·
Cursos Gerais ·
Ciências Políticas
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
30
Neoextrativismo no Brasil - Análise da Proposta do Novo Marco Legal da Mineração
Ciências Políticas
UFGD
3
Reflexão Comparativa sobre a História do Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil - Análise e Ideias Relevantes
Ciências Políticas
UNISALLE
4
A3-Artigo Cientifico-Instrucoes e Modelo-Ciencia Politica e Humanidades
Ciências Políticas
USJT
7
Resenhas de Filmes Norte-Americanos - Analise Sociologica e Critica
Ciências Políticas
UNISALLE
12
Liberdade em Rousseau - Análise do Conceito e Relação com Moralidade
Ciências Políticas
MACKENZIE
28
Como se Faz Análise de Conjuntura - Herbert José de Souza
Ciências Políticas
UNISALLE
1
Ciências Humanas
Ciências Políticas
UMG
5
Estudo Dirigido Rivalidades Científicas Rio de Janeiro e São Paulo
Ciências Políticas
UFABC
11
Empreendedorismo Corporativo Canvas- Proposta de Valor para Empresas
Ciências Políticas
FSP
84
O Impacto do Feminismo na Ciência: Análise de Evelyn Fox Keller
Ciências Políticas
UFABC
Preview text
O novo extrativismo progressista na América do Sul teses sobre um velho problema sob novas expressões Eduardo Gudynas O chamado extrativismo que inclui a mineração e a exploração petrolí fera tem uma longa história na América Latina Esta atividade alimentou as correntes exportadoras desempenhou um papel chave nas economias nacionais mas foi também o centro de grandes polêmicas decorrentes dos seus impactos econômicos sociais e ambientais Um fato notável é que apesar de todos estes debates e da crescente evidência de sua limitada contribuição para um genuíno desenvolvimento nacional o extrativismo goza de boa saúde inclusive nos chamados go vernos progressistas ou da nova esquerda De fato muitos deles são ativos promovedores do extrativismo tendoo inclusive intensificado Entretanto suas estratégias extrativistas não são idênticas às do passado logo é preciso falar de um neoextrativismo progressista Tratase de práticas nas quais o Estado desempenha papéis mais ativos e que em vários casos alimentam programas de luta contra a pobreza mas que por outro lado continuam adotando modelos de grande impacto social e ambiental que novamente acabam remetendo à dependência dos circuitos econômicos globais No presente capítulo são considerados alguns aspectos centrais deste neoextrativismo com base em textos anteriores do autor e algumas atualizações O novo contexto político sulamericano Até não muito tempo atrás o discurso da esquerda tradicional questionava os modelos de desenvolvimento convencionais e entre eles o do extrativis mo Criticavase a dependência das exportações o papel das economias de enclave as condições de trabalho o enorme poder das empresas estrangeiras a reduzida presença do Estado ou a precária tributação Esta pregação con denava os setores tipicamente extrativistas como a mineração e a extração do petróleo Exigiase o abandono das reformas neoliberais e a ruptura com essa dependência Muitos acreditavam portanto que uma vez que a nova esquerda conseguisse ocupar cargos nos governos promoveria mudanças substanciais nos setores extrativistas De fato nos últimos anos essa nova esquerda conseguiu conquistar vários governos sulamericanos Sua presença ficou clara com a gestão de Néstor 304 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner na Argentina Evo Morales na Bolívia Rafael Correa no Equador Luís Inácio Lula da Silva no Brasil e sua atual sucessora Dilma Rousseff Tabaré Vázquez no Uruguai e seu sucessor José Mujica e Hugo Chávez na Venezuela A esta corrente se uniu o governo de Michelle Bachelet do Chile este porém substituído por uma gestão conservadora enquanto Fernando Lugo no Paraguai exprime uma vocação progressista mas conta com uma base partidária muito fraca Por maneiras diversas chegouse à situação na qual pelo menos oito países se encontraram sob gestão da nova esquerda nos últimos anos Embora estes governos sejam muito diversos entre eles compartilham uma crítica ao reducionismo de mercado que prevaleceu nos anos 80 e 90 apresentam outro ativismo estatal e propõem a luta contra a pobreza como uma das suas tarefas prioritárias O extrativismo contemporâneo Apesar da mudança substancial representada pela chegada do progressismo e para além das diferenças entre todos os países as práticas extrativistas foram mantidas De fato não somente persistem os empreendimentos tradicionais como se tem tentado ampliálos O caso pioneiro ocorreu no Chile onde após a queda da ditadura militar os governos sucessivos da Concertación por la Democracia mantiveram a arquitetura básica do setor de mineração estimulando sua ampliação por meio de empreendimentos privados nos quais as tentativas de diversificação produtiva não tiveram muito êxito Deriva daí a primeira tese de que apesar das profundas mudanças polí ticas favoráveis à esquerda os setores extrativistas mantêm sua importância e constituem um dos pilares das estratégias de desenvolvimento atuais De fato da Venezuela de Hugo Chávez ao Brasil do moderado Lula da Silva continuouse a apostar em setores como a mineração e o petróleo A parcela de produtos primários sobre o total das exportações supera os 90 na Venezuela no Equador e na Bolívia é superior aos 80 no Chile e no Peru e cresceu até chegar aos 60 no Brasil de Lula conforme dados da Cepal A mineração a exploração petrolífera e a monocultura para exportação cumprem um papel essencial nesta tendência Poderseia afirmar que isso forma parte de uma inércia derivada dos governos anteriores e que seria uma ilusão ou um despropósito defender uma mudança dessa trajetória Mas esta posição bate de frente com as evidências disponíveis já que os governos progressistas não somente mantiveram essa O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 305 tendência mas tentam aprofundála em intensidade e ampliála para novos setores De fato o extrativismo exportador avança em todos estes países Por exemplo as exportações provenientes das minas e pedreiras dos países do Mercosul ampliado Argentina Bolívia Brasil Chile Paraguai e Uruguai passaram da ordem dos 20 bilhões de dólares em 2004 para um pico de mais de 58 bilhões em 2008 com leve diminuição para mais de 42 bilhões em 2009 dados da Cepal A Argentina é um caso emblemático da intensificação do modelo entre 2003 e 2006 na presidência de Nestor Kirchner o número de projetos de mineração cresceu em mais de 800 e os investimentos acumu lados aumentaram em 490 com a manutenção das vantagens neste tipo de investimento e os modestos 3 de royalties Gutman 2007 O governo da sua esposa Cristina F de Kirchner segue a mesma tendência cujo exemplo destacado foi a aprovação do megaempreendimento em mineração de Pascua Lama compartilhado com o Chile destinado a ser o segundo maior produtor de ouro do continente Com Lula da Silva o Brasil está se convertendo numa potência em mine ração estimase que até 2013 com a instalação de novas minas e instalações de processamento o país terá duplicado a produção de alumínio e triplicada a de cobre USGS 2008 No começo da gestão do Partido dos Trabalhadores e seus aliados em 2003 a produção de cobre era de 264 milhões de toneladas e chegou a 370 milhões em 2008 Ibram 2009 as exportações provenientes das minas e pedreiras que estavam acima de 6 bilhões de dólares em 2003 aumentaram para mais de 24 bilhões em 2009 segundo a CEPAL Podese argumentar no caso do Brasil que a Vale é uma empresa privada e a Petrobras uma empresa mista No entanto a Petrobras é controlada em 51 pelo governo brasileiro No caso da Vale a situação é similar Cerca de 54 das ações ordinárias da Vale estão em mãos do consórcio Valepar integrado pelos fundos de pensão de empregados do Banco do Brasil Petrobras Caixa Econômica Federal e outros junto ao BNDES e ao Bradesco Apenas este último é um banco privado O BNDES é a principal fonte de financiamento da Vale Portanto na Petrobras como na Vale o governo por meio de seus delegados intervém ativamente Entre os exemplos de expansão para novos setores os mais destacados são a promoção da mineração a céu aberto com a gestão de Correa no Equador o apoio à instalação de uma nova mina de ferro e lítio na Bolívia e o apoio da esquerda uruguaia para a prospecção petrolífera no litoral Devese destacar também que particularmente na Argentina no Brasil 306 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO e no Uruguai tem sido estimulado uma mudança substancial na agricul tura voltandoa para a monocultura para exportação Estas novas práticas representam o extrativismo agrícola O rótulo de extravismo neste caso é pertinente porque se trata da extração de enormes recursos naturais dire cionados à exportação como matériaprima sem grandes processamentos e subordinados aos mercados globais por meio de corporações multinacionais Isto pode ser observado em especial no cultivo da soja baseado em variedades transgênicas no amplo uso de mecanização herbicidas químicos no escasso ou inexistente beneficiamento e na exportação como commodity O mesmo ocorre com as monoculturas florestais que cobrem amplas superfícies e se destinam à fabricação da pasta de celulose Assim no caso do extrativismo das monoculturas de exportação como o mercado está dominado por empresas privadas a maior presença estatal é por meio de ajudas e subsídios Como exemplo o plano agrícola 201112 lançado pela administração Rousseff contempla assistência financeira da ordem de 67 bilhões de dólares a maior da América Latina e uma das maiores do mundo Um novo tipo de extrativismo Apesar da persistência do modelo extrativista não se deve assumir que seja idêntico ao que se observava na gestão dos governos conservadores já que houve importantes mudanças na tributação no regime de royalties etc Portanto a segunda tese que se defende nesta análise é que um novo modelo de extrativismo está sendo criado nos governos progressistas Este neoextrativismo de cunho progressista tem suas contradições tais como uma maior presença estatal à custa de manter os impactos sociais e ambientais A seguir são discutidas suas características mais relevantes Comecemos lembrando que o extrativismo convencional e em par ticular aquele dos anos 80 e 90 se caracterizava pelo limitado papel do Estado transferindo a execução dos empreendimentos para o mercado o que levou a uma forte transnacionalização No neoextrativismo o Estado é muito mais ativo com regras mais claras que estas sejam boas ou não e não está necessariamente orientado a servir aos amigos do poder político Em alguns casos os novos governos renegociaram os contratos elevaram os royalties e a tributação e potencializaram o papel das empresas estatais Provavelmente as mudanças mais substanciais tenham ocorrido na Bolívia já que o governo de Evo Morales impôs em 2006 a renegociação dos con tratos com as empresas petrolíferas aumentando os royalties e a tributação O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 307 tentando fortalecer a empresa petrolífera estatal YPFB na Venezuela o go verno Chávez impôs uma maioria acionária da PDVSA a empresa petrolífera estatal nos empreendimentos com o setor privado e uma maior vinculação com as estatais dos outros países No Equador seguese a mesma linha e no Brasil uma nova regulamentação para o setor está sendo discutida Consequentemente apresentase como terceira tese um papel mais ativo do Estado com intervenções tanto diretas quanto indiretas sobre os setores extrativistas Inserção internacional comércio mundial e fluxo de capitais Enquanto o velho extrativismo visava as exportações e o mercado mundial os governos progressistas substituíram aquele discurso por outro que está voltado para a globalização e a competitividade Ao aceitar a dinâmica global contemporânea os governos de esquerda aceitam suas regras sobre comércio fluxos de capitais ampliação do conceito de mercadoria ou extensão dos direitos de propriedade Tudo isto conduz à defesa da institucionalidade global como a que prevalece na Organização Mundial do Comércio OmC Isso significa aceitar um papel subalterno nos mercados globais nos quais as nações sulamericanas são tomadoras de preços dependem amplamente dos intermediários e brokers comerciais internacionais e dos fluxos de capital onde suas decisões domésticas ficam atreladas às oportunidades comerciais Por sua vez isto leva a uma surda competição entre os países sulamericanos para atrair investimentos estrangeiros É importante observar que no passado os governos sulamericanos tam bém apoiavam outras instituições internacionais que procuravam caminhos alternativos para o comércio global Em particular devemse recordar os esforços da Unctad Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento para promover o comércio sulsul incluindo suas experiências sobre um fundo comum para as commodities e a criação dos chamados Organismos Internacionais em Bens Primários ICB International Commodity Bodies contemplando por exemplo o cobre o níquel o chumbo e o zinco Isto mostra com clareza que os governos progressistas contavam com mais de um antecedente de práticas e institucionalidades alternativas às quais recorrer Essas questões permitem apresentar como quarta tese o fato que o neo extrativismo é funcional à globalização comercialfinanceira e perpetua a inserção internacional subalterna da América do Sul O fluxo de capitais também aumentou Por exemplo no Chile a remessa 308 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO de lucros ao exterior pelas empresas estrangeiras passou de 4438 milhões de dólares no início do governo de Ricardo Lagos para mais de 13 bilhões na conclusão do seu mandato continuando então a crescer com Michele Bachelet até o patamar de mais de 25 bilhões de dólares De forma análo ga no Brasil as empresas mineradoras gozam de isenções tributárias não pagam o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços ICm ICmS e os royalties e valores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CFEm que chegam aos municípios são escassos 1 a 3 do faturamento líquido além do fato que os cálculos são feitos pelas próprias empresas Pereira et al 2009 Desterritorialização e fragmentação territorial O avanço da exploração de recursos minerais e petrolíferos e as monoculturas de exportação desencadeiam profundos impactos territoriais Em muitos casos representam a chegada em áreas remotas de contingentes de operá rios e técnicos e seus equipamentos voltando a criar economias de enclave Este processo determina e fortalece um processo de desterritorialização no qual o Estado não consegue garantir sua presença de forma adequada e homogênea em todo o território e se vê limitado na proteção dos direitos dos cidadãos ou na prestação de serviços públicos mas ao mesmo tempo é muito ativo na promoção e defesa desses enclaves extrativistas Os enclaves deste tipo geram as mais diversas tensões territoriais sociais e ambientais indo desde problemas de violência até os impactos ambientais da poluição Por sua vez estes empreendimentos requerem redes de comu nicação como o IIRSA e estruturas de apoio por exemplo hidrelétricas como as do Rio Madeira que desencadeiam muitos outros efeitos negativos Portanto a quinta tese mostra que no novo extrativismo a fragmentação territorial das áreas desterritorializadas persiste criandose um emaranhado de enclaves e suas conexões com os mercados globais agravando as tensões territoriais A gestão territorial do neoextrativismo está adaptada a estes empreendi mentos Um exemplo deste fato é o abandono gradual das metas de reforma agrária durante a gestão de Lula da Silva substituídas pela regularização fundiária fora dos domínios da agroindústria e seu progresso apenas aonde pode ser útil ao agronegócio Oliveira 2009 Propriedade e processos produtivos No velho extrativismo brigavase pela propriedade dos recursos Os governos O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 309 anteriores outorgavam títulos de propriedade ou criavam normas de cessão e acesso a recursos minerais ou petrolíferos algo que na prática se assimi lava muito a ceder a propriedade destes recursos Essa tendência acarretou uma forte transnacionalização dos setores extrativistas e um papel cada vez menor das empresas estatais No neoextrativismo como vimos acima o protagonismo estatal é maior o que faz com que os controles sobre o acesso aos recursos sejam redobrados em quase todos os casos afirmase que estes recursos são propriedade do Estado Ao mesmo tempo foram ressuscitadas ou criadas empresas estatais por exemplo o fortalecimento da YPFB na Bolívia ou a criação de uma em presa estatal para o gás e a energia a Enarsa na Argentina Essa presença é mais variada incluindo empresas estatais cooperativas mistas ou privadas Mas apesar desta situação tanto os Estados quanto as empresas estatais visam o êxito comercial e portanto replicam as estratégias empresariais baseadas na competitividade na redução de custos e no aumento da rentabi lidade Desta maneira o funcionamento de empresas estatais como a PDVSA da Venezuela mistas como a Petrobras do Brasil ou privadas como a Repsol YPF na Argentina assemelhase cada vez mais às conhecidas práticas das velhas empresas transnacionais como a Exxon ou a British Petroleum Consequentemente como sexta tese postulase que nos governos progres sistas é particularmente importante reconhecer que independentemente da propriedade dos recursos repetemse regras e funcionamento de processos produtivos voltados para o ganho de competitividade e o aumento da renta bilidade sob clássicos critérios de eficiência incluindo a externalização dos impactos sociais e ambientais Aliás naqueles setores em que a presença do Estado é fortalecida esta é usada para outorgar contratos de associação formar sociedades ou joint ventures com empresas privadas veja por exemplo Cedla 2009 O desempenho social e ambiental das empresas petrolíferas estatais é pobre e bem questionável a Petrobras nos países andinos e a em presa petrolífera estatal uruguaia Ancap são bons exemplos disto As implicações desta questão são muito importantes Entre elas vale destacar que além do debate sobre a propriedade dos recursos e os meios de produção devese promover uma discussão muito mais aprofundada sobre a estrutura e a dinâmica dos processos produtivos tanto nas mãos do Estado quanto na de outros atores Estes processos produtivos determinam os impactos sociais e ambientais e as relações comerciais e econômicas 310 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO Impactos socioambientais e conflitos de cidadania Os enclaves extrativistas vêm ocupando o centro de muitas polêmicas em função dos seus graves impactos sociais e ambientais Estes vão desde agravar as desigualdades locais até os casos de poluição ou perda da biodiversidade A evidência empírica que se acumulou nos últimos anos é variada e contun dente e deixa claro que a situação habitual é aquela na qual se externalizam os efeitos sociais e ambientais Uma das questões que mais chamam a atenção na gestão da nova esquerda é que não são observadas melhorias substanciais no tratamento dado a estes impactos no campo ambiental em particular poderseia dizer que houve retrocessos em alguns países Consequentemente propõese como sétima tese que no neoextrativismo os impactos sociais e ambientais são mantidos em alguns casos acentuados e que as ações destinadas a enfrentálos e resolvê los ainda são ineficazes ou em determinadas ocasiões se enfraqueceram Nos últimos anos acumulouse uma longa série de protestos da cidadania contra o extrativismo Novamente as tensões mais claras se observam na Bolívia onde em 2010 uma marcha indígena voltou a atuar em prol da dig nidade para combater entre outras coisas os impactos de empreendimentos de exploração mineira e petrolífera No Brasil insistem em flexibilizar a legislação e as licenças ambientais enquanto na Argentina foi vetada uma lei de proteção aos glaciais andinos de forma a poder autorizar empreen dimentos de mineração Nos governos progressistas o debate sobre os impactos sociais ambientais e territoriais fica mais opaco No que se refere à dimensão ambiental sua existência é negada ou minimizada em várias ocasiões sendo rechaçada em outros sendo esta apresentada como disputa de interesses econômicos conflitos sobre o ordenamento territorial ou expressão de obscuras agendas políticopartidárias Aliás na Venezuela de Chávez denunciouse que o es tado de Zulia se converteu em uma zona de sacrifício mineiropetrolífero GarciaGaudilla 2009 Alguns governos chegam a acusar os indígenas e os camponeses de impedir o desenvolvimento Bebbington 2009 Isso explica porque os protestos sociais frente ao extrativismo se re petem em todos os países de governos progressistas Aliás em países que supostamente gozariam de tranquilidade ao evitar este tipo de conflitos uma avaliação minuciosa revela outro panorama Por exemplo no Brasil durante o primeiro mandato de Lula da Silva os conflitos rurais cresce ram substancialmente embora tenham diminuído no segundo mandato continuam sendo numerosos Figura 1 Isso se deve a fatores como más O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 311 condições de trabalho trabalho escravo e violência contra os indígenas fatores especialmente críticos na Amazônia e que em muitos casos estão vinculados diretamente ao neoextrativismo Figura 7 Ocorrências de conflitos e assassinatos no meio rural no Brasil Fonte Elaborado pelo autor com base nos dados da Comissão Pastoral da Terra do Brasil Excedentes e legitimação política No extrativismo clássico as imposições tributárias royalties ou licenças eram reduzidas portanto a captação de excedentes por parte do Estado era limitada apostavase em um efeito de gotejamento No neoextrativismo podemos observar uma mudança substancial em alguns governos o Estado é muito mais ativo na captação de excedentes Isto se deve a diversos fatores tais como a tributação muito mais elevada de royalties em alguns casos ou até de forma direta sendo a exploração realizada por uma empresa estatal Esse é provavelmente um dos aspectos que mais diferenciam o neoex trativismo particularmente na Bolívia no Equador e na Venezuela e as suas consequências vão muito além da dimensão econômica uma vez que envolvem pelo menos dois aspectos Por um lado reflete um papel ativo do Estado onde os governos têm mais opções e instrumentos para captar parte da riqueza gerada pelos setores extrativistas Por outro lado os governos progressistas utilizam estas receitas de diversas maneiras entre as quais se 312 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO destaca o financiamento dos vários programas sociais muitos deles destinados aos setores mais pobres como o Bolsa Família no Brasil Juancito Pinto na Bolívia ou o Programa Famílias da Argentina Gudynas et al 2008 Isto cria uma situação bem particular ao estabelecer um vínculo entre empreen dimentos como mineração ou exploração petrolífera e o financiamento dos programas assistenciais dos governos Essa conexão às vezes é direta como o Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos o IDH na Bolívia sendo em outros casos mediada pelas instituições estatais de assistência social Podese observar uma relação peculiar na qual o Estado procura captar os excedentes provenientes do extrativismo e ao usar parte daqueles nesses planos sociais faz com que essa legitimidade social possa também ser usada para defender as atividades extrativistas Em outras palavras embora se possa dizer que estes governos se afastam da esquerda clássica por apoiarem o extrativismo convencional eles a retomam para conseguirem se justificar como progressistas por realizarem esses programas sociais Estas ações sociais porém requerem cada vez mais financiamento assim estes mesmos gover nos acabam dependentes do extrativismo para captar recursos financeiros Consequentemente propõese a oitava tese no neoextrativismo o Estado capta uma proporção maior do excedente parte deste se destina aos planos sociais que geram uma legitimação tanto para os governos quanto para os empreendimentos extrativistas e isto contribui para apaziguar as demandas sociais locais Esses planos sociais servem para pacificar o protesto social Por exemplo no caso do Brasil Oliveira 2009 mostra a situação paradoxal na qual embora o governo Lula tenha abandonado as metas de reforma agrária e não distri bua mais terras aos pioneiros e semterra o número de pessoas envolvidas nestas lutas está em queda Este refluxo dos movimentos de massas e o fluxo de recursos financeiros do governo destinados às políticas compensatórias pacotes de ajuda de todo tipo e modalidade estão apaziguando àqueles que lutaram energicamente pela reforma agrária nos últimos 30 anos Tudo indica que os dois processos interagem Oliveira 2009 Nesse caso em vez de focalizar as práticas extrativistas uma boa parte do debate passa a versar sobre como distribuir os benefícios delas provenientes Resultam disputas que visam obter maiores parcelas destes recursos ou definir sua destinação decidir se serão empregados na construção de esco las postos de saúde ou um novo prédio para a Prefeitura por exemplo Às vezes as empresas tanto privadas quanto estatais participam deste debate deixando de lado o próprio Estado exemplo clássico disso são as empresas O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 313 que aceitam construir escolas como forma de compensação para os grupos locais Dessa forma os debates sobre extrativismo desviados pelas questões instrumentais sofrem uma distorção enquanto a validade daquele não é questionada O papel da redistribuição de renda por meio de programas sociais de compensação focalizados é muito importante Onde quer que estes não existam os protestos sociais frente ao extrativismo serão muito mais intensos como ocorre no Peru Com governos progressistas onde estes programas são mais efetivos e amplos o protesto social diminui como ocorre no Brasil e no Uruguai Apesar disso observase um caso particular na Argentina nos governos de N Kirchner e de C F de Kirchner já que seus programas sociais são mais efetivos no meio urbano do que no espaço rural onde mui tos protestos são observados contra o extrativismo de mineração e da soja Dessa maneira as medidas de compensação social financiadas pelo extrativismo geram uma legitimidade social para os governos progressistas e fazem com que seja mais difícil questionar estes empreendimentos produ tivos Aqueles que questionam o extrativismo estariam contra o progresso nacional e poderiam até questionar o financiamento dos planos assistenciais Neoextrativismo pobreza e desenvolvimento Iniciemos por recordar que nos contextos políticos anteriores as correntes progressistas e de esquerda denunciavam que o extrativismo contribuía para gerar a pobreza as economias de enclave eram vistas como algo negativo e portanto buscavamse alternativas para sair destas condições Nos governos progressistas um novo discurso está se consolidando aos poucos segundo o qual o extrativismo agora passa a ser uma condição necessária para combater a pobreza Aquela velha relação fica invertida no passado constituía uma contradição hoje é vista como positiva e convertese em condição necessária para o desenvolvimento Declarase que o balanço final do extrativismo seria positivo em alguns casos chegase a admitir que este possa produzir impactos sociais e ambien tais negativos mas imediatamente se responde que estes são gerenciáveis ou compensáveis ou que no fim das contas devem ser aceitos à luz do benefício geral de toda a nação Por sua vez as jazidas minerais ou petrolíferas ou a fertilidade do solo são vistas como riquezas que não podem ser desperdi çadas Prevalece um sentido de necessidade e urgência Um bom exemplo deste tipo de defesa pode ser observado com o presi dente Correa do Equador Não retrocederemos quanto à Lei de Mineração 314 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO porque o desenvolvimento responsável da mineração é fundamental para o progresso do país Não podemos ficar sentados como mendigos sobre um saco de ouro afirmou no dia 15 de janeiro de 2009 Desta maneira os governos progressistas aceitam o modelo de desenvolvimento atual como indispensável apesar de melhorável e ajustável já que estas riquezas não podem ser desperdiçadas E dão outro passo adiante apresentamse como se somente eles pudessem leválo adiante com eficiência e com uma distri buição adequada de riquezas Propõese então como nona tese que o neoextrativismo seja aceito como um dos motores fundamentais do crescimento econômico e como contribuição crucial de luta contra a pobreza a nível nacional Assumese que parte desse crescimento gerará benefícios que serão destinados ao resto da sociedade a contagotas ou num fluxo torrencial Um Estado agora mais protagonista deve alentar administrar e orientar esse fluxo Uma das implicações dessa postura é que essa visão reducionista que equipara crescimento econômico e desenvolvimento e portanto não tem gerado pelo menos até agora uma visão alternativa de desenvolvimento não é questionada Embora as discussões bolivianas e equatorianas sobre o bem viver tenham esse potencial os governos e muitos outros atores sociais parecem derivar este debate para o terreno de questões instrumentais No caso boliviano a situação é ainda mais tensa devido a que surpreendentemente a nova Constituição indica em vários artigos que um dos fins do Estado é a industrialização dos recursos naturais Esses fatores fazem com que o extrativismo passe a ser entendido como mais um componente do modelo de desenvolvimento propiciado pelo pro gressismo e também que seja visto como necessário e urgente Muitos dos componentes das velhas artimanhas das empresas de mineração e petrolíferas que alguns anos atrás ofereciam progresso emprego e bemestar para o país e para as comunidades locais ressurgem hoje com outra roupagem outra ênfase e um maior papel do Estado É oportuno citar outro exemplo do Brasil as empresas de mineração se aproveitam da convivência e submissão do Estado das precárias condições em que vive a maioria da população dos municípios onde elas se instalam e apelam para um discurso sobre a chegada do desenvolvimento e do progresso que graças ao apoio de políticos locais ou regionais obtêm condições favoráveis para sua implantação e domínio conforme os pesquisadores da Comissão Pastoral da Terra Pereira et al 2009 Esses e outros exemplos indicam que este neoextrativismo reformula os discursos sobre o desenvolvimento devendo as comunidades locais aceitar O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 315 os sacrifícios dos impactos como forma de se conquistar supostas metas nacionais em troca da oferta de um leque de medidas de compensação que podem ir desde os clássicos programas focalizados de assistência social à sua conversão em sócios das empresas Esse leque de condições é tão amplo que as críticas contra o extrativismo podem ser facilmente acusadas de serem contra o desenvolvimento nacional ou o progresso serem qualificadas de infantis ou sonhadoras e até mesmo perigosas Estas expressões saíram dos lábios de Correa Morales e Lula da Silva Basta apresentar como exemplo as afirmações do presidente Evo Morales de julho passado 2010 nas quais critica os grupos indígenas e agricultores que se opõem às empresas petrolíferas e de mineração ao perguntar De que vai viver a Bolívia se algumas ONG dizem Amazônia sem petróleo Econoticias Bolivia 14 jul 2009 O neoextrativismo sob o mito do progresso As diferentes linhas de argumentação que se apresentam provisoriamente neste ensaio terminam confluindo para uma décima tese o neoextrativis mo é um novo ingrediente de uma versão contemporânea e sulamericana do desenvolvimentismo Esta versão é a herdeira das ideias clássicas da Modernidade e portanto mantém sua fé no progresso material mas é um híbrido contemporâneo que deriva das condições culturais e políticas pró prias da América do Sul De fato a ideia do progresso contínuo com base na técnica e nutrido pelas riquezas da Natureza foi uma expressão clássica da Modernidade europeia A nova esquerda latinoamericana é herdeira dessas ideias mas as reformulou em função de vários fatores que vão desde os antecedentes de suas próprias lutas políticas os efeitos da queda dos socialismos reais as demandas de setores populares e povos indígenas e até os efeitos das reformas neoliberais É o resultado de uma nova combinação onde há tanto velhos quanto novos ingredientes Isto explica porque o velho e o novo extrativismo compartilham alguns aspectos comuns embora com ênfases distintas cada um com seus próprios atributos Isto explica também algumas coincidências com relação ao extrativismo por parte de governos tão diversos como Rafael Correa no Equador ou Alan García no Peru A esquerda sulamericana não prescinde do clássico apego ao crescimento econômico com base na apropriação dos recursos naturais O extrativismo cumpre um papel importante neste novo panorama já que não é rechaçado e sim deveria ser aprofundado já que seria um dos motores que garante o 316 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO crescimento econômico e a própria sustentação financeira do Estado embora tenha que ser controlado Enquanto o velho extrativismo devia lidar com os desequilíbrios nos termos de intercâmbio o neoextrativismo acredita que os altos preços internacionais constituem uma oportunidade que não se pode desperdiçar Mas por sua vez esse novo extrativismo contribui para financiar os programas sociais que são fundamentais para que estes novos governos possam se definir como progressistas adquirindo uma legitimidade política inesperada A crítica ao neoextrativismo implicaria questionar a velha ideia do progresso e também um dos pilares dos programas sociais e portanto uma das justificativas de quem se diz progressista Isso explica por que os questionamentos dos indígenas ou dos ambientalistas sejam rechaçados ou ignorados por estes novos governos Esse progressismo representaria um nacionalismo dos recursos confor me as palavras de Bebbington 2009 no qual não é questionada a extração em si e sim seu controle privado ou estrangeiro Esses governos procuram assumir o controle estatal sobre esses recursos e com isso acabam repro duzindo os mesmos processos produtivos relações de poder semelhantes e os mesmos impactos socioambientais Conclusões preliminares Ao longo do presente ensaio apresentamse uma série de ideias e argumentos sobre a permanência do extrativismo na América do Sul A ideia central é que este não é igual ao que existia nas décadas anteriores e que no caso dos governos progressistas um extrativismo de novo feitio foi criado Nessa caracterização observamos tanto velhos como novos componentes entre tanto este conjunto é singular com vieses próprios como o papel atribuído ao Estado e às novas fontes de legitimação social e política O reconhecimento da identidade própria deste modelo progressista de extrativismo requer uma abordagem rigorosa e prudente É importante compreender que o neoextrativismo não pode ser entendido como uma estratégia neoliberal semelhante àquelas observadas nas décadas anteriores mas tampouco pode ser interpretado como uma alternativa promissora que melhore mecanicamente a qualidade de vida e a autonomia dos cidadãos É evidente que o atual progressismo oferece em muitos casos melhorias substanciais em relação aos regimes conservadores Está claro que persistem limitações resistências e contradições mas não se pode analisar a atual esquerda sulamericana a partir dos velhos paradigmas O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 317 Ignorar os impactos do neoextrativismo ou silenciar as análises por simpatias partidárias seria um desatino particularmente no âmbito aca dêmico ou na militância social Aproveitarse destas contradições para rechaçar insidiosamente todas as ações da esquerda no governo é outro caminho equivocado É verdade que com o neoextrativismo permanecem muitos impactos particularmente quanto aos aspectos sociais e ambientais Mas apesar disto não se pode afirmar que este represente na realidade um neoliberalismo ou um capitalismo selvagem como por exemplo afirma GarcíaGuadilla 2009 sobre o chavismo na Venezuela Sem dúvida as teses apresentadas ao longo do texto são elaborações preliminares e requerem um trabalho mais exaustivo É imprescindível con tinuar aprofundando a caracterização dos novos estilos de desenvolvimento do progressismo sulamericano uma vez que a partir dele se originam as atuais tensões sociais e os impactos ambientais portanto uma melhor com preensão é imprescindível para proporcionar alternativas A tarefa também é urgente para compreender as novas demandas e possibilidades da sociedade civil diante dos desafios do desenvolvimento Traduzido do espanhol por Leonardo Milani Referências BEBBINGTON A The new extraction rewriting the political ecology of the Andes NACLA Report on the Americas 425 pp 1220 2009 HINOJOSA Valencia L Conclusiones minería neoliberalismos y reterritoria lización en el desarrollo rural In BEBBINGTON A ed Minería movimientos sociales y respuestas campesinas Lima IEP e CEPES pp 282313 2007 CEDLA Centro de Estudios para el Desarrollo Laboral y Agrario La industrialización no es el norte de la política del MAS La Paz 2009 CEPAL Anuario estadístico de América Latina y el Caribe 2010 Santiago do Chile 2010 OLIVEIRA A U de O governo Lula assumiu a contra reforma agrária a violência do agrobanditismo continua Sl Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional 2009 PEREIRA A dos et al A exploração minerária e suas conseqüências na Amazônia brasileira Sl Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional 2009 GARCÍAGAUDILLA M P Ecosocialismo del siglo XXI y modelo de desarrollo boliva riano los mitos de la sustentabilidad ambiental y de la democracia participativa en Venezuela Economía y Ciencias Sociales Venezuela 151 pp 187223 2009 318 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO GUDYNAS E Geografías fragmentadas sitios globalizados áreas relegadas Revista del Sur Montevidéu no 160 pp 313 2005 GUTmAN N La conquista del Lejano Oeste Le Monde Diplomatique Buenos Aires 895 pp 1214 2007 IBRAm Informações e análises da economia mineral brasileira Brasília 2009 mORALES CB de RIBERA Arismendi M O eds Informe del estado ambiental de Bolivia 20072008 La Paz LIDEmA 2008 PNUD Informe de Desarrollo Humano Nova York 2008 USGS US Geological Service US Department of the Interior 2006 minerals yearbook Latin America and Canada 2008 pp 303318 En Enfrentando os limites do crescimento Sustentabilidade decrescimento e prosperidade Philippe Léna e Elimar Pinheiro do Nascimento orgs Garamond e IRD Rio de Janeiro 2012
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
30
Neoextrativismo no Brasil - Análise da Proposta do Novo Marco Legal da Mineração
Ciências Políticas
UFGD
3
Reflexão Comparativa sobre a História do Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil - Análise e Ideias Relevantes
Ciências Políticas
UNISALLE
4
A3-Artigo Cientifico-Instrucoes e Modelo-Ciencia Politica e Humanidades
Ciências Políticas
USJT
7
Resenhas de Filmes Norte-Americanos - Analise Sociologica e Critica
Ciências Políticas
UNISALLE
12
Liberdade em Rousseau - Análise do Conceito e Relação com Moralidade
Ciências Políticas
MACKENZIE
28
Como se Faz Análise de Conjuntura - Herbert José de Souza
Ciências Políticas
UNISALLE
1
Ciências Humanas
Ciências Políticas
UMG
5
Estudo Dirigido Rivalidades Científicas Rio de Janeiro e São Paulo
Ciências Políticas
UFABC
11
Empreendedorismo Corporativo Canvas- Proposta de Valor para Empresas
Ciências Políticas
FSP
84
O Impacto do Feminismo na Ciência: Análise de Evelyn Fox Keller
Ciências Políticas
UFABC
Preview text
O novo extrativismo progressista na América do Sul teses sobre um velho problema sob novas expressões Eduardo Gudynas O chamado extrativismo que inclui a mineração e a exploração petrolí fera tem uma longa história na América Latina Esta atividade alimentou as correntes exportadoras desempenhou um papel chave nas economias nacionais mas foi também o centro de grandes polêmicas decorrentes dos seus impactos econômicos sociais e ambientais Um fato notável é que apesar de todos estes debates e da crescente evidência de sua limitada contribuição para um genuíno desenvolvimento nacional o extrativismo goza de boa saúde inclusive nos chamados go vernos progressistas ou da nova esquerda De fato muitos deles são ativos promovedores do extrativismo tendoo inclusive intensificado Entretanto suas estratégias extrativistas não são idênticas às do passado logo é preciso falar de um neoextrativismo progressista Tratase de práticas nas quais o Estado desempenha papéis mais ativos e que em vários casos alimentam programas de luta contra a pobreza mas que por outro lado continuam adotando modelos de grande impacto social e ambiental que novamente acabam remetendo à dependência dos circuitos econômicos globais No presente capítulo são considerados alguns aspectos centrais deste neoextrativismo com base em textos anteriores do autor e algumas atualizações O novo contexto político sulamericano Até não muito tempo atrás o discurso da esquerda tradicional questionava os modelos de desenvolvimento convencionais e entre eles o do extrativis mo Criticavase a dependência das exportações o papel das economias de enclave as condições de trabalho o enorme poder das empresas estrangeiras a reduzida presença do Estado ou a precária tributação Esta pregação con denava os setores tipicamente extrativistas como a mineração e a extração do petróleo Exigiase o abandono das reformas neoliberais e a ruptura com essa dependência Muitos acreditavam portanto que uma vez que a nova esquerda conseguisse ocupar cargos nos governos promoveria mudanças substanciais nos setores extrativistas De fato nos últimos anos essa nova esquerda conseguiu conquistar vários governos sulamericanos Sua presença ficou clara com a gestão de Néstor 304 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner na Argentina Evo Morales na Bolívia Rafael Correa no Equador Luís Inácio Lula da Silva no Brasil e sua atual sucessora Dilma Rousseff Tabaré Vázquez no Uruguai e seu sucessor José Mujica e Hugo Chávez na Venezuela A esta corrente se uniu o governo de Michelle Bachelet do Chile este porém substituído por uma gestão conservadora enquanto Fernando Lugo no Paraguai exprime uma vocação progressista mas conta com uma base partidária muito fraca Por maneiras diversas chegouse à situação na qual pelo menos oito países se encontraram sob gestão da nova esquerda nos últimos anos Embora estes governos sejam muito diversos entre eles compartilham uma crítica ao reducionismo de mercado que prevaleceu nos anos 80 e 90 apresentam outro ativismo estatal e propõem a luta contra a pobreza como uma das suas tarefas prioritárias O extrativismo contemporâneo Apesar da mudança substancial representada pela chegada do progressismo e para além das diferenças entre todos os países as práticas extrativistas foram mantidas De fato não somente persistem os empreendimentos tradicionais como se tem tentado ampliálos O caso pioneiro ocorreu no Chile onde após a queda da ditadura militar os governos sucessivos da Concertación por la Democracia mantiveram a arquitetura básica do setor de mineração estimulando sua ampliação por meio de empreendimentos privados nos quais as tentativas de diversificação produtiva não tiveram muito êxito Deriva daí a primeira tese de que apesar das profundas mudanças polí ticas favoráveis à esquerda os setores extrativistas mantêm sua importância e constituem um dos pilares das estratégias de desenvolvimento atuais De fato da Venezuela de Hugo Chávez ao Brasil do moderado Lula da Silva continuouse a apostar em setores como a mineração e o petróleo A parcela de produtos primários sobre o total das exportações supera os 90 na Venezuela no Equador e na Bolívia é superior aos 80 no Chile e no Peru e cresceu até chegar aos 60 no Brasil de Lula conforme dados da Cepal A mineração a exploração petrolífera e a monocultura para exportação cumprem um papel essencial nesta tendência Poderseia afirmar que isso forma parte de uma inércia derivada dos governos anteriores e que seria uma ilusão ou um despropósito defender uma mudança dessa trajetória Mas esta posição bate de frente com as evidências disponíveis já que os governos progressistas não somente mantiveram essa O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 305 tendência mas tentam aprofundála em intensidade e ampliála para novos setores De fato o extrativismo exportador avança em todos estes países Por exemplo as exportações provenientes das minas e pedreiras dos países do Mercosul ampliado Argentina Bolívia Brasil Chile Paraguai e Uruguai passaram da ordem dos 20 bilhões de dólares em 2004 para um pico de mais de 58 bilhões em 2008 com leve diminuição para mais de 42 bilhões em 2009 dados da Cepal A Argentina é um caso emblemático da intensificação do modelo entre 2003 e 2006 na presidência de Nestor Kirchner o número de projetos de mineração cresceu em mais de 800 e os investimentos acumu lados aumentaram em 490 com a manutenção das vantagens neste tipo de investimento e os modestos 3 de royalties Gutman 2007 O governo da sua esposa Cristina F de Kirchner segue a mesma tendência cujo exemplo destacado foi a aprovação do megaempreendimento em mineração de Pascua Lama compartilhado com o Chile destinado a ser o segundo maior produtor de ouro do continente Com Lula da Silva o Brasil está se convertendo numa potência em mine ração estimase que até 2013 com a instalação de novas minas e instalações de processamento o país terá duplicado a produção de alumínio e triplicada a de cobre USGS 2008 No começo da gestão do Partido dos Trabalhadores e seus aliados em 2003 a produção de cobre era de 264 milhões de toneladas e chegou a 370 milhões em 2008 Ibram 2009 as exportações provenientes das minas e pedreiras que estavam acima de 6 bilhões de dólares em 2003 aumentaram para mais de 24 bilhões em 2009 segundo a CEPAL Podese argumentar no caso do Brasil que a Vale é uma empresa privada e a Petrobras uma empresa mista No entanto a Petrobras é controlada em 51 pelo governo brasileiro No caso da Vale a situação é similar Cerca de 54 das ações ordinárias da Vale estão em mãos do consórcio Valepar integrado pelos fundos de pensão de empregados do Banco do Brasil Petrobras Caixa Econômica Federal e outros junto ao BNDES e ao Bradesco Apenas este último é um banco privado O BNDES é a principal fonte de financiamento da Vale Portanto na Petrobras como na Vale o governo por meio de seus delegados intervém ativamente Entre os exemplos de expansão para novos setores os mais destacados são a promoção da mineração a céu aberto com a gestão de Correa no Equador o apoio à instalação de uma nova mina de ferro e lítio na Bolívia e o apoio da esquerda uruguaia para a prospecção petrolífera no litoral Devese destacar também que particularmente na Argentina no Brasil 306 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO e no Uruguai tem sido estimulado uma mudança substancial na agricul tura voltandoa para a monocultura para exportação Estas novas práticas representam o extrativismo agrícola O rótulo de extravismo neste caso é pertinente porque se trata da extração de enormes recursos naturais dire cionados à exportação como matériaprima sem grandes processamentos e subordinados aos mercados globais por meio de corporações multinacionais Isto pode ser observado em especial no cultivo da soja baseado em variedades transgênicas no amplo uso de mecanização herbicidas químicos no escasso ou inexistente beneficiamento e na exportação como commodity O mesmo ocorre com as monoculturas florestais que cobrem amplas superfícies e se destinam à fabricação da pasta de celulose Assim no caso do extrativismo das monoculturas de exportação como o mercado está dominado por empresas privadas a maior presença estatal é por meio de ajudas e subsídios Como exemplo o plano agrícola 201112 lançado pela administração Rousseff contempla assistência financeira da ordem de 67 bilhões de dólares a maior da América Latina e uma das maiores do mundo Um novo tipo de extrativismo Apesar da persistência do modelo extrativista não se deve assumir que seja idêntico ao que se observava na gestão dos governos conservadores já que houve importantes mudanças na tributação no regime de royalties etc Portanto a segunda tese que se defende nesta análise é que um novo modelo de extrativismo está sendo criado nos governos progressistas Este neoextrativismo de cunho progressista tem suas contradições tais como uma maior presença estatal à custa de manter os impactos sociais e ambientais A seguir são discutidas suas características mais relevantes Comecemos lembrando que o extrativismo convencional e em par ticular aquele dos anos 80 e 90 se caracterizava pelo limitado papel do Estado transferindo a execução dos empreendimentos para o mercado o que levou a uma forte transnacionalização No neoextrativismo o Estado é muito mais ativo com regras mais claras que estas sejam boas ou não e não está necessariamente orientado a servir aos amigos do poder político Em alguns casos os novos governos renegociaram os contratos elevaram os royalties e a tributação e potencializaram o papel das empresas estatais Provavelmente as mudanças mais substanciais tenham ocorrido na Bolívia já que o governo de Evo Morales impôs em 2006 a renegociação dos con tratos com as empresas petrolíferas aumentando os royalties e a tributação O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 307 tentando fortalecer a empresa petrolífera estatal YPFB na Venezuela o go verno Chávez impôs uma maioria acionária da PDVSA a empresa petrolífera estatal nos empreendimentos com o setor privado e uma maior vinculação com as estatais dos outros países No Equador seguese a mesma linha e no Brasil uma nova regulamentação para o setor está sendo discutida Consequentemente apresentase como terceira tese um papel mais ativo do Estado com intervenções tanto diretas quanto indiretas sobre os setores extrativistas Inserção internacional comércio mundial e fluxo de capitais Enquanto o velho extrativismo visava as exportações e o mercado mundial os governos progressistas substituíram aquele discurso por outro que está voltado para a globalização e a competitividade Ao aceitar a dinâmica global contemporânea os governos de esquerda aceitam suas regras sobre comércio fluxos de capitais ampliação do conceito de mercadoria ou extensão dos direitos de propriedade Tudo isto conduz à defesa da institucionalidade global como a que prevalece na Organização Mundial do Comércio OmC Isso significa aceitar um papel subalterno nos mercados globais nos quais as nações sulamericanas são tomadoras de preços dependem amplamente dos intermediários e brokers comerciais internacionais e dos fluxos de capital onde suas decisões domésticas ficam atreladas às oportunidades comerciais Por sua vez isto leva a uma surda competição entre os países sulamericanos para atrair investimentos estrangeiros É importante observar que no passado os governos sulamericanos tam bém apoiavam outras instituições internacionais que procuravam caminhos alternativos para o comércio global Em particular devemse recordar os esforços da Unctad Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento para promover o comércio sulsul incluindo suas experiências sobre um fundo comum para as commodities e a criação dos chamados Organismos Internacionais em Bens Primários ICB International Commodity Bodies contemplando por exemplo o cobre o níquel o chumbo e o zinco Isto mostra com clareza que os governos progressistas contavam com mais de um antecedente de práticas e institucionalidades alternativas às quais recorrer Essas questões permitem apresentar como quarta tese o fato que o neo extrativismo é funcional à globalização comercialfinanceira e perpetua a inserção internacional subalterna da América do Sul O fluxo de capitais também aumentou Por exemplo no Chile a remessa 308 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO de lucros ao exterior pelas empresas estrangeiras passou de 4438 milhões de dólares no início do governo de Ricardo Lagos para mais de 13 bilhões na conclusão do seu mandato continuando então a crescer com Michele Bachelet até o patamar de mais de 25 bilhões de dólares De forma análo ga no Brasil as empresas mineradoras gozam de isenções tributárias não pagam o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços ICm ICmS e os royalties e valores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CFEm que chegam aos municípios são escassos 1 a 3 do faturamento líquido além do fato que os cálculos são feitos pelas próprias empresas Pereira et al 2009 Desterritorialização e fragmentação territorial O avanço da exploração de recursos minerais e petrolíferos e as monoculturas de exportação desencadeiam profundos impactos territoriais Em muitos casos representam a chegada em áreas remotas de contingentes de operá rios e técnicos e seus equipamentos voltando a criar economias de enclave Este processo determina e fortalece um processo de desterritorialização no qual o Estado não consegue garantir sua presença de forma adequada e homogênea em todo o território e se vê limitado na proteção dos direitos dos cidadãos ou na prestação de serviços públicos mas ao mesmo tempo é muito ativo na promoção e defesa desses enclaves extrativistas Os enclaves deste tipo geram as mais diversas tensões territoriais sociais e ambientais indo desde problemas de violência até os impactos ambientais da poluição Por sua vez estes empreendimentos requerem redes de comu nicação como o IIRSA e estruturas de apoio por exemplo hidrelétricas como as do Rio Madeira que desencadeiam muitos outros efeitos negativos Portanto a quinta tese mostra que no novo extrativismo a fragmentação territorial das áreas desterritorializadas persiste criandose um emaranhado de enclaves e suas conexões com os mercados globais agravando as tensões territoriais A gestão territorial do neoextrativismo está adaptada a estes empreendi mentos Um exemplo deste fato é o abandono gradual das metas de reforma agrária durante a gestão de Lula da Silva substituídas pela regularização fundiária fora dos domínios da agroindústria e seu progresso apenas aonde pode ser útil ao agronegócio Oliveira 2009 Propriedade e processos produtivos No velho extrativismo brigavase pela propriedade dos recursos Os governos O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 309 anteriores outorgavam títulos de propriedade ou criavam normas de cessão e acesso a recursos minerais ou petrolíferos algo que na prática se assimi lava muito a ceder a propriedade destes recursos Essa tendência acarretou uma forte transnacionalização dos setores extrativistas e um papel cada vez menor das empresas estatais No neoextrativismo como vimos acima o protagonismo estatal é maior o que faz com que os controles sobre o acesso aos recursos sejam redobrados em quase todos os casos afirmase que estes recursos são propriedade do Estado Ao mesmo tempo foram ressuscitadas ou criadas empresas estatais por exemplo o fortalecimento da YPFB na Bolívia ou a criação de uma em presa estatal para o gás e a energia a Enarsa na Argentina Essa presença é mais variada incluindo empresas estatais cooperativas mistas ou privadas Mas apesar desta situação tanto os Estados quanto as empresas estatais visam o êxito comercial e portanto replicam as estratégias empresariais baseadas na competitividade na redução de custos e no aumento da rentabi lidade Desta maneira o funcionamento de empresas estatais como a PDVSA da Venezuela mistas como a Petrobras do Brasil ou privadas como a Repsol YPF na Argentina assemelhase cada vez mais às conhecidas práticas das velhas empresas transnacionais como a Exxon ou a British Petroleum Consequentemente como sexta tese postulase que nos governos progres sistas é particularmente importante reconhecer que independentemente da propriedade dos recursos repetemse regras e funcionamento de processos produtivos voltados para o ganho de competitividade e o aumento da renta bilidade sob clássicos critérios de eficiência incluindo a externalização dos impactos sociais e ambientais Aliás naqueles setores em que a presença do Estado é fortalecida esta é usada para outorgar contratos de associação formar sociedades ou joint ventures com empresas privadas veja por exemplo Cedla 2009 O desempenho social e ambiental das empresas petrolíferas estatais é pobre e bem questionável a Petrobras nos países andinos e a em presa petrolífera estatal uruguaia Ancap são bons exemplos disto As implicações desta questão são muito importantes Entre elas vale destacar que além do debate sobre a propriedade dos recursos e os meios de produção devese promover uma discussão muito mais aprofundada sobre a estrutura e a dinâmica dos processos produtivos tanto nas mãos do Estado quanto na de outros atores Estes processos produtivos determinam os impactos sociais e ambientais e as relações comerciais e econômicas 310 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO Impactos socioambientais e conflitos de cidadania Os enclaves extrativistas vêm ocupando o centro de muitas polêmicas em função dos seus graves impactos sociais e ambientais Estes vão desde agravar as desigualdades locais até os casos de poluição ou perda da biodiversidade A evidência empírica que se acumulou nos últimos anos é variada e contun dente e deixa claro que a situação habitual é aquela na qual se externalizam os efeitos sociais e ambientais Uma das questões que mais chamam a atenção na gestão da nova esquerda é que não são observadas melhorias substanciais no tratamento dado a estes impactos no campo ambiental em particular poderseia dizer que houve retrocessos em alguns países Consequentemente propõese como sétima tese que no neoextrativismo os impactos sociais e ambientais são mantidos em alguns casos acentuados e que as ações destinadas a enfrentálos e resolvê los ainda são ineficazes ou em determinadas ocasiões se enfraqueceram Nos últimos anos acumulouse uma longa série de protestos da cidadania contra o extrativismo Novamente as tensões mais claras se observam na Bolívia onde em 2010 uma marcha indígena voltou a atuar em prol da dig nidade para combater entre outras coisas os impactos de empreendimentos de exploração mineira e petrolífera No Brasil insistem em flexibilizar a legislação e as licenças ambientais enquanto na Argentina foi vetada uma lei de proteção aos glaciais andinos de forma a poder autorizar empreen dimentos de mineração Nos governos progressistas o debate sobre os impactos sociais ambientais e territoriais fica mais opaco No que se refere à dimensão ambiental sua existência é negada ou minimizada em várias ocasiões sendo rechaçada em outros sendo esta apresentada como disputa de interesses econômicos conflitos sobre o ordenamento territorial ou expressão de obscuras agendas políticopartidárias Aliás na Venezuela de Chávez denunciouse que o es tado de Zulia se converteu em uma zona de sacrifício mineiropetrolífero GarciaGaudilla 2009 Alguns governos chegam a acusar os indígenas e os camponeses de impedir o desenvolvimento Bebbington 2009 Isso explica porque os protestos sociais frente ao extrativismo se re petem em todos os países de governos progressistas Aliás em países que supostamente gozariam de tranquilidade ao evitar este tipo de conflitos uma avaliação minuciosa revela outro panorama Por exemplo no Brasil durante o primeiro mandato de Lula da Silva os conflitos rurais cresce ram substancialmente embora tenham diminuído no segundo mandato continuam sendo numerosos Figura 1 Isso se deve a fatores como más O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 311 condições de trabalho trabalho escravo e violência contra os indígenas fatores especialmente críticos na Amazônia e que em muitos casos estão vinculados diretamente ao neoextrativismo Figura 7 Ocorrências de conflitos e assassinatos no meio rural no Brasil Fonte Elaborado pelo autor com base nos dados da Comissão Pastoral da Terra do Brasil Excedentes e legitimação política No extrativismo clássico as imposições tributárias royalties ou licenças eram reduzidas portanto a captação de excedentes por parte do Estado era limitada apostavase em um efeito de gotejamento No neoextrativismo podemos observar uma mudança substancial em alguns governos o Estado é muito mais ativo na captação de excedentes Isto se deve a diversos fatores tais como a tributação muito mais elevada de royalties em alguns casos ou até de forma direta sendo a exploração realizada por uma empresa estatal Esse é provavelmente um dos aspectos que mais diferenciam o neoex trativismo particularmente na Bolívia no Equador e na Venezuela e as suas consequências vão muito além da dimensão econômica uma vez que envolvem pelo menos dois aspectos Por um lado reflete um papel ativo do Estado onde os governos têm mais opções e instrumentos para captar parte da riqueza gerada pelos setores extrativistas Por outro lado os governos progressistas utilizam estas receitas de diversas maneiras entre as quais se 312 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO destaca o financiamento dos vários programas sociais muitos deles destinados aos setores mais pobres como o Bolsa Família no Brasil Juancito Pinto na Bolívia ou o Programa Famílias da Argentina Gudynas et al 2008 Isto cria uma situação bem particular ao estabelecer um vínculo entre empreen dimentos como mineração ou exploração petrolífera e o financiamento dos programas assistenciais dos governos Essa conexão às vezes é direta como o Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos o IDH na Bolívia sendo em outros casos mediada pelas instituições estatais de assistência social Podese observar uma relação peculiar na qual o Estado procura captar os excedentes provenientes do extrativismo e ao usar parte daqueles nesses planos sociais faz com que essa legitimidade social possa também ser usada para defender as atividades extrativistas Em outras palavras embora se possa dizer que estes governos se afastam da esquerda clássica por apoiarem o extrativismo convencional eles a retomam para conseguirem se justificar como progressistas por realizarem esses programas sociais Estas ações sociais porém requerem cada vez mais financiamento assim estes mesmos gover nos acabam dependentes do extrativismo para captar recursos financeiros Consequentemente propõese a oitava tese no neoextrativismo o Estado capta uma proporção maior do excedente parte deste se destina aos planos sociais que geram uma legitimação tanto para os governos quanto para os empreendimentos extrativistas e isto contribui para apaziguar as demandas sociais locais Esses planos sociais servem para pacificar o protesto social Por exemplo no caso do Brasil Oliveira 2009 mostra a situação paradoxal na qual embora o governo Lula tenha abandonado as metas de reforma agrária e não distri bua mais terras aos pioneiros e semterra o número de pessoas envolvidas nestas lutas está em queda Este refluxo dos movimentos de massas e o fluxo de recursos financeiros do governo destinados às políticas compensatórias pacotes de ajuda de todo tipo e modalidade estão apaziguando àqueles que lutaram energicamente pela reforma agrária nos últimos 30 anos Tudo indica que os dois processos interagem Oliveira 2009 Nesse caso em vez de focalizar as práticas extrativistas uma boa parte do debate passa a versar sobre como distribuir os benefícios delas provenientes Resultam disputas que visam obter maiores parcelas destes recursos ou definir sua destinação decidir se serão empregados na construção de esco las postos de saúde ou um novo prédio para a Prefeitura por exemplo Às vezes as empresas tanto privadas quanto estatais participam deste debate deixando de lado o próprio Estado exemplo clássico disso são as empresas O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 313 que aceitam construir escolas como forma de compensação para os grupos locais Dessa forma os debates sobre extrativismo desviados pelas questões instrumentais sofrem uma distorção enquanto a validade daquele não é questionada O papel da redistribuição de renda por meio de programas sociais de compensação focalizados é muito importante Onde quer que estes não existam os protestos sociais frente ao extrativismo serão muito mais intensos como ocorre no Peru Com governos progressistas onde estes programas são mais efetivos e amplos o protesto social diminui como ocorre no Brasil e no Uruguai Apesar disso observase um caso particular na Argentina nos governos de N Kirchner e de C F de Kirchner já que seus programas sociais são mais efetivos no meio urbano do que no espaço rural onde mui tos protestos são observados contra o extrativismo de mineração e da soja Dessa maneira as medidas de compensação social financiadas pelo extrativismo geram uma legitimidade social para os governos progressistas e fazem com que seja mais difícil questionar estes empreendimentos produ tivos Aqueles que questionam o extrativismo estariam contra o progresso nacional e poderiam até questionar o financiamento dos planos assistenciais Neoextrativismo pobreza e desenvolvimento Iniciemos por recordar que nos contextos políticos anteriores as correntes progressistas e de esquerda denunciavam que o extrativismo contribuía para gerar a pobreza as economias de enclave eram vistas como algo negativo e portanto buscavamse alternativas para sair destas condições Nos governos progressistas um novo discurso está se consolidando aos poucos segundo o qual o extrativismo agora passa a ser uma condição necessária para combater a pobreza Aquela velha relação fica invertida no passado constituía uma contradição hoje é vista como positiva e convertese em condição necessária para o desenvolvimento Declarase que o balanço final do extrativismo seria positivo em alguns casos chegase a admitir que este possa produzir impactos sociais e ambien tais negativos mas imediatamente se responde que estes são gerenciáveis ou compensáveis ou que no fim das contas devem ser aceitos à luz do benefício geral de toda a nação Por sua vez as jazidas minerais ou petrolíferas ou a fertilidade do solo são vistas como riquezas que não podem ser desperdi çadas Prevalece um sentido de necessidade e urgência Um bom exemplo deste tipo de defesa pode ser observado com o presi dente Correa do Equador Não retrocederemos quanto à Lei de Mineração 314 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO porque o desenvolvimento responsável da mineração é fundamental para o progresso do país Não podemos ficar sentados como mendigos sobre um saco de ouro afirmou no dia 15 de janeiro de 2009 Desta maneira os governos progressistas aceitam o modelo de desenvolvimento atual como indispensável apesar de melhorável e ajustável já que estas riquezas não podem ser desperdiçadas E dão outro passo adiante apresentamse como se somente eles pudessem leválo adiante com eficiência e com uma distri buição adequada de riquezas Propõese então como nona tese que o neoextrativismo seja aceito como um dos motores fundamentais do crescimento econômico e como contribuição crucial de luta contra a pobreza a nível nacional Assumese que parte desse crescimento gerará benefícios que serão destinados ao resto da sociedade a contagotas ou num fluxo torrencial Um Estado agora mais protagonista deve alentar administrar e orientar esse fluxo Uma das implicações dessa postura é que essa visão reducionista que equipara crescimento econômico e desenvolvimento e portanto não tem gerado pelo menos até agora uma visão alternativa de desenvolvimento não é questionada Embora as discussões bolivianas e equatorianas sobre o bem viver tenham esse potencial os governos e muitos outros atores sociais parecem derivar este debate para o terreno de questões instrumentais No caso boliviano a situação é ainda mais tensa devido a que surpreendentemente a nova Constituição indica em vários artigos que um dos fins do Estado é a industrialização dos recursos naturais Esses fatores fazem com que o extrativismo passe a ser entendido como mais um componente do modelo de desenvolvimento propiciado pelo pro gressismo e também que seja visto como necessário e urgente Muitos dos componentes das velhas artimanhas das empresas de mineração e petrolíferas que alguns anos atrás ofereciam progresso emprego e bemestar para o país e para as comunidades locais ressurgem hoje com outra roupagem outra ênfase e um maior papel do Estado É oportuno citar outro exemplo do Brasil as empresas de mineração se aproveitam da convivência e submissão do Estado das precárias condições em que vive a maioria da população dos municípios onde elas se instalam e apelam para um discurso sobre a chegada do desenvolvimento e do progresso que graças ao apoio de políticos locais ou regionais obtêm condições favoráveis para sua implantação e domínio conforme os pesquisadores da Comissão Pastoral da Terra Pereira et al 2009 Esses e outros exemplos indicam que este neoextrativismo reformula os discursos sobre o desenvolvimento devendo as comunidades locais aceitar O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 315 os sacrifícios dos impactos como forma de se conquistar supostas metas nacionais em troca da oferta de um leque de medidas de compensação que podem ir desde os clássicos programas focalizados de assistência social à sua conversão em sócios das empresas Esse leque de condições é tão amplo que as críticas contra o extrativismo podem ser facilmente acusadas de serem contra o desenvolvimento nacional ou o progresso serem qualificadas de infantis ou sonhadoras e até mesmo perigosas Estas expressões saíram dos lábios de Correa Morales e Lula da Silva Basta apresentar como exemplo as afirmações do presidente Evo Morales de julho passado 2010 nas quais critica os grupos indígenas e agricultores que se opõem às empresas petrolíferas e de mineração ao perguntar De que vai viver a Bolívia se algumas ONG dizem Amazônia sem petróleo Econoticias Bolivia 14 jul 2009 O neoextrativismo sob o mito do progresso As diferentes linhas de argumentação que se apresentam provisoriamente neste ensaio terminam confluindo para uma décima tese o neoextrativis mo é um novo ingrediente de uma versão contemporânea e sulamericana do desenvolvimentismo Esta versão é a herdeira das ideias clássicas da Modernidade e portanto mantém sua fé no progresso material mas é um híbrido contemporâneo que deriva das condições culturais e políticas pró prias da América do Sul De fato a ideia do progresso contínuo com base na técnica e nutrido pelas riquezas da Natureza foi uma expressão clássica da Modernidade europeia A nova esquerda latinoamericana é herdeira dessas ideias mas as reformulou em função de vários fatores que vão desde os antecedentes de suas próprias lutas políticas os efeitos da queda dos socialismos reais as demandas de setores populares e povos indígenas e até os efeitos das reformas neoliberais É o resultado de uma nova combinação onde há tanto velhos quanto novos ingredientes Isto explica porque o velho e o novo extrativismo compartilham alguns aspectos comuns embora com ênfases distintas cada um com seus próprios atributos Isto explica também algumas coincidências com relação ao extrativismo por parte de governos tão diversos como Rafael Correa no Equador ou Alan García no Peru A esquerda sulamericana não prescinde do clássico apego ao crescimento econômico com base na apropriação dos recursos naturais O extrativismo cumpre um papel importante neste novo panorama já que não é rechaçado e sim deveria ser aprofundado já que seria um dos motores que garante o 316 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO crescimento econômico e a própria sustentação financeira do Estado embora tenha que ser controlado Enquanto o velho extrativismo devia lidar com os desequilíbrios nos termos de intercâmbio o neoextrativismo acredita que os altos preços internacionais constituem uma oportunidade que não se pode desperdiçar Mas por sua vez esse novo extrativismo contribui para financiar os programas sociais que são fundamentais para que estes novos governos possam se definir como progressistas adquirindo uma legitimidade política inesperada A crítica ao neoextrativismo implicaria questionar a velha ideia do progresso e também um dos pilares dos programas sociais e portanto uma das justificativas de quem se diz progressista Isso explica por que os questionamentos dos indígenas ou dos ambientalistas sejam rechaçados ou ignorados por estes novos governos Esse progressismo representaria um nacionalismo dos recursos confor me as palavras de Bebbington 2009 no qual não é questionada a extração em si e sim seu controle privado ou estrangeiro Esses governos procuram assumir o controle estatal sobre esses recursos e com isso acabam repro duzindo os mesmos processos produtivos relações de poder semelhantes e os mesmos impactos socioambientais Conclusões preliminares Ao longo do presente ensaio apresentamse uma série de ideias e argumentos sobre a permanência do extrativismo na América do Sul A ideia central é que este não é igual ao que existia nas décadas anteriores e que no caso dos governos progressistas um extrativismo de novo feitio foi criado Nessa caracterização observamos tanto velhos como novos componentes entre tanto este conjunto é singular com vieses próprios como o papel atribuído ao Estado e às novas fontes de legitimação social e política O reconhecimento da identidade própria deste modelo progressista de extrativismo requer uma abordagem rigorosa e prudente É importante compreender que o neoextrativismo não pode ser entendido como uma estratégia neoliberal semelhante àquelas observadas nas décadas anteriores mas tampouco pode ser interpretado como uma alternativa promissora que melhore mecanicamente a qualidade de vida e a autonomia dos cidadãos É evidente que o atual progressismo oferece em muitos casos melhorias substanciais em relação aos regimes conservadores Está claro que persistem limitações resistências e contradições mas não se pode analisar a atual esquerda sulamericana a partir dos velhos paradigmas O NOVO EXTRATIVISmO PROGRESSISTA NA AmÉRICA DO SUL 317 Ignorar os impactos do neoextrativismo ou silenciar as análises por simpatias partidárias seria um desatino particularmente no âmbito aca dêmico ou na militância social Aproveitarse destas contradições para rechaçar insidiosamente todas as ações da esquerda no governo é outro caminho equivocado É verdade que com o neoextrativismo permanecem muitos impactos particularmente quanto aos aspectos sociais e ambientais Mas apesar disto não se pode afirmar que este represente na realidade um neoliberalismo ou um capitalismo selvagem como por exemplo afirma GarcíaGuadilla 2009 sobre o chavismo na Venezuela Sem dúvida as teses apresentadas ao longo do texto são elaborações preliminares e requerem um trabalho mais exaustivo É imprescindível con tinuar aprofundando a caracterização dos novos estilos de desenvolvimento do progressismo sulamericano uma vez que a partir dele se originam as atuais tensões sociais e os impactos ambientais portanto uma melhor com preensão é imprescindível para proporcionar alternativas A tarefa também é urgente para compreender as novas demandas e possibilidades da sociedade civil diante dos desafios do desenvolvimento Traduzido do espanhol por Leonardo Milani Referências BEBBINGTON A The new extraction rewriting the political ecology of the Andes NACLA Report on the Americas 425 pp 1220 2009 HINOJOSA Valencia L Conclusiones minería neoliberalismos y reterritoria lización en el desarrollo rural In BEBBINGTON A ed Minería movimientos sociales y respuestas campesinas Lima IEP e CEPES pp 282313 2007 CEDLA Centro de Estudios para el Desarrollo Laboral y Agrario La industrialización no es el norte de la política del MAS La Paz 2009 CEPAL Anuario estadístico de América Latina y el Caribe 2010 Santiago do Chile 2010 OLIVEIRA A U de O governo Lula assumiu a contra reforma agrária a violência do agrobanditismo continua Sl Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional 2009 PEREIRA A dos et al A exploração minerária e suas conseqüências na Amazônia brasileira Sl Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional 2009 GARCÍAGAUDILLA M P Ecosocialismo del siglo XXI y modelo de desarrollo boliva riano los mitos de la sustentabilidad ambiental y de la democracia participativa en Venezuela Economía y Ciencias Sociales Venezuela 151 pp 187223 2009 318 ENFRENTANDO OS LImITES DO CRESCImENTO GUDYNAS E Geografías fragmentadas sitios globalizados áreas relegadas Revista del Sur Montevidéu no 160 pp 313 2005 GUTmAN N La conquista del Lejano Oeste Le Monde Diplomatique Buenos Aires 895 pp 1214 2007 IBRAm Informações e análises da economia mineral brasileira Brasília 2009 mORALES CB de RIBERA Arismendi M O eds Informe del estado ambiental de Bolivia 20072008 La Paz LIDEmA 2008 PNUD Informe de Desarrollo Humano Nova York 2008 USGS US Geological Service US Department of the Interior 2006 minerals yearbook Latin America and Canada 2008 pp 303318 En Enfrentando os limites do crescimento Sustentabilidade decrescimento e prosperidade Philippe Léna e Elimar Pinheiro do Nascimento orgs Garamond e IRD Rio de Janeiro 2012