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O cego de Landim 1876 de Camilo Castelo Branco CAPÍTULO 1 Foi há treze anos numa tarde calmosa de agosto neste mesmo escritório e naquele canapé que o cego de Landim esteve sentado São inolvidáveis as feições do homem Tinha cinquenta e cinco anos rijos como raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta Ressumbrava lhe no rosto anafado a paz e a saúde da consciência Tinha as espáduas largas cabialhe muito ar no peito coração e pulmões aviventavamse na amplidão da pleura elástica Envidraçava as pupilas alvacentas com vidros esfumados postos em grandes aros de ouro Trajava de preto a sobrecasaca abotoada a calça justa e a bota lustrosa apertava na mão esquerda as luvas amarrotadas e apoiava a direita no castão de prata de uma bengala Eu não o conhecia quando me deram um bilhetedevisita com este nome ANTÔNIO JOSÉ PINTO MONTEIRO Em São Miguel de Seide uma visita que se fizesse preceder do seu cartão era a primeira Quem é perguntei ao criado É o cego de Landim E esse cego quem é O interrogado para me esclarecer superabundantemente respondeu que era o CEGO como se se tratasse de um cego por excelência e de histórica publicidade Tobias Homero Milton etc Mandei que o conduzissem ao meu escritório Ouvi passos que subiam rápidos e seguros uns doze degraus e no patamar da escada esta pergunta muito sacudida À esquerda ou à direita À esquerda respondi e fui recebêlo à entrada Estendeume firme dois dedos e desfechoume logo em estilo de presidente de câmara municipal sertaneja às pessoas reais uma alocução à minha imortalidade de romancista lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estátua equestre pareceme que ele não disse estátua equestre Acheilhe razão Eu também já tinha lamentado aquilo mesmo porém cumpriame rejeitar modestamente a estátua como o duque de Coimbra agradecendo a virginal lembrança do Sr Pinto Monteiro Tenho ouvido ler os seus livros imortais disse ele Não os leio porque sou cego Completamente perguntei parecendome impossível a cegueira absoluta com a segurança da sua agilidade nos movimentos Completamente cego há trinta e três anos Na flor da idade quando saudava as flores da minha vigésima segunda primavera ceguei E resignouse Se me resignei Morri de dor e ressuscitei em trevas eternas O sol nunca mais Pungiame a compaixão Disselhe consolações banais citei os mais luminosos cegos antigos e recentes Nomeeilhe o príncipe da lira peninsular Castilho e ele atalhou Castilho tem o gênio que vê as coisas da Terra e do Céu Eu tenho as duas cegueiras do corpo e da alma Acheio eloquentemente sóbrio e ático figurouseme até literato dos bons Lembreime se ele vinha convidarme para fundarmos um jornal em Landim ou se viria pedir me para o propor sócio correspondente da Academia Real das Ciências Discreteamos de parte a parte em variados assuntos até que ele explicou as suas pretensões Tinha um litígio pendente sobre a posse disputada de umas azenhas1 que lhe tinham custado três contos de réis e pedia a minha valiosa preponderância a fim de que os juízes de 2ª instância lhe fizessem justiça inteira 1 Moinho movido à água Observeilhe que a minha influência poderia serlhe necessária se a justiça estivesse da parte do seu contendor porquanto quem não tem justiça é que pede Apoiado interrompeu ele A razão diz isso mas acontece que o meu contendor pede porque não tem justiça ora não vão os juízes pensar que eu tenho mais confiança na lei do que neles Pareceume sagaz argucioso e um pouco germânico o cego Deume quatro memoriais acendeu o terceiro charuto e ergueuse Acompanheio até ao portão e vio cavalgar com garbo quase marialva uma vistosa égua passar as rédeas falsas pelas outras com destreza esporear e partir sozinho Ora o cego perdeu a demanda das azenhas porque as azenhas não eram perfeitamente dele e eu não podia pedir aos desembargadores que as tirassem ao dono e mas dessem a mim para eu as dar ao cego Nunca mais o vi Retiroume a sua admiração e mais a estátua E cinco anos depois morreu A história dos homens descomunais deve começar a escreverse a lâmpada do seu túmulo À luz da vida tudo são miragens nas ações dos heróis e estrabismos na contemplação dos panegiristas E tempo de bosquejar o perfil deste homem esquecido e quem quiser que o tire a vulto em mármore mais persistente Pretendo desmentir os aleivosos que reputam Portugal um alfobre2 de líricos romancistas salobros de amorios de aldeia porque não temos personagens bastantemente suculentos de quem se espremam romances em quatro volumes CAPÍTULO 2 Nascera em Landim em 11 de dezembro de 1808 1808 Os biógrafos portugueses se escrevem de pessoa nascida naquela data ou por perto relatamnos derramadamente a Revolução Francesa a começar em Luís XVI exibem a Guerra Peninsular e concluem o curso de História Moderna ligando fatidicamente à evolução social o nascimento daquele sujeito 2 Horta No ano de 1808 uma das muitas pessoas que nasceram sem pesarem um escrópulo3 pelo peso velho na balança dos lusos destinos foi aquele Antônio José Pinto Monteiro O seu pai barbeava em Landim com ferocidade impune A espada de Afonso Henriques e as navalhas dele têm tradições sanguinárias Ainda hoje transcorridos setenta anos os netos dos seus fregueses parece que herdaram a sensação dos gilvazes4 dos avós Em Landim falase dele como de Torquemada em Valhadolid5 Aquele barbeiro é uma lenda como a de Gerião assassinado por Hércules6 e a do monstro de Rodes cantado por Schiller7 Antônio o primogênito deste esfolador estudou primeiras letras com rara esperteza Aos onze anos era prodígio em tabuada e bastardinho Aos doze imitava firmas com perfeição despremiada e vingavase do menosprezo em que Estado o esquecia estabelecendo correspondência entre pessoas que não se correspondiam mediante as quais uma vez por outra agenciava alguns pintos8 Como talentos tais não se atabafam muito tempo debaixo do alqueire o rapaz sofreu algumas contusões Um monge beneditino de Santo Tirso compadeceuse do jovem em tão verdes anos perdido à conta da sua habilidade funesta pagoulhe passagem para o Brasil porque sabia que os ares de Santa Cruz são como os do Éden para refazer inocentes Empregouse como caixeiro no Rio Foi estimado nos primeiros três anos Estremavase dos seus broncos patrícios no dom da palavra nas lérias9 aos fregueses nos ardis lícitos do balcão nas ladroíces consuetudinárias que afirmam a vocação pronunciada as quais no calão da ótica mercantil se chamam lume no olho Nas horas feriadas lia aplicadamente e tangia violão A sua especialidade literária era a eloquência tribunícia Estudara francês para ler Mirabeau e Danton10 Encherase deles e ensaiava repúblicas federalistas com os caixeiros pedindo cabeças de reis para uns pobres parvajolas que suspiravam apenas por cabeças de gorazes Os patrões não farejaram um acabado Robespierre no caixeiro mas como desconhecessem a vantagem da apoteose dos girondinos numa loja de molhados expulsaramno como republicano 3 Unidade equivalente a 24 grãos 4 Golpe corte 5 Inquisidor estimase que tenha condenado mais de duas mil pessoas 6 Em um dos 12 trabalhos de Hércules lhe foi designado que roubasse os bois de Gerião que na mitologia grecoromana é um gigante de 3 cabeças 7 Poeta alemão assim como Goethe teve suas obras traduzidas ao longo do Romantismo em Portugal Alexandre Herculano e Castilho e no Brasil Gonçalves Dias 8 Antiga moeda portuguesa 9 Conversa fiada 10 Figuras históricas da Revolução Francesa Pinto Monteiro intrometeuse na política brasileira iniciouse na maçonaria em 1830 fez discursos vermelhos contra o imperador e escreveu clandestinamente Esteve assim na fronteira do país prometido aos eternos Paturots11 É indeterminável o estádio que ele ganharia se um militar imperialista lhe não cortasse o rosto com um látego12 Uma das tagantadas13 contundiu lhe os olhos Pinto Monteiro cegou CAPÍTULO 3 14 Reagiu ao desastre com peito de ferro Menos rija alma engolfarase na espessura da sua treva Ele não Pediu ao Inferno luz emprestada para entrar na vereda das suas vítimas Acendeu interiormente no cárcere do seu espírito a lâmpada do ódio A vingança leváloia pela mão como Malvina ao cego de Macpherson15 Perdoame a comparação ó bardo caledônio que eu já vi Marat16 comparado a Jesus Cristo Quando lhe deram alta na barra da enfermaria pediu o seu violão saiu às praças preludiou e cantou umas trovas com arpejo triste às portas dos argentários e dos taberneiros As trovas faziam saudades da Pátria e a música gemia as toadas dos lunduns do Minho17 Os ouvintes contemplavamno com dó e davamlhe esmolas avultadas para regressar a Portugal ao ninho o seu Tinha ele um rapaz era portuguêsilhéu alguns anos mais novo Levarao a doença a podridão do vício à mesma enfermaria e a penúria e o instinto vincularamno ao cego Chamavase Amaro Faial mas os que lhe conheciam as prendas corrompiamlhe o apelido e chamavamlhe o Amaro Faiante18 Pessoas escassas de caridade indulgente diziam que a maldade do cego e os olhos do rapaz completavam dois refinados maraus19 Pinto Monteiro trajava limpamente banqueteavase à proporção e dulcificava os confortos caseiros com o amor de uma aventureira mal prosperada como tantas que o arquipélago açoriano exportava consignadas aos Cressos da Rua do Ouvidor que paxalizavam20 nos pomares da Tijuca Criara uma sociedade nova Acercara de si toda a vadiagem suspeita os ratoneiros já marcados com o estigma da sentença os misteriosos famintos sem ocupação negros e brancos não topados ao acaso mas inscritos nos registros da polícia e afuroados pela sagacidade de Amaro Faial Tinha lido as Memórias de Vidocq o celebrado chefe da polícia de Paris 11 Referência ao personagem título Jerome Paturot 1842 da narrativa satírica francesa de Louis Reybaud 17991879 Na primeira parte da obra a personagem é jovem e ingênua perdido no tempo da Monarquia de Julho já na segunda parte tornase um comerciante que cede aos encantos da riqueza e da carreira política 12 Chicote 13 Chicotada 14 Quem tem dinheiro 15 Da obra de Ossian 16 Médico figura da revolução Francesa considerado como amigo do povo pelas denúncias feitas contra o governo pós revolução 17 Música ou dança originária da África httpswwwyoutubecomwatchvXV5sXpg97g 18 Impostor 19 Espertalhão 20 Mandar Encantarao a equidade do governo que elevara Vidocq21 a ladrão famoso àquela magistratura porque ele por espaço de vinte anos exercitara o latrocínio e granjeara nas galés os amigos que depois entregava à grilheta Pinto Monteiro organizou a boêmia que até àquele ano roubando sem método nem estatutos exercitara a ladroeira de um modo indigno de país em via de civilização Fezse eleger presidente por unanimidade e nomeou o seu secretário Amaro Faial Havia um propósito quase heroico neste feito como logo veremos Investido desta presidência incompatível com as artes líricas depôs o violão e à semelhança do poeta latino emudeceu os cantares tacuit musa22 Sentia se no congresso uma alma nova cheia de fomentos e apontada a rasgar horizontes dilatados Quem ouvisse discursar o presidente sociologicamente ficaria em dúvida se furtar era ciência ou arte Pinto Monteiro enxertava nas suas preleções acerca da propriedade umas vergônteas que depois enverdeceram com estilo melhor nas teorias de Cabet23 Os malandrins mais inteligentes depois que o ouviram desfizeramse de escrúpulos incômodos e entre si assentiram que não eram ladrões mas simplesmente deserdados pela sociedade madrasta e vítimas de uma qualificação já obsoleta A terminologia do livro V das Ordenações24 num país jovem exuberante e que tem o sabiá e o coco era uma anomalia Desta arte organizada a quadrilha sob a influência auspiciosa de um cérebro pensante os cidadãos eram roubados mais artisticamente na empalmação dos relógios conheciase que havia ideias de física de mecânica de equilíbrio de dinâmica e ciências correlativas Os alunos da reforma pareciam colaborar no Manual do Prestidigitador25 de Roret e abandonavam como arcaísmo aos poderes públicos a Arte de furtar de quem quer que seja A sociedade prosperava a olhos vistos posto que o presidente não tivesse olho nenhum nesta independência dos órgãos de relação prova a alma a sua imortalidade Foi então que Pinto Monteiro e o secretário munidos dos livros de registro e de toda a escrituração se apresentaram ao chefe da polícia Fortunato de Brito Eis aqui a reputação de um homem sacrificada à extirpação do crime Os Codros e os Cúrcios26 na restauração da moral pública fazem isto O chefe da polícia conveio nas propostas de Pinto Monteiro que estatuíra conservarse na confidência dos ladrões e delatar a paragem dos roubos quando no descobrilos redundassem à 21 Criminoso e criminalista francês 22 Calou a musa 23 Adepto do socialismo utópico participou da revolução de 1830 na França 24 Ordenações Filipinas código penal que vigorou no Brasil entre 1603 e 1830 25 Escamotear roubar indica o movimento das mãos dos dedos 26 Gregos e romanos respectivamente polícia créditos e interesses O cego esclarecera Fortunato sobre a organização do funcionalismo policial em Paris ensinaralhe alvitres ignorados e prometia auxiliálo num ramo ainda mal cultivado no Brasil a espionagem política Surtiu os previstos resultados a perfídia Os larápios mais soezes27 eram arrebanhados para a casa da correção mas os ladravazes mais ladinos poupavaos o presidente para não perturbar de improviso o equilíbrio do cosmo E necessário que haja escândalos diz o Evangelho Como agente secreto da polícia recebia do cofre do Estado como chefe da Associação dos Deserdados auferia o seu quinhão do pecúlio comum afora as forragens da presidência etc Este período da vida do cego durou cinco anos as duas rendas sobravamlhe à fartura do passadio principiou Monteiro a engrossar o pecúlio quando a delator e agente juntou o estipêndio28 de espião Voltando às suas antigas camaradagens políticas falou nas sociedades secretas com exacerbada virulência e vítima de despotismo militar mostrava os olhos estoirados e baços com a dolente majestade do general Belisário vencedor dos Hunos29 Constou ao Governo que Pinto Monteiro ousara pedir um Cromwell de quem ele cego fosse o Milton A comparação seria modesta se não fosse sanguinária O Governo brasileiro com sutileza própria dos cérebros formados com tapioca e ananás entendeu que o pescoço do Sr D Pedro II era ameaçado pelo cego com a tragédia de Carlos Stuart A Fortunato de Brito foi ordenado que vigiasse e processasse sedicioso cego Entalação O chefe da polícia foi explicar ao seu ministro que os discursos de Pinto Monteiro eram boizes armada a pássaros bisnaus de mais alta volateria30 O conflito remediouse prescindindo o espião da oratória e atendendo somente a seguir rastilho das revoluções urdidas no Rio para rebentarem nas províncias Como no meio da tanta lida ainda lhe sobrava tempo Monteiro ensaiou pela sua conta e sem auxílio da malta uma reversão de propriedade termos adequados à sua qualidade de deserdado 27 Os piores larápios 28 Recompensa 29 General do Império Bizantino sua última missão em 559 foi conquistar os hunos o que seriam hoje povos dos Balcãs Reza a falsa lenda que anos depois teria sido acusado de trair o imperador que por isso o teria cegado 30 Alto voo Havia morrido um carroceiro quando avençado com o cego experimentava a sua fortuna em aventuras de moeda falsa mandando abrir os cunhos no Porto A cidade da Virgem tem tido filhos de raro engenho na gravura mas os seus concidadãos desamoráveis com as graças do buril criaram à volta deles uma atmosfera fria de desalento e no pedestal em que os sonhadores como Morggen e Bartolozzi entreviram a glória a oferecer lhes umas sopas de vaca o menosprezo público pôslhes a fome Seria bonito para o martirológio da arte que honrados alunos da Academia das Belas Artes se deixassem perecer de anemia porém as poderosas reações do estômago impulsaramnos a aceitar o único lavor que se lhes oferecia abrir cunhos de moeda Este ramo das artes imitativas floriu no Porto como planta indígena a termos de haver ali trabalhos excelentes e muito em conta Já se conheciam os gravadores portuenses como hoje se conhecem os capelistas da Rua de Cedofeita o primeiro barateiro o Rei dos Barateiros o Barateiro sem competidor Faziamse notas a 5 quando a arte estava no berço ainda timorata depois à medida que a prosperidade das empresas internacionais aumentava o pedido os bons artistas davam de mão aos brasões dos sinetes às chapas dos portões e às firmas dos anéis e rivalizandose no primor e na barateza da obra já davam um conto de notas falsas por dez milréis sinceros Era este o preço da dezena de contos que o carroceiro mandara comprar por intermédio de Pinto Monteiro e não chegara a receber atalhado pela morte Deixara porém segredado à viúva que se entendesse com o seu amigo Monteiro quando lhe entregassem a encomenda Não sei se estas notas eram parte de uns trezentos contos que por esse tempo saíram do Porto para o Brasil dentro da imagem do Senhor dos Passos Não averiguei as profanações que se deram nesta remessa o que sei é que a viúva avisou o cego e que no mesmo dia do aviso o chefe da polícia colhia de sobressalto a viúva escondendo o rolo das notas entre o guarda infante e a parte subjacente que ela julgava intangível aos contatos brutos dos esbirros Levada a interrogatórios foi pronunciada mas desde que ela entrou no cárcere Pinto Monteiro consternado até às lágrimas assistiulhe com a mais desvelada benquerença constituindose o seu procurador Esta mulher herdara a independência Gemeu em ferros seis anos cumprindo a comutação de uma sentença que a condenava a degredo para a ilha de Fernando Essa comutação custaralhe o restante dos seus haveres absorvidos pelo cego de Landim Quando saiu do cárcere e se viu roubada pelo amigo do seu marido e reduzida a mendigar denunciou ao chefe da polícia a cumplicidade de Monteiro no negócio das notas Fortunato de Brito conveio que o seu agente era infame maior da marca mas faziase mister que tivesse aquele tamanho para dar pela barba à corpulência da corrupção O cego de Landim gozava a inviolabilidade de mal necessário A extorsão feita à viúva divulgouse e acerbou os antigos ódios contra Pinto Monteiro Demais a mais ele tinha ofendido o espírito dos estatutos que eram obra a sua Os consócios acharam irregular e menos honesto que o seu presidente levasse o egoísmo à extremidade de reivindicar só para si direitos de propriedade comum Toda a propriedade alheia era deles todos pelos modos Alguns destes mais penetrantes incutiram no falanstério a suspeita de que o chefe tivesse inteligências com a polícia Um mulato de grandes brios notável capoeira e muito sumário nos processos daquela espécie fez lampejar o aço da sua faca e declarou que ia anavalhar o redenho do cego Quando esta cena tumultuária se passava na taberna do João Valverde na Rua do Catete Pinto Monteiro e Amaro Faial já estavam a bordo da galera Tentadora que velejava para o Porto CAPÍTULO 4 Em Setembro de 1840 apareceram em Landim Pinto Monteiro e o seu chamado guardalivros Acompanhavaos a açoriana intitulada honorificamente esposa do cego Era uma mulher desnalgada sardenta ruiva alta e possante com brotoejas rosáceas na testa e um caracol de barba no queixo inferior Galhardeava moirées31 calçava botas verdes e trazia uns merinaques32 que rugiam como as cavernas dos ventos Pinto Monteiro alugou casa enquanto reedificava outra sobre o casebre do seus pais O guarda livros dizia com certo resguardo que o patrão era muito rico Convergiram logo das freguesias circunvizinhas bastantes cavalheiros a visitálo uns porque tinham sido os seus condiscípulos na escola outros por parentesco não remoto O cego banqueteava os seus hóspedes com iguarias incógnitas apimentadas por cozinheiras negras Os comensais gente saturada de vegetais e milho comiam à tripa forra e levavam em si daquela mesa lauta raras indigestões muitas saudades e cópia de vinhos O cego tinha uma irmã dez anos mais nova que surgiu com bandós dom e espartilhos dentre um balão da cunhada Falouse do casamento da jovem dotada pelo irmão com dez contos Os morgados já curveteavam os seus potros por Landim e de longes terras vinham propostas de casamento por intermédio de padres e beatas A rapariga que eu conheci a encanecer na decadência dos cinquenta anos devia ter sido uma trigueira sanguínea com as mordentes graças das sobrancelhas travadas e negras como a penugem do bigode Pinto Monteiro passava temporadas no Porto com Amaro Faial Era ali que ele cumpria a mensagem a que fora enviado pelo chefe da polícia fluminense Viera sob condições estipuladas relacionarse com os exportadores de moeda falsa e estatuir de harmonia com os interessados bases orgânicas e auspiciosas para negócio menos precário O resultado previsto 31 Tecido 32 Armação usada por baixo dos vestidos pelo cego e aplaudido por Fortunato de Brito era a polícia conhecer no Império Brasileiro os cúmplices dos agentes que residiam no Porto e de uma vez para sempre abranger em rede varredoura os principais Conseguira captar a confiança dos dois gravadores mais habilidosos e conhecidos alémmar mas um deles Coutinho o ancião que eu vi morrer na enfermaria da Relação em 1861 não delatou as pessoas com quem negociava posto que o cego lhe garantisse uma velhice abastada nos confortos da honra O outro artista que morreu rico apesar de se ter remido da cadeia à custa de dezenas de contos também não denunciou os seus fregueses mas convidou o cego a mercar lhe au rabais33 uns cinquenta contos resto da última edição E o cego comprouos Em 1841 a hospedaria dileta dos brasileiros de profissão distingamse assim dos brasileiros do Brasil era a do Estanislau na Batalha Ali havia a semcerimônia do chinelo de liga à mesa redonda os colarinhos arregaçados deixavam arejar as pescoceiras rorejantes de suor que se limpavam aos guardanapos cada qual podia comer o arroz com a faca e o talharim com o garfo a laranja era descascada à unha e os caroços das azeitonas podiam ser cuspidos na mesa bem como as esquírolas do pernil do porco desenlatadas a palito das luras dos queixais E era até de direito comum cada qual caçar de guetapens34 a importuna mosca na cara e decapitála publicamente Estavase ali à vontade como nos jantares de Peleu e Pátroclo com um grande estridor de mastigação e arrotos O cego hospedavase no Estanislau e dizia ao secretário Estamos com a nossa gente Amaro amigo A idade a compostura e o palavreado com a reputação de rico deramlhe na mesa o lugar mais autorizado Os brasileiros vindos do Rio conheciam aquela figura alguns sabiam que o homem se tinha arranjado com expedientes misteriosos mas isto mesmo era qualidade meritória e relevante no comensal Rosnavase de moeda falsa até alguém teve a ousadia de repetir o boato corrente ao guardalivros Amaro Faial deu aos ombros sorrindo e disse A moeda falsa é comércio como qualquer outro com vantagens em proporção dos riscos Negócio execrando só conheço um é o da escravatura Há também uns negócios que depois de muitos anos de estafa não deixam nada esses chamamse negócios tolos Asseverolhes que a riqueza do Sr Pinto Monteiro não se fez com a escravaria 33 Com desconto 34 Armadilha cilada Estava lançado o dardo Esta franqueza deu margem a discussões nas quais o cego e o Faial descobriram entre os contendores os menos escrupulosos Volvidos alguns dias Pinto Monteiro tinha vendido os cinquenta contos de notas para um brasileiro da Maia e era encarregado de agenciar cem contos para outros que o primeiro aliciara Nesta transação cobrara o cego percentagem e pedira sociedade no quinto dos interesses com a cláusula de dirigir no império a circulação da moedapapel Pactuaram a viagem para julho daquele ano Pinto Monteiro convencionou acompanhálos a fim de liquidar o restante dos seus haveres dar impulso ao negócio e vir depois descansar na Pátria Depois de uma demora de dois meses Pinto Monteiro recebeu do Porto a infausta nova de que a açoriana cativa das negaças de um espanhol operador de catarata fugira com ele para a Galiza Bacorejoulhe ao cego que estava roubado e o palpite funesto realizouse A quantia devia ser valiosa porque o traído amante suspendeu as obras começadas e desfez contratos apalavrados de compras Ficou na memória dos contemporâneos a respeito da pérfida uma palavra do cego significativa da sua índole Se o espanhol levasse a mulher e me não levasse o dinheiro penhoravame bastante Como me tirou as cataratas do coração pagouse pelas suas mãos o patife A opinião pública de Landim irritouse quando soube que a fugitiva era simplesmente manceba dó cego A moral exigia que ele fosse marido para não se desvaliarem os quilates do escândalo CAPÍTULO 5 No mês aprazado Pinto Monteiro regressou ao Rio de Janeiro acompanhado da sua irmã D Ana das Neves Embarcaram no Porto com ele os amigos e sócios granjeados no hotel O brasileiro da Maia comprador dos cinquenta contos levava algumas pipas de vinho verde e uma destas vasilhas tinha sido fabricada conforme o modelo que dera o cego e sob a fiscalização de Amaro Faial No reverso das quatro aduelas do bojo pregaram um quadrado de madeira com chanfradura onde envasasse o rebordo de um caixote de flandres a pregagem do quadrado ficava oculta debaixo de quatro dos arcos de ferro O caixote continha duzentos contos em notas brasileiras e era estanhado nas junturas de modo que o líquido as não penetrasse através de uma grossa capa de chumbo Chegados ao Rio a carregação entrou nos armazéns da Alfândega e Pinto Monteiro com a sua família hospedouse em casa de Fortunato de Brito Ao apontar o dia seguinte os passageiros delatados pelo cego eram presos a pipa despejada e desfeita e o caixote das notas conduzido ao tribunal para se lavrar auto Os quatro portugueses morreram no degredo perdidos os haveres que já tinham adquirido honradamente Pinto Monteiro recebeu dez contos de réis os 5 estipulados e deduzidos da presa O leitor vai descobrindo que eu não estou escrevendo um romance Constame que no Rio os homens que já o eram há trinta anos recordam estes fatos com algumas miudezas que não pude obter nem já agora inventarei Os meus apontamentos são exatíssimos no sumário das excentricidades do cego mas escassos dos pormenores que eu rigorosamente quisera não omitir Aqui me contam eles os amores da morena filha de Landim com o chefe da polícia Este episódio poderia ser o esmalte do meu livrinho se num chefe da polícia coubessem cenas de amor brasileiro mórbidas e sonolentas como tão languidamente as derrete o Sr J de Alencar Em país de tanto passarinho tantíssimas flores a recenderem cheiros vários cascatas e lagos um céu estrelado de bananas uma linguagem a suspirar mimices de sotaque com isto e com uma rede ou duas por causa da moral a bamboaremse entre dois coqueiros eu metia nelas o chefe da polícia e a irmã do cego um sabiá por cima um papagaio de um lado um sagui do outro e veriam que meigas moquenquices que arrulhar de rolas eu não estilava desta pena de ferro Mas eu não sei se me acreditariam coisas tão peregrinas entre o virginal Fortunato chefe da polícia e ela a Menina Neves que já havia colhido as boninas de vinte e nove primaveras nas florestas do seu Minho onde a maroteira é préhistórica Amores e desventuras de pior natureza nos levam a outro incidente e aí veremos que Pinto Monteiro fareja todos os latíbulos em que se acoite algum crime e não consente que a corrupção do século XIX ponha pé em ramo verde no novo mundo Certa carioca esposa de um João Tinoco português fizera assassinar com veneno o marido por um escravo mas com tal resguardo que o conjugicídio não escoou dos muros da quinta onde ela impunemente se dava às delícias de Agripina Isto de chamar Agripina à viúva de João Tinoco é excesso de erudição Ela não tinha ideia nenhuma de ser posta em paralelo histórico com a envenenadora de Cláudio o que ela queria era que a deixassem gostar as alegrias da viuvez de um marido que entrara em casa do seu pai como aguadeiro e exaltado a esposo a quisera forçar a fidelidades incombináveis com o clima desenvolvendo de mais a mais um excedente de calórico na esposa com o atrito do murro português de lei Tinoco tivera um caixeiro que expulsara quando lhe descobriu capacidade para o adultério segundo informações de um marçano que vira piscaremse reciprocamente os olhos direitos a sinhá e ao caixeiro Eis o fio que conduz o cego até ao tálamo infamado e daí à campa do muito João Tinoco O assassinado tinha irmãos abastados no Rio Pinto Monteiro revelalhes que o seu mano morrera de morte violenta e coberto de lágrimas não podendo mostrar os intestinos dilacerados de Tinoco como Antônio a túnica de César põe as mãos convulsas no ventre e exclama Despedaçaramlhe as entranhas as agonias do arsênico Etc Fez terror Rugem vingança os irmãos o cego dá vulto às dificuldades das provas judiciárias franqueiam lhe dinheiro sem conta e um grande prêmio se a prova se fizer Vejam os profundos segredos do Céu Os crimes obscuros quase nunca é a lâmpada da virtude que os descortina são sempre os cerdos que foçam e tiram à tona dos lamaceiros as podridões submersas Pinto Monteiro fez surdir à flor da terra as podridões de Tinoco e a toxicologia declarou que o homem morrera envenenado pela massa de Frei Cosme Não vá o leitor pensar que entra na novela um frade que manipulava massas homicidas Não senhor A massa de Frei Cosme é uma farinha saturada de arsênico A viúva não pôde defenderse desde que a negra confessou que envenenara o amo num timbal de borrachos por ordem da senhora Degradaram por toda a vida a ré convicta privandoa dos bens herdados do esposo Com a quinta preciosa foi galardoada a benemérita solicitude de Pinto Monteiro o vingador de Tinoco e da Moral que eu sempre escreverei com o M maior que eu puder Fortunato de Brito o chefe da polícia foi demitido por este tempo Antônio José Pinto Monteiro resolveu repatriarse A denúncia dos moedeiros açularalhe muitos e poderosos mastins A imprensa brasileira insultava a colônia portuguesa pelo fato do crime e pelo fato do delator A equidade foi estranha aos ódios e injúrias que golpearam Monteiro Não lhe descontaram na perfídia as vantagens comerciais que derivaram dela Cessara o pânico e o terror iminente de um cataclismo no crédito e nas casas bancárias A polícia iluminada pelo cego sabia as veredas que em Portugal conduziam aos balancés A gente honesta o comércio honrado rejubilavam com a traição de Pinto Monteiro mas atidos ao velho prolóquio onde não reluz faúlha de filosofia prática execravam o homem que levara às plagas do degredo os salteadores da probidade incauta Esta vítima ainda não estava inscrita no martirológio dos grandes lapidários da civilização CAPÍTULO 6 Os meus informadores que mais privaram na intimidade de Pinto Monteiro dizem que ele no segundo regresso a Portugal trouxera além de secretário dois filhos que deixara no Porto a educar no Colégio da Lapa e uma filha ainda muito na flor da mocidade Da mãe destes meninos que pouco há vivia ainda nos arrabaldes do Rio de Janeiro não há nada romanesco mas bem pode ser que houvesse da parte dela um profundo sentimento de dó com muitíssima abnegação de si mesma e no coração do cego com certeza houve extremoso amor de pai Os tigres sempre tem e os homens costumam ter às vezes este santo instinto de amarem os filhos Vinte e tantos contos perfaziam os haveres de Pinto Monteiro Concluiu as obras iniciadas comprou terras e dirigiu pelo tato as benfeitorias que fez no prédio que habitava Há duas horas que eu estive a reparar por cima do muro do jardim na graciosa vivenda que ele enchera de luz como se um beijo do sol de agosto pudesse descondensar a álgida escuridão do seus olhos Ali passaram alegres dias os seus convivas sob os caramanchéis das parreiras O grande prazer de Monteiro era dar banquetes opíparos Ouvia ler as Artes de Cozinha conhecia Brillat Savarin enchiase do fino sentimento dos guisados e apontando a pituitária aos vapores das caçarolas marcava quando era sobejo o cravo ou escasso o colorau Fazia pensar se a vista voltandose para o interior penetrava nos refegos membranáceos o ideal do estômago Se um cego ilustre deplorava o perdido paraíso outro cego parecia têlo encontrado na cozinha Ele que na América pusera o cautério à ladroagem à falsificação das notas e ao adultério agravado pelo homicídio não sabia como amordaçar a maledicência dos seus conterrâneos senão ocupandolhes as línguas no trabalho da deglutição A cada injúria que lhe chegava aos ouvidos mandava comprar dois leitões Mano Antônio dizem que tu entregaste os ladrões ao chefe da polícia dizia a Menina Neves Dizem Pois visto que não os posso entregar a eles compra um peru e dálho amanhã com recheio Mano Antônio agora dizem que denunciaste os da moeda falsa Compra anhos e capões atasca essas línguas em pudim de batata embolamos com almôndegas deitalhes aziar de ovos em fio afogalhes os escrúpulos em vinho de 1815 menina E depois tinha outra paixão que o deliciava arranjar casamentos Florescem hoje em Landim alguns casais de pessoas ditosas que ele ajoujou vencendo estorvos à custa de engenhosas intrigas e até de liberalidades das suas abatidas posses A filha de um cabaneiro que se criava pela sua casa era o passatempo do cego Chamavase a Narcisa do Bravo alcunha paterna Até aos treze anos andava vestida de rapaz e mediase com os mais gaiatos a trepar à grimpa de um pinheiro no assalto noturno às cerejeiras em duelos à pedrada no jogo do pau e no murro Era virilmente bela e bem feita mas os meneios adquiridos nos trajos de rapaz desengraçavamna vestida de mulher Ela mesmo olhava para si com zanga e puxava a repelões as saias esfrangalhandose Pinto Monteiro dava tento destes frenesis riase muito e contavalhe casos de mulheres portuguesas que batalharam incógnitas cobrindo os seios com arnês de ferro Estava no plano do cego casála Narcisa dizialhe que não pensassem em tal porque à primeira pirraça que o marido lhe fizesse favas contadas esmurravalhe os focinhos Este programa não assustou Pinto Monteiro visto que os focinhos ameaçados eram os do marido A rapariga foi pretendida extra matrimonialmente por vários devassos de Landim Santo Tirso e terras circunjacentes A virago tinha perrexil do que morde nas línguas já embotadas mas também tinha mãos nervudas e uns dedos nodosos que se fechavam em forma de boxe assim que os pimpões lhe cantavam desafinados Um destes era um forte lavrador de Sequeirô o Custódio da Carvalha Apaixonouse com a resistência e faloulhe sério em casamento Narcisa contou a passagem ao cego que batia as palmas com veemente júbilo exclamando Ó moça aproveita antes que o rapaz se arrependa Olha que ele colhe trinta danos e é um bonacheirão E que tal o achas de figura Eu sei cá Tu gostas dele ou não gostas Como se nunca nos víssemos Então não o conhecias há muito tempo já Nunca o vi mais gordo Mas queres casar com ele ou não Tanto se me dá como se me deu mas o padrinho digalhe que se se faz fino comigo eu pinto aí a manta que ele não sabe de que freguesia é Eu não ponho unhas em foicinha nem sachola ouviu Não fui criada na lavoura Se ele pega a mandarme sachar milho ou segar erva temolas armadas Casa que tu amansarás dizia o cego E casou Monteiro deulhe magnífico enxoval cordão cabaças anéis broche vestiuse de fino pano foi padrinho do casamento banqueteou os noivos com muitos convidados chamou a música de Paiva de Ruivães e queimou dez dúzias de bombas reais O marido sentiu as fascinações que enchem de delícias o inferno dos corações escravos Ela manietouo sem violência de mau gênio com as suas carícias de gata que desembainha as unhas brincando Folia rija Romagens quantas havia no Minho festanças com três clarinetes e requinta todos os domingos na eira a Cana Verde e o Regadinho saltados pelas maiatas mais frandunas bródios e vinho festa fora Comprou égua de marca vestiuse de amazona e ela aí ia com o marido corcovado sonâmbulo a choutar na mula esparavonada atrás dela por essas feiras e romarias As vezes se os moleiros não despejavam depressa os caminhos atravancados com os seus jumentos carregados de foles verberaraos com o chicotinho e chamavalhes canalhas Em questões com os vizinhos por causa de regras ou invasões de gado fazia ameaças sanguinárias Carregava as espingardas do marido e atirava aos gaios com pontaria infalível Quando soube que as senhoras do Porto usavam colete e gravata à laia de homens exultou como quem vê triunfar a sua ideia e quis vestir calções e botas à Frederica O lavrador já no cairei do abismo vendidas as melhores propriedades quis reagir Viu que tinha pela frente um virago de fibras Afrouxou por medo e por amor O pusilânime vergava ao prestigio da força Narcisa ofuscavao com a rutilante beleza do Demônio disfarçado na lendária Dama Pé de Cabra e noutras damas que o leitor conhece com pés chineses Dobados dez anos de vertiginosa dissipação o lavrador resvalou do idiotismo à sepultura amando ainda a mulher que vendera um lençol para lhe comprar a última galinha E Narcisa viúva aos vinte e oito anos e ainda formosa atirou com a honra às goelas do dragão da miséria e não chorou uma lágrima Havia uma amiga que lhe dizia palavras dolorosas com sincero dó era a irmã do cego Pobre Neves quem te predissera o suplício dos teus derradeiros anos ligada ao destino da mulher que tu criaras com maternal ternura