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Teorias do crescimento e do desenvolvimento 171 Ragnar Nurkse 19071959 Ragnar Nurkse nasceu na Estônia e graduouse em Economia pela Universi dade de Edimburgo Em 1932 transferiuse para a Universidade de Viena onde travou contato com Hayek Mises e Morgenstern Em 1934 passou a fazer parte do Serviço de Inteligência Econômica da Sociedade das Nações onde teve de sempenho destacado Depois da Segunda Guerra Mundial aceitou um convite para trabalhar na Universidade de Columbia em Nova York onde permaneceu até 1958 No período letivo 19581959 esteve em Genebra realizando estudos sobre o desenvolvimento econômico e ao retornar aceitou um convite para dar aulas em Princeton No início de 1959 visitou Estocolmo onde realizou pales tras nas Conferências em Memória de Wicksell No retorno da viagem durante estada em Genebra faleceu por causa de um colapso cardíaco Entre suas obras mais infl uentes destacamse Conditions of international monetary equilibrium de 1945 Problems of capitalformation in underdeveloped countries de 1953 Patterns of trade and development de 1959 e Equilibrium and growth in the world economy de 1961 Nurkse foi um estudioso dos problemas econômicos internacionais Suas análises se caracterizavam por sólida fundamentação teórica e uma articula ção consistente e equilibrada entre dados estatísticos teoria e aspectos histó ricos Nos anos que se seguiram ao pósguerra aproximouse sensivelmente da Escola Keynesiana Dedicou especial atenção ao exame dos movimen tos internacionais do capital do comércio internacional e dos problemas do equilíbrio monetário internacional Nos últimos anos de vida dedicavase ao estudo do desenvolvimento Entre as contribuições de Nurkse para o estudo dos problemas do desen volvimento destacamse a conceituação de subdesenvolvimento a identifi ca ção dos fatores responsáveis pela sua reiteração e as medidas necessárias para a superação dessa condição Para o autor o subdesenvolvimento é uma condição em que o capital é in sufi ciente para alocar a população e os recursos naturais disponíveis de forma 17 pensamento economicoindb 261 150908 170338 262 História do pensamento econômico efi ciente e produtiva Assim o subdesenvolvimento é basicamente um proble ma de baixo nível de acumulação de capital A superação do subdesenvolvimento esbarra em vários obstáculos caracteriza dos por uma circularidade A pobreza do país determina baixos níveis de renda de poupança e investimento Investimentos reduzidos se traduzem em baixa produti vidade a qual por sua vez reitera o baixo nível da renda fechando o ciclo A taxa de investimento é reduzida pelas dimensões restritas do mercado baixo nível da renda a qual decorre da baixa produtividade da economia que é determi nada por sua vez pela escassez de capital resultante dos baixos investimentos Segundo Nurkse a única forma de romper esse círculo vicioso é ampliar a renda o que implica incrementar a capacidade produtiva Do seu ponto de vista é a capa cidade de produzir que determina a capacidade de compra e nos tempos atuais a industrialização é a única forma de ampliar aceleradamente a produção Mas para ele não é toda forma de industrialização que conduz ao desenvolvimento As vias de industrialização voltadas à produção de manufaturados destinados à exportação não oferecem perspectivas seguras de desenvolvimento Os efeitos positivos da industrialização se fazem sentir com mais inten sidade quando ela se orienta para abastecer o mercado local Nesse caso o primeiro grande problema a ser enfrentado é a baixa produtividade da agricul tura que é a responsável pelo baixo nível de renda do trabalhador rural e por um mercado de consumo de artigos manufaturados restrito Dessa forma fi ca evidente que o ritmo da industrialização depende de um processo simultâneo de incremento da produtividade agrícola sem a qual não se ampliam a renda e o consumo nem a oferta de produtos agrícolas necessários ao abastecimento urbano Como os ganhos de escala são muito importantes para o incremento da produtividade industrial devese buscar a ampliação da oferta para além das fronteiras do mercado interno por meio da abertura de novos mercados em outros países e acordos alfandegários com aqueles que se encontram em estágios próximos de desenvolvimento Como podemos observar Nurkse coloca em evidência que o desenvolvi mento depende de um crescimento equilibrado entre os setores da economia Ele argumenta que se os setores da economia contribuírem de forma equili brada para a expansão será possível obter taxas mais expressivas de crescimen to Afi rma que os defensores do crescimento baseado num setor dinâmico responsável pela indução de estímulos aos demais tendem a desprezar o fato pensamento economicoindb 262 150908 170338 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 263 de que os setores da retaguarda econômica retiram dinamismo dos que seguem à frente comprometendo o desenvolvimento Os países subdesenvolvidos não podem sair dessa condição de forma natu ral e espontânea Segundo Nurkse existe um grau de crescimento econômico que quando ultrapassado tende a provocar um efeito em cadeia no qual os se tores da economia passam a se estimular reciprocamente Enquanto esse limite não é superado inúmeras forças atuam no sentido de manter o crescimento abaixo do limiar de estagnação Assim a ação do Estado passa a ser decisiva pois ele reúne instrumentos e condições de mobilizar poupança coordenar e direcionar investimentos numa dimensão fora de alcance da iniciativa privada local Dessa forma os países pobres só podem superar o subdesenvolvimento por meio de uma política ativa do Estado na esfera econômica complementar aos empreendimentos da iniciativa privada 172 Theodore W Schultz 19021998 O professor Schultz obteve seu PhD na Universidade de Wisconsin em 1930 Em 1943 tornouse professor da Universidade de Chicago onde perma neceu até 1961 Obteve o Prêmio Nobel de Economia em 1979 juntamente com Arthur Lewis pelos seus estudos que ressaltavam a importância da agri cultura e dos recursos humanos no desenvolvimento das nações Entre as suas principais obras destacamse Th e economic organization of agriculture de 1953 Th e economic value of education de 1963 Transforming traditional agriculture de 1964 Investment in human capital the role of education and of research de 1971 Human resources human capital policy issues and research opportunities de 1972 Investing in people the economics of population quality de 1981 Nos estudos sobre o desenvolvimento Schultz defendeu que os países que pretendem superar a pobreza e o subdesenvolvimento não podem aplicar polí ticas de apoio à indústria e desprezar a agricultura O desenvolvimento implica um crescimento equilibrado dos setores agrícola e industrial Dessa forma a mo dernização industrial deve ser acompanhada de políticas de apoio à agricultura através de investimentos tecnologia garantia de preços mínimos que assegurem a prosperidade do setor agrícola e tragam benefícios ao conjunto da economia Além do crescimento equilibrado o desenvolvimento depende de investi mentos signifi cativos do setor público e privado em recursos humanos princi palmente na área de educação treinamento no trabalho e pesquisa pensamento economicoindb 263 150908 170338 264 História do pensamento econômico No início da década de 1960 Schultz criticou as estimativas feitas nos países desenvolvidos que indicavam uma tendência de redução no estoque de capital em relação à renda no longo prazo Ele defendeu que essa esti mativa era equivocada pois ela não considerava os investimentos em ca pital humano no estoque de capital em outras palavras apenas uma parte do capital estava sendo considerada na estimava de longo prazo da relação capitalrenda Assim como o capital humano representado por investi mentos em educação treinamento saúde desenvolvimento de conheci mentos e habilidades vinha desempenhando um papel cada vez maior no aumento da produtividade e da lucratividade ele também era responsável pelo inesperado crescimento da renda dos trabalhadores A crescente qua lificação dos trabalhadores era a principal responsável pela elevação dos salários no mercado de trabalho Para Schultz portanto o desenvolvimento depende menos dos investimen tos em capital fi xo e mais dos investimentos em recursos humanos Um país não pode se benefi ciar das vantagens da tecnologia e dos procedimentos mo dernos de trabalho na agricultura e na indústria se não realizar grandes inves timentos em seres humanos 173 Joseph Alois Schumpeter 18831950 Schumpeter nasceu na Morávia província da Áustria hoje pertencente à República Checa Filho de um industrial têxtil estudou Direito e Eco nomia na Universidade de Viena graduandose em Direito em 1906 Sua carreira universitária iniciouse em 1909 na Universidade de Czernowitz onde permaneceu por pouco tempo Passou o biênio 19131914 nos Es tados Unidos como professor visitante da Universidade de Columbia em Nova York Após a Primeira Guerra Mundial voltou para a Áustria deci dido a ingressar na carreira política Em virtude de sua reconhecida pre paração teórica foi convidado a ocupar o Ministério da Fazenda no qual permaneceu por apenas alguns meses renunciando em meio a grave crise fi nanceira Apesar da sua gestão catastrófi ca à frente das fi nanças públicas logo a seguir foi convidado para dirigir importante casa bancária austríaca que acabou falindo em 1924 imersa em inúmeras irregularidades Diante das difi culdades de conciliar suas habilidades teóricas com a adversa reali dade do pósguerra aproveitou uma oportunidade para retornar à acade mia tornandose professor de Economia na Universidade de Bonn na qual pensamento economicoindb 264 150908 170338 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 265 permaneceu até 1932 Nesse ano se transferiu para os Estados Unidos onde construiu brilhante carreira como professor de Economia em Harvard Foi presidente da Econometric Society 19371941 e o primeiro economista nãoamericano da American Economic Association 1948 Entre as suas principais obras destacamse Th eorie der Wirtschaftlichen Entwicklung de 1912 Business cycles de 1939 Capitalism socialism and de mocracy de 1942 History of economic analysis publicação póstuma de 1954 Além da sua obra clássica sobre a história da análise econômica as contri buições mais importantes de Schumpeter podem ser agrupadas em dois cam pos os estudos teóricos sobre o desenvolvimento capitalista e sua abordagem sobre os ciclos econômicos Nos seus estudos de 1912 nos quais apresenta sua teoria do desenvol vimento capitalista ele inicia a abordagem demonstrando que a vida eco nômica sob o capitalismo opera como um fluxo circular isto é o sistema tende a se repor ano após ano Naturalmente nessa condição a população e a produção crescem mas o sistema econômico opera sempre no sentido de buscar uma nova situação de equilíbrio que é diferente da anterior mas apenas se adapta de um ponto de vista estritamente quantitativo às novas exigências O único fenômeno que pode romper esse padrão de reprodu ção é a ação do empresário empreendedor por meio de uma inovação As inovações podem ser agrupadas em cinco classes 1 fabricação de um novo bem 2 criação de um novo método de produção 3 acesso a um novo mercado 4 acesso a uma nova fonte de matériasprimas e 5 nova forma de organização econômica como um monopólio Entretanto não é qual quer tipo de inovação que tem a propriedade de promover mudança quali tativa na reprodução do sistema Entendese por inovação as mudanças que atendem a dois requisitos básicos primeiro são aplicadas na vida econô mica invenções que não são aplicadas não são inovações segundo devem ser introduzidas em grupo Ocorrências desse tipo não são freqüentes mas quando uma inovação introduzida por um empreendedor é rapidamente replicada pelos demais e se generaliza pelo sistema cria uma onda de oti mismo e prosperidade pois amplia o investimento o emprego a renda e o crédito O desenvolvimento econômico consiste nessas mudanças qualita tivas de estado do sistema Como é possível observar Schumpeter estabe lece uma distinção clara entre crescimento e desenvolvimento econômico pensamento economicoindb 265 150908 170338 266 História do pensamento econômico O crescimento é um fenômeno relacionado a fatores externos ao sistema e ocorre quando a economia é arrastada pelas mudanças do mundo à sua volta1 e se adapta às novas circunstâncias impostas pela realidade Já o desenvolvimento implica mudanças na vida econômica engendradas pelo próprio sistema em fenômenos e mudanças qualitativas que criam os pré requisitos para a etapa seguinte Ele pode ser descrito como uma perturbação do equilíbrio que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente de tal modo que o novo ponto de equilíbrio não pode ser alcançado a partir do antigo mediante passos infi nitesimais Adicione sucessivamen te quantas diligências quiser com isso nunca terá uma estrada de ferro2 Como a inovação é introduzida necessariamente pelo empresário empreen dedor concluise que ele é o agente fundamental do processo de desenvolvi mento econômico Coube a Schumpeter chamar atenção para esse aspecto decisivo que segundo afi rma tinha sido negligenciado pelos demais econo mistas O empresário empreendedor é decisivo não só pelo fato de ser o criador e o responsável pela introdução das inovações mas também porque intui as novas oportunidades novos produtos e desempenha a função de educar o desejo do consumidor ensinandoo a desejar produtos novos diferentes daqueles consumidos habitualmente A criação de novos hábitos de consumo cria um novo mercado deslocando as possibilidades de reprodução do sistema para um novo patamar Essa ação criativa por sua vez não pode ser desvinculada das conseqüências destrutivas que ela desencadeia pois as inovações deslocam produtos antigos do mercado eliminam empresas processos e métodos de produção antiquados além de hábitos tradicionais que são substituídos por novos Assim do ângulo da análise de Schumpeter o binômio criaçãodestruição faz parte da natureza do desenvolvimento econômico Ele também não ignorava que entre os efeitos colaterais da concorrência encontravase o processo de formação dos monopólios Entretanto diferente mente dos neoclássicos não os considerava prejudiciais à economia de mer cado nem reclamava a ação do Estado para coibilos Do seu ponto de vista a formação de grandes corporações monopolistas é da natureza do sistema 1 SCHUMPETER Joseph A Teoria do desenvolvimento econômico Introdução Rubens Vaz da Costa Trad Maria Silvia Possas São Paulo Abril Cultural 1982 Coleção Os economistas 2 Id pensamento economicoindb 266 150908 170338 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 267 capitalista e contrariamente ao que imaginam os liberais ortodoxos o sur gimento dessas empresas não prejudicava a concorrência apenas deslocava o patamar em que ela ocorria Normalmente a concorrência se traduz numa guerra de preços mas em mercados nos quais atuam empresas monopolistas a disputa se desloca para outras esferas como a das inovações tecnológicas e a da organizaçãogestão da produção Além disso como os preços nesses setores tendem a ser mais elevados do que num ambiente de livre concorrência as maiores margens de lucro atraem empresários empreendedores para o setor estimulando as inovações cujos efeitos no limite podem desagregar as gran des corporações monopolistas No longo prazo portanto os monopólios não são prejudiciais ao desenvolvimento pois são agentes inovadores e temporá rios a menos que se tornem alvos de políticas protecionistas No entanto em quaisquer circunstâncias livre concorrência ou concorrên cia entre monopólios o empreendedor não será capaz de colocar as inovações em prática se não tiver acesso ao crédito Para Schumpeter o crédito que fi nancia o investimento é muito mais importante para o desenvolvimento do que o que fi nancia o consumo Apesar de Schumpeter reconhecer o papel progressista desempenhado pelo capitalismo e não nutrir a menor simpatia pelo socialismo ele era pessimista em relação às perspectivas de sobrevivência do sistema capitalista Essa visão foi apresentada no seu texto de 1942 Capitalism socialism and democracy O autor argumentava então que o capitalismo apesar de seu enorme sucesso e por causa dele estava condenado a desaparecer e ser superado pelo socialismo basicamente por três fatores Em primeiro lugar ele observava que o desenvolvimento capitalista e a tendência à formação de grandes conglomerados estavam produzindo o efeito de eliminar o agente responsável pelo dinamismo do sistema o empresário empreendedor A eliminação podia ocorrer por duas vias ou pelo desapareci mento dos pequenos e médios negócios setores nos quais os empreendedores iniciam suas atividades ou pela criação no interior das grandes corporações de equipes técnicas assalariadas que teriam a tarefa de criar e introduzir as ino vações Nesse caso as equipes tenderiam a se tornar organismos burocráticos repetindo tarefas cada vez mais rotineiras e previsíveis isto é afastarseiam cada vez mais das motivações típicas do empresário empreendedor conduzin do o sistema à estagnação pensamento economicoindb 267 150908 170338 268 História do pensamento econômico Em segundo lugar o desenvolvimento capitalista estava criando o efeito de separar a propriedade e a gestão da empresa isto é estava produzindo uma classe de proprietários ausentes de um lado e de gestores de outro que não teriam um compromisso efetivo com a preservação da empresa O mesmo desenvolvimento que estava conduzindo à perda da substância material da propriedade as relações entre o proprietário e as empresas tornavamse cada vez mais tênues gerava uma classe de intelectuais cujas inclinações críticas e difi culdades de integração profi ssional ao sistema tendiam a exercer um pa pel desagregador sobre a ordem particularmente quando se amalgamavam às classes desfavorecidas pelo sistema Em terceiro lugar a crescente infl uência e interferência do Estado na eco nomia por meio de impostos elevados gastos públicos excessivos leis de pro teção ao trabalho e de regulamentação do mercado tenderiam a desestimular o investimento as inovações e o desenvolvimento Schumpeter acreditava que a ampliação das esferas de atuação do Estado tendia a evoluir para um capita lismo estatal burocratizado e inefi ciente cujos desdobramentos seriam ou uma volta ao capitalismo ou a transição para o socialismo pleno Nas seis décadas que se seguiram a essas análises de Schumpeter seus diagnós ticos pessimistas sobre as chances de sobrevivência do capitalismo não se confi r maram Diversamente do que o autor imaginava o sistema pelo menos até agora tem revelado uma grande capacidade de gerir e superar as suas difi culdades O outro campo de estudos para o qual Schumpeter deixou importantes contribuições foi o dos ciclos econômicos Muitos autores vinham trabalhan do sobre os ciclos econômicos quando ele publicou sua análise Ela não era propriamente original em suas partes mas foi muito importante por conseguir apresentar uma visão abrangente sobre os ciclos sintetizando inúmeros estu dos e pesquisas que vinham sendo feitos sobre o tema Schumpeter classifi cou os ciclos em três tipos o ciclo de Kitchin o de Juglar e o de Kontradieff O ciclo de Kitchin3 estava associado ao comporta mento das vendas e compreendia um período aproximado de 40 meses Assim que as vendas ingressavam numa fase de expansão as empresas ampliavam seus estoques para se antecipar à demanda Essa antecipação gerava estímulos à produção ao emprego e à renda e se prolongava até a redução do ritmo das 3 Nome dado em homenagem ao empresário sulafricano que foi o primeiro a identifi cálo pensamento economicoindb 268 150908 170338 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 269 vendas Aos primeiros sinais de queda nas vendas as empresas reduziam ime diatamente a produção e os estoques até que as vendas voltassem a se acelerar e um novo ciclo recomeçasse O segundo ciclo considerado o mais importante é o de Juglar4 Sua duração varia de nove a dez anos e ele está relacionado às variações no fl uxo dos investi mentos O ciclo de Juglar se inicia quando as empresas partem para investimen tos na modernização das fábricas e na aquisição de máquinas e equipamentos para ampliar a produção Esse período dura de quatro a cinco anos Com o novo parque produtivo instalado o ritmo de investimentos decai e as máquinas en tram numa fase de intensa utilização e desgaste Esse período se estende por aproximadamente cinco anos O novo ciclo tem início quando a necessidade de reposição do maquinário desencadeia uma nova onda de investimentos O terceiro ciclo o de Kontradieff 5 tem duração aproximada de 50 a 60 anos e está ligado à introdução de inovações em grande escala O ciclo se inicia quando um conjunto de invenções e novos métodos de comercialização e produção que vinham se acumulando ao longo de anos começam a ser intro duzidos na vida econômica desencadeando uma onda de inovações Em geral essas invenções e esses novos métodos se acumulam pois as empresas não se sentem seguras para aplicálos por nunca terem sido testados em sua efi cácia Quando surge a oportunidade e elas são introduzidas com sucesso na vida econômica todos os demais agentes começam a copiálas abrindo um período de expansão dos investimentos da produção do emprego e da renda Esse período corresponde à fase ascendente do ciclo de Kontradieff e dura aproxi madamente de 12 a 14 anos Quando as inovações já estão generalizadas e o ciclo de inovações se esgota o ritmo dos investimentos se reduz as empresas contratam menos crédito e o ritmo de crescimento decai Iniciase uma fase de diminuição da produção do emprego e da renda orientando a economia numa rota da recessão Quando a retração da atividade econômica num ciclo longo coincide com as fases de retração de um ciclo de Juglar e de Kitchin o sistema evolui para uma depressão econômica A fase que vai da reversão da prospe ridade até a depressão compreende um período de aproximadamente 20 a 25 anos A fase seguinte de retomada do crescimento e de acúmulo de invenções 4 Nome do médico e economista francês que foi o primeiro a demonstrar sua existência 5 Economista russo ministro de Kerensky e conselheiro econômico do governo soviético até a década de 1930 pensamento economicoindb 269 150908 170339 270 História do pensamento econômico e novos métodos se prolonga por mais 12 ou 14 anos até o momento em que surge uma oportunidade na qual eles são introduzidos em grupo nos proces sos produtivos e impulsionam uma nova fase de prosperidade Schumpeter considerava esses ciclos de prosperidade e depressão próprios da dinâmica do sistema capitalista etapas transitórias no processo de expansão da renda na cional e per capita 174 Simon Smith Kuznets 19011985 A abordagem keynesiana abriu uma série de possibilidades para os estudos macroeconômicos em especial para os problemas do desenvolvimento O mo delo de HarrodDomar por exemplo isolou algumas variáveis de inspiração keynesiana e desenvolveu equações que pretendiam representar de maneira aproximada o comportamento do sistema macroeconômico de forma a dotar os governos de instrumentos de intervenção para assegurar uma rota segura de crescimento Mas ainda havia todo um trabalho a ser feito nesse campo pois a nova abordagem exigia a quantifi cação das variáveis macroeconômicas segundo um método que permitisse por exemplo estudos comparativos entre os países desenvolvidos e entre estes e os países pobres É principalmente nesse campo que se inserem as contribuições de Simon S Kuznets Nascido em Kharkov na Ucrânia em 1901 emigrou para os Estados Uni dos em 1921 Obteve seu PhD em 1926 na Universidade de Columbia Foi aluno de W C Mitchell com quem trabalhou no National Bureau of Eco nomic Research Tornouse posteriormente professor das universidades John Hopkins 19541960 e Harvard 19601971 Suas pesquisas abarcaram o campo extenso envolvendo estudos históricos amplos levantamentos estatísticos e aprimoramento de conceitos teóricos Foi agraciado em 1971 com o Prêmio Nobel de Economia em razão de seus es tudos ancorados em amplo levantamento estatístico que possibilitaram medir com maior precisão as magnitudes econômicas que interferem decisivamente no processo de mudança social Os métodos que criou para avaliar as dimen sões e as variações da renda nacional foram importantes para esclarecer vários aspectos do crescimento econômico Foi muito bemsucedido em evidenciar a relação entre vários componentes importantes do sistema econômico baseada em conceitos que oferecessem a oportunidade de serem observados medidos e testados estatisticamente Essas abordagens elucidaram muitos conceitos pensamento economicoindb 270 150908 170339 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 271 e modelos excessivamente abstratos e viabilizaram a criação de outros com maior aplicabilidade na vida econômica Além dos aspectos puramente quan titativos os fatores institucionais demográfi cos tecnológicos e os relativos à estrutura industrial e do mercado não foram negligenciados O conjunto de pesquisas contribuiu para a defi nição de inúmeros conceitos como de renda nacional renda per capita coefi ciente de capital e vários outros que possibilita ram expressar quantitativamente várias idéias de Keynes além de permitirem a elaboração do sistema de contas nacionais adotado posteriormente por vários países e pela Organização das Nações Unidas ONU Entre suas principais contribuições podemos destacar National income 19291932 artigo de 1933 publicado na Encyclopaedia of the social scien ce vol XI Secular movements in production and prices de 1930 Longterm changes in the national income of the United States of America since 1870 de 1951 Quantitative aspects of the economic growth of nations papers publicados como suplemento da Economic Development and Cultural Change University of Chicago Press em outubro de 1956 e em janeiro de 1967 Capital in the American economy Its formation and fi nancing de 1961 Modern economic growth rate structure and spread de 1966 Economic growth of nations total output and production structure de 1971 No artigo de 1933 Kuznets apresenta sua primeira exposição dos compo nentes da contabilidade nacional e demonstra como eles poderiam ser rela cionados às principais formulações da teoria econômica da época Numa série de estudos posteriores realizados sobre a economia norteamericana procurou determinar de que forma o crescimento demográfi co fatores políticos sociais e técnicos interagiam na atividade econômica e na evolução ou crescimento da renda nacional Os mesmos métodos e conceitos utilizados para analisar a evo lução da economia dos Estados Unidos foram aplicados aos casos da Inglaterra e da Alemanha o que lhe permitiu comparar as tendências do crescimento econômico entre esses países dedicando especial atenção aos aspectos relativos à distribuição de renda Nessas análises recorreu com freqüência ao conceito de coefi ciente de capital relação entre o capital investido e a produção anual para medir a intensidade do capital e o índice de capitalização Na sua obra de 1966 Modern economic growth rate structure and spread uma das mais conhecidas e divulgadas Kuznets alinha muitas das idéias pelas quais se tornou conhecido no mainstream econômico pensamento economicoindb 271 150908 170339 272 História do pensamento econômico Com esse trabalho ele procurou analisar as principais características do crescimento econômico das nações nos séculos XIX e XX A primeira carac terística relevante que ele identifi ca na economia moderna é a participação cada vez mais efetiva da ciência na solução dos problemas da produção a qual impulsionou de forma inédita o crescimento Para medir esse crescimento ele recorreu ao conceito de Produto Nacional Bruto PNB e fez questão de des tacar que o recurso a esse parâmetro não implica que ele seja o melhor ou o mais importante para avaliar o desempenho econômico das nações Argumen ta que o PNB é um indicador bastante adequado para medir o desempenho das nações desenvolvidas mas no caso dos países subdesenvolvidos como as condições econômicas são muito diferentes talvez seja necessário recorrer a outros parâmetros capazes de avaliar melhor as mudanças nas condições eco nômicas desses países Kuznets sugere portanto que a defi nição de parâmetros de avaliação do crescimento econômico não é uma decisão estritamente técni ca uma vez que as metas econômicas estão relacionadas a opções da sociedade e das forças políticas de cada nação Outra característica importante da economia moderna diz respeito às re lações entre o crescimento da população e o produto O autor afi rma que suas pesquisas indicaram que não há como demonstrar efeitos favoráveis ou des favoráveis do crescimento demográfi co sobre o crescimento do produto Na verdade há vários fatores que atuam nesse processo como os sociais os po líticos os institucionais e eles devem ser analisados conjuntamente Nem o incremento quantitativo da força de trabalho e do capital também é sufi ciente para explicar o crescimento da economia moderna Segundo Kuznets o au mento da efi ciência do parque produtivo está relacionado ao aumento da pro dução por unidade de insumo que por sua vez depende da melhor qualidade dos recursos de novas combinações na organização produtiva de incrementos tecnológicos ou de uma combinação dos três Essa valorização dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos para justifi car o crescimento econômico é um ponto de convergência entre as análises de Kuznets e Schumpeter Todo o período de crescimento econômico iniciase com a introdução de novas técnicas fenômeno que não ocorre simultaneamente em todos os países mas geralmente em apenas dois ou três e só posteriormente se dá a difusão desse progresso técnico As nações que reúnem condições para iniciar o pro cesso de inovações são invariavelmente aquelas que já possuem familiaridade pensamento economicoindb 272 150908 170339 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 273 com as tecnologias tradicionais conhecem bem suas limitações e têm conheci mento ao menos teórico do que é necessário para superálas Além disso de vem reunir condições favoráveis para a assimilação de novas técnicas que não resultam de transformações das técnicas tradicionais empreendidas no interior do sistema pelo parque produtivo O ritmo da difusão do progresso técnico entre os países também é função direta da capacidade de cada um deles de ino var seus processos produtivos e de incorporar nova tecnologia Para que isso se torne possível concorre uma série de fatores ideológicos políticos institu cionais Na ausência destes de ordem institucional a difusão do conhecimento e as inovações técnicas deparam com obstáculos insuperáveis perpetuando o atraso econômico Ele exemplifi ca mostrando que a adaptação às novas tec nologias implica grandes mudanças nos parques produtivos as quais podem encontrar resistência entre os grupos industriais mais tradicionais Se eles fo rem bemsucedidos os níveis de crescimento futuro estarão irremediavelmen te comprometidos Para Kuznets portanto o subdesenvolvimento é resultado sobretudo de uma inadequação da ordem institucional dessa classe de nações às condições necessárias à difusão dos novos conhecimentos e tecnologias O autor dedicou especial atenção aos problemas da distribuição do pro duto e da renda nos seus estudos sobre o crescimento econômico Nos países desenvolvidos ele observou uma nítida tendência de aumento da participação dos trabalhadores no produto líquido e explicou esse fenômeno como resul tado dos investimentos na formação e qualifi cação da força de trabalho além da opção dessas sociedades baseadas no livre mercado de valorizar o traba lho relativamente ao capital Em seus estudos comparativos entre a evolução da distribuição da renda nos países desenvolvidos e nos pobres observou que existe uma relação entre o estágio em que o país se encontra na trajetória do desenvolvimento e o perfi l da distribuição da renda Essa relação fi cou conhe cida como Lei de Kuznets De acordo com ela os países de renda per capita baixa possuem indicadores de distribuição de renda melhores que os países que iniciaram seu processo de desenvolvimento Já os índices de distribuição de renda dos países desenvolvidos de renda per capita elevada são melhores que os dos países pobres A Lei de Kuznets afi rma portanto que a distribuição se torna mais eqüitativa à medida que a renda per capita aumenta mas que essa evolução não ocorre de forma linear e progressiva Segundo Kuznets nas etapas iniciais do crescimento econômico em países pobres há um aumento da pensamento economicoindb 273 150908 170339 274 História do pensamento econômico renda per capita e da desigualdade Esses índices aumentam até que se atinja um ponto além do qual os índices de crescimento do produto passam a ser acompanhados pela diminuição progressiva da desigualdade É como se para sair do estado de pobreza e subdesenvolvimento a distribuição de renda do país precisasse piorar para depois melhorar Kuznets notou que nos países onde foram feitas reformas agrárias radicais no pósguerra essa regularidade estatística não se aplica isto é o crescimento da renda per capita não passa pela etapa de deterioração da distribuição da renda O autor também é responsável pela descoberta de outra regularidade eco nômica o Ciclo de Kuznets Estudioso dos ciclos descobriu que entre os ciclos longos de aproximadamente 50 anos Kontradieff e os de 10 anos Juglar existem ciclos de aproximadamente 25 anos Fez essa descoberta baseado em análises estatísticas da economia norteamericana num período marcado por forte movimento migratório anterior a 1940 Como o próprio Kuznets reco nhecia que não há relação positiva entre o crescimento demográfi co e o eco nômico essa regularidade não pôde ser observada com facilidade em outros períodos e em outras economias Apesar das importantes contribuições de Kuznets para o desenvolvimento e aplicação de muitas idéias keynesianas seus estudos poderiam ser descritos como um campo de intersecção entre essa escola e a Institucionalista Norte Americana 175 Walt Whitman Rostow 19162003 Historiador econômico norteamericano estudou em Yale onde obteve seu doutorado em 1940 Foi professor de Economia na Columbia University de História dos Estados Unidos em Oxford e em Cambridge e de História Eco nômica no MIT 19501961 quando saiu para assessorar a administração democrata Ocupou vários cargos em organismos relacionados à Segurança Nacional Em 1969 voltou a dar aulas de Economia e História em Austin na Universidade do Texas Entre suas principais obras destacamse Process of economic growth de 1952 Stages of economic growth de 1960 Politics and the stages of growth de 1971 How all began origins of the modern economy de 1975 Rostow é muito conhecido pela sua tese apresentada no Stages of economic growth na qual o desenvolvimento econômico da humanidade é dividido em pensamento economicoindb 274 150908 170339 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 275 cinco etapas a sociedade tradicional a précondição para a decolagem takeoff a decolagem a marcha para a maturidade e a era do consumo de massa Esse estudo foi resultado de uma série de conferências ministradas na Uni versidade de Cambridge em 1958 durante um período de licença do MIT As conferências tinham como tema o processo de industrialização e pretendiam além de oferecer uma compreensão abrangente do assunto ilustrar como a teoria econômica podia ser integrada à história econômica apresentar uma análise integrada das sociedades relacionando as forças econômicas políticas e sociais e oferecer uma alternativa à visão marxista sobre os temas dos modos de produção no qual o socialismo e o comunismo apareciam como os estágios mais elevados de organização humana e às relações entre a infraestrutura econômica e os níveis da superestrutura Rostow reconhecia que o empreendimento de apresentar a história da hu manidade baseado nessas cinco etapas do desenvolvimento tinha seus limites mas argumentava que o objetivo era basicamente identifi car certas uniformi dades da evolução das sociedades humanas mas sem perder de vista as parti cularidades de cada nação A primeira etapa do desenvolvimento era a sociedade tradicional Nessa fase a comunidade humana não consegue elevar o volume da produção per capita além de um determinado limite pois sua capacidade produtiva depende de recursos técnicos restritos A produção organizase principalmente em tor no da agricultura a sociedade é rigidamente hierarquizada baseada em laços familiares clãs e o poder político apresentase centralizado e vinculado à propriedade ou ao controle da terra A segunda etapa corresponde a uma fase de transição na qual são gestadas as précondições para o arranque ou decolagem takeoff O autor afi rma que a Europa Ocidental passou por essa fase em fi ns do século XVII e início do XVIII Nesse período a ciência começou a interferir na produção agrícola e industrial num momento de expansão dos mercados mundiais e de intensi fi cação da concorrência internacional Entre os fatores que caracterizam essa transição encontramse a crescente adequação da educação às necessidades da moderna atividade econômica o surgimento de empreendedores de bancos e de instituições de crédito o incremento dos investimentos em infraestrutura a formação de um estado nacional centralizado e organizado a ampliação do comércio nacional e internacional e o surgimento de empresas industriais a pensamento economicoindb 275 150908 170339 276 História do pensamento econômico convivência entre valores políticos sociais e instituições tradicionais e técnicas de baixa produtividade com os setores modernos A etapa da decolagem se caracteriza pela superação dos obstáculos ao de senvolvimento contínuo quando as forças do progresso se generalizam e pas sam a ditar o ritmo da atividade econômica Os fatores que proporcionam a decolagem são as novas tecnologias a acumulação de capital a aplicação das novas tecnologias à agricultura e à indústria e a ascensão ao poder político de grupos comprometidos com a modernização Nessa fase as novas indústrias surgem e se expandem rapidamente aumentam o contingente operário a clas se empresarial o grau de urbanização a oferta de produtos manufaturados e de serviços e elevamse a renda a poupança e os investimentos Segundo Rostow a decolagem da GrãBretanha ocorreu nos 20 últimos anos do século XVIII a da França e dos Estados Unidos na primeira metade do XIX a da Alemanha no terceiro quarto do século XIX a do Japão no último quarto do século XIX a da Rússia e do Canadá no quarto de século anterior a 1914 e a da Índia e da China nas décadas pós1950 A marcha para a maturidade compreende um longo período de progresso continuado no qual a tecnologia moderna se propaga para o conjunto do siste ma econômico o investimento oscila em torno de 10 a 20 ao ano da renda nacional e a produção ultrapassa o incremento demográfi co O setor industrial se consolida e se insere internacionalmente alterando a pauta de importação subs tituindo importações ampliando exportações Os valores associados ao modo de vida tradicional começam a ceder espaço aos modernos e as instituições come çam a se adaptar à nova realidade abrindo caminho para a continuidade da mo dernização Em síntese na fase de maturidade o crescimento industrial atinge um estágio de autonomia no qual o sistema econômico consegue produzir o que julga necessário no nível da tecnologia moderna A dependência se existir deixa de ser técnica e passa a ser uma opção econômica ou política Na última etapa a era do consumo em massa as conseqüências da maturi dade econômica tendem a se expressar com ênfase cada vez maior nos setores de bens de consumo duráveis e de serviços passando a liderar o crescimento econômico Com isso a renda real per capita elevase a um patamar superior às necessidades básicas de alimentação habitação e vestuário a proporção da população urbana em relação ao total e sua disposição em adquirir produtos de consumo crescem e principalmente a prioridade que a sociedade atribui às pensamento economicoindb 276 150908 170339 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 277 inovações tecnológicas começa a ceder espaço às políticas de assistência social que ganham importância crescente Entretanto caso predomine a soberania do consumidor6 haverá uma pressão para que a maior parte dos recursos se desvie para a produção de bens de consumo duráveis especialmente automóveis e para a expansão do setor de serviços Para Rostow o estudo dessas etapas não visa simplesmente a mostrar como as economias e seus setores se transformam para crescer mas também a observar uma série de opções estratégicas feitas por várias sociedades no que diz respeito a como empregar seus recursos produtivos opções que em geral incluem aspectos econômicos mas os transcendem Essa abordagem acabou criando uma polêmica com Kuznets pois ele discor dou dessa concepção de etapas do desenvolvimento elaborada por Rostow dos pa râmetros que ele considerava relevantes para a análise do crescimento e do indica dor que havia proposto para medir o crescimento econômico Kuznets defendia a utilização dos grandes agregados como o crescimento do PNB do PNB per capita e outros para analisar a economia das nações e estabelecer comparações interna cionais Rostow por sua vez inspirado por um estudo do próprio Kuznets Secular movements in production and prices de 1930 defendia uma abordagem setorial e subsetorial do crescimento além de considerar a capacidade de uma nação ou de um setor econômico de incorporar tecnologia como o indicador mais adequado para medir o crescimento econômico Ele até acreditava que o PNB per capita podia ser utilizado para defi nir as etapas do desenvolvimento mas considerava que esse método não podia oferecer uma compreensão efetiva do que ocorria na eco nomia e algumas vezes poderia produzir resultados enganosos Argumentava que o problema dos grandes agregados é que eles não permitem identifi car os setores nos quais as novas tecnologias são introduzidas e a partir dos quais ocorre o efeito de difusão do crescimento Dessa forma obscurecia um ponto decisivo em torno do qual havia consenso e que dizia respeito ao reconhecimento de que o cresci mento moderno está enraizado na difusão progressiva de novas tecnologias numa base efi ciente De acordo com Rostow sem essa desagregação os estudos sobre o crescimento desprezavam seu componente mais relevante 6 Conceito segundo o qual só se produz aquilo que o consumidor deseja Conforme essa visão as necessidades humanas são aproximadamente as mesmas ao longo da evolução humana Esse ponto de vista admite que a esfera produtiva não tem poder para induzir necessidades e desejos de consumo pensamento economicoindb 277 150908 170339 278 História do pensamento econômico 176 Alexander Gerschenkron 19041978 Gerschenkron nasceu na Rússia e migrou para Viena em 1920 Estudou na Universidade de Viena onde obteve seu doutorado em 1928 Transferiuse posteriormente de Viena para a Inglaterra e depois para os Estados Unidos Em 1948 foi convidado para exercer uma cátedra na Universidade de Harvard na área de História Econômica Entre seus principais trabalhos podem ser citados Bread and democracy in Germany de 1943 Economic relations with the USSR de 1945 A dollar index of Soviet petroleum output 192728 to 1937 coautoria com Nancy Nimitz de 1952 Economic backwardness in historical perspective a book of essays de 1962 Continuity in history and other essays de 1968 Europe in the Russian mirror four lectures in economic history de 1970 Foi um estudioso dos processos de industrialização nos séculos XIX e XX e de dicou atenção especial aos efeitos que os níveis distintos de desenvolvimento pro vocam na industrialização dos países atrasados tanto no campo capitalista como no nãocapitalista Considerava que muitos dos problemas do desenvolvimento industrial em meados do século XX poderiam ser compreendidos de forma mais ampla e profunda com base num estudo histórico da industrialização européia no século XIX Do seu ângulo de análise os temas do crescimento e do desenvolvi mento resumiamse ao problema da industrialização O autor observou que no caso dos países europeus que se industrializaram no século XIX a visão dos agen tes econômicos sobre o grau relativo de atraso entre a sua economia e a dos demais países era decisiva para compreender o início do esforço de industrialização A demora em iniciar o processo contrastava com a intensidade e a energia que dedi cavam à modernização em suas etapas iniciais Ele explicava essa mudança súbita de atitude como resultante de uma ponderação dos agentes econômicos em relação às vantagens do rápido desenvolvimento econômico comparativamente aos custos implícitos à eliminação dos obstáculos à modernização industrial Quando a ex pectativa de ganho fosse mais que proporcional aos custos de superação do atraso e implementação da indústria o processo seria desencadeado7 Apesar de reconhecer que a industrialização estava ao alcance de todos os países atrasados a superação dos obstáculos para a modernização industrial 7 GERSCHENKRON Alexander Economic backwardness in historical perspective a book of essays Cambridge Massachusetts Th e Belknap Press of Harvard University Press 1966 pensamento economicoindb 278 150908 170339 Teorias do crescimento e do desenvolvimento 279 dependia da disponibilidade de recursos e oportunidades de investimento além da eliminação das barreiras institucionais8 que eram particulares em cada país Além disso os recursos nacionais deveriam ser mobilizados de forma or ganizada e concentrada mediante planifi cação Quanto maior fosse o grau de atraso da economia do país tanto maior o grau de intervencionismo necessário para orientar o investimento privado e o crescimento industrial Por exemplo a inexistência de um sistema de crédito que fi nanciasse os investimentos indus triais exigia que o Estado desenvolvesse mecanismos para prover os recursos necessários à aquisição de máquinas e equipamentos pelo setor privado Para Gerschenkron o atraso econômico não implicava só desvantagens Entre as vantagens destacou a possibilidade de as nações em estágios iniciais de industrialização queimarem etapas incorporando as tecnologias mais modernas disponíveis nas economias desenvolvidas Em seus estudos sobre as economias nãocapitalistas priorizou pesquisas e abordagens comparativas entre os processos de industrialização no Ocidente e na União Soviética Foi com base nessas análises que formulou a Lei ou Efei to Gerschenkron Esse fenômeno ocorre quando se deseja comparar preços de mercadorias e serviços em dois momentos distintos no tempo para verifi car que tipo de variação ocorreu nominal real ou ambas A comparação deve ser feita tomando como referência os preços do primeiro ou do segundo momento O problema é que a variação obtida quando se adotam como base os preços do primeiro momento é diferente da variação resultante quando a base são os pre ços do segundo momento9 Quando há aumento real de preços por exemplo o índice de variação baseado nos preços do primeiro momento tende a ser maior que o índice de variação baseado nos preços do momento seguinte Questões 1 Explique qual o conceito de subdesenvolvimento apresentado por Nurkse quais os principais obstáculos para superálo e as principais medidas necessárias para ultrapassar esse estágio 8 Tais como falta de garantia aos direitos individuais e de propriedade escassez de conhecimentos técnicos e científi cos baixa produtividade da agricultura falta de mãodeobra especializada ausência de iniciativa empresarial de crédito de investimentos e de mercados 9 Se a referência adotada são os preços do primeiro momento utilizase o índice de Laspeyres adotandose os preços do segundo momento utilizase o índice de Paasche pensamento economicoindb 279 150908 170340 280 História do pensamento econômico 2 Segundo Th eodore W Schultz de que forma os investimentos e o desenvolvi mento se relacionam 3 Segundo Schumpeter há uma diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico Explique no que consiste essa diferença Qual é o papel que cabe ao empresário empreendedor na teoria de Schumpeter 4 5 Explique por que Schumpeter era pessimista em relação às possibilidades de sobrevivência a longo prazo do sistema capitalista Qual é a principal contribuição de Schumpeter para a teoria dos ciclos 6 7 Explique as relações entre crescimento econômico e distribuição de renda se gundo a Lei de Kuznets 8 De acordo com Rostow quais são as principais etapas do desenvolvimento das comunidades humanas e quais as condições necessárias ao takeoff 9 Segundo Gerschenkron como os agentes econômicos dos países nãoindustria lizados encaravam o desafi o do crescimento e do desenvolvimento industrial Referências GERSCHENKRON Alexander Economic backwardness in historical perspective a book of essays Cambridge Massachusetts Th e Belknap Press of Harvard University Press 1966 JONES Charles I Introdução à teoria do crescimento econômico Rio de Janeiro Elsevier 2000 KUZNETS Simon Smith Crescimento econômico moderno ritmo estrutura e difusão São Paulo Abril Cultural 1983 Coleção Os economistas NURKSE Ragnar Modelos de comercio y desarrollo Washington Instituto de Desarrollo Económico 1966 Problemas de formación de capital en los países insufi cientemente desarrollados México Fundo de Cultura Econômica 1955 ROSTOW W W Desenvolvimento econômico um manifesto não comunista Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 Etapas do desenvolvimento econômico Rio de Janeiro Zahar Editores 1964 SCHULTZ Th eodore William Capital humano Rio de Janeiro Zahar Editores 1973 SCHUMPETER Joseph A Teoria do desenvolvimento econômico uma investigação sobre os lucros capital crédito juro e o ciclo econômico São Paulo Abril Cultural 1982 Coleção Os economistas pensamento economicoindb 280 150908 170340 SUMÁRIO INTRODUÇÃO3 CONCLUSÃO 79 2 REFERÊNCIAS 83 2 1 A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EM ROSENSTEIN RODAN E O CONCEITO DE ECONOMIAS EXTERNAS 8 11 Introdução 8 12 Problemas de Industrialização da Europa Oriental e SulOriental10 121 O Problema da Desigualdade de Distribuição de Renda entre as Regiões do Mundo10 122 Alternativas de Industrialização e Solução para o Problema 11 123 Industrialização Planejada e em Larga Escala 12 124 Complementação e Economias Externas13 125 Investimento e Economias Externas14 13 Dois Conceitos de Economias Externas16 131 Economias Externas na Teoria do Equilíbrio Geral e nas Teorias do Desenvolvimento Econômico16 132 O Investimento e a Inaplicabilidade da Teoria do Equilíbrio Geral19 14 Conclusão21 2 O MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃODEOBRA DE ARTHUR LEWIS 24 21 Introdução 24 22 Desenvolvimento Econômico com Oferta Ilimitada de MãodeObra25 221 Tradição Clássica25 222 A Oferta Ilimitada de MãodeObra26 223 Modelo Teórico 28 224 Poupança Lucro e Renda30 225 Inflação e Governo31 226 Fim do Processo de Desenvolvimento para uma Economia Fechada33 227 Análise para uma Economia Aberta35 23 Conclusão39 3 A ESTRATÉGIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE ALBERT HIRSCHMAN 40 31 Introdução 40 32 Estratégia do Desenvolvimento Econômico42 321 Diagnóstico do Subdesenvolvimento42 322 Economia do Crescimento45 323 Desenvolvimento Equilibrado 49 2 324 Desenvolvimento NãoEquilibrado como Estratégia Correta51 325 Seqüências Eficientes versus Critérios de Investimento52 326 Encadeamentos para Trás e para Frente 55 33 Conclusão57 4 RAÚL PREBISCH E O PENSAMENTO ORIGINAL LATINOAMERICANO 60 41 Introdução 60 42 O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas61 421 Apresentação 61 422 Deterioração dos Termos de Troca 65 423 Desequilíbrio Internacional 67 424 A Escassez de Dólares68 425 Formação de Capital e Inflação 70 426 Limites da Industrialização da América Latina72 427 Esboço de Algumas Idéias acerca de Políticas Anticíclicas na América Latina 74 43 Conclusão77 CONCLUSÃO79 REFERÊNCIAS83 3 4 INTRODUÇÃO O subdesenvolvimento é ainda nos dias de hoje uma das características mais explícitas e alarmantes das economias de grande parte dos países capitalistas dentre eles o Brasil Essa situação serve como motivação para o estudo de teorias econômicas que se preocupam com o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos hoje em dia conhecidos como países em desenvolvimento Parece claro que existem países que já atingiram um certo nível de desenvolvimento econômico que os diferencia como grupo de outros tantos países que por sua vez não apresentam o mesmo nível de desenvolvimento Tendo essa concepção de economia mundial como pano de fundo este trabalho se remete à análise das teorias do desenvolvimento econômico área da economia que ficou conhecida pelo estudo do desenvolvimento das economias das regiões mais pobres do mundo Ásia América Latina e África entre as décadas de 1940 e 1970 Com o fim da Segunda Guerra Mundial o equilíbrio de forças entre os países do mundo sofreu profundas mudanças Antigas colônias deram início a seus movimentos de independência ao mesmo tempo em que suas metrópoles européias se encontravam enfraquecidas pela guerra Do outro lado a ascensão da URSS e a difusão do comunismo fizeram crescer a importância geopolítica dos países subdesenvolvidos como possíveis áreas de influência no contexto da Guerra Fria Os próprios países subdesenvolvidos souberam se aproveitar dessa disputa entre as duas superpotências EUA e URSS através de atração de investimentos e de ajuda econômica para seu desenvolvimento No ocidente a indignação com as regras do sistema colonial e com a desigualdade de renda entre os países tomou conta da opinião pública Foi nesse ambiente de reestruturação política e de indignação social no pósguerra que o mundo ocidental voltou sua atenção para a questão do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos e a colocou na ordem do dia Em um primeiro momento a tarefa de pensar o desenvolvimento desses países ficou a cargo da ONU e de outros órgãos internacionais mas poucos anos depois a partir de 1949 ela se alastrou pela academia econômica e passou a fazer parte da agenda de pesquisa de muitos economistas tanto dos países desenvolvidos quanto dos subdesenvolvidos abrindo espaço para a construção e consolidação do pensamento acerca do desenvolvimento econômico1 1 Para maiores informações sobre o contexto no qual se desenvolveram as teorias do desenvolvimento econômico veja o capítulo 3 de Arndt 1987 5 O objetivo deste trabalho que aqui se apresenta é portanto retomar expor e analisar da maneira mais clara possível as principais idéias presentes nas teorias do desenvolvimento econômico de modo a entender a construção de seu objeto teórico Um estudo desse tipo se faz oportuno na medida em que traz à tona a questão da relevância dessas idéias para a análise da economia dos países subdesenvolvidos em desenvolvimento na atualidade Quem chama a atenção para a importância das idéias pressentes nas teorias do desenvolvimento econômico e para sua relevância nos dias de hoje é Paul Krugman em seu artigo Towards a CounterCounterrevolution in Development Theory publicado na ocasião do encontro anual do Banco Mundial sobre desenvolvimento econômico em 1992 Na apresentação do artigo o autor diz I will argue that during the 1950s a central core of ideas emerged regarding external economies estrategic complementarity and economic development that remains intellectually valid and may continue to have practical applications This set of ideas which I will refer to as high development theory antecipated in a number of ways the cutting edge of modern trade and growth theory KRUGMAN 1992 p 16 grifos meus Se de um lado Krugman 1992 acredita que as idéias presentes nas teorias do desenvolvimento econômico têm relevância intelectual e prática na atualidade do outro lado não parece ter sido esse o consenso entre os economistas e os agentes de política econômica do FMI e do Banco Mundial no final da década de 1980 e no começo da década de 1990 Suas idéias sobre políticas macroeconômicas adequadas para o ajuste das economias latino americanas assoladas pela crise da dívida externa que ficaram conhecidas pela famosa alcunha de Consenso de Washington passaram a dominar a agenda de política econômica dos governos locais e de pesquisa dos economistas preocupados com o desenvolvimento da América Latina a partir da década de 1990 Essas idéias no entanto não derivaram de forma alguma das idéias presentes nas teorias do desenvolvimento econômico e quem diz isso é o próprio John Williamson criador da expressão Consenso de Washington e mentor intelectual do mesmo A striking fact about the list of policies on which Washington does have a collective view is that they all stem from classical mainstream economic theory at least if one is allowed to count Keynes as a classic by now None of the ideas spawned by the 6 development literature such as the big push balanced or unbalanced growth surplus labor or even the twogap model plays any essential role in motivating the Washington consensus although I would fortify my preference for varying the pace of import liberalization depending on the availability of foreign exchange by appeal to the twogap model This raises the question as to whether Washington is correct in its implicit dismissal of the development literature as a diversion from the harsh realities of the dismal science Or is the Washington consensus or my interpretation of it missing something WILLIAMSON 1990 p 19 e 20 grifos meus Dessa forma então expostas duas visões diferentes sobre a relevância das teorias do desenvolvimento econômico para os estudos sobre os países subdesenvolvidos em desenvolvimento nos dias de hoje fazse pertinente uma investigação minuciosa das principais obras que tratam dessas teorias para que se tenha uma opinião balizada sobre a questão É exatamente a esse papel que se presta este trabalho através da exposição e da análise das idéias presentes nas teorias do desenvolvimento econômico de modo a entender a construção de seu objeto teórico Com a finalidade de abranger o maior número de idéias com a maior profundidade possível dentro dos limites que este tipo de trabalho impõe foram escolhidas para análise as obras de quatro autores representativos das teorias do desenvolvimento econômico São eles Paul RosensteinRodan Arthur Lewis Raúl Prebisch e Albert Hirschman Suas idéias serão agrupadas expostas e interpretadas em diferentes capítulos a partir da análise de suas principais obras e da literatura econômica relevante relacionada a elas Dessa forma o primeiro capítulo deste trabalho trata das idéias de big push desenvolvimento equilibrado economias de escala e economias externas presentes na obra pioneira do desenvolvimento econômico de RosensteinRodan e aprofundadas pela análise da obra de Tibor Scitovsky O segundo capítulo analisará o modelo de desenvolvimento econômico de Arthur Lewis dando ênfase para a questão da oferta ilimitada de mãodeobra O terceiro capítulo trata do conceito de encadeamentos para frente e para trás presente na obra de Hirschman e mostra como ele se relaciona com a idéia de desenvolvimento nãoequilibrado e mecanismos de pressão O quarto capítulo expõe o pensamento original latinoamericano presente na obra de Raúl Prebisch mais especificamente através da análise de seu texto seminal do pensamento cepalino acerca da industrialização da América Latina e de seus principais problemas Uma conclusão encerra o trabalho 7 8 1 A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EM ROSENSTEIN RODAN E O CONCEITO DE ECONOMIAS EXTERNAS 11 Introdução Paul N RosensteinRodan deu início à sua carreira profissional no campo da Economia através de estudos sobre a teoria austríaca da demanda do consumidor o que não chega a ser surpresa para quem estudou Economia em Viena na década de 1920 No entanto não é nessa área que se encontra sua contribuição mais conhecida e reconhecida para a literatura econômica RosensteinRodan é considerado um dos pioneiros das teorias do desenvolvimento econômico sendo inclusive o autor do artigo seminal desse ramo da Economia A transição de seus estudos da teoria econômica pura para a teoria do desenvolvimento econômico pode ser compreendida ao se conhecer as questões sobre as quais o autor se debruçou em sua carreira profissional Em seus estudos sobre teoria econômica pura aparecem investigações acerca de conceitos como a complementaridade no consumo e na produção economias de escala e o papel do tempo nos ajustes econômicos Foi exatamente a partir da investigação desse último conceito que RosensteinRodan passou a se interessar por problemas relacionados ao desenvolvimento econômico Em 1934 foi publicado seu artigo The Role of Time in Economic Theoryque trata sobre o tema Nele o autor aborda três questões referentes ao papel do tempo na Economia A primeira diz respeito ao período econômico ou seja à duração de tempo na qual está inserida uma atividade econômica A segunda se refere ao tempo como um bem econômico na medida em que um determinado período de tempo seria escasso para a execução de diferentes atividades A terceira diz respeito à velocidade de ajustamento dos mercados quando da ocorrência de processos de mudança no status quo da economia Essa última questão é a relevante em um processo de desenvolvimento econômico e por isso a abordagem feita pelo autor demanda uma análise mais detalhada neste trabalho De acordo com RosensteinRodan em seu artigo de 1934 o estudo das posições finais de equilíbrio de longo prazo deveria servir apenas como guia para uma investigação mais profunda sobre as posições intermediárias ou seja sobre a trajetória para o equilíbrio Entretanto não seria essa a pratica mais comum entre os economistas que tenderiam a enfatizar o ponto final de equilíbrio Sua preocupação passa a ser então ressaltar a 9 importância da trajetória para o equilíbrio e conseqüentemente o papel do tempo nos ajustes econômicos O que o autor pretende mostrar grosso modo é que uma mudança nos dados poderia levar não só a uma mudança de um equilíbrio final para outro como também da trajetória em direção a esse novo equilíbrio Considerar a velocidade de ajustamento da economia como não instantânea abriria espaço para questionamentos acerca da própria existência de um equilíbrio da quantidade de equilíbrios possíveis e da estabilidade de um equilíbrio mas por outro lado não deixaria dúvidas quanto à importância do estudo da trajetória para se chegar a esse equilíbrio Para exemplificar a função e a importância do tempo na análise dos ajustes econômicos em direção ao equilíbrio RosensteinRodan se vale de um exemplo muito ilustrativo Ele faz uma analogia entre uma perseguição de um animal predador à sua presa e a trajetória de uma economia em direção ao equilíbrio sendo que o ponto de equilíbrio da economia a ser atingido seria representado pela presa Da mesma forma que o predador tem que recalcular sua melhor trajetória a cada movimento da presa durante a perseguição a análise da trajetória de uma economia em direção ao equilíbrio precisaria ser refeita a cada mudança nos dados ou seja a cada momento do tempo Foi justamente com esse tipo de preocupação teórica em mente e com o instrumental analítico referente a ela em mãos que RosensteinRodan participou como líder de um grupo de estudos na Inglaterra entre 1942 e 1945 que tinha como propósito estudar os problemas dos países subdesenvolvidos A preocupação do grupo era a de uma vez superado o período de guerra encontrar soluções para esses países a fim de se construir um novo mundo melhor do que o do período anterior à guerra Nesse contexto foi publicado em 1943 seu artigo Problemas de Industrialização da Europa Oriental e SulOriental que acabou servindo de documentobase para o grupo de estudos e é o documento seminal das teorias do desenvolvimento econômico como já foi dito O artigo apresenta a idéia da formação de capital e da industrialização como sinônimos do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos e propõe o planejamento e a intervenção governamental para dirigir esse processo idéias que acabaram sendo comuns a teóricos do desenvolvimento de sua época como Lewis por exemplo2 Suas idéias acerca do desenvolvimento econômico desses países não foram portanto derivadas da teoria do equilíbrio estático tradicional e sim da análise dos desequilíbrios provenientes do processo de crescimento econômico No artigo já está presente a idéia do big push empurrão ou seja da transformação súbita e em massa da 2 Para uma análise mais aprofundada sobre as características comuns às teorias do desenvolvimento econômico veja o capítulo 3 de Arndt 1987 10 economia dos países subdesenvolvidos bem como de conceitos econômicos relacionados com esse processo de transformação Nas palavras do autor Consumption complementarities the role of time the pursuit curve plus external economies all these dynamic factors were not to be considered as a second order of smalls but even more as pervasive in a less developed country ROSENSTEIN RODAN 1984 p 210 12 Problemas de Industrialização da Europa Oriental e SulOriental 121 O Problema da Desigualdade de Distribuição de Renda entre as Regiões do Mundo Logo nas primeiras linhas do artigo de 1943 RosensteinRodan explicita o problema a ser tratado qual seja o da desigualdade na distribuição de renda entre as regiões do mundo A questão específica da industrialização da Europa Oriental e SulOriental definidas como regiões deprimidas é posta pelo autor como de interesse mundial Argumentase que a industrialização seria um meio de se alcançar uma distribuição de renda mais eqüitativa entre as regiões ricas e as deprimidas seu objetivo último através de uma taxa de crescimento maior das últimas em relação às primeiras Na análise do problema RosensteinRodan adota como hipótese a existência de excesso de população agrária nas regiões deprimidas 25 da população estaria total ou parcialmente desemprego disfarçado desocupada segundo o autor A situação de excesso de população agrária é identificada como um empecilho ao bom funcionamento dos princípios da divisão internacional do trabalho São propostas duas soluções para eliminar o excesso de mãodeobra nas regiões deprimidas encaminhamento dessa mãodeobra excedente ao capital emigração ou o encaminhamento do capital à mão deobra industrialização A diferença se daria apenas em relação aos custos de transporte e é encarada pelo autor como insignificante Contudo uma emigração em larga escala seria problemática e a questão do excesso de população agrária teria mesmo de ser resolvida pela industrialização Voltando sua atenção especificamente à industrialização o autor argumenta que seria necessária uma unidade econômica compreendendo toda a região da Europa Oriental e Sul 11 Oriental região deprimida a fim de que as indústrias alcançassem seu tamanho ótimo e o risco marginal de seus investimentos fosse diminuído Para tal são apresentadas duas maneiras diferentes de industrialização dessa área 122 Alternativas de Industrialização e Solução para o Problema O primeiro modelo de industrialização apresentado por RosensteinRodan é o chamado modelo russo no qual a Europa Oriental e Sul Oriental se industrializaria por conta própria sem investimento internacional através da construção de todos os tipos de indústrias integradas verticalmente A esse modelo são apresentadas algumas objeções A primeira é a de que a economia da região teria um crescimento lento uma vez que o suprimento do capital teria de ser feito por fontes internas às custas do padrão de vida e do consumo da população implicando um esforço desnecessário à economia e à sociedade A segunda objeção à adoção do modelo russo é a de que ele causaria a redução da divisão internacional do trabalho através da criação de uma economia independente da economia mundial o que tornaria o mundo mais pobre como um todo Por fim a última objeção a esse modelo se refere ao grande desperdício de recursos que seria causado pela ociosidade de novas indústrias pesadas no âmbito da economia mundial O segundo modelo de industrialização apresentado por RosensteinRodan em seu texto é o de inserção da Europa Oriental e Sul Oriental na economia mundial através de investimentos internacionais ou empréstimos de capitais o que conservaria as vantagens da divisão internacional do trabalho e aumentaria a riqueza mundial O autor vê vantagens neste modelo em contraposição ao modelo russo A primeira vantagem seria um menor sacrifício do consumo na região e uma menor tensão social causada por um progresso mais rápido com o emprego lucrativo de mais trabalhadores provenientes da população agrária excedente A segunda vantagem da inserção da economia da região na economia mundial seria a boa aplicação dos princípios da divisão internacional do trabalho através da especialização das regiões deprimidas em indústrias leves intensivas em mãodeobra Finalmente a última vantagem apontada pelo autor seria a de um melhor aproveitamento das indústrias pesadas já existentes nos países ricos Logicamente RosensteinRodan propõe que seja adotado o segundo modelo É claro que esta forma de industrialização é preferível à autárquica É um 12 grande empreendimento quase sem precedentes históricos ROSENSTEINRODAN 19431969 p 253 123 Industrialização Planejada e em Larga Escala Antes de apresentar detalhadamente sua estratégia de industrialização para a Europa Oriental e SulOriental RosensteinRodan faz uma comparação entre o ambiente institucional outrora vigente no processo de industrialização do início do século XIX e o ambiente institucional no qual se desenvolveria o processo de industrialização da Europa Oriental e Sul Oriental proposto por ele O autor defende que nenhuma analogia poderia ser feita entre os dois processos de industrialização devido justamente aos diferentes arranjos institucionais presentes em cada momento defende ainda uma mudança no ambiente institucional em vigor Dentre esses diferentes arranjos institucionais estaria uma maior demora para com a liquidação dos investimentos internacionais nos dias correntes e uma inadequação das instituições de investimento internacional para o financiamento da industrialização visto que elas não imputariam os lucros provenientes das economias externas em seus cálculos Esse ponto é fundamental para RosensteinRodan ele está pensando em planejamento de industrias complementares uma situação com a qual as instituições de investimento não tinham experiência e portanto não conseguiriam enxergar os possíveis lucros ao analisarem o investimento em cada industria individualmente Outras diferenças institucionais apontadas pelo autor são o emprego de conhecimento técnico dado ao contrário do progresso técnico propulsor da industrialização no século XIX o aumento dos custos fixos das indústrias e do reinvestimento de capital e o aumento dos riscos políticos de investimento internacional Todas essas dificuldades institucionais suscitariam a participação do Estado no projeto de industrialização Não só a participação do Estado mas também o tratamento e planejamento do conjunto industrial a ser criado como um truste RosensteinRodan entende que a sociedade estaria na época menos resistente a assimilar o que ele chamou de dado novo a participação do Estado na economia De acordo com o autor A supervisão e a garantia do Estado podem portanto reduzir substancialmente os riscos e por esse motivo representam conditio sine qua non para o investimento internacional em escala bastante ampla A participação ativa do Estado na vida econômica é fator que 13 precisa ser levado em consideração como um dado novo ROSENSTEINRODAN 1969 p 254 124 Complementação e Economias Externas O primeiro passo segundo o autor para a industrialização seria o de habilitar a mão deobra ou seja transformar camponeses em operários industriais O responsável pelo treinamento da mãodeobra deveria ser um conjunto de indústrias a ser criado o Truste Industrial da Europa Oriental TIEO isso porque não seria lucrativo para um empresário fazêlo individualmente Nesse ponto o autor lança mão do argumento da divergência pigouviana entre o produto marginal líquido social e privado em que o primeiro é superior ao último não é lucrativo para um empresário privado fazer inversões no treinamento da mão deobra Não há hipotecas sobre operários e o empresário que investir no treinamento de pessoal pode perder seu capital se os operários contratarem emprego com outra empresa Embora este treinamento não seja boa aplicação de capital para a empresa privada é o melhor tipo de investimento para o Estado É também bom investimento para o conjunto de indústrias a ser criado quando consideradas como um todo ainda que possa representar custos irrecuperáveis para uma unidade menor ROSENSTEINRODAN 1969 pp 254 e 255 No entanto o autor argumenta que o motivo mais importante para a criação do Truste como unidade de investimento planejado em larga escala seria a complementação das diferentes indústrias essa complementação reduziria o risco de insuficiência da demanda e consequentemente reduziria os custos associados a esse risco O exemplo que é apresentado no texto é o clássico caso da fábrica de sapatos que sozinha não consegue demanda suficiente para sua produção Entretanto ao serem criadas em seu entorno fábricas de meias camisas e calças ela consegue a demanda suficiente dos trabalhadores dessas outras fábricas Este seria um caso típico de economia externa horizontal RosensteinRodan argumenta que nas regiões de baixo padrão de vida seria relativamente fácil prever o perfil da demanda de trabalhadores outrora desempregados e dessa forma se apropriar das economias externas das indústrias complementares 14 Outro tipo de economia externa que poderia ser criada com o advento da industrialização planejada em larga escala além da horizontal complementar de demanda seria a economia externa vertical Ela poderia aparecer tanto entre firmas do mesmo ramo industrial como entre firmas de diferentes ramos No caso da fábrica de sapatos poderíamos pensar nas indústrias de borracha e couro entre outras se integrando verticalmente a ela e propiciando o aparecimento das economias externas Mais uma vez RosensteinRodan chama a atenção para a especificidade das economias internacionais deprimidas nas quais devido ao seu caráter subdesenvolvido a instalação de indústrias integradas verticalmente poderia proporcionar o aparecimento das economias externas o que não seria razoável supor para uma economia desenvolvida 125 Investimento e Economias Externas O autor volta a defender a criação de um grande truste para o financiamento da industrialização em larga escala ao focar sua atenção na questão do investimento Ele argumenta novamente que quando se trata de transformar toda a estrutura econômica de uma região a experiência passada do empresário individual seia irrelevante na a avaliação do investimento O risco calculado pelo empresário individual seria sempre maior do que o calculado pelo Conselho de Planejamento de um TIEO que conseguiria se apropriar do lucro das economias externas pagar os dividendos devidos e conseqüentemente captar mais empréstimos dos países credores e das instituições financeiras O ponto central desse argumento é a escala do empreendimento Pequenas empresas não conseguiriam internalizar as economias externas de seu investimento logo deixariam de obter os lucros provenientes dessa internalização e assim não teriam sucesso em captar os empréstimos necessários para realizálo RosensteinRodan se vale mais uma vez da hipótese de excesso de mãodeobra ao fazer a análise da construção de um ramal subterrâneo de trem em um distrito como exemplo de investimento com economias externas Ele defende a tese de que a valorização do terreno ao redor do ramal mais do que compensaria as baixas receitas do tráfego de passageiros e dado que a empresa construtora do ramal conseguisse se apropriar dos lucros dessa valorização o investimento poderia ser viável Mais do que isso o autor argumenta que os ganhos com as economias externas poderiam entrar no cálculo dos ganhos da economia como 15 um todo no processo de industrialização uma vez que um suposto influxo populacional na direção das regiões industriais e conseqüente valorização dos terrenos adjacentes não teria uma contrapartida negativa na desvalorização das regiões de onde provém essa população graças exatamente ao excesso de população na região agrária Ainda sobre a questão dos investimentos e das economias externas o autor diz que o problema das regiões deprimidas não seria a falta de indústrias básicas e infraestrutura estradas usinas e etc pois essas regiões já apresentariam tal infraestrutura Sendo assim uma industrialização focada na instalação dessas indústrias básicas a fim de proporcionar o surgimento de novas oportunidades de investimento não seria a melhor opção para a região Além do mais o problema se tornaria ilegítimo se pensássemos que todas as indústrias seriam básicas num contexto de apropriação de economias externas de um investimento planejado em larga escala argumenta o autor Quem pensasse que por outro lado apenas o investimento em indústrias básicas levaria naturalmente à industrialização das regiões deprimidas estaria ignorando o fato de que os empréstimos estrangeiros para a instalação de tais indústrias eram escassos no contexto do pósguerra e que esse financiamento só seria justificável para um grande truste do qual os governos credores tivessem controle e pudessem assim confiar nos serviços dos juros e dividendos Além disso seria necessário que esses empréstimos fossem liquidáveis e isso só seria possível em termos do balanço de pagamentos e do movimento de capital através de exportações de produtos de indústrias leves Esse cenário de equilíbrio é argumentado como unicamente possível com a industrialização planejada em larga escala controlada por um truste ou seja vários tipos de indústrias sendo criados simultaneamente dentre elas indústrias de base e indústrias leves Mas tudo isso não seria suficiente salienta RosensteinRodan Seria necessário que a população dos países ricos por sua vez aceitasse uma redução na sua jornada de trabalho para que houvesse espaço para a introdução de produtos provenientes da Europa Oriental e SulOriental A hipótese usada pelo autor é a da que a elasticidaderenda da demanda de importações seria baixa nos países ricos e o único bem que ainda possuiria elasticidaderenda alta nesses países seria o ócio Para finalizar o texto RosensteinRodan retoma a questão inicial que o motivou na investigação das áreas economicamente deprimidas da Europa Depois de alguns cálculos acerca de criação de emprego e crescimento populacional na Europa Oriental e SulOriental conclui que mesmo que o programa de industrialização planejada em grande escala fosse de fato executado apenas 70 a 80 da população poderia ter oportunidades de emprego no 16 decênio seguinte O restante do excesso de mãodeobra disponível teria de ser levado ao capital ou seja teria de ter seu problema resolvido pela emigração Depois de dizer que a atenção do estudo em questão se voltou mais àquilo que se deveria fazer e não como fazer o autor reforça o objetivo do seu texto explicitandoo mais uma vez Ele diz que O objetivo da industrialização das áreas internacionais deprimidas é produzir equilíbrio estrutural na economia mundial através da criação de emprego produtivo para a população agrária excedente ROSENSTEINRODAN 1969 p 260 13 Dois Conceitos de Economias Externas Tendo como eixo de argumentação o conceito de economias externas o texto de RosensteinRodan abre espaço para uma investigação acerca do significado preciso do conceito e das conseqüências de sua utilização na análise do processo de industrialização dos países subdesenvolvidos Dado que a idéia embutida no conceito de economias externas difere essencialmente daquele conhecido na teoria econômica tradicional por externalidades torna se interessante um estudo comparativo sobre os dois conceitos 131 Economias Externas na Teoria do Equilíbrio Geral e nas Teorias do Desenvolvimento Econômico Um estudo mais aprofundado sobre o conceito de economias externas foi feito por Tibor Scitovsky em seu artigo de 1954 intitulado Dois Conceitos de Economias Externas Nele Scitovsky identifica uma certa confusão e imprecisão na definição exata do termo economias externas e na sua aplicação na análise dos problemas econômicos De acordo com o autor existiriam duas definições de economias externas Uma seria empregada na teoria do equilíbrio geral e a outra na teoria da industrialização e esta pode ser identificada com as teorias do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos A teoria do equilíbrio geral segundo Scitovsky é uma teoria estática que trata das características do sistema econômico quando em equilíbrio A maioria de suas conclusões são baseadas nas hipóteses de 1 concorrência 17 perfeita de ambos os lados de todos os mercados 2 divisibilidade perfeita de todos os recursos e produtos SCITOVSKY 19541969 p 302 O corolário da teoria do equilíbrio geral é o de que a economia de mercado leva a um ótimo de Pareto sempre que os comportamentos individuais dos agentes são traduzidos e transmitidos pelo sistema de preços Logo algum tipo de interdependência direta entre os agentes uma vez que não passasse pelo sistema de preços da economia poderia ser responsável por deslocar a economia do ótimo de Pareto acarretando uma possível diferença entre o lucro privado e o social De acordo com Scitovsky existiriam quatro tipos de interdependência direta mas somente a um deles poderia ser atribuído o termo economias externas seria o caso da interdependência direta entre produtores As economias externas existiriam na teoria do equilíbrio geral e a esta definição Scitovsky dá os créditos a Meade 19523 sempre que a produção x1 de uma empresa depende não só dos fatores de produção l1c1 utilizados pela empresa mas também do produto x2 e da utilização de fatores l2c2 de uma outra empresa ou grupo de empresas em símbolos x1 l1 c1 x2 l2 donde a existência de economias externas é indicada pela presença de variáveis que se encontram após o ponto e a vírgula SCITOVSKY 1969 p 304 Mais preciso ainda do que o termo economias externas seria o uso do termo economias externas tecnológicas4 para se referir à interdependência direta entre produtores Para exemplificar esse conceito chamando à atenção para a raridade de sua ocorrência Scitovsky menciona a formação de um mercado de trabalho criado pelo estabelecimento de algumas empresas que beneficiariam a uma outra empresa privilegiada e o caso da utilização de um recurso livre porém escasso por um grupo de empresas nesse caso o uso do recurso por algumas empresas afetaria negativamente a produção de uma outra O outro uso do termo economias externas segundo o autor se daria na teoria da industrialização dos países subdesenvolvidos Ao se deparar com o problema das opções de investimento levarseia em conta geralmente na teoria do equilíbrio geral o retorno privado do suposto investimento Esse não seria entretanto um bom guia de tomada de decisão de investimento no caso dos países subdesenvolvidos Isso porque em um processo de 3 Scitovsky diz que a questão das economias externas na teoria do equilíbrio geral foi tratada rigorosamente no artigo de Meade 1952 4 O crédito pela definição do termo é dado a Viner 1931 18 industrialização no qual estão contextualizadas as economias subdesenvolvidas as economias externas estariam presentes e seriam relevantes poderia haver diferenças consideráveis entre o lucro privado e o social Nas palavras do autor Parece que as economias externas são invocadas sempre que os lucros de um produtor vêemse afetados pelas ações de outros produtores SCITOVSKY 1969 p 306 Expressas em símbolos de modo a facilitar uma comparação com a definição dada na teoria do equilíbrio geral as economias externas tomariam a seguinte forma na função lucro de uma empresa P1 G x1 l1 c1 x2 l2 c2 sendo que sempre que houvesse variáveis à direita do ponto e vírgula poderseia reconhecer sua existência Ou seja a produção e uso de fatores de outras empresas além de sua própria produção e uso de fatores estaria influenciando os lucros da empresa em questão Percebese que essa definição de economias externas é mais abrangente do que a dada e usada na teoria do equilíbrio geral Na verdade ela inclui totalmente a definição de economias externas da teoria do equilíbrio geral visto que se o uso de fatores por parte de uma empresa influencia na função de produção de outra empresa é claro que ela vai influenciar também nos lucros dessa empresa A grande diferença é que na teoria da industrialização dos países subdesenvolvidos os lucros de uma empresa podem ser afetados não só através da interdependência direta como já foi explicado anteriormente como através do mecanismo de mercado também Para diferenciar entre os dois tipos de economias externas apresentadas o autor batiza as economias externas que passam pelo mecanismo de mercado como economias externas pecuniárias características dos países que passam pelo processo de industrialização em contraposição às economias externas tecnológicas presentes tanto em economias desenvolvidas quanto subdesenvolvidas5 O que é interessante notar é a implicação que as economias externas pecuniárias têm na análise do problema do desenvolvimento econômico Se deixado ao cálculo privado individual muitos investimentos se tornariam inviáveis num processo de industrialização de uma área economicamente estagnada Seria somente através de uma percepção maior dos 5 Uma abordagem atual sobre o tema pode ser encontrada na seguinte definição de externalidades retirada de um manual de microeconomia que tem como paradigma o arcabouço teórico da teoria do equilíbrio geral An externality is present whenever the wellbeing of a consumer or the production possibilities of a firm are directly affected by the actions of another agent in the economywhen we say directly we mean to exclude any effects that are mediated by prices That is an externality is present if say a fisherys productivity is affected by the emissions from a nearby oil refinary but not simply because the fisherys profitability is affected by the price of oil which in turn is to some degree affected by the oils refinary output of oil The latter type of effect referred to as a pecuniary externality by Viner 1931 is present in any competitive market but as we saw in chapter 10 creates no inefficiency MASCOLLEL et al 1995 p 352 19 investimentos e das economias externas pecuniárias inerentes que eles se tornariam viáveis de fato Isso implica que o simples jogo das forças de mercado levaria a uma situação de equilíbrio que não representaria o ótimo social Esse resultado vai totalmente contra ao preconizado pela teoria do equilíbrio geral que por sua vez não faz uso do conceito de economias externas pecuniárias Parece então que as limitações da teoria do equilíbrio geral a tornam inaplicável aos problemas relacionados com o investimento SCITOVSKY 1969 p 307 O autor apresenta três explicações para sustentar a citação acima que mostram tal inaplicabilidade ao mesmo tempo em que explicitam suas causas 132 O Investimento e a Inaplicabilidade da Teoria do Equilíbrio Geral A primeira explicação dada por Scitovsky se refere à hipótese da perfeita divisibilidade dos recursos e produtos adotada na teoria do equilíbrio geral De acordo com o autor essa hipótese nem sempre se verifica Conseqüentemente poderia haver problemas de maximização de lucro por parte dos produtores uma vez que igualar preço a custo marginal não se tornaria uma tarefa trivial A indivisibilidade de um investimento poderia fazer com que esse ponto de ótimo não pudesse ser alcançado e o investimento fosse abandonado ou ainda que esse fosse de fato realizado porém de uma forma que o ponto de ótimo para o produtor individual maior lucro não representasse o ótimo do ponto de vista social6 Se pensássemos em estradas portos e usinas como alguns dos investimentos indivisíveis mais comuns e considerarmos estes como investimentos básicos em um processo de industrialização chegaríamos à conclusão de que o modelo de equilíbrio geral não seria adequado para tratar do assunto A segunda explicação dada por Scitovsky se refere a uma característica intrínseca à teoria do equilíbrio geral a sua análise da economia de uma forma estática equilibrada Segundo o autor a escolha dos investimentos a serem feitos numa economia não é um problema estático A maximização de lucros por parte de um produtor é socialmente desejável quando o sistema econômico está em equilíbrio No entanto um investimento não 6 Sobre a questão da indivisibilidade dos investimentos e conseqüentemente de sua desejabilidade social Scitovsky cita quatro trabalhos O primeiro é o de Dupuit 18441952 também é feita referência aos trabalhos de Hicks 1948a 1948b e finalmente ao trabalho que mais lhe agrada sobre o tema qual seja o de Lerner 1944 20 necessariamente aproxima o sistema do equilíbrio Se pensássemos o lucro como sinalizador para investimentos em determinado ramo industrial concluiríamos que sucessivos investimentos nesse setor levariam à eliminação desse lucro e ao conseqüente equilíbrio No entanto não podemos nos esquecer das economias externas pecuniárias geradas por investimentos sucessivos em um determinado setor da economia oferta de fatores mais baratos a alguma indústria por exemplo Nas palavras do autor Podemos portanto concluir que quando um investimento dá origem a economias externas pecuniárias sua rentabilidade privada está abaixo de sua desejabilidade social SCITOVSKY 1969 p 310 Como corolário temos que os lucros gerados numa economia de mercado não constituiriam um guia confiável para investimentos e para a expansão industrial no que se refere ao ótimo social Seria tão menos confiável quanto mais descentralizada fosse essa economia na medida em que as economias externas pecuniárias seriam cada vez menos percebidas pelos investidores7 Vale ressaltar mais uma vez que é na análise da industrialização dos países subdesenvolvidos nos quais um investimento gera mais economias externas pecuniárias que o arcabouço da teoria equilíbrio geral tornase portanto inaplicável A terceira explicação dada por Scitovsky está ligada ao ponto de vista sob o qual se analisa os investimentos Uma análise sob a ótica do equilíbrio geral considera as perdas e ganhos de todos os produtores independente deles serem empresários nacionais ou internacionais Ao se analisar a desejabilidade de um investimento para determinada nação ou região específica determinado grupo de produtores não podemos nos valer das conclusões do modelo de equilíbrio geral portanto Isso porque um investimento rentável do ponto de vista internacional para todos não é necessariamente desejável do ponto de vista nacional para alguns Um esforço de investimento em uma indústria de exportação avaliada no âmbito internacional tenderia a ser mais rentável do que se fosse avaliada no âmbito nacional por exemplo Por outro lado o investimento em indústrias que compitam com as importações sob o ponto de vista nacional tenderia a ser mais rentável do que se fosse avaliada sob o ponto de vista internacional É importante apenas ressaltar que ao se fazer a análise de um 7 Sem apresentar nenhuma referência formal Scitovsky diz que o Professor Kenneth Arrow chama a atenção para o papel dos mercados e dos preços futuros na indicação dos investimentos e das condições econômicas futuras 21 investimento sob o ponto de vista nacional está se ignorando economias externas pecuniárias presentes na economia internacional8 14 Conclusão Este capítulo teve como objetivo apresentar e analisar as principais idéias de RosensteinRodan acerca do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos Nessa análise o conceito de economias externas teve papel de destaque demandando inclusive uma seção especial para seu estudo Nesse estudo foi comparado o significado e a utilização do conceito de economias externas para as teorias do desenvolvimento econômico e para a teoria do equilíbrio geral É necessário no entanto que se abra o foco da discussão sobre a definição do conceito de economias externas e que se analise o contexto no qual ela está inserida para que se tenha a total compreensão de seu significado Essa necessidade fez com que este capítulo mostrasse um pouco da produção intelectual de RosensteinRodan chamando a atenção para seu interesse por questões relacionadas a processos de transformação em uma economia e sua trajetória para o equilíbrio Fez também com que se situasse no tempo e no espaço seu artigo seminal das teorias do desenvolvimento econômico mostrando o ambiente de preocupação com a inserção dos países subdesenvolvidos na economia mundial através da industrialização presente na Europa no fim da Segunda Guerra Mundial e neste ponto a obra de RosensteinRodan datada de 1943 é precoce Assim é somente com esse cenário montado que podemos entender como aparece o conceito de economias externas pecuniárias em contraposição às economias externas tecnológicas na obra de RosensteinRodan O estudo e o planejamento de uma nova economia nas regiões deprimidas da Europa demandou o uso de conceitos que descrevessem a trajetória dessa economia subdesenvolvida em direção ao desenvolvimento ou seja o processo de industrialização e suas conseqüências O instrumental da teoria do equilíbrio geral mostrouse inadequado para essa análise pois ela não tratava desse tipo de fenômeno econômico Logo fezse necessária a construção de novos conceitos dentre eles o de economias externas pecuniárias que acabaram por constituir o corpo teórico das teorias do desenvolvimento econômico 8 Sobre a questão da diferença no cálculo das externalidades em um investimento privado e no bemestar nacional Scitovsky cita os trabalhos de Singer 1950 e de Graaf 19491950 22 Mas não foi só RosensteinRodan quem contribuiu para a construção do objeto teórico das teorias do desenvolvimento econômico Outro grande autor que se debruçou sobre a questão do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos e se utilizou de novos conceitos para analisála foi Arthur Lewis O capítulo seguinte tem justamente a pretensão de apresentar as idéias de Lewis e assim analisar a sua contribuição 23 24 2 O MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃODEOBRA DE ARTHUR LEWIS 21 Introdução Sir W Arthur Lewis faz parte do seleto grupo de economistas que tiveram a honra de receber o Prêmio Nobel de Economia O prêmio concedido em 1979 foi uma homenagem à sua extensa pesquisa acerca do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos O autor faz parte de uma geração de economistas que se dedicou ao estudo de economias subdesenvolvidas após o final da Segunda Guerra Mundial e que contribuiu para a construção e consolidação das teorias do desenvolvimento econômico nessa época Assim como RosensteinRodan Lewis tinha como estratégia e paradigma de desenvolvimento econômico o planejamento e a acumulação de capital respectivamente Em sua análise do processo de acumulação de capital dos países subdesenvolvidos o autor introduziu um conceito fundamental e que daria um caráter peculiar e original ao seu modelo qual seja a oferta ilimitada de mãodeobra Isso quer dizer que Lewis tinha como hipótese que nas economias subdesenvolvidas o trabalho era redundante não havia escassez de mãodeobra e esse ponto será aprofundado mais a diante A tentativa de explicar a origem dessa idéia sobre a mãodeobra nos países subdesenvolvidos nos remete à biografia do autor Arthur Lewis nasceu em Santa Lucia antiga colônia britânica do Caribe em 1915 onde viveu dezessete anos de sua vida Em 1932 mudouse para a Inglaterra onde iniciou seus estudos em Economia na London School of Economics Em 1948 tornouse professor da Universidade de Manchester e foi lá que passou a se dedicar sistematicamente à pesquisa sobre desenvolvimento econômico Sua pesquisa esteve sempre relacionada aos países subdesenvolvidos mais precisamente à industrialização dos países do Caribe sua terra natal Vários artigos seus sobre o assunto foram publicados entre 1944 e 1954 ano da publicação de seu artigo mais famoso e que será analisado minuciosamente neste trabalho O artigo escrito por Arthur Lewis e publicado em maio de 1954 com o nome de O Desenvolvimento Econômico com Oferta Ilimitada de Mãodeobra trata do tema do desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos e tem como hipótese central a oferta ilimitada de mãodeobra Ao longo do texto o autor apresenta argumentos a favor da 25 adoção de tal hipótese para o estudo das economias ditas subdesenvolvidas analisa também suas conseqüências e desdobramentos através de um modelo teórico formal que por sua vez parte de uma estrutura simples de uma economia fechada e segue incorporando outros aspectos relevantes tais como a poupança a inflação o papel do governo e do comércio internacional 22 Desenvolvimento Econômico com Oferta Ilimitada de MãodeObra 221 Tradição Clássica Arthur Lewis inicia o texto chamando a atenção para uma característica fundamental de seu trabalho qual seja a de ter sido escrito na tradição clássica O que o autor quer enfatizar com essa informação inaugural é o seu objeto de estudo que ele deixa explícito na seguinte passagem Os clássicos de Smith a Marx supuseram ou aceitaram que se verificava uma oferta ilimitada de mãodeobra a salários de subsistência A seguir perguntavam de que modo aumenta a produção com o decorrer do tempo e encontraram a resposta na acumulação de capital explicada pela análise da distribuição de rendaO propósito deste artigo é portanto descobrir o que se pode aproveitar do marco clássico para resolver os problemas da distribuição acumulação e crescimento em primeiro lugar numa economia fechada e depois numa economia aberta LEWIS 19541969 pp 406 e 408 É exatamente esse o percurso a ser percorrido por Lewis em seu artigo Mais do que ressaltar seu viés clássico o autor já começa a deixar clara sua rejeição ao modelo neoclássico como ele próprio se referiu no estudo do desenvolvimento econômico das economias subdesenvolvidas ao relegar um papel secundário à determinação dos preços relativos A justificativa de Lewis para sua guinada na direção clássica em detrimento da neoclássica é a de que o modelo neoclássico se aplicaria somente às economias em que o problema econômico fosse o da escassez e em que o crescimento fosse dado como garantido Esse não era o caso da economia européia nos séculos XVIII e XIX nem o caso das economias subdesenvolvidas quando da publicação do artigo nas quais parecia predominar uma oferta ilimitada de mãodeobra e a expansão econômica era incerta 26 Outra rejeição que Lewis faz em seu texto é em relação ao pensamento keynesiano expresso na Teoria Geral Assim como a teoria neoclássica a teoria keynesiana seria inapropriada para tratar da questão do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos Isso porque Keynes além da oferta ilimitada de trabalho supunha também oferta ilimitada de terra e capital Dessa forma a mãodeobra não era um fator de produção que estava sobrando na economia ou seja uma vez empregado todo o capital e toda a terra na produção a oferta de mãodeobra não excederia sua demanda Nesse sentido podemos pensar que a mãodeobra continuava escassa ela simplesmente não estaria sendo empregada assim como os outros fatores de produção Sendo assim ao eliminar o desemprego de todos os fatores de produção o sistema neoclássico de pleno emprego e de escassez de fatores de produção seria restabelecido É por isso que Lewis diz que o keynesianismo poderia ser tratado como uma longa e importante nota de rodapé para o neoclassicismo Antes de iniciar a exposição sistemática de suas idéias sobre a oferta ilimitada de mão deobra e de apresentar os argumentos a favor da adoção de tal hipótese para a análise das economias subdesenvolvidas Lewis insiste em fazer transparecer seu pensamento acerca da ilegitimidade do uso da teoria neoclássica e desta vez da keynesiana também para tratar dessas economias Nossa finalidade não é superar a economia neoclássica mas simplesmente elaborar esquema diferente para aqueles países que não podem ser encaixados dentro das hipóteses neoclássicas nem keynesianas LEWIS 1969 p 408 222 A Oferta Ilimitada de MãodeObra Lewis inicia a seção intitulada A Economia Fechada de seu artigo de 1954 dando sua primeira definição do conceito de oferta ilimitada de mãodeobra Nas suas palavras Podese dizer primeiramente que há oferta ilimitada de trabalho nos países onde a população é tão numerosa em relação ao capital e recursos naturais que existem amplos setores da economia em que a produtividade marginal do trabalho é ínfima nula ou mesmo negativa LEWIS 1969 p 408 O autor está se referindo aí ao que chamou de desemprego disfarçado tanto de atividades rurais como urbanas No caso do campo esta situação seria bem exemplificada 27 pelos trabalhadores que ajudam seus familiares no cultivo da terra e no entanto seriam completamente dispensáveis sem que se alterasse o nível de produção Todavia é no desemprego disfarçado nas cidades que Lewis expande seu rol de exemplos entram em sua lista os carregadores do porto os carregadores de mala os biscateiros e os vendedores ambulantes Em todos esses casos a produção não seria afetada negativamente se o número de trabalhadores fosse reduzido à metade por exemplo no caso dos vendedores ambulantes a redução poderia até levar a uma melhora no bem estar dos consumidores ao diminuir a margem absorvida pelos varejistas O autor faz uma observação importante para explicar como essas pessoas conseguiriam empregos mesmo com uma produtividade próxima de zero faria parte de um código de comportamento ético dos países subdesenvolvidos as pessoas oferecerem o máximo de seu trabalho ao mesmo tempo em que seria motivo de prestígio social para o patrão contar com o maior número possível de empregados mesmo que isso implicasse um ônus econômico Na continuação de sua investigação sobre as fontes da oferta ilimitada de mãode obra Lewis faz um adendo à sua definição do conceito de oferta ilimitada de mãodeobra Ele ressalta que não seria necessário que o trabalho tivesse produtividade marginal nula ou ínfima para que se identificasse mais um caso de desemprego disfarçado Segundo o autor bastaria que a oferta de trabalho excedesse a demanda ao nível de salário vigente na economia Esse nível de salário Lewis indica como correspondente ao nível de subsistência embora não entre em maiores detalhes sobre o assunto neste primeiro momento A oferta de mãodeobra poderia ser considerada ilimitada pois os salários não representariam um limite à criação de novas empresas ou à ampliação das antigas Para analisarmos esse caso em que novos empregos poderiam ser oferecidos na indústria ao salário de subsistência seria interessante incluir outras duas classes de desempregados na sua lista A primeira classe que Lewis menciona é a das esposas e filhas representando a mão deobra feminina Com a transferência do trabalho doméstico para o interior das fábricas ou manufaturas a produção elevarseia consideravelmente principalmente se levássemos em conta os benefícios da produção em grande escala e da utilização de máquinas e instrumentos A segunda classe é a resultante do crescimento vegetativo e Lewis argumenta neste ponto dizendo que se não há provas de que o desenvolvimento eleve a taxa de natalidade não há dúvidas de que ele reduza a taxa de mortalidade consideravelmente Uma terceira classe indicada pelo autor e rechaçada pelo mesmo logo em seguida seria a dos desempregados pela maior eficiência produtiva algo do tipo desemprego tecnológico Lewis argumenta que essa hipótese foi falseada empiricamente 28 Mais um adendo se faz necessário e importante na qualificação da oferta ilimitada de mãodeobra De acordo com o autor essa classificação se aplicaria somente ao trabalho não qualificado Poderia sim existir escassez de mãodeobra qualificada nas economias subdesenvolvidas ainda que por um curto período de tempo Mesmo assim segundo Lewis ela não chegaria a ser um ponto de estrangulamento da produção como o capital e os recursos naturais uma vez que a mãodeobra nãoqualificada poderia ser treinada a qualquer momento pelo governo ou pelos capitalistas durante o processo de desenvolvimento Seria portanto apenas um estrangulamento temporário 223 Modelo Teórico Já é o momento de entrarmos no modelo teórico propriamente dito apresentado por Lewis em seu artigo de 1954 O autor faz uso de um sistema dual de produção no qual a economia dos países subdesenvolvidos poderia ser dividida em um setor capitalista e um setor de subsistência O setor capitalista poderia ser definido como a parte da economia que utiliza capital reproduzível e que retribui aos capitalistas pelo uso deste LEWIS 1969 p 413 e se identificaria com o setor industrial Por exclusão o setor de subsistência seria o setor que não utilizasse capital reproduzível bem representado pela atividade camponesa de subsistência O setor capitalista poderia ser visto como sendo composto por várias ilhas em um mar de subsistência esse aspecto no entanto não lhe tiraria o caráter de setor graças à concorrência que tenderia a igualar os lucros do capital O salário do trabalhador do setor capitalista seria determinado pelos rendimentos do setor de subsistência e corresponderia a aproximadamente 30 a mais do que o valor da produção média desse último setor Essa diferença se deveria ao maior custo de vida inerente ao setor capitalista urbano e mais congestionado No entanto ela não seria só nominal haveria também uma diferença no salário real entre os dois setores que teria uma explicação psicológica da mudança de um ambiente tranqüilo no setor de subsistência para um estilo de vida disciplinado no setor capitalista O modelo trata então da expansão do setor capitalista da economia Nele o capitalista contrataria trabalhadores até o ponto em que a produtividade marginal do trabalho se igualasse ao valor do salário do setor capitalista que já foi definido anteriormente A produtividade marginal do trabalho no setor capitalista seria decrescente e o salário do setor 29 capitalista seria constante dada a hipótese da oferta ilimitada de mãodeobra a um salário de subsistência garantindo um ponto de intersecção entre ambos A partir desse ponto os trabalhadores seriam relegados ao setor de subsistência Lewis ressalta ainda que apesar de alguns patrões manterem empregados inúteis nas economias subdesenvolvidas essa seria a melhor hipótese que se poderia fazer acerca da expansão do setor capitalista da economia uma vez que o tipo de capitalista que produz a expansão econômica não é o mesmo que trata seus empregados como criadosa hipótese da maximização dos lucros é provavelmente uma aproximação válida da verdade Lewis 1969 p 413 Passemos agora a estudar a dinâmica do modelo de Lewis Quanto mais capital se dispusesse nessa economia mais trabalhadores poderiam migrar do setor de subsistência para o setor capitalista Uma conseqüência direta desse movimento seria o aumento do produto per capita da economia como um todo simplesmente porque a contribuição de um trabalhador do setor de subsistência é praticamente nula para a composição do produto ao passo que sua participação no setor capitalista é significante A criação desse novo capital se daria através do reinvestimento do excedente capitalista lucros dessa forma o setor capitalista se ampliaria mais trabalhadores seriam trazidos do setor de subsistência e o processo continuaria até que desaparecesse o excedente de mãodeobra É importante ressaltar que no modelo de Lewis o processo de acumulação de capital e o progresso técnico caminham juntos Nas palavras do autor Deveria ser possível teoricamente distinguir entre o aumento de capital e o aumento dos conhecimentos técnicos mas isto na prática não é nem possível nem necessário para fins de nossa análiseO capital e o conhecimento técnico atuam conjuntamente no sentido de que nas economias em que a técnica se apresenta estagnada a poupança não é em geral prontamente aplicada no aumento de capital produtivo em tais economias é mais comum utilizar a poupança para construir pirâmides igrejas e outros bens de consumo duráveis deste tipo Consequentemente o aumento do capital produtivo e o aumento dos conhecimentos técnicos são nessa análise tratados como um só fenômeno LEWIS 1969 p419 420 30 224 Poupança Lucro e Renda Terminada a parte mais formal da exposição de seu modelo teórico Lewis volta sua atenção para o que considera ser o problema central da teoria do desenvolvimento econômico que em suas próprias palavras é a compreensão do processo pelo qual uma comunidade que anteriormente não poupava nem investia mais que 4 ou 5 de sua renda nacional ou ainda menos transformase numa economia em que a poupança voluntária se situa por volta de 12 a 15 da renda nacional ou mais LEWIS 1969 p 422 De acordo com o autor nenhum processo de desenvolvimento econômico poderia ser explicado sem que se tivesse em vista e se pudesse explicar o aumento relativo da poupança em relação à renda nacional Nessa investigação Lewis diz que seria necessário focarse apenas nos 10 da população posto que ela possuísse 40 da renda nacional ou seja entender como que esses 10 mais ricos passariam a poupar mais o restante da população não conseguiria poupar uma parte significativa de suas rendas Esse é um ponto muito importante para que se compreenda a dinâmica do processo e para que não se confunda a poupança relevante dos 10 mais ricos com a do restante da população que mal consegue poupar Nas palavras de Lewis Praticamente toda a poupança provém daqueles que têm lucros ou rendas A poupança dos trabalhadores é muito pequena As classes médias poupam alguma coisa mas em todas as comunidades a poupança das classes médias tem na prática poucas consequências para o investimento produtivo Se a poupança nos interessa devemos concentrar nossa atenção nos lucros e nas rendas LEWIS 1969 p 423 A pista seguinte da investigação é portanto responder à questão em que circunstâncias aumenta a participação dos lucros na renda nacional Para tal Lewis utiliza o seu modelo O raciocínio do autor é o seguinte num primeiro momento a renda nacional seria composta majoritariamente pela renda de subsistência Considerando o aumento populacional e a produtividade marginal do trabalho ambas iguais a zero a renda de subsistência se manteria constante à medida que o trabalho fosse transferido para o setor capitalista Por outro lado o excedente capitalista e a renda dos próprios capitalistas iriam 31 aumentando como proporção da renda nacional visto que o salário dos trabalhadores do setor capitalista se manteria constante no processo enquanto ainda houvesse oferta ilimitada de mãodeobra Dessa forma enquanto uma parte do excedente fosse reinvestida em capacidade produtiva incluindo o progresso técnico os lucros sempre aumentariam em relação à renda nacional Essa análise ajudaria segundo Lewis a entender o problema clássico dos países subdesenvolvidos os baixos níveis de poupança Seriam três os pontos básicos enfatizados pelo autor para explicar por que os países subdesenvolvidos poupam tão pouco O primeiro deles seria o fato do setor capitalista privado ou estatal ser muito pequeno nesses países o que inviabilizaria o mecanismo de poupança através dos lucros exposto anteriormente O segundo ponto seria a desigualdade de renda inerente ao processo de desenvolvimento econômico essa desigualdade deveria ser sempre em favor dos lucros capitalistas e não em favor da renda da terra como parecia ser em muitos dos países subdesenvolvidos Só assim poderia se assegurar um alto nível de poupança e de reinvestimento no setor produtivo da economia O último ponto é de suma importância e se refere à necessidade da existência de uma classe capitalista ausente nas economias subdesenvolvidas isto é de um grupo de homens que pensam em termos de investimento produtivo de capital As classes dominantes das economias atrasadas proprietários de terra comerciantes prestamistas sacerdotes militares príncipes normalmente não pensam nesses termos O motivo pelo qual uma sociedade desenvolve uma classe capitalista é muito difícil de ser encontrado não havendo provavelmente uma resposta geral LEWIS 1969 pp 425 e 426 225 Inflação e Governo O passo seguinte de Lewis é o de apresentar uma outra forma de criação de capital que não o reinvestimento dos lucros do processo produtivo qual seja o aumento líquido da oferta de dinheiro principalmente através do crédito bancário O autor argumenta que essa seria uma prática muito comum entre os capitalistas e portanto deveria ser anexada ao modelo Uma suposição que é feita é a de que o excedente de trabalho poderia ser utilizado para a produção de bens de capital sem que houvesse prejuízo na produção de bens de consumo Isso porque como já foi dito a produtividade marginal do trabalho seria nula e o 32 uso de terra e de capital escassos seria considerado desnecessário na produção dos bens de capital Feito o investimento em capital então através de dinheiro novo o primeiro efeito seria o de aumento de preços na economia já que a produção de bens de consumo se manteria constante e o meio circulante para compras aumentaria entre os trabalhadores recém empregados no investimento Em um segundo momento apareceriam os frutos da produção dos novos bens de capital os preços recuariam e o consumo se elevaria Esse processo inflacionário de financiamento de investimento só terminaria quando os lucros dos capitalistas fossem grandes o suficiente para financiar a nova taxa de investimento da economia desprezando o auxílio da expansão monetária É fácil transpor o mecanismo acima descrito para o modelo Sendo que a renda real de subsistência é dada o salário real no setor capitalista mantémse constante também caso houvesse uma perda salarial real os trabalhadores do setor capitalista voltariam para o setor de subsistência Supondo que houvesse investimento em capital novo e este fosse feito por crédito os salários estariam sempre acompanhando os preços pelo motivo exposto anteriormente e os lucros estariam crescendo como proporção da renda nacional graças à passagem dos trabalhadores do setor de subsistência para o setor capitalista Chegariase ao ponto em que esses lucros seriam suficientes para financiar o novo investimento em capital o sistema voltaria então ao equilíbrio sem inflação Nas palavras do autor A inflação com finalidade de formação de capital é autodestrutiva Os preços começam a aumentar mas são mais cedo ou mais tarde superados por uma produção maior e podem em última análise acabar abaixo do que se encontravam no início LEWIS 1969 p 431 O papel da expansão de crédito seria portanto o de acelerar o aumento de capital e da renda real Lewis passa a analisar então o papel do governo no processo de desenvolvimento De acordo com o autor também o governo poderia se utilizar da mesma forma que foi exposta anteriormente do expediente inflacionário para promover a formação de capital novo O procedimento seguinte ao financiamento pela inflação a ser adotado pelo governo poderia ser o de uma elevação dos impostos para forçar esse dinheiro a voltar rapidamente às suas mãos ou ainda caso a sociedade se negasse a aceitar tal redistribuição da renda um ajuste mais demorado dos preços que só retornariam aos seus níveis inicias quando a oferta da produção resultante do capital formado forçasse a queda dos preços 33 Mais uma vez Lewis faz uma ressalva quanto ao processo de formação de capital através da inflação Ele enfatiza que seria necessário que esse dinheiro novo fosse parar nas mãos dos industriais somente essa classe iria poupar e investir esse dinheiro produtivamente A explicação que o autor dá para esse fato é a de que estaria implícito no trabalho dos empresários industriais o desejo pelo êxito na formação de capital novo Até mesmo o governo teria dificuldades em poupar o suficiente para liquidar com o processo inflacionário visto que é sempre difícil para ele reduzir seus gastos Outra ressalva feita pelo autor é quanto ao tipo de investimento a ser feito com a expansão do crédito A melhor maneira de se formar capital com a criação de crédito seria através de investimentos que produzissem um retorno rápido e elevado seria um erro financiar a construção de escolas com esse tipo de recurso por exemplo Por fim e para encerrar de vez o debate sobre inflação e formação de capital Lewis argumenta que a decisão de financiar ou não o investimento em capital através da expansão de crédito deveria ser tomada levandose em conta o tradeoff inerente a tal processo que se daria entre o ônus inflacionário que recairia sobre a sociedade e o aumento da produção 226 Fim do Processo de Desenvolvimento para uma Economia Fechada A análise se volta agora no texto para o fim do processo de desenvolvimento De acordo com o modelo de Lewis exposto até o momento uma economia com salário real constante oferta de mãodeobra ilimitada e que reinveste seu excedente na formação de capital irá crescer até o ponto em que o trabalho se torne um fator escasso No entanto o fim desse processo pode ser precipitado por algumas razões econômicas e o autor enumera cada um desses casos particulares da seguinte forma O primeiro caso em que o fim do processo de desenvolvimento econômico aconteceria antes que toda a mãodeobra excedente fosse absorvida pelo setor capitalista se daria quando a acumulação de capital fosse tão grande que superasse o aumento da população fazendo com que o número de pessoas no setor de subsistência diminuísse em valores absolutos e assim o produto médio desse setor se elevasse Dessa forma o salário do setor capitalista sofreria uma constante elevação diminuindo os excedentes dos capitalistas e assim adiantando o fim do processo de acumulação 34 O segundo caso em que o fim do processo de acumulação de capital se daria mais cedo do que o desejável seria quando o setor capitalista crescesse mais depressa de que o de subsistência de forma a fazer com que os termos de intercâmbio se voltassem contra o setor capitalista supondo que os dois setores produzissem bens diferentes Dessa forma os empresários seriam obrigados a aumentar os salários dos seus trabalhadores para conservar seu valor real e evitar que eles voltassem para o setor de subsistência O terceiro caso seria o do aumento da produtividade do setor de subsistência propiciado pelo desenvolvimento de alguma nova técnica ou ainda se aproveitando dos investimentos do setor capitalista em infraestrutura A conseqüência seria mais uma vez a elevação dos salários reais do setor capitalista causada pela elevação da produtividade do setor de subsistência o que levaria à diminuição dos excedentes capitalistas Esses salários reais poderiam aumentar também caso os trabalhadores do setor capitalista resolvessem elevar seu padrão de vida e exigissem um aumento salarial para cumprir com suas novas necessidades de consumo De acordo com Lewis a situação mais interessante e que mereceria ser investigada com minúcia seria a do movimento dos termos de intercâmbio em prejuízo do setor capitalista causado pelo maior crescimento deste em relação ao de subsistência Para tal análise deveríamos supor que o setor de subsistência produzisse apenas alimentos e o setor capitalista todos os outros bens Essa relação mostra a importância da agricultura para o processo de desenvolvimento da indústria a forma pela qual a indústria dependeria de melhorias na agricultura a fim de se evitar esse movimento depreciativo dos preços relativos Por outro lado um aumento da produtividade do setor de subsistência como já foi dito anteriormente poderia fazer com que os salários reais do setor capitalista aumentassem do mesmo jeito A solução para esse problema segundo o autor estaria numa melhora da relação de intercâmbio em favor do setor industrial que mais do que compensasse o aumento da produtividade do setor de subsistência Isso poderia ser alcançado segundo o autor impedindose que os camponeses retivessem os ganhos advindos do aumento de produtividade o que implicaria uma redução na queda dos preços dos alimentos ou ainda sua elevação e pioraria os termos de intercâmbio do setor capitalista em relação ao de subsistência Visto o esgotamento do processo de desenvolvimento para uma economia fechada o autor abre espaço para o que será a continuação do seu modelo logicamente a análise de uma economia aberta Em suas próprias palavras 35 Ao desaparecer o excedente de trabalho nosso modelo de economia fechada perde sua validade Os salários então já não estão ligados a um nível de subsistência No mundo clássico todos os países apresentam excedente de trabalho No mundo neoclássico o trabalho é escasso em todos os países No entanto no mundo real os países que atingiram a escassez de trabalho vêemse cercados por outros que apresentam trabalho em abundância LEWIS 1969 p 441 227 Análise para uma Economia Aberta Lewis abre a seção chamada de A Economia Aberta apresentando duas soluções para os capitalistas quando a acumulação de capital alcançasse a oferta de trabalho e seus excedentes fossem diminuídos pelo aumento dos salários de subsistência em seus países A primeira solução seria incentivar a imigração de trabalhadores empregados em setores de subsistência impedindo assim que os salários aumentassem em seus países A segunda mais viável e desejável segundo o autor seria a exportação de capitais para os países em que houvesse mãodeobra em abundância A explicação para essa maior viabilidade e desejabilidade seria o fato dos sindicatos dos países em que o trabalho fosse escasso estarem organizados contra a imigração em massa enquanto que os mesmo não apresentariam maiores restrições à exportação de capital Neste ponto Lewis se depara com a mesma questão analisada por RosensteinRodan 1943 e apresentada no capítulo anterior deste trabalho Ambos os autores identificam um problema na divisão internacional do trabalho expresso pelo desequilíbrio da relação capitaltrabalho entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos Os primeiros teriam excesso de capital enquanto os últimos teriam excesso de mãodeobra A solução proposta pelos dois é a mesma qual seja a exportação de capital pelos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos Ambos apontam dificuldades para a imigração em massa de mãodeobra RosensteinRodan alerta para problemas tanto nos países de origem quanto nos países de destino dessa mãodeobra excedente Já Lewis tem seu argumento baseado nos problemas decorrentes da reação violenta dos sindicatos à imigração como foi dito anteriormente Focando então na exportação de capital Lewis faz a primeira análise de seu modelo com a economia aberta apresentando uma situação de intercâmbio entre dois países A e B Deveríamos supor que no país A o trabalho é escasso e no país B não ambos seriam auto suficientes e não existiria comércio entre eles A partir do momento em que o país A 36 começasse a exportar capital para o país B verificarseia em primeiro lugar um excedente de exportação de A representado pelo capital seguido de um excedente de importação de A representado pela entrada de dividendos O salário dos trabalhadores do país A manteria se constante até o ponto em que o trabalho deixasse de ser escasso no país B e voltasse a se investir capital no país A Esse seria um exemplo muito simples de funcionamento de uma economia aberta no entanto seria preciso fazer algumas considerações a respeito da motivação da exportação de capital por parte dos empresários antes de se partir para modelos mais complexos Lewis defende a idéia de que não seria tão simples assumir que os empresários do país A investiriam seu capital no país B assim que o trabalho se tornasse escasso no primeiro A rentabilidade de um investimento e portanto o incentivo a se investir em um país estrangeiro seria tão maior quanto fosse sua disponibilidade de recursos naturais o grau de cultura capitalista presente na sociedade e quanto menor fosse a quantidade de capital já investido nele Sobre essa última questão apesar do autor identificála como determinante na decisão do investimento ele não concorda que a tendência natural à diminuição do rendimento do capital fosse algo inevitável Se por um lado o aumento da relação capital per capita tenderia a diminuir os lucros do capital por outro o progresso tecnológico atuaria na direção oposta a saber a de aumentar os lucros do capital Da mesma forma não necessariamente seria mais rentável investir numa indústria de um país subdesenvolvido somente porque lá a mãodeobra é mais barata o retorno do investimento dependeria de muitas outras variáveis e um baixo grau de capitalização da economia em que se investisse poderia até contribuir para um menor retorno A única conclusão lógica seria a de que quando um país em que o trabalho fosse escasso exportasse capital pelo motivo que fosse evitaria um aumento salarial dentro do próprio país A segunda situação proposta por Lewis é a de dois países que não são concorrentes no mercado internacional mas que comerciam entre si Supondo que o país A produzisse trigo e o país B produzisse amendoim e o país A desenvolvesse um setor capitalista de cultivo de trigo os salários em A começariam a subir no momento em que a mãodeobra não fosse mais abundante e seria compensatório exportar o capital de produção de trigo para a produção de amendoim no país B caso as técnicas fossem compatíveis Da mesma forma que na situação anterior os salários se manteriam constantes no país A porém os termos de intercâmbio entre os dois países teriam um movimento interessante Ao se criar um setor capitalista produtor de trigo em A a produção aumentaria de forma a tornar o amendoim mais caro em termos de trigo Os trabalhadores e os capitalistas de A estariam piores em termos de 37 amendoim e os trabalhadores de B estariam melhores em termos de trigo Essa relação de intercâmbio só voltaria ao normal à medida que capital fosse exportado para a produção de amendoim no país B e esta crescesse consideravelmente Nesse movimento seria interessante notar que a exportação de capital poderia favorecer os trabalhadores do país exportador contanto que esse capital fosse aplicado na indústria produtora do bem que o país importasse no caso o amendoim Uma terceira situação serve muito bem para entender por que segundo Lewis os produtos tropicais seriam tão baratos no mercado internacional Se modificássemos o exemplo anterior e supuséssemos que o país A produzisse aço e fosse altamente produtivo em alimentos de modo que o dia de trabalho nesse país produzisse três unidades de alimento ou três unidades de trigo enquanto que o país B produzisse borracha e tivesse baixa produtividade no cultivo de alimentos de modo que o dia de trabalho nesse país produzisse uma unidade de alimento ou uma de borracha poderíamos estabelecer os termos de troca do aço em relação à borracha por intermédio dos alimentos uma unidade de alimento uma unidade de aço uma unidade de borracha Poderíamos estabelecer também os salários relativos entre os trabalhadores de A e B determinados pela produtividade no setor de alimentos o salário dos trabalhadores de A seria o triplo do salário dos trabalhadores de B Se houvesse exportação de capital para o setor de produção de borracha do país A para o país B a produtividade desse setor aumentaria e os termos de intercâmbio se moveriam em favor do país A pois a mesma quantidade de aço compraria mais borracha Por outro lado o salário dos trabalhadores do país B continuaria o mesmo e o preço da borracha continuaria baixo dado que ainda haveria oferta ilimitada de mãodeobra nessa economia Assim por mais que se desenvolvesse o setor de borracha os trabalhadores continuariam na mesma situação os únicos beneficiados seriam os compradores internacionais Para se elevar o preço da borracha seria necessário aumentar a produtividade dos setores de subsistência alimentos no país B Mesmo assim ressalva o autor a exportação de capitais poderia ser benéfica aos países subdesenvolvidos uma vez que aumentaria a oferta de emprego diminuindo a diferença entre a oferta de mãodeobra e sua demanda Uma quarta situação é proposta por Lewis na sua análise da oferta ilimitada de mão deobra em uma economia aberta O autor supõe agora que os dois países produzem os mesmo bens alimentos e manufaturas de algodão e comerciem entre si no país A o trabalho seria escasso e no país B haveria oferta ilimitada de mãodeobra no setor de alimentos O que se gostaria de saber é quem deveria se especializar em que produto para que o comércio internacional fosse vantajoso para ambos Considerandose que em um dia de 38 trabalho se produzisse três unidades de alimentos ou três unidades de manufaturas de algodão no país A e que no país B no mesmo dia se produzisse duas unidades de alimentos ou uma unidade de manufaturas de algodão produtos médios poderia se inferir que o país B deveria se especializar na produção de alimentos e o país A na produção de manufaturas de algodão Porém se estaria esquecendo que no país B haveria oferta ilimitada de mãodeobra o que faria com que o produto marginal de um dia se trabalho fosse zero unidades de alimento ou uma unidade de manufaturas de algodão Sob esse novo ponto de vista marginal e considerando que no país A as proporções se mantivessem seria em manufaturas de algodão então que o país B deveria se especializar Esse engano de interpretação entre produto médio e produto marginal na análise das vantagens comparativas entre países que apresentam oferta de mãodeobra ilimitada segundo o autor teria causado a destruição das manufaturas de muitos países subdesenvolvidos entre elas a indústria algodoeira da Índia Mais do que isso o autor defende a proteção das economias subdesenvolvidas contra as importações imputando ao modelo neoclássico que não inclui a oferta ilimitada de mãodeobra em seu arcabouço teórico uma falha crucial na análise do comércio internacional desse tipo de país Podese resumir o que foi dito até o momento sobre o modelo de Lewis para uma economia aberta e aqui se encerra o artigo nas palavras do próprio autor a exportação de capital tende a reduzir os salários dos países exportadores de capital Isto é total ou parcialmente compensado quando o capital é aplicado para baratear os artigos importados pelos trabalhadores ou para elevar os custos salariais dos países que concorrem em terceiros mercados elevando a produtividade em seus setores de subsistência No entanto a redução dos salários vêse agravada quando o capital é investido de modo a elevar o custo das importações aumentando a produtividade nos setores de subsistência ou aumentar a produtividade das exportações rivais Já vimos também que os países importadores de capital com excedente de trabalho não conseguem aumentar os salários reais através do investimento de capital estrangeiro nos mesmos a menos que este capital resulte num aumento da produtividade das mercadorias produzidas para seu próprio consumo LEWIS 1969 pp 453 e 454 39 23 Conclusão Este capítulo teve como objetivo apresentar e analisar as principais idéias de Arthur Lewis acerca do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos Essa análise se ateve apenas à interpretação e exposição do seu principal artigo sobre desenvolvimento econômico Nele está presente o conceito fundamental da obra de Lewis qual seja o da oferta ilimitada de mãodeobra nos países subdesenvolvidos Tomando esse conceito básico como hipótese o autor construiu um modelo formal de acumulação de capital para explicar o processo de desenvolvimento econômico nesses países Esse modelo parte de uma economia simples e fechada e vai incorporando a inflação o papel do governo e o comércio internacional na sua estrutura de análise É fundamental frisar a importância que Lewis confere à caracterização de seu artigo como sendo proveniente da tradição clássica Logo de início o autor rejeita o arcabouço teórico neoclássico e o keynesiano para explicar o processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos A introdução da hipótese da oferta ilimitada de mãodeobra em seu modelo ratifica essa rejeição ao mesmo tempo em que contribui para a construção do objeto teórico das teorias do desenvolvimento econômico A atribuição dessa característica da mão deobra aos países subdesenvolvidos lhes confere um caráter sui generis que os diferencia dos países desenvolvidos e demanda a construção de um novo arcabouço teórico para sua análise É exatamente a essa tarefa que se presta o artigo de Lewis Não só o seu mas muitos outros que também se propuseram a analisar o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos na mesma época em meados da década de 50 Outro autor que teve uma contribuição essencial para a construção das teorias do desenvolvimento econômico e que terá suas idéias analisadas no próximo capítulo foi Albert Hirschman 40 3 A ESTRATÉGIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE ALBERT HIRSCHMAN 31 Introdução Albert O Hirschman nasceu em Berlim na Alemanha em 1915 Estudou Economia em Paris Londres e na Universidade de Triestre onde se doutorou em 1938 Após servir o exército francês entre 1939 e 1940 mudouse para os EUA em 1941 A partir de 1946 Hirschman passou a fazer parte da diretoria do Federal Reserve dos Estados Unidos na qual participou do projeto de reconstrução da Europa Ocidental no pósguerra Entre 1952 e 1956 morou e trabalhou em Bogotá na Colômbia primeiro a serviço do Banco Mundial e depois como consultor privado Terminado seu período de trabalho na Colômbia Hirschman voltou aos EUA onde passou a lecionar em universidades de primeira linha A trajetória de vida do autor nos ajuda a entender grande parte de sua produção científica caracterizada pela variedade de temas e diferentes formas de abordálos9 Dentre sua vasta bibliografia encontrase Estratégia do Desenvolvimento Econômico O livro publicado em 1958 trata do tema do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos mais precisamente de como colocálo em prática e está inserido no mesmo contexto histórico de outros estudos sobre o tema como o de RosensteinRodan 1943 e de Lewis 1954 apresentados nos capítulos anteriores deste trabalho qual seja o da reconstrução do mundo ocidental após a Segunda Guerra Mundial incluindo a industrialização dos países subdesenvolvidos Estratégia do Desenvolvimento Econômico é muito lembrado e citado na literatura econômica pela sua herança conceitual conhecida por encadeamentos para frente e para trás backward and forward linkages O conceito que exploraremos mais adiante seria a grande contribuição de Hirschman para as teorias do desenvolvimento econômico e para a economia em geral Influenciaria não só os acadêmicos como os agentes de política econômica No entanto é importante que se investiguem as origens de tal conceito e o contexto no qual ele foi criado para que o mesmo seja empregado de forma correta original e carregue todas as idéias que estão embutidas nele Assim fazse necessário um estudo aprofundado do livro no 9 Para um estudo mais aprofundado sobre a produção científica de Albert Hirschman veja Bianchi 2004 41 qual o conceito foi exposto principalmente do percurso percorrido pelo autor até a sua formulação Antes de iniciar a exposição das idéias contidas no livro seria interessante explicitar como a trajetória de vida do autor influenciou especificamente na construção do conceito de mecanismos de pressão e conseqüentemente do conceito de encadeamentos para frente e para trás como indutor do desenvolvimento econômico Essa história o próprio Hirschman fez questão de contar em seu artigo A Dissenters Confession The Strategy of Economic Development Revisited Segundo ele sua experiência de seis anos trabalhando no Federal Reserve na reconstrução da Europa Ocidental o fez descrente dos benefícios de uma intervenção estrangeira em países em crise mais precisamente das doutrinas econômicas impostas pelos EUA aos países europeus Essa descrença fez com que sua transferência para a Colômbia a serviço do Banco Mundial fosse encarada por ele mesmo com um certo preconceito Sendo assim Hirschman preferiu se aprofundar e participar dos estudos econômicos sobre desenvolvimento já em curso na própria Colômbia do que aplicar alguma receita econômica estrangeira e milagrosa baseada em dados pouco confiáveis proveniente dos EUA e do Banco Mundial Dessa forma ao mesmo tempo em que Hirschman rejeitou a postura de estrangeiro dono da verdade passou a incentivar a pesquisa de soluções tipicamente colombianas para os problemas colombianos por mais que parecessem contra intuitivas em um primeiro momento Segundo o autor sua procura passou a ser então por possíveis racionalidades ocultas na realidade econômica colombiana que de fato davam certo Os resultados dessa busca foram exatamente os gargalos na economia os excessos de oferta e demanda e o crescimento não equilibrado como indutores do desenvolvimento econômico do país A partir da generalização desses resultados Hirschman pôde portanto concluir que o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos seria fruto de mecanismos de pressão Uma vez contada a história de vida que proporcionou o aparecimento da idéia dos mecanismos de pressão como indutores do desenvolvimento econômico é chagada a hora de se conhecer a trajetória teórica trilhada por Hirschman para a construção do conceito de encadeamentos para frente e para trás logicamente ligado a essa idéia de mecanismos de pressão 42 32 Estratégia do Desenvolvimento Econômico 321 Diagnóstico do Subdesenvolvimento Antes mesmo de entrar propriamente na elaboração das idéias acerca da melhor estratégia de desenvolvimento econômico para os países subdesenvolvidos Hirschman no prefácio do livro deixa clara sua motivação e conseqüentemente o tom de rejeição e originalidade que permearia a obra Ao discorrer sobre as teorias de desenvolvimento vigentes à época o autor diz o seguinte But in some areas I had long felt dissatisfaction with the present state of our knowledge for instance existing theories had seemed to me to be particularly unhelpful to the decisionmaker in underdeveloped countries when he has to determine basic strategic issues in development planning such as the assigning of sector or area priorities or the kind of industrialization effort to be pursued An attempt is here made to evolve some new ways of thinking about these problems HIRSCHMAN p v 1958 No primeiro capítulo do livro Hirschman inicia sua investigação sistemática sobre o problema do desenvolvimento econômico A primeira conclusão à qual o autor chega é a de que nos países subdesenvolvidos não havia escassez de fatores de produção Ou seja mais explicitamente não faltava capital trabalho recursos naturais ou qualquer outro fator que fosse de caráter psicológico ou antropológico para o desencadeamento de um processo de industrialização este associado diretamente ao desenvolvimento econômico desses países Mais importante do que o fato de haver ou não fatores de produção presentes em determinado país é a constatação do autor de que isso seria irrelevante no processo de desenvolvimento Hirschman argumenta que na falta de algum desses fatores uma sociedade em desenvolvimento conseguiria providenciálo Na verdade segundo ele existiria nos países subdesenvolvidos uma escassez disfarçada uma oferta subutilizada desses fatores de produção A grande vantagem desse tipo de abordagem do problema do desenvolvimento econômico tanto para a análise do processo quanto para a formulação de alguma estratégia segundo o próprio autor seria a de poupar tempo ao se cessar a busca inútil pelos inúmeros prérequisitos necessários ao desenvolvimento e ao se concentrar a atenção em 43 apenas uma questão e a partir daí a pesquisa de Hirschman toma um rumo que a diferenciaria das outras teorias do desenvolvimento econômico então existentes A questão do autor então passa a ser saber como utilizar os fatores de produção subutilizados nessas economias como fazêlos saírem de trás de seus disfarces Se uma vez disparado o processo de desenvolvimento econômico os prérequisitos realmente aparecessem na sociedade o que se deveria procurar seria o modo de fazer com que esses prérequisitos aparecessem em maior número e intensidade No entanto segundo Hirschman conhecer o caminho correto a ser seguido na busca pela resposta ao problema do desenvolvimento econômico não significaria necessariamente trilhar o caminho mais fácil Se por um lado a percepção de que não faltavam fatores de produção para o desencadeamento do processo de desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos evitaria armadilhas e pistas falsas na investigação por outro levaria o próprio investigador a lidar com questões desconhecidas inexploradas e por isso mesmo complicadas à primeira vista Da mesma forma conhecer os frutos do desenvolvimento econômico não implicaria para os países subdesenvolvidos conhecer os meios para colhêlos De acordo com Hirschman o que estaria em jogo num processo de desenvolvimento econômico não seria uma simples comparação de custos e lucros entre diferentes projetos de investimento A grande tensão se daria na verdade entre os objetivos do desenvolvimento e os meios para alcançálos que seriam quase sempre contraditórios na medida em que to achieve high per capta incomes current consumption must be reduced to make available more leisure time work must be more rigorously scheduled to obtain a more equitable distribution of income new inequalities may first have to be created etc etc HIRSCHMAN 1958 p 10 Tais contradições só perderiam seu caráter proibitivo ao desenvolvimento econômico quando fossem postas de fato em prática ou seja na medida em que se realizasse efetivamente o processo de desenvolvimento e elas fossem exacerbadas Seria somente quando os obstáculos se transformassem em incentivos que o processo de transformação da sociedade teria espaço Na continuação de sua obra então Hirschman passa a analisar a idéia de transformação social presente nessas sociedades estacionárias dos países subdesenvolvidos De acordo com o autor seriam dois os tipos básicos de idéia de transformação nesse tipo de 44 sociedade O primeiro ele chama de Imagem Grupal de Transformação os indivíduos nessa sociedade teriam um papel e um lugar bem definidos e a idéia de progresso econômico individual não lhes seria concebível O desenvolvimento econômico deveria corresponder no juízo desses indivíduos a uma elevação do padrão de vida de todos os membros da sociedade mantendose a hierarquia social original A transformação social seria responsável portanto por dinamizar a sociedade sem alterar sua estrutura Hirschman argumenta que tal concepção de transformação seria incompatível com o desenvolvimento econômico nesse processo segundo ele seria natural que surgissem novas oportunidades de investimentos e que alguns perdessem e outros ganhassem mudando substancialmente a ordenação social A conseqüência do pensamento baseado na imagem grupal de transformação seria simplesmente o não desenvolvimento econômico desses países projetos de investimentos não sairiam do papel uma vez que seriam incapazes de manter o status quo da sociedade O segundo tipo de idéia de transformação social presente em sociedades estacionárias elencado por Hirschman seria o da Imagem Egocêntrica da Transformação o pensamento dos indivíduos nesse tipo de sociedade seria exatamente o oposto do pensamento grupal da transformação Nela os indivíduos conceberiam o progresso econômico apenas para si em detrimento da sociedade como fruto de algum plano astucioso ou mesmo da sorte em que o trabalho sistemático não teria vez Esse seria o caso típico das sociedades latino americanas segundo o autor e o exemplo cabal de algum plano astucioso ou do progresso econômico através da sorte seria a grande popularidade das loterias nesses países É claro que Hirschman também condena esse tipo de idéia de transformação social para o bem de um processo de desenvolvimento econômico Seu argumento é o de que uma sociedade dessa não conseguiria aglutinar forças para empreender nenhum projeto econômico realmente produtivo que disparasse qualquer tipo de desenvolvimento A idéia correta de transformação social então proposta pelo autor seria a de conciliação entre a atividade empreendedora individual e a capacidade de cooptação e inclusão social no processo de desenvolvimento de modo que se percebessem os benefícios mútuos de tal cooperação para o bem de toda a sociedade Entretanto ressalva o próprio Hirschman tal visão de transformação só poderia ser adquirida pelos indivíduos e pela sociedade em geral durante o próprio processo de desenvolvimento Outros dois tipos de pensamento que contribuiriam negativamente para o desencadeamento do processo de desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos de forma complementar às idéias de transformação social expostas anteriormente seriam as Expectativas Exageradas e a Preferência Pela Liquidez O primeiro se refere à idéia de 45 que deveria haver alguma atividade na qual investir que levasse ao rápido enriquecimento algo como a galinha dos ovos de ouro A conseqüência desse tipo de pensamento seria o desvio dos investimentos de atividades úteis ao desenvolvimento econômico em prol de atividades econômicas fugazes O segundo tipo que está diretamente relacionado ao primeiro se refere à idéia de que deveriam existir muitas atividades nas quais investir e que portanto sempre deveria haver projetos mais promissores A conseqüência seria o abandono do investimento em bons projetos e a aplicação dos fundos de investimento em operações seguras de fácil conversão e liquidez Baseado no que foi exposto anteriormente está feito portanto o diagnóstico do subdesenvolvimento a falta de capacidade de se tomar decisões nessas sociedades Nas palavras do próprio autor Our diagnosis is simply that countries fail to take advantage of their development potential because for reasons largely related to their image of change they find it difficult to take the decisions needed for development in the required number and at the required speed HIRSCHMAN 1958 p 25 Assim sendo todos os fatores de produção supostamente necessários para promover um processo de desenvolvimento seriam reduzidos a apenas um que condicionaria todos esses outros qual seja como já foi dito a capacidade de tomar decisões Esse fator por sua vez teria uma característica muito peculiar ele não poderia ser economizado não poderia ser distribuído pelos investimentos de acordo com sua eficiência Cada projeto de investimento teria a sua tomada de decisão própria A busca do autor passa a ser então por mecanismos que fizessem com que esse fator escasso aparecesse ou seja por mecanismos que induzissem o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões nessas sociedades 322 Economia do Crescimento Hirschman inicia essa nova fase de sua busca em um ramo da economia que ficou conhecido como economia do crescimento e que tem como fundadores Harrod e Domar Ele se indaga se os modelos de crescimento aplicados ao caso dos países desenvolvidos poderiam de alguma forma contribuir para sua pesquisa do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos A resposta é negativa e uma primeira explicação dada pelo autor para 46 essa inaplicabilidade das idéias da economia do crescimento para o caso específico das economias subdesenvolvidas viria de uma característica intrínseca aos modelos teóricos das ciências sociais qual seja quanto mais eficientes para explicar um tipo específico de sociedade menos eficientes para explicar outros tipos Seria exatamente o caso dos modelos de crescimento de Harrod e Domar10 que se aplicariam muito bem às economias desenvolvidas e por isso mesmo seriam incompatíveis com as economias subdesenvolvidas Tratando um pouco mais explicitamente do modelo de crescimento de Harrod e Domar porém sem entrar em suas minúcias Hirschman argumenta que os conceitos de coeficiente fixo entre capital e produto e igualdade entre poupança e investimento o primeiro observado empiricamente nas economias desenvolvidas e o segundo dado como certo nessas mesmas economias não poderiam ser aplicados no caso das economias subdesenvolvidas De acordo com o autor nas economias subdesenvolvidas uma simples melhora nas condições de produção causada pela superação de algum obstáculo poderia ser responsável por um aumento considerável de produtividade mudando significativamente a razão capitalproduto o que não ocorreria nas economias desenvolvidas Sendo assim tal coeficiente se tornaria muito volúvel e encarálo como fixo não seria adequado No caso da igualdade entre poupança e investimento Hirschman argumenta que nas economias subdesenvolvidas ao contrário das desenvolvidas as decisões de poupança e investimento estariam intimamente ligadas ao mesmo tempo em que um aumento eventual da poupança se deveria muito mais a uma superação de alguma barreira ao investimento do que do aumento da renda per capta Sendo assim descrever o comportamento da poupança como fração da renda não seria a forma mais adequada de se tratar do assunto no caso de um processo de desenvolvimento econômico Hirschman conclui a sua busca sem sucesso no campo da economia do crescimento resumindo bem o tipo de relação contrastante entre os modelos de crescimento que tratam de economias desenvolvidas e as teorias do desenvolvimento econômico aplicáveis aos países subdesenvolvidos The economics of development dare not therefore borrow too extensively from the economics of growth like the underdevelopment countries themselves it must learn to walk on its own feet which means that it must work out its own abstractions HIRSCHMAN 1958 p 33 10 Hirschman cita como referência padrão os trabalhos de Harrod 1939 1948 e Domar 1957 em particular os Ensaios 1 3 4 e 5 47 Rejeitado o arcabouço teórico da economia do crescimento o passo seguinte do autor é dado na direção do investimento e logicamente na procura de algum determinante novo dessa variável econômica que não tivesse sido explorado ainda nos modelos de crescimento Hirschman considera o investimento uma das variáveis mais importantes no processo de desenvolvimento econômico ao mesmo tempo em que chama à atenção a sua volatilidade e imprevisibilidade No caso dos países subdesenvolvidos as condições necessárias para a realização de um investimento ultrapassariam a simples necessidade da existência de poupança e oportunidade de inversão Segundo o autor o maior problema nesses países seria a dificuldade em combinar esses dois fatores poupança e oportunidade de inversão e a principal causa dessa dificuldade seria a imagem de transformação social presente nessas sociedades e que já foi abordada anteriormente No meio de toda essa dificuldade entretanto Hirschman identifica um grupo social possuidor do que ele chamou de maior habilidade para investimento Tendo como base o mesmo argumento de Lewis 1954 o autor diz que o setor moderno das economias subdesenvolvidas seria o único responsável pelas atividades produtivas capitalistas de poupança e investimento e por isso mesmo seria o único que conseguiria superar a dificuldade mencionada reunindo e coordenando a poupança com a finalidade de reproduzir o capital gerar mais lucro No entanto salienta que o setor moderno das economias subdesenvolvidas seria geralmente muito pequeno e as dificuldades inerentes à atividade empreendedora nesses países poderiam tornar o processo de inversão lento e escasso Antes de prosseguirmos vale a pena comparar detalhadamente as idéias de Lewis sobre a classe capitalista a poupança e o investimento já apresentadas no capítulo anterior deste trabalho com as de Hirschman Como já foi exposto Lewis considerava relevante para o investimento apenas a poupança dos dez por cento mais ricos da população dos países subdesenvolvidos isso porque o restante não conseguiria poupar o suficiente para realizar atividades empreendedoras Mais do que isso Lewis considerava relevante apenas a parte desses dez por cento que transformava sua poupança em investimentos com a finalidade de gerar mais lucro e assim reproduzir o capital Sendo assim a classe capitalista seria muito pequena nos países subdesenvolvidos e o processo de desenvolvimento econômico entregue exclusivamente em suas mãos tenderia a ser muito lento Hirschman concorda com toda essa argumentação porém acrescenta na análise da classe capitalista um aspecto que fôra subestimado por Lewis qual seja sua capacidade de mobilizar a poupança do resto da sociedade Seria essa mesma capacidade que estaria na origem do conceito similar e análogo 48 de habilidade para o investimento Essa habilidade por sua vez acabaria por contagiar toda a sociedade proporcionando o aparecimento de mais investimentos e fazendo com que surgisse o que o autor chamaria de complementareidade do investimento Dessa forma a solução para o problema da precariedade do processo de inversões em economias subdesenvolvidas estaria segundo Hirschman em um aspecto até então ignorado na análise dos incentivos ao investimento nesses países As teorias do crescimento consideravam o investimento como responsável pela criação de renda e geração de capacidade produtiva mas deixavam de fora um papel essencial desempenhado por ele o de provocador direto de mais investimento E não se trataria do investimento induzido causado pelo aumento da renda ou da capacidade produtiva tratarseia de investimento adicional Hirschman define o investimento adicional como o investimento provocado diretamente por um investimento no período anterior De fato um aumento de investimento em um tipo de indústria A poderia pressionar o aumento da produção em outra indústria B pela pressão de demanda ou ainda pressionar o início ou mesmo aumento da produção na indústria C através da queda nos custos Esse efeito do investimento é o que o autor chama de efeito completivo do investimento Ele não seria relevante nos modelos de crescimento pois esses modelos considerariam o ajuste imediato marginal de uma nova oportunidade de investimento aberta por um investimento precedente Esse argumento faria sentido sim segundo o autor para economias desenvolvidas que produzissem praticamente todos os tipos de bens mas não faria sentido para economias subdesenvolvidas Sendo assim ao olharmos para o investimento adicional estaríamos abrindo uma nova porta na busca para o caminho do incentivo a novos investimentos em economias subdesenvolvidas O efeito completivo portanto seria o responsável por pressionar novas inversões e assim ajudar a resolver o problema da precariedade dos investimentos nesse tipo de sociedade Nas palavras do próprio Hirschman The complementary effect of the investment is therefore the essential mechanism by which new energies are channeled toward the development process and through which the vicious circle that seems to confine it can be broken HIRSCHMAN 1958 p 43 49 323 Desenvolvimento Equilibrado Isso não implica no entanto que Hirschman seja partidário dos modelos de desenvolvimento equilibrado Ao contrário o autor deixa bem clara a sua discordância com essa linha de pensamento das teorias do desenvolvimento econômico De acordo com ela grosso modo todos os novos investimentos deveriam ser feitos simultaneamente de forma equilibrada para que as novas indústrias usufruíssem as vantagens derivadas da instalação de indústrias complementares tanto no que se referisse à garantia da demanda por seus produtos quanto da oferta de seus insumos11 O primeiro ponto de discordância de Hirschman para com essa doutrina está no próprio conceito de desenvolvimento Para o autor desenvolvimento significaria a transformação de uma dada economia em uma outra mais avançada O que se teria nos modelos de desenvolvimento equilibrado seria a sobreposição de um tipo de economia moderna sobre uma outra atrasada A conseqüência seria o estabelecimento de uma sociedade dual e não de um processo de desenvolvimento econômico Mais grave do que isso ainda seria o fato de estar implícita nesses modelos a incapacidade das sociedades subdesenvolvidas de desenvolveremse autonomamente A própria expressão big push entre outras com a mesma denotação usada para designar esse momento de investimento equilibrado em massa passa a idéia de uma ajuda alheia um empurrão Essa incapacidade das sociedades subdesenvolvidas de desenvolveremse autonomamente não seria uma má interpretação segundo o autor à primeira vista se essa mesma sociedade não fosse a responsável por ter que administrar um novo parque industrial completo O autor se pergunta como poderia se esperar que as mesmas pessoas que compusessem uma sociedade atrasada dirigissem uma sociedade industrial moderna da noite para o dia Segundo Hirschman isso não seria possível e não seria possível exatamente porque seria escassa nessas sociedades a capacidade de tomada de decisões como já foi exposto anteriormente e justamente essa condição faria uma sociedade subdesenvolvida Nas palavras do autor In other words if a country were ready to apply the doctrine of balanced growth then it would not be underdeveloped in the first place Hirschman p 5354 1958 Assim sendo a doutrina do desenvolvimento equilibrado seria mais adequada para tratar de sociedades modernas em 11 Hirschman cita como os principais autores da teoria do desenvolvimento equilibrado e seus respectivos trabalhos os seguintes RosensteinRodan 1943 Nurske 1953 Lewis 1955 e Scitovsky 1954 Os dois primeiros autores Hirschman considera como defensores do equilíbrio na demanda e os dois últimos como defensores do equilíbrio na oferta 50 situação de subemprego nas quais um empurrão as levaria de volta à trajetória normal de crescimento reincorporando as pessoas outrora marginalizadas O segundo ponto de discordância de Hirschman para com a doutrina de desenvolvimento equilibrado se dá no argumento das economias externas Segundo essa teoria o investimento privado em países subdesenvolvidos se daria abaixo do ótimo social Seria necessária então a presença do Estado ou de um truste que aglutinasse todos os investimentos e assim pudesse se valer da internalização das economias externas proporcionadas pela instalação simultânea de todos os tipos de indústria revendo para cima as estimativas de lucro realizando efetivamente os investimentos e atingindo o ótimo social desejado Esse é exatamente o argumento de RosensteinRodan 1943 e de Scitovsky 1954 a favor do desenvolvimento equilibrado apresentado no primeiro capítulo deste trabalho Para Hirschman ao se fazer esse tipo de cálculo se estaria ignorando as deseconomias externas Baseado na idéia de que o desenvolvimento econômico é um processo de transformação e não simplesmente a criação de algo novo que parte do zero Hirschman argumenta que um processo de industrialização em massa conduzido pelo Estado ou por um truste traria perdas significativas para a velha sociedade e que essas perdas não estariam sendo levadas em conta pelo Estado ou pelo truste na forma de custos quando esses refizessem suas projeções de lucro para cima Dentre essas perdas além da óbvia falência das industrias antigas o autor menciona a ruína do comércio o aumento da criminalidade e o desemprego entre outros males sociais Outro argumento apresentado por Hirschman contra a centralização do processo de industrialização é o de que ela seria inibidora de inovações na medida em que o surgimento de uma tecnologia nova por exemplo seria responsável pela destruição de pelo menos uma parte das indústrias vigentes Isso deveria entrar no cálculo da empresa centralizadora como uma deseconomia externa e a inovação poderia não ser introduzida A questão das economias e deseconomias externas portanto se resumiria ao fato de as internalizações serem benéficas para alguns setores da sociedade e prejudiciais a outros e o cálculo social final não ser fácil muito menos claro Segundo o autor Even aside from the fact that internalization as such cannot overnight increase a countrys ability to act for development it is unlikely to lead to a general upward revision of the profitability estimates because external diseconomies are necessarily internalized along with economies Hirschman p 61 1958 51 324 Desenvolvimento NãoEquilibrado como Estratégia Correta Feita a crítica da doutrina do desenvolvimento equilibrado o passo seguinte de Hirschman é mostrar as vantagens do desenvolvimento nãoequilibrado como mecanismo que favorece o aparecimento da capacidade de se tomar decisões de investimento nas sociedades subdesenvolvidas O primeiro argumento usado pelo autor é o de que um processo de desenvolvimento econômico caracterizado pelo desequilíbrio da oferta permitiria ao mesmo tempo em que pressionaria as decisões de investimento induzido dessa forma economizando o elemento escasso das sociedades subdesenvolvidas A maior diferença em relação à abordagem do desenvolvimento equilibrado seria a importância fundamental dada à pressão derivada do crescimento desigual de diferentes setores da economia No caso do desenvolvimento equilibrado as tensões causadas pela falta de complementaridade entre as diferentes indústrias seriam encaradas como empecilhos ao desenvolvimento A solução do desenvolvimento equilibrado pretenderia de uma só vez instalar um parque industrial completo de forma a superar esses empecilhos Já a idéia do desenvolvimento nãoequilibrado seria exatamente conservar os desequilíbrios de modo a pressionar a sociedade a tomar suas decisões de investimento movida pelos lucros anunciados nas novas atividades ou mesmo através de pressão sobre o governo no caso de atividades em que a iniciativa privada não atuasse A idéia seria aproveitar o que Hirschman chama de capacidade completiva dos investimentos Essa capacidade completiva por sua vez seria a responsável pelos investimentos induzidos na economia Neste caso o termo induzido seria mais amplo do que o seu significado tradicional na economia de estimulo ao investimento pelo crescimento da produção de algum setor diretamente relacionado ou da própria economia como um todo De acordo com Hirschman esse tipo de investimento induzido tradicional descreveria bem o comportamento do investimento em uma economia desenvolvida Já para o caso dos países subdesenvolvidos o investimento induzido englobaria a noção de investimento adicional que já foi explicado anteriormente aquele investimento novo que é beneficiado pela presença de economias externas líquidas descontadas as deseconomias O exemplo de investimento induzido em uma economia subdesenvolvida fica a cargo do próprio autor 52 Here an increase in the demand for beer for exemple may lead not only to the expansion of existing brewing capacity but at a certain point to the start of domestic production of bottles of barley cultivation and to a whole chain of similar repercussions HIRSCHMAN p 70 1958 325 Seqüências Eficientes versus Critérios de Investimento Posto que o desenvolvimento nãoequilibrado é a estratégia correta a ser adotada pelos países subdesenvolvidos no processo de desenvolvimento econômico Hirschman passa então a se preocupar em encontrar a melhor forma de conduzir tal estratégia A distinção fundamental que o autor vai fazer é entre dois critérios diferentes de escolha para a execução dos investimentos nos países subdesenvolvidos quais sejam seqüências eficientes e critério de investimento O último segundo o autor seria uma construção teórica dos economistas para tratar do problema do investimento nos países subdesenvolvidos levando em conta a premissa de que neles os incentivos e oportunidades dados pelo livre funcionamento do mercado levariam invariavelmente a uma má alocação dos recursos O critério de escolha dos investimentos nesses países deveria seguir segundo esses economistas uma lógica similar à do custobenefíco na qual o benefício do investimento poderia ser encarado como uma contribuição direta para o produto e o instrumento de medida seria algo como uma produtividade marginal social Um refinamento desse critério de investimento seria a incorporação de outros aspectos no cálculo da produtividade marginal social de um empreendimento tais como efeitos sobre a oferta de poupança hábitos de consumo e outros fatores que influenciassem o crescimento futuro12 Hirschman no entanto não se satisfaz com o critério de investimento para basear o desenvolvimento nãoequilibrado e vai construir seu próprio critério de escolha para investimentos em países subdesenvolvidos De acordo com ele o processo de desenvolvimento requereria um grande número de investimentos que seriam limitados por algum tipo de restrição de fundos para investimentos ou mesmo pela incapacidade de coordenação de muitos projetos simultaneamente O critério de escolha dos investimentos a serem postos efetivamente em prática deveria seguir portanto a seguinte lógica Em 12 Hirschman cita os seguintes autores e suas respectivas obras como elaboradores do critério de investimento Kahn 1951 Chenery 1953 Ahumada 1955 e Leibenstein 1957 principalmente o capítulo 15 Este último trabalho seria o responsável pelo refinamento do conceito de critério de investimento 53 primeiro lugar escolherseia entre os investimentos substitutos em cada setor por exemplo a melhor maneira técnica de abastecer uma cidade de água de energia e etc e para tal tarefa os critérios usuais de seleção de investimentos seriam os apropriados O segundo passo seria escolher a melhor seqüência de execução dos investimentos Dado que não houvesse mais escolhas a serem feitas entre investimentos substitutos e que todos os investimentos devessem ser realizados porém ainda com as restrições o problema passaria a ser determinar quais investimentos poderiam ser adiados em benefício de outros O critério de seleção dessa vez seria a pressão que a implementação de um determinado projeto A imprimiria sobre a implementação do projeto B quanto maior essa pressão mais desejável seria a seqüência de investimento Ou seja uma seqüência de projetos seria tão mais desejável quanto mais ela proporcionasse o aparecimento de investimentos induzidos quanto mais desequilíbrio ela promovesse A questão portanto não seria determinar qual projeto deveria ser posto em pratica A ou B não se trataria de uma comparação entre custos e benefícios de dois projetos critério de investimento tratarseia de uma comparação entre diferentes seqüências de projetos AB ou BA qual seqüência geraria o maior desequilíbrio e levaria portanto à criação de investimentos induzidos Esse seria o legítimo problema das economias subdesenvolvidas já que como foi descrito anteriormente o fator escasso presente nelas seria a capacidade de se tomar as decisões de investimento Sendo assim a questão da comparação entre as rentabilidades dos projetos A e B se tornaria uma falsa questão em um processo de desenvolvimento Uma forma mais objetiva para medir a seqüência de projetos ótima é apresentada pelo autor Hirschman aponta através de um exemplo que a seqüência ótima de quatro projetos A B C e D a ser realizada seria aquela em que as transições entre os projetos de modo que todos fossem realizados minimizassem o uso de um recurso limitado que poderia ser tanto o fomentar de decisões quanto a capacidade de organização ou até mesmo o tempo Esse tipo de critério poderia dar margem ao aparecimento de resultados estranhos à teoria econômica tradicional quando por exemplo se adotasse uma seqüência minimizadora de tempo em que o primeiro projeto a ser executado fosse o de menor rendimento Isso ocorreria justamente porque a teoria tradicional suporia que os rendimentos dos diferentes projetos fossem invariáveis à ordem na qual fossem executados No caso dos países subdesenvolvidos a ordem dos projetos poderia mudar sim seus rendimentos e conseqüentemente não poderia ser ignorada 54 Uma das discussões relevantes no processo de desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos de acordo com Hirschman se daria sobre a seqüência ótima dos investimentos em infraestrutura e estrutura produtiva a ser adotada Por infraestrutura compreenderseiaos serviços básicos necessários às atividades primária secundária e terciária Seus exemplos cabais seriam energia e transportes e suas características básicas seriam a indivisibilidade técnica e uma alta razão capitalproduto A questão seria saber se a melhor seqüência para o desenvolvimento se daria através da escassez ou da capacidade excessiva de infraestrutura ou seja se ela acompanharia ou lideraria a formação da estrutura produtiva do país Sem dúvida a maneira a qual deveriam ser implantadas a infraestrutura e a estrutura produtiva para que se minimizassem os custos totais da economia e se economizassem os recursos do país seria a simultânea No entanto não seriam os recursos do país os fatores escassos nas economias subdesenvolvidas e sim capacidade de tomar decisões Dessa forma deverseia ter em mente o critério de seleção de seqüência de projetos exposto anteriormente e teria que se levar em conta que a infraestrutura e a estrutura produtiva não poderiam se expandir simultaneamente sendo assim a seqüência preferida deveria ser aquela que maximizasse o fomento de decisões induzidas e conseqüentemente economizasse o fator escasso Segundo Hirschman tanto o desenvolvimento via escassez de infraestrutura quanto via capacidade excessiva seriam factíveis já que exerceriam pressões e portanto investimentos induzidos A escolha entre um e outro dependeria da relação de forças entre a motivação empreendedora privada no caso de capacidade excessiva de infraestrutura e a reação das autoridades responsáveis pela instalação de infraestrutura à pressão pública no caso de escassez Seria condição necessária portanto que a sociedade dos países subdesenvolvidos respondesse aos estímulos desenvolvimentistas caso contrário como diz o próprio autor our task would be impossible if we had to assume complete lack of response to the development stimuli Such behavior is best explained as a temporary victory of those forces which are opposed to paying the price of development from their point of view such behavior is of course entirely rational HIRSCHMAN p 97 1958 55 326 Encadeamentos para Trás e para Frente Outra discussão muito frequente no debate acerca do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos se daria sobre a seqüência de investimentos a ser feita dentro da própria estrutura produtiva segundo o autor Tal discussão abre espaço finalmente para a introdução dos conceitos de encadeamentos para frente e para trás backward and forward linkages De acordo com Hirschman a análise da seqüência de investimentos a ser feita em estrutura produtiva nos países subdesenvolvidos guardaria estrita analogia com a análise feita anteriormente entre infraestrutura e estrutura produtiva o critério de seleção seria o mesmo qual seja a seqüência que promovesse o maior desequilíbrio proporcionando o aparecimento de investimentos induzidos Existiriam duas possibilidades de desenvolvimento para a estrutura produtiva a saber o derivado dos efeitos dos encadeamentos para trás e o derivado dos efeitos dos encadeamentos para frente A primeira se refere à pressão exercida pela demanda de atividades econômicas nãoprimárias por insumos que induziria a formação de indústrias fornecedoras desses insumos A segunda se refere à possibilidade que a implementação de atividades que não atendessem exclusivamente à procura final ofereceria ao aparecimento de novas atividades que usassem os produtos como insumos em sua produção No que diz respeito ao encadeamento para frente teríamos que levar em conta tanto a importância das indústrias criadas medida pela sua produção líquida quanto a força com que elas fossem criadas medida pela probabilidade delas serem efetivamente criadas para mensurarmos seu efeito Hirschman propõe que esses dois aspectos combinados sejam diretamente proporcionais ao efeito do encadeamento Já no que se refere ao encadeamento para trás seria preciso ter em mente para mensurarmos seu efeito a necessidade de insumos da firma e a capacidade econômica mínima para as firmas fornecedoras se mantivessem e concorressem no mercado internacional O primeiro aspecto se relacionaria diretamente com o efeito do encadeamento para trás enquanto que o segundo aspecto se relacionaria inversamente com o mesmo efeito É claro segundo o autor que o efeito dos encadeamentos seriam cumulativos no sentido de que a instalação de uma certa indústria A possibilitaria o aparecimento de algumas indústrias mas a instalação da indústria B logo depois da indústria A possibilitaria o aparecimento de outras indústrias que A e B isoladamente não possibilitariam Ou seja o efeito de encadeamento de duas indústrias juntas seria maior do que seus efeitos individuais 56 somados e isso explicaria a aceleração de um processo de crescimento industrial em países subdesenvolvidos A fim de medir efetivamente a interdependência e a força de encadeamento entre os vários setores de atividade de um país Hirschman apresenta dados de compra e venda entre setores na Itália Japão e Estados Unidos13 A conclusão que se chega é a de que a indústria de ferro e aço é a que apresenta o maior efeito de encadeamento na economia somandose encadeamentos para frente e para trás O autor no entanto salienta que a leitura de tais dados seria apenas um exercício mental e que obviamente não seria possível iniciar um processo de desenvolvimento econômico pela indústria de ferro e aço em todos os países subdesenvolvidos Muito mais útil seria observar a estrutura econômica desses países e tentar entender como de fato poderiam surgir os encadeamentos A primeira constatação que Hirschman faz ao lançar seu olhar para os países subdesenvolvidos é a de que neles a interdependência e os encadeamentos seriam tipicamente muito fracos Uma das explicações que o autor dá para esse fato é a de que a agricultura atividade predominante dos países subdesenvolvidos teria um poder de encadeamento muito baixo tanto para frente quanto para trás Ao olhar para a indústria dos países subdesenvolvidos o autor constata a predominância de atividades de toque final ou seja de indústrias que transformam os produtos primários nacionais ou importados em bens finais ou de indústrias que transformam semimanufaturados importados em produtos finais O tipo de encadeamento presente nesse tipo de economia seria logicamente o encadeamento para trás com as indústrias de toque final proporcionando o aparecimento de indústrias fornecedoras de insumos Considerando a importância dos encadeamentos para trás nas economias subdesenvolvidas Hirschman apresenta um processo de formação de capital baseado neles A idéia apresentada pelo autor é a de que a demanda das indústrias nacionais de toque final na medida em que crescesse viabilizaria o aparecimento de indústrias fornecedoras de insumos Seria necessário no entanto que a demanda fosse suficientemente grande para que as novas indústrias nacionais provedoras dos insumos conseguissem se estabelecer e competir com os antigos fornecedores internacionais Seguindo esse padrão continuamente sempre que um setor da economia atingisse um certo nível de demanda que possibilitasse a implementação de indústrias fornecedoras com uma escala mínima favoreceria a formação de capital nacional 13 Hirschman se refere ao trabalho de Chenery e Watnabe 1956 que seria publicado na Econometrica em 1958 57 É importante notar que os investimentos não seriam necessariamente empreendidos o importante ainda seria a idéia de pressionar a tomada de decisão de investimento O problema apontado por Hirschman para esse tipo de processo de acumulação de capital residiria na resistência do próprio industrial nacional em substituir seu fornecedor estrangeiro pelo nacional As razões do industrial seriam o temor pela qualidade do produto novo a dependência de sua produção de um único fornecedor o perigo da competição nacional ser estimulada pela instalação de um fornecedor interno e a possibilidade de sua tecnologia não ser adequada ao novo fornecedor Essa resistência seria uma das razões para o autor não acreditar que esse tipo de desenvolvimento econômico fosse o mais adequado A proposta ótima de Hirschman seria a de implementação de industrias que ao mesmo tempo em que fossem produtoras de bens finais fossem fornecedoras de insumos Dessa forma seria possível combinar encadeamentos para frente e para trás e não ficar refém dos encadeamentos para trás criando uma forte interdependência entre as diferentes indústrias de forma que o crescimento de uma impulsionasse o crescimento da outra e viceversa 33 Conclusão Está portanto apresentado o famoso conceito de encadeamentos para frente e para trás de Hirschman Como já foi dito anteriormente devese ter em mente que o conceito é fruto de uma pesquisa teórica do autor acerca dos países subdesenvolvidos e sua estratégia de desenvolvimento É importante notar que tal conceito está inserido em um arcabouço teórico no qual Hirschman separa analiticamente o conjunto dos países subdesenvolvidos dos desenvolvidos Tal separação implica a rejeição da idéia de equilíbrio geral da teoria econômica tradicional para explicar o processo de desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos e a conseqüente construção de uma nova teoria Essa nova teoria está baseada no diagnóstico do subdesenvolvimento proposto pelo autor qual seja a incapacidade de se tomar decisões de investimento nas sociedades subdesenvolvidas que levassem ao desencadeamento do processo de desenvolvimento econômico A partir desse diagnóstico Hirschman foi à procura de mecanismos que fizessem com que aparecesse nessas sociedades exatamente a capacidade de tomada de decisões de investimento A conclusão da busca do autor são justamente os mecanismos de pressão Eles 58 estariam presentes nessas sociedades nos gargalos da economia e nos excessos de oferta e de demanda situações que à primeira vista pareceriam obstáculos ao desenvolvimento econômico mas que se revelariam verdadeiros promotores desse desenvolvimento Ao desmascarar essa racionalidade oculta então Hirschman consegue visualizar os encadeamentos para frente e para trás como mecanismos de pressão à realização de investimentos propulsores do desenvolvimento econômico Essa seria portanto a maneira adequada de se interpretar o conceito de encadeamentos para frente e para trás e este capítulo prestouse justamente a construir o caminho que levasse a essa interpretação Outro autor que assim como Hirschman pensou a questão do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos tendo como caso particular o dos países latino americanos foi Raúl Prebisch O capítulo seguinte pretende apresentar as principais idéias do autor sobre o tema 59 60 4 RAÚL PREBISCH E O PENSAMENTO ORIGINAL LATINOAMERICANO 41 Introdução Raúl Prebisch nasceu em 1901 em Tucuman Argentina e cursou o ensino superior na Universidade de Buenos Aires Dentre seus principais cargos como profissional ligado à equipe econômica do governo argentino está uma passagem pelo SubSecretariado das Finanças entre 1930 e 1932 e outra pelo Banco Central na mesma década Entre 1948 e 1962 Prebisch ocupou o posto de Secretário Executivo da CEPAL No período entre sua saída do Banco Central da Argentina e seu ingresso na CEPAL Prebisch pôde dedicarse à pesquisa acadêmica e à investigação teórica dos problemas com os quais havia lidado quando trabalhara na administração pública Tendo uma formação econômica predominantemente neoclássica e fortemente influenciada pelas idéias keynesianas Prebisch passou a estudar o desenvolvimento econômico dos países da América Latina sem que no entanto suas idéias ficassem limitadas a esse arcabouço teórico14 A partir de seu ingresso na CEPAL então Prebisch passou a ter posição de destaque como fundador e principal expoente da escola de pensamento econômico latinoamericana Suas idéias e seu trabalho na CEPAL em conjunto com outros economistas da América Latina tiveram grande influência na economia dos países da região nas décadas seguintes principalmente no referente às suas políticas de industrialização Nesse período a CEPAL e conseqüentemente o trabalho de Prebisch estiveram intimamente ligados ao trabalho dos outros teóricos do desenvolvimento apresentados nos capítulos anteriores qual seja a reorganização do mundo pós Segunda Guerra Institucionalmente ligada à ONU a CEPAL era o espaço de discussão de idéias e de formulação de políticas de desenvolvimento econômico para a região Dentre essas idéias a fundamental e que dava suporte teórico a todas as outras era a da divisão dos países do mundo em dois tipos 1 países centrais industrializados e hegemônicos e 2 países periféricos agrícolas e dependentes15 Tendo como arcabouço teórico essa divisão um conceito que ficou muito famoso foi o da deterioração dos termos de troca entre os países periféricos e centrais Esse conceito foi apresentado no clássico texto de Prebisch O 14 Sobre a formação econômica de Prebisch e sua influência no seu pensamento ver Love 1996 e Prebisch 1984 15 Para uma análise mais aprofundada sobre as idéias da CEPAL veja Love 1996 61 Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas que é ainda hoje motivo de debate nos círculos acadêmicos por seu caráter contestador pioneiro e seminal do pensamento cepalino A tese da deterioração dos termos de troca através do comércio internacional entre países periféricos e centrais que será apresentada detalhadamente na continuação deste capítulo suscita controvérsias acerca de sua própria legitimidade teórica bem como do caráter contestador do pensamento de Prebisch e da CEPAL em relação à teoria econômica tradicional mais precisamente no que se refere aos clássicos benefícios da divisão internacional do trabalho O objetivo deste capítulo que aqui se apresenta é portanto inserir o texto de Prebisch 1949 no contexto das teorias do desenvolvimento econômico e dessa forma mostrar como o autor explica o desenvolvimento econômico da América Latina O desenvolvimento econômico ao qual me refiro deve ser encarado como o processo de industrialização que se estendeu pelos países subdesenvolvidos durante as décadas de 1940 1950 1960 e 1970 Prebisch propõe a industrialização como única solução para a superação do subdesenvolvimento16 Partindo daí passa a analisar as possibilidades de execução de tal projeto face à conjuntura econômica internacional da época e se valendo de argumentos históricos levantando inevitavelmente questões de grande importância para o desenvolvimento econômico tais como poupança investimento acumulação de capital excesso de mãodeobra inflação e obviamente o próprio comércio internacional Todos esses temas estão presentes nas teorias do desenvolvimento econômico analisadas até agora e pretendese analisálos também neste capítulo no texto de Prebisch 42 O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus Principais Problemas 421 Apresentação Na introdução de seu trabalho Prebisch faz um resumo de todos os pontos a serem abordados para depois de forma minuciosa analisálos um a um e este capítulo seguirá a mesma estrutura Logo de início é feita a constatação que de fato daria a motivação para o 16 Para um estudo do discurso de Prebisch sobre o desenvolvimento econômico da América Latina veja Bianchi 1996 62 desenvolvimento das idéias acerca do processo de industrialização da América Latina Já na primeira linha o autor diz que Na América Latina a realidade vem destruindo o antigo sistema da divisão internacional do trabalhoNesse esquema cabia à América Latina como parte da periferia do sistema econômico mundial o papel específico de produzir alimentos e matériasprimas para os grandes centros industriaisDuas guerras mundiais no intervalo de uma geração com uma profunda crise econômica entre elas demonstraram aos países da América Latina suas possibilidades ensinandolhes de maneira decisiva o caminho da atividade industrial PREBISCH 19492000 p 71 Nessa citação está explícita a visão que Prebisch tem da economia mundial qual seja de uma clara separação entre países centrais e países periféricos participando de uma única economia interrelacionada O autor vai chamar a atenção para o fato de que os países periféricos estariam se industrializando e assim indo contra a doutrinamodelo da divisão internacional do trabalho da teoria econômica tradicional Parece bem razoável então supor que ele considera essa doutrinamodelo no mínimo inapropriada para explicar o processo de industrialização dos países da América Latina Prebisch entretanto faz questão de frisar em seu texto que não discorda da validade teórica da teoria econômica tradicional17 ele aceita a idéia dos benefícios advindos da divisão internacional do trabalho Segundo essa teoria o fruto do progresso técnico tende a se espalhar por todos os países participantes do comércio internacional seja sob a forma de redução dos preços dos produtos seja pelo aumento da renda dos trabalhadores eou empresários O problema em aplicar essa teoria para o caso dos países da periferia seria justamente considerálos como iguais aos do centro A suposta desigualdade entre países centrais e periféricos que será qualificada ao longo do texto comprovada pelos fatos históricos e conjunturais apontados no texto seria responsável por desmentir uma premissa básica do esquema de divisão internacional do trabalho De acordo com o autor essa teoria funcionaria muito bem entre os países centrais porém ao incluirmos os países periféricos na divisão internacional do trabalho o que se percebe é que os benefícios dessa divisão e os ganhos de produtividade oriundas dela não chegariam aos últimos Esse fato poderia ser 17 Ao se referir à teoria econômica tradicional Prebisch não cita nenhum autor ou trabalho representativo dessa linha de pensamento Inferese portanto baseado na data de publicação de seu trabalho que ele está se referindo aos modelos de comércio internacional mais especificamente à tese da equalização dos preços dos fatores de produção apresentados formalmente à época por Samuelson 1948 1949 63 comprovado simplesmente pela constatação da diferença nos padrões de vida das massas desses dois tipos de países A solução então encontrada pelo autor para o caso dos países periféricos seria a industrialização como forma de captar os frutos do progresso técnico e dessa forma aumentar o padrão de vida das massas Após chamar a atenção para a necessidade de se abordar os problemas da industrialização latinoamericana sob a ótica local sem dispensar o aparato teórico econômico tradicional o autor passa a nos apresentar alguns desses problemas O primeiro deles diz respeito à escassez de dólares de divisas Segundo Prebisch o processo de industrialização da América Latina necessitaria de importações de bens de capital principalmente vindas dos Estados Unidos A maneira pela qual os países latinoamericanos conseguiriam dólares para pagar essas importações seria através da exportação de produtos primários exatamente para os Estados Unidos Seria necessário então aumentar a produtividade dos produtos de exportação e ao mesmo tempo contar com o crescimento do coeficiente de importações dos Estados Unidos Nesse aspecto o comércio exterior seria fundamental para os países periféricos na medida em que contribuiria para o aumento de produtividade dos seus produtos de exportação o que traria mais dólares para importar bens de capital fundamentais ao processo de industrialização É importante notar que Prebisch qualifica as exportações de produtos primários como um meio para se obter recursos para a industrialização e conseqüente desenvolvimento dos países não como motor desse desenvolvimento Salienta também a importância dos Estados Unidos reduzirem ao máximo o desemprego em sua economia a fim de aumentar o coeficiente de suas importações Da mesma forma que as importações de bens de capital Prebisch identifica os investimentos estrangeiros como fundamentais à industrialização Mais do que isso o problema relacionado aos investimentos estrangeiros estaria na mesma raiz do problema das importações de capital como já foi dito a escassez de dólares Isso porque o serviço desses empréstimos teria de ser pagos com moeda estrangeira na maior parte dos casos justamente em dólar A sugestão do autor seria a de que se direcionassem os investimentos estrangeiros para atividades produtivas que reduzissem as importações dos países periféricos e dessa forma liberassem dólares para o pagamento dos serviços financeiros Antes de mudar de foco Prebisch ainda que de passagem chama a atenção para a necessidade de se redefinir as regras do sistema financeiro internacional a fim de que se promovesse o desenvolvimento econômico nos países da periferia Isso não significa entretanto que Prebisch não acreditasse na boa política monetária ortodoxa Segundo ele os países latinoamericanos ao não seguirem à risca essa política e 64 aumentarem demasiadamente o meio circulante em suas economias levaram a inflação ao extremo A conseqüência dessa inflação levandose em conta também o elevado nível de emprego que ela provoca foi uma redistribuição de renda que aumentou as importações e pressionou a balança de pagamentos dos países periféricos sem que se tivesse sido atendida a demanda de bens de capital necessária ao desenvolvimento econômico Mais uma vez portanto temse o problema da escassez de dólares entrando em cena O autor salienta ainda que apesar de não haver dúvida quanto à insuficiência da poupança espontânea dos países periféricos para o processo de capitalização o artifício da inflação como promotor dessa formação de capital seria bem incerto Isso porque certas modalidades de consumo de bens importados estimuladas pela inflação tenderiam a tomar o lugar da importação dos bens de capital e aí está clara a crítica do autor à importação de supérfluos Essa crítica está direcionada diretamente aos setores da coletividade excluindose as massas trabalhadoras que tentam imitar o estilo de vida e o padrão de consumo dos países centrais Seria justamente a poupança desses setores da coletividade que juntamente com os investimentos estrangeiros deveria conduzir a um primeiro esforço de capitalização que aumentasse a produtividade do trabalho Esse aumento de produtividade se daria por sua vez em um primeiro momento com a transferência da mãodeobra redundante na produção primária dos subempregados urbanos e da mãodeobra feminina para as novas indústrias O capital investido nessas novas indústrias teria que obedecer a um critério de eficácia bem rigoroso segundo Prebisch Isso porque ele tinha em mente um processo de industrialização para a América Latina que aumentasse o bemestar geral das massas de forma eficiente e não simplesmente substituísse as importações dos países centrais visando a autosuficiência a qualquer custo Uma industrialização eficiente teria limites segundo o autor um desses limites seria atingido quando a produção industrial passasse a ser menos produtiva do que a primária outro seria quando a indústria local repetisse a produção estrangeira mais eficiente Essa questão será aprofundada ao longo do capítulo Por fim sempre com o objetivo de obter um aumento da renda das massas Prebisch enuncia o último tema a ser tratado em seu texto Ele defende a adoção de políticas anticíclicas para conter a propagação dos períodos de crise dos países centrais para os países periféricos O intuito seria não comprometer a formação de capital nos países da periferia quando suas receitas provenientes do exterior rareassem Antes de dar início à investigação sistemática dos problemas relativos à industrialização da América Latina apenas esboçados até o momento Prebisch retoma a questão da ótica pela qual deveria ser feita essa investigação fazendo uma observação 65 importantíssima que sintetiza sua concepção de ciência econômica e explica muito do seu esforço de trabalho junto à CEPAL Em suas próprias palavras São bem conhecidas as dificuldades que se opõem a uma tarefa dessa natureza na América Latina Talvez a principal delas seja o número exíguo de economistas capazes de penetrar com um discernimento original nos fenômenos concretos latino americanos Por uma série de razões não se consegue suprir a carência deles com a formação metódica de um número adequado de jovens de alta qualificação intelectual Enviálos às grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos já representa um progresso considerável mas não o suficiente pois uma das falhas mais visíveis de que padece a teoria econômica geral contemplada a partir da periferia é seu falso sentido de universalidade Dificilmente se poderia pretender na verdade que os economistas dos grandes países empenhados em gravíssimos problemas próprios viessem a dedicar a sua atenção preferencialmente ao estudo dos nossos Compete primordialmente aos próprios economistas latinoamericanos o conhecimento da realidade econômica da América Latina Somente se viermos a explicála racionalmente e com objetividade científica é que será possível obtermos fórmulas eficazes de ação prática Nem por isso se deve entender todavia que esse propósito seja movido por um particularismo excludente Pelo contrário só será possível realizálo mediante um sólido conhecimento das teorias elaboradas nos grandes países com sua difusão de verdades comuns Não se deve confundir o conhecimento ponderado do que é do outro com uma submissão mental às idéias alheias submissão esta de que estamos muito lentamente aprendendo a nos livrar PREBISCH 2000 p 80 422 Deterioração dos Termos de Troca Prebisch passa então a analisar de forma minuciosa as conseqüências do progresso técnico para os países da periferia A primeira constatação feita por ele é a de que o progresso técnico parece ter operado de forma mais acentuada nos países centrais do que nos periféricos e essa afirmação está baseada em um relatório da ONU 1949 sobre as relações de preços entre 1876 e 1947 De acordo com os clássicos benefícios da divisão internacional do trabalho isso implicaria uma diminuição dos preços dos bens industrializados em relação aos bens primários de modo a distribuir os frutos desse progresso técnico entre todos os 66 participantes do comércio internacional e se assim fosse a industrialização dos países periféricos acarretaria uma ineficiência produtiva para eles No entanto argumenta Prebisch apoiado em dados do mesmo relatório da ONU 1949 supracitado o movimento foi o contrário ou seja os preços dos produtos industrializados aumentaram em relação aos dos produtos primários no período citado A explicação dada por Prebisch para tal fenômeno é a de que em primeiro lugar os preços de um modo geral não baixaram de acordo com o progresso técnico e isso significa que os ganhos de produtividade foram apropriados pelos empresários e pelos fatores produtivos através da elevação de suas respectivas rendas Em segundo lugar esse crescimento de renda foi maior nos países centrais do que nos países periféricos proporcionalmente aos seus respectivos aumentos de produtividade Conseqüentemente os países centrais conseguiram preservar seus ganhos de produtividade através do aumento de sua renda e ainda conseguiram captar os ganhos de produtividade dos países periféricos O mecanismo de perpetuação do movimento de queda nos termos de troca entre os países periféricos e os países centrais em prejuízo dos primeiros e o conseqüente maior aumento da renda média por trabalhador nos últimos teria segundo o autor como motor central os ciclos econômicos Esses ciclos refletiriam os excessos de demanda na fase ascendente e de oferta na fase descendente da produção nos países centrais e se propagariam para os países periféricos da seguinte maneira o excesso de demanda por produtos industrias finais nos países centrais estimularia um aumento de seus preços e conseqüentemente um aumento do lucro dos empresários Esse lucro por sua vez seria transferido para os países periféricos mediante aumento da demanda e dos preços dos produtos primários que superaria o próprio aumento de preço dos produtos finais Entretanto na fase descendente do ciclo quando a oferta de produtos industriais finais fosse maior do que sua demanda nos países centrais ocorreria exatamente o contrário e os preços primários cairiam mais do que os preços finais Esse movimento se reproduziria de maneira que os preços finais iriam se distanciando constantemente dos preços primários em detrimento destes através dos ciclos O motivo apresentado por Prebisch da ocorrência desse fenômeno é que na fase ascendente do ciclo parte os lucros dos empresários dos países centrais se transformaria em aumento salarial de seus trabalhadores Já na fase descendente esses salários conseguiriam se manter no mesmo nível da fase ascendente e assim também se sucederia com os lucros Essa capacidade de manutenção de renda dos trabalhadores dos países centrais só se daria neste esquema porque eles estariam organizados e conseguiriam sustentar o preço de sua mãode 67 obra através de seu monopólio Os empresários também conseguiriam manter seus lucros pois seriam monopolistas dos produtos industriais finais A conseqüência desse controle de preços nos países centrais seria a contração da renda na periferia sob forma de salários eou lucros Isso porque nos países periféricos tal controle de preços não ocorreria já que as massas trabalhadoras seriam desorganizadas e os produtores incapazes de manter seus preços no mercado internacional 423 Desequilíbrio Internacional A investigação de Prebisch toma então um caráter de análise histórica e voltase especificamente para os Estados Unidos isso porque o autor considera este país o principal centro cíclico do mundo e logicamente seria através de seu estudo que se poderia entender os efeitos econômicos dos seus ciclos sobre a América Latina O primeiro ponto ressaltado pelo autor e que já foi citado anteriormente é que os aumentos de produtividade nos Estados Unidos nas quatro décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial não se traduziram em queda de preços e sim em aumento da renda tanto dos trabalhadores quanto dos empresários É importante notar ainda que os ganhos de renda gerados pelo aumento da produtividade em alguns setores da economia norte americana se difundiram por toda ela até mesmo pelos setores mais atrasados Esse fato deveria ser considerado ao se analisar o processo de industrialização da América Latina um gradativo aumento da produtividade dos novos setores industriais poderia gerar um aumento de renda em todos os setores da economia inclusive na produção primária através da elevação dos salários Essa seria uma forma da América Latina se apropriar das vantagens do progresso técnico Por outro lado a teoria clássica do comércio internacional diz que a especialização na produção de produtos primários no caso faria com que a América Latina se apropriasse dos frutos do progresso técnico se não pela queda dos preços dos produtos finais pelo aumento da renda nos países periféricos Esse aumento de renda como já foi visto aconteceu de fato nos países centrais mas não nos países da América Latina Poderia ter acontecido se houvesse plena mobilidade de fatores entre os países mas não foi isso o que aconteceu Os trabalhadores dos países periféricos não tiveram acesso ao mercado de trabalho dos países centrais que mantiveram o privilégio do alto nível de renda e de padrão de vida conseguido através do aumento da produtividade do trabalho 68 Além da não mobilidade dos fatores de produção a economia dos Estados Unidos foi responsável por um outro desvio das regras do comércio internacional qual seja o protecionismo Dado que os salários aumentaram homogeneamente por toda a economia norteamericana devido ao aumento da produtividade e que nem todos os setores tiveram aumento efetivo de produtividade algumas indústrias passaram a não ser competitivas no mercado internacional A solução encontrada para contornar esse fato foi a proteção desses setores o que acarretou uma queda nas importações norteamericanas e o fortalecimento da indústria local e acabou contribuindo para a constituição da poderosa unidade econômica dos EUA Essa situação criou segundo o autor um desequilíbrio na economia internacional mais precisamente nas relações dos EUA com a América Latina Uma vez que os países da América Latina estavam se industrializando e o coeficiente de importações dos EUA estava declinando criarseia o problema da escassez de dólares no mercado internacional Isso porque a demanda de bens de capital para a industrialização da América Latina procurava ser atendida em sua maior parte nos EUA ao mesmo tempo em que crescia também a demanda pelos novos produtos finais motivada pela contínua modernização destes que criava novas necessidades de consumo e pela sua propaganda Na medida em que os países da América Latina fossem se industrializando e conseqüentemente fossem aumentando sua renda a demanda por importações cresceria e o problema da escassez de dólares tenderia a se agravar 424 A Escassez de Dólares Para investigar o problema da escassez de dólares e suas repercussões na América Latina Prebisch se remete mais uma vez ao passado e à escassez de dólares dos anos 1930 Segundo dados apresentados pelo autor os EUA vieram acumulando ouro constantemente desde antes da primeira guerra mundial A crise de 1929 e a conseqüente queda da renda norteamericana agravaram ainda mais a escassez de dólares ao atrair mais ouro para os EUA por causa da queda no coeficiente de importações deste país Com a recuperação da economia norteamericana a partir de 1933 o que se esperava era um movimento de expulsão de ouro dos EUA no entanto não foi isso o que aconteceu Os EUA baixaram de novo seu coeficiente de importações e passaram a acumular mais ouro ainda em suas reservas Levandose em conta também que a renda dos EUA cresceu menos do que a renda mundial 69 no período de recuperação da economia percebese a magnitude do efeito de atração do ouro para esse país A reação dos outros países incluindo os da América Latina a essa escassez de dólares foi a queda de seus próprios coeficientes de importação Caso contrário não teria sido possível a eles alcançar as taxas de crescimento que efetivamente foram alcançadas No caso específico da América Latina Prebisch chama a atenção para o mecanismo de desvalorização e controle cambiais adotado pelos países como forma de diminuir o coeficiente de importações O autor se indaga se a escassez de dólares de então teria sido realmente fruto da baixa quota de importações dos EUA ou da inflação vigente nos países latinoamericanos Cita especificamente o caso do Brasil e das medidas de controle cambial e discriminatória de importação recomendadas e formuladas pela Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos Considera tais medidas como sintomáticas de uma situação desfavorável de balança de pagamentos em toda a América Latina que ao se perpetuar poderia ter sido extremamente prejudicial aos países Uma das alternativas apontadas pelo autor para contornar o problema da escassez de dólares no mercado mundial seria a do comércio multilateral com a Europa Mesmo assim segundo Prebisch seriam necessários dólares para compensar os eventuais excedentes de compras feitas entre os países Isso nos faz voltar a atenção de novo para os EUA e para a busca de uma solução no comércio internacional com esse país A conclusão chegada pelo autor é a de que unicamente em uma situação de pleno emprego da economia norte americana bem como do resto do mundo o coeficiente de importações dos EUA poderia crescer de tal sorte a oferecer aos países as divisas necessárias ao cumprimento das obrigações do comércio internacional ao mesmo tempo em que sua demanda dos EUA por importações fosse atendida sem pressão inflacionária Somente dessa forma o ouro não tenderia a se concentrar nos EUA Para finalizar a questão da escassez de dólares e suas conseqüências para a América Latina Prebisch faz praticamente um apelo aos EUA salientando os benefícios de um comércio internacional sem barreiras Por conseguinte se não houvesse uma perturbação na interação espontânea das forças econômicas num estado de plena e crescente ocupação do centro cíclico principal estaria aberto o caminho para a solução do problema fundamental que tanto preocupa os países da América Latina e os demais países do mundo PREBISCH 2000 p 107 70 E completa o raciocínio fazendo uma consideração teórica reforçando a importância do pleno emprego no arcabouço teórico clássico para que se pusessem as condições necessárias para a solução do problema da balança de pagamentos e da movimentação internacional de ouro Sem dúvida para que o remédio clássico possa funcionar é essencial que as tarifas e os subsídios à exportação não neutralizem progressivamente a influência disso pleno emprego PREBISCH 2000 p 108 425 Formação de Capital e Inflação Encerradas as considerações a respeito da escassez de dólares e de sua importância para o processo de desenvolvimento dos países da América Latina Prebisch desvia sua atenção para os problemas relacionados à formação de capital nesses países O primeiro ponto abordado pelo autor é o da relação da produtividade do trabalho com a poupança e conseqüentemente com a formação de capital Diz ele que nos países da América Latina a produtividade do trabalho seria baixa porque faltaria capital e faltaria capital porque os níveis de poupança seriam muito baixos Esses níveis seriam baixos por sua vez porque a produtividade do trabalho seria baixa e assim fecharseia o círculo vicioso Uma das maneiras apontada por Prebisch de romper com esse ciclo seria através do investimento transitório de capital estrangeiro Antes no entanto de entrar nas questões relativas ao capital estrangeiro propriamente ditas o autor salienta que a poupança dos países da América Latina além de reduzida seria incompatível com certos tipos de gastos das classes poupadoras de alta renda E que se por um lado a desigualdade de renda pudesse ser um fator importante na formação da poupança de um país por outro seria fundamental que essa poupança tivesse como finalidade o investimento em bens de capital que aumentassem a produtividade do trabalho gerando mais poupança e assim perpetuando o ciclo de desenvolvimento econômico Sendo assim entraria em cena a inflação como mecanismo de capitalização forçada e como um artifício válido para a formação de capital como já foi dito uma vez que proporcionaria um aumento no emprego da economia É interessante notar a convergência das idéias de Prebisch a respeito da poupança da produtividade do trabalho do investimento e da acumulação de capital nos países latino americanos com as de Lewis e Hirschman para os países subdesenvolvidos já apresentadas e 71 comparadas neste trabalho Prebisch antes mesmo de Lewis e de Hirschman identifica o problema da insuficiência de poupança nos países da América Latina para financiar a formação interna de capital Uma das soluções propostas por Prebisch é a mesma que seria proposta por Lewis para o caso geral dos países subdesenvolvidos qual seja a inflação Outra questão relevante tratada por Prebisch assim como por Lewis é a do destino da poupança das classes de alta renda Lewis endossaria o argumento de Prebisch de que seria fundamental que a poupança dessas classes fosse investida em atividades produtivas que aumentassem a produtividade do trabalho Retomando então a argumentação de Prebisch seria preciso ter cuidado no entanto para que a pressão inflacionária não fosse excessiva a ponto de aumentar a quota de importação dos países periféricos e novamente levasse a uma situação de escassez de ouro e dólares Pior do que simplesmente aumentar a quota de importações Prebisch comprova através de dados do relatório da Comissão Técnica Mista BrasilEstados Unidos que dos lucros extraordinários oriundos da inflação no Brasil em 1946 apenas 50 teriam sido reinvestidos direta ou indiretamente Mais uma vez o autor chama a atenção para o fato de que esses lucros ao ficarem retidos nas mãos das classes de alta renda teriam sido gastos indevidamente com a importação de bens finais não essenciais que não concorreriam para o processo de desenvolvimento econômico Não só os gastos com bens finais supérfluos pelas classes de alta renda seriam um problema conseqüente do processo inflacionário segundo Prebisch outro problema crucial operaria na economia com o advento da inflação Os grupos favorecidos teriam a impressão de ter havido um aumento generalizado da renda e os bens de capital seriam gastos sem que houvesse a devida reposição Isso em um futuro próximo criaria inevitavelmente tensões crescentes na economia e o autor identifica essa como a fase pela qual passavam os países da América Latina e levaria a uma situação de graves reajustes Assim conclui Prebisch muito cuidado deveria ser tomado ao se adotar políticas inflacionárias como promotoras de poupança coletiva visto que o preço do bem estar social a ser pago poderia ser alto O outro tipo de poupança como foi anunciado que poderia ser utilizado pelos países da América Latina seria a estrangeira Prebisch lembra no entanto da inadimplência dos países periféricos para com os países credores nos anos 1930 e argumenta que para que esse tipo de recurso fosse utilizado de maneira adequada seria necessário que os investimentos estrangeiros fossem direcionados para atividades que diminuíssem a quota de importação dos países periféricos quando não diretamente direcionados para a produção para exportação Isso enquanto não fosse solucionado o problema do comércio exterior com os EUA analisado na 72 seção anterior Para concluir Prebisch faz mais uma consideração final em forma de apelo dessa vez a respeito dos empréstimos internacionais Por esse e outros pontos de vista não pareceria prudente renovar a corrente ativa de investimentos dos anos 1920 sem uma adaptação a um programa que enfrente resolutamente a série de questões concretas que se apresentam nesse caso A existência de entidades de empréstimos internacionais poderia ser um fator muito eficaz no esboço de um programa semelhante no qual com a colaboração de diferentes países fossem examinados os tipos de investimento mais convenientes ao desenvolvimento econômico da América Latina mediante sua contribuição para a produtividade do trabalho e para o desenvolvimento da necessária capacidade de reembolso PREBISCH 2000 p 116 426 Limites da Industrialização da América Latina Na sequência a investigação de Prebisch acerca da industrialização da América Latina e de seus problemas tem como objeto os próprios limites dessa industrialização Antes porém de explicitálos o autor foca sua análise no aumento da produtividade decorrente do processo de industrialização e do progresso técnico Segundo ele o crescimento econômico da América Latina dependeria de um aumento da renda per capita que por sua vez só poderia ser obtida através do aumento da produtividade ou do aumento da renda por trabalhador na produção primária dada uma certa produtividade comparada à renda dos países que importam essa produção Tratando diretamente do aumento da produtividade Prebisch aponta duas formas pelo qual poderia se dar esse fenômeno A primeira seria pela assimilação de novas técnicas produtivas que faria com que a mesma produção fosse alcançada com um número menor de trabalhadores e assim se liberasse mãodeobra para aumentar o montante dessa produção A segunda seria pelo simples deslocamento de mãodeobra de atividades em que a produtividade fosse baixa para outras em que o progresso técnico pudesse efetivamente aumentála O autor cita o caso da agricultura como típico do aumento da produtividade pela assimilação de novas técnicas que requereriam menos trabalhadores para se atingir a mesma produção Cita também o caso da baixa produtividade de algumas indústrias e do aumento de produtividade que poderia ser alcançado também através da assimilação de novas técnicas em indústrias já existentes ou até mesmo em novas Por fim é dado o exemplo da população 73 má empregada muitos trabalhadores estariam empregados em atividades de baixíssima produtividade basicamente serviços pessoais e ao serem deslocados para a atividade industrial de maior produtividade acabariam por elevar a renda real per capita Neste ponto notase mais uma vez a convergência das idéias de Prebisch e de Lewis desta vez em relação à oferta de mãodeobra à produtividade do trabalho e à renda real per capita Ambos os autores identificam a presença nos países subdesenvolvidos de trabalhadores empregados em atividades de baixa produtividade subemprego que ao serem deslocados para a indústria atividade de alta produtividade elevariam a renda per capta real desses países Lewis usa esse argumento na descrição da oferta ilimitada de mãodeobra presente nas sociedades subdesenvolvidas o que seria o ponto básico de seu modelo de acumulação de capital Prebisch salienta que o aumento de produtividade implicaria necessariamente o aumento do capital per capita na economia Com o aumento da produtividade aumentarse iam os salários e conseqüentemente as atividades econômicas precisariam empregar mais capital per capita de modo a conseguir o aumento de produtividade para cobrir esses salários Essa questão do aumento do capital per capita traz de volta o problema da escassez de dólares no comércio internacional O autor mais uma vez sugere uma mudança na composição das importações dos países periféricos a fim de que se desse prioridade aos bens de capital e assim não se interrompesse o processo de industrialização Está aberto pois o caminho para a análise do primeiro limite da industrialização dos países periféricos Segundo Prebisch ao se dar ênfase à importação dos bens de capital em detrimento dos bens finais e deslocar fatores da produção primária para a produção destes estariam postas as condições para o aparecimento do primeiro limite da industrialização Seria necessário comparar a quantidade de bens finais produzidos internamente com a quantidade dos mesmos bens que poderiam ser adquiridos em troca da exportação de produtos primários para que se fosse possível avaliar se a industrialização trouxera de fato aumento da produtividade e conseqüentemente aumento da renda real O limite da industrialização se daria portanto no ponto em que a produtividade da produção primária fosse maior do que a da produção industrial interna Prebisch chama a atenção também para importância de se concentrar o investimento do capital nas atividades em que se produzisse mais eficazmente e sendo assim as atividades ligadas à terra por necessitarem de menos capital do que as industriais seriam as legítimas demandantes Por isso que mais uma vez o autor ressalta a importância das exportações de produtos primários para o desenvolvimento econômico da 74 América Latina e o mal que uma política protecionista dos países compradores poderia trazer a esse desenvolvimento O segundo limite da industrialização apontado por Prebisch diz respeito à escala mínima de produção das novas indústrias De acordo com o autor indústrias em que operassem muitas empresas de baixa produtividade no mesmo país ou mesmo empresas pequenas que pudessem eventualmente unir seus mercados internacionalmente seriam exemplos do fracionamento do mercado que estabeleceriam outro limite da industrialização Esse limite seria alcançado quando a produtividade dessas empresas fosse tão baixa que compensaria importar os produtos produzidos por elas O limite poderia ser superado segundo Prebisch 2000 p 122 pelo esforço conjunto de países que por sua situação geográfica e suas modalidades estariam em condições de realizálo com benefícios próprios Por fim Prebisch se volta para o segundo modo de aumentar a renda real nos países periféricos Esse aumento como já foi dito seria resultante do aumento do salário dos trabalhadores da produção primária em relação ao dos trabalhadores dos países industrializados Ele só seria possível segundo o autor na medida em que houvesse o aumento da produtividade analisado até o momento e os salários fossem se elevando em sua decorrência Seria importante também que os países periféricos tivessem a capacidade de defender os preços da produção primária nos períodos descendentes dos ciclos econômicos para que não se perdessem os frutos do progresso técnico alcançados na fase crescente 427 Esboço de Algumas Idéias acerca de Políticas Anticíclicas na América Latina O último ponto abordado por Prebisch se refere a políticas anticíclicas na América Latina A justificativa dada pelo autor para essa abordagem é a de que o ciclo seria a forma de crescimento da economia capitalista e embora fosse muito estudado nos países centrais não tinha sido submetido à análise nos países periféricos Segundo ele seria conhecida a posição do governo dos EUA de adotar políticas anticíclicas principalmente no que se refere ao volume dos investimentos Os investimentos seriam responsáveis pelas flutuações da economia dos países centrais Já no caso dos países periféricos esse papel seria atribuído às exportações que por sua vez refletiriam as variações de renda dos países centrais Por isso seria difícil para os países periféricos influir nas suas exportações da mesma maneira que os 75 países centrais influem nos seus investimentos e conseqüentemente seria necessário um outro tipo de política para atenuar os efeitos da fase descendente do ciclo econômico Antes de tratar diretamente das políticas Prebisch chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento industrial em si não tornaria os países periféricos menos vulneráveis às flutuações dos centros cíclicos a menos que as exportações passassem a representar uma parte pequena da renda desses países Se fosse esse o caso esses países deixariam de ser periféricos e suas economias passariam a se comportar como as dos países centrais A industrialização pelo contrário seria responsável por aglutinar e acirrar as tensões sociais decorrentes de uma fase descendente do ciclo econômico mundial na medida em que propiciaria o aparecimento do desemprego urbano e dos conflitos sociais decorrentes dele No entanto a industrialização teria sim um papel importante do ponto de vista de políticas anticíclicas se pudesse ser de alguma forma controlada e planejada O primeiro tipo de política anticíclica analisada por Prebisch seria de caráter compensatório Ou seja quando o volume das exportações se encontrasse em um nível baixo típico dos períodos descendentes do ciclo o governo faria investimentos públicos a fim de sustentar o nível de renda Esses investimentos seriam financiados por recursos captados pelo governo no período ascendente do ciclo econômico O autor logo identifica e apresenta alguns problemas relacionados a esse procedimento O primeiro seria de ordem política quer dizer seria irreal pensar que um governo pudesse deixar de investir em algumas das várias oportunidades que se oferecem aos países em desenvolvimento e guardasse esses recursos para um próximo governo Outros problemas apontados pelo autor seriam o do deslocamento da mãodeobra das atividades exportadoras afetadas pela depressão para os investimentos públicos e o da flexibilidade dos investimentos ampliação e compressão de acordo com o ciclo Esses problemas levariam à procura de outras soluções de caráter anticíclico A idéia alternativa proposta por Prebisch é a seguinte na fase descendente do ciclo quando as exportações se encontrassem em seu nível mais baixo seria necessário que se produzissem internamente os produtos outrora importados com os recursos dessa exportação Mas não todos os produtos apenas os produtos finais de consumo e as matériasprimas necessárias para produzilos Conseqüentemente teria que haver uma mudança na composição das importações para que fosse atingido o máximo de emprego na economia Deveriam ser reduzidas as importações de produtos supérfluos bem como de bens duráveis de consumo e bens de capital Esses dois últimos poderiam ser adquiridos na fase ascendente do ciclo e ter sua importação adiada na descendente sem prejuízo da produção graças às suas características de durabilidade Por outro lado as importações de produtos e materiais 76 essenciais para se atingir o nível de emprego em seu máximo deveriam ser mantidas Quando o ciclo entrasse novamente em uma fase ascendente e as exportações voltassem a crescer os produtos que deixaram de ser importados voltariam a sêlo estimulado pela demanda interna sem que houvesse perturbação no nível de emprego da economia É importante notar que essa política não acarretaria uma diminuição no montante de bens importados apenas uma mudança de sua composição No entanto para que fosse feita esta mudança e para que houvesse a substituição das importações pela produção interna seria necessário um aumento das tarifas alfandegárias dos produtos que passassem a ser produzidos internamente de custo mais elevado Isso implicaria uma perda de renda real que no entanto ao se comparar com a perda de renda gerada pelo desemprego seria vantajosa Também seria necessário que se diminuísse a importação dos bens de consumo corrente em prol da importação dos bens de capital o que encareceria os bens de consumo Para contornar esse problema Prebisch sugere a cooperação internacional através de empréstimos para a importação de bens de capital Finalmente como já foi citado em outra passagem seria necessário um deslocamento dos fatores de produção o que poderia ser bem executado graças ao aumento da população em idade produtiva e ao aproveitamento da parte da população mal empregada Outras questões relacionadas com a política anticíclica baseada na substituição das importações pela produção interna são abordadas por Prebisch Uma delas se refere à possibilidade de se adotar o controle cambial através da venda de licenças de importação no caso em que o país tivesse uma propensão muito alta a importar artigos postergáveis em detrimento dos essenciais Outra questão diz respeito à necessidade dos países possuírem reservas monetárias disponíveis para o caso em que as exportações chegassem a um nível tão baixo durante o ciclo descendente que não fossem suficientes para pagar a importação dos produtos essenciais Nesse ponto o autor salienta que usar a poupança interna para conseguir reserva adicional não seria o procedimento mais adequado para os países periféricos que necessitam importar bens de capital Uma solução para o problema das reservas seria a adoção de um programa internacional de concessão de crédito Não é só através do crédito que Prebisch enxerga uma forma de cooperação internacional para o desenvolvimento dos países periféricos O autor propõe também a compra dos excedentes dos produtos primários pelos países centrais de forma a manter elevado o nível de renda nos países periféricos e assim garantir a importação de bens de capital dos países centrais Esse procedimento além de garantir o comércio internacional seria responsável por evitar a queda dos preços primários e conseqüentemente contribuiria 77 para que a relação entre os preços dos produtos finais e dos produtos primários não se voltasse contra os últimos Prebisch finaliza a discussão a respeito das políticas anticíclicas chamando a atenção para o caráter incompleto de sua exposição Enfatiza no entanto a importância de se analisar os ciclos econômicos sob o ponto de vista dos países periféricos para que os problemas locais pudessem ser encarados e investigados sistematicamente e políticas desenvolvimentistas pudessem ser adotadas Nas palavras do próprio autor Essa política é um complemento indispensável da política de desenvolvimento econômico a longo prazo pois a indústria como já foi dito faz com que se evidencie a vulnerabilidade da periferia às flutuações e contingências do centro Não basta aumentar a produtividade com isso absorvendo fatores desempregados e mal empregados Também é preciso evitar que uma vez alcançada a ocupação efetiva de seus fatores eles tornem a ficar desempregados por obra das flutuações cíclicas PREBISCH 2000 p 135 43 Conclusão Tentouse mostrar neste capítulo as características principais de Prebisch 1949 que fazem com que o clássico texto seja inserido no arcabouço teórico das teorias do desenvolvimento econômico Dado o contexto histórico do pósSegunda Guerra Mundial no qual o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos estava na ordem do dia o texto de Prebisch se destaca pela sua originalidade na criação de uma escola de pensamento econômico latinoamericana que se propôs a estudar o desenvolvimento sob a perspectiva local e não dos países centrais Se por um lado o autor não contesta a validade teórica das vantagens da clássica divisão internacional do trabalho ele indubitavelmente rejeita a teoria econômica tradicional para analisar o processo de desenvolvimento econômico industrialização da América Latina Isso porque sua concepção da economia mundial divide os países em centrais industrializados e hegemônicos e periféricos agrícolas e dependentes impondolhes uma relação desigual que impossibilita a aplicação do modelo e da doutrina da teoria clássica em sua análise De forma mais específica Prebisch rejeita a idéia de que os frutos do progresso técnico pudessem ser divididos igualmente entre todos os países participantes do comércio internacional justamente por esse comércio não representar uma relação entre países iguais A conseqüência dessa relação desigual seria o processo de 78 deterioração dos termos de troca entre os países periféricos e centrais em curso desde as décadas anteriores e a prova da má repartição dos frutos do progresso técnico seria a condição de vida das massas nos países periféricos Assim o autor ao rejeitar a idéia de que a população dos países periféricos pudesse ter uma melhor condição de vida enquanto se mantivesse a estrutura agrícola e dependente nos países latinoamericanos propõe como solução para a melhoria nas condições de vida da população desses países a industrialização Posto isso Prebisch passa a analisar em seu texto os problemas decorrentes desse processo de industrialização nos países periféricos identificando alguns obstáculos importantes como a escassez de dólares a precariedade da formação de capital e a inflação O autor aponta também a baixa produtividade das novas indústrias latinoamericanas como o limite dessa industrialização e defende a adoção de políticas anticíclicas para sustentar a continuidade desse processo Todas essas idéias são contribuições originais do autor e embasariam o pensamento estruturalista latinoamericano para a investigação sistemática da industrialização da América Latina e de seus problemas correlatos e fazem parte de sua tentativa de se pensar os problemas latinoamericanos sob a ótica local e como ele próprio diz de se treinar economistas para essa árdua tarefa 79 80 CONCLUSÃO Este trabalho teve como objetivo apresentar e analisar as principais idéias presentes nas teorias do desenvolvimento econômico de forma a interpretar a construção de seu objeto teórico Tal esforço foi justificado pela polêmica presente na literatura econômica e esboçada brevemente na introdução deste trabalho sobre a relevância de tais teorias para o estudo dos países subdesenvolvidos em desenvolvimento A conclusão a que se pode chegar após o término da exposição dos capítulos anunciados na introdução deste trabalho é a de que as teorias do desenvolvimento econômico formam um corpo teórico à parte do núcleo da teoria econômica tradicional Mais do que isso a construção de seu objeto teórico de investigação se dá através da rejeição do arcabouço da teoria econômica tradicional Isso se explica pelo fato de que os fundadores das teorias do desenvolvimento econômico têm ou tiveram uma concepção de economia mundial na qual a economia dos países subdesenvolvidos aparece como objeto de estudo diferente da economia dos países desenvolvidos A explicação para essa separação está na presença de características sui generis nos países subdesenvolvidos que os legitimam como objeto de estudo Seguese logicamente que a teoria econômica tradicional ao tratar de questões relacionadas à economia dos países desenvolvidos tornase inaplicável à análise dos países subdesenvolvidos como já exposto por Seers 1967 Fazse necessária então uma nova abordagem a construção de um novo objeto teórico para a interpretação da realidade dos países subdesenvolvidos e de seu processo de desenvolvimento18 Isso posto tornase interessante voltar à polêmica esboçada na introdução deste trabalho sobre a relevância das teorias do desenvolvimento econômico na análise das economias subdesenvolvidas nos dias de hoje Mais especificamente tornase interessante analisar como Krugman 1992 pretende que as idéias presentes nessas teorias que ele considera intelectualmente válidas até os dias de hoje possam ter aplicações práticas e façam parte da fronteira do conhecimento nas modernas teorias do comércio internacional e do crescimento Para cumprir essa tarefa no entanto o autor se propõe a explicar primeiro as causas do afastamento das teorias do desenvolvimento econômico do núcleo da teoria econômica tradicional e do desaparecimento de suas idéias do debate econômico nas duas décadas precedentes A explicação do autor é de caráter metodológico e pode ser resumida nas palavras do próprio 18 Para um estudo mais aprofundado do debate sobre a relevância e a aplicabilidade da teoria econômica tradicional na análise dos países subdesenvolvidos veja também o trabalho de Myint 1967 81 But high development theory was virtually buried essentially because the founders of development economics failed to make their points with sufficient analytical clarity to communicate their essence to other economists and perhaps to themselves Recent changes in economics now make it possible to reconsider what the development theorists said and to regain the valuable ideas that have been lost KRUGMAN 1992 p 16 A falha metodológica das teorias do desenvolvimento econômico teria sido então justamente a incapacidade instrumental de transformar em um modelo formal as idéias apresentadas textualmente e isso graças a the difficulty of reconciling economies of escale with a competitive market structure KRUGMAN 1992 p 27 A idéia deste trabalho nunca foi discutir especificamente as causas do desaparecimento das teorias do desenvolvimento econômico a partir dos anos 1970 entretanto essa investigação pode nos levar por caminhos interessantes no estudo dessas teorias A questão proposta por Krugman 1992 sobre as causas do desaparecimento das teorias do desenvolvimento econômico já tinha sido abordada por Albert Hirschman no seu artigo The Rise and Decline of Development Economics uma década antes e embora o motivo dado por Hirschman 1982 para esse desaparecimento seja outro a sua interpretação das teorias do desenvolvimento econômico é fundamental para este trabalho De acordo com Hirschman 1982 as teorias do desenvolvimento econômico contêm dois ingredientes básicos Um deles é a idéia de que o estabelecimento de relações econômicas entre os países pode leválos a uma situação melhor O outro ingrediente que é o principal para este trabalho é a rejeição do sentido de universalidade da teoria econômica tradicional para explicar os fenômenos econômicos dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos rejeição da monoeconomics O próprio autor explica o que significa essa rejeição By rejection of the monoeconomics claim I mean the view that underdeveloped countries as a group are set apart through a number of specific economic characteristics common to them from the advanced industrial countries and that traditional economic analysis which has concentrated on the industrial countries must therefore be recast in significant respects when dealing with underdeveloped countries HIRSCHMAN 1982 p 373 82 A inaplicabilidade da teoria econômica tradicional se daria porque as economias subdesenvolvidas teriam características específicas que as diferenciariam das economias desenvolvidas Dentre essas características duas são destacadas como as principais por Hirschman 1982 subemprego rural e industrialização tardia Essa situação sui generis dos países subdesenvolvidos implicaria a adoção de novas hipóteses e a formulação de novos conceitos econômicos a fim de tratar da realidade desses países e tornaria a teoria econômica tradicional inadequada para sua análise Essa visão das teorias do desenvolvimento econômico nos leva de volta à questão proposta por Krugman 1992 Teria sido realmente um problema de formalização que fez com que as teorias do desenvolvimento econômico fossem marginalizadas do núcleo da teoria econômica tradicional Levandose em conta a caracterização dessas teorias feita por Hirschman 1982 e apresentada na tese deste trabalho a resposta seria negativa A incompatibilidade entre as teorias do desenvolvimento econômico e a teoria econômica tradicional seria fruto de seus diferentes propósitos provenientes de suas diferentes concepções da economia mundial Enquanto na teoria econômica tradicional todos os países são considerados iguais para efeito de análise teórica nas primeiras os países subdesenvolvidos são considerados um grupo à parte dos países desenvolvidos e por isso requerem uma explicação teórica à parte também Este trabalho espera ter mostrado através da análise minuciosa da obra de alguns dos principais teóricos do desenvolvimento exatamente o esforço desse processo de construção do objeto teórico das teorias do desenvolvimento econômico e as conseqüências que ele acarreta 83 84 REFERÊNCIAS AHUMADA J Preparación y evaluación de proyectos de desarrollo econômico El trimestre económico Mexico Fondo de Cultura Económica vol 22 p 26596 JulSet 1955 ARIDA P A história do pensamento econômico como teoria e retórica Texto para Discussão Rio de Janeiro Departamento de Economia da PUCRJ nº 54 1983 ARNDT H W Economic development the history of an idea Chicago The University of Chicago Press 1987 BIANCHI A M Prebisch a CEPAL e seu discurso In REGO J M Org Retórica na economia São Paulo Ed Trinta e Quatro 1996 BIANCHI A M Albert Hirschman na América Latina anotações sobre a trilogia de Hirschman Programa de Seminários Acadêmicos São 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contribui para uma visão retrospectiva da evolução das idéias de Furtado sobre a relação entre progresso técnico e subdesenvolvimento Palavraschave Progresso técnico sub desenvolvimento Raúl Prebisch Ragnar Nurkse Celso Furtado Introdução ABSTRACT The objective of this text is to retrieve the predominant ideas in the analysis of Raúl Prebisch Ragnar Nurkse and Celso Fur tado in the beginning of the 50s concern ing the relation between technical progress and underdevelopmentThe intention is not to explore all the aspects of Prebischs and Nurkses contributions to the theme The intention is only to identify in the reflections of these two important authors contempo raries of Furtado signs that some of his ideas could be contraposed andor complement ed by Prebischs and Nurkses ideas This retrieval contributes to a retrospective view of the evolution of Furtados ideas about the relation between technical progress and underdevelopment Key words Technical progress underde velopment Raúl Prebisch Ragnar Nurkse Celso Furtado A i m p o r t â n c i a de Celso F u r t a d o para o p e n s a m e n t o e c o n ô m i c o no Brasil é r e c o n h e c i d a no m e i o a c a d ê m i c o nacional e internacional Em Este texto é uma reprodução parcialmente modificada do artigo intitulado Inade quação Tecnológica e SubdesenvolvimentoAs Abordagens de R a ú l Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos Anos 5 0 apresentado no VII Encontro Nacional de E c o n o m i a Política 28 a 31 de maio Curitiba 2002 história econômica história de empresas VII2 2004 133164 1 3 3 obras c o m o Formação Econômica do Brasil 1959 Desenvolvimento e Sub desenvolvimento 1961 Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico 1967 F u r t a d o apresentou u m m é t o d o d e análise e u m a m p l o referen cial de estudo de importantes aspectos da evolução da e c o n o m i a brasileira a o l o n g o d o t e m p o U m a característica do seu a p o r t e t e ó r i c o é a tentativa de integrar a E c o n o m i a a Política e a História o q u e lhe conferiu u m a visão particular da dinâmica e c o n ô m i c a distanciada da a b o r d a g e m ahistórica da teoria do equilíbrio geral A criação da C E P A L em 1948 foi um passo i m p o r tante na elaboração de u m a teoria do s u b d e s e n v o l v i m e n t o e de u m a estratégia h e t e r o d o x a de superação do atraso e c o n ô m i c o em c o n t r a p o n t o às propostas apoiadas na teoria das vantagens comparativas A c o n t r i b u i ç ã o teórica de Celso F u r t a d o e o seu trabalho de divulgação destas idéias são inquestionáveis O objetivo deste texto é resgatar as idéias p r e d o m i n a n t e s nas análises de R a ú l Prebisch R a g n a r N u r k s e e Celso Furtado no início dos anos 50 a respeito da relação entre progresso técnico e s u b d e s e n v o l v i m e n to A i n t e n ç ã o n ã o é explorar t o d o s os aspectos das contribuições de Prebisch e de N u r k s e para o tema mas apenas identificar nas reflexões destes dois i m p o r t a n t e s autores c o n t e m p o r â n e o s de Furtado indícios de q u e algumas das suas idéias p o d e r i a m ser contrapostas e o u c o m p l e m e n t a d a s pelas idéias de Prebisch e de N u r k s e Este resgate c o n t r i b u i para u m a visão retrospectiva da evolução das idéias de F u r t a d o sobre a relação entre progresso técnico e subdesenvolvimento O t e x t o está dividido em quatro seções as três primeiras foram reser vadas para as abordagens da relação entre progresso t é c n i c o e subdesen v o l v i m e n t o formuladas p o r cada u m dos três autores e m trabalhos datados dos anos 50 A quarta e última seção traz u m a síntese das s e m e lhanças e das eventuais diferenças de ênfases das respectivas abordagens A concepção PrebischCEPAL de progresso técnico e o problema da adaptação da tecnologia Progresso técnico e homogeneização da estrutura econômica N o artigo Interpretação d o processo d e d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o 1951 1 Prebisch afirmou q u e as técnicas intensivas em capital 1 O Estudo de 1949 foi apresentado na conferência da CEPAL em Montevidéu no mês de maio de 1950 Furtado afirmouna Fantasia Organizada 1985 que os cinco 1 3 4 Renata DArbo resultaram de um l o n g o processo de evolução dos centros industriais o n d e o a u m e n t o do salário real teria estimulado a criação de inovações tecnológicas destinadas a substituir trabalho p o r capital A pressão da a c u m u l a ç ã o sobre o e m p r e g o t e n d e u a elevar os salários reais i n d u z i n d o a a d o ç ã o de técnicas p o u p a d o r a s de t r a b a l h o o fator escasso nas e c o n o m i a s avançadas A viabilidade e c o n ô m i c a dos investimentos q u e i n c o r p o r a v a m estas técnicas s e g u n d o Prebisch é explicada pelo fato de q u e as despesas adicionais c o m capital em t e r m o s de a m o r t i z a ç ã o e j u r o s e r a m compensadas pela r e d u ç ã o dos custos c o m salários d e v i do à e c o n o m i a de m ã o d e o b r a q u e as técnicas altamente capitalizadas p r o p o r c i o n a v a m Pelas palavras do autor S a b e m o s q u e o e q u i p a m e n t o m o d e r n o exigindo m a i o r inversão de capital p e r capita só é e c o n ô m i c o q u a n d o o total dos j u r o s e da a m o r t i z a ç ã o c o r r e s p o n d e n t e s é inferior à r e d u ç ã o p r o p o r c i o n a d a pela nova dotação nos outros custos Para fins de brevidade v a m o s apenas considerar a r e d u ç ã o da m ã o de obra A elevação progressiva dos salários resultante do a u m e n t o da produtividade foi talvez o fator de m a i o r i m p o r t â n c i a entre aqueles q u e d e t e r m i n a r a m a c o n v e niência de se c o n t i n u a r a a u m e n t a r a inversão de capital p e r capita p o r m e i o d e sucessivos m e l h o r a m e n t o s técnicos Pois u m a vez g e n e ralizada a nova dotação de capital d e v i d o ao n o v o nível dos salários n ã o resultaria e c o n ô m i c o para n e n h u m a empresa nova e m p r e g a r d o t a ç õ e s m e n o r e s c o r r e s p o n d e n t e s a um nível de salários inferior Prebisch 1 9 5 1 9 1 Na visão de Prebisch o desemprego gerado pelas técnicas p o u p a d o r a s de t r a b a l h o foi c o m p e n s a d o pela expansão da indústria de bens de capital isto é pelo a u m e n t o dos investimentos estimulados pelos novos p r o c e d i m e n t o s de p r o d u ç ã o Assim u m a n o v a pressão da a c u m u l a ç ã o sobre os salários reais desencadearia a i n c o r p o r a ç ã o de um n o v o fluxo primeiros capítulos deste trabalho foram redigidos por Raúl Prebisch e levaram o título geral de Crescimento desequilíbrios e disparidades interpretação do processo de desenvolvimento econômico A tradução deste trabalho de Prebisch feita por Furtado foi publicada na Revista Brasileira de Economia v 5 n 1 março 1951 c o m o título de Interpretação do processo de desenvolvimento econômico Este texto j u n t a m e n t e c o m os Problemas Teóricos e Práticos do Crescimento Econômico 1973 apresentado na conferência da CEPAL no México em maio de 1951 são as referên cias da contribuição de Raúl Prebisch utilizadas para abordar o tema desta seção Uma síntese das abordagens de Raul Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 I 135 de inovações c o m técnicas ainda mais intensivas em capital caracte r i z a n d o o m e c a n i s m o de a u m e n t o da densidade de capital n o s centros industriais O progresso t é c n i c o g e r o u d e s e m p r e g o da m ã o d e o b r a nos setores em q u e as técnicas p o u p a d o r a s de t r a b a l h o avançavam r a p i d a m e n t e mas estimulou n o v o s investimentos e a absorção da m ã o d e o b r a no setor de bens de capital Essas influências desfavoráveis ao e m p r e g o e aos salários acarretam f r e q ü e n t e m e n t e reações contrárias ao progresso t é c n i c o d u r a n t e o d e s e n v o l v i m e n t o dos g r a n d e s países industriais M a s esse m e s m o progresso ao exigir crescentes inversões de capital vai c r i a n d o nesses países um p o d e r o s o e l e m e n t o de absorção do d e s e m p r e g o qual seja o d e s e n v o l v i m e n t o das indústrias de bens de capital O progresso técnico p o r conseguinte provoca o d e s e m p r e g o mas ao m e s m o t e m po t e n d e a reabsorver essa m ã o de obra em v i r t u d e do a u m e n t o das inversõesTal foi a função q u e estas d e s e m p e n h a r a m e s p o n t a n e a m e n t e no d e s e n v o l v i m e n t o dos centros industriais p e l o m e n o s até a crise m u n d i a l Prebisch 1 9 5 1 90 P o r o u t r o lado a elevação do salário real a c o m p a n h a n d o a p r o d u tividade do trabalho n ã o teria desestimulado a a c u m u l a ç ã o p o r q u e s e g u n d o Prebisch o progresso t é c n i c o elevou t a m b é m a p r o d u t i v i d a d e do capital de m o d o a m a n t e r a sua r e m u n e r a ç ã o em níveis compatíveis c o m a c o n t i n u i d a d e da a c u m u l a ç ã o N o s Problemas Teóricos e Práticos do Crescimento Econômico 1 9 7 3 o a u t o r enfatizou q u e as i n o v a ç õ e s intensivas em capital a u m e n t a r a m simultaneamente ainda que em ritmos diferentes as produtividades do trabalho e do capital t o r n a n d o impossível classificar c o m precisão as inovações p o u p a d o r a s de t r a b a l h o que elevam a p r o d u t i v i d a d e do t r a b a l h o e a densidade do capital e as p o u p a d o r a s d e capital A f i r m o u s e É certo q u e a evolução t e c n o l ó g i c a t a m b é m a u m e n t a a q u a n t i dade d e p r o d u ç ã o p o r u n i d a d e d e capital a o m e s m o t e m p o q u e s e p o u p a m ã o d e o b r a S e b e m q u e ambos o s objetivos t e n h a m d e t e r m i n a d o investimentos crescentes de capital p o r trabalhador e e m b o r a se os possa separar em abstrato o desenvolvimento t e c n o l ó g i c o os foi c o m b i n a n d o de tal f o r m a q u e em geral n ã o seria possível deter m i n a r q u e parte dos investimentos responde ao objetivo de a u m e n t a r a q u a n t i d a d e de p r o d u ç ã o p o r u n i d a d e de capital e que parte corres p o n d e a u m a e c o n o m i a de m ã o d e o b r a 1 3 6 Renata DArbo D e s s e m o d o dada a f o r m a simultânea em q u e a m b o s os objetivos f o r a m se i m p l e m e n t a n d o e dada a indivisibilidade dos e q u i p a m e n t o s em q u e se concretiza o processo t e c n o l ó g i c o as c o m b i n a ç õ e s a q u e se c h e g o u na e c o n o m i a de um país altamente industrializado e de alto capital p o r pessoa n ã o p o d e m desfazer arbitrariamente e trans formarse em outras c o m b i n a ç õ e s q u e se a d a p t e m m e l h o r à realidade de um país m e n o s desenvolvido e de disponibilidade de capital p o r pessoa m u i t o inferior Prebisch 1973 3 7 9 Para Prebisch a tecnologia m o d e r n a se caracteriza pela elevada d e n sidade de capital rigidez ou indivisibilidade das escalas de p r o d u ç ã o e impossibilidade de substituição dos fatores de p r o d u ç ã o O progresso t é c n i c o gerou processos produtivos intensivos em capital e escalas de p r o d u ç ã o c o m dotações m í n i m a s de capital compatíveis c o m o nível de renda e a d i m e n s ã o do m e r c a d o nas e c o n o m i a s industrializadas A p r ó p r i a elevação dos salários c o m base nos g a n h o s de p r o d u t i v i d a d e s e g u n d o o autor teria c o n t r i b u í d o para expandir o m e r c a d o i n t e r n o e viabilizado a p r o d u ç ã o em larga escala da técnica m o d e r n a Em r e s u m o os a u m e n t o s dos salários i m p u l s i o n a r a m a intensificação do capital e n q u a n t o a elevação da p r o d u t i v i d a d e p e r m i t i u a elevação dos salários nos setores de m a i o r d i n a m i s m o t e c n o l ó g i c o P o r sua vez os salários elevados t e n d e r a m a se p r o p a g a r para os demais setores e ramos da p r o d u ç ã o d e v i d o à m o b i l i d a d e dos fatores A h o m o g e n e i z a ç ã o t e c n o l ó g i c a da estrutura produtiva resultou em b o a parte deste p r o c e s so pois na visão de Prebisch a elevação do salário real inviabilizava a a d o ç ã o de técnicas de m e n o r coeficiente de capital estimulando a e x pansão do investimento e do setor de bens de capital e r e d u z i n d o os desníveis de p r o d u t i v i d a d e da estrutura produtiva D e outra parte à m e d i d a q u e a mobilidade dos fatores produtivos vai e s t e n d e n d o a majoração de salários às demais atividades n ã o se p o d e c o n c e b e r que històricamente certas indústrias a u m e n t e m consi deràvelmente sua inversão de capital p e r capita p o r m e i o do e m p r e g o de m a q u i n a r i a cada vez mais m o d e r n a e q u e outras c o n t i n u e m a funcionar c o m dotações de capital relativamente m e n o r e s apesar de talvez ser esta a solução mais e c o n ô m i c a p o r q u a n t o o progresso t é c n i c o t e n d e a estenderse Q u a n t o m a i o r fôr a m o b i l i d a d e dos fa tôres produtivos m a i o r será a correlação entre o d e s e n v o l v i m e n t o dos diversos setores da atividade e c o n ô m i c a do p o n t o de vista da inversão de capital p o r o p e r á r i o e m p r e g a d o Prebisch 1 9 5 1 9 1 2 Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 3 7 Assim a p r o p a g a ç ã o dos a u m e n t o s de salários para o c o n j u n t o do sistema e c o n ô m i c o e s t i m u l o u o a v a n ç o t e c n o l ó g i c o e teria sido f u n d a m e n t a l para a h o m o g e n e i z a ç ã o d o s níveis de p r o d u t i v i d a d e isto é para a r e d u ç ã o das disparidades tecnológicas em particular e n t r e as atividades industriais e as agrícolas Para Prebisch o progresso t é c n i c o na agricultura foi a l t a m e n t e estimulado p e l o a u m e n t o dos salários possibilitado pelos g a n h o s de p r o d u t i v i d a d e e p e l o c r e s c i m e n t o da indústria que a b s o r v e n do g r a n d e parte da m ã o d e o b r a forçou a m o d e r n i z a ç ã o da agricultura O d e s e n v o l v i m e n t o das atividades manufatureiras e outras foi a b s o r v e n d o u m a p a r t e c r e s c e n t e do i n c r e m e n t o da p o p u l a ç ã o e f o r ç a n d o a p r o d u ç ã o p r i m á r i a a realizar constantes m e l h o r a m e n t o s na sua técnica O progresso t é c n i c o da agricultura p o r c o n s e g u i n t e foi em g r a n d e parte a c o n s e q ü ê n c i a do d e s e n v o l v i m e n t o industrial 2 Prebisch 1 9 5 1 8 9 2 Na agricultura segundo Prebisch o progresso técnico deu origem a diferentes alternativas tecnológicas duas a destacar a mecanização do trabalho que reduziria a quantidade de trabalho por unidade de produto e por unidade de superfície sem alterar a produtividade do solo constituindo o meio pelo qual se vai criando o excedente de população que a indústria e outras atividades terão que absorver p r o dutivamente Prebisch 197347 A mecanização permitiria então o deslocamento da mãodeobra da agricultura para a indústria satisfazendo o aumento da demanda por trabalho do conjunto do sistema econômico Já as tecnologias poupadoras de capitaltendem a aumentar os rendimentos por hectare mediante o melhoramento técnico dos procedimentos de cultivo desde a seleção de sementes até o emprego de pesticidas e aqueles outros tendentes a aumentar a superfície aproveitável mediante obras de irrigação e drenagem de florestamento e recuperação de terrenos prejudicados pela erosão ou a evitar que esta diminua a superfície atual da produção Prebisch 197351 Estas técnicas de m e n o r densidade de capital segundo o autor empregam mais trabalho elevam relativamente a produtividade do capital e da terra e contribuem para a expansão da oferta agrícola atendendo à maior demanda gerada pelo crescimento econômico A conclusão de Prebisch é de que na agricultura os coeficientes técnicos são menos rígidos e os problemas de indivisibilidade de es cala são menos significativos do que na indústriapois a disponibilidade de alternativas tecnológicas confere maior flexibilidade à combinação dos fatores de produção Na agricultura seria possível aplicar técnicas c o m a finalidade de elevar a oferta agrícola para atender às necessidades criadas pelo crescimento econômico b e m como deslocar mãodeobra para atender à demanda de trabalho do conjunto do sistema econômico Ressaltese que esta idéia sustenta o seu argumento de que a maximização da produção e do emprego na periferia é principalmente dificultada pela estrutura de posse e propriedade da terra Ver Prebisch 1973 e a interpretação de Rodríguez 1981 1 3 8 Renata DArbo Ao analisar os contrastes entre o d e s e n v o l v i m e n t o do c e n t r o e da periferia Prebisch relacionou o limitado acesso das e c o n o m i a s periféricas ao progresso técnico c o m a inserção exportadora de p r o d u t o s p r i m á r i o s na divisão internacional do trabalho e p o r c o n s e q ü ê n c i a c o m o l o n g o p e r í o d o transcorrido entre a R e v o l u ç ã o Industrial e a industrialização da A m é r i c a Latina É a m p l a m e n t e c o n h e c i d o o a r g u m e n t o de q u e q u a n t o m a i o r o atraso dos países periféricos na i n c o r p o r a ç ã o das técnicas m o d e r n a s mais profundas as disparidades entre os níveis de p r o d u t i v i dade e de renda e as necessidades de capital para viabilizar o desenvol v i m e n t o e c o n ô m i c o Isto o c o r r e r i a p o r q u e o progresso técnico assimi lado pela periferia n ã o é fruto de um l e n t o processo de a u m e n t o da p r o d u t i v i d a d e e da renda q u e traria a c o n s e q ü ê n c i a de elevar a d i s p o n i bilidade de p o u p a n ç a para a f o r m a ç ã o de capital N o s países de g r a n d e d e s e n v o l v i m e n t o a técnica de p r o d u ç ã o exige vultosa q u a n t i d a d e d e capital p o r o p e r á r i o e m c o m p e n s a ç ã o o c r e s c i m e n t o gradual da produtividade d e v i d o j u s t a m e n t e à i n t r o d u ç ã o dessa técnica p r o p o r c i o n o u a êsses países u m a renda elevada p e r capita m e d i a n t e a qual p u d e r a m realizar a p o u p a n ç a necessária à f o r m a ç ã o dêsse capital Analisando b e m verificase q u e o nível de p o u p a n ç a não é alto ou b a i x o em si m e s m o e sim em relação à densidade de capital resultante do progresso técnico N e s s e sentido o nível de p o u p a n ç a na A m é r i c a Latina é geralmente m u i t o baixo em relação às necessidades da técnica m o d e r n a N ã o resta d ú v i d a que no p r i n c í p i o da evolução industrial dos grandes países a p o u p a n ç a espontânea t a m p o u c o foi vultosa mas em c o m p e n s a ç ã o a técnica n ã o exigia o g r a n d e coeficiente de capital p o r operário q u e a t u a l m e n t e requer C o m p r e e n d e s e p o r conseguinte que q u a n t o mais tarde se i n t r o duzir a técnica m o d e r n a n u m país periférico mais v i o l e n t o será o contraste entre a limitada quantia de sua renda p e r capita e o v u l t o do capital necessário para p o d e r a u m e n t a r essa renda r a p i d a m e n t e P o r conseguinte os países q u e e m p r e e n d e r a m há p o u c o o seu d e s e n v o l v i m e n t o industrial g o z a m de u m a parte da v a n t a g e m de e n c o n t r a r e m u m a técnica q u e nos grandes centros foi obtida à custa de m u i t o t e m p o e sacrifício M a s de outra parte e n c o n t r a m todas as desvantagens inerentes ao fato de q u e s e g u e m c o m atraso a evolução dos a c o n t e c i m e n t o s Prebisch 1 9 5 1 8 6 7 Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 3 9 Inadequação tecnológica e desemprego estrutural Foi visto q u e na c o n c e p ç ã o de Prebisch o progresso t é c n i c o eleva a densidade de capital a u m e n t a n d o s i m u l t a n e a m e n t e e em r i t m o s dife rentes a p r o d u t i v i d a d e do trabalho e do capital 3 Para R o d r í g u e z 1981 esta c o n c e p ç ã o do progresso técnico sustenta a idéia cepalina de q u e o p l e n o e m p r e g o da força de trabalho e da ca pacidade produtiva instalada r e q u e r o a u m e n t o da taxa de a c u m u l a ç ã o definida c o m o o p r o d u t o da taxa de p o u p a n ç a s pela produtividade do capitalk no m e s m o r i t m o da taxa de crescimento da população e c o n o m i c a m e n t e ativa e A explicação do a u t o r é a seguinte c o m o o progresso técnico eleva a p r o d u t i v i d a d e do capital k se a taxa de crescimento da p o p u l a ç ã o ativa e for constante o esforço de a c u m u lação s necessário para preservar o p l e n o e m p r e g o é m e n o r à m e d i d a q u e o progresso t é c n i c o eleva a densidade de capital nas e c o n o m i a s avançadas Assim u m a estrutura e c o n ô m i c a h o m o g ê n e a c o m reduzidas disparidades tecnológicas e de níveis de produtividade n ã o apresentaria t e n d ê n c i a a o d e s e m p r e g o estrutural n e m exigiria u m g r a n d e esforço de p o u p a n ç a para m a n t e r o p l e n o e m p r e g o ao l o n g o do processo de d e s e n v o l v i m e n t o 4 1 4 0 Renata DArbo Em contraste o d e s e m p r e g o nas e c o n o m i a s periféricas é de tipo es trutural e se deve à h e t e r o g e n e i d a d e da estrutura e c o n ô m i c a e à i n a d e q u a ç ã o tecnológica c o n f o r m e descreveu Prebisch nos países m e n o s desenvolvidos o n d e há escassez de capital para absorver c o m intensidade aquele potencial h u m a n o d e p r o d u tividade inferior u m a e c o n o m i a excessiva d e m ã o d e o b r a e m novos investimentos de capital ou nas renovações de e q u i p a m e n t o s contribui para t o r n a r mais a g u d o o p r o b l e m a estrutural Estes e q u i p a m e n t o s c o m o já foi dito c o r r e s p o n d e m a altas rendas e elevada capacidade de p o u p a n ç a Em contrapartida nos países m e n o s desenvolvidos n ã o g u a r d a m n e n h u m a relação c o m as rendas relati v a m e n t e baixas e a escassa capacidade de p o u p a n ç a q u e os caracteriza E se há empresários q u e estão em condições de adquirilos isso n ã o significa de m o d o a l g u m q u e haja capital disponível para generalizar seu e m p r e g o Prebisch 1 9 7 3 42 Para Prebisch as e c o n o m i a s periféricas se caracterizam pela h e t e r o geneidade estrutural isto é pela coexistência do setor arcaico c o m o setor m o d e r n o e p o r t a n t o pelas disparidades de nível técnico de p r o Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 141 dutividade e de renda O setor arcaico n ã o absorveria a oferta adicional de trabalho p r o v e n i e n t e do c r e s c i m e n t o vegetativo da população de m o d o q u e o a u m e n t o da p o p u l a ç ã o e c o n o m i c a m e n t e ativa nos dois setores teria q u e ser a b s o r v i d o p e l o setor m o d e r n o P o r o u t r o lado o a u m e n t o da densidade de capital e da produtividade do capital no setor m o d e r n o que na visão de Prebisch favorece a acumulação e o e m p r e g o n ã o seria suficiente para o c u p a r a força de trabalho adicional originada de a m b o s os setores O d e s e m p r e g o estrutural se manifestaria então p o r m e i o do desajuste entre o r i t m o de a c u m u l a ç ã o d e t e r m i n a d o pela taxa de p o u p a n ç a e pela p r o d u t i v i d a d e do capital no setor m o d e r n o e o c r e s c i m e n t o da força de trabalho o q u e está r e l a c i o n a d o c o m a i m p o r t â n c i a relativa dos setores arcaico e m o d e r n o q u e coexistem nas e c o n o m i a s periféricas C o n f o r m e observa R o d r í g u e z 1981 A h e t e r o g e n e i d a d e estrutural j o g a u m papelchave n a explicação da t e n d ê n c i a ao d e s e m p r e g o peculiar às e c o n o m i a s periféricas P o dese considerar q u e a coexistência de setores m o d e r n o s e atrasados afeta as variáveis demográficas refletindose n u m a alta taxa de a u m e n t o da p o p u l a ç ã o e da p o p u l a ç ã o ativa P o r o u t r o lado a maior p r o p o r ç ã o da força de trabalho o c u p a d a nas atividades arcaicas eleva o r i t m o de crescimento da oferta global de m ã o d e o b r a em relação ao e m p r e g o no setor m o d e r n o A expansão da d e m a n d a t e n d e a ser insuficiente em c o m p a r a ç ã o c o m o forte r i t m o de a u m e n t o da oferta o esforço de p o u p a n ç a só se realiza neste último setor cujas dimensões e níveis de renda m é d i a são relativamente p e q u e n o s R o d r í g u e z 1 9 8 1 104 Já a a r g u m e n t a ç ã o de Prebisch em t o r n o da relação tecnologia e d e s e m p r e g o estrutural na periferia é sintetizada p o r R o d r í g u e z 1981 c o m o segue A a c u m u l a ç ã o da periferia é exígua devido aos seus baixos níveis de produtividade e renda ao traduzirse em investimentos de elevada densidade de capital e g r a n d e escala mostrase insuficiente para absorver p r o d u t i v a m e n t e u m a oferta de força de trabalho de d i m e n sões consideráveis oferta q u e p r o v é m p o r um lado do crescimento vegetativo da p o p u l a ç ã o e p o r o u t r o do d e s l o c a m e n t o de m ã o d e obra a partir de setores de baixa produtividade em c o n s e q ü ê n c i a do desemprego tecnológico p r o v o c a d o p o r esses m e s m o s investimentos R o d r í g u e z 1 9 8 1 78 1 4 2 Renata DArbo Assim a p e q u e n a d i m e n s ã o do setor m o d e r n o expressão da h e t e r o g e n e i d a d e estrutural t o r n a r i a o seu esforço de a c u m u l a ç ã o insuficiente para absorver a oferta de trabalho resultante do crescimento da população ativa Acrescentese a isto o p r o b l e m a da i n a d e q u a ç ã o tecnológica de densidade e de escala que s e g u n d o Prebisch além de gerar d e s e m p r e g o t e c n o l ó g i c o dificultaria a absorção da oferta total de m ã o d e o b r a pelo setor m o d e r n o R o d r í g u e z 1981 faz o seguinte c o m e n t á r i o sobre o p r o b l e m a da i n a d e q u a ç ã o t e c n o l ó g i c a na c o n c e p ç ã o P r e b i s c h C E P A L a t e n d ê n c i a ao d e s e m p r e g o p o d e c o m p r o p r i e d a d e ser c h a m a d a de estrutural pois ela é considerada um resultado natural e espontâneo de transformações de estrutura q u e constituem e t o r n a m peculiar a industrialização das e c o n o m i a s periféricas a modificação da i m p o r t â n c i a relativa de seus setores produtivos através da a c u m u l a ç ã o nos setores m o d e r n o s a d o t a n d o técnicas cuja densidade de capital é m u i t o m a i o r q u e a dos setores e r a m o s atrasados e cuja escala está desajustada em relação aos níveis de r e n d a e às d i m e n s õ e s d o m e r c a d o p r ó p r i o s desse tipo d e e c o n o m i a R o d r í g u e z 1 9 8 1 86 É i m p o r t a n t e ressaltar r e c o r r e n d o mais u m a vez à c o n t r i b u i ç ã o de R o d r í g u e z 1981 q u e o c o n c e i t o de i n a d e q u a ç ã o tecnológica q u e Prebisch utilizou para analisar o d e s e m p r e g o estrutural baseiase na distinção entre i n a d e q u a ç ã o de densidade de capital e i n a d e q u a ç ã o de escala de p r o d u ç ã o A i n a d e q u a ç ã o de densidade geraria d e s e m p r e g o t e c n o l ó g i c o a u m e n t a n d o a oferta de m ã o d e o b r a não obstante a inci dência favorável das técnicas mais avançadas sobre a a c u m u l a ç ã o e o e m p r e g o no setor m o d e r n o A i n a d e q u a ç ã o de escala desestimularia a a c u m u l a ç ã o e a d e m a n d a de trabalho pois a capacidade ociosa t e n d e a reduzir a p r o d u t i v i d a d e do capital Assim para u m a dada parcela do investimento q u e c o m p e t e c o m o setor arcaico o d e s e m p r e g o t e c n o lógico seria tanto m a i o r q u a n t o m a i o r fosse o e m p r e g o de trabalho p o r u n i d a d e de capital no setor atrasado P o r c o n s e q ü ê n c i a c o m o a u m e n t o da densidade de capital no setor m o d e r n o o c r e s c i m e n t o da oferta de trabalho fruto do d e s e m p r e g o tecnológico t e n d e r i a a superar o a u m e n t o da d e m a n d a de trabalho no p r ó p r i o setor m o d e r n o D a í a n e c e s sidade de acordo c o m Prebisch de elevar a taxa de p o u p a n ç a nas e c o n o mias subdesenvolvidas a fim de q u e o m a i o r esforço de a c u m u l a ç ã o pudesse absorver a oferta de trabalho gerada pelo d e s e m p r e g o t e c n o lógico e pelo c r e s c i m e n t o da p o p u l a ç ã o e c o n o m i c a m e n t e ativa Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 4 3 A visão de Raúl Prebisch sobre a adaptação da tecnologia Para R o d r í g u e z 1981 a distinção entre i n a d e q u a ç ã o de densidade de capital e de escala de p r o d u ç ã o p r e d o m i n a e diferencia a a b o r d a g e m P r e b i s c h C E P A L da c o n c e p ç ã o de inadequação tecnológica formulada c o m base n o c o n c e i t o d e densidade ótima d o capital Este conceito s e g u n d o o autor associa d i r e t a m e n t e o a u m e n t o da densidade de capital do investimento à r e d u ç ã o da d e m a n d a de trabalho sob o a r g u m e n t o de q u e a tecnologia de elevada densidade de capital i n a d e q u a d a diante da escassez relativa de capital e a b u n d â n c i a de m ã o d e o b r a impediria q u e a periferia alcançasse os m e s m o s níveis de p r o d u ç ã o e e m p r e g o obtidos c o m as técnicas de densidade ótima geradas no centro Daí a r e c o m e n d a ç ã o de adaptar a tecnologia seja através de alternativas de investimentos c o m técnicas de m e n o r densidade de capital seja através da criação de tecnologias de m e n o r densidade de capital mais adequadas à disponibilidade de fatores da periferia Em contraste na interpretação de R o d r í g u e z 1981 a total i m p o s sibilidade de substituição dos fatores e a indivisibilidade do capital ou rigidez de escala presentes na caracterização de P r e b i s c h do progresso técnico t o r n a r i a m as técnicas m o d e r n a s p o u c o adaptáveis A l é m disto c o m o o progresso técnico eleva s i m u l t a n e a m e n t e as produtividades do trabalho e do capital as técnicas de m e n o r densidade de capital se disponíveis t e n d e r i a m a se t o r n a r obsoletas Sobre este p o n t o R o d r í guez 1981 opina S e m negar validez a estas r e c o m e n d a ç õ e s a adaptação t e c n o l ó g i ca na análise cepalina admitese q u e a existência de alternativas de investimento c o m diferentes densidades de capital é m u i t o p o u c o freqüente e q u e o avanço t e c n o l ó g i c o gera técnicas mais m o d e r n a s e de m a i o r densidade de capital q u e suplantam as mais antigas de densidade m e n o r d e v i d o à m a i o r eficácia das primeiras D a í se d e p r e e n d e q u e o uso de técnicas atrasadas e obsoletas ainda q u e pudesse favorecer o e m p r e g o produziria forçosamente um m e n o r nível de renda C o n c l u i s e q u e a m a x i m i z a ç ã o simultânea de e m p r e g o e p r o duto ao l o n g o do processo de desenvolvimento n ã o seria conquistada c o m a i n c i d ê n c i a sobre a d e n s i d a d e de capital m a s sim c o m a distribuição adequada dos investimentos realizados no setor m o d e r n o entre atividades competitivas e nãocompetitivas c o m a p r o d u ç ã o preexistente Ou seja tratandose de distribuílas de m a n e i r a a m i nimizar os problemas de escala e ao m e s m o t e m p o de lograr q u e a 1 4 4 Renata DArbo expulsão líquida de m ã o d e o b r a provocada pelos investimentos c o m petitivos s o m a d a ao crescimento da p o p u l a ç ã o ativa seja compatível c o m a absorção alcançada através dos investimentos n ã o c o m p e t i t i v o s R o d r í g u e z 1 9 8 1 87 Na análise de Prebisch p r e d o m i n a r i a então a idéia de q u e a densidade ótima n ã o é alcançável c o m as m o d e r n a s técnicas industriais p o r q u e são p o u c o adaptáveis à disponibilidade de capital na periferia P o r isto a r e c o m e n d a ç ã o principal n ã o vai no sentido de alterar a densidade de capital da tecnologia assimilada mas sim no de distribuir os investimentos entre os setores m o d e r n o e arcaico r e d u z i n d o os efeitos do d e s e m p r e g o t e c n o l ó g i c o sobre a absorção da e c o n o m i a de subsistência e p o r c o n s e qüência sobre a restrição da d i m e n s ã o do m e r c a d o i n t e r n o em relação à escala de p r o d u ç ã o É i m p o r t a n t e destacar p o r é m q u e m e s m o q u e n ã o t e n h a m sido p r e d o m i n a n t e s no p e n s a m e n t o P r e b i s c h C E P A L e s e m lhes negar validade c o m o ressalva R o d r í g u e z a i n a d e q u a ç ã o tecnológica fundada no c o n c e i t o de densidade ótima e a defesa da adaptação da tecnologia estiveram presentes nas elaborações iniciais de Raúl Prebisch e de Celso Furtado c o m o será visto mais adiante 5 5 No artigo Interpretação do processo de desenvolvimento e c o n ô m i c o 1951 Prebisch defendeu a necessidade de técnicas de m e n o r densidade de capital para a periferia utilizandose aparentemente do conceito de densidade ótima de capital O fato de determinado equipamento novo ser mais econômico do que outro n u m centro porque a economia adicional de mãodeobra compensa sobejamente as correspondentes despesas de amortização e juros não quer dizer que t a m b é m seja mais econômico n u m país periférico de salários inferiores que teria que importar o referido equipamento daquele centro Ou melhor o pais periférico estaria importando equipamento de capital fabricado c o m salários elevados para obter uma redução de custo computado em salários baixos Destarte nos países periféricos o custo do capital aumenta mais do que nos centros à medida que a densidade de capital per capita é incrementada enquanto que a redução do custo da mãodeobra é m e n o r dado o nível inferior dos saláriosVerificase assim que a combinação ótima entre mãodeobra e dotação de capital nos países menos desenvolvidos exigirá um grau de densidade de capital por operário m e n o r que nos países de intenso desenvolvimento industrial e quanto mais marcante o desnível entre os respectivos níveis de salários e juros m e n o r deve ser o aludido grau de densidade de capital na igualdade de outros fatores que não aludimos por motivos de simplificação Prebisch 1951 923 Já nos Problemas Teóricos e Práticos do Crescimento Econômico 1973 Prebisch fez as Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 4 5 A inadequação tecnológica e o círculo vicioso da estagnação na concepção de Ragnar Nurkse 6 R a g n a r N u r k s e definiu o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o c o m o u m f e n ô m e n o e s t r e i t a m e n t e ligado a aptidões h u m a n a s atitudes sociais condições políticas e a c o n t e c i m e n t o s históricos Nurkse 1 9 5 1 11 C o n t u d o a base do d e s e n v o l v i m e n t o é a a c u m u l a ç ã o de capital q u e p e r m i t e i n c o r p o r a r progresso técnico A essência do progresso então é o desvio de u m a parte dos recursos da s o c i e d a d e c o r r e n t e m e n t e disponíveis para o fim de a u m e n t a r o e s t o q u e de bens de p r o d u ç ã o de m o d o a t o r n a r possível u m a expansão da p r o d u ç ã o de bens consumíveis no futuro Q u a n d o o estoque de capital aumenta naturalmente sua forma técnica se modifica A f o r m a técnica do capital se modifica à m e d i d a q u e o s u p r i m e n t o de capital p o r operário se altera É um f e n ô m e n o o progresso técnico interessante e importante mas m e r a m e n t e u m aspecto m e c â n i c o d o a u m e n t o d o estoque d e bens d e p r o d u ç ã o Nurkse 1 9 5 1 123 O progresso técnico significa a construção de mais e melhores ins t r u m e n t o s de p r o d u ç ã o e a utilização para este fim de u m a parcela m a i o r d o acervo d e c o n h e c i m e n t o s técnicos existentes Nurkse 1 9 5 1 seguintes considerações sobre a necessidade das técnicas de m e n o r densidade de capital e as dificuldades para a adaptação das tecnologias assimiladas do centro Dada a relativa escassez de capital e a relativa abundância de potencial humano que prevalece nesse tipo de países é possível conceber uma densidade ótima de capital m e n o r do que nos países mais desenvolvidos Mas dada a natureza do progresso técnico e sua irreversibilidade os países menos desenvolvidos não têm muitas possibilidades de buscar na prática a qualidade ótima que lhes seria correspondente Certamente que em alguns casos lhes é dado empregar equipamentos menos complexos e outros procedimentos atrasados que requerem pouco capitalporém se em virtude da eficácia produtiva muito inferior destes procedimentos propõemse a modernizar seus equipamentos vêemse obrigados com freqüência a adquirir os de alta densidade uma vez que dada a natureza da técnica empregada cada equipamento é geralmente indivisível e sua densidade não poderia ser rebaixada até se ver reduzida a um nível adequado a um capital relativamente escasso Prebisch 1973367 grifos nossos 6 As conferências de Ragnar Nurkse realizadas no Brasil no período de julho a agosto de 1951 publicadas na Revista Brasileira de Economia v 5 n 4 1951 com o título Formação de capital em países subdesenvolvidos 1951 são as referências bibliográficas utilizadas nesta seção 1 4 6 Renata DArbo 1 3 D e acordo c o m este a u t o r o c o n h e c i m e n t o científico t e m relevância e c o n ô m i c a q u a n d o a sua aplicação no processo produtivo p e r m i t e elevar a eficiência da p r o d u ç ã o P o r isto as inovações tecnológicas estariam prioritariamente orientadas para p o u p a r trabalho q u e é o fator escasso nas e c o n o m i a s desenvolvidas A l é m de intensivas em capital as técnicas p o u p a d o r a s d e t r a b a l h o o p e r a m c o m elevada escala d e p r o d u ç ã o E s tas tecnologias estariam disponíveis para as e c o n o m i a s subdesenvolvidas mas a escassez de capital dificultava a sua aplicação à p r o d u ç ã o isto é a sua i n c o r p o r a ç ã o ao estoque de capital A f i r m o u o autor D e i x a n d o de lado os aspectos m e c â n i c o s da f o r m a ç ã o de capital tomarei c o m o aceita a hipótese hipótese bastante realista especial m e n t e para o s países subdesenvolvidos d e q u e h á n o m u n d o u m grande fundo de c o n h e c i m e n t o s técnicos q u e p o d e r i a m ser aplicados vantajosamente ao processo da p r o d u ç ã o se houvesse capital d i s p o nível para utilizálos Nurkse 1 9 5 1 13 A interpretação de N u r k s e sobre as restrições à f o r m a ç ã o de capital nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas é a seguinte os baixos níveis de p r o d u tividade estão relacionados c o m a p e q u e n a q u a n t i d a d e de capital p o r trabalhador aplicada à produção e c o m o reduzido incentivo para investir d e v i d o à p e q u e n a d i m e n s ã o real do m e r c a d o i n t e r n o q u e é reflexo da baixa p r o d u t i v i d a d e e do baixo p o d e r aquisitivo da p o p u l a ç ã o s u b o c u p a d a na e c o n o m i a de subsistência Isto acabaria p o r desestimular a acumulação pois a excessiva capacidade ociosa reduziria a produtividade do capital inviabilizando os investimentos q u e i n c o r p o r a m as técnicas avançadas de alta densidade de capital e elevada escala de p r o d u ç ã o O incentivo e c o n ô m i c o para instalar e q u i p a m e n t o para a p r o d u ç ã o d e u m a certa m e r c a d o r i a o u serviço d e p e n d e sempre n u m a certa m e d i d a da q u a n t i d a d e de trabalho a ser feito c o m êste e q u i p a m e n t o O t a m a n h o limitado do m e r c a d o i n t e r n o n u m país subdesenvolvido constitui um obstáculo à aplicação de capital p o r qualquer empresa privada q u e trabalhe para esse m e r c a d o N e s t e sentido o p e q u e n o m e r c a d o i n t e r n o é g e r a l m e n t e um obstáculo ao d e s e n v o l v i m e n t o Nurkse 1 9 5 1 16 A d i m e n s ã o real do m e r c a d o i n t e r n o ou o seu t a m a n h o e c o n ô m i c o s e g u n d o N u r k s e é função do nível de produtividade q u e d e p e n d e e m g r a n d e parte de n e n h u m m o d o i n t e i r a m e n t e mas g r a n d e m e n t e Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 4 7 da q u a n t i d a d e de capitais usados na p r o d u ç ã o A p r o d u t i v i d a d e é p r i n cipalmente u m a questão de uso de m a q u i n a r i a e outros tipos de e q u i p a m e n t o N u r k s e 1 9 5 1 1 7 C o m o o incentivo para investir d e p e n d e do p o d e r aquisitivo do m e r c a d o i n t e r n o mas os baixos níveis de p r o dutividade resultam da p e q u e n a q u a n t i d a d e de capital aplicado à p r o dução d e v i d o à p e q u e n a d i m e n s ã o d o m e r c a d o concluise q u e h á u m c o n j u n t o de forças t e n d e n t e s a m a n t e r q u a l q u e r e c o n o m i a na c o n d i ç ã o de equilíbrio de subdesenvolvimento Assim para N u r k s e o progresso n ã o é u m a o c o r r ê n c i a espontânea ou a u t o m á t i c a Pelo contrário as forças automáticas dentro do sistema t e n d e m a m a n t e r a e c o n o m i a em u m a c o n d i ç ã o estacionária Nurkse 1 9 5 1 1 8 O c o n j u n t o de forças q u e caracteriza o círculo vicioso da estagnação está expresso pela se guinte relação de causalidade O i n c e n t i v o para o u s o de capital é l i m i t a d o p e l o p e q u e n o t a m a n h o do m e r c a d o o p e q u e n o t a m a n h o do m e r c a d o é devido ao baixo nível de produtividade o baixo nível de produtividade é devido à p e q u e n a q u a n t i d a d e de capital usado na p r o d u ç ã o à qual p o r sua vez é devida ao p e q u e n o t a m a n h o do m e r c a d o e assim o círculo está c o m p l e t o Nurkse 1 9 5 1 18 N a a b o r d a g e m d e N u r k s e a ampliação d o m e r c a d o i n t e r n o nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas exigiria a absorção da p o p u l a ç ã o ocupada no setor de subsistência elevando o nível de p r o d u t i v i d a d e e o p o d e r aquisitivo do c o n j u n t o da p o p u l a ç ã o através da a c u m u l a ç ã o e do a u m e n t o da q u a n t i d a d e de capital aplicada à p r o d u ç ã o O c o r r e que os investimentos são desestimulados pela p r ó p r i a limitação do m e r c a d o interno N e s t e sentido p o d e s e a r g u m e n t a r q u e a i n a d e q u a ç ã o de escala constituiria na visão de N u r k s e um i m p o r t a n t e obstáculo à acumulação à absorção da e c o n o m i a de subsistência ao a u m e n t o da produtividade e do p o d e r aquisitivo da p o p u l a ç ã o P o r é m N u r k s e atribuiu às ondas de investimento o p o d e r de r o m p e r c o m as forças estacionárias do s u b d e s e n v o l v i m e n t o ao criar a mais i m p o r t a n t e das e c o n o m i a s externas geradora de lucros crescentes ao l o n g o do processo de d e s e n v o l v i m e n t o q u e é a expansão do potencial aquisitivo do m e r c a d o i n t e r n o O a r g u m e n t o c o m p l e t o é o seguinte O n d e qualquer e m p r e e n d i m e n t o isolado p o d e ser fatalmente impraticável e n ã o lucrativo um g r a n d e n ú m e r o de investimentos simultâneos a b r a n g e n d o g r a n d e n ú m e r o d e indivíduos diferentes 1 4 8 Renata DArbo p o d e ser b e m s u c e d i d o p o r q u e todos s e apoiarão m u t u a m e n t e n o sentido de q u e o pessoal e m p r e g a d o em d e t e r m i n a d o e m p r e e n d i m e n t o t r a b a l h a n d o c o m e q u i p a m e n t o m e l h o r e mais a b u n d a n t e assegurará u m m e r c a d o a m p l i a d o para o s p r o d u t o s dos novos e m p r e e n d i m e n t o s nessas outras indústrias U m e m p r e e n d i m e n t o isolado c o m o u m a fábrica d e calçados e m u m país subdesenvolvido p o d e ser t è c n i c a m e n t e de eficiência m u i t o elevada e c o n t u d o ser e c o n ô m i c a m e n t e um insucesso p o r q u e o pessoal q u e trabalhar nessa fábrica despenderá apenas u m a parte de seu salário nos p r o d u t o s da m e s m a Se nos restantes setores da e c o n o m i a n a d a a c o n t e c e r q u e eleve a p r o d u t i v i d a d e e p o r t a n t o o p o d e r aquisitivo real ó m e r c a d o para a p r o d u ç ã o adicional de calçados possivelmente se revelará insuficiente Nurkse 1 9 5 1 2 0 O p o d e r atribuído p o r N u r k s e às o n d a s de i n v e s t i m e n t o para r o m p e r o ciclo vicioso da estagnação está relacionado c o m a visão de q u e o d i n a m i s m o das e c o n o m i a s avançadas se deve à ação inovadora do empresário c o n c e b i d o nos m o l d e s do e m p r e s á r i o s c h u m p e t e r i a n o e aos agentes imitadores q u e p r o p a g a m os novos p r o d u t o s e as novas c o m b i n a ç õ e s de fatores Da ação conjunta e simultânea do e m p r e s á r i o s c h u m p e t e r i a n o e dos seus imitadores resultariam as chamadas o n d a s de i n v e s t i m e n t o q u e se e s t e n d e m para os vários setores e r a m o s da indústria Estas ondas de investimento concentradas no t e m p o elevam a produtividade e a renda real e são a essência e a substância do progresso e c o n ô m i c o ao l o n g o prazo c o n t a n t o q u e a c o m p o s i ç ã o do a u m e n t o da p r o d u ç ã o c o n s u m í v e l c o r r e s p o n d a mais ou m e n o s à estrutura da p r o c u r a dos c o n s u m i d o r e s Nurkse 1 9 5 1 20 C o m o a s e c o n o m i a s subdesenvolvidas p o s s u e m u m a deficiência de d e m a n d a real o q u e se deve à baixa p r o d u t i v i d a d e q u e p o r sua vez é largamente devida à falta de capital real N u r k s e 1 9 5 1 23 o a u t o r r e c o m e n d a que para r o m p e r c o m o estado estacionado cabe ao Estado não só a organização e a c o o r d e n a ç ã o das forças coletivas mas t a m b é m atuar c o m o investidor pioneiro pois e m um país subdesenvolvido são precisos os olhos da fé para ver o m e r c a d o p o t e n c i a l Nurkse 1 9 5 1 22 Ao a b o r d a r o p r o b l e m a da escassez de p o u p a n ç a para a f o r m a ç ã o de capital N u r k s e afirmou q u e a p e q u e n a taxa de p o u p a n ç a é devida n ã o só ao baixo nível absoluto de renda mas t a m b é m à alta p r o p e n s ã o a c o n s u m i r causada pela atração d e p a d r õ e s superiores d e c o n s u m o Nurkse 1 9 5 1 6 0 1 Na sua visão a difusão dos padrões de c o n s u m o superiores b e m c o m o o c o n h e c i m e n t o e o c o n t a t o c o m as disparidades Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 I 1 4 9 internacionais de renda e de c o n s u m o seriam altamente estimulados pelos m e i o s de c o m u n i c a ç ã o e pelas estratégias de publicidade N a s e c o n o m i a s desenvolvidas estes padrões de c o n s u m o resultaram de um a u m e n t o gradual dos níveis de produtividade propiciados pela a c u m u lação de capital e p e l o progresso técnico e n ã o seriam compatíveis c o m os baixos níveis de produtividade de a c u m u l a ç ã o de capital e de avanço técnico observados nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas O resultado da assimilação dos padrões de c o n s u m o das e c o n o m i a s desenvolvidas é o a u m e n t o da p r o p e n s ã o a consumir em d e t r i m e n t o da p o u p a n ç a n e cessária para a f o r m a ç ã o de capital cuja intensidade é influenciada pelas disparidades internacionais de p r o d u t i v i d a d e e renda De acordo c o m N u r k s e É m u i t o mais fácil adotar hábitos superiores de c o n s u m o do q u e m e l h o r e s m é t o d o s de p r o d u ç ã o A m o d a no c o n s u m o espalhase mais r a p i d a m e n t e do q u e as técnicas de p r o d u ç ã o É verdade q u e os m é t o d o s a m e r i c a n o s d e p r o d u ç ã o t a m b é m são largamente imitados algumas vezes realmente em demasia o e q u i p a m e n t o altamente a u t o m á t i c o q u e é a d e q u a d o às c o n d i ç õ e s dos Estados U n i d o s o n d e a m ã o d e o b r a é o fator mais escasso da p r o d u ç ã o p o d e n ã o ser o q u e m e l h o r se adapte às c o n d i ç õ e s de outros países M a s a imitação de m é t o d o s a m e r i c a n o s de p r o d u ç ã o r e q u e r fundos q u e possam ser investidos A tentação para imitar os padrões a m e r i c a n o s de c o n s u mo t e n d e a limitar a oferta desses fundos de i n v e s t i m e n t o Nurkse 1 9 5 1 5 3 4 P o r isto N u r k s e a r g u m e n t o u que para a explicação da escassez de p o u p a n ç a nas economias subdesenvolvidas o f e n ô m e n o mais importante é a elevada propensão a consumir e não os baixos níveis de produtividade e de renda associados aos m é t o d o s r u d i m e n t a r e s da e c o n o m i a de s u b sistência A f i r m o u ainda q u e o a u m e n t o da renda em t e r m o s absolutos não significa necessariamente a u m e n t o da capacidade de p o u p a n ç a se as disparidades internacionais de p r o d u t i v i d a d e e r e n d a n ã o f o r e m reduzidas para q u e se d i m i n u a a intensidade do efeito d e m o n s t r a ç ã o sobre a p r o p e n s ã o a c o n s u m i r e p o r conseqüência sobre a capacidade de p o u p a n ç a das e c o n o m i a s atrasadas 7 N e s t e p o n t o N u r k s e ressaltou a sua discordância de Prebisch 7 U m a análise do impacto do efeito demonstração nas relações entre economias 1 5 0 Renata DArbo O Professor Prebisch acentuou que o nível de produtividade na América Latina é baixo por causa da falta de capital e o capital é escasso por causa da pequena margem de poupança à qual é devida à baixa renda e à baixa produtividade Reconhece também a importância da influência exercida sôbre os países mais pobres pelos padrões de consumo dos mais adiantados Este segundo ponto todavia modifica substancialmente o primeiro A pequena taxa de poupança é devida não só ao baixo nível absoluto de renda mas também à alta propensão a consumir causada pela atração de padrões superiores de consumo Mesmo nos países mais pobres o nível absoluto de renda tem aumentado Mas isso não tornou mais fácil a poupança Pelo contrário economizar tornou se mais difícil porque a despeito do aumento absoluto houve um declínio em seus níveis relativos de renda em comparação com os dos principais países Tem havido um aumento da tensão da impaciência e da inquietação que causam um deslocamento ascensional da função de consumo a qual age como um impedimento à poupança Nurkse 1 9 5 1 6 1 grifos no original P o r é m um p o n t o de afinidade entre as a b o r d a g e n s de Prebisch e de N u r k s e m e r e c e m e n ç ã o p o r se referir ao o b j e t o deste trabalho a m b o s os autores d e r a m mais ênfase à necessidade do p l a n e j a m e n t o e do i n v e s t i m e n t o públicos do q u e à adaptação da tecnologia nas suas respec tivas a r g u m e n t a ç õ e s o p r i m e i r o p o r q u e dadas as características do progresso técnico a i n a d e q u a ç ã o de densidade e de escala i m p e d i r i a q u e se atingisse a densidade ó t i m a de capital e n q u a n t o da análise do segundo se d e p r e e n d e q u e os problemas relacionados c o m a inadequação de escala das técnicas assimiladas desestimulavam a acumulação a absor ção da e c o n o m i a de subsistência e a p r ó p r i a ampliação do m e r c a d o i n t e r n o É interessante n o t a r ainda q u e a a b o r d a g e m c o n d u z i d a em t e r m o s agregados macro de ambos os autores atribuiu p o u c a relevância à análise dos processos de adaptação t e c n o l ó g i c a e ao seu i m p a c t o no desenvolvimento das e c o n o m i a s periféricas o q u e t a m b é m caracterizou a reflexão de F u r t a d o a respeito do s u b d e s e n v o l v i m e n t o e da sua s u p e ração n ã o obstante a i m p o r t â n c i a atribuída p o r este a u t o r ao p r o b l e m a do d e s e q u i l í b r i o ao nível dos fatores e à adaptação da tecnologia 8 desenvolvidas e subdesenvolvidas particularmente sobre a propensão a consumir e a formação de capital nestas últimasencontrase em Nurkse 1951Sobre o conceito de efeito demonstração propriamente ver Duesenberry Income Saving and Theory of Consumer Behavior Harvard University Press 1949 8 Sobre a carência de estudos dos processos de adaptação tecnológica e a necessidade Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 151 O círculo vicioso da estagnação e a adaptação da tecnologia na visão de Celso Furtado 9 O desequilíbrio ao nível dos fatores e a defesa da adaptação da tecnologia É b e m c o n h e c i d a c o n c e p ç ã o de F u r t a d o de q u e o subdesenvolvi m e n t o é um f e n ô m e n o histórico específico fruto da expansão das e c o n o m i a s industriais q u e d e u o r i g e m a estruturas e c o n ô m i c a s h e t e rogêneas isto é marcadas pelas disparidades de p r o d u t i v i d a d e e renda entre o setor m o d e r n o d i n a m i z a d o pela d e m a n d a e x t e r n a de p r o d u t o s primários e o setor arcaico baseado na p r o d u ç ã o de subsistência de baixa p r o d u t i v i d a d e e de técnica r u d i m e n t a r A falta de sintonia entre a disponibilidade de fatores e as técnicas assimiladas nestas e c o n o m i a s é explicada p e l o fato de q u e o s u b d e s e n v o l v i m e n t o n ã o resulta de trans f o r m a ç õ e s e n d ó g e n a s d e u m a e c o n o m i a précapitalista mas d e u m processo de e n x ê r t o nesta última de u m a ou mais emprêsas ligadas ao c o m é r c i o das e c o n o m i a s industrializadas e m e x p a n s ã o Furtado 1965 188 P o r isto F u r t a d o afirmou q u e o desequilíbrio ao nível dos fatores é o filão t e ó r i c o fundamental para a c o m p r e e n s ã o do subdesenvolvi m e n t o cuja f o r m u l a ç ã o original se e n c o n t r a nos textos inaugurais de Prebisch para a C E P A L A d e m a i s de sua i m p o r t â n c i a c o m o c o n t r i b u i ç ã o ao estudo da d i n â m i c a d o c o m é r c i o internacional c o u b e a o estudo d e Prebisch papel p i o n e i r o na abertura do debate sobre o q u e se chamaria depois a peculiaridade do subdesenvolvimento O processo de propagação da técnica m o d e r n a observava n ã o se dava nas mesmas condições de elaboração teórica a respeito da mudança tecnológica nas economias subdesen volvidas particularmente focada nos processos de adaptação de tecnologia ver Katz y Cibotti 1978 9 O artigo Formação de capital e desenvolvimento e c o n ô m i c o 1952 e a obra Desenvolvimento e Subdesenvolvimento 1961 são as duas principais referências das análises de Furtado nos anos 50 utilizadas nesta seçãoVale mencionar que este livro reúne artigos e ensaios originalmente escritos ao longo dos anos 50 e 60 publicados em diversos periódicos como El Trimestre Económico e Econômica Brasileira No artigo citado incluído c o m algumas modificações no livro de 1961 Furtado teceu comentários sobre as conferências de Ragnar Nurkse no Brasil no ano de 1951 e foi publicado na Revista Brasileira de Economia v 6 n 3 1952 As considerações de Nurkse sobre este artigo de Furtado foram publicadas no mesmo periódico v 7 n 1 1953 c o m o título Formação de capitais e desenvolvimento econômico 1 5 2 Renata DArbo nos países centrais e nos p e r i f é r i c o s Q u a n d o os q u e hoje são grandes centros industriais observava estavam em c o n d i ç õ e s comparáveis às q u e agora a p r e s e n t a m os países periféricos a técnica m o d e r n a exigia u m capital p o r h o m e m relativamente e x í g u o E concluía q u a n t o mais tarde chega a um país a técnica m o d e r n a tanto m a i o r o contraste entre o b a i x o nível de sua renda p e r capita e a m a g n i t u d e do capital necessário para a u m e n t a r essa renda Aí t e m o r i g e m t o d a u m a problemática nova A d e m a i s c o m o ignorar q u e a técnica m o d e r n a t e m exigências e m m a t é r i a d e d i m e n s ã o d e m e r c a d o q u e r a r a m e n t e são satisfeitas p o r um país periférico P o r o u t r o lado o progresso t é c n i c o nas formas de c o n s u m o e n g e n d r a na periferia u m a forte p r o p e n s ã o a c o n s u m i r objetos sofisticados quase s e m p r e i m p o r t a d o s c r i a n d o u m desequilíbrio adicional entre p o u p a n ç a dis p o n í v e l e exigências de capitalização E ainda debateu o problema da combinação ótima de fatores nos países periféricos ou de desequilíbrio ao nível de fatores engendrado pela penetração da técnica moderna que conduziu ao conceito de produtividade social Furtado 1 9 8 5 7 9 8 0 grifos nossos 1 0 Para F u r t a d o na industrialização substitutiva de i m p o r t a ç õ e s a t e c nologia é u m a variável i n d e p e n d e n t e e não adequada às disponibilidades de recursos e fatores seja p o r estar i n c o r p o r a d a aos e q u i p a m e n t o s i m portados seja p o r q u e a industrialização substitutiva c o n d u z i u à assimi lação de t e c n o l o g i a compatível c o m u m a estrutura de custos e preços similar à q u e prevalece no m e r c a d o i n t e r n a c i o n a l Furtado 1 9 6 5 1 8 8 O a r g u m e n t o c o m p l e t o é o seguinte O n ú c l e o industrial ligado a o m e r c a d o i n t e r n o s e desenvolve através d e u m processo d e substituição d e manufaturas antes i m portadas vale dizer e m condições d e p e r m a n e n t e c o n c o r r ê n c i a c o m p r o d u t o r e s forâneos D a í resulta q u e a m a i o r p r e o c u p a ç ã o do i n dustrial local é a de apresentar um artigo similar ao i m p o r t a d o e adotar m é t o d o s de p r o d u ç ã o q u e o habilitem a c o m p e t i r c o m o e x p o r t a d o r estrangeiro P o r outras palavras a estrutura de preços no setor industrial ligado ao m e r c a d o i n t e r n o t e n d e a assemelharse à q u e prevalece nos países de elevado grau de industrialização e x p o r tadores de manufaturas Assim sendo as inovações tecnológicas q u e Furtado referese nesta citação ao Estudo de Í949 apresentado na conferência de Montevidéu em maio de 1950 Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 5 3 se afiguram mais vantajosas são aquelas q u e p e r m i t e m aproximarse da estrutura de custos e preços dos países exportadores de manufaturas e n ã o as q u e p e r m i t a m u m a transformação mais rápida da estrutura e c o n ô m i c a pela absorção do setor de subsistência O resultado prático disso m e s m o q u e cresça o setor industrial ligado ao m e r c a d o i n t e r n o e a u m e n t e sua participação no p r o d u t o m e s m o q u e cresça t a m b é m a renda p e r capita do c o n j u n t o da p o p u l a ç ã o é q u e a estrutura o c u p a c i o n a l do país se modifica c o m lentidão O c o n t i n g e n t e da p o p u l a ç ã o afetada pelo d e s e n v o l v i m e n t o m a n t é m s e reduzido decli n a n d o m u i t o devagar a i m p o r t â n c i a relativa do setor cuja principal atividade é a p r o d u ç ã o para subsistência Explicase dêste m o d o q u e u m a e c o n o m i a o n d e a p r o d u ç ã o industrial já alcançou elevado grau de diversificação e t e m u m a participação no p r o d u t o q u e p o u c o se distingue da observada em países desenvolvidos apresente u m a estrutura o c u p a c i o n a l t i p i c a m e n t e précapitalista e q u e g r a n d e parte de sua p o p u l a ç ã o esteja alheia aos benefícios do d e s e n v o l v i m e n t o Furtado 1 9 6 5 1 8 5 De a c o r d o c o m o autor a assimilação de tecnologias de alta densidade de capital e elevada escala de p r o d u ç ã o dificultaria a absorção do setor de subsistência ao d i m i n u i r o e m p r e g o p o r u n i d a d e de investimento A l é m disto estas tecnologias t e r i a m o efeito de desarticular a p r o d u ç ã o de subsistência preexistente g e r a n d o d e s e m p r e g o tecnológico A c o n s e qüência é q u e as tecnologias p o u p a d o r a s de trabalho não a u m e n t a r i a m a p r o d u t i v i d a d e do trabalho para o c o n j u n t o do sistema e c o n ô m i c o e limitariam a absorção do setor de subsistência dificultando a ampliação do m e r c a d o i n t e r n o na d i m e n s ã o compatível c o m a escala de p r o d u ç ã o das técnicas m o d e r n a s A capacidade ociosa excessiva tenderia a reduzir a p r o d u t i v i d a d e do capital elevando o custo do investimento q u e i n c o r p o r a as tecnologias avançadas N e s t e sentido na perspectiva de F u r tado a i n a d e q u a ç ã o de densidade apenas reforça as limitações associadas à i n a d e q u a ç ã o de escala das t e c n o l o g i a s assimiladas nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas O q u e se busca c o m o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o é a u m e n t a r a p r o d u t i v i d a d e física m é d i a do fator trabalho N u m a e c o n o m i a subdesenvolvida a i n t r o d u ç ã o de m á q u i n a s automáticas de fabricar sapatos n ã o significa m e l h o r a na produtividade física do fator trabalho para o c o n j u n t o da coletividade se os artesãos q u e antes p r o d u z i a m sapatos ficaram s e m n e n h u m a ocupação Por o u t r o lado o empresário 1 5 4 Renata DArbo q u e i n t r o d u z a tais m á q u i n a s terá prejuízo p o r q u e elas terão de p e r m a n e c e r paradas 5 dias p o r semana M a s o e m p r e s á r i o q u e i n t r o d u z a m e l h o r a s nas ferramentas utilizadas na p r o d u ç ã o m a n u a l de sapatos e assim possibilite um a u m e n t o de produtividade produzirá mais sapatos c o m o m e s m o n ú m e r o de h o m e n s h o r a s e m elevar demasia d a m e n t e outros custos Furtado 1952 11 O desajustamento entre a tecnologia e a disponibilidade de fatores nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas i m p e d e o p l e n o e m p r e g o s i m u l t â n e o de capital e trabalho ou c o n f o r m e a f i r m o u F u r t a d o a plena utilização do capital disponível não é condição suficiente para a completa absorção da fôrça de trabalho ao nível de p r o d u t i v i d a d e c o r r e s p o n d e n t e à t e c nologia q u e prevalece n o setor d i n â m i c o d o sistema Furtado 1 9 6 5 187 P o r o u t r o lado a c o m b i n a ç ã o ó t i m a dos fatores nestas e c o n o m i a s o n d e há escassez de capital e a b u n d â n c i a de m ã o d e o b r a seria d i ficultada pela relativa rigidez dos coeficientes técnicos q u e é p a r t i c u l a r m e n t e g r a n d e no setor q u e d e s e m p e n h a o papel mais d i n â m i c o no crescimento q u e é o industrial Furtado 1 9 6 5 8 8 C o m este a r g u m e n t o F u r t a d o parece i n c o r p o r a r a proposição de Prebisch de q u e na agricultura há m a i o r flexibilidade de c o m b i n a ç ã o dos fatores d e v i d o à m a i o r disponibilidade de técnicas p o u p a d o r a s de capital e p o u p a d o r a s de t r a b a l h o e q u e às técnicas industriais c o r r e s p o n d e m p r o p o r ç õ e s b e m definidas de fatores De a c o r d o c o m o autor D e n t r o dos padrões d a técnica c o n h e c i d a n u m a região s u b d e senvolvida sempre existe deficiente utilização dos fatôres de p r o d u ç ã o Essa deficiência sem e m b a r g o n ã o resulta necessàriamente de má c o m b i n a ç ã o dos fatores existentes O mais c o m u m é q u e resulte da escassez do fator capital Desperdiçase um fator m ã o d e o b r a p o r q u e o u t r o é insuficiente capital Dessa forma a p r o d u t i v i d a d e m é d i a d e u m c o n j u n t o d e fatôres e m u m a e c o n o m i a subdesenvolvida é m e n o r do q u e seria de esperar se o b s e r v a m o s a utilização dêsses fatôres nas e c o n o m i a s desenvolvidas D e v e s e isso à relativa fixidez dos coeficientes técnicos não é possível c o m b i n a r fatôres senão e m d e t e r m i n a d a s proporções e ao fato de q u e a tecnologia v e m se d e senvolvendo em função da disponibilidade de fatores e recursos dos países q u e lideram o processo de industrialização Furtado 1965 88 D i a n t e da impossibilidade de alcançar a c o m b i n a ç ã o ótima de fatores Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 5 5 e elevar s i m u l t a n e a m e n t e a p r o d u ç ã o e o e m p r e g o na periferia devido à inadequação de densidade os países subdesenvolvidos n ã o se p o d e r i a m limitar a assimilar as técnicas intensivas em capital Na perspectiva de Furtado o desequilíbrio entre a oferta de fatores e a orientação t e c n o l ó gica s o m e n t e poderia ser c o n t o r n a d o m e d i a n t e a adaptação da tecnologia a a d o ç ã o de técnicas de m e n o r densidade de capital a criação t e c n o lógica a d e q u a d a à disponibilidade de fatores e a implantação do setor de bens de capital nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas A adaptação da tecnologia e a i n c o r p o r a ç ã o do setor de bens de capital são encaradas c o m o i n s t r u m e n t o s para lidar c o m tais desajustes Se é verdade q u e os países subdesenvolvidos crescem pela simples assimilação de técnicas já conhecidas e pela c o r r e s p o n d e n t e a c u m u l a ç ã o de capital t a m b é m o é q u e a transplantação dessas técnicas traz implícito quase sempre um s u b e m p r e g o estrutural de fatores Essa dificuldade não p o d e r á ser c o n t o r n a d a senão através de um esforço de adaptação da tecnologia o qual é tanto mais difícil q u a n t o os países subdesenvolvidos carecem via de regra de indústria p r ó p r i a de e q u i p a m e n t o s Nesse desajustamento básico entre oferta virtual de fatores e orientação da tecnologia reside possivelmente o m a i o r p r o b l e m a q u e enfrentam a t u a l m e n t e os países subdesenvolvidos Furtado 1 9 6 5 89 Assim nas análises realizadas ao l o n g o dos anos 50 são p r e d o m i n a n t e s as idéias de q u e o p r o b l e m a f u n d a m e n t a l do s u b d e s e n v o l v i m e n t o é o desequilíbrio ao nível dos fatores e q u e o esforço de adaptação da tecnologia r e q u e r a implantação do setor de bens de capital A defesa da adaptação t e c n o l ó g i c a baseouse no a r g u m e n t o de que m e s m o q u e a acumulação e a incorporação de tecnologias intensivas em capital elevem o nível de p r o d u t i v i d a d e e de renda no setor desenvolvido se ela n ã o p r o m o v e r a absorção da m ã o d e o b r a do setor arcaico e t o d o o a u m e n t o da p o p u l a ç ã o p e r m a n e c e r o c u p a d o a nível de p r o d u t i v i d a d e deste setor o a u m e n t o resultante da renda per capita do c o n j u n t o da p o p u l a ç ã o n ã o se faz a c o m p a n h a r necessàriamente de a u m e n t o relativo do setor d e s e n v o l v i d o Furtado 1965 189 A adaptação da tecnologia foi e n carada c o m o requisito crucial no esforço de m u d a n ç a significativa na estrutura o c u p a c i o n a l e na d i m i n u i ç ã o da i m p o r t â n c i a relativa do setor de subsistência s e m o que de a c o r d o c o m F u r t a d o n ã o se alteraria o grau de subdesenvolvimento 1 5 6 Renata DArbo A escassez de poupança e o círculo vicioso da estagnação No artigo F o r m a ç ã o de capital e d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o 1952 F u r t a d o se propôs a analisar o p r o b l e m a da escassez de p o u p a n ç a nas e c o n o m i a s subdesenvolvidas n u m a perspectiva histórica O a u t o r sustentou a idéia de q u e o principal obstáculo à acumulação nas e c o n o m i a s préindustriais foi os baixos níveis de produtividade e n ã o a p e q u e n a d i m e n s ã o d o m e r c a d o i n t e r n o A s e c o n o m i a s subdesenvolvi das e as préindustriais teriam em c o m u m a incapacidade de iniciar um processo de d e s e n v o l v i m e n t o sustentado pela expansão do m e r c a d o interno devido à baixa produtividade e ao reduzido excedente disponível para diversificação d o c o n s u m o e o u inversão A r g u m e n t o u ainda q u e foi a expansão do m e r c a d o e x t e r n o e n ã o a do i n t e r n o q u e r o m p e u c o m a estagnação característica das e c o n o m i a s préindustriais o que t a m b é m se aplicaria às economias subdesenvolvidas 1 1 Pelas palavras do autor As grandes dificuldades do d e s e n v o l v i m e n t o se e n c o n t r a m p o r tanto nos níveis mais baixos de p r o d u t i v i d a d e Iniciado o processo de crescimento a dinâmica p r ó p r i a dêste faz c o m q u e parte do a u m e n t o da r e n d a se reserve para a capitalização U m a c o m u n i d a d e primitiva todavia t e n d e a ficar estagnada pois c o m seus p r ó p r i o s meios dificilmente p o d e dar início a um processo de desenvolvimento O i m p u l s o inicial q u e p e r m i t e superar essas dificuldades veio h i s t ò r i c a m e n t e de fora da c o m u n i d a d e O estabelecimento de u m a c o r r e n t e de i n t e r c â m b i o e x t e r n o cria em u m a e c o n o m i a de baixos níveis de produtividade a possibilidade d e iniciar u m processo d e d e s e n v o l v i m e n t o s e m prévia a c u m u l a ç ã o de capital Furtado 1965 91 F u r t a d o atribuiu os a u m e n t o s de p r o d u t i v i d a d e propiciados p e l o c o m é r c i o à utilização mais eficiente dos recursos disponíveis à especia lização e ao aprofundamento da divisão do trabalho Na sua interpretação foi a diversificação da procura trazida pelo d e s e n v o l v i m e n t o do c o m é r cio o e l e m e n t o d i n â m i c o e x ó g e n o a p e r m i t i r a u m e n t o s de p r o d u t i vidade s e m a c u m u l a ç ã o prévia pois a expansão do c o m é r c i o e x t e r n o 1 1 Este argumento baseado na análise do processo histórico de desenvolvimento aproxima as abordagens de Furtado e de Prebisch sobre a escassez de poupança em contraste c o m a abordagem de Nurkse que atribuiu a estagnação das economias subdesenvolvidas principalmente à pequena dimensão do mercado interno Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 5 7 c r i o u u m a m a r g e m ou e x c e d e n t e q u e viabilizou o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o C o n f o r m e ressaltou o autor é possível introduzir c o m b i n a ç õ e s mais produtivas sem prévio a u m e n t o d a disponibilidade d e capital o u pelo m e n o s s e m p r é v i o a u m e n t o da oferta de capital em sua f o r m a c o m p l e x a de e q u i p a m e n t o s É o q u e o c o r r e c o m a abertura de u m a linha de c o m é r c i o exterior p o r iniciativa externa Surge então a possibilidade de utili zação mais a f u n d o e possivelmente em c o m b i n a ç õ e s mais racionais de fatôres disponíveis em a b u n d â n c i a terra e m ã o d e o b r a É o caso clássico a q u e se referia A d a m S m i t h q u a n d o afirmava q u e a divisão do trabalho estava limitada pelas d i m e n s õ e s do m e r c a d o O a u m e n t o da renda real assim obtido p o d e r á constituir a m a r g e m necessária em q u e se apoiará a e c o n o m i a para dar início ao processo de a c u m u lação de capital Essa simples indicação p õ e em evidência a g r a n d e i m p o r t â n c i a q u e t e m para os países subdesenvolvidos a expansão do c o m é r c i o m u n d i a l Furtado 1 9 6 5 9 2 grifos nossos Para F u r t a d o o conceito de círculo vicioso da estagnação f o r m u lado c o m base na relação entre o incentivo a investir e a p e q u e n a d i m e n s ã o do m e r c a d o diante da escala de p r o d u ç ã o das técnicas m o d e r n a s não se aplicaria às e c o n o m i a s subdesenvolvidas mais complexas c o m o a e c o n o m i a brasileira E n q u a n t o N u r k s e propôs a ampliação do m e r c a d o interno através do investimento público para r o m p e r c o m a estagnação Furtado afirmou q u e ela foi r o m p i d a historicamente através da expansão do m e r c a d o e x t e r n o da expansão comercial q u e p e r m i t i u a u m e n t o s de p r o d u t i v i d a d e s e m prévia a c u m u l a ç ã o A i n d a q u e considere a exis tência de vários p o n t o s c o m u n s c o m as idéias de R a g n a r N u r k s e o a u t o r c o m e n t a na Fantasia Organizada 1985 N u r k s e pareciame raciocinava c o m o se os países subdesenvol vidos estivessem estagnados presos na armadilha do círculo vicioso da miséria Essa situação p o d e r i a existir em algumas partes do m u n d o mas n ã o era a q u e nos preocupava Os atuais países subdesenvolvidos dizia eu f o r a m atraídos n u m processo histórico para o sistema de divisão internacional do trabalho r e c e b e n d o dessa forma um impulso q u e os retirou da estagnação Fazia essas observações c o m o simples excusa para apresentar u m c o r p o o r d e n a d o d e idéias e m g r a n d e parte as m e s m a s q u e utilizara N u r k s e mas apresentadas de outra f o r m a Furtado 1 9 8 5 1 4 9 5 0 1 5 8 Renata DArbo F u r t a d o a r g u m e n t o u que a inserção das e c o n o m i a s subdesenvolvidas na divisão internacional do trabalho gerou ganhos de produtividade q u e p e r m i t i r a m r o m p e r c o m a estagnação No caso brasileiro o setor e x p o r tador ligado ao m e r c a d o internacional foi a b s o r v e n d o a e c o n o m i a de subsistência o suficiente para dar caráter m o n e t á r i o a u m a i m p o r t a n t e faixa do sistema e c o n ô m i c o Furtado 1965 178 O m a i o r e m p r e g o no setor e x p o r t a d o r i n c o r p o r o u à e c o n o m i a de trocas a m ã o d e o b r a s u b o c u p a d a no setor de subsistência c o m o c o n s e q ü e n t e a u m e n t o da importância relativa da renda m o n e t á r i a no sistema e c o n ô m i c o P o r sua vez o a u m e n t o da renda m o n e t á r i a p r o v o c o u a ampliação e a diversifica ção d o c o n s u m o atendidas inicialmente p o r m e i o d e i m p o r t a ç õ e s m a s s e g u n d o o autor estimulou t a m b é m as atividades ligadas ao m e r c a d o i n t e r n o 1 2 As fases de crise do setor e x p o r t a d o r marcadas p o r c o n t r a ç ã o da d e m a n d a e x t e r n a d e p r o d u t o s p r i m á r i o s r e d u ç ã o dos preços d e e x p o r tação e desvalorização cambial estimulavam o setor ligado ao m e r c a d o i n t e r n o Já nas etapas de expansão do setor e x p o r t a d o r a m e l h o r a da capacidade de i m p o r t a r teria o efeito de reduzir o multiplicador i n t e r n o da renda d e v i d o ao a u m e n t o da c o n c o r r ê n c i a dos p r o d u t o s i m p o r t a d o s Deste m o d o o crescimento do n ú c l e o industrial t e n d e u a se a c e n t u a r nas fases de declínio da rentabilidade do setor e x p o r t a d o r q u a n d o a d i m i n u i ç ã o da capacidade de i m p o r t a r e a desvalorização cambial a t u a v a m no sentido de estimular a p r o d u ç ã o i n t e r n a de manufaturados Nestas fases de a c o r d o c o m Furtado a rentabilidade e a expansão do setor i n d u s trial e r a m estimuladas pela d e m a n d a de bens de c o n s u m o e de capital n ã o o b s t a n t e o a u m e n t o do p r e ç o de reposição dos e q u i p a m e n t o s i m p o r t a d o s q u e a c o m p a n h a v a a r e d u ç ã o da capacidade de i m p o r t a r Em síntese a a r g u m e n t a ç ã o central de F u r t a d o é q u e a progressiva absorção do setor de subsistência pelo setor e x p o r t a d o r e a instabilidade da capacidade de importar c o m b i n a d a c o m a estabilidade da r e n d a m o n e t á r i a criaram u m m e r c a d o i n t e r n o d e p r o d u t o s m a n u f a t u r a d o s q u e justificou o desenvolvimento de um n ú c l e o industrial inicialmente a indústria leve de bens de c o n s u m o em geral voltado para o m e r c a d o i n t e r n o E m trabalhos d o final dos anos 5 0 refletindo talvez u m a p r e o c u p a ç ã o c o m os resultados do d e s e n v o l v i m e n t o industrial brasileiro F u r t a d o a f i r m o u q u e o resultado deste processo foi a formação de u m a 1 2 U m a recuperação das idéias de Furtado sobre as origens da indústria no Brasil encontrase em Szmrecsányi 2002 Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 5 9 estrutura subdesenvolvida c o m p l e x a constituída p o r três setores u m p r i n c i p a l m e n t e de subsistência o u t r o voltado s o b r e t u d o para a e x p o r tação e o terceiro c o m o um n ú c l e o industrial ligado ao m e r c a d o i n t e r n o s u f i c i e n t e m e n t e diversificado para p r o d u z i r parte dos bens de capital de q u e necessita para seu p r ó p r i o c r e s c i m e n t o Furtado 1 9 6 5 184 P o r é m u m a característica da industrialização p o r substituição de i m p o r tações é q u e o e l e m e n t o d i n â m i c o reside ainda na p r o c u r a preexistente formada p r i n c i p a l m e n t e p o r i n d u ç ã o e x t e r n a e n ã o nas inovações introduzidas nos processos produtivos c o m o o c o r r e nas e c o n o m i a s i n dustriais t o t a l m e n t e desenvolvidas 1 3 Furtado 1965 183 Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado algumas considerações finais A c o n c e p ç ã o de progresso t é c n i c o da e c o n o m i a clássica presente nas f o r m u l a ç õ e s iniciais de Prebisch para a C E P A L foi c o m p a r t i l h a d a p o r F u r t a d o q u e i n c o r p o r o u t a m b é m a c o n c e p ç ã o do desenvolvimento associado à h o m o g e n e i z a ç ã o da estrutura e c o n ô m i c a e b u s c o u sustentá la a partir da sua interpretação do processo histórico de a c u m u l a ç ã o C o m u m a a r g u m e n t a ç ã o baseada e m elementos históricos d o desenvol v i m e n t o capitalista F u r t a d o reafirmou idéias c o m u n s a Prebisch de q u e a difusão de técnicas a c o m p a n h a o processo de h o m o g e n e i z a ç ã o da estrutura e c o n ô m i c a de q u e o progresso técnico n ã o é necessaria m e n t e causador de d e s e m p r e g o elevando a p r o d u t i v i d a d e do trabalho à m e d i d a q u e se difunde para o c o n j u n t o do sistema e c o n ô m i c o o q u e p e r m i t i u o a u m e n t o do salário real estimulado pela pressão da a c u m u lação sobre o m e r c a d o de t r a b a l h o 1 4 F u r t a d o considera o progresso técnico c o m o u m a d i m e n s ã o da a c u 1 3 Furtado aprimorou conceitualmente estas idéias em obras posteriores ao período que interessa abordar neste trabalho Um estudo da evolução das idéias do autor a respeito da relação entre progresso técnico industrialização e subdesenvolvimento encontrase em D A r b o 2001 1 4 Em Furtado 1954 Furtado 1955 e Furtado 1965 é possível observar a construção do seu modelo clássico de desenvolvimento industrial Especificamente em Furtado 1965 o autor se referiu à abordagem da economia clássica do progresso técnico c o m o um meio de substituição de trabalho por capital em função da disponibilidade e do preço relativo destes fatores de produção atribuindoa principalmente a David Ricardo Outra característica da abordagem da economia clássica é a associação do progresso técnico com a acumulação e o desenvolvimento do setor de bens de capital t o m a n d o o como fator primordial do crescimento de longo prazo 1 6 0 Renata DArbo m u l a ç ã o ao m e s m o t e m p o em q u e a viabiliza pois a c o n t i n u i d a d e do processo d e a c u m u l a ç ã o d e p e n d e r i a d o d i n a m i s m o t e c n o l ó g i c o o u seja o d e s e n v o l v i m e n t o n ã o se p o d e r i a basear apenas na difusão de técnicas na ampliação das e c o n o m i a s de escala e das economias externas já q u e a produtividade do trabalho t e n d e a diminuir para os investimentos de u m a m e s m a geração tecnológica A l é m disto o progresso t é c n i c o n ã o se manifesta apenas c o m o n o v o s processos produtivos mas t a m b é m c o m o inovações d e p r o d u t o s Foi m e n c i o n a d o q u e N u r k s e atribuiu o d i n a m i s m o da e c o n o m i a capitalista ao empresário i n o v a d o r nos m o l d e s s c h u m p e t e r i a n o s e aos seus imitadores cujo papel é o de difundir os novos produtos e processos produtivos F u r t a d o c o m p a r t i l h o u da idéia do d e s e n v o l v i m e n t o asso ciado às inovações e o u difusão de p r o d u t o s e processos m a s fez a qualificação de q u e o e m p r e s á r i o industrial surgiu h i s t o r i c a m e n t e na transição da e c o n o m i a comercial para a e c o n o m i a industrial européia n ã o c o n c o r d a n d o c o m o q u e c h a m o u d e c o n c e p ç ã o abstrata d o e m presário s c h u m p e t e r i a n o adotada p o r N u r k s e 1 5 É c o m u m às abordagens de Prebisch e de N u r k s e em p r i m e i r o lugar a idéia de q u e as inovações tecnológicas estão disponíveis para s e r e m assimiladas pelas e c o n o m i a s subdesenvolvidas n ã o e x i s t i n d o maiores entraves para a sua aquisição em s e g u n d o lugar a c o n c e p ç ã o de q u e a p e q u e n a dimensão do m e r c a d o em relação à escala de p r o d u ç ã o desestimula a a c u m u l a ç ã o de capital e a absorção da e c o n o m i a de subsistência em terceiro lugar q u e a elevada p r o p e n s ã o a c o n s u m i r t e n d e a reduzir a capacidade de p o u p a n ç a das e c o n o m i a s periféricas P o r é m N u r k s e enfatizou os p r o b l e m a s relacionados c o m a i n a d e quação de escala c o m o o principal obstáculo à acumulação à eliminação da h e t e r o g e n e i d a d e estrutural e à ampliação do m e r c a d o i n t e r n o Este a u t o r r e c o m e n d o u o i n v e s t i m e n t o p ú b l i c o para gerar e c o n o m i a s e x t e r nas a fim de estimular a a c u m u l a ç ã o os a u m e n t o s de p r o d u t i v i d a d e e c o n s e q ü e n t e m e n t e a absorção do setor de subsistência e o a u m e n t o da d i m e n s ã o real do m e r c a d o Em q u e pese a assimilação de tecnologias de elevada densidade de capital e escala de p r o d u ç ã o N u r k s e d e u m a i o r ênfase à necessidade de ampliação do m e r c a d o e n ã o à adaptação da t e c n o l o g i a é a d i m e n s ã o do m e r c a d o q u e deveria ser a d a p t a d a e n ã o a tecnologia O u t r a idéia q u e m e r e c e u o destaque de N u r k s e foi a 1 5 Considerações críticas de Furtado sobre a concepção do empresário de Schumpeter p o d e m ser encontradas nos seguintes trabalhos Furtado 1952 Furtado 1954 e Furtado 1965 Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 161 de q u e a insuficiência de p o u p a n ç a d e c o r r i a p r i n c i p a l m e n t e da elevada propensão a consumir intensificada pelas disparidades de renda e padrões de c o n s u m o entre e c o n o m i a s desenvolvidas e subdesenvolvidas o q u e impedia a canalização dos a u m e n t o s de produtividade para a acumulação Em contraste Prebisch p r o c u r o u diferenciar o i m p a c t o da i n a d e q u a ç ã o de densidade de capital e de escala de p r o d u ç ã o na dinâmica da a c u m u l a ç ã o na geração de e m p r e g o e na absorção do setor arcaico das e c o n o m i a s periféricas Para ele a absorção da e c o n o m i a de subsistência foi dificultada n ã o só pela i n a d e q u a ç ã o de escala q u e desestimulava a a c u m u l a ç ã o n o setor m o d e r n o m a s t a m b é m pelo d e s e m p r e g o t e c n o lógico p r o v o c a d o pela i n a d e q u a ç ã o de densidade das tecnologias avan çadas P o r o u t r o lado em q u e pese o f e n ô m e n o da elevada propensão a c o n s u m i r a escassez de p o u p a n ç a resultaria p r i n c i p a l m e n t e da baixa produtividade das economias heterogêneas o q u e t e n d e u a se intensificar c o m as disparidades internacionais de nível da técnica de produtividade e de renda Os baixos níveis de p r o d u t i v i d a d e t o r n a r a m a p o u p a n ç a es cassa diante da necessidade de capital das tecnologias de elevada d e n sidade De a c o r d o c o m o e x p o s t o a n t e r i o r m e n t e a principal r e c o m e n d a ç ã o de Prebisch foi a minimização dos problemas de escala e do d e s e m p r e g o t e c n o l ó g i c o através da distribuição adequada dos investimentos realiza dos no setor m o d e r n o entre atividades competitivas e nãocompetitivas R o d r í g u e z 1 9 8 1 87 c o m o setor arcaico para q u e a a c u m u l a ç ã o absorvesse a e c o n o m i a de subsistência r e d u z i n d o a h e t e r o g e n e i d a d e estrutural das e c o n o m i a s periféricas C o n t u d o d e a c o r d o c o m Furtado a r e c o m e n d a ç ã o de Prebisch incluiria a modificação na densidade de capital isto é a adaptação t e c n o l ó g i c a à disponibilidade de fatores da periferia C o m e n t a n d o os Problemas Teóricos e Práticos do Desenvolvimento 1973 F u r t a d o escreveu na Fantasia Organizada 1985 T a m p o u c o se podia d e s c o n h e c e r q u e a disponibilidade de fatores no país periférico n ã o c o r r e s p o n d i a à tecnologia disponível t o d a ela o r i u n d a de países em q u e a dotação de capital p o r pessoa e m p r e gada era substancialmente mais elevadaO escasso capital disponível diziase deveria ser e m p r e g a d o de f o r m a a conseguir o a u m e n t o m á x i m o de produção e c o n o m i z a n d o m ã o d e o b r a s o m e n t e à m e d i d a q u e o capital disponível p e r m i t a absorvêla noutras atividades D a í a necessidade de adaptar a técnica m o d e r n a a esses países evitando limitarse a transfundila Esta parte do estudo n ã o está a d e q u a d a m e n t e elaborada mas apontava na m e s m a direção da anterior refor 1 6 2 Renata DArbo ç a n d o a tese de necessidade de p r o g r a m a ç ã o do d e s e n v o l v i m e n t o se se pretendia intensificar o seu r i t m o e o u reduzir o seu custo social Furtado 1985 97 Na perspectiva de F u r t a d o Prebisch iniciou o debate sobre o p r o b l e m a da c o m b i n a ç ã o ótima dos fatores na periferia mas l i m i t o u s e a utilizálo c o m o a r g u m e n t o para a defesa da p r o g r a m a ç ã o do d e s e n v o l v i m e n t o e n ã o para defender a necessidade de se alterar a d e n s i d a d e de capital das inovações tecnológicas E c o n c l u i u sobre a i m p o r t â n c i a das idéias de Prebisch para a sua p r ó p r i a p e r c e p ç ã o da relação teórica e n t r e s u b d e s e n v o l v i m e n t o e progresso técnico mais precisamente da n e c e s sidade de explorar t e o r i c a m e n t e a relação entre o d e s e q u i l í b r i o ao nível dos fatores e a criação de técnicas de m e n o r densidade de capital isto é a adaptação tecnológica Estes debates f o r a m d e i m p o r t â n c i a decisiva para m i m pois m e p e r m i t i r a m p e r c e b e r q u e o s u b d e s e n v o l v i m e n t o configurava u m q u a d r o histórico qualitativamente distinto daquele q u e t í n h a m o s no espírito q u a n d o t e o r i z á v a m o s sobre o d e s e n v o l v i m e n t o N ã o se tratava de u m a fase e sim de algo diferente cuja especificidade c u m p r i a captar H a v í a m o s c o n c e n t r a d o a a t e n ç ã o na a c u m u l a ç ã o e no p r o gresso técnico O r a se era possível isolar a categoria acumulação de seu contexto histórico definindoa como uma relação entre produção total e produção consumida já não acontecia o mesmo com o progresso técnico que emergia em certo contexto sócioeconômico do qual derivava o seu sentido Se p o d e ser racional preservar e q u i p a m e n t o s obsoletos ou forçar a sua utilização é p o r q u e a nova tecnologia é disfuncional c o m respei to à oferta de fatores de p r o d u ç ã o Prebisch fizera referência a esse p r o b l e m a no E s t u d o de 1949 mas abstevese de levar o raciocínio a suas últimas conseqüências No n o v o estudo ele o utilizará c o m o ar g u m e n t o para fundar a necessidade de p r o g r a m a r o desenvolvimento A m i m me p a r e c e u q u e h a v í a m o s d e s c o b e r t o u m a fresta pela qual p o d í a m o s olhar a f u n d o na problemática do s u b d e s e n v o l v i m e n t o cujo c a m p o d e teorização g a n h a a u t o n o m i a Furtado 1 9 8 5 8 8 9 grifos nossos P o r fim vale m e n c i o n a r q u e nos anos 50 as análises de F u r t a d o a p o n t a r a m para a necessidade de adaptação da tecnologia e da i n t e r n a lização da p r o d u ç ã o de bens de capital o q u e estava em sintonia c o m a tese d o m i n a n t e na C E P A L sobre a capacidade da industrialização de Uma síntese das abordagens de Raúl Prebisch Ragnar Nurkse e Celso Furtado nos anos 50 1 6 3 p r o m o v e r a superação do s u b d e s e n v o l v i m e n t o No q u e se refere à a d a p tação da t e c n o l o g i a o u mais p r e c i s a m e n t e à necessidade de criação t e c n o l ó g i c a a d e q u a d a à d o t a ç ã o de fatores nas e c o n o m i a s s u b d e s e n v o l vidas u m aspecto q u e m e r e c e ser destacado é q u e n o a r g u m e n t o d e Prebisch p r e d o m i n o u a c o n s i d e r a ç ã o de q u e as t e c n o l o g i a s de elevada d e n s i d a d e de capital são p o u c o adaptáveis e q u e as técnicas de m e n o r d e n s i d a d e de capital são m e n o s eficientes r e d u z i n d o o nível da renda e m b o r a p u d e s s e m favorecer o e m p r e g o Em contraste a i m p o r t â n c i a atribuída p o r F u r t a d o às técnicas de m e n o r d e n s i d a d e de capital se d e v e u ao fato de q u e elas e l e v a r i a m a p r o d u t i v i d a d e do trabalho s e m r e d u z i r significativamente a a b s o r ç ã o de m ã o d e o b r a a l é m do que na c o n c e p ç ã o do autor dada a h e t e r o g e n e i d a d e t e c n o l ó g i c a e m muitas regiões do Brasil a m e r a i n t r o d u ç ã o da roda significaria um sensível p r o g r e s s o Furtado 1 9 5 2 11 Referências bibliográficas DArbo Renata Progresso técnico no pensamento de Celso Furtado Araraquara 2001172 pp Dissertação Mestrado Faculdade de Ciências e Letras Universidade Estadual Paulista Furtado Celso Formação de capital e desenvolvimento econômico Revista Brasileira de Economia V 6 n 3 set 1952 746 A economia brasileira contribuição à análise do seu desenvolvimento R i o de Janeiro A Noite 1954 O desenvolvimento e c o n ô m i c o ensaio de interpretação históricoanalítica Econômica Brasileira V 1n ljanmar 1955324 Desenvolvimento e subdesenvolvimento R i o de Janeiro Fundo de Cultura 1965 A fantasia organizada R i o de Janeiro Paz e Terra 1985 Katz Jorge Cibotti Ricardo Marco de referencia para un programa de investigación en temas de ciencia y tecnologia en la América Latina El Trimestre Económico V 45 n 177 enemar 1978 13965 Nurkse Ragnar A formação de capital em países subdesenvolvidos Revista Brasileira de Economia V 5 n 4 dez 195111190 Prebisch Raúl Interpretação do processo de desenvolvimento econômico Revista Brasileira de Economia V 5 n 1 mar 1951 7135 Problemas teóricos y prácticos del crecimiento económico Santiago de Chile CEPAL 1973 Rodríguez Octávio Teoria do subdesenvolvimento da CEPAL R i o de Janeiro Forense Universitária 1981 Szmrecsányi Tamás Celso Furtado e o início da industrialização no Brasil Revista de Economia Politica V 22 n 2 abrjun 2002 314 1 6 4 Renata DArbo