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Direito Tributário
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1 Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado1 Bernard Appy2 Este texto apresenta de forma bastante resumida as principais distorções do sistema tributário brasileiro bem como sugere algumas alternativas de reforma É importante deixar claro que o foco do texto é a estrutura do sistema tributário e não a carga tributária que depende do nível de gastos públicos Ainda que não sejam questões totalmente independentes pois a pressão pelo aumento de receitas para financiar despesas crescentes pode levar a um aumento da complexidade e das distorções do sistema tributário podem ser tratadas separadamente Embora nenhum sistema tributário seja perfeito o Brasil prima por ter uma das piores legislações tributárias do mundo Os defeitos do sistema tributário brasileiro têm várias consequências Por um lado induzem uma organização extremamente ineficiente da economia puxando para baixo a produtividade da economia nacional Por outro lado geram grandes distorções distributivas ao abrir brechas que permitem que pessoas de alta renda sejam muito pouco tributadas Adicionalmente a complexidade do sistema tributário brasileiro faz com que o custo de apuração e recolhimento dos impostos custo de conformidade seja extremamente elevado Segundo dados do Banco Mundial o Brasil é o campeão mundial em tempo despendido pelas empresas para o cumprimento das obrigações tributárias acessórias exigindo 2600 horas de trabalho anuais de uma empresa padrão de porte médio mais do que o dobro do segundo colocado ver Tabela 1 Por fim a complexidade e a insegurança sobre as regras aplicáveis resultam num altíssimo nível de contencioso entre os contribuintes e o fisco tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial 1 Versão revisada e atualizada para 2016 de um artigo publicado na Revista Interesse Nacional em dezembro de 2015 Ano 8 Número 31 Disponível em httpinteressenacionalcomindexphpedicoesrevistaporqueosistematributariobrasileiro precisaserreformado 2 Diretor do Centro de Cidadania Fiscal Foi Secretário Executivo e Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda País Horasano País Horasano Brasil 2600 Índia 243 Bolívia 1025 Colômbia 239 Venezuela 792 Alemanha 218 Argentina 405 EUA 175 México 334 Rússia 168 Japão 330 França 137 Chile 291 Reino Unido 110 China 261 Suíça 63 Fonte Banco Mundial Tabela 1 Tempo despendido com obrigações tributárias acessórias 2 Para entender melhor estes problemas abaixo são feitos comentários sobre as principais distorções do sistema tributário brasileiro bem como são apresentadas algumas sugestões de reforma para resolver estas distorções O texto foi estruturado com base nas principais categorias de tributos i bens e serviços ii folha de salários iii renda e iv patrimônio seguindose alguns comentários sobre as distorções provocadas pelos regimes simplificados de tributação como o SIMPLES e o Lucro Presumido Ao final são apresentados alguns comentários finais Algumas das propostas apresentadas no texto são o resultado de um debate já bastante maduro entre especialistas Outras propostas especialmente as que dizem respeito às mudanças na tributação da folha de salários e aos regimes simplificados de tributação são elaborações recentes e ainda pouco discutidas Tributos sobre bens e serviços Na maior parte dos países do mundo a tributação sobre os bens e serviços é feita através de um imposto sobre o valor adicionado IVA3 O IVA é um imposto cobrado em todas as etapas do processo de produção e comercialização garantindose em cada etapa o crédito correspondente ao imposto debitado na etapa anterior Esta característica do IVA faz com que seja um tributo neutro ou seja cuja incidência independe da forma como está organizada a produção e também faz com que o débito do imposto na etapa final de venda para o consumidor corresponda exatamente ao que foi recolhido ao longo de toda a cadeia de produção e comercialização Nas Tabelas 21 e 22 apresentase o modelo de incidência do IVA e de um imposto cumulativo em duas situações uma cadeia longa e uma cadeia curta em que as duas últimas etapas são feitas pela mesma empresa Notase que no caso do IVA a tributação é a mesma independentemente de como a produção está organizada mesmo havendo alíquotas diferentes ao longo da cadeia Já no caso do imposto cumulativo a incidência depende de como está organizada a produção sendo mais elevada no caso de cadeias longas de produção 3 A única exceção relevante são os Estados Unidos que não possuem um IVA e sim um imposto sobre as vendas a varejo sales tax Alíquota B Débito C AB Crédito D Imposto devido CD Alíquota E Imposto devido AE Etapa 1 100 5 5 5 5 5 Etapa 2 200 15 30 5 25 5 10 Etapa 3 300 10 30 30 0 5 15 Produto final 400 10 40 30 10 5 20 Tributação total 40 50 Alíquota B Débito C AB Crédito D Imposto devido CD Alíquota E Imposto devido AE Etapa 1 100 5 5 5 5 5 Etapa 2 200 15 30 5 25 5 10 Etapa 3 e final 400 10 40 30 10 5 20 Tributação total 40 35 Tabela 21 Exemplo de tributação em cadeia longa Tabela 22 Exemplo de tributação em cadeia curta Imposto cumulativo IVA não cumulativo Valor da venda A Valor da venda A IVA não cumulativo Imposto cumulativo 3 Em um IVA bem estruturado as exportações e os investimentos são totalmente desonerados e as importações são tributadas de forma equivalente à produção nacional Isto faz com que o IVA seja efetivamente um tributo incidente sobre o consumo ainda que cobrado ao longo da cadeia de produção4 Na maioria dos países do mundo há apenas um IVA com poucas ou idealmente apenas uma alíquota e incidência sobre uma base ampla de bens e serviços A vantagem de se ter apenas uma alíquota é que não há distorções nos preços relativos e evitase discutir a classificação dos bens e serviços No Brasil a tributação dos bens e serviços foge completamente do padrão internacional Nós temos quatro tributos sobre bens e serviços dois federais PISCofins e IPI um estadual ICMS e um municipal ISS5 Nenhum destes tributos tem uma base abrangente O IPI incide apenas na industrialização de produtos O ICMS incide apenas sobre bens e sobre serviços de comunicação e transporte interestadual e intermunicipal O ISS incide sobre os demais serviços definidos em uma lista Já o PIS e a Cofins têm base ampla de bens e serviços mas incidem apenas sobre empresas6 Todos estes quatro tributos têm problemas sérios O ISS é um tributo cumulativo que induz uma organização ineficiente da economia prejudica a competitividade da produção nacional e onera os investimentos além de dar margem a uma indefinição a respeito de onde termina a sua incidência e começa a incidência do ICMS7 O IPI é não cumulativo mas possui uma infinidade de alíquotas cuja incidência é definida em uma tabela ultra detalhada o que obviamente dá margem a uma grande discussão e contencioso sobre a classificação dos produtos Adicionalmente como o IPI incide apenas sobre a industrialização é comum haver uma indefinição a respeito de onde termina a industrialização e começa a distribuição problema que gera contencioso e em alguns casos é contornado através de regimes especiais que tornam o imposto complexo e nada neutro Mas os principais problemas dos tributos brasileiros sobre bens e serviços dizem respeito ao ICMS e ao PISCofins Parte destes problemas são comuns aos dois tributos Este é o caso da vedação à apropriação de boa parte do crédito tributário relativo aos insumos utilizados pelas empresas Tanto a legislação do ICMS quanto a do PISCofins permitem a apropriação de crédito apenas para os insumos que são fisicamente incorporados ao produto final8 Isto significa que 4 Dado que todo insumo acaba sendo incorporado em um produto final a produção e as importações de bens e serviços de um país têm apenas três destinos finais possíveis consumo exportação ou aumento da capacidade produtiva investimento Como em um IVA bem desenhado os investimentos e as exportações são totalmente desonerados inclusive do imposto incidente ao longo da cadeia de produção isto significa que o IVA incide apenas sobre o consumo 5 A rigor o PIS Contribuição para o Programa de Integração Social e a Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social são tributos distintos Mas como a legislação que rege os dois tributos é praticamente idêntica são tratados como se fossem um único tributo 6 Na maioria dos países que têm IVA este incide sobre a atividade econômica seja esta exercida por empresas ou pessoas físicas atuando de forma autônoma a exemplo do que ocorre com o ICMS e o ISS 7 Para se ter uma ideia da confusão gerada pela segmentação das bases de incidência vale mencionar um projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados que define que o conteúdo disponibilizado através de serviços de streaming como o Netflix estaria sujeito à incidência de ISS enquanto que o mesmo conteúdo disponibilizado através de TV a cabo estaria sujeito à incidência de ICMS 8 A título de exemplo o ICMS e o PISCofins incidentes sobre os serviços de telecomunicações utilizados por uma empresa industrial não dão direito a crédito pois estes serviços não são incorporados ao produto final 4 parte do imposto pago ao longo da cadeia de produção não é recuperado o que é equivalente a uma incidência cumulativa com todos os seus problemas Adicionalmente a discussão sobre o que pode ou não ser considerado como insumo para fins de apropriação de crédito dá margem a um enorme contencioso principalmente no caso do PISCofins sendo atualmente um dos principais motivos de disputa entre os contribuintes e o Fisco Federal Outro problema comum aos dois tributos é a grande dificuldade colocada pelos fiscos ao ressarcimento de créditos acumulados pelas empresas como por exemplo no caso de uma empresa exportadora que não tem débitos mas tem créditos relativos aos insumos adquiridos9 Em alguns casos este ressarcimento pode demorar anos enquanto que o padrão nos países que têm um IVA bem estruturado é o ressarcimento em prazo curto de 15 dias a dois meses Por fim tanto o ICMS quanto o PISCofins incidem sobre o valor dos bens e serviços com tributos enquanto em praticamente todos os países do mundo o IVA incide sobre o valor líquido de impostos10 Esta característica não apenas compromete a transparência do sistema tributário como o torna irracional pois quando o ICMS é elevado cresce também a arrecadação de PISCofins e viceversa11 Mas há também problemas específicos de cada um destes tributos No caso do PISCofins o principal problema é a sobreposição de dois regimes de incidência um não cumulativo em que a alíquota é de 925 e há apropriação de créditos e outro cumulativo em que a alíquota é de 365 mas não há apropriação de créditos o que leva a uma organização muito ineficiente da economia Embora o regime geral seja o não cumulativo há uma série de exceções setoriais e todas as empresas do Lucro Presumido cujo limite de faturamento é de R 72 milhõesano estão no regime cumulativo Com estas exceções na prática a maior parte do setor de serviços permanece no regime cumulativo Adicionalmente o regime não cumulativo do PISCofins adota um modelo conhecido como base contra base no qual o valor devido é calculado pela aplicação da alíquota de 925 sobre a diferença entre o faturamento da empresa e o valor dos insumos adquiridos ou mais precisamente o valor dos insumos incorporados no produto final para os quais a Receita aceita créditos Isto significa que quando os insumos são adquiridos de uma empresa do Lucro Presumido o imposto pago pela empresa vendedora é de 365 e o crédito gerado na empresa compradora é de 925 Esta distorção tem levado várias empresas a se fragmentarem artificialmente criando empresas do Lucro Presumido para realizar parte de suas atividades apenas para reduzir o montante devido de PISCofins12 9 Apesar de haver um regime especial para empresas preponderantemente exportadoras na legislação do PISCofins que só torna o tributo mais complexo há inúmeros casos de empresas que têm enorme dificuldade em obter a devolução de seus créditos No caso do ICMS a situação varia entre Estados mas em períodos de crise como o atual todos os Estados dificultam o ressarcimento de créditos como forma de fazer caixa 10 Consta que além do Brasil apenas a Bolívia adota esta forma de incidência 11 Para um produto padrão com alíquota de ICMS de 18 e alíquota de PISCofins de 925 a incidência sobre o preço líquido de impostos é de 3745 02725102725 e não de 2725 que é a soma das duas alíquotas 12 O problema só não é mais sério porque a Receita Federal impede a apropriação de crédito para a maioria dos serviços adquiridos pelas empresas do regime não cumulativo e são principalmente os serviços que estão no regime cumulativo Ou seja uma das distorções do PISCofins serve para evitar que os efeitos de outra distorção sejam mais graves 5 Na quase totalidade dos países que adotam o IVA o modelo de tributação adotado é o de imposto contra imposto no qual em cada etapa de venda o débito do imposto é registrado na nota fiscal sendo este o valor apropriado como crédito na etapa seguinte Já no caso do ICMS os principais problemas decorrem do fato de que nas transações interestaduais parte importante do imposto é cobrado no Estado de origem das mercadorias13 A cobrança na origem é equivalente a tributar a produção enquanto que a tributação no destino que é o modelo adotado pela maioria dos países que têm um IVA é equivalente a tributar o consumo14 O problema de tributar a produção com um imposto estadual é a criação de fortes estímulos a que os Estados usem o imposto com outras finalidades que não apenas arrecadar o que ocorre principalmente no caso dos incentivos da guerra fiscal que são ilegais mas se tornaram prática comum em todos os Estados brasileiros15 Embora do ponto de vista de cada Estado considerado individualmente a guerra fiscal seja vista como um instrumento de desenvolvimento regional a realidade é que se trata de uma forma extremamente ineficiente de política de desenvolvimento regional pois grande parcela do incentivo concedido serve apenas para cobrir custos adicionais de logística e o padrão é que os Estados concedam incentivos para atrair empreendimentos que não correspondem à vocação regional Adicionalmente como os incentivos são ilegais gerase um ambiente de insegurança jurídica para as empresas que se agravou recentemente com a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal venha a editar uma súmula vinculante estabelecendo que todos os incentivos concedidos no âmbito do ICMS sem aprovação pelo CONFAZ são inconstitucionais que prejudica o investimento no país Os problemas decorrentes da tributação do ICMS na origem não se restringem à guerra fiscal Outras consequências são um forte desestímulo à exportação pois o Estado onde está localizada a empresa exportadora tem de ressarcir créditos cobrados em outros Estados e um estímulo à importação em detrimento da produção nacional16 Outra importante distorção do ICMS é o uso abusivo e descoordenado da substituição tributária para a frente Pelo regime de substituição tributária os Estados cobram em uma etapa do processo produtivo por exemplo a indústria o imposto devido em todas as etapas subsequentes até a venda ao consumidor final Tratase de um mecanismo que funciona 13 A alíquota interestadual cobrada no Estado de origem é de 12 sendo de 7 no caso da venda dos Estados do Sul e Sudeste exceto Espírito Santo para os Estados do Norte Nordeste e CentroOeste mais ES 14 Tributar no destino é equivalente a desonerar as exportações seja de um país seja de um Estado Na União Europeia que do ponto de vista econômico é muito semelhante a uma federação todas as transações entre países membros são tributadas no destino 15 Para serem legais os incentivos concedidos no âmbito do ICMS deveriam ser aprovados por unanimidade por todos os Estados através do CONFAZ que é um órgão que congrega os 27 secretários estaduais de finanças do país Na prática a grande maioria dos incentivos concedidos pelos Estados não é sequer levada para discussão no CONFAZ 16 Como nas importações o imposto pertence integralmente ao Estado de destino o incentivo concedido à aquisição de um determinado insumo ou equipamento pode alcançar todo o imposto devido no caso de um produto importado mas apenas parte do imposto no caso de sua aquisição em outro Estado Adicionalmente vários Estados concedem incentivos para a entrada de importações por seus portos incentivo que perdeu muita força com a Resolução do Senado Federal nº 132012 que reduziu a 4 a alíquota interestadual nas transações com produtos importados mas gerou uma enorme complexidade operacional para as empresas 6 relativamente bem no caso de produtos homogêneos e com pouca variação do preço ao consumidor mas que gera grandes distorções de preços relativos no caso de produtos heterogêneos e com grande variabilidade na margem de comercialização Adicionalmente cada Estado brasileiro adota um regime distinto de substituição tributária o que torna extremamente complexa a legislação com altos custos de conformidade para as empresas Por fim tanto no ICMS quanto no PISCofins há uma enorme quantidade de regimes especiais para setores ou produtos específicos o que torna sua legislação extremamente complexa e gera grandes distorções alocativas prejudicando a produtividade da economia brasileira A solução para os problemas dos tributos sobre bens e serviços no Brasil é bem conhecida A maioria dos especialistas concorda que é preciso fazer uma reforma que aproxime o máximo possível estes tributos de um IVA seguindo as melhores práticas internacionais ou seja com base ampla de bens e serviços crédito abrangente e um sistema eficaz de ressarcimento de créditos uma ou poucas alíquotas poucos ou nenhum regime especial incidência sobre o valor líquido de impostos e cobrança no destino17 Idealmente deveria haver apenas um IVA nacional partilhado entre a União os Estados e os Municípios Dada a provável resistência dos Estados e Municípios a esta proposta uma alternativa seria haver dois IVAs um federal e um subnacional que consolidaria as bases do ICMS e do ISS Neste caso o ideal seria que a legislação fosse a mesma para os dois IVAs com os Estados tendo autonomia para fixar as alíquotas do IVA subnacional Adicionalmente caberia um imposto seletivo incidente sobre produtos cujo consumo se quer desestimular como fumo e bebidas alcoólicas18 Se o ponto de chegada é claro a transição do regime atual para o novo regime é muito mais complexa do ponto de vista econômico e político No caso do PISCofins a transição para um IVA resulta em uma importante redistribuição setorial da carga tributária e pressupõe a eliminação de uma série de regimes especiais setoriais o que gera grande resistência19 A eliminação do IPI e sua substituição por um imposto seletivo afeta de forma significativa a Zona Franca de Manaus o que também tende a gerar fortes resistências Já no caso da substituição do ICMS e do ISS por um IVA subnacional cobrado no destino também há dificuldades significativas Por um lado há uma resistência dos grandes municípios que não querem perder a competência de cobrar o ISS Por outro lado só é possível resolver o problema do ICMS se houver uma saída para a guerra fiscal o que depende da redução das alíquotas cobradas na origem ou seja do deslocamento da incidência do ICMS da produção para o consumo e de uma transição que permita às empresas que recebem incentivos se ajustarem à nova realidade Mas politicamente esta mudança só é factível se houver uma compensação para os Estados que eventualmente percam 17 Ver por exemplo Varsano R A tributação do valor adicionado o ICMS e as reformas necessárias para conformálo às melhores práticas internacionais Banco Interamericano de Desenvolvimento Documento para Discussão IDBDP335 fevereiro de 2014 18 Atualmente o IPI já desempenha esta função mas o IPI alcança uma base muito maior de produtos para os quais sua incidência não faz o menor sentido 19 Neste texto nos referimos ao tributo sucessor do PISCofins como IVA Federal Como se tratam de contribuições e não de impostos talvez o correto fosse chamalo de CVA contribuição sobre o valor agregado 7 receitas com a redução da alíquota interestadual e o aporte de recursos da União para políticas de desenvolvimento regional O Governo Federal apresentou recentemente através da Medida Provisória nº 6832015 uma proposta de criação de dois fundos um de compensação de perdas e outro de desenvolvimento regional para viabilizar a redução das alíquotas interestaduais do ICMS que viria junto com a legalização dos benefícios da guerra fiscal Estes fundos seriam financiados com a multa incidente sobre a regularização dos ativos mantidos por brasileiros no exterior De modo semelhante o Governo está sinalizando que apresentará uma proposta reformando a legislação do PISCofins aproximando bastante este tributo de um IVA Até o momento em que este texto foi escrito no entanto a proposta ainda não havia sido enviada ao Congresso As duas mudanças propostas apontam na direção correta ainda que não completem as mudanças necessárias na tributação de bens e serviços no Brasil20 A atual situação política e a crise fiscal dificultam bastante contudo a aprovação das propostas e aumentam o risco de que sejam mutiladas em sua tramitação no Congresso Avançando ou não as propostas do Governo é importante que se consolide a compreensão do tamanho do estrago que as distorções na tributação dos bens e serviços provocam na produtividade do país A solução destes problemas necessariamente exigirá uma transição longa Em particular a quantidade de distorções e exceções existente na legislação do PISCofins e do ICMS é tão grande que merece ser considerada uma alternativa de criação de tributos totalmente novos um IVA federal e um IVA subnacional que seriam introduzidos com alíquotas baixas e iriam progressivamente substituindo o PISCofins o ICMS e o ISS mantendo a carga tributária constante Os novos IVA federal e IVA subnacional teriam alíquota conjunta provavelmente menor que as dos atuais ICMS e PISCofins mas ainda assim seria uma alíquota elevada para padrões internacionais dado o grande peso da tributação de bens e serviços na carga tributária brasileira Tributos sobre a folha de salários Uma das características do sistema tributário brasileiro é a elevada incidência de tributos sobre a folha de salários Além da contribuição para a previdência social do empregador e do empregado comum na maioria dos demais países a folha de salários no Brasil é onerada por uma série de outros tributos como as contribuições para o Sistema S o Salário Educação e o Seguro de Acidentes do Trabalho entre outros21 Adicionalmente a folha de salários também é onerada pelo FGTS que é um instrumento de poupança compulsória dos trabalhadores 20 As mudanças são insuficientes principalmente no caso do ICMS pois o acordo político possível reduz apenas parcialmente as alíquotas interestaduais do ICMS e para piorar com várias exceções Adicionalmente todos os demais problemas do ICMS não são enfrentados tampouco a discussão sobre uma eventual fusão com o ISS 21 A contribuição do empregado incide apenas sobre o salário de contribuição que é o valor utilizado para o cálculo dos benefícios previdenciários e atualmente em 2016 é limitado a R 518982mês Já os demais tributos que são recolhidos pela empresa incidem sobre a remuneração total dos trabalhadores 8 Na Tabela 3 apresentase a incidência sobre a folha de um trabalhador de uma empresa comercial ou industrial típica a qual mesmo sem considerar o FGTS pode ultrapassar 40 A elevada incidência de tributos sobre a folha de salários dificulta a formalização do trabalho no país além de ser um dos principais motivos que justificaram a criação do SIMPLES este ponto é retomado adiante Para além da elevada incidência uma deficiência importante do atual modelo de tributação da folha de salários no Brasil é a inexistência de uma relação clara entre o valor das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha e os benefícios percebidos pelos trabalhadores Em parte isso se deve ao fato de que várias das contribuições incidentes sobre a folha Sistema S Salário Educação etc não tem qualquer relação com a previdência social Mas a principal razão para o descolamento entre as contribuições e os benefícios está na própria estrutura de financiamento da previdência No caso dos trabalhadores com rendimentos baixos este descolamento ocorre porque o piso dos benefícios previdenciários um salário mínimo é o mesmo valor dos benefícios assistenciais não contributivos O incentivo para que o trabalhador contribua para a previdência é fraco pois o benefício que receberá ao se tornar idoso será o mesmo independentemente de ter ou não contribuído22 No caso de trabalhadores com rendimentos mais elevados acima do teto do salário de contribuição o descolamento entre as contribuições incidentes sobre a folha e os benefícios percebidos decorre do fato de que a contribuição patronal incide sobre a totalidade do salário e não apenas sobre o teto do salário de contribuição A partir do momento em que deixa de haver um vínculo entre o valor das contribuições incidentes sobre a folha de salários e os benefícios recebidos pelos trabalhadores as contribuições das empresas e empregados passam a ser percebidas como mais um imposto destinado ao financiamento das despesas em geral do governo o que tem várias consequências Uma destas consequências é o desestímulo à formalização do trabalho Outra é a pressão para 22 É verdade que os trabalhadores que contribuem para a previdência têm algumas vantagens como o auxílio doença e a possibilidade de se aposentar por tempo de contribuição É raro no entanto que trabalhadores cujo salário é próximo ao mínimo consigam se aposentar por tempo de contribuição pois raramente conseguem acumular 30 ou 35 anos de contribuição Adicionalmente a previdência rural que tem caráter fortemente assistencial pois na prática independe de contribuição permite que os trabalhadores se aposentem com idade inferior à requerida pela previdência urbana 55 anos para a mulher e 60 para o homem contra 60 para a mulher e 65 para o homem na previdência urbana Mínimo Máximo Contribuições da empresa 343 398 INSS Seguro Acid Trabalho 05 60 Salário Educação Sistema S Sebrae Incra FGTS Contrib do empregado p INSS 80 110 Total sem FGTS 343 428 Total com FGTS 423 508 Tabela 3 Alíquotas incidentes sobre a folha de uma empresa típica 200 25 25 06 02 80 9 conceder um tratamento muito favorecido aos pequenos negócios uma vez que a tributação da folha é vista como custo e não como valor vinculado ao financiamento de benefícios futuros Neste contexto sugerese que a revisão do atual modelo de tributação da folha de salários no Brasil se paute por duas diretrizes A primeira diretriz é a supressão da incidência sobre a folha de contribuições não vinculadas a benefícios Sistema S Salário Educação etc23 A segunda diretriz bem mais complexa passa pela mudança não apenas da tributação sobre a folha mas do próprio modelo de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais no país A proposta é que fosse criado um benefício universal para idosos e deficientes não contributivo desvinculado do salário mínimo que seria financiado por tributos não incidentes sobre a folha de salários24 Em contrapartida as contribuições sobre a folha de salários que incidiriam apenas sobre a parcela do salário que excedesse o valor do benefício assistencial observado o teto do salário de contribuição seriam atuarialmente vinculadas ao valor dos benefícios25 Esta mudança teria um grande impacto sobre o modelo de financiamento das políticas públicas no Brasil e certamente exigiria uma transição longa26 Mas tratase de uma mudança necessária se se pretende eliminar as disfuncionalidades do atual modelo de tributação da folha de salários que prejudica a formalização dos trabalhadores e o crescimento das pequenas empresas Por fim cabe fazer alguns comentários sobre a recente mudança no regime de financiamento da previdência que substituiu para determinados setores e produtos a contribuição patronal sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento27 A avaliação é que se trata de um modelo equivocado pois gera distorções setoriais e como se buscou explicar é importante haver uma relação atuarial entre o valor das contribuições incidentes sobre a folha e o valor dos benefícios 23 As ações hoje financiadas por estas contribuições deveriam ter outras fontes de recursos de preferência impostos No caso das despesas do Sistema S em particular estas deveriam integrar o orçamento e disputar recursos com outras prioridades da administração pública pois não faz sentido que entidades privadas sejam financiadas por tributos vinculados Por fim sugerese a manutenção do FGTS pois tratase um mecanismo de poupança compulsória que é importante em um país em que a taxa de poupança doméstica é extremamente baixa há uma discussão importante sobre a remuneração do FGTS e sobre os critérios de resgate dos recursos que não cabem neste texto 24 A proposta de um benefício assistencial universal parte da constatação de que na prática este benefício já existe via previdência rural e programas assistenciais urbanos A desvinculação do salário mínimo ainda que o valor inicial seja o salário mínimo atual é importante porque é preciso haver um incentivo para o trabalhador de baixa renda que contribui para a previdência e porque com o envelhecimento da população brasileira e o aumento real do salário mínimo o custo dos benefícios de um salário mínimo tende a crescer de forma explosiva 25 A proposta não é adotar um modelo de contribuição definida em que cada trabalhador tem uma conta individual mas manter o regime atual de benefício definido mas mantendo o equilíbrio atuarial entre o valor das contribuições e o valor dos benefícios financiados por estas contribuições de modo a não deixar uma conta a ser paga pelas gerações futuras 26 Não é possível no espaço deste texto detalhar como seria esta transição 27 Esta mudança foi introduzida em 2011 para alguns setores através da MP 540 posteriormente convertida na Lei 12546 tendo sido posteriormente estendida para vários outros setores Recentemente através da lei 131612015 as alíquotas incidentes sobre o faturamento em substituição à contribuição sobre a folha foram elevadas 10 Tributos sobre a renda Também há problemas sérios de falta de isonomia na tributação da renda no Brasil Por um lado há distorções relevantes na tributação da renda pessoal com parcela importante dos rendimentos de pessoas de alta renda sendo tributada apenas na pessoa jurídica a uma alíquota inferior à da pessoa física essa questão é analisada em maior detalhe na seção relativa a regimes simplificados de tributação Como se vê na Tabela 4 que toma por base as declarações de imposto de renda das pessoas físicas IRPF de 2014 82 dos rendimentos das pessoas com renda mensal entre 3 e 10 salários mínimos SM e 63 dos rendimentos das pessoas com renda mensal entre 10 e 80 SM correspondem a rendimentos tributados pelo IRPF Já no caso das pessoas com renda mensal superior a 80 SM 83 dos rendimentos são isentos ou tributados exclusivamente na fonte A maior parte destes rendimentos isentos resulta de lucros distribuídos em grande parte oriundos de empresas do lucro presumido e do SIMPLES cuja tributação é muito inferior à tributação das pessoas físicas pelo IRPF Por outro lado também há distorções relevantes na tributação da renda do capital lucro juros e aluguéis No caso dos juros a tributação depende do beneficiário dos rendimentos pessoa física jurídica ou estrangeiro do instrumento em que os recursos foram aplicados e da destinação dos recursos captados O Quadro 1 abaixo mostra de maneira esquemática e incompleta o mosaico de benefícios tributários para aplicações de renda fixa no Brasil O problema deste modelo fragmentado de tributação dos juros é que não necessariamente o instrumento mais eficiente de intermediação de recursos é beneficiado A título de exemplo faria muito mais sentido dar incentivo para que um fundo de pensão que não tem benefício e tem perfil para aplicações de longo prazo investisse no financiamento da infraestrutura que para uma pessoa física28 28 O motivo para que não seja concedido benefício para o fundo de pensão é que a tributação é feita no resgate dos recursos o que dificulta conceder incentivo para papéis específicos Ainda assim o modelo atual é irracional pois ao se conceder benefícios para as pessoas físicas a rentabilidade dos papéis incentivados cai reduzindo sua atratividade para os fundos de pensão Totais A Tributáveis B Isentos e tr Excl C BA CA Até 3 Salários Mínimos 5555771 76 67 8 89 11 3 a 10 Salários Mínimos 15182402 669 547 122 82 18 10 a 80 Salários Mínimos 5548085 969 607 362 63 37 Acima de 80 Sal Mín 208158 419 72 347 17 83 Total 26494416 2133 1293 840 61 39 Dados da declaração do IRPF de 2014 ano base 2013 Fonte Secretaria da Receita Federal do Brasil Faixa de rendimento mensal total Nº declarantes Rendimentos R bilhões Tabela 4 Rendimentos por categoria de rendimento e faixa de rendimento total PF PJ Estr PF PJ Estr PF PJ Estr PF PJ Estr Depósitos bancários Fundos de investimento Debêntures Outros tits e valmobil Setor imobiliário Infraestrutura Investim Industrial Agropecuária Quadro 1 Isenção de tributos na captação de recursos 11 A tributação dos aluguéis é outro exemplo das enormes distorções existentes na tributação dos rendimentos do capital do Brasil Se uma pessoa física for proprietária de um imóvel a renda do aluguel será tributada pelo IRPF cuja alíquota marginal é de 275 Se esta mesma pessoa for cotista de uma empresa do Lucro Presumido e o imóvel for propriedade desta empresa o aluguel será tributado por uma alíquota que pode variar de 113 a 143 Já se a pessoa for cotista de um fundo de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa e o imóvel compuser o patrimônio do fundo a renda do aluguel não será tributada Cabe tratar finalmente da tributação dos lucros que no Brasil estão sujeitos à incidência do imposto de renda das pessoas jurídicas IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido CSLL Nosso regime de tributação dos lucros apresenta uma série de especificidades algumas das quais tornam a tributação local mais onerosa que em outros países e outras menos onerosa Entre as características que tornam a tributação no Brasil mais onerosa estão as elevadas alíquotas incidente sobre os lucros quando comparadas às vigentes em outros países ver Gráfico 1 Este fato é especialmente relevante quando se considera que do ponto de vista teórico a tributação do lucro de uma empresa deveria incidir apenas sobre o aumento de seu valor real e não sobre a atualização monetária de seu patrimônio líquido que não representa um aumento efetivo da riqueza de seus proprietários29 Como a inflação no Brasil é significativamente mais elevada que na maioria dos demais países isto significa que a tributação incidente sobre o aumento do valor real das empresas é ainda mais elevada do que sugere a comparação das alíquotas nominais Outra característica que torna a tributação mais onerosa no país é a legislação referente à tributação dos lucros auferidos por controladas de empresas brasileiras localizadas no exterior Enquanto os demais países não tributam o lucro auferido no exterior por controladas de empresas locais ou só tributam quando o lucro é distribuído no Brasil o lucro auferido no exterior é tributado por competência no momento em que é auferido o que torna o regime brasileiro o mais oneroso do mundo30 O regime brasileiro não estaria errado se fosse adotado 29 Na prática como a correção monetária do balanço das empresas é muito complexa na grande maioria dos países a tributação incide sobre o lucro nominal sem qualquer ajuste pela inflação No Brasil a correção monetária dos balanços foi eliminada pouco após o Plano Real 30 A tributação dos lucros no exterior é um tema bastante complexo Para ter uma ideia das diferenças entre o regime brasileiro e o vigente em outros países ver Appy B Ross M e Messias L Impactos do modelo brasileiro de tributação do lucro de subsidiárias estrangeiras sobre a competitividade das Gráfico 1 Alíquota marginal incidente sobre a renda corporativa Fonte Tax Foundation 00 50 100 150 200 250 300 350 400 Tuquia Rússia Reino Unido México Japão Itália Indonésia Índia França EUA Coréia do Sul China Canadá Brasil Austrália Argentina Arábia Saudita Alemanha África do Sul 12 por todos os países mas como é adotado apenas em nosso país seu efeito é reduzir a competitividade dos investimentos brasileiros realizados no exterior Por outro lado há algumas características da tributação do lucro no Brasil que tornam esta tributação menos onerosa que em outros países Uma destas características diz respeito à tributação do lucro distribuído Enquanto que na maioria dos países o lucro é tributado na empresa e novamente quando da sua distribuição no Brasil os dividendos distribuídos são isentos Outro fator que reduz a tributação do lucro no Brasil é a existência de um regime pelo qual parte do lucro é distribuído aos acionistas na forma de juros sobre o capital próprio JCP cujo valor é limitado a uma porcentagem do patrimônio líquido da empresa Os JCP não são tributados na empresa por serem dedutíveis como despesa nem na pessoa física sendo tributados exclusivamente na fonte à alíquota de 15 A razão deste modelo é não tornar a tributação do rendimento do capital próprio equity mais onerosa que a tributação do rendimento do capital de terceiros dívida uma vez que os juros pagos sobre a dívida são dedutíveis do lucro31 Ainda assim tratase de um modelo que torna a tributação do lucro distribuído menos onerosa no Brasil que na maioria dos outros países que não possuem regimes semelhantes32 Por fim uma terceira característica que reduz o custo da tributação dos lucros no Brasil é que a legislação brasileira abre possibilidades de planejamento tributário não existentes em outros países permitindo a redução do valor devido do imposto33 A reforma do modelo de tributação da renda no Brasil deveria se orientar por algumas diretrizes A primeira diretriz é a isonomia na tributação da renda pessoal Pessoas com rendas semelhantes deveriam estar sujeitas à mesma incidência de IRPF descontandose no caso dos rendimentos de sócios e acionistas de empresas o imposto já pago na empresa este ponto é retomado na seção que trata dos regimes simplificados A segunda diretriz é a isonomia na tributação da renda do capital É preciso acabar com as enormes distorções existentes na tributação da renda do capital o Brasil seja no caso dos juros seja dos aluguéis Em particular é preciso avaliar se a concessão de incentivos tributários é a melhor forma de reduzir o custo de captação de recursos destinados ao financiamento do investimento Talvez seja melhor adotar uma tributação homogênea para as aplicações financeiras a adotar outros mecanismos para reduzir o custo do capital para os tomadores de crédito Também é importante adotar uma estrutura de tributação que não distorça a estrutura de capital das empresas ao tributar mais o capital próprio equity que o capital de terceiros dívida Deste ponto de vista o Brasil parece já estar mais adiantado que a maioria dos demais países empresas brasileiras in Revista Brasileira de Comércio Exterior Ano XXVI Nº 113 outubrodezembro de 2012 31 A literatura internacional mostra que o tratamento favorecido na tributação do capital de terceiros que é o que ocorre na maioria dos países afeta a estrutura de capital das empresas favorecendo o endividamento em detrimento do financiamento via capital próprio 32 Alguns países como a Bélgica possuem regimes semelhantes ao do JCP sendo inclusive mais racionais pois o benefício alcança tanto o lucro distribuído quanto o lucro reinvestido na empresa 33 A situação mais conhecida é a possibilidade prevista legalmente de dedutibilidade fiscal da amortização do ágio diferença entre o valor de mercado e o valor patrimonial da empresa pago em operações de fusão e aquisição 13 Por fim é preciso reavaliar o modelo de tributação do lucro no Brasil Para não prejudicar a competitividade das empresas nacionais o ideal seria que a alíquota incidente sobre o lucro das empresas IRPJ e CSLL fosse reduzida mas que esta redução fosse compensada por uma simplificação e racionalização da legislação do IRPJ reduzindo o espaço para o planejamento tributário e eventualmente pela tributação dos dividendos distribuídos Também seria preciso reavaliar o modelo brasileiro de tributação de lucros auferidos no exterior de modo a tornálo mais consistente com o adotado nos demais países34 Tributos sobre a propriedade e a transferência de patrimônio No Brasil assim como na maioria dos demais países a tributação do patrimônio tem um peso menor na arrecadação tributária que as demais bases de incidência Em todo caso os tributos sobre o patrimônio são importantes por seu impacto distributivo O Brasil possui três impostos sobre a propriedade o IPTU imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana que é municipal o IPVA imposto sobre a propriedade de veículos automotores que é estadual e o ITR imposto sobre a propriedade territorial rural que é federal mas pode ser cobrado pelos municípios O país também possui dois impostos sobre a transferência de propriedade o ITCMD imposto sobre transmissão causa mortis e doações que é estadual e o ITBI imposto sobre a transmissão de bens imóveis intervivos que é municipal Uma clara deficiência destes tributos é a baixíssima receita do ITR que em 2014 não chegou a R 1 bilhão indicando a necessidade de uma ampla revisão da legislação e da estrutura de fiscalização deste imposto De forma semelhante há fortes indícios de que o potencial de arrecadação do IPTU fica muito aquém de seu potencial especialmente no caso de pequenos municípios35 Merecem igualmente atenção as baixíssimas alíquotas do imposto sobre heranças e doações ITCMD quando comparadas às vigentes em outros países A alíquota máxima do ITCMD é de 8 sendo que a maioria dos Estados adota uma alíquota máxima de 4 A elevação da alíquota do ITCMD e sua harmonização entre todos os Estados para evitar uma guerra fiscal na tributação das heranças deveria ser uma das prioridades na revisão da tributação do patrimônio no Brasil36 Por fim vale a pena fazer um rápido comentário sobre a tributação das grandes fortunas prevista na Constituição de 1988 mas nunca regulamentada A experiência internacional mostra que este é um tipo de tributação ineficiente tanto é que a maioria dos países que adotou esta tributação arrecada muito pouco e acabou encontrando formas de flexibilizála 34 Boa parte desta agenda especialmente no que diz respeito ao fechamento de brechas para o planejamento tributário e à tributação de lucros auferidos no exterior já vem sendo objeto de uma ampla discussão internacional conduzida pela OCDE no âmbito do projeto conhecido como BEPS base erosion and profit shifting Os resultados do BEPS podem ser uma importante referência para a revisão do modelo brasileiro de tributação do lucro 35 Ver a respeito Afonso JRR Amorim EA e da Nóbrega MAR IPTU no Brasil um diagnóstico abrangente publicação da FGV Projetos acessível em wwwfgvbrfgvprojetoslivros 36 Como o risco de planejamento tributário sucessório para as pessoas de renda mais elevada é grande talvez não seja possível adotar alíquotas de mais de 40 como ocorre em boa parte dos países da Europa e nos Estados Unidos mas certamente seria possível adotar uma alíquota marginal de 20 ou 25 14 Regimes simplificados de tributação Embora seja contraintuitivo o fato é que os regimes simplificados de tributação existentes no Brasil Lucro Presumido SIMPLES e o regime dos Microempreendores Individuais MEI têm efeitos muito negativos sobre a eficiência econômica e a justiça distributiva Em boa medida estes efeitos decorrem do enorme fosso que existe entre o custo tributário para as pequenas empresas e para as grandes empresas Este modelo cria um ambiente favorável à abertura de pequenos negócios mas que impede seu crescimento o que é desastroso para o desenvolvimento do país É muito comum ver empresas do SIMPLES que ao crescerem se dividem artificialmente em várias empresas de forma ineficiente e com alto custo com contador obrigações acessórias etc Para tentar resolver este problema a tendência tem sido ampliar recorrentemente os limites de enquadramento dos regimes simplificados mas esta é uma solução que não funciona além de implicar em elevada renúncia de receita Como se vê na Tabela 5 o limite de receita anual para enquadramento no SIMPLES R 36 milhões já é muito mais elevado que o vigente em outros países usualmente entre US 50 mil e US 150 mil por ano37 É verdade que há motivos para tratar diferenciadamente do ponto de vista tributário os pequenos negócios sendo o principal o fato de que competem com negócios informais O atual modelo de tributação das pequenas empresas no Brasil não é no entanto a forma adequada para tratar desta questão Uma das razões para as distorções provocadas pelo SIMPLES é o fato de que toda a tributação do SIMPLES é calculada sobre o faturamento O problema é que a capacidade econômica de um negócio não é proporcional ao faturamento e sim ao valor adicionado diferença entre a receita e o custo dos insumos utilizados ou produtos revendidos Para entender este ponto tomese o exemplo de dois pequenos comércios com mesmo faturamento R 15 mil por mês sujeitos à mesma alíquota do SIMPLES 4 e contam com um 37 No momento em que este texto estava sendo escrito a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei ampliando o limite de enquadramento no SIMPLES para R 72 milhões e R 144 milhões para a indústria O projeto dependia ainda de análise pelo Senado Limite em US Múltiplo do PIB per capita Brasil 1000000 1322 Argentina 48760 serviços ou 73140 comércio 536 serviços ou 805 comércio Colômbia 60136 97 México 148624 159 Canadá 121400 28 Reino Unido 114072 32 Estados Unidos 48000 10 Tabela 5 Limites de receita para os regimes simplificados de tributação para MPEs Dados para o Brasil consideram taxa de câmbio de R 360US e PIB e população de 2014 Para os demais países dados referemse a 2011 Fonte Banco Interamericano de Desenvolvimento Bacen e IBGE 15 empregado que custa R 1 milmês O primeiro comércio opera com margem de 20 o que significa que sua margem é de R 3 mil e a renda do proprietário deduzida a folha de salários é de R 2 mil Já o segundo comércio opera com margem de 50 tem margem de R 75 mil e a renda do proprietário é de R 65 mil É claro que há uma distorção na tributação destas empresas pois enquanto na primeira a tributação de R 60000 corresponde a 20 da margem e 30 da renda do proprietário na segunda a tributação corresponde a 8 da margem e 92 da renda do proprietário Para solucionar esta distorção que é grande seria necessário mudar a base de incidência do SIMPLES do faturamento para o valor adicionado e também definir as faixas de enquadramento com base no valor adicionado38 Obviamente seriam necessários ajustes tanto nas alíquotas como nas faixas de enquadramento do SIMPLES A principal objeção a esta mudança é que ela torna o sistema mais complexo mas a verdade é que não é muito difícil apurar a diferença entre a receita e o valor dos insumos utilizados ou mercadorias adquiridas para revenda39 Adicionalmente com a ampla adoção da nota fiscal eletrônica que nos próximos anos será também estendida ao varejo inclusive para os pequenos negócios o próprio fisco teria todas informações necessárias para o cálculo do imposto Esta mudança tornaria o SIMPLES um regime muito mais isonômico e com outras mudanças discutidas a seguir muito mais favorável ao crescimento das empresas No caso do exemplo dado acima a mudança provavelmente beneficiaria o comércio que opera com baixa margem mas aumentaria o custo para o comércio com alta margem Outro problema dos regimes simplificados tanto do SIMPLES quanto do Lucro Presumido é que o lucro distribuído pelas empresas não é tributado na pessoa física Isto acaba gerando uma grande iniquidade na tributação da renda pessoal pois sócios de empresas de alta renda acabam sendo muito menos tributados que empregados ou funcionários públicos com renda equivalente mesmo quando considerada a tributação da empresa40 Neste contexto propõese que os lucros distribuídos por empresas do SIMPLES e do Lucro Presumido sejam tributados na declaração de renda da pessoa física descontandose o imposto já recolhido na empresa para evitar bitributação41 38 Esta mudança é ainda mais importante para a incorporação do setor de serviços cujo valor adicionado é muito próximo à receita ao SIMPLES Algumas categorias de profissionais liberais advogados contadores corretores e fisioterapeutas foram incorporadas ao SIMPLES em tabelas muito favorecidas e efetivamente vem sendo muito mais beneficiados que pequenas empresas comerciais ou industriais com nível semelhante de faturamento 39 Pressupõese é claro que seria adotado um conceito amplo de insumo conforme discutido na seção sobre tributação de bens e serviços 40 Para ter o benefício de isenção na pessoa física do lucro integral da empresa é necessário apurar o lucro em balanço o que não deixa de ser irônico pois um dos motivos alegados para a adoção dos regimes simplificados é exatamente a simplificação das obrigações acessórias em particular a dispensa de elaboração do balanço 41 Uma questão que precisa ser desenvolvida diz respeito à forma de desconto do imposto já recolhido na empresa pois é preciso arbitrar que parcela deste montante pode ser atribuída à remuneração de seus sócios Embora não seja possível desenvolver esta questão em detalhe neste texto caso a tributação da empresa venha a incidir sobre o valor adicionado uma alternativa seria descontar na apuração do IRPF valor equivalente à multiplicação da alíquota incidente sobre o valor adicionado sobre a remuneração dos sócios seja esta auferida na forma de lucro distribuído seja de prólabore 16 Por fim uma das principais razões para a existência do SIMPLES é a elevada tributação da folha de salários que dificulta sobremaneira a formalização dos trabalhadores das pequenas empresas Neste contexto as mudanças propostas para a tributação da folha de salários em particular a desoneração da folha para os baixos rendimentos já resolveriam o problema pois a grande maioria dos empregados de empresas do SIMPLES é de baixa renda Neste contexto entendese que feita a reforma na tributação da folha de salários passaria a ser dispensável a concessão de um tratamento específico para as empresas do SIMPLES A Tabela 6 mostra o grau de distorção provocado pelos regimes simplificados de tributação No exemplo apresentado comparase o custo tributário para um advogado que atua como empregado de uma empresa e como sócio de uma empresa do Lucro Presumido e do SIMPLES Os direitos são exatamente os mesmos em todos os casos contribuição para a previdência pelo teto do salário de contribuição42 Como se vê os tributos incidentes sobre os serviços e o rendimento de um advogado que atue como empregado formal de uma empresa são duas vezes e meia superiores aos incidentes sobre o sócio de uma empresa do lucro presumido que preste o mesmo serviço e cinco vezes superiores aos incidentes sobre o sócio de uma empresa do SIMPLES Vale notar que a distorção não se aplica apenas no caso de pessoas de alta renda O regime do Microempreendedor Individual MEI cujo custo tributário é de menos de R 5000 por mês alcança algumas categorias de profissionais com rendimentos de até R 5 milmês valor que na tabela do IRPF já é tributado à alíquota de 275 É difícil justificar um regime ultra simplificado e praticamente sem custo para pessoas cujo rendimento ultrapassa largamente o rendimento médio dos trabalhadores do país Comentários finais Para facilitar a exposição em um espaço curto optouse neste artigo por analisar cada uma das principais categorias de tributos separadamente Resta discutir como a composição da carga tributária deveria ser alterada com as mudanças propostas assumindose que a carga tributária permaneça constante Como se vê no Gráfico 2 o Brasil possui uma arrecadação fortemente 42 Assumese como hipótese que a empresa no caso do advogado empregado não tem lucro L Presumido Simples A Receita 30000 30000 30000 B Tributos pagos pela empresa 11379 4899 1962 Tributos Exceto folha 4899 4899 1962 Folha exceto FGTS 4990 0 0 FGTS 1490 0 0 C Tributos pagos pela pessoa física 4285 1181 1181 INSS empregadoautônomo 571 1038 1038 IRPF2 3714 143 143 D Remuneração líquida ABC 14336 23920 26857 E Total tributos pagos BC 15664 6080 3143 Empregado1 Sócio de empresa Notas 1 Empregado de uma empresa do regime de lucro presumido 2 Considera desconto simplificado T 6 Tributação de um advogado que presta serviços no valor de R 30 milmês 17 concentrada em bens e serviços e na folha de salários quando comparado com outros países em desenvolvimento43 Pelas mudanças propostas haveria um aumento da tributação sobre a renda em função do fechamento de brechas que permitem que pessoas de alta renda não paguem IRPF bem como algum aumento dos tributos patrimoniais Num primeiro momento este aumento da arrecadação deveria ser utilizado para viabilizar a transição na tributação da folha através da desoneração dos rendimentos mais baixos até o valor do benefício assistencial e dos rendimentos que excedem o teto do salário de contribuição44 Num prazo mais longo à medida em que a renda do país cresça a tendência é que haja um aumento dos tributos sobre a renda cuja contrapartida deveria ser uma redução da tributação de bens e serviços Outra questão que merece ser discutida é se as mudanças no sistema tributário deveriam ser adotadas simultaneamente na forma de uma ampla reforma tributária ou se deveriam ser implementadas aos poucos no modelo que se convencionou chamar de reforma fatiada O ideal seria que todas as mudanças fossem aprovadas simultaneamente ainda que implementadas de forma progressiva pois os impactos das alterações propostas são grandes sendo necessário um período de transição para sua adoção completa Como já comentado a necessidade de uma transição longa é especialmente necessária no caso dos tributos sobre bens e serviços Pode parecer ingênuo propor uma reforma tributária ampla em um país que há décadas vem tentando implementar reformas parciais sem sucesso O atual momento de crise exige no entanto que se pense grande Se o Brasil quiser superar a crise atual e voltar a crescer de forma sustentada terá de enfrentar grandes problemas estruturais sejam os relativos à expansão dos gastos públicos sejam os relativos a distorções que impedem o crescimento da produtividade entre as quais a estrutura tributária objeto deste texto tem papel de destaque Para finalizar e para não parecer que este é um texto autista por não tratar de uma discussão tributária que vem tendo bastante destaque no período recente vale fazer alguns comentários 43 A tributação sobre bens e serviços no Brasil é elevada inclusive quando comparada à observada em países desenvolvidos Já a tributação sobre folha é mais elevada em países com amplos sistemas de proteção social como a França e a Alemanha 44 Não foi feito neste trabalho um cálculo preciso sobre qual o ganho com o aumento da tributação da renda resultante das medidas propostas nem qual o custo da desoneração da folha Caso os valores sejam muito diferentes o que é provável sugerese que o ajuste seja feito através de mudanças nas alíquotas dos tributos sobre bens e serviços Gráfico 2 Carga tributária por base de incidência do PIB Fonte OCDE e SRFB Dados relativos a 2012exceto México 2011 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Bens e Serv Folha Renda Propriedade Outros 18 sobre a CPMF A CPMF é um tributo cumulativo de má qualidade que só é eficiente com altas taxas nominais de juros Um bom sistema tributário não tem espaço para a CPMF Mas se for inevitável aumentar a arrecadação no curto prazo talvez uma CPMF transitória com alíquota progressivamente cadente seja menos distorciva que outros tributos que quando mal concebidos têm um enorme poder de atrapalhar o crescimento
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1 Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado1 Bernard Appy2 Este texto apresenta de forma bastante resumida as principais distorções do sistema tributário brasileiro bem como sugere algumas alternativas de reforma É importante deixar claro que o foco do texto é a estrutura do sistema tributário e não a carga tributária que depende do nível de gastos públicos Ainda que não sejam questões totalmente independentes pois a pressão pelo aumento de receitas para financiar despesas crescentes pode levar a um aumento da complexidade e das distorções do sistema tributário podem ser tratadas separadamente Embora nenhum sistema tributário seja perfeito o Brasil prima por ter uma das piores legislações tributárias do mundo Os defeitos do sistema tributário brasileiro têm várias consequências Por um lado induzem uma organização extremamente ineficiente da economia puxando para baixo a produtividade da economia nacional Por outro lado geram grandes distorções distributivas ao abrir brechas que permitem que pessoas de alta renda sejam muito pouco tributadas Adicionalmente a complexidade do sistema tributário brasileiro faz com que o custo de apuração e recolhimento dos impostos custo de conformidade seja extremamente elevado Segundo dados do Banco Mundial o Brasil é o campeão mundial em tempo despendido pelas empresas para o cumprimento das obrigações tributárias acessórias exigindo 2600 horas de trabalho anuais de uma empresa padrão de porte médio mais do que o dobro do segundo colocado ver Tabela 1 Por fim a complexidade e a insegurança sobre as regras aplicáveis resultam num altíssimo nível de contencioso entre os contribuintes e o fisco tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial 1 Versão revisada e atualizada para 2016 de um artigo publicado na Revista Interesse Nacional em dezembro de 2015 Ano 8 Número 31 Disponível em httpinteressenacionalcomindexphpedicoesrevistaporqueosistematributariobrasileiro precisaserreformado 2 Diretor do Centro de Cidadania Fiscal Foi Secretário Executivo e Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda País Horasano País Horasano Brasil 2600 Índia 243 Bolívia 1025 Colômbia 239 Venezuela 792 Alemanha 218 Argentina 405 EUA 175 México 334 Rússia 168 Japão 330 França 137 Chile 291 Reino Unido 110 China 261 Suíça 63 Fonte Banco Mundial Tabela 1 Tempo despendido com obrigações tributárias acessórias 2 Para entender melhor estes problemas abaixo são feitos comentários sobre as principais distorções do sistema tributário brasileiro bem como são apresentadas algumas sugestões de reforma para resolver estas distorções O texto foi estruturado com base nas principais categorias de tributos i bens e serviços ii folha de salários iii renda e iv patrimônio seguindose alguns comentários sobre as distorções provocadas pelos regimes simplificados de tributação como o SIMPLES e o Lucro Presumido Ao final são apresentados alguns comentários finais Algumas das propostas apresentadas no texto são o resultado de um debate já bastante maduro entre especialistas Outras propostas especialmente as que dizem respeito às mudanças na tributação da folha de salários e aos regimes simplificados de tributação são elaborações recentes e ainda pouco discutidas Tributos sobre bens e serviços Na maior parte dos países do mundo a tributação sobre os bens e serviços é feita através de um imposto sobre o valor adicionado IVA3 O IVA é um imposto cobrado em todas as etapas do processo de produção e comercialização garantindose em cada etapa o crédito correspondente ao imposto debitado na etapa anterior Esta característica do IVA faz com que seja um tributo neutro ou seja cuja incidência independe da forma como está organizada a produção e também faz com que o débito do imposto na etapa final de venda para o consumidor corresponda exatamente ao que foi recolhido ao longo de toda a cadeia de produção e comercialização Nas Tabelas 21 e 22 apresentase o modelo de incidência do IVA e de um imposto cumulativo em duas situações uma cadeia longa e uma cadeia curta em que as duas últimas etapas são feitas pela mesma empresa Notase que no caso do IVA a tributação é a mesma independentemente de como a produção está organizada mesmo havendo alíquotas diferentes ao longo da cadeia Já no caso do imposto cumulativo a incidência depende de como está organizada a produção sendo mais elevada no caso de cadeias longas de produção 3 A única exceção relevante são os Estados Unidos que não possuem um IVA e sim um imposto sobre as vendas a varejo sales tax Alíquota B Débito C AB Crédito D Imposto devido CD Alíquota E Imposto devido AE Etapa 1 100 5 5 5 5 5 Etapa 2 200 15 30 5 25 5 10 Etapa 3 300 10 30 30 0 5 15 Produto final 400 10 40 30 10 5 20 Tributação total 40 50 Alíquota B Débito C AB Crédito D Imposto devido CD Alíquota E Imposto devido AE Etapa 1 100 5 5 5 5 5 Etapa 2 200 15 30 5 25 5 10 Etapa 3 e final 400 10 40 30 10 5 20 Tributação total 40 35 Tabela 21 Exemplo de tributação em cadeia longa Tabela 22 Exemplo de tributação em cadeia curta Imposto cumulativo IVA não cumulativo Valor da venda A Valor da venda A IVA não cumulativo Imposto cumulativo 3 Em um IVA bem estruturado as exportações e os investimentos são totalmente desonerados e as importações são tributadas de forma equivalente à produção nacional Isto faz com que o IVA seja efetivamente um tributo incidente sobre o consumo ainda que cobrado ao longo da cadeia de produção4 Na maioria dos países do mundo há apenas um IVA com poucas ou idealmente apenas uma alíquota e incidência sobre uma base ampla de bens e serviços A vantagem de se ter apenas uma alíquota é que não há distorções nos preços relativos e evitase discutir a classificação dos bens e serviços No Brasil a tributação dos bens e serviços foge completamente do padrão internacional Nós temos quatro tributos sobre bens e serviços dois federais PISCofins e IPI um estadual ICMS e um municipal ISS5 Nenhum destes tributos tem uma base abrangente O IPI incide apenas na industrialização de produtos O ICMS incide apenas sobre bens e sobre serviços de comunicação e transporte interestadual e intermunicipal O ISS incide sobre os demais serviços definidos em uma lista Já o PIS e a Cofins têm base ampla de bens e serviços mas incidem apenas sobre empresas6 Todos estes quatro tributos têm problemas sérios O ISS é um tributo cumulativo que induz uma organização ineficiente da economia prejudica a competitividade da produção nacional e onera os investimentos além de dar margem a uma indefinição a respeito de onde termina a sua incidência e começa a incidência do ICMS7 O IPI é não cumulativo mas possui uma infinidade de alíquotas cuja incidência é definida em uma tabela ultra detalhada o que obviamente dá margem a uma grande discussão e contencioso sobre a classificação dos produtos Adicionalmente como o IPI incide apenas sobre a industrialização é comum haver uma indefinição a respeito de onde termina a industrialização e começa a distribuição problema que gera contencioso e em alguns casos é contornado através de regimes especiais que tornam o imposto complexo e nada neutro Mas os principais problemas dos tributos brasileiros sobre bens e serviços dizem respeito ao ICMS e ao PISCofins Parte destes problemas são comuns aos dois tributos Este é o caso da vedação à apropriação de boa parte do crédito tributário relativo aos insumos utilizados pelas empresas Tanto a legislação do ICMS quanto a do PISCofins permitem a apropriação de crédito apenas para os insumos que são fisicamente incorporados ao produto final8 Isto significa que 4 Dado que todo insumo acaba sendo incorporado em um produto final a produção e as importações de bens e serviços de um país têm apenas três destinos finais possíveis consumo exportação ou aumento da capacidade produtiva investimento Como em um IVA bem desenhado os investimentos e as exportações são totalmente desonerados inclusive do imposto incidente ao longo da cadeia de produção isto significa que o IVA incide apenas sobre o consumo 5 A rigor o PIS Contribuição para o Programa de Integração Social e a Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social são tributos distintos Mas como a legislação que rege os dois tributos é praticamente idêntica são tratados como se fossem um único tributo 6 Na maioria dos países que têm IVA este incide sobre a atividade econômica seja esta exercida por empresas ou pessoas físicas atuando de forma autônoma a exemplo do que ocorre com o ICMS e o ISS 7 Para se ter uma ideia da confusão gerada pela segmentação das bases de incidência vale mencionar um projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados que define que o conteúdo disponibilizado através de serviços de streaming como o Netflix estaria sujeito à incidência de ISS enquanto que o mesmo conteúdo disponibilizado através de TV a cabo estaria sujeito à incidência de ICMS 8 A título de exemplo o ICMS e o PISCofins incidentes sobre os serviços de telecomunicações utilizados por uma empresa industrial não dão direito a crédito pois estes serviços não são incorporados ao produto final 4 parte do imposto pago ao longo da cadeia de produção não é recuperado o que é equivalente a uma incidência cumulativa com todos os seus problemas Adicionalmente a discussão sobre o que pode ou não ser considerado como insumo para fins de apropriação de crédito dá margem a um enorme contencioso principalmente no caso do PISCofins sendo atualmente um dos principais motivos de disputa entre os contribuintes e o Fisco Federal Outro problema comum aos dois tributos é a grande dificuldade colocada pelos fiscos ao ressarcimento de créditos acumulados pelas empresas como por exemplo no caso de uma empresa exportadora que não tem débitos mas tem créditos relativos aos insumos adquiridos9 Em alguns casos este ressarcimento pode demorar anos enquanto que o padrão nos países que têm um IVA bem estruturado é o ressarcimento em prazo curto de 15 dias a dois meses Por fim tanto o ICMS quanto o PISCofins incidem sobre o valor dos bens e serviços com tributos enquanto em praticamente todos os países do mundo o IVA incide sobre o valor líquido de impostos10 Esta característica não apenas compromete a transparência do sistema tributário como o torna irracional pois quando o ICMS é elevado cresce também a arrecadação de PISCofins e viceversa11 Mas há também problemas específicos de cada um destes tributos No caso do PISCofins o principal problema é a sobreposição de dois regimes de incidência um não cumulativo em que a alíquota é de 925 e há apropriação de créditos e outro cumulativo em que a alíquota é de 365 mas não há apropriação de créditos o que leva a uma organização muito ineficiente da economia Embora o regime geral seja o não cumulativo há uma série de exceções setoriais e todas as empresas do Lucro Presumido cujo limite de faturamento é de R 72 milhõesano estão no regime cumulativo Com estas exceções na prática a maior parte do setor de serviços permanece no regime cumulativo Adicionalmente o regime não cumulativo do PISCofins adota um modelo conhecido como base contra base no qual o valor devido é calculado pela aplicação da alíquota de 925 sobre a diferença entre o faturamento da empresa e o valor dos insumos adquiridos ou mais precisamente o valor dos insumos incorporados no produto final para os quais a Receita aceita créditos Isto significa que quando os insumos são adquiridos de uma empresa do Lucro Presumido o imposto pago pela empresa vendedora é de 365 e o crédito gerado na empresa compradora é de 925 Esta distorção tem levado várias empresas a se fragmentarem artificialmente criando empresas do Lucro Presumido para realizar parte de suas atividades apenas para reduzir o montante devido de PISCofins12 9 Apesar de haver um regime especial para empresas preponderantemente exportadoras na legislação do PISCofins que só torna o tributo mais complexo há inúmeros casos de empresas que têm enorme dificuldade em obter a devolução de seus créditos No caso do ICMS a situação varia entre Estados mas em períodos de crise como o atual todos os Estados dificultam o ressarcimento de créditos como forma de fazer caixa 10 Consta que além do Brasil apenas a Bolívia adota esta forma de incidência 11 Para um produto padrão com alíquota de ICMS de 18 e alíquota de PISCofins de 925 a incidência sobre o preço líquido de impostos é de 3745 02725102725 e não de 2725 que é a soma das duas alíquotas 12 O problema só não é mais sério porque a Receita Federal impede a apropriação de crédito para a maioria dos serviços adquiridos pelas empresas do regime não cumulativo e são principalmente os serviços que estão no regime cumulativo Ou seja uma das distorções do PISCofins serve para evitar que os efeitos de outra distorção sejam mais graves 5 Na quase totalidade dos países que adotam o IVA o modelo de tributação adotado é o de imposto contra imposto no qual em cada etapa de venda o débito do imposto é registrado na nota fiscal sendo este o valor apropriado como crédito na etapa seguinte Já no caso do ICMS os principais problemas decorrem do fato de que nas transações interestaduais parte importante do imposto é cobrado no Estado de origem das mercadorias13 A cobrança na origem é equivalente a tributar a produção enquanto que a tributação no destino que é o modelo adotado pela maioria dos países que têm um IVA é equivalente a tributar o consumo14 O problema de tributar a produção com um imposto estadual é a criação de fortes estímulos a que os Estados usem o imposto com outras finalidades que não apenas arrecadar o que ocorre principalmente no caso dos incentivos da guerra fiscal que são ilegais mas se tornaram prática comum em todos os Estados brasileiros15 Embora do ponto de vista de cada Estado considerado individualmente a guerra fiscal seja vista como um instrumento de desenvolvimento regional a realidade é que se trata de uma forma extremamente ineficiente de política de desenvolvimento regional pois grande parcela do incentivo concedido serve apenas para cobrir custos adicionais de logística e o padrão é que os Estados concedam incentivos para atrair empreendimentos que não correspondem à vocação regional Adicionalmente como os incentivos são ilegais gerase um ambiente de insegurança jurídica para as empresas que se agravou recentemente com a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal venha a editar uma súmula vinculante estabelecendo que todos os incentivos concedidos no âmbito do ICMS sem aprovação pelo CONFAZ são inconstitucionais que prejudica o investimento no país Os problemas decorrentes da tributação do ICMS na origem não se restringem à guerra fiscal Outras consequências são um forte desestímulo à exportação pois o Estado onde está localizada a empresa exportadora tem de ressarcir créditos cobrados em outros Estados e um estímulo à importação em detrimento da produção nacional16 Outra importante distorção do ICMS é o uso abusivo e descoordenado da substituição tributária para a frente Pelo regime de substituição tributária os Estados cobram em uma etapa do processo produtivo por exemplo a indústria o imposto devido em todas as etapas subsequentes até a venda ao consumidor final Tratase de um mecanismo que funciona 13 A alíquota interestadual cobrada no Estado de origem é de 12 sendo de 7 no caso da venda dos Estados do Sul e Sudeste exceto Espírito Santo para os Estados do Norte Nordeste e CentroOeste mais ES 14 Tributar no destino é equivalente a desonerar as exportações seja de um país seja de um Estado Na União Europeia que do ponto de vista econômico é muito semelhante a uma federação todas as transações entre países membros são tributadas no destino 15 Para serem legais os incentivos concedidos no âmbito do ICMS deveriam ser aprovados por unanimidade por todos os Estados através do CONFAZ que é um órgão que congrega os 27 secretários estaduais de finanças do país Na prática a grande maioria dos incentivos concedidos pelos Estados não é sequer levada para discussão no CONFAZ 16 Como nas importações o imposto pertence integralmente ao Estado de destino o incentivo concedido à aquisição de um determinado insumo ou equipamento pode alcançar todo o imposto devido no caso de um produto importado mas apenas parte do imposto no caso de sua aquisição em outro Estado Adicionalmente vários Estados concedem incentivos para a entrada de importações por seus portos incentivo que perdeu muita força com a Resolução do Senado Federal nº 132012 que reduziu a 4 a alíquota interestadual nas transações com produtos importados mas gerou uma enorme complexidade operacional para as empresas 6 relativamente bem no caso de produtos homogêneos e com pouca variação do preço ao consumidor mas que gera grandes distorções de preços relativos no caso de produtos heterogêneos e com grande variabilidade na margem de comercialização Adicionalmente cada Estado brasileiro adota um regime distinto de substituição tributária o que torna extremamente complexa a legislação com altos custos de conformidade para as empresas Por fim tanto no ICMS quanto no PISCofins há uma enorme quantidade de regimes especiais para setores ou produtos específicos o que torna sua legislação extremamente complexa e gera grandes distorções alocativas prejudicando a produtividade da economia brasileira A solução para os problemas dos tributos sobre bens e serviços no Brasil é bem conhecida A maioria dos especialistas concorda que é preciso fazer uma reforma que aproxime o máximo possível estes tributos de um IVA seguindo as melhores práticas internacionais ou seja com base ampla de bens e serviços crédito abrangente e um sistema eficaz de ressarcimento de créditos uma ou poucas alíquotas poucos ou nenhum regime especial incidência sobre o valor líquido de impostos e cobrança no destino17 Idealmente deveria haver apenas um IVA nacional partilhado entre a União os Estados e os Municípios Dada a provável resistência dos Estados e Municípios a esta proposta uma alternativa seria haver dois IVAs um federal e um subnacional que consolidaria as bases do ICMS e do ISS Neste caso o ideal seria que a legislação fosse a mesma para os dois IVAs com os Estados tendo autonomia para fixar as alíquotas do IVA subnacional Adicionalmente caberia um imposto seletivo incidente sobre produtos cujo consumo se quer desestimular como fumo e bebidas alcoólicas18 Se o ponto de chegada é claro a transição do regime atual para o novo regime é muito mais complexa do ponto de vista econômico e político No caso do PISCofins a transição para um IVA resulta em uma importante redistribuição setorial da carga tributária e pressupõe a eliminação de uma série de regimes especiais setoriais o que gera grande resistência19 A eliminação do IPI e sua substituição por um imposto seletivo afeta de forma significativa a Zona Franca de Manaus o que também tende a gerar fortes resistências Já no caso da substituição do ICMS e do ISS por um IVA subnacional cobrado no destino também há dificuldades significativas Por um lado há uma resistência dos grandes municípios que não querem perder a competência de cobrar o ISS Por outro lado só é possível resolver o problema do ICMS se houver uma saída para a guerra fiscal o que depende da redução das alíquotas cobradas na origem ou seja do deslocamento da incidência do ICMS da produção para o consumo e de uma transição que permita às empresas que recebem incentivos se ajustarem à nova realidade Mas politicamente esta mudança só é factível se houver uma compensação para os Estados que eventualmente percam 17 Ver por exemplo Varsano R A tributação do valor adicionado o ICMS e as reformas necessárias para conformálo às melhores práticas internacionais Banco Interamericano de Desenvolvimento Documento para Discussão IDBDP335 fevereiro de 2014 18 Atualmente o IPI já desempenha esta função mas o IPI alcança uma base muito maior de produtos para os quais sua incidência não faz o menor sentido 19 Neste texto nos referimos ao tributo sucessor do PISCofins como IVA Federal Como se tratam de contribuições e não de impostos talvez o correto fosse chamalo de CVA contribuição sobre o valor agregado 7 receitas com a redução da alíquota interestadual e o aporte de recursos da União para políticas de desenvolvimento regional O Governo Federal apresentou recentemente através da Medida Provisória nº 6832015 uma proposta de criação de dois fundos um de compensação de perdas e outro de desenvolvimento regional para viabilizar a redução das alíquotas interestaduais do ICMS que viria junto com a legalização dos benefícios da guerra fiscal Estes fundos seriam financiados com a multa incidente sobre a regularização dos ativos mantidos por brasileiros no exterior De modo semelhante o Governo está sinalizando que apresentará uma proposta reformando a legislação do PISCofins aproximando bastante este tributo de um IVA Até o momento em que este texto foi escrito no entanto a proposta ainda não havia sido enviada ao Congresso As duas mudanças propostas apontam na direção correta ainda que não completem as mudanças necessárias na tributação de bens e serviços no Brasil20 A atual situação política e a crise fiscal dificultam bastante contudo a aprovação das propostas e aumentam o risco de que sejam mutiladas em sua tramitação no Congresso Avançando ou não as propostas do Governo é importante que se consolide a compreensão do tamanho do estrago que as distorções na tributação dos bens e serviços provocam na produtividade do país A solução destes problemas necessariamente exigirá uma transição longa Em particular a quantidade de distorções e exceções existente na legislação do PISCofins e do ICMS é tão grande que merece ser considerada uma alternativa de criação de tributos totalmente novos um IVA federal e um IVA subnacional que seriam introduzidos com alíquotas baixas e iriam progressivamente substituindo o PISCofins o ICMS e o ISS mantendo a carga tributária constante Os novos IVA federal e IVA subnacional teriam alíquota conjunta provavelmente menor que as dos atuais ICMS e PISCofins mas ainda assim seria uma alíquota elevada para padrões internacionais dado o grande peso da tributação de bens e serviços na carga tributária brasileira Tributos sobre a folha de salários Uma das características do sistema tributário brasileiro é a elevada incidência de tributos sobre a folha de salários Além da contribuição para a previdência social do empregador e do empregado comum na maioria dos demais países a folha de salários no Brasil é onerada por uma série de outros tributos como as contribuições para o Sistema S o Salário Educação e o Seguro de Acidentes do Trabalho entre outros21 Adicionalmente a folha de salários também é onerada pelo FGTS que é um instrumento de poupança compulsória dos trabalhadores 20 As mudanças são insuficientes principalmente no caso do ICMS pois o acordo político possível reduz apenas parcialmente as alíquotas interestaduais do ICMS e para piorar com várias exceções Adicionalmente todos os demais problemas do ICMS não são enfrentados tampouco a discussão sobre uma eventual fusão com o ISS 21 A contribuição do empregado incide apenas sobre o salário de contribuição que é o valor utilizado para o cálculo dos benefícios previdenciários e atualmente em 2016 é limitado a R 518982mês Já os demais tributos que são recolhidos pela empresa incidem sobre a remuneração total dos trabalhadores 8 Na Tabela 3 apresentase a incidência sobre a folha de um trabalhador de uma empresa comercial ou industrial típica a qual mesmo sem considerar o FGTS pode ultrapassar 40 A elevada incidência de tributos sobre a folha de salários dificulta a formalização do trabalho no país além de ser um dos principais motivos que justificaram a criação do SIMPLES este ponto é retomado adiante Para além da elevada incidência uma deficiência importante do atual modelo de tributação da folha de salários no Brasil é a inexistência de uma relação clara entre o valor das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha e os benefícios percebidos pelos trabalhadores Em parte isso se deve ao fato de que várias das contribuições incidentes sobre a folha Sistema S Salário Educação etc não tem qualquer relação com a previdência social Mas a principal razão para o descolamento entre as contribuições e os benefícios está na própria estrutura de financiamento da previdência No caso dos trabalhadores com rendimentos baixos este descolamento ocorre porque o piso dos benefícios previdenciários um salário mínimo é o mesmo valor dos benefícios assistenciais não contributivos O incentivo para que o trabalhador contribua para a previdência é fraco pois o benefício que receberá ao se tornar idoso será o mesmo independentemente de ter ou não contribuído22 No caso de trabalhadores com rendimentos mais elevados acima do teto do salário de contribuição o descolamento entre as contribuições incidentes sobre a folha e os benefícios percebidos decorre do fato de que a contribuição patronal incide sobre a totalidade do salário e não apenas sobre o teto do salário de contribuição A partir do momento em que deixa de haver um vínculo entre o valor das contribuições incidentes sobre a folha de salários e os benefícios recebidos pelos trabalhadores as contribuições das empresas e empregados passam a ser percebidas como mais um imposto destinado ao financiamento das despesas em geral do governo o que tem várias consequências Uma destas consequências é o desestímulo à formalização do trabalho Outra é a pressão para 22 É verdade que os trabalhadores que contribuem para a previdência têm algumas vantagens como o auxílio doença e a possibilidade de se aposentar por tempo de contribuição É raro no entanto que trabalhadores cujo salário é próximo ao mínimo consigam se aposentar por tempo de contribuição pois raramente conseguem acumular 30 ou 35 anos de contribuição Adicionalmente a previdência rural que tem caráter fortemente assistencial pois na prática independe de contribuição permite que os trabalhadores se aposentem com idade inferior à requerida pela previdência urbana 55 anos para a mulher e 60 para o homem contra 60 para a mulher e 65 para o homem na previdência urbana Mínimo Máximo Contribuições da empresa 343 398 INSS Seguro Acid Trabalho 05 60 Salário Educação Sistema S Sebrae Incra FGTS Contrib do empregado p INSS 80 110 Total sem FGTS 343 428 Total com FGTS 423 508 Tabela 3 Alíquotas incidentes sobre a folha de uma empresa típica 200 25 25 06 02 80 9 conceder um tratamento muito favorecido aos pequenos negócios uma vez que a tributação da folha é vista como custo e não como valor vinculado ao financiamento de benefícios futuros Neste contexto sugerese que a revisão do atual modelo de tributação da folha de salários no Brasil se paute por duas diretrizes A primeira diretriz é a supressão da incidência sobre a folha de contribuições não vinculadas a benefícios Sistema S Salário Educação etc23 A segunda diretriz bem mais complexa passa pela mudança não apenas da tributação sobre a folha mas do próprio modelo de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais no país A proposta é que fosse criado um benefício universal para idosos e deficientes não contributivo desvinculado do salário mínimo que seria financiado por tributos não incidentes sobre a folha de salários24 Em contrapartida as contribuições sobre a folha de salários que incidiriam apenas sobre a parcela do salário que excedesse o valor do benefício assistencial observado o teto do salário de contribuição seriam atuarialmente vinculadas ao valor dos benefícios25 Esta mudança teria um grande impacto sobre o modelo de financiamento das políticas públicas no Brasil e certamente exigiria uma transição longa26 Mas tratase de uma mudança necessária se se pretende eliminar as disfuncionalidades do atual modelo de tributação da folha de salários que prejudica a formalização dos trabalhadores e o crescimento das pequenas empresas Por fim cabe fazer alguns comentários sobre a recente mudança no regime de financiamento da previdência que substituiu para determinados setores e produtos a contribuição patronal sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento27 A avaliação é que se trata de um modelo equivocado pois gera distorções setoriais e como se buscou explicar é importante haver uma relação atuarial entre o valor das contribuições incidentes sobre a folha e o valor dos benefícios 23 As ações hoje financiadas por estas contribuições deveriam ter outras fontes de recursos de preferência impostos No caso das despesas do Sistema S em particular estas deveriam integrar o orçamento e disputar recursos com outras prioridades da administração pública pois não faz sentido que entidades privadas sejam financiadas por tributos vinculados Por fim sugerese a manutenção do FGTS pois tratase um mecanismo de poupança compulsória que é importante em um país em que a taxa de poupança doméstica é extremamente baixa há uma discussão importante sobre a remuneração do FGTS e sobre os critérios de resgate dos recursos que não cabem neste texto 24 A proposta de um benefício assistencial universal parte da constatação de que na prática este benefício já existe via previdência rural e programas assistenciais urbanos A desvinculação do salário mínimo ainda que o valor inicial seja o salário mínimo atual é importante porque é preciso haver um incentivo para o trabalhador de baixa renda que contribui para a previdência e porque com o envelhecimento da população brasileira e o aumento real do salário mínimo o custo dos benefícios de um salário mínimo tende a crescer de forma explosiva 25 A proposta não é adotar um modelo de contribuição definida em que cada trabalhador tem uma conta individual mas manter o regime atual de benefício definido mas mantendo o equilíbrio atuarial entre o valor das contribuições e o valor dos benefícios financiados por estas contribuições de modo a não deixar uma conta a ser paga pelas gerações futuras 26 Não é possível no espaço deste texto detalhar como seria esta transição 27 Esta mudança foi introduzida em 2011 para alguns setores através da MP 540 posteriormente convertida na Lei 12546 tendo sido posteriormente estendida para vários outros setores Recentemente através da lei 131612015 as alíquotas incidentes sobre o faturamento em substituição à contribuição sobre a folha foram elevadas 10 Tributos sobre a renda Também há problemas sérios de falta de isonomia na tributação da renda no Brasil Por um lado há distorções relevantes na tributação da renda pessoal com parcela importante dos rendimentos de pessoas de alta renda sendo tributada apenas na pessoa jurídica a uma alíquota inferior à da pessoa física essa questão é analisada em maior detalhe na seção relativa a regimes simplificados de tributação Como se vê na Tabela 4 que toma por base as declarações de imposto de renda das pessoas físicas IRPF de 2014 82 dos rendimentos das pessoas com renda mensal entre 3 e 10 salários mínimos SM e 63 dos rendimentos das pessoas com renda mensal entre 10 e 80 SM correspondem a rendimentos tributados pelo IRPF Já no caso das pessoas com renda mensal superior a 80 SM 83 dos rendimentos são isentos ou tributados exclusivamente na fonte A maior parte destes rendimentos isentos resulta de lucros distribuídos em grande parte oriundos de empresas do lucro presumido e do SIMPLES cuja tributação é muito inferior à tributação das pessoas físicas pelo IRPF Por outro lado também há distorções relevantes na tributação da renda do capital lucro juros e aluguéis No caso dos juros a tributação depende do beneficiário dos rendimentos pessoa física jurídica ou estrangeiro do instrumento em que os recursos foram aplicados e da destinação dos recursos captados O Quadro 1 abaixo mostra de maneira esquemática e incompleta o mosaico de benefícios tributários para aplicações de renda fixa no Brasil O problema deste modelo fragmentado de tributação dos juros é que não necessariamente o instrumento mais eficiente de intermediação de recursos é beneficiado A título de exemplo faria muito mais sentido dar incentivo para que um fundo de pensão que não tem benefício e tem perfil para aplicações de longo prazo investisse no financiamento da infraestrutura que para uma pessoa física28 28 O motivo para que não seja concedido benefício para o fundo de pensão é que a tributação é feita no resgate dos recursos o que dificulta conceder incentivo para papéis específicos Ainda assim o modelo atual é irracional pois ao se conceder benefícios para as pessoas físicas a rentabilidade dos papéis incentivados cai reduzindo sua atratividade para os fundos de pensão Totais A Tributáveis B Isentos e tr Excl C BA CA Até 3 Salários Mínimos 5555771 76 67 8 89 11 3 a 10 Salários Mínimos 15182402 669 547 122 82 18 10 a 80 Salários Mínimos 5548085 969 607 362 63 37 Acima de 80 Sal Mín 208158 419 72 347 17 83 Total 26494416 2133 1293 840 61 39 Dados da declaração do IRPF de 2014 ano base 2013 Fonte Secretaria da Receita Federal do Brasil Faixa de rendimento mensal total Nº declarantes Rendimentos R bilhões Tabela 4 Rendimentos por categoria de rendimento e faixa de rendimento total PF PJ Estr PF PJ Estr PF PJ Estr PF PJ Estr Depósitos bancários Fundos de investimento Debêntures Outros tits e valmobil Setor imobiliário Infraestrutura Investim Industrial Agropecuária Quadro 1 Isenção de tributos na captação de recursos 11 A tributação dos aluguéis é outro exemplo das enormes distorções existentes na tributação dos rendimentos do capital do Brasil Se uma pessoa física for proprietária de um imóvel a renda do aluguel será tributada pelo IRPF cuja alíquota marginal é de 275 Se esta mesma pessoa for cotista de uma empresa do Lucro Presumido e o imóvel for propriedade desta empresa o aluguel será tributado por uma alíquota que pode variar de 113 a 143 Já se a pessoa for cotista de um fundo de investimento imobiliário com cotas negociadas em bolsa e o imóvel compuser o patrimônio do fundo a renda do aluguel não será tributada Cabe tratar finalmente da tributação dos lucros que no Brasil estão sujeitos à incidência do imposto de renda das pessoas jurídicas IRPJ e da contribuição social sobre o lucro líquido CSLL Nosso regime de tributação dos lucros apresenta uma série de especificidades algumas das quais tornam a tributação local mais onerosa que em outros países e outras menos onerosa Entre as características que tornam a tributação no Brasil mais onerosa estão as elevadas alíquotas incidente sobre os lucros quando comparadas às vigentes em outros países ver Gráfico 1 Este fato é especialmente relevante quando se considera que do ponto de vista teórico a tributação do lucro de uma empresa deveria incidir apenas sobre o aumento de seu valor real e não sobre a atualização monetária de seu patrimônio líquido que não representa um aumento efetivo da riqueza de seus proprietários29 Como a inflação no Brasil é significativamente mais elevada que na maioria dos demais países isto significa que a tributação incidente sobre o aumento do valor real das empresas é ainda mais elevada do que sugere a comparação das alíquotas nominais Outra característica que torna a tributação mais onerosa no país é a legislação referente à tributação dos lucros auferidos por controladas de empresas brasileiras localizadas no exterior Enquanto os demais países não tributam o lucro auferido no exterior por controladas de empresas locais ou só tributam quando o lucro é distribuído no Brasil o lucro auferido no exterior é tributado por competência no momento em que é auferido o que torna o regime brasileiro o mais oneroso do mundo30 O regime brasileiro não estaria errado se fosse adotado 29 Na prática como a correção monetária do balanço das empresas é muito complexa na grande maioria dos países a tributação incide sobre o lucro nominal sem qualquer ajuste pela inflação No Brasil a correção monetária dos balanços foi eliminada pouco após o Plano Real 30 A tributação dos lucros no exterior é um tema bastante complexo Para ter uma ideia das diferenças entre o regime brasileiro e o vigente em outros países ver Appy B Ross M e Messias L Impactos do modelo brasileiro de tributação do lucro de subsidiárias estrangeiras sobre a competitividade das Gráfico 1 Alíquota marginal incidente sobre a renda corporativa Fonte Tax Foundation 00 50 100 150 200 250 300 350 400 Tuquia Rússia Reino Unido México Japão Itália Indonésia Índia França EUA Coréia do Sul China Canadá Brasil Austrália Argentina Arábia Saudita Alemanha África do Sul 12 por todos os países mas como é adotado apenas em nosso país seu efeito é reduzir a competitividade dos investimentos brasileiros realizados no exterior Por outro lado há algumas características da tributação do lucro no Brasil que tornam esta tributação menos onerosa que em outros países Uma destas características diz respeito à tributação do lucro distribuído Enquanto que na maioria dos países o lucro é tributado na empresa e novamente quando da sua distribuição no Brasil os dividendos distribuídos são isentos Outro fator que reduz a tributação do lucro no Brasil é a existência de um regime pelo qual parte do lucro é distribuído aos acionistas na forma de juros sobre o capital próprio JCP cujo valor é limitado a uma porcentagem do patrimônio líquido da empresa Os JCP não são tributados na empresa por serem dedutíveis como despesa nem na pessoa física sendo tributados exclusivamente na fonte à alíquota de 15 A razão deste modelo é não tornar a tributação do rendimento do capital próprio equity mais onerosa que a tributação do rendimento do capital de terceiros dívida uma vez que os juros pagos sobre a dívida são dedutíveis do lucro31 Ainda assim tratase de um modelo que torna a tributação do lucro distribuído menos onerosa no Brasil que na maioria dos outros países que não possuem regimes semelhantes32 Por fim uma terceira característica que reduz o custo da tributação dos lucros no Brasil é que a legislação brasileira abre possibilidades de planejamento tributário não existentes em outros países permitindo a redução do valor devido do imposto33 A reforma do modelo de tributação da renda no Brasil deveria se orientar por algumas diretrizes A primeira diretriz é a isonomia na tributação da renda pessoal Pessoas com rendas semelhantes deveriam estar sujeitas à mesma incidência de IRPF descontandose no caso dos rendimentos de sócios e acionistas de empresas o imposto já pago na empresa este ponto é retomado na seção que trata dos regimes simplificados A segunda diretriz é a isonomia na tributação da renda do capital É preciso acabar com as enormes distorções existentes na tributação da renda do capital o Brasil seja no caso dos juros seja dos aluguéis Em particular é preciso avaliar se a concessão de incentivos tributários é a melhor forma de reduzir o custo de captação de recursos destinados ao financiamento do investimento Talvez seja melhor adotar uma tributação homogênea para as aplicações financeiras a adotar outros mecanismos para reduzir o custo do capital para os tomadores de crédito Também é importante adotar uma estrutura de tributação que não distorça a estrutura de capital das empresas ao tributar mais o capital próprio equity que o capital de terceiros dívida Deste ponto de vista o Brasil parece já estar mais adiantado que a maioria dos demais países empresas brasileiras in Revista Brasileira de Comércio Exterior Ano XXVI Nº 113 outubrodezembro de 2012 31 A literatura internacional mostra que o tratamento favorecido na tributação do capital de terceiros que é o que ocorre na maioria dos países afeta a estrutura de capital das empresas favorecendo o endividamento em detrimento do financiamento via capital próprio 32 Alguns países como a Bélgica possuem regimes semelhantes ao do JCP sendo inclusive mais racionais pois o benefício alcança tanto o lucro distribuído quanto o lucro reinvestido na empresa 33 A situação mais conhecida é a possibilidade prevista legalmente de dedutibilidade fiscal da amortização do ágio diferença entre o valor de mercado e o valor patrimonial da empresa pago em operações de fusão e aquisição 13 Por fim é preciso reavaliar o modelo de tributação do lucro no Brasil Para não prejudicar a competitividade das empresas nacionais o ideal seria que a alíquota incidente sobre o lucro das empresas IRPJ e CSLL fosse reduzida mas que esta redução fosse compensada por uma simplificação e racionalização da legislação do IRPJ reduzindo o espaço para o planejamento tributário e eventualmente pela tributação dos dividendos distribuídos Também seria preciso reavaliar o modelo brasileiro de tributação de lucros auferidos no exterior de modo a tornálo mais consistente com o adotado nos demais países34 Tributos sobre a propriedade e a transferência de patrimônio No Brasil assim como na maioria dos demais países a tributação do patrimônio tem um peso menor na arrecadação tributária que as demais bases de incidência Em todo caso os tributos sobre o patrimônio são importantes por seu impacto distributivo O Brasil possui três impostos sobre a propriedade o IPTU imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana que é municipal o IPVA imposto sobre a propriedade de veículos automotores que é estadual e o ITR imposto sobre a propriedade territorial rural que é federal mas pode ser cobrado pelos municípios O país também possui dois impostos sobre a transferência de propriedade o ITCMD imposto sobre transmissão causa mortis e doações que é estadual e o ITBI imposto sobre a transmissão de bens imóveis intervivos que é municipal Uma clara deficiência destes tributos é a baixíssima receita do ITR que em 2014 não chegou a R 1 bilhão indicando a necessidade de uma ampla revisão da legislação e da estrutura de fiscalização deste imposto De forma semelhante há fortes indícios de que o potencial de arrecadação do IPTU fica muito aquém de seu potencial especialmente no caso de pequenos municípios35 Merecem igualmente atenção as baixíssimas alíquotas do imposto sobre heranças e doações ITCMD quando comparadas às vigentes em outros países A alíquota máxima do ITCMD é de 8 sendo que a maioria dos Estados adota uma alíquota máxima de 4 A elevação da alíquota do ITCMD e sua harmonização entre todos os Estados para evitar uma guerra fiscal na tributação das heranças deveria ser uma das prioridades na revisão da tributação do patrimônio no Brasil36 Por fim vale a pena fazer um rápido comentário sobre a tributação das grandes fortunas prevista na Constituição de 1988 mas nunca regulamentada A experiência internacional mostra que este é um tipo de tributação ineficiente tanto é que a maioria dos países que adotou esta tributação arrecada muito pouco e acabou encontrando formas de flexibilizála 34 Boa parte desta agenda especialmente no que diz respeito ao fechamento de brechas para o planejamento tributário e à tributação de lucros auferidos no exterior já vem sendo objeto de uma ampla discussão internacional conduzida pela OCDE no âmbito do projeto conhecido como BEPS base erosion and profit shifting Os resultados do BEPS podem ser uma importante referência para a revisão do modelo brasileiro de tributação do lucro 35 Ver a respeito Afonso JRR Amorim EA e da Nóbrega MAR IPTU no Brasil um diagnóstico abrangente publicação da FGV Projetos acessível em wwwfgvbrfgvprojetoslivros 36 Como o risco de planejamento tributário sucessório para as pessoas de renda mais elevada é grande talvez não seja possível adotar alíquotas de mais de 40 como ocorre em boa parte dos países da Europa e nos Estados Unidos mas certamente seria possível adotar uma alíquota marginal de 20 ou 25 14 Regimes simplificados de tributação Embora seja contraintuitivo o fato é que os regimes simplificados de tributação existentes no Brasil Lucro Presumido SIMPLES e o regime dos Microempreendores Individuais MEI têm efeitos muito negativos sobre a eficiência econômica e a justiça distributiva Em boa medida estes efeitos decorrem do enorme fosso que existe entre o custo tributário para as pequenas empresas e para as grandes empresas Este modelo cria um ambiente favorável à abertura de pequenos negócios mas que impede seu crescimento o que é desastroso para o desenvolvimento do país É muito comum ver empresas do SIMPLES que ao crescerem se dividem artificialmente em várias empresas de forma ineficiente e com alto custo com contador obrigações acessórias etc Para tentar resolver este problema a tendência tem sido ampliar recorrentemente os limites de enquadramento dos regimes simplificados mas esta é uma solução que não funciona além de implicar em elevada renúncia de receita Como se vê na Tabela 5 o limite de receita anual para enquadramento no SIMPLES R 36 milhões já é muito mais elevado que o vigente em outros países usualmente entre US 50 mil e US 150 mil por ano37 É verdade que há motivos para tratar diferenciadamente do ponto de vista tributário os pequenos negócios sendo o principal o fato de que competem com negócios informais O atual modelo de tributação das pequenas empresas no Brasil não é no entanto a forma adequada para tratar desta questão Uma das razões para as distorções provocadas pelo SIMPLES é o fato de que toda a tributação do SIMPLES é calculada sobre o faturamento O problema é que a capacidade econômica de um negócio não é proporcional ao faturamento e sim ao valor adicionado diferença entre a receita e o custo dos insumos utilizados ou produtos revendidos Para entender este ponto tomese o exemplo de dois pequenos comércios com mesmo faturamento R 15 mil por mês sujeitos à mesma alíquota do SIMPLES 4 e contam com um 37 No momento em que este texto estava sendo escrito a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei ampliando o limite de enquadramento no SIMPLES para R 72 milhões e R 144 milhões para a indústria O projeto dependia ainda de análise pelo Senado Limite em US Múltiplo do PIB per capita Brasil 1000000 1322 Argentina 48760 serviços ou 73140 comércio 536 serviços ou 805 comércio Colômbia 60136 97 México 148624 159 Canadá 121400 28 Reino Unido 114072 32 Estados Unidos 48000 10 Tabela 5 Limites de receita para os regimes simplificados de tributação para MPEs Dados para o Brasil consideram taxa de câmbio de R 360US e PIB e população de 2014 Para os demais países dados referemse a 2011 Fonte Banco Interamericano de Desenvolvimento Bacen e IBGE 15 empregado que custa R 1 milmês O primeiro comércio opera com margem de 20 o que significa que sua margem é de R 3 mil e a renda do proprietário deduzida a folha de salários é de R 2 mil Já o segundo comércio opera com margem de 50 tem margem de R 75 mil e a renda do proprietário é de R 65 mil É claro que há uma distorção na tributação destas empresas pois enquanto na primeira a tributação de R 60000 corresponde a 20 da margem e 30 da renda do proprietário na segunda a tributação corresponde a 8 da margem e 92 da renda do proprietário Para solucionar esta distorção que é grande seria necessário mudar a base de incidência do SIMPLES do faturamento para o valor adicionado e também definir as faixas de enquadramento com base no valor adicionado38 Obviamente seriam necessários ajustes tanto nas alíquotas como nas faixas de enquadramento do SIMPLES A principal objeção a esta mudança é que ela torna o sistema mais complexo mas a verdade é que não é muito difícil apurar a diferença entre a receita e o valor dos insumos utilizados ou mercadorias adquiridas para revenda39 Adicionalmente com a ampla adoção da nota fiscal eletrônica que nos próximos anos será também estendida ao varejo inclusive para os pequenos negócios o próprio fisco teria todas informações necessárias para o cálculo do imposto Esta mudança tornaria o SIMPLES um regime muito mais isonômico e com outras mudanças discutidas a seguir muito mais favorável ao crescimento das empresas No caso do exemplo dado acima a mudança provavelmente beneficiaria o comércio que opera com baixa margem mas aumentaria o custo para o comércio com alta margem Outro problema dos regimes simplificados tanto do SIMPLES quanto do Lucro Presumido é que o lucro distribuído pelas empresas não é tributado na pessoa física Isto acaba gerando uma grande iniquidade na tributação da renda pessoal pois sócios de empresas de alta renda acabam sendo muito menos tributados que empregados ou funcionários públicos com renda equivalente mesmo quando considerada a tributação da empresa40 Neste contexto propõese que os lucros distribuídos por empresas do SIMPLES e do Lucro Presumido sejam tributados na declaração de renda da pessoa física descontandose o imposto já recolhido na empresa para evitar bitributação41 38 Esta mudança é ainda mais importante para a incorporação do setor de serviços cujo valor adicionado é muito próximo à receita ao SIMPLES Algumas categorias de profissionais liberais advogados contadores corretores e fisioterapeutas foram incorporadas ao SIMPLES em tabelas muito favorecidas e efetivamente vem sendo muito mais beneficiados que pequenas empresas comerciais ou industriais com nível semelhante de faturamento 39 Pressupõese é claro que seria adotado um conceito amplo de insumo conforme discutido na seção sobre tributação de bens e serviços 40 Para ter o benefício de isenção na pessoa física do lucro integral da empresa é necessário apurar o lucro em balanço o que não deixa de ser irônico pois um dos motivos alegados para a adoção dos regimes simplificados é exatamente a simplificação das obrigações acessórias em particular a dispensa de elaboração do balanço 41 Uma questão que precisa ser desenvolvida diz respeito à forma de desconto do imposto já recolhido na empresa pois é preciso arbitrar que parcela deste montante pode ser atribuída à remuneração de seus sócios Embora não seja possível desenvolver esta questão em detalhe neste texto caso a tributação da empresa venha a incidir sobre o valor adicionado uma alternativa seria descontar na apuração do IRPF valor equivalente à multiplicação da alíquota incidente sobre o valor adicionado sobre a remuneração dos sócios seja esta auferida na forma de lucro distribuído seja de prólabore 16 Por fim uma das principais razões para a existência do SIMPLES é a elevada tributação da folha de salários que dificulta sobremaneira a formalização dos trabalhadores das pequenas empresas Neste contexto as mudanças propostas para a tributação da folha de salários em particular a desoneração da folha para os baixos rendimentos já resolveriam o problema pois a grande maioria dos empregados de empresas do SIMPLES é de baixa renda Neste contexto entendese que feita a reforma na tributação da folha de salários passaria a ser dispensável a concessão de um tratamento específico para as empresas do SIMPLES A Tabela 6 mostra o grau de distorção provocado pelos regimes simplificados de tributação No exemplo apresentado comparase o custo tributário para um advogado que atua como empregado de uma empresa e como sócio de uma empresa do Lucro Presumido e do SIMPLES Os direitos são exatamente os mesmos em todos os casos contribuição para a previdência pelo teto do salário de contribuição42 Como se vê os tributos incidentes sobre os serviços e o rendimento de um advogado que atue como empregado formal de uma empresa são duas vezes e meia superiores aos incidentes sobre o sócio de uma empresa do lucro presumido que preste o mesmo serviço e cinco vezes superiores aos incidentes sobre o sócio de uma empresa do SIMPLES Vale notar que a distorção não se aplica apenas no caso de pessoas de alta renda O regime do Microempreendedor Individual MEI cujo custo tributário é de menos de R 5000 por mês alcança algumas categorias de profissionais com rendimentos de até R 5 milmês valor que na tabela do IRPF já é tributado à alíquota de 275 É difícil justificar um regime ultra simplificado e praticamente sem custo para pessoas cujo rendimento ultrapassa largamente o rendimento médio dos trabalhadores do país Comentários finais Para facilitar a exposição em um espaço curto optouse neste artigo por analisar cada uma das principais categorias de tributos separadamente Resta discutir como a composição da carga tributária deveria ser alterada com as mudanças propostas assumindose que a carga tributária permaneça constante Como se vê no Gráfico 2 o Brasil possui uma arrecadação fortemente 42 Assumese como hipótese que a empresa no caso do advogado empregado não tem lucro L Presumido Simples A Receita 30000 30000 30000 B Tributos pagos pela empresa 11379 4899 1962 Tributos Exceto folha 4899 4899 1962 Folha exceto FGTS 4990 0 0 FGTS 1490 0 0 C Tributos pagos pela pessoa física 4285 1181 1181 INSS empregadoautônomo 571 1038 1038 IRPF2 3714 143 143 D Remuneração líquida ABC 14336 23920 26857 E Total tributos pagos BC 15664 6080 3143 Empregado1 Sócio de empresa Notas 1 Empregado de uma empresa do regime de lucro presumido 2 Considera desconto simplificado T 6 Tributação de um advogado que presta serviços no valor de R 30 milmês 17 concentrada em bens e serviços e na folha de salários quando comparado com outros países em desenvolvimento43 Pelas mudanças propostas haveria um aumento da tributação sobre a renda em função do fechamento de brechas que permitem que pessoas de alta renda não paguem IRPF bem como algum aumento dos tributos patrimoniais Num primeiro momento este aumento da arrecadação deveria ser utilizado para viabilizar a transição na tributação da folha através da desoneração dos rendimentos mais baixos até o valor do benefício assistencial e dos rendimentos que excedem o teto do salário de contribuição44 Num prazo mais longo à medida em que a renda do país cresça a tendência é que haja um aumento dos tributos sobre a renda cuja contrapartida deveria ser uma redução da tributação de bens e serviços Outra questão que merece ser discutida é se as mudanças no sistema tributário deveriam ser adotadas simultaneamente na forma de uma ampla reforma tributária ou se deveriam ser implementadas aos poucos no modelo que se convencionou chamar de reforma fatiada O ideal seria que todas as mudanças fossem aprovadas simultaneamente ainda que implementadas de forma progressiva pois os impactos das alterações propostas são grandes sendo necessário um período de transição para sua adoção completa Como já comentado a necessidade de uma transição longa é especialmente necessária no caso dos tributos sobre bens e serviços Pode parecer ingênuo propor uma reforma tributária ampla em um país que há décadas vem tentando implementar reformas parciais sem sucesso O atual momento de crise exige no entanto que se pense grande Se o Brasil quiser superar a crise atual e voltar a crescer de forma sustentada terá de enfrentar grandes problemas estruturais sejam os relativos à expansão dos gastos públicos sejam os relativos a distorções que impedem o crescimento da produtividade entre as quais a estrutura tributária objeto deste texto tem papel de destaque Para finalizar e para não parecer que este é um texto autista por não tratar de uma discussão tributária que vem tendo bastante destaque no período recente vale fazer alguns comentários 43 A tributação sobre bens e serviços no Brasil é elevada inclusive quando comparada à observada em países desenvolvidos Já a tributação sobre folha é mais elevada em países com amplos sistemas de proteção social como a França e a Alemanha 44 Não foi feito neste trabalho um cálculo preciso sobre qual o ganho com o aumento da tributação da renda resultante das medidas propostas nem qual o custo da desoneração da folha Caso os valores sejam muito diferentes o que é provável sugerese que o ajuste seja feito através de mudanças nas alíquotas dos tributos sobre bens e serviços Gráfico 2 Carga tributária por base de incidência do PIB Fonte OCDE e SRFB Dados relativos a 2012exceto México 2011 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Bens e Serv Folha Renda Propriedade Outros 18 sobre a CPMF A CPMF é um tributo cumulativo de má qualidade que só é eficiente com altas taxas nominais de juros Um bom sistema tributário não tem espaço para a CPMF Mas se for inevitável aumentar a arrecadação no curto prazo talvez uma CPMF transitória com alíquota progressivamente cadente seja menos distorciva que outros tributos que quando mal concebidos têm um enorme poder de atrapalhar o crescimento