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Direito Constitucional

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Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas1 Declaratory Action of Constitutionality expectation reality and some proposes Fábio Carvalho Leite Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Rio de Janeiro RJ Brasil Resumo Neste trabalho sustentase que a ação declaratória de constitucionalidade apre senta alguns pontos ainda indefinidos e que a sua legitimidade depende da interpretação des ses aspectos Esses pontos são identificados a partir do confronto da abordagem doutrinaria a respeito desta ação com a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal Ao final é realizada uma análise crítica e propositiva a respeito des ses pontos indefinidos Palavraschave Ação Declaratória de Constitu cionalidade Controle de Constitucionalidade Su premo Tribunal Federal Jurisdição Constitucional Abstract This paper claims that the declaratory action of constitutionality reveals some unde fined points and that its legitimacy depends on the interpretation of theses aspects These points are identified through the confrontation of doc trinal approach about this action with its applica tion by the Supreme Court The paper concludes with a critical analysis of these undefined points and some proposals that should be taken into ac count when trying to untangle them Keywords Declaratory Action of Constitution ality Judicial Review Supreme Federal Court Constitutional Jurisdiction 1 Introdução A Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC se reveste de uma complexidade que tem sido negligenciada ou ocultada pela doutrina e pelo STF que grosso modo praticamente a reduzem a uma mera Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI com sinal trocado Essa equipa 1 Recebido em 2352014 Revisado em 1792014 Aprovado em 2292014 Doi httpdxdoiorg105007217770552014v35n69p109 110 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas ração é possível mas em termos bem mais limitados do que se supõe Há nuances que distinguem a ADC algumas sutis mas todas relevantes e que vão muito além dos aspectos mais visíveis relativos à conformidade ou inconformidade de uma lei com o texto constitucional do qual extrai seu fundamento de validade Neste estudo defendese que a legitimidade da ADC depende jus tamente desses pontos nebulosos que a depender de como forem com preendidos podem tornar a ação um instrumento necessário à segurança jurídica respeitando as saudáveis e esperadas divergências que resultam da abertura no processo de interpretação constitucional HABERLE 2007 ou uma ação que centraliza a jurisdição constitucional num único tribunal confiando o sentido do texto constitucional às leituras por vezes individuais eou isoladas de seus onze integrantes ou algo entre estes dois extremos O trabalho dividese em três partes na primeira o que a ADC é reúnese os pontos básicos dessa ação segundo as considerações teóricas feitas pela doutrina na segunda o que a ADC tem sido apresentase e analisase brevemente a forma como a ADC tem sido interpretada pelo STF em sua jurisprudência e na terceira parte o que a ADC deveria ser faço uma abordagem de caráter críticopropositivo diante de alguns problemas relativos a essa ação ou ao modo como tem sido interpretada e que poderiam comprometer a sua legitimidade 2 O que a ADC é A Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC foi introduzida na Constituição de 1988 pela emenda constitucional n 3 de 1993 e re presentou uma verdadeira inovação no ordenamento jurídico brasileiro BARROSO 2004 p 176 LEITE 2008 p 8687 a despeito dos que alegam que tal ação já poderia ser identificada na representação de in constitucionalidade em função da possibilidade de ajuizamento daquela ação pelo ProcuradorGeral da República com parecer contrário ou seja Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 111 Fábio Carvalho Leite contra a inconstitucionalidade da lei MENDES 2012 p 42 embora na prática jamais tenha sido compreendida dessa forma2 Tratase de uma ação de controle abstratoconcentrado ou seja que implica a análise da constitucionalidade da lei em tese desvincula da de qualquer caso concreto a ser julgada por um único órgão no caso o STF tendo por objeto ato normativo federal cuja constitucionalidade esteja sendo alvo de controvérsia judicial A ação pode ser proposta pelos mesmos órgãos e agentes legitimados para ajuizar a ADI3 sempre com o objetivo de que seja confirmada a constitucionalidade da lei federal em questão tendo a decisão efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário juízes e tribunais e à administração pública direta e indireta dos três Poderes nos três níveis da federação não podendo mais a lei deixar de ser aplicada por qualquer destes sob a alegação de sua inconstitucionalidade O advento da ADC ensejou um amplo debate a respeito da sua pró pria constitucionalidade MARTINS MENDES 2001 p 247248 o que reforça ainda mais o caráter inovador da ação Até então o controle de constitucionalidade brasileiro embora classificado como misto ou híbri do era fortemente marcado pela via difusa já que os juízes e tribunais gozavam de independência absoluta para declarar a inconstitucionalida de de uma norma e só não poderiam mais fazêlo quando o STF julgas se procedente uma ADI e isso menos por um respeito ao entendimento do STF como uma espécie de Corte Constitucional e mais pela própria 2 O Ministro Sepúlveda Pertence quando no exercício do cargo de ProcuradorGeral da República chegou a ajuizar representação de inconstitucionalidade RI n 1349 por exemplo com pedido explícito pela declaração de constitucionalidade mas o STF nas palavras do próprio Ministro entendeu que eu me excedera na franqueza e julgou inepta a petição inicial entendimento que foi reiterado pelo Ministro Moreira Alves ao frisar que a ação declaratória de constitucionalidade não é data venia do Ministro Sepúlveda Pertence uma ação direta de inconstitucionalidade às avessas como VExa pretendeu usála quando era ProcuradorGeral da República citações extraídas de manifestação do Min Sepúlveda Pertence no julgamento do Ag Reg na Reclamação n 18806SP 07112002 3 Inicialmente a ADC podia ser proposta apenas pelo Presidente da República pelas as Mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e pelo Procurador Geral da República EC 393 e art 13 da lei 986899 A Emenda Constitucional 452004 ampliou o rol de legitimados 112 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas consequência daquela decisão a saber o afastamento da norma inconsti tucional do ordenamento jurídico Em síntese não apenas os juízes e tri bunais do País poderiam pela via do controle concretodifuso manifestar entendimentos divergentes entre si acerca da constitucionalidade de uma mesma norma como poderiam fazêlo ainda que o STF já tivesse mani festado entendimento pela sua constitucionalidade seja incidentalmente no julgamento de um caso concreto seja na decisão pela improcedência de uma ADI A ADC então foi criada com o intuito de afastar a incerteza acerca da validade de uma lei ou ato normativo federal que poderia resul tar deste estado de coisas A inconstitucionalidade da ação declaratória de constitucionalidade no entanto era uma tese de difícil sustentação e não por acaso este ponto foi superado quase à unanimidade pelo STF vencido apenas o Ministro Marco Aurélio ao julgar questão de ordem na ADC n 1 Os argumentos pela inconstitucionalidade envolviam basicamente a violação da indepen dência do Judiciário mais especificamente a livre convicção do magistra do artigo 60 4 III CRFB e a inobservância do contraditório artigos 5 LV e 60 4 IV CRFB De fato a ADC implicava uma mudança profunda no controle de constitucionalidade brasileiro e portanto dava nova configuração à separação de poderes ou à independência do Judi ciário e de seus membros Daí não se pode afirmar contudo que violava a essência do princípio em questão Ademais a Constituição protege este valor contra emendas tendentes a abolilo artigo 60 4 III CRFB o que definitivamente não era o caso O argumento de inobservância do contraditório suscitou maior pon deração Dos nove ministros que se manifestaram pela constitucionali dade da ADC três Sepúlveda Pertence Ilmar Galvão e Carlos Velloso adotaram o entendimento de que o STF deveria dar publicidade do ajui zamento da ação a fim de que os legitimados à propositura da ADI pudes sem se manifestar pela inconstitucionalidade se assim entendessem asse gurando desse modo um mínimo de contraditório Prevaleceu contudo o entendimento do Relator Ministro Moreira Alves de que por se tratar de um processo objetivo não estaria sujeito ao contraditório Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 113 Fábio Carvalho Leite Outra crítica lançada contra a ADC além da suposta violação a tais cláusulas pétreas foi a de que esta ação implicaria o fim do contro le concretodifuso de constitucionalidade A crítica não parece correta e talvez seja excessivamente dramática A ADC jamais poderia aca bar com o controle concretodifuso justamente porque este é um pres suposto para o ajuizamento da ação que a rigor não tem o propósito de declarar mas confirmar a constitucionalidade de uma lei federal que seja alvo de controvérsia judicial controle concretodifuso Mais do que um aspecto importante tratase de um traço característico e fun damental para se compreender a ADC O exercício prévio do controle concretodifuso e a eventual divergência judicial daí resultante serão a matériaprima a partir da qual o STF poderá exercer o controle abstrato concentrado através da ADC que não busca afastar a insegurança de corrente da possibilidade do exercício do controle difuso mas a inse gurança que resulta deste Conciliase assim a certeza jurídica controle concentrado afinal necessária com a democratização da interpretação constitucional controle difuso Esse aspecto da ação declaratória de constitucionalidade foi res saltado já no julgamento da ADC 1 onde o relator min Moreira Alves observou Partindo do pressuposto de que é ínsita à propositura dessa ação a demonstração em sua inicial com a juntada de sua comprovação da controvérsia judicial que põe risco a presunção de constitucio nalidade do ato normativo sob exame observo que no caso esse requisito está devidamente preenchido permitindo à Corte o conhe cimento das alegações em favor da constitucionalidade e contra ela e do modo como estão sendo decididas num ou noutro sentido Este pressuposto para o ajuizamento da ação afirmado pela via ju risprudencial4 foi acolhido pela Lei n 986899 que regulamentou o pro cesso e julgamento da ADI e ADC e recentemente também da ADIO ao 4 Outros ministros destacaram este mesmo aspecto no julgamento da questão de ordem na ADC n1 114 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas dispor expressamente que a petição inicial da ação deverá indicar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposi ção objeto da ação declaratória art 14 III Notase que a legislação foi precisa ao adotar a expressão controvérsia judicial relevante que convém ser analisada detidamente Ao afirmar tratarse de controvérsia judicial a lei afastou divergências doutrinárias como permissivas do ajuizamen to da ação e ao qualificar tal controvérsia como relevante permitiu ao STF certa discricionariedade em relação ao objeto da ADC decorrente de um juízo prévio acerca da sua relevância Tais observações todavia definem apenas o que não atende a este pressuposto mas não esclarecem o que seria esta controvérsia judicial que permite o ajuizamento da ação Não há dúvida de que a coexistência de decisões judiciais pela inconsti tucionalidade e pela constitucionalidade de uma mesma norma é capaz de gerar uma controvérsia que nos termos do voto citado permitiria à Cor te o conhecimento das alegações em favor da constitucionalidade e contra ela No entanto resta saber se para se caracterizar a controvérsia judicial deve necessariamente haver decisões tanto pela inconstituciona lidade como pela constitucionalidade da norma o que permitiria ao STF conhecer os argumentos judiciais contrários e favoráveis à constituciona lidade do ato normativo ou se bastaria a existência de decisões judiciais todas pela inconstitucionalidade de uma norma para a caracterização da quela controvérsia de que trata a lei Adotado este segundo entendimento caso diversos juízes e tribu nais do País deixassem de aplicar uma medida provisória por entendêla inconstitucional o Presidente da República único autor daquele ato nor mativo poderia ajuizar uma ADC e se o STF por maioria julgasse pro cedente a ação os juízes e tribunais estariam obrigados a aplicar aquele ato normativo ainda que não tivesse ocorrido até então absolutamente ne nhuma decisão judicial neste sentido Por outro lado adotado com rigor o primeiro entendimento talvez não tivesse sido possível por exemplo o ajuizamento de uma ADC tendo por objeto a Resolução n 72005 do CNJ ato normativo que vedou a prática do nepotismo em todos os órgãos do Poder Judiciário caso todos Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 115 Fábio Carvalho Leite os Tribunais do País tivessem deixado de observar a norma alegando a sua inconstitucionalidade5 Em linhas gerais a ADC guarda muitas semelhanças com a ADI ainda que os propósitos sejam visivelmente opostos Afinal em ambas as ações ajuizadas pelos mesmos órgãos e agentes um mesmo tribunal no caso o STF manifestase sobre uma mesma questão a constitucionali dade de lei ou ato normativo Assim embora as ações tenham propósitos distintos o julgamento de qualquer das duas acabará por trazer a resposta a uma pergunta comum a ambas afinal a norma em questão é ou não constitucional Por um raciocínio lógico uma norma não pode em sede de fiscalização abstrata ser constitucional e inconstitucional simultanea mente assim como não poderá não ser constitucional sem deixar de ser inconstitucional6 Desse modo a procedência de uma deveria equivaler à improcedência da outra e viceversa Em linhas gerais esta é a tese da ambivalência das ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade que afirma que essas são ações iguais com sinal trocado A tese da ambivalência foi de certo modo positivada na Lei n 986899 resultando da leitura conjugada dos artigos 24 e 28 parágra fo único Art 24 Proclamada a constitucionalidade julgarseá improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória e proclama da a inconstitucionalidade julgarseá procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória 5 Esta questão não precisou ser enfrentada porque houve de fato manifestações tanto pela constitucionalidade como pela inconstitucionalidade da norma configurando assim a controvérsia judicial que permitiu o ajuizamento da ADC n 12 Nos termos da petição inicial da ADC 12 alguns Tribunais têm aplicado a Resolução com rigor ao passo que outros já declararam que não pretendem aplicála Mandados de segurança têm sido impetrados pelo país afora contra a aplicação da Resolução e de acordo com a informação que foi possível obter há liminares afastando sua aplicação no Rio de Janeiro Minas Gerais e Mato Grosso do Sul 6 Deixase aqui de lado por ser inaplicável ao caso a distinção entre inconstitucionalidade as enacted e inconstitucionalidade as applied tema que no entanto considero fundamental para as reflexões sobre os rumos do controle de constitucionalidade no Brasil 116 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas Art 28 parágrafo único A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade têm eficácia contra todos e efeito vin culante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal estadual e municipal BRASIL 1999 art 2428 Notase que a redação do artigo 24 confere maior destaque ao re sultado alcançado no julgamento constitucionalidade ou inconstitucio nalidade deixando em segundo plano a identificação da ação que fora ajuizada ADI ou ADC É dizer importa saber se a lei objeto da ação foi considerada constitucional ou inconstitucional para só então a partir daí decidir o destino da ação Levado o texto legal ao extremo significaria afirmar que a Corte não julga procedente ou improcedente uma ação para declarar a lei constitucional ou inconstitucional antes ela reconhece que uma lei é constitucional ou inconstitucional para aí então julgar a ação procedente ou improcedente numa curiosa inversão de ordem De todo modo proclamada a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do ato normativo objeto da ação seja pela procedência ou improcedência da ADI ou da ADC esta declaração terá eficácia contra todos e efeito vincu lante conforme dispõe o artigo 28 supra Outro ponto a ser destacado em relação à ADC referese à medida de cautelar hipótese que aliás não tem previsão constitucional expressa A despeito deste silêncio da Constituição que atribui competência ao STF para julgar o pedido de medida cautelar apenas das ações diretas de inconstitucionalidade artigo 102 I p o tribunal no julgamento da ADC MC 4 entendeu por maioria vencidos os ministros Ilmar Galvão e Mar co Aurélio que pode a Corte conceder medida cautelar que assegu re temporariamente tal força e eficácia à decisão de mérito mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar em ADC pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar ADCMC 4 Superada essa questão restava então determinar o efeito e a extensão da medida cautelar Esse ponto gerou intenso e justificado debate Afinal em que consistiria uma cautelar em ADC Seria uma espécie de julgamento ante cipado como ocorre com a cautelar em ADI Nesse caso estariam juízes e tribunais obrigados a aplicar a lei federal até o julgamento definitivo Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 117 Fábio Carvalho Leite pelo STF Ou deveria implicar a suspensão dos processos em que a cons titucionalidade da lei fosse questão prejudicial Nesse caso por quanto tempo ficariam suspensos os processos Esta aliás foi uma preocupação demonstrada pelo Ministro Nelson Jobim que sugeriu seria oportuno que fixássemos um prazo para decidirmos o mé rito Não podemos ficar com esse assunto pendente por dois três anos Ele tem que ser definido O mérito neste caso levou dez anos para ser julgado 01102008 3 O Que a ADC Tem Sido Até o momento foram ajuizadas 32 ADCs número relativamente pequeno considerandose o período compreendido o que já responde à crítica de que a ação implicaria o fim do controle concretodifuso Este universo deve ainda ser mais reduzido pois 6 foram julgadas ex tintas sem julgamento do mérito por ilegitimidade ativa do proponente ADCs 2 6 7 10 13 e 25 1 por ter como objeto norma originária da Constituição ADC 22 1 por perda superveniente do objeto ADC 8 1 em que se pretendia que o STF adotasse posicionamento jurídico a respeito de determinada matéria ADC 15 1 em que ação proposta na verdade tinha natureza de embargos de declaração de uma decisão tomada em ADI ADC 23 1 que foi reautuada como ADI ADC 28 e 1 que foi autuada de forma errada tratandose na verdade de MI ADC 32 Portanto a rigor temos 20 ADCs sendo que duas ADCs 29 e 30 possuem o mesmo objeto Ainda que não se possa falar numa jurisprudência do STF neste caso pois somente 10 dez destas ações tiveram o mérito julgado ADCs 1 3 4 5 9 12 16 19 29 e 30 as decisões sobre questões preliminares ou sobre pedido de liminar nas 20 vinte ações efetivamente conhecidas já permitem uma análise da conformação da ADC pela Corte ao menos no que tange a alguns aspectos que merecem destaque i a caracteriza 118 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas ção da controvérsia judicial relevante ii a causa petendi aberta e iii a concessão de medida cautelar Para a caracterização da controvérsia judicial relevante o STF deixou de lado a exigência de decisões pela constitucionalidade da lei bastando agora apenas a existência de decisões judiciais reconhecendo a inconstitucionalidade do ato normativo Essa posição do STF foi toma da na ADC 8 ação posteriormente considerada prejudicada por perda superveniente do objeto a partir de uma interessante análise preliminar feita pelo relator Ministro Celso de Mello a respeito das 11 decisões pela constitucionalidade da lei trazidas aos autos pelo proponente da ação no caso o Presidente da República O relator havia observado que destas somente três decisões indeferitórias de medida liminar de maneira mais específica porém em caráter de cognição superficial abordaram a quaestio iuris em causa nas demais a questão consti tucional não havia sido enfrentada Não havia portanto um conjunto de decisões que nas palavras do Min Moreira Alves no julgamento da ADC 1QO permitiria ao tribunal o conhecimento das alegações em favor da constitucionalidade e contra ela e do modo como estão sendo decididas num ou noutro sentido Atendendo à determinação do relator para que se pronunciasse so bre este ponto o Requerente destacou que se deveria fazer uma distin ção acerca da exigência prévia do atendimento do pressuposto consisten te na prova da controvérsia judicial de proporções relevantes Ministro Pertence em cotejo à sua demonstração em termos numericamente re levantes conforme constou do despacho de VExa o relator O argu mento desenvolvido pelo Requerente valendo lembrar que à época o AdvogadoGeral da União era o hoje Ministro Gilmar Ferreira Mendes talvez o autor desta manifestação era de que em ambas as expressões o valor jurídico a ser preservado é a mesma segurança jurídica a ser ob servada em alcance e exigência relevante para merecer a atuação jurisdi cional da Suprema Corte e que o quantitativo a que havia se referido o Ministro relator Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 119 Fábio Carvalho Leite se aplicaria também à observação de que uma medida judicial tal uma ação civil pública por exemplo poderia singularmente veicular pedido de tutela jurisdicional em questão de interesse de milhares de cidadãos aos quais seria devida a garantia da estabili dade das relações jurídicas justamente o objeto da tutela da Decla ratória no caso concreto As decisões judiciais que se manifestem pela inconstitucionalida de dos referidos dispositivos sobre os quais milita a presunção de constitucionalidade trouxeram enorme insegurança à economia e às finanças públicas pelo risco de não vir a ocorrer o ingresso dos recursos necessários à recomposição do caixa do sistema previden ciário oficial O argumentou convenceu o relator A existência de inúmeras decisões que afetam a presunção relati va de constitucionalidade presunção esta que milita em favor de todos os atos legislativos e o grau de indeterminação subjetiva daqueles que são favorecidos ou eventualmente prejudicados por deliberações judiciais proferidas em sede de processos coletivos geram em consequência situação de evidente insegurança jurídi ca quanto à validade desses diplomas normativos justificando sem qualquer dúvida a utilização da ação declaratória de constituciona lidade notadamente porque o julgamento do processo de controle normativo abstrato permitirá que se afaste definitivamente o cená rio de perplexidade social e de grave comprometimento do sistema de direito positivo vigente do País A partir desta compreensão acerca da controvérsia judicial relevan te não se deve exigir decisões judiciais pela constitucionalidade da lei sendo suficiente que haja decisões judicias que reconhecendo a inconsti tucionalidade da lei gerem um cenário de perplexidade social insegu rança jurídica enfim um grave comprometimento do sistema de direito positivo vigente no País O foco estaria então na consequência e não na causa ou mais na primeira do que na segunda 120 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas Se considerarmos que a orientação inicial do STF poderia ser sin tetizada na ideia de que a controvérsia judicial permitiria ao tribunal o conhecimento das alegações em favor da constitucionalidade e contra ela e do modo como estão sendo decididas num ou noutro sentido Ministro Moreira Alves ADC 1QO ao abandonála o STF acertou e errou ao mesmo tempo Acertou ao excluir a exigência de decisões judiciais pela constitucionalidade da lei Além dos motivos já apontados para tanto se ria possível acrescentar mais um de caráter pragmático se é correto afir mar que os juízes fundamentam a não aplicação de uma lei por inconstitu cionalidade não se pode dizer ou esperar o mesmo quando aplicam uma lei cuja constitucionalidade se presume tornando prescindíveis decisões nesse sentido7 O STF acertou portanto em relação ao significado da controvér sia judicial exigida mas errou na avaliação do importante papel que esta controvérsia desempenha na ADC e isso está mais relacionado à causa as decisões judicias que geram a controvérsia do que à consequência a insegurança jurídica A orientação inicial estava equivocada ao exi gir decisões em ambos os sentidos acerca da constitucionalidade da lei mas estava correta ao compreender que a exigência de demonstração da controvérsia judicial permitiria ao tribunal o conhecimento das alega ções e o modo como estão sendo decididas pelas instâncias inferiores É dizer de alguma forma vinculavam o STF às manifestações do Poder Judiciário ainda que a Corte estivesse livre para decidir de outra forma Conhecendo as interpretações dadas à lei e à Constituição o STF daria a palavra final sobre a questão mas pressupondo que houve uma palavra inicial e que ela serviu para algo causa além de simplesmente gerar in segurança jurídica consequência A nova orientação parece mais incli nada a pôr um fim à controvérsia pouco importando as interpretações que a geraram Se correta essa análise então a exigência de demonstração de controvérsia judicial relevante passa a ser apenas um requisito formal a autorizar a propositura da ADC onde o STF dará a palavra final e tam 7 Diante da orientação anterior do STF ADC 1QO é compreensível que o Min Celso de Mello tenha hesitado em prosseguir com o julgamento da ADC 8 ao se deparar com uma série de decisões judiciais pela constitucionalidade que em nada contribuíam para conhecimento de alegações em favor da lei Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 121 Fábio Carvalho Leite bém de certo modo a inicial acerca da constitucionalidade da lei já que não teria o dever de conhecer dos tampouco considerar os argumentos construídos até então Não é tarefa fácil contudo afirmar o que a ADC tem sido no que tange ao requisito da controvérsia judicial relevante Na ADC 17 ainda não julgada por exemplo que tem por objeto dispositivos da Lei de Di retrizes e Bases da Educação o relator Ministro Ricardo Lewandowski no mesmo despacho em que indeferiu o pedido de medida liminar e va lendose do que dispõe o artigo 20 2º e 3º da Lei n 98681999 houve por bem solicitar informações ao Superior Tribunal de Justiça bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados de Mato Grosso do Sul do Paraná de São Paulo do Amazonas e da Bahia acerca da aplicação do dis positivo questionado nesta ação declaratória de constitucionalidade no âmbito de sua jurisdição O recurso a este dispositivo da Lei n 986899 que também ocor reu nas ADCs 16 24 e 26 embora voltada a apenas um tribunal pode sinalizar para uma compreensão mais dialógica da controvérsia judicial relevante e do papel que ela deveria exercer na ADC Esse ponto está relacionado ao segundo aspecto que merece des taque a causa petendi aberta da ADC A ideia de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI possui causa de pedir aberta guarda algum sentido ainda que seja curioso que o STF exija que o proponente da ação fundamente de forma consistente seu pedido quando a Corte pode julgar a ação procedente por fundamento diverso Todavia em relação à ADC a causa petendi aberta perde quase8 completamente o sentido O propó sito da ADC como visto no tópico anterior é pôr fim a uma controvér sia judicial acerca da constitucionalidade de lei federal ou parte dela e as decisões judiciais pela inconstitucionalidade que geram a controvérsia não invalidam a lei perante toda a Constituição mas diante de um ou al 8 Com a ressalva apenas para a hipótese de se declarar a inconstitucionalidade da lei julgando improcedente a ação por fundamento diverso daquele que gerou a controvérsia judicial 122 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas guns dispositivos constitucionais específicos a depender do caso Cabe ao STF se julgar procedente a ação reafirmar a constitucionalidade da lei quanto ao ponto em discussão e não simplesmente aproveitar a oportunidade para afirmar a constitucionalidade do ato normativo em face dos demais dispositivos que sequer foram objeto de interpretação pelas instancias ordinárias Mais uma vez aceitar que o STF possa ultrapassar os limites do que foi decidido pelas instâncias ordinárias pondo um curioso fim a controvérsias que não existiram implica atri buir à exigência de demonstração de controvérsia judicial relevante um caráter de requisito meramente formal o que contraria a própria doutrina a respeito da ação que tanto valoriza este requisito para asse gurar a legitimidade da ADC O terceiro aspecto a ser destacado é preocupante por outras ra zões A concessão de medida cautelar em ADC foi positivada na Lei n 986899 nos seguintes termos Art 21 O Supremo Tribunal Federal por decisão da maioria abso luta de seus membros poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade consistente na determina ção de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo ob jeto da ação até seu julgamento definitivo Parágrafo único Concedida a medida cautelar o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão no prazo de dez dias devendo o Tri bunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias sob pena de perda de sua eficacia A lei que regula o processo e julgamento da ADC estabeleceu por tanto o efeito da concessão de medida cautelar suspensão do julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei objeto da ação o prazo de sua vigência 180 dias e a consequência para o não julgamento da ação no prazo estabelecido a saber a perda de eficácia da cautelar concedida Ou seja o legislador assumiu que o STF poderia não conseguir julgar a ação dentro do prazo e diante do risco que isso implicaria suspensão de Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 123 Fábio Carvalho Leite processos subjetivos estabeleceu uma sanção clara e específica a cau telar perderia sua eficácia O tribunal todavia não tem aplicado a lei da qual a propósito é o único destinatário Assim em 2006 ao conceder a cautelar na ADC 12 o tribunal de terminou a suspensão até o exame de mérito desta ação do julgamento dos processos que tinham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução n 7 de 18 de outubro de 2005 do CNJ Como observaram Di moulis e Lunardi 2011 p 156 foi dada uma interpretação de validade da liminar diferente da prevista no dispositivo legal sendo que neste caso a liminar vigorou até a decisão definitiva tomada em 2008 Essa interpre tação extensiva dos efeitos da cautelar foi confirmada na ADC 11 A cautelar foi concedida em 2007 Em decisão de 2009 o STF prorrogou seus efeitos até a decisão final Os autos encontramse conclusos ao relator desde março de 2013 Na ADC 18 o STF prorrogou a cautelar em fevereiro de 2009 depois em setembro do mesmo ano e em março de 2010 deixando registrado que seria prorrogado pela última vez por mais 180 cento e oitenta dias o que de fato foi cumprido9 4 O Que a ADC Deveria Ser A despeito do que o título deste tópico poderia sugerir não pretendo aqui expor o que se esperava da ADC quando da criação desta nova ação de controle abstrato pelo Congresso Nacional Sobre este ponto Mendes 2012 p 457465 faz um relato minucioso e satisfatório Deveria ser tem aqui um caráter mais críticopropositivo diante de alguns problemas relativos a esta ação ou ao modo como tem sido interpretada e que pode riam comprometer a sua legitimidade Os pontos problemáticos e que de al 9 É o que se verifica no despacho de 25 de fevereiro de 2013 Oficiese aos magistrados que solicitaram informações a fls 1802 2031 e 2054 noticiando já haver cessado a partir de 21092010 a eficácia do provimento cautelar do Supremo Tribunal Federal que suspendera a tramitação de processos cujo objeto coincidisse com aquele versado nesta causa 124 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas guma forma merecem revisão pelo STF são justamente aqueles destacados no tópico anterior i a caracterização da controvérsia judicial relevante ii a causa petendi aberta e iii a concessão de medida cautelar O STF deveria ser muito rigoroso ao admitir uma ADC por con ta dos efeitos gerados pela procedência da ação a saber o fim de uma discussão sobre a constitucionalidade de determinada lei ou algumns de seus dispositivos É importante enfatizar que o objetivo desta ação é pôr fim a uma controvérsia judicial relevante confirmando a constitucio nalidade da lei Para que se ponha fim a algo é necessário que haja um começo e a atuação do STF só será legítima na medida em que respeite esta premissa É por essa razão aliás que não se pode reconhecer a ambi valência da ADI LEITE 2008 RAMOS 2011 pois a sua improcedência não equivale à procedência de uma ADC já que não põe fim a uma con trovérsia judicial que pode sequer ter existido10 Assim considerandose o propósito maior da ADC o STF só deve admitir a ação quando houver material inicial a partir do qual a Corte dará a palavra final Isso significa que não apenas deve haver controvérsia ju dicial relevante sobre a constitucionalidade de lei ou algumns de seus dispositivos mas que a controvérsia deve se dar a respeito do mesmo fun damento constitucional Afinal a rigor a divergência entre juízes e tri bunais não se dá em relação à lei mas à Constituição Tomemos como 10 A despeito do que tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência ADI e ADC não são ações iguais com sinal trocado mas ações semelhantes Há diferenças significativas entre as duas objeto da ação exigência de controvérsia judicial relevante e sua comprovação nos autos e manifestação do AGU A ausência de defesa de constitucionalidade da lei pelo AGU não impede que se reconheça na improcedência da ADC uma declaração de inconstitucionalidade com efeito vinculante e eficácia contra todos LEITE 2013 Seria um rigor excessivo exigir que o AGU defendesse a constitucionalidade da lei numa ação proposta justamente para confirmar a constitucionalidade do ato normativo sobretudo depois que o próprio STF numa de suas atuações que desafiam o conceito de interpretação ADI 3916 entendeu que no processo de ADI o AGU pode se manifestar pela inconstitucionalidade da lei Ou seja a Corte converteu o dever de defesa pela constitucionalidade art 103 3 CRFB em direito de manifestação sobre a constitucionalidade LEITE 2010 tornando o AGU uma espécie de parecerista ainda que nenhum dispositivo constitucional autorize esta leitura Já a ADI mesmo quando seu objeto for lei federal não poderá ser ambivalente pela ausência da controvérsia judicial relevante imprescindível para a propositura da ADC Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 125 Fábio Carvalho Leite exemplo hipotético a lei de arbitragem 930796 Se juízes e tribunais divergissem a respeito da sua constitucionalidade por suposta violação ao princípio do acesso do Poder Judiciário art 5 XXXV CRFB a di vergência seria a respeito do alcance do dispositivo constitucional e não do significado da lei bem claro em seus termos Portanto se o STF dará a palavra final neste caso dará a palavra final sobre a interpretação do dispositivo constitucional em questão o que pressupõe uma controvérsia a este respeito Se a lei tivesse sido considerada inconstitucional por juí zes ou tribunais em três ou quatro ações individuais sob este fundamento e inconstitucional em outras três ou quatro ações sob outro fundamento constitucional não haveria rigorosamente uma controvérsia judicial re levante que permitisse o ajuizamento de uma ADC O STF deveria valo rizar o fundamento da controvérsia pois é sobre este ponto que a Corte dará a palavra final e não sobre a lei em si Quanto à causa petendi aberta tratase de uma ideia que deve ser abandonada ao menos parcialmente Admitir a causa petendi aberta sig nificaria reconhecer que numa ADC julgada procedente o STF confirma ria a constitucionalidade da lei objeto da ação não apenas face ao dispo sitivo constitucional que deu ensejo à controvérsia judicial mas também face a todos os demais A ideia em si é absurda por uma série de razões É humanamente impossível que se avalie a constitucionalidade da lei ex officio a partir de todos os dispositivos constitucionais e a partir de todas as interpretações possíveis a respeito destes dispositivos o que engloba interpretações que sequer chegaram ao conhecimento do STF e as que se quer foram suscitadas pela Corte Além disso se ao STF fosse autorizado confirmar a constitucionalidade da lei diante de dispositivos constitucio nais que não foram considerados pelas instâncias inferiores no contro le concretodifuso qual seria a razão de se exigir a controvérsia judicial cuja importância foi sempre destacada tanto pelo STF como por toda a doutrina A controvérsia judicial se justifica somente na medida em que permita ao STF dar a palavra final a respeito da questão ali suscitada Portanto a confirmação da constitucionalidade da lei deve ocorrer nos li mites da dúvida suscitada que gerou a controvérsia e considerandose as interpretações realizadas pelas instâncias inferiores para que a interpreta ção do STF não seja apenas a última mas também a melhor 126 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas Considere a seguinte situação O STF julga procedente uma ADC que tinha por objeto uma lei federal X cuja constitucionalidade fora alvo de controvérsia judicial já que muitos juízes a consideravam inconstitu cional sob o argumento de que a lei violaria o princípio da isonomia Meses depois um juiz ao julgar um caso concreto deixa de aplicar a referida lei sob um sólido fundamento de que a competência para tratar da matéria seria dos Estados e não da União Contra esta decisão seria cabível Reclamação ao STF já que a declaração de constitucionalidade em ADC tem efeito vinculante Se a Corte concordasse com a interpre tação constitucional feita pelo magistrado teria que julgar improcedente a Reclamação Mas sob que fundamento o tribunal o faria O de que não havia considerado este aspecto o que colocaria em questão a ideia da causa petendi aberta Ou o de que mudou seu entendimento o que seria muito curioso e pouco honesto A causa petendi aberta é admitida sem maior polêmica na ADI porque neste caso o que ocorre é a declaração de inconstitucionalidade questão de interesse público o que permite ao STF identificar ex officio outro dispositivo constitucional que estaria sendo violado que não aquele invocado pelo proponente da ação É por essa razão que se pode admitir a causa petendi aberta em ADC quando o tribunal entender que a lei em bora constitucional diante do dispositivo objeto da controvérsia judicial é inconstitucional por afrontar outro dispositivo que não havia sido suscita do pelo proponente É dizer a causa petendi aberta só se aplica em caso de improcedência no mérito da ADC Por fim o STF não pode prorrogar o prazo de 180 dias da medi da cautelar como fez nos processos citados no tópico anterior Aliás o que espanta nessas decisões é a facilidade que o tribunal encontrou para deixar de observar a lei quando se sabe que as decisões contra legem impõem um considerável ônus argumentativo ao intérprete O perigo da pedra que desce a montanha no entanto já poderia ser visto num tex to de autoria de Gilmar Mendes MARTINS MENDES 2001 antes de se tornar Ministro do STF ao tratar do tema posição que sustenta ainda hoje MENDES 2012 p 504505 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 127 Fábio Carvalho Leite Tenho pra mim que o prazo poderá ser ultrapassado renovando a Suprema Corte a eficácia do decidido se não puder julgar em 180 dias o processo de forma definitiva É que o conteúdo da expressão sob pena de perda de sua eficácia será decidido pela própria Su prema Corte que é a guardiã da Constituição e que poderá entender que o julgamento em 180 dias é impossível em face do acúmulo de trabalho dando à norma a interpretação que se tem dado à eficácia de 120 dias atribuída pela lei às liminares em mandado de seguran ça cuja prorrogação além do prazo legal tem sido uma constante a critério do próprio magistrado até porque a liminar é concedida em vista de requisitos próprios e seus efeitos devem ser mantidos enquanto presentes tais requisitos A sinalização pareceme pois mais um princípio programático ordinário do que regra que deverá ser seguida pela Suprema Cor te que não retirará eficácia às suas próprias decisões por força de um prazo de impossível cumprimento MARTINS MENDES 2001 p 283 A posição defendida pelo Ministro não convence11 O dispositivo legal tem as características típicas de regra jurídica há um predicado fá tico e a sua consequência O que se poderia questionar é se caberia ao le gislador limitar dessa forma a medida cautelar em ADC que o STF havia conformado diretamente a partir do texto constitucional que permanece silente a este respeito12 Para responder devemos considerar que há ra zões fortes que justificam a regra razões que podem não ser do agrado do Ministro nem se conformar à ideia de Guardião da Constituição tal como ele a concebe e defende mas nem por isso deixam de ser legítimas 11 Aparentemente Dimoulis e Lunardi 2011 p 157 também não concordam com esta interpretação extensiva pois concluem o tópico sobre a cautelar em ADC afirmando que a decisão da cautelar apresenta ainda efeitos vinculantes e erga omnes devendo ser respeitado como dissemos o prazo de eficácia de 180 dias 12 Zavascki 2012 p 79 por exemplo ao tratar do efeito da cautelar segundo o art 21 da lei 986899 afirma categoricamente que não cabe ao legislador ordinário estabelecer numerus clausus as configurações que ditas providências que o Poder Judiciário entenda necessárias para afastar o periculum in mora podem assumir nem limitar o seu alcance de forma que iniba a consecução da finalidade a que se destinam concluindo que o tribunal pode e eventualmente deve conceder efeitos outros que não aquele determinado pela lei suspensão dos processos 128 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas e válidas O efeito da concessão de cautelar é a suspensão de processos judiciais que visam à tutela de direitos subjetivos Ocorre aqui uma pon deração feita pelo legislador privilegiando a presunção de constituciona lidade da lei objeto da ADC confirmada em sede cautelar em prejuízo de outros bens e valores constitucionais como a duração razoável do pro cesso art 5 LXXVIII CRFB ou a inafastabilidade da jurisdição art 5 XXXV CRFB em seu sentido mais abrangente Não poderia o legis lador entender que o resultado desta ponderação só se justifica dentro de um prazo razoável no caso 180 dias E que ultrapassado este prazo os efeitos da suspensão de processos judicias onde direitos subjetivos estão em discussão adquirem uma importância maior sendo preferível assumir os riscos muitos deles reversíveis de que juízes e tribunais decidam os casos concretos reconhecendo a inconstitucionalidade da lei quando o STF já sinalizou pela sua constitucionalidade apresentando argumentos para tanto supõese É aliás aqui que reside a inadequação da analogia feita pelo Ministro com a legislação já revogada que era aplicada às liminares em mandado de segurança pois a ponderação feita pelo legisla dor neste caso e talvez não por acaso tenha sido abandonada poderia de fato ser prejudicial à tutela do direito subjetivo O fato de que na caute lar em ADC se está diante de um processo objetivo que suspende proces sos subjetivos faz uma diferença suficiente para comprometer a analogia Interessante observar que na ADC 18 o STF chegou a ser provoca do por meio de embargos de declaração a se manifestar sobre a legalida de da prorrogação da eficácia da cautelar sob o argumento de que o princípio da inafastabilidade da jurisdição impediria a prorrogação pelo Supremo Tribunal Federal do prazo de 180 cento e oitenta dias previsto no art 21 da Lei n 98681999 Os embargos contudo não foram conhe cidos por ilegitimidade recursal do embargante amicus curiae e por serem extemporâneos 5 Conclusão O trabalho demonstrou que a ADC é uma ação mais complexa do que a ideia de uma simples ADI com sinal trocado poderia sugerir Há Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 129 Fábio Carvalho Leite uma distância entre o que se afirma na teoria e o que ocorre na prática como no ponto relativo à controvérsia judicial relevante tão enaltecido quando se trata de justificar a ADC e tão ignorado quando doutrina e STF defendem a ambivalência da ADI Ajudaria se a redação do artigo 24 fos se mais fiel à realidade e dispusesse que julgada procedente a ADC seria confirmada e não declarada a constitucionalidade da lei federal Deixaria claro de certo modo que não há espaço para ambivalência da ADI pois a sua improcedência não põe fim a uma controvérsia judicial comprovada nos autos da ação Há questões ainda ausentes no debate sobre esta ação relativas à fundamentação das decisões judiciais o que vale tanto para aquelas que geram a controvérsia como para a própria decisão do STF na ADC Valo rizar a fundamentação é essencial para a legitimidade da ADC e por uma série de motivos Exigir que a controvérsia gire em torno de um mesmo fundamento limita o poder do STF o que por si só já seria positivo em qualquer re gime constitucional Mas além disso garante que o STF irá efetivamen te pôr fim a uma controvérsia e não começar e terminar uma Ainda a Corte deverá encerrar uma controvérsia considerando todo o trabalho de senvolvido pelas instâncias inferiores assegurando assim uma qualidade superior à sua decisão A ênfase nos pontos acima é suficiente para se abandonar a ideia de causa petendi aberta na ADC Afinal se já há um grave problema quando o STF praticamente dá início a um debate a respeito da interpretação de um dispositivo constitucional o que dizer de quando este debate sequer ocorre e ainda assim devese considerar que a questão qual foi decidida porque a causa petendi é aberta Não há nada no texto constitucional ou fora dele que garanta ou mesmo sugira que o STF é o melhor intérpre te da Constituição é apenas o último a interpretála o que implica uma considerável responsabilidade E é também por conta desta responsabi lidade que a Corte deve rever sua posição a respeito da prorrogação de prazo para suspensão de processos na cautelar da ADC Se o que justifica a ADC de acordo com a jurisprudência do STF é a alegada insegurança jurídica que resulta do controle concretodifuso onde juízes e tribunais 130 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 Ação Declaratória de Constitucionalidade expectativa realidade e algumas propostas deixam de aplicar uma lei por considerala inconstitucional o que dizer da situação onde o STF deixa de aplicar um dispositivo legal art 21 pa rágrafo único da Lei n 986899 sem um fundamento adequado O res peito à jurisprudência do STF deveria ser conquistado e não imposto Referências BARROSO Luís Roberto O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro São Paulo Saraiva 2004 DIMOULIS Dimitri LUNARDI Soraya Curso de Processo Constitucional São Paulo São Paulo 2011 HABERLE Peter Hermenêutica Constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Tradução Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2007 LEITE Fábio Carvalho ADIN e ADC e a ambivalência possível uma proposta Revista de Direito do Estado Rio de Janeiro v 10 Renovar 2008 LEITE Fábio Carvalho ADIN e ADC e a ambivalência possível uma proposta revista In ASENSI F GIOTTI D Org Tratado de direito constitucional Rio de Janeiro CampusElsevier 2013 prelo LEITE Fábio Carvalho O papel do AdvogadoGeral da União no controle abstrato de constitucionalidade curador da lei advogado público ou parecerista Revista Nomos Ceará Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Ceará 2011 LEITE Fábio Carvalho A Cláusula de Reserva de Plenário Segundo os Tribunais de Justiça In Direitos Fundamentais JustiçaPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Programa de Pós Graduação Mestrado e Doutorado n 15 abrjun 2011 Porto Alegre Editora 2011 Seqüência Florianópolis n 69 p 109132 dez 2014 131 Fábio Carvalho Leite MARTINS Ives Gandra da Silva MENDES Gilmar Ferreira Controle Concentrado de Constitucionalidade comentários à Lei n 986899 São Paulo Saraiva 2001 MENDES Gilmar Ferreira Controle Abstrato de Constitucionalidade ADI ADC e ADO comentários à Lei n 986899 São Paulo Saraiva 2012 RAMOS Elival da Silva Controle de Constitucionalidade no Brasil perspectivas de evolução São Paulo Saraiva 2010 ZAVASCKI Teori Albino Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional 2 ed São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2011 Fábio Carvalho Leite é Professor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pósgraduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional PUC Rio e Doutor em Direito Público UERJ Coordenador do Núcleo de Estudos Constitucionais da PUCRio Assessor Jurídico da Reitoria da PUCRio Email fabiojurpucriobr Endereço profissional Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rua Marquês de São Vicente 225 Gávea RJ Brasil