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Direito Tributário

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2530 REFORMA TRIBUTÁRIA E FEDERALISMO FISCAL UMA ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE CRIAÇÃO DE UM NOVO IMPOSTO SOBRE O VALOR ADICIONADO PARA O BRASIL Rodrigo Octávio Orair Sérgio Wulff Gobetti TD199419ReformaTributariaCapaindd 2 12122019 154940 TEXTO PARA DISCUSSÃO REFORMA TRIBUTÁRIA E FEDERALISMO FISCAL UMA ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE CRIAÇÃO DE UM NOVO IMPOSTO SOBRE O VALOR ADICIONADO PARA O BRASIL Rodrigo Octávio Orair1 Sérgio Wulff Gobetti2 1 Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais Disoc do Ipea 2 Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas Dimac do Ipea Está cedido à Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 2 5 3 0 TD199419ReformatributariaMioloindd 1 17122019 170720 Texto para Discussão Publicação seriada que divulga resultados de estudos e pesquisas em desenvolvimento pelo Ipea com o objetivo de fomentar o debate e oferecer subsídios à formulação e avaliação de políticas públicas Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ipea 2019 Texto para discussão Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Brasília Rio de Janeiro Ipea 1990 ISSN 14154765 1Brasil 2Aspectos Econômicos 3Aspectos Sociais I Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada CDD 330908 As publicações do Ipea estão disponíveis para download gratuito nos formatos PDF todas e EPUB livros e periódicos Acesse httpwwwipeagovbrportalpublicacoes As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores não exprimindo necessariamente o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do Ministério da Economia É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos desde que citada a fonte Reproduções para fins comerciais são proibidas JEL H25 H71 Governo Federal Ministério da Economia Ministro Paulo Guedes Fundação pública vinculada ao Ministério da Economia o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros e disponibiliza para a sociedade pesquisas e estudos realizados por seus técnicos Presidente Carlos von Doellinger Diretor de Desenvolvimento Institucional Manoel Rodrigues Junior Diretora de Estudos e Políticas do Estado das Instituições e da Democracia Flávia de Holanda Schmidt Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas José Ronaldo de Castro Souza Júnior Diretor de Estudos e Políticas Regionais Urbanas e Ambientais Nilo Luiz Saccaro Júnior Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura André Tortato Rauen Diretora de Estudos e Políticas Sociais Lenita Maria Turchi Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais Ivan Tiago Machado Oliveira Assessorachefe de Imprensa e Comunicação Mylena Fiori Ouvidoria httpwwwipeagovbrouvidoria URL httpwwwipeagovbr TD199419ReformatributariaMioloindd 2 17122019 170720 SUMÁRIO SINOPSE ABSTRACT 1 INTRODUÇÃO 7 2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL 9 3 SIMULAÇÕES DE IMPACTO SOBRE A PARTILHA FEDERATIVA 38 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 52 REFERÊNCIAS 55 TD199419ReformatributariaMioloindd 3 17122019 170720 TD199419ReformatributariaMioloindd 4 17122019 170720 SINOPSE Este texto analisa as duas propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional comparandoas entre si e apontando suas virtudes e limitações Além disso oferece quatro contribuições empíricas importantes para o debate i estimativas de qual seria a alíquota neutra para o novo Imposto sobre Bens e Serviços IBS e de como essa alíquota seria dividida entre os três entes da Federação e suas distintas subvinculações ii simulação da regra de transição para o novo modelo de tributação e partilha baseado no princípio do destino iii mensuração do grau de regressividade do IBS com alíquota única visàvis o atual modelo de tributação do consumo e a estimativa de custo fiscal para a implementação do dispositivo de devolução de imposto para as famílias mais pobres e iv avaliação dos potenciais impactos da reforma sobre a partilha federativa Palavraschave reforma tributária Imposto sobre Bens e Serviços federalismo fiscal ABSTRACT This paper analyses two tax reform bills that are being discussed at the Brazilian National Congress by comparing them and pointing their advantages and drawbacks Moreover the paper provides four empirical contributions to the debate i neutral rate estimates for the new Goods and Services Tax GST and its shares between federal entities and budget earmarks ii simulation of the new tax model transition rules iii regressivity measures of the single rate GST compared to the current model with differentiated rates as well as cost estimates for implementing a mechanism to reimburse the tax paid by low income households and iv assessment of the potential impact on the revenue sharing between state and local governments Keywords educational service valuation inequality education welfare returns to education hedonic pricing TD199419ReformatributariaMioloindd 5 17122019 170720 TD199419ReformatributariaMioloindd 6 17122019 170720 Texto para Discussão 2 5 3 0 7 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil 1 INTRODUÇÃO A discussão sobre as propostas de reforma tributária que tentam fundir vários tributos federais e subnacionais em um Imposto sobre o Valor Adicionado IVA alinhado às melhores práticas internacionais tem sido recorrente na agenda econômica brasileira das últimas décadas Desde a redemocratização três propostas de reformas amplas com esse conteúdo foram debatidas no Congresso Nacional a do Ipea apresentada à Assembleia Nacional Constituinte de 1987 a Proposta de Emenda Constitucional PEC no 1751995 no início do governo Fernando Henrique Cardoso e a PEC no 2332008 no segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva1 Os formatos de modelos de tributação das propostas variaram desde a criação de um único IVA de competência federal e compartilhado com os governos subnacionais até um sistema de IVA dual reunindo por um lado os impostos de competência federal Imposto sobre Produtos Industrializados IPI Programa de Integração Social PISContribuição para o Financiamento da Seguridade Social Cofins etc e por outro os subnacionais o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS estadual e o Imposto sobre Serviços ISS municipal Nenhuma das propostas de reforma vingou politicamente seja pelos conflitos federativos envolvidos na redistribuição de receitas seja pela resistência dos diferentes grupos de interesse que atuam na sociedade e no Parlamento Diante dos sucessivos malogros o ímpeto inicial do esforço reformista foi sendo desidratado e repartido em três vetores de mudanças pontuais a União tentando modernizar a sistemática de cobrança do PISCofins os municípios introduzindo uma alíquota mínima e ampliando a lista de serviços sujeita à tributação de seu imposto o ISS e os estados buscando um acordo até hoje inconcluso para acabar com a guerra fiscal e corrigir as distorções do ICMS Na prática porém a aposta da última década de avançar por medidas pontuais em vez de reformas amplas tampouco se mostrou exitosa Dado o conflito distributivo entre as esferas da Federação e entre os setores da economia atingidos por essas mudanças os avanços concretizados após mais de três décadas de debates foram pouco significativos e persistimos com um sistema tributário extremamente ineficiente e regressivo 1 Rezende et al 1987 Afonso Rezende e Varsano 1998 e Zouvi et al 2008 discutem em detalhes cada uma dessas três propostas de reforma tributária de instituição do IVA Outra referência importante é Lukic 2014 que analisa conjuntamente as três propostas tramitadas pelo Congresso desde a Constituinte de 19871988 TD199419ReformatributariaMioloindd 7 17122019 170720 8 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 Em 2019 a opção por uma reforma ampla com foco na modernização e na simplificação da tributação de bens e serviços ganhou uma nova ênfase Os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional definiram a reforma tributária entre as prioridades a ser pautadas no segundo semestre do ano e duas propostas passaram a ser apreciadas as PECs nos 452019 e 1102019 As novas propostas são fruto da experiência acumulada com os insucessos anteriores e buscam por meio de alguns instrumentos inovadores e pragmáticos lidar com vários dos conflitos distributivos ao prever mecanismos de transição bastante suaves para o novo modelo de tributação e a partilha federativa Por essas virtudes e pelo esgotamento do velho modelo tributário a proposta de substituição dos tributos das três esferas federativas por um IVA alinhado às melhores práticas internacionais batizado de Imposto sobre Bens e Serviços IBS parece ter conquistado a simpatia da maioria dos secretários estaduais de Fazenda Contudo outras vozes dissonantes principalmente do meio jurídico têm apresentado uma série de argumentos formais para tentar desqualificar a reforma tributária principalmente na versão da PEC no 452019 que prevê que o novo tributo terá alíquota única não diferenciada por bem ou serviço e gestão compartilhada entre as três esferas da Federação Basicamente segundo os críticos da reforma essa modelagem seria inconstitucional porque fere o pacto federativo por supostamente retirar dos estados e dos municípios a autonomia de gestão dos seus orçamentos e não respeitar o princípio da capacidade contributiva na medida em que todos os bens ou serviços seriam gravados igualmente O pano de fundo dessa polêmica evidentemente é um conflito distributivo capitaneado pelos potenciais e eminentes perdedores nesse processo de uniformização da carga tributária localizados no setor de serviços e especialmente nas corporações de profissionais liberais organizados sob a forma societária Nesse contexto de conflito distributivo exacerbado este Texto para Discussão busca fazer uma análise técnica detalhada sobre as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional comparandoas entre si e apontando suas virtudes e limitações Além disso o texto oferece quatro contribuições de ordem empírica importantes para o debate 1 Estimativas inéditas de qual seria a alíquota neutra para o novo IBS e de como essa alíquota seria dividida entre os três entes da Federação e suas distintas subvinculações TD199419ReformatributariaMioloindd 8 17122019 170720 Texto para Discussão 2 5 3 0 9 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil 2 Simulação da regra de transição para o novo modelo de tributação e partilha baseado no princípio do destino 3 Mensuração do grau de regressividade do IBS com alíquota única visàvis o atual modelo de tributação do consumo e a estimativa de custo fiscal para a implementação do dispositivo de devolução de imposto para as famílias mais pobres 4 Avaliação dos potenciais impactos da reforma sobre a partilha federativa nos planos estadual e municipal Em termos de estrutura o texto está dividido em três seções além desta introdução Na próxima seção as duas propostas de reforma tributária e os instrumentos destinados a mitigar as principais fontes de resistência serão detalhados Paralelamente nessa seção 2 serão apresentadas as três primeiras contribuições empíricas enumeradas anteriormente A seção 3 será dedicada à avaliação dos potenciais impactos distributivos da reforma na partilha federativa correspondendo à quarta e última contribuição empírica do texto Seguemse na seção 4 as considerações finais 2 ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL As duas principais propostas que estão tramitando no Congresso Nacional durante o biênio 20182019 seguem os princípios básicos das reformas amplas com foco na modernização e na simplificação da tributação de bens e serviços2 No final de 2018 a Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de reforma tributária apresentada pelo então deputado Luiz Carlos Hauly na forma de um substitutivo à PEC no 2932004 que reforma o sistema tributário nacional Na mesma comissão o deputado Mendes Thame apresentou um segundo texto substitutivo a Emenda Substitutiva Global no 72018 à PEC no 2932004 com uma reforma alternativa que segue as linhas gerais da proposta do Centro de Cidadania Fiscal CCiF A Comissão Especial da Reforma Tributária aprovou a admissibilidade da Emenda no 72018 e alguns dos seus itens foram incorporados ao texto final do substitutivo à PEC no 2932004 Mesmo assim há a possibilidade de que 2 Para uma síntese bastante completa sobre as matérias de tributação em discussão no Congresso ver Araujo e Correia Neto 2019 Orair e Gobetti 2018 também traçam um panorama mais amplo das propostas de reforma tributária em debate TD199419ReformatributariaMioloindd 9 17122019 170720 10 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 o plenário da Câmara dos Deputados delibere pela adoção do texto integral da Emenda Substitutiva Global no 72018 Em tese os dois textos com propostas alternativas de reforma tributária estão prontos para ser submetidos ao plenário da Câmara3 Houve uma reviravolta com o início da nova legislatura em 2019 Em abril deste ano foi protocolada a PEC no 452019 na Câmara Legislativa cujo signatário é o deputado Baleia Rossi O texto da PEC no 452019 é idêntico ao da Emenda no 72018 de reforma tributária formulada pelo CCiF A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania CCJC aprovou sua admissibilidade e em julho de 2019 instituiuse uma comissão especial com a finalidade de analisar a PEC no 452019 a qual aguarda o parecer do relator na comissão especial o deputado Aguinaldo Ribeiro Quase simultaneamente a PEC no 1102019 foi protocolada no Senado Federal em julho de 2019 tendo como primeiro signatário o presidente do Senado Davi Alcolumbre Essa PEC reproduz o texto final do substitutivo à PEC no 2932004 aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara em dezembro do ano anterior sob relatoria do exdeputado Luiz Carlos Hauly A PEC no 1102019 está em análise na CCJC do Senado que designou como relator o senador Roberto Rocha4 Ao fim e ao cabo as discussões sobre reforma tributária em curso no Congresso Nacional no biênio 20182019 giram em torno de duas propostas i a do Senado Federal PEC no 1102019 com teor igual ao texto final do substitutivo apresentado na Câmara pelo exdeputado Luiz Carlos Hauly PEC no 2932004 e ii a da Câmara Legislativa PEC no 452019 formulada pelo CCiF e com redação idêntica ao texto da Emenda Substitutiva Global no 72018 à PEC 2932004 As duas propostas compartilham um diagnóstico semelhante sobre os principais problemas do atual modelo fragmentado de tributação de bens e serviços do país O objetivo prioritário de ambas é promover a migração para um novo modelo com dois impostos um imposto moderno sobre o valor adicionado batizado de IBS e um Imposto Seletivo IS com incidência sobre bens específicos cujo consumo se deseja 3 O texto do substitutivo adotado pela comissão da PEC no 2932018 e a Emenda Substitutiva Global no 72018 estão disponíveis respectivamente em httptwixarmeKnfT e httptwixarmennfT As duas propostas de reforma tributária estão detalhadas em CCiF 2017 e nos textos complementares apresentados pelo relator da PEC no 2932004 Esses textos estão disponíveis na página eletrônica da comissão em httptwixarmeGnfT 4 O trâmite e os documentos relativos às PECs nos 452019 e 1102019 estão disponíveis respectivamente em https wwwcamaralegbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao2196833 e httpswww25senadolegbrweb atividademateriasmateria137699 TD199419ReformatributariaMioloindd 10 17122019 170720 Texto para Discussão 2 5 3 0 11 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil desestimular bebidas alcóolicas produtos do fumo etc O quadro 1 lista as principais diferenças entre o atual e o novo modelo proposto QUADRO 1 Comparação entre o atual e o novo modelo de tributação de bens e serviços Modelo atual Novo modelo Múltiplos tributos IPI PISCofins ICMS ISS etc administrados autonomamente pelos entes federados e inúmeros conflitos de competência entre eles Unificação da tributação de bens e serviços no IBS com legislação uniforme em todo o país que veda a concessão autônoma de benefícios fiscais Convivência entre impostos e regimes cumulativos e não cumulativos com dificuldades de aproveitamento de créditos tributários que na prática fazem com que todos eles incidam em cascata ao longo da cadeia produtiva e sobre as exportações e os investimentos Imposto sobre valor adicionado com pleno aproveitamento de créditos tributários que faz com que sua incidência se dê de maneira não cumulativa e exclusiva sobre o consumo final e não sobre as exportações e os investimentos Bases estreitas e erodidas pela guerra fiscal entre os entes federados por concessão de benefícios fiscais Base ampla sobre bens e serviços tangíveis e intangíveis Modelo de arrecadação e partilha dos impostos subnacionais que prioriza o princípio da origem e enviesa a distribuição das receitas em favor das localidades que concentram os empreendimentos econômicos Arrecadação e repartição no destino que favorece as localidades que concentram os consumidores e onde estes normalmente demandam os serviços públicos Gestão complexa que impõe elevados custos de conformidade para os contribuintes cumprirem suas obrigações tributárias Gestão simples por um sistema totalmente informatizado e integrado no território nacional Baixo grau de transparência para os contribuintes sobre o montante de imposto embutido no preço dos produtos Transparência fiscal do imposto único com alíquotapadrão sobre o consumo final Elaboração dos autores Há diferenças em termos de grau de abrangência das duas propostas A da Câmara PEC no 452019 tem foco exclusivo na substituição dos cinco principais tributos que incidem sobre bens e serviços IPI PIS e Cofins federais ICMS estadual e ISS municipal A proposta do Senado PEC no 1102019 é mais abrangente porque adiciona outros quatro tributos a ser substituídos Imposto sobre Operações Financeiras IOF Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre as operações realizadas com combustíveis Cidecombustíveis Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público Pasep e salárioeducação todos federais além de um conjunto de medidas auxiliares de tributação sobre folha salarial renda e propriedade que se resume a ações meramente pontuais quadro 2 O eixo das duas propostas em tramitação no Congresso Nacional converge para o objetivo prioritário de reformar a tributação de bens e serviços no país TD199419ReformatributariaMioloindd 11 17122019 170720 12 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 QUADRO 2 Principais medidas tributárias previstas nas propostas da Câmara PEC no 452019 e do Senado PEC no 1102019 Proposta da Câmara Proposta do Senado Impostos sobre bens e serviços Substituição de cinco tributos PIS Cofins e IPI federais ICMS estadual e ISS municipal por dois IBS nacional e IS federal Substituição de nove tributos PIS Cofins IPI Cidecombustíveis IOF Pasep e salárioeducação federais ICMS estadual e ISS municipal por dois IBS estadual e IS federal Impostos sobre renda Extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL incorporada ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica IRPJ com gradual desvinculação da seguridade social Ampliação da base de incidência do IRPF para incluir verbas indenizatórias Tributos sobre folha salarial Fim do salárioeducação incorporado ao IBS estadual Impostos sobre propriedade Transferência da competência para tributar heranças e doações Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação ITCD da esfera estadual para a federal Ampliação da base de incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores IPVA para abarcar além de veículos automotores terrestres veículos aquáticos e aéreos exclusive veículos de uso comercial na pesca ou no transporte público de passageiros e cargas Gradual redirecionamento da totalidade das receitas do ITCD e do IPVA para os municípios Elaboração dos autores As duas propostas mostram mais semelhanças em termos dos instrumentos incorporados para mitigar as usuais fontes de resistência às propostas de modernização da tributação de bens e serviços O quadro 3 apresenta uma lista com algumas dessas principais fontes de resistência e os instrumentos destinados a mitigálas os quais detalharemos na sequência do texto QUADRO 3 Fontes de resistência e instrumentos previstos na proposta da Câmara PEC no 452019 e na do Senado PEC no 1102019 Fonte de resistência Proposta da Câmara Proposta do Senado Perda de autonomia orçamentária dos entes federados Preservação de autonomia restrita para os entes da Federação que gerem suas alíquotas individualmente Os três entes compartilham a base de cálculo do IBS uniforme no território nacional mas cada um preserva autonomia para fixar suas alíquotas por legislação própria Preservação de autonomia restrita para os estados que assumem a competência pelo IBS sujeitos às condicionalidades da legislação nacional que veda a concessão autônoma de benefícios fiscais Ampliação das transferências para os municípios a fim de compensálos pela perda de competência para tributar os serviços Perda de receitas de orçamentos específicos seguridade social saúde educação etc Impacto limitado sobre a estrutura de vinculações e repartições da receita por meio do sistema de alíquotas singulares que reproduz as regras de vinculações e repartições dos tributos atuais Impacto limitado sobre a estrutura de vinculações e repartições da receita por meio de coeficientes fixos do IBS que reproduzem as principais regras de vinculações e repartições dos tributos atuais Aversão dos contribuintes aos aumentos de impostos Ganhos arrecadatórios quase nulos assegurados pelo mecanismo de transição que calibra as alíquotas do IBS para compensar e não exceder a perda de arrecadação com os impostos substituídos Ganhos arrecadatórios quase nulos assegurados pelo mecanismo de transição que calibra as alíquotas do IBS para compensar e não exceder a perda de arrecadação com os impostos substituídos Empresas que realizaram investimentos contando com benefícios fiscais Mecanismo suave de transição para os contribuintes com prazo de dez anos o que facilita a adaptação sem impor prejuízos excessivos aos investimentos preexistentes Mecanismo suave de transição para os contribuintes com prazo de seis anos o que facilita a adaptação sem impor prejuízos excessivos aos investimentos preexistentes Continua TD199419ReformatributariaMioloindd 12 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 13 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Continuação Fonte de resistência Proposta da Câmara Proposta do Senado Perda nos orçamentos de entes federados beneficiados pelo atual modelo Mecanismo de transição ainda mais suave para a partilha federativa com prazo de cinquenta anos o que torna o risco de perdas muito remoto Mecanismo de transição ainda mais suave para a partilha federativa com prazo de catorze anos e maior risco de perdas Constituição de um fundo com recursos destacados para cobrir perdas nas receitas municipais Perda de instrumento de política regional Necessidade de reforço da política de desenvolvimento regional com recursos da União a fim de substituir o uso de benefícios fiscais Constituição de fundos regionais para equalizar as disparidades de receitas entre os entes federados com recursos destinados a investimentos em infraestrutura Perda de poder de compra das famílias de baixa renda Instituição de mecanismo de devolução de impostos para famílias de baixa renda a fim de compensar a eliminação de alíquotas diferenciadas sobre bens de necessidade básica Instituição de mecanismo de devolução de impostos para famílias de baixa renda e exceções de alíquotas previstas na legislação nacional alimentos medicamentos transporte público coletivo bens do ativo imobilizado saneamento básico e educação etc Elaboração dos autores 21 Preservação de autonomia restrita para os entes da Federação A principal medida da proposta da Câmara é a instituição de um novo imposto IBS que após um período de transição substituirá os cinco principais tributos que incidem sobre bens e serviços O IBS será uniforme em todo o território nacional cabendo à União aos estados ao Distrito Federal e aos municípios exercer sua competência exclusivamente pela administração de alíquotas Fica vedada a concessão autônoma de isenções incentivos e quaisquer outros benefícios tributários ou financeiros pelos entes da Federação A regulamentação do IBS será feita por uma lei complementar a qual criará o Comitê Gestor Nacional integrado por representantes dos três entes federados que ficará responsável pela gestão do imposto em termos da definição de critérios para a cobrança a fiscalização e a operacionalização da repartição das receitas entre outras atribuições A migração para o novo IBS sob uma gestão conjunta e uma legislação uniforme no território nacional inevitavelmente reduz os graus de liberdade dos entes federados em comparação com a situação atual na qual cada um gere seus impostos autonomamente Essa talvez seja a principal fonte de resistência à proposta de reforma tributária Alguns críticos chegam a levantar a tese de que a proposta fere o pacto federativo por retirar dos estados e munícios a autonomia de gestão dos seus orçamentos O contraargumento dos defensores do IBS é que a proposta provê autonomia orçamentária aos entes federados ao lhes facultar o direito de administrar individualmente suas alíquotas Para exemplificar como funcionaria esse sistema a tabela 1 apresenta uma estimativa de alíquotas do IBS A essência da proposta é que a alíquota do IBS seja única para o contribuinte e se desdobre em três subalíquotas pela ótica dos orçamentos públicos Nossos cálculos sugerem que o IBS teria uma alíquota de referência de 269 TD199419ReformatributariaMioloindd 13 17122019 170721 14 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 para o contribuinte a qual seria dividida pelos três entes da Federação cabendo à União 102 aos estados 147 e aos municípios 20 TABELA 1 Estimativas das alíquotas de referência e das receitas do IBS nacional e do IS federal segundo os critérios da proposta da Câmara PEC no 452019 Alíquotas de referência Tributos e vinculações atuais Arrecadação do PIB IBS nacional 269 PISCofins IPI deduzidos IPI fumo e IPI bebidas ICMS ISS 121 IBS federal 103 PISCofins IPI 46 Cota federal 94 PISCofins IPI líquido das transferências 42 Seguridade social 50 70 da Cofins 23 Segurodesemprego e abono 08 42 do PIS 04 BNDES 05 28 do PIS 02 Fundos regionais 004 3 do IPI 002 Educação 01 18 do IPI líquido das transferências 01 Livre1 29 30 da Cofins 30 do PIS 331 do IPI deduzidos IPI fumo e IPI bebidas 13 Cota estadual 04 FPE 215 do IPI cota estadual do IPI exportação 75 x 10 do IPI 02 Educação 01 25 da parcela estadual 005 Saúde 01 12 da parcela estadual 002 Livre2 03 63 da parcela estadual 01 Cota municipal 04 FPM 245 do IPI cota municipal do IPI exportação 25 x 10 do IPI 02 Educação 01 25 da parcela municipal 005 Saúde 01 15 da parcela municipal 003 Livre2 02 60 da parcela municipal 01 IBS estadual 147 ICMS 66 Cota estadual 110 75 do ICMS 49 Educação 28 25 da parcela estadual 12 Saúde 13 12 da parcela estadual 06 Livre2 69 63 da parcela estadual 31 Cota municipal 37 25 do ICMS 16 Educação 09 25 da parcela municipal 04 Saúde 06 15 da parcela municipal 02 Livre2 22 60 da parcela municipal 10 IBS municipal 20 ISS 09 Educação 05 25 do ISS 02 Saúde 03 15 do ISS 01 Livre2 12 60 do ISS 05 IS federal IPI fumo e IPI bebidas 01 Elaboração dos autores Notas 1 A proposta mantém a vinculação do mínimo de 15 da receita corrente líquida RCL da União para ações de saúde que podem reduzir a parcela livre dependendo do volume de receitas da seguridade social 2 A proposta prevê a inclusão de alíquotas singulares para outras destinações definidas nas legislações próprias dos estados e dos municípios que reduzem as alíquotas livres Obs PIB produto interno bruto BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social FPE Fundo de Participação dos Estados FPM Fundo de Participação dos Municípios TD199419ReformatributariaMioloindd 14 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 15 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Essas alíquotas de referência foram calibradas para repor a receita com os antigos tributos segundo as diretrizes da PEC no 452019 Isto é a alíquota de referência do IBS federal proporciona uma estimativa de arrecadação igual à soma do PISCofins e do IPI deduzidos os ganhos de receitas com o novo IS a alíquota de referência do IBS estadual igual ao total de ICMS arrecadado pelos estados e a alíquota do IBS municipal igual ao total de ISS dos municípios5 A PEC no 452019 permite que as alíquotas do IBS venham a variar entre estados e municípios situandose acima ou abaixo das alíquotas de referência Um município poderá legislar por exemplo uma alíquota do IBS municipal de 25 e seu vizinho de 15 Se as alíquotas federal e estadual permanecerem nos seus níveis de referência a alíquota do IBS para os contribuintes será de 274 na primeira localidade e 264 na segunda Os ganhos ou perdas de receitas provenientes dos desvios de alíquotas em relação às referências serão integralmente apropriados pelo ente que as instituiu conferindolhes uma autonomia restrita para gerir seus orçamentos É como se cada um dos entes federados administrasse um imposto próprio sujeito à restrição de que sua autonomia deve ser exercida exclusivamente via alíquotas e não por outros instrumentos como a concessão de benefícios fiscais A PEC no 1102019 guarda uma série de semelhanças Propõese introduzir um novo imposto batizado com o mesmo nome de IBS a ser regulamentado por lei complementar com legislação nacional uniforme e vedação à concessão autônoma de benefícios fiscais pelos entes federados A principal diferença é que a proposta Hauly delega a competência do IBS aos governos estaduais Outra diferença é que o Comitê Gestor Nacional do IBS será composto somente por representantes dos estados e dos municípios e não da União A consequência mais imediata desse formato de IBS é deslocar parte expressiva da arrecadação para a esfera estadual de governo De acordo com nossos cálculos apresentados na tabela 2 a arrecadação sob responsabilidade dos governos estaduais em proporção do PIB passaria de 66 com o ICMS para algo em torno de 112 com o IBS estadual 5 O cálculo tomou como base a arrecadação dos impostos e a despesa de consumo final das famílias nas contas nacionais em 2016 Para se chegar a uma aproximação da base de cálculo do IVA foram excluídos os atuais tributos incidentes sobre o consumo e aplicado um fator de ajuste de 088 para controlar a influência de fatores não considerados informalidade evasão diferenças de conceitos das contas nacionais etc Esse fator foi calibrado para coincidir com o observado na Hungria um país emergente que possui a maior alíquota de IVA de toda a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OCDE 27 TD199419ReformatributariaMioloindd 15 17122019 170721 16 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 TABELA 2 Receitas e destinações dos tributos atuais e do novo modelo da proposta do Senado PEC no 1102019 Em do PIB Tributos atuais Receitas Novo modelo Receitas Governo federal Arrecadação total 574 Arrecadação total 202 IPI 067 IS 202 Fundos regionais 3 002 Cota estadual 20 040 FPM 245 016 Arrecadação líquida 80 162 FPE 215 014 Educação 779 3371 018 Cota estadual do IPI exportação 10 x 75 005 Não vinculado 144 Cota municipal do IPI exportação 10 x 25 002 Educação 18 x 44 005 Não vinculado 022 Cofins 323 Seguridade social 70 226 Desvinculada pela DRU 30 097 PISPasep 085 Abono salarial e segurodesemprego 70 x 60 036 BNDES 70 x 40 024 Desvinculado pela DRU 30 025 Salárioeducação 031 Cota estadual e municipal 019 Educação FNDE 012 Cidecombustíveis 014 Cota estadual e municipal 002 Destinações específicas 008 Desvinculada pela DRU 30 004 IOF 054 Educação 18 010 Cota estadual e municipal IOFOuro 000 Não vinculado 044 Transferências 058 Transferências 314 Recebidas 000 Recebidas 398 Repassadas 058 Repassadas2 084 Receita apropriada 516 Receita apropriada 516 Governo estadual Arrecadação total 659 Arrecadação total 1119 ICMS 659 IBS estadual 1119 Cota municipal 25 165 Cota federal 3557 398 Arrecadação líquida 494 Fundos regionais 059 002 Continua TD199419ReformatributariaMioloindd 16 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 17 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Continuação Tributos atuais Receitas Novo modelo Receitas Governo estadual Educação 779 3371 044 FPE 4233 017 FPM 4823 019 IPI exportação cota estadual 197 x 75 006 IPI exportação cota municipal 197 x 25 002 Seguridade social BNDES segurodesemprego e abono4 307 Cota municipal 2291 256 Arrecadação líquida 4152 465 Transferências 135 Transferências 591 Recebidas 029 Recebidas 063 Repassadas 165 Repassadas 655 Receita apropriada 524 Receita apropriada 528 Governo municipal Arrecadação total 088 Arrecadação total 000 ISS 088 Transferências 194 Transferências 278 Recebidas 194 Recebidas 278 Repassadas 000 Repassadas 000 Receita apropriada 282 Receita apropriada 278 Elaboração dos autores Notas 1 Considera o coeficiente adicional de 337 que substitui a vinculação do salárioeducação inclusive a parcela a ser repassada a estados e municípios proporcionalmente ao número de alunos matriculados na rede pública 2 Inclui os repasses do FPE do FPM e do IPI exportação 3 Inclui o adicional que substitui as cotaspartes estadual e municipal da Cidecombustíveis 4 Os percentuais relativos ao atual PIS que destina recursos para o abono salarial e o segurodesemprego e para o BNDES serão definidos por lei e reduzirão a parcela da seguridade social definida por resíduo Obs DRU Desvinculação de Receitas da União FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação A concentração da arrecadação na esfera estadual só não seria maior porque se prevê instituir um IS de competência federal e base de incidência ampla As duas propostas de reforma tributária contemplam um IS federal a ser regulamentado por lei complementar que incidiria em uma única etapa monofásico sobre bens e serviços específicos A proposta da Câmara define que a finalidade precípua desse imposto é extrafiscal pretendendo desestimular o consumo de determinados bens e serviços como cigarros e bebidas alcóolicas Já a proposta do Senado atribui uma função arrecadatória complementar para o IS federal com incidência sobre uma lista mais ampla de produtos petróleo e seus derivados combustíveis e lubrificantes de qualquer origem gás natural energia elétrica serviços de telecomunicações bebidas não alcóolicas e veículos automotores novos terrestres aquáticos e aéreos Essa foi a TD199419ReformatributariaMioloindd 17 17122019 170721 18 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 solução encontrada para desidratar um pouco o IBS estadual e manter certo volume de arrecadação na esfera federal As estimativas na tabela 2 indicam que a arrecadação do governo federal cairia de 57 do PIB com os tributos que seriam eliminados para 20 do PIB com o IS federal de função arrecadatória e não meramente extrafiscal Para compensar as perdas de arrecadação impostas à União e aos municípios a proposta do Senado determina que as receitas do IBS estadual sejam compartilhadas com os demais entes federados A proposta cria um sistema de partilha dos novos impostos bastante complexo retratado na tabela 2 as receitas do IS federal são compartilhadas com os governos estaduais e as do IBS estadual são compartilhadas com os governos municipais e com o governo federal sendo que um pedaço da cota federal do IBS estadual dá origem a novos repasses para os governos municipais e o outro pedaço retorna aos governos estaduais Os coeficientes de partilha dos novos impostos foram calibrados para fazer com que os fluxos de transferências intergovernamentais neutralizem a concentração da arrecadação na esfera estadual O resultado final é uma distribuição das receitas apropriadas pelas três esferas de governo semelhante à atual É o que apontam nossos cálculos na tabela 2 a partir das regras de partilha dos novos impostos que chegam a estimativas de receitas póstransferências apropriadas pelos governos federal estadual e municipal muito próximas da estrutura atual em torno de 52 52 e 28 do PIB respectivamente6 Um recurso adicional previsto para compensar os municípios que perdem a competência de tributar os serviços com a extinção do ISS é a ampliação de transferências A proposta do Senado estabelece um redirecionamento gradual de receitas do IPVA e do ITCD para os municípios hoje apropriadas pelos governos estaduais7 Em números de 2016 esse redirecionamento representa um ganho da ordem de 04 do PIB E esses ganhos devem ser ainda maiores porque a PEC estimula um conjunto de medidas com impacto arrecadatório como a ampliação da base de incidência do IPVA para veículos aquáticos e aéreos a regulamentação de novas alíquotas do ITCD e a mudança na administração desse último imposto que é federalizado e integrado ao Imposto de Renda IR 6 A diferença encontrada nos números dos governos estaduais e municipais é explicada pelo fato de os coeficientes de partilha da proposta terem sido calibrados com dados de 2015 e nossos cálculos tomam 2016 como anobase 7 Começando no primeiro ano após o fim do ISS quando o coeficiente da cota municipal do IPVA deve aumentar de 50 para 55 e se criará um coeficiente do ITCD de 10 cabendo a uma lei complementar definir os critérios de partilha entre os municípios Os dois coeficientes de cotas municipais serão majorados respectivamente em 5 pontos percentuais pp e 10 pp a cada um dos anos subsequentes até 100 no final de dez anos TD199419ReformatributariaMioloindd 18 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 19 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Em resumo as duas propostas de reforma tributária têm como objetivo prioritário promover a migração para um modelo inteiramente novo de tributação de bens e serviços no país Propõese substituir o atual modelo fragmentado que é caracterizado pela convivência de um conjunto de impostos de bases estreitas e administrado autonomamente pelos três entes da Federação por um modelo baseado em um imposto de base ampla e legislação uniforme em todo o país que veda a concessão autônoma de benefícios fiscais As propostas seguem caminhos diferentes para lidar com as resistências à perda de autonomia dos entes federados que resulta dessa migração A proposta da Câmara introduz um sistema engenhoso de subdivisão do IBS entre alíquotas de âmbito federal estadual e municipal administráveis individualmente restringindo sem eliminar por completo a autonomia dos entes da Federação Os três compartilham a base de cálculo do imposto que será uniforme em todo o país mas cada um terá a liberdade de alterar suas alíquotas por legislação própria A regulamentação do imposto ficará a cargo do Comitê Gestor Nacional composto por representantes de cada um dos entes A proposta do Senado procura contornar as resistências dos entes federados preservando a subdivisão de competências federativas e conferindo aos estados uma posição proeminente no novo modelo Os estados assumem a responsabilidade pelo IBS com o compartilhamento de receitas com os demais entes e a União fica com um IS de base mais ampla que ameniza um pouco sua perda arrecadatória A autonomia de gestão do principal imposto do país o IBS estadual será restringida pela legislação uniforme no território nacional e sua regulamentação ocorrerá pelo Comitê Gestor Nacional que exigirá a observância de um conjunto de condicionalidades como a vedação à concessão de benefícios fiscais salvo exceções previstas na lei nacional Nesse caso o Comitê Gestor do IBS será integrado apenas por representantes dos entes subnacionais e não da União Em relação aos municípios a compensação se dá pela ampliação das transferências intergovernamentais de impostos sobre a propriedade Os municípios perdem a competência para tributar os serviços e recebem em troca um montante mais do que compensatório de receitas de transferências Tratase de uma proposta mais pragmática para contornar resistências dos entes federados o que coloca simultaneamente os governos estaduais na posição proeminente do novo modelo e amplia a fatia de receitas dos municípios a fim de compensálos diferentemente da proposta da Câmara que dá uma solução tecnicamente mais bem desenhada de compartilhamento das atribuições entre os três entes federados TD199419ReformatributariaMioloindd 19 17122019 170721 20 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 22 Impacto limitado sobre a estrutura de vinculações e repartições da receita Uma fonte adicional de resistências de grupos de interesse na sociedade é o risco de que a migração para o novo modelo de tributação de bens e serviços modifique a estrutura de destinações dos atuais tributos e provoque perdas de receitas em orçamentos específicos seguridade social saúde educação etc A proposta do Senado PEC no 1102019 elimina parte desse risco ao fixar coeficientes de vinculações e repartições do IBS estadual e do IS que resultam em uma estrutura de destinação das receitas próxima à dos tributos que se pretende substituir Pelo atual arcabouço orçamentário brasileiro os múltiplos tributos que incidem sobre bens e serviços estão sujeitos a diferentes regras de vinculações orçamentárias e alguns deles são repartidos com estados e municípios Basicamente o que a proposta do Senado faz é fixar coeficientes dos novos impostos que reproduzem as principais vinculações A título de exemplo tomemos o caso dos programas de financiamento ao setor produtivo dos fundos regionais Fundo de Financiamento do CentroOeste FCO FNE e FNO que são feitos com 3 da arrecadação do IPI e equivalem a 002 do PIB A PEC no 1102019 redefine essa vinculação para 059 da cota federal do IBS estadual que segundo nossos cálculos resultaria no mesmo 002 do PIB As principais regras de vinculações e repartições dos tributos que se pretende eliminar são redefinidas por coeficientes equivalentes a partir dos quais é possível chegar a uma estrutura de vinculações próxima mas não idêntica à atual que está detalhada na tabela 28 A proposta da Câmara PEC no 452019 apresenta um sistema alternativo de vinculações e repartições denominado alíquotas singulares Por esse sistema as atuais regras de vinculações e repartições são substituídas por subalíquotas equivalentes do IBS Voltemos ao exemplo dos fundos regionais Nossas estimativas sugerem que o mesmo 002 do PIB de receitas poderia ser levantado por uma alíquota do IBS de 004 denominada alíquota singular de referência dos fundos regionais cuja estimativa de recursos é igual à atual 8 Há divergências nos volumes de receitas de vinculações e repartições da estrutura atual e do novo modelo na tabela 2 O principal motivo é que os coeficientes da PEC foram fixados para que a estrutura atual coincida com a nova estrutura composta pelo IBS estadual pelo IS federal e pelo novo IR uma vez que se prevê incorporar a CSLL ao IRPJ Por isso as vinculações isoladas do IBS e do IS federal não necessariamente devem coincidir Outro motivo é que nossos cálculos são referentes a 2016 e a definição dos coeficientes da PEC considerou dados de 2015 Não foi possível encontrar referências na redação da PEC às transferências do IOFOuro TD199419ReformatributariaMioloindd 20 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 21 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil vinculação do IPI A mesma lógica pode ser replicada para cada uma das atuais destinações de receitas e resulta nas alíquotas singulares dispostas na tabela 1 A proposta é que o IBS federal estadual ou municipal seja composto pela soma dessas alíquotas singulares com uma alíquota livre residual não vinculada e suas receitas atribuídas a cada destinação de acordo com a participação das alíquotas singulares na alíquota total O sistema de alíquotas singulares seria neutro em relação à atual estrutura de destinações orçamentárias caso todas as alíquotas fossem fixadas nos seus níveis de referência algo que não necessariamente ocorrerá A proposta da Câmara permite que as alíquotas singulares sejam alteradas por lei do respectivo ente federado desde que observados alguns pisos mínimos A Constituição Federal e sua legislação complementar por exemplo determinam a aplicação mínima de 25 das receitas do ISS na manutenção e no desenvolvimento do ensino e de 15 em ações e serviços públicos de saúde Sempre que o município eleva seu ISS as receitas vinculadas a gastos com saúde e educação crescem de maneira proporcional Essas vinculações seriam substituídas por alíquotas singulares de referência do IBS de 05 para a educação e 03 para a saúde o que segundo nossos cálculos mantém o mesmo nível de receitas atual Caso o município pretenda elevar sua receita livre não vinculada basta aprovar uma lei que majore a alíquota municipal do IBS sem alterar as alíquotas singulares de saúde e educação Outra flexibilização permitida é o município reduzir sua alíquota de educação de 05 para 04 desde que compense via aumento equivalente da alíquota de saúde de 03 para 04 tendo em vista que nesse caso específico a proposta prevê que a soma das duas alíquotas não pode ser fixada em um nível inferior à soma das duas alíquotas de referência ou seja 08 Esse tipo de piso mínimo para a saúde e a educação dado pela soma das respectivas alíquotas de referência está fixado para as receitas do IBS inclusive transferências dos três níveis de governo que poderão fixar uma das duas alíquotas abaixo da referência desde que esse hiato seja compensado por um excedente na outra alíquota Além disso a PEC no 452019 define pisos mínimos individuais correspondentes às alíquotas de referência para as transferências intergovernamentais FPE FPM IPI exportação e cota municipal do IBS estadual e para os fundos regionais As demais alíquotas singulares não possuem piso mínimo seguridade social BNDES e segurodesemprego e abono salarial e em tese podem ser zeradas por lei federal Em suma o sistema de alíquotas singulares facilita a introdução de mudanças nas regras de vinculações e cria um caminho para a flexibilização orçamentária TD199419ReformatributariaMioloindd 21 17122019 170721 22 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 23 Ganhos arrecadatórios quase nulos Uma das principais fontes de resistência às reformas tributárias é a aversão dos contribuintes aos aumentos de impostos sobretudo em um país com uma carga tributária que como a nossa onera excessivamente os bens e serviços Por isso as duas propostas de reforma tributária preconizam que os ganhos arrecadatórios serão quase nulos durante todo o período de migração do antigo para o novo modelo de tributação Esse resultado deriva do mecanismo de transição previsto em cada proposta que calibra as alíquotas do IBS para compensar exatamente a perda de arrecadação com a substituição dos antigos tributos A proposta da Câmara estabelece um período de teste de dois anos sucedido de um período de transição propriamente dito de oito anos Durante o teste o IBS será introduzido com uma alíquota módica de 1 Em compensação a alíquota da Cofins será reduzida a fim de ocasionar uma perda na arrecadação em montante igual à estimativa de ganho de receita com o IBS Nos oito anos subsequentes as alíquotas de cinco tributos PIS Cofins IPI ICMS e ISS serão gradualmente reduzidas ao ritmo de um oitavo por ano até zerarem no último ano da transição Paralelamente as alíquotas de referência do IBS serão majoradas para repor em cada ano da transição a estimativa de perda de receita ocasionada pela redução das alíquotas dos cinco tributos após deduzir o ganho arrecadatório com a introdução do IS federal no primeiro ano da transição9 Se as alíquotas do IBS federal estadual e municipal se mantiverem sempre nos seus níveis de referência o mecanismo de calibragem de alíquotas garante uma arrecadação relativamente estabilizada em proporção da base tributável Dado que não há restrição para que os entes federados venham a fixar alíquotas maiores ou menores do que as de referência o mais provável é que a carga tributária gravite em torno do seu atual patamar ao longo do período de transição Esse mecanismo de calibragem de alíquotas para assegurar que os ganhos arrecadatórios com os novos tributos apenas neutralizarão as perdas com os antigos sem alterar ou pouco alterando a arrecadação global foi incorporado na proposta do Senado Os prazos de transição porém são mais curtos O período de teste com alíquota de até 1 do IBS e redução compensatória na Cofins é abreviado para um ano e a conclusão da transição é em mais cinco anos período no qual as alíquotas 9 Os critérios precisos para o cálculo das alíquotas serão definidos na lei complementar As diretrizes da PEC apenas indicam que as alíquotas serão fixadas pelo Senado Federal com base em estudo técnico elaborado pelo Tribunal de Contas da União TCU e eventuais erros de estimativas podem ser corrigidos nos anos subsequentes TD199419ReformatributariaMioloindd 22 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 23 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil de nove tributos PIS Cofins IPI ICMS e ISS Cidecombustíveis IOF Pasep e salárioeducação seriam reduzidas em um quinto a cada ano até zerarem ao mesmo tempo que as alíquotas do IBS estadual e do IS federal serão gradualmente majoradas e fixadas nos níveis que repõem a perda de arrecadação com os antigos tributos 24 Mecanismo suave de transição para os contribuintes Mesmo que a carga tributária permaneça constante durante o período de transição a uniformização pretendida nas alíquotas sobre bens e serviços tende a gerar perdedores entre os setores econômicos É o caso das empresas que realizaram investimentos contando com benefícios fiscais do modelo atual e que incorreriam em prejuízos no novo modelo O objetivo de reduzir essas perdas é uma justificativa adicional para que as duas propostas de reforma tributária contenham mecanismos suaves de transição que garantam a convivência do modelo antigo com o novo em que o primeiro vai desaparecendo gradualmente para dar lugar ao segundo Em vez de uma mudança brusca a migração para o novo modelo é feita de maneira gradual por um período relativamente longo de dez anos pela proposta da Câmara e de seis pela do Senado incluindo os períodos de teste o que facilita a adaptação dos contribuintes sem impor prejuízos excessivos aos investimentos preexistentes 25 Mecanismo de transição ainda mais suave para a partilha federativa Como vimos as arquiteturas das propostas de reforma tributária foram concebidas para não provocar mudanças substanciais nas fatias das receitas apropriadas pelas três esferas de governo federal estadual e municipal10 Se é verdade que a reforma prevê um impacto quase neutro em termos de distribuição vertical das receitas entre essas três esferas o mesmo não se pode afirmar com relação à distribuição horizontal das receitas entre as unidades de uma delas isto é entre os 26 estados e o Distrito Federal e entre os 5568 municípios Muito pelo contrário a migração para o novo IBS tem grande potencial de redistribuir receitas entre os estados e entre os municípios O atual modelo de arrecadação dos impostos subnacionais descrito no quadro 4 segue um híbrido dos princípios de destino e origem mas privilegia excessivamente este último O princípio da origem é ainda privilegiado no modelo de partilha do ICMS 10 Ao menos no que diz respeito à comparação entre os novos impostos e aqueles substituídos A proposta do Senado amplia a fatia dos municípios por outros fluxos de transferências provenientes de impostos sobre propriedade TD199419ReformatributariaMioloindd 23 17122019 170721 24 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 que é repartido entre os municípios do estado predominantemente pelo critério de valor adicionado municipal ou seja de maneira proporcional ao valor de produção apurado em cada localidade O resultado é um modelo de arrecadação e partilha dos impostos subnacionais que enviesa a distribuição das receitas em favor dos locais que concentram os empreendimentos econômicos e em detrimento daqueles que concentram os consumidores e onde estes normalmente demandam os serviços públicos QUADRO 4 Comparação entre o atual e o novo modelo de arrecadação e partilha dos impostos subnacionais Modelo atual Novo modelo Proposta da Câmara Proposta do Senado Modelo de arrecadação Híbrido de destino e origem Baseado inteiramente no destino O ICMS sobre operações interestaduais de comercialização de bens e serviços se desdobra em duas alíquotas A primeira de 12 ou 71 cabe ao estado de origem O estado de destino fica com a diferença entre sua alíquota interna normalmente entre 17 e 18 e a alíquota interestadual O IBS estadual caberá ao estado de destino local do consumo O IBS estadual pertencerá ao estado de destino local do consumo O ISS sobre operações intermunicipais é devido ao local do estabelecimento prestador do serviço origem salvo nas exceções previstas em lei quando será recolhido no local da prestação do serviço destino O IBS municipal caberá ao município de destino local do consumo Não haverá imposto ou alíquota municipal Modelo de partilha Priorização do critério de origem Priorização do critério populacional Priorização do critério de destino A cota municipal do ICMS 25 do total das receitas é partilhada por dois critérios 75 proporcionalmente ao valor adicionado fiscal de cada município e 25 por critérios próprios definidos nas leis estaduais A cota municipal do IBS estadual 25 do total das receitas será partilhada por dois critérios 75 proporcionalmente à população de cada município e 25 por critérios próprios definidos nas leis estaduais A cota municipal do IBS estadual 2291 do total das receitas será partilhada por dois critérios 8426 pertencem ao município de destino local do consumo e 1574 por critérios próprios definidos nas leis estaduais Elaboração dos autores Nota 1 A alíquota reduzida de 7 se aplica quando a operação é originada de um estado das regiões Sul e Sudeste exclusive Espírito Santo e destinada aos estados das demais regiões inclusive Espírito Santo As duas propostas reformam esse modelo de arrecadação ao introduzir o novo IBS baseado inteiramente no princípio do destino A proposta da Câmara define que nas operações interestaduais e intermunicipais do IBS incidirá a alíquota do estado e do município de destino e o imposto pertencerá ao estado ou município de destino Mais precisamente a cobrança do IBS será feita de maneira centralizada em todo o país e suas receitas serão distribuídas a cada ente federado na proporção do saldo líquido entre créditos e débitos do imposto atribuível a cada um A aferição do imposto devido aos entes subnacionais é feita de acordo com as respectivas alíquotas do IBS estadual ou do IBS municipal que substituem o ICMS e o ISS A mudança se estende ao modelo de TD199419ReformatributariaMioloindd 24 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 25 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil partilha do imposto estadual As regras de repartição da cota municipal do ICMS que priorizam o critério de valor adicionado são substituídas por novas regras de repartição da cota municipal do IBS estadual que por sua vez priorizam o critério populacional quadro 4 A introdução desse critério populacional potencializa o caráter distributivo do novo modelo A proposta do Senado por seu turno define que o IBS estadual pertencerá ao estado de destino do bem ou serviço podendo vir a ser cobrado no estado de origem e repassado para o estado de destino de acordo com regras a serem estabelecidas na lei complementar que o regulamentar A competência pelo IBS é delegada à esfera estadual que deve repassar 2291 das receitas para os municípios A cota municipal do IBS será distribuída por dois critérios 8426 das receitas pertencem ao município de destino em substituição ao ISS e à parcela da cota municipal do ICMS distribuída pelo critério do valor adicionado e 1574 serão repassados de acordo com lei estadual tal qual ocorre hoje com a parcela restante da cota municipal do ICMS Em comum as duas propostas de reforma tributária promovem uma migração para um novo modelo de arrecadação e de repartição que prioriza o princípio do destino ou da população no caso da regra de partilha da proposta da Câmara Essa migração tem o potencial de promover uma significativa redistribuição de receitas em benefício dos governos estaduais e municipais que concentram proporcionalmente mais os consumidores e são desfavorecidos pelos critérios baseados na origem em detrimento daqueles que concentram proporcionalmente mais empreendimentos em seu território e são beneficiados atualmente Tratase sem dúvida de uma mudança importante porque o consumo normalmente se dá no local de residência do consumidor onde ele mais pressiona a demanda por serviços públicos Dito de outro modo o novo modelo traz de maneira implícita um efeito de equalização fiscal federativa no sentido de reduzir disparidades entre disponibilidades de receitas e demandas por serviços públicos nos estados e municípios Mesmo que a equalização seja desejável do ponto de vista da Federação como um todo uma migração abrupta para o novo modelo de arrecadação e partilha imporia perdas muito grandes nos orçamentos de determinados estados e municípios O risco de incorrer em perdas de receitas causa preocupação e resistência por parte dos governadores e prefeitos Para minimizar esse risco as duas propostas de reforma TD199419ReformatributariaMioloindd 25 17122019 170721 26 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 tributária propõem mecanismos de transição gradual para a partilha federativa com prazos ainda mais longos do que os da transição para os contribuintes Os mecanismos de transição da partilha federativa das duas propostas seguem a mesma lógica A partilha das receitas do novo IBS é feita por um modelo híbrido durante a transição uma primeira parcela por critérios baseados nas receitas atuais dos impostos a ser substituídos isto é o ICMS dos estados e o ISS dos municípios decrescente ao longo do tempo e a parcela restante pelos novos critérios que priorizam o destino crescendo gradualmente até se converter no único critério de partilha As diferenças estão menos na concepção desse modelo e mais nos critérios específicos de partilha e nos prazos da transição O prazo de transição na proposta da Câmara é de cinquenta anos subdividido em duas etapas Durante a etapa inicial de vinte anos uma primeira parcela das receitas do IBS será repassada anualmente para cada estado e município de modo a repor o valor equivalente à perda de receita de ICMS ou ISS corrigido pela inflação11 O excedente de receitas do IBS após a reposição das perdas de ICMS e ISS será repassado para estados e municípios de acordo com os critérios do novo modelo de arrecadação baseado no destino Na segunda etapa de trinta anos os repasses do IBS pelo critério de reposição das perdas serão reduzidos em um trinta avos por ano até zerar por construção o excedente de receita distribuído pelos critérios do novo modelo no destino crescerá mais rapidamente O exemplo didático apresentado no gráfico 1 ajuda a entender como se processaria a transição para dois municípios hipotéticos caso o IBS fosse introduzido em 2021 Admitiuse por hipótese que os dois municípios têm o mesmo nível de consumo per capita e a mesma população sob um cenário em que as bases de incidência dos impostos crescem à taxa de 2 ao ano O município A sedia um empreendimento econômico de elevado valor adicionado que faz com que suas receitas com ISS e cotaparte do ICMS sejam inicialmente o dobro das receitas do município B12 Sob tais hipóteses uma transição súbita para um novo modelo baseado no destino levaria à queda de 25 nas receitas do município A e ao crescimento de 50 nas do B de modo que ambos 11 Desde que a alíquota do IBS estadual ou do IBS municipal coincida com a de referência Caso o estado ou município fixe uma alíquota diferente o ganho ou a perda de receita serão totalmente apropriados pelo ente em questão 12 Por simplicidade admitimos que as receitas distribuídas de acordo com a lei estadual seguem o critério do destino TD199419ReformatributariaMioloindd 26 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 27 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil passariam a ter um mesmo nível de receita per capita Os mecanismos de transição postergam essa convergência para suavizar as trajetórias das receitas Os gráficos 1A e 1B simulam as trajetórias das receitas nos dois municípios segundo as regras de transição da proposta da Câmara Após dois anos iniciais de teste as receitas de ISS e de cotaparte do ICMS começam a cair até zerar em 2030 ao passo que as do IBS vão crescendo e sendo repartidas por dois critérios distintos O primeiro é o de reposição da perda do ISS Tal reposição é integral por vinte anos e tornase parcial e decrescente nos anos seguintes Esse critério assegura que a soma do ISS com os repasses do IBS municipal pelo critério de reposição de perdas fique constante em valores reais durante todos os anos do período 20232042 para os dois municípios nos gráficos 1A e 1B O excedente de receitas do IBS municipal desde 2023 é distribuído pelos critérios mais equitativos do novo modelo baseado no destino e dá início ao processo de convergência das receitas dos dois municípios A partir de 2043 o repasse relativo à reposição de perdas começa a declinar e um volume cada vez maior de receitas do IBS é repartido pelos novos critérios no destino Nessa etapa da transição a reposição pelas perdas deixa de ser integral e há chances de eventuais municípios terem perdas reais de receitas No nosso exemplo nos gráficos 1A e 1B isso não ocorre A convergência prossegue com as receitas do município B crescendo mais que as do município A até se igualarem em 2072 Uma questão adicional é que a proposta da Câmara não prevê que o critério de reposição das perdas se aplique para a substituição da cota municipal do ICMS pela do IBS estadual mas apenas para a substituição do ISS pelo IBS municipal e do ICMS pelo IBS estadual Este último pertencente aos municípios é repartido desde o início segundo novo critério populacional Abrese assim a possibilidade de que municípios com elevado valor adicionado fiscal em comparação com as suas populações venham a incorrer em perdas reais de receitas no início da transição tal qual ocorre no nosso exemplo didático do gráfico 1A com o município A no biênio 20292030 TD199419ReformatributariaMioloindd 27 17122019 170721 28 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 GRÁFICO 1 Simulação da trajetória das receitas de dois municípios hipotéticos segundo as regras de transição da proposta da Câmara PEC no 452019 e da proposta do Senado PEC no 1102019 Em R 1 mil 1A Proposta da Câmara município A beneficiado pelo atual modelo 0 05 10 15 20 25 30 35 ISS IBS municipal reposição de perdas IBS municipal novo critério destino Cotaparte do ICMS IBS estadual novo critério populacional 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 2035 2037 2039 2041 2043 2045 2047 2049 2051 2053 2055 2057 2059 2061 2063 2065 2067 2069 2071 1B Proposta da Câmara município B beneficiado pelo novo modelo 0 05 10 15 20 25 30 35 ISS IBS municipal reposição de perdas IBS municipal novo critério destino Cotaparte do ICMS IBS estadual novo critério populacional 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 2035 2037 2039 2041 2043 2045 2047 2049 2051 2053 2055 2057 2059 2061 2063 2065 2067 2069 2071 TD199419ReformatributariaMioloindd 28 17122019 170721 Texto para Discussão 2 5 3 0 29 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil 1C Proposta do Senado município A beneficiado pelo atual modelo 0 05 10 15 20 25 30 35 ISS mais cotaparte do ICMS IBS coeficientes fixos IBS novo critério destino 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 2035 2037 2039 2041 2043 2045 2047 2049 2051 2053 2055 2057 2059 2061 2063 2065 2067 2069 2071 1D Proposta do Senado município B beneficiado pelo novo modelo 0 05 10 15 20 25 30 35 ISS mais cotaparte do ICMS IBS coeficientes fixos IBS novo critério destino 2021 2023 2025 2027 2029 2031 2033 2035 2037 2039 2041 2043 2045 2047 2049 2051 2053 2055 2057 2059 2061 2063 2065 2067 2069 2071 Elaboração dos autores Em contrapartida a proposta do Senado prevê um mecanismo de transição da partilha federativa com prazo de catorze anos subdividido entre a etapa inicial de quatro anos e a final de dez Nos quatro anos iniciais a distribuição das receitas dos novos tributos IBS e IS segue um único critério baseado em coeficientes calculados TD199419ReformatributariaMioloindd 29 17122019 170722 30 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 pela participação de cada um dos entes nas receitas dos tributos que serão eliminados líquidas das transferências considerandose as médias de três exercícios anteriores Esses coeficientes seguem sendo calculados nos dois primeiros anos da etapa final e após a eliminação dos antigos tributos são congelados e utilizados como referência para a partilha nos anos subsequentes Durante essa etapa final da transição a repartição das receitas dos novos tributos IBS e IS segue uma média ponderada de dois critérios i o de coeficientes que reproduz a partilha dos antigos tributos e ii o do novo modelo baseado no destino A média é ponderada por pesos variáveis ao longo do tempo com o peso do primeiro critério definido inicialmente em 90 e caindo 10 pp por ano até zerar e o peso do segundo começando em 10 e crescendo em montante equivalente até 100 no último ano da transição As simulações das trajetórias de receitas nos dois municípios hipotéticos pelas regras de transição da proposta do Senado estão apresentadas dos gráficos 1C e 1D Os prazos de transição são sempre mais curtos o período de teste do IBS é de um ano e as receitas do ISS e do ICMS começam a cair já no ano seguinte extinguindose em 2026 De 2022 a 2025 a cota municipal do IBS é integralmente distribuída pelo critério de coeficiente calculado pela participação da soma do ISS e da cotaparte do ICMS de cada município em relação ao total de receitas dos tributos a serem substituídos PISCofins IPI ICMS ISS etc A partilha no período 20262034 passa a ser feita pela média ponderada de dois critérios com pesos decrescentes para o de coeficientes e crescentes para o novo critério do destino A combinação entre a introdução mais tardia do novo critério do destino e o prazo mais curto de transição torna o processo de convergência das receitas dos dois municípios muito mais veloz A convergência começa em 2026 e as receitas dos municípios são igualadas em 2035 37 anos antes do que na proposta da Câmara Em contrapartida o município A incorre em perdas reais de receitas durante todos os anos do decênio 20262035 A análise do gráfico 1 permite identificar as principais similaridades e diferenças entre os dois mecanismos de transição da partilha federativa Ambos se baseiam em um modelo híbrido com um processo gradualista do tipo phaseinphaseout no início do período há a predominância de critérios baseados na estrutura atual de partilha que são progressivamente retirados com o passar do tempo os novos critérios vão ganhando importância até a plena conversão no modelo único ao final da transição Esse processo gradualista suaviza as trajetórias das receitas durante a migração para o novo modelo TD199419ReformatributariaMioloindd 30 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 31 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil mesmo que não elimine por completo o risco de perdas nos orçamentos das unidades dos entes federados beneficiadas pelo atual modelo de arrecadação e repartição dos impostos subnacionais O risco de perdas é maior pelo mecanismo de transição da proposta do Senado A introdução do novo critério baseado no destino é postergada por alguns anos e a transição se concentra em um período mais breve com maior efeito desestabilizador sobre as receitas No caso da transição da proposta da Câmara o novo critério é introduzido mais imediatamente e por um prazo de transição muito mais longo o que assegura uma trajetória das receitas mais estável e um menor risco de perdas No nosso exemplo dos gráficos 1C e 1A o município A observou perdas de receitas durante todo o decênio 20262035 pela proposta do Senado e somente no biênio 20292030 pela proposta da Câmara Neste último caso as perdas são explicadas pela ausência de um modelo de transição para a substituição da cotaparte do ICMS pela cotaparte do IBS estadual Grosso modo há uma espécie de dilema tradeoff entre o prazo de transição para o novo modelo e o risco de perdas de receitas que se sobrepõe aos desenhos específicos dos mecanismos de transição Quanto mais rápida a transição maior o risco para os orçamentos de unidades dos entes federados beneficiados pelo atual modelo Tais constatações extraídas a partir da análise dos municípios são generalizáveis para os estados sujeitos às mesmas regras de transição da partilha federativa A única ressalva é que o risco de perdas é menor porque os diferenciais de receitas apropriadas entre os estados são muito menores que entre os municípios13 Outra ressalva importante é que o risco de perdas deve ser relativizado quando consideramos o efeito diferencial que a reforma tributária pode ter em termos de crescimento da arrecadação dos entes federados A migração para um modelo moderno de tributação de bens e serviços que elimina inúmeras ineficiências do modelo atual tem potencial de alavancar o crescimento da economia brasileira no médio e no longo prazo e indiretamente as bases tributáveis dos impostos Por isso projetase que o crescimento da arrecadação induzido pela expansão da base tributável seja maior no cenário com o novo IBS que no cenário com os atuais tributos Quando consideramos 13 Esse tema será mais bem explorado na próxima seção que avalia os impactos da transição para o novo modelo sobre as receitas dos estados e municípios TD199419ReformatributariaMioloindd 31 17122019 170722 32 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 esse efeito diferencial de maior crescimento da arrecadação e um mecanismo de transição gradualista de prazo longo os riscos de perdas nos orçamentos dos entes federados tornamse remotos Essa é a aposta da proposta do CCiF PEC no 452019 ao delimitar um prazo de transição da partilha federativa de cinquenta anos e prescindir de um mecanismo de compensação por perdas nos orçamentos dos entes federados ao contrário da proposta Hauly PEC no 1102019 que abrevia o prazo de transição para catorze anos e implicitamente admite o risco de perdas Para lidar com tais perdas a PEC no 1102019 contém um dispositivo que determina a constituição de um fundo com a finalidade de reduzir disparidades de receitas per capita entre os municípios e que terá uma parcela dos recursos destacada para compensar eventuais perdas nas receitas municipais durante o período de transição A proposta não fornece qualquer detalhamento sobre as fontes de recursos a parcela destinada à compensação por perdas e os critérios de alocação que deverão ser definidos em lei complementar Uma crítica válida é que os prazos de transição para a partilha federativa das duas propostas de reforma tributária são muito extensos Prazos extensos têm as vantagens de redução do risco de perdas de receitas dos entes federados hoje beneficiados pelo atual modelo e de mais tempo para a adaptação dos orçamentos ao novo modelo tributário sob o ônus de postergação excessiva do período de convivência com as imperfeições do atual modelo Uma eventual abreviação desses prazos amplificaria os riscos de perdas nos orçamentos de entes federados e as fontes de resistência à aprovação da reforma tributária a não ser que fosse possível alocar receitas adicionais em um fundo de compensação de perdas Voltaremos a esse tema mais adiante 26 Necessidade de reforço da política de desenvolvimento regional Afora o debate sobre mecanismos de compensação de perdas de receitas dos entes federados uma segunda questão diz respeito à compensação pela perda de autonomia por um instrumento de política regional O atual modelo de gestão autônoma do ICMS e do ISS com parte ou a totalidade da arrecadação sobre operações interestaduais ou intermunicipais cabendo ao estado ou ao município de origem abre espaço para que as unidades dos entes da Federação façam uso de benefícios fiscais com a finalidade de atrair investimentos e promover o desenvolvimento regional Acontece que ao longo das últimas décadas houve uma gradual deterioração desse instrumento de política TD199419ReformatributariaMioloindd 32 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 33 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil regional devido às deficiências de desenho à falta de coordenação à não seletividade e à suscetibilidade à influência de grupos de interesse Sob tais condições o modelo tributário estimulou a guerra fiscal do ICMS e do ISS Isto é um jogo não cooperativo de competição predatória via concessão excessiva de benefícios fiscais entre as unidades dos entes federados que com o intuito de atrair empreendimentos econômicos de cada unidade culminou na corrosão das bases tributáveis de todas elas Além disso esse jogo resultou em ineficiências na alocação dos investimentos e em práticas de planejamento tributário agressivo pelas empresas As duas propostas de reforma tributária impedem esse tipo de guerra fiscal predatória ao instituírem o novo IBS arrecadado integralmente no destino e com legislação uniforme no território nacional vedando a concessão autônoma de benefícios fiscais A perda de autonomia para a concessão de benefícios fiscais implica a perda de um instrumento de política regional o qual a despeito do seu esgotamento e das suas notáveis ineficiências é um dos poucos disponíveis para os governos subnacionais Não por acaso as duas propostas de reforma tributária estabelecem entre suas diretrizes a necessidade de substituição do uso de benefícios fiscais por outro formato de política de desenvolvimento regional A referência à política de desenvolvimento regional é feita de maneira mais vaga na proposta da Câmara A justificativa da PEC no 452019 apresenta uma defesa genérica em favor da alocação de recursos da União para reforçar essa política sem entrar em detalhes sobre as fontes e os critérios de aplicações dos recursos que caberiam à legislação infraconstitucional A proposta do Senado vai um pouco além ao incluir um dispositivo determinando que os entes federados constituirão dois fundos para equalizar as disparidades de receita per capita entre as unidades dos entes federados um estadual e outro municipal com recursos destinados a investimentos em infraestrutura A regulamentação ficará a cargo de uma lei complementar que poderá prever a hipótese de destinação de parcela da arrecadação de impostos para os dois fundos Em outras palavras a proposta do Senado avança no sentido de determinar explicitamente que sejam constituídos dois fundos para custear uma nova política de desenvolvimento regional mas não esclarece como se daria a operacionalidade dos fundos em termos de gestão critérios de alocação e fontes de recursos TD199419ReformatributariaMioloindd 33 17122019 170722 34 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 A desconfiança em torno do redesenho da política regional talvez seja a principal fonte de resistência à reforma tributária por parte dos representantes dos governos estaduais e municipais É claro que a migração para o novo modelo de arrecadação e partilha que prioriza o destino já embute um efeito de equalização fiscal que redistribui receitas em favor das localidades com menor grau de desenvolvimento socioeconômico parte das quais poderia ser canalizada para uma política de desenvolvimento regional muito mais eficiente que a promovida hoje via guerra fiscal Isso não esgota a questão porém pela perspectiva dos entes subnacionais que demandam um instrumento específico de combate às desigualdades Na ausência de uma definição mais precisa sobre o formato de um fundo de custeio da nova política regional e que pode complementarmente ter a atribuição de compensar perdas nos orçamentos de entes federados seguirá sendo difícil contornar as resistências dos representantes dos governos dos entes da Federação Uma saída para esse impasse é o Executivo federal assumir um papel de protagonista durante o processo de aprovação da reforma tributária cabendo à União abrir mão de receitas para viabilizar a constituição do novo fundo regional e atuar na coordenação dos governos subnacionais com o objetivo de alcançar uma solução consensual para o formato desse fundo 27 Uniformização de alíquotas e devolução de impostos para famílias de baixa renda A proposta da Câmara preserva a autonomia para que cada estado e município fixe sua alíquota do IBS mas exige que essa alíquota seja única para todos os bens e serviços consumidos dentro da jurisdição local Essa uniformização representa uma mudança radical em relação ao quadro atual de alíquotas muito díspares entre os bens e serviços No caso do ICMS por exemplo as alíquotas efetivas de produtos como a gasolina chegam a se situar entre 25 e 32 em todos os estados do país enquanto outros produtos são praticamente isentos em função da diferenciação de alíquotas e outros benefícios fiscais muitas vezes concedidos por critérios que carecem de justificativas sociais e econômicas Por um lado a uniformização das alíquotas incidentes sobre bens e serviços equaliza tratamentos tributários que eliminariam uma série de arbitrariedades do nosso sistema Por outro ela inviabiliza o uso de alíquotas diferenciadas para fins de políticas distributivas TD199419ReformatributariaMioloindd 34 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 35 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Sobre esse aspecto a proposta do Senado é um pouco mais flexível Ela define que o IBS terá uma alíquotapadrão para a maioria dos bens e serviços e possíveis alíquotas diferenciadas ou benefícios fiscais para bens e serviços específicos definidos na lei complementar que regulamentará o imposto A PEC no 1102019 inclusive delimita uma lista prévia de bens e serviços passíveis de receberem tratamento diferenciado o que inclui alimentos medicamentos transporte público coletivo bens do ativo imobilizado saneamento básico e educação Tal flexibilização cria alguma margem para a persecução de objetivos distributivos pela diferenciação de alíquotas do IBS com o escopo reduzido às exceções previstas na legislação nacional É importante ter em mente que a uniformização das alíquotas sobre bens e serviços não necessariamente tornaria o perfil da tributação mais regressivo no sentido de onerar proporcionalmente mais a renda dos mais pobres que a dos mais ricos Para avaliar essa hipótese procedemos a uma análise comparativa da incidência das atuais alíquotas diferenciadas em relação a uma alíquota uniforme No gráfico 2 apresentamos as proporções dos cinco principais tributos sobre bens e serviços IPI PIS Cofins ICMS e ISS na renda média domiciliar per capita de cada um dos décimos da distribuição extraídas do trabalho seminal de Silveira 2012 que aplica as inúmeras legislações de alíquotas desonerações e isenções tributárias para cada um dos produtos constantes na cesta de consumo das famílias da Pesquisa de Orçamento Familiar POF do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE De posse dos microdados da matriz de incidência tributária Silveira 2012 foi realizado um exercício de simulação contrafactual que consiste em recalcular os pesos dos impostos na renda dos domicílios caso as alíquotas diferenciadas dos cinco tributos fossem substituídas por uma alíquota uniforme que gera o mesmo nível de arrecadação14 14 É preciso ressalvar que esse é um mero exercício de simulação estática que capta apenas o efeito dos impostos no consumo final Uma avaliação mais precisa que foge do escopo deste texto deve levar em consideração efeitos dinâmicos e os impostos embutidos nos insumos dado que o atual modelo de tributação de bens e serviços possui uma natureza cumulativa TD199419ReformatributariaMioloindd 35 17122019 170722 36 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 GRÁFICO 2 Peso dos impostos atuais com alíquotas diferenciadas IPI PIS Cofins ICMS e ISS e do IBS com alíquota uniforme por décimos da distribuição da renda domiciliar per capita Em 0 5 10 15 20 25 30 Impostos diretos IPI PIS Cofins ICMS e ISS IBS Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto Sétimo Oitavo Nono Décimo Média 40 29 267 243 201 182 187 170 38 47 172 157 166 152 50 160 147 55 150 140 62 143136 79 137135 119 101 112 86 131131 36 Fonte Silveira 2012 Elaboração dos autores Os resultados mostram que os impostos sobre bens e serviços IPI PIS Cofins ICMS e ISS são claramente regressivos Eles incidem proporcionalmente mais sobre a renda dos mais pobres começando em 267 da renda do primeiro décimo da distribuição e caindo gradualmente até 101 da renda do décimo mais rico Nosso exercício sugere que a substituição por uma alíquota uniforme atenua um pouco o perfil regressivo da tributação A incidência de impostos continua decrescendo à medida que caminhamos da base para o topo da distribuição de 243 da renda do décimo mais pobre para 112 da renda do mais rico Os pesos dos impostos na renda contudo caem um pouco para os nove primeiros décimos da distribuição e a única exceção é o décimo mais rico que vê sua tributação ligeiramente aumentada Tais resultados estão alinhados aos de outros estudos da OCDE que sugerem que as alíquotas diferenciadas são além de ineficientes regressivas no sentido de beneficiar mais as famílias ricas que as pobres tanto em termos absolutos como em termos relativos OECD 2016 p 47 OECD e KIPF 2014 À luz desses resultados não se pode afirmar com assertividade que a uniformização de alíquotas sobre bens e serviços tornaria o sistema tributário brasileiro mais regressivo Isso não significa deixar de reconhecer que a revisão de algumas alíquotas especiais e isenções como aquelas que TD199419ReformatributariaMioloindd 36 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 37 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil incidem sobre cesta básica e medicamentos pode ter o impacto relevante de reduzir o poder de compra de famílias de baixa de renda Para evitar esse efeito as propostas da Câmara e do Senado definem entre suas diretrizes a instituição de um mecanismo de devolução parcial do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda A devolução pode ser operacionalizada via transferências de renda para famílias identificadas no cadastro de programas sociais do governo federal O montante a ser transferido pode ser definido a partir do cruzamento de dados de Cadastro de Pessoa Física CPF declarados pelos contribuintes no ato das suas compras algo semelhante ao que já ocorre em programas de restituição de créditos tributários presentes em vários estados brasileiros ou de maneira mais simples por estimativa do valor do imposto contido na cesta média de consumo das famílias As duas propostas remetem a uma lei complementar que ficará responsável por definir os critérios e a forma pela qual será realizada a devolução de imposto para as famílias de baixa renda Um mecanismo bem desenhado de transferência de renda que devolvesse parte do IBS pago pelos mais pobres pode neutralizar parcialmente sua regressividade Suponhase por exemplo que se desejasse fazer com que a incidência de impostos pósdevolução nos três primeiros décimos da distribuição convergisse para a média nacional de 131 no gráfico 2 Para tanto seria necessário devolver 46 do imposto pago pelas famílias do décimo mais pobre do país 28 do segundo décimo e 23 do terceiro com um custo total estimado em R 189 bilhões ou 13 das receitas do IBS Uma proposta mais ousada que estenda essa convergência para o quarto e quinto décimos da distribuição devolvendo respectivamente 17 e 14 do imposto pago pelas famílias teria um custo total de R 307 bilhões ou 2 das receitas do IBS O resultado final seria converter o perfil de incidência do IBS pósdevolução às famílias mais pobres em aproximadamente neutro sobre a distribuição de renda A ausência de progressividade em um imposto como o IBS por si só não é um problema O ideal é que o sistema tributário seja avaliado sob uma perspectiva sistêmica em que não há a necessidade de todas as partes do sistema perseguirem simultaneamente todos os objetivos O principal objetivo de um IVA moderno é arrecadatório dada a sua maior capacidade de levantar com menos distorções as receitas de que os governos necessitam para alcançar suas metas distributivas e de gasto TD199419ReformatributariaMioloindd 37 17122019 170722 38 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 Seu eventual efeito regressivo não será um problema desde que seja compensado pelas outras partes do sistema como é o caso do Imposto de Renda de Pessoa Física IRPF considerado um instrumento tributário muito mais apropriado para perseguir objetivos distributivos ou quando o potencial arrecadatório do IVA é canalizado para reforçar instrumentos das políticas social setorial e regional Há outros caminhos para se perseguir a progressividade do sistema tributário brasileiro que exploraremos nas considerações finais deste texto De todo modo a simples uniformização das alíquotas pretendida pelas propostas de reforma tributária que instituem o IBS combinada com um mecanismo de devolução parcial do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda atenua um pouco a regressividade da tributação de bens e serviços no Brasil 3 SIMULAÇÕES DE IMPACTO SOBRE A PARTILHA FEDERATIVA A reforma tributária como visto anteriormente foi concebida para ser neutra do ponto de vista da carga tributária global e da distribuição vertical de receita entre as três esferas da Federação mas poderá ter significativa repercussão sobre a distribuição horizontal entre estados e municípios Tomando como referência a proposta da Câmara esses impactos distributivos têm origem em três vetores i a adoção de uma base ampla de tributação sobre o consumo de bens e serviços com alíquota única ii a adoção plena do princípio do destino na atribuição de quem detém o direito de arrecadar o imposto sobre as transações interestaduais e intermunicipais em substituição aos modelos híbridos do ICMS e do ISS que priorizam o princípio da origem e iii a redistribuição da cota municipal no IBS estadual pelo critério populacional em vez do valor adicionado fiscal A fim de avaliar esses potenciais impactos distributivos o primeiro e principal desafio deste estudo foi estimar uma boa proxy de como o consumo de bens e serviços nova base tributável do IBS distribuise no país não só entre os estados mas também entre os municípios Isso porque precisamos estimar os efeitos da substituição do ICMS pelo IBS estadual e do ISS pelo IBS municipal Como é sabido o Sistema de Contas Nacionais SCN não possui estimativas do consumo das famílias desagregadas por município tampouco por estado Dessa forma a estratégia utilizada para mensurar a participação de cada estado e município na nova TD199419ReformatributariaMioloindd 38 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 39 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil base tributável foi partir da renda aferida pelo último censo do IBGE de 2010 e da propensão média a consumir de cada Unidade da Federação UF calculada a partir dos dados da POF de 2008200915 Notese que o fato de as informações serem de uma década atrás não prejudica sua aplicação neste exercício de simulação pois não estamos interessados em medir o valor do consumo em termos absolutos em cada estado e município mas apenas em termos relativos Ou seja o que importa é obter uma proxy razoável de qual seria a participação de cada ente federado no consumo total É claro que essas participações podem ter se alterado ao longo da década devido aos distintos ritmos de crescimento da renda em cada local e região Por isso corrigimos os valores de consumo inicialmente estimados pela variação do PIB de cada município entre 2010 e 2016 e extraímos uma média entre as participações relativas obtidas em cada um dos dois períodos de tempo16 Sendo assim chegamos à proxy a ser utilizada nas simulações de qual seria a arrecadação de cada ente federado caso as mudanças fossem implementadas de imediato ou seja sem a regra de transição Esse exercício hipotético serve para avaliar o potencial distributivo de longo prazo da reforma comparando o que cada ente arrecada hoje com o que arrecadaria caso o novo modelo previsto já estivesse em vigor Por certo a proxy utilizada tem suas imperfeições e os efeitos da reforma tributária e do crescimento econômico futuro alterarão as participações relativas consideradas Contudo o objetivo do estudo não é prever com exatidão quanto cada ente receberá de receita e sim analisar qualitativamente as tendências redistributivas Ou seja quem são os potenciais ganhadores e perdedores com a reforma Sendo assim os números que apresentaremos na sequência devem ser interpretados com cautela Essa perspectiva qualitativa exige que o foco seja maior sobre os sinais positivos ou negativos que sobre 15 Os resultados da POF 20172018 não estavam disponíveis na fase de elaboração deste estudo e por isso não foram considerados nas estimativas Uma análise preliminar desses dados indica algumas alterações relevantes na participação de cada UF no consumo nacional provavelmente decorrentes de mudanças metodológicas São Paulo por exemplo elevou sua participação no consumo de 278 para 296 entre as duas POFs o que tende a reduzir significativamente as estimativas de sua perda agregada com a reforma tributária 16 Decidimos utilizar a média dos coeficientes de participação obtidos para 2010 e 2016 por cautela uma vez que a estimativa de consumo de 2016 é mais atual mas foi obtida pela variação do PIB entre os dois períodos que é uma proxy bastante imperfeita do que pode ter ocorrido com o consumo especialmente se lembrarmos os impactos da crise sobre a composição do produto Então optouse por considerar a média entre os dois pontos do tempo TD199419ReformatributariaMioloindd 39 17122019 170722 40 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 as magnitudes dos ganhos e perdas Mesmo porque a regra de transição contribuirá na prática para suavizar os impactos distributivos ao longo do tempo Inicialmente apresentamos um quadro comparativo entre a receita atual de ICMS e ISS por UF tendo como base 2018 e a receita potencial com o novo IBS caso a migração fosse feita de maneira abrupta A tabela 3 provê uma ideia inicial dos efeitos distributivos de longo prazo da reforma Suas duas últimas colunas indicam em termos relativos qual a participação atual de cada UF no bolo dos impostos sobre consumo seja no cenário atual com o ICMS e o ISS seja no potencial com o novo IBS TABELA 3 Distribuição da receita atual de ICMS e ISS comparada à estimativa potencial do IBS UF ICMS R milhões IBS estadual R milhões ISS R milhões IBS municipal R milhões ICMS ISS R milhões IBS estadual municipal R milhões Diferença R milhões ICMS ISS IBS estadual municipal Acre 14131 17567 1183 2392 15314 19959 464 03 04 Alagoas 42679 51965 3808 7075 46487 59040 1255 09 11 Amazonas 92763 78478 7733 10685 100496 89163 1133 18 16 Amapá 8551 17127 964 2332 9515 19459 994 02 04 Bahia 235076 263796 25686 35918 260763 299713 3895 48 55 Ceará 119668 144009 13889 19608 133557 163617 3006 24 30 Distrito Federal 81353 108510 17116 14774 98469 123284 2482 18 23 Espírito Santo 101355 84969 11416 11569 112771 96538 1623 21 18 Goiás 156912 157797 13284 21485 170197 179282 909 31 33 Maranhão 69498 106320 8456 14476 77954 120796 4284 14 22 Minas Gerais 492277 433904 41195 59079 533473 492983 4049 98 90 Mato Grosso do Sul 85687 63941 7358 8706 93045 72648 2040 17 13 Mato Grosso 104384 88534 9043 12055 113428 100588 1284 21 18 Pará 109176 155707 11407 21201 120583 176908 5632 22 32 Paraíba 55468 68598 4266 9340 59734 77938 1820 11 14 Pernambuco 156654 155258 16490 21139 173144 176397 325 32 32 Piauí 44820 55630 3688 7574 48508 63204 1470 09 12 Paraná 300814 305862 31920 41645 332733 347507 1477 61 64 Rio de Janeiro 423876 470208 84559 64022 508435 534230 2579 93 98 Rio Grande do Norte 56623 64513 6220 8784 62843 73297 1045 11 13 Rondônia 36953 37751 2828 5140 39780 42891 311 07 08 Roraima 8795 11866 877 1616 9673 13482 381 02 02 Rio Grande do Sul 348386 308867 28139 42054 376526 350922 2560 69 64 Santa Catarina 213066 201189 19356 27393 232421 228583 384 43 42 Sergipe 34581 40396 4314 5500 38895 45896 700 07 08 São Paulo 1390246 1281015 277615 174419 1667861 1455434 21243 305 266 Tocantins 28520 38536 2419 5247 30939 43783 1284 06 08 Total 4812310 4812310 655230 655230 5467540 5467540 1000 1000 Elaboração dos autores TD199419ReformatributariaMioloindd 40 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 41 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Podese verificar que oito UFs tendem a perder em termos relativos participação no novo IBS enquanto dezenove tendem a ganhar Ganham justamente as UFs consumidoras líquidas ou seja que consomem mais do que produzem e em geral são as mais pobres É importante observar contudo que essa análise preliminar considera a UF como o conjunto formado pelo governo do estado e por todos os municípios desse estado ou seja não permite ainda avaliar o impacto distributivo dentro de cada UF entre os diferentes municípios e entre estes e o estado Por exemplo embora São Paulo apareça como a UF com maior valor absoluto de perda existem municípios paulistas que potencialmente ganhariam com a reforma como veremos adiante17 Além disso o caso de São Paulo ilustra outro fenômeno interessante de se destacar os dados indicam que a reforma tributária sintetizada na mudança origemdestino afetaria de forma mais substancial a participação paulista no ISS que no ICMS E isso se explica em parte pela agressiva guerra fiscal promovida por alguns municípios paulistas como Barueri e Poá que oferecem incentivos fiscais para que administradoras de cartão de crédito operadoras de leasing e outros prestadores de serviços fixem seus escritórios centrais nessas cidades Dessa maneira devido à cobrança do ISS na origem tais municípios acabam concentrando uma arrecadação muito maior do que o esperado pelo simples diferencial de PIB ou de desenvolvimento econômico Essa distorção alocativa fica muito clara quando verificamos que o ICMS de São Paulo representa 289 do montante nacional enquanto o ISS dos municípios paulistas chega a 424 do total Com a unificação das bases tributáveis e alíquotas dos dois impostos e sua cobrança no destino a participação paulista no IBS tanto estadual como municipal convergiria para 266 que é a estimativa aproximada de quanto do consumo nacional está concentrado em São Paulo Mais uma vez porém convém lembrar que essa redução na participação paulista no ISS ou melhor no seu substituto o IBS municipal não implica que todos ou que a maioria dos municípios paulistas potencialmente perderiam com a mudança Basta que um município tenha uma base de consumo mais ampla que a base que 17 Lembrando que a perda de São Paulo pode ser menor que a apontada segundo indicam os novos números da POF 20172018 que só foram divulgados na fase de revisão deste texto Qualitativamente porém a natureza dos impactos não se altera e indica ganhos no longo prazo para as UFs mais pobres TD199419ReformatributariaMioloindd 41 17122019 170722 42 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 ele tributa hoje com o ISS para que venha a ganhar arrecadação no novo modelo Além disso ganhosperdas dos municípios com o IBS municipal podem em alguns casos ser neutralizados por perdasganhos na partilha da cotaparte do IBS estadual substituto do ICMS no qual os municípios participam com 25 No caso do Distrito Federal e do Rio de Janeiro por exemplo o menor volume da estimativa de IBS municipal em relação ao ISS atual é mais do que compensado pelo aumento do IBS estadual em comparação com o ICMS que também tende a beneficiar a maioria dos municípios fluminenses No Espírito Santo e em Mato Grosso do Sul ao contrário a queda relativa na estimativa do IBS estadual é muito mais acentuada que o ganho com o IBS municipal ocasionando perdas não apenas para o estado a exemplo de São Paulo Minas Gerais Rio Grande do Sul e Santa Catarina como também para muitos municípios Nacionalmente os grandes ganhadores com a reforma tributária são os estados e municípios do Nordeste e do Norte com exceção de Amazonas destacandose os casos de Pará e Maranhão com estimativas da ordem de R 56 bilhões e R 43 bilhões respectivamente o que representa uma oportunidade fiscal importante para que essas unidades potencializem sua infraestrutura Bahia Ceará Paraíba Alagoas e Rio Grande do Norte além dos exterritórios também apresentam estimativas de ganho expressivas De modo geral podese verificar pela tabela 4 que todos os estados de baixa renda tendem a ser beneficiados com a reforma canalizando 725 da estimativa de R 34 bilhões redistribuídos ao longo do tempo Já os estados mais ricos da Federação entre os quais estão alguns do CentroOeste pelo seu elevado PIB per capita tendem a perder R 275 bilhões embora Rio de Janeiro Distrito Federal e Paraná sejam potenciais ganhadores o que nos oferece um importante insumo de informação quando analisarmos o impacto distributivo de outras mudanças na partilha federativa18 18 Os estados foram divididos em três grupos de acordo com seu nível de PIB per capita renda baixa até R 20 mil por habitante renda média entre R 20 mil e R 30 mil e renda alta acima de R 30 mil TD199419ReformatributariaMioloindd 42 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 43 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil TABELA 4 Efeitos distributivos potenciais por nível de renda Renda UF PIB per capita R Ganho no longo prazo R 1 mil Perda no longo prazo R 1 mil Baixa Acre 16712 464499 Alagoas 14614 1255342 Amapá 18193 994387 Bahia 16805 3895043 Ceará 15323 3005997 Maranhão 12173 4284221 Pará 16500 5632457 Paraíba 14664 1820446 Pernambuco 17637 325356 Piauí 12794 1469605 Rio Grande do Norte 17041 1045402 Sergipe 17026 700106 Média Amazonas 22079 1133303 Espírito Santo 27283 1623326 Goiás 26933 908571 Minas Gerais 25745 4048987 Rondônia 21909 311044 Roraima 21254 380908 Tocantins 20445 1284369 Alta Distrito Federal 78511 2481548 Mato Grosso do Sul 33993 2039745 Mato Grosso 37184 1283914 Paraná 35460 1477412 Rio de Janeiro 38195 2579486 Rio Grande do Sul 35937 2560411 Santa Catarina 36864 383847 São Paulo 45203 21242667 Total 30180 34316199 34316199 Baixa 15807 24892861 Média 25292 2884891 6805616 Alta 41738 6538446 27510583 Elaboração dos autores Antes disso no entanto vamos introduzir outra variável de interesse na análise dos efeitos distributivos a RCL per capita das UFs que foi obtida pela soma de todas as receitas tributárias e de transferências correntes dos entes federados A consolidação das contas das 27 UFs e seus 5568 municípios mereceria um capítulo à parte em razão do grau de complexidade e dificuldade envolvido na coleta na padronização e na correção de inconsistências nos dados disponíveis especialmente na esfera municipal mas tal detalhamento acabaria por tirar o foco deste estudo19 19 Suscintamente a consolidação requereu a utilização de diferentes fontes de informação de balanços elaborados pelos próprios entes subnacionais para dados provenientes de bases nacionais e federais Assim foi possível testar a consistência dos números declarados e construir uma matriz de transferências intergovernamentais dandose continuidade a outros trabalhos dos autores de reconstrução de estatísticas fiscais como Gobetti e Orair 2017 TD199419ReformatributariaMioloindd 43 17122019 170722 44 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 A partir da consolidação das receitas correntes por UF é possível verificar pela tabela 5 o quão distinto é o peso do ICMS e do ISS para as regiões do país Enquanto no Sul no Sudeste e no CentroOeste esses dois impostos representam mais de 40 da receita líquida e em alguns casos ultrapassam os 50 no Norte e Nordeste se situam em torno de 30 Essa diferença tende a se reduzir com a reforma tributária na medida em que o IBS seria proporcional ao consumo e portanto embora correlacionado com a renda menos concentrado e menos desigual que o ICMS e o ISS variando de R 17 mil per capita no Maranhão a R 32 mil em São Paulo TABELA 5 Efeitos potenciais da reforma sobre a RCL per capita estados mais municípios ranking da maior para a menor RCL per capita atual Em R UF RCL atual RCL pósreforma ICMS ISS IBS Diferença Distrito Federal 12079 12914 3310 4144 834 Roraima 8899 9560 1678 2338 661 Acre 7845 8379 1762 2296 534 Mato Grosso 7690 7317 3295 2922 373 Mato Grosso do Sul 7688 6945 3386 2644 742 Tocantins 7589 8414 1989 2815 826 Amapá 7475 8674 1147 2346 1199 São Paulo 7024 6557 3662 3196 466 Rio Grande do Sul 6960 6734 3323 3097 226 Santa Catarina 6819 6765 3285 3231 54 Rio de Janeiro 6740 6891 2963 3113 150 Paraná 6584 6714 2932 3062 130 Rondônia 6459 6636 2263 2440 177 Espírito Santo 6380 5972 2839 2430 409 Goiás 5884 6015 2459 2590 131 Sergipe 5827 6135 1707 2014 307 Minas Gerais 5629 5437 2535 2343 192 Amapá 5607 5330 2463 2185 278 Piauí 5374 5824 1486 1936 450 Rio Grande do Norte 5236 5537 1806 2107 300 Alagoas 5013 5391 1399 1777 378 Pernambuco 4876 4910 1823 1858 34 Paraíba 4813 5268 1495 1950 456 Bahia 4681 4944 1760 2023 263 Ceará 4481 4812 1472 1803 331 Pará 4357 5019 1416 2078 662 Maranhão 4207 4816 1108 1717 609 Média 6127 2622 0 Elaboração dos autores Notese contudo que as disparidades na RCL per capita entre as UFs sobreviveriam a essa reforma tributária porque outros dispositivos geradores de distorções presentes TD199419ReformatributariaMioloindd 44 17122019 170722 Texto para Discussão 2 5 3 0 45 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil no nosso modelo federativo não seriam alterados É o caso do Fundo Constitucional do Distrito Federal FCDF e dos critérios de repartição do FPE responsáveis por colocar a capital federal e os exterritórios no topo do ranking da RCL per capita Como já destacado a reforma tributária teria um efeito positivo sobre a receita per capita dos estados mais pobres do Nordeste além de beneficiar UFs que hoje são privilegiadas por esses outros fundos Tal constatação porém não representa uma crítica à proposta de reforma tributária em debate e sim aos outros elementos do nosso modelo federativo que geram tais distorções Os fundos de participação deveriam desempenhar segundo a nossa Constituição uma função equalizadora ou redutora das desigualdades regionais mas não cumprem adequadamente essa função uma vez que seus critérios de repartição beneficiam desproporcionalmente os exterritórios e alguns estados que ao longo das últimas décadas cresceram aceleradamente como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul Em contrapartida o FCDF criado para auxiliar no financiamento dos serviços públicos da capital federal talvez justificável há décadas agigantouse de tal forma que sozinho hoje proporciona uma receita de mais de R 45 mil por habitante ao ano cifra que a título de auxílio financeiro para saúde educação e segurança públicas supera a receita tributária per capita do estado mais rico da Federação São Paulo Ou seja o Distrito Federal acumula receitas tributárias e transferências de estado e município que lhe proporcionam uma receita per capita de R 87 mil segunda maior do país e depois disso ainda recebe um complemento especial da União R 137 bilhões em 2018 que eleva sua dotação orçamentária final para R 121 mil por habitante ao ano Quiçá a aprovação da reforma tributária ou até mesmo o debate em torno dos seus possíveis efeitos distributivos que são globalmente positivos abra caminho para que outras reformas sejam feitas no sistema de partilha federativa Uma dessas reformas já aprovada no Congresso e atualmente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal STF diz respeito aos critérios de distribuição dos royalties do petróleo que como veremos a seguir é responsável junto com a cotaparte do ICMS pelas maiores distorções de receita per capita no âmbito municipal A tabela 6 evidencia esse problema ao confrontar a realidade dos municípios que possuem as trinta maiores receitas per capita do país em 2018 com a dos que possuem TD199419ReformatributariaMioloindd 45 17122019 170722 46 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 as dez menores e ao mostrar que em geral os casos de abundância extrema de recursos se explicam por dois fatores royalties de petróleo eou valor desproporcionalmente alto de ISS ou cotaparte de ICMS TABELA 6 Efeitos potenciais da reforma sobre a receita per capita dos trinta municípios mais ricos e dos dez mais pobres ranking das trinta maiores receitas per capita atuais Em R UF Municípios População RCL préreforma ISS e ICMS1 Royalties Outras RCL pósreforma Diferença Espírito Santo Presidente Kennedy 11488 36961 990 26686 9285 36443 518 São Paulo Ilhabela 34333 27741 623 21891 5227 28356 614 Rio Grande do Norte Guamaré 15349 15784 11815 1194 2775 4667 11117 Minas Gerais Serra da Saudade 786 15317 2112 13205 13821 1496 Minas Gerais São Gonçalo do Rio Abaixo 10818 15182 6936 5947 2300 8791 6391 Goiás Alto Horizonte 6218 15068 3648 3122 8298 12029 3038 Mato Grosso do Sul Santa Rita do Pardo 7801 14502 1310 179 13013 13834 667 São Paulo Borá 836 14474 4141 10333 11080 3394 Rio Grande do Sul Engenho Velho 1088 14006 1887 12119 13154 852 Bahia São Francisco do Conde 39338 12975 9229 821 2925 4395 8580 Tocantins Lajeado 3101 12704 5711 92 6900 7964 4740 Rio de Janeiro Maricá 157789 12474 1162 9031 2281 12385 89 São Paulo Paulínia 106776 12171 8774 5 3392 4385 7786 Mato Grosso Araguainha 956 11617 1987 9631 10334 1284 Paraná Jardim Olinda 1343 11364 1424 226 9715 10765 599 Espírito Santo Itapemirim 34032 11332 1319 7148 2865 10543 789 Rio Grande do Sul Pinhal da Serra 1965 11305 4172 931 6201 7877 3428 Rio de Janeiro São João da Barra 36138 11220 3536 4588 3096 8499 2721 São Paulo Nova Castilho 1255 11217 2353 8864 9620 1597 São Paulo São Sebastião 87596 10772 1358 1573 7841 10155 617 São Paulo Uru 1177 10652 2861 90 7702 8664 1989 Minas Gerais Jeceaba 4973 10494 6830 3665 4515 5979 São Paulo Barueri 271306 10212 6945 8 3259 4194 6018 Minas Gerais Grupiara 1389 10044 1283 2281 6480 9402 643 Paraná Itaipulândia 10961 9919 999 6222 2698 9835 84 Rio Grande do Sul Capão Bonito do Sul 1668 9880 3013 6866 7589 2291 Rio de Janeiro Quissamã 24246 9856 3697 3800 2359 6951 2905 Paraná Saudade do Iguaçu 5459 9774 6181 282 3312 4369 5406 Rio Grande do Sul Lagoa dos Três Cantos 1611 9773 2088 7685 8555 1218 Rio Grande do Sul União da Serra 1192 9712 2564 7148 8134 1578 Pará Bragança 126436 1282 101 0 1181 1818 536 Goiás Águas Lindas de Goiás 207070 1262 97 0 1164 1825 563 Pará Vigia 53191 1261 130 1 1131 1754 493 Rio de Janeiro São João de Meriti 471888 1245 256 32 956 1872 627 São Paulo Carapicuíba 398611 1234 310 5 920 1792 557 Pará Ananindeua 525566 1216 215 0 1000 1670 455 Amapá Santana 119610 1188 303 0 885 1617 429 Goiás Novo Gama 113679 1182 65 0 1117 1801 619 Minas Gerais Ribeirão das Neves 331045 1133 220 0 913 1541 408 Rio de Janeiro São Gonçalo 1077687 1045 249 20 776 1673 629 Elaboração dos autores Nota 1 O sinal referese à soma da receita municipal com a cotaparte da Lei Kandir e do IPI exportação que são repartidos pelo mesmo critério da cotaparte do ICMS TD199419ReformatributariaMioloindd 46 17122019 170723 Texto para Discussão 2 5 3 0 47 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Entre os municípios mais ricos em arrecadação do país está Presidente Kennedy no Espírito Santo que lidera o ranking com uma receita de R 369 mil por habitante ao ano da qual 72 provêm de royalties do petróleo No outro extremo com uma receita per capita 36 vezes menor aparece a cidade de São Gonçalo que apesar de estar localizada em um estado produtor de petróleo como o Rio recebe um valor insignificante de royalties e também de cotaparte de ICMS Enquanto a receita de São Gonçalo tende a ser incrementada significativamente no longo prazo uma estimativa da ordem de 60 com a introdução do IBS e a mudança nos critérios de partilha da cotaparte que passaria a se basear na população segundo a proposta da Câmara a receita de Presidente Kennedy tende a sofrer uma pequena redução da ordem de 14 Isso porque o ISS e a cotaparte do ICMS possuem um pequeno peso na receita do município capixaba20 Os municípios cuja abundância de receita provém justamente do ISS ou do ICMS como Guamaré Rio Grande do Norte São Francisco do Conde Bahia Paulínia São Paulo Barueri São Paulo entre outros tendem a ser mais atingidos pela mudança tributária com uma redução expressiva de sua dotação orçamentária per capita no médio e no longo prazo uma vez que a regra de transição seja implementada Em resumo a tabela 6 mostra que a reforma tributária tem um poder importante para aumentar a receita de municípios muito pobres assim como de estados pobres mas em contrapartida não é suficiente para eliminar muitos casos de receitas extraordinariamente altas na medida em que se trata de uma mudança restrita ao mecanismo de tributação do consumo e da partilha da receita dela decorrente A tabela 7 reforça essas evidências ao indicar para o conjunto dos 5568 municípios brasileiros exceto Fernando de Noronha que não possui prefeitura que a reforma tributária tende a elevar a receita mínima per capita em absolutamente todas as UFs do país mesmo nas regiões mais ricas e a equalizar um pouco a receita média per capita reduzindo as diferenças entre as médias estaduais Ela no entanto tem o poder 20 Tal tendência não se alteraria qualitativamente se utilizássemos o critério da proposta do Senado para a distribuição da cotaparte dos municípios no IBS estadual Em vez da população a proposta do Senado prevê que o próprio consumo seja base para a partilha TD199419ReformatributariaMioloindd 47 17122019 170723 48 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 limitado de eliminar situações de arrecadação desproporcionalmente altas na medida em que nem todos os casos de discrepância desse tipo são explicados pelo ISS ou pela cotaparte do ICMS TABELA 7 Efeitos potenciais da reforma tributária na receita per capita municipal Em R UF RCL per capita atual RCL per capita pósreforma Mínimo Máximo Média Mínimo Máximo Média Acre 1467 3195 2034 1780 3234 2282 Alagoas 1955 6117 3031 2258 6260 3253 Amazonas 1391 9404 2367 1646 7631 2417 Amapá 1188 4194 1975 1617 3700 2295 Bahia 1413 12975 2532 1779 6269 2734 Ceará 1512 6488 2447 1815 6042 2645 Distrito Federal Espírito Santo 1616 36961 3637 1783 36443 3481 Goiás 1182 15068 3754 1801 12029 3633 Maranhão 1440 7234 2339 1941 5423 2704 Minas Gerais 1133 15317 2899 1541 13821 2952 Mato Grosso do Sul 2294 14502 4232 2457 13834 3837 Mato Grosso 1639 11617 3826 1983 10334 3583 Pará 1216 9709 2304 1670 8027 2638 Paraíba 1553 7028 2867 1787 7024 3142 Pernambuco 1363 8017 2282 1566 3932 2433 Piauí 1673 8901 2805 2108 9289 3159 Paraná 1574 27888 3998 2199 26823 3949 Rio de Janeiro 1045 12474 4299 1673 12385 3896 Rio Grande do Norte 1660 15784 3158 2018 7446 3291 Rondônia 1774 9041 2913 2097 6082 2923 Roraima 1472 2921 2009 1753 3163 2304 Rio Grande do Sul 1582 14006 4628 2172 13154 4318 Santa Catarina 2058 9602 4111 2352 8140 3882 Sergipe 1395 7556 3052 1772 6632 3083 São Paulo 1234 27741 3842 1792 28356 3639 Tocantins 1704 12704 3246 2303 8137 3533 Total 1045 36961 3321 1541 36443 3330 Elaboração dos autores TD199419ReformatributariaMioloindd 48 17122019 170723 Texto para Discussão 2 5 3 0 49 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Nesse sentido a reforma tributária deve servir como ponto de partida para um processo mais amplo de revisão do nosso modelo de partilha federativa que englobe as regras de distribuição dos royalties e avance para as regras de distribuição dos FPEs e FPMs Por fim concluímos esta seção apresentando uma tabela com o resumo dos efeitos da reforma tributária na esfera municipal contabilizando quantos municípios ganham e quantos perdem com as mudanças na tributação do consumo e na forma de distribuição dos recursos Além do impacto direto da substituição do ISS e do ICMS pelo IBS municipal e estadual estimamos o efeito indireto sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundeb que é formado hoje por 20 de algumas receitas entre as quais o ICMS e sobre as transferências federais e estaduais que se baseiam no critério da cotaparte do ICMS Como o critério de distribuição atual baseado predominantemente no valor adicionado seria modificado para a população isso afetaria não só o rateio da cotaparte do IBS estadual como também os repasses da Lei Kandir e do chamado Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados FPEX ou IPI exportação 10 da receita de IPI destinada a compensar os estados exportadores de produtos industrializados sendo 25 dos recursos divididos entre seus municípios Ao considerar esse conjunto de impactos verificamos na tabela 8 que a reforma tende a beneficiar aproximadamente 70 dos municípios do país inclusive em UFs consideradas perdedoras com uma estimativa de redistribuição de receitas na esfera municipal da ordem de R 324 bilhões Além disso no agregado os municípios tendem a ter um ganho de arrecadação sobre os estados estimado em R 29 bilhões embora a reforma tenha sido concebida para ser neutra nesse quesito Isso se explica por dois fatores i os efeitos indiretos do Fundeb e ii a impossibilidade de os governos estaduais seguirem se utilizando no novo modelo tributário de fundos com parte da receita do ICMS que não é dividida com os municípios como o caso dos fundos de combate e erradicação da pobreza TD199419ReformatributariaMioloindd 49 17122019 170723 50 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 TABELA 8 Efeitos potenciais da reforma tributária sobre receitas municipais UF Número de municípios Efeito sobre a receita de ICMS e ISS versus IBS Efeito sobre a RCL inclusive reflexos do Fundeb Municípios que ganham Municípios que perdem Ganho R 1 mil Perda R 1 mil Municípios que ganham Municípios que perdem Ganho R 1 mil Perda R 1 mil Resultado líquido R 1 mil Acre 22 21 1 186721 350 22 211752 211752 Alagoas 102 93 9 592931 72550 96 6 716889 67548 649341 Amazonas 62 54 8 423771 412927 48 14 344565 490384 145819 Amapá 16 13 3 323051 18124 14 2 377791 15459 362332 Bahia 417 377 40 3035024 1350836 382 35 3404945 1323114 2081831 Ceará 184 153 31 1454697 304949 160 24 1777739 272670 1505069 Distrito Federal1 1 1 419837 1 419837 419837 Espírito Santo 78 41 37 462208 787524 27 51 365260 908667 543408 Goiás 246 137 109 1484160 505842 136 110 1498596 510768 987827 Maranhão 217 207 10 1787332 305059 209 8 2303417 261170 2042248 Minas Gerais 853 674 179 3642639 2007843 660 193 3469545 2137371 1332173 Mato Grosso do Sul 79 32 47 187601 484428 23 56 70953 615858 544905 Mato Grosso 141 58 83 462395 462553 55 86 400954 551833 150879 Pará 144 129 15 2388387 506963 133 11 2982161 433512 2548648 Paraíba 223 207 16 877198 87907 213 10 1031326 79286 952040 Pernambuco 184 165 19 1566548 1039490 165 19 1557098 1047703 509395 Piauí 224 209 15 748099 93782 212 12 858383 66007 792376 Paraná 399 223 176 2076075 1065252 222 177 2143688 1082803 1060885 Rio de Janeiro 92 38 54 2565438 2871456 38 54 2870310 2590667 279643 Continua TD199419ReformatributariaMioloindd 50 17122019 170723 Texto para Discussão 2 5 3 0 51 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil Continuação UF Número de municípios Efeito sobre a receita de ICMS e ISS versus IBS Efeito sobre a RCL inclusive reflexos do Fundeb Municípios que ganham Municípios que perdem Ganho R 1 mil Perda R 1 mil Municípios que ganham Municípios que perdem Ganho R 1 mil Perda R 1 mil Resultado líquido R 1 mil Rio Grande do Norte 167 143 24 661474 225578 146 21 753911 221790 532121 Rondônia 52 37 15 267370 35846 37 15 274651 35573 239078 Roraima 15 15 133477 15 154184 154184 Rio Grande do Sul 497 190 307 1845031 1227361 165 332 1601962 1397886 204076 Santa Catarina 295 132 163 1220493 702855 125 170 1147529 771288 376241 Sergipe 75 49 26 343396 162874 51 24 406615 149652 256964 São Paulo 645 321 324 3967281 16568096 306 339 3595763 17335108 13739345 Tocantins 139 117 22 547934 55595 124 15 645618 47750 597868 Total 5569 3836 1733 33670571 31356039 3785 1784 35385444 32413869 2971575 Elaboração dos autores Nota 1 Os cálculos para o Distrito Federal foram realizados apenas para o ISS mais 25 do ICMS a exemplo de um município TD199419ReformatributariaMioloindd 51 17122019 170723 52 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS As propostas de reforma tributária sintetizadas nas PECs nos 452019 e 1102019 originárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal respectivamente buscam modernizar e simplificar nosso modelo de tributação do consumo inaugurando um IBS nos moldes de um IVA alinhado às melhores práticas internacionais em substituição aos diversos tributos federais estaduais e municipais que hoje se sobrepõem Sob um panorama mais geral como vimos ao longo deste estudo as duas propostas têm mais similaridades que diferenças tanto nos seus possíveis efeitos sobre a economia e a vida dos contribuintes como sobre a partilha federativa na medida em que se baseiam no princípio do destino segundo o qual o imposto pertence ao local em que o bem ou o serviço é consumido Nesse sentido é preciso salientar que a reforma tributária é importante não apenas para o mundo dos negócios e para eliminar a guerra fiscal como tem se repetido exaustivamente nos últimos anos mas também para reduzir graves desequilíbrios fiscais federativos que hoje existem pela forma como as competências tributárias e os recursos são divididos entre os diferentes entes federativos Em linhas gerais ambas as propostas tendem a desconcentrar receitas em favor das unidades dos entes mais pobres ao migrar de um modelo de arrecadação e partilha dos impostos subnacionais que prioriza o princípio da origem para o que prioriza o destino ou a população no caso da partilha na proposta da Câmara Essa mudança como ficou evidenciado mudaria a forma como o ICMS é repartido atualmente e principalmente o ISS cuja receita é extremamente concentrada nas regiões mais ricas Nossas simulações indicam que a mudança origemdestino na forma como o novo IBS em substituição ao ICMS e ao ISS será apropriado por estados e municípios tem o potencial de promover uma redistribuição da ordem de R 25 bilhões das UFs mais ricas para as mais pobres cujo consumo é maior que a produção Ademais a proposta da Câmara teria um efeito distributivo adicional ao prever que a cotaparte municipal sobre o IBS estadual seja distribuída com base na população em vez de no consumo como na proposta do Senado Na esfera municipal nossas estimativas apontam para um potencial redistributivo superior a R 30 bilhões com a implementação da proposta da Câmara em claro TD199419ReformatributariaMioloindd 52 17122019 170723 Texto para Discussão 2 5 3 0 53 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil benefício aos municípios mais pobres e populosos Nem todos os municípios ricos contudo são afetados significativamente na medida em que nem sempre as receitas de ISS e ICMS são o principal fator explicativo dos maiores indicadores de receita per capita como no caso dos recebedores de royalties De modo geral a proposta da Câmara apresenta maiores impactos redistributivos que a do Senado na esfera municipal Em compensação tem prazos mais longos de transição para o novo modelo de arrecadação e partilha o que suaviza as trajetórias das receitas Pelo conjunto da obra e não apenas por essa dimensão federativa avaliamos que a proposta da Câmara provê uma solução tecnicamente mais bem desenhada que a do Senado 1 A definição de que o IBS será um imposto nacional administrado conjuntamente pelos três entes federados cada um com suas próprias alíquotas restringe sem eliminar a autonomia federativa ao contrário da alternativa de um imposto estadual partilhado que retira a competência tributária dos municípios Assegurase assim a flexibilidade para que cada estado e município altere sua alíquota de acordo com suas necessidades fiscais desde que essa alíquota seja a mesma para todos os bens e serviços 2 A utilização do IS apenas para fins extrafiscais e a vedação à concessão de benefícios fiscais do IBS diferentemente da proposta do Senado que prevê um IS com finalidade arrecadatória assim como uma maior flexibilidade para a concessão de novos benefícios fiscais que podem ser previstos na lei nacional abrindo margem para o retorno de uma série das distorções atuais por exemplo o não aproveitamento pleno dos créditos 3 O modo engenhoso como o sistema de alíquotas singulares permite tratar a questão das vinculações e repartições dando liberdade aos entes mas ao mesmo tempo oferecendo garantias mínimas de receitas para os orçamentos de áreas como a saúde e a educação e para as transferências intergovernamentais Além disso ambas as propostas preveem que a lei complementar que regulamentará o novo imposto estabeleça critérios para sua devolução às famílias mais pobres de modo a reduzir a regressividade inerente a qualquer imposto indireto Nossas estimativas indicam que o custo de implementar um mecanismo de devolução do imposto para os contribuintes de baixa renda varia entre R 18 bilhões e R 30 bilhões TD199419ReformatributariaMioloindd 53 17122019 170723 54 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 Os cálculos ainda sugerem que mesmo sem esse mecanismo de transferência um imposto com alíquota única em torno de 27 alíquota necessária para manter a mesma arrecadação atual dos impostos a ser extintos pela proposta da Câmara seria levemente menos regressivo que o modelo atual no qual as alíquotas podem ser diferenciadas Isso reforça as evidências de que a seletividade das alíquotas de ICMS principalmente não é utilizada atualmente com finalidade distributiva mas meramente arrecadatória Isso fica explícito quando verificamos que as maiores alíquotas são aplicadas para combustíveis energia elétrica e comunicações com impacto considerável sobre a cesta de consumo dos mais pobres Dessa forma o novo IBS combinado com o mecanismo de devolução de imposto aos mais pobres pode contribuir para tornar nosso modelo de tributação do consumo um pouco menos regressivo e talvez até aproximadamente neutro Por fim ressaltamos que embora não seja atribuição da reforma do IBS contornar o problema da regressividade do nosso sistema tributário seria possível embutir nas propostas em tramitação no Congresso Nacional um dispositivo explícito que contribua nesse sentido Pelos mecanismos de transição previstos nas propostas de reforma tributária as alíquotas do IBS devem ser calibradas para apenas neutralizar as perdas com os impostos a ser eliminados sem alterar ou pouco alterando a estimativa de arrecadação global Bastaria por exemplo estabelecer que a calibragem de alíquotas será feita de modo a neutralizar as perdas com os antigos impostos líquidas de medidas adicionais de ganhos de receitas A proposta também poderia estabelecer diretrizes para que essas medidas adicionais tenham como foco ampliar a arrecadação do IRPF que é considerado o instrumento por excelência para que se persigam objetivos distributivos pelo lado da arrecadação Na ausência desse tipo de medida de ganhos adicionais de receitas a alíquota do IBS deve chegar a níveis próximos de 27 segundo as nossas estimativas o que colocaria o Brasil entre os países com as maiores alíquotaspadrão de IVA do mundo ao lado da Hungria que tributa em 27 e acima de países como Noruega Dinamarca e Suécia com alíquotas de 25 Caso se avance na agenda de ampliação da arrecadação do IRPF por medidas como a revisão de deduções e isenções por exemplo a retomada da tributação de dividendos os ganhos de arrecadação seriam levados em consideração para fins de calibragem das alíquotas do IBS que ficariam abaixo de 27 no final do período de transição Tal ajuste contribuiria para ampliar a progressividade do nosso TD199419ReformatributariaMioloindd 54 17122019 170723 Texto para Discussão 2 5 3 0 55 Reforma Tributária e Federalismo Fiscal uma análise das propostas de criação de um novo imposto sobre o valor adicionado para o Brasil modelo de tributação da renda e simultaneamente diminuir os impactos regressivos da tributação sobre o consumo Na mesma linha propositiva consideramos que a reforma tributária deveria ser complementada por mudanças nos demais mecanismos de partilha do nosso modelo federativo de modo a corrigir graves distorções presentes hoje na regra de distribuição de royalties sobretudo petróleo e no rateio dos FPEs e FPMs bem como no FCDF Em resumo é preciso que a reforma tributária seja apenas o primeiro passo rumo à construção de um modelo federativo mais justo e equilibrado no qual a disparidade de dotação orçamentária entre os entes federados não seja tão grande quanto hoje em dia Tais diferenças como discutimos não têm relação com os méritos ou deméritos dos entes da Federação mas com decisões políticas tomadas no passado em relação a como os recursos são repartidos REFERÊNCIAS AFONSO J R REZENDE F VARSANO R Reforma tributária no plano constitucional uma proposta para o debate Rio de Janeiro Ipea 1998 Texto para Discussão n 606 Disponível em httpwwwipeagovbrportalimagesstoriesPDFsTDstd0606pdf ARAUJO J E C CORREIA NETO C de B Legislação tributária debates e perspectivas para a 56a legislatura 20192023 Cadernos ASLEGIS n 56 2019 Disponível em http aslegisorgbrfilescadernoscaderno564LegislacaotributariaDebateseperspectivasparaa 56legislaturaAslegis563562pdf CCIF CENTRO DE CIDADANIA FISCAL Reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços São Paulo CCiF 2017 Nota Técnica n 1 Disponível em httpccif combrwpcontentuploads201708NTIBSv11pdf GOBETTI S W ORAIR R O Resultado primário e contabilidade criativa reconstruindo as estatísticas fiscais acima da linha do governo geral Brasília Ipea 2017 Texto para Discussão n 2288 Disponível em httpwwwipeagovbrportalimagesstoriesPDFs TDstd2288pdf LUKIC M Reforma tributária no Brasil ideias interesses e instituições Curitiba Juruá 2014 OECD ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT Tax policy reforms in the OECD 2016 Paris OECD Publishing 2016 Disponível em httpswwwoecdorgctptaxpolicyreformintheoecd20169789264260399enhtm TD199419ReformatributariaMioloindd 55 17122019 170723 56 R i o d e J a n e i r o d e z e m b r o d e 2 0 1 9 OECD ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT KIPF KOREA INSTITUTE OF PUBLIC FINANCE The distributional effects of consumption taxes in OECD countries Paris OECD Publishing 2014 OECD Tax Policy Studies n 22 Disponível em httpswwwoecdorgctpconsumptionthedistributional effectsofconsumptiontaxesinoecdcountries9789264224520enhtm ORAIR R GOBETTI S Reforma tributária no Brasil princípios norteadores e propostas em debate Novos estudos CEBRAP v 37 n 2 p 213244 2018 Disponível em http wwwscielobrpdfnecv37n219805403nec3702213pdf REZENDE F et al Proposta de reforma do sistema tributário brasileiro Rio de Janeiro Ipea 1987 Texto para Discussão n 104 Disponível em httpwwwipeagovbrportal imagesstoriesPDFsTDstd0104pdf SILVEIRA F G Equidade fiscal impactos distributivos da tributação e do gasto social In STN SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL Org Finanças públicas XVII Prêmio Tesouro Nacional 2012 coletânea de monografias 1 ed Brasília STN 2012 ZOUVI A et al Reforma tributária a PEC no 233 de 2008 Brasília Consultoria Legislativa do Senado Federal 2008 Texto para Discussão n 44 Disponível em httpswww12 senadolegbrpublicacoesestudoslegislativostiposdeestudostextosparadiscussaotd44 reformatributariaapecno233de2008 TD199419ReformatributariaMioloindd 56 17122019 170723 TD199419ReformatributariaMioloindd 57 17122019 143201 Ipea Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Assessoria de Imprensa e Comunicação EDITORIAL Coordenação Reginaldo da Silva Domingos Supervisão Carlos Henrique Santos Vianna Revisão Carlos Eduardo Gonçalves de Melo Elaine Oliveira Couto Lis Silva Hall Mariana Silva de Lima Marlon Magno Abreu de Carvalho Vivian Barros Volotão Santos Laysa Martins Barbosa Lima estagiária Editoração Aline Cristine Torres da Silva Martins Mayana Mendes de Mattos Louise de Freitas Sarmento estagiária Capa Danielle de Oliveira Ayres Flaviane Dias de Santana Projeto Gráfico Renato Rodrigues Bueno The manuscripts in languages other than Portuguese published herein have not been proofread Livraria Ipea SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES Térreo 70076900 Brasília DF Fone 61 20265336 Correio eletrônico livrariaipeagovbr TD199419ReformatributariaMioloindd 58 17122019 143201 TD199419ReformatributariaMioloindd 59 17122019 110240 Composto em adobe garamond pro 1216 texto Frutiger 67 bold condensed títulos gráficos e tabelas Rio de JaneiroRJ TD199419ReformatributariaMioloindd 60 17122019 110240 Missão do Ipea Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas TD199419ReformaTributariaCapaindd 1 12122019 154940