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JÚLIA LOPES DE ALMEIDA O CASO DE RUTH A Valentim Magalhães Pode abraçar sua noiva Disse com bambaleaduras na papeira flácida a palavrosa baronesa Montenegro ao Eduardo Jordão apontando a neta que se destacava na penumbra da sala como um lírio alvíssimo irrompido dentre os florões grosseiros da alcatifa Ele não se atreveu e a moça conservouse impassível Não se admire daquela frieza Olhe eu sei que Ruth o ama não porque ela o dissesse esta menina é de um recato e de um melindre de envergonhar a própria sensitiva mas porque toda ela se altera quando ouve o seu nome O corpo tremelhe a voz muda de timbre e os olhos brilham como se tivessem fogo lá por dentro Outro dia porque uma prima mais velha senhora de muito respeito ousasse pôr em dúvida o seu bom caráter a minha Ruth fezse de mil cores e tais coisas lhe disse que nem sei como a outra a aturou Toda a gente percebe que ela o ama mas é uma obstinada e lá guarda consigo o seu segredo Agora que o senhor vem pedila é que eu lhe declaro que estava morta por que chegasse este momento Aprecieio sempre com um coração e um espírito de bom quilate Oh Minha senhora Não lhe faço favor Além disso Ruth está com vinte e três anos pareceme ser já tempo de se casar Há de ser uma excelente esposa é bondosa regularmente instruída nada temos poupado com a sua educação e se não aparece e não brilha muito na sociedade é pelo seu excesso de pudor Eu às vezes cismo que esta minha neta é pura demais para viver na terra Todas as pessoas de casa têm medo de lhe ferir os ouvidos e escolhem as palavras quando falam com ela Não admira a mãe teve só esta filha e foi rigorosíssima na escolha das mestras e das amigas o padrasto tratavaa também com muita severidade embora fosse carinhoso Um santo homem Desde que ele morreu que nos falta a alegria em casa A mulher coitada como sabe ficou paralítica e esta pequena mesmo tornouse melancólica e sombria Às vezes penso que ela fez voto de castidade tal é o seu recato desenganome lembrandome de quanto é moderada na religião e de que o seu bom senso se revela em tudo O que tenho a dizerlhe portanto é isto afirmolhe que Ruth o adora e que não há alma mais cândida nem espírito mais virginal que o seu Aí a deixo por alguns minutos se é o respeito por mim que lhe tolhe as palavras concedolhe plena liberdade Eduardo fixou na noiva um olhar apaixonado Na sua brancura de pétala de camélia não tocada Ruth continuava em pé no mesmo canto sombrio da sala Os seus grandes olhos negros chispavam febre e ela amarrotava com as mãos lentamente em movimentos apertados o laço branco do vestido A baronesa acrescentou ainda carregando nas qualidades da neta e fazendo ranger a cadeira de onde se erguia Ruth nunca foi de lástimas e apesar de mimosa e de aparentemente frágil tem boa saúde Um bom corpo ao serviço de uma excelente alma Dirão Estas palavras ficam mal na tua boca Pouco importa são a verdade Tenho outras netas filhas de outras filhas tenho criado muitas meninas minhas e alheias mas em nenhuma encontrei nunca tanta doçura tanta altivez digna e tanta pudicícia Aí lha deixo confessea A velha saiu Todos os rumores da rua rolaram confusamente pela sala A porta que se abriu e fechou trouxe numa raja de luz os repiques dos sinos o rodar dos veículos o sussurro abominável da cidade atarefada mas também tudo se extinguiu depressa A porta fechouse as janelas voltadas para o jardim mal deixavam entrar a claridade coada por espessas cortinas corridas e os noivos ficaram sós silenciosos contemplandose de face O finado barão fora um colecionador afincado de móveis e de outros objetos dos tempos coloniais Súdito de D João VI de que a sua adorável memória acusava ainda todos os traços já aos noventa anos era sempre o seu assunto predileto a narração dos sucessos históricos presenciados por ele À proporção que se ia afastando dos seus dias de moço mais aferrado se fazia aos gostos e às modas do seu tempo Só se servia em baixela assinada com os emblemas da casa bragantina e a propósito de qualquer coisa dizia fincando o queixo agudo entre o indicador em curva e o polegar Lembrome de uma vez em que a D Carlota Joaquina Ou então Em que D João VI ou D Pedro I etc E em seguida lá vinha a descrição de um TeDeum ou de uma procissão a que a sua imaginação facultosa emprestava as mais brilhantes pompas A família tinha um sorriso condescendente para aquele apego já sem curiosidade a força de ouvir repetir os mesmos fatos Os amigos evitavam tocar de leve que fosse em assuntos políticos receosos da lonjura do capítulo que o barão a propósito lhes despejasse em cima mas só ele o bom o fiel nada percebia e com os olhos no passado toca a citar ditos e atitudes dos imperadores e a curvarse numa idolatria pelo espírito boníssimo da última imperatriz Alguma coisa disso se refletia em casa tudo ali era sóbrio monótono e saudoso Cadeiras pesadas de moldes coloniais largas de assento pregueadas no couro lavrado de coroas e brasões fidalgos uniam as costas às paredes de onde um ou outro quadro sacro pendia desguarnecido e tristonho Assim o quisera ele que até mesmo na hora suprema rejeitara um belo crucifixo que lhe oferecia o padre voltando os olhos suplicantes para um outro crucifixo mais tosco erguido sobre a cômoda e que pertencera a D Pedro I Para ele naquela cruz não estava só o Cristo estava de envolta com o respeito pelos monarcas extintos a lembrança dos seus folguedos de moço Talvez mesmo num volteio súbito da memória se lembrasse das festas religiosas em que namorara à sombra dos conventos a sua primeira mulher e beliscara com freimas amorosas os braços gordos de Janoca a mulatinha mais faceira de então Quem sabe Talvez que na hora da morte não se possa só a gente lembrar das coisas sérias Qualquer hora vivida pode ser recordada rapidamente sem tempo de escolha Como a Janoca não pertencera a história a família ignoroua e pelo ar gélido daquela galeria de espectros palacianos não apareceu nem um requebro quente de mulatinha risonha que lhes desmanchasse a compostura Depois de viúva a segunda baronesa reformara algumas coisas e confundira os estilos pondo no mesmo canto um contador Luiz XV um móvel da Renascença e uns tapetes modernos entre largos reposteiros de seda cor de marfim Aquela extravagância não conseguira quebrar a severidade do todo Tinha uma fisionomia casta e grave aquela sala As virgens dos quadros de longo pescoço arqueado e rosto pequenino gozavam ali o doce sossego de uma meia tinta religiosa Mas lá dentro os dias passavamse entre o tropel da criançada os sons do piano de Ruth e a confusão dos criados E era por isso que todos fugiam lá para dentro e que só Ruth nas suas horas de inexplicável tristeza se encerrava ali em companhia da Madona da Cadeira e da Virgem de S Sixto Era nessa mesma sala que ela estava ainda muda e pálida em frente do seu amado Ruth balbuciou Eduardo Mas a moça interrompeuo com um gesto e disselhe logo com voz segura e firme Minha avó mentiulhe O noivo recuou num movimento de surpresa foi ela quem se aproximou dele com esforço arrogante e doloroso deslumbrandoo com o fulgor dos seus olhos belíssimos bafejandolhe as faces com o seu hálito ardente Eu não sou pura Amoo muito para o enganar Eu não sou pura Eduardo lívido com latejos nas fontes e palpitações desordenadas no coração amparouse a uma antiga poltrona velha relíquia de D Pedro I e olhou espantado para a noiva como se olhasse para uma louca Ela firme na sua resolução muito chegada a ele e à meia voz para que a não ouvissem lá dentro ia dizendo tudo Foi há oito anos aqui nesta mesma sala Meu padrasto era um homem bonito forte eu uma criança inocente Dominavame a sua vontade era logo a minha Ninguém sabe Oh Não fale Não fale pelo amor de Deus Escute escute só é segredo para toda a gente No fim de quatro meses de uma vida de luxúria infernal ele morreu e foi ainda aqui nesta sala entre as duas janelas que eu o vi morto estendido na eça1 Que libertação que alegria que foi aquela morte para a minha alma de menina ultrajada Ele estava no mesmo lugar em que me dera os seus primeiros beijos e os seus infames abraços ali ali Oh o danado Mais do que nunca lhe quero mal agora Não fale Eduardo Minha avó morreria sofre do coração e minha mãe ficou paralítica com o desgosto da viuvez Desgosto por aquele cão E ela ainda me mandava rezar por sua alma a mim que a quero no inferno Às vezes tenho ímpetos de lhe dizer Limpa essas lágrimas teu marido desonrou tua filha foi seu amante durante quatro meses Calome piedosamente e acodem todos que não chorei a morte daquele segundo pai e bom amigo É isto a minha vida Cedi sem amor pela violência mas cedi 1 Estrado onde se colocavam os caixões para os corpos serem velados Doulhe a liberdade de restituir a sua palavra à minha família Ruth falara baixo precipitando as palavras toda curvada para Eduardo que lhe sentia o aroma dos cabelos e o calor da febre Em um último esforço a moça fezlhe sinal que saísse e ele obedeceu curvandose diante dela sem lhe tocar na mão O outro está morto há oito anos ninguém sabe só ela e eu Está morto mas vejoo diante de mim sintoo no meu peito sobre os meus ombros debaixo de meus pés nele tropeço com ele me abraço em uma luta que não venço nunca Ninguém sabe mas por ser ignorada será menor a culpa Dizem todos que Ruth é puríssima Assim o creem Deverei contentarme com essa credulidade Bastará mais tarde para a minha ventura saber que toda a gente me imagina feliz O meu amigo Daniel é felicíssimo exatamente por ignorar o que os outros sabem Se a mulher dele tivesse tido a coragem de Ruth amálaia ele da mesma maneira Se a minha noiva não me tivesse dito nada não seria o morto quem se levantasse da sepultura e me viesse relatar barbaramente as suas horas de volúpia que me fazem tremer de horror E eu ignorante seria venturoso amaria a minha esposa à sombra do maior respeito e com a mais doce proteção E assim Poderei sempre conter o meu ciúme e não aludir jamais ao outro Ele morreu há oito anos ela tinha só quinze ninguém sabe Só ela e eu e ela amame amame ama me Se me não amasse e fosse em todo caso minha noiva dirmeia do mesmo modo tudo Não pareceme que não não sei se me não amasse nada me diria Daí quem sabe Amoo muito para o enganar pareceme que lhe ouvi isto Se eu pudesse esquecêla Não devo adorála assim É uma mulher desonrada A pudica açucena de envergonhar sensitivas é uma mulher desonrada E eu amoa Que hei de fazer agora Abandonála não seria digno nem generoso Aquela confissão custoulhe uma agonia Se ela não fosse honesta não afrontaria assim a minha cólera nem se confessaria àquele que amasse só para não sentir a humilhação de o enganar E o que é por aí a vida conjugal senão a mentira a mentira e mais ainda a mentira O outro está morto ninguém sabe só ela e eu Ela e eu E que nos importam os outros tendo toda a mágoa em nós dois só Antes todos os outros soubessem Não Que será preferível ser desgraçado guardando uma aparência digna ou Não Em certos casos ainda há alguma felicidade em ser desgraçado Ela amame eu amoa ele morreu há oito anos já nem lhe falam sequer no nome Ninguém sabe ninguém sabe só ela e eu Eduardo Jordão passava agora os dias em uma agitação medonha Atraía e repelia a imagem de Ruth até que um dia vencido escreveulhe longamente amorosamente disfarçando sob um manto estrelado de palavras de amor a irremediável amargura da sua vida Que esquecesse o passado ele amavaa o tempo apagaria essa ideia e eles seriam felizes completamente felizes O casamento de Ruth alvoroçava a casa A baronesa ocupava toda a gente sempre abundante em palavras e detalhes Só Ruth ainda mais arredia e séria se encerrava no seu quarto sem intervir em coisa alguma Relia devagar a carta do noivo em que o perdão que ela não solicitara vinha envolvido em promessas de esquecimento Esquecimento Como se fosse coisa que se pudesse prometer A moça de bruços na cama com o queixo fincado nas mãos os olhos parados e brilhantes bem compreendia isso Entraria no lar como uma ovelha batida O perdão que o noivo lhe mandava revoltavaa Pediralhe ela que lhe narrasse a sua vida dele as suas faltas os seus amores extintos Não teria ele compreendido a enormidade do seu sacrifício Seria cego Seria surdo Dono de um coração impenetrável e de uma consciência muda As suas mãos estariam só tão afeitas a carícias que não procurassem estrangulála no terrível instante em que ela lhe dissera eu não sou pura Ou então por que não a ouvira de joelhos compenetrado daquele amor tão grande que assim se desvendava todo Ele prometia esquecer Mas no futuro quando se enlaçassem não evocariam ambos a lembrança do outro Talvez que então Eduardo a repelisse a deixasse isolada no seu leito de núpcias e fugindo para a noite livre fosse chorar lá fora o sonho da sua mocidade Sim a sua noite de núpcias seria uma noite de inferno Se ele fosse generoso ela adivinharia através da doçura do seu beijo os ressaibos da lembrança do primeiro amante e quanto maior fosse a paixão maior seria a raiva e o ciúme Esquecimento sim talvez lá para a velhice quando ambos frios e calmos fossem apenas amigos Ruth pensou em matarse Viver na obsessão de uma ideia humilhante era demais para a sua altivez Desejou então uma morte suave que a levasse ao túmulo com a mesma aparência de cecém2 cândida de envergonhar a própria sensitiva 2 Significa açucena uma flor que simboliza a nobreza a altivez a distinção e a elegância Queria um veneno que a fizesse adormecer sonhando e quanto dera para que nesse sonho fosse um beijo de Eduardo que lhe pousasse nos lábios De luto a casa Ramos e coroas virginais entravam a todo o instante Quem saberia explicar a morte de Ruth Foram achála estendida na cama já toda fria Agora estava entre as duas janelas na grande sala sombria espalhando sobre o fumo da eça as suas rendas brancas e o seu fino véu de noiva Parecia sonhar com o desejado esposo que ali estava a seu lado pálido e mudo Entravam já para o enterro e foi só então que uma voz disse alto saindo da penumbra daquela sala antiga Vai ficar com o padrasto no mesmo jazigo Eduardo fixou a morta com doloroso espanto Estava linda Na pele alvíssima nem uma sombra Os cabelos negros mal atados na nuca desprendiamse em uma madeixa abundante de largas ondas Que Seria ainda para o outro aquele corpo angélico tão castamente emoldurado nas roupas do noivado Seria ainda para o outro aquela mocidade aquela criatura divina que deveria ser sua E a mesma voz repetiu Vai ficar com o padrasto Com o padrasto noites e dias fechados unidos sós Fora para isso que ela se matara para ir ter com o outro Aquele outro de quem via o esqueleto torcendose na cova de braços estendidos para a reconquista da sua amante Alucinado ciumento Eduardo arrancou então num delírio o véu e as flores de Ruth e inclinando um tocheiro pegou fogo ao pano da eça E a todos que acudiram nesse instante pareceu que viam sorrir a morta em um êxtase como se fosse aquilo que ela desejasse Conto extraído do livro Ânsia Eterna de Júlia Lopes de Almeida 1903 Júlia Lopes de Almeida Defensora da educação feminina do divórcio da abolição do regime escravocrata escreveu para periódicos dedicados e editados por mulheres como A mensageira e a Única A escritora estava na lista do grupo de intelectuais responsáveis pela criação da Academia Brasileira de Letras mas de última hora teve o nome excluído da lista No seu lugar entrou justamente o seu marido Filinto de Almeida porque os fundadores optaram por manter a Academia exclusivamente masculina como uma maneira de seguir o modelo da Academia Francesa de Letras Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 24 de setembro de 1862 e morreu na mesma cidade em 30 de maio de 1934 Texto compilado e extraído dos sites da EBC e da biblioteca nacional digital Seleção Digitalização Organização e Estabelecimento de Texto de Helena Mendes e Dino Cavalcante MÚSCULOS E NERVOS Terminava a primeira parte do espetáculo quando D Olimpia entrou no circo pelo braço do pai Havia grande enchente O público vibrava ainda sob a impressão do último trabalho exibido que devia ter sido maravilhoso porque o entusiasmo explodia por toda a platéa e de todos os lados gritando ferozmente Scot A cena Scot Dous sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir Muitos espectadores de chapéu no alto da cabeça estavam de pé e batiam com a bengala nas costas das cadeiras as cocotes pareciam loucas e soltavam guinchos que ninguem entendia das galerias trovejava um barulho infernal e por entre aquela descarga atrofadora só o nome do idolatrado acrobata sobresaía exclamado com delírio por mil vozes Scot Scot Olimpia sentiuse aturdida o pai no íntimo arrependiase de lhe ter feito a vontade consentindo em levala ao circo mas o médico recomendara tanto que não a contrariassem e ela havia mostrado tanto empenho no capricho de ir aquela noite ao Politeama De repente um grito unisono partiu da multidão Estalaram as palmas com mais ímpeto choveram chapéus arremegaramse leques e ramalhetes Scot havia reaparecido Bravo Bravo Scot E os aplausos recurdeceram ainda O ginasta que entrara de carreira parou em meio da arena aprumou o corpo sacudia a cabeleira anelada e voltandose para a direita e para a esquerda atirava beijos sorrindo no meio daquela tempestade gloriosa Depois de agradecer estalou graciosamente os dedos e retirouse de costas a dar cambalhotas no ar Desenadeouse de novo a fúria dos seus admiradores e ée teve de voltar á cena ainda uma vez mais outra eade vez mais triunfante Olimpia entretanto com a cabeça pendida para a frente o olhar fitó os lábios entreabertos dissese hipnotizada tal era a sua imobilidade O pai tentou chamala á conversa ela repondeu por monosílabos Quero vamos embora Não Na segunda parte do espetáculo a moça parecia divertirse Não despregrava a vista de Scot a quem cabia a melhor parte dos trabalhos da noite O mais famoso era a sorte dos vôos Consistia em dependurarse ele de um trapezio muito alto deixarse arrebatar pelo espaço e em meio do trajeto soltar as mãos dar uma cambalhota e ir agarrarse a um outro trapezio que o esperava do lado oposto Cada um destes saltos levantava sempre uma explosão de bravos Scot havia feito já por duas vezes o seu vôo arriscado faltavalhe o último e o mais perigoso Diferengava este dos primeiros em que o acrobata em vez de lançarse de frente tinha de ir de costas e voltarse no ar para alcançar o trapezio fronteiro O público palpitava ansioso até que Scot afinal assomou no alto trampolim armado nas torrinhas junto ao teto Cavouse logo um fundo silêncio nos espectadores Os corações batiam com sobressalto todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do artista que lá muito em cima parecia nas suas roupas justas de meia a estátua de uma divindade olimpica Destaevaselhe bem o largo peito hercúleo guardado pelos grossos braços núis em contraste com os rins estreitos mais estreitos que as suas nervosas coxas cujos músculos de aço se enceplavam ao menor movimento do corpo Com uma das mãos segurava o trapezio enquanto com a outra limpava o suor da testa Depois tranquilamente sem o menor abalo prendeu o lenço na sua cinta bordada e de lantejoulas e deu volta ao corpo Ouviuse a respiração ofegante do público Scot sacudiu o braço do trapezio experimentandoo puxouo afinal contra o colo e deixouse arrebatar de costas Em meio do circo desprendeuse gritou Hop deu uma volta no ar e langouse de braços estendidos para o outro trapezio Mas o vôo fóra mal calculado e o acrobata não encontrou onde agarrarse Um terrível bramido como de cem tigres a que rasgassem a um só tempo o coração éccom por todo o teatro Viuse a bela figura de Scot um instante solta no espaço virar para baixo a cabeça e cair na arena estatelada com as pernas abertas O recinto do circo encheuse logo Nos camarotes mulheres desmaiavam em gritos algumas pessoas fugiam esparovidas como se houvesse um incendio outras jaziam pálidas a boca aberta e a voz gelada na garganta Ninguem mais se entendia nas torrinhas passa vam uns por cima dos outros numa avidez aterrada disputando ver se conseguiam distinguir o acrobata Este todavia sem acôrdo e quasi sem vida agonizava por terra a vomitar sangue Olimpia lívida tremula estonteada quando deu por si achouse sem saber como ao lado do moribundo Ajoelhouse no chão tomoulhe a cabeça no regaço e vergouse toda sobre êle procurando sentir nas faces frias o derradeiro calor daquele belo corpo escultural e mîsculo E desatinada ofegante apalpavalhe o peito o rosto a bronzea carne dos braços e com um grito de extrema agonia molhava a bôca no sangue que êle expelia pela boca Scot teve um estremecimento geral de corpo contraiuse vergou a cabeça para trás voltou para a moça os seus límpidos olhos comovidos agora turvados pela morte soltou o gemido derradeiro E o corpo do acrobata escapou das mãos finas de Olimpia inanimado Nome Wellington Roni Laudelino dos Santos Ambrósio DRE 120152991 Comparação entre Músculos e Nervos e O Caso de Ruth corpo desejo e controle moral Tanto Músculos e nervos de Aluísio Azevedo quanto O caso de Ruth de Júlia Lopes de Almeida são narrativas que embora ambientadas em contextos distintos revelam tensões entre corpo desejo e moralidade A análise dessas obras permite observar como a sociedade de fins do século XIX e início do século XX impunha normas de conduta principalmente sobre as mulheres ao mesmo tempo em que expunha as contradições dessas mesmas normas O eixo comparativo que guia esta reflexão é a relação entre desejo sexual e controle moral observada tanto nos discursos que cercam os personagens quanto nas consequências dramáticas impostas sobre eles Nas duas narrativas o corpo feminino ou masculino o espaço onde se manifestam os desejos mas também onde se inscrevem as proibições sociais Em O caso de Ruth o corpo feminino é visto como símbolo de pureza e propriedade social Ruth é apresentada como uma figura idealizada recatada delicada e virginal atributos exaltados pela avó e pela sociedade que a cerca Contudo esse corpo puro foi violentado pelo padrasto quando a personagem tinha apenas quinze anos A revelação do abuso rompe com a imagem construída sobre ela e provoca a crise do noivo Eduardo que passa a encarar o passado de Ruth não como uma violência sofrida mas como uma mancha moral O desejo masculino embora esteja na origem do trauma não é socialmente condenado ao contrário é a mulher quem carrega a culpa simbólica O desfecho trágico o suicídio da personagem revela a pressão moral que anula sua autonomia e aprisiona sua existência ao passado Já em Músculos e nervos embora o enfoque seja distinto também se evidencia a forma como o desejo e o corpo são atravessados por convenções sociais A narrativa acompanha um personagem masculino dividido entre a força dos impulsos corporais e a fragilidade dos sentimentos Azevedo constrói a tensão entre músculos e nervos como metáfora para o conflito entre instinto e emoção desejo e sensibilidade binário que reflete valores da sociedade da época marcadamente patriarcal que associa a virilidade à dominação e o sentimentalismo à fraqueza A mulher neste conto aparece como objeto de desejo e como instrumento de prova da masculinidade do protagonista O corpo feminino não tem voz apenas função narrativa A diferença mais significativa entre os dois contos está portanto na forma como o corpo feminino é representado Em O caso de Ruth há um olhar mais crítico e sensível à condição da mulher não por acaso tratase de uma autora mulher que denuncia a violência sexual a hipocrisia moral e o silêncio imposto às vítimas O sofrimento de Ruth é individual mas revela uma estrutura social mais ampla que culpabiliza mulheres por experiências que lhes foram impostas Já em Músculos e nervos a perspectiva masculina reproduz e ironiza certos padrões de masculinidade tratando o corpo feminino de forma mais utilitária e distante Por outro lado ambas as obras compartilham o mesmo pano de fundo moralista e repressivo do período uma sociedade que valoriza a pureza feminina julga severamente a sexualidade e estabelece papéis rígidos de gênero Enquanto Azevedo problematiza a relação entre corpo e sentimento de forma indireta Júlia Lopes de Almeida confronta essa moralidade de frente dando voz a uma mulher que ousa revelar um segredo inconfessável e que por isso é punida socialmente e simbolicamente Em termos formais notase ainda uma diferença importante o texto de Azevedo se apoia mais em descrições psicológicas do personagem masculino e em metáforas corporais enfatizando o embate interior Já a narrativa de Júlia Lopes é fortemente dramática e marcada por diálogos e contrastes simbólicos como a sala sombria o vestido de noiva e a morte Essa escolha estilística reforça a carga emocional da denúncia feita pela autora Em síntese a comparação entre Músculos e nervos e O caso de Ruth evidencia que embora escritos em épocas próximas os contos tratam o desejo e a moralidade a partir de perspectivas distintas Azevedo explora os conflitos internos de um homem dividido entre razão e instinto Júlia Lopes denuncia as violências sofridas pelas mulheres e o peso social que recai sobre seus corpos Ambos contudo refletem um mesmo contexto histórico e cultural em que a sexualidade feminina é controlada e silenciadaseja pela invisibilidade seja pela culpa

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estava morta por que chegasse este momento Aprecieio sempre com um coração e um espírito de bom quilate Oh Minha senhora Não lhe faço favor Além disso Ruth está com vinte e três anos pareceme ser já tempo de se casar Há de ser uma excelente esposa é bondosa regularmente instruída nada temos poupado com a sua educação e se não aparece e não brilha muito na sociedade é pelo seu excesso de pudor Eu às vezes cismo que esta minha neta é pura demais para viver na terra Todas as pessoas de casa têm medo de lhe ferir os ouvidos e escolhem as palavras quando falam com ela Não admira a mãe teve só esta filha e foi rigorosíssima na escolha das mestras e das amigas o padrasto tratavaa também com muita severidade embora fosse carinhoso Um santo homem Desde que ele morreu que nos falta a alegria em casa A mulher coitada como sabe ficou paralítica e esta pequena mesmo tornouse melancólica e sombria Às vezes penso que ela fez voto de castidade tal é o seu recato desenganome lembrandome de quanto é moderada na religião e de que o seu bom senso se revela em tudo O que tenho a dizerlhe portanto é isto afirmolhe que Ruth o adora e que não há alma mais cândida nem espírito mais virginal que o seu Aí a deixo por alguns minutos se é o respeito por mim que lhe tolhe as palavras concedolhe plena liberdade Eduardo fixou na noiva um olhar apaixonado Na sua brancura de pétala de camélia não tocada Ruth continuava em pé no mesmo canto sombrio da sala Os seus grandes olhos negros chispavam febre e ela amarrotava com as mãos lentamente em movimentos apertados o laço branco do vestido A baronesa acrescentou ainda carregando nas qualidades da neta e fazendo ranger a cadeira de onde se erguia Ruth nunca foi de lástimas e apesar de mimosa e de aparentemente frágil tem boa saúde Um bom corpo ao serviço de uma excelente alma Dirão Estas palavras ficam mal na tua boca Pouco importa são a verdade Tenho outras netas filhas de outras filhas tenho criado muitas meninas minhas e alheias mas em nenhuma encontrei nunca tanta doçura tanta altivez digna e tanta pudicícia Aí lha deixo confessea A velha saiu Todos os rumores da rua rolaram confusamente pela sala A porta que se abriu e fechou trouxe numa raja de luz os repiques dos sinos o rodar dos veículos o sussurro abominável da cidade atarefada mas também tudo se extinguiu depressa A porta fechouse as janelas voltadas para o jardim mal deixavam entrar a claridade coada por espessas cortinas corridas e os noivos ficaram sós silenciosos contemplandose de face O finado barão fora um colecionador afincado de móveis e de outros objetos dos tempos coloniais Súdito de D João VI de que a sua adorável memória acusava ainda todos os traços já aos noventa anos era sempre o seu assunto predileto a narração dos sucessos históricos presenciados por ele À proporção que se ia afastando dos seus dias de moço mais aferrado se fazia aos gostos e às modas do seu tempo Só se servia em baixela assinada com os emblemas da casa bragantina e a propósito de qualquer coisa dizia fincando o queixo agudo entre o indicador em curva e o polegar Lembrome de uma vez em que a D Carlota Joaquina Ou então Em que D João VI ou D Pedro I etc E em seguida lá vinha a descrição de um TeDeum ou de uma procissão a que a sua imaginação facultosa emprestava as mais brilhantes pompas A família tinha um sorriso condescendente para aquele apego já sem curiosidade a força de ouvir repetir os mesmos fatos Os amigos evitavam tocar de leve que fosse em assuntos políticos receosos da lonjura do capítulo que o barão a propósito lhes despejasse em cima mas só ele o bom o fiel nada percebia e com os olhos no passado toca a citar ditos e atitudes dos imperadores e a curvarse numa idolatria pelo espírito boníssimo da última imperatriz Alguma coisa disso se refletia em casa tudo ali era sóbrio monótono e saudoso Cadeiras pesadas de moldes coloniais largas de assento pregueadas no couro lavrado de coroas e brasões fidalgos uniam as costas às paredes de onde um ou outro quadro sacro pendia desguarnecido e tristonho Assim o quisera ele que até mesmo na hora suprema rejeitara um belo crucifixo que lhe oferecia o padre voltando os olhos suplicantes para um outro crucifixo mais tosco erguido sobre a cômoda e que pertencera a D Pedro I Para ele naquela cruz não estava só o Cristo estava de envolta com o respeito pelos monarcas extintos a lembrança dos seus folguedos de moço Talvez mesmo num volteio súbito da memória se lembrasse das festas religiosas em que namorara à sombra dos conventos a sua primeira mulher e beliscara com freimas amorosas os braços gordos de Janoca a mulatinha mais faceira de então Quem sabe Talvez que na hora da morte não se possa só a gente lembrar das coisas sérias Qualquer hora vivida pode ser recordada rapidamente sem tempo de escolha Como a Janoca não pertencera a história a família ignoroua e pelo ar gélido daquela galeria de espectros palacianos não apareceu nem um requebro quente de mulatinha risonha que lhes desmanchasse a compostura Depois de viúva a segunda baronesa reformara algumas coisas e confundira os estilos pondo no mesmo canto um contador Luiz XV um móvel da Renascença e uns tapetes modernos entre largos reposteiros de seda cor de marfim Aquela extravagância não conseguira quebrar a severidade do todo Tinha uma fisionomia casta e grave aquela sala As virgens dos quadros de longo pescoço arqueado e rosto pequenino gozavam ali o doce sossego de uma meia tinta religiosa Mas lá dentro os dias passavamse entre o tropel da criançada os sons do piano de Ruth e a confusão dos criados E era por isso que todos fugiam lá para dentro e que só Ruth nas suas horas de inexplicável tristeza se encerrava ali em companhia da Madona da Cadeira e da Virgem de S Sixto Era nessa mesma sala que ela estava ainda muda e pálida em frente do seu amado Ruth balbuciou Eduardo Mas a moça interrompeuo com um gesto e disselhe logo com voz segura e firme Minha avó mentiulhe O noivo recuou num movimento de surpresa foi ela quem se aproximou dele com esforço arrogante e doloroso deslumbrandoo com o fulgor dos seus olhos belíssimos bafejandolhe as faces com o seu hálito ardente Eu não sou pura Amoo muito para o enganar Eu não sou pura Eduardo lívido com latejos nas fontes e palpitações desordenadas no coração amparouse a uma antiga poltrona velha relíquia de D Pedro I e olhou espantado para a noiva como se olhasse para uma louca Ela firme na sua resolução muito chegada a ele e à meia voz para que a não ouvissem lá dentro ia dizendo tudo Foi há oito anos aqui nesta mesma sala Meu padrasto era um homem bonito forte eu uma criança inocente Dominavame a sua vontade era logo a minha Ninguém sabe Oh Não fale Não fale pelo amor de Deus Escute escute só é segredo para toda a gente No fim de quatro meses de uma vida de luxúria infernal ele morreu e foi ainda aqui nesta sala entre as duas janelas que eu o vi morto estendido na eça1 Que libertação que alegria que foi aquela morte para a minha alma de menina ultrajada Ele estava no mesmo lugar em que me dera os seus primeiros beijos e os seus infames abraços ali ali Oh o danado Mais do que nunca lhe quero mal agora Não fale Eduardo Minha avó morreria sofre do coração e minha mãe ficou paralítica com o desgosto da viuvez Desgosto por aquele cão E ela ainda me mandava rezar por sua alma a mim que a quero no inferno Às vezes tenho ímpetos de lhe dizer Limpa essas lágrimas teu marido desonrou tua filha foi seu amante durante quatro meses Calome piedosamente e acodem todos que não chorei a morte daquele segundo pai e bom amigo É isto a minha vida Cedi sem amor pela violência mas cedi 1 Estrado onde se colocavam os caixões para os corpos serem velados Doulhe a liberdade de restituir a sua palavra à minha família Ruth falara baixo precipitando as palavras toda curvada para Eduardo que lhe sentia o aroma dos cabelos e o calor da febre Em um último esforço a moça fezlhe sinal que saísse e ele obedeceu curvandose diante dela sem lhe tocar na mão O outro está morto há oito anos ninguém sabe só ela e eu Está morto mas vejoo diante de mim sintoo no meu peito sobre os meus ombros debaixo de meus pés nele tropeço com ele me abraço em uma luta que não venço nunca Ninguém sabe mas por ser ignorada será menor a culpa Dizem todos que Ruth é puríssima Assim o creem Deverei contentarme com essa credulidade Bastará mais tarde para a minha ventura saber que toda a gente me imagina feliz O meu amigo Daniel é felicíssimo exatamente por ignorar o que os outros sabem Se a mulher dele tivesse tido a coragem de Ruth amálaia ele da mesma maneira Se a minha noiva não me tivesse dito nada não seria o morto quem se levantasse da sepultura e me viesse relatar barbaramente as suas horas de volúpia que me fazem tremer de horror E eu ignorante seria venturoso amaria a minha esposa à sombra do maior respeito e com a mais doce proteção E assim Poderei sempre conter o meu ciúme e não aludir jamais ao outro Ele morreu há oito anos ela tinha só quinze ninguém sabe Só ela e eu e ela amame amame ama me Se me não amasse e fosse em todo caso minha noiva dirmeia do mesmo modo tudo Não pareceme que não não sei se me não amasse nada me diria Daí quem sabe Amoo muito para o enganar pareceme que lhe ouvi isto Se eu pudesse esquecêla Não devo adorála assim É uma mulher desonrada A pudica açucena de envergonhar sensitivas é uma mulher desonrada E eu amoa Que hei de fazer agora Abandonála não seria digno nem generoso Aquela confissão custoulhe uma agonia Se ela não fosse honesta não afrontaria assim a minha cólera nem se confessaria àquele que amasse só para não sentir a humilhação de o enganar E o que é por aí a vida conjugal senão a mentira a mentira e mais ainda a mentira O outro está morto ninguém sabe só ela e eu Ela e eu E que nos importam os outros tendo toda a mágoa em nós dois só Antes todos os outros soubessem Não Que será preferível ser desgraçado guardando uma aparência digna ou Não Em certos casos ainda há alguma felicidade em ser desgraçado Ela amame eu amoa ele morreu há oito anos já nem lhe falam sequer no nome Ninguém sabe ninguém sabe só ela e eu Eduardo Jordão passava agora os dias em uma agitação medonha Atraía e repelia a imagem de Ruth até que um dia vencido escreveulhe longamente amorosamente disfarçando sob um manto estrelado de palavras de amor a irremediável amargura da sua vida Que esquecesse o passado ele amavaa o tempo apagaria essa ideia e eles seriam felizes completamente felizes O casamento de Ruth alvoroçava a casa A baronesa ocupava toda a gente sempre abundante em palavras e detalhes Só Ruth ainda mais arredia e séria se encerrava no seu quarto sem intervir em coisa alguma Relia devagar a carta do noivo em que o perdão que ela não solicitara vinha envolvido em promessas de esquecimento Esquecimento Como se fosse coisa que se pudesse prometer A moça de bruços na cama com o queixo fincado nas mãos os olhos parados e brilhantes bem compreendia isso Entraria no lar como uma ovelha batida O perdão que o noivo lhe mandava revoltavaa Pediralhe ela que lhe narrasse a sua vida dele as suas faltas os seus amores extintos Não teria ele compreendido a enormidade do seu sacrifício Seria cego Seria surdo Dono de um coração impenetrável e de uma consciência muda As suas mãos estariam só tão afeitas a carícias que não procurassem estrangulála no terrível instante em que ela lhe dissera eu não sou pura Ou então por que não a ouvira de joelhos compenetrado daquele amor tão grande que assim se desvendava todo Ele prometia esquecer Mas no futuro quando se enlaçassem não evocariam ambos a lembrança do outro Talvez que então Eduardo a repelisse a deixasse isolada no seu leito de núpcias e fugindo para a noite livre fosse chorar lá fora o sonho da sua mocidade Sim a sua noite de núpcias seria uma noite de inferno Se ele fosse generoso ela adivinharia através da doçura do seu beijo os ressaibos da lembrança do primeiro amante e quanto maior fosse a paixão maior seria a raiva e o ciúme Esquecimento sim talvez lá para a velhice quando ambos frios e calmos fossem apenas amigos Ruth pensou em matarse Viver na obsessão de uma ideia humilhante era demais para a sua altivez Desejou então uma morte suave que a levasse ao túmulo com a mesma aparência de cecém2 cândida de envergonhar a própria sensitiva 2 Significa açucena uma flor que simboliza a nobreza a altivez a distinção e a elegância Queria um veneno que a fizesse adormecer sonhando e quanto dera para que nesse sonho fosse um beijo de Eduardo que lhe pousasse nos lábios De luto a casa Ramos e coroas virginais entravam a todo o instante Quem saberia explicar a morte de Ruth Foram achála estendida na cama já toda fria Agora estava entre as duas janelas na grande sala sombria espalhando sobre o fumo da eça as suas rendas brancas e o seu fino véu de noiva Parecia sonhar com o desejado esposo que ali estava a seu lado pálido e mudo Entravam já para o enterro e foi só então que uma voz disse alto saindo da penumbra daquela sala antiga Vai ficar com o padrasto no mesmo jazigo Eduardo fixou a morta com doloroso espanto Estava linda Na pele alvíssima nem uma sombra Os cabelos negros mal atados na nuca desprendiamse em uma madeixa abundante de largas ondas Que Seria ainda para o outro aquele corpo angélico tão castamente emoldurado nas roupas do noivado Seria ainda para o outro aquela mocidade aquela criatura divina que deveria ser sua E a mesma voz repetiu Vai ficar com o padrasto Com o padrasto noites e dias fechados unidos sós Fora para isso que ela se matara para ir ter com o outro Aquele outro de quem via o esqueleto torcendose na cova de braços estendidos para a reconquista da sua amante Alucinado ciumento Eduardo arrancou então num delírio o véu e as flores de Ruth e inclinando um tocheiro pegou fogo ao pano da eça E a todos que acudiram nesse instante pareceu que viam sorrir a morta em um êxtase como se fosse aquilo que ela desejasse Conto extraído do livro Ânsia Eterna de Júlia Lopes de Almeida 1903 Júlia Lopes de Almeida Defensora da educação feminina do divórcio da abolição do regime escravocrata escreveu para periódicos dedicados e editados por mulheres como A mensageira e a Única A escritora estava na lista do grupo de intelectuais responsáveis pela criação da Academia Brasileira de Letras mas de última hora teve o nome excluído da lista No seu lugar entrou justamente o seu marido Filinto de Almeida porque os fundadores optaram por manter a Academia exclusivamente masculina como uma maneira de seguir o modelo da Academia Francesa de Letras Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 24 de setembro de 1862 e morreu na mesma cidade em 30 de maio de 1934 Texto compilado e extraído dos sites da EBC e da biblioteca nacional digital Seleção Digitalização Organização e Estabelecimento de Texto de Helena Mendes e Dino Cavalcante MÚSCULOS E NERVOS Terminava a primeira parte do espetáculo quando D Olimpia entrou no circo pelo braço do pai Havia grande enchente O público vibrava ainda sob a impressão do último trabalho exibido que devia ter sido maravilhoso porque o entusiasmo explodia por toda a platéa e de todos os lados gritando ferozmente Scot A cena Scot Dous sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir Muitos espectadores de chapéu no alto da cabeça estavam de pé e batiam com a bengala nas costas das cadeiras as cocotes pareciam loucas e soltavam guinchos que ninguem entendia das galerias trovejava um barulho infernal e por entre aquela descarga atrofadora só o nome do idolatrado acrobata sobresaía exclamado com delírio por mil vozes Scot Scot Olimpia sentiuse aturdida o pai no íntimo arrependiase de lhe ter feito a vontade consentindo em levala ao circo mas o médico recomendara tanto que não a contrariassem e ela havia mostrado tanto empenho no capricho de ir aquela noite ao Politeama De repente um grito unisono partiu da multidão Estalaram as palmas com mais ímpeto choveram chapéus arremegaramse leques e ramalhetes Scot havia reaparecido Bravo Bravo Scot E os aplausos recurdeceram ainda O ginasta que entrara de carreira parou em meio da arena aprumou o corpo sacudia a cabeleira anelada e voltandose para a direita e para a esquerda atirava beijos sorrindo no meio daquela tempestade gloriosa Depois de agradecer estalou graciosamente os dedos e retirouse de costas a dar cambalhotas no ar Desenadeouse de novo a fúria dos seus admiradores e ée teve de voltar á cena ainda uma vez mais outra eade vez mais triunfante Olimpia entretanto com a cabeça pendida para a frente o olhar fitó os lábios entreabertos dissese hipnotizada tal era a sua imobilidade O pai tentou chamala á conversa ela repondeu por monosílabos Quero vamos embora Não Na segunda parte do espetáculo a moça parecia divertirse Não despregrava a vista de Scot a quem cabia a melhor parte dos trabalhos da noite O mais famoso era a sorte dos vôos Consistia em dependurarse ele de um trapezio muito alto deixarse arrebatar pelo espaço e em meio do trajeto soltar as mãos dar uma cambalhota e ir agarrarse a um outro trapezio que o esperava do lado oposto Cada um destes saltos levantava sempre uma explosão de bravos Scot havia feito já por duas vezes o seu vôo arriscado faltavalhe o último e o mais perigoso Diferengava este dos primeiros em que o acrobata em vez de lançarse de frente tinha de ir de costas e voltarse no ar para alcançar o trapezio fronteiro O público palpitava ansioso até que Scot afinal assomou no alto trampolim armado nas torrinhas junto ao teto Cavouse logo um fundo silêncio nos espectadores Os corações batiam com sobressalto todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do artista que lá muito em cima parecia nas suas roupas justas de meia a estátua de uma divindade olimpica Destaevaselhe bem o largo peito hercúleo guardado pelos grossos braços núis em contraste com os rins estreitos mais estreitos que as suas nervosas coxas cujos músculos de aço se enceplavam ao menor movimento do corpo Com uma das mãos segurava o trapezio enquanto com a outra limpava o suor da testa Depois tranquilamente sem o menor abalo prendeu o lenço na sua cinta bordada e de lantejoulas e deu volta ao corpo Ouviuse a respiração ofegante do público Scot sacudiu o braço do trapezio experimentandoo puxouo afinal contra o colo e deixouse arrebatar de costas Em meio do circo desprendeuse gritou Hop deu uma volta no ar e langouse de braços estendidos para o outro trapezio Mas o vôo fóra mal calculado e o acrobata não encontrou onde agarrarse Um terrível bramido como de cem tigres a que rasgassem a um só tempo o coração éccom por todo o teatro Viuse a bela figura de Scot um instante solta no espaço virar para baixo a cabeça e cair na arena estatelada com as pernas abertas O recinto do circo encheuse logo Nos camarotes mulheres desmaiavam em gritos algumas pessoas fugiam esparovidas como se houvesse um incendio outras jaziam pálidas a boca aberta e a voz gelada na garganta Ninguem mais se entendia nas torrinhas passa vam uns por cima dos outros numa avidez aterrada disputando ver se conseguiam distinguir o acrobata Este todavia sem acôrdo e quasi sem vida agonizava por terra a vomitar sangue Olimpia lívida tremula estonteada quando deu por si achouse sem saber como ao lado do moribundo Ajoelhouse no chão tomoulhe a cabeça no regaço e vergouse toda sobre êle procurando sentir nas faces frias o derradeiro calor daquele belo corpo escultural e mîsculo E desatinada ofegante apalpavalhe o peito o rosto a bronzea carne dos braços e com um grito de extrema agonia molhava a bôca no sangue que êle expelia pela boca Scot teve um estremecimento geral de corpo contraiuse vergou a cabeça para trás voltou para a moça os seus límpidos olhos comovidos agora turvados pela morte soltou o gemido derradeiro E o corpo do acrobata escapou das mãos finas de Olimpia inanimado Nome Wellington Roni Laudelino dos Santos Ambrósio DRE 120152991 Comparação entre Músculos e Nervos e O Caso de Ruth corpo desejo e controle moral Tanto Músculos e nervos de Aluísio Azevedo quanto O caso de Ruth de Júlia Lopes de Almeida são narrativas que embora ambientadas em contextos distintos revelam tensões entre corpo desejo e moralidade A análise dessas obras permite observar como a sociedade de fins do século XIX e início do século XX impunha normas de conduta principalmente sobre as mulheres ao mesmo tempo em que expunha as contradições dessas mesmas normas O eixo comparativo que guia esta reflexão é a relação entre desejo sexual e controle moral observada tanto nos discursos que cercam os personagens quanto nas consequências dramáticas impostas sobre eles Nas duas narrativas o corpo feminino ou masculino o espaço onde se manifestam os desejos mas também onde se inscrevem as proibições sociais Em O caso de Ruth o corpo feminino é visto como símbolo de pureza e propriedade social Ruth é apresentada como uma figura idealizada recatada delicada e virginal atributos exaltados pela avó e pela sociedade que a cerca Contudo esse corpo puro foi violentado pelo padrasto quando a personagem tinha apenas quinze anos A revelação do abuso rompe com a imagem construída sobre ela e provoca a crise do noivo Eduardo que passa a encarar o passado de Ruth não como uma violência sofrida mas como uma mancha moral O desejo masculino embora esteja na origem do trauma não é socialmente condenado ao contrário é a mulher quem carrega a culpa simbólica O desfecho trágico o suicídio da personagem revela a pressão moral que anula sua autonomia e aprisiona sua existência ao passado Já em Músculos e nervos embora o enfoque seja distinto também se evidencia a forma como o desejo e o corpo são atravessados por convenções sociais A narrativa acompanha um personagem masculino dividido entre a força dos impulsos corporais e a fragilidade dos sentimentos Azevedo constrói a tensão entre músculos e nervos como metáfora para o conflito entre instinto e emoção desejo e sensibilidade binário que reflete valores da sociedade da época marcadamente patriarcal que associa a virilidade à dominação e o sentimentalismo à fraqueza A mulher neste conto aparece como objeto de desejo e como instrumento de prova da masculinidade do protagonista O corpo feminino não tem voz apenas função narrativa A diferença mais significativa entre os dois contos está portanto na forma como o corpo feminino é representado Em O caso de Ruth há um olhar mais crítico e sensível à condição da mulher não por acaso tratase de uma autora mulher que denuncia a violência sexual a hipocrisia moral e o silêncio imposto às vítimas O sofrimento de Ruth é individual mas revela uma estrutura social mais ampla que culpabiliza mulheres por experiências que lhes foram impostas Já em Músculos e nervos a perspectiva masculina reproduz e ironiza certos padrões de masculinidade tratando o corpo feminino de forma mais utilitária e distante Por outro lado ambas as obras compartilham o mesmo pano de fundo moralista e repressivo do período uma sociedade que valoriza a pureza feminina julga severamente a sexualidade e estabelece papéis rígidos de gênero Enquanto Azevedo problematiza a relação entre corpo e sentimento de forma indireta Júlia Lopes de Almeida confronta essa moralidade de frente dando voz a uma mulher que ousa revelar um segredo inconfessável e que por isso é punida socialmente e simbolicamente Em termos formais notase ainda uma diferença importante o texto de Azevedo se apoia mais em descrições psicológicas do personagem masculino e em metáforas corporais enfatizando o embate interior Já a narrativa de Júlia Lopes é fortemente dramática e marcada por diálogos e contrastes simbólicos como a sala sombria o vestido de noiva e a morte Essa escolha estilística reforça a carga emocional da denúncia feita pela autora Em síntese a comparação entre Músculos e nervos e O caso de Ruth evidencia que embora escritos em épocas próximas os contos tratam o desejo e a moralidade a partir de perspectivas distintas Azevedo explora os conflitos internos de um homem dividido entre razão e instinto Júlia Lopes denuncia as violências sofridas pelas mulheres e o peso social que recai sobre seus corpos Ambos contudo refletem um mesmo contexto histórico e cultural em que a sexualidade feminina é controlada e silenciadaseja pela invisibilidade seja pela culpa

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