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Direito ·
Direito Penal
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ESTUPRO DE VULNERÁVEL UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA SOB A ÓTICA DA VULNERABILIDADE DO MENOR RODRIGO MORAES SÁ1 RESUMO O instinto sexual humano ganha contornos de grande importância na medida em que é destinado a procriação tendo como escopo a perpetuação da espécie Ao lado dessa força instintiva encontramse sentimentos como o amor e o pudor necessários para garantir a própria dignidade e reputação Esses sentimentos individuais transbordam a natureza individualista do ser humano para adquirir caracteres de índole social e coletiva merecendo especial proteção ao ponto de serem regulados por meio de normas disciplinadoras da moral e dos bons costumes Sob o ponto de vista repressivo a norma penal trata dessas relações interpessoais através de disposições insertas no Código Penal sob a denominação atual de crimes contra a dignidade sexual introduzida pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 A nova lei criou o crime de estupro de vulnerável com pena de reclusão de 8 a 15 anos que se caracteriza pela prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos 217A caput ou com pessoa de qualquer idade que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento ou não pode oferecer resistência 1º Nesse contexto se faz necessário a abordagem da nova figura penal que vem causando muita discussão doutrinária face as suas características concernentes a vulnerabilidade da vítima Dessa forma traçaremos um panorama geral do crime em questão sob o enfoque do menor Palavraschave estupro vulnerável aspectos gerais 1 Procurador do Município de Diadema Advogado militante nas áreas de Direito Civil e Penal Articulista Parecerista Pósgraduado com especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito Pósgraduado com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cidade de São Paulo 2 SUMÁRIO 1 DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL 03 2 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL 06 3 ELEMENTOS DO CRIME 07 4 RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE SEXUAL 12 5 CONCLUSÃO 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 19 3 1 DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL A Lei nº 12015 de sete de agosto de 2009 alterou a nomenclatura do Título VI do Código Penal procedendo a substituição do termo crimes contra os costumes por crimes contra a dignidade sexual buscando adaptar a legislação penal as novas tendências oriundas do desenvolvimento das relações interpessoais e ao próprio regramento constitucional A nova denominação dirigida a prática de crimes de natureza sexual desprezou os costumes muito embora eles estejam englobados pelo conceito de dignidade que é amplo no sentido de afastar a ideia de defesa de como as pessoas deveriam se comportar sexualmente na sociedade até porque os costumes representavam uma visão antiquada dos hábitos de uma sociedade ultrapassada Ao eleger a expressão crimes contra a dignidade sexual o legislador erigiu a categoria de bem jurídico tutelável a dignidade sexual passando a ter como fundamento desta proteção a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida sexual compatibilizando assim a norma penal aos preceitos constitucionais que acabou por albergar com isso a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada indivíduo André Estefam2 registra que a necessidade de se reformar o Título VI do Código Penal surgiu com a promulgação da atual Constituição Federal que erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil O autor ainda observa que a sexualidade deve ser pensada dentro do espaço da pessoa humana sendo descabidos parâmetros éticos e de moralidade pública Assim com esta nova denominação fica claro que se busca garantir além da dignidade humana a liberdade de escolha de parceiros e da relação sexual a salvo de exploração a intangibilidade ou indenidade sexual além do pleno e sadio desenvolvimento da personalidade no que se refere à sexualidade do indivíduo Não se olvide que o eixo de proteção deve limitarse a esta faceta da dignidade humana sem imiscuirse na vida sexual individual pois no entender de Guilherme de Souza Nucci3 citando Nelson Hungria O que o legislador deve policiar à luz da Constituição Federal de 1988 é a dignidade da pessoa humana e não os hábitos sexuais que 2 ESTEFAM André Crimes sexuais comentários à Lei 120152009 São Paulo Saraiva 2009 p 1619 3 NUCCI Guilherme de Souza Código penal comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 641 4 porventura os membros da sociedade resolvam adotar livremente sem qualquer constrangimento sem ofender direito alheio ainda que para alguns sejam imorais ou inadequados Assim a criminalização destes tipos penais fazse importante com o fulcro de proteger precipuamente a liberdade sexual do indivíduo conforme arrazoado de Luiz Flávio Gomes4 Não são os costumes o objeto jurídico da tutela penal Toda dogmática penal na atualidade só concebe a existência de crime sexual que atente contra a liberdade sexual ou contra o normal desenvolvimento da personalidade em formação da criança Fora disso não é admissível a incidência do Direito penal sob pena de se confundir a moral com o Direito penal que não serve para corrigir pessoas nem para proteger determinadas concepções morais Por força do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos não há espaço no Direito penal para a tutela de uma determinada moral ou religião ou partido político ou ideologia etc O novo sistema teleológico já exigia um tratamento jurídico adequado a matéria de acordo com as novas perspectivas criminais Nesse sentido José Henrique Rodrigues Torres5 preleciona não se olvide que desde a promulgação da Constituição de 1988 a dignidade humana já era reconhecida pela sociedade brasileira como um princípio fundamental e norteador de todo o sistema jurídico político e social do nosso país E a sexualidade como atributo da pessoa humana já deveria ter sido desde então submetida à proteção no âmbito da dignidade humana Além disso é preciso lembrar também que o Brasil em face de suas normas e princípios constitucionais submetese também às normas e princípios de Direitos Humanos ou seja de um sistema internacional de proteção do ser humano especialmente dos mais débeis e fragilizados Assim cabia ao Brasil adaptar a sua legislação e as suas políticas públicas a esses princípios Aliás não se olvide que na Conferência do Cairo 1994 ficou afirmado o compromisso do sistema de Direitos Humanos com a necessidade do abandono da concepção patriarcal de controle da sexualidade das mulheres Assim a dignidade sexual como um valor fundamental passou a ter adequada proteção do sistema legal brasileiro promovendo a eliminação daqueles dispositivos penais baseados em uma concepção machista e discriminatória da sexualidade 4 GOMES Luiz Flávio Reforma penal dos crimes sexuais Disponível em httpwwwlfgcombrpublichtmlarticlephpstory20050411115926168 Acesso em 10062012 5 TORRES José Henrique Rodrigues Dignidade sexual e proteção no sistema penal Rev bras crescimento desenvolv hum online 2011 vol21 n2 p 185188 5 José Henrique Rodrigues Torres6 afirma que as modificações introduzidas pela recente legislação são insuficientes ante a enraizada cultura paternalista que deve ser superada em nome da influência negativa que poderá causar na formação da convicção sobre a veracidade dos fatos relatados pela vítima assim dispondo Como se vê para a efetiva garantia da sexualidade como um atributo da dignidade humana especialmente no âmbito do sistema penal resta ainda o enfrentamento da ideologia patriarcal que continua sendo um grande obstáculo para a efetivação da desejada e necessária proteção de um valor jurídico que segundo a Constituição Federal de 1988 bem como de acordo com a principiologia dos Direitos Humanos tem importância fundamental para a convivência social Infelizmente a ideologia patriarcal no sistema protetivo da dignidade sexual tem funcionado como o Porteiro que na obra kafkaniana impedia o acesso à lei ou seja à justiça A nova terminologia do referido título também observou e conferiu enfoque a figura da criança e do adolescente já que a fim de compreender e combater melhor o processo de vitimização da criança indiscutível a intenção do legislador em proteger com afinco esta categoria de vítimas fazendo refletir uma concepção de infância universal referente aos direitos sexuais infantojuvenis na norma penal Este entendimento foi extraído da Constituição Federal que estabeleceu o princípio da proteção integral em seu artigo 227 que dispõe que é dever de todos assegurar à criança e ao adolescente seus direitos inclusive a dignidade Luís Augusto Sanzo Brodt7 manifestase contrariamente a inovação introduzida ao Título IV afirmando que A alusão à dignidade sexual parecenos entretanto também indevida Se não se quer impor um determinado padrão de comportamento sexual única postura compatível com a garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada prevista no art 5º X da CF1988 devemos reconhecer que o bem jurídico a reclamar a intervenção penal é a liberdade sexual ou seja a autodeterminação em matéria sexual Pois somente o emprego de coação física grave ameaça ou abuso da imaturidade ou deficit de desenvolvimento psicológico dos menores ou dos incapazes conduz a prática sexual ao campo dos comportamentos que estão a exigir repressão penal Ademais a própria expressão dignidade da pessoa humana que estaria a dar suporte à dignidade sexual apresenta conteúdo bastante controverso o que pode acarretar sérios inconvenientes em matéria de segurança jurídica 6 TORRES José Henrique Rodrigues Ob cit 7 BRODT Luís Augusto Sanzo Dos crimes contra a dignidade sexual a nova maquiagem da velha senhora Ciências penais vol 13 p 170 jul 2010 6 2 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL A Lei nº 120152009 introduziu figura típica ao Código Penal sob o novo nomen iuris de estupro de vulnerável caracterizado como um tipo autônomo distinto daquele capitulado no artigo 213 do mesmo diploma legal Sob o prisma criminal a vulnerabilidade esta intimamente ligada a ideia de pessoas que não detém aptidão psicológica para compreender o caráter lascivo do ato sexual ou sequer possuem condições mínimas de normalidade psíquica para manifestar livremente seu desejo quanto a prática da relação sexual Não é a toa que este termo fora empregado já que tem o significado daquele que se encontra do lado fraco de uma questão ou do ponto por onde alguém pode ser atacado No entender de Guilherme de Souza Nucci8 a vulnerabilidade contida no artigo 217A tratase da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual Por isso continua na essência existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir A intenção do legislador foi extinguir qualquer questão referente a circunstância fática sobretudo o próprio consentimento da vítima para análise da caracterização do delito Nos tempos em que a prostituição infantil atinge índices alarmantes é possível entender a importância da inserção de determinados elementos normativos com o objetivo de facilitar a adequação da norma ao período histórico vigente devendose observar sempre análise justa de seu grau de ofensividade pois consoante lição de Guilherme de Souza Nucci9 a ofensividade ou lesividade deve estar presente no contexto do tipo penal incriminador para validálo legitimálo sob pena de se esgotar o Direito Penal em situações inócuas e sem propósito especialmente quando se contrata a conduta praticada com o tipo de sanção para ela prevista como regra ou seja a pena privativa de liberdade Reconheceuse a mudança de comportamento havido nas últimas décadas principalmente no que se relaciona à sexualidade de maneira a prestar abrigo ao menor 8 NUCCI Guilherme de Souza Manual de direito penal parte geral parte especial 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 p 829 9 Ibidem 7 3 ELEMENTOS DO CRIME O estupro mediante violência presumida é o crime praticado contra vítima que não possa oferecer resistência em face do estado físico ou mental da vítima Em decorrência da pouca idade a presunção da insuficiência de discernimento ou inaptidão física é absoluta cujo critério é estritamente biológico Nesse sentido dispõe o Código Penal Art 217A Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 catorze anos Pena reclusão de 8 oito a 15 quinze anos 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência 2º Vetado 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave Pena reclusão de 10 dez a 20 vinte anos 4º Se da conduta resulta morte Pena reclusão de 12 doze a 30 trinta anos O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa homem ou mulher admitindose co autoria e participação O sujeito passivo é a pessoa vulnerável ou a ela equiparada Nos termos da lei vulnerável é o menor de 14 anos presumivelmente incapaz A ausência de maturidade sexual ou desenvolvimento mental completo para consentir com a prática do ato sexual é presumida pela tenra idade da vítima Como observa Guilherme de Souza Nucci10 Vale observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa etária sendo tão somente uma idade escolhida pelo legislador para sinalizar o marco divisório dos menores que padecem de vício de vontade a ponto de serem reconhecidos pelo status de vulneráveis daqueles que possam vivenciar práticas sexuais sem impedimentos Verificase pois que a definição de patamar 10 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro sob o prisma da lei 120152009 arts 213 e 217A do CP Revista dos Tribunais vol 902 p 395 dez 2010 8 etário para a caracterização da vulnerabilidade é baseado numa ficção jurídica que nem sempre encontrará respaldo na realidade do caso concreto notadamente quando se leva em consideração o acentuado desenvolvimento dos meios de comunicação e a propagação de informações que acelera o desenvolvimento intelectual e capacidade cognitiva das crianças e adolescentes Para Luís Augusto Sanzo Brodt11 a tipificação da conduta não resultará da mera existência dos elementos objetivos do crime dependendo do emprego de uma hermenêutica que se compatibilize com os mandamentos constitucionais ligados a culpabilidade assim dispondo Entretanto entendemos que à constatação da vulnerabilidade não bastam a mera comprovação da idade cronológica ou diagnóstico de doença mental Caso contrário ficaríamos atrelados a uma interpretação puramente literal da lei É preciso proceder a uma interpretação sistemática em homenagem ao princípio constitucional penal da culpabilidade art 5º LVII da CF A exigência da responsabilidade penal subjetiva requisito imprescindível à observância do princípio da culpabilidade entendido lato sensu afasta na hipótese o emprego manifesto da presunção jure et de jure Assim ainda que se pratique conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso de gravidade equivalente com pessoa menor de 14 anos ou doente mental é possível que não reste caracterizado o crime do art 217A Ainda no tocante ao sujeito passivo temos que a lei equipara o enfermo ou o deficiente mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual ou por qualquer outra causa não possa oferecer resistência 1º art 217A a figura do vulnerável Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer12 apresenta definições esclarecedoras para a caracterização dos elementos que integram o tipo Enfermidade é qualquer doença mental ou física com efeitos mentais que prive a vítima do discernimento necessário como são em princípio a esquizofrenia as psicoses em geral a epilepsia e a demência senil por exemplo Deficiência mental corresponde à oligofrenia cretinismo mongolismo microcefalia macrocefalia e oligofrenia difenilpiruvínica O índice de deficiência é normalmente calculado pelo quoeficiente de inteligência QI e pela idade mental Discernimento é a faculdade de discernir de apreciar de escolher É a opção seguindo algum critério Quem se relaciona sexualmente com qualquer pessoa não tem critério de escolha e portanto não tem 11 BRODT Luís Augusto Sanzo Ob cit 12 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Novos crimes sexuais com a feição instituída pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 São Paulo Malheiros 2009 p 178 9 discernimento Ao empregar a expressão normativa necessário discernimento evidentemente não quis o legislador deixar o tipo à mercê de preceitos morais ou sociais ou de visões pessoais do julgador acerca da sexualidade Por isto é de se concluir que a elementar se refere a alguma escolha da vítima de acordo com critério diverso do puramente instintivo A histórica proteção legal do vulnerável contida tanto no antigo como no novo texto indicam que o necessário discernimento se liga também ao conhecimento das consequências sociais morais e físicas que envolvem o relacionamento sexual Assim além da escolha com critério deve o optante ter noção da possibilidade de gravidez de contrair doenças sexualmente transmissíveis e da provável reprovação social envolvida A existência ou não do necessário discernimento é questão pericial A incapacidade de oferecer resistência por qualquer outra causa se refere aos casos em que o paciente está por qualquer outra razão efetivamente tolhido na sua capacidade de entender e de se portar como ocorre por exemplo na intoxicação por álcool ou outras drogas no estado de coma no hipnotismo durante o sono e nas demais situações de fragilidade física ou mental por doença ou por idade Apurase por perícia a capacidade de resistência O agente deve ser totalmente desprovido da capacidade de entendimento quanto a prática do ato sexual uma vez que presente certo discernimento o delito se desconfigurará Na lição de Rogério Greco13 É importante ressaltar que não se pode proibir que alguém acometido de uma enfermidade ou deficiência mental tenha uma vida sexual normal tampouco punir aquele que com ele teve algum tipo de ato sexual consentido O que a lei proíbe é que se mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com alguém que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual O elemento subjetivo é o dolo específico o que exige obrigatoriamente uma finalidade libidinosa com o objetivo de atender o apetite sexual O agente deve ter plena consciência sobre a condição da vítima A lei deixou de considerar como elemento normativo do tipo penal a chamada presunção de violência ou grave ameaça bastando para a realização desta nova infração penal que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso De acordo com Guilherme de Souza Nucci14 A fim de se desfazer tal equívoco e em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal da ofensividade do contraditório e da presunção de inocência é que a 13 GRECO Rogério Curso de Direito Penal Parte Especial 7 ed Niterói Impetus 2010 v III p 516 14 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 10 vulnerabilidade merecedora de tutela penal deve ser compreendida de forma restrita e casuisticamente tendo como essência a fragilidade e a incapacidade física ou mental da vítima na situação concreta para consentir com a prática do ato sexual Muito embora o legislador tenha conferido caráter absoluto no que tange a presunção de violência não se pode deixar de considerar a possível ocorrência do erro de tipo o que afastaria o elemento subjetivo de maneira a tornar a conduta atípica Na lição de Guilherme de Souza Nucci15 o autor do crime precisa ter ciência de que a relação sexual se dá com pessoa em qualquer das situações descritas no art 217A Se tal não se der ocorre erro de tipo afastandose o dolo e não mais sendo possível a punição visto inexistir a forma culposa Enquadramse nesta hipótese os fatos em que o agente por erro inescusável e invencível entende que sua companheira possui idade superior a que aparenta ou por erro determinado pela própria ofendida ao oferecer dados pessoais inverídicos ao agente como mentir a idade oferecer informações alteradas de seu nascimento Diversos doutrinadores partilham da mesma opinião dentre eles E Magalhães Noronha16 que lecionando afirma que se o agente está convicto se crê sinceramente que a vítima é maior de 14 anos não ocorre a presunção O elemento objetivo se caracteriza pela prática de conjunção carnal ou ato libidinoso Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer17 nos traz as seguintes conceituações Conjunção carnal referese a introdução do pênis na vagina A intromissão pode ser completa ou incompleta pouco importa Também é irrelevante que ocorra ou não a ejaculação O coito chamado preambular ou vulvar não é conjunção carnal mas constitui ato libidinoso diverso O mesmo ocorre com a introdução do pênis na vagina construída cirurgicamente em corpo masculino Ato libidinoso é toda manifestação física que tem por objetivo satisfazer a lascívia coito oral anal vulvar inter femura introdução de dedos ou objetos na vagina no anus contato das mãos com o corpo lambidas etc É fundamental que exista efetivo contato corporal com a vítima sem o que não há falar em estupro A consumação do estupro ocorre com a prática imediata de qualquer ato libidinoso ainda que seja preparatório para a conjunção carnal 15 NUCCI Guilherme de Souza Crimes contra a dignidade sexual comentário à Lei 12015 de 7 de agosto de 2009 p 38 16 NORONHA E Magalhães Direito penal 22 ed São Paulo Saraiva 1995 vol 3 p 225226 17 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Ob cit p 177 11 O estupro de vulnerável é crime hediondo nos termos do artigo 1º VI da Lei nº 807290 devendo o cumprimento da pena se dar em regime prisional inicialmente fechado 12 4 RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE SEXUAL A sistemática pretérita relativa aos crimes sexuais atentados contra menores de quatorze anos adotava um critério calcado na presunção de violência ou grave ameaça mesmo sem presença destes dois últimos elementos por considerar a incapacidade de discernimento dessas vítimas para consentir com a prática do ato sexual No campo doutrinário e jurisprudencial foi travada uma forte discussão acerca do caráter absoluto dessa presunção girando a controvérsia acerca da possibilidade de se excetuar à regra geral diante de casos em que a vítima demonstrasse conhecimento e experiência em relação a prática sexual Na doutrina prevaleceu o entendimento majoritário pela natureza relativa da presunção contrariamente ao entendimento dos tribunais que firmaram posição no sentido de que a presunção de violência era absoluta Muito embora com a edição da Lei nº 1201509 o direito tenha se modificado apresentando uma nova realidade para os crimes dessa natureza o questionamento continua pertinente na medida em que a categoria jurídica já conhecida no âmbito penal agora passou a ser denominada presunção de vulnerabilidade considerando o menor de quatorze anos hipossuficiente frágil incapaz de consentir validamente para a realização de qualquer ato sexual Constatase a adoção de um critério puramente biológico sem qualquer justificativa plausível capaz de oferecer suporte a este elemento Nesse ponto Guilherme de Souza Nucci18 aponta as impropriedades da lei Vale observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa etária sendo tão somente uma idade escolhida pelo legislador para sinalizar o marco divisório dos menores que padecem de vício de vontade a ponto de serem reconhecidos pelo status de vulneráveis daqueles que possam vivenciar práticas sexuais sem impedimentos Verificase pois que a definição de patamar etário para a caracterização da vulnerabilidade é baseado numa ficção jurídica que nem sempre encontrará respaldo na realidade do caso concreto notadamente quando se leva em consideração o acentuado desenvolvimento dos meios de comunicação e a propagação de informações que acelera o desenvolvimento intelectual e capacidade cognitiva das crianças e adolescentes Cremos que o legislador ao editar o dispositivo em análise afastouse novamente da realidade social vez que ignorou não só a precocidade das crianças e adolescentes como persistiu em utilizar um critério etário para definir 18 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 13 aqueles que em hipótese alguma podem manter relações sexuais Por tais razões é que defendemos a relativização de sua vulnerabilidade Importante salientar que a norma penal se apresenta incompatível com a própria legislação que rege os direitos e garantias da criança e do adolescente Assim aponta Guilherme de Souza Nucci19 citando inclusive posicionamento de outra doutrinadora a respeito do assunto Não se pode olvidar ademais que a atual Lei tal como a anterior mostrase em total dissonância do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecendo equivocadamente a idade de 14 anos para a iniciação sexual Discorrendo sobre o tema Klelia Canabrava Aleixo acentua que embora a Lei 120152009 tenha substituído a questão da moralidade pela tutela da dignidade e da liberdade sexual o legislador continuou adotando uma postura proibitiva e moralista sobre a sexualidade infantojuvenil partindo da consideração de que o exercício da sexualidade pelos menores de 14 anos é irregular desviante e deve ser objeto de proibição A autora alude aos estudos de Matta e Correia que partindo do cotidiano da 12ª Promotoria Criminal de Fortaleza verificaram que parte dos inquéritos lá existentes tinha como objetivo restringir a liberdade sexual de menores por escaparem ao modelo culturalmente aceito por envolverem homossexualidade ou diferenças atinentes à classe raça ou religião do parceiro E conclui a autora pensar a Proteção Integral afirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente implica no reconhecimento de que crianças e adolescentes estão em condição peculiar de desenvolvimento o que não as reduz à condição de objeto de intervenção Assinalar a questão da responsabilidade no seio do direito à sexualidade não significa adotar uma perspectiva repressiva calcada em juízos de natureza moral ou na sua negação contrario sensu implica em disponibilizar o acompanhamento e a orientação Considerando esse aspecto João Daniel Rassi20 propõe a adoção de uma presunção fracionada de modo a conferir valor irrestrito a vulnerabilidade do menor de doze anos por haver uma integração total com as normas de natureza civil protetivas da criança e do adolescente e a relativização dessa conjectura referente ao menor compreendido entre a idade de doze e quatorze assim dispondo Não se trata contudo de um elemento de natureza absoluta Como elemento do tipo ele é normativo e no caso específico poderá ser interpretado de acordo com o que foi estabelecido como critério legal de menoridade no Estatuto da Criança e do Adolescente ou seja é considerado menor ou criança aquele que não atingiu 12 anos 19 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 20 RASSI João Daniel A questão da vulnerabilidade no direito penal sexual brasileiro Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 92 p 61 Set 2011 14 Assim no caso de menores de 12 anos há integração das normas penais e estatutárias quanto à incapacidade da criança e por isso a idade aqui terá um papel definitivo na formação do tipo Por outro lado como já apontamos brevemente acima a elementar da idade da vítima não é absoluta quando se estiver diante de um menor entre 12 e 14 anos caso em que sua vulnerabilidade será constatada no caso concreto tendo em vista a sua relativa capacidade Assim verificar seá se houve ou não abuso na relação sexual entre o maior e o menor que causou dano para este último reforçando a afirmação de Roxin já acolhida de que capacidade de compreensão é matéria de fato Esta interpretação que se concebe a idade como uma elementar de natureza normativa permite suavizar o rigor da lei como nos casos não tão raros assim da relação sexual do maior de 18 anos com sua namorada de 13 anos preocupação que já era propugnada pela doutrina quanto à natureza do revogado art 224 do CP se absoluta e que com a nova lei parece permanecer No entanto em se tratando de menor de 12 anos fica mantida a presunção de vulnerabilidade jure et de jure havendo a tipicidade Assim é possível encontrar uma aplicação razoável da capacidade de compreensão da vítima a informar a situação de vulnerabilidade ou não desta no caso concreto Nesse campo da presunção Santiago Fernando do Nascimento21 descreve a necessidade da prática delituosa ser apoiada em uma conduta real e efetiva devendose afastar pretensas ilações Ressaltese que em matéria de sexualidade a intervenção do Estado deve cingirse à exclusiva criminalização das relações obtidas mediante o constrangimento real e efetivo não podendo haver lugar para a presunção pois presunções não passam de ficções com as quais é no mínimo difícil de trabalhar notadamente em matéria penal onde sempre estão em jogo a liberdade e a dignidade da pessoa Vejase que estes últimos elementos são alçados como princípios de ordem constitucional não podendo por óbvio o legislador infraconstitucional afrontar estes princípios com uma ficção puramente legal Para Karam uma norma que presuma uma violência ainda quando o ato é absolutamente consentido pela dita ofendida acaba por servir como um instrumento estatal para tolher a liberdade de escolha deste menor no que concerne a sua própria vida inibindo a sexualidade daqueles que supostamente se diz querer proteger Há de se tomar o cuidado de não tornar os mecanismos penais de tutela de determinados grupos de pessoas consideradas mais frágeis como instrumentos de inferiorização destes grupos por supostas reduções de capacidade física psíquica ou cultural de seus integrantes Muito embora a lei presuma iuris et de iure que pessoas menores de quatorze anos não têm discernimento para a prática de atos sexuais plenamente possível o 21 NASCIMENTO Santiago Fernando do Análise crítica da presunção de violência nos crimes sexuais Revista dos Tribunais vol 880 p 394 fev 2009 15 afastamento desta presunção mediante a produção de prova inequívoca de que a vítima possui experiência no campo sexual e apresenta comportamento incompatível com a regra de proteção jurídica préconstituída Admitir o contrário seria contemplar a imputação por responsabilidade objetiva contrariando o Direito Penal moderno que consagra a responsabilidade subjetiva em que o dolo e a culpa devem ser provados Mesmo antes da nova legislação Luiz Regis Prado22 apontava que não se deve aceitar a presunção de violência como fonte de certeza criminal pois o mesmo pode promover o desprezo pela prova e não revelar a sua verdadeira natureza O Superior Tribunal de Justiça já emprestou interpretação a dispositivo do Código Penal reconhecendo a aplicação plena da responsabilidade subjetiva EMENTA RESP PENAL ESTUPRO PRESUNÇÃO DE VIOLENCIA O direito penal moderno é direito penal da culpa Não se prescinde do elemento subjetivo Intoleráveis a responsabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato de outrem A sanção medida políticojurídica de resposta ao delinquente deve ajustarse a conduta delituosa Conduta e fenômeno ocorrente no plano da experiência É fato Fato não se presume Existe ou não existe O direito penal da culpa e inconciliável com presunções de fato que se recrudesça a sanção quando a vítima é menor ou deficiente mental tudo bem corolário do imperativo da justiça Não se pode entretanto punir alguém por crime não cometido O principio da legalidade fornece a forma e princípio da personalidade sentido atual da doutrina a substância da conduta delituosa Inconstitucionalidade de qualquer lei penal que despreze a responsabilidade subjetiva Sexta Turma Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro Resp 46424 DJU 08081994 Ao conferir caráter absoluto ao conceito de vulnerabilidade estarseá obstaculizando a produção de prova em contrário já que o simples fato de manter relação sexual com menor de quatorze anos irá gerar uma presunção de culpabilidade circunstância essa que viola diretamente os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e da presunção da inocência Outro aspecto importante apontado por Francisco Dirceu Barros23 é que a vulnerabilidade absoluta acarreta problemas ligados a família citando o atentado contra o princípio da paternidade responsável e contra o princípio da harmonia familiar assim descrevendo 22 PRADO Luiz Regis Curso de direito penal brasileiro parte especial 4 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2006 v3 23 BARROS Francisco Dirceu Vulnerabilidade nos Novos Delitos Sexuais Carta Forense 02 de março de 2010 16 Imagine que uma mulher com 13 anos esteja grávida e o pai negue a paternidade Você acha que o suposto pai vai querer fazer o exame de DNA para depois ser condenado em uma pena que varia entre 8 a 15 anos de reclusão Difícil imaginar que em tal situação o suposto pai assumiria a sua responsabilidade Daí nasce à fundamentação para que a maioria da doutrina considere que a presunção de vulnerabilidade seja relativizada admita prova em contrário e seja aplicada em cada caso concreto Nessa conjuntura João Daniel Rassi24 propõe um estudo sob a ótica da responsabilidade da vítima uma vez que determinadas pessoa contribuem para a lesão do bem jurídico de que são titulares podendo a elas serem atribuídas uma corresponsabilidade dependente da existência de um consentimento válido e consciente que pode acabar por excluir a própria tipicidade do fato como acentua Não obstante as novas perspectivas de política criminal em relação à vítima nos delitos sexuais seu protagonismo reveste da própria essência desta categoria de delitos uma vez que é a partir de sua manifestação de vontade que se poderá identificar a prática do crime Nos crimes sexuais portanto o dissenso da vítima é a base da construção de todo injusto típico Seu consentimento por outro lado quando exercido dentro das condições de validade e sem qualquer vício produz a exclusão típica Cabe indagar portanto em quais circunstâncias o consentimento da vítima poderá ser considerado válido a ponto de afastar consequências penais ainda que seja verificada a existência de elementos do tipo Para que o consentimento seja válido em primeiro lugar deve ser manifestado por aquele que consente com o ato sexual de forma que seja possível de ser apreendido A exteriorização da vontade desta forma é fundamental na avaliação do consentimento uma vez que deve ser inequívoca capaz de afastar o elemento violência ou grave ameaça presente nos tipos penais referentes a estes delitos Esta exigência conforme Roxin justificase pela impossibilidade probatória das vontades internas tanto do agente quanto da vítima para a configuração do tipo penal Outro fator muito relevante para a análise dos delitos sexuais é a capacidade de compreensão da vítima Sendo assim deve também o consenciente ser capaz de compreender o ato sexual uma vez que o consentimento deve ser sempre visto como expressão da liberdade de ação em geral sendo eficaz somente quando houver entendimento suficiente do sentido e das consequências de sua expressão Finalmente havendo capacidade de compreensão e sendo o consentimento exteriorizado de modo a ser apreendido sua validade depende da inexistência de qualquer vício Não se pode desprezar que na atual realidade social o menor vem amadurecendo precocemente nas coisas do sexo possuindo cada vez mais cedo uma vida sexual ativa praticando com normalidade atos dessa natureza de forma plenamente 24 RASSI João Daniel Ob cit 17 consentida Nessas situações ainda que reprovável a conduta daquele que adere a vontade do menor e com ele pratique ato sexual não se mostra proporcional a aplicação de sanção tão gravosa tendo em vista a perda do estado de inocência ingenuidade ou seja o próprio estado de vulnerabilidade que é o fundamento éticojurídico para a proteção integral dessa categoria de pessoas Maria Lúcia Karam25 discorre a respeito Embora possa não ser recomendável sendo porém espontâneo e consentido o relacionamento sexual com adolescentes ainda que contando com menos de 14 anos ainda que muito mais velhos seus parceiros não pode ser objeto de repressão penal notadamente em um momento histórico em que o conceito de liberdade neste campo da sexualidade passou por verdadeira revolução discrepandose de tal forma daquele de outrora que só seria comparado ao antigamente dava a noção de libertinagem Dessa forma a condição de vulnerabilidade deverá ser avaliada casuisticamente dependendo da conjugação de elementos que subsidiem e sejam capazes de ofertar elementos comprobatórios desse próprio estado afastando suposições fictícias amparadas numa interpretação simplória baseada unicamente no significado da letra da lei Consoante ensinamento de Guilherme de Souza Nucci26 Caso se aplique ao art 217A uma interpretação meramente literal poderseá chegar à absurda hipótese de se considerar como autor do crime de estupro um indivíduo de 18 anos que queira por meio de casamento constituir família com a menor de 14 anos que engravidou ainda que haja o livre consentimento desta Não se pode esquecer que o Código Civil no art 1520 permite expressamente o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil em caso de gravidez Nessa linha em cumprimento aos princípios norteadores do direito penal não basta a comprovação da idade para a tipificação do crime de estupro de vulnerável uma vez que o critério etário não é absoluto A melhor solução reside na aferição casuística do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do suposto ofendido para definir se é ou não vulnerável aplicandose a lei de maneira mais justa ao caso concreto Em última análise consoante a relativização da vulnerabilidade expressamente conferida aos deficientes mentais e enfermos conforme discorreremos a seguir entendemos que por interpretação extensiva devese garantir igual tratamento aos menores de 14 anos reputandose como vulneráveis apenas aqueles que efetivamente não possuírem o necessário discernimento para a prática sexual 25 KARAM Maria Lúcia Estupro e presunção de violência a liberdade sexual do adolescente Discursos Sediciosos Crime Direito e Sociedade ano 1 n 2 Rio de Janeiro Instituto Carioca de Criminologia 1996 26 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 18 5 CONCLUSÃO As considerações finais procuram sintetizar as conclusões da pesquisa realizada cujo aprofundamento necessário restou limitado pelas restrições metodológicas presentes em toda investigação em grau dissertativo mantendo porém aberta a reflexão para futuro detalhamento em sede própria Neste sentido concluise 1 Procederam modificação legislativa na parte do Código Penal que trata dos crimes contra a liberdade sexual substituindo seu título para a denominação de crimes contra a dignidade sexual em um verdadeiro prestígio ao princípio da dignidade humana 2 A alteração da lei apresentou como foco a adoção de medidas protetivas em favor da criança e do adolescente estabelecendo novos paradigmas em observância ao princípio da proteção integral consagrado na Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente 3 Houve a introdução de figura típica ao Código Penal sob o novo nomen iuris de estupro de vulnerável caracterizado como um tipo autônomo distinto daquele capitulado no artigo 213 do mesmo diploma legal 4 Com essa nova modalidade delitiva criouse uma espécie de presunção denominada presunção de vulnerabilidade desconsiderando a capacidade volitiva do menor de 14 anos tratandoo como inimputável em matéria sexual 5 O legislador se preocupou em abandonar as circunstâncias fáticas adotando como elementos caracterizadores do crime a simples comprovação da materialidade do ato sexual baseandose na necessidade de proteção ao menor incapaz de autodeterminar se desprezando a busca e compreensão da verdade real no tocante ao comportamento da pretensa vítima 6 Conferir caráter absoluto ao elemento vulnerabilidade fere diretamente os princípios do contraditório ampla defesa e presunção de inocência além de consagrar a responsabilidade objetiva fatos que distanciam do fundamento do próprio Direito Penal atual que tem como base a culpabilidade sendo inaceitável aplicação de sanção sem considerar este elemento do fato típico 7 Muito embora se reconheça que o jovem esteja num processo de formação biológica moral e psicológica a melhor solução reside na aferição casuística do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do suposto ofendido para definir se é ou não vulnerável aplicandose a lei de maneira mais justa ao caso concreto 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS Francisco Dirceu Vulnerabilidade nos Novos Delitos Sexuais Carta Forense 02 de março de 2010 BRODT Luís Augusto Sanzo Dos crimes contra a dignidade sexual a nova maquiagem da velha senhora Ciências penais vol 13 p 170 jul 2010 ESTEFAM André Crimes sexuais comentários à Lei 120152009 São Paulo Saraiva 2009 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Novos crimes sexuais com a feição instituída pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 São Paulo Malheiros 2009 GOMES Luiz Flávio Reforma penal dos crimes sexuais Disponível em httpwwwlfgcombrpublichtmlarticlephpstory20050411115926168 Acesso em 10062012 GRECO Rogério Curso de Direito Penal Parte Especial 7 ed Niterói Impetus 2010 v III KARAM Maria Lúcia Estupro e presunção de violência a liberdade sexual do adolescente Discursos Sediciosos Crime Direito e Sociedade ano 1 n 2 Rio de Janeiro Instituto Carioca de Criminologia 1996 NASCIMENTO Santiago Fernando do Análise crítica da presunção de violência nos crimes sexuais Revista dos Tribunais vol 880 p 394 fev 2009 NORONHA E Magalhães Direito penal 22 ed São Paulo Saraiva 1995 vol 3 NUCCI Guilherme de Souza Código penal comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2005 20 Manual de direito penal parte geral parte especial 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 O crime de estupro sob o prisma da lei 120152009 arts 213 e 217A do CP Revista dos Tribunais vol 902 p 395 dez 2010 Crimes contra a dignidade sexual comentário à Lei 12015 de 7 de agosto de 2009 PRADO Luiz Regis Curso de direito penal brasileiro parte especial 4 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2006 v3 RASSI João Daniel A questão da vulnerabilidade no direito penal sexual brasileiro Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 92 p 61 Set 2011 TORRES José Henrique Rodrigues Dignidade sexual e proteção no sistema penal Rev bras crescimento desenvolv hum online 2011 vol21 n2 p 185188
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ESTUPRO DE VULNERÁVEL UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA SOB A ÓTICA DA VULNERABILIDADE DO MENOR RODRIGO MORAES SÁ1 RESUMO O instinto sexual humano ganha contornos de grande importância na medida em que é destinado a procriação tendo como escopo a perpetuação da espécie Ao lado dessa força instintiva encontramse sentimentos como o amor e o pudor necessários para garantir a própria dignidade e reputação Esses sentimentos individuais transbordam a natureza individualista do ser humano para adquirir caracteres de índole social e coletiva merecendo especial proteção ao ponto de serem regulados por meio de normas disciplinadoras da moral e dos bons costumes Sob o ponto de vista repressivo a norma penal trata dessas relações interpessoais através de disposições insertas no Código Penal sob a denominação atual de crimes contra a dignidade sexual introduzida pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 A nova lei criou o crime de estupro de vulnerável com pena de reclusão de 8 a 15 anos que se caracteriza pela prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos 217A caput ou com pessoa de qualquer idade que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento ou não pode oferecer resistência 1º Nesse contexto se faz necessário a abordagem da nova figura penal que vem causando muita discussão doutrinária face as suas características concernentes a vulnerabilidade da vítima Dessa forma traçaremos um panorama geral do crime em questão sob o enfoque do menor Palavraschave estupro vulnerável aspectos gerais 1 Procurador do Município de Diadema Advogado militante nas áreas de Direito Civil e Penal Articulista Parecerista Pósgraduado com especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito Pósgraduado com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Cidade de São Paulo 2 SUMÁRIO 1 DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL 03 2 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL 06 3 ELEMENTOS DO CRIME 07 4 RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE SEXUAL 12 5 CONCLUSÃO 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 19 3 1 DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL A Lei nº 12015 de sete de agosto de 2009 alterou a nomenclatura do Título VI do Código Penal procedendo a substituição do termo crimes contra os costumes por crimes contra a dignidade sexual buscando adaptar a legislação penal as novas tendências oriundas do desenvolvimento das relações interpessoais e ao próprio regramento constitucional A nova denominação dirigida a prática de crimes de natureza sexual desprezou os costumes muito embora eles estejam englobados pelo conceito de dignidade que é amplo no sentido de afastar a ideia de defesa de como as pessoas deveriam se comportar sexualmente na sociedade até porque os costumes representavam uma visão antiquada dos hábitos de uma sociedade ultrapassada Ao eleger a expressão crimes contra a dignidade sexual o legislador erigiu a categoria de bem jurídico tutelável a dignidade sexual passando a ter como fundamento desta proteção a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida sexual compatibilizando assim a norma penal aos preceitos constitucionais que acabou por albergar com isso a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada indivíduo André Estefam2 registra que a necessidade de se reformar o Título VI do Código Penal surgiu com a promulgação da atual Constituição Federal que erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil O autor ainda observa que a sexualidade deve ser pensada dentro do espaço da pessoa humana sendo descabidos parâmetros éticos e de moralidade pública Assim com esta nova denominação fica claro que se busca garantir além da dignidade humana a liberdade de escolha de parceiros e da relação sexual a salvo de exploração a intangibilidade ou indenidade sexual além do pleno e sadio desenvolvimento da personalidade no que se refere à sexualidade do indivíduo Não se olvide que o eixo de proteção deve limitarse a esta faceta da dignidade humana sem imiscuirse na vida sexual individual pois no entender de Guilherme de Souza Nucci3 citando Nelson Hungria O que o legislador deve policiar à luz da Constituição Federal de 1988 é a dignidade da pessoa humana e não os hábitos sexuais que 2 ESTEFAM André Crimes sexuais comentários à Lei 120152009 São Paulo Saraiva 2009 p 1619 3 NUCCI Guilherme de Souza Código penal comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2005 p 641 4 porventura os membros da sociedade resolvam adotar livremente sem qualquer constrangimento sem ofender direito alheio ainda que para alguns sejam imorais ou inadequados Assim a criminalização destes tipos penais fazse importante com o fulcro de proteger precipuamente a liberdade sexual do indivíduo conforme arrazoado de Luiz Flávio Gomes4 Não são os costumes o objeto jurídico da tutela penal Toda dogmática penal na atualidade só concebe a existência de crime sexual que atente contra a liberdade sexual ou contra o normal desenvolvimento da personalidade em formação da criança Fora disso não é admissível a incidência do Direito penal sob pena de se confundir a moral com o Direito penal que não serve para corrigir pessoas nem para proteger determinadas concepções morais Por força do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos não há espaço no Direito penal para a tutela de uma determinada moral ou religião ou partido político ou ideologia etc O novo sistema teleológico já exigia um tratamento jurídico adequado a matéria de acordo com as novas perspectivas criminais Nesse sentido José Henrique Rodrigues Torres5 preleciona não se olvide que desde a promulgação da Constituição de 1988 a dignidade humana já era reconhecida pela sociedade brasileira como um princípio fundamental e norteador de todo o sistema jurídico político e social do nosso país E a sexualidade como atributo da pessoa humana já deveria ter sido desde então submetida à proteção no âmbito da dignidade humana Além disso é preciso lembrar também que o Brasil em face de suas normas e princípios constitucionais submetese também às normas e princípios de Direitos Humanos ou seja de um sistema internacional de proteção do ser humano especialmente dos mais débeis e fragilizados Assim cabia ao Brasil adaptar a sua legislação e as suas políticas públicas a esses princípios Aliás não se olvide que na Conferência do Cairo 1994 ficou afirmado o compromisso do sistema de Direitos Humanos com a necessidade do abandono da concepção patriarcal de controle da sexualidade das mulheres Assim a dignidade sexual como um valor fundamental passou a ter adequada proteção do sistema legal brasileiro promovendo a eliminação daqueles dispositivos penais baseados em uma concepção machista e discriminatória da sexualidade 4 GOMES Luiz Flávio Reforma penal dos crimes sexuais Disponível em httpwwwlfgcombrpublichtmlarticlephpstory20050411115926168 Acesso em 10062012 5 TORRES José Henrique Rodrigues Dignidade sexual e proteção no sistema penal Rev bras crescimento desenvolv hum online 2011 vol21 n2 p 185188 5 José Henrique Rodrigues Torres6 afirma que as modificações introduzidas pela recente legislação são insuficientes ante a enraizada cultura paternalista que deve ser superada em nome da influência negativa que poderá causar na formação da convicção sobre a veracidade dos fatos relatados pela vítima assim dispondo Como se vê para a efetiva garantia da sexualidade como um atributo da dignidade humana especialmente no âmbito do sistema penal resta ainda o enfrentamento da ideologia patriarcal que continua sendo um grande obstáculo para a efetivação da desejada e necessária proteção de um valor jurídico que segundo a Constituição Federal de 1988 bem como de acordo com a principiologia dos Direitos Humanos tem importância fundamental para a convivência social Infelizmente a ideologia patriarcal no sistema protetivo da dignidade sexual tem funcionado como o Porteiro que na obra kafkaniana impedia o acesso à lei ou seja à justiça A nova terminologia do referido título também observou e conferiu enfoque a figura da criança e do adolescente já que a fim de compreender e combater melhor o processo de vitimização da criança indiscutível a intenção do legislador em proteger com afinco esta categoria de vítimas fazendo refletir uma concepção de infância universal referente aos direitos sexuais infantojuvenis na norma penal Este entendimento foi extraído da Constituição Federal que estabeleceu o princípio da proteção integral em seu artigo 227 que dispõe que é dever de todos assegurar à criança e ao adolescente seus direitos inclusive a dignidade Luís Augusto Sanzo Brodt7 manifestase contrariamente a inovação introduzida ao Título IV afirmando que A alusão à dignidade sexual parecenos entretanto também indevida Se não se quer impor um determinado padrão de comportamento sexual única postura compatível com a garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada prevista no art 5º X da CF1988 devemos reconhecer que o bem jurídico a reclamar a intervenção penal é a liberdade sexual ou seja a autodeterminação em matéria sexual Pois somente o emprego de coação física grave ameaça ou abuso da imaturidade ou deficit de desenvolvimento psicológico dos menores ou dos incapazes conduz a prática sexual ao campo dos comportamentos que estão a exigir repressão penal Ademais a própria expressão dignidade da pessoa humana que estaria a dar suporte à dignidade sexual apresenta conteúdo bastante controverso o que pode acarretar sérios inconvenientes em matéria de segurança jurídica 6 TORRES José Henrique Rodrigues Ob cit 7 BRODT Luís Augusto Sanzo Dos crimes contra a dignidade sexual a nova maquiagem da velha senhora Ciências penais vol 13 p 170 jul 2010 6 2 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL A Lei nº 120152009 introduziu figura típica ao Código Penal sob o novo nomen iuris de estupro de vulnerável caracterizado como um tipo autônomo distinto daquele capitulado no artigo 213 do mesmo diploma legal Sob o prisma criminal a vulnerabilidade esta intimamente ligada a ideia de pessoas que não detém aptidão psicológica para compreender o caráter lascivo do ato sexual ou sequer possuem condições mínimas de normalidade psíquica para manifestar livremente seu desejo quanto a prática da relação sexual Não é a toa que este termo fora empregado já que tem o significado daquele que se encontra do lado fraco de uma questão ou do ponto por onde alguém pode ser atacado No entender de Guilherme de Souza Nucci8 a vulnerabilidade contida no artigo 217A tratase da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual Por isso continua na essência existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir A intenção do legislador foi extinguir qualquer questão referente a circunstância fática sobretudo o próprio consentimento da vítima para análise da caracterização do delito Nos tempos em que a prostituição infantil atinge índices alarmantes é possível entender a importância da inserção de determinados elementos normativos com o objetivo de facilitar a adequação da norma ao período histórico vigente devendose observar sempre análise justa de seu grau de ofensividade pois consoante lição de Guilherme de Souza Nucci9 a ofensividade ou lesividade deve estar presente no contexto do tipo penal incriminador para validálo legitimálo sob pena de se esgotar o Direito Penal em situações inócuas e sem propósito especialmente quando se contrata a conduta praticada com o tipo de sanção para ela prevista como regra ou seja a pena privativa de liberdade Reconheceuse a mudança de comportamento havido nas últimas décadas principalmente no que se relaciona à sexualidade de maneira a prestar abrigo ao menor 8 NUCCI Guilherme de Souza Manual de direito penal parte geral parte especial 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 p 829 9 Ibidem 7 3 ELEMENTOS DO CRIME O estupro mediante violência presumida é o crime praticado contra vítima que não possa oferecer resistência em face do estado físico ou mental da vítima Em decorrência da pouca idade a presunção da insuficiência de discernimento ou inaptidão física é absoluta cujo critério é estritamente biológico Nesse sentido dispõe o Código Penal Art 217A Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 catorze anos Pena reclusão de 8 oito a 15 quinze anos 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência 2º Vetado 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave Pena reclusão de 10 dez a 20 vinte anos 4º Se da conduta resulta morte Pena reclusão de 12 doze a 30 trinta anos O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa homem ou mulher admitindose co autoria e participação O sujeito passivo é a pessoa vulnerável ou a ela equiparada Nos termos da lei vulnerável é o menor de 14 anos presumivelmente incapaz A ausência de maturidade sexual ou desenvolvimento mental completo para consentir com a prática do ato sexual é presumida pela tenra idade da vítima Como observa Guilherme de Souza Nucci10 Vale observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa etária sendo tão somente uma idade escolhida pelo legislador para sinalizar o marco divisório dos menores que padecem de vício de vontade a ponto de serem reconhecidos pelo status de vulneráveis daqueles que possam vivenciar práticas sexuais sem impedimentos Verificase pois que a definição de patamar 10 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro sob o prisma da lei 120152009 arts 213 e 217A do CP Revista dos Tribunais vol 902 p 395 dez 2010 8 etário para a caracterização da vulnerabilidade é baseado numa ficção jurídica que nem sempre encontrará respaldo na realidade do caso concreto notadamente quando se leva em consideração o acentuado desenvolvimento dos meios de comunicação e a propagação de informações que acelera o desenvolvimento intelectual e capacidade cognitiva das crianças e adolescentes Para Luís Augusto Sanzo Brodt11 a tipificação da conduta não resultará da mera existência dos elementos objetivos do crime dependendo do emprego de uma hermenêutica que se compatibilize com os mandamentos constitucionais ligados a culpabilidade assim dispondo Entretanto entendemos que à constatação da vulnerabilidade não bastam a mera comprovação da idade cronológica ou diagnóstico de doença mental Caso contrário ficaríamos atrelados a uma interpretação puramente literal da lei É preciso proceder a uma interpretação sistemática em homenagem ao princípio constitucional penal da culpabilidade art 5º LVII da CF A exigência da responsabilidade penal subjetiva requisito imprescindível à observância do princípio da culpabilidade entendido lato sensu afasta na hipótese o emprego manifesto da presunção jure et de jure Assim ainda que se pratique conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso de gravidade equivalente com pessoa menor de 14 anos ou doente mental é possível que não reste caracterizado o crime do art 217A Ainda no tocante ao sujeito passivo temos que a lei equipara o enfermo ou o deficiente mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual ou por qualquer outra causa não possa oferecer resistência 1º art 217A a figura do vulnerável Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer12 apresenta definições esclarecedoras para a caracterização dos elementos que integram o tipo Enfermidade é qualquer doença mental ou física com efeitos mentais que prive a vítima do discernimento necessário como são em princípio a esquizofrenia as psicoses em geral a epilepsia e a demência senil por exemplo Deficiência mental corresponde à oligofrenia cretinismo mongolismo microcefalia macrocefalia e oligofrenia difenilpiruvínica O índice de deficiência é normalmente calculado pelo quoeficiente de inteligência QI e pela idade mental Discernimento é a faculdade de discernir de apreciar de escolher É a opção seguindo algum critério Quem se relaciona sexualmente com qualquer pessoa não tem critério de escolha e portanto não tem 11 BRODT Luís Augusto Sanzo Ob cit 12 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Novos crimes sexuais com a feição instituída pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 São Paulo Malheiros 2009 p 178 9 discernimento Ao empregar a expressão normativa necessário discernimento evidentemente não quis o legislador deixar o tipo à mercê de preceitos morais ou sociais ou de visões pessoais do julgador acerca da sexualidade Por isto é de se concluir que a elementar se refere a alguma escolha da vítima de acordo com critério diverso do puramente instintivo A histórica proteção legal do vulnerável contida tanto no antigo como no novo texto indicam que o necessário discernimento se liga também ao conhecimento das consequências sociais morais e físicas que envolvem o relacionamento sexual Assim além da escolha com critério deve o optante ter noção da possibilidade de gravidez de contrair doenças sexualmente transmissíveis e da provável reprovação social envolvida A existência ou não do necessário discernimento é questão pericial A incapacidade de oferecer resistência por qualquer outra causa se refere aos casos em que o paciente está por qualquer outra razão efetivamente tolhido na sua capacidade de entender e de se portar como ocorre por exemplo na intoxicação por álcool ou outras drogas no estado de coma no hipnotismo durante o sono e nas demais situações de fragilidade física ou mental por doença ou por idade Apurase por perícia a capacidade de resistência O agente deve ser totalmente desprovido da capacidade de entendimento quanto a prática do ato sexual uma vez que presente certo discernimento o delito se desconfigurará Na lição de Rogério Greco13 É importante ressaltar que não se pode proibir que alguém acometido de uma enfermidade ou deficiência mental tenha uma vida sexual normal tampouco punir aquele que com ele teve algum tipo de ato sexual consentido O que a lei proíbe é que se mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com alguém que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental que não possua o necessário discernimento para a prática do ato sexual O elemento subjetivo é o dolo específico o que exige obrigatoriamente uma finalidade libidinosa com o objetivo de atender o apetite sexual O agente deve ter plena consciência sobre a condição da vítima A lei deixou de considerar como elemento normativo do tipo penal a chamada presunção de violência ou grave ameaça bastando para a realização desta nova infração penal que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso De acordo com Guilherme de Souza Nucci14 A fim de se desfazer tal equívoco e em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal da ofensividade do contraditório e da presunção de inocência é que a 13 GRECO Rogério Curso de Direito Penal Parte Especial 7 ed Niterói Impetus 2010 v III p 516 14 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 10 vulnerabilidade merecedora de tutela penal deve ser compreendida de forma restrita e casuisticamente tendo como essência a fragilidade e a incapacidade física ou mental da vítima na situação concreta para consentir com a prática do ato sexual Muito embora o legislador tenha conferido caráter absoluto no que tange a presunção de violência não se pode deixar de considerar a possível ocorrência do erro de tipo o que afastaria o elemento subjetivo de maneira a tornar a conduta atípica Na lição de Guilherme de Souza Nucci15 o autor do crime precisa ter ciência de que a relação sexual se dá com pessoa em qualquer das situações descritas no art 217A Se tal não se der ocorre erro de tipo afastandose o dolo e não mais sendo possível a punição visto inexistir a forma culposa Enquadramse nesta hipótese os fatos em que o agente por erro inescusável e invencível entende que sua companheira possui idade superior a que aparenta ou por erro determinado pela própria ofendida ao oferecer dados pessoais inverídicos ao agente como mentir a idade oferecer informações alteradas de seu nascimento Diversos doutrinadores partilham da mesma opinião dentre eles E Magalhães Noronha16 que lecionando afirma que se o agente está convicto se crê sinceramente que a vítima é maior de 14 anos não ocorre a presunção O elemento objetivo se caracteriza pela prática de conjunção carnal ou ato libidinoso Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer17 nos traz as seguintes conceituações Conjunção carnal referese a introdução do pênis na vagina A intromissão pode ser completa ou incompleta pouco importa Também é irrelevante que ocorra ou não a ejaculação O coito chamado preambular ou vulvar não é conjunção carnal mas constitui ato libidinoso diverso O mesmo ocorre com a introdução do pênis na vagina construída cirurgicamente em corpo masculino Ato libidinoso é toda manifestação física que tem por objetivo satisfazer a lascívia coito oral anal vulvar inter femura introdução de dedos ou objetos na vagina no anus contato das mãos com o corpo lambidas etc É fundamental que exista efetivo contato corporal com a vítima sem o que não há falar em estupro A consumação do estupro ocorre com a prática imediata de qualquer ato libidinoso ainda que seja preparatório para a conjunção carnal 15 NUCCI Guilherme de Souza Crimes contra a dignidade sexual comentário à Lei 12015 de 7 de agosto de 2009 p 38 16 NORONHA E Magalhães Direito penal 22 ed São Paulo Saraiva 1995 vol 3 p 225226 17 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Ob cit p 177 11 O estupro de vulnerável é crime hediondo nos termos do artigo 1º VI da Lei nº 807290 devendo o cumprimento da pena se dar em regime prisional inicialmente fechado 12 4 RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE SEXUAL A sistemática pretérita relativa aos crimes sexuais atentados contra menores de quatorze anos adotava um critério calcado na presunção de violência ou grave ameaça mesmo sem presença destes dois últimos elementos por considerar a incapacidade de discernimento dessas vítimas para consentir com a prática do ato sexual No campo doutrinário e jurisprudencial foi travada uma forte discussão acerca do caráter absoluto dessa presunção girando a controvérsia acerca da possibilidade de se excetuar à regra geral diante de casos em que a vítima demonstrasse conhecimento e experiência em relação a prática sexual Na doutrina prevaleceu o entendimento majoritário pela natureza relativa da presunção contrariamente ao entendimento dos tribunais que firmaram posição no sentido de que a presunção de violência era absoluta Muito embora com a edição da Lei nº 1201509 o direito tenha se modificado apresentando uma nova realidade para os crimes dessa natureza o questionamento continua pertinente na medida em que a categoria jurídica já conhecida no âmbito penal agora passou a ser denominada presunção de vulnerabilidade considerando o menor de quatorze anos hipossuficiente frágil incapaz de consentir validamente para a realização de qualquer ato sexual Constatase a adoção de um critério puramente biológico sem qualquer justificativa plausível capaz de oferecer suporte a este elemento Nesse ponto Guilherme de Souza Nucci18 aponta as impropriedades da lei Vale observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa etária sendo tão somente uma idade escolhida pelo legislador para sinalizar o marco divisório dos menores que padecem de vício de vontade a ponto de serem reconhecidos pelo status de vulneráveis daqueles que possam vivenciar práticas sexuais sem impedimentos Verificase pois que a definição de patamar etário para a caracterização da vulnerabilidade é baseado numa ficção jurídica que nem sempre encontrará respaldo na realidade do caso concreto notadamente quando se leva em consideração o acentuado desenvolvimento dos meios de comunicação e a propagação de informações que acelera o desenvolvimento intelectual e capacidade cognitiva das crianças e adolescentes Cremos que o legislador ao editar o dispositivo em análise afastouse novamente da realidade social vez que ignorou não só a precocidade das crianças e adolescentes como persistiu em utilizar um critério etário para definir 18 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 13 aqueles que em hipótese alguma podem manter relações sexuais Por tais razões é que defendemos a relativização de sua vulnerabilidade Importante salientar que a norma penal se apresenta incompatível com a própria legislação que rege os direitos e garantias da criança e do adolescente Assim aponta Guilherme de Souza Nucci19 citando inclusive posicionamento de outra doutrinadora a respeito do assunto Não se pode olvidar ademais que a atual Lei tal como a anterior mostrase em total dissonância do que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecendo equivocadamente a idade de 14 anos para a iniciação sexual Discorrendo sobre o tema Klelia Canabrava Aleixo acentua que embora a Lei 120152009 tenha substituído a questão da moralidade pela tutela da dignidade e da liberdade sexual o legislador continuou adotando uma postura proibitiva e moralista sobre a sexualidade infantojuvenil partindo da consideração de que o exercício da sexualidade pelos menores de 14 anos é irregular desviante e deve ser objeto de proibição A autora alude aos estudos de Matta e Correia que partindo do cotidiano da 12ª Promotoria Criminal de Fortaleza verificaram que parte dos inquéritos lá existentes tinha como objetivo restringir a liberdade sexual de menores por escaparem ao modelo culturalmente aceito por envolverem homossexualidade ou diferenças atinentes à classe raça ou religião do parceiro E conclui a autora pensar a Proteção Integral afirmada no Estatuto da Criança e do Adolescente implica no reconhecimento de que crianças e adolescentes estão em condição peculiar de desenvolvimento o que não as reduz à condição de objeto de intervenção Assinalar a questão da responsabilidade no seio do direito à sexualidade não significa adotar uma perspectiva repressiva calcada em juízos de natureza moral ou na sua negação contrario sensu implica em disponibilizar o acompanhamento e a orientação Considerando esse aspecto João Daniel Rassi20 propõe a adoção de uma presunção fracionada de modo a conferir valor irrestrito a vulnerabilidade do menor de doze anos por haver uma integração total com as normas de natureza civil protetivas da criança e do adolescente e a relativização dessa conjectura referente ao menor compreendido entre a idade de doze e quatorze assim dispondo Não se trata contudo de um elemento de natureza absoluta Como elemento do tipo ele é normativo e no caso específico poderá ser interpretado de acordo com o que foi estabelecido como critério legal de menoridade no Estatuto da Criança e do Adolescente ou seja é considerado menor ou criança aquele que não atingiu 12 anos 19 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 20 RASSI João Daniel A questão da vulnerabilidade no direito penal sexual brasileiro Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 92 p 61 Set 2011 14 Assim no caso de menores de 12 anos há integração das normas penais e estatutárias quanto à incapacidade da criança e por isso a idade aqui terá um papel definitivo na formação do tipo Por outro lado como já apontamos brevemente acima a elementar da idade da vítima não é absoluta quando se estiver diante de um menor entre 12 e 14 anos caso em que sua vulnerabilidade será constatada no caso concreto tendo em vista a sua relativa capacidade Assim verificar seá se houve ou não abuso na relação sexual entre o maior e o menor que causou dano para este último reforçando a afirmação de Roxin já acolhida de que capacidade de compreensão é matéria de fato Esta interpretação que se concebe a idade como uma elementar de natureza normativa permite suavizar o rigor da lei como nos casos não tão raros assim da relação sexual do maior de 18 anos com sua namorada de 13 anos preocupação que já era propugnada pela doutrina quanto à natureza do revogado art 224 do CP se absoluta e que com a nova lei parece permanecer No entanto em se tratando de menor de 12 anos fica mantida a presunção de vulnerabilidade jure et de jure havendo a tipicidade Assim é possível encontrar uma aplicação razoável da capacidade de compreensão da vítima a informar a situação de vulnerabilidade ou não desta no caso concreto Nesse campo da presunção Santiago Fernando do Nascimento21 descreve a necessidade da prática delituosa ser apoiada em uma conduta real e efetiva devendose afastar pretensas ilações Ressaltese que em matéria de sexualidade a intervenção do Estado deve cingirse à exclusiva criminalização das relações obtidas mediante o constrangimento real e efetivo não podendo haver lugar para a presunção pois presunções não passam de ficções com as quais é no mínimo difícil de trabalhar notadamente em matéria penal onde sempre estão em jogo a liberdade e a dignidade da pessoa Vejase que estes últimos elementos são alçados como princípios de ordem constitucional não podendo por óbvio o legislador infraconstitucional afrontar estes princípios com uma ficção puramente legal Para Karam uma norma que presuma uma violência ainda quando o ato é absolutamente consentido pela dita ofendida acaba por servir como um instrumento estatal para tolher a liberdade de escolha deste menor no que concerne a sua própria vida inibindo a sexualidade daqueles que supostamente se diz querer proteger Há de se tomar o cuidado de não tornar os mecanismos penais de tutela de determinados grupos de pessoas consideradas mais frágeis como instrumentos de inferiorização destes grupos por supostas reduções de capacidade física psíquica ou cultural de seus integrantes Muito embora a lei presuma iuris et de iure que pessoas menores de quatorze anos não têm discernimento para a prática de atos sexuais plenamente possível o 21 NASCIMENTO Santiago Fernando do Análise crítica da presunção de violência nos crimes sexuais Revista dos Tribunais vol 880 p 394 fev 2009 15 afastamento desta presunção mediante a produção de prova inequívoca de que a vítima possui experiência no campo sexual e apresenta comportamento incompatível com a regra de proteção jurídica préconstituída Admitir o contrário seria contemplar a imputação por responsabilidade objetiva contrariando o Direito Penal moderno que consagra a responsabilidade subjetiva em que o dolo e a culpa devem ser provados Mesmo antes da nova legislação Luiz Regis Prado22 apontava que não se deve aceitar a presunção de violência como fonte de certeza criminal pois o mesmo pode promover o desprezo pela prova e não revelar a sua verdadeira natureza O Superior Tribunal de Justiça já emprestou interpretação a dispositivo do Código Penal reconhecendo a aplicação plena da responsabilidade subjetiva EMENTA RESP PENAL ESTUPRO PRESUNÇÃO DE VIOLENCIA O direito penal moderno é direito penal da culpa Não se prescinde do elemento subjetivo Intoleráveis a responsabilidade objetiva e a responsabilidade pelo fato de outrem A sanção medida políticojurídica de resposta ao delinquente deve ajustarse a conduta delituosa Conduta e fenômeno ocorrente no plano da experiência É fato Fato não se presume Existe ou não existe O direito penal da culpa e inconciliável com presunções de fato que se recrudesça a sanção quando a vítima é menor ou deficiente mental tudo bem corolário do imperativo da justiça Não se pode entretanto punir alguém por crime não cometido O principio da legalidade fornece a forma e princípio da personalidade sentido atual da doutrina a substância da conduta delituosa Inconstitucionalidade de qualquer lei penal que despreze a responsabilidade subjetiva Sexta Turma Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro Resp 46424 DJU 08081994 Ao conferir caráter absoluto ao conceito de vulnerabilidade estarseá obstaculizando a produção de prova em contrário já que o simples fato de manter relação sexual com menor de quatorze anos irá gerar uma presunção de culpabilidade circunstância essa que viola diretamente os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e da presunção da inocência Outro aspecto importante apontado por Francisco Dirceu Barros23 é que a vulnerabilidade absoluta acarreta problemas ligados a família citando o atentado contra o princípio da paternidade responsável e contra o princípio da harmonia familiar assim descrevendo 22 PRADO Luiz Regis Curso de direito penal brasileiro parte especial 4 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2006 v3 23 BARROS Francisco Dirceu Vulnerabilidade nos Novos Delitos Sexuais Carta Forense 02 de março de 2010 16 Imagine que uma mulher com 13 anos esteja grávida e o pai negue a paternidade Você acha que o suposto pai vai querer fazer o exame de DNA para depois ser condenado em uma pena que varia entre 8 a 15 anos de reclusão Difícil imaginar que em tal situação o suposto pai assumiria a sua responsabilidade Daí nasce à fundamentação para que a maioria da doutrina considere que a presunção de vulnerabilidade seja relativizada admita prova em contrário e seja aplicada em cada caso concreto Nessa conjuntura João Daniel Rassi24 propõe um estudo sob a ótica da responsabilidade da vítima uma vez que determinadas pessoa contribuem para a lesão do bem jurídico de que são titulares podendo a elas serem atribuídas uma corresponsabilidade dependente da existência de um consentimento válido e consciente que pode acabar por excluir a própria tipicidade do fato como acentua Não obstante as novas perspectivas de política criminal em relação à vítima nos delitos sexuais seu protagonismo reveste da própria essência desta categoria de delitos uma vez que é a partir de sua manifestação de vontade que se poderá identificar a prática do crime Nos crimes sexuais portanto o dissenso da vítima é a base da construção de todo injusto típico Seu consentimento por outro lado quando exercido dentro das condições de validade e sem qualquer vício produz a exclusão típica Cabe indagar portanto em quais circunstâncias o consentimento da vítima poderá ser considerado válido a ponto de afastar consequências penais ainda que seja verificada a existência de elementos do tipo Para que o consentimento seja válido em primeiro lugar deve ser manifestado por aquele que consente com o ato sexual de forma que seja possível de ser apreendido A exteriorização da vontade desta forma é fundamental na avaliação do consentimento uma vez que deve ser inequívoca capaz de afastar o elemento violência ou grave ameaça presente nos tipos penais referentes a estes delitos Esta exigência conforme Roxin justificase pela impossibilidade probatória das vontades internas tanto do agente quanto da vítima para a configuração do tipo penal Outro fator muito relevante para a análise dos delitos sexuais é a capacidade de compreensão da vítima Sendo assim deve também o consenciente ser capaz de compreender o ato sexual uma vez que o consentimento deve ser sempre visto como expressão da liberdade de ação em geral sendo eficaz somente quando houver entendimento suficiente do sentido e das consequências de sua expressão Finalmente havendo capacidade de compreensão e sendo o consentimento exteriorizado de modo a ser apreendido sua validade depende da inexistência de qualquer vício Não se pode desprezar que na atual realidade social o menor vem amadurecendo precocemente nas coisas do sexo possuindo cada vez mais cedo uma vida sexual ativa praticando com normalidade atos dessa natureza de forma plenamente 24 RASSI João Daniel Ob cit 17 consentida Nessas situações ainda que reprovável a conduta daquele que adere a vontade do menor e com ele pratique ato sexual não se mostra proporcional a aplicação de sanção tão gravosa tendo em vista a perda do estado de inocência ingenuidade ou seja o próprio estado de vulnerabilidade que é o fundamento éticojurídico para a proteção integral dessa categoria de pessoas Maria Lúcia Karam25 discorre a respeito Embora possa não ser recomendável sendo porém espontâneo e consentido o relacionamento sexual com adolescentes ainda que contando com menos de 14 anos ainda que muito mais velhos seus parceiros não pode ser objeto de repressão penal notadamente em um momento histórico em que o conceito de liberdade neste campo da sexualidade passou por verdadeira revolução discrepandose de tal forma daquele de outrora que só seria comparado ao antigamente dava a noção de libertinagem Dessa forma a condição de vulnerabilidade deverá ser avaliada casuisticamente dependendo da conjugação de elementos que subsidiem e sejam capazes de ofertar elementos comprobatórios desse próprio estado afastando suposições fictícias amparadas numa interpretação simplória baseada unicamente no significado da letra da lei Consoante ensinamento de Guilherme de Souza Nucci26 Caso se aplique ao art 217A uma interpretação meramente literal poderseá chegar à absurda hipótese de se considerar como autor do crime de estupro um indivíduo de 18 anos que queira por meio de casamento constituir família com a menor de 14 anos que engravidou ainda que haja o livre consentimento desta Não se pode esquecer que o Código Civil no art 1520 permite expressamente o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil em caso de gravidez Nessa linha em cumprimento aos princípios norteadores do direito penal não basta a comprovação da idade para a tipificação do crime de estupro de vulnerável uma vez que o critério etário não é absoluto A melhor solução reside na aferição casuística do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do suposto ofendido para definir se é ou não vulnerável aplicandose a lei de maneira mais justa ao caso concreto Em última análise consoante a relativização da vulnerabilidade expressamente conferida aos deficientes mentais e enfermos conforme discorreremos a seguir entendemos que por interpretação extensiva devese garantir igual tratamento aos menores de 14 anos reputandose como vulneráveis apenas aqueles que efetivamente não possuírem o necessário discernimento para a prática sexual 25 KARAM Maria Lúcia Estupro e presunção de violência a liberdade sexual do adolescente Discursos Sediciosos Crime Direito e Sociedade ano 1 n 2 Rio de Janeiro Instituto Carioca de Criminologia 1996 26 NUCCI Guilherme de Souza O crime de estupro Ob cit 18 5 CONCLUSÃO As considerações finais procuram sintetizar as conclusões da pesquisa realizada cujo aprofundamento necessário restou limitado pelas restrições metodológicas presentes em toda investigação em grau dissertativo mantendo porém aberta a reflexão para futuro detalhamento em sede própria Neste sentido concluise 1 Procederam modificação legislativa na parte do Código Penal que trata dos crimes contra a liberdade sexual substituindo seu título para a denominação de crimes contra a dignidade sexual em um verdadeiro prestígio ao princípio da dignidade humana 2 A alteração da lei apresentou como foco a adoção de medidas protetivas em favor da criança e do adolescente estabelecendo novos paradigmas em observância ao princípio da proteção integral consagrado na Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente 3 Houve a introdução de figura típica ao Código Penal sob o novo nomen iuris de estupro de vulnerável caracterizado como um tipo autônomo distinto daquele capitulado no artigo 213 do mesmo diploma legal 4 Com essa nova modalidade delitiva criouse uma espécie de presunção denominada presunção de vulnerabilidade desconsiderando a capacidade volitiva do menor de 14 anos tratandoo como inimputável em matéria sexual 5 O legislador se preocupou em abandonar as circunstâncias fáticas adotando como elementos caracterizadores do crime a simples comprovação da materialidade do ato sexual baseandose na necessidade de proteção ao menor incapaz de autodeterminar se desprezando a busca e compreensão da verdade real no tocante ao comportamento da pretensa vítima 6 Conferir caráter absoluto ao elemento vulnerabilidade fere diretamente os princípios do contraditório ampla defesa e presunção de inocência além de consagrar a responsabilidade objetiva fatos que distanciam do fundamento do próprio Direito Penal atual que tem como base a culpabilidade sendo inaceitável aplicação de sanção sem considerar este elemento do fato típico 7 Muito embora se reconheça que o jovem esteja num processo de formação biológica moral e psicológica a melhor solução reside na aferição casuística do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do suposto ofendido para definir se é ou não vulnerável aplicandose a lei de maneira mais justa ao caso concreto 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS Francisco Dirceu Vulnerabilidade nos Novos Delitos Sexuais Carta Forense 02 de março de 2010 BRODT Luís Augusto Sanzo Dos crimes contra a dignidade sexual a nova maquiagem da velha senhora Ciências penais vol 13 p 170 jul 2010 ESTEFAM André Crimes sexuais comentários à Lei 120152009 São Paulo Saraiva 2009 FUHER Maximiliano Roberto Ernesto Novos crimes sexuais com a feição instituída pela Lei nº 12015 de 07 de agosto de 2009 São Paulo Malheiros 2009 GOMES Luiz Flávio Reforma penal dos crimes sexuais Disponível em httpwwwlfgcombrpublichtmlarticlephpstory20050411115926168 Acesso em 10062012 GRECO Rogério Curso de Direito Penal Parte Especial 7 ed Niterói Impetus 2010 v III KARAM Maria Lúcia Estupro e presunção de violência a liberdade sexual do adolescente Discursos Sediciosos Crime Direito e Sociedade ano 1 n 2 Rio de Janeiro Instituto Carioca de Criminologia 1996 NASCIMENTO Santiago Fernando do Análise crítica da presunção de violência nos crimes sexuais Revista dos Tribunais vol 880 p 394 fev 2009 NORONHA E Magalhães Direito penal 22 ed São Paulo Saraiva 1995 vol 3 NUCCI Guilherme de Souza Código penal comentado 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2005 20 Manual de direito penal parte geral parte especial 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2008 O crime de estupro sob o prisma da lei 120152009 arts 213 e 217A do CP Revista dos Tribunais vol 902 p 395 dez 2010 Crimes contra a dignidade sexual comentário à Lei 12015 de 7 de agosto de 2009 PRADO Luiz Regis Curso de direito penal brasileiro parte especial 4 ed rev atual e ampl São Paulo Revista dos Tribunais 2006 v3 RASSI João Daniel A questão da vulnerabilidade no direito penal sexual brasileiro Revista Brasileira de Ciências Criminais vol 92 p 61 Set 2011 TORRES José Henrique Rodrigues Dignidade sexual e proteção no sistema penal Rev bras crescimento desenvolv hum online 2011 vol21 n2 p 185188