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Roquinaldo Ferreira ÁFRICA DURANTE O COMÉRCIO NEGREIRO ANTES DO TRÁFICO ATLÂNTICO DE ESCRAVOS O CONTINENTE africano já tinha sido afetado por várias migrações forçadas Desde tempos imemoriais muitos foram vítimas por fluxos migratórios acumulatórios que atravessaram a África com diversas partes do mundo o Oriente Médio o Mediterrâneo e o oceano Índico No entanto nenhum teve um custo humano tão alto quanto o tráfico atlântico que vitimou cerca de 12 milhões de pessoas entre os séculos XVI e XIX e disseminou violência e desestabilização Devese sublinhar que o impacto do tráfico sobre as sociedades africanas foi desigual Nem todas as regiões da África Atlântica se viram forçadas a vender africanos escravizados para negociantes europeus Na Costa do Marfim por exemplo as Da mesma forma o tráfico de cativos não teve peso significativo no Gabão No reino do Benim Nigéria serviu de base para relações comerciais até os anos 1530 mas depois perdeu espaço e foi redimensionado em função de uma guerra civil que deflagrou o reino entre 1716 e 1732 É igualmente importante destacar que sem a africanos escravizados se contra o tráfico de maneira sistemática através d maritima as revoltas se davam no momento em que os navios ainda estavam próximos da costa quando havia esperança de retornar às comunidades de origem Em regiões sob influência portuguesa como Angola muitos africanos se valeram de mecanismos judiciais que derivavam da fusão do regime costumeiro africano com o aparato jurídico europeu No século XIX revoltas e fugas de escravoss assim como a colaboração de africanos escravizados na s sobre im Do ponto de vista acadêmico os estudos do tráfico ocupam menos espaço do que a produção historiográfica sobre a escravidão nas Américas No caso da escravidão várias gerações de historiadores se debruçaram sobre os mais diversos aspectos dessa instituição com análises e debates variados explorando desde as bases econômicas e sociais do sistema e o protagonismo dos escravizados nos diferentes regimes escravistas nas Américas No caso do tráfico o quadro é diferente Além de relativamente recente o enfoque maior reside no lado quantitativo uma preocupação mais que justificada dadas as imprecisões das estimativas iniciais sobre o número de vítimas africanas Por trás dos números do tráfico no entanto estão seres humanos cujas para que haja uma compreensão adequada tráfico atlântico de cativos A migração forçada de africanos através do Atlântico ganhou contornos expressivos com o início da colonização das Américas no século XVI Na sua base esteve a n agricultura comercial nas colônias Portugal e Espanha locais em que a escravidão tinha caráter urbano e viceversa na produção de açúcar Por conta disso tanto Lisboa quanto Sevilha tinham populações substanciais de origem africana já no século XVI Nas redes comerciais desse incipiente tráfico os pioneiros foram os portugueses se valendo de contatos estabelecidos na África desde o século XVI Tal permanência só seria ameaçada na segunda metade do XVII com a colonização do Caribe pela Inglaterra Holanda e França de africanos para produção de matériaprima agrícolas para o Para obter mão de obra escrava primeiro obtinham cativos através de negociantes portugueses e depois se lançariam no tráfico atlântico em regiões em desespero e assim na África o tráfico atlântico produziu efeitos múltiplos e deletérios No curto prazo gerou a africanos que dominaram o fornecimento de cativos para mercadores europeus na costa africana assim como inevitável fragmentação política À medida que poderia m novos grupos se insurgiam contra as lideranças centrais Ao estimular guerras e a expansão territorial entre reinos rivais a redes de comércio responsáveis pela introdução de armas têxteis e alimento à escravização por débito Através de guerras escravizouse passivamente o que se ampliou de forma a satisfazer a necessidade de produzir mais e mais cativos para o Atlântico Antes punidos com penas de multa ou prisão crimes como roubo e adultério lastraram a escravização de um número incalculável de africanos Igualmente importante foi o desvirtuamento de múltiplas formas de dependência social tipicamente praticadas nas sociedades africanas Em geral reversíveis ou então porta de entrada para a integração social acabaram se tornando veículos para produção de cativos para o tráfico Esses processos eram sobretudo alimentados pelo débito estrutural gerado pelo consumo de mercadorias importadas através do Atlântico As regiões A Cost da Mina que se estendia estre do Gabão até o sul de Angola No total essas duas regiões responderam por quase 80 das vítimas do tráfico atlântico Mas há claras distinções regionais Na Costa da Mina os embarques de cativos se concentraram primeiro na chamada Costa do Ouro atual Gana inicialmente como atividade econômica secundária em relação ao comércio de ouro que estava na base da economia e produzia substancial demanda por mão de obra escrava No final do século XVII porém dois fatores transformariam o tráfico de cativos na atividade mais importante o declínio da produção aurífera e o aumento exponencial da demanda por mão de obra escrava no Caribe Na Costa da Mina a presença portuguesa foi hegemônica até meados do século XVII quando a tomada do castelo de Elmina por forças holandesas marcou o início de um intenso processo de despersonalização do comércio atlântico Em diversas partes principais têmse observações holandesas e que se implantaram ao longo da costa construindo uma série de fortes e fortalezas para o comércio costeiro de cativos No interior a presença europeia era nula Ali africanos cuja riqueza dependia do controle do fluxo de cativos para a fortes do golfo do Benin eram muito mais vulneráveis a ataques de forças africanas Essa distinção reflete uma operação costeira do tráfico bem mais dependente da nobreza africana do que na Costa do Ouro Nos dois casos no entanto A África Central foi a única região onde os europeus conseguiram se embrenhar de forma sistemática pelo interior estabelecendo bases comerciais que facilitaram o comércio interno de cativos Aqui o tráfico foi elemento importante desde o início da presença europeia ainda no início do século XX Sua influência sobre a escravidão na colônia portuguesa de São Tomé e Príncipe maior produtora de açúcar mundial na época e sorvedouro de cativos provenientes do Congo Muitos africanos escravizados eram enviados para a Caribe Para explicar o porquê da proeminência brasileira é preciso considerar diversos fatores Em primeiro lugar as duas regiões tinham óbvia proximidade geográfica com o Brasil e os contatos marítimos eram favorecidos por correntes e regime de ventos no Atlântico Em segundo lugar a Costa da Mina e sobretudo a África Central gravitavam na órbita de influência lusobrasileira algo que se tornou ainda mais acentuado à medida que várias nações europeias se retiraram do tráfico atlântico a partir dos fins do século XVIII Nos últimos anos o tráfico dependia de redes logísticas que se prosperavam no interior do império português eram na verdade em grande medida controladas a partir do Brasil Essa característica distinguiu o tráfico lusobrasileiro do comércio de cativos organizado por outras nações europeias nas quais a participação de negociantes metropolitanos no contexto do chamado comércio triangular foi mais acentuada do que no caso português Aqui reside também a explicação para os números estratostéricos do embarque de cativos para o Brasil Em outras palavras a interação direta entre duas colônias portuguesas com o envio de mercadorias produzidas no Brasil para Angola Luiz Felipe de Alencastro ÁFRICA NÚMEROS DO TRÁFICO ATLÂNTICO O TRÁFICO TRANSATLÂNTICO DE ESCRAVOS AFRICANOS TOMOU NO Brasil uma dimensão inédita no Novo Mundo Do século XVI até 1850 no período colonial e no imperial o país foi o maior importador de escravos africanos das Américas Foi ainda a única nação independente que praticou maciçamente o tráfico negreiro transformando o território nacional no maior agregado político escravista americano Consubstancial à organização do Império do Brasil a intensificação da importação de escravos africanos após 1822 explica a longevidade do escravismo até sua abolição em 1888 O primeiro ponto a ser delimitado é o período em que perdurou o comércio de africanos para o Brasil ou seja os anos 15501850 Os dados disponíveis assinalam que os primeiros desembarques de cativos africanos ocorreram nos anos 1560 em Pernambuco Contudo a data geralmente considerada como início do tráfico é o ano de 1550 Da ligação o fim da data clandestino para o Brasil é fixado em 1850 embora 6900 africanos escravizados ainda tenham sido desembarcados no país entre 1851 e 1856 O segundo ponto importante e bem mais complexo se refere ao número de africanos legal e ilegalmente introduzidos no Brasil Tema que é objeto de controvérsias iniciadas no século XIX Tal debate também ocorre em outros países americanos europeus e africanos envolvidos no comércio de escravos Philip D Curtin em sua obra pioneira The Atlantic Slave Trade A Census 1969 na qual sistematiza as estatísticas de obras impressas sobre a deportação de africanos redigiu um capítulo intitulado The Slave Trade and the Numbers Game Nele Curtin aponta a grande variação das cifras atribuídas por diversos autores ao tráfico atlântico e desautoriza a maior parte das estimativas Porém relativamente ao Brasil ele concluiu que o livro de Maurício Goulart A escravidão africana no Brasil 1949 oferecia a descrição e os números mais exatos sobre o tráfico no país Advogado sem vínculos universitários Goulart trabalhou com os dados do arquivo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro e da historiografia para corrigir deliberantes conjecturas sobre os números do tráfico elaborados por entre outros Calogeras e Rocha Pombo Incluindo pistas ainda inexploradas o livro de Goulart não recebeu a consideração que merece Pierre Verger retoma os estudos da tradição historiográfica baliana e os amplia com a documentação inglesa e portuguesa para enfatizar o caráter bilateral do tráfico negro Publicado em 1968 o livro de Verger se concentra nas trocas entre a Bahia e a baía de Benim nos séculos XVIII e XIX fazendo pouca referência ao Rio de Janeiro e a Angola tornandoos mais poluentes nos negros do Atlântico Outra vertente da temática envolve os aspectos legais e diplomáticos estabelecidos em torno do comércio ilegal de africanos 183050 que sempre interessou especialistas do direito internacional e do harmonie Assim em 1916 João Luiz Alves futuro ministro da Justiça e do sr Pinto foi vereador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro depois ocuparam a cidade de Lagos na Nigéria criando um enclave colonial que depois sustentaria a presença europeia na região Na África Central vários países Portugal Inglaterra e França participaram de operações navais antritráfico que redundaram na expansão dos limites territoriais da colônia portuguesa de Angola assim como na criação de zonas de influência comercial e enclaves coloniais Paradoxalmente Para as colônias britânicas e francesas do Caribe milhares de africanos livres foram forçados a grudar o Atlântico No caso inglês africanos libertos aqueles libertados de navios negreiros aprendidos por navios de guerra ingleses acabaram enviados para colônias caribenhas tais como Jamaica e Barbados Manolo Florentino e Daniel Domingues oferecem um panorama amplo e em boa medida definitivo do tráfego e do transporte transatlântico de africanos Na circunstância cerca de 36 mil viagens correspondendo a 70 do volume estimado de viagens negreiras para as Américas iniciadas em 1502 nas Antilhas e concluídas em 1866 em Cuba estão registrados no TSTD O monumental Atlas do tráfego transatlântico 2010 de D Eltis e D Richardson completa o TSTD Salvo outra referência as análises que seguem se baseiam no TSTD e no Atlas Os números do Database têm uma reconhecida precisão A razão é simples Empreitado por governos e companhias mercantis o comércio transatlântico de africanos deixou numerosos registros navais portuários fiscais e contábeis No período do tráfego clandestino brasileiro 183156 informações dos cônsules e espiões ingleses o mais célebre dos quais foi um corioca cujo codinome era Alcorcado agregados às CPS sobre o tráfico instauradas pelo Parlamento britânico nos anos 1840 fornecem um quadro bastante completo desse contrabando que gerou fortunas no Brasil e em Portugal Graças ao trabalho acumulado por gerações de especialistas tais dados puderam ser cotejados e apresentados nos quadros interativos do site do TSTD Isto posto convém examinar mais de perto as cifras e a historiografia recente Observese que o Database não inclui as rotas indiretas de tráfico Observese que o Database não inclui as rotas indiretas de tráfico e os números relativos aos séculos xv e xvi são esparsos Além disso os registros escondem certas fraudes Assim na época filípica 15801640 para pagarem um imposto de exportação mais elevado registros de Bissau ou de Luanda declaravam muitos portos brasileiros como destino de sua rumações 8339 indivíduos registrados no TSTD Na primeira metade do século xix incluindo os anos do tráfico clandestino 183150 as estatísticas são mais precisas pelas razões apontadas acima Notese entretanto que nos anos 184850 quando os preços no Brasil caíram por causa do grande afluxo de negros houve reexportação de africanos para o Caribe Tomando em conta essas considerações calculo que o total de africanos desembarcados no Brasil em cerca de 14910 viagens transcorridas nos três séculos atinja 48 milhões pouco menos que os 4896 constantes no Database Globalmente as importações brasileiras representam 46 do total dos escravizados desembarcados Pelos motivos indicados acima o número de embarques nos portos africanos destinados ao Brasil 55 milhões 45 do total dos deportados da África está provavelmente sobreestimado no TSTD Dessa maneira a cifra de africanos introduzidos no Brasil entre 1500 e 1850 48 milhões é conhecida com maior precisão do que o número de colonos até 1822 e de imigrantes portugueses vindos no mesmo período Quanto à população indígena os cálculos são obviamente aleatórios A cifra computada por John Hemming no livro Red Gold 1978 que tem um cálculo da população indígena a mesma significação que o livro de Goulart vem nos estimativas sobre o tráfico negro é de 243 milhões de índios presentes no século xvi nos territórios posteriormente brasileiros desconsiderados as fronteiras atuais do Brasil No que concerne portugueses meus próprios cálculos indicam a cifra de 750 mil indivíduos entrados entre 1500 e 1850 Ou seja em cada cem escravos desembarcados no Brasil durante esse período 86 eram escravos africanos e catorze eram colonos e imigrantes portugueses escravos oriundos da África Oriental sobretudo de Moçambique chegou ao Brasil e principalmente ao Rio de Janeiro 82 na primeira metade do século xix É preciso sublinhar que os grandes portos negreiros se situavam na proximidade de bacias hidrográficas extensas como a do rio Senegal do Gâmbia Senegâmbia dos rios Niger e Volta golfo de Guiné do rio Congo e do Cuanzá CongoAngola do Zambeze e do Limpopo Moçambique permitindo o transporte fluvial de القativos para os portos marítimos e ampliando o impacto do tráfico no interior da África subaariana Assim escravizados embarcados num determinado porto podiam ter sido trazidos de comunidades situadas em vastas demarcações de litoral Uma particularidade marcante nas redes sulatlânticas é seu percurso bilateral 95 das viagens que desembarcaram africanos nos portos brasileiros foram iniciadas nesses mesmos portos sobretudo no Rio de Janeiro na Bahia e em Recife nessa ordem Em razão de correntes e ventos favoráveis no Atlântico Sul a viagem de ida e volta BrasilÁfrica era em média 40 mais curta do que as viagens similares dos portos antillanos e neteroamericanos até a África A relativa segurança e facilidade com que se navegava da costa brasileira ao golfo de Guiné ou Angola permitiam que navios de pequeno porte como as escunas de dois mestres que navegavam no rio São Francisco empregatários vagens regreiras Além do mais enfrentando ventos adversos os negros rivais europeus geralmente buscavam portos menos seguros como a desembocadura do Congo e acima dela Circunstância também protegeu a predominância lusobrasileira na navegação bilateral sulatlântica sulatlânticas que compõem as maiores redes negreiras oceânicas são as menos conhecidas pelos historiadores do Atlântico Nesse contexto emergiram quatro eixos principais e um eixo derivado unido aos ports brasileiros à África Em ordem crescente o primeiro eixo é o mais tardio e o que teve menor duração Tratase do circuito unindo a Amazônia à GuinéBissau na Senegâmbia Essa rede dependia da Companhia Geral de Comércio do GrãoPará e Maranhão CGGPM 175778 criada pelo marques de Pombal para administrar os territórios das duas pontas do circuito marítimo a GuinéBissau e a Amazônia Distintas do sistema náutico atlântico as rotas da CGGPM navegando ao Atlântico Norte configuravam um comércio triangular onde não existia um fortalecimento do círculo vicioso A Senegambia embarcava cativos e rumava para São Luís ou Belém de onde o navio voltava para Lisboa com produtos da Amazônia O segundo eixo unia Pernambuco a Angola e secundariamente ao golfo de Guiné O terceiro ligava a Bahia ao golfo de Guiné e em particular a baía de Benim Aqui o tabaco baiano é às vezes pernambucano aparecia como uma mercadoria de exportação privilegiada garantindo aos produtores escravistas regionais frete para os portos de Benim Cabe observar que Pombal também tentou enquadrar o tráfico pernambucano e baiano em companhias negreiras onde predominava o capital metropolitano Teve sucesso no primeiro caso criando a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba 175980 Mas fracassou no segundo deixando assim os negreiros baianos e fluminenses sem mais importantes da América portuguesa fora das companhias semiestaduais que passaram a controlar os portos de tráfico situados ao norte do rio São Francisco Enfim o quarto eixo conectava o Rio de Janeiro e seus portos subsidiários a Angola e mais tarde depois da chegada da corte a Moçambique e por vezes a outros portos negreiros da África Ocidental Da Guanabara derivava uma rede vinculando o tráfico fluminense ao Rio da Prata Crescendo com as exportações para Buenos Aires na época do contrabando da prata de Potosí e para Minas Gerais na época do ouro e do diamante o negócio negreiro do Rio de Janeiro passa a depender menos da demanda dos produtores açucareiros fluminenses e se avoluma com o deslanche da produção cafeira no CentroSul Ampliando suas redes na costa africana tanto em Angola e em particular em Benguela como em Moçambique o polo mercantil do Rio de Janeiro transforma a cidade no maior porto negreiro das Américas Notese que a cachaça fluminense servia regularmente de frete e de escambo nos portos angolanos Depois da Abertura dos Portos em 1808 o Rio também passa a reexportar mercadorias europeias de escambo para os portos africanos A intensificação do tráfico fluminense decore desde a retirada dos negreiros ingleses e americanos dos portos africanos depois da abolição do comercio transatlântico de africanos nos dois países em 1807 Com novas e volumosas ofertas indiferentes o brasileiro fluminense captam a oferta negreira em diversos portos africanos abandonados pelos americanos e ingleses O gráfico ao lado mostra que é nesse período que o Brasil se consolida como o maior importador de escravos do Novo Mundo Mais amplamente o gráfico ilustra a grande sincronia no fluxo do tráfico atlântico de africanos Em outras palavras desde 1550 até 1850 todos os ciclos econômicos brasileiros o do açúcar o do ouro e o do café derivam do ciclo multissecular de trabalho escravo trazido pelos traficantes No total a rede de tráfico baseada no Rio de Janeiro tem maior preeminência econômica e política no país embora o eixo BahiaBenim tenha grande destaque cultural no passado e no presente das relações entre à África e o Brasil De fato a hegemonia econômica e política do Rio de Janeiro foi fundamental para a afirmação da soberania do governo central sobre o território da América portuguesa e para a construção do Estado Nacional Tal hegemonia foi articulada pela classe dirigente lusobrasileira agregada à Coroa e financiada pela expansão cafeira no CentroSul Tudo isso só foi possível por causa do extraordinário crescimento do tráfico negreiro no século XIX Por causa da pilhagem das populações subsaarianas Jaime Rodrigues NAVIO NEGREIRO O TERRITÓRIO QUE HOJE CORRESPONDE AO BRASIL FOI A PORÇÃO do continente americano que recebeu o maior número de africanos escravizados ao longo de mais de três séculos de atividades negreiras transatlânticas Curiosamente não sabemos ao certo como eram os navios que transportaram os milhões de homens mulheres e crianças da África para a América Também não temos fragmentos ou peças desses navios Inúmeros objetos de cultura material sobre as viagens negreiras foram reunidos a partir das pesquisas que levaram ao reconhecimento do Cais do Valongo como Patrimônio da Humanidade em 2017 O fato foi amplamente noticiado mas a preservação o estudo e a divulgação do material coletado na descoberta do Valongo sob a zona portuária do Rio de Janeiro foram timidos desde então Para descobrir um navio negro dependemos de relatos de artistas e viajantes estrangeiros do século XIX Da perspectiva do próprio escravizado restaram poucas evidências sobre o que representou a travessia do Atlântico após o desterro a separação da família da comunidade da língua dos hábitos alimentares da religião e dos poderes políticos na África Caso raro é o de Mahommah Gardo Baquaqua nascido por volta de 1824 em Grafe ao norte do atual Benim É esse africano traficado que nos guia quando a questão é o navio negreiro Seus horrores ah quem pode descrever Em sua autobiografia Baquaqua ensaiou uma resposta afirmando que quem veio confinado nos porões poderia narrar a experiência sentime grato à Providência por ter me permitido respirar ar puro novamente pensando este que absorvia quase todos os outros Pouco me importava então de ser escravo farinha de mandioca e arroz compunham a dieta dos prisioneiros Na ausência de alimentos frescos a partir de certa altura da viagem gravavam doenças como o escorbuto avitaminose conhecida nos séculos xviii e xix pelo elucidativo nome de mal de luanda Luanda era um importante porto negreiro de Angola Vigilados mal alimentados e reprimidos os africanos ainda assim se rebelavam Embora essa não fosse a regra as revoltas eram comuns e amedrontavam as equipagens negridas em razão da desproporção numérica entre lados envolvido Para vigiar os escravos presos no porão era útil compreender o que eles diziam dá importância da pânico de enfrentar uma morte trágica como a de ser devorado numa terra estrangeira por gente branca O navio negreiro porém ainda é visto como um objeto atemporal na longa duração do tráfico Quais fontes permitem descrevêlo De início destaco as representações artísticas Desde 2007 o Museu Afro Brasil em São Paulo mantém uma sala expositiva com uma cenografia temática sobre o tráfico de africanos Ali está exposto um conjunto de obras umas assinadas e outras sem autoria em meio a um cenário com sonoplastia e iluminação especiais Na sala encontrase a quilha de uma embarcação negreira que é evidentemente produto da liberdade criativa do artista A julgar pela quilha a embarcação seria pequena mas de fato navios negreiros percorriam o Atlântico sobretudo na época do comércio ilegal após 1831 O compromisso do artista não era com a realidade doen attire ele procurava antes sensibilizar os visitantes para o que o ambiente do navio negreiro era apertado inseguro e escuro remetendo à claustrofobia De acordo com Rugendas os escravos eram amontoados num compartimento cuja altura raramente ultrapassa cinco pés 15 metro Esse cárcere ocupa todo o comprimento e a largura do porão do navio ai são eles reduzidos em número de duzentos a trezentos As mais das vezes as paredes comportam a meia altura uma espécie de prateleira de madeira sobre a qual jaz uma segunda camada de corpos de escravos em seus primeiros tempos da travessia têm algumas nos pés e nas mãos e são presos uns aos outros por uma comprida corrente Em 1828 o pastor inglês Robert Walsh descreveu o Veloz navio negreiro brasileiro apreendido no litoral africano Tratavase de uma embarcação grande e bem armada de convés amplo três mastros velas latinas e tripulada por 161 homens No porão com escoltas gradeadas vinham 562 escravos O teto era tão baixo e o lugar tão apertado que eles ficavam sentados entre as pernas uns dos outros formando fileiras tão compactas que lhes era totalmente impossível deitar ou mudar de posição noite ou dia Os africanos ocupavam um espaço onde não entrava luz nem ventilação a não ser nos pontos situados imediatamente abaixo das escoltas Como era comum havia uma divisão no porão separando os escravos pelo sexo e pela idade A indignação de Walsh ao descrever tal cenário se chocava com a experiência de seus colegas britânicos para quem o Veloz era um dos melhores navios negreiros que eles já tinham visto Outro caso raro de viajante a descrever um navio negreiro carregado foi o do inglês Pascoe Grenfell Hill capelão do navio de guerra britânico Cleopatra que subiu a bordo do Progresso capturado pelos ingleses em Moçambique no ano de 1843 O Progresso tinha 140 toneladas e um convés de 37 pés pouco mais de onze metros de comprimento Depois de enfrentar uma tempestade foram encontrados 54 cadáveres no havia me safado do navio e era apenas nisso que eu pensava Humanos como eram os africanos traficados desejavam viver E morrer no navio negreiro não era uma morte qualquer No século xvii o franciscano João António Cavazzi informou que ao deixar a África muitos africanos julgavam que seriam devorados pelos brancos Gente da África Ocidental como Olaudah Equiano relatou o terror sentido a bordo Equiano julgou que os tripulantes brancos do navio onde foi transportado compulsoriamente eram espíritos maus que iriam matar ele Ele entendia que qualquer esforço para voltar à sua terra natal era vão e aquele povo ele embarcadas a força agora eram meus amigos Fui levado ao porão e lá saudado com choro Para africanos crentes que seriam mortos após a travessia embarcar num navio negreiro era motivo de pânico e resistir era a condição para se manterem vivos Sobreviver podia ser motivo de festa na chegada ao outro lado do oceano Não por acaso viajantes estrangeiros como LouisFrançois de Tollenare Maria Graham AdalbertFerdinand Henry Chamberlain e Ernest Ebel ao visitarem os mercados de escravos do Recife e do Rio de Janeiro registraram a alegria demonstrada por homens e mulheres em péssimas condições físicas depois de cruzar o Atlântico Povos de diferentes lugares da África acreditavam que os brancos eram calamidade para a carne negra Baquaqua foi um dos que expressaram essa crença Ao ver o navio no qual embarcaria rumo a Pernambuco em 1845 julgou que todos seriam massacrado Baquaqua agradeceu ao Deus cristão por continuar vivo Seu relato foi escrito depois da conversão dele à religião batista no Haiti onde viveu entre 1848 e 1850 Sua memória transformouse entre a captura na África e a escrita da autobiografia sendo seguro afirmar que ao ver o navio negreiro seus pensamentos estavam voltados para as divindades africanas ou para Alá já que Baquaqua era filho de pai muçulmano A alimentação a bordo era escassa não apenas em razão do mau planejamento das viagens A quantidade de comida era deliberadamente diminuída a fim de inviabilizar a resistência dos cativos sobretudo nos primeiros dias no navio Carneseca feijão embora não sejam ricos em detalhes sobre a embarcação negueira o relato de Hill ilumina uma situação sobre a qual pouco sabemos Depois da captura de um navio pela armada inglesa o porão continuava a ser o lugar destinado aos escravos com eventuais subidas ao convés Neste caso alguns foram levados para a Cleopatra mas a mortalidade fora imensa da ordem de 44 de todos os africanos embarcados em Moçambique Em quase todas as descrições de navios negreiros os escravizados são representados apenas no porão Eles sempre estão encarcerados quase nunca ocupam o convés trabalhando tomando sol ou fazendo qualquer outra atividade Uma exceção notável é a aquarela do artista inglês Émène Essex Vidal Embarcação de escravos de 1834 num pequeno veleiro de dois mastros tornando grande distância de modo a confrontar a fragilidade do navio com a imensidão do oceano os africanos estão no convés amontoados formando uma massa humana indistinta Navios negreiros podiam transportar de cem a seiscentas pessoas conforme suas capacidades e tipologias A superlotação e as condições insalubres dos porões aliadas à dieta e à água racionadas a bordo ajudam a entender a mortalidade dos africanos durante a travessia que poderia ocorrer em um dos seis meses e levar à morte até um quarto dos embarcados De modo geral tomando Luanda como ponto de partida a travessia até Recife durava 35 dias até a Bahia quarenta dias e do Rio de Janeiro sessenta dias A isso podiam se somar as calmarias as quarentenas motivadas por epidemias a bordo ou as paradas para reabastecimento Os traficantes foram pioneiros no uso de tecnologias navais Em meados do século XVIII por exemplo traficantes ingleses da América portuguesa e de Portugal pi A maior novidade tecnológica na navegação marítima ocorreu no século XIX e manteve uma relação paradoxal com o tráfico de africanos o vapor Introduzido timidamente no Brasil nos anos 1830 ocupava com máquinas e carvão boa parte do espaço útil nos porões No caso das embarcações negreiras tal fato trazia uma desvantagem evidente criação de novas formas de execução das tarefas a bordo permitindo diminuir o número de tripulantes Todavia nos navios negreiros as tripulações continuaram grandes para reprimir possíveis revoltas a bordo As novidades também ressoaram na vida dos escravos por diminuírem o tempo da viagem e aumentarem as chances de sobrevivência Relatos e imagens lançam mais perguntas que respostas Qual seria afinal a aparência dos navios que traziam africanos escravizados para o Brasil ao longo dos séculos A questão não é simples e sua resposta não pode ser objetiva É a arqueologia de naufrágios que devem e É preciso de outra parte sustentar a memória coletiva da resistência à escravidão e à desigualdade legada por nossos antepassados os trabalhadores escravizados Carlos Eugênio Libano Soares VALONGO EM 2014 A PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO INÍCIOU as obras do projeto Porto Maravilha de revitalização da zona portuária Logo nos primeiros momentos do trabalho na praça Jornal do Comércio a poucos metros da superfície foram encontrados os restos de dois cais de pedra datados do século XIX o Cais da Imperatriz 1843 e o Cais do Valongo 1811 O Cais do Valongo foi o mais importante entreposto negreiro da cidade na época de intenso tráfico de escravos africanos no país 17741831 A mobilização da sociedade civil e das entidades organizadas do movimento negro impediu que o cais fosse destruído em definitivo pelos trabalhos efetuados no local e o sítio arqueológico do Cais do Valongo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN O Cais do Valongo LAT 22 53 49 03 CON 43 11 14 62 situase na confluência das ruas Camerino e Sacadura Cabral no 12 Distrito da Área Central da cidade do Rio de Janeiro Em 1774 o marquês do Lavradio vice rei governador do Estado do Brasil ordenou a transferência do mercado de escravos da rua Direita atual Primeiro de Março para o litoral norte da cidade na freguesia de Santa Rita numa área espremida entre os morros de São Bento Conceição Lvarmento Providência e o litoral O objetivo era impedir a presença de pretos novos como eram chamados os escravos africanos recémdesembarcados e geralmente levados para o interior da colônia na área mais nobre da cidade Data dessa época a criação do complexo do Valongo formado de quatro setores articulados a saber a rua do Valongo atual rua Camerino onde ficariam as lojas de venda apesar de poderem se espalhar por toda a zona do Valongo até a Gamboa o Cemitério dos Pretos Novos na atual rua Pedro Ernesto antiga rua do Cemitério onde eram enterrados os africanos que faleciam na travessa ou antes da venda o Lazareto dos escravos fundado em 1810 hospital para atendimento dos cativos africanos que chegavam com enfermidades após a viagem atlântica no litoral oeste da península da Saúde e o Cais do Valongo construído em 1811 em substituição à antiga ponte de madeira que foi usada inicialmente para desembarcar os escravos desde 1774 O Valongo funcionou como uma extensa área de recepção exclusiva dos escravos africanos vendidos na cidade do Rio capital da colônia e maior mercado escravista do país Cerca de 1 milhão de escravos circularam por ali nesses quarenta anos a maioria remetida para as minas de ouro e as fazendas de café do Vale do Paraíba Desde então o lugar passou a ser conhecido como Pequena África apesar de o termo ter sido popularizado somente no começo do século XX por Heitor dos Prazeres morador local A presença de tão grande e heterogênea população teve impactos profundos na região Nas proximidades existe a Pedra do Sal tradicional reduto de sambistas e praticantes de religiões afrobrasileiras No passado remoto a Pedra do Sal era parte da senzala dos escravos da torre da Ordem de São Francisco pertencente à Ordem de São Francisco da Penitência fundada pelo frei Francisco da Mota filho do comerciante Manuel da Mota cristãonovo construtor do trapiche chamado entã da Prainha e da africana Maria do Gentio da Guiné de nome Cabo Verde escrava dele O trapiche funcionou de 1668 até 1916 quando foi demolido após as obras do Cais do Porto A Pedra do Sal é hoje um dos locais mais reverenciados da formação da moderna cultura negra da cidade do Rio O termo se refere ao Armazém do Sal localizado até hoje na praça Mauá produto que era monopólio régio e cujo desembarque era feito pelos escravos do trapiche que depois descansavam na pedra da Prainha nome do antigo costão demolido em 1821 do qual Pedra do Sal é apenas um pequeno resquício Na região moraram personagens de vulto da história da população negra no Rio como o Príncipe Obá ou Cândido da Fonseca Galvão crioulode a Bahia Lençois filho de africanos herói da Guerra do Paraguai e monarca virtual dos pretos e mulatos da corte amigo de d Pedro II jornalista militante das causas raciais e que residiu na rua Barão de São Félix Machado de Assis para muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos nascido na ladeira do Livramento quase em frente ao cais em 1839 Rita Ciata ou Hilária Batista de Almeida célebre sacerdotisa do culto dos orixás nascida na Bahia foi residir no morro da Conceição em 1876 Hilário Ivonio Ferreira pernambucano criado na Bahia figura lendária da idade heroica da formação das escolas de samba e do moderno Carnaval carioca morreu na travessa das Partilhas atual rua Costa Ferreira no morro da Providência Além disso a região foi palco das mais importantes obras do engenheiro André Rebouças primeiro engenheiro negro da Escola Politécnica do largo de São Francisco de Paula Ao lado do Cais do Valongo jaz a Doca Dom Pedro II aberta em 1875 erguida por ele sem o uso de trabalho escravo conforme predito pelo engenheirochefe Rebouças a qual seria a primeira parte de um imenso conjunto de docas que cobriria o litoral até Gamboa mas que jamais foi construído A Doca Dom Pedro II foi a primeira doca moderna da cidade O Cais do Valongo foi a única obra de infraestrutura portuária em pedra construída na gestão de d João VI no Brasil Em 1808 Portugal se tornava das últimas nações ultramarinas européias a manter o tráfico atlântico de escravos africanos A Revolução Francesa de 1789 tinha eliminado o tráfico para suas colônias em 1807 a Inglaterra havia tornado ilegal seu próprio comércio oceânico de escravos em 1791 com a Revolução Haitiana entre em colapso a mais importante região fornecedora de açúcar ao Caribe a Revolução Americana e a independência das nações hispanoamericanas tinham reduzido muito a demanda por escravos africanos no hemisfério ocidental Assim Portugal podia intensificar suas trocas sobretudo em Angola sem temer a concorrência estrangeira Outro fator decisivo foi a alta nos preços do açúcar e do café na Europa em parte pela ascensão da nova burguesia Dessa forma no fim do século XVIII a demanda de escravos africanos no Brasil aumentava sensibilmente A compra venda e armazenamento de escravos era o negócio mais rendoso na cidade ao menos desde os primórdios daquele século quando do início da corrido do ouro O Cais do Valongo foi pois uma obra relevante para o melhoramento da logística de venda e revenda de escravos na cidade e contribuiu para a alta popularidade do regente e depois rei d João vi entre os comerciantes de grosso trato no Rio Muitos desses africanos sobretudo aqueles vindos da África Ocidental antes do desembarque na cidade fizeram escala em Salvador da Bahia já que a legislação régia proibia desde 1703 o tráfico direto entre a África Oriental e o Rio temendo contrabando de ouro e alta mortalidade em longas viagens atlânticas O cais foi erguido pela Intendência Geral de Polícia da Cidade do Rio de Janeiro chefiada entre 1808 e 1821 por Paulo Fernandes Viana Quase prefeito da cidade ele lançou um novo imposto sobre o tráfico de escravos para financiar a construção do cais de pedra chamado na documentação da época de Rampa do Valongo que custou mais de três contos de réis Em 1813 a Coroa instituiu nova lei de Arqueação de Navios Negreiros a primeira foi de 1684 estabelecendo as regras do comércio e confirmando o Valongo como único local legal para desembarque de escravos na cidade do Rio de Janeiro Os viajantes europeus que afluíram à cidade depois da vinda da família real descrevem em detalhes as lojas de venda e engorda desses africanos na rua do Valongo Frequentemente eram casas térreas com ampla área interna onde se apresentavam os escravos aos seus possíveis senhores A práxis era mostrar que o africano gozava de boa saúde era forte prestativo e submisso No auge do comércio negreiro as casas de vendaengorda de africanos ficavam repletas de peças da Guiné e de Angola Nos arredores ferreiros fabricavam correntes e outros instrumentos usados no controle e suplício dos cativos Em geral a venda ao varejo cobria os pequenos compradores a maioria dos moradores urbanos Boa parte dos pequenos vendedores eram ciganos tidos como experientes para lidar com animais e escravos como exercitados como desonestos e não confiáveis Os grandes atacadistas não ciganos vendiam diretamente aos opulentos fazendeiros que podiam reembarcar centenas de negros rumo aos fundos da baía de Guanabara de onde partiam a pé para as fazendas do Vale do Paraíba Mas do Valongo partiam navios com africanos que tinham como destino províncias de todo o Império para as atuais regiões Sudeste Sul e CentroOeste e até mesmo para Belém do Pará O Lazareto foi instituído em 1810 por ordem do regente d João Era uma obra particular gerenciada pelas maiores fortunas do tráfico de cativos da cidade Esses magnatas fiscalizavam conjuntamente com servidores reais as embarcações e internavam os pretos novos enfermos As doenças mais comuns eram glaucoma sarna disenteria varíola bexiga todas relacionadas com as péssimas condições sanitárias das embarcações Quase um quarto dos escravos vindos da África eram portadores de enfermidades Os administradores privados do Lazareto cobravam um preço alto dos armadores e capitães negros sócios do negócio como eles pela quarentena dos cativos o que gerou uma representação de grande parte dos comerciantes para o rei pedindo revisão do valor das taxas Os números crescentes do tráfico negreiro na cidade nos anos 1810 e 1820 apontam uma imensa população escrava assistida pelos médicos num espaço razoavelmente médico Em 1804 o governo da cidade instituiu para os escravos novos a vacinação obrigatória contra a varíola o que deve ter reduzido a mortalidade IRA demorar cem anos para a medida atingir a população pobre livre Segundo estatísticas da época 10 dos escravos africanos levados para o Rio morriam na travessia ou pouco após o desembarque a maioria na segunda modalidade revelando como era alta a taxa de mortalidade no local Eles eram enterrados no Cemitério dos Pretos Novos da Gamboa ou Cemitério do Valongo hoje Instituto Pretos Novos Na realidade esse não chegou a ser um cemitério mas sim uma imensa vala onde os corpos dos cativos eram jogados As descrições indicam uma larga área cercada de um muro branco com um cruzeiro na porta e piso interno de terra Uma dupla de negros carregava os corpos numa rede e depois se jogava um pouco de terra por cima o que mal disfarçava O primeiro cemitério de escravos no Rio foi o da Santa Casa de Misericórdia nos arredores do morro do Castelo já no final do século xvii Em 1722 o aumento da chegada de africanos em trânsito para as minas levou à criação do Cemitério dos Pretos Novos de Santa Rita nos fundos da freguesia da Candelária Em 1751 Santa Rita se torna uma freguesia própria desmembrada da Candelária mas o volume de africanos enterrados diminui no ritmo da decadência das minas de ouro Em 1774 o litoral norte da cidade já é densamente setor administrativo e museu arqueológico foi em passado remoto uma das casas de engorda de africanos segundo tradição dos moradores do lugar registrada pelo IPHAN Talvez um dos últimos remanescentes do conjunto do maior complexo negreiro das Américas a não sofrer alteração em suas formas fundamentais tenha sido a ligação da Saúde datada do século XVIII nos fundos do antigo quartel da Harmonia Fundada em 1742 era nos tempos do cattleya a ponta final da longa praia que vinha da Prainha praia Mauá e desembocava na ponta do morro da Saúde Naquela época os escravos recémdesembarcados no Valongo eram levados para ser tratados nessa irjiga uma vez que não eram permitidos gentios do costa da África em terras do rei de Portugal Em 9 de julho de 2017 a Unesco setor da ONU ligado a rãeira cultura e educação concedeu o título de Patrimônio da Humanidade ao Cais do Valongo Foi o reconhecimento não apenas de um cais de pedra secular mas da importância de dar visibilidade à trajetória sofrida dos povos africanos e afrodescendentes na história mundial moderna O Valongo foi o primeiro Patrimônio da Humanidade do Brasil inscrito no programa A Rota do Escravo também da Unesco criado em 1994 para mapear o percurso de africanos e descendentes pelo mundo na diáspora da era moderna Esperamos que novas pesquisas possam ser abertas com essa visibilidade