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DO CONTRATO SOCIAL JeanJacques Rousseau Ridendo Castigat Mores Do Contrato Social JeanJacques Rousseau Edição Ridendo Castigat Mores Versão para eBook eBooksBrasilcom Fonte Digital wwwjahrorg Copyright Autor JeanJacques Rousseau Tradução Rolando Roque da Silva Edição eletrônica Ed Ridendo Castigat Mores wwwjahrorg Todas as obras são de acesso gratuito Estudei sempre por conta do Estado ou melhor da Sociedade que paga impostos tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou Nélson Jahr Garcia 19472002 ÍNDICE BIOGRAFIA DO AUTOR 7 O CONTRATO SOCIAL LIVRO I 9 I Assunto deste primeiro livro II Das primeiras sociedades III Do direito do mais forte IV Da escravidão V É preciso remontar sempre a um primeiro convênio VI Do pacto social VII Do soberano VIII Do estado civil IX Do domínio real LIVRO II 36 I A soberania é inalienável II A soberania é indivisível III A vontade geral pode errar IV Dos limites do poder soberano V Do direito de vida e morte VI Da lei VII Do legislador VIII Do povo IX Continuação do capítulo precedente X Continuação XI Dos diversos sistemas de legislação XII Divisão das leis LIVRO III 78 I Do governo em geral II Do princípio que constituiu as diversas formas de governo III Divisão dos governos IV Da democracia V Da aristocracia VI Da monarquia VII Dos governos mistos VIII Nem toda forma de governo é apropriada a todos os países IX Dos sinais de um bom governo X Do abuso do governo e de sua tendência a degenerar XI Da morte do corpo político XII Como se mantém a autoridade soberana XIII Continuação XIV Continuação XV Dos deputados ou representantes XVI Quando a instituição do governo não é um contrato XVII Da instituição do governo XVIII Meios de prevenir as usurpações do governo LIVRO IV 142 I A vontade geral é indestrutível II Dos sufrágios III Das eleições IV Dos comícios romanos V Do tribuna VI Da ditadura VII Da censura VIII Da religião civil IX Conclusão NOTAS 197 DO CONTRATO SOCIAL JeanJacques Rousseau BIOGRAFIA DO AUTOR JeanJacques Rousseau nasceu em Genebra no ano de 1712 e morreu no de 1778 Dotado de excepcionais qualidades de inteligência e imaginação foi ele um dos maiores escritores e filósofos do seu tempo Em suas obras defende a ideia da volta à natureza a excelência natural do homem a necessidade do contrato social para garantir os direitos da coletividade Seu estilo apaixonado e eloquente tornouse um dos mais poderosos instrumentos de agitação e propaganda das ideias que haviam de constituir mais tarde o imenso cabedal teórico da Grande Revolução de 178993 Ao lado de Diderot DAlembert e tantos outros nomes insignes que elevaram naquela época o pensamento científico e literário da França foi Rousseau um dos mais preciosos colaboradores do movimento enciclopedista Das suas numerosas obras podem citarse dentre as mais notáveis Júlia ou A Nova Heloísa 1761 romance epistolar cheio de grande sentimentalidade e amor à natureza O Contrato Social 1762 onde a vida social é considerada sobre a base de um contrato em que cada contratante condiciona sua liberdade ao bem da comunidade procurando proceder sempre de acordo com as aspirações da maioria Emílio ou Da Educação 1762 romance filosófico no qual partindo do princípio de que o homem é naturalmente bom e má a educação dada pela sociedade preconiza uma educação negativa como a melhor ou antes como a única boa As Confissões obra publicada após a morte do autor 17811788 e que é uma autobiografia sob todos os pontosdevista notável O CONTRATO SOCIAL Foederis aequas Dicamus Leges Æneid XI LIVRO I Eu quero investigar se pode haver na ordem civil alguma regra de administração legítima e segura que tome os homens tais como são e as leis tais como podem ser Cuidarei de ligar sempre nesta pesquisa o que o direito permite com o que o direito prescreve a fim de que a justiça e a utilidade de modo algum se encontrem divididas Entro na matéria sem provar a importância de meu assunto Perguntarsemeá se sou príncipe ou legislador para escrever sobre política Se eu fosse príncipe ou legislador não perderia meu tempo em dizer o que é preciso fazer eu o faria ou me calaria Nascido cidadão de um Estado Livre1 e membro do soberano por frágil que seja a influência de minha voz nos negócios públicos bastame o direito de votar para me impor o dever de me instruir no tocante a isso feliz todas as vezes que medito sobre os governos de achar sempre em minhas pesquisas novas razões para amar o meu país I Assunto deste primeiro livro O homem nasceu livre e em toda parte se encontra sob ferros De tal modo acreditase o senhor dos outros que não deixa de ser mais escravo que eles Como é feita essa mudança Ignoroo Que é que torna legítima Creio poder resolver esta questão Se eu considerasse tãosomente a força e o efeito que dela deriva diria Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece faz bem tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode faz ainda melhor porque recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual lha arrebataram ou este lhe serve de base para retotála ou não se prestava em absoluto para subtráila Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os outros Esse direito todavia não vem da Natureza está pois fundamentado sobre convenções Mas antes de chegar aí devo estabelecer o que venho de avançar II Das primeiras sociedades A mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a da família As crianças apenas permanecem ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação Assim que cesse tal necessidade dissolvese o laço natural As crianças eximidas da obediência devida ao pai o pai isento dos cuidados devidos aos filhos reentram todos igualmente na independência Se continuam a permanecer unidos já não é naturalmente mas voluntariamente e a própria família apenas se mantém por convenção Esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem Sua primeira lei consiste em proteger a própria conservação seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo e tão logo se encontre o homem na idade da razão sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação tornase por si seu próprio senhor É a família portanto o primeiro modelo das sociedades políticas o chefe é a imagem do pai o povo a imagem dos filhos e havendo nascido todos livres e iguais não alienam a liberdade a troca da sua utilidade Toda a diferença consiste em que na família o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe dão ao passo que no Estado o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos Grotius nega que todo poder humano seja estabelecido em favor dos governados Sua mais frequente maneira de raciocinar consiste sempre em estabelecer o direito pelo fato Poderseia empregar um método mais consequente não porém mais favorável aos tiranos É pois duvidoso segundo Grotius saber se o gênero humano pertence a uma centena de homens ou se esta centena de homens é que pertence ao gênero humano mas ele parece pender em todo o seu livro para a primeira opinião É este também o sentimento de Hobbes Eis assim a espécie humana dividida em rebanhos de gado cada qual com seu chefe a guardála a fim de a devorar Assim como um pastor é de natureza superior à de seu rebanho os pastores de homens que são seus chefes são igualmente de natureza superior à de seus povos Desta maneira raciocinava no relato de Filón o imperador Calígula concluindo muito acertadamente dessa analogia que os reis eram deuses ou que os povos eram animais O raciocínio de Calígula retorna ao de Hobbes e ao de Grotius Aristóteles antes deles todos tinha dito que os homens não são naturalmente iguais e que uns nascem para escravos e outros para dominar Aristóteles tinha razão mas ele tomava o efeito pela causa Todo homem nascido escravo nasce para escravo nada é mais certo os escravos tudo perdem em seus grilhões inclusive o desejo de se livrarem deles apreciam a servidão como os companheiros de Ulisses estimavam o próprio embrutecimento Portanto se há escravos por natureza é porque houve escravos contra a natureza A força constituiu os primeiros escravos a covardia os perpetuou O mais forte não é nunca asaz forte para ser sempre o senhor se não transforma essa força em direito e a obediência em dever Daí o direito do mais forte direito tomado ironicamen te na aparência e realmente estabelecido em princípio Mas explicarnosão um dia esta palavra A força é uma potência física não vejo em absoluto que moralidade pode resultar de seus efeitos Ceder à força constituiu um ato de necessidade não de vontade é no máximo um ato de prudência Em que sentido poderá ser um dever Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante e pois que a força não produz nenhum direito restam pois as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens Se um particular diz Grotius pode alienar a liberdade e tornarse escravo de um senhor por que não poderia todo um povo alienar a sua e se fazer vassalo de um rei Há aqui excesso de termos equívocos necessitados de explicação mas atenhamonos ao termo alienar Alienar é dar ou vender Ora um homem que se escraviza a outro não se dá vendese pelo menos em troca Mesmo que cada qual pudesse alienarse a si mesmo não poderia alienar os filhos estes da subsistência mas um povo por que se vende ele Longe se acha um rei de fornecer a direito esse meu direito contra mim mesmo não é porventura um termo sem sentido guerras privadas autorizadas pelas instituições de Luís IX rei de França e suspensas pela paz de Deus tratase de abusos do governo feudal sistema absurdo como jamais houve contrário aos princípios do direito natural e a toda organização política respeita direitos sobre os quais estão alicerçados os seus Como o objetivo da guerra consiste em destruir o Estado inimigo temse o direito de matar os defensores enquanto estiverem com as armas na mão mas tão logo os deponham e se rendam cessam de ser inimigos ou instrumentos do inimigo voltam a ser simplesmente homens e não mais se dispõe de direito sobre suas vidas Podese por vezes matar o Estado sem matar um único de seus membros ora a guerra não dá nenhum direito desnecessário ao seu objetivo Estes princípios não são os mesmos de Grotuis não estão alicerçados nas autoridades de poetas mas derivam da natureza das coisas e são baseados na razão A respeito do direito de conquista não há outro fundamento afora a lei do mais forte Se a guerra não dá ao vencedor o direito de massacrálos o direito que ele não possui não pode estabelecer o de os escravizar Só se tem o direito de matar o inimigo quando não se pode escravizálo o direito de o escravizar não vem por consequente do direito de matálo constitui pois uma troca iníqua fazêlo comprar ao preço da liberdade a vida sobre a qual não se possui nenhum direito Estabelecendose o direito de vida e morte sobre o direito de escravatura e o direito de escravatura sobre o direito de vida e morte não está claro que tombamos no círculo vicioso Mesmo admitindo esse terrível direito de tudo matar afirmo que um escravo obtido na guerra ou um povo conquistado só é constrangido a obedecer ao senhor enquanto a isto for forçado Tomandolhe um equivalente à sua vida o vencedor não lhe concedeu graça ao invés de o matar sem proveito matouo inutilmente E não tendo adquirido nenhuma autoridade junto à força o estado de guerra subsiste entre eles como anteriormente sua própria relação é o efeito disso e o uso do direito da guerra não supõe nenhum tratado de paz Concluíram uma convenção quando muito mas tal convenção longe de destruir o estado de guerra supõe a sua continuidade Assim por qualquer lado que se encarém as coisas é nulo o direito de escravizar não só pelo fato de ser ilegítimo como porque é absurdo e nada significa As palavras escravatura e direito são contraditórias excluemse mutuamente Seja de homem para homem seja de um homem para um povo este discurso será igualmente insensato Faço contigo um contrato todo em teu prejuízo e todo em meu proveito que eu observarei enquanto me aproveitar e que tu observarás enquanto me aproveitar Mesmo se eu conciliasse tudo o que refutei até aqui os favorecedores do despotismo não estariam a este respeito mais avançados Sempre haverá grande diferença entre submeter uma multidão e reger uma sociedade No fato de homens esparsos serem sucessivamente subjugados a um único independente do número que constituam não vejo nisto senão um senhor e escravos e não um povo e seu chefe é se se quiser um ajuntamento mas de modo algum uma associação não há nisso nem bem público nem corpo político Tal homem tenha embora escravizado a metade do mundo não deixa de ser sempre um particular seu interesse separado do interesse dos outros não é senão um interesse privado Se esse mesmo homem vier a perecer seu império após si ficará disperso e desligado como um carvão que se desfaz e tomba reduzido a um montão de cinzas depois de consumido pelo fogo Um povo diz Grotius pode entregarse a um rei Segundo Grotius um povo é pois um povo antes de se entregar a um rei Essa doação é um ato civil supõe uma deliberação pública Antes portanto de examinar o ato pelo qual o povo elege um rei seria bom examinar o ato pelo qual o povo é um povo porque esse ato sendo necessariamente anterior ao outro constitui o verdadeiro fundamento da sociedade Com efeito se não houvesse em absoluto convênio anterior onde estaria a menos que a eleição fosse unânime a obrigação por parte do pequeno número de submeterse à escolha do grande número e como cem indivíduos que desejam um senhor podem ter um direito de votar por dez de modo nenhum o desejam A lei da pluralidade dos sufrágios é por si mesma um estabelecimento de convênio e supõe ao menos uma vez a unanimidade VI Do pacto social Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado natural os arrastam por sua resistência sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser Ora como é impossível aos homens engendrar novas forças mas apenas unir e dirigir as existentes não lhes resta outro meio para se conservarem senão formando por agregação uma soma de forças que possa arrastálos sobre a resistência pôlos em movimento por um único móvel e fazêlos agir de comum acordo Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos contudo sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação como as empregará ele sem se prejudicar sem negligenciar os cuidados que se deve Esta dificuldade reconduzida ao meu assunto pode ser enunciada nos seguintes termos Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um unindose a todos não obedeça portanto senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito de sorte que conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas são as mesmas em todas as partes em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas até que violado o pacto social reentra cada qual em seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural perdendo a liberdade convencional pela qual ele aqui renunciou Todas essas cláusulas bem entendido se reduzem a uma única a saber a alienação total de cada associado com todos os seus direitos em favor de toda a comunidade porque primeiramente cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos a ninguém interessa tornála onerosa para os outros Além disso feita a alienação sem reserva a união é tão perfeita quanto o pode ser e nenhum associado tem mais nada a reclamar porque se aos particulares restassem alguns direitos como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público cada qual tornando nalgum ponto o seu próprio juiz pretendiera em breve sêlo em tudo o estado natural subsistiria e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou inútil Enfim cada qual dandose a todos não se dá a ninguém e como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido ganhase o equivalente de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem Portanto se afastamos do pacto social o que não constitui a sua essência acharemos que ele se reduz aos seguintes termos Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade sob o supremo comando da vontade geral e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo Logo ao invés da pessoa particular de cada contratante esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quanto a assembleia de vozes o qual recebe desse mesmo ato sua unidade seu eu comum sua vida e sua vontade A pessoa pública formada assim pela união de todas as outras tomava outrora o nome de cidade e o que é chamado por todos de república ou corpo político o qual é chamado por seus membros Estado quando é passivo soberano quando é ativo autoridade quando comparado a seus semelhantes No que concerne aos associados adquirem coletivamente o nome de povo e se chama particularmente cidadãos na qualidade de participantes na autoridade soberana e vassalos quando sujeitos às leis do Estado Todavia esses termos frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro É suficiente saber distinguilos quando empregados em toda a sua precisão VII Do soberano Vêse por esta fórmula que o ato de associação encerra um acordo recíproco do público com os particulares e que cada indivíduo contratante por assim dizer consigo mesmo se acha obrigado sob uma dupla relação a saber como membro do soberano para com os particulares e como membro do Estado para com o soberano Mas não se pode aqui aplicar a máxima do direito civil que ninguém está obrigado aos acordos tomados consigo mesmo porque há grande diferença entre obrigarse consigo mesmo ou com um todo de que se faz parte É necessário assinalar ainda que a deliberação pública que pode obrigar todos os vassalos ao soberano em virtude de suas diferentes relações sob as quais cada um deles é considerado não pode pela razão contrária obrigar o soberano consigo mesmo e que em consequência é contra a natureza do corpo político o soberano imporse uma lei que não possa infringir Podendo considerarse sujeito a uma só e mesma relação encontrase ele no caso de um particular contratante consigo mesmo por onde se observa que não há nem pode haver nenhuma espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo nem mesmo o contrato social O que não significa não possa esse corpo obrigarse com outrem no que de modo algum derrogue esse contrato porque no tocante ao estrangeiro ele se torna um simples ser um indivíduo Contudo o corpo político ou o soberano extraindo sua existência cinicamente da pureza do contrato não pode jamais obrigarse mesmo para com outrém a nada que derrogue esse ato primitivo como alienar qualquer porção de si mesmo ou submeterse a outro soberano Violara o ato pelo qual existe seria aniquilarse e o que nada é nada produz suas obrigações se ele não encontrasse os meios de fazer com que lhes fossem fiéis Com efeito cada indivíduo pode como homem ter uma vontade particular contrária ou dessemelhante à vontade geral que possui na qualidade de cidadão O interesse particular pode faltarlhe de maneira totalmente diversa da que lhe fala o interesse comum sua existência absoluta e naturalmente independente pode fazêlo encarar o que deve à causa comum como uma contribuição gratuita cuja perda será menos prejudicial aos outros que o pagamento oneroso para si e olhando a pessoa moral que constituiu o Estado como um ser de razão pois que não se trata de um homem ele desfrutará dos direitos do cidadão sem querer preencher os deveres do vassalo injustiça cujo progresso causaria a ruína do corpo político quais sem isso seriam absurdas tirânicas e sujeitas aos maiores abusos VIII Do estado civil A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável substituindo em sua conduta a justiça ao instinto e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava Foi somente então que a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite fizeram com que o homem que até esse momento só tinha olhado para si mesmo se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus pendores Embora se prive nesse estado de diversas vantagens recebidas da Natureza ganha outras tão grandes suas faculdades se exercitam e desenvolvem suas ideias se estendem seus sentimentos se enobrecem toda a sua alma se eleva a tal ponto que se os abusos desta nova condição não o degradassem com frequência a uma condição inferior àquela de que saiu deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali desarraigado para sempre o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente num homem Reduzamos todo este balanço a termos fáceis de comparar O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tente e pode alcançar o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui Para que não haja engano em suas compensações é necessário distinguir a liberdade natural limitada pelas forças do indivíduo da liberdade civil que é limitada pela liberdade geral e a posse que não é senão o efeito da força ou do direito de primeiro ocupante da propriedade que só pode ser baseada num título positivo Poderseia em prosseguimento do precedente acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade Mas já falei demasiadamente deste assunto e o sentido filosófico do termo liberdade não constitui aqui o meu objetivo IX Do domínio real Cada membro da comunidade dáse a ela no instante em que esta se forma tal como se encontram no momento ele e todas as suas forças os bens que ele possui dela fazem parte Não quer dizer que em virtude desse ato mude a posse de natureza mudando de mãos e se torne propriedade em mãos do soberano mas como as forças da cidade são incomparavelmente maiores que as de um particular o domínio público está também no fato mais forte e irrevogável sem que o seja mais ou menos legítimo para os estrangeiros porque o Estado no tocante a seus membros é senhor de todos os seus bens pelo contrato social que no Estado serve de base a todos os direitos mas não o é no que concerne às outras autoridades senão pelo direito de primeiro ocupante recebido dos particulares O direito de primeiro ocupante embora mais real que o direito do mais forte só se toma um direito verdadeiro após o estabelecimento do direito de propriedade Todo homem tem naturalmente direito a tudo que lhe é necessário mas o ato positivo que o faz proprietário de algum bem o exclui de todo o resto Feita a sua parte deve ele a isso limitarse e não mais tem nenhum direito na comunidade Eis por que o direito de primeiro ocupante tão frágil no estado natural é responsável para todo homem civil Nesse direito respeitase menos o que pertence a outrém que o que não lhe pertence Em geral para autorizar sobre um terreno qualquer o direito de primeiro ocupante são necessárias as seguintes condições primeiramente que esse terreno ainda não se encontre habitado por ninguém em segundo lugar que apenas seja ocupada a área de que se tem necessidade para subsistir em terceiro que se tome posse dela não em virtude de uma vã cerimônia mas pelo trabalho e pela cultura único sinal de propriedade que à falta de títulos jurídicos deve ser respeitado por outrém Com efeito conciliar com a necessidade e o trabalho o direito de primeiro ocupante não significa estendêlo tão longe quanto possa ir Podese deixar de impor limites a esse direito Será o bastante pôr os pés num terreno comum para logo se pretender a sua propriedade Bastará ter a força de dele afastar os outros homens por um instante para os privar do direito de aí jamais voltarem Como pode um homem ou um povo apropriarse de um imenso território e dele privar todo o gênero humano graças a uma usurpação punitiva uma vez que esta retira aos demais homens a residência e os alimentos que a Natureza lhes oferece em comum Quando Nuñez Balboa pisando na praia tomava posse do mar do Sul e de toda a América meridional em nome da coroa de Castela era isso suficiente para despojar todos os seus habitantes e deles excluir todos os príncipes do mundo Em razão disso multiplicavamse assaz inutilmente essas cerimônias e o rei católico de seu gabinete podia apossarse de vez de todo o Universo salvo suprimir em seguida de seu império o que estava anteriormente de posse dos outros príncipes Concebese como as terras dos particulares reunidas e contínuas se transformam em território público e como o direito de soberania estendendose dos vassalos ao terreno por eles ocupado se toma a um tempo real e pessoal o que coloca os possuidores numa maior dependência e faz de suas próprias forças os penhores de sua fidelidade vantagem que parece não foi bem compreendida pelos antigos monarchas os quais atribuindose apenas os títulos de reis dos persas dos citas dos macedônios davam a impressão de que se olhavam de preferência como os chefes de homens e não como senhores do país Os monarchas do hoje chamamse a si mesmos mas habilmente reis de França de Espanha de Inglaterra etc Conservando dessa maneira o terreno sentemse mais seguros para conservar os habitantes O que há de singular nessa alienação consiste em que ao aceitar os bens dos particulares a comunidade os despoja e outra coisa não faz senão assegurarlhes a posse legítima mudar a usurpação num verdadeiro direito e a fruição em propriedade Então os possuidores considerados como depositários do bem público com seus direitos respeitados por todos os membros do Estado e mantidos por todas as suas forças contra o estrangeiro em virtude de uma cessão vantajosa ao público e mais ainda a si mesmos adquirem por assim dizer o que tinham dado paradoxo facilmente explicável pela distinção dos direitos que o soberano e o proprietário possuem sobre o mesmo solo como veremos mais adiante Pode também acontecer que os homens comecem a unirse antes de nada possuírem e que apropriandose em seguida de um terreno suficiente para todos o desfrutem em comum ou o dividam entre si seja em iguais porções seja segundo as proporções estabelecidas pela sociedade De qualquer modo que se faça tal aquisição o direito de cada particular sobre sua parte do solo está sempre subordinado ao direito da comunidade sobre o todo sem o que não haveria solidez no laço social nem força real no exercício da soberania Terminarei este capítulo e este livro por uma observação que deve servir de base a todo o sistema social é que o pacto fundamental ao invés de destruir a igualdade natural substitui ao contrário por uma igualdade moral e legítima a desigualdade física que a Natureza pode pôr entre os homens fazendo com que estes quanto possam ser desiguais em força ou em talento se tornem iguais por convenção e por direito LIVRO II I A soberania é inalienável A primeira e mais importante consequência dos princípios acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição isto é o bem comum pois se a oposição dos interesses particulares tomou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível Eis o que há de comum nesses diferentes interesses fornecedores do laço social e se não houvesse algum ponto em torno do qual todos os interesses se harmonizam sociedade nenhuma poderia existir Ora é unicamente à base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada Digo pois que outra coisa não sendo a soberania senão o exercício da vontade geral jamais se pode alienar e que o soberano que nada mais é senão um ser coletivo não pode ser representado a não ser por si mesmo é perfeitamente possível transmitir o poder não porém a vontade Com efeito se não é impossível fazer concordar uma vontade particular com a vontade geral em torno de algum ponto é pelo menos impossível fazer com que esse acordo seja durável e constante porque a vontade particular por sua natureza tende às preferências e a vontade geral à igualdade É ainda mais impossível haja um fiador desse convênio e mesmo quando sempre devesse existir não seria ele um efeito da arte mas do acaso O soberano pode perfeitamente dizer Desejo neste instante o que tal homem deseja ou ao menos o que ele diz desejar mas não pode dizer O que este homem desejar amanhã eu o desejarei ainda visto ser absurdo entregarse à vontade dos grilhões para o futuro e não depender de nenhuma vontade consentir em nada que contrarie o interesse do ser que deseja Se o povo portanto promete simplesmente obedecer dissolvese em consequência desse ato perde sua qualidade de povo no instante em que houver um senhor não mais haverá soberano e a partir de então o corpo político estará destruído Pela mesma razão que a torna alienável a soberania é indivisível porque a vontade é geral ou não o é é a vontade do corpo do povo ou apenas de uma de suas partes No primeiro caso essa vontade declarada constitui um ato de soberania e faz lei no segundo não passa de uma vontade particular ou um ato de magistratura é no máximo um decreto Porém nossos políticos não podendo dividir a soberania em seu princípio dividemna em força e em vontade em poder legislativo e em poder executivo em direitos de impostos de justiça e de guerra em administração interior e em poder de tratar com o estrangeiro ora confundem todas essas partes ora as separam fazem do soberano um ser fantástico formado de peças ajustadas é como se compusessem o homem reunindo diversos corpos um dos quais teria os olhos outro os braços outro os pés e nada mais Os pelotiqueiros do Japão segundo dizem despedem uma criança à vista da assistência em seguida lançam ao ar um após outro todos os membros e fazem a criança voltar ao chão viva e completamente reajuntada Tais são aproximadamente os engodos dos nossos políticos depois de haverem desmembrado o corpo social graças a uma prestidigitação digna da feira reúnem as peças não se sabe como Provém esse erro da inexistência de noções exatas a respeito da autoridade soberana e por se haverem tomado como partes dessa autoridade o que não era mais que emanações da mesma Assim olhouse por exemplo o ato da declaração de guerra e o de assinar a paz como atos de soberania o que é falso uma vez que cada um desses atos de modo algum constitui uma lei mas tãosomente uma aplicação da lei como se verá com clareza quando a idéia unida ao termo lei for fixada Observando igualmente as demais divisões perceberíamos que todas as vezes que imaginamos ver a soberania partilhada nos enganamos que os direitos tomados como partes dessa soberania lhe são todos subordinados e sempre supõem vontades supremas dos quais esses direitos só dão à execução Não se saberia dizer quanto essa inexatidão tem obscurecido as decisões dos autores em matéria de direito político quando pretendem julgar os respectivos direitos dos reis e dos povos no tocante aos princípios estabelecidos Todos podem ver nos capítulos III e IV do primeiro livro de Grotius de que maneira este sábio e Barbeyrac seu tradutor se encabrestam e embaralham em sofismas receosos de dizer muito ou de não dizer o suficiente consonante seus intentos e de pôr em choque os interesses que tinham de conciliar Grotius refugiado em França descontente da pátria e querendo cair nas boas graças de Luís XIII a quem dedicou o livro nada economiza no sentido de despregar os povos de todos os direitos e revestir os reis com toda a arte possível Foi também essa a atitude de Barbeyrac que dedicava sua tradução ao rei da Inglaterra Jorge I Mas desgraciadamente a expulsão de Jacques II por ele chamada de abdicação forçavao a manter reserva a esquivarse a tergiversar para não transformar Guilherme num usurpador Se esses dois escritores tivessem adotado os verdadeiros princípios todas as dificuldades seriam superadas e eles se teriam mostrado sempre consequentes mas nesse caso teriam com tristeza dito a verdade e cortejado unicamente o povo Ora a verdade de nenhum modo conduz à fortuna e o povo não concede embaixadas nem cátedras nem pensões III A vontade geral pode errar Resulta do precedente que a vontade geral é sempre reta e tende sempre para a utilidade pública mas não significa que as deliberações do povo tenham sempre a mesma retitude Querse sempre o próprio bem porém nem sempre se o vê nunca se corrompe o povo mas se o engana com frequência e é somente então que ele parece desejar o mal Há muitas vezes grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral esta olha somente o interesse comum a outra o interesse privado e outra coisa não é senão a soma de vontades particulares mas tira dessas mesmas vontades as que em menor ou maior grau reciprocamente se destroem e resta como soma das diferenças a vontade geral Se quando o povo suficientemente informado delibera não tivessem os cidadãos nenhuma comunicação entre si sempre resultaria a vontade geral do grande número de pequenas diferenças e a deliberação seria sempre boa Quando porém há brigas associações parciais às expensas da grande a vontade de cada uma dessas associações tornase geral em relação a seus membros e particular no concemente ao Estado podese então dizer que já não há tantos votantes quantos são os homens mas apenas tantos quantas foram as associações as diferenças se tornam mais numerosas e fornecem um resultado menos geral Finalmente quando uma dessas associações se apresente tão grande a ponto de sobrepujar todas as outras não mais tereis por resultado uma soma de pequenas diferenças porém uma diferença única deixa de haver então a vontade geral e a opinião vencedora é tãosomente uma opinião particular Portanto a fim de se ter o perfeito enunciado da vontade geral importa não haja no Estado sociedade parcial e que cada cidadão só manifeste o próprio pensamento Foi assim a única e sublime instituição do grande Licurgo Pois se houver sociedades parciais será necessário multiplicar o seu número e prevenir a desigualdade entre elas como o fizeram Sólon Numa e Servius Tais precauções são as únicas adequadas para que a vontade geral esteja sempre esclarecida e o povo de modo nenhum se equivoque IV Dos limites do poder soberano Se o Estado ou a cidade só constituiu uma pessoa moral cuja vida consiste na união de seus membros e se o mais importante de seus cuidados é o de sua própria conservação é necessário uma força universal e compulsória para mover e dispor cada uma das partes da maneira mais conveniente para o todo Como a Natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros dá o pacto social ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus e é esse mesmo poder que dirigido pela vontade geral recebe como eu disse o nome de soberania Contudo além da pessoa pública temos a considerar as pessoas privadas que a compõem e cuja vida e liberdade são naturalmente independentes delas Tratase pois de distinguir com acerto os respectivos direitos dos cidadãos e do soberano8 e os deveres a cumprir por parte dos primeiros na qualidade de vassalos do direito natural que devem desfrutar na qualidade de homens Convém que tudo quanto cada um aliene em virtude do pacto social de seu poder de seus bens de sua liberdade seja apenas a parte cujo uso interesse à sociedade todavia é preciso igualmente convier que só o soberano pode ser juiz desse interesse Todos os serviços que possa um cidadão prestar ao Estado tão logo o soberano os solicite passam a constituir um dever mas de seu lado o soberano não tem o direito de sobrecarregar os vassalos de nenhum grilhão inútil à comunidade sequer o pode desejar porque sob a lei da razão nada se faz sem causa do mesmo modo que sob a lei natural Os empenhos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios pelo fato de serem recíprocos e é tal sua natureza que desempenhandoos não se pode trabalhar para outrém sem trabalhar também para si mesmo Por que é sempre reta a vontade geral e por que desejam todos constantemente a felicidade de cada um se não pelos fato de não haver quem não se aproprie dos termos cada um e não pense em si mesmo ao votar por todos Isso prova que a igualdade de direito e a noção de justiça que aquela produz derivam da preferência que cada qual se atribui e por conseguinte da natureza do homem que a vontade geral por ser realmente conforme deve existir no seu objeto bem como na sua essência que deve partir de todos para a todos ser aplicada e que perde sua retenção natural quando tende a algum objeto individual e determinado porque então julgando do que nos é estranho não temos nenhum real princípio de equidade a conduzirnos Com efeito tão logo se trate de um fato ou de um direito particular sobre ponto não regulado por convenção geral e interior o negócio se toma contencioso constitui um processo em que os particulares interessados representam uma das partes e o público outra mas no qual não vejo nem a lei a ser seguida nem o juiz que deve pronunciar Seria então ridículo remontar a uma expressa decisão da vontade geral que só pode ser a conclusão de uma das partes e que por conseguinte não passa para a outra de uma vontade estranha particular induzida à injustiça e sujeita ao erro Assim do mesmo modo como uma vontade particular não pode representar a vontade geral a vontade geral por seu turno muda de natureza quando tem um objeto particular e não pode como geral decidir nem sobre um homem nem sobre um fato Por exemplo quando o povo de Atenas nomeava ou destituía os chefes tributava honras a um impunha castigos a outro e por infinidade de decretos particulares exercia indistintamente todos os atos do governo não mais estava então de posse da vontade geral propriamente dita não mais agia como soberano mas como magistrado Isto parecerá contrário às idéias comuns mas é preciso me concedam o tempo de expor as minhas Devese por aí conceber que o que generaliza a vontade é menos o número de vozes que o interesse comum que as une porque numa instituição cada qual se submete necessariamente às condições que impõe aos outros admirável acordo do interesse e da justiça que fornece às deliberações comuns um caráter equitativo o qual se vê desvanecerse na discussão de todo negócio particular à falta de um interesse comum que una e identifique a regra do juiz com a da parte Por qualquer dos lados que se remonte ao princípio chegase sempre à mesma conclusão a saber que o pacto social estabelece tal igualdade entre os cidadãos que os coloca todos sob as mesmas condições e faz com que todos usufruam dos mesmos direitos Destarte pela natureza do pacto todo ato de soberania isto é todo ato autêntico da vontade geral obriga ou favorece todos os cidadãos de maneira que o soberano apenas conheça o corpo da nação e não distinga nenhum dos corpos que a compõem Que é pois na realidade um ato de soberania Não é um convênio entre o superior e o inferior mas uma convenção do corpo com cada um de seus membros convenção legítima porque tem por base o contrato social equitativa porque é comum a todos útil porque não leva em conta outro intento que não o bem geral porque possui como fiadores a força do público e o poder supremo Enquanto os vassalos estiverem apenas sujeitos a tais convenções não obedecerão a ninguém mas unicamente à própria vontade e perguntar até onde se estendem os respectivos direitos do soberano e dos cidadãos é perguntar até que ponto podem estes empenharse consigo mesmos cada um com todos e todos com cada um deles Vêse por aí que o poder soberano todo absoluto todo sagrado todo inviolável que é não passa nem pode passar além dos limites das convenções gerais e que todo homem pode dispor plenamente da parte de seus bens e da liberdade que lhe foi deixada por essas convenções de sorte que o soberano jamais possui o direito de sobrecarregar um vassalo mais que outro porque então tornandose o negócio particular deixa o seu poder de ser competente Uma vez admitidas essas distinções é tão falso haver no contrato da parte dos particulares qualquer renúncia verdadeira que sua situação por efeito do contrato se torna realmente preferível à que tinha anteriormente pois que em lugar de uma alienação fizeram a troca vantajosa de uma maneira incerta e precária por uma outra melhor e mais segura da independência natural pela liberdade do poder de causar dano a outrém por sua própria segurança e da força que podia ser por outros sobrepujada por um direito que a união social transforma em invencível A própria vida consagrada por eles ao Estado fica continuamente protegida e quando a expõem na defesa deste que fazem então senão devolver o que dele receberam Que fazem eles além do que teriam frequentemente feito e com maior perigo no estado natural quando entregandose a inevitáveis combates defendessem com perigo de vida o que lhes serve para a conservar Todos devem necessariamente lutar em defesa da pátria é verdade mas também é verdade que ninguém necessita de combater para a própria defesa Com referência à nossa segurança não ganhamos ainda quando nos dispomos a correr os riscos que seria necessário correr em nosso favor tão logo fôssemos dessa segurança despidos V Do direito de vida e morte Perguntase como podem os particulares desprovidos do direito de dispor de suas vidas transferir ao soberano esse mesmo direito que não possuem Tal questão só parece difícil de ser resolvida porque está mal colocada Todo homem tem o direito de arriscar a própria vida a fim de a conservar Alguma vez foi dito que quem se lança por uma janela para escapar de um incêndio seja culpado de cometer suicídio Imputouse alguma vez o mesmo crime a quem embaraçando sem conhecer o perigo vem a morrer durante uma tempestade O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes Quem quer o fim quer também os meios e esses meios são inseparáveis de alguns riscos inclusive de algumas perdas Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dála por eles quando se faz necessário Ora o cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe e quando o príncipe lhe diz Ao Estado é útil que morras ele deve morrer pois não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse momento e sua vida não é mais uma mercê da Natureza mas um dom condicional do Estado A pena de morte imposta aos criminosos pode ser de certa forma encarada sob esse ponto de vista para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer sendo o caso Nesse tratado longe de se dispor da própria vida pensase em garantila e não é de presumir premedite então um contratante fazerse enforcar De resto todo malfeitor ao atacar o direito social tornase por seus delitos rebelde e traidor da pátria cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis e chega mesmo a declararme guerra A conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua fazse preciso que um dos dois pereça e quando se condena à morte o culpado se o faz menos na qualidade de cidadão que de inimigo Os processos e a sentençam constituem as provas da declaração de que o criminoso rompeu o tratado social e por conseguinte deixou de ser considerado membro do Estado Ora como ele se reconheceu como tal ao menos pela residência deve ser segregado pelo exílio como infrator do pacto ou pela morte como inimigo público pois um inimigo dessa espécie não é uma pessoa moral é um homem e manda o direito da guerra matar o vencido Mas dirseá a condenação de um criminoso constitui um ato particular De acordo essa condenação também não pertence em absoluto ao soberano é um direito que este pode conferir sem o poder exercer pessoalmente Todas as minhas idéias se coordenam mas eu não saberia expôlas simultaneamente Ademais a frequência dos suplícios constitui sempre um sinal de fraqueza ou indolência no governo não existe malvado que não possa servir para alguma coisa Não se tem o direito de matar mesmo para exemplo senão aquele que se não pode conservar sem perigo Quanto ao direito de agraciar ou isentar um culpado da pena imposta pela lei e pronunciada pelo juiz é da competência exclusiva de quem se encontra acima do juiz e da lei isto é do soberano seu direito no que a isto concerne não está ainda bem nítido e o uso dele tem sido muito raro Num Estado bem governado há poucas punições não porque se concedam muitas graças mas pelo fato de haver poucos criminosos a quantidade de crimes assegura a impunidade quando o Estado se deteriora Na República romana jamais o Senado ou os cônsules intentaram conceder graça o próprio povo não a fazia muito embora revogasse algumas vezes a própria sentença As graças freqüentes anunciam que breve os delitos não mais necessitarão delas e cada um pode ver aonde isso nos conduzirá Sinto porém que o coração murmura e me detém a pena deixemos que discuta esses problemas o homem justo que jamais pecou e que nunca necessitou para si mesmo de perdão VI Da lei Pelo pacto social demos existência ao corpo político tratase agora de lhe dar o movimento e a vontade por meio da legislação Porque o ato primitivo pelo qual esse corpo se forma e se une não determina ainda o que ele deve fazer para se conservar O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e independentemente das convenções humanas Toda justiça vem de Deus só Ele é sua fonte mas se soubéssemos recebêla de tão alto não teríamos necessidade nem de governo nem de leis Está fora de dúvida a existência de uma justiça universal só da razão emanada tal justiça porém para ser admitida entre nós deve ser recíproca Considerando humanamente as coisas à falta de sanção natural são vãs as leis da justiça entre os homens fazem o bem do perverso e o mal do justo quando este as observa com todos sem que ninguém as observe consigo É necessário pois haja convenções e leis para unir os direitos aos deveres e encaminhar a justiça a seu objetivo No estado natural onde tudo é comum nada devo àqueles a quem nada prometi só reconheço como sendo de outrém o que me é inútil Isso não ocorre no estado civil onde todos os direitos são fixados pela lei Mas que é enfim uma lei Enquanto continuarmos a juntar a esse termo somente idéias metafísicas prosseguiremos o raciocínio sem nada entender e quando tivermos dito o que é uma lei natural não saberemos melhor o que é uma lei do Estado Já tive ocasião de dizer que de modo algum havia vontade geral num objeto particular Esse objeto particular encontrase com efeito no Estado ou fora do Estado uma vontade que lhe seja estranha não é em absoluto geral em relação a ele e se esse objeto está no Estado dele faz parte e então se forma entre o todo e sua parte uma relação que os transforma em dois seres separados cuja parte é um e o todo menos esta mesma parte constitui o outro Mas o todo menos uma parte não é de nenhum modo o todo e enquanto essa relação subsiste não mais há o todo mas sim duas partes desiguais de onde se conclui que a vontade de uma não é também mais geral em relação à outra Mas quando todo o povo estatui sobre todo o povo só a si mesmo considera e se se forma então uma relação é do objeto inteiro sob um ponto de vista ao objeto inteiro sob outro ponto de vista sem nenhuma divisão do todo Então a matéria sobre a qual estatuímos passa a ser geral como a vontade que estatui A esse ato é que eu chamo uma lei Quando digo que o objeto das leis é sempre geral entendo que a lei considera os vassalos em corpo e as ações como sendo abstratas jamais um homem como indivíduo nem uma ação particular Destearte pode a lei estatuir perfeitamente que haverá privilégios mas não pode ofertálos nominalmente a ninguém pode a lei instituir diversas classes de cidadãos assinalar inclusive as qualidades que darão direito a essas classes mas não pode nomear este ou aquele para ser nelas admitido pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária mas não pode eleger um rei nem nomear uma família real numa palavra toda função que se relacione com um objeto individual não pertence de nenhum modo ao poder legislativo No tocante a esta idéia vêse imediatamente não mais ser preciso perguntar a quem compete fazer as leis pois que elas constituem atos da vontade geral nem se o príncipe se encontra acima das leis pois que ele é membro do Estado nem se a lei pode ser injusta pois que ninguém é injusto consigo mesmo nem em que sentido somos livres e sujeitos às leis pois que estas são apenas registros de nossas vontades Vêse ainda que reunindo a lei da universalidade da vontade e a do objeto tudo que um homem seja quem for ordena de sua cabeça não é em absoluto uma lei mesmo o que é ordenado pelo soberano acerca de um objeto particular não é igualmente uma lei mas um decreto nem constituiu um ato de soberania mas de magistratura Eu chamo pois república todo Estado regido por leis independente da forma de administração que possa ter porque então somente o interesse público governa e a coisa pública algo representa Todo governo legítimo é republicano Explicarei mais adiante o que é o governo As leis não são propriamente senão as condições de associação civil O povo submetido às leis deve ser o autor das mesmas compete unicamente aos que se associam regularmente as condições de sociedade mas de que maneira as regulamentarão Fáloá de comum acordo como que por uma inspiração sublime Possui o corpo político um órgão qualquer para enunciar Aquele que ousa empregar a instituição de um povo deve sentirse com capacidade de por assim dizer mudar a natureza humana de transformar cada indivíduo que por si mesmo constituíu um todo perfeito e solidário em parte de um todo maior do qual esse indivíduo recebe de certa forma a vida e o ser de alterar a constituição do homem a fim de reforçála de substituir uma existência parcial e moral à existência física e independente que todos recebemos da Natureza Numa palavra é preciso que arrebate ao homem as forças que lhe são inerentes para lhe dar forças estranhas das quais ele não possa fazer uso sem a ajuda alheia Quanto mais essas forças naturais estejam mortas e aniquiladas maiores e mais duráveis são as aquisições e também mais sólida e perfeita é a instituição de sorte que se cada cidadão nada é nada pode ser sem a ajuda de todos os outros e a força adquirida pelo todo é igual ou superior à soma das forças naturais de todos os indivíduos podese dizer que a legislação se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido O legislador a todos os respeitos é no Estado um homem extraordinário Se o deve ser por seu engenho não o é menos por seu emprego não é de modo algum magistratura não é de nenhum modo soberania O emprego que constituiu a república não entra em absoluto em sua O mesmo raciocínio que fazia Calígula com referência ao fato fazia Platão no tocante ao direito a fim de definir o homem civil ou real procurado por ele em seu livro Do Reino porém é verdade que um grande príncipe é também um homem raro como não há de sêlo um grande legislador Ao primeiro basta seguir o modelo a ser proposto pelo outro este representa o mecânico inventor da máquina aquele é apenas o operário que a monta e a faz funcionar No nascimento das sociedades diz Montesquieu encontramse os chefes das repúblicas que fazem as instituições e é em seguida a instituição que forma os chefes das repúblicas VII Do legislador Para descobrir as melhores regras de sociedade convenientes às nações farseia preciso uma inteligência superior que visse todas as paixões e não provasse nenhuma que não tivesse nenhuma relação com nossa natureza e a conhecesse no íntimo cuja felicidade fosse independente de nós e que portanto quisesse ocuparse da nossa enfim que no progresso dos tempos procurandose uma glória longínqua pudesse trabalhar em um século e usufruir em outro10 Haveria necessidade de deuses para dar leis aos homens constituição é uma função particular e superior que nada tem de comum com o império humano porque se quem dirige os homens não deve dirigir as leis quem dirige as leis não deve pela mesma razão dirigir os homens do contrário suas leis ministras de suas paixões perpetuariam muitas vezes suas injustiças e ele jamais poderia evitar que intuitos particulares alterassem a santidade de sua obra Ao dar leis à sua pátria começou Licurgo por abdicar a realeza sublime razão que se eleva acima do entendimento dos homens vulgares é aquela pela qual o legislador põe as decisões na boca dos imortais a fim de conduzir através da autoridade divina os que não seriam abalados pela prudência humana Mas não é dado a todo homem fazer os deuses falarem nem ser acreditado quando se anuncia como intérprete deles O elevado espírito do legislador é o Quem redige as leis não tem portanto ou não deve ter nenhum direito legislativo e o próprio povo não pode mesmo se o quisesse despirse desse incomunicável direito porque de acordo com o pacto fundamental a vontade geral é a única que obriga os particulares e nunca se pode afirmar que uma vontade particular está conforme a vontade geral senão depois de havêla submetido aos livres sufrágios do povo Já tive oportunidade de dizer tal coisa mas não me parece inútil repetíla verdadeiro milagre que deve provar sua missão Todo homem pode gravar tábuas de pedra ou comprar um oráculo ou simular um comércio secreto com alguma divindade ou adestrar um pássaro que lhe fale ao ouvido ou encontrar outros meios grosseiros para se impor ao povo Quem nada souber além disso poderá inclusive reunir por acaso um bando de insensatos mas jamais fundará um império e sua extravagante obra cedo perecerá consigo Vãos prestígios apenas formam um laço passageiro não há senão a sabedoria para tornálo durável A lei judaica sempre subsistente a do filho de Ismael que há de séculos vem regendo a metade do mundo proclamam ainda hoje os grandes homens que os ditaram e enquanto o orgulhosa filosofia ou o cego espírito de partido não veja nelas senão felizes impostores a verdadeira política admira em suas instituições o grande e poderoso espírito que preside os estabelecimentos duráveis tem condições de sustentar o peso o sábio instituidor não começa por redigir boas leis em si mesmas mas examina anteriormente se o povo ao qual são destinadas está apto para as aceitar Foi por isso que Platão recusou dar leis aos árcades e aos cirenaicos sabendo que esses dois povos eram ricos e não podiam admitir a igualdade foi também por isso que se viram em Creta leis perfeitas e homens perversos porque Minos só havia disciplinado um povo sobrecarregado de vícios Brilharam aqui na Terra milhares de nações que jamais teriam podido suportar boas leis e mesmo essas que elas teriam admitido não duraram senão um curto espaço de tempo para isso Os povos assim como os homens somente são dóceis na juventude ao envelhecerem tornamse incorrigíveis uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os preconceitos constituiu empreendimento perigoso e inútil pretender reformálos o povo sequer concorda que se lhe toque nos males a fim de os destruir à semelhança desses estúpidos e medrosos doentes que estremecem com a presença do médico fazem no povo o mesmo que determinadas crises fazem nos indivíduos em que o horror do passado substitui o esqueciment o e o Estado incendiado pelas guerras civis renasce por assim dizer das cinzas e readquire o vigor da juventude saindo dos braços da morte Foi assim Esparta no tempo de Licurgo foi assim Roma após os Tarquinios e foram assim entre nós a Holanda e a Suíça depois da expulsão dos tiranos término de dez séculos Os russos não serão nunca verdadeiramente policiados porque o foram muito cedo Pedro o Grande tinha o talento imitativo não o verdadeiro gênio o que cria e tudo faz do nada Algumas coisas que fez eram boas a maioria delas indevida Ele viu que seu povo era bárbaro mas não viu em absoluto que seu povo não estava amadurecido para a polícia ele desejou civilizálo quando devia tornálo aguerrido quis de início fazer deles alemães ingleses quando era preciso começar por fazêlos russos impediu seus vassalos de jamais se tornarem o que poderiam realmente ser persuadindoos de que eram aquilo que são É seu aluno fazendoo brilhar um momento durante a infância para em seguida não vir a ser jamais ninguém O império russo desejará subjugar a Europa e acabará por ser subjulgado Os tártaros seus vassalos ou seus vizinhos se tornarão seus senhores e nossos esta revolução pareceme infalível Todos os reis da Europa trabalham de comum acordo para acelerála mesmo no tocante à melhor constituição de um Estado limitandolhe a extensão a fim de que não venha a ser nem muito grande para poder ser bem governado nem muito pequeno para se poder manter por si mesmo Em todo corpo político há um máximo de força que ele não poderia ultrapassar e do qual com frequência se afasta à medida que se expande Quanto mais se estende o laço social tanto mais afrouxa e em geral um pequeno Estado é proporcionalmente mais forte que um grande Mil razões demonstram essa máxima A administração em primeiro lugar tornase mais penosa nas grandes distâncias assim como um peso qualquer se torna mais pesado na ponte de uma alavanca maior Tornase mais onerosa à medida que os degraus se multiplicam porque cada cidade tem de início a sua administração que o povo paga cada distrito a sua paga ainda pelo povo a seguir cada província depois os grandes governos as satrapias os vicereinados cuja administração se torna cada vez mais cara à medida que se sobe e sempre à custa do inditoso povo vem por fim a administração suprema que tudo esmaga com tanta sobrecarga a exaurílos continuamente os vassalos longe de serem melhor governados por essas diferentes ordens acabaram por sêlo pior que se tivessem um só desses governos a dirigilos Não obstante apenas sobram recursos para os casos extraordinários e isso não é tudo não somente o governo possui menos vigor e rapidez para fazer observar as leis impedir os vexames corrigir os abusos prevenir os empreendimentos seditiosos que possam ser promovidos nos pontos distantes como também o povo demonstra menor afeição aos chefes os quais nunca vê à pátria que a seus olhos se assemelha ao mundo e aos concidadãos cuja maioria lhe é estranha As mesmas leis não podem convir igualmente a tantas províncias diversas com costumes diferentes e climas opostos e que não admitem a mesma forma de governo Leis diferentes engendram perturbação e confusão no seio dos povos que vivendo sob a direção dos mesmos chefes em contínua comunicação transitam de um lado para outro ou se casam entre si e que sujeitos a outros costumes nunca sabem se o próprio patrimônio lhes pertence Em meio à multidão de homens que se desconhecem mutuamente reunidos pela sede da suprema administração num mesmo lugar os talentos permanecem ocultos as virtudes ignoradas e os vícios impunes Os chefes sobrecarregados de tarefas nada veem por si mesmos comissários governam o Estado Enfim as medidas necessárias à manutenção da autoridade geral a que tantos oficiais destacados em regiões longínquas desejam subtrairse quando não ludibriai absorvem todos os cuidados públicos e nada mais resta para a felicidade do povo exceto o indispensável à sua defesa em caso de necessidade e é assim que um corpo muito grande por sua constituição definha e perece esmagado pelo próprio peso De outro lado deve o Estado fornecerse determinada base para contar com solidez para resistir aos sacolejos que não deixará de experimentar e aos esforços que será obrigado a despender a fim de se manter porque todos os povos possuem uma espécie de força centrífuga pela qual atuam seguidamente uns sobre outros e tendem a engrandecerse às expensas dos vizinhos como os turbilhões de Descartes Deste modo correm os fracos o risco de ser engolidos e ninguém consegue conservarse a não ser colocandose em relação a todos numa espécie de equilíbrio que torna a compreensão em toda parte mais ou menos igual Vêse por aí haver razões para alargar e razões para estreitar os limites do Estado e não constituiu o menor aspecto do talento do político encontrar entre umas e outras a proporção mais vantajosa à conservação do Estado Podese dizer em geral que as primeiras sendo apenas exteriores e relativas devem ser subordinadas às outras que são internas e absolutas uma sá e forte constituição é a primeira coisa a pesquisar e de preferência devese contar com o vigor nascido de um bom governo que com os recursos fornecidos por um grande território Ademais viramse Estados assim constituídos cuja necessidade de conquistas entrava nas próprias constituições e que a fim de se manterem eram forçados a ampliarse sem cessar Talvez muito se felicitassem por essa feliz necessidade que lhes mostrava com o termo de sua grandeza o inevitável momento de sua queda X Continuação Podese mensurar um corpo político de duas maneiras a saber pela extensão do território e pelo número da população e entre uma e outra dessas medidas há uma relação conveniente para dar ao Estado sua verdadeira grandeza São os homens que fazem o Estado e é o terreno que alimenta os homens essa relação consiste pois em que a terra baste para a manutenção de seus habitantes e haja tantos habitantes quantos a terra possa nutrir É nessa proposição que se acha o máximo de força de um número dado de povo porque se houver terreno em demasia será onerosos protegêlo a cultura se mostrará insuficiente o produto supérfluo e será a causa próxima de guerras defensivas Se não houver terreno suficiente o Estado se achará para o suprir à discrição de seus vizinhos e será a causa próxima de guerras ofensivas Todo povo que por sua posição se acha na alternativa entre o comércio ou a guerra é em si mesmo débil depende de seus vizinhos depende dos acontecimentos jamais terá senão uma existência incerta e breve subjuga e muda de situação ou é subjugado e não será coisa alguma Não poderá manterse livre a não ser à força de sua pequenez ou de sua grandeza É impossível calcular uma relação fixa entre a extensão das terras e o número de homens que se bastem mutuamente não só por causa das diferenças existentes nas qualidades do terreno em seus graus de fertilidade na natureza de suas produções na influência dos climas como pelas assinaladas nos temperamentos dos homens que as habitam uns consumindo pouco num país fértil e outros consumindo muito num solo ingrato É preciso ainda levar em conta a maior ou menor fecundidade das mulheres ao que pode ter o país de mais ou menos favorável à população à quantidade com a qual pode o legislador esperar aí concorrer por seus estabelecimentos de sorte que não deve ele fundar o julgamento sobre o que vê mas sobre o que prevê nem tanto se deter no estado atual da população mas sim no que ela verá naturalmente a ser Enfim há mil ocasiões em que os acidentes particulares do lugar exigem ou permitem que se tome mais terreno que o que parece necessário Assim estendernosemos muito num país montanhoso onde as produções naturais isto é os bosques as pastagens demandam menos trabalho onde a experiência ensina que as mulheres são mais fecundas que nas planícies e onde um grande solo inclinado só permite uma pequena base horizontal a única com que se pode contar para a vegetação Então ao contrário podemos nos restringir à orla do mar ou mesmo aos rochedos e às areias quase estéreis porque a pesca pode aí suprir em grande parte as produções da terra e os homens devem permanecer mais juntos para repelir os piratas e porque de resto temos maiores facilidades para desembarcar o país por meio das colônias dos habitantes que o sobrecarregam Nessas condições para instituir um povo é preciso ajuntar uma outra que não pode suprir nenhuma outra mas sem a qual todas se revelam inúteis a de que se desfrute de paz e abundância porque o tempo durante o qual se ordena um Estado é igual àquele em que se forma um batalhão ao instante em que o corpo tem menos capacidade de resistência e portanto é mais fácil de ser destruído Resistirseia melhor em meio a uma desordem absoluta que num momento de fermentação quando cada qual se ocupa de sua classe e não do perigo Se uma
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DO CONTRATO SOCIAL JeanJacques Rousseau Ridendo Castigat Mores Do Contrato Social JeanJacques Rousseau Edição Ridendo Castigat Mores Versão para eBook eBooksBrasilcom Fonte Digital wwwjahrorg Copyright Autor JeanJacques Rousseau Tradução Rolando Roque da Silva Edição eletrônica Ed Ridendo Castigat Mores wwwjahrorg Todas as obras são de acesso gratuito Estudei sempre por conta do Estado ou melhor da Sociedade que paga impostos tenho a obrigação de retribuir ao menos uma gota do que ela me proporcionou Nélson Jahr Garcia 19472002 ÍNDICE BIOGRAFIA DO AUTOR 7 O CONTRATO SOCIAL LIVRO I 9 I Assunto deste primeiro livro II Das primeiras sociedades III Do direito do mais forte IV Da escravidão V É preciso remontar sempre a um primeiro convênio VI Do pacto social VII Do soberano VIII Do estado civil IX Do domínio real LIVRO II 36 I A soberania é inalienável II A soberania é indivisível III A vontade geral pode errar IV Dos limites do poder soberano V Do direito de vida e morte VI Da lei VII Do legislador VIII Do povo IX Continuação do capítulo precedente X Continuação XI Dos diversos sistemas de legislação XII Divisão das leis LIVRO III 78 I Do governo em geral II Do princípio que constituiu as diversas formas de governo III Divisão dos governos IV Da democracia V Da aristocracia VI Da monarquia VII Dos governos mistos VIII Nem toda forma de governo é apropriada a todos os países IX Dos sinais de um bom governo X Do abuso do governo e de sua tendência a degenerar XI Da morte do corpo político XII Como se mantém a autoridade soberana XIII Continuação XIV Continuação XV Dos deputados ou representantes XVI Quando a instituição do governo não é um contrato XVII Da instituição do governo XVIII Meios de prevenir as usurpações do governo LIVRO IV 142 I A vontade geral é indestrutível II Dos sufrágios III Das eleições IV Dos comícios romanos V Do tribuna VI Da ditadura VII Da censura VIII Da religião civil IX Conclusão NOTAS 197 DO CONTRATO SOCIAL JeanJacques Rousseau BIOGRAFIA DO AUTOR JeanJacques Rousseau nasceu em Genebra no ano de 1712 e morreu no de 1778 Dotado de excepcionais qualidades de inteligência e imaginação foi ele um dos maiores escritores e filósofos do seu tempo Em suas obras defende a ideia da volta à natureza a excelência natural do homem a necessidade do contrato social para garantir os direitos da coletividade Seu estilo apaixonado e eloquente tornouse um dos mais poderosos instrumentos de agitação e propaganda das ideias que haviam de constituir mais tarde o imenso cabedal teórico da Grande Revolução de 178993 Ao lado de Diderot DAlembert e tantos outros nomes insignes que elevaram naquela época o pensamento científico e literário da França foi Rousseau um dos mais preciosos colaboradores do movimento enciclopedista Das suas numerosas obras podem citarse dentre as mais notáveis Júlia ou A Nova Heloísa 1761 romance epistolar cheio de grande sentimentalidade e amor à natureza O Contrato Social 1762 onde a vida social é considerada sobre a base de um contrato em que cada contratante condiciona sua liberdade ao bem da comunidade procurando proceder sempre de acordo com as aspirações da maioria Emílio ou Da Educação 1762 romance filosófico no qual partindo do princípio de que o homem é naturalmente bom e má a educação dada pela sociedade preconiza uma educação negativa como a melhor ou antes como a única boa As Confissões obra publicada após a morte do autor 17811788 e que é uma autobiografia sob todos os pontosdevista notável O CONTRATO SOCIAL Foederis aequas Dicamus Leges Æneid XI LIVRO I Eu quero investigar se pode haver na ordem civil alguma regra de administração legítima e segura que tome os homens tais como são e as leis tais como podem ser Cuidarei de ligar sempre nesta pesquisa o que o direito permite com o que o direito prescreve a fim de que a justiça e a utilidade de modo algum se encontrem divididas Entro na matéria sem provar a importância de meu assunto Perguntarsemeá se sou príncipe ou legislador para escrever sobre política Se eu fosse príncipe ou legislador não perderia meu tempo em dizer o que é preciso fazer eu o faria ou me calaria Nascido cidadão de um Estado Livre1 e membro do soberano por frágil que seja a influência de minha voz nos negócios públicos bastame o direito de votar para me impor o dever de me instruir no tocante a isso feliz todas as vezes que medito sobre os governos de achar sempre em minhas pesquisas novas razões para amar o meu país I Assunto deste primeiro livro O homem nasceu livre e em toda parte se encontra sob ferros De tal modo acreditase o senhor dos outros que não deixa de ser mais escravo que eles Como é feita essa mudança Ignoroo Que é que torna legítima Creio poder resolver esta questão Se eu considerasse tãosomente a força e o efeito que dela deriva diria Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece faz bem tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode faz ainda melhor porque recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual lha arrebataram ou este lhe serve de base para retotála ou não se prestava em absoluto para subtráila Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os outros Esse direito todavia não vem da Natureza está pois fundamentado sobre convenções Mas antes de chegar aí devo estabelecer o que venho de avançar II Das primeiras sociedades A mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a da família As crianças apenas permanecem ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação Assim que cesse tal necessidade dissolvese o laço natural As crianças eximidas da obediência devida ao pai o pai isento dos cuidados devidos aos filhos reentram todos igualmente na independência Se continuam a permanecer unidos já não é naturalmente mas voluntariamente e a própria família apenas se mantém por convenção Esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem Sua primeira lei consiste em proteger a própria conservação seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo e tão logo se encontre o homem na idade da razão sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação tornase por si seu próprio senhor É a família portanto o primeiro modelo das sociedades políticas o chefe é a imagem do pai o povo a imagem dos filhos e havendo nascido todos livres e iguais não alienam a liberdade a troca da sua utilidade Toda a diferença consiste em que na família o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe dão ao passo que no Estado o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos Grotius nega que todo poder humano seja estabelecido em favor dos governados Sua mais frequente maneira de raciocinar consiste sempre em estabelecer o direito pelo fato Poderseia empregar um método mais consequente não porém mais favorável aos tiranos É pois duvidoso segundo Grotius saber se o gênero humano pertence a uma centena de homens ou se esta centena de homens é que pertence ao gênero humano mas ele parece pender em todo o seu livro para a primeira opinião É este também o sentimento de Hobbes Eis assim a espécie humana dividida em rebanhos de gado cada qual com seu chefe a guardála a fim de a devorar Assim como um pastor é de natureza superior à de seu rebanho os pastores de homens que são seus chefes são igualmente de natureza superior à de seus povos Desta maneira raciocinava no relato de Filón o imperador Calígula concluindo muito acertadamente dessa analogia que os reis eram deuses ou que os povos eram animais O raciocínio de Calígula retorna ao de Hobbes e ao de Grotius Aristóteles antes deles todos tinha dito que os homens não são naturalmente iguais e que uns nascem para escravos e outros para dominar Aristóteles tinha razão mas ele tomava o efeito pela causa Todo homem nascido escravo nasce para escravo nada é mais certo os escravos tudo perdem em seus grilhões inclusive o desejo de se livrarem deles apreciam a servidão como os companheiros de Ulisses estimavam o próprio embrutecimento Portanto se há escravos por natureza é porque houve escravos contra a natureza A força constituiu os primeiros escravos a covardia os perpetuou O mais forte não é nunca asaz forte para ser sempre o senhor se não transforma essa força em direito e a obediência em dever Daí o direito do mais forte direito tomado ironicamen te na aparência e realmente estabelecido em princípio Mas explicarnosão um dia esta palavra A força é uma potência física não vejo em absoluto que moralidade pode resultar de seus efeitos Ceder à força constituiu um ato de necessidade não de vontade é no máximo um ato de prudência Em que sentido poderá ser um dever Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante e pois que a força não produz nenhum direito restam pois as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens Se um particular diz Grotius pode alienar a liberdade e tornarse escravo de um senhor por que não poderia todo um povo alienar a sua e se fazer vassalo de um rei Há aqui excesso de termos equívocos necessitados de explicação mas atenhamonos ao termo alienar Alienar é dar ou vender Ora um homem que se escraviza a outro não se dá vendese pelo menos em troca Mesmo que cada qual pudesse alienarse a si mesmo não poderia alienar os filhos estes da subsistência mas um povo por que se vende ele Longe se acha um rei de fornecer a direito esse meu direito contra mim mesmo não é porventura um termo sem sentido guerras privadas autorizadas pelas instituições de Luís IX rei de França e suspensas pela paz de Deus tratase de abusos do governo feudal sistema absurdo como jamais houve contrário aos princípios do direito natural e a toda organização política respeita direitos sobre os quais estão alicerçados os seus Como o objetivo da guerra consiste em destruir o Estado inimigo temse o direito de matar os defensores enquanto estiverem com as armas na mão mas tão logo os deponham e se rendam cessam de ser inimigos ou instrumentos do inimigo voltam a ser simplesmente homens e não mais se dispõe de direito sobre suas vidas Podese por vezes matar o Estado sem matar um único de seus membros ora a guerra não dá nenhum direito desnecessário ao seu objetivo Estes princípios não são os mesmos de Grotuis não estão alicerçados nas autoridades de poetas mas derivam da natureza das coisas e são baseados na razão A respeito do direito de conquista não há outro fundamento afora a lei do mais forte Se a guerra não dá ao vencedor o direito de massacrálos o direito que ele não possui não pode estabelecer o de os escravizar Só se tem o direito de matar o inimigo quando não se pode escravizálo o direito de o escravizar não vem por consequente do direito de matálo constitui pois uma troca iníqua fazêlo comprar ao preço da liberdade a vida sobre a qual não se possui nenhum direito Estabelecendose o direito de vida e morte sobre o direito de escravatura e o direito de escravatura sobre o direito de vida e morte não está claro que tombamos no círculo vicioso Mesmo admitindo esse terrível direito de tudo matar afirmo que um escravo obtido na guerra ou um povo conquistado só é constrangido a obedecer ao senhor enquanto a isto for forçado Tomandolhe um equivalente à sua vida o vencedor não lhe concedeu graça ao invés de o matar sem proveito matouo inutilmente E não tendo adquirido nenhuma autoridade junto à força o estado de guerra subsiste entre eles como anteriormente sua própria relação é o efeito disso e o uso do direito da guerra não supõe nenhum tratado de paz Concluíram uma convenção quando muito mas tal convenção longe de destruir o estado de guerra supõe a sua continuidade Assim por qualquer lado que se encarém as coisas é nulo o direito de escravizar não só pelo fato de ser ilegítimo como porque é absurdo e nada significa As palavras escravatura e direito são contraditórias excluemse mutuamente Seja de homem para homem seja de um homem para um povo este discurso será igualmente insensato Faço contigo um contrato todo em teu prejuízo e todo em meu proveito que eu observarei enquanto me aproveitar e que tu observarás enquanto me aproveitar Mesmo se eu conciliasse tudo o que refutei até aqui os favorecedores do despotismo não estariam a este respeito mais avançados Sempre haverá grande diferença entre submeter uma multidão e reger uma sociedade No fato de homens esparsos serem sucessivamente subjugados a um único independente do número que constituam não vejo nisto senão um senhor e escravos e não um povo e seu chefe é se se quiser um ajuntamento mas de modo algum uma associação não há nisso nem bem público nem corpo político Tal homem tenha embora escravizado a metade do mundo não deixa de ser sempre um particular seu interesse separado do interesse dos outros não é senão um interesse privado Se esse mesmo homem vier a perecer seu império após si ficará disperso e desligado como um carvão que se desfaz e tomba reduzido a um montão de cinzas depois de consumido pelo fogo Um povo diz Grotius pode entregarse a um rei Segundo Grotius um povo é pois um povo antes de se entregar a um rei Essa doação é um ato civil supõe uma deliberação pública Antes portanto de examinar o ato pelo qual o povo elege um rei seria bom examinar o ato pelo qual o povo é um povo porque esse ato sendo necessariamente anterior ao outro constitui o verdadeiro fundamento da sociedade Com efeito se não houvesse em absoluto convênio anterior onde estaria a menos que a eleição fosse unânime a obrigação por parte do pequeno número de submeterse à escolha do grande número e como cem indivíduos que desejam um senhor podem ter um direito de votar por dez de modo nenhum o desejam A lei da pluralidade dos sufrágios é por si mesma um estabelecimento de convênio e supõe ao menos uma vez a unanimidade VI Do pacto social Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado natural os arrastam por sua resistência sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser Ora como é impossível aos homens engendrar novas forças mas apenas unir e dirigir as existentes não lhes resta outro meio para se conservarem senão formando por agregação uma soma de forças que possa arrastálos sobre a resistência pôlos em movimento por um único móvel e fazêlos agir de comum acordo Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos contudo sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação como as empregará ele sem se prejudicar sem negligenciar os cuidados que se deve Esta dificuldade reconduzida ao meu assunto pode ser enunciada nos seguintes termos Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um unindose a todos não obedeça portanto senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito de sorte que conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas são as mesmas em todas as partes em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas até que violado o pacto social reentra cada qual em seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural perdendo a liberdade convencional pela qual ele aqui renunciou Todas essas cláusulas bem entendido se reduzem a uma única a saber a alienação total de cada associado com todos os seus direitos em favor de toda a comunidade porque primeiramente cada qual se entregando por completo e sendo a condição igual para todos a ninguém interessa tornála onerosa para os outros Além disso feita a alienação sem reserva a união é tão perfeita quanto o pode ser e nenhum associado tem mais nada a reclamar porque se aos particulares restassem alguns direitos como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público cada qual tornando nalgum ponto o seu próprio juiz pretendiera em breve sêlo em tudo o estado natural subsistiria e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou inútil Enfim cada qual dandose a todos não se dá a ninguém e como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido ganhase o equivalente de tudo o que se perde e maior força para conservar o que se tem Portanto se afastamos do pacto social o que não constitui a sua essência acharemos que ele se reduz aos seguintes termos Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade sob o supremo comando da vontade geral e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo Logo ao invés da pessoa particular de cada contratante esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quanto a assembleia de vozes o qual recebe desse mesmo ato sua unidade seu eu comum sua vida e sua vontade A pessoa pública formada assim pela união de todas as outras tomava outrora o nome de cidade e o que é chamado por todos de república ou corpo político o qual é chamado por seus membros Estado quando é passivo soberano quando é ativo autoridade quando comparado a seus semelhantes No que concerne aos associados adquirem coletivamente o nome de povo e se chama particularmente cidadãos na qualidade de participantes na autoridade soberana e vassalos quando sujeitos às leis do Estado Todavia esses termos frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro É suficiente saber distinguilos quando empregados em toda a sua precisão VII Do soberano Vêse por esta fórmula que o ato de associação encerra um acordo recíproco do público com os particulares e que cada indivíduo contratante por assim dizer consigo mesmo se acha obrigado sob uma dupla relação a saber como membro do soberano para com os particulares e como membro do Estado para com o soberano Mas não se pode aqui aplicar a máxima do direito civil que ninguém está obrigado aos acordos tomados consigo mesmo porque há grande diferença entre obrigarse consigo mesmo ou com um todo de que se faz parte É necessário assinalar ainda que a deliberação pública que pode obrigar todos os vassalos ao soberano em virtude de suas diferentes relações sob as quais cada um deles é considerado não pode pela razão contrária obrigar o soberano consigo mesmo e que em consequência é contra a natureza do corpo político o soberano imporse uma lei que não possa infringir Podendo considerarse sujeito a uma só e mesma relação encontrase ele no caso de um particular contratante consigo mesmo por onde se observa que não há nem pode haver nenhuma espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo nem mesmo o contrato social O que não significa não possa esse corpo obrigarse com outrem no que de modo algum derrogue esse contrato porque no tocante ao estrangeiro ele se torna um simples ser um indivíduo Contudo o corpo político ou o soberano extraindo sua existência cinicamente da pureza do contrato não pode jamais obrigarse mesmo para com outrém a nada que derrogue esse ato primitivo como alienar qualquer porção de si mesmo ou submeterse a outro soberano Violara o ato pelo qual existe seria aniquilarse e o que nada é nada produz suas obrigações se ele não encontrasse os meios de fazer com que lhes fossem fiéis Com efeito cada indivíduo pode como homem ter uma vontade particular contrária ou dessemelhante à vontade geral que possui na qualidade de cidadão O interesse particular pode faltarlhe de maneira totalmente diversa da que lhe fala o interesse comum sua existência absoluta e naturalmente independente pode fazêlo encarar o que deve à causa comum como uma contribuição gratuita cuja perda será menos prejudicial aos outros que o pagamento oneroso para si e olhando a pessoa moral que constituiu o Estado como um ser de razão pois que não se trata de um homem ele desfrutará dos direitos do cidadão sem querer preencher os deveres do vassalo injustiça cujo progresso causaria a ruína do corpo político quais sem isso seriam absurdas tirânicas e sujeitas aos maiores abusos VIII Do estado civil A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável substituindo em sua conduta a justiça ao instinto e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava Foi somente então que a voz do dever sucedendo ao impulso físico e o direito ao apetite fizeram com que o homem que até esse momento só tinha olhado para si mesmo se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus pendores Embora se prive nesse estado de diversas vantagens recebidas da Natureza ganha outras tão grandes suas faculdades se exercitam e desenvolvem suas ideias se estendem seus sentimentos se enobrecem toda a sua alma se eleva a tal ponto que se os abusos desta nova condição não o degradassem com frequência a uma condição inferior àquela de que saiu deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali desarraigado para sempre o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente num homem Reduzamos todo este balanço a termos fáceis de comparar O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tente e pode alcançar o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui Para que não haja engano em suas compensações é necessário distinguir a liberdade natural limitada pelas forças do indivíduo da liberdade civil que é limitada pela liberdade geral e a posse que não é senão o efeito da força ou do direito de primeiro ocupante da propriedade que só pode ser baseada num título positivo Poderseia em prosseguimento do precedente acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade Mas já falei demasiadamente deste assunto e o sentido filosófico do termo liberdade não constitui aqui o meu objetivo IX Do domínio real Cada membro da comunidade dáse a ela no instante em que esta se forma tal como se encontram no momento ele e todas as suas forças os bens que ele possui dela fazem parte Não quer dizer que em virtude desse ato mude a posse de natureza mudando de mãos e se torne propriedade em mãos do soberano mas como as forças da cidade são incomparavelmente maiores que as de um particular o domínio público está também no fato mais forte e irrevogável sem que o seja mais ou menos legítimo para os estrangeiros porque o Estado no tocante a seus membros é senhor de todos os seus bens pelo contrato social que no Estado serve de base a todos os direitos mas não o é no que concerne às outras autoridades senão pelo direito de primeiro ocupante recebido dos particulares O direito de primeiro ocupante embora mais real que o direito do mais forte só se toma um direito verdadeiro após o estabelecimento do direito de propriedade Todo homem tem naturalmente direito a tudo que lhe é necessário mas o ato positivo que o faz proprietário de algum bem o exclui de todo o resto Feita a sua parte deve ele a isso limitarse e não mais tem nenhum direito na comunidade Eis por que o direito de primeiro ocupante tão frágil no estado natural é responsável para todo homem civil Nesse direito respeitase menos o que pertence a outrém que o que não lhe pertence Em geral para autorizar sobre um terreno qualquer o direito de primeiro ocupante são necessárias as seguintes condições primeiramente que esse terreno ainda não se encontre habitado por ninguém em segundo lugar que apenas seja ocupada a área de que se tem necessidade para subsistir em terceiro que se tome posse dela não em virtude de uma vã cerimônia mas pelo trabalho e pela cultura único sinal de propriedade que à falta de títulos jurídicos deve ser respeitado por outrém Com efeito conciliar com a necessidade e o trabalho o direito de primeiro ocupante não significa estendêlo tão longe quanto possa ir Podese deixar de impor limites a esse direito Será o bastante pôr os pés num terreno comum para logo se pretender a sua propriedade Bastará ter a força de dele afastar os outros homens por um instante para os privar do direito de aí jamais voltarem Como pode um homem ou um povo apropriarse de um imenso território e dele privar todo o gênero humano graças a uma usurpação punitiva uma vez que esta retira aos demais homens a residência e os alimentos que a Natureza lhes oferece em comum Quando Nuñez Balboa pisando na praia tomava posse do mar do Sul e de toda a América meridional em nome da coroa de Castela era isso suficiente para despojar todos os seus habitantes e deles excluir todos os príncipes do mundo Em razão disso multiplicavamse assaz inutilmente essas cerimônias e o rei católico de seu gabinete podia apossarse de vez de todo o Universo salvo suprimir em seguida de seu império o que estava anteriormente de posse dos outros príncipes Concebese como as terras dos particulares reunidas e contínuas se transformam em território público e como o direito de soberania estendendose dos vassalos ao terreno por eles ocupado se toma a um tempo real e pessoal o que coloca os possuidores numa maior dependência e faz de suas próprias forças os penhores de sua fidelidade vantagem que parece não foi bem compreendida pelos antigos monarchas os quais atribuindose apenas os títulos de reis dos persas dos citas dos macedônios davam a impressão de que se olhavam de preferência como os chefes de homens e não como senhores do país Os monarchas do hoje chamamse a si mesmos mas habilmente reis de França de Espanha de Inglaterra etc Conservando dessa maneira o terreno sentemse mais seguros para conservar os habitantes O que há de singular nessa alienação consiste em que ao aceitar os bens dos particulares a comunidade os despoja e outra coisa não faz senão assegurarlhes a posse legítima mudar a usurpação num verdadeiro direito e a fruição em propriedade Então os possuidores considerados como depositários do bem público com seus direitos respeitados por todos os membros do Estado e mantidos por todas as suas forças contra o estrangeiro em virtude de uma cessão vantajosa ao público e mais ainda a si mesmos adquirem por assim dizer o que tinham dado paradoxo facilmente explicável pela distinção dos direitos que o soberano e o proprietário possuem sobre o mesmo solo como veremos mais adiante Pode também acontecer que os homens comecem a unirse antes de nada possuírem e que apropriandose em seguida de um terreno suficiente para todos o desfrutem em comum ou o dividam entre si seja em iguais porções seja segundo as proporções estabelecidas pela sociedade De qualquer modo que se faça tal aquisição o direito de cada particular sobre sua parte do solo está sempre subordinado ao direito da comunidade sobre o todo sem o que não haveria solidez no laço social nem força real no exercício da soberania Terminarei este capítulo e este livro por uma observação que deve servir de base a todo o sistema social é que o pacto fundamental ao invés de destruir a igualdade natural substitui ao contrário por uma igualdade moral e legítima a desigualdade física que a Natureza pode pôr entre os homens fazendo com que estes quanto possam ser desiguais em força ou em talento se tornem iguais por convenção e por direito LIVRO II I A soberania é inalienável A primeira e mais importante consequência dos princípios acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibilidade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição isto é o bem comum pois se a oposição dos interesses particulares tomou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível Eis o que há de comum nesses diferentes interesses fornecedores do laço social e se não houvesse algum ponto em torno do qual todos os interesses se harmonizam sociedade nenhuma poderia existir Ora é unicamente à base desse interesse comum que a sociedade deve ser governada Digo pois que outra coisa não sendo a soberania senão o exercício da vontade geral jamais se pode alienar e que o soberano que nada mais é senão um ser coletivo não pode ser representado a não ser por si mesmo é perfeitamente possível transmitir o poder não porém a vontade Com efeito se não é impossível fazer concordar uma vontade particular com a vontade geral em torno de algum ponto é pelo menos impossível fazer com que esse acordo seja durável e constante porque a vontade particular por sua natureza tende às preferências e a vontade geral à igualdade É ainda mais impossível haja um fiador desse convênio e mesmo quando sempre devesse existir não seria ele um efeito da arte mas do acaso O soberano pode perfeitamente dizer Desejo neste instante o que tal homem deseja ou ao menos o que ele diz desejar mas não pode dizer O que este homem desejar amanhã eu o desejarei ainda visto ser absurdo entregarse à vontade dos grilhões para o futuro e não depender de nenhuma vontade consentir em nada que contrarie o interesse do ser que deseja Se o povo portanto promete simplesmente obedecer dissolvese em consequência desse ato perde sua qualidade de povo no instante em que houver um senhor não mais haverá soberano e a partir de então o corpo político estará destruído Pela mesma razão que a torna alienável a soberania é indivisível porque a vontade é geral ou não o é é a vontade do corpo do povo ou apenas de uma de suas partes No primeiro caso essa vontade declarada constitui um ato de soberania e faz lei no segundo não passa de uma vontade particular ou um ato de magistratura é no máximo um decreto Porém nossos políticos não podendo dividir a soberania em seu princípio dividemna em força e em vontade em poder legislativo e em poder executivo em direitos de impostos de justiça e de guerra em administração interior e em poder de tratar com o estrangeiro ora confundem todas essas partes ora as separam fazem do soberano um ser fantástico formado de peças ajustadas é como se compusessem o homem reunindo diversos corpos um dos quais teria os olhos outro os braços outro os pés e nada mais Os pelotiqueiros do Japão segundo dizem despedem uma criança à vista da assistência em seguida lançam ao ar um após outro todos os membros e fazem a criança voltar ao chão viva e completamente reajuntada Tais são aproximadamente os engodos dos nossos políticos depois de haverem desmembrado o corpo social graças a uma prestidigitação digna da feira reúnem as peças não se sabe como Provém esse erro da inexistência de noções exatas a respeito da autoridade soberana e por se haverem tomado como partes dessa autoridade o que não era mais que emanações da mesma Assim olhouse por exemplo o ato da declaração de guerra e o de assinar a paz como atos de soberania o que é falso uma vez que cada um desses atos de modo algum constitui uma lei mas tãosomente uma aplicação da lei como se verá com clareza quando a idéia unida ao termo lei for fixada Observando igualmente as demais divisões perceberíamos que todas as vezes que imaginamos ver a soberania partilhada nos enganamos que os direitos tomados como partes dessa soberania lhe são todos subordinados e sempre supõem vontades supremas dos quais esses direitos só dão à execução Não se saberia dizer quanto essa inexatidão tem obscurecido as decisões dos autores em matéria de direito político quando pretendem julgar os respectivos direitos dos reis e dos povos no tocante aos princípios estabelecidos Todos podem ver nos capítulos III e IV do primeiro livro de Grotius de que maneira este sábio e Barbeyrac seu tradutor se encabrestam e embaralham em sofismas receosos de dizer muito ou de não dizer o suficiente consonante seus intentos e de pôr em choque os interesses que tinham de conciliar Grotius refugiado em França descontente da pátria e querendo cair nas boas graças de Luís XIII a quem dedicou o livro nada economiza no sentido de despregar os povos de todos os direitos e revestir os reis com toda a arte possível Foi também essa a atitude de Barbeyrac que dedicava sua tradução ao rei da Inglaterra Jorge I Mas desgraciadamente a expulsão de Jacques II por ele chamada de abdicação forçavao a manter reserva a esquivarse a tergiversar para não transformar Guilherme num usurpador Se esses dois escritores tivessem adotado os verdadeiros princípios todas as dificuldades seriam superadas e eles se teriam mostrado sempre consequentes mas nesse caso teriam com tristeza dito a verdade e cortejado unicamente o povo Ora a verdade de nenhum modo conduz à fortuna e o povo não concede embaixadas nem cátedras nem pensões III A vontade geral pode errar Resulta do precedente que a vontade geral é sempre reta e tende sempre para a utilidade pública mas não significa que as deliberações do povo tenham sempre a mesma retitude Querse sempre o próprio bem porém nem sempre se o vê nunca se corrompe o povo mas se o engana com frequência e é somente então que ele parece desejar o mal Há muitas vezes grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral esta olha somente o interesse comum a outra o interesse privado e outra coisa não é senão a soma de vontades particulares mas tira dessas mesmas vontades as que em menor ou maior grau reciprocamente se destroem e resta como soma das diferenças a vontade geral Se quando o povo suficientemente informado delibera não tivessem os cidadãos nenhuma comunicação entre si sempre resultaria a vontade geral do grande número de pequenas diferenças e a deliberação seria sempre boa Quando porém há brigas associações parciais às expensas da grande a vontade de cada uma dessas associações tornase geral em relação a seus membros e particular no concemente ao Estado podese então dizer que já não há tantos votantes quantos são os homens mas apenas tantos quantas foram as associações as diferenças se tornam mais numerosas e fornecem um resultado menos geral Finalmente quando uma dessas associações se apresente tão grande a ponto de sobrepujar todas as outras não mais tereis por resultado uma soma de pequenas diferenças porém uma diferença única deixa de haver então a vontade geral e a opinião vencedora é tãosomente uma opinião particular Portanto a fim de se ter o perfeito enunciado da vontade geral importa não haja no Estado sociedade parcial e que cada cidadão só manifeste o próprio pensamento Foi assim a única e sublime instituição do grande Licurgo Pois se houver sociedades parciais será necessário multiplicar o seu número e prevenir a desigualdade entre elas como o fizeram Sólon Numa e Servius Tais precauções são as únicas adequadas para que a vontade geral esteja sempre esclarecida e o povo de modo nenhum se equivoque IV Dos limites do poder soberano Se o Estado ou a cidade só constituiu uma pessoa moral cuja vida consiste na união de seus membros e se o mais importante de seus cuidados é o de sua própria conservação é necessário uma força universal e compulsória para mover e dispor cada uma das partes da maneira mais conveniente para o todo Como a Natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros dá o pacto social ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus e é esse mesmo poder que dirigido pela vontade geral recebe como eu disse o nome de soberania Contudo além da pessoa pública temos a considerar as pessoas privadas que a compõem e cuja vida e liberdade são naturalmente independentes delas Tratase pois de distinguir com acerto os respectivos direitos dos cidadãos e do soberano8 e os deveres a cumprir por parte dos primeiros na qualidade de vassalos do direito natural que devem desfrutar na qualidade de homens Convém que tudo quanto cada um aliene em virtude do pacto social de seu poder de seus bens de sua liberdade seja apenas a parte cujo uso interesse à sociedade todavia é preciso igualmente convier que só o soberano pode ser juiz desse interesse Todos os serviços que possa um cidadão prestar ao Estado tão logo o soberano os solicite passam a constituir um dever mas de seu lado o soberano não tem o direito de sobrecarregar os vassalos de nenhum grilhão inútil à comunidade sequer o pode desejar porque sob a lei da razão nada se faz sem causa do mesmo modo que sob a lei natural Os empenhos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios pelo fato de serem recíprocos e é tal sua natureza que desempenhandoos não se pode trabalhar para outrém sem trabalhar também para si mesmo Por que é sempre reta a vontade geral e por que desejam todos constantemente a felicidade de cada um se não pelos fato de não haver quem não se aproprie dos termos cada um e não pense em si mesmo ao votar por todos Isso prova que a igualdade de direito e a noção de justiça que aquela produz derivam da preferência que cada qual se atribui e por conseguinte da natureza do homem que a vontade geral por ser realmente conforme deve existir no seu objeto bem como na sua essência que deve partir de todos para a todos ser aplicada e que perde sua retenção natural quando tende a algum objeto individual e determinado porque então julgando do que nos é estranho não temos nenhum real princípio de equidade a conduzirnos Com efeito tão logo se trate de um fato ou de um direito particular sobre ponto não regulado por convenção geral e interior o negócio se toma contencioso constitui um processo em que os particulares interessados representam uma das partes e o público outra mas no qual não vejo nem a lei a ser seguida nem o juiz que deve pronunciar Seria então ridículo remontar a uma expressa decisão da vontade geral que só pode ser a conclusão de uma das partes e que por conseguinte não passa para a outra de uma vontade estranha particular induzida à injustiça e sujeita ao erro Assim do mesmo modo como uma vontade particular não pode representar a vontade geral a vontade geral por seu turno muda de natureza quando tem um objeto particular e não pode como geral decidir nem sobre um homem nem sobre um fato Por exemplo quando o povo de Atenas nomeava ou destituía os chefes tributava honras a um impunha castigos a outro e por infinidade de decretos particulares exercia indistintamente todos os atos do governo não mais estava então de posse da vontade geral propriamente dita não mais agia como soberano mas como magistrado Isto parecerá contrário às idéias comuns mas é preciso me concedam o tempo de expor as minhas Devese por aí conceber que o que generaliza a vontade é menos o número de vozes que o interesse comum que as une porque numa instituição cada qual se submete necessariamente às condições que impõe aos outros admirável acordo do interesse e da justiça que fornece às deliberações comuns um caráter equitativo o qual se vê desvanecerse na discussão de todo negócio particular à falta de um interesse comum que una e identifique a regra do juiz com a da parte Por qualquer dos lados que se remonte ao princípio chegase sempre à mesma conclusão a saber que o pacto social estabelece tal igualdade entre os cidadãos que os coloca todos sob as mesmas condições e faz com que todos usufruam dos mesmos direitos Destarte pela natureza do pacto todo ato de soberania isto é todo ato autêntico da vontade geral obriga ou favorece todos os cidadãos de maneira que o soberano apenas conheça o corpo da nação e não distinga nenhum dos corpos que a compõem Que é pois na realidade um ato de soberania Não é um convênio entre o superior e o inferior mas uma convenção do corpo com cada um de seus membros convenção legítima porque tem por base o contrato social equitativa porque é comum a todos útil porque não leva em conta outro intento que não o bem geral porque possui como fiadores a força do público e o poder supremo Enquanto os vassalos estiverem apenas sujeitos a tais convenções não obedecerão a ninguém mas unicamente à própria vontade e perguntar até onde se estendem os respectivos direitos do soberano e dos cidadãos é perguntar até que ponto podem estes empenharse consigo mesmos cada um com todos e todos com cada um deles Vêse por aí que o poder soberano todo absoluto todo sagrado todo inviolável que é não passa nem pode passar além dos limites das convenções gerais e que todo homem pode dispor plenamente da parte de seus bens e da liberdade que lhe foi deixada por essas convenções de sorte que o soberano jamais possui o direito de sobrecarregar um vassalo mais que outro porque então tornandose o negócio particular deixa o seu poder de ser competente Uma vez admitidas essas distinções é tão falso haver no contrato da parte dos particulares qualquer renúncia verdadeira que sua situação por efeito do contrato se torna realmente preferível à que tinha anteriormente pois que em lugar de uma alienação fizeram a troca vantajosa de uma maneira incerta e precária por uma outra melhor e mais segura da independência natural pela liberdade do poder de causar dano a outrém por sua própria segurança e da força que podia ser por outros sobrepujada por um direito que a união social transforma em invencível A própria vida consagrada por eles ao Estado fica continuamente protegida e quando a expõem na defesa deste que fazem então senão devolver o que dele receberam Que fazem eles além do que teriam frequentemente feito e com maior perigo no estado natural quando entregandose a inevitáveis combates defendessem com perigo de vida o que lhes serve para a conservar Todos devem necessariamente lutar em defesa da pátria é verdade mas também é verdade que ninguém necessita de combater para a própria defesa Com referência à nossa segurança não ganhamos ainda quando nos dispomos a correr os riscos que seria necessário correr em nosso favor tão logo fôssemos dessa segurança despidos V Do direito de vida e morte Perguntase como podem os particulares desprovidos do direito de dispor de suas vidas transferir ao soberano esse mesmo direito que não possuem Tal questão só parece difícil de ser resolvida porque está mal colocada Todo homem tem o direito de arriscar a própria vida a fim de a conservar Alguma vez foi dito que quem se lança por uma janela para escapar de um incêndio seja culpado de cometer suicídio Imputouse alguma vez o mesmo crime a quem embaraçando sem conhecer o perigo vem a morrer durante uma tempestade O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes Quem quer o fim quer também os meios e esses meios são inseparáveis de alguns riscos inclusive de algumas perdas Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dála por eles quando se faz necessário Ora o cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe e quando o príncipe lhe diz Ao Estado é útil que morras ele deve morrer pois não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse momento e sua vida não é mais uma mercê da Natureza mas um dom condicional do Estado A pena de morte imposta aos criminosos pode ser de certa forma encarada sob esse ponto de vista para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer sendo o caso Nesse tratado longe de se dispor da própria vida pensase em garantila e não é de presumir premedite então um contratante fazerse enforcar De resto todo malfeitor ao atacar o direito social tornase por seus delitos rebelde e traidor da pátria cessa de ser um de seus membros ao violar suas leis e chega mesmo a declararme guerra A conservação do Estado passa a ser então incompatível com a sua fazse preciso que um dos dois pereça e quando se condena à morte o culpado se o faz menos na qualidade de cidadão que de inimigo Os processos e a sentençam constituem as provas da declaração de que o criminoso rompeu o tratado social e por conseguinte deixou de ser considerado membro do Estado Ora como ele se reconheceu como tal ao menos pela residência deve ser segregado pelo exílio como infrator do pacto ou pela morte como inimigo público pois um inimigo dessa espécie não é uma pessoa moral é um homem e manda o direito da guerra matar o vencido Mas dirseá a condenação de um criminoso constitui um ato particular De acordo essa condenação também não pertence em absoluto ao soberano é um direito que este pode conferir sem o poder exercer pessoalmente Todas as minhas idéias se coordenam mas eu não saberia expôlas simultaneamente Ademais a frequência dos suplícios constitui sempre um sinal de fraqueza ou indolência no governo não existe malvado que não possa servir para alguma coisa Não se tem o direito de matar mesmo para exemplo senão aquele que se não pode conservar sem perigo Quanto ao direito de agraciar ou isentar um culpado da pena imposta pela lei e pronunciada pelo juiz é da competência exclusiva de quem se encontra acima do juiz e da lei isto é do soberano seu direito no que a isto concerne não está ainda bem nítido e o uso dele tem sido muito raro Num Estado bem governado há poucas punições não porque se concedam muitas graças mas pelo fato de haver poucos criminosos a quantidade de crimes assegura a impunidade quando o Estado se deteriora Na República romana jamais o Senado ou os cônsules intentaram conceder graça o próprio povo não a fazia muito embora revogasse algumas vezes a própria sentença As graças freqüentes anunciam que breve os delitos não mais necessitarão delas e cada um pode ver aonde isso nos conduzirá Sinto porém que o coração murmura e me detém a pena deixemos que discuta esses problemas o homem justo que jamais pecou e que nunca necessitou para si mesmo de perdão VI Da lei Pelo pacto social demos existência ao corpo político tratase agora de lhe dar o movimento e a vontade por meio da legislação Porque o ato primitivo pelo qual esse corpo se forma e se une não determina ainda o que ele deve fazer para se conservar O que é bom e conforme a ordem o é pela natureza das coisas e independentemente das convenções humanas Toda justiça vem de Deus só Ele é sua fonte mas se soubéssemos recebêla de tão alto não teríamos necessidade nem de governo nem de leis Está fora de dúvida a existência de uma justiça universal só da razão emanada tal justiça porém para ser admitida entre nós deve ser recíproca Considerando humanamente as coisas à falta de sanção natural são vãs as leis da justiça entre os homens fazem o bem do perverso e o mal do justo quando este as observa com todos sem que ninguém as observe consigo É necessário pois haja convenções e leis para unir os direitos aos deveres e encaminhar a justiça a seu objetivo No estado natural onde tudo é comum nada devo àqueles a quem nada prometi só reconheço como sendo de outrém o que me é inútil Isso não ocorre no estado civil onde todos os direitos são fixados pela lei Mas que é enfim uma lei Enquanto continuarmos a juntar a esse termo somente idéias metafísicas prosseguiremos o raciocínio sem nada entender e quando tivermos dito o que é uma lei natural não saberemos melhor o que é uma lei do Estado Já tive ocasião de dizer que de modo algum havia vontade geral num objeto particular Esse objeto particular encontrase com efeito no Estado ou fora do Estado uma vontade que lhe seja estranha não é em absoluto geral em relação a ele e se esse objeto está no Estado dele faz parte e então se forma entre o todo e sua parte uma relação que os transforma em dois seres separados cuja parte é um e o todo menos esta mesma parte constitui o outro Mas o todo menos uma parte não é de nenhum modo o todo e enquanto essa relação subsiste não mais há o todo mas sim duas partes desiguais de onde se conclui que a vontade de uma não é também mais geral em relação à outra Mas quando todo o povo estatui sobre todo o povo só a si mesmo considera e se se forma então uma relação é do objeto inteiro sob um ponto de vista ao objeto inteiro sob outro ponto de vista sem nenhuma divisão do todo Então a matéria sobre a qual estatuímos passa a ser geral como a vontade que estatui A esse ato é que eu chamo uma lei Quando digo que o objeto das leis é sempre geral entendo que a lei considera os vassalos em corpo e as ações como sendo abstratas jamais um homem como indivíduo nem uma ação particular Destearte pode a lei estatuir perfeitamente que haverá privilégios mas não pode ofertálos nominalmente a ninguém pode a lei instituir diversas classes de cidadãos assinalar inclusive as qualidades que darão direito a essas classes mas não pode nomear este ou aquele para ser nelas admitido pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária mas não pode eleger um rei nem nomear uma família real numa palavra toda função que se relacione com um objeto individual não pertence de nenhum modo ao poder legislativo No tocante a esta idéia vêse imediatamente não mais ser preciso perguntar a quem compete fazer as leis pois que elas constituem atos da vontade geral nem se o príncipe se encontra acima das leis pois que ele é membro do Estado nem se a lei pode ser injusta pois que ninguém é injusto consigo mesmo nem em que sentido somos livres e sujeitos às leis pois que estas são apenas registros de nossas vontades Vêse ainda que reunindo a lei da universalidade da vontade e a do objeto tudo que um homem seja quem for ordena de sua cabeça não é em absoluto uma lei mesmo o que é ordenado pelo soberano acerca de um objeto particular não é igualmente uma lei mas um decreto nem constituiu um ato de soberania mas de magistratura Eu chamo pois república todo Estado regido por leis independente da forma de administração que possa ter porque então somente o interesse público governa e a coisa pública algo representa Todo governo legítimo é republicano Explicarei mais adiante o que é o governo As leis não são propriamente senão as condições de associação civil O povo submetido às leis deve ser o autor das mesmas compete unicamente aos que se associam regularmente as condições de sociedade mas de que maneira as regulamentarão Fáloá de comum acordo como que por uma inspiração sublime Possui o corpo político um órgão qualquer para enunciar Aquele que ousa empregar a instituição de um povo deve sentirse com capacidade de por assim dizer mudar a natureza humana de transformar cada indivíduo que por si mesmo constituíu um todo perfeito e solidário em parte de um todo maior do qual esse indivíduo recebe de certa forma a vida e o ser de alterar a constituição do homem a fim de reforçála de substituir uma existência parcial e moral à existência física e independente que todos recebemos da Natureza Numa palavra é preciso que arrebate ao homem as forças que lhe são inerentes para lhe dar forças estranhas das quais ele não possa fazer uso sem a ajuda alheia Quanto mais essas forças naturais estejam mortas e aniquiladas maiores e mais duráveis são as aquisições e também mais sólida e perfeita é a instituição de sorte que se cada cidadão nada é nada pode ser sem a ajuda de todos os outros e a força adquirida pelo todo é igual ou superior à soma das forças naturais de todos os indivíduos podese dizer que a legislação se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido O legislador a todos os respeitos é no Estado um homem extraordinário Se o deve ser por seu engenho não o é menos por seu emprego não é de modo algum magistratura não é de nenhum modo soberania O emprego que constituiu a república não entra em absoluto em sua O mesmo raciocínio que fazia Calígula com referência ao fato fazia Platão no tocante ao direito a fim de definir o homem civil ou real procurado por ele em seu livro Do Reino porém é verdade que um grande príncipe é também um homem raro como não há de sêlo um grande legislador Ao primeiro basta seguir o modelo a ser proposto pelo outro este representa o mecânico inventor da máquina aquele é apenas o operário que a monta e a faz funcionar No nascimento das sociedades diz Montesquieu encontramse os chefes das repúblicas que fazem as instituições e é em seguida a instituição que forma os chefes das repúblicas VII Do legislador Para descobrir as melhores regras de sociedade convenientes às nações farseia preciso uma inteligência superior que visse todas as paixões e não provasse nenhuma que não tivesse nenhuma relação com nossa natureza e a conhecesse no íntimo cuja felicidade fosse independente de nós e que portanto quisesse ocuparse da nossa enfim que no progresso dos tempos procurandose uma glória longínqua pudesse trabalhar em um século e usufruir em outro10 Haveria necessidade de deuses para dar leis aos homens constituição é uma função particular e superior que nada tem de comum com o império humano porque se quem dirige os homens não deve dirigir as leis quem dirige as leis não deve pela mesma razão dirigir os homens do contrário suas leis ministras de suas paixões perpetuariam muitas vezes suas injustiças e ele jamais poderia evitar que intuitos particulares alterassem a santidade de sua obra Ao dar leis à sua pátria começou Licurgo por abdicar a realeza sublime razão que se eleva acima do entendimento dos homens vulgares é aquela pela qual o legislador põe as decisões na boca dos imortais a fim de conduzir através da autoridade divina os que não seriam abalados pela prudência humana Mas não é dado a todo homem fazer os deuses falarem nem ser acreditado quando se anuncia como intérprete deles O elevado espírito do legislador é o Quem redige as leis não tem portanto ou não deve ter nenhum direito legislativo e o próprio povo não pode mesmo se o quisesse despirse desse incomunicável direito porque de acordo com o pacto fundamental a vontade geral é a única que obriga os particulares e nunca se pode afirmar que uma vontade particular está conforme a vontade geral senão depois de havêla submetido aos livres sufrágios do povo Já tive oportunidade de dizer tal coisa mas não me parece inútil repetíla verdadeiro milagre que deve provar sua missão Todo homem pode gravar tábuas de pedra ou comprar um oráculo ou simular um comércio secreto com alguma divindade ou adestrar um pássaro que lhe fale ao ouvido ou encontrar outros meios grosseiros para se impor ao povo Quem nada souber além disso poderá inclusive reunir por acaso um bando de insensatos mas jamais fundará um império e sua extravagante obra cedo perecerá consigo Vãos prestígios apenas formam um laço passageiro não há senão a sabedoria para tornálo durável A lei judaica sempre subsistente a do filho de Ismael que há de séculos vem regendo a metade do mundo proclamam ainda hoje os grandes homens que os ditaram e enquanto o orgulhosa filosofia ou o cego espírito de partido não veja nelas senão felizes impostores a verdadeira política admira em suas instituições o grande e poderoso espírito que preside os estabelecimentos duráveis tem condições de sustentar o peso o sábio instituidor não começa por redigir boas leis em si mesmas mas examina anteriormente se o povo ao qual são destinadas está apto para as aceitar Foi por isso que Platão recusou dar leis aos árcades e aos cirenaicos sabendo que esses dois povos eram ricos e não podiam admitir a igualdade foi também por isso que se viram em Creta leis perfeitas e homens perversos porque Minos só havia disciplinado um povo sobrecarregado de vícios Brilharam aqui na Terra milhares de nações que jamais teriam podido suportar boas leis e mesmo essas que elas teriam admitido não duraram senão um curto espaço de tempo para isso Os povos assim como os homens somente são dóceis na juventude ao envelhecerem tornamse incorrigíveis uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os preconceitos constituiu empreendimento perigoso e inútil pretender reformálos o povo sequer concorda que se lhe toque nos males a fim de os destruir à semelhança desses estúpidos e medrosos doentes que estremecem com a presença do médico fazem no povo o mesmo que determinadas crises fazem nos indivíduos em que o horror do passado substitui o esqueciment o e o Estado incendiado pelas guerras civis renasce por assim dizer das cinzas e readquire o vigor da juventude saindo dos braços da morte Foi assim Esparta no tempo de Licurgo foi assim Roma após os Tarquinios e foram assim entre nós a Holanda e a Suíça depois da expulsão dos tiranos término de dez séculos Os russos não serão nunca verdadeiramente policiados porque o foram muito cedo Pedro o Grande tinha o talento imitativo não o verdadeiro gênio o que cria e tudo faz do nada Algumas coisas que fez eram boas a maioria delas indevida Ele viu que seu povo era bárbaro mas não viu em absoluto que seu povo não estava amadurecido para a polícia ele desejou civilizálo quando devia tornálo aguerrido quis de início fazer deles alemães ingleses quando era preciso começar por fazêlos russos impediu seus vassalos de jamais se tornarem o que poderiam realmente ser persuadindoos de que eram aquilo que são É seu aluno fazendoo brilhar um momento durante a infância para em seguida não vir a ser jamais ninguém O império russo desejará subjugar a Europa e acabará por ser subjulgado Os tártaros seus vassalos ou seus vizinhos se tornarão seus senhores e nossos esta revolução pareceme infalível Todos os reis da Europa trabalham de comum acordo para acelerála mesmo no tocante à melhor constituição de um Estado limitandolhe a extensão a fim de que não venha a ser nem muito grande para poder ser bem governado nem muito pequeno para se poder manter por si mesmo Em todo corpo político há um máximo de força que ele não poderia ultrapassar e do qual com frequência se afasta à medida que se expande Quanto mais se estende o laço social tanto mais afrouxa e em geral um pequeno Estado é proporcionalmente mais forte que um grande Mil razões demonstram essa máxima A administração em primeiro lugar tornase mais penosa nas grandes distâncias assim como um peso qualquer se torna mais pesado na ponte de uma alavanca maior Tornase mais onerosa à medida que os degraus se multiplicam porque cada cidade tem de início a sua administração que o povo paga cada distrito a sua paga ainda pelo povo a seguir cada província depois os grandes governos as satrapias os vicereinados cuja administração se torna cada vez mais cara à medida que se sobe e sempre à custa do inditoso povo vem por fim a administração suprema que tudo esmaga com tanta sobrecarga a exaurílos continuamente os vassalos longe de serem melhor governados por essas diferentes ordens acabaram por sêlo pior que se tivessem um só desses governos a dirigilos Não obstante apenas sobram recursos para os casos extraordinários e isso não é tudo não somente o governo possui menos vigor e rapidez para fazer observar as leis impedir os vexames corrigir os abusos prevenir os empreendimentos seditiosos que possam ser promovidos nos pontos distantes como também o povo demonstra menor afeição aos chefes os quais nunca vê à pátria que a seus olhos se assemelha ao mundo e aos concidadãos cuja maioria lhe é estranha As mesmas leis não podem convir igualmente a tantas províncias diversas com costumes diferentes e climas opostos e que não admitem a mesma forma de governo Leis diferentes engendram perturbação e confusão no seio dos povos que vivendo sob a direção dos mesmos chefes em contínua comunicação transitam de um lado para outro ou se casam entre si e que sujeitos a outros costumes nunca sabem se o próprio patrimônio lhes pertence Em meio à multidão de homens que se desconhecem mutuamente reunidos pela sede da suprema administração num mesmo lugar os talentos permanecem ocultos as virtudes ignoradas e os vícios impunes Os chefes sobrecarregados de tarefas nada veem por si mesmos comissários governam o Estado Enfim as medidas necessárias à manutenção da autoridade geral a que tantos oficiais destacados em regiões longínquas desejam subtrairse quando não ludibriai absorvem todos os cuidados públicos e nada mais resta para a felicidade do povo exceto o indispensável à sua defesa em caso de necessidade e é assim que um corpo muito grande por sua constituição definha e perece esmagado pelo próprio peso De outro lado deve o Estado fornecerse determinada base para contar com solidez para resistir aos sacolejos que não deixará de experimentar e aos esforços que será obrigado a despender a fim de se manter porque todos os povos possuem uma espécie de força centrífuga pela qual atuam seguidamente uns sobre outros e tendem a engrandecerse às expensas dos vizinhos como os turbilhões de Descartes Deste modo correm os fracos o risco de ser engolidos e ninguém consegue conservarse a não ser colocandose em relação a todos numa espécie de equilíbrio que torna a compreensão em toda parte mais ou menos igual Vêse por aí haver razões para alargar e razões para estreitar os limites do Estado e não constituiu o menor aspecto do talento do político encontrar entre umas e outras a proporção mais vantajosa à conservação do Estado Podese dizer em geral que as primeiras sendo apenas exteriores e relativas devem ser subordinadas às outras que são internas e absolutas uma sá e forte constituição é a primeira coisa a pesquisar e de preferência devese contar com o vigor nascido de um bom governo que com os recursos fornecidos por um grande território Ademais viramse Estados assim constituídos cuja necessidade de conquistas entrava nas próprias constituições e que a fim de se manterem eram forçados a ampliarse sem cessar Talvez muito se felicitassem por essa feliz necessidade que lhes mostrava com o termo de sua grandeza o inevitável momento de sua queda X Continuação Podese mensurar um corpo político de duas maneiras a saber pela extensão do território e pelo número da população e entre uma e outra dessas medidas há uma relação conveniente para dar ao Estado sua verdadeira grandeza São os homens que fazem o Estado e é o terreno que alimenta os homens essa relação consiste pois em que a terra baste para a manutenção de seus habitantes e haja tantos habitantes quantos a terra possa nutrir É nessa proposição que se acha o máximo de força de um número dado de povo porque se houver terreno em demasia será onerosos protegêlo a cultura se mostrará insuficiente o produto supérfluo e será a causa próxima de guerras defensivas Se não houver terreno suficiente o Estado se achará para o suprir à discrição de seus vizinhos e será a causa próxima de guerras ofensivas Todo povo que por sua posição se acha na alternativa entre o comércio ou a guerra é em si mesmo débil depende de seus vizinhos depende dos acontecimentos jamais terá senão uma existência incerta e breve subjuga e muda de situação ou é subjugado e não será coisa alguma Não poderá manterse livre a não ser à força de sua pequenez ou de sua grandeza É impossível calcular uma relação fixa entre a extensão das terras e o número de homens que se bastem mutuamente não só por causa das diferenças existentes nas qualidades do terreno em seus graus de fertilidade na natureza de suas produções na influência dos climas como pelas assinaladas nos temperamentos dos homens que as habitam uns consumindo pouco num país fértil e outros consumindo muito num solo ingrato É preciso ainda levar em conta a maior ou menor fecundidade das mulheres ao que pode ter o país de mais ou menos favorável à população à quantidade com a qual pode o legislador esperar aí concorrer por seus estabelecimentos de sorte que não deve ele fundar o julgamento sobre o que vê mas sobre o que prevê nem tanto se deter no estado atual da população mas sim no que ela verá naturalmente a ser Enfim há mil ocasiões em que os acidentes particulares do lugar exigem ou permitem que se tome mais terreno que o que parece necessário Assim estendernosemos muito num país montanhoso onde as produções naturais isto é os bosques as pastagens demandam menos trabalho onde a experiência ensina que as mulheres são mais fecundas que nas planícies e onde um grande solo inclinado só permite uma pequena base horizontal a única com que se pode contar para a vegetação Então ao contrário podemos nos restringir à orla do mar ou mesmo aos rochedos e às areias quase estéreis porque a pesca pode aí suprir em grande parte as produções da terra e os homens devem permanecer mais juntos para repelir os piratas e porque de resto temos maiores facilidades para desembarcar o país por meio das colônias dos habitantes que o sobrecarregam Nessas condições para instituir um povo é preciso ajuntar uma outra que não pode suprir nenhuma outra mas sem a qual todas se revelam inúteis a de que se desfrute de paz e abundância porque o tempo durante o qual se ordena um Estado é igual àquele em que se forma um batalhão ao instante em que o corpo tem menos capacidade de resistência e portanto é mais fácil de ser destruído Resistirseia melhor em meio a uma desordem absoluta que num momento de fermentação quando cada qual se ocupa de sua classe e não do perigo Se uma