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Direito do Consumidor

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO HENRIQUE BONACINA BONFANTI O FATO E O VÍCIO À LUZ DO DIREITO DO CONSUMIDOR A DISTINÇÃO DE FATO E VÍCIO DE UM PRODUTO OU SERVIÇO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR Porto Alegre 2023 HENRIQUE BONACINA BONFANTI O FATO E O VÍCIO À LUZ DO DIREITO DO CONSUMIDOR A DISTINÇÃO DE FATO E VÍCIO DE UM PRODUTO OU SERVIÇO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS Orientadora Porto Alegre 2023 Dedicatória Não se escreve a palavra dedicatória Elemento opcional Tratase de uma homenagem que o autor presta a alguém uma ou mais pessoas Deve ser escrita com a mesma fonte e espaçamento do trabalho AGRADECIMENTOS Elemento opcional Os agradecimentos devem ser dirigidos a quem realmente contribuiu de maneira relevante à elaboração do trabalho Epígrafe Não se escreve a palavra epígrafe Elemento opcional A epígrafe deve ser colocada após o agradecimento tratase de uma citação seguida de indicação de autoria relacionada à matéria tratada no corpo do trabalho Deve ser elaborada conforme a NBR 10520 Podem também constar epígrafes nas folhas ou páginas de abertura das seções primárias 1 A fonte da epígrafe deve sempre ser mencionada nas referências Citação direta até 3 linhas deve estar entre aspas e em parágrafo normal vá até a janela de Estilo selecione Parágrafo se tiver mais de 3 linhas deve ser recuada 4 cm da margem esquerda com fonte menor que 12 e espaçamento entre linhas simples vá até a janela de Estilo selecione Citação Longa 1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT NBR 10520 informação e documentação citações em documentos apresentação Rio de Janeiro 2002 p 7 RESUMO Elemento obrigatório O resumo deve ser iniciado com parágrafo em texto único e com espaçamento de 15 entre linhas sem enumeração de tópicos e deve conter entre 150 e 500 palavras Para maiores informações sobre resumos ver o item 2110 do Manual das normas da ABNT disponível no site da Biblioteca Palavraschave as palavraschave devem ser grafadas com as iniciais em minúscula com exceção dos substantivos próprios nomes científicos ou siglas e separadas entre si por ponto e vírgula e finalizadas por ponto LISTA DE SIGLAS CDC Código do Consumidor Elemento opcional Deve conter as siglas em ordem alfabética seguidas das palavras ou das expressões escritas por extenso Atenção As bordas da tabela devem ser removidas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO9 2 O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC11 21 A OBJETIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC15 22 A SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ENTRE FATOVÍCIO E PRODUTOSERVIÇO17 3 CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC20 31 A NOÇÃO GERAL DE DEFEITO E SEU PAPEL NA TUTELA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC23 32 DEMAIS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO SISTEMA DO CDC25 CONSIDERAÇÕES FINAIS28 REFERÊNCIAS28 9 1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXII estabelece a proteção e defesa do consumidor como um direito fundamental evidenciando a importância de assegurar a segurança a saúde e os direitos dos consumidores Nesse contexto surge a necessidade imperiosa de normas que garantam a efetiva proteção dos consumidores reequilibrando as relações de consumo e assegurando que estes não sejam prejudicados por práticas abusivas ou por produtos e serviços defeituosos A Constituição como base da ordem jurídica do país sinaliza a urgência de legislações que resguardem os consumidores e é nesse cenário que o Código de Defesa do Consumidor CDC se estabelece como uma das legislações mais relevantes delineando as diretrizes que regem a responsabilidade civil no contexto das relações de consumo O reconhecimento da necessidade de proteção aos consumidores encontra se intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana preceituado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Proteger o consumidor de práticas abusivas e garantir sua segurança e dignidade tornase uma diretriz que permeia não apenas o texto constitucional mas também embasa a criação e a aplicação do CDC A tutela dos consumidores é portanto um reflexo direto da concretização dos valores constitucionais refletindo a preocupação com a justiça social e a proteção dos indivíduos mais vulneráveis nas relações de mercado Dessa forma esse diploma legal surge como uma resposta direta à necessidade de regulamentar as relações de consumo abordando questões de responsabilidade civil de forma específica buscando equilibrar os interesses entre consumidores e fornecedores A legislação consagra a ideia de proteção integral ao consumidor conferindolhe não apenas direitos mas também estabelecendo regras claras que orientam os deveres dos fornecedores É importante ressaltar que a referida legislação infraconstitucional como instrumento normativo fundamentase no princípio da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor Reconhecese que o consumidor está em uma posição de desvantagem seja pela assimetria de informações pela dependência em relação ao fornecedor ou pela dificuldade em avaliar a qualidade e a segurança dos produtos e serviços Dessa maneira a responsabilidade civil prevista no código 10 busca equilibrar essa disparidade de poder conferindo amparo legal ao consumidor em situações de danos causados por produtos defeituosos ou serviços inadequados Ademais esse dispositivo não apenas estabelece a responsabilidade dos fornecedores mas também rege a proteção dos consumidores diante de práticas comerciais abusivas fraudulentas ou enganosas Isso inclui desde publicidades enganosas até cláusulas contratuais abusivas demonstrando a abrangência do código ao coibir ações que possam prejudicar o consumidor Assim a legislação contida no CDC desempenha um papel crucial na proteção dos consumidores estabelecendo parâmetros claros para responsabilizar os fornecedores em casos de falhas na prestação de serviços ou de produtos defeituosos O código em consonância com os princípios constitucionais busca reequilibrar as relações de consumo conferindo aos consumidores garantias legais efetivas e contribuindo para a justiça e equidade nessas interações comerciais Nesse contexto será realizada uma pesquisa de metodologia exploratória bibliográfica e documental que será fundamental para analisar os conceitos de fatovício e produtoserviço sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor CDC O estudo exploratório por meio de fontes bibliográficas e documentos legais será crucial para compreender a estrutura e as nuances desses conceitos assim como sua aplicação e interpretação no contexto da proteção do consumidor A investigação bibliográfica envolverá uma busca criteriosa por literatura especializada incluindo livros artigos acadêmicos teses e publicações jurídicas Por meio dessas fontes será possível aprofundar o conhecimento sobre a definição e a abordagem jurídica dos termos fatovício representando problemas ou defeitos no produto ou serviço e produtoserviço destacando a natureza as características e as responsabilidades associadas a cada um deles Além disso a pesquisa documental compreenderá a análise de documentos legais como leis regulamentos decisões judiciais e pareceres jurídicos que estão relacionados à aplicação do CDC em situações que envolvem os referidos institutos A consulta direta a esses documentos será crucial para entender como a legislação é aplicada na prática identificar precedentes judiciais e interpretar os fundamentos legais em casos específicos que envolvam a responsabilidade civil em situações de defeitos ou problemas em produtos ou serviços 11 Ademais a metodologia exploratória permitirá a identificação e análise de casos emblemáticos e relevantes nos quais a aplicação do CDC é fundamental para resolver litígios relacionados a fatovício e produtoserviço 2 O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC A responsabilidade civil é um conceito jurídico que define a obrigação de reparar danos causados a terceiros sejam danos materiais ou morais resultantes de ações omissões ou condutas que violem um dever legal ou contratual É um princípio que rege as relações sociais e legais estabelecendo que uma pessoa ou entidade é responsável por ressarcir ou compensar outra parte pelos prejuízos sofridos DINIZ 2022 A doutrina civilista classifica a responsabilidade civil como aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado de pessoa por quem ele responde ou de fato coisa ou animal sob sua guarda ou ainda de simples imposição legal DINIZ 2022 p 23 Essa responsabilidade pode ser dividida em dois tipos principais responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana A primeira diz respeito ao descumprimento de um contrato estabelecido entre as partes Se uma das partes não cumpre com as obrigações acordadas no contrato ela pode ser responsabilizada pelos danos causados à outra parte Por exemplo se alguém não entrega um produto conforme acordado em um contrato de compra e venda essa pessoa pode ser responsabilizada pelos prejuízos financeiros resultantes desse descumprimento DINIZ 2022 Com relação a responsabilidade civil extracontratual ou Aquiliana se refere à obrigação de reparar danos que não estão diretamente ligados a um contrato específico mas decorrem de atos ilícitos ou negligentes Por exemplo se alguém causa um acidente de trânsito por negligência essa pessoa pode ser responsabilizada pelos danos materiais eou morais causados às vítimas do acidente mesmo que não haja relação contratual direta entre as partes DINIZ 2022 O Código Civil estabelece a responsabilidade civil subjetiva como regra dependendo da verificação da culpa A normativa brasileira se apoia na teoria 12 subjetiva evidenciada no artigo 186 o qual fundamenta a obrigação de reparar o dano na presença de dolo e culpa BRASIL 2002 Quanto ao ato ilícito conforme definido no novo Código Civil brasileiro de 2002 nos artigos 186 e 187 qualquer ação ou omissão voluntária negligente ou imprudente que viole direitos e cause danos a outrem mesmo que sejam danos exclusivamente morais constitui um ato ilícito Além disso o titular de um direito também pode cometer um ato ilícito ao ultrapassar os limites impostos pelo fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes ao exercer esse direito BRASIL 2002 Para caracterizar a responsabilidade civil como subjetiva é necessário a presença de quatro elementos a conduta o dano a relação de causalidade e a comprovação do elemento anímico ou seja a culpa Entretanto a sociedade moderna devido aos avanços industriais tecnológicos e mudanças sociais muitas vezes não consegue provar a culpa exigida pela teoria subjetiva DINIZ 2022 Apesar da tendência do Código Civil em adotar a responsabilidade civil subjetiva há uma cláusula geral de responsabilidade objetiva no artigo 927 que estabelece a obrigação de reparar o dano causado por ato ilícito BRASIL 2002 A responsabilidade civil objetiva se caracteriza pela demonstração de três requisitos a conduta ação ou omissão o dano e o nexo de causalidade não exigindo a comprovação da culpa do agente Dessa forma essa responsabilidade se concentra na relação entre a conduta do agente o dano causado e o nexo causal sem a necessidade de provar a culpa DINIZ 2022 O seu surgimento se deu da seguinte forma Importantes trabalhos vieram então à luz na Itália na Bélgica e principalmente na França sustentando uma responsabilidade objetiva sem culpa baseada na chamada teoria do risco que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos e agora amplamente pelo Código Civil no parágrafo único do seu art 927 art 931 e outros como haveremos de ver CAVALIERI 2021 p 52 No contexto do Código de Defesa do Consumidor CDC a responsabilidade civil tem como objetivo principal proteger os consumidores estabelecendo que os fornecedores de produtos ou serviços são responsáveis pelos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos nos produtos ou na prestação de serviços independentemente de culpa Isso significa que a responsabilidade é objetiva bastando a comprovação do dano do defeito do produto ou serviço e do nexo 13 causal entre o defeito e o dano para que o fornecedor seja responsabilizado THEODORO JÚNIOR 2021 A legislação brasileira relativa à responsabilidade civil é amplamente baseada no CDC Lei nº 80781990 a qual oferece uma série de disposições que protegem os consumidores em casos de danos advindos de produtos ou serviços defeituosos O CDC estabelece que o fornecedor de bens ou serviços é responsável pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à qualidade quantidade segurança ou desempenho dos produtos ou serviços conforme definido nos artigos 12 a 14 BRASIL 1990 Vejase Art 12 O fabricante o produtor o construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto fabricação construção montagem fórmulas manipulação apresentação ou acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos Art 13 O comerciante é igualmente responsável nos termos do artigo anterior quando I o fabricante o construtor o produtor ou o importador não puderem ser identificados II o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante produtor construtor ou importador III não conservar adequadamente os produtos perecíveis Parágrafo único Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis segundo sua participação na causação do evento danoso Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos Artigo 12 do CDC estipula que o fabricante produtor construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem solidariamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes dos produtos Já o artigo 13 estabelece que o comerciante seja ele intermediário ou revendedor também é responsável solidário quando o fabricante construtor produtor ou importador não puderem ser identificados ou estiverem fora do país Por fim o artigo 14 afirma que a responsabilidade independe da existência de culpa ou seja é objetiva Para comprovar a responsabilidade é necessário o dano sofrido pelo consumidor o defeito do produto ou serviço e o nexo causal entre o defeito e o dano BRASIL 1990 14 Além disso o CDC estabelece que os fornecedores devem oferecer informações claras corretas e ostensivas sobre os produtos ou serviços oferecidos inclusive riscos à saúde e segurança dos consumidores BRASIL 1990 Art 18 Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor assim como por aqueles decorrentes da disparidade com a indicações constantes do recipiente da embalagem rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as variações decorrentes de sua natureza podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas Como premissas basilares o diploma legal em comento traz os princípios fundamentais estabelecendo a proteção dos consumidores por parte do Estado a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais a efetiva prevenção e reparação de danos acesso aos órgãos judiciários e administrativos facilitação da defesa de seus direitos inversão do ônus da prova em benefício do consumidor e igualdade nas relações de consumo como se vê Art 6º São direitos básicos do consumidor I a proteção da vida saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos II a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações III a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade características composição qualidade tributos incidentes e preço bem como sobre os riscos que apresentem IV a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva métodos comerciais coercitivos ou desleais bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços V a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas VI a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais coletivos e difusos VII o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais individuais coletivos ou difusos assegurada a proteção Jurídica administrativa e técnica aos necessitados VIII a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências X a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral XI a garantia de práticas de crédito responsável de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento preservado o mínimo existencial nos termos da regulamentação por meio da revisão e da repactuação da dívida entre outras medidas 15 XII a preservação do mínimo existencial nos termos da regulamentação na repactuação de dívidas e na concessão de crédito XIII a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida tal como por quilo por litro por metro ou por outra unidade conforme o caso A responsabilidade civil no CDC visa portanto proteger o consumidor de danos resultantes de práticas abusivas produtos defeituosos ou informações inadequadas É um sistema de proteção que busca equilibrar as relações de consumo garantindo que os consumidores tenham meios para buscar reparação diante de danos sofridos além de incentivar a oferta de produtos e serviços seguros e de qualidade no mercado 21 A OBJETIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC A responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor brasileiro é um conceito jurídico fundamental que implica na obrigação de reparar danos causados aos consumidores independentemente da existência de culpa por parte do fornecedor do produto ou serviço Sobre esse risco assevera Sérgio Cavalieri Filho 2021 p 227 todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independentemente de ter ou não agido com culpa Resolvese o problema na relação de causalidade dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável que é aquele que materialmente causou o dano O CDC estabelece a responsabilidade objetiva como um dos princípios fundamentais para proteger os consumidores garantindolhes meios para buscar reparação por danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos Cavalieri 2021 p 52 demonstra através de um exemplo didático o motivo pelo qual a objetividade é adotada Um navio transportando petróleo por exemplo sofre avarias em decorrência de forte tempestade e faz derramamento de óleo no mar terremoto seguido de ondas gigantes tsunami que invadem usina nuclear e causam dano nuclear e ambiental Embora a causa direta desses eventos tenha sido a força maior fenômenos irresistíveis da natureza o navio transportando petróleo foi a ocasião porque sem ele a tempestade não teria causado nenhum dano De igual modo se não existisse a usina nuclear o terremoto e o tsunami não teriam causado um acidente nuclear Nesses e outros casos a força maior isoladamente considerada não seria suficiente para causar o resultado lesivo o que evidencia que o exercício da atividade de risco foi pelo menos a ocasião 16 A responsabilidade civil de maneira objetiva com o propósito de garantir uma proteção mais eficaz aos consumidores em situações em que produtos ou serviços defeituosos causem danos Este sistema difere do modelo de responsabilidade subjetiva que requer a comprovação da culpa do fornecedor para que este seja responsabilizado O motivo principal para a adoção da responsabilidade civil objetiva no CDC é a proteção do consumidor priorizando a parte mais fraca da relação de consumo THEODORO JÚNIOR 2021 Aqui estão alguns motivos para essa escolha Tal responsabilidade objetiva simplifica a questão da culpa Em vez de o consumidor precisar provar que houve negligência ou culpa do fornecedor basta demonstrar o dano o defeito no produto ou serviço e o nexo causal entre o defeito e o dano Isso facilita a busca por reparação tornando o processo mais acessível e menos burocrático para os consumidores Em geral na relação entre consumidor e fornecedor se preconiza o equilíbrio de poderes na relação de consumo pois ela ajuda a equilibrar essa relação tendo em vista a hipossuficiência do consumidor e a superioridade do fornecedor A criação do Direito do Consumidor como uma disciplina autônoma tornou se necessária em razão da evidente superioridade do fornecedor frente ao consumidor em suas relações contratuais Se é certo que a sociedade de consumo trouxe benefícios em certos casos a posição do consumidor dentro desse modelo piorou em vez de melhorar na medida em que agora é o fornecedor fabricante produtor construtor importador ou comerciante que inegavelmente assume a posição de força na relação de consumo e por isso mesmo dita as regras Tendo em vista que o mercado não consegue por si mesmo superar esse desequilíbrio tornou se imprescindível a intervenção estatal consubstanciada na edição de um Código de Defesa do Consumidor THEODORO JÚNIOR 2021 p 03 Ao tornar os fornecedores responsáveis de forma objetiva há um estímulo para que ofereçam produtos e serviços de melhor qualidade e mais seguros uma vez que são diretamente responsáveis por quaisquer danos que possam causar aos consumidores Isso incentiva práticas mais cuidadosas na fabricação distribuição e prestação de serviços Ademais agiliza o processo de reparação tornando mais efetiva a proteção dos consumidores em situações de danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos THEODORO JÚNIOR 2021 De acordo com o CDC a responsabilidade objetiva está claramente definida nos artigos 12 14 e 18 Vale ressaltar que a responsabilidade objetiva se baseia em três pilares dano O consumidor deve comprovar que sofreu um dano decorrente do 17 produto ou serviço adquirido defeito Deve ser comprovado que o produto ou serviço possui um defeito que o torne inadequado ou perigoso para o consumo nexo causal Deve existir uma relação direta entre o defeito e o dano sofrido pelo consumidor Sobre o nexo é importante destacar Mesmo na responsabilidade objetiva é indispensável o nexo causal Esta é a regra universal quase absoluta só excepcionada nos raríssimos casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral o que não ocorre no código do consumidor Inexistindo relação de causa e efeito ocorre a exoneração da responsabilidade conforme enfatizado em várias oportunidades Essa é a razão das regras dos arts 12 3º e 14 3º do Código do consumidor porquanto em todas as hipóteses de exclusão de responsabilidade ali mencionadas o fundamento é a inexistência do nexo causal CAVALIERI 2021 p 252 Um exemplo prático de responsabilidade objetiva pode ser um consumidor que adquire um eletrodoméstico que após um curto período de uso apresenta um defeito que causa um incêndio em sua residência Se ficar comprovado que o produto estava com um defeito de fabricação que provocou o incêndio o consumidor terá direito a ser indenizado pelo dano causado mesmo que o fabricante não tenha agido com negligência uma vez que a responsabilidade é objetiva conforme previsto nos artigos citados do CDC 22 A SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ENTRE FATOVÍCIO E PRODUTOSERVIÇO O sistema de FatoVício e ProdutoServiço no Código de Defesa do Consumidor estabelece uma distinção importante entre duas situações o fato do produto ou do serviço e o vício do produto ou do serviço Essa diferenciação é crucial para compreender as responsabilidades dos fornecedores em relação a produtos ou serviços defeituosos Para contextualizar entendese com defeito Buscando facilitar a caracterização do defeito o 1º do art 12 do Código de Defesa do Consumidor diz que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera Do ponto de vista legal portanto produto defeituoso é aquele que não oferece a segurança legitimamente esperada ou esperável Quem lava a cabeça com um xampu pode legitimamente esperar que ele não fará mal algum caso atinja seus olhos Quem leva inadvertidamente uma caneta à boca também pode esperar não ser intoxicado por ela É legítimo a mãe esperar que nenhum mal causará ao seu filho o brinquedo de pelúcia que lhe comprou ainda que ele o leve à boca A expectativa de segurança é legítima quando confrontada com o estágio técnico e as condições específicas do tipo do produto ou do serviço mostrase plausível razoável aceitável Se o produto 18 não corresponder a essa segurança legitimamente esperada será defeituoso 2012 p 243 O fato do produto referese a problemas inerentes ao produto que causam danos ao consumidor Esses problemas podem surgir devido a falhas na fabricação no projeto na manipulação na apresentação ou na embalagem do produto O Artigo 12 do CDC estabelece a responsabilidade do fabricante construtor produtor ou importador pelos danos causados por esses defeitos independentemente de culpa Isso significa que se um produto causar danos devido a um defeito o fabricante ou outros agentes citados podem ser responsabilizados TARTUCE NEVES 2022 Por exemplo se um celular superaquece e causa queimaduras devido a um defeito de fabricação na bateria o fabricante pode ser responsabilizado pelo fato do produto A esse respeito é importante destacar no fato do produto ou defeito estão presentes outras consequências além do próprio produto outros danos suportados pelo consumidor a gerar a responsabilidade objetiva direta e imediata do fabricante art 12 do CDC Além disso há a responsabilidade subsidiária ou mediata do comerciante ou de quem o substitua art 13 da Lei 80781990 TARTUCE NEVES 2022 p 329 No que tange ao fato do serviço diz respeito a problemas causados por falhas na prestação de um serviço O Artigo 14 do CDC estipula a responsabilidade dos prestadores de serviços por danos decorrentes de falhas na prestação dos serviços Se um serviço for mal executado e causar danos o prestador de serviço pode ser responsabilizado Por exemplo se uma empresa de manutenção de elevadores realiza um serviço de forma inadequada e isso leva a um acidente o prestador do serviço pode ser responsabilizado pelo fato do serviço Vejamos a doutrina pátria TARTUCE NEVES 2022 p 329 Assim como ocorre com o produto o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar levandose em consideração as circunstâncias relevantes entre as quais o modo de seu fornecimento o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido art 14 1º da Lei 80781990 Valem os mesmos comentários feitos em relação às modalidades de defeitos no produto na linha das lições de Bruno Miragem antes expostas p 145 Por outra via estabelece o 2º do art 14 do CDC que o serviço assim como ocorre com o produto não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas Dessa forma se uma empresa passa a utilizar uma nova técnica para desentupimento isso não quer dizer que há o reconhecimento de que as medidas anteriores eram ruins ou defeituosas Já o vício do produto se refere a problemas que tornam um produto inadequado para o uso ou diminuem seu valor Esses vícios podem estar 19 relacionados à qualidade à quantidade à durabilidade ou a qualquer outra característica que torne o produto impróprio ou inseguro para o consumo O Artigo 18 do CDC estabelece que o fornecedor é responsável por corrigir ou substituir produtos com vícios Por exemplo se um consumidor compra um refrigerador que não mantém a temperatura adequada há um vício de qualidade e o fornecedor deve corrigir ou substituir o produto A esse respeito destacase o entendimento dos nobres consumeristas TARTUCE NEVES 2022 p 300 De início há a responsabilidade por vício do produto art 18 da Lei 80781990 presente quando existe um problema oculto ou aparente no bem de consumo que o torna impróprio para uso ou diminui o seu valor tido como um vício por inadequação Em casos tais repisese não há repercussões fora do produto não se podendo falar em responsabilização por outros danos materiais além do valor da coisa morais ou estéticos Em suma lembrese que no vício o problema permanece no produto não rompendo os seus limites Por fim o vício do serviço é similar ao vício do produto mas referese a problemas na execução ou prestação de um serviço Isso pode incluir desde falhas na execução do serviço até problemas de qualidade e durabilidade O CDC nos artigos 20 e 21 trata de vícios em serviços como vícios de quantidade ou vícios ocultos estipulando os direitos do consumidor em tais situações Por exemplo se um consumidor contrata um serviço de pintura residencial e a tinta descasca após uma semana é considerado um vício do serviço Além disso destacase algumas particularidades nesses casos Iniciandose pelo vício do serviço aplicase a regra de solidariedade entre todos os envolvidos com a prestação Em outras palavras se um serviço contratado tiver sido mal prestado responderão todos os envolvidos Nos termos do 2 o do art 20 do CDC são considerados como impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade Em casos tais enuncia o caput do mesmo preceito legal que o prestador de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária TARTUCE NEVES 2022 p 342 A distinção entre fato e vício é essencial para determinar as responsabilidades dos fornecedores e proteger os direitos dos consumidores O CDC estabelece as diretrizes para lidar com essas situações assegurando que os consumidores tenham direito a reparação ou correção nos casos de produtos ou serviços com defeitos ou problemas que os tornem inadequados para o uso 20 3 CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC O Código de Defesa do Consumidor no Brasil apresenta características singulares no que diz respeito ao sistema de responsabilidade civil Essas particularidades visam proteger e equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores estabelecendo padrões de responsabilidade específicos que diferem de outros sistemas legais A solidariedade na responsabilidade conforme estabelecida no CDC significa que todos os fornecedores envolvidos na cadeia de fornecimento de um produto ou serviço são responsáveis solidariamente pelos danos causados ao consumidor Isso inclui fabricantes importadores distribuidores vendedores e prestadores de serviços Se um consumidor sofre algum dano em decorrência de um produto ou serviço defeituoso ele tem o direito de acionar qualquer um dos fornecedores envolvidos na cadeia de fornecimento para obter reparação CAVALIERI FILHO 2022 Esse princípio de solidariedade pode ser referenciado nos artigos 7º e 25 do CDC O Artigo 7º parágrafo único estipula que caso o produto ou serviço cause danos ao consumidor todos os fornecedores respondem solidariamente Já o Artigo 25 prevê que todos os fornecedores respondem solidariamente perante o consumidor independentemente de terem participado diretamente da causação do dano BRASIL 1990 Cabe citar crítica da doutrina acerca da aplicação desse instituto tão relevante na defesa do consumidor TARTUCE NEVES 2022 p 294 Pois bem como visto quatro são as hipóteses de responsabilidade civil previstas pelo Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade pelo vício do produto b responsabilidade pelo fato do produto ou defeito c responsabilidade pelo vício do serviço e d responsabilidade pelo fato do serviço ou defeito Em três delas há a solução da solidariedade respondendo todos os envolvidos com o fornecimento ou a prestação Em uma delas a solidariedade não se faz presente A diferenciação não é claramente difundida perante o público jurídico nacional Tanto isso é verdade que muitos erros são cometidos na prática sendo ouvidos com frequência nas salas de aula Imaginemos um cenário em que um consumidor compra um medicamento que devido a um erro na produção causa reações adversas Se o consumidor sofre danos em decorrência dessas reações ele pode acionar tanto a farmácia que 21 vendeu o medicamento quanto o fabricante Ambos são solidariamente responsáveis pelos danos causados mesmo que a farmácia não tenha relação direta com o problema de fabricação Para exemplificar melhor segue decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça Recurso especial Sistema financeiro da habitação Vícios na construção de imóvel cuja obra foi financiada Legitimidade do agente financeiro 1 Em se tratando de empreendimento de natureza popular destinado a mutuários de baixa renda como na hipótese em julgamento o agente financeiro é parte legítima para responder solidariamente por vícios na construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro da Habitação Precedentes 2 Ressalva quanto à fundamentação do votovista no sentido de que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria da mera circunstância de haver financiado a obra e nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH mas do fato de ter a CEF provido o empreendimento elaborado o projeto com todas as especificações escolhido a construtora e o negociado diretamente dentro de programa de habitação popular 3 Recurso especial improvido STJ REsp 738071SC Rel Min Luis Felipe Salomão Quarta Turma j 09082011 DJe 09122011 Contudo cabe ressaltar que a mesma Corte de Justiça decidiu de forma diametralmente oposta em caso semelhante o que causa insegurança jurídica Por certo que o banco não está obrigado a responder por defeito de produto que não forneceu tão somente porque o consumidor adquiriuo com valores obtidos por meio de financiamento bancário Se o banco fornece dinheiro o consumidor é livre para escolher o produto que lhe aprouver No caso de o bem apresentar defeito o comprador ainda continua devedor da instituição financeira Não há relação de acessoriedade entre o contrato de compra e venda de bem de consumo e o de financiamento que propicia numerário ao consumidor para aquisição de bem que pelo registro do contrato de alienação fiduciária tem sua propriedade transferida para o credor STJ REsp 1014547DF Rel Min João Otávio de Noronha Quarta Turma j 25082009 DJe 07122009 Ainda nessa toada de singularidade dos demais sistemas há a inversão do ônus da prova prevista no CDC que é uma ferramenta que desloca a responsabilidade da comprovação de um fato do consumidor para o fornecedor em determinadas situações Quando o consumidor alega um defeito no produto ou serviço cabe ao fornecedor provar que não há defeito ou que a responsabilidade pelo dano não é sua Essa inversão está embasada no Artigo 6º inciso VIII do CDC estabelece que a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências BRASIL 1990 Este artigo garante a inversão do ônus da prova em 22 benefício do consumidor proporcionandolhe maior proteção e facilitando o acesso à reparação quando houver alegações de defeitos em produtos ou serviços TARTUCE NEVES 2022 p 294 Na inversão judicial caberá ao juiz analisar no caso concreto o preenchimento dos requisitos legais como ocorre no art 6º VIII do CDC que prevê a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor sempre que este for hipossuficiente ou suas alegações forem verossímeis sendo aplicável inclusive nas ações coletivas consumeristas Tratase portanto de inversão ope iudicis e não ope legis É evidente que não basta nesse caso a relação consumerista cabendo ao juiz analisar no caso concreto o preenchimento dos requisitos exigidos por lei Considere a situação em que um consumidor adquire um eletrodoméstico e após um curto período de uso o aparelho apresenta defeitos O consumidor entra com uma ação alegando que o produto é defeituoso De acordo com a inversão do ônus da prova é incumbência do fabricante ou vendedor provar que o produto não é defeituoso ou que o problema não está relacionado à fabricação mas sim a um mau uso por parte do consumidor Sobre a aplicação da inversão do ônus da prova o STJ consolidou entendimento Agravo regimental no agravo de instrumento Tutela antecipada Verificação da presença dos requisitos Art 273 do CPC Reexame de provas Impossibilidade Súmula 7STJ Inversão do ônus probatório Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ Divergência jurisprudencial Ausência de similitude fática 1 É vedado em sede de recurso especial o exame da presença dos pressupostos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela previstos no art 273 do Código de Processo Civil porquanto tal demandaria a incursão nos elementos fáticoprobatórios dos autos Incidência da Súmula 7 do STJ 2 O tema relativo à inversão do ônus da prova foi decidido pelo acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência do STJ sobre o tema no sentido de que a referida inversão não decorre de modo automático demandando a verificação em cada caso da presença dos requisitos autorizadores a saber verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor 3 O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional exige a semelhança entre as circunstâncias fáticas delineadas no acórdão recorrido e as previstas no aresto paradigma situação inexistente no presente caso 4 Agravo regimental a que se nega provimento STJ AgRg no Ag 1300186RS 4ª Turma Rel Min Raul Araújo j 26042011 DJe 10052011 No caso acima a Corte Superior estabeleceu que preenchidos os requisitos de hipossuficiência da parte assim como a verossimilhança das alegações o juízo tem o permissivo legal para proceder com a inversão do ônus da prova 23 31 A NOÇÃO GERAL DE DEFEITO E SEU PAPEL NA TUTELA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC O conceito de defeito abrange uma gama de situações em que um produto ou serviço não está em conformidade com as expectativas razoáveis do consumidor e sua compreensão é crucial para a proteção dos direitos do consumidor No CDC o defeito é um elemento central para a responsabilização dos fornecedores garantindo a segurança e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos no mercado De acordo com o CDC o defeito é abordado em diferentes modalidades O Artigo 12 trata dos defeitos de fabricação projeto fórmula manipulação apresentação ou embalagem dos produtos BRASIL 1990 Como se vê da obra de Bruno Miragem 2010 ele elenca três modalidades de defeitos que podem ser retiradas desse comando legal Defeitos de projeto ou concepção aqueles que atingem a própria apresentação ou essência do produto que gera danos independentemente de qualquer fator externo Exemplo citado pelo jurista é o do remédio talidomida cujo uso em pacientes grávidas para minorar efeitos de indisposição deu causa a deformações físicas da criança43 Como exemplo podem ser invocados os fogos de artifício e o caso do cigarro tema que ainda será aprofundado no presente capítulo Defeitos de execução produção ou fabricação relativos a falhas do dever de segurança quando da colocação do produto ou serviço no meio de consumo A título de ilustração citese a hipótese em que o veículo é comercializado com um problema no seu cinto de segurança sendo necessário convocar os consumidores para o reparo recall Citese ainda a situação concreta julgada recentemente pelo STJ em que se reconheceu o fato do produto pois o air bag do veículo não funcionou agravando o dano quando do acidente Consta da ementa do julgado que cita esta obra considerase o produto como defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele se espera levandose em consideração a época e o modo em que foi prestado e no que mais importa para a espécie os riscos inerentes a sua regular utilização O fato da utilização do air bag como mecanismo de segurança de periculosidade inerente não autoriza que as montadoras de veículos se eximam da responsabilidade em ressarcir danos fora da normalidade do uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam art 12 1º II do CDC STJ REsp 1656614SC Terceira Turma Rel Min Nancy Andrighi j 23052017 DJe 02062017 Defeitos de informação ou comercialização segundo Bruno Miragem aqueles decorrentes da apresentação ou informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição ou riscos44 Para concretizar imaginese a hipótese em que um brinquedo foi comercializado como dirigido para uma margem de idade inadequada podendo causar danos às crianças Já o Artigo 14 aborda os defeitos nos serviços prestados enquanto o Artigo 18 trata dos vícios de qualidade ou quantidade nos produtos ou serviços O defeito 24 pode se manifestar de várias formas como na inadequação falta de segurança durabilidade qualidade quantidade ou mesmo em informações insuficientes sobre o produto ou serviço BRASIL 1990 A lei estabelece que um produto ou serviço é considerado defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera levando em consideração fatores como a apresentação uso e os riscos razoáveis que dele se esperam Isso implica que um produto ou serviço pode ser considerado defeituoso se não oferecer a segurança que o consumidor tem o direito de esperar CAVALIERI FILHO 2022 O CDC prescreve que um produto defeituoso é aquele que oferece riscos à saúde ou segurança do consumidor além do razoavelmente esperado BRASIL 1990 Além disso o CDC estabelece que há a possibilidade de um produto ser considerado defeituoso mesmo que ele tenha sido lançado no mercado sem nenhum problema aparente mas posteriormente se descubra um defeito que torne o produto inseguro ou inadequado ao consumo Essa é uma característica relevante da legislação proporcionando aos consumidores um prazo razoável após a descoberta do defeito para acionar o fornecedor e buscar reparação conforme se extrai da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Direito do consumidor Vício do produto Celular Prazo de garantia contratual expirado Defeito surgido dois meses após Conceito de vida útil e obsolescência programada Condicionamento do conserto a depósito de valor considerável Dever de devolução do preço pago Complexidade da causa inexistente Dano moral não configurado Recurso provido em parte TJRS Recurso Cível n 00013348320178219000 Capão da Canoa Terceira Turma Recursal Cível Rel Des Cleber Augusto Tonial j 09032017 DJERS 15032017 A tutela da responsabilidade civil no CDC se baseia fortemente na noção de defeito sendo essencial para a garantia dos direitos dos consumidores O código estabelece uma série de direitos em casos de produtos ou serviços defeituosos como a possibilidade de reparação substituição do produto ou serviço ou a restituição do valor pago pelo consumidor A legislação procura por meio dessa abordagem promover um ambiente de consumo mais seguro e justo garantindo que os consumidores tenham recursos efetivos para lidar com produtos ou serviços que não atendam às expectativas razoáveis de qualidade e segurança CAVALIERI FILHO 2022 25 É importante ressaltar que o CDC se preocupa em oferecer proteção ao consumidor não apenas em relação aos danos causados por produtos ou serviços defeituosos mas também em relação à prevenção de possíveis danos incentivando a oferta de produtos seguros e de qualidade Isso implica não somente na reparação dos danos já ocorridos mas na antecipação de situações de risco estabelecendo a necessidade de informação clara e adequada sobre os produtos ou serviços para prevenir possíveis incidentes CAVALIERI FILHO 2022 32 DEMAIS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO SISTEMA DO CDC A excludente de responsabilidade civil é um conceito legal que se refere a circunstâncias específicas nas quais uma pessoa ou entidade pode ser isenta ou desobrigada de responder por um dano causado a terceiros Em termos simples é uma condição que exclui ou limita a responsabilidade de alguém em relação a um prejuízo ou dano que tenha sido causado a outra pessoa TARTUCE NEVES 2022 No contexto do Código de Defesa do Consumidor as excludentes de responsabilidade civil desempenham um papel relevante para os fornecedores pois estabelecem situações em que eles não são responsabilizados pelos danos causados aos consumidores Existem diversas modalidades de excludentes de responsabilidade no CDC e é importante entender cada uma delas para uma análise abrangente Dentre as modalidades mais significativas destacase a culpa exclusiva do consumidor estabelecendo que a responsabilidade do fornecedor pode ser excluída se o dano for causado exclusivamente por culpa do consumidor ou de terceiros Isso significa que se o consumidor agir de forma negligente imprudente ou de qualquer maneira que contribua para o dano o fornecedor não será responsabilizado O Artigo 12 3º III aborda essa excludente BRASIL 1990 Denari 2007 p 120 leciona sobre esse aspecto incluindo o entendimento sobre a culpa concorrente uma vez que o CDC apenas alçou à categoria de causa excludente a culpa exclusiva da vítima silenciandose quanto à culpa concorrente não se podendo dar interpretação ampliativa à norma concluímos que caso haja atuação culposa de ambos os lados consumidor vítima fornecedor 26 agente causador do dano deverá a vítima ser integralmente ressarcida sem mitigação do quantum condenatório Contudo existe entendimento doutrinário contrário Notase que as hipóteses previstas como excludentes da responsabilidade atuam diretamente sobre o nexo de causalidade rompendoo e assim afastando o dever de indenizar Diversa é a situação de eventual concorrência entre o comportamento da vítima ou de terceiro e o defeito do produto Nesse caso não há propriamente exclusão da responsabilidade mas apenas sua mitigação já que o nexo causal persiste no que se refere à parte do dano causada de fato pelo defeito Assim havendo concorrência de causas na hipótese de fato do produto ou do serviço a responsabilidade do fornecedor apesar de ainda existir deverá ser mitigada TEPEDINO 2021 p 250 Ainda no inciso III 3º do art 12 é abordada outra excludente que é a culpa exclusiva de terceiro TARTUCE NEVES 2022 p 412 Apesar de a lei mencionar a culpa exclusiva de terceiro seria melhor utilizar o termo fato exclusivo de terceiro uma vez que a responsabilidade civil pelo CDC em regra independe de culpa o que pode gerar a confusão Na verdade a expressão fato exclusivo é concebida em sentido amplo a englobar a culpa desrespeito a um dever preexistente e o risco assumido por outrem conduta acima da situação de normalidade uma iminência de perigo que pode causar dano Muitos acórdãos acertadamente preferem a expressão ampla por todos TJSP Apelação 90592930620048260000 Acórdão 4978699 Bauru Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado Rel Des Rômolo Russo j 24022011 DJESP 23032011 TJRS Recurso Cível 71002709756 Porto Alegre Primeira Turma Recursal Cível Rel Des Leandro Raul Klippel j 26082010 DJERS 02092010 TJRJ Apelação 200900105440 Primeira Câmara Cível Rel Des Camilo Ribeiro Ruliere j 27052009 DORJ 14072009 p 55 e TJPR Apelação Cível 04734974 Foz do Iguaçu Décima Câmara Cível Rel Des Marcos de Luca Fanchin DJPR 08082008 p 113 Deve ficar claro que esse terceiro deve ser pessoa totalmente estranha à relação jurídica estabelecida Se houver qualquer relação de confiança ou de pressuposição entre tal terceiro e o fornecedor ou prestador o último responderá Anotese que nos casos envolvendo a oferta ou publicidade há norma específica a respeito da relação de pressuposição dos envolvidos com a publicidade no art 34 da Lei 80781990 O CDC também reconhece o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade O caso fortuito referese a eventos imprevisíveis e inevitáveis enquanto a força maior envolve eventos que estão fora do controle das partes envolvidas Se um dano ocorrer devido a um desses fatores o fornecedor pode ser isento de responsabilidade conforme o Artigo 12 parágrafo 3º inciso I e o Artigo 14 parágrafo 3º inciso I Nesses casos Cavalieri Filho 2021 p 113 defende que estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e por isso inevitável se o evento for irresistível ainda que previsível por se tratar de fato superior às forças do agente como normalmente são os fatos da Natureza tempestades enchentes furacões 27 etc estaremos em face da força maior como o próprio nome o diz É o act of God no dizer dos ingleses em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitálo ainda que previsível Em certos casos o CDC admite excludente de responsabilidade baseada na ausência de defeito Tal concepção parece óbvia e está elencada no artigo 12 parágrafo 3º inciso II Contudo Tartuce e Neves 2020 p 390 A título de exemplificação cumpre destacar que muitos julgados apontam a ausência de defeito como excludente da responsabilidade civil das empresas de cigarro pois um produto perigoso não é defeituoso por todos TJRJ Apelação Cível 35312002 Rio de Janeiro Sexta Câmara Cível Rel Des Luiz Zveiter j 21052002 O tema ainda será aprofundado no presente capítulo Todavia já fica clara a minha opinião doutrinária no sentido de que há no cigarro um defeito na sua própria concepção surgindo daí o dever de reparar das empresas tabagistas Outra excludente relevante é a prescrição que estabelece prazos para que os consumidores exerçam seus direitos em casos de produtos ou serviços defeituosos Se o consumidor não ajuizar ação dentro do prazo estabelecido o fornecedor não será responsabilizado O prazo de prescrição varia de acordo com o tipo de dano e pode ser encontrado no art 27 do CDC devendo se atentar ao seguinte É antiga a máxima jurídica segundo a qual o exercício de um direito não pode ficar pendente de forma indefinida no tempo O titular deve exercêlo dentro de um determinado prazo pois o direito não socorre aqueles que dormem Com fundamento na pacificação social na certeza e na segurança da ordem jurídica é que surge a matéria da prescrição e da decadência Podese ainda afirmar que a prescrição e a decadência estão fundadas em uma espécie de boafé do próprio legislador ou do sistema jurídico TARTUCE NEVES 2020 p 241 Essas excludentes de responsabilidade são cruciais para garantir a justiça nas relações de consumo Elas reconhecem que nem todo dano é necessariamente atribuível ao fornecedor e que fatores externos comportamento do consumidor ou circunstâncias imprevisíveis podem desempenhar um papel na ocorrência de danos Portanto as excludentes visam equilibrar os interesses das partes envolvidas e promover uma abordagem justa na responsabilização dos fornecedores TARTUCE NEVES 2020 É importante observar que embora o CDC inclua essas excludentes de responsabilidade ele mantém um foco na proteção dos consumidores de modo que essas defesas não sejam utilizadas indevidamente para prejudicar os direitos dos consumidores A interpretação e aplicação das excludentes deve ser feita de maneira equilibrada considerando as circunstâncias específicas de cada caso 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão dessa distinção é essencial tanto para os consumidores que precisam conhecer seus direitos e saber como exercêlos adequadamente quanto para os fornecedores que devem cumprir com suas obrigações legais e garantir a qualidade de seus produtos e serviços No entanto a distinção entre fato e vício nem sempre é clara e pode gerar dúvidas e controvérsias na prática Essa ambiguidade pode levar a interpretações equivocadas e a dificuldades na resolução de conflitos entre consumidores e fornecedores REFERÊNCIAS BENJAMIN Antonio Herman v MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe Manual de direito do consumidor Editora Revista dos Tribunais 2008 BESSA Leonardo Roscoe Responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor Revista Jurídica da Presidência v 20 n 120 p 2043 2018 BRASIL Código Civil Lei 1040602 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis2002L10406htm BRASIL Código Civil Lei 307116 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL3071htm BRASIL Código de Defesa do Consumidor Lei 807890 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL8078htm BRASIL Código de Processo Civil Lei 5086973 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL5869compiladahtm BRASIL Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 738071SC Rel Min Luis Felipe Salomão Quarta Turma j 09082011 DJe 09122011 BRASIL Superior Tribunal de Justiça STJ REsp 1014547DF Rel Min João Otávio de Noronha Quarta Turma j 25082009 DJe 07122009 BRASIL Superior Tribunal de Justiça STJ AgRg no Ag 1300186RS 4ª Turma Rel Min Raul Araújo j 26042011 DJe 10052011 CAVALIERI FILHO Sergio Programa de Direito do Consumidor Barueri Atlas 2022 Ebook ISBN 9786559772766 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrbooks9786559772766 Acesso em 08 nov 2023 29 CAVALIERI FILHO Sérgio Responsabilidade civil no novo Código Civil Revista de Direito do Consumidor v 48 2003 CORREA Francisco Carvalho O consumidor e a responsabilidade civil pelo fato e vício do produto e do serviço REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS v 4 n 2 2015 DE ALMEIDA João Batista Manual de direito do consumidor Saraiva Educação SA 2017 DE ALMEIDA João Batista Manual de direito do consumidor Saraiva Educação SA 2017 DENARI Zelmo e outros Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto 9 ed Rio de Janeiro Forense 2007 GIANCOLI Bruno Pandori ARAUJO JÚNIOR Marco Antonio Direito do consumidor Elementos do Direito v 16 2012 JUNIOR Gilberto RODRIGUES Daniel FATO E VÍCIO DO PRODUTO RESPONSABILIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ETIC ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICAISSN 21768498 v 9 n 9 2013 KAHLMEYERMERTENS Roberto S Como elaborar projetos de pesquisa linguagem e método FGV Editora 2007 LÔBO Paulo Luiz Netto Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço1ª ed Brasília Brasília Jurídica 1996 LUNA Sergio Vasconcelos de Planejamento de pesquisa uma introdução In Planejamento de pesquisa uma introdução 1999 p 107107 MARINONI Luiz Guilherme A tutela específica do consumidor Revista de Direito do consumidor v 50 p 71116 2004 MIRAGEM Bruno Curso de Direito do Consumidor 2 ed São Paulo RT 2010 p 366370 NORRIS Roberto Responsabilidade Civil do Fabricante pelo Fato do Produto1ª ed Rio de Janeiro Forense 1996 PASQUALOTTO Adalberto Defeito do produto algumas considerações em torno da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça civilistica com v 9 n 2 p 123 2020 PÜSCHEL Flavia Portella MARCHI Eduardo Cesar Silveira Vita A responsabilidade por fato do produto no Código de Defesa do Consumidor 2004 REINIG Guilherme Henrique Lima A responsabilidade do produtor por defeitos originários do âmbito de atividade do comerciante Revista de Direito do Consumidor v 89 p 109139 2013 30 ROLLO Arthur Luis Mendonça Responsabilidade Civil e Práticas Abusivas nasRelações de Consumo dano moral e punitive damages nas relações de consumodistinções inconstitucionais entre consumidores São Paulo Atlas 2011 SCAFF Fernando Campos A responsabilidade do empresário pelo fato do produto e do serviço do Código Civil ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor Rev Trib v 737 1997 STANCHI FILHO GILBERTO MAGNO A Responsabilidade pelo Fato e Vício do Produto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor TARTUCE Flávio NEVES Daniel Amorim Assumpção Manual de direito do consumidor direito material e processual Grupo GenMétodo 2020 TEPEDINO Gustavo Fundamentos do Direito Civil Responsabilidade Civil Vol 4 Rio de Janeiro Forense 2021 Ebook ISBN 9788530992453 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrbooks9788530992453 Acesso em 08 nov 2023 TEPEDINO Gustavo Temas de direito civil Rio de Janeiro Renovar 1999 THEODORO JR Humberto Direitos do Consumidor Rio de Janeiro Forense 2021 Ebook ISBN 9788530992941 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrbooks9788530992941 Acesso em 08 nov 2023 TJRS Recurso Cível n 00013348320178219000 Rio Grande do Sul Capão da Canoa Terceira Turma Recursal Cível Rel Des Cleber Augusto Tonial j 09032017 DJERS 15032017 TUCCI Cibele Pinheiro Marçal Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo v 11 2005 UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO HENRIQUE BONACINA BONFANTI O FATO E O VÍCIO À LUZ DO DIREITO DO CONSUMIDOR A DISTINÇÃO DE FATO E VÍCIO DE UM PRODUTO OU SERVIÇO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR Porto Alegre 2023 HENRIQUE BONACINA BONFANTI O FATO E O VÍCIO À LUZ DO DIREITO DO CONSUMIDOR A DISTINÇÃO DE FATO E VÍCIO DE UM PRODUTO OU SERVIÇO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS Orientadora Porto Alegre 2023 Dedicatória Não se escreve a palavra dedicatória Elemento opcional Tratase de uma homenagem que o autor presta a alguém uma ou mais pessoas Deve ser escrita com a mesma fonte e espaçamento do trabalho AGRADECIMENTOS Elemento opcional Os agradecimentos devem ser dirigidos a quem realmente contribuiu de maneira relevante à elaboração do trabalho Epígrafe Não se escreve a palavra epígrafe Elemento opcional A epígrafe deve ser colocada após o agradecimento tratase de uma citação seguida de indicação de autoria relacionada à matéria tratada no corpo do trabalho Deve ser elaborada conforme a NBR 10520 Podem também constar epígrafes nas folhas ou páginas de abertura das seções primárias 1 A fonte da epígrafe deve sempre ser mencionada nas referências Citação direta até 3 linhas deve estar entre aspas e em parágrafo normal vá até a janela de Estilo selecione Parágrafo se tiver mais de 3 linhas deve ser recuada 4 cm da margem esquerda com fonte menor que 12 e espaçamento entre linhas simples vá até a janela de Estilo selecione Citação Longa 1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT NBR 10520 informação e documentação citações em documentos apresentação Rio de Janeiro 2002 p 7 RESUMO Elemento obrigatório O resumo deve ser iniciado com parágrafo em texto único e com espaçamento de 15 entre linhas sem enumeração de tópicos e deve conter entre 150 e 500 palavras Para maiores informações sobre resumos ver o item 2110 do Manual das normas da ABNT disponível no site da Biblioteca Palavraschave as palavraschave devem ser grafadas com as iniciais em minúscula com exceção dos substantivos próprios nomes científicos ou siglas e separadas entre si por ponto e vírgula e finalizadas por ponto LISTA DE SIGLAS CDC Código do Consumidor Elemento opcional Deve conter as siglas em ordem alfabética seguidas das palavras ou das expressões escritas por extenso Atenção As bordas da tabela devem ser removidas SUMÁRIO INTRODUÇÃO9 1 PRIMÓRDIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR11 2 A DEFESA DO CONSUMIDOR14 3 DIREITO CONSUMERISTA NO BRASIL15 6 O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC27 7 A OBJETIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC34 8 DA RELAÇÃO DE CONSUMO36 9 A SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ENTRE FATOVÍCIO E PRODUTOSERVIÇO38 10 CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC46 12 A NOÇÃO GERAL DE DEFEITO E SEU PAPEL NA TUTELA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC60 CONSIDERAÇÕES FINAIS67 REFERÊNCIAS67 9 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXII estabelece a proteção e defesa do consumidor como um direito fundamental evidenciando a importância de assegurar a segurança a saúde e os direitos dos consumidores Nesse contexto surge a necessidade imperiosa de normas que garantam a efetiva proteção dos consumidores reequilibrando as relações de consumo e assegurando que estes não sejam prejudicados por práticas abusivas ou por produtos e serviços defeituosos A Constituição como base da ordem jurídica do país sinaliza a urgência de legislações que resguardem os consumidores e é nesse cenário que o Código de Defesa do Consumidor CDC se estabelece como uma das legislações mais relevantes delineando as diretrizes que regem a responsabilidade civil no contexto das relações de consumo O reconhecimento da necessidade de proteção aos consumidores encontra se intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana preceituado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Proteger o consumidor de práticas abusivas e garantir sua segurança e dignidade tornase uma diretriz que permeia não apenas o texto constitucional mas também embasa a criação e a aplicação do CDC A tutela dos consumidores é portanto um reflexo direto da concretização dos valores constitucionais refletindo a preocupação com a justiça social e a proteção dos indivíduos mais vulneráveis nas relações de mercado Dessa forma esse diploma legal surge como uma resposta direta à necessidade de regulamentar as relações de consumo abordando questões de responsabilidade civil de forma específica buscando equilibrar os interesses entre consumidores e fornecedores A legislação consagra a ideia de proteção integral ao consumidor conferindolhe não apenas direitos mas também estabelecendo regras claras que orientam os deveres dos fornecedores É importante ressaltar que a referida legislação infraconstitucional como instrumento normativo fundamentase no princípio da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor Reconhecese que o consumidor está em uma posição de desvantagem seja pela assimetria de informações pela dependência em relação ao fornecedor ou pela dificuldade em avaliar a qualidade e a segurança dos produtos e serviços Dessa maneira a responsabilidade civil prevista no código 10 busca equilibrar essa disparidade de poder conferindo amparo legal ao consumidor em situações de danos causados por produtos defeituosos ou serviços inadequados Ademais esse dispositivo não apenas estabelece a responsabilidade dos fornecedores mas também rege a proteção dos consumidores diante de práticas comerciais abusivas fraudulentas ou enganosas Isso inclui desde publicidades enganosas até cláusulas contratuais abusivas demonstrando a abrangência do código ao coibir ações que possam prejudicar o consumidor Assim a legislação contida no CDC desempenha um papel crucial na proteção dos consumidores estabelecendo parâmetros claros para responsabilizar os fornecedores em casos de falhas na prestação de serviços ou de produtos defeituosos O código em consonância com os princípios constitucionais busca reequilibrar as relações de consumo conferindo aos consumidores garantias legais efetivas e contribuindo para a justiça e equidade nessas interações comerciais Nesse contexto será realizada uma pesquisa de metodologia exploratória bibliográfica e documental que será fundamental para analisar os conceitos de fatovício e produtoserviço sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor CDC O estudo exploratório por meio de fontes bibliográficas e documentos legais será crucial para compreender a estrutura e as nuances desses conceitos assim como sua aplicação e interpretação no contexto da proteção do consumidor A investigação bibliográfica envolverá uma busca criteriosa por literatura especializada incluindo livros artigos acadêmicos teses e publicações jurídicas Por meio dessas fontes será possível aprofundar o conhecimento sobre a definição e a abordagem jurídica dos termos fatovício representando problemas ou defeitos no produto ou serviço e produtoserviço destacando a natureza as características e as responsabilidades associadas a cada um deles Além disso a pesquisa documental compreenderá a análise de documentos legais como leis regulamentos decisões judiciais e pareceres jurídicos que estão relacionados à aplicação do CDC em situações que envolvem os referidos institutos A consulta direta a esses documentos será crucial para entender como a legislação é aplicada na prática identificar precedentes judiciais e interpretar os fundamentos legais em casos específicos que envolvam a responsabilidade civil em situações de defeitos ou problemas em produtos ou serviços 11 Ademais a metodologia exploratória permitirá a identificação e análise de casos emblemáticos e relevantes nos quais a aplicação do CDC é fundamental para resolver litígios relacionados a fatovício e produtoserviço 1 PRIMÓRDIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR Apesar de ser um tema recente cronologicamente registros históricos remotos revelam tentativas antigas de influenciar as relações de consumo por exemplo o Código de Hamburábi 2300 aC já regulamentava o comércio e buscava controlar e supervisionar essas relações especialmente aquelas relacionadas às práticas comuns da época Nesse contexto o código estipulava que o artesão construtor de barcos deveria refazer às suas próprias custas qualquer trabalho considerado defeituoso O Código de Hamurábi datado do século XVIII aC é reconhecido como uma das primeiras legislações a proteger o adquirente contra problemas em produtos ou serviços sendo baseado na lei de talião olho por olho dente por dente e além disso a Lei das XII Tábuas mencionada por Hotlhausen prescrevia penalidades para quem cobrasse juros acima de um por cento exigindo a devolução do quádruplo do valor Jorge T M Rollemberg apud Filomeno 1991 p 45 destaca que o antigo Código de Hamurábi já continha regras que mesmo indiretamente buscavam proteger o consumidor por exemplo a lei 233 obrigava o arquiteto a reconstruir ou consolidar paredes deficientes em uma casa por ele construída arcando com as despesas Filomeno 1991 p 45 acrescenta que prestadores de serviços como empreiteiros eram obrigados a reparar danos causados e sofriam punições severas em caso de desabamento incluindo pena de morte e da mesma forma cirurgiões enfrentavam penalidades graves por imperícia incluindo indenizações e pena capital Na índia no século XII aC o Código de Massú previa multas e punições além de ressarcimento por danos para aqueles que adulterassem gêneros ou entregassem produtos de qualidade inferior ao acordado Filomeno 1991 p 28 e na Roma Antiga o Direito Romano já oferecia proteção ao consumidor estabelecendo que os vendedores eram responsáveis pelos defeitos dos produtos mesmo que desconhecessem tais falhas Durante o período Justiniano essa 12 responsabilidade foi ampliada com punições dobradas em caso de máfé por parte do vendedor enquanto Roma também implementava a intervenção do Estado no comércio estabelecendo regras de consumo e controle de abastecimento de produtos O filósofo grego Aristóteles já mencionava práticas especulativas na Grécia Antiga e no século I aC Cícero destacou a questão dos vícios ocultos na compra e venda especialmente quando o vendedor prometia qualidades que não existiam Cícero também defendia causas que visavam garantir ao comprador de bens duráveis a reparação de deficiências ocultas Na França de Luiz XI em 1481 vender manteiga com pedra oculta para aumentar o peso ou adulterar o leite com água era punido com banho escaldante e em 1773 nos Estados Unidos ocorreu o famoso episódio contra o imposto do chá onde colonos americanos disfarçados de nativos destruíram uma carga de chá em protesto contra os produtores ingleses Na Suécia a primeira legislação de proteção ao consumidor surgiu em 1910 e em 1914 nos EUA foi criada a Federal Trade Commission com o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor O Direito do Consumidor tem suas raízes nas sociedades capitalistas centrais como Estados Unidos Inglaterra Alemanha e França nos EUA as primeiras leis de proteção aos direitos dos consumidores surgiram em 1962 com o discurso de John Kennedy ao Congresso norteamericano ao destacar a importância da proteção ao consumidor abrangendo desde a segurança dos bens e serviços até o direito a preços justos Alguns autores sugerem que o pronunciamento foi influenciado pela então primeiradama americana Biblioteca da História Universal América 1969 Wilson Demo 2000 p 200202 observa que até mesmo na Magna Carta há regulamentos de proteção aos que hoje são considerados consumidores e no Brasil desde os tempos do Império já se percebia uma proteção discreta ao consumidor O livro V das Ordenações Filipinas que data dessa época contém normas de proteção ao consumidor estabelecendo penalidades para a falsificação de mercadorias A relevância da proteção ao consumidor no Brasil ganhou destaque com a Constituição Federal de 1988 que consagrou essa proteção como garantia constitucional e princípio norteador da atividade econômica e apesar de o Código de Defesa do Consumidor ser recente o movimento de defesa do consumidor teve 13 início em 1971 com o Projeto de lei nº 70 proposto pelo Deputado Nina Ribeiro Arena que criava o Conselho de Defesa do Consumidor Com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor os direitos do consumidor foram solidificados por meio da criação do microssistema das relações de consumo e da introdução de novas normas e princípios jurídicos haja vista que o Congresso Constituinte de 1988 foi claramente influenciado pelos cidadãos com diversas sugestões registradas no site do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça Atualmente a globalização é um tema dominante no cenário político e econômico caracterizado por transformações na ordem política e econômica mundial resultando na integração dos mercados em uma aldeiaglobal explorada por grandes corporações internacionais Os Estados gradualmente abandonam barreiras tarifárias para proteger sua produção da concorrência estrangeira abrindo se ao comércio e ao capital internacional e esse processo é acompanhado por avanços nas tecnologias de informação como telefones computadores e televisão A globalização também se reflete na uniformização das fontes de informação e comunicação devido à disseminação global de canais de televisão por assinatura e da Internet e alguns argumetam que esse fenômeno ultrapassa os limites econômicos provocando uma certa homogeneização cultural entre os países John Daniels e Caroline Daniels 1996 definem globalização como um conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial destacando a integração dos mercados em uma aldeiaglobal explorada por grandes corporações e os Estados abandonando gradualmente barreiras tarifárias abremse ao comércio e ao capital internacional acompanhados por uma revolução nas tecnologias de informação A uniformização das fontes de informação devido à expansão global de canais de televisão e da Internet sugere que os desdobramentos da globalização transcendem os aspectos econômicos influenciando uma homogeneização cultural entre os países Neste cenário econômico a proteção ao direito do consumidor assume proporções significativas abrangendo aspectos antes não considerados como a salvaguarda para compras realizadas fora do domicílio do fornecedor como aquelas feitas por telefone ou Internet e atinge níveis inéditos em praticamente toda a sociedade capitalista manifestandose de maneira rápida ou gradual em resposta ao clamor popular que transcende classes sociais Esse movimento se concretiza por meio de disposições constitucionais normas decretos e regulamentos voltados 14 para a proteção do consumidor criando uma nova realidade legal que busca efetivamente amparar a parte vulnerável na relação de consumo tornandose um instrumento de promoção da justiça social 2 A DEFESA DO CONSUMIDOR O consumidor conforme definido pelo CDC abrange tanto pessoas físicas quanto jurídicas que adquirem produtos ou serviços para uso pessoal sem intenção de revenda assim a compra de um imóvel carro ou brinquedo sem a intenção de revendêlo configura a condição legal de consumidor Por outro lado excluise da proteção da Lei nº 807890 a pessoa física ou jurídica que adquire uma mercadoria para revenda ou como matériaprima para a produção de outros bens A defesa do consumidor vai além da punição dos infratores e da violação dos direitos do consumidor conforme previsto em legislações específicas e envolve também a conscientização dos consumidores sobre seus direitos e deveres além de buscar sensibilizar fabricantes fornecedores e prestadores de serviços sobre suas responsabilidades Isso ocorre ao mostrar que ao agirem corretamente estão não apenas respeitando o consumidor mas também ampliando seu mercado e contribuindo para o desenvolvimento do país 21 Princípios norteadores do Direito do Consumidor O direito do consumidor como norma jurídica segue princípios gerais recorrendo aos princípios do direito natural em lacuna normativas no entanto esses princípios têm um sentido específico referindose às normas que orientam o legislador na elaboração da sistemática jurídica baseandose na observação sociológica e visando regular os interesses conflitantes na vida em sociedade A aplicação dos princípios gerais de direito que não são especificados pelo legislador é desafiadora para quem o interpreta O princípio da vulnerabilidade serve como ponto de partida para outras regulamentações haja vista que após a Primeira Grande Guerra percebeuse a necessidade de proteção legal ao consumidor dada sua desassistência na conjuntura econômica da época A constatação da vulnerabilidade do consumidor impulsionou um movimento internacional para reequilibrar as relações entre 15 consumidores produtores e prestadores de serviços e em 1985 a ONU por meio da resolução nº 39248 reconheceu explicitamente que os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos níveis educacionais e poder aquisitivo Almeida 2002 p 5 Esse princípio é o ponto de partida para toda a Teoria Geral dessa disciplina sendo essencial para compreender corretamente o Direito do Consumidor e aplicar qualquer legislação que vise protegêlo sendo compreensível que todos os outros princípios do Direito do Consumidor estejam expressos tanto constitucionalmente quanto na legislação infraconstitucional como ocorre no caso brasileiro 3 DIREITO CONSUMERISTA NO BRASIL No Brasil a defesa do consumidor tem uma presença discreta manifestando se em anotações esparsas e de pouca expressão no âmbito jurídico mas já durante o período colonial existiam penalidades para quem vendesse mercadorias acima das tabelas estabelecidas incluindo multas para taberneiros que comercializassem vinho acima dos preços fixados Além disso havia limites para o número de tabernas como o máximo de doze estabelecido em Salvador e diante da prática de inflacionar o mercado de vinho pelos taverneiros a Câmara decidiu punir rigorosamente os infratores em respostas às queixas da população A penalização incluía prisão na enxovia a pior cela da cidade açoitamento pelas ruas inaptidão para a venda e desterro permanente da capitania sendo estabelecidas nas Ordenações Filipinas de 1957 Por um longo período a sociedade brasileira enfrentou um cenário econômico desprovido de regulamentação e proteção nas questões de consumo ficando unicamente sujeita ao Código Comercial de 1850 e ao Código Civil de 1912 A Constituição Federal de 1988 no art 48 do ADCT instituiu o CDC e além disso a mesma Carta Magna estabeleceu que o Estado promoverá conforme a lei a defesa do consumidor e conferiu competência à União Estados e Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente ao consumidor e a bens de valor artístico estético histórico turístico e paisagístico art 5º XXXII art 24 VIII No art 37 6º a Constituição prevê a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços pelos danos causados por seus agentes nessa qualidade e no art 150 5º determina que a lei estabelecerá 16 medidas para esclarecer os consumidores sobre os impostos incidentes sobre mercadorias e serviçios O art 170 V fundamentado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem como objetivo garantir a existência digna para todos observando os princípios da justiça social incluindo a defesa do consumidor Diante da complexidade da sociedade industrial moderna e da posição de inferioridade do consumidor nas relações de consumo o legislador constitucional determinou a obrigação do Estado de tutelar a atividade de consumo e estabelecer o CDC Durante a vigência do CDC as relações de consumo evoluíram significativamente e ainda há muito a ser feito mas reconhecem a rápida evolução em diversos setores desde meados de 1985 quando o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor começou a formular políticas específicas e instigar a criação de órgãos como PROCONs Promotorias de Justiça Delegacias especializadas juizados especiais e entidades civis além de preparar os estudos iniciais e o anteprojeto do Código Antes do CDC predominava a ideia do modelo liberalindividualista baseado na vontade individual e na autodefesa com o mercado e o antigo ato de comércio regulando a matéria e em vigor o CDC mostra uma notável adaptação de diversos setores às suas modernas regras Empresas agora mantêm serviços de atendimento ao consumidor SAC que lidam com reclamações e fornecem informações O CDC proporcionou ao consumidor brasileiro proteção à saúde educação para o consumo defesa contra publicidade enganosa proteção contratual substituição da igualdade formal pelo princípio da vulnerabilidade do consumidor acesso à justiça indenização facilitação da defesa dos direitos qualidade dos serviços públicos entre outros direitos sendo o CDC uma lei de proteção ao consumidor muito tardia considerando que ao longo do século XX aplicavase o Código Civil de 1917 fundamentado na tradição do direito civil europeu do século anterior Apesar de ser um marco significativo na proteção do consumidor chegou tardiamente em comparação aos EUA introduzindo instrumentos legais inovadores no cenário brasileiro como a inversão do ônus da prova e a desconsideração da personalidade jurídica Divido em seis títulos com capítulos e seções o CDC define o consumidor como aquele que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final equiparandoo também a coletividades intervenientes nas relações 17 de consumo destacando a obediência aos precedentes constitucionais tornandose uma determinação constitucional não uma iniciativa voluntária do legislador O CDC esclarece os conceitos de fornecedor produto e serviço bem como define a relação de consumo e no capítulo III explicita os direitos básicos do consumidor incluindo a proteção da vida saúde e segurança educação sobre consumo informação clara sobre produtos e serviços proteção contra publicidade enganosa revisão de cláusulas contratuais desproporcionais prevenção e reparação de danos acesso à justiça facilitação da defesa de direitos e adequada prestação de serviços públicos Esses direitos básicos refletem a consciência do legislador quanto à vulnerabilidade do consumidor e estabelecem a base para uma legislação abrangente que visa assegurar uma relação justa e equilibrada entre consumidores e fornecedores Conforme Saad et al 2006 p 92 é responsabilidade do Estado de Direito zelar pela vida saúde e segurança de todos os membros da comunidade nacional independentemente de serem consumidores e os mesmos autores destcam que o CDC longe de revogar todas as disposições existentes sucede uma série delas que já beneficiavam o consumidor Segundo essa perspectiva o CDC tem o propósito de sistematizar as medidas de proteção ao consumidor seja individualmente em grupo específico ou de forma indeterminada Um ponto relevante do CDC é o reconhecimento do direito do consumidor à educação e divulgação sobre o consumo adequado de produtos e serviços alinhandose ao art 205 da Constituição Federal que destaca a educação como direito de todos e dever do Estado da família e da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho A obrigação estatal nesse sentido deve abranger os diversos níveis de ensino desde o primário até o universitário atendendo a toda a população No art 4º do CDC que trata da Política Nacional de Relações de Consumo o código delineia as diretrizes para a conduta do Estado com relação ao consumidor objetivando atender às necessidades dos consumidores respeitar sua dignidade saúde e segurança protegendo seus interesses econômicos melhorar sua qualidade de vida e promover a transparência e harmonia nas relações de consumo devendo ser alcançados por meio dos seguintes princípios 18 Art 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores o respeito à sua dignidade saúde e segurança a proteção de seus interesses econômicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios I reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo II ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor a por iniciativa direta b por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas c pela presença do Estado no mercado de consumo d pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade segurança durabilidade e desempenho III harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica art 170 da Constituição Federal sempre com base na boafé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores IV educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres com vistas à melhoria do mercado de consumo V incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo VI coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos que possam causar prejuízos aos consumidores VII racionalização e melhoria dos serviços públicos VIII estudo constante das modificações do mercado de consumo BRASIL De acordo com Saad et al 2006 p 135 o Estado ao estabelecer essas diretrizes reafirma os objetivos fundamentais do sistema legal brasileiro visando atender às necessidades dos consumidores garantir sua saúde e segurança proteger interesses econômicos e promover um desenvolvimento harmônico das relações de consumo tudo alinhado ao princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado destaquese que a palavra vulnerável não deve ser interpretada apenas como fragilidade econômica pois existem exceções mas no que diz respeito às informações e qualidades dos produtos a vulnerabilidade persiste para aqueles que não têm domínio sobre as informações técnicas A adoção do princípio da vulnerabilidade é a base justificativa para a intervenção estatal em favor do lado considerado mais fraco na relação de consumo preservando a dignidade do consumidor enquanto cidadão e Saad et al 19 2006 p 89 abordam o surgimento do CDC da seguinte forma este código não apenas veio para orientar a ação oficial em defesa do consumidor mas também introduziu novos recursos para protegêlo contra práticas fraudulentas por parte dos fornecedores de bens ou serviços É incontestável que a proteção legal das relações de consumo embora tardia na sociedade global e especialmente no Brasil trouxe benefícios inegáveis retirando a legislação nacional especial o consumidor brasileiro da condição de vulnerabilidade extrema elevandoo à condição de cidadão o que demonstra que não era mais adiável a proteção do Estado a essa categoria abrangente englobando todos os cidadãos como consumidores 4 OS SISTEMAS OS ÓRGÃOS DE DEFESA E OS PROCESSOS ADMINISTRATIVO E JUDICIAL As responsabilidades constitucionais do Estado como saúde transporte e educação quando incorporadas às relações de consumo estão sujeitas à intervenção do CDC e inclusive em questões tributárias uma recente decisão judicial na 2ª Vara Cível da Comarca de IjuíRS estabeleceu que a relação contribuinteEstadoFisco pode ser equiparada à relação consumidorfornecedor permitindo a aplicação do CDC nas relações tributárias A sentença destaca Para dar uma hipótese de solução a esta questão grave de inadimplência tributária minha tese é de que não se pode deixar de analisar a relação contribuinteEstadoFisco como uma relação de consumo já que o contribuinte está para o Estado assim como os consumidores estão para os fornecedores O contribuinte é um consumidor daquilo que o EstadoAdministração coloca à disposição para sua utilização Desta forma o Estado Administração é um FORNECEDOR e o contribuinte é um CONSUMIDOR Sendo o EstadoFisco integrante do EstadoAdministração forçosamente o EstadoFisco é um fornecedor Assim entendo estar caracterizada a relação de consumo devendo incidir o Código de Defesa do Consumidor também nas relações dos contribuintes com o Estado a fim de garantir a defesa dos interesses dos consumidores todos eles contribuintes do Estado Processo nº 629352000 Essa decisão é crucial para as relações de consumo sob a perspectiva tributária desafiando a concepção anterior de que a tributação estava fora do escopo do CDC No âmbito contratual tradicionalmente tratado como a lei entre as partes o CDC traz uma abordagem renovada a relação de consumo por ser 20 essencialmente contratual deve ser pautada pela liberdade e igualdade material entre as partes contratantes O consumidor tem o direito de escolher livremente contratar ou não com um determinado fornecedor seja para comprar ou não um produto ou serviço e o art 39 I do CDC considera como conduta abusiva condicionar o fornecimento de um produto ou serviço à aquisição de outro não solicitado ou desejado pelo consumidor conhecido como venda casada Os contratos de adesão préelaborados sem a participação do consumidor são redigidos exclusivamente pelo fornecedor no entanto o CDC impõe limites definindo contrato de adesão como aquelas cujas claúsulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtosserviços sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo A confiança essencial nas relações contratuais muitas vezes não encontra respaldo nos contratos unilaterais frequentemente redigidos pelas empresas com cláusulas abusivas e pouco equitativas algumas até dificilmente legíveis mesmo com ampliação Por exemplo nos contratos de adesão o consumidor se limita a aceitar cláusulas preestabelecidas unilateralmente pela empresa tornandose mero aderente à vontade massificada da empresa conduzido por uma necessidade imperiosa de contratar resultando em uma situação em que a lei da outra parte é soberana O Estado enquanto provedor primário de serviços essenciais como saúde transporte e educação enfrenta desafios significativos para garantilos A existência legal é estabelecida pelo Decreto nº 21811997 que organiza o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelece as normas para aplicação de sanções administrativas conforme o CDC e o SNDC inclui ainda a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor além de órgãos federais estaduais municipais do Distrito Federal e entidades civis de defesa do consumidor O extenso Decreto composto por 67 artigos orienta as entidades de defesa do consumidor em suas atribuições delineando sanções administrativas procedimentos administrativos penal e civil fundamentandose no próprio CDC notadamente no art 4º que delineia a Política Nacional das Relações de Consumo que visa atender às necessidades dos consumidores respeitar sua dignidade saúde e segurança proteger seus interesses econômicos melhorar sua qualidade de vida 21 e promover a transparência e harmonia nas relações de consumo Os princípios destacados incluem o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado a ação governamental para protegêlo a harmonização de interesses a educação de fornecedores e consumidores o incentivo à criação de meios de controle de qualidade e segurança a coibição de abusos no mercado a racionalização e melhoria dos serviços públicos e o estudo constante das mudanças no mercado O CDC vislumbrando a criação de um sistema abrangente nos três níveis da administração pública proporciona o arcabouço legal para que o cidadão promova a proteção do consumidor mais vulnerável e no âmbito federal o Ministério da Justiça por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor emana normas gerais que orientarão os sistemas estaduais responsáveis por organizar os órgãos de defesa do consumidor em nível municipal dentro de sua jurisdição O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor conforme estipulado no Decreto nº 2181 abrange a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça SDE por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor DPDC além dos órgãos estaduais do Distrito Federal municipais e entidades civis de defesa do consumidor Na esfera da Administração Pública seja Federal Estadual ou Municipal são instituídos órgãos destinados à proteção do consumidor como os PROCONs Delegacias Especializadas em Direito do Consumidor e órgãos do Ministério Público e os órgãos públicos autorizados pelo art 113 do CDC têm a legitimidade para celebrar termos de ajustamento de conduta que possuem eficácia de título executivo extrajudicial Na prática isso significa que órgãos como o Ministério Público e os PROCONs têm o poder de firmar esses termos que se desrespeitados podem ser executados judicialmente como título executivo e a defesa coletiva dos direitos dos consumidores geralmente é atribuição do Ministério Público enquanto os órgãos estaduais e municipais de proteção e defesa do consumidor se dedicam à defesa individual embora também estejam autorizados a agir coletivamente Compete aos órgãos administrativos estaduais e municipais iniciar procedimentos administrativos para investigar irregularidades seja por meio de denúncia formal ou por iniciativa própria de seus representantes por exemplo o PROCONSC é um órgão da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão criado em 1988 em cumprimento à disposição constitucional A 22 legislação vigente especialmente o CDC e o Decreto nº 218197 que regulamenta o CDC serve como base para a organização do SNDC Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e do Sistema Estadual de Defesa do Consumidor além de sistemas municipais eventuais O Poder Judiciário tem se posicionado de maneira destacada em questões relacionadas ao consumidor por exemplo o Juizado Especial Cível de CuiabáMT determinou que cláusulas de fidelidade em contratos de serviços são ilegais por violarem o CDC e restringirem a concorrência e portanto uma empresa de telefonia móvel foi condenada a remover essas cláusulas e a não cobrar multa pela rescisão contratual de uma cliente por infringir os arts 46 e 54 do CDC que exigem contratos redigidos de forma clara e compreensível para os consumidores Portanto ações revisionais de contratos podem ser buscados quando há violação dos direitos do consumidor especialmente em relação às normas do CDC Esta questão também levanta problemas para os consumidores quando em disputas de direitos o prestador de serviços inclui o nome do suposto devedor nos cadernos do SPC no entanto o Poder Judiciário tem decidido a favor do consumidor em ações de indenização por danos morais Dessa forma qualquer empresa seja pública ou privada que forneça serviços públicos por meio de contratos com a Administração Pública está sujeita às regras do CDC Isso se aplica independentemente de o serviço ser prestado diretamente ou indiretamente pela Administração A descontinuidade na prestação do serviço público remunerado é uma questão relevante que destaca a necessidade de proteger os interesses de um número indeterminado de consumidores responsabilidade atribuída à Promotoria de Defesa do Consumidor que dispõe de uma série de instrumentos para essa finalidade O promotor ao investigar possíveis violações aos direitos coletivos dos consumidores tem a prerrogativa de iniciar um inquérito civil ou procedimento de investigação preliminar Esses procedimentos possibilitam a realização de diversas diligências investigativas como notificação de testemunhas condução coercitiva quando necessário solicitação de informações e documentos de entidades públicas e privadas requerimento de exames perícias e serviços temporários de outros órgãos públicos além da possibilidade de solicitar auxílio policial e acesso a bancos de dados públicos e privados Ao concluir as investigações e constatar uma lesão aos direitos coletivos do consumidor o promotor de justiça tem duas opções principais A primeira é convocar 23 a empresa e propor a assinatura de um compromisso de ajustamento de conduta incluindo a previsão de multa em caso de descumprimento futuro art 5º 6º da Lei no 734785 Muitas empresas atualmente aceitam prontamente essa proposta pois o compromisso permite uma alteração imediata do comportamento questionado representando um instrumento relevante de proteção coletiva dos interesses dos consumidores Caso a sugestão da Promotoria do Consumidor seja recusada a alternativa é levar o caso ao Judiciário por meio de uma ação coletiva Se ao final do processo os pedidos contidos na ação forem julgados procedentes o fornecedor deve obrigatoriamente modificar o comportamento questionado seja interrompendo determinada publicidade retirando um produto de circulação ou excluindo cláusulas padrão dos contratos entre outras medidas Se o promotor de consumidor identificar que a reclamação envolve apenas interesses individuais sugerese que o interessado procure o PROCON eou a Justiça Quando não houver ofensa a interesses coletivos do consumidor o procedimento é arquivado sem impedir novas investigações Em qualquer caso o promotor analisa se o fato investigado configura crime Se positivo instaura inquérito policial ou inicia processo criminal contra os responsáveis Em muitos municípios não há um promotor de justiça exclusivo para a defesa do consumidor e essa função é exercida de maneira cumulativa com outras como as áreas criminal familiar e ambiental Em Brasília por exemplo existem cinco Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor no Ministério Público do Distrito Federal O Ministério Público fiscal das leis em alguns estados como Minas Gerais desempenha a função de proteger os consumidores inclusive no âmbito administrativo como ocorre com o PROCONMG liderado por membros do Ministério Público Além disso o MP é o principal impulsionador de ações civis públicas para assegurar o cumprimento das leis de proteção ao consumidor Em alguns casos a criação de órgãos de defesa do consumidor é resultado de decisões judiciais provenientes de ações propostas pelo Ministério Público muitas vezes devido a falta de iniciativa política por parte dos administradores Os órgãos de defesa do consumidor também têm a responsabilidade de representar os consumidores judicialmente utilizando instrumentos legais como a ação civil pública A defesa individual em âmbito judicial é atribuição do próprio consumidor conforme estabelecido no art 81 do CDC que permite a defesa dos 24 interesses e direitos individualmente ou de forma coletiva Os legitimados para essa defesa são o Ministério Público a União os Estados os Municípios o Distrito Federal órgãos da Administração Pública e associações legalmente constituídas há pelo menos um ano que incluam em seus fins institucionais a defesa dos interesses protegidos pelo CDC Este inovou ao permitir a atuação de associações como uma de donas de casa que cumpra esses requisitos O art 5º do CDC estabelece a criação de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor como um dos instrumentos para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo O Ministério Público MP conforme a Constituição Federal e leis específicas desempenha funções essenciais O Código de Defesa do Consumidor determina a criação de promotorias especializadas para auxiliar na condução da política nacional das relações de consumo sendo essa uma atribuição nacional do MP Uma dessas atribuições é a defesa do consumidor conduzida pelo Centro de Apoio Operacional do Consumidor CCO que orienta e facilita a atuação dos Promotores de Justiça do Consumidor no Estado Essa função envolve estudos pareceres pesquisas e o fornecimento de material técnico O MP como órgão fundamental para a observância do cumprimento das leis destacase ainda mais neste contexto ao contar com um Centro Operacional dedicado exclusivamente à orientação de seus membros na defesa do consumidor conforme a legislação vigente Um exemplo da atuação do Ministério Público de Santa Catarina é a celebração de um termo de cooperação técnica com o PROCONSC Esse acordo extraído do site do MPSC destaca a colaboração entre as partes e estabelece cláusulas e condições conforme a legislação aplicável O termo mencionado destaca a atuação cooperativa entre os órgãos de defesa do consumidor Outros acordos semelhantes podem ser encontrados nos sites das instituições mencionadas anteriormente Esses termos de ajustamento de conduta não se restringem a interações entre órgãos públicos sendo comumente estabelecidos entre esses órgãos e fornecedores ou prestadores de serviço Esses acordos possuem força executiva extrajudicial em caso de descumprimento O interesse difuso alegado por muitos é amplamente utilizado na defesa do consumidor devido à sua abrangência De acordo com Saad 2006 p 868 o interesse difuso já despertava a atenção de processualistas italianos há algum tempo Colaço Antunes 1986 p 08 destaca que mesmo na Itália ainda não há 25 consenso sobre o tema mas o define como a identidade de situações que envolvem um número indeterminado de pessoas caracterizando o interesse difuso 5 AS CONQUISTAS ORIGINAIS E RECENTES DO DIREITO DO CONSUMIDOR O CDC traz diversas conquistas legais para a sociedade consumidora como a desconsideração da personalidade jurídica inversão do ônus da prova modificação de cláusulas contratuais e portabilidade entre outras O art 28 é inovador permitindo ao juiz a desconsideração da personalidade jurídica em casos de abuso de direito excesso de poder infração da lei ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social Segundo Saad obra citada pág 445 para proteger o consumidor o juiz fica autorizado a desconsiderar a personalidade jurídica e atingir os sócios A desconsideração ocorre em situações como falência insolvência encerramento ou inatividade provocados por má administração De acordo com os mesmos autores obra citada pág 445 a teoria da despersonalização da pessoa jurídica é a aplicação prática da teoria da responsabilidade civil por atos ilícitos Ela é admitida diante de abuso de direito excesso de poder infração da lei ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social Essa atitude do juiz busca evitar fraudes ou abusos de direito sendo conhecida nos Estados Unidos como disregard of legal entity com o objetivo de deixar de lado a estrutura societária e alcançar os membros e seus patrimônios No Brasil é comum encontrar empresas aparentemente pobres pertencentes a empresários ricos protegidos por quantias irrisórias previstas em contratos societários 51 Da inversão do ônus da prova A inversão do ônus da prova é uma medida legal favorável aos consumidores alinhada com a teoria da vulnerabilidade O CDC inova ao permitir que o consumidor solicite a inversão do ônus da prova conforme o art 6º VIII reconhecendo a hipossuficiência ou verossimilhança da alegação a critério do juiz Essa inversão é discricionária e depende da decisão do magistrado não sendo um direito automático decorrente apenas da condição de consumidor 26 A modificação de cláusulas contratuais é outro instrumento valioso para os consumidores impedindo a valorização de cláusulas consideradas abusivas Os artigos 46 e 47 do Capítulo VI do CDC que trata da Proteção Contratual destacam o interesse do legislador em proteger o contratante mais fraco Conforme Saad 2006 p563 o legislador busca amparar o consumidor contra artifícios prejudiciais ao longo dos nove artigos desse capítulo reconhecendo a importância do contrato como fonte inesgotável de direitos e obrigações nas relações sociais A autonomia da vontade característica central no Direito do século XIX cede espaço para um protecionismo estatal no contexto atual Esse protecionismo torna se essencial quando o consumidor deparase com o contrato de adesão uma redação unilateral que não permite a negociação de cláusulas independentes O consumidor nesse cenário tem a opção de aceitar ou recusar os termos não havendo margem para discussão individual das cláusulas conforme menciona Saad 2006 p 564 A Portabilidade numérica segundo a Anatel Agência Nacional de Telecomunicações possibilita ao usuário trocar de operadora móvel ou fixa sem alterar seu número telefônico Essa medida aplicável a diferentes tipos de portabilidade como de prestadora de serviço geográfica e de serviço oferece aos usuários maior flexibilidade na escolha de operadoras e serviços No Brasil a Portabilidade iniciada com a Consulta Pública 734 em setembro de 2006 e aprovada pela ANATEL em 070307 é obrigatória para a Portabilidade de Provedor de Serviço e para números não geográficos Na telefonia fixa a portabilidade é possível quando o cliente permanece no mesmo endereço ou muda dentro da mesma Área Local Na telefonia móvel o cliente pode manter o número ao mudar de operadora dentro da mesma Área de Registro No contexto de planos de saúde a portabilidade de carências regulamentada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS permite que o consumidor mude de plano levando consigo as carências já cumpridas proporcionando maior benefício ao usuário A partir de 15 de abril de 2009 os beneficiários de planos individuais de assistência médica com ou sem odontologia e de planos exclusivamente odontológicos contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei nº 965698 podem exercer a portabilidade de carências Agora o beneficiário que desejar exercer esse direito pode fazêlo sem a necessidade de novos exames ou carências adicionais A Unimed 2009 destaca que a portabilidade é o direito do beneficiário de comparar médicos hospitais clínicas e laboratórios oferecidos por 27 diferentes operadoras permitindo a escolha do que melhor atende às suas necessidades sem perder o tempo de carência já cumprido O conceito de portabilidade estendese a outras áreas como fundos de pensão A Secretaria de Previdência Complementar para evitar impactos no mercado de previdência privada está criando uma regra de transição para aplicar o direito à portabilidade permitindo que os participantes transfiram os recursos para outro fundo ao mudarem de emprego sem incidência de impostos ou taxas Nos contratos que regulam os planos de saúde a ideia da portabilidade traz benefícios significativos especialmente na área da saúde Os beneficiários de planos de saúde individuais ou familiares contratados após 1º de janeiro de 1999 podem mudar de operadora sem a necessidade de cumprir novamente a carência do plano anterior incentivando a concorrência no mercado de saúde e oferecendo aos clientes maior liberdade de escolha A possibilidade de mobilidade com portabilidade tornase um estímulo importante à concorrência proporcionando aos consumidores a liberdade de escolher planos sem restrições ao contrário da fidelidade imposta em outros serviços 6 O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC A responsabilidade civil é um conceito jurídico que define a obrigação de reparar danos causados a terceiros sejam danos materiais ou morais resultantes de ações omissões ou condutas que violem um dever legal ou contratual É um princípio que rege as relações sociais e legais estabelecendo que uma pessoa ou entidade é responsável por ressarcir ou compensar outra parte pelos prejuízos sofridos DINIZ 2022 A doutrina civilista classifica a responsabilidade civil como aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado de pessoa por quem ele responde ou de fato coisa ou animal sob sua guarda ou ainda de simples imposição legal DINIZ 2022 p 23 Essa responsabilidade pode ser dividida em dois tipos principais responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana A primeira diz respeito ao descumprimento de um contrato estabelecido entre as partes Se uma das partes não cumpre com as obrigações acordadas no contrato ela pode ser responsabilizada pelos danos causados à outra parte Por 28 exemplo se alguém não entrega um produto conforme acordado em um contrato de compra e venda essa pessoa pode ser responsabilizada pelos prejuízos financeiros resultantes desse descumprimento DINIZ 2022 Com relação a responsabilidade civil extracontratual ou Aquiliana se refere à obrigação de reparar danos que não estão diretamente ligados a um contrato específico mas decorrem de atos ilícitos ou negligentes Por exemplo se alguém causa um acidente de trânsito por negligência essa pessoa pode ser responsabilizada pelos danos materiais eou morais causados às vítimas do acidente mesmo que não haja relação contratual direta entre as partes DINIZ 2022 O Código Civil estabelece a responsabilidade civil subjetiva como regra dependendo da verificação da culpa A normativa brasileira se apoia na teoria subjetiva evidenciada no artigo 186 o qual fundamenta a obrigação de reparar o dano na presença de dolo e culpa BRASIL 2002 Quanto ao ato ilícito conforme definido no novo Código Civil brasileiro de 2002 nos artigos 186 e 187 qualquer ação ou omissão voluntária negligente ou imprudente que viole direitos e cause danos a outrem mesmo que sejam danos exclusivamente morais constitui um ato ilícito Além disso o titular de um direito também pode cometer um ato ilícito ao ultrapassar os limites impostos pelo fim econômico ou social pela boafé ou pelos bons costumes ao exercer esse direito BRASIL 2002 Para caracterizar a responsabilidade civil como subjetiva é necessário a presença de quatro elementos a conduta o dano a relação de causalidade e a comprovação do elemento anímico ou seja a culpa Entretanto a sociedade moderna devido aos avanços industriais tecnológicos e mudanças sociais muitas vezes não consegue provar a culpa exigida pela teoria subjetiva DINIZ 2022 Apesar da tendência do Código Civil em adotar a responsabilidade civil subjetiva há uma cláusula geral de responsabilidade objetiva no artigo 927 que estabelece a obrigação de reparar o dano causado por ato ilícito BRASIL 2002 A responsabilidade civil objetiva se caracteriza pela demonstração de três requisitos a conduta ação ou omissão o dano e o nexo de causalidade não exigindo a comprovação da culpa do agente Dessa forma essa responsabilidade se concentra na relação entre a conduta do agente o dano causado e o nexo causal 29 sem a necessidade de provar a culpa DINIZ 2022 O seu surgimento se deu da seguinte forma Importantes trabalhos vieram então à luz na Itália na Bélgica e principalmente na França sustentando uma responsabilidade objetiva sem culpa baseada na chamada teoria do risco que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos e agora amplamente pelo Código Civil no parágrafo único do seu art 927 art 931 e outros como haveremos de ver CAVALIERI 2021 p 52 No contexto do Código de Defesa do Consumidor CDC a responsabilidade civil tem como objetivo principal proteger os consumidores estabelecendo que os fornecedores de produtos ou serviços são responsáveis pelos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos nos produtos ou na prestação de serviços independentemente de culpa Isso significa que a responsabilidade é objetiva bastando a comprovação do dano do defeito do produto ou serviço e do nexo causal entre o defeito e o dano para que o fornecedor seja responsabilizado THEODORO JÚNIOR 2021 A legislação brasileira relativa à responsabilidade civil é amplamente baseada no CDC Lei nº 80781990 a qual oferece uma série de disposições que protegem os consumidores em casos de danos advindos de produtos ou serviços defeituosos O CDC estabelece que o fornecedor de bens ou serviços é responsável pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à qualidade quantidade segurança ou desempenho dos produtos ou serviços conforme definido nos artigos 12 a 14 BRASIL 1990 Vejase Art 12 O fabricante o produtor o construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto fabricação construção montagem fórmulas manipulação apresentação ou acondicionamento de seus produtos bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos Art 13 O comerciante é igualmente responsável nos termos do artigo anterior quando I o fabricante o construtor o produtor ou o importador não puderem ser identificados II o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante produtor construtor ou importador III não conservar adequadamente os produtos perecíveis Parágrafo único Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis segundo sua participação na causação do evento danoso Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos 30 Artigo 12 do CDC estipula que o fabricante produtor construtor nacional ou estrangeiro e o importador respondem solidariamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes dos produtos Já o artigo 13 estabelece que o comerciante seja ele intermediário ou revendedor também é responsável solidário quando o fabricante construtor produtor ou importador não puderem ser identificados ou estiverem fora do país Por fim o artigo 14 afirma que a responsabilidade independe da existência de culpa ou seja é objetiva Para comprovar a responsabilidade é necessário o dano sofrido pelo consumidor o defeito do produto ou serviço e o nexo causal entre o defeito e o dano BRASIL 1990 Além disso o CDC estabelece que os fornecedores devem oferecer informações claras corretas e ostensivas sobre os produtos ou serviços oferecidos inclusive riscos à saúde e segurança dos consumidores BRASIL 1990 Art 18 Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor assim como por aqueles decorrentes da disparidade com a indicações constantes do recipiente da embalagem rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as variações decorrentes de sua natureza podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas Como premissas basilares o diploma legal em comento traz os princípios fundamentais estabelecendo a proteção dos consumidores por parte do Estado a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais a efetiva prevenção e reparação de danos acesso aos órgãos judiciários e administrativos facilitação da defesa de seus direitos inversão do ônus da prova em benefício do consumidor e igualdade nas relações de consumo como se vê Art 6º São direitos básicos do consumidor I a proteção da vida saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos II a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações III a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade características composição qualidade tributos incidentes e preço bem como sobre os riscos que apresentem 31 IV a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva métodos comerciais coercitivos ou desleais bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços V a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas VI a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais individuais coletivos e difusos VII o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais individuais coletivos ou difusos assegurada a proteção Jurídica administrativa e técnica aos necessitados VIII a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências X a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral XI a garantia de práticas de crédito responsável de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento preservado o mínimo existencial nos termos da regulamentação por meio da revisão e da repactuação da dívida entre outras medidas XII a preservação do mínimo existencial nos termos da regulamentação na repactuação de dívidas e na concessão de crédito XIII a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida tal como por quilo por litro por metro ou por outra unidade conforme o caso A responsabilidade civil no CDC visa portanto proteger o consumidor de danos resultantes de práticas abusivas produtos defeituosos ou informações inadequadas É um sistema de proteção que busca equilibrar as relações de consumo garantindo que os consumidores tenham meios para buscar reparação diante de danos sofridos além de incentivar a oferta de produtos e serviços seguros e de qualidade no mercado O Código de Defesa do Consumidor Lei 807890 entrou em vigor em março de 1991 alinhandose ao que a Constituição Federal já havia determinado em seu artigo 5º inciso XXXII o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor O artigo 1 do CDC destaca que suas normas são de ordem pública e interesse social sendo portanto de aplicação necessária e observância obrigatória em conformidade com os valores fundamentais da sociedade O CDC tem aplicação abrangente em todas as relações de consumo seja no âmbito do Direito Público ou Privado abarcando relações contratuais ou extracontratuais tanto no campo material quanto processual A responsabilidade prevista no CDC geralmente é objetiva fundamentada no dever de segurança do fornecedor em relação aos produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo 32 Sobre a historicidade das relações de consumo Melo 2012 p21 destaca que estas remontam aos primórdios da humanidade quando a troca era a forma principal de satisfazer as necessidades Com o advento da moeda as transações comerciais se tornaram mais eficientes facilitando a troca de bens e serviços A regulação do mercado de consumo pode ser observada até mesmo no Código de Hamurabi onde fragmentos demonstram a proteção ao consumidor Na contemporaneidade a Revolução Industrial no século XIX deu origem à produção em massa transformando o cenário da fabricação doméstica e artesanal Antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor no Brasil várias leis foram implementadas para salvaguardar os interesses do consumidor Melo 2012 p 24 destaca que inicialmente as normas tinham caráter penal seguindo uma tendência global como exemplificado no Código Penal brasileiro que aborda medidas de proteção à saúde pública do consumidor como a adulteração de produtos alimentícios e medicinais A primeira legislação brasileira sobre o tema foi o Decreto nº 2681 de 07 de dezembro de 1912 que tratava da responsabilidade civil das estradas de ferro abordando a guarda conservação e transporte de mercadorias e bagagens bem como a proteção dos passageiros usuários conforme explica Melo 2012 p 25 Na sequência a Constituição Federal de 1934 reconheceu os direitos econômicos e sociais dos cidadãos Nessa década surgiu a lei da usura Dec n 22626 que limitava a cobrança abusiva de juros e estabelecia um teto máximo nas relações contratuais Em 1962 a Lei n 4137 conhecida como Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico indiretamente beneficiou o consumidor ao autorizar a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE regulamentado pelo Decreto n 52025 de 20 de maio de 1963 A Lei 6463 de 1977 instituiu a obrigatoriedade de informação nas vendas a prazo exigindo que o vendedor informasse o preço à vista o número e valores das prestações a taxa de juros mensal e outros encargos financeiros na publicidade de seus produtos A partir da década de 80 a defesa do consumidor ganhou efetividade com a promulgação de diversos instrumentos legais como a Lei de Ação Civil Pública que visava proteger interesses e direitos difusos coletivos ou individuais dos consumidores incluindo o meio ambiente e outros patrimônios Em 1985 foi instituído o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor posteriormente substituído 33 pelo Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor conforme o Decreto n 94508 de 23 de junho de 1987 Apesar da promulgação de várias leis de proteção ao consumidor persistia a necessidade de legislação específica especialmente em relação à Responsabilidade Civil do fornecedor e à indenização ao consumidor prejudicado bem como aos contratos de adesão que frequentemente continham cláusulas consideradas abusivas pela doutrina e jurisprudência como cláusulas de não indenizar cláusulas de mandato e cláusulas de transferência de riscos Em 11 de setembro de 1990 surge o Código de Defesa do Consumidor tornandose a legislação mais relevante na proteção dos direitos do consumidor Melo 2012 p 30 compara a importância do CDC para o consumidor à Consolidação das Leis do Trabalho para o trabalhador O código adota a responsabilidade objetiva fundamentada na reparação dos danos causados pelos acidentes de consumo art 12 a 14 do CDC com base na teoria do risco da atividade ou risco proveito Essa abordagem parte da ideia de que se a atividade proporciona benefícios ao realizador é justo que ele assuma os riscos dos prejuízos que a atividade possa causar a terceiros A crescente demanda no Poder Judiciário brasileiro levou alguns estudiosos do direito a argumentarem sobre a existência da chamada indústria da responsabilidade civil Entretanto Cavalieri 2014 p 511 destaca que essa abundância de casos judiciais relacionados à responsabilidade civil decorre da proporção igualmente crescente de danos injustos Segundo o autor a responsabilidade civil nas relações de consumo representa a última etapa dessa evolução sendo uma resposta às mudanças trazidas pela Revolução Industrial e pelo desenvolvimento tecnológico e científico O Código do Consumidor estabeleceu um novo sistema de responsabilidade civil fundamentado em princípios inovadores diante da insuficiência da responsabilidade civil tradicional em proteger o consumidor Cavalieri 2014 p 511 ilustra essa nova abordagem com um caso julgado pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Ap Cível 1077198 No caso uma senhora ao abrir uma garrafa de refrigerante para seus filhos teve a tampa explodir resultando na perda da visão de um dos olhos No paradigma da responsabilidade tradicional a identificação do causador do dano seria desafiadora O vendedor do refrigerante ou o supermercado alegando não terem participado do 34 processo de fabricação poderiam negar responsabilidade Da mesma forma o fabricante poderia se eximir argumentando que não tinha relação contratual com a vítima após a saída do produto da fábrica Diante desse cenário a autora salienta que o crescimento tecnológico e científico trouxe benefícios à sociedade de consumo mas também aumentou consideravelmente os riscos para os consumidores por mais paradoxal que possa parecer 7 A OBJETIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC A responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor brasileiro é um conceito jurídico fundamental que implica na obrigação de reparar danos causados aos consumidores independentemente da existência de culpa por parte do fornecedor do produto ou serviço Sobre esse risco assevera Sérgio Cavalieri Filho 2021 p 227 todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independentemente de ter ou não agido com culpa Resolvese o problema na relação de causalidade dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável que é aquele que materialmente causou o dano O CDC estabelece a responsabilidade objetiva como um dos princípios fundamentais para proteger os consumidores garantindolhes meios para buscar reparação por danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos Cavalieri 2021 p 52 demonstra através de um exemplo didático o motivo pelo qual a objetividade é adotada Um navio transportando petróleo por exemplo sofre avarias em decorrência de forte tempestade e faz derramamento de óleo no mar terremoto seguido de ondas gigantes tsunami que invadem usina nuclear e causam dano nuclear e ambiental Embora a causa direta desses eventos tenha sido a força maior fenômenos irresistíveis da natureza o navio transportando petróleo foi a ocasião porque sem ele a tempestade não teria causado nenhum dano De igual modo se não existisse a usina nuclear o terremoto e o tsunami não teriam causado um acidente nuclear Nesses e outros casos a força maior isoladamente considerada não seria suficiente para causar o resultado lesivo o que evidencia que o exercício da atividade de risco foi pelo menos a ocasião A responsabilidade civil de maneira objetiva com o propósito de garantir uma proteção mais eficaz aos consumidores em situações em que produtos ou serviços 35 defeituosos causem danos Este sistema difere do modelo de responsabilidade subjetiva que requer a comprovação da culpa do fornecedor para que este seja responsabilizado O motivo principal para a adoção da responsabilidade civil objetiva no CDC é a proteção do consumidor priorizando a parte mais fraca da relação de consumo THEODORO JÚNIOR 2021 Aqui estão alguns motivos para essa escolha Tal responsabilidade objetiva simplifica a questão da culpa Em vez de o consumidor precisar provar que houve negligência ou culpa do fornecedor basta demonstrar o dano o defeito no produto ou serviço e o nexo causal entre o defeito e o dano Isso facilita a busca por reparação tornando o processo mais acessível e menos burocrático para os consumidores Em geral na relação entre consumidor e fornecedor se preconiza o equilíbrio de poderes na relação de consumo pois ela ajuda a equilibrar essa relação tendo em vista a hipossuficiência do consumidor e a superioridade do fornecedor A criação do Direito do Consumidor como uma disciplina autônoma tornou se necessária em razão da evidente superioridade do fornecedor frente ao consumidor em suas relações contratuais Se é certo que a sociedade de consumo trouxe benefícios em certos casos a posição do consumidor dentro desse modelo piorou em vez de melhorar na medida em que agora é o fornecedor fabricante produtor construtor importador ou comerciante que inegavelmente assume a posição de força na relação de consumo e por isso mesmo dita as regras Tendo em vista que o mercado não consegue por si mesmo superar esse desequilíbrio tornou se imprescindível a intervenção estatal consubstanciada na edição de um Código de Defesa do Consumidor THEODORO JÚNIOR 2021 p 03 Ao tornar os fornecedores responsáveis de forma objetiva há um estímulo para que ofereçam produtos e serviços de melhor qualidade e mais seguros uma vez que são diretamente responsáveis por quaisquer danos que possam causar aos consumidores Isso incentiva práticas mais cuidadosas na fabricação distribuição e prestação de serviços Ademais agiliza o processo de reparação tornando mais efetiva a proteção dos consumidores em situações de danos decorrentes de produtos ou serviços defeituosos THEODORO JÚNIOR 2021 De acordo com o CDC a responsabilidade objetiva está claramente definida nos artigos 12 14 e 18 Vale ressaltar que a responsabilidade objetiva se baseia em três pilares dano O consumidor deve comprovar que sofreu um dano decorrente do produto ou serviço adquirido defeito Deve ser comprovado que o produto ou serviço possui um defeito que o torne inadequado ou perigoso para o consumo 36 nexo causal Deve existir uma relação direta entre o defeito e o dano sofrido pelo consumidor Sobre o nexo é importante destacar Mesmo na responsabilidade objetiva é indispensável o nexo causal Esta é a regra universal quase absoluta só excepcionada nos raríssimos casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral o que não ocorre no código do consumidor Inexistindo relação de causa e efeito ocorre a exoneração da responsabilidade conforme enfatizado em várias oportunidades Essa é a razão das regras dos arts 12 3º e 14 3º do Código do consumidor porquanto em todas as hipóteses de exclusão de responsabilidade ali mencionadas o fundamento é a inexistência do nexo causal CAVALIERI 2021 p 252 Um exemplo prático de responsabilidade objetiva pode ser um consumidor que adquire um eletrodoméstico que após um curto período de uso apresenta um defeito que causa um incêndio em sua residência Se ficar comprovado que o produto estava com um defeito de fabricação que provocou o incêndio o consumidor terá direito a ser indenizado pelo dano causado mesmo que o fabricante não tenha agido com negligência uma vez que a responsabilidade é objetiva conforme previsto nos artigos citados do CDC 8 DA RELAÇÃO DE CONSUMO Para que se configure uma relação de consumo é essencial compreender os três conceitos fundamentais que a norteiam Inicialmente destacamos os elementos subjetivos representados pelo consumidor aquele que adquire produtos eou serviços para uso final e pelo fornecedor responsável pelo fornecimento desses bens eou serviços Esses elementos subjetivos são cruciais para definir os sujeitos envolvidos na relação No âmbito dos elementos objetivos concentramse as características materiais da relação de consumo Aqui destacamse os produtos e serviços como componentes fundamentais desse contexto A distinção entre elementos subjetivos e objetivos é fundamental para uma análise mais abrangente das relações de consumo É importante ressaltar que nas relações de consumo tanto os elementos subjetivos quanto os objetivos desempenham papéis distintos Os primeiros referem se aos sujeitos envolvidos como consumidores e fornecedores enquanto os segundos estão relacionados aos produtos e serviços em si representando o aspecto material da interação Cavalieri Filho 2011 p 59 37 Portanto a compreensão integral desses conceitos é essencial para identificar e analisar adequadamente as relações de consumo proporcionando uma visão mais abrangente e precisa dessas interações no contexto jurídico Assim sendo o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 2º estabeleceu o conceito fundamental de consumidor definindoo como Art 2 Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final BRASIL 1990 Art 2 Essa abordagem abrangente do consumidor inclui tanto o consumidor individual aquele indivíduo que adquire um produto para uso pessoal quanto o consumidor empresarial que adquire bens ou serviços para utilizar em sua atividade comercial desde que seja o destinatário final Dentro do conceito de consumidor surge a figura do consumidor por equiparação devidamente estipulado no parágrafo único do artigo 2º mencionado anteriormente Parágrafo único Equiparase a consumidor a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis que haja intervindo nas relações de consumo BRASIL 1990 parágrafo único do Art 2 Assim segundo o CDC o consumidor é aquele que utiliza o produto ou serviço como destinatário final ou seja para uso pessoal ou doméstico Além disso o conceito se estende à coletividade de pessoas que mesmo não sendo destinatárias finais imediatas são afetadas pelas práticas comerciais e podem ser consideradas como consumidores coletivos Essa ampliação do conceito visa assegurar a proteção não apenas dos interesses individuais mas também dos grupos de consumidores que possam ser prejudicados por práticas abusivas dos fornecedores É relevante salientar que essa compreensão abrangente busca garantir a efetiva tutela dos direitos dos consumidores promovendo assim um equilíbrio nas relações de consumo onde a parte mais vulnerável seja devidamente resguardada O fornecedor conforme anteriormente destacado desempenha o papel crucial de disponibilizar no mercado tanto produtos quanto serviços Os parágrafos 1º e 2º do art 3º do CDC definem esses elementos de forma abrangente estabelecendo que 1 Produto referese a qualquer bem móvel ou imóvel material ou imaterial 2 Serviço compreende toda atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração abrangendo inclusive aquelas de natureza bancária financeira de crédito e securitária com exceção das derivadas de relações trabalhistas BRASIL 1990 38 É fundamental salientar que para assegurar um equilíbrio efetivo na relação de consumo é imperativo compreender que o princípio norteador do Código é a vulnerabilidade reconhecendo o consumidor como a parte incontestavelmente mais suscetível nesse contexto O inciso I do artigo 4º do CDC destaca explicitamente o reconhecimento dessa vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo O princípio da vulnerabilidade um dos alicerces do Direito contemporâneo é um conceito essencial especialmente no âmbito do Direito do Consumidor Ele reconhece a desigualdade em determinadas relações jurídicas buscando assim promover a justiça social O consumidor nesse contexto é identificado como a parte mais frágil da relação de consumo encontrandose em uma posição de inferioridade e sujeito a práticas abusivas e desleais devido à falta de conhecimento técnico em comparação com os fornecedores Dessa maneira o princípio da vulnerabilidade atua como uma garantia para que todos tenham acesso a uma justiça equitativa e igualitária 9 A SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC ENTRE FATOVÍCIO E PRODUTOSERVIÇO A responsabilidade civil abrange a obrigação de reparar danos causados a terceiros seja de ordem material ou moral A obrigação de indenizar originada do dever de lidar com os prejuízos suportados pela vítima implica que o responsável assuma as consequências buscando restabelecer as condições da vítima ao estado anterior ao evento danoso É crucial destacar no âmbito dessa obrigação indenizatória que a fixação do montante deve ser realizada de maneira justa e proporcional ao dano experimentado pela vítima No cerne da responsabilidade civil encontrase a necessidade de assegurar que a compensação seja adequada à extensão real dos danos suportados pela parte prejudicada Esta compensação visa não apenas reparar o prejuízo material ou moral mas também restabelecer na medida do possível a situação da vítima antes do evento prejudicial Dentro desse contexto a fixação justa e proporcional da obrigação de indenizar não apenas promove a equidade entre as partes envolvidas mas também 39 contribui para a eficácia do sistema jurídico ao assegurar que a reparação seja um reflexo adequado do dano efetivamente sofrido Assim a responsabilidade civil não apenas representa uma obrigação legal mas também uma ferramenta essencial para preservar a integridade e a justiça nas relações jurídicas A obrigação de indenizar desempenha um papel crucial na busca pela justiça e equidade nas interações sociais proporcionando uma via para que os prejudicados sejam devidamente compensados pelos danos suportados Essa responsabilidade abrange uma vasta gama de situações desde acidentes de trabalho até falhas em produtos negligência profissional e violações de direitos refletindo a sua abrangência e importância na esfera jurídica O Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 12º e 14º delineia a responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço No que diz respeito ao fato do produto o artigo 12º estabelece que fabricantes produtores construtores nacionais ou estrangeiros bem como importadores são responsáveis independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos decorrentes de defeitos em seus produtos Isso abrange desde problemas no projeto fabricação construção até informações insuficientes ou inadequadas sobre utilização e riscos BRASIL 1990 Art 12 Essa abordagem visa garantir a proteção do consumidor estabelecendo que esses agentes devem arcar com a reparação dos danos independentemente de culpa incentivando assim a oferta de produtos seguros de qualidade e com informações claras No que se refere à prestação de serviços o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor de serviços é responsável independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição BRASIL 1990 Art 14 Este artigo é fundamental na defesa dos direitos dos consumidores assegurando meios efetivos para a sua recuperação quando sofrem lesões decorrentes de serviços com defeitos ou informações inadequadas Assim a legislação se revela como um instrumento essencial na proteção dos consumidores proporcionando uma base sólida para a busca da justiça nas relações de consumo Explorando o conteúdo apresentado conforme Brasil 2018 na esfera da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço também conhecido como acidente de consumo é destacado que o defeito transcende a mera falha na mercadoria ou na prestação do serviço alcançando a integridade física ou psíquica 40 do indivíduo Este tipo de defeito pode resultar em danos passíveis de reparação independentemente da comprovação de culpa É incumbência do fornecedor comprovar as excludentes de responsabilidade civil oferecendo evidências que justifiquem a ausência de culpa no evento O autor enfatiza a relevância de salvaguardar a integridade física e psíquica dos consumidores reconhecendo que nos casos de acidentes de consumo a ocorrência de danos é imputada independentemente de culpa Paralelamente a legislação proporciona ao fornecedor a oportunidade de demonstrar a ausência de responsabilidade pelos danos desde que apresente as provas necessárias Conforme Brasil 2019 o vício do produto conforme estabelecido no caput do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor abrange tanto os vícios aparentes e de fácil constatação quanto os vícios ocultos incluindo também os produtos que não estejam em conformidade com normas regulamentares de fabricação distribuição ou apresentação Em tais contextos a responsabilidade dos fornecedores é solidária destacando a necessidade de atuação conjunta em situações que envolvam vícios no produto O defeito do produto como anteriormente mencionado no artigo 12 não depende da comprovação de culpa sendo que o vício por sua vez traz consigo a responsabilidade objetiva e no caso específico do vício do produto essa responsabilidade é solidária É importante ressaltar que embora nem todo vício tenha um defeito todo defeito implica a presença de um vício No que concerne à responsabilidade pelo fato do produto ou serviço esta se refere à obrigação do fornecedor em reparar danos causados aos consumidores em casos de defeitos ou vícios que apresentem riscos à saúde segurança ou integridade O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor detalha essa responsabilidade estabelecendo que fabricantes produtores construtores nacionais ou estrangeiros e importadores respondem solidariamente independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos decorrentes de diversos aspectos como projeto fabricação construção montagem fórmulas manipulação apresentação ou acondicionamento de seus produtos assim como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos BRASIL 1990 Art 12 Dessa forma a legislação busca assegurar uma ampla proteção aos consumidores estabelecendo diretrizes claras para responsabilizar os diversos 41 agentes envolvidos na cadeia de produção e distribuição fortalecendo a segurança e a confiança nas transações comerciais Essa disposição reflete a premissa da responsabilidade objetiva indicando que não é necessário comprovar a culpa do fabricante produtor construtor ou importador para que sejam responsabilizados pelos danos causados aos consumidores Esses agentes respondem não apenas por defeitos nos produtos mas também por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos A responsabilização ocorre mediante a comprovação de que o produto apresenta defeitos que resultaram em danos ao consumidor Considerando o exposto conforme Brasil 2018 na esfera da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço conhecido como acidente de consumo o defeito vai além da esfera da coisa ou do serviço prestado atingindo a integridade física ou psíquica da pessoa podendo gerar danos passíveis de reparação independentemente de culpa Nesse contexto cabe ao fornecedor apresentar as excludentes de responsabilidade civil demonstrando circunstâncias que justifiquem a ausência de responsabilidade No tocante às excludentes da responsabilidade do fornecedor são situações específicas em que ele pode se eximir de responsabilidade pelos danos causados ao consumidor Apesar de o Código de Defesa do Consumidor CDC estabelecer a responsabilidade objetiva em muitos casos existem circunstâncias em que essa responsabilidade pode ser afastada ou reduzida O artigo 14 do CDC ao tratar da responsabilidade do fornecedor de serviços estabelece que ele só não será responsabilizado quando provar Art 14 I que tendo prestado o serviço o defeito inexiste II a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro BRASIL 1990 Art 14 3 I e II Ressaltase que os fornecedores devem comprovar essas excludentes conforme admitido pelo próprio CDC para evitar responsabilização É relevante destacar que a ausência de relação de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor só ocorre se o produto ou serviço não for defeituoso incumbindo a ele o ônus da prova CAVALIERI FILHO 2012 A última excludente 42 de responsabilidade pelo fato do produto é a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro uma situação que se enquadra como ausência de nexo causal Em se tratando de responsabilidade objetiva conforme expresso no CDC a questão se resume ao nexo de causalidade não abrangendo a aferição da culpa CAVALIERI FILHO 2008 Nessa perspectiva a legislação busca resguardar os consumidores atribuindo aos fornecedores a responsabilidade pelos danos causados exceto nos casos em que a conduta exclusiva do consumidor ou de terceiros seja determinante para o ocorrido Essa abordagem visa promover a justiça e a equidade nas relações de consumo equilibrando os interesses das partes envolvidas A responsabilidade pelo fato do produto e serviço é regulamentada por excludentes específicas representando circunstâncias em que não se estabelece o nexo de causalidade Essas excludentes visam evitar a responsabilização integral conforme ressalta Sérgio Cavalieri Filho Mesmo na responsabilidade objetiva é indispensável o nexo causal Esta é a regra universal quase absoluta só excepcionada nos raríssimos casos em que a responsabilidade é fundada no risco integral o que não ocorre no Código do Consumidor Inexistindo relação de causa e efeito ocorre a exoneração da responsabilidade conforme enfatizado em várias oportunidades Essa é a razão das regras dos arts 12 3º e 14 3º do Código do Consumidor porquanto em todas as hipóteses de exclusão de responsabilidade ali mencionadas o fundamento é a inexistência do nexo causal CAVALIERI FILHO 2008 p 252 No contexto da responsabilidade pelo fato do produto as excludentes de responsabilidade civil são delineadas nos incisos do 3º do art 12 do CDC No inciso I o legislador estabelece que a não colocação do produto no mercado é uma excludente mas salienta que o fornecedor deve provar a inexistência do nexo de causalidade A teoria do risco integral é explicitamente afastada Sérgio Cavalieri Filho 2012 argumenta que o inciso I do art 12 ao mencionar que o fornecedor não será responsabilizado se provar que não colocou o produto no mercado pode parecer ineficaz à primeira vista Ele destaca que essa excludente só faz sentido se o produto estiver efetivamente no mercado e o ônus recai sobre o fornecedor para refutar tal presunção Isso é particularmente relevante em casos de produtos falsificados ou introduzidos no mercado de maneira criminosa como em situações 43 em que produtos em construção ou em fase de testes são inseridos de forma indevida Embora essa excludente aborde especificamente o fato do produto não impede que o fornecedor de serviço apresente evidências para provar que não o prestou afastando assim a responsabilidade Portanto uma análise detalhada dessas excludentes contribui para equilibrar os direitos dos consumidores com a necessidade de uma indenização justa em situações em que a conduta do consumidor ou de terceiros desempenha um papel preponderante Assim ao compreender e aplicar corretamente essas excludentes é possível fortalecer a proteção dos consumidores e promover uma dinâmica mais equitativa e segura nas relações de consumo Essa abordagem visa assegurar que a responsabilização ocorra de maneira justa considerando os elementos contextuais e específicos de cada situação Adentrando à responsabilidade por vício ou defeito outra temática crucial contemplada pelo Código de Defesa do Consumidor CDC destacase que quando um produto ou serviço manifesta algum tipo de vício ou defeito que o torna inadequado para o consumo ou que reduz seu valor ou utilidade o fornecedor assume a responsabilidade pela reparação dos prejuízos causados ao consumidor A responsabilidade por vício do produto ou serviço representa uma salvaguarda relevante para os consumidores determinando que o fornecedor é responsável pelos danos quando o produto ou serviço não atende às expectativas de qualidade segurança ou satisfação O CDC em seu artigo 18 detalha essa responsabilidade estabelecendo que os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou que lhes diminuam o valor Além disso o consumidor tem o direito de exigir a substituição das partes defeituosas BRASIL 1990 Art 18 Essa disposição legal visa garantir a qualidade e a segurança dos produtos e serviços fortalecendo os direitos do consumidor e promovendo a equidade nas relações de consumo O sistema de FatoVício e ProdutoServiço no Código de Defesa do Consumidor estabelece uma distinção importante entre duas situações o fato do produto ou do serviço e o vício do produto ou do serviço Essa diferenciação é crucial para compreender as responsabilidades dos fornecedores em relação a produtos ou serviços defeituosos Para contextualizar entendese com defeito 44 Buscando facilitar a caracterização do defeito o 1º do art 12 do Código de Defesa do Consumidor diz que o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera Do ponto de vista legal portanto produto defeituoso é aquele que não oferece a segurança legitimamente esperada ou esperável Quem lava a cabeça com um xampu pode legitimamente esperar que ele não fará mal algum caso atinja seus olhos Quem leva inadvertidamente uma caneta à boca também pode esperar não ser intoxicado por ela É legítimo a mãe esperar que nenhum mal causará ao seu filho o brinquedo de pelúcia que lhe comprou ainda que ele o leve à boca A expectativa de segurança é legítima quando confrontada com o estágio técnico e as condições específicas do tipo do produto ou do serviço mostrase plausível razoável aceitável Se o produto não corresponder a essa segurança legitimamente esperada será defeituoso 2012 p 243 O fato do produto referese a problemas inerentes ao produto que causam danos ao consumidor Esses problemas podem surgir devido a falhas na fabricação no projeto na manipulação na apresentação ou na embalagem do produto O Artigo 12 do CDC estabelece a responsabilidade do fabricante construtor produtor ou importador pelos danos causados por esses defeitos independentemente de culpa Isso significa que se um produto causar danos devido a um defeito o fabricante ou outros agentes citados podem ser responsabilizados TARTUCE NEVES 2022 Por exemplo se um celular superaquece e causa queimaduras devido a um defeito de fabricação na bateria o fabricante pode ser responsabilizado pelo fato do produto A esse respeito é importante destacar no fato do produto ou defeito estão presentes outras consequências além do próprio produto outros danos suportados pelo consumidor a gerar a responsabilidade objetiva direta e imediata do fabricante art 12 do CDC Além disso há a responsabilidade subsidiária ou mediata do comerciante ou de quem o substitua art 13 da Lei 80781990 TARTUCE NEVES 2022 p 329 No que tange ao fato do serviço diz respeito a problemas causados por falhas na prestação de um serviço O Artigo 14 do CDC estipula a responsabilidade dos prestadores de serviços por danos decorrentes de falhas na prestação dos serviços Se um serviço for mal executado e causar danos o prestador de serviço pode ser responsabilizado Por exemplo se uma empresa de manutenção de elevadores realiza um serviço de forma inadequada e isso leva a um acidente o prestador do serviço pode ser responsabilizado pelo fato do serviço Vejamos a doutrina pátria TARTUCE NEVES 2022 p 329 Assim como ocorre com o produto o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar levandose em consideração as circunstâncias relevantes entre as quais o modo de seu fornecimento o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e 45 a época em que foi fornecido art 14 1º da Lei 80781990 Valem os mesmos comentários feitos em relação às modalidades de defeitos no produto na linha das lições de Bruno Miragem antes expostas p 145 Por outra via estabelece o 2º do art 14 do CDC que o serviço assim como ocorre com o produto não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas Dessa forma se uma empresa passa a utilizar uma nova técnica para desentupimento isso não quer dizer que há o reconhecimento de que as medidas anteriores eram ruins ou defeituosas Já o vício do produto se refere a problemas que tornam um produto inadequado para o uso ou diminuem seu valor Esses vícios podem estar relacionados à qualidade à quantidade à durabilidade ou a qualquer outra característica que torne o produto impróprio ou inseguro para o consumo O Artigo 18 do CDC estabelece que o fornecedor é responsável por corrigir ou substituir produtos com vícios Por exemplo se um consumidor compra um refrigerador que não mantém a temperatura adequada há um vício de qualidade e o fornecedor deve corrigir ou substituir o produto A esse respeito destacase o entendimento dos nobres consumeristas TARTUCE NEVES 2022 p 300 De início há a responsabilidade por vício do produto art 18 da Lei 80781990 presente quando existe um problema oculto ou aparente no bem de consumo que o torna impróprio para uso ou diminui o seu valor tido como um vício por inadequação Em casos tais repisese não há repercussões fora do produto não se podendo falar em responsabilização por outros danos materiais além do valor da coisa morais ou estéticos Em suma lembrese que no vício o problema permanece no produto não rompendo os seus limites Por fim o vício do serviço é similar ao vício do produto mas referese a problemas na execução ou prestação de um serviço Isso pode incluir desde falhas na execução do serviço até problemas de qualidade e durabilidade O CDC nos artigos 20 e 21 trata de vícios em serviços como vícios de quantidade ou vícios ocultos estipulando os direitos do consumidor em tais situações Por exemplo se um consumidor contrata um serviço de pintura residencial e a tinta descasca após uma semana é considerado um vício do serviço Além disso destacase algumas particularidades nesses casos Iniciandose pelo vício do serviço aplicase a regra de solidariedade entre todos os envolvidos com a prestação Em outras palavras se um serviço contratado tiver sido mal prestado responderão todos os envolvidos Nos termos do 2 o do art 20 do CDC são considerados como impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade Em casos tais enuncia o caput do mesmo preceito legal que o prestador de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações 46 constantes da oferta ou mensagem publicitária TARTUCE NEVES 2022 p 342 A distinção entre fato e vício é essencial para determinar as responsabilidades dos fornecedores e proteger os direitos dos consumidores O CDC estabelece as diretrizes para lidar com essas situações assegurando que os consumidores tenham direito a reparação ou correção nos casos de produtos ou serviços com defeitos ou problemas que os tornem inadequados para o uso 10 CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC O Código de Defesa do Consumidor no Brasil apresenta características singulares no que diz respeito ao sistema de responsabilidade civil Essas particularidades visam proteger e equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores estabelecendo padrões de responsabilidade específicos que diferem de outros sistemas legais A solidariedade na responsabilidade conforme estabelecida no CDC significa que todos os fornecedores envolvidos na cadeia de fornecimento de um produto ou serviço são responsáveis solidariamente pelos danos causados ao consumidor Isso inclui fabricantes importadores distribuidores vendedores e prestadores de serviços Se um consumidor sofre algum dano em decorrência de um produto ou serviço defeituoso ele tem o direito de acionar qualquer um dos fornecedores envolvidos na cadeia de fornecimento para obter reparação CAVALIERI FILHO 2022 Esse princípio de solidariedade pode ser referenciado nos artigos 7º e 25 do CDC O Artigo 7º parágrafo único estipula que caso o produto ou serviço cause danos ao consumidor todos os fornecedores respondem solidariamente Já o Artigo 25 prevê que todos os fornecedores respondem solidariamente perante o consumidor independentemente de terem participado diretamente da causação do dano BRASIL 1990 Cabe citar crítica da doutrina acerca da aplicação desse instituto tão relevante na defesa do consumidor TARTUCE NEVES 2022 p 294 Pois bem como visto quatro são as hipóteses de responsabilidade civil previstas pelo Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade pelo 47 vício do produto b responsabilidade pelo fato do produto ou defeito c responsabilidade pelo vício do serviço e d responsabilidade pelo fato do serviço ou defeito Em três delas há a solução da solidariedade respondendo todos os envolvidos com o fornecimento ou a prestação Em uma delas a solidariedade não se faz presente A diferenciação não é claramente difundida perante o público jurídico nacional Tanto isso é verdade que muitos erros são cometidos na prática sendo ouvidos com frequência nas salas de aula Imaginemos um cenário em que um consumidor compra um medicamento que devido a um erro na produção causa reações adversas Se o consumidor sofre danos em decorrência dessas reações ele pode acionar tanto a farmácia que vendeu o medicamento quanto o fabricante Ambos são solidariamente responsáveis pelos danos causados mesmo que a farmácia não tenha relação direta com o problema de fabricação Para exemplificar melhor segue decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça Recurso especial Sistema financeiro da habitação Vícios na construção de imóvel cuja obra foi financiada Legitimidade do agente financeiro 1 Em se tratando de empreendimento de natureza popular destinado a mutuários de baixa renda como na hipótese em julgamento o agente financeiro é parte legítima para responder solidariamente por vícios na construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com recursos do Sistema Financeiro da Habitação Precedentes 2 Ressalva quanto à fundamentação do votovista no sentido de que a legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria da mera circunstância de haver financiado a obra e nem de se tratar de mútuo contraído no âmbito do SFH mas do fato de ter a CEF provido o empreendimento elaborado o projeto com todas as especificações escolhido a construtora e o negociado diretamente dentro de programa de habitação popular 3 Recurso especial improvido STJ REsp 738071SC Rel Min Luis Felipe Salomão Quarta Turma j 09082011 DJe 09122011 Contudo cabe ressaltar que a mesma Corte de Justiça decidiu de forma diametralmente oposta em caso semelhante o que causa insegurança jurídica Por certo que o banco não está obrigado a responder por defeito de produto que não forneceu tão somente porque o consumidor adquiriuo com valores obtidos por meio de financiamento bancário Se o banco fornece dinheiro o consumidor é livre para escolher o produto que lhe aprouver No caso de o bem apresentar defeito o comprador ainda continua devedor da instituição financeira Não há relação de acessoriedade entre o contrato de compra e venda de bem de consumo e o de financiamento que propicia numerário ao consumidor para aquisição de bem que pelo registro do contrato de alienação fiduciária tem sua propriedade transferida para o credor STJ REsp 1014547DF Rel Min João Otávio de Noronha Quarta Turma j 25082009 DJe 07122009 Ainda nessa toada de singularidade dos demais sistemas há a inversão do ônus da prova prevista no CDC que é uma ferramenta que desloca a responsabilidade da comprovação de um fato do consumidor para o fornecedor em 48 determinadas situações Quando o consumidor alega um defeito no produto ou serviço cabe ao fornecedor provar que não há defeito ou que a responsabilidade pelo dano não é sua Essa inversão está embasada no Artigo 6º inciso VIII do CDC estabelece que a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil quando a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiências BRASIL 1990 Este artigo garante a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor proporcionandolhe maior proteção e facilitando o acesso à reparação quando houver alegações de defeitos em produtos ou serviços TARTUCE NEVES 2022 p 294 Na inversão judicial caberá ao juiz analisar no caso concreto o preenchimento dos requisitos legais como ocorre no art 6º VIII do CDC que prevê a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor sempre que este for hipossuficiente ou suas alegações forem verossímeis sendo aplicável inclusive nas ações coletivas consumeristas Tratase portanto de inversão ope iudicis e não ope legis É evidente que não basta nesse caso a relação consumerista cabendo ao juiz analisar no caso concreto o preenchimento dos requisitos exigidos por lei Considere a situação em que um consumidor adquire um eletrodoméstico e após um curto período de uso o aparelho apresenta defeitos O consumidor entra com uma ação alegando que o produto é defeituoso De acordo com a inversão do ônus da prova é incumbência do fabricante ou vendedor provar que o produto não é defeituoso ou que o problema não está relacionado à fabricação mas sim a um mau uso por parte do consumidor Sobre a aplicação da inversão do ônus da prova o STJ consolidou entendimento Agravo regimental no agravo de instrumento Tutela antecipada Verificação da presença dos requisitos Art 273 do CPC Reexame de provas Impossibilidade Súmula 7STJ Inversão do ônus probatório Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ Divergência jurisprudencial Ausência de similitude fática 1 É vedado em sede de recurso especial o exame da presença dos pressupostos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela previstos no art 273 do Código de Processo Civil porquanto tal demandaria a incursão nos elementos fáticoprobatórios dos autos Incidência da Súmula 7 do STJ 2 O tema relativo à inversão do ônus da prova foi decidido pelo acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência do STJ sobre o tema no sentido de que a referida inversão não decorre de modo automático demandando a verificação em cada caso da presença dos requisitos autorizadores a saber verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor 3 O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional exige a semelhança entre as circunstâncias fáticas delineadas no acórdão recorrido e as previstas no aresto paradigma situação 49 inexistente no presente caso 4 Agravo regimental a que se nega provimento STJ AgRg no Ag 1300186RS 4ª Turma Rel Min Raul Araújo j 26042011 DJe 10052011 No caso acima a Corte Superior estabeleceu que preenchidos os requisitos de hipossuficiência da parte assim como a verossimilhança das alegações o juízo tem o permissivo legal para proceder com a inversão do ônus da prova 11 A REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS NO BRASIL O estudo do dano moral no Brasil pode ser dividido em dois períodos antes e após a promulgação da Constituição Federal de 1988 Inicialmente é crucial compreender o conceito de dano que passou de uma visão restrita à diminuição do patrimônio da vítima para abranger a subtração ou redução de qualquer bem jurídico incluindo aspectos não patrimoniais como honra imagem e liberdade No Código Civil de 1916 a localização precisa do dano moral é motivo de divergência entre doutrinadores A corrente majoritária sustenta que o artigo 159 do referido código abordava o dano moral enquanto a minoritária argumenta que dispositivos processuais como o artigo 76 eram mais relevantes Alguns juristas como José de Aguiar Dias e Wilson Melo da Silva identificam vestígios de dano moral em outros artigos como os que tratavam dos atos ilícitos contra a honra da mulher arts 1548 e 1549 e casos não econômicos como calúnia e injúria art 1547 valor de afeição art 1548 liberdade art 1550 e feridas físicas art 1538 A contradição de interpretações levanta questionamentos sobre a natureza da indenização em situações específicas como ofensa à liberdade pessoal art 1550 e ultraje ao pudor art 1549 Além disso o amplo caráter do artigo 1553 do Código de 1916 incluía casos não especificados permitindo o arbitramento em situações não previstas evidenciando que o legislador não restringiu a reparação por danos morais aos casos regulamentados corroborando a possibilidade de indenização por dano moral fora do artigo 159 citado pela doutrina O Decretolei n 2681 de 7 de dezembro de 1912 é historicamente relevante no contexto do dano moral no Direito Brasileiro Este decreto considerado por muitos como um marco histórico regulamentou a responsabilidade civil nas estradas de ferro sendo aplicado pelos tribunais em questões relacionadas às atividades de transporte em geral Em seu artigo 21 revogado posteriormente estabelecia que 50 em caso de lesão corpórea ou deformidade o juiz deveria arbitrar uma indenização conveniente destacandose duas características o dever do julgador de arbitrar a indenização e a responsabilidade objetiva do transportador independentemente de culpa Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 algumas leis já previam a indenização por danos morais como o Código Brasileiro de Telecomunicações lei n 41171962 a Lei de Imprensa lei n 52501967 a lei de Falências DecretoLei n 76611945 o Código Eleitoral lei n 47371965 e a lei dos Direitos Autorais lei n 59881973 Nesse período antes de 1988 o reconhecimento do dano moral passou por três fases distintas Inicialmente a maioria era contrária à tese do dano moral puro Com o tempo a aceitação da indenização aumentou mas estava condicionada a eventos prédefinidos Posteriormente houve uma aceitação crescente da tese de dano moral embora não fosse abrangente e absoluta O Des Marcelo Fortes Barbosa destaca essa evolução ressaltando que inicialmente a tese prevalente era a irressarcibilidade do dano moral evoluindo para a admissão da indenização em casos específicos mesmo que inicialmente tratados como dano patrimonial Na época os tribunais resistiam a admitir a indenização por danos morais diretamente optando muitas vezes por classificar o dano como patrimonial evitando a denominação direta da dor como objeto de compensação monetária Em contraste com a jurisprudência a doutrina majoritária sempre defendeu a reparação do dano moral puro em casos de lesões a bens imateriais Entretanto alguns doutrinadores discordavam dessa abordagem dividindose entre as correntes da teoria negativista eclética e positivista Os adeptos da corrente negativista fundamentavam sua posição em pressupostos como a falta de efeito penoso durável incerteza sobre a violação de um direito indeterminação do número de pessoas lesadas impossibilidade de avaliação rigorosa em termos monetários e a imoralidade de compensar a dor com dinheiro entre outros A teoria eclética adotava uma posição intermediária aceitando a ressarcibilidade por danos morais em três situações específicas quando causassem dano material originassem de um delito criminal ou quando a lei expressamente determinasse Por outro lado os positivistas notavelmente Teixeira de Freitas introduziram a possibilidade de indenização por danos morais em seu projeto de Código Civil Essa abordagem defendia a admissibilidade da indenização sem 51 restrições Posteriormente doutrinadores como Ávio Brasil criaram sistemas de regras para arbitrar o dano moral analisando aspectos como o enriquecimento sem causa equilíbrio social entre ofensor e vítima e a extensão do dano sendo um precursor do sistema utilizado nos dias atuais As doutrinas que propunham ampla aplicação da reparação dos danos morais fortalecendo a corrente positivista encontraram respaldo em projetos de leis não aprovados como o Código das Obrigações de 1941 que expressamente incluía o dano moral Gradualmente a doutrina foi ganhando aceitação nos tribunais brasileiros culminando na promulgação da Constituição Federal de 1988 Esta Constituição encerrou a polêmica sobre a possibilidade de reparação por danos morais ao incluir nos artigos 5 incisos V e X não apenas a previsão de indenização por dano moral mas também por dano material e à imagem Em decorrência desses dispositivos constitucionais tanto a jurisprudência quanto a doutrina concluíram que não deveria haver limitações ao dever de indenizar levando à revogação de leis infraconstitucionais que fixavam valores indenizatórios Nesse contexto foram promulgadas várias leis esparsas regulando a questão destacandose o Código de Defesa do Consumidor que garantiu sua aplicação em todos os ramos do direito onde o consumidor estiver envolvido Com a promulgação e vigor do Código de Defesa do Consumidor houve uma significativa melhora nas relações de consumo especialmente no amparo e na tutela dos interesses entre consumidores e empresas considerando a disparidade econômica entre as partes Melo 2011 p 23 destaca em sua obra a relevância dessa legislação No cenário pósConstituição de 1988 a Lei n 8079 de 11 de setembro de 1990 conhecida como Código de Defesa do Consumidor surge como a legislação mais abrangente e irrestrita em relação ao dano moral Ela positiva a proteção aos direitos da personalidade de qualquer consumidor sem limitações afirmando que a reparação por danos patrimoniais e morais visa efetivamente prevenir danos a pessoas consideradas individual ou coletivamente art 6 I e VI A reparação por danos morais a consumidores lesados deve ser compreendida como ampla total e sem restrições sem se sujeitar a tarifamentos ou limitações Além de abordar danos morais e materiais o Código de Defesa do Consumidor oferece proteções fundamentais alinhadas com a Constituição Federal de 1988 como o dever de proteção do Estado a imposição de sanções 52 administrativas arts 55 a 60 e ações penais arts 61 a 80 O Código reconhece direitos básicos do consumidor como o direito à vida à saúde e à segurança arts 6º I 8º 9º 10 12 1º e 18 6º Considerado pela doutrina como a legislação mais moderna e avançada de defesa do consumidor no mundo o Código de Defesa do Consumidor Lei n 8078 de 11 de setembro de 1990 abrange diversas formas de proteção conforme Melo 2012 p 13 Proíbe cobranças vexatórias art 42 permite a repetição de indébito em dobro nos casos de cobrança indevida ou excessiva art 42 parágrafo único e oferece proteção contra publicidade enganosa métodos comerciais desleais e práticas abusivas arts 6º IV e 39 a 42 O Código veda cláusulas abusivas arts 6º V e 51 a 53 e faculta ao consumidor a busca de todas as ações judiciais que garantam sua tutela adequada e efetiva art 83 Garante amplo acesso aos órgãos judiciários e administrativos com isenção de taxas e custas art 6º VII além de prever a facilitação do direito de defesa inclusive com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor quando a alegação for verossímil art 6º VIII Vale ressaltar que a responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços é objetiva estabelecendo que uma vez estabelecido o nexo de causalidade entre o produto ou serviço fornecido e o dano sofrido pelo consumidor o fornecedor é obrigado a indenizar o consumidor ou usuário lesionado A proteção ao consumidor especialmente em relação à reparação de danos materiais e morais é mais abrangente no Código de Defesa do Consumidor CDC do que nas disposições do Código Civil ou em outras leis específicas O CDC é a legislação brasileira mais abrangente na sistematização da responsabilidade civil por danos morais Antes de sua promulgação o consumidor estava sujeito a abusos com o risco do negócio sendo dele Essa inversão de responsabilidades persistiu até a entrada em vigor do CDC Os direitos do consumidor inseridos na categoria de novos direitos surgiram no século XX em resposta às mudanças sociais e tecnológicas tornandose uma regra fundamental da ordem econômica Segundo Venosa 2013 p 236 os direitos do consumidor surgem como forma de proteção do indivíduo diante do desenvolvimento alcançado pelas sociedades de consumo A vulnerabilidade do consumidor é parte essencial desse contexto Os consumidores que buscam reparação por danos morais percebem que muitos dos abusos são considerados pelo Judiciário como meros aborrecimentos Apenas uma pequena parcela obtém reparação e mesmo nesses casos as condenações são frequentemente de valores reduzidos em comparação com os estabelecidos nas sentenças 53 Gil Messias Fleming em um artigo na Revista Jurídica Consulex 2014 p 57 destaca que empresas veem vantagens em continuar com atos ilícitos pois poucos prejudicados recorrem ao Judiciário para defender seus direitos violados e uma ínfima parte obtém sucesso Com a redução dos valores de indenização alguns magistrados acreditam que isso poderia desestimular ações sem importância contribuindo para conter a banalização do dano no sistema judiciário Diante da crescente demanda por reparação de danos morais e da evolução no entendimento doutrinário e jurisprudencial surgiram três finalidades distintas para o valor indenizatório compensatória punitiva e preventiva Santana 2014 p 162 destaca que embora existam divergências doutrinárias as diversas funções da reparação do dano moral formam na realidade uma unidade O sistema jurídico prevê uma resposta proporcional ao dano moral considerando suas peculiaridades e buscando cumprir suas várias finalidades simultaneamente Em toda reparação de dano moral os profissionais do direito devem estar atentos a essas diversas finalidades para evitar uma aplicação incompleta do sistema jurídico vigente A oposição ao modelo de dano moral punitivo se baseia na ausência no sistema judiciário brasileiro de previsão para pena privada ao contrário do que ocorre nos países da Common Law Argumentam que impor uma reparação punitiva levaria ao enriquecimento sem causa da vítima Por outro lado os defensores do dano punitivo afirmam que a mera reparação não atende plenamente às funções do dano moral que incluem a compensatória punitiva e preventiva A função compensatória é amplamente aceita na doutrina e jurisprudência concentrandose na compensação adequada dos danos sofridos pela vítima sem excessos Alguns doutrinadores defendem que a função compensatória deve ser a única associada ao dano moral seguindo essa linha de raciocínio como argumentam João de Lima Teixeira e Humberto Theodoro Junior entre outros Melo 2011 p 107 argumenta que o professor Humberto Theodoro Junior defende a inexistência de caráter punitivo na fixação da indenização por danos morais Ele destaca que no contexto constitucional brasileiro a responsabilidade civil não deve ser confundida com a responsabilidade penal pois a primeira é estritamente de ordem privada enquanto a segunda é essencialmente de ordem pública Theodoro Junior baseia sua tese na Constituição Federal afirmando que em nosso sistema de garantias constitucionais as penas só podem ser estabelecidas e aplicadas por 54 força de lei CF art 5 XXXIX Portanto uma sentença que ultrapasse os limites usuais da indenização sob o argumento falso e juridicamente incorreto de punir exemplarmente o agente para desestimulálo de repetir a prática violaria a Constituição Entretanto o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo de Instrumento n 455846 publicado em 11102004 adotou a posição de que a indenização por danos morais deve ter uma função punitiva de natureza compensatória ou reparatória A função punitiva embora controversa na doutrina e jurisprudência já reconhece a combinação punitivacompensatória do dano moral Essa função busca compensar a vítima pelos danos sofridos e punir o ofensor desestimulando a prática abusiva A corrente contrária à função punitiva argumenta a falta de uma regra expressa prevendo essa sanção e aponta que as existentes indicam o contrário No entanto os defensores da função punitiva fundamentamse nos princípios constitucionais especialmente na garantia de tutela jurisdicional contra qualquer lesão ou ameaça de lesão de direito Gonçalves 2012 p349 destaca que o caráter punitivo é indireto causando um desfalque patrimonial no autor do dano que pode desencorajar a reiteração da conduta lesiva Isso reforça a ideia de que a principal finalidade das indenizações não é punir mas sim reparar o patrimônio do lesado Destacase que a função punitiva mencionada tem origem no sistema jurídico da Common Law por meio do instituto conhecido como punitive damages cujo propósito é punir exemplarmente aquele que violou o ordenamento jurídico Em casos específicos visa também tutelar a coletividade servindo como exemplo para dissuadir outros de cometerem ilícitos Por outro lado a função preventiva busca regular a convivência social para desencorajar e inibir futuras violações dos direitos da personalidade O judiciário deve focar na prevenção do ato ilícito dirigindo essa finalidade a todos os membros de uma sociedade juridicamente organizada A imposição de condenação pecuniária serve como desestímulo aos demais integrantes da sociedade evitando a prática de ilícitos Embora alguns doutrinadores critiquem a função preventiva do valor do dano moral argumentando que o aumento desse valor em nome da sociedade desvia o propósito do direito privado a maioria da doutrina e jurisprudência se opõe a essa visão Santana 2014 p 170 destaca que o dano moral verificado diretamente ou por presunção judicial é sempre passível de tutela pelo direito A reparação 55 pecuniária exerce uma função inibidora prevenindo práticas futuras que violem os direitos da personalidade A sanção do dano moral é considerada um alerta à sociedade indicando que o sistema jurídico não tolera lesões aos bens imateriais da pessoa humana Adolpho Paiva Faria Junior argumenta que além da função compensatória a reparação do dano moral busca desestimular atos semelhantes levando o agressor a refletir sobre suas ações futuras funcionando como meio inibitório para evitar recidivas A função preventiva está intrinsicamente ligada à reparação do dano moral uma vez que o ordenamento jurídico visa prevenir o ilícito especialmente no que diz respeito aos direitos da personalidade Conforme Santana 2014 p 170 a lesão respectiva jamais encontrará uma equivalência absoluta mas a sanção em dinheiro servirá apenas como meio relativo de resposta ao direito positivo No que concerne à determinação do valor da indenização é relevante salientar inicialmente que o Código Civil Brasileiro confere ao juiz a prerrogativa de arbitrar a compensação de maneira discricionária O parágrafo único do artigo 953 estipula que se o ofendido não puder comprovar o prejuízo material cabe ao juiz estabelecer de forma equitativa o montante da indenização levando em conta as circunstâncias do caso com atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade A legislação vigente não apresenta parâmetros específicos para orientar a fixação do quantum indenizatório A problemática relacionada à determinação do valor da indenização constitui uma das questões mais controversas no contexto do dano moral principalmente devido à ausência de critérios estabelecidos por lei A doutrina predominante argumenta que a definição de um valor que compense a vítima e ao mesmo tempo sancione o ofensor requer uma análise do grau de culpa da capacidade econômica das partes das circunstâncias fáticas da extensão da lesão das condições sociais e políticas da vítima e do ofensor entre outros fatores todos somados aos critérios constitucionais de razoabilidade e proporcionalidade Melo 2011 p 97 destaca as dificuldades práticas dessa abordagem observando que os critérios de razoabilidade e proporcionalidade podem variar de acordo com a educação social religiosa filosófica e política de quem realiza a análise Além disso destacase a impossibilidade real e física de os magistrados examinarem detalhadamente cada processo dadas as limitações de recursos e pessoal qualificado nos tribunais resultando em uma atividade jurisdicional técnica 56 fria distante impessoal e muitas vezes tardia No contexto desse problema surge a proposta de tarifação do valor do dano moral uma posição defendida por uma parcela minoritária da doutrina No entanto é importante ressaltar que não existem limites predeterminados em lei para a fixação do quantum nas indenizações por dano moral Os doutrinadores que sustentam esse ponto de vista argumentam que existem limitações em tratados como o de Varsóvia e em leis infraconstitucionais como a Lei de Imprensa revogada que não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988 uma vez que ao regulamentar a matéria não estabeleceram nenhum limite ao valor da indenização Essa posição é respaldada pela Súmula 281 do Superior Tribunal de Justiça que afirma A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa Em suma a Constituição Federal como a principal norma do ordenamento jurídico brasileiro não estabeleceu limites para o valor das indenizações por danos morais Mesmo com vários projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional buscando impor esses limites é importante considerar que leis infraconstitucionais não devem fazêlo uma vez que a Carta Magna não o fez Quanto à discussão sobre a tarifação há divergências entre doutrinadores Enquanto alguns apoiam essa abordagem outros como Melo 2011 p 102 discordam Ele destaca em sua obra que ao constitucionalizar o dano moral diversos fundamentos são apresentados para repelir tentativas de estabelecer limites legais à liberdade do juiz na fixação das indenizações Na visão desses críticos a tarifação é inconveniente pois inicialmente viola o princípio da equidade ao restringir os poderes do juiz na aplicação da justiça ao caso específico Além disso questionase como atribuir a cada indivíduo o que é de direito se esse direito já estiver previamente tarifado A tarifação nessa perspectiva seria contraproducente infringindo o preceito constitucional de reparação proporcional ao agravo sem limitações prejudicando os direitos subjetivos da vítima ao transferir a ela a obrigação de suportar um valor previamente estipulado por lei A destinação da parcela punitiva do valor da indenização por dano moral é uma questão controversa com três teses principais a destinar a uma instituição beneficente local escolhida pelo juiz b ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos conforme a Lei n 900895 c à parte vítima Ao aprofundar a análise é crucial destacar os critérios para determinar o destinatário da parcela pedagógicopunitiva que visa punir e proporcionar aprendizado ao responsável pelo ato ilícito 57 Inicialmente verificase se o valor fixado desencorajaria o ofensor condenandoo ao pagamento à vítima sem enriquecimento sem causa alcançando um montante razoável e proporcional para minimizar as ofensas Contudo se a finalidade não é compensar a vítima surge a discordância Segundo Araújo 2012 p 2 se a vítima já foi suficientemente compensada na primeira etapa compensatory damages destinar ambas as quantias à vítima seria contraditório O magistrado Fabrício Simão da Cunha Araújo 2012 da 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo OtoniMG argumenta que a parcela pedagógica não deve beneficiar a vítima duas vezes Ele sugere direcionála a uma instituição beneficente ou fundo de proteção a direitos difusos evitando afrontar a isonomia impedindo enriquecimento indevido e permitindo que o Estado zele pelos valores constitucionais Destaca que ao se tratar de ofensa ao direito do consumidor a coletividade é atingida possibilitando ao juiz de ofício destinar essa parcela a uma instituição de beneficência cadastrada seguindo a inteligência do artigo 883 parágrafo único do Código Civil ou do artigo 13 da Lei n 7347 de 1985 Ação Civil Pública Em resumo o magistrado mencionado defende que a parcela pedagógico punitiva do valor da indenização por dano moral deve ser direcionada a uma instituição de beneficência local considerando a proximidade da conduta reprovável na comunidade afetada Entretanto ao destinar essa parcela a um terceiro externo à relação jurídica processual há o risco de configurar um julgamento extra petita conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia Reclamação n 12062GO A decisão nula condenou a parte ré ao pagamento de indenização por danos sociais a um terceiro estranho à lide sem pedido nesse sentido ou alegação das partes Aqueles que advogam pela destinação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos como proposto por Fleming 2014 p 58 fundamentamse no direito do consumidor Argumentam que dessa forma o consumidor seria indenizado de acordo com a sua condição e a extensão do dano enquanto a sociedade receberia uma compensação significativa capaz de desencorajar novos atos ilícitos da empresa O valor seria destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos conforme previsto na Lei n 900895 e no Código de Defesa do Consumidor 58 Essa abordagem considera que todo dano causado a um consumidor envolve um dano residual com impactos na comunidade Coelho 2009 p 255 esclarece que o destino da reparação do dano moral deve beneficiar diretamente a vítima mas quando há acréscimos como a parcela punitiva que beneficia a sociedade ao desencorajar condutas prejudiciais não seria justo entregála exclusivamente à vítima Diferentemente dessas posições mencionadas alguns estudiosos defendem que o valor da parcela pedagógicopunitiva na indenização por danos morais deve ser completamente destinado à própria vítima Nesse contexto não haveria necessidade de considerar o enriquecimento da vítima uma vez que a justificativa para essa destinação seria o próprio dano sofrido Os quatro elementos fundamentais da responsabilidade civil conduta dano culpa e nexo causal desempenham um papel essencial na análise desse instituto jurídico A presença desses elementos é necessária para atribuir a alguém a obrigação de reparar um dano causado a outrem Ao longo do tempo diversos autores renomados contribuíram significativamente para a compreensão desses elementos Importante destacar que alguns estudiosos consideram a culpa como um componente adicional da responsabilidade civil sendo um elemento que auxilia na determinação da responsabilidade e no grau de negligência ou imprudência da parte envolvida no evento danoso A conduta ponto crucial na responsabilidade civil referese à ação ou omissão do agente que resulta no dano De acordo com Diniz 2017 p 159 Conduta é a ação ou omissão humana voluntária e consciente que gera a relação de causalidade com o dano Gonçalves 2015 destaca que a lei abrange qualquer pessoa que por ação ou omissão cause dano a outrem No livro Curso de Direito Civil Brasileiro 2017 Maria Helena Diniz salienta que a conduta representa a manifestação externa da vontade humana capaz de gerar efeitos jurídicos podendo ser positiva em caso de ação ou negativa em omissão ambas com possíveis consequências jurídicas A análise da conduta deve considerar a consciência e a vontade do agente em relação aos seus atos A culpa caracterizada pela falta de cuidado na conduta que resultou no dano representa a ausência da diligência necessária conforme destaca Gonçalves 2015 A reparação do dano requer a comprovação legal do dolo ou culpa do agente A culpa consiste na violação do dever objetivo de cuidado seja por 59 negligência imprudência ou imperícia CAVALIERI FILHO 2018 p 219 afirma o autor Carlos Roberto Gonçalves em Responsabilidade Civil 2019 enfatiza que a culpa é a transgressão de um dever de cuidado objetivo classificandoa em três aspectos negligência imprudência e imperícia A negligência referese à falta de precauções para evitar o dano enquanto a imprudência envolve ações precipitadas e emocionadas A imperícia está relacionada à falta de habilidade ou conhecimento técnico Gonçalves destaca que a culpa deve ser analisada sob a perspectiva do homem médio ou seja o padrão de comportamento esperado de uma pessoa comum em circunstâncias semelhantes Quanto ao dano ele representa a lesão ou prejuízo sofrido pela vítima abrangendo aspectos materiais morais ou psicológicos O dano é a lesão ou diminuição patrimonial ou sofrida moral por uma pessoa em decorrência da conduta ilícita de outrem GONÇALVES 2019 p 89 Sérgio Cavalieri Filho 2019 define o dano como toda lesão a um bem jurídico tutelado pelo Direito englobando desde danos materiais como perda ou destruição de um bem até danos morais que envolvem lesões aos direitos da personalidade como a honra a intimidade e a imagem O nexo causal componente crucial na responsabilidade civil estabelece a conexão direta e imprescindível entre a ação ou omissão do agente e as consequências prejudiciais sofridas pela parte lesada Theodoro Júnior 2020 p 388 define o nexo causal como a ligação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima sendo este um requisito indispensável para a configuração da responsabilidade civil Cahali 2019 destaca o nexo causal como o elemento que conecta a atitude do agente ao dano sofrido pela vítima ressaltando que não é necessária uma relação direta e imediata mas sim um elo efetivo e provável entre a conduta do agente e as consequências danosas A avaliação minuciosa dos quatro elementos implica na obrigação de reparar danos causados sendo as consequências de cada elemento dependentes dos fatos e circunstâncias específicos de cada situação Assim o autor é responsável pelas consequências de suas ações assegurando a justiça e a proteção dos direitos das vítimas Compreender adequadamente esses elementos é essencial para garantir a coerência e a justiça promovendo assim a segurança jurídica na sociedade 60 12 A NOÇÃO GERAL DE DEFEITO E SEU PAPEL NA TUTELA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC O conceito de defeito abrange uma gama de situações em que um produto ou serviço não está em conformidade com as expectativas razoáveis do consumidor e sua compreensão é crucial para a proteção dos direitos do consumidor No CDC o defeito é um elemento central para a responsabilização dos fornecedores garantindo a segurança e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos no mercado De acordo com o CDC o defeito é abordado em diferentes modalidades O Artigo 12 trata dos defeitos de fabricação projeto fórmula manipulação apresentação ou embalagem dos produtos BRASIL 1990 Como se vê da obra de Bruno Miragem 2010 ele elenca três modalidades de defeitos que podem ser retiradas desse comando legal Defeitos de projeto ou concepção aqueles que atingem a própria apresentação ou essência do produto que gera danos independentemente de qualquer fator externo Exemplo citado pelo jurista é o do remédio talidomida cujo uso em pacientes grávidas para minorar efeitos de indisposição deu causa a deformações físicas da criança43 Como exemplo podem ser invocados os fogos de artifício e o caso do cigarro tema que ainda será aprofundado no presente capítulo Defeitos de execução produção ou fabricação relativos a falhas do dever de segurança quando da colocação do produto ou serviço no meio de consumo A título de ilustração citese a hipótese em que o veículo é comercializado com um problema no seu cinto de segurança sendo necessário convocar os consumidores para o reparo recall Citese ainda a situação concreta julgada recentemente pelo STJ em que se reconheceu o fato do produto pois o air bag do veículo não funcionou agravando o dano quando do acidente Consta da ementa do julgado que cita esta obra considerase o produto como defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele se espera levandose em consideração a época e o modo em que foi prestado e no que mais importa para a espécie os riscos inerentes a sua regular utilização O fato da utilização do air bag como mecanismo de segurança de periculosidade inerente não autoriza que as montadoras de veículos se eximam da responsabilidade em ressarcir danos fora da normalidade do uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam art 12 1º II do CDC STJ REsp 1656614SC Terceira Turma Rel Min Nancy Andrighi j 23052017 DJe 02062017 Defeitos de informação ou comercialização segundo Bruno Miragem aqueles decorrentes da apresentação ou informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição ou riscos44 Para concretizar imaginese a hipótese em que um brinquedo foi comercializado como dirigido para uma margem de idade inadequada podendo causar danos às crianças 61 Já o Artigo 14 aborda os defeitos nos serviços prestados enquanto o Artigo 18 trata dos vícios de qualidade ou quantidade nos produtos ou serviços O defeito pode se manifestar de várias formas como na inadequação falta de segurança durabilidade qualidade quantidade ou mesmo em informações insuficientes sobre o produto ou serviço BRASIL 1990 A lei estabelece que um produto ou serviço é considerado defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera levando em consideração fatores como a apresentação uso e os riscos razoáveis que dele se esperam Isso implica que um produto ou serviço pode ser considerado defeituoso se não oferecer a segurança que o consumidor tem o direito de esperar CAVALIERI FILHO 2022 O CDC prescreve que um produto defeituoso é aquele que oferece riscos à saúde ou segurança do consumidor além do razoavelmente esperado BRASIL 1990 Além disso o CDC estabelece que há a possibilidade de um produto ser considerado defeituoso mesmo que ele tenha sido lançado no mercado sem nenhum problema aparente mas posteriormente se descubra um defeito que torne o produto inseguro ou inadequado ao consumo Essa é uma característica relevante da legislação proporcionando aos consumidores um prazo razoável após a descoberta do defeito para acionar o fornecedor e buscar reparação conforme se extrai da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Direito do consumidor Vício do produto Celular Prazo de garantia contratual expirado Defeito surgido dois meses após Conceito de vida útil e obsolescência programada Condicionamento do conserto a depósito de valor considerável Dever de devolução do preço pago Complexidade da causa inexistente Dano moral não configurado Recurso provido em parte TJRS Recurso Cível n 00013348320178219000 Capão da Canoa Terceira Turma Recursal Cível Rel Des Cleber Augusto Tonial j 09032017 DJERS 15032017 A tutela da responsabilidade civil no CDC se baseia fortemente na noção de defeito sendo essencial para a garantia dos direitos dos consumidores O código estabelece uma série de direitos em casos de produtos ou serviços defeituosos como a possibilidade de reparação substituição do produto ou serviço ou a restituição do valor pago pelo consumidor A legislação procura por meio dessa abordagem promover um ambiente de consumo mais seguro e justo garantindo que os consumidores tenham recursos efetivos para lidar com produtos ou serviços 62 que não atendam às expectativas razoáveis de qualidade e segurança CAVALIERI FILHO 2022 É importante ressaltar que o CDC se preocupa em oferecer proteção ao consumidor não apenas em relação aos danos causados por produtos ou serviços defeituosos mas também em relação à prevenção de possíveis danos incentivando a oferta de produtos seguros e de qualidade Isso implica não somente na reparação dos danos já ocorridos mas na antecipação de situações de risco estabelecendo a necessidade de informação clara e adequada sobre os produtos ou serviços para prevenir possíveis incidentes CAVALIERI FILHO 2022 121 Demais excludentes de responsabilidade civil no sistema do CDC A excludente de responsabilidade civil é um conceito legal que se refere a circunstâncias específicas nas quais uma pessoa ou entidade pode ser isenta ou desobrigada de responder por um dano causado a terceiros Em termos simples é uma condição que exclui ou limita a responsabilidade de alguém em relação a um prejuízo ou dano que tenha sido causado a outra pessoa TARTUCE NEVES 2022 No contexto do Código de Defesa do Consumidor as excludentes de responsabilidade civil desempenham um papel relevante para os fornecedores pois estabelecem situações em que eles não são responsabilizados pelos danos causados aos consumidores Existem diversas modalidades de excludentes de responsabilidade no CDC e é importante entender cada uma delas para uma análise abrangente Dentre as modalidades mais significativas destacase a culpa exclusiva do consumidor estabelecendo que a responsabilidade do fornecedor pode ser excluída se o dano for causado exclusivamente por culpa do consumidor ou de terceiros Isso significa que se o consumidor agir de forma negligente imprudente ou de qualquer maneira que contribua para o dano o fornecedor não será responsabilizado O Artigo 12 3º III aborda essa excludente BRASIL 1990 Denari 2007 p 120 leciona sobre esse aspecto incluindo o entendimento sobre a culpa concorrente uma vez que o CDC apenas alçou à categoria de causa excludente a culpa exclusiva da vítima silenciandose quanto à culpa concorrente não se podendo dar interpretação ampliativa à norma concluímos que caso haja atuação culposa de ambos os lados consumidor vítima fornecedor 63 agente causador do dano deverá a vítima ser integralmente ressarcida sem mitigação do quantum condenatório Contudo existe entendimento doutrinário contrário Notase que as hipóteses previstas como excludentes da responsabilidade atuam diretamente sobre o nexo de causalidade rompendoo e assim afastando o dever de indenizar Diversa é a situação de eventual concorrência entre o comportamento da vítima ou de terceiro e o defeito do produto Nesse caso não há propriamente exclusão da responsabilidade mas apenas sua mitigação já que o nexo causal persiste no que se refere à parte do dano causada de fato pelo defeito Assim havendo concorrência de causas na hipótese de fato do produto ou do serviço a responsabilidade do fornecedor apesar de ainda existir deverá ser mitigada TEPEDINO 2021 p 250 Ainda no inciso III 3º do art 12 é abordada outra excludente que é a culpa exclusiva de terceiro TARTUCE NEVES 2022 p 412 Apesar de a lei mencionar a culpa exclusiva de terceiro seria melhor utilizar o termo fato exclusivo de terceiro uma vez que a responsabilidade civil pelo CDC em regra independe de culpa o que pode gerar a confusão Na verdade a expressão fato exclusivo é concebida em sentido amplo a englobar a culpa desrespeito a um dever preexistente e o risco assumido por outrem conduta acima da situação de normalidade uma iminência de perigo que pode causar dano Muitos acórdãos acertadamente preferem a expressão ampla por todos TJSP Apelação 90592930620048260000 Acórdão 4978699 Bauru Vigésima Quarta Câmara de Direito Privado Rel Des Rômolo Russo j 24022011 DJESP 23032011 TJRS Recurso Cível 71002709756 Porto Alegre Primeira Turma Recursal Cível Rel Des Leandro Raul Klippel j 26082010 DJERS 02092010 TJRJ Apelação 200900105440 Primeira Câmara Cível Rel Des Camilo Ribeiro Ruliere j 27052009 DORJ 14072009 p 55 e TJPR Apelação Cível 04734974 Foz do Iguaçu Décima Câmara Cível Rel Des Marcos de Luca Fanchin DJPR 08082008 p 113 Deve ficar claro que esse terceiro deve ser pessoa totalmente estranha à relação jurídica estabelecida Se houver qualquer relação de confiança ou de pressuposição entre tal terceiro e o fornecedor ou prestador o último responderá Anotese que nos casos envolvendo a oferta ou publicidade há norma específica a respeito da relação de pressuposição dos envolvidos com a publicidade no art 34 da Lei 80781990 O CDC também reconhece o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade O caso fortuito referese a eventos imprevisíveis e inevitáveis enquanto a força maior envolve eventos que estão fora do controle das partes envolvidas Se um dano ocorrer devido a um desses fatores o fornecedor pode ser isento de responsabilidade conforme o Artigo 12 parágrafo 3º inciso I e o Artigo 14 parágrafo 3º inciso I Nesses casos Cavalieri Filho 2021 p 113 defende que estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e por isso inevitável se o evento for irresistível ainda que previsível por se tratar de fato superior às forças do agente como normalmente são os fatos da Natureza tempestades enchentes furacões 64 etc estaremos em face da força maior como o próprio nome o diz É o act of God no dizer dos ingleses em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitálo ainda que previsível Em certos casos o CDC admite excludente de responsabilidade baseada na ausência de defeito Tal concepção parece óbvia e está elencada no artigo 12 parágrafo 3º inciso II Contudo Tartuce e Neves 2020 p 390 A título de exemplificação cumpre destacar que muitos julgados apontam a ausência de defeito como excludente da responsabilidade civil das empresas de cigarro pois um produto perigoso não é defeituoso por todos TJRJ Apelação Cível 35312002 Rio de Janeiro Sexta Câmara Cível Rel Des Luiz Zveiter j 21052002 O tema ainda será aprofundado no presente capítulo Todavia já fica clara a minha opinião doutrinária no sentido de que há no cigarro um defeito na sua própria concepção surgindo daí o dever de reparar das empresas tabagistas Outra excludente relevante é a prescrição que estabelece prazos para que os consumidores exerçam seus direitos em casos de produtos ou serviços defeituosos Se o consumidor não ajuizar ação dentro do prazo estabelecido o fornecedor não será responsabilizado O prazo de prescrição varia de acordo com o tipo de dano e pode ser encontrado no art 27 do CDC devendo se atentar ao seguinte É antiga a máxima jurídica segundo a qual o exercício de um direito não pode ficar pendente de forma indefinida no tempo O titular deve exercêlo dentro de um determinado prazo pois o direito não socorre aqueles que dormem Com fundamento na pacificação social na certeza e na segurança da ordem jurídica é que surge a matéria da prescrição e da decadência Podese ainda afirmar que a prescrição e a decadência estão fundadas em uma espécie de boafé do próprio legislador ou do sistema jurídico TARTUCE NEVES 2020 p 241 Essas excludentes de responsabilidade são cruciais para garantir a justiça nas relações de consumo Elas reconhecem que nem todo dano é necessariamente atribuível ao fornecedor e que fatores externos comportamento do consumidor ou circunstâncias imprevisíveis podem desempenhar um papel na ocorrência de danos Portanto as excludentes visam equilibrar os interesses das partes envolvidas e promover uma abordagem justa na responsabilização dos fornecedores TARTUCE NEVES 2020 É importante observar que embora o CDC inclua essas excludentes de responsabilidade ele mantém um foco na proteção dos consumidores de modo que essas defesas não sejam utilizadas indevidamente para prejudicar os direitos dos consumidores A interpretação e aplicação das excludentes deve ser feita de maneira equilibrada considerando as circunstâncias específicas de cada caso 65 13 RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMERCIANTE PELO DEFEITO DO PRODUTO OU SERVIÇO No que diz respeito à responsabilidade relacionada ao defeito o Código de Defesa do Consumidor CDC conforme já abordado especificou quais fornecedores poderiam ser responsabilizados nesse caso mencionando apenas o produtor o construtor o fabricante e o importador excluindo assim o comerciante Em tais situações a doutrina destaca que o comerciante possui responsabilidade mediata respondendo apenas nas condições previstas no art 13 do CDC Em outras palavras ele é responsável quando o fabricante construtor produtor ou importador não puderem ser identificados o produto for fornecido sem clara identificação de seu fabricante produtor construtor ou importador ou se não conservar adequadamente produtos perecíveis BRASIL 1990 Além disso a exceção à solidariedade se aplica ao defeito conforme estabelecido nos artigos 12 e 13 do CDC uma vez que esses dispositivos estabelecem a responsabilidade imediata do fabricante ou de quem o substitua nesse papel bem como a responsabilidade subsidiária do comerciante TARTUCE NEVES 2017 Assim o sistema jurídico aceitou a teoria da responsabilidade subsidiária para os comerciantes em relação ao fato do produto Portanto observa se que o comerciante pode ter sua responsabilidade equiparada à dos demais fornecedores respondendo de forma secundária pela reparação dos danos causados aos consumidores devido a defeitos nos produtos mas apenas nos casos descritos no artigo 13 do CDC No entanto o fabricante tem o direito de comprovar a culpa exclusiva do comerciante excluindo assim a sua responsabilidade conforme os artigos mencionados acima Para esclarecer a presença ou ausência de solidariedade Tartuce e Neves 2017 apresentam um quadro informativo sobre a responsabilidade pelo vício do produto e pelo fato do produto ou defeito Esse quadro destaca a existência de solidariedade em algumas situações mas não em outras dependendo da natureza da responsabilidade Portanto o comerciante pode ter sua responsabilidade equiparada aos demais fornecedores respondendo de forma secundária pela reparação dos danos causados aos consumidores em casos específicos conforme delineado no artigo 13 do CDC 66 13 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL A responsabilidade civil no contexto do direito do consumidor é regida como responsabilidade civil objetiva conforme estabelecido no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor CDC que dispõe que independentemente de culpa os fornecedores de produtos ou serviços são responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de sua fabricação construção montagem fórmula manipulação apresentação ou acondicionamento A jurisprudência desempenha um papel crucial na interpretação e aplicação das normas do CDC relacionadas à responsabilidade civil dos fornecedores As decisões judiciais frequentemente invocam o princípio da vulnerabilidade buscando equilibrar as relações de consumo e fortalecer a proteção ao consumidor Essa tendência se reflete em casos envolvendo produtos defeituosos serviços inadequados publicidade enganosa vício de informação e práticas abusivas Um exemplo é a Apelação Cível julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal em 2023 que abordou uma ação cominatória de obrigação de fazer cumulada com indenização por dano moral O caso envolvia um vício em um componente de um automóvel zero quilômetro resultando em impossibilidade de uso A decisão destacou que a demora no reparo da peça e a alegação de prazo razoável foram cruciais O tribunal entendeu que a ação desvirtuou o artigo 18 do CDC ao buscar a substituição do veículo por um novo do mesmo modelo em vez de seguir as opções estipuladas pelo código Quanto ao dano moral o tribunal concluiu pela sua inexistência pois não houve comprovação de lesão aos direitos da personalidade que causasse dor sofrimento angústia ou constrangimento ao consumidor Outro exemplo relevante é um Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça STJ em 2023 O tema tratava da responsabilidade civil e da inversão do ônus da prova Reconhecendo a responsabilidade objetiva do fornecedor o STJ considerou que a inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º inciso VIII do CDC demanda que o fornecedor prove o afastamento do liame entre o produto e o dano sofrido Destacou ainda que modificar a conclusão demandaria o reexame de fatos e provas o que não é compatível com a via do recurso especial 67 Esses exemplos evidenciam a importância da jurisprudência na interpretação e aplicação das normas do CDC contribuindo para uma compreensão mais abrangente e eficaz da responsabilidade civil no âmbito do direito do consumidor A dinâmica entre as decisões judiciais as peculiaridades de cada caso e a legislação cria um cenário complexo mas fundamental para garantir a proteção do consumidor e a justiça nas relações de consumo CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão dessa distinção é essencial tanto para os consumidores que precisam conhecer seus direitos e saber como exercêlos adequadamente quanto para os fornecedores que devem cumprir com suas obrigações legais e garantir a qualidade de seus produtos e serviços No entanto a distinção entre fato e vício nem sempre é clara e pode gerar dúvidas e controvérsias na prática Essa ambiguidade pode levar a interpretações equivocadas e a dificuldades na resolução de conflitos entre consumidores e fornecedores REFERÊNCIAS ALMEIDA Guilherme Assis de PERRONEMOISÉS Cláudia coord Direito internacional dos direitos humanos instrumentos básicos São Paulo Atlas 2002 ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações Disponível em httpwwwanatelgovbrPortalexibirPortalInternetdo Acesso em 04 nov 2023 BENJAMIN Antonio Herman v MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe Manual de direito do consumidor Editora Revista dos Tribunais 2008 BESSA Leonardo Roscoe Responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor Revista Jurídica da Presidência v 20 n 120 p 2043 2018 BIBLIOTECA DE HISTÓRIA UNIVERSAL LIFE Roma Imperial Rio de Janeiro José Olympio 1969 BRASIL Código Civil Lei 1040602 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis2002L10406htm BRASIL Código Civil Lei 307116 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL3071htm 68 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Apelação cível Ação indenizatória Relação de consumo Falha na prestação de abastecimento de água Responsabilidade do fornecedor Artigos 14 e 22 do CDC Sentença que condenou ao pagamento de indenização por dano moral Recurso da parte ré para exclusão do dano moral e adesivo da parte autora para inclusão do dano material Dano moral configurado Perda de tempo útil para tentar em vão resolução do problema Inocorrência do dano material Ré que refaturou as faturas para cobrança 71 pela tarifa mínima Recursos a que se nega seguimento na forma do artigo 557 caput do CDC TJRJ APL 00349544120128190004 rj 0034954 4120128190004 relator des Gilberto Clovis Farias Matos data de julgamento 26022015 vigésima terceira câmara cível consumidor Data de Publicação 06032015 1826 Disponível em httpwww4tjrjjusbrejudConsultaProcessoaspxN201500106900 Acesso em 16 out 2023 RODRIGUES JUNIOR Otavio Luiz Responsabilidade civil contemporânea 1 ed São Paulo Atlas 2011 ROLLO Arthur Luis Mendonça Responsabilidade Civil e Práticas Abusivas nasRelações de Consumo dano moral e punitive damages nas relações de consumodistinções inconstitucionais entre consumidores São Paulo Atlas 2011 SANTANA Héctor Valverde Dano Moral no Direito do Consumidor 2 ed São Paulo Editora Revistas dos Tribunais 2014 SCAFF Fernando Campos A responsabilidade do empresário pelo fato do produto e do serviço do Código Civil ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor Rev Trib v 737 1997 SILVA Isaías Henrique O conflito entre a função pedagógicopunitiva do valor da indenização por danos morais e a vedação do enriquecimento sem causa Conteúdo Jurídico BrasíliaDF 10 jan 2015 Disponível em httpwwwconteudojuridicocombrartigosver105552034seo1 Acesso em 21 setembro 2023 STANCHI FILHO GILBERTO MAGNO A Responsabilidade pelo Fato e Vício do Produto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor TARTUCE Flávio NEVES Daniel Amorim Assumpção Manual de direito do consumidor direito material e processual Grupo GenMétodo 2020 TEPEDINO Gustavo 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