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Direito Civil
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Luiz Edson Fachin Advogado. Professor Titular de Direito Civil da UFPR, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e da International Society of Family Law, do IAB, do IAP e da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. TEORIA CRÍTICA DO DIREITO CIVIL À luz do novo Código Civil Brasileiro 3ª edição revista e atualizada RENOVAR Rio de Janeiro • São Paulo 2012 abdr Respeite o direito autoral Introdução Crítica ao Direito Civil Para captar transformações pelas quais perpassa o Direito Civil contemporâneo,1 há lugar (especialmente com a vígência e a prática do Código Civil de 2002) para uma nova introdução que se proponha a reconhecer a travessia em curso e que se destine a um olhar diferenciado sobre as matérias que compõem o objeto de análise. Clara premissa que instiga a possibilidade de reconhecer que o reinado secular de dogmas, que engrossaram as páginas de manuais e que engessaram parcela significativa do Direito Civil, começa a ruir. Tra 1. Eis registro que se faz do Código Civil Brasileiro (CCB): “A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, representa evento legislativo de inegável relevância para a comunidade jurídica nacional, posto que institui o novo Código Civil brasileiro, opção polêmica e controvertida”. (FA CHIN, Rosana. Do parentesco e da filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha [coords.]. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. 2. tir. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002. p. 119.) Para além da inauguração desta nova perspectiva que permeia a atual codificação civil, ergue-se também o espaço para uma leitura crítica das transformações que perpassam o próprio corpo do Direito Civil, gradualmente liberto dos alicerces que antes sustentavam, como ars de perenidade, o absolutismo da dicotomia entre ambiência pública e privada. 1 ta-se de captar os sons dessa primavera em curso, 2 com os efeitos da nova codificação civil. 3 Alicerçado num campo definido, composto pela área que a partir do privado se projeta para o Direito, o dispor-se neste exame abarca uma agenda demarcada nas temáticas instigan- tes desse período e compreende hipótese de método (para 2. Com efeito, eis o rumo que marca o caminho: “O jurista, sob pena de omissão e de cumplicidade farisaica, deve captar a mensagem para o seu tempo, não lhe cabendo acastelar-se em elucubrações vãs, na ânsia de interpretar fossilizados textos legais, em função de suas vírgulas ou reti- cências. Não pode limitar-se a uma postura estática na defesa de uma ordem senil, que não assimila o impacto das exigências sociais. Ao contrário, o jurista tem de colocar seu pensamento e a sua cultura a serviço de uma missão evangelizadora no objetivo de desfazer a rede de peias arqui- tetadas pelo egoísmo em sua voracidade autofágica de lucro. Sem inovação e rejuvenescimento, todo conservadorismo é misonésta, ao enredar-se no passado. O jurista tem de compreender que, do mesmo modo que o reino dos bacharéis está sendo desconstituído, também o será o reino dos economistas. Deve abandonar, pois, todo o medo de utopias concre- tas e colocar-se despojadamente junto ao povo. Sem dúvida, o Direito, à condição de não subsistir nesta hora crucial, deve ser um agente bem mais ativo do que em tempos passados. Em se tornando petrificado e negando-se ao entendimento do dialético movimento evolutivo e revolucionário da sociedade, não resistirá, assim como não resistiu o Império Romano. A evolução, todavia, já se faz sentir. Ninguém mais apregoa a propriedade como o núcleo das relações jurídicas, atual e irreversivelmente situado no trabalho. A maioria reconhece a necessidade de subordinar o princípio manchesteriano de autonomia da vontade à relevância do bem público”. (FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do Direito. 3. ed. Caxias do Sul: EDUCS, 1993, p. 119.) 3. A perspectiva da codificação é a direcionada por uma racionalidade centrada na visão unitária do Direito Civil, pois: “[...] a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, aliando-se à posição contrária dos que ainda defendem leis codificadas, preferiu — como se sabe — manter a unidade do novo Código, não admitindo a separação, em sistema independente, das normas que viessem, então, de regular as relações de natureza familiar”. (OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do direito de família. In: DIAS, Maria Berenice; PE- REIRA, Rodrigo da Cunha [coords.]. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. 2. tir. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002. p. 8.) 2 acolhetar linguagem e exposição) e de substância. Ademais, reconhece que nas sociedades de exploração, ao redor dos conceitos encastelados pelas hábeis mãos da lógica meramente formal, se enfileiram fatos que denunciam o outono desse conformismo racional. Intenta este plano de reflexão algum peso de coerência adequada para expor seus objetivos e inserção. Nos fins, vocaciona-se para repensar o Direito Civil implantado e intercala-se nas dobras incômodas das fichas recomendadas pela praxe tradicional. Concentra-se na abrangência dos círculos de ingresso nesse saber acumulado para domesticar as categorias do privado habitual e encerra infra-estrutura que anima laboratórios de interrogações e bibliotecas de vasta improbabilidade que ajustam dúvidas com algumas certezas. Não se trata de uma reciclagem apenas funcional dos parâmetros do Direito Civil, mas sim de uma recomposição do vínculo e da dedicação a partir de um redimensionamento 4. A transmissão do conhecimento jurídico sem debate é proceder que fica a dever à educação e não fomenta exercícios de cidadania: "[...] o ensino do Direito é ocultador de diversas formas de dominação social, inclusive a dominação de classe, e inibidor da cidadania, ou seja, o ensino do Direito inibe a cidadania na medida em que não há cidadania passiva, na medida em que a cidadania, por definição, é ativa. Quando Aristóteles dava em sua Política, aquela definição do cidadão como "aquele que participa das decisões da polis, no que ele diz ‘participa’, já está colocando o cidadão no lugar de atividade. Quando Rosseau diz, no Contrato Social, que o sujeito ativamente é cidadão e passivamente é súdito, ele está apontando exatamente para essa dimensão de atividade, constitutiva da noção de cidadania". (MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Reflexões sobre o ensino do direito. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO JURÍDICO, CIDADANIA E MERCADO DE TRABALHO (1995: Curitiba) Curitiba: Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, ago./set. 1995. p. 32.) 5. A reflexão crítica que aponta para um dos horizontes do pluralismo é clara: "O Estado não detém o monopólio de criação do Direito. A elaboração autônoma de normas jurídicas é possível". (VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 21: Parte especial: do direito das sucessões — A sucessão testamentária; do inventário e da partilha (arts. 1.857 a 2.027), p. 203.) dos afazeres didáticos e de pesquisa. Mirada na sociedade contemporânea, acolhe como motivação a não reprodução de saberes, no intercâmbio e na independência de novas fontes de investigação. Na complexidade, esse fenômeno apresenta, neste momento, um interessante banco de prova que se abre em afazeres epistemológicos que acolhem as novas demandas da juridicidade, ao lado da recuperação discursiva de valores como ética e justiça. Um ensaio pode ser caminho aconselhável para encontrar interrogações que entrelaçam o Direito Civil e a sociedade. Precisão e rigor não se confundem, necessariamente, no trato dos signos e conceitos jurídicos, com formalismo excessivo e despropositado. É certo que o saber jurídico que se encastela em definições e abstrações pode ser impreciso e negligente com o seu tempo. Daí porque o tradicional se 6. Em todo campo do saber (daí a pertinência quiçá especial com a instância jurídica), há o desafio de conhecer para transformar, pois a educação que tão-só reproduz não liberta, como ensinou Paulo Freire: "A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção". (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 42.) 7. É na encruzilhada deste entrever crítico com as coevas perspectivas que perpassam o Direito que a presente reflexão se assenta nos trilhos da contemporaneidade. Trata-se verdadeiramente, como pontuou A. Castanheira Neves, de traduzir tais questões ao vislumbrar "o direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro" – tarefa que, por certo, deflui mais de esforços que de mero comodismo: "A segunda observação quer sublinhar que são nossas e abertas as possibilidades históricas, já que a história somos nós que a fazemos e não devemos esperar por ela já feita, e que neste nosso tempo presente o que se nos impõe, de certo o esforço opõe ao contemporâneo, mas este não pode nem deve negligenciar o clássico. A crítica ao Direito Civil, sob essa visão, deve ser a introdução diferenciada a estatutos fundamentais, na explicita- ção de renovação com vista ao futuro, futuro que seja um mundo mais humana e mais belo, e sem que nesse esforço se tema, se necessário, ir "contra a corrente" — não o tememos nós na nossa tentativa." (NEVES, A. Castanheira. O direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro. In: NUNES, J. Avelã et al [Org.] O Direito e o futuro. O futuro do Direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 82.) 8. Uma lição que vem das fontes tem sentido integral neste passo: "Com o nome de clássicos designamos os juristas com essa máxima perfeição e validade permanente, graças às quais as suas obras podem servir de modelo às épocas futuras e até aos nossos dias. Esta jurisprudência clássica não elaborou abstractas teorias de escola, antes prosseguiu numa orientação 'prática' que, partindo das criações dos juristas, teve em vista a solução clara de casos jurídicos concretos apresentados pela vida: a construção de conceitos jurídicos serviu-lhe apenas de apoio para a solução desses casos". (KASER, Max. Direito Privado Romano. Lisboa: C. Gulbenkian, 1999, p. 20.) 9. As transformações do Direito Civil são atestadas pela análise percutiente: "No Direito Privado, os instrumentos jurídicos são concebidos como elaboração do sujeito; o testamento e o contrato são expressão da vontade, a responsabilidade civil representa uma sanção pela prática de um ato ilícito; concede-se pouca atenção aos bens coletivos; os grupos não são sujeitos de Direito. O Direito Privado atual vai modificando seu enfoque. "Em uma sociedade de massa, a atuação do indivíduo não é indiferente ao que respeita os demais indivíduos e aos bens públicos. A consciência desta inter-relação nos obriga a enfocar o problema do Direito Privado de outra maneira"; além disso, "A teoria do contrato não está fundada na vontade como única fonte de regulação jurídica. A aparição da ordem pública de proteção de grupos contratantes, das disposições imperativas nos contratos de consumo, dos contratos ditados, das que estabelecem uma diretriz na economia, tem mudado substancialmente o panorama. Em realidade, há um acúmulo de regras institucionais, criadas pelo legislador, que atuam de modo similar a uma partitura, que o contratante interpreta em cada caso. "A teoria da responsabilidade civil vai abandonando progressivamente seu esquema básico voluntarista, para ser pensada como um problema de ção de limites e possibilidades que emergem da indisfarçável crise do Direito Privado. É uma busca de respostas que sai do conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos e alcança a praça que revela dramas e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica construindo um modo diverso de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece o “outro” Direito Civil. E, se essa proposta escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o flúmen tranquilo de cognição adquirida. Crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro. 1. Transitar Resta enfrentar, sem delongas, nomeadamente agora com o Código Civil brasileiro, o desafio que consiste em trocar práticas de medievo pelos saberes construídos às portas do terceiro milênio. Este é apenas o singelo ponto de partida. Programa para arguir questionando-se, numa esperança interrogativa, aberta, não cadastrada pelo dogmatismo jurídico, endereçando-se para todos os níveis que se proponham novos no porvir contínuo de um projeto em permanente edificação. Um novo Direito Civil, a partir de seus pilares fundamentais, o contrato, o projeto parental e as titularidades, é a proposta do tempo que se faz agora, síntese do passado que restou e do futuro ainda por se estabelecer. Os justa distribuição dos efeitos danosos”. (LORENZETTI, Ricardo Luís. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998, p. 83.) 10. Sem muita dificuldade percebe-se que poucas transformações estruturais se verificaram sobre os moldes civilísticos oitocentistas, bastando ver a similitude que fotografa o presente no pretérito: “O Direito Civil — que, claramente, no séc. XIX, é mais um ‘direito dos bens [do patrimônio] do que um direito das pessoas’ (H. Perreau) — tem, assim, por ‘objeto’ representar a esfera da circulação e descrever a ‘fenomenologia’ daquela relação de troca (de compra e venda da força de trabalho), através da ideologia do sujeito”. (MEIRELES, Henrique da Silva Seixas. Marx e o Direito Civil: para a crítica histórica do paradigma civilístico. Coimbra, 1990. Dissertação (Curso de Pós-Graduação em Ciências Jurídico-Filosóficas), Universidade de Coimbra, p. 299.) 11. Não são apenas retoques teóricos e ajustes conceituais os instrumentos aptos a provocar, de algum modo, um “giro coperniciano” nesse campo. Papel de relevo é deferido à metodologia científica e ao procedimento didático, não exatamente para captar a cooptação do sujeito no estatuto de objeto do suposto aprendizado, mas sim para alcançar alguma “desconstrução”, o que na poesia a alma refinada já traduziu: “Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram/ E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos;/ Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu ...! É preciso esquecer a fim de lembrar, É preciso desaprender a fim de aprender de novo ...”. (CAEIRO, Alberto (Fernando Pessoa). Poema Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1979, p. 42.) 12. Configura-se como página da história do Direito Civil tradicional: “No Direito Civil clássico havia uma tendência, justificada pela necessidade de segurança jurídica, para o uso de tipos legais que fossem instantaneamente aferidos e por isso tornasse clara a existência de vínculos familiares, tendo em vista a necessidade de segurança — rectius, clareza, certeza — nas relações patrimoniais. Era de todo desejável — e de certa forma ainda hoje o é, só que em menor grau — saber exatamente a quem pertencia cada bem disponível para poder fazê-lo circular por entre as pessoas através de relações jurídicas. “Com a maior importância da proteção à pessoa humana, os conceitos jurídicos dos respectivos vínculos familiares — tanto horizontal, quanto vertical — ganham uma maior flexibilidade para incluir situações que antes estavam à margem do Direito, no campo do não jurídico, no campo do fático. “A necessidade maior, a diretriz, é não mais ter certeza da titularidade, mas sim a de proteger, através das normas de Direito de família cada um dos seus membros, neste local privilegiado para o desenvolvimento das ‘personalidades individuais”. (KATAOKA, Eduardo Takemi. O tempo da família: notas sobre o tempo como elemento da “fattispecie” família. In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena et al. [orgs.]. Diálogos sobre Direito Civil: construindo sinos dobram para reconhecer o fim da concepção insular do ser humano e o liame indissociável entre Direito e crítica na releitura de estatutos fundamentais do Direito Privado. No horizonte a vencer, o que se diz é tão relevante quanto como se diz. Daí, a perspectiva inadiável de revirar a praxe didática. Sair da clausura dos saberes postos à reprodução e ir além das restrições que o molde deforma. A produção das regras de direito como ato de nascimento da vida e não certidão de óbito a ser estampada no museu das praxes. Principiar a semeadura e verificar uma colheita possível diante do CCB de 2002 com a crítica às classificações de base, inserindo-as no contexto jurídico, e delas extraindo a seiva possível que possa fluir. E aí, afixar no mural da mitificação as dicotomias e seus papéis da desordem lógica que harmoniza, contrapondo Direito Objetivo — Direito Subjetivo e que separa, privando do público o lado privado das coisas e das pessoas. Aprender o Direito Civil como parte de amolduração teórica de raso alcance prático, e para isso, volver à crítica aos critérios distintivos no domínio intelectual construído. Remar para as origens, no estudo que não censura as fontes do Direito Civil brasileiro, antes enaltece o oculto; um Direito Civil que, a rigor, jamais se resumiu à norma civil. uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 324.) 13. Refletir sobre novos paradigmas do Direito Civil corresponde, também, a pensar sobre o modo de ensino e da formação dos juristas: “Cada vez que un jurista dice que existe una norma, legitima la conducta de alguien; alguien que, por eso mismo, es un funcionario y no un usurpador; alguien que produjo un acto ‘jurídico’ y no un delincuente. La actividad jurídica consiste en reconocer el derecho. Pero reconocer el derecho significa, como función social, otorgar legitimidad a la conducta de alguien”. (CORREAS, Óscar. El neoliberalismo en el imaginario jurídico, 1996, p. 11) 14. Eis a factível possibilidade de se (re)pensar o Direito Civil sem olvidar daquilo que em sua estruturação já se concebeu, isto ao abrir fatica Sobreponderar que as pessoas não são apenas os indivíduos e seus códigos. As pessoas olvidadas pelo Código Civil brasilei ro estão na origem das histórias narradas sem as característi cas e cicatrizes do seu tempo. Ancorar nos princípios os fins fundamentais do Direito Civil, fundeando para além da suposta autonomia e pretensa igualdade; sem carpir-se no futuro acontecido ontem, saudar o reconhecimento da pessoa15 e dos direitos de_personalida de, mesmo que seja para prantear os não reconhecidos, os excluídos16 de todos os gêneros; no véu da liberdade contra mente os olhos e não censurar suas fontes e, então, ir além, (re)conhecendo a gama plúrima de fontes que hodiernamente se percebe: “O pluralismo normativo é, assim, um facto, antes mesmo de ser, um ideal ou um perigo; qualquer que seja o modo como avaliemos os seus custos ou benefícios, ele está aí. Estar aí significa, neste caso, ser reconhecido como um modo de manifestação de direito; significa que essas normas de vários âmbitos e níveis que surgem na sociedade, são reconhecidas como direito, cumprindo, portanto, os pressupostos da ‘norma de reconhecimento’, tal como é definida pelas teorias realistas.” (HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias do mundo de hoje. Coimbra: Almedina, 2007, p. 431-432). Trata-se, pois, de cada vez mais obrar na ilustração do diálogo entre o Direito e a realidade que o circunda. 15. Orlando de Carvalho explica o sentido da “repersonalização”: “É esta valorização do poder jurisgênico do homem comum — sensível quando, como no direito dos negócios, a sua vontade faz lei, mas ainda quando, como no direito das pessoas, a sua personalidade se defende, ou quando, como no direito das associações, a sua sociabilidade se reconhece, ou quando, como no direito de família, a sua afetividade se estrutura, ou quando, como no direito das coisas e no direito sucessório, a sua domina lidade e responsabilidade se potenciam —, é esta centralização do regime em torno do homem e dos seus imediatos interesses que faz do Direito Civil o foyer da pessoa, do cidadão puro e simples”. (CARVALHO, Or-A lando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. [Nota prévia]. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1981. v. 1: Para uma teoria geral da relação jurídica civil, p. 92.) 16. A tutela constitucional impõe o respeito à diferença: “[...] não é desarrazoado, firme nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, considerada a visão unitária e coerente da Cons
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Luiz Edson Fachin Advogado. Professor Titular de Direito Civil da UFPR, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e da International Society of Family Law, do IAB, do IAP e da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. TEORIA CRÍTICA DO DIREITO CIVIL À luz do novo Código Civil Brasileiro 3ª edição revista e atualizada RENOVAR Rio de Janeiro • São Paulo 2012 abdr Respeite o direito autoral Introdução Crítica ao Direito Civil Para captar transformações pelas quais perpassa o Direito Civil contemporâneo,1 há lugar (especialmente com a vígência e a prática do Código Civil de 2002) para uma nova introdução que se proponha a reconhecer a travessia em curso e que se destine a um olhar diferenciado sobre as matérias que compõem o objeto de análise. Clara premissa que instiga a possibilidade de reconhecer que o reinado secular de dogmas, que engrossaram as páginas de manuais e que engessaram parcela significativa do Direito Civil, começa a ruir. Tra 1. Eis registro que se faz do Código Civil Brasileiro (CCB): “A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, representa evento legislativo de inegável relevância para a comunidade jurídica nacional, posto que institui o novo Código Civil brasileiro, opção polêmica e controvertida”. (FA CHIN, Rosana. Do parentesco e da filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha [coords.]. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. 2. tir. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002. p. 119.) Para além da inauguração desta nova perspectiva que permeia a atual codificação civil, ergue-se também o espaço para uma leitura crítica das transformações que perpassam o próprio corpo do Direito Civil, gradualmente liberto dos alicerces que antes sustentavam, como ars de perenidade, o absolutismo da dicotomia entre ambiência pública e privada. 1 ta-se de captar os sons dessa primavera em curso, 2 com os efeitos da nova codificação civil. 3 Alicerçado num campo definido, composto pela área que a partir do privado se projeta para o Direito, o dispor-se neste exame abarca uma agenda demarcada nas temáticas instigan- tes desse período e compreende hipótese de método (para 2. Com efeito, eis o rumo que marca o caminho: “O jurista, sob pena de omissão e de cumplicidade farisaica, deve captar a mensagem para o seu tempo, não lhe cabendo acastelar-se em elucubrações vãs, na ânsia de interpretar fossilizados textos legais, em função de suas vírgulas ou reti- cências. Não pode limitar-se a uma postura estática na defesa de uma ordem senil, que não assimila o impacto das exigências sociais. Ao contrário, o jurista tem de colocar seu pensamento e a sua cultura a serviço de uma missão evangelizadora no objetivo de desfazer a rede de peias arqui- tetadas pelo egoísmo em sua voracidade autofágica de lucro. Sem inovação e rejuvenescimento, todo conservadorismo é misonésta, ao enredar-se no passado. O jurista tem de compreender que, do mesmo modo que o reino dos bacharéis está sendo desconstituído, também o será o reino dos economistas. Deve abandonar, pois, todo o medo de utopias concre- tas e colocar-se despojadamente junto ao povo. Sem dúvida, o Direito, à condição de não subsistir nesta hora crucial, deve ser um agente bem mais ativo do que em tempos passados. Em se tornando petrificado e negando-se ao entendimento do dialético movimento evolutivo e revolucionário da sociedade, não resistirá, assim como não resistiu o Império Romano. A evolução, todavia, já se faz sentir. Ninguém mais apregoa a propriedade como o núcleo das relações jurídicas, atual e irreversivelmente situado no trabalho. A maioria reconhece a necessidade de subordinar o princípio manchesteriano de autonomia da vontade à relevância do bem público”. (FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do Direito. 3. ed. Caxias do Sul: EDUCS, 1993, p. 119.) 3. A perspectiva da codificação é a direcionada por uma racionalidade centrada na visão unitária do Direito Civil, pois: “[...] a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, aliando-se à posição contrária dos que ainda defendem leis codificadas, preferiu — como se sabe — manter a unidade do novo Código, não admitindo a separação, em sistema independente, das normas que viessem, então, de regular as relações de natureza familiar”. (OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Do direito de família. In: DIAS, Maria Berenice; PE- REIRA, Rodrigo da Cunha [coords.]. Direito de família e o novo Código Civil. 2. ed. 2. tir. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002. p. 8.) 2 acolhetar linguagem e exposição) e de substância. Ademais, reconhece que nas sociedades de exploração, ao redor dos conceitos encastelados pelas hábeis mãos da lógica meramente formal, se enfileiram fatos que denunciam o outono desse conformismo racional. Intenta este plano de reflexão algum peso de coerência adequada para expor seus objetivos e inserção. Nos fins, vocaciona-se para repensar o Direito Civil implantado e intercala-se nas dobras incômodas das fichas recomendadas pela praxe tradicional. Concentra-se na abrangência dos círculos de ingresso nesse saber acumulado para domesticar as categorias do privado habitual e encerra infra-estrutura que anima laboratórios de interrogações e bibliotecas de vasta improbabilidade que ajustam dúvidas com algumas certezas. Não se trata de uma reciclagem apenas funcional dos parâmetros do Direito Civil, mas sim de uma recomposição do vínculo e da dedicação a partir de um redimensionamento 4. A transmissão do conhecimento jurídico sem debate é proceder que fica a dever à educação e não fomenta exercícios de cidadania: "[...] o ensino do Direito é ocultador de diversas formas de dominação social, inclusive a dominação de classe, e inibidor da cidadania, ou seja, o ensino do Direito inibe a cidadania na medida em que não há cidadania passiva, na medida em que a cidadania, por definição, é ativa. Quando Aristóteles dava em sua Política, aquela definição do cidadão como "aquele que participa das decisões da polis, no que ele diz ‘participa’, já está colocando o cidadão no lugar de atividade. Quando Rosseau diz, no Contrato Social, que o sujeito ativamente é cidadão e passivamente é súdito, ele está apontando exatamente para essa dimensão de atividade, constitutiva da noção de cidadania". (MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Reflexões sobre o ensino do direito. In: I SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO JURÍDICO, CIDADANIA E MERCADO DE TRABALHO (1995: Curitiba) Curitiba: Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, ago./set. 1995. p. 32.) 5. A reflexão crítica que aponta para um dos horizontes do pluralismo é clara: "O Estado não detém o monopólio de criação do Direito. A elaboração autônoma de normas jurídicas é possível". (VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 21: Parte especial: do direito das sucessões — A sucessão testamentária; do inventário e da partilha (arts. 1.857 a 2.027), p. 203.) dos afazeres didáticos e de pesquisa. Mirada na sociedade contemporânea, acolhe como motivação a não reprodução de saberes, no intercâmbio e na independência de novas fontes de investigação. Na complexidade, esse fenômeno apresenta, neste momento, um interessante banco de prova que se abre em afazeres epistemológicos que acolhem as novas demandas da juridicidade, ao lado da recuperação discursiva de valores como ética e justiça. Um ensaio pode ser caminho aconselhável para encontrar interrogações que entrelaçam o Direito Civil e a sociedade. Precisão e rigor não se confundem, necessariamente, no trato dos signos e conceitos jurídicos, com formalismo excessivo e despropositado. É certo que o saber jurídico que se encastela em definições e abstrações pode ser impreciso e negligente com o seu tempo. Daí porque o tradicional se 6. Em todo campo do saber (daí a pertinência quiçá especial com a instância jurídica), há o desafio de conhecer para transformar, pois a educação que tão-só reproduz não liberta, como ensinou Paulo Freire: "A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção". (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 42.) 7. É na encruzilhada deste entrever crítico com as coevas perspectivas que perpassam o Direito que a presente reflexão se assenta nos trilhos da contemporaneidade. Trata-se verdadeiramente, como pontuou A. Castanheira Neves, de traduzir tais questões ao vislumbrar "o direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro" – tarefa que, por certo, deflui mais de esforços que de mero comodismo: "A segunda observação quer sublinhar que são nossas e abertas as possibilidades históricas, já que a história somos nós que a fazemos e não devemos esperar por ela já feita, e que neste nosso tempo presente o que se nos impõe, de certo o esforço opõe ao contemporâneo, mas este não pode nem deve negligenciar o clássico. A crítica ao Direito Civil, sob essa visão, deve ser a introdução diferenciada a estatutos fundamentais, na explicita- ção de renovação com vista ao futuro, futuro que seja um mundo mais humana e mais belo, e sem que nesse esforço se tema, se necessário, ir "contra a corrente" — não o tememos nós na nossa tentativa." (NEVES, A. Castanheira. O direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro. In: NUNES, J. Avelã et al [Org.] O Direito e o futuro. O futuro do Direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 82.) 8. Uma lição que vem das fontes tem sentido integral neste passo: "Com o nome de clássicos designamos os juristas com essa máxima perfeição e validade permanente, graças às quais as suas obras podem servir de modelo às épocas futuras e até aos nossos dias. Esta jurisprudência clássica não elaborou abstractas teorias de escola, antes prosseguiu numa orientação 'prática' que, partindo das criações dos juristas, teve em vista a solução clara de casos jurídicos concretos apresentados pela vida: a construção de conceitos jurídicos serviu-lhe apenas de apoio para a solução desses casos". (KASER, Max. Direito Privado Romano. Lisboa: C. Gulbenkian, 1999, p. 20.) 9. As transformações do Direito Civil são atestadas pela análise percutiente: "No Direito Privado, os instrumentos jurídicos são concebidos como elaboração do sujeito; o testamento e o contrato são expressão da vontade, a responsabilidade civil representa uma sanção pela prática de um ato ilícito; concede-se pouca atenção aos bens coletivos; os grupos não são sujeitos de Direito. O Direito Privado atual vai modificando seu enfoque. "Em uma sociedade de massa, a atuação do indivíduo não é indiferente ao que respeita os demais indivíduos e aos bens públicos. A consciência desta inter-relação nos obriga a enfocar o problema do Direito Privado de outra maneira"; além disso, "A teoria do contrato não está fundada na vontade como única fonte de regulação jurídica. A aparição da ordem pública de proteção de grupos contratantes, das disposições imperativas nos contratos de consumo, dos contratos ditados, das que estabelecem uma diretriz na economia, tem mudado substancialmente o panorama. Em realidade, há um acúmulo de regras institucionais, criadas pelo legislador, que atuam de modo similar a uma partitura, que o contratante interpreta em cada caso. "A teoria da responsabilidade civil vai abandonando progressivamente seu esquema básico voluntarista, para ser pensada como um problema de ção de limites e possibilidades que emergem da indisfarçável crise do Direito Privado. É uma busca de respostas que sai do conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos e alcança a praça que revela dramas e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica construindo um modo diverso de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece o “outro” Direito Civil. E, se essa proposta escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o flúmen tranquilo de cognição adquirida. Crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro. 1. Transitar Resta enfrentar, sem delongas, nomeadamente agora com o Código Civil brasileiro, o desafio que consiste em trocar práticas de medievo pelos saberes construídos às portas do terceiro milênio. Este é apenas o singelo ponto de partida. Programa para arguir questionando-se, numa esperança interrogativa, aberta, não cadastrada pelo dogmatismo jurídico, endereçando-se para todos os níveis que se proponham novos no porvir contínuo de um projeto em permanente edificação. Um novo Direito Civil, a partir de seus pilares fundamentais, o contrato, o projeto parental e as titularidades, é a proposta do tempo que se faz agora, síntese do passado que restou e do futuro ainda por se estabelecer. Os justa distribuição dos efeitos danosos”. (LORENZETTI, Ricardo Luís. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998, p. 83.) 10. Sem muita dificuldade percebe-se que poucas transformações estruturais se verificaram sobre os moldes civilísticos oitocentistas, bastando ver a similitude que fotografa o presente no pretérito: “O Direito Civil — que, claramente, no séc. XIX, é mais um ‘direito dos bens [do patrimônio] do que um direito das pessoas’ (H. Perreau) — tem, assim, por ‘objeto’ representar a esfera da circulação e descrever a ‘fenomenologia’ daquela relação de troca (de compra e venda da força de trabalho), através da ideologia do sujeito”. (MEIRELES, Henrique da Silva Seixas. Marx e o Direito Civil: para a crítica histórica do paradigma civilístico. Coimbra, 1990. Dissertação (Curso de Pós-Graduação em Ciências Jurídico-Filosóficas), Universidade de Coimbra, p. 299.) 11. Não são apenas retoques teóricos e ajustes conceituais os instrumentos aptos a provocar, de algum modo, um “giro coperniciano” nesse campo. Papel de relevo é deferido à metodologia científica e ao procedimento didático, não exatamente para captar a cooptação do sujeito no estatuto de objeto do suposto aprendizado, mas sim para alcançar alguma “desconstrução”, o que na poesia a alma refinada já traduziu: “Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram/ E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos;/ Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu ...! É preciso esquecer a fim de lembrar, É preciso desaprender a fim de aprender de novo ...”. (CAEIRO, Alberto (Fernando Pessoa). Poema Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1979, p. 42.) 12. Configura-se como página da história do Direito Civil tradicional: “No Direito Civil clássico havia uma tendência, justificada pela necessidade de segurança jurídica, para o uso de tipos legais que fossem instantaneamente aferidos e por isso tornasse clara a existência de vínculos familiares, tendo em vista a necessidade de segurança — rectius, clareza, certeza — nas relações patrimoniais. Era de todo desejável — e de certa forma ainda hoje o é, só que em menor grau — saber exatamente a quem pertencia cada bem disponível para poder fazê-lo circular por entre as pessoas através de relações jurídicas. “Com a maior importância da proteção à pessoa humana, os conceitos jurídicos dos respectivos vínculos familiares — tanto horizontal, quanto vertical — ganham uma maior flexibilidade para incluir situações que antes estavam à margem do Direito, no campo do não jurídico, no campo do fático. “A necessidade maior, a diretriz, é não mais ter certeza da titularidade, mas sim a de proteger, através das normas de Direito de família cada um dos seus membros, neste local privilegiado para o desenvolvimento das ‘personalidades individuais”. (KATAOKA, Eduardo Takemi. O tempo da família: notas sobre o tempo como elemento da “fattispecie” família. In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena et al. [orgs.]. Diálogos sobre Direito Civil: construindo sinos dobram para reconhecer o fim da concepção insular do ser humano e o liame indissociável entre Direito e crítica na releitura de estatutos fundamentais do Direito Privado. No horizonte a vencer, o que se diz é tão relevante quanto como se diz. Daí, a perspectiva inadiável de revirar a praxe didática. Sair da clausura dos saberes postos à reprodução e ir além das restrições que o molde deforma. A produção das regras de direito como ato de nascimento da vida e não certidão de óbito a ser estampada no museu das praxes. Principiar a semeadura e verificar uma colheita possível diante do CCB de 2002 com a crítica às classificações de base, inserindo-as no contexto jurídico, e delas extraindo a seiva possível que possa fluir. E aí, afixar no mural da mitificação as dicotomias e seus papéis da desordem lógica que harmoniza, contrapondo Direito Objetivo — Direito Subjetivo e que separa, privando do público o lado privado das coisas e das pessoas. Aprender o Direito Civil como parte de amolduração teórica de raso alcance prático, e para isso, volver à crítica aos critérios distintivos no domínio intelectual construído. Remar para as origens, no estudo que não censura as fontes do Direito Civil brasileiro, antes enaltece o oculto; um Direito Civil que, a rigor, jamais se resumiu à norma civil. uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 324.) 13. Refletir sobre novos paradigmas do Direito Civil corresponde, também, a pensar sobre o modo de ensino e da formação dos juristas: “Cada vez que un jurista dice que existe una norma, legitima la conducta de alguien; alguien que, por eso mismo, es un funcionario y no un usurpador; alguien que produjo un acto ‘jurídico’ y no un delincuente. La actividad jurídica consiste en reconocer el derecho. Pero reconocer el derecho significa, como función social, otorgar legitimidad a la conducta de alguien”. (CORREAS, Óscar. El neoliberalismo en el imaginario jurídico, 1996, p. 11) 14. Eis a factível possibilidade de se (re)pensar o Direito Civil sem olvidar daquilo que em sua estruturação já se concebeu, isto ao abrir fatica Sobreponderar que as pessoas não são apenas os indivíduos e seus códigos. As pessoas olvidadas pelo Código Civil brasilei ro estão na origem das histórias narradas sem as característi cas e cicatrizes do seu tempo. Ancorar nos princípios os fins fundamentais do Direito Civil, fundeando para além da suposta autonomia e pretensa igualdade; sem carpir-se no futuro acontecido ontem, saudar o reconhecimento da pessoa15 e dos direitos de_personalida de, mesmo que seja para prantear os não reconhecidos, os excluídos16 de todos os gêneros; no véu da liberdade contra mente os olhos e não censurar suas fontes e, então, ir além, (re)conhecendo a gama plúrima de fontes que hodiernamente se percebe: “O pluralismo normativo é, assim, um facto, antes mesmo de ser, um ideal ou um perigo; qualquer que seja o modo como avaliemos os seus custos ou benefícios, ele está aí. Estar aí significa, neste caso, ser reconhecido como um modo de manifestação de direito; significa que essas normas de vários âmbitos e níveis que surgem na sociedade, são reconhecidas como direito, cumprindo, portanto, os pressupostos da ‘norma de reconhecimento’, tal como é definida pelas teorias realistas.” (HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias do mundo de hoje. Coimbra: Almedina, 2007, p. 431-432). Trata-se, pois, de cada vez mais obrar na ilustração do diálogo entre o Direito e a realidade que o circunda. 15. Orlando de Carvalho explica o sentido da “repersonalização”: “É esta valorização do poder jurisgênico do homem comum — sensível quando, como no direito dos negócios, a sua vontade faz lei, mas ainda quando, como no direito das pessoas, a sua personalidade se defende, ou quando, como no direito das associações, a sua sociabilidade se reconhece, ou quando, como no direito de família, a sua afetividade se estrutura, ou quando, como no direito das coisas e no direito sucessório, a sua domina lidade e responsabilidade se potenciam —, é esta centralização do regime em torno do homem e dos seus imediatos interesses que faz do Direito Civil o foyer da pessoa, do cidadão puro e simples”. (CARVALHO, Or-A lando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. [Nota prévia]. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1981. v. 1: Para uma teoria geral da relação jurídica civil, p. 92.) 16. A tutela constitucional impõe o respeito à diferença: “[...] não é desarrazoado, firme nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, considerada a visão unitária e coerente da Cons