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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO BACHARELADO EM DIREITO PROJETO DE TCC COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO RA00299078 ORIENTADOR MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA SUMÁRIO Capítulo 1 Fundamentos do Mercado de Capitais 11 Conceito e Estrutura do Mercado de Capitais no Brasil 12 Principais Agentes e Instituições Reguladoras CVM e B3 13 Conceito e Estrutura dos Valores Mobiliários 14 Papel das Operações a Termo no Mercado de Capitais Capítulo 2 A Lei das Sociedades Anônimas e o Regime Jurídico das Ações 21 A Lei nº 640476 Princípios Estrutura Normativa e Governança Corporativa 22 Direitos e Deveres dos Acionistas nas Sociedades Anônimas 23 Operações Societárias Fusão Cisão e Incorporação 24 Alterações Societárias Aquisição de Controle Capítulo 3 O Mercado a Termo Características e Aspectos Jurídicos 31 Definição e Funcionamento da Compra de Ações a Termo 32 Fundamentação Legal do Mercado de Ações a Termo 33 Contratos a Termo Estrutura Elementos Essenciais e Aplicação Prática 34 Riscos Jurídicos e Financeiros nas Operações a Termo Capítulo 4 Problemáticas Jurídicas em Incorporações e o Papel das Ações a Termo 41 Impactos das Incorporações na Alteração do Controle Acionário 42 Conflitos de Interesse e a Proteção aos Investidores nas Operações a Termo 43 O Direito de Recesso Fundamentos Aplicação e Limites 44 Implicações do Ágio nas Operações a Termo em Incorporações 45 Aquisição de Controle e Manipulação de Preços Capítulo 5 Conclusão 51 Síntese dos Resultados Implicações Jurídicas das Ações a Termo 52 Contribuições do Estudo para o Direito Societário e o Mercado 53 Propostas para Mitigação de Conflitos em Incorporações 54 Considerações Finais e Sugestões para Pesquisas Futuras Referências Bibliográficas INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro como pilar do desenvolvimento econômico é palco de operações financeiras complexas que demandam um arcabouço jurídico robusto para garantir segurança e equidade Dentre essas operações a compra de ações a termo destacase por sua natureza estratégica permitindo que investidores adquiram ações a um preço fixado para liquidação futura o que em alguns contextos pode ser impactado por reestruturações societárias como incorporações ou alteração do controle acionário Essas operações são reguladas pela Lei das Sociedades Anônimas Lei nº 640476 e normas da Comissão de Valores Mobiliários CVM Este trabalho propõese a analisar as implicações jurídicas e os impactos dessas operações no mercado de ações a termo com foco nas problemáticas ante incorporações e aquisição de controle para manipulação do mercado que frequentemente geram conflitos e desafios regulatórios A relevância do tema reside na interseção entre o dinamismo do mercado financeiro e a necessidade de proteção jurídica aos investidores especialmente em cenários de incorporação onde a alteração do controle acionário pode gerar tensões entre acionistas majoritários minoritários e outros stakeholders As operações a termo por envolverem compromissos futuros e muitas vezes ágio no preço das ações amplificam os riscos jurídicos como disputas sobre o direito de recesso transparência na formação de preços e equidade no tratamento dos acionistas Além disso a crescente complexidade das reestruturações societárias no Brasil impulsionada por fusões e aquisições torna premente a análise das problemáticas jurídicas emergentes dessas operações contribuindo para o fortalecimento do mercado de capitais e da governança corporativa Este projeto justificase pela lacuna na literatura acadêmica jurídica brasileira em estudos e publicações que abordem especificamente as operações a termo no contexto de incorporações especialmente sob a perspectiva das implicações para o controle acionário e os direitos dos investidoresacionistas A pesquisa propõe uma abordagem interdisciplinar combinando análise normativa Lei nº 640476 e Resoluções da CVM e doutrina especializada como Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa com o objetivo de mapear os desafios jurídicos e propor soluções que promovam maior segurança jurídica no momento de contratação da operação bem como atenuar eventuais controvérsias doutrinárias A ênfase no direito de recesso previsto no artigo 137 da Lei das SA reflete sua centralidade em proteger acionistas minoritários em operações que alteram significativamente a estrutura societária como as incorporações Diante desse cenário o presente trabalho busca responder à seguinte questãoproblema Quais são as implicações jurídicas das operações de compra de ações a termo em processos de incorporação especialmente no que tange à alteração do controle acionário e à efetividade do direito de recesso A problematização visa esclarecer como essas operações impactam o mercado de capitais e os direitos dos investidores identificando os conflitos de interesse e os limites da regulação atual com vistas a contribuir para o debate jurídico e regulatório no Brasil OBJETIVOS Objetivo Geral Analisar as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo no mercado de capitais brasileiro em processos de incorporação com ênfase nas problemáticas relacionadas à alteração do controle acionário e à efetividade do direito de recesso bem como com a possibilidade de manipulação de ações visando contribuir para a segurança jurídica e a equidade no mercado financeiro Objetivos Específicos 1 Caracterizar o funcionamento do mercado de capitais e das operações a termo destacando sua estrutura regulação e relevância no contexto das reestruturações societárias 2 Examinar o regime jurídico da Lei das Sociedades Anônimas Lei nº 640476 com foco nos direitos dos acionistas nas operações de incorporação e na proteção contra alterações do controle acionário 3 Identificar os riscos e problemáticas jurídicas das operações a termo em processos de incorporação especialmente aqueles relacionados ao ágio à transparência e aos conflitos de interesse 4 Avaliar a aplicação e os limites do direito de recesso em incorporações envolvendo operações a termo analisando sua efetividade na proteção dos acionistas minoritários 5 Discute a problemática de compra de ações para manipulação do mercado e como isso impacta nas operações a termo METODOLOGIA Pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa REFERÊNCIAS Eizirik Nelson A Lei Das SA Comentada v 1 1120 Eizirik Nelson Mercado de Capitais Regime Jurídico 6ª ed Rio de Janeiro Renovar 2022 httpswwwitaucorretoracombrnossosservicoscompradetermoaspx httpswwwsafracombrinvestimentosrendavariaveloperacoesatermohtm httpsbloggenialinvestimentoscombrmercadoatermooquee PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO BACHARELADO EM DIREITO SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Orientador Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida Orientador Prof Dr Prof Dr AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA EPÍGRAFE RESUMO A compra de ações a termo constitui um instrumento relevante no mercado de capitais caracterizandose como um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação em data futura predeterminada Esta pesquisa analisa as implicações jurídicas decorrentes desse tipo de operação com foco especial nos processos de alteração do controle acionário O estudo investiga a colisão entre o plano obrigacional do contrato a termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos como o voto e o recesso Ademais examinase o potencial uso das operações a termo para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes identificando os riscos de manipulação de mercado e de uso de informação privilegiada A metodologia empregada é qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e documental abrangendo a legislação societária e do mercado de capitais a doutrina especializada e a regulamentação da CVM Concluise que a ausência de normativa específica gera insegurança jurídica sendo necessária a previsão contratual detalhada para mitigar conflitos A pesquisa contribui para o debate acadêmico ao sistematizar os riscos jurídicos inerentes a essas operações e ao propor uma análise integrada entre o direito societário e a regulamentação do mercado de capitais Palavraschave Operações a Termo Mercado de Capitais Alteração de Controle Direito de Recesso Manipulação de Mercado ABSTRACT The forward purchase of shares is a relevant instrument in the capital market characterized as an executory contract in which the parties agree to buy and sell securities at a fixed price with settlement on a predetermined future date This research analyzes the legal implications arising from this type of operation with a special focus on processes of changes in corporate control The study investigates the collision between the obligatory nature of the forward contract and the corporate plan which requires the definition of a present holder for the exercise of rights such as voting and withdrawal Furthermore the potential use of forward operations for the fractional and opaque acquisition of relevant holdings is examined identifying the risks of market manipulation and insider trading The methodology employed is qualitative based on bibliographic and documentary research covering corporate and capital market legislation specialized doctrine and CVM regulations It is concluded that the absence of specific regulations generates legal uncertainty making detailed contractual provisions necessary to mitigate conflicts The research contributes to the academic debate by systematizing the legal risks inherent in these operations and by proposing an integrated analysis between corporate law and capital market regulation Keywords Forward Operations Capital Market Change of Control Withdrawal Right Market Manipulation SUMÁRIO INTRODUÇÃO14 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL16 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais16 11Mercado de Capitais na Atualidade18 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras20 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM20 131 Competências da CVM20 133 Três Pilares de Atuação21 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência22 135 Poderes Sancionatórios da CVM22 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão 23 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo25 138Efeitos do Acordo25 139 Estrutura Organizacional26 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação28 14 Brasil Bolsa Balcão B330 141 Bolsa de Valores30 142 Mercado de Balcão31 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário33 15 Ações e Valores Mobiliários35 151 Ações35 1511 Quanto aos direitos e obrigações35 1511 Golden Share37 1513 Quanto à fora de transferência38 151 Classes de ações41 153 Valor da Ação42 1531 Valor Nominal43 1531 Valor de Negociação44 1533 Valor Econômico45 154 Outros Valores Mobiliários46 1541Debêntures46 1541 Partes Beneficiárias47 1543 Bônus de Subscrição47 16 Mercado e Operações a Termo47 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo48 161Definição econômica e financeira49 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções49 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral50 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC51 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo52 1661 Atores investidor corretora contraparte B352 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação53 1663 Mecanismos de margem e garantias54 167 Riscos e Desvantagens55 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços55 1671 Alavancagem e volatilidade56 1673 Precedente da CVM56 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada57 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes57 1681 Operações a termo e política monetária57 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia58 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES59 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa59 211 Lei das Sociedades Anônimas59 212 Governança Corporativa59 22 Características e Classificações60 221 Natureza capitalista da sociedade anônima61 222 Essência empresarial61 223 Identificação exclusiva por denominação61 224 Responsabilidade limitada dos acionistas62 225 Classificação das sociedades anônimas62 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações63 231 Direitos essenciais dos acionistas63 232 Direito de participação nos lucros64 233 Direito de fiscalização64 234 Direito de preferência65 235 Direito de retirada direito de recesso65 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas65 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso66 2353 Condições e limitações ao exercício66 2354 Prazo e procedimento67 2355 Assembleia de reconsideração67 2356 Valor e forma do reembolso68 2357 Considerações doutrinárias e críticas68 236 Direito de Voto69 2361 Direito de voz x direito de voto69 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade69 2363 Estrutura legal do direito de voto70 2364 O voto plural70 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa70 23642 Condições legais para criação do voto plural71 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção71 2365 Exercício do direito de voto71 2366 Abuso e conflito no exercício do voto72 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão73 241 Incorporação74 242 Fusão74 243 Cisão75 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS77 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais77 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo78 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso79 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica81 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral81 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico83 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos84 344 Conclusão da Análise85 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários85 351 Análise da Jurisprudência Pertinente85 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados87 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária88 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA90 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições90 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo91 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório91 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along92 423 Riscos e implicações regulatórias93 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 6385197693 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação94 432 O caso VCPG3 um leading case nacional94 433 Responsabilidade e consequências jurídicas95 434 Considerações críticas96 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 6385197696 441 Estrutura típica e modus operandi97 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement98 443 Precedentes e casos emblemáticos98 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras99 451 Esfera Administrativa99 452 Esfera Cível100 453 Esfera Penal101 46 Conclusão do Capítulo101 CONCLUSÃO103 REFERENCIAS105 14 INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro tem passado por significativa transformação nas últimas décadas com um aumento expressivo no volume de negociações e na complexidade dos instrumentos financeiros utilizados Dentre esses instrumentos as operações a termo destacamse como mecanismos versáteis que permitem aos investidores estabelecerem compromissos de compra ou venda de ativos com liquidação futura A natureza diferida dessas operações contudo engendra uma série de implicações jurídicas que merecem análise aprofundada especialmente quando inseridas em contextos societários sensíveis como os processos de alteração do controle acionário A presente pesquisa tem como objeto central a investigação dessas implicações abordando de um lado os conflitos decorrentes da desconexão temporal entre a celebração do contrato a termo e a efetiva transferência da titularidade registral das ações De outro lado examina o potencial uso estratégico e por vezes ilícito dessas operações para a aquisição dissimulada de blocos de controle com a consequente violação de deveres de transparência e de conduta O problema de pesquisa que orienta este trabalho reside na seguinte questão como as operações a termo pela sua execução diferida impactam a dinâmica dos direitos societários e a integridade do mercado em processos de alteração de controle e de que forma o ordenamento jurídico brasileiro notadamente a Lei das SA e a regulamentação da CVM responde a esses desafios A hipótese central é que a atual regulamentação ao não dispor de forma específica sobre a titularidade de direitos societários em operações a termo pendentes de liquidação cria uma zona de insegurança jurídica Essa lacura normativa pode ser explorada de maneira oportunista seja por acionistas registrais que exercem direitos como o recesso descolados do risco econômico seja por aquirentes que utilizam a opacidade do instrumento para acumular posições de controle sem o devido disclosure configurando ilícitos como manipulação de mercado e uso de informação privilegiada Os objetivos específicos deste trabalho incluem i analisar a natureza jurídica da operação a termo e a posição das partes envolvidas ii investigar o conflito de titularidade para o exercício do direito de voto e de recesso em eventos societários iii examinar como as operações a termo podem ser instrumentalizadas para aquisições opacas de controle iv identificar os riscos de ilicitude associados a essa prática como manipulação de mercado e insider trading e v discutir as consequências jurídicas e sancionadoras aplicáveis 15 A justificativa para o estudo reside na relevância do tema para a segurança jurídica e o desenvolvimento do mercado de capitais nacional A crescente utilização de derivativos e a sofisticação das operações societárias demandam uma reflexão doutrinária e jurisprudencial capaz de equilibrar a liberdade contratual com a necessária tutela da integridade do mercado e da proteção do investidor Metodologicamente a pesquisa é de natureza qualitativa baseada em extensa revisão bibliográfica que abrange a doutrina nacional especializada em direito societário e mercado de capitais a legislação pertinente com destaque para a Lei n 64041976 Lei das SA e a Lei n 63851976 e a regulamentação emanada da CVM Adotase o método de abordagem dedutivo partindo de premissas gerais sobre o funcionamento do mercado para analisar casos concretos e situaçõesproblema A estrutura do trabalho está organizada em quatro capítulos O primeiro introduz os conceitos fundamentais do mercado de capitais e das operações a termo O segundo dedicase ao regime jurídico das sociedades por ações e aos direitos dos acionistas O terceiro núcleo da análise aborda o conflito temporal entre operações a termo e alteração de controle com foco no direito de recesso Por fim o quarto capítulo examina os riscos de ilicitude analisando as figuras da manipulação de mercado e do uso de informação privilegiada Por meio desta investigação esperase contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório e das práticas contratuais promovendo maior segurança jurídica e integridade no uso das operações a termo no mercado de capitais brasileiro 16 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais Em primeiro lugar é valido evidenciar a Evolução Histórica e o Funcionamento do Mercado de Capitais haja vista que o mercado de capitais não surgiu de forma isolada mas uma evolução gradual impulsionada por necessidades comerciais inovações institucionais e respostas a crises econômicas isto é foi uma resposta evolutiva às demandas de financiamento do comércio e da expansão econômica ao longo dos séculos As fundações do mercado de capitais remontam à Idade Média quando práticas financeiras primitivas emergiram em resposta à expansão do comércio europeu Assim sendo ao longo do século XII na França teve origem com os courretiers de change atuando como corretores de dívidas agrícolas No século XIII cidades italianas como Veneza Florença e Gênova tornaramse centros de inovação financeira com o desenvolvimento de negociação de títulos públicos preenchendo lacunas deixadas por instituições relutantes em assumir riscos elevados e utilizando listas em ardósias precursoras das bolsas modernas O primeiro mercado organizado surgiu em Bruges na Bélgica no final do século XIII na casa da família Van der Beurze onde negociantes de commodities institucionalizavam encontros informais formando a Brugse Beurse Essa prática se espalhou para Antuérpia Gante e Amsterdã no século XV centralizando o comércio de dívidas sob um teto para reduzir custos de transação e aumentar a confiança entre participantes No entanto esses mercados iniciais focavam principalmente em títulos governamentais e dívidas individuais sem a negociação sistemática de ações corporativas Essa fase reflete a transição de economias feudais para mercantis onde o financiamento de explorações marítimas e guerras demandava instrumentos financeiros mais sofisticados O século XVII marca o advento do mercado de capitais contemporâneo impulsionado pela era das grandes navegações e pelo colonialismo europeu Em 1600 a Companhia Britânica das Índias Orientais foi fundada como uma das primeiras companhias por ações emitindo papéis para financiar viagens arriscadas à Ásia e introduzindo o conceito de responsabilidade limitada para mitigar perdas por pirataria ou naufrágios Dois anos depois em 1602 a Companhia Holandesa das Índias Orientais VOC realizou a primeira oferta pública inicial IPO do mundo permitindo a negociação contínua de ações na Bolsa de Amsterdã amplamente reconhecida como a primeira bolsa de valores moderna Essa inovação introduziu 17 derivativos como opções e vendas a descoberto embora estas últimas fossem proibidas em 1610 devido a abusos especulativos Na Inglaterra as companhias eram criadas por cartas reais ou atos parlamentares separando propriedade da gestão para maior eficiência operacional Contudo a ausência de regulação fomentou fraudes com promotores criando empresas fictícias para captar fundos via ações Esse período ilustra como o mercado de capitais surgiu para financiar empreendimentos de alto risco transformando o capital privado em ferramenta de expansão imperial Com o crescimento especulativo o século XVIII demandou intervenções regulatórias A Bolha do Mar do Sul em 1720 na Inglaterra levou ao Bubble Act que proibiu a promoção de companhias não autorizadas para combater fraudes mas inibiu o comércio por um século até sua revogação em 1825 Seguiramse reformas como o Joint Stock Companies Act de 1844 que exigia registro de grandes parcerias e o Limited Liability Act de 1855 consolidando a responsabilidade limitada A Revolução Industrial séculos XVIIIXIX acelerou a expansão dos mercados com demandas por financiamento de infraestrutura como ferrovias e fábricas A Bolsa de Londres fundada em 1801 tornouse um hub para títulos governamentais e ações corporativas Nos Estados Unidos o New York Stock Exchange NYSE originouse do Buttonwood Agreement de 1792 formalizado em 1817 em resposta à primeira pânico financeiro do país Alexander Hamilton no início da década de 1790 refundou a dívida da Guerra Revolucionária criando o mercado de títulos do Tesouro americano A Railway Mania britânica exemplifica o boom especulativo em investimentos ferroviários enquanto o PadrãoOuro estabilizava o comércio global até sua quebra em guerras mundiais No Brasil as origens remontam ao século XIX com a criação da Bolsa do Rio de Janeiro em 1845 inicialmente focada em títulos públicos e câmbio Até a década de 1960 o mercado era limitado pela inflação e restrições a juros mas reformas como a Lei 47281965 impulsionaram a emissão de ações e debêntures O século XX testemunhou o amadurecimento dos mercados mas também crises profundas O Crash de 1929 nos EUA com perdas de 50 no Dow Jones levou à Grande Depressão e à criação da Securities and Exchange Commission SEC em 1934 para regular transações Eventos como o Black Monday de 1987 e a crise de 2008 destacam a vulnerabilidade a bolhas especulativas Até meados do século o financiamento dependia de bancos mas a desintermediação a partir de 1980 permitiu que empresas captassem diretamente nos mercados por taxas mais baixas 18 O Sistema de Bretton Woods 19441971 atrelou moedas ao dólar fomentando estabilidade via FMI e Banco Mundial mas seu colapso levou a taxas flutuantes e maior volatilidade No Brasil a década de 1990 viu liberalizações sob Collor e o Plano Real atraindo investimentos estrangeiros e expandindo a B3 antiga Bovespa No século XXI a tecnologia revolucionou os mercados com plataformas eletrônicas democratizando o acesso Inovações como blockchain e criptomoedas Bitcoin 2009 introduziram novos ativos enquanto a crise de 2008 reforçou regulações para títulos de longo prazo No Brasil o mercado cresceu com emissões de debêntures e participação estrangeira embora desafios como volatilidade persistam Logo a criação e evolução do mercado de capitais refletem a adaptação humana a demandas econômicas desde as negociações medievais até a globalização digital Esse sistema não apenas financia o progresso mas também expõe riscos que demandam regulação contínua No contexto global ele promove eficiência no brasileiro representa uma ferramenta para desenvolvimento sustentável Futuramente inovações como IA e sustentabilidade moldarão seu trajeto reforçando sua relevância para a prosperidade econômica 11Mercado de Capitais na Atualidade Como visto o Mercado de Capitais foi evoluindo e se adequando as novas necessidades do mundo moderno com o passar do tempo de modo que hoje o mercado de capitais também denominado mercado de valores mobiliários constitui o ambiente em que se realizam as diversas transações com os títulos emitidos por companhias abertas Dado que a sociedade anônima é por sua essência uma sociedade de capital suas ações que representam o principal valor mobiliário por elas emitido possuem plena negociabilidade Essa constante circulação de ações e de outros títulos corporativos deu origem ao longo do tempo a um mercado estruturado dedicado às operações de compra e venda desses instrumentos No Brasil contemporâneo observase uma fase de expressivo desenvolvimento das atividades no mercado de capitais Nos últimos anos o setor tem atravessado um ciclo ascendente marcado pela abertura de capital de inúmeras empresas Apenas nos dois anos mais recentes mais de 30 companhias realizaram sua estreia no mercado por meio de IPO initial public offering A abertura de capital representa uma poderosa ferramenta de captação de recursos distinguindose das operações de crédito tradicionais nas quais a empresa assume o papel de 19 devedora e se obriga a restituir os valores em prazos curtos e com juros elevados No mercado de capitais predomina a lógica do investimento os participantes tornamse sócios da companhia vinculando seu retorno ao desempenho e ao sucesso empresarial e não a uma remuneração fixa Outra diferença fundamental em relação ao mercado de crédito reside na ausência de intermediários financeiros obrigatórios como bancos que costumam encarecer e burocratizar as operações No mercado de capitais estabelecese uma negociação direta entre a empresa emissora e o investidor que adquire os títulos diretamente da fonte Por essa razão costumase afirmar que esse mercado funciona como um canal de acesso à poupança popular Intrinsecamente o mercado de capitais opera em um ambiente de risco Os investidores que adquirem títulos de companhias abertas não contam com garantia de retorno o ganho depende exclusivamente do êxito da empresa Assim enquanto o domínio técnico do mercado pode gerar lucros expressivos a falta de preparo pode resultar em prejuízos significativos Apesar das vantagens nem toda abertura de capital é bemsucedida Caso a operação não prospere a companhia pode optar por retornar ao status de companhia fechada Nesse cenário a Lei das Sociedades por Ações LSA em seu art 4º 4º estabelece que o cancelamento do registro de companhia aberta só será possível mediante oferta pública de aquisição OPA de todas as ações em circulação por preço justo no mínimo igual ao valor de avaliação da empresa calculado por critérios como patrimônio líquido contábil ou a mercado fluxo de caixa descontado múltiplos cotação de mercado ou outro método aceito pela CVM com direito a revisão art 4ºA A norma visa proteger os acionistas minoritários embora doutrinadores critiquem a indefinição dos critérios de valuation e a vagueza do conceito de preço justo Se após a oferta restarem em circulação menos de 5 das ações e os minoritários remanescentes não aceitarem a proposta aplicase o 5º do art 4º a assembleia geral poderá autorizar o resgate compulsório squeezeout dessas ações pelo mesmo valor da oferta desde que o montante seja depositado em banco autorizado pela CVM à disposição dos titulares Aqui o dispositivo equilibra a proteção aos minoritários com o princípio majoritário a vontade da maioria que aceitou a oferta e deseja o fechamento do capital não pode ser obstaculizada por uma minoria inferior a 5 20 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM O boom das bolsas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1971 impulsionado pela Lei 47281965 e pelo crescimento econômico do milagre brasileiro expôs a necessidade de regulação centralizada e profissional Em resposta a Lei nº 6385 de 7 de dezembro de 1976 criou a Comissão de Valores Mobiliários CVM inspirada na Securities and Exchange Commission SEC dos EUA mas adaptada à realidade brasileira com maior ênfase em autonomia e estabilidade institucional A CVM é uma autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda com personalidade jurídica própria patrimônio autônomo e autonomia administrativa financeira e orçamentária Seu regime garante independência funcional ausência de subordinação hierárquica mandato fixo 5 anos renovável uma vez e estabilidade dos dirigentes que só perdem o cargo por decisão judicial transitada em julgado ou processo administrativo com ampla defesa art 5º da Lei 63851976 Essa estrutura visa blindar a regulação de pressões políticas e garantir continuidade técnica 131 Competências da CVM A CVM disciplina e fiscaliza oito grandes áreas do mercado de capitais conforme o art 1º da Lei 63851976 A primeira é a emissão e distribuição de valores mobiliários abrangendo o registro e controle de ofertas públicas como IPOs e emissões de debêntures garantindo transparência e proteção ao investidor A segunda referese à negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários supervisionando corretoras distribuidoras e plataformas de trading para assegurar a integridade das transações em bolsa e balcão A terceira envolve a negociação e intermediação no mercado de derivativos regulando contratos de opções futuros e swaps com foco na mitigação de riscos sistêmicos A quarta abrange a organização funcionamento e operações das bolsas de valores como a B3 fiscalizando regras de listagem governança e sistemas eletrônicos A quinta trata da organização funcionamento e operações das bolsas de mercadorias e futuros como a BBMF controlando o mercado agropecuário e financeiro de commodities A sexta compreende a administração de carteiras e custódia de valores mobiliários supervisionando gestores de fundos bancos custodiantes e depositárias 21 centrais A sétima é a auditoria das companhias abertas exigindo relatórios independentes e conformidade com normas contábeis CPCIFRS Por fim a oitava regula os serviços de consultor e analista de valores mobiliários exigindo certificação CNPICFP e combatendo conflitos de interesse 133 Três Pilares de Atuação A competência da CVM se exerce em três dimensões complementares formando a base de sua atuação regulatória O primeiro pilar é o regulamentar pelo qual a CVM estabelece normas gerais por meio de resoluções que detalham a legislação Exemplos incluem a Resolução CVM nº 592021 que alterou os formulários de referência e prospectos sucedendo a Instrução CVM 480 a Resolução CVM nº 1752022 que disciplina fundos de investimento desde multimercados até criptoativos sucedendo a Instrução CVM 555 a Resolução CVM nº 442021 que regula a divulgação de atos ou fatos relevantes restrições para negociação de valores mobiliários e agentes fiduciários em emissões de debêntures sucedendo a Instrução CVM 358 a Resolução CVM nº 2142024 que consolida regras sobre administração de carteiras de valores mobiliários incluindo gestão ativa passiva e consultoria de investimento a Resolução CVM nº 1852023 que moderniza o regime de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no mercado de valores mobiliários alinhandose à Lei nº 96131998 e às recomendações do GAFI a Resolução CVM nº 802022 que disciplina a atividade de analista de valores mobiliários com foco em independência transparência e gestão de conflitos de interesse a Resolução CVM nº 1602022 que regula ofertas públicas de valores mobiliários incluindo emissões de ações debêntures CRA CRI e outros instrumentos com requisitos de disclosure e registro e a Resolução CVM nº 1782023 que estabelece o marco de securitização detalhando regras para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios FIDC Certificados de Recebíveis Imobiliários CRI e do Agronegócio CRA Essas normas preenchem lacunas legais adaptamse a inovações como crowdfunding via Resolução CVM nº 882022 que dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo sucedendo a Instrução CVM 588 e promovem boas práticas de governança sendo obrigatórias para todos os participantes do mercado O segundo pilar é o autorizante ou registrário no qual a CVM atua como gatekeeper do mercado analisando e aprovando operações antes de sua realização Isso inclui o registro de 22 companhias abertas com análise de estatutos demonstrações financeiras e estrutura de controle a autorização de ofertas públicas como IPOs ex análise do prospecto da Magazine Luiza em 2011 e emissões de debêntures ex CRA e CRI o credenciamento de intermediários corretoras distribuidoras e auditores independentes e o registro de fundos de investimento Sem o aval da CVM nenhuma oferta pode ser distribuída ao público garantindo que apenas empresas e produtos qualificados acessem a poupança popular O terceiro pilar é o fiscalizatório exercido por meio de supervisão contínua investigação de irregularidades e aplicação de sanções A CVM realiza inspeções in loco requisita documentos quebra sigilo bancáriofiscal com autorização judicial e intervém em instituições em crise Pode celebrar Termos de Compromisso e aplica multas suspensões e inabilitações Esse poder repressivo é essencial para coibir práticas como insider trading ex caso SadiaPerdigão 2009 com multas a executivos por uso de informação privilegiada na fusão manipulação de mercado e fraudes contábeis preservando a confiança no sistema 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência A Lei nº 135062017 representou um marco no fortalecimento do enforcement da Comissão de Valores Mobiliários CVM ao ampliar seus poderes sancionatórios e introduzir o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão mecanismo inspirado no leniency agreement do direito concorrencial mas adaptado ao mercado de capitais arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 da mesma lei 135 Poderes Sancionatórios da CVM Os poderes sancionatórios são as ferramentas legais que permitem à CVM investigar punir e prevenir condutas ilícitas no mercado de valores mobiliários Eles abrangem desde advertências até multas milionárias inabilitações e proibições de atuação aplicáveis tanto a pessoas físicas diretores analistas investidores quanto jurídicas companhias abertas corretoras fundos Exemplos hipotéticos Multa por insider trading Em um caso fictício envolvendo a empresa Varejo Futuro SA a CVM poderia identificar negociações com uso de informação privilegiada por 23 exdiretores antes da divulgação de um rombo contábil Suponhase que em 2024 fossem aplicadas multas de R 15 milhão a cada um dos envolvidos total de R 12 milhões em um dos processos com base no art 27D da Lei nº 63851976 alterada pela Lei 13506 A sanção incluiria inabilitação temporária para atuar em companhias abertas Advertência e suspensão por oferta irregular Em outro cenário hipotético a CVM poderia aplicar advertência pública e suspensão de 180 dias a uma corretora fictícia que oferecesse CRIs sem registro adequado violando a Resolução CVM 160 A sanção visaria coibir a captação irregular de recursos junto a investidores não qualificados Proibição de atuar no mercado Em um caso fictício de InvestCrypto SA a CVM poderia identificar uma oferta fraudulenta de investimento coletivo prometendo retornos fixos com criptomoedas Além de multa de R 12 milhões a autarquia determinaria a proibição definitiva dos administradores de atuar como administradores fiduciários ou em atividades reguladas por violação ao art 27E da Lei nº 63851976 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão O acordo de leniência permite que pessoas físicas ou jurídicas confessem infrações e colaborem com a investigação em troca de redução ou extinção da punibilidade Diferente do Termo de Compromisso que exige reparação mas não confissão o acordo de leniência exige admissão de culpa e cooperação efetiva entrega de provas identificação de coautores etc Logo a diferença entre Acordo de Leniência e Termo de Compromisso é que embora ambos sejam mecanismos consensuais para resolver processos administrativos sancionadores na CVM regulados pela Resolução CVM 452021 eles possuem procedimentos requisitos e efeitos prórpios Confissão e Colaboração O acordo de leniência exige reconhecimento explícito da infração e cooperação ativa ex fornecer provas inéditas e identificar coautores suspendendo o prazo prescricional e podendo extinguir a punibilidade ou reduzir a pena em 13 a 23 art 30 da Lei 135062017 Já o termo de compromisso não requer admissão de culpa focando na cessação da conduta ilícita reparação de danos e pagamento de compensação sem efeitos de extinção total Fase de Aplicação O acordo de leniência é proposto preferencialmente na fase investigativa supervisão incentivando delações precoces enquanto o termo de compromisso ocorre tipicamente após instauração do processo sancionador 24 Efeitos Penais e Imunidade O acordo de leniência pode influenciar esferas penais embora não garanta imunidade total ao contrário dos acordos do CADE na Lei 115292011 mas o termo de compromisso é estritamente administrativo sem repercussões criminais diretas PúblicoAlvo e Sigilo O acordo de leniência aplicase a pessoas físicas ou jurídicas com sigilo inicial para proteger investigações o termo é mais amplo mas exige análise de impacto preventivo pela CVM Em essência o acordo prioriza a eficiência investigativa via delação enquanto o termo de compromisso enfatiza a reparação e prevenção sem ônus confessional tornandoo mais atrativo para casos menos graves Aspecto Acordo de Leniência Termo de Compromisso Confissão Obrigatória Não exigida Fase Preferencialmente na investigação Após instauração do PAS Efeito Reduçãoextinção da punibilidade Reparação compensação Esfera Pode influenciar penal sem imunidade Apenas administrativo Sigilo Até homologação Público após aprovação Exemplos hipotéticos Caso fictício de manipulação em derivativos Um exdiretor da empresa PetroFictícia SA poderia celebrar acordo de leniência com a CVM confessando uso de informação privilegiada em operações com derivativos Em troca de delatar outros envolvidos e devolver lucros ilícitos teria sua multa reduzida em 23 de R 3 milhões para R 1 milhão e evitaria inabilitação permanente Manipulação de mercado em small caps Um grupo de investidores institucionais fictícios poderia confessar via acordo de leniência a prática de pump and dump em ações de baixa liquidez da empresa TechStart SA A colaboração permitiria à CVM mapear a rede de corretoras envolvidas Resultado hipotético extinção da punibilidade para o delator principal e multas reduzidas para os secundários Fraude em fundo de investimento Um administrador fictício do Fundo Horizonte poderia confessar ter inflado o valor líquido patrimonial VLP para atrair cotistas Pelo acordo forneceria emails e planilhas que provassem a fraude A CVM concederia redução de 50 na multa e evitaria a proibição de atuar no mercado 25 Em resumo enquanto os poderes sancionatórios funcionam como o braço punitivo da CVM com aplicação direta de sanções para reprimir e prevenir ilícitos o acordo de leniência atua como um instrumento cooperativo incentivando a autorregulação e a resolução eficiente de casos complexos Juntos formam o núcleo do enforcement moderno da autarquia equilibrando rigor e pragmatismo na proteção do mercado e dos investidores 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo Para a celebração do acordo devem ser atendidos de forma cumulativa quatro requisitos i a parte deve ser a primeira a se qualificar com relação à infração noticiada ou investigada incentivando a delação precoce ii o envolvimento na infração deve cessar completamente a partir da proposta do acordo evitando continuidade do ilícito iii a CVM não pode dispor de provas suficientes para condenação administrativa no momento da propositura tornando a colaboração indispensável e iv a pessoa física ou jurídica deve confessar participação no ilícito cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo entregando documentos identificando coautores e comparecendo por conta própria a todos os atos processuais até o encerramento 138Efeitos do Acordo Os acordos de leniência administrativos em processo de supervisão introduzidos pela Lei nº 135062017 arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 produzem efeitos específicos e limitados à esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários CVM sem extensão a outras instâncias Celebrada a proposta ela permanece sob sigilo até a homologação pelo Colegiado conforme o art 30 3º garantindo a proteção da investigação e evitando prejuízos à apuração de provas ou alertas a outros envolvidos O prazo de prescrição administrativa é suspenso em relação ao proponente signatário a partir da apresentação da proposta art 30 5º retomando apenas se o acordo for rejeitado Essa suspensão incentiva a colaboração precoce sem comprometer a continuidade da investigação Contudo o acordo não interfere na atuação de outros órgãos o Ministério Público Federal MPF o Tribunal de Contas da União TCU a Receita Federal ou autoridades judiciais mantêm plena autonomia em suas esferas penal tributária de controle ou cível Não há imunidade penal tributária ou de outra natureza o benefício é exclusivamente administrativo 26 Exemplo real O primeiro acordo de leniência firmado pela CVM ocorreu em 2019 com a M5 Indústria e Comércio no âmbito do Processo Administrativo Sancionador PAS nº 19957008284201831 A empresa confessou a manipulação de preços das ações da Mundial SA exPAS Mundial e colaborou com a entrega de documentos e identificação de outros participantes Em troca pagou R 4 milhões redução significativa em relação à pena potencial e obteve a extinção parcial da punibilidade administrativa Esse caso marcou o início efetivo do uso do instrumento pela CVM servindo como referência para acordos subsequentes no mercado de capitais Em síntese os efeitos dos acordos de leniência são restritos ao âmbito administrativo da CVM promovendo eficiência investigativa por meio da delação premiada mas sem blindagem em outras esferas Eles representam um equilíbrio entre incentivo à cooperação e preservação da competência de outros órgãos fiscalizadores 139 Estrutura Organizacional A CVM é estruturada em uma hierarquia colegiada e técnica com o Colegiado como órgão máximo deliberativo composto por um Presidente e quatro Diretores todos nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação pelo Senado Federal com mandatos de cinco anos não coincidentes para garantir continuidade O Colegiado define políticas aprova normas julga processos sancionadores e supervisiona as atividades da autarquia reunindose periodicamente para deliberações estratégicas Diretamente subordinada ao Colegiado está a Superintendência Geral SGE coordenada por um Superintendente Geral que atua como braço executivo coordena as atividades das superintendências técnicas acompanha o desempenho das áreas implementa diretrizes do Colegiado e gerencia processos administrativos por meio de gerências gerais especializadas ex Gerência Geral de Processos As superintendências técnicas subordinadas à SGE são o núcleo operacional da regulação e supervisão divididas por temas específicos Superintendência de Relações com Empresas SEP antiga SGC Supervisão de Companhias Abertas Analisa registros de companhias abertas emissões de valores mobiliários disclosure de informações periódicas e eventuais e monitora cumprimento de normas contábeis e de governança 27 Superintendência de Relações com Investidores Institucionais SIN antiga focada em investidores qualificados Responsável por supervisão de fundos de investimento incluindo FIDCs e FIPs investidores institucionais agências de rating e investimentos estruturados inclui seções como a de Fiscalizações de Fundos SEFIS Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos SRE antiga SRE para riscos sistêmicos Monitora riscos sistêmicos estratégicos e tecnológicos no mercado utilizando supervisão baseada em risco SBR big data e análise em tempo real Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários SMI Fiscaliza corretoras distribuidoras agentes autônomos custodiantes depositários centrais e estrutura de mercado ex sistemas eletrônicos de negociação Outras superintendências complementares incluem Superintendência de Desenvolvimento de Mercado SDM inovações e educação financeira Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria SNM Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores SOI atendimento e educação Superintendência de Processos Sancionadores SPS Superintendência de Registro de Valores Mobiliários SREG Superintendência de Relações Internacionais SRI e Superintendência de Planejamento e Inovação SPI Órgãos seccionais e de suporte incluem Procuradoria Federal Especializada PFE que presta assessoria jurídica representa a CVM em juízo e opina em processos Auditoria Interna AUD para controle interno Ouvidoria OUV e Serviço de Atendimento ao Cidadão SAC que recebem denúncias reclamações e esclarecem dúvidas do público promovendo transparência e canal direto com investidores Superintendência AdministrativoFinanceira SAD responsável por gestão de recursos humanos orçamentários e logística Assessorias diretas à Presidência abrangem Gabinete da Presidência CGP Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos ASA e Assessoria de Comunicação Social ASC Com cerca de 600 servidores distribuídos entre Rio de Janeiro sede principal e Brasília escritório para relações institucionais via Superintendência de Relações Institucionais SRI a CVM opera de forma integrada e colaborativa o Colegiado delibera strategicamente a SGE executa e coordena as superintendências especializadas realizam supervisão temática e baseada em risco enquanto órgãos de suporte garantem compliance e atendimento Sistemas digitais como o CVMWeb plataforma para registro eletrônico de documentos ofertas e relatórios e ferramentas de supervisão em tempo real ex monitoramento de FIPs via dashboards 28 analíticos facilitam a eficiência permitindo análise remota alertas automáticos e integração de dados para prevenção de ilícitos Essa estrutura regida pelo Regimento Interno e Decreto de Estrutura Regimental atualizado por decretos como o nº 102172020 equilibra autonomia técnica com accountability pública adaptandose a inovações como sandbox regulatório e ESG 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação A Comissão de Valores Mobiliários CVM enfrenta desafios atuais que refletem a complexidade exponencial do mercado financeiro brasileiro marcado pela digitalização globalização e inovação disruptiva Com um quadro de cerca de 452 servidores efetivos após a posse de 51 novos aprovados no concurso de 2024 a autarquia supervisiona aproximadamente R 167 trilhões em ativos cerca de 700 companhias abertas mais de 20 mil fundos de investimento e milhares de participantes do mercado Esses números destacam a disparidade entre o crescimento do setor e os recursos disponíveis demandando maior eficiência operacional e tecnológica O primeiro grande obstáculo é a regulação de novos ativos e modelos de negócio como criptoativos tokenização de ativos reais NFTs security tokens e fintechs de investimento Embora o Parecer de Orientação CVM nº 402022 e a Resolução CVM nº 292021 tenham avançado na classificação de criptoativos como valores mobiliários quando aplicável a Lei nº 144782022 Marco Legal dos Criptoativos sancionada em dezembro de 2022 e em vigor desde junho de 2023 ainda enfrenta regulamentações complementares em fase de consulta pública pelo Banco Central Consultas Públicas 109 110 e 1112024 com propostas ativas até fevereiro de 2025 Essa transição gera insegurança jurídica residual especialmente em temas como tributação via Declaração de Criptoativos DeCripto e prevenção à lavagem de dinheiro A CVM precisa equilibrar inovação com proteção ao investidor evitando tanto a repressão excessiva que afugenta startups quanto a leniência que permite pirâmides financeiras disfarçadas de DeFi como evidenciado pelo Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco SBR 20252026 que prioriza riscos em tokens não conformes Outro desafio é a escassez de recursos humanos e tecnológicos frente ao volume supervisionado A supervisão baseada em risco exige análise em tempo real de big data machine learning e inteligência artificial ferramentas ainda em fase inicial na CVM conforme o Plano SBR 20252026 que identifica a restrição de pessoal como fator limitador 29 principal apesar do reforço parcial via concurso de 2024 Esse gap foi evidente no caso Unick Forex 2019 uma pirâmide financeira que prometia retornos fixos com criptomoedas e captou R 2 bilhões de cerca de 1 milhão de investidores A CVM emitiu alerta em 2018 via Ato Declaratório nº 16169 mas a operação só foi desmantelada pela Polícia Federal em 2019 Operação Lamanai revelando a dificuldade de atuação preventiva em esquemas descentralizados e online com multa final de R 12 milhões aplicada pela CVM em 2020 A coordenação interinstitucional é o terceiro desafio crítico Fraudes sofisticadas envolvem lavagem de dinheiro corrupção e crimes cibernéticos exigindo integração com Banco Central COAF MPF PF e até reguladores estrangeiros via IOSCO O caso Americanas 2023 ilustra essa complexidade a descoberta de um rombo contábil de R 253 bilhões fraude em balanços mobilizou a CVM que abriu 12 processos administrativos sancionadores iniciais totalizando 14 ações em curso até outubro de 2025 incluindo inquéritos e acordos de supervisão o MPF ação penal com denúncia de 13 exexecutivos em abril de 2025 e a B3 suspensão de negociações A demora na apuração agravada pela renúncia em massa do conselho e indícios de destruição de provas revelados por delações em 2025 expôs a fragilidade na troca de informações em tempo real e na aplicação coordenada de sanções com a CVM assinando um novo acordo de supervisão em outubro de 2025 para obter dados adicionais Por fim a pressão por governança ESG ambiental social e de governança adiciona uma camada regulatória A Resolução CVM nº 1932023 alterada pela Resolução nº 2272025 exige disclosure ESG obrigatório a partir de 2026 para relatórios de exercícios iniciados em 1º de janeiro de 2026 divulgados em 2027 com adoção voluntária incentivada para 2025 via comunicado ao mercado até 31 de dezembro de 2025 alinhada aos padrões IFRS S1 e S2 do ISSB No entanto a CVM enfrenta resistência de empresas e falta de padrões unificados ex taxonomia brasileira em desenvolvimento pelo Ministério da Fazenda com consulta pública em 2025 Esse cenário é agravado pela judicialização decisões do TCU e STJ questionam a autonomia sancionatória da CVM como no Acórdão TCU nº 16342020 revisão de supervisão em insider trading com impactos em 2025 via acordo CVMTCU para detecção de insiders secundários e jurisprudência do STJ consolidada desde 2016 em casos de uso indevido de informações privilegiadas gerando insegurança jurídica em multas administrativas Em suma os desafios da CVM não são apenas técnicos mas estruturais e sistêmicos O caso Americanas com perdas iniciais de cerca de R 89 bilhões em valor de mercado e impacto estimado em R 956 milhões em fundos de pensão equivalente a 08 do patrimônio do setor com potencial recuperação via plano de recuperação judicial demonstrou que 30 falhas de supervisão afetam a poupança de milhões de brasileiros A solução passa por aumento de quadro com pedido para dobrar os cargos de inspetores em 2025 investimento em tecnologia ex ferramentas de IA para análise de riscos no Plano SBR consolidação do marco legal para cripto com resoluções do BC em 2025 e fortalecimento de acordos de cooperação interinstitucionais garantindo que a CVM evolua de reguladora reativa para guardiã proativa da integridade do mercado 14 Brasil Bolsa Balcão B3 141 Bolsa de Valores Contrariamente à percepção comum a bolsa de valores não integra a Administração Pública mas constitui uma entidade privada formada por sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs Autorizada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM presta serviço de interesse público essencial consistente na manutenção de ambiente adequado transparente e eficiente para a realização de operações de compra e venda de valores mobiliários emitidos por companhias abertas fundos e outros emissores regulados O termo bolsa possui múltiplas acepções doutrinárias Local físico ou eletrônico de negociação mercado apregoado com formação de preços por pregão contínuo ou leilão Estado das operações bolsísticas refletido em índices como o Ibovespa que impactam a economia nacional vide o crash da NYSE em 1929 Instituição autorregulada mercado heteroorganizado com regras próprias despersonalização dos contratos e padronização de ativos A bolsa é simultaneamente local estado e instituição Opera como mercado apregoado diferente do mercado de balcão organizado que é negociado bilateralmente com despersonalização dos contratos ordens anônimas via sistemas eletrônicos padronização de lotes e ativos e liquidação centralizada garantindo segurança e eficiência Historicamente constituídas como associações civis sem fins lucrativos as bolsas modernas adotam o modelo de sociedades anônimas sujeitas à governança corporativa e à supervisão da CVM Resolução CVM nº 1352022 No Brasil a B3 SA Brasil Bolsa Balcão é o exemplo paradigmático resultante da fusão entre a BMFBOVESP 2008 e a CETIP 2017 concentra 999 do volume negociado em ações derivativos renda fixa e 31 produtos estruturados dados B3 3T2025 Autorizada pela CVM Ato Declaratório nº 187942021 a B3 opera os ambientes Bovespa ações ETFs BDRs B3 Deriv futuros opções Soma renda fixa e Tesouro Direto em parceria com o Tesouro Nacional Embora não seja a única a B3 detém monopólio funcional na negociação de valores mobiliários listados Outras bolsas históricas como a Bolsa de Valores da Bahia fundada em 1851 que integrou a BOVESBA Bahia Sergipe Alagoas em 2020 foram absorvidas ou reconvertidas em entidades de educação financeira eventos e serviços acessórios sem acesso ao pregão de ativos regulados pela CVM A Bolsa do Nordeste Recife 1990 e a Bolsa de Minas Espírito Santo e Brasília BVMB 1989 seguiram trajetória semelhante com operações encerradas ou integradas à B3 A finalidade primordial da bolsa é dinamizar o mercado de capitais ampliando liquidez reduzindo custos de transação e facilitando a alocação eficiente de recursos Por meio do pregão eletrônico diário plataforma PUMA Trading System agentes de corretoras credenciadas mais de 90 em 2025 negociam em tempo real sob regras de compliance best execution e prevenção à manipulação Resolução CVM nº 802022 A B3 assegura Formação de preços justa via book de ofertas e leilões de aberturaencerramento Custódia centralizada CBLC Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia Liquidação em D2 ações ou D0 derivativos Garantia de execução via Fundo de Garantia e Câmara de Riscos Em 2025 a B3 registrou R 254 bilhões em volume médio diário ações à vista 18 milhão de investidores pessoa física ativos e R 62 trilhões em custódia B3 Relações com Investidores 3T2025 Sua relevância transcende o mercado o Ibovespa é termômetro macroeconômico influenciando política monetária confiança do consumidor e captação de empresas Assim a bolsa de valores especialmente a B3 é o coração pulsante do mercado de capitais brasileiro conectando emissores investidores e intermediários em um ecossistema autorregulado mas rigorosamente supervisionado pela CVM essencial para o crescimento sustentável da economia 142 Mercado de Balcão O mercado de balcão abrange todas as operações do mercado de capitais realizadas fora do ambiente de bolsa de valores configurandose como um segmento descentralizado em que a contratação ocorre diretamente entre as partes emissor e investidor ou por meio de intermediários sem pregão público leilão ou apregoamento contínuo e sem a 32 obrigatoriedade de local físico ou eletrônico centralizado ao contrário da bolsa que funciona como mercado apregoado Os participantes autorizados são as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs distribuidoras de títulos e valores mobiliários DTVMs bancos de investimento e outras instituições financeiras credenciadas pela CVM conforme Resolução CVM nº 2142024 atuando como intermediárias na negociação bilateral de títulos como debêntures CRIs CRAs FIDCs notas promissórias ações de companhias fechadas e demais valores mobiliários não listados em bolsa Dentro desse espectro distinguese o mercado de balcão não organizado segmento tradicional e mais amplo no qual as operações são contratadas diretamente entre as partes por telefone email plataformas privadas ou sistemas internos das corretoras sem sistema centralizado de registro ou negociação com preços definidos por negociação bilateral e liquidação bilateral ou via depositário central como a B3 por meio da CETIP para renda fixa exemplos incluem a emissão privada de debêntures nos termos do art 4º da Resolução CVM nº 1602022 a venda de ações de SA fechada e a colocação de CRI junto a investidores qualificados Já o mercado de balcão organizado MBO instituído pela Lei nº 103032001 e regulamentado pela Resolução CVM nº 132010 atualizada pela Resolução CVM nº 1352022 constitui um segmento estruturado operado por entidade autorizada pela CVM que mantém sistema eletrônico de negociação registro e liquidação no Brasil a SOMA Sociedade Operadora do Mercado de Acesso SA controlada pela B3 desde 2017 e autorizada pelo Ato Declaratório CVM nº 114562011 é a única operadora gerenciando as plataformas SOMA Fix para renda fixa e SOMA Equity para ações de companhias fechadas com registro centralizado reporte em tempo real à CVM liquidação via B3 divulgação de preços e volumes em boletim diário e negociação típica de debêntures incentivadas CRIs e ações de SA fechada com dispersão acionária em 2025 o MBO movimentou R 18 trilhão em emissões de renda fixa com crescimento de 22 em relação a 2024 impulsionado por investidores institucionais e qualificados conforme Relatório 3T2025 da B3 O mercado de balcão caracterizase pela flexibilidade na estruturação de contratos com prazos taxas e covenants personalizados acesso predominantemente restrito a investidores qualificados e institucionais conforme Resolução CVM nº 302021 menor liquidez em comparação à bolsa com negociação esporádica e preços menos transparentes no balcão não organizado taxas de intermediação variáveis e ausência de taxa de bolsa além de regulação focada nos intermediários e nas ofertas pela CVM com a B3 atuando como depositária central via CETIP Sua importância estratégica é inegável pois viabiliza a captação de longo prazo por empresas médias por meio de debêntures e CRIs diversifica portfólios de fundos e seguradoras 33 e fomenta a inovação financeira incluindo títulos verdes sustentáveis e tokenizados no âmbito do sandbox regulatório da Resolução CVM nº 292021 em 2025 o mercado de balcão representou 62 do volume total de emissões de dívida corporativa superando a bolsa em captações privadas segundo dados da ANBIMA Critério Balcão Não Organizado Mercado de Balcão Organizado MBO Bolsa de Valores Local de Negociação Descentralizado telefone email plataformas privadas Sistema eletrônico centralizado SOMA FixEquity Pregão eletrônico centralizado PUMA Trading System Forma de Contratação Bilateral direta Bilateral via sistema registrado Apregoamento público book de ofertas Operadora Corretoras bancos SOMA controlada pela B3 B3 SA Autorização CVM Intermediários CTVMDTVM Entidade operadora Ato CVM nº 114562011 Bolsa Ato CVM nº 187942021 Transparência de Preços Baixa negociado Média boletim diário Alta tempo real Liquidação Bilateral ou via B3CETIP Centralizada via B3 Centralizada via B3 D2D0 Garantia Contratual Fundo de Garantia SOMA Fundo de Garantia B3 Ativos Típicos Debêntures privadas ações fechadas CRI particular Debêntures incentivadas CRI ações SA fechada com dispersão Ações listadas ETFs BDRs derivativos PúblicoAlvo Qualificados institucionais Qualificadosinstitucionais Todos PF PJ institucionais Volume 3T2025 R 12 tri estimado R 18 tri renda fixa R 254 bidia ações à vista Regulamento Principal Resolução CVM nº 1602022 Resolução CVM nº 1352022 Resolução CVM nº 1352022 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário O mercado de capitais costuma ser classificado em primário e secundário distinção fundamental para compreender o fluxo de recursos e a dinâmica de negociação No mercado primário realizamse operações de emissão e subscrição de valores mobiliários novos como ações debêntures CRIs CRAs e notas promissórias Aqui a companhia emissora coloca títulos inéditos em circulação estabelecendo uma relação direta com o investidor subscritor que contribui com capital fresco ao pagar o preço de emissão valor que integra o capital social da empresa transformando o subscritor em acionista ou credor Essa cap created resources para 34 expansão refinanciamento ou projetos específicos sem intermediação de venda de ativos existentes Exemplos incluem emissões privadas de debêntures no balcão como a 10ª emissão da própria B3 em setembro de 2025 no valor de R 2 bilhões com rating AAAbra pela Fitch e foco em investidores qualificados ou IPOs registrados na B3 embora em 2025 o primário tradicional de ações tenha sido dominado por IPOs reversos fusões com companhias listadas inativas como o caso da OranjeBTC que adquiriu o cursinho Intergraus para listar operações de tesouraria de bitcoin captando R 150 milhões sem emissão primária convencional No 1T2025 o volume total de emissões primárias atingiu R 173 bilhões segundo Boletim Econômico da CVM com destaque para renda fixa privada no balcão Já o mercado secundário envolve compra e venda de valores mobiliários já emitidos sem participação direta da companhia emissora A relação jurídica limitase ao vendedor titular atual e ao comprador novo detentor com o preço negociado refletindo o valor de mercado influenciado por desempenho financeiro expectativas econômicas e fatores macro como variações na Selic ou resultados trimestrais Diferente do preço de emissão fixo no primário o valor secundário oscila títulos de empresas lucrativas ganham prêmio ex ações da Petrobras subindo 15 após balanço positivo no 3T2025 enquanto dificuldades levam a desvalorização A B3 domina o secundário com volume médio diário de R 254 bilhões em ações à vista no 3T2025 e recorde de R 303 bilhões em títulos públicos federais negociados em setembro de 2025 No balcão organizado SOMA o secundário de CRIs bateu R 477 bilhões no 1S2025 com 3828 mil operações A Bolsa de Valores opera exclusivamente no secundário com pregão eletrônico para compravenda de títulos listados proporcionando liquidez formação de preços transparente e proteção via fundos de garantia O balcão por sua vez abrange ambos os mercados primário via emissões privadas ou incentivadas ex debêntures da ISA Energia Brasil em 2025 R 2 bilhões para expansão de transmissão e secundário via negociações bilaterais ou no MBO Essa dualidade torna o balcão essencial para captações personalizadas representando 62 das emissões de dívida corporativa em 2025 ANBIMA enquanto o secundário da B3 atraiu R 265 bilhões de estrangeiros no 1S2025 Em resumo o primário financia o crescimento empresarial com recursos novos enquanto o secundário garante liquidez e valuation dinâmico com a B3 como hub do secundário e o balcão como canal flexível para primário e secundário privados 35 15 Ações e Valores Mobiliários 151 Ações As ações constituem os valores mobiliários mais importantes das sociedades anônimas SA pois representam frações do capital social e conferem a seus titulares a condição de acionistas ou seja sócios da companhia Do ponto de vista jurídico as ações são consideradas bens móveis art 82 do Código Civil de 2002 Dada sua relevância merecem análise detalhada reservandose o estudo dos demais valores mobiliários como debêntures e bônus de subscrição para momento posterior A classificação das ações pode ser feita segundo dois critérios principais o primeiro leva em conta os direitos e vantagens que elas conferem aos acionistas e o segundo a forma de transferência que pode ser nominativa escritural ou certificada sendo esta última atualmente pouco utilizada 1511 Quanto aos direitos e obrigações Sob o aspecto dos direitos e vantagens as ações se dividem em ordinárias preferenciais e de fruição As ações ordinárias ON atribuem ao titular denominado ordinarista os direitos essenciais previstos no art 109 da Lei das Sociedades por Ações LSA sem conceder privilégios nem impor restrições específicas Entre os principais direitos das ações ordinárias estão o direito de voto em assembleias o direito à participação nos lucros dividendos de forma proporcional à quantidade de ações detidas o direito de preferência na subscrição de novas ações a fiscalização da gestão da companhia e o direito de retirada nos casos previstos em lei Importa destacar que o direito de voto é considerado essencial apenas para os titulares de ações ordinárias já que as ações preferenciais podem ter esse direito suprimido ou restringido art 111 1º LSA É entre os acionistas detentores de ações ordinárias que normalmente se formam a maioria controladora e os minoritários motivo pelo qual a legislação societária busca conciliar o exercício do poder de controle com a proteção da minoria acionária por meio de instrumentos como o tag along o voto múltiplo e a fiscalização pelo conselho fiscal As ações preferenciais PN por sua vez conferem ao preferencialistas certas vantagens econômicas em contrapartida a possíveis restrições de natureza política como a ausência ou limitação do direito de voto As vantagens das ações preferenciais devem estar expressamente 36 previstas no estatuto social conforme o art 17 da LSA e podem consistir em i prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos ii prioridade no reembolso do capital com ou sem prêmio ou iii a acumulação dessas duas preferências Ainda que haja restrições o titular de ações preferenciais não pode ser privado dos direitos essenciais previstos no art 109 da LSA como o direito à percepção de dividendos à fiscalização e à retirada A legislação também impõe limites à emissão desse tipo de ação de acordo com o art 15 2º da LSA redação dada pela Lei nº 103032001 o número total de ações preferenciais com ou sem direito a voto não pode ultrapassar 50 do total de ações emitidas pela companhia A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça STJ consolidou o entendimento de que é legítima a cláusula estatutária que exclui os acionistas preferencialistas da participação nos lucros remanescentes após o recebimento do dividendo mínimo desde que tal previsão esteja expressamente prevista no estatuto e seja anterior à subscrição das ações Assim conforme o precedente do REsp 641611BA Rel Min Hélio Quaglia Barbosa julgado em 2007 mantido em decisões posteriores como o REsp 1301110SP de 2018 essa exclusão não viola os direitos essenciais do acionista Por fim as ações de fruição também chamadas ações de gozo são emitidas em substituição às ações ordinárias ou preferenciais que foram totalmente amortizadas sem que isso implique redução do capital social conforme o disposto no art 44 2º e 5º da LSA A amortização consiste na distribuição antecipada aos acionistas de valores que lhes caberiam em eventual liquidação da companhia sem que haja diminuição do capital social As ações de fruição possuem algumas características específicas não têm valor nominal não integram o capital social conferem apenas direitos patrimoniais como o recebimento de dividendos e bonificações e não concedem direito de voto nem prioridade no reembolso Em caso de liquidação da companhia os titulares dessas ações somente participarão do acervo líquido após as ações não amortizadas receberem valor equivalente ao da amortização devidamente corrigido Como exemplo imaginese uma sociedade anônima que utilizando lucros acumulados decide amortizar integralmente uma ação preferencial de valor patrimonial de R 5000 O acionista recebe esse valor e em substituição passa a deter uma ação de fruição mantendo o direito de participar dos lucros da empresa mas sem poder de voto nem direito preferencial em caso de reembolso do capital Dessa forma as ações de fruição funcionam como uma forma residual de participação restrita aos direitos de gozo sem integrar o capital social da companhia 37 1511 Golden Share A expressão golden share designa uma categoria especial de ação preferencial que confere ao seu titular direitos diferenciados geralmente de natureza política como o poder de veto em determinadas deliberações sociais Essa figura surgiu no Reino Unido entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980 durante o governo de Margaret Thatcher no contexto das privatizações em massa promovidas pelo Estado britânico O objetivo era permitir que o governo mantivesse certo grau de controle estratégico sobre empresas consideradas relevantes para o interesse nacional mesmo após a transferência de sua propriedade ao setor privado No Brasil a golden share foi introduzida pelo art 8º da Lei nº 80311990 que instituiu o Plano Nacional de Desestatização PND O dispositivo previa que sempre que houver razões que o justifiquem a União deterá direta ou indiretamente ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias A partir dessa previsão a golden share passou a integrar o estatuto de diversas companhias desestatizadas como a Celma a Embraer e a Vale Na Embraer por exemplo a golden share da União confere o direito de veto em matérias estratégicas como mudança do objeto social alteração do controle acionário transferência de sede para o exterior e interrupção de atividades militares entre outras hipóteses Esse modelo assegura que o ente público mantenha uma influência limitada mas decisiva sobre decisões que possam afetar o interesse nacional especialmente em setores sensíveis como o aeronáutico e o mineral Atualmente a golden share encontra respaldo expresso no art 17 7º da Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que autoriza a sua criação em companhias objeto de desestatização de propriedade exclusiva do ente desestatizante União Estados Distrito Federal ou Municípios O dispositivo legal estabelece que o estatuto social pode atribuir a essas ações os poderes que especificar inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia geral nas matérias que determinar Embora a lei preveja originalmente a golden share apenas para entes desestatizantes a doutrina reconhece que com fundamento no art 17 2º da LSA é possível a emissão de ações preferenciais com preferências ou vantagens estatutárias específicas inclusive em companhias privadas desde que observados os limites legais e de governança Assim nada impediria em tese a adoção de uma estrutura similar à golden share em operações de alienação de controle entre particulares se houver previsão expressa no estatuto social 38 Um caso relevante envolvendo a golden share ocorreu quando o Tribunal de Contas da União TCU foi consultado pelo então Ministério da Fazenda durante a gestão de Henrique Meirelles sobre a possibilidade de a União abrir mão das golden shares que detinha em algumas empresas O argumento era de que a manutenção desse tipo de ação poderia inibir investimentos privados pois investidores tendem a se mostrar receosos em relação a companhias nas quais o Estado conserva poderes especiais de veto mesmo sendo minoritário No julgamento da consulta o ministro Walton Alencar Rodrigues manifestouse favoravelmente à supressão das golden shares pela União entendendo que o Poder Executivo poderia deliberar sobre isso desde que houvesse indenização correspondente à valorização previsível da ação decorrente da sua extinção Entretanto prevaleceu o voto do ministro Vital do Rêgo para quem a decisão sobre a extinção ou manutenção das golden shares da União deve ser submetida ao Congresso Nacional inclusive quanto à eventual necessidade de compensação financeira Em síntese a golden share permanece como um importante instrumento jurídico político de controle residual estatal em empresas estratégicas conciliando o processo de privatização com a preservação do interesse público Contudo seu uso continua gerando debates sobre os limites da intervenção estatal na economia e sobre o equilíbrio entre segurança nacional e atração de investimentos privados 1513 Quanto à fora de transferência Além da classificação das ações conforme os direitos e obrigações conferidos aos acionistas existe outra forma de categorizálas que leva em conta o modo de sua transferência Sob essa ótica as ações podem ser nominativas ou escriturais Antes de analisar cada tipo é importante contextualizar Até o ano de 1990 as ações podiam se apresentar em quatro modalidades quanto à forma de transferência além das nominativas e escriturais havia também as ações endossáveis transmissíveis por meio de endosso lançado no próprio certificado e as ações ao portador que se transferiam por mera tradição do documento Contudo com a promulgação da Lei nº 80211990 determinouse que em até dois anos a partir de sua vigência as ações endossáveis e ao portador deveriam ser retiradas de circulação Embora ainda existam dispositivos na Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que fazem referência a essas espécies tais dispositivos são considerados tacitamente revogados em razão da incompatibilidade com a nova legislação 39 As ações nominativas são aquelas cuja transferência depende de registro no livro próprio mantido pela sociedade anônima o Livro de Registro de Ações Nominativas previsto no art 31 da LSA Esse registro é condição essencial para a validade da transferência da propriedade da ação Assim atos preparatórios como a fixação do preço a assinatura de contrato ou mesmo a entrega do certificado não produzem por si sós a transferência da titularidade A transmissão da propriedade somente se concretiza com a efetivação do registro no livro da companhia emissora Tratase portanto de um ato formal que requer certa solenidade o comparecimento do vendedor e do comprador ou seus representantes perante a sociedade para a assinatura do livro de transferência de ações nominativas conforme determina o art 31 1º da LSA Nos casos em que as ações são negociadas em bolsa de valores o vendedor é representado automaticamente e independentemente de procuração pela corretora ou pela câmara de liquidação da bolsa nos termos do art 31 3º da LSA Por sua vez as ações escriturais previstas no art 34 da LSA são aquelas mantidas em contas de depósito abertas em nome de seus titulares em instituições financeiras indicadas pela companhia Nesses casos não há emissão de certificados e as ações existem apenas em forma eletrônica sendo incorpóreas Para atuar como instituição depositária o banco ou entidade designada deve possuir autorização da CVM para esse tipo de serviço art 34 2º da LSA A transferência das ações escriturais ocorre por simples lançamento nos registros da instituição depositária que debita a conta do alienante e credita a conta do adquirente mediante ordem escrita do titular ou determinação judicial conforme dispõe o art 35 1º da LSA A comprovação da propriedade dessas ações é feita por meio do extrato da conta de depósito de ações emitido pela instituição financeira O extrato deve ser fornecido i sempre que solicitado pelo acionista ii mensalmente quando houver movimentação ou iii ao menos uma vez por ano conforme estabelece o art 35 2º da LSA Do ponto de vista prático e jurídico as ações nominativas e as ações escriturais apresentam diferenças significativas quanto ao grau de formalidade custos operacionais e mecanismos de controle As ações nominativas embora já representem um avanço em relação às antigas ações ao portador ainda envolvem procedimentos formais e burocráticos A transferência de sua titularidade exige o comparecimento à companhia ou o intermédio de instituições financeiras ou corretoras conforme o caso Esse processo torna a operação mais segura e rastreável pois toda e qualquer alteração na titularidade é registrada diretamente nos livros societários mas 40 por outro lado pode tornála mais lenta e onerosa para companhias com grande volume de negociações Já as ações escriturais surgem como uma solução moderna mais eficiente e informatizada em sintonia com a evolução dos mercados de capitais Por existirem apenas em registros eletrônicos mantidos por instituições financeiras autorizadas pela CVM sua transferência é automatizada e dispensa formalidades presenciais Isso facilita operações de compra e venda em bolsas de valores e sistemas de custódia eletrônica reduzindo riscos de extravio de certificados e fraudes Outra diferença importante é o registro da titularidade Nas ações nominativas o controle é mantido diretamente pela companhia emissora no Livro de Registro de Ações Nominativas Nas ações escriturais o controle é delegado à instituição depositária que atua como intermediária entre o acionista e a companhia centralizando as informações e a movimentação das ações Do ponto de vista da transparência e da fiscalização estatal as ações escriturais são mais vantajosas Como as informações sobre seus titulares permanecem registradas em instituições sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários CVM elas oferecem maior rastreabilidade o que dificulta práticas ilícitas como lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio justamente um dos motivos que levou à extinção das ações ao portador pela Lei nº 80211990 Por outro lado as ações nominativas ainda são amplamente utilizadas por companhias fechadas que não têm ações negociadas em bolsa pois nelas a manutenção de um livro de registro físico ou digital continua sendo uma forma suficiente e econômica de controle societário Em síntese podese afirmar que As ações nominativas são mais adequadas a companhias fechadas nas quais há menor volume de transações e é desejável manter o controle direto dos acionistas pela própria sociedade As ações escriturais são mais apropriadas às companhias abertas por garantirem agilidade segurança e transparência nas negociações em mercado integrandose ao sistema financeiro e de custódia eletrônica regulado pela CVM e pela B3 Brasil Bolsa Balcão 41 151 Classes de ações A sociedade anônima SA como já destacado constitui o tipo societário mais atrativo para grandes empreendimentos sobretudo por sua flexibilidade de estruturação do capital e pela facilidade de atração de investidores com perfis diversos Um dos mecanismos mais eficientes para essa finalidade é a divisão do capital social em classes de ações identificadas por letras do alfabeto A B C etc cada uma conferindo direitos restrições e vantagens específicas a seus titulares Essa divisão em classes permite à companhia organizar seu capital conforme diferentes interesses de investimento conciliando no mesmo ambiente societário acionistas com expectativas distintas quanto ao controle rentabilidade ou segurança do investimento Por exemplo imaginese uma sociedade anônima atuante no setor alimentício que emite ações ordinárias cujos titulares possuem direito de voto e participação no controle da companhia e ações preferenciais sem voto subdivididas em classes A e B As ações preferenciais da classe A podem conceder dividendo fixo ou mínimo garantido atraindo investidores voltados à estabilidade e rentabilidade periódica como especuladores de perfil conservador ou fundos de investimento Já as ações preferenciais da classe B podem assegurar prioridade no reembolso do capital atraindo investidores institucionais como fundos de pensão que priorizam segurança e previsibilidade na recuperação do valor investido Desse modo enquanto os acionistas das ações ordinárias tendem a ser grupos estratégicos frequentemente vinculados ao setor da companhia e interessados no controle societário os titulares das preferenciais de classes diversas são em geral investidores financeiros ou institucionais que buscam vantagens patrimoniais específicas sem necessariamente participar da gestão A Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 em seu art 15 1º expressamente autoriza essa estrutura ao dispor que as ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes observado no caso das ordinárias o disposto nos arts 16 16A e 110A desta Lei O art 110A introduzido pela Lei nº 141952021 trouxe uma inovação relevante ao admitir a adoção do voto plural nas companhias abertas e fechadas permitindo que determinadas classes de ações ordinárias confiram a seus titulares até dez votos por ação conforme limite legal e previsão estatutária Esse mecanismo tem sido amplamente utilizado por empresas de tecnologia e startups pois permite a captação de recursos via mercado de capitais sem a perda do poder de controle pelos fundadores 42 Assim a divisão de ações em classes constitui um instrumento de engenharia societária que confere às companhias maior capacidade de captação e diversificação de capital conciliando interesses de controle liquidez e governança corporativa em conformidade com o regime da Lei das Sociedades por Ações e com as boas práticas do mercado de capitais brasileiro Critério de Classificação Espécie Classe de Ação Direitos Principais Limitações Possíveis Base Legal LSA Quanto aos direitos e vantagens Ordinárias ON Direito de voto participação nos lucros preferência na subscrição de novas ações fiscalização e retirada Nenhuma restrição específica Arts 15 109 e 110 A Preferenciais PN Prioridade no recebimento de dividendos ou reembolso de capital vantagens econômicas específicas Pode ter restrição ou supressão do voto Arts 17 e 111 De Fruição Direitos de gozo patrimonial após amortização das ações Não integram o capital social não têm voto Art 44 2º e 5º Quanto à forma de transferência Nominativas Propriedade registrada em livro próprio da companhia Transferência formal registro no livro Art 31 Escriturais Mantidas em conta de depósito em instituição financeira autorizada pela CVM Não possuem certificado físico Arts 34 e 35 Quanto às classes Classes de Ações A B C Direitos diferenciados definidos no estatuto ex dividendos fixos voto plural reembolso prioritário Conforme previsão estatutária Art 15 1º arts 16 16A e 110A Classe especial Golden Share Poder de veto em matérias específicas proteção do interesse público em empresas privatizadas Propriedade exclusiva do ente desestatizante Art 17 7º 153 Valor da Ação A valoração de uma ação embora pareça simples revelase extremamente complexa devido à multiplicidade de critérios que variam conforme o objetivo da avaliação À ação podem ser atribuídos pelo menos cinco valores distintos a valor nominal b valor patrimonial c valor de negociação d valor econômico e valor de emissão Cada um atende a finalidades 43 específicas desde a proteção contra diluição até a análise de rentabilidade futura sendo essencial para investidores administradores e reguladores 1531 Valor Nominal O valor nominal é obtido por operação aritmética simples Valor NominalCapital Social Total N u mero Total de A coes Emitidas Exemplo Uma SA com capital social de R 100000000 e 100000 ações emitidas terá valor nominal de R 1000 por ação A Lei nº 64041976 LSA permite no art 14 que as companhias emitam ações sem valor nominal decisão estatutária Nesse caso aplicase o valorquociente resultado da mesma divisão Assim sendo a finalidade do valor nominal é proteger acionistas contra diluição injustificada do patrimônio O art 13 da LSA proíbe emissão de ações por preço inferior ao valor nominal estabelecendo um piso mínimo para novas emissões Poranto Garante diluição controlada Evita emissões predatórias que prejudiquem antigos acionistas Se o preço de emissão for superior ao nominal a diferença ágio é destinada à reserva de capital art 13 2º LSA Destacase que sem valor nominal há risco de diluição severa pois o preço de emissão pode ser fixado livremente mesmo abaixo do valor patrimonial Valor Patrimonial O valor patrimonial ou valor real reflete o patrimônio líquido da SA por ação Valor PatrimonialPatrim onio Lı quido Ativo Passivo N u mero de A coes Emitidas Exemplo Ativo R 100000000 Passivo R 40000000 Patrimônio Líquido R 60000000 Logo 100000 ações Valor patrimonial R 600ação Na constituição da SA Valor nominal valor patrimonial ausência de passivo inicial Com o tempo oscilações operacionais lucros dívidas investimentos descolam o patrimônio líquido do capital social Desse modo é relevante em cenários de 44 Liquidação da companhia partilha do saldo remanescente Amortização de ações antecipação do valor patrimonial ao acionista Súmula 371STJ Em contratos de participação financeira ex linhas telefônicas o VPA é apurado no mês da integralização balancete aprovado Salientase ainda a Jurisprudência STJ REsp 975834RS 2007O valor patrimonial da ação deve ser fixado no mês da integralização com base no balancete mensal aprovado 1531 Valor de Negociação O valor de negociação da ação é aquele livremente pactuado entre o vendedor e o comprador no âmbito do mercado secundário configurandose como o preço efetivamente transacionado em operações de compra e venda Esse valor reflete uma série de fatores dinâmicos entre os quais se destacam as perspectivas de rentabilidade futura da companhia o desempenho do setor econômico em que ela se insere a conjuntura macroeconômica nacional e internacional a cotação em bolsa especialmente relevante para companhias abertas listadas na B3 além da necessidade financeira do vendedor que pode forçar descontos e do grau de interesse do comprador que pode elevar o preço em disputas por controle ou ativos estratégicos Diferentemente dos valores nominal ou patrimonial que são calculados por fórmulas contábeis o valor de negociação é determinado pela vontade das partes sendo influenciado por elementos subjetivos e de mercado como a liquidez do título o volume de ofertas e demandas no pregão eletrônico e até mesmo eventos corporativos ex anúncio de dividendos extraordinários ou aquisições Em 2025 por exemplo ações da Petrobras negociadas na B3 atingiram valor médio de negociação de R 4250 no 3T impulsionadas por resultados operacionais robustos e alta do petróleo enquanto ações de SAs fechadas em negociações privadas variaram conforme acordos bilaterais frequentemente abaixo do valor patrimonial em casos de saída urgente de sócios Tipo Características Exemplo Negociação privada Fora do mercado de capitais Venda de ações de SA fechada entre herdeiros Valor de mercado bursátil Negociado em bolsa ou balcão Ações da Petrobras na B3 R 4250 em 04112025 45 1533 Valor Econômico O valor econômico da ação é apurado por meio de análises técnicas especializadas realizadas por peritos ou consultorias de avaliação com o objetivo de estimar o valor justo de mercado que a ação alcançaria se fosse negociada em condições ideais O método mais consolidado é o Fluxo de Caixa Descontado FCD Valor Econ omicoFluxos de Caixa Futuros Projetados 1Taxa de Desconto t Tal método envolve três etapas fundamentais 1 projeção dos fluxos de caixa operacionais futuros com base em premissas de receita custos e investimentos 2 aplicação de uma taxa de desconto geralmente o WACC Weighted Average Cost of Capital que reflete o custo médio ponderado de capital da empresa e 3 ajuste por riscos incluindo passivos ocultos inadimplência de clientes ou contingências não contabilizadas Esse modelo embora robusto para empresas em operação regular apresenta limitações significativas em cenários de crise financeira reestruturação societária detentoras de patentes de alto risco ou sensíveis a ciclos macroeconômicos onde os fluxos futuros são instáveis igualmente sua aplicação é restrita em companhias fechadas devido à maior dificuldade em mensurar riscos de governança e liquidez O valor econômico é especialmente relevante em situações de responsabilização de administradores por alienação de ações abaixo do valor justo em processos de fusões e aquisições MA na avaliação para Ofertas Públicas de Aquisição OPA ou na saída de sócios minoritários servindo como parâmetro objetivo para evitar prejuízos à companhia ou aos acionistas Valor Fórmula Finalidade Exemplo 2025 Nominal Capital Social Nº de Ações Proteção contra diluição R 1000 estatutário Patrimonial Ativo Passivo Nº de Ações Liquidação amortização R 600 balanço Negociaçã o Pactuado entre partes Compravenda no secundário R 4250 B3 Econômico Fluxo de Caixa Descontado Avaliação técnica R 4820 laudo pericial Emissão Definido em assembleia Captação no primário R 3500 IPOfollowon 46 154 Outros Valores Mobiliários Além das ações que representam o principal valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas SAs essas companhias também lançam outros instrumentos no mercado de capitais com destaque para debêntures partes beneficiárias e bônus de subscrição que serão analisados em detalhes neste tópico Esses valores mobiliários configuram ferramentas estratégicas para a captação de recursos permitindo às SAs mobilizar poupança popular sem depender exclusivamente de empréstimos bancários ou financiamento externo Para os investidores por sua vez oferecem oportunidades diversificadas de aplicação com perfis de risco retorno e prazos variados Desde sua origem histórica as sociedades anônimas destacamse como o modelo societário ideal para grandes empreendimentos justamente pela capacidade de atrair vultosos volumes de capital via mercado de capitais Essa característica confere às companhias um mecanismo de autofinanciamento que opera por meio de dois pilares fundamentais Capitalização emissão de novas ações incorporando recursos ao capital social conforme estudado no mercado primário Securitização lançamento de outros valores mobiliários transformando direitos creditórios ou expectativas de ganho em títulos negociáveis Por intermédio da capitalização e da securitização as SAs captam recursos diretamente junto aos investidores financiando expansão inovação reestruturação ou projetos de longo prazo Em 2025 as emissões de debêntures e instrumentos securitizados somaram R 312 bilhões no 1S2025 ANBIMA com destaque para debêntures incentivadas infraestrutura e CRIsCRAs no balcão organizado representando 68 do autofinanciamento corporativo fora do sistema bancário tradicional 1541Debêntures Títulos de dívida de médio e longo prazo representam empréstimo contraído pela companhia junto ao mercado Podem ser simples sem garantia real ou com garantia fidejussória flutuante ou real e incentivadas Lei nº 114312011 com isenção de IR para PF Em 2025 a 10ª emissão da B3 R 2 bilhões setembro foi estruturada como debênture incentivada com remuneração de IPCA 58 e foco em expansão tecnológica 47 Negociadas majoritariamente no balcão SOMA Fix oferecem rendimento fixo ou indexado com covenants de proteção ao credor 1541 Partes Beneficiárias Títulos gratuitos ou onerosos concedidos pela SA a fundadores administradores ou terceiros conferindo direito a participação nos lucros até 10 do lucro líquido após distribuição aos acionistas Não integram o capital social não conferem voto e têm prazo máximo de 10 anos art 46 3º Lei nº 64041976 Raros em 2025 são usados em reestruturações ou planos de incentivo ex partes beneficiárias da Petrobras Distribuidora em 2019 resgatadas em 2024 1543 Bônus de Subscrição Direito de preferência para subscrever ações futuras a preço predeterminado emitido como vantagem adicional aos acionistas ou debenturistas Regulados pelo art 75 da Lei nº 64041976 têm prazo de até 10 anos e são negociáveis no secundário B3 ou balcão Em 2025 a Vale emitiu bônus vinculados à 8ª série de debêntures R 35 bilhões permitindo subscrição de ações a R 55 até 2030 captando liquidez futura com desconto Esses instrumentos ampliam o leque de autofinanciamento reduzindo dependência de bancos cujo spread médio foi de 285 em 2025 segundo BCB e democratizando o acesso ao capital A securitização em especial cresceu 25 em volume no 1S2025 CVM impulsionada por juros altos e demanda institucional por renda fixa privada 16 Mercado e Operações a Termo O mercado a termo é uma das formas mais antigas de negociação financeira baseada na compra e venda futura de ativos a preço e data previamente fixados Suas origens remontam às feiras mercantis europeias onde surgiram contratos de entrega futura de mercadorias e metais preciosos fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo contratual e do sistema financeiro moderno Van der Wee 1963 Braudel 1996 Historicamente o instrumento serviu como elo entre o comércio físico e o financeiro possibilitando a transferência de riscos e o planejamento de investimentos Goetzmann 48 Rouwenhorst 2005 No Brasil sua consolidação ocorreu com a criação da CVM pela Lei nº 63851976 marco regulatório do mercado de capitais e com a atuação da B3 que disciplina as operações conforme normas da CVM e do Banco Central O mercado a termo tem dupla função é instrumento de alavancagem e investimento e também de proteção hedge contra oscilações de preço Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 destacam que ele amplia a liquidez e reduz incertezas refletindo o nível de sofisticação institucional e de confiança nas regras do sistema financeiro Chandler 1990 Landes 1998 No contexto brasileiro esse mercado exerce papel central na formação de preços na liquidez sistêmica e no estímulo ao investimento produtivo Entretanto tais benefícios dependem de regulação e transparência como reforçam as Resoluções CVM nº 231 e 2322025 que aprimoram o controle de riscos e a proteção ao investidor Segundo Pereira 2024 e Carvalhosa 2022 a segurança jurídica é essencial à estabilidade e à confiança no mercado de capitais A democratização financeira e o aumento de investidores pessoas físicas tornaram ainda mais relevante o equilíbrio entre liberdade negocial e regulação eficiente conforme defendem Rajan e Zingales 2004 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo A compreensão do mercado a termo exige a análise simultânea de suas dimensões econômica financeira e jurídica pois o instituto representa uma interface entre o direito contratual e o funcionamento dos mercados organizados de valores mobiliários Tratase de operação que combina compromisso futuro e preço presente permitindo que as partes negociem a transferência de ativos em data futura a um preço previamente fixado com base em expectativas sobre a evolução de mercado Segundo Assaf Neto 2023 p 412 a operação a termo constitui uma transação em que comprador e vendedor assumem compromissos firmes e irretratáveis tendo como objeto um ativo financeiro cujo preço de liquidação é determinado no ato da contratação embora a entrega e o pagamento ocorram no futuro A doutrina a reconhece como um instrumento híbrido situado entre o contrato de compra e venda mercantil e os derivativos financeiros possuindo peculiaridades que justificam sua regulamentação específica pela Comissão de Valores Mobiliários CVM e pela B3 49 161Definição econômica e financeira Do ponto de vista econômico o contrato a termo é uma operação de gestão de risco e expectativa típica de mercados de capitais desenvolvidos Conforme descreve Fortuna 2022 p 538 o mercado a termo viabiliza a antecipação de preços e o planejamento financeiro de agentes econômicos permitindo a estabilização de receitas ou custos futuros Essas operações desempenham papel essencial na formação de preços e liquidez do mercado uma vez que reduzem a incerteza e ampliam a capacidade de alavancagem dos investidores Diferentemente das operações de crédito tradicionais as operações a termo não envolvem necessariamente financiamento mas compromissos de compra e venda diferida com efeitos econômicos equivalentes à proteção hedge ou à especulação sobre tendências de mercado Ferguson 2008 e Rajan e Zingales 2004 demonstram que o surgimento dos mercados a termo foi decisivo para o amadurecimento do capitalismo financeiro ao permitir a criação de instrumentos de mitigação de riscos que impulsionaram o investimento produtivo e a confiança nas instituições financeiras Em sua essência o mercado a termo é um instrumento de transferência de riscos e seu valor deriva do comportamento do ativo subjacente característica que o aproxima dos contratos derivativos 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções A distinção entre os diversos tipos de operação é fundamental para delimitar a natureza jurídica e funcional do contrato a termo Conforme o Guia de Operações a Termo da B3 2024 e o Relatório CVM de Derivativos 2024 Operação à vista envolve a liquidação imediata da transação a entrega e o pagamento ocorrem em até D2 dias úteis É a forma mais simples de compra e venda de ativos sem expectativa futura de preço Operação a termo define preço e data futura no momento da contratação sem ajustes diários sendo liquidada em data certa com base no preço previamente acordado O contrato é vinculante e não pode ser rescindido unilateralmente Operação futura futures similar à operação a termo mas padronizada e negociada em bolsa com ajuste diário de posições marktomarket O preço é 50 formado continuamente no mercado e a câmara de compensação atua como contraparte central Opções diferem das operações a termo e futuras por conferirem direito e não obrigação ao comprador de exercer a compra ou venda do ativo em data futura mediante pagamento de um prêmio Como observa Saddi e Saddi 2022 p 201 o contrato a termo se caracteriza pela flexibilidade contratual e bilateralidade direta entre as partes enquanto os contratos futuros e de opções estão sujeitos a maior padronização e regulação Essa distinção possui relevância jurídica pois define o grau de liberdade das partes e o regime de responsabilidade aplicável em caso de inadimplemento 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral A natureza jurídica do contrato a termo é tema de debate consolidado na doutrina comercial e financeira Bulgarelli 2021 p 315 classificao como contrato mercantil de compra e venda a prazo de execução diferida em que a prestação é adiada mas o vínculo jurídico se forma imediatamente Já Carvalhosa 2022 v 3 p 427 sustenta que o contrato a termo quando negociado no âmbito do mercado de capitais adquire natureza de derivativo financeiro dado que seu valor decorre do desempenho do ativo subjacente A doutrina majoritária incluindo Mosquera 2023 e Penteado 2023 entende que o contrato a termo é consensual bilateral e oneroso com natureza derivativa Ele é consensual porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades bilateral pois gera obrigações recíprocas e oneroso porque envolve sacrifício patrimonial de ambas as partes Sob o ponto de vista regulatório a CVM por meio da Resolução nº 352021 reconhece expressamente o contrato a termo como instrumento derivativo quando o ativo subjacente for valor mobiliário conforme o art 2º VII da Lei nº 63851976 Assim tais operações estão sujeitas à supervisão da CVM devendo observar regras de transparência registro e mitigação de conflitos de interesse A B3 em seu regulamento operacional atualizado em 2025 reforça esse entendimento ao tratar o contrato a termo como operação não padronizada de compra e venda futura liquidável fisicamente ou financeiramente com registro e garantias controladas pela câmara de compensação 51 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC A base legal do mercado a termo no Brasil é composta por um conjunto de diplomas que articulam princípios de direito societário contratual e financeiro Lei nº 63851976 regula o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários CVM O art 2º VII inclui expressamente os contratos a termo e outros derivativos como valores mobiliários quando referidos a ativos negociados no mercado de capitais Lei nº 64041976 Lei das SA estabelece os parâmetros de emissão e negociação de ações e debêntures assegurando a publicidade e a transparência nas operações Código Civil Lei nº 104062002 nos arts 421 a 425 define os princípios da função social do contrato e da autonomia da vontade aplicáveis subsidiariamente às operações a termo Lei nº 135062017 confere à CVM e ao Banco Central poder sancionador ampliado disciplinando infrações administrativas e sanções no âmbito do mercado de capitais A CVM conforme expõe Salomão Neto 2023 interpreta as operações a termo sob a ótica da função econômica do contrato reconhecendo sua validade e exigibilidade mesmo quando liquidadas financeiramente desde que cumpridos os requisitos de forma e registro Mosquera 2023 destaca que a evolução regulatória tem buscado equilibrar liberdade contratual e segurança jurídica ao exigir a formalização escrita dos contratos e o registro centralizado das operações Essa exigência decorre da necessidade de prevenir fraudes e manipulações de mercado especialmente diante da crescente complexidade dos derivativos Por sua vez Carvalhosa 2022 v 3 p 431 ressalta que a sujeição das operações a termo ao regime da CVM não altera sua essência contratual mas a complementa com garantias de transparência e fiscalização pública assegurando que o instrumento cumpra sua função econômica sem comprometer a estabilidade sistêmica Em síntese a natureza jurídica do contrato a termo resulta da conjugação entre princípios contratuais clássicos e exigências do direito público econômico Ele é simultaneamente contrato de direito privado fundado na autonomia das partes e instrumento de interesse público submetido à regulação estatal configurando um dos exemplos mais 52 refinados de integração entre liberdade econômica e regulação prudencial no direito financeiro brasileiro 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo O mercado a termo integra o conjunto dos mercados organizados de derivativos sendo regido por princípios de transparência mitigação de risco e cumprimento contratual Seu funcionamento depende de uma estrutura complexa de agentes regras operacionais e mecanismos de compensação e liquidação que garantem a segurança e a estabilidade das transações De acordo com Assaf Neto 2023 p 414 a eficiência do mercado a termo depende da articulação entre as partes contratantes e as instituições de intermediação e liquidação sob um ambiente de regulação prudencial A B3 como infraestrutura de mercado financeiro é o núcleo operacional do sistema enquanto a CVM exerce a supervisão e normatização em conformidade com a Lei nº 63851976 1661 Atores investidor corretora contraparte B3 O funcionamento do mercado a termo pressupõe a atuação coordenada de quatro principais agentes Investidor Pode assumir posição comprada tomador ou vendida lançador O comprador comprometese a adquirir o ativo em data futura enquanto o vendedor se obriga a entregálo ou liquidar a operação conforme o contrato Segundo Fortuna 2022 p 542 o investidor pode operar a termo com finalidades distintas proteção hedge especulação ou arbitragem Corretora ou distribuidora de valores mobiliários Atua como intermediária habilitada pela CVM Resolução CVM nº 352021 responsável pela execução registro e garantia da operação Ela também recolhe as margens exigidas e monitora a posição dos clientes Contraparte Em contratos a termo a contraparte é a outra parte do contrato podendo ser um investidor institucional empresa fundo de investimento ou pessoa física No caso das operações registradas na B3 há a possibilidade de 53 interposição da câmara de compensação que assume o papel de contraparte central reduzindo o risco de crédito B3 Brasil Bolsa Balcão É a infraestrutura central do mercado a termo Ela fornece o ambiente de negociação eletrônica o sistema de registro as câmaras de compensação e os mecanismos de liquidação e garantia Segundo o Guia de Operações a Termo da B3 2024 toda operação registrada em bolsa é acompanhada até a liquidação final com monitoramento contínuo de riscos de crédito e mercado Além desses há ainda o papel indireto do Banco Central BACEN que supervisiona o sistema financeiro nacional art 10 da Lei nº 45951964 e acompanha os riscos sistêmicos decorrentes das operações com derivativos conforme o Relatório de Estabilidade Financeira 2025 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação As operações a termo seguem um fluxo operacional padronizado com etapas bem definidas Contratação As partes acordam o ativo objeto ações títulos públicos moedas ou commodities o preço a termo a data de vencimento e as condições de liquidação A CVM exige conforme a Resolução CVM nº 352021 que o contrato seja formalizado por escrito e contenha todos os elementos essenciais do negócio inclusive os riscos assumidos Registro Após a contratação o intermediário corretora registra a operação no sistema da B3 que valida o contrato e calcula as margens de garantia O registro assegura a rastreabilidade e a supervisão pela CVM além de permitir o acompanhamento contábil e fiscal da posição Liquidação Pode ocorrer de duas formas física ou financeira A liquidação é o momento em que o contrato é extinto mediante a entrega do ativo ou o pagamento da diferença de valores conforme as condições pactuadas A B3 2024 destaca que a etapa de registro é o elemento que diferencia o mercado organizado do mercado de balcão sendo o registro essencial para conferir validade exigibilidade e segurança jurídica à operação 54 1663 Mecanismos de margem e garantias O risco de inadimplemento nas operações a termo é mitigado por meio de margens de garantia chamadas de margem e sistemas de monitoramento de risco Segundo Saddi e Saddi 2022 p 247 as margens funcionam como colaterais financeiros que asseguram a execução futura das obrigações contratuais evitando desequilíbrios e contágio sistêmico Existem dois tipos principais Margem inicial Depósito de garantia exigido no momento do registro da operação proporcional ao risco da posição Margem de variação ou adicional Requerida quando há oscilação relevante nos preços do ativo como forma de recompor o nível de garantia exigido A B3 aceita diferentes tipos de ativos como garantia dinheiro títulos públicos federais ações cotas de fundos conforme o Manual de Margens e Garantias B3 2025 Esses mecanismos são complementados pela Câmara de Compensação e Liquidação B3 Clearing que atua como contraparte central CCP nas operações registradas assumindo o risco de contraparte e assegurando o cumprimento dos contratos Formas de liquidação financeira ou física As operações a termo podem ser liquidadas de duas formas Liquidação física O vendedor entrega efetivamente o ativo por exemplo ações da Petrobras e o comprador paga o valor total acordado no contrato É a forma tradicional utilizada quando há interesse real na aquisição do ativo Liquidação financeira Em vez de entregar o ativo as partes liquidam apenas a diferença entre o preço contratado e o preço de mercado na data do vencimento Essa modalidade é mais comum em operações de caráter especulativo ou de hedge nas quais o investidor busca proteção contra variações de preço o Compliance e auditoria O regime de compliance e auditoria nas operações a termo tem caráter preventivo e transversal abrangendo desde a intermediação até a liquidação final da operação As instituições intermediárias corretoras e distribuidoras devem manter políticas formais de compliance e controles internos compatíveis com o tamanho e o risco de suas 55 atividades conforme previsto na Resolução CVM nº 352021 que consolida regras de conduta para intermediários e participantes de mercado Entre as obrigações de compliance destacamse Identificação e adequação de clientes suitability Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo PLDFT conforme a Lei nº 96131998 e a Resolução CVM nº 502021 Controle de informações privilegiadas previsto no art 155 da Lei nº 64041976 LSA Revisão periódica de políticas internas com comunicação obrigatória à CVM No tocante à auditoria a Resolução CVM nº 232021 regula de forma abrangente a atividade de auditoria independente no mercado de valores mobiliários A norma impõe a obrigatoriedade de auditoria independente para companhias abertas fundos de investimento intermediários de valores mobiliários e demais participantes supervisionados pela CVM assegurando maior transparência e confiabilidade nas demonstrações financeiras 167 Riscos e Desvantagens As operações a termo embora desempenhem papel relevante na estrutura de financiamento e investimento do mercado de capitais comportam riscos específicos que devem ser analisados sob perspectivas financeira jurídica e regulatória Conforme destaca Assaf Neto 2023 p 247 tratase de instrumentos que introduzem componentes de expectativa e incerteza sobre o comportamento futuro dos preços sendo portanto inerentemente mais arriscados que operações à vista 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços A liquidez do mercado a termo é diretamente influenciada pelo volume de negociações e pela confiança dos agentes Segundo Fortuna 2022 a baixa liquidez pode distorcer a formação dos preços dos ativos subjacentes produzindo movimentos especulativos e desvios momentâneos de valor justo A literatura econômica corrobora essa visão Goetzmann e Rouwenhorst 2005 destacam que a introdução de mercados a termo nos séculos XVI e XVII já demonstrava a tendência de antecipar preços futuros muitas vezes gerando bolhas especulativas 56 No contexto brasileiro a CVM aponta que embora a B3 mantenha mecanismos robustos de supervisão o mercado a termo ainda pode gerar assimetrias de informação e fragilidades de precificação especialmente em ativos de baixa liquidez como small caps e ações de companhias recémlistadas 1671 Alavancagem e volatilidade Um dos principais riscos identificados por Rajan e Zingales 2004 e Neal 1990 é o da alavancagem implícita O investidor ao assumir uma posição a termo comprometese com uma obrigação futura que pode representar valor financeiro superior à sua capacidade imediata de liquidação A volatilidade de curto prazo em mercados derivativos como o a termo tende a amplificar movimentos de alta e baixa com efeitos potencialmente sistêmicos 1673 Precedente da CVM A título exemplificativo temse o Parecer do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 referente ao Processo Administrativo CVM SEI 19957010224201977 aceitou a proposta de R 7 milhões apresentada pela B3 SA R 63 milhões e seus executivos Cícero Augusto Vieira Neto e André Monteiro DAlmeida Monteiro R 350 mil cada encerrando o processo sem punição administrativa A acusação lavrada pela SMI apontou descumprimento dos incisos III e IV do art 3º da Instrução CVM nº 2831998 vigente a época pela falta de verificação diária do grau de concentração no mercado de derivativos e empréstimos de ativos entre 2013 e 2019 A omissão permitiu posições concentradas acima de 30 em derivativos e 70 em empréstimos da ação VCPG3 contribuindo para um short squeeze com alta de 1200 no preço Embora o parecer não trate diretamente de operações a termo sua relevância para o mercado a termo é estrutural Empréstimos de ativos são indispensáveis para short selling em contratos a termo com liquidação financeira Instrução CVM 281984 Concentração excessiva em derivativos incluindo posições a termo desequilibra o mercado elevando riscos de manipulação e volatilidade A falha da B3 comprometeu a integridade sistêmica essencial para a confiança em operações a termo hedge e especulação 57 O CTC considerou a proposta proporcional destacando cooperação ausência de dolo e medidas corretivas sistema automatizado desde 2020 O caso reforça a obrigação de supervisão diária e gestão de risco concentrado impactando diretamente a governança do mercado a termo e a aplicação de margens de garantia e limites de posição em operações registradas na B3 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada Sob a ótica civilista conforme o Código Civil arts 421 a 425 e 481 a 487 o contrato a termo caracterizase como contrato bilateral oneroso e comutativo cuja execução é diferida no tempo Na visão de Carvalhosa 2022 tratase de um contrato com características de compra e venda mercantil sujeita a prazo e condição de liquidação futura em que o risco e a expectativa de lucro decorrem da variação de preços do ativo subjacente Já na perspectiva comercial Penteado 2023 entende que a operação a termo se insere no contexto mais amplo dos contratos mercantis de bolsa regidos por princípios de publicidade transparência e autorregulação Assim há uma aproximação entre o direito contratual clássico e o direito do mercado de capitais em constante diálogo interpretativo 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes As operações a termo ocupam posição estratégica dentro do arcabouço macroeconômico e financeiro por influenciarem diretamente a liquidez a formação 0de expectativas de preços e o mecanismo de transmissão da política monetária Embora representem apenas uma fração do mercado derivativo nacional sua relevância tem crescido à medida que investidores e empresas buscam instrumentos de hedge e de arbitragem mais flexíveis e adaptados à realidade brasileira 1681 Operações a termo e política monetária As operações a termo podem influenciar na antecipação das taxas de juros esperadas e consequentemente no processo de precificação de ativos financeiros Ao pactuar hoje o preço de liquidação futura de determinado ativo o investidor expressa uma expectativa implícita sobre a trajetória da taxa Selic da inflação e da curva de juros o que transforma o mercado a termo em um indicador indireto das condições monetárias futuras 58 Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 ressaltam que o comportamento dos contratos a termo reflete a percepção do mercado quanto à política monetária e à credibilidade institucional do Banco Central Um ambiente de juros voláteis por exemplo tende a ampliar o volume e o valor das operações a termo à medida que os agentes buscam proteção contra oscilações abruptas Em contrapartida períodos de estabilidade reduzem a atratividade das posições especulativas e reforçam o caráter de hedge No plano internacional Rajan e Zingales 2004 observam que instrumentos de prazo diferido como os contratos a termo funcionam como mecanismos descentralizados de transmissão de política monetária pois internalizam expectativas antes mesmo de ajustes oficiais na taxa básica demonstrando o alto grau de integração entre finanças e macroeconomia 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia Nos Estados Unidos as operações a termo forwards são amplamente utilizadas em mercados de commodities e câmbio regidas pela Commodity Exchange Act CEA e supervisionadas pela Commodity Futures Trading Commission CFTC O sistema norte americano distingue claramente contratos a termo de contratos futuros exigindo menor grau de padronização e por consequência menor intervenção estatal o que reforça a liberdade contratual mas aumenta o risco de inadimplência Na União Europeia sob o marco da MiFID II Markets in Financial Instruments Directive observase tendência de convergência regulatória mesmo os contratos a termo personalizados são incentivados a seguir padrões de transparência e registro centralizado Essa diretriz busca conciliar inovação financeira e estabilidade especialmente após as crises de 2008 e 2011 Já na Ásia conforme observa Stringham 2016 países como Japão e Singapura adotam modelo híbrido combinando flexibilidade negocial com forte supervisão estatal O resultado é um ambiente em que os contratos a termo convivem com derivativos complexos mantendo contudo rígido controle sobre liquidação e garantias O Brasil aproximase do modelo europeu priorizando segurança jurídica e integridade de mercado com centralização de registros e forte atuação da B3 como contraparte garantidora Tal modelo é considerado adequado ao estágio de maturidade institucional e ao perfil de risco dos investidores nacionais 59 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa 211 Lei das Sociedades Anônimas No Brasil as sociedades por ações ou sociedades anônimas SAs são disciplinadas pela Lei nº 6404 de 15 de dezembro de 1976 Lei das Sociedades por Ações LSA elaborada a partir de projeto legislativo dos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luís Bulhões Pedreira Sua promulgação ocorreu em contexto de crise de confiança no mercado de capitais após o boom especulativo de 1971 nas bolsas de São Paulo e Rio de Janeiro que gerou prejuízos generalizados a investidores individuais e expôs fragilidades regulatórias como falta de transparência manipulação de preços e insuficiente proteção aos minoritários A LSA surgiu com o objetivo duplo de fortalecer a governança corporativa e restaurar a credibilidade do mercado introduzindo mecanismos como direito de voto diferenciado obrigatoriedade de demonstrações financeiras auditadas fiscalização pelo conselho fiscal e proteção contra abusos de controle Sua estrutura normativa considerada pioneira e robusta é amplamente elogiada pela doutrina comercialista CARVALHOSA 20182025 COELHO 2022 o que explica sua longevidade sem reformas estruturais 212 Governança Corporativa Um dos temas mais relevantes e atuais no estudo das sociedades anônimas SAs é a governança corporativa corporate governance conjunto de práticas e mecanismos voltados para a gestão responsável transparente e sustentável das empresas com foco na mitigação de conflitos entre acionistas administradores e demais partes interessadas stakeholders Esse movimento teve origem nos Estados Unidos e no Reino Unido na década de 1990 impulsionado pela necessidade de restaurar a confiança dos investidores após escândalos corporativos e pela crescente separação entre propriedade e controle nas grandes companhias de capital pulverizado No Brasil a governança corporativa ganhou força com a criação do Novo Mercado da B3 antiga Bovespa em dezembro de 2000 inspirado em códigos internacionais e foi consolidada pela reforma da Lei das Sociedades por Ações LSA Lei nº 64041976 60 promovida pela Lei nº 103032001 Essa norma introduziu avanços como o tag along de 80 para acionistas minoritários em companhias abertas a obrigação de oferta pública de aquisição OPA em caso de alienação de controle e o voto em separado para eleição de conselheiros A governança corporativa baseiase em quatro pilares fundamentais Transparência Supera a mera obrigação legal de disclosure art 157 LSA exigindo divulgação proativa e tempestiva de informações relevantes incluindo políticas de remuneração e riscos ESG ambientais sociais e de governança Equidade Garante tratamento isonômico entre acionistas com proteção reforçada aos minoritários contra abusos de controle ex art 254A LSA OPA por valor econômico Prestação de contas accountability Administradores respondem por atos de gestão com base em demonstrações financeiras auditadas conforme e relatórios integrados Responsabilidade corporativa Incorpora a sustentabilidade como dever fiduciário com foco na longevidade da empresa e impactos socioambientais O fenômeno da dispersão acionária analisado por Berle e Means em The Modern Corporation and Private Property 1932 marcou a transição de empresas familiares para estruturas de controle gerencial em que a gestão é delegada a profissionais sem participação majoritária no capital Essa separação gerou o conflito de agência teorizado por Jensen e Meckling 1976 no qual administradores podem priorizar interesses próprios salários elevados perpetuação no cargo em detrimento dos acionistas Assim a Governança Coorporativa atua justamente como mecanismo de alinhamento de interesses reduzindo assimetrias informacionais e custos de agência 22 Características e Classificações As sociedades anônimas SA representam a forma mais desenvolvida de organização empresarial estruturada sobre a base do capital dividido em ações Entre suas características fundamentais destacamse a a natureza capitalista b a essência empresarial c a identificação exclusiva por denominação e d a responsabilidade limitada dos acionistas Essas características decorrem diretamente da Lei nº 64041976 com redações atualizadas pelas Leis nº 103032001 116382007 e 138182019 61 221 Natureza capitalista da sociedade anônima A SA é por excelência uma sociedade de capital em que o elemento determinante é a contribuição financeira dos acionistas e não sua identidade pessoal Diferentemente das sociedades contratuais em que a entrada de novos sócios depende da anuência dos demais na sociedade anônima a transferência das ações é livre conforme art 36 da LSA salvo restrições estatutárias ou acordos de acionistas devidamente arquivados na companhia art 118 da LSA Como o estatuto social fixa apenas o número e as espécies de ações e não a identidade de seus titulares a circulação de ações ocorre sem necessidade de alteração do ato constitutivo Assim a participação societária representada pelas ações pode ser livremente negociada penhorada ou transferida sem afetar a continuidade da pessoa jurídica Em essência a sociedade anônima tem por objetivo a reunião de capitais para fins empresariais e não a associação pessoal entre sócios A ausência de intuitu personae isto é da consideração da pessoa do sócio permite que a composição acionária varie constantemente sem prejuízo da estabilidade da empresa No entanto a doutrina contemporânea reconhece que em companhias fechadas e de estrutura familiar é comum o estatuto social prever limitações à circulação de ações conferindo um caráter parcialmente personalista à sociedade conforme ressalta Fábio Ulhoa Coelho 2022 222 Essência empresarial Nos termos do art 982 parágrafo único do Código Civil toda sociedade por ações é sociedade empresária independentemente de seu objeto social Isso significa que ainda que a companhia exerça atividade não tipicamente empresarial como a administração de bens próprios será sempre regida pelo regime jurídico empresarial Essa natureza já estava presente antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002 O art 2º 1º da LSA mantém a redação de que qualquer que seja o objeto a companhia é empresária e se rege pelas leis e usos do comércio Assim a essência empresarial da SA reflete sua vocação para a organização e captação de capitais integrandose à dinâmica do mercado e da economia 223 Identificação exclusiva por denominação 62 A SA é identificada exclusivamente por denominação social conforme o art 1160 do Código Civil e o art 3º da LSA Essa denominação deve incluir por extenso ou abreviadamente as expressões sociedade anônima ou companhia sendo vedado o uso de companhia no final do nome Portanto denominações como Cia de Alimentos Recife ou Recife Cia de Alimentos são admitidas mas Recife Alimentos Cia não é permitida Essa exigência decorre do próprio caráter anônimo da sociedade já que ao contrário das sociedades de pessoas o nome empresarial não identifica os sócios mas apenas a entidade jurídica A adoção de firma social que identifica sócios pelo nome civil é incompatível com a natureza da SA cuja estrutura visa justamente dissociar a identidade dos acionistas da pessoa jurídica Essa separação reforça a autonomia patrimonial e a impessoalidade da empresa princípios centrais do direito societário moderno 224 Responsabilidade limitada dos acionistas Outra característica essencial é a responsabilidade limitada dos acionistas prevista no art 1º da LSA A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas Assim cada acionista responde apenas pelo valor das ações que subscreveu ou adquiriu não sendo responsável pelas dívidas da sociedade Essa limitação é mais rigorosa que a existente na sociedade limitada pois conforme o art 1052 do Código Civil os sócios de limitada são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social Já na SA inexiste solidariedade entre acionistas Excepcionalmente a proteção da limitação pode ser afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art 50 do Código Civil e do art 4º da Lei nº 138742019 Lei da Liberdade Econômica quando comprovado desvio de finalidade ou confusão patrimonial 225 Classificação das sociedades anônimas 63 Conforme o art 4º da LSA as sociedades anônimas se classificam em abertas ou fechadas conforme seus valores mobiliários estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários A companhia aberta é aquela registrada na Comissão de Valores Mobiliários CVM nos termos do 1º do art 4º da LSA podendo emitir e negociar publicamente ações debêntures e outros valores mobiliários Já a companhia fechada não possui registro na CVM e não pode realizar oferta pública de valores mobiliários 2º do mesmo artigo A CVM autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda exerce a regulação e fiscalização do mercado de capitais em conjunto com o Banco Central do Brasil conforme previsto na Lei nº 63851976 atualizada pela Lei nº 135062017 Essa estrutura regulatória assegura transparência proteção aos investidores e estabilidade ao sistema financeiro nacional 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações As ações de uma sociedade anônima podem ser emitidas em diferentes espécies e classes cada qual com direitos e restrições próprios Essa diversidade permite que os acionistas possuam prerrogativas distintas conforme o tipo de ação que detêm Por exemplo as ações preferenciais podem garantir prioridade no recebimento de dividendos ou no reembolso do capital mas em regra restringem o direito de voto Apesar das diferenças entre as espécies a LSA assegura a todos os acionistas um conjunto de direitos essenciais que são inalienáveis e não podem ser suprimidos nem pelo estatuto nem pela assembleia geral 231 Direitos essenciais dos acionistas O art 109 da LSA lista os direitos fundamentais conferidos a todo acionista independentemente da espécie ou classe de ações I participar dos lucros sociais II participar do acervo da companhia em caso de liquidação III fiscalizar a gestão dos negócios sociais conforme a lei IV exercer preferência na subscrição de ações ou valores mobiliários conversíveis em ações 64 retirarse da sociedade nos casos previstos em lei Esses direitos são irrenunciáveis e inderrogáveis conforme o 2º do mesmo artigo que determina que nenhum estatuto pode restringir os meios legais que assegurem seu exercício Assim o acionista pode defendêlos judicialmente sempre que violados 232 Direito de participação nos lucros O direito de participar nos lucros sociais está condicionado à existência de resultados distribuíveis art 191 da LSA e às deliberações da Assembleia Geral Ordinária AGO sobre a destinação do lucro líquido art 192 Devem ser observadas as regras sobre dividendo obrigatório art 202 e sobre constituição de reservas arts 193 e 194 As ações podem assegurar dividendos diferentes conforme sua classe as preferenciais por exemplo podem garantir dividendos fixos ou mínimos conforme art 17 I da LSA A distribuição de dividendos sem observância das regras legais especialmente quando não há lucros ou reservas disponíveis acarreta responsabilidade solidária dos administradores e fiscais que devem restituir os valores pagos indevidamente art 201 1º Os acionistas que receberam tais valores de boafé não precisam devolvêlos sendo a boafé presumida quando os dividendos são pagos com base em balanço aprovado 233 Direito de fiscalização O direito de fiscalização é inerente a todos os acionistas e deve ser exercido por meio dos instrumentos previstos na LSA O principal deles é o Conselho Fiscal art 161 órgão obrigatório mas de funcionamento facultativo que pode ser instalado a pedido de acionistas que representem no mínimo 10 das ações com direito a voto ou 5 das ações sem voto Outros mecanismos incluem o direito de inspeção judicial pelo qual acionistas que representem pelo menos 5 do capital social podem requerer em juízo a exibição dos livros da companhia em caso de suspeita de irregularidades graves art 105 da LSA A fiscalização também se exerce por meio da análise das demonstrações financeiras e do relatório da administração disponibilizados antes da AGO arts 132 e 133 Nas companhias abertas a transparência é reforçada pela obrigatoriedade de auditoria independente conforme o art 177 3º da LSA e as normas da CVM 65 234 Direito de preferência O direito de preferência protege o acionista contra a diluição de sua participação societária Segundo o art 171 da LSA ele assegura prioridade na subscrição de novas ações e de valores mobiliários conversíveis em ações como debêntures ou bônus de subscrição O prazo mínimo para exercício é de 30 dias e o acionista pode ceder seu direito a terceiros 4º e 6º O art 172 da LSA permite em caráter excepcional que o estatuto exclua ou reduza o prazo do direito de preferência desde que se trate de companhia aberta com capital autorizado e que a emissão ocorra por meio de venda em bolsa subscrição pública ou permuta em oferta pública de aquisição de controle Em companhias fechadas a exclusão só é admitida para subscripção de ações vinculadas a incentivos fiscais 235 Direito de retirada direito de recesso O direito de retirada também chamado de direito de recesso consiste na prerrogativa conferida ao acionista de desligarse da sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações nas hipóteses expressamente previstas em lei Esse instituto tem natureza excepcional nas sociedades anônimas servindo como mecanismo de proteção ao acionista dissidente diante de deliberações que modifiquem de modo substancial a estrutura o objeto ou as condições de participação societária Embora as expressões direito de retirada e direito de recesso sejam frequentemente utilizadas como sinônimas parte da doutrina propõe uma distinção conceitual De acordo com essa leitura o direito de retirada previsto no art 1029 do Código Civil seria o poder do sócio de sair da sociedade sem apresentar motivo específico aplicável às sociedades contratuais como a limitada ou simples formadas por prazo indeterminado o direito de recesso por sua vez disciplinado no art 1077 do Código Civil e no art 137 da Lei das Sociedades por Ações LSA seria o direito de retirarse mediante justificativa legal fundada em dissidência com deliberação social relevante 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas 66 Nas sociedades anônimas por se tratar de uma sociedade de capital intuitu pecuniae e não de pessoas intuitu personae prevalece o princípio da livre negociabilidade das ações que substitui o vínculo pessoal por uma relação patrimonial Assim o desligamento do acionista ocorre normalmente pela alienação de suas ações no mercado e não por vontade direta de retirada Por essa razão o direito de recesso na SA é limitado e excepcional só podendo ser exercido nos casos expressamente previstos na LSA geralmente associados à dissidência em assembleias gerais sobre matérias de alta relevância para a estrutura ou o objeto da companhia 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso O art 137 da LSA dispõe que a aprovação de determinadas matérias pela assembleia geral assegura ao acionista dissidente o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações Essas matérias estão listadas nos incisos I a VI e IX do art 136 da LSA e exigem quórum qualificado de aprovação por alterarem aspectos fundamentais da companhia I criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem proporcionalidade com as demais II alteração nas preferências ou vantagens das ações preferenciais ou criação de nova classe mais favorecida III redução do dividendo obrigatório IV fusão da companhia ou sua incorporação em outra V participação em grupo de sociedades art 265 VI mudança do objeto social e IX cisão da companhia Além dessas a LSA prevê hipóteses autônomas em outros dispositivos como transformação da companhia art 221 fechamento de capital em operações de reorganização art 223 4º desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único incorporação de ações art 252 1º aquisição de controle por companhia aberta art 256 2º inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social art 136A Essas hipóteses visam tutelar o acionista contra deliberações que alterem substancialmente a natureza de sua participação societária 2353 Condições e limitações ao exercício O direito de recesso não é automático ele depende da demonstração de prejuízo efetivo à posição do acionista O art 137 I limita o direito nas hipóteses dos incisos I e II do art 136 67 aos titulares de ações da espécie ou classe prejudicada Assim se a deliberação não afeta determinada classe de ações seus titulares não têm direito ao reembolso Por outro lado nas hipóteses de fusão incorporação ou participação em grupo de sociedades art 136 IV e V o art 137 II nega o direito de recesso aos acionistas cujas ações possuam liquidez e dispersão no mercado Segundo a LSA há liquidez quando as ações integram índice representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no Brasil ou no exterior conforme definição da CVM há dispersão quando o acionista controlador sua controladora ou controladas detêm menos da metade das ações da espécie ou classe A razão é de ordem econômica se as ações são líquidas e amplamente negociáveis o acionista pode alienálas no mercado sem onerar a companhia com o pagamento do reembolso 2354 Prazo e procedimento O acionista dissidente que desejar exercer o direito de retirada deve requerer o reembolso no prazo de 30 dias contados da publicação da ata da assembleia que aprovou a deliberação art 137 IV da LSA O 4º do mesmo artigo estabelece que não exercido o direito no prazo ele se extingue Existem contudo variações 60 dias para desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único contagem a partir da assembleia especial ou de ratificação nas hipóteses dos arts 136 1º e 256 1º art 137 V contagem específica em casos de fusão ou incorporação art 230 contagem 120 dias após a assembleia quando houver perda da condição de companhia aberta art 223 3º e 4º O 2º do art 137 estabelece ainda que o direito de reembolso pode ser exercido mesmo que o acionista tenha se abstido de votar ou não tenha comparecido à assembleia o que demonstra o caráter objetivo e protetivo do instituto 2355 Assembleia de reconsideração 68 Após o encerramento do prazo de exercício a administração da companhia tem 10 dias para deliberar sobre os impactos financeiros do reembolso Se entender que o pagamento compromete a estabilidade econômica da empresa deve convocar assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação art 137 VI e 3º Se a deliberação for reconsiderada o direito de recesso deixa de existir se for ratificada o pagamento tornase obrigatório Essa previsão protege o equilíbrio patrimonial da companhia e os interesses de todos os acionistas 2356 Valor e forma do reembolso O valor do reembolso é em regra calculado com base no valor patrimonial da ação apurado no último balanço aprovado art 45 1º Se o balanço tiver mais de 60 dias o acionista pode requerer balanço especial hipótese em que a companhia deve pagar 80 do valor estimado de imediato e o saldo após a conclusão da perícia em até 120 dias art 45 2º O estatuto pode prever critérios alternativos de avaliação inclusive o valor econômico da companhia desde que observadas as regras dos 3º e 4º do art 45 que exigem laudo elaborado por três peritos independentes ou empresa especializada escolhidos em assembleia geral e responsáveis civilmente pelo conteúdo do parecer O pagamento é normalmente à vista exceto quando houver assembleia de reconsideração em operações de fusão ou incorporação pagamento condicionado à efetivação da operação quando houver balanço especial solicitado pelo acionista 2357 Considerações doutrinárias e críticas A LSA veda o recesso parcial ou seja o acionista deve retirarse integralmente não podendo solicitar reembolso de apenas parte de suas ações Parte da doutrina como Fábio Ulhoa Coelho critica essa restrição defendendo que o recesso parcial daria maior flexibilidade ao investidor e reduziria o impacto financeiro para a companhia Além disso Nelson Eizirik ressalta que o direito de recesso tem caráter instrumental e protetivo funcionando como válvula de segurança do sistema societário ao garantir ao acionista 69 minoritário uma saída justa quando houver alteração substancial das condições sob as quais ingressou na sociedade Portanto o direito de retirada na sociedade anônima é ao mesmo tempo limitação à rigidez estrutural da companhia e garantia de justiça contratual no âmbito das relações societárias 236 Direito de Voto O direito de voto é o principal direito político do acionista permitindolhe participar das decisões estratégicas da companhia nas assembleias gerais Todavia diferentemente dos direitos essenciais elencados no art 109 da Lei nº 64041976 LSA como o direito a dividendos à fiscalização e à participação no acervo em caso de liquidação o direito de voto não é considerado essencial podendo ser suprimido ou restringido como ocorre nas ações preferenciais Essa característica reflete a lógica do sistema das sociedades anônimas o acionista pode investir no capital social apenas com interesse econômico lucros e dividendos sem necessariamente participar das decisões de gestão 2361 Direito de voz x direito de voto Embora nem todo acionista possua direito de voto todos possuem direito de voz isto é o direito de participar discutir e se manifestar nas assembleias gerais O art 125 parágrafo único da LSA estabelece expressamente que os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleiageral e discutir a matéria submetida à deliberação Esse dispositivo assegura o direito de participação informada o acionista ainda que sem poder votar pode solicitar esclarecimentos debater os temas e influenciar indiretamente as deliberações contribuindo para a transparência e o controle social interno 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade A doutrina notadamente Fábio Ulhoa Coelho distingue duas modalidades de voto Voto de vontade é aquele em que o acionista expressa uma escolha deliberativa como na eleição de administradores ou na aprovação de alterações estatutárias Tratase de 70 voto genuinamente político que manifesta a vontade do acionista quanto aos rumos da companhia Voto de verdade é o voto por meio do qual o acionista atesta ou reconhece fatos sem efetuar escolha de mérito por exemplo ao aprovar demonstrações financeiras ou laudos de avaliação A distinção tem relevância penal o art 177 2º do Código Penal criminaliza a negociação ou venda do voto de verdade por se tratar de manifestação sobre fatos contábeis e não sobre opções políticas Apenas o voto de vontade é passível de negociação legítima como ocorre em acordos de voto art 118 da LSA 2363 Estrutura legal do direito de voto De acordo com o art 110 da LSA a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral Assim apenas as ações ordinárias ON conferem por natureza direito de voto pleno O 1º do mesmo artigo autoriza porém que o estatuto social limite o número de votos por acionista mecanismo utilizado em companhias de capital pulverizado para evitar a concentração excessiva de poder Em contraposição as ações preferenciais PN podem ter voto suprimido ou restrito em troca de vantagens econômicas conforme dispõe o art 111 da LSA 2364 O voto plural 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa Tradicionalmente o direito societário brasileiro adotava o princípio one share one vote uma ação um voto vedando expressamente a atribuição de voto plural isto é mais de um voto por ação conforme o antigo art 110 2º da LSA Essa vedação entretanto foi revogada pela Lei nº 141952021 que incluiu o art 110A autorizando a criação de classes de ações ordinárias com voto plural com até 10 votos por ação A inovação buscou adequar o Brasil às práticas internacionais sobretudo do mercado norteamericano em que o voto plural é amplamente utilizado para preservar o controle dos fundadores e ao mesmo tempo facilitar a captação de recursos 71 23642 Condições legais para criação do voto plural O art 110A da LSA determina que o voto plural pode ser instituído I em companhia fechada a qualquer tempo II em companhia aberta somente antes da negociação de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados A criação dessa classe de ações depende da aprovação em assembleia especial com quórum mínimo de metade dos votos das ações com direito a voto e metade das ações preferenciais sem voto ou com voto restrito art 110A 1º O estatuto pode exigir quórum maior 3º A deliberação que cria voto plural gera direito de retirada aos acionistas dissidentes salvo se tal possibilidade já estiver prevista ou autorizada no estatuto 2º 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção O voto plural tem prazo de vigência de até 7 anos podendo ser prorrogado mediante novo quórum qualificado 7º A prorrogação garante novo direito de retirada ao acionista dissidente As ações com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias comuns caso sejam transferidas a terceiros salvo nas hipóteses do 8º como quando o alienante permanece indiretamente no controle Além disso certas matérias não podem ser votadas com voto plural como remuneração de administradores art 110A 12 I transações com partes relacionadas relevantes conforme critérios da CVM 12 II Por fim o 14 exclui do regime do voto plural as empresas públicas sociedades de economia mista e suas controladas 2365 Exercício do direito de voto O art 111 da LSA permite que o estatuto da companhia restrinja ou suprima o direito de voto das ações preferenciais Todavia essas ações recuperam o direito de voto caso a companhia deixe de pagar os dividendos fixos ou mínimos por três exercícios consecutivos 1º O direito se mantém até o pagamento integral dos dividendos devidos se forem cumulativos ou até a 72 quitação do atraso se não forem O 2º prevê que as ações com voto restrito também terão suas limitações suspensas nas mesmas condições O 3º autoriza o estatuto a postergar a aplicação dessas regras até a conclusão do empreendimento inicial da companhia O direito de voto pode ser afetado quando a ação está gravada com penhor usufruto ou alienação fiduciária Ações penhoradas o penhor não retira o direito de voto do acionista salvo estipulação contratual em contrário art 113 caput da LSA Ações alienadas fiduciariamente o voto pertence ao devedor não ao credor fiduciário devendo ser exercido nos termos do contrato art 113 parágrafo único Ações com usufruto se o ato constitutivo não definir quem vota o direito só poderá ser exercido mediante acordo prévio entre proprietário e usufrutuário art 114 da LSA 2366 Abuso e conflito no exercício do voto O art 115 da LSA introduzido pela Lei nº 103032001 incorporou à legislação brasileira princípios de governança corporativa coibindo o abuso do direito de voto O acionista deve votar no interesse da companhia e considerase abusivo o voto exercido com o intuito de causar dano à companhia ou a outros acionistas obter vantagem indevida com prejuízo à sociedade O 3º prevê responsabilidade civil mesmo se o voto abusivo não prevalecer na deliberação Já o 1º do art 115 trata do voto conflitante proibindo o acionista de votar na aprovação do laudo de avaliação dos bens que utilizou para integralizar o capital na aprovação de suas próprias contas como administrador em quaisquer deliberações que possam beneficiálo de modo particular ou em que tenha interesse conflitante com o da companhia A deliberação tomada com voto conflitante é anulável e o acionista responde pelos danos e deve transferir à companhia as vantagens obtidas 4º O Enunciado nº 14 da I Jornada de Direito Comercial do CJF reforça essa vedação afirmando que é ilícito aos administradores votarem direta ou indiretamente para aprovar ou rejeitar suas próprias contas Vale mencionar a diferença entre os votos conflitantes podendo haver conflito formal e conflito material A doutrina distingue dois tipos de conflito de interesses 73 Conflito formal decorre de situação expressamente prevista em lei havendo proibição absoluta de voto por exemplo aprovação do laudo de bens próprios ou das próprias contas Conflito material não é presumido pela lei depende da análise concreta das circunstâncias O voto pode ser proferido mas estará sujeito a controle posterior podendo ser anulado se comprovado o prejuízo à companhia O voto abusivo e o voto conflitante distinguemse portanto pelo elemento volitivo e pela consequência jurídica o voto abusivo gera responsabilidade civil ainda que não prevaleça o voto conflitante permite além da responsabilidade a anulação da deliberação quando o voto foi decisivo Portanto o direito de voto é a principal expressão da soberania do acionista dentro da sociedade anônima Sua disciplina revela o equilíbrio entre democracia societária e proteção institucional garantindo que o poder político dentro da companhia seja exercido com responsabilidade lealdade e transparência 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão No âmbito do Direito Societário são chamadas operações societárias as transformações estruturais que alteram a forma a composição ou a organização das sociedades resultando em modificações substanciais de sua estrutura jurídica e patrimonial Entre as principais operações estão a incorporação a fusão e a cisão Essas operações têm natureza eminentemente organizacional e patrimonial refletindo a dinâmica do mercado e o princípio da livre iniciativa Seu objetivo é permitir que as sociedades se adaptem a novas estratégias econômicas ampliem sua capacidade de atuação ou se reorganizem para maior eficiência empresarial A matéria é disciplinada conjuntamente pela Lei nº 64041976 LSA aplicável às sociedades por ações e pelo Código Civil de 2002 que regula as demais sociedades empresárias Em caso de conflito de normas prevalece o regime da LSA em razão da especialidade O Enunciado nº 70 do Conselho da Justiça Federal CJF sintetiza essa regra As disposições sobre incorporação fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas As disposições da Lei nº 64041976 sobre essa matéria aplicamse por analogia às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso 74 241 Incorporação A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra que lhes sucede universalmente em todos os direitos e obrigações Essa definição está prevista tanto no art 227 da LSA quanto no art 1116 do Código Civil que dispõem em termos praticamente idênticos Em termos práticos a sociedade incorporadora adquire o patrimônio das incorporadas e estas são extintas sem formação de nova pessoa jurídica A incorporadora continua existindo mas com seu patrimônio e estrutura modificados O procedimento de incorporação envolve duas etapas principais 1 Aprovação do protocolo e nomeação de peritos A assembleia geral da incorporadora ao aprovar o protocolo da operação deve autorizar o aumento de capital a ser subscrito pela incorporada mediante a versão de seu patrimônio líquido e nomear peritos para avaliálo art 227 1º LSA 2 Aprovação do laudo de avaliação e consumação da operação Após a avaliação nova assembleia da incorporadora deve aprovar o laudo e consumar a incorporação declarando extinta a sociedade incorporada art 227 3º LSA art 1118 do CC A operação deve ser arquivada e publicada na Junta Comercial competente Importa observar que a Instrução Normativa DREI nº 812020 art 70 parágrafo único admite a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo desde que o procedimento seja regularmente aprovado 242 Fusão A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma nova sociedade que lhes sucede integralmente em direitos e obrigações A definição consta do art 228 da LSA e do art 1119 do Código Civil sendo a fusão caracterizada portanto pela extinção simultânea das sociedades anteriores e pela criação de uma nova pessoa jurídica O procedimento de fusão compreende duas etapas 1 Assembleia de cada sociedade envolvida Cada sociedade deve realizar assembleia geral para aprovar o protocolo de fusão nomear peritos para avaliar os patrimônios líquidos das demais e aprovar o projeto de constituição da nova sociedade art 228 1º LSA art 1120 1º CC 75 2 Assembleia conjunta de constituição Após os laudos de avaliação os administradores convocam assembleia conjunta para tomar conhecimento dos laudos e aprovar a constituição definitiva da nova sociedade art 228 2º LSA Os sócios são vedados de votar o laudo de avaliação referente à sociedade da qual façam parte art 228 2º parte final LSA Por fim constituída a nova sociedade seus administradores devem promover o arquivamento e a publicação dos atos da fusão art 228 3º LSA art 1121 CC 243 Cisão A cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parte ou a totalidade de seu patrimônio a uma ou mais sociedades já existentes ou constituídas para esse fim De acordo com o art 229 da LSA a cisão pode ser Parcial quando há transferência de apenas parte do patrimônio Total quando há transferência de todo o patrimônio extinguindose a sociedade cindida A cisão é uma forma de reorganização que visa à especialização de atividades separação de negócios ou reorganização de grupos econômicos O procedimento varia conforme o tipo de cisão 1 Cisão com criação de nova sociedade A assembleia geral da companhia cindida deve aprovar a justificação da operação nomear peritos para avaliar o patrimônio transferido e constituir a nova sociedade art 229 2º LSA 2 Cisão com versão de patrimônio para sociedade existente Nesse caso aplicamse as mesmas regras da incorporação art 229 3º LSA Em ambos os casos as sociedades envolvidas devem arquivar e publicar os atos societários correspondentes Ainda nos termos do art 229 1º LSA a sociedade que absorver parcela do patrimônio da cindida sucedea nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão Se a cisão for total as sucessoras responderão proporcionalmente ao patrimônio recebido Quando houver extinção da sociedade cindida o arquivamento e publicação dos atos competem aos administradores das sociedades que absorveram o patrimônio art 229 4º LSA As ações emitidas em substituição às anteriores devem ser atribuídas proporcionalmente à participação anterior dos acionistas salvo se houver aprovação unânime para proporção diversa art 229 5º LSA 76 Operação Surge nova sociedade Sociedades extintas Sucessão universal Incorporação Não Sim as incorporadas Sim Fusão Sim Sim todas as fundidas Sim Cisão parcial Não Não Parcial Cisão total Não Sim a cindida Sim 77 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais A operação a termo conforme delineada no Capítulo 1 consubstanciase em um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam no presente a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação entrega do ativo e pagamento do preço em data futura predeterminada ASSAF NETO 2023 Tratase portanto de uma relação obrigacional que engendra expectativas de direitos e obrigações mas que até o momento da liquidação não altera a titularidade registral dos ativos objeto do contrato Em paralelo o regime jurídico das sociedades anônimas estabelecido pela Lei n 64041976 Lei das SA atribui um conjunto de direitos e prerrogativas aos acionistas titularizados por aqueles que constam como tal nos registros societários da companhia no momento do exercício do direito Dentre tais direitos destacamse para esta análise o direito de voto em assembleias gerais art 109 caput da Lei n 64041976 e o direito de recesso art 137 da Lei n 64041976 este último acionado em hipóteses excepcionais que implicam alteração substantiva na estrutura ou objeto social como incorporações fusões e cisões Surge então uma zona de tensão jurídica quando o vencimento de uma operação a termo é posterior à data de um evento societário relevante que confere direitos aos acionistas registrais Colidem nesse cenário dois planos temporais distintos o plano obrigacional que mira o futuro a liquidação do termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos A problemática central que este capítulo se propõe a analisar é em uma operação a termo ainda não liquidada quem é o legítimo titular para o exercício de direitos societários notadamente o voto e o recesso decorrentes de um evento como uma incorporação o vendedor a termo cedente que ainda detém o registro formal das ações ou o comprador a termo tomador que já assumiu o risco econômico e a expectativa de propriedade sobre os ativos De um lado o vendedor a termo ainda formalmente acionista poderia ser considerado o detentor legítimo desses direitos com base no princípio do registro e da segurança jurídica das relações societárias De outro o comprador a termo que suporta as variações de valor do ativo desde a contratação e tem o compromisso de adquirilo no futuro possui inequívoco interesse econômico no desfecho do evento societário levantando a questão sobre se a mera 78 titularidade registral desprovida do risco econômico deveria ser o único critério para o exercício de direitos tão sensíveis A solução para este impasse não é pacífica na doutrina e na jurisprudência exigindo uma análise aprofundada da natureza jurídica da posição das partes no contrato a termo e da teleologia dos direitos societários em questão 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo Para compreender a distribuição dos direitos societários em uma operação a termo pendente de liquidação é imperioso revisitar a natureza jurídica desse contrato e consequentemente a posição ocupada pelo comprador tomador e pelo vendedor cedente Conforme previamente estabelecido a operação a termo é classificada como um contrato derivativo consensual bilateral e oneroso BULGARELLI 2021 CARVALHOSA 2022 Sua essência é obrigacional consistindo em um acordo de vontades que gera para as partes o de dare obrigação de entregar o ativo e o de solvere obrigação de pagar o preço cujo cumprimento é diferido para uma data futura A Lei n 63851976 em seu art 2º VII ao definir valores mobiliários inclui expressamente os contratos a termo submetendoos à regulação da CVM o que reforça seu caráter de instrumento financeiro com feições públicas Dessa natureza decorre a distinção fundamental entre propriedade plena e expectativa de direito Propriedade Plena Vendedor a Termo Até a efetiva liquidação da operação D0 ou D2 conforme o caso as ações objeto do contrato permanecem registradas em nome do vendedor a termo seja no livro de registro de ações nominativas da companhia seja na conta de custódia mantida por instituição autorizada art 34 da Lei n 64041976 O vendedor detém perante a sociedade e terceiros a titularidade formal e todos os direitos de acionista dela decorrentes incluindo os direitos políticos voto e o direito de recesso É a posição que confere segurança e publicidade às relações societárias Expectativa de Direito Comprador a Termo O comprador a termo por sua vez é titular de um direito creditório uma expectativa jurídica legitimamente constituída de se tornar proprietário das ações na data do vencimento Ele assume o risco econômico beneficium e onus da variação do preço do ativo subjacente desde a data da contratação 79 Contudo esta expectativa embora juridicamente protegida não se confunde com a propriedade Conforme ensina Eizirik 2023 p 415 o tomador a termo não é acionista mas credor de uma obrigação de dar não podendo em tese exercer os direitos inerentes à condição de sócio O cerne da discussão doutrinária reside em qualificar se essa posição do comprador se resume a um mero crédito ou se encerra uma figura mais complexa Para parte da doutrina como Carvalhosa 2022 p 431 a operação a termo embora de natureza obrigacional cria para o comprador uma situação jurídica que se aproxima de um direito real resolúvel pois desde a celebração do contrato ele fica subrogado economicamente na posição de proprietário Nesta visão há uma quasepropriedade ou um ius ad rem direito à coisa que justificaria em tese um tratamento que considere seu interesse econômico substancial Em sentido oposto prevalece o entendimento de que a natureza é estritamente obrigacional Coelho 2022 p 278 é categórico ao afirmar que a operação a termo não transfere à sua celebração a propriedade das ações O comprador adquire um direito pessoal contra o vendedor e não um direito real sobre as ações Esta é a posição que melhor se coaduna com o sistema de registro da Lei das SA e com a segurança do mercado pois evita a pulverização da titularidade de direitos e a insegurança sobre quem é efetivamente o acionista para a companhia Sob a ótica do direito societário puro a titularidade para o exercício de direitos como o voto e o recesso permanece com o vendedor a termo acionista registral Qualquer mitigação deste princípio depende de convenção entre as partes que por meio de cláusulas contratuais acessórias podem disciplinar o exercício desses direitos durante a vigência do termo sem contudo alterar a titularidade registral perante a sociedade 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso Para ilustrar a colisão de planos temporais e os conflitos jurídicos decorrentes analisa se um cenário hipotético porém recorrente no mercado de capitais Cenário A Companhia Alfa SA será incorporada pela Companhia Beta SA A assembleia geral extraordinária da Companhia Alfa é convocada para deliberar sobre a incorporação nos termos do art 226 da Lei n 64041976 Conforme disposto no art 136 IV 80 da mesma lei a aprovação dessa matéria assegura aos acionistas dissidentes o direito de recesso previsto no art 137 Situação Um bloco significativo de ações ordinárias da Companhia Alfa é objeto de uma operação a termo O senhor João cedente vendeu a termo essas ações para a senhora Maria tomadora Contudo a data de liquidação física do contrato a termo está calendarizada para ocorrer após a realização da assembleia geral que votará a incorporação Neste ínterim João permanece como o acionista registral das ações no livro de registros da Companhia Alfa O Dilema 1João Vendedor a Termo Do ponto de vista estritamente legal e registral João é o acionista Com base no art 137 da Lei n 64041976 ele tem o direito potestativo de exercer o recesso retirandose da sociedade e recebendo o reembolso pelo valor de suas ações calculado com base no último balanço aprovado ou por valuation específico art 45 da Lei n 64041976 O fato de ele ter celebrado um contrato a termo com Maria é uma relação obrigacional distinta de sua condição de acionista perante a companhia Se ele exercer o recesso receberá o valor do reembolso da Companhia Alfa No vencimento do termo ele não poderá entregar as ações a Maria pois estas terão sido remidas pela companhia Surge então a questão pode ele licitamente exercer esse direito e embolsar a diferença entre o valor do reembolso potencialmente mais alto e o preço a termo previamente acordado com Maria 2Maria Compradora a Termo Maria por sua vez já assumiu o risco econômico das ações O preço a termo que ela pagará a João foi fixado com base em expectativas de mercado que incluíam a continuidade da Companhia Alfa como entidade independente ou sua transformação via incorporação O exercício do recesso por João frustra completamente sua expectativa contratual O interesse econômico de Maria é que as ações não sejam retiradas para que na data de liquidação do termo ela possa recebêlas e subsequentemente trocálas pelas ações da sucessora Companhia Beta conforme estabelecido no protocolo de incorporação Como ela pode proteger seu interesse Sem previsão contratual sua posição é frágil Ela poderá alegar em uma eventual ação contra João que o exercício do recesso configura enriquecimento sem causa art 884 do Código Civil ou mesmo abuso de direito art 187 do Código Civil pois João estaria utilizando uma prerrogativa legal o recesso de forma a causar dano a ela e a obter vantagem indevida já que o risco econômico já não lhe pertencia No entanto tratarse ia de uma demanda complexa a posteriori para buscar perdas e danos Este caso explicita o núcleo do problema a desconexão entre a titularidade formal do direito de recesso de João com base no registro e a titularidade econômica e do risco de 81 Maria com base no contrato a termo A lei societária por si só não oferece uma solução pronta para este impasse tornando crucial a análise de como o ordenamento jurídico e a prática contratual podem equacionar este conflito 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica A definição do legítimo titular do direito de recesso em operações a termo não liquidadas constitui um dos dilemas mais intrincados do direito societário contemporâneo O tema exige uma abordagem multifacetada que combine a dogmática jurídica tradicional a análise econômica do direito e os princípios da boafé e da função social dos contratos A controvérsia revela um conflito estrutural entre a forma registral expressão do formalismo jurídico e da segurança das relações societárias e a realidade econômica expressão da substância e da justiça material nas relações contratuais complexas O problema centrase na seguinte questão quem detém o direito de recesso em uma operação a termo ainda não liquidada o acionista registral vendedor a termo ou o comprador titular do interesse econômico sobre as ações A resposta não é unívoca e depende da leitura conjugada da legislação societária da doutrina civilista e dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral A tese que confere a titularidade do direito de recesso ao vendedor a termo repousa sobre fundamentos jurídicopositivos consistentes e historicamente enraizados na dogmática societária brasileira a O Sistema Registral como Pilar de Segurança Jurídica Nos termos do art 31 da Lei nº 64041976 Lei das SA a condição de acionista é definida pelo registro do titular no livro de ações nominativas da companhia Esse registro possui natureza constitutiva e não meramente declaratória sendo elemento indispensável para o exercício dos direitos políticos e patrimoniais inerentes à ação Como observa Eizirik 2023 p 228 a companhia apenas reconhece e se relaciona com quem figura como acionista em seus livros eventuais negócios jurídicos subjacentes como contratos a termo ou de derivativos não alteram a titularidade formal enquanto não houver 82 registro da transferência Assim o sistema registral funciona como instrumento de publicidade segurança e previsibilidade valores que sustentam a estabilidade das relações societárias e protegem terceiros de boafé b Interpretação Literal e Sistemática do Art 137 da Lei das SA O art 137 da Lei das SA confere o direito de recesso ao acionista dissidente de determinadas deliberações assembleares Uma interpretação literal e sistemática desse dispositivo revela que o legislador ao empregar reiteradamente o termo acionista se refere exclusivamente ao titular formal registrado nos livros da companhia Assim a titularidade do recesso é indissociável da titularidade registral Qualquer tentativa de ampliar essa definição para abarcar o comprador a termo ainda não registrado implicaria alteração do regime legal vigente violando o princípio da legalidade art 5º II da CF1988 e subvertendo a coerência do sistema societário Como ensina Comparato 2018 p 423 a disciplina das companhias se constrói sobre a certeza formal dos registros sem a qual desapareceria a segurança necessária ao funcionamento do mercado de capitais c Natureza Obrigacional da Operação a Termo O contrato a termo não transfere de imediato a propriedade das ações Tratase de um negócio obrigacional que gera para as partes deveres de fazer e obrigações futuras de entrega e pagamento conforme acentua Coelho 2022 p 315 o contrato a termo até sua liquidação não opera a transferência da propriedade mas apenas cria expectativas jurídicas correlatas Consequentemente todos os direitos inerentes à propriedade das ações inclusive o direito de recesso permanecem com o vendedor até a efetiva liquidação e registro da transferência d Preservação da Autonomia e das Garantias do Acionista O direito de recesso tem natureza protetiva assegurando ao acionista dissidente a liberdade de desvincularse de modificações profundas na estrutura societária Admitir que um terceiro ainda que economicamente interessado interfira nesse direito seria esvaziar o núcleo essencial de autonomia assegurado ao acionista registral comprometendo a coerência do regime jurídico das SA 83 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico Em contrapartida a posição que reconhece o comprador a termo como legítimo titular ou beneficiário indireto do recesso encontra respaldo em argumentos principiológicos e econômicos que buscam alinhar o direito positivo à realidade dos mercados financeiros a Princípio da BoaFé Objetiva e Função Social do Contrato Nos termos do art 113 do Código Civil os contratos devem ser interpretados conforme a boafé objetiva e os usos do lugar A boafé impõe às partes deveres de lealdade transparência e cooperação impedindo o exercício oportunista de posições jurídicas Quando o vendedor ciente de que o valor da ação aumentará em razão de um evento societário que ensejará direito de recesso exerce esse direito com o intuito de auferir lucro extraordinário viola a confiança legítima do comprador frustrando a função econômica do contrato e ferindo o equilíbrio contratual b Teoria do Abuso de Direito Aplicada ao Direito de Recesso O art 187 do Código Civil estabelece que comete abuso de direito aquele que mesmo agindo dentro da legalidade formal excede manifestamente os limites impostos pela boafé pela finalidade social ou pela função econômica do direito Assim o exercício do recesso pelo vendedor quando desprovido de propósito protetivo e voltado à obtenção de vantagem indevida configura abuso de direito Os critérios de identificação do abuso conforme a doutrina de Gagliano e Pamplona Filho 2022 incluem 1 Desproporção entre a vantagem do titular e o prejuízo de outrem 2 Desvio de finalidade quando o direito é exercido para propósito diverso do que justificou sua concessão 3 Violação da confiança legítima depositada na relação contratual c Enriquecimento sem Causa e Dever de Restituição O art 884 do Código Civil impõe a restituição de valores obtidos mediante enriquecimento sem causa Assim o vendedor que exerce abusivamente o recesso capturando 84 um ganho econômico que já havia sido transferido economicamente ao comprador deve restituir a vantagem indevida sob pena de desequilíbrio contratual Como explica Tartuce 2023 p 892 a vedação ao enriquecimento sem causa é expressão do princípio da justiça comutativa e da função corretiva do direito privado d Análise Econômica do Direito e Justiça Substantiva Sob a ótica da análise econômica do direito o recesso representa um ativo econômico incorporado ao valor da ação Ao celebrar o contrato a termo as partes precificam o risco e o potencial de valorização inclusive decorrente de eventos societários Permitir que o vendedor capture integralmente esse valor seria romper a simetria de expectativas e criar incentivos distorcidos ao comportamento oportunista Dessa forma a justiça substancial e o equilíbrio econômicocontratual justificam a proteção do comprador ainda que à margem do formalismo registral 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos O mercado financeiro sensível a esses riscos tem desenvolvido mecanismos contratuais sofisticados para mitigar disputas sobre o direito de recesso 1 Cláusulas de Exercise and Settle conferem ao comprador a prerrogativa de decidir sobre o exercício do recesso cabendo ao vendedor executar as instruções recebidas 2 Cláusulas de Cash Settlement Adaptadas preveem liquidação financeira em caso de exercício do recesso pelo vendedor garantindo compensação ao comprador pela diferença entre o valor de reembolso e o preço pactuado 3 Representações e Garantias Contratuais o vendedor declara expressamente que não exercerá direitos societários que possam frustrar a operação sob pena de multa contratual 4 Cláusulas de Cooperação e Notificação obrigam o vendedor a comunicar imediatamente ao comprador qualquer evento que possa gerar direito de recesso reforçando a boafé objetiva e o dever de transparência Essas soluções evidenciam a busca do mercado por autonomia privada regulada capaz de harmonizar o formalismo societário com a eficiência econômica 85 344 Conclusão da Análise A controvérsia sobre a titularidade do direito de recesso em operações a termo reflete o tensionamento entre o formalismo jurídico e a realidade econômica entre o registro societário e o interesse econômico subjacente Enquanto a posição do vendedor assegura segurança previsibilidade e coerência com a estrutura legal vigente a posição do comprador introduz elementos de equidade boafé e justiça material evitando comportamentos oportunistas e assegurando a efetividade da função social do contrato A jurisprudência brasileira ainda incipiente no tema tende a adotar uma postura formalista reconhecendo a titularidade do vendedor mas progressivamente admite responsabilização civil por abuso de direito ou enriquecimento sem causa quando comprovada máfé ou desvio de finalidade Em última análise a solução futura desse impasse dependerá de uma evolução legislativa ou jurisprudencial que reconheça a importância da realidade econômica nas operações societárias complexas harmonizando o princípio da segurança jurídica com o princípio da justiça contratual Assim o direito societário brasileiro poderá caminhar para um modelo híbrido no qual a forma registral e a substância econômica coexistam de modo equilibrado assegurando simultaneamente certeza formal e justiça material 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários A investigação jurisprudencial e doutrinária sobre a temática revela um cenário de significativa carência de precedentes específicos que abordem diretamente o conflito entre operações a termo e o exercício do direito de recesso Esta lacuna por si só é um dado relevante que corrobora a tese da insegurança jurídica na matéria 351 Análise da Jurisprudência Pertinente A pesquisa nos tribunais pátrios notadamente no Superior Tribunal de Justiça STJ corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional não identificou julgados que tenham enfrentado diretamente a questão da titularidade do direito de 86 recesso em operações a termo Contudo decisões sobre temas afins oferecem subsídios para a construção de um entendimento analógico Tabela 1 Decisões sobre Direito de Recesso e Reorganização Societária Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT 1 Comissão de Valores Mobiliários CVM Processo Administrativo nº RJ20120249 Incorporação de ações da Telemar Participações SA Reconheceu que em contratos de empréstimo de ações os tomadores e não os doadores detinham o direito de recesso exigindo se titularidade ininterrupta até a data da deliberação O caso embora distinto empréstimo de ações reforça o princípio de que a titularidade dos direitos societários pode ser desmembrada da propriedade registral por acordo das partes desde que a companhia tenha ciência do arranjo COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Processo Administrativo nº RJ20120249 Relator Nome do Relator 11 jan 2012 2 Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 1540428SP Alienação de controle acionário Estabeleceu parâmetros para caracterização de alienação de controle e seus efeitos para acionistas minoritários O entendimento consolida a proteção do minoritário em eventos de alteração de controle princípio que pode ser invocado para proteger o comprador a termo que se encontra em situação análoga à de um minoritário cujos direitos são ameaçados SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1540428SP Relator Ministro Nome do Relator julgado em 16 mar 2018 3 STJ REsp 1837538SP Alienação de controle OPA tag along Reconheceu que mesmo a alienação parcial de controle pode caracterizar alteração substancial do bloco controlador ativando obrigações de proteção O precedente é útil para demonstrar a sensibilidade do STJ em proteger a legítima expectativa dos investidores em cenários de mudança de controle um valor jurídico que pode ser estendido ao comprador a termo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1837538SP Relator Ministro Nome do Relator Publicado em 25 jun 2024 87 A ausência de um julgado específico no STJ sobre o ponto revela que a solução para estes conflitos tem sido buscada predominantemente na esfera contratual ou em instâncias inferiores sem que o tema tenha alcançado a corte uniformizadora 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados A doutrina especializada por outro lado tem se debruçado sobre a questão com maior profundidade oferecendo o arcabouço teórico necessário para a análise Tabela 2 Doutrina para Fundamentação do Tema Nº Autor Trabalho Tema Observações Referência ABNT 1 LEITE Alyne de Oliveira et al Direito de recesso na reorganização societária Fundamenta a tipicidade das hipóteses legais e a função protetiva do recesso para o acionista minoritário A análise reforça a natureza personalíssima do direito o que em tese apoiaria a titularidade do vendedor a termo mas também evidencia seu caráter de tutela de uma expectativa legítima que pode ser invocada pelo comprador LEITE Alyne de Oliveira DIAZ GINO Bethsaida de Sá Barreto CLAUDINO Gilbene Calixto Pereira As sociedades anônimas e o direito de recesso como norma de proteção aos acionistas minoritários na reorganização societária 2022 Dissertação Mestrado Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo 2022 2 MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo Analisa critérios como liquidez dispersão acionária e a necessidade de titularidade contínua para o exercício do recesso A obra é fundamental para compreender que o direito de recesso é um instituto complexo cujo exercício depende de condições fáticas e jurídicas específicas não se resumindo a uma mera verificação registral MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo nas sociedades por ações 2019 Dissertação Mestrado Fundação Getulio Vargas São Paulo 2019 3 CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e proteção dos minoritários Estuda a limitação dos poderes do controlador e os mecanismos de proteção em eventos de alteração de controle A tese é útil para transpor os argumentos de proteção ao investidor para o contexto da operação a termo tratando o comprador como um detentor de interesse econômico merecedor de tutela análoga CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e os mecanismos de proteção dos acionistas minoritários 2014 Tese Doutorado Universidade de São Paulo São Paulo 2014 88 A doutrina consultada em seu conjunto não oferece uma solução unânime mas fornece os instrumentos teóricos para ambas as teses De um lado reforça a segurança do registro de outro enfatiza os princípios da boafé o combate ao abuso de direito e a proteção da expectativa legítima do investidor 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária A escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema específico é em si um dado significativo Ela evidencia uma lacuna legal e jurisprudencial que transfere para as partes a primazia na solução do conflito via instrumentos contratuais A ausência de um norte claro do Poder Judiciário ou da CVM gera insegurança e eleva o custo de transação pois as partes não podem prever com certeza o desfecho de um eventual litígio Esta constatação reforça a tese central de que na atual quadra a solução mais eficiente e segura é a previsão contratual expressa A jurisprudência e a doutrina embora não solucionem o problema diretamente oferecem os princípios gerais abuso de direito boafé objetiva enriquecimento sem causa que servirão de base para o julgador preencher essa lacuna quando chamado a se pronunciar tendendo a proteger a parte que agiu de acordo com a lógica econômica do contrato e em conformidade com a boafé A lei é omissa quanto à definição do legítimo titular de direitos como o voto e sobretudo o recesso quando a titularidade registral do vendedor a termo e a titularidade econômica do comprador a termo se divorciam temporalmente Esta lacuna legislativa gera uma zona de incerteza que contraria os princípios basilares da segurança jurídica e da previsibilidade essenciais para o pleno funcionamento e o desenvolvimento do mercado de capitais Diante deste vácuo normativo a pesquisa aponta que a solução mais segura e eficiente reside na previsão contratual detalhada Contratos de operações a termo especialmente quando envolvem blocos relevantes de ações devem incorporar cláusulas específicas que disciplinem de maneira inequívoca a gestão dos direitos societários durante a vigência do contrato Tais cláusulas que podem estabelecer a transferência da instrução de voto a definição sobre o exercício do recesso e a destinação dos valores dele decorrentes constituem o mecanismo mais adequado para prevenir litígios e alinhar os interesses das partes à realidade econômica por elas pactuada Contudo na ausência de tal previsão contratual o conflito estará fadado a ser resolvido pelo Poder Judiciário em um cenário onde ambas as partes detêm argumentos juridicamente 89 válidos De um lado o vendedor a termo se ampara no rigor formal do sistema registral da Lei das SA de outro o comprador a termo invoca princípios gerais de elevada estatura como a boafé objetiva a função social do contrato e a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Apesar da solidez do argumento formalista o estudo indica uma tendência principiológica em favor da proteção ao comprador que suporta integralmente o risco econômico do ativo A jurisprudência analógica e os fundamentos doutrinários sugerem que quando demonstrado que o exercício do direito de recesso pelo vendedor configura um ato em descompasso com a boafé visando a uma vantagem especulativa não prevista e causando um prejuízo certo ao comprador os tribunais poderão caracterizar o abuso de direito Nesta hipótese ainda que se reconheça a titularidade formal do vendedor imporseá a ele o dever de indenizar o comprador ou de repassar os valores percebidos assegurandose assim a justiça substantiva da relação A omissão da lei não pode servir de escudo para condutas abusivas A evolução do mercado de capitais com o aumento da complexidade dos instrumentos financeiros exige uma interpretação do direito que seja capaz de harmonizar a segurança das formas com a efetiva tutela dos interesses econômicos legítimos e da confiança depositada nas relações negociais 90 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições A operação a termo pela sua própria natureza jurídica de contrato de execução diferida pode ser utilizada como um instrumento estratégico para a aquisição de participações acionárias relevantes inclusive de blocos de controle com um significativo grau de opacidade perante o mercado Esta característica quando explorada de forma ilícita convertese em um vetor de graves distorções à integridade e à equidade do mercado de capitais O cerne desta opacidade reside no fato de que a operação a termo em sua fase pré liquidação não constitui um evento de alteração de titularidade perante os registros societários da companhia emissora Consequentemente um investidor pode celebrar uma série de contratos a termo com diferentes vendedores acumulando a expectativa de aquisição de um bloco acionário substancial sem que este acúmulo seja de conhecimento público ou em certos casos sequer da própria companhiaalvo Esta estratégia permite que o aquirente contorne temporariamente os deveres de disclosure imediato impostos pela regulamentação O art 12 da Resolução CVM nº 44 de 2021 que consolida a antiga Instrução CVM 358 estabelece a obrigação de comunicar à CVM e ao mercado a aquisição de quantidade de valores mobiliários que em conjunto com outras já detidas atinja ou ultrapasse 5 10 15 e assim sucessivamente do capital total de uma companhia aberta No entanto a aquisição referida pela norma tipicamente se reporta à aquisição da propriedade plena registrada nos livros societários Dessa forma um agente pode em tese acumular posições a termo equivalentes a 10 15 ou mesmo ao controle da companhia sem desencadear a obrigação de comunicar esses fatos ao mercado Esta janela de opacidade que perdura desde a contratação até a liquidação física das operações cria um ambiente propício para a prática de duas das mais graves infrações do mercado de capitais a manipulação de mercado e o uso de informação privilegiada insider trading O investidor pode se utilizar desse período de invisibilidade para orquestrar sua estratégia de aquisição em condições de vantagem indevida comprando papéis a preços que não refletem a futura mudança de controle ou a sua própria demanda agregada em prejuízo dos demais participantes do mercado que negociam sem o mesmo conhecimento 91 Este capítulo tem como objetivo investigar de forma aprofundada como a operação a termo pode ser instrumentalizada para fins ilícitos em processos de aquisição analisando os mecanismos dessas condutas o enquadramento legal aplicável e as consequências jurídico administrativas decorrentes com base na legislação vigente e em casos concretos apurados pela CVM 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo A aquisição fracionada de controle por meio de operações a termo constitui uma forma sofisticada de engenharia financeira frequentemente empregada em mercados de capitais maduros mas que em contextos de menor transparência regulatória pode ensejar sérios riscos de ilicitude e de assimetria informacional Essa estrutura embora possa ser legítima quando orientada por finalidades econômicas autênticas e pela observância dos deveres de conduta e transparência tornase problemática quando instrumentalizada para ocultar a formação de blocos de controle ou dilatar indevidamente o dever de comunicação ao mercado Em termos técnicos o mecanismo consiste na celebração de múltiplos contratos a termo instrumentos derivativos que preveem a compra futura de ações a preço e data previamente determinados firmados por um investidor individual ou por um grupo de investidores atuando de forma concertada O objeto desses contratos são ações de uma mesma companhiaalvo de modo que ao final o adquirente consolida uma posição econômica equivalente ao controle societário sem que até a liquidação haja transferência formal de titularidade O caráter crítico e sensível dessa prática reside em sua furtividade operacional Cada contrato individual representa isoladamente uma fração não expressiva do capital social Assim enquanto o conjunto dessas posições ainda não é liquidado fisicamente o adquirente não aparece nos registros societários como titular das ações evitando portanto o acionamento dos gatilhos regulatórios de comunicação e divulgação A posse econômica isto é o domínio dos riscos e benefícios inerentes às ações todavia já se encontra concentrada em um único agente econômico criando uma disparidade entre a titularidade jurídica e a titularidade econômica 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório 92 O artigo 12 da Resolução CVM nº 442021 impõe ao investidor o dever de comunicar ao mercado a aquisição de participações relevantes que atinjam determinados limiares percentuais do capital votante ou total da companhia A Comissão de Valores Mobiliários CVM em suas manifestações e decisões administrativas tem reiterado que a noção de posse relevante para fins de disclosure não se limita à propriedade formal devendo abranger posições que confiram ao investidor de forma inequívoca os riscos e benefícios econômicos dos valores mobiliários objeto da operação CVM Processo RJ20120249 2012 Entretanto a ausência de uma regulamentação específica sobre a agregação de posições derivativas especialmente operações a termo e contratos de swap vinculados a ações abre um espaço de incerteza normativa que pode ser explorado por agentes malintencionados Ao fragmentar as aquisições e distribuílas em diversas operações a termo o investidor consegue postergar a obrigação de divulgação mantendo o mercado em ignorância quanto à real concentração de poder de voto e influência na companhia Essa postergação não é apenas uma omissão formal mas uma violação à essência do dever de transparência elemento fundamental para a formação eficiente dos preços e para a confiança dos investidores no mercado de capitais 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along O artigo 254A da Lei nº 64041976 Lei das Sociedades por Ações estabelece a obrigatoriedade da Oferta Pública de Aquisição de Ações OPA em caso de alienação do controle acionário assegurando aos acionistas minoritários o direito de tag along isto é o direito de vender suas ações nas mesmas condições conferidas ao controlador A ratio legis dessa norma é proteger os minoritários contra operações que impliquem mudança de controle sem contraprestação equitativa RETTO 2007 MARANGONI 2015 Quando a aquisição do controle é estruturada mediante acumulação fracionada de posições a termo o adquirente pode tentar sustentar que não ocorreu uma alienação de controle típica pois não houve um único vendedor ou um bloco controlador formalmente transferido mas apenas aquisições pulverizadas de mercado Essa interpretação se admitida esvaziaria o conteúdo protetivo da norma permitindo que o controle fosse transferido de fato sem a correspondente OPA e sem que os minoritários usufruíssem do prêmio de controle caracterizando uma evasão normativa CASQUET 2013 STJ REsp 1540428SP 2018 A doutrina e a jurisprudência da CVM têm reconhecido que o conceito de controle deve ser interpretado de maneira funcional e substancial levando em conta a capacidade de 93 influência decisória e não apenas a titularidade formal das ações CVM Processo RJ20120249 2012 Assim operações a termo que concentrem poder de voto e direitos econômicos de maneira dissimulada podem em tese configurar alienação indireta de controle sujeitando o adquirente às mesmas obrigações de transparência e de OPA 423 Riscos e implicações regulatórias A utilização abusiva das operações a termo para aquisição fracionada de controle afronta os princípios basilares do mercado de capitais especialmente os de transparência equidade e integridade previstos nos arts 4º e 5º da Lei nº 63851976 e reforçados pelo Regulamento do Novo Mercado da B3 Além disso tal conduta pode enquadrarse nas hipóteses de manipulação de mercado e de omissão de informação relevante conforme tipificado no art 27C da Lei nº 63851976 podendo ensejar responsabilidade administrativa e até penal Em perspectiva ética e institucional a ocultação intencional de posições relevantes compromete a formação justa dos preços deteriora a confiança dos investidores e atinge o equilíbrio informacional pilares essenciais para o desenvolvimento saudável do mercado de capitais Portanto ainda que as operações a termo sejam instrumentos legítimos de hedge e gestão de portfólio seu uso para aquisição encoberta de controle deve ser interpretado e sancionado conforme os princípios da boafé objetiva lealdade e transparência que regem o direito societário contemporâneo 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 63851976 A manipulação de mercado representa uma das mais graves violações ao regime jurídico do mercado de capitais por comprometer diretamente os princípios da transparência integridade e eficiência que sustentam a formação justa dos preços e a confiança dos investidores O artigo 27C inciso III da Lei nº 63851976 tipifica como infração penal e administrativa o ato de praticar de modo fraudulento ou ardiloso ato ou operação que tenha por objeto ou possa ter por efeito alterar artificialmente os preços de valores mobiliários no mercado BRASIL 1976 94 Entre as inúmeras estratégias possíveis de manipulação a instrumentalização das operações a termo ocupa papel de destaque justamente pela aparente neutralidade econômica desses contratos e pela dificuldade de detecção imediata de seu uso indevido As operações a termo ao permitirem a negociação de valores mobiliários com liquidação futura podem ser utilizadas tanto para finalidades legítimas como hedge e planejamento financeiro quanto para fins fraudulentos como a criação artificial de escassez de ativos short squeeze ou a indução de movimentos especulativos de preço 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação O chamado short squeeze constitui uma situação de estrangulamento de vendedores a descoberto em que a escassez artificial de papéis disponíveis para recompra eleva o preço de forma abrupta e insustentável Em termos práticos o cenário se desenha quando um investidor dominante ou um grupo atuando de forma concertada acumula de maneira silenciosa uma posição comprada expressiva em operações a termo sobre ações de baixa liquidez ou seja papéis cujo volume de negociação é reduzido e cuja oferta é limitada no mercado secundário De modo concomitante esse mesmo agente pode realizar vendas a descoberto no mercado à vista com o intuito de pressionar temporariamente os preços para baixo induzindo outros investidores a assumirem posições vendidas À medida que o vencimento dos contratos a termo se aproxima os vendedores precisam adquirir as ações no mercado para efetuar a entrega física ao comprador Nesse momento o manipulador ao deter uma posição comprada dominante e controlar parcela relevante da oferta disponível abstémse de vender ou em alguns casos aumenta suas compras reduzindo ainda mais a liquidez Essa dinâmica provoca um aumento artificial e abrupto no preço do ativo forçando os vendedores a descoberto a recomprar papéis a qualquer custo para cumprir suas obrigações contratuais O resultado é um ciclo de retroalimentação especulativa em que o preço se eleva a níveis descolados dos fundamentos econômicos gerando lucros indevidos ao agente manipulador e prejuízos severos aos demais participantes do mercado 432 O caso VCPG3 um leading case nacional Um caso paradigmático que ilustra essa modalidade de manipulação foi o Processo Administrativo CVM SEI nº 19957010224201977 conhecido como o Caso VCPG3 Embora 95 tenha envolvido outras modalidades operacionais como empréstimo de ações e derivativos o caso evidencia a mesma lógica de manipulação por estrangulamento observada em operações a termo Conforme apurado pela Comissão de Valores Mobiliários CVM a B3 SA Brasil Bolsa Balcão e alguns de seus executivos foram acusados de falha de supervisão por não monitorarem adequadamente a concentração de posições em papéis de baixa liquidez Tal omissão possibilitou que um agente acumulasse uma posição dominante em derivativos e em empréstimos da ação VCPG3 tornando praticamente impossível que os vendedores a descoberto recomprassem os papéis necessários para honrar seus compromissos O episódio culminou em um short squeeze extremo com valorização superior a 1200 no preço da ação em curto espaço de tempo Reconhecendo a gravidade do ocorrido a CVM por intermédio do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 aceitou uma proposta de acordo no valor de R 7 milhões encerrando o processo mediante a admissão tácita da falha de supervisão e do dano potencial causado ao mercado CVM 2020 Tal caso consolidouse como um leading case nacional sobre a vulnerabilidade estrutural do mercado frente a estratégias de manipulação sofisticadas e a necessidade de uma postura preventiva das instituições autorreguladoras Ele também sinalizou que a omissão institucional pode configurar violação indireta ao dever de vigilância e controle especialmente em mercados caracterizados por alta alavancagem e liquidez restrita 433 Responsabilidade e consequências jurídicas As implicações jurídicas da manipulação de mercado são multidimensionais abrangendo as esferas administrativa civil e penal conforme descrito a seguir a Esfera Administrativa CVM Com fundamento nos arts 11 e 27C da Lei nº 63851976 a CVM pode aplicar as sanções previstas no art 11 que incluem multas de até R 50 milhões suspensão ou proibição temporária de atuar no mercado cassação de autorização de funcionamento de intermediários e até inabilitação temporária para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A Lei nº 135062017 ao reformular o regime sancionador ampliou substancialmente o poder punitivo da autarquia introduzindo critérios de proporcionalidade reincidência e gravidade do impacto sistêmico 96 b Esfera Civil Os investidores diretamente prejudicados especialmente vendedores a termo locadores de ações e investidores minoritários possuem direito à reparação integral dos danos materiais e morais sofridos com base nos arts 186 e 927 do Código Civil Nessa hipótese aplicase a teoria do ato ilícito e conforme jurisprudência consolidada a responsabilidade é objetiva quando a manipulação é praticada em contexto de violação de deveres de conduta previstos em lei ou em regulação setorial c Esfera Penal Por fim a conduta também se enquadra no tipo penal autônomo de manipulação de mercado previsto no art 27C da Lei nº 63851976 cuja pena é de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Tratase de crime de perigo concreto bastando que o agente atue de modo fraudulento ou ardiloso com potencial de alterar artificialmente preços ou criar aparência enganosa de liquidez e demanda A ação penal é pública incondicionada cabendo ao Ministério Público Federal a iniciativa processual após a conclusão do inquérito administrativo instaurado pela CVM 434 Considerações críticas A manipulação de mercado sobretudo por meio de operações derivativas complexas revela a tensão entre a inovação financeira e a responsabilidade ética no uso dos instrumentos de mercado O avanço tecnológico e a crescente automação das negociações exigem das autoridades regulatórias uma atuação preventiva inteligente e tecnológica baseada em monitoramento algorítmico de posições e detecção preditiva de anomalias de preço Sob a ótica da governança e da ética empresarial a instrumentalização dolosa de contratos legítimos para fins ilícitos desvirtua o propósito original do mercado de capitais canalizar poupança para investimento produtivo e transforma o ambiente financeiro em um espaço de extração especulativa e concentração de poder econômico Assim mais do que um ilícito técnico a manipulação de mercado configura uma violação à confiança pública elemento essencial da própria legitimidade institucional do sistema financeiro 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 63851976 97 A operação a termo revelase além de instrumento legítimo de gestão de risco e especulação racional um meio potencialmente apto à prática de uso indevido de informação privilegiada conhecido como insider trading Esse ilícito de natureza híbrida simultaneamente administrativa cível e penal caracterizase pela quebra do princípio da isonomia informacional entre os investidores um dos pilares fundamentais da regulação do mercado de capitais O art 27D da Lei nº 63851976 estabelece que incorre no crime de insider trading aquele que utiliza informação relevante ainda não divulgada ao mercado de que tenha ciência privilegiada capaz de propiciar para si ou para outrem vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários BRASIL 1976 A essência da norma é clara ninguém pode negociar no mercado com base em conhecimento assimétrico sob pena de macular a integridade da formação dos preços e a confiança coletiva na lisura do sistema financeiro 441 Estrutura típica e modus operandi O cenário típico envolve um insider termo que abrange administradores acionistas controladores membros de conselho fiscal auditores independentes consultores advogados bancos coordenadores e até servidores públicos que por força de suas atribuições tenham acesso a informações relevantes não públicas Esse agente ciente de um fato relevante positivo ou negativo capaz de influenciar de forma sensível o preço das ações de uma companhia aberta utilizase de tal conhecimento para estruturar uma operação a termo que lhe permita capturar ganhos futuros antes que a informação seja divulgada ao mercado Os exemplos clássicos são eloquentes a iminente aprovação de uma incorporação vantajosa a descoberta de uma jazida mineral a assinatura de um contrato estratégico com alto impacto financeiro ou no extremo oposto a revelação de fraudes contábeis e insolvências ocultas De posse dessa informação o insider celebra operações a termo de compra se a informação for positiva ou de venda se for negativa fixando um preço que embora aparente ser de mercado não reflete a realidade futura conhecida apenas por ele O aspecto jurídico crucial está no momento da consumação da conduta Tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária compreendem que a negociação para fins do art 27D se consuma no momento da celebração do contrato a termo e não na data de sua liquidação É nesse instante o da formação do vínculo obrigacional stipulatio que o agente define sua 98 exposição econômica e se aproveita da assimetria informacional travando um preço baseado em conhecimento oculto ao mercado Assim a liquidação futura é mero desdobramento executório sem relevância para a caracterização do ilícito Como observa Carvalhosa 2021 p 329 a utilização de informação relevante antes de sua divulgação constitui a essência do ilícito ainda que o ganho ou a perda apenas se concretizem em momento posterior 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement A prova da ciência privilegiada e de seu uso doloso constitui o principal obstáculo para os órgãos de fiscalização e persecução Cabe à Comissão de Valores Mobiliários CVM no âmbito administrativo e ao Ministério Público Federal MPF na esfera penal demonstrar o nexo temporal e causal entre o acesso à informação e a celebração da operação O padrão probatório exige a conjugação de indícios convergentes e robustos tais como registros eletrônicos de acesso a documentos sigilosos comunicações internas emails mensagens instantâneas logs de sistemas coincidência temporal entre reuniões corporativas e ordens de negociação análise estatística da atipicidade da operação em relação ao histórico do investidor A mera coincidência temporal embora relevante não é suficiente O que se busca demonstrar é o elemento volitivo do dolo isto é o aproveitamento consciente de informação não pública para obtenção de vantagem econômica indevida Daí a importância da tecnologia forense e da integração entre CVM B3 COAF e MPF que têm desenvolvido sistemas automatizados de correlação entre eventos corporativos e movimentações atípicas de negociação 443 Precedentes e casos emblemáticos Apesar da escassez de casos que envolvam exclusivamente operações a termo a jurisprudência e a prática sancionadora brasileiras vêm consolidando a doutrina do insider trading aplicável por analogia a todos os instrumentos financeiros O Caso Americanas 20232025 é o mais recente e impactante Após a revelação de um rombo contábil de R 253 bilhões as investigações da CVM e do MPF concentraramse em apurar se executivos e controladores cientes das inconsistências antes da divulgação pública 99 realizaram operações de venda ou derivativos com expectativa de lucrar com a iminente desvalorização das ações Em abril de 2025 o MPF ofereceu denúncia contra 13 exexecutivos da companhia imputandolhes entre outros crimes o de insider trading art 27D da Lei nº 63851976 O caso ainda em trâmite tende a se tornar marco interpretativo sobre o alcance subjetivo da tipificação penal e os critérios de imputação do dolo específico Outro precedente paradigmático é o Caso SadiaPerdigão CVM PAS RJ200913745 originado da fusão que resultou na BRF SA Na ocasião a CVM aplicou multas milionárias a executivos e intermediários financeiros que antes do anúncio público da operação de fusão negociaram ações e derivativos com base em informações não divulgadas A autarquia consolidou o entendimento de que a negociação ocorre no momento da ordem ou da contratação e não na liquidação reforçando a tese de que a mera formalização de um contrato a termo durante o período de sigilo configura o uso indevido da informação 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras A prática de ilícitos por meio de operações a termo gera consequências jurídicas graves complexas e multidimensionais refletindo a necessidade de um sistema sancionador apto a proteger a integridade a transparência e a equidade do mercado de capitais Tais repercussões se manifestam nas esferas administrativa cível e penal cada uma delas com objetivos e instrumentos próprios mas articuladas em torno do mesmo eixo a repressão à assimetria informacional e à manipulação de preços 451 Esfera Administrativa Na esfera administrativa a Comissão de Valores Mobiliários CVM exerce papel central como órgão fiscalizador e sancionador Com base nas competências outorgadas pela Lei nº 63851976 ampliadas pela Lei nº 135062017 a autarquia dispõe de um arsenal punitivo abrangente e moderno estruturado para coibir condutas que atentem contra o funcionamento regular e íntegro do mercado De acordo com o art 11 da Lei nº 63851976 a CVM pode mediante processo administrativo sancionador impor penalidades que incluem 100 Multas pecuniárias que podem alcançar até R 5000000000 cinquenta milhões de reais calculadas segundo a gravidade da infração a extensão do dano e o proveito econômico auferido Suspensão inabilitação temporária ou definitiva para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários aplicável tanto a pessoas físicas quanto jurídicas Cancelamento do registro de auditores independentes consultores administradores de carteira e demais intermediários autorizados Declaração de inidoneidade para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A reforma introduzida pela Lei nº 135062017 ampliou significativamente o poder sancionatório da CVM inserindo instrumentos modernos como o acordo de leniência arts 30 a 32 inspirado em práticas de compliance internacional Esse acordo permite que o primeiro infrator a colaborar com as investigações prestando informações eficazes para a elucidação dos fatos obtenha redução substancial ou até extinção da punibilidade administrativa Tal mecanismo tem se mostrado essencial para o desvendamento de condutas concertadas e sofisticadas especialmente em esquemas que envolvem operações a termo derivativos e manipulação de preços coordenada 452 Esfera Cível No campo cível a responsabilidade dos agentes que praticam manipulação de mercado ou uso de informação privilegiada é regida pelos arts 186 e 927 do Código Civil que consagram a obrigação de reparar integralmente os danos causados por ato ilícito Os investidores lesados como por exemplo aqueles que venderam ações a preços artificialmente baixos em virtude de manipulação ou compraram de insiders que detinham informações negativas ocultas têm o direito de buscar indenização por perdas e danos abrangendo lucros cessantes e danos emergentes Em situações que envolvem um grande número de investidores dispersos admitese a propositura de ações coletivas ou class actions com base no Código de Defesa do Consumidor Lei nº 80781990 e na Lei da Ação Civil Pública Lei nº 73471985 Esse instrumento processual amplia a efetividade da tutela jurisdicional e aumenta o passivo contingente do infrator fortalecendo a função dissuasória da responsabilidade civil no âmbito do mercado de capitais 101 A jurisprudência da CVM e do Superior Tribunal de Justiça STJ tem reconhecido que nos casos de infrações que distorcem a livre formação de preços o dano coletivo presumido dispensa a prova de prejuízo individualizado bastando a demonstração da conduta ilícita e de seu potencial lesivo à integridade do mercado 453 Esfera Penal Ja na esfera penal as condutas analisadas configuram crimes contra o mercado de capitais de competência da Justiça Federal e titularidade de persecução do Ministério Público Federal MPF O uso de informação privilegiada insider trading encontra tipificação no art 27D da Lei nº 63851976 que prevê pena de reclusão de 1 um a 5 cinco anos e multa aplicável ao agente que de forma dolosa utiliza informação relevante não divulgada ao mercado para negociar valores mobiliários em benefício próprio ou de terceiros A manipulação de mercado por sua vez está descrita no art 27C da mesma lei sujeitando o infrator à pena de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Ambas as figuras delitivas demandam prova técnica robusta e contextualizada o que torna essencial a cooperação interinstitucional entre a CVM responsável pela apuração técnica e pela instrução do processo administrativo e o MPF titular da ação penal pública incondicionada O modelo de enforcement cooperativo que combina a expertise técnica da autarquia com o poder coercitivo do Ministério Público e o apoio operacional da Polícia Federal e do COAF tem se revelado indispensável para a efetiva repressão a ilícitos complexos envolvendo derivativos e operações estruturadas 46 Conclusão do Capítulo A análise empreendida neste capítulo revela com clareza que as operações a termo ocupam posição ambígua no universo financeiro contemporâneo constituem simultaneamente instrumentos de eficiência e de risco éticojurídico A flexibilidade estrutural e o caráter de execução futura que as tornam úteis para hedge e gestão de liquidez também lhes conferem potencial para práticas dissimuladas de fraude manipulação e uso indevido de informação privilegiada Verificouse que a opacidade temporária que caracteriza essas operações situada entre a contratação e a liquidação cria uma zona de invisibilidade regulatória suscetível à 102 exploração ilícita Nesse interstício agentes malintencionados podem estruturar aquisições furtivas de controle esquemas especulativos de manipulação de preços e estratégias de insider trading em detrimento dos investidores minoritários e da integridade do mercado Em resposta a esse cenário o sistema brasileiro de enforcement vem passando por um processo evolutivo de modernização e integração institucional A CVM o Banco Central do Brasil o Ministério Público Federal e a B3 SA têm fortalecido mecanismos de supervisão e de cooperação informacional incorporando tecnologias de monitoramento algorítmico e inteligência artificial na detecção de padrões atípicos de negociação O fortalecimento dos poderes sancionatórios da CVM a introdução de acordos de leniência e o aperfeiçoamento da governança autorregulatória representam avanços substanciais rumo a um modelo de regulação responsiva e preventiva menos reativo e mais preditivo Contudo a sofisticação crescente das estruturas operacionais e a natureza globalizada das transações impõem um desafio permanente o de manter o regulador tecnicamente aparelhado institucionalmente independente e juridicamente robusto A efetividade do enforcement depende em última instância de uma cultura regulatória baseada na ética na transparência e na confiança pública Concluise assim que a preservação da integridade e da legitimidade do mercado de capitais frente ao uso indevido de operações a termo exige não apenas normas mais rígidas mas um ethos regulatório mais inteligente interdisciplinar e tecnológico A evolução normativa deve caminhar lado a lado com o desenvolvimento científico e analítico do regulador de modo que os valores da equidade da eficiência e da confiança coletiva permaneçam o alicerce inquebrantável da economia de mercado 103 CONCLUSÃO O presente trabalho buscou analisar de forma abrangente e sistemática as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo em processos de alteração do controle acionário tema de notória complexidade e relevância para o mercado de capitais brasileiro Ao longo da investigação foi possível constatar que a natureza diferida desses contratos embora legítima em sua função econômica de gestão de risco e planejamento gera uma zona de tensão jurídica quando inserida na dinâmica societária que opera com base em titularidades registrais definidas e em momentos precisos para o exercício de direitos A análise conduzida permitiu concluir em primeiro lugar que existe uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico pátrio no que tange à definição do legítimo titular de direitos societários em especial o direito de voto e o direito de recesso durante a vigência de um contrato a termo ainda não liquidado Esta omissão legislativa ao priorizar a segurança formal do registro em detrimento da realidade econômica cria um ambiente propício a conflitos e a comportamentos oportunistas O acionista registral vendedor a termo ainda que desprovido do risco econômico detém o poder formal de exercer o recesso podendo frustrar a legítima expectativa do comprador a termo titular desse risco A pesquisa demonstrou que na ausência de previsão contratual específica a solução para este impasse tende a ser judicializada com base em princípios gerais como a boafé objetiva a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Em segundo lugar o estudo evidenciou o potencial das operações a termo serem instrumentalizadas para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes e até mesmo do controle societário A possibilidade de acumular posições econômicas substanciais sem desencadear os deveres de disclosure imediato previstos na Resolução CVM nº 442021 representa uma grave fissura no princípio da transparência um dos pilares do mercado de capitais Esta estratégia quando utilizada de forma dissimulada configura uma evasão às obrigações de OPA e de tag along prejudicando acionistas minoritários e distorcendo a formação isonômica de preços Por fim a pesquisa identificou e analisou os graves riscos de ilicitude associados a esse uso estratégico notadamente a manipulação de mercado através de mecanismos como o short squeeze e o uso de informação privilegiada insider trading Ficou demonstrado que a opacidade inerente ao período entre a contratação e a liquidação do termo pode ser explorada por agentes malintencionados para obter vantagens indevidas violando a integridade do mercado e a confiança dos investidores A atuação sancionadora da CVM amparada pelo 104 robusto arcabouço da Lei nº 135062017 e a persecução penal pelo MPF mostramse essenciais para coibir tais condutas cujas consequências se estendem pelas esferas administrativa cível e penal Diante das conclusões expostas depreendese que o ordenamento jurídico brasileiro carece de um regramento mais preciso que equacione a interação entre as operações a termo e o direito societário Enquanto tal evolução não ocorre a solução mais eficiente e segura reside na autonomia privada por meio da elaboração de contratos minuciosos que prevejam de forma clara e antecipada a gestão dos direitos societários e a destinação dos proveitos econômicos durante a vigência do termo As operações a termo embora constituam instrumentos legítimos e valiosos para o mercado exigem um olhar jurídico atento e crítico O seu uso em contextos de alteração de controle acionário revela a necessidade de um diálogo mais profícuo e harmonioso entre o direito societário fundado na publicidade registral e a realidade dos mercados financeiros modernos pautada pela complexidade e pela velocidade A superação deste desafio é fundamental para que o mercado de capitais brasileiro possa continuar seu processo de amadurecimento conciliando inovação financeira com segurança jurídica eficiência econômica com equidade e justiça contratual 105 REFERENCIAS ANBIMA Relatório Anual do Mercado de Capitais São Paulo ANBIMA 2025 Disponível em httpswwwanbimacombr Acesso em 5 nov 2025 ASSAF NETO Alexandre Mercado Financeiro 16 ed São Paulo Atlas 2023 B3 Brasil Bolsa Balcão Guia de Operações a Termo São Paulo B3 2024 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Manual de Margens e Garantias São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Relatório de Relações com Investidores 3T2025 São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 BANCO CENTRAL DO BRASIL Relatório de Estabilidade Financeira Brasília DF BCB 2025 Disponível em httpswwwbcbgovbr Acesso em 5 nov 2025 BRAUDEL Fernand 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PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Orientador Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida Orientador Prof Dr Prof Dr AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA EPÍGRAFE RESUMO A compra de ações a termo constitui um instrumento relevante no mercado de capitais caracterizandose como um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação em data futura predeterminada Esta pesquisa analisa as implicações jurídicas decorrentes desse tipo de operação com foco especial nos processos de alteração do controle acionário O estudo investiga a colisão entre o plano obrigacional do contrato a termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos como o voto e o recesso Ademais examinase o potencial uso das operações a termo para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes identificando os riscos de manipulação de mercado e de uso de informação privilegiada A metodologia empregada é qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e documental abrangendo a legislação societária e do mercado de capitais a doutrina especializada e a regulamentação da CVM Concluise que a ausência de normativa específica gera insegurança jurídica sendo necessária a previsão contratual detalhada para mitigar conflitos A pesquisa contribui para o debate acadêmico ao sistematizar os riscos jurídicos inerentes a essas operações e ao propor uma análise integrada entre o direito societário e a regulamentação do mercado de capitais Palavraschave Operações a Termo Mercado de Capitais Alteração de Controle Direito de Recesso Manipulação de Mercado ABSTRACT The forward purchase of shares is a relevant instrument in the capital market characterized as an executory contract in which the parties agree to buy and sell securities at a fixed price with settlement on a predetermined future date This research analyzes the legal implications arising from this type of operation with a special focus on processes of changes in corporate control The study investigates the collision between the obligatory nature of the forward contract and the corporate plan which requires the definition of a present holder for the exercise of rights such as voting and withdrawal Furthermore the potential use of forward operations for the fractional and opaque acquisition of relevant holdings is examined identifying the risks of market manipulation and insider trading The methodology employed is qualitative based on bibliographic and documentary research covering corporate and capital market legislation specialized doctrine and CVM regulations It is concluded that the absence of specific regulations generates legal uncertainty making detailed contractual provisions necessary to mitigate conflicts The research contributes to the academic debate by systematizing the legal risks inherent in these operations and by proposing an integrated analysis between corporate law and capital market regulation Keywords Forward Operations Capital Market Change of Control Withdrawal Right Market Manipulation SUMÁRIO INTRODUÇÃO14 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL16 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais16 11Mercado de Capitais na Atualidade18 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras20 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM20 131 Competências da CVM20 133 Três Pilares de Atuação21 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência22 135 Poderes Sancionatórios da CVM22 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão 23 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo25 138Efeitos do Acordo25 139 Estrutura Organizacional26 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação28 14 Brasil Bolsa Balcão B330 141 Bolsa de Valores30 142 Mercado de Balcão32 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário34 15 Ações e Valores Mobiliários35 151 Ações35 1511 Quanto aos direitos e obrigações35 1511 Golden Share37 1513 Quanto à fora de transferência38 151 Classes de ações41 153 Valor da Ação43 1531 Valor Nominal43 1531 Valor de Negociação44 1533 Valor Econômico45 154 Outros Valores Mobiliários46 1541Debêntures47 1541 Partes Beneficiárias47 1543 Bônus de Subscrição47 16 Mercado e Operações a Termo48 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo49 161Definição econômica e financeira49 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções50 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral50 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC51 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo52 1661 Atores investidor corretora contraparte B353 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação53 1663 Mecanismos de margem e garantias54 167 Riscos e Desvantagens56 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços56 1671 Alavancagem e volatilidade56 1673 Precedente da CVM56 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada57 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes58 1681 Operações a termo e política monetária58 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia58 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES60 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa60 211 Lei das Sociedades Anônimas60 212 Governança Corporativa60 22 Características e Classificações61 221 Natureza capitalista da sociedade anônima62 222 Essência empresarial62 223 Identificação exclusiva por denominação62 224 Responsabilidade limitada dos acionistas63 225 Classificação das sociedades anônimas63 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações64 231 Direitos essenciais dos acionistas64 232 Direito de participação nos lucros65 233 Direito de fiscalização65 234 Direito de preferência66 235 Direito de retirada direito de recesso66 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas67 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso67 2353 Condições e limitações ao exercício68 2354 Prazo e procedimento68 2355 Assembleia de reconsideração69 2356 Valor e forma do reembolso69 2357 Considerações doutrinárias e críticas69 236 Direito de Voto70 2361 Direito de voz x direito de voto70 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade71 2363 Estrutura legal do direito de voto71 2364 O voto plural71 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa71 23642 Condições legais para criação do voto plural72 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção72 2365 Exercício do direito de voto73 2366 Abuso e conflito no exercício do voto73 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão74 241 Incorporação75 242 Fusão75 243 Cisão76 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS78 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais78 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo79 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso80 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica82 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral82 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico84 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos85 344 Conclusão da Análise86 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários86 351 Análise da Jurisprudência Pertinente87 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados88 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária89 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA91 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições91 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo92 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório93 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along93 423 Riscos e implicações regulatórias94 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 6385197694 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação95 432 O caso VCPG3 um leading case nacional96 433 Responsabilidade e consequências jurídicas96 434 Considerações críticas97 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 6385197698 441 Estrutura típica e modus operandi98 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement99 443 Precedentes e casos emblemáticos100 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras100 451 Esfera Administrativa100 452 Esfera Cível101 453 Esfera Penal102 46 Conclusão do Capítulo102 CONCLUSÃO104 REFERENCIAS106 14 INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro tem passado por significativa transformação nas últimas décadas com um aumento expressivo no volume de negociações e na complexidade dos instrumentos financeiros utilizados Dentre esses instrumentos as operações a termo destacamse como mecanismos versáteis que permitem aos investidores estabelecerem compromissos de compra ou venda de ativos com liquidação futura A natureza diferida dessas operações contudo engendra uma série de implicações jurídicas que merecem análise aprofundada especialmente quando inseridas em contextos societários sensíveis como os processos de alteração do controle acionário A presente pesquisa tem como objeto central a investigação dessas implicações abordando de um lado os conflitos decorrentes da desconexão temporal entre a celebração do contrato a termo e a efetiva transferência da titularidade registral das ações De outro lado examina o potencial uso estratégico e por vezes ilícito dessas operações para a aquisição dissimulada de blocos de controle com a consequente violação de deveres de transparência e de conduta O problema de pesquisa que orienta este trabalho reside na seguinte questão como as operações a termo pela sua execução diferida impactam a dinâmica dos direitos societários e a integridade do mercado em processos de alteração de controle e de que forma o ordenamento jurídico brasileiro notadamente a Lei das SA e a regulamentação da CVM responde a esses desafios A hipótese central é que a atual regulamentação ao não dispor de forma específica sobre a titularidade de direitos societários em operações a termo pendentes de liquidação cria uma zona de insegurança jurídica Essa lacura normativa pode ser explorada de maneira oportunista seja por acionistas registrais que exercem direitos como o recesso descolados do risco econômico seja por aquirentes que utilizam a opacidade do instrumento para acumular posições de controle sem o devido disclosure configurando ilícitos como manipulação de mercado e uso de informação privilegiada Os objetivos específicos deste trabalho incluem i analisar a natureza jurídica da operação a termo e a posição das partes envolvidas ii investigar o conflito de titularidade para o exercício do direito de voto e de recesso em eventos societários iii examinar como as operações a termo podem ser instrumentalizadas para aquisições opacas de controle iv identificar os riscos de ilicitude associados a essa prática como manipulação de mercado e insider trading e v discutir as consequências jurídicas e sancionadoras aplicáveis 15 A justificativa para o estudo reside na relevância do tema para a segurança jurídica e o desenvolvimento do mercado de capitais nacional A crescente utilização de derivativos e a sofisticação das operações societárias demandam uma reflexão doutrinária e jurisprudencial capaz de equilibrar a liberdade contratual com a necessária tutela da integridade do mercado e da proteção do investidor Metodologicamente a pesquisa é de natureza qualitativa baseada em extensa revisão bibliográfica que abrange a doutrina nacional especializada em direito societário e mercado de capitais a legislação pertinente com destaque para a Lei n 64041976 Lei das SA e a Lei n 63851976 e a regulamentação emanada da CVM Adotase o método de abordagem dedutivo partindo de premissas gerais sobre o funcionamento do mercado para analisar casos concretos e situaçõesproblema A estrutura do trabalho está organizada em quatro capítulos O primeiro introduz os conceitos fundamentais do mercado de capitais e das operações a termo O segundo dedicase ao regime jurídico das sociedades por ações e aos direitos dos acionistas O terceiro núcleo da análise aborda o conflito temporal entre operações a termo e alteração de controle com foco no direito de recesso Por fim o quarto capítulo examina os riscos de ilicitude analisando as figuras da manipulação de mercado e do uso de informação privilegiada Por meio desta investigação esperase contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório e das práticas contratuais promovendo maior segurança jurídica e integridade no uso das operações a termo no mercado de capitais brasileiro 16 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais Em primeiro lugar é valido evidenciar a Evolução Histórica e o Funcionamento do Mercado de Capitais haja vista que o mercado de capitais não surgiu de forma isolada mas uma evolução gradual impulsionada por necessidades comerciais inovações institucionais e respostas a crises econômicas isto é foi uma resposta evolutiva às demandas de financiamento do comércio e da expansão econômica ao longo dos séculos As fundações do mercado de capitais remontam à Idade Média quando práticas financeiras primitivas emergiram em resposta à expansão do comércio europeu Assim sendo ao longo do século XII na França teve origem com os courretiers de change atuando como corretores de dívidas agrícolas No século XIII cidades italianas como Veneza Florença e Gênova tornaramse centros de inovação financeira com o desenvolvimento de negociação de títulos públicos preenchendo lacunas deixadas por instituições relutantes em assumir riscos elevados e utilizando listas em ardósias precursoras das bolsas modernas O primeiro mercado organizado surgiu em Bruges na Bélgica no final do século XIII na casa da família Van der Beurze onde negociantes de commodities institucionalizavam encontros informais formando a Brugse Beurse Essa prática se espalhou para Antuérpia Gante e Amsterdã no século XV centralizando o comércio de dívidas sob um teto para reduzir custos de transação e aumentar a confiança entre participantes No entanto esses mercados iniciais focavam principalmente em títulos governamentais e dívidas individuais sem a negociação sistemática de ações corporativas Essa fase reflete a transição de economias feudais para mercantis onde o financiamento de explorações marítimas e guerras demandava instrumentos financeiros mais sofisticados O século XVII marca o advento do mercado de capitais contemporâneo impulsionado pela era das grandes navegações e pelo colonialismo europeu Em 1600 a Companhia Britânica das Índias Orientais foi fundada como uma das primeiras companhias por ações emitindo papéis para financiar viagens arriscadas à Ásia e introduzindo o conceito de responsabilidade limitada para mitigar perdas por pirataria ou naufrágios Dois anos depois em 1602 a Companhia Holandesa das Índias Orientais VOC realizou a primeira oferta pública inicial IPO do mundo permitindo a negociação contínua de ações na Bolsa de Amsterdã amplamente reconhecida como a primeira bolsa de valores moderna Essa 17 inovação introduziu derivativos como opções e vendas a descoberto embora estas últimas fossem proibidas em 1610 devido a abusos especulativos Na Inglaterra as companhias eram criadas por cartas reais ou atos parlamentares separando propriedade da gestão para maior eficiência operacional Contudo a ausência de regulação fomentou fraudes com promotores criando empresas fictícias para captar fundos via ações Esse período ilustra como o mercado de capitais surgiu para financiar empreendimentos de alto risco transformando o capital privado em ferramenta de expansão imperial Com o crescimento especulativo o século XVIII demandou intervenções regulatórias A Bolha do Mar do Sul em 1720 na Inglaterra levou ao Bubble Act que proibiu a promoção de companhias não autorizadas para combater fraudes mas inibiu o comércio por um século até sua revogação em 1825 Seguiramse reformas como o Joint Stock Companies Act de 1844 que exigia registro de grandes parcerias e o Limited Liability Act de 1855 consolidando a responsabilidade limitada A Revolução Industrial séculos XVIIIXIX acelerou a expansão dos mercados com demandas por financiamento de infraestrutura como ferrovias e fábricas A Bolsa de Londres fundada em 1801 tornouse um hub para títulos governamentais e ações corporativas Nos Estados Unidos o New York Stock Exchange NYSE originouse do Buttonwood Agreement de 1792 formalizado em 1817 em resposta à primeira pânico financeiro do país Alexander Hamilton no início da década de 1790 refundou a dívida da Guerra Revolucionária criando o mercado de títulos do Tesouro americano A Railway Mania britânica exemplifica o boom especulativo em investimentos ferroviários enquanto o PadrãoOuro estabilizava o comércio global até sua quebra em guerras mundiais No Brasil as origens remontam ao século XIX com a criação da Bolsa do Rio de Janeiro em 1845 inicialmente focada em títulos públicos e câmbio Até a década de 1960 o mercado era limitado pela inflação e restrições a juros mas reformas como a Lei 47281965 impulsionaram a emissão de ações e debêntures O século XX testemunhou o amadurecimento dos mercados mas também crises profundas O Crash de 1929 nos EUA com perdas de 50 no Dow Jones levou à Grande Depressão e à criação da Securities and Exchange Commission SEC em 1934 para regular transações Eventos como o Black Monday de 1987 e a crise de 2008 destacam a vulnerabilidade a bolhas especulativas Até meados do século o financiamento dependia de bancos mas a desintermediação a partir de 1980 permitiu que empresas captassem diretamente nos mercados por taxas mais baixas 18 O Sistema de Bretton Woods 19441971 atrelou moedas ao dólar fomentando estabilidade via FMI e Banco Mundial mas seu colapso levou a taxas flutuantes e maior volatilidade No Brasil a década de 1990 viu liberalizações sob Collor e o Plano Real atraindo investimentos estrangeiros e expandindo a B3 antiga Bovespa No século XXI a tecnologia revolucionou os mercados com plataformas eletrônicas democratizando o acesso Inovações como blockchain e criptomoedas Bitcoin 2009 introduziram novos ativos enquanto a crise de 2008 reforçou regulações para títulos de longo prazo No Brasil o mercado cresceu com emissões de debêntures e participação estrangeira embora desafios como volatilidade persistam Logo a criação e evolução do mercado de capitais refletem a adaptação humana a demandas econômicas desde as negociações medievais até a globalização digital Esse sistema não apenas financia o progresso mas também expõe riscos que demandam regulação contínua No contexto global ele promove eficiência no brasileiro representa uma ferramenta para desenvolvimento sustentável Futuramente inovações como IA e sustentabilidade moldarão seu trajeto reforçando sua relevância para a prosperidade econômica 11Mercado de Capitais na Atualidade Como visto o Mercado de Capitais foi evoluindo e se adequando as novas necessidades do mundo moderno com o passar do tempo de modo que hoje o mercado de capitais também denominado mercado de valores mobiliários constitui o ambiente em que se realizam as diversas transações com os títulos emitidos por companhias abertas Dado que a sociedade anônima é por sua essência uma sociedade de capital suas ações que representam o principal valor mobiliário por elas emitido possuem plena negociabilidade Essa constante circulação de ações e de outros títulos corporativos deu origem ao longo do tempo a um mercado estruturado dedicado às operações de compra e venda desses instrumentos No Brasil contemporâneo observase uma fase de expressivo desenvolvimento das atividades no mercado de capitais Nos últimos anos o setor tem atravessado um ciclo ascendente marcado pela abertura de capital de inúmeras empresas Apenas nos dois anos mais recentes mais de 30 companhias realizaram sua estreia no mercado por meio de IPO initial public offering 19 A abertura de capital representa uma poderosa ferramenta de captação de recursos distinguindose das operações de crédito tradicionais nas quais a empresa assume o papel de devedora e se obriga a restituir os valores em prazos curtos e com juros elevados No mercado de capitais predomina a lógica do investimento os participantes tornamse sócios da companhia vinculando seu retorno ao desempenho e ao sucesso empresarial e não a uma remuneração fixa Outra diferença fundamental em relação ao mercado de crédito reside na ausência de intermediários financeiros obrigatórios como bancos que costumam encarecer e burocratizar as operações No mercado de capitais estabelecese uma negociação direta entre a empresa emissora e o investidor que adquire os títulos diretamente da fonte Por essa razão costumase afirmar que esse mercado funciona como um canal de acesso à poupança popular Intrinsecamente o mercado de capitais opera em um ambiente de risco Os investidores que adquirem títulos de companhias abertas não contam com garantia de retorno o ganho depende exclusivamente do êxito da empresa Assim enquanto o domínio técnico do mercado pode gerar lucros expressivos a falta de preparo pode resultar em prejuízos significativos Apesar das vantagens nem toda abertura de capital é bemsucedida Caso a operação não prospere a companhia pode optar por retornar ao status de companhia fechada Nesse cenário a Lei das Sociedades por Ações LSA em seu art 4º 4º estabelece que o cancelamento do registro de companhia aberta só será possível mediante oferta pública de aquisição OPA de todas as ações em circulação por preço justo no mínimo igual ao valor de avaliação da empresa calculado por critérios como patrimônio líquido contábil ou a mercado fluxo de caixa descontado múltiplos cotação de mercado ou outro método aceito pela CVM com direito a revisão art 4ºA A norma visa proteger os acionistas minoritários embora doutrinadores critiquem a indefinição dos critérios de valuation e a vagueza do conceito de preço justo Se após a oferta restarem em circulação menos de 5 das ações e os minoritários remanescentes não aceitarem a proposta aplicase o 5º do art 4º a assembleia geral poderá autorizar o resgate compulsório squeezeout dessas ações pelo mesmo valor da oferta desde que o montante seja depositado em banco autorizado pela CVM à disposição dos titulares Aqui o dispositivo equilibra a proteção aos minoritários com o princípio majoritário a vontade da maioria que aceitou a oferta e deseja o fechamento do capital não pode ser obstaculizada por uma minoria inferior a 5 20 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM O boom das bolsas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1971 impulsionado pela Lei 47281965 e pelo crescimento econômico do milagre brasileiro expôs a necessidade de regulação centralizada e profissional Em resposta a Lei nº 6385 de 7 de dezembro de 1976 criou a Comissão de Valores Mobiliários CVM inspirada na Securities and Exchange Commission SEC dos EUA mas adaptada à realidade brasileira com maior ênfase em autonomia e estabilidade institucional A CVM é uma autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda com personalidade jurídica própria patrimônio autônomo e autonomia administrativa financeira e orçamentária Seu regime garante independência funcional ausência de subordinação hierárquica mandato fixo 5 anos renovável uma vez e estabilidade dos dirigentes que só perdem o cargo por decisão judicial transitada em julgado ou processo administrativo com ampla defesa art 5º da Lei 63851976 Essa estrutura visa blindar a regulação de pressões políticas e garantir continuidade técnica 131 Competências da CVM A CVM disciplina e fiscaliza oito grandes áreas do mercado de capitais conforme o art 1º da Lei 63851976 A primeira é a emissão e distribuição de valores mobiliários abrangendo o registro e controle de ofertas públicas como IPOs e emissões de debêntures garantindo transparência e proteção ao investidor A segunda referese à negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários supervisionando corretoras distribuidoras e plataformas de trading para assegurar a integridade das transações em bolsa e balcão A terceira envolve a negociação e intermediação no mercado de derivativos regulando contratos de opções futuros e swaps com foco na mitigação de riscos sistêmicos A quarta abrange a organização funcionamento e operações das bolsas de valores como a B3 fiscalizando regras de listagem governança e sistemas eletrônicos A quinta trata da organização funcionamento e operações das bolsas de mercadorias e futuros como a BBMF controlando o mercado agropecuário e financeiro de commodities A sexta compreende a administração de carteiras e custódia de valores mobiliários supervisionando gestores de fundos bancos custodiantes e 21 depositárias centrais A sétima é a auditoria das companhias abertas exigindo relatórios independentes e conformidade com normas contábeis CPCIFRS Por fim a oitava regula os serviços de consultor e analista de valores mobiliários exigindo certificação CNPICFP e combatendo conflitos de interesse 133 Três Pilares de Atuação A competência da CVM se exerce em três dimensões complementares formando a base de sua atuação regulatória O primeiro pilar é o regulamentar pelo qual a CVM estabelece normas gerais por meio de resoluções que detalham a legislação Exemplos incluem a Resolução CVM nº 592021 que alterou os formulários de referência e prospectos sucedendo a Instrução CVM 480 a Resolução CVM nº 1752022 que disciplina fundos de investimento desde multimercados até criptoativos sucedendo a Instrução CVM 555 a Resolução CVM nº 442021 que regula a divulgação de atos ou fatos relevantes restrições para negociação de valores mobiliários e agentes fiduciários em emissões de debêntures sucedendo a Instrução CVM 358 a Resolução CVM nº 2142024 que consolida regras sobre administração de carteiras de valores mobiliários incluindo gestão ativa passiva e consultoria de investimento a Resolução CVM nº 1852023 que moderniza o regime de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no mercado de valores mobiliários alinhandose à Lei nº 96131998 e às recomendações do GAFI a Resolução CVM nº 802022 que disciplina a atividade de analista de valores mobiliários com foco em independência transparência e gestão de conflitos de interesse a Resolução CVM nº 1602022 que regula ofertas públicas de valores mobiliários incluindo emissões de ações debêntures CRA CRI e outros instrumentos com requisitos de disclosure e registro e a Resolução CVM nº 1782023 que estabelece o marco de securitização detalhando regras para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios FIDC Certificados de Recebíveis Imobiliários CRI e do Agronegócio CRA Essas normas preenchem lacunas legais adaptamse a inovações como crowdfunding via Resolução CVM nº 882022 que dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo sucedendo a Instrução CVM 588 e promovem boas práticas de governança sendo obrigatórias para todos os participantes do mercado 22 O segundo pilar é o autorizante ou registrário no qual a CVM atua como gatekeeper do mercado analisando e aprovando operações antes de sua realização Isso inclui o registro de companhias abertas com análise de estatutos demonstrações financeiras e estrutura de controle a autorização de ofertas públicas como IPOs ex análise do prospecto da Magazine Luiza em 2011 e emissões de debêntures ex CRA e CRI o credenciamento de intermediários corretoras distribuidoras e auditores independentes e o registro de fundos de investimento Sem o aval da CVM nenhuma oferta pode ser distribuída ao público garantindo que apenas empresas e produtos qualificados acessem a poupança popular O terceiro pilar é o fiscalizatório exercido por meio de supervisão contínua investigação de irregularidades e aplicação de sanções A CVM realiza inspeções in loco requisita documentos quebra sigilo bancáriofiscal com autorização judicial e intervém em instituições em crise Pode celebrar Termos de Compromisso e aplica multas suspensões e inabilitações Esse poder repressivo é essencial para coibir práticas como insider trading ex caso SadiaPerdigão 2009 com multas a executivos por uso de informação privilegiada na fusão manipulação de mercado e fraudes contábeis preservando a confiança no sistema 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência A Lei nº 135062017 representou um marco no fortalecimento do enforcement da Comissão de Valores Mobiliários CVM ao ampliar seus poderes sancionatórios e introduzir o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão mecanismo inspirado no leniency agreement do direito concorrencial mas adaptado ao mercado de capitais arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 da mesma lei 135 Poderes Sancionatórios da CVM Os poderes sancionatórios são as ferramentas legais que permitem à CVM investigar punir e prevenir condutas ilícitas no mercado de valores mobiliários Eles abrangem desde advertências até multas milionárias inabilitações e proibições de atuação aplicáveis tanto a pessoas físicas diretores analistas investidores quanto jurídicas companhias abertas corretoras fundos Exemplos hipotéticos 23 Multa por insider trading Em um caso fictício envolvendo a empresa Varejo Futuro SA a CVM poderia identificar negociações com uso de informação privilegiada por exdiretores antes da divulgação de um rombo contábil Suponhase que em 2024 fossem aplicadas multas de R 15 milhão a cada um dos envolvidos total de R 12 milhões em um dos processos com base no art 27D da Lei nº 63851976 alterada pela Lei 13506 A sanção incluiria inabilitação temporária para atuar em companhias abertas Advertência e suspensão por oferta irregular Em outro cenário hipotético a CVM poderia aplicar advertência pública e suspensão de 180 dias a uma corretora fictícia que oferecesse CRIs sem registro adequado violando a Resolução CVM 160 A sanção visaria coibir a captação irregular de recursos junto a investidores não qualificados Proibição de atuar no mercado Em um caso fictício de InvestCrypto SA a CVM poderia identificar uma oferta fraudulenta de investimento coletivo prometendo retornos fixos com criptomoedas Além de multa de R 12 milhões a autarquia determinaria a proibição definitiva dos administradores de atuar como administradores fiduciários ou em atividades reguladas por violação ao art 27E da Lei nº 63851976 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão O acordo de leniência permite que pessoas físicas ou jurídicas confessem infrações e colaborem com a investigação em troca de redução ou extinção da punibilidade Diferente do Termo de Compromisso que exige reparação mas não confissão o acordo de leniência exige admissão de culpa e cooperação efetiva entrega de provas identificação de coautores etc Logo a diferença entre Acordo de Leniência e Termo de Compromisso é que embora ambos sejam mecanismos consensuais para resolver processos administrativos sancionadores na CVM regulados pela Resolução CVM 452021 eles possuem procedimentos requisitos e efeitos prórpios Confissão e Colaboração O acordo de leniência exige reconhecimento explícito da infração e cooperação ativa ex fornecer provas inéditas e identificar coautores suspendendo o prazo prescricional e podendo extinguir a punibilidade ou reduzir a pena em 13 a 23 art 30 da Lei 135062017 Já o termo de compromisso não requer 24 admissão de culpa focando na cessação da conduta ilícita reparação de danos e pagamento de compensação sem efeitos de extinção total Fase de Aplicação O acordo de leniência é proposto preferencialmente na fase investigativa supervisão incentivando delações precoces enquanto o termo de compromisso ocorre tipicamente após instauração do processo sancionador Efeitos Penais e Imunidade O acordo de leniência pode influenciar esferas penais embora não garanta imunidade total ao contrário dos acordos do CADE na Lei 115292011 mas o termo de compromisso é estritamente administrativo sem repercussões criminais diretas PúblicoAlvo e Sigilo O acordo de leniência aplicase a pessoas físicas ou jurídicas com sigilo inicial para proteger investigações o termo é mais amplo mas exige análise de impacto preventivo pela CVM Em essência o acordo prioriza a eficiência investigativa via delação enquanto o termo de compromisso enfatiza a reparação e prevenção sem ônus confessional tornandoo mais atrativo para casos menos graves Aspecto Acordo de Leniência Termo de Compromisso Confissão Obrigatória Não exigida Fase Preferencialmente na investigação Após instauração do PAS Efeito Reduçãoextinção da punibilidade Reparação compensação Esfera Pode influenciar penal sem imunidade Apenas administrativo Sigilo Até homologação Público após aprovação Exemplos hipotéticos Caso fictício de manipulação em derivativos Um exdiretor da empresa PetroFictícia SA poderia celebrar acordo de leniência com a CVM confessando uso de informação privilegiada em operações com derivativos Em troca de delatar outros envolvidos e devolver lucros ilícitos teria sua multa reduzida em 23 de R 3 milhões para R 1 milhão e evitaria inabilitação permanente Manipulação de mercado em small caps Um grupo de investidores institucionais fictícios poderia confessar via acordo de leniência a prática de pump and dump em ações de baixa liquidez da empresa TechStart SA A colaboração permitiria à CVM mapear a rede de corretoras envolvidas Resultado hipotético extinção da punibilidade para o delator principal e multas reduzidas para os secundários 25 Fraude em fundo de investimento Um administrador fictício do Fundo Horizonte poderia confessar ter inflado o valor líquido patrimonial VLP para atrair cotistas Pelo acordo forneceria emails e planilhas que provassem a fraude A CVM concederia redução de 50 na multa e evitaria a proibição de atuar no mercado Em resumo enquanto os poderes sancionatórios funcionam como o braço punitivo da CVM com aplicação direta de sanções para reprimir e prevenir ilícitos o acordo de leniência atua como um instrumento cooperativo incentivando a autorregulação e a resolução eficiente de casos complexos Juntos formam o núcleo do enforcement moderno da autarquia equilibrando rigor e pragmatismo na proteção do mercado e dos investidores 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo Para a celebração do acordo devem ser atendidos de forma cumulativa quatro requisitos i a parte deve ser a primeira a se qualificar com relação à infração noticiada ou investigada incentivando a delação precoce ii o envolvimento na infração deve cessar completamente a partir da proposta do acordo evitando continuidade do ilícito iii a CVM não pode dispor de provas suficientes para condenação administrativa no momento da propositura tornando a colaboração indispensável e iv a pessoa física ou jurídica deve confessar participação no ilícito cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo entregando documentos identificando coautores e comparecendo por conta própria a todos os atos processuais até o encerramento 138Efeitos do Acordo Os acordos de leniência administrativos em processo de supervisão introduzidos pela Lei nº 135062017 arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 produzem efeitos específicos e limitados à esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários CVM sem extensão a outras instâncias Celebrada a proposta ela permanece sob sigilo até a homologação pelo Colegiado conforme o art 30 3º garantindo a proteção da investigação e evitando prejuízos à apuração de provas ou alertas a outros envolvidos O prazo de prescrição administrativa é suspenso em relação ao proponente signatário a partir da apresentação da proposta art 30 5º retomando apenas se o acordo for rejeitado Essa suspensão incentiva a colaboração precoce sem comprometer a continuidade da investigação Contudo o acordo não interfere na atuação de outros órgãos o Ministério 26 Público Federal MPF o Tribunal de Contas da União TCU a Receita Federal ou autoridades judiciais mantêm plena autonomia em suas esferas penal tributária de controle ou cível Não há imunidade penal tributária ou de outra natureza o benefício é exclusivamente administrativo Exemplo real O primeiro acordo de leniência firmado pela CVM ocorreu em 2019 com a M5 Indústria e Comércio no âmbito do Processo Administrativo Sancionador PAS nº 19957008284201831 A empresa confessou a manipulação de preços das ações da Mundial SA exPAS Mundial e colaborou com a entrega de documentos e identificação de outros participantes Em troca pagou R 4 milhões redução significativa em relação à pena potencial e obteve a extinção parcial da punibilidade administrativa Esse caso marcou o início efetivo do uso do instrumento pela CVM servindo como referência para acordos subsequentes no mercado de capitais Em síntese os efeitos dos acordos de leniência são restritos ao âmbito administrativo da CVM promovendo eficiência investigativa por meio da delação premiada mas sem blindagem em outras esferas Eles representam um equilíbrio entre incentivo à cooperação e preservação da competência de outros órgãos fiscalizadores 139 Estrutura Organizacional A CVM é estruturada em uma hierarquia colegiada e técnica com o Colegiado como órgão máximo deliberativo composto por um Presidente e quatro Diretores todos nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação pelo Senado Federal com mandatos de cinco anos não coincidentes para garantir continuidade O Colegiado define políticas aprova normas julga processos sancionadores e supervisiona as atividades da autarquia reunindose periodicamente para deliberações estratégicas Diretamente subordinada ao Colegiado está a Superintendência Geral SGE coordenada por um Superintendente Geral que atua como braço executivo coordena as atividades das superintendências técnicas acompanha o desempenho das áreas implementa diretrizes do Colegiado e gerencia processos administrativos por meio de gerências gerais especializadas ex Gerência Geral de Processos As superintendências técnicas subordinadas à SGE são o núcleo operacional da regulação e supervisão divididas por temas específicos 27 Superintendência de Relações com Empresas SEP antiga SGC Supervisão de Companhias Abertas Analisa registros de companhias abertas emissões de valores mobiliários disclosure de informações periódicas e eventuais e monitora cumprimento de normas contábeis e de governança Superintendência de Relações com Investidores Institucionais SIN antiga focada em investidores qualificados Responsável por supervisão de fundos de investimento incluindo FIDCs e FIPs investidores institucionais agências de rating e investimentos estruturados inclui seções como a de Fiscalizações de Fundos SEFIS Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos SRE antiga SRE para riscos sistêmicos Monitora riscos sistêmicos estratégicos e tecnológicos no mercado utilizando supervisão baseada em risco SBR big data e análise em tempo real Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários SMI Fiscaliza corretoras distribuidoras agentes autônomos custodiantes depositários centrais e estrutura de mercado ex sistemas eletrônicos de negociação Outras superintendências complementares incluem Superintendência de Desenvolvimento de Mercado SDM inovações e educação financeira Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria SNM Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores SOI atendimento e educação Superintendência de Processos Sancionadores SPS Superintendência de Registro de Valores Mobiliários SREG Superintendência de Relações Internacionais SRI e Superintendência de Planejamento e Inovação SPI Órgãos seccionais e de suporte incluem Procuradoria Federal Especializada PFE que presta assessoria jurídica representa a CVM em juízo e opina em processos Auditoria Interna AUD para controle interno Ouvidoria OUV e Serviço de Atendimento ao Cidadão SAC que recebem denúncias reclamações e esclarecem dúvidas do público promovendo transparência e canal direto com investidores Superintendência AdministrativoFinanceira SAD responsável por gestão de recursos humanos orçamentários e logística Assessorias diretas à Presidência abrangem Gabinete da Presidência CGP Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos ASA e Assessoria de Comunicação Social ASC Com cerca de 600 servidores distribuídos entre Rio de Janeiro sede principal e Brasília escritório para relações institucionais via Superintendência de Relações Institucionais SRI a CVM opera de forma integrada e colaborativa o Colegiado delibera 28 strategicamente a SGE executa e coordena as superintendências especializadas realizam supervisão temática e baseada em risco enquanto órgãos de suporte garantem compliance e atendimento Sistemas digitais como o CVMWeb plataforma para registro eletrônico de documentos ofertas e relatórios e ferramentas de supervisão em tempo real ex monitoramento de FIPs via dashboards analíticos facilitam a eficiência permitindo análise remota alertas automáticos e integração de dados para prevenção de ilícitos Essa estrutura regida pelo Regimento Interno e Decreto de Estrutura Regimental atualizado por decretos como o nº 102172020 equilibra autonomia técnica com accountability pública adaptando se a inovações como sandbox regulatório e ESG 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação A Comissão de Valores Mobiliários CVM enfrenta desafios atuais que refletem a complexidade exponencial do mercado financeiro brasileiro marcado pela digitalização globalização e inovação disruptiva Com um quadro de cerca de 452 servidores efetivos após a posse de 51 novos aprovados no concurso de 2024 a autarquia supervisiona aproximadamente R 167 trilhões em ativos cerca de 700 companhias abertas mais de 20 mil fundos de investimento e milhares de participantes do mercado Esses números destacam a disparidade entre o crescimento do setor e os recursos disponíveis demandando maior eficiência operacional e tecnológica O primeiro grande obstáculo é a regulação de novos ativos e modelos de negócio como criptoativos tokenização de ativos reais NFTs security tokens e fintechs de investimento Embora o Parecer de Orientação CVM nº 402022 e a Resolução CVM nº 292021 tenham avançado na classificação de criptoativos como valores mobiliários quando aplicável a Lei nº 144782022 Marco Legal dos Criptoativos sancionada em dezembro de 2022 e em vigor desde junho de 2023 ainda enfrenta regulamentações complementares em fase de consulta pública pelo Banco Central Consultas Públicas 109 110 e 1112024 com propostas ativas até fevereiro de 2025 Essa transição gera insegurança jurídica residual especialmente em temas como tributação via Declaração de Criptoativos DeCripto e prevenção à lavagem de dinheiro A CVM precisa equilibrar inovação com proteção ao investidor evitando tanto a repressão excessiva que afugenta startups quanto a leniência que permite pirâmides financeiras disfarçadas de DeFi como 29 evidenciado pelo Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco SBR 20252026 que prioriza riscos em tokens não conformes Outro desafio é a escassez de recursos humanos e tecnológicos frente ao volume supervisionado A supervisão baseada em risco exige análise em tempo real de big data machine learning e inteligência artificial ferramentas ainda em fase inicial na CVM conforme o Plano SBR 20252026 que identifica a restrição de pessoal como fator limitador principal apesar do reforço parcial via concurso de 2024 Esse gap foi evidente no caso Unick Forex 2019 uma pirâmide financeira que prometia retornos fixos com criptomoedas e captou R 2 bilhões de cerca de 1 milhão de investidores A CVM emitiu alerta em 2018 via Ato Declaratório nº 16169 mas a operação só foi desmantelada pela Polícia Federal em 2019 Operação Lamanai revelando a dificuldade de atuação preventiva em esquemas descentralizados e online com multa final de R 12 milhões aplicada pela CVM em 2020 A coordenação interinstitucional é o terceiro desafio crítico Fraudes sofisticadas envolvem lavagem de dinheiro corrupção e crimes cibernéticos exigindo integração com Banco Central COAF MPF PF e até reguladores estrangeiros via IOSCO O caso Americanas 2023 ilustra essa complexidade a descoberta de um rombo contábil de R 253 bilhões fraude em balanços mobilizou a CVM que abriu 12 processos administrativos sancionadores iniciais totalizando 14 ações em curso até outubro de 2025 incluindo inquéritos e acordos de supervisão o MPF ação penal com denúncia de 13 exexecutivos em abril de 2025 e a B3 suspensão de negociações A demora na apuração agravada pela renúncia em massa do conselho e indícios de destruição de provas revelados por delações em 2025 expôs a fragilidade na troca de informações em tempo real e na aplicação coordenada de sanções com a CVM assinando um novo acordo de supervisão em outubro de 2025 para obter dados adicionais Por fim a pressão por governança ESG ambiental social e de governança adiciona uma camada regulatória A Resolução CVM nº 1932023 alterada pela Resolução nº 2272025 exige disclosure ESG obrigatório a partir de 2026 para relatórios de exercícios iniciados em 1º de janeiro de 2026 divulgados em 2027 com adoção voluntária incentivada para 2025 via comunicado ao mercado até 31 de dezembro de 2025 alinhada aos padrões IFRS S1 e S2 do ISSB No entanto a CVM enfrenta resistência de empresas e falta de padrões unificados ex taxonomia brasileira em desenvolvimento pelo Ministério da Fazenda com consulta pública em 2025 Esse cenário é agravado pela judicialização decisões do TCU e STJ questionam a autonomia sancionatória da CVM como no Acórdão TCU nº 16342020 revisão de supervisão em insider trading com impactos em 2025 via 30 acordo CVMTCU para detecção de insiders secundários e jurisprudência do STJ consolidada desde 2016 em casos de uso indevido de informações privilegiadas gerando insegurança jurídica em multas administrativas Em suma os desafios da CVM não são apenas técnicos mas estruturais e sistêmicos O caso Americanas com perdas iniciais de cerca de R 89 bilhões em valor de mercado e impacto estimado em R 956 milhões em fundos de pensão equivalente a 08 do patrimônio do setor com potencial recuperação via plano de recuperação judicial demonstrou que falhas de supervisão afetam a poupança de milhões de brasileiros A solução passa por aumento de quadro com pedido para dobrar os cargos de inspetores em 2025 investimento em tecnologia ex ferramentas de IA para análise de riscos no Plano SBR consolidação do marco legal para cripto com resoluções do BC em 2025 e fortalecimento de acordos de cooperação interinstitucionais garantindo que a CVM evolua de reguladora reativa para guardiã proativa da integridade do mercado 14 Brasil Bolsa Balcão B3 141 Bolsa de Valores Contrariamente à percepção comum a bolsa de valores não integra a Administração Pública mas constitui uma entidade privada formada por sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs Autorizada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM presta serviço de interesse público essencial consistente na manutenção de ambiente adequado transparente e eficiente para a realização de operações de compra e venda de valores mobiliários emitidos por companhias abertas fundos e outros emissores regulados O termo bolsa possui múltiplas acepções doutrinárias Local físico ou eletrônico de negociação mercado apregoado com formação de preços por pregão contínuo ou leilão Estado das operações bolsísticas refletido em índices como o Ibovespa que impactam a economia nacional vide o crash da NYSE em 1929 Instituição autorregulada mercado heteroorganizado com regras próprias despersonalização dos contratos e padronização de ativos A bolsa é simultaneamente local estado e instituição Opera como mercado apregoado diferente do mercado de balcão organizado que é negociado bilateralmente com 31 despersonalização dos contratos ordens anônimas via sistemas eletrônicos padronização de lotes e ativos e liquidação centralizada garantindo segurança e eficiência Historicamente constituídas como associações civis sem fins lucrativos as bolsas modernas adotam o modelo de sociedades anônimas sujeitas à governança corporativa e à supervisão da CVM Resolução CVM nº 1352022 No Brasil a B3 SA Brasil Bolsa Balcão é o exemplo paradigmático resultante da fusão entre a BMFBOVESP 2008 e a CETIP 2017 concentra 999 do volume negociado em ações derivativos renda fixa e produtos estruturados dados B3 3T2025 Autorizada pela CVM Ato Declaratório nº 187942021 a B3 opera os ambientes Bovespa ações ETFs BDRs B3 Deriv futuros opções Soma renda fixa e Tesouro Direto em parceria com o Tesouro Nacional Embora não seja a única a B3 detém monopólio funcional na negociação de valores mobiliários listados Outras bolsas históricas como a Bolsa de Valores da Bahia fundada em 1851 que integrou a BOVESBA Bahia Sergipe Alagoas em 2020 foram absorvidas ou reconvertidas em entidades de educação financeira eventos e serviços acessórios sem acesso ao pregão de ativos regulados pela CVM A Bolsa do Nordeste Recife 1990 e a Bolsa de Minas Espírito Santo e Brasília BVMB 1989 seguiram trajetória semelhante com operações encerradas ou integradas à B3 A finalidade primordial da bolsa é dinamizar o mercado de capitais ampliando liquidez reduzindo custos de transação e facilitando a alocação eficiente de recursos Por meio do pregão eletrônico diário plataforma PUMA Trading System agentes de corretoras credenciadas mais de 90 em 2025 negociam em tempo real sob regras de compliance best execution e prevenção à manipulação Resolução CVM nº 802022 A B3 assegura Formação de preços justa via book de ofertas e leilões de aberturaencerramento Custódia centralizada CBLC Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia Liquidação em D2 ações ou D0 derivativos Garantia de execução via Fundo de Garantia e Câmara de Riscos Em 2025 a B3 registrou R 254 bilhões em volume médio diário ações à vista 18 milhão de investidores pessoa física ativos e R 62 trilhões em custódia B3 Relações com Investidores 3T2025 Sua relevância transcende o mercado o Ibovespa é termômetro macroeconômico influenciando política monetária confiança do consumidor e captação de empresas Assim a bolsa de valores especialmente a B3 é o coração pulsante do mercado de capitais brasileiro conectando emissores investidores e intermediários em um ecossistema 32 autorregulado mas rigorosamente supervisionado pela CVM essencial para o crescimento sustentável da economia 142 Mercado de Balcão O mercado de balcão abrange todas as operações do mercado de capitais realizadas fora do ambiente de bolsa de valores configurandose como um segmento descentralizado em que a contratação ocorre diretamente entre as partes emissor e investidor ou por meio de intermediários sem pregão público leilão ou apregoamento contínuo e sem a obrigatoriedade de local físico ou eletrônico centralizado ao contrário da bolsa que funciona como mercado apregoado Os participantes autorizados são as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs distribuidoras de títulos e valores mobiliários DTVMs bancos de investimento e outras instituições financeiras credenciadas pela CVM conforme Resolução CVM nº 2142024 atuando como intermediárias na negociação bilateral de títulos como debêntures CRIs CRAs FIDCs notas promissórias ações de companhias fechadas e demais valores mobiliários não listados em bolsa Dentro desse espectro distinguese o mercado de balcão não organizado segmento tradicional e mais amplo no qual as operações são contratadas diretamente entre as partes por telefone email plataformas privadas ou sistemas internos das corretoras sem sistema centralizado de registro ou negociação com preços definidos por negociação bilateral e liquidação bilateral ou via depositário central como a B3 por meio da CETIP para renda fixa exemplos incluem a emissão privada de debêntures nos termos do art 4º da Resolução CVM nº 1602022 a venda de ações de SA fechada e a colocação de CRI junto a investidores qualificados Já o mercado de balcão organizado MBO instituído pela Lei nº 103032001 e regulamentado pela Resolução CVM nº 132010 atualizada pela Resolução CVM nº 1352022 constitui um segmento estruturado operado por entidade autorizada pela CVM que mantém sistema eletrônico de negociação registro e liquidação no Brasil a SOMA Sociedade Operadora do Mercado de Acesso SA controlada pela B3 desde 2017 e autorizada pelo Ato Declaratório CVM nº 114562011 é a única operadora gerenciando as plataformas SOMA Fix para renda fixa e SOMA Equity para ações de companhias fechadas com registro centralizado reporte em tempo real à CVM liquidação via B3 divulgação de preços e volumes em boletim diário e negociação típica de debêntures incentivadas CRIs e ações de SA fechada com dispersão acionária em 2025 o MBO movimentou R 18 trilhão em emissões de renda fixa com crescimento de 22 em relação a 2024 impulsionado por investidores institucionais e qualificados conforme Relatório 3T2025 da B3 33 O mercado de balcão caracterizase pela flexibilidade na estruturação de contratos com prazos taxas e covenants personalizados acesso predominantemente restrito a investidores qualificados e institucionais conforme Resolução CVM nº 302021 menor liquidez em comparação à bolsa com negociação esporádica e preços menos transparentes no balcão não organizado taxas de intermediação variáveis e ausência de taxa de bolsa além de regulação focada nos intermediários e nas ofertas pela CVM com a B3 atuando como depositária central via CETIP Sua importância estratégica é inegável pois viabiliza a captação de longo prazo por empresas médias por meio de debêntures e CRIs diversifica portfólios de fundos e seguradoras e fomenta a inovação financeira incluindo títulos verdes sustentáveis e tokenizados no âmbito do sandbox regulatório da Resolução CVM nº 292021 em 2025 o mercado de balcão representou 62 do volume total de emissões de dívida corporativa superando a bolsa em captações privadas segundo dados da ANBIMA Critério Balcão Não Organizado Mercado de Balcão Organizado MBO Bolsa de Valores Local de Negociação Descentralizado telefone email plataformas privadas Sistema eletrônico centralizado SOMA FixEquity Pregão eletrônico centralizado PUMA Trading System Forma de Contratação Bilateral direta Bilateral via sistema registrado Apregoamento público book de ofertas Operadora Corretoras bancos SOMA controlada pela B3 B3 SA Autorização CVM Intermediários CTVMDTVM Entidade operadora Ato CVM nº 114562011 Bolsa Ato CVM nº 187942021 Transparência de Preços Baixa negociado Média boletim diário Alta tempo real Liquidação Bilateral ou via B3CETIP Centralizada via B3 Centralizada via B3 D2D0 Garantia Contratual Fundo de Garantia SOMA Fundo de Garantia B3 Ativos Típicos Debêntures privadas ações fechadas CRI particular Debêntures incentivadas CRI ações SA fechada com dispersão Ações listadas ETFs BDRs derivativos PúblicoAlvo Qualificados institucionais Qualificadosinstitucionais Todos PF PJ institucionais Volume 3T2025 R 12 tri estimado R 18 tri renda fixa R 254 bidia ações à vista Regulamento Principal Resolução CVM nº 1602022 Resolução CVM nº 1352022 Resolução CVM nº 1352022 34 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário O mercado de capitais costuma ser classificado em primário e secundário distinção fundamental para compreender o fluxo de recursos e a dinâmica de negociação No mercado primário realizamse operações de emissão e subscrição de valores mobiliários novos como ações debêntures CRIs CRAs e notas promissórias Aqui a companhia emissora coloca títulos inéditos em circulação estabelecendo uma relação direta com o investidor subscritor que contribui com capital fresco ao pagar o preço de emissão valor que integra o capital social da empresa transformando o subscritor em acionista ou credor Essa cap created resources para expansão refinanciamento ou projetos específicos sem intermediação de venda de ativos existentes Exemplos incluem emissões privadas de debêntures no balcão como a 10ª emissão da própria B3 em setembro de 2025 no valor de R 2 bilhões com rating AAAbra pela Fitch e foco em investidores qualificados ou IPOs registrados na B3 embora em 2025 o primário tradicional de ações tenha sido dominado por IPOs reversos fusões com companhias listadas inativas como o caso da OranjeBTC que adquiriu o cursinho Intergraus para listar operações de tesouraria de bitcoin captando R 150 milhões sem emissão primária convencional No 1T2025 o volume total de emissões primárias atingiu R 173 bilhões segundo Boletim Econômico da CVM com destaque para renda fixa privada no balcão Já o mercado secundário envolve compra e venda de valores mobiliários já emitidos sem participação direta da companhia emissora A relação jurídica limitase ao vendedor titular atual e ao comprador novo detentor com o preço negociado refletindo o valor de mercado influenciado por desempenho financeiro expectativas econômicas e fatores macro como variações na Selic ou resultados trimestrais Diferente do preço de emissão fixo no primário o valor secundário oscila títulos de empresas lucrativas ganham prêmio ex ações da Petrobras subindo 15 após balanço positivo no 3T2025 enquanto dificuldades levam a desvalorização A B3 domina o secundário com volume médio diário de R 254 bilhões em ações à vista no 3T2025 e recorde de R 303 bilhões em títulos públicos federais negociados em setembro de 2025 No balcão organizado SOMA o secundário de CRIs bateu R 477 bilhões no 1S2025 com 3828 mil operações A Bolsa de Valores opera exclusivamente no secundário com pregão eletrônico para compravenda de títulos listados proporcionando liquidez formação de preços transparente e proteção via fundos de garantia O balcão por sua vez abrange ambos os mercados primário via emissões privadas ou incentivadas ex debêntures da ISA Energia Brasil em 2025 R 2 35 bilhões para expansão de transmissão e secundário via negociações bilaterais ou no MBO Essa dualidade torna o balcão essencial para captações personalizadas representando 62 das emissões de dívida corporativa em 2025 ANBIMA enquanto o secundário da B3 atraiu R 265 bilhões de estrangeiros no 1S2025 Em resumo o primário financia o crescimento empresarial com recursos novos enquanto o secundário garante liquidez e valuation dinâmico com a B3 como hub do secundário e o balcão como canal flexível para primário e secundário privados 15 Ações e Valores Mobiliários 151 Ações As ações constituem os valores mobiliários mais importantes das sociedades anônimas SA pois representam frações do capital social e conferem a seus titulares a condição de acionistas ou seja sócios da companhia Do ponto de vista jurídico as ações são consideradas bens móveis art 82 do Código Civil de 2002 Dada sua relevância merecem análise detalhada reservandose o estudo dos demais valores mobiliários como debêntures e bônus de subscrição para momento posterior A classificação das ações pode ser feita segundo dois critérios principais o primeiro leva em conta os direitos e vantagens que elas conferem aos acionistas e o segundo a forma de transferência que pode ser nominativa escritural ou certificada sendo esta última atualmente pouco utilizada 1511 Quanto aos direitos e obrigações Sob o aspecto dos direitos e vantagens as ações se dividem em ordinárias preferenciais e de fruição As ações ordinárias ON atribuem ao titular denominado ordinarista os direitos essenciais previstos no art 109 da Lei das Sociedades por Ações LSA sem conceder privilégios nem impor restrições específicas Entre os principais direitos das ações ordinárias estão o direito de voto em assembleias o direito à participação nos lucros dividendos de forma proporcional à quantidade de ações detidas o direito de preferência na subscrição de novas ações a fiscalização da gestão da companhia e o direito de retirada nos casos previstos em lei Importa destacar que o direito de voto é considerado essencial apenas para os titulares 36 de ações ordinárias já que as ações preferenciais podem ter esse direito suprimido ou restringido art 111 1º LSA É entre os acionistas detentores de ações ordinárias que normalmente se formam a maioria controladora e os minoritários motivo pelo qual a legislação societária busca conciliar o exercício do poder de controle com a proteção da minoria acionária por meio de instrumentos como o tag along o voto múltiplo e a fiscalização pelo conselho fiscal As ações preferenciais PN por sua vez conferem ao preferencialistas certas vantagens econômicas em contrapartida a possíveis restrições de natureza política como a ausência ou limitação do direito de voto As vantagens das ações preferenciais devem estar expressamente previstas no estatuto social conforme o art 17 da LSA e podem consistir em i prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos ii prioridade no reembolso do capital com ou sem prêmio ou iii a acumulação dessas duas preferências Ainda que haja restrições o titular de ações preferenciais não pode ser privado dos direitos essenciais previstos no art 109 da LSA como o direito à percepção de dividendos à fiscalização e à retirada A legislação também impõe limites à emissão desse tipo de ação de acordo com o art 15 2º da LSA redação dada pela Lei nº 103032001 o número total de ações preferenciais com ou sem direito a voto não pode ultrapassar 50 do total de ações emitidas pela companhia A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça STJ consolidou o entendimento de que é legítima a cláusula estatutária que exclui os acionistas preferencialistas da participação nos lucros remanescentes após o recebimento do dividendo mínimo desde que tal previsão esteja expressamente prevista no estatuto e seja anterior à subscrição das ações Assim conforme o precedente do REsp 641611BA Rel Min Hélio Quaglia Barbosa julgado em 2007 mantido em decisões posteriores como o REsp 1301110SP de 2018 essa exclusão não viola os direitos essenciais do acionista Por fim as ações de fruição também chamadas ações de gozo são emitidas em substituição às ações ordinárias ou preferenciais que foram totalmente amortizadas sem que isso implique redução do capital social conforme o disposto no art 44 2º e 5º da LSA A amortização consiste na distribuição antecipada aos acionistas de valores que lhes caberiam em eventual liquidação da companhia sem que haja diminuição do capital social As ações de fruição possuem algumas características específicas não têm valor nominal não integram o capital social conferem apenas direitos patrimoniais como o recebimento de dividendos e bonificações e não concedem direito de voto nem prioridade 37 no reembolso Em caso de liquidação da companhia os titulares dessas ações somente participarão do acervo líquido após as ações não amortizadas receberem valor equivalente ao da amortização devidamente corrigido Como exemplo imaginese uma sociedade anônima que utilizando lucros acumulados decide amortizar integralmente uma ação preferencial de valor patrimonial de R 5000 O acionista recebe esse valor e em substituição passa a deter uma ação de fruição mantendo o direito de participar dos lucros da empresa mas sem poder de voto nem direito preferencial em caso de reembolso do capital Dessa forma as ações de fruição funcionam como uma forma residual de participação restrita aos direitos de gozo sem integrar o capital social da companhia 1511 Golden Share A expressão golden share designa uma categoria especial de ação preferencial que confere ao seu titular direitos diferenciados geralmente de natureza política como o poder de veto em determinadas deliberações sociais Essa figura surgiu no Reino Unido entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980 durante o governo de Margaret Thatcher no contexto das privatizações em massa promovidas pelo Estado britânico O objetivo era permitir que o governo mantivesse certo grau de controle estratégico sobre empresas consideradas relevantes para o interesse nacional mesmo após a transferência de sua propriedade ao setor privado No Brasil a golden share foi introduzida pelo art 8º da Lei nº 80311990 que instituiu o Plano Nacional de Desestatização PND O dispositivo previa que sempre que houver razões que o justifiquem a União deterá direta ou indiretamente ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias A partir dessa previsão a golden share passou a integrar o estatuto de diversas companhias desestatizadas como a Celma a Embraer e a Vale Na Embraer por exemplo a golden share da União confere o direito de veto em matérias estratégicas como mudança do objeto social alteração do controle acionário transferência de sede para o exterior e interrupção de atividades militares entre outras hipóteses Esse modelo assegura que o ente público mantenha uma influência limitada mas decisiva sobre decisões que possam afetar o interesse nacional especialmente em setores sensíveis como o aeronáutico e o mineral 38 Atualmente a golden share encontra respaldo expresso no art 17 7º da Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que autoriza a sua criação em companhias objeto de desestatização de propriedade exclusiva do ente desestatizante União Estados Distrito Federal ou Municípios O dispositivo legal estabelece que o estatuto social pode atribuir a essas ações os poderes que especificar inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia geral nas matérias que determinar Embora a lei preveja originalmente a golden share apenas para entes desestatizantes a doutrina reconhece que com fundamento no art 17 2º da LSA é possível a emissão de ações preferenciais com preferências ou vantagens estatutárias específicas inclusive em companhias privadas desde que observados os limites legais e de governança Assim nada impediria em tese a adoção de uma estrutura similar à golden share em operações de alienação de controle entre particulares se houver previsão expressa no estatuto social Um caso relevante envolvendo a golden share ocorreu quando o Tribunal de Contas da União TCU foi consultado pelo então Ministério da Fazenda durante a gestão de Henrique Meirelles sobre a possibilidade de a União abrir mão das golden shares que detinha em algumas empresas O argumento era de que a manutenção desse tipo de ação poderia inibir investimentos privados pois investidores tendem a se mostrar receosos em relação a companhias nas quais o Estado conserva poderes especiais de veto mesmo sendo minoritário No julgamento da consulta o ministro Walton Alencar Rodrigues manifestouse favoravelmente à supressão das golden shares pela União entendendo que o Poder Executivo poderia deliberar sobre isso desde que houvesse indenização correspondente à valorização previsível da ação decorrente da sua extinção Entretanto prevaleceu o voto do ministro Vital do Rêgo para quem a decisão sobre a extinção ou manutenção das golden shares da União deve ser submetida ao Congresso Nacional inclusive quanto à eventual necessidade de compensação financeira Em síntese a golden share permanece como um importante instrumento jurídico político de controle residual estatal em empresas estratégicas conciliando o processo de privatização com a preservação do interesse público Contudo seu uso continua gerando debates sobre os limites da intervenção estatal na economia e sobre o equilíbrio entre segurança nacional e atração de investimentos privados 1513 Quanto à fora de transferência 39 Além da classificação das ações conforme os direitos e obrigações conferidos aos acionistas existe outra forma de categorizálas que leva em conta o modo de sua transferência Sob essa ótica as ações podem ser nominativas ou escriturais Antes de analisar cada tipo é importante contextualizar Até o ano de 1990 as ações podiam se apresentar em quatro modalidades quanto à forma de transferência além das nominativas e escriturais havia também as ações endossáveis transmissíveis por meio de endosso lançado no próprio certificado e as ações ao portador que se transferiam por mera tradição do documento Contudo com a promulgação da Lei nº 80211990 determinouse que em até dois anos a partir de sua vigência as ações endossáveis e ao portador deveriam ser retiradas de circulação Embora ainda existam dispositivos na Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que fazem referência a essas espécies tais dispositivos são considerados tacitamente revogados em razão da incompatibilidade com a nova legislação As ações nominativas são aquelas cuja transferência depende de registro no livro próprio mantido pela sociedade anônima o Livro de Registro de Ações Nominativas previsto no art 31 da LSA Esse registro é condição essencial para a validade da transferência da propriedade da ação Assim atos preparatórios como a fixação do preço a assinatura de contrato ou mesmo a entrega do certificado não produzem por si sós a transferência da titularidade A transmissão da propriedade somente se concretiza com a efetivação do registro no livro da companhia emissora Tratase portanto de um ato formal que requer certa solenidade o comparecimento do vendedor e do comprador ou seus representantes perante a sociedade para a assinatura do livro de transferência de ações nominativas conforme determina o art 31 1º da LSA Nos casos em que as ações são negociadas em bolsa de valores o vendedor é representado automaticamente e independentemente de procuração pela corretora ou pela câmara de liquidação da bolsa nos termos do art 31 3º da LSA Por sua vez as ações escriturais previstas no art 34 da LSA são aquelas mantidas em contas de depósito abertas em nome de seus titulares em instituições financeiras indicadas pela companhia Nesses casos não há emissão de certificados e as ações existem apenas em forma eletrônica sendo incorpóreas Para atuar como instituição depositária o banco ou entidade designada deve possuir autorização da CVM para esse tipo de serviço art 34 2º da LSA A transferência das ações escriturais ocorre por simples lançamento nos registros da instituição depositária que debita a conta do alienante e credita a conta do adquirente 40 mediante ordem escrita do titular ou determinação judicial conforme dispõe o art 35 1º da LSA A comprovação da propriedade dessas ações é feita por meio do extrato da conta de depósito de ações emitido pela instituição financeira O extrato deve ser fornecido i sempre que solicitado pelo acionista ii mensalmente quando houver movimentação ou iii ao menos uma vez por ano conforme estabelece o art 35 2º da LSA Do ponto de vista prático e jurídico as ações nominativas e as ações escriturais apresentam diferenças significativas quanto ao grau de formalidade custos operacionais e mecanismos de controle As ações nominativas embora já representem um avanço em relação às antigas ações ao portador ainda envolvem procedimentos formais e burocráticos A transferência de sua titularidade exige o comparecimento à companhia ou o intermédio de instituições financeiras ou corretoras conforme o caso Esse processo torna a operação mais segura e rastreável pois toda e qualquer alteração na titularidade é registrada diretamente nos livros societários mas por outro lado pode tornála mais lenta e onerosa para companhias com grande volume de negociações Já as ações escriturais surgem como uma solução moderna mais eficiente e informatizada em sintonia com a evolução dos mercados de capitais Por existirem apenas em registros eletrônicos mantidos por instituições financeiras autorizadas pela CVM sua transferência é automatizada e dispensa formalidades presenciais Isso facilita operações de compra e venda em bolsas de valores e sistemas de custódia eletrônica reduzindo riscos de extravio de certificados e fraudes Outra diferença importante é o registro da titularidade Nas ações nominativas o controle é mantido diretamente pela companhia emissora no Livro de Registro de Ações Nominativas Nas ações escriturais o controle é delegado à instituição depositária que atua como intermediária entre o acionista e a companhia centralizando as informações e a movimentação das ações Do ponto de vista da transparência e da fiscalização estatal as ações escriturais são mais vantajosas Como as informações sobre seus titulares permanecem registradas em instituições sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários CVM elas oferecem maior rastreabilidade o que dificulta práticas ilícitas como lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio justamente um dos motivos que levou à extinção das ações ao portador pela Lei nº 80211990 41 Por outro lado as ações nominativas ainda são amplamente utilizadas por companhias fechadas que não têm ações negociadas em bolsa pois nelas a manutenção de um livro de registro físico ou digital continua sendo uma forma suficiente e econômica de controle societário Em síntese podese afirmar que As ações nominativas são mais adequadas a companhias fechadas nas quais há menor volume de transações e é desejável manter o controle direto dos acionistas pela própria sociedade As ações escriturais são mais apropriadas às companhias abertas por garantirem agilidade segurança e transparência nas negociações em mercado integrandose ao sistema financeiro e de custódia eletrônica regulado pela CVM e pela B3 Brasil Bolsa Balcão 151 Classes de ações A sociedade anônima SA como já destacado constitui o tipo societário mais atrativo para grandes empreendimentos sobretudo por sua flexibilidade de estruturação do capital e pela facilidade de atração de investidores com perfis diversos Um dos mecanismos mais eficientes para essa finalidade é a divisão do capital social em classes de ações identificadas por letras do alfabeto A B C etc cada uma conferindo direitos restrições e vantagens específicas a seus titulares Essa divisão em classes permite à companhia organizar seu capital conforme diferentes interesses de investimento conciliando no mesmo ambiente societário acionistas com expectativas distintas quanto ao controle rentabilidade ou segurança do investimento Por exemplo imaginese uma sociedade anônima atuante no setor alimentício que emite ações ordinárias cujos titulares possuem direito de voto e participação no controle da companhia e ações preferenciais sem voto subdivididas em classes A e B As ações preferenciais da classe A podem conceder dividendo fixo ou mínimo garantido atraindo investidores voltados à estabilidade e rentabilidade periódica como especuladores de perfil conservador ou fundos de investimento Já as ações preferenciais da classe B podem assegurar prioridade no reembolso do capital atraindo investidores institucionais como fundos de pensão que priorizam segurança e previsibilidade na recuperação do valor investido 42 Desse modo enquanto os acionistas das ações ordinárias tendem a ser grupos estratégicos frequentemente vinculados ao setor da companhia e interessados no controle societário os titulares das preferenciais de classes diversas são em geral investidores financeiros ou institucionais que buscam vantagens patrimoniais específicas sem necessariamente participar da gestão A Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 em seu art 15 1º expressamente autoriza essa estrutura ao dispor que as ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes observado no caso das ordinárias o disposto nos arts 16 16A e 110A desta Lei O art 110A introduzido pela Lei nº 141952021 trouxe uma inovação relevante ao admitir a adoção do voto plural nas companhias abertas e fechadas permitindo que determinadas classes de ações ordinárias confiram a seus titulares até dez votos por ação conforme limite legal e previsão estatutária Esse mecanismo tem sido amplamente utilizado por empresas de tecnologia e startups pois permite a captação de recursos via mercado de capitais sem a perda do poder de controle pelos fundadores Assim a divisão de ações em classes constitui um instrumento de engenharia societária que confere às companhias maior capacidade de captação e diversificação de capital conciliando interesses de controle liquidez e governança corporativa em conformidade com o regime da Lei das Sociedades por Ações e com as boas práticas do mercado de capitais brasileiro Critério de Classificação Espécie Classe de Ação Direitos Principais Limitações Possíveis Base Legal LSA Quanto aos direitos e vantagens Ordinárias ON Direito de voto participação nos lucros preferência na subscrição de novas ações fiscalização e retirada Nenhuma restrição específica Arts 15 109 e 110 A Preferenciais PN Prioridade no recebimento de dividendos ou reembolso de capital vantagens econômicas específicas Pode ter restrição ou supressão do voto Arts 17 e 111 De Fruição Direitos de gozo patrimonial após amortização das ações Não integram o capital social não têm voto Art 44 2º e 5º Quanto à forma de transferência Nominativas Propriedade registrada em livro próprio da companhia Transferência formal registro no livro Art 31 Escriturais Mantidas em conta de Não possuem Arts 34 e 43 depósito em instituição financeira autorizada pela CVM certificado físico 35 Quanto às classes Classes de Ações A B C Direitos diferenciados definidos no estatuto ex dividendos fixos voto plural reembolso prioritário Conforme previsão estatutária Art 15 1º arts 16 16A e 110A Classe especial Golden Share Poder de veto em matérias específicas proteção do interesse público em empresas privatizadas Propriedade exclusiva do ente desestatizante Art 17 7º 153 Valor da Ação A valoração de uma ação embora pareça simples revelase extremamente complexa devido à multiplicidade de critérios que variam conforme o objetivo da avaliação À ação podem ser atribuídos pelo menos cinco valores distintos a valor nominal b valor patrimonial c valor de negociação d valor econômico e valor de emissão Cada um atende a finalidades específicas desde a proteção contra diluição até a análise de rentabilidade futura sendo essencial para investidores administradores e reguladores 1531 Valor Nominal O valor nominal é obtido por operação aritmética simples Valor NominalCapital Social Total N umero Total de A coes Emitidas Exemplo Uma SA com capital social de R 100000000 e 100000 ações emitidas terá valor nominal de R 1000 por ação A Lei nº 64041976 LSA permite no art 14 que as companhias emitam ações sem valor nominal decisão estatutária Nesse caso aplicase o valorquociente resultado da mesma divisão Assim sendo a finalidade do valor nominal é proteger acionistas contra diluição injustificada do patrimônio O art 13 da LSA proíbe emissão de ações por preço inferior ao valor nominal estabelecendo um piso mínimo para novas emissões Poranto Garante diluição controlada 44 Evita emissões predatórias que prejudiquem antigos acionistas Se o preço de emissão for superior ao nominal a diferença ágio é destinada à reserva de capital art 13 2º LSA Destacase que sem valor nominal há risco de diluição severa pois o preço de emissão pode ser fixado livremente mesmo abaixo do valor patrimonial Valor Patrimonial O valor patrimonial ou valor real reflete o patrimônio líquido da SA por ação Valor PatrimonialPatrim onio Lı quido Ativo Passivo N u mero de A coes Emitidas Exemplo Ativo R 100000000 Passivo R 40000000 Patrimônio Líquido R 60000000 Logo 100000 ações Valor patrimonial R 600ação Na constituição da SA Valor nominal valor patrimonial ausência de passivo inicial Com o tempo oscilações operacionais lucros dívidas investimentos descolam o patrimônio líquido do capital social Desse modo é relevante em cenários de Liquidação da companhia partilha do saldo remanescente Amortização de ações antecipação do valor patrimonial ao acionista Súmula 371STJ Em contratos de participação financeira ex linhas telefônicas o VPA é apurado no mês da integralização balancete aprovado Salientase ainda a Jurisprudência STJ REsp 975834RS 2007O valor patrimonial da ação deve ser fixado no mês da integralização com base no balancete mensal aprovado 1531 Valor de Negociação O valor de negociação da ação é aquele livremente pactuado entre o vendedor e o comprador no âmbito do mercado secundário configurandose como o preço efetivamente transacionado em operações de compra e venda Esse valor reflete uma série de fatores dinâmicos entre os quais se destacam as perspectivas de rentabilidade futura da companhia o desempenho do setor econômico em que ela se insere a conjuntura macroeconômica nacional e internacional a cotação em bolsa especialmente relevante para companhias abertas listadas na B3 além da necessidade financeira do vendedor que pode forçar descontos e do grau de interesse do comprador que pode elevar o preço em disputas por controle ou 45 ativos estratégicos Diferentemente dos valores nominal ou patrimonial que são calculados por fórmulas contábeis o valor de negociação é determinado pela vontade das partes sendo influenciado por elementos subjetivos e de mercado como a liquidez do título o volume de ofertas e demandas no pregão eletrônico e até mesmo eventos corporativos ex anúncio de dividendos extraordinários ou aquisições Em 2025 por exemplo ações da Petrobras negociadas na B3 atingiram valor médio de negociação de R 4250 no 3T impulsionadas por resultados operacionais robustos e alta do petróleo enquanto ações de SAs fechadas em negociações privadas variaram conforme acordos bilaterais frequentemente abaixo do valor patrimonial em casos de saída urgente de sócios Tipo Características Exemplo Negociação privada Fora do mercado de capitais Venda de ações de SA fechada entre herdeiros Valor de mercado bursátil Negociado em bolsa ou balcão Ações da Petrobras na B3 R 4250 em 04112025 1533 Valor Econômico O valor econômico da ação é apurado por meio de análises técnicas especializadas realizadas por peritos ou consultorias de avaliação com o objetivo de estimar o valor justo de mercado que a ação alcançaria se fosse negociada em condições ideais O método mais consolidado é o Fluxo de Caixa Descontado FCD Valor Econ o micoFluxos de Caixa Futuros Projetados Tal método envolve três etapas fundamentais 1 projeção dos fluxos de caixa operacionais futuros com base em premissas de receita custos e investimentos 2 aplicação de uma taxa de desconto geralmente o WACC Weighted Average Cost of Capital que reflete o custo médio ponderado de capital da empresa e 3 ajuste por riscos incluindo passivos ocultos inadimplência de clientes ou contingências não contabilizadas Esse modelo embora robusto para empresas em operação regular apresenta limitações significativas em cenários de crise financeira reestruturação societária detentoras de patentes de alto risco ou sensíveis a ciclos macroeconômicos onde os fluxos futuros são instáveis igualmente sua aplicação é restrita em companhias fechadas devido à maior dificuldade em mensurar riscos de governança e liquidez O valor econômico é especialmente relevante em situações de responsabilização de administradores por alienação de ações abaixo do valor justo em 46 processos de fusões e aquisições MA na avaliação para Ofertas Públicas de Aquisição OPA ou na saída de sócios minoritários servindo como parâmetro objetivo para evitar prejuízos à companhia ou aos acionistas Valor Fórmula Finalidade Exemplo 2025 Nominal Capital Social Nº de Ações Proteção contra diluição R 1000 estatutário Patrimonial Ativo Passivo Nº de Ações Liquidação amortização R 600 balanço Negociaçã o Pactuado entre partes Compravenda no secundário R 4250 B3 Econômico Fluxo de Caixa Descontado Avaliação técnica R 4820 laudo pericial Emissão Definido em assembleia Captação no primário R 3500 IPOfollowon 154 Outros Valores Mobiliários Além das ações que representam o principal valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas SAs essas companhias também lançam outros instrumentos no mercado de capitais com destaque para debêntures partes beneficiárias e bônus de subscrição que serão analisados em detalhes neste tópico Esses valores mobiliários configuram ferramentas estratégicas para a captação de recursos permitindo às SAs mobilizar poupança popular sem depender exclusivamente de empréstimos bancários ou financiamento externo Para os investidores por sua vez oferecem oportunidades diversificadas de aplicação com perfis de risco retorno e prazos variados Desde sua origem histórica as sociedades anônimas destacamse como o modelo societário ideal para grandes empreendimentos justamente pela capacidade de atrair vultosos volumes de capital via mercado de capitais Essa característica confere às companhias um mecanismo de autofinanciamento que opera por meio de dois pilares fundamentais Capitalização emissão de novas ações incorporando recursos ao capital social conforme estudado no mercado primário Securitização lançamento de outros valores mobiliários transformando direitos creditórios ou expectativas de ganho em títulos negociáveis 47 Por intermédio da capitalização e da securitização as SAs captam recursos diretamente junto aos investidores financiando expansão inovação reestruturação ou projetos de longo prazo Em 2025 as emissões de debêntures e instrumentos securitizados somaram R 312 bilhões no 1S2025 ANBIMA com destaque para debêntures incentivadas infraestrutura e CRIsCRAs no balcão organizado representando 68 do autofinanciamento corporativo fora do sistema bancário tradicional 1541Debêntures Títulos de dívida de médio e longo prazo representam empréstimo contraído pela companhia junto ao mercado Podem ser simples sem garantia real ou com garantia fidejussória flutuante ou real e incentivadas Lei nº 114312011 com isenção de IR para PF Em 2025 a 10ª emissão da B3 R 2 bilhões setembro foi estruturada como debênture incentivada com remuneração de IPCA 58 e foco em expansão tecnológica Negociadas majoritariamente no balcão SOMA Fix oferecem rendimento fixo ou indexado com covenants de proteção ao credor 1541 Partes Beneficiárias Títulos gratuitos ou onerosos concedidos pela SA a fundadores administradores ou terceiros conferindo direito a participação nos lucros até 10 do lucro líquido após distribuição aos acionistas Não integram o capital social não conferem voto e têm prazo máximo de 10 anos art 46 3º Lei nº 64041976 Raros em 2025 são usados em reestruturações ou planos de incentivo ex partes beneficiárias da Petrobras Distribuidora em 2019 resgatadas em 2024 1543 Bônus de Subscrição Direito de preferência para subscrever ações futuras a preço predeterminado emitido como vantagem adicional aos acionistas ou debenturistas Regulados pelo art 75 da Lei nº 64041976 têm prazo de até 10 anos e são negociáveis no secundário B3 ou balcão Em 2025 a Vale emitiu bônus vinculados à 8ª série de debêntures R 35 bilhões permitindo subscrição de ações a R 55 até 2030 captando liquidez futura com desconto 48 Esses instrumentos ampliam o leque de autofinanciamento reduzindo dependência de bancos cujo spread médio foi de 285 em 2025 segundo BCB e democratizando o acesso ao capital A securitização em especial cresceu 25 em volume no 1S2025 CVM impulsionada por juros altos e demanda institucional por renda fixa privada 16 Mercado e Operações a Termo O mercado a termo é uma das formas mais antigas de negociação financeira baseada na compra e venda futura de ativos a preço e data previamente fixados Suas origens remontam às feiras mercantis europeias onde surgiram contratos de entrega futura de mercadorias e metais preciosos fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo contratual e do sistema financeiro moderno Van der Wee 1963 Braudel 1996 Historicamente o instrumento serviu como elo entre o comércio físico e o financeiro possibilitando a transferência de riscos e o planejamento de investimentos Goetzmann Rouwenhorst 2005 No Brasil sua consolidação ocorreu com a criação da CVM pela Lei nº 63851976 marco regulatório do mercado de capitais e com a atuação da B3 que disciplina as operações conforme normas da CVM e do Banco Central O mercado a termo tem dupla função é instrumento de alavancagem e investimento e também de proteção hedge contra oscilações de preço Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 destacam que ele amplia a liquidez e reduz incertezas refletindo o nível de sofisticação institucional e de confiança nas regras do sistema financeiro Chandler 1990 Landes 1998 No contexto brasileiro esse mercado exerce papel central na formação de preços na liquidez sistêmica e no estímulo ao investimento produtivo Entretanto tais benefícios dependem de regulação e transparência como reforçam as Resoluções CVM nº 231 e 2322025 que aprimoram o controle de riscos e a proteção ao investidor Segundo Pereira 2024 e Carvalhosa 2022 a segurança jurídica é essencial à estabilidade e à confiança no mercado de capitais A democratização financeira e o aumento de investidores pessoas físicas tornaram ainda mais relevante o equilíbrio entre liberdade negocial e regulação eficiente conforme defendem Rajan e Zingales 2004 49 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo A compreensão do mercado a termo exige a análise simultânea de suas dimensões econômica financeira e jurídica pois o instituto representa uma interface entre o direito contratual e o funcionamento dos mercados organizados de valores mobiliários Tratase de operação que combina compromisso futuro e preço presente permitindo que as partes negociem a transferência de ativos em data futura a um preço previamente fixado com base em expectativas sobre a evolução de mercado Segundo Assaf Neto 2023 p 412 a operação a termo constitui uma transação em que comprador e vendedor assumem compromissos firmes e irretratáveis tendo como objeto um ativo financeiro cujo preço de liquidação é determinado no ato da contratação embora a entrega e o pagamento ocorram no futuro A doutrina a reconhece como um instrumento híbrido situado entre o contrato de compra e venda mercantil e os derivativos financeiros possuindo peculiaridades que justificam sua regulamentação específica pela Comissão de Valores Mobiliários CVM e pela B3 161Definição econômica e financeira Do ponto de vista econômico o contrato a termo é uma operação de gestão de risco e expectativa típica de mercados de capitais desenvolvidos Conforme descreve Fortuna 2022 p 538 o mercado a termo viabiliza a antecipação de preços e o planejamento financeiro de agentes econômicos permitindo a estabilização de receitas ou custos futuros Essas operações desempenham papel essencial na formação de preços e liquidez do mercado uma vez que reduzem a incerteza e ampliam a capacidade de alavancagem dos investidores Diferentemente das operações de crédito tradicionais as operações a termo não envolvem necessariamente financiamento mas compromissos de compra e venda diferida com efeitos econômicos equivalentes à proteção hedge ou à especulação sobre tendências de mercado Ferguson 2008 e Rajan e Zingales 2004 demonstram que o surgimento dos mercados a termo foi decisivo para o amadurecimento do capitalismo financeiro ao permitir a criação de instrumentos de mitigação de riscos que impulsionaram o investimento produtivo e a confiança nas instituições financeiras Em sua essência o mercado a termo é um 50 instrumento de transferência de riscos e seu valor deriva do comportamento do ativo subjacente característica que o aproxima dos contratos derivativos 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções A distinção entre os diversos tipos de operação é fundamental para delimitar a natureza jurídica e funcional do contrato a termo Conforme o Guia de Operações a Termo da B3 2024 e o Relatório CVM de Derivativos 2024 Operação à vista envolve a liquidação imediata da transação a entrega e o pagamento ocorrem em até D2 dias úteis É a forma mais simples de compra e venda de ativos sem expectativa futura de preço Operação a termo define preço e data futura no momento da contratação sem ajustes diários sendo liquidada em data certa com base no preço previamente acordado O contrato é vinculante e não pode ser rescindido unilateralmente Operação futura futures similar à operação a termo mas padronizada e negociada em bolsa com ajuste diário de posições marktomarket O preço é formado continuamente no mercado e a câmara de compensação atua como contraparte central Opções diferem das operações a termo e futuras por conferirem direito e não obrigação ao comprador de exercer a compra ou venda do ativo em data futura mediante pagamento de um prêmio Como observa Saddi e Saddi 2022 p 201 o contrato a termo se caracteriza pela flexibilidade contratual e bilateralidade direta entre as partes enquanto os contratos futuros e de opções estão sujeitos a maior padronização e regulação Essa distinção possui relevância jurídica pois define o grau de liberdade das partes e o regime de responsabilidade aplicável em caso de inadimplemento 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral A natureza jurídica do contrato a termo é tema de debate consolidado na doutrina comercial e financeira Bulgarelli 2021 p 315 classificao como contrato mercantil de compra e venda a prazo de execução diferida em que a prestação é adiada mas o vínculo 51 jurídico se forma imediatamente Já Carvalhosa 2022 v 3 p 427 sustenta que o contrato a termo quando negociado no âmbito do mercado de capitais adquire natureza de derivativo financeiro dado que seu valor decorre do desempenho do ativo subjacente A doutrina majoritária incluindo Mosquera 2023 e Penteado 2023 entende que o contrato a termo é consensual bilateral e oneroso com natureza derivativa Ele é consensual porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades bilateral pois gera obrigações recíprocas e oneroso porque envolve sacrifício patrimonial de ambas as partes Sob o ponto de vista regulatório a CVM por meio da Resolução nº 352021 reconhece expressamente o contrato a termo como instrumento derivativo quando o ativo subjacente for valor mobiliário conforme o art 2º VII da Lei nº 63851976 Assim tais operações estão sujeitas à supervisão da CVM devendo observar regras de transparência registro e mitigação de conflitos de interesse A B3 em seu regulamento operacional atualizado em 2025 reforça esse entendimento ao tratar o contrato a termo como operação não padronizada de compra e venda futura liquidável fisicamente ou financeiramente com registro e garantias controladas pela câmara de compensação 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC A base legal do mercado a termo no Brasil é composta por um conjunto de diplomas que articulam princípios de direito societário contratual e financeiro Lei nº 63851976 regula o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários CVM O art 2º VII inclui expressamente os contratos a termo e outros derivativos como valores mobiliários quando referidos a ativos negociados no mercado de capitais Lei nº 64041976 Lei das SA estabelece os parâmetros de emissão e negociação de ações e debêntures assegurando a publicidade e a transparência nas operações Código Civil Lei nº 104062002 nos arts 421 a 425 define os princípios da função social do contrato e da autonomia da vontade aplicáveis subsidiariamente às operações a termo 52 Lei nº 135062017 confere à CVM e ao Banco Central poder sancionador ampliado disciplinando infrações administrativas e sanções no âmbito do mercado de capitais A CVM conforme expõe Salomão Neto 2023 interpreta as operações a termo sob a ótica da função econômica do contrato reconhecendo sua validade e exigibilidade mesmo quando liquidadas financeiramente desde que cumpridos os requisitos de forma e registro Mosquera 2023 destaca que a evolução regulatória tem buscado equilibrar liberdade contratual e segurança jurídica ao exigir a formalização escrita dos contratos e o registro centralizado das operações Essa exigência decorre da necessidade de prevenir fraudes e manipulações de mercado especialmente diante da crescente complexidade dos derivativos Por sua vez Carvalhosa 2022 v 3 p 431 ressalta que a sujeição das operações a termo ao regime da CVM não altera sua essência contratual mas a complementa com garantias de transparência e fiscalização pública assegurando que o instrumento cumpra sua função econômica sem comprometer a estabilidade sistêmica Em síntese a natureza jurídica do contrato a termo resulta da conjugação entre princípios contratuais clássicos e exigências do direito público econômico Ele é simultaneamente contrato de direito privado fundado na autonomia das partes e instrumento de interesse público submetido à regulação estatal configurando um dos exemplos mais refinados de integração entre liberdade econômica e regulação prudencial no direito financeiro brasileiro 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo O mercado a termo integra o conjunto dos mercados organizados de derivativos sendo regido por princípios de transparência mitigação de risco e cumprimento contratual Seu funcionamento depende de uma estrutura complexa de agentes regras operacionais e mecanismos de compensação e liquidação que garantem a segurança e a estabilidade das transações De acordo com Assaf Neto 2023 p 414 a eficiência do mercado a termo depende da articulação entre as partes contratantes e as instituições de intermediação e liquidação sob um ambiente de regulação prudencial A B3 como infraestrutura de mercado financeiro é o núcleo operacional do sistema enquanto a CVM exerce a supervisão e normatização em conformidade com a Lei nº 63851976 53 1661 Atores investidor corretora contraparte B3 O funcionamento do mercado a termo pressupõe a atuação coordenada de quatro principais agentes Investidor Pode assumir posição comprada tomador ou vendida lançador O comprador comprometese a adquirir o ativo em data futura enquanto o vendedor se obriga a entregálo ou liquidar a operação conforme o contrato Segundo Fortuna 2022 p 542 o investidor pode operar a termo com finalidades distintas proteção hedge especulação ou arbitragem Corretora ou distribuidora de valores mobiliários Atua como intermediária habilitada pela CVM Resolução CVM nº 352021 responsável pela execução registro e garantia da operação Ela também recolhe as margens exigidas e monitora a posição dos clientes Contraparte Em contratos a termo a contraparte é a outra parte do contrato podendo ser um investidor institucional empresa fundo de investimento ou pessoa física No caso das operações registradas na B3 há a possibilidade de interposição da câmara de compensação que assume o papel de contraparte central reduzindo o risco de crédito B3 Brasil Bolsa Balcão É a infraestrutura central do mercado a termo Ela fornece o ambiente de negociação eletrônica o sistema de registro as câmaras de compensação e os mecanismos de liquidação e garantia Segundo o Guia de Operações a Termo da B3 2024 toda operação registrada em bolsa é acompanhada até a liquidação final com monitoramento contínuo de riscos de crédito e mercado Além desses há ainda o papel indireto do Banco Central BACEN que supervisiona o sistema financeiro nacional art 10 da Lei nº 45951964 e acompanha os riscos sistêmicos decorrentes das operações com derivativos conforme o Relatório de Estabilidade Financeira 2025 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação 54 As operações a termo seguem um fluxo operacional padronizado com etapas bem definidas Contratação As partes acordam o ativo objeto ações títulos públicos moedas ou commodities o preço a termo a data de vencimento e as condições de liquidação A CVM exige conforme a Resolução CVM nº 352021 que o contrato seja formalizado por escrito e contenha todos os elementos essenciais do negócio inclusive os riscos assumidos Registro Após a contratação o intermediário corretora registra a operação no sistema da B3 que valida o contrato e calcula as margens de garantia O registro assegura a rastreabilidade e a supervisão pela CVM além de permitir o acompanhamento contábil e fiscal da posição Liquidação Pode ocorrer de duas formas física ou financeira A liquidação é o momento em que o contrato é extinto mediante a entrega do ativo ou o pagamento da diferença de valores conforme as condições pactuadas A B3 2024 destaca que a etapa de registro é o elemento que diferencia o mercado organizado do mercado de balcão sendo o registro essencial para conferir validade exigibilidade e segurança jurídica à operação 1663 Mecanismos de margem e garantias O risco de inadimplemento nas operações a termo é mitigado por meio de margens de garantia chamadas de margem e sistemas de monitoramento de risco Segundo Saddi e Saddi 2022 p 247 as margens funcionam como colaterais financeiros que asseguram a execução futura das obrigações contratuais evitando desequilíbrios e contágio sistêmico Existem dois tipos principais Margem inicial Depósito de garantia exigido no momento do registro da operação proporcional ao risco da posição Margem de variação ou adicional Requerida quando há oscilação relevante nos preços do ativo como forma de recompor o nível de garantia exigido A B3 aceita diferentes tipos de ativos como garantia dinheiro títulos públicos federais ações cotas de fundos conforme o Manual de Margens e Garantias B3 2025 55 Esses mecanismos são complementados pela Câmara de Compensação e Liquidação B3 Clearing que atua como contraparte central CCP nas operações registradas assumindo o risco de contraparte e assegurando o cumprimento dos contratos Formas de liquidação financeira ou física As operações a termo podem ser liquidadas de duas formas Liquidação física O vendedor entrega efetivamente o ativo por exemplo ações da Petrobras e o comprador paga o valor total acordado no contrato É a forma tradicional utilizada quando há interesse real na aquisição do ativo Liquidação financeira Em vez de entregar o ativo as partes liquidam apenas a diferença entre o preço contratado e o preço de mercado na data do vencimento Essa modalidade é mais comum em operações de caráter especulativo ou de hedge nas quais o investidor busca proteção contra variações de preço o Compliance e auditoria O regime de compliance e auditoria nas operações a termo tem caráter preventivo e transversal abrangendo desde a intermediação até a liquidação final da operação As instituições intermediárias corretoras e distribuidoras devem manter políticas formais de compliance e controles internos compatíveis com o tamanho e o risco de suas atividades conforme previsto na Resolução CVM nº 352021 que consolida regras de conduta para intermediários e participantes de mercado Entre as obrigações de compliance destacamse Identificação e adequação de clientes suitability Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo PLDFT conforme a Lei nº 96131998 e a Resolução CVM nº 502021 Controle de informações privilegiadas previsto no art 155 da Lei nº 64041976 LSA Revisão periódica de políticas internas com comunicação obrigatória à CVM No tocante à auditoria a Resolução CVM nº 232021 regula de forma abrangente a atividade de auditoria independente no mercado de valores mobiliários A norma impõe a obrigatoriedade de auditoria independente para companhias abertas fundos de investimento intermediários de valores mobiliários e demais participantes supervisionados pela CVM assegurando maior transparência e confiabilidade nas demonstrações financeiras 56 167 Riscos e Desvantagens As operações a termo embora desempenhem papel relevante na estrutura de financiamento e investimento do mercado de capitais comportam riscos específicos que devem ser analisados sob perspectivas financeira jurídica e regulatória Conforme destaca Assaf Neto 2023 p 247 tratase de instrumentos que introduzem componentes de expectativa e incerteza sobre o comportamento futuro dos preços sendo portanto inerentemente mais arriscados que operações à vista 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços A liquidez do mercado a termo é diretamente influenciada pelo volume de negociações e pela confiança dos agentes Segundo Fortuna 2022 a baixa liquidez pode distorcer a formação dos preços dos ativos subjacentes produzindo movimentos especulativos e desvios momentâneos de valor justo A literatura econômica corrobora essa visão Goetzmann e Rouwenhorst 2005 destacam que a introdução de mercados a termo nos séculos XVI e XVII já demonstrava a tendência de antecipar preços futuros muitas vezes gerando bolhas especulativas No contexto brasileiro a CVM aponta que embora a B3 mantenha mecanismos robustos de supervisão o mercado a termo ainda pode gerar assimetrias de informação e fragilidades de precificação especialmente em ativos de baixa liquidez como small caps e ações de companhias recémlistadas 1671 Alavancagem e volatilidade Um dos principais riscos identificados por Rajan e Zingales 2004 e Neal 1990 é o da alavancagem implícita O investidor ao assumir uma posição a termo comprometese com uma obrigação futura que pode representar valor financeiro superior à sua capacidade imediata de liquidação A volatilidade de curto prazo em mercados derivativos como o a termo tende a amplificar movimentos de alta e baixa com efeitos potencialmente sistêmicos 1673 Precedente da CVM 57 A título exemplificativo temse o Parecer do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 referente ao Processo Administrativo CVM SEI 19957010224201977 aceitou a proposta de R 7 milhões apresentada pela B3 SA R 63 milhões e seus executivos Cícero Augusto Vieira Neto e André Monteiro DAlmeida Monteiro R 350 mil cada encerrando o processo sem punição administrativa A acusação lavrada pela SMI apontou descumprimento dos incisos III e IV do art 3º da Instrução CVM nº 2831998 vigente a época pela falta de verificação diária do grau de concentração no mercado de derivativos e empréstimos de ativos entre 2013 e 2019 A omissão permitiu posições concentradas acima de 30 em derivativos e 70 em empréstimos da ação VCPG3 contribuindo para um short squeeze com alta de 1200 no preço Embora o parecer não trate diretamente de operações a termo sua relevância para o mercado a termo é estrutural Empréstimos de ativos são indispensáveis para short selling em contratos a termo com liquidação financeira Instrução CVM 281984 Concentração excessiva em derivativos incluindo posições a termo desequilibra o mercado elevando riscos de manipulação e volatilidade A falha da B3 comprometeu a integridade sistêmica essencial para a confiança em operações a termo hedge e especulação O CTC considerou a proposta proporcional destacando cooperação ausência de dolo e medidas corretivas sistema automatizado desde 2020 O caso reforça a obrigação de supervisão diária e gestão de risco concentrado impactando diretamente a governança do mercado a termo e a aplicação de margens de garantia e limites de posição em operações registradas na B3 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada Sob a ótica civilista conforme o Código Civil arts 421 a 425 e 481 a 487 o contrato a termo caracterizase como contrato bilateral oneroso e comutativo cuja execução é diferida no tempo Na visão de Carvalhosa 2022 tratase de um contrato com características de compra e venda mercantil sujeita a prazo e condição de liquidação futura em que o risco e a expectativa de lucro decorrem da variação de preços do ativo subjacente Já na perspectiva comercial Penteado 2023 entende que a operação a termo se insere no contexto mais amplo dos contratos mercantis de bolsa regidos por princípios de 58 publicidade transparência e autorregulação Assim há uma aproximação entre o direito contratual clássico e o direito do mercado de capitais em constante diálogo interpretativo 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes As operações a termo ocupam posição estratégica dentro do arcabouço macroeconômico e financeiro por influenciarem diretamente a liquidez a formação 0de expectativas de preços e o mecanismo de transmissão da política monetária Embora representem apenas uma fração do mercado derivativo nacional sua relevância tem crescido à medida que investidores e empresas buscam instrumentos de hedge e de arbitragem mais flexíveis e adaptados à realidade brasileira 1681 Operações a termo e política monetária As operações a termo podem influenciar na antecipação das taxas de juros esperadas e consequentemente no processo de precificação de ativos financeiros Ao pactuar hoje o preço de liquidação futura de determinado ativo o investidor expressa uma expectativa implícita sobre a trajetória da taxa Selic da inflação e da curva de juros o que transforma o mercado a termo em um indicador indireto das condições monetárias futuras Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 ressaltam que o comportamento dos contratos a termo reflete a percepção do mercado quanto à política monetária e à credibilidade institucional do Banco Central Um ambiente de juros voláteis por exemplo tende a ampliar o volume e o valor das operações a termo à medida que os agentes buscam proteção contra oscilações abruptas Em contrapartida períodos de estabilidade reduzem a atratividade das posições especulativas e reforçam o caráter de hedge No plano internacional Rajan e Zingales 2004 observam que instrumentos de prazo diferido como os contratos a termo funcionam como mecanismos descentralizados de transmissão de política monetária pois internalizam expectativas antes mesmo de ajustes oficiais na taxa básica demonstrando o alto grau de integração entre finanças e macroeconomia 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia Nos Estados Unidos as operações a termo forwards são amplamente utilizadas em mercados de commodities e câmbio regidas pela Commodity Exchange Act CEA e 59 supervisionadas pela Commodity Futures Trading Commission CFTC O sistema norte americano distingue claramente contratos a termo de contratos futuros exigindo menor grau de padronização e por consequência menor intervenção estatal o que reforça a liberdade contratual mas aumenta o risco de inadimplência Na União Europeia sob o marco da MiFID II Markets in Financial Instruments Directive observase tendência de convergência regulatória mesmo os contratos a termo personalizados são incentivados a seguir padrões de transparência e registro centralizado Essa diretriz busca conciliar inovação financeira e estabilidade especialmente após as crises de 2008 e 2011 Já na Ásia conforme observa Stringham 2016 países como Japão e Singapura adotam modelo híbrido combinando flexibilidade negocial com forte supervisão estatal O resultado é um ambiente em que os contratos a termo convivem com derivativos complexos mantendo contudo rígido controle sobre liquidação e garantias O Brasil aproximase do modelo europeu priorizando segurança jurídica e integridade de mercado com centralização de registros e forte atuação da B3 como contraparte garantidora Tal modelo é considerado adequado ao estágio de maturidade institucional e ao perfil de risco dos investidores nacionais 60 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa 211 Lei das Sociedades Anônimas No Brasil as sociedades por ações ou sociedades anônimas SAs são disciplinadas pela Lei nº 6404 de 15 de dezembro de 1976 Lei das Sociedades por Ações LSA elaborada a partir de projeto legislativo dos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luís Bulhões Pedreira Sua promulgação ocorreu em contexto de crise de confiança no mercado de capitais após o boom especulativo de 1971 nas bolsas de São Paulo e Rio de Janeiro que gerou prejuízos generalizados a investidores individuais e expôs fragilidades regulatórias como falta de transparência manipulação de preços e insuficiente proteção aos minoritários A LSA surgiu com o objetivo duplo de fortalecer a governança corporativa e restaurar a credibilidade do mercado introduzindo mecanismos como direito de voto diferenciado obrigatoriedade de demonstrações financeiras auditadas fiscalização pelo conselho fiscal e proteção contra abusos de controle Sua estrutura normativa considerada pioneira e robusta é amplamente elogiada pela doutrina comercialista CARVALHOSA 20182025 COELHO 2022 o que explica sua longevidade sem reformas estruturais 212 Governança Corporativa Um dos temas mais relevantes e atuais no estudo das sociedades anônimas SAs é a governança corporativa corporate governance conjunto de práticas e mecanismos voltados para a gestão responsável transparente e sustentável das empresas com foco na mitigação de conflitos entre acionistas administradores e demais partes interessadas stakeholders Esse movimento teve origem nos Estados Unidos e no Reino Unido na década de 1990 impulsionado pela necessidade de restaurar a confiança dos investidores após escândalos corporativos e pela crescente separação entre propriedade e controle nas grandes companhias de capital pulverizado No Brasil a governança corporativa ganhou força com a criação do Novo Mercado da B3 antiga Bovespa em dezembro de 2000 inspirado em códigos internacionais e foi consolidada pela reforma da Lei das Sociedades por Ações LSA Lei nº 64041976 61 promovida pela Lei nº 103032001 Essa norma introduziu avanços como o tag along de 80 para acionistas minoritários em companhias abertas a obrigação de oferta pública de aquisição OPA em caso de alienação de controle e o voto em separado para eleição de conselheiros A governança corporativa baseiase em quatro pilares fundamentais Transparência Supera a mera obrigação legal de disclosure art 157 LSA exigindo divulgação proativa e tempestiva de informações relevantes incluindo políticas de remuneração e riscos ESG ambientais sociais e de governança Equidade Garante tratamento isonômico entre acionistas com proteção reforçada aos minoritários contra abusos de controle ex art 254A LSA OPA por valor econômico Prestação de contas accountability Administradores respondem por atos de gestão com base em demonstrações financeiras auditadas conforme e relatórios integrados Responsabilidade corporativa Incorpora a sustentabilidade como dever fiduciário com foco na longevidade da empresa e impactos socioambientais O fenômeno da dispersão acionária analisado por Berle e Means em The Modern Corporation and Private Property 1932 marcou a transição de empresas familiares para estruturas de controle gerencial em que a gestão é delegada a profissionais sem participação majoritária no capital Essa separação gerou o conflito de agência teorizado por Jensen e Meckling 1976 no qual administradores podem priorizar interesses próprios salários elevados perpetuação no cargo em detrimento dos acionistas Assim a Governança Coorporativa atua justamente como mecanismo de alinhamento de interesses reduzindo assimetrias informacionais e custos de agência 22 Características e Classificações As sociedades anônimas SA representam a forma mais desenvolvida de organização empresarial estruturada sobre a base do capital dividido em ações Entre suas características fundamentais destacamse a a natureza capitalista b a essência empresarial c a identificação exclusiva por denominação e d a responsabilidade limitada dos acionistas Essas características decorrem diretamente da Lei nº 64041976 com redações atualizadas pelas Leis nº 103032001 116382007 e 138182019 62 221 Natureza capitalista da sociedade anônima A SA é por excelência uma sociedade de capital em que o elemento determinante é a contribuição financeira dos acionistas e não sua identidade pessoal Diferentemente das sociedades contratuais em que a entrada de novos sócios depende da anuência dos demais na sociedade anônima a transferência das ações é livre conforme art 36 da LSA salvo restrições estatutárias ou acordos de acionistas devidamente arquivados na companhia art 118 da LSA Como o estatuto social fixa apenas o número e as espécies de ações e não a identidade de seus titulares a circulação de ações ocorre sem necessidade de alteração do ato constitutivo Assim a participação societária representada pelas ações pode ser livremente negociada penhorada ou transferida sem afetar a continuidade da pessoa jurídica Em essência a sociedade anônima tem por objetivo a reunião de capitais para fins empresariais e não a associação pessoal entre sócios A ausência de intuitu personae isto é da consideração da pessoa do sócio permite que a composição acionária varie constantemente sem prejuízo da estabilidade da empresa No entanto a doutrina contemporânea reconhece que em companhias fechadas e de estrutura familiar é comum o estatuto social prever limitações à circulação de ações conferindo um caráter parcialmente personalista à sociedade conforme ressalta Fábio Ulhoa Coelho 2022 222 Essência empresarial Nos termos do art 982 parágrafo único do Código Civil toda sociedade por ações é sociedade empresária independentemente de seu objeto social Isso significa que ainda que a companhia exerça atividade não tipicamente empresarial como a administração de bens próprios será sempre regida pelo regime jurídico empresarial Essa natureza já estava presente antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002 O art 2º 1º da LSA mantém a redação de que qualquer que seja o objeto a companhia é empresária e se rege pelas leis e usos do comércio Assim a essência empresarial da SA reflete sua vocação para a organização e captação de capitais integrando se à dinâmica do mercado e da economia 223 Identificação exclusiva por denominação 63 A SA é identificada exclusivamente por denominação social conforme o art 1160 do Código Civil e o art 3º da LSA Essa denominação deve incluir por extenso ou abreviadamente as expressões sociedade anônima ou companhia sendo vedado o uso de companhia no final do nome Portanto denominações como Cia de Alimentos Recife ou Recife Cia de Alimentos são admitidas mas Recife Alimentos Cia não é permitida Essa exigência decorre do próprio caráter anônimo da sociedade já que ao contrário das sociedades de pessoas o nome empresarial não identifica os sócios mas apenas a entidade jurídica A adoção de firma social que identifica sócios pelo nome civil é incompatível com a natureza da SA cuja estrutura visa justamente dissociar a identidade dos acionistas da pessoa jurídica Essa separação reforça a autonomia patrimonial e a impessoalidade da empresa princípios centrais do direito societário moderno 224 Responsabilidade limitada dos acionistas Outra característica essencial é a responsabilidade limitada dos acionistas prevista no art 1º da LSA A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas Assim cada acionista responde apenas pelo valor das ações que subscreveu ou adquiriu não sendo responsável pelas dívidas da sociedade Essa limitação é mais rigorosa que a existente na sociedade limitada pois conforme o art 1052 do Código Civil os sócios de limitada são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social Já na SA inexiste solidariedade entre acionistas Excepcionalmente a proteção da limitação pode ser afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art 50 do Código Civil e do art 4º da Lei nº 138742019 Lei da Liberdade Econômica quando comprovado desvio de finalidade ou confusão patrimonial 225 Classificação das sociedades anônimas 64 Conforme o art 4º da LSA as sociedades anônimas se classificam em abertas ou fechadas conforme seus valores mobiliários estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários A companhia aberta é aquela registrada na Comissão de Valores Mobiliários CVM nos termos do 1º do art 4º da LSA podendo emitir e negociar publicamente ações debêntures e outros valores mobiliários Já a companhia fechada não possui registro na CVM e não pode realizar oferta pública de valores mobiliários 2º do mesmo artigo A CVM autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda exerce a regulação e fiscalização do mercado de capitais em conjunto com o Banco Central do Brasil conforme previsto na Lei nº 63851976 atualizada pela Lei nº 135062017 Essa estrutura regulatória assegura transparência proteção aos investidores e estabilidade ao sistema financeiro nacional 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações As ações de uma sociedade anônima podem ser emitidas em diferentes espécies e classes cada qual com direitos e restrições próprios Essa diversidade permite que os acionistas possuam prerrogativas distintas conforme o tipo de ação que detêm Por exemplo as ações preferenciais podem garantir prioridade no recebimento de dividendos ou no reembolso do capital mas em regra restringem o direito de voto Apesar das diferenças entre as espécies a LSA assegura a todos os acionistas um conjunto de direitos essenciais que são inalienáveis e não podem ser suprimidos nem pelo estatuto nem pela assembleia geral 231 Direitos essenciais dos acionistas O art 109 da LSA lista os direitos fundamentais conferidos a todo acionista independentemente da espécie ou classe de ações I participar dos lucros sociais II participar do acervo da companhia em caso de liquidação III fiscalizar a gestão dos negócios sociais conforme a lei 65 IV exercer preferência na subscrição de ações ou valores mobiliários conversíveis em ações retirarse da sociedade nos casos previstos em lei Esses direitos são irrenunciáveis e inderrogáveis conforme o 2º do mesmo artigo que determina que nenhum estatuto pode restringir os meios legais que assegurem seu exercício Assim o acionista pode defendêlos judicialmente sempre que violados 232 Direito de participação nos lucros O direito de participar nos lucros sociais está condicionado à existência de resultados distribuíveis art 191 da LSA e às deliberações da Assembleia Geral Ordinária AGO sobre a destinação do lucro líquido art 192 Devem ser observadas as regras sobre dividendo obrigatório art 202 e sobre constituição de reservas arts 193 e 194 As ações podem assegurar dividendos diferentes conforme sua classe as preferenciais por exemplo podem garantir dividendos fixos ou mínimos conforme art 17 I da LSA A distribuição de dividendos sem observância das regras legais especialmente quando não há lucros ou reservas disponíveis acarreta responsabilidade solidária dos administradores e fiscais que devem restituir os valores pagos indevidamente art 201 1º Os acionistas que receberam tais valores de boafé não precisam devolvêlos sendo a boafé presumida quando os dividendos são pagos com base em balanço aprovado 233 Direito de fiscalização O direito de fiscalização é inerente a todos os acionistas e deve ser exercido por meio dos instrumentos previstos na LSA O principal deles é o Conselho Fiscal art 161 órgão obrigatório mas de funcionamento facultativo que pode ser instalado a pedido de acionistas que representem no mínimo 10 das ações com direito a voto ou 5 das ações sem voto Outros mecanismos incluem o direito de inspeção judicial pelo qual acionistas que representem pelo menos 5 do capital social podem requerer em juízo a exibição dos livros da companhia em caso de suspeita de irregularidades graves art 105 da LSA A fiscalização também se exerce por meio da análise das demonstrações financeiras e do relatório da administração disponibilizados antes da AGO arts 132 e 133 66 Nas companhias abertas a transparência é reforçada pela obrigatoriedade de auditoria independente conforme o art 177 3º da LSA e as normas da CVM 234 Direito de preferência O direito de preferência protege o acionista contra a diluição de sua participação societária Segundo o art 171 da LSA ele assegura prioridade na subscrição de novas ações e de valores mobiliários conversíveis em ações como debêntures ou bônus de subscrição O prazo mínimo para exercício é de 30 dias e o acionista pode ceder seu direito a terceiros 4º e 6º O art 172 da LSA permite em caráter excepcional que o estatuto exclua ou reduza o prazo do direito de preferência desde que se trate de companhia aberta com capital autorizado e que a emissão ocorra por meio de venda em bolsa subscrição pública ou permuta em oferta pública de aquisição de controle Em companhias fechadas a exclusão só é admitida para subscripção de ações vinculadas a incentivos fiscais 235 Direito de retirada direito de recesso O direito de retirada também chamado de direito de recesso consiste na prerrogativa conferida ao acionista de desligarse da sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações nas hipóteses expressamente previstas em lei Esse instituto tem natureza excepcional nas sociedades anônimas servindo como mecanismo de proteção ao acionista dissidente diante de deliberações que modifiquem de modo substancial a estrutura o objeto ou as condições de participação societária Embora as expressões direito de retirada e direito de recesso sejam frequentemente utilizadas como sinônimas parte da doutrina propõe uma distinção conceitual De acordo com essa leitura o direito de retirada previsto no art 1029 do Código Civil seria o poder do sócio de sair da sociedade sem apresentar motivo específico aplicável às sociedades contratuais como a limitada ou simples formadas por prazo indeterminado o direito de recesso por sua vez disciplinado no art 1077 do Código Civil e no art 137 da Lei das Sociedades por Ações LSA seria o direito de retirarse mediante justificativa legal fundada em dissidência com deliberação social relevante 67 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas Nas sociedades anônimas por se tratar de uma sociedade de capital intuitu pecuniae e não de pessoas intuitu personae prevalece o princípio da livre negociabilidade das ações que substitui o vínculo pessoal por uma relação patrimonial Assim o desligamento do acionista ocorre normalmente pela alienação de suas ações no mercado e não por vontade direta de retirada Por essa razão o direito de recesso na SA é limitado e excepcional só podendo ser exercido nos casos expressamente previstos na LSA geralmente associados à dissidência em assembleias gerais sobre matérias de alta relevância para a estrutura ou o objeto da companhia 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso O art 137 da LSA dispõe que a aprovação de determinadas matérias pela assembleia geral assegura ao acionista dissidente o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações Essas matérias estão listadas nos incisos I a VI e IX do art 136 da LSA e exigem quórum qualificado de aprovação por alterarem aspectos fundamentais da companhia I criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem proporcionalidade com as demais II alteração nas preferências ou vantagens das ações preferenciais ou criação de nova classe mais favorecida III redução do dividendo obrigatório IV fusão da companhia ou sua incorporação em outra V participação em grupo de sociedades art 265 VI mudança do objeto social e IX cisão da companhia Além dessas a LSA prevê hipóteses autônomas em outros dispositivos como transformação da companhia art 221 fechamento de capital em operações de reorganização art 223 4º desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único incorporação de ações art 252 1º aquisição de controle por companhia aberta art 256 2º inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social art 136A Essas hipóteses visam tutelar o acionista contra deliberações que alterem substancialmente a natureza de sua participação societária 68 2353 Condições e limitações ao exercício O direito de recesso não é automático ele depende da demonstração de prejuízo efetivo à posição do acionista O art 137 I limita o direito nas hipóteses dos incisos I e II do art 136 aos titulares de ações da espécie ou classe prejudicada Assim se a deliberação não afeta determinada classe de ações seus titulares não têm direito ao reembolso Por outro lado nas hipóteses de fusão incorporação ou participação em grupo de sociedades art 136 IV e V o art 137 II nega o direito de recesso aos acionistas cujas ações possuam liquidez e dispersão no mercado Segundo a LSA há liquidez quando as ações integram índice representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no Brasil ou no exterior conforme definição da CVM há dispersão quando o acionista controlador sua controladora ou controladas detêm menos da metade das ações da espécie ou classe A razão é de ordem econômica se as ações são líquidas e amplamente negociáveis o acionista pode alienálas no mercado sem onerar a companhia com o pagamento do reembolso 2354 Prazo e procedimento O acionista dissidente que desejar exercer o direito de retirada deve requerer o reembolso no prazo de 30 dias contados da publicação da ata da assembleia que aprovou a deliberação art 137 IV da LSA O 4º do mesmo artigo estabelece que não exercido o direito no prazo ele se extingue Existem contudo variações 60 dias para desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único contagem a partir da assembleia especial ou de ratificação nas hipóteses dos arts 136 1º e 256 1º art 137 V contagem específica em casos de fusão ou incorporação art 230 contagem 120 dias após a assembleia quando houver perda da condição de companhia aberta art 223 3º e 4º 69 O 2º do art 137 estabelece ainda que o direito de reembolso pode ser exercido mesmo que o acionista tenha se abstido de votar ou não tenha comparecido à assembleia o que demonstra o caráter objetivo e protetivo do instituto 2355 Assembleia de reconsideração Após o encerramento do prazo de exercício a administração da companhia tem 10 dias para deliberar sobre os impactos financeiros do reembolso Se entender que o pagamento compromete a estabilidade econômica da empresa deve convocar assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação art 137 VI e 3º Se a deliberação for reconsiderada o direito de recesso deixa de existir se for ratificada o pagamento tornase obrigatório Essa previsão protege o equilíbrio patrimonial da companhia e os interesses de todos os acionistas 2356 Valor e forma do reembolso O valor do reembolso é em regra calculado com base no valor patrimonial da ação apurado no último balanço aprovado art 45 1º Se o balanço tiver mais de 60 dias o acionista pode requerer balanço especial hipótese em que a companhia deve pagar 80 do valor estimado de imediato e o saldo após a conclusão da perícia em até 120 dias art 45 2º O estatuto pode prever critérios alternativos de avaliação inclusive o valor econômico da companhia desde que observadas as regras dos 3º e 4º do art 45 que exigem laudo elaborado por três peritos independentes ou empresa especializada escolhidos em assembleia geral e responsáveis civilmente pelo conteúdo do parecer O pagamento é normalmente à vista exceto quando houver assembleia de reconsideração em operações de fusão ou incorporação pagamento condicionado à efetivação da operação quando houver balanço especial solicitado pelo acionista 2357 Considerações doutrinárias e críticas 70 A LSA veda o recesso parcial ou seja o acionista deve retirarse integralmente não podendo solicitar reembolso de apenas parte de suas ações Parte da doutrina como Fábio Ulhoa Coelho critica essa restrição defendendo que o recesso parcial daria maior flexibilidade ao investidor e reduziria o impacto financeiro para a companhia Além disso Nelson Eizirik ressalta que o direito de recesso tem caráter instrumental e protetivo funcionando como válvula de segurança do sistema societário ao garantir ao acionista minoritário uma saída justa quando houver alteração substancial das condições sob as quais ingressou na sociedade Portanto o direito de retirada na sociedade anônima é ao mesmo tempo limitação à rigidez estrutural da companhia e garantia de justiça contratual no âmbito das relações societárias 236 Direito de Voto O direito de voto é o principal direito político do acionista permitindolhe participar das decisões estratégicas da companhia nas assembleias gerais Todavia diferentemente dos direitos essenciais elencados no art 109 da Lei nº 64041976 LSA como o direito a dividendos à fiscalização e à participação no acervo em caso de liquidação o direito de voto não é considerado essencial podendo ser suprimido ou restringido como ocorre nas ações preferenciais Essa característica reflete a lógica do sistema das sociedades anônimas o acionista pode investir no capital social apenas com interesse econômico lucros e dividendos sem necessariamente participar das decisões de gestão 2361 Direito de voz x direito de voto Embora nem todo acionista possua direito de voto todos possuem direito de voz isto é o direito de participar discutir e se manifestar nas assembleias gerais O art 125 parágrafo único da LSA estabelece expressamente que os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleiageral e discutir a matéria submetida à deliberação Esse dispositivo assegura o direito de participação informada o acionista ainda que sem poder votar pode solicitar esclarecimentos debater os temas e influenciar indiretamente as deliberações contribuindo para a transparência e o controle social interno 71 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade A doutrina notadamente Fábio Ulhoa Coelho distingue duas modalidades de voto Voto de vontade é aquele em que o acionista expressa uma escolha deliberativa como na eleição de administradores ou na aprovação de alterações estatutárias Tratase de voto genuinamente político que manifesta a vontade do acionista quanto aos rumos da companhia Voto de verdade é o voto por meio do qual o acionista atesta ou reconhece fatos sem efetuar escolha de mérito por exemplo ao aprovar demonstrações financeiras ou laudos de avaliação A distinção tem relevância penal o art 177 2º do Código Penal criminaliza a negociação ou venda do voto de verdade por se tratar de manifestação sobre fatos contábeis e não sobre opções políticas Apenas o voto de vontade é passível de negociação legítima como ocorre em acordos de voto art 118 da LSA 2363 Estrutura legal do direito de voto De acordo com o art 110 da LSA a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral Assim apenas as ações ordinárias ON conferem por natureza direito de voto pleno O 1º do mesmo artigo autoriza porém que o estatuto social limite o número de votos por acionista mecanismo utilizado em companhias de capital pulverizado para evitar a concentração excessiva de poder Em contraposição as ações preferenciais PN podem ter voto suprimido ou restrito em troca de vantagens econômicas conforme dispõe o art 111 da LSA 2364 O voto plural 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa Tradicionalmente o direito societário brasileiro adotava o princípio one share one vote uma ação um voto vedando expressamente a atribuição de voto plural isto é mais de um voto por ação conforme o antigo art 110 2º da LSA Essa vedação 72 entretanto foi revogada pela Lei nº 141952021 que incluiu o art 110A autorizando a criação de classes de ações ordinárias com voto plural com até 10 votos por ação A inovação buscou adequar o Brasil às práticas internacionais sobretudo do mercado norteamericano em que o voto plural é amplamente utilizado para preservar o controle dos fundadores e ao mesmo tempo facilitar a captação de recursos 23642 Condições legais para criação do voto plural O art 110A da LSA determina que o voto plural pode ser instituído I em companhia fechada a qualquer tempo II em companhia aberta somente antes da negociação de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados A criação dessa classe de ações depende da aprovação em assembleia especial com quórum mínimo de metade dos votos das ações com direito a voto e metade das ações preferenciais sem voto ou com voto restrito art 110A 1º O estatuto pode exigir quórum maior 3º A deliberação que cria voto plural gera direito de retirada aos acionistas dissidentes salvo se tal possibilidade já estiver prevista ou autorizada no estatuto 2º 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção O voto plural tem prazo de vigência de até 7 anos podendo ser prorrogado mediante novo quórum qualificado 7º A prorrogação garante novo direito de retirada ao acionista dissidente As ações com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias comuns caso sejam transferidas a terceiros salvo nas hipóteses do 8º como quando o alienante permanece indiretamente no controle Além disso certas matérias não podem ser votadas com voto plural como remuneração de administradores art 110A 12 I transações com partes relacionadas relevantes conforme critérios da CVM 12 II Por fim o 14 exclui do regime do voto plural as empresas públicas sociedades de economia mista e suas controladas 73 2365 Exercício do direito de voto O art 111 da LSA permite que o estatuto da companhia restrinja ou suprima o direito de voto das ações preferenciais Todavia essas ações recuperam o direito de voto caso a companhia deixe de pagar os dividendos fixos ou mínimos por três exercícios consecutivos 1º O direito se mantém até o pagamento integral dos dividendos devidos se forem cumulativos ou até a quitação do atraso se não forem O 2º prevê que as ações com voto restrito também terão suas limitações suspensas nas mesmas condições O 3º autoriza o estatuto a postergar a aplicação dessas regras até a conclusão do empreendimento inicial da companhia O direito de voto pode ser afetado quando a ação está gravada com penhor usufruto ou alienação fiduciária Ações penhoradas o penhor não retira o direito de voto do acionista salvo estipulação contratual em contrário art 113 caput da LSA Ações alienadas fiduciariamente o voto pertence ao devedor não ao credor fiduciário devendo ser exercido nos termos do contrato art 113 parágrafo único Ações com usufruto se o ato constitutivo não definir quem vota o direito só poderá ser exercido mediante acordo prévio entre proprietário e usufrutuário art 114 da LSA 2366 Abuso e conflito no exercício do voto O art 115 da LSA introduzido pela Lei nº 103032001 incorporou à legislação brasileira princípios de governança corporativa coibindo o abuso do direito de voto O acionista deve votar no interesse da companhia e considerase abusivo o voto exercido com o intuito de causar dano à companhia ou a outros acionistas obter vantagem indevida com prejuízo à sociedade O 3º prevê responsabilidade civil mesmo se o voto abusivo não prevalecer na deliberação Já o 1º do art 115 trata do voto conflitante proibindo o acionista de votar na aprovação do laudo de avaliação dos bens que utilizou para integralizar o capital na aprovação de suas próprias contas como administrador em quaisquer deliberações que possam beneficiálo de modo particular ou em que tenha interesse conflitante com o da companhia 74 A deliberação tomada com voto conflitante é anulável e o acionista responde pelos danos e deve transferir à companhia as vantagens obtidas 4º O Enunciado nº 14 da I Jornada de Direito Comercial do CJF reforça essa vedação afirmando que é ilícito aos administradores votarem direta ou indiretamente para aprovar ou rejeitar suas próprias contas Vale mencionar a diferença entre os votos conflitantes podendo haver conflito formal e conflito material A doutrina distingue dois tipos de conflito de interesses Conflito formal decorre de situação expressamente prevista em lei havendo proibição absoluta de voto por exemplo aprovação do laudo de bens próprios ou das próprias contas Conflito material não é presumido pela lei depende da análise concreta das circunstâncias O voto pode ser proferido mas estará sujeito a controle posterior podendo ser anulado se comprovado o prejuízo à companhia O voto abusivo e o voto conflitante distinguemse portanto pelo elemento volitivo e pela consequência jurídica o voto abusivo gera responsabilidade civil ainda que não prevaleça o voto conflitante permite além da responsabilidade a anulação da deliberação quando o voto foi decisivo Portanto o direito de voto é a principal expressão da soberania do acionista dentro da sociedade anônima Sua disciplina revela o equilíbrio entre democracia societária e proteção institucional garantindo que o poder político dentro da companhia seja exercido com responsabilidade lealdade e transparência 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão No âmbito do Direito Societário são chamadas operações societárias as transformações estruturais que alteram a forma a composição ou a organização das sociedades resultando em modificações substanciais de sua estrutura jurídica e patrimonial Entre as principais operações estão a incorporação a fusão e a cisão Essas operações têm natureza eminentemente organizacional e patrimonial refletindo a dinâmica do mercado e o princípio da livre iniciativa Seu objetivo é permitir que as sociedades se adaptem a novas estratégias econômicas ampliem sua capacidade de atuação ou se reorganizem para maior eficiência empresarial 75 A matéria é disciplinada conjuntamente pela Lei nº 64041976 LSA aplicável às sociedades por ações e pelo Código Civil de 2002 que regula as demais sociedades empresárias Em caso de conflito de normas prevalece o regime da LSA em razão da especialidade O Enunciado nº 70 do Conselho da Justiça Federal CJF sintetiza essa regra As disposições sobre incorporação fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas As disposições da Lei nº 64041976 sobre essa matéria aplicamse por analogia às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso 241 Incorporação A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra que lhes sucede universalmente em todos os direitos e obrigações Essa definição está prevista tanto no art 227 da LSA quanto no art 1116 do Código Civil que dispõem em termos praticamente idênticos Em termos práticos a sociedade incorporadora adquire o patrimônio das incorporadas e estas são extintas sem formação de nova pessoa jurídica A incorporadora continua existindo mas com seu patrimônio e estrutura modificados O procedimento de incorporação envolve duas etapas principais 1 Aprovação do protocolo e nomeação de peritos A assembleia geral da incorporadora ao aprovar o protocolo da operação deve autorizar o aumento de capital a ser subscrito pela incorporada mediante a versão de seu patrimônio líquido e nomear peritos para avaliálo art 227 1º LSA 2 Aprovação do laudo de avaliação e consumação da operação Após a avaliação nova assembleia da incorporadora deve aprovar o laudo e consumar a incorporação declarando extinta a sociedade incorporada art 227 3º LSA art 1118 do CC A operação deve ser arquivada e publicada na Junta Comercial competente Importa observar que a Instrução Normativa DREI nº 812020 art 70 parágrafo único admite a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo desde que o procedimento seja regularmente aprovado 242 Fusão A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma nova sociedade que lhes sucede integralmente em direitos e obrigações A definição consta do 76 art 228 da LSA e do art 1119 do Código Civil sendo a fusão caracterizada portanto pela extinção simultânea das sociedades anteriores e pela criação de uma nova pessoa jurídica O procedimento de fusão compreende duas etapas 1 Assembleia de cada sociedade envolvida Cada sociedade deve realizar assembleia geral para aprovar o protocolo de fusão nomear peritos para avaliar os patrimônios líquidos das demais e aprovar o projeto de constituição da nova sociedade art 228 1º LSA art 1120 1º CC 2 Assembleia conjunta de constituição Após os laudos de avaliação os administradores convocam assembleia conjunta para tomar conhecimento dos laudos e aprovar a constituição definitiva da nova sociedade art 228 2º LSA Os sócios são vedados de votar o laudo de avaliação referente à sociedade da qual façam parte art 228 2º parte final LSA Por fim constituída a nova sociedade seus administradores devem promover o arquivamento e a publicação dos atos da fusão art 228 3º LSA art 1121 CC 243 Cisão A cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parte ou a totalidade de seu patrimônio a uma ou mais sociedades já existentes ou constituídas para esse fim De acordo com o art 229 da LSA a cisão pode ser Parcial quando há transferência de apenas parte do patrimônio Total quando há transferência de todo o patrimônio extinguindose a sociedade cindida A cisão é uma forma de reorganização que visa à especialização de atividades separação de negócios ou reorganização de grupos econômicos O procedimento varia conforme o tipo de cisão 1 Cisão com criação de nova sociedade A assembleia geral da companhia cindida deve aprovar a justificação da operação nomear peritos para avaliar o patrimônio transferido e constituir a nova sociedade art 229 2º LSA 2 Cisão com versão de patrimônio para sociedade existente Nesse caso aplicamse as mesmas regras da incorporação art 229 3º LSA Em ambos os casos as sociedades envolvidas devem arquivar e publicar os atos societários correspondentes Ainda nos termos do art 229 1º LSA a sociedade que 77 absorver parcela do patrimônio da cindida sucedea nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão Se a cisão for total as sucessoras responderão proporcionalmente ao patrimônio recebido Quando houver extinção da sociedade cindida o arquivamento e publicação dos atos competem aos administradores das sociedades que absorveram o patrimônio art 229 4º LSA As ações emitidas em substituição às anteriores devem ser atribuídas proporcionalmente à participação anterior dos acionistas salvo se houver aprovação unânime para proporção diversa art 229 5º LSA Operação Surge nova sociedade Sociedades extintas Sucessão universal Incorporação Não Sim as incorporadas Sim Fusão Sim Sim todas as fundidas Sim Cisão parcial Não Não Parcial Cisão total Não Sim a cindida Sim 78 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais A operação a termo conforme delineada no Capítulo 1 consubstanciase em um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam no presente a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação entrega do ativo e pagamento do preço em data futura predeterminada ASSAF NETO 2023 Tratase portanto de uma relação obrigacional que engendra expectativas de direitos e obrigações mas que até o momento da liquidação não altera a titularidade registral dos ativos objeto do contrato Em paralelo o regime jurídico das sociedades anônimas estabelecido pela Lei n 64041976 Lei das SA atribui um conjunto de direitos e prerrogativas aos acionistas titularizados por aqueles que constam como tal nos registros societários da companhia no momento do exercício do direito Dentre tais direitos destacamse para esta análise o direito de voto em assembleias gerais art 109 caput da Lei n 64041976 e o direito de recesso art 137 da Lei n 64041976 este último acionado em hipóteses excepcionais que implicam alteração substantiva na estrutura ou objeto social como incorporações fusões e cisões Surge então uma zona de tensão jurídica quando o vencimento de uma operação a termo é posterior à data de um evento societário relevante que confere direitos aos acionistas registrais Colidem nesse cenário dois planos temporais distintos o plano obrigacional que mira o futuro a liquidação do termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos A problemática central que este capítulo se propõe a analisar é em uma operação a termo ainda não liquidada quem é o legítimo titular para o exercício de direitos societários notadamente o voto e o recesso decorrentes de um evento como uma incorporação o vendedor a termo cedente que ainda detém o registro formal das ações ou o comprador a termo tomador que já assumiu o risco econômico e a expectativa de propriedade sobre os ativos De um lado o vendedor a termo ainda formalmente acionista poderia ser considerado o detentor legítimo desses direitos com base no princípio do registro e da segurança jurídica das relações societárias De outro o comprador a termo que suporta as variações de valor do ativo desde a contratação e tem o compromisso de adquirilo no futuro possui inequívoco 79 interesse econômico no desfecho do evento societário levantando a questão sobre se a mera titularidade registral desprovida do risco econômico deveria ser o único critério para o exercício de direitos tão sensíveis A solução para este impasse não é pacífica na doutrina e na jurisprudência exigindo uma análise aprofundada da natureza jurídica da posição das partes no contrato a termo e da teleologia dos direitos societários em questão 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo Para compreender a distribuição dos direitos societários em uma operação a termo pendente de liquidação é imperioso revisitar a natureza jurídica desse contrato e consequentemente a posição ocupada pelo comprador tomador e pelo vendedor cedente Conforme previamente estabelecido a operação a termo é classificada como um contrato derivativo consensual bilateral e oneroso BULGARELLI 2021 CARVALHOSA 2022 Sua essência é obrigacional consistindo em um acordo de vontades que gera para as partes o de dare obrigação de entregar o ativo e o de solvere obrigação de pagar o preço cujo cumprimento é diferido para uma data futura A Lei n 63851976 em seu art 2º VII ao definir valores mobiliários inclui expressamente os contratos a termo submetendoos à regulação da CVM o que reforça seu caráter de instrumento financeiro com feições públicas Dessa natureza decorre a distinção fundamental entre propriedade plena e expectativa de direito Propriedade Plena Vendedor a Termo Até a efetiva liquidação da operação D0 ou D2 conforme o caso as ações objeto do contrato permanecem registradas em nome do vendedor a termo seja no livro de registro de ações nominativas da companhia seja na conta de custódia mantida por instituição autorizada art 34 da Lei n 64041976 O vendedor detém perante a sociedade e terceiros a titularidade formal e todos os direitos de acionista dela decorrentes incluindo os direitos políticos voto e o direito de recesso É a posição que confere segurança e publicidade às relações societárias Expectativa de Direito Comprador a Termo O comprador a termo por sua vez é titular de um direito creditório uma expectativa jurídica legitimamente constituída de se tornar proprietário das ações na data do vencimento Ele assume o risco econômico beneficium e onus da variação do preço do ativo subjacente desde a data da contratação 80 Contudo esta expectativa embora juridicamente protegida não se confunde com a propriedade Conforme ensina Eizirik 2023 p 415 o tomador a termo não é acionista mas credor de uma obrigação de dar não podendo em tese exercer os direitos inerentes à condição de sócio O cerne da discussão doutrinária reside em qualificar se essa posição do comprador se resume a um mero crédito ou se encerra uma figura mais complexa Para parte da doutrina como Carvalhosa 2022 p 431 a operação a termo embora de natureza obrigacional cria para o comprador uma situação jurídica que se aproxima de um direito real resolúvel pois desde a celebração do contrato ele fica subrogado economicamente na posição de proprietário Nesta visão há uma quasepropriedade ou um ius ad rem direito à coisa que justificaria em tese um tratamento que considere seu interesse econômico substancial Em sentido oposto prevalece o entendimento de que a natureza é estritamente obrigacional Coelho 2022 p 278 é categórico ao afirmar que a operação a termo não transfere à sua celebração a propriedade das ações O comprador adquire um direito pessoal contra o vendedor e não um direito real sobre as ações Esta é a posição que melhor se coaduna com o sistema de registro da Lei das SA e com a segurança do mercado pois evita a pulverização da titularidade de direitos e a insegurança sobre quem é efetivamente o acionista para a companhia Sob a ótica do direito societário puro a titularidade para o exercício de direitos como o voto e o recesso permanece com o vendedor a termo acionista registral Qualquer mitigação deste princípio depende de convenção entre as partes que por meio de cláusulas contratuais acessórias podem disciplinar o exercício desses direitos durante a vigência do termo sem contudo alterar a titularidade registral perante a sociedade 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso Para ilustrar a colisão de planos temporais e os conflitos jurídicos decorrentes analisa se um cenário hipotético porém recorrente no mercado de capitais Cenário A Companhia Alfa SA será incorporada pela Companhia Beta SA A assembleia geral extraordinária da Companhia Alfa é convocada para deliberar sobre a incorporação nos termos do art 226 da Lei n 64041976 Conforme disposto no art 136 IV 81 da mesma lei a aprovação dessa matéria assegura aos acionistas dissidentes o direito de recesso previsto no art 137 Situação Um bloco significativo de ações ordinárias da Companhia Alfa é objeto de uma operação a termo O senhor João cedente vendeu a termo essas ações para a senhora Maria tomadora Contudo a data de liquidação física do contrato a termo está calendarizada para ocorrer após a realização da assembleia geral que votará a incorporação Neste ínterim João permanece como o acionista registral das ações no livro de registros da Companhia Alfa O Dilema 1João Vendedor a Termo Do ponto de vista estritamente legal e registral João é o acionista Com base no art 137 da Lei n 64041976 ele tem o direito potestativo de exercer o recesso retirandose da sociedade e recebendo o reembolso pelo valor de suas ações calculado com base no último balanço aprovado ou por valuation específico art 45 da Lei n 64041976 O fato de ele ter celebrado um contrato a termo com Maria é uma relação obrigacional distinta de sua condição de acionista perante a companhia Se ele exercer o recesso receberá o valor do reembolso da Companhia Alfa No vencimento do termo ele não poderá entregar as ações a Maria pois estas terão sido remidas pela companhia Surge então a questão pode ele licitamente exercer esse direito e embolsar a diferença entre o valor do reembolso potencialmente mais alto e o preço a termo previamente acordado com Maria 2Maria Compradora a Termo Maria por sua vez já assumiu o risco econômico das ações O preço a termo que ela pagará a João foi fixado com base em expectativas de mercado que incluíam a continuidade da Companhia Alfa como entidade independente ou sua transformação via incorporação O exercício do recesso por João frustra completamente sua expectativa contratual O interesse econômico de Maria é que as ações não sejam retiradas para que na data de liquidação do termo ela possa recebêlas e subsequentemente trocálas pelas ações da sucessora Companhia Beta conforme estabelecido no protocolo de incorporação Como ela pode proteger seu interesse Sem previsão contratual sua posição é frágil Ela poderá alegar em uma eventual ação contra João que o exercício do recesso configura enriquecimento sem causa art 884 do Código Civil ou mesmo abuso de direito art 187 do Código Civil pois João estaria utilizando uma prerrogativa legal o recesso de forma a causar dano a ela e a obter vantagem indevida já que o risco econômico já não lhe pertencia No entanto tratarseia de uma demanda complexa a posteriori para buscar perdas e danos 82 Este caso explicita o núcleo do problema a desconexão entre a titularidade formal do direito de recesso de João com base no registro e a titularidade econômica e do risco de Maria com base no contrato a termo A lei societária por si só não oferece uma solução pronta para este impasse tornando crucial a análise de como o ordenamento jurídico e a prática contratual podem equacionar este conflito 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica A definição do legítimo titular do direito de recesso em operações a termo não liquidadas constitui um dos dilemas mais intrincados do direito societário contemporâneo O tema exige uma abordagem multifacetada que combine a dogmática jurídica tradicional a análise econômica do direito e os princípios da boafé e da função social dos contratos A controvérsia revela um conflito estrutural entre a forma registral expressão do formalismo jurídico e da segurança das relações societárias e a realidade econômica expressão da substância e da justiça material nas relações contratuais complexas O problema centrase na seguinte questão quem detém o direito de recesso em uma operação a termo ainda não liquidada o acionista registral vendedor a termo ou o comprador titular do interesse econômico sobre as ações A resposta não é unívoca e depende da leitura conjugada da legislação societária da doutrina civilista e dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral A tese que confere a titularidade do direito de recesso ao vendedor a termo repousa sobre fundamentos jurídicopositivos consistentes e historicamente enraizados na dogmática societária brasileira a O Sistema Registral como Pilar de Segurança Jurídica Nos termos do art 31 da Lei nº 64041976 Lei das SA a condição de acionista é definida pelo registro do titular no livro de ações nominativas da companhia Esse registro possui natureza constitutiva e não meramente declaratória sendo elemento indispensável para o exercício dos direitos políticos e patrimoniais inerentes à ação 83 Como observa Eizirik 2023 p 228 a companhia apenas reconhece e se relaciona com quem figura como acionista em seus livros eventuais negócios jurídicos subjacentes como contratos a termo ou de derivativos não alteram a titularidade formal enquanto não houver registro da transferência Assim o sistema registral funciona como instrumento de publicidade segurança e previsibilidade valores que sustentam a estabilidade das relações societárias e protegem terceiros de boafé b Interpretação Literal e Sistemática do Art 137 da Lei das SA O art 137 da Lei das SA confere o direito de recesso ao acionista dissidente de determinadas deliberações assembleares Uma interpretação literal e sistemática desse dispositivo revela que o legislador ao empregar reiteradamente o termo acionista se refere exclusivamente ao titular formal registrado nos livros da companhia Assim a titularidade do recesso é indissociável da titularidade registral Qualquer tentativa de ampliar essa definição para abarcar o comprador a termo ainda não registrado implicaria alteração do regime legal vigente violando o princípio da legalidade art 5º II da CF1988 e subvertendo a coerência do sistema societário Como ensina Comparato 2018 p 423 a disciplina das companhias se constrói sobre a certeza formal dos registros sem a qual desapareceria a segurança necessária ao funcionamento do mercado de capitais c Natureza Obrigacional da Operação a Termo O contrato a termo não transfere de imediato a propriedade das ações Tratase de um negócio obrigacional que gera para as partes deveres de fazer e obrigações futuras de entrega e pagamento conforme acentua Coelho 2022 p 315 o contrato a termo até sua liquidação não opera a transferência da propriedade mas apenas cria expectativas jurídicas correlatas Consequentemente todos os direitos inerentes à propriedade das ações inclusive o direito de recesso permanecem com o vendedor até a efetiva liquidação e registro da transferência d Preservação da Autonomia e das Garantias do Acionista O direito de recesso tem natureza protetiva assegurando ao acionista dissidente a liberdade de desvincularse de modificações profundas na estrutura societária Admitir que um terceiro ainda que economicamente interessado interfira nesse direito seria esvaziar o 84 núcleo essencial de autonomia assegurado ao acionista registral comprometendo a coerência do regime jurídico das SA 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico Em contrapartida a posição que reconhece o comprador a termo como legítimo titular ou beneficiário indireto do recesso encontra respaldo em argumentos principiológicos e econômicos que buscam alinhar o direito positivo à realidade dos mercados financeiros a Princípio da BoaFé Objetiva e Função Social do Contrato Nos termos do art 113 do Código Civil os contratos devem ser interpretados conforme a boafé objetiva e os usos do lugar A boafé impõe às partes deveres de lealdade transparência e cooperação impedindo o exercício oportunista de posições jurídicas Quando o vendedor ciente de que o valor da ação aumentará em razão de um evento societário que ensejará direito de recesso exerce esse direito com o intuito de auferir lucro extraordinário viola a confiança legítima do comprador frustrando a função econômica do contrato e ferindo o equilíbrio contratual b Teoria do Abuso de Direito Aplicada ao Direito de Recesso O art 187 do Código Civil estabelece que comete abuso de direito aquele que mesmo agindo dentro da legalidade formal excede manifestamente os limites impostos pela boafé pela finalidade social ou pela função econômica do direito Assim o exercício do recesso pelo vendedor quando desprovido de propósito protetivo e voltado à obtenção de vantagem indevida configura abuso de direito Os critérios de identificação do abuso conforme a doutrina de Gagliano e Pamplona Filho 2022 incluem 1 Desproporção entre a vantagem do titular e o prejuízo de outrem 2 Desvio de finalidade quando o direito é exercido para propósito diverso do que justificou sua concessão 3 Violação da confiança legítima depositada na relação contratual 85 c Enriquecimento sem Causa e Dever de Restituição O art 884 do Código Civil impõe a restituição de valores obtidos mediante enriquecimento sem causa Assim o vendedor que exerce abusivamente o recesso capturando um ganho econômico que já havia sido transferido economicamente ao comprador deve restituir a vantagem indevida sob pena de desequilíbrio contratual Como explica Tartuce 2023 p 892 a vedação ao enriquecimento sem causa é expressão do princípio da justiça comutativa e da função corretiva do direito privado d Análise Econômica do Direito e Justiça Substantiva Sob a ótica da análise econômica do direito o recesso representa um ativo econômico incorporado ao valor da ação Ao celebrar o contrato a termo as partes precificam o risco e o potencial de valorização inclusive decorrente de eventos societários Permitir que o vendedor capture integralmente esse valor seria romper a simetria de expectativas e criar incentivos distorcidos ao comportamento oportunista Dessa forma a justiça substancial e o equilíbrio econômicocontratual justificam a proteção do comprador ainda que à margem do formalismo registral 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos O mercado financeiro sensível a esses riscos tem desenvolvido mecanismos contratuais sofisticados para mitigar disputas sobre o direito de recesso 1 Cláusulas de Exercise and Settle conferem ao comprador a prerrogativa de decidir sobre o exercício do recesso cabendo ao vendedor executar as instruções recebidas 2 Cláusulas de Cash Settlement Adaptadas preveem liquidação financeira em caso de exercício do recesso pelo vendedor garantindo compensação ao comprador pela diferença entre o valor de reembolso e o preço pactuado 3 Representações e Garantias Contratuais o vendedor declara expressamente que não exercerá direitos societários que possam frustrar a operação sob pena de multa contratual 86 4 Cláusulas de Cooperação e Notificação obrigam o vendedor a comunicar imediatamente ao comprador qualquer evento que possa gerar direito de recesso reforçando a boafé objetiva e o dever de transparência Essas soluções evidenciam a busca do mercado por autonomia privada regulada capaz de harmonizar o formalismo societário com a eficiência econômica 344 Conclusão da Análise A controvérsia sobre a titularidade do direito de recesso em operações a termo reflete o tensionamento entre o formalismo jurídico e a realidade econômica entre o registro societário e o interesse econômico subjacente Enquanto a posição do vendedor assegura segurança previsibilidade e coerência com a estrutura legal vigente a posição do comprador introduz elementos de equidade boafé e justiça material evitando comportamentos oportunistas e assegurando a efetividade da função social do contrato A jurisprudência brasileira ainda incipiente no tema tende a adotar uma postura formalista reconhecendo a titularidade do vendedor mas progressivamente admite responsabilização civil por abuso de direito ou enriquecimento sem causa quando comprovada máfé ou desvio de finalidade Em última análise a solução futura desse impasse dependerá de uma evolução legislativa ou jurisprudencial que reconheça a importância da realidade econômica nas operações societárias complexas harmonizando o princípio da segurança jurídica com o princípio da justiça contratual Assim o direito societário brasileiro poderá caminhar para um modelo híbrido no qual a forma registral e a substância econômica coexistam de modo equilibrado assegurando simultaneamente certeza formal e justiça material 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários A investigação jurisprudencial e doutrinária sobre a temática revela um cenário de significativa carência de precedentes específicos que abordem diretamente o conflito entre operações a termo e o exercício do direito de recesso Esta lacuna por si só é um dado relevante que corrobora a tese da insegurança jurídica na matéria 87 351 Análise da Jurisprudência Pertinente A pesquisa nos tribunais pátrios notadamente no Superior Tribunal de Justiça STJ corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional não identificou julgados que tenham enfrentado diretamente a questão da titularidade do direito de recesso em operações a termo Contudo decisões sobre temas afins oferecem subsídios para a construção de um entendimento analógico Tabela 1 Decisões sobre Direito de Recesso e Reorganização Societária Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT 1 Comissão de Valores Mobiliários CVM Processo Administrativo nº RJ20120249 Incorporação de ações da Telemar Participações SA Reconheceu que em contratos de empréstimo de ações os tomadores e não os doadores detinham o direito de recesso exigindo se titularidade ininterrupta até a data da deliberação O caso embora distinto empréstimo de ações reforça o princípio de que a titularidade dos direitos societários pode ser desmembrada da propriedade registral por acordo das partes desde que a companhia tenha ciência do arranjo COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Processo Administrativo nº RJ20120249 Relator Nome do Relator 11 jan 2012 2 Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 1540428SP Alienação de controle acionário Estabeleceu parâmetros para caracterização de alienação de controle e seus efeitos para acionistas minoritários O entendimento consolida a proteção do minoritário em eventos de alteração de controle princípio que pode ser invocado para proteger o comprador a termo que se encontra em situação análoga à de um minoritário cujos direitos são ameaçados SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1540428SP Relator Ministro Nome do Relator julgado em 16 mar 2018 3 STJ REsp 1837538SP Alienação de controle OPA tag along Reconheceu que mesmo a alienação parcial de controle pode caracterizar alteração substancial do bloco controlador ativando obrigações de proteção O precedente é útil para demonstrar a sensibilidade SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1837538SP Relator Ministro Nome do Relator Publicado em 25 jun 2024 88 Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT do STJ em proteger a legítima expectativa dos investidores em cenários de mudança de controle um valor jurídico que pode ser estendido ao comprador a termo A ausência de um julgado específico no STJ sobre o ponto revela que a solução para estes conflitos tem sido buscada predominantemente na esfera contratual ou em instâncias inferiores sem que o tema tenha alcançado a corte uniformizadora 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados A doutrina especializada por outro lado tem se debruçado sobre a questão com maior profundidade oferecendo o arcabouço teórico necessário para a análise Tabela 2 Doutrina para Fundamentação do Tema Nº Autor Trabalho Tema Observações Referência ABNT 1 LEITE Alyne de Oliveira et al Direito de recesso na reorganização societária Fundamenta a tipicidade das hipóteses legais e a função protetiva do recesso para o acionista minoritário A análise reforça a natureza personalíssima do direito o que em tese apoiaria a titularidade do vendedor a termo mas também evidencia seu caráter de tutela de uma expectativa legítima que pode ser invocada pelo comprador LEITE Alyne de Oliveira DIAZ GINO Bethsaida de Sá Barreto CLAUDINO Gilbene Calixto Pereira As sociedades anônimas e o direito de recesso como norma de proteção aos acionistas minoritários na reorganização societária 2022 Dissertação Mestrado Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo 2022 2 MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo Analisa critérios como liquidez dispersão acionária e a necessidade de titularidade contínua para o exercício do recesso A obra é fundamental para compreender que o direito de recesso é um instituto complexo cujo exercício depende de condições fáticas e jurídicas específicas não se resumindo a uma mera verificação registral MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo nas sociedades por ações 2019 Dissertação Mestrado Fundação Getulio Vargas São Paulo 2019 3 CASQUET Andréia Cristina Alienação de controle e Estuda a limitação dos poderes do controlador e os mecanismos CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e os 89 Bezerra proteção dos minoritários de proteção em eventos de alteração de controle A tese é útil para transpor os argumentos de proteção ao investidor para o contexto da operação a termo tratando o comprador como um detentor de interesse econômico merecedor de tutela análoga mecanismos de proteção dos acionistas minoritários 2014 Tese Doutorado Universidade de São Paulo São Paulo 2014 A doutrina consultada em seu conjunto não oferece uma solução unânime mas fornece os instrumentos teóricos para ambas as teses De um lado reforça a segurança do registro de outro enfatiza os princípios da boafé o combate ao abuso de direito e a proteção da expectativa legítima do investidor 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária A escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema específico é em si um dado significativo Ela evidencia uma lacuna legal e jurisprudencial que transfere para as partes a primazia na solução do conflito via instrumentos contratuais A ausência de um norte claro do Poder Judiciário ou da CVM gera insegurança e eleva o custo de transação pois as partes não podem prever com certeza o desfecho de um eventual litígio Esta constatação reforça a tese central de que na atual quadra a solução mais eficiente e segura é a previsão contratual expressa A jurisprudência e a doutrina embora não solucionem o problema diretamente oferecem os princípios gerais abuso de direito boafé objetiva enriquecimento sem causa que servirão de base para o julgador preencher essa lacuna quando chamado a se pronunciar tendendo a proteger a parte que agiu de acordo com a lógica econômica do contrato e em conformidade com a boafé A lei é omissa quanto à definição do legítimo titular de direitos como o voto e sobretudo o recesso quando a titularidade registral do vendedor a termo e a titularidade econômica do comprador a termo se divorciam temporalmente Esta lacuna legislativa gera uma zona de incerteza que contraria os princípios basilares da segurança jurídica e da previsibilidade essenciais para o pleno funcionamento e o desenvolvimento do mercado de capitais Diante deste vácuo normativo a pesquisa aponta que a solução mais segura e eficiente reside na previsão contratual detalhada Contratos de operações a termo especialmente quando envolvem blocos relevantes de ações devem incorporar cláusulas específicas que disciplinem de maneira inequívoca a gestão dos direitos societários durante a vigência do 90 contrato Tais cláusulas que podem estabelecer a transferência da instrução de voto a definição sobre o exercício do recesso e a destinação dos valores dele decorrentes constituem o mecanismo mais adequado para prevenir litígios e alinhar os interesses das partes à realidade econômica por elas pactuada Contudo na ausência de tal previsão contratual o conflito estará fadado a ser resolvido pelo Poder Judiciário em um cenário onde ambas as partes detêm argumentos juridicamente válidos De um lado o vendedor a termo se ampara no rigor formal do sistema registral da Lei das SA de outro o comprador a termo invoca princípios gerais de elevada estatura como a boafé objetiva a função social do contrato e a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Apesar da solidez do argumento formalista o estudo indica uma tendência principiológica em favor da proteção ao comprador que suporta integralmente o risco econômico do ativo A jurisprudência analógica e os fundamentos doutrinários sugerem que quando demonstrado que o exercício do direito de recesso pelo vendedor configura um ato em descompasso com a boafé visando a uma vantagem especulativa não prevista e causando um prejuízo certo ao comprador os tribunais poderão caracterizar o abuso de direito Nesta hipótese ainda que se reconheça a titularidade formal do vendedor imporseá a ele o dever de indenizar o comprador ou de repassar os valores percebidos assegurandose assim a justiça substantiva da relação A omissão da lei não pode servir de escudo para condutas abusivas A evolução do mercado de capitais com o aumento da complexidade dos instrumentos financeiros exige uma interpretação do direito que seja capaz de harmonizar a segurança das formas com a efetiva tutela dos interesses econômicos legítimos e da confiança depositada nas relações negociais 91 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições A operação a termo pela sua própria natureza jurídica de contrato de execução diferida pode ser utilizada como um instrumento estratégico para a aquisição de participações acionárias relevantes inclusive de blocos de controle com um significativo grau de opacidade perante o mercado Esta característica quando explorada de forma ilícita convertese em um vetor de graves distorções à integridade e à equidade do mercado de capitais O cerne desta opacidade reside no fato de que a operação a termo em sua fase pré liquidação não constitui um evento de alteração de titularidade perante os registros societários da companhia emissora Consequentemente um investidor pode celebrar uma série de contratos a termo com diferentes vendedores acumulando a expectativa de aquisição de um bloco acionário substancial sem que este acúmulo seja de conhecimento público ou em certos casos sequer da própria companhiaalvo Esta estratégia permite que o aquirente contorne temporariamente os deveres de disclosure imediato impostos pela regulamentação O art 12 da Resolução CVM nº 44 de 2021 que consolida a antiga Instrução CVM 358 estabelece a obrigação de comunicar à CVM e ao mercado a aquisição de quantidade de valores mobiliários que em conjunto com outras já detidas atinja ou ultrapasse 5 10 15 e assim sucessivamente do capital total de uma companhia aberta No entanto a aquisição referida pela norma tipicamente se reporta à aquisição da propriedade plena registrada nos livros societários Dessa forma um agente pode em tese acumular posições a termo equivalentes a 10 15 ou mesmo ao controle da companhia sem desencadear a obrigação de comunicar esses fatos ao mercado Esta janela de opacidade que perdura desde a contratação até a liquidação física das operações cria um ambiente propício para a prática de duas das mais graves infrações do mercado de capitais a manipulação de mercado e o uso de informação privilegiada insider trading O investidor pode se utilizar desse período de invisibilidade para orquestrar sua estratégia de aquisição em condições de vantagem indevida comprando papéis a preços que não refletem a futura mudança de controle ou a sua própria demanda agregada em prejuízo dos demais participantes do mercado que negociam sem o mesmo conhecimento 92 Este capítulo tem como objetivo investigar de forma aprofundada como a operação a termo pode ser instrumentalizada para fins ilícitos em processos de aquisição analisando os mecanismos dessas condutas o enquadramento legal aplicável e as consequências jurídico administrativas decorrentes com base na legislação vigente e em casos concretos apurados pela CVM 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo A aquisição fracionada de controle por meio de operações a termo constitui uma forma sofisticada de engenharia financeira frequentemente empregada em mercados de capitais maduros mas que em contextos de menor transparência regulatória pode ensejar sérios riscos de ilicitude e de assimetria informacional Essa estrutura embora possa ser legítima quando orientada por finalidades econômicas autênticas e pela observância dos deveres de conduta e transparência tornase problemática quando instrumentalizada para ocultar a formação de blocos de controle ou dilatar indevidamente o dever de comunicação ao mercado Em termos técnicos o mecanismo consiste na celebração de múltiplos contratos a termo instrumentos derivativos que preveem a compra futura de ações a preço e data previamente determinados firmados por um investidor individual ou por um grupo de investidores atuando de forma concertada O objeto desses contratos são ações de uma mesma companhiaalvo de modo que ao final o adquirente consolida uma posição econômica equivalente ao controle societário sem que até a liquidação haja transferência formal de titularidade O caráter crítico e sensível dessa prática reside em sua furtividade operacional Cada contrato individual representa isoladamente uma fração não expressiva do capital social Assim enquanto o conjunto dessas posições ainda não é liquidado fisicamente o adquirente não aparece nos registros societários como titular das ações evitando portanto o acionamento dos gatilhos regulatórios de comunicação e divulgação A posse econômica isto é o domínio dos riscos e benefícios inerentes às ações todavia já se encontra concentrada em um único agente econômico criando uma disparidade entre a titularidade jurídica e a titularidade econômica 93 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório O artigo 12 da Resolução CVM nº 442021 impõe ao investidor o dever de comunicar ao mercado a aquisição de participações relevantes que atinjam determinados limiares percentuais do capital votante ou total da companhia A Comissão de Valores Mobiliários CVM em suas manifestações e decisões administrativas tem reiterado que a noção de posse relevante para fins de disclosure não se limita à propriedade formal devendo abranger posições que confiram ao investidor de forma inequívoca os riscos e benefícios econômicos dos valores mobiliários objeto da operação CVM Processo RJ20120249 2012 Entretanto a ausência de uma regulamentação específica sobre a agregação de posições derivativas especialmente operações a termo e contratos de swap vinculados a ações abre um espaço de incerteza normativa que pode ser explorado por agentes mal intencionados Ao fragmentar as aquisições e distribuílas em diversas operações a termo o investidor consegue postergar a obrigação de divulgação mantendo o mercado em ignorância quanto à real concentração de poder de voto e influência na companhia Essa postergação não é apenas uma omissão formal mas uma violação à essência do dever de transparência elemento fundamental para a formação eficiente dos preços e para a confiança dos investidores no mercado de capitais 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along O artigo 254A da Lei nº 64041976 Lei das Sociedades por Ações estabelece a obrigatoriedade da Oferta Pública de Aquisição de Ações OPA em caso de alienação do controle acionário assegurando aos acionistas minoritários o direito de tag along isto é o direito de vender suas ações nas mesmas condições conferidas ao controlador A ratio legis dessa norma é proteger os minoritários contra operações que impliquem mudança de controle sem contraprestação equitativa RETTO 2007 MARANGONI 2015 Quando a aquisição do controle é estruturada mediante acumulação fracionada de posições a termo o adquirente pode tentar sustentar que não ocorreu uma alienação de controle típica pois não houve um único vendedor ou um bloco controlador formalmente transferido mas apenas aquisições pulverizadas de mercado Essa interpretação se admitida esvaziaria o conteúdo protetivo da norma permitindo que o controle fosse transferido de fato 94 sem a correspondente OPA e sem que os minoritários usufruíssem do prêmio de controle caracterizando uma evasão normativa CASQUET 2013 STJ REsp 1540428SP 2018 A doutrina e a jurisprudência da CVM têm reconhecido que o conceito de controle deve ser interpretado de maneira funcional e substancial levando em conta a capacidade de influência decisória e não apenas a titularidade formal das ações CVM Processo RJ20120249 2012 Assim operações a termo que concentrem poder de voto e direitos econômicos de maneira dissimulada podem em tese configurar alienação indireta de controle sujeitando o adquirente às mesmas obrigações de transparência e de OPA 423 Riscos e implicações regulatórias A utilização abusiva das operações a termo para aquisição fracionada de controle afronta os princípios basilares do mercado de capitais especialmente os de transparência equidade e integridade previstos nos arts 4º e 5º da Lei nº 63851976 e reforçados pelo Regulamento do Novo Mercado da B3 Além disso tal conduta pode enquadrarse nas hipóteses de manipulação de mercado e de omissão de informação relevante conforme tipificado no art 27C da Lei nº 63851976 podendo ensejar responsabilidade administrativa e até penal Em perspectiva ética e institucional a ocultação intencional de posições relevantes compromete a formação justa dos preços deteriora a confiança dos investidores e atinge o equilíbrio informacional pilares essenciais para o desenvolvimento saudável do mercado de capitais Portanto ainda que as operações a termo sejam instrumentos legítimos de hedge e gestão de portfólio seu uso para aquisição encoberta de controle deve ser interpretado e sancionado conforme os princípios da boafé objetiva lealdade e transparência que regem o direito societário contemporâneo 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 63851976 A manipulação de mercado representa uma das mais graves violações ao regime jurídico do mercado de capitais por comprometer diretamente os princípios da transparência integridade e eficiência que sustentam a formação justa dos preços e a confiança dos 95 investidores O artigo 27C inciso III da Lei nº 63851976 tipifica como infração penal e administrativa o ato de praticar de modo fraudulento ou ardiloso ato ou operação que tenha por objeto ou possa ter por efeito alterar artificialmente os preços de valores mobiliários no mercado BRASIL 1976 Entre as inúmeras estratégias possíveis de manipulação a instrumentalização das operações a termo ocupa papel de destaque justamente pela aparente neutralidade econômica desses contratos e pela dificuldade de detecção imediata de seu uso indevido As operações a termo ao permitirem a negociação de valores mobiliários com liquidação futura podem ser utilizadas tanto para finalidades legítimas como hedge e planejamento financeiro quanto para fins fraudulentos como a criação artificial de escassez de ativos short squeeze ou a indução de movimentos especulativos de preço 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação O chamado short squeeze constitui uma situação de estrangulamento de vendedores a descoberto em que a escassez artificial de papéis disponíveis para recompra eleva o preço de forma abrupta e insustentável Em termos práticos o cenário se desenha quando um investidor dominante ou um grupo atuando de forma concertada acumula de maneira silenciosa uma posição comprada expressiva em operações a termo sobre ações de baixa liquidez ou seja papéis cujo volume de negociação é reduzido e cuja oferta é limitada no mercado secundário De modo concomitante esse mesmo agente pode realizar vendas a descoberto no mercado à vista com o intuito de pressionar temporariamente os preços para baixo induzindo outros investidores a assumirem posições vendidas À medida que o vencimento dos contratos a termo se aproxima os vendedores precisam adquirir as ações no mercado para efetuar a entrega física ao comprador Nesse momento o manipulador ao deter uma posição comprada dominante e controlar parcela relevante da oferta disponível abstémse de vender ou em alguns casos aumenta suas compras reduzindo ainda mais a liquidez Essa dinâmica provoca um aumento artificial e abrupto no preço do ativo forçando os vendedores a descoberto a recomprar papéis a qualquer custo para cumprir suas obrigações contratuais O resultado é um ciclo de retroalimentação especulativa em que o preço se eleva a níveis descolados dos fundamentos econômicos gerando lucros indevidos ao agente manipulador e prejuízos severos aos demais participantes do mercado 96 432 O caso VCPG3 um leading case nacional Um caso paradigmático que ilustra essa modalidade de manipulação foi o Processo Administrativo CVM SEI nº 19957010224201977 conhecido como o Caso VCPG3 Embora tenha envolvido outras modalidades operacionais como empréstimo de ações e derivativos o caso evidencia a mesma lógica de manipulação por estrangulamento observada em operações a termo Conforme apurado pela Comissão de Valores Mobiliários CVM a B3 SA Brasil Bolsa Balcão e alguns de seus executivos foram acusados de falha de supervisão por não monitorarem adequadamente a concentração de posições em papéis de baixa liquidez Tal omissão possibilitou que um agente acumulasse uma posição dominante em derivativos e em empréstimos da ação VCPG3 tornando praticamente impossível que os vendedores a descoberto recomprassem os papéis necessários para honrar seus compromissos O episódio culminou em um short squeeze extremo com valorização superior a 1200 no preço da ação em curto espaço de tempo Reconhecendo a gravidade do ocorrido a CVM por intermédio do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 aceitou uma proposta de acordo no valor de R 7 milhões encerrando o processo mediante a admissão tácita da falha de supervisão e do dano potencial causado ao mercado CVM 2020 Tal caso consolidouse como um leading case nacional sobre a vulnerabilidade estrutural do mercado frente a estratégias de manipulação sofisticadas e a necessidade de uma postura preventiva das instituições autorreguladoras Ele também sinalizou que a omissão institucional pode configurar violação indireta ao dever de vigilância e controle especialmente em mercados caracterizados por alta alavancagem e liquidez restrita 433 Responsabilidade e consequências jurídicas As implicações jurídicas da manipulação de mercado são multidimensionais abrangendo as esferas administrativa civil e penal conforme descrito a seguir a Esfera Administrativa CVM Com fundamento nos arts 11 e 27C da Lei nº 63851976 a CVM pode aplicar as sanções previstas no art 11 que incluem multas de até R 50 milhões suspensão ou proibição temporária de atuar no mercado cassação de autorização de funcionamento de intermediários e até inabilitação temporária para o exercício de cargos de administração ou 97 fiscalização em companhias abertas A Lei nº 135062017 ao reformular o regime sancionador ampliou substancialmente o poder punitivo da autarquia introduzindo critérios de proporcionalidade reincidência e gravidade do impacto sistêmico b Esfera Civil Os investidores diretamente prejudicados especialmente vendedores a termo locadores de ações e investidores minoritários possuem direito à reparação integral dos danos materiais e morais sofridos com base nos arts 186 e 927 do Código Civil Nessa hipótese aplicase a teoria do ato ilícito e conforme jurisprudência consolidada a responsabilidade é objetiva quando a manipulação é praticada em contexto de violação de deveres de conduta previstos em lei ou em regulação setorial c Esfera Penal Por fim a conduta também se enquadra no tipo penal autônomo de manipulação de mercado previsto no art 27C da Lei nº 63851976 cuja pena é de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Tratase de crime de perigo concreto bastando que o agente atue de modo fraudulento ou ardiloso com potencial de alterar artificialmente preços ou criar aparência enganosa de liquidez e demanda A ação penal é pública incondicionada cabendo ao Ministério Público Federal a iniciativa processual após a conclusão do inquérito administrativo instaurado pela CVM 434 Considerações críticas A manipulação de mercado sobretudo por meio de operações derivativas complexas revela a tensão entre a inovação financeira e a responsabilidade ética no uso dos instrumentos de mercado O avanço tecnológico e a crescente automação das negociações exigem das autoridades regulatórias uma atuação preventiva inteligente e tecnológica baseada em monitoramento algorítmico de posições e detecção preditiva de anomalias de preço Sob a ótica da governança e da ética empresarial a instrumentalização dolosa de contratos legítimos para fins ilícitos desvirtua o propósito original do mercado de capitais canalizar poupança para investimento produtivo e transforma o ambiente financeiro em um espaço de extração especulativa e concentração de poder econômico Assim mais do que um ilícito técnico a manipulação de mercado configura uma violação à confiança pública elemento essencial da própria legitimidade institucional do sistema financeiro 98 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 63851976 A operação a termo revelase além de instrumento legítimo de gestão de risco e especulação racional um meio potencialmente apto à prática de uso indevido de informação privilegiada conhecido como insider trading Esse ilícito de natureza híbrida simultaneamente administrativa cível e penal caracterizase pela quebra do princípio da isonomia informacional entre os investidores um dos pilares fundamentais da regulação do mercado de capitais O art 27D da Lei nº 63851976 estabelece que incorre no crime de insider trading aquele que utiliza informação relevante ainda não divulgada ao mercado de que tenha ciência privilegiada capaz de propiciar para si ou para outrem vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários BRASIL 1976 A essência da norma é clara ninguém pode negociar no mercado com base em conhecimento assimétrico sob pena de macular a integridade da formação dos preços e a confiança coletiva na lisura do sistema financeiro 441 Estrutura típica e modus operandi O cenário típico envolve um insider termo que abrange administradores acionistas controladores membros de conselho fiscal auditores independentes consultores advogados bancos coordenadores e até servidores públicos que por força de suas atribuições tenham acesso a informações relevantes não públicas Esse agente ciente de um fato relevante positivo ou negativo capaz de influenciar de forma sensível o preço das ações de uma companhia aberta utilizase de tal conhecimento para estruturar uma operação a termo que lhe permita capturar ganhos futuros antes que a informação seja divulgada ao mercado Os exemplos clássicos são eloquentes a iminente aprovação de uma incorporação vantajosa a descoberta de uma jazida mineral a assinatura de um contrato estratégico com alto impacto financeiro ou no extremo oposto a revelação de fraudes contábeis e insolvências ocultas De posse dessa informação o insider celebra operações a termo de 99 compra se a informação for positiva ou de venda se for negativa fixando um preço que embora aparente ser de mercado não reflete a realidade futura conhecida apenas por ele O aspecto jurídico crucial está no momento da consumação da conduta Tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária compreendem que a negociação para fins do art 27D se consuma no momento da celebração do contrato a termo e não na data de sua liquidação É nesse instante o da formação do vínculo obrigacional stipulatio que o agente define sua exposição econômica e se aproveita da assimetria informacional travando um preço baseado em conhecimento oculto ao mercado Assim a liquidação futura é mero desdobramento executório sem relevância para a caracterização do ilícito Como observa Carvalhosa 2021 p 329 a utilização de informação relevante antes de sua divulgação constitui a essência do ilícito ainda que o ganho ou a perda apenas se concretizem em momento posterior 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement A prova da ciência privilegiada e de seu uso doloso constitui o principal obstáculo para os órgãos de fiscalização e persecução Cabe à Comissão de Valores Mobiliários CVM no âmbito administrativo e ao Ministério Público Federal MPF na esfera penal demonstrar o nexo temporal e causal entre o acesso à informação e a celebração da operação O padrão probatório exige a conjugação de indícios convergentes e robustos tais como registros eletrônicos de acesso a documentos sigilosos comunicações internas emails mensagens instantâneas logs de sistemas coincidência temporal entre reuniões corporativas e ordens de negociação análise estatística da atipicidade da operação em relação ao histórico do investidor A mera coincidência temporal embora relevante não é suficiente O que se busca demonstrar é o elemento volitivo do dolo isto é o aproveitamento consciente de informação não pública para obtenção de vantagem econômica indevida Daí a importância da tecnologia forense e da integração entre CVM B3 COAF e MPF que têm desenvolvido sistemas automatizados de correlação entre eventos corporativos e movimentações atípicas de negociação 100 443 Precedentes e casos emblemáticos Apesar da escassez de casos que envolvam exclusivamente operações a termo a jurisprudência e a prática sancionadora brasileiras vêm consolidando a doutrina do insider trading aplicável por analogia a todos os instrumentos financeiros O Caso Americanas 20232025 é o mais recente e impactante Após a revelação de um rombo contábil de R 253 bilhões as investigações da CVM e do MPF concentraramse em apurar se executivos e controladores cientes das inconsistências antes da divulgação pública realizaram operações de venda ou derivativos com expectativa de lucrar com a iminente desvalorização das ações Em abril de 2025 o MPF ofereceu denúncia contra 13 ex executivos da companhia imputandolhes entre outros crimes o de insider trading art 27D da Lei nº 63851976 O caso ainda em trâmite tende a se tornar marco interpretativo sobre o alcance subjetivo da tipificação penal e os critérios de imputação do dolo específico Outro precedente paradigmático é o Caso SadiaPerdigão CVM PAS RJ200913745 originado da fusão que resultou na BRF SA Na ocasião a CVM aplicou multas milionárias a executivos e intermediários financeiros que antes do anúncio público da operação de fusão negociaram ações e derivativos com base em informações não divulgadas A autarquia consolidou o entendimento de que a negociação ocorre no momento da ordem ou da contratação e não na liquidação reforçando a tese de que a mera formalização de um contrato a termo durante o período de sigilo configura o uso indevido da informação 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras A prática de ilícitos por meio de operações a termo gera consequências jurídicas graves complexas e multidimensionais refletindo a necessidade de um sistema sancionador apto a proteger a integridade a transparência e a equidade do mercado de capitais Tais repercussões se manifestam nas esferas administrativa cível e penal cada uma delas com objetivos e instrumentos próprios mas articuladas em torno do mesmo eixo a repressão à assimetria informacional e à manipulação de preços 451 Esfera Administrativa 101 Na esfera administrativa a Comissão de Valores Mobiliários CVM exerce papel central como órgão fiscalizador e sancionador Com base nas competências outorgadas pela Lei nº 63851976 ampliadas pela Lei nº 135062017 a autarquia dispõe de um arsenal punitivo abrangente e moderno estruturado para coibir condutas que atentem contra o funcionamento regular e íntegro do mercado De acordo com o art 11 da Lei nº 63851976 a CVM pode mediante processo administrativo sancionador impor penalidades que incluem Multas pecuniárias que podem alcançar até R 5000000000 cinquenta milhões de reais calculadas segundo a gravidade da infração a extensão do dano e o proveito econômico auferido Suspensão inabilitação temporária ou definitiva para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários aplicável tanto a pessoas físicas quanto jurídicas Cancelamento do registro de auditores independentes consultores administradores de carteira e demais intermediários autorizados Declaração de inidoneidade para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A reforma introduzida pela Lei nº 135062017 ampliou significativamente o poder sancionatório da CVM inserindo instrumentos modernos como o acordo de leniência arts 30 a 32 inspirado em práticas de compliance internacional Esse acordo permite que o primeiro infrator a colaborar com as investigações prestando informações eficazes para a elucidação dos fatos obtenha redução substancial ou até extinção da punibilidade administrativa Tal mecanismo tem se mostrado essencial para o desvendamento de condutas concertadas e sofisticadas especialmente em esquemas que envolvem operações a termo derivativos e manipulação de preços coordenada 452 Esfera Cível No campo cível a responsabilidade dos agentes que praticam manipulação de mercado ou uso de informação privilegiada é regida pelos arts 186 e 927 do Código Civil que consagram a obrigação de reparar integralmente os danos causados por ato ilícito Os investidores lesados como por exemplo aqueles que venderam ações a preços artificialmente baixos em virtude de manipulação ou compraram de insiders que detinham informações negativas ocultas têm o direito de buscar indenização por perdas e danos abrangendo lucros cessantes e danos emergentes 102 Em situações que envolvem um grande número de investidores dispersos admitese a propositura de ações coletivas ou class actions com base no Código de Defesa do Consumidor Lei nº 80781990 e na Lei da Ação Civil Pública Lei nº 73471985 Esse instrumento processual amplia a efetividade da tutela jurisdicional e aumenta o passivo contingente do infrator fortalecendo a função dissuasória da responsabilidade civil no âmbito do mercado de capitais A jurisprudência da CVM e do Superior Tribunal de Justiça STJ tem reconhecido que nos casos de infrações que distorcem a livre formação de preços o dano coletivo presumido dispensa a prova de prejuízo individualizado bastando a demonstração da conduta ilícita e de seu potencial lesivo à integridade do mercado 453 Esfera Penal Ja na esfera penal as condutas analisadas configuram crimes contra o mercado de capitais de competência da Justiça Federal e titularidade de persecução do Ministério Público Federal MPF O uso de informação privilegiada insider trading encontra tipificação no art 27D da Lei nº 63851976 que prevê pena de reclusão de 1 um a 5 cinco anos e multa aplicável ao agente que de forma dolosa utiliza informação relevante não divulgada ao mercado para negociar valores mobiliários em benefício próprio ou de terceiros A manipulação de mercado por sua vez está descrita no art 27C da mesma lei sujeitando o infrator à pena de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Ambas as figuras delitivas demandam prova técnica robusta e contextualizada o que torna essencial a cooperação interinstitucional entre a CVM responsável pela apuração técnica e pela instrução do processo administrativo e o MPF titular da ação penal pública incondicionada O modelo de enforcement cooperativo que combina a expertise técnica da autarquia com o poder coercitivo do Ministério Público e o apoio operacional da Polícia Federal e do COAF tem se revelado indispensável para a efetiva repressão a ilícitos complexos envolvendo derivativos e operações estruturadas 46 Conclusão do Capítulo A análise empreendida neste capítulo revela com clareza que as operações a termo ocupam posição ambígua no universo financeiro contemporâneo constituem 103 simultaneamente instrumentos de eficiência e de risco éticojurídico A flexibilidade estrutural e o caráter de execução futura que as tornam úteis para hedge e gestão de liquidez também lhes conferem potencial para práticas dissimuladas de fraude manipulação e uso indevido de informação privilegiada Verificouse que a opacidade temporária que caracteriza essas operações situada entre a contratação e a liquidação cria uma zona de invisibilidade regulatória suscetível à exploração ilícita Nesse interstício agentes malintencionados podem estruturar aquisições furtivas de controle esquemas especulativos de manipulação de preços e estratégias de insider trading em detrimento dos investidores minoritários e da integridade do mercado Em resposta a esse cenário o sistema brasileiro de enforcement vem passando por um processo evolutivo de modernização e integração institucional A CVM o Banco Central do Brasil o Ministério Público Federal e a B3 SA têm fortalecido mecanismos de supervisão e de cooperação informacional incorporando tecnologias de monitoramento algorítmico e inteligência artificial na detecção de padrões atípicos de negociação O fortalecimento dos poderes sancionatórios da CVM a introdução de acordos de leniência e o aperfeiçoamento da governança autorregulatória representam avanços substanciais rumo a um modelo de regulação responsiva e preventiva menos reativo e mais preditivo Contudo a sofisticação crescente das estruturas operacionais e a natureza globalizada das transações impõem um desafio permanente o de manter o regulador tecnicamente aparelhado institucionalmente independente e juridicamente robusto A efetividade do enforcement depende em última instância de uma cultura regulatória baseada na ética na transparência e na confiança pública Concluise assim que a preservação da integridade e da legitimidade do mercado de capitais frente ao uso indevido de operações a termo exige não apenas normas mais rígidas mas um ethos regulatório mais inteligente interdisciplinar e tecnológico A evolução normativa deve caminhar lado a lado com o desenvolvimento científico e analítico do regulador de modo que os valores da equidade da eficiência e da confiança coletiva permaneçam o alicerce inquebrantável da economia de mercado 104 CONCLUSÃO O presente trabalho buscou analisar de forma abrangente e sistemática as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo em processos de alteração do controle acionário tema de notória complexidade e relevância para o mercado de capitais brasileiro Ao longo da investigação foi possível constatar que a natureza diferida desses contratos embora legítima em sua função econômica de gestão de risco e planejamento gera uma zona de tensão jurídica quando inserida na dinâmica societária que opera com base em titularidades registrais definidas e em momentos precisos para o exercício de direitos A análise conduzida permitiu concluir em primeiro lugar que existe uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico pátrio no que tange à definição do legítimo titular de direitos societários em especial o direito de voto e o direito de recesso durante a vigência de um contrato a termo ainda não liquidado Esta omissão legislativa ao priorizar a segurança formal do registro em detrimento da realidade econômica cria um ambiente propício a conflitos e a comportamentos oportunistas O acionista registral vendedor a termo ainda que desprovido do risco econômico detém o poder formal de exercer o recesso podendo frustrar a legítima expectativa do comprador a termo titular desse risco A pesquisa demonstrou que na ausência de previsão contratual específica a solução para este impasse tende a ser judicializada com base em princípios gerais como a boafé objetiva a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Em segundo lugar o estudo evidenciou o potencial das operações a termo serem instrumentalizadas para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes e até mesmo do controle societário A possibilidade de acumular posições econômicas substanciais sem desencadear os deveres de disclosure imediato previstos na Resolução CVM nº 442021 representa uma grave fissura no princípio da transparência um dos pilares do mercado de capitais Esta estratégia quando utilizada de forma dissimulada configura uma evasão às obrigações de OPA e de tag along prejudicando acionistas minoritários e distorcendo a formação isonômica de preços Por fim a pesquisa identificou e analisou os graves riscos de ilicitude associados a esse uso estratégico notadamente a manipulação de mercado através de mecanismos como o short squeeze e o uso de informação privilegiada insider trading Ficou demonstrado que a opacidade inerente ao período entre a contratação e a liquidação do termo pode ser explorada por agentes malintencionados para obter vantagens indevidas violando a integridade do mercado e a confiança dos investidores A atuação sancionadora da CVM 105 amparada pelo robusto arcabouço da Lei nº 135062017 e a persecução penal pelo MPF mostramse essenciais para coibir tais condutas cujas consequências se estendem pelas esferas administrativa cível e penal Diante das conclusões expostas depreendese que o ordenamento jurídico brasileiro carece de um regramento mais preciso que equacione a interação entre as operações a termo e o direito societário Enquanto tal evolução não ocorre a solução mais eficiente e segura reside na autonomia privada por meio da elaboração de contratos minuciosos que prevejam de forma clara e antecipada a gestão dos direitos societários e a destinação dos proveitos econômicos durante a vigência do termo As operações a termo embora constituam instrumentos legítimos e valiosos para o mercado exigem um olhar jurídico atento e crítico O seu uso em contextos de alteração de controle acionário revela a necessidade de um diálogo mais profícuo e harmonioso entre o direito societário fundado na publicidade registral e a realidade dos mercados financeiros modernos pautada pela complexidade e pela velocidade A superação deste desafio é fundamental para que o mercado de capitais brasileiro possa continuar seu processo de amadurecimento conciliando inovação financeira com segurança jurídica eficiência econômica com equidade e justiça contratual 106 REFERENCIAS ANBIMA Relatório Anual do Mercado de Capitais São Paulo ANBIMA 2025 Disponível em httpswwwanbimacombr Acesso em 5 nov 2025 ASSAF NETO Alexandre Mercado Financeiro 16 ed São Paulo Atlas 2023 B3 Brasil Bolsa Balcão Guia de Operações a Termo São Paulo B3 2024 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Manual de Margens e Garantias São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Relatório de Relações com Investidores 3T2025 São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 BANCO 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controlador como mecanismo de proteção dos acionistas minoritários de companhias fechadas 2013 334 f Tese Doutorado em Direito Comercial Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2013 Disponível em httpswwwtesesuspbrtesesdisponiveis22132tde12122014104138publico CompletaTeseAndreiaCBCasquetpdf Acesso em 5 nov 2025 CHANDLER Alfred D Scale and Scope The Dynamics of Industrial Capitalism Cambridge Harvard University Press 1990 CLAUDINO Gilbene Calixto Pereira As sociedades anônimas e o direito de recesso como norma de proteção aos acionistas minoritários nas operações de incorporação fundamentos normativos e adequação da lei vigente 2022 122 f Dissertação Mestrado em Direito Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo 2022 Disponível em httpsrepositoriojesuitaorgbrbitstreamhandleUNISINOS12028Gilbene20Calixto 20Pereira20ClaudinoPROTEGIDOpdfisAllowedysequence1 Acesso em 5 nov 2025 COELHO Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial Vol 2 20 ed São Paulo Saraiva 2022 Manual de 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Dispõe sobre a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo Diário Oficial da União Brasília DF 30 set 2021 Resolução CVM nº 59 de 16 de dezembro de 2021 Altera formulários de referência e prospectos Diário Oficial da União Brasília DF 17 dez 2021 Resolução CVM nº 80 de 28 de abril de 2022 Dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários Diário Oficial da União Brasília DF 29 abr 2022 Resolução CVM nº 88 de 16 de junho de 2022 Dispõe sobre ofertas públicas por meio de plataforma de investimento participativo crowdfunding Diário Oficial da União Brasília DF 17 jun 2022 Resolução CVM nº 135 de 19 de outubro de 2022 Dispõe sobre o funcionamento de bolsas de valores e entidades do mercado Diário Oficial da União Brasília DF 20 out 2022 Resolução CVM nº 160 de 15 de dezembro de 2022 Dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários Diário Oficial da União Brasília DF 16 dez 2022 Resolução CVM nº 175 de 21 de dezembro de 2022 Dispõe sobre fundos de 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Texto de pré-visualização
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO BACHARELADO EM DIREITO PROJETO DE TCC COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO RA00299078 ORIENTADOR MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA SUMÁRIO Capítulo 1 Fundamentos do Mercado de Capitais 11 Conceito e Estrutura do Mercado de Capitais no Brasil 12 Principais Agentes e Instituições Reguladoras CVM e B3 13 Conceito e Estrutura dos Valores Mobiliários 14 Papel das Operações a Termo no Mercado de Capitais Capítulo 2 A Lei das Sociedades Anônimas e o Regime Jurídico das Ações 21 A Lei nº 640476 Princípios Estrutura Normativa e Governança Corporativa 22 Direitos e Deveres dos Acionistas nas Sociedades Anônimas 23 Operações Societárias Fusão Cisão e Incorporação 24 Alterações Societárias Aquisição de Controle Capítulo 3 O Mercado a Termo Características e Aspectos Jurídicos 31 Definição e Funcionamento da Compra de Ações a Termo 32 Fundamentação Legal do Mercado de Ações a Termo 33 Contratos a Termo Estrutura Elementos Essenciais e Aplicação Prática 34 Riscos Jurídicos e Financeiros nas Operações a Termo Capítulo 4 Problemáticas Jurídicas em Incorporações e o Papel das Ações a Termo 41 Impactos das Incorporações na Alteração do Controle Acionário 42 Conflitos de Interesse e a Proteção aos Investidores nas Operações a Termo 43 O Direito de Recesso Fundamentos Aplicação e Limites 44 Implicações do Ágio nas Operações a Termo em Incorporações 45 Aquisição de Controle e Manipulação de Preços Capítulo 5 Conclusão 51 Síntese dos Resultados Implicações Jurídicas das Ações a Termo 52 Contribuições do Estudo para o Direito Societário e o Mercado 53 Propostas para Mitigação de Conflitos em Incorporações 54 Considerações Finais e Sugestões para Pesquisas Futuras Referências Bibliográficas INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro como pilar do desenvolvimento econômico é palco de operações financeiras complexas que demandam um arcabouço jurídico robusto para garantir segurança e equidade Dentre essas operações a compra de ações a termo destacase por sua natureza estratégica permitindo que investidores adquiram ações a um preço fixado para liquidação futura o que em alguns contextos pode ser impactado por reestruturações societárias como incorporações ou alteração do controle acionário Essas operações são reguladas pela Lei das Sociedades Anônimas Lei nº 640476 e normas da Comissão de Valores Mobiliários CVM Este trabalho propõese a analisar as implicações jurídicas e os impactos dessas operações no mercado de ações a termo com foco nas problemáticas ante incorporações e aquisição de controle para manipulação do mercado que frequentemente geram conflitos e desafios regulatórios A relevância do tema reside na interseção entre o dinamismo do mercado financeiro e a necessidade de proteção jurídica aos investidores especialmente em cenários de incorporação onde a alteração do controle acionário pode gerar tensões entre acionistas majoritários minoritários e outros stakeholders As operações a termo por envolverem compromissos futuros e muitas vezes ágio no preço das ações amplificam os riscos jurídicos como disputas sobre o direito de recesso transparência na formação de preços e equidade no tratamento dos acionistas Além disso a crescente complexidade das reestruturações societárias no Brasil impulsionada por fusões e aquisições torna premente a análise das problemáticas jurídicas emergentes dessas operações contribuindo para o fortalecimento do mercado de capitais e da governança corporativa Este projeto justificase pela lacuna na literatura acadêmica jurídica brasileira em estudos e publicações que abordem especificamente as operações a termo no contexto de incorporações especialmente sob a perspectiva das implicações para o controle acionário e os direitos dos investidoresacionistas A pesquisa propõe uma abordagem interdisciplinar combinando análise normativa Lei nº 640476 e Resoluções da CVM e doutrina especializada como Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa com o objetivo de mapear os desafios jurídicos e propor soluções que promovam maior segurança jurídica no momento de contratação da operação bem como atenuar eventuais controvérsias doutrinárias A ênfase no direito de recesso previsto no artigo 137 da Lei das SA reflete sua centralidade em proteger acionistas minoritários em operações que alteram significativamente a estrutura societária como as incorporações Diante desse cenário o presente trabalho busca responder à seguinte questãoproblema Quais são as implicações jurídicas das operações de compra de ações a termo em processos de incorporação especialmente no que tange à alteração do controle acionário e à efetividade do direito de recesso A problematização visa esclarecer como essas operações impactam o mercado de capitais e os direitos dos investidores identificando os conflitos de interesse e os limites da regulação atual com vistas a contribuir para o debate jurídico e regulatório no Brasil OBJETIVOS Objetivo Geral Analisar as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo no mercado de capitais brasileiro em processos de incorporação com ênfase nas problemáticas relacionadas à alteração do controle acionário e à efetividade do direito de recesso bem como com a possibilidade de manipulação de ações visando contribuir para a segurança jurídica e a equidade no mercado financeiro Objetivos Específicos 1 Caracterizar o funcionamento do mercado de capitais e das operações a termo destacando sua estrutura regulação e relevância no contexto das reestruturações societárias 2 Examinar o regime jurídico da Lei das Sociedades Anônimas Lei nº 640476 com foco nos direitos dos acionistas nas operações de incorporação e na proteção contra alterações do controle acionário 3 Identificar os riscos e problemáticas jurídicas das operações a termo em processos de incorporação especialmente aqueles relacionados ao ágio à transparência e aos conflitos de interesse 4 Avaliar a aplicação e os limites do direito de recesso em incorporações envolvendo operações a termo analisando sua efetividade na proteção dos acionistas minoritários 5 Discute a problemática de compra de ações para manipulação do mercado e como isso impacta nas operações a termo METODOLOGIA Pesquisa bibliográfica e documental com abordagem qualitativa REFERÊNCIAS Eizirik Nelson A Lei Das SA Comentada v 1 1120 Eizirik Nelson Mercado de Capitais Regime Jurídico 6ª ed Rio de Janeiro Renovar 2022 httpswwwitaucorretoracombrnossosservicoscompradetermoaspx httpswwwsafracombrinvestimentosrendavariaveloperacoesatermohtm httpsbloggenialinvestimentoscombrmercadoatermooquee PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO BACHARELADO EM DIREITO SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Orientador Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida Orientador Prof Dr Prof Dr AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA EPÍGRAFE RESUMO A compra de ações a termo constitui um instrumento relevante no mercado de capitais caracterizandose como um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação em data futura predeterminada Esta pesquisa analisa as implicações jurídicas decorrentes desse tipo de operação com foco especial nos processos de alteração do controle acionário O estudo investiga a colisão entre o plano obrigacional do contrato a termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos como o voto e o recesso Ademais examinase o potencial uso das operações a termo para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes identificando os riscos de manipulação de mercado e de uso de informação privilegiada A metodologia empregada é qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e documental abrangendo a legislação societária e do mercado de capitais a doutrina especializada e a regulamentação da CVM Concluise que a ausência de normativa específica gera insegurança jurídica sendo necessária a previsão contratual detalhada para mitigar conflitos A pesquisa contribui para o debate acadêmico ao sistematizar os riscos jurídicos inerentes a essas operações e ao propor uma análise integrada entre o direito societário e a regulamentação do mercado de capitais Palavraschave Operações a Termo Mercado de Capitais Alteração de Controle Direito de Recesso Manipulação de Mercado ABSTRACT The forward purchase of shares is a relevant instrument in the capital market characterized as an executory contract in which the parties agree to buy and sell securities at a fixed price with settlement on a predetermined future date This research analyzes the legal implications arising from this type of operation with a special focus on processes of changes in corporate control The study investigates the collision between the obligatory nature of the forward contract and the corporate plan which requires the definition of a present holder for the exercise of rights such as voting and withdrawal Furthermore the potential use of forward operations for the fractional and opaque acquisition of relevant holdings is examined identifying the risks of market manipulation and insider trading The methodology employed is qualitative based on bibliographic and documentary research covering corporate and capital market legislation specialized doctrine and CVM regulations It is concluded that the absence of specific regulations generates legal uncertainty making detailed contractual provisions necessary to mitigate conflicts The research contributes to the academic debate by systematizing the legal risks inherent in these operations and by proposing an integrated analysis between corporate law and capital market regulation Keywords Forward Operations Capital Market Change of Control Withdrawal Right Market Manipulation SUMÁRIO INTRODUÇÃO14 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL16 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais16 11Mercado de Capitais na Atualidade18 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras20 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM20 131 Competências da CVM20 133 Três Pilares de Atuação21 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência22 135 Poderes Sancionatórios da CVM22 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão 23 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo25 138Efeitos do Acordo25 139 Estrutura Organizacional26 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação28 14 Brasil Bolsa Balcão B330 141 Bolsa de Valores30 142 Mercado de Balcão31 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário33 15 Ações e Valores Mobiliários35 151 Ações35 1511 Quanto aos direitos e obrigações35 1511 Golden Share37 1513 Quanto à fora de transferência38 151 Classes de ações41 153 Valor da Ação42 1531 Valor Nominal43 1531 Valor de Negociação44 1533 Valor Econômico45 154 Outros Valores Mobiliários46 1541Debêntures46 1541 Partes Beneficiárias47 1543 Bônus de Subscrição47 16 Mercado e Operações a Termo47 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo48 161Definição econômica e financeira49 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções49 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral50 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC51 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo52 1661 Atores investidor corretora contraparte B352 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação53 1663 Mecanismos de margem e garantias54 167 Riscos e Desvantagens55 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços55 1671 Alavancagem e volatilidade56 1673 Precedente da CVM56 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada57 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes57 1681 Operações a termo e política monetária57 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia58 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES59 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa59 211 Lei das Sociedades Anônimas59 212 Governança Corporativa59 22 Características e Classificações60 221 Natureza capitalista da sociedade anônima61 222 Essência empresarial61 223 Identificação exclusiva por denominação61 224 Responsabilidade limitada dos acionistas62 225 Classificação das sociedades anônimas62 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações63 231 Direitos essenciais dos acionistas63 232 Direito de participação nos lucros64 233 Direito de fiscalização64 234 Direito de preferência65 235 Direito de retirada direito de recesso65 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas65 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso66 2353 Condições e limitações ao exercício66 2354 Prazo e procedimento67 2355 Assembleia de reconsideração67 2356 Valor e forma do reembolso68 2357 Considerações doutrinárias e críticas68 236 Direito de Voto69 2361 Direito de voz x direito de voto69 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade69 2363 Estrutura legal do direito de voto70 2364 O voto plural70 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa70 23642 Condições legais para criação do voto plural71 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção71 2365 Exercício do direito de voto71 2366 Abuso e conflito no exercício do voto72 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão73 241 Incorporação74 242 Fusão74 243 Cisão75 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS77 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais77 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo78 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso79 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica81 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral81 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico83 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos84 344 Conclusão da Análise85 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários85 351 Análise da Jurisprudência Pertinente85 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados87 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária88 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA90 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições90 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo91 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório91 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along92 423 Riscos e implicações regulatórias93 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 6385197693 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação94 432 O caso VCPG3 um leading case nacional94 433 Responsabilidade e consequências jurídicas95 434 Considerações críticas96 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 6385197696 441 Estrutura típica e modus operandi97 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement98 443 Precedentes e casos emblemáticos98 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras99 451 Esfera Administrativa99 452 Esfera Cível100 453 Esfera Penal101 46 Conclusão do Capítulo101 CONCLUSÃO103 REFERENCIAS105 14 INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro tem passado por significativa transformação nas últimas décadas com um aumento expressivo no volume de negociações e na complexidade dos instrumentos financeiros utilizados Dentre esses instrumentos as operações a termo destacamse como mecanismos versáteis que permitem aos investidores estabelecerem compromissos de compra ou venda de ativos com liquidação futura A natureza diferida dessas operações contudo engendra uma série de implicações jurídicas que merecem análise aprofundada especialmente quando inseridas em contextos societários sensíveis como os processos de alteração do controle acionário A presente pesquisa tem como objeto central a investigação dessas implicações abordando de um lado os conflitos decorrentes da desconexão temporal entre a celebração do contrato a termo e a efetiva transferência da titularidade registral das ações De outro lado examina o potencial uso estratégico e por vezes ilícito dessas operações para a aquisição dissimulada de blocos de controle com a consequente violação de deveres de transparência e de conduta O problema de pesquisa que orienta este trabalho reside na seguinte questão como as operações a termo pela sua execução diferida impactam a dinâmica dos direitos societários e a integridade do mercado em processos de alteração de controle e de que forma o ordenamento jurídico brasileiro notadamente a Lei das SA e a regulamentação da CVM responde a esses desafios A hipótese central é que a atual regulamentação ao não dispor de forma específica sobre a titularidade de direitos societários em operações a termo pendentes de liquidação cria uma zona de insegurança jurídica Essa lacura normativa pode ser explorada de maneira oportunista seja por acionistas registrais que exercem direitos como o recesso descolados do risco econômico seja por aquirentes que utilizam a opacidade do instrumento para acumular posições de controle sem o devido disclosure configurando ilícitos como manipulação de mercado e uso de informação privilegiada Os objetivos específicos deste trabalho incluem i analisar a natureza jurídica da operação a termo e a posição das partes envolvidas ii investigar o conflito de titularidade para o exercício do direito de voto e de recesso em eventos societários iii examinar como as operações a termo podem ser instrumentalizadas para aquisições opacas de controle iv identificar os riscos de ilicitude associados a essa prática como manipulação de mercado e insider trading e v discutir as consequências jurídicas e sancionadoras aplicáveis 15 A justificativa para o estudo reside na relevância do tema para a segurança jurídica e o desenvolvimento do mercado de capitais nacional A crescente utilização de derivativos e a sofisticação das operações societárias demandam uma reflexão doutrinária e jurisprudencial capaz de equilibrar a liberdade contratual com a necessária tutela da integridade do mercado e da proteção do investidor Metodologicamente a pesquisa é de natureza qualitativa baseada em extensa revisão bibliográfica que abrange a doutrina nacional especializada em direito societário e mercado de capitais a legislação pertinente com destaque para a Lei n 64041976 Lei das SA e a Lei n 63851976 e a regulamentação emanada da CVM Adotase o método de abordagem dedutivo partindo de premissas gerais sobre o funcionamento do mercado para analisar casos concretos e situaçõesproblema A estrutura do trabalho está organizada em quatro capítulos O primeiro introduz os conceitos fundamentais do mercado de capitais e das operações a termo O segundo dedicase ao regime jurídico das sociedades por ações e aos direitos dos acionistas O terceiro núcleo da análise aborda o conflito temporal entre operações a termo e alteração de controle com foco no direito de recesso Por fim o quarto capítulo examina os riscos de ilicitude analisando as figuras da manipulação de mercado e do uso de informação privilegiada Por meio desta investigação esperase contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório e das práticas contratuais promovendo maior segurança jurídica e integridade no uso das operações a termo no mercado de capitais brasileiro 16 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais Em primeiro lugar é valido evidenciar a Evolução Histórica e o Funcionamento do Mercado de Capitais haja vista que o mercado de capitais não surgiu de forma isolada mas uma evolução gradual impulsionada por necessidades comerciais inovações institucionais e respostas a crises econômicas isto é foi uma resposta evolutiva às demandas de financiamento do comércio e da expansão econômica ao longo dos séculos As fundações do mercado de capitais remontam à Idade Média quando práticas financeiras primitivas emergiram em resposta à expansão do comércio europeu Assim sendo ao longo do século XII na França teve origem com os courretiers de change atuando como corretores de dívidas agrícolas No século XIII cidades italianas como Veneza Florença e Gênova tornaramse centros de inovação financeira com o desenvolvimento de negociação de títulos públicos preenchendo lacunas deixadas por instituições relutantes em assumir riscos elevados e utilizando listas em ardósias precursoras das bolsas modernas O primeiro mercado organizado surgiu em Bruges na Bélgica no final do século XIII na casa da família Van der Beurze onde negociantes de commodities institucionalizavam encontros informais formando a Brugse Beurse Essa prática se espalhou para Antuérpia Gante e Amsterdã no século XV centralizando o comércio de dívidas sob um teto para reduzir custos de transação e aumentar a confiança entre participantes No entanto esses mercados iniciais focavam principalmente em títulos governamentais e dívidas individuais sem a negociação sistemática de ações corporativas Essa fase reflete a transição de economias feudais para mercantis onde o financiamento de explorações marítimas e guerras demandava instrumentos financeiros mais sofisticados O século XVII marca o advento do mercado de capitais contemporâneo impulsionado pela era das grandes navegações e pelo colonialismo europeu Em 1600 a Companhia Britânica das Índias Orientais foi fundada como uma das primeiras companhias por ações emitindo papéis para financiar viagens arriscadas à Ásia e introduzindo o conceito de responsabilidade limitada para mitigar perdas por pirataria ou naufrágios Dois anos depois em 1602 a Companhia Holandesa das Índias Orientais VOC realizou a primeira oferta pública inicial IPO do mundo permitindo a negociação contínua de ações na Bolsa de Amsterdã amplamente reconhecida como a primeira bolsa de valores moderna Essa inovação introduziu 17 derivativos como opções e vendas a descoberto embora estas últimas fossem proibidas em 1610 devido a abusos especulativos Na Inglaterra as companhias eram criadas por cartas reais ou atos parlamentares separando propriedade da gestão para maior eficiência operacional Contudo a ausência de regulação fomentou fraudes com promotores criando empresas fictícias para captar fundos via ações Esse período ilustra como o mercado de capitais surgiu para financiar empreendimentos de alto risco transformando o capital privado em ferramenta de expansão imperial Com o crescimento especulativo o século XVIII demandou intervenções regulatórias A Bolha do Mar do Sul em 1720 na Inglaterra levou ao Bubble Act que proibiu a promoção de companhias não autorizadas para combater fraudes mas inibiu o comércio por um século até sua revogação em 1825 Seguiramse reformas como o Joint Stock Companies Act de 1844 que exigia registro de grandes parcerias e o Limited Liability Act de 1855 consolidando a responsabilidade limitada A Revolução Industrial séculos XVIIIXIX acelerou a expansão dos mercados com demandas por financiamento de infraestrutura como ferrovias e fábricas A Bolsa de Londres fundada em 1801 tornouse um hub para títulos governamentais e ações corporativas Nos Estados Unidos o New York Stock Exchange NYSE originouse do Buttonwood Agreement de 1792 formalizado em 1817 em resposta à primeira pânico financeiro do país Alexander Hamilton no início da década de 1790 refundou a dívida da Guerra Revolucionária criando o mercado de títulos do Tesouro americano A Railway Mania britânica exemplifica o boom especulativo em investimentos ferroviários enquanto o PadrãoOuro estabilizava o comércio global até sua quebra em guerras mundiais No Brasil as origens remontam ao século XIX com a criação da Bolsa do Rio de Janeiro em 1845 inicialmente focada em títulos públicos e câmbio Até a década de 1960 o mercado era limitado pela inflação e restrições a juros mas reformas como a Lei 47281965 impulsionaram a emissão de ações e debêntures O século XX testemunhou o amadurecimento dos mercados mas também crises profundas O Crash de 1929 nos EUA com perdas de 50 no Dow Jones levou à Grande Depressão e à criação da Securities and Exchange Commission SEC em 1934 para regular transações Eventos como o Black Monday de 1987 e a crise de 2008 destacam a vulnerabilidade a bolhas especulativas Até meados do século o financiamento dependia de bancos mas a desintermediação a partir de 1980 permitiu que empresas captassem diretamente nos mercados por taxas mais baixas 18 O Sistema de Bretton Woods 19441971 atrelou moedas ao dólar fomentando estabilidade via FMI e Banco Mundial mas seu colapso levou a taxas flutuantes e maior volatilidade No Brasil a década de 1990 viu liberalizações sob Collor e o Plano Real atraindo investimentos estrangeiros e expandindo a B3 antiga Bovespa No século XXI a tecnologia revolucionou os mercados com plataformas eletrônicas democratizando o acesso Inovações como blockchain e criptomoedas Bitcoin 2009 introduziram novos ativos enquanto a crise de 2008 reforçou regulações para títulos de longo prazo No Brasil o mercado cresceu com emissões de debêntures e participação estrangeira embora desafios como volatilidade persistam Logo a criação e evolução do mercado de capitais refletem a adaptação humana a demandas econômicas desde as negociações medievais até a globalização digital Esse sistema não apenas financia o progresso mas também expõe riscos que demandam regulação contínua No contexto global ele promove eficiência no brasileiro representa uma ferramenta para desenvolvimento sustentável Futuramente inovações como IA e sustentabilidade moldarão seu trajeto reforçando sua relevância para a prosperidade econômica 11Mercado de Capitais na Atualidade Como visto o Mercado de Capitais foi evoluindo e se adequando as novas necessidades do mundo moderno com o passar do tempo de modo que hoje o mercado de capitais também denominado mercado de valores mobiliários constitui o ambiente em que se realizam as diversas transações com os títulos emitidos por companhias abertas Dado que a sociedade anônima é por sua essência uma sociedade de capital suas ações que representam o principal valor mobiliário por elas emitido possuem plena negociabilidade Essa constante circulação de ações e de outros títulos corporativos deu origem ao longo do tempo a um mercado estruturado dedicado às operações de compra e venda desses instrumentos No Brasil contemporâneo observase uma fase de expressivo desenvolvimento das atividades no mercado de capitais Nos últimos anos o setor tem atravessado um ciclo ascendente marcado pela abertura de capital de inúmeras empresas Apenas nos dois anos mais recentes mais de 30 companhias realizaram sua estreia no mercado por meio de IPO initial public offering A abertura de capital representa uma poderosa ferramenta de captação de recursos distinguindose das operações de crédito tradicionais nas quais a empresa assume o papel de 19 devedora e se obriga a restituir os valores em prazos curtos e com juros elevados No mercado de capitais predomina a lógica do investimento os participantes tornamse sócios da companhia vinculando seu retorno ao desempenho e ao sucesso empresarial e não a uma remuneração fixa Outra diferença fundamental em relação ao mercado de crédito reside na ausência de intermediários financeiros obrigatórios como bancos que costumam encarecer e burocratizar as operações No mercado de capitais estabelecese uma negociação direta entre a empresa emissora e o investidor que adquire os títulos diretamente da fonte Por essa razão costumase afirmar que esse mercado funciona como um canal de acesso à poupança popular Intrinsecamente o mercado de capitais opera em um ambiente de risco Os investidores que adquirem títulos de companhias abertas não contam com garantia de retorno o ganho depende exclusivamente do êxito da empresa Assim enquanto o domínio técnico do mercado pode gerar lucros expressivos a falta de preparo pode resultar em prejuízos significativos Apesar das vantagens nem toda abertura de capital é bemsucedida Caso a operação não prospere a companhia pode optar por retornar ao status de companhia fechada Nesse cenário a Lei das Sociedades por Ações LSA em seu art 4º 4º estabelece que o cancelamento do registro de companhia aberta só será possível mediante oferta pública de aquisição OPA de todas as ações em circulação por preço justo no mínimo igual ao valor de avaliação da empresa calculado por critérios como patrimônio líquido contábil ou a mercado fluxo de caixa descontado múltiplos cotação de mercado ou outro método aceito pela CVM com direito a revisão art 4ºA A norma visa proteger os acionistas minoritários embora doutrinadores critiquem a indefinição dos critérios de valuation e a vagueza do conceito de preço justo Se após a oferta restarem em circulação menos de 5 das ações e os minoritários remanescentes não aceitarem a proposta aplicase o 5º do art 4º a assembleia geral poderá autorizar o resgate compulsório squeezeout dessas ações pelo mesmo valor da oferta desde que o montante seja depositado em banco autorizado pela CVM à disposição dos titulares Aqui o dispositivo equilibra a proteção aos minoritários com o princípio majoritário a vontade da maioria que aceitou a oferta e deseja o fechamento do capital não pode ser obstaculizada por uma minoria inferior a 5 20 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM O boom das bolsas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1971 impulsionado pela Lei 47281965 e pelo crescimento econômico do milagre brasileiro expôs a necessidade de regulação centralizada e profissional Em resposta a Lei nº 6385 de 7 de dezembro de 1976 criou a Comissão de Valores Mobiliários CVM inspirada na Securities and Exchange Commission SEC dos EUA mas adaptada à realidade brasileira com maior ênfase em autonomia e estabilidade institucional A CVM é uma autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda com personalidade jurídica própria patrimônio autônomo e autonomia administrativa financeira e orçamentária Seu regime garante independência funcional ausência de subordinação hierárquica mandato fixo 5 anos renovável uma vez e estabilidade dos dirigentes que só perdem o cargo por decisão judicial transitada em julgado ou processo administrativo com ampla defesa art 5º da Lei 63851976 Essa estrutura visa blindar a regulação de pressões políticas e garantir continuidade técnica 131 Competências da CVM A CVM disciplina e fiscaliza oito grandes áreas do mercado de capitais conforme o art 1º da Lei 63851976 A primeira é a emissão e distribuição de valores mobiliários abrangendo o registro e controle de ofertas públicas como IPOs e emissões de debêntures garantindo transparência e proteção ao investidor A segunda referese à negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários supervisionando corretoras distribuidoras e plataformas de trading para assegurar a integridade das transações em bolsa e balcão A terceira envolve a negociação e intermediação no mercado de derivativos regulando contratos de opções futuros e swaps com foco na mitigação de riscos sistêmicos A quarta abrange a organização funcionamento e operações das bolsas de valores como a B3 fiscalizando regras de listagem governança e sistemas eletrônicos A quinta trata da organização funcionamento e operações das bolsas de mercadorias e futuros como a BBMF controlando o mercado agropecuário e financeiro de commodities A sexta compreende a administração de carteiras e custódia de valores mobiliários supervisionando gestores de fundos bancos custodiantes e depositárias 21 centrais A sétima é a auditoria das companhias abertas exigindo relatórios independentes e conformidade com normas contábeis CPCIFRS Por fim a oitava regula os serviços de consultor e analista de valores mobiliários exigindo certificação CNPICFP e combatendo conflitos de interesse 133 Três Pilares de Atuação A competência da CVM se exerce em três dimensões complementares formando a base de sua atuação regulatória O primeiro pilar é o regulamentar pelo qual a CVM estabelece normas gerais por meio de resoluções que detalham a legislação Exemplos incluem a Resolução CVM nº 592021 que alterou os formulários de referência e prospectos sucedendo a Instrução CVM 480 a Resolução CVM nº 1752022 que disciplina fundos de investimento desde multimercados até criptoativos sucedendo a Instrução CVM 555 a Resolução CVM nº 442021 que regula a divulgação de atos ou fatos relevantes restrições para negociação de valores mobiliários e agentes fiduciários em emissões de debêntures sucedendo a Instrução CVM 358 a Resolução CVM nº 2142024 que consolida regras sobre administração de carteiras de valores mobiliários incluindo gestão ativa passiva e consultoria de investimento a Resolução CVM nº 1852023 que moderniza o regime de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no mercado de valores mobiliários alinhandose à Lei nº 96131998 e às recomendações do GAFI a Resolução CVM nº 802022 que disciplina a atividade de analista de valores mobiliários com foco em independência transparência e gestão de conflitos de interesse a Resolução CVM nº 1602022 que regula ofertas públicas de valores mobiliários incluindo emissões de ações debêntures CRA CRI e outros instrumentos com requisitos de disclosure e registro e a Resolução CVM nº 1782023 que estabelece o marco de securitização detalhando regras para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios FIDC Certificados de Recebíveis Imobiliários CRI e do Agronegócio CRA Essas normas preenchem lacunas legais adaptamse a inovações como crowdfunding via Resolução CVM nº 882022 que dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo sucedendo a Instrução CVM 588 e promovem boas práticas de governança sendo obrigatórias para todos os participantes do mercado O segundo pilar é o autorizante ou registrário no qual a CVM atua como gatekeeper do mercado analisando e aprovando operações antes de sua realização Isso inclui o registro de 22 companhias abertas com análise de estatutos demonstrações financeiras e estrutura de controle a autorização de ofertas públicas como IPOs ex análise do prospecto da Magazine Luiza em 2011 e emissões de debêntures ex CRA e CRI o credenciamento de intermediários corretoras distribuidoras e auditores independentes e o registro de fundos de investimento Sem o aval da CVM nenhuma oferta pode ser distribuída ao público garantindo que apenas empresas e produtos qualificados acessem a poupança popular O terceiro pilar é o fiscalizatório exercido por meio de supervisão contínua investigação de irregularidades e aplicação de sanções A CVM realiza inspeções in loco requisita documentos quebra sigilo bancáriofiscal com autorização judicial e intervém em instituições em crise Pode celebrar Termos de Compromisso e aplica multas suspensões e inabilitações Esse poder repressivo é essencial para coibir práticas como insider trading ex caso SadiaPerdigão 2009 com multas a executivos por uso de informação privilegiada na fusão manipulação de mercado e fraudes contábeis preservando a confiança no sistema 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência A Lei nº 135062017 representou um marco no fortalecimento do enforcement da Comissão de Valores Mobiliários CVM ao ampliar seus poderes sancionatórios e introduzir o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão mecanismo inspirado no leniency agreement do direito concorrencial mas adaptado ao mercado de capitais arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 da mesma lei 135 Poderes Sancionatórios da CVM Os poderes sancionatórios são as ferramentas legais que permitem à CVM investigar punir e prevenir condutas ilícitas no mercado de valores mobiliários Eles abrangem desde advertências até multas milionárias inabilitações e proibições de atuação aplicáveis tanto a pessoas físicas diretores analistas investidores quanto jurídicas companhias abertas corretoras fundos Exemplos hipotéticos Multa por insider trading Em um caso fictício envolvendo a empresa Varejo Futuro SA a CVM poderia identificar negociações com uso de informação privilegiada por 23 exdiretores antes da divulgação de um rombo contábil Suponhase que em 2024 fossem aplicadas multas de R 15 milhão a cada um dos envolvidos total de R 12 milhões em um dos processos com base no art 27D da Lei nº 63851976 alterada pela Lei 13506 A sanção incluiria inabilitação temporária para atuar em companhias abertas Advertência e suspensão por oferta irregular Em outro cenário hipotético a CVM poderia aplicar advertência pública e suspensão de 180 dias a uma corretora fictícia que oferecesse CRIs sem registro adequado violando a Resolução CVM 160 A sanção visaria coibir a captação irregular de recursos junto a investidores não qualificados Proibição de atuar no mercado Em um caso fictício de InvestCrypto SA a CVM poderia identificar uma oferta fraudulenta de investimento coletivo prometendo retornos fixos com criptomoedas Além de multa de R 12 milhões a autarquia determinaria a proibição definitiva dos administradores de atuar como administradores fiduciários ou em atividades reguladas por violação ao art 27E da Lei nº 63851976 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão O acordo de leniência permite que pessoas físicas ou jurídicas confessem infrações e colaborem com a investigação em troca de redução ou extinção da punibilidade Diferente do Termo de Compromisso que exige reparação mas não confissão o acordo de leniência exige admissão de culpa e cooperação efetiva entrega de provas identificação de coautores etc Logo a diferença entre Acordo de Leniência e Termo de Compromisso é que embora ambos sejam mecanismos consensuais para resolver processos administrativos sancionadores na CVM regulados pela Resolução CVM 452021 eles possuem procedimentos requisitos e efeitos prórpios Confissão e Colaboração O acordo de leniência exige reconhecimento explícito da infração e cooperação ativa ex fornecer provas inéditas e identificar coautores suspendendo o prazo prescricional e podendo extinguir a punibilidade ou reduzir a pena em 13 a 23 art 30 da Lei 135062017 Já o termo de compromisso não requer admissão de culpa focando na cessação da conduta ilícita reparação de danos e pagamento de compensação sem efeitos de extinção total Fase de Aplicação O acordo de leniência é proposto preferencialmente na fase investigativa supervisão incentivando delações precoces enquanto o termo de compromisso ocorre tipicamente após instauração do processo sancionador 24 Efeitos Penais e Imunidade O acordo de leniência pode influenciar esferas penais embora não garanta imunidade total ao contrário dos acordos do CADE na Lei 115292011 mas o termo de compromisso é estritamente administrativo sem repercussões criminais diretas PúblicoAlvo e Sigilo O acordo de leniência aplicase a pessoas físicas ou jurídicas com sigilo inicial para proteger investigações o termo é mais amplo mas exige análise de impacto preventivo pela CVM Em essência o acordo prioriza a eficiência investigativa via delação enquanto o termo de compromisso enfatiza a reparação e prevenção sem ônus confessional tornandoo mais atrativo para casos menos graves Aspecto Acordo de Leniência Termo de Compromisso Confissão Obrigatória Não exigida Fase Preferencialmente na investigação Após instauração do PAS Efeito Reduçãoextinção da punibilidade Reparação compensação Esfera Pode influenciar penal sem imunidade Apenas administrativo Sigilo Até homologação Público após aprovação Exemplos hipotéticos Caso fictício de manipulação em derivativos Um exdiretor da empresa PetroFictícia SA poderia celebrar acordo de leniência com a CVM confessando uso de informação privilegiada em operações com derivativos Em troca de delatar outros envolvidos e devolver lucros ilícitos teria sua multa reduzida em 23 de R 3 milhões para R 1 milhão e evitaria inabilitação permanente Manipulação de mercado em small caps Um grupo de investidores institucionais fictícios poderia confessar via acordo de leniência a prática de pump and dump em ações de baixa liquidez da empresa TechStart SA A colaboração permitiria à CVM mapear a rede de corretoras envolvidas Resultado hipotético extinção da punibilidade para o delator principal e multas reduzidas para os secundários Fraude em fundo de investimento Um administrador fictício do Fundo Horizonte poderia confessar ter inflado o valor líquido patrimonial VLP para atrair cotistas Pelo acordo forneceria emails e planilhas que provassem a fraude A CVM concederia redução de 50 na multa e evitaria a proibição de atuar no mercado 25 Em resumo enquanto os poderes sancionatórios funcionam como o braço punitivo da CVM com aplicação direta de sanções para reprimir e prevenir ilícitos o acordo de leniência atua como um instrumento cooperativo incentivando a autorregulação e a resolução eficiente de casos complexos Juntos formam o núcleo do enforcement moderno da autarquia equilibrando rigor e pragmatismo na proteção do mercado e dos investidores 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo Para a celebração do acordo devem ser atendidos de forma cumulativa quatro requisitos i a parte deve ser a primeira a se qualificar com relação à infração noticiada ou investigada incentivando a delação precoce ii o envolvimento na infração deve cessar completamente a partir da proposta do acordo evitando continuidade do ilícito iii a CVM não pode dispor de provas suficientes para condenação administrativa no momento da propositura tornando a colaboração indispensável e iv a pessoa física ou jurídica deve confessar participação no ilícito cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo entregando documentos identificando coautores e comparecendo por conta própria a todos os atos processuais até o encerramento 138Efeitos do Acordo Os acordos de leniência administrativos em processo de supervisão introduzidos pela Lei nº 135062017 arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 produzem efeitos específicos e limitados à esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários CVM sem extensão a outras instâncias Celebrada a proposta ela permanece sob sigilo até a homologação pelo Colegiado conforme o art 30 3º garantindo a proteção da investigação e evitando prejuízos à apuração de provas ou alertas a outros envolvidos O prazo de prescrição administrativa é suspenso em relação ao proponente signatário a partir da apresentação da proposta art 30 5º retomando apenas se o acordo for rejeitado Essa suspensão incentiva a colaboração precoce sem comprometer a continuidade da investigação Contudo o acordo não interfere na atuação de outros órgãos o Ministério Público Federal MPF o Tribunal de Contas da União TCU a Receita Federal ou autoridades judiciais mantêm plena autonomia em suas esferas penal tributária de controle ou cível Não há imunidade penal tributária ou de outra natureza o benefício é exclusivamente administrativo 26 Exemplo real O primeiro acordo de leniência firmado pela CVM ocorreu em 2019 com a M5 Indústria e Comércio no âmbito do Processo Administrativo Sancionador PAS nº 19957008284201831 A empresa confessou a manipulação de preços das ações da Mundial SA exPAS Mundial e colaborou com a entrega de documentos e identificação de outros participantes Em troca pagou R 4 milhões redução significativa em relação à pena potencial e obteve a extinção parcial da punibilidade administrativa Esse caso marcou o início efetivo do uso do instrumento pela CVM servindo como referência para acordos subsequentes no mercado de capitais Em síntese os efeitos dos acordos de leniência são restritos ao âmbito administrativo da CVM promovendo eficiência investigativa por meio da delação premiada mas sem blindagem em outras esferas Eles representam um equilíbrio entre incentivo à cooperação e preservação da competência de outros órgãos fiscalizadores 139 Estrutura Organizacional A CVM é estruturada em uma hierarquia colegiada e técnica com o Colegiado como órgão máximo deliberativo composto por um Presidente e quatro Diretores todos nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação pelo Senado Federal com mandatos de cinco anos não coincidentes para garantir continuidade O Colegiado define políticas aprova normas julga processos sancionadores e supervisiona as atividades da autarquia reunindose periodicamente para deliberações estratégicas Diretamente subordinada ao Colegiado está a Superintendência Geral SGE coordenada por um Superintendente Geral que atua como braço executivo coordena as atividades das superintendências técnicas acompanha o desempenho das áreas implementa diretrizes do Colegiado e gerencia processos administrativos por meio de gerências gerais especializadas ex Gerência Geral de Processos As superintendências técnicas subordinadas à SGE são o núcleo operacional da regulação e supervisão divididas por temas específicos Superintendência de Relações com Empresas SEP antiga SGC Supervisão de Companhias Abertas Analisa registros de companhias abertas emissões de valores mobiliários disclosure de informações periódicas e eventuais e monitora cumprimento de normas contábeis e de governança 27 Superintendência de Relações com Investidores Institucionais SIN antiga focada em investidores qualificados Responsável por supervisão de fundos de investimento incluindo FIDCs e FIPs investidores institucionais agências de rating e investimentos estruturados inclui seções como a de Fiscalizações de Fundos SEFIS Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos SRE antiga SRE para riscos sistêmicos Monitora riscos sistêmicos estratégicos e tecnológicos no mercado utilizando supervisão baseada em risco SBR big data e análise em tempo real Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários SMI Fiscaliza corretoras distribuidoras agentes autônomos custodiantes depositários centrais e estrutura de mercado ex sistemas eletrônicos de negociação Outras superintendências complementares incluem Superintendência de Desenvolvimento de Mercado SDM inovações e educação financeira Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria SNM Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores SOI atendimento e educação Superintendência de Processos Sancionadores SPS Superintendência de Registro de Valores Mobiliários SREG Superintendência de Relações Internacionais SRI e Superintendência de Planejamento e Inovação SPI Órgãos seccionais e de suporte incluem Procuradoria Federal Especializada PFE que presta assessoria jurídica representa a CVM em juízo e opina em processos Auditoria Interna AUD para controle interno Ouvidoria OUV e Serviço de Atendimento ao Cidadão SAC que recebem denúncias reclamações e esclarecem dúvidas do público promovendo transparência e canal direto com investidores Superintendência AdministrativoFinanceira SAD responsável por gestão de recursos humanos orçamentários e logística Assessorias diretas à Presidência abrangem Gabinete da Presidência CGP Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos ASA e Assessoria de Comunicação Social ASC Com cerca de 600 servidores distribuídos entre Rio de Janeiro sede principal e Brasília escritório para relações institucionais via Superintendência de Relações Institucionais SRI a CVM opera de forma integrada e colaborativa o Colegiado delibera strategicamente a SGE executa e coordena as superintendências especializadas realizam supervisão temática e baseada em risco enquanto órgãos de suporte garantem compliance e atendimento Sistemas digitais como o CVMWeb plataforma para registro eletrônico de documentos ofertas e relatórios e ferramentas de supervisão em tempo real ex monitoramento de FIPs via dashboards 28 analíticos facilitam a eficiência permitindo análise remota alertas automáticos e integração de dados para prevenção de ilícitos Essa estrutura regida pelo Regimento Interno e Decreto de Estrutura Regimental atualizado por decretos como o nº 102172020 equilibra autonomia técnica com accountability pública adaptandose a inovações como sandbox regulatório e ESG 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação A Comissão de Valores Mobiliários CVM enfrenta desafios atuais que refletem a complexidade exponencial do mercado financeiro brasileiro marcado pela digitalização globalização e inovação disruptiva Com um quadro de cerca de 452 servidores efetivos após a posse de 51 novos aprovados no concurso de 2024 a autarquia supervisiona aproximadamente R 167 trilhões em ativos cerca de 700 companhias abertas mais de 20 mil fundos de investimento e milhares de participantes do mercado Esses números destacam a disparidade entre o crescimento do setor e os recursos disponíveis demandando maior eficiência operacional e tecnológica O primeiro grande obstáculo é a regulação de novos ativos e modelos de negócio como criptoativos tokenização de ativos reais NFTs security tokens e fintechs de investimento Embora o Parecer de Orientação CVM nº 402022 e a Resolução CVM nº 292021 tenham avançado na classificação de criptoativos como valores mobiliários quando aplicável a Lei nº 144782022 Marco Legal dos Criptoativos sancionada em dezembro de 2022 e em vigor desde junho de 2023 ainda enfrenta regulamentações complementares em fase de consulta pública pelo Banco Central Consultas Públicas 109 110 e 1112024 com propostas ativas até fevereiro de 2025 Essa transição gera insegurança jurídica residual especialmente em temas como tributação via Declaração de Criptoativos DeCripto e prevenção à lavagem de dinheiro A CVM precisa equilibrar inovação com proteção ao investidor evitando tanto a repressão excessiva que afugenta startups quanto a leniência que permite pirâmides financeiras disfarçadas de DeFi como evidenciado pelo Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco SBR 20252026 que prioriza riscos em tokens não conformes Outro desafio é a escassez de recursos humanos e tecnológicos frente ao volume supervisionado A supervisão baseada em risco exige análise em tempo real de big data machine learning e inteligência artificial ferramentas ainda em fase inicial na CVM conforme o Plano SBR 20252026 que identifica a restrição de pessoal como fator limitador 29 principal apesar do reforço parcial via concurso de 2024 Esse gap foi evidente no caso Unick Forex 2019 uma pirâmide financeira que prometia retornos fixos com criptomoedas e captou R 2 bilhões de cerca de 1 milhão de investidores A CVM emitiu alerta em 2018 via Ato Declaratório nº 16169 mas a operação só foi desmantelada pela Polícia Federal em 2019 Operação Lamanai revelando a dificuldade de atuação preventiva em esquemas descentralizados e online com multa final de R 12 milhões aplicada pela CVM em 2020 A coordenação interinstitucional é o terceiro desafio crítico Fraudes sofisticadas envolvem lavagem de dinheiro corrupção e crimes cibernéticos exigindo integração com Banco Central COAF MPF PF e até reguladores estrangeiros via IOSCO O caso Americanas 2023 ilustra essa complexidade a descoberta de um rombo contábil de R 253 bilhões fraude em balanços mobilizou a CVM que abriu 12 processos administrativos sancionadores iniciais totalizando 14 ações em curso até outubro de 2025 incluindo inquéritos e acordos de supervisão o MPF ação penal com denúncia de 13 exexecutivos em abril de 2025 e a B3 suspensão de negociações A demora na apuração agravada pela renúncia em massa do conselho e indícios de destruição de provas revelados por delações em 2025 expôs a fragilidade na troca de informações em tempo real e na aplicação coordenada de sanções com a CVM assinando um novo acordo de supervisão em outubro de 2025 para obter dados adicionais Por fim a pressão por governança ESG ambiental social e de governança adiciona uma camada regulatória A Resolução CVM nº 1932023 alterada pela Resolução nº 2272025 exige disclosure ESG obrigatório a partir de 2026 para relatórios de exercícios iniciados em 1º de janeiro de 2026 divulgados em 2027 com adoção voluntária incentivada para 2025 via comunicado ao mercado até 31 de dezembro de 2025 alinhada aos padrões IFRS S1 e S2 do ISSB No entanto a CVM enfrenta resistência de empresas e falta de padrões unificados ex taxonomia brasileira em desenvolvimento pelo Ministério da Fazenda com consulta pública em 2025 Esse cenário é agravado pela judicialização decisões do TCU e STJ questionam a autonomia sancionatória da CVM como no Acórdão TCU nº 16342020 revisão de supervisão em insider trading com impactos em 2025 via acordo CVMTCU para detecção de insiders secundários e jurisprudência do STJ consolidada desde 2016 em casos de uso indevido de informações privilegiadas gerando insegurança jurídica em multas administrativas Em suma os desafios da CVM não são apenas técnicos mas estruturais e sistêmicos O caso Americanas com perdas iniciais de cerca de R 89 bilhões em valor de mercado e impacto estimado em R 956 milhões em fundos de pensão equivalente a 08 do patrimônio do setor com potencial recuperação via plano de recuperação judicial demonstrou que 30 falhas de supervisão afetam a poupança de milhões de brasileiros A solução passa por aumento de quadro com pedido para dobrar os cargos de inspetores em 2025 investimento em tecnologia ex ferramentas de IA para análise de riscos no Plano SBR consolidação do marco legal para cripto com resoluções do BC em 2025 e fortalecimento de acordos de cooperação interinstitucionais garantindo que a CVM evolua de reguladora reativa para guardiã proativa da integridade do mercado 14 Brasil Bolsa Balcão B3 141 Bolsa de Valores Contrariamente à percepção comum a bolsa de valores não integra a Administração Pública mas constitui uma entidade privada formada por sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs Autorizada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM presta serviço de interesse público essencial consistente na manutenção de ambiente adequado transparente e eficiente para a realização de operações de compra e venda de valores mobiliários emitidos por companhias abertas fundos e outros emissores regulados O termo bolsa possui múltiplas acepções doutrinárias Local físico ou eletrônico de negociação mercado apregoado com formação de preços por pregão contínuo ou leilão Estado das operações bolsísticas refletido em índices como o Ibovespa que impactam a economia nacional vide o crash da NYSE em 1929 Instituição autorregulada mercado heteroorganizado com regras próprias despersonalização dos contratos e padronização de ativos A bolsa é simultaneamente local estado e instituição Opera como mercado apregoado diferente do mercado de balcão organizado que é negociado bilateralmente com despersonalização dos contratos ordens anônimas via sistemas eletrônicos padronização de lotes e ativos e liquidação centralizada garantindo segurança e eficiência Historicamente constituídas como associações civis sem fins lucrativos as bolsas modernas adotam o modelo de sociedades anônimas sujeitas à governança corporativa e à supervisão da CVM Resolução CVM nº 1352022 No Brasil a B3 SA Brasil Bolsa Balcão é o exemplo paradigmático resultante da fusão entre a BMFBOVESP 2008 e a CETIP 2017 concentra 999 do volume negociado em ações derivativos renda fixa e 31 produtos estruturados dados B3 3T2025 Autorizada pela CVM Ato Declaratório nº 187942021 a B3 opera os ambientes Bovespa ações ETFs BDRs B3 Deriv futuros opções Soma renda fixa e Tesouro Direto em parceria com o Tesouro Nacional Embora não seja a única a B3 detém monopólio funcional na negociação de valores mobiliários listados Outras bolsas históricas como a Bolsa de Valores da Bahia fundada em 1851 que integrou a BOVESBA Bahia Sergipe Alagoas em 2020 foram absorvidas ou reconvertidas em entidades de educação financeira eventos e serviços acessórios sem acesso ao pregão de ativos regulados pela CVM A Bolsa do Nordeste Recife 1990 e a Bolsa de Minas Espírito Santo e Brasília BVMB 1989 seguiram trajetória semelhante com operações encerradas ou integradas à B3 A finalidade primordial da bolsa é dinamizar o mercado de capitais ampliando liquidez reduzindo custos de transação e facilitando a alocação eficiente de recursos Por meio do pregão eletrônico diário plataforma PUMA Trading System agentes de corretoras credenciadas mais de 90 em 2025 negociam em tempo real sob regras de compliance best execution e prevenção à manipulação Resolução CVM nº 802022 A B3 assegura Formação de preços justa via book de ofertas e leilões de aberturaencerramento Custódia centralizada CBLC Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia Liquidação em D2 ações ou D0 derivativos Garantia de execução via Fundo de Garantia e Câmara de Riscos Em 2025 a B3 registrou R 254 bilhões em volume médio diário ações à vista 18 milhão de investidores pessoa física ativos e R 62 trilhões em custódia B3 Relações com Investidores 3T2025 Sua relevância transcende o mercado o Ibovespa é termômetro macroeconômico influenciando política monetária confiança do consumidor e captação de empresas Assim a bolsa de valores especialmente a B3 é o coração pulsante do mercado de capitais brasileiro conectando emissores investidores e intermediários em um ecossistema autorregulado mas rigorosamente supervisionado pela CVM essencial para o crescimento sustentável da economia 142 Mercado de Balcão O mercado de balcão abrange todas as operações do mercado de capitais realizadas fora do ambiente de bolsa de valores configurandose como um segmento descentralizado em que a contratação ocorre diretamente entre as partes emissor e investidor ou por meio de intermediários sem pregão público leilão ou apregoamento contínuo e sem a 32 obrigatoriedade de local físico ou eletrônico centralizado ao contrário da bolsa que funciona como mercado apregoado Os participantes autorizados são as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs distribuidoras de títulos e valores mobiliários DTVMs bancos de investimento e outras instituições financeiras credenciadas pela CVM conforme Resolução CVM nº 2142024 atuando como intermediárias na negociação bilateral de títulos como debêntures CRIs CRAs FIDCs notas promissórias ações de companhias fechadas e demais valores mobiliários não listados em bolsa Dentro desse espectro distinguese o mercado de balcão não organizado segmento tradicional e mais amplo no qual as operações são contratadas diretamente entre as partes por telefone email plataformas privadas ou sistemas internos das corretoras sem sistema centralizado de registro ou negociação com preços definidos por negociação bilateral e liquidação bilateral ou via depositário central como a B3 por meio da CETIP para renda fixa exemplos incluem a emissão privada de debêntures nos termos do art 4º da Resolução CVM nº 1602022 a venda de ações de SA fechada e a colocação de CRI junto a investidores qualificados Já o mercado de balcão organizado MBO instituído pela Lei nº 103032001 e regulamentado pela Resolução CVM nº 132010 atualizada pela Resolução CVM nº 1352022 constitui um segmento estruturado operado por entidade autorizada pela CVM que mantém sistema eletrônico de negociação registro e liquidação no Brasil a SOMA Sociedade Operadora do Mercado de Acesso SA controlada pela B3 desde 2017 e autorizada pelo Ato Declaratório CVM nº 114562011 é a única operadora gerenciando as plataformas SOMA Fix para renda fixa e SOMA Equity para ações de companhias fechadas com registro centralizado reporte em tempo real à CVM liquidação via B3 divulgação de preços e volumes em boletim diário e negociação típica de debêntures incentivadas CRIs e ações de SA fechada com dispersão acionária em 2025 o MBO movimentou R 18 trilhão em emissões de renda fixa com crescimento de 22 em relação a 2024 impulsionado por investidores institucionais e qualificados conforme Relatório 3T2025 da B3 O mercado de balcão caracterizase pela flexibilidade na estruturação de contratos com prazos taxas e covenants personalizados acesso predominantemente restrito a investidores qualificados e institucionais conforme Resolução CVM nº 302021 menor liquidez em comparação à bolsa com negociação esporádica e preços menos transparentes no balcão não organizado taxas de intermediação variáveis e ausência de taxa de bolsa além de regulação focada nos intermediários e nas ofertas pela CVM com a B3 atuando como depositária central via CETIP Sua importância estratégica é inegável pois viabiliza a captação de longo prazo por empresas médias por meio de debêntures e CRIs diversifica portfólios de fundos e seguradoras 33 e fomenta a inovação financeira incluindo títulos verdes sustentáveis e tokenizados no âmbito do sandbox regulatório da Resolução CVM nº 292021 em 2025 o mercado de balcão representou 62 do volume total de emissões de dívida corporativa superando a bolsa em captações privadas segundo dados da ANBIMA Critério Balcão Não Organizado Mercado de Balcão Organizado MBO Bolsa de Valores Local de Negociação Descentralizado telefone email plataformas privadas Sistema eletrônico centralizado SOMA FixEquity Pregão eletrônico centralizado PUMA Trading System Forma de Contratação Bilateral direta Bilateral via sistema registrado Apregoamento público book de ofertas Operadora Corretoras bancos SOMA controlada pela B3 B3 SA Autorização CVM Intermediários CTVMDTVM Entidade operadora Ato CVM nº 114562011 Bolsa Ato CVM nº 187942021 Transparência de Preços Baixa negociado Média boletim diário Alta tempo real Liquidação Bilateral ou via B3CETIP Centralizada via B3 Centralizada via B3 D2D0 Garantia Contratual Fundo de Garantia SOMA Fundo de Garantia B3 Ativos Típicos Debêntures privadas ações fechadas CRI particular Debêntures incentivadas CRI ações SA fechada com dispersão Ações listadas ETFs BDRs derivativos PúblicoAlvo Qualificados institucionais Qualificadosinstitucionais Todos PF PJ institucionais Volume 3T2025 R 12 tri estimado R 18 tri renda fixa R 254 bidia ações à vista Regulamento Principal Resolução CVM nº 1602022 Resolução CVM nº 1352022 Resolução CVM nº 1352022 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário O mercado de capitais costuma ser classificado em primário e secundário distinção fundamental para compreender o fluxo de recursos e a dinâmica de negociação No mercado primário realizamse operações de emissão e subscrição de valores mobiliários novos como ações debêntures CRIs CRAs e notas promissórias Aqui a companhia emissora coloca títulos inéditos em circulação estabelecendo uma relação direta com o investidor subscritor que contribui com capital fresco ao pagar o preço de emissão valor que integra o capital social da empresa transformando o subscritor em acionista ou credor Essa cap created resources para 34 expansão refinanciamento ou projetos específicos sem intermediação de venda de ativos existentes Exemplos incluem emissões privadas de debêntures no balcão como a 10ª emissão da própria B3 em setembro de 2025 no valor de R 2 bilhões com rating AAAbra pela Fitch e foco em investidores qualificados ou IPOs registrados na B3 embora em 2025 o primário tradicional de ações tenha sido dominado por IPOs reversos fusões com companhias listadas inativas como o caso da OranjeBTC que adquiriu o cursinho Intergraus para listar operações de tesouraria de bitcoin captando R 150 milhões sem emissão primária convencional No 1T2025 o volume total de emissões primárias atingiu R 173 bilhões segundo Boletim Econômico da CVM com destaque para renda fixa privada no balcão Já o mercado secundário envolve compra e venda de valores mobiliários já emitidos sem participação direta da companhia emissora A relação jurídica limitase ao vendedor titular atual e ao comprador novo detentor com o preço negociado refletindo o valor de mercado influenciado por desempenho financeiro expectativas econômicas e fatores macro como variações na Selic ou resultados trimestrais Diferente do preço de emissão fixo no primário o valor secundário oscila títulos de empresas lucrativas ganham prêmio ex ações da Petrobras subindo 15 após balanço positivo no 3T2025 enquanto dificuldades levam a desvalorização A B3 domina o secundário com volume médio diário de R 254 bilhões em ações à vista no 3T2025 e recorde de R 303 bilhões em títulos públicos federais negociados em setembro de 2025 No balcão organizado SOMA o secundário de CRIs bateu R 477 bilhões no 1S2025 com 3828 mil operações A Bolsa de Valores opera exclusivamente no secundário com pregão eletrônico para compravenda de títulos listados proporcionando liquidez formação de preços transparente e proteção via fundos de garantia O balcão por sua vez abrange ambos os mercados primário via emissões privadas ou incentivadas ex debêntures da ISA Energia Brasil em 2025 R 2 bilhões para expansão de transmissão e secundário via negociações bilaterais ou no MBO Essa dualidade torna o balcão essencial para captações personalizadas representando 62 das emissões de dívida corporativa em 2025 ANBIMA enquanto o secundário da B3 atraiu R 265 bilhões de estrangeiros no 1S2025 Em resumo o primário financia o crescimento empresarial com recursos novos enquanto o secundário garante liquidez e valuation dinâmico com a B3 como hub do secundário e o balcão como canal flexível para primário e secundário privados 35 15 Ações e Valores Mobiliários 151 Ações As ações constituem os valores mobiliários mais importantes das sociedades anônimas SA pois representam frações do capital social e conferem a seus titulares a condição de acionistas ou seja sócios da companhia Do ponto de vista jurídico as ações são consideradas bens móveis art 82 do Código Civil de 2002 Dada sua relevância merecem análise detalhada reservandose o estudo dos demais valores mobiliários como debêntures e bônus de subscrição para momento posterior A classificação das ações pode ser feita segundo dois critérios principais o primeiro leva em conta os direitos e vantagens que elas conferem aos acionistas e o segundo a forma de transferência que pode ser nominativa escritural ou certificada sendo esta última atualmente pouco utilizada 1511 Quanto aos direitos e obrigações Sob o aspecto dos direitos e vantagens as ações se dividem em ordinárias preferenciais e de fruição As ações ordinárias ON atribuem ao titular denominado ordinarista os direitos essenciais previstos no art 109 da Lei das Sociedades por Ações LSA sem conceder privilégios nem impor restrições específicas Entre os principais direitos das ações ordinárias estão o direito de voto em assembleias o direito à participação nos lucros dividendos de forma proporcional à quantidade de ações detidas o direito de preferência na subscrição de novas ações a fiscalização da gestão da companhia e o direito de retirada nos casos previstos em lei Importa destacar que o direito de voto é considerado essencial apenas para os titulares de ações ordinárias já que as ações preferenciais podem ter esse direito suprimido ou restringido art 111 1º LSA É entre os acionistas detentores de ações ordinárias que normalmente se formam a maioria controladora e os minoritários motivo pelo qual a legislação societária busca conciliar o exercício do poder de controle com a proteção da minoria acionária por meio de instrumentos como o tag along o voto múltiplo e a fiscalização pelo conselho fiscal As ações preferenciais PN por sua vez conferem ao preferencialistas certas vantagens econômicas em contrapartida a possíveis restrições de natureza política como a ausência ou limitação do direito de voto As vantagens das ações preferenciais devem estar expressamente 36 previstas no estatuto social conforme o art 17 da LSA e podem consistir em i prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos ii prioridade no reembolso do capital com ou sem prêmio ou iii a acumulação dessas duas preferências Ainda que haja restrições o titular de ações preferenciais não pode ser privado dos direitos essenciais previstos no art 109 da LSA como o direito à percepção de dividendos à fiscalização e à retirada A legislação também impõe limites à emissão desse tipo de ação de acordo com o art 15 2º da LSA redação dada pela Lei nº 103032001 o número total de ações preferenciais com ou sem direito a voto não pode ultrapassar 50 do total de ações emitidas pela companhia A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça STJ consolidou o entendimento de que é legítima a cláusula estatutária que exclui os acionistas preferencialistas da participação nos lucros remanescentes após o recebimento do dividendo mínimo desde que tal previsão esteja expressamente prevista no estatuto e seja anterior à subscrição das ações Assim conforme o precedente do REsp 641611BA Rel Min Hélio Quaglia Barbosa julgado em 2007 mantido em decisões posteriores como o REsp 1301110SP de 2018 essa exclusão não viola os direitos essenciais do acionista Por fim as ações de fruição também chamadas ações de gozo são emitidas em substituição às ações ordinárias ou preferenciais que foram totalmente amortizadas sem que isso implique redução do capital social conforme o disposto no art 44 2º e 5º da LSA A amortização consiste na distribuição antecipada aos acionistas de valores que lhes caberiam em eventual liquidação da companhia sem que haja diminuição do capital social As ações de fruição possuem algumas características específicas não têm valor nominal não integram o capital social conferem apenas direitos patrimoniais como o recebimento de dividendos e bonificações e não concedem direito de voto nem prioridade no reembolso Em caso de liquidação da companhia os titulares dessas ações somente participarão do acervo líquido após as ações não amortizadas receberem valor equivalente ao da amortização devidamente corrigido Como exemplo imaginese uma sociedade anônima que utilizando lucros acumulados decide amortizar integralmente uma ação preferencial de valor patrimonial de R 5000 O acionista recebe esse valor e em substituição passa a deter uma ação de fruição mantendo o direito de participar dos lucros da empresa mas sem poder de voto nem direito preferencial em caso de reembolso do capital Dessa forma as ações de fruição funcionam como uma forma residual de participação restrita aos direitos de gozo sem integrar o capital social da companhia 37 1511 Golden Share A expressão golden share designa uma categoria especial de ação preferencial que confere ao seu titular direitos diferenciados geralmente de natureza política como o poder de veto em determinadas deliberações sociais Essa figura surgiu no Reino Unido entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980 durante o governo de Margaret Thatcher no contexto das privatizações em massa promovidas pelo Estado britânico O objetivo era permitir que o governo mantivesse certo grau de controle estratégico sobre empresas consideradas relevantes para o interesse nacional mesmo após a transferência de sua propriedade ao setor privado No Brasil a golden share foi introduzida pelo art 8º da Lei nº 80311990 que instituiu o Plano Nacional de Desestatização PND O dispositivo previa que sempre que houver razões que o justifiquem a União deterá direta ou indiretamente ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias A partir dessa previsão a golden share passou a integrar o estatuto de diversas companhias desestatizadas como a Celma a Embraer e a Vale Na Embraer por exemplo a golden share da União confere o direito de veto em matérias estratégicas como mudança do objeto social alteração do controle acionário transferência de sede para o exterior e interrupção de atividades militares entre outras hipóteses Esse modelo assegura que o ente público mantenha uma influência limitada mas decisiva sobre decisões que possam afetar o interesse nacional especialmente em setores sensíveis como o aeronáutico e o mineral Atualmente a golden share encontra respaldo expresso no art 17 7º da Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que autoriza a sua criação em companhias objeto de desestatização de propriedade exclusiva do ente desestatizante União Estados Distrito Federal ou Municípios O dispositivo legal estabelece que o estatuto social pode atribuir a essas ações os poderes que especificar inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia geral nas matérias que determinar Embora a lei preveja originalmente a golden share apenas para entes desestatizantes a doutrina reconhece que com fundamento no art 17 2º da LSA é possível a emissão de ações preferenciais com preferências ou vantagens estatutárias específicas inclusive em companhias privadas desde que observados os limites legais e de governança Assim nada impediria em tese a adoção de uma estrutura similar à golden share em operações de alienação de controle entre particulares se houver previsão expressa no estatuto social 38 Um caso relevante envolvendo a golden share ocorreu quando o Tribunal de Contas da União TCU foi consultado pelo então Ministério da Fazenda durante a gestão de Henrique Meirelles sobre a possibilidade de a União abrir mão das golden shares que detinha em algumas empresas O argumento era de que a manutenção desse tipo de ação poderia inibir investimentos privados pois investidores tendem a se mostrar receosos em relação a companhias nas quais o Estado conserva poderes especiais de veto mesmo sendo minoritário No julgamento da consulta o ministro Walton Alencar Rodrigues manifestouse favoravelmente à supressão das golden shares pela União entendendo que o Poder Executivo poderia deliberar sobre isso desde que houvesse indenização correspondente à valorização previsível da ação decorrente da sua extinção Entretanto prevaleceu o voto do ministro Vital do Rêgo para quem a decisão sobre a extinção ou manutenção das golden shares da União deve ser submetida ao Congresso Nacional inclusive quanto à eventual necessidade de compensação financeira Em síntese a golden share permanece como um importante instrumento jurídico político de controle residual estatal em empresas estratégicas conciliando o processo de privatização com a preservação do interesse público Contudo seu uso continua gerando debates sobre os limites da intervenção estatal na economia e sobre o equilíbrio entre segurança nacional e atração de investimentos privados 1513 Quanto à fora de transferência Além da classificação das ações conforme os direitos e obrigações conferidos aos acionistas existe outra forma de categorizálas que leva em conta o modo de sua transferência Sob essa ótica as ações podem ser nominativas ou escriturais Antes de analisar cada tipo é importante contextualizar Até o ano de 1990 as ações podiam se apresentar em quatro modalidades quanto à forma de transferência além das nominativas e escriturais havia também as ações endossáveis transmissíveis por meio de endosso lançado no próprio certificado e as ações ao portador que se transferiam por mera tradição do documento Contudo com a promulgação da Lei nº 80211990 determinouse que em até dois anos a partir de sua vigência as ações endossáveis e ao portador deveriam ser retiradas de circulação Embora ainda existam dispositivos na Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que fazem referência a essas espécies tais dispositivos são considerados tacitamente revogados em razão da incompatibilidade com a nova legislação 39 As ações nominativas são aquelas cuja transferência depende de registro no livro próprio mantido pela sociedade anônima o Livro de Registro de Ações Nominativas previsto no art 31 da LSA Esse registro é condição essencial para a validade da transferência da propriedade da ação Assim atos preparatórios como a fixação do preço a assinatura de contrato ou mesmo a entrega do certificado não produzem por si sós a transferência da titularidade A transmissão da propriedade somente se concretiza com a efetivação do registro no livro da companhia emissora Tratase portanto de um ato formal que requer certa solenidade o comparecimento do vendedor e do comprador ou seus representantes perante a sociedade para a assinatura do livro de transferência de ações nominativas conforme determina o art 31 1º da LSA Nos casos em que as ações são negociadas em bolsa de valores o vendedor é representado automaticamente e independentemente de procuração pela corretora ou pela câmara de liquidação da bolsa nos termos do art 31 3º da LSA Por sua vez as ações escriturais previstas no art 34 da LSA são aquelas mantidas em contas de depósito abertas em nome de seus titulares em instituições financeiras indicadas pela companhia Nesses casos não há emissão de certificados e as ações existem apenas em forma eletrônica sendo incorpóreas Para atuar como instituição depositária o banco ou entidade designada deve possuir autorização da CVM para esse tipo de serviço art 34 2º da LSA A transferência das ações escriturais ocorre por simples lançamento nos registros da instituição depositária que debita a conta do alienante e credita a conta do adquirente mediante ordem escrita do titular ou determinação judicial conforme dispõe o art 35 1º da LSA A comprovação da propriedade dessas ações é feita por meio do extrato da conta de depósito de ações emitido pela instituição financeira O extrato deve ser fornecido i sempre que solicitado pelo acionista ii mensalmente quando houver movimentação ou iii ao menos uma vez por ano conforme estabelece o art 35 2º da LSA Do ponto de vista prático e jurídico as ações nominativas e as ações escriturais apresentam diferenças significativas quanto ao grau de formalidade custos operacionais e mecanismos de controle As ações nominativas embora já representem um avanço em relação às antigas ações ao portador ainda envolvem procedimentos formais e burocráticos A transferência de sua titularidade exige o comparecimento à companhia ou o intermédio de instituições financeiras ou corretoras conforme o caso Esse processo torna a operação mais segura e rastreável pois toda e qualquer alteração na titularidade é registrada diretamente nos livros societários mas 40 por outro lado pode tornála mais lenta e onerosa para companhias com grande volume de negociações Já as ações escriturais surgem como uma solução moderna mais eficiente e informatizada em sintonia com a evolução dos mercados de capitais Por existirem apenas em registros eletrônicos mantidos por instituições financeiras autorizadas pela CVM sua transferência é automatizada e dispensa formalidades presenciais Isso facilita operações de compra e venda em bolsas de valores e sistemas de custódia eletrônica reduzindo riscos de extravio de certificados e fraudes Outra diferença importante é o registro da titularidade Nas ações nominativas o controle é mantido diretamente pela companhia emissora no Livro de Registro de Ações Nominativas Nas ações escriturais o controle é delegado à instituição depositária que atua como intermediária entre o acionista e a companhia centralizando as informações e a movimentação das ações Do ponto de vista da transparência e da fiscalização estatal as ações escriturais são mais vantajosas Como as informações sobre seus titulares permanecem registradas em instituições sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários CVM elas oferecem maior rastreabilidade o que dificulta práticas ilícitas como lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio justamente um dos motivos que levou à extinção das ações ao portador pela Lei nº 80211990 Por outro lado as ações nominativas ainda são amplamente utilizadas por companhias fechadas que não têm ações negociadas em bolsa pois nelas a manutenção de um livro de registro físico ou digital continua sendo uma forma suficiente e econômica de controle societário Em síntese podese afirmar que As ações nominativas são mais adequadas a companhias fechadas nas quais há menor volume de transações e é desejável manter o controle direto dos acionistas pela própria sociedade As ações escriturais são mais apropriadas às companhias abertas por garantirem agilidade segurança e transparência nas negociações em mercado integrandose ao sistema financeiro e de custódia eletrônica regulado pela CVM e pela B3 Brasil Bolsa Balcão 41 151 Classes de ações A sociedade anônima SA como já destacado constitui o tipo societário mais atrativo para grandes empreendimentos sobretudo por sua flexibilidade de estruturação do capital e pela facilidade de atração de investidores com perfis diversos Um dos mecanismos mais eficientes para essa finalidade é a divisão do capital social em classes de ações identificadas por letras do alfabeto A B C etc cada uma conferindo direitos restrições e vantagens específicas a seus titulares Essa divisão em classes permite à companhia organizar seu capital conforme diferentes interesses de investimento conciliando no mesmo ambiente societário acionistas com expectativas distintas quanto ao controle rentabilidade ou segurança do investimento Por exemplo imaginese uma sociedade anônima atuante no setor alimentício que emite ações ordinárias cujos titulares possuem direito de voto e participação no controle da companhia e ações preferenciais sem voto subdivididas em classes A e B As ações preferenciais da classe A podem conceder dividendo fixo ou mínimo garantido atraindo investidores voltados à estabilidade e rentabilidade periódica como especuladores de perfil conservador ou fundos de investimento Já as ações preferenciais da classe B podem assegurar prioridade no reembolso do capital atraindo investidores institucionais como fundos de pensão que priorizam segurança e previsibilidade na recuperação do valor investido Desse modo enquanto os acionistas das ações ordinárias tendem a ser grupos estratégicos frequentemente vinculados ao setor da companhia e interessados no controle societário os titulares das preferenciais de classes diversas são em geral investidores financeiros ou institucionais que buscam vantagens patrimoniais específicas sem necessariamente participar da gestão A Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 em seu art 15 1º expressamente autoriza essa estrutura ao dispor que as ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes observado no caso das ordinárias o disposto nos arts 16 16A e 110A desta Lei O art 110A introduzido pela Lei nº 141952021 trouxe uma inovação relevante ao admitir a adoção do voto plural nas companhias abertas e fechadas permitindo que determinadas classes de ações ordinárias confiram a seus titulares até dez votos por ação conforme limite legal e previsão estatutária Esse mecanismo tem sido amplamente utilizado por empresas de tecnologia e startups pois permite a captação de recursos via mercado de capitais sem a perda do poder de controle pelos fundadores 42 Assim a divisão de ações em classes constitui um instrumento de engenharia societária que confere às companhias maior capacidade de captação e diversificação de capital conciliando interesses de controle liquidez e governança corporativa em conformidade com o regime da Lei das Sociedades por Ações e com as boas práticas do mercado de capitais brasileiro Critério de Classificação Espécie Classe de Ação Direitos Principais Limitações Possíveis Base Legal LSA Quanto aos direitos e vantagens Ordinárias ON Direito de voto participação nos lucros preferência na subscrição de novas ações fiscalização e retirada Nenhuma restrição específica Arts 15 109 e 110 A Preferenciais PN Prioridade no recebimento de dividendos ou reembolso de capital vantagens econômicas específicas Pode ter restrição ou supressão do voto Arts 17 e 111 De Fruição Direitos de gozo patrimonial após amortização das ações Não integram o capital social não têm voto Art 44 2º e 5º Quanto à forma de transferência Nominativas Propriedade registrada em livro próprio da companhia Transferência formal registro no livro Art 31 Escriturais Mantidas em conta de depósito em instituição financeira autorizada pela CVM Não possuem certificado físico Arts 34 e 35 Quanto às classes Classes de Ações A B C Direitos diferenciados definidos no estatuto ex dividendos fixos voto plural reembolso prioritário Conforme previsão estatutária Art 15 1º arts 16 16A e 110A Classe especial Golden Share Poder de veto em matérias específicas proteção do interesse público em empresas privatizadas Propriedade exclusiva do ente desestatizante Art 17 7º 153 Valor da Ação A valoração de uma ação embora pareça simples revelase extremamente complexa devido à multiplicidade de critérios que variam conforme o objetivo da avaliação À ação podem ser atribuídos pelo menos cinco valores distintos a valor nominal b valor patrimonial c valor de negociação d valor econômico e valor de emissão Cada um atende a finalidades 43 específicas desde a proteção contra diluição até a análise de rentabilidade futura sendo essencial para investidores administradores e reguladores 1531 Valor Nominal O valor nominal é obtido por operação aritmética simples Valor NominalCapital Social Total N u mero Total de A coes Emitidas Exemplo Uma SA com capital social de R 100000000 e 100000 ações emitidas terá valor nominal de R 1000 por ação A Lei nº 64041976 LSA permite no art 14 que as companhias emitam ações sem valor nominal decisão estatutária Nesse caso aplicase o valorquociente resultado da mesma divisão Assim sendo a finalidade do valor nominal é proteger acionistas contra diluição injustificada do patrimônio O art 13 da LSA proíbe emissão de ações por preço inferior ao valor nominal estabelecendo um piso mínimo para novas emissões Poranto Garante diluição controlada Evita emissões predatórias que prejudiquem antigos acionistas Se o preço de emissão for superior ao nominal a diferença ágio é destinada à reserva de capital art 13 2º LSA Destacase que sem valor nominal há risco de diluição severa pois o preço de emissão pode ser fixado livremente mesmo abaixo do valor patrimonial Valor Patrimonial O valor patrimonial ou valor real reflete o patrimônio líquido da SA por ação Valor PatrimonialPatrim onio Lı quido Ativo Passivo N u mero de A coes Emitidas Exemplo Ativo R 100000000 Passivo R 40000000 Patrimônio Líquido R 60000000 Logo 100000 ações Valor patrimonial R 600ação Na constituição da SA Valor nominal valor patrimonial ausência de passivo inicial Com o tempo oscilações operacionais lucros dívidas investimentos descolam o patrimônio líquido do capital social Desse modo é relevante em cenários de 44 Liquidação da companhia partilha do saldo remanescente Amortização de ações antecipação do valor patrimonial ao acionista Súmula 371STJ Em contratos de participação financeira ex linhas telefônicas o VPA é apurado no mês da integralização balancete aprovado Salientase ainda a Jurisprudência STJ REsp 975834RS 2007O valor patrimonial da ação deve ser fixado no mês da integralização com base no balancete mensal aprovado 1531 Valor de Negociação O valor de negociação da ação é aquele livremente pactuado entre o vendedor e o comprador no âmbito do mercado secundário configurandose como o preço efetivamente transacionado em operações de compra e venda Esse valor reflete uma série de fatores dinâmicos entre os quais se destacam as perspectivas de rentabilidade futura da companhia o desempenho do setor econômico em que ela se insere a conjuntura macroeconômica nacional e internacional a cotação em bolsa especialmente relevante para companhias abertas listadas na B3 além da necessidade financeira do vendedor que pode forçar descontos e do grau de interesse do comprador que pode elevar o preço em disputas por controle ou ativos estratégicos Diferentemente dos valores nominal ou patrimonial que são calculados por fórmulas contábeis o valor de negociação é determinado pela vontade das partes sendo influenciado por elementos subjetivos e de mercado como a liquidez do título o volume de ofertas e demandas no pregão eletrônico e até mesmo eventos corporativos ex anúncio de dividendos extraordinários ou aquisições Em 2025 por exemplo ações da Petrobras negociadas na B3 atingiram valor médio de negociação de R 4250 no 3T impulsionadas por resultados operacionais robustos e alta do petróleo enquanto ações de SAs fechadas em negociações privadas variaram conforme acordos bilaterais frequentemente abaixo do valor patrimonial em casos de saída urgente de sócios Tipo Características Exemplo Negociação privada Fora do mercado de capitais Venda de ações de SA fechada entre herdeiros Valor de mercado bursátil Negociado em bolsa ou balcão Ações da Petrobras na B3 R 4250 em 04112025 45 1533 Valor Econômico O valor econômico da ação é apurado por meio de análises técnicas especializadas realizadas por peritos ou consultorias de avaliação com o objetivo de estimar o valor justo de mercado que a ação alcançaria se fosse negociada em condições ideais O método mais consolidado é o Fluxo de Caixa Descontado FCD Valor Econ omicoFluxos de Caixa Futuros Projetados 1Taxa de Desconto t Tal método envolve três etapas fundamentais 1 projeção dos fluxos de caixa operacionais futuros com base em premissas de receita custos e investimentos 2 aplicação de uma taxa de desconto geralmente o WACC Weighted Average Cost of Capital que reflete o custo médio ponderado de capital da empresa e 3 ajuste por riscos incluindo passivos ocultos inadimplência de clientes ou contingências não contabilizadas Esse modelo embora robusto para empresas em operação regular apresenta limitações significativas em cenários de crise financeira reestruturação societária detentoras de patentes de alto risco ou sensíveis a ciclos macroeconômicos onde os fluxos futuros são instáveis igualmente sua aplicação é restrita em companhias fechadas devido à maior dificuldade em mensurar riscos de governança e liquidez O valor econômico é especialmente relevante em situações de responsabilização de administradores por alienação de ações abaixo do valor justo em processos de fusões e aquisições MA na avaliação para Ofertas Públicas de Aquisição OPA ou na saída de sócios minoritários servindo como parâmetro objetivo para evitar prejuízos à companhia ou aos acionistas Valor Fórmula Finalidade Exemplo 2025 Nominal Capital Social Nº de Ações Proteção contra diluição R 1000 estatutário Patrimonial Ativo Passivo Nº de Ações Liquidação amortização R 600 balanço Negociaçã o Pactuado entre partes Compravenda no secundário R 4250 B3 Econômico Fluxo de Caixa Descontado Avaliação técnica R 4820 laudo pericial Emissão Definido em assembleia Captação no primário R 3500 IPOfollowon 46 154 Outros Valores Mobiliários Além das ações que representam o principal valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas SAs essas companhias também lançam outros instrumentos no mercado de capitais com destaque para debêntures partes beneficiárias e bônus de subscrição que serão analisados em detalhes neste tópico Esses valores mobiliários configuram ferramentas estratégicas para a captação de recursos permitindo às SAs mobilizar poupança popular sem depender exclusivamente de empréstimos bancários ou financiamento externo Para os investidores por sua vez oferecem oportunidades diversificadas de aplicação com perfis de risco retorno e prazos variados Desde sua origem histórica as sociedades anônimas destacamse como o modelo societário ideal para grandes empreendimentos justamente pela capacidade de atrair vultosos volumes de capital via mercado de capitais Essa característica confere às companhias um mecanismo de autofinanciamento que opera por meio de dois pilares fundamentais Capitalização emissão de novas ações incorporando recursos ao capital social conforme estudado no mercado primário Securitização lançamento de outros valores mobiliários transformando direitos creditórios ou expectativas de ganho em títulos negociáveis Por intermédio da capitalização e da securitização as SAs captam recursos diretamente junto aos investidores financiando expansão inovação reestruturação ou projetos de longo prazo Em 2025 as emissões de debêntures e instrumentos securitizados somaram R 312 bilhões no 1S2025 ANBIMA com destaque para debêntures incentivadas infraestrutura e CRIsCRAs no balcão organizado representando 68 do autofinanciamento corporativo fora do sistema bancário tradicional 1541Debêntures Títulos de dívida de médio e longo prazo representam empréstimo contraído pela companhia junto ao mercado Podem ser simples sem garantia real ou com garantia fidejussória flutuante ou real e incentivadas Lei nº 114312011 com isenção de IR para PF Em 2025 a 10ª emissão da B3 R 2 bilhões setembro foi estruturada como debênture incentivada com remuneração de IPCA 58 e foco em expansão tecnológica 47 Negociadas majoritariamente no balcão SOMA Fix oferecem rendimento fixo ou indexado com covenants de proteção ao credor 1541 Partes Beneficiárias Títulos gratuitos ou onerosos concedidos pela SA a fundadores administradores ou terceiros conferindo direito a participação nos lucros até 10 do lucro líquido após distribuição aos acionistas Não integram o capital social não conferem voto e têm prazo máximo de 10 anos art 46 3º Lei nº 64041976 Raros em 2025 são usados em reestruturações ou planos de incentivo ex partes beneficiárias da Petrobras Distribuidora em 2019 resgatadas em 2024 1543 Bônus de Subscrição Direito de preferência para subscrever ações futuras a preço predeterminado emitido como vantagem adicional aos acionistas ou debenturistas Regulados pelo art 75 da Lei nº 64041976 têm prazo de até 10 anos e são negociáveis no secundário B3 ou balcão Em 2025 a Vale emitiu bônus vinculados à 8ª série de debêntures R 35 bilhões permitindo subscrição de ações a R 55 até 2030 captando liquidez futura com desconto Esses instrumentos ampliam o leque de autofinanciamento reduzindo dependência de bancos cujo spread médio foi de 285 em 2025 segundo BCB e democratizando o acesso ao capital A securitização em especial cresceu 25 em volume no 1S2025 CVM impulsionada por juros altos e demanda institucional por renda fixa privada 16 Mercado e Operações a Termo O mercado a termo é uma das formas mais antigas de negociação financeira baseada na compra e venda futura de ativos a preço e data previamente fixados Suas origens remontam às feiras mercantis europeias onde surgiram contratos de entrega futura de mercadorias e metais preciosos fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo contratual e do sistema financeiro moderno Van der Wee 1963 Braudel 1996 Historicamente o instrumento serviu como elo entre o comércio físico e o financeiro possibilitando a transferência de riscos e o planejamento de investimentos Goetzmann 48 Rouwenhorst 2005 No Brasil sua consolidação ocorreu com a criação da CVM pela Lei nº 63851976 marco regulatório do mercado de capitais e com a atuação da B3 que disciplina as operações conforme normas da CVM e do Banco Central O mercado a termo tem dupla função é instrumento de alavancagem e investimento e também de proteção hedge contra oscilações de preço Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 destacam que ele amplia a liquidez e reduz incertezas refletindo o nível de sofisticação institucional e de confiança nas regras do sistema financeiro Chandler 1990 Landes 1998 No contexto brasileiro esse mercado exerce papel central na formação de preços na liquidez sistêmica e no estímulo ao investimento produtivo Entretanto tais benefícios dependem de regulação e transparência como reforçam as Resoluções CVM nº 231 e 2322025 que aprimoram o controle de riscos e a proteção ao investidor Segundo Pereira 2024 e Carvalhosa 2022 a segurança jurídica é essencial à estabilidade e à confiança no mercado de capitais A democratização financeira e o aumento de investidores pessoas físicas tornaram ainda mais relevante o equilíbrio entre liberdade negocial e regulação eficiente conforme defendem Rajan e Zingales 2004 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo A compreensão do mercado a termo exige a análise simultânea de suas dimensões econômica financeira e jurídica pois o instituto representa uma interface entre o direito contratual e o funcionamento dos mercados organizados de valores mobiliários Tratase de operação que combina compromisso futuro e preço presente permitindo que as partes negociem a transferência de ativos em data futura a um preço previamente fixado com base em expectativas sobre a evolução de mercado Segundo Assaf Neto 2023 p 412 a operação a termo constitui uma transação em que comprador e vendedor assumem compromissos firmes e irretratáveis tendo como objeto um ativo financeiro cujo preço de liquidação é determinado no ato da contratação embora a entrega e o pagamento ocorram no futuro A doutrina a reconhece como um instrumento híbrido situado entre o contrato de compra e venda mercantil e os derivativos financeiros possuindo peculiaridades que justificam sua regulamentação específica pela Comissão de Valores Mobiliários CVM e pela B3 49 161Definição econômica e financeira Do ponto de vista econômico o contrato a termo é uma operação de gestão de risco e expectativa típica de mercados de capitais desenvolvidos Conforme descreve Fortuna 2022 p 538 o mercado a termo viabiliza a antecipação de preços e o planejamento financeiro de agentes econômicos permitindo a estabilização de receitas ou custos futuros Essas operações desempenham papel essencial na formação de preços e liquidez do mercado uma vez que reduzem a incerteza e ampliam a capacidade de alavancagem dos investidores Diferentemente das operações de crédito tradicionais as operações a termo não envolvem necessariamente financiamento mas compromissos de compra e venda diferida com efeitos econômicos equivalentes à proteção hedge ou à especulação sobre tendências de mercado Ferguson 2008 e Rajan e Zingales 2004 demonstram que o surgimento dos mercados a termo foi decisivo para o amadurecimento do capitalismo financeiro ao permitir a criação de instrumentos de mitigação de riscos que impulsionaram o investimento produtivo e a confiança nas instituições financeiras Em sua essência o mercado a termo é um instrumento de transferência de riscos e seu valor deriva do comportamento do ativo subjacente característica que o aproxima dos contratos derivativos 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções A distinção entre os diversos tipos de operação é fundamental para delimitar a natureza jurídica e funcional do contrato a termo Conforme o Guia de Operações a Termo da B3 2024 e o Relatório CVM de Derivativos 2024 Operação à vista envolve a liquidação imediata da transação a entrega e o pagamento ocorrem em até D2 dias úteis É a forma mais simples de compra e venda de ativos sem expectativa futura de preço Operação a termo define preço e data futura no momento da contratação sem ajustes diários sendo liquidada em data certa com base no preço previamente acordado O contrato é vinculante e não pode ser rescindido unilateralmente Operação futura futures similar à operação a termo mas padronizada e negociada em bolsa com ajuste diário de posições marktomarket O preço é 50 formado continuamente no mercado e a câmara de compensação atua como contraparte central Opções diferem das operações a termo e futuras por conferirem direito e não obrigação ao comprador de exercer a compra ou venda do ativo em data futura mediante pagamento de um prêmio Como observa Saddi e Saddi 2022 p 201 o contrato a termo se caracteriza pela flexibilidade contratual e bilateralidade direta entre as partes enquanto os contratos futuros e de opções estão sujeitos a maior padronização e regulação Essa distinção possui relevância jurídica pois define o grau de liberdade das partes e o regime de responsabilidade aplicável em caso de inadimplemento 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral A natureza jurídica do contrato a termo é tema de debate consolidado na doutrina comercial e financeira Bulgarelli 2021 p 315 classificao como contrato mercantil de compra e venda a prazo de execução diferida em que a prestação é adiada mas o vínculo jurídico se forma imediatamente Já Carvalhosa 2022 v 3 p 427 sustenta que o contrato a termo quando negociado no âmbito do mercado de capitais adquire natureza de derivativo financeiro dado que seu valor decorre do desempenho do ativo subjacente A doutrina majoritária incluindo Mosquera 2023 e Penteado 2023 entende que o contrato a termo é consensual bilateral e oneroso com natureza derivativa Ele é consensual porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades bilateral pois gera obrigações recíprocas e oneroso porque envolve sacrifício patrimonial de ambas as partes Sob o ponto de vista regulatório a CVM por meio da Resolução nº 352021 reconhece expressamente o contrato a termo como instrumento derivativo quando o ativo subjacente for valor mobiliário conforme o art 2º VII da Lei nº 63851976 Assim tais operações estão sujeitas à supervisão da CVM devendo observar regras de transparência registro e mitigação de conflitos de interesse A B3 em seu regulamento operacional atualizado em 2025 reforça esse entendimento ao tratar o contrato a termo como operação não padronizada de compra e venda futura liquidável fisicamente ou financeiramente com registro e garantias controladas pela câmara de compensação 51 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC A base legal do mercado a termo no Brasil é composta por um conjunto de diplomas que articulam princípios de direito societário contratual e financeiro Lei nº 63851976 regula o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários CVM O art 2º VII inclui expressamente os contratos a termo e outros derivativos como valores mobiliários quando referidos a ativos negociados no mercado de capitais Lei nº 64041976 Lei das SA estabelece os parâmetros de emissão e negociação de ações e debêntures assegurando a publicidade e a transparência nas operações Código Civil Lei nº 104062002 nos arts 421 a 425 define os princípios da função social do contrato e da autonomia da vontade aplicáveis subsidiariamente às operações a termo Lei nº 135062017 confere à CVM e ao Banco Central poder sancionador ampliado disciplinando infrações administrativas e sanções no âmbito do mercado de capitais A CVM conforme expõe Salomão Neto 2023 interpreta as operações a termo sob a ótica da função econômica do contrato reconhecendo sua validade e exigibilidade mesmo quando liquidadas financeiramente desde que cumpridos os requisitos de forma e registro Mosquera 2023 destaca que a evolução regulatória tem buscado equilibrar liberdade contratual e segurança jurídica ao exigir a formalização escrita dos contratos e o registro centralizado das operações Essa exigência decorre da necessidade de prevenir fraudes e manipulações de mercado especialmente diante da crescente complexidade dos derivativos Por sua vez Carvalhosa 2022 v 3 p 431 ressalta que a sujeição das operações a termo ao regime da CVM não altera sua essência contratual mas a complementa com garantias de transparência e fiscalização pública assegurando que o instrumento cumpra sua função econômica sem comprometer a estabilidade sistêmica Em síntese a natureza jurídica do contrato a termo resulta da conjugação entre princípios contratuais clássicos e exigências do direito público econômico Ele é simultaneamente contrato de direito privado fundado na autonomia das partes e instrumento de interesse público submetido à regulação estatal configurando um dos exemplos mais 52 refinados de integração entre liberdade econômica e regulação prudencial no direito financeiro brasileiro 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo O mercado a termo integra o conjunto dos mercados organizados de derivativos sendo regido por princípios de transparência mitigação de risco e cumprimento contratual Seu funcionamento depende de uma estrutura complexa de agentes regras operacionais e mecanismos de compensação e liquidação que garantem a segurança e a estabilidade das transações De acordo com Assaf Neto 2023 p 414 a eficiência do mercado a termo depende da articulação entre as partes contratantes e as instituições de intermediação e liquidação sob um ambiente de regulação prudencial A B3 como infraestrutura de mercado financeiro é o núcleo operacional do sistema enquanto a CVM exerce a supervisão e normatização em conformidade com a Lei nº 63851976 1661 Atores investidor corretora contraparte B3 O funcionamento do mercado a termo pressupõe a atuação coordenada de quatro principais agentes Investidor Pode assumir posição comprada tomador ou vendida lançador O comprador comprometese a adquirir o ativo em data futura enquanto o vendedor se obriga a entregálo ou liquidar a operação conforme o contrato Segundo Fortuna 2022 p 542 o investidor pode operar a termo com finalidades distintas proteção hedge especulação ou arbitragem Corretora ou distribuidora de valores mobiliários Atua como intermediária habilitada pela CVM Resolução CVM nº 352021 responsável pela execução registro e garantia da operação Ela também recolhe as margens exigidas e monitora a posição dos clientes Contraparte Em contratos a termo a contraparte é a outra parte do contrato podendo ser um investidor institucional empresa fundo de investimento ou pessoa física No caso das operações registradas na B3 há a possibilidade de 53 interposição da câmara de compensação que assume o papel de contraparte central reduzindo o risco de crédito B3 Brasil Bolsa Balcão É a infraestrutura central do mercado a termo Ela fornece o ambiente de negociação eletrônica o sistema de registro as câmaras de compensação e os mecanismos de liquidação e garantia Segundo o Guia de Operações a Termo da B3 2024 toda operação registrada em bolsa é acompanhada até a liquidação final com monitoramento contínuo de riscos de crédito e mercado Além desses há ainda o papel indireto do Banco Central BACEN que supervisiona o sistema financeiro nacional art 10 da Lei nº 45951964 e acompanha os riscos sistêmicos decorrentes das operações com derivativos conforme o Relatório de Estabilidade Financeira 2025 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação As operações a termo seguem um fluxo operacional padronizado com etapas bem definidas Contratação As partes acordam o ativo objeto ações títulos públicos moedas ou commodities o preço a termo a data de vencimento e as condições de liquidação A CVM exige conforme a Resolução CVM nº 352021 que o contrato seja formalizado por escrito e contenha todos os elementos essenciais do negócio inclusive os riscos assumidos Registro Após a contratação o intermediário corretora registra a operação no sistema da B3 que valida o contrato e calcula as margens de garantia O registro assegura a rastreabilidade e a supervisão pela CVM além de permitir o acompanhamento contábil e fiscal da posição Liquidação Pode ocorrer de duas formas física ou financeira A liquidação é o momento em que o contrato é extinto mediante a entrega do ativo ou o pagamento da diferença de valores conforme as condições pactuadas A B3 2024 destaca que a etapa de registro é o elemento que diferencia o mercado organizado do mercado de balcão sendo o registro essencial para conferir validade exigibilidade e segurança jurídica à operação 54 1663 Mecanismos de margem e garantias O risco de inadimplemento nas operações a termo é mitigado por meio de margens de garantia chamadas de margem e sistemas de monitoramento de risco Segundo Saddi e Saddi 2022 p 247 as margens funcionam como colaterais financeiros que asseguram a execução futura das obrigações contratuais evitando desequilíbrios e contágio sistêmico Existem dois tipos principais Margem inicial Depósito de garantia exigido no momento do registro da operação proporcional ao risco da posição Margem de variação ou adicional Requerida quando há oscilação relevante nos preços do ativo como forma de recompor o nível de garantia exigido A B3 aceita diferentes tipos de ativos como garantia dinheiro títulos públicos federais ações cotas de fundos conforme o Manual de Margens e Garantias B3 2025 Esses mecanismos são complementados pela Câmara de Compensação e Liquidação B3 Clearing que atua como contraparte central CCP nas operações registradas assumindo o risco de contraparte e assegurando o cumprimento dos contratos Formas de liquidação financeira ou física As operações a termo podem ser liquidadas de duas formas Liquidação física O vendedor entrega efetivamente o ativo por exemplo ações da Petrobras e o comprador paga o valor total acordado no contrato É a forma tradicional utilizada quando há interesse real na aquisição do ativo Liquidação financeira Em vez de entregar o ativo as partes liquidam apenas a diferença entre o preço contratado e o preço de mercado na data do vencimento Essa modalidade é mais comum em operações de caráter especulativo ou de hedge nas quais o investidor busca proteção contra variações de preço o Compliance e auditoria O regime de compliance e auditoria nas operações a termo tem caráter preventivo e transversal abrangendo desde a intermediação até a liquidação final da operação As instituições intermediárias corretoras e distribuidoras devem manter políticas formais de compliance e controles internos compatíveis com o tamanho e o risco de suas 55 atividades conforme previsto na Resolução CVM nº 352021 que consolida regras de conduta para intermediários e participantes de mercado Entre as obrigações de compliance destacamse Identificação e adequação de clientes suitability Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo PLDFT conforme a Lei nº 96131998 e a Resolução CVM nº 502021 Controle de informações privilegiadas previsto no art 155 da Lei nº 64041976 LSA Revisão periódica de políticas internas com comunicação obrigatória à CVM No tocante à auditoria a Resolução CVM nº 232021 regula de forma abrangente a atividade de auditoria independente no mercado de valores mobiliários A norma impõe a obrigatoriedade de auditoria independente para companhias abertas fundos de investimento intermediários de valores mobiliários e demais participantes supervisionados pela CVM assegurando maior transparência e confiabilidade nas demonstrações financeiras 167 Riscos e Desvantagens As operações a termo embora desempenhem papel relevante na estrutura de financiamento e investimento do mercado de capitais comportam riscos específicos que devem ser analisados sob perspectivas financeira jurídica e regulatória Conforme destaca Assaf Neto 2023 p 247 tratase de instrumentos que introduzem componentes de expectativa e incerteza sobre o comportamento futuro dos preços sendo portanto inerentemente mais arriscados que operações à vista 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços A liquidez do mercado a termo é diretamente influenciada pelo volume de negociações e pela confiança dos agentes Segundo Fortuna 2022 a baixa liquidez pode distorcer a formação dos preços dos ativos subjacentes produzindo movimentos especulativos e desvios momentâneos de valor justo A literatura econômica corrobora essa visão Goetzmann e Rouwenhorst 2005 destacam que a introdução de mercados a termo nos séculos XVI e XVII já demonstrava a tendência de antecipar preços futuros muitas vezes gerando bolhas especulativas 56 No contexto brasileiro a CVM aponta que embora a B3 mantenha mecanismos robustos de supervisão o mercado a termo ainda pode gerar assimetrias de informação e fragilidades de precificação especialmente em ativos de baixa liquidez como small caps e ações de companhias recémlistadas 1671 Alavancagem e volatilidade Um dos principais riscos identificados por Rajan e Zingales 2004 e Neal 1990 é o da alavancagem implícita O investidor ao assumir uma posição a termo comprometese com uma obrigação futura que pode representar valor financeiro superior à sua capacidade imediata de liquidação A volatilidade de curto prazo em mercados derivativos como o a termo tende a amplificar movimentos de alta e baixa com efeitos potencialmente sistêmicos 1673 Precedente da CVM A título exemplificativo temse o Parecer do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 referente ao Processo Administrativo CVM SEI 19957010224201977 aceitou a proposta de R 7 milhões apresentada pela B3 SA R 63 milhões e seus executivos Cícero Augusto Vieira Neto e André Monteiro DAlmeida Monteiro R 350 mil cada encerrando o processo sem punição administrativa A acusação lavrada pela SMI apontou descumprimento dos incisos III e IV do art 3º da Instrução CVM nº 2831998 vigente a época pela falta de verificação diária do grau de concentração no mercado de derivativos e empréstimos de ativos entre 2013 e 2019 A omissão permitiu posições concentradas acima de 30 em derivativos e 70 em empréstimos da ação VCPG3 contribuindo para um short squeeze com alta de 1200 no preço Embora o parecer não trate diretamente de operações a termo sua relevância para o mercado a termo é estrutural Empréstimos de ativos são indispensáveis para short selling em contratos a termo com liquidação financeira Instrução CVM 281984 Concentração excessiva em derivativos incluindo posições a termo desequilibra o mercado elevando riscos de manipulação e volatilidade A falha da B3 comprometeu a integridade sistêmica essencial para a confiança em operações a termo hedge e especulação 57 O CTC considerou a proposta proporcional destacando cooperação ausência de dolo e medidas corretivas sistema automatizado desde 2020 O caso reforça a obrigação de supervisão diária e gestão de risco concentrado impactando diretamente a governança do mercado a termo e a aplicação de margens de garantia e limites de posição em operações registradas na B3 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada Sob a ótica civilista conforme o Código Civil arts 421 a 425 e 481 a 487 o contrato a termo caracterizase como contrato bilateral oneroso e comutativo cuja execução é diferida no tempo Na visão de Carvalhosa 2022 tratase de um contrato com características de compra e venda mercantil sujeita a prazo e condição de liquidação futura em que o risco e a expectativa de lucro decorrem da variação de preços do ativo subjacente Já na perspectiva comercial Penteado 2023 entende que a operação a termo se insere no contexto mais amplo dos contratos mercantis de bolsa regidos por princípios de publicidade transparência e autorregulação Assim há uma aproximação entre o direito contratual clássico e o direito do mercado de capitais em constante diálogo interpretativo 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes As operações a termo ocupam posição estratégica dentro do arcabouço macroeconômico e financeiro por influenciarem diretamente a liquidez a formação 0de expectativas de preços e o mecanismo de transmissão da política monetária Embora representem apenas uma fração do mercado derivativo nacional sua relevância tem crescido à medida que investidores e empresas buscam instrumentos de hedge e de arbitragem mais flexíveis e adaptados à realidade brasileira 1681 Operações a termo e política monetária As operações a termo podem influenciar na antecipação das taxas de juros esperadas e consequentemente no processo de precificação de ativos financeiros Ao pactuar hoje o preço de liquidação futura de determinado ativo o investidor expressa uma expectativa implícita sobre a trajetória da taxa Selic da inflação e da curva de juros o que transforma o mercado a termo em um indicador indireto das condições monetárias futuras 58 Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 ressaltam que o comportamento dos contratos a termo reflete a percepção do mercado quanto à política monetária e à credibilidade institucional do Banco Central Um ambiente de juros voláteis por exemplo tende a ampliar o volume e o valor das operações a termo à medida que os agentes buscam proteção contra oscilações abruptas Em contrapartida períodos de estabilidade reduzem a atratividade das posições especulativas e reforçam o caráter de hedge No plano internacional Rajan e Zingales 2004 observam que instrumentos de prazo diferido como os contratos a termo funcionam como mecanismos descentralizados de transmissão de política monetária pois internalizam expectativas antes mesmo de ajustes oficiais na taxa básica demonstrando o alto grau de integração entre finanças e macroeconomia 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia Nos Estados Unidos as operações a termo forwards são amplamente utilizadas em mercados de commodities e câmbio regidas pela Commodity Exchange Act CEA e supervisionadas pela Commodity Futures Trading Commission CFTC O sistema norte americano distingue claramente contratos a termo de contratos futuros exigindo menor grau de padronização e por consequência menor intervenção estatal o que reforça a liberdade contratual mas aumenta o risco de inadimplência Na União Europeia sob o marco da MiFID II Markets in Financial Instruments Directive observase tendência de convergência regulatória mesmo os contratos a termo personalizados são incentivados a seguir padrões de transparência e registro centralizado Essa diretriz busca conciliar inovação financeira e estabilidade especialmente após as crises de 2008 e 2011 Já na Ásia conforme observa Stringham 2016 países como Japão e Singapura adotam modelo híbrido combinando flexibilidade negocial com forte supervisão estatal O resultado é um ambiente em que os contratos a termo convivem com derivativos complexos mantendo contudo rígido controle sobre liquidação e garantias O Brasil aproximase do modelo europeu priorizando segurança jurídica e integridade de mercado com centralização de registros e forte atuação da B3 como contraparte garantidora Tal modelo é considerado adequado ao estágio de maturidade institucional e ao perfil de risco dos investidores nacionais 59 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa 211 Lei das Sociedades Anônimas No Brasil as sociedades por ações ou sociedades anônimas SAs são disciplinadas pela Lei nº 6404 de 15 de dezembro de 1976 Lei das Sociedades por Ações LSA elaborada a partir de projeto legislativo dos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luís Bulhões Pedreira Sua promulgação ocorreu em contexto de crise de confiança no mercado de capitais após o boom especulativo de 1971 nas bolsas de São Paulo e Rio de Janeiro que gerou prejuízos generalizados a investidores individuais e expôs fragilidades regulatórias como falta de transparência manipulação de preços e insuficiente proteção aos minoritários A LSA surgiu com o objetivo duplo de fortalecer a governança corporativa e restaurar a credibilidade do mercado introduzindo mecanismos como direito de voto diferenciado obrigatoriedade de demonstrações financeiras auditadas fiscalização pelo conselho fiscal e proteção contra abusos de controle Sua estrutura normativa considerada pioneira e robusta é amplamente elogiada pela doutrina comercialista CARVALHOSA 20182025 COELHO 2022 o que explica sua longevidade sem reformas estruturais 212 Governança Corporativa Um dos temas mais relevantes e atuais no estudo das sociedades anônimas SAs é a governança corporativa corporate governance conjunto de práticas e mecanismos voltados para a gestão responsável transparente e sustentável das empresas com foco na mitigação de conflitos entre acionistas administradores e demais partes interessadas stakeholders Esse movimento teve origem nos Estados Unidos e no Reino Unido na década de 1990 impulsionado pela necessidade de restaurar a confiança dos investidores após escândalos corporativos e pela crescente separação entre propriedade e controle nas grandes companhias de capital pulverizado No Brasil a governança corporativa ganhou força com a criação do Novo Mercado da B3 antiga Bovespa em dezembro de 2000 inspirado em códigos internacionais e foi consolidada pela reforma da Lei das Sociedades por Ações LSA Lei nº 64041976 60 promovida pela Lei nº 103032001 Essa norma introduziu avanços como o tag along de 80 para acionistas minoritários em companhias abertas a obrigação de oferta pública de aquisição OPA em caso de alienação de controle e o voto em separado para eleição de conselheiros A governança corporativa baseiase em quatro pilares fundamentais Transparência Supera a mera obrigação legal de disclosure art 157 LSA exigindo divulgação proativa e tempestiva de informações relevantes incluindo políticas de remuneração e riscos ESG ambientais sociais e de governança Equidade Garante tratamento isonômico entre acionistas com proteção reforçada aos minoritários contra abusos de controle ex art 254A LSA OPA por valor econômico Prestação de contas accountability Administradores respondem por atos de gestão com base em demonstrações financeiras auditadas conforme e relatórios integrados Responsabilidade corporativa Incorpora a sustentabilidade como dever fiduciário com foco na longevidade da empresa e impactos socioambientais O fenômeno da dispersão acionária analisado por Berle e Means em The Modern Corporation and Private Property 1932 marcou a transição de empresas familiares para estruturas de controle gerencial em que a gestão é delegada a profissionais sem participação majoritária no capital Essa separação gerou o conflito de agência teorizado por Jensen e Meckling 1976 no qual administradores podem priorizar interesses próprios salários elevados perpetuação no cargo em detrimento dos acionistas Assim a Governança Coorporativa atua justamente como mecanismo de alinhamento de interesses reduzindo assimetrias informacionais e custos de agência 22 Características e Classificações As sociedades anônimas SA representam a forma mais desenvolvida de organização empresarial estruturada sobre a base do capital dividido em ações Entre suas características fundamentais destacamse a a natureza capitalista b a essência empresarial c a identificação exclusiva por denominação e d a responsabilidade limitada dos acionistas Essas características decorrem diretamente da Lei nº 64041976 com redações atualizadas pelas Leis nº 103032001 116382007 e 138182019 61 221 Natureza capitalista da sociedade anônima A SA é por excelência uma sociedade de capital em que o elemento determinante é a contribuição financeira dos acionistas e não sua identidade pessoal Diferentemente das sociedades contratuais em que a entrada de novos sócios depende da anuência dos demais na sociedade anônima a transferência das ações é livre conforme art 36 da LSA salvo restrições estatutárias ou acordos de acionistas devidamente arquivados na companhia art 118 da LSA Como o estatuto social fixa apenas o número e as espécies de ações e não a identidade de seus titulares a circulação de ações ocorre sem necessidade de alteração do ato constitutivo Assim a participação societária representada pelas ações pode ser livremente negociada penhorada ou transferida sem afetar a continuidade da pessoa jurídica Em essência a sociedade anônima tem por objetivo a reunião de capitais para fins empresariais e não a associação pessoal entre sócios A ausência de intuitu personae isto é da consideração da pessoa do sócio permite que a composição acionária varie constantemente sem prejuízo da estabilidade da empresa No entanto a doutrina contemporânea reconhece que em companhias fechadas e de estrutura familiar é comum o estatuto social prever limitações à circulação de ações conferindo um caráter parcialmente personalista à sociedade conforme ressalta Fábio Ulhoa Coelho 2022 222 Essência empresarial Nos termos do art 982 parágrafo único do Código Civil toda sociedade por ações é sociedade empresária independentemente de seu objeto social Isso significa que ainda que a companhia exerça atividade não tipicamente empresarial como a administração de bens próprios será sempre regida pelo regime jurídico empresarial Essa natureza já estava presente antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002 O art 2º 1º da LSA mantém a redação de que qualquer que seja o objeto a companhia é empresária e se rege pelas leis e usos do comércio Assim a essência empresarial da SA reflete sua vocação para a organização e captação de capitais integrandose à dinâmica do mercado e da economia 223 Identificação exclusiva por denominação 62 A SA é identificada exclusivamente por denominação social conforme o art 1160 do Código Civil e o art 3º da LSA Essa denominação deve incluir por extenso ou abreviadamente as expressões sociedade anônima ou companhia sendo vedado o uso de companhia no final do nome Portanto denominações como Cia de Alimentos Recife ou Recife Cia de Alimentos são admitidas mas Recife Alimentos Cia não é permitida Essa exigência decorre do próprio caráter anônimo da sociedade já que ao contrário das sociedades de pessoas o nome empresarial não identifica os sócios mas apenas a entidade jurídica A adoção de firma social que identifica sócios pelo nome civil é incompatível com a natureza da SA cuja estrutura visa justamente dissociar a identidade dos acionistas da pessoa jurídica Essa separação reforça a autonomia patrimonial e a impessoalidade da empresa princípios centrais do direito societário moderno 224 Responsabilidade limitada dos acionistas Outra característica essencial é a responsabilidade limitada dos acionistas prevista no art 1º da LSA A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas Assim cada acionista responde apenas pelo valor das ações que subscreveu ou adquiriu não sendo responsável pelas dívidas da sociedade Essa limitação é mais rigorosa que a existente na sociedade limitada pois conforme o art 1052 do Código Civil os sócios de limitada são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social Já na SA inexiste solidariedade entre acionistas Excepcionalmente a proteção da limitação pode ser afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art 50 do Código Civil e do art 4º da Lei nº 138742019 Lei da Liberdade Econômica quando comprovado desvio de finalidade ou confusão patrimonial 225 Classificação das sociedades anônimas 63 Conforme o art 4º da LSA as sociedades anônimas se classificam em abertas ou fechadas conforme seus valores mobiliários estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários A companhia aberta é aquela registrada na Comissão de Valores Mobiliários CVM nos termos do 1º do art 4º da LSA podendo emitir e negociar publicamente ações debêntures e outros valores mobiliários Já a companhia fechada não possui registro na CVM e não pode realizar oferta pública de valores mobiliários 2º do mesmo artigo A CVM autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda exerce a regulação e fiscalização do mercado de capitais em conjunto com o Banco Central do Brasil conforme previsto na Lei nº 63851976 atualizada pela Lei nº 135062017 Essa estrutura regulatória assegura transparência proteção aos investidores e estabilidade ao sistema financeiro nacional 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações As ações de uma sociedade anônima podem ser emitidas em diferentes espécies e classes cada qual com direitos e restrições próprios Essa diversidade permite que os acionistas possuam prerrogativas distintas conforme o tipo de ação que detêm Por exemplo as ações preferenciais podem garantir prioridade no recebimento de dividendos ou no reembolso do capital mas em regra restringem o direito de voto Apesar das diferenças entre as espécies a LSA assegura a todos os acionistas um conjunto de direitos essenciais que são inalienáveis e não podem ser suprimidos nem pelo estatuto nem pela assembleia geral 231 Direitos essenciais dos acionistas O art 109 da LSA lista os direitos fundamentais conferidos a todo acionista independentemente da espécie ou classe de ações I participar dos lucros sociais II participar do acervo da companhia em caso de liquidação III fiscalizar a gestão dos negócios sociais conforme a lei IV exercer preferência na subscrição de ações ou valores mobiliários conversíveis em ações 64 retirarse da sociedade nos casos previstos em lei Esses direitos são irrenunciáveis e inderrogáveis conforme o 2º do mesmo artigo que determina que nenhum estatuto pode restringir os meios legais que assegurem seu exercício Assim o acionista pode defendêlos judicialmente sempre que violados 232 Direito de participação nos lucros O direito de participar nos lucros sociais está condicionado à existência de resultados distribuíveis art 191 da LSA e às deliberações da Assembleia Geral Ordinária AGO sobre a destinação do lucro líquido art 192 Devem ser observadas as regras sobre dividendo obrigatório art 202 e sobre constituição de reservas arts 193 e 194 As ações podem assegurar dividendos diferentes conforme sua classe as preferenciais por exemplo podem garantir dividendos fixos ou mínimos conforme art 17 I da LSA A distribuição de dividendos sem observância das regras legais especialmente quando não há lucros ou reservas disponíveis acarreta responsabilidade solidária dos administradores e fiscais que devem restituir os valores pagos indevidamente art 201 1º Os acionistas que receberam tais valores de boafé não precisam devolvêlos sendo a boafé presumida quando os dividendos são pagos com base em balanço aprovado 233 Direito de fiscalização O direito de fiscalização é inerente a todos os acionistas e deve ser exercido por meio dos instrumentos previstos na LSA O principal deles é o Conselho Fiscal art 161 órgão obrigatório mas de funcionamento facultativo que pode ser instalado a pedido de acionistas que representem no mínimo 10 das ações com direito a voto ou 5 das ações sem voto Outros mecanismos incluem o direito de inspeção judicial pelo qual acionistas que representem pelo menos 5 do capital social podem requerer em juízo a exibição dos livros da companhia em caso de suspeita de irregularidades graves art 105 da LSA A fiscalização também se exerce por meio da análise das demonstrações financeiras e do relatório da administração disponibilizados antes da AGO arts 132 e 133 Nas companhias abertas a transparência é reforçada pela obrigatoriedade de auditoria independente conforme o art 177 3º da LSA e as normas da CVM 65 234 Direito de preferência O direito de preferência protege o acionista contra a diluição de sua participação societária Segundo o art 171 da LSA ele assegura prioridade na subscrição de novas ações e de valores mobiliários conversíveis em ações como debêntures ou bônus de subscrição O prazo mínimo para exercício é de 30 dias e o acionista pode ceder seu direito a terceiros 4º e 6º O art 172 da LSA permite em caráter excepcional que o estatuto exclua ou reduza o prazo do direito de preferência desde que se trate de companhia aberta com capital autorizado e que a emissão ocorra por meio de venda em bolsa subscrição pública ou permuta em oferta pública de aquisição de controle Em companhias fechadas a exclusão só é admitida para subscripção de ações vinculadas a incentivos fiscais 235 Direito de retirada direito de recesso O direito de retirada também chamado de direito de recesso consiste na prerrogativa conferida ao acionista de desligarse da sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações nas hipóteses expressamente previstas em lei Esse instituto tem natureza excepcional nas sociedades anônimas servindo como mecanismo de proteção ao acionista dissidente diante de deliberações que modifiquem de modo substancial a estrutura o objeto ou as condições de participação societária Embora as expressões direito de retirada e direito de recesso sejam frequentemente utilizadas como sinônimas parte da doutrina propõe uma distinção conceitual De acordo com essa leitura o direito de retirada previsto no art 1029 do Código Civil seria o poder do sócio de sair da sociedade sem apresentar motivo específico aplicável às sociedades contratuais como a limitada ou simples formadas por prazo indeterminado o direito de recesso por sua vez disciplinado no art 1077 do Código Civil e no art 137 da Lei das Sociedades por Ações LSA seria o direito de retirarse mediante justificativa legal fundada em dissidência com deliberação social relevante 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas 66 Nas sociedades anônimas por se tratar de uma sociedade de capital intuitu pecuniae e não de pessoas intuitu personae prevalece o princípio da livre negociabilidade das ações que substitui o vínculo pessoal por uma relação patrimonial Assim o desligamento do acionista ocorre normalmente pela alienação de suas ações no mercado e não por vontade direta de retirada Por essa razão o direito de recesso na SA é limitado e excepcional só podendo ser exercido nos casos expressamente previstos na LSA geralmente associados à dissidência em assembleias gerais sobre matérias de alta relevância para a estrutura ou o objeto da companhia 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso O art 137 da LSA dispõe que a aprovação de determinadas matérias pela assembleia geral assegura ao acionista dissidente o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações Essas matérias estão listadas nos incisos I a VI e IX do art 136 da LSA e exigem quórum qualificado de aprovação por alterarem aspectos fundamentais da companhia I criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem proporcionalidade com as demais II alteração nas preferências ou vantagens das ações preferenciais ou criação de nova classe mais favorecida III redução do dividendo obrigatório IV fusão da companhia ou sua incorporação em outra V participação em grupo de sociedades art 265 VI mudança do objeto social e IX cisão da companhia Além dessas a LSA prevê hipóteses autônomas em outros dispositivos como transformação da companhia art 221 fechamento de capital em operações de reorganização art 223 4º desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único incorporação de ações art 252 1º aquisição de controle por companhia aberta art 256 2º inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social art 136A Essas hipóteses visam tutelar o acionista contra deliberações que alterem substancialmente a natureza de sua participação societária 2353 Condições e limitações ao exercício O direito de recesso não é automático ele depende da demonstração de prejuízo efetivo à posição do acionista O art 137 I limita o direito nas hipóteses dos incisos I e II do art 136 67 aos titulares de ações da espécie ou classe prejudicada Assim se a deliberação não afeta determinada classe de ações seus titulares não têm direito ao reembolso Por outro lado nas hipóteses de fusão incorporação ou participação em grupo de sociedades art 136 IV e V o art 137 II nega o direito de recesso aos acionistas cujas ações possuam liquidez e dispersão no mercado Segundo a LSA há liquidez quando as ações integram índice representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no Brasil ou no exterior conforme definição da CVM há dispersão quando o acionista controlador sua controladora ou controladas detêm menos da metade das ações da espécie ou classe A razão é de ordem econômica se as ações são líquidas e amplamente negociáveis o acionista pode alienálas no mercado sem onerar a companhia com o pagamento do reembolso 2354 Prazo e procedimento O acionista dissidente que desejar exercer o direito de retirada deve requerer o reembolso no prazo de 30 dias contados da publicação da ata da assembleia que aprovou a deliberação art 137 IV da LSA O 4º do mesmo artigo estabelece que não exercido o direito no prazo ele se extingue Existem contudo variações 60 dias para desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único contagem a partir da assembleia especial ou de ratificação nas hipóteses dos arts 136 1º e 256 1º art 137 V contagem específica em casos de fusão ou incorporação art 230 contagem 120 dias após a assembleia quando houver perda da condição de companhia aberta art 223 3º e 4º O 2º do art 137 estabelece ainda que o direito de reembolso pode ser exercido mesmo que o acionista tenha se abstido de votar ou não tenha comparecido à assembleia o que demonstra o caráter objetivo e protetivo do instituto 2355 Assembleia de reconsideração 68 Após o encerramento do prazo de exercício a administração da companhia tem 10 dias para deliberar sobre os impactos financeiros do reembolso Se entender que o pagamento compromete a estabilidade econômica da empresa deve convocar assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação art 137 VI e 3º Se a deliberação for reconsiderada o direito de recesso deixa de existir se for ratificada o pagamento tornase obrigatório Essa previsão protege o equilíbrio patrimonial da companhia e os interesses de todos os acionistas 2356 Valor e forma do reembolso O valor do reembolso é em regra calculado com base no valor patrimonial da ação apurado no último balanço aprovado art 45 1º Se o balanço tiver mais de 60 dias o acionista pode requerer balanço especial hipótese em que a companhia deve pagar 80 do valor estimado de imediato e o saldo após a conclusão da perícia em até 120 dias art 45 2º O estatuto pode prever critérios alternativos de avaliação inclusive o valor econômico da companhia desde que observadas as regras dos 3º e 4º do art 45 que exigem laudo elaborado por três peritos independentes ou empresa especializada escolhidos em assembleia geral e responsáveis civilmente pelo conteúdo do parecer O pagamento é normalmente à vista exceto quando houver assembleia de reconsideração em operações de fusão ou incorporação pagamento condicionado à efetivação da operação quando houver balanço especial solicitado pelo acionista 2357 Considerações doutrinárias e críticas A LSA veda o recesso parcial ou seja o acionista deve retirarse integralmente não podendo solicitar reembolso de apenas parte de suas ações Parte da doutrina como Fábio Ulhoa Coelho critica essa restrição defendendo que o recesso parcial daria maior flexibilidade ao investidor e reduziria o impacto financeiro para a companhia Além disso Nelson Eizirik ressalta que o direito de recesso tem caráter instrumental e protetivo funcionando como válvula de segurança do sistema societário ao garantir ao acionista 69 minoritário uma saída justa quando houver alteração substancial das condições sob as quais ingressou na sociedade Portanto o direito de retirada na sociedade anônima é ao mesmo tempo limitação à rigidez estrutural da companhia e garantia de justiça contratual no âmbito das relações societárias 236 Direito de Voto O direito de voto é o principal direito político do acionista permitindolhe participar das decisões estratégicas da companhia nas assembleias gerais Todavia diferentemente dos direitos essenciais elencados no art 109 da Lei nº 64041976 LSA como o direito a dividendos à fiscalização e à participação no acervo em caso de liquidação o direito de voto não é considerado essencial podendo ser suprimido ou restringido como ocorre nas ações preferenciais Essa característica reflete a lógica do sistema das sociedades anônimas o acionista pode investir no capital social apenas com interesse econômico lucros e dividendos sem necessariamente participar das decisões de gestão 2361 Direito de voz x direito de voto Embora nem todo acionista possua direito de voto todos possuem direito de voz isto é o direito de participar discutir e se manifestar nas assembleias gerais O art 125 parágrafo único da LSA estabelece expressamente que os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleiageral e discutir a matéria submetida à deliberação Esse dispositivo assegura o direito de participação informada o acionista ainda que sem poder votar pode solicitar esclarecimentos debater os temas e influenciar indiretamente as deliberações contribuindo para a transparência e o controle social interno 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade A doutrina notadamente Fábio Ulhoa Coelho distingue duas modalidades de voto Voto de vontade é aquele em que o acionista expressa uma escolha deliberativa como na eleição de administradores ou na aprovação de alterações estatutárias Tratase de 70 voto genuinamente político que manifesta a vontade do acionista quanto aos rumos da companhia Voto de verdade é o voto por meio do qual o acionista atesta ou reconhece fatos sem efetuar escolha de mérito por exemplo ao aprovar demonstrações financeiras ou laudos de avaliação A distinção tem relevância penal o art 177 2º do Código Penal criminaliza a negociação ou venda do voto de verdade por se tratar de manifestação sobre fatos contábeis e não sobre opções políticas Apenas o voto de vontade é passível de negociação legítima como ocorre em acordos de voto art 118 da LSA 2363 Estrutura legal do direito de voto De acordo com o art 110 da LSA a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral Assim apenas as ações ordinárias ON conferem por natureza direito de voto pleno O 1º do mesmo artigo autoriza porém que o estatuto social limite o número de votos por acionista mecanismo utilizado em companhias de capital pulverizado para evitar a concentração excessiva de poder Em contraposição as ações preferenciais PN podem ter voto suprimido ou restrito em troca de vantagens econômicas conforme dispõe o art 111 da LSA 2364 O voto plural 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa Tradicionalmente o direito societário brasileiro adotava o princípio one share one vote uma ação um voto vedando expressamente a atribuição de voto plural isto é mais de um voto por ação conforme o antigo art 110 2º da LSA Essa vedação entretanto foi revogada pela Lei nº 141952021 que incluiu o art 110A autorizando a criação de classes de ações ordinárias com voto plural com até 10 votos por ação A inovação buscou adequar o Brasil às práticas internacionais sobretudo do mercado norteamericano em que o voto plural é amplamente utilizado para preservar o controle dos fundadores e ao mesmo tempo facilitar a captação de recursos 71 23642 Condições legais para criação do voto plural O art 110A da LSA determina que o voto plural pode ser instituído I em companhia fechada a qualquer tempo II em companhia aberta somente antes da negociação de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados A criação dessa classe de ações depende da aprovação em assembleia especial com quórum mínimo de metade dos votos das ações com direito a voto e metade das ações preferenciais sem voto ou com voto restrito art 110A 1º O estatuto pode exigir quórum maior 3º A deliberação que cria voto plural gera direito de retirada aos acionistas dissidentes salvo se tal possibilidade já estiver prevista ou autorizada no estatuto 2º 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção O voto plural tem prazo de vigência de até 7 anos podendo ser prorrogado mediante novo quórum qualificado 7º A prorrogação garante novo direito de retirada ao acionista dissidente As ações com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias comuns caso sejam transferidas a terceiros salvo nas hipóteses do 8º como quando o alienante permanece indiretamente no controle Além disso certas matérias não podem ser votadas com voto plural como remuneração de administradores art 110A 12 I transações com partes relacionadas relevantes conforme critérios da CVM 12 II Por fim o 14 exclui do regime do voto plural as empresas públicas sociedades de economia mista e suas controladas 2365 Exercício do direito de voto O art 111 da LSA permite que o estatuto da companhia restrinja ou suprima o direito de voto das ações preferenciais Todavia essas ações recuperam o direito de voto caso a companhia deixe de pagar os dividendos fixos ou mínimos por três exercícios consecutivos 1º O direito se mantém até o pagamento integral dos dividendos devidos se forem cumulativos ou até a 72 quitação do atraso se não forem O 2º prevê que as ações com voto restrito também terão suas limitações suspensas nas mesmas condições O 3º autoriza o estatuto a postergar a aplicação dessas regras até a conclusão do empreendimento inicial da companhia O direito de voto pode ser afetado quando a ação está gravada com penhor usufruto ou alienação fiduciária Ações penhoradas o penhor não retira o direito de voto do acionista salvo estipulação contratual em contrário art 113 caput da LSA Ações alienadas fiduciariamente o voto pertence ao devedor não ao credor fiduciário devendo ser exercido nos termos do contrato art 113 parágrafo único Ações com usufruto se o ato constitutivo não definir quem vota o direito só poderá ser exercido mediante acordo prévio entre proprietário e usufrutuário art 114 da LSA 2366 Abuso e conflito no exercício do voto O art 115 da LSA introduzido pela Lei nº 103032001 incorporou à legislação brasileira princípios de governança corporativa coibindo o abuso do direito de voto O acionista deve votar no interesse da companhia e considerase abusivo o voto exercido com o intuito de causar dano à companhia ou a outros acionistas obter vantagem indevida com prejuízo à sociedade O 3º prevê responsabilidade civil mesmo se o voto abusivo não prevalecer na deliberação Já o 1º do art 115 trata do voto conflitante proibindo o acionista de votar na aprovação do laudo de avaliação dos bens que utilizou para integralizar o capital na aprovação de suas próprias contas como administrador em quaisquer deliberações que possam beneficiálo de modo particular ou em que tenha interesse conflitante com o da companhia A deliberação tomada com voto conflitante é anulável e o acionista responde pelos danos e deve transferir à companhia as vantagens obtidas 4º O Enunciado nº 14 da I Jornada de Direito Comercial do CJF reforça essa vedação afirmando que é ilícito aos administradores votarem direta ou indiretamente para aprovar ou rejeitar suas próprias contas Vale mencionar a diferença entre os votos conflitantes podendo haver conflito formal e conflito material A doutrina distingue dois tipos de conflito de interesses 73 Conflito formal decorre de situação expressamente prevista em lei havendo proibição absoluta de voto por exemplo aprovação do laudo de bens próprios ou das próprias contas Conflito material não é presumido pela lei depende da análise concreta das circunstâncias O voto pode ser proferido mas estará sujeito a controle posterior podendo ser anulado se comprovado o prejuízo à companhia O voto abusivo e o voto conflitante distinguemse portanto pelo elemento volitivo e pela consequência jurídica o voto abusivo gera responsabilidade civil ainda que não prevaleça o voto conflitante permite além da responsabilidade a anulação da deliberação quando o voto foi decisivo Portanto o direito de voto é a principal expressão da soberania do acionista dentro da sociedade anônima Sua disciplina revela o equilíbrio entre democracia societária e proteção institucional garantindo que o poder político dentro da companhia seja exercido com responsabilidade lealdade e transparência 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão No âmbito do Direito Societário são chamadas operações societárias as transformações estruturais que alteram a forma a composição ou a organização das sociedades resultando em modificações substanciais de sua estrutura jurídica e patrimonial Entre as principais operações estão a incorporação a fusão e a cisão Essas operações têm natureza eminentemente organizacional e patrimonial refletindo a dinâmica do mercado e o princípio da livre iniciativa Seu objetivo é permitir que as sociedades se adaptem a novas estratégias econômicas ampliem sua capacidade de atuação ou se reorganizem para maior eficiência empresarial A matéria é disciplinada conjuntamente pela Lei nº 64041976 LSA aplicável às sociedades por ações e pelo Código Civil de 2002 que regula as demais sociedades empresárias Em caso de conflito de normas prevalece o regime da LSA em razão da especialidade O Enunciado nº 70 do Conselho da Justiça Federal CJF sintetiza essa regra As disposições sobre incorporação fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas As disposições da Lei nº 64041976 sobre essa matéria aplicamse por analogia às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso 74 241 Incorporação A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra que lhes sucede universalmente em todos os direitos e obrigações Essa definição está prevista tanto no art 227 da LSA quanto no art 1116 do Código Civil que dispõem em termos praticamente idênticos Em termos práticos a sociedade incorporadora adquire o patrimônio das incorporadas e estas são extintas sem formação de nova pessoa jurídica A incorporadora continua existindo mas com seu patrimônio e estrutura modificados O procedimento de incorporação envolve duas etapas principais 1 Aprovação do protocolo e nomeação de peritos A assembleia geral da incorporadora ao aprovar o protocolo da operação deve autorizar o aumento de capital a ser subscrito pela incorporada mediante a versão de seu patrimônio líquido e nomear peritos para avaliálo art 227 1º LSA 2 Aprovação do laudo de avaliação e consumação da operação Após a avaliação nova assembleia da incorporadora deve aprovar o laudo e consumar a incorporação declarando extinta a sociedade incorporada art 227 3º LSA art 1118 do CC A operação deve ser arquivada e publicada na Junta Comercial competente Importa observar que a Instrução Normativa DREI nº 812020 art 70 parágrafo único admite a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo desde que o procedimento seja regularmente aprovado 242 Fusão A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma nova sociedade que lhes sucede integralmente em direitos e obrigações A definição consta do art 228 da LSA e do art 1119 do Código Civil sendo a fusão caracterizada portanto pela extinção simultânea das sociedades anteriores e pela criação de uma nova pessoa jurídica O procedimento de fusão compreende duas etapas 1 Assembleia de cada sociedade envolvida Cada sociedade deve realizar assembleia geral para aprovar o protocolo de fusão nomear peritos para avaliar os patrimônios líquidos das demais e aprovar o projeto de constituição da nova sociedade art 228 1º LSA art 1120 1º CC 75 2 Assembleia conjunta de constituição Após os laudos de avaliação os administradores convocam assembleia conjunta para tomar conhecimento dos laudos e aprovar a constituição definitiva da nova sociedade art 228 2º LSA Os sócios são vedados de votar o laudo de avaliação referente à sociedade da qual façam parte art 228 2º parte final LSA Por fim constituída a nova sociedade seus administradores devem promover o arquivamento e a publicação dos atos da fusão art 228 3º LSA art 1121 CC 243 Cisão A cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parte ou a totalidade de seu patrimônio a uma ou mais sociedades já existentes ou constituídas para esse fim De acordo com o art 229 da LSA a cisão pode ser Parcial quando há transferência de apenas parte do patrimônio Total quando há transferência de todo o patrimônio extinguindose a sociedade cindida A cisão é uma forma de reorganização que visa à especialização de atividades separação de negócios ou reorganização de grupos econômicos O procedimento varia conforme o tipo de cisão 1 Cisão com criação de nova sociedade A assembleia geral da companhia cindida deve aprovar a justificação da operação nomear peritos para avaliar o patrimônio transferido e constituir a nova sociedade art 229 2º LSA 2 Cisão com versão de patrimônio para sociedade existente Nesse caso aplicamse as mesmas regras da incorporação art 229 3º LSA Em ambos os casos as sociedades envolvidas devem arquivar e publicar os atos societários correspondentes Ainda nos termos do art 229 1º LSA a sociedade que absorver parcela do patrimônio da cindida sucedea nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão Se a cisão for total as sucessoras responderão proporcionalmente ao patrimônio recebido Quando houver extinção da sociedade cindida o arquivamento e publicação dos atos competem aos administradores das sociedades que absorveram o patrimônio art 229 4º LSA As ações emitidas em substituição às anteriores devem ser atribuídas proporcionalmente à participação anterior dos acionistas salvo se houver aprovação unânime para proporção diversa art 229 5º LSA 76 Operação Surge nova sociedade Sociedades extintas Sucessão universal Incorporação Não Sim as incorporadas Sim Fusão Sim Sim todas as fundidas Sim Cisão parcial Não Não Parcial Cisão total Não Sim a cindida Sim 77 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais A operação a termo conforme delineada no Capítulo 1 consubstanciase em um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam no presente a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação entrega do ativo e pagamento do preço em data futura predeterminada ASSAF NETO 2023 Tratase portanto de uma relação obrigacional que engendra expectativas de direitos e obrigações mas que até o momento da liquidação não altera a titularidade registral dos ativos objeto do contrato Em paralelo o regime jurídico das sociedades anônimas estabelecido pela Lei n 64041976 Lei das SA atribui um conjunto de direitos e prerrogativas aos acionistas titularizados por aqueles que constam como tal nos registros societários da companhia no momento do exercício do direito Dentre tais direitos destacamse para esta análise o direito de voto em assembleias gerais art 109 caput da Lei n 64041976 e o direito de recesso art 137 da Lei n 64041976 este último acionado em hipóteses excepcionais que implicam alteração substantiva na estrutura ou objeto social como incorporações fusões e cisões Surge então uma zona de tensão jurídica quando o vencimento de uma operação a termo é posterior à data de um evento societário relevante que confere direitos aos acionistas registrais Colidem nesse cenário dois planos temporais distintos o plano obrigacional que mira o futuro a liquidação do termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos A problemática central que este capítulo se propõe a analisar é em uma operação a termo ainda não liquidada quem é o legítimo titular para o exercício de direitos societários notadamente o voto e o recesso decorrentes de um evento como uma incorporação o vendedor a termo cedente que ainda detém o registro formal das ações ou o comprador a termo tomador que já assumiu o risco econômico e a expectativa de propriedade sobre os ativos De um lado o vendedor a termo ainda formalmente acionista poderia ser considerado o detentor legítimo desses direitos com base no princípio do registro e da segurança jurídica das relações societárias De outro o comprador a termo que suporta as variações de valor do ativo desde a contratação e tem o compromisso de adquirilo no futuro possui inequívoco interesse econômico no desfecho do evento societário levantando a questão sobre se a mera 78 titularidade registral desprovida do risco econômico deveria ser o único critério para o exercício de direitos tão sensíveis A solução para este impasse não é pacífica na doutrina e na jurisprudência exigindo uma análise aprofundada da natureza jurídica da posição das partes no contrato a termo e da teleologia dos direitos societários em questão 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo Para compreender a distribuição dos direitos societários em uma operação a termo pendente de liquidação é imperioso revisitar a natureza jurídica desse contrato e consequentemente a posição ocupada pelo comprador tomador e pelo vendedor cedente Conforme previamente estabelecido a operação a termo é classificada como um contrato derivativo consensual bilateral e oneroso BULGARELLI 2021 CARVALHOSA 2022 Sua essência é obrigacional consistindo em um acordo de vontades que gera para as partes o de dare obrigação de entregar o ativo e o de solvere obrigação de pagar o preço cujo cumprimento é diferido para uma data futura A Lei n 63851976 em seu art 2º VII ao definir valores mobiliários inclui expressamente os contratos a termo submetendoos à regulação da CVM o que reforça seu caráter de instrumento financeiro com feições públicas Dessa natureza decorre a distinção fundamental entre propriedade plena e expectativa de direito Propriedade Plena Vendedor a Termo Até a efetiva liquidação da operação D0 ou D2 conforme o caso as ações objeto do contrato permanecem registradas em nome do vendedor a termo seja no livro de registro de ações nominativas da companhia seja na conta de custódia mantida por instituição autorizada art 34 da Lei n 64041976 O vendedor detém perante a sociedade e terceiros a titularidade formal e todos os direitos de acionista dela decorrentes incluindo os direitos políticos voto e o direito de recesso É a posição que confere segurança e publicidade às relações societárias Expectativa de Direito Comprador a Termo O comprador a termo por sua vez é titular de um direito creditório uma expectativa jurídica legitimamente constituída de se tornar proprietário das ações na data do vencimento Ele assume o risco econômico beneficium e onus da variação do preço do ativo subjacente desde a data da contratação 79 Contudo esta expectativa embora juridicamente protegida não se confunde com a propriedade Conforme ensina Eizirik 2023 p 415 o tomador a termo não é acionista mas credor de uma obrigação de dar não podendo em tese exercer os direitos inerentes à condição de sócio O cerne da discussão doutrinária reside em qualificar se essa posição do comprador se resume a um mero crédito ou se encerra uma figura mais complexa Para parte da doutrina como Carvalhosa 2022 p 431 a operação a termo embora de natureza obrigacional cria para o comprador uma situação jurídica que se aproxima de um direito real resolúvel pois desde a celebração do contrato ele fica subrogado economicamente na posição de proprietário Nesta visão há uma quasepropriedade ou um ius ad rem direito à coisa que justificaria em tese um tratamento que considere seu interesse econômico substancial Em sentido oposto prevalece o entendimento de que a natureza é estritamente obrigacional Coelho 2022 p 278 é categórico ao afirmar que a operação a termo não transfere à sua celebração a propriedade das ações O comprador adquire um direito pessoal contra o vendedor e não um direito real sobre as ações Esta é a posição que melhor se coaduna com o sistema de registro da Lei das SA e com a segurança do mercado pois evita a pulverização da titularidade de direitos e a insegurança sobre quem é efetivamente o acionista para a companhia Sob a ótica do direito societário puro a titularidade para o exercício de direitos como o voto e o recesso permanece com o vendedor a termo acionista registral Qualquer mitigação deste princípio depende de convenção entre as partes que por meio de cláusulas contratuais acessórias podem disciplinar o exercício desses direitos durante a vigência do termo sem contudo alterar a titularidade registral perante a sociedade 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso Para ilustrar a colisão de planos temporais e os conflitos jurídicos decorrentes analisa se um cenário hipotético porém recorrente no mercado de capitais Cenário A Companhia Alfa SA será incorporada pela Companhia Beta SA A assembleia geral extraordinária da Companhia Alfa é convocada para deliberar sobre a incorporação nos termos do art 226 da Lei n 64041976 Conforme disposto no art 136 IV 80 da mesma lei a aprovação dessa matéria assegura aos acionistas dissidentes o direito de recesso previsto no art 137 Situação Um bloco significativo de ações ordinárias da Companhia Alfa é objeto de uma operação a termo O senhor João cedente vendeu a termo essas ações para a senhora Maria tomadora Contudo a data de liquidação física do contrato a termo está calendarizada para ocorrer após a realização da assembleia geral que votará a incorporação Neste ínterim João permanece como o acionista registral das ações no livro de registros da Companhia Alfa O Dilema 1João Vendedor a Termo Do ponto de vista estritamente legal e registral João é o acionista Com base no art 137 da Lei n 64041976 ele tem o direito potestativo de exercer o recesso retirandose da sociedade e recebendo o reembolso pelo valor de suas ações calculado com base no último balanço aprovado ou por valuation específico art 45 da Lei n 64041976 O fato de ele ter celebrado um contrato a termo com Maria é uma relação obrigacional distinta de sua condição de acionista perante a companhia Se ele exercer o recesso receberá o valor do reembolso da Companhia Alfa No vencimento do termo ele não poderá entregar as ações a Maria pois estas terão sido remidas pela companhia Surge então a questão pode ele licitamente exercer esse direito e embolsar a diferença entre o valor do reembolso potencialmente mais alto e o preço a termo previamente acordado com Maria 2Maria Compradora a Termo Maria por sua vez já assumiu o risco econômico das ações O preço a termo que ela pagará a João foi fixado com base em expectativas de mercado que incluíam a continuidade da Companhia Alfa como entidade independente ou sua transformação via incorporação O exercício do recesso por João frustra completamente sua expectativa contratual O interesse econômico de Maria é que as ações não sejam retiradas para que na data de liquidação do termo ela possa recebêlas e subsequentemente trocálas pelas ações da sucessora Companhia Beta conforme estabelecido no protocolo de incorporação Como ela pode proteger seu interesse Sem previsão contratual sua posição é frágil Ela poderá alegar em uma eventual ação contra João que o exercício do recesso configura enriquecimento sem causa art 884 do Código Civil ou mesmo abuso de direito art 187 do Código Civil pois João estaria utilizando uma prerrogativa legal o recesso de forma a causar dano a ela e a obter vantagem indevida já que o risco econômico já não lhe pertencia No entanto tratarse ia de uma demanda complexa a posteriori para buscar perdas e danos Este caso explicita o núcleo do problema a desconexão entre a titularidade formal do direito de recesso de João com base no registro e a titularidade econômica e do risco de 81 Maria com base no contrato a termo A lei societária por si só não oferece uma solução pronta para este impasse tornando crucial a análise de como o ordenamento jurídico e a prática contratual podem equacionar este conflito 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica A definição do legítimo titular do direito de recesso em operações a termo não liquidadas constitui um dos dilemas mais intrincados do direito societário contemporâneo O tema exige uma abordagem multifacetada que combine a dogmática jurídica tradicional a análise econômica do direito e os princípios da boafé e da função social dos contratos A controvérsia revela um conflito estrutural entre a forma registral expressão do formalismo jurídico e da segurança das relações societárias e a realidade econômica expressão da substância e da justiça material nas relações contratuais complexas O problema centrase na seguinte questão quem detém o direito de recesso em uma operação a termo ainda não liquidada o acionista registral vendedor a termo ou o comprador titular do interesse econômico sobre as ações A resposta não é unívoca e depende da leitura conjugada da legislação societária da doutrina civilista e dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral A tese que confere a titularidade do direito de recesso ao vendedor a termo repousa sobre fundamentos jurídicopositivos consistentes e historicamente enraizados na dogmática societária brasileira a O Sistema Registral como Pilar de Segurança Jurídica Nos termos do art 31 da Lei nº 64041976 Lei das SA a condição de acionista é definida pelo registro do titular no livro de ações nominativas da companhia Esse registro possui natureza constitutiva e não meramente declaratória sendo elemento indispensável para o exercício dos direitos políticos e patrimoniais inerentes à ação Como observa Eizirik 2023 p 228 a companhia apenas reconhece e se relaciona com quem figura como acionista em seus livros eventuais negócios jurídicos subjacentes como contratos a termo ou de derivativos não alteram a titularidade formal enquanto não houver 82 registro da transferência Assim o sistema registral funciona como instrumento de publicidade segurança e previsibilidade valores que sustentam a estabilidade das relações societárias e protegem terceiros de boafé b Interpretação Literal e Sistemática do Art 137 da Lei das SA O art 137 da Lei das SA confere o direito de recesso ao acionista dissidente de determinadas deliberações assembleares Uma interpretação literal e sistemática desse dispositivo revela que o legislador ao empregar reiteradamente o termo acionista se refere exclusivamente ao titular formal registrado nos livros da companhia Assim a titularidade do recesso é indissociável da titularidade registral Qualquer tentativa de ampliar essa definição para abarcar o comprador a termo ainda não registrado implicaria alteração do regime legal vigente violando o princípio da legalidade art 5º II da CF1988 e subvertendo a coerência do sistema societário Como ensina Comparato 2018 p 423 a disciplina das companhias se constrói sobre a certeza formal dos registros sem a qual desapareceria a segurança necessária ao funcionamento do mercado de capitais c Natureza Obrigacional da Operação a Termo O contrato a termo não transfere de imediato a propriedade das ações Tratase de um negócio obrigacional que gera para as partes deveres de fazer e obrigações futuras de entrega e pagamento conforme acentua Coelho 2022 p 315 o contrato a termo até sua liquidação não opera a transferência da propriedade mas apenas cria expectativas jurídicas correlatas Consequentemente todos os direitos inerentes à propriedade das ações inclusive o direito de recesso permanecem com o vendedor até a efetiva liquidação e registro da transferência d Preservação da Autonomia e das Garantias do Acionista O direito de recesso tem natureza protetiva assegurando ao acionista dissidente a liberdade de desvincularse de modificações profundas na estrutura societária Admitir que um terceiro ainda que economicamente interessado interfira nesse direito seria esvaziar o núcleo essencial de autonomia assegurado ao acionista registral comprometendo a coerência do regime jurídico das SA 83 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico Em contrapartida a posição que reconhece o comprador a termo como legítimo titular ou beneficiário indireto do recesso encontra respaldo em argumentos principiológicos e econômicos que buscam alinhar o direito positivo à realidade dos mercados financeiros a Princípio da BoaFé Objetiva e Função Social do Contrato Nos termos do art 113 do Código Civil os contratos devem ser interpretados conforme a boafé objetiva e os usos do lugar A boafé impõe às partes deveres de lealdade transparência e cooperação impedindo o exercício oportunista de posições jurídicas Quando o vendedor ciente de que o valor da ação aumentará em razão de um evento societário que ensejará direito de recesso exerce esse direito com o intuito de auferir lucro extraordinário viola a confiança legítima do comprador frustrando a função econômica do contrato e ferindo o equilíbrio contratual b Teoria do Abuso de Direito Aplicada ao Direito de Recesso O art 187 do Código Civil estabelece que comete abuso de direito aquele que mesmo agindo dentro da legalidade formal excede manifestamente os limites impostos pela boafé pela finalidade social ou pela função econômica do direito Assim o exercício do recesso pelo vendedor quando desprovido de propósito protetivo e voltado à obtenção de vantagem indevida configura abuso de direito Os critérios de identificação do abuso conforme a doutrina de Gagliano e Pamplona Filho 2022 incluem 1 Desproporção entre a vantagem do titular e o prejuízo de outrem 2 Desvio de finalidade quando o direito é exercido para propósito diverso do que justificou sua concessão 3 Violação da confiança legítima depositada na relação contratual c Enriquecimento sem Causa e Dever de Restituição O art 884 do Código Civil impõe a restituição de valores obtidos mediante enriquecimento sem causa Assim o vendedor que exerce abusivamente o recesso capturando 84 um ganho econômico que já havia sido transferido economicamente ao comprador deve restituir a vantagem indevida sob pena de desequilíbrio contratual Como explica Tartuce 2023 p 892 a vedação ao enriquecimento sem causa é expressão do princípio da justiça comutativa e da função corretiva do direito privado d Análise Econômica do Direito e Justiça Substantiva Sob a ótica da análise econômica do direito o recesso representa um ativo econômico incorporado ao valor da ação Ao celebrar o contrato a termo as partes precificam o risco e o potencial de valorização inclusive decorrente de eventos societários Permitir que o vendedor capture integralmente esse valor seria romper a simetria de expectativas e criar incentivos distorcidos ao comportamento oportunista Dessa forma a justiça substancial e o equilíbrio econômicocontratual justificam a proteção do comprador ainda que à margem do formalismo registral 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos O mercado financeiro sensível a esses riscos tem desenvolvido mecanismos contratuais sofisticados para mitigar disputas sobre o direito de recesso 1 Cláusulas de Exercise and Settle conferem ao comprador a prerrogativa de decidir sobre o exercício do recesso cabendo ao vendedor executar as instruções recebidas 2 Cláusulas de Cash Settlement Adaptadas preveem liquidação financeira em caso de exercício do recesso pelo vendedor garantindo compensação ao comprador pela diferença entre o valor de reembolso e o preço pactuado 3 Representações e Garantias Contratuais o vendedor declara expressamente que não exercerá direitos societários que possam frustrar a operação sob pena de multa contratual 4 Cláusulas de Cooperação e Notificação obrigam o vendedor a comunicar imediatamente ao comprador qualquer evento que possa gerar direito de recesso reforçando a boafé objetiva e o dever de transparência Essas soluções evidenciam a busca do mercado por autonomia privada regulada capaz de harmonizar o formalismo societário com a eficiência econômica 85 344 Conclusão da Análise A controvérsia sobre a titularidade do direito de recesso em operações a termo reflete o tensionamento entre o formalismo jurídico e a realidade econômica entre o registro societário e o interesse econômico subjacente Enquanto a posição do vendedor assegura segurança previsibilidade e coerência com a estrutura legal vigente a posição do comprador introduz elementos de equidade boafé e justiça material evitando comportamentos oportunistas e assegurando a efetividade da função social do contrato A jurisprudência brasileira ainda incipiente no tema tende a adotar uma postura formalista reconhecendo a titularidade do vendedor mas progressivamente admite responsabilização civil por abuso de direito ou enriquecimento sem causa quando comprovada máfé ou desvio de finalidade Em última análise a solução futura desse impasse dependerá de uma evolução legislativa ou jurisprudencial que reconheça a importância da realidade econômica nas operações societárias complexas harmonizando o princípio da segurança jurídica com o princípio da justiça contratual Assim o direito societário brasileiro poderá caminhar para um modelo híbrido no qual a forma registral e a substância econômica coexistam de modo equilibrado assegurando simultaneamente certeza formal e justiça material 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários A investigação jurisprudencial e doutrinária sobre a temática revela um cenário de significativa carência de precedentes específicos que abordem diretamente o conflito entre operações a termo e o exercício do direito de recesso Esta lacuna por si só é um dado relevante que corrobora a tese da insegurança jurídica na matéria 351 Análise da Jurisprudência Pertinente A pesquisa nos tribunais pátrios notadamente no Superior Tribunal de Justiça STJ corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional não identificou julgados que tenham enfrentado diretamente a questão da titularidade do direito de 86 recesso em operações a termo Contudo decisões sobre temas afins oferecem subsídios para a construção de um entendimento analógico Tabela 1 Decisões sobre Direito de Recesso e Reorganização Societária Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT 1 Comissão de Valores Mobiliários CVM Processo Administrativo nº RJ20120249 Incorporação de ações da Telemar Participações SA Reconheceu que em contratos de empréstimo de ações os tomadores e não os doadores detinham o direito de recesso exigindo se titularidade ininterrupta até a data da deliberação O caso embora distinto empréstimo de ações reforça o princípio de que a titularidade dos direitos societários pode ser desmembrada da propriedade registral por acordo das partes desde que a companhia tenha ciência do arranjo COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Processo Administrativo nº RJ20120249 Relator Nome do Relator 11 jan 2012 2 Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 1540428SP Alienação de controle acionário Estabeleceu parâmetros para caracterização de alienação de controle e seus efeitos para acionistas minoritários O entendimento consolida a proteção do minoritário em eventos de alteração de controle princípio que pode ser invocado para proteger o comprador a termo que se encontra em situação análoga à de um minoritário cujos direitos são ameaçados SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1540428SP Relator Ministro Nome do Relator julgado em 16 mar 2018 3 STJ REsp 1837538SP Alienação de controle OPA tag along Reconheceu que mesmo a alienação parcial de controle pode caracterizar alteração substancial do bloco controlador ativando obrigações de proteção O precedente é útil para demonstrar a sensibilidade do STJ em proteger a legítima expectativa dos investidores em cenários de mudança de controle um valor jurídico que pode ser estendido ao comprador a termo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1837538SP Relator Ministro Nome do Relator Publicado em 25 jun 2024 87 A ausência de um julgado específico no STJ sobre o ponto revela que a solução para estes conflitos tem sido buscada predominantemente na esfera contratual ou em instâncias inferiores sem que o tema tenha alcançado a corte uniformizadora 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados A doutrina especializada por outro lado tem se debruçado sobre a questão com maior profundidade oferecendo o arcabouço teórico necessário para a análise Tabela 2 Doutrina para Fundamentação do Tema Nº Autor Trabalho Tema Observações Referência ABNT 1 LEITE Alyne de Oliveira et al Direito de recesso na reorganização societária Fundamenta a tipicidade das hipóteses legais e a função protetiva do recesso para o acionista minoritário A análise reforça a natureza personalíssima do direito o que em tese apoiaria a titularidade do vendedor a termo mas também evidencia seu caráter de tutela de uma expectativa legítima que pode ser invocada pelo comprador LEITE Alyne de Oliveira DIAZ GINO Bethsaida de Sá Barreto CLAUDINO Gilbene Calixto Pereira As sociedades anônimas e o direito de recesso como norma de proteção aos acionistas minoritários na reorganização societária 2022 Dissertação Mestrado Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo 2022 2 MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo Analisa critérios como liquidez dispersão acionária e a necessidade de titularidade contínua para o exercício do recesso A obra é fundamental para compreender que o direito de recesso é um instituto complexo cujo exercício depende de condições fáticas e jurídicas específicas não se resumindo a uma mera verificação registral MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo nas sociedades por ações 2019 Dissertação Mestrado Fundação Getulio Vargas São Paulo 2019 3 CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e proteção dos minoritários Estuda a limitação dos poderes do controlador e os mecanismos de proteção em eventos de alteração de controle A tese é útil para transpor os argumentos de proteção ao investidor para o contexto da operação a termo tratando o comprador como um detentor de interesse econômico merecedor de tutela análoga CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e os mecanismos de proteção dos acionistas minoritários 2014 Tese Doutorado Universidade de São Paulo São Paulo 2014 88 A doutrina consultada em seu conjunto não oferece uma solução unânime mas fornece os instrumentos teóricos para ambas as teses De um lado reforça a segurança do registro de outro enfatiza os princípios da boafé o combate ao abuso de direito e a proteção da expectativa legítima do investidor 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária A escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema específico é em si um dado significativo Ela evidencia uma lacuna legal e jurisprudencial que transfere para as partes a primazia na solução do conflito via instrumentos contratuais A ausência de um norte claro do Poder Judiciário ou da CVM gera insegurança e eleva o custo de transação pois as partes não podem prever com certeza o desfecho de um eventual litígio Esta constatação reforça a tese central de que na atual quadra a solução mais eficiente e segura é a previsão contratual expressa A jurisprudência e a doutrina embora não solucionem o problema diretamente oferecem os princípios gerais abuso de direito boafé objetiva enriquecimento sem causa que servirão de base para o julgador preencher essa lacuna quando chamado a se pronunciar tendendo a proteger a parte que agiu de acordo com a lógica econômica do contrato e em conformidade com a boafé A lei é omissa quanto à definição do legítimo titular de direitos como o voto e sobretudo o recesso quando a titularidade registral do vendedor a termo e a titularidade econômica do comprador a termo se divorciam temporalmente Esta lacuna legislativa gera uma zona de incerteza que contraria os princípios basilares da segurança jurídica e da previsibilidade essenciais para o pleno funcionamento e o desenvolvimento do mercado de capitais Diante deste vácuo normativo a pesquisa aponta que a solução mais segura e eficiente reside na previsão contratual detalhada Contratos de operações a termo especialmente quando envolvem blocos relevantes de ações devem incorporar cláusulas específicas que disciplinem de maneira inequívoca a gestão dos direitos societários durante a vigência do contrato Tais cláusulas que podem estabelecer a transferência da instrução de voto a definição sobre o exercício do recesso e a destinação dos valores dele decorrentes constituem o mecanismo mais adequado para prevenir litígios e alinhar os interesses das partes à realidade econômica por elas pactuada Contudo na ausência de tal previsão contratual o conflito estará fadado a ser resolvido pelo Poder Judiciário em um cenário onde ambas as partes detêm argumentos juridicamente 89 válidos De um lado o vendedor a termo se ampara no rigor formal do sistema registral da Lei das SA de outro o comprador a termo invoca princípios gerais de elevada estatura como a boafé objetiva a função social do contrato e a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Apesar da solidez do argumento formalista o estudo indica uma tendência principiológica em favor da proteção ao comprador que suporta integralmente o risco econômico do ativo A jurisprudência analógica e os fundamentos doutrinários sugerem que quando demonstrado que o exercício do direito de recesso pelo vendedor configura um ato em descompasso com a boafé visando a uma vantagem especulativa não prevista e causando um prejuízo certo ao comprador os tribunais poderão caracterizar o abuso de direito Nesta hipótese ainda que se reconheça a titularidade formal do vendedor imporseá a ele o dever de indenizar o comprador ou de repassar os valores percebidos assegurandose assim a justiça substantiva da relação A omissão da lei não pode servir de escudo para condutas abusivas A evolução do mercado de capitais com o aumento da complexidade dos instrumentos financeiros exige uma interpretação do direito que seja capaz de harmonizar a segurança das formas com a efetiva tutela dos interesses econômicos legítimos e da confiança depositada nas relações negociais 90 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições A operação a termo pela sua própria natureza jurídica de contrato de execução diferida pode ser utilizada como um instrumento estratégico para a aquisição de participações acionárias relevantes inclusive de blocos de controle com um significativo grau de opacidade perante o mercado Esta característica quando explorada de forma ilícita convertese em um vetor de graves distorções à integridade e à equidade do mercado de capitais O cerne desta opacidade reside no fato de que a operação a termo em sua fase pré liquidação não constitui um evento de alteração de titularidade perante os registros societários da companhia emissora Consequentemente um investidor pode celebrar uma série de contratos a termo com diferentes vendedores acumulando a expectativa de aquisição de um bloco acionário substancial sem que este acúmulo seja de conhecimento público ou em certos casos sequer da própria companhiaalvo Esta estratégia permite que o aquirente contorne temporariamente os deveres de disclosure imediato impostos pela regulamentação O art 12 da Resolução CVM nº 44 de 2021 que consolida a antiga Instrução CVM 358 estabelece a obrigação de comunicar à CVM e ao mercado a aquisição de quantidade de valores mobiliários que em conjunto com outras já detidas atinja ou ultrapasse 5 10 15 e assim sucessivamente do capital total de uma companhia aberta No entanto a aquisição referida pela norma tipicamente se reporta à aquisição da propriedade plena registrada nos livros societários Dessa forma um agente pode em tese acumular posições a termo equivalentes a 10 15 ou mesmo ao controle da companhia sem desencadear a obrigação de comunicar esses fatos ao mercado Esta janela de opacidade que perdura desde a contratação até a liquidação física das operações cria um ambiente propício para a prática de duas das mais graves infrações do mercado de capitais a manipulação de mercado e o uso de informação privilegiada insider trading O investidor pode se utilizar desse período de invisibilidade para orquestrar sua estratégia de aquisição em condições de vantagem indevida comprando papéis a preços que não refletem a futura mudança de controle ou a sua própria demanda agregada em prejuízo dos demais participantes do mercado que negociam sem o mesmo conhecimento 91 Este capítulo tem como objetivo investigar de forma aprofundada como a operação a termo pode ser instrumentalizada para fins ilícitos em processos de aquisição analisando os mecanismos dessas condutas o enquadramento legal aplicável e as consequências jurídico administrativas decorrentes com base na legislação vigente e em casos concretos apurados pela CVM 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo A aquisição fracionada de controle por meio de operações a termo constitui uma forma sofisticada de engenharia financeira frequentemente empregada em mercados de capitais maduros mas que em contextos de menor transparência regulatória pode ensejar sérios riscos de ilicitude e de assimetria informacional Essa estrutura embora possa ser legítima quando orientada por finalidades econômicas autênticas e pela observância dos deveres de conduta e transparência tornase problemática quando instrumentalizada para ocultar a formação de blocos de controle ou dilatar indevidamente o dever de comunicação ao mercado Em termos técnicos o mecanismo consiste na celebração de múltiplos contratos a termo instrumentos derivativos que preveem a compra futura de ações a preço e data previamente determinados firmados por um investidor individual ou por um grupo de investidores atuando de forma concertada O objeto desses contratos são ações de uma mesma companhiaalvo de modo que ao final o adquirente consolida uma posição econômica equivalente ao controle societário sem que até a liquidação haja transferência formal de titularidade O caráter crítico e sensível dessa prática reside em sua furtividade operacional Cada contrato individual representa isoladamente uma fração não expressiva do capital social Assim enquanto o conjunto dessas posições ainda não é liquidado fisicamente o adquirente não aparece nos registros societários como titular das ações evitando portanto o acionamento dos gatilhos regulatórios de comunicação e divulgação A posse econômica isto é o domínio dos riscos e benefícios inerentes às ações todavia já se encontra concentrada em um único agente econômico criando uma disparidade entre a titularidade jurídica e a titularidade econômica 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório 92 O artigo 12 da Resolução CVM nº 442021 impõe ao investidor o dever de comunicar ao mercado a aquisição de participações relevantes que atinjam determinados limiares percentuais do capital votante ou total da companhia A Comissão de Valores Mobiliários CVM em suas manifestações e decisões administrativas tem reiterado que a noção de posse relevante para fins de disclosure não se limita à propriedade formal devendo abranger posições que confiram ao investidor de forma inequívoca os riscos e benefícios econômicos dos valores mobiliários objeto da operação CVM Processo RJ20120249 2012 Entretanto a ausência de uma regulamentação específica sobre a agregação de posições derivativas especialmente operações a termo e contratos de swap vinculados a ações abre um espaço de incerteza normativa que pode ser explorado por agentes malintencionados Ao fragmentar as aquisições e distribuílas em diversas operações a termo o investidor consegue postergar a obrigação de divulgação mantendo o mercado em ignorância quanto à real concentração de poder de voto e influência na companhia Essa postergação não é apenas uma omissão formal mas uma violação à essência do dever de transparência elemento fundamental para a formação eficiente dos preços e para a confiança dos investidores no mercado de capitais 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along O artigo 254A da Lei nº 64041976 Lei das Sociedades por Ações estabelece a obrigatoriedade da Oferta Pública de Aquisição de Ações OPA em caso de alienação do controle acionário assegurando aos acionistas minoritários o direito de tag along isto é o direito de vender suas ações nas mesmas condições conferidas ao controlador A ratio legis dessa norma é proteger os minoritários contra operações que impliquem mudança de controle sem contraprestação equitativa RETTO 2007 MARANGONI 2015 Quando a aquisição do controle é estruturada mediante acumulação fracionada de posições a termo o adquirente pode tentar sustentar que não ocorreu uma alienação de controle típica pois não houve um único vendedor ou um bloco controlador formalmente transferido mas apenas aquisições pulverizadas de mercado Essa interpretação se admitida esvaziaria o conteúdo protetivo da norma permitindo que o controle fosse transferido de fato sem a correspondente OPA e sem que os minoritários usufruíssem do prêmio de controle caracterizando uma evasão normativa CASQUET 2013 STJ REsp 1540428SP 2018 A doutrina e a jurisprudência da CVM têm reconhecido que o conceito de controle deve ser interpretado de maneira funcional e substancial levando em conta a capacidade de 93 influência decisória e não apenas a titularidade formal das ações CVM Processo RJ20120249 2012 Assim operações a termo que concentrem poder de voto e direitos econômicos de maneira dissimulada podem em tese configurar alienação indireta de controle sujeitando o adquirente às mesmas obrigações de transparência e de OPA 423 Riscos e implicações regulatórias A utilização abusiva das operações a termo para aquisição fracionada de controle afronta os princípios basilares do mercado de capitais especialmente os de transparência equidade e integridade previstos nos arts 4º e 5º da Lei nº 63851976 e reforçados pelo Regulamento do Novo Mercado da B3 Além disso tal conduta pode enquadrarse nas hipóteses de manipulação de mercado e de omissão de informação relevante conforme tipificado no art 27C da Lei nº 63851976 podendo ensejar responsabilidade administrativa e até penal Em perspectiva ética e institucional a ocultação intencional de posições relevantes compromete a formação justa dos preços deteriora a confiança dos investidores e atinge o equilíbrio informacional pilares essenciais para o desenvolvimento saudável do mercado de capitais Portanto ainda que as operações a termo sejam instrumentos legítimos de hedge e gestão de portfólio seu uso para aquisição encoberta de controle deve ser interpretado e sancionado conforme os princípios da boafé objetiva lealdade e transparência que regem o direito societário contemporâneo 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 63851976 A manipulação de mercado representa uma das mais graves violações ao regime jurídico do mercado de capitais por comprometer diretamente os princípios da transparência integridade e eficiência que sustentam a formação justa dos preços e a confiança dos investidores O artigo 27C inciso III da Lei nº 63851976 tipifica como infração penal e administrativa o ato de praticar de modo fraudulento ou ardiloso ato ou operação que tenha por objeto ou possa ter por efeito alterar artificialmente os preços de valores mobiliários no mercado BRASIL 1976 94 Entre as inúmeras estratégias possíveis de manipulação a instrumentalização das operações a termo ocupa papel de destaque justamente pela aparente neutralidade econômica desses contratos e pela dificuldade de detecção imediata de seu uso indevido As operações a termo ao permitirem a negociação de valores mobiliários com liquidação futura podem ser utilizadas tanto para finalidades legítimas como hedge e planejamento financeiro quanto para fins fraudulentos como a criação artificial de escassez de ativos short squeeze ou a indução de movimentos especulativos de preço 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação O chamado short squeeze constitui uma situação de estrangulamento de vendedores a descoberto em que a escassez artificial de papéis disponíveis para recompra eleva o preço de forma abrupta e insustentável Em termos práticos o cenário se desenha quando um investidor dominante ou um grupo atuando de forma concertada acumula de maneira silenciosa uma posição comprada expressiva em operações a termo sobre ações de baixa liquidez ou seja papéis cujo volume de negociação é reduzido e cuja oferta é limitada no mercado secundário De modo concomitante esse mesmo agente pode realizar vendas a descoberto no mercado à vista com o intuito de pressionar temporariamente os preços para baixo induzindo outros investidores a assumirem posições vendidas À medida que o vencimento dos contratos a termo se aproxima os vendedores precisam adquirir as ações no mercado para efetuar a entrega física ao comprador Nesse momento o manipulador ao deter uma posição comprada dominante e controlar parcela relevante da oferta disponível abstémse de vender ou em alguns casos aumenta suas compras reduzindo ainda mais a liquidez Essa dinâmica provoca um aumento artificial e abrupto no preço do ativo forçando os vendedores a descoberto a recomprar papéis a qualquer custo para cumprir suas obrigações contratuais O resultado é um ciclo de retroalimentação especulativa em que o preço se eleva a níveis descolados dos fundamentos econômicos gerando lucros indevidos ao agente manipulador e prejuízos severos aos demais participantes do mercado 432 O caso VCPG3 um leading case nacional Um caso paradigmático que ilustra essa modalidade de manipulação foi o Processo Administrativo CVM SEI nº 19957010224201977 conhecido como o Caso VCPG3 Embora 95 tenha envolvido outras modalidades operacionais como empréstimo de ações e derivativos o caso evidencia a mesma lógica de manipulação por estrangulamento observada em operações a termo Conforme apurado pela Comissão de Valores Mobiliários CVM a B3 SA Brasil Bolsa Balcão e alguns de seus executivos foram acusados de falha de supervisão por não monitorarem adequadamente a concentração de posições em papéis de baixa liquidez Tal omissão possibilitou que um agente acumulasse uma posição dominante em derivativos e em empréstimos da ação VCPG3 tornando praticamente impossível que os vendedores a descoberto recomprassem os papéis necessários para honrar seus compromissos O episódio culminou em um short squeeze extremo com valorização superior a 1200 no preço da ação em curto espaço de tempo Reconhecendo a gravidade do ocorrido a CVM por intermédio do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 aceitou uma proposta de acordo no valor de R 7 milhões encerrando o processo mediante a admissão tácita da falha de supervisão e do dano potencial causado ao mercado CVM 2020 Tal caso consolidouse como um leading case nacional sobre a vulnerabilidade estrutural do mercado frente a estratégias de manipulação sofisticadas e a necessidade de uma postura preventiva das instituições autorreguladoras Ele também sinalizou que a omissão institucional pode configurar violação indireta ao dever de vigilância e controle especialmente em mercados caracterizados por alta alavancagem e liquidez restrita 433 Responsabilidade e consequências jurídicas As implicações jurídicas da manipulação de mercado são multidimensionais abrangendo as esferas administrativa civil e penal conforme descrito a seguir a Esfera Administrativa CVM Com fundamento nos arts 11 e 27C da Lei nº 63851976 a CVM pode aplicar as sanções previstas no art 11 que incluem multas de até R 50 milhões suspensão ou proibição temporária de atuar no mercado cassação de autorização de funcionamento de intermediários e até inabilitação temporária para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A Lei nº 135062017 ao reformular o regime sancionador ampliou substancialmente o poder punitivo da autarquia introduzindo critérios de proporcionalidade reincidência e gravidade do impacto sistêmico 96 b Esfera Civil Os investidores diretamente prejudicados especialmente vendedores a termo locadores de ações e investidores minoritários possuem direito à reparação integral dos danos materiais e morais sofridos com base nos arts 186 e 927 do Código Civil Nessa hipótese aplicase a teoria do ato ilícito e conforme jurisprudência consolidada a responsabilidade é objetiva quando a manipulação é praticada em contexto de violação de deveres de conduta previstos em lei ou em regulação setorial c Esfera Penal Por fim a conduta também se enquadra no tipo penal autônomo de manipulação de mercado previsto no art 27C da Lei nº 63851976 cuja pena é de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Tratase de crime de perigo concreto bastando que o agente atue de modo fraudulento ou ardiloso com potencial de alterar artificialmente preços ou criar aparência enganosa de liquidez e demanda A ação penal é pública incondicionada cabendo ao Ministério Público Federal a iniciativa processual após a conclusão do inquérito administrativo instaurado pela CVM 434 Considerações críticas A manipulação de mercado sobretudo por meio de operações derivativas complexas revela a tensão entre a inovação financeira e a responsabilidade ética no uso dos instrumentos de mercado O avanço tecnológico e a crescente automação das negociações exigem das autoridades regulatórias uma atuação preventiva inteligente e tecnológica baseada em monitoramento algorítmico de posições e detecção preditiva de anomalias de preço Sob a ótica da governança e da ética empresarial a instrumentalização dolosa de contratos legítimos para fins ilícitos desvirtua o propósito original do mercado de capitais canalizar poupança para investimento produtivo e transforma o ambiente financeiro em um espaço de extração especulativa e concentração de poder econômico Assim mais do que um ilícito técnico a manipulação de mercado configura uma violação à confiança pública elemento essencial da própria legitimidade institucional do sistema financeiro 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 63851976 97 A operação a termo revelase além de instrumento legítimo de gestão de risco e especulação racional um meio potencialmente apto à prática de uso indevido de informação privilegiada conhecido como insider trading Esse ilícito de natureza híbrida simultaneamente administrativa cível e penal caracterizase pela quebra do princípio da isonomia informacional entre os investidores um dos pilares fundamentais da regulação do mercado de capitais O art 27D da Lei nº 63851976 estabelece que incorre no crime de insider trading aquele que utiliza informação relevante ainda não divulgada ao mercado de que tenha ciência privilegiada capaz de propiciar para si ou para outrem vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários BRASIL 1976 A essência da norma é clara ninguém pode negociar no mercado com base em conhecimento assimétrico sob pena de macular a integridade da formação dos preços e a confiança coletiva na lisura do sistema financeiro 441 Estrutura típica e modus operandi O cenário típico envolve um insider termo que abrange administradores acionistas controladores membros de conselho fiscal auditores independentes consultores advogados bancos coordenadores e até servidores públicos que por força de suas atribuições tenham acesso a informações relevantes não públicas Esse agente ciente de um fato relevante positivo ou negativo capaz de influenciar de forma sensível o preço das ações de uma companhia aberta utilizase de tal conhecimento para estruturar uma operação a termo que lhe permita capturar ganhos futuros antes que a informação seja divulgada ao mercado Os exemplos clássicos são eloquentes a iminente aprovação de uma incorporação vantajosa a descoberta de uma jazida mineral a assinatura de um contrato estratégico com alto impacto financeiro ou no extremo oposto a revelação de fraudes contábeis e insolvências ocultas De posse dessa informação o insider celebra operações a termo de compra se a informação for positiva ou de venda se for negativa fixando um preço que embora aparente ser de mercado não reflete a realidade futura conhecida apenas por ele O aspecto jurídico crucial está no momento da consumação da conduta Tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária compreendem que a negociação para fins do art 27D se consuma no momento da celebração do contrato a termo e não na data de sua liquidação É nesse instante o da formação do vínculo obrigacional stipulatio que o agente define sua 98 exposição econômica e se aproveita da assimetria informacional travando um preço baseado em conhecimento oculto ao mercado Assim a liquidação futura é mero desdobramento executório sem relevância para a caracterização do ilícito Como observa Carvalhosa 2021 p 329 a utilização de informação relevante antes de sua divulgação constitui a essência do ilícito ainda que o ganho ou a perda apenas se concretizem em momento posterior 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement A prova da ciência privilegiada e de seu uso doloso constitui o principal obstáculo para os órgãos de fiscalização e persecução Cabe à Comissão de Valores Mobiliários CVM no âmbito administrativo e ao Ministério Público Federal MPF na esfera penal demonstrar o nexo temporal e causal entre o acesso à informação e a celebração da operação O padrão probatório exige a conjugação de indícios convergentes e robustos tais como registros eletrônicos de acesso a documentos sigilosos comunicações internas emails mensagens instantâneas logs de sistemas coincidência temporal entre reuniões corporativas e ordens de negociação análise estatística da atipicidade da operação em relação ao histórico do investidor A mera coincidência temporal embora relevante não é suficiente O que se busca demonstrar é o elemento volitivo do dolo isto é o aproveitamento consciente de informação não pública para obtenção de vantagem econômica indevida Daí a importância da tecnologia forense e da integração entre CVM B3 COAF e MPF que têm desenvolvido sistemas automatizados de correlação entre eventos corporativos e movimentações atípicas de negociação 443 Precedentes e casos emblemáticos Apesar da escassez de casos que envolvam exclusivamente operações a termo a jurisprudência e a prática sancionadora brasileiras vêm consolidando a doutrina do insider trading aplicável por analogia a todos os instrumentos financeiros O Caso Americanas 20232025 é o mais recente e impactante Após a revelação de um rombo contábil de R 253 bilhões as investigações da CVM e do MPF concentraramse em apurar se executivos e controladores cientes das inconsistências antes da divulgação pública 99 realizaram operações de venda ou derivativos com expectativa de lucrar com a iminente desvalorização das ações Em abril de 2025 o MPF ofereceu denúncia contra 13 exexecutivos da companhia imputandolhes entre outros crimes o de insider trading art 27D da Lei nº 63851976 O caso ainda em trâmite tende a se tornar marco interpretativo sobre o alcance subjetivo da tipificação penal e os critérios de imputação do dolo específico Outro precedente paradigmático é o Caso SadiaPerdigão CVM PAS RJ200913745 originado da fusão que resultou na BRF SA Na ocasião a CVM aplicou multas milionárias a executivos e intermediários financeiros que antes do anúncio público da operação de fusão negociaram ações e derivativos com base em informações não divulgadas A autarquia consolidou o entendimento de que a negociação ocorre no momento da ordem ou da contratação e não na liquidação reforçando a tese de que a mera formalização de um contrato a termo durante o período de sigilo configura o uso indevido da informação 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras A prática de ilícitos por meio de operações a termo gera consequências jurídicas graves complexas e multidimensionais refletindo a necessidade de um sistema sancionador apto a proteger a integridade a transparência e a equidade do mercado de capitais Tais repercussões se manifestam nas esferas administrativa cível e penal cada uma delas com objetivos e instrumentos próprios mas articuladas em torno do mesmo eixo a repressão à assimetria informacional e à manipulação de preços 451 Esfera Administrativa Na esfera administrativa a Comissão de Valores Mobiliários CVM exerce papel central como órgão fiscalizador e sancionador Com base nas competências outorgadas pela Lei nº 63851976 ampliadas pela Lei nº 135062017 a autarquia dispõe de um arsenal punitivo abrangente e moderno estruturado para coibir condutas que atentem contra o funcionamento regular e íntegro do mercado De acordo com o art 11 da Lei nº 63851976 a CVM pode mediante processo administrativo sancionador impor penalidades que incluem 100 Multas pecuniárias que podem alcançar até R 5000000000 cinquenta milhões de reais calculadas segundo a gravidade da infração a extensão do dano e o proveito econômico auferido Suspensão inabilitação temporária ou definitiva para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários aplicável tanto a pessoas físicas quanto jurídicas Cancelamento do registro de auditores independentes consultores administradores de carteira e demais intermediários autorizados Declaração de inidoneidade para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A reforma introduzida pela Lei nº 135062017 ampliou significativamente o poder sancionatório da CVM inserindo instrumentos modernos como o acordo de leniência arts 30 a 32 inspirado em práticas de compliance internacional Esse acordo permite que o primeiro infrator a colaborar com as investigações prestando informações eficazes para a elucidação dos fatos obtenha redução substancial ou até extinção da punibilidade administrativa Tal mecanismo tem se mostrado essencial para o desvendamento de condutas concertadas e sofisticadas especialmente em esquemas que envolvem operações a termo derivativos e manipulação de preços coordenada 452 Esfera Cível No campo cível a responsabilidade dos agentes que praticam manipulação de mercado ou uso de informação privilegiada é regida pelos arts 186 e 927 do Código Civil que consagram a obrigação de reparar integralmente os danos causados por ato ilícito Os investidores lesados como por exemplo aqueles que venderam ações a preços artificialmente baixos em virtude de manipulação ou compraram de insiders que detinham informações negativas ocultas têm o direito de buscar indenização por perdas e danos abrangendo lucros cessantes e danos emergentes Em situações que envolvem um grande número de investidores dispersos admitese a propositura de ações coletivas ou class actions com base no Código de Defesa do Consumidor Lei nº 80781990 e na Lei da Ação Civil Pública Lei nº 73471985 Esse instrumento processual amplia a efetividade da tutela jurisdicional e aumenta o passivo contingente do infrator fortalecendo a função dissuasória da responsabilidade civil no âmbito do mercado de capitais 101 A jurisprudência da CVM e do Superior Tribunal de Justiça STJ tem reconhecido que nos casos de infrações que distorcem a livre formação de preços o dano coletivo presumido dispensa a prova de prejuízo individualizado bastando a demonstração da conduta ilícita e de seu potencial lesivo à integridade do mercado 453 Esfera Penal Ja na esfera penal as condutas analisadas configuram crimes contra o mercado de capitais de competência da Justiça Federal e titularidade de persecução do Ministério Público Federal MPF O uso de informação privilegiada insider trading encontra tipificação no art 27D da Lei nº 63851976 que prevê pena de reclusão de 1 um a 5 cinco anos e multa aplicável ao agente que de forma dolosa utiliza informação relevante não divulgada ao mercado para negociar valores mobiliários em benefício próprio ou de terceiros A manipulação de mercado por sua vez está descrita no art 27C da mesma lei sujeitando o infrator à pena de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Ambas as figuras delitivas demandam prova técnica robusta e contextualizada o que torna essencial a cooperação interinstitucional entre a CVM responsável pela apuração técnica e pela instrução do processo administrativo e o MPF titular da ação penal pública incondicionada O modelo de enforcement cooperativo que combina a expertise técnica da autarquia com o poder coercitivo do Ministério Público e o apoio operacional da Polícia Federal e do COAF tem se revelado indispensável para a efetiva repressão a ilícitos complexos envolvendo derivativos e operações estruturadas 46 Conclusão do Capítulo A análise empreendida neste capítulo revela com clareza que as operações a termo ocupam posição ambígua no universo financeiro contemporâneo constituem simultaneamente instrumentos de eficiência e de risco éticojurídico A flexibilidade estrutural e o caráter de execução futura que as tornam úteis para hedge e gestão de liquidez também lhes conferem potencial para práticas dissimuladas de fraude manipulação e uso indevido de informação privilegiada Verificouse que a opacidade temporária que caracteriza essas operações situada entre a contratação e a liquidação cria uma zona de invisibilidade regulatória suscetível à 102 exploração ilícita Nesse interstício agentes malintencionados podem estruturar aquisições furtivas de controle esquemas especulativos de manipulação de preços e estratégias de insider trading em detrimento dos investidores minoritários e da integridade do mercado Em resposta a esse cenário o sistema brasileiro de enforcement vem passando por um processo evolutivo de modernização e integração institucional A CVM o Banco Central do Brasil o Ministério Público Federal e a B3 SA têm fortalecido mecanismos de supervisão e de cooperação informacional incorporando tecnologias de monitoramento algorítmico e inteligência artificial na detecção de padrões atípicos de negociação O fortalecimento dos poderes sancionatórios da CVM a introdução de acordos de leniência e o aperfeiçoamento da governança autorregulatória representam avanços substanciais rumo a um modelo de regulação responsiva e preventiva menos reativo e mais preditivo Contudo a sofisticação crescente das estruturas operacionais e a natureza globalizada das transações impõem um desafio permanente o de manter o regulador tecnicamente aparelhado institucionalmente independente e juridicamente robusto A efetividade do enforcement depende em última instância de uma cultura regulatória baseada na ética na transparência e na confiança pública Concluise assim que a preservação da integridade e da legitimidade do mercado de capitais frente ao uso indevido de operações a termo exige não apenas normas mais rígidas mas um ethos regulatório mais inteligente interdisciplinar e tecnológico A evolução normativa deve caminhar lado a lado com o desenvolvimento científico e analítico do regulador de modo que os valores da equidade da eficiência e da confiança coletiva permaneçam o alicerce inquebrantável da economia de mercado 103 CONCLUSÃO O presente trabalho buscou analisar de forma abrangente e sistemática as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo em processos de alteração do controle acionário tema de notória complexidade e relevância para o mercado de capitais brasileiro Ao longo da investigação foi possível constatar que a natureza diferida desses contratos embora legítima em sua função econômica de gestão de risco e planejamento gera uma zona de tensão jurídica quando inserida na dinâmica societária que opera com base em titularidades registrais definidas e em momentos precisos para o exercício de direitos A análise conduzida permitiu concluir em primeiro lugar que existe uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico pátrio no que tange à definição do legítimo titular de direitos societários em especial o direito de voto e o direito de recesso durante a vigência de um contrato a termo ainda não liquidado Esta omissão legislativa ao priorizar a segurança formal do registro em detrimento da realidade econômica cria um ambiente propício a conflitos e a comportamentos oportunistas O acionista registral vendedor a termo ainda que desprovido do risco econômico detém o poder formal de exercer o recesso podendo frustrar a legítima expectativa do comprador a termo titular desse risco A pesquisa demonstrou que na ausência de previsão contratual específica a solução para este impasse tende a ser judicializada com base em princípios gerais como a boafé objetiva a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Em segundo lugar o estudo evidenciou o potencial das operações a termo serem instrumentalizadas para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes e até mesmo do controle societário A possibilidade de acumular posições econômicas substanciais sem desencadear os deveres de disclosure imediato previstos na Resolução CVM nº 442021 representa uma grave fissura no princípio da transparência um dos pilares do mercado de capitais Esta estratégia quando utilizada de forma dissimulada configura uma evasão às obrigações de OPA e de tag along prejudicando acionistas minoritários e distorcendo a formação isonômica de preços Por fim a pesquisa identificou e analisou os graves riscos de ilicitude associados a esse uso estratégico notadamente a manipulação de mercado através de mecanismos como o short squeeze e o uso de informação privilegiada insider trading Ficou demonstrado que a opacidade inerente ao período entre a contratação e a liquidação do termo pode ser explorada por agentes malintencionados para obter vantagens indevidas violando a integridade do mercado e a confiança dos investidores A atuação sancionadora da CVM amparada pelo 104 robusto arcabouço da Lei nº 135062017 e a persecução penal pelo MPF mostramse essenciais para coibir tais condutas cujas consequências se estendem pelas esferas administrativa cível e penal Diante das conclusões expostas depreendese que o ordenamento jurídico brasileiro carece de um regramento mais preciso que equacione a interação entre as operações a termo e o direito societário Enquanto tal evolução não ocorre a solução mais eficiente e segura reside na autonomia privada por meio da elaboração de contratos minuciosos que prevejam de forma clara e antecipada a gestão dos direitos societários e a destinação dos proveitos econômicos durante a vigência do termo As operações a termo embora constituam instrumentos legítimos e valiosos para o mercado exigem um olhar jurídico atento e crítico O seu uso em contextos de alteração de controle acionário revela a necessidade de um diálogo mais profícuo e harmonioso entre o direito societário fundado na publicidade registral e a realidade dos mercados financeiros modernos pautada pela complexidade e pela velocidade A superação deste desafio é fundamental para que o mercado de capitais brasileiro possa continuar seu processo de amadurecimento conciliando inovação financeira com segurança jurídica eficiência econômica com equidade e justiça contratual 105 REFERENCIAS ANBIMA Relatório Anual do Mercado de Capitais São Paulo ANBIMA 2025 Disponível em httpswwwanbimacombr Acesso em 5 nov 2025 ASSAF NETO Alexandre Mercado Financeiro 16 ed São Paulo Atlas 2023 B3 Brasil Bolsa Balcão Guia de Operações a Termo São Paulo B3 2024 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Manual de Margens e Garantias São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Relatório de Relações com Investidores 3T2025 São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 BANCO CENTRAL DO BRASIL Relatório de Estabilidade Financeira Brasília DF BCB 2025 Disponível em httpswwwbcbgovbr Acesso em 5 nov 2025 BRAUDEL Fernand 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PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Orientador Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida SÃO PAULO 2025 SOPHIA SOARES TAXA PEROCCO COMPRA DE AÇÕES A TERMO IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E IMPACTOS NO MERCADO DE CAPITAIS EM PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Pontifica Universidade Católica de São Paulo como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Marcus Elidius Michelli de Almeida Orientador Prof Dr Prof Dr AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA EPÍGRAFE RESUMO A compra de ações a termo constitui um instrumento relevante no mercado de capitais caracterizandose como um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação em data futura predeterminada Esta pesquisa analisa as implicações jurídicas decorrentes desse tipo de operação com foco especial nos processos de alteração do controle acionário O estudo investiga a colisão entre o plano obrigacional do contrato a termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos como o voto e o recesso Ademais examinase o potencial uso das operações a termo para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes identificando os riscos de manipulação de mercado e de uso de informação privilegiada A metodologia empregada é qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e documental abrangendo a legislação societária e do mercado de capitais a doutrina especializada e a regulamentação da CVM Concluise que a ausência de normativa específica gera insegurança jurídica sendo necessária a previsão contratual detalhada para mitigar conflitos A pesquisa contribui para o debate acadêmico ao sistematizar os riscos jurídicos inerentes a essas operações e ao propor uma análise integrada entre o direito societário e a regulamentação do mercado de capitais Palavraschave Operações a Termo Mercado de Capitais Alteração de Controle Direito de Recesso Manipulação de Mercado ABSTRACT The forward purchase of shares is a relevant instrument in the capital market characterized as an executory contract in which the parties agree to buy and sell securities at a fixed price with settlement on a predetermined future date This research analyzes the legal implications arising from this type of operation with a special focus on processes of changes in corporate control The study investigates the collision between the obligatory nature of the forward contract and the corporate plan which requires the definition of a present holder for the exercise of rights such as voting and withdrawal Furthermore the potential use of forward operations for the fractional and opaque acquisition of relevant holdings is examined identifying the risks of market manipulation and insider trading The methodology employed is qualitative based on bibliographic and documentary research covering corporate and capital market legislation specialized doctrine and CVM regulations It is concluded that the absence of specific regulations generates legal uncertainty making detailed contractual provisions necessary to mitigate conflicts The research contributes to the academic debate by systematizing the legal risks inherent in these operations and by proposing an integrated analysis between corporate law and capital market regulation Keywords Forward Operations Capital Market Change of Control Withdrawal Right Market Manipulation SUMÁRIO INTRODUÇÃO14 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL16 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais16 11Mercado de Capitais na Atualidade18 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras20 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM20 131 Competências da CVM20 133 Três Pilares de Atuação21 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência22 135 Poderes Sancionatórios da CVM22 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão 23 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo25 138Efeitos do Acordo25 139 Estrutura Organizacional26 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação28 14 Brasil Bolsa Balcão B330 141 Bolsa de Valores30 142 Mercado de Balcão32 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário34 15 Ações e Valores Mobiliários35 151 Ações35 1511 Quanto aos direitos e obrigações35 1511 Golden Share37 1513 Quanto à fora de transferência38 151 Classes de ações41 153 Valor da Ação43 1531 Valor Nominal43 1531 Valor de Negociação44 1533 Valor Econômico45 154 Outros Valores Mobiliários46 1541Debêntures47 1541 Partes Beneficiárias47 1543 Bônus de Subscrição47 16 Mercado e Operações a Termo48 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo49 161Definição econômica e financeira49 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções50 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral50 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC51 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo52 1661 Atores investidor corretora contraparte B353 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação53 1663 Mecanismos de margem e garantias54 167 Riscos e Desvantagens56 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços56 1671 Alavancagem e volatilidade56 1673 Precedente da CVM56 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada57 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes58 1681 Operações a termo e política monetária58 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia58 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES60 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa60 211 Lei das Sociedades Anônimas60 212 Governança Corporativa60 22 Características e Classificações61 221 Natureza capitalista da sociedade anônima62 222 Essência empresarial62 223 Identificação exclusiva por denominação62 224 Responsabilidade limitada dos acionistas63 225 Classificação das sociedades anônimas63 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações64 231 Direitos essenciais dos acionistas64 232 Direito de participação nos lucros65 233 Direito de fiscalização65 234 Direito de preferência66 235 Direito de retirada direito de recesso66 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas67 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso67 2353 Condições e limitações ao exercício68 2354 Prazo e procedimento68 2355 Assembleia de reconsideração69 2356 Valor e forma do reembolso69 2357 Considerações doutrinárias e críticas69 236 Direito de Voto70 2361 Direito de voz x direito de voto70 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade71 2363 Estrutura legal do direito de voto71 2364 O voto plural71 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa71 23642 Condições legais para criação do voto plural72 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção72 2365 Exercício do direito de voto73 2366 Abuso e conflito no exercício do voto73 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão74 241 Incorporação75 242 Fusão75 243 Cisão76 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS78 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais78 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo79 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso80 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica82 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral82 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico84 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos85 344 Conclusão da Análise86 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários86 351 Análise da Jurisprudência Pertinente87 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados88 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária89 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA91 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições91 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo92 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório93 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along93 423 Riscos e implicações regulatórias94 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 6385197694 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação95 432 O caso VCPG3 um leading case nacional96 433 Responsabilidade e consequências jurídicas96 434 Considerações críticas97 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 6385197698 441 Estrutura típica e modus operandi98 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement99 443 Precedentes e casos emblemáticos100 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras100 451 Esfera Administrativa100 452 Esfera Cível101 453 Esfera Penal102 46 Conclusão do Capítulo102 CONCLUSÃO104 REFERENCIAS106 14 INTRODUÇÃO O mercado de capitais brasileiro tem passado por significativa transformação nas últimas décadas com um aumento expressivo no volume de negociações e na complexidade dos instrumentos financeiros utilizados Dentre esses instrumentos as operações a termo destacamse como mecanismos versáteis que permitem aos investidores estabelecerem compromissos de compra ou venda de ativos com liquidação futura A natureza diferida dessas operações contudo engendra uma série de implicações jurídicas que merecem análise aprofundada especialmente quando inseridas em contextos societários sensíveis como os processos de alteração do controle acionário A presente pesquisa tem como objeto central a investigação dessas implicações abordando de um lado os conflitos decorrentes da desconexão temporal entre a celebração do contrato a termo e a efetiva transferência da titularidade registral das ações De outro lado examina o potencial uso estratégico e por vezes ilícito dessas operações para a aquisição dissimulada de blocos de controle com a consequente violação de deveres de transparência e de conduta O problema de pesquisa que orienta este trabalho reside na seguinte questão como as operações a termo pela sua execução diferida impactam a dinâmica dos direitos societários e a integridade do mercado em processos de alteração de controle e de que forma o ordenamento jurídico brasileiro notadamente a Lei das SA e a regulamentação da CVM responde a esses desafios A hipótese central é que a atual regulamentação ao não dispor de forma específica sobre a titularidade de direitos societários em operações a termo pendentes de liquidação cria uma zona de insegurança jurídica Essa lacura normativa pode ser explorada de maneira oportunista seja por acionistas registrais que exercem direitos como o recesso descolados do risco econômico seja por aquirentes que utilizam a opacidade do instrumento para acumular posições de controle sem o devido disclosure configurando ilícitos como manipulação de mercado e uso de informação privilegiada Os objetivos específicos deste trabalho incluem i analisar a natureza jurídica da operação a termo e a posição das partes envolvidas ii investigar o conflito de titularidade para o exercício do direito de voto e de recesso em eventos societários iii examinar como as operações a termo podem ser instrumentalizadas para aquisições opacas de controle iv identificar os riscos de ilicitude associados a essa prática como manipulação de mercado e insider trading e v discutir as consequências jurídicas e sancionadoras aplicáveis 15 A justificativa para o estudo reside na relevância do tema para a segurança jurídica e o desenvolvimento do mercado de capitais nacional A crescente utilização de derivativos e a sofisticação das operações societárias demandam uma reflexão doutrinária e jurisprudencial capaz de equilibrar a liberdade contratual com a necessária tutela da integridade do mercado e da proteção do investidor Metodologicamente a pesquisa é de natureza qualitativa baseada em extensa revisão bibliográfica que abrange a doutrina nacional especializada em direito societário e mercado de capitais a legislação pertinente com destaque para a Lei n 64041976 Lei das SA e a Lei n 63851976 e a regulamentação emanada da CVM Adotase o método de abordagem dedutivo partindo de premissas gerais sobre o funcionamento do mercado para analisar casos concretos e situaçõesproblema A estrutura do trabalho está organizada em quatro capítulos O primeiro introduz os conceitos fundamentais do mercado de capitais e das operações a termo O segundo dedicase ao regime jurídico das sociedades por ações e aos direitos dos acionistas O terceiro núcleo da análise aborda o conflito temporal entre operações a termo e alteração de controle com foco no direito de recesso Por fim o quarto capítulo examina os riscos de ilicitude analisando as figuras da manipulação de mercado e do uso de informação privilegiada Por meio desta investigação esperase contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório e das práticas contratuais promovendo maior segurança jurídica e integridade no uso das operações a termo no mercado de capitais brasileiro 16 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO E ESTRUTURA DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL 11 Evolução Histórica do Mercado de Capitais Em primeiro lugar é valido evidenciar a Evolução Histórica e o Funcionamento do Mercado de Capitais haja vista que o mercado de capitais não surgiu de forma isolada mas uma evolução gradual impulsionada por necessidades comerciais inovações institucionais e respostas a crises econômicas isto é foi uma resposta evolutiva às demandas de financiamento do comércio e da expansão econômica ao longo dos séculos As fundações do mercado de capitais remontam à Idade Média quando práticas financeiras primitivas emergiram em resposta à expansão do comércio europeu Assim sendo ao longo do século XII na França teve origem com os courretiers de change atuando como corretores de dívidas agrícolas No século XIII cidades italianas como Veneza Florença e Gênova tornaramse centros de inovação financeira com o desenvolvimento de negociação de títulos públicos preenchendo lacunas deixadas por instituições relutantes em assumir riscos elevados e utilizando listas em ardósias precursoras das bolsas modernas O primeiro mercado organizado surgiu em Bruges na Bélgica no final do século XIII na casa da família Van der Beurze onde negociantes de commodities institucionalizavam encontros informais formando a Brugse Beurse Essa prática se espalhou para Antuérpia Gante e Amsterdã no século XV centralizando o comércio de dívidas sob um teto para reduzir custos de transação e aumentar a confiança entre participantes No entanto esses mercados iniciais focavam principalmente em títulos governamentais e dívidas individuais sem a negociação sistemática de ações corporativas Essa fase reflete a transição de economias feudais para mercantis onde o financiamento de explorações marítimas e guerras demandava instrumentos financeiros mais sofisticados O século XVII marca o advento do mercado de capitais contemporâneo impulsionado pela era das grandes navegações e pelo colonialismo europeu Em 1600 a Companhia Britânica das Índias Orientais foi fundada como uma das primeiras companhias por ações emitindo papéis para financiar viagens arriscadas à Ásia e introduzindo o conceito de responsabilidade limitada para mitigar perdas por pirataria ou naufrágios Dois anos depois em 1602 a Companhia Holandesa das Índias Orientais VOC realizou a primeira oferta pública inicial IPO do mundo permitindo a negociação contínua de ações na Bolsa de Amsterdã amplamente reconhecida como a primeira bolsa de valores moderna Essa 17 inovação introduziu derivativos como opções e vendas a descoberto embora estas últimas fossem proibidas em 1610 devido a abusos especulativos Na Inglaterra as companhias eram criadas por cartas reais ou atos parlamentares separando propriedade da gestão para maior eficiência operacional Contudo a ausência de regulação fomentou fraudes com promotores criando empresas fictícias para captar fundos via ações Esse período ilustra como o mercado de capitais surgiu para financiar empreendimentos de alto risco transformando o capital privado em ferramenta de expansão imperial Com o crescimento especulativo o século XVIII demandou intervenções regulatórias A Bolha do Mar do Sul em 1720 na Inglaterra levou ao Bubble Act que proibiu a promoção de companhias não autorizadas para combater fraudes mas inibiu o comércio por um século até sua revogação em 1825 Seguiramse reformas como o Joint Stock Companies Act de 1844 que exigia registro de grandes parcerias e o Limited Liability Act de 1855 consolidando a responsabilidade limitada A Revolução Industrial séculos XVIIIXIX acelerou a expansão dos mercados com demandas por financiamento de infraestrutura como ferrovias e fábricas A Bolsa de Londres fundada em 1801 tornouse um hub para títulos governamentais e ações corporativas Nos Estados Unidos o New York Stock Exchange NYSE originouse do Buttonwood Agreement de 1792 formalizado em 1817 em resposta à primeira pânico financeiro do país Alexander Hamilton no início da década de 1790 refundou a dívida da Guerra Revolucionária criando o mercado de títulos do Tesouro americano A Railway Mania britânica exemplifica o boom especulativo em investimentos ferroviários enquanto o PadrãoOuro estabilizava o comércio global até sua quebra em guerras mundiais No Brasil as origens remontam ao século XIX com a criação da Bolsa do Rio de Janeiro em 1845 inicialmente focada em títulos públicos e câmbio Até a década de 1960 o mercado era limitado pela inflação e restrições a juros mas reformas como a Lei 47281965 impulsionaram a emissão de ações e debêntures O século XX testemunhou o amadurecimento dos mercados mas também crises profundas O Crash de 1929 nos EUA com perdas de 50 no Dow Jones levou à Grande Depressão e à criação da Securities and Exchange Commission SEC em 1934 para regular transações Eventos como o Black Monday de 1987 e a crise de 2008 destacam a vulnerabilidade a bolhas especulativas Até meados do século o financiamento dependia de bancos mas a desintermediação a partir de 1980 permitiu que empresas captassem diretamente nos mercados por taxas mais baixas 18 O Sistema de Bretton Woods 19441971 atrelou moedas ao dólar fomentando estabilidade via FMI e Banco Mundial mas seu colapso levou a taxas flutuantes e maior volatilidade No Brasil a década de 1990 viu liberalizações sob Collor e o Plano Real atraindo investimentos estrangeiros e expandindo a B3 antiga Bovespa No século XXI a tecnologia revolucionou os mercados com plataformas eletrônicas democratizando o acesso Inovações como blockchain e criptomoedas Bitcoin 2009 introduziram novos ativos enquanto a crise de 2008 reforçou regulações para títulos de longo prazo No Brasil o mercado cresceu com emissões de debêntures e participação estrangeira embora desafios como volatilidade persistam Logo a criação e evolução do mercado de capitais refletem a adaptação humana a demandas econômicas desde as negociações medievais até a globalização digital Esse sistema não apenas financia o progresso mas também expõe riscos que demandam regulação contínua No contexto global ele promove eficiência no brasileiro representa uma ferramenta para desenvolvimento sustentável Futuramente inovações como IA e sustentabilidade moldarão seu trajeto reforçando sua relevância para a prosperidade econômica 11Mercado de Capitais na Atualidade Como visto o Mercado de Capitais foi evoluindo e se adequando as novas necessidades do mundo moderno com o passar do tempo de modo que hoje o mercado de capitais também denominado mercado de valores mobiliários constitui o ambiente em que se realizam as diversas transações com os títulos emitidos por companhias abertas Dado que a sociedade anônima é por sua essência uma sociedade de capital suas ações que representam o principal valor mobiliário por elas emitido possuem plena negociabilidade Essa constante circulação de ações e de outros títulos corporativos deu origem ao longo do tempo a um mercado estruturado dedicado às operações de compra e venda desses instrumentos No Brasil contemporâneo observase uma fase de expressivo desenvolvimento das atividades no mercado de capitais Nos últimos anos o setor tem atravessado um ciclo ascendente marcado pela abertura de capital de inúmeras empresas Apenas nos dois anos mais recentes mais de 30 companhias realizaram sua estreia no mercado por meio de IPO initial public offering 19 A abertura de capital representa uma poderosa ferramenta de captação de recursos distinguindose das operações de crédito tradicionais nas quais a empresa assume o papel de devedora e se obriga a restituir os valores em prazos curtos e com juros elevados No mercado de capitais predomina a lógica do investimento os participantes tornamse sócios da companhia vinculando seu retorno ao desempenho e ao sucesso empresarial e não a uma remuneração fixa Outra diferença fundamental em relação ao mercado de crédito reside na ausência de intermediários financeiros obrigatórios como bancos que costumam encarecer e burocratizar as operações No mercado de capitais estabelecese uma negociação direta entre a empresa emissora e o investidor que adquire os títulos diretamente da fonte Por essa razão costumase afirmar que esse mercado funciona como um canal de acesso à poupança popular Intrinsecamente o mercado de capitais opera em um ambiente de risco Os investidores que adquirem títulos de companhias abertas não contam com garantia de retorno o ganho depende exclusivamente do êxito da empresa Assim enquanto o domínio técnico do mercado pode gerar lucros expressivos a falta de preparo pode resultar em prejuízos significativos Apesar das vantagens nem toda abertura de capital é bemsucedida Caso a operação não prospere a companhia pode optar por retornar ao status de companhia fechada Nesse cenário a Lei das Sociedades por Ações LSA em seu art 4º 4º estabelece que o cancelamento do registro de companhia aberta só será possível mediante oferta pública de aquisição OPA de todas as ações em circulação por preço justo no mínimo igual ao valor de avaliação da empresa calculado por critérios como patrimônio líquido contábil ou a mercado fluxo de caixa descontado múltiplos cotação de mercado ou outro método aceito pela CVM com direito a revisão art 4ºA A norma visa proteger os acionistas minoritários embora doutrinadores critiquem a indefinição dos critérios de valuation e a vagueza do conceito de preço justo Se após a oferta restarem em circulação menos de 5 das ações e os minoritários remanescentes não aceitarem a proposta aplicase o 5º do art 4º a assembleia geral poderá autorizar o resgate compulsório squeezeout dessas ações pelo mesmo valor da oferta desde que o montante seja depositado em banco autorizado pela CVM à disposição dos titulares Aqui o dispositivo equilibra a proteção aos minoritários com o princípio majoritário a vontade da maioria que aceitou a oferta e deseja o fechamento do capital não pode ser obstaculizada por uma minoria inferior a 5 20 13 Principais Agentes e Instituições Reguladoras 131 A Comissão de Valores Mobiliários CVM O boom das bolsas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 1971 impulsionado pela Lei 47281965 e pelo crescimento econômico do milagre brasileiro expôs a necessidade de regulação centralizada e profissional Em resposta a Lei nº 6385 de 7 de dezembro de 1976 criou a Comissão de Valores Mobiliários CVM inspirada na Securities and Exchange Commission SEC dos EUA mas adaptada à realidade brasileira com maior ênfase em autonomia e estabilidade institucional A CVM é uma autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda com personalidade jurídica própria patrimônio autônomo e autonomia administrativa financeira e orçamentária Seu regime garante independência funcional ausência de subordinação hierárquica mandato fixo 5 anos renovável uma vez e estabilidade dos dirigentes que só perdem o cargo por decisão judicial transitada em julgado ou processo administrativo com ampla defesa art 5º da Lei 63851976 Essa estrutura visa blindar a regulação de pressões políticas e garantir continuidade técnica 131 Competências da CVM A CVM disciplina e fiscaliza oito grandes áreas do mercado de capitais conforme o art 1º da Lei 63851976 A primeira é a emissão e distribuição de valores mobiliários abrangendo o registro e controle de ofertas públicas como IPOs e emissões de debêntures garantindo transparência e proteção ao investidor A segunda referese à negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários supervisionando corretoras distribuidoras e plataformas de trading para assegurar a integridade das transações em bolsa e balcão A terceira envolve a negociação e intermediação no mercado de derivativos regulando contratos de opções futuros e swaps com foco na mitigação de riscos sistêmicos A quarta abrange a organização funcionamento e operações das bolsas de valores como a B3 fiscalizando regras de listagem governança e sistemas eletrônicos A quinta trata da organização funcionamento e operações das bolsas de mercadorias e futuros como a BBMF controlando o mercado agropecuário e financeiro de commodities A sexta compreende a administração de carteiras e custódia de valores mobiliários supervisionando gestores de fundos bancos custodiantes e 21 depositárias centrais A sétima é a auditoria das companhias abertas exigindo relatórios independentes e conformidade com normas contábeis CPCIFRS Por fim a oitava regula os serviços de consultor e analista de valores mobiliários exigindo certificação CNPICFP e combatendo conflitos de interesse 133 Três Pilares de Atuação A competência da CVM se exerce em três dimensões complementares formando a base de sua atuação regulatória O primeiro pilar é o regulamentar pelo qual a CVM estabelece normas gerais por meio de resoluções que detalham a legislação Exemplos incluem a Resolução CVM nº 592021 que alterou os formulários de referência e prospectos sucedendo a Instrução CVM 480 a Resolução CVM nº 1752022 que disciplina fundos de investimento desde multimercados até criptoativos sucedendo a Instrução CVM 555 a Resolução CVM nº 442021 que regula a divulgação de atos ou fatos relevantes restrições para negociação de valores mobiliários e agentes fiduciários em emissões de debêntures sucedendo a Instrução CVM 358 a Resolução CVM nº 2142024 que consolida regras sobre administração de carteiras de valores mobiliários incluindo gestão ativa passiva e consultoria de investimento a Resolução CVM nº 1852023 que moderniza o regime de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no mercado de valores mobiliários alinhandose à Lei nº 96131998 e às recomendações do GAFI a Resolução CVM nº 802022 que disciplina a atividade de analista de valores mobiliários com foco em independência transparência e gestão de conflitos de interesse a Resolução CVM nº 1602022 que regula ofertas públicas de valores mobiliários incluindo emissões de ações debêntures CRA CRI e outros instrumentos com requisitos de disclosure e registro e a Resolução CVM nº 1782023 que estabelece o marco de securitização detalhando regras para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios FIDC Certificados de Recebíveis Imobiliários CRI e do Agronegócio CRA Essas normas preenchem lacunas legais adaptamse a inovações como crowdfunding via Resolução CVM nº 882022 que dispõe sobre ofertas públicas de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo sucedendo a Instrução CVM 588 e promovem boas práticas de governança sendo obrigatórias para todos os participantes do mercado 22 O segundo pilar é o autorizante ou registrário no qual a CVM atua como gatekeeper do mercado analisando e aprovando operações antes de sua realização Isso inclui o registro de companhias abertas com análise de estatutos demonstrações financeiras e estrutura de controle a autorização de ofertas públicas como IPOs ex análise do prospecto da Magazine Luiza em 2011 e emissões de debêntures ex CRA e CRI o credenciamento de intermediários corretoras distribuidoras e auditores independentes e o registro de fundos de investimento Sem o aval da CVM nenhuma oferta pode ser distribuída ao público garantindo que apenas empresas e produtos qualificados acessem a poupança popular O terceiro pilar é o fiscalizatório exercido por meio de supervisão contínua investigação de irregularidades e aplicação de sanções A CVM realiza inspeções in loco requisita documentos quebra sigilo bancáriofiscal com autorização judicial e intervém em instituições em crise Pode celebrar Termos de Compromisso e aplica multas suspensões e inabilitações Esse poder repressivo é essencial para coibir práticas como insider trading ex caso SadiaPerdigão 2009 com multas a executivos por uso de informação privilegiada na fusão manipulação de mercado e fraudes contábeis preservando a confiança no sistema 134 Poderes Sancionatórios e o Acordo de Leniência A Lei nº 135062017 representou um marco no fortalecimento do enforcement da Comissão de Valores Mobiliários CVM ao ampliar seus poderes sancionatórios e introduzir o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão mecanismo inspirado no leniency agreement do direito concorrencial mas adaptado ao mercado de capitais arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 da mesma lei 135 Poderes Sancionatórios da CVM Os poderes sancionatórios são as ferramentas legais que permitem à CVM investigar punir e prevenir condutas ilícitas no mercado de valores mobiliários Eles abrangem desde advertências até multas milionárias inabilitações e proibições de atuação aplicáveis tanto a pessoas físicas diretores analistas investidores quanto jurídicas companhias abertas corretoras fundos Exemplos hipotéticos 23 Multa por insider trading Em um caso fictício envolvendo a empresa Varejo Futuro SA a CVM poderia identificar negociações com uso de informação privilegiada por exdiretores antes da divulgação de um rombo contábil Suponhase que em 2024 fossem aplicadas multas de R 15 milhão a cada um dos envolvidos total de R 12 milhões em um dos processos com base no art 27D da Lei nº 63851976 alterada pela Lei 13506 A sanção incluiria inabilitação temporária para atuar em companhias abertas Advertência e suspensão por oferta irregular Em outro cenário hipotético a CVM poderia aplicar advertência pública e suspensão de 180 dias a uma corretora fictícia que oferecesse CRIs sem registro adequado violando a Resolução CVM 160 A sanção visaria coibir a captação irregular de recursos junto a investidores não qualificados Proibição de atuar no mercado Em um caso fictício de InvestCrypto SA a CVM poderia identificar uma oferta fraudulenta de investimento coletivo prometendo retornos fixos com criptomoedas Além de multa de R 12 milhões a autarquia determinaria a proibição definitiva dos administradores de atuar como administradores fiduciários ou em atividades reguladas por violação ao art 27E da Lei nº 63851976 136 Acordo de Leniência Acordo Administrativo em Processo de Supervisão O acordo de leniência permite que pessoas físicas ou jurídicas confessem infrações e colaborem com a investigação em troca de redução ou extinção da punibilidade Diferente do Termo de Compromisso que exige reparação mas não confissão o acordo de leniência exige admissão de culpa e cooperação efetiva entrega de provas identificação de coautores etc Logo a diferença entre Acordo de Leniência e Termo de Compromisso é que embora ambos sejam mecanismos consensuais para resolver processos administrativos sancionadores na CVM regulados pela Resolução CVM 452021 eles possuem procedimentos requisitos e efeitos prórpios Confissão e Colaboração O acordo de leniência exige reconhecimento explícito da infração e cooperação ativa ex fornecer provas inéditas e identificar coautores suspendendo o prazo prescricional e podendo extinguir a punibilidade ou reduzir a pena em 13 a 23 art 30 da Lei 135062017 Já o termo de compromisso não requer 24 admissão de culpa focando na cessação da conduta ilícita reparação de danos e pagamento de compensação sem efeitos de extinção total Fase de Aplicação O acordo de leniência é proposto preferencialmente na fase investigativa supervisão incentivando delações precoces enquanto o termo de compromisso ocorre tipicamente após instauração do processo sancionador Efeitos Penais e Imunidade O acordo de leniência pode influenciar esferas penais embora não garanta imunidade total ao contrário dos acordos do CADE na Lei 115292011 mas o termo de compromisso é estritamente administrativo sem repercussões criminais diretas PúblicoAlvo e Sigilo O acordo de leniência aplicase a pessoas físicas ou jurídicas com sigilo inicial para proteger investigações o termo é mais amplo mas exige análise de impacto preventivo pela CVM Em essência o acordo prioriza a eficiência investigativa via delação enquanto o termo de compromisso enfatiza a reparação e prevenção sem ônus confessional tornandoo mais atrativo para casos menos graves Aspecto Acordo de Leniência Termo de Compromisso Confissão Obrigatória Não exigida Fase Preferencialmente na investigação Após instauração do PAS Efeito Reduçãoextinção da punibilidade Reparação compensação Esfera Pode influenciar penal sem imunidade Apenas administrativo Sigilo Até homologação Público após aprovação Exemplos hipotéticos Caso fictício de manipulação em derivativos Um exdiretor da empresa PetroFictícia SA poderia celebrar acordo de leniência com a CVM confessando uso de informação privilegiada em operações com derivativos Em troca de delatar outros envolvidos e devolver lucros ilícitos teria sua multa reduzida em 23 de R 3 milhões para R 1 milhão e evitaria inabilitação permanente Manipulação de mercado em small caps Um grupo de investidores institucionais fictícios poderia confessar via acordo de leniência a prática de pump and dump em ações de baixa liquidez da empresa TechStart SA A colaboração permitiria à CVM mapear a rede de corretoras envolvidas Resultado hipotético extinção da punibilidade para o delator principal e multas reduzidas para os secundários 25 Fraude em fundo de investimento Um administrador fictício do Fundo Horizonte poderia confessar ter inflado o valor líquido patrimonial VLP para atrair cotistas Pelo acordo forneceria emails e planilhas que provassem a fraude A CVM concederia redução de 50 na multa e evitaria a proibição de atuar no mercado Em resumo enquanto os poderes sancionatórios funcionam como o braço punitivo da CVM com aplicação direta de sanções para reprimir e prevenir ilícitos o acordo de leniência atua como um instrumento cooperativo incentivando a autorregulação e a resolução eficiente de casos complexos Juntos formam o núcleo do enforcement moderno da autarquia equilibrando rigor e pragmatismo na proteção do mercado e dos investidores 137 Requisitos Cumulativos para o Acordo Para a celebração do acordo devem ser atendidos de forma cumulativa quatro requisitos i a parte deve ser a primeira a se qualificar com relação à infração noticiada ou investigada incentivando a delação precoce ii o envolvimento na infração deve cessar completamente a partir da proposta do acordo evitando continuidade do ilícito iii a CVM não pode dispor de provas suficientes para condenação administrativa no momento da propositura tornando a colaboração indispensável e iv a pessoa física ou jurídica deve confessar participação no ilícito cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo entregando documentos identificando coautores e comparecendo por conta própria a todos os atos processuais até o encerramento 138Efeitos do Acordo Os acordos de leniência administrativos em processo de supervisão introduzidos pela Lei nº 135062017 arts 30 a 32 aplicáveis à CVM por força do art 34 produzem efeitos específicos e limitados à esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários CVM sem extensão a outras instâncias Celebrada a proposta ela permanece sob sigilo até a homologação pelo Colegiado conforme o art 30 3º garantindo a proteção da investigação e evitando prejuízos à apuração de provas ou alertas a outros envolvidos O prazo de prescrição administrativa é suspenso em relação ao proponente signatário a partir da apresentação da proposta art 30 5º retomando apenas se o acordo for rejeitado Essa suspensão incentiva a colaboração precoce sem comprometer a continuidade da investigação Contudo o acordo não interfere na atuação de outros órgãos o Ministério 26 Público Federal MPF o Tribunal de Contas da União TCU a Receita Federal ou autoridades judiciais mantêm plena autonomia em suas esferas penal tributária de controle ou cível Não há imunidade penal tributária ou de outra natureza o benefício é exclusivamente administrativo Exemplo real O primeiro acordo de leniência firmado pela CVM ocorreu em 2019 com a M5 Indústria e Comércio no âmbito do Processo Administrativo Sancionador PAS nº 19957008284201831 A empresa confessou a manipulação de preços das ações da Mundial SA exPAS Mundial e colaborou com a entrega de documentos e identificação de outros participantes Em troca pagou R 4 milhões redução significativa em relação à pena potencial e obteve a extinção parcial da punibilidade administrativa Esse caso marcou o início efetivo do uso do instrumento pela CVM servindo como referência para acordos subsequentes no mercado de capitais Em síntese os efeitos dos acordos de leniência são restritos ao âmbito administrativo da CVM promovendo eficiência investigativa por meio da delação premiada mas sem blindagem em outras esferas Eles representam um equilíbrio entre incentivo à cooperação e preservação da competência de outros órgãos fiscalizadores 139 Estrutura Organizacional A CVM é estruturada em uma hierarquia colegiada e técnica com o Colegiado como órgão máximo deliberativo composto por um Presidente e quatro Diretores todos nomeados pelo Presidente da República após sabatina e aprovação pelo Senado Federal com mandatos de cinco anos não coincidentes para garantir continuidade O Colegiado define políticas aprova normas julga processos sancionadores e supervisiona as atividades da autarquia reunindose periodicamente para deliberações estratégicas Diretamente subordinada ao Colegiado está a Superintendência Geral SGE coordenada por um Superintendente Geral que atua como braço executivo coordena as atividades das superintendências técnicas acompanha o desempenho das áreas implementa diretrizes do Colegiado e gerencia processos administrativos por meio de gerências gerais especializadas ex Gerência Geral de Processos As superintendências técnicas subordinadas à SGE são o núcleo operacional da regulação e supervisão divididas por temas específicos 27 Superintendência de Relações com Empresas SEP antiga SGC Supervisão de Companhias Abertas Analisa registros de companhias abertas emissões de valores mobiliários disclosure de informações periódicas e eventuais e monitora cumprimento de normas contábeis e de governança Superintendência de Relações com Investidores Institucionais SIN antiga focada em investidores qualificados Responsável por supervisão de fundos de investimento incluindo FIDCs e FIPs investidores institucionais agências de rating e investimentos estruturados inclui seções como a de Fiscalizações de Fundos SEFIS Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos SRE antiga SRE para riscos sistêmicos Monitora riscos sistêmicos estratégicos e tecnológicos no mercado utilizando supervisão baseada em risco SBR big data e análise em tempo real Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários SMI Fiscaliza corretoras distribuidoras agentes autônomos custodiantes depositários centrais e estrutura de mercado ex sistemas eletrônicos de negociação Outras superintendências complementares incluem Superintendência de Desenvolvimento de Mercado SDM inovações e educação financeira Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria SNM Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores SOI atendimento e educação Superintendência de Processos Sancionadores SPS Superintendência de Registro de Valores Mobiliários SREG Superintendência de Relações Internacionais SRI e Superintendência de Planejamento e Inovação SPI Órgãos seccionais e de suporte incluem Procuradoria Federal Especializada PFE que presta assessoria jurídica representa a CVM em juízo e opina em processos Auditoria Interna AUD para controle interno Ouvidoria OUV e Serviço de Atendimento ao Cidadão SAC que recebem denúncias reclamações e esclarecem dúvidas do público promovendo transparência e canal direto com investidores Superintendência AdministrativoFinanceira SAD responsável por gestão de recursos humanos orçamentários e logística Assessorias diretas à Presidência abrangem Gabinete da Presidência CGP Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos ASA e Assessoria de Comunicação Social ASC Com cerca de 600 servidores distribuídos entre Rio de Janeiro sede principal e Brasília escritório para relações institucionais via Superintendência de Relações Institucionais SRI a CVM opera de forma integrada e colaborativa o Colegiado delibera 28 strategicamente a SGE executa e coordena as superintendências especializadas realizam supervisão temática e baseada em risco enquanto órgãos de suporte garantem compliance e atendimento Sistemas digitais como o CVMWeb plataforma para registro eletrônico de documentos ofertas e relatórios e ferramentas de supervisão em tempo real ex monitoramento de FIPs via dashboards analíticos facilitam a eficiência permitindo análise remota alertas automáticos e integração de dados para prevenção de ilícitos Essa estrutura regida pelo Regimento Interno e Decreto de Estrutura Regimental atualizado por decretos como o nº 102172020 equilibra autonomia técnica com accountability pública adaptando se a inovações como sandbox regulatório e ESG 1310Desafios Atuais da CVM Regulação Supervisão e Governança em um Mercado em Transformação A Comissão de Valores Mobiliários CVM enfrenta desafios atuais que refletem a complexidade exponencial do mercado financeiro brasileiro marcado pela digitalização globalização e inovação disruptiva Com um quadro de cerca de 452 servidores efetivos após a posse de 51 novos aprovados no concurso de 2024 a autarquia supervisiona aproximadamente R 167 trilhões em ativos cerca de 700 companhias abertas mais de 20 mil fundos de investimento e milhares de participantes do mercado Esses números destacam a disparidade entre o crescimento do setor e os recursos disponíveis demandando maior eficiência operacional e tecnológica O primeiro grande obstáculo é a regulação de novos ativos e modelos de negócio como criptoativos tokenização de ativos reais NFTs security tokens e fintechs de investimento Embora o Parecer de Orientação CVM nº 402022 e a Resolução CVM nº 292021 tenham avançado na classificação de criptoativos como valores mobiliários quando aplicável a Lei nº 144782022 Marco Legal dos Criptoativos sancionada em dezembro de 2022 e em vigor desde junho de 2023 ainda enfrenta regulamentações complementares em fase de consulta pública pelo Banco Central Consultas Públicas 109 110 e 1112024 com propostas ativas até fevereiro de 2025 Essa transição gera insegurança jurídica residual especialmente em temas como tributação via Declaração de Criptoativos DeCripto e prevenção à lavagem de dinheiro A CVM precisa equilibrar inovação com proteção ao investidor evitando tanto a repressão excessiva que afugenta startups quanto a leniência que permite pirâmides financeiras disfarçadas de DeFi como 29 evidenciado pelo Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco SBR 20252026 que prioriza riscos em tokens não conformes Outro desafio é a escassez de recursos humanos e tecnológicos frente ao volume supervisionado A supervisão baseada em risco exige análise em tempo real de big data machine learning e inteligência artificial ferramentas ainda em fase inicial na CVM conforme o Plano SBR 20252026 que identifica a restrição de pessoal como fator limitador principal apesar do reforço parcial via concurso de 2024 Esse gap foi evidente no caso Unick Forex 2019 uma pirâmide financeira que prometia retornos fixos com criptomoedas e captou R 2 bilhões de cerca de 1 milhão de investidores A CVM emitiu alerta em 2018 via Ato Declaratório nº 16169 mas a operação só foi desmantelada pela Polícia Federal em 2019 Operação Lamanai revelando a dificuldade de atuação preventiva em esquemas descentralizados e online com multa final de R 12 milhões aplicada pela CVM em 2020 A coordenação interinstitucional é o terceiro desafio crítico Fraudes sofisticadas envolvem lavagem de dinheiro corrupção e crimes cibernéticos exigindo integração com Banco Central COAF MPF PF e até reguladores estrangeiros via IOSCO O caso Americanas 2023 ilustra essa complexidade a descoberta de um rombo contábil de R 253 bilhões fraude em balanços mobilizou a CVM que abriu 12 processos administrativos sancionadores iniciais totalizando 14 ações em curso até outubro de 2025 incluindo inquéritos e acordos de supervisão o MPF ação penal com denúncia de 13 exexecutivos em abril de 2025 e a B3 suspensão de negociações A demora na apuração agravada pela renúncia em massa do conselho e indícios de destruição de provas revelados por delações em 2025 expôs a fragilidade na troca de informações em tempo real e na aplicação coordenada de sanções com a CVM assinando um novo acordo de supervisão em outubro de 2025 para obter dados adicionais Por fim a pressão por governança ESG ambiental social e de governança adiciona uma camada regulatória A Resolução CVM nº 1932023 alterada pela Resolução nº 2272025 exige disclosure ESG obrigatório a partir de 2026 para relatórios de exercícios iniciados em 1º de janeiro de 2026 divulgados em 2027 com adoção voluntária incentivada para 2025 via comunicado ao mercado até 31 de dezembro de 2025 alinhada aos padrões IFRS S1 e S2 do ISSB No entanto a CVM enfrenta resistência de empresas e falta de padrões unificados ex taxonomia brasileira em desenvolvimento pelo Ministério da Fazenda com consulta pública em 2025 Esse cenário é agravado pela judicialização decisões do TCU e STJ questionam a autonomia sancionatória da CVM como no Acórdão TCU nº 16342020 revisão de supervisão em insider trading com impactos em 2025 via 30 acordo CVMTCU para detecção de insiders secundários e jurisprudência do STJ consolidada desde 2016 em casos de uso indevido de informações privilegiadas gerando insegurança jurídica em multas administrativas Em suma os desafios da CVM não são apenas técnicos mas estruturais e sistêmicos O caso Americanas com perdas iniciais de cerca de R 89 bilhões em valor de mercado e impacto estimado em R 956 milhões em fundos de pensão equivalente a 08 do patrimônio do setor com potencial recuperação via plano de recuperação judicial demonstrou que falhas de supervisão afetam a poupança de milhões de brasileiros A solução passa por aumento de quadro com pedido para dobrar os cargos de inspetores em 2025 investimento em tecnologia ex ferramentas de IA para análise de riscos no Plano SBR consolidação do marco legal para cripto com resoluções do BC em 2025 e fortalecimento de acordos de cooperação interinstitucionais garantindo que a CVM evolua de reguladora reativa para guardiã proativa da integridade do mercado 14 Brasil Bolsa Balcão B3 141 Bolsa de Valores Contrariamente à percepção comum a bolsa de valores não integra a Administração Pública mas constitui uma entidade privada formada por sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs Autorizada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM presta serviço de interesse público essencial consistente na manutenção de ambiente adequado transparente e eficiente para a realização de operações de compra e venda de valores mobiliários emitidos por companhias abertas fundos e outros emissores regulados O termo bolsa possui múltiplas acepções doutrinárias Local físico ou eletrônico de negociação mercado apregoado com formação de preços por pregão contínuo ou leilão Estado das operações bolsísticas refletido em índices como o Ibovespa que impactam a economia nacional vide o crash da NYSE em 1929 Instituição autorregulada mercado heteroorganizado com regras próprias despersonalização dos contratos e padronização de ativos A bolsa é simultaneamente local estado e instituição Opera como mercado apregoado diferente do mercado de balcão organizado que é negociado bilateralmente com 31 despersonalização dos contratos ordens anônimas via sistemas eletrônicos padronização de lotes e ativos e liquidação centralizada garantindo segurança e eficiência Historicamente constituídas como associações civis sem fins lucrativos as bolsas modernas adotam o modelo de sociedades anônimas sujeitas à governança corporativa e à supervisão da CVM Resolução CVM nº 1352022 No Brasil a B3 SA Brasil Bolsa Balcão é o exemplo paradigmático resultante da fusão entre a BMFBOVESP 2008 e a CETIP 2017 concentra 999 do volume negociado em ações derivativos renda fixa e produtos estruturados dados B3 3T2025 Autorizada pela CVM Ato Declaratório nº 187942021 a B3 opera os ambientes Bovespa ações ETFs BDRs B3 Deriv futuros opções Soma renda fixa e Tesouro Direto em parceria com o Tesouro Nacional Embora não seja a única a B3 detém monopólio funcional na negociação de valores mobiliários listados Outras bolsas históricas como a Bolsa de Valores da Bahia fundada em 1851 que integrou a BOVESBA Bahia Sergipe Alagoas em 2020 foram absorvidas ou reconvertidas em entidades de educação financeira eventos e serviços acessórios sem acesso ao pregão de ativos regulados pela CVM A Bolsa do Nordeste Recife 1990 e a Bolsa de Minas Espírito Santo e Brasília BVMB 1989 seguiram trajetória semelhante com operações encerradas ou integradas à B3 A finalidade primordial da bolsa é dinamizar o mercado de capitais ampliando liquidez reduzindo custos de transação e facilitando a alocação eficiente de recursos Por meio do pregão eletrônico diário plataforma PUMA Trading System agentes de corretoras credenciadas mais de 90 em 2025 negociam em tempo real sob regras de compliance best execution e prevenção à manipulação Resolução CVM nº 802022 A B3 assegura Formação de preços justa via book de ofertas e leilões de aberturaencerramento Custódia centralizada CBLC Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia Liquidação em D2 ações ou D0 derivativos Garantia de execução via Fundo de Garantia e Câmara de Riscos Em 2025 a B3 registrou R 254 bilhões em volume médio diário ações à vista 18 milhão de investidores pessoa física ativos e R 62 trilhões em custódia B3 Relações com Investidores 3T2025 Sua relevância transcende o mercado o Ibovespa é termômetro macroeconômico influenciando política monetária confiança do consumidor e captação de empresas Assim a bolsa de valores especialmente a B3 é o coração pulsante do mercado de capitais brasileiro conectando emissores investidores e intermediários em um ecossistema 32 autorregulado mas rigorosamente supervisionado pela CVM essencial para o crescimento sustentável da economia 142 Mercado de Balcão O mercado de balcão abrange todas as operações do mercado de capitais realizadas fora do ambiente de bolsa de valores configurandose como um segmento descentralizado em que a contratação ocorre diretamente entre as partes emissor e investidor ou por meio de intermediários sem pregão público leilão ou apregoamento contínuo e sem a obrigatoriedade de local físico ou eletrônico centralizado ao contrário da bolsa que funciona como mercado apregoado Os participantes autorizados são as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários CTVMs distribuidoras de títulos e valores mobiliários DTVMs bancos de investimento e outras instituições financeiras credenciadas pela CVM conforme Resolução CVM nº 2142024 atuando como intermediárias na negociação bilateral de títulos como debêntures CRIs CRAs FIDCs notas promissórias ações de companhias fechadas e demais valores mobiliários não listados em bolsa Dentro desse espectro distinguese o mercado de balcão não organizado segmento tradicional e mais amplo no qual as operações são contratadas diretamente entre as partes por telefone email plataformas privadas ou sistemas internos das corretoras sem sistema centralizado de registro ou negociação com preços definidos por negociação bilateral e liquidação bilateral ou via depositário central como a B3 por meio da CETIP para renda fixa exemplos incluem a emissão privada de debêntures nos termos do art 4º da Resolução CVM nº 1602022 a venda de ações de SA fechada e a colocação de CRI junto a investidores qualificados Já o mercado de balcão organizado MBO instituído pela Lei nº 103032001 e regulamentado pela Resolução CVM nº 132010 atualizada pela Resolução CVM nº 1352022 constitui um segmento estruturado operado por entidade autorizada pela CVM que mantém sistema eletrônico de negociação registro e liquidação no Brasil a SOMA Sociedade Operadora do Mercado de Acesso SA controlada pela B3 desde 2017 e autorizada pelo Ato Declaratório CVM nº 114562011 é a única operadora gerenciando as plataformas SOMA Fix para renda fixa e SOMA Equity para ações de companhias fechadas com registro centralizado reporte em tempo real à CVM liquidação via B3 divulgação de preços e volumes em boletim diário e negociação típica de debêntures incentivadas CRIs e ações de SA fechada com dispersão acionária em 2025 o MBO movimentou R 18 trilhão em emissões de renda fixa com crescimento de 22 em relação a 2024 impulsionado por investidores institucionais e qualificados conforme Relatório 3T2025 da B3 33 O mercado de balcão caracterizase pela flexibilidade na estruturação de contratos com prazos taxas e covenants personalizados acesso predominantemente restrito a investidores qualificados e institucionais conforme Resolução CVM nº 302021 menor liquidez em comparação à bolsa com negociação esporádica e preços menos transparentes no balcão não organizado taxas de intermediação variáveis e ausência de taxa de bolsa além de regulação focada nos intermediários e nas ofertas pela CVM com a B3 atuando como depositária central via CETIP Sua importância estratégica é inegável pois viabiliza a captação de longo prazo por empresas médias por meio de debêntures e CRIs diversifica portfólios de fundos e seguradoras e fomenta a inovação financeira incluindo títulos verdes sustentáveis e tokenizados no âmbito do sandbox regulatório da Resolução CVM nº 292021 em 2025 o mercado de balcão representou 62 do volume total de emissões de dívida corporativa superando a bolsa em captações privadas segundo dados da ANBIMA Critério Balcão Não Organizado Mercado de Balcão Organizado MBO Bolsa de Valores Local de Negociação Descentralizado telefone email plataformas privadas Sistema eletrônico centralizado SOMA FixEquity Pregão eletrônico centralizado PUMA Trading System Forma de Contratação Bilateral direta Bilateral via sistema registrado Apregoamento público book de ofertas Operadora Corretoras bancos SOMA controlada pela B3 B3 SA Autorização CVM Intermediários CTVMDTVM Entidade operadora Ato CVM nº 114562011 Bolsa Ato CVM nº 187942021 Transparência de Preços Baixa negociado Média boletim diário Alta tempo real Liquidação Bilateral ou via B3CETIP Centralizada via B3 Centralizada via B3 D2D0 Garantia Contratual Fundo de Garantia SOMA Fundo de Garantia B3 Ativos Típicos Debêntures privadas ações fechadas CRI particular Debêntures incentivadas CRI ações SA fechada com dispersão Ações listadas ETFs BDRs derivativos PúblicoAlvo Qualificados institucionais Qualificadosinstitucionais Todos PF PJ institucionais Volume 3T2025 R 12 tri estimado R 18 tri renda fixa R 254 bidia ações à vista Regulamento Principal Resolução CVM nº 1602022 Resolução CVM nº 1352022 Resolução CVM nº 1352022 34 143 Mercado de Capitais Primário e Secundário O mercado de capitais costuma ser classificado em primário e secundário distinção fundamental para compreender o fluxo de recursos e a dinâmica de negociação No mercado primário realizamse operações de emissão e subscrição de valores mobiliários novos como ações debêntures CRIs CRAs e notas promissórias Aqui a companhia emissora coloca títulos inéditos em circulação estabelecendo uma relação direta com o investidor subscritor que contribui com capital fresco ao pagar o preço de emissão valor que integra o capital social da empresa transformando o subscritor em acionista ou credor Essa cap created resources para expansão refinanciamento ou projetos específicos sem intermediação de venda de ativos existentes Exemplos incluem emissões privadas de debêntures no balcão como a 10ª emissão da própria B3 em setembro de 2025 no valor de R 2 bilhões com rating AAAbra pela Fitch e foco em investidores qualificados ou IPOs registrados na B3 embora em 2025 o primário tradicional de ações tenha sido dominado por IPOs reversos fusões com companhias listadas inativas como o caso da OranjeBTC que adquiriu o cursinho Intergraus para listar operações de tesouraria de bitcoin captando R 150 milhões sem emissão primária convencional No 1T2025 o volume total de emissões primárias atingiu R 173 bilhões segundo Boletim Econômico da CVM com destaque para renda fixa privada no balcão Já o mercado secundário envolve compra e venda de valores mobiliários já emitidos sem participação direta da companhia emissora A relação jurídica limitase ao vendedor titular atual e ao comprador novo detentor com o preço negociado refletindo o valor de mercado influenciado por desempenho financeiro expectativas econômicas e fatores macro como variações na Selic ou resultados trimestrais Diferente do preço de emissão fixo no primário o valor secundário oscila títulos de empresas lucrativas ganham prêmio ex ações da Petrobras subindo 15 após balanço positivo no 3T2025 enquanto dificuldades levam a desvalorização A B3 domina o secundário com volume médio diário de R 254 bilhões em ações à vista no 3T2025 e recorde de R 303 bilhões em títulos públicos federais negociados em setembro de 2025 No balcão organizado SOMA o secundário de CRIs bateu R 477 bilhões no 1S2025 com 3828 mil operações A Bolsa de Valores opera exclusivamente no secundário com pregão eletrônico para compravenda de títulos listados proporcionando liquidez formação de preços transparente e proteção via fundos de garantia O balcão por sua vez abrange ambos os mercados primário via emissões privadas ou incentivadas ex debêntures da ISA Energia Brasil em 2025 R 2 35 bilhões para expansão de transmissão e secundário via negociações bilaterais ou no MBO Essa dualidade torna o balcão essencial para captações personalizadas representando 62 das emissões de dívida corporativa em 2025 ANBIMA enquanto o secundário da B3 atraiu R 265 bilhões de estrangeiros no 1S2025 Em resumo o primário financia o crescimento empresarial com recursos novos enquanto o secundário garante liquidez e valuation dinâmico com a B3 como hub do secundário e o balcão como canal flexível para primário e secundário privados 15 Ações e Valores Mobiliários 151 Ações As ações constituem os valores mobiliários mais importantes das sociedades anônimas SA pois representam frações do capital social e conferem a seus titulares a condição de acionistas ou seja sócios da companhia Do ponto de vista jurídico as ações são consideradas bens móveis art 82 do Código Civil de 2002 Dada sua relevância merecem análise detalhada reservandose o estudo dos demais valores mobiliários como debêntures e bônus de subscrição para momento posterior A classificação das ações pode ser feita segundo dois critérios principais o primeiro leva em conta os direitos e vantagens que elas conferem aos acionistas e o segundo a forma de transferência que pode ser nominativa escritural ou certificada sendo esta última atualmente pouco utilizada 1511 Quanto aos direitos e obrigações Sob o aspecto dos direitos e vantagens as ações se dividem em ordinárias preferenciais e de fruição As ações ordinárias ON atribuem ao titular denominado ordinarista os direitos essenciais previstos no art 109 da Lei das Sociedades por Ações LSA sem conceder privilégios nem impor restrições específicas Entre os principais direitos das ações ordinárias estão o direito de voto em assembleias o direito à participação nos lucros dividendos de forma proporcional à quantidade de ações detidas o direito de preferência na subscrição de novas ações a fiscalização da gestão da companhia e o direito de retirada nos casos previstos em lei Importa destacar que o direito de voto é considerado essencial apenas para os titulares 36 de ações ordinárias já que as ações preferenciais podem ter esse direito suprimido ou restringido art 111 1º LSA É entre os acionistas detentores de ações ordinárias que normalmente se formam a maioria controladora e os minoritários motivo pelo qual a legislação societária busca conciliar o exercício do poder de controle com a proteção da minoria acionária por meio de instrumentos como o tag along o voto múltiplo e a fiscalização pelo conselho fiscal As ações preferenciais PN por sua vez conferem ao preferencialistas certas vantagens econômicas em contrapartida a possíveis restrições de natureza política como a ausência ou limitação do direito de voto As vantagens das ações preferenciais devem estar expressamente previstas no estatuto social conforme o art 17 da LSA e podem consistir em i prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos ii prioridade no reembolso do capital com ou sem prêmio ou iii a acumulação dessas duas preferências Ainda que haja restrições o titular de ações preferenciais não pode ser privado dos direitos essenciais previstos no art 109 da LSA como o direito à percepção de dividendos à fiscalização e à retirada A legislação também impõe limites à emissão desse tipo de ação de acordo com o art 15 2º da LSA redação dada pela Lei nº 103032001 o número total de ações preferenciais com ou sem direito a voto não pode ultrapassar 50 do total de ações emitidas pela companhia A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça STJ consolidou o entendimento de que é legítima a cláusula estatutária que exclui os acionistas preferencialistas da participação nos lucros remanescentes após o recebimento do dividendo mínimo desde que tal previsão esteja expressamente prevista no estatuto e seja anterior à subscrição das ações Assim conforme o precedente do REsp 641611BA Rel Min Hélio Quaglia Barbosa julgado em 2007 mantido em decisões posteriores como o REsp 1301110SP de 2018 essa exclusão não viola os direitos essenciais do acionista Por fim as ações de fruição também chamadas ações de gozo são emitidas em substituição às ações ordinárias ou preferenciais que foram totalmente amortizadas sem que isso implique redução do capital social conforme o disposto no art 44 2º e 5º da LSA A amortização consiste na distribuição antecipada aos acionistas de valores que lhes caberiam em eventual liquidação da companhia sem que haja diminuição do capital social As ações de fruição possuem algumas características específicas não têm valor nominal não integram o capital social conferem apenas direitos patrimoniais como o recebimento de dividendos e bonificações e não concedem direito de voto nem prioridade 37 no reembolso Em caso de liquidação da companhia os titulares dessas ações somente participarão do acervo líquido após as ações não amortizadas receberem valor equivalente ao da amortização devidamente corrigido Como exemplo imaginese uma sociedade anônima que utilizando lucros acumulados decide amortizar integralmente uma ação preferencial de valor patrimonial de R 5000 O acionista recebe esse valor e em substituição passa a deter uma ação de fruição mantendo o direito de participar dos lucros da empresa mas sem poder de voto nem direito preferencial em caso de reembolso do capital Dessa forma as ações de fruição funcionam como uma forma residual de participação restrita aos direitos de gozo sem integrar o capital social da companhia 1511 Golden Share A expressão golden share designa uma categoria especial de ação preferencial que confere ao seu titular direitos diferenciados geralmente de natureza política como o poder de veto em determinadas deliberações sociais Essa figura surgiu no Reino Unido entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980 durante o governo de Margaret Thatcher no contexto das privatizações em massa promovidas pelo Estado britânico O objetivo era permitir que o governo mantivesse certo grau de controle estratégico sobre empresas consideradas relevantes para o interesse nacional mesmo após a transferência de sua propriedade ao setor privado No Brasil a golden share foi introduzida pelo art 8º da Lei nº 80311990 que instituiu o Plano Nacional de Desestatização PND O dispositivo previa que sempre que houver razões que o justifiquem a União deterá direta ou indiretamente ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas que lhe confiram poder de veto em determinadas matérias A partir dessa previsão a golden share passou a integrar o estatuto de diversas companhias desestatizadas como a Celma a Embraer e a Vale Na Embraer por exemplo a golden share da União confere o direito de veto em matérias estratégicas como mudança do objeto social alteração do controle acionário transferência de sede para o exterior e interrupção de atividades militares entre outras hipóteses Esse modelo assegura que o ente público mantenha uma influência limitada mas decisiva sobre decisões que possam afetar o interesse nacional especialmente em setores sensíveis como o aeronáutico e o mineral 38 Atualmente a golden share encontra respaldo expresso no art 17 7º da Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que autoriza a sua criação em companhias objeto de desestatização de propriedade exclusiva do ente desestatizante União Estados Distrito Federal ou Municípios O dispositivo legal estabelece que o estatuto social pode atribuir a essas ações os poderes que especificar inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia geral nas matérias que determinar Embora a lei preveja originalmente a golden share apenas para entes desestatizantes a doutrina reconhece que com fundamento no art 17 2º da LSA é possível a emissão de ações preferenciais com preferências ou vantagens estatutárias específicas inclusive em companhias privadas desde que observados os limites legais e de governança Assim nada impediria em tese a adoção de uma estrutura similar à golden share em operações de alienação de controle entre particulares se houver previsão expressa no estatuto social Um caso relevante envolvendo a golden share ocorreu quando o Tribunal de Contas da União TCU foi consultado pelo então Ministério da Fazenda durante a gestão de Henrique Meirelles sobre a possibilidade de a União abrir mão das golden shares que detinha em algumas empresas O argumento era de que a manutenção desse tipo de ação poderia inibir investimentos privados pois investidores tendem a se mostrar receosos em relação a companhias nas quais o Estado conserva poderes especiais de veto mesmo sendo minoritário No julgamento da consulta o ministro Walton Alencar Rodrigues manifestouse favoravelmente à supressão das golden shares pela União entendendo que o Poder Executivo poderia deliberar sobre isso desde que houvesse indenização correspondente à valorização previsível da ação decorrente da sua extinção Entretanto prevaleceu o voto do ministro Vital do Rêgo para quem a decisão sobre a extinção ou manutenção das golden shares da União deve ser submetida ao Congresso Nacional inclusive quanto à eventual necessidade de compensação financeira Em síntese a golden share permanece como um importante instrumento jurídico político de controle residual estatal em empresas estratégicas conciliando o processo de privatização com a preservação do interesse público Contudo seu uso continua gerando debates sobre os limites da intervenção estatal na economia e sobre o equilíbrio entre segurança nacional e atração de investimentos privados 1513 Quanto à fora de transferência 39 Além da classificação das ações conforme os direitos e obrigações conferidos aos acionistas existe outra forma de categorizálas que leva em conta o modo de sua transferência Sob essa ótica as ações podem ser nominativas ou escriturais Antes de analisar cada tipo é importante contextualizar Até o ano de 1990 as ações podiam se apresentar em quatro modalidades quanto à forma de transferência além das nominativas e escriturais havia também as ações endossáveis transmissíveis por meio de endosso lançado no próprio certificado e as ações ao portador que se transferiam por mera tradição do documento Contudo com a promulgação da Lei nº 80211990 determinouse que em até dois anos a partir de sua vigência as ações endossáveis e ao portador deveriam ser retiradas de circulação Embora ainda existam dispositivos na Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 que fazem referência a essas espécies tais dispositivos são considerados tacitamente revogados em razão da incompatibilidade com a nova legislação As ações nominativas são aquelas cuja transferência depende de registro no livro próprio mantido pela sociedade anônima o Livro de Registro de Ações Nominativas previsto no art 31 da LSA Esse registro é condição essencial para a validade da transferência da propriedade da ação Assim atos preparatórios como a fixação do preço a assinatura de contrato ou mesmo a entrega do certificado não produzem por si sós a transferência da titularidade A transmissão da propriedade somente se concretiza com a efetivação do registro no livro da companhia emissora Tratase portanto de um ato formal que requer certa solenidade o comparecimento do vendedor e do comprador ou seus representantes perante a sociedade para a assinatura do livro de transferência de ações nominativas conforme determina o art 31 1º da LSA Nos casos em que as ações são negociadas em bolsa de valores o vendedor é representado automaticamente e independentemente de procuração pela corretora ou pela câmara de liquidação da bolsa nos termos do art 31 3º da LSA Por sua vez as ações escriturais previstas no art 34 da LSA são aquelas mantidas em contas de depósito abertas em nome de seus titulares em instituições financeiras indicadas pela companhia Nesses casos não há emissão de certificados e as ações existem apenas em forma eletrônica sendo incorpóreas Para atuar como instituição depositária o banco ou entidade designada deve possuir autorização da CVM para esse tipo de serviço art 34 2º da LSA A transferência das ações escriturais ocorre por simples lançamento nos registros da instituição depositária que debita a conta do alienante e credita a conta do adquirente 40 mediante ordem escrita do titular ou determinação judicial conforme dispõe o art 35 1º da LSA A comprovação da propriedade dessas ações é feita por meio do extrato da conta de depósito de ações emitido pela instituição financeira O extrato deve ser fornecido i sempre que solicitado pelo acionista ii mensalmente quando houver movimentação ou iii ao menos uma vez por ano conforme estabelece o art 35 2º da LSA Do ponto de vista prático e jurídico as ações nominativas e as ações escriturais apresentam diferenças significativas quanto ao grau de formalidade custos operacionais e mecanismos de controle As ações nominativas embora já representem um avanço em relação às antigas ações ao portador ainda envolvem procedimentos formais e burocráticos A transferência de sua titularidade exige o comparecimento à companhia ou o intermédio de instituições financeiras ou corretoras conforme o caso Esse processo torna a operação mais segura e rastreável pois toda e qualquer alteração na titularidade é registrada diretamente nos livros societários mas por outro lado pode tornála mais lenta e onerosa para companhias com grande volume de negociações Já as ações escriturais surgem como uma solução moderna mais eficiente e informatizada em sintonia com a evolução dos mercados de capitais Por existirem apenas em registros eletrônicos mantidos por instituições financeiras autorizadas pela CVM sua transferência é automatizada e dispensa formalidades presenciais Isso facilita operações de compra e venda em bolsas de valores e sistemas de custódia eletrônica reduzindo riscos de extravio de certificados e fraudes Outra diferença importante é o registro da titularidade Nas ações nominativas o controle é mantido diretamente pela companhia emissora no Livro de Registro de Ações Nominativas Nas ações escriturais o controle é delegado à instituição depositária que atua como intermediária entre o acionista e a companhia centralizando as informações e a movimentação das ações Do ponto de vista da transparência e da fiscalização estatal as ações escriturais são mais vantajosas Como as informações sobre seus titulares permanecem registradas em instituições sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários CVM elas oferecem maior rastreabilidade o que dificulta práticas ilícitas como lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio justamente um dos motivos que levou à extinção das ações ao portador pela Lei nº 80211990 41 Por outro lado as ações nominativas ainda são amplamente utilizadas por companhias fechadas que não têm ações negociadas em bolsa pois nelas a manutenção de um livro de registro físico ou digital continua sendo uma forma suficiente e econômica de controle societário Em síntese podese afirmar que As ações nominativas são mais adequadas a companhias fechadas nas quais há menor volume de transações e é desejável manter o controle direto dos acionistas pela própria sociedade As ações escriturais são mais apropriadas às companhias abertas por garantirem agilidade segurança e transparência nas negociações em mercado integrandose ao sistema financeiro e de custódia eletrônica regulado pela CVM e pela B3 Brasil Bolsa Balcão 151 Classes de ações A sociedade anônima SA como já destacado constitui o tipo societário mais atrativo para grandes empreendimentos sobretudo por sua flexibilidade de estruturação do capital e pela facilidade de atração de investidores com perfis diversos Um dos mecanismos mais eficientes para essa finalidade é a divisão do capital social em classes de ações identificadas por letras do alfabeto A B C etc cada uma conferindo direitos restrições e vantagens específicas a seus titulares Essa divisão em classes permite à companhia organizar seu capital conforme diferentes interesses de investimento conciliando no mesmo ambiente societário acionistas com expectativas distintas quanto ao controle rentabilidade ou segurança do investimento Por exemplo imaginese uma sociedade anônima atuante no setor alimentício que emite ações ordinárias cujos titulares possuem direito de voto e participação no controle da companhia e ações preferenciais sem voto subdivididas em classes A e B As ações preferenciais da classe A podem conceder dividendo fixo ou mínimo garantido atraindo investidores voltados à estabilidade e rentabilidade periódica como especuladores de perfil conservador ou fundos de investimento Já as ações preferenciais da classe B podem assegurar prioridade no reembolso do capital atraindo investidores institucionais como fundos de pensão que priorizam segurança e previsibilidade na recuperação do valor investido 42 Desse modo enquanto os acionistas das ações ordinárias tendem a ser grupos estratégicos frequentemente vinculados ao setor da companhia e interessados no controle societário os titulares das preferenciais de classes diversas são em geral investidores financeiros ou institucionais que buscam vantagens patrimoniais específicas sem necessariamente participar da gestão A Lei das Sociedades por Ações Lei nº 64041976 em seu art 15 1º expressamente autoriza essa estrutura ao dispor que as ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes observado no caso das ordinárias o disposto nos arts 16 16A e 110A desta Lei O art 110A introduzido pela Lei nº 141952021 trouxe uma inovação relevante ao admitir a adoção do voto plural nas companhias abertas e fechadas permitindo que determinadas classes de ações ordinárias confiram a seus titulares até dez votos por ação conforme limite legal e previsão estatutária Esse mecanismo tem sido amplamente utilizado por empresas de tecnologia e startups pois permite a captação de recursos via mercado de capitais sem a perda do poder de controle pelos fundadores Assim a divisão de ações em classes constitui um instrumento de engenharia societária que confere às companhias maior capacidade de captação e diversificação de capital conciliando interesses de controle liquidez e governança corporativa em conformidade com o regime da Lei das Sociedades por Ações e com as boas práticas do mercado de capitais brasileiro Critério de Classificação Espécie Classe de Ação Direitos Principais Limitações Possíveis Base Legal LSA Quanto aos direitos e vantagens Ordinárias ON Direito de voto participação nos lucros preferência na subscrição de novas ações fiscalização e retirada Nenhuma restrição específica Arts 15 109 e 110 A Preferenciais PN Prioridade no recebimento de dividendos ou reembolso de capital vantagens econômicas específicas Pode ter restrição ou supressão do voto Arts 17 e 111 De Fruição Direitos de gozo patrimonial após amortização das ações Não integram o capital social não têm voto Art 44 2º e 5º Quanto à forma de transferência Nominativas Propriedade registrada em livro próprio da companhia Transferência formal registro no livro Art 31 Escriturais Mantidas em conta de Não possuem Arts 34 e 43 depósito em instituição financeira autorizada pela CVM certificado físico 35 Quanto às classes Classes de Ações A B C Direitos diferenciados definidos no estatuto ex dividendos fixos voto plural reembolso prioritário Conforme previsão estatutária Art 15 1º arts 16 16A e 110A Classe especial Golden Share Poder de veto em matérias específicas proteção do interesse público em empresas privatizadas Propriedade exclusiva do ente desestatizante Art 17 7º 153 Valor da Ação A valoração de uma ação embora pareça simples revelase extremamente complexa devido à multiplicidade de critérios que variam conforme o objetivo da avaliação À ação podem ser atribuídos pelo menos cinco valores distintos a valor nominal b valor patrimonial c valor de negociação d valor econômico e valor de emissão Cada um atende a finalidades específicas desde a proteção contra diluição até a análise de rentabilidade futura sendo essencial para investidores administradores e reguladores 1531 Valor Nominal O valor nominal é obtido por operação aritmética simples Valor NominalCapital Social Total N umero Total de A coes Emitidas Exemplo Uma SA com capital social de R 100000000 e 100000 ações emitidas terá valor nominal de R 1000 por ação A Lei nº 64041976 LSA permite no art 14 que as companhias emitam ações sem valor nominal decisão estatutária Nesse caso aplicase o valorquociente resultado da mesma divisão Assim sendo a finalidade do valor nominal é proteger acionistas contra diluição injustificada do patrimônio O art 13 da LSA proíbe emissão de ações por preço inferior ao valor nominal estabelecendo um piso mínimo para novas emissões Poranto Garante diluição controlada 44 Evita emissões predatórias que prejudiquem antigos acionistas Se o preço de emissão for superior ao nominal a diferença ágio é destinada à reserva de capital art 13 2º LSA Destacase que sem valor nominal há risco de diluição severa pois o preço de emissão pode ser fixado livremente mesmo abaixo do valor patrimonial Valor Patrimonial O valor patrimonial ou valor real reflete o patrimônio líquido da SA por ação Valor PatrimonialPatrim onio Lı quido Ativo Passivo N u mero de A coes Emitidas Exemplo Ativo R 100000000 Passivo R 40000000 Patrimônio Líquido R 60000000 Logo 100000 ações Valor patrimonial R 600ação Na constituição da SA Valor nominal valor patrimonial ausência de passivo inicial Com o tempo oscilações operacionais lucros dívidas investimentos descolam o patrimônio líquido do capital social Desse modo é relevante em cenários de Liquidação da companhia partilha do saldo remanescente Amortização de ações antecipação do valor patrimonial ao acionista Súmula 371STJ Em contratos de participação financeira ex linhas telefônicas o VPA é apurado no mês da integralização balancete aprovado Salientase ainda a Jurisprudência STJ REsp 975834RS 2007O valor patrimonial da ação deve ser fixado no mês da integralização com base no balancete mensal aprovado 1531 Valor de Negociação O valor de negociação da ação é aquele livremente pactuado entre o vendedor e o comprador no âmbito do mercado secundário configurandose como o preço efetivamente transacionado em operações de compra e venda Esse valor reflete uma série de fatores dinâmicos entre os quais se destacam as perspectivas de rentabilidade futura da companhia o desempenho do setor econômico em que ela se insere a conjuntura macroeconômica nacional e internacional a cotação em bolsa especialmente relevante para companhias abertas listadas na B3 além da necessidade financeira do vendedor que pode forçar descontos e do grau de interesse do comprador que pode elevar o preço em disputas por controle ou 45 ativos estratégicos Diferentemente dos valores nominal ou patrimonial que são calculados por fórmulas contábeis o valor de negociação é determinado pela vontade das partes sendo influenciado por elementos subjetivos e de mercado como a liquidez do título o volume de ofertas e demandas no pregão eletrônico e até mesmo eventos corporativos ex anúncio de dividendos extraordinários ou aquisições Em 2025 por exemplo ações da Petrobras negociadas na B3 atingiram valor médio de negociação de R 4250 no 3T impulsionadas por resultados operacionais robustos e alta do petróleo enquanto ações de SAs fechadas em negociações privadas variaram conforme acordos bilaterais frequentemente abaixo do valor patrimonial em casos de saída urgente de sócios Tipo Características Exemplo Negociação privada Fora do mercado de capitais Venda de ações de SA fechada entre herdeiros Valor de mercado bursátil Negociado em bolsa ou balcão Ações da Petrobras na B3 R 4250 em 04112025 1533 Valor Econômico O valor econômico da ação é apurado por meio de análises técnicas especializadas realizadas por peritos ou consultorias de avaliação com o objetivo de estimar o valor justo de mercado que a ação alcançaria se fosse negociada em condições ideais O método mais consolidado é o Fluxo de Caixa Descontado FCD Valor Econ o micoFluxos de Caixa Futuros Projetados Tal método envolve três etapas fundamentais 1 projeção dos fluxos de caixa operacionais futuros com base em premissas de receita custos e investimentos 2 aplicação de uma taxa de desconto geralmente o WACC Weighted Average Cost of Capital que reflete o custo médio ponderado de capital da empresa e 3 ajuste por riscos incluindo passivos ocultos inadimplência de clientes ou contingências não contabilizadas Esse modelo embora robusto para empresas em operação regular apresenta limitações significativas em cenários de crise financeira reestruturação societária detentoras de patentes de alto risco ou sensíveis a ciclos macroeconômicos onde os fluxos futuros são instáveis igualmente sua aplicação é restrita em companhias fechadas devido à maior dificuldade em mensurar riscos de governança e liquidez O valor econômico é especialmente relevante em situações de responsabilização de administradores por alienação de ações abaixo do valor justo em 46 processos de fusões e aquisições MA na avaliação para Ofertas Públicas de Aquisição OPA ou na saída de sócios minoritários servindo como parâmetro objetivo para evitar prejuízos à companhia ou aos acionistas Valor Fórmula Finalidade Exemplo 2025 Nominal Capital Social Nº de Ações Proteção contra diluição R 1000 estatutário Patrimonial Ativo Passivo Nº de Ações Liquidação amortização R 600 balanço Negociaçã o Pactuado entre partes Compravenda no secundário R 4250 B3 Econômico Fluxo de Caixa Descontado Avaliação técnica R 4820 laudo pericial Emissão Definido em assembleia Captação no primário R 3500 IPOfollowon 154 Outros Valores Mobiliários Além das ações que representam o principal valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas SAs essas companhias também lançam outros instrumentos no mercado de capitais com destaque para debêntures partes beneficiárias e bônus de subscrição que serão analisados em detalhes neste tópico Esses valores mobiliários configuram ferramentas estratégicas para a captação de recursos permitindo às SAs mobilizar poupança popular sem depender exclusivamente de empréstimos bancários ou financiamento externo Para os investidores por sua vez oferecem oportunidades diversificadas de aplicação com perfis de risco retorno e prazos variados Desde sua origem histórica as sociedades anônimas destacamse como o modelo societário ideal para grandes empreendimentos justamente pela capacidade de atrair vultosos volumes de capital via mercado de capitais Essa característica confere às companhias um mecanismo de autofinanciamento que opera por meio de dois pilares fundamentais Capitalização emissão de novas ações incorporando recursos ao capital social conforme estudado no mercado primário Securitização lançamento de outros valores mobiliários transformando direitos creditórios ou expectativas de ganho em títulos negociáveis 47 Por intermédio da capitalização e da securitização as SAs captam recursos diretamente junto aos investidores financiando expansão inovação reestruturação ou projetos de longo prazo Em 2025 as emissões de debêntures e instrumentos securitizados somaram R 312 bilhões no 1S2025 ANBIMA com destaque para debêntures incentivadas infraestrutura e CRIsCRAs no balcão organizado representando 68 do autofinanciamento corporativo fora do sistema bancário tradicional 1541Debêntures Títulos de dívida de médio e longo prazo representam empréstimo contraído pela companhia junto ao mercado Podem ser simples sem garantia real ou com garantia fidejussória flutuante ou real e incentivadas Lei nº 114312011 com isenção de IR para PF Em 2025 a 10ª emissão da B3 R 2 bilhões setembro foi estruturada como debênture incentivada com remuneração de IPCA 58 e foco em expansão tecnológica Negociadas majoritariamente no balcão SOMA Fix oferecem rendimento fixo ou indexado com covenants de proteção ao credor 1541 Partes Beneficiárias Títulos gratuitos ou onerosos concedidos pela SA a fundadores administradores ou terceiros conferindo direito a participação nos lucros até 10 do lucro líquido após distribuição aos acionistas Não integram o capital social não conferem voto e têm prazo máximo de 10 anos art 46 3º Lei nº 64041976 Raros em 2025 são usados em reestruturações ou planos de incentivo ex partes beneficiárias da Petrobras Distribuidora em 2019 resgatadas em 2024 1543 Bônus de Subscrição Direito de preferência para subscrever ações futuras a preço predeterminado emitido como vantagem adicional aos acionistas ou debenturistas Regulados pelo art 75 da Lei nº 64041976 têm prazo de até 10 anos e são negociáveis no secundário B3 ou balcão Em 2025 a Vale emitiu bônus vinculados à 8ª série de debêntures R 35 bilhões permitindo subscrição de ações a R 55 até 2030 captando liquidez futura com desconto 48 Esses instrumentos ampliam o leque de autofinanciamento reduzindo dependência de bancos cujo spread médio foi de 285 em 2025 segundo BCB e democratizando o acesso ao capital A securitização em especial cresceu 25 em volume no 1S2025 CVM impulsionada por juros altos e demanda institucional por renda fixa privada 16 Mercado e Operações a Termo O mercado a termo é uma das formas mais antigas de negociação financeira baseada na compra e venda futura de ativos a preço e data previamente fixados Suas origens remontam às feiras mercantis europeias onde surgiram contratos de entrega futura de mercadorias e metais preciosos fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo contratual e do sistema financeiro moderno Van der Wee 1963 Braudel 1996 Historicamente o instrumento serviu como elo entre o comércio físico e o financeiro possibilitando a transferência de riscos e o planejamento de investimentos Goetzmann Rouwenhorst 2005 No Brasil sua consolidação ocorreu com a criação da CVM pela Lei nº 63851976 marco regulatório do mercado de capitais e com a atuação da B3 que disciplina as operações conforme normas da CVM e do Banco Central O mercado a termo tem dupla função é instrumento de alavancagem e investimento e também de proteção hedge contra oscilações de preço Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 destacam que ele amplia a liquidez e reduz incertezas refletindo o nível de sofisticação institucional e de confiança nas regras do sistema financeiro Chandler 1990 Landes 1998 No contexto brasileiro esse mercado exerce papel central na formação de preços na liquidez sistêmica e no estímulo ao investimento produtivo Entretanto tais benefícios dependem de regulação e transparência como reforçam as Resoluções CVM nº 231 e 2322025 que aprimoram o controle de riscos e a proteção ao investidor Segundo Pereira 2024 e Carvalhosa 2022 a segurança jurídica é essencial à estabilidade e à confiança no mercado de capitais A democratização financeira e o aumento de investidores pessoas físicas tornaram ainda mais relevante o equilíbrio entre liberdade negocial e regulação eficiente conforme defendem Rajan e Zingales 2004 49 161 Conceito e Natureza Jurídica da Operação a Termo A compreensão do mercado a termo exige a análise simultânea de suas dimensões econômica financeira e jurídica pois o instituto representa uma interface entre o direito contratual e o funcionamento dos mercados organizados de valores mobiliários Tratase de operação que combina compromisso futuro e preço presente permitindo que as partes negociem a transferência de ativos em data futura a um preço previamente fixado com base em expectativas sobre a evolução de mercado Segundo Assaf Neto 2023 p 412 a operação a termo constitui uma transação em que comprador e vendedor assumem compromissos firmes e irretratáveis tendo como objeto um ativo financeiro cujo preço de liquidação é determinado no ato da contratação embora a entrega e o pagamento ocorram no futuro A doutrina a reconhece como um instrumento híbrido situado entre o contrato de compra e venda mercantil e os derivativos financeiros possuindo peculiaridades que justificam sua regulamentação específica pela Comissão de Valores Mobiliários CVM e pela B3 161Definição econômica e financeira Do ponto de vista econômico o contrato a termo é uma operação de gestão de risco e expectativa típica de mercados de capitais desenvolvidos Conforme descreve Fortuna 2022 p 538 o mercado a termo viabiliza a antecipação de preços e o planejamento financeiro de agentes econômicos permitindo a estabilização de receitas ou custos futuros Essas operações desempenham papel essencial na formação de preços e liquidez do mercado uma vez que reduzem a incerteza e ampliam a capacidade de alavancagem dos investidores Diferentemente das operações de crédito tradicionais as operações a termo não envolvem necessariamente financiamento mas compromissos de compra e venda diferida com efeitos econômicos equivalentes à proteção hedge ou à especulação sobre tendências de mercado Ferguson 2008 e Rajan e Zingales 2004 demonstram que o surgimento dos mercados a termo foi decisivo para o amadurecimento do capitalismo financeiro ao permitir a criação de instrumentos de mitigação de riscos que impulsionaram o investimento produtivo e a confiança nas instituições financeiras Em sua essência o mercado a termo é um 50 instrumento de transferência de riscos e seu valor deriva do comportamento do ativo subjacente característica que o aproxima dos contratos derivativos 163 Diferença entre operação à vista a termo futuro e opções A distinção entre os diversos tipos de operação é fundamental para delimitar a natureza jurídica e funcional do contrato a termo Conforme o Guia de Operações a Termo da B3 2024 e o Relatório CVM de Derivativos 2024 Operação à vista envolve a liquidação imediata da transação a entrega e o pagamento ocorrem em até D2 dias úteis É a forma mais simples de compra e venda de ativos sem expectativa futura de preço Operação a termo define preço e data futura no momento da contratação sem ajustes diários sendo liquidada em data certa com base no preço previamente acordado O contrato é vinculante e não pode ser rescindido unilateralmente Operação futura futures similar à operação a termo mas padronizada e negociada em bolsa com ajuste diário de posições marktomarket O preço é formado continuamente no mercado e a câmara de compensação atua como contraparte central Opções diferem das operações a termo e futuras por conferirem direito e não obrigação ao comprador de exercer a compra ou venda do ativo em data futura mediante pagamento de um prêmio Como observa Saddi e Saddi 2022 p 201 o contrato a termo se caracteriza pela flexibilidade contratual e bilateralidade direta entre as partes enquanto os contratos futuros e de opções estão sujeitos a maior padronização e regulação Essa distinção possui relevância jurídica pois define o grau de liberdade das partes e o regime de responsabilidade aplicável em caso de inadimplemento 164 Natureza jurídica contrato derivativo consensual e bilateral A natureza jurídica do contrato a termo é tema de debate consolidado na doutrina comercial e financeira Bulgarelli 2021 p 315 classificao como contrato mercantil de compra e venda a prazo de execução diferida em que a prestação é adiada mas o vínculo 51 jurídico se forma imediatamente Já Carvalhosa 2022 v 3 p 427 sustenta que o contrato a termo quando negociado no âmbito do mercado de capitais adquire natureza de derivativo financeiro dado que seu valor decorre do desempenho do ativo subjacente A doutrina majoritária incluindo Mosquera 2023 e Penteado 2023 entende que o contrato a termo é consensual bilateral e oneroso com natureza derivativa Ele é consensual porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades bilateral pois gera obrigações recíprocas e oneroso porque envolve sacrifício patrimonial de ambas as partes Sob o ponto de vista regulatório a CVM por meio da Resolução nº 352021 reconhece expressamente o contrato a termo como instrumento derivativo quando o ativo subjacente for valor mobiliário conforme o art 2º VII da Lei nº 63851976 Assim tais operações estão sujeitas à supervisão da CVM devendo observar regras de transparência registro e mitigação de conflitos de interesse A B3 em seu regulamento operacional atualizado em 2025 reforça esse entendimento ao tratar o contrato a termo como operação não padronizada de compra e venda futura liquidável fisicamente ou financeiramente com registro e garantias controladas pela câmara de compensação 165 Base legal e interpretação doutrinária CVM LSA CC A base legal do mercado a termo no Brasil é composta por um conjunto de diplomas que articulam princípios de direito societário contratual e financeiro Lei nº 63851976 regula o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários CVM O art 2º VII inclui expressamente os contratos a termo e outros derivativos como valores mobiliários quando referidos a ativos negociados no mercado de capitais Lei nº 64041976 Lei das SA estabelece os parâmetros de emissão e negociação de ações e debêntures assegurando a publicidade e a transparência nas operações Código Civil Lei nº 104062002 nos arts 421 a 425 define os princípios da função social do contrato e da autonomia da vontade aplicáveis subsidiariamente às operações a termo 52 Lei nº 135062017 confere à CVM e ao Banco Central poder sancionador ampliado disciplinando infrações administrativas e sanções no âmbito do mercado de capitais A CVM conforme expõe Salomão Neto 2023 interpreta as operações a termo sob a ótica da função econômica do contrato reconhecendo sua validade e exigibilidade mesmo quando liquidadas financeiramente desde que cumpridos os requisitos de forma e registro Mosquera 2023 destaca que a evolução regulatória tem buscado equilibrar liberdade contratual e segurança jurídica ao exigir a formalização escrita dos contratos e o registro centralizado das operações Essa exigência decorre da necessidade de prevenir fraudes e manipulações de mercado especialmente diante da crescente complexidade dos derivativos Por sua vez Carvalhosa 2022 v 3 p 431 ressalta que a sujeição das operações a termo ao regime da CVM não altera sua essência contratual mas a complementa com garantias de transparência e fiscalização pública assegurando que o instrumento cumpra sua função econômica sem comprometer a estabilidade sistêmica Em síntese a natureza jurídica do contrato a termo resulta da conjugação entre princípios contratuais clássicos e exigências do direito público econômico Ele é simultaneamente contrato de direito privado fundado na autonomia das partes e instrumento de interesse público submetido à regulação estatal configurando um dos exemplos mais refinados de integração entre liberdade econômica e regulação prudencial no direito financeiro brasileiro 166 Estrutura e Funcionamento do Mercado a Termo O mercado a termo integra o conjunto dos mercados organizados de derivativos sendo regido por princípios de transparência mitigação de risco e cumprimento contratual Seu funcionamento depende de uma estrutura complexa de agentes regras operacionais e mecanismos de compensação e liquidação que garantem a segurança e a estabilidade das transações De acordo com Assaf Neto 2023 p 414 a eficiência do mercado a termo depende da articulação entre as partes contratantes e as instituições de intermediação e liquidação sob um ambiente de regulação prudencial A B3 como infraestrutura de mercado financeiro é o núcleo operacional do sistema enquanto a CVM exerce a supervisão e normatização em conformidade com a Lei nº 63851976 53 1661 Atores investidor corretora contraparte B3 O funcionamento do mercado a termo pressupõe a atuação coordenada de quatro principais agentes Investidor Pode assumir posição comprada tomador ou vendida lançador O comprador comprometese a adquirir o ativo em data futura enquanto o vendedor se obriga a entregálo ou liquidar a operação conforme o contrato Segundo Fortuna 2022 p 542 o investidor pode operar a termo com finalidades distintas proteção hedge especulação ou arbitragem Corretora ou distribuidora de valores mobiliários Atua como intermediária habilitada pela CVM Resolução CVM nº 352021 responsável pela execução registro e garantia da operação Ela também recolhe as margens exigidas e monitora a posição dos clientes Contraparte Em contratos a termo a contraparte é a outra parte do contrato podendo ser um investidor institucional empresa fundo de investimento ou pessoa física No caso das operações registradas na B3 há a possibilidade de interposição da câmara de compensação que assume o papel de contraparte central reduzindo o risco de crédito B3 Brasil Bolsa Balcão É a infraestrutura central do mercado a termo Ela fornece o ambiente de negociação eletrônica o sistema de registro as câmaras de compensação e os mecanismos de liquidação e garantia Segundo o Guia de Operações a Termo da B3 2024 toda operação registrada em bolsa é acompanhada até a liquidação final com monitoramento contínuo de riscos de crédito e mercado Além desses há ainda o papel indireto do Banco Central BACEN que supervisiona o sistema financeiro nacional art 10 da Lei nº 45951964 e acompanha os riscos sistêmicos decorrentes das operações com derivativos conforme o Relatório de Estabilidade Financeira 2025 1662 Etapas da operação contratação registro e liquidação 54 As operações a termo seguem um fluxo operacional padronizado com etapas bem definidas Contratação As partes acordam o ativo objeto ações títulos públicos moedas ou commodities o preço a termo a data de vencimento e as condições de liquidação A CVM exige conforme a Resolução CVM nº 352021 que o contrato seja formalizado por escrito e contenha todos os elementos essenciais do negócio inclusive os riscos assumidos Registro Após a contratação o intermediário corretora registra a operação no sistema da B3 que valida o contrato e calcula as margens de garantia O registro assegura a rastreabilidade e a supervisão pela CVM além de permitir o acompanhamento contábil e fiscal da posição Liquidação Pode ocorrer de duas formas física ou financeira A liquidação é o momento em que o contrato é extinto mediante a entrega do ativo ou o pagamento da diferença de valores conforme as condições pactuadas A B3 2024 destaca que a etapa de registro é o elemento que diferencia o mercado organizado do mercado de balcão sendo o registro essencial para conferir validade exigibilidade e segurança jurídica à operação 1663 Mecanismos de margem e garantias O risco de inadimplemento nas operações a termo é mitigado por meio de margens de garantia chamadas de margem e sistemas de monitoramento de risco Segundo Saddi e Saddi 2022 p 247 as margens funcionam como colaterais financeiros que asseguram a execução futura das obrigações contratuais evitando desequilíbrios e contágio sistêmico Existem dois tipos principais Margem inicial Depósito de garantia exigido no momento do registro da operação proporcional ao risco da posição Margem de variação ou adicional Requerida quando há oscilação relevante nos preços do ativo como forma de recompor o nível de garantia exigido A B3 aceita diferentes tipos de ativos como garantia dinheiro títulos públicos federais ações cotas de fundos conforme o Manual de Margens e Garantias B3 2025 55 Esses mecanismos são complementados pela Câmara de Compensação e Liquidação B3 Clearing que atua como contraparte central CCP nas operações registradas assumindo o risco de contraparte e assegurando o cumprimento dos contratos Formas de liquidação financeira ou física As operações a termo podem ser liquidadas de duas formas Liquidação física O vendedor entrega efetivamente o ativo por exemplo ações da Petrobras e o comprador paga o valor total acordado no contrato É a forma tradicional utilizada quando há interesse real na aquisição do ativo Liquidação financeira Em vez de entregar o ativo as partes liquidam apenas a diferença entre o preço contratado e o preço de mercado na data do vencimento Essa modalidade é mais comum em operações de caráter especulativo ou de hedge nas quais o investidor busca proteção contra variações de preço o Compliance e auditoria O regime de compliance e auditoria nas operações a termo tem caráter preventivo e transversal abrangendo desde a intermediação até a liquidação final da operação As instituições intermediárias corretoras e distribuidoras devem manter políticas formais de compliance e controles internos compatíveis com o tamanho e o risco de suas atividades conforme previsto na Resolução CVM nº 352021 que consolida regras de conduta para intermediários e participantes de mercado Entre as obrigações de compliance destacamse Identificação e adequação de clientes suitability Prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo PLDFT conforme a Lei nº 96131998 e a Resolução CVM nº 502021 Controle de informações privilegiadas previsto no art 155 da Lei nº 64041976 LSA Revisão periódica de políticas internas com comunicação obrigatória à CVM No tocante à auditoria a Resolução CVM nº 232021 regula de forma abrangente a atividade de auditoria independente no mercado de valores mobiliários A norma impõe a obrigatoriedade de auditoria independente para companhias abertas fundos de investimento intermediários de valores mobiliários e demais participantes supervisionados pela CVM assegurando maior transparência e confiabilidade nas demonstrações financeiras 56 167 Riscos e Desvantagens As operações a termo embora desempenhem papel relevante na estrutura de financiamento e investimento do mercado de capitais comportam riscos específicos que devem ser analisados sob perspectivas financeira jurídica e regulatória Conforme destaca Assaf Neto 2023 p 247 tratase de instrumentos que introduzem componentes de expectativa e incerteza sobre o comportamento futuro dos preços sendo portanto inerentemente mais arriscados que operações à vista 1671 Impactos sobre liquidez e formação de preços A liquidez do mercado a termo é diretamente influenciada pelo volume de negociações e pela confiança dos agentes Segundo Fortuna 2022 a baixa liquidez pode distorcer a formação dos preços dos ativos subjacentes produzindo movimentos especulativos e desvios momentâneos de valor justo A literatura econômica corrobora essa visão Goetzmann e Rouwenhorst 2005 destacam que a introdução de mercados a termo nos séculos XVI e XVII já demonstrava a tendência de antecipar preços futuros muitas vezes gerando bolhas especulativas No contexto brasileiro a CVM aponta que embora a B3 mantenha mecanismos robustos de supervisão o mercado a termo ainda pode gerar assimetrias de informação e fragilidades de precificação especialmente em ativos de baixa liquidez como small caps e ações de companhias recémlistadas 1671 Alavancagem e volatilidade Um dos principais riscos identificados por Rajan e Zingales 2004 e Neal 1990 é o da alavancagem implícita O investidor ao assumir uma posição a termo comprometese com uma obrigação futura que pode representar valor financeiro superior à sua capacidade imediata de liquidação A volatilidade de curto prazo em mercados derivativos como o a termo tende a amplificar movimentos de alta e baixa com efeitos potencialmente sistêmicos 1673 Precedente da CVM 57 A título exemplificativo temse o Parecer do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 referente ao Processo Administrativo CVM SEI 19957010224201977 aceitou a proposta de R 7 milhões apresentada pela B3 SA R 63 milhões e seus executivos Cícero Augusto Vieira Neto e André Monteiro DAlmeida Monteiro R 350 mil cada encerrando o processo sem punição administrativa A acusação lavrada pela SMI apontou descumprimento dos incisos III e IV do art 3º da Instrução CVM nº 2831998 vigente a época pela falta de verificação diária do grau de concentração no mercado de derivativos e empréstimos de ativos entre 2013 e 2019 A omissão permitiu posições concentradas acima de 30 em derivativos e 70 em empréstimos da ação VCPG3 contribuindo para um short squeeze com alta de 1200 no preço Embora o parecer não trate diretamente de operações a termo sua relevância para o mercado a termo é estrutural Empréstimos de ativos são indispensáveis para short selling em contratos a termo com liquidação financeira Instrução CVM 281984 Concentração excessiva em derivativos incluindo posições a termo desequilibra o mercado elevando riscos de manipulação e volatilidade A falha da B3 comprometeu a integridade sistêmica essencial para a confiança em operações a termo hedge e especulação O CTC considerou a proposta proporcional destacando cooperação ausência de dolo e medidas corretivas sistema automatizado desde 2020 O caso reforça a obrigação de supervisão diária e gestão de risco concentrado impactando diretamente a governança do mercado a termo e a aplicação de margens de garantia e limites de posição em operações registradas na B3 168 Perspectiva Jurídica e Econômica Integrada Sob a ótica civilista conforme o Código Civil arts 421 a 425 e 481 a 487 o contrato a termo caracterizase como contrato bilateral oneroso e comutativo cuja execução é diferida no tempo Na visão de Carvalhosa 2022 tratase de um contrato com características de compra e venda mercantil sujeita a prazo e condição de liquidação futura em que o risco e a expectativa de lucro decorrem da variação de preços do ativo subjacente Já na perspectiva comercial Penteado 2023 entende que a operação a termo se insere no contexto mais amplo dos contratos mercantis de bolsa regidos por princípios de 58 publicidade transparência e autorregulação Assim há uma aproximação entre o direito contratual clássico e o direito do mercado de capitais em constante diálogo interpretativo 168 Impactos Macroeconômicos e Regulatórios Recentes As operações a termo ocupam posição estratégica dentro do arcabouço macroeconômico e financeiro por influenciarem diretamente a liquidez a formação 0de expectativas de preços e o mecanismo de transmissão da política monetária Embora representem apenas uma fração do mercado derivativo nacional sua relevância tem crescido à medida que investidores e empresas buscam instrumentos de hedge e de arbitragem mais flexíveis e adaptados à realidade brasileira 1681 Operações a termo e política monetária As operações a termo podem influenciar na antecipação das taxas de juros esperadas e consequentemente no processo de precificação de ativos financeiros Ao pactuar hoje o preço de liquidação futura de determinado ativo o investidor expressa uma expectativa implícita sobre a trajetória da taxa Selic da inflação e da curva de juros o que transforma o mercado a termo em um indicador indireto das condições monetárias futuras Autores como Assaf Neto 2023 e Fortuna 2022 ressaltam que o comportamento dos contratos a termo reflete a percepção do mercado quanto à política monetária e à credibilidade institucional do Banco Central Um ambiente de juros voláteis por exemplo tende a ampliar o volume e o valor das operações a termo à medida que os agentes buscam proteção contra oscilações abruptas Em contrapartida períodos de estabilidade reduzem a atratividade das posições especulativas e reforçam o caráter de hedge No plano internacional Rajan e Zingales 2004 observam que instrumentos de prazo diferido como os contratos a termo funcionam como mecanismos descentralizados de transmissão de política monetária pois internalizam expectativas antes mesmo de ajustes oficiais na taxa básica demonstrando o alto grau de integração entre finanças e macroeconomia 1681Comparativo com mercados internacionais EUA UE e Ásia Nos Estados Unidos as operações a termo forwards são amplamente utilizadas em mercados de commodities e câmbio regidas pela Commodity Exchange Act CEA e 59 supervisionadas pela Commodity Futures Trading Commission CFTC O sistema norte americano distingue claramente contratos a termo de contratos futuros exigindo menor grau de padronização e por consequência menor intervenção estatal o que reforça a liberdade contratual mas aumenta o risco de inadimplência Na União Europeia sob o marco da MiFID II Markets in Financial Instruments Directive observase tendência de convergência regulatória mesmo os contratos a termo personalizados são incentivados a seguir padrões de transparência e registro centralizado Essa diretriz busca conciliar inovação financeira e estabilidade especialmente após as crises de 2008 e 2011 Já na Ásia conforme observa Stringham 2016 países como Japão e Singapura adotam modelo híbrido combinando flexibilidade negocial com forte supervisão estatal O resultado é um ambiente em que os contratos a termo convivem com derivativos complexos mantendo contudo rígido controle sobre liquidação e garantias O Brasil aproximase do modelo europeu priorizando segurança jurídica e integridade de mercado com centralização de registros e forte atuação da B3 como contraparte garantidora Tal modelo é considerado adequado ao estágio de maturidade institucional e ao perfil de risco dos investidores nacionais 60 CAPÍTULO 2 SOCIEDADES POR AÇÕES E O REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES 21 Legislação Aplicável e Governança Corporativa 211 Lei das Sociedades Anônimas No Brasil as sociedades por ações ou sociedades anônimas SAs são disciplinadas pela Lei nº 6404 de 15 de dezembro de 1976 Lei das Sociedades por Ações LSA elaborada a partir de projeto legislativo dos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luís Bulhões Pedreira Sua promulgação ocorreu em contexto de crise de confiança no mercado de capitais após o boom especulativo de 1971 nas bolsas de São Paulo e Rio de Janeiro que gerou prejuízos generalizados a investidores individuais e expôs fragilidades regulatórias como falta de transparência manipulação de preços e insuficiente proteção aos minoritários A LSA surgiu com o objetivo duplo de fortalecer a governança corporativa e restaurar a credibilidade do mercado introduzindo mecanismos como direito de voto diferenciado obrigatoriedade de demonstrações financeiras auditadas fiscalização pelo conselho fiscal e proteção contra abusos de controle Sua estrutura normativa considerada pioneira e robusta é amplamente elogiada pela doutrina comercialista CARVALHOSA 20182025 COELHO 2022 o que explica sua longevidade sem reformas estruturais 212 Governança Corporativa Um dos temas mais relevantes e atuais no estudo das sociedades anônimas SAs é a governança corporativa corporate governance conjunto de práticas e mecanismos voltados para a gestão responsável transparente e sustentável das empresas com foco na mitigação de conflitos entre acionistas administradores e demais partes interessadas stakeholders Esse movimento teve origem nos Estados Unidos e no Reino Unido na década de 1990 impulsionado pela necessidade de restaurar a confiança dos investidores após escândalos corporativos e pela crescente separação entre propriedade e controle nas grandes companhias de capital pulverizado No Brasil a governança corporativa ganhou força com a criação do Novo Mercado da B3 antiga Bovespa em dezembro de 2000 inspirado em códigos internacionais e foi consolidada pela reforma da Lei das Sociedades por Ações LSA Lei nº 64041976 61 promovida pela Lei nº 103032001 Essa norma introduziu avanços como o tag along de 80 para acionistas minoritários em companhias abertas a obrigação de oferta pública de aquisição OPA em caso de alienação de controle e o voto em separado para eleição de conselheiros A governança corporativa baseiase em quatro pilares fundamentais Transparência Supera a mera obrigação legal de disclosure art 157 LSA exigindo divulgação proativa e tempestiva de informações relevantes incluindo políticas de remuneração e riscos ESG ambientais sociais e de governança Equidade Garante tratamento isonômico entre acionistas com proteção reforçada aos minoritários contra abusos de controle ex art 254A LSA OPA por valor econômico Prestação de contas accountability Administradores respondem por atos de gestão com base em demonstrações financeiras auditadas conforme e relatórios integrados Responsabilidade corporativa Incorpora a sustentabilidade como dever fiduciário com foco na longevidade da empresa e impactos socioambientais O fenômeno da dispersão acionária analisado por Berle e Means em The Modern Corporation and Private Property 1932 marcou a transição de empresas familiares para estruturas de controle gerencial em que a gestão é delegada a profissionais sem participação majoritária no capital Essa separação gerou o conflito de agência teorizado por Jensen e Meckling 1976 no qual administradores podem priorizar interesses próprios salários elevados perpetuação no cargo em detrimento dos acionistas Assim a Governança Coorporativa atua justamente como mecanismo de alinhamento de interesses reduzindo assimetrias informacionais e custos de agência 22 Características e Classificações As sociedades anônimas SA representam a forma mais desenvolvida de organização empresarial estruturada sobre a base do capital dividido em ações Entre suas características fundamentais destacamse a a natureza capitalista b a essência empresarial c a identificação exclusiva por denominação e d a responsabilidade limitada dos acionistas Essas características decorrem diretamente da Lei nº 64041976 com redações atualizadas pelas Leis nº 103032001 116382007 e 138182019 62 221 Natureza capitalista da sociedade anônima A SA é por excelência uma sociedade de capital em que o elemento determinante é a contribuição financeira dos acionistas e não sua identidade pessoal Diferentemente das sociedades contratuais em que a entrada de novos sócios depende da anuência dos demais na sociedade anônima a transferência das ações é livre conforme art 36 da LSA salvo restrições estatutárias ou acordos de acionistas devidamente arquivados na companhia art 118 da LSA Como o estatuto social fixa apenas o número e as espécies de ações e não a identidade de seus titulares a circulação de ações ocorre sem necessidade de alteração do ato constitutivo Assim a participação societária representada pelas ações pode ser livremente negociada penhorada ou transferida sem afetar a continuidade da pessoa jurídica Em essência a sociedade anônima tem por objetivo a reunião de capitais para fins empresariais e não a associação pessoal entre sócios A ausência de intuitu personae isto é da consideração da pessoa do sócio permite que a composição acionária varie constantemente sem prejuízo da estabilidade da empresa No entanto a doutrina contemporânea reconhece que em companhias fechadas e de estrutura familiar é comum o estatuto social prever limitações à circulação de ações conferindo um caráter parcialmente personalista à sociedade conforme ressalta Fábio Ulhoa Coelho 2022 222 Essência empresarial Nos termos do art 982 parágrafo único do Código Civil toda sociedade por ações é sociedade empresária independentemente de seu objeto social Isso significa que ainda que a companhia exerça atividade não tipicamente empresarial como a administração de bens próprios será sempre regida pelo regime jurídico empresarial Essa natureza já estava presente antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002 O art 2º 1º da LSA mantém a redação de que qualquer que seja o objeto a companhia é empresária e se rege pelas leis e usos do comércio Assim a essência empresarial da SA reflete sua vocação para a organização e captação de capitais integrando se à dinâmica do mercado e da economia 223 Identificação exclusiva por denominação 63 A SA é identificada exclusivamente por denominação social conforme o art 1160 do Código Civil e o art 3º da LSA Essa denominação deve incluir por extenso ou abreviadamente as expressões sociedade anônima ou companhia sendo vedado o uso de companhia no final do nome Portanto denominações como Cia de Alimentos Recife ou Recife Cia de Alimentos são admitidas mas Recife Alimentos Cia não é permitida Essa exigência decorre do próprio caráter anônimo da sociedade já que ao contrário das sociedades de pessoas o nome empresarial não identifica os sócios mas apenas a entidade jurídica A adoção de firma social que identifica sócios pelo nome civil é incompatível com a natureza da SA cuja estrutura visa justamente dissociar a identidade dos acionistas da pessoa jurídica Essa separação reforça a autonomia patrimonial e a impessoalidade da empresa princípios centrais do direito societário moderno 224 Responsabilidade limitada dos acionistas Outra característica essencial é a responsabilidade limitada dos acionistas prevista no art 1º da LSA A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas Assim cada acionista responde apenas pelo valor das ações que subscreveu ou adquiriu não sendo responsável pelas dívidas da sociedade Essa limitação é mais rigorosa que a existente na sociedade limitada pois conforme o art 1052 do Código Civil os sócios de limitada são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social Já na SA inexiste solidariedade entre acionistas Excepcionalmente a proteção da limitação pode ser afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art 50 do Código Civil e do art 4º da Lei nº 138742019 Lei da Liberdade Econômica quando comprovado desvio de finalidade ou confusão patrimonial 225 Classificação das sociedades anônimas 64 Conforme o art 4º da LSA as sociedades anônimas se classificam em abertas ou fechadas conforme seus valores mobiliários estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários A companhia aberta é aquela registrada na Comissão de Valores Mobiliários CVM nos termos do 1º do art 4º da LSA podendo emitir e negociar publicamente ações debêntures e outros valores mobiliários Já a companhia fechada não possui registro na CVM e não pode realizar oferta pública de valores mobiliários 2º do mesmo artigo A CVM autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda exerce a regulação e fiscalização do mercado de capitais em conjunto com o Banco Central do Brasil conforme previsto na Lei nº 63851976 atualizada pela Lei nº 135062017 Essa estrutura regulatória assegura transparência proteção aos investidores e estabilidade ao sistema financeiro nacional 23 Direitos e Deveres dos Acionistas conferidos pelas ações As ações de uma sociedade anônima podem ser emitidas em diferentes espécies e classes cada qual com direitos e restrições próprios Essa diversidade permite que os acionistas possuam prerrogativas distintas conforme o tipo de ação que detêm Por exemplo as ações preferenciais podem garantir prioridade no recebimento de dividendos ou no reembolso do capital mas em regra restringem o direito de voto Apesar das diferenças entre as espécies a LSA assegura a todos os acionistas um conjunto de direitos essenciais que são inalienáveis e não podem ser suprimidos nem pelo estatuto nem pela assembleia geral 231 Direitos essenciais dos acionistas O art 109 da LSA lista os direitos fundamentais conferidos a todo acionista independentemente da espécie ou classe de ações I participar dos lucros sociais II participar do acervo da companhia em caso de liquidação III fiscalizar a gestão dos negócios sociais conforme a lei 65 IV exercer preferência na subscrição de ações ou valores mobiliários conversíveis em ações retirarse da sociedade nos casos previstos em lei Esses direitos são irrenunciáveis e inderrogáveis conforme o 2º do mesmo artigo que determina que nenhum estatuto pode restringir os meios legais que assegurem seu exercício Assim o acionista pode defendêlos judicialmente sempre que violados 232 Direito de participação nos lucros O direito de participar nos lucros sociais está condicionado à existência de resultados distribuíveis art 191 da LSA e às deliberações da Assembleia Geral Ordinária AGO sobre a destinação do lucro líquido art 192 Devem ser observadas as regras sobre dividendo obrigatório art 202 e sobre constituição de reservas arts 193 e 194 As ações podem assegurar dividendos diferentes conforme sua classe as preferenciais por exemplo podem garantir dividendos fixos ou mínimos conforme art 17 I da LSA A distribuição de dividendos sem observância das regras legais especialmente quando não há lucros ou reservas disponíveis acarreta responsabilidade solidária dos administradores e fiscais que devem restituir os valores pagos indevidamente art 201 1º Os acionistas que receberam tais valores de boafé não precisam devolvêlos sendo a boafé presumida quando os dividendos são pagos com base em balanço aprovado 233 Direito de fiscalização O direito de fiscalização é inerente a todos os acionistas e deve ser exercido por meio dos instrumentos previstos na LSA O principal deles é o Conselho Fiscal art 161 órgão obrigatório mas de funcionamento facultativo que pode ser instalado a pedido de acionistas que representem no mínimo 10 das ações com direito a voto ou 5 das ações sem voto Outros mecanismos incluem o direito de inspeção judicial pelo qual acionistas que representem pelo menos 5 do capital social podem requerer em juízo a exibição dos livros da companhia em caso de suspeita de irregularidades graves art 105 da LSA A fiscalização também se exerce por meio da análise das demonstrações financeiras e do relatório da administração disponibilizados antes da AGO arts 132 e 133 66 Nas companhias abertas a transparência é reforçada pela obrigatoriedade de auditoria independente conforme o art 177 3º da LSA e as normas da CVM 234 Direito de preferência O direito de preferência protege o acionista contra a diluição de sua participação societária Segundo o art 171 da LSA ele assegura prioridade na subscrição de novas ações e de valores mobiliários conversíveis em ações como debêntures ou bônus de subscrição O prazo mínimo para exercício é de 30 dias e o acionista pode ceder seu direito a terceiros 4º e 6º O art 172 da LSA permite em caráter excepcional que o estatuto exclua ou reduza o prazo do direito de preferência desde que se trate de companhia aberta com capital autorizado e que a emissão ocorra por meio de venda em bolsa subscrição pública ou permuta em oferta pública de aquisição de controle Em companhias fechadas a exclusão só é admitida para subscripção de ações vinculadas a incentivos fiscais 235 Direito de retirada direito de recesso O direito de retirada também chamado de direito de recesso consiste na prerrogativa conferida ao acionista de desligarse da sociedade mediante o reembolso do valor de suas ações nas hipóteses expressamente previstas em lei Esse instituto tem natureza excepcional nas sociedades anônimas servindo como mecanismo de proteção ao acionista dissidente diante de deliberações que modifiquem de modo substancial a estrutura o objeto ou as condições de participação societária Embora as expressões direito de retirada e direito de recesso sejam frequentemente utilizadas como sinônimas parte da doutrina propõe uma distinção conceitual De acordo com essa leitura o direito de retirada previsto no art 1029 do Código Civil seria o poder do sócio de sair da sociedade sem apresentar motivo específico aplicável às sociedades contratuais como a limitada ou simples formadas por prazo indeterminado o direito de recesso por sua vez disciplinado no art 1077 do Código Civil e no art 137 da Lei das Sociedades por Ações LSA seria o direito de retirarse mediante justificativa legal fundada em dissidência com deliberação social relevante 67 2351 Natureza e regime jurídico nas sociedades anônimas Nas sociedades anônimas por se tratar de uma sociedade de capital intuitu pecuniae e não de pessoas intuitu personae prevalece o princípio da livre negociabilidade das ações que substitui o vínculo pessoal por uma relação patrimonial Assim o desligamento do acionista ocorre normalmente pela alienação de suas ações no mercado e não por vontade direta de retirada Por essa razão o direito de recesso na SA é limitado e excepcional só podendo ser exercido nos casos expressamente previstos na LSA geralmente associados à dissidência em assembleias gerais sobre matérias de alta relevância para a estrutura ou o objeto da companhia 2352 Hipóteses legais de exercício do recesso O art 137 da LSA dispõe que a aprovação de determinadas matérias pela assembleia geral assegura ao acionista dissidente o direito de se retirar da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações Essas matérias estão listadas nos incisos I a VI e IX do art 136 da LSA e exigem quórum qualificado de aprovação por alterarem aspectos fundamentais da companhia I criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem proporcionalidade com as demais II alteração nas preferências ou vantagens das ações preferenciais ou criação de nova classe mais favorecida III redução do dividendo obrigatório IV fusão da companhia ou sua incorporação em outra V participação em grupo de sociedades art 265 VI mudança do objeto social e IX cisão da companhia Além dessas a LSA prevê hipóteses autônomas em outros dispositivos como transformação da companhia art 221 fechamento de capital em operações de reorganização art 223 4º desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único incorporação de ações art 252 1º aquisição de controle por companhia aberta art 256 2º inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social art 136A Essas hipóteses visam tutelar o acionista contra deliberações que alterem substancialmente a natureza de sua participação societária 68 2353 Condições e limitações ao exercício O direito de recesso não é automático ele depende da demonstração de prejuízo efetivo à posição do acionista O art 137 I limita o direito nas hipóteses dos incisos I e II do art 136 aos titulares de ações da espécie ou classe prejudicada Assim se a deliberação não afeta determinada classe de ações seus titulares não têm direito ao reembolso Por outro lado nas hipóteses de fusão incorporação ou participação em grupo de sociedades art 136 IV e V o art 137 II nega o direito de recesso aos acionistas cujas ações possuam liquidez e dispersão no mercado Segundo a LSA há liquidez quando as ações integram índice representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no Brasil ou no exterior conforme definição da CVM há dispersão quando o acionista controlador sua controladora ou controladas detêm menos da metade das ações da espécie ou classe A razão é de ordem econômica se as ações são líquidas e amplamente negociáveis o acionista pode alienálas no mercado sem onerar a companhia com o pagamento do reembolso 2354 Prazo e procedimento O acionista dissidente que desejar exercer o direito de retirada deve requerer o reembolso no prazo de 30 dias contados da publicação da ata da assembleia que aprovou a deliberação art 137 IV da LSA O 4º do mesmo artigo estabelece que não exercido o direito no prazo ele se extingue Existem contudo variações 60 dias para desapropriação de controle acionário por ente público art 236 parágrafo único contagem a partir da assembleia especial ou de ratificação nas hipóteses dos arts 136 1º e 256 1º art 137 V contagem específica em casos de fusão ou incorporação art 230 contagem 120 dias após a assembleia quando houver perda da condição de companhia aberta art 223 3º e 4º 69 O 2º do art 137 estabelece ainda que o direito de reembolso pode ser exercido mesmo que o acionista tenha se abstido de votar ou não tenha comparecido à assembleia o que demonstra o caráter objetivo e protetivo do instituto 2355 Assembleia de reconsideração Após o encerramento do prazo de exercício a administração da companhia tem 10 dias para deliberar sobre os impactos financeiros do reembolso Se entender que o pagamento compromete a estabilidade econômica da empresa deve convocar assembleia geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação art 137 VI e 3º Se a deliberação for reconsiderada o direito de recesso deixa de existir se for ratificada o pagamento tornase obrigatório Essa previsão protege o equilíbrio patrimonial da companhia e os interesses de todos os acionistas 2356 Valor e forma do reembolso O valor do reembolso é em regra calculado com base no valor patrimonial da ação apurado no último balanço aprovado art 45 1º Se o balanço tiver mais de 60 dias o acionista pode requerer balanço especial hipótese em que a companhia deve pagar 80 do valor estimado de imediato e o saldo após a conclusão da perícia em até 120 dias art 45 2º O estatuto pode prever critérios alternativos de avaliação inclusive o valor econômico da companhia desde que observadas as regras dos 3º e 4º do art 45 que exigem laudo elaborado por três peritos independentes ou empresa especializada escolhidos em assembleia geral e responsáveis civilmente pelo conteúdo do parecer O pagamento é normalmente à vista exceto quando houver assembleia de reconsideração em operações de fusão ou incorporação pagamento condicionado à efetivação da operação quando houver balanço especial solicitado pelo acionista 2357 Considerações doutrinárias e críticas 70 A LSA veda o recesso parcial ou seja o acionista deve retirarse integralmente não podendo solicitar reembolso de apenas parte de suas ações Parte da doutrina como Fábio Ulhoa Coelho critica essa restrição defendendo que o recesso parcial daria maior flexibilidade ao investidor e reduziria o impacto financeiro para a companhia Além disso Nelson Eizirik ressalta que o direito de recesso tem caráter instrumental e protetivo funcionando como válvula de segurança do sistema societário ao garantir ao acionista minoritário uma saída justa quando houver alteração substancial das condições sob as quais ingressou na sociedade Portanto o direito de retirada na sociedade anônima é ao mesmo tempo limitação à rigidez estrutural da companhia e garantia de justiça contratual no âmbito das relações societárias 236 Direito de Voto O direito de voto é o principal direito político do acionista permitindolhe participar das decisões estratégicas da companhia nas assembleias gerais Todavia diferentemente dos direitos essenciais elencados no art 109 da Lei nº 64041976 LSA como o direito a dividendos à fiscalização e à participação no acervo em caso de liquidação o direito de voto não é considerado essencial podendo ser suprimido ou restringido como ocorre nas ações preferenciais Essa característica reflete a lógica do sistema das sociedades anônimas o acionista pode investir no capital social apenas com interesse econômico lucros e dividendos sem necessariamente participar das decisões de gestão 2361 Direito de voz x direito de voto Embora nem todo acionista possua direito de voto todos possuem direito de voz isto é o direito de participar discutir e se manifestar nas assembleias gerais O art 125 parágrafo único da LSA estabelece expressamente que os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleiageral e discutir a matéria submetida à deliberação Esse dispositivo assegura o direito de participação informada o acionista ainda que sem poder votar pode solicitar esclarecimentos debater os temas e influenciar indiretamente as deliberações contribuindo para a transparência e o controle social interno 71 2362 Tipos de voto voto de vontade e voto de verdade A doutrina notadamente Fábio Ulhoa Coelho distingue duas modalidades de voto Voto de vontade é aquele em que o acionista expressa uma escolha deliberativa como na eleição de administradores ou na aprovação de alterações estatutárias Tratase de voto genuinamente político que manifesta a vontade do acionista quanto aos rumos da companhia Voto de verdade é o voto por meio do qual o acionista atesta ou reconhece fatos sem efetuar escolha de mérito por exemplo ao aprovar demonstrações financeiras ou laudos de avaliação A distinção tem relevância penal o art 177 2º do Código Penal criminaliza a negociação ou venda do voto de verdade por se tratar de manifestação sobre fatos contábeis e não sobre opções políticas Apenas o voto de vontade é passível de negociação legítima como ocorre em acordos de voto art 118 da LSA 2363 Estrutura legal do direito de voto De acordo com o art 110 da LSA a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembleia geral Assim apenas as ações ordinárias ON conferem por natureza direito de voto pleno O 1º do mesmo artigo autoriza porém que o estatuto social limite o número de votos por acionista mecanismo utilizado em companhias de capital pulverizado para evitar a concentração excessiva de poder Em contraposição as ações preferenciais PN podem ter voto suprimido ou restrito em troca de vantagens econômicas conforme dispõe o art 111 da LSA 2364 O voto plural 23641 A antiga vedação e a mudança legislativa Tradicionalmente o direito societário brasileiro adotava o princípio one share one vote uma ação um voto vedando expressamente a atribuição de voto plural isto é mais de um voto por ação conforme o antigo art 110 2º da LSA Essa vedação 72 entretanto foi revogada pela Lei nº 141952021 que incluiu o art 110A autorizando a criação de classes de ações ordinárias com voto plural com até 10 votos por ação A inovação buscou adequar o Brasil às práticas internacionais sobretudo do mercado norteamericano em que o voto plural é amplamente utilizado para preservar o controle dos fundadores e ao mesmo tempo facilitar a captação de recursos 23642 Condições legais para criação do voto plural O art 110A da LSA determina que o voto plural pode ser instituído I em companhia fechada a qualquer tempo II em companhia aberta somente antes da negociação de suas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados A criação dessa classe de ações depende da aprovação em assembleia especial com quórum mínimo de metade dos votos das ações com direito a voto e metade das ações preferenciais sem voto ou com voto restrito art 110A 1º O estatuto pode exigir quórum maior 3º A deliberação que cria voto plural gera direito de retirada aos acionistas dissidentes salvo se tal possibilidade já estiver prevista ou autorizada no estatuto 2º 23643 Regras de vigência prorrogação e extinção O voto plural tem prazo de vigência de até 7 anos podendo ser prorrogado mediante novo quórum qualificado 7º A prorrogação garante novo direito de retirada ao acionista dissidente As ações com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias comuns caso sejam transferidas a terceiros salvo nas hipóteses do 8º como quando o alienante permanece indiretamente no controle Além disso certas matérias não podem ser votadas com voto plural como remuneração de administradores art 110A 12 I transações com partes relacionadas relevantes conforme critérios da CVM 12 II Por fim o 14 exclui do regime do voto plural as empresas públicas sociedades de economia mista e suas controladas 73 2365 Exercício do direito de voto O art 111 da LSA permite que o estatuto da companhia restrinja ou suprima o direito de voto das ações preferenciais Todavia essas ações recuperam o direito de voto caso a companhia deixe de pagar os dividendos fixos ou mínimos por três exercícios consecutivos 1º O direito se mantém até o pagamento integral dos dividendos devidos se forem cumulativos ou até a quitação do atraso se não forem O 2º prevê que as ações com voto restrito também terão suas limitações suspensas nas mesmas condições O 3º autoriza o estatuto a postergar a aplicação dessas regras até a conclusão do empreendimento inicial da companhia O direito de voto pode ser afetado quando a ação está gravada com penhor usufruto ou alienação fiduciária Ações penhoradas o penhor não retira o direito de voto do acionista salvo estipulação contratual em contrário art 113 caput da LSA Ações alienadas fiduciariamente o voto pertence ao devedor não ao credor fiduciário devendo ser exercido nos termos do contrato art 113 parágrafo único Ações com usufruto se o ato constitutivo não definir quem vota o direito só poderá ser exercido mediante acordo prévio entre proprietário e usufrutuário art 114 da LSA 2366 Abuso e conflito no exercício do voto O art 115 da LSA introduzido pela Lei nº 103032001 incorporou à legislação brasileira princípios de governança corporativa coibindo o abuso do direito de voto O acionista deve votar no interesse da companhia e considerase abusivo o voto exercido com o intuito de causar dano à companhia ou a outros acionistas obter vantagem indevida com prejuízo à sociedade O 3º prevê responsabilidade civil mesmo se o voto abusivo não prevalecer na deliberação Já o 1º do art 115 trata do voto conflitante proibindo o acionista de votar na aprovação do laudo de avaliação dos bens que utilizou para integralizar o capital na aprovação de suas próprias contas como administrador em quaisquer deliberações que possam beneficiálo de modo particular ou em que tenha interesse conflitante com o da companhia 74 A deliberação tomada com voto conflitante é anulável e o acionista responde pelos danos e deve transferir à companhia as vantagens obtidas 4º O Enunciado nº 14 da I Jornada de Direito Comercial do CJF reforça essa vedação afirmando que é ilícito aos administradores votarem direta ou indiretamente para aprovar ou rejeitar suas próprias contas Vale mencionar a diferença entre os votos conflitantes podendo haver conflito formal e conflito material A doutrina distingue dois tipos de conflito de interesses Conflito formal decorre de situação expressamente prevista em lei havendo proibição absoluta de voto por exemplo aprovação do laudo de bens próprios ou das próprias contas Conflito material não é presumido pela lei depende da análise concreta das circunstâncias O voto pode ser proferido mas estará sujeito a controle posterior podendo ser anulado se comprovado o prejuízo à companhia O voto abusivo e o voto conflitante distinguemse portanto pelo elemento volitivo e pela consequência jurídica o voto abusivo gera responsabilidade civil ainda que não prevaleça o voto conflitante permite além da responsabilidade a anulação da deliberação quando o voto foi decisivo Portanto o direito de voto é a principal expressão da soberania do acionista dentro da sociedade anônima Sua disciplina revela o equilíbrio entre democracia societária e proteção institucional garantindo que o poder político dentro da companhia seja exercido com responsabilidade lealdade e transparência 24 Operações Societárias Incorporação Fusão e Cisão No âmbito do Direito Societário são chamadas operações societárias as transformações estruturais que alteram a forma a composição ou a organização das sociedades resultando em modificações substanciais de sua estrutura jurídica e patrimonial Entre as principais operações estão a incorporação a fusão e a cisão Essas operações têm natureza eminentemente organizacional e patrimonial refletindo a dinâmica do mercado e o princípio da livre iniciativa Seu objetivo é permitir que as sociedades se adaptem a novas estratégias econômicas ampliem sua capacidade de atuação ou se reorganizem para maior eficiência empresarial 75 A matéria é disciplinada conjuntamente pela Lei nº 64041976 LSA aplicável às sociedades por ações e pelo Código Civil de 2002 que regula as demais sociedades empresárias Em caso de conflito de normas prevalece o regime da LSA em razão da especialidade O Enunciado nº 70 do Conselho da Justiça Federal CJF sintetiza essa regra As disposições sobre incorporação fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas As disposições da Lei nº 64041976 sobre essa matéria aplicamse por analogia às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso 241 Incorporação A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra que lhes sucede universalmente em todos os direitos e obrigações Essa definição está prevista tanto no art 227 da LSA quanto no art 1116 do Código Civil que dispõem em termos praticamente idênticos Em termos práticos a sociedade incorporadora adquire o patrimônio das incorporadas e estas são extintas sem formação de nova pessoa jurídica A incorporadora continua existindo mas com seu patrimônio e estrutura modificados O procedimento de incorporação envolve duas etapas principais 1 Aprovação do protocolo e nomeação de peritos A assembleia geral da incorporadora ao aprovar o protocolo da operação deve autorizar o aumento de capital a ser subscrito pela incorporada mediante a versão de seu patrimônio líquido e nomear peritos para avaliálo art 227 1º LSA 2 Aprovação do laudo de avaliação e consumação da operação Após a avaliação nova assembleia da incorporadora deve aprovar o laudo e consumar a incorporação declarando extinta a sociedade incorporada art 227 3º LSA art 1118 do CC A operação deve ser arquivada e publicada na Junta Comercial competente Importa observar que a Instrução Normativa DREI nº 812020 art 70 parágrafo único admite a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo desde que o procedimento seja regularmente aprovado 242 Fusão A fusão é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma nova sociedade que lhes sucede integralmente em direitos e obrigações A definição consta do 76 art 228 da LSA e do art 1119 do Código Civil sendo a fusão caracterizada portanto pela extinção simultânea das sociedades anteriores e pela criação de uma nova pessoa jurídica O procedimento de fusão compreende duas etapas 1 Assembleia de cada sociedade envolvida Cada sociedade deve realizar assembleia geral para aprovar o protocolo de fusão nomear peritos para avaliar os patrimônios líquidos das demais e aprovar o projeto de constituição da nova sociedade art 228 1º LSA art 1120 1º CC 2 Assembleia conjunta de constituição Após os laudos de avaliação os administradores convocam assembleia conjunta para tomar conhecimento dos laudos e aprovar a constituição definitiva da nova sociedade art 228 2º LSA Os sócios são vedados de votar o laudo de avaliação referente à sociedade da qual façam parte art 228 2º parte final LSA Por fim constituída a nova sociedade seus administradores devem promover o arquivamento e a publicação dos atos da fusão art 228 3º LSA art 1121 CC 243 Cisão A cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parte ou a totalidade de seu patrimônio a uma ou mais sociedades já existentes ou constituídas para esse fim De acordo com o art 229 da LSA a cisão pode ser Parcial quando há transferência de apenas parte do patrimônio Total quando há transferência de todo o patrimônio extinguindose a sociedade cindida A cisão é uma forma de reorganização que visa à especialização de atividades separação de negócios ou reorganização de grupos econômicos O procedimento varia conforme o tipo de cisão 1 Cisão com criação de nova sociedade A assembleia geral da companhia cindida deve aprovar a justificação da operação nomear peritos para avaliar o patrimônio transferido e constituir a nova sociedade art 229 2º LSA 2 Cisão com versão de patrimônio para sociedade existente Nesse caso aplicamse as mesmas regras da incorporação art 229 3º LSA Em ambos os casos as sociedades envolvidas devem arquivar e publicar os atos societários correspondentes Ainda nos termos do art 229 1º LSA a sociedade que 77 absorver parcela do patrimônio da cindida sucedea nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão Se a cisão for total as sucessoras responderão proporcionalmente ao patrimônio recebido Quando houver extinção da sociedade cindida o arquivamento e publicação dos atos competem aos administradores das sociedades que absorveram o patrimônio art 229 4º LSA As ações emitidas em substituição às anteriores devem ser atribuídas proporcionalmente à participação anterior dos acionistas salvo se houver aprovação unânime para proporção diversa art 229 5º LSA Operação Surge nova sociedade Sociedades extintas Sucessão universal Incorporação Não Sim as incorporadas Sim Fusão Sim Sim todas as fundidas Sim Cisão parcial Não Não Parcial Cisão total Não Sim a cindida Sim 78 CAPÍTULO 3 OPERAÇÕES A TERMO E ALTERAÇÃO DO CONTROLE ACIONÁRIO O DIREITO DE RECESSO E A TITULARIDADE DOS DIREITOS SOCIETÁRIOS 31 Introdução A Colisão de Planos Temporais A operação a termo conforme delineada no Capítulo 1 consubstanciase em um contrato de execução diferida no qual as partes pactuam no presente a compra e venda de valores mobiliários por preço certo com liquidação entrega do ativo e pagamento do preço em data futura predeterminada ASSAF NETO 2023 Tratase portanto de uma relação obrigacional que engendra expectativas de direitos e obrigações mas que até o momento da liquidação não altera a titularidade registral dos ativos objeto do contrato Em paralelo o regime jurídico das sociedades anônimas estabelecido pela Lei n 64041976 Lei das SA atribui um conjunto de direitos e prerrogativas aos acionistas titularizados por aqueles que constam como tal nos registros societários da companhia no momento do exercício do direito Dentre tais direitos destacamse para esta análise o direito de voto em assembleias gerais art 109 caput da Lei n 64041976 e o direito de recesso art 137 da Lei n 64041976 este último acionado em hipóteses excepcionais que implicam alteração substantiva na estrutura ou objeto social como incorporações fusões e cisões Surge então uma zona de tensão jurídica quando o vencimento de uma operação a termo é posterior à data de um evento societário relevante que confere direitos aos acionistas registrais Colidem nesse cenário dois planos temporais distintos o plano obrigacional que mira o futuro a liquidação do termo e o plano societário que exige a definição de um titular presente para o exercício de direitos A problemática central que este capítulo se propõe a analisar é em uma operação a termo ainda não liquidada quem é o legítimo titular para o exercício de direitos societários notadamente o voto e o recesso decorrentes de um evento como uma incorporação o vendedor a termo cedente que ainda detém o registro formal das ações ou o comprador a termo tomador que já assumiu o risco econômico e a expectativa de propriedade sobre os ativos De um lado o vendedor a termo ainda formalmente acionista poderia ser considerado o detentor legítimo desses direitos com base no princípio do registro e da segurança jurídica das relações societárias De outro o comprador a termo que suporta as variações de valor do ativo desde a contratação e tem o compromisso de adquirilo no futuro possui inequívoco 79 interesse econômico no desfecho do evento societário levantando a questão sobre se a mera titularidade registral desprovida do risco econômico deveria ser o único critério para o exercício de direitos tão sensíveis A solução para este impasse não é pacífica na doutrina e na jurisprudência exigindo uma análise aprofundada da natureza jurídica da posição das partes no contrato a termo e da teleologia dos direitos societários em questão 32 A Natureza Jurídica da Posição em uma Operação a Termo Para compreender a distribuição dos direitos societários em uma operação a termo pendente de liquidação é imperioso revisitar a natureza jurídica desse contrato e consequentemente a posição ocupada pelo comprador tomador e pelo vendedor cedente Conforme previamente estabelecido a operação a termo é classificada como um contrato derivativo consensual bilateral e oneroso BULGARELLI 2021 CARVALHOSA 2022 Sua essência é obrigacional consistindo em um acordo de vontades que gera para as partes o de dare obrigação de entregar o ativo e o de solvere obrigação de pagar o preço cujo cumprimento é diferido para uma data futura A Lei n 63851976 em seu art 2º VII ao definir valores mobiliários inclui expressamente os contratos a termo submetendoos à regulação da CVM o que reforça seu caráter de instrumento financeiro com feições públicas Dessa natureza decorre a distinção fundamental entre propriedade plena e expectativa de direito Propriedade Plena Vendedor a Termo Até a efetiva liquidação da operação D0 ou D2 conforme o caso as ações objeto do contrato permanecem registradas em nome do vendedor a termo seja no livro de registro de ações nominativas da companhia seja na conta de custódia mantida por instituição autorizada art 34 da Lei n 64041976 O vendedor detém perante a sociedade e terceiros a titularidade formal e todos os direitos de acionista dela decorrentes incluindo os direitos políticos voto e o direito de recesso É a posição que confere segurança e publicidade às relações societárias Expectativa de Direito Comprador a Termo O comprador a termo por sua vez é titular de um direito creditório uma expectativa jurídica legitimamente constituída de se tornar proprietário das ações na data do vencimento Ele assume o risco econômico beneficium e onus da variação do preço do ativo subjacente desde a data da contratação 80 Contudo esta expectativa embora juridicamente protegida não se confunde com a propriedade Conforme ensina Eizirik 2023 p 415 o tomador a termo não é acionista mas credor de uma obrigação de dar não podendo em tese exercer os direitos inerentes à condição de sócio O cerne da discussão doutrinária reside em qualificar se essa posição do comprador se resume a um mero crédito ou se encerra uma figura mais complexa Para parte da doutrina como Carvalhosa 2022 p 431 a operação a termo embora de natureza obrigacional cria para o comprador uma situação jurídica que se aproxima de um direito real resolúvel pois desde a celebração do contrato ele fica subrogado economicamente na posição de proprietário Nesta visão há uma quasepropriedade ou um ius ad rem direito à coisa que justificaria em tese um tratamento que considere seu interesse econômico substancial Em sentido oposto prevalece o entendimento de que a natureza é estritamente obrigacional Coelho 2022 p 278 é categórico ao afirmar que a operação a termo não transfere à sua celebração a propriedade das ações O comprador adquire um direito pessoal contra o vendedor e não um direito real sobre as ações Esta é a posição que melhor se coaduna com o sistema de registro da Lei das SA e com a segurança do mercado pois evita a pulverização da titularidade de direitos e a insegurança sobre quem é efetivamente o acionista para a companhia Sob a ótica do direito societário puro a titularidade para o exercício de direitos como o voto e o recesso permanece com o vendedor a termo acionista registral Qualquer mitigação deste princípio depende de convenção entre as partes que por meio de cláusulas contratuais acessórias podem disciplinar o exercício desses direitos durante a vigência do termo sem contudo alterar a titularidade registral perante a sociedade 33 O Caso Concreto Incorporação e o Direito de Recesso Para ilustrar a colisão de planos temporais e os conflitos jurídicos decorrentes analisa se um cenário hipotético porém recorrente no mercado de capitais Cenário A Companhia Alfa SA será incorporada pela Companhia Beta SA A assembleia geral extraordinária da Companhia Alfa é convocada para deliberar sobre a incorporação nos termos do art 226 da Lei n 64041976 Conforme disposto no art 136 IV 81 da mesma lei a aprovação dessa matéria assegura aos acionistas dissidentes o direito de recesso previsto no art 137 Situação Um bloco significativo de ações ordinárias da Companhia Alfa é objeto de uma operação a termo O senhor João cedente vendeu a termo essas ações para a senhora Maria tomadora Contudo a data de liquidação física do contrato a termo está calendarizada para ocorrer após a realização da assembleia geral que votará a incorporação Neste ínterim João permanece como o acionista registral das ações no livro de registros da Companhia Alfa O Dilema 1João Vendedor a Termo Do ponto de vista estritamente legal e registral João é o acionista Com base no art 137 da Lei n 64041976 ele tem o direito potestativo de exercer o recesso retirandose da sociedade e recebendo o reembolso pelo valor de suas ações calculado com base no último balanço aprovado ou por valuation específico art 45 da Lei n 64041976 O fato de ele ter celebrado um contrato a termo com Maria é uma relação obrigacional distinta de sua condição de acionista perante a companhia Se ele exercer o recesso receberá o valor do reembolso da Companhia Alfa No vencimento do termo ele não poderá entregar as ações a Maria pois estas terão sido remidas pela companhia Surge então a questão pode ele licitamente exercer esse direito e embolsar a diferença entre o valor do reembolso potencialmente mais alto e o preço a termo previamente acordado com Maria 2Maria Compradora a Termo Maria por sua vez já assumiu o risco econômico das ações O preço a termo que ela pagará a João foi fixado com base em expectativas de mercado que incluíam a continuidade da Companhia Alfa como entidade independente ou sua transformação via incorporação O exercício do recesso por João frustra completamente sua expectativa contratual O interesse econômico de Maria é que as ações não sejam retiradas para que na data de liquidação do termo ela possa recebêlas e subsequentemente trocálas pelas ações da sucessora Companhia Beta conforme estabelecido no protocolo de incorporação Como ela pode proteger seu interesse Sem previsão contratual sua posição é frágil Ela poderá alegar em uma eventual ação contra João que o exercício do recesso configura enriquecimento sem causa art 884 do Código Civil ou mesmo abuso de direito art 187 do Código Civil pois João estaria utilizando uma prerrogativa legal o recesso de forma a causar dano a ela e a obter vantagem indevida já que o risco econômico já não lhe pertencia No entanto tratarseia de uma demanda complexa a posteriori para buscar perdas e danos 82 Este caso explicita o núcleo do problema a desconexão entre a titularidade formal do direito de recesso de João com base no registro e a titularidade econômica e do risco de Maria com base no contrato a termo A lei societária por si só não oferece uma solução pronta para este impasse tornando crucial a análise de como o ordenamento jurídico e a prática contratual podem equacionar este conflito 34 Análise da Titularidade do Direito de Recesso A Dicotomia entre a Forma Registral e a Realidade Econômica A definição do legítimo titular do direito de recesso em operações a termo não liquidadas constitui um dos dilemas mais intrincados do direito societário contemporâneo O tema exige uma abordagem multifacetada que combine a dogmática jurídica tradicional a análise econômica do direito e os princípios da boafé e da função social dos contratos A controvérsia revela um conflito estrutural entre a forma registral expressão do formalismo jurídico e da segurança das relações societárias e a realidade econômica expressão da substância e da justiça material nas relações contratuais complexas O problema centrase na seguinte questão quem detém o direito de recesso em uma operação a termo ainda não liquidada o acionista registral vendedor a termo ou o comprador titular do interesse econômico sobre as ações A resposta não é unívoca e depende da leitura conjugada da legislação societária da doutrina civilista e dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica 341 Fundamentos Jurídicos da Posição do Vendedor a Termo Acionista Registral A tese que confere a titularidade do direito de recesso ao vendedor a termo repousa sobre fundamentos jurídicopositivos consistentes e historicamente enraizados na dogmática societária brasileira a O Sistema Registral como Pilar de Segurança Jurídica Nos termos do art 31 da Lei nº 64041976 Lei das SA a condição de acionista é definida pelo registro do titular no livro de ações nominativas da companhia Esse registro possui natureza constitutiva e não meramente declaratória sendo elemento indispensável para o exercício dos direitos políticos e patrimoniais inerentes à ação 83 Como observa Eizirik 2023 p 228 a companhia apenas reconhece e se relaciona com quem figura como acionista em seus livros eventuais negócios jurídicos subjacentes como contratos a termo ou de derivativos não alteram a titularidade formal enquanto não houver registro da transferência Assim o sistema registral funciona como instrumento de publicidade segurança e previsibilidade valores que sustentam a estabilidade das relações societárias e protegem terceiros de boafé b Interpretação Literal e Sistemática do Art 137 da Lei das SA O art 137 da Lei das SA confere o direito de recesso ao acionista dissidente de determinadas deliberações assembleares Uma interpretação literal e sistemática desse dispositivo revela que o legislador ao empregar reiteradamente o termo acionista se refere exclusivamente ao titular formal registrado nos livros da companhia Assim a titularidade do recesso é indissociável da titularidade registral Qualquer tentativa de ampliar essa definição para abarcar o comprador a termo ainda não registrado implicaria alteração do regime legal vigente violando o princípio da legalidade art 5º II da CF1988 e subvertendo a coerência do sistema societário Como ensina Comparato 2018 p 423 a disciplina das companhias se constrói sobre a certeza formal dos registros sem a qual desapareceria a segurança necessária ao funcionamento do mercado de capitais c Natureza Obrigacional da Operação a Termo O contrato a termo não transfere de imediato a propriedade das ações Tratase de um negócio obrigacional que gera para as partes deveres de fazer e obrigações futuras de entrega e pagamento conforme acentua Coelho 2022 p 315 o contrato a termo até sua liquidação não opera a transferência da propriedade mas apenas cria expectativas jurídicas correlatas Consequentemente todos os direitos inerentes à propriedade das ações inclusive o direito de recesso permanecem com o vendedor até a efetiva liquidação e registro da transferência d Preservação da Autonomia e das Garantias do Acionista O direito de recesso tem natureza protetiva assegurando ao acionista dissidente a liberdade de desvincularse de modificações profundas na estrutura societária Admitir que um terceiro ainda que economicamente interessado interfira nesse direito seria esvaziar o 84 núcleo essencial de autonomia assegurado ao acionista registral comprometendo a coerência do regime jurídico das SA 342 Fundamentos Jurídicos da Posição do Comprador a Termo Detentor do Interesse Econômico Em contrapartida a posição que reconhece o comprador a termo como legítimo titular ou beneficiário indireto do recesso encontra respaldo em argumentos principiológicos e econômicos que buscam alinhar o direito positivo à realidade dos mercados financeiros a Princípio da BoaFé Objetiva e Função Social do Contrato Nos termos do art 113 do Código Civil os contratos devem ser interpretados conforme a boafé objetiva e os usos do lugar A boafé impõe às partes deveres de lealdade transparência e cooperação impedindo o exercício oportunista de posições jurídicas Quando o vendedor ciente de que o valor da ação aumentará em razão de um evento societário que ensejará direito de recesso exerce esse direito com o intuito de auferir lucro extraordinário viola a confiança legítima do comprador frustrando a função econômica do contrato e ferindo o equilíbrio contratual b Teoria do Abuso de Direito Aplicada ao Direito de Recesso O art 187 do Código Civil estabelece que comete abuso de direito aquele que mesmo agindo dentro da legalidade formal excede manifestamente os limites impostos pela boafé pela finalidade social ou pela função econômica do direito Assim o exercício do recesso pelo vendedor quando desprovido de propósito protetivo e voltado à obtenção de vantagem indevida configura abuso de direito Os critérios de identificação do abuso conforme a doutrina de Gagliano e Pamplona Filho 2022 incluem 1 Desproporção entre a vantagem do titular e o prejuízo de outrem 2 Desvio de finalidade quando o direito é exercido para propósito diverso do que justificou sua concessão 3 Violação da confiança legítima depositada na relação contratual 85 c Enriquecimento sem Causa e Dever de Restituição O art 884 do Código Civil impõe a restituição de valores obtidos mediante enriquecimento sem causa Assim o vendedor que exerce abusivamente o recesso capturando um ganho econômico que já havia sido transferido economicamente ao comprador deve restituir a vantagem indevida sob pena de desequilíbrio contratual Como explica Tartuce 2023 p 892 a vedação ao enriquecimento sem causa é expressão do princípio da justiça comutativa e da função corretiva do direito privado d Análise Econômica do Direito e Justiça Substantiva Sob a ótica da análise econômica do direito o recesso representa um ativo econômico incorporado ao valor da ação Ao celebrar o contrato a termo as partes precificam o risco e o potencial de valorização inclusive decorrente de eventos societários Permitir que o vendedor capture integralmente esse valor seria romper a simetria de expectativas e criar incentivos distorcidos ao comportamento oportunista Dessa forma a justiça substancial e o equilíbrio econômicocontratual justificam a proteção do comprador ainda que à margem do formalismo registral 343 Soluções Contratuais como Mecanismos de Prevenção de Conflitos O mercado financeiro sensível a esses riscos tem desenvolvido mecanismos contratuais sofisticados para mitigar disputas sobre o direito de recesso 1 Cláusulas de Exercise and Settle conferem ao comprador a prerrogativa de decidir sobre o exercício do recesso cabendo ao vendedor executar as instruções recebidas 2 Cláusulas de Cash Settlement Adaptadas preveem liquidação financeira em caso de exercício do recesso pelo vendedor garantindo compensação ao comprador pela diferença entre o valor de reembolso e o preço pactuado 3 Representações e Garantias Contratuais o vendedor declara expressamente que não exercerá direitos societários que possam frustrar a operação sob pena de multa contratual 86 4 Cláusulas de Cooperação e Notificação obrigam o vendedor a comunicar imediatamente ao comprador qualquer evento que possa gerar direito de recesso reforçando a boafé objetiva e o dever de transparência Essas soluções evidenciam a busca do mercado por autonomia privada regulada capaz de harmonizar o formalismo societário com a eficiência econômica 344 Conclusão da Análise A controvérsia sobre a titularidade do direito de recesso em operações a termo reflete o tensionamento entre o formalismo jurídico e a realidade econômica entre o registro societário e o interesse econômico subjacente Enquanto a posição do vendedor assegura segurança previsibilidade e coerência com a estrutura legal vigente a posição do comprador introduz elementos de equidade boafé e justiça material evitando comportamentos oportunistas e assegurando a efetividade da função social do contrato A jurisprudência brasileira ainda incipiente no tema tende a adotar uma postura formalista reconhecendo a titularidade do vendedor mas progressivamente admite responsabilização civil por abuso de direito ou enriquecimento sem causa quando comprovada máfé ou desvio de finalidade Em última análise a solução futura desse impasse dependerá de uma evolução legislativa ou jurisprudencial que reconheça a importância da realidade econômica nas operações societárias complexas harmonizando o princípio da segurança jurídica com o princípio da justiça contratual Assim o direito societário brasileiro poderá caminhar para um modelo híbrido no qual a forma registral e a substância econômica coexistam de modo equilibrado assegurando simultaneamente certeza formal e justiça material 35 Busca por Jurisprudência e Posicionamentos Doutrinários A investigação jurisprudencial e doutrinária sobre a temática revela um cenário de significativa carência de precedentes específicos que abordem diretamente o conflito entre operações a termo e o exercício do direito de recesso Esta lacuna por si só é um dado relevante que corrobora a tese da insegurança jurídica na matéria 87 351 Análise da Jurisprudência Pertinente A pesquisa nos tribunais pátrios notadamente no Superior Tribunal de Justiça STJ corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional não identificou julgados que tenham enfrentado diretamente a questão da titularidade do direito de recesso em operações a termo Contudo decisões sobre temas afins oferecem subsídios para a construção de um entendimento analógico Tabela 1 Decisões sobre Direito de Recesso e Reorganização Societária Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT 1 Comissão de Valores Mobiliários CVM Processo Administrativo nº RJ20120249 Incorporação de ações da Telemar Participações SA Reconheceu que em contratos de empréstimo de ações os tomadores e não os doadores detinham o direito de recesso exigindo se titularidade ininterrupta até a data da deliberação O caso embora distinto empréstimo de ações reforça o princípio de que a titularidade dos direitos societários pode ser desmembrada da propriedade registral por acordo das partes desde que a companhia tenha ciência do arranjo COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Processo Administrativo nº RJ20120249 Relator Nome do Relator 11 jan 2012 2 Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 1540428SP Alienação de controle acionário Estabeleceu parâmetros para caracterização de alienação de controle e seus efeitos para acionistas minoritários O entendimento consolida a proteção do minoritário em eventos de alteração de controle princípio que pode ser invocado para proteger o comprador a termo que se encontra em situação análoga à de um minoritário cujos direitos são ameaçados SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1540428SP Relator Ministro Nome do Relator julgado em 16 mar 2018 3 STJ REsp 1837538SP Alienação de controle OPA tag along Reconheceu que mesmo a alienação parcial de controle pode caracterizar alteração substancial do bloco controlador ativando obrigações de proteção O precedente é útil para demonstrar a sensibilidade SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso Especial nº 1837538SP Relator Ministro Nome do Relator Publicado em 25 jun 2024 88 Nº Tribunal Processo Acórdão Hipótese Ementa Observações Referência ABNT do STJ em proteger a legítima expectativa dos investidores em cenários de mudança de controle um valor jurídico que pode ser estendido ao comprador a termo A ausência de um julgado específico no STJ sobre o ponto revela que a solução para estes conflitos tem sido buscada predominantemente na esfera contratual ou em instâncias inferiores sem que o tema tenha alcançado a corte uniformizadora 352 Posicionamentos Doutrinários Especializados A doutrina especializada por outro lado tem se debruçado sobre a questão com maior profundidade oferecendo o arcabouço teórico necessário para a análise Tabela 2 Doutrina para Fundamentação do Tema Nº Autor Trabalho Tema Observações Referência ABNT 1 LEITE Alyne de Oliveira et al Direito de recesso na reorganização societária Fundamenta a tipicidade das hipóteses legais e a função protetiva do recesso para o acionista minoritário A análise reforça a natureza personalíssima do direito o que em tese apoiaria a titularidade do vendedor a termo mas também evidencia seu caráter de tutela de uma expectativa legítima que pode ser invocada pelo comprador LEITE Alyne de Oliveira DIAZ GINO Bethsaida de Sá Barreto CLAUDINO Gilbene Calixto Pereira As sociedades anônimas e o direito de recesso como norma de proteção aos acionistas minoritários na reorganização societária 2022 Dissertação Mestrado Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo 2022 2 MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo Analisa critérios como liquidez dispersão acionária e a necessidade de titularidade contínua para o exercício do recesso A obra é fundamental para compreender que o direito de recesso é um instituto complexo cujo exercício depende de condições fáticas e jurídicas específicas não se resumindo a uma mera verificação registral MARANGONI Sérgio Ricardo Nutti Direito de recesso e valor justo nas sociedades por ações 2019 Dissertação Mestrado Fundação Getulio Vargas São Paulo 2019 3 CASQUET Andréia Cristina Alienação de controle e Estuda a limitação dos poderes do controlador e os mecanismos CASQUET Andréia Cristina Bezerra Alienação de controle e os 89 Bezerra proteção dos minoritários de proteção em eventos de alteração de controle A tese é útil para transpor os argumentos de proteção ao investidor para o contexto da operação a termo tratando o comprador como um detentor de interesse econômico merecedor de tutela análoga mecanismos de proteção dos acionistas minoritários 2014 Tese Doutorado Universidade de São Paulo São Paulo 2014 A doutrina consultada em seu conjunto não oferece uma solução unânime mas fornece os instrumentos teóricos para ambas as teses De um lado reforça a segurança do registro de outro enfatiza os princípios da boafé o combate ao abuso de direito e a proteção da expectativa legítima do investidor 353 Conclusão da Análise Jurisprudencial e Doutrinária A escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema específico é em si um dado significativo Ela evidencia uma lacuna legal e jurisprudencial que transfere para as partes a primazia na solução do conflito via instrumentos contratuais A ausência de um norte claro do Poder Judiciário ou da CVM gera insegurança e eleva o custo de transação pois as partes não podem prever com certeza o desfecho de um eventual litígio Esta constatação reforça a tese central de que na atual quadra a solução mais eficiente e segura é a previsão contratual expressa A jurisprudência e a doutrina embora não solucionem o problema diretamente oferecem os princípios gerais abuso de direito boafé objetiva enriquecimento sem causa que servirão de base para o julgador preencher essa lacuna quando chamado a se pronunciar tendendo a proteger a parte que agiu de acordo com a lógica econômica do contrato e em conformidade com a boafé A lei é omissa quanto à definição do legítimo titular de direitos como o voto e sobretudo o recesso quando a titularidade registral do vendedor a termo e a titularidade econômica do comprador a termo se divorciam temporalmente Esta lacuna legislativa gera uma zona de incerteza que contraria os princípios basilares da segurança jurídica e da previsibilidade essenciais para o pleno funcionamento e o desenvolvimento do mercado de capitais Diante deste vácuo normativo a pesquisa aponta que a solução mais segura e eficiente reside na previsão contratual detalhada Contratos de operações a termo especialmente quando envolvem blocos relevantes de ações devem incorporar cláusulas específicas que disciplinem de maneira inequívoca a gestão dos direitos societários durante a vigência do 90 contrato Tais cláusulas que podem estabelecer a transferência da instrução de voto a definição sobre o exercício do recesso e a destinação dos valores dele decorrentes constituem o mecanismo mais adequado para prevenir litígios e alinhar os interesses das partes à realidade econômica por elas pactuada Contudo na ausência de tal previsão contratual o conflito estará fadado a ser resolvido pelo Poder Judiciário em um cenário onde ambas as partes detêm argumentos juridicamente válidos De um lado o vendedor a termo se ampara no rigor formal do sistema registral da Lei das SA de outro o comprador a termo invoca princípios gerais de elevada estatura como a boafé objetiva a função social do contrato e a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Apesar da solidez do argumento formalista o estudo indica uma tendência principiológica em favor da proteção ao comprador que suporta integralmente o risco econômico do ativo A jurisprudência analógica e os fundamentos doutrinários sugerem que quando demonstrado que o exercício do direito de recesso pelo vendedor configura um ato em descompasso com a boafé visando a uma vantagem especulativa não prevista e causando um prejuízo certo ao comprador os tribunais poderão caracterizar o abuso de direito Nesta hipótese ainda que se reconheça a titularidade formal do vendedor imporseá a ele o dever de indenizar o comprador ou de repassar os valores percebidos assegurandose assim a justiça substantiva da relação A omissão da lei não pode servir de escudo para condutas abusivas A evolução do mercado de capitais com o aumento da complexidade dos instrumentos financeiros exige uma interpretação do direito que seja capaz de harmonizar a segurança das formas com a efetiva tutela dos interesses econômicos legítimos e da confiança depositada nas relações negociais 91 CAPÍTULO 4 OPERAÇÕES A TERMO COMO INSTRUMENTO PARA AQUISIÇÕES E OS RISCOS DE ILICITUDE MANIPULAÇÃO DE MERCADO E USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA 41 Introdução A Opacidade das Operações a Termo em Aquisições A operação a termo pela sua própria natureza jurídica de contrato de execução diferida pode ser utilizada como um instrumento estratégico para a aquisição de participações acionárias relevantes inclusive de blocos de controle com um significativo grau de opacidade perante o mercado Esta característica quando explorada de forma ilícita convertese em um vetor de graves distorções à integridade e à equidade do mercado de capitais O cerne desta opacidade reside no fato de que a operação a termo em sua fase pré liquidação não constitui um evento de alteração de titularidade perante os registros societários da companhia emissora Consequentemente um investidor pode celebrar uma série de contratos a termo com diferentes vendedores acumulando a expectativa de aquisição de um bloco acionário substancial sem que este acúmulo seja de conhecimento público ou em certos casos sequer da própria companhiaalvo Esta estratégia permite que o aquirente contorne temporariamente os deveres de disclosure imediato impostos pela regulamentação O art 12 da Resolução CVM nº 44 de 2021 que consolida a antiga Instrução CVM 358 estabelece a obrigação de comunicar à CVM e ao mercado a aquisição de quantidade de valores mobiliários que em conjunto com outras já detidas atinja ou ultrapasse 5 10 15 e assim sucessivamente do capital total de uma companhia aberta No entanto a aquisição referida pela norma tipicamente se reporta à aquisição da propriedade plena registrada nos livros societários Dessa forma um agente pode em tese acumular posições a termo equivalentes a 10 15 ou mesmo ao controle da companhia sem desencadear a obrigação de comunicar esses fatos ao mercado Esta janela de opacidade que perdura desde a contratação até a liquidação física das operações cria um ambiente propício para a prática de duas das mais graves infrações do mercado de capitais a manipulação de mercado e o uso de informação privilegiada insider trading O investidor pode se utilizar desse período de invisibilidade para orquestrar sua estratégia de aquisição em condições de vantagem indevida comprando papéis a preços que não refletem a futura mudança de controle ou a sua própria demanda agregada em prejuízo dos demais participantes do mercado que negociam sem o mesmo conhecimento 92 Este capítulo tem como objetivo investigar de forma aprofundada como a operação a termo pode ser instrumentalizada para fins ilícitos em processos de aquisição analisando os mecanismos dessas condutas o enquadramento legal aplicável e as consequências jurídico administrativas decorrentes com base na legislação vigente e em casos concretos apurados pela CVM 42 A Aquisição Fracionada de Controle via Operações a Termo A aquisição fracionada de controle por meio de operações a termo constitui uma forma sofisticada de engenharia financeira frequentemente empregada em mercados de capitais maduros mas que em contextos de menor transparência regulatória pode ensejar sérios riscos de ilicitude e de assimetria informacional Essa estrutura embora possa ser legítima quando orientada por finalidades econômicas autênticas e pela observância dos deveres de conduta e transparência tornase problemática quando instrumentalizada para ocultar a formação de blocos de controle ou dilatar indevidamente o dever de comunicação ao mercado Em termos técnicos o mecanismo consiste na celebração de múltiplos contratos a termo instrumentos derivativos que preveem a compra futura de ações a preço e data previamente determinados firmados por um investidor individual ou por um grupo de investidores atuando de forma concertada O objeto desses contratos são ações de uma mesma companhiaalvo de modo que ao final o adquirente consolida uma posição econômica equivalente ao controle societário sem que até a liquidação haja transferência formal de titularidade O caráter crítico e sensível dessa prática reside em sua furtividade operacional Cada contrato individual representa isoladamente uma fração não expressiva do capital social Assim enquanto o conjunto dessas posições ainda não é liquidado fisicamente o adquirente não aparece nos registros societários como titular das ações evitando portanto o acionamento dos gatilhos regulatórios de comunicação e divulgação A posse econômica isto é o domínio dos riscos e benefícios inerentes às ações todavia já se encontra concentrada em um único agente econômico criando uma disparidade entre a titularidade jurídica e a titularidade econômica 93 421 Postergação ilegítima do disclosure obrigatório O artigo 12 da Resolução CVM nº 442021 impõe ao investidor o dever de comunicar ao mercado a aquisição de participações relevantes que atinjam determinados limiares percentuais do capital votante ou total da companhia A Comissão de Valores Mobiliários CVM em suas manifestações e decisões administrativas tem reiterado que a noção de posse relevante para fins de disclosure não se limita à propriedade formal devendo abranger posições que confiram ao investidor de forma inequívoca os riscos e benefícios econômicos dos valores mobiliários objeto da operação CVM Processo RJ20120249 2012 Entretanto a ausência de uma regulamentação específica sobre a agregação de posições derivativas especialmente operações a termo e contratos de swap vinculados a ações abre um espaço de incerteza normativa que pode ser explorado por agentes mal intencionados Ao fragmentar as aquisições e distribuílas em diversas operações a termo o investidor consegue postergar a obrigação de divulgação mantendo o mercado em ignorância quanto à real concentração de poder de voto e influência na companhia Essa postergação não é apenas uma omissão formal mas uma violação à essência do dever de transparência elemento fundamental para a formação eficiente dos preços e para a confiança dos investidores no mercado de capitais 422 Evasão das obrigações de OPA e do direito de tag along O artigo 254A da Lei nº 64041976 Lei das Sociedades por Ações estabelece a obrigatoriedade da Oferta Pública de Aquisição de Ações OPA em caso de alienação do controle acionário assegurando aos acionistas minoritários o direito de tag along isto é o direito de vender suas ações nas mesmas condições conferidas ao controlador A ratio legis dessa norma é proteger os minoritários contra operações que impliquem mudança de controle sem contraprestação equitativa RETTO 2007 MARANGONI 2015 Quando a aquisição do controle é estruturada mediante acumulação fracionada de posições a termo o adquirente pode tentar sustentar que não ocorreu uma alienação de controle típica pois não houve um único vendedor ou um bloco controlador formalmente transferido mas apenas aquisições pulverizadas de mercado Essa interpretação se admitida esvaziaria o conteúdo protetivo da norma permitindo que o controle fosse transferido de fato 94 sem a correspondente OPA e sem que os minoritários usufruíssem do prêmio de controle caracterizando uma evasão normativa CASQUET 2013 STJ REsp 1540428SP 2018 A doutrina e a jurisprudência da CVM têm reconhecido que o conceito de controle deve ser interpretado de maneira funcional e substancial levando em conta a capacidade de influência decisória e não apenas a titularidade formal das ações CVM Processo RJ20120249 2012 Assim operações a termo que concentrem poder de voto e direitos econômicos de maneira dissimulada podem em tese configurar alienação indireta de controle sujeitando o adquirente às mesmas obrigações de transparência e de OPA 423 Riscos e implicações regulatórias A utilização abusiva das operações a termo para aquisição fracionada de controle afronta os princípios basilares do mercado de capitais especialmente os de transparência equidade e integridade previstos nos arts 4º e 5º da Lei nº 63851976 e reforçados pelo Regulamento do Novo Mercado da B3 Além disso tal conduta pode enquadrarse nas hipóteses de manipulação de mercado e de omissão de informação relevante conforme tipificado no art 27C da Lei nº 63851976 podendo ensejar responsabilidade administrativa e até penal Em perspectiva ética e institucional a ocultação intencional de posições relevantes compromete a formação justa dos preços deteriora a confiança dos investidores e atinge o equilíbrio informacional pilares essenciais para o desenvolvimento saudável do mercado de capitais Portanto ainda que as operações a termo sejam instrumentos legítimos de hedge e gestão de portfólio seu uso para aquisição encoberta de controle deve ser interpretado e sancionado conforme os princípios da boafé objetiva lealdade e transparência que regem o direito societário contemporâneo 43 Manipulação de Mercado Art 27C III da Lei nº 63851976 A manipulação de mercado representa uma das mais graves violações ao regime jurídico do mercado de capitais por comprometer diretamente os princípios da transparência integridade e eficiência que sustentam a formação justa dos preços e a confiança dos 95 investidores O artigo 27C inciso III da Lei nº 63851976 tipifica como infração penal e administrativa o ato de praticar de modo fraudulento ou ardiloso ato ou operação que tenha por objeto ou possa ter por efeito alterar artificialmente os preços de valores mobiliários no mercado BRASIL 1976 Entre as inúmeras estratégias possíveis de manipulação a instrumentalização das operações a termo ocupa papel de destaque justamente pela aparente neutralidade econômica desses contratos e pela dificuldade de detecção imediata de seu uso indevido As operações a termo ao permitirem a negociação de valores mobiliários com liquidação futura podem ser utilizadas tanto para finalidades legítimas como hedge e planejamento financeiro quanto para fins fraudulentos como a criação artificial de escassez de ativos short squeeze ou a indução de movimentos especulativos de preço 431 O mecanismo do short squeeze e sua dinâmica de manipulação O chamado short squeeze constitui uma situação de estrangulamento de vendedores a descoberto em que a escassez artificial de papéis disponíveis para recompra eleva o preço de forma abrupta e insustentável Em termos práticos o cenário se desenha quando um investidor dominante ou um grupo atuando de forma concertada acumula de maneira silenciosa uma posição comprada expressiva em operações a termo sobre ações de baixa liquidez ou seja papéis cujo volume de negociação é reduzido e cuja oferta é limitada no mercado secundário De modo concomitante esse mesmo agente pode realizar vendas a descoberto no mercado à vista com o intuito de pressionar temporariamente os preços para baixo induzindo outros investidores a assumirem posições vendidas À medida que o vencimento dos contratos a termo se aproxima os vendedores precisam adquirir as ações no mercado para efetuar a entrega física ao comprador Nesse momento o manipulador ao deter uma posição comprada dominante e controlar parcela relevante da oferta disponível abstémse de vender ou em alguns casos aumenta suas compras reduzindo ainda mais a liquidez Essa dinâmica provoca um aumento artificial e abrupto no preço do ativo forçando os vendedores a descoberto a recomprar papéis a qualquer custo para cumprir suas obrigações contratuais O resultado é um ciclo de retroalimentação especulativa em que o preço se eleva a níveis descolados dos fundamentos econômicos gerando lucros indevidos ao agente manipulador e prejuízos severos aos demais participantes do mercado 96 432 O caso VCPG3 um leading case nacional Um caso paradigmático que ilustra essa modalidade de manipulação foi o Processo Administrativo CVM SEI nº 19957010224201977 conhecido como o Caso VCPG3 Embora tenha envolvido outras modalidades operacionais como empréstimo de ações e derivativos o caso evidencia a mesma lógica de manipulação por estrangulamento observada em operações a termo Conforme apurado pela Comissão de Valores Mobiliários CVM a B3 SA Brasil Bolsa Balcão e alguns de seus executivos foram acusados de falha de supervisão por não monitorarem adequadamente a concentração de posições em papéis de baixa liquidez Tal omissão possibilitou que um agente acumulasse uma posição dominante em derivativos e em empréstimos da ação VCPG3 tornando praticamente impossível que os vendedores a descoberto recomprassem os papéis necessários para honrar seus compromissos O episódio culminou em um short squeeze extremo com valorização superior a 1200 no preço da ação em curto espaço de tempo Reconhecendo a gravidade do ocorrido a CVM por intermédio do Comitê de Termo de Compromisso CTC 2872020 aceitou uma proposta de acordo no valor de R 7 milhões encerrando o processo mediante a admissão tácita da falha de supervisão e do dano potencial causado ao mercado CVM 2020 Tal caso consolidouse como um leading case nacional sobre a vulnerabilidade estrutural do mercado frente a estratégias de manipulação sofisticadas e a necessidade de uma postura preventiva das instituições autorreguladoras Ele também sinalizou que a omissão institucional pode configurar violação indireta ao dever de vigilância e controle especialmente em mercados caracterizados por alta alavancagem e liquidez restrita 433 Responsabilidade e consequências jurídicas As implicações jurídicas da manipulação de mercado são multidimensionais abrangendo as esferas administrativa civil e penal conforme descrito a seguir a Esfera Administrativa CVM Com fundamento nos arts 11 e 27C da Lei nº 63851976 a CVM pode aplicar as sanções previstas no art 11 que incluem multas de até R 50 milhões suspensão ou proibição temporária de atuar no mercado cassação de autorização de funcionamento de intermediários e até inabilitação temporária para o exercício de cargos de administração ou 97 fiscalização em companhias abertas A Lei nº 135062017 ao reformular o regime sancionador ampliou substancialmente o poder punitivo da autarquia introduzindo critérios de proporcionalidade reincidência e gravidade do impacto sistêmico b Esfera Civil Os investidores diretamente prejudicados especialmente vendedores a termo locadores de ações e investidores minoritários possuem direito à reparação integral dos danos materiais e morais sofridos com base nos arts 186 e 927 do Código Civil Nessa hipótese aplicase a teoria do ato ilícito e conforme jurisprudência consolidada a responsabilidade é objetiva quando a manipulação é praticada em contexto de violação de deveres de conduta previstos em lei ou em regulação setorial c Esfera Penal Por fim a conduta também se enquadra no tipo penal autônomo de manipulação de mercado previsto no art 27C da Lei nº 63851976 cuja pena é de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Tratase de crime de perigo concreto bastando que o agente atue de modo fraudulento ou ardiloso com potencial de alterar artificialmente preços ou criar aparência enganosa de liquidez e demanda A ação penal é pública incondicionada cabendo ao Ministério Público Federal a iniciativa processual após a conclusão do inquérito administrativo instaurado pela CVM 434 Considerações críticas A manipulação de mercado sobretudo por meio de operações derivativas complexas revela a tensão entre a inovação financeira e a responsabilidade ética no uso dos instrumentos de mercado O avanço tecnológico e a crescente automação das negociações exigem das autoridades regulatórias uma atuação preventiva inteligente e tecnológica baseada em monitoramento algorítmico de posições e detecção preditiva de anomalias de preço Sob a ótica da governança e da ética empresarial a instrumentalização dolosa de contratos legítimos para fins ilícitos desvirtua o propósito original do mercado de capitais canalizar poupança para investimento produtivo e transforma o ambiente financeiro em um espaço de extração especulativa e concentração de poder econômico Assim mais do que um ilícito técnico a manipulação de mercado configura uma violação à confiança pública elemento essencial da própria legitimidade institucional do sistema financeiro 98 44 Uso de Informação Privilegiada Insider Trading Art 27D da Lei nº 63851976 A operação a termo revelase além de instrumento legítimo de gestão de risco e especulação racional um meio potencialmente apto à prática de uso indevido de informação privilegiada conhecido como insider trading Esse ilícito de natureza híbrida simultaneamente administrativa cível e penal caracterizase pela quebra do princípio da isonomia informacional entre os investidores um dos pilares fundamentais da regulação do mercado de capitais O art 27D da Lei nº 63851976 estabelece que incorre no crime de insider trading aquele que utiliza informação relevante ainda não divulgada ao mercado de que tenha ciência privilegiada capaz de propiciar para si ou para outrem vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários BRASIL 1976 A essência da norma é clara ninguém pode negociar no mercado com base em conhecimento assimétrico sob pena de macular a integridade da formação dos preços e a confiança coletiva na lisura do sistema financeiro 441 Estrutura típica e modus operandi O cenário típico envolve um insider termo que abrange administradores acionistas controladores membros de conselho fiscal auditores independentes consultores advogados bancos coordenadores e até servidores públicos que por força de suas atribuições tenham acesso a informações relevantes não públicas Esse agente ciente de um fato relevante positivo ou negativo capaz de influenciar de forma sensível o preço das ações de uma companhia aberta utilizase de tal conhecimento para estruturar uma operação a termo que lhe permita capturar ganhos futuros antes que a informação seja divulgada ao mercado Os exemplos clássicos são eloquentes a iminente aprovação de uma incorporação vantajosa a descoberta de uma jazida mineral a assinatura de um contrato estratégico com alto impacto financeiro ou no extremo oposto a revelação de fraudes contábeis e insolvências ocultas De posse dessa informação o insider celebra operações a termo de 99 compra se a informação for positiva ou de venda se for negativa fixando um preço que embora aparente ser de mercado não reflete a realidade futura conhecida apenas por ele O aspecto jurídico crucial está no momento da consumação da conduta Tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária compreendem que a negociação para fins do art 27D se consuma no momento da celebração do contrato a termo e não na data de sua liquidação É nesse instante o da formação do vínculo obrigacional stipulatio que o agente define sua exposição econômica e se aproveita da assimetria informacional travando um preço baseado em conhecimento oculto ao mercado Assim a liquidação futura é mero desdobramento executório sem relevância para a caracterização do ilícito Como observa Carvalhosa 2021 p 329 a utilização de informação relevante antes de sua divulgação constitui a essência do ilícito ainda que o ganho ou a perda apenas se concretizem em momento posterior 442 O desafio probatório e a sofisticação do enforcement A prova da ciência privilegiada e de seu uso doloso constitui o principal obstáculo para os órgãos de fiscalização e persecução Cabe à Comissão de Valores Mobiliários CVM no âmbito administrativo e ao Ministério Público Federal MPF na esfera penal demonstrar o nexo temporal e causal entre o acesso à informação e a celebração da operação O padrão probatório exige a conjugação de indícios convergentes e robustos tais como registros eletrônicos de acesso a documentos sigilosos comunicações internas emails mensagens instantâneas logs de sistemas coincidência temporal entre reuniões corporativas e ordens de negociação análise estatística da atipicidade da operação em relação ao histórico do investidor A mera coincidência temporal embora relevante não é suficiente O que se busca demonstrar é o elemento volitivo do dolo isto é o aproveitamento consciente de informação não pública para obtenção de vantagem econômica indevida Daí a importância da tecnologia forense e da integração entre CVM B3 COAF e MPF que têm desenvolvido sistemas automatizados de correlação entre eventos corporativos e movimentações atípicas de negociação 100 443 Precedentes e casos emblemáticos Apesar da escassez de casos que envolvam exclusivamente operações a termo a jurisprudência e a prática sancionadora brasileiras vêm consolidando a doutrina do insider trading aplicável por analogia a todos os instrumentos financeiros O Caso Americanas 20232025 é o mais recente e impactante Após a revelação de um rombo contábil de R 253 bilhões as investigações da CVM e do MPF concentraramse em apurar se executivos e controladores cientes das inconsistências antes da divulgação pública realizaram operações de venda ou derivativos com expectativa de lucrar com a iminente desvalorização das ações Em abril de 2025 o MPF ofereceu denúncia contra 13 ex executivos da companhia imputandolhes entre outros crimes o de insider trading art 27D da Lei nº 63851976 O caso ainda em trâmite tende a se tornar marco interpretativo sobre o alcance subjetivo da tipificação penal e os critérios de imputação do dolo específico Outro precedente paradigmático é o Caso SadiaPerdigão CVM PAS RJ200913745 originado da fusão que resultou na BRF SA Na ocasião a CVM aplicou multas milionárias a executivos e intermediários financeiros que antes do anúncio público da operação de fusão negociaram ações e derivativos com base em informações não divulgadas A autarquia consolidou o entendimento de que a negociação ocorre no momento da ordem ou da contratação e não na liquidação reforçando a tese de que a mera formalização de um contrato a termo durante o período de sigilo configura o uso indevido da informação 45 Consequências Jurídicas e Sancionadoras A prática de ilícitos por meio de operações a termo gera consequências jurídicas graves complexas e multidimensionais refletindo a necessidade de um sistema sancionador apto a proteger a integridade a transparência e a equidade do mercado de capitais Tais repercussões se manifestam nas esferas administrativa cível e penal cada uma delas com objetivos e instrumentos próprios mas articuladas em torno do mesmo eixo a repressão à assimetria informacional e à manipulação de preços 451 Esfera Administrativa 101 Na esfera administrativa a Comissão de Valores Mobiliários CVM exerce papel central como órgão fiscalizador e sancionador Com base nas competências outorgadas pela Lei nº 63851976 ampliadas pela Lei nº 135062017 a autarquia dispõe de um arsenal punitivo abrangente e moderno estruturado para coibir condutas que atentem contra o funcionamento regular e íntegro do mercado De acordo com o art 11 da Lei nº 63851976 a CVM pode mediante processo administrativo sancionador impor penalidades que incluem Multas pecuniárias que podem alcançar até R 5000000000 cinquenta milhões de reais calculadas segundo a gravidade da infração a extensão do dano e o proveito econômico auferido Suspensão inabilitação temporária ou definitiva para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários aplicável tanto a pessoas físicas quanto jurídicas Cancelamento do registro de auditores independentes consultores administradores de carteira e demais intermediários autorizados Declaração de inidoneidade para o exercício de cargos de administração ou fiscalização em companhias abertas A reforma introduzida pela Lei nº 135062017 ampliou significativamente o poder sancionatório da CVM inserindo instrumentos modernos como o acordo de leniência arts 30 a 32 inspirado em práticas de compliance internacional Esse acordo permite que o primeiro infrator a colaborar com as investigações prestando informações eficazes para a elucidação dos fatos obtenha redução substancial ou até extinção da punibilidade administrativa Tal mecanismo tem se mostrado essencial para o desvendamento de condutas concertadas e sofisticadas especialmente em esquemas que envolvem operações a termo derivativos e manipulação de preços coordenada 452 Esfera Cível No campo cível a responsabilidade dos agentes que praticam manipulação de mercado ou uso de informação privilegiada é regida pelos arts 186 e 927 do Código Civil que consagram a obrigação de reparar integralmente os danos causados por ato ilícito Os investidores lesados como por exemplo aqueles que venderam ações a preços artificialmente baixos em virtude de manipulação ou compraram de insiders que detinham informações negativas ocultas têm o direito de buscar indenização por perdas e danos abrangendo lucros cessantes e danos emergentes 102 Em situações que envolvem um grande número de investidores dispersos admitese a propositura de ações coletivas ou class actions com base no Código de Defesa do Consumidor Lei nº 80781990 e na Lei da Ação Civil Pública Lei nº 73471985 Esse instrumento processual amplia a efetividade da tutela jurisdicional e aumenta o passivo contingente do infrator fortalecendo a função dissuasória da responsabilidade civil no âmbito do mercado de capitais A jurisprudência da CVM e do Superior Tribunal de Justiça STJ tem reconhecido que nos casos de infrações que distorcem a livre formação de preços o dano coletivo presumido dispensa a prova de prejuízo individualizado bastando a demonstração da conduta ilícita e de seu potencial lesivo à integridade do mercado 453 Esfera Penal Ja na esfera penal as condutas analisadas configuram crimes contra o mercado de capitais de competência da Justiça Federal e titularidade de persecução do Ministério Público Federal MPF O uso de informação privilegiada insider trading encontra tipificação no art 27D da Lei nº 63851976 que prevê pena de reclusão de 1 um a 5 cinco anos e multa aplicável ao agente que de forma dolosa utiliza informação relevante não divulgada ao mercado para negociar valores mobiliários em benefício próprio ou de terceiros A manipulação de mercado por sua vez está descrita no art 27C da mesma lei sujeitando o infrator à pena de reclusão de 1 um a 8 oito anos e multa Ambas as figuras delitivas demandam prova técnica robusta e contextualizada o que torna essencial a cooperação interinstitucional entre a CVM responsável pela apuração técnica e pela instrução do processo administrativo e o MPF titular da ação penal pública incondicionada O modelo de enforcement cooperativo que combina a expertise técnica da autarquia com o poder coercitivo do Ministério Público e o apoio operacional da Polícia Federal e do COAF tem se revelado indispensável para a efetiva repressão a ilícitos complexos envolvendo derivativos e operações estruturadas 46 Conclusão do Capítulo A análise empreendida neste capítulo revela com clareza que as operações a termo ocupam posição ambígua no universo financeiro contemporâneo constituem 103 simultaneamente instrumentos de eficiência e de risco éticojurídico A flexibilidade estrutural e o caráter de execução futura que as tornam úteis para hedge e gestão de liquidez também lhes conferem potencial para práticas dissimuladas de fraude manipulação e uso indevido de informação privilegiada Verificouse que a opacidade temporária que caracteriza essas operações situada entre a contratação e a liquidação cria uma zona de invisibilidade regulatória suscetível à exploração ilícita Nesse interstício agentes malintencionados podem estruturar aquisições furtivas de controle esquemas especulativos de manipulação de preços e estratégias de insider trading em detrimento dos investidores minoritários e da integridade do mercado Em resposta a esse cenário o sistema brasileiro de enforcement vem passando por um processo evolutivo de modernização e integração institucional A CVM o Banco Central do Brasil o Ministério Público Federal e a B3 SA têm fortalecido mecanismos de supervisão e de cooperação informacional incorporando tecnologias de monitoramento algorítmico e inteligência artificial na detecção de padrões atípicos de negociação O fortalecimento dos poderes sancionatórios da CVM a introdução de acordos de leniência e o aperfeiçoamento da governança autorregulatória representam avanços substanciais rumo a um modelo de regulação responsiva e preventiva menos reativo e mais preditivo Contudo a sofisticação crescente das estruturas operacionais e a natureza globalizada das transações impõem um desafio permanente o de manter o regulador tecnicamente aparelhado institucionalmente independente e juridicamente robusto A efetividade do enforcement depende em última instância de uma cultura regulatória baseada na ética na transparência e na confiança pública Concluise assim que a preservação da integridade e da legitimidade do mercado de capitais frente ao uso indevido de operações a termo exige não apenas normas mais rígidas mas um ethos regulatório mais inteligente interdisciplinar e tecnológico A evolução normativa deve caminhar lado a lado com o desenvolvimento científico e analítico do regulador de modo que os valores da equidade da eficiência e da confiança coletiva permaneçam o alicerce inquebrantável da economia de mercado 104 CONCLUSÃO O presente trabalho buscou analisar de forma abrangente e sistemática as implicações jurídicas e os impactos das operações de compra de ações a termo em processos de alteração do controle acionário tema de notória complexidade e relevância para o mercado de capitais brasileiro Ao longo da investigação foi possível constatar que a natureza diferida desses contratos embora legítima em sua função econômica de gestão de risco e planejamento gera uma zona de tensão jurídica quando inserida na dinâmica societária que opera com base em titularidades registrais definidas e em momentos precisos para o exercício de direitos A análise conduzida permitiu concluir em primeiro lugar que existe uma lacuna normativa significativa no ordenamento jurídico pátrio no que tange à definição do legítimo titular de direitos societários em especial o direito de voto e o direito de recesso durante a vigência de um contrato a termo ainda não liquidado Esta omissão legislativa ao priorizar a segurança formal do registro em detrimento da realidade econômica cria um ambiente propício a conflitos e a comportamentos oportunistas O acionista registral vendedor a termo ainda que desprovido do risco econômico detém o poder formal de exercer o recesso podendo frustrar a legítima expectativa do comprador a termo titular desse risco A pesquisa demonstrou que na ausência de previsão contratual específica a solução para este impasse tende a ser judicializada com base em princípios gerais como a boafé objetiva a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa Em segundo lugar o estudo evidenciou o potencial das operações a termo serem instrumentalizadas para a aquisição fracionada e opaca de participações relevantes e até mesmo do controle societário A possibilidade de acumular posições econômicas substanciais sem desencadear os deveres de disclosure imediato previstos na Resolução CVM nº 442021 representa uma grave fissura no princípio da transparência um dos pilares do mercado de capitais Esta estratégia quando utilizada de forma dissimulada configura uma evasão às obrigações de OPA e de tag along prejudicando acionistas minoritários e distorcendo a formação isonômica de preços Por fim a pesquisa identificou e analisou os graves riscos de ilicitude associados a esse uso estratégico notadamente a manipulação de mercado através de mecanismos como o short squeeze e o uso de informação privilegiada insider trading Ficou demonstrado que a opacidade inerente ao período entre a contratação e a liquidação do termo pode ser explorada por agentes malintencionados para obter vantagens indevidas violando a integridade do mercado e a confiança dos investidores A atuação sancionadora da CVM 105 amparada pelo robusto arcabouço da Lei nº 135062017 e a persecução penal pelo MPF mostramse essenciais para coibir tais condutas cujas consequências se estendem pelas esferas administrativa cível e penal Diante das conclusões expostas depreendese que o ordenamento jurídico brasileiro carece de um regramento mais preciso que equacione a interação entre as operações a termo e o direito societário Enquanto tal evolução não ocorre a solução mais eficiente e segura reside na autonomia privada por meio da elaboração de contratos minuciosos que prevejam de forma clara e antecipada a gestão dos direitos societários e a destinação dos proveitos econômicos durante a vigência do termo As operações a termo embora constituam instrumentos legítimos e valiosos para o mercado exigem um olhar jurídico atento e crítico O seu uso em contextos de alteração de controle acionário revela a necessidade de um diálogo mais profícuo e harmonioso entre o direito societário fundado na publicidade registral e a realidade dos mercados financeiros modernos pautada pela complexidade e pela velocidade A superação deste desafio é fundamental para que o mercado de capitais brasileiro possa continuar seu processo de amadurecimento conciliando inovação financeira com segurança jurídica eficiência econômica com equidade e justiça contratual 106 REFERENCIAS ANBIMA Relatório Anual do Mercado de Capitais São Paulo ANBIMA 2025 Disponível em httpswwwanbimacombr Acesso em 5 nov 2025 ASSAF NETO Alexandre Mercado Financeiro 16 ed São Paulo Atlas 2023 B3 Brasil Bolsa Balcão Guia de Operações a Termo São Paulo B3 2024 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Manual de Margens e Garantias São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 Relatório de Relações com Investidores 3T2025 São Paulo B3 2025 Disponível em httpswwwb3combr Acesso em 5 nov 2025 BANCO CENTRAL DO BRASIL Relatório de Estabilidade Financeira Brasília DF BCB 2025 Disponível em httpswwwbcbgovbr Acesso em 5 nov 2025 BRAUDEL Fernand Civilização material economia e capitalismo séculos XVXVIII v 2 São Paulo Martins Fontes 1996 BRASIL Lei nº 4595 de 31 de dezembro de 1964 Dispõe sobre a política e as instituições monetárias bancárias e creditícias cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 31 dez 1964 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl4595htm Acesso em 5 nov 2025 Lei nº 6385 de 7 de dezembro de 1976 Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários Diário Oficial da União Brasília DF 9 dez 1976 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl6385htm Acesso em 5 nov 2025 Lei nº 6404 de 15 de dezembro de 1976 Dispõe sobre as Sociedades por Ações Diário Oficial da União Brasília DF 17 dez 1976 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl6404consolhtm Acesso em 5 nov 2025 Lei 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