relações para incluir pessoas de outros países e até de outros continentes não apenas aprendemos a conviver com a diversidade linguística e cultural mas iniciamos um lento e gradual processo de unificação incorporando alguns traços e descartando outros Finalmente tento mostrar como todas essas transformações têm afetado o ensino de línguas estrangeiras onde o maior desafio não é preparar o aluno para o mundo em que nós vivemos hoje mas para o mundo em que eles viverão amanhã A globalização A globalização pode ser definida como um processo que se caracteriza pela livre movimentação de capital bens serviços e trabalho por diferentes países do mundo Na sua essência envolve aspectos ideológicos econômicos e tecnológicos e sua complexidade está na interação desses três elementos básicos Ideologicamente a globalização pode ser vista de várias perspectivas e neste caso nada parece ser menos globalizado do que a própria percepção de globalização Para alguns globalização significa simplesmente uma combinação saudável entre democracia e livre mercado com desregulamentação da economia e retração do papel do estado A ideia é de que o livre mercado estimula a criatividade e gera a prosperidade Nesta visão otimista do mundo globalizado as estatísticas são usadas para mostrar que os pobres estão ficando menos pobres e vivendo mais do que viviam antes Para outros no entanto globalização significa a dominação dos países centrais principalmente dos Estados Unidos e dos países da União Europeia Para essas pessoas o que está ocorrendo não é um processo de globalização mas de americanização e McDonaldização do mundo Nem nós nem a humanidade em geral nem mesmo Deus pode aceitar a globalização que nos está sendo imposta pelo onipotente mercado global que exclui a grande 129 Língua Estrangeira maioria da humanidade e destrói o ambiente Pedro Casaldáliga Do ponto de vista econômico globalização significa a desterritorialização das empresas que deixam de ser argentinas ou brasileiras ou mesmo alemãs ou americanas para serem todas multinacionais Exemplos dos últimos anos são as fusões da Mercedes alemã com a Chrysler americana da Volvo sueca com a Ford que era originalmente dos Estados Unidos ou dos bancos brasileiros com os espanhóis Mas é na tecnologia que parece estar o fator mais importante da globalização principalmente pela fusão do computador com o satélite facilitando as telecomunicações e transformando o mundo numa comunidade digital A tecnologia não só tornou possível o contato entre empresas de diferentes países mas também possibilitou a interação de milhões de indivíduos com milhões de outros indivíduos Não apenas tornou a comunicação viável mas o que é mais importante tornoua economicamente viável Isso foi possível porque a tecnologia realizou a proeza de ter chegado ao bit ao dígito binário que é a unidade mínima de informação Átomos e bits Retomando e expandindo o que já dissemos no Capítulo 2 podemos dizer que a ciência é a busca do indivisível da miragem da partícula mínima que paira além da molécula do átomo e das cadeias de DNA A única área em que se conseguiu chegar a essa partícula mínima foi na informática talvez justamente por não se ter chegado a ela mas por se ter partido dela já que a ciência da computação foi construída de modo ascendente a partir do bit O bit como unidade mínima de informação permite apenas dois estados opostos ligado ou desligado Esses dois estados podem ser representados de várias maneiras no mundo que nos cerca desde que seja possível construir uma oposição binária incluindo por exemplo estados como perfurado ou nãoperfurado aberto ou fechado aceso ou apagado luz ou treva ruído ou 130 Vilson J Leffa silêncio Combinando sequências de oposições é possível não só construir uma representação complexa do mundo que nos cerca desde um quadro de Renoir a uma sinfonia de Beethoven mas o que é mais importante transmitir essas representações de um lugar para outro por qualquer meio disponível de transmissão teoricamente desde sinais de fumaça ou rufar de tambores até ondas de rádio cabos telefônicos ou fibras óticas Por se tratar de transmissão de dígitos binários unidades mínimas e indivisíveis não há possibilidade de distorção a imagem de chegada é sempre rigorosamente igual à imagem de partida a cópia é sempre igual ao original ainda que intermediada por inúmeras outras cópias Uma maneira de melhor entender o bit como unidade indivisível é comparálo a uma unidade divisível como o átomo por exemplo O átomo embora ironicamente tenha o significado de indivisível é na realidade composto de outras unidades que por sua vez são ainda compostas de unidades menores As diferenças entre os objetos feitos de átomos e os feitos de bits são cruciais para se entender o papel da tecnologia na globalização Partindo da ideia inicial de Negroponte 1995 podemos destacar entre outras as seguintes diferenças Quadro 1 Quadro 1 Diferenças entre átomos e bits Átomos Bits Tangíveis Difíceis de manipular Não teletransportáveis Alto custo Não compactáveis Com fronteiras Com limitações de tempo Com limitações geográficas Comunidades tradicionais Fonte Autor Intangíveis Fáceis de manipular Teletransportáveis Baixo custo Compactáveis Sem fronteiras Sem limitações de tempo Sem limitações geográficas Comunidades customizadas 131 Língua Estrangeira Os objetos feitos de átomos são tangíveis Podem ser tocados olhados escutados cheirados e muitas vezes até degustados Têm uma presença física marcante com características de peso densidade cor etc fazendo parte do mundo real que nos cerca Os bits por outro lado fazem parte de um mundo digital virtual e desmaterializado que podem simular o mundo real mas que na verdade não têm suas características Os objetos constituídos de átomos justamente por suas características físicas são mais difíceis de serem manipulados Acomodar um piano numa sala dar um nó em uma gravata ou estacionar um carro numa ladeira movimentada podem exigir níveis elevados de habilidade motora ou de esforço físico que nem todas as pessoas possuem Os átomos são mais difíceis de serem transportados Mover um piano de cauda de um canto a outro da sala já pode ser uma tarefa extenuante mas é ainda mais difícil leválo de um prédio a outro descendo e subindo escadas Se for necessário transportá lo para um outro país haverá problemas de alfândega e burocracia gastos de transporte e tempo que pode em alguns casos chegar a várias semanas O teletransporte de objetos constituídos de átomos ou mesmo sua compactação que permitisse por exemplo reduzir em dez ou cem vezes o peso e o tamanho de um objeto ainda pertence como se sabe ao mundo da ficção científica Quando no entanto o concerto produzido pelo pianista for gravado e transformado num arquivo digital este concerto fica disponível em unidades mínimas de informação os bits e pode portanto ser facilmente manipulável Pode ser teletransportado de um lugar para outro sem restrições de alfândega embora não seja impossível é difícil reter um arquivo digital na fronteira entre um país e outro O arquivo digital não tem restrições de tempo ou de espaço geográfico o arquivo é recebido praticamente no mesmo momento em que é enviado independente da distância geográfica entre um ponto e outro Além de serem teletransportáveis os arquivos digitais podem ser compactados e ter seu tamanho reduzido em alguns casos em mais de cem vezes o que torna o custo de armazenagem e 132 Vilson J Leffa transporte ainda mais acessíveis a prensagem de um CDROM por exemplo representa um custo inferior à impressão de um livro de 100 páginas com a capacidade no entanto de armazenar o equivalente a 400 livros do mesmo tamanho A questão da virtualidade Uma das premissas básicas da educação incluindo aí o ensino de línguas é de que a aprendizagem ocorre apenas quando o aluno se envolve em algum tipo de interação Essa interação pode ser descrita como uma ação recíproca não apenas entre duas pessoas mas também entre pessoas e objetos Até o advento dos computadores no ensino e na sociedade em geral a interação com objetos era geralmente vista como algo natural sem qualquer conotação negativa uma menina brincando com uma boneca um menino andando num cavalo de pau um aluno lendo um livro eram atividades percebidas como desejáveis e necessárias para o desenvolvimento saudável da criança A interação com o computador no entanto é muitas vezes vista como algo basicamente indesejável e prejudicial Dois exemplos O computador e ciberespaço podem embotar a capacidade da criança em separar o humano do inanimado contribuir para o escapismo e desligamento emocional TURKLE citado por REPORT 2003 Minha preocupação é de que estamos expondo os alunos a muitas versões controladas e fabricadas da realidade e não à natureza como ela realmente é HAYBRON 1996 p 8E Quando se critica o uso do computador dizendo por exemplo que ele expõe a versões controladas e fabricadas da realidade acho que todos nós concordamos Tratase de uma realidade virtual E daí O livro faz exatamente mesma coisa uma biblioteca é um centro de realidade virtual A virtualidade não se manifesta apenas no computador mas também no livro 133 Língua Estrangeira num quadro pintado pelo artista num relato feito pelo viajante quando volta para casa na cultura na própria humanidade O ser humano é essencialmente virtual Há três aspectos que precisam ser considerados aqui ainda que rapidamente 1 a virtualização da humanidade 2 a oposição entre realidade virtual e virtualidade real e 3 a hipótese da simulação Sobre a virtualização da humanidade podemos argumentar que o homem é um animal virtual e a evolução da humanidade se caracteriza por um crescente e contínuo processo de virtualização desde que o homem criou o símbolo e desde que rabiscou as primeiras imagens nas cavernas Pierre Lévy 2003 divide a virtualização em três tipos 1 virtualização da língua através da qual o homem passa a existir não só no presente mas também no passado e no futuro virtualizando em tempo real o que está distante 2 virtualização da técnica vista como uma espécie de materialização do corpo das ações e de ambientes físicos e finalmente 3 a virtualização do contrato que enfoca a complexidade das relações sociais e que Lévy define como a virtualização da violência Os rituais as religiões as morais as leis as regras da economia e da política são dispositivos sociais para virtualizar as relações baseadas na força nas pulsões nos instintos e nos desejos imediatos LÉVY 2003 Uma quarta virtualização seria aquela realizada pela arte que Lévy chama de virtualização da virtualização a mais essencialmente humana já que o homem é o único animal que produz arte Ainda que para muitos a virtualização seja vista como a mais desumana e terrível das alteridades para Lévy a humanidade é constituída pela virtualização Um outro aspecto interessante é que ao lado da realidade virtual podemos ter também uma virtualidade real Para alguns filósofos os dois termos da expressão realidade virtual excluem se mutuamente porque o virtual é no fundo real falar de uma realidade virtual seria como falar de uma realidade real o que seria um paradoxo Conforme Deleuze o virtual possui uma realidade plena enquanto virtual DELEUZE 1995 p 207 134 Vilson J Leffa As imagens dos animais pintadas nas paredes das cavernas não eram vistas como representação da realidade mas a própria realidade As imagens dos deuses na Antiguidade não representavam os deuses mas eram os próprios deuses e por isso reverenciadas Possivelmente o virtual seja uma realidade mais psicológica do que física já que seria difícil por exemplo beliscar alguém virtualmente embora não seja impossível em ambientes virtuais de imersão total mas não deixa de ser realidade O virtual é uma realidade que muda a própria realidade Somos constantemente transformados por palavras sons e imagens Ao lado de uma realidade virtual que ninguém questiona embora às vezes a desqualifiquem como uma realidade inferior temos também uma virtualidade real que por ser virtualidade pode ser desqualificada do ponto de vista do mundo físico mas certamente não do ponto de vista psicológico e nem mesmo cultural conforme Castells 1998 para quem a sociedade em rede network society introduz a cultura da virtualidade real p 349 A hipótese da simulação A hipótese da simulação finalmente questiona se aquilo que percebemos como sendo a realidade é na verdade uma realidade ou uma virtualidade Essa ideia vem de longe e pelo que sei pode ser encontrada já em Platão no exemplo da caverna onde as pessoas viam as imagens projetadas na parede e tomavam aquilo como a própria realidade Ou seja viam a realidade no que era apenas uma projeção da realidade Se pensarmos um pouco mais vamos descobrir que tudo o que vemos é projeção da realidade Nossos olhos são como dois buracos que projetam imagens no fundo de uma caverna Mais do que isso o mundo que percebemos pelos olhos é totalmente processado pelo cérebro a partir de pontos luminosos projetados na retina A sensação de distância e profundidade que temos do mundo é construída dentro do cérebro a partir de uma imagem bidimensional O mundo que percebemos como externo a nós está na realidade dentro de 135 Língua Estrangeira nós entre a retina e o interior do cérebro onde as imagens são processadas É lá que existe o mundo Qualquer substância que afete este espaço cria um mundo diferente como acontece por exemplo na alucinação causada pelo uso de drogas ou por outras razões A hipótese da simulação prevê que a mente pode existir não apenas no cérebro mas também em outros substratos o que no futuro poderá levar a uma civilização póshumana De acordo com o Professor Nick Bostrom do Departamento de Filosofia da Universidade de Yale existem três possibilidades em relação ao futuro 1 Possibilidade 1 A civilização humana será extinta e substituída por uma civilização póshumana 2 Possibilidade 2 Nossos descendentes no futuro não terão qualquer interesse em seus ancestrais e nos esquecerão completamente 3 Possibilidade 3 Nossos descendentes no futuro usarão o enorme poder de computação disponível para rodar simulações de seus antepassados com alto grau de granularidade de detalhamento BOSTROM 2003 De acordo com o autor essa é a hipótese mais provável Sendo assim não seria um absurdo imaginar que vivemos hoje numa simulação criada por nossos descendentes Temos o direito de achar que a hipótese da simulação é apenas uma ideia divertida ou provocadora Ou podemos achar que tem implicações metafísicas provavelmente estabelecendo analogias com concepções religiosas tradicionais como o próprio autor sugere no seu texto Independente no entanto do que podemos achar a hipótese da simulação mostra até onde pode ir a virtualidade a ponto de substituir completamente tudo o que tão arraigadamente defendemos como sendo a realidade A virtualidade passa a ser vista não como termo acessório mas como parte essencial da natureza humana O homem é um animal que fala e por isso é virtual 136 Vilson J Leffa A internet e a expansão das relações A internet como a conhecemos hoje com sua interface gráfica e com os recursos de hipertexto e hipermídia é a fusão de tudo o que já tinha sido inventado em termos de meios de comunicação Da imprensa traz a palavra escrita do rádio a fala da televisão a imagem em movimento O mais importante no entanto é que ao contrário do rádio jornal e televisão a internet incorporou também as características do telefone tornando o internauta não apenas receptor mas também emissor da informação Cada reserva de memória cada grupo cada indivíduo cada objeto pode tornarse emissor e aumentar o fluxo A esse respeito e de maneira colorida Roy Ascott fala do segundo dilúvio O dilúvio de informações Para o melhor ou o pior esse dilúvio não será acompanhado por nenhum refluxo Devemos acostumarmonos a essa profusão e a essa desordem A não ser alguma catástrofe cultural nenhum grande reordenamento nenhuma autoridade central nos levará de volta à terra firme nem às paisagens estáveis e bem balizadas anteriores à inundação LÉVY 1999 p 160161 O resultado dessa evolução é a expansão das relações entre as pessoas Hoje se pode interagir com alguém de qualquer canto da terra recebendo e dando informações através do correio eletrônico chats listas de discussão fóruns etc Deixamos de ser apenas espectadores para nos tornarmos também participantes e podemos fazer isso em escala mundial Para os otimistas o lado positivo da globalização no que se refere aos relacionamentos entre os indivíduos é que aprendemos a conviver com a diversidade tanto linguística como cultural Não causa mais tanta estranheza que alguém tenha um sotaque diferente do nosso consuma outros alimentos ou vista se com outras roupas O lado negativo é que a convivência paradoxalmente leva á uniformização Criase uma cultura 137 Língua Estrangeira homogênea onde alguns traços de outras culturas podem ser incorporados mas muitos outros serão descartados À medida portanto que se expandem as relações entre as pessoas acaba acontecendo com as línguas e com as culturas aquilo que também acontece com as grandes empresas criamse mais e mais fusões com a consequente diminuição da diversidade cultural e do número de línguas faladas na terra Parece uma epidemia Quando o mundo começa a funcionar em rede não só as empresas as línguas e as culturas se fundem mas os próprios países a União Europeia já está num processo bem adiantado de fusão o Mercosul mais lentamente caminha para uma fusão de diferentes países e a NAFTA reunindo os países da América do Norte também já começou Para o bem ou para o mal e apesar dos focos de resistência está diminuindo o número de empresas o número de países e o número de línguas faladas Se antigamente podíamos viver interagindo apenas com os membros de nossa família hoje para viver e exercer nossa cidadania temos que interagir com pessoas que estão mais distantes de nós além do círculo familiar além dos limites da cidade além das fronteiras do país pelo menos enquanto existirem os países já que um dia provavelmente desaparecerão Nossa pátria será o planeta Terra Vários pensadores já há algum tempo vem batendo nesta tecla Podemos citar por exemplo o grande escritor H G Wells que disse o seguinte nossa verdadeira nacionalidade é a humanidade Se preferirmos um grande cientista temos Einstein que afirmou o nacionalismo é uma doença infantil é o sarampo da humanidade citado por FIORIN 2000 p 62 A ideia de relação assimétrica de poder entre os países é substituída pela ideia de interdependência de convivibilidade nenhum país é tão rico e autossuficiente que nada precise dos outros nem tão pobre que nada tenha a oferecer Ainda conforme Morin O mundo tornase cada vez mais um todo Cada parte do mundo faz mais e mais parte do mundo e o mundo como um todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes Isto se verifica não apenas para as nações e 138 Vilson J Leffa povos mas para os indivíduos Assim como cada ponto de um holograma contém a informação do todo do qual faz parte também doravante cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo MORIN 2000 p 67 Partindo da ideia de Morin podemos dizer que a relação que se estabelece entre o indivíduo e o mundo no exemplo do holograma é também semelhante à relação que existe entre a célula e o corpo Pareceme bastante esclarecedor descobrir que no corpo humano todas as células que o compõem são ao mesmo tempo iguais e diferentes entre si O que torna uma célula diferente da outra é sua localização no corpo Uma célula do cabelo por exemplo é diferente de uma célula da glândula mamária Ao mesmo tempo em que são diferentes elas também são iguais considerando que cada uma possui dentro de si as informações do corpo em que se encontram A célula que nasce no fio de cabelo vai desenvolver as características que interessam ao fio de cabelo a que nasce no rim vai desenvolver as características que interessam ao rim e assim por diante Na humanidade cada ser humano traz dentro de si em potencial os traços de toda a humanidade incluindo todas as características possíveis desde as mais desejáveis até as mais hediondas Um brasileiro de pais católicos que ao nascer fosse adotado por uma família muçulmana seria muçulmano adotado por uma família protestante americana seria protestante Dependendo de para onde fosse levado e criado poderia ser um criminoso um monge budista e falante de qualquer uma das milhares de línguas que existem no mundo Como a célula em relação ao corpo o homem traz dentro de si em potencial todas as informações de que precisa para se tornar um habitante de qualquer parte do mundo Expansão e contração das línguas Quando se é pequeno o relacionamento com os outros é restrito à família aos vizinhos mais próximos aos moradores do 139 Língua Estrangeira prédio Quando se vai para a escola o círculo de convivência aumenta para o tamanho da comunidade e a criança precisa fazer adaptações da língua que traz de casa Mais tarde quando vai a escola de ensino médio e possivelmente para a universidade fará outras adaptações A língua falada numa sala de aula universitária com alunos de diferentes cidades e às vezes até de diferentes estados quando não de diferentes países pode acabar sendo uma fusão de dezenas de dialetos diferentes originalmente falados por cada um dos alunos na sua infância O que era portanto várias línguas fica reduzido a uma língua única ainda com variantes individuais é claro mas genérica o suficiente para que possa ser produzida e consumida pela comunidade discursiva da sala de aula sem problemas de comunicação pelo menos no nível da fonologia léxico e sintaxe Isso do ponto de vista da evolução individual do que poderia ser chamado de ontogenia Do ponto de vista da evolução da humanidade da filogenia a história não é diferente o que aconteceu com cada um de nós já aconteceu antes em escala maior com a humanidade Inicialmente há milhares de anos quando começou a vida em comunidades fixas viviase em aldeias separadas uma das outras e a interação entre as pessoas ficava restrita aos habitantes da aldeia Fazendo uma adaptação livre de Oliveira Martins 1909 podemos dizer que vida e morte religião e trabalho o fogo e o amor tudo se incluía neste mundo minúsculo microcosmo que tem por centro a aldeia p 126127 Durante milênios à medida que os povos se espalharam pela terra e se distanciaram entre si as línguas foram se diversificando e aumentado em número o latim por exemplo transformouse em francês no que é atualmente a França em espanhol na Espanha em português em Portugal italiano na Itália e assim por diante Com o encolhimento do planeta as línguas em vez de se afastarem estão agora se aproximando Atualmente com a globalização estamos assistindo a um movimento de contração com redução no número de línguas faladas Os indícios parecem apontar para um mundo embora ainda muito distante que vai 140 Vilson J Leffa terminar onde começamos falando uma única língua Acredito que essa língua não será qualquer das línguas faladas na atualidade nem mesmo o inglês apesar de toda sua hegemonia As línguas atuais vão desaparecer mas não serão substituídas elas vão evoluir provavelmente incorporando elementos umas das outras até formar uma língua única verdadeiramente universal o esperanto da humanidade Nem mesmo a língua de um país colonizador com um regime de força parece ser capaz de substituir as línguas locais como foi por exemplo o caso do latim popular levado pelos romanos para as regiões conquistadas O que houve não foi uma substituição mas uma evolução Não vingou nem a língua do país colonizado nem a língua do colonizador Houve uma fusão que provocou a extinção das duas línguas e o surgimento de uma terceira em cada uma das regiões colonizadas O processo de fusão e contração das línguas pode ser visto também sob uma ótica mais sombria Para alguns estudiosos ex PHILLIPSON 1992 PHILLIPSON SKUTNABBKANGAS 1996 SKUTNABBKANGAS 2000 estamos caminhando para um mundo em que as línguas minoritárias serão gradativamente exterminadas e substituídas pelas línguas hegemônicas provocando um verdadeiro genocídio linguístico A redução das línguas faladas na face da terra acarreta a extinção da diversidade linguística causando uma verdadeira falta de equilíbrio ecológico na comunicação entre as pessoas o que representa segundo SkutnabbKangas 2000 uma ameaça maior para a humanidade do que a extinção da biodiversidade As pessoas que não podem mais usar sua língua materna quando se comunicam com outras pessoas ficam em desvantagem na interação com falantes nativos de outras línguas Na medida em que desaparece o multilinguísmo desaparecem também o multiculturalismo a soberania nacional das minorias e até a garantia dos direitos humanos substituídos pelo imperialismo cultural e linguístico dos países centrais resultando na americanização e homogeneização da cultura mundial PHILLIPSON SKUTNABBKANGAS 1996 p 436 141 Língua Estrangeira Desafios para o ensino de línguas estrangeiras Na medida em que aumentam as relações entre as pessoas mediadas basicamente pela linguagem aumenta a importância do professor de línguas estrangeiras que pode estar vivendo agora seu melhor momento histórico Nunca foi tão necessário aprender e falar uma língua estrangeira como agora Para assumir essa importância o professor precisa evoluir o que geralmente é difícil porque a educação ainda é concebida não como geradora de novos saberes mas simplesmente como transmissora de conhecimentos antigos O que muitas vezes o professor passa para os alunos é o conhecimento da geração anterior sem se dar conta de que o que caracteriza o ser humano sobre todas as outras espécies é justamente a capacidade de evoluir Cada geração para garantir a sobrevivência da humanidade tem a obrigação de ir além da geração anterior O manual de sobrevivência do professor de línguas estrangeiras no início do terceiro milênio envolve a meu ver quatro desafios 1 geração do conhecimento 2 animação da inteligência coletiva 3 desenvolvimento da consciência planetária e 4 reletramento Colocamse esses desafios não como exigências a mais a serem impostas a um professor já sobrecarregado de tarefas mas como oportunidades a lhe serem oferecidas e pelas quais também o professor deve lutar O desafio da geração do conhecimento sugere que o professor deve não apenas passar o saber mas também produzi lo A sociedade precisa de novos conhecimentos para enfrentar os inúmeros desafios do dia a dia e o professor é o profissional que por excelência tem condições de suprir essa necessidade A globalização aliada à necessidade de acesso a um saber cada ver mais dinâmico torna a trabalho do professor imprescindível na sociedade atual Isso pode ser confirmado por exemplo através da importância que se tem dado ao conhecimento que precisa ser constantemente renovado Segundo Lévy 1999 p 157 há três constatações importantes na educação atual assim resumidas 142 Vilson J Leffa 1 a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira 2 trabalhar equivale cada vez mais a aprender transmitir saberes e produzir conhecimentos 3 o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas O conhecimento é a matéria prima do professor que deve agir não apenas como transmissor de saber mas também como produtor É difícil saber o que é mais importante se gerar ou transmitir conhecimento A preocupação em estabelecer essa diferença no entanto não existe para o professor na medida em que ele pode exercer as duas atividades Se o conhecimento por si só nunca foi tão valorizado como agora o professor no duplo papel de gerador e transmissor de conhecimento deve ser duplamente valorizado Em muitos momentos da história e em muitos setores ainda hoje os detentores do saber muitas vezes têmse caracterizado por reter e até sonegar o conhecimento O professor vai mais longe distribui o conhecimento que possui A importância maior do professor não está em construir o conhecimento para si e nem mesmo em construir para os outros a importância do professor está em construir o conhecimento nos outros O desafio da animação da inteligência coletiva sugere que o professor precisa aprender não só a trabalhar em equipe mas também a pensar coletivamente Qualquer tarefa de ensino e pesquisa envolve tanto conhecimento que ninguém é mais capaz de executála sozinho precisa também da inteligência dos outros envolvendo especialistas de outras áreas de conhecimento Se antes o professor de inglês por exemplo se reunia apenas com outros professores de inglês hoje precisa se reunir com professores de outras disciplinas há sempre temas e tarefas transversais que só podem ser executadas reunindo as inteligências de diferentes pessoas e áreas do saber 143 Língua Estrangeira Formar um grupo afinado onde a inteligência fique coletivamente distribuída de modo que o conhecimento de um se encaixe no desconhecimento do outro e viceversa era uma tarefa extremamente difícil talvez impossível na comunidade da aldeia tradicional Na comunidade virtual com a rapidez e facilidade de transmissão de informações sem limites geográficos a formação de uma comunidade discursiva afinada em seus interesses específicos tornase possível Paradoxalmente o virtual que existe apenas como potencialidade em seu significado original transforma o ideal em realidade possibilitando o prazer de se trabalhar num grupo onde a inteligência de cada um se soma à inteligência do outro É o que Lévy 1999 chama de sinergia de competências um trabalho coordenado de forças em que o todo é maior que a soma das partes O ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial tornar uma máquina tão inteligente mais inteligente até quanto um homem mas sim a inteligência coletiva isto é a valorização a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências imaginações e energias intelectuais independentemente de sua diversidade qualitativa e de sua localização LÉVY 1999 p 167 O desafio da consciência planetária é sugerido a partir de Morin 2000 Nossa pátria não é mais nossa família nossa comunidade ou nosso país Nossa pátria é o planeta Terra Somos todos filhos do mesmo planeta habitando a mesma biosfera e sujeitos aos mesmos tipos de sentimento oscilando entre amor e ódio medo e coragem alegria e tristeza Temos todos uma identidade genética cerebral afetiva comum em nossas diversidades individuais culturais sociais Somos produto da vida da qual a Terra foi matriz e nutriz Enfim todos os humanos desde o século XX vivem os mesmos problemas fundamentais de vida e morte e estão unidos na mesma comunidade de destino planetário MORIN 2000 p 76 144 Vilson J Leffa O professor de línguas estrangeiras está no ponto de encontro de duas forças antagônicas e poderosas De um lado o apelo constante em resguardar e defender nossa língua e cultura do outro a necessidade de conviver com a língua e cultura do outro O desafio para o professor é achar o ponto equilíbrio entre a preservação da nossa individualidade e a aceitação da diversidade do outro evitando uma espécie de esquizofrenia cultural Maior do que esse desafio só a importância do professor neste momento Recorro aqui mais uma vez a Morin É necessário aprender a estar aqui no planeta Aprender a estar aqui significa aprender a viver a dividir a comunicar a comungar é o que se aprende somente nas e por meio de culturas singulares Precisamos doravante aprender a ser viver dividir e comunicar como humanos do planeta Terra não mais somente pertencer a uma cultura mas também ser terrenos MORIN 2000 p 76 Finalmente o desafio do reletramento parte do princípio de que o professor não pode ser analfabeto ou iletrado e deve conhecer com bom nível de proficiência não só os processos de mediação através dos quais se dá o acesso ao conhecimento mas também a prática social implícita nesse conhecimento Quando foi introduzida a imprensa por exemplo o professor da época talvez preferisse os livros caprichosamente copiados pelos escribas profissionais em vez dos incunábulos e alfarrábios que começaram a circular mas teve que se reletrar Atualmente pode preferir lápis e borracha escrevendo e apagando várias vezes mas não pode ignorar que já existem outras tecnologias para redigir um texto Esse reletramento envolve não só o desenvolvimento de competências mas também de atitudes produtivas Entre as competências existe a necessidade de desenvolver as habilidades mínimas no uso do computador tais como criar e salvar um arquivo movimentar parágrafos dentro do texto usar os recursos gráficos mais comuns como tabelas e folhas de estilo usar o correio eletrônico enviar arquivos anexados e fazer pesquisas na internet 145 Língua Estrangeira Em termos de atitude acredito que o professor deve procurar evitar aquela resistência surda que muitas pessoas têm contra tudo que envolve novas tecnologias deixar de desejar por exemplo que numa apresentação as coisas não funcionem Ter também uma expectativa razoável do que a máquina pode e não pode fazer Finalmente encarar o computador como um servo um escravo obediente e submisso O computador pode ser extremamente útil no trabalho do professor e deve ser visto como um meio um instrumento de mediação entre o professor seus colegas e seus alunos Conclusão O objetivo deste capítulo foi tentar mostrar como as mudanças da sociedade atual na medida em que intensificam e aumentam as relações entre as pessoas podem afetar o ensino de línguas estrangeiras Os vários fatores que levaram a essas transformações foram analisados e comentados incluindo a questão da globalização a evolução do átomo para o bit e a virtualização da humanidade Assim como a língua não pertence ao indivíduo mas à comunidade que a usa a inteligência também deixa de ser um dote do indivíduo para ser um patrimônio da coletividade Muitas tarefas pela sua complexidade só podem ser executadas pela convergência da inteligência distribuída entre as pessoas empenhadas na sua execução incluindo a tarefa de ensinar uma língua estrangeira Gostaria de concluir retomando o famoso poema de John Donne Meditation XVII Nenhum homem é uma ilha completo em si mesmo Cada homem é um pedaço do continente uma parte do todo Se um torrão for arrastado pelo mar a Europa fica menor como ficaria um rochedo como ficaria a casa do teu amigo ou a tua própria casa A morte de qualquer homem diminui a mim porque estou envolvido na humanidade por isso 146 Vilson J Leffa nunca perguntes por quem os sinos dobram eles dobram por ti Tradução minha A diferença entre o poema de John Donne e o mundo em rede que vivemos hoje é apenas uma diferença de extensão O homem participa agora de um mundo maior Não é parte do continente mas da coletividade máxima Deixa de ser brasileiro nigeriano europeu ou asiático para ser habitante do planeta Terra como afirma Morin 147 Língua Estrangeira Capítulo 7 O ensino da LE no futuro Da dicotomia para a convergência8 Algumas considerações iniciais A maior dificuldade em se falar sobre o futuro do ensino da LE é a constatação de que o futuro está se tornando cada vez mais imprevisível As duas razões geralmente apresentadas para essa imprevisibilidade são 1 a ideia de que o futuro é apenas uma projeção do presente e 2 a convicção de que as mudanças atualmente estão acontecendo de modo muito mais rápido do que aconteciam antes De acordo com Maturana e Rezepka não sabemos como será a vida durante o século XXI e qualquer predição nesse sentido é apenas uma extrapolação do presente MATURANA REZEPKA 2000 p 9 Outros propõem que se busque o futuro no passado A ideia de que é preciso conhecer o passado para prever o futuro é tão antiga quanto a própria História Está em George Orwell quando afirma que quem controla o passado controla o futuro está na placa comemorativa da restauração do Pelourinho na cidade de Salvador na Bahia ao dizer que o futuro pertence a quem ama o passado e está de maneira mais comovente num quadro de Ticiano exposto na National Gallery de Londres onde está escrito que é preciso olhar o passado para não arriscar o futuro 8 Este capítulo é uma versão atualizada de LEFFA Vilson Jose O ensino do inglês no futuro da dicotomia para a convergência In STEVENS Cristina Maria Teixeira CUNHA Maria Jandyra Cavalcanti Org Caminhos e colheita ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil Brasília 2003 v 1 p 225250 148 Vilson J Leffa Quer se busque o futuro no presente ou no passado o fato é que está ficando cada vez mais difícil prevêlo devido à rapidez com que acontecem as mudanças Mil anos de história no antigo império egípcio onde se construíram pirâmides durante seis mil anos parecem ter provocado menos mudanças do que os dez últimos anos do século XX por exemplo Em outras palavras se no antigo Egito era possível educar a criança simplesmente ensinando o ofício do pai ou da mãe porque o futuro era previsível de certo modo igual ao presente hoje isso não é mais possível A educação não pode mais se restringir ao conhecimento da geração anterior se ficar apenas na transmissão de conhecimento sem criálo corre o risco de transmitir um conhecimento inútil Com a rapidez das mudanças o futuro tornouse imprevisível Conforme Morin O século XX descobriu a perda do futuro ou seja sua imprevisibilidade MORIN 2001 p 79 Não é possível no entanto viver sem tentar prever o futuro A ideia de que nossas ações são determinadas pelas experiências que temos do passado pode projetar uma imagem falsa da importância do futuro não podemos mexer no passado mas o futuro está em nossas mãos Na medida em que cada ação cada palavra e cada gesto por menor que seja projetamse sobre o futuro podemos por um lado prever e modificar o futuro e podemos também constatar por outro lado que não é possível viver sem mudar o futuro Se eu sei por exemplo que aprendendo uma língua estrangeira hoje terei mais oportunidade de conseguir um bom emprego mais tarde estou ao mesmo tempo fazendo uma previsão e modificando o futuro Os acontecimentos têm relações de causa e efeito estando sujeitos a determinados padrões recursivos Isso em si não resolve o problema porque a dificuldade não é saber que os padrões recursivos existem a dificuldade está em identificar exatamente quais são esses padrões O que se oferece a seguir é uma tentativa de descrição de um desses padrões A pretensão é que se possam fazer algumas previsões sobre o ensino da LE no futuro ou pelo menos identificar suas tendências no presente 149 Língua Estrangeira A SÍNDROME DO PÊNDULO A metáfora do pêndulo tem sido muitas vezes usada para descrever o movimento da história em geral e do ensino de línguas em particular mas pode também ser usada para prever o futuro não necessariamente partindo de uma linha mística onde o pêndulo tem sido usado juntamente com cartas e tarô mas usando a metáfora da física onde pelo cálculo da posição e velocidade do pêndulo num determinado momento é possível prever sua posição e velocidade em qualquer momento do futuro A metáfora do pêndulo supõe o fluxo e refluxo da história o mecanismo básico de expansão e contração que caracteriza o próprio universo Se o universo está agora segundo os astrônomos numa fase de expansão um dia entrará numa fase de retração seguida de uma outra fase de expansão e assim sucessivamente pela eternidade o universo como tudo que nele está contido se repetirá sempre renascendo crescendo e morrendo A metáfora do pêndulo com seu movimento oscilatório de um extremo a outro parece incorporar não só misticismo e ciência mas também por extensão o padrão recursivo de que tudo acaba voltando ao ponto de partida para iniciar um novo ciclo A ideia de fluxo e refluxo não é portanto apenas cientificamente correta mas também romanticamente viável pode estar nas marés que fluem e refluem sobre a praia na planta que nasce da semente cresce e morre para renascer da própria semente e no ser humano é claro que vive uma história que pode pensar ser única mas que se repete de geração em geração como variáveis sobre um mesmo tema A língua falada pelos homens segue também esse padrão de fluxo e refluxo Começou sendo única quando a humanidade aprendeu a falar mas se expandiu e se babelizou chegando a milhares Agora ao contrário do universo as línguas estão em franco processo de retração com o tempo e com as fusões que ocorrerão entre elas a humanidade voltará a falar uma língua que será novamente única sobre a face da terra 150 Vilson J Leffa O padrão de fluxo e refluxo leva à ideia de repetição A repetição parece ser a essência não só do universo mas também da eternidade para prever o futuro basta que se identifique o início e o fim da cada ciclo A descoberta do segmento de tempo que corresponde ao ano por exemplo permite prever o outono depois do verão e a primavera depois do inverno Vendo a que horas o sol nasce hoje e a que horas nasceu há um ano atrás posso prever com exatidão a que horas ele nascerá amanhã Da mesma maneira que o verão traz em si o embrião do inverno o ser vivo carrega dentro de si o germe da morte Se todos que viveram no passado um dia morreram todos os que vivem hoje um dia morrerão A repetição não permite a imprevisibilidade A repetição se desdobra de várias maneiras incluindo ciclos de adesão e rejeição que se sucedem em vários recortes criando inúmeras dicotomias Um período histórico de adesão à aprendizagem individualizada por exemplo levará não só à rejeição desse modelo mas sua substituição por um modelo que estará no outro extremo com ênfase na aprendizagem socializada criando assim uma dicotomia A conciliação dos opostos é sempre malvista Ainda que o dizer possa apregoar um continuum entre os extremos e defender a interdisciplinaridade o fazer fica com a dicotomia rejeitando o ecletismo das ideias como obscenidade intelectual segundo uma expressão atribuída a Krashen BARASCH JAMES 1994 O ensino de línguas estrangeiras tem sido historicamente marcado por dicotomias que abrem e fecham inúmeros ciclos nos mais diferentes recortes Entre as oposições clássicas podem se destacar por exemplo língua escrita versus língua falada forma versus função léxico versus sintaxe dedução versus indução individualizado versus socializado etc São ciclos históricos que se retomam seguindo a ideia de fluxo e refluxo Quando hoje buscamos na História o provérbio africano de que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança estamos reiniciando um novo ciclo A diferença é que agora a aldeia está maior não se restringe mais ao verde da praça defronte ao templo onde todos se encontravam para trocar ideias 151 Língua Estrangeira e mercadorias interagindo e transacionando As pessoas continuam exercendo as atividades de troca tanto por interação como por transação só que agora em escala global fazendo do planeta Terra a aldeia a união planetária é a exigência racional mínima de um mundo encolhido e interdependente MORIN 2001 p75 Em outras palavras se antes precisávamos de uma aldeia para educar uma criança hoje precisamos do planeta inteiro A COMUNIDADE PLANETÁRIA Na aldeia tradicional a convivência davase pela diversidade de ocupação entre as pessoas todas ocupando um mesmo espaço geográfico Como para algumas ocupações só havia um representante de cada profissão um curandeiro um ourives um tanoeiro um cervejeiro um mestreescola etc a interação obrigatoriamente davase fora dos interesses profissionais possivelmente pela prática de algum esporte ou outro passatempo de interesse comum participar de algum festival religioso caçar javalis dançar ao redor da fogueira etc Em algumas profissões a interação com os pares da mesma atividade era praticamente inexistente na dimensão espacial ocorria apenas na dimensão temporal geralmente de pai para filho ou mesmo de avô para neto Com o avanço das telecomunicações principalmente da internet as fronteiras geográficas desapareceram e a interação entre membros com interesses diversificados diminui para dar lugar à interação entre membros com interesses comuns naquilo que podemos chamar de comunidades ocupacionais A diversidade que caracterizava a composição da aldeia tradicional evolui para a homogeneidade que caracteriza por exemplo a composição das listas de discussão da internet cada lista formando uma comunidade com os mesmos interesses e muitas vezes a mesma profissão Os limites entre as comunidades deixam de ser geográficos para serem ocupacionais O fonoaudiólogo que mora num bairro da cidade de São Paulo provavelmente interage mais intensamente com os fonoaudiólogos de outros continentes do que com os moradores de seu prédio 152 Vilson J Leffa Uma consequência imediata da queda das fronteiras geográficas é que mais pessoas começam a falar a mesma língua E quando isso acontece o número de línguas faladas na face da Terra começa a diminuir Quando aumentamos nosso círculo de relações para incluir pessoas de outros países e até de outros continentes iniciamos um lento e gradual processo de unificação linguística incorporando traços de uma e outra língua ainda que com ênfase na língua hegemônica e descartando outros traços principalmente das línguas minoritárias Apesar da unificação linguística a diversidade permanece só que num outro recorte não mais geográfico baseado na aldeia tradicional onde cada pessoa tinha interesses diferentes da outra mas ocupacional baseado em comunidades discursivas cada uma com seus interesses específicos A diversidade deixa de existir entre os membros da mesma comunidade para existir entre uma comunidade e outra tornandoas portanto diferentes Estamos nos unificando geograficamente mas nos diversificando ocupacionalmente Enquanto que as aldeias tradicionais eram relativamente homogêneas entre si uma aldeia era parecida com a outra e heterogêneas em sua composição as comunidades discursivas agora pelo contrário são heterogêneas entre si lista dos cervejeiros dos fonoaudiólogos etc e homogêneas em sua composição Outra diferença importante é que enquanto as aldeias tradicionais tendiam a desenvolver um dialeto próprio às vezes até chegando a uma língua diferente as comunidades atuais para manter a comunicação entre seus membros às vezes distantes geograficamente tendem a uma língua comum O processo de expansão das relações entre as pessoas está em relação inversa ao processo de retração das línguas que diminuem em número Os meios de comunicação de massa da era préinternet ainda que de alcance global como o rádio de ondas curtas e a televisão via satélite eram meios de mão única geralmente transmitindo informação dos países centrais para os periféricos A internet se caracteriza não só por facilitar ainda mais o acesso à informação mas também por transformar as pessoas de meros espectadores em participantes do processo comunicativo 153 Língua Estrangeira Qualquer pessoa plugada na rede tem a oportunidade não só de receber mas também de produzir informação Para isso precisa de duas condições importantes 1 ter algo a dizer e 2 compartilhar uma língua com o interlocutor O que dizer depende de cada um de sua criatividade ou originalidade a língua a ser usada no entanto depende de uma escolha da comunidade a qual o indivíduo pertence ou deseja pertencer Se a língua escolhida não for a língua materna do indivíduo ele não tem outra opção a não ser aprender a língua da comunidade Tem a liberdade de ver o uso de uma língua estrangeira sob duas perspectivas opostas ou como um processo de colonização dos países centrais ou como um meio de capacitação pessoal empowerment em inglês Existem argumentos que favorecem um e outro lado Pelo lado da colonização podemos listar as medidas tomadas pelos países falantes da língua hegemônica em favor não só de sua manutenção como de sua expansão British Council 1995 Pelo lado da capacitação pessoal a constatação de que não saber a língua hegemônica leva à exclusão Na atualidade o desconhecimento da língua inglesa não só restringe o acesso à informação a ser recebida como também limita o alcance da mensagem a ser transmitida AS CONVERGÊNCIAS Aceitando a metáfora do pêndulo a previsão do futuro é uma tarefa extremamente simples basta que se identifique o momento de retorno quando se inicia um novo ciclo a partir daí a história começa a se repetir sendo teoricamente igual ao que já foi Podese falar em renovação mas renovar nada mais é do que tornar novo o que já é velho e conhecido Podese falar em renascimento mas renascer é apenas nascer de novo iniciando algo que já aconteceu e que na realidade nada tem de novo Seria no entanto muito arriscado restringir a previsão do futuro à identificação de um determinado ciclo que supostamente renasce de tempos em tempos havendo um engano qualquer na tentativa de identificação desse ciclo ficase simplesmente preso ao passado e perdese o futuro 154 Vilson J Leffa A ideia de que se possa prever o futuro olhando para o passado soluciona em parte o grande dilema do ensino sempre indeciso entre um e outro de um lado a preocupação com a história de buscar as identidades que marcaram as gerações anteriores e tentar preservar essas identidades para as gerações seguintes mas do outro lado também a preocupação com o futuro preparando os alunos não para o mundo em que hoje vivem os professores mas para o mundo em que amanhã viverão os alunos Podese dizer que o ensino vive de saudade e esperança de realidade e sonho Para ser útil não basta preservar a história precisa também prever o futuro ainda que assumindo o risco de supor a fantasia O que se sugere aqui é incorporar à ideia dos ciclos que se repetem a ideia de evolução transformando o movimento oscilatório do pêndulo em espiral onde o retorno não se dá exatamente ao ponto de partida mas a um ponto que vai gradativamente se afastando do ponto inicial O que era retorno transformase em evolução A busca mais simples de um padrão recorrente é substituída pela busca de um padrão em evolução em constante processo de mudança que se por um lado é bem mais difícil de ser identificado por outro pode mostrarse depois bem mais proveitoso O que basicamente se vislumbra para o futuro é um processo generalizado de convergência fundindo tecnologias métodos e teorias Partese do pressuposto de que a história do ensino de línguas estrangeiras já superou o modelo baseado na dicotomia do pêndulo e marcado por uma relação de temor intransigência ou ódio ao que predomina num determinado momento levando sempre a desejar o oposto Depois de tanta decepção com as promessas feitas e não cumpridas por diferentes teorias parece que chegamos à conclusão de Diderot de que a verdade é uma prostituta dorme com todos é não é fiel a ninguém Metaforicamente podese afirmar que as teorias não têm o direito de exigir admiradores que se casem monogamicamente com elas para o resto da vida as teorias devem ter apenas usuários de preferência com alto índice de infidelidade e mesmo de 155 Língua Estrangeira promiscuidade se for o caso Diante de uma teoria é melhor ser promíscuo do que fiel A história não caminha se as teorias não forem traídas A visão dicotômica da história vê erroneamente a evolução como um processo de substituição jogar fora uma teoria para abraçar outra descartar o homem pela máquina substituir o cérebro humano pela inteligência artificial o método audiolingual pelo comunicativo etc Na visão proposta aqui a evolução é descrita como um processo de transformação o novo não substitui o antigo mas é incorporado a ele É nessa perspectiva que se delineiam as grandes tendências do ensino da língua inglesa no início do milênio baseadas todas na ideia comum de convergência Selecionamos para nossa discussão sobre o futuro do ensino da LE quatro convergências 1 ensino e pesquisa 2 inteligência e emoção 3 local e global 4 real e virtual Ensino e pesquisa A convergência do ensino com a pesquisa tem sido proposta há tanto tempo que rigorosamente não pode ser mais referida como uma tendência Por outro lado são tantas as vozes divergentes conclamando a separação entre uma e outra que me parece necessário retomar e tentar justificar a importância dessa fusão Vejase entre as vozes contrárias por exemplo o que diz Emília Ferreiro Quando se faz pesquisa ação com a ideia de que os professores são investigadores eu digo que não é bem assim Ser pesquisador é uma profissão como qualquer outra nem mais nem menos todos podemos cantar mas há alguns que são cantores profissionais especializados e ninguém pode transformarse em cantor por uma decisão coletiva FERREIRO 2001 p 36 Tenho grande admiração por Emília Ferreiro e sua obra incluindo aí não só suas pesquisas sobre a aquisição da escrita mas também a franqueza com que expõe suas ideias sem qualquer 156 Vilson J Leffa preocupação de estar ou não agradando seus inúmeros admiradores da qual a citação acima é um exemplo Entendo que a pesquisa ação vista aqui como aquela investigação feita pelo professor para resolver um problema de sua sala de aula pode tornar a pesquisa muito local sem possibilidade de ser generalizada o que é verdade numa aula de inglês em Juiz de Fora pode não ser verdade numa aula de inglês em Nova York o que é verdade hoje pode não ser mais verdade amanhã Seria uma verdade extremamente contextualizada válida apenas para um determinado local numa determinada hora O problema quando se separam o ensino e a pesquisa não permitindo que o professor pesquise é que se deixa o professor sem opção obrigandoo a aceitar a verdade dos outros Pior do que uma verdade local mas contextualizada é uma verdade imposta de fora sem contextualização Os resultados de uma pesquisa feita numa sala de aula em Londres com alunos de diferentes nacionalidades e de diferentes línguas maternas tendo necessariamente que se comunicar em inglês não podem ser aplicados em uma sala de aula do interior do Brasil onde todos falam a mesma língua materna e não usam o inglês fora da sala de aula Se considerarmos que o professor deve não apenas consumir pesquisa produzida por outros em outros lugares mas produzir sua própria pesquisa dentro de sua própria realidade o trabalho de pesquisa é imprescindível inseparável do ensino Isso se aplica não só ao ensino de nível universitário onde apesar do que diz Emília Ferreiro já se sedimentou a ideia da inseparabilidade entre ensino e pesquisa mas também pode ser aplicada ao ensino médio e mesmo ao fundamental Considerando as vozes divergentes sobre a conveniência ou não unir o ensino com a pesquisa propõese uma pequena agenda com dois compromissos básicos para o professor de LE Procurar não apenas passar conhecimento para os alunos mas também gerar o conhecimento necessário para uma melhor aprendizagem da língua Partindo do princípio de que qualquer pesquisa é a tentativa de responder a uma pergunta o 157 Língua Estrangeira professor pode começar um projeto de pesquisa pelas tantas perguntas que ainda não foram satisfatoriamente respondidas e que estão diretamente ligadas a muitos dos problemas da sala de aula Alguns exemplos O que pode ser feito para ajudar os alunos a não cometer com tanta frequência determinados erros Considerando que a sala de aula parece ser o lugar onde o desempenho precede a competência que estratégias o professor poderia usar para assistir o desempenho do aluno e acelerar sua competência na LE O que o professor pode fazer numa cidade do interior do Brasil para dar um interlocutor ao aluno de LE Pertencer a uma comunidade de pesquisadores envolvidos com problemas afins Está ficando cada vez mais fácil formar comunidades discursivas com interesses comuns no sentido de Swales 1990 por meio de listas de discussão fóruns virtuais associações de professores de LE etc independentemente da localização geográfica de seus membros A tendência atual é socializar não apenas o conhecimento gerado mas a própria geração do conhecimento através da pesquisa coletiva Como a andorinha diante do verão o professor sozinho não faz pesquisa Inteligência e emoção O ensino da LE fundamentase nos três grandes domínios da aprendizagem o cognitivo o afetivo e o psicomotor A convergência da inteligência com a emoção abre caminho para explorar a conexão com o prazer na aprendizagem que pode ser feita tanto pela via biológica como pela via sociointeracional Essa conexão é uma tentativa de integrar o domínio cognitivo com o afetivo uma preocupação que não é recente entre os pesquisadores da área MOSCOVITZ 1978 CELANI 1983 mas que a meu ver ainda está para ser desenvolvida Pela via biológica podemos representar a aprendizagem como a formação de novas conexões entre os neurônios as células do cérebro Essas conexões estabelecidas pelos neurotransmissores são causadas tanto por fatores genéticos como por informações que chegam ao cérebro através do meio ambiente 158 Vilson J Leffa como imagens sons cheiros etc Um elemento importante para ampliar essa fiação do cérebro é a presença do prazer na atividade Se a criança ou o adulto não gostar do que estiver fazendo se a aula for cansativa a aprendizagem diminuirá ou deixará de ocorrer PRADO 1998 O prazer afeta a produção de uma substância chamada dopamina um neurotransmissor que envia mensagens de uma célula para outra no cérebro e que regula os movimentos a coordenação motora e finalmente o desenvolvimento cognitivo Experimentos feitos por neurocientistas WALDRON ASHBY 2001 parecem sugerir que a dopamina como mensageiro químico facilita a aprendizagem reforçando com sensações de bemestar e prazer determinados comportamentos considerados importantes para o desenvolvimento do ser humano Se por um lado o prazer artificial causado pelo uso de certas drogas heroína cocaína anfetaminas nicotina pode deteriorar os neurônios o prazer natural que acompanha a aprendizagem é um fator importante para realimentar a própria aprendizagem e ampliar a fiação do cérebro As duas faces do prazer para o bem e para o mal também podem ser observadas no âmbito sociocultural nãobiológico Na sala de aula o uso da emoção pode tanto ajudar como atrapalhar principalmente no caso do ensino da língua inglesa Há um fator ideológico que precisa ser administrado Admiração pela língua ou cultura é muitas vezes vista como o deslumbramento ingênuo e inadequado de uma mente colonizada Sabese no entanto que uma atitude positiva é um fator importante na aprendizagem da língua estrangeira reduz o filtro afetivo KRASHEN 1985 e contribui para uma motivação integrativa e não apenas instrumental GARDNER LAMBERT 1972 Parece que um dos segredos do sucesso na aprendizagem está em tornar o ambiente da sala de aula o mais agradável possível lutando incansavelmente para despertar entre todos professor com alunos e alunos com alunos sentimentos de respeito e solidariedade não de maneira tímida mas com força e 159 Língua Estrangeira determinação Até as empresas já descobriram que estamos entrando numa economia que não está mais baseada em riquezas naturais e nem mesmo apenas no conhecimento mas na emoção e elegem como prioridade a gentileza com que deve ser tratado o cliente A emoção de aprender uma língua nova e conhecer a cultura de um povo não deve portanto ser prejudicada por doutrinamentos ideológicos mal conduzidos Gostaria neste sentido de contrapor as palavras de Albert Camus Odeio logo existo com as palavras de Edgar Morin Civilizar e solidarizar a Terra transformar a espécie humana em verdadeira humanidade tornase o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao progresso mas a sobrevida da humanidade A consciência de nossa humanidade nesta era planetária deveria conduzirnos à solidariedade e à comiseração recíproca de indivíduo para indivíduo de todo para todos A educação do futuro deverá ensinar a ética da compreensão planetária itálico no original MORIN 2001 p 78 Local e global Sobre a questão do local versus global gostaria de enfocar o exemplo da língua inglesa Como vimos no capítulo 4 o inglês tem a característica única entre as principais línguas do planeta de possuir mais falantes nãonativos do que nativos de cada três pessoas no mundo que falam inglês duas usam a língua como falantes nãonativos Isso traz algumas implicações que considero importantes quando se discute questões como a do genocídio linguístico SKUTNABBKANGAS 2000 o extermínio das línguas locais pelas línguas hegemônicas a associação entre língua e cultura etc Defendo aqui a ideia de que a língua local pode e deve conviver com a língua global Quando um cientista brasileiro por exemplo usa inglês para consultar a bibliografia de sua área de pesquisa ou mesmo apresentar um paper em um 160 Vilson J Leffa congresso internacional ele não vai deixar de usar o português brasileiro usará as duas línguas embora é claro em situações diferentes e para objetivos diferentes É provável que para as questões de foro íntimo com seus familiares usará português para o exercício de sua profissão para divulgar suas pesquisas usará inglês As duas línguas podem conviver harmoniosamente na mesma pessoa de maneira complementar sem causar conflitos A ideia também de que cada língua está identificada com uma cultura pode ser questionada A associação entre língua e cultura só é válida para as línguas geograficamente presas a um país no momento em que se globaliza a língua corre até o risco de perder sua identidade Quando um cientista brasileiro com seu sotaque característico usa o inglês para comunicar o resultado de sua pesquisa ele pode ser prejudicado por não ter a fluência de um falante nativo e talvez tenha que vencer alguns preconceitos de seus colegas O inglês que ele fala no entanto provavelmente refletirá a variação internacional da língua com traços fonéticos do inglês brasileiro além é claro do conteúdo lexical de sua área específica de conhecimento Ao se globalizar o inglês perdeu sua uniformidade e teve que incorporar a diversidade não só no seu léxico com as inúmeras palavras estrangeiras que emigraram para o seu sistema mas também a diversidade fonológica e mesmo sintática A diversidade linguística com a existência não apenas do inglês canadense australiano nigeriano ou indiano mas também do inglês coreano japonês ou brasileiro reflete a diversidade cultural O inglês deixa de transmitir uma única cultura para transmitir várias culturas produzindo o fenômeno estranho de uma língua multilíngue e multicultural Acabase usando o inglês não apenas para a aquisição do conhecimento científico mas também cultural Certamente não se chegará ao ponto de cantar uma ópera italiana em inglês embora isso já tenha sido feito mas muitas outras obras literárias de valor essencialmente cultural e produzidas em lugares pouco conhecidos só chegam até nós através do inglês Ao difundir certos conhecimentos e culturas até então inacessíveis o inglês tem globalizado o que muitas vezes é apenas local 161 Língua Estrangeira A convergência do local com o global já existe na prática em todos os segmentos da sociedade desde os mais ricos até os mais pobres O exemplo apresentado por Morin 2001 é bastante convincente neste aspecto Se os ricos consomem produtos provenientes de todas as partes do mundo o mesmo acontece com os pobres diferenciandose é claro pela qualidade dos produtos Enquanto o europeu está neste circuito planetário de conforto grande número de africanos asiáticos e sul americanos achase em circuito planetário de miséria Utilizam recipientes de alumínio ou de plástico bebem cerveja ou CocaCola Dormem sobre restos recuperados de espuma de polietileno e usam camisetas com estampas americanas Dançam ao som de músicas sincréticas cujos ritmos tradicionais chegam em orquestrações vindas da América Dessa maneira para o melhor e o pior cada ser humano rico ou pobre do Sul ou do Norte do Leste ou do Oeste traz em si sem saber o planeta inteiro A mundialização é ao mesmo tempo evidente subconsciente e onipresente MORIN 2001 p 68 A língua inglesa poderá ter um papel importante não só levando o conhecimento e a informação do centro para a periferia mas também no sentido inverso Através do inglês aqueles que são meros receptores do conhecimento poderão também se transformar em emissores Com o advento da internet potencialmente transformando cada ouvinte e leitor em interlocutor a ênfase na leitura proposta nos PCNs talvez deva ser revisada para uma ênfase nas quatro habilidades incluindo a fala e a escrita Com a internacionalização da imprensa passamos a comprar jornais e revistas de outros países nas bancas de nossas cidades Com a televisão via satélite passamos a telespectadores do mundo Com a internet evoluímos de espectadores para participantes podendo interagir com pessoas de qualquer parte do mundo não só recebendo mas também enviando mensagens Para falar ao mundo precisamos de duas condições a primeira 162 Vilson J Leffa de caráter essencial é que tenhamos algo a dizer a segunda altamente recomendável é que saibamos inglês Real e virtual Chegamos finalmente à quarta convergência que considero a mais delicada e perigosa de todas a união do real com o virtual Até meados do século XX temos visto a máquina como uma extensão dos músculos do homem o automóvel como uma extensão das pernas a lavadora de louças como uma extensão das mãos o binóculo como uma extensão dos olhos etc A partir da segunda metade daquele século passamos a ver o computador como uma extensão do cérebro tínhamos agora uma máquina com capacidade de memorizar e processar dados usando regras e restrições Já partir de Turing 1950 em seu famoso artigo Computing machinery and intelligence começouse a questionar se as máquinas poderiam ser inteligentes Em seu famoso teste para verificar se uma máquina tinha inteligência Turing propôs que se colocasse uma pessoa e um computador atrás de uma parede para serem questionados por alguém através de um teclado durante cinco minutos Se esgotado esse prazo o arguidor não conseguisse distinguir as respostas dadas pela máquina daquelas que foram dadas pela pessoa a máquina poderia ser considerada inteligente Vários prêmios têm sido oferecidos para quem conseguisse criar um programa de computador que enganasse o arguidor fazendose passar por humano Desses prêmios destacase o de Loebner no valor de 100000 dólares com concursos realizados anualmente desde 1990 até hoje sem vencedor Como extensão dos músculos as máquinas superam com folga a capacidade humana Nenhum homem jamais terá a força de um trator a velocidade de um automóvel e muito menos a capacidade de voar de um avião Qualquer homem no entanto supera de longe qualquer máquina quando a comparação é feita em relação à capacidade de usar a língua A máquina pela sua capacidade de memória e de processamento pode guardar 163 Língua Estrangeira transportar e reproduzir as palavras do ser humano mas não pode criar a linguagem a capacidade de falar ainda é uma característica exclusivamente humana Com a oralidade sem a escrita todos os dados eram guardados na memória viva das pessoas nas palavras de Levy A morte de um velho é uma biblioteca em chamas LÉVY 1999 p 163 O narrador tinha a vantagem de estar sempre presente acompanhando a reação do auditório e adaptando sua fala Com a invenção da escrita os dados tornaramse permanentes e podiam ser transportados de um lugar para outro mas tornaramse fisicamente incapazes de se adaptarem a cada leitor que era assim obrigado a se ajustar ao texto Com o advento da internet estamos entrando em uma nova alfabetização e em um novo letramento com novas exigências para o leitor feitas a partir do rompimento de algumas fronteiras Há novas aproximações entre o domínio cognitivo e o psicomotor necessidade de sincronizar os olhos com as mãos por exemplo entre a leitura e a escrita para ler uma palavra no dicionário eletrônico é preciso escrever a palavra entre o real e o virtual aspectos da interação real da sala de aula por exemplo são simulados no computador A simulação tem sido normalmente apresentada como uma substituição do real o jogo de futebol na tela substitui o jogo real no campo o computador substitui o parceiro humano no jogo de xadrez o ensino a distância substitui o ensino presencial O que se vislumbra para o futuro tanto para ensino do inglês como para a educação em geral não é a substituição do real pela virtual mas uma convivência entre os dois No caso particular da LE essa convivência poderá ser maior dada a facilidade com o que ensino de LEs adaptase a situações de ensino a distância Ao virtualizar a realidade a máquina no entanto não tem condições de substituir o real O computador é um instrumento de mediação que facilita amplia e agiliza a comunicação entre as pessoas mas não as substitui A possibilidade de ampliar a ação do professor de LE vai tornálo mais presente no ensino a distância incluindo por exemplo a criação de sites pessoais na rede onde disponibilizará atividades para seus alunos complementando o que é visto em sala de aula 164 Vilson J Leffa Conclusão Vivemos num mundo que está se tornando cada vez mais interdependente envolvendo nações e pessoas objetos e animais ideias e sentimentos Cada vez mais damonos conta de que ninguém tem condições de sobreviver sozinho Até hoje parece que ainda não tínhamos percebido o quanto nossa própria existência depende da existência do outro Achávamos que se uma pessoa tentasse se isolar e não sobrevivesse era problema dela exclusivamente Hoje sabemos que o problema é nosso também se uma pessoa morre um pouco de nós morre com essa pessoa Foi a partir desse pressuposto que discutimos neste capítulo algumas convergências que vislumbramos em relação ao futuro do ensino do inglês como língua estrangeira Não há como negar que quando olhamos para o futuro projetamos o presente ou mesmo o passado Podemos fazer projeções mais otimistas ou mais pessimistas Neste capítulo ficamos mais para o lado do otimismo e corremos assumidamente o risco de tentar prever o futuro não como ele realmente será mas como talvez gostaríamos que ele fosse É um viés que assumimos aqui Para falar sobre o futuro elegemos a ideia geral de transformação da realidade em vez de substituição E vemos para o futuro a necessidade de conviver com a diversidade generalizada marcada pelo princípio da divergência As ideias e as pessoas são diferentes andam por caminhos diferentes mas podem convergir para um mesmo objetivo ainda que vindas de lados opostos A convergência corrige as divergências A consciência dessa necessidade foi o que nos levou a prever o futuro nesta direção Podemos retomar as quatro convergências discutidas aqui dentro de uma metáfora geográfica numa dimensão planetária A convergência da pesquisa com o ensino deve reunir não só a pesquisa com a docência mas também transformar o professor em pesquisador No campo específico da língua inglesa por exemplo não se pode pesquisar apenas no hemisfério norte onde 165 Língua Estrangeira muitas vezes o inglês é aprendido como segunda língua e tentar depois aplicar os resultados dessa pesquisa no hemisfério sul onde o inglês é normalmente ensinado como língua estrangeira A facilidade de acesso à informação e a existência do conhecimento em rede tornarão viável a transformação do professor em pesquisador Em contraposição a essa convergência nortesul podemos ter também uma convergência lesteoeste unindo a racionalidade do ocidente com a sensibilidade do oriente A própria ideia de que é preciso prever para prover a meu ver um dos pilares da racionalidade será complementada pela ideia de que é também necessário cuidar do lado afetivo A aprendizagem do inglês no futuro vai evoluir das relações de ódio entre as nações para a constatação de que somos todos seres humanos habitando o mesmo planeta A convergência do local com o global está na essência do aprendizado da língua inglesa que como língua internacional na minha percepção perderá sua identidade nacional britânica ou norteamericana para transmitir as culturas locais ou as diferentes ciências Assumo o risco de afirmar que o inglês pode ser considerado uma língua multi multinacional e multicultural Expressões que já se tornaram comuns como inglês brasileiro inglês coreano etc confirmam essa multinacionalidade da língua inglesa Finalmente com a convergência do real com o virtual estaremos rompendo não só as fronteiras que separam um país do outro mas também as fronteiras que separam as pessoas dos objetos Mais uma vez não se trata de substituir o real pelo virtual o professor pela máquina mas de fazer convergir os dois Vivemos numa sociedade cuja existência está sendo ameaçada justamente por tentar substituir o real pelo virtual desde as salas de fliperama até o uso de drogas que proporcionam o prazer artificial Seria um erro no entanto banir o virtual teríamos que começar por destruir as próprias bibliotecas considerando a natureza essencialmente virtual do livro e em última análise a própria língua teria que ser destruída já que no fundo não é a realidade 166 Vilson J Leffa mas uma representação dela O ser humano é virtual tirandolhe a virtualidade não terá como transmitir o conhecimento perderá o dom da fala e deixará de existir como ser humano 167 Língua Estrangeira SEGUNDA PARTE APRENDIZAGEM 169 Língua Estrangeira Capítulo 8 A perspectiva do aluno da escola fundamental9 Introdução Ensinar uma língua estrangeira envolve o domínio de três áreas de conhecimento a língua a ser ensinada a metodologia usada para ensinála e o aluno a quem ensinamos A língua é normalmente a parte que recebe o quinhão maior em qualquer curso de graduação em Letras a parte menor fica para a metodologia onde podemos incluir não só aspectos do ensino e aprendizagem da língua mas também aspectos que envolvem o aluno em alguma disciplina de psicologia da aprendizagem e mais indiretamente através das aulas de prática de ensino O aluno como sujeito do processo de aprendizagem da língua estrangeira é geralmente muito pouco estudado Há uma crença muito forte na história do ensino de línguas de que o aluno recebe cada vez mais atenção a cada nova metodologia que é proposta Coisas mais antigas como a instrução individualizada ou mesmo o teste de aptidão linguística foram durante algum tempo consideradas maneiras de centralizar a atenção no aluno Mais recentemente as abordagens usadas nos estudos de aquisição da segunda língua os pressupostos subjacentes nas propostas da análise das necessidades dos alunos e os procedimentos usados em muitas abordagens humanísticas incluindo aí a Sugestologia de Lozanov e a Aprendizagem por Aconselhamento do Padre Curran ver o Capítulo 1 sugerem uma pedagogia centrada no aluno A ênfase no uso da experiência vivida do aluno seu conhecimento prévio as técnicas de 9 Uma versão anterior deste capítulo em inglês foi publicada em LEFFA Vilson J A look at students concept of language learning Trabalhos em Linguística Aplicada n 17 p 5775 1991 170 Vilson J Leffa sensitização que são maneiras de tentar conscientizar o aluno para a tarefa que ele tem pela frente Riley 1985 são ideias que se aproximam daquilo que estou abordando aqui O problema a meu ver é que quando falamos em atividades centradas no aluno partimos do nosso ponto de vista Temos um conceito de língua e de sua aprendizagem e o que fazemos na preparação de atividades centradas no aluno é manipular as coisas de modo que o aluno seja levado a adotar o nosso ponto de vista O pressuposto aí é de que a conceituação que o aluno tem de língua e aprendizagem é ingênua e deve ser substituída pelas nossas ideias que são mais esclarecidas e teoricamente fundamentadas Um problema sério é que os conceitos que nós professores temos de língua e aprendizagem são sempre negados com o tempo e descartados como errôneos Muito do que acreditávamos ser correto no passado e foi por isso imposto aos nossos alunos acabou sendo contestado gerando um movimento contrário tão forte que levou a sua completa rejeição Repetimos sempre o conhecido movimento do pêndulo indo da tese para a antítese sem conseguir chegar à síntese A frustração gerada com a adoção incondicional de uma metodologia de ensino é sempre mais forte que o entusiasmo de sua implementação e acabamos indo para o outro extremo negando tudo o que foi antes defendido Entre estar errado e ser ingênuo preferimos estar errados e com isso afastamonos mais do lugar em que se encontra o aluno Este capítulo relata uma pesquisa feita para se aproximar do aluno e descrever o que ele pensa da língua estrangeira antes de iniciar seu estudo Há quatro perguntas básicas que se tenta responder aqui 1 que conceito o aluno tem da língua que ele ainda não estudou variável da língua 2 que percepção ele tem de um falante da língua estrangeira variável do falante 3 que conhecimento ele tem do que caracteriza a aprendizagem de uma língua estrangeira variável da estratégia 4 que conhecimento ele tem das possíveis vantagens de falar uma língua estrangeira variável do objetivo 171 Língua Estrangeira Metodologia A investigação envolveu um grupo de 33 alunos da quinta série de uma escola pública da Grande Porto Alegre Os alunos eram de um bairro de classe média baixa e nunca tinham estudado qualquer língua estrangeira Os dados foram coletados numa sessão de duas horas na própria sala de aula dos alunos A sessão iniciou com uma atividade de escrita de livre associação em que os alunos foram solicitados a escrever todas as palavras que pudessem lembrar depois de ouvir determinadas palavras estímulo Essas palavras estímulo foram Xuxa e futebol sendo dados aos alunos cinco minutos para cada palavra A atividade foi apresentada como um jogo competitivo e aqueles que escreviam o maior número de palavras recebiam um pequeno prêmio uma barra de chocolate Num segundo momento os alunos foram solicitados a escrever dez palavras que vinham a sua mente quando cada uma das seguintes palavras ou expressões fossem fornecidas língua portuguesa guerra nas estrelas e língua inglesa Desta vez não foi fixado um limite de tempo O pressuposto subjacente a esta atividade foi de que as palavras escritas pelo aluno depois de ouvir inglês deveriam refletir seu conceito de língua estrangeira ou a fala dele Considerando que este pressuposto pode ser questionado procurouse na pesquisa incorporar uma medida de validade solicitando ao aluno que produzisse palavras a partir de ideias geradoras que deveriam ser extremamente familiares como o nome da apresentadora Xuxa e da palavra futebol Na medida em que ocorresse um encaixe entre essas ideias geradoras familiares e as palavras produzidas pelos alunos acreditase que o procedimento possa ser validado Considerando assim com relação a Xuxa que a palavra mais frequente foi bonita e que esse adjetivo pelo senso comum dos telespectadores descreve realmente a apresentadora em questão concluise que é possível estabelecer uma associação entre o que os alunos escreveram e o conceito que eles tem das palavras ou expressão geradora 172 Vilson J Leffa Na última parte da sessão em vez de palavras os alunos foram solicitados a completar uma história Receberam quatro folhas de papel uma de cada vez No topo de cada folha havia um segmento incompleto da história que foi lido em voz alta O primeiro segmento apresentava a contextualização uma escola típica e os personagens Maria e Bill Maria era brasileira e Bill americano ele acabara de chegar dos Estados Unidos e era incapaz de dizer uma única palavra em português Os sujeitos foram instruídos a continuar a história descrevendo Bill como ele era tanto na sua aparência externa que aspecto tinha como se vestia etc quanto na sua aparência interna que tipo de pessoa era o que pensava etc A preocupação aqui era com a variável falante da língua e o objetivo era fazer os alunos definir com suas próprias palavras que estereótipos eles tinham se é que tinham de um típico jovem americano O segmento seguinte da história na segunda folha acrescentava que Maria tinha decidido aprender inglês Os sujeitos foram então solicitados a escrever o que ela tinha que aprender para se comunicar com Bill Na terceira folha o segmento iniciava que Maria ainda estava tentando aprender inglês e pediuse aos sujeitos que escrevessem o que ela fazia quando não conseguia entender o que Bill dizia ou o que estava escrito numa revista O objetivo aqui era avaliar os conceitos em termos da variável estratégia Finalmente na última folha o segmento da história informava que Maria terminara a universidade tinha uma profissão e falava inglês muito bem A tarefa solicitada aos sujeitos agora era de que descrevessem para que servia o inglês que Maria tinha aprendido Buscavase aqui uma definição para variável objetivo na aprendizagem de uma língua estrangeira 173 Língua Estrangeira Resultados As palavras e as histórias produzidas pelos 33 alunos foram então analisadas em termos de frequência de palavras e de unidades de ideias As palavras e as ideias foram computadas para cada uma das variáveis pesquisadas língua falante da língua estratégias de aprendizagem e objetivo Esperavase que alguns padrões recorrentes surgissem das respostas dadas pelos alunos Esses padrões foram pesquisados para cada uma das variáveis A Variável Língua Para esta variável os sujeitos foram solicitados a escrever dez palavras que lhe viessem à mente depois de ouvirem a palavra inglês Abaixo temos um exemplo das palavras que foram escritas por um aluno Inglês língua país Inglaterra matéria disciplina do currículo rico poderoso sotaque artistas cinema Disneyworld O que interessa saber aqui é que palavras se houve alguma foram repetidas por diferentes alunos A Tabela 1 mostra as palavras que foram citadas por mais de quatro alunos 174 Vilson J Leffa Tabela 1 Palavras citadas cinco ou mais vezes pelos alunos depois de ouvirem a palavra inglês Palavra Frequência palavral 23 íngua 13 livro 12 lápis 11 caneta 11 pessoas 10 caderno 9 país 8 estudar 7 falar 7 Inglaterra 5 matéria disciplina 5 interessante 5 professor 5 Fonte Autor O primeiro aspecto que merece ser mencionado é que os alunos realmente mostraram uma tendência em repetir certas palavras O segundo é que as palavras que eles citaram podem ser agrupadas em diferentes áreas A palavra mais frequente foi palavra Esta palavra pertence a um grupo que podemos classificar o léxico próprio da linguagem Outras palavras frequentes deste grupo foram língua que foi citada 13 vezes e o verbo falar citado 5 vezes Não houve ocorrência de frase texto parágrafo ou mesmo termos mais comuns como ler e escrever As palavras compreender pronunciar e sotaque ocorreram uma vez 175 Língua Estrangeira Um segundo grupo importante que surgiu deste levantamento consistiu de palavras relacionadas ao ambiente da sala de aula Nesse grupo encontramos as palavras livro lápis caneta caderno matéria professor e estudar O terceiro grupo mais difícil de determinar sugere conceitos relacionados à cultura em seu sentido mais amplo Os termos mais frequentes neste grupo foram pessoas país e Inglaterra Outros mencionados apenas uma vez foram parlamento rainha América Califórnia Disneyworld estátua da liberdade Nova York e baseball O quarto grupo referese às atitudes em relação à língua inglesa positivas ou negativas O exemplo mais óbvio é a palavra legal citada cinco vezes Alguns alunos também escreveram palavras em inglês o que interpreto como um sinal positivo Outras palavras relacionadas foram fácil citada duas vezes e difícil citada três vezes Uma área em que esperava a produção de muitas palavras mas que não aconteceu foi no que defino como consciência da língua inglesa na comunidade cinema foi mencionado duas vezes mas palavras como ator atriz cantor e televisão foram mencionadas apenas uma vez Muitas marcas registradas identificadas pelo seu nome em inglês não foram mencionadas A Variável Falante Nativo Os dados da variável falante foram coletados da descrição que os alunos fizeram de Bill Os alunos foram incentivados a descrever Bill não apenas pela sua aparência externa mas também levando em consideração as possíveis ideias que lhe passavam pela cabeça Foram pródigos em oferecer detalhes da aparência física de Bill mas não conseguiram encontrar traços psicológicos O que segue é um exemplo fornecido por uma aluna editado para ocultar alguns erros ortográficos e de pontuação os nomes são fictícios mas o sexo é mantido 176 Vilson J Leffa Bill era alto moreno cabelo liso e escuro e olhos grandes Ele estava pensando o seguinte tinha deixado os Estados Unidos para começar vida nova no Brasil Queria trabalhar no teatro fazer peças para crianças e adultos Dóris Em termos de traços físicos apenas duas unidades de ideia formaram um padrão recursivo Uma era que Bill tinha olhos castanhos repetida por nove alunos A outra era que Bill era baixo repetida por oito alunos O mais próximo que se chegou de um possível estereótipo americano foi a descrição de Bill como caubói Muito pouco foi produzido em termos de características psicológicas Algumas qualidades foram mencionadas tímido amigo trabalhador mas não chegaram a formar um padrão discernível A Variável Estratégia Para levantar os conceitos de estratégias de aprendizagem solicitouse aos alunos que dessem sugestões de como Maria poderia aprender inglês Esta foi a parte da pesquisa onde se obteve o maior número de dados Exemplo de uma resposta dada por um aluno Maria não conseguia compreender a revista que tinha pedido emprestada de Bill Aí ele pegou um super dicionário que tinha todas as palavras mas mesmo assim tinha dificuldade com algumas palavras Ela não era muito inteligente e não conseguia decorar as palavras apesar da ajuda de seu pai Mas Bill que falava inglês muito bem fez Maria repetir cada palavra 20 vezes 30 vezes Então ela começou a aprender Daniel A Tabela 2 mostra as coisas mais frequentes que de acordo com os alunos Maria tinha que fazer para aprender inglês As unidades de ideia mais citadas sugeriam que Maria deveria estudar 177 Língua Estrangeira geralmente intensificadas por advérbios como bastante muito e sempre Tabela 2 Unidades de ideia mais frequentes listadas pelos alunos em relação a estratégias de aprendizagem Estratégia Frequência Estudar 19 Frequentar um curso de línguas 10 Usar um livro 8 Usar um dicionário 6 Usar gestos 6 Falar com os amigos em inglês 5 Conseguir um professor 5 Fonte Autor Variável Objetivo Na última parte da história os alunos foram solicitados a descrever que utilidade o conhecimento da língua inglesa traria para Maria depois que ela terminasse a faculdade Eis uma resposta fornecida por um aluno O inglês vai ser muito útil para Maria Ela vai conseguir estudar em outros países falar com Bill viajar para muitos lugares tirar muitos cursos falar com todo mundo que sabe inglês e lecionar inglês Cláudia A unidade de ideia mais frequente foi que Maria podia ser uma professora de inglês repetida por dez alunos Nove mencionaram que poderia viajar e seis disseram que inglês seria útil nos seus estudos na faculdade Três mencionaram que Maria 178 Vilson J Leffa podia ler em inglês Um apenas citou que o inglês poderia ajudá la a conseguir um emprego Conclusão A primeira conclusão que a pesquisa sugere é que os alunos têm a tendência de ver a língua como um conjunto de palavras Aprender uma língua é aprender novas palavras uma ideia que é repetida constantemente pelos alunos incluindo decorar listas de palavras usar o dicionário ou alguma outra estratégia semelhante Um dia Maria teve uma idéia brilhante foi ao centro e comprou um monte de cartões Quando chegou em casa colou os cartões na parede com as palavras em inglês e sua tradução Assim ela aprendeu a falar inglês Walter Os alunos não faziam distinção entre ler em português e ler em inglês Em primeiro lugar pareciam não possuir o que poderíamos definir como consciência fonológica da língua estrangeira no sentido de que em inglês encontrariam sons inexistentes em português Em segundo lugar pareciam também ignorar que em inglês temos relações grafemasom diferentes das que existem em português Todos os exemplos sugerem que aplicando as regras grafofonológicas do português podese ler e pronunciar corretamente qualquer palavra em inglês Embora os alunos tivessem a tendência de definir o conhecimento de uma língua como a capacidade de falar a língua ninguém por exemplo mencionou o gravador como um recurso para sua aprendizagem Para eles o dicionário possibilita não apenas traduzir de uma língua para outra seguindo o método de palavra por palavra mas também serve para ensinar a falar Não há portanto consciência nem dos aspectos fonológicos nem sintáticos Aprender uma língua estrangeira é aprender seu léxico sobrepondose às letras os mesmos sons que temos na língua portuguesa ou seja ler com as mesmas regras grafofonológicas e finalmente dar às palavras o mesmo lugar na frase que elas 179 Língua Estrangeira ocupam em português A língua estrangeira é vista como uma paráfrase da língua portuguesa aprender uma outra língua é aprender sinônimos para as coisas que já são conhecidas A segunda conclusão é que os alunos viam a língua inglesa principalmente como uma matéria do currículo O inglês estava associado ao ambiente da sala de aula juntamente com as palavras que repetiram com mais frequência tais como livro caneta lápis caderno professor etc Na maneira de ver dos alunos aprendemos uma língua estrangeira da mesma maneira que aprendemos as outras disciplinas do currículo lendo dos livros fazendo anotações copiando palavras e estudando muito às vezes sozinhos Três alunos por exemplo escreveram que Maria só conseguiu aprender inglês depois que ela se fechou no seu quarto por várias tardes Mesmo em termos de objetivos a principal razão citada para aprender inglês estava relacionada ao ambiente escolar isto é tornarse professor de inglês O uso autêntico da língua foi visto como algo muito distante de sua experiência imediata de aluno viável apenas para a pessoas que tinham a oportunidade de viajar para o exterior Os alunos parecem ter feito uma distinção entre o que eles aprendem e o inglês que a personagem da história aprenderia O inglês que eles aprendem é para a escola apenas será útil para eles se um dia voltarem como professores O uso autêntico da língua estrangeira é reservado para os personagens que terão a oportunidade de usála no contexto adequado Maria teve que aprender a falar dançar dizer os números Precisava conhecer o país as pessoas o governo Enfim ela teve que aprender como era a vida em inglês Karen O conceito da língua como paráfrase provavelmente mudará tão logo os alunos iniciarem o estudo da língua inglesa A partir das primeiras aulas provavelmente vão se dar conta de que as regras grafofonológicas do português não podem ser aplicadas ao inglês e que a ordem das palavras muitas vezes é diferente A 180 Vilson J Leffa descoberta de que a língua inglesa tem fonemas que não existem em português poderá demorar um pouco mais e pode ter uma relevância maior ou menor para o aluno dependendo de como o aluno vai usar a língua O conceito de inglês como matéria do currículo a meu ver tem implicações mais sérias porque pode permanecer inalterado à medida que os alunos passam pela escola Talvez seja fundamental que os professores de inglês ou de qualquer outra língua estrangeira despertem nos seus alunos a consciência de que a língua estrangeira é na verdade usada por muitas pessoas no seu dia a dia além dos professores de inglês 181 Língua Estrangeira Capítulo 9 A perspectiva do aluno universitário10 Introdução O objetivo deste capítulo é relatar uma pesquisa que foi conduzida para investigar quais eram os conceitos que alunos proficientes de língua estrangeira em nível universitário tinham sobre o ensino e a aprendizagem da L2 A ênfase estará no ensino da língua instrumental no caso a língua inglesa com concentração na área da leitura Esperase que os resultados possam ter implicações também para outras línguas e mesmo para outras habilidades além da leitura Os procedimentos usados no ensino instrumental da língua estrangeira estão baseados em determinados pressupostos sobre a teoria da leitura e de como ela deve ser implementada na sala de aula Alguns exemplos tradicionais desses pressupostos entre outros são de que os leitores devem contribuir com seu conhecimento de mundo para a construção do sentido do texto de que os leitores não precisam processar toda a informação disponível no texto para chegar ao significado e de que a deficiência na língua pode ser compensada por outras fontes de conhecimento Em termos de aprendizagem certas estratégias de tratamento do texto são selecionadas e ensinadas aos alunos Exemplos típicos dessas estratégias incluem entre outros como usar as informações tipográficas do texto impresso como fazer previsões a partir do título como usar as ilustrações além de outros procedimentos mais abstratos como ler em busca do significado reconhecer pistas retóricas e inferir o significado das 10 Uma versão anterior deste capítulo em inglês foi publicada em LEFFA Vilson J Students As Esp Teachers An Investigation Of Successful Students Assumptions On Reading And Methodology In LEFFA Vilson J Org Autonomy in language learning Porto Alegre UFRGS 1994 p 265272 182 Vilson J Leffa palavras desconhecidas Embora essas estratégias possam ser consideradas como parte de um procedimento padrão nas aulas de língua instrumental elas não raro têm recebido algumas críticas não só de alunos dos cursos instrumentais como até de professores que às vezes vindos de outros áreas de ensino da L2 sentem um certo estranhamento quando são aconselhados a adotar essas estratégias Alguns professores por exemplo ficam relutantes diante da ideia de que deveriam incentivar seus alunos a ir adiante na leitura quando encontram uma palavra desconhecida principalmente quando isso significa contornar o processamento sintático da frase Parecem acreditar que os níveis superiores da leitura semânticos ou discursivos só podem ser alcançados se os níveis inferiores forem devidamente cuidados A compreensão do texto é vista como a culminância de um processo longo e árduo de aprendizagem da língua onde não há lugar para qualquer atalho Leitores menos proficientes da L2 por outro lado também parecem frustrarse quando são aconselhados a olhar além das palavras desconhecidas para encontrar o significado do texto Veem no léxico desconhecido não apenas um alerta de sua ignorância mas também uma fonte potencial de confusão e insegurança uma armadilha feita para traílos de todas as maneiras possíveis A orientação de que os leitores de L2 devem adivinhar o sentido das palavras pelo contexto pode soar como um insulto para eles principalmente para aqueles que não fazem outra coisa quando forçados a ler um texto em língua estrangeira Sentem que têm o direito de receber algo mais útil nas aulas de língua instrumental Considerando os procedimentos tradicionais para o ensino instrumental da língua estrangeira parece termos um conhecimento razoável das percepções daqueles que defendem e daqueles que criticam esses procedimentos tanto de professores como de alunos não proficientes Esse conhecimento vem não só através da produção científica da área formalmente reconhecida mas também de depoimentos informais de colegas e alunos ouvidos na sala de aula e nos corredores Pouco se sabe no 183 Língua Estrangeira entanto da percepção daqueles que mais podem contribuir para uma avaliação dos procedimentos tradicionalmente usados os alunos bem sucedidos no estudo instrumental da L2 É o que se propõe fazer neste capítulo O estudo realizado O que se tem investigado sobre a percepção que os alunos têm da metodologia de ensino instrumental ex CELANI et al 1988 geralmente enfoca as reações dos alunos a um determinado curso de língua instrumental usando dados que são coletados depois que os alunos passaram pelo curso A pesquisa relatada aqui adota uma abordagem diferente usa como sujeitos alunos que são leitores proficientes da L2 mas que nunca assistiram a um curso de língua instrumental A hipótese é de que como são leitores proficientes sua percepção da compreensão leitora e mesmo do ensino da leitura deveria ser semelhante ao que é considerado certo quando se trata do ensino instrumental da língua estrangeira Parto aqui da premissa de que muitos dos procedimentos usados em língua instrumental estão baseados em pressupostos que ainda não foram adequadamente testados Se esses alunos que não estão familiarizados com a terminologia do ensino instrumental reproduzirem aspectos que concordem com esses pressupostos isso certamente validaria alguns dos procedimentos usados no ensino da língua instrumental Por outro lado se não houver o acordo os procedimentos talvez precisem de uma revisão e as críticas contra o que é feito no instrumental talvez tivessem fundamento Os sujeitos foram 22 alunos universitários do curso de Inglês para Computação Eles foram selecionados de um grupo original de 68 alunos através de um teste de compreensão em leitura e classificados em 2 subgrupos separados 1 o grupo de leitores proficientes com um escore de acertos superior a 90 e 2 o grupo dos nãoproficientes reunindo os leitores com escore abaixo de 40 184 Vilson J Leffa Os alunos do grupo proficiente tinham uma experiência considerável na língua estrangeira ou por terem feito cursos específicos em escolas de língua inglesa ou por já lerem com frequência revistas em sua área de interesse dois deles já tinham morado em países de fala inglesa Os alunos do grupo não proficiente via de regra justificavam sua falta de competência na língua pelo fato de não terem tido um bom curso de inglês na escola ou por não terem condições de frequentar um curso particular de línguas O teste de compreensão de leitura usado para classificar os sujeitos tinha quatro tipos diferentes de compreensão classificadas como 1 varredura scanning exemplo Que idade tinha Penrose quando o artigo foi publicado 2 skimming ideia principal exemplo Que parágrafo descreve a limitação do computador às regras 3 leitura detalhada exemplo Por que as críticas do físico irritaram os pesquisadores da inteligência artificial 4 leitura crítica exemplo O que o artigo está tentando provar Os resultados do teste de compreensão em leitura mostraram uma variação muito grande nos escores sugerindo que enquanto os melhores alunos em termos de proficiência em leitura poderiam ser comparados aos falantes nativos os alunos mais fracos ficavam bem abaixo do nível intermediário Procedimentos Os onze leitores mais proficientes foram alinhados com os onze menos proficientes formando onze duplas A tarefa para os leitores menos proficientes foi selecionar um artigo publicado numa revista em língua estrangeira e fazer uma resenha crítica do artigo em língua portuguesa O aluno proficiente de cada dupla deveria agir como orientador ajudando o outro aluno o orientando a selecionar o artigo e resolver problemas de compreensão A principal tarefa do aluno orientador foi escrever um diário que deveria ser o mais completo possível descrevendo 185 Língua Estrangeira tudo o que aconteceu em cada encontro com o aluno orientando Deveria incluir um relato detalhado de como a revista foi examinada porque alguns artigos foram rejeitados e que critérios foram usados para a escolha final do artigo Em relação às dificuldades encontradas pelo orientando ao tentar ler e compreender o artigo selecionado o aluno orientador deveria 1 fazer um inventário completo dessas dificuldades 2 especificar sua natureza léxico estrutura sintática tópico etc 3 descrever o processo usado na tentativa de resolver cada atividade dando o maior número possível de detalhes Foi esclarecido a cada aluno que suas tarefas tanto a resenha escrita pelo orientando quanto o diário escrito pelo orientador seriam avaliadas individualmente Foi negociado com os alunos orientadores que o principal critério para o diário seria a completude os diários que fornecessem mais detalhes receberiam notas mais altas Os alunos foram também informados de que os diários escritos por eles seriam usados como dados para um projeto de pesquisa e concordaram em produzir pelo menos dez páginas de texto para cada diário o equivalente a 3000 palavras Os 11 diários escritos pelos alunos orientadores 8 alunos e 3 alunas somaram 115 páginas de texto em espaço duplo 34470 palavras Apesar do compromisso assumido por todos de escrever pelo menos 10 páginas dois alunos tiveram uma produção menor um com 7 páginas e outro com apenas 3 O aluno que mais escreveu produziu um diário de 17 páginas Resultados O objetivo ao se analisar os diários foi tentar encontrar nos textos como os alunos orientadores ajudaram os orientandos O exame dos dados mostrou que a ajuda ocorreu em dois momentos Inicialmente tanto o aluno orientador como o orientando ficaram envolvidos com a seleção do artigo que embora fizesse parte de uma fase preliminar tomou muito mais tempo do que o esperado 186 Vilson J Leffa incluindo visitas à biblioteca pesquisa em diferentes publicações até chegar a uma decisão final No segundo momento concentraramse no texto selecionado tentando resolver os problemas de compreensão que surgiram a partir dele A seleção do artigo mostrouse bem mais difícil do que se esperava Os dados dos diários mostram que as onze duplas inspecionaram mais de 200 artigos Um inventário dos motivos da rejeição mostrou que os principais foram extensão muito longa falta de interesse no tópico dificuldade linguística falta de conhecimento do tópico e uso de jargão técnico O tamanho parece ter assustado pela necessidade de uma leitura detalhada do texto o que provavelmente demandaria mais tempo do que tinham planejado para a tarefa A dificuldade linguística foi sentida como um problema lexical Muitas palavras não eram nem encontradas no dicionário e sintático As frases eram muito complexas Os critérios que mais pesaram na escolha final do artigo foram 1 interesse do leitor no tópico Queríamos saber como o equipamento funcionava Escolhi o artigo sobre scanners porque queria comprar um e 2 uso de linguagem acessível pelo autor O vocabulário era fácil Havia poucas expressões idiomáticas Alguns alunos também consideraram a apresentação gráfica do texto O artigo tinha gráficos e figuras que ajudavam na compreensão Os alunos inspecionaram diferentes fontes incluindo livros didáticos periódicos acadêmicos e revistas de popularização da ciência Os livros didáticos foram todos rejeitados sob a alegação de que eram muito longos ou desatualizados Os periódicos acadêmicos foram considerados muito técnicos apresentando artigos sobre tópicos com os quais os alunos não estavam familiarizados Os onze artigos finalmente selecionados foram retirados de revistas de popularização da ciência com uma única exceção Datamation todos as outras revistas eram facilmente encontradas nas grandes bancas de revistas A favorita foi Byte Magazine com oito escolhas Uma dupla escolheu Time Magazine que embora sendo uma publicação semanal de notícias gerais trazia no exemplar escolhido uma reportagem sobre computadores Uma dupla 187 Língua Estrangeira escolheu Amiga Magazine publicação dedicada aos computadores da marca Amiga Os dados mais importantes dos diários estão no segundo momento quando o aluno orientador e o orientando fizeram uma leitura detalhada do artigo selecionado Esses dados mostram que a leitura foi feita de duas perspectivas diferentes Para o orientando os textos apresentavam problemas linguísticos principalmente de vocabulário o que esperavam do orientador era que ajudasse a esclarecer o significado das palavras desconhecidas Os orientadores por outro lado quando tentavam resolver os problemas apresentados pelos orientandos pareciam não estar dispostos a se concentrar apenas nos problemas linguísticos mas também nas estratégias que deveriam usar para vencer as dificuldades encontradas no texto O que segue é um inventário daquilo que esses orientadores aconselharam aos seus orientandos tanto em termos de estratégias de leitura como em termos de aspectos linguísticos Em relação às estratégias de leitura a sugestão mais frequente foi de que os orientandos deveriam ignorar as palavras que eles não conheciam Todos os nomes são fictícios mantendo apenas o sexo do sujeito Eu aconselhei que não parasse diante das palavras desconhecidas que deixasse elas de lado tentando usar aquelas que ele sabia pois seria muito cansativo e inútil traduzir todas as palavras do texto já que ele poderia entender todo o texto se pegasse as ideias principais Vinicius Descobrimos que o fato de não conhecer uma palavra num parágrafo não afeta a compreensão Anne O melhor que se pode fazer é tentar ler o texto e pegar a ideia sem se preocupar com as palavras na página Klaus A metodologia foi a seguinte primeiro olhamos o texto na sua totalidade sem dicionário ou anotações Lemos cada parágrafo rapidamente e discutimos as questões básicas Ruth 188 Vilson J Leffa Expliquei para o meu orientando que quando encontramos uma palavra desconhecida e vemos que ela não é importante na frase podemos ignorála Isso ajuda a entender o texto porque não há uma interrupção para procurar a palavra no dicionário de modo que a leitura flui naturalmente Juliano Sugeri que ele parasse de procurar as palavras no dicionário e sempre procurasse ler a frase inteira deixando para o fim as dúvidas sobre vocabulário Roger Uma sugestão relacionada a essa de ignorar o léxico desconhecido foi de que os leitores deveriam usar o contexto para adivinhar significado das palavras O uso do contexto poderia ocorrer em diferentes níveis desde a informação sintática até o nível mais elevado do discurso Tentei mostrar também que quando não sabemos o significado de uma palavra podemos adivinhar achando a palavra original e depois o significado do prefixo ou sufixo que foi adicionado Vinicius Deduzimos da frase que dot era ponto Ruth Adivinhamos que garner era guardar Juliano Sempre que surgia um problema tentávamos construir o significado de uma palavra ou estrutura lendo adiante ou relendo o que tinha vindo antes Gabriel O uso do contexto para inferir o significado às vezes deixava alguns alunos indecisos Coated paper pode significar papel grosso ou papel coberto com alguma coisa Temos que ver no dicionário Ruth Usar o contexto é bom mas nem sempre funciona Quando uma palavra ou expressão é repetida muitas vezes no texto 189 Língua Estrangeira isso é um sinal de que é uma palavra importante nesse caso é recomendar procurar o significado exato Anne Em relação ao aspecto linguístico os alunos orientadores focalizaram três pontos formação de palavras léxico em geral e sintagmas nominais Alguns exemplos em termos de formação de palavras Procure ver as partes que compõem a palavra pois aí podemos associar a palavra a outras que já conhecemos Juliano Procurei mostrar o significado das partes de uma palavra para que ele pudesse chegar ao significado total Os significados diferentes de ing foi um dos problemas Gabriel Eu disse para ele que muitas vezes podemos saber o significado de uma palavra olhando sua terminação como ly ing ment Gustavo O léxico que foi considerado o problema mais sério da perspectiva do aluno orientando também foi considerado uma questão importante para o aluno orientador A compreensão total do texto dependia quase exclusivamente do conhecimento do vocabulário Ruth A maior parte das dificuldades estava no vocabulário Anne Quando não tratado indiretamente através da análise da palavra ou da inferência pelo contexto os problemas lexicais foram abordados de quatro maneiras diferentes 1 tradução 2 uso do dicionário 3 explicação e 4 exemplificação No caso da tradução a palavra era simplesmente traduzida pelo aluno orientador Quando a palavra era procurada no dicionário dois critérios foram mencionados 1 importância ex 190 Vilson J Leffa o termo desconhecido era considerado uma palavra chave e 2 frequência de ocorrência Algumas palavras não eram encontradas no dicionário ex superpipeline outras eram encontradas mas o significado não se adequava ao contexto ex dithering Nesses casos dependendo da competência do orientador ofereciase uma explicação Eu disse para ele que flatbed era como no xerox onde a folha inteira é escaneada pela máquina Roger Houve também alguns casos de exemplificação em que o orientador procurava tornar o significado bem expressivo às vezes incluindo visualização Tiny holes o inseto era tão pequeno que era quase invisível Havia um buraco no meio da rua e um cara caiu dentro Este buraco era grande mas no texto são minúsculos Ruth Os sintagmas nominais foram apresentados como um problema sério No inventário apareceram exemplos como Intels doublefast CUPs Tightlypacked light sensors Standard database management system interface Alguns orientadores admitiram que foram incapazes de resolver alguns dos exemplos encontrados Esta expressão é uma que eu não sei resolver Acho que é preciso muita leitura e conhecimento do assunto Este caso está além da minha competência em inglês Vinicius Eu disse para ele que não podia dar uma tradução exata da expressão mas apenas uma ideia geral Gustavo 191 Língua Estrangeira Outros orientadores no entanto procuraram oferecer algum tipo de ajuda sugerindo algumas estratégias É o contrário do português Em inglês a palavra principal vem no fim Trate o resto como adjetivos ou advérbios Roger Minha sugestão neste ponto foi mostrar que a regra geral é considerar a última palavra como um substantivo e o que vem antes como adjetivos Para esses adjetivos a melhor sequência é aquela que faz sentido É comum também que uma mesma expressão tenha vários significados não se sabe realmente o que o autor queria dizer quando escreveu Juliano Essas citações refletem o ponto de vista da maioria dos alunos proficientes mas é preciso ressaltar que não há unanimidade aqui Dos onze alunos orientadores houve pelo menos um que demonstrou uma visão bastante conservadora da leitura e se concentrou totalmente no estudo do vocabulário À medida que a gente ia trabalhando ficou claro que quase todas os problemas do meu orientando estavam restritos ao vocabulário Cristiano O diário de Cristiano era uma longa lista de palavras em inglês com sua tradução em português Aparentemente só tentava inferir o significado quando a palavra não estava no dicionário Clunkier Não está no dicionário Pelo que está no texto dá para ver que não é uma palavra com significado positivo Talvez alguma coisa burocrática dolorosa enfadonha Dos onze alunos orientadores houve um que não forneceu dados suficientes para análise Aparentemente não teve tempo para se encontrar com seu orientando 192 Vilson J Leffa Conclusão Os onze leitores proficientes deste estudo foram solicitados a ajudar outros leitores não proficientes a selecionar um artigo auxiliar na leitura detalhada do texto e escrever um diário sobre a experiência O objetivo foi tentar descobrir qual o ponto de vista que esses leitores tinham da leitura e de seu ensino Os dados foram obtidos indiretamente através das entradas que faziam nos diários Há nessa metodologia dois fatores que a meu ver contribuem para a confiabilidade dos resultados Um é que os alunos orientadores não foram explicitamente solicitados a ensinar o outro a ler como se fosse um curso de leitura pediuse apenas que o ajudassem a entender um determinado e único texto Não houve portanto qualquer menção de que deveriam desenvolver habilidades de leitura em geral que pudessem servir para outros textos Não era um professor dando aula para uma turma era um aluno sentado ao lado de um colega tentando ajudálo O outro fator relacionado ao primeiro foi que os alunos também não foram solicitados a expor suas concepções sobre o que é leitura e como se ensina pediuse que escrevessem um diário da experiência O que acabou saindo sobre estratégias da leitura pode ser considerado como produção espontânea não diretamente solicitada pelo pesquisador Se sem serem solicitados optaram por expressar suas opiniões sobre o que entendem como uma metodologia do ensino da leitura fornecem dados que me parecem mais autênticos do que se fossem obtidos através de um outro instrumento como por exemplo um questionário Essas opiniões genuínas a meu ver sugerem que os leitores proficientes percebem a leitura como uma fusão de duas competências estratégica e linguística Em termos de estratégias de leitura destacaram a importância da leitura desobstruída aquela que flui o mais serenamente possível sem interrupções para buscar uma palavra no dicionário por exemplo Palavras desconhecidas devem ser inferidas do contexto ou mesmo 193 Língua Estrangeira ignoradas se não forem essenciais para o significado Em termos de competência linguística os leitores proficientes demonstraram preferência por uma abordagem diversificada do léxico à sintaxe incluindo por exemplo o estudo da formação de palavras e a estrutura dos sintagmas nominais Essas concepções não são muito diferentes do que pode ser considerado como procedimento padrão no ensino da língua instrumental da língua estrangeira Na prática há uma semelhança muito grande entre o que os leitores proficientes pensam do ensino da leitura e o que os professores experientes fazem na sala de aula Teoricamente a concepção dos alunos de que os leitores processam o texto seletivamente não é muito diferente do conceito de redundância de Goodman 1972 e da hipótese da compensação de Stanovich 1980 dois conceitos básicos que subjazem muitas das práticas no ensino instrumental da língua estrangeira A principal conclusão deste estudo portanto é de que aquilo que os professores de língua instrumental fazem na sala de aula apoiase não só no referencial teórico que embasa a disciplina mas também tem suporte nas crenças dos leitores proficientes de língua estrangeira Os resultados obtidos nesta investigação indicam de modo até veemente que se quisermos questionar o embasamento teórico da língua instrumental temos que questionar também as concepções que os leitores proficientes têm da leitura o que é uma tarefa mais difícil considerando que foi provavelmente por suas concepções que eles tornaramse leitores proficientes da língua estrangeira O problema a meu ver é a ameaça de uma ênfase exclusiva nas estratégias em detrimento da competência linguística O sentido que se constrói de um texto usando apenas a competência estratégica pode ser muito limitado na medida em que fica apenas no conhecimento prévio que já tenho do tópico sem possibilidade de expandilo Essa dicotomia entre a competência estratégica e linguística será o tópico do próximo capítulo 195 Língua Estrangeira Capítulo 10 A leitura da outra língua Uma crítica das estratégias11 Introdução O ensino da leitura em língua estrangeira tem se debatido a meu ver com um problema crucial ainda não resolvido pelas metodologias empregadas até o momento o que exatamente o aluno de nível universitário precisa aprender para usar adequadamente um texto escrito na língua estrangeira Dois pontos precisam ser definidos com clareza para responder a essa pergunta 1 o que é ler e 2 o que o aluno já sabe sobre o processo da leitura Uma definição do ato de ler deve incluir o papel da língua na leitura aspectos linguisticamente específicos e universais da leitura os diferentes objetivos com que se pode abordar um texto e a interação do leitor com o texto para a obtenção do significado Na avaliação do que um determinado aluno sabe explícita ou implicitamente sobre o processo da leitura incluemse noções de adequação entre o suporte de um texto e o texto propriamente dito conhecimento de estratégias para a solução de problemas encontrados na leitura e adequação entre estratégia e o objetivo da leitura Existe uma ampla bibliografia sobre a teoria e prática da leitura em primeira língua alguma coisa sobre a leitura na segunda língua e praticamente nada sobre o que o aluno universitário brasileiro sabe sobre leitura A opinião geral a julgar pelos comentários informalmente expressos em encontros de professores é de que o aluno universitário não sabe ler embora dados estatísticos sobre a real situação desse aluno em termos de leitura sejam inexistentes 11 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J A leitura da outra língua Leitura Teoria e Prática Campinas SP v 8 n 13 p 1524 1989 196 Vilson J Leffa De um lado temos portanto o fenômeno da leitura que se ainda não foi estudado com a profundidade com que desejariam alguns pesquisadores pode pelo menos ser explicado e aplicado através de vários modelos teóricos de acordo com a preferência de cada professor Do outro temos o aluno universitário brasileiro do qual muito se fala mas pouco se sabe Um perigo desse desnível de conhecimento é que se pode extrapolar o que se sabe sobre a teoria da leitura para compensar o que não se sabe sobre o aluno O pouco que existe de pesquisa sobre leitura em língua estrangeira no Brasil por exemplo são via de regra propostas para a aplicação de modelos importados da primeira língua e não pesquisas para testar a validade dessas propostas no contexto da língua estrangeira O risco maior dessa transposição da primeira para a segunda língua é que se pode estar tentando ensinar ao aluno o que ela já sabe deixando de ensinar o que ele realmente precisa aprender O fato de que no contexto da primeira língua o aluno possui o domínio básico do idioma enquanto desconhece as habilidades da leitura exatamente o contrário do que acontece no contexto da segunda língua pode invalidar muitas das premissas atualmente defendidas sobre o ensino da leitura na segunda língua Estratégias de leitura A maioria dos modelos propostos para o ensino da leitura em língua estrangeira deriva das teorias de Goodman 1976 e Smith 1978 A leitura não é um processo ascendente de decodificação do texto de mera extração de significados mas um processo descendente onde o leitor não extrai do mas atribui ao texto um significado O sucesso da compreensão leitora depende da atividade do leitor O bom leitor é aquele que sabe selecionar das inúmeras atividades possíveis do ato de ler aquela que é mais adequada ao texto e ao objetivo de uma determinada leitura Haverá momentos em que para resolver uma dúvida é aconselhável reler um determinado segmento do texto e outros em que o correto é 197 Língua Estrangeira prosseguir na leitura Segundo BROWN 1980 o leitor eficiente é aquele que 1 Determina o objetivo de uma leitura e seleciona as estratégias adequadas a esse objetivo se está procurando um automóvel nos anúncios classificados sabe como correr os olhos pela página até encontrar o que deseja 2 Identifica as ideias principais e secundárias de um texto sabe quando o autor está resumindo um parágrafo dando um exemplo ou acrescentando um detalhe 3 Distribui a atenção de maneira diferenciada concentrandose mais nos aspectos importantes e menos nos detalhes 4 Avalia constantemente a compreensão estou entendendo muito bem isto aqui esta parte não entendi bem 5 Interrogase para avaliar se os objetivos da leitura estão sendo atingidos o que não entendi é importante para o que quero desta leitura 6 Toma medidas corretivas quando detecta falhas na compreensão relê o parágrafo lê adiante consulta o dicionário faz um esquema 7 Recuperase das distrações ocorridas durante a leitura O uso dessas estratégias dá ao leitor a capacidade de avaliar a própria compreensão fazendo com que a leitura deixe de ser uma atividade mecânica para se tornar um processo consciente de construção do significado O leitor voltase para si mesmo e metacognitivamente vai adquirindo maior consciência do próprio ato de ler À medida que vai desenvolvendo essa consciência o leitor tornase mais eficiente aprende a detectar ambiguidades e incoerências do texto questiona o que lê estabelece objetivos para cada tipo de leitura avalia o próprio comportamento durante o ato da leitura aprende a resolver problemas de compreensão selecionando as estratégias adequadas tornase eficiente na adoção de diferentes estilos de leitura para atingir diferentes objetivos 198 Vilson J Leffa Uma característica comum dos vários modelos propostos para o ensino da leitura em língua estrangeira é a ênfase nessas estratégias metacognitivas A meu ver podemos encaixar esses modelos em três paradigmas fundamentais 1 o paradigma aluno nãosabe 3 o paradigma algunsalunossabem e 3 o paradigma todososalunossabem Segundo o paradigma alunonãosabe para aprender a ler é preciso adquirir estratégias específicas cujo conhecimento é de domínio do professor À medida que o aluno vai frequentando as aulas o professor vai aos poucos revelando as estratégias e treinando os alunos no seu uso O paradigma algunsalunossabem apresenta uma sofisticação maior Alguns alunos sabem ler outros não O que o professor tem a fazer é identificar as estratégias dos alunos que sabem e ensinálas aos que não sabem Finalmente no paradigma todososalunossabem o professor trabalha no sentido de mostrar ao aluno que o que ele já sabe deve ser usado para ajudar naquilo que ele ainda não sabe Paradigma alunonãosabe O que o aluno não sabe e que o professor tenta ensinálo nesse paradigma é que a leitura é um jogo psicolinguístico de adivinhação GOODMAN 1976 O leitor processa apenas parte da informação dada pelo texto explorando a redundância da língua e seu próprio conhecimento de mundo para preencher os segmentos não processados e obter assim uma representação adequada do texto Pelo suporte do texto jornal rótulo pelo título ilustrações e recursos tipográficos o leitor pode prever o conteúdo de um determinado texto acionar os esquemas psicolinguísticos apropriados e ter uma compreensão melhor do que se desviasse sua atenção para o significado de cada palavra A concentração da atenção nos componentes mais elevados da leitura uso de inferências estabelecimento do objetivo de uma determinada leitura etc é uma das condições essenciais para atingir a compreensão 199 Língua Estrangeira Segundo Clarice Silberstein 1977 cabe ao professor treinar os alunos para descobrir seus próprios objetivos e estratégias para cada tipo de leitura darlhes prática e incentivo no uso de um número mínimo de pistas semânticas e sintáticas para obter o máximo de informação e incentiválos para que se arrisquem adivinhem e ignorem os impulsos de estarem sempre corretos p 135 Descontando pequenas variações entre livros didáticos e problemas de especificação de terminologia é possível classificar as estratégias de leitura em quatro grandes tipos 1 rastreamento scanning 2 leitura dos pontos principais skimming 3 leitura detalhada e 4 leitura crítica O rastreamento de um texto em busca de uma informação específica é a estratégia de leitura de mais fácil implementação pedagógica Essencialmente consiste em passar os olhos rapidamente pela página até encontrar a informação desejada Segmentos em que tipicamente se faz o rastreamento são compostos de números e palavras isoladas em vez de frases e parágrafos Entre os exemplos desse tipo estão os dicionários listas telefônicas anúncios classificados cardápios programação de televisão horário de aviões etc A leitura dos pontos principais visa captar numa leitura rápida a ideia geral de um determinado texto Usase essa estratégia por exemplo quando se deseja apenas descobrir qual o tópico de um determinado artigo que posição assume o autor em relação ao tópico ou se o texto merece ou não uma leitura posterior mais atenta A técnica geralmente envolve a elaboração de inferências a partir do título subtítulos ilustrações nome do autor leitura da primeira frase de cada parágrafo etc A leitura detalhada visa tanto quanto possível a compreensão total do texto incluindo as ideias principais e os detalhes É a leitura no sentido mais tradicional do termo ou seja a capacidade de usar as habilidades do ato de ler incluindo as pistas grafofonêmicas lexicais sintáticas e discursivas Finalmente a leitura crítica leva o leitor a tomar uma posição diante do texto questionando entre outras coisas o 200 Vilson J Leffa objetivo para o qual o texto foi produzido o tipo de leitor para quem foi escrito o conhecimento prévio pressuposto pelo autor Cabe ainda neste tipo de leitura o questionamento da validade das conclusões diante da evidência mostrada pelo autor o desenvolvimento da capacidade de discriminar fato de opinião e o estabelecimento de relações entre o que o autor propõe e a experiência pessoal do leitor O maior problema do ensino da leitura em língua estrangeira está a meu ver na leitura detalhada justamente a que o aluno encara como a verdadeira leitura e que significa pegar um artigo de uma revista ou o capítulo de um livro e lêlo do começo ao fim sem maiores problemas de compreensão É a leitura independente que flui rápida e fácil sem necessidade de constantes idas ao dicionário ou outros tipos de interrupção Para atingir esse nível de leitura várias estratégias de aprendizagem têm sido propostas Entre as mais comuns temos o uso do contexto análise morfológica da palavra desconhecida identificação por semelhança com uma palavra cognata uso do conhecimento de mundo prosseguimento na leitura ignorando a palavra desconhecida uso de pistas gráficas sintáticas e retóricas etc O uso do contexto para inferir o significado é a estratégia citada com mais frequência Inferir o significado de palavras novas usando o contexto é provavelmente a habilidade mais importante Os alunos devem ser conscientizados de que há um grande número de pistas lingüísticas que podem ser usadas quando se encontra uma palavra desconhecida Precisam saber que normalmente é possível continuar a leitura e obter uma compreensão geral da palavra Ao trabalhar com o contexto os professores devem conscientizar os alunos dos parâmetros sintáticos e semânticos Podese enfatizar a redundância da língua demonstrando os tipos de contextos que podem fornecer o significado de uma palavra desconhecida CLARKE SILBERSTEIN 1977 p 145 201 Língua Estrangeira A meta básica do paradigma alunonãosabe é desenvolver no aluno um repertório variado de estratégias Sarig 1987 lista 44 estratégias de leitura que o aluno pode usar para tentar a compreensão do texto Paradigma algunsalunossabem Enquanto que no paradigma anterior partese de um referencial teórico préexistente elaborado para explicar o fenômeno da leitura em termos gerais geralmente em relação à língua materna no paradigma algunsalunossabem procurase num primeiro momento descobrir quais as estratégias usadas pelos bons leitores para depois num segundo momento ensinar essas mesmas estratégias aos outros alunos Após uma série de estudos Hosenfeld 1977 entrevistando bons e maus leitores concluiu depois de examinar os protocolos das entrevistas que há muitas diferenças entre um tipo de leitor e outro O bom leitor retém o significado do texto na memória à medida que lê lê em segmentos grandes não palavra por palavra ignora as palavras que não são importantes para o significado total da frase e tem um autoconceito positivo como leitor H0SENFELD 1977 p 120 O mau leitor esquece o significado das frases assim que as decifra lê em segmentos pequenos raramente vê uma palavra como menos importante já que para ele todas as palavras têm importância igual em termos de sua contribuição para o sentido da frase e tem um autoconceito negativo como leitor p 120 A primeira tarefa do professor dentro desse paradigma é identificar as estratégias de leitura usadas pelos alunos Para isso 202 Vilson J Leffa o aluno deve ser instruído em como relatar ao professor a maneira pela qual atribui significado a um texto Esse relato deve ser feito tanto quanto possível de modo introspectivo no decorrer do próprio ato da leitura Durante a entrevista cada aluno é solicitado a pensar em voz alta à medida que vai lendo enquanto o professor anota as estratégias observadas numa ficha Com base nos dados da ficha é possível fazer um perfil de cada aluno que estratégias são usadas e se de modo satisfatório ou não Feito esse levantamento o professor procura desenvolver o conceito de estratégias no aluno demonstrando que há estratégias que ajudam a compreensão tomando a leitura mais rápida e eficiente outras que dificultam e até impedem a compreensão e finalmente outras que parecem ajudar mas que atrapalham a leitura tornandoa pesada e cansativa Partese então para a instrução prática e integração das estratégias de leitura iniciando com textos na língua materna do aluno e promovendo a transferência dessas estratégias para a leitura da língua estrangeira A meta é levar o aluno a explorar com inteligência a redundância do texto Usando o contexto de modo adequado diminuise o número de consultas ao dicionário e a leitura tornase mais rápida significativa e interessante Paradigma todososalunossabem Ao contrário do aluno que está aprendendo a ler na língua materna o aluno que precisa aprender a ler numa segunda língua principalmente o aluno universitário já possui uma grande experiência de mundo incluindo a vivência com vários tipos de textos A hipótese é de que esse conhecimento pode auxiliálo no que ele ainda não sabe para usar adequadamente o texto da língua estrangeira É o que se conhece na teoria da leitura como hipótese da compensação Quando uma determinada fonte de conhecimento para a obtenção do significado não pode ser ativada outras fontes de conhecimento ampliam sua atuação de modo que por caminhos alternativos chega o leitor também ao significado do texto Onde 203 Língua Estrangeira faltar por exemplo familiaridade com uma determinada palavra o leitor pode recorrer ao esquema mental ativado durante a leitura e deduzir o significado da palavra desconhecida A teoria funciona nas duas direções tanto do geral para o particular como do particular para o geral Segundo Stanovich Déficit em qualquer fonte de conhecimento resulta numa dependência maior em outras fontes de conhecimento independente de seu nível na hierarquia de processamento Assim de acordo com o modelo compensatório interativo o leitor fraco que é deficiente na habilidade de análise de palavras pode talvez demonstrar maior emprego dos fatores contextuais itálicos no original STANOVICH 1980 p 63 Crítica dos paradigmas No primeiro paradigma o alunonãosabe partese a meu ver de uma abordagem primordialmente quantitativa O sucesso na leitura está relacionado à proficiência do leitor no uso de diversas estratégias Para aprender a ler na língua estrangeira o que o aluno precisa é aprender essas estratégias Quanto mais estratégias o leitor conhece e aplica mais eficiente será sua leitura O primeiro problema desse paradigma é que o uso de uma estratégia é por definição uma atividade consciente e que envolve portanto a atenção Quando o leitor por exemplo encontra uma palavra desconhecida e precisa usar o contexto para adivinhar o significado da palavra ou reduzir a incerteza a atenção é desviada e o processo de compreensão da leitura fica momentaneamente suspenso A compreensão é mais eficiente quando não se encontram problemas de compreensão Outro problema desse paradigma repousa a meu ver numa incoerência De um lado pressupõese que a leitura seja um fenômeno universal facilmente transferível de uma língua para outra de outro propõese que o leitor de uma língua para aprender a ler em outra deva ser instruído no uso de estratégias de leitura que fundamentalmente não são diferentes de uma língua para outra 204 Vilson J Leffa A constatação de que ao ler numa língua estrangeira o leitor precisa apelar conscientemente a um número maior de estratégias demonstra a meu ver que a solução não está em desenvolver mais estratégias mas em criar um outro tipo de conhecimento que dispense ou pelo menos diminua a necessidade de usar tantas estratégias Que tipo de conhecimento é esse veremos mais adiante O paradigma algunsalunossabem segue uma abordagem mais qualitativa O importante não é a quantidade de estratégias usadas pelo leitor mas a sua qualidade já que segundo o paradigma há estratégias certas e erradas O papel do professor é fazer um levantamento das estratégias certas junto aos bons leitores e dar condições para que os leitores deficientes as aprendam Entendese geralmente por estratégia certa aquela que parte dos níveis superiores da leitura ex uso de inferências O bom leitor é aquele que não só capitaliza na redundância da língua para chegar ao significado mas que também usa seu próprio conhecimento de mundo para preencher as lacunas do texto Pesquisas realizadas sobre o papel dessas estratégias na leitura em segunda língua têm no entanto lançado algumas dúvidas sobre sua eficácia Não é fácil estabelecer uma relação inequívoca entre o uso de estratégias consideradas como certas e a proficiência em leitura Bialystok 1979 após um levantamento das estratégias de inferência relatadas pelos alunos uso de ilustrações conhecimento prévio do assunto contexto palavras cognatas descobriu que o maior ou menor grau de inferência usada pelos leitores não tinha relação com o grau de compreensão da leitura Cohen 1986 ao descrever uma série de estudos sobre estratégias de leitura realizadas na Universidade Hebraica de Jerusalém transcreve o seguinte protocolo de uma leitora considerada entre as mais eficientes do grupo 205 Língua Estrangeira Ao encontrar um problema uso o dicionário e pergunto aos outros Nunca pulo uma frase ou uma palavra Tudo é importante Leio sempre palavra por palavra e quase sempre recomeço a leitura quando não entendo alguma coisa Não me canso e não desisto COHEN 1986 p 11 O que é portanto considerado como uma estratégia errada leitura palavra por palavra é no caso dessa leitora uma estratégia eficaz em termos de compreensão de leitura Sobre as limitações do paradigma todososalunossabem é interessante lembrar em primeiro lugar que para Stanovich que propõe o modelo interativo da compensação o acionamento do mecanismo de compensação caracteriza não a leitura eficiente mas a leitura deficiente A leitura ideal flui automaticamente sem necessidade de busca de informações adicionais nos elementos contextuais ou na experiência prévia do leitor Para Stanovich é sempre mais eficiente ler e entender a palavra seguinte do que elaborar hipóteses sobre seu significado A ideia de que uma maior habilidade em usar a redundância contextual para facilitar o reconhecimento de palavras também diferencia o bom do mau leitor pode estar errada STANOVICH 1980 p 45 O bom leitor pode ser mais sensível ao contexto mas depende menos dele p 46 Uma limitação mais séria da hipótese da compensação é que ela talvez não funcione como propõe Stanovich Freebody Anderson 1983 em dois experimentos com alunos de sexta série do primeiro grau não conseguiram comprovar a hipótese No primeiro experimento não detectaram qualquer interação entre dificuldade de vocabulário e coesão textual A explicação sugerida pelos autores é de que a inexistência dessa interação se deveu ao fato de que apenas o vocabulário afetou a compreensão da leitura o grau de coesão do texto em si não produziu qualquer efeito No segundo experimento além da dificuldade de vocabulário os autores controlaram a ativação de esquemas sobre o assunto do texto A ativação de esquemas adequados familiaridade com o tópico influi na compreensão do texto Não 206 Vilson J Leffa houve no entanto mais uma vez qualquer interação entre familiaridade com o tópico e dificuldade do vocabulário Segundo os autores esses resultados não confirmaram a hipótese de que a presença de uma fonte de conhecimento pode compensar a falta de uma outra O paradoxo do vocabulário O domínio consciente de estratégias de leitura não parece ser portanto o conhecimento mais importante para habilitar alguém a ler numa língua estrangeira A tese de que o aluno universitário deve receber instrução maciça em técnicas de leitura rastreamento do texto leitura dos pontos principais leitura detalhada inferenciação a partir do contexto etc para compensar a falta de conhecimento da língua é no mínimo questionável Duas coisas podem acontecer quando o leitor tenta usar suas estratégias de leitura numa língua que não conhece Em primeiro lugar usando a terminologia de Clarke 1980 as estratégias podem entrar em curtocircuito a falta de competência linguística impede o leitor de transferir para a segunda língua as estratégias que aprendeu na primeira Em segundo lugar geralmente quando conhece a língua um pouco melhor o leitor consegue aplicar a estratégia mas distorce o significado submetendo o texto aos limites de seu conhecimento do mundo Em vez de adequar a estratégia ao texto muda o texto para que possa ser usado pela estratégia que aplica Um exemplo dessa distorção é apresentado por Laufer Sim 1985 Após lerem um texto de Margaret Mead em que a autora sugere que meninos e meninas devem receber uma educação diferente os sujeitos da experiência insistiram erroneamente que a autora defendia a mesma educação para ambos os sexos A causa do erro de interpretação só apareceu na entrevista com os alunos quando afirmaram que ninguém hoje em dia ia ter a coragem de sugerir uma educação diferente para homens e mulheres muito menos uma escritora LAUFER SIM 1985 p 9 207 Língua Estrangeira Esses e outros estudos LEFFA 1984 ATTAPRECHAKUL 1984 parecem sugerir à primeira vista que o que o aluno precisa mesmo num curso de leitura em língua estrangeira não é instrução nas técnicas de leitura mas instrução na língua Leitura no sentido comum da palavra é uma manifestação da língua não existindo leitura sem processamento sintático O próprio Goodman reconhecia isso Realmente creio que o leitor deve passar pela sintaxe para chegar ao significado GOODMAN 197677 p 579 Mesmo proponentes de abordagens estratégicas para o ensino da leitura em língua estrangeira parecem aceitar a prioridade do conhecimento da língua Tentar ensinar alguém a usar as pistas fonêmicas morfêmicas sintáticas semânticas e discursivas de uma língua antes que ele saiba quais são como e quando ocorrem e suas variações contextuais parece fora da realidade CLARKE 1979 p 139 Ênfase na língua porém esbarra num paradoxo da leitura a compreensão do texto está altamente correlacionada com o conhecimento do vocabulário mas o ensino do vocabulário não aumenta a compreensão do texto Isso foi demonstrado entre outros pesquisadores por Tuinman Bray 1974 No préteste da experiência usando alunos do primeiro grau mediram seu nível de compreensão do texto e o conhecimento do vocabulário difícil encontrado no texto Depois usando diferentes exercícios treinaram os alunos no domínio das palavras difíceis através de definições exemplos e até uso de contexto Finalmente no pós teste mediram a aprendizagem do vocabulário e a compreensão do texto O conhecimento do vocabulário aumentou cerca de 20 mas a compreensão do texto permaneceu praticamente a mesma 208 Vilson J Leffa Uma direção a pesquisar Os resultados das pesquisas realizadas no campo da leitura tanto da primeira como da segunda línguas parecem apontar para uma constatação bem simples não é possível ainda especificar o que o aluno precisa aprender para poder ler na língua estrangeira certamente não são listas de palavras desconhecidas o ensino da língua para a leitura e provavelmente não são estratégias a leitura o ensino da leitura na língua Não é possível ainda e talvez nem desejável decompor o ato da leitura em pequenos elementos identificar que conteúdos o aluno já possui e dar a ele instrução específica nos conteúdos que ele ainda não tem Por enquanto a receita mais segura para se aprender a ler é lendo A proposição provavelmente mais fácil de enunciar do que implementar implica uma revisão das práticas e conceitos mais ou menos consagrados no ensino da leitura da língua estrangeira Essas práticas a meu ver incorrem em mais uma incoerência a do texto autêntico Uma premissa implícita nas técnicas de leitura usadas no ensino da leitura em língua estrangeira é de que deve haver uma adequação entre o texto e o leitor ou seja um determinado texto é sempre produzido tendo em vista um determinado leitor No entanto ao defender que o aluno num curso de leitura em língua estrangeira deve ser exposto ao texto autêntico está se expondo o aluno a um texto que absolutamente não foi produzido para ele A ideia amplamente apregoada de que se deve simplificar a tarefa de leitura e não o texto é em minha opinião um sofisma que tem sido a causa de muitos fracassos de cursos de leitura em língua estrangeira A insistência em textos autênticos que muitas vezes exigem uma competência linguística que o aluno não possui pode impedir que o aluno leia e não lendo não aprende a ler Os textos simplificados por outro lado têm se caracterizado pela insipidez secura de estilo de pouco valor comunicativo e até de inteligibilidade reduzida pela amputação de marcadores retóricos importantes A meu ver o maior problema com os textos 209 Língua Estrangeira simplificados existentes atualmente é que eles são produzidos para um mercado internacional para serem consumidos tanto pelo aluno de uma escola secundária chinesa como pelo aluno universitário brasileiro que em comparação com o aluno chinês para citar apenas duas diferenças fala uma outra língua e lê numa outra ortografia É muito difícil produzir um texto que atenda satisfatoriamente leitores tão distantes e tão diferentes Acredito que a solução para propiciar experiência de leitura a alunos principiantes não está nem em textos simplificados nem em textos autênticos mas em textos que poderíamos chamar de simulados A característica do texto simulado e sua vantagem sobre o texto simplificado é que dependendo da primeira e segunda línguas envolvidas podese produzir textos com as características essenciais do discurso autêntico No caso por exemplo do aluno universitário brasileiro falante da língua portuguesa que precisa ler textos em língua inglesa mesmo com conhecimento primário dessa língua é possível preparar textos simulados altamente inteligíveis para o aluno sem prejudicar a coesão que caracteriza o texto verdadeiro A passagem pelos textos simulados pode ser rápida e deve combinar facilidade de texto com facilidade de tarefa de leitura em ordem crescente de dificuldade Quanto à introdução dos textos autênticos a ordem de apresentação pode ser a mesma partindo da premissa de que mesmo entre os textos autênticos existe uma variação muito grande em termos de dificuldade há provavelmente textos autênticos de leitura mais fácil para o aluno universitário brasileiro do que muitos dos chamados textos simplificados Conclusão O pouco que sabemos sobre o processo da leitura é ainda muito controvertido para que possamos usálo com confiança num curso de leitura em outra língua Muitas das premissas subjacentes na prática pedagógica não têm respaldo nos achados da pesquisa a respeito da leitura O emprego de estratégias de ordem superior 210 Vilson J Leffa por parte do leitor por exemplo uso do contexto e do conhecimento prévio tidas como características da boa leitura pode ser questionado A hipótese da compensação onde a falta de uma fonte de conhecimento na leitura pode ser compensada pela extrapolação de um outro conhecimento também não parece funcionar como creem alguns teóricos da leitura Pouco também se sabe sobre o que o aluno universitário brasileiro sabe sobre leitura correndose o risco de perder tempo tentando ensinar o que ele já sabe ou confundindoo pressupondo nele uma competência que não possui Combinando o que se desconhece do processo da leitura em língua estrangeira com o que se desconhece do aluno fica muito difícil identificar com qualquer grau de precisão o que esse aluno deve aprender para poder ler um texto na língua estrangeira A constatação dessa dupla ignorância porém não tira do aluno a necessidade de aprender De alguma maneira o professor terá que dar ao aluno as condições necessárias para que essa aprendizagem se realize A sugestão dada aqui é de que se gradue o texto e a tarefa de modo a dar ao aluno mesmo deficiente em competência linguística a experiência da leitura Não se aprende a ler nem decorando listas de palavras nem estudando uma taxonomia de estratégias aprendese a ler lendo 211 Língua Estrangeira Capítulo 11 Texto autêntico e interdisciplinaridade em língua instrumental Utopia ou realidade12 Introdução O ensino de línguas com objetivos instrumentais ex Inglês para Medicina Francês para Informática enfrenta um problema de coerência entre a teoria e a prática Se no nível teórico pregase uma convivência mais ou menos íntima entre o professor de línguas e os conteúdos de outras disciplinas incluindo não só a linguística a psicologia e a pedagogia mas até a geografia a biologia ou qualquer outra disciplina para cuja compreensão a língua está sendo trabalhada no nível da prática de sala de aula essa convivência é muitas vezes ignorada O resultado é a contradição entre princípios fundamentais de disciplinas teóricas com as quais convive o professor e o que é feito com os alunos onde os princípios não são aplicados O objetivo deste capítulo é mostrar essa contradição entre princípios e procedimentos apontar para as dificuldades que o professor de línguas instrumentais enfrenta e sugerir algumas soluções A interdisciplinaridade do professor O primeiro problema que o professor de línguas instrumentais precisa resolver é o de estabelecer a fronteira entre o que pertence ao seu campo de atuação e o que deve ser deixado de fora Esse é um problema de qualquer disciplina mas torna 12 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J Texto autentico e interdisciplinaridade em Língua Instrumental Utopia ou realidade Letras n 4 p 3340 1992 212 Vilson J Leffa se crucial no ensino de línguas que por ser ao mesmo tempo língua e ensino já é de sua própria natureza interdisciplinar Para construir um campo coerente de conhecimento no ensino de línguas é necessário recorrer a outras disciplinas e ao fazer isso correse o risco de incluir tanto a menos como a mais Se incluímos a menos o ensino de línguas por ser uma ciência extrinsecamente interdisciplinar pode ficar escravo de uma determinada disciplina Passa a ser considerada uma ciência parasita com permissão de viver apenas enquanto a ciência hospedeira estiver disposta a alimentála Foi o que aconteceu por exemplo quando o ensino de línguas ignorou as contribuições das ciências do ensino e se ateve apenas à parte da língua Ao ficar totalmente dependente da linguística o ensino de línguas passou a ser considerado às vezes como uma ciência de terceira categoria outras vezes como uma área sem identidade própria Como área sem identidade confundiase com a linguística aplicada Como ciência de terceira categoria o ensino de línguas ficava subordinado à linguística aplicada por sua vez subordinada à linguística pura Por outro lado correse também o risco de perder a respeitabilidade quando se recorre a muitas fontes Os contatos são muito superficiais e não permitem uma interpenetração suficientemente profunda para gerar a interdisciplinaridade Pontos relevantes das outras ciências deixam de ser compreendidos e por isso aproveitados Buscase a interdisciplinaridade mas ficase apenas numa espécie de promiscuidade intelectual O ensino de línguas portanto precisa não só decidir com quem deseja interagir mas também que tipo de relação deseja desenvolver Há em princípio três áreas que interessam aos professores de línguas e que se relacionam a 1 o que se ensina 2 quem se ensina 3 onde se ensina Quanto ao tipo de relação esperase que não seja de superioridade mas de igualdade Se por um lado temos a receber possivelmente em termos de parâmetros teóricos por outro lado também temos a contribuir talvez com preciosos subsídios para algumas dessas teorias 213 Língua Estrangeira Em termos do que se ensina e pressupondo que seja algo relacionado à língua estrangeira precisamos de outras áreas que nos ajudem a responder perguntas como O que sabemos quando sabemos uma língua estrangeira Será algo tão básico como os sons as palavras e as regras específicas de uma língua que combinam essas palavras em frases Ou será algo tão complexo como a capacidade de desempenhar papéis adequados nessa língua Partindo do que já sabemos da primeira língua o que mais precisamos aprender para chegar à segunda Como professores de línguas gostaríamos que houvesse um atalho de modo que depois de o aluno ter adquirido uma língua não precisasse repetir todo o processo para adquirir a segunda Em termos de para quem ensinamos precisamos de respostas para as seguintes perguntas Como identificar as necessidades e expectativas dos aprendizes de línguas Quais são as características dos aprendizes bem sucedidos Que fatores contribuem mais para a aprendizagem da língua Como podemos avaliar e melhorar a qualidade de nossa interação com os alunos Até que ponto a aprendizagem depende do conhecimento prévio do aluno Como estabelecer contato entre o que temos a oferecer e o que o aluno tem a contribuir Qual é o papel do ambiente na aprendizagem da língua Como promover a interação entre o aluno e o ambiente Em termos de onde ensinamos precisamos de informações imediatas tais como os objetivos de uma determinada escola ou curso a tecnologia disponível a comunidade onde os alunos vivem Precisamos também de informações sobre como nos adaptarmos às circunstâncias incluindo maneiras de explorar materiais de ensino e como ensinar uma língua para diferentes objetivos Podemos portanto ver o ensino de línguas como a incorporação de três objetos de estudo 1 a língua que ensinamos 2 o aluno a quem ensinamos e 3 o ambiente onde ensinamos Esses objetos de estudo são abordados por diferentes disciplinas cada uma delas descrevendo às vezes o mesmo objeto mas de orientações diferentes Cabe a nós selecionar quais as disciplinas 214 Vilson J Leffa que são mais pertinentes aos nossos interesses como professores de línguas adquirir uma certa intimidade com os princípios e conceitos dessas disciplinas e iniciar um processo de comunicação com elas Temos dados descobertas e insights que podem interessar aos estudiosos dessas disciplinas Podemos assim nos enriquecer mutuamente construindo um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar A multidisciplinaridade do aluno Se o professor de línguas vive num mundo essencialmente interdisciplinar o aluno por sua vez vive num outro que pode ser caracterizado como essencialmente multidisciplinar Esse aluno tanto de segundo como de terceiro graus enfrenta um currículo dividido em várias disciplinas muitas vezes compartimentalizadas com um maior ou menor grau de integração O que tem acontecido com uma frequência cada vez maior é que o professor de línguas está sendo solicitado a compartilhar desse mundo multidisciplinar do aluno incorporando diversas disciplinas às suas aulas de língua A justificativa é de que como a língua não existe num vácuo ela pode integrar essas diferentes áreas de conhecimento oferecendo aos alunos material de aprendizagem que não só seja autêntico mas que também esteja mais próximo de sua realidade No segundo grau o professor pode desenvolver unidades de ensino sobre tópicos como teoria dos conjuntos reprodução humana fusão atômica etc No terceiro grau são os cursos instrumentais totalmente voltados a determinadas disciplinas São óbvias as diferenças entre a interdisciplinaridade do professor de línguas e a multidisciplinaridade do aluno Nesse mundo multidisciplinar agora compartilhado pelo professor não há um ponto de contato entre a área de conhecimento do professor e a disciplina estudada pelo aluno Desenvolver a compreensão do processo da fusão atômica por exemplo exige do professor uma competência que ele normalmente não adquiriu na sua formação 215 Língua Estrangeira Outra diferença está nos enfoques que são dados de um lado ao ensino de línguas como ciência e do outro ao conteúdo desenvolvido na sala de aula Quando se discute o ensino de línguas como disciplina o enfoque é teórico isto é partese do ponto de vista do pesquisador Quando se discute o conteúdo estudado pelo aluno o enfoque é essencialmente didático e parte se do ponto de vista do aluno Fusão atômica não só é diferente da ciência do ensino de línguas mas também é vista neste contexto numa perspectiva diferente Há uma diferença de conteúdo e uma diferença de critério de classificação Isso implica que os professores de língua não só desconhecem os problemas dessas diferentes áreas de conteúdo mas também a linguagem em que esses problemas são tratados É o que pretendemos demonstrar a seguir Texto e discurso Para entender o problema é necessário esclarecer primeiro qual o conceito que podemos ter de língua Vamos oferecer aqui dois que definiremos operacionalmente como texto e discurso A língua é definida como texto quando implica apenas a capacidade de identificar uma amostra da língua como uma amostra da língua baseandose na coesão superficial das frases Isso significa que quando identifico por exemplo como uma possível frase da língua inglesa o segmento Zerowait machines are superior to pageinterleave memory schemes então posso afirmar que sei inglês Não sei o que Zerowait significa mas sei que é parte do sujeito da frase Baseado também no conhecimento que tenho do inglês sei que uma coisa está sendo comparada a outra Consigo sobrepor uma estrutura sintática ao segmento e percebo até a função pragmática da frase É o que preciso saber para ser competente na língua Saber uma língua neste caso não significa que eu deva relacionar formas a conceitos que vão além do núcleo comum dessa língua Muitos falantes nativos do inglês não sabem o que significa zerowait e nem por isso deixam de ser considerados competentes na língua 216 Vilson J Leffa A língua é definida como discurso quando implica a capacidade de desempenhar um papel nessa língua No exemplo acima que envolve uma frase da área da informática o leitor deve ser capaz de desempenhar o papel de um especialista em ciências da computação lendo um periódico de sua área de conhecimento o que significa interagir significativamente com os conceitos e relações que estão sob a superfície do texto No exemplo dado o leitor não só deve ser capaz de conhecer o significado de zerowait mas também detectar as nuances negativas da palavra scheme e desse modo perceber a intenção do autor ao escolher essa palavra em vez de um termo mais neutro como design Vamos agora demonstrar como essas duas definições de língua funcionam numa situação de sala de aula usando o texto seguinte que é uma passagem autêntica de um manual do usuário da área de informática iscntrl Syntax int iscntrlint c iscntrl is a macro that classifies ASCIIcoded integer values by table lookup It is a predicate returning nonzero for true and 0 for false It is defined only when isasciic is true or c is EOF You can make this macro available as a function by undefining undef it iscntrl returns nonzero if c is a delete character or ordinary control character 0x7F or 0x00 to 0x1F Turbo C 1990 p 295 Usando a primeira definição de língua que envolve apenas a capacidade de identificar uma amostra da língua como uma amostra da língua vejamos alguns tipos de perguntas que poderiam ser feitas sobre o texto 1 Pergunta O que é iscntrl Resposta É uma macro 2 Pergunta O que faz uma macro Resposta Classifica os valores em ASCII 217 Língua Estrangeira 3 Pergunta Como faz isso Resposta Consultando uma tabela Não preciso realmente entender o texto para perceber que iscntrl é algo que classifica valores consultando uma tabela Meu conhecimento do núcleo comum do inglês me permite fazer isso chegando até a operações bastante complexas como a resposta dada à pergunta 2 O problema obviamente é que essas tarefas estão apenas no nível da frase e não se precisa compreender o texto para executálas O mesmo problema pode também ocorrer no nível da coesão textual Posso identificar o trecho como uma definição posso inferir que as palavras em itálico sejam palavras chave posso relacionar a palavra macro na primeira frase com a palavra predicate na segunda e inferir que macro é uma subcategoria de predicate mas nada disso garante que eu realmente tenha compreendido a passagem Grande parte das atividades de leitura propostas nos atuais cursos de línguas instrumentais podem ser resolvidas neste nível mais superficial de interação com o texto O que segue são exercícios típicos 1 Tarefa Liste dois cognatos do texto Resposta macro predicate 2 Tarefa Liste um verbo e um substantivo que terminem em s Resposta classifies verbo values substantivo 3 Tarefa O objetivo do texto é a definir algo b anunciar um produto c divertir o leitor Resposta Definir algo 4 Tarefa Na sua opinião o texto foi tirado de a uma revista semanal b um manual do usuário c um jornal Resposta um manual do usuário 218 Vilson J Leffa Em outras palavras dissociase língua de contexto A implicação pedagógica dessa definição é que o professor dê ao aluno apenas o texto As conexões entre a forma linguística e os conceitos ou relações que subjazem a essas formas devem ser feitas pelo aluno ou simplesmente ignoradas Só podemos problematizar o texto se adotarmos a segunda definição a do discurso onde desempenhamos um papel que neste caso seria o de um especialista da área de informática Os conceitos envolvidos no trecho são agora conhecidos O especialista sabe que macro e função não são argumentos mas predicados que devolvem valores e entende por que é importante saber que iscntrl é ao mesmo tempo uma macro e uma função Os conceitos pressupostos pelo autor do texto são do conhecimento do leitor especialista tais como undef que tipo de caractere fecha um arquivo a relação entre caracteres de controle e a tabela ASCII etc O texto não foi escrito para que um professor de línguas instrumentais ensinasse inglês para informática Foi escrito para que um especialista em computação resolvesse um problema específico quando estivesse escrevendo um programa Quando usamos um texto como esse em nossas aulas e fazemos as atividades listadas acima estamos usando um texto autêntico para uma finalidade para a qual ele não foi escrito e podemos levar os alunos a executar atividades totalmente inautênticas A não ser que houvesse por exemplo algo errado com o texto o especialista da área no correto desempenho de seu papel jamais perguntaria qual teria sido a intenção do autor ou de onde o trecho teria sido tirado Perguntas significativas aqui apenas para demonstrar exemplos de interação no nível do discurso poderiam ser do seguinte tipo 1 Pergunta Você está escrevendo um programa onde o espaço disponível na memória é mais importante que a velocidade Baseado na informação do texto o que você faria 219 Língua Estrangeira Resposta Definiria iscntrl como uma macro 2 Pergunta iscntrl é declarada com dois inteiros Qual é a diferença entre os dois Resposta O primeiro é um valor devolvido por iscntrl O segundo é um valor aceito Seriam portanto alguns exemplos de língua no nível do discurso As perguntas que provavelmente não têm sentido para o professor de línguas são as que tem sentido para o especialista da área Leitores de áreas específicas e alunos de línguas fazem perguntas diferentes Leitores de áreas específicas concentram se nos conceitos e nas relações que subjazem ao texto Estudantes de línguas preocupamse com a superfície do texto cognatos formação de palavras mecanismos de coesão etc Conclusão Parece que o professor de línguas tem três possibilidades quando incorpora áreas específicas na sua ação pedagógica 1 Trata a língua como texto não como discurso Neste caso ignora os conceitos e as relações que subjazem ao texto de áreas específicas e permanece na superfície explorando os mecanismos mais ou menos superficiais da organização do texto 2 Não usa material autêntico Usa material didático especificamente criado para uso em sala de aula Vocabulário sintaxe e organização textual são controlados para produzir um texto que pode ou não simular o texto original das áreas de conteúdo específico 3 Tornase um expert na área Aprende os conceitos importantes da disciplina e problematiza sobre eles para dinamizar o processo de aprendizagem Cada uma dessas opções tem vantagens e desvantagens tanto práticas como teóricas sendo as teóricas muitas vezes 220 Vilson J Leffa baseadas em pressupostos importados de outras disciplinas Cabe ao professor aqui a tarefa extremamente importante de testar esses pressupostos na sala de aula Estará não apenas colhendo dados para justificar ou não sua opção pedagógica mas também fornecendo subsídios para outras disciplinas Perguntas para as quais procuramse respostas incluem 1 Até que ponto o professor de línguas precisa ser proficiente nas áreas de conteúdo específico para incorporálas na sala de aula 2 Até que ponto ou em que circunstâncias podese contar com os alunos para negociar conceitos da área específica 3 Como os alunos considerando os diferentes níveis de proficiência na língua e na área de conteúdo específico reagiriam a diferentes tipos de material incluindo livro didático e textos autênticos 4 Qual é a possibilidade de trabalho de equipe no segundo e terceiro graus incluindo professores de línguas e de áreas específicas 221 Língua Estrangeira Capítulo 12 O processo de autorrevisão na produção do texto em LE13 Introdução O objetivo deste capítulo é analisar a competência do aluno de língua estrangeira em revisar seu próprio texto através da reescrita Partese do pressuposto de que os problemas de produção textual na língua estrangeira caracterizamse não tanto por serem diferentes dos da língua materna mas principalmente por serem de maior complexidade devido à falta de domínio linguístico por parte do aluno A necessidade de contrabalançar essa deficiência linguística com um uso mais intensivo de estratégias compensatórias torna a produção de textos em língua estrangeira uma espécie de campo de provas onde essas mesmas estratégias são exigidas e testadas com maior rigor do que na língua materna O aluno quando escreve numa língua que conhece menos tem que revisar mais esforçarse mais superarse para vencer mais dificuldades demonstrando uma variedade maior de estratégias do que provavelmente faria em sua língua nativa A utopia da autorrevisão A autorrevisão na produção textual do aluno tem sido geralmente vista como uma utopia tanto no ensino da língua materna como no da língua estrangeira Entre as explicações que se podem oferecer para essa dificuldade em levar o aluno a revisar seu próprio texto estão um conceito errôneo de revisão por parte 13 Uma versão anterior em inglês deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J One Theme And Three Variations Rewriting a text in a foreign language The ESPecialist v 16 n 2 p 157182 1995 222 Vilson J Leffa do aluno a dificuldade de detectar os problemas do próprio texto e uma espécie de resistência passiva em modificar o que já foi escrito A maioria dos alunos parece conceber a revisão com um recurso que é usado apenas quando algo sai errado na tentativa de escrever e que envolve aspectos superficiais da frase Revisar é corrigir dar um tratamento cosmético ao texto sem repensar o que foi escrito sem necessidade de reescrever o texto SOMMERS 1982 A revisão não é vista pelos alunos como o centro do processo da escritura o instrumento pelo qual as ideias emergem e evoluem e o sentido é construído mas apenas como a última leitura que se faz do texto tentando detectar algum erro superficial de ortografia ou de gramática LEHR 1995 Estudos realizados tanto com alunos primários e secundários APPLEBEE et al 1986 como universitários YODER 1993 mostram que a revisão é feita principalmente para corrigir problemas superficiais de ortografia pontuação e gramática Raramente os alunos fazem mudanças globais no texto reescrevendo partes maiores acrescentando ou tirando ideias No momento em que a revisão deixa de ser vista como um processo de construção do texto e passa a ser vista como um mecanismo de correção de algo que foi mal construído a atitude do aluno é negativa e a preocupação é a de evitála Existe também o problema de o aluno não conseguir detectar os erros quer seja por não percebêlos numa leitura mais rápida quer por desconhecer o problema devido a uma incompetência linguística Pode ser portanto um problema de falta de atenção ou principalmente na caso da língua estrangeira de falta de conhecimento Plumb et al 1994 descobriram que a incapacidade de detectar o erro hipótese do déficit de processamento é um problema maior do que a capacidade de saber como resolvêlo hipótese do déficit de conhecimento Finalmente existe também a resistência passiva do aluno em não querer revisar o texto Vários estudos COHEN 1987 COHEN CAVALCANTI 1990 LEKI 1990 mostraram que os alunos espontaneamente não reformulam o que já escreveram 223 Língua Estrangeira apesar das anotações e sugestões dos professores que muitas vezes não são nem lidas pelo aluno Estratégias para promover a revisão Um levantamento dos estudos realizados sobre reescrita mostra que existem várias propostas para ajudar o aluno a revisar seu texto Entre essas propostas destacamse o feedback do professor o uso de instrumentos adequados e os projetos colaborativos O feedback do professor é de todos os instrumentos o que causa menor impacto na produção textual do aluno Estudos realizados ANDRASICK 1993 FERRIS 1995 COHEN CAVALCANTI 1990 têm demonstrado que as correções e comentários do professor no texto do aluno apenas surtem efeito quando há um retorno do texto do aluno para o professor após o feedback Não havendo esse retorno as correções são geralmente ignoradas e os alunos via de regra vão repetir os mesmos erros nos textos seguintes A produção textual neste caso parece que é vista pelo aluno como um processo em que ele escreve para o professor o professor corrige o texto devolve para o aluno e isso encerra o ciclo O uso de instrumentos adequados compondo um agrupamento de recursos controlados pelo próprio aluno é o que parece possibilitar o maior grau de autonomia na revisão Esses recursos podem estar numa sala de autoacesso num laboratório de escrita ou numa simples mesa de edição à disposição dos alunos para a produção de seus textos POWERS 1995 YOE 1992 Podem constar de dicionários de vários tipos preferencialmente de aprendizagem com bastantes exemplos de uso da língua gramáticas de cunho prático com os tópicos organizados de modo a facilitar a consulta do aluno listas de falsos cognatos que tendem a ser usados erroneamente por alunos de uma determinada língua materna questionários específicos para a autorrevisão onde se levantam os problemas geralmente apresentados lista de itens que devem ser checados pelos alunos 224 Vilson J Leffa estratégias específicas de revisão para cada tipo de texto cada parte do texto frase parágrafo e cada tipo de problema ortografia pontuação concordância uso de detalhes abstrato concreto etc Os exemplos abaixo extraídos de instruções do OnLine Writing Lab 1995 dão uma ideia do que pode ser incluído num roteiro de revisão Sou gentil com meu leitor incluindo no meu texto o que ele precisa saber e só o que ele precisa saber Meu texto tem uma tese ou propósito Os parágrafos se relacionam com a tese ou propósito Cada parágrafo tem um tópico frasal com a idéia central Os detalhes de cada parágrafo se relacionam com a idéia central Alguns detalhes devem ser movidos para outro parágrafo Há uma frase de conclusão para o parágrafo Há transição entre os parágrafos O verbo concorda com o sujeito A relação pronomeantecedente está correta Cada frase contém uma oração independente e apenas uma Há frases muito longas que devem ser separadas Há seqüências de frases muito curtas Há palavras faltando Há palavras repetidas OnLine Writing Lab 1995 Os projetos colaborativos MACDONALD 1993 IRBY 95 MENDONÇA JOHNSON 1994 GEHRKE 1993 envolvem a participação dos outros alunos que deixam de ser apenas escritores para ser também leitores No momento em que o texto é escrito lido e revisado tanto pelo aluno escritor como pelo aluno leitor ele passa a atender também as exigências do leitor incorporando suas características No processo de negociação que se estabelece entre escritor e leitor o escritor não escreve mais só para si mas também para o outro iniciando a longa aprendizagem que o pode levar à consciência da necessidade de cativar o leitor aperfeiçoando o senso de público Quando 225 Língua Estrangeira perceber que o leitor não é cativado apenas pela correção gramatical do texto mas principalmente pelo seu conteúdo ele poderá sentir a necessidade de considerar as questões globais com ênfase na produção de sentido O aluno sabe revisar O que as investigações realizadas sobre a revisão demonstram é que os alunos veem a escrita como um processo de uma única etapa onde o texto uma vez escrito no papel não é mais alterado Mesmo com o uso de processadores de texto onde fica extremamente fácil introduzir qualquer modificação no texto as revisões permanecem escassas HAWISHER 1986 KURTH 1986 DAIUTE 1986 Se deixados por sua conta os alunos espontaneamente não revisam seus textos quer contando com a facilidade proporcionada pelo computador quer com a presença de outros recursos como dicionários ou gramáticas Resultados melhores foram obtidos com o uso de comentários do professor no texto do aluno em situações onde há o retorno do texto ao professor e em projetos colaborativos onde os alunos escrevem e leem os textos uns dos outros Na medida porém em que a revisão é de certa maneira forçada pela intervenção do professor ou feita com a ajuda do colega através de um procedimento pedagógico também criado pelo professor ela deixa de existir como autorrevisão na acepção exata do termo A questão não respondida no levantamento que fizemos dos trabalhos publicados sobre a revisão é se o aluno sabe ou não revisar seu próprio texto se é capaz de fazer a autorrevisão Há na nossa interpretação da bibliografia revisada uma confusão entre não fazer e não saber Sabemos que os alunos espontaneamente não revisam seus textos mas não sabemos se eles realmente não sabem revisar Não revisar é diferente de não saber revisar É possível que esses mesmos alunos que não revisam seus textos saberiam como fazêlo se estivessem numa situação em que a autorrevisão fosse de alguma maneira inevitável 226 Vilson J Leffa A pergunta que orientou esta investigação é se os alunos são capazes de fazer a autorrevisão do texto Definese a autorrevisão aqui não como uma simples leitura para verificar correção gramatical do que foi escrito mas como a introdução de mudanças no texto visando a sua melhoria Essas mudanças podem atingir palavras frases ou parágrafos e ocorrem através de apagamentos acréscimos ou deslocamentos Tratandose de um processo de autorrevisão as mudanças são feitas pelo próprio aluno sem a ajuda do colega ou do professor Os alunos serão ou não capazes de autonomamente revisar seus textos Se revisarem que aspectos irão privilegiar Ortografia Vocabulário Sintaxe Estilo Conteúdo A hipótese deste capítulo é que dadas as condições o aluno é capaz de fazer a revisão de seu próprio texto Essa revisão não vai afetar questões de correção gramatical ex ortografia concordância mas principalmente as questões de estilo incluindo aí mudanças na seleção de vocabulário ¾ substituindo por exemplo palavras de sentido vago por palavras mais precisas ¾ e de construções sintáticas ¾ incorporando por exemplo frases simples num período composto através de mecanismos coesivos Essas mudanças não vão portanto tornar o texto mais correto gramaticalmente mas mais coerente expressando melhor a relação entre as ideias O aluno não vai primeiro escrever errado para depois escrever certo A nossa hipótese é de que ele já vai tentar escrever corretamente na primeira versão podendo ou não conseguilo O que ele vai procurar melhorar é a expressão de suas ideias tornandoas provavelmente mais claras na reescrita Para a obtenção dos dados foram feitas várias tentativas inclusive com o uso de processador de texto tendose finalmente optado pela reescrita com lápis e papel em três versões e em sala de aula Procurouse garantir a motivação e empenho do aluno não só através de uma palestra inicial sobre a importância de sua contribuição para a pesquisa mas também pela maneira como se conduziram as sessões colocando sempre o material à disposição do aluno e incorporando a atividade no currículo inclusive para a avaliação Apenas não se interveio na autonomia e iniciativa 227 Língua Estrangeira do aluno que trabalhou sempre sozinho A condição dada para a revisão foi portanto principalmente a reescrita do texto É provável que o aluno ao perceber que de qualquer maneira tinha que reescrever todo o texto em cada sessão acabasse introduzindo as mudanças que na sua opinião poderiam melhorálo Metodologia Participaram dessa pesquisa 15 alunos de duas turmas do curso de letras sendo 6 de uma turma de língua inglesa do segundo semestre considerada de nível intermediário e 9 de uma turma de sexto semestre considerada de nível avançado O critério para a seleção desses sujeitos foi o fato de terem comparecido a todas sessões em que se realizou o trabalho Conforme acordo feito com a professora de cada turma o trabalho de todos foi considerado para a avaliação final de cada aluno mas apenas os dados desses 15 alunos que participaram de todas as tarefas serão analisados aqui Desses 15 alunos 14 eram do sexo feminino e 1 do sexo masculino Eram todos adultos numa faixa etária que variava de 22 a 30 anos com concentração maior no limite superior de idade sendo que 2 já tinham curso superior enfermagem e licenciatura em língua portuguesa 10 faziam bacharelado em tradução 4 buscavam licenciatura em língua estrangeira e uma aluna fazia ao mesmo tempo bacharelado e licenciatura As sessões de produção escrita foram realizadas durante três períodos normais de aula em cada uma das turmas Para os dois grupos o procedimento foi o mesmo Na primeira sessão explicouse inicialmente que eles iam escrever um texto em inglês de aproximadamente uma página e meia sob o título Windows 95 and me expressando sua opinião pessoal sobre o papel da tecnologia em sua futura profissão como tradutores ou professores O texto que eles produzissem ou parte dele teria grande probabilidade de ser selecionado e enviado para a internet a rede mundial de computadores onde poderia ser lido por pessoas de todo o mundo um potencial na época de 40 228 Vilson J Leffa milhões de leitores O texto seria avaliado pelo pesquisador e pela professora da turma levando em consideração originalidade organização correção gramatical e o público a quem se destinava Foi salientado que esse público realmente existia e que estava basicamente interessado não em aspectos técnicos mas em originalidade de opinião Em seguida foi feito um levantamento das estratégias de produção escrita dos alunos e de conhecimento prévio do assunto através de um questionário e de um teste de múltipla escolha respectivamente Finalmente solicitouse que escrevessem a primeira versão do texto Para isso cada aluno recebeu um caderno de 50 folhas tamanho meio ofício e uma caneta de cor verde Gramáticas e dicionários monolíngues bilíngues e de aprendizagem foram colocados à disposição dos alunos ficando também esclarecido que poderiam consultar qualquer material desde que trabalhassem individualmente e que o pesquisador estava à disposição para o esclarecimento de qualquer dúvida que seria feito também individualmente para não interferir no trabalho dos outros Do material trazido pelo pesquisador apenas os dicionários bilíngues foram consultados Os esclarecimentos solicitados também foram todos de vocabulário ex como se diz repercutir em inglês Não houve coerção de tempo e os alunos foram devolvendo os cadernos à medida em que terminavam os textos Na segunda sessão uma semana depois os cadernos foram devolvidos aos alunos juntamente com uma caneta desta vez de cor preta Foi solicitado aos alunos que relessem o que tinham escrito na sessão anterior e fizessem o seguinte em relação ao próprio texto 1 listar dois aspectos positivos 2 listar dois aspectos que poderiam ser melhorados 3 dividir o texto em partes e marcar cada uma dessas partes 4 fazer uma revisão comentada de cada parágrafo do texto dizendo se mudaria alguma coisa o que mudaria e por que mudaria 5 reescrever o texto mudando o que fosse necessário Mais uma vez foi enfatizado que seu texto estava sendo dirigido a um público diversificado mas que estava principalmente interessado na opinião que eles 229 Língua Estrangeira poderiam ter do Windows 95 de um modo particular ou no papel da tecnologia em sua futura profissão de um modo geral Como na primeira sessão não houve pressão de tempo e os alunos devolveram os cadernos à medida que terminavam a reescrita dos textos Para a terceira sessão após um intervalo de mais uma semana foi solicitado aos alunos que reescrevessem mais uma vez o texto agora em sua versão final usando desta vez caneta de cor azul Mais uma vez foi lembrado que o texto seria avaliado em termos do leitor a que era dirigido originalidade organização e correção gramatical com peso igual para cada uma dessas partes O procedimento foi igual às sessões anteriores com o mesmo material colocado à disposição dos alunos e sem pressão de tempo Resultados O objetivo principal da análise dos dados coletados é tentar descobrir quais são as crenças que os alunos de letras possuem sobre o processo da produção escrita Essas crenças devem envolver não só as noções que os alunos têm sobre o processo da escrita tanto em seus aspectos cognitivos como metacognitivos mas também o que realmente fazem quando escrevem Considerando que são alunos de nível universitário num curso de letras e portanto expostos durante anos ao discurso dos professores sobre como o texto escrito deve ser produzido há sempre a possibilidade de que eles possam dizer o que sabem que deve ser dito e agir de modo diferente quando realmente solicitados a escrever Esta pesquisa procura medir tanto um como o outro aspecto O que os alunos disseram Vamos analisar primeiramente as noções que os sujeitos dizem possuir do processo da escrita Os instrumentos para a coleta desses dados foram 1 o questionário aplicado no primeiro 230 Vilson J Leffa dia e 2 os comentários dos alunos escritos em português sobre seu texto em inglês realizados no segundo e terceiro encontros O questionário sobre estratégias de produção escrita mostra que a maioria afirma elaborar seus pensamentos à medida em que vão escrevendo as palavras na página não tendo inclusive a frase pronta na mente quando começa a escrevêla 73 Isso parece mostrar que a leitura e releitura do próprio texto serve para guiar a escrita e a reescrita A principal produção escrita dos alunos tem sido a de trabalhos escolares 80 aparecendo em segundo lugar cartas comerciais o que mostra que alguns alunos já estão no mercado de trabalho Quanto aos recursos considerados importantes para ajudar na escrita o mais citado foi o dicionário 80 provavelmente o bilíngue pelo que se pode observar nas sessões de escrita Quando solicitados a comparar os problemas de produção textual entre português como língua materna e inglês como língua estrangeira os alunos demostraram que em inglês a preocupação maior é com a gramática 93 enquanto que em português predominam questões de estilo 47 Entre diversas atividades que se relacionam com a escritura o tempo gasto em cada uma numa situação ideal seria distribuído da seguinte maneira ler previamente sobre o assunto 44 refletir e se organizar mentalmente 25 escrever o texto23 e revisar o texto8 O processo de revisão é visto pela maioria dos alunos como uma atividade menor feita quando o texto já está escrito constando de uma releitura do texto para verificar sua correção gramatical 73 e ocasionalmente ajustar algum aspecto do mecanismo de coesão 13 Quanto aos aspectos considerados mais importantes no texto os alunos ficaram divididos entre criatividade 20 organização40 e correção gramatical 40 A criatividade no entanto foi considerada mais importante apenas pelos alunos mais fracos os mais adiantados elegeram como mais importante a correção gramatical Em outras palavras quanto maior o adiantamento do aluno maior a preocupação com os aspectos superficiais do texto r 5 231 Língua Estrangeira Há uma crença geral de que o professor pode ajudar mais o aluno em termos de correção gramatical 90 muito pouco em organização 10 e nada em termos de criatividade Para aumentar a criatividade e tornar o texto mais interessante os alunos citaram como possíveis estratégias usar a própria experiência ter ideias e estilos próprios ousar na escrita ter senso de humor usar a imaginação e posicionarse diante do tema Para melhorar a organização a estratégia mais citada foi fazer um esquema do texto a ser escrito Para obter correção gramatical citouse com maior frequência o uso do dicionário e da gramática Os maiores desafios para quem produz um texto na opinião dos sujeitos é mostrar coisas interessantes para o leitor e passar segurança no que escreve dando a impressão de que está bem informado O domínio do tema com capacidade de fornecer detalhes interessantes fatos e exemplos parece ter sido a maior preocupação dos alunos Dados quantitativos Os 45 textos produzidos pelos 15 alunos nas três versões foram analisados em termos quantitativos e qualitativos Quantitativamente tentouse descrever as variações que ocorreram entre uma versão e outra ou seja o que foi acrescentado o que foi diminuído e principalmente o que foi modificado internamente dentro de cada texto Qualitativamente tentouse não só avaliar até que ponto as modificações introduzidas contribuíram para melhorar a qualidade do texto mas também o que os alunos realmente escreveram sobre o tópico sugerido como se organizaram e que ponto de vista adotaram Uma análise estatística do texto produzido pelos alunos nas três versões mostra que os sujeitos usam termos comuns da língua inglesa com baixa média de letras por palavra 39 em nível que pelos parâmetros de inteligibilidade readability test de FleschKincaid e ColemanLiau corresponde a sexta série do primeiro grau Grade Level 6 232 Vilson J Leffa Em termos puramente quantitativos o que variou significativamente entre uma versão e outra foi a extensão dos textos que foram ficando gradativamente maiores O número de palavras por frase e de frases por parágrafos permaneceu constante como se pode ver na Tabela 1 Uma análise detalhada dos dados mostrou que a variação ocorria apenas entre sujeitos enquanto uns usavam apenas 10 palavras por frase outros chegavam a 25 palavras em cada frase Entre uma versão e outra no entanto a tendência era escrever as frases e os parágrafos sempre do mesmo tamanho mesmo reescrevendo várias vezes o mesmo texto e mesmo acrescentando mais frases e mais parágrafos Quem começava com frases curtas terminava com frases curtas e viceversa Tabela 1 Dados quantitativos entre versões Versão I Versão II Versão III Média DP Média DP Média DP Palavras por texto 163 051 190 73 237 69 Palavras por frase 17 036 16 36 18 42 Frases por paragrafo 34 022 31 19 31 20 n 15 Fonte Autor À primeira vista pode parecer que os alunos apenas acrescentaram mais palavras em cada versão sem preocupação de enxugar o texto eliminando o supérfluo Comparando porém cada versão frase a frase notase que muitas das frases foram totalmente reescritas aprimorando a ideia inicial ou mesmo introduzindo ideias novas principalmente entre a primeira e a segunda versão As alterações introduzidas pelos sujeitos foram analisadas em termos de ortografia vocabulário sintaxe pontuação estilo e ideias As maiores alterações entre versões ocorrerem em nível 233 Língua Estrangeira de estilo e ideias A Tabela 2 mostra o índice de alteração entre a primeira e a terceira versão Enquanto que as alterações introduzidas por alguns sujeitos ficavam em apenas 10 do texto correspondente ao índice 1 outros mudaram 100 índice 10 A média 5 correspondente a 50 de alterações em todos os textos mostra que a metodologia usada na pesquisa foi eficiente na provocação de mudanças Até que ponto essas mudanças introduziram melhorias no texto é o que veremos a seguir Tabela 2 Alteração entre versões I e III Média DP Mínimo Máximo Índice de alteração 50 24 10 10 n 15 Fonte Autor Dados qualitativos Em termos qualitativos um dos aspectos mais salientes do texto produzido pelos alunos é sua oralidade confirmando os dados obtidos no teste de inteligibilidade com ênfase no uso das palavras comuns do inglês coloquial Os alunos escrevem se não como falam pelo menos como foram ensinados a falar sendo comuns as contrações Im Ill dont e construções típicas da língua oral you know I mean as you can see Im not sure now I remember Até mesmo expletivos usados na língua falada para marcar transição ou mudança de tópico foram usados well I now I Parece influência do material didático com ênfase na comunicação oral e talvez até das leituras de obras literárias muitas delas também calcadas na oralidade 234 Vilson J Leffa Uma análise do conteúdo de todos os parágrafos escritos mostra que a maioria deles trata de experiências pessoais 42 isto é o aluno preferencialmente aborda o tema Windows 95 and me partindo de fatos que aconteceram em suas vidas com predomínio do texto narrativo um namorado que ensinou a usar o computador um arquivo que foi impresso na casa de um colega um irmão que socorre quando surge um problema Os demais parágrafos analisados globalmente nas três versões e por ordem decrescente de frequência foram utilizados pelos alunos para expressar conhecimento do tópico 12 crítica negativa 11 fatos gerais 10 ignorância do tópico 7 metacomentário 6 crítica positiva 4 definição do tópico 3 interesse no tópico 2 outros 3 A Tabela 3 mostra exemplos de cada um desses conteúdos A variação do modo de abordar o tema entre uma versão e outra nos termos da classificação realizada neste capítulo foi quase inexistente Quem por exemplo iniciou o trabalho narrando fatos de sua experiência pessoal manteve essa perspectiva até o fim quem iniciou fazendo uma crítica negativa do tópico continuou também criticando negativamente O único modo de abordagem que variou significativamente foi a manifestação de conhecimento específico do tópico já que alguns alunos que nada sabiam sobre Windows 95 e consequentemente na primeira versão adotaram uma abordagem evasiva fizeram leituras entre uma versão e outra e incorporaram essas leituras dando fatos específicos Esses alunos pareciam não se sentir à vontade com o modo com que foram obrigados a abordar o tema inicialmente e por isso tomaram a iniciativa de se aprofundar no assunto e poder mudar a abordagem inicial Outros alunos por sua vez sentiramse confortáveis com a abordagem genérica e mesmo pouco sabendo sobre o assunto não viram necessidade de buscar mais informações Esses dados sugerem que a maneira de abordar um tema parece estar sujeita às preferências pessoais sendo muito difícil mudar essas preferências 235 Língua Estrangeira Pouca mudança também ocorreu em relação aos erros cometidos principalmente quando se tratava de erros de ortografia vocabulário sintaxe e pontuação Qualquer um desses erros se cometidos na primeira versão eram quase que invariavelmente repetidos nas versões seguintes Outros erros que podemos classificar como de estilo e coerência foram corrigidos ou melhorados com maior frequência Os erros de ortografia foram os menos frequentes certamente porque os alunos puderam consultar dicionários durante a escrita Os que surgiram deveramse provavelmente ao fato de o aluno achar que sabia escrever corretamente a palavra incluindo neste caso influência da língua portuguesa ex eletronic em vez de electronic ou aplicação de uma regra inadequada ex lifes em vez de lives Os erros de sintaxe foram os mais frequentes geralmente permanecendo intactos entre uma versão e outra Às vezes no entanto o aluno parecia ter consciência do problema e tentava a correção mas via de regra sem sucesso Outras vezes acabava até reescrevendo incorretamente uma frase que estava originalmente correta Parece que faltou ao aluno não apenas o conhecimento declarativo da língua estrangeira mas também o conhecimento processual de como usar os recursos disponíveis para resolver os problemas 236 Vilson J Leffa Tabela 3 Modos de abordagem do tema Modo Exemplo sem retoques Percentual Experiência pessoal My exboyfriend works 42 with computers and he tried to teach me Miranda I Conhecimento do Windows 95 was put to 12 tópico sell in August 95 Greta II Crítica negativa Im quite doubtful about 11 Windows 95s reliability Nestor III Fatos gerais New scientific discoveries 10 make information abound and technology is in every sort of appliances Geraldine III Ignorância do tópico Unfortunately I know 7 nothing about computing Pamela I Metacomentário I never thought I would 6 have to write about it It is really a challenging task Pamela I Crítica positiva I really like the Windows 4 and if the new version is better than the old it will be a good thing for me Virginia I Definição do tópico 3 Interesse no tópico The Windows 95 is a program 2 of computer Greta II Outros I would like to learn more 3 about this topic Greta III NOTA O número romano após o nome indica a versão Fonte Autor 237 Língua Estrangeira Essa falta de conhecimento processual parece manifestar se mais agudamente nos erros de vocabulário muitos deles facilmente resolvidos com uma consulta atenta ao dicionário A origem de muitos desses erros parece estar no fato de o aluno iniciar o enunciado na língua materna fazendo posteriormente a transposição para a língua estrangeira ¾ e ignorando nessa transposição a ambiguidade das palavras que podem cobrir acepções diferentes entre uma língua e outra Essa parece ser a explicação para um erro como The throwing of Windows 95 em vez de The launching of Windows 95 Tanto throwing como launching correspondem a lançamento em português mas um dicionário geralmente dá pistas ao aluno para escolher entre um e outro termo Há também erros de coerência obrigando o leitor a fazer grande saltos de inferência para chegar ao sentido pretendido pelo aluno como no exemplo abaixo o número romano após o nome referese à versão I didnt have time to read it because it is very technical Celia I onde só é possível entender a frase se inferirmos que o texto técnico é de leitura mais demorada e por isso não deu para lêlo Esse tipo de erro no entanto ao contrário dos anteriores tem mais possibilidade de ser corrigido entre uma versão e outra O sujeito acima por exemplo já apresentou para a segunda versão a seguinte redação de leitura mais fácil embora ainda com incorreções gramaticais I didnt read and I dont think I will because it is a very technical reportCelia II O exemplo abaixo mostra uma frase incoerente na primeira versão passando a coerente na segunda e finalmente coerente e concisa na versão final 238 Vilson J Leffa 1 The range of possibilities you have to take advantages of this multi useful machine is so wide that many people dont have access to it Clara I 2 The range of possibilities the computer can offer is so wide that many people can not take everthing and usually do not know what it is all about Clara II 3 The range of possibilities the computer can offer is so wide that many people are not able to take everything Clara III Esse tipo de revisão que envolve não apenas correção de incoerências mas também questões de estilo foi o que produziu maiores alterações entre uma versão e outra Essas alterações podem envolver troca supressão e acréscimo de palavras Os segmentos abaixo mostram alguns desses mecanismos 1 someone called Bill Gates Pauline I 2 a businessman called Bill GatesPauline II 1 Nowadays everyone is somehow involved in it even if without being aware of it Clara II 2 Nowadays we are somehow involved in that even if we are not aware of it Clara III 1 I have heard lately and the world has too I guess about the computing program called Windows 95 Nestor I 2 Lately the world has heard about the computing program called Windows 95 Nestor II O exemplo abaixo mostra a evolução de um parágrafo que iniciou na primeira versão com uma frase agregou novas ideias na versão II e se reestruturou em termos de sintaxe e léxico na versão final 239 Língua Estrangeira 1 Since the end of August a question has been burning inside me Should I change to Windows 95 Emilia I 2 Windows 95 Should I make a change to it I have been thinking about it since the end of August and as I do not have answers enough I am still in doubt Day after day a new question appears and starts burning inside me Emilia II 3 Windows 95 Should I make a change to it I have been thinking about it since the software was made available at the end of August This question seems to be attracting others and nothing appears to give me the conclusive answer Emilia III Nas três versões o parágrafo está sempre expressando uma dúvida sobre a conveniência ou não de se adotar o novo sistema operacional Uma mudança importante entre a primeira e a segunda versão é o destaque dado ao novo sistema operacional ¾ Windows 95 ¾ que passa para o início introduzindo o tópico frasal do parágrafo e deixando para o resto os detalhes dessa dúvida Finalmente na última versão mantémse o mesmo tópico frasal mas acrescentase melhorias na elaboração dos detalhes Isso é feito pela escolha de um léxico mais adequado ex since the software was made available e pela supressão de termos de proporções exageradas burning inside me A média de alterações nos textos em 50 entre a primeira e a terceira versão mostra que os sujeitos realmente tentaram mudar seus textos principalmente em termos de estilo procurando frases e locuções mais adequadas para a expressão de seus pensamentos A análise dessas alterações mostrou que de modo geral as mudanças introduziram melhorias nos textos embora muitas vezes a versão final ainda deixasse muito a desejar principalmente com os alunos mais fracos Houve uma correlação negativa r 05 entre mudanças feitas no texto e nível de proficiência ou seja quanto menos 240 Vilson J Leffa proficiente o aluno mais alterações introduziu no texto Essa correlação negativa sugere que os alunos mais fracos tentaram melhorar seus textos com mais empenho que os alunos mais adiantados ¾ provavelmente por terem percebido uma distância maior entre o que tinham produzido e o desejável Todo esse esforço no entanto nem sempre produziu o efeito desejado Parece que semelhantemente ao que acontece na leitura em língua estrangeira CLARKE 1980 também na escritura a falta de um patamar mínimo de proficiência pode provocar um curto circuito no aluno Conclusão Embora a bibliografia na área sustente que a preocupação na revisão por parte dos alunos que escrevem seja maior com a gramática o que foi confirmado também nesta pesquisa pelo questionário inicial preenchido pelos sujeitos este estudo demonstrou que na prática os alunos conseguem trabalhar melhor com as ideias Foi na reformulação de suas ideias dando mais detalhes sobre o tópico escolhendo melhor as palavras e melhorando a coerência onde eles mais progrediram entre uma versão e outra Nos aspectos de gramática incluindo ortografia vocabulário e sintaxe não houve progresso significativo A melhoria na expressão das ideias ocorrida entre uma versão e outra sugere não só que os alunos sabem revisar o que escrevem mas que são capazes de fazer essa revisão num aspecto fundamental da escrita ou seja na reformulação das próprias ideias Isso contradiz estudos anteriores onde se mostram que os alunos geralmente não fazem a autorrevisão Fazse aqui uma distinção entre não fazer e não saber Os alunos não fazem a revisão espontaneamente mas sabem fazêla quando criadas as condições Nesta investigação a condição criada foi simplesmente a obrigação de reescrever o texto Nestas circunstâncias os alunos só não revisaram aquilo que não conheciam incluindo os aspectos gramaticais do texto O que estava dentro dos limites de seu 241 Língua Estrangeira conhecimento linguístico do seu mundo conceitual e da sua visão de texto foi revisado incluindo a coerência um aspecto bem mais complexo do que a revisão ortográfica ou sintática O que faltou foi o uso de instrumentos mais adequados como dicionário de aluno learners dictionary gramáticas práticas com problemas específicos de aprendizes de inglês como língua estrangeira ordenados em ordem alfabética para consulta mais rápida gabaritos de revisão com listas de itens a serem checados listas de palavras problemáticas listas de falsos cognatos roteiros de revisão Instrumentos de autorrevisão já considerados importantes na escritura da língua materna tornam se ainda mais importantes na escritura da língua estrangeira onde a competência linguística é geralmente menor Na medida em que esses instrumentos estiverem disponíveis e forem adequadamente usados o aluno que possuir um nível de conhecimento pelo menos intermediário da língua estrangeira deverá estar em condições de resolver autonomamente muitos de seus problemas de revisão 243 Língua Estrangeira Capítulo 13 Escrevendo para a comunidade científica O desafio de ser original de acordo com as normas14 Introdução O objetivo deste capítulo é analisar os problemas encontrados pelos alunos de mestrado quando escrevem suas dissertações Estou interessado aqui no processo de aculturação no verdadeiro ritual de iniciação que o aluno de mestrado tem que passar para ser aceito na comunidade acadêmica A dissertação de mestrado é o bilhete de entrada para essa comunidade Em termos de fundamentação teórica estarei usando basicamente o conceito de comunidade discursiva como foi proposto por Swales 1990 ao qual acrescentarei o conceito de língua como apropriação Em termos de corpus estarei usando exemplos de mestrandos da área da Linguística Aplicada e da Linguística Computacional Uma diferença entre esses dois grupos é que os alunos de Linguística Aplicada vêm da área de Letras e supostamente devam ser mais proficientes no uso da língua tanto em português como em inglês do que os alunos da Linguística Computacional todos da área da Ciência da Computação Embora a maioria dos exemplos seja de dissertações de mestrado usarei também alguns exemplos de trabalhos menores escritos pelos alunos para publicação em anais de congressos Na área de Ciência da Computação é muito comum 14 Uma versão anterior em inglês deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J Writing for the scientific community The challenge of being original under constraint Anais do XIV Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua Inglesa Belo Horizonte v 14 n 14 p 337 344 1999 244 Vilson J Leffa o aluno produzir um artigo em inglês baseado na sua dissertação de mestrado geralmente escrita em Português Tentarei descrever brevemente o que caracteriza uma comunidade discursiva acadêmica os obstáculos que os alunos precisam vencer para serem aceitos pela comunidade e finalmente sugerir algumas possíveis soluções que a meu ver têm produzido resultados promissores O que é uma comunidade discursiva Para a descrição de uma comunidade discursiva usarei o modelo proposto por Swales em suas duas versões 1990 p 24 27 1992 p 1011 ainda que com ênfase na primeira versão já que a segunda não chegou a ser muito divulgada na verdade tratase de um texto xerocado apresentado em um colóquio sobre gênero na Universidade de Carleton no Canadá Complementarei a descrição com exemplos do corpus selecionado dissertações e artigos escritos pelos mestrandos De acordo com Swales 1990 p 2427 e 1992 p 1011 uma comunidade discursiva tem seis características básicas 1 Uma comunidade discursiva tem um conjunto de objetivos que é comum de conhecimento público e amplamente reconhecido De acordo com Swales o critério básico que pode ser usado para identificar uma comunidade discursiva não é seu objeto de estudo mas suas metas Considerando por exemplo um tópico com a língua sabemos que ela pode ser abordada de diferentes perspectivas cada uma implicando uma comunidade discursiva diferente Se nossa meta for descrever a língua em termos de sua forma pertencemos a uma comunidade se quisermos descrevê la em termos de suas funções já pertencemos a outra e assim sempre a uma comunidade diferente de acordo com nossos interesses aquisição da primeira língua fonologia variação linguística aprendizagem da língua ensino da escrita compreensão de leitura etc 245 Língua Estrangeira O problema enfrentado pelo aluno aqui é que essas diferentes metas levam a diferentes regras e convenções de modo que aquilo que é aceito em uma comunidade pode ser totalmente rejeitado em outra O ecletismo na medida em que uma determinada comunidade discursiva pode incorporar metas de outras é geralmente rejeitado às vezes até visto como uma espécie de obscenidade intelectual 2 Uma comunidade discursiva tem mecanismos de intercomunicação entre seus membros Pertencer a uma comunidade discursiva envolve interagir com os outros membros da comunidade através de mecanismos de intercomunicação tais como reuniões correspondência boletins e incluindo meios de telecomunicação tais como emails listas de discussões e páginas da internet Em nossa área esses mecanismos não estão restritos localmente mas são globalizados e o acesso a esses mecanismos é um prérequisito básico para o aluno de mestrado que vai produzir sua dissertação Enquanto que a existência do meio eletrônico certamente facilita o acesso aos textos da comunidade discursiva isso também pode representar mais um problema para o aluno A internet mais do que qualquer outro meio de comunicação tornou obrigatória a aprendizagem de uma língua estrangeira Alunos de mestrado que vêm de uma língua materna nãohegemônica como o português nem sempre podem ser considerados como proficientes no idioma que se tornou a língua franca da rede mundial dos computadores Esses alunos que não têm o domínio da língua estrangeira estão em enorme desvantagem em relação aos outros Sendo instrumentalmente prejudicados eles são os deficientes linguísticos de muitos programas de pósgraduação alunos que têm de compensar sua falta de competência na língua estrangeira através de outros meios às vezes até pagando traduções ou restringido seus projetos a áreas em que o conhecimento da língua franca não seja crucial 246 Vilson J Leffa 3Uma comunidade discursiva usa seus mecanismos de participação principalmente para dar informação e feedback A boa notícia aqui é que as comunidades acadêmicas têm interesse em disseminar o que fazem não apenas para seus membros mas também pessoas do grande público através de mecanismos que estão abertos a todos como conferências boletins periódicos páginas da internet Qualquer pessoa pode livremente entrar numa biblioteca e consultar qualquer uma dessas fontes e até participar de uma determinada comunidade desde que tenha as qualificações necessárias é típico dos periódicos acadêmicos por exemplo oferecer instruções aos leitores de como eles podem enviar suas contribuições para a revista Mesmo sociedades científicas que eram tradicionalmente reservadas para a admissão de novos membros que muitas vezes só poderiam entrar com a recomendação expressa de antigos sócios estão atualmente se abrindo Com o advento da internet as metas e os interesses de uma comunidade científica são divulgados como nunca foram antes ficando muito mais fácil para o noviço o ingresso em uma dessas comunidades Outra consequência da internet é que muitas das convenções subjacentes na interação entre os membros de uma sociedade são muito mais explicitamente revelados principalmente nos grupos de discussão Muitos dos pressupostos ocultos que de outro modo não são revelados ao neófito acabam sendo expostos nas discussões embora deva ser reconhecido que mesmo aqui alguns segredos ainda serão preservados e ficarão fora do alcance do grande público Quando pertencemos a uma determinada comunidade discursiva não nos damos conta do quanto às vezes negamos informação aos membros de outras comunidades Para os que tentam entrar podemos dar a impressão de que falamos muito sobre os assuntos que nos interessam mas não oferecemos a essência Deixamos voluntária ou involuntariamente lacunas críticas que nossos interlocutores de outras áreas não conseguem preencher Podemos estar fazendo isso por duas razões 1 ou o que temos a mostrar não tem realmente qualquer valor ou 2 247 Língua Estrangeira tem um grande valor e não queremos entregálo de mão beijada Os relatos de muitas descobertas importantes especialmente quando levam ao desenvolvimento de produtos comerciais podem não ser publicados com a suficiência de detalhes necessária para uma possível replicação do experimento A luta do jovem pesquisador não é trazer para fora o que está dentro é executar o ritual que lhe permita entrar em uma sociedade fechada Ou como diria Foucault o discurso da luta não se opõe ao que é inconsciente opõe se ao que é secreto Bartholomae 1983 p 300 Tradução minha Por outro lado o que é publicado em um periódico acadêmico pressupõe um conhecimento compartilhado por parte do leitor para quem o texto foi escrito sendo que normalmente o mestrando não possui esse conhecimento e tem dificuldade em adquirilo Criase uma espécie de círculo vicioso não se pode ler na área porque não se tem o conhecimento compartilhado pressuposto pelo autor do texto e não se tem o conhecimento compartilhado porque não se pode ler na área Obviamente a solução é usar textos introdutórios mas como estamos lidando com áreas específicas de conhecimento altamente especializadas esses textos introdutórios nem sempre estão disponíveis 4Uma comunidade discursiva utiliza uma seleção de diferentes gêneros para comunicar seus objetivos Diferentes gêneros podem ser usados não só para disseminar o conhecimento gerado pela comunidade mas também para recrutar novos membros O recrutamento em especial pode ser feito através de cartazes folhetos palestras sessões de pôsteres em eventos etc em que o público é informado das vantagens de pertencer à sociedade científica em questão O tipo e a quantidade de gêneros disponíveis dependem do tamanho da comunidade envolvida Uma comunidade discursiva do porte da TESOL Teachers of English to Speakers of Other Languages 248 Vilson J Leffa Professores de Inglês para Falantes de Outras Línguas por exemplo tem entre suas publicações um periódico acadêmico TESOL Quarterly uma revista de cunho prático TESOL Journal um jornal TESOL Matters um boletim eletrônico com oportunidades de emprego Placement EBulletin um informativo eletrônico TESOL Connections livros impressos de cunho teórico e prático publicações em CDROM programas de certificação para professores de inglês folhetos com diferentes tipos de informação calendários agendas buttons camisetas bonés além de uma convenção anual que por sua vez apresenta também outros gêneros comunicações orais oficinas sessões de pôster palestras exposições café da manhã com especialistas demonstrações de produtos entrevistas para emprego etc 5Além de diferentes gêneros uma comunidade possui também um léxico específico O uso de um léxico específico não apenas caracteriza uma determinada comunidade mas de certa maneira também a afasta de outras comunidades a ponto de dificultar a entrada para aqueles que desconhecem o jargão da comunidade De acordo com Swales 1990 p 2627 se alguém de fora assiste a uma reunião de uma comunidade científica e entende cada palavra o grupo em questão provavelmente ainda não formou uma comunidade discursiva As pessoas que não pertencem à área do ensino de inglês por exemplo provavelmente não têm a mínima ideia do que significam siglas como ESP EAP EFL Mesmo dentro da comunidade maior alguns membros terão dificuldade de identificar por exemplo o que o subgrupo da área de ensino mediado por computador quer dizer com CALL FTP ou NLP 249 Língua Estrangeira 6 Uma comunidade discursiva pressupõe para seus membros um patamar inicial de domínio do conteúdo e competência discursiva Uma comunidade discursiva é composta de noviços e especialistas Para que um noviço seja considerado um membro da comunidade ele deve demonstrar que possui um determinado nível de conhecimento na área o conhecimento necessário para escrever uma dissertação de mestrado por exemplo O especialista por outro lado deve ser capaz de demonstrar que tem competência para tarefas como planejar e administrar cursos coordenar eventos científicos e orientar alunos a escreverem suas dissertações Podemos definir uma comunidade discursiva acadêmica como um grupo de produtores e consumidores de texto que interagem entre si da maneira mais eficaz possível através de um conjunto de convenções entre as quais se inclui uma terminologia acordada As convenções basicamente definem o que pode ou não pode ser feito geralmente levando em consideração a mídia em que é expressa as opiniões podem ser mais livremente expressas no correio eletrônico do que em um periódico acadêmico por exemplo e também os papéis desempenhados pelos participantes um noviço não pode falar como um especialista O processo de aculturação O processo de aculturação para entrar numa comunidade discursiva não é uma empreitada fácil Envolve como vimos diferentes tipos de problemas entre os quais podemos destacar os seguintes 1 adquirir competência na língua estrangeira geralmente visto como um prérequisito 2 familiarizarse com a terminologia privilegiada pela comunidade 3 apropriarse do conhecimento compartilhado pressuposto pelos especialistas da comunidade 4 adquirir as convenções que determinam o discurso específico da comunidade em questão 5 identificar os 250 Vilson J Leffa objetivos da comunidade que podem ter uma orientação mais teórica ou mais prática Gostaria de comentar brevemente sobre esses problemas começando com a questão da competência linguística Um bom domínio da língua é obviamente um prérequisito que deve ser obtido muito antes de iniciar a produção escrita da dissertação Essa condição no entanto nem sempre pode ser presumida principalmente nos programas de pósgraduação não especificamente dedicados ao estudo da língua como é o caso por exemplo no departamento de ciências da computação A boa notícia é que os problemas linguísticos aqueles que envolvem apenas questões de escolha lexical e de construção sintática são fáceis de se resolver desde que não estejam atrelados a outros problemas mais complexos envolvendo por exemplo questões de organização textual e de coerência A frase seguinte extraída de uma primeira versão de uma dissertação de mestrado pode ser usada como um exemplo de problema puramente linguístico e extremamente fácil de ser resolvido The aim of this study is to analyze the way how lexical ambiguity is treated in its syntactic and semantic aspects in the Portuguese o problema é o uso indevido do artigo the antes da palavra Portuguese Esses problemas são fáceis de se corrigir porque afetam apenas a superfície textual do discurso Introduzem algum ruído na comunicação mas o texto pode ser compreendido sem dificuldade Descobri que esses problemas linguísticos são muito frequentes em textos já publicados principalmente em anais de congressos O que segue são apenas alguns exemplos produzidos por falantes nativos de japonês escrevendo em inglês problemas que de certo modo são intraduzíveis porque afetam apenas a superfície do texto Word in English is applied as label to identify Universal Word UNL p 35 251 Língua Estrangeira Conventional EnglishtoJapanese machine translation MT systems which are rulebased approaches sic are difficult to translate certain types of Associated Press AP wire service news stories sic such as economics and sports because these topics include many fixed expressions such as compound words or collocations which are difficult to be processed by conventional syntactic analysis andor word selection methods KATOH AIZAVA 1994 p 28 Different language may have more detailed scheme to express aspectual information of an event UNL p 44 Parece que os problemas linguísticos são mais facilmente resolvidos e também mais facilmente tolerados desde que não produzam muito ruído na comunicação Os problemas mais sérios estão acima do nível linguístico quando afetam a produção de sentido deixando o leitor extremamente frustrado por não conseguir construir o significado do texto ou por se sentir ludibriado pelo autor que o forçou a seguir pistas erradas Isso pode ser demonstrado no seguinte parágrafo traduzido do inglês agora sim traduzível por afetar a coerência É importante salientar que os atributos morfológicos são terminações de palavras que têm por objetivo indicar gênero número e pessoa Por isso em inglês há os atributos morfológicos Não há espaço aqui para transcrever todo o texto mas nada há nele nem antes nem depois do parágrafo citado que justifique a importância dos atributos morfológicos como indicadores de gênero número e pessoa A conclusão de que em inglês deva haver atributos morfológicos porque eles indicam gênero número e pessoa é também algo que confunde o leitor O problema aqui não é falta de competência na língua mas falta de competência discursiva em geral mesmo traduzido para uma outra língua o parágrafo continua problemático 252 Vilson J Leffa Problemas no nível conceitual são os mais graves de todos porque revelam falta de domínio do conhecimento fundacional da disciplina O que segue é o exemplo de alguém que é incapaz de distinguir entre uma variável e o valor atribuído à variável conceitos básicos em qualquer disciplina Quando eu li que José comprou um carro de João a fim de compreender a frase eu tive que ativar o esquema de transação comercial com pelo menos três variáveis José o carro e João Este aluno infelizmente ignora o que são esquemas e o que são variáveis José carro e João não são variáveis como são comprador mercadoria e vendedor que por definição variam em cada instância ou instanciação do esquema mas valores constantes que não variam porque constituem o próprio exemplo Problemas como falta de competência na língua domínio do discurso e conhecimento do conteúdo obviamente não deveriam existir no estágio em que o aluno começa a escrever sua dissertação mas existem e os orientadores não podem ignorá los A questão das restrições Há outros problemas ainda mais sérios que envolvem especificamente os papéis que os neófitos têm permissão de desempenhar dentro de uma comunidade discursiva A meu ver os alunos quando produzem uma dissertação de mestrado trabalham sob mais restrições do que os especialistas Eles têm que saber muito mais do que têm permissão para escrever porque têm que conhecer não apenas o que escrevem mas também aquilo que não têm permissão para escrever como neófitos Isso é um grande desafio para os novatos porque eles leem o que os especialistas escrevem mas não podem escrever como eles Fazendo uma adaptação da terminologia de David Brazil 1995 gostaria de sugerir que os especialistas podem se reservar 253 Língua Estrangeira o direito de usar o proclaiming tone contorno descendente que enfatiza a importância do que eles escrevem como algo que é novo certo e desconhecido do leitor Já os neófitos são obrigados a usar o referring tone contorno ascendente enfatizando o que é hipotético ou conhecido do leitor O excerto seguinte retirado aleatoriamente dos escritos de Chomsky pode ser usado como exemplo Acho que podemos perceber pelo menos o contorno de princípios ainda mais gerais que podemos interpretar como orientações genéricas considerando que são formulados em termos extremamente vagos para que possam ser chamados de princípios da GU CHOMSKY 1995 p 130 Chomsky como um especialista da comunidade discursiva pode se arrogar o privilégio de introduzir marcadores subjetivos no seu texto como eu acho um procedimento que tipicamente não é permitido a um neófito Podese argumentar que Chomsky é uma figura de notável saber na comunidade e que os marcadores subjetivos em seu texto serão interpretados como indício provável de muita reflexão baseado numa longa história de estudo e pesquisa Na escrita de um novato o efeito seria o contrário O leitor interpretaria o marcador subjetivo como uma confissão de incompetência ou como presunção descarada O neófito não tem o background histórico reconhecido de um especialista para dar credibilidade ao que ele diz A escrita acadêmica é fundamentalmente uma atividade ritualística E embora os detalhes deste ritual social estejam sujeitos a diferentes requisitos em diferentes disciplinas na prática a grande maioria dos jovens cientistas se não todos encontra uma série de dificuldades para realizar este ritual e isto acontece porque ainda são novatos sócios em treinamento nem iniciados e nem mestres da sociedade fechada CRASWELL xerox p7 254 Vilson J Leffa Aprender as convenções da comunidade discursiva não apenas as convenções gerais que se aplicam a todos os membros mas também aquelas convenções que se aplicam especificamente aos neófitos é a tarefa do aluno que pretende escrever uma dissertação de mestrado Essa aprendizagem desce além da superfície da materialidade linguística do conhecimento passivo da terminologia específica da área até alcançar o nível mais profundo do discurso e das relações que se estabelecem ativamente entre neófitos e especialistas no nível em que o significado é realmente produzido Os alunos discípulos precisam aprender que não basta ter um conhecimento ocasional das convenções elas precisam ser trazidas para sua intimidade e incorporadas na sua estrutura cognitiva Não podem ser apenas memorizadas Elas precisam ser assimiladas apropriadas pelo jovem cientista de modo a melhor servir seus propósitos Os estudantes quando escrevem não podem apenas citar os membros da comunidade discursiva a qual querem pertencer deverão ser capazes de parafrasear com suas próprias palavras o que os outros disseram Não podem apenas identificar a informação que leem devem transformála incorporála internamente ao que já sabem metamorfoseandoa mas também sem extrapolar seu papel de neófitos Esses são a meu ver alguns dos problemas que o mestrando encontra quando tenta escrever sua dissertação São na minha maneira de ver problemas de ordem linguística discursiva e conceitual Existe ainda um problema de relacionamento social que abordarei na próxima seção A interação orientadororientado A solução tradicional para ajudar o aluno a adquirir a competência necessária para escrever a dissertação com o objetivo de dominar as normas e convenções da comunidade discursiva tem sido através de um orientador um processo menos ou mais longo com menos ou mais sessões de aconselhamento em que às vezes se consegue expressar o que se 255 Língua Estrangeira deseja e às vezes não O exemplo seguinte mostra um mal entendido entre orientador e orientando que precisou ser corrigido Lendo a primeira versão de um trabalho de uma aluna minha eu tinha marcado a frase abaixo como contraditória A informação explícita em um texto é aquela que não está presente no texto Eu não conseguia entender como é que algo que estivesse explícito no texto não pudesse estar presente no texto Quando falei isso para ela ficou completamente surpresa e me garantiu que não era isso que ela queria dizer É claro que já tenho uma resposta pronta para essas ocasiões Não interessa o que você quis dizer interessa o que você disse mas nesse caso fiquei esperando a explicação Ela me mostrou então que a frase poderia ter uma segunda leitura mais ou menos nos seguintes termos A informação explícita é tão óbvia que não precisa ser escrita então não está presente não é colocada no texto Se fôssemos escrever tudo o que é óbvio o texto ficaria muito longo A aluna tinha produzido um texto que era coerente na sua perspectiva mas não de acordo com as expectativas convencionadas e institucionalizadas da comunidade discursiva que exige do escritor produzir um texto que seja condescendente com o leitor evitando idiossincrasias e ambiguidades Os malentendidos podem ocorrer também no outro sentido isto é não apenas do aluno para o orientador mas também do orientador para o aluno De acordo com Craswell xerox o orientador não pode pressupor que sua metalinguagem seja compreendida pelo aluno Dizer a um aluno que ele deve melhorar a estrutura do parágrafo manter a unidade de foco ou sinalizar a linha de argumentação vai ajudar muito pouco se ele sabe o que o orientador quer dizer com esses termos 256 Vilson J Leffa Conclusão Acredito que a melhor maneira para ajudar um aluno a escrever sua dissertação é inserilo numa comunidade discursiva onde ele possa socializar o que escreve ler os trabalhos dos outros ter seus próprios trabalhos lidos e comentados trocar ideias com colegas O grande autor visto como um gênio solitário é um mito mesmo na área da literatura Pósmodernistas como Barthes 1984 já proclamaram a morte do autor considerando que o autor existe apenas a custa do leitor Não existe se o que escreve não for lido As universidades são fundamentalmente gregárias A aprendizagem não ocorre apenas através da reflexão individual mas principalmente através da discussão com os outros Nos lugares em que tenho trabalhado foi raro ver um aluno trabalhando sozinho Reúnemse para ler trabalhos preparar seminários analisar dados em um projeto e mesmo para escrever O pressuposto é que o sentido seja construído entre os participantes professores e alunos através da negociação contínua a verdade não é uma posse individual mas uma mercadoria partilhada por todos no grupo Pareceme que a coisa certa a fazer no momento é criar comunidades solidárias de pesquisadores onde os alunos possam apoiarse uns nos outros Exemplos dessas comunidades podem ser programas especiais de treinamento grupos de pesquisa e outros projetos coletivos A principal vantagem da criação dessas comunidades discursivas é que elas podem ajudar o jovem cientista a obter o status de sócio da comunidade desenvolvendo nele a cultura da escrita e iniciandoo nos segredos da confraria A maior de todas as vantagens na formação dessas comunidades é que nelas o aluno pode aprender não só a lidar com as restrições da escrita acadêmica com suas regras e normas mas também aprender a reverter o processo e a usar as restrições em seu próprio benefício 257 Língua Estrangeira Capítulo 14 Aspectos externos e internos da aquisição lexical15 Introdução Os recursos atuais da informática incluindo a indexação total de textos e a consequente facilidade na busca de palavras em contexto de uso tornaram o vocabulário um dos aspectos mais importantes na aprendizagem da língua tanto em L1 como L2 Este enfoque contextual que considera as relações da palavra dentro do texto incluindo suas restrições e preferências colocacionais nada tem em comum com as abordagens descontextualizadas de outrora e suas listas de palavras com tradução sinônimos antônimos coletivos etc O aluno tem até a opção de dispensar o dicionário tradicional onde a maioria das palavras registradas não são usadas e ir diretamente ao acervo original de textos onde elas são encontradas em seu habitat natural vivendo em equilíbrio ecológico com as outras palavras Os recursos atuais da informática pela facilidade com que recolhem e analisam as palavras reverteram a hierarquia dos componentes linguísticos na aprendizagem subordinando sintaxe fonologia morfologia e pragmática ao léxico Este capítulo vai tentar resumir o que tem sido pesquisado e proposto sobre a aprendizagem do vocabulário tanto na língua materna como na língua estrangeira mostrando como os estudos evoluíram dialeticamente de uma ênfase externa para uma ênfase interna chegando finalmente a uma síntese com a introdução da 15 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA Vilson J Aspectos externos e internos da aquisição lexical In LEFFA Vilson J Org As palavras e sua companhia o léxico na aprendizagem Pelotas 2000 v 1 p 1544 258 Vilson J Leffa informática Entendese aqui por ênfase externa do ponto de vista histórico a ideia de que o sucesso na aprendizagem dependia da modificação do input oferecido ao aluno controle do vocabulário nos textos didáticos gradação de exercícios por nível de dificuldade etc Dentro dos aspectos internos há também uma oposição que se criou entre aquisição e aprendizagem Exemplo típico de aquisição é o que acontece na língua materna onde o desenvolvimento do léxico é mais espontâneo relacionado à formação da própria identidade da pessoa e menos dependente da ação da escola enquanto que na língua estrangeira o desenvolvimento é mais refletido precisando normalmente de indução para se realizar Se na língua materna predomina o léxico das operações concretas da infância ligado ao afeto e à família na língua estrangeira predomina o léxico das operações abstratas da adolescência e da idade adulta ligado à escola e às disciplinas de estudo A oposição entre aquisição automática do léxico e aprendizagem intencional também parece ter resultado numa síntese O capítulo inicia ressaltando algumas ideias básicas que têm marcado o estudo do léxico ora visto como um componente essencial da linguagem centro de atenção de estudiosos e curiosos da língua ora visto como um componente acessório idiossincrático e impossível de ser abordado cientificamente Ressalta também a oposição entre o conceito de palavra e de unidade lexical e procurase mostrar dentro desse jogo de oposições a tensão que existe entre a palavra e o texto Mostra que a palavra não é uma embalagem vazia de significado totalmente subordinada às restrições do texto mas um feixe de possibilidades oferecendo ao texto inúmeras opções de significado embora impondo também suas normas e restrições de uso Na questão do ensino do vocabulário tentase mostrar como esse ensino pode estar centrado no input que é oferecido ao aluno com ênfase na preparação do texto ou no próprio aluno com ênfase no desenvolvimento das estratégias que ele deve usar para se apropriar do vocabulário de uma língua Do lado do texto 259 Língua Estrangeira mostrase principalmente a importância de se conhecer a distribuição das palavras no texto de sua frequência relativa de suas preferências e restrições colocacionais Do lado do aluno procurase resumir o que se sabe sobre aquisição incidental e aprendizagem intencional com sugestão de estratégias para o desenvolvimento do vocabulário partindo da teoria para a prática e considerando a língua tanto em sentido geral sem restrição de input como a língua de especialidade onde o input fica restrito a uma determinada área de conhecimento A luta mais vã Um elemento decisivo na identificação de uma língua é seu léxico Normalmente basta uma pequena sequência de palavras ex los niños les enfants the boys mesmo fora da ordem canônica ex boys the para que a língua já possa ser determinada com facilidade Em qualquer tarefa onde for necessária a identificação da língua ex num processador de texto para determinar o dicionário ortográfico a ser acionado a maneira mais rápida precisa e econômica de descobrir que língua está sendo usada será pela identificação das palavras A morfologia ajudaria muito pouco a sintaxe menos ainda e a pragmática provavelmente nada teria a oferecer O efeito de sentido para uma frase como a polícia está chegando pronunciada por um assaltante dentro de um banco para os seus colegas seria certamente o mesmo independente da língua usada não servindo portanto para diferenciar uma língua da outra Se alguém ao estudar uma língua estrangeira fosse obrigado a optar entre o léxico e a sintaxe certamente escolheria o léxico compreenderia mais um texto identificando seu vocabulário do que conhecendo sua sintaxe Da mesma maneira se alguém tiver que escolher entre um dicionário e uma gramática para ler um texto numa língua estrangeira certamente escolherá o dicionário Língua não é só léxico mas o léxico é o elemento que melhor a caracteriza e a distingue das outras 260 Vilson J Leffa O senso comum a tradição e mesmo a literatura têm dado uma importância muito grande à palavra O senso comum intuitivamente tende a definir uma língua mais como um conjunto de palavras do que como um conjunto de frases ou de regras sintáticas A tradição tanto no ensino de línguas estrangeiras como da língua materna tem destacado a importância do vocabulário através de inúmeras atividades pedagógicas desde as listas de palavras descontextualizadas a serem decoradas pelos aprendizes até atividades mais significativas como jogos do tipo forca bingo caçapalavra memória palavras cruzadas etc Na literatura são também inúmeros os exemplos de poetas e escritores em que se manifesta a preocupação com o vocabulário do esforço que fazem para chegar à palavra que melhor expresse aquilo que pretendem dizer Todos não só poetas jornalistas e professores lutam com as palavras e têm que aprender a expressão do conceito que buscam o mecânico de automóvel quando pede uma peça para reposição o vendedor ambulante quando tenta convencer o freguês das qualidades do produto que vende o médico quando tenta explicar ao paciente a natureza da doença revelada no exame de urina O poeta quando fala de sua luta com as palavras não fala apenas por ele fala por todos os usuários da língua Lutar com palavras é a luta mais vã Entanto lutamos mal rompe a manhã Drummond A ilusão dos demais usuários no entanto é de que a luta não seja vã Nas palavras do autor do dicionário Aurélio Uns e outros poetas e dicionaristas se empenham na luta e sempre com a esperança de que não seja vã Em nossos casos particulares o do poeta e o deste aprendiz de lexicografia há uma diferença deixem passar a confissão a luta de Drummond principia mal rompe a 261 Língua Estrangeira manhã a do aprendiz ordinariamente vai até de manhã FERREIRA 1986 p vii No entanto apesar da importância que o senso comum a tradição e a literatura dão à palavra no uso e na aprendizagem de uma língua o ensino do vocabulário tem sido de um modo geral estigmatizado tanto em língua materna como em língua estrangeira Este capítulo partindo da suposição de que o estigma existe por que não se conhece o que foi feito e o que se pode fazer sobre o ensino do léxico pretende resumir estudos realizados e oferecer alternativas de ensino com ênfase tanto no material a ser oferecido ao aluno como nas estratégias a serem exploradas Constatase com facilidade que na aprendizagem da língua estrangeira a aquisição do vocabulário é um dos aspectos mais importantes do processo Por outro lado na aprendizagem da língua materna ele é muitas vezes o único aspecto onde depois de um certo estágio o aluno ainda pode progredir Quando se domina a fonologia a sintaxe e a morfologia de uma língua o que normalmente se consegue antes de se chegar à adolescência o léxico é o único conhecimento que pode ser aumentado geralmente para o resto da vida já que sempre é possível aprender novas palavras O que é uma palavra A tensão com o texto Poucas são as definições disponíveis de palavra na literatura da linguística aplicada e mesmo da linguística como se o próprio termo palavra fosse uma espécie de postulado filosófico fato reconhecido automaticamente sem necessidade de ser definido ou demonstrado Os especialistas parecem que não querem se comprometer com uma definição e quando se sentem coagidos a fornecer uma geralmente apelam para a vaguidão Assim para Ducrot 1995 palavra é um feixe de topoi que Moura na entrevista que fez ao autor traduziu como um conjunto vago de crenças e inferências MOURA 1998 p 169 A relação clara e unívoca do signo linguístico estabelecida por Saussure entre 262 Vilson J Leffa significante e significado deixa de existir e a palavra é vista mais como um leque de encadeamentos possíveis dentro do discurso De acordo com Firth a palavra só existe na companhia de outras palavras Sozinha ela não tem condições de subsistir será quando muito apenas um feixe de possibilidades tanto mais vaga e volátil quanto maior for esse feixe Para uma discussão dos problemas da referencialidade vejase entre outros Putman 1975 1990 Moura 1997 Na verdade fogese do termo palavra quando se quer discutir a palavra devido a sua falta de rigor científico Ainda que na área da informática a palavra possa ser rigorosamente definida como uma sequência de letras delimitada em ambas as extremidades por um espaço essa definição não serve quando além do significante queremos incluir também a significado Daí a inevitável criação de outras expressões como vocábulo termo monema sintagma lema lexema semantema lexia sinapsia ou paráfrases mais longas como sintagma lexicalizado ou unidade mínima de significação sem falar em termos mais raros como lexes ou lexóides Há também tentativas de distinção entre esses termos Vejamse por exemplo as diferenças que Dubois et al 1993 fazem entre palavra termo e vocábulo Assim opondo palavra a termo argumentam que palavra é essencialmente polissêmica enquanto que termo possui uma significação única Ver Krieger neste volume Na língua portuguesa pedra teria como palavra de acordo com o Aurélio 24 acepções Ex bloco de pedra a pedra do anel uma pedra de sal choveu pedra cantaram a pedra 20 coração de pedra etc já como termo médico pedra terá apenas uma dessas acepções Ex pedra no sentido de concreção que se forma em reservatórios musculomembranosos e nos canais excretores de glândulas FERREIRA 1986 p 1292 Por outro lado opondo palavra a vocábulo propõem que palavra não tem restrição de ocorrência sempre que aparecer no texto será uma nova palavra Vocábulo já tem restrição de ocorrência será o mesmo ainda que repetido Assim a frase Não ficou pedra sobre pedra tem cinco palavras mas apenas quatro vocábulos já que 263 Língua Estrangeira a palavra pedra é o mesmo vocábulo que está sendo repetido Para uma discussão mais detalhada deste e de outros termos ver ALVES 1999 Não é fácil porém determinar o vocábulo devido a sua polissemia as 24 acepções que o dicionário Aurélio dá para a palavra pedra agrupadas em um único verbete seriam todas vocábulos diferentes ou algumas dessas acepções poderiam ser agrupadas em um vocábulo Por outro lado a palavra mangueira separada em três verbetes nos sentidos de tubo árvore e curral poderia ser mais facilmente dividida em três vocábulos na medida em que se tem aí não um caso de polissemia mas de homonímia LEFFA 1997 Pode ser um pouco difícil mas não será impossível contar os vocábulos em uma frase como A muda silenciosamente usou a mangueira de plástico para regar a muda de mangueira que crescia perigosamente junto à da mangueira das vacas Outros autores fazem também a diferença entre léxico e vocabulário Entendese por léxico a totalidade das palavras duma língua ou como o saber interiorizado por parte dos falantes de uma comunidade linguística VILELA 1994 p 10 O vocabulário é por sua vez uma parte do léxico que representa uma determinada área de conhecimento BARBOSA 1995 p 21 Definir uma palavra como uma unidade mínima de sentido não é uma tarefa fácil devido às inúmeras nuances de significado que uma palavra possui Usando apenas o que está no dicionário para a palavra pedra por exemplo que não é das palavras mais polissêmicas temse como vimos 24 acepções Se fossem usados os conceitos que as pessoas têm de pedra em sua mente provavelmente se encontrariam não dezenas mas centenas de acepções Finalmente indo além do dicionário e do que está armazenado na mente das pessoas e usando as significações que uma palavra pode adquirir dentro de um texto plano do discurso na terminologia de Quemada 1981 chegase provavelmente a milhares de acepções como se pode ver nos exemplos abaixo para a palavra pedra 264 Vilson J Leffa A imprevisibilidade é a pedra nos sapatos dos linguistas problema O mestre Gereba está numa pedra acossado por tubarões apoio Jogoulhe uma pedra na cabeça projétil O carro parou porque havia uma pedra no meio do caminho obstáculo Deixou o nome escrito na pedra suporte textual Como tirar leite de pedra coisa estéril A pedra curoulhe a loucura remédio Não há provavelmente nenhum autor que acredite na identificação de significado que uma palavra tem no dicionário com o significado que ela adquire quando está na companhia de outras palavras no texto Há sempre uma diferença muito grande entre uma situação e outra acarretando um desprestígio da palavra como entidade independente quando é vista e analisada à parte das outras A palavra não pode andar sozinha como já dizia Vygotsky 1934 1998 ela só adquire significado no contexto em que é usada O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala BARBOSA 2000 p 1 A ênfase no contexto pode também dar a ideia errada de que a palavra é uma embalagem vazia desprovida de conteúdo que assume a forma do contexto em que se encontra como um camaleão que se enche de vento e muda de cor A palavra não vai vazia ao texto Pelo contrário traz uma história de experiências que recolheu de outros textos em que participou Quando se diz por exemplo que Maria tem um coração de pedra a palavra pedra não fica totalmente submetida às coordenadas do texto ela traz um conteúdo que é só dela e que de modo algum está previamente colocado no texto que é sua dureza e insensibilidade O texto muda com a presença da palavra pedra e seria outro se em vez de pedra usássemos por exemplo mel Qualquer falante da língua portuguesa entenderia que Maria tem um coração de 265 Língua Estrangeira pedra tem um significado oposto ao de Maria tem um coração de mel No entanto a única coisa que aconteceu entre um segmento e outro foi a troca de uma única palavra Ou seja a palavra não só assume o significado imposto pelo texto mas também determina seu significado É óbvio que também se pode argumentar de modo inverso Em duas frases como Cantaram a pedra 20 e Escalaram a pedra grande podese demonstrar que a mesma palavra pedra significa número num exemplo e rocha no outro logo podese argumentar que é o contexto da frase que determina o significado da palavra Na verdade o que se tem entre o texto e a palavra é um processo de interação baseado em algumas regras fundamentais onde o texto não necessariamente dá um significado à palavra mas privilegia um de seus possíveis traços semânticos O texto não é onipotente em relação à palavra a ponto de lhe dar um significado que ela não pode carregar O texto só pode exigir da palavra aquilo que ela estiver disposta a dar como as palavras em geral são ricas de significado elas acabam se encaixando em vários lugares do texto Não se trata portanto de pobreza mas de riqueza Conhecer essa riqueza das palavras faz parte do que significa conhecer uma língua Um outro problema ao se definir uma palavra como unidade de sentido é que não há uma simetria entre extensão e sentido Às vezes atingese uma unidade de sentido sem chegar ao fim da palavra como é o caso por exemplo das palavras viveram e felizes em viveram felizes para sempre tanto viver sem a desinência verbal am como feliz sem o sufixo flexional es já formam por si mesmos uma unidade de sentido Outras vezes acontece o contrário chegase ao final da palavra sem chegar ao final da unidade de sentido A expressão análise de discurso por exemplo é composta de três palavras mas para os especialistas da área forma um sintagma lexicalizado de um sentido único graficamente bem delimitado ao qual só se chega depois do final da palavra discurso passando pelas duas anteriores As palavras que compõem a unidade estão de tal modo costuradas uma na outra que não há nem mesmo a possibilidade 266 Vilson J Leffa de inserção de qualquer outra palavra entre elas sem romper a unidade de sentido Não se pode por exemplo falar em análise de pouco discurso como se fala em homem de sorte e homem de pouca sorte As três palavras da expressão análise de discurso formam portanto um bloco relativamente monolítico e individual que poderia ser definido como uma unidade lexical a exemplo de outras expressões como pedra de toque pedra fundamental ou mesmo dormir como uma pedra Para uma discussão mais detalhada desta questão e dos testes de substituição e de inserção que podem ser aplicados para distinguir lexias complexas de sequências discursivas variáveis ver BIDERMAN 1999 Um outro problema de falta de simetria está nas contrações e fusões de duas ou mais palavras dentro de um mesmo espaço grafêmico O caso mais comum é o das preposições com os artigos como em dos de os nos em os etc onde se tem um único grafema para duas palavras Outras vezes em situações aparentemente idênticas podese ter uma ou mais palavras É o caso por exemplo de embaixo uma palavra e em cima duas palavras O ensino do vocabulário aspectos externos O ensino do vocabulário tanto na aprendizagem da língua estrangeira como da língua materna oscila entre o interno e o externo De um lado temos o ensino com ênfase no material que deve ser preparado e oferecido ao aluno São os aspectos externos valorizando o input Nessa área destacamse os estudos sobre frequência dicionários de aprendizagem linguística de corpus e uma tipologia específica de exercícios Do outro lado temos o ensino com ênfase no que o aluno deve fazer para adquirir e ampliar o vocabulário São os aspectos internos valorizando as estratégias Destacamse aí a questão da profundidade de processamento a necessidade de respeitar os estilos de aprendizagem etc 267 Língua Estrangeira Em relação aos aspectos externos um dos mais estudados tem sido a frequência de ocorrência de determinadas palavras nos textos orais e escritos desde as pesquisas de Thorndike no início da década de 20 até os estudos mais recentes em linguística de corpus A motivação principal para o estudo da frequência de ocorrências é a constatação de que a maior parte do vocabulário de um texto é formada pelas palavras mais comuns da língua É óbvio que as palavras existentes em uma língua têm graus diferentes de popularidade Algumas são usadas em qualquer texto com extrema frequência Outras são rarissimamente usadas desconhecidas pela maioria das pessoas e parecem que existem apenas para ocupar espaço nos dicionários já que nos textos nunca aparecem Uma diferença portanto entre as palavras no texto e as palavras no dicionário é que no texto a maioria das palavras é conhecida Essa constatação de que algumas palavras são extremamente mais frequentes do que outras levou vários especialistas a conduzirem inúmeros levantamentos de frequência Estudos clássicos nesta área incluem Thorndike 1921 Thorndike and Lorge 1944 West 1953 van Ek 1975 e Hindmarsch 1980 Thorndike 1921 foi o pioneiro em estudos de frequência produzindo inicialmente uma lista das 5000 palavras mais comuns da língua inglesa Duas décadas mais tarde juntamente com Lorge THORNDIKE LORGE 1944 apresentou uma lista das 30000 palavras o Teachers Word Book of 30000 Words baseado num corpus de 18 milhões de palavras de texto escrito O objetivo nos dois trabalhos era oferecer aos autores de livros didáticos dos Estados Unidos subsídios para a produção de livros em língua materna A preocupação era apresentar livros adequados para cada ano de escolarização e a escolha de um vocabulário diferenciado rigorosamente classificado por nível de dificuldade era considerado um dos critérios mais importantes O General Service List WEST 1953 publicado na década de 50 baseiase em trabalho realizado na década de 30 quando o 268 Vilson J Leffa autor trabalhava na Índia Preocupado com o ensino de inglês como Língua Estrangeira ou Segunda LES e principalmente com o ensino da leitura em LES West compilou uma lista de 2000 palavras que foi usada durante muito tempo para a produção de material para o ensino de inglês Embora a frequência fosse um critério básico para a inclusão de uma palavra na lista aspectos semânticos também foram considerados A Figura 01 mostra um verbete da lista O número 638 indica que a palavra game ocorre 638 vezes no corpus de 5 milhões de palavras usado para compilar a lista Cada palavra como se vê é dividida em acepções O percentual após cada acepção indica a ocorrência da palavra com aquele significado Um ponto de interrogação indica uma sugestão de significado por parte do autor Notese também o uso de exemplos de uso para cada acepção Figura 01 Exemplo de um verbete do General service list West 1953 p vii GAME 638 1 amusement childrens play Fun and GamesIts not serious its just a game 9 2 with the idea of competittion eg cards football etc A game of football Indoor games outdoor games 38 3 a particular contestWe won six games to threeI played a poor gamePlay a losing game 105 23 4 games athletic contest Olympic games 8 animals 11 game gamebirds etc 5 fun Make game of 05 Fonte Autor 269 Língua Estrangeira O Threshold level van EK 1976 um dos documentos mais importantes para a abordagem comunicativa faz também um inventário do vocabulário básico da língua inglesa dentro do nível mínimo das funções linguísticas que o aluno deve dominar para interagir em inglês Embora o critério de frequência ainda seja seguido outros critérios são também levados em conta incluindo a capacidade da palavra em auxiliar na execução de determinadas funções O corpus não é mais apenas o da língua escrita mas também da língua oral e aspectos produtivos e receptivos do léxico são também incorporados no inventário de aproximadamente 1500 palavras O Cambridge English Lexicon compilado por Hindmarsch 1980 apresenta 4470 palavras classificadas por níveis de 1 a 5 sendo 1 o nível mais básico ex a palavra paper e 5 o nível mais elevado ex a palavra particle Hindmarsch tenta resumir na sua lista tudo o que já tinha sido feito até então incluindo sua própria experiência como professor e elaborador de testes de proficiência em inglês O objetivo principal foi oferecer um inventário de palavras que oferecessem uma base para a compreensão de texto com ênfase maior portanto na recepção do que na produção Atualmente com o advento da informática e o barateamento da tecnologia de armazenamento a importância desses inventários lexicais préfabricados tem diminuído bastante Editores de dicionários e mesmo pesquisadores individuais têm dispensado o uso dessas listas e desenvolvido seus próprios corpora geralmente na ordem de dezenas de milhões de palavras O Projeto COBUILD que inicialmente envolveu a Editora Collins e a Universidade de Birmingham para citar apenas um exemplo tem uma base de dados superior a 100 milhões de palavras Críticas aos inventários lexicais naturalmente não faltam Em primeiro lugar argumentase que o número de itens nesses inventários são enganosos e não são tão fáceis de serem adquiridos por parte do aprendiz como sugerem seus autores As palavras mais frequentes são também as mais polissêmicas e colocacionalmente as mais complexas NAGY 1998 As 2000 270 Vilson J Leffa palavras da General Service List por exemplo correspondem a mais de 12000 acepções Existe também um problema cultural Por necessidade essas listas têm que ser compiladas a partir de textos autênticos de falantes nativos e muitas palavras que são comuns para esses falantes envolvem conceitos que não são conhecidos por falantes de outros países GAIRNS REDMAN 1993 p 59 Ou seja a lista inicial de 2000 palavras cresce para 12000 acepções e muitas dessas acepções não fazem parte do conhecimento prévio do aluno Um exemplo de frequência na língua portuguesa O exemplo a seguir mostra um pequeno estudo feito com textos escritos em português usando uma área restrita de conhecimento e um corpus de um pouco mais de um milhão de palavras O estudo é resumido aqui para mostrar diretamente a importância do estudo de frequência lexical no ensino de línguas e indiretamente a importância da terminologia na delimitação das áreas de conhecimento Parece que o léxico é um fator essencial não só para a identificação de uma língua mas também para a determinação das diferentes ciências A língua portuguesa segundo o Michaelis 1998 possui em torno de 200000 palavras Isso significa que se essas 200000 palavras fossem igualmente distribuídas pelos textos da língua um estrangeiro que soubesse apenas 100 palavras da língua portuguesa e fosse ler um texto de exatamente 100 palavras não chegaria a entender uma única palavra desse texto Estatisticamente entenderia apenas um vigésimo de palavra ou seja para entender uma única palavra num texto de 100 teria que conhecer pelo menos 2000 palavras da língua portuguesa 271 Língua Estrangeira Figura 02 Lista de 100 palavras em ordem alfabética MICHAELIS 1998 p 12181219 lacina lacínia laciniado lacinofoliado lacinifloro laciniforme lacínio lacínula lacinulado Lacistema Lacistemáceas laço lacobricense lacobrigense laçodeamor lacol lacólito lacomancia lacomante lacomântico lácon lacondé lacônico lacônio laconismo laconizar lacopaco lacrador lacraia lacrainha lacranar lacrar lacrau lacre lacreada lacrear lacrecanha lacrimação lacrimal lacrimante lacrimar lacrimatório lacrimável lacrimejamento lacrimejante lacrimejar lacrimejo lacrimiforme lacrimochristi lacrimogêneo lacrimonasal lacrimopalpebral lacrimoso lacrimotomia lacrimotômico lacrimótomo lactação lactacidemia lactado lactagol lactalase lactálase lactalbumina lactama lactamida lactância lactante lactar lactário lactase lactato láctea Lácteavia lacteína lactenina lactente lácteo lacteolina lactescência lactescente Láctica lacticemia lacticêmico lacticínio lacticinoso láctico lacticolor lacticultor lacticultura láctide lactífago lactifermentação lactifermentador lactífero lactífico lactifobia lactífobo lactiforme lactífugo lactígeno Fonte Autor 272 Vilson J Leffa Figura 03 Segmento de texto escolhido aleatoriamente com 100 palavras de extensão Mais interessante do que falar em tendências atuais em Análise de Discurso é mostrar que essas tendências já são um fato da própria constituição de seu território e tem a ver com a posição da Linguística dominante Esta como sabemos se constitui na relação contraditória entre unidade e diversidade contradição esta inscrita em seu próprio objeto já que não há como negar o fato de que há Língua e há Línguas ou seja há uma relação necessária entre o formalismo do sistema e a diversidade concreta A Linguística é pois afetada em sua constituição por essa contradição que se inscreve na sua própria história e na história das alianças que ela vai promovendo com diferentes campos do Fonte Autor Uma experiência bem simples pode demonstrar essa realidade Abrase o Michaelis 1998 na página 1218 e a partir daí listese as 100 palavras que aparecem em sequência A Figura 02 mostra essas palavras Agora comparese essas palavras a um segmento autêntico de texto Figura 03 O que se observa é que nenhuma das palavras listadas pelo dicionário aparece no segmento Felizmente na língua portuguesa como em qualquer outra língua há palavras que são muito mais usadas do que outras e quando um texto é de uma determinada área de conhecimento as palavras daquela área predominam sobre as palavras de outras áreas Isso pode ser demonstrado num levantamento feito das palavras mais frequentes dos anais da ABRALIN de 1997 A Tabela 01 mostra por ordem de frequência as 100 palavras mais usadas nesses textos 273 Língua Estrangeira O primeiro aspecto que chama atenção examinando a lista é a presença bem maior das palavras do chamado sistema fechado da língua artigos pronomes preposições conjunções com uma presença bem menor do sistema aberto substantivos verbos adjetivos Não surpreendentemente tratandose de textos da área da linguística a palavra mais frequente do sistema aberto que aparece na lista é o substantivo língua seguida de outras da mesma área de conhecimento como discurso sujeito linguagem análise português O aparecimento de duas palavras da língua inglesa the e of coincidentemente as duas palavras mais comuns dessa língua e provavelmente oriundas de citações bibliográficas mostra juntamente com a presença de palavras da área da linguística que a amostra não pode ser vista como representativa da língua portuguesa como um todo Apesar disso ou justamente por isso os resultados podem ser extremamente interessantes como se espera demonstrar abaixo Comparese agora esta lista com o segmento textual da Figura 02 que mostra um recorte extraído aleatoriamente do corpus de um milhão de palavras O primeiro aspecto que se pode observar em termos de frequência é que algumas palavras já estão sendo repetidas dentro do próprio segmento Assim a preposição de aparece 3 vezes sem contar as fusões do da etc a preposição em 4 vezes o artigo o 2 vezes a conjunção e 5 vezes etc As palavras da língua portanto não estão igualmente distribuídas neste pequeno segmento 274 Vilson J Leffa de a é que o do da no em se como um uma os as para e por na com dos ou das língua são ao discurso entre mais nos ser sua mas sujeito tem linguagem análise também português Brasil Forma pela relação sobre seu interpretação pelo sentido pode termos assim linguística processo esta nas já pessoa materiais tratamento memória trabalho aos história questão diferentes termo in mesmo portuguesa século brasileira outro este isso pois pesquisa há isto lugar the processos terminologia texto esse of outros produção sem uso essa lá posições relações textos foi ainda ele sentidos não só Tabela 01 As 100 palavras mais comuns da língua portuguesa em textos acadêmicos por ordem de frequência Anais da ABRALIN Fonte Autor O aspecto mais interessante no entanto é o percentual das palavras da lista de 100 que aparece no segmento e que estão sublinhadas Contandose as palavras uma a uma o que se descobre é que das 100 palavras que compõem o texto 71 estão entre as mais frequentes de todo o corpus Isso significa que estatisticamente comparando este resultado com o do dicionário há um salto extremamente significativo no reconhecimento de palavras com um aumento superior a 1000 O que uma comparação entre a lista das 100 palavras da Figura 01 extraídas do dicionário e o segmento da Figura 02 extraído de um texto autêntico demonstra é insofismável 275 Língua Estrangeira enquanto que no dicionário predominam as palavras mais raras no texto predominam as mais frequentes Poucos falantes da língua portuguesa reconhecerão palavras como lacina ou lacrecanha É provável que mais da metade das 100 palavras listadas no dicionário jamais sejam usadas pela maioria dos falantes Ainda que a amostra não seja representativa da língua como um todo os resultados não deixam de ser interessantes Mostram a importância da frequência lexical na composição de um texto de especialidade e consequentemente na sua compreensão com sérias implicações para o ensino de línguas estrangeiras O ensino do vocabulário aspectos internos Para um ensino adequado do vocabulário dois aspectos precisam ser inicialmente analisados Primeiro é preciso saber o que significa conhecer uma palavra Em segundo lugar é também importante saber como evolui esse conhecimento Quando falamos uma língua somos capazes de determinar se uma sequência de sons ou letras forma ou não uma palavra dessa língua se não do léxico que nunca teremos condições de conhecer em sua totalidade pelo menos do vocabulário que conhecemos dessa língua Podese afirmar com relativa segurança que todos os falantes do português brasileiro sabem que pedra é uma palavra dessa língua Quem fala português sabe também mesmo fora de contexto que pedra 1 é uma palavra comum na língua portuguesa com grande probabilidade de ocorrência tanto na fala como na escrita ao contrário por exemplo da palavra jaspe que ele sabe que tem uma frequência menor 2 tem alta colocabilidade com a palavra dura por exemplo e também forma compostos como pedra de toque pedra de amolar etc 3 tem limitações de registro em algumas de suas acepções num texto acadêmico não se descreveria um aluno como uma pedra 276 Vilson J Leffa 4 tem derivações e flexões como pedrada pedregoso pedreira etc 5 é um substantivo feminino e não um verbo um falante de língua portuguesa nunca dirá o pedra é dura 6 tem relações paradigmáticas com diamante rubi opala safira esmeralda etc 7 tem além do valor denotativo baseado em suas propriedades físicas de dureza e solidez diversos valores conotativos coração de pedra etc Para maiores detalhes ver SCARAMUCCI 1997 NATION 1984 READ 1987 RICHARDS 1976 WALLACE 1982 Dar esse tipo de conhecimento ao aluno é o que se pretende quando se fala em aprendizagem ou aquisição lexical A questão da coocorrência incluindo aí os conceitos de colocação ou colocabilidade Saber exatamente que palavras podem acompanhar outras palavras é um dos aspectos mais difíceis na aquisição do vocabulário de uma língua principalmente quando envolve os aspectos produtivos escrita e fala Em português por exemplo não se diz Fazer um serviço à causa da ecologia mas prestar um serviço como também não se diz embora com o uso muitas expressões inicialmente estranhas acabam se estabelecendo Ex serviço de inteligência em substituição a serviço de informações Henriksen 1999 propõe que o desenvolvimento lexical dáse através de três dimensões 1 do conhecimento parcial das palavras ao conhecimento preciso 2 do conhecimento superficial ao conhecimento profundo 3 do conhecimento receptivo ao conhecimento produtivo Adaptando a concepção de Henriksen propomos analisar o processo do desenvolvimento lexical através de três dimensões simplificadas que definimos como quantidade profundidade e produtividade A dimensão da quantidade considera o desenvolvimento lexical apenas ao longo de um continuum de palavras conhecidas pelo aprendiz A competência lexical de um falante é medida pelo número de palavras que ele conhece Esse número será 277 Língua Estrangeira pequeno no início da aprendizagem mas irá aumentando gradativamente com patamares significativos em alguns números com 1000 palavras para o primeiro limiar de competência comunicativa e 5000 para a leitura de textos irrestritos na língua A dimensão da profundidade considera a evolução que vai de um conhecimento superficial a um conhecimento profundo da palavra Inicialmente o aprendiz é apenas capaz de reconhecer por exemplo se determinada sequência de letras pode ou não ser reconhecida como uma palavra da língua À medida que sua competência lexical se desenvolve ele se torna capaz de estabelecer as relações paradigmáticas sinônimos antônimos etc e sintagmáticas que palavras podem acompanhar determinadas palavras Aprenderá que as palavras preciosa e fundamental podem ocorrer frequentemente com pedra formando expressões como pedra preciosa e pedra fundamental mas que apenas fundamental ocorrerá frequentemente com ensino ensino fundamental sendo rara a expressão ensino precioso Finalmente a dimensão da produtividade considerará a oposição entre conhecimento receptivo e conhecimento produtivo do léxico De modo geral somos capazes de reconhecer um número muito maior de palavras quando ouvimos ou lemos um texto do que somos capazes de produzir quando falamos ou escrevemos Essas dimensões também interagem entre si alimentando se mutuamente Assim à medida que cresce o número de palavras conhecidas aquelas que já eram conhecidas tornamse mais profundamente conhecidas e o vocabulário receptivo com o uso constante pode também se tornar produtivo Incidental versus intencional O desenvolvimento da competência lexical é também uma área onde se percebe com clareza a distinção entre aprendizagem incidental definida como aquisição natural não planejada e aprendizagem intencional definida como desenvolvimento formal e planejado Essa diferença fica ainda maior quando se 278 Vilson J Leffa compara o que acontece no desenvolvimento do léxico na língua materna com o que acontece no desenvolvimento lexical na L2 Assim na língua materna o processo de desenvolvimento lexical iniciase pela aprendizagem incidental com predomínio do input oral altamente contextualizado O aprendiz da língua não está preocupado em aprender palavras novas mas em construir um significado do que ouve É só mais tarde com a escolarização que se inicia o processo formal de aprendizagem intencional do léxico com o esforço deliberado e consciente em aprender palavras novas Já na L2 acontece o contrário O desenvolvimento do vocabulário iniciase normalmente pela aprendizagem intencional onde as primeiras palavras são explicitadas pelo professor É só mais tarde quando o aluno já possui um vocabulário de cerca de 3000 a 5000 palavras que o processo de aprendizagem incidental tem início O léxico então se desenvolve de modo não planejado principalmente através da leitura pelo processo de inferenciação LAUFER 1997 COADY et al 1993 HIRSCH NATION 1992 Um levantamento das investigações realizadas sobre aprendizagem incidental e intencional do léxico tanto em L1 como em L2 parece indicar que há um contínuo entre os dois sem uma fronteira precisa onde começa um e termina o outro A aprendizagem incidental por definição deveria ocorrer de modo automático abaixo do nível da consciência mas normalmente não é assim Para haver aprendizagem é necessário um esforço de atenção não só para o significado da palavra mas também para a sua forma A abundância de informação existente no texto já por si normalmente redundante pode levar o leitor a inferir o significado de uma palavra com tanta facilidade que acaba guardando apenas o conceito esquecendo a forma linguística em que o conceito é expresso NATION COADY 1988 A hipótese do input defendida por Krashen 1985 1989 de que o desenvolvimento do léxico só ocorre quando o aprendiz enfoca sua atenção no significado ignorando a forma é rejeitada por muitos pesquisadores que defendem a necessidade de atenção 279 Língua Estrangeira aos dois aspectos ELLIS 1995 ROBINSON 1995 ELLIS 1994 SCHMIDT 1993 A aprendizagem incidental do léxico tem despertado o interesse dos pesquisadores devido à crença de que ela possui várias vantagens sobre o ensino direto do vocabulário entre as quais se destacam as seguintes a é contextualizada fornecendo ao aprendiz toda a riqueza que envolve o sentido e o uso da palavra b é pedagogicamente eficaz na medida em que possibilita a ocorrência simultânea de duas atividades compreensão do léxico e compreensão de leitura c é mais individualizada porque o léxico que está sendo adquirido vem de textos selecionados pelo próprio aluno HUCKIN COADY 1999 A aprendizagem incidental oferece também algumas limitações No caso da L2 há muitos aspectos que não se desenvolvem espontaneamente como parece ser o caso das expressões idiomáticas e das coligações Diferentes investigações ex BAHNS ELDAW 1993 ARNAUD SAVIGNON 1997 têm demonstrado que falantes nãonativos de inglês mesmo possuindo um excelente domínio da língua inglesa deixam a desejar no que se refere às expressões idiomáticas O desenvolvimento pleno das expressões próprias de uma língua parece estar vinculado ao ensino explícito e direto A aprendizagem incidental não é inteiramente incidental e para ser bem sucedida depende de vários fatores nem sempre presentes nas tarefas executadas pelos aprendizes incluindo o uso da atenção um domínio básico lexical de alguns milhares de palavras uso adequado de estratégias de aprendizagem capacidade de inferenciação 280 Vilson J Leffa Profundidade de processamento O fator crucial Tanto na aprendizagem incidental como na intencional uma variável importante é a profundidade de processamento que ocorre em relação à palavra que está sendo adquirida O processamento é tão mais profundo quanto maior for o número de experiências vividas pelo sujeito envolvendo a palavra em questão incluindo diferentes tipos de elaboração mental repetição escrita e reescrita tradução uso do contexto paráfrase etc Uma palavra que é lida ou ouvida apenas uma vez sem grande envolvimento por parte do leitor pode ser facilmente esquecida mas uma palavra que retorna e é afetiva e cognitivamente remexida processada e manipulada terá uma probabilidade maior de se integrar numa rede lexical mais ampla e permanecer na memória de longa duração SCHMITT SCHMITT 1995 CRAIK LOCKHART 1972 CRAIK TULVING 1975 LAWSON HOGBEN 1996 Uma palavra que é exposta mais vezes terá mais probabilidade de ser adquirida SARAGI NATION MEISTER 1978 NAGY HERMAN ANDERSON 1985 HERMAN et al 1987 NATION 1990 mas outros fatores também são importantes como a saliência da palavra num determinado texto BROWN 1993 a morfologia da palavra o interesse do aprendiz a semelhança com outras palavras a disponibilidade e afluência de pistas contextuais HUCKIN COADY 1999 Em termos de aprendizagem intencional o princípio de que quanto mais profundo o processamento maior a retenção também é mantido Inúmeras têm sido as estratégias propostas para ampliar o investimento cognitivo e mesmo afetivo do aluno para a aprendizagem intencional do vocabulário Entre essas estratégias destacamse as seguintes Usar o contexto Partindo do princípio de que a simples instrução específica do vocabulário não garante a compreensão de leitura o aluno deve aprender as palavras novas dentro de um contexto 281 Língua Estrangeira significativo que pode ser dado por relações intratextuais onde o significado da palavra desconhecida pode ser inferenciado dentro do próprio texto e por relações intertextuais considerando aí as disciplinas do currículo escolar Os exemplos abaixo imaginandose uma situação de ensino de português como língua estrangeira mostram como dados do próprio texto podem contribuir para a inferenciação através de processos como generalização definição sinonímia antonímia etc As palavras sublinhadas seriam desconhecidas pelos alunos A multidão reuniuse nos portões da cidade às dez horas e iniciou a invasão Chegando à igreja meia hora mais tarde a caterva irrompeu aos gritos pela nave central clamando pela presença dos sacerdotes Sinonímia Pela manhã o mar parecia calmo mas os marinheiros mais experientes sabiam pela presença das nuvens escuras no horizonte que em breve ele estaria encapelado Antonímia O inquérito da Aeronáutica concluiu que o pylon do CD 10 a estrutura que liga o motor às asas estava fundamentalmente bem montado Explicação As espingardas os cartuchos a pólvora o chumbo todos os apetrechos para a caça estavam sobre a mesa Generalização Considerando as relações intertextuais as disciplinas do currículo do aluno podem representar o contexto ideal para o desenvolvimento do léxico tornando a aprendizagem mais autêntica e comunicativa Muitos especialistas da área de ensino de línguas defendem a ideia de que a tarefa de aprendizagem do vocabulário não é responsabilidade exclusiva do professor de línguas estrangeiras O professor de línguas deve manter contato permanente com colegas de outras disciplinas como ciências e biologia para poder dar aos alunos o necessário suporte lexical demandado por essas disciplinas BABST 1984 p 53 282 Vilson J Leffa Cada disciplina do currículo escolar tem sua terminologia própria e por isso fala uma língua própria é um equívoco imaginar que o ensino do vocabulário na sala de aula seja de obrigação exclusiva do professor de línguas RAMTACHAL 1989 p 23 o ensino de matemática deve enfocar de modo mais amplo do que tem sido feito até agora a aprendizagem da linguagem específica e técnica da matemática MAREE 1994 p 115 apud VORSTER 2000 O encontro com a palavra desconhecida dentro de um texto onde se pode perceber suas relações com outro segmento serve para contextualizar e tornar significativa a aprendizagem mostrando matizes restrições e preferências entre as palavras em uso o que não seria percebido num estudo descontextualizado com simples listas de palavras O uso de outras disciplinas serve também para tornar a aprendizagem do léxico não apenas autêntica mas também útil para o aluno Essa combinação de contextos intra e intertextuais pelo envolvimento cognitivo proporcionado ao aluno deve levar a uma profundidade maior de processamento Menos é mais A profundidade de processamento está também ligada a um ensino mais vertical conhecer bem poucas palavras do que horizontal conhecer superficialmente um grande número de palavras Há sempre palavras que são mais importantes do que outras e essas devem ser selecionadas para uma aprendizagem mais profunda Os critérios para essa seleção envolvem centralidade temática conceitos críticos e frequência A centralidade temática parte do princípio de que o aluno não está aprendendo a língua num vácuo mas dentro de determinadas áreas de conhecimento a divisão da célula a lógica booliana a psicologia social a ciência da linguagem etc Cada uma dessas áreas envolve uma terminologia específica Como as palavras língua discurso sujeito linguagem 283 Língua Estrangeira interpretação processo em textos de linguística como se viu acima sem a qual o aluno teria dificuldade em compreender os respectivos textos Esses vocábulos seriam selecionados prioritariamente Há palavras que envolvem conceitos críticos dentro de uma disciplina Os termos discurso e sujeito na área da linguagem por exemplo podem ser considerados conceitos chave e devem ser trabalhados com mais profundidade Finalmente há os termos que são mais frequentes e outros que o aluno raramente encontrará em outros textos Considerando a facilidade com que os termos mais frequentes podem ser identificados pelo professor usando os recursos atuais da informática esses devem também receber prioridade de tratamento O descarte dos termos que não possuem centralidade temática que não envolvem conceitos críticos e que não são frequentes permite uma concentração maior num número menor de vocábulos possibilitando assim uma profundidade maior de processamento Estratégias de fixação São tantas as estratégias sugeridas para a fixação de uma palavra nova na memória de longa duração que um simples apanhado do que é proposto na literatura da área produziria uma lista quase inútil pela quantidade de atividades De modo geral as sugestões propostas envolvem um esforço consciente para reter tanto a forma como o conteúdo da palavra O que se expõe portanto é um resumo das estratégias sugeridas tentando agrupar por afinidade o que está muitas vezes espalhado em diferentes abordagens Preste atenção no início fim e extensão da palavra Considerando que as palavras são normalmente recuperadas da memória através do som inicial som final e número de sílabas BROWN MCNEILL 1966 faça um esforço consciente para fixar esses três elementos de uma palavra que precisa ser aprendida 284 Vilson J Leffa Vá além e aquém da palavra Decomponha a palavra em seus elementos menores petrografia só pode ser a descrição das pedras petro grafia mas lembrese também que muitas palavras são compostas de várias palavras e formam expressões idiomáticas como lá vai pedra em tem 50 anos e lá vai pedra Faça uma imagem mental do significado da palavra Conscientemente crie uma representação da palavra unindo forma ao significado imaginando às vezes até uma história para lembrar com mais facilidade Pirita é uma pedra amarelada com brilho falso parecida com ouro Um alemão loiro que chama birita de pirita tomou umas biritas e foi enganado comprando pirita por ouro Brinque com a palavra Crie exemplos com a palavra nova faça paráfrases humor etc Eu cantaria de felicidade se morasse numa casa de cantaria lavrada lá na beira do mar mas não cantaria se tivesse que carregar nas costas as pedras de cantaria Faça vínculos com a palavra Estabeleça todos os vínculos que você puder fazer com a palavra dentro e fora do texto usando inclusive sua experiência de mundo A calçada da rua onde eu brincava na minha infância era pavimentada de pedraferro e eu não sabia Pedraferro é sinônimo de basalto abundante na Serra Gaúcha As igrejas de Gramado e Canela são feitas de pedra ferro Apaixonese pela palavra Crie todas as oportunidades possíveis para reencontrar a palavra que você precisa aprender indo a um bom dicionário de aprendizagem ouvindoa se possível procurandoa em textos autênticos acessíveis pela internet ou em CDROM para ver a companhia em que elas andam catando exemplos de uso e possivelmente incorporandoa ao seu banco pessoal de palavras Essas são resumidamente algumas das estratégias que se pode usar para induzir a profundidade de processamento na aprendizagem do vocabulário O domínio do léxico de uma língua exige recursos não só cognitivos e afetivos mas também de tempo Se parecer um investimento alto demais a resposta dos 285 Língua Estrangeira especialistas da área é de que o retorno será provavelmente mais alto ainda Conclusão Três aspectos precisam ser selecionados para que o desenvolvimento do léxico em uma língua ocorra de modo adequado e suficiente 1 seleção do vocabulário a ser aprendido 2 seleção dos textos a serem usados e 3 seleção das estratégias a serem empregadas Vocabulário e texto andam sempre juntos atrelados a uma determinada área de conhecimento um texto sobre química não vai usar o vocabulário das ciências sociais Fazem parte dos aspectos externos da aquisição lexical Já as estratégias são mais universais e podem ser aplicadas com pouca ou nenhuma alteração a qualquer área de conhecimento o que se faz para adquirir o vocabulário da geologia não é muito diferente do que deve ser feito para aprender o vocabulário da matemática As estratégias compõem a parte interna da aquisição lexical A seleção do vocabulário é uma necessidade pelo grande número de palavras que precisam ser descartadas na aprendizagem de uma língua Das 200000 palavras arroladas pelo Michaelis 190000 não precisam ser conhecidas para se ler um texto em qualquer área de conhecimento Mesmo a afirmação de que um biólogo precisaria conhecer 10000 palavras da língua portuguesa para ler um texto de biologia nessa língua já parece um exagero provavelmente precise saber apenas a metade ou talvez até menos Por isso é importante saber selecionar A seleção dos textos por outro lado é importante porque as pessoas têm interesses específicos e conhecem o mundo através desses interesses Esse conhecimento de mundo pode dizer qual é o significado da palavra desconhecida quando ela ocorre significativamente dentro de um texto levando à aquisição se a palavra retornar mais vezes e ao descarte se a aparição for única para benefício do aluno que aprenderá a selecionar o que é mais importante 286 Vilson J Leffa Como tudo que nos cerca é sempre apresentado em quantidade muito superior ao que podemos processar também em relação às estratégias precisamos ser seletivos No mínimo devemos adequar as estratégias a vários aspectos que podem afetar a sua escolha tais como o nível de adiantamento na língua o uso da inferência na leitura para acessar o significado de uma palavra pode não ser a melhor opção para o aluno de nível básico o grau de semelhança entre a língua materna e a língua estrangeira o que funciona para um falante do português lendo um texto em espanhol poderá não funcionar lendo um texto em alemão o objetivo que se pretende com a aprendizagem do vocabulário aprender uma palavra para ler um texto pode exigir uma estratégia diferente de aprender uma palavra para usála na conversação Enfatizar o ensino específico do vocabulário não oferece o perigo de se hipertrofiar este aspecto da aprendizagem de uma língua em relação a outros aspectos como a sintaxe a fonologia a morfologia e mesmo a pragmática Conhecer uma palavra não é apenas estabelecer a conexão rígida entre forma e conteúdo como se fossem dois monolitos que se encaixassem um no outro impossíveis de serem analisados Conhecer uma palavra é despi la de sua embalagem descobrir as partes que a compõem e ver como cada uma dessas partes tem repercussões lá fora com elementos internos de outras palavras só permitindo a criação de textos onde os equilíbrios interno e externo em seus inúmeros aspectos possam ser mantidos Uma frase simples como O presidente vetou três artigos da lei só é possível na medida em que cada uma das palavras dessa frase compartilhe inúmeros traços com as outras palavras obedecendo a fronteiras sintagmáticas oracionais fonológicas morfológicas etc inviabilizando segmentos como o presidentes O presidente vetaram O riacho vetou três artigos da lei ou mesmo A mulher do presidente vetou três artigos da lei em situações onde só o presidente pode vetar artigos de lei A ênfase no léxico é a maneira mais eficiente de se aprender uma língua porque todos os outros aspectos da fonologia à pragmática decorrem naturalmente de componentes que estão dentro das palavras 287 Língua Estrangeira Capítulo 15 A autonomia na aprendizagem de línguas16 Eu nunca deixei a escola interferir na minha educação Mark Twain Estou sempre disposto a aprender mas nem sempre a ser ensinado Winston Churchill Nada pode ser menos provocativo do que iniciar um texto dando já de início uma definição do tópico a ser abordado mata toda a expectativa Pior do que isso só fazendo uma coisa que todo mundo pode fazer com esforço mínimo que é pegar o dicionário para achar a definição O dicionário representa o senso comum a conformidade de ideias O que pode ser menos provocativo do que o consensual Mas é exatamente por aí que eu gostaria de começar por uma submissão ao senso comum O que o senso comum diz sobre autonomia Vamos ver o que está no Aurélio Lá diz o seguinte autonomia Do gr autonomía S f 1 Faculdade de se governar por si mesmo 2 Direito ou faculdade de se reger uma nação por leis próprias 3 Liberdade ou independência moral ou intelectual 16 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em LEFFA V J Quando menos é mais a autonomia na aprendizagem de línguas In Christine Nicolaides Isabella Mozzillo Lia Pachalski Maristela Machado Vera Fernandes Orgs O desenvolvimento da autonomia no ambiente de aprendizagem de línguas estrangeiras Pelotas UFPEL 2003 v p 3349 288 Vilson J Leffa 4 Distância máxima que um veículo um avião ou um navio pode percorrer sem se reabastecer de combustível 5 Et Ética Condição pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta Cf nesta acepç autodeterminação 2 heteronomia 2 e liberdade 11 Acho que com essa definição já dá para começar a ser provocativo Depois de afirmar que autonomia é liberdade independência e capacidade de se reger por leis próprias o dicionário afirma na acepção 5 que autonomia é a condição pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta A provocação já começa no próprio verbete depois de oferecer várias definições de cunho genérico oferece uma única que é específica de uma determinada área de conhecimento no caso a Ética e essa única definição contrapõese a todas as outras dizendo que autonomia é pretensão A pergunta que cabe aqui é a seguinte será que existe autonomia Desde quando o homem é capaz de se governar por si mesmo Desde quando tem liberdade independência e autodeterminação Será que a autonomia não é uma ilusão Será que a história não mostra que a evolução do homem é a consciência cada vez maior da perda da autonomia Vamos dar uma olhada bem rápida na história dessa evolução lembrando que tudo que nasce morre tudo que sobe cai incluindo ideias e impérios Já tivemos Ascensão e Queda do Império Romano Ascensão e Queda do III Reich Para alguns já tivemos Ascensão e Queda do Comunismo para outros Ascensão e Queda do Capitalismo Onde isso não acontece é na autonomia não existe uma ascensão e queda da autonomia do homem O que existe é uma queda e queda da autonomia algo que cai sem nunca ter subido Há um consenso de que o homem está ficando cada vez menos autônomo menos independente e cada vez mais regido mais subjugado Se antes nossa dependência era apenas local ou familiar agora temos uma dependência planetária Se antes numa época préfreudiana o filho ao crescer poderia pelo menos ter a pretensão de se libertar da dependência materna hoje ele não só 289 Língua Estrangeira ficará dependendo da mãe para o resto da vida mas é ainda subjugado por forças globais sobre as quais não tem o mínimo controle Uma empresa em algum país apresenta um erro no balancete e as consequências respingam lá no mendigo de uma cidadezinha do outro lado do mundo que talvez não encontre mais a pilha de jornais velhos que usava para dormir Vejamos então rapidamente três grandes recaídas do homem alguns dos abalos que ele sofreu na sua autoestima com reflexos na sua pretensão de autonomia O que se afirma aqui não são ideias próprias já foram ditas várias vezes por várias pessoas em vários outros lugares o que é apenas mais uma submissão mais um abalo na pretensão de autonomia Essas ideias fazem parte do imaginário acadêmico Houve uma época em que o homem se acreditava no centro do universo e que tudo girava ao redor dele incluindo o sol e as estrelas Já tinha sido expulso do paraíso já tinha aprendido a sofrer já tinha pago o preço do pouco conhecimento que tinha sobre as coisas do mundo mas ainda se acreditava no centro desse mundo Mas aí vem Copérnico e mostra que não é o sol que gira ao redor da terra mas que é a terra que gira ao redor do sol transferindo o homem do centro para a periferia do universo É o primeiro grande golpe que a ciência desfecha contra o homem afetando diretamente sua autoestima Não podemos ter a pretensão de achar que as coisas são de um jeito quando elas são de outro Podemos mentir para nós mesmos podemos nos enganar por algum tempo tentando ignorar a realidade que nos cerca olhar para o próprio umbigo e criar uma consciência mágica que filtra a realidade de acordo com nossas pretensões mas um dia o mundo vem abaixo À medida que o homem evolui da consciência mágica para a consciência crítica ele vai diminuindo de tamanho virando um filme de ficção científica O golpe seguinte foi dado por Darwin Antes de Darwin o homem era a quintaessência da criação Já se tinha conformado que a Terra não era mais o centro do universo mas quando olhava ao redor de si e via os animais sentia que havia uma diferença muito grande entre ele e os animais Era uma diferença de sentido Os animais vinham de baixo da terra O homem não O homem 290 Vilson J Leffa vinha de cima de um quinto elemento que não era nem terra nem água nem ar e nem fogo O homem vinha de uma luz Mas Darwin deu uma outra direção à caminhada do homem o homem não viria de cima mas de baixo da terra como os outros animais E Darwin rebaixou o homem de um reino superior para o reino animal O terceiro golpe e este tem a ver diretamente com a autonomia vem de Freud Antes a gente podia se amparar em Pascal O homem não é senão um caniço o mais fraco da natureza mas é um caniço pensante O caniço na frase de Pascal e no sentido comum da Botânica é uma planta de caule delgado e flexível que se dobra com a ação do vento mas não se quebra Quando o vento para ele está novamente de pé Faz lembrar também uma frase de Hemingway em O velho e o mar O homem pode ser destruído mas não vencido O homem tropeça cai machucase mas sempre se levanta Por ter a capacidade de pensar o homem ao contrário de todos os outros animais consegue separarse do mundo imediato que o cerca e refletir sobre ele Vá lá podese dizer Tudo bem o homem é um animal mas é um animal consciente É aí que entra Freud e dá o golpe de misericórdia o consciente é dominado pelo inconsciente Isso é só o começo Se eu me voltar para as áreas da linguagem e do ensino a situação não é muito diferente De um lado as ideias de Chomsky e da mente computacional O ser humano adquire uma língua porque nasce com um dispositivo de aquisição da língua Language Acquisition Device uma espécie de robô que entra automaticamente em funcionamento quando as pessoas ao redor da criança começarem a falar Se falarem russo a criança falará russo se falarem inglês a criança falará inglês se falarem javanês a criança falará javanês e assim por diante Tudo automaticamente sem nenhuma intencionalidade pedagógica do meio ambiente O professor nada tem a ver com a aquisição de uma língua seja ela a materna ou uma língua estrangeira Tudo isso segundo a teoria de Chomsky é transposto para o ensino de línguas estrangeiras principalmente através das 291 Língua Estrangeira ideias de Krashen hipótese de input a questão do filtro afetivo etc Do outro lado oposto a Chomsky temos as ideias de Vygotsky da mente social O ser humano adquire uma língua porque interage em sociedade com os outros seres humanos Todo conhecimento incluindo a língua é construído socialmente através da interação Em termos de autonomia não é muito diferente das ideias de Chomsky pelo determinismo pressuposto o indivíduo só aprende se puder interagir com outros indivíduos mas Vygotsky ao contrário de Chomsky a meu ver evita o automatismo não basta que o aluno esteja exposto ao input linguístico É necessário também que haja intencionalidade pedagógica no meio ambiente Isso é importante para nós professores porque abre um espaço para o ensino formal e planejado acelerando a aprendizagem através da atuação na zona de desenvolvimento proximal do aluno Um outro conceito importante de Vygotsky para a autonomia é o conceito de mediação A aprendizagem para ocorrer não precisa necessariamente da presença do professor pode dar se através da mediação de um artefato cultural socialmente situado Eu gostaria de esclarecer essa ideia através da citação de um trecho da Professora Marta Kohl de Oliveira uma das principais divulgadoras das ideias de Vygotsky no Brasil e que diz o seguinte A idéia de um processo que envolve ao mesmo tempo quem ensina e quem aprende não se refere necessariamente a situações em que haja um educador fisicamente presente A presença do outro social pode se manifestar por meio dos objetos da organização do ambiente dos significados que impregnam os elementos do mundo cultural que rodeia o indivíduo Dessa forma a idéia de alguém que ensina pode estar concretizada em objetos eventos situações modos de organização do real e na própria linguagem elemento fundamental nesse processo OLIVEIRA 1995 p 57 292 Vilson J Leffa Na minha percepção Vygotsky com sua ênfase na necessidade da intencionalidade pedagógica e no uso dos artefatos culturais como mediação representa uma trégua quando se fala de autonomia Ainda que o desempenho do aluno tenha que ser assistido durante um certo período há pelo menos a previsão de que no futuro o aluno será capaz de executar a tarefa por conta própria a autonomia é um estágio a que se chega Outras teorias não só inviabilizam a autonomia como tiram a voz do professor Vejamos apenas dois exemplos coletados de maneira aleatória Todo discurso é constitutivamente atravessado por outros discursos e pelo discurso do Outro AUTHIER REVUZ 1982 p 141 apud BENITES 2002 Todo discurso é heterogêneo porque o sujeito do discurso é heterogêneo na medida em que através de sua boca falam diversas vozes BENITES 2002 p 3 Isso significa o seguinte eu não tenho autonomia para falar sobre autonomia Em primeiro lugar eu não tenho voz própria Eu tenho que me submeter a outros discursos ao que outras pessoas já escreveram sobre o tópico que eu vou falar Em segundo lugar eu tenho que me submeter ao meu interlocutor Produzir um texto para ser falado ou para ser lido mas principalmente para ser falado é uma aprendizagem sobre a arte de se submeter Quando envio um artigo para publicação eu submeto o artigo O termo não poderia ser mais adequado Quando eu falo de viva voz como numa palestra a submissão é ainda maior Eu tenho um interlocutor física e socialmente constituído na minha frente e tenho a obrigação de saber com quem estou falando Eu tenho que respeitar o auditório No momento em que eu deixar de me submeter fico falando sozinho não para o auditório mas para as paredes ou para o microfone Isso não é nem bom nem ruim é assim Faz parte do desafio da comunicação Conhecer o nosso ouvinte ou o nosso leitor é tão ou mais importante do que conhecer o tópico sobre o qual 293 Língua Estrangeira falamos Essa submissão do escritor ao leitor ou do locutor ao ouvinte pode ser muito bem ilustrada numa crônica de Luís Fernando Veríssimo que eu gostaria de reproduzir aqui CONSELHOS Ninguém me pediu conselhos sobre a arte da comunicação mas eu já tenho algumas parábolas prontas para o caso de pedirem Oráculo bemsucedido é oráculo prevenido Para começar a parábola dos dois pianistas O primeiro pianista entra no palco Sentase no banco do piano Levantase Ajusta o banco Sentase de novo Exercita os dedos Pousa os dedos sobre o teclado Fecha os olhos Respira fundo Começa a tocar Toca maravilhosamente bem Seus dedos ágeis correm pelas teclas em grande velocidade Seus graves são precisos Seus agudos são límpidos A melodia alça vôo Os arpejos arpejam os trinados trinam Quase não se enxergam os dedos do pianista perseguindose pelo teclado para cima e para baixo para cima e para baixo como crianças alegres Nenhuma nota em falso Nenhum erro No fim da apresentação ouvemse palmas educadas Alguns risos abafados Um evidente malestar coletivo acompanha o primeiro pianista na sua saída do palco Entra o segundo pianista Sentase rapidamente no banco e bate numa tecla Bate na mesma tecla de novo E de novo Depois levantase e sai do palco sob uma ovação da platéia Na saída do recital todos elogiam o segundo pianista Comentam como é bom ver alguém que sabe exatamente 294 Vilson J Leffa o que quer e como conseguilo Não foi como o outro que passou o tempo inteiro procurando freneticamente a nota certa e não a encontrou Quer dizer importantíssimo conhecer o seu público Luís Fernando Veríssimo Zero Hora 020591 É claro que há neste texto outros sentidos além da simples ideia de submissão que estou tentando demonstrar Há também a ironia provocativa de Luís Fernando Veríssimo que consegue fazer humor digamos assim de sua própria desgraça de sua condição de subordinação ao leitor rebelandose pelo recurso da ironia A ideia geral é de que a ciência à medida que avança vai mostrando um homem cada vez mais submisso e menos autônomo Isso é percebido não só nas ciências de um modo geral mas também nas ciências da linguagem de modo particular desde o inatismo de Chomsky até as ideias de aniquilamento do sujeito na Análise do Discurso Teoricamente parece que a autonomia do sujeito é apenas uma ilusão Além dos questionamentos teóricos a autonomia parece também enfrentar algumas restrições de ordem prática Entre essas gostaria de destacar as seguintes Restrições relacionadas ao aluno Restrições relacionadas ao professor Restrições relacionadas à escola Comecemos pelas restrições relacionadas ao aluno Um levantamento da literatura na área aponta entre outros os seguintes problemas Falta de interesse no estudo da língua estrangeira Aprender uma língua estrangeira não é fácil Há um período inicial de entusiasmo uma espécie de lua de mel com a língua estrangeira quando o aluno começa a estudar nas primeiras aulas Passado esse período de lua de mel o interesse normalmente cai 295 Língua Estrangeira Existe aqui uma má e uma boa notícia A má notícia é que a grande maioria dos alunos descobre que aprender uma língua estrangeira requer muito mais esforço muito mais persistência do que estão dispostos a dar Em situações onde a língua estrangeira só é falada dentro da sala de aula apenas alguns pouquíssimos alunos vão adquirir um conhecimento funcional da língua talvez dar alguma orientação ao turista estrangeiro com algumas frases decoradas talvez ler algum texto na sua área de interesse Normalmente a preocupação do aluno será apenas de estudar para conseguir uma nota de aprovação no fim do ano qualquer tarefa solicitada pelo professor só será executada pelo aluno se houver a garantia ou a ameaça de uma nota A boa notícia para a autonomia é que os pouquíssimos alunos que conheci pessoalmente e que foram capazes de adquirir um conhecimento funcional da língua estrangeira foram alunos autônomos alunos que por conta própria foram muito além do que lhes foi exigido na sala de aula Isso me leva a pensar que excetuados os casos de imersão só é possível aprender uma língua estrangeira se o aluno for autônomo Se não for assim ele vai ficar apenas no que é dado na sala de aula e isso não basta para adquirir o domínio de uma língua Em relação ao aluno pode haver também problemas de estilo de aprendizagem Aprender uma língua estrangeira requer algumas aptidões que alguns alunos não têm incluindo por exemplo tolerância à ambiguidade que é uma espécie de capacidade de conviver com a insegurança O aluno pode por exemplo preferir a certeza da gramática em vez da incerteza do texto ou do diálogo onde nem sempre é possível estabelecer com precisão o que é certo e o que é errado O aluno principalmente o adolescente pode também não possuir o que poderíamos chamar de tolerância à crítica falar uma língua estrangeira é exporse às vezes até ao ridículo Todas essas restrições por parte do aluno que já são prejudiciais para o ensino da língua estrangeira de um modo geral são mortais quando se referem à autonomia Na sala de aula tradicional centrada no professor a falta total de aprendizagem 296 Vilson J Leffa pode ser escamoteada de inúmeras maneiras Podese argumentar por exemplo que foi feito o que é possível o aluno não aprendeu a língua mas aprendeu outras coisas que são mais importantes como a solidariedade a capacidade de trabalhar em grupo e talvez tenha até desenvolvido o senso crítico de sua condição de mentalmente colonizado pela propaganda dos países centrais O filtro afetivo que é normalmente visto como algo indesejável acaba sendo visto como um benefício o aluno criticamente optou por não aprender a língua estrangeira Essa facilidade de camuflar a falta de empenho em aprender na aula tradicional não existe a meu ver quando se trata da aprendizagem autônoma Aí o empenho o desejo de aprender é fundamental Se ele não existe não dá para disfarçar Como na sala de aula tradicional as coisas são muitas vezes impostas há necessidade de justificar a nãoconsecução dos objetivos tapando o sol com a peneira Na aprendizagem autônoma a responsabilidade está no aluno Se ele aprendeu o mérito é dele Vejamos algumas restrições relacionadas ao professor Para que haja autonomia tem que haver também empenho do professor e pelo que se vê na literatura sobre autonomia esse empenho não está de maneira nenhuma garantido Há uma estrutura de poder bem definida na sala de aula tradicional onde o controle normalmente é exercido pelo professor É o professor que estabelece os objetivos a serem atingidos que escolhe as atividades a serem desenvolvidas que decide quem vai ser promovido ou não no fim do ano dentro de limitações maiores ou menores é claro o professor por sua vez também está inserido dentro de uma estrutura de poder da qual ele absolutamente não é o topo Em relação à sala de aula no entanto podese dizer que as decisões são normalmente tomadas pelo professor Durante os anos de sua formação ele foi preparado justamente para tomar essas decisões para assumir o controle da sala de aula e não está disposto a abrir mão desse controle Em primeiro lugar ao ser solicitado a implementar um programa de autonomia o professor sentese ameaçado em sua autoridade A palavra autoridade tem dois significados 297 Língua Estrangeira importantes que precisam ser destacados aqui Em primeiro lugar autoridade em sua acepção mais generalizada significa controle o poder de se fazer obedecer de dar ordens de tomar decisões etc Mas a palavra autoridade tem também um outro significado menos generalizado mas que é importante no contexto da sala de aula referese aqui não ao sentido abstrato de controle mas ao indivíduo que tem um conhecimento específico de um determinado assunto o professor por exemplo pode ter a pretensão de ser uma autoridade na disciplina que ensina uma autoridade em gramática da língua inglesa uma autoridade em literatura espanhola etc O professor pode sentirse ameaçado em termos de controle e de conhecimento quando se fala em autonomia Muitos professores sentemse inseguros em abrir mão do controle da sala de aula A literatura da área está cheia de depoimentos de professores apavorados quando começam a dar os primeiros passos na direção da aprendizagem autônoma na sala de aula Quando se passa o controle da aprendizagem para o aluno estáse dando a ele a liberdade de escolher Essa escolha envolve por exemplo o direito do aluno em escolher como deseja usar o material didático disponível de estabelecer seus próprios objetivos de progredir no seu próprio ritmo de escolher o tema de casa de se autoavaliar etc Os alunos não vão mais todos juntos aprender o mesmo conteúdo do mesmo jeito Cada aluno poderá ter até seu próprio projeto de vida com o direito de saber das consequências de suas decisões incluindo a decisão de não aprender uma língua estrangeira Tudo isso reconhecidamente assusta o professor Na aula autônoma o professor precisa aprender que ele deixa de ser a autoridade máxima tanto em termos de controle com em termos de conhecimento Não é mais o dono do saber que tipicamente só faz as perguntas que ele mesmo sabe responder Na aula autônoma qualquer pergunta pode aparecer e o professor obviamente não tem a obrigação de saber todas as respostas Seu papel é realmente o de facilitador da aprendizagem ajudando o aluno a desenvolver sua autoconfiança a se tornar ainda mais autônomo e ficar menos dependente dele professor 298 Vilson J Leffa Muitos professores têm também um medo muito grande da opinião dos colegas o que pode ser um fator extremamente restritivo para a implementação da autonomia Esses professores podem ficar abalados com comentários do tipo a aula dele é uma bagunça não tem controle de classe os alunos fazem o que querem Podese argumentar no entanto que a aprendizagem é basicamente uma atividade do aprendiz e os alunos falarão o máximo possível durante essa atividade Língua é fala e aprende se a falar uma língua falando interagindo movimentandose e naturalmente produzindo ruído Finalmente para concluir essa parte dos fatores restritivos da autonomia vejamos como a escola como instituição é também um agente muito mais propenso a tolher a autonomia do que a desenvolvêla A escola representa a tradição a obrigação o dever com seu currículo já pronto Podese afirmar que a escolha do aluno ampliase um pouco à medida que ele avança em seus estudos Enquanto que no ensino fundamental e no ensino médio todos os alunos de uma determinada escola normalmente passam pelo mesmo currículo já no ensino universitário o aluno tem a possibilidade de escolher pelo menos parte do currículo Mesmo assim não deixa de ser um percurso numa direção préestabelecida que permite alguns pequenos desvios para o aluno mas que o obriga a voltar logo ao percurso principal A ideia geral é de que se aprende mais fora do que dentro da escola apesar dos recursos didáticos que a escola pode oferecer como bibliotecas laboratórios etc A esse respeito eu gostaria de apresentar duas citações uma de um pensador argentino do início do século pouco conhecido atualmente e outra citação de um especialista na área do ensino de inglês como língua estrangeira bem mais conhecido A citação do pensador argentino tirada de um livro publicado em Madrid em 1913 é a seguinte no momento o autor está falando de dois grandes personagens da história argentina Como aconteceu a Sarmiento Ameghino chegou em seu clima e em sua hora Por singular coincidência ambos 299 Língua Estrangeira foram mestresescolas autodidatas sem títulos universitários formados fora da cidade metropolitana em mãos livres a cabeça livre o coração livre as asas livres Dirseia que o gênio floresce melhor nas regiões solitárias acariciado pelas tormentas que são a sua atmosfera própria definhase nas invernadas do estado em suas universidades em seus laboratórios em suas academias fósseis e em seu funcionalismo hierárquico Faltavalhe ali o ar livre e a plena luz que somente a natureza pode dar a cevadura precoce vai fazendo com que o mofo germine nas entranhas da imaginação criadora e embote as melhores originalidades O gênio nunca foi instituição oficial INGENIEROS 1913 p 257 A outra citação é de David Nunan conhecido especialista da área de ensino de inglês como língua estrangeira numa palestra que fez no ano de 2000 onde resume as ideias de um outro pensador sobre as cinco características comuns de pessoas famosas que se tornaram proeminentes em sua área de especialidade sem passar pela instrução formal Essas pessoas tinham as seguintes características 1 Possuíam competências normalmente não encontradas na instrução formal 2 tinham conhecimentos específicos que vinham de atividades extracurriculares para o qual a escola tinha contribuído minimamente ou até desempenhado um papel negativo 3 aprofundavamse em sua área de especialidade ao invés de desenvolver conhecimentos gerais de várias áreas 4 adotavam uma abordagem ativa de aprendizagem prática baseada na experiência vivida 5 perseguiam sua aprendizagem apesar de todos as dificuldades fracassos e falta de apoio dos outros NUNAN 2000 Todos nós conhecemos pessoas famosas que tem pouca ou nenhuma escolaridade Entre essas a título de ilustração 300 Vilson J Leffa gostaria de citar as seguintes Burle Marx famoso paisagista Machado de Assis considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos Pablo Picasso provavelmente o artista mais conhecido do século XX Walt Disney o mago do desenho animado Alexandre Volta o inventor da pilha elétrica William Shakespeare o maior dramaturgo da literatura inglesa Bill Gates que abandonou a universidade antes de terminar a graduação Luís Inácio Lula da Silva que frequentou apenas a escola fundamental Gostaria de concluir esta parte sobre as restrições da escola no ensino da autonomia e incluindo aí o professor citando um trecho colhido ao acaso de uma pessoa que não possui o título de mestre mas que consegue expor com muita perspicácia a questão da aprendizagem autônoma Feche os olhos Quem seria seu melhor professor Em algum lugar ele existe Vamos construir seu perfil que isso facilitará a tarefa de encontrálo Como seria ele 1 Alguém que soubesse exatamente o que você quer aprender 2 alguém que entendesse seu jeito de ser 3 alguém que entendesse seu ritmo de aprendizado e o aceitasse 4 alguém que seja capaz o suficiente 5 alguém que não o pressione além de seus limites 6 alguém que não pare de lhe ensinar simplesmente porque acabou o período das aulas 7 alguém que esteja sempre disponível no horário de que você dispõe 8 alguém que se interesse pelo tema tanto quanto você E por aí você pode prosseguir com suas próprias exigências Feche os olhos novamente e pense um pouco Onde encontrar tal mestre Quem poderia ser essa pessoa 301 Língua Estrangeira Sem lhe conhecer pessoalmente eu já tenho a resposta Provavelmente você também já tenha Você mesmo SILVA 2001 p 45 Todos esses são exemplos de aprendizagem autônoma o que implica a meu ver que não existe ensino autônomo Pode se talvez ensinar a autonomia ou seja ensinar alguém a ser autônomo mas não ensinar autonomamente O máximo que a escola pode fazer é dar condições de aprendizagem Se houver necessidade de muito incentivo motivação súplica implorar com lágrimas para que o aluno estude acho que a aprendizagem ficará comprometida Por outro lado mesmo que o aluno aprendesse tudo que a escola ensina nos três níveis fundamental médio e universitário mesmo que tirasse nota máxima em tudo mesmo assim se ficasse só no conhecimento recebido da escola esse aluno ao se formar lá no fim da universidade não estaria de modo algum preparado para exercer uma profissão O ensino formal não tem condições de ensinar tudo que o aluno precisa saber É possível que na idade da pedra lascada bastasse ao aprendiz saber usar a pedra lascada e esse conhecimento serviria para o resto da vida No século XXI não é mais assim O conhecimento que se adquire às vezes com tanto sacrifício logo se torna obsoleto Por esse motivo criamos uma expressão que não existia antigamente educação continuada Hoje aprendemos a vida inteira porque o conhecimento que adquirimos é logo ultrapassado Acho que muito em breve os diplomas vão ter um carimbo de validade por exemplo válido por cinco anos Passado esse período o diploma terá que ser renovado Em algumas áreas como a ciência da computação a validade provavelmente será menor Como a escola nos três níveis de ensino não tem condições de ensinar ao aluno tudo o que ele precisa saber a solução me parece é que a escola passe a fazer menos idealmente que não faça nada Deixe o aluno aprender sozinho Coloque um recurso aqui outro recurso lá disponibilize alguns professores mas que não atrapalhe a aprendizagem do aluno Vejase a este respeito o 302 Vilson J Leffa resultado de um trabalho de autonomia sobre produção textual feito com alunos considerados de risco prestes a abandonar a escola que frequentavam num bairro pobre de Nova York devido a deficiências de ordem emocional problemas de família pobreza e total falta de interesse A conclusão do trabalho é a seguinte O que mais me surpreendeu na experiência não foi o que nós professores fizemos mas o que não fizemos Não tivemos que motivar os alunos Não sugerimos sobre o que deveriam escrever Não os instruímos a como usar as máquinas Não corrigimos o que eles escreveram nem explicamos os erros a não ser quando eles mesmos pediam ajuda sobre uma determinada palavra ou frase Não oferecemos qualquer orientação sobre como se escreve Não comentamos sobre o conteúdo do que eles tinham escrito Não dissemos para eles que se preocupassem com a correção ou apresentação gráfica do texto Não tivemos que manter a sala em silêncio Não comparamos os trabalhos uns com os outros Não avaliamos nenhum dos textos produzidos Não dissemos aos alunos como eles eram maravilhosos Era difícil conseguir um feedback oral dos alunos sobre o que eles estavam achando do curso na opinião deles eles não estavam na escola e por isso não tinham que responder a perguntas Mas voltavam sempre dia após dia às vezes com uma ou duas horas de antecedência esperando pacientemente até que as portas se abrissem BERNHARDT 2001 A aprendizagem que realmente interessa aquela que não é apenas reprodução do que já existe mas criação de algo novo de progresso e avanço só é possível com autonomia Meus alunos têm que saber mais do que eu Uma geração tem a obrigação de 303 Língua Estrangeira ir além da geração anterior Caso contrário não haverá evolução E se não houver evolução não haverá civilização não haverá o ser humano porque a essência do ser humano é a capacidade de evoluir Para que se chegue ao equilíbrio entre o individual e o coletivo pressupõemse do lado individual a existência do desejo de aprender e do lado coletivo a oferta de opções De um lado podemos afirmar que não é só pela razão que o homem aprende e cresce é também pelo desejo pela inquietação e até pela angústia Do outro lado a falta de opções é um dos grandes problemas da educação tradicional todos têm que aprender a mesma coisa do mesmo jeito Na melhor das hipóteses ficaríamos na situação já criticada por Fulton Sheen no década de 50 quando todos sabem a mesma coisa ninguém sabe nada A educação tem que ser diversificada de alguma maneira para que se mantenha o equilíbrio entre o coletivo e o individual Gostaria de terminar este texto sobre autonomia com uma citação de Maturana e Rezepka Pensamos que a tarefa de formação humana é o fundamento de todo o processo educativo já que só se esta se completar é que a criança poderá viver como um ser socialmente responsável e livre capaz de refletir sobre sua atividade e seu refletir capaz de ver e corrigir erros capaz de cooperar e de possuir um comportamento ético porque não desaparece em suas relações com os outros porque não dependerá da opinião dos outros não buscando sua identidade nas coisas fora de si MATURANA REZEPKA 2000 p 1112 Termino como comecei falando pela voz dos outros e indo mais uma vez ao dicionário do Aurélio A palavra autonomia tem um antônimo interessante heteromia O que é heteromia Vamos ao dicionário 304 Vilson J Leffa heteronomia De hetero nomo ia1 S f Ét 1Condição de pessoa ou de grupo que receba de um elemento que lhe é exterior ou de um princípio estranho à razão a lei a que se deve submeter O que vamos querer Autonomia ou heteronomia Tudo é submissão Mas há uma diferença importante Na heteronomia submetemonos à lei dos outros Na autonomia podemos pelo menos ter a pretensão de nos submeter às nossas próprias leis Na área da educação isso significa o seguinte ou nos submetemos ao que os outros querem nos ensinar ou escolhemos o que queremos aprender Para fazer essa opção temos que querer Os grandes exemplos da história parecem sugerir que as pessoas que mais se destacaram em seus respectivos domínios de conhecimento foram aquelas que não se deixaram submeter ao que os outros quiseram lhes ensinar mas que conseguiram de alguma maneira escolher o que elas próprias queriam aprender Isso pode parecer uma apologia inadequada do individual sobre o coletivo mas na realidade é o contrário é quando as pessoas divergem aprendendo coisas diferentes que a sociedade se diversifica e se enriquece O conflito entre aprender e ensinar tem que ser resolvido a favor do aluno O professor precisa aprender a ensinar menos para que o aluno possa aprender mais 305 Língua Estrangeira Referências ABBS Brian FREEBAIRN Ingrid Starting strategies London Longman 1977 ABAR C A A P BARBOSA L M Webquest um desafio para o professor uma solução inteligente para o uso da internet São Paulo Avercamp 2008 AGARD Frederick B and DUNKER Harold B An investigation of secondlanguage teaching Boston Ginn and Company 1948 ALEXANDER LG First things first teachers book London Longman 1967 ALMEIDA M E B de Educação projetos tecnologia e conhecimento São Paulo PROEM 2002 ALVES I M A delimitação da unidade lexical nas línguas de especialidade In BASILIO M Org A delimitação de unidades lexicais Rio de Janeiro Grypho 1999 p 6979 ANDERSON L KRATHWOHL D A Taxonomy for Learning Teaching and Assessing A Revision of Blooms Taxonomy of Educational Objectives New 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