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Direito Tributário
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CAPÍTULO 17 REFORMA TRIBUTÁRIA PRINCÍPIOS NORTEADORES E PROPOSTAS PARA DEBATE1 Rodrigo Orair2 Sérgio Gobetti3 1 INTRODUÇÃO A avaliação de sistemas tributários isto é o conjunto de regras legais que disci plina o exercício do poder impositivo pelos diversos órgãos públicos na forma de tributos cobrados no país é notoriamente controversa no Brasil e em todo lugar O sistema tributário desempenha papel central em uma economia moderna na medida em que afeta de múltiplas e complexas maneiras o padrão de cresci mento econômico e a competitividade nacional assim como a distribuição social e regional da renda É também um elemento crucial para delimitar quanto cada grupo de cidadãos e empresas de quais regiões geográficas do país terá de arcar para financiar que tipo e tamanho de Estado e de provisão de serviços e bens públicos No caso do Brasil a controvérsia é alimentada pelo fato de a carga tributária bruta CTB ter aumentado sensivelmente após a Constituição Federal CF de 1988 saltando de 234 do produto interno bruto PIB em 1988 para 336 do PIB em 2005 Nesse período o aumento da carga ocorreu às custas da eficiência e da equidade do sistema tributário em grande medida porque foi motivado por um pragmatismo arrecadatório muitas vezes precipitado por episódios de ajuste fiscal de curto prazo quando questões relativas à qualidade foram relegadas ao segundo plano Desde então a CTB interrompeu sua marcha ascendente e vem oscilando ao redor de 32 e 33 do PIB a mais de uma década sendo que as estimativas mais recentes indicam uma carga de 322 do PIB em 2016 semelhante ao patamar verificado ainda em 20024 Mesmo nesse período de estabilidade mantevese o processo de deterioração da qualidade da tributação brasileira diante da prolife 1 As visões dos pesquisadores não devem ser atribuídas ao Ipea ou ao International Policy Centre for Inclusive Growth IPCIG 2 Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais Urbanas e Ambientais Dirur do Ipea e pesquisador associado do IPCIG 3 Técnico de planejamento e pesquisa da DirurIpea 4 Segundo dados atualizados de Orair et al 2013 Desafios da Nação artigos de apoio 48 ração de benefícios tributários e regimes especiais mal calibrados e avanços pouco expressivos e erráticos na agenda de reforma Por mais de duas décadas os esforços de reforma tributária se concentraram quase exclusivamente na tributação de bens e serviços ora por meio de propostas mais amplas de fusão dos vários tributos federais e subnacionais em um imposto sobre valor adicionado IVA ora por intermédios de medidas mais modestas como a uniformização do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ICMS e esbarraram nos conflitos federativos e distributivos Esse impasse acabou por legitimar a relativa paralisia do governo federal em empreender mudanças estruturais que começassem pelos tributos federais como o Programa de Integração SocialContribuição para o Financiamento da Seguridade Social PIS Cofins o Imposto sobre Produtos Industrializados IPI o Imposto de Renda Pessoa Jurídica IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL A desoneração da folha concebida em 2004 para enxugar múltiplos tributos e acom panhar o processo de transição para um IVA se transformou nos últimos anos em uma medida conjuntural para aliviar o fluxo de caixa das empresas Inicialmente deveria se restringir a poucos setores industriais com viés exportador e intensivo em mão de obra combalidos pela perda de competitividade e a intensificação da concorrência internacional e acabou se desvirtuando e perdendo critérios de sele tividade sendo estendida arbitrariamente até segmentos do comércio atacadista meios de comunicação e serviços não comercializáveis Frequentemente o sistema tributário brasileiro é referido como um manicômio tributário ou uma estrutura desconexa e caótica O fato é que fica difícil encontrar uma lógica qualquer no tocante a fundamentos teóricos e empíricos que justifique uma estrutura tributária como a nossa Mudar isso não é tarefa simples e depende de acordos políticos e federativos que fogem do alcance analítico desse texto mas um bom ponto de partida é diagnosticar os problemas que temos de enfrentar e atualizar as alternativas de solução disponíveis à luz da experiência e do debate internacionais Nesse sentido este texto busca inspiração em outras iniciativas de profunda reflexão sobre o sistema tributário como as realizadas em 1987 pelo próprio Ipea Rezende et al 1987 e recentemente por um time de especialistas reunidos pelo economista britânico James Mirrlees que ficou conhecida como a Revisão de Mirrlees Nessa última experiência que durou alguns anos de debate Mirrlees et al 2011 tentam identificar as características de um sistema tributário ideal que sirvam de diretriz para uma reforma tributária coerente e integrada sistematizando as várias opções e opiniões existentes e delimitando onde termina o julgamento técnicoeconômico e começa a escolha política e social De modo semelhante pretendemos confrontar esse protótipo de sistema ideal com as imperfeições da nossa estrutura tributária para traçar as diretrizes Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 49 de uma proposta de reforma tributária que é um dos eixos do projeto Desafios da Nação lançado pelo Ipea Como na década de 1980 este texto visa contribuir para o debate e orientar a ação do governo nessa temática É possível imaginar dois caminhos de reforma tributária Um primeiro seria de uma reforma radical e também de mais difícil implementação O segundo de caráter pragmático é trilhar um processo de mudança gradual ou uma refor ma fatiada É preciso entretanto diferenciar esta segunda alternativa da opção de se proceder a meras mudanças pontuais Como bem afirma Varsano 2014 p 4748 mudanças pontuais têm sido muitas vezes erroneamente denominadas reforma fatiada Não é possível servir fatias de um bolo que não existe Quando imaginamos que uma reforma será fatiada está implícita a existência de um de terminado desenho de sistema tributário que se pretende alcançar no futuro mas cuja implementação é fracionada com o objetivo de facilitar a transição e permitir algumas correções de rumo Em outras palavras independentemente do ritmo que se deseje adotar o mais importante é que haja um ponto de chegada comum que é aproximar nossa estrutura tributária de um sistema ideal no qual os vários elementos se ajustariam apropria damente e as distorções desnecessárias seriam eliminadas O propósito das diretrizes traçadas neste texto é contribuir com uma reflexão sobre este ponto de chegada O texto está dividido em mais duas seções além desta introdução A próxima seção discute em caráter mais abstrato os princípios norteadores para a configuração de um sistema tributário ideal A seção subsequente dedicase a explorar duas questões que dizem respeito ao diagnóstico da estrutura tributária brasileira e ao detalhamento das respectivas propostas de reformas Quão distante o Brasil está deste sistema ideal Quais as principais recomendações de reforma para aproximar a estrutura tributária brasileira ao sistema ideal Antes de prosseguir entretanto cabe ressaltar que esta é uma primeira ver são de um trabalho em curso que está longe de pretender esgotar o tema Muito pelo contrário sua perspectiva analítica ainda é bastante geral e com foco restrito sobre três dos grandes blocos de tributação a saber bens e serviços folha salarial e renda Esperase que as novas versões aprofundem esta análise e lidem com uma série de lacunas como a incorporação dos tributos sobre patrimônio ambientais e regulatórios financeiros e de reflexões sobre os novos desafios da economia digital e a questão federativa 2 SISTEMA TRIBUTÁRIO IDEAL Esta seção apresenta brevemente alguns princípios norteadores de uma proposta de reforma que busque aproximar a estrutura tributária brasileira a um sistema ideal com fundamentos extraídos da teoria econômica e das experiências inter Desafios da Nação artigos de apoio 50 nacionais O ponto de partida para o desenho de um sistema tributário são seus objetivos básicos como listado a seguir 1 Arrecadação levantar as receitas que o governo necessita para alcançar seus objetivos de gasto 2 Eficiência buscar minimizar as distorções econômicas e administrativas relacionadas à arrecadação de tributos além de manter o sistema o mais simples e transparente possível 3 Equidade evitar arbitrariedades de tratamentos tributários não isonômi cos entre contribuintes setores econômicos e fontes de renda e também promover a progressividade no sentido de onerar proporcionalmente mais aqueles que possuem maior capacidade contributiva de acordo com os objetivos distributivos do governo e com as preferências sociais Tratase fundamentalmente de perseguir um sistema desenhado para com binar e equilibrar eficiência e equidade objetivos que sob determinadas con dições podem ser contraditórios e por esse motivo estão no centro de atenção da chamada teoria da tributação ótima Entre as preocupações básicas originais desta teoria está a necessidade de se evitar que eventuais medidas voltadas a promover maior justiça tributária tenham efeitos líquidos negativos sobre o bemestar social devido a distorções sobre as decisões dos agentes econômicos como o desincentivo a trabalhar investir e poupar Contudo a avaliação precisa sobre tais efeitos de pende de um conjunto bastante amplo de variáveis e hipóteses nada triviais sobre a resposta de indivíduos famílias e empresas a tais medidas e de um fator subjetivo alheio aos modelos econômicos que é o valor atribuído pela sociedade à equidade Na prática portanto inexiste um consenso hoje mesmo no âmbito da teoria neoclássica das finanças públicas sobre o desenho ótimo de um sistema tributário A Revisão de Mirrlees expressa uma visão entre várias e ao mesmo tempo uma tentativa de conciliar algumas diferenças numa proposta de reforma tributária ideal com uma abordagem sistêmica que busca conectar as várias partes da estrutura de maneira consistente Nesse contexto um aspecto importante a ser destacado sobre uma abordagem de sistema tributário é que não há necessidade de que todas as suas partes persigam simultaneamente os objetivos de eficiência e equidade É recomendável que este sistema por questões de eficiência contenha um imposto sobre valor adicionado o mais neutro possível ou seja com uma ou poucas alíquotas com objetivo arrecadatório e isto pode ter um efeito regressivo sobre a distribuição de renda Porém este não será um problema desde que seja compensado pelas outras partes do sistema e mais particularmente pelo Imposto de Renda Pessoa Física IRPF Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 51 que é considerado um instrumento tributário muito mais apropriado para perseguir objetivos distributivos Isso tampouco significa que cada parte do sistema seja estanque e persiga um único objetivo Por questões de eficiência e equidade o ideal é que a configuração do IRPF seja integrada com os tributos sobre folha salarial e com o IRPJ Mesmo a neutralidade deve ser relativizada O objetivo de se perseguir eficiência é compatível com o tratamento discriminatório de determinados setores e bens por exemplo quando a tributação é utilizada para corrigir externalidades negativas de setores que causam dano ambiental e do consumo de tabaco e álcool ou positivas nos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento Além dos seus objetivos básicos um aspecto adicional a ser considerado é que os sistemas tributários são historicamente determinados e delimitados pelas tendências internacionais no campo da tributação Entre as quais cabe destacar as seguintes tendências em curso no século XXI 1 Homogeneização da tributação sobre bens e serviços mais comumente na forma de um IVA com bases cada vez mais amplas redução do número de alíquotas e crédito integral com isenção completa dos investimentos e das exportações diante da crescente integração econômica dos países5 2 Conceituação ampla da base tributável do IVA não restrita a bens e serviços para lidar com desafios da nova economia da informação intangíveis plataformas eletrônicas etc 3 Revisão de benefícios tributários diante do reconhecimento empírico e teórico de que tais incentivos largamente implantados nas últimas déca das não são a melhor forma de induzir o investimento e o crescimento 4 Gradual esgotamento dos modelos baseados na tributação sobre folha salarial não somente devido às mudanças estruturais nas relações contra tuais laborais para modalidades mais flexíveis como também em razão de seus impactos sobre a competitividade nacional 5 Erosão da base tributável e pressão para quedas das alíquotas sobre o lucro das empresas diante da crescente mobilidade do capital da guerra fiscal paraísos tributários e da flexibilidade dos novos arranjos produtivos que facilitam a arbitragem e o planejamento tributário por parte das grandes corporações multinacionais A essas tendências estruturais somamse outras de caráter mais conjuntural O imperativo de se promover consolidações fiscais foi uma das principais motivações 5 Os Estados Unidos são a principal exceção de país economicamente relevante que não adota um imposto sobre valor adicionado IVA e sim um imposto sobre varejo Desafios da Nação artigos de apoio 52 por trás de uma onda de reformas tributárias nos primeiros anos subsequentes à crise internacional de 2008 Desde 2015 houve uma reorientação e as políticas tributárias passaram a ser motivadas principalmente pela preocupação em recu perar o crescimento conforme destacado em OECD 2016 Este relatório faz um apanhado das mais recentes tendências de reformas tributárias comuns aos paísesmembros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE e que estão resumidas a seguir 1 Maior ênfase passou a ser dedicada na recuperação do crescimento pre dominando medidas de redução dos tributos sobre a renda do trabalho e sobre o lucro das empresas 2 A tendência à redução de alíquotas sobre o lucro das empresas que havia desacelerado logo após a crise de 2008 revigorouse novamente A maioria das reformas prevê reduções de alíquotas mas em compensação promove medidas de ampliação de base tributável mais particularmente aquelas destinadas a proteger as bases domésticas de práticas de evasão e elisão tributária por parte de empresas multinacionais 3 Na tributação sobre a renda do trabalho um número significativo de reformas tem foco na redução dos tributos sobre os contribuintes de baixa renda 4 As reduções dos tributos sobre a renda do trabalho e o lucro das empresas têm sido parcialmente compensadas por aumentos nos tributos sobre consumo IVA e também dos tributos relacionados ao meio ambiente 5 A tendência de ampliação das alíquotas do IVA bastante evidente desde o período póscrise arrefeceu no período mais recente O foco passou a ser mais sobre uniformizar a base tributável e reduzir o escopo de alíquotas reduzidas para determinados bens e serviços 6 No caso dos tributos relacionados ao meio ambiente as reformas ainda são tímidas e muito limitadas a ajustes em tributos sobre uso da energia e automóveis 7 Mantémse a tendência de incrementos na tributação sobre a renda do capital no nível do acionista com vários países ampliando alíquotas e eliminando benefícios tributários sobre dividendos e outras fontes de renda do capital no nível da pessoa física Promovendose assim uma revisão do tratamento tributário diferencial entre renda do trabalho e do capital 8 Tem ocorrido apenas um reduzido número de reformas nos tributos sobre a propriedade sugerindo que o potencial para levantar receitas de maneira Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 53 mais eficiente por meio de tributos sobre a propriedade especialmente no caso da propriedade residencial não tem sido integralmente explorado Sintetizando os principais pontos é possível identificar duas forças opostas entre as principais tendências em curso Por um lado as reduções da tributação da folha salarial e do lucro no nível da empresa ambas motivadas por questões estru turais e conjunturais como integração econômica e recuperação do crescimento Na direção contrária têm predominado ampliações da tributação sobre bens e serviços da tributação direta sobre a pessoa física e de maneira embrionária dos tributos relacionados ao meio ambiente A ampliação compensatória desse grupo de tributos responde parcialmente aos esforços de consolidações fiscais que boa parte dos países do mundo está pro movendo sendo um dos principais legados do período póscrise de 2008 Mas também tem sido motivada por questões de eficiência e equidade O avanço da tributação de bens e serviços vem ocorrendo em paralelo à tentativa de se unifor mizar práticas tributárias entre os países da OCDE caminhando na direção de um IVA moderno simples com base ampla e pleno aproveitamento de créditos eficiente e de alto poder arrecadatório que facilita a coordenação tributária Semelhantemente o incremento na tributação direta da pessoa física que é uma resposta ao renovado foco sobre a desigualdade e adicionalmente à preocupa ção de se poupar a base da distribuição de renda do ônus dos ajustes fiscais vem sendo pautado por modelos que buscam fazêlo de maneira mais eficiente possível Este é o caso do modelo dual adotado inicialmente nos países nórdicos na década de 1990 sob contínuas revisões e que vem inspirando inúmeras formulações de reformas tributárias como a reforma implementada pelo Chile em 2014 e a proposta para o Reino Unido em Mirrlees et al 2011 O modelo dual é uma tentativa de se integrar a tributação da renda da pessoa jurídica e da pessoa física de maneira coerente e prover isonomia no tratamento tributário entre as várias fontes de renda ao mesmo tempo que preserva a progressividade na tributação dos rendimentos do trabalho e do retorno excedente da poupança6 O ponto central a ser destacado é que a tendência a se reduzir os níveis de tributação da folha salarial e do lucro no nível da empresa tem sido contraposta por uma combinação de dois principais caminhos tributação sobre bens e serviços e tributação direta e progressiva da renda da pessoa física Não há uma regra geral com alguns países optando mais por um caminho e outros pelo outro7 Firmes 6 O modelo dual será melhor detalhado na subseção 33 7 A maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE promoveu mudanças tributárias para ampliar suas receitas desde a crise de 2008 e em resposta a média da carga tributária saltou de 327 do produto interno bruto PIB em 2009 para 344 em 2014 Em mais da metade desses países 21 dos 34 os pacotes tributários incluíram algum tipo de ampliação da taxação sobre os mais ricos inclusive os dividendos Förster LlenaNozal e Nafilyan 2014 Desafios da Nação artigos de apoio 54 recomendações nesta direção requerem julgamentos de valor sobre preferências sociais e contextos políticos que vamos evitar aqui mas o renovado foco sobre a desigualdade e a revisão do tratamento tributário diferencial entre renda do trabalho e do capital tem encontrado respaldo não só na experiência internacional como também no debate teórico8 As transformações no campo da tributação também estão amparadas por es tudos empíricos É o caso de estudos realizados por pesquisadores da OCDE como Johansson et al 2008 que investigam o desenho das estruturas tributárias mais propícias para estimular o crescimento econômico e que chegam à conclusão de que há um ranking de tributos Os impostos sobre a propriedade e mais precisamente aqueles que incidem sobre a propriedade imobiliária residencial são considerados os mais eficientes porque distorcem menos as decisões de produção e de investimento das empresas Seguemse na ordem do menor para o maior impacto negativo sobre o crescimento os impostos sobre o consumo e outros impostos sobre a propriedade os impostos sobre a renda das pessoas físicas e por fim os mais prejudiciais que são os impostos sobre a renda da pessoa jurídica Esses estudos reconhecem que a troca da tributação da renda pela do consumo pode reduzir a progressividade e aumentar a desigualdade seja pelo efeito sobre os preços seja pelo alívio tributário para as rendas mais elevadas Por isso sugerem como alternativa melhorar o desenho de cada fonte de tributação ampliando a base de tributação do consumo reduzindo o imposto corporativo o mais pernicioso entre todos no ranking e aumentando o imposto pessoal sobre dividendos e outras rendas do capital Em suma as principais tendências internacionais no campo da tributação refletem não somente o pragmatismo frente aos desafios conjunturais e estruturais mas também reflexões teóricas e empíricas e avaliações sobre as preferências sociais Desnecessário assinalar que as experiências internacionais não devem ser mimeti zadas e sim reavaliadas à luz das nossas especificidades legais políticas e culturais para então se poder extrair lições úteis sobre princípios orientadores para uma reforma tributária no Brasil É isto que procuraremos fazer na sequência deste texto 3 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO DIAGNÓSTICO E PROPOSTAS DE REFORMAS O Brasil é um dos países em desenvolvimento com uma das maiores cargas tribu tárias do mundo que alcançou 327 do PIB em 2013 Porém mais do que seu nível que pode ser parcialmente explicado pelo projeto de instituir um Estado de bemestar social o que mais preocupa é sua ineficiente e regressiva estrutura Coincidentemente esta carga ficou um pouco abaixo da média de 341 do PIB 8 É o caso da recente literatura que revisa os modelos pioneiros de tributação ótima tanto pela nova geração de teóricos como Thomas Piketty e Emmanuel Saez quanto pelos seus teóricos originários como James Mirrlees Peter Diamond Anthony Atkinson e Joseph Stiglitz Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 55 nos países da OCDE em 2013 mas ao contrário de lá em que os impostos sobre a renda e a propriedade são a principal fonte de financiamento estatal em média 134 do PIB e a tributação sobre bens e serviços é inferior a um terço da carga 112 do PIB aqui no Brasil quase metade advém de impostos sobre bens e serviços 154 do PIB e os impostos sobre a renda e a propriedade não chegam a um quarto 81 do PIB É digno de nota que entre todos os países da OCDE os únicos que possuem patamares semelhantes de carga sobre bens e serviços são a Hungria 169 e a Dinamarca 154 mas cujas cargas totais são muito mais elevadas que a brasi leira 384 e 476 dos PIBs respectivamente Existem ainda assimetrias no interior das categorias genéricas de tributos Entre os impostos sobre a renda e a propriedade a carga no Brasil é relativamente mais alta quando incide sobre o lucro das empresas 32 do PIB em relação aos 27 do PIB na média dos países da OCDE um pouco inferior sobre a propriedade 13 do PIB contra 19 do PIB e muito menor na renda das pessoas físicas 24 do PIB em relação à média de 83 do PIB na OCDE9 GRÁFICO 1 Carga tributária no Brasil e em países da OCDE com sistema de governo federal regional 2013 Valores em participação do PIB 00 100 200 300 400 500 Impostos sobre renda e propriedade Impostos sobre a folha de pagamento e contribuições sociais Impostos sobre bens e serviços 11 12 10 11 15 09 09 07 08 06 04 10 14 17 14 10 09 11 09 05 01 07 06 03 19 13 12 13 08 12 14 18 18 14 15 06 Governo geral Bélgica Áustria Alemanha OCDE 34 países Brasil Espanha OCDE 9 países Canadá Austrália Suíça Estados Unidos México 9 Existe ainda um resíduo de impostos sobre renda e propriedade não classificados Desafios da Nação artigos de apoio 56 Fonte Cálculos próprios para o Brasil e dados das estatísticas da OCDE para os demais países disponíveis em httpgoogl69ftRb Elaboração dos autores Obs Inclui as médias dos 34 países da OCDE e também dos nove países com sistema de governo federalregional Resumindo a carga brasileira caracterizase por níveis relativamente elevados de tributação sobre a produção de bens e serviços e sobre a folha salarial e o lucro das empresas cuja contrapartida é o baixo peso da tributação direta sobre renda e patrimônio das pessoas físicas Como se configurou e quais são as principais consequências desta assimetria Suas raízes remontam a um longo processo histórico mas que se acentuou nas últimas três décadas quando se cristalizou uma estrutura com reduzido peso da tributação direta sobre pessoa física enquanto contraditoriamente o país propunha construir um Estado de bemestar social bastante denso para uma economia em desenvolvimento De um sistema federativo centralizador que vigorou no período do regime militar passouse para uma fase de descentralização das competências pela provisão de serviços públicos e de ampliação da ação estatal na área social Simultaneamente procurouse dotar os governos regionais de bases mais amplas de recursos ampliando as transferências intergovernamentais e ratificando a prática pouco comum de se delegar à esfera regional a competência pela arrecadação de alguns dos principais impostos do sistema tributário nacional e que incidem sobre os bens e os serviços ICMS e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISS Essa contradição originou um dilema no financiamento estatal porque ao mesmo tempo que se avançava no projeto de construção do Estado de bemestar social pela via do gasto seja pelos benefícios sociais e assistenciais seja pelos serviços sociais básicos de saúde educação e assistência a experiência brasileira tardia deparouse com maior resistência à tributação direta sobre a pessoa física Na verdade o IRPF passou por reestruturações nas décadas de 1980 e 1990 que restringiram seus graus de progressividade e potencial arrecadatório modificando se muito pouco desde então Por sua vez alguns instrumentos que permitiriam ampliar a tributação sobre a propriedade tradicionalmente enfrentam enormes obstáculos de ordem política legislativa e judicial A solução encontrada para equacionar o dilema no financiamento estatal foi promover aumentos legislados nos componentes menos visíveis da carga tributária folha salarial produção e lucro das empresas com o agravante de que foram muitas vezes precipitados por episódios de ajuste fiscal de curto prazo Nesses episódios a margem de manobra das autoridades fiscais se reduz devido ao foco excessivo sobre questões como impacto arrecadatório das medidas tributárias e factibilidade de estas serem aprovadas em um curto período de tempo ao passo que questões mais estruturais de eficiência e equidade são relegadas ao plano secundário O curtoprazismo também dificulta as reformas tributárias que exigem um longo Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 57 processo de pactuação com os grupos de interesse afetados Por esses motivos a trajetória de crescimento da carga tributária no Brasil desde a década de 1980 foi dominada por medidas pontuais e um pragmatismo arrecadatório responsável por reproduzir ou mesmo ampliar suas inúmeras distorções até consolidar uma estru tura de tributação assimétrica com níveis elevados de tributação sobre produção folha salarial e lucro das empresas Simultaneamente procurouse mitigar esse processo por intermédio de ver dadeiros puxadinhos que envolvem uma ampla gama de benefícios tributários e regimes especiais alguns para aliviar pontos de estrangulamento da sobretribu tação mas que abriram espaços para outros que carecem de justificativa técnica e respondem mais a pressões de grupos de interesse Resultandose em discriminações cada vez mais arbitrárias entre contribuintes e atividades econômicas e enormes brechas para planejamento tributário Essa estrutura tributária possui alguns méritos como a elevada produtividade fiscal que a permite financiar uma rede de proteção social bastante densa para um país de renda média e prover certo grau de autonomia aos orçamentos dos governos regionais No entanto contém complexidades e inconsistências desnecessárias e são suas características negativas que sobressaem Algumas das quais listamos a seguir Viés anticrescimento A composição da carga brasileira está na contramão do que é indicado pelos estu dos empíricos como os de Johansson et al 2008 Estes sugerem que estruturas tributárias com maior peso da tributação sobre a pessoa jurídica são as mais per niciosas sobre o crescimento econômico enquanto aquelas com maior peso sobre a tributação direta são mais eficientes A avaliação de sistemas tributários baseada nestas categorias gerais é importante mas tal qual sugerido nestes estudos deve ser relativizada e complementada por aspectos adicionais do sistema tributário Há unanimidade na literatura de que as ineficiências características da tributação no Brasil miscelânea de tributos legislações complexas ausência de visão coerente da base tributável sobreposições de bases e incidência em cascata multiplicidade de regimes especiais e benefícios tributários elevados contenciosos e custos de conformidade etc são maléficas sobre a produtividade e o crescimento econômico Fonte de conflitos federativos Uma das principais prescrições normativas da teoria do federalismo fiscal recomenda que os tributos que incidem sobre as bases econômicas de maior mobilidade fiquem sob responsabilidade dos governos centrais Delegar a competência tributária sobre bases móveis aos governos regionais dá origem a conflitos federativos quando abre espaço para um jogo não cooperativo de guerra fiscal via competição predatória na forma de profusão excessiva de benefícios fiscais pelas jurisdições locais que Desafios da Nação artigos de apoio 58 com o intuito de atrair empreendimentos econômicos umas das outras culmina na corrosão das bases tributáveis de todas elas Situação muito próxima da expe riência brasileira na qual os conflitos em torno da guerra fiscal são frequentes com consequentes ineficiência na alocação dos recursos e práticas de planejamento tributário agressivo pelas empresas Volatilidade nas finanças públicas A arrecadação de tributos sobre bases de incidência mais sensíveis aos ciclos eco nômicos como a produção de bens e o lucro das empresas tende a transmitir um viés prócíclico para a política fiscal Os períodos de aceleração econômica e crescimento mais que proporcional da arrecadação abrem espaço orçamentário para acomodar gastos em excesso no boom enquanto as desacelerações resultam em quedas pronunciadas nas receitas que podem exigir cortes desproporcionais de despesas em períodos de crise A assimetria da estrutura tributária brasileira ao incidir excessivamente sobre a produção e os lucros das empresas acaba trans mitindo volatilidade ao arcabouço fiscal Efeito regressivo sobre a distribuição de renda Os tributos diretos sobre a renda e a propriedade das pessoas físicas incidem pro porcionalmente mais sobre os mais ricos mesmo em uma estrutura tributária que como a brasileira faz uso muito restrito de alíquotas progressivas Em contrapartida os impostos indiretos sobre a produção dos bens e serviços que impõem um custo para as empresas e enquanto tal tendem a ser repassados para seus preços são regressivos porque penalizam proporcionalmente mais aqueles que destinam uma maior parcela da sua renda para o consumo isto é os mais pobres A combinação entre tributação direta pouco significativa e pouco progressiva com elevado peso da tributação indireta torna a carga tributária global regressiva situação que é no mínimo injusta socialmente porque a tributação atua reforça a concentração de renda em um dos mais desiguais países do planeta A partir desse diagnóstico fortemente desfavorável e das considerações gerais feitas na seção anterior cabe aqui traçar alguns princípios norteadores para uma reforma tributária no Brasil Na situação de crise fiscal que o país atravessa o mais prudente é tomar como diretriz uma reforma que no mínimo preserve o atual patamar da carga tributária ou até mesmo permita um crescimento inicial nos primeiros anos para contribuir com o esforço de saneamento das finanças públicas ainda que reversível total ou parcialmente nos anos subsequentes Se na atual conjuntura não é razoável promover alterações muito substanciais no seu nível algo distinto se pode dizer sobre a composição da carga tributária Aí sim há mais espaço para mudanças que venham a reduzir nossos elevados níveis de tributação sobre o lucro no nível da empresa e sobre a folha salarial o Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 59 que por sua vez implica compensações na tributação direta eou na tributação de bens e serviços como vem prevalecendo nas principais experiências internacionais No Brasil a tributação de bens e serviços está em um patamar com pouquíssimos paralelos ao redor do mundo o que limita muito esta alternativa Por isto o foco recairá sobre uma reformulação que a torne mais eficiente e no máximo acomo de uma moderada ampliação Consequentemente a maior ênfase recairá sobre a ampliação da tributação direta no país mas esta alternativa deve ser trilhada com cautela a partir de diretrizes que combinam aspectos de equidade e eficiência e idealmente convergindo para um modelo coerente de tributação da renda O objetivo aqui será traçar diretrizes de uma reforma tributária que por meio da mudança na composição da carga tributária e na reformulação de seus com ponentes específicos nos aproxime de um sistema ideal seguindo os princípios norteadores e as tendências internacionais delineados na seção 2 Na sequência serão detalhados diagnósticos e propostas mais específicas para três blocos de tri butos bens e serviços folha salarial e renda 31 Tributação sobre bens e serviços Existem poucos temas que se aproximam do consenso entre analistas tributários e sem dúvida um dos principais é a avaliação de que a tributação de bens e serviços no Brasil é uma das mais ineficientes do mundo A Constituição de 1988 ratificou a prática de mantêla subdividida em vários tributos e sob competência dos diversos entes federativos O principal foi conferido aos estados o ICMS A competência do IPI e do ISS foram entregues à União e aos municípios respectivamente A União ainda é responsável pelo PISCofins que igualmente deve ser levado em conta na discussão da reforma tributária entre vários outros tributos10 Esse sistema fragmentado por si só já torna a tributação extremamente complexa Somamse os problemas pontuais de cada tributo que são tantos que é quase impossível fornecer um diagnóstico abrangente sobre as deficiências da tributação de bens e serviços no país A seguir descrevemos brevemente alguns destes problemas 1 Aproveitamento restrito e não amplo de créditos nos tributos subme tidos a uma sistemática não cumulativa como o ICMS e o regime não cumulativo do PISCofins que faz com que na prática incidam em cascata 2 Coexistência com tributos e regimes cumulativos como o ISS e o regime cumulativo do PISCofins 10 Esta subseção contou com a colaboração de Melina Rocha Lukic e corresponde a uma adaptação dos autores a partir de um resumo de Lukic 2017 elaborado para servir de texto de referência background paper no eixo Reforma Tributária do projeto Desafios da Nação incluindo algumas passagens idênticas ao texto original Equívocos imprecisões e omissões remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores Desafios da Nação artigos de apoio 60 3 Conflitos de competência por exemplo entre o ICMS e o ISS e entre o IPI e o ISS devido à fragmentação da tributação em diversas bases de incidência 4 Acumulação de créditos no IPI e no PISCofins mesmo com um pro cedimento especial instituído em lei para ressarcimento e sobretudo no ICMS já que nem todas as legislações estaduais preveem mecanismos claros e efetivos de ressarcimento 5 Guerra fiscal dos tributos sobre competência regional como nos serviços taxados na origem pelo ISS e principalmente nas operações interestaduais do ICMS em que há um híbrido de princípios de origem e destino 6 Quantidade excessiva de alíquotas isenções e não incidências que difi cultam a coordenação tributária e encarecem a administração tributária 7 Generalização da substituição tributária que tinha como propósito facilitar a arrecadação em setores específicos e homogêneos mas que se tornou prática cada vez mais difundida para arrecadação do ICMS O problema é que muitas vezes se impõem margens arbitrárias que geram um descolamento das bases de cálculo presumidas em relação ao verda deiro valor das transações de mercado 8 Extrema complexidade e tratamentos arbitrários injustificáveis originam vultosos contenciosos judiciais e custos de conformidade Diante desses e de vários outros problemas fica até redundante assinalar o quão distante a atual configuração da tributação de bens e serviços no Brasil está de um sistema ideal Também é quase consensual na literatura especializada a visão de que para resolver a maioria dos problemas listados se faz necessário promover uma reforma simplificadora que passa pela fusão ou substituição de vários tributos ICMS ISS IPI PISCofins e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico Cide entre outros e criação de um IVA com características alinhadas às melhores práticas internacionais isto é cobrado no destino com crédito inte gral e uma base mais ampla possível incluindo todos os bens e serviços inclusive intangíveis e financeiros número restrito de alíquotas e evitandose ao máximo alíquotas reduzidas e isenções As maiores controvérsias encontramse no desenho e na operacionalização de uma reforma que permita transitar para este sistema ideal Várias versões de reformas foram propostas nas últimas décadas Desde a criação de um único IVA de competência federal e compartilhado com os governos subnacionais até um sistema de IVA dual reunindo por um lado os tributos de competência federal IPI PISCofins etc e por outro lado mantendo o ICMS com ou sem a incorporação do ISS sob competência estadual Diante da resistência de estados e municípios a perder autonomia tributária entre outras Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 61 resistências o esforço reformista malogrou sucessivas vezes e seu ímpeto inicial foi sendo desidratado e repartido em três vetores de mudanças pontuais A União tentando modernizar a sistemática de cobrança do PISCofins os municípios introduzindo uma alíquota mínima e ampliando a lista de serviços sujeita à tribu tação de seu imposto o ISS e os estados buscando um acordo até hoje inconcluso para terminar com a guerra fiscal e corrigir as distorções do ICMS Dado o conflito distributivo entre as esferas da Federação e entre os setores da economia atingidos por essas mudanças os avanços concretizados após mais de duas décadas de debates foram mínimos e persistimos com um sistema tributário incrivelmente ineficiente As principais propostas de reformas atualmente em debate vão nessa direção e podem ser agrupadas em três eixos de acordo com o ritmo e a amplitude das mudanças O primeiro eixo mais pragmático é o das medidas pontuais a exemplo da reformulação do PISCofins proposta pelo Ministério da Fazenda MF com o objetivo de aprimorar o sistema de aproveitamento de créditos e unificar todas as empresas no regime não cumulativo Um segundo eixo mais ousado é o das reformas abrangentes como é o caso da proposta do Centro de Cidadania Fiscal de criar um IVA moderno que substituiria progressivamente os atuais tributos sobre bens e serviços O terceiro eixo inspirado no modelo canadense e na reforma que a Índia vem promovendo ao longo dos últimos anos tenta fazer um meio termo entre os dois anteriores11 Um projeto inspirado por este modelo passa pela criação inicial de um IVA e de um imposto seletivo combustíveis bebidas e cigarros somente com os tributos federais PISCofins IPI e Cide sem incluir o ICMS mas já prevendo uma harmonização futura Ou seja o ponto de partida é o IVA federal que servirá de referência para balizar todo o processo de harmonização É claro que isto não impede que de imediato sejam implementadas medidas modernizadoras no ICMS que o aproximem gradualmente ao IVA federal de modo que ao longo do processo de transição os dois tributos conviverão com bases de incidência e práticas tributárias convergentes Um segundo passo futuro seria implementar uma reforma do ICMS incluindo na sua base todos os serviços e compatibilizandoo ao IVA federal O modelo prevê ainda que alguns estados facultativamente adotem um imposto harmonizado cuja incidência se dá sobre a mesma base do IVA federal mas preservandose a liberdade do estado em fixar alíquotas próprias Isto é os estados podem oportunamente vir a optar por um único IVA harmonizado que nada mais é do que um IVA dual com uma alíquota federal e outra estadual A 11 Ver Varsano 2104 e Lukic 2014 2017 para um diagnóstico mais completo dos problemas da tributação de bens e serviços Estes autores também descrevem com mais detalhes as propostas de reforma e em particular o eixo reformista inspirado no modelo canadense Desafios da Nação artigos de apoio 62 adoção deste imposto harmonizado dependeria da negociação com cada estado e de uma contraparte financeira da União Sua administração pode ficar sob responsabilidade da União em cooperação com os governos estaduais Sendo possível admitir a situação contrária em deter minado estado em que a administração do imposto harmonizado fique a cargo do fisco estadual12 Ou mesmo arranjos intermediários de responsabilidades repartidas por exemplo com os fiscos estaduais concentrandose nas atividades fiscalizatórias Este modelo é bastante flexível para lidar com especificidades regionais aspecto que é particularmente relevante em um país heterogêneo como o Brasil e os arranjos concretos vão depender destas especificidades ainda que em comum tenham o potencial de gerar nítidos ganhos de eficiência administrativa ao se eliminarem redundâncias nas estruturas arrecadatórias No caso do ISS o ideal é que seja incorporado ao imposto estadual de base ampliada em uma reforma futura com os municípios participando da sua arre cadação ou alternativamente seja substituído por um imposto municipal sobre vendas a varejo não cumulativo Tal qual na esfera estadual o modelo pode ser flexível para admitir arranjos distintos de acordo com as especificidades locais Alguns municípios de grande porte podem optar por manter seu imposto municipal sobre vendas a varejo e os demais por participarem da arrecadação do imposto estadual Nossa avaliação é que esse eixo reformista inspirado no modelo canadense que propõe uma transição gradual e flexível para um sistema moderno de IVA e que preserva certo grau de autonomia tributária na esfera regional se adequa melhor a um país heterogêneo como o Brasil e às características do nosso federalismo Outra grande vantagem é que do ponto de vista político se dilui o conflito federativo criado quando se propõe a adoção desde o início de um regime nacional homogêneo de IVA A negociação para a adoção do modelo harmonizado é individualizada com cada estado e postergada para o futuro havendo ainda a possibilidade de optarem por manter o ICMS Assim em vez de ficarmos dependentes e reféns da concordância de todos a ideia aqui é iniciar a reforma no nível federal o que já traria ganhos imediatos ao sistema e deixar a critério dos governos regionais a posterior adoção ou não do regime harmonizado Este parece ser um caminho mais factível para uma reforma que aproxime nossa estrutura de tributação sobre bens e serviços a um sistema ideal Antes de finalizar esta subseção cabe tecer duas considerações A primeira diz respeito à possiblidade do SalárioEducação hoje incidente sobre a folha salarial 12 Digase de passagem a experiência canadense admite tal flexibilidade como mostra Varsano 2014 Por exemplo a província de Quebec tem seu IVA subnacional administrado pela sua autoridade tributária que também é respon sável por arrecadar o IVA federal em acordo com o governo federal Outras cinco províncias participam do imposto harmonizado que é um IVA dual arrecadado pela administração tributária federal e que contém alíquotas próprias das províncias que variam de 8 em Newfoundland and Labrador a 10 em Nova Scotia Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 63 migrar de base e ser incorporado pelo IVA federal O objetivo desta medida está alinhado à diretriz traçada na seção 2 de reduzir nossa elevada carga sobre a folha de pagamentos com correspondentes ampliações mais moderadas da tributação sobre bens e serviços e mais intensas na tributação direta sobre pessoa física A proposta de migração da base do SalárioEducação será tratada na próxima subse ção Em segundo lugar a reforma delineada nesta subseção tem como propósito estabelecer um IVA o mais neutro e eficiente possível com objetivo arrecadatório e isto pode ter um efeito regressivo sobre a distribuição de renda Essa consideração chama atenção para a necessidade de que ocorra em paralelo com a reformulação da tributação direta sobre pessoa física instrumento por excelência para perseguir fins distributivos Voltaremos a este tema na subseção 33 32 Tributação sobre folha de pagamentos O modelo brasileiro de tributação sobre folha de pagamentos é disfuncional e suas mazelas atingem em distintos graus tanto os empregadores quanto os empregados sejam estes de baixos ou elevados salários O exemplo na tabela 1 foi retirado de Appy 2017 e ilustra bem algumas distorções na taxação dos salários de alta renda A tabela compara a tributação incidente sobre uma prestação de serviços no valor de R 30 mil por mês considerando três situações i um empregado assalariado no regime normal de tributação ii um sócio de uma empresa enquadrada no regime especial típico das médias empresas lucro presumido e iii um sócio de uma empresa no regime das micro e pequenas empresas Simples TABELA 1 Exemplo de incidência tributária para um prestador de serviços Em R Empregado Sócio de empresa Lucro presumido Simples A Renda bruta valor do serviço 30000 30000 30000 B Tributos da empresa 9788 4518 2463 Folha exceto Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS 5316 1038 0 FGTS 1617 0 0 Demais 2856 3480 2463 C Tributos da pessoa física 5103 974 974 Instituto Nacional do Seguro Social INSS 571 571 571 Imposto de Renda IR 4532 403 403 D Renda líquida ABC 15109 24508 26563 E Total de tributos BC 14891 5492 3437 Desafios da Nação artigos de apoio 64 F Tributosrenda bruta 496 183 115 Fonte Appy 2017 Observase que o custo tributário de um empregado assalariado chega a quase 50 que é bastante elevado para patamares internacionais Na verdade este exemplo não dista muito da regra que predomina nas empresas brasileiras A incidência sobre a folha de pagamentos tipicamente está acima de 40 quando incluímos as contribuições previdenciárias do empregado entre 8 e 11 do salário de contribuição e do empregador 20 o seguro de acidente de trabalho entre 05 e 6 o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS 8 o SalárioEducação 25 e as contribuições para o Sistema S 25 entre outras Esta miríade de tributos sobreonera a produção nacional abala sua competividade e estimula a informalidade e a elisão tributária Um exemplo é a prática de se constituir empresas em regimes especiais para fins de elidir os pagamentos de tributos No exemplo ilustrativo da tabela é possível reduzir a tributação de 50 para até 11 quando o assalariado se converte em um prestador de serviço sócio de uma empresa do lucro presumido ou do Simples Por um lado este mecanismo é vantajoso para a empresa que fica dispensada da maior parte dos custos tributários sobre folha e de outras obrigações trabalhistas Por outro lado o prestador de serviços também extrai vantagens tributárias porque em vez de arcar com alíquotas do IRPF de até 275 que incidem sobre a renda do trabalho passará a estar sujeito a alíquotas mais baixas dos regimes especiais e não arcará com nenhum ônus adicional quando distribuir esses rendimentos para si próprio já que a atual legislação brasileira isenta os dividendos e os lucros distri buídos à pessoa física Basta que ele fixe sua remuneração pelo trabalho como sócio da empresa o chamado prólabore em um patamar mínimo por exemplo um salário mínimo que o permite ficar na faixa de isenção do IRPF e contribuir com um baixo valor para o Instituto Nacional do Seguro Social INSS e distribua para si mesmo os rendimentos restantes na forma de dividendos isentos de imposto Mais uma vez vale destacar que o exemplo didático da tabela não dista muito de uma prática que vem se generalizando inclusive entre as atividades de cunho personalíssimo profissionais liberais artistas atletas etc Este fenômeno conhe cido como pejotização tende a se ampliar ainda mais no contexto atual no qual os critérios de enquadramento nos regimes simplificados e a legislação de terceirização estão cada vez mais permissíveis A princípio a organização dos elos do processo produtivo por meio de modalidades mais flexíveis de prestação de serviços e de redes de pequenas empresas e profissionais autônomos não é um problema O problema surge quando os parâmetros do sistema tributário estão mal calibrados e geram arbitrariedades que distorcem as decisões organizacionais das empresas e dos prestadores de serviços e por conseguinte as alocações produtivas Outro Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 65 problema que está associado à pejotização é a corrosão da base de arrecadação tanto dos tributos sobre folha de pagamentos quanto do IRPF na medida em que são os trabalhadores de alta renda que têm maiores incentivos a transfigurarem de renda do trabalho para renda do capital com alíquotas mais baixas A correção de problemas como esses passa por pelo menos três conjuntos de medidas O primeiro é instituir um modelo de Imposto de Renda IR que inte gre de maneira mais consistente a tributação ao nível da pessoa física e da pessoa jurídica Este será o tema da próxima subseção Porém um modelo integrado por si só não resolveria o problema da sobreoneração da folha de pagamentos e portanto deve ser complementado por outras medidas Um segundo conjunto de medidas é retirar da folha uma série de contribuições que não guardam relação com os benefícios contributivos do empregado É o caso das contribuições compulsórias das empresas destinadas às entidades privadas que compõe o Sistema S cujo financiamento poderia ser convertido em um mix de contribuições facultativas com subvenções sociais e econômicas que integrem o orçamento fiscal isto é despesas de subsídios Outro exemplo é o SalárioEducação que pode migrar para a base de um IVA federal tal qual abordado na subseção 31 Esta poderia ser uma mudança neutra do ponto de vista arrecadatório para não comprometer o financiamento de despesas de educação que passaria a ser um percentual vinculado ao IVA As contribuições do Sistema S e do SalárioEducação são instrumentos importantes instituídos em meados do século XX mas que podem ser repensados no contexto atual Medidas como estas são importantes para reduzir o ônus imposto sobre a folha de pagamentos e para abrir espaço para um modelo mais coerente em que as contribuições remanescentes se restrinjam àquelas que possuem relação mais próxima com os benefícios contributivos dos empregados ou seja as contribuições previdenciárias e o FGTS Um terceiro aspecto a ser repensado diz respeito à contribuição previdenciária do empregador que é uma alíquota muito elevada da ordem de 20 incidente sobre todo o salário dos empregados enquanto os benefícios estão limitados ao teto definido pelo INSS R 553131 em 2017 A contribuição previdenciária é o principal elemento de custo tributário da folha de pagamentos da empresa e responde por boa parte do diferencial de custo dos empregados formais de alta renda em relação aos sócios de empresas dos regimes especiais Um caminho natural para minimizar estas distorções é reduzir sua alíquota ou até mesmo zerála quando o salário excede o teto do INSS e simultaneamente promover uma reforma do IRPF que compense as perdas em termos arrecadatórios e de progressividade Resumindo o conjunto de propostas aqui apresentado busca reduzir o custo da folha de pagamentos e estabelecer um modelo com uma relação mais clara entre as contribuições e os respectivos benefícios contributivos Sua contrapartida é a Desafios da Nação artigos de apoio 66 necessidade de se promover não somente uma moderada elevação na tributação sobre bens e serviços no caso da migração da base do SalárioEducação mas sobretudo uma reforma do Imposto de Renda para um modelo que integre de maneira mais consistente a tributação da pessoa física e da pessoa jurídica e que amplie o potencial arrecadatório e progressivo do IRPF A próxima subseção delineia uma sugestão de reforma do IR pautada por estas diretrizes Vale destacar que essa discussão sobre tributação da folha de pagamentos ficou bastante restrita aos trabalhadores de alta renda Mesmo que muitas das distorções sejam generalizadas tal abordagem negligenciou alguns aspectos mais específicos de outras faixas de renda como no caso dos trabalhadores de baixa renda Em particular será necessário futuramente refletir sobre alternativas de modelos que separem melhor os benefícios contributivos daqueles não contributivos assisten ciais de caráter explícito ou não e estabeleçam fontes de financiamento específicas para cada um deles Entretanto uma proposta como esta teria de ser desenhada a partir dos resultados da reforma previdenciária sob discussão no Congresso e é uma lacuna que pretendemos preencher em novas versões deste trabalho 33 Tributação sobre renda A atual estrutura do Imposto de Renda no Brasil carece de lógica sistêmica e con figura uma verdadeira colcha de retalhos Seguese uma breve lista de distorções 1 As alíquotas nominais que incidem sobre o lucro da pessoa jurídica são muito elevadas de até 34 somandose o IRPJ e a CSLL mas há uma ampla gama de regimes especiais e benefícios tributários que na maioria dos casos reduzem muito as alíquotas efetivas Ao mesmo tempo que geram arbitrariedades no tratamento tributário entre setores econômicos e entre contribuintes 2 Existência de assimetrias no tratamento tributário entre as diversas fontes de rendimentos do capital com viés desfavorável aos ativos produtivos As alíquotas sobre o lucro da empresa até 34 são geralmente mais elevadas do que as que incidem sobre ganhos de capital 15 e aplicações financeiras normalmente de 15 a 225 além de inúmeras isenções É também mais elevada que a alíquota máxima do IRPF 275 As assimetrias acontecem até para uma mesma fonte de renda como é o caso de aluguéis recebidos pela pessoa física que pode ser isenta quando esta pessoa é cotista de um fundo de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa e seu imóvel compõe o patrimônio do fundo ou ser submetido a alíquotas de até 275 no IRPF quando a propriedade do imóvel está no nome da pessoa física Outro exemplo é o ganho de Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 67 capital na alienação de bens e direitos que será tributado a 34 no nível da pessoa jurídica e em 15 se for na pessoa física 3 Assimetria no tratamento dos pequenos negócios e dos trabalhadores por conta própria em relação aos empregados assalariados A existência de parâmetros mal calibrados nos regimes especiais conjugados com a isenção dos dividendos distribuídos e a elevada tributação sobre a folha de pagamentos gera incentivos para o fenômeno da pejotização em que as pessoas físicas se convertem em sócias de empresas para fins de elisão fiscal Enquanto os salários podem ser submetidos às alíquo tas de 275 os sócios organizados em empresas de regimes especiais passam a estar sujeitos a alíquotas mais baixas por exemplo no setor de serviços a tributação total varia de 45 a 1685 no Simples e de 1633 a 1953 no lucro presumido violandose o princípio básico da equidade horizontal 4 Parcela relevante dos rendimentos da população de alta renda está isen ta do IRPF ou submetida a alíquotas mais baixas do que as da tabela progressiva É o caso das fontes de renda que se concentram no topo da distribuição como os dividendos isentos os rendimentos das aplicações financeiras sujeitas à tributação exclusiva na fonte por alíquotas lineares de em média 17 e certas atividades de cunho personalíssimo tributadas apenas no nível da pessoa jurídica pelas alíquotas mais baixas dos sistemas especiais artistas atletas consultores médicos advogados etc Situação que viola o princípio básico da equidade vertical 5 Elevado volume de deduções do IRPF que carecem de justificativas econômicas ou sociais Essa breve lista de distorções não deixa dúvidas de que nosso modelo de tributação é fragmentado incoerente e injusto desestimula o investimento em ativos produtivos em favor de outras modalidades e abre inúmeras brechas para elisão fiscal13 A questão que se coloca é sobre como estruturar um modelo alternativo que combine da melhor maneira possível aspectos de eficiência e equi dade Seguindo os princípios orientadores da seção 2 um caminho a ser traçado é uma reforma que reduza o imposto sobre o lucro da empresa e ao mesmo tempo amplie o potencial arrecadatório e a progressividade do IRPF As experiências internacionais sugerem que o Brasil tributa muito o lucro da empresa por exemplo quando comparado com os países da OCDE em que prevalece uma tributação mais equilibrada entre os lucros das empresas e os divi 13 Ver Appy 2015 e Souza 2016 para um diagnóstico mais aprofundado das distorções do Imposto de Renda IR no Brasil Desafios da Nação artigos de apoio 68 dendos distribuídos à pessoa física com médias de alíquotas estatutárias de 25 na pessoa jurídica e de mais 24 na pessoa física A grande maioria destes países adota mecanismos para integrar a taxação dos lucros na pessoa jurídica e na pessoa física e amenizar parcialmente a taxação dos dividendos mas quase nenhum os isenta integralmente No Brasil a tributação do lucro varia com o porte da empresa e pode a chegar a 34 somando IRPJ e CSLL enquanto os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas são integralmente isentos Por outro lado o IRPF brasileiro não somente possui uma arrecadação relativamente mais baixa como também tem um impacto redistributivo muito menor do que na média dos países da OCDE e inclusive inferior ao dos países mais desenvolvidos da América Latina como Chile Argentina México e Uruguai14 A ideia de se ampliar a progressividade do IRPF está normalmente associada à fixação de alíquotas marginais mais elevadas para os mais ricos Entretanto sob a configuração do IRPF no Brasil o mero aumento de alíquotas teria efeitos redistributivos e arrecadatórios muito limitados Isto porque só atingiria os ren dimentos classificados como tributáveis o que não inclui os dividendos nem os rendimentos de aplicações financeiras que são as principais fontes de renda dos muito ricos O ônus desta medida ficaria bastante concentrado sobre os assalaria dos e em parte seria contraproducente ao incentivar ainda mais o fenômeno da pejotização mediante a transfiguração da renda do trabalho tributável em renda do capital isenta do IRPF Por outro lado a simples restituição da tributação sobre dividendos por exemplo aplicando a alíquota linear de 15 que vigorou até 1995 tampouco resolveria o problema já que manteria o desalinhamento de alíquotas e o desincentivo ao investimento em ativos produtivos Essas constatações servem para reforçar o argumento de que mais que medidas simples o ideal seria adotar um modelo que confira um tratamento mais coerente à tributação de renda Um exemplo é o modelo dual adotado inicialmente nos países nórdicos na década de 1990 sob contínuas revisões e que vem inspirando inúmeras formulações de reformas tributárias como a reforma implementada pelo Chile em 2014 e a proposta para o Reino Unido em Mirrlees et al 2011 Na Noruega por exemplo os lucros das grandes empresas são tributados em 28 que é a mesma alíquota que incide sobre os rendimentos de aplicações financeiras Após a reforma de 2006 os rendimentos dos acionistas somandose dividendos e ganhos de capital até o retorno normal do capital são isentos no nível da pessoa física e aqueles que excedem este retorno normal serão tributados em mais 28 O método de cálculo do retorno normal do capital é muito próximo ao que se utiliza hoje no Brasil para apurar os juros sobre o capital próprio que são deduzidos da base de incidência dos impostos sobre os lucros e corresponde 14 Ver Hanni Martner e Podestá 2015 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 69 a aplicar uma taxa de juros sobre o patrimônio da empresa Assim o rendimento normal do capital será tributado pela mesma alíquota de 28 não importando se foi auferido por um ativo financeiro ou produtivo na forma de dividendo ou de ganho de capital Já a tributação total sobre os lucros excedentes chegará a 48 somandose os 28 pagos na pessoa jurídica e mais os 20 na física isto é 28 sobre os 72 dos lucros restantes no caso em que a renda do acionista supera o rendimento normal e está alinhada com a alíquota máxima dos rendimentos do trabalho 48 O sistema norueguês faz uso de um mecanismo semelhante para as peque nas empresas a renda do proprietário ou acionista é dividida entre o retorno normal que é considerado remuneração do capital ficando sujeito ao imposto do lucro da empresa 28 e isento quando distribuído à pessoa física ao passo que a parcela restante é considerada remuneração do trabalho e submetida às alíquotas progressivas do IRPF que variam de 28 a 48 Há ainda a opção de um trabalhador autônomo ou mesmo uma pequena empresa não adotar este regime especial e neste caso ficar sujeito a alíquotas iguais às da tabela progressiva do IRPF Entre as virtudes desse modelo dual estão a integração do IRPJ com a IRPF o tratamento mais isonômico conferido às diversas fontes de rendas e a eliminação de incentivos a fenômenos de transfiguração de renda por exemplo pejotização O modelo equivale a isentar o retorno normal da poupança mas os retornos em excesso são tributados integralmente sob o argumento teórico de que não criam uma distorção econômica isto é um desincentivo ao investimento e à poupança15 As principais experiências de aplicação do modelo dual indicam que este promoveu ganhos arrecadatórios no Imposto de Renda devido a simplificação uniformização e ampliação da base de incidência e ao fechamento de brechas para planejamento tributário Também ampliou sua progressividade ao promover a revisão de benefícios tributários concedidos aos rendimentos do capital porque são justamente os mais ricos que podem contar com especialistas em planejamento tributário os que mais se beneficiam destas práticas Contudo as maiores críticas estão relacionadas à isenção do retorno normal da poupança já que mesmo no âmbito da teoria neoclássica de tributação ótima 15 Essa propriedade guarda semelhança com um tributo sobre gastos conhecido na literatura como Kaldor tax que é de mais difícil operacionalização na atual estrutura dos sistemas tributários nacionais e que gera um fluxo mais volátil de arrecadação Sobre este ponto ver Mirrlees et al 2011 que apresentam fundamentos teóricos e comparações entre os modelos neutros de Imposto de Renda como o imposto com dedução da taxa de retorno rateofreturn allowance subjacente ao modelo dual e o imposto sobre gastos cashflow expenditure tax Ressaltese entretanto que esta propriedade de neutralidade só se aplica para um arcabouço simples de poupança relativa ao ciclo de vida e não para os casos mais gerais e que admitem herança Sorensen 2010 é outra referência importante que apresenta em detalhes os princípios teóricos subjacentes ao modelo dual e alguns estudos de caso Desafios da Nação artigos de apoio 70 existe uma série de justificativas para tributálo em algum nível16 Em especial esta isenção da poupança que tende a se concentrar no topo da distribuição restringe muito o grau de progressividade do IRPF tema que é particularmente relevante em um país tão desigual como o Brasil Não por acaso a adoção do modelo dual nos países nórdicos veio acompanhada da preocupação em se ampliar a tributação sobre o patrimônio das pessoas físicas De todo modo o modelo dual serve como referên cia importante para uma reflexão sobre a reforma do Imposto de Renda no Brasil A implementação de um modelo como este no país envolveria uma grande reestruturação das alíquotas do Imposto de Renda que estão muito desalinhadas Em primeiro lugar seria preciso reduzir a alíquota do lucro da empresa para um patamar mais baixo por exemplo 225 e esta pode ser uma janela de oportunidade para rever benefícios tributários e parâmetros mal calibrados dos regimes especiais além de uniformizála com a alíquota sobre ganhos de capital e das principais aplicações financeiras Em segundo lugar seria necessário modificar a tabela do IRPF para que inicie e termine com alíquotas em níveis mais elevados por exemplo três ou quatro alíquotas de 225 a 35 ou mantendo apenas duas das alíquotas atuais de 225 e 275 e estabelecendo uma contribuição adi cional para rendimentos muito altos de 10 que chegaria próximo dos mesmos 3517 A mudança na tabela do IRPF pode ser combinada com um aumento do limite de isenção poupando estratos da classe média e concentrando o ônus sobre os mais ricos Por fim há que se retomar a tributação dos lucros excedentes distribuídos para a pessoa física por exemplo a uma alíquota linear de 15 que é a mesma que incidia sobre os dividendos no país até 1995 se o objetivo for alinhála com a alíquota máxima do IRPF de 35 isto é se o lucro já foi tributado em 225 no nível da pessoa física e sobre os 775 restantes incidir a alíquota de 15 che gase a uma tributação total de 341 Mas também se prevendo um mecanismo que isente ou reduza os impostos incidentes sobre os lucros abaixo do retorno normal Este mecanismo não exige muito mais informações do que o que já existe atualmente nas grandes empresas para apuração dos juros sobre capital próprio instrumento que seria apenas readaptado 16 Banks e Diamond 2010 no âmbito da Revisão de Mirrlees apresentam uma resenha sobre as justificativas para se tributar o retorno normal da poupança fundamentadas na teoria neoclássica da tributação ótima Entre estes motivos estão os fatos de que a tributação da poupança pode ser um instrumento para se alcançar aqueles com maior capaci dade contributiva na medida em que reflete habilidades cognitivas de que sua não tributação distorce as decisões em favor de investimentos financeiros e em detrimento do capital humano na presença de falhas de mercado e de que a poupança precaucional diante de incerteza sobre a habilidade futura de renda pode gerar sobrepoupança e redução futura da oferta de trabalho 17 Se uma renda adicional de R 1 milhão já foi tributada em 275 restando R 725 mil a contribuição de 10 sobre este patamar resultaria em uma renda líquida de R 6525 que corresponde à tributação total próxima de 35 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 71 No caso dos regimes especiais das micro pequenas e médias empresas o ideal seria que migrassem para critérios de apuração simplificada dos tributos sobre o valor adicionado da empresa e não seu faturamento bruto e que adotassem mecanismos de divisão da renda do trabalho e do capital como nas principais ex periências de sistema dual Dadas as resistências a tais mudanças um mecanismo de mais fácil operacionalização é considerar como lucro normal os percentuais atualmente presumidos pela legislação e submeter os lucros excedentes à alíquota adicional no caso das empresas de pequeno e médio portes ou à tabela progressiva do IRPF para microempresas e profissionais autônomos18 Por este mecanismo um prestador de serviços de baixa renda permaneceria isento no nível da pessoa física ao passo que o prestador de alta renda teria a maior parcela de seus rendimentos submetida às alíquotas progressivas do IRPF tal qual ocorre com os trabalhadores assalariados Assim mantémse a simplicidade dos regimes especiais com uma tributação do lucro mais equilibrada entre as empresas de diferentes portes e entre os rendimentos do capital e do trabalho reduzindo o incentivo tributário a fenômenos de transfiguração da renda como a pejotização Ressaltese entretanto que esse fenômeno não seria integralmente equa cionado pela reforma do Imposto de Renda Isto porque permaneceria um gran de diferencial tributário oriundo da elevada carga sobre a folha de salários dos empregados no regime normal em relação aos sócios de empresas nos regimes especiais Por isto seria importante que a maior parcela dos eventuais ganhos de arrecadação fosse canalizada para a desoneração da folha e mais especificamente das contribuições previdenciárias conforme discutido na subseção 32 Neste caso uma medida a ser estudada é que as alíquotas adicionais sobre os altos rendimentos no IRPF e sobre o retorno excedente dos acionistas a serem criadas com o pro pósito de adequar nosso sistema a um modelo dual sejam contribuições sociais com recursos vinculados à seguridade Buscase aqui estabelecer novas fontes de financiamento para o orçamento da seguridade social neste caso na forma de contribuições sociais com ônus bastante concentrado sobre as pessoas físicas de alta renda em substituição ao tradicional financiamento por folha de pagamentos que tanto onera nosso setor produtivo Foge aos propósitos e ao escopo deste trabalho adentrar em tecnicalidades O objetivo aqui é apenas apresentar diretrizes gerais para uma reforma que venha estabelecer um modelo de Imposto de Renda que integre de maneira mais consis tente a tributação ao nível da pessoa física e jurídica e que venha prover tratamento 18 Para exemplificar no atual regime das médias empresas o lucro é presumido aplicandose um porcentual sobre o faturamento que é de 12 para a indústria e 32 para os serviços e sobre esse porcentual se calculam os impostos Imposto de Renda Pessoa Jurídica IRPJContribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL Programa de Integração Social PISContribuição para o Financiamento da Seguridade Social Cofins e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ICMS ou Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISS Desafios da Nação artigos de apoio 72 mais isonômico entre as empresas de distintos portes entre as fontes de renda do capital e entre os rendimentos do trabalho e do capital Sua implementação passa por grandes realinhamentos de alíquotas e mesmo que fosse feita de maneira gradual exigiria cautela porque carece do subsídio de estudos e simulações sobre impactos e respostas dos agentes Lacuna que pretendemos suprir brevemente Nossa preocupação por um lado foi a de apontar para a concepção de um modelo compatível com uma redução das alíquotas do Imposto de Renda no nível das empresas porém aproveitando esta oportunidade para proceder a uma ampla revisão de benefícios tributários Por outro lado procurase compensar via tributação sobre a pessoa física com um modelo que trata de maneira mais consistente as distintas fontes de renda Objetivos estes que seguem os princípios norteadores e as tendências internacionais descritos na seção 2 Os esperados ganhos arrecadatórios e de progressividade do novo modelo estão pouco associados ao realinhamento de alíquotas e mais à simplificação à uniformização à ampliação da base de incidência e ao fechamento de brechas para planejamento tributário Na verdade a proposta de referência aqui delineada man tém a isenção ao retorno normal dos acionistas e promove apenas uma moderada elevação da alíquota máxima do IRPF para um patamar baixo nas comparações internacionais dos atuais 275 para 35 Estas são características que restringem o grau de progressividade do IRPF e que podem eventualmente ser reavaliadas ou compensadas De fato várias das experiências de adoção do modelo dual vieram acompa nhadas pela preocupação em se fortalecer os tributos sobre o patrimônio da pessoa física sobretudo aqueles considerados menos perniciosos sobre o crescimento como os impostos sobre herança e propriedade imobiliária Esse tema é particular mente relevante em um país desigual como o Brasil e pretendemos incorporálo em uma nova versão deste texto Em suma este trabalho não pretende dar respostas acabadas a todas estas questões Apenas contribuir para o debate REFERÊNCIAS APPY B Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado Interesse Nacional v 8 n 31 p 6581 outdez 2015 Tributação e produtividade no Brasil In BONELLI R VELOSO F PINHEIRO A C Orgs Anatomia da produtividade no Brasil Rio de Janeiro Elsevier IbreFGV 2017 BANKS J DIAMOND P The base for direct taxation In MIRRLEES J et al Eds Dimensions of tax design the mirrlees review Oxford Oxford University Press for Institute for Fiscal Studies 2010 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 73 FÖRSTER M LLENANOZAL A NAFILYAN V Trends in top incomes and their taxation in OECD countries Paris OECD Publishing 2014 Working Paper n 159 HANNI M MARTNER R PODESTÁ A El potencial redistributivo de la fiscalidad en América Latina Revista Cepal n 116 p 726 ago 2015 JOHANSSON A et al Taxation and economic growth Paris OECD 2008 Working Paper n 620 LUKIC M Reforma tributária no Brasil ideias interesses e instituições Curitiba Juruá 2014 Tributação sobre bens e serviços no Brasil problemas atuais e propostas de reformas Brasília Ipea 2017 Mimeografado MIRRLEES J et al Tax by design Oxford Oxford University Press 2011 Disponível em httpsgooglYfqnea OECD ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT Tax policy reforms in the OECD Paris OECD Publishing 2016 Disponível em httpsgooglDwiKU6 ORAIR R et al Carga tributária brasileira estimação e análise dos determinantes da evolução recente 20022012 Brasília Ipea 2013 Texto para Discussão n 1875 Disponível em httpsgooglmQaFmE REZENDE F et al Proposta de reforma do sistema tributário brasileiro Brasília Ipea 1987 Texto para Discussão n 104 SORENSEN P B Dual income taxes a Nordic tax system In CLAUS I et al Eds Tax reform in open economies international and country perspectives Cheltenham Edward Elgar 2010 SOUZA A J P Imposto de renda no Brasil estudo de distorções em especial algumas relacionadas à distribuição de lucros das empresas 2016 Dissertação Mestrado Escola de Administração Fazendária Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Brasília 2016 Disponível em httpsgooglPp4gcZ VARSANO R A tributação do valor adicionado o ICMS e as reformas ne cessárias para conformálo às melhores práticas internacionais Brasília BID fev 2014 Documento para Discussão n 355 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ADAM S et al Orgs Dimensions of tax design Oxford Oxford University Press 2010 Disponível em httpsgooglf6fEa6
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CAPÍTULO 17 REFORMA TRIBUTÁRIA PRINCÍPIOS NORTEADORES E PROPOSTAS PARA DEBATE1 Rodrigo Orair2 Sérgio Gobetti3 1 INTRODUÇÃO A avaliação de sistemas tributários isto é o conjunto de regras legais que disci plina o exercício do poder impositivo pelos diversos órgãos públicos na forma de tributos cobrados no país é notoriamente controversa no Brasil e em todo lugar O sistema tributário desempenha papel central em uma economia moderna na medida em que afeta de múltiplas e complexas maneiras o padrão de cresci mento econômico e a competitividade nacional assim como a distribuição social e regional da renda É também um elemento crucial para delimitar quanto cada grupo de cidadãos e empresas de quais regiões geográficas do país terá de arcar para financiar que tipo e tamanho de Estado e de provisão de serviços e bens públicos No caso do Brasil a controvérsia é alimentada pelo fato de a carga tributária bruta CTB ter aumentado sensivelmente após a Constituição Federal CF de 1988 saltando de 234 do produto interno bruto PIB em 1988 para 336 do PIB em 2005 Nesse período o aumento da carga ocorreu às custas da eficiência e da equidade do sistema tributário em grande medida porque foi motivado por um pragmatismo arrecadatório muitas vezes precipitado por episódios de ajuste fiscal de curto prazo quando questões relativas à qualidade foram relegadas ao segundo plano Desde então a CTB interrompeu sua marcha ascendente e vem oscilando ao redor de 32 e 33 do PIB a mais de uma década sendo que as estimativas mais recentes indicam uma carga de 322 do PIB em 2016 semelhante ao patamar verificado ainda em 20024 Mesmo nesse período de estabilidade mantevese o processo de deterioração da qualidade da tributação brasileira diante da prolife 1 As visões dos pesquisadores não devem ser atribuídas ao Ipea ou ao International Policy Centre for Inclusive Growth IPCIG 2 Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais Urbanas e Ambientais Dirur do Ipea e pesquisador associado do IPCIG 3 Técnico de planejamento e pesquisa da DirurIpea 4 Segundo dados atualizados de Orair et al 2013 Desafios da Nação artigos de apoio 48 ração de benefícios tributários e regimes especiais mal calibrados e avanços pouco expressivos e erráticos na agenda de reforma Por mais de duas décadas os esforços de reforma tributária se concentraram quase exclusivamente na tributação de bens e serviços ora por meio de propostas mais amplas de fusão dos vários tributos federais e subnacionais em um imposto sobre valor adicionado IVA ora por intermédios de medidas mais modestas como a uniformização do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ICMS e esbarraram nos conflitos federativos e distributivos Esse impasse acabou por legitimar a relativa paralisia do governo federal em empreender mudanças estruturais que começassem pelos tributos federais como o Programa de Integração SocialContribuição para o Financiamento da Seguridade Social PIS Cofins o Imposto sobre Produtos Industrializados IPI o Imposto de Renda Pessoa Jurídica IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL A desoneração da folha concebida em 2004 para enxugar múltiplos tributos e acom panhar o processo de transição para um IVA se transformou nos últimos anos em uma medida conjuntural para aliviar o fluxo de caixa das empresas Inicialmente deveria se restringir a poucos setores industriais com viés exportador e intensivo em mão de obra combalidos pela perda de competitividade e a intensificação da concorrência internacional e acabou se desvirtuando e perdendo critérios de sele tividade sendo estendida arbitrariamente até segmentos do comércio atacadista meios de comunicação e serviços não comercializáveis Frequentemente o sistema tributário brasileiro é referido como um manicômio tributário ou uma estrutura desconexa e caótica O fato é que fica difícil encontrar uma lógica qualquer no tocante a fundamentos teóricos e empíricos que justifique uma estrutura tributária como a nossa Mudar isso não é tarefa simples e depende de acordos políticos e federativos que fogem do alcance analítico desse texto mas um bom ponto de partida é diagnosticar os problemas que temos de enfrentar e atualizar as alternativas de solução disponíveis à luz da experiência e do debate internacionais Nesse sentido este texto busca inspiração em outras iniciativas de profunda reflexão sobre o sistema tributário como as realizadas em 1987 pelo próprio Ipea Rezende et al 1987 e recentemente por um time de especialistas reunidos pelo economista britânico James Mirrlees que ficou conhecida como a Revisão de Mirrlees Nessa última experiência que durou alguns anos de debate Mirrlees et al 2011 tentam identificar as características de um sistema tributário ideal que sirvam de diretriz para uma reforma tributária coerente e integrada sistematizando as várias opções e opiniões existentes e delimitando onde termina o julgamento técnicoeconômico e começa a escolha política e social De modo semelhante pretendemos confrontar esse protótipo de sistema ideal com as imperfeições da nossa estrutura tributária para traçar as diretrizes Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 49 de uma proposta de reforma tributária que é um dos eixos do projeto Desafios da Nação lançado pelo Ipea Como na década de 1980 este texto visa contribuir para o debate e orientar a ação do governo nessa temática É possível imaginar dois caminhos de reforma tributária Um primeiro seria de uma reforma radical e também de mais difícil implementação O segundo de caráter pragmático é trilhar um processo de mudança gradual ou uma refor ma fatiada É preciso entretanto diferenciar esta segunda alternativa da opção de se proceder a meras mudanças pontuais Como bem afirma Varsano 2014 p 4748 mudanças pontuais têm sido muitas vezes erroneamente denominadas reforma fatiada Não é possível servir fatias de um bolo que não existe Quando imaginamos que uma reforma será fatiada está implícita a existência de um de terminado desenho de sistema tributário que se pretende alcançar no futuro mas cuja implementação é fracionada com o objetivo de facilitar a transição e permitir algumas correções de rumo Em outras palavras independentemente do ritmo que se deseje adotar o mais importante é que haja um ponto de chegada comum que é aproximar nossa estrutura tributária de um sistema ideal no qual os vários elementos se ajustariam apropria damente e as distorções desnecessárias seriam eliminadas O propósito das diretrizes traçadas neste texto é contribuir com uma reflexão sobre este ponto de chegada O texto está dividido em mais duas seções além desta introdução A próxima seção discute em caráter mais abstrato os princípios norteadores para a configuração de um sistema tributário ideal A seção subsequente dedicase a explorar duas questões que dizem respeito ao diagnóstico da estrutura tributária brasileira e ao detalhamento das respectivas propostas de reformas Quão distante o Brasil está deste sistema ideal Quais as principais recomendações de reforma para aproximar a estrutura tributária brasileira ao sistema ideal Antes de prosseguir entretanto cabe ressaltar que esta é uma primeira ver são de um trabalho em curso que está longe de pretender esgotar o tema Muito pelo contrário sua perspectiva analítica ainda é bastante geral e com foco restrito sobre três dos grandes blocos de tributação a saber bens e serviços folha salarial e renda Esperase que as novas versões aprofundem esta análise e lidem com uma série de lacunas como a incorporação dos tributos sobre patrimônio ambientais e regulatórios financeiros e de reflexões sobre os novos desafios da economia digital e a questão federativa 2 SISTEMA TRIBUTÁRIO IDEAL Esta seção apresenta brevemente alguns princípios norteadores de uma proposta de reforma que busque aproximar a estrutura tributária brasileira a um sistema ideal com fundamentos extraídos da teoria econômica e das experiências inter Desafios da Nação artigos de apoio 50 nacionais O ponto de partida para o desenho de um sistema tributário são seus objetivos básicos como listado a seguir 1 Arrecadação levantar as receitas que o governo necessita para alcançar seus objetivos de gasto 2 Eficiência buscar minimizar as distorções econômicas e administrativas relacionadas à arrecadação de tributos além de manter o sistema o mais simples e transparente possível 3 Equidade evitar arbitrariedades de tratamentos tributários não isonômi cos entre contribuintes setores econômicos e fontes de renda e também promover a progressividade no sentido de onerar proporcionalmente mais aqueles que possuem maior capacidade contributiva de acordo com os objetivos distributivos do governo e com as preferências sociais Tratase fundamentalmente de perseguir um sistema desenhado para com binar e equilibrar eficiência e equidade objetivos que sob determinadas con dições podem ser contraditórios e por esse motivo estão no centro de atenção da chamada teoria da tributação ótima Entre as preocupações básicas originais desta teoria está a necessidade de se evitar que eventuais medidas voltadas a promover maior justiça tributária tenham efeitos líquidos negativos sobre o bemestar social devido a distorções sobre as decisões dos agentes econômicos como o desincentivo a trabalhar investir e poupar Contudo a avaliação precisa sobre tais efeitos de pende de um conjunto bastante amplo de variáveis e hipóteses nada triviais sobre a resposta de indivíduos famílias e empresas a tais medidas e de um fator subjetivo alheio aos modelos econômicos que é o valor atribuído pela sociedade à equidade Na prática portanto inexiste um consenso hoje mesmo no âmbito da teoria neoclássica das finanças públicas sobre o desenho ótimo de um sistema tributário A Revisão de Mirrlees expressa uma visão entre várias e ao mesmo tempo uma tentativa de conciliar algumas diferenças numa proposta de reforma tributária ideal com uma abordagem sistêmica que busca conectar as várias partes da estrutura de maneira consistente Nesse contexto um aspecto importante a ser destacado sobre uma abordagem de sistema tributário é que não há necessidade de que todas as suas partes persigam simultaneamente os objetivos de eficiência e equidade É recomendável que este sistema por questões de eficiência contenha um imposto sobre valor adicionado o mais neutro possível ou seja com uma ou poucas alíquotas com objetivo arrecadatório e isto pode ter um efeito regressivo sobre a distribuição de renda Porém este não será um problema desde que seja compensado pelas outras partes do sistema e mais particularmente pelo Imposto de Renda Pessoa Física IRPF Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 51 que é considerado um instrumento tributário muito mais apropriado para perseguir objetivos distributivos Isso tampouco significa que cada parte do sistema seja estanque e persiga um único objetivo Por questões de eficiência e equidade o ideal é que a configuração do IRPF seja integrada com os tributos sobre folha salarial e com o IRPJ Mesmo a neutralidade deve ser relativizada O objetivo de se perseguir eficiência é compatível com o tratamento discriminatório de determinados setores e bens por exemplo quando a tributação é utilizada para corrigir externalidades negativas de setores que causam dano ambiental e do consumo de tabaco e álcool ou positivas nos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento Além dos seus objetivos básicos um aspecto adicional a ser considerado é que os sistemas tributários são historicamente determinados e delimitados pelas tendências internacionais no campo da tributação Entre as quais cabe destacar as seguintes tendências em curso no século XXI 1 Homogeneização da tributação sobre bens e serviços mais comumente na forma de um IVA com bases cada vez mais amplas redução do número de alíquotas e crédito integral com isenção completa dos investimentos e das exportações diante da crescente integração econômica dos países5 2 Conceituação ampla da base tributável do IVA não restrita a bens e serviços para lidar com desafios da nova economia da informação intangíveis plataformas eletrônicas etc 3 Revisão de benefícios tributários diante do reconhecimento empírico e teórico de que tais incentivos largamente implantados nas últimas déca das não são a melhor forma de induzir o investimento e o crescimento 4 Gradual esgotamento dos modelos baseados na tributação sobre folha salarial não somente devido às mudanças estruturais nas relações contra tuais laborais para modalidades mais flexíveis como também em razão de seus impactos sobre a competitividade nacional 5 Erosão da base tributável e pressão para quedas das alíquotas sobre o lucro das empresas diante da crescente mobilidade do capital da guerra fiscal paraísos tributários e da flexibilidade dos novos arranjos produtivos que facilitam a arbitragem e o planejamento tributário por parte das grandes corporações multinacionais A essas tendências estruturais somamse outras de caráter mais conjuntural O imperativo de se promover consolidações fiscais foi uma das principais motivações 5 Os Estados Unidos são a principal exceção de país economicamente relevante que não adota um imposto sobre valor adicionado IVA e sim um imposto sobre varejo Desafios da Nação artigos de apoio 52 por trás de uma onda de reformas tributárias nos primeiros anos subsequentes à crise internacional de 2008 Desde 2015 houve uma reorientação e as políticas tributárias passaram a ser motivadas principalmente pela preocupação em recu perar o crescimento conforme destacado em OECD 2016 Este relatório faz um apanhado das mais recentes tendências de reformas tributárias comuns aos paísesmembros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE e que estão resumidas a seguir 1 Maior ênfase passou a ser dedicada na recuperação do crescimento pre dominando medidas de redução dos tributos sobre a renda do trabalho e sobre o lucro das empresas 2 A tendência à redução de alíquotas sobre o lucro das empresas que havia desacelerado logo após a crise de 2008 revigorouse novamente A maioria das reformas prevê reduções de alíquotas mas em compensação promove medidas de ampliação de base tributável mais particularmente aquelas destinadas a proteger as bases domésticas de práticas de evasão e elisão tributária por parte de empresas multinacionais 3 Na tributação sobre a renda do trabalho um número significativo de reformas tem foco na redução dos tributos sobre os contribuintes de baixa renda 4 As reduções dos tributos sobre a renda do trabalho e o lucro das empresas têm sido parcialmente compensadas por aumentos nos tributos sobre consumo IVA e também dos tributos relacionados ao meio ambiente 5 A tendência de ampliação das alíquotas do IVA bastante evidente desde o período póscrise arrefeceu no período mais recente O foco passou a ser mais sobre uniformizar a base tributável e reduzir o escopo de alíquotas reduzidas para determinados bens e serviços 6 No caso dos tributos relacionados ao meio ambiente as reformas ainda são tímidas e muito limitadas a ajustes em tributos sobre uso da energia e automóveis 7 Mantémse a tendência de incrementos na tributação sobre a renda do capital no nível do acionista com vários países ampliando alíquotas e eliminando benefícios tributários sobre dividendos e outras fontes de renda do capital no nível da pessoa física Promovendose assim uma revisão do tratamento tributário diferencial entre renda do trabalho e do capital 8 Tem ocorrido apenas um reduzido número de reformas nos tributos sobre a propriedade sugerindo que o potencial para levantar receitas de maneira Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 53 mais eficiente por meio de tributos sobre a propriedade especialmente no caso da propriedade residencial não tem sido integralmente explorado Sintetizando os principais pontos é possível identificar duas forças opostas entre as principais tendências em curso Por um lado as reduções da tributação da folha salarial e do lucro no nível da empresa ambas motivadas por questões estru turais e conjunturais como integração econômica e recuperação do crescimento Na direção contrária têm predominado ampliações da tributação sobre bens e serviços da tributação direta sobre a pessoa física e de maneira embrionária dos tributos relacionados ao meio ambiente A ampliação compensatória desse grupo de tributos responde parcialmente aos esforços de consolidações fiscais que boa parte dos países do mundo está pro movendo sendo um dos principais legados do período póscrise de 2008 Mas também tem sido motivada por questões de eficiência e equidade O avanço da tributação de bens e serviços vem ocorrendo em paralelo à tentativa de se unifor mizar práticas tributárias entre os países da OCDE caminhando na direção de um IVA moderno simples com base ampla e pleno aproveitamento de créditos eficiente e de alto poder arrecadatório que facilita a coordenação tributária Semelhantemente o incremento na tributação direta da pessoa física que é uma resposta ao renovado foco sobre a desigualdade e adicionalmente à preocupa ção de se poupar a base da distribuição de renda do ônus dos ajustes fiscais vem sendo pautado por modelos que buscam fazêlo de maneira mais eficiente possível Este é o caso do modelo dual adotado inicialmente nos países nórdicos na década de 1990 sob contínuas revisões e que vem inspirando inúmeras formulações de reformas tributárias como a reforma implementada pelo Chile em 2014 e a proposta para o Reino Unido em Mirrlees et al 2011 O modelo dual é uma tentativa de se integrar a tributação da renda da pessoa jurídica e da pessoa física de maneira coerente e prover isonomia no tratamento tributário entre as várias fontes de renda ao mesmo tempo que preserva a progressividade na tributação dos rendimentos do trabalho e do retorno excedente da poupança6 O ponto central a ser destacado é que a tendência a se reduzir os níveis de tributação da folha salarial e do lucro no nível da empresa tem sido contraposta por uma combinação de dois principais caminhos tributação sobre bens e serviços e tributação direta e progressiva da renda da pessoa física Não há uma regra geral com alguns países optando mais por um caminho e outros pelo outro7 Firmes 6 O modelo dual será melhor detalhado na subseção 33 7 A maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE promoveu mudanças tributárias para ampliar suas receitas desde a crise de 2008 e em resposta a média da carga tributária saltou de 327 do produto interno bruto PIB em 2009 para 344 em 2014 Em mais da metade desses países 21 dos 34 os pacotes tributários incluíram algum tipo de ampliação da taxação sobre os mais ricos inclusive os dividendos Förster LlenaNozal e Nafilyan 2014 Desafios da Nação artigos de apoio 54 recomendações nesta direção requerem julgamentos de valor sobre preferências sociais e contextos políticos que vamos evitar aqui mas o renovado foco sobre a desigualdade e a revisão do tratamento tributário diferencial entre renda do trabalho e do capital tem encontrado respaldo não só na experiência internacional como também no debate teórico8 As transformações no campo da tributação também estão amparadas por es tudos empíricos É o caso de estudos realizados por pesquisadores da OCDE como Johansson et al 2008 que investigam o desenho das estruturas tributárias mais propícias para estimular o crescimento econômico e que chegam à conclusão de que há um ranking de tributos Os impostos sobre a propriedade e mais precisamente aqueles que incidem sobre a propriedade imobiliária residencial são considerados os mais eficientes porque distorcem menos as decisões de produção e de investimento das empresas Seguemse na ordem do menor para o maior impacto negativo sobre o crescimento os impostos sobre o consumo e outros impostos sobre a propriedade os impostos sobre a renda das pessoas físicas e por fim os mais prejudiciais que são os impostos sobre a renda da pessoa jurídica Esses estudos reconhecem que a troca da tributação da renda pela do consumo pode reduzir a progressividade e aumentar a desigualdade seja pelo efeito sobre os preços seja pelo alívio tributário para as rendas mais elevadas Por isso sugerem como alternativa melhorar o desenho de cada fonte de tributação ampliando a base de tributação do consumo reduzindo o imposto corporativo o mais pernicioso entre todos no ranking e aumentando o imposto pessoal sobre dividendos e outras rendas do capital Em suma as principais tendências internacionais no campo da tributação refletem não somente o pragmatismo frente aos desafios conjunturais e estruturais mas também reflexões teóricas e empíricas e avaliações sobre as preferências sociais Desnecessário assinalar que as experiências internacionais não devem ser mimeti zadas e sim reavaliadas à luz das nossas especificidades legais políticas e culturais para então se poder extrair lições úteis sobre princípios orientadores para uma reforma tributária no Brasil É isto que procuraremos fazer na sequência deste texto 3 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO DIAGNÓSTICO E PROPOSTAS DE REFORMAS O Brasil é um dos países em desenvolvimento com uma das maiores cargas tribu tárias do mundo que alcançou 327 do PIB em 2013 Porém mais do que seu nível que pode ser parcialmente explicado pelo projeto de instituir um Estado de bemestar social o que mais preocupa é sua ineficiente e regressiva estrutura Coincidentemente esta carga ficou um pouco abaixo da média de 341 do PIB 8 É o caso da recente literatura que revisa os modelos pioneiros de tributação ótima tanto pela nova geração de teóricos como Thomas Piketty e Emmanuel Saez quanto pelos seus teóricos originários como James Mirrlees Peter Diamond Anthony Atkinson e Joseph Stiglitz Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 55 nos países da OCDE em 2013 mas ao contrário de lá em que os impostos sobre a renda e a propriedade são a principal fonte de financiamento estatal em média 134 do PIB e a tributação sobre bens e serviços é inferior a um terço da carga 112 do PIB aqui no Brasil quase metade advém de impostos sobre bens e serviços 154 do PIB e os impostos sobre a renda e a propriedade não chegam a um quarto 81 do PIB É digno de nota que entre todos os países da OCDE os únicos que possuem patamares semelhantes de carga sobre bens e serviços são a Hungria 169 e a Dinamarca 154 mas cujas cargas totais são muito mais elevadas que a brasi leira 384 e 476 dos PIBs respectivamente Existem ainda assimetrias no interior das categorias genéricas de tributos Entre os impostos sobre a renda e a propriedade a carga no Brasil é relativamente mais alta quando incide sobre o lucro das empresas 32 do PIB em relação aos 27 do PIB na média dos países da OCDE um pouco inferior sobre a propriedade 13 do PIB contra 19 do PIB e muito menor na renda das pessoas físicas 24 do PIB em relação à média de 83 do PIB na OCDE9 GRÁFICO 1 Carga tributária no Brasil e em países da OCDE com sistema de governo federal regional 2013 Valores em participação do PIB 00 100 200 300 400 500 Impostos sobre renda e propriedade Impostos sobre a folha de pagamento e contribuições sociais Impostos sobre bens e serviços 11 12 10 11 15 09 09 07 08 06 04 10 14 17 14 10 09 11 09 05 01 07 06 03 19 13 12 13 08 12 14 18 18 14 15 06 Governo geral Bélgica Áustria Alemanha OCDE 34 países Brasil Espanha OCDE 9 países Canadá Austrália Suíça Estados Unidos México 9 Existe ainda um resíduo de impostos sobre renda e propriedade não classificados Desafios da Nação artigos de apoio 56 Fonte Cálculos próprios para o Brasil e dados das estatísticas da OCDE para os demais países disponíveis em httpgoogl69ftRb Elaboração dos autores Obs Inclui as médias dos 34 países da OCDE e também dos nove países com sistema de governo federalregional Resumindo a carga brasileira caracterizase por níveis relativamente elevados de tributação sobre a produção de bens e serviços e sobre a folha salarial e o lucro das empresas cuja contrapartida é o baixo peso da tributação direta sobre renda e patrimônio das pessoas físicas Como se configurou e quais são as principais consequências desta assimetria Suas raízes remontam a um longo processo histórico mas que se acentuou nas últimas três décadas quando se cristalizou uma estrutura com reduzido peso da tributação direta sobre pessoa física enquanto contraditoriamente o país propunha construir um Estado de bemestar social bastante denso para uma economia em desenvolvimento De um sistema federativo centralizador que vigorou no período do regime militar passouse para uma fase de descentralização das competências pela provisão de serviços públicos e de ampliação da ação estatal na área social Simultaneamente procurouse dotar os governos regionais de bases mais amplas de recursos ampliando as transferências intergovernamentais e ratificando a prática pouco comum de se delegar à esfera regional a competência pela arrecadação de alguns dos principais impostos do sistema tributário nacional e que incidem sobre os bens e os serviços ICMS e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISS Essa contradição originou um dilema no financiamento estatal porque ao mesmo tempo que se avançava no projeto de construção do Estado de bemestar social pela via do gasto seja pelos benefícios sociais e assistenciais seja pelos serviços sociais básicos de saúde educação e assistência a experiência brasileira tardia deparouse com maior resistência à tributação direta sobre a pessoa física Na verdade o IRPF passou por reestruturações nas décadas de 1980 e 1990 que restringiram seus graus de progressividade e potencial arrecadatório modificando se muito pouco desde então Por sua vez alguns instrumentos que permitiriam ampliar a tributação sobre a propriedade tradicionalmente enfrentam enormes obstáculos de ordem política legislativa e judicial A solução encontrada para equacionar o dilema no financiamento estatal foi promover aumentos legislados nos componentes menos visíveis da carga tributária folha salarial produção e lucro das empresas com o agravante de que foram muitas vezes precipitados por episódios de ajuste fiscal de curto prazo Nesses episódios a margem de manobra das autoridades fiscais se reduz devido ao foco excessivo sobre questões como impacto arrecadatório das medidas tributárias e factibilidade de estas serem aprovadas em um curto período de tempo ao passo que questões mais estruturais de eficiência e equidade são relegadas ao plano secundário O curtoprazismo também dificulta as reformas tributárias que exigem um longo Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 57 processo de pactuação com os grupos de interesse afetados Por esses motivos a trajetória de crescimento da carga tributária no Brasil desde a década de 1980 foi dominada por medidas pontuais e um pragmatismo arrecadatório responsável por reproduzir ou mesmo ampliar suas inúmeras distorções até consolidar uma estru tura de tributação assimétrica com níveis elevados de tributação sobre produção folha salarial e lucro das empresas Simultaneamente procurouse mitigar esse processo por intermédio de ver dadeiros puxadinhos que envolvem uma ampla gama de benefícios tributários e regimes especiais alguns para aliviar pontos de estrangulamento da sobretribu tação mas que abriram espaços para outros que carecem de justificativa técnica e respondem mais a pressões de grupos de interesse Resultandose em discriminações cada vez mais arbitrárias entre contribuintes e atividades econômicas e enormes brechas para planejamento tributário Essa estrutura tributária possui alguns méritos como a elevada produtividade fiscal que a permite financiar uma rede de proteção social bastante densa para um país de renda média e prover certo grau de autonomia aos orçamentos dos governos regionais No entanto contém complexidades e inconsistências desnecessárias e são suas características negativas que sobressaem Algumas das quais listamos a seguir Viés anticrescimento A composição da carga brasileira está na contramão do que é indicado pelos estu dos empíricos como os de Johansson et al 2008 Estes sugerem que estruturas tributárias com maior peso da tributação sobre a pessoa jurídica são as mais per niciosas sobre o crescimento econômico enquanto aquelas com maior peso sobre a tributação direta são mais eficientes A avaliação de sistemas tributários baseada nestas categorias gerais é importante mas tal qual sugerido nestes estudos deve ser relativizada e complementada por aspectos adicionais do sistema tributário Há unanimidade na literatura de que as ineficiências características da tributação no Brasil miscelânea de tributos legislações complexas ausência de visão coerente da base tributável sobreposições de bases e incidência em cascata multiplicidade de regimes especiais e benefícios tributários elevados contenciosos e custos de conformidade etc são maléficas sobre a produtividade e o crescimento econômico Fonte de conflitos federativos Uma das principais prescrições normativas da teoria do federalismo fiscal recomenda que os tributos que incidem sobre as bases econômicas de maior mobilidade fiquem sob responsabilidade dos governos centrais Delegar a competência tributária sobre bases móveis aos governos regionais dá origem a conflitos federativos quando abre espaço para um jogo não cooperativo de guerra fiscal via competição predatória na forma de profusão excessiva de benefícios fiscais pelas jurisdições locais que Desafios da Nação artigos de apoio 58 com o intuito de atrair empreendimentos econômicos umas das outras culmina na corrosão das bases tributáveis de todas elas Situação muito próxima da expe riência brasileira na qual os conflitos em torno da guerra fiscal são frequentes com consequentes ineficiência na alocação dos recursos e práticas de planejamento tributário agressivo pelas empresas Volatilidade nas finanças públicas A arrecadação de tributos sobre bases de incidência mais sensíveis aos ciclos eco nômicos como a produção de bens e o lucro das empresas tende a transmitir um viés prócíclico para a política fiscal Os períodos de aceleração econômica e crescimento mais que proporcional da arrecadação abrem espaço orçamentário para acomodar gastos em excesso no boom enquanto as desacelerações resultam em quedas pronunciadas nas receitas que podem exigir cortes desproporcionais de despesas em períodos de crise A assimetria da estrutura tributária brasileira ao incidir excessivamente sobre a produção e os lucros das empresas acaba trans mitindo volatilidade ao arcabouço fiscal Efeito regressivo sobre a distribuição de renda Os tributos diretos sobre a renda e a propriedade das pessoas físicas incidem pro porcionalmente mais sobre os mais ricos mesmo em uma estrutura tributária que como a brasileira faz uso muito restrito de alíquotas progressivas Em contrapartida os impostos indiretos sobre a produção dos bens e serviços que impõem um custo para as empresas e enquanto tal tendem a ser repassados para seus preços são regressivos porque penalizam proporcionalmente mais aqueles que destinam uma maior parcela da sua renda para o consumo isto é os mais pobres A combinação entre tributação direta pouco significativa e pouco progressiva com elevado peso da tributação indireta torna a carga tributária global regressiva situação que é no mínimo injusta socialmente porque a tributação atua reforça a concentração de renda em um dos mais desiguais países do planeta A partir desse diagnóstico fortemente desfavorável e das considerações gerais feitas na seção anterior cabe aqui traçar alguns princípios norteadores para uma reforma tributária no Brasil Na situação de crise fiscal que o país atravessa o mais prudente é tomar como diretriz uma reforma que no mínimo preserve o atual patamar da carga tributária ou até mesmo permita um crescimento inicial nos primeiros anos para contribuir com o esforço de saneamento das finanças públicas ainda que reversível total ou parcialmente nos anos subsequentes Se na atual conjuntura não é razoável promover alterações muito substanciais no seu nível algo distinto se pode dizer sobre a composição da carga tributária Aí sim há mais espaço para mudanças que venham a reduzir nossos elevados níveis de tributação sobre o lucro no nível da empresa e sobre a folha salarial o Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 59 que por sua vez implica compensações na tributação direta eou na tributação de bens e serviços como vem prevalecendo nas principais experiências internacionais No Brasil a tributação de bens e serviços está em um patamar com pouquíssimos paralelos ao redor do mundo o que limita muito esta alternativa Por isto o foco recairá sobre uma reformulação que a torne mais eficiente e no máximo acomo de uma moderada ampliação Consequentemente a maior ênfase recairá sobre a ampliação da tributação direta no país mas esta alternativa deve ser trilhada com cautela a partir de diretrizes que combinam aspectos de equidade e eficiência e idealmente convergindo para um modelo coerente de tributação da renda O objetivo aqui será traçar diretrizes de uma reforma tributária que por meio da mudança na composição da carga tributária e na reformulação de seus com ponentes específicos nos aproxime de um sistema ideal seguindo os princípios norteadores e as tendências internacionais delineados na seção 2 Na sequência serão detalhados diagnósticos e propostas mais específicas para três blocos de tri butos bens e serviços folha salarial e renda 31 Tributação sobre bens e serviços Existem poucos temas que se aproximam do consenso entre analistas tributários e sem dúvida um dos principais é a avaliação de que a tributação de bens e serviços no Brasil é uma das mais ineficientes do mundo A Constituição de 1988 ratificou a prática de mantêla subdividida em vários tributos e sob competência dos diversos entes federativos O principal foi conferido aos estados o ICMS A competência do IPI e do ISS foram entregues à União e aos municípios respectivamente A União ainda é responsável pelo PISCofins que igualmente deve ser levado em conta na discussão da reforma tributária entre vários outros tributos10 Esse sistema fragmentado por si só já torna a tributação extremamente complexa Somamse os problemas pontuais de cada tributo que são tantos que é quase impossível fornecer um diagnóstico abrangente sobre as deficiências da tributação de bens e serviços no país A seguir descrevemos brevemente alguns destes problemas 1 Aproveitamento restrito e não amplo de créditos nos tributos subme tidos a uma sistemática não cumulativa como o ICMS e o regime não cumulativo do PISCofins que faz com que na prática incidam em cascata 2 Coexistência com tributos e regimes cumulativos como o ISS e o regime cumulativo do PISCofins 10 Esta subseção contou com a colaboração de Melina Rocha Lukic e corresponde a uma adaptação dos autores a partir de um resumo de Lukic 2017 elaborado para servir de texto de referência background paper no eixo Reforma Tributária do projeto Desafios da Nação incluindo algumas passagens idênticas ao texto original Equívocos imprecisões e omissões remanescentes são de inteira responsabilidade dos autores Desafios da Nação artigos de apoio 60 3 Conflitos de competência por exemplo entre o ICMS e o ISS e entre o IPI e o ISS devido à fragmentação da tributação em diversas bases de incidência 4 Acumulação de créditos no IPI e no PISCofins mesmo com um pro cedimento especial instituído em lei para ressarcimento e sobretudo no ICMS já que nem todas as legislações estaduais preveem mecanismos claros e efetivos de ressarcimento 5 Guerra fiscal dos tributos sobre competência regional como nos serviços taxados na origem pelo ISS e principalmente nas operações interestaduais do ICMS em que há um híbrido de princípios de origem e destino 6 Quantidade excessiva de alíquotas isenções e não incidências que difi cultam a coordenação tributária e encarecem a administração tributária 7 Generalização da substituição tributária que tinha como propósito facilitar a arrecadação em setores específicos e homogêneos mas que se tornou prática cada vez mais difundida para arrecadação do ICMS O problema é que muitas vezes se impõem margens arbitrárias que geram um descolamento das bases de cálculo presumidas em relação ao verda deiro valor das transações de mercado 8 Extrema complexidade e tratamentos arbitrários injustificáveis originam vultosos contenciosos judiciais e custos de conformidade Diante desses e de vários outros problemas fica até redundante assinalar o quão distante a atual configuração da tributação de bens e serviços no Brasil está de um sistema ideal Também é quase consensual na literatura especializada a visão de que para resolver a maioria dos problemas listados se faz necessário promover uma reforma simplificadora que passa pela fusão ou substituição de vários tributos ICMS ISS IPI PISCofins e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico Cide entre outros e criação de um IVA com características alinhadas às melhores práticas internacionais isto é cobrado no destino com crédito inte gral e uma base mais ampla possível incluindo todos os bens e serviços inclusive intangíveis e financeiros número restrito de alíquotas e evitandose ao máximo alíquotas reduzidas e isenções As maiores controvérsias encontramse no desenho e na operacionalização de uma reforma que permita transitar para este sistema ideal Várias versões de reformas foram propostas nas últimas décadas Desde a criação de um único IVA de competência federal e compartilhado com os governos subnacionais até um sistema de IVA dual reunindo por um lado os tributos de competência federal IPI PISCofins etc e por outro lado mantendo o ICMS com ou sem a incorporação do ISS sob competência estadual Diante da resistência de estados e municípios a perder autonomia tributária entre outras Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 61 resistências o esforço reformista malogrou sucessivas vezes e seu ímpeto inicial foi sendo desidratado e repartido em três vetores de mudanças pontuais A União tentando modernizar a sistemática de cobrança do PISCofins os municípios introduzindo uma alíquota mínima e ampliando a lista de serviços sujeita à tribu tação de seu imposto o ISS e os estados buscando um acordo até hoje inconcluso para terminar com a guerra fiscal e corrigir as distorções do ICMS Dado o conflito distributivo entre as esferas da Federação e entre os setores da economia atingidos por essas mudanças os avanços concretizados após mais de duas décadas de debates foram mínimos e persistimos com um sistema tributário incrivelmente ineficiente As principais propostas de reformas atualmente em debate vão nessa direção e podem ser agrupadas em três eixos de acordo com o ritmo e a amplitude das mudanças O primeiro eixo mais pragmático é o das medidas pontuais a exemplo da reformulação do PISCofins proposta pelo Ministério da Fazenda MF com o objetivo de aprimorar o sistema de aproveitamento de créditos e unificar todas as empresas no regime não cumulativo Um segundo eixo mais ousado é o das reformas abrangentes como é o caso da proposta do Centro de Cidadania Fiscal de criar um IVA moderno que substituiria progressivamente os atuais tributos sobre bens e serviços O terceiro eixo inspirado no modelo canadense e na reforma que a Índia vem promovendo ao longo dos últimos anos tenta fazer um meio termo entre os dois anteriores11 Um projeto inspirado por este modelo passa pela criação inicial de um IVA e de um imposto seletivo combustíveis bebidas e cigarros somente com os tributos federais PISCofins IPI e Cide sem incluir o ICMS mas já prevendo uma harmonização futura Ou seja o ponto de partida é o IVA federal que servirá de referência para balizar todo o processo de harmonização É claro que isto não impede que de imediato sejam implementadas medidas modernizadoras no ICMS que o aproximem gradualmente ao IVA federal de modo que ao longo do processo de transição os dois tributos conviverão com bases de incidência e práticas tributárias convergentes Um segundo passo futuro seria implementar uma reforma do ICMS incluindo na sua base todos os serviços e compatibilizandoo ao IVA federal O modelo prevê ainda que alguns estados facultativamente adotem um imposto harmonizado cuja incidência se dá sobre a mesma base do IVA federal mas preservandose a liberdade do estado em fixar alíquotas próprias Isto é os estados podem oportunamente vir a optar por um único IVA harmonizado que nada mais é do que um IVA dual com uma alíquota federal e outra estadual A 11 Ver Varsano 2104 e Lukic 2014 2017 para um diagnóstico mais completo dos problemas da tributação de bens e serviços Estes autores também descrevem com mais detalhes as propostas de reforma e em particular o eixo reformista inspirado no modelo canadense Desafios da Nação artigos de apoio 62 adoção deste imposto harmonizado dependeria da negociação com cada estado e de uma contraparte financeira da União Sua administração pode ficar sob responsabilidade da União em cooperação com os governos estaduais Sendo possível admitir a situação contrária em deter minado estado em que a administração do imposto harmonizado fique a cargo do fisco estadual12 Ou mesmo arranjos intermediários de responsabilidades repartidas por exemplo com os fiscos estaduais concentrandose nas atividades fiscalizatórias Este modelo é bastante flexível para lidar com especificidades regionais aspecto que é particularmente relevante em um país heterogêneo como o Brasil e os arranjos concretos vão depender destas especificidades ainda que em comum tenham o potencial de gerar nítidos ganhos de eficiência administrativa ao se eliminarem redundâncias nas estruturas arrecadatórias No caso do ISS o ideal é que seja incorporado ao imposto estadual de base ampliada em uma reforma futura com os municípios participando da sua arre cadação ou alternativamente seja substituído por um imposto municipal sobre vendas a varejo não cumulativo Tal qual na esfera estadual o modelo pode ser flexível para admitir arranjos distintos de acordo com as especificidades locais Alguns municípios de grande porte podem optar por manter seu imposto municipal sobre vendas a varejo e os demais por participarem da arrecadação do imposto estadual Nossa avaliação é que esse eixo reformista inspirado no modelo canadense que propõe uma transição gradual e flexível para um sistema moderno de IVA e que preserva certo grau de autonomia tributária na esfera regional se adequa melhor a um país heterogêneo como o Brasil e às características do nosso federalismo Outra grande vantagem é que do ponto de vista político se dilui o conflito federativo criado quando se propõe a adoção desde o início de um regime nacional homogêneo de IVA A negociação para a adoção do modelo harmonizado é individualizada com cada estado e postergada para o futuro havendo ainda a possibilidade de optarem por manter o ICMS Assim em vez de ficarmos dependentes e reféns da concordância de todos a ideia aqui é iniciar a reforma no nível federal o que já traria ganhos imediatos ao sistema e deixar a critério dos governos regionais a posterior adoção ou não do regime harmonizado Este parece ser um caminho mais factível para uma reforma que aproxime nossa estrutura de tributação sobre bens e serviços a um sistema ideal Antes de finalizar esta subseção cabe tecer duas considerações A primeira diz respeito à possiblidade do SalárioEducação hoje incidente sobre a folha salarial 12 Digase de passagem a experiência canadense admite tal flexibilidade como mostra Varsano 2014 Por exemplo a província de Quebec tem seu IVA subnacional administrado pela sua autoridade tributária que também é respon sável por arrecadar o IVA federal em acordo com o governo federal Outras cinco províncias participam do imposto harmonizado que é um IVA dual arrecadado pela administração tributária federal e que contém alíquotas próprias das províncias que variam de 8 em Newfoundland and Labrador a 10 em Nova Scotia Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 63 migrar de base e ser incorporado pelo IVA federal O objetivo desta medida está alinhado à diretriz traçada na seção 2 de reduzir nossa elevada carga sobre a folha de pagamentos com correspondentes ampliações mais moderadas da tributação sobre bens e serviços e mais intensas na tributação direta sobre pessoa física A proposta de migração da base do SalárioEducação será tratada na próxima subse ção Em segundo lugar a reforma delineada nesta subseção tem como propósito estabelecer um IVA o mais neutro e eficiente possível com objetivo arrecadatório e isto pode ter um efeito regressivo sobre a distribuição de renda Essa consideração chama atenção para a necessidade de que ocorra em paralelo com a reformulação da tributação direta sobre pessoa física instrumento por excelência para perseguir fins distributivos Voltaremos a este tema na subseção 33 32 Tributação sobre folha de pagamentos O modelo brasileiro de tributação sobre folha de pagamentos é disfuncional e suas mazelas atingem em distintos graus tanto os empregadores quanto os empregados sejam estes de baixos ou elevados salários O exemplo na tabela 1 foi retirado de Appy 2017 e ilustra bem algumas distorções na taxação dos salários de alta renda A tabela compara a tributação incidente sobre uma prestação de serviços no valor de R 30 mil por mês considerando três situações i um empregado assalariado no regime normal de tributação ii um sócio de uma empresa enquadrada no regime especial típico das médias empresas lucro presumido e iii um sócio de uma empresa no regime das micro e pequenas empresas Simples TABELA 1 Exemplo de incidência tributária para um prestador de serviços Em R Empregado Sócio de empresa Lucro presumido Simples A Renda bruta valor do serviço 30000 30000 30000 B Tributos da empresa 9788 4518 2463 Folha exceto Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS 5316 1038 0 FGTS 1617 0 0 Demais 2856 3480 2463 C Tributos da pessoa física 5103 974 974 Instituto Nacional do Seguro Social INSS 571 571 571 Imposto de Renda IR 4532 403 403 D Renda líquida ABC 15109 24508 26563 E Total de tributos BC 14891 5492 3437 Desafios da Nação artigos de apoio 64 F Tributosrenda bruta 496 183 115 Fonte Appy 2017 Observase que o custo tributário de um empregado assalariado chega a quase 50 que é bastante elevado para patamares internacionais Na verdade este exemplo não dista muito da regra que predomina nas empresas brasileiras A incidência sobre a folha de pagamentos tipicamente está acima de 40 quando incluímos as contribuições previdenciárias do empregado entre 8 e 11 do salário de contribuição e do empregador 20 o seguro de acidente de trabalho entre 05 e 6 o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS 8 o SalárioEducação 25 e as contribuições para o Sistema S 25 entre outras Esta miríade de tributos sobreonera a produção nacional abala sua competividade e estimula a informalidade e a elisão tributária Um exemplo é a prática de se constituir empresas em regimes especiais para fins de elidir os pagamentos de tributos No exemplo ilustrativo da tabela é possível reduzir a tributação de 50 para até 11 quando o assalariado se converte em um prestador de serviço sócio de uma empresa do lucro presumido ou do Simples Por um lado este mecanismo é vantajoso para a empresa que fica dispensada da maior parte dos custos tributários sobre folha e de outras obrigações trabalhistas Por outro lado o prestador de serviços também extrai vantagens tributárias porque em vez de arcar com alíquotas do IRPF de até 275 que incidem sobre a renda do trabalho passará a estar sujeito a alíquotas mais baixas dos regimes especiais e não arcará com nenhum ônus adicional quando distribuir esses rendimentos para si próprio já que a atual legislação brasileira isenta os dividendos e os lucros distri buídos à pessoa física Basta que ele fixe sua remuneração pelo trabalho como sócio da empresa o chamado prólabore em um patamar mínimo por exemplo um salário mínimo que o permite ficar na faixa de isenção do IRPF e contribuir com um baixo valor para o Instituto Nacional do Seguro Social INSS e distribua para si mesmo os rendimentos restantes na forma de dividendos isentos de imposto Mais uma vez vale destacar que o exemplo didático da tabela não dista muito de uma prática que vem se generalizando inclusive entre as atividades de cunho personalíssimo profissionais liberais artistas atletas etc Este fenômeno conhe cido como pejotização tende a se ampliar ainda mais no contexto atual no qual os critérios de enquadramento nos regimes simplificados e a legislação de terceirização estão cada vez mais permissíveis A princípio a organização dos elos do processo produtivo por meio de modalidades mais flexíveis de prestação de serviços e de redes de pequenas empresas e profissionais autônomos não é um problema O problema surge quando os parâmetros do sistema tributário estão mal calibrados e geram arbitrariedades que distorcem as decisões organizacionais das empresas e dos prestadores de serviços e por conseguinte as alocações produtivas Outro Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 65 problema que está associado à pejotização é a corrosão da base de arrecadação tanto dos tributos sobre folha de pagamentos quanto do IRPF na medida em que são os trabalhadores de alta renda que têm maiores incentivos a transfigurarem de renda do trabalho para renda do capital com alíquotas mais baixas A correção de problemas como esses passa por pelo menos três conjuntos de medidas O primeiro é instituir um modelo de Imposto de Renda IR que inte gre de maneira mais consistente a tributação ao nível da pessoa física e da pessoa jurídica Este será o tema da próxima subseção Porém um modelo integrado por si só não resolveria o problema da sobreoneração da folha de pagamentos e portanto deve ser complementado por outras medidas Um segundo conjunto de medidas é retirar da folha uma série de contribuições que não guardam relação com os benefícios contributivos do empregado É o caso das contribuições compulsórias das empresas destinadas às entidades privadas que compõe o Sistema S cujo financiamento poderia ser convertido em um mix de contribuições facultativas com subvenções sociais e econômicas que integrem o orçamento fiscal isto é despesas de subsídios Outro exemplo é o SalárioEducação que pode migrar para a base de um IVA federal tal qual abordado na subseção 31 Esta poderia ser uma mudança neutra do ponto de vista arrecadatório para não comprometer o financiamento de despesas de educação que passaria a ser um percentual vinculado ao IVA As contribuições do Sistema S e do SalárioEducação são instrumentos importantes instituídos em meados do século XX mas que podem ser repensados no contexto atual Medidas como estas são importantes para reduzir o ônus imposto sobre a folha de pagamentos e para abrir espaço para um modelo mais coerente em que as contribuições remanescentes se restrinjam àquelas que possuem relação mais próxima com os benefícios contributivos dos empregados ou seja as contribuições previdenciárias e o FGTS Um terceiro aspecto a ser repensado diz respeito à contribuição previdenciária do empregador que é uma alíquota muito elevada da ordem de 20 incidente sobre todo o salário dos empregados enquanto os benefícios estão limitados ao teto definido pelo INSS R 553131 em 2017 A contribuição previdenciária é o principal elemento de custo tributário da folha de pagamentos da empresa e responde por boa parte do diferencial de custo dos empregados formais de alta renda em relação aos sócios de empresas dos regimes especiais Um caminho natural para minimizar estas distorções é reduzir sua alíquota ou até mesmo zerála quando o salário excede o teto do INSS e simultaneamente promover uma reforma do IRPF que compense as perdas em termos arrecadatórios e de progressividade Resumindo o conjunto de propostas aqui apresentado busca reduzir o custo da folha de pagamentos e estabelecer um modelo com uma relação mais clara entre as contribuições e os respectivos benefícios contributivos Sua contrapartida é a Desafios da Nação artigos de apoio 66 necessidade de se promover não somente uma moderada elevação na tributação sobre bens e serviços no caso da migração da base do SalárioEducação mas sobretudo uma reforma do Imposto de Renda para um modelo que integre de maneira mais consistente a tributação da pessoa física e da pessoa jurídica e que amplie o potencial arrecadatório e progressivo do IRPF A próxima subseção delineia uma sugestão de reforma do IR pautada por estas diretrizes Vale destacar que essa discussão sobre tributação da folha de pagamentos ficou bastante restrita aos trabalhadores de alta renda Mesmo que muitas das distorções sejam generalizadas tal abordagem negligenciou alguns aspectos mais específicos de outras faixas de renda como no caso dos trabalhadores de baixa renda Em particular será necessário futuramente refletir sobre alternativas de modelos que separem melhor os benefícios contributivos daqueles não contributivos assisten ciais de caráter explícito ou não e estabeleçam fontes de financiamento específicas para cada um deles Entretanto uma proposta como esta teria de ser desenhada a partir dos resultados da reforma previdenciária sob discussão no Congresso e é uma lacuna que pretendemos preencher em novas versões deste trabalho 33 Tributação sobre renda A atual estrutura do Imposto de Renda no Brasil carece de lógica sistêmica e con figura uma verdadeira colcha de retalhos Seguese uma breve lista de distorções 1 As alíquotas nominais que incidem sobre o lucro da pessoa jurídica são muito elevadas de até 34 somandose o IRPJ e a CSLL mas há uma ampla gama de regimes especiais e benefícios tributários que na maioria dos casos reduzem muito as alíquotas efetivas Ao mesmo tempo que geram arbitrariedades no tratamento tributário entre setores econômicos e entre contribuintes 2 Existência de assimetrias no tratamento tributário entre as diversas fontes de rendimentos do capital com viés desfavorável aos ativos produtivos As alíquotas sobre o lucro da empresa até 34 são geralmente mais elevadas do que as que incidem sobre ganhos de capital 15 e aplicações financeiras normalmente de 15 a 225 além de inúmeras isenções É também mais elevada que a alíquota máxima do IRPF 275 As assimetrias acontecem até para uma mesma fonte de renda como é o caso de aluguéis recebidos pela pessoa física que pode ser isenta quando esta pessoa é cotista de um fundo de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa e seu imóvel compõe o patrimônio do fundo ou ser submetido a alíquotas de até 275 no IRPF quando a propriedade do imóvel está no nome da pessoa física Outro exemplo é o ganho de Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 67 capital na alienação de bens e direitos que será tributado a 34 no nível da pessoa jurídica e em 15 se for na pessoa física 3 Assimetria no tratamento dos pequenos negócios e dos trabalhadores por conta própria em relação aos empregados assalariados A existência de parâmetros mal calibrados nos regimes especiais conjugados com a isenção dos dividendos distribuídos e a elevada tributação sobre a folha de pagamentos gera incentivos para o fenômeno da pejotização em que as pessoas físicas se convertem em sócias de empresas para fins de elisão fiscal Enquanto os salários podem ser submetidos às alíquo tas de 275 os sócios organizados em empresas de regimes especiais passam a estar sujeitos a alíquotas mais baixas por exemplo no setor de serviços a tributação total varia de 45 a 1685 no Simples e de 1633 a 1953 no lucro presumido violandose o princípio básico da equidade horizontal 4 Parcela relevante dos rendimentos da população de alta renda está isen ta do IRPF ou submetida a alíquotas mais baixas do que as da tabela progressiva É o caso das fontes de renda que se concentram no topo da distribuição como os dividendos isentos os rendimentos das aplicações financeiras sujeitas à tributação exclusiva na fonte por alíquotas lineares de em média 17 e certas atividades de cunho personalíssimo tributadas apenas no nível da pessoa jurídica pelas alíquotas mais baixas dos sistemas especiais artistas atletas consultores médicos advogados etc Situação que viola o princípio básico da equidade vertical 5 Elevado volume de deduções do IRPF que carecem de justificativas econômicas ou sociais Essa breve lista de distorções não deixa dúvidas de que nosso modelo de tributação é fragmentado incoerente e injusto desestimula o investimento em ativos produtivos em favor de outras modalidades e abre inúmeras brechas para elisão fiscal13 A questão que se coloca é sobre como estruturar um modelo alternativo que combine da melhor maneira possível aspectos de eficiência e equi dade Seguindo os princípios orientadores da seção 2 um caminho a ser traçado é uma reforma que reduza o imposto sobre o lucro da empresa e ao mesmo tempo amplie o potencial arrecadatório e a progressividade do IRPF As experiências internacionais sugerem que o Brasil tributa muito o lucro da empresa por exemplo quando comparado com os países da OCDE em que prevalece uma tributação mais equilibrada entre os lucros das empresas e os divi 13 Ver Appy 2015 e Souza 2016 para um diagnóstico mais aprofundado das distorções do Imposto de Renda IR no Brasil Desafios da Nação artigos de apoio 68 dendos distribuídos à pessoa física com médias de alíquotas estatutárias de 25 na pessoa jurídica e de mais 24 na pessoa física A grande maioria destes países adota mecanismos para integrar a taxação dos lucros na pessoa jurídica e na pessoa física e amenizar parcialmente a taxação dos dividendos mas quase nenhum os isenta integralmente No Brasil a tributação do lucro varia com o porte da empresa e pode a chegar a 34 somando IRPJ e CSLL enquanto os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas são integralmente isentos Por outro lado o IRPF brasileiro não somente possui uma arrecadação relativamente mais baixa como também tem um impacto redistributivo muito menor do que na média dos países da OCDE e inclusive inferior ao dos países mais desenvolvidos da América Latina como Chile Argentina México e Uruguai14 A ideia de se ampliar a progressividade do IRPF está normalmente associada à fixação de alíquotas marginais mais elevadas para os mais ricos Entretanto sob a configuração do IRPF no Brasil o mero aumento de alíquotas teria efeitos redistributivos e arrecadatórios muito limitados Isto porque só atingiria os ren dimentos classificados como tributáveis o que não inclui os dividendos nem os rendimentos de aplicações financeiras que são as principais fontes de renda dos muito ricos O ônus desta medida ficaria bastante concentrado sobre os assalaria dos e em parte seria contraproducente ao incentivar ainda mais o fenômeno da pejotização mediante a transfiguração da renda do trabalho tributável em renda do capital isenta do IRPF Por outro lado a simples restituição da tributação sobre dividendos por exemplo aplicando a alíquota linear de 15 que vigorou até 1995 tampouco resolveria o problema já que manteria o desalinhamento de alíquotas e o desincentivo ao investimento em ativos produtivos Essas constatações servem para reforçar o argumento de que mais que medidas simples o ideal seria adotar um modelo que confira um tratamento mais coerente à tributação de renda Um exemplo é o modelo dual adotado inicialmente nos países nórdicos na década de 1990 sob contínuas revisões e que vem inspirando inúmeras formulações de reformas tributárias como a reforma implementada pelo Chile em 2014 e a proposta para o Reino Unido em Mirrlees et al 2011 Na Noruega por exemplo os lucros das grandes empresas são tributados em 28 que é a mesma alíquota que incide sobre os rendimentos de aplicações financeiras Após a reforma de 2006 os rendimentos dos acionistas somandose dividendos e ganhos de capital até o retorno normal do capital são isentos no nível da pessoa física e aqueles que excedem este retorno normal serão tributados em mais 28 O método de cálculo do retorno normal do capital é muito próximo ao que se utiliza hoje no Brasil para apurar os juros sobre o capital próprio que são deduzidos da base de incidência dos impostos sobre os lucros e corresponde 14 Ver Hanni Martner e Podestá 2015 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 69 a aplicar uma taxa de juros sobre o patrimônio da empresa Assim o rendimento normal do capital será tributado pela mesma alíquota de 28 não importando se foi auferido por um ativo financeiro ou produtivo na forma de dividendo ou de ganho de capital Já a tributação total sobre os lucros excedentes chegará a 48 somandose os 28 pagos na pessoa jurídica e mais os 20 na física isto é 28 sobre os 72 dos lucros restantes no caso em que a renda do acionista supera o rendimento normal e está alinhada com a alíquota máxima dos rendimentos do trabalho 48 O sistema norueguês faz uso de um mecanismo semelhante para as peque nas empresas a renda do proprietário ou acionista é dividida entre o retorno normal que é considerado remuneração do capital ficando sujeito ao imposto do lucro da empresa 28 e isento quando distribuído à pessoa física ao passo que a parcela restante é considerada remuneração do trabalho e submetida às alíquotas progressivas do IRPF que variam de 28 a 48 Há ainda a opção de um trabalhador autônomo ou mesmo uma pequena empresa não adotar este regime especial e neste caso ficar sujeito a alíquotas iguais às da tabela progressiva do IRPF Entre as virtudes desse modelo dual estão a integração do IRPJ com a IRPF o tratamento mais isonômico conferido às diversas fontes de rendas e a eliminação de incentivos a fenômenos de transfiguração de renda por exemplo pejotização O modelo equivale a isentar o retorno normal da poupança mas os retornos em excesso são tributados integralmente sob o argumento teórico de que não criam uma distorção econômica isto é um desincentivo ao investimento e à poupança15 As principais experiências de aplicação do modelo dual indicam que este promoveu ganhos arrecadatórios no Imposto de Renda devido a simplificação uniformização e ampliação da base de incidência e ao fechamento de brechas para planejamento tributário Também ampliou sua progressividade ao promover a revisão de benefícios tributários concedidos aos rendimentos do capital porque são justamente os mais ricos que podem contar com especialistas em planejamento tributário os que mais se beneficiam destas práticas Contudo as maiores críticas estão relacionadas à isenção do retorno normal da poupança já que mesmo no âmbito da teoria neoclássica de tributação ótima 15 Essa propriedade guarda semelhança com um tributo sobre gastos conhecido na literatura como Kaldor tax que é de mais difícil operacionalização na atual estrutura dos sistemas tributários nacionais e que gera um fluxo mais volátil de arrecadação Sobre este ponto ver Mirrlees et al 2011 que apresentam fundamentos teóricos e comparações entre os modelos neutros de Imposto de Renda como o imposto com dedução da taxa de retorno rateofreturn allowance subjacente ao modelo dual e o imposto sobre gastos cashflow expenditure tax Ressaltese entretanto que esta propriedade de neutralidade só se aplica para um arcabouço simples de poupança relativa ao ciclo de vida e não para os casos mais gerais e que admitem herança Sorensen 2010 é outra referência importante que apresenta em detalhes os princípios teóricos subjacentes ao modelo dual e alguns estudos de caso Desafios da Nação artigos de apoio 70 existe uma série de justificativas para tributálo em algum nível16 Em especial esta isenção da poupança que tende a se concentrar no topo da distribuição restringe muito o grau de progressividade do IRPF tema que é particularmente relevante em um país tão desigual como o Brasil Não por acaso a adoção do modelo dual nos países nórdicos veio acompanhada da preocupação em se ampliar a tributação sobre o patrimônio das pessoas físicas De todo modo o modelo dual serve como referên cia importante para uma reflexão sobre a reforma do Imposto de Renda no Brasil A implementação de um modelo como este no país envolveria uma grande reestruturação das alíquotas do Imposto de Renda que estão muito desalinhadas Em primeiro lugar seria preciso reduzir a alíquota do lucro da empresa para um patamar mais baixo por exemplo 225 e esta pode ser uma janela de oportunidade para rever benefícios tributários e parâmetros mal calibrados dos regimes especiais além de uniformizála com a alíquota sobre ganhos de capital e das principais aplicações financeiras Em segundo lugar seria necessário modificar a tabela do IRPF para que inicie e termine com alíquotas em níveis mais elevados por exemplo três ou quatro alíquotas de 225 a 35 ou mantendo apenas duas das alíquotas atuais de 225 e 275 e estabelecendo uma contribuição adi cional para rendimentos muito altos de 10 que chegaria próximo dos mesmos 3517 A mudança na tabela do IRPF pode ser combinada com um aumento do limite de isenção poupando estratos da classe média e concentrando o ônus sobre os mais ricos Por fim há que se retomar a tributação dos lucros excedentes distribuídos para a pessoa física por exemplo a uma alíquota linear de 15 que é a mesma que incidia sobre os dividendos no país até 1995 se o objetivo for alinhála com a alíquota máxima do IRPF de 35 isto é se o lucro já foi tributado em 225 no nível da pessoa física e sobre os 775 restantes incidir a alíquota de 15 che gase a uma tributação total de 341 Mas também se prevendo um mecanismo que isente ou reduza os impostos incidentes sobre os lucros abaixo do retorno normal Este mecanismo não exige muito mais informações do que o que já existe atualmente nas grandes empresas para apuração dos juros sobre capital próprio instrumento que seria apenas readaptado 16 Banks e Diamond 2010 no âmbito da Revisão de Mirrlees apresentam uma resenha sobre as justificativas para se tributar o retorno normal da poupança fundamentadas na teoria neoclássica da tributação ótima Entre estes motivos estão os fatos de que a tributação da poupança pode ser um instrumento para se alcançar aqueles com maior capaci dade contributiva na medida em que reflete habilidades cognitivas de que sua não tributação distorce as decisões em favor de investimentos financeiros e em detrimento do capital humano na presença de falhas de mercado e de que a poupança precaucional diante de incerteza sobre a habilidade futura de renda pode gerar sobrepoupança e redução futura da oferta de trabalho 17 Se uma renda adicional de R 1 milhão já foi tributada em 275 restando R 725 mil a contribuição de 10 sobre este patamar resultaria em uma renda líquida de R 6525 que corresponde à tributação total próxima de 35 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 71 No caso dos regimes especiais das micro pequenas e médias empresas o ideal seria que migrassem para critérios de apuração simplificada dos tributos sobre o valor adicionado da empresa e não seu faturamento bruto e que adotassem mecanismos de divisão da renda do trabalho e do capital como nas principais ex periências de sistema dual Dadas as resistências a tais mudanças um mecanismo de mais fácil operacionalização é considerar como lucro normal os percentuais atualmente presumidos pela legislação e submeter os lucros excedentes à alíquota adicional no caso das empresas de pequeno e médio portes ou à tabela progressiva do IRPF para microempresas e profissionais autônomos18 Por este mecanismo um prestador de serviços de baixa renda permaneceria isento no nível da pessoa física ao passo que o prestador de alta renda teria a maior parcela de seus rendimentos submetida às alíquotas progressivas do IRPF tal qual ocorre com os trabalhadores assalariados Assim mantémse a simplicidade dos regimes especiais com uma tributação do lucro mais equilibrada entre as empresas de diferentes portes e entre os rendimentos do capital e do trabalho reduzindo o incentivo tributário a fenômenos de transfiguração da renda como a pejotização Ressaltese entretanto que esse fenômeno não seria integralmente equa cionado pela reforma do Imposto de Renda Isto porque permaneceria um gran de diferencial tributário oriundo da elevada carga sobre a folha de salários dos empregados no regime normal em relação aos sócios de empresas nos regimes especiais Por isto seria importante que a maior parcela dos eventuais ganhos de arrecadação fosse canalizada para a desoneração da folha e mais especificamente das contribuições previdenciárias conforme discutido na subseção 32 Neste caso uma medida a ser estudada é que as alíquotas adicionais sobre os altos rendimentos no IRPF e sobre o retorno excedente dos acionistas a serem criadas com o pro pósito de adequar nosso sistema a um modelo dual sejam contribuições sociais com recursos vinculados à seguridade Buscase aqui estabelecer novas fontes de financiamento para o orçamento da seguridade social neste caso na forma de contribuições sociais com ônus bastante concentrado sobre as pessoas físicas de alta renda em substituição ao tradicional financiamento por folha de pagamentos que tanto onera nosso setor produtivo Foge aos propósitos e ao escopo deste trabalho adentrar em tecnicalidades O objetivo aqui é apenas apresentar diretrizes gerais para uma reforma que venha estabelecer um modelo de Imposto de Renda que integre de maneira mais consis tente a tributação ao nível da pessoa física e jurídica e que venha prover tratamento 18 Para exemplificar no atual regime das médias empresas o lucro é presumido aplicandose um porcentual sobre o faturamento que é de 12 para a indústria e 32 para os serviços e sobre esse porcentual se calculam os impostos Imposto de Renda Pessoa Jurídica IRPJContribuição Social sobre o Lucro Líquido CSLL Programa de Integração Social PISContribuição para o Financiamento da Seguridade Social Cofins e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ICMS ou Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISS Desafios da Nação artigos de apoio 72 mais isonômico entre as empresas de distintos portes entre as fontes de renda do capital e entre os rendimentos do trabalho e do capital Sua implementação passa por grandes realinhamentos de alíquotas e mesmo que fosse feita de maneira gradual exigiria cautela porque carece do subsídio de estudos e simulações sobre impactos e respostas dos agentes Lacuna que pretendemos suprir brevemente Nossa preocupação por um lado foi a de apontar para a concepção de um modelo compatível com uma redução das alíquotas do Imposto de Renda no nível das empresas porém aproveitando esta oportunidade para proceder a uma ampla revisão de benefícios tributários Por outro lado procurase compensar via tributação sobre a pessoa física com um modelo que trata de maneira mais consistente as distintas fontes de renda Objetivos estes que seguem os princípios norteadores e as tendências internacionais descritos na seção 2 Os esperados ganhos arrecadatórios e de progressividade do novo modelo estão pouco associados ao realinhamento de alíquotas e mais à simplificação à uniformização à ampliação da base de incidência e ao fechamento de brechas para planejamento tributário Na verdade a proposta de referência aqui delineada man tém a isenção ao retorno normal dos acionistas e promove apenas uma moderada elevação da alíquota máxima do IRPF para um patamar baixo nas comparações internacionais dos atuais 275 para 35 Estas são características que restringem o grau de progressividade do IRPF e que podem eventualmente ser reavaliadas ou compensadas De fato várias das experiências de adoção do modelo dual vieram acompa nhadas pela preocupação em se fortalecer os tributos sobre o patrimônio da pessoa física sobretudo aqueles considerados menos perniciosos sobre o crescimento como os impostos sobre herança e propriedade imobiliária Esse tema é particular mente relevante em um país desigual como o Brasil e pretendemos incorporálo em uma nova versão deste texto Em suma este trabalho não pretende dar respostas acabadas a todas estas questões Apenas contribuir para o debate REFERÊNCIAS APPY B Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado Interesse Nacional v 8 n 31 p 6581 outdez 2015 Tributação e produtividade no Brasil In BONELLI R VELOSO F PINHEIRO A C Orgs Anatomia da produtividade no Brasil Rio de Janeiro Elsevier IbreFGV 2017 BANKS J DIAMOND P The base for direct taxation In MIRRLEES J et al Eds Dimensions of tax design the mirrlees review Oxford Oxford University Press for Institute for Fiscal Studies 2010 Reforma Tributária princípios norteadores e propostas para debate 73 FÖRSTER M LLENANOZAL A NAFILYAN V Trends in top incomes and their taxation in OECD countries Paris OECD Publishing 2014 Working Paper n 159 HANNI M MARTNER R PODESTÁ A El potencial redistributivo de la fiscalidad en América Latina Revista Cepal n 116 p 726 ago 2015 JOHANSSON A et al Taxation and economic growth Paris OECD 2008 Working Paper n 620 LUKIC M Reforma tributária no Brasil ideias interesses e instituições Curitiba Juruá 2014 Tributação sobre bens e serviços no Brasil problemas atuais e propostas de reformas Brasília Ipea 2017 Mimeografado MIRRLEES J et al Tax by design Oxford Oxford University Press 2011 Disponível em httpsgooglYfqnea OECD ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT Tax policy reforms in the OECD Paris OECD Publishing 2016 Disponível em httpsgooglDwiKU6 ORAIR R et al Carga tributária brasileira estimação e análise dos determinantes da evolução recente 20022012 Brasília Ipea 2013 Texto para Discussão n 1875 Disponível em httpsgooglmQaFmE REZENDE F et al Proposta de reforma do sistema tributário brasileiro Brasília Ipea 1987 Texto para Discussão n 104 SORENSEN P B Dual income taxes a Nordic tax system In CLAUS I et al Eds Tax reform in open economies international and country perspectives Cheltenham Edward Elgar 2010 SOUZA A J P Imposto de renda no Brasil estudo de distorções em especial algumas relacionadas à distribuição de lucros das empresas 2016 Dissertação Mestrado Escola de Administração Fazendária Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Brasília 2016 Disponível em httpsgooglPp4gcZ VARSANO R A tributação do valor adicionado o ICMS e as reformas ne cessárias para conformálo às melhores práticas internacionais Brasília BID fev 2014 Documento para Discussão n 355 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ADAM S et al Orgs Dimensions of tax design Oxford Oxford University Press 2010 Disponível em httpsgooglf6fEa6