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Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1083 Corpos identidades e violência o gênero e os direitos humanos Bodies identities and violence the gender and the human rights Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith Universidade da Amazônia Belém Pará Brasil Email andrezapantojagmailcom Jorge Luiz Oliveira dos Santos Universidade da Amazônia Belém Pará Brasil Email jorgeluizdossantoshotmailcom Recebido em 09022016 e aceito em 13072016 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1084 Resumo No trabalho objetivase apresentar uma compreensão teórica da violência de gênero a partir dos debates dos casos de violência decorrentes da discriminação baseada na orientação sexual ou na mudança da identidade de gênero A ideia se justifica pelas alarmantes notícias de violência cometidas contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais Ao se identificar situações ocorridas na nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do gênero percebese como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Pretendese analisar a violência de gênero como violação dos Direitos Humanos notadamente contra aqueles que são considerados desiguais a multidão queer Palavraschave identidade sexual e de gênero violência de gênero direitos humanos Abstract At work the objective is to provide a theoretical understanding of gender violence from the discussions of cases of violence stemming from discrimination based on sexual orientation or the change of gender identity The idea is justified by the alarming reports of violence committed against gay lesbian and transgender By identifying situations that have occurred in our society that is founded on unequal valuation that gives people because of gender you can see how the discussion of equality needs to be operationalized into concrete actions that seek to interfere with the realities violate rights We intend to analyze genderbased violence as a violation of Human Rights especially against those who are considered unequal the queer crowd Keywords sexual and gender identity gender violence human rights Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1085 1 Introdução As alarmantes notícias de violência cometidas no Brasil contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais em virtude da discriminação em face do sexo e do gênero pode caracterizar a ausência do Estado no seu dever de promover e proteger o fundamento dos Direitos Humanos que é a dignidade da pessoa sem nenhuma forma de distinção mas também revela a não concretização dos mesmos direitos nas relações entre particulares Ao se perceber a sexualidade como parte essencial e fundamental da humanidade depreendese que as pessoas precisam estar fortalecidas para performarem a sua identidade sexual e de gênero Para analisar de forma igualitária demandas ligadas às identidades sexuais e de gênero há que se considerar o direito de atitude interior a igualdade subjetiva onde os seres humanos possam ser vistos por sua personalidade sua realidade pelo mundo a sua volta para que se entendam suas histórias e suas demandas NAHUM 2000 Esse direito é mais uma das facetas da igualdade ou não desigualdade que busca tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades A tentativa de simetria entre as duas dimensões igualdade e desigualdade dá ensejo à necessidade de justificação acentuada à segunda Identificandose situações ocorridas em nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do sexo e do gênero percebese como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Quando se analisa questões relativas à convivência em sociedade de pessoas gays lésbicas travestis e transexuais ou o que a filósofa espanhola Beatriz Preciado 2011 designa multidão queer uma gama variada de impedimentos baseados no gênero é detectada a impossibilidade de manifestar a subjetividade as agressões verbais físicas e sexuais a dificuldade em ter respeitado o nome social Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1086 Tais circunstâncias podem ser justificadas pela discriminação praticada contra essas pessoas por conta de suas identidades sexuais e de gênero Sobre esta maneira de repudiar outras opções de vida há muito afirmou o antropólogo Claude LéviStrauss 1976 p 334 que recusamos admitir o próprio fato da diversidade preferimos lançar fora tudo o que não se conforma à norma sob a qual se vive E nisso começou uma história maldita de excepicionalismos em que se vê cada vez mais a exclusão das pessoas que são consideradas diferentes demais Na antropologia levistraussiana o verdadeiro humanismo seria aquele no qual estendemos a toda a esfera do vivente um valor intrínseco Não quer dizer que são todos iguais São todos diferentes Porém restituir o valor significa restituir a capacidade de diferir de ser diferente sem ser desigual Não é por acaso que todas as minorias exigem respeito A liberdade cresce no solo fértil da troca com o outro reconhecido como um igual e não através do aumento desigual do poder de uns sobre os outros Se há poder por toda a parte como gostava de lembrar o filósofo Michel Foucault 1988 há também o desejo de viver além dele Livres dele ou praticantes de um poder cuja fonte e destino sejam o reconhecimento do outro no diálogo que lhe permita o direito de escolher Nessa perspectiva pretendemos desenvolver uma compreensão teórica da violência baseada em gênero como violação dos Direitos Humanos praticada tanto pelas instituições quanto pelas pessoas em suas relações privadas notadamente contra aqueles que consideram desigual a já citada multidão queer 2 Corpos e identidades a multidão queer Este se poderia dizer é o novo contexto que baliza a emergência de diferentes maneiras de ser e de viver de homens e de mulheres Neste terreno é possível constatar uma modernidade liquida para tomar emprestada a expressão cunhada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman 2001 Para este autor a Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1087 fixidez das identidades coletivas e individuais cede lugar a uma fluidez que se aloja dentro dos indivíduos e se espalha pela sociedade Para chegarmos ao estado atual já se passaram alguns anos desde a chamada revolução sexual ocorrida no Ocidente na década de 60 do século passado quando as ideias de diversidade e individualidade ganham literalmente os corpos e passam a guiar novas visões e práticas em relação ao que percebemos avaliamos e julgamos como sendo masculino e feminino ou neutro em termos de sexualidade e gênero Comportamentos antes tidos como sólidos ou em outras palavras rigidamente designados como comportamentos esperados de homens e mulheres vão pouco a pouco se desfazendo borrando esgarçando abrindo rachaduras na divisão sexual da produção e reprodução das estruturas sociais Neste sentido dáse a assunção daquilo que tem sido rubricado entre nós como multidão queer PRECIADO 2011 No que concerne à diversidade sexual o emergente movimento gay é herdeiro direto das lutas feministas que ao propugnarem a igualdade de direitos entre os sexos buscaram desconstruir as desigualdades entre homens e mulheres supostamente baseadas em diferenças físicas isto é biológicas Surge assim o conceito de gênero como sendo um conjunto de maneiras de perceber designar e classificar as distinções sexuais atribuindolhes um lugar e um status social1 A situação injusta que opõe homens e mulheres no mundo inteiro não é obra da natureza mas o resultado de séculos de história humana Há portanto diversas formas de abordar relações de dominação de igualdade ou de desigualdade entre os homens e as mulheres Se nos situarmos no ponto de vista do corpo o homem e a mulher são seres biológicos e de sua diferença anatômica depende sua posição social O gênero ou a identificação social de gênero como sugerem alguns teóricos seria então determinado em função desta diferença 1Derivado do latim genus o termo gênero é habitualmente utilizado para designar uma categoria qualquer classe grupo ou família apresentando os mesmo sinais de pertencimento Em numerosos trabalhos acadêmicos contemporâneos designase por sexo o que deriva do corpo sexuado masculino ou feminino e por gênero o que se reporta à significação sexual do corpo na sociedade masculinidade ou feminilidade Dentre outros textos vale conferir Cf SCOTT Joan Wallace Gênero uma categoria útil de análise histórica In Revista Educação e Realidade V 20 N 2 Porto Alegre juldez 1995 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1088 No entanto se previlegiarmos o gênero em detrimento da diferença biológica relativizaremos esta última e valorizaremos uma outra diferença dita cultural ou identitária determinada pelo lugar que ocupam na sociedade No primeiro caso dividese a humanidade em dois pólos sexuados os homens de um lado as mulheres de outro e no segundo multiplicamse ao infinito as diferenças sociais e identitárias sustentando que os homens e as mulheres entram do ponto de vista biológico na categoria de um gênero sexuado uma vez que se ambos têm um sexo a diferença sexual contaria menos para a sociedade que outras diferenças como a cor da pele o pertencimento de classe os costumes a idade a origem dita étnica ou ainda o papel escolhido para representar junto a seus semelhantes Segundo o historiador Thomas Laqueur 2001 para quem o sexo biológico é um dado do comportamento humano tão construído quanto o gênero como mencionado antes as noções de sexo e gênero nunca se recobriram completamente nem tão pouco se sucederam segundo uma história linear Entretanto o modelo da unidade foi predominante até o século XVIII Homens e mulheres eram então classificados segundo seu grau de perfeição metafísica a posição soberana sendo sempre ocupada por um modelo masculino assimilado a uma ordem simbólica neutra unissexuada e de origem divina O gênero parecia então imutável à imagem da hierarquia do cosmo Ainda para este autor em seguida e em contrapartida o modelo da diferença sexual foi valorizado com suas diversas representações à medida que se sucediam as descobertas da biologia A posição ocupada pelo gênero e o sexo tornouse então motivo de um conflito incessante não apenas entre os homens e as mulheres mas entre os pesquisadores que tentavam explicar suas relações Do ponto de vista antropológico seria possível classificar as sociedades humanas em duas categorias em função da maneira como pensam as relações entre o sexo social gênero e o sexo biológico sexo A cada categoria Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1089 corresponde uma representação conforme um e outro se emaranhem e se superponham ou o gênero prevaleça sobre o sexo 2 As hierarquias baseadas em distinções sexuais naturalizantes vêm sendo contestadas fazendo tropeçar as convicções daqueles que acreditam que a identidade dos seres humanos como membros de uma espécie que se reproduz sexualmente seja decorrência inevitável do corpo físico com o qual se vêm ao mundo Tal concepção é abalada quando se constata que não é a presença do pênis ou da vagina determinada pelos pares de cromossomos xx e xy que faz com que uma pessoa seja homem ou mulher A identidade de gênero portanto está muito mais ligada a um sentirse homem eou mulher ou nem um nem outro como travestis transexuais e homossexuais do que ao fato biológico supostamente natural que advém da sequência genética herdada do pai e da mãe A identidade de gênero não é um dado mas sim o resultado de uma construção que embora realizada pelo indivíduo lança mão dos tijolos ou seja dos elementos culturalmente disponíveis para tal É uma via de mão dupla que tem um dentro e um fora Na interioridade estão modos de perceber de sentir de pensar de julgar e de decidir ao passo que no âmbito da exterioridade estão condutas que operam como meios de expressão que vão além das palavras e que em decorrência abrangem também gestos e postura corporal vestuário e adereços enfim uma exterioridade que se apreende e se compreende à medida que se manifesta para os outros Tais maneiras de ser não estão prontas e acabadas no ser humano não são dadas nem muito menos inatas são construídas São adquiridas lenta e gradualmente por meio da observação e da interação com o meio social O ato de verse e portarse como homem ou mulher em sua gama de possibilidades é parte crucial dessa construção remetendo à formação de identidades e à modelagem de comportamentos O que alguém é ou o que 2Um exemplo do que estamos comentando pode ser observado entre os Nuer do Sudão onde a esterilidade feminina de uma mulher casada solucionase com o seu retorno a família de origem considerandoa desta feita como homem podendo obter uma esposa da qual se torna o marido sendo a reprodução biológica assegurada por um criado mas todas as crianças segundo o que determina a lei social da filiação serão do marido Cf EVANSPRINTCARD Edward Os Nuer São Paulo Perspectiva 1978 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1090 acredita ser na dimensão de gênero e dentro dela na esfera da sexualidade depende sempre de um movimento dialético a percepção de si e a interação com outros e outras Podese dizer assim que esta dimensão da vida não está nem dentro nem fora dos seres humanos Está no meio na relação Privilegiando a noção de que a própria sexualidade seria uma expressão de um poder inconsciente de tipo identitário surge nos anos 90 do último século a queer theory3 ou seja uma concepção da sexualidade que rejeita ao mesmo tempo o sexo biológico e o sexo social onde cada indivíduo pode adotar a qualquer momento a posição de um ou do outro sexo suas roupas seus comportamentos suas fantasias e seus delírios Destacamse nesta discussão os trabalhos da filósofa norteamericana Judith Butler 2003 para quem a noção de gênero deve ser compreendida como um ato um ato performativo Ou seja uma ação pública que encena significações já estabelecidas socialmente e desse modo funda e consolida o sujeito São palavras ou gestos que ao serem expressos criam uma realidade Produzem uma ilusão de que existem seres homens e seres mulheres Esta ilusão justifica a autora prendese ao fato de não existir um ser um fazedor um agente por trás do ato Para ela performamos variados atos cotidianamente e ao repetilos ajudamos a manter a divisão binária dos gêneros Fazemos então coisas que são ditas como sendo coisas de homem ou coisas de mulher Uma das consequências de o gênero ser performativamente estabelecido é o fato de que homens e mulheres heterossexuais serem tão construídos quanto as categoriais ditas suas cópias Para esta autora não haveria gêneros originais portanto não haveria homens e mulheres mais verdadeiros do que suas supostas cópias travestis gays lésbicas e transexuais Neste sentido a aparente cópia já não se sustenta com referência numa origem no verdadeiro A origem perde o sentido porque homens e mulheres de verdade têm de assumir o gênero da mesma forma por intermédio da repetição de atos todos os dias 3Queer significa bizarro O termo foi inicialmente utilizado como injuria contra os homossexuais antes de ser recuperado pelos pesquisadores nominando uma teoria Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1091 Desta forma aquilo que acreditamos ser homens e mulheres de verdade encontra uma explicação na repetição e sedimentação de normas de gênero que ao longo do tempo terminaram por criar a ilusão de uma substância homem e de uma substância mulher numa aparente a historicidade Roupas gestos olhares e falas definiram um conjunto de estilos corporais que aparecem como formação natural dos corpos E por imposição das normas de gênero se dividem em dois sexos relacionados um ao outro Mas se são apenas normas e imposições de onde viria a suposição de um binarismo de gênero Da existência de dois órgãos genitais distintos Nossa autora recusa a ideia de que o corpo expressa uma verdade fundamental sobre a sexualidade asseverando que a sexualidade tem tanto a ver com nossas crenças ideologias e imaginações quanto com nosso corpo físico Portanto os corpos não têm nenhum sentido intrínseco Ou seja o corpohomem e o corpomulher sem desconsiderar que há casos de intersexo nada revelariam de verdade absoluta Mais ainda a não ser que consideremos a questão da reprodução que necessita de um corpomacho e de um corpofêmea para acontecer não existe nenhuma exigência de limitar o número de gênero a dois Nesse sentido é possível supor que a estas distintas morfias se poderia aplicar a terminologia gêneros o que permitiria dizer que existem mais gêneros que sexos Indo mais além até mesmo a reprodução tal como a conhecemos hoje talvez em breve seja posta à prova com os avanços tecnológicos O que de certa forma já o é O olhar de Judith Butler se desloca para estas manifestações não como práticas de seres abjetos não como doenças e anomalias mas como identidades de gênero como outras quaisquer com possibilidade legítima de existência Reformulando o conceito de gênero para refletir sobre o que é masculino e o que é feminino toma como paradigma justamente os seres considerados pela sociedade como abjetos transexuais intersexos e transgêneros de modo geral Suas ideias trazem à cena novos instrumentos para compreendermos a sociedade hodierna com outrosnovos olhos Os gêneros já nossos conhecidos Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1092 e aqueles que chamamos de transgêneros ou ainda aqueles que são menos compreensíveis porque não possuem uma coerência esperada entre sexo anatômico identidade de gênero desejo e prática sexual todos se encontrariam no mesmo patamar graças à noção de gênero como ato performativo portanto A autora desfaz assim a classificação dessas identidades segundo graus de normalidade e de patologia Considerando o masculino e o feminino não mais como substâncias originais nem mais como essências universais e percebendo os atributos de gênero como sendo regulados por diretrizes culturais que estabelecem uma suposta coerência entre eles desloca o transexualismo considerado como patologia por exemplo para a transexualidade4 ou seja uma identidade de gênero como outra qualquer com uma possibilidade legítima de existência A cultura ocidental podese dizer tende a encarar a constituição do gênero e dentro dele a vivência e expressão da sexualidade pelo prisma das particularidades individuais Fazendo com isso conforme leciona o sociólogo Norbert Elias 1994 emergir um velho problema sociológico a crença na existência de um abismo instransponível separando o individual do coletivo como se fossem duas coisas completamente distintas Para este autor essa visão é fruto de nossa dificuldade em reconstruir no pensamento o que vivenciamos no cotidiano Recorrendo à imagem proposta por Aristóteles muitos séculos atrás em sua tentativa de entender esta ligação as pedras e a casa Ou seja uma casa não pode ser explicada pelo mero acúmulo ou junção das pedras que a compõem Ela possui uma estrutura que não pode ser apreendida pela observação isolada de cada pedra O todo é qualitativamente diferente do somatório de suas partes Para decifrar a casa é preciso investigar as relações das pedras entre si e delas com a totalidade O mesmo raciocínio ou método se aplica segundo este autor às pessoas e às coletividades humanas 4Militantes de grupos gays acreditam que vocábulos terminados como o sufixo ismo como transexualismo e homossexualismo tragam consigo um ranço cultural pejorativo associando esses vocábulos à patologias Dessa feita pensados como identidades de gênero e não como anomalias foram gradativamente sendo adotados os vocábulos transexualidade e homossexualidade Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1093 Localizando o problema embora não resolvendo este autor oferece uma solução para esse impasse permitindonos fugir da tentação de alternativamente atribuir realidade ao indivíduo num momento e mais tarde tomar como concreto à sociedade Para ele é preciso refazer nossa própria autoimagem deixando de insistir em entender a vida social pelo exame detalhado de seus membros É preciso ao contrário romper com tal antinomia desarticulando o que sociólogos chamam de antítese cristalizada Pois se não existe sociedade sem indivíduos também é verdade que não é possível entender os seres humanos sem levar em conta os vínculos que os ligam ao social Considerando especificamente as masculinidades e feminilidades urge enxergálas como parte de um conjunto mais complexo ou seja as relações de gênero O estudo destas implica buscar a lógica coletiva que transcendendo os indivíduos os caracteriza e os aloca como membros de um sexo isto é como homens e mulheres sem nenhum ou quase nenhum espaço para a ambivalência Não raro vermos casais homossexuais performarem certo estilo de homossexualidade que de certa forma borra esta ambivalência principalmente entre o grupo social de convivência próxima Assim no atual momento pedras pontiagudas parecem desencaixarse da edificação as alteridades de gênero que tendem a ser vistas como apenas sexuais São incomodas e altamente reveladoras de tensões e contradições que permeiam a sociedade marcadas fortemente pelo conflito e pelo rigor como são tratadas São por assim dizer simultaneamente indícios e reflexões de resistência em uma das dimensões fundamentais a estruturar a vida social funcionando segundo uma lógica própria e relativamente autônoma a do gênero e dentro dele a sexualidade Nesta esfera ora em consonância com ela ora desafiandoa os indivíduos parecem não ter como escapar de se localizarem e serem localizados pela rígida demarcação que separa e opõe o masculino e o feminino como terrenos estanques eternos e imutáveis Faz parte desse processo com sua lógica inexorável buscar apagar seus vestígios espaciais e temporais Ocorre que nos tempos atuais por serem plurais Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1094 fragmentados e dispersos os lugares e os momentos em que se desenrolam as relações sociais sendo estas também múltiplas e intrincadas tornase extremamente complexa a inserção individual de seus membros Nesta construção social o gênero é um dos pilares De acordo com as teorias feministas as relações de gênero sofreram ao longo da história um processo contínuo de significação e ressignificação que as naturalizou e consequentemente as cristalizou Entretanto a sociedade não é um todo monolítico e imutável O gênero constitui uma camada do social é parte de uma totalidade que é sempre incompleta e que permanecendo aberta no tempo e no espaço está sujeita a transformações Dessa maneira podemos ver as definições do que é ser homem ou mulher como um fluxo e não como algo imóvel Embora mudanças e transformações sejam inerentes à condição humana nem sempre as aprovamos ou as adotamos muitas vezes preferimos nos manter em um espaço sem ameaças e menos expostos a aspectos imponderáveis Visto que arriscar possibilidades exige uma disposição que além de certas condições intrapsíquicas requer boa dose de iniciativa para fazer escolhas e se responsabilizar pelas consequências Em contrapartida à possível vulnerabilidade a recriação de si permite posturas mais flexíveis e a abertura necessária à compreensão do que é diferente e possível No que concerne as diferentes formas que homens e mulheres buscam para vivenciar suas masculinidades e feminilidades o desafio é ampliar e intensificar debates como forma de destituir ou romper o silêncio que nega e dissimula situações vigentes É necessário um enfrentamento criterioso e denso das teorias que precisam de vastas e profundas revisões para que se possa olhar além das frestas da resistência e do preconceito e assim dar conta das grandes transformações que vêm sendo processadas Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1095 3 Um olhar sobre a violência baseada no gênero notícias e dados Os estudos sobre os sistemas brasileiros de gênero são desde 1970 inspirados pelo referencial antropólogo inglês Peter Fry De lá para cá pesquisas têm relativizado a questão dos papéis sexuais e das performances de gênero tanto entre homens e mulheres quanto entre pessoas de mesmo sexo No entanto como herança das práticas sexuais do patriarcado percebese que estigmas e por consequência atos de violência baseados no gênero das mais variadas formas tornaramse constitutivos de nossa sociedade e das relações sexuais e de gênero estabelecidas entre nós Isso porque ainda temos dificuldade para reconhecer e entender algumas performances que contrariam o modelo hegemônico embaralhando os códigos e discursos produzidos nas zonas de conhecimento e também de reconhecimento das identidades construídas a partir do gênero São forças deem germinação de novos usos possíveis da sexualidade Para se aproximar e reconhecer essas identidades é necessário certo desnudamento que permita entrever os fluxos que essas performances baseadas no gênero arrastam consigo Um pioneiro trabalho que nos chama atenção para o fato de que até a linguagem cotidiana através de suas expressões linguísticas pode expressar e reproduzir lógicas de dominação submissão e portanto de violência baseada no gênero é o do sociólogo Michel Misse 2005 Segundo ele na língua portuguesa através da gíria a palavra homem só expressa ideias de dominação e poder o termo pode significar no uso cotidiano a polícia ou o policial os homens estão chegando De outra maneira a palavra mulher é comumente utilizada de forma pejorativa um menino fraco que não quer ou não consegue fazer o que os outros meninos fazem é chamado de mulherzinha remetendo a uma ideia de fraqueza Nesse sentido percebese que o efeito substantivo do gênero é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência de gênero BUTLER 2003 p48 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1096 Pensar a sexualidade diferente dos modos estratificados e padronizados com que estamos acostumados reverbera com a ideia da existência de múltiplas performances de gênero Provoca estranhamento e nos força a sair do lugarcomum convocando como sugere a psicóloga Elaine Bortolanza 2014 p 267 a passeartrottoir por espaços flutuantes por um não lugar um espaço à deriva cujo desejo é não se fixar num lugar como condição para abertura dos sexos à multiplicidade de sensações que a sexualidade nos lança No nosso caso colocando o gênero para passeartrottoir com os Direitos Humanos nos estrondos silenciosos do desejo do corpo prazeroso Ressaltese que a convocação da noção de desejo e prazer não está aqui por acaso Mas para delimitar assim como o filosofo Michel Foucault a preferênciaopção pela noção de prazer por ela aproximar das lutas e reivindicações políticas do desejo no contemporâneo tendo em vista que a noção de desejo está mais demasiadamente ligada à lei e à falta noções que constituíram com o nascimento da psicanálise no século XIX nossa subjetividade e portanto nosso modo de pensar e viver a sexualidade DELEUZE 1993 Ao convocar a passeartrottoir gênero e os Direitos Humanos percebese que a questão está entremeada na trama moral em que o desejo pulsa por novos arranjos e combinações Trama construída por elementos diferentes misturados sem ordem ou critério Tentando desemaranhar esses nós do dispositivo da sexualidade a psicóloga Elaine Bortolanza 2014 p268 sugere que o desejo sexual é uma dimensão irredutível à lógica da representação ao contrário para além das políticas identitárias do jogo macropolítico do direito e da norma o desejo sexual batalha insistentemente neste entre entre o individual e o coletivo entre o intimo e o publico entre o sexo e a norma entre o êxtase e o amor entre o eu e outro Seria este não lugar o espaço do nosso passeartrottoir com o gênero e os Direitos Humanos em vias de provocar o encontro numa perspectiva menos dura de olhar o gênero indo além daqueles dispostos como manequins nas vitrines das identidades sexuais Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1097 Destramar esta rede é a dimensão ética que nos possibilita a criação de mundos possíveis para aquilo que tem se tornado intolerável pois a sexualidade colada á máquina de produção do desejo faz cambalear a todo momento a crença na moral BORTOLANZA 2014 p 268 É inevitável adentrar na trama da moral quando o objetivo é perquirir as injunções de gênero aproximandoas nesse debate das questões relacionadas aos Direitos Humanos Visto que é nesse domínio que assistimos há mais de dois séculos das formas mais diversas obscuras e complexas a produção de técnicas de controle e captura do corpo reduzindoo á condição de pura vida biológica BORTOLANZA 2014 p 268 Essa redução de vida humana à condição de pura vida biológica é tratada pelo filósofo Giorgio Agamben 2007 como vida nua Esta noção seria uma forma de descrever os mecanismos de normatização da vida e os desafios próprios à ação política na sociedade contemporânea Ou seja nesse jogo macropolítico da sexualidade como sugere Michel Foucault 2010 interessanos valermonos da sexualidade dos prazeres para chegar a uma multiplicidade de relações O reconhecimento e a concessão de direitos a todas as expressões de gênero seria uma possibilidade de restituição daquilo que Giorgio Agamben 2007 chama de ato de profanação Ou seja a possibilidade do livre uso daquilo que foi na esfera da religião e mais tarde na esfera jurídica separado do ser humano Este livre uso da sexualidade faz aceder incontáveis e inomináveis performances de gênero Por sua vez cria relações ainda sem forma e reconhecimento que remexem nos nós mais profundos de instituições e institutos jurídicos Assim esse passeartrottoir pelo domínio do gênero e dos Direitos Humanos nos permite entrever que estamos longe da produção filiativa da reprodução hereditária que só retém como diferenças uma simples dualidade dos sexos no seio de uma mesma espécie e pequenas modificações ao longo das gerações Para nós ao contrário há tantos sexos quanto termos em simbiose tantas diferenças Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1098 quanto elementos intervindo num processo de contágio Sabemos que entre um homem e uma mulher passam muitos seres que vem de outros mundos trazidos pelo vento que fazem rizoma em torno das raízes e não se deixam compreender em termo de reprodução mas apenas devir DELEUZE e GUATTARI 1997 p 19 Nesse sentido ao falar de gênero na seara dos Direitos Humanos e não só nela o diálogo interdisciplinar como por exemplo entre SociologiaAntropologia e Direito se faz necessário Urge buscar novas lentes para além do olhar congelado nas diferenças sexuais naturalizadas homemmulher e nas categorias heterossexualhomossexualbissexual É necessário vislumbrar no Direito a existência de outras discussões como por exemplo as já citadas teorias queer Como já explicado as teorias queer recusam a classificação do desejo sexual nas categorias homossexual heterossexual homem ou mulher afirmando que a orientação sexual e a identidade sexual e de gênero é construída social e que portanto não existem papeis sexuais essenciais ou biologicamente inscritos na natureza humana Para seus teóricos o desejo sexual é múltiplo e variável demonstrando que não há uma identidade essencial ou natural construída a partir da noção de gênero Opondose ao tradicional conceito de gênero que distinguia o heterossexual socialmente aceito do anômalo queer esta teoria afirma que todas as identidades são igualmente anômalas BUTLER 2003 Tendo como luzeiro esse aporte teórico vislumbrase a existência de corpos que anunciam novas intensidades corpos que buscam desgarrarse das formas articuladas da sexualidade encarcerada nos órgãos sexuais nas genitálias nos papéis sexuais masculinofeminino Mas viver isso de modo pleno em nossa sociedade ainda não nos é permitido e juridicamente garantido Isto porque a sexualidade ainda é um campo excessivamente controlado pelas instâncias de poder do Estado Tanto que dado o princípio de racionalização do desejo existe a necessidade do enquadramento em uma identidade sexual orientação sexual relegando a um plano inferior a valorização do prazer como intensidade ou potência de produzir novos agenciamentos BORTOLANZA 2014 p 276 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1099 Hoje essa problematização do desejo restrita aos discursos dos direitos humanos em que tanto a liberdade como a verdade serve para regular e normatizar o desejo sexual no campo macropolítico da sexualidade excluem de modo radical a possibilidade de atualização dos afetos do presente o que contribui para uma esterilidade política dessa dimensão tendo em vista o modo como a sexualidade vem se afirmando como campo político de atuação BORTOLANZA 2014 p 278 Hodiernamente há inumeráveis formas de convivialidade entre corpos em devir No entanto dado o limite do Direito e da norma somos míopes para enxergar a criação de novas sexualidades Isto é nem homens tornados mulheres nem mulheres tornadas homens mas uma outra sexualidade dos homens e das mulheres BORTOLANZA 2014 p 279 A inadequação do desejo no campo do Direito e da norma gera indivíduos acabados aprisionados nos sexos binários Desurdir essas identidades rígidas seria um sinal de criação de algo novo nos discursos democráticos e liberais e não imposto enquanto uma verdade maior forjada em esquemas rígidos de pensar e sentir Em matéria veiculada no Jornal Correio Braziliense em 30 de junho de 2015 a socióloga Berenice Bento leciona que A teoria de gênero também traz no bojo a teoria da sexualidade segundo a qual a verdadeira e única possibilidade de os seres viverem suas experiências de desejo sexual seria mediante da complementaridade dos sexos Qualquer deslocamento homens femininos heterossexuais ou homens masculinos gays mulheres femininas lésbicas ou mulheres masculinas heterossexuais é inaceitável Segundo ela essa teoria de gênero atrelada a essa teoria da sexualidade é incentivadora da violência É preciso lembrar que há diversas resoluções de organismos supranacionais que reconhecem o direito à migração de um gênero para outro Mas diante dos argumentos reconhecidos internacionalmente acerca da importância de se pensar sobre os direitos dessa multidão queer PRECIADO 2011 capazes de transformar a cultura da violência de gênero não raro o corpo legislativo responde vamos fazer mais uma lei para criminalizar Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1100 Cumpre esclarecer que a própria definição do que seja violência de gênero no Direito revela as amarras em que nos encontramos presos Ao analisarmos as normativas internacionais sobre gênero observase ainda a visão de que estamos tratando tão somente de papéis sociais designados a homens e mulheres biologicamente considerados É o que se extrai por exemplo da obra do jurista Elder Lisboa Ferreira da Costa 2014 O autor realiza um estudo à luz do Direito Internacional e define gênero como a relação entre homens e mulheres baseada na identidade em condições e funções e nas responsabilidades segundo têm sido construídas e definidas pela sociedade e na cultura COSTA 2014 p 95 Diferenciando a definição de gênero da de sexo afirma que este último deve ser entendido como sendo tudo aquilo que se refere às disposições anatômicas e biológicas entre mulheres e homens COSTA 2014 p 95 A preocupação com as definições acima se explica em virtude de que o autor busca explanar de que modo o Direito Internacional trata de uma questão correlata a violência de gênero que para ele consiste na violência contra as mulheres praticada pelo simples fato de terem nascido mulheres COSTA 2014 pp 221222 Como parte da marcação biológica para a definição de gênero o autor somente compreende violência de gênero como violência contra a mulher e cometida somente por homens ambos anatomicamente considerados Segundo ele quando se fala de violência de gênero estáse dentro de um processo de socialização de homens e mulheres onde a cultura patriarcal machista sustentava a supremacia dos papéis masculinos sobre os papéis femininos COSTA 2014 p 191 Assim para o autor em tela de acordo com o Direito Internacional só a mulher pode ser vítima de violência de gênero COSTA 2014 p 246 No contexto jurídico brasileiro especialmente no âmbito da aplicação do Direito Civil também é possível notar que a marcação anatômica está presente quando se trata da concessão de direitos entre os gêneros É o caso Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1101 da alteração do nome civil relacionada com a ocorrência ou não de cirurgia de redesignação sexual Em artigo apresentado por Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Mariah Torres Aleixo 2013 durante o I Seminário Internacional Desfazendo Gênero as autoras apontam para seguinte questão como no país a alteração do nome somente é possível após autorização judicial no caso das pessoas trans tem sido observada a concessão da autorização judicial para alteração do nome civil somente após a realização da cirurgia de redesignação sexual o que provoca outra desigualdade pois para transmulheres a cirurgia é realizada com relativo sucesso mas para transhomens ainda é considerada experimental o que faz com que eles consigam a alteração do nome nos registros com menos dificuldade A situação apontada pelas autoras acima ilustra adequadamente a afirmação feita por Márcia Arán de que existe uma concepção normativa dos sistemas de sexogênero 2006 p 49 que informa os discursos de poder como o discurso jurídico5 O referido sistema foi assim denominado pela antropóloga estadunidense Gayle Rubin 2003 para explicar as ideias de que cada corpo possuía um sexo e um gênero correspondente o que originava um conjunto de disposições utilizado por uma sociedade para extrair do sexo biológico a ação humana devida Ocorre que a construção teórica do sistema sexogênero também partia da visão de que existia essencialmente uma dualidade entre masculino e feminino Cabe notar que exatamente por essa razão o referido pensamento sofre muitas críticas pois inviabiliza a análise a partir de outras configurações entre sexo e gênero A própria autora fez posteriormente uma correção a essa concepção nos seguintes termos É preciso haver um modelo que não seja binário porque a variação sexual é um sistema de muitas diferenças não apenas um par de diferenças conspícuas RUBIN BUTLER 2003 p 168 5Neste trabalho fazemos uso do termo discurso em conformidade com os ensinamentos de Michael Foucault para quem a expressão consiste no conjunto de práticas que institucionalizadamente são acionadas para se alcançar o poder com a função de perpetuar leis regras normas e valores socialmente aceitos Cf FOUCAULT Michael A ordem do discurso Aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970 São Paulo Edições Loyola 1999 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1102 estou agora argumentando que é essencial separar analiticamente o gênero da sexualidade para refletir com mais precisão a separação social existente RUBIN 1984 p 270 Assim observamos que o sistema hierárquico e assimétrico de gênero não enfraquecerá com medidas exclusivas no âmbito do Direito Penal ou no campo do Direito Civil É necessário pensar mecanismos para uma sociedade acolhedora de todas as diferenças humanas Esse é compromisso ético que devedeveria orientar o Direito e a norma no contemporâneo 4 Violência de gênero como violação dos Direitos Humanos É possível afirmar a violência de gênero como uma forma de violação dos Direitos Humanos posto que tais direitos são um conjunto de faculdades e instituições PÉREZ LUÑO 2001 p 48 componentes de normas jurídicas construídas nacional e internacionalmente variáveis na história cuja finalidade é a efetivação da dignidade humana da igualdade e da liberdade O principal fundamento sobre o qual os Direitos Humanos se constroem na atualidade é a noção de dignidade humana que se expressa em condições adequadas de existência RAMOS 2005 p 20 e na possibilidade de participar ativamente da vida em comunidade não se reportando exclusivamente ao caráter positivado desses direitos Portanto devese compreender que a expressão Direitos Humanos congrega a totalidade dos direitos inerentes à condição de ser humano necessários à existência digna que permita a perfeita realização do indivíduo sendo a construção de normas que reconheçam esses direitos uma estratégia de afirmação e efetivação Em que pese o reconhecimento da importante atuação da comunidade internacional no reconhecimento e proteção da dignidade humana com destaque para os últimos sessenta anos cumpre esclarecer que o arcabouço teórico e normativo que embasou a construção dos Direitos Humanos conforme modernamente compreendidos foi estruturado a partir da visão Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1103 heteronormativa o que torna imprescindível a reinterpretação de tais direitos para o estabelecimento da igualdade de gênero TELES 2006 A conduta adotada de permitir que a norma e os comportamentos internos sejam afetados pelos parâmetros internacionais de proteção da dignidade humana a qual é observada em face da elaboração de novos direitos que no decurso do tempo gradativamente incorporamse aos sistemas jurídicos diversos em culturas diferentes reflete a força expansiva dos Direitos Humanos que influencia a construção e recontrução dos ordenamentos jurídicos dos diversos países e propicia o surgimento dos chamados novos direitos Nas palavras do jurista Cesar Luiz Pasold 2005 os novos direitos podem ser compreendidos a partir das lições do filósofo Norberto Bobbio 1992 para quem a ampliação do rol de bens que se entende como devidos de proteção e a consideração da vida humana em sua concretude são as grandes motivações para o surgimento de novos direitos Assim tais direitos merecem incorporação ao quadro jurídico existente em face das novas demandas que emergem na sociedade e não podem ser desconsideradas em face da proibição de realizar discriminações entre pessoas É o caso das demandas por direitos que fazem as pessoas LGBT Suas necessidades concretas e os imperativos jurídicos que lhes garantem dignidade impõem à sociedade e ao Estado o empreendimento de esforços que ponham em marcha as mudanças necessárias para o exercício de cidadania Porém a mudança dos pressupostos que informam na atualidade a aplicação e interpretação das normas que garantem direitos bem como o senso comum facilitaria a realização da vida das pessoas LGBT que não precisariam lutar pelo direito de serem o que são pela reconstrução e exposição pública de seus corpos e identidades Importante é frisar o ensinamento do jurista espanhol AntonioEnrique PérezLuño 2006 o qual afirmou há alguns anos algo que é absolutamente verdade neste momento político brasileiro comparativamente em nenhum Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1104 outro momento da humanidade sentiuse tão fortemente a necessidade de reconhecer os valores e direitos das pessoas como universais Nesse sentido os muitos registros de violências praticadas contra mulheres e pessoas LGBT devem ser encarados como violência baseada na discriminação de gênero que não são apenas aquelas praticadas pelas pessoas físicas como lesões corporais agressões físicas e verbais6 mas também aquelas praticadas pelas instituições públicas A exemplo tomamos as ações estatais que dizem respeito à construção de dados sobre crimes provocados pela discriminação de gênero que no Brasil é denominada de transfobia lesbofobia e homofobia pelos movimentos sociais LGBT os quais juntamente com a Trangender Europe denunciam que o país é o recordista mundial em assassinatos de pessoas transexuais informação confirmada por Roger Raupp Rios e Flávia Piovesan 2003 p 155 que alertam para o fato de que a cada dois dias uma pessoa é assassinada no Brasil em função de sua orientação sexual Todos os militantes da causa LGBT no país alertam para a ausência de dados oficiais que tratem desses tipos de crime No entanto uma busca por dados oficiais que reportem a situação é dificultosa uma vez que no país os crimes relacionados à transfobia ou ao ódio a pessoas LGBT em geral ou mesmo que analisem as ocorrências de crimes de modo a cruzar com a identidade de gênero não são quantificados A confirmação do argumento se dá com simples pesquisa aos sites dos órgãos de segurança pública A título de exemplo temse o balanço de ocorrências policiais no ano de 2013 no Estado do Pará publicado no site da Secretaria de Segurança Pública wwwseguppagovbr o qual aponta o número de crimes registrados apresenta uma tabela de tipificação mas não analisa nenhum dos crimes colacionados com dados como sexo idade cor da pele e identidade de gênero Assim somente é possível saber das ocorrências mas não se pode identificar quem são as vítimas 6Cf BRASIL Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 Disponível em httpwwwsdhgovbrnoticias2013junhonumerodedenunciasdeviolenciahomofobica cresceu166em2012dizrelatorio Acesso em 05 set 2015 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1105 No caso do site da Secretaria Nacional de Segurança Pública wwwportalmjgovbr a situação é ainda pior porque não se localiza nenhuma pesquisa indicativa acerca da análise das ocorrências de crime em relação à população LGBT no país Porém desde 1999 são publicados dados sobre violências perpetradas contra a população LGBTT no Brasil GRUPO GAY DA BAHIA7 SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA8 os quais apontam que a realidade da vida social desafia o respeito à igualdade e a não discriminação tanto pelas esferas de governo quanto pelos membros da sociedade considerados nas suas relações privadas Desta feita são valorizadas ações que objetivem divulgar na comunidade informações que gerem respeito às múltiplas identidades sexuais e de gênero tais como os planos nacionais e estaduais de direitos humanos o programa Brasil sem Homofobia e as ações pontuais nas secretarias de educação e segurança pública Assim é possível inferir que a ausência de dados oficiais acerca dos crimes praticados contra a população LGBT no Brasil é consequência da invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral 5 Algumas considerações finais No campo do Direito a discussão encontra amparo dentro do conceito de igualdade previsto na Constituição Federal de 1988 e nos ordenamentos jurídicos internacionais o que implica no significado de que qualquer pessoa é detentora de direitos e deveres independente de qualquer característica que 7Cf MOTT Luiz Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no Brasil Salvador Grupo Gay da Bahia 1999 8Cf BRASIL Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 Op cit Disponível em httpwwwsdhgovbrnoticias2013junhonumerodedenunciasdeviolenciahomofobica cresceu166em2012dizrelatorio Acesso em 05 set 2015 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1106 possua No caso do presente estudo independentemente de suas identidades sexuais e de gênero Afinal o que se requer do direito constitucional na academia e na prática compromisso com a democracia e fazer valer os direitos fundamentais especialmente onde eles enfrentam preconceito costumes e tradições arraigados RIOS RESADORI 2015 p 218 A Constituição Federal88 identifica a igualdade como um dos fundamentos da República e como pressuposto de todos os direitos e garantias individuais e coletivas fundamentais e dos demais direitos que delas são derivados Daí que um objetivo fundamental do país é promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação art 3º IV CF88 Tal previsão quando lida em correlação com a previsão genérica do artigo 5º do mesmo diploma legal o qual prevê que todas as pessoas são iguais perante a lei leva à adequada interpretação de que as identidades sexuais e de gênero são protegidas constitucionalmente como direitos fundamentais ou seja como aspectos indispensáveis para a vida com dignidade Desta forma o que se pretende com a afirmação da igualdade é buscar não desigualdade sendo necessário averiguar um sentido mais concreto e claro para a expressão O termo não desigual pode adotar o sentido de igual ou de equânime semelhante idêntico análogo equivalente correspondente proporcional ou regular Podese dizer valorativamente que a não desigualdade implica em olharmos a verdade das coisas a nossa volta implica em saber a exata ou viável medida das coisas Ainda que essas afirmações nos aparentem uma mera abstração de conceitos jurídicos a verdade sobre essa operação intelectual é chegada num resultado de adequação satisfatório entre Direito e a vida de cada uma de nós O dever de fundamentação e preocupação de um tratamento igual aos desiguais pesa sobre os necessários desvios sobre a igualdade Ao regular as desigualdades em vista de criar igualdades devemos nos ater ao fato de iniciar o processo dentro de uma ordem que é natural e de fácil apreensão e a partir daí operar o Direito de modo a estabelecer classificações diferenciadas e Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1107 artificiais sendo que essas é que devem sempre ser bem fundamentadas SANCHÍS 1995 Como já argumentado ao identificarmos situações ocorridas em nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do gênero percebemos como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Quando analisamos as questões relativas à convivência em nossa sociedade de pessoas gays lésbicas travestis e transexuais uma gama variada de impedimentos baseados no gênero é detectada a impossibilidade de manifestar a subjetividade as agressões verbais físicas e sexuais a dificuldade em ter respeitado o nome social Tais circunstâncias podem ser justificadas pela discriminação praticada contra essas pessoas por conta de suas identidades sexuais e de gênero RIOS PIOVESAN 2003 e SMITH 2013 Grave também é a situação das decisões judiciais prolatadas com base na discriminação de gênero Tomase como exemplo a questão relativa à alteração do nome nos registros oficiais Muitos magistrados apenas concedem tal modificação após a comprovação da realização da cirurgia de transgenitalização o que no caso das transmulheres é ainda mais rigoroso pois para transhomens a implantação do pênis é reconhecida pelos juízes e juízas como cirurgia experimental o que facilita a decisão em relação a eles Ressaltese que as decisões judiciais favoráveis à reinterpretação da igualdade também jogam papel importante na garantia da construção de uma sociedade mais justa e solidária especialmente nos casos do reconhecimento da união homoafetiva que teve impactos sobre o Direito de Família adoções e no direito à sucessão Mas as ações ainda sofrem muita resistência do conservadorismo moral que afeta a interpretação e aplicação do Direito à igualdade naturalizada que é a convicção de que a biologia define quem se é e quem não se pode ser Por isso as manifestações coletivas de pessoas LGBT tem sido importantes momentos para fazer a sociedade enxergar o gênero Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1108 Referências bibliográficas AGAMBEN Giorgio 2007 Profanações São Paulo Biotempo ARÁN Márcia 2006 A transexualidade e a gramática 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Brasileira Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1109 COSTA Elder Lisboa Ferreira da 2014 O gênero no direito internacional discriminação violência e proteção Belém PakaTatu DELEUZE Gilles 1993 Desejo e prazer carta de Gilles Deleuze a Michel Foucault In PELBART Peter ROLNIK Suely Orgs Cadernos de Subjetividade São Paulo PUCSP v1 n1 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix 1997 Mil platôs capitalismo e esquizofrenia São Paulo Editora 34 ELIAS Norbert 1994 A sociedade dos indivíduos Rio de Janeiro Zahar EVANSPRINTCARD Edward 1978 Os Nuer São Paulo Perspectiva FOUCAULT Michel 1988 História da Sexualidade I a vontade de saber 18 ed Rio de Janeiro Graal 2010 Ética sexualidade e política In MOTTA Manoel B da Org Ditos e Escritos V Rio de Janeiro Forense Universitária 1999 A ordem do discurso Aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970 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Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1111 gender and sexuality analytically to reflect more accurately their separate social existence In VANCE Carole Ed Pleasure and Danger Exploring Female Sexuality Paul Routledge Kegan pp 267319 2003 O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo In Cadernos Pagu N 21 pp 164 RUBIN Gayle BUTLER Judith 2003 Tráfico Sexual Entrevista In Cadernos Pagu N 21 pp 157209 Disponível em httpwwwscielobrpdfcpan21n21a08pdf Acesso em 08 fev 2015 SANCHÍS Luis Prieto 1995 Igualdad y Minorías Revista del Instituto Bartolomé de las Casas Derechos y Libertades Madrid SCOTT Joan Wallace 1995 Gênero uma categoria útil de análise histórica In Revista Educação e Realidade V 20 N 2 Porto Alegre juldez TELES Maria Amélia de Almeida 2006 O que são direitos humanos das mulheres São Paulo Brasiliense SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira 20013 Proibição da Discriminação por Orientação sexual e Identidade de Gênero In 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artigo Resenha crítica SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira SANTOS Jorge Luíz dos Corpos identidades e violência o gênero e os direitos humanos Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Os autores no artigo acima indicado apontam uma reflexão sobre a violência de gênero baseada no argumento principal de este tipo de violência é decorrente da discriminação baseada na orientação sexual ou na mudança da identidade de gênero Dizem também ser uma consequência da ausência do Estado na preservação da dignidade humana dessas pessoas vítimas desse tipo de violência em falha à prestação do direito à igualdade Para tanto consideram que a sexualidade é uma decorrência da dignidade humana e parte essencial da pessoa sendo as vítimas portadoras de uma identidade sexual e também de gênero A discussão sobre igualdade perpassa o discurso teórico para sepultar o liame entre sexualidade e gênero apontando que deve ser operada no plano concreto esta superação da dicotomia entre gênero e sexualidade Como expressões dessa violência afirmam a real impossibilidade de manifestação da subjetividade dessas pessoas havendo agressões verbais físicas e sexuais e até o desrespeito ao nome social Apresentam o argumento de que há decisões judiciais quanto à mudança de nome civil que vinculam a cirurgia de transgenitalização à mudança do nome o que demonstraria esse tipo impedimento das subjetividades Na sua base argumentativa os autores buscam aporte teórico na antropologia de Claude LévyStrauss considerando que é preciso respeitar o diferente sendo este o diferente parte integrante do todo social e que ser diferente não é ser desigual uma vez que cada pessoa possui valor intrínseco Trazem o conceito de multidão queer onde concentram o conceito pósmoderno dessa ampla diversidade de pessoas gêneros e fluidez que caracteriza nossa sociedade Aduzem que a diversidade sexual que partiu dos movimentos gay e de revolução sexual dos anos 60 do século XX mudou os comportamentos esperados de homens e mulheres e home em dia pouco a pouco esgarçam a estrutura social A dominação entre homens e mulheres sobrepôs a questão de gênero pois o homem e a mulher são seres biológicos e a sua diferença anatômica depende sua posição social Segundo os autores o gênero não se situa somente na posição biológica mas também pelo lugar que ocupam na sociedade Nessa linha argumentativa constatam que não é a presença do pênis ou da vagina determinada pelos pares de cromossomos xx e xy que faz com que uma pessoa seja homem ou mulher mas a uma capacidade de sentirse homem eou mulher ou nem um nem outro como travestis transexuais e homossexuais A identidade de gênero seria o resultado de uma construção culturalmente disponíveis no meio social de forma lenta e gradativa de percepção do indivíduo sobre si mesmo em constante contato com o outro A queer theory fundamenta esta concepção de sexualidade que rejeita ao mesmo tempo o sexo biológico e o sexo social e cada indivíduo pode adotar a qualquer momento a posição de um ou do outro sexo suas roupas seus comportamentos e suas fantasias Seria no dizer de Judith Butler a sexualidade um ato performativo Todo dia é um ato de repetição ser masculino e feminino não havendo masculino e feminino puros Chegando adiante na discussão os autores colocam a pergunta que consiste nesta separação entre gêneros ou melhor dizendo de onde deriva o binarismo Buscando em Butler os autores consideram que é uma construção legítima como outra qualquer de busca identitária onde os corpos não tem um sentido específico Corpo é corpo e o masculino ou feminino apenas se diferenciam nas questões reprodutivas fazendose corpomacho e corpofêmea Nesta mesma linha argumentativa buscam os autores também os apontamentos de Norbert Elias para a questão do aspecto coletivo da cultura ocidental que coloca a sexualidade pelo prisma das particularidades individuais Para eles segundo Elias a sociedade não se reduz a um mero conjunto de pessoas individualizadas pois não há separação entre o individual e o coletivo Não é possível entender os seres humanos sem levar em conta os vínculos que os ligam ao social Os autores buscam demonstrar que as masculinidades e feminilidades são parte de um conjunto mais complexo de relações de gênero Há uma lógica coletiva que transcende os indivíduos e o gênero constitui uma camada do tecido social A violência baseada no gênero pode ocorrer até na linguagem através de expressões linguísticas que reproduzem lógicas de dominação e submissão Ao relacionar o tema aos Direitos Humanos os autores procuram o diálogo interdisciplinar para as categorias de gênero evitando um olhar congelado e estático Considerando a sexualidade como controlável pelas instâncias de poder consideram os autores que tratamos apenas de papéis sociais a homens e mulheres biologicamente considerados Mantemos a violência quando ligamos gênero à sexualidade sem possibilitar ao indivíduo mudar de um gênero a outro a despeito de já existirem documentos internacionais que garantam esse direito como a multidão queer A violência de gênero como violação aos Direitos Humanos sobressai como violência à dignidade humana uma vez que a totalidade dos direitos inerentes à condição de ser humano necessários à existência digna deve permitir a perfeita realização do indivíduo Esta realização na vida das pessoas LGBT diz respeito a não precisar lutar pelo direito de serem quem são ou pela reconstrução e exposição pública de seus corpos e identidades Nesse sentido a violência acaba sendo realizada não só pelas pessoas físicas mas pelas instituições públicas A ausência de dados concretos e verificáveis demonstra a invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral Concluem aduzindo há muito de conservadorismo moral na interpretação e aplicação do Direito à igualdade naturalizada na convicção de que a biologia define quem se é e quem não se pode ser Finaliza que as manifestações coletivas de pessoas LGBT tem sido importantes momentos para fazer a sociedade enxergar o gênero Assim buscando refletir os aportes teóricos do artigo verificase uma correlação entre a violência de gênero e Direitos Humanos sob a qual não se discute Tratase de violação grave e atual que realmente decorre o direito à dignidade humana O direito à identidade de gênero faz parte da pessoa e de como ela se identifica Violar isso é ferir a dignidade humana Contudo como quis parecer o artigo não chega a ser recorrente o noticiário sobre casos de violência em função do gênero não pelo menos nos dias atuais Embora não se negue existir agressões baseadas no preconceito não entendemos que exista uma relação necessária entre esse tipo de violência e o contexto do gênero A sociedade brasileira vem mudando e é preciso considerar o período analisado pelos autores o que não foi demonstrado Não se sabe de que época e dados se trata Além disso o preconceito existe em relação ao diferente não só pela sua condição sexual mas social de origem ou cor No Brasil isso é evidente porque a população é bastante diversificada e o território muito vasto A situação em debate é se existe mesmo uma ausência de dados sobre esta violência e se isto decorre da ineficiência estatal com as estatísticas Nesse viés é importante considerar que os dados apontados pelos autores são vagos sem uma identificação precisa de onde ocorrem Vejamos trecho direto do texto Assim é possível inferir que a ausência de dados oficiais acerca dos crimes praticados contra a população LGBT no Brasil é consequência da invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral De onde partem os autores para tal afirmação Não parece crível que existam altos índices de violência de gênero se não há dados indicativos de que esta violência realmente ocorra Não se nega aqui que não possa ocorrer mas não concordamos de que se possa englobar a violência de gênero nas formas físicas verbais sexuais e de não aceitação do nome social tal como apontaram os autores Hoje em dia nos mais variados setores da sociedade verificase um aumento do respeito ao nome social à liberdade da pessoa se identificar com que gênero quiser No tema podemos citar a APDF 5271 ajuizada pela Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros ABGLT Nesta ação se questiona decisões judiciais contraditórias na aplicação da Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 12014 que estabeleceu parâmetros de acolhimento do público LGBT submetido à privação de liberdade nos estabelecimentos prisionais brasileiros A entidade argumentou que alguns juízos de execução penal estariam interpretando a norma de forma a frustrar a efetivação dos direitos desses grupos a tratamento adequado no âmbito do sistema carcerário resultando em violação aos preceitos fundamentais da dignidade humana da proibição de tratamento degradante ou desumano e do direito à saúde No voto do ministro Luís Roberto Barroso considerouse que o direito das transexuais femininas e travestis ao cumprimento de pena em condições compatíveis com a sua identidade de gênero decorre em especial dos princípios constitucionais do direito à dignidade humana da autonomia da liberdade igualdade saúde e da vedação à tortura e ao tratamento degradante e desumano Também decorre da jurisprudência consolidada no STF em se reconhecer o direito desses grupos a viver de acordo com a 1 httpsportalstfjusbrnoticiasverNoticiaDetalheaspidConteudo462679ori1textO20ministro20Lu C3ADs20Roberto20Barrosoestabelecimento20prisional20feminino20ou20masculino sua identidade de gênero e a obter tratamento social compatível com ela O ministro ressaltou em seu voto ainda que dentre os Princípios de Yogyakarta o de número 9 recomenda que caso encarceradas essas pessoas possam participar das decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero Sendo assim não se pode concluir uma ineficiência estatal praticada pelo próprio Estado em decorrência de alarmantes notícias de violência cometidas no Brasil contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais em virtude da discriminação em face do sexo e do gênero Basearse em falta de estatísticas induz o leitor a uma paixão com o tema para considerar que esses grupos são vítimas constantemente perseguidas Assim não nos parece tendo em vista que a violência não escolhe gênero cor ou religião pois o preconceito é que determina como o coletivo trata seus diferentes
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Texto de pré-visualização
Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1083 Corpos identidades e violência o gênero e os direitos humanos Bodies identities and violence the gender and the human rights Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith Universidade da Amazônia Belém Pará Brasil Email andrezapantojagmailcom Jorge Luiz Oliveira dos Santos Universidade da Amazônia Belém Pará Brasil Email jorgeluizdossantoshotmailcom Recebido em 09022016 e aceito em 13072016 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1084 Resumo No trabalho objetivase apresentar uma compreensão teórica da violência de gênero a partir dos debates dos casos de violência decorrentes da discriminação baseada na orientação sexual ou na mudança da identidade de gênero A ideia se justifica pelas alarmantes notícias de violência cometidas contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais Ao se identificar situações ocorridas na nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do gênero percebese como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Pretendese analisar a violência de gênero como violação dos Direitos Humanos notadamente contra aqueles que são considerados desiguais a multidão queer Palavraschave identidade sexual e de gênero violência de gênero direitos humanos Abstract At work the objective is to provide a theoretical understanding of gender violence from the discussions of cases of violence stemming from discrimination based on sexual orientation or the change of gender identity The idea is justified by the alarming reports of violence committed against gay lesbian and transgender By identifying situations that have occurred in our society that is founded on unequal valuation that gives people because of gender you can see how the discussion of equality needs to be operationalized into concrete actions that seek to interfere with the realities violate rights We intend to analyze genderbased violence as a violation of Human Rights especially against those who are considered unequal the queer crowd Keywords sexual and gender identity gender violence human rights Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1085 1 Introdução As alarmantes notícias de violência cometidas no Brasil contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais em virtude da discriminação em face do sexo e do gênero pode caracterizar a ausência do Estado no seu dever de promover e proteger o fundamento dos Direitos Humanos que é a dignidade da pessoa sem nenhuma forma de distinção mas também revela a não concretização dos mesmos direitos nas relações entre particulares Ao se perceber a sexualidade como parte essencial e fundamental da humanidade depreendese que as pessoas precisam estar fortalecidas para performarem a sua identidade sexual e de gênero Para analisar de forma igualitária demandas ligadas às identidades sexuais e de gênero há que se considerar o direito de atitude interior a igualdade subjetiva onde os seres humanos possam ser vistos por sua personalidade sua realidade pelo mundo a sua volta para que se entendam suas histórias e suas demandas NAHUM 2000 Esse direito é mais uma das facetas da igualdade ou não desigualdade que busca tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades A tentativa de simetria entre as duas dimensões igualdade e desigualdade dá ensejo à necessidade de justificação acentuada à segunda Identificandose situações ocorridas em nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do sexo e do gênero percebese como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Quando se analisa questões relativas à convivência em sociedade de pessoas gays lésbicas travestis e transexuais ou o que a filósofa espanhola Beatriz Preciado 2011 designa multidão queer uma gama variada de impedimentos baseados no gênero é detectada a impossibilidade de manifestar a subjetividade as agressões verbais físicas e sexuais a dificuldade em ter respeitado o nome social Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1086 Tais circunstâncias podem ser justificadas pela discriminação praticada contra essas pessoas por conta de suas identidades sexuais e de gênero Sobre esta maneira de repudiar outras opções de vida há muito afirmou o antropólogo Claude LéviStrauss 1976 p 334 que recusamos admitir o próprio fato da diversidade preferimos lançar fora tudo o que não se conforma à norma sob a qual se vive E nisso começou uma história maldita de excepicionalismos em que se vê cada vez mais a exclusão das pessoas que são consideradas diferentes demais Na antropologia levistraussiana o verdadeiro humanismo seria aquele no qual estendemos a toda a esfera do vivente um valor intrínseco Não quer dizer que são todos iguais São todos diferentes Porém restituir o valor significa restituir a capacidade de diferir de ser diferente sem ser desigual Não é por acaso que todas as minorias exigem respeito A liberdade cresce no solo fértil da troca com o outro reconhecido como um igual e não através do aumento desigual do poder de uns sobre os outros Se há poder por toda a parte como gostava de lembrar o filósofo Michel Foucault 1988 há também o desejo de viver além dele Livres dele ou praticantes de um poder cuja fonte e destino sejam o reconhecimento do outro no diálogo que lhe permita o direito de escolher Nessa perspectiva pretendemos desenvolver uma compreensão teórica da violência baseada em gênero como violação dos Direitos Humanos praticada tanto pelas instituições quanto pelas pessoas em suas relações privadas notadamente contra aqueles que consideram desigual a já citada multidão queer 2 Corpos e identidades a multidão queer Este se poderia dizer é o novo contexto que baliza a emergência de diferentes maneiras de ser e de viver de homens e de mulheres Neste terreno é possível constatar uma modernidade liquida para tomar emprestada a expressão cunhada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman 2001 Para este autor a Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1087 fixidez das identidades coletivas e individuais cede lugar a uma fluidez que se aloja dentro dos indivíduos e se espalha pela sociedade Para chegarmos ao estado atual já se passaram alguns anos desde a chamada revolução sexual ocorrida no Ocidente na década de 60 do século passado quando as ideias de diversidade e individualidade ganham literalmente os corpos e passam a guiar novas visões e práticas em relação ao que percebemos avaliamos e julgamos como sendo masculino e feminino ou neutro em termos de sexualidade e gênero Comportamentos antes tidos como sólidos ou em outras palavras rigidamente designados como comportamentos esperados de homens e mulheres vão pouco a pouco se desfazendo borrando esgarçando abrindo rachaduras na divisão sexual da produção e reprodução das estruturas sociais Neste sentido dáse a assunção daquilo que tem sido rubricado entre nós como multidão queer PRECIADO 2011 No que concerne à diversidade sexual o emergente movimento gay é herdeiro direto das lutas feministas que ao propugnarem a igualdade de direitos entre os sexos buscaram desconstruir as desigualdades entre homens e mulheres supostamente baseadas em diferenças físicas isto é biológicas Surge assim o conceito de gênero como sendo um conjunto de maneiras de perceber designar e classificar as distinções sexuais atribuindolhes um lugar e um status social1 A situação injusta que opõe homens e mulheres no mundo inteiro não é obra da natureza mas o resultado de séculos de história humana Há portanto diversas formas de abordar relações de dominação de igualdade ou de desigualdade entre os homens e as mulheres Se nos situarmos no ponto de vista do corpo o homem e a mulher são seres biológicos e de sua diferença anatômica depende sua posição social O gênero ou a identificação social de gênero como sugerem alguns teóricos seria então determinado em função desta diferença 1Derivado do latim genus o termo gênero é habitualmente utilizado para designar uma categoria qualquer classe grupo ou família apresentando os mesmo sinais de pertencimento Em numerosos trabalhos acadêmicos contemporâneos designase por sexo o que deriva do corpo sexuado masculino ou feminino e por gênero o que se reporta à significação sexual do corpo na sociedade masculinidade ou feminilidade Dentre outros textos vale conferir Cf SCOTT Joan Wallace Gênero uma categoria útil de análise histórica In Revista Educação e Realidade V 20 N 2 Porto Alegre juldez 1995 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1088 No entanto se previlegiarmos o gênero em detrimento da diferença biológica relativizaremos esta última e valorizaremos uma outra diferença dita cultural ou identitária determinada pelo lugar que ocupam na sociedade No primeiro caso dividese a humanidade em dois pólos sexuados os homens de um lado as mulheres de outro e no segundo multiplicamse ao infinito as diferenças sociais e identitárias sustentando que os homens e as mulheres entram do ponto de vista biológico na categoria de um gênero sexuado uma vez que se ambos têm um sexo a diferença sexual contaria menos para a sociedade que outras diferenças como a cor da pele o pertencimento de classe os costumes a idade a origem dita étnica ou ainda o papel escolhido para representar junto a seus semelhantes Segundo o historiador Thomas Laqueur 2001 para quem o sexo biológico é um dado do comportamento humano tão construído quanto o gênero como mencionado antes as noções de sexo e gênero nunca se recobriram completamente nem tão pouco se sucederam segundo uma história linear Entretanto o modelo da unidade foi predominante até o século XVIII Homens e mulheres eram então classificados segundo seu grau de perfeição metafísica a posição soberana sendo sempre ocupada por um modelo masculino assimilado a uma ordem simbólica neutra unissexuada e de origem divina O gênero parecia então imutável à imagem da hierarquia do cosmo Ainda para este autor em seguida e em contrapartida o modelo da diferença sexual foi valorizado com suas diversas representações à medida que se sucediam as descobertas da biologia A posição ocupada pelo gênero e o sexo tornouse então motivo de um conflito incessante não apenas entre os homens e as mulheres mas entre os pesquisadores que tentavam explicar suas relações Do ponto de vista antropológico seria possível classificar as sociedades humanas em duas categorias em função da maneira como pensam as relações entre o sexo social gênero e o sexo biológico sexo A cada categoria Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1089 corresponde uma representação conforme um e outro se emaranhem e se superponham ou o gênero prevaleça sobre o sexo 2 As hierarquias baseadas em distinções sexuais naturalizantes vêm sendo contestadas fazendo tropeçar as convicções daqueles que acreditam que a identidade dos seres humanos como membros de uma espécie que se reproduz sexualmente seja decorrência inevitável do corpo físico com o qual se vêm ao mundo Tal concepção é abalada quando se constata que não é a presença do pênis ou da vagina determinada pelos pares de cromossomos xx e xy que faz com que uma pessoa seja homem ou mulher A identidade de gênero portanto está muito mais ligada a um sentirse homem eou mulher ou nem um nem outro como travestis transexuais e homossexuais do que ao fato biológico supostamente natural que advém da sequência genética herdada do pai e da mãe A identidade de gênero não é um dado mas sim o resultado de uma construção que embora realizada pelo indivíduo lança mão dos tijolos ou seja dos elementos culturalmente disponíveis para tal É uma via de mão dupla que tem um dentro e um fora Na interioridade estão modos de perceber de sentir de pensar de julgar e de decidir ao passo que no âmbito da exterioridade estão condutas que operam como meios de expressão que vão além das palavras e que em decorrência abrangem também gestos e postura corporal vestuário e adereços enfim uma exterioridade que se apreende e se compreende à medida que se manifesta para os outros Tais maneiras de ser não estão prontas e acabadas no ser humano não são dadas nem muito menos inatas são construídas São adquiridas lenta e gradualmente por meio da observação e da interação com o meio social O ato de verse e portarse como homem ou mulher em sua gama de possibilidades é parte crucial dessa construção remetendo à formação de identidades e à modelagem de comportamentos O que alguém é ou o que 2Um exemplo do que estamos comentando pode ser observado entre os Nuer do Sudão onde a esterilidade feminina de uma mulher casada solucionase com o seu retorno a família de origem considerandoa desta feita como homem podendo obter uma esposa da qual se torna o marido sendo a reprodução biológica assegurada por um criado mas todas as crianças segundo o que determina a lei social da filiação serão do marido Cf EVANSPRINTCARD Edward Os Nuer São Paulo Perspectiva 1978 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1090 acredita ser na dimensão de gênero e dentro dela na esfera da sexualidade depende sempre de um movimento dialético a percepção de si e a interação com outros e outras Podese dizer assim que esta dimensão da vida não está nem dentro nem fora dos seres humanos Está no meio na relação Privilegiando a noção de que a própria sexualidade seria uma expressão de um poder inconsciente de tipo identitário surge nos anos 90 do último século a queer theory3 ou seja uma concepção da sexualidade que rejeita ao mesmo tempo o sexo biológico e o sexo social onde cada indivíduo pode adotar a qualquer momento a posição de um ou do outro sexo suas roupas seus comportamentos suas fantasias e seus delírios Destacamse nesta discussão os trabalhos da filósofa norteamericana Judith Butler 2003 para quem a noção de gênero deve ser compreendida como um ato um ato performativo Ou seja uma ação pública que encena significações já estabelecidas socialmente e desse modo funda e consolida o sujeito São palavras ou gestos que ao serem expressos criam uma realidade Produzem uma ilusão de que existem seres homens e seres mulheres Esta ilusão justifica a autora prendese ao fato de não existir um ser um fazedor um agente por trás do ato Para ela performamos variados atos cotidianamente e ao repetilos ajudamos a manter a divisão binária dos gêneros Fazemos então coisas que são ditas como sendo coisas de homem ou coisas de mulher Uma das consequências de o gênero ser performativamente estabelecido é o fato de que homens e mulheres heterossexuais serem tão construídos quanto as categoriais ditas suas cópias Para esta autora não haveria gêneros originais portanto não haveria homens e mulheres mais verdadeiros do que suas supostas cópias travestis gays lésbicas e transexuais Neste sentido a aparente cópia já não se sustenta com referência numa origem no verdadeiro A origem perde o sentido porque homens e mulheres de verdade têm de assumir o gênero da mesma forma por intermédio da repetição de atos todos os dias 3Queer significa bizarro O termo foi inicialmente utilizado como injuria contra os homossexuais antes de ser recuperado pelos pesquisadores nominando uma teoria Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1091 Desta forma aquilo que acreditamos ser homens e mulheres de verdade encontra uma explicação na repetição e sedimentação de normas de gênero que ao longo do tempo terminaram por criar a ilusão de uma substância homem e de uma substância mulher numa aparente a historicidade Roupas gestos olhares e falas definiram um conjunto de estilos corporais que aparecem como formação natural dos corpos E por imposição das normas de gênero se dividem em dois sexos relacionados um ao outro Mas se são apenas normas e imposições de onde viria a suposição de um binarismo de gênero Da existência de dois órgãos genitais distintos Nossa autora recusa a ideia de que o corpo expressa uma verdade fundamental sobre a sexualidade asseverando que a sexualidade tem tanto a ver com nossas crenças ideologias e imaginações quanto com nosso corpo físico Portanto os corpos não têm nenhum sentido intrínseco Ou seja o corpohomem e o corpomulher sem desconsiderar que há casos de intersexo nada revelariam de verdade absoluta Mais ainda a não ser que consideremos a questão da reprodução que necessita de um corpomacho e de um corpofêmea para acontecer não existe nenhuma exigência de limitar o número de gênero a dois Nesse sentido é possível supor que a estas distintas morfias se poderia aplicar a terminologia gêneros o que permitiria dizer que existem mais gêneros que sexos Indo mais além até mesmo a reprodução tal como a conhecemos hoje talvez em breve seja posta à prova com os avanços tecnológicos O que de certa forma já o é O olhar de Judith Butler se desloca para estas manifestações não como práticas de seres abjetos não como doenças e anomalias mas como identidades de gênero como outras quaisquer com possibilidade legítima de existência Reformulando o conceito de gênero para refletir sobre o que é masculino e o que é feminino toma como paradigma justamente os seres considerados pela sociedade como abjetos transexuais intersexos e transgêneros de modo geral Suas ideias trazem à cena novos instrumentos para compreendermos a sociedade hodierna com outrosnovos olhos Os gêneros já nossos conhecidos Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1092 e aqueles que chamamos de transgêneros ou ainda aqueles que são menos compreensíveis porque não possuem uma coerência esperada entre sexo anatômico identidade de gênero desejo e prática sexual todos se encontrariam no mesmo patamar graças à noção de gênero como ato performativo portanto A autora desfaz assim a classificação dessas identidades segundo graus de normalidade e de patologia Considerando o masculino e o feminino não mais como substâncias originais nem mais como essências universais e percebendo os atributos de gênero como sendo regulados por diretrizes culturais que estabelecem uma suposta coerência entre eles desloca o transexualismo considerado como patologia por exemplo para a transexualidade4 ou seja uma identidade de gênero como outra qualquer com uma possibilidade legítima de existência A cultura ocidental podese dizer tende a encarar a constituição do gênero e dentro dele a vivência e expressão da sexualidade pelo prisma das particularidades individuais Fazendo com isso conforme leciona o sociólogo Norbert Elias 1994 emergir um velho problema sociológico a crença na existência de um abismo instransponível separando o individual do coletivo como se fossem duas coisas completamente distintas Para este autor essa visão é fruto de nossa dificuldade em reconstruir no pensamento o que vivenciamos no cotidiano Recorrendo à imagem proposta por Aristóteles muitos séculos atrás em sua tentativa de entender esta ligação as pedras e a casa Ou seja uma casa não pode ser explicada pelo mero acúmulo ou junção das pedras que a compõem Ela possui uma estrutura que não pode ser apreendida pela observação isolada de cada pedra O todo é qualitativamente diferente do somatório de suas partes Para decifrar a casa é preciso investigar as relações das pedras entre si e delas com a totalidade O mesmo raciocínio ou método se aplica segundo este autor às pessoas e às coletividades humanas 4Militantes de grupos gays acreditam que vocábulos terminados como o sufixo ismo como transexualismo e homossexualismo tragam consigo um ranço cultural pejorativo associando esses vocábulos à patologias Dessa feita pensados como identidades de gênero e não como anomalias foram gradativamente sendo adotados os vocábulos transexualidade e homossexualidade Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1093 Localizando o problema embora não resolvendo este autor oferece uma solução para esse impasse permitindonos fugir da tentação de alternativamente atribuir realidade ao indivíduo num momento e mais tarde tomar como concreto à sociedade Para ele é preciso refazer nossa própria autoimagem deixando de insistir em entender a vida social pelo exame detalhado de seus membros É preciso ao contrário romper com tal antinomia desarticulando o que sociólogos chamam de antítese cristalizada Pois se não existe sociedade sem indivíduos também é verdade que não é possível entender os seres humanos sem levar em conta os vínculos que os ligam ao social Considerando especificamente as masculinidades e feminilidades urge enxergálas como parte de um conjunto mais complexo ou seja as relações de gênero O estudo destas implica buscar a lógica coletiva que transcendendo os indivíduos os caracteriza e os aloca como membros de um sexo isto é como homens e mulheres sem nenhum ou quase nenhum espaço para a ambivalência Não raro vermos casais homossexuais performarem certo estilo de homossexualidade que de certa forma borra esta ambivalência principalmente entre o grupo social de convivência próxima Assim no atual momento pedras pontiagudas parecem desencaixarse da edificação as alteridades de gênero que tendem a ser vistas como apenas sexuais São incomodas e altamente reveladoras de tensões e contradições que permeiam a sociedade marcadas fortemente pelo conflito e pelo rigor como são tratadas São por assim dizer simultaneamente indícios e reflexões de resistência em uma das dimensões fundamentais a estruturar a vida social funcionando segundo uma lógica própria e relativamente autônoma a do gênero e dentro dele a sexualidade Nesta esfera ora em consonância com ela ora desafiandoa os indivíduos parecem não ter como escapar de se localizarem e serem localizados pela rígida demarcação que separa e opõe o masculino e o feminino como terrenos estanques eternos e imutáveis Faz parte desse processo com sua lógica inexorável buscar apagar seus vestígios espaciais e temporais Ocorre que nos tempos atuais por serem plurais Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1094 fragmentados e dispersos os lugares e os momentos em que se desenrolam as relações sociais sendo estas também múltiplas e intrincadas tornase extremamente complexa a inserção individual de seus membros Nesta construção social o gênero é um dos pilares De acordo com as teorias feministas as relações de gênero sofreram ao longo da história um processo contínuo de significação e ressignificação que as naturalizou e consequentemente as cristalizou Entretanto a sociedade não é um todo monolítico e imutável O gênero constitui uma camada do social é parte de uma totalidade que é sempre incompleta e que permanecendo aberta no tempo e no espaço está sujeita a transformações Dessa maneira podemos ver as definições do que é ser homem ou mulher como um fluxo e não como algo imóvel Embora mudanças e transformações sejam inerentes à condição humana nem sempre as aprovamos ou as adotamos muitas vezes preferimos nos manter em um espaço sem ameaças e menos expostos a aspectos imponderáveis Visto que arriscar possibilidades exige uma disposição que além de certas condições intrapsíquicas requer boa dose de iniciativa para fazer escolhas e se responsabilizar pelas consequências Em contrapartida à possível vulnerabilidade a recriação de si permite posturas mais flexíveis e a abertura necessária à compreensão do que é diferente e possível No que concerne as diferentes formas que homens e mulheres buscam para vivenciar suas masculinidades e feminilidades o desafio é ampliar e intensificar debates como forma de destituir ou romper o silêncio que nega e dissimula situações vigentes É necessário um enfrentamento criterioso e denso das teorias que precisam de vastas e profundas revisões para que se possa olhar além das frestas da resistência e do preconceito e assim dar conta das grandes transformações que vêm sendo processadas Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1095 3 Um olhar sobre a violência baseada no gênero notícias e dados Os estudos sobre os sistemas brasileiros de gênero são desde 1970 inspirados pelo referencial antropólogo inglês Peter Fry De lá para cá pesquisas têm relativizado a questão dos papéis sexuais e das performances de gênero tanto entre homens e mulheres quanto entre pessoas de mesmo sexo No entanto como herança das práticas sexuais do patriarcado percebese que estigmas e por consequência atos de violência baseados no gênero das mais variadas formas tornaramse constitutivos de nossa sociedade e das relações sexuais e de gênero estabelecidas entre nós Isso porque ainda temos dificuldade para reconhecer e entender algumas performances que contrariam o modelo hegemônico embaralhando os códigos e discursos produzidos nas zonas de conhecimento e também de reconhecimento das identidades construídas a partir do gênero São forças deem germinação de novos usos possíveis da sexualidade Para se aproximar e reconhecer essas identidades é necessário certo desnudamento que permita entrever os fluxos que essas performances baseadas no gênero arrastam consigo Um pioneiro trabalho que nos chama atenção para o fato de que até a linguagem cotidiana através de suas expressões linguísticas pode expressar e reproduzir lógicas de dominação submissão e portanto de violência baseada no gênero é o do sociólogo Michel Misse 2005 Segundo ele na língua portuguesa através da gíria a palavra homem só expressa ideias de dominação e poder o termo pode significar no uso cotidiano a polícia ou o policial os homens estão chegando De outra maneira a palavra mulher é comumente utilizada de forma pejorativa um menino fraco que não quer ou não consegue fazer o que os outros meninos fazem é chamado de mulherzinha remetendo a uma ideia de fraqueza Nesse sentido percebese que o efeito substantivo do gênero é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência de gênero BUTLER 2003 p48 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1096 Pensar a sexualidade diferente dos modos estratificados e padronizados com que estamos acostumados reverbera com a ideia da existência de múltiplas performances de gênero Provoca estranhamento e nos força a sair do lugarcomum convocando como sugere a psicóloga Elaine Bortolanza 2014 p 267 a passeartrottoir por espaços flutuantes por um não lugar um espaço à deriva cujo desejo é não se fixar num lugar como condição para abertura dos sexos à multiplicidade de sensações que a sexualidade nos lança No nosso caso colocando o gênero para passeartrottoir com os Direitos Humanos nos estrondos silenciosos do desejo do corpo prazeroso Ressaltese que a convocação da noção de desejo e prazer não está aqui por acaso Mas para delimitar assim como o filosofo Michel Foucault a preferênciaopção pela noção de prazer por ela aproximar das lutas e reivindicações políticas do desejo no contemporâneo tendo em vista que a noção de desejo está mais demasiadamente ligada à lei e à falta noções que constituíram com o nascimento da psicanálise no século XIX nossa subjetividade e portanto nosso modo de pensar e viver a sexualidade DELEUZE 1993 Ao convocar a passeartrottoir gênero e os Direitos Humanos percebese que a questão está entremeada na trama moral em que o desejo pulsa por novos arranjos e combinações Trama construída por elementos diferentes misturados sem ordem ou critério Tentando desemaranhar esses nós do dispositivo da sexualidade a psicóloga Elaine Bortolanza 2014 p268 sugere que o desejo sexual é uma dimensão irredutível à lógica da representação ao contrário para além das políticas identitárias do jogo macropolítico do direito e da norma o desejo sexual batalha insistentemente neste entre entre o individual e o coletivo entre o intimo e o publico entre o sexo e a norma entre o êxtase e o amor entre o eu e outro Seria este não lugar o espaço do nosso passeartrottoir com o gênero e os Direitos Humanos em vias de provocar o encontro numa perspectiva menos dura de olhar o gênero indo além daqueles dispostos como manequins nas vitrines das identidades sexuais Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1097 Destramar esta rede é a dimensão ética que nos possibilita a criação de mundos possíveis para aquilo que tem se tornado intolerável pois a sexualidade colada á máquina de produção do desejo faz cambalear a todo momento a crença na moral BORTOLANZA 2014 p 268 É inevitável adentrar na trama da moral quando o objetivo é perquirir as injunções de gênero aproximandoas nesse debate das questões relacionadas aos Direitos Humanos Visto que é nesse domínio que assistimos há mais de dois séculos das formas mais diversas obscuras e complexas a produção de técnicas de controle e captura do corpo reduzindoo á condição de pura vida biológica BORTOLANZA 2014 p 268 Essa redução de vida humana à condição de pura vida biológica é tratada pelo filósofo Giorgio Agamben 2007 como vida nua Esta noção seria uma forma de descrever os mecanismos de normatização da vida e os desafios próprios à ação política na sociedade contemporânea Ou seja nesse jogo macropolítico da sexualidade como sugere Michel Foucault 2010 interessanos valermonos da sexualidade dos prazeres para chegar a uma multiplicidade de relações O reconhecimento e a concessão de direitos a todas as expressões de gênero seria uma possibilidade de restituição daquilo que Giorgio Agamben 2007 chama de ato de profanação Ou seja a possibilidade do livre uso daquilo que foi na esfera da religião e mais tarde na esfera jurídica separado do ser humano Este livre uso da sexualidade faz aceder incontáveis e inomináveis performances de gênero Por sua vez cria relações ainda sem forma e reconhecimento que remexem nos nós mais profundos de instituições e institutos jurídicos Assim esse passeartrottoir pelo domínio do gênero e dos Direitos Humanos nos permite entrever que estamos longe da produção filiativa da reprodução hereditária que só retém como diferenças uma simples dualidade dos sexos no seio de uma mesma espécie e pequenas modificações ao longo das gerações Para nós ao contrário há tantos sexos quanto termos em simbiose tantas diferenças Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1098 quanto elementos intervindo num processo de contágio Sabemos que entre um homem e uma mulher passam muitos seres que vem de outros mundos trazidos pelo vento que fazem rizoma em torno das raízes e não se deixam compreender em termo de reprodução mas apenas devir DELEUZE e GUATTARI 1997 p 19 Nesse sentido ao falar de gênero na seara dos Direitos Humanos e não só nela o diálogo interdisciplinar como por exemplo entre SociologiaAntropologia e Direito se faz necessário Urge buscar novas lentes para além do olhar congelado nas diferenças sexuais naturalizadas homemmulher e nas categorias heterossexualhomossexualbissexual É necessário vislumbrar no Direito a existência de outras discussões como por exemplo as já citadas teorias queer Como já explicado as teorias queer recusam a classificação do desejo sexual nas categorias homossexual heterossexual homem ou mulher afirmando que a orientação sexual e a identidade sexual e de gênero é construída social e que portanto não existem papeis sexuais essenciais ou biologicamente inscritos na natureza humana Para seus teóricos o desejo sexual é múltiplo e variável demonstrando que não há uma identidade essencial ou natural construída a partir da noção de gênero Opondose ao tradicional conceito de gênero que distinguia o heterossexual socialmente aceito do anômalo queer esta teoria afirma que todas as identidades são igualmente anômalas BUTLER 2003 Tendo como luzeiro esse aporte teórico vislumbrase a existência de corpos que anunciam novas intensidades corpos que buscam desgarrarse das formas articuladas da sexualidade encarcerada nos órgãos sexuais nas genitálias nos papéis sexuais masculinofeminino Mas viver isso de modo pleno em nossa sociedade ainda não nos é permitido e juridicamente garantido Isto porque a sexualidade ainda é um campo excessivamente controlado pelas instâncias de poder do Estado Tanto que dado o princípio de racionalização do desejo existe a necessidade do enquadramento em uma identidade sexual orientação sexual relegando a um plano inferior a valorização do prazer como intensidade ou potência de produzir novos agenciamentos BORTOLANZA 2014 p 276 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1099 Hoje essa problematização do desejo restrita aos discursos dos direitos humanos em que tanto a liberdade como a verdade serve para regular e normatizar o desejo sexual no campo macropolítico da sexualidade excluem de modo radical a possibilidade de atualização dos afetos do presente o que contribui para uma esterilidade política dessa dimensão tendo em vista o modo como a sexualidade vem se afirmando como campo político de atuação BORTOLANZA 2014 p 278 Hodiernamente há inumeráveis formas de convivialidade entre corpos em devir No entanto dado o limite do Direito e da norma somos míopes para enxergar a criação de novas sexualidades Isto é nem homens tornados mulheres nem mulheres tornadas homens mas uma outra sexualidade dos homens e das mulheres BORTOLANZA 2014 p 279 A inadequação do desejo no campo do Direito e da norma gera indivíduos acabados aprisionados nos sexos binários Desurdir essas identidades rígidas seria um sinal de criação de algo novo nos discursos democráticos e liberais e não imposto enquanto uma verdade maior forjada em esquemas rígidos de pensar e sentir Em matéria veiculada no Jornal Correio Braziliense em 30 de junho de 2015 a socióloga Berenice Bento leciona que A teoria de gênero também traz no bojo a teoria da sexualidade segundo a qual a verdadeira e única possibilidade de os seres viverem suas experiências de desejo sexual seria mediante da complementaridade dos sexos Qualquer deslocamento homens femininos heterossexuais ou homens masculinos gays mulheres femininas lésbicas ou mulheres masculinas heterossexuais é inaceitável Segundo ela essa teoria de gênero atrelada a essa teoria da sexualidade é incentivadora da violência É preciso lembrar que há diversas resoluções de organismos supranacionais que reconhecem o direito à migração de um gênero para outro Mas diante dos argumentos reconhecidos internacionalmente acerca da importância de se pensar sobre os direitos dessa multidão queer PRECIADO 2011 capazes de transformar a cultura da violência de gênero não raro o corpo legislativo responde vamos fazer mais uma lei para criminalizar Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1100 Cumpre esclarecer que a própria definição do que seja violência de gênero no Direito revela as amarras em que nos encontramos presos Ao analisarmos as normativas internacionais sobre gênero observase ainda a visão de que estamos tratando tão somente de papéis sociais designados a homens e mulheres biologicamente considerados É o que se extrai por exemplo da obra do jurista Elder Lisboa Ferreira da Costa 2014 O autor realiza um estudo à luz do Direito Internacional e define gênero como a relação entre homens e mulheres baseada na identidade em condições e funções e nas responsabilidades segundo têm sido construídas e definidas pela sociedade e na cultura COSTA 2014 p 95 Diferenciando a definição de gênero da de sexo afirma que este último deve ser entendido como sendo tudo aquilo que se refere às disposições anatômicas e biológicas entre mulheres e homens COSTA 2014 p 95 A preocupação com as definições acima se explica em virtude de que o autor busca explanar de que modo o Direito Internacional trata de uma questão correlata a violência de gênero que para ele consiste na violência contra as mulheres praticada pelo simples fato de terem nascido mulheres COSTA 2014 pp 221222 Como parte da marcação biológica para a definição de gênero o autor somente compreende violência de gênero como violência contra a mulher e cometida somente por homens ambos anatomicamente considerados Segundo ele quando se fala de violência de gênero estáse dentro de um processo de socialização de homens e mulheres onde a cultura patriarcal machista sustentava a supremacia dos papéis masculinos sobre os papéis femininos COSTA 2014 p 191 Assim para o autor em tela de acordo com o Direito Internacional só a mulher pode ser vítima de violência de gênero COSTA 2014 p 246 No contexto jurídico brasileiro especialmente no âmbito da aplicação do Direito Civil também é possível notar que a marcação anatômica está presente quando se trata da concessão de direitos entre os gêneros É o caso Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1101 da alteração do nome civil relacionada com a ocorrência ou não de cirurgia de redesignação sexual Em artigo apresentado por Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Mariah Torres Aleixo 2013 durante o I Seminário Internacional Desfazendo Gênero as autoras apontam para seguinte questão como no país a alteração do nome somente é possível após autorização judicial no caso das pessoas trans tem sido observada a concessão da autorização judicial para alteração do nome civil somente após a realização da cirurgia de redesignação sexual o que provoca outra desigualdade pois para transmulheres a cirurgia é realizada com relativo sucesso mas para transhomens ainda é considerada experimental o que faz com que eles consigam a alteração do nome nos registros com menos dificuldade A situação apontada pelas autoras acima ilustra adequadamente a afirmação feita por Márcia Arán de que existe uma concepção normativa dos sistemas de sexogênero 2006 p 49 que informa os discursos de poder como o discurso jurídico5 O referido sistema foi assim denominado pela antropóloga estadunidense Gayle Rubin 2003 para explicar as ideias de que cada corpo possuía um sexo e um gênero correspondente o que originava um conjunto de disposições utilizado por uma sociedade para extrair do sexo biológico a ação humana devida Ocorre que a construção teórica do sistema sexogênero também partia da visão de que existia essencialmente uma dualidade entre masculino e feminino Cabe notar que exatamente por essa razão o referido pensamento sofre muitas críticas pois inviabiliza a análise a partir de outras configurações entre sexo e gênero A própria autora fez posteriormente uma correção a essa concepção nos seguintes termos É preciso haver um modelo que não seja binário porque a variação sexual é um sistema de muitas diferenças não apenas um par de diferenças conspícuas RUBIN BUTLER 2003 p 168 5Neste trabalho fazemos uso do termo discurso em conformidade com os ensinamentos de Michael Foucault para quem a expressão consiste no conjunto de práticas que institucionalizadamente são acionadas para se alcançar o poder com a função de perpetuar leis regras normas e valores socialmente aceitos Cf FOUCAULT Michael A ordem do discurso Aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970 São Paulo Edições Loyola 1999 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1102 estou agora argumentando que é essencial separar analiticamente o gênero da sexualidade para refletir com mais precisão a separação social existente RUBIN 1984 p 270 Assim observamos que o sistema hierárquico e assimétrico de gênero não enfraquecerá com medidas exclusivas no âmbito do Direito Penal ou no campo do Direito Civil É necessário pensar mecanismos para uma sociedade acolhedora de todas as diferenças humanas Esse é compromisso ético que devedeveria orientar o Direito e a norma no contemporâneo 4 Violência de gênero como violação dos Direitos Humanos É possível afirmar a violência de gênero como uma forma de violação dos Direitos Humanos posto que tais direitos são um conjunto de faculdades e instituições PÉREZ LUÑO 2001 p 48 componentes de normas jurídicas construídas nacional e internacionalmente variáveis na história cuja finalidade é a efetivação da dignidade humana da igualdade e da liberdade O principal fundamento sobre o qual os Direitos Humanos se constroem na atualidade é a noção de dignidade humana que se expressa em condições adequadas de existência RAMOS 2005 p 20 e na possibilidade de participar ativamente da vida em comunidade não se reportando exclusivamente ao caráter positivado desses direitos Portanto devese compreender que a expressão Direitos Humanos congrega a totalidade dos direitos inerentes à condição de ser humano necessários à existência digna que permita a perfeita realização do indivíduo sendo a construção de normas que reconheçam esses direitos uma estratégia de afirmação e efetivação Em que pese o reconhecimento da importante atuação da comunidade internacional no reconhecimento e proteção da dignidade humana com destaque para os últimos sessenta anos cumpre esclarecer que o arcabouço teórico e normativo que embasou a construção dos Direitos Humanos conforme modernamente compreendidos foi estruturado a partir da visão Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1103 heteronormativa o que torna imprescindível a reinterpretação de tais direitos para o estabelecimento da igualdade de gênero TELES 2006 A conduta adotada de permitir que a norma e os comportamentos internos sejam afetados pelos parâmetros internacionais de proteção da dignidade humana a qual é observada em face da elaboração de novos direitos que no decurso do tempo gradativamente incorporamse aos sistemas jurídicos diversos em culturas diferentes reflete a força expansiva dos Direitos Humanos que influencia a construção e recontrução dos ordenamentos jurídicos dos diversos países e propicia o surgimento dos chamados novos direitos Nas palavras do jurista Cesar Luiz Pasold 2005 os novos direitos podem ser compreendidos a partir das lições do filósofo Norberto Bobbio 1992 para quem a ampliação do rol de bens que se entende como devidos de proteção e a consideração da vida humana em sua concretude são as grandes motivações para o surgimento de novos direitos Assim tais direitos merecem incorporação ao quadro jurídico existente em face das novas demandas que emergem na sociedade e não podem ser desconsideradas em face da proibição de realizar discriminações entre pessoas É o caso das demandas por direitos que fazem as pessoas LGBT Suas necessidades concretas e os imperativos jurídicos que lhes garantem dignidade impõem à sociedade e ao Estado o empreendimento de esforços que ponham em marcha as mudanças necessárias para o exercício de cidadania Porém a mudança dos pressupostos que informam na atualidade a aplicação e interpretação das normas que garantem direitos bem como o senso comum facilitaria a realização da vida das pessoas LGBT que não precisariam lutar pelo direito de serem o que são pela reconstrução e exposição pública de seus corpos e identidades Importante é frisar o ensinamento do jurista espanhol AntonioEnrique PérezLuño 2006 o qual afirmou há alguns anos algo que é absolutamente verdade neste momento político brasileiro comparativamente em nenhum Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1104 outro momento da humanidade sentiuse tão fortemente a necessidade de reconhecer os valores e direitos das pessoas como universais Nesse sentido os muitos registros de violências praticadas contra mulheres e pessoas LGBT devem ser encarados como violência baseada na discriminação de gênero que não são apenas aquelas praticadas pelas pessoas físicas como lesões corporais agressões físicas e verbais6 mas também aquelas praticadas pelas instituições públicas A exemplo tomamos as ações estatais que dizem respeito à construção de dados sobre crimes provocados pela discriminação de gênero que no Brasil é denominada de transfobia lesbofobia e homofobia pelos movimentos sociais LGBT os quais juntamente com a Trangender Europe denunciam que o país é o recordista mundial em assassinatos de pessoas transexuais informação confirmada por Roger Raupp Rios e Flávia Piovesan 2003 p 155 que alertam para o fato de que a cada dois dias uma pessoa é assassinada no Brasil em função de sua orientação sexual Todos os militantes da causa LGBT no país alertam para a ausência de dados oficiais que tratem desses tipos de crime No entanto uma busca por dados oficiais que reportem a situação é dificultosa uma vez que no país os crimes relacionados à transfobia ou ao ódio a pessoas LGBT em geral ou mesmo que analisem as ocorrências de crimes de modo a cruzar com a identidade de gênero não são quantificados A confirmação do argumento se dá com simples pesquisa aos sites dos órgãos de segurança pública A título de exemplo temse o balanço de ocorrências policiais no ano de 2013 no Estado do Pará publicado no site da Secretaria de Segurança Pública wwwseguppagovbr o qual aponta o número de crimes registrados apresenta uma tabela de tipificação mas não analisa nenhum dos crimes colacionados com dados como sexo idade cor da pele e identidade de gênero Assim somente é possível saber das ocorrências mas não se pode identificar quem são as vítimas 6Cf BRASIL Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 Disponível em httpwwwsdhgovbrnoticias2013junhonumerodedenunciasdeviolenciahomofobica cresceu166em2012dizrelatorio Acesso em 05 set 2015 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1105 No caso do site da Secretaria Nacional de Segurança Pública wwwportalmjgovbr a situação é ainda pior porque não se localiza nenhuma pesquisa indicativa acerca da análise das ocorrências de crime em relação à população LGBT no país Porém desde 1999 são publicados dados sobre violências perpetradas contra a população LGBTT no Brasil GRUPO GAY DA BAHIA7 SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA8 os quais apontam que a realidade da vida social desafia o respeito à igualdade e a não discriminação tanto pelas esferas de governo quanto pelos membros da sociedade considerados nas suas relações privadas Desta feita são valorizadas ações que objetivem divulgar na comunidade informações que gerem respeito às múltiplas identidades sexuais e de gênero tais como os planos nacionais e estaduais de direitos humanos o programa Brasil sem Homofobia e as ações pontuais nas secretarias de educação e segurança pública Assim é possível inferir que a ausência de dados oficiais acerca dos crimes praticados contra a população LGBT no Brasil é consequência da invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral 5 Algumas considerações finais No campo do Direito a discussão encontra amparo dentro do conceito de igualdade previsto na Constituição Federal de 1988 e nos ordenamentos jurídicos internacionais o que implica no significado de que qualquer pessoa é detentora de direitos e deveres independente de qualquer característica que 7Cf MOTT Luiz Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no Brasil Salvador Grupo Gay da Bahia 1999 8Cf BRASIL Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 Op cit Disponível em httpwwwsdhgovbrnoticias2013junhonumerodedenunciasdeviolenciahomofobica cresceu166em2012dizrelatorio Acesso em 05 set 2015 Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1106 possua No caso do presente estudo independentemente de suas identidades sexuais e de gênero Afinal o que se requer do direito constitucional na academia e na prática compromisso com a democracia e fazer valer os direitos fundamentais especialmente onde eles enfrentam preconceito costumes e tradições arraigados RIOS RESADORI 2015 p 218 A Constituição Federal88 identifica a igualdade como um dos fundamentos da República e como pressuposto de todos os direitos e garantias individuais e coletivas fundamentais e dos demais direitos que delas são derivados Daí que um objetivo fundamental do país é promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação art 3º IV CF88 Tal previsão quando lida em correlação com a previsão genérica do artigo 5º do mesmo diploma legal o qual prevê que todas as pessoas são iguais perante a lei leva à adequada interpretação de que as identidades sexuais e de gênero são protegidas constitucionalmente como direitos fundamentais ou seja como aspectos indispensáveis para a vida com dignidade Desta forma o que se pretende com a afirmação da igualdade é buscar não desigualdade sendo necessário averiguar um sentido mais concreto e claro para a expressão O termo não desigual pode adotar o sentido de igual ou de equânime semelhante idêntico análogo equivalente correspondente proporcional ou regular Podese dizer valorativamente que a não desigualdade implica em olharmos a verdade das coisas a nossa volta implica em saber a exata ou viável medida das coisas Ainda que essas afirmações nos aparentem uma mera abstração de conceitos jurídicos a verdade sobre essa operação intelectual é chegada num resultado de adequação satisfatório entre Direito e a vida de cada uma de nós O dever de fundamentação e preocupação de um tratamento igual aos desiguais pesa sobre os necessários desvios sobre a igualdade Ao regular as desigualdades em vista de criar igualdades devemos nos ater ao fato de iniciar o processo dentro de uma ordem que é natural e de fácil apreensão e a partir daí operar o Direito de modo a estabelecer classificações diferenciadas e Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1107 artificiais sendo que essas é que devem sempre ser bem fundamentadas SANCHÍS 1995 Como já argumentado ao identificarmos situações ocorridas em nossa sociedade que tem fundamento na desigual valoração que se dá às pessoas por causa do gênero percebemos como a discussão da igualdade necessita ser operacionalizada em ações concretas que busquem interferir nas realidades violadoras de direitos Quando analisamos as questões relativas à convivência em nossa sociedade de pessoas gays lésbicas travestis e transexuais uma gama variada de impedimentos baseados no gênero é detectada a impossibilidade de manifestar a subjetividade as agressões verbais físicas e sexuais a dificuldade em ter respeitado o nome social Tais circunstâncias podem ser justificadas pela discriminação praticada contra essas pessoas por conta de suas identidades sexuais e de gênero RIOS PIOVESAN 2003 e SMITH 2013 Grave também é a situação das decisões judiciais prolatadas com base na discriminação de gênero Tomase como exemplo a questão relativa à alteração do nome nos registros oficiais Muitos magistrados apenas concedem tal modificação após a comprovação da realização da cirurgia de transgenitalização o que no caso das transmulheres é ainda mais rigoroso pois para transhomens a implantação do pênis é reconhecida pelos juízes e juízas como cirurgia experimental o que facilita a decisão em relação a eles Ressaltese que as decisões judiciais favoráveis à reinterpretação da igualdade também jogam papel importante na garantia da construção de uma sociedade mais justa e solidária especialmente nos casos do reconhecimento da união homoafetiva que teve impactos sobre o Direito de Família adoções e no direito à sucessão Mas as ações ainda sofrem muita resistência do conservadorismo moral que afeta a interpretação e aplicação do Direito à igualdade naturalizada que é a convicção de que a biologia define quem se é e quem não se pode ser Por isso as manifestações coletivas de pessoas LGBT tem sido importantes momentos para fazer a sociedade enxergar o gênero Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1108 Referências bibliográficas AGAMBEN Giorgio 2007 Profanações São Paulo Biotempo ARÁN Márcia 2006 A transexualidade e a gramática 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Madrid Tecnos 2006 La tercera generación de derechos humanos Navarra Aranzadi PRECIADO Beatriz 2011 Multidões queer notas para uma política dos anormais In Revista Estudos Feministas V 19 N 1 Florianópolis janabr pp 1120 RAMOS André de Carvalho 2005 Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional Rio de Janeiro Renovar RIOS Roger Raupp PIOVESAN Flávia 2003 A discriminação por gênero e por orientação sexual In BRASIL Conselho da Justiça Federal Brasília Série Cadernos do Centro de Estudos JudiciáriosSeminário Internacional as Minorias e o Direito V 24 2003 pp 155175 RIOS Roger Raupp RESADORI Alice Hertzog 2015 Direitos humanos transexualidade e direito dos banheiros In Revista Direito e Práxis Rio de Janeiro UERJ V 6 N 12 pp 196227 RUBIN Gayle 1984 Thinking Sex notes for a radical theory of the politics of sexuality No original I am now arguing that it is essential to separate Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1111 gender and sexuality analytically to reflect more accurately their separate social existence In VANCE Carole Ed Pleasure and Danger Exploring Female Sexuality Paul Routledge Kegan pp 267319 2003 O tráfico de mulheres notas sobre a economia política do sexo In Cadernos Pagu N 21 pp 164 RUBIN Gayle BUTLER Judith 2003 Tráfico Sexual Entrevista In Cadernos Pagu N 21 pp 157209 Disponível em httpwwwscielobrpdfcpan21n21a08pdf Acesso em 08 fev 2015 SANCHÍS Luis Prieto 1995 Igualdad y Minorías Revista del Instituto Bartolomé de las Casas Derechos y Libertades Madrid SCOTT Joan Wallace 1995 Gênero uma categoria útil de análise histórica In Revista Educação e Realidade V 20 N 2 Porto Alegre juldez TELES Maria Amélia de Almeida 2006 O que são direitos humanos das mulheres São Paulo Brasiliense SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira 20013 Proibição da Discriminação por Orientação sexual e Identidade de Gênero In SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Org Estudos de Direitos Fundamentais São Paulo Perse SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira ALEIXO Mariah Torres 2013 Corpo gênero e direito re elaborando conceitos construindo interfaces Trabalho apresentado no I Seminário Internacional Desfazendo Gênero Natal RNUFRN 14 e 16 de agosto Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p10831112 Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith e Jorge Luiz Oliveira dos Santos DOI 1012957dep201721477 ISSN 21798966 1112 Sobre os autores Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith Doutora em Direito Universidade Federal do Pará Professora Adjunta I na Universidade da Amazônia UNAMA Email andrezapantojagmailcom Jorge Luiz Oliveira dos Santos Doutor em Ciências Sociais Antropologia Universidade Federal do Pará Professor Titular PósStricto Senso I na Universidade da Amazônia UNAMA Email jorgeluizdossantoshotmailcom Os autores contribuíram igualmente e são os únicos responsáveis pela redação do artigo Resenha crítica SMITH Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira SANTOS Jorge Luíz dos Corpos identidades e violência o gênero e os direitos humanos Rev Direito e Práx Rio de Janeiro Vol 08 N 2 2017 p 10831112 Os autores no artigo acima indicado apontam uma reflexão sobre a violência de gênero baseada no argumento principal de este tipo de violência é decorrente da discriminação baseada na orientação sexual ou na mudança da identidade de gênero Dizem também ser uma consequência da ausência do Estado na preservação da dignidade humana dessas pessoas vítimas desse tipo de violência em falha à prestação do direito à igualdade Para tanto consideram que a sexualidade é uma decorrência da dignidade humana e parte essencial da pessoa sendo as vítimas portadoras de uma identidade sexual e também de gênero A discussão sobre igualdade perpassa o discurso teórico para sepultar o liame entre sexualidade e gênero apontando que deve ser operada no plano concreto esta superação da dicotomia entre gênero e sexualidade Como expressões dessa violência afirmam a real impossibilidade de manifestação da subjetividade dessas pessoas havendo agressões verbais físicas e sexuais e até o desrespeito ao nome social Apresentam o argumento de que há decisões judiciais quanto à mudança de nome civil que vinculam a cirurgia de transgenitalização à mudança do nome o que demonstraria esse tipo impedimento das subjetividades Na sua base argumentativa os autores buscam aporte teórico na antropologia de Claude LévyStrauss considerando que é preciso respeitar o diferente sendo este o diferente parte integrante do todo social e que ser diferente não é ser desigual uma vez que cada pessoa possui valor intrínseco Trazem o conceito de multidão queer onde concentram o conceito pósmoderno dessa ampla diversidade de pessoas gêneros e fluidez que caracteriza nossa sociedade Aduzem que a diversidade sexual que partiu dos movimentos gay e de revolução sexual dos anos 60 do século XX mudou os comportamentos esperados de homens e mulheres e home em dia pouco a pouco esgarçam a estrutura social A dominação entre homens e mulheres sobrepôs a questão de gênero pois o homem e a mulher são seres biológicos e a sua diferença anatômica depende sua posição social Segundo os autores o gênero não se situa somente na posição biológica mas também pelo lugar que ocupam na sociedade Nessa linha argumentativa constatam que não é a presença do pênis ou da vagina determinada pelos pares de cromossomos xx e xy que faz com que uma pessoa seja homem ou mulher mas a uma capacidade de sentirse homem eou mulher ou nem um nem outro como travestis transexuais e homossexuais A identidade de gênero seria o resultado de uma construção culturalmente disponíveis no meio social de forma lenta e gradativa de percepção do indivíduo sobre si mesmo em constante contato com o outro A queer theory fundamenta esta concepção de sexualidade que rejeita ao mesmo tempo o sexo biológico e o sexo social e cada indivíduo pode adotar a qualquer momento a posição de um ou do outro sexo suas roupas seus comportamentos e suas fantasias Seria no dizer de Judith Butler a sexualidade um ato performativo Todo dia é um ato de repetição ser masculino e feminino não havendo masculino e feminino puros Chegando adiante na discussão os autores colocam a pergunta que consiste nesta separação entre gêneros ou melhor dizendo de onde deriva o binarismo Buscando em Butler os autores consideram que é uma construção legítima como outra qualquer de busca identitária onde os corpos não tem um sentido específico Corpo é corpo e o masculino ou feminino apenas se diferenciam nas questões reprodutivas fazendose corpomacho e corpofêmea Nesta mesma linha argumentativa buscam os autores também os apontamentos de Norbert Elias para a questão do aspecto coletivo da cultura ocidental que coloca a sexualidade pelo prisma das particularidades individuais Para eles segundo Elias a sociedade não se reduz a um mero conjunto de pessoas individualizadas pois não há separação entre o individual e o coletivo Não é possível entender os seres humanos sem levar em conta os vínculos que os ligam ao social Os autores buscam demonstrar que as masculinidades e feminilidades são parte de um conjunto mais complexo de relações de gênero Há uma lógica coletiva que transcende os indivíduos e o gênero constitui uma camada do tecido social A violência baseada no gênero pode ocorrer até na linguagem através de expressões linguísticas que reproduzem lógicas de dominação e submissão Ao relacionar o tema aos Direitos Humanos os autores procuram o diálogo interdisciplinar para as categorias de gênero evitando um olhar congelado e estático Considerando a sexualidade como controlável pelas instâncias de poder consideram os autores que tratamos apenas de papéis sociais a homens e mulheres biologicamente considerados Mantemos a violência quando ligamos gênero à sexualidade sem possibilitar ao indivíduo mudar de um gênero a outro a despeito de já existirem documentos internacionais que garantam esse direito como a multidão queer A violência de gênero como violação aos Direitos Humanos sobressai como violência à dignidade humana uma vez que a totalidade dos direitos inerentes à condição de ser humano necessários à existência digna deve permitir a perfeita realização do indivíduo Esta realização na vida das pessoas LGBT diz respeito a não precisar lutar pelo direito de serem quem são ou pela reconstrução e exposição pública de seus corpos e identidades Nesse sentido a violência acaba sendo realizada não só pelas pessoas físicas mas pelas instituições públicas A ausência de dados concretos e verificáveis demonstra a invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral Concluem aduzindo há muito de conservadorismo moral na interpretação e aplicação do Direito à igualdade naturalizada na convicção de que a biologia define quem se é e quem não se pode ser Finaliza que as manifestações coletivas de pessoas LGBT tem sido importantes momentos para fazer a sociedade enxergar o gênero Assim buscando refletir os aportes teóricos do artigo verificase uma correlação entre a violência de gênero e Direitos Humanos sob a qual não se discute Tratase de violação grave e atual que realmente decorre o direito à dignidade humana O direito à identidade de gênero faz parte da pessoa e de como ela se identifica Violar isso é ferir a dignidade humana Contudo como quis parecer o artigo não chega a ser recorrente o noticiário sobre casos de violência em função do gênero não pelo menos nos dias atuais Embora não se negue existir agressões baseadas no preconceito não entendemos que exista uma relação necessária entre esse tipo de violência e o contexto do gênero A sociedade brasileira vem mudando e é preciso considerar o período analisado pelos autores o que não foi demonstrado Não se sabe de que época e dados se trata Além disso o preconceito existe em relação ao diferente não só pela sua condição sexual mas social de origem ou cor No Brasil isso é evidente porque a população é bastante diversificada e o território muito vasto A situação em debate é se existe mesmo uma ausência de dados sobre esta violência e se isto decorre da ineficiência estatal com as estatísticas Nesse viés é importante considerar que os dados apontados pelos autores são vagos sem uma identificação precisa de onde ocorrem Vejamos trecho direto do texto Assim é possível inferir que a ausência de dados oficiais acerca dos crimes praticados contra a população LGBT no Brasil é consequência da invisibilidade em que são colocadas e que provoca inúmeras violações de Direitos Humanos tanto por parte das instituições como por parte da comunidade em geral De onde partem os autores para tal afirmação Não parece crível que existam altos índices de violência de gênero se não há dados indicativos de que esta violência realmente ocorra Não se nega aqui que não possa ocorrer mas não concordamos de que se possa englobar a violência de gênero nas formas físicas verbais sexuais e de não aceitação do nome social tal como apontaram os autores Hoje em dia nos mais variados setores da sociedade verificase um aumento do respeito ao nome social à liberdade da pessoa se identificar com que gênero quiser No tema podemos citar a APDF 5271 ajuizada pela Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros ABGLT Nesta ação se questiona decisões judiciais contraditórias na aplicação da Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 12014 que estabeleceu parâmetros de acolhimento do público LGBT submetido à privação de liberdade nos estabelecimentos prisionais brasileiros A entidade argumentou que alguns juízos de execução penal estariam interpretando a norma de forma a frustrar a efetivação dos direitos desses grupos a tratamento adequado no âmbito do sistema carcerário resultando em violação aos preceitos fundamentais da dignidade humana da proibição de tratamento degradante ou desumano e do direito à saúde No voto do ministro Luís Roberto Barroso considerouse que o direito das transexuais femininas e travestis ao cumprimento de pena em condições compatíveis com a sua identidade de gênero decorre em especial dos princípios constitucionais do direito à dignidade humana da autonomia da liberdade igualdade saúde e da vedação à tortura e ao tratamento degradante e desumano Também decorre da jurisprudência consolidada no STF em se reconhecer o direito desses grupos a viver de acordo com a 1 httpsportalstfjusbrnoticiasverNoticiaDetalheaspidConteudo462679ori1textO20ministro20Lu C3ADs20Roberto20Barrosoestabelecimento20prisional20feminino20ou20masculino sua identidade de gênero e a obter tratamento social compatível com ela O ministro ressaltou em seu voto ainda que dentre os Princípios de Yogyakarta o de número 9 recomenda que caso encarceradas essas pessoas possam participar das decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero Sendo assim não se pode concluir uma ineficiência estatal praticada pelo próprio Estado em decorrência de alarmantes notícias de violência cometidas no Brasil contra pessoas gays lésbicas travestis e transexuais em virtude da discriminação em face do sexo e do gênero Basearse em falta de estatísticas induz o leitor a uma paixão com o tema para considerar que esses grupos são vítimas constantemente perseguidas Assim não nos parece tendo em vista que a violência não escolhe gênero cor ou religião pois o preconceito é que determina como o coletivo trata seus diferentes