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251 Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 DOI 1033242rbdc202101011 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES THE RIGHT TO IMAGE IN THE DEEPFAKES AGE Filipe Medon Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Professor Substituto de Direito Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e de cursos de PósGraduação do Instituto New Law PUCRio CepedUERJ EMERJ Cedin e do curso Trevo Membro da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OABRJ e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil Iberc Advogado e pesquisador Instagram filipemedon Resumo O objetivo do presente artigo é analisar o direito a imagem na atualidade tendo em vista os avanços tecnológicos valendose do recurso a uma perspectiva que contemple a historicidade do insti tuto Buscase desvendar assim a chamada reconstrução digital da imagem propondose parâmetros para a reconstrução post mortem além de se analisar o fenômeno das deepfakes com especial foco na responsabilidade civil das plataformas Palavraschave Direitos da personalidade Reconstrução digital Tutela post mortem da imagem Inteligência artificial Abstract The aim of this article is to analyze the right to image in the present time in light of the technological advances by means of a perspective that contemplates the historicity of the institute It seeks to unravel thus the socalled digital reconstruction of the image suggesting parameters for the postmortem reconstruction in addition to analyzing the phenomenon of deepfakes with special focus on the civil liability of the platforms Keywords Personality rights Digital reconstruction Post mortem tutelage of the image Artificial intelligence Sumário Introdução 1 Conteúdo do direito a imagem o consentimento como parâmetro 2 Recons trução digital e deepfakes o estágio atual do direito a imagem Conclusão Introdução A tecnologia revolucionou a maneira de se encarar os direitos da personali dade O direito a privacidade por exemplo anteriormente compreendido como o direito a ser deixado em paz na formulação histórica de Brandeis e Warren deu MIOLORBDCivil27indd 251 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 252 lugar a um direito na rede1 notadamente após a era do terror que se inaugurou no mundo com o episódio do 11 de setembro quando a privacidade além de não ser mais vista como um direito fundamental é de fato frequentemente conside rada um obstáculo a segurança sendo superada por legislações de emergência2 O mesmo processo parece ter se operado com o chamado direito a imagem cuja análise não pode prescindir de abordagem que privilegie aspectos de sua historicidade porque o seu conteúdo está imiscuído de tal forma com o seu con texto histórico que frequentemente com ele se confunde Falar em um direito a imagem hoje não é mais apenas falar na necessidade ou não do consentimento para a divulgação de uma imagem capturada por meio de uma fotografia ou de indenização devida por um pintor que retratou alguém de forma incompatível com os atributos da sua própria personalidade Essas eram questões datadas Direito a imagem hoje envolve em larga medida o uso da tecnologia tanto na divulgação inquestionavelmente mais veloz e potente com a internet como também na própria captura da imagem Basta se pensar nas inúmeras câmeras de monitoramento que já levaram a prisão de inúmeras pessoas no Brasil por meio de sistemas de reconhecimento facial algumas delas por engano3 bem como no robô pintor que usando o aspecto do aprendizado de máquina da inteligência artificial foi capaz de retratar uma imagem4 E essa mudança de paradigma não reflete apenas novas perspectivas na forma estática de retratar uma pessoa com a reconstrução digital de imagens e as chamadas deepfakes tornouse possível a partir de sistemas de inteligência artificial criar vídeos de pessoas com base em imagens e vídeos antigos produzindose cenas inéditas5 As técnicas de reconstrução digital como se analisará impactaram conside ravelmente não só a estrutura do que se entende por imagem como sobretudo as formas de se causar danos a imagem de uma pessoa elevando esse potencial lesivo a patamares impensados num passado não muito distante A revolução tecnológica redimensionou em diversos aspectos o que se enten dia por direito a imagem pois o desenvolvimento das chamadas tecnologias de 1 RODOTÀ Stefano A vida na sociedade da vigilância A privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 p 28 2 RODOTÀ Stefano A vida na sociedade da vigilância A privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 p 14 3 Disponível em httpswwwtecmundocombrseguranca139262carnavaltemprimeiropresoviacame rareconhecimentofacialbrasilhtm Acesso em 9 mar 2019 Por mais permitase a referência a MEDON Filipe Inteligência artificial e responsabilidade civil autonomia riscos e solidariedade Salvador JusPodivm 2020 p 221223 4 Disponível em httpsrevistagalileuglobocomTecnologianoticia201810primeirapinturafeitapor inteligenciaartificialvaileilaohtml Acesso em 9 mar 2019 5 DEEPFAKE a era digital e o fim do direito a imagem Ciência Digital 6 jun 2018 Disponível em httpwww cienciadigitalcombr20180606deepfakeeradigitaleofimdodireitoimagem Acesso em 1º set 2018 MIOLORBDCivil27indd 252 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 253 informação e comunicação TICs causam um impacto considerável na pesquisa e na aplicação desse direito cujos próprios contornos vão se amoldando de acordo com as tendências do progresso tecnológico6 Daí porque não se poder analisá lo de maneira a excluir uma abordagem histórica Sem a pretensão de esgotar a historicidade do instituto o presente estudo busca o recurso histórico como meio de auxiliar melhor compreensão do direito a imagem partindose da sua relação com a fotografia e chegando por fim as deepfakes que se inserem num contexto mais amplo de reconstrução digital e as formas de violação da imagem na rede Para tanto optase por uma breve incursão histórica passandose pela de finição do conteúdo desse direito destacandose a sua autonomia no cotejo com outros institutos como o direito a honra para finalmente analisar as deepfakes e a reconstrução digital de imagens como sintomáticas da mudança de paradigma operada no direito a imagem que como aponta Carlos Affonso Pereira de Souza é verdadeiramente o mais midiático dos direitos da personalidade7 uma vez que ele caracteriza o momento em que se vive a crescente exploração e porque não banalização da imagem como forma direta de comunicação8 1 Conteúdo do direito à imagem o consentimento como parâmetro O tratamento da imagem como um direito privado tal como entendido hoje começou a se afirmar apenas no século XIX atrelado aos progressos técnicos decorrentes dos processos fotográficos que facilitaram em grande medida a re produção das imagens9 A invenção da fotografia em 1829 por Nicéphore Niepce aperfeiçoada por Luis Jacobo Mandé Daguerre é tida como o grande detonador da inquietação do mundo das imagens porque até ali para se retratar uma pessoa presumiase que ela consentisse porque a menos que copiassem um quadro ela precisava posar por horas diante do artista10 6 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 7 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 8 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 9 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 130 10 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 73 MIOLORBDCivil27indd 253 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 254 Por outro lado o início do estudo da teoria da imagem propriamente dita teria se dado na monografia de Keyssner Das Rechtameigenen Bilde que se baseou na Lei alemã da Fotografia de 1876 Inicialmente Keyssner sustentou a ilicitude da publicidade bem como defendeu o direito do fotografado de tomar e destruir a máquina do fotógrafo para evitar a fixação da imagem na chapa como meio de legítima defesa11 Já do ponto de vista normativo os principais marcos iniciais foram a Lei alemã de Fotografia de 1011876 a Lei belga de Direito do Autor de 2231886 e a Lei japonesa de Direito Autoral de 43189912 No Brasil a primeira referência a proteção a imagem no ordenamento veio com a Lei Eleitoral nº 496 de 1º81898 que continha norma de proteção a imagem relacionada ao direito do autor O artigo 22 da referida Lei estabelecia limitações ao direito do autor ao conferir ao retratado direitos mais fortes do que os reservados ao retratista13 A mesma vinculação ao direito de autor foi reproduzida no Código Civil de 1916 que no seu art 666 inc X apontava Não se considera ofensa aos direitos de autor A reprodução de retra tos ou bustos de encomenda particular quando feita pelo proprietário dos objetos encomendados A pessoa representada e seus sucesso res imediatamente podem oporse a reprodução ou pública exposição do retrato ou busto Dessa associação tinhase que prima facie protegiase o autor do retrato cabendo oposição da pessoa retratada ou de seus sucessores a reprodução ou exposição pública Embora não se afirmasse o consentimento estava implícito pois a norma tratava da reprodução pública de um retrato ou busto encomendado Em contraste a noção de oposição o Código Civil de 2002 trouxe uma noção de autorização ao dispor em seu art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmis são da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da ima gem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais 11 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 74 12 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 76 13 FRANCIULLI NETTO Domingos A proteção ao direito a imagem e a Constituição Federal Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva v 16 n 1 p 174 janjul 2014 p 33 MIOLORBDCivil27indd 254 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 255 Parágrafo único Em se tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge os ascendentes ou os descendentes A ratio da codificação vigente é de que a mera captação já dependeria do consentimento do seu titular porque haveria uma presumptio hominis de que a fixação fotográfica da imagem destinase a posterior reprodução Por isso deve ser deferido ao titular o direito de autorizar e negar a captação de sua imagem A divulgação ou reprodução constitui extensão de uma lesão já ocorrida14 Assim no atual estado da arte da doutrina entendese que o direito a imagem precede a sua divulgação sendo protegida já a mera captação da imagem A proteção desse direito residiria na possibilidade de alguém se opor a divulgação de retrato ou fotografia na qual a mesma figurasse sem a sua autorização Caberia apenas a pessoa decidir se como quando e por quem a sua imagem seria capturada e divulgada para terceiros15 Não obstante o consentimento não é um limite in transponível pois o próprio Código Civil traz no art 20 a possibilidade de utilização da imagem de uma pessoa nos casos de isto ser necessário a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública muito embora tais conceitos sejam vagos e imprecisos contribuindo para a pouca assertividade do dispositivo Falase ainda numa noção de consentimento tácito que no caso das fo tografias pode ser tão usual quanto a celebração de termos por escrito uma vez que a simples pose para foto já pode consistir em concordância para a sua captura16 Antonio Chaves por exemplo apontava como hipótese de consenti mento presumido o caso de uma pessoa que comparece em público em compa nhia de uma pessoa famosa passando então a sofrer uma limitação do seu direito a imagem decorrente de sua notoriedade17 No mesmo sentido Adriano de Cupis para quem aquele que participa em um acontecimento ou em uma cerimónia de interesse público ou ocorrida em público pode mesmo atribuirse o consentimento tácito da reprodução da sua imagem em várias cópias enquadra das nos ditos acontecimentos ou cerimónias18 14 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 68 15 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 16 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 4 17 CHAVES Antonio Direito a própria imagem Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo p 5455 18 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 138139 MIOLORBDCivil27indd 255 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 256 Objetase contudo que nessas situações não haveria consentimento tácito propriamente dito mas sim uma série de limites impostos ao direito a imagem da pessoa pelo interesse público o que tornaria desnecessária a autorização do titular19 Tais limites se diferenciariam da autorização tácita pois se se estivesse tratando de autorização ainda que implícita haveria o poder de oposição do titular a publicação20 O consentimento parece ser assim um assunto não resolvido completa mente na doutrina Todavia é certo que por mais frequentes que sejam tais situa ções de exposição em público em uma sociedade caracterizada pela presença constante da mídia e pelo anseio de exposição pública a necessidade de con sentimento inequívoco do retratado deve continuar a ser vista como regra nunca como exceção21 Desse modo a busca constante deve ser pela obtenção do con sentimento inequívoco do titular da imagem violada dado o potencial lesivo que sua divulgação pode ter sobretudo com a mola propulsora da internet que em poucos minutos consegue tornar mundialmente conhecida uma imagem obtida com o recurso da câmera de um smartphone Diante da impossibilidade de se valer da já referida legítima defesa alemã de 1876 de o fotografado tomar e destruir a máquina do fotógrafo para evitar a fixação da imagem na chapa é preciso buscar outros meios que se adéquem a realidade tecnológica do presente em especial da internet pois uma vez na rede tornase extremamente difícil a retirada de um conteúdo E o cenário que já era dramático com os vídeos e fotografias se tornou ainda mais assombroso com a reconstrução digital da imagem especialmente no caso das deepfakes pois o controle por parte do retratado é nulo não basta não sair de casa para não ter sua imagem capturada pois a inteligência artificial operada por mãos malévolas pode fabricar vídeos de maneira tão próxima da realidade que o próprio retratado se veja em dúvida quanto a sua autenticidade colocandoo em lugares onde ele nunca pisou falando coisas que jamais disse No entanto para melhor delimitar o conteúdo desse direito importante se faz inicialmente localizálo topograficamente no sistema isto é ressaltar que a sua proteção decorre de uma proteção mais ampla conferida aos direitos da per sonalidade Assim será possível delimitar suas atuais facetas bem como marcar as suas diferenças para outros direitos a ele correlatos como é o caso da honra que comumente com ele se confunde 19 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 80 20 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 80 21 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106107 MIOLORBDCivil27indd 256 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 257 11 Um direito da personalidade Proteger a imagem de uma pessoa é em última análise proteger a sua personalidade Como afirma Antonio Menezes Cordeiro o destino que se dê a imagem é de certo modo um tratamento dado a própria pessoa A imagem faz assim a sua aparição no palco dos bens de personalidade22 e sob a tutela da imagem podem encobrirse valores diversos todos eles respeitáveis e merecedo res de tutela Isso não impedirá que se refira em termos unitários a imagem como bem de personalidade23 E a imagem como parte integrante da construção da dignidade da pessoa humana não pode ser tratada de maneira dissociada da dimensão do reconheci mento presente nesta Nas palavras de Daniel Sarmento o olhar do outro nos constitui O que somos o que fazemos a forma como nos sentimos nosso bemestar ou sofrimento a nossa autono mia ou subordinação tudo isso depende profundamente da maneira como somos enxergados nas relações que travamos com os outros24 Desse modo para que as pessoas possam se realizar e desenvolver livre mente as suas personalidades o adequado reconhecimento pelo outro é vital25 Essa associação com a dimensão do reconhecimento da dignidade da pes soa humana isto é a ideia de que a maneira como se é enxergado pelo outro constitui quem se é permite ressaltar a importância em se retratar de maneira correta a pessoa humana por meio de uma imagem isto é a representação ade quada daquela pessoa Além disso a imagem protegida não é apenas aquela estática Já alertava Walter Moraes Toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem é imagem para o Direito A ideia de imagem não se restringe assim a representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura da escultura do desenho da fotografia da figuração caricata ou de corativa da reprodução em manequins e máscaras Compreende 22 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 255 23 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 5 p 255 24 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana conteúdo trajetórias e metodologias Belo Horizonte Fórum 2016 p 241 25 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana conteúdo trajetórias e metodologias Belo Horizonte Fórum 2016 p 241 MIOLORBDCivil27indd 257 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 258 além a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão e os gestos expressões dinâmicas da personalidade26 Observase assim o surgimento de um novo conceito de direito a imagem relativo agora não apenas a aspectos físicos da pessoa retratada como tam bém aqueles que dizem respeito ao seu comportamento em sociedade uma vez que atributos da pessoa como o seu jeito modo humor elementos de difícil definição mas de suma importância para a identificação da mesma passaram a ser protegidos27 A razão fundamental para isso é que a proteção apenas da fisionomia da pessoa deixaria a descoberto uma série de hipóteses em que atri butos de identificação relevantes são utilizados por terceiro para se aproveitar da vinculação que o público faria entre tais comportamentos e a pessoa da vítima28 Vêse portanto que toda e qualquer representação ou expressão da personali dade de um homem ou de identificação de uma pessoa jurídica é imagem para fins do Direito29 Surgem nesse contexto os conceitos de imagemretrato e imagematributo que não se confundem O primeiro se liga as expressões formais e sensíveis da personalidade reprodução visual do indivíduo de sua voz de partes do corpo desde que identificáveis a sua composição genética etc dela sendo titular so mente os seres humanos30 Já este último consubstancia os atributos positivos ou negativos de pessoas físicas ou jurídicas apresentados a sociedade31 Carlos Nelson Konder e Maria Celina Bodin de Moraes vão além ao afirmarem que a imagematributo poderia ser lesionada através não simplesmente pela divulgação não autoriza da da imagem mas quando esta fosse veiculada de maneira de formada não condizente com a identidade que o sujeito constrói socialmente A tal ponto que se passou a defender a reconstrução classificatória no sentido de conceber um novo direito o direito a iden tidade pessoal que representa uma fórmula sintética para destacar a pessoa globalmente considerada de seus elementos características 26 MORAES Walter Direito a própria imagem I Revista dos Tribunais São Paulo v 443 set 1972 p 64 27 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 28 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 29 OLIVEIRA JÚNIOR Artur Martinho de Danos morais e à imagem 2 ed São Paulo Lex 2017 p 44 30 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 64 31 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 64 MIOLORBDCivil27indd 258 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 259 e manifestações isto é para expressar a concreta personalidade individual que veio se consolidando na vida social32 Tratase portanto de incidência sobre a conformação física da pessoa compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social33 Seja como for a violação ao direito a imagem de alguém atinge aspectos basilares da personalidade e em última análise a própria dignidade da pessoa humana 12 A autonomia do direito à imagem em relação ao direito à honra Confundese frequentemente direito a honra e direito a imagem especial mente no que se refere a imagematributo Há quem sustente que a proteção do direito a imagem estaria associada aquela conferida a honra pois aquela não seria autônoma mas sim mero instrumento de violação a outros direitos da per sonalidade tais como esta última ou a privacidade Nada obstante tratase de equívoco em que ainda incorre o art 20 do Código Civil34 35 Ainda hoje defensores da teoria da honra sustentam que o artista pode captar e reproduzir o que bem entender contanto que não cometa injúria ou difa mação o retrato que nada tiver de insultante nada tem de repreensível36 Mas a proteção a imagem é autônoma e não se confunde com a honra pois enquanto o direito a honra diz respeito a reputação da pessoa em seu meio social o direito a imagem exprime o controle que cada pessoa humana detém sobre qualquer representação audiovisual ou tátil da sua individualidade37 dado que o uso não consentido da representação externa da pessoa configura por si só violação ao direito de imagem cuja autonomia vem reconhecida no art 5º inciso X da 32 MORAES Maria Celina Bodin de KONDER Carlos Nelson Dilemas de direito civilconstitucional Rio de Janeiro Renovar 2012 p 207 33 BITTAR Carlos Alberto Os direitos da personalidade 8 ed São Paulo Saraiva 2015 p 153 34 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 105 35 Adriano de Cupis já sinalizava para essas duas acepções De facto duas soluções completamente diferentes são possíveis Ou se atribue ao direito a imagem uma importância geral que pode ser limitada somente por excepções específicas impostas pelo interesse público ou o direito a imagem é compreendido na esfera do direito a honra no sentido de que a tutela jurídica encontra aplicação somente no caso de a difusão da imagem da pessoa ser prejudicial para a honra dela DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 130 36 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 103 37 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 MIOLORBDCivil27indd 259 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 260 Constituição da República38Assim a proteção ao direito a imagem independe do caráter ofensivo da publicação que pode até mesmo ser elogiosa O direito a honra se subdividiria em sua vertente subjetiva autoestima amor próprio e objetiva fama reputação A honra objetiva referese aos conceitos sociais favoráveis aos bons costumes segundo um padrão médio de conduta e para que seja violada há que se imputar a pessoa um fato ofensivo como a práti ca de uma infração penal39 Por seu turno a imagematributo com a qual mais se tende a relacionar a honra não abriga necessariamente aspectos positivos que podem ser negativos ou mesmo dotados de neutralidade sem que isso altere sig nificativamente a reputação do indivíduo Nesse sentido a doutrina traz o exemplo de um pacifista que concede entrevista e na edição publicam equivocadamente que ele votaria em plebiscito a favor do comércio de armas Neste caso haveria uma violação a sua imagematributo mas não a honra porque ser contra ou a favor do comércio de armas não tem nenhuma relação com a honra do sujeito Já se um crime é imputado a alguém além de se cometer calúnia ofendese a imagematributo se o ofendido tiver uma imagem de sujeito correto40 Com efeito embora possa haver uma zona grísea de encontro entre os di reitos ambos não se confundem apenas se conjugam na proteção unitária da personalidade da pessoa humana 2 Reconstrução digital e deep fakes o estágio atual do direito à imagem Imaginese que as vésperas de uma eleição um vídeo circulasse na internet e seu conteúdo fosse capaz de determinar o resultado final seja porque um dos políticos envolvidos na disputa aparece cometendo um crime seja porque este é flagrado realizado alguma atividade que contraria a imagematributo por ele cons truída e mantida incólume ao longo de todo o processo eleitoral E se esse vídeo fosse falso apesar de a imagem ali retratada ser a do candidato Seria isso possível Graças a inteligência artificial hoje isso já é uma realidade Vejase por exemplo o caso do atual governador de São Paulo João Dória que as vésperas das eleições do ano de 2018 foi vinculado a um vídeo em que supostamente participava de orgia com mulheres Peritos teriam constatado 38 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 39 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 104 40 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 105106 MIOLORBDCivil27indd 260 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 261 se tratar de uma deepfake41 criada para abalar a imagem e a honra do governa dor com influência direta na acirrada disputa eleitoral Outro exemplo vem de um vídeo feito por um comediante norteamericano utilizando esta tecnologia para alertar as pessoas acerca dos seus perigos em que o exPresidente norteamericano Barack Obama aparece falando mal do então Presidente Donald Trump a partir de uma fusão de imagens em movimento do próprio Obama associadas a voz do comediante que imitava o expresidente No vídeo o suposto Obama chama Donald Trump de um total e completo idiota42 A perfeição da montagem é capaz de levar pessoas desatentas a certeza inaba lável de que se tratava de uma comunicação real de Obama E as consequências danosas disso possuem potencial ainda não calculado Basta pensar que muito além de se modificar a fala essa tecnologia já é capaz de gerar até mesmo cenas de sexo e nudez a partir do rosto de uma pessoa levando a uma evolução perversa da pornografia de vingança43 É assustador ver que segundo pesquisa divulgada pela Deeptrace em setembro de 2019 96 das deepfakes existentes a época eram pornográficas assolando em 100 mulheres quando o conteúdo era pornográfico o que contrastava com uma redução para apenas 39 quando os vídeos tinham conteúdo não sexual44 Tamanha é a gravidade das deepfakes que a sua utilização para fins de pornografia de vingança revenge porn chegou a ser criminalizada por mais de uma dúzia de estados nos Estados Unidos da América45 O estado de Maryland foi além debate lei que busca combater a influência política das deepfakes A lei proibiria os indivíduos de influenciar dolosa ou conscientemente ou de tentar 41 PERITOS constataram montagem em vídeo vazado afirma Doria Folha de SPaulo 24 out 2018 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder201810peritosconstatarammontagememvideovazadoafirma doriashtml Acesso em 9 jul 2020 42 Disponível em httpsnoticiasbanduolcombrjornaldabandvideos16430362videofalsodeobama chamaatencaoparadeepfakenewshtml Acesso em 9 mar 2019 43 Tornouse recorrente o caso chamado de pornografia de vingança revenge porn que ocorre quando alguém divulga insere eou expõe sem autorização dos retratados em quaisquer ferramentas da rede fotos eou vídeos com cenas íntimas nudez ou prática de ato sexual que foram registrados ou enviados em confiança ao parceiro Visase com isso colocar a pessoa exposta que em grande parte dos casos é mulher em uma situação constrangedora e embaraçosa diante de amigos da família ou de colegas Na maioria dos casos o intuito do ofensor é se vingar de alguém que feriu seus sentimentos ou terminou um relacionamento A lesão a personalidade da vítima é evidente nesse caso principalmente a sua privacidade imagem e honra TEFFÉ Chiara Antonia Spadaccini de Direito a imagem na internet estudo sobre o tratamento do Marco Civil da internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens íntimas Revista de Direito Civil Contemporâneo v 15 n 5 abrjun 2018 p 121 44 DEEPTRACE The State of Deepfakes landscape threats and impact Enough set 2019 p 78 Disponível em httpsenoughorgobjectsDeeptracetheStateofDeepfakes2019pdf Acesso em 30 jan 2021 45 RUIz David Deepfakes laws and proposals flood US Malwarebytes Labs 23 jan 2020 Disponível em httpsblogmalwarebytescomartificialintelligence202001deepfakeslawsandproposalsfloodus Acesso em 10 jul 2020 MIOLORBDCivil27indd 261 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 262 influenciar a decisão de um eleitor de ir as urnas ou de votar em um candidato em particular publicando distribuindo ou disseminando uma deepfake online dentro de 90 dias antes de uma eleição46 Mas como elas surgiram 21 Entendendo as deepfakes Embora o termo original fosse fakevideo o nome deepfake se popularizou a partir da história de um usuário do site Reddit que se apelidou de Deepfake e especializado em inteligência artificial passou a substituir rostos de pessoas em filmes O termo passou então a ser associado a essa técnica que opera a fusão de imagens em movimento gerando um novo vídeo cujo grau de fidedignidade é elevado a um patamar que somente com muita atenção se consegue notar se tratar de uma montagem47 A indústria cinematográfica também já se valeu desta técnica Um dos casos mais famosos talvez tenha sido o do filme Rogue One Uma História Star Wars 2016 da série homônima quando se recriaram algumas personagens O mais peculiar foi sem dúvidas o do Comandante Tarkin interpretado pelo britânico Peter Cushing pois este ator já havia falecido no ano de 199448 Valendose de técnicas computacionais viabilizouse a chamada reconstrução digital da ima gem do já falecido ator o que desperta questionamentos como a necessidade de autorização dos herdeiros para a reconstrução de sua imagem Notese contudo a peculiaridade dessa situação não se trata de reproduzir novamente imagens captadas em momento pretérito mas de se criar novas imagens a partir de cap turas anteriores Bobby Chesney e Danielle Citron descrevem as deepfakes em tradução livre como a manipulação digital de som imagens ou vídeo para imitar alguém ou fazer parecer que a pessoa fez alguma coisa e fazer isso de uma maneira que 46 No original On January 16 Maryland introduced a bill targeting political influence deepfakes The bill which has a scheduled hearing in early February prohibits individuals from willfully or knowingly influencing or attempting to influence a voters decision to go to the polls or to cause a vote for a particular candidate by publishing distributing or disseminating a deepfake online within 90 days of an election RUIz David Deepfakes laws and proposals flood US Malwarebytes Labs 23 jan 2020 Disponível em httpsblogmalwarebytescomartificialintelligence202001deepfakeslawsandproposalsflood us Acesso em 10 jul 2020 Para acompanhar a discussão legislativa httpswwwbilltrack50com BillDetail1174065 Acesso em 10 jul 2020 47 DEEPFAKE a era digital e o fim do direito a imagem Ciência Digital 6 jun 2018 Disponível em http wwwcienciadigitalcombr20180606deepfakeeradigitaleofimdodireitoimagem Acesso em 1º set 2018 48 Disponível em httpsnoticiasboluolcombrultimasnoticiastecnologia20180104adisneypode recriarcarriefishernoproximostarwarsmasnaovaihtm Acesso em 9 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 262 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 263 seja cada vez mais realística a ponto de um observador desavisado não conseguir detectar a falsificação49 50 Seja qual for o meio tecnológico adotado para se criar uma imagem falsa já se pode apontar dois traços característicos quais sejam o emprego de técnicas computacionais avançadas comumente de inteligência artificial assim como o grau tão elevado de realidade que faz com que seja quase impossível se detectar a fraude o que é especialmente perigoso nos tempos atuais marcado pela economia da atenção Um dos mais inegáveis riscos é sem dúvidas a utilização desse tipo de vídeo para a desinformação e manipulação política51 Nesse contexto recente mente até mesmo o ExPresidente dos EUA Donald Trump compartilhou vídeo de um discurso da Presidente da Câmara dos Deputados Nancy Pelosi52 em velo cidade levemente desacelerada que embora não se tratasse de uma deepfake no sentido original serve como alerta para os riscos do emprego das técnicas de inteligência artificial para finalidades antidemocráticas53 54 Outro grande perigo de se aplicar técnicas de inteligência artificial para esta finalidade é viabilizar que seja cada vez mais fácil criar essas deepfakes vitimi zando pessoas comuns55 uma vez que estas postam diariamente conteúdos em 49 No original digital manipulation of sound images or video to impersonate someone or make it appear that a person did something and to do so in a manner that is increasingly realistic to the point that the unaided observer cannot detect the fake CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep fakes a looming crisis for national security democracy and privacy Lawfare 21 fev 2018 Disponível em httpswwwlawfareblog comdeepfakesloomingcrisisnationalsecuritydemocracyandprivacy Acesso em 9 mar 2019 50 Deepfake em suma é uma técnica de síntese de imagens ou sons por meio de IA Seu emprego possibilita a substituição de uma pessoa por outra a modificação do conteúdo da fala entre inúmeras alternativas de edição Embora usualmente associada a produção de vídeos nada impede sua aplicação em arquivos de imagens ou áudios apenas Na prática o termo é usado também para identificar o próprio vídeo áudio ou imagem fruto da manipulação SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabilidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p 611 51 SOUzA Carlos Affonso Pereira de TEFFÉ Chiara Spadaccini de Fakenews como garantir liberdades e conter notícias falsas na internet In MENEzES Joyceane Bezerra de TEPEDINO Gustavo Coord Autonomia privada liberdade existencial e direitos fundamentais Belo Horizonte Fórum 2019 p 525543 52 AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologiaabrenovocapitulona manipulacaodevideosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 53 Ver mais em BENKLER Yochai FARIS Robert ROBERTS Hal Network propaganda manipulation disinformation and radicalization in American politics New York Oxford University Press 2018 54 As deepfakes as quais são utilizadas de forma deliberada para enganar os demais indivíduos com con teúdos falsos com aparência de veracidade e as ações coordenadas inautênticas são claros elementos desinformação e obviamente não estão protegidos pelo âmbito de proteção da liberdade de expressão já que não são corolários do livre desenvolvimento da personalidade dos seres humanos assim como não auxiliam e sim corroem o livre mercado de ideias MARRAFON Marco Aurélio ROBL FILHO Ilton Norberto MEDON Filipe A inteligência artificial utilizada para desinformar ou à serviço da desinformação como as deepfakes e as redes automatizadas abalam o mercado livre de ideias e a democracia constitu cional e deliberativa p 13 No prelo 55 Registrese contudo a crítica ao falso parâmetro da pessoa pública como bem assinala Anderson Schreiber É de se rejeitar de plano a qualificação de qualquer pessoa como pública Pessoas são MIOLORBDCivil27indd 263 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 264 suas redes sociais os quais ficam disponíveis na rede Assim seria bem fácil captar imagens que pessoas postaram voluntariamente na internet para se cons truir com base nelas novas imagens falsas Embora antes o alvo fosse pessoas famosas nada obsta que criminosos capturem imagens de pessoas comuns nas redes sociais criem vídeos falsos e passem a chantageálas em troca da não divulgação das imagens É de se cogitar ainda a utilização não criminosa de tais imagens por exem plo por meio da publicidade Imaginese para tanto que se crie digitalmente um vídeo através do qual uma famosa atriz divulga marca de produtos cosméticos rival daquela com quem ela possui relação contratual de publicidade Ou que se utilize sua imagem para promover determinada marca de carnes sendo que ela própria é vegetariana e defensora da causa dos animais Nesta última hipótese notase de forma nítida a cisão entre direito a imagemretrato e imagematributo pois em princípio o fato de uma pessoa ser representada comendo carne não lhe gera nenhum dano aparente Diferente contudo é a resposta quando se com preende que a violação a imagem vai além perpassando também os atributos que revelam as características componentes de sua identidade pessoal que ela gostaria que fossem apresentadas a sociedade Podese questionar ademais se seria possível falar em lucro da intervenção nesses casos a exemplo do precedente da atriz Giovanna Antonelli julgado pelo STJ no Recurso Especial nº 1698701 RJ 201701556885 de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva por meio do qual se entendeu que era devida a atriz indenização pela utilização não autorizada de sua imagem com base na teoria do lucro da intervenção Na ação a atriz pleiteou em face da sociedade empresária Dermo Formulações Farmácia de Manipulação Ltda ressarcimento privadas por definição A expressão pessoa pública é empregada com o propósito de sugerir que o uso da imagem de celebridades dispensa autorização pelo simples fato de que vivem de sua exposição na mídia A rotulação de atrizes atletas ou políticos como pessoas públicas vem normalmente acompanhada da sugestão de que o seu direito a imagem e também a privacidade como se verá no próximo capítulo é merecedor de uma proteção menos intensa do que aquela reservada as demais pessoas Muito ao contrário a proteção ao direito de imagem de celebridades é tão intensa quanto a de qualquer um O fato de viverem de sua imagem na mídia só reforça a importância que a representação física assume em rela ção aquelas pessoas Famosa ou não qualquer pessoa tem direito de proibir a circulação indesejada da sua representação exterior Tal exigência somente pode ser afastada naquelas situações em que outros interesses de hierarquia constitucional liberdade de informação liberdade de expressão etc venham exigir diante das concretas circunstâncias proteção mais intensa que o direito a imagem O fato de a pessoa ser célebre ou notória pode quando muito sugerir que há algum grau de interesse do público em ter acesso a imagem pela só razão de dizer respeito aquela pessoa Isso não basta contudo para que se conclua pela prevalência da liberdade de informação sobre o direito a imagem Diversos outros fatores devem ser sopesados antes de se concluir no caso específico qual dentre os dois direitos fundamentais há de prevalecer Limitarse aos critérios simplistas do lugar público e da pessoa pública é postura que incentiva perversas violações ao direito de imagem SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 111112 MIOLORBDCivil27indd 264 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 265 em razão do uso não autorizado de sua imagem para a campanha publicitária do produto Detox56 Neste caso a indenização se deu não apenas com base em violação a atributos morais da imagem mas também a partir do enriquecimento proporcionado a indústria de cosméticos que se valeu da imagem da atriz para auferir lucros Quer isso dizer o aspecto patrimonial de sua imagem também foi indenizado Casos como esses reforçam os perigos cada vez maiores da exposição vir tual da própria imagem bem como ressaltam a necessidade de se assegurar mecanismos mais efetivos de segurança na rede demonstrando como a tecno logia alterou a forma de se causar danos a imagem de uma pessoa Mais ainda desponta a indagação será que as plataformas não poderiam ser treinadas para identificar vídeos falsos e impedir a sua disseminação 22 O consentimento como paradigma para a reconstrução digital da imagem Como visto o art 20 do Código Civil traz a autorizaçãoconsentimento como condição para a utilização da imagem de uma pessoa ressalvadas as exceções trazidas pela própria lei Menezes Cordeiro aponta semelhante solução no direito português ao afirmar que o artigo 79º1 consagra a regra básica o retrato de uma pessoa não pode ser exposto reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela57 sendo claro que ninguém pode ser retratado sem seu consentimento ainda que este possa ser tácito58 Desse modo parece não haver dúvidas de que a pessoa que autorize o retrato pode não estar a autorizar a exposição a reprodução ou o lançamento no mercado inversamente quem autorize esta última hipótese está necessariamente a permitir todas as outras operações antes referidas59 Notese todavia que o consentimento do titular não importa em cessão do direito mas sim em licença do uso da imagem para determinado fim e nos 56 KONDER Carlos Nelson Dificuldades de uma abordagem unitária do lucro da intervenção Revista de Direito Civil Contemporâneo v 13 ano 4 outdez 2017 p 232 57 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258 58 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258 59 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258259 MIOLORBDCivil27indd 265 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 266 limites em que foi autorizado60 pois o direito a imagem permanece com o titular A licença seria assim um negócio jurídico61 Recorda Menezes Cordeiro que a autorização pode vir tanto no corpo de um contrato como pode surgir de um ato unilateral contudo como já dito anterior mente devese buscar o consentimento inequívoco que para o autor português se revela na determinabilidade ou seja ao contratar sobre o próprio retrato o sujeito deve fazêlo precisando em que termos por quanto tempo e para que efeito No contrato que seja omisso teremos de optar pela solução mais restritiva seguindose a nulidade quando de todo nada se consiga apurar pela interpretação62 O consentimento deve ser por isso fornecido para um fim determinado não podendo vir a ser utilizado além das limitações exatas em que fôr expresso63 Importa recordar ainda que o consentimento é eficaz apenas em relação a pes soa ou pessoas a quem foi dado quanto a todas as outras o jus imaginis continua inalterável subsistindo o poder de consentir ou recusar a exposição64 O mesmo raciocínio se aplica também as hipóteses de divulgação sucessiva no tempo como bem delineado por Anderson Schreiber no intitulado caso dos Heróis do Tri no qual se editou um álbum de figurinhas com fotos dos exjogadores cam peões da Copa do Mundo de 1970 pelo Brasil contra o qual se insurgiram alguns atletas que não haviam autorizado o uso da imagem tendo decidido o STJ que os jo gadores tinham razão pouco importando o caráter de homenagem aos retratados65 De forma diferente decidiu o STJ no caso da atriz Deborah Secco no REsp nº 1322704 Na ocasião a atriz se insurgiu contra a Editora Abril responsável pela Revista Playboy sob a alegação de que a editora teria republicado indevida mente como foto de capa sua imagem em edição especial de fim de ano con duta que extrapolaria os limites do contrato de cessão de direito de imagem66 60 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 78 61 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 78 62 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 259 63 CHAVES Antonio Direito a própria imagem Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo p 56 64 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 135 65 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 conforme STJ Recurso Especial nº 46420SP Rel Min Ruy Rosado de Aguiar Jr 1291994 66 TARTUCE Flávio Débora Secco x Playboy Negado pedido de indenização pelo STJ JusBrasil 2015 Disponível em httpsflaviotartucejusbrasilcombrnoticias148514748deboraseccoxplayboynegado pedidodeindenizacaopelostj Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 266 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 267 Segundo afirmava a atriz o contrato embora permitisse republicações de fotos não autorizaria nova foto de capa em edição posterior67 Na hipótese o STJ entendeu que não assistia direito a Deborah pois seu recurso não alegou ofensa ao direito de imagem para fins comerciais mas tão somente invocou violação a direitos autorais os quais não seriam devidos a ela E no caso da reconstrução digital Qual seria a solução adotada A hipótese aqui é diferente A reconstrução via de regra valese de um banco de imagens da pessoa para a partir de recursos gráficos recriar uma nova imagem como feito no filme da saga Star Wars Seria possível então fazer com que pessoas já falecidas voltassem a vida artificialmente em novos filmes Resta mais uma vez o questionamento seria necessário o consentimento específico para esse fim A questão passa a ganhar contornos um pouco diferentes No caso dos Heróis do Tri por exemplo as imagens veiculadas no álbum de figurinhas eram pretéritas já haviam sido expostas e houve consentimento em vida dos retratados O caso da reconstrução digital contudo é diferente pois a nova retratação gera imagens inéditas não consentidas pelo retratado É a imortalidade do ineditismo É precisamente esta a peculiaridade que atrai maior sutileza na análise da questão Será que os herdeiros teriam legitimidade68 para autorizar que a imagem de seus antecessores fosse criada a revelia de um consentimento jamais dado E mais seria possível que a imagem fosse utilizada para fins contrários a imagem atributo do falecido Alguns exemplos podem ajudar nessa compreensão O lendário compositor poeta e diplomata Vinicius de Moraes costumava dizer que o Whisky era o ca chorro engarrafado numa alusão ao melhor amigo do homem tamanha a sua paixão pela bebida Não faltam relatos e vídeos de Vinicius consumindo bebidas alcoólicas o que lhe era absolutamente normal e cotidiano Seria possível que seus herdeiros autorizassem a reconstrução digital de sua imagem em campanha oficial de governo autoritário em que o poeta pregasse contra o consumo de álcool em nome da moral e dos bons costumes da família brasileira O caso de Vinicius é peculiar e interessante porque há inclusive um comercial de TV póstumo em que se realizou montagem para que ele aparecesse tomando cerveja e até brindando com Tom Jobim apesar de não se ter utilizado inteligência artificial69 67 TARTUCE Flávio Débora Secco x Playboy Negado pedido de indenização pelo STJ JusBrasil 2015 Disponível em httpsflaviotartucejusbrasilcombrnoticias148514748deboraseccoxplayboynegado pedidodeindenizacaopelostj Acesso em 10 mar 2019 68 Acerca da legitimidade dos herdeiros para tutela da imagem de pessoa falecida ver mais em PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 11 para quem o grau de ligação afetiva e de proximidade com a pessoa falecida será determinante para o deslinde dessas ações 69 Comercial da Brahma datado de 1991 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv7QKdS1MxhlE Acesso em 1º fev 2021 MIOLORBDCivil27indd 267 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 268 E se utilizassem a imagem de cantora morta em decorrência de overdose de drogas numa campanha publicitária em que ela aparentemente vinda do além túmulo afirmasse ter se regenerado e explicasse as pessoas o que lhe ocorreu incentivandoas a não optarem pelas drogas E o oposto Imaginese por exemplo que assombrados pelo medo da vio lência na Índia os sucessores de Mahatma Gandhi70 permitissem a reconstrução de sua imagem para promover campanha associada a indústria bélica na qual o pacifista e grande propagador da não violência afirmasse a seguinte frase Só as armas podem trazer a paz Em todos esses casos principalmente naqueles que envolvem o cinema houve consentimento e autorização para a captação das imagens Como dito há uma cisão entre captação e divulgação e usualmente nos casos acima referidos a divulgação também era autorizada Não obstante a hipótese aqui é diferente porque em nenhum momento houve autorização para a criação de novas imagens a partir das imagens antigas as quais repitase tiveram a captação e a divulga ção autorizadas Dois são os maiores questionamentos teriam os herdeiros legitimidade para autorizar essa recriação de imagens ou seria necessária a autorização em vida Além disso será que a finalidade da recriação seria um parâmetro importante Isto é será que o fato de uma cantora morta em decorrência de overdose fazer campanha contra as drogas é o mesmo caso de um pacifista que vem fazer apolo gia a indústria bélica e uma atriz que tem sua personagem reconstruída para atuar no último filme de uma saga da qual ela fez parte desde o início E se a finalidade for pública e gratuita Poderia um museu recriar digitalmen te um avatar virtual de um famoso pintor para que ele explicasse o conteúdo de suas obras aos visitantes e interagisse com eles A finalidade parece assim ser um norte importante que não pode ser negligenciado Mas até mesmo a baliza da previsão contratual parece ter seus contornos alterados pois por mais que se preveja em vida a possibilidade de recriação futura da imagem da pessoa será que este contrato seria possível sendo que no momento da celebração não se possui qualquer controle quanto ao resultado final da imagem por mais bem detalhado que o contrato seja É preciso recordar ainda do atributo da intransmissibilidade dos direitos da personalidade como parte da discussão No Direito brasileiro cuja proteção aos direitos da personalidade expandiuse e se consolidou nos últimos anos a resposta basilar aponta para a necessidade de autorização expressa da pessoa 70 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 105 MIOLORBDCivil27indd 268 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 269 Como é cediço na doutrina os direitos da personalidade são intrans missíveis de modo que somente o próprio retratado pode conceder as autorizações necessárias a reconstrução digital de sua imagem para aproveitamento econômico Concluir o contrário seria supor que herdeiros são verdadeiros proprietários da imagem do parente morto e que poderiam rentabilizála ad aeternum quando a teleologia da lei reside na verdade na salvaguarda da honra do defunto e não na exploração econômica de sua imagem por terceiros Nada impede porém que o retratado estabeleça que os usos post mortem de sua imagem ficarão condicionados ao pagamento a seus sucessores de vendo prevalecer a vontade das partes manifestada em contrato71 Dessa análise sucinta propõese a criação de alguns parâmetros iniciais para tentar equacionar esse dilema a saber i a previsão expressa em contrato em vida e autorização da família ii a finalidade da recriação da imagem e iii a adequação da imagem criada post mortem a imagematributo construída em vida pela pessoa No caso da previsão expressa ela poderia servir como um limite negativo a menos que houvesse desautorização expressa em vida de que as imagens não pu dessem vir a ser usadas para criação de novas seria lícito que os herdeiros auto rizassem a sua exploração atentandose contudo para a finalidade da recriação Por finalidade podese entender tanto o fato de ser para fins públicos a exem plo de campanha educativa em museu como para fins lucrativos de exploração eco nômica No caso de finalidades públicas o interesse da sociedade pode representar um importante fiel na balança Por outro lado no caso de exploração econômica podese entrar em choque mais direto com o terceiro critério pois não se poderia permitir que a reconstrução digital post mortem da imagem viesse a conflitar com a imagematributo adquirida pela pessoa em vida A título de curiosidade no caso já mencionado da recriação da imagem de Peter Cushing na saga Star Wars para que sua imagem fosse utilizada no filme a produtora Disney precisou da aprovação do legado do ator uma lei californiana de 1985 prevê que os estúdios precisam da aprovação das famílias dos atores e atrizes até 70 anos após suas mortes72 A ideia central é que a reconstrução da imagem não poderia violar aquilo que foi construído em vida pela pessoa O já citado exemplo de Vinícius de Moraes pode ser invocado para ilustrar esse limite criado pela imagematributo 71 ROMANO Rafael Salomão O filme Rogue One Uma História Star Wars e o direito de imagem Consultor Jurídico 29 dez 2016 Disponível em httpswwwconjurcombr2016dez29rafaelsalomaoromano filmerogueoneedireitoimagemimprimir1 Acesso em 10 mar 2019 72 Disponível em httpsnoticiasboluolcombrultimasnoticiastecnologia20180104adisneypode recriarcarriefishernoproximostarwarsmasnaovaihtm Acesso em 9 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 269 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 270 É de se questionar no entanto se esses critérios são limites intransponí veis Num primeiro momento a resposta parece ser negativa Explicase a apli cação desses parâmetros não deve ser feita de maneira absoluta mas relativa a luz do caso concreto de modo que um parâmetro pode acabar tendo maior importância em relação aos demais diante da situação real Com efeito não seria demais cogitar que a autorização dos herdeiros pudesse ceder ante o interesse público em algum caso ou que a imagematributo fosse superada em nome de uma finalidade maior Fica a ressalva contudo de que o consentimento preferencialmente ine quívoco deve ser sempre o norte na bússola interpretativa Desse modo caso a pessoa falecida tenha deixado autorização expressa parece haver nenhum ou re duzidíssimo espaço para ir contra a sua vontade e recriar sua imagem digitalmen te Há assim grande reforço argumentativo em favor da utilização da imagem o que não é porém um critério absoluto pois outros valores poderiam justificar que aquela recriação não fosse mais tolerável Como se pode observar a inteligência artificial permite o prolongamento do ineditismo da imagem das pessoas por meio da tecnologia mesmo após a morte Resta a doutrina a jurisprudência e ao legislador que averiguarem os limites sen do certo que em não havendo previsão contratual em vida os herdeiros devem ser consultados73 por força do parágrafo único do art 20 do Código Civil 23 A atuação das plataformas no caso das deepfakes É notório que a principal forma de divulgação das manipulações de deepfake se dá quase integralmente por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens e em sites no caso de pornografia O cenário da responsabilidade civil das plata formas74 é regulado sobretudo pelo Marco Civil da Internet75 73 Questão próxima a esta se deu no caso dos livros psicografados por Francisco Cândido Xavier e atribuídos ao já falecido escritor Humberto de Campos em que seus herdeiros procuraram o Poder Judiciário Ver mais sobre em httpswwwmigalhascombrPI99MI24584551045OespiritoescritorAsobrasp sicografadasoDireitodeAutoreouso Acesso em 10 mar 2019 74 As plataformas na internet sejam redes sociais abertas como Facebook ou Twitter sites de vídeo como o YouTube e aplicativos de mensagem como o WhatsApp estarão cada vez em evidência e os seus protocolos sobre como agir quando um vídeo falso viralizar pode se tornar um assunto de comoção nacional Por um lado a tecnologia de manipulação de vídeos inserindo digitalmente o rosto de uma pessoa no corpo de outra ou mesmo emulando a sua voz os chamados deepfake está se tornado cada vez mais popular e acessível AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologia abrenovocapitulonamanipulacaodevideosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 75 Seção III Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros Art 18 O provedor de conexão a internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo MIOLORBDCivil27indd 270 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 271 A regra geral estabelecida pelo Marco Civil está contida no seu art 18 segundo o qual o provedor de conexão a internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros Assim a responsabilidade civil do provedor de aplicações iniciase a partir do recebimento da ordem judicial que ao cumprila afasta uma possível responsabilização de ilícitos por terceiro76 o que foi previsto no art 1977 da referida lei Diferentemente do modelo do notice and takedown por meio do qual diante da notificação extra judicial pelo usuário o provedor deveria retirar o conteúdo o Brasil adotou como gerado por terceiros Art 19 Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se após ordem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente ressalvadas as disposições legais em contrário 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter sob pena de nulidade identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente que permita a localização inequívoca do material 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art 5º da Constituição Federal 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados a honra a reputação ou a direitos de personalidade bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet poderão ser apresentadas perante os juizados especiais 4º O juiz inclusive no procedimento previsto no 3º poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação Art 20 Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art 19 caberá ao provedor de aplicações de internet comunicarlhe os motivos e informações relativos a indisponibilização de conteúdo com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário Parágrafo único Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento a indisponibilização Art 21 O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de seus participantes de imagens de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal deixar de promover de forma diligente no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço a indisponibilização desse conteúdo Parágrafo único A notificação prevista no caput deverá conter sob pena de nulidade elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido 76 GONÇALVES Victor Hugo Pereira Marco Civil da Internet comentado 1 ed São Paulo Atlas 2017 p 97 77 O artigo cria para o provedor de aplicações de internet um ambiente que restringe a possibilidade de sua responsabilização por conteúdo de terceiro apenas para os casos em que ocorrer o descumprimento de uma ordem judicial Além da preocupação com a garantia da liberdade de expressão optouse por esse sistema em razão da subjetividade dos critérios para a retirada de conteúdo da internet o que pode prejudicar a diversidade e o grau de inovação nesse meio implicando sério entrave para o desenvolvimento de novas alternativas de exploração e comunicação na rede SOUzA Carlos Affonso TEFFÉ Chiara Spadaccini de Liberdade de Expressão e o Marco Civil da internet Pesquisa TIC Domicílios 2016 p 43 44 Disponível em httpswwwacademiaedu36006753LIBERDADEDEEXPRESSC383OEO MARCOCIVILDAINTERNET Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 271 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 272 regra a retirada somente após ordem judicial o que foi recebido com críticas por parte da doutrina destacandose nesse aspecto Anderson Schreiber78 Ao condicionar a responsabilidade civil ao descumprimento de or dem judicial específica o referido art 19 promove um espantoso engessamento da tutela dos direitos do usuário da internet não raro direitos fundamentais expressamente protegidos pela Constituição da República como a honra a imagem e a privacidade Cria verdadei ra bolha de irresponsabilidade na medida em que restringe a respon sabilidade civil das sociedades empresárias que exploram os sites onde o conteúdo lesivo é veiculado limitando eventual pretensão reparatória aos tais terceiros quase sempre anônimos e cuja iden tidade e localização somente podem ser conhecidas na maior parte dos casos por aquelas mesmas sociedades empresárias que a lei exime de responsabilidade Mesmo quando conhecidos os terceiros não tem condições técnicas ou econômicas de atenuar a propagação do dano razão pela qual a eventual responsabilização tem pouca ou nenhuma consequência prática A principal exceção se verifica no caso do art 21 que trata da retirada de conteúdos pornográficos que se dá mediante a notificação extrajudicial do usuá rio sendo o que o único critério estabelecido pelo legislador para a retirada de conteúdo é que os participantes não tenham autorizado a divulgação do vídeo79 Diante desse cenário a solução para as plataformas tenderia a não respon sabilização pela divulgação de deepfakes a menos que i envolvessem conteúdo pornográfico ou ii houvesse ordem judicial de remoção do conteúdo Não obs tante é de se indagar seria esta a melhor solução Ou será que haveria para os provedores um dever mínimo de checagem quanto ao conteúdo80 78 Continua Schreiber Pior que uma norma infeliz o art 19 deve ser considerado inconstitucional por violar em diferentes aspectos a Constituição da República art 5º incisos X e XXXV art 1º III entre outros Não apenas restringe a tutela de direitos fundamentais retrocedendo em relação a proteção que já era assegurada pelos tribunais brasileiros mas também promove intolerável inversão axiológica ao permitir tratamento mais favorável a direitos de conteúdo patrimonial direitos patrimoniais do autor por exemplo que a direitos da personalidade sendo certo que a ordem constitucional trata esses últimos com primazia SCHREIBER Anderson Marco Civil da Internet avanço ou retrocesso A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro p 26 Disponível em httpsdlscombruploads files201806artigomarcocivilinternet1529497697pdf Acesso em 10 mar 2019 79 GONÇALVES Victor Hugo Pereira Marco Civil da Internet comentado 1 ed São Paulo Atlas 2017 p 104 80 Acerca da responsabilidade civil das plataformas pela divulgação de deepfakes remetese a minuciosa análise de SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabi lidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 MIOLORBDCivil27indd 272 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 273 A discussão nos Estados Unidos da América parece ser a mesma Com base no Communications DecencyAct CDA Section 230 Bobby Chesney e Danielle Citron criticam a irresponsabilidade das plataformas81 Para os autores não seria possível proibir as deepfakes abstratamente Com efeito para se evitar eventuais chilling effects isto é frear a inovação tecnológica por causa das restrições a ela criadas a saída para a responsabilização seria exigir a prova da intenção de enganar e a comprovação da evidência de prejuízo sério Nos Estados Unidos o discurso falso é permitido pela Constituição mais uma vez com base na ideia de que a sua proibição arrefeceria o discurso verdadeiro Assim a mentira só não é protegida em três casos difamação de pessoas privadas fraude e no caso de se furtar a identidade de oficiais do governo Chesney e Citron enumeram três obstáculos ao combate das deepfakes nos EUA i a dificuldade em se rastrear o criadordistribuidor da deepfake deixaria um remédio apenas contra a plataforma que permitiu que o vídeo continuasse circulando ii criadores e divulgadores podem estar fora da jurisdição do país iii o alto custo das ações cíveis nos EUA iv o fato de que as ações atraem publicidade para o seu caso o que pode agravar o seu dano o que poderia estar associado ao chamado efeito Streisand82 Analisando a impossibilidade de se recorrer ao direito autoral e ao chamado right to publicity algo parecido com o que se chama de lucro de intervenção no Brasil tendo em vista o fato de que nem sempre há ganho econômico para quem divulga a deepfake os autores norteamericanos trazem a possibilidade de se in vocar o instituto da defamation se o agente circulou a deepfake sabendo que o conteúdo era falso ou irresponsavelmente ignorou a possibilidade de que o fosse Não obstante Chesney e Citron advogam que a maneira mais eficiente de se mitigar o dano seria através da responsabilização das plataformas Em tradução livre afirmam que a Secão 230c1 expressamente proíbe que se trate a plataforma como um editor do conteúdo problemático A partir da interpretação 81 CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep Fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 3141 82 Há inclusive a possibilidade de ocorrer o efeito Streisand quando a tentativa de censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra o censor resultando na vasta replicação da referida informação Batizado de efeito Streisand em referência a atriz norteamericana Barbra Streisand que buscou remover uma foto de sua casa da rede o fenômeno expõe uma realidade que poderia muito bem ser aplicada para o espanhol Mario Costeja que provocou a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia ou para a professora Aliandra de Minas Gerais que buscou em ação que atualmente se encontra no Supremo Tribunal Federal a remoção de uma comunidade na extinta rede social Orkut e indenização pelo seu conteúdo Recurso Extraordinário 1057258 SOUzA Carlos Affonso TEFFÉ Chiara Spadaccini de Liberdade de Expressão e o Marco Civil da internet Pesquisa TIC Domicílios 2016 p 41 Disponível em httpswwwacademiaedu36006753LIBERDADEDEEXPRESSC383OEOMARCOCIVILDA INTERNET Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 273 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 274 da jurisprudência acerca da Seção 230 as plataformas online gozam de imunidade de responsabilidade por conteúdo gerado pelo usuá rio mesmo se elas deliberadamente encorajem a publicação desse conteúdo83 Essa regra pode ser de certa forma comparada com a do art 19 do Marco Civil Como explicam os autores norteamericanos essa imunidade foi criada lá porque achavam que ela fosse permitir o crescimento da internet que estava surgindo a época Questionam contudo se ela ainda é necessária hoje uma vez que desincentivaria entidades melhor preparadas a tomarem ações contra esse tipo de conteúdo Com isso as plataformas acabariam tendo um enorme poder mas sem qualquer responsabilidade84 Como solução Chesney e Citron sugerem uma alteração legislativa criando para as plataformas o dever de tomar medidas razoáveis para detectar conteúdos ilegais85 de acordo com os meios técnicos que elas possuam para identificar a violação o que parece estar alinhado com o que vem sendo feito por exemplo 83 No original Section 230c1 expressly forbids treating the platform as a publisher of the problematic content As courts have interpreted Section 230 online platforms enjoy immunity from liability for user generated content even if they deliberately encourage the posting of that content CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep Fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 37 84 Section 230s immunity provision has been stretched considerably since its enactment immunizing platforms even when they solicit or knowingly host illegal or tortuous activity The result has been a very permissive environment for hosting and distributing usergenerated online content yes but also one in which it is exceptionally hard to hold providers accountable even in egregious circumstances including situations in which someone is purveying systematic disinformation and falsehoods statesponsored or otherwise Courts have taken this approach based on an assessment of First Amendment values that supposedly drove the CDA Courts have extended the immunity provision so that it applies to a remarkable array of scenarios including ones in which the provider republished content knowing it violated the law solicited illegal content while ensuring that those responsible could not be identified altered their user interface to ensure that criminals could not be caught and sold dangerous products In this way Section 230 has evolved into a kind of superimmunity that among other things prevents the civil liability system from incentivizing the bestpositioned entities to take action against the most harmful content This would have seemed absurd to the CDAs drafters The laws overbroad interpretation means that platforms have no liabilitybased reason to take down illicit material and that victims have no legal leverage to insist otherwise Rebecca Tushnet put it well a decade ago Section 230 ensures that platforms enjoy power without responsibility CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 3839 85 Em entrevista para a CNN MonikaBickert vicepresidente do Facebook para políticas de produtos e antiterrorismo argumentou que a política da empresa é apenas remover o vídeo quando existe risco de dano físico ou violência em decorrência do conteúdo O apresentador Anderson Cooper insistiu no fato de que se um vídeo é sabidamente falso não deveria ele ser removido da plataforma A VP do Facebook argumentou que a empresa tomou todas as medidas para indicar claramente a natureza do vídeo e que o recurso a checagem de fato terceirizada garante aos usuários da rede social uma visão independente sobre o conteúdo que nela circula permitindo que os mesmos possam decidir no que acreditar AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologiaabrenovocapitulonamanipulacaode videosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 MIOLORBDCivil27indd 274 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 275 pelo Twitter que chegou a censurar conteúdos falsos nos últimos anos em espe cial do ExPresidente norteamericano Donald Trump E o uso da própria inteligên cia artificial parece ser um importante aliado nessa batalha contra as deepfakes por meio de uma identificação mais precisa delas86 No Brasil há quem defenda semelhante solução Nesse sentido Anderson Schreiber Felipe Ribas e Rafael Mansur advogam a possibilidade de se realizar interpretação conforme a Constituição do art 19 do Marco Civil para se responsa bilizar as plataformas pela divulgação de deepfakes87 Além disso o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva pontuou que o Marco Civil está atrasado no que toca ao combate a desinformação e que uma alternativa para o combate de Deep fakenews seria a criação de um algoritmo capaz de detectar o que é ou não fakenews mas obviamente isso geraria ainda mais críticas Quem controla a caixapreta do algoritmo e determina os parâmetros do que é falso ou verdadeiro88 Quais são os riscos de imputar as plataformas o dever de monitoramento e curadoria do conteúdo postado na rede No âmbito criminal recentemente o Código Penal foi reformado para abarcar também a criminalização das montagens de deepfakes que incluam a pessoa em cena de nudez ou de ato sexual ou libidino so de caráter íntimo conforme a dicção expressa do parágrafo único do art 216B Art 216B Produzir fotografar filmar ou registrar por qualquer meio conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter 86 O Reddit atualizou suas políticas de uso em 7 de fevereiro para incluir expressamente a proibição de conteúdos de pornografia involuntária e ainda baniu comunidades criadas com esse fim uma delas com cerca de 90 mil inscritos No mesmo sentido outras plataformas como Pornhub Twitter Discord e Gfycat também baniram esse tipo de vídeo Em que pesem todos esses esforços ainda há muito conteúdo de pornografia involuntária na rede Portanto considerando que a tecnologia é sempre uma faca de dois gumes agora buscase sic utilizar a própria IA para combater a divulgação desses vídeos fraudulentos É o que o Gfycat está se propondo a faze através de dois projetos Project Angora e Project Maru em que em termos bem simples e resumidos buscase online aquele mesmo rosto para verifi car se a imagem está sendo reutilizada no vídeo O problema com isso é todavia que se o vídeo do rosto original não está disponível online não seria possível identificar a montagem GODOY Maria Pornografia involuntária e vídeos deepfake Jusbrasil Disponível em httpsmgodoyjusbrasilcombr artigos547021016pornografiainvoluntariaevideosdeepfake Acesso em 1º set 2018 87 SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabilidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 88 MENDONÇA Helena C F Coelho RODRIGUES Paula Marques Deepfakenews e sua influência no universo feminino Migalhas 4 jul 2018 Disponível em httpswwwmigalhascombrdePeso16MI2829873 1047Deepfakenewsesuainfluencianouniversofeminino Acesso em 1º set 2018 MIOLORBDCivil27indd 275 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 276 íntimo e privado sem autorização dos participantes Incluído pela Lei nº 13772 de 2018 Pena detenção de 6 seis meses a 1 um ano e multa Parágrafo único Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia vídeo áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter ínti mo Incluído pela Lei nº 13772 de 2018 Tratase assim de um problema novo que ainda precisa ser encarado de forma mais detida pela doutrina e sobretudo pela sociedade civil pautandose o debate pela inafastável certeza de que a educação digital das pessoas tem o poder de contribuir para diminuir os impactos da desinformação e da circulação de imagens manipuladas Não se pode olvidar contudo do importante papel a ser desempenhado pelas plataformas e da criação de algoritmos capazes de auxiliar na identificação de conteúdo falso Conclusão O presente estudo buscou traçar breve panorama acerca do estado da arte atual do direito a imagem no Brasil a partir de uma evolução histórica focando no combate as chamadas deepfakes e no tratamento dispensado a reconstrução digital de imagens a partir de tecnologias de inteligência artificial Como um direito midiático a proteção a imagem deve ser encarada dentro do seu tempo mas sempre recorrendo as bases que o fundaram como um direito da personalidade e em última análise como atributo essencial da dignidade da pessoa humana Muitos são os desafios impostos pela evolução tecnológica e a historicidade desse direito permite demonstrar como a sua permeabilidade aos avanços científicos moldou o seu conteúdo Inicialmente atrelado a fotografia falavase na quebra das máquinas para se impedir a divulgação do conteúdo Hoje todavia se chegou a um ponto em que a sofisticação tecnológica demanda respostas ainda mais criativas dada a velocidade89 na transmissão de conteúdos na internet e o potencial lesivo daí resultante Inúmeras outras questões ficaram de fora do breve escopo desta análise mas merecem igual atenção Vejase que a própria maneira de se reparar as lesões hoje é diferente havendo impactos como por exemplo o já mencionado efeito Streisand Além disso parâmetros anteriormente consagrados como o 89 BITTAR Carlos Alberto Os direitos da personalidade 8 ed São Paulo Saraiva 2015 p 159160 MIOLORBDCivil27indd 276 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 277 da pessoa pública parecem estar ruindo até mesmo porque o conceito de fama hoje foi alterado com a câmera de um smartphone uma pessoa anônima pode se tornar mundialmente conhecida em questão de segundos Fato é que a tecnologia transforma a cada dia a forma de se capturar a imagem mas permanece atual a advertência de que o norte de todo o esforço hermenêutico deve ser garantir que o direito a imagem cumpra sua função prima cial de assegurar a pessoa humana o livre desenvolvimento dos atributos de sua personalidade que compõem a sua dignidade Informação bibliográfica deste texto conforme a NBR 60232018 da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT MEDON Filipe O direito a imagem na era das deepfakes Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 MIOLORBDCivil27indd 277 26032021 155358

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251 Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 DOI 1033242rbdc202101011 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES THE RIGHT TO IMAGE IN THE DEEPFAKES AGE Filipe Medon Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Professor Substituto de Direito Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e de cursos de PósGraduação do Instituto New Law PUCRio CepedUERJ EMERJ Cedin e do curso Trevo Membro da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OABRJ e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil Iberc Advogado e pesquisador Instagram filipemedon Resumo O objetivo do presente artigo é analisar o direito a imagem na atualidade tendo em vista os avanços tecnológicos valendose do recurso a uma perspectiva que contemple a historicidade do insti tuto Buscase desvendar assim a chamada reconstrução digital da imagem propondose parâmetros para a reconstrução post mortem além de se analisar o fenômeno das deepfakes com especial foco na responsabilidade civil das plataformas Palavraschave Direitos da personalidade Reconstrução digital Tutela post mortem da imagem Inteligência artificial Abstract The aim of this article is to analyze the right to image in the present time in light of the technological advances by means of a perspective that contemplates the historicity of the institute It seeks to unravel thus the socalled digital reconstruction of the image suggesting parameters for the postmortem reconstruction in addition to analyzing the phenomenon of deepfakes with special focus on the civil liability of the platforms Keywords Personality rights Digital reconstruction Post mortem tutelage of the image Artificial intelligence Sumário Introdução 1 Conteúdo do direito a imagem o consentimento como parâmetro 2 Recons trução digital e deepfakes o estágio atual do direito a imagem Conclusão Introdução A tecnologia revolucionou a maneira de se encarar os direitos da personali dade O direito a privacidade por exemplo anteriormente compreendido como o direito a ser deixado em paz na formulação histórica de Brandeis e Warren deu MIOLORBDCivil27indd 251 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 252 lugar a um direito na rede1 notadamente após a era do terror que se inaugurou no mundo com o episódio do 11 de setembro quando a privacidade além de não ser mais vista como um direito fundamental é de fato frequentemente conside rada um obstáculo a segurança sendo superada por legislações de emergência2 O mesmo processo parece ter se operado com o chamado direito a imagem cuja análise não pode prescindir de abordagem que privilegie aspectos de sua historicidade porque o seu conteúdo está imiscuído de tal forma com o seu con texto histórico que frequentemente com ele se confunde Falar em um direito a imagem hoje não é mais apenas falar na necessidade ou não do consentimento para a divulgação de uma imagem capturada por meio de uma fotografia ou de indenização devida por um pintor que retratou alguém de forma incompatível com os atributos da sua própria personalidade Essas eram questões datadas Direito a imagem hoje envolve em larga medida o uso da tecnologia tanto na divulgação inquestionavelmente mais veloz e potente com a internet como também na própria captura da imagem Basta se pensar nas inúmeras câmeras de monitoramento que já levaram a prisão de inúmeras pessoas no Brasil por meio de sistemas de reconhecimento facial algumas delas por engano3 bem como no robô pintor que usando o aspecto do aprendizado de máquina da inteligência artificial foi capaz de retratar uma imagem4 E essa mudança de paradigma não reflete apenas novas perspectivas na forma estática de retratar uma pessoa com a reconstrução digital de imagens e as chamadas deepfakes tornouse possível a partir de sistemas de inteligência artificial criar vídeos de pessoas com base em imagens e vídeos antigos produzindose cenas inéditas5 As técnicas de reconstrução digital como se analisará impactaram conside ravelmente não só a estrutura do que se entende por imagem como sobretudo as formas de se causar danos a imagem de uma pessoa elevando esse potencial lesivo a patamares impensados num passado não muito distante A revolução tecnológica redimensionou em diversos aspectos o que se enten dia por direito a imagem pois o desenvolvimento das chamadas tecnologias de 1 RODOTÀ Stefano A vida na sociedade da vigilância A privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 p 28 2 RODOTÀ Stefano A vida na sociedade da vigilância A privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 p 14 3 Disponível em httpswwwtecmundocombrseguranca139262carnavaltemprimeiropresoviacame rareconhecimentofacialbrasilhtm Acesso em 9 mar 2019 Por mais permitase a referência a MEDON Filipe Inteligência artificial e responsabilidade civil autonomia riscos e solidariedade Salvador JusPodivm 2020 p 221223 4 Disponível em httpsrevistagalileuglobocomTecnologianoticia201810primeirapinturafeitapor inteligenciaartificialvaileilaohtml Acesso em 9 mar 2019 5 DEEPFAKE a era digital e o fim do direito a imagem Ciência Digital 6 jun 2018 Disponível em httpwww cienciadigitalcombr20180606deepfakeeradigitaleofimdodireitoimagem Acesso em 1º set 2018 MIOLORBDCivil27indd 252 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 253 informação e comunicação TICs causam um impacto considerável na pesquisa e na aplicação desse direito cujos próprios contornos vão se amoldando de acordo com as tendências do progresso tecnológico6 Daí porque não se poder analisá lo de maneira a excluir uma abordagem histórica Sem a pretensão de esgotar a historicidade do instituto o presente estudo busca o recurso histórico como meio de auxiliar melhor compreensão do direito a imagem partindose da sua relação com a fotografia e chegando por fim as deepfakes que se inserem num contexto mais amplo de reconstrução digital e as formas de violação da imagem na rede Para tanto optase por uma breve incursão histórica passandose pela de finição do conteúdo desse direito destacandose a sua autonomia no cotejo com outros institutos como o direito a honra para finalmente analisar as deepfakes e a reconstrução digital de imagens como sintomáticas da mudança de paradigma operada no direito a imagem que como aponta Carlos Affonso Pereira de Souza é verdadeiramente o mais midiático dos direitos da personalidade7 uma vez que ele caracteriza o momento em que se vive a crescente exploração e porque não banalização da imagem como forma direta de comunicação8 1 Conteúdo do direito à imagem o consentimento como parâmetro O tratamento da imagem como um direito privado tal como entendido hoje começou a se afirmar apenas no século XIX atrelado aos progressos técnicos decorrentes dos processos fotográficos que facilitaram em grande medida a re produção das imagens9 A invenção da fotografia em 1829 por Nicéphore Niepce aperfeiçoada por Luis Jacobo Mandé Daguerre é tida como o grande detonador da inquietação do mundo das imagens porque até ali para se retratar uma pessoa presumiase que ela consentisse porque a menos que copiassem um quadro ela precisava posar por horas diante do artista10 6 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 7 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 8 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 1 9 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 130 10 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 73 MIOLORBDCivil27indd 253 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 254 Por outro lado o início do estudo da teoria da imagem propriamente dita teria se dado na monografia de Keyssner Das Rechtameigenen Bilde que se baseou na Lei alemã da Fotografia de 1876 Inicialmente Keyssner sustentou a ilicitude da publicidade bem como defendeu o direito do fotografado de tomar e destruir a máquina do fotógrafo para evitar a fixação da imagem na chapa como meio de legítima defesa11 Já do ponto de vista normativo os principais marcos iniciais foram a Lei alemã de Fotografia de 1011876 a Lei belga de Direito do Autor de 2231886 e a Lei japonesa de Direito Autoral de 43189912 No Brasil a primeira referência a proteção a imagem no ordenamento veio com a Lei Eleitoral nº 496 de 1º81898 que continha norma de proteção a imagem relacionada ao direito do autor O artigo 22 da referida Lei estabelecia limitações ao direito do autor ao conferir ao retratado direitos mais fortes do que os reservados ao retratista13 A mesma vinculação ao direito de autor foi reproduzida no Código Civil de 1916 que no seu art 666 inc X apontava Não se considera ofensa aos direitos de autor A reprodução de retra tos ou bustos de encomenda particular quando feita pelo proprietário dos objetos encomendados A pessoa representada e seus sucesso res imediatamente podem oporse a reprodução ou pública exposição do retrato ou busto Dessa associação tinhase que prima facie protegiase o autor do retrato cabendo oposição da pessoa retratada ou de seus sucessores a reprodução ou exposição pública Embora não se afirmasse o consentimento estava implícito pois a norma tratava da reprodução pública de um retrato ou busto encomendado Em contraste a noção de oposição o Código Civil de 2002 trouxe uma noção de autorização ao dispor em seu art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmis são da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da ima gem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais 11 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 74 12 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 76 13 FRANCIULLI NETTO Domingos A proteção ao direito a imagem e a Constituição Federal Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva v 16 n 1 p 174 janjul 2014 p 33 MIOLORBDCivil27indd 254 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 255 Parágrafo único Em se tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge os ascendentes ou os descendentes A ratio da codificação vigente é de que a mera captação já dependeria do consentimento do seu titular porque haveria uma presumptio hominis de que a fixação fotográfica da imagem destinase a posterior reprodução Por isso deve ser deferido ao titular o direito de autorizar e negar a captação de sua imagem A divulgação ou reprodução constitui extensão de uma lesão já ocorrida14 Assim no atual estado da arte da doutrina entendese que o direito a imagem precede a sua divulgação sendo protegida já a mera captação da imagem A proteção desse direito residiria na possibilidade de alguém se opor a divulgação de retrato ou fotografia na qual a mesma figurasse sem a sua autorização Caberia apenas a pessoa decidir se como quando e por quem a sua imagem seria capturada e divulgada para terceiros15 Não obstante o consentimento não é um limite in transponível pois o próprio Código Civil traz no art 20 a possibilidade de utilização da imagem de uma pessoa nos casos de isto ser necessário a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública muito embora tais conceitos sejam vagos e imprecisos contribuindo para a pouca assertividade do dispositivo Falase ainda numa noção de consentimento tácito que no caso das fo tografias pode ser tão usual quanto a celebração de termos por escrito uma vez que a simples pose para foto já pode consistir em concordância para a sua captura16 Antonio Chaves por exemplo apontava como hipótese de consenti mento presumido o caso de uma pessoa que comparece em público em compa nhia de uma pessoa famosa passando então a sofrer uma limitação do seu direito a imagem decorrente de sua notoriedade17 No mesmo sentido Adriano de Cupis para quem aquele que participa em um acontecimento ou em uma cerimónia de interesse público ou ocorrida em público pode mesmo atribuirse o consentimento tácito da reprodução da sua imagem em várias cópias enquadra das nos ditos acontecimentos ou cerimónias18 14 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 68 15 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 16 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 4 17 CHAVES Antonio Direito a própria imagem Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo p 5455 18 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 138139 MIOLORBDCivil27indd 255 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 256 Objetase contudo que nessas situações não haveria consentimento tácito propriamente dito mas sim uma série de limites impostos ao direito a imagem da pessoa pelo interesse público o que tornaria desnecessária a autorização do titular19 Tais limites se diferenciariam da autorização tácita pois se se estivesse tratando de autorização ainda que implícita haveria o poder de oposição do titular a publicação20 O consentimento parece ser assim um assunto não resolvido completa mente na doutrina Todavia é certo que por mais frequentes que sejam tais situa ções de exposição em público em uma sociedade caracterizada pela presença constante da mídia e pelo anseio de exposição pública a necessidade de con sentimento inequívoco do retratado deve continuar a ser vista como regra nunca como exceção21 Desse modo a busca constante deve ser pela obtenção do con sentimento inequívoco do titular da imagem violada dado o potencial lesivo que sua divulgação pode ter sobretudo com a mola propulsora da internet que em poucos minutos consegue tornar mundialmente conhecida uma imagem obtida com o recurso da câmera de um smartphone Diante da impossibilidade de se valer da já referida legítima defesa alemã de 1876 de o fotografado tomar e destruir a máquina do fotógrafo para evitar a fixação da imagem na chapa é preciso buscar outros meios que se adéquem a realidade tecnológica do presente em especial da internet pois uma vez na rede tornase extremamente difícil a retirada de um conteúdo E o cenário que já era dramático com os vídeos e fotografias se tornou ainda mais assombroso com a reconstrução digital da imagem especialmente no caso das deepfakes pois o controle por parte do retratado é nulo não basta não sair de casa para não ter sua imagem capturada pois a inteligência artificial operada por mãos malévolas pode fabricar vídeos de maneira tão próxima da realidade que o próprio retratado se veja em dúvida quanto a sua autenticidade colocandoo em lugares onde ele nunca pisou falando coisas que jamais disse No entanto para melhor delimitar o conteúdo desse direito importante se faz inicialmente localizálo topograficamente no sistema isto é ressaltar que a sua proteção decorre de uma proteção mais ampla conferida aos direitos da per sonalidade Assim será possível delimitar suas atuais facetas bem como marcar as suas diferenças para outros direitos a ele correlatos como é o caso da honra que comumente com ele se confunde 19 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 80 20 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 80 21 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106107 MIOLORBDCivil27indd 256 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 257 11 Um direito da personalidade Proteger a imagem de uma pessoa é em última análise proteger a sua personalidade Como afirma Antonio Menezes Cordeiro o destino que se dê a imagem é de certo modo um tratamento dado a própria pessoa A imagem faz assim a sua aparição no palco dos bens de personalidade22 e sob a tutela da imagem podem encobrirse valores diversos todos eles respeitáveis e merecedo res de tutela Isso não impedirá que se refira em termos unitários a imagem como bem de personalidade23 E a imagem como parte integrante da construção da dignidade da pessoa humana não pode ser tratada de maneira dissociada da dimensão do reconheci mento presente nesta Nas palavras de Daniel Sarmento o olhar do outro nos constitui O que somos o que fazemos a forma como nos sentimos nosso bemestar ou sofrimento a nossa autono mia ou subordinação tudo isso depende profundamente da maneira como somos enxergados nas relações que travamos com os outros24 Desse modo para que as pessoas possam se realizar e desenvolver livre mente as suas personalidades o adequado reconhecimento pelo outro é vital25 Essa associação com a dimensão do reconhecimento da dignidade da pes soa humana isto é a ideia de que a maneira como se é enxergado pelo outro constitui quem se é permite ressaltar a importância em se retratar de maneira correta a pessoa humana por meio de uma imagem isto é a representação ade quada daquela pessoa Além disso a imagem protegida não é apenas aquela estática Já alertava Walter Moraes Toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem é imagem para o Direito A ideia de imagem não se restringe assim a representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura da escultura do desenho da fotografia da figuração caricata ou de corativa da reprodução em manequins e máscaras Compreende 22 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 255 23 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 5 p 255 24 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana conteúdo trajetórias e metodologias Belo Horizonte Fórum 2016 p 241 25 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana conteúdo trajetórias e metodologias Belo Horizonte Fórum 2016 p 241 MIOLORBDCivil27indd 257 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 258 além a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão e os gestos expressões dinâmicas da personalidade26 Observase assim o surgimento de um novo conceito de direito a imagem relativo agora não apenas a aspectos físicos da pessoa retratada como tam bém aqueles que dizem respeito ao seu comportamento em sociedade uma vez que atributos da pessoa como o seu jeito modo humor elementos de difícil definição mas de suma importância para a identificação da mesma passaram a ser protegidos27 A razão fundamental para isso é que a proteção apenas da fisionomia da pessoa deixaria a descoberto uma série de hipóteses em que atri butos de identificação relevantes são utilizados por terceiro para se aproveitar da vinculação que o público faria entre tais comportamentos e a pessoa da vítima28 Vêse portanto que toda e qualquer representação ou expressão da personali dade de um homem ou de identificação de uma pessoa jurídica é imagem para fins do Direito29 Surgem nesse contexto os conceitos de imagemretrato e imagematributo que não se confundem O primeiro se liga as expressões formais e sensíveis da personalidade reprodução visual do indivíduo de sua voz de partes do corpo desde que identificáveis a sua composição genética etc dela sendo titular so mente os seres humanos30 Já este último consubstancia os atributos positivos ou negativos de pessoas físicas ou jurídicas apresentados a sociedade31 Carlos Nelson Konder e Maria Celina Bodin de Moraes vão além ao afirmarem que a imagematributo poderia ser lesionada através não simplesmente pela divulgação não autoriza da da imagem mas quando esta fosse veiculada de maneira de formada não condizente com a identidade que o sujeito constrói socialmente A tal ponto que se passou a defender a reconstrução classificatória no sentido de conceber um novo direito o direito a iden tidade pessoal que representa uma fórmula sintética para destacar a pessoa globalmente considerada de seus elementos características 26 MORAES Walter Direito a própria imagem I Revista dos Tribunais São Paulo v 443 set 1972 p 64 27 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 28 PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 2 29 OLIVEIRA JÚNIOR Artur Martinho de Danos morais e à imagem 2 ed São Paulo Lex 2017 p 44 30 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 64 31 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 64 MIOLORBDCivil27indd 258 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 259 e manifestações isto é para expressar a concreta personalidade individual que veio se consolidando na vida social32 Tratase portanto de incidência sobre a conformação física da pessoa compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social33 Seja como for a violação ao direito a imagem de alguém atinge aspectos basilares da personalidade e em última análise a própria dignidade da pessoa humana 12 A autonomia do direito à imagem em relação ao direito à honra Confundese frequentemente direito a honra e direito a imagem especial mente no que se refere a imagematributo Há quem sustente que a proteção do direito a imagem estaria associada aquela conferida a honra pois aquela não seria autônoma mas sim mero instrumento de violação a outros direitos da per sonalidade tais como esta última ou a privacidade Nada obstante tratase de equívoco em que ainda incorre o art 20 do Código Civil34 35 Ainda hoje defensores da teoria da honra sustentam que o artista pode captar e reproduzir o que bem entender contanto que não cometa injúria ou difa mação o retrato que nada tiver de insultante nada tem de repreensível36 Mas a proteção a imagem é autônoma e não se confunde com a honra pois enquanto o direito a honra diz respeito a reputação da pessoa em seu meio social o direito a imagem exprime o controle que cada pessoa humana detém sobre qualquer representação audiovisual ou tátil da sua individualidade37 dado que o uso não consentido da representação externa da pessoa configura por si só violação ao direito de imagem cuja autonomia vem reconhecida no art 5º inciso X da 32 MORAES Maria Celina Bodin de KONDER Carlos Nelson Dilemas de direito civilconstitucional Rio de Janeiro Renovar 2012 p 207 33 BITTAR Carlos Alberto Os direitos da personalidade 8 ed São Paulo Saraiva 2015 p 153 34 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 105 35 Adriano de Cupis já sinalizava para essas duas acepções De facto duas soluções completamente diferentes são possíveis Ou se atribue ao direito a imagem uma importância geral que pode ser limitada somente por excepções específicas impostas pelo interesse público ou o direito a imagem é compreendido na esfera do direito a honra no sentido de que a tutela jurídica encontra aplicação somente no caso de a difusão da imagem da pessoa ser prejudicial para a honra dela DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 130 36 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 103 37 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 MIOLORBDCivil27indd 259 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 260 Constituição da República38Assim a proteção ao direito a imagem independe do caráter ofensivo da publicação que pode até mesmo ser elogiosa O direito a honra se subdividiria em sua vertente subjetiva autoestima amor próprio e objetiva fama reputação A honra objetiva referese aos conceitos sociais favoráveis aos bons costumes segundo um padrão médio de conduta e para que seja violada há que se imputar a pessoa um fato ofensivo como a práti ca de uma infração penal39 Por seu turno a imagematributo com a qual mais se tende a relacionar a honra não abriga necessariamente aspectos positivos que podem ser negativos ou mesmo dotados de neutralidade sem que isso altere sig nificativamente a reputação do indivíduo Nesse sentido a doutrina traz o exemplo de um pacifista que concede entrevista e na edição publicam equivocadamente que ele votaria em plebiscito a favor do comércio de armas Neste caso haveria uma violação a sua imagematributo mas não a honra porque ser contra ou a favor do comércio de armas não tem nenhuma relação com a honra do sujeito Já se um crime é imputado a alguém além de se cometer calúnia ofendese a imagematributo se o ofendido tiver uma imagem de sujeito correto40 Com efeito embora possa haver uma zona grísea de encontro entre os di reitos ambos não se confundem apenas se conjugam na proteção unitária da personalidade da pessoa humana 2 Reconstrução digital e deep fakes o estágio atual do direito à imagem Imaginese que as vésperas de uma eleição um vídeo circulasse na internet e seu conteúdo fosse capaz de determinar o resultado final seja porque um dos políticos envolvidos na disputa aparece cometendo um crime seja porque este é flagrado realizado alguma atividade que contraria a imagematributo por ele cons truída e mantida incólume ao longo de todo o processo eleitoral E se esse vídeo fosse falso apesar de a imagem ali retratada ser a do candidato Seria isso possível Graças a inteligência artificial hoje isso já é uma realidade Vejase por exemplo o caso do atual governador de São Paulo João Dória que as vésperas das eleições do ano de 2018 foi vinculado a um vídeo em que supostamente participava de orgia com mulheres Peritos teriam constatado 38 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 39 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 104 40 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 105106 MIOLORBDCivil27indd 260 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 261 se tratar de uma deepfake41 criada para abalar a imagem e a honra do governa dor com influência direta na acirrada disputa eleitoral Outro exemplo vem de um vídeo feito por um comediante norteamericano utilizando esta tecnologia para alertar as pessoas acerca dos seus perigos em que o exPresidente norteamericano Barack Obama aparece falando mal do então Presidente Donald Trump a partir de uma fusão de imagens em movimento do próprio Obama associadas a voz do comediante que imitava o expresidente No vídeo o suposto Obama chama Donald Trump de um total e completo idiota42 A perfeição da montagem é capaz de levar pessoas desatentas a certeza inaba lável de que se tratava de uma comunicação real de Obama E as consequências danosas disso possuem potencial ainda não calculado Basta pensar que muito além de se modificar a fala essa tecnologia já é capaz de gerar até mesmo cenas de sexo e nudez a partir do rosto de uma pessoa levando a uma evolução perversa da pornografia de vingança43 É assustador ver que segundo pesquisa divulgada pela Deeptrace em setembro de 2019 96 das deepfakes existentes a época eram pornográficas assolando em 100 mulheres quando o conteúdo era pornográfico o que contrastava com uma redução para apenas 39 quando os vídeos tinham conteúdo não sexual44 Tamanha é a gravidade das deepfakes que a sua utilização para fins de pornografia de vingança revenge porn chegou a ser criminalizada por mais de uma dúzia de estados nos Estados Unidos da América45 O estado de Maryland foi além debate lei que busca combater a influência política das deepfakes A lei proibiria os indivíduos de influenciar dolosa ou conscientemente ou de tentar 41 PERITOS constataram montagem em vídeo vazado afirma Doria Folha de SPaulo 24 out 2018 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder201810peritosconstatarammontagememvideovazadoafirma doriashtml Acesso em 9 jul 2020 42 Disponível em httpsnoticiasbanduolcombrjornaldabandvideos16430362videofalsodeobama chamaatencaoparadeepfakenewshtml Acesso em 9 mar 2019 43 Tornouse recorrente o caso chamado de pornografia de vingança revenge porn que ocorre quando alguém divulga insere eou expõe sem autorização dos retratados em quaisquer ferramentas da rede fotos eou vídeos com cenas íntimas nudez ou prática de ato sexual que foram registrados ou enviados em confiança ao parceiro Visase com isso colocar a pessoa exposta que em grande parte dos casos é mulher em uma situação constrangedora e embaraçosa diante de amigos da família ou de colegas Na maioria dos casos o intuito do ofensor é se vingar de alguém que feriu seus sentimentos ou terminou um relacionamento A lesão a personalidade da vítima é evidente nesse caso principalmente a sua privacidade imagem e honra TEFFÉ Chiara Antonia Spadaccini de Direito a imagem na internet estudo sobre o tratamento do Marco Civil da internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens íntimas Revista de Direito Civil Contemporâneo v 15 n 5 abrjun 2018 p 121 44 DEEPTRACE The State of Deepfakes landscape threats and impact Enough set 2019 p 78 Disponível em httpsenoughorgobjectsDeeptracetheStateofDeepfakes2019pdf Acesso em 30 jan 2021 45 RUIz David Deepfakes laws and proposals flood US Malwarebytes Labs 23 jan 2020 Disponível em httpsblogmalwarebytescomartificialintelligence202001deepfakeslawsandproposalsfloodus Acesso em 10 jul 2020 MIOLORBDCivil27indd 261 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 262 influenciar a decisão de um eleitor de ir as urnas ou de votar em um candidato em particular publicando distribuindo ou disseminando uma deepfake online dentro de 90 dias antes de uma eleição46 Mas como elas surgiram 21 Entendendo as deepfakes Embora o termo original fosse fakevideo o nome deepfake se popularizou a partir da história de um usuário do site Reddit que se apelidou de Deepfake e especializado em inteligência artificial passou a substituir rostos de pessoas em filmes O termo passou então a ser associado a essa técnica que opera a fusão de imagens em movimento gerando um novo vídeo cujo grau de fidedignidade é elevado a um patamar que somente com muita atenção se consegue notar se tratar de uma montagem47 A indústria cinematográfica também já se valeu desta técnica Um dos casos mais famosos talvez tenha sido o do filme Rogue One Uma História Star Wars 2016 da série homônima quando se recriaram algumas personagens O mais peculiar foi sem dúvidas o do Comandante Tarkin interpretado pelo britânico Peter Cushing pois este ator já havia falecido no ano de 199448 Valendose de técnicas computacionais viabilizouse a chamada reconstrução digital da ima gem do já falecido ator o que desperta questionamentos como a necessidade de autorização dos herdeiros para a reconstrução de sua imagem Notese contudo a peculiaridade dessa situação não se trata de reproduzir novamente imagens captadas em momento pretérito mas de se criar novas imagens a partir de cap turas anteriores Bobby Chesney e Danielle Citron descrevem as deepfakes em tradução livre como a manipulação digital de som imagens ou vídeo para imitar alguém ou fazer parecer que a pessoa fez alguma coisa e fazer isso de uma maneira que 46 No original On January 16 Maryland introduced a bill targeting political influence deepfakes The bill which has a scheduled hearing in early February prohibits individuals from willfully or knowingly influencing or attempting to influence a voters decision to go to the polls or to cause a vote for a particular candidate by publishing distributing or disseminating a deepfake online within 90 days of an election RUIz David Deepfakes laws and proposals flood US Malwarebytes Labs 23 jan 2020 Disponível em httpsblogmalwarebytescomartificialintelligence202001deepfakeslawsandproposalsflood us Acesso em 10 jul 2020 Para acompanhar a discussão legislativa httpswwwbilltrack50com BillDetail1174065 Acesso em 10 jul 2020 47 DEEPFAKE a era digital e o fim do direito a imagem Ciência Digital 6 jun 2018 Disponível em http wwwcienciadigitalcombr20180606deepfakeeradigitaleofimdodireitoimagem Acesso em 1º set 2018 48 Disponível em httpsnoticiasboluolcombrultimasnoticiastecnologia20180104adisneypode recriarcarriefishernoproximostarwarsmasnaovaihtm Acesso em 9 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 262 26032021 155357 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 263 seja cada vez mais realística a ponto de um observador desavisado não conseguir detectar a falsificação49 50 Seja qual for o meio tecnológico adotado para se criar uma imagem falsa já se pode apontar dois traços característicos quais sejam o emprego de técnicas computacionais avançadas comumente de inteligência artificial assim como o grau tão elevado de realidade que faz com que seja quase impossível se detectar a fraude o que é especialmente perigoso nos tempos atuais marcado pela economia da atenção Um dos mais inegáveis riscos é sem dúvidas a utilização desse tipo de vídeo para a desinformação e manipulação política51 Nesse contexto recente mente até mesmo o ExPresidente dos EUA Donald Trump compartilhou vídeo de um discurso da Presidente da Câmara dos Deputados Nancy Pelosi52 em velo cidade levemente desacelerada que embora não se tratasse de uma deepfake no sentido original serve como alerta para os riscos do emprego das técnicas de inteligência artificial para finalidades antidemocráticas53 54 Outro grande perigo de se aplicar técnicas de inteligência artificial para esta finalidade é viabilizar que seja cada vez mais fácil criar essas deepfakes vitimi zando pessoas comuns55 uma vez que estas postam diariamente conteúdos em 49 No original digital manipulation of sound images or video to impersonate someone or make it appear that a person did something and to do so in a manner that is increasingly realistic to the point that the unaided observer cannot detect the fake CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep fakes a looming crisis for national security democracy and privacy Lawfare 21 fev 2018 Disponível em httpswwwlawfareblog comdeepfakesloomingcrisisnationalsecuritydemocracyandprivacy Acesso em 9 mar 2019 50 Deepfake em suma é uma técnica de síntese de imagens ou sons por meio de IA Seu emprego possibilita a substituição de uma pessoa por outra a modificação do conteúdo da fala entre inúmeras alternativas de edição Embora usualmente associada a produção de vídeos nada impede sua aplicação em arquivos de imagens ou áudios apenas Na prática o termo é usado também para identificar o próprio vídeo áudio ou imagem fruto da manipulação SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabilidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p 611 51 SOUzA Carlos Affonso Pereira de TEFFÉ Chiara Spadaccini de Fakenews como garantir liberdades e conter notícias falsas na internet In MENEzES Joyceane Bezerra de TEPEDINO Gustavo Coord Autonomia privada liberdade existencial e direitos fundamentais Belo Horizonte Fórum 2019 p 525543 52 AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologiaabrenovocapitulona manipulacaodevideosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 53 Ver mais em BENKLER Yochai FARIS Robert ROBERTS Hal Network propaganda manipulation disinformation and radicalization in American politics New York Oxford University Press 2018 54 As deepfakes as quais são utilizadas de forma deliberada para enganar os demais indivíduos com con teúdos falsos com aparência de veracidade e as ações coordenadas inautênticas são claros elementos desinformação e obviamente não estão protegidos pelo âmbito de proteção da liberdade de expressão já que não são corolários do livre desenvolvimento da personalidade dos seres humanos assim como não auxiliam e sim corroem o livre mercado de ideias MARRAFON Marco Aurélio ROBL FILHO Ilton Norberto MEDON Filipe A inteligência artificial utilizada para desinformar ou à serviço da desinformação como as deepfakes e as redes automatizadas abalam o mercado livre de ideias e a democracia constitu cional e deliberativa p 13 No prelo 55 Registrese contudo a crítica ao falso parâmetro da pessoa pública como bem assinala Anderson Schreiber É de se rejeitar de plano a qualificação de qualquer pessoa como pública Pessoas são MIOLORBDCivil27indd 263 26032021 155357 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 264 suas redes sociais os quais ficam disponíveis na rede Assim seria bem fácil captar imagens que pessoas postaram voluntariamente na internet para se cons truir com base nelas novas imagens falsas Embora antes o alvo fosse pessoas famosas nada obsta que criminosos capturem imagens de pessoas comuns nas redes sociais criem vídeos falsos e passem a chantageálas em troca da não divulgação das imagens É de se cogitar ainda a utilização não criminosa de tais imagens por exem plo por meio da publicidade Imaginese para tanto que se crie digitalmente um vídeo através do qual uma famosa atriz divulga marca de produtos cosméticos rival daquela com quem ela possui relação contratual de publicidade Ou que se utilize sua imagem para promover determinada marca de carnes sendo que ela própria é vegetariana e defensora da causa dos animais Nesta última hipótese notase de forma nítida a cisão entre direito a imagemretrato e imagematributo pois em princípio o fato de uma pessoa ser representada comendo carne não lhe gera nenhum dano aparente Diferente contudo é a resposta quando se com preende que a violação a imagem vai além perpassando também os atributos que revelam as características componentes de sua identidade pessoal que ela gostaria que fossem apresentadas a sociedade Podese questionar ademais se seria possível falar em lucro da intervenção nesses casos a exemplo do precedente da atriz Giovanna Antonelli julgado pelo STJ no Recurso Especial nº 1698701 RJ 201701556885 de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva por meio do qual se entendeu que era devida a atriz indenização pela utilização não autorizada de sua imagem com base na teoria do lucro da intervenção Na ação a atriz pleiteou em face da sociedade empresária Dermo Formulações Farmácia de Manipulação Ltda ressarcimento privadas por definição A expressão pessoa pública é empregada com o propósito de sugerir que o uso da imagem de celebridades dispensa autorização pelo simples fato de que vivem de sua exposição na mídia A rotulação de atrizes atletas ou políticos como pessoas públicas vem normalmente acompanhada da sugestão de que o seu direito a imagem e também a privacidade como se verá no próximo capítulo é merecedor de uma proteção menos intensa do que aquela reservada as demais pessoas Muito ao contrário a proteção ao direito de imagem de celebridades é tão intensa quanto a de qualquer um O fato de viverem de sua imagem na mídia só reforça a importância que a representação física assume em rela ção aquelas pessoas Famosa ou não qualquer pessoa tem direito de proibir a circulação indesejada da sua representação exterior Tal exigência somente pode ser afastada naquelas situações em que outros interesses de hierarquia constitucional liberdade de informação liberdade de expressão etc venham exigir diante das concretas circunstâncias proteção mais intensa que o direito a imagem O fato de a pessoa ser célebre ou notória pode quando muito sugerir que há algum grau de interesse do público em ter acesso a imagem pela só razão de dizer respeito aquela pessoa Isso não basta contudo para que se conclua pela prevalência da liberdade de informação sobre o direito a imagem Diversos outros fatores devem ser sopesados antes de se concluir no caso específico qual dentre os dois direitos fundamentais há de prevalecer Limitarse aos critérios simplistas do lugar público e da pessoa pública é postura que incentiva perversas violações ao direito de imagem SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 111112 MIOLORBDCivil27indd 264 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 265 em razão do uso não autorizado de sua imagem para a campanha publicitária do produto Detox56 Neste caso a indenização se deu não apenas com base em violação a atributos morais da imagem mas também a partir do enriquecimento proporcionado a indústria de cosméticos que se valeu da imagem da atriz para auferir lucros Quer isso dizer o aspecto patrimonial de sua imagem também foi indenizado Casos como esses reforçam os perigos cada vez maiores da exposição vir tual da própria imagem bem como ressaltam a necessidade de se assegurar mecanismos mais efetivos de segurança na rede demonstrando como a tecno logia alterou a forma de se causar danos a imagem de uma pessoa Mais ainda desponta a indagação será que as plataformas não poderiam ser treinadas para identificar vídeos falsos e impedir a sua disseminação 22 O consentimento como paradigma para a reconstrução digital da imagem Como visto o art 20 do Código Civil traz a autorizaçãoconsentimento como condição para a utilização da imagem de uma pessoa ressalvadas as exceções trazidas pela própria lei Menezes Cordeiro aponta semelhante solução no direito português ao afirmar que o artigo 79º1 consagra a regra básica o retrato de uma pessoa não pode ser exposto reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela57 sendo claro que ninguém pode ser retratado sem seu consentimento ainda que este possa ser tácito58 Desse modo parece não haver dúvidas de que a pessoa que autorize o retrato pode não estar a autorizar a exposição a reprodução ou o lançamento no mercado inversamente quem autorize esta última hipótese está necessariamente a permitir todas as outras operações antes referidas59 Notese todavia que o consentimento do titular não importa em cessão do direito mas sim em licença do uso da imagem para determinado fim e nos 56 KONDER Carlos Nelson Dificuldades de uma abordagem unitária do lucro da intervenção Revista de Direito Civil Contemporâneo v 13 ano 4 outdez 2017 p 232 57 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258 58 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258 59 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 258259 MIOLORBDCivil27indd 265 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 266 limites em que foi autorizado60 pois o direito a imagem permanece com o titular A licença seria assim um negócio jurídico61 Recorda Menezes Cordeiro que a autorização pode vir tanto no corpo de um contrato como pode surgir de um ato unilateral contudo como já dito anterior mente devese buscar o consentimento inequívoco que para o autor português se revela na determinabilidade ou seja ao contratar sobre o próprio retrato o sujeito deve fazêlo precisando em que termos por quanto tempo e para que efeito No contrato que seja omisso teremos de optar pela solução mais restritiva seguindose a nulidade quando de todo nada se consiga apurar pela interpretação62 O consentimento deve ser por isso fornecido para um fim determinado não podendo vir a ser utilizado além das limitações exatas em que fôr expresso63 Importa recordar ainda que o consentimento é eficaz apenas em relação a pes soa ou pessoas a quem foi dado quanto a todas as outras o jus imaginis continua inalterável subsistindo o poder de consentir ou recusar a exposição64 O mesmo raciocínio se aplica também as hipóteses de divulgação sucessiva no tempo como bem delineado por Anderson Schreiber no intitulado caso dos Heróis do Tri no qual se editou um álbum de figurinhas com fotos dos exjogadores cam peões da Copa do Mundo de 1970 pelo Brasil contra o qual se insurgiram alguns atletas que não haviam autorizado o uso da imagem tendo decidido o STJ que os jo gadores tinham razão pouco importando o caráter de homenagem aos retratados65 De forma diferente decidiu o STJ no caso da atriz Deborah Secco no REsp nº 1322704 Na ocasião a atriz se insurgiu contra a Editora Abril responsável pela Revista Playboy sob a alegação de que a editora teria republicado indevida mente como foto de capa sua imagem em edição especial de fim de ano con duta que extrapolaria os limites do contrato de cessão de direito de imagem66 60 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 78 61 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 78 62 MENEzES CORDEIRO António Tratado de direito civil 4 ed rev e atual com a colaboração de A Barreto Menezes Cordeiro Coimbra Almedina 2017 v 4 p 259 63 CHAVES Antonio Direito a própria imagem Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo p 56 64 DE CUPIS Adriano Os direitos da personalidade Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro Lisboa Livraria Morais Editora 1961 p 135 65 SCHREIBER Anderson Direitos da personalidade 2 ed São Paulo Atlas 2013 p 106 conforme STJ Recurso Especial nº 46420SP Rel Min Ruy Rosado de Aguiar Jr 1291994 66 TARTUCE Flávio Débora Secco x Playboy Negado pedido de indenização pelo STJ JusBrasil 2015 Disponível em httpsflaviotartucejusbrasilcombrnoticias148514748deboraseccoxplayboynegado pedidodeindenizacaopelostj Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 266 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 267 Segundo afirmava a atriz o contrato embora permitisse republicações de fotos não autorizaria nova foto de capa em edição posterior67 Na hipótese o STJ entendeu que não assistia direito a Deborah pois seu recurso não alegou ofensa ao direito de imagem para fins comerciais mas tão somente invocou violação a direitos autorais os quais não seriam devidos a ela E no caso da reconstrução digital Qual seria a solução adotada A hipótese aqui é diferente A reconstrução via de regra valese de um banco de imagens da pessoa para a partir de recursos gráficos recriar uma nova imagem como feito no filme da saga Star Wars Seria possível então fazer com que pessoas já falecidas voltassem a vida artificialmente em novos filmes Resta mais uma vez o questionamento seria necessário o consentimento específico para esse fim A questão passa a ganhar contornos um pouco diferentes No caso dos Heróis do Tri por exemplo as imagens veiculadas no álbum de figurinhas eram pretéritas já haviam sido expostas e houve consentimento em vida dos retratados O caso da reconstrução digital contudo é diferente pois a nova retratação gera imagens inéditas não consentidas pelo retratado É a imortalidade do ineditismo É precisamente esta a peculiaridade que atrai maior sutileza na análise da questão Será que os herdeiros teriam legitimidade68 para autorizar que a imagem de seus antecessores fosse criada a revelia de um consentimento jamais dado E mais seria possível que a imagem fosse utilizada para fins contrários a imagem atributo do falecido Alguns exemplos podem ajudar nessa compreensão O lendário compositor poeta e diplomata Vinicius de Moraes costumava dizer que o Whisky era o ca chorro engarrafado numa alusão ao melhor amigo do homem tamanha a sua paixão pela bebida Não faltam relatos e vídeos de Vinicius consumindo bebidas alcoólicas o que lhe era absolutamente normal e cotidiano Seria possível que seus herdeiros autorizassem a reconstrução digital de sua imagem em campanha oficial de governo autoritário em que o poeta pregasse contra o consumo de álcool em nome da moral e dos bons costumes da família brasileira O caso de Vinicius é peculiar e interessante porque há inclusive um comercial de TV póstumo em que se realizou montagem para que ele aparecesse tomando cerveja e até brindando com Tom Jobim apesar de não se ter utilizado inteligência artificial69 67 TARTUCE Flávio Débora Secco x Playboy Negado pedido de indenização pelo STJ JusBrasil 2015 Disponível em httpsflaviotartucejusbrasilcombrnoticias148514748deboraseccoxplayboynegado pedidodeindenizacaopelostj Acesso em 10 mar 2019 68 Acerca da legitimidade dos herdeiros para tutela da imagem de pessoa falecida ver mais em PEREIRA DE SOUzA Carlos Affonso Fundamentos e transformações do direito à imagem sl sn sd p 11 para quem o grau de ligação afetiva e de proximidade com a pessoa falecida será determinante para o deslinde dessas ações 69 Comercial da Brahma datado de 1991 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv7QKdS1MxhlE Acesso em 1º fev 2021 MIOLORBDCivil27indd 267 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 268 E se utilizassem a imagem de cantora morta em decorrência de overdose de drogas numa campanha publicitária em que ela aparentemente vinda do além túmulo afirmasse ter se regenerado e explicasse as pessoas o que lhe ocorreu incentivandoas a não optarem pelas drogas E o oposto Imaginese por exemplo que assombrados pelo medo da vio lência na Índia os sucessores de Mahatma Gandhi70 permitissem a reconstrução de sua imagem para promover campanha associada a indústria bélica na qual o pacifista e grande propagador da não violência afirmasse a seguinte frase Só as armas podem trazer a paz Em todos esses casos principalmente naqueles que envolvem o cinema houve consentimento e autorização para a captação das imagens Como dito há uma cisão entre captação e divulgação e usualmente nos casos acima referidos a divulgação também era autorizada Não obstante a hipótese aqui é diferente porque em nenhum momento houve autorização para a criação de novas imagens a partir das imagens antigas as quais repitase tiveram a captação e a divulga ção autorizadas Dois são os maiores questionamentos teriam os herdeiros legitimidade para autorizar essa recriação de imagens ou seria necessária a autorização em vida Além disso será que a finalidade da recriação seria um parâmetro importante Isto é será que o fato de uma cantora morta em decorrência de overdose fazer campanha contra as drogas é o mesmo caso de um pacifista que vem fazer apolo gia a indústria bélica e uma atriz que tem sua personagem reconstruída para atuar no último filme de uma saga da qual ela fez parte desde o início E se a finalidade for pública e gratuita Poderia um museu recriar digitalmen te um avatar virtual de um famoso pintor para que ele explicasse o conteúdo de suas obras aos visitantes e interagisse com eles A finalidade parece assim ser um norte importante que não pode ser negligenciado Mas até mesmo a baliza da previsão contratual parece ter seus contornos alterados pois por mais que se preveja em vida a possibilidade de recriação futura da imagem da pessoa será que este contrato seria possível sendo que no momento da celebração não se possui qualquer controle quanto ao resultado final da imagem por mais bem detalhado que o contrato seja É preciso recordar ainda do atributo da intransmissibilidade dos direitos da personalidade como parte da discussão No Direito brasileiro cuja proteção aos direitos da personalidade expandiuse e se consolidou nos últimos anos a resposta basilar aponta para a necessidade de autorização expressa da pessoa 70 LOUREIRO Henrique Vergueiro Direito à imagem Dissertação Mestrado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2005 p 105 MIOLORBDCivil27indd 268 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 269 Como é cediço na doutrina os direitos da personalidade são intrans missíveis de modo que somente o próprio retratado pode conceder as autorizações necessárias a reconstrução digital de sua imagem para aproveitamento econômico Concluir o contrário seria supor que herdeiros são verdadeiros proprietários da imagem do parente morto e que poderiam rentabilizála ad aeternum quando a teleologia da lei reside na verdade na salvaguarda da honra do defunto e não na exploração econômica de sua imagem por terceiros Nada impede porém que o retratado estabeleça que os usos post mortem de sua imagem ficarão condicionados ao pagamento a seus sucessores de vendo prevalecer a vontade das partes manifestada em contrato71 Dessa análise sucinta propõese a criação de alguns parâmetros iniciais para tentar equacionar esse dilema a saber i a previsão expressa em contrato em vida e autorização da família ii a finalidade da recriação da imagem e iii a adequação da imagem criada post mortem a imagematributo construída em vida pela pessoa No caso da previsão expressa ela poderia servir como um limite negativo a menos que houvesse desautorização expressa em vida de que as imagens não pu dessem vir a ser usadas para criação de novas seria lícito que os herdeiros auto rizassem a sua exploração atentandose contudo para a finalidade da recriação Por finalidade podese entender tanto o fato de ser para fins públicos a exem plo de campanha educativa em museu como para fins lucrativos de exploração eco nômica No caso de finalidades públicas o interesse da sociedade pode representar um importante fiel na balança Por outro lado no caso de exploração econômica podese entrar em choque mais direto com o terceiro critério pois não se poderia permitir que a reconstrução digital post mortem da imagem viesse a conflitar com a imagematributo adquirida pela pessoa em vida A título de curiosidade no caso já mencionado da recriação da imagem de Peter Cushing na saga Star Wars para que sua imagem fosse utilizada no filme a produtora Disney precisou da aprovação do legado do ator uma lei californiana de 1985 prevê que os estúdios precisam da aprovação das famílias dos atores e atrizes até 70 anos após suas mortes72 A ideia central é que a reconstrução da imagem não poderia violar aquilo que foi construído em vida pela pessoa O já citado exemplo de Vinícius de Moraes pode ser invocado para ilustrar esse limite criado pela imagematributo 71 ROMANO Rafael Salomão O filme Rogue One Uma História Star Wars e o direito de imagem Consultor Jurídico 29 dez 2016 Disponível em httpswwwconjurcombr2016dez29rafaelsalomaoromano filmerogueoneedireitoimagemimprimir1 Acesso em 10 mar 2019 72 Disponível em httpsnoticiasboluolcombrultimasnoticiastecnologia20180104adisneypode recriarcarriefishernoproximostarwarsmasnaovaihtm Acesso em 9 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 269 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 270 É de se questionar no entanto se esses critérios são limites intransponí veis Num primeiro momento a resposta parece ser negativa Explicase a apli cação desses parâmetros não deve ser feita de maneira absoluta mas relativa a luz do caso concreto de modo que um parâmetro pode acabar tendo maior importância em relação aos demais diante da situação real Com efeito não seria demais cogitar que a autorização dos herdeiros pudesse ceder ante o interesse público em algum caso ou que a imagematributo fosse superada em nome de uma finalidade maior Fica a ressalva contudo de que o consentimento preferencialmente ine quívoco deve ser sempre o norte na bússola interpretativa Desse modo caso a pessoa falecida tenha deixado autorização expressa parece haver nenhum ou re duzidíssimo espaço para ir contra a sua vontade e recriar sua imagem digitalmen te Há assim grande reforço argumentativo em favor da utilização da imagem o que não é porém um critério absoluto pois outros valores poderiam justificar que aquela recriação não fosse mais tolerável Como se pode observar a inteligência artificial permite o prolongamento do ineditismo da imagem das pessoas por meio da tecnologia mesmo após a morte Resta a doutrina a jurisprudência e ao legislador que averiguarem os limites sen do certo que em não havendo previsão contratual em vida os herdeiros devem ser consultados73 por força do parágrafo único do art 20 do Código Civil 23 A atuação das plataformas no caso das deepfakes É notório que a principal forma de divulgação das manipulações de deepfake se dá quase integralmente por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens e em sites no caso de pornografia O cenário da responsabilidade civil das plata formas74 é regulado sobretudo pelo Marco Civil da Internet75 73 Questão próxima a esta se deu no caso dos livros psicografados por Francisco Cândido Xavier e atribuídos ao já falecido escritor Humberto de Campos em que seus herdeiros procuraram o Poder Judiciário Ver mais sobre em httpswwwmigalhascombrPI99MI24584551045OespiritoescritorAsobrasp sicografadasoDireitodeAutoreouso Acesso em 10 mar 2019 74 As plataformas na internet sejam redes sociais abertas como Facebook ou Twitter sites de vídeo como o YouTube e aplicativos de mensagem como o WhatsApp estarão cada vez em evidência e os seus protocolos sobre como agir quando um vídeo falso viralizar pode se tornar um assunto de comoção nacional Por um lado a tecnologia de manipulação de vídeos inserindo digitalmente o rosto de uma pessoa no corpo de outra ou mesmo emulando a sua voz os chamados deepfake está se tornado cada vez mais popular e acessível AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologia abrenovocapitulonamanipulacaodevideosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 75 Seção III Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros Art 18 O provedor de conexão a internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo MIOLORBDCivil27indd 270 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 271 A regra geral estabelecida pelo Marco Civil está contida no seu art 18 segundo o qual o provedor de conexão a internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros Assim a responsabilidade civil do provedor de aplicações iniciase a partir do recebimento da ordem judicial que ao cumprila afasta uma possível responsabilização de ilícitos por terceiro76 o que foi previsto no art 1977 da referida lei Diferentemente do modelo do notice and takedown por meio do qual diante da notificação extra judicial pelo usuário o provedor deveria retirar o conteúdo o Brasil adotou como gerado por terceiros Art 19 Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se após ordem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente ressalvadas as disposições legais em contrário 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter sob pena de nulidade identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente que permita a localização inequívoca do material 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art 5º da Constituição Federal 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados a honra a reputação ou a direitos de personalidade bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet poderão ser apresentadas perante os juizados especiais 4º O juiz inclusive no procedimento previsto no 3º poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação Art 20 Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art 19 caberá ao provedor de aplicações de internet comunicarlhe os motivos e informações relativos a indisponibilização de conteúdo com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário Parágrafo único Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento a indisponibilização Art 21 O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de seus participantes de imagens de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal deixar de promover de forma diligente no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço a indisponibilização desse conteúdo Parágrafo único A notificação prevista no caput deverá conter sob pena de nulidade elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido 76 GONÇALVES Victor Hugo Pereira Marco Civil da Internet comentado 1 ed São Paulo Atlas 2017 p 97 77 O artigo cria para o provedor de aplicações de internet um ambiente que restringe a possibilidade de sua responsabilização por conteúdo de terceiro apenas para os casos em que ocorrer o descumprimento de uma ordem judicial Além da preocupação com a garantia da liberdade de expressão optouse por esse sistema em razão da subjetividade dos critérios para a retirada de conteúdo da internet o que pode prejudicar a diversidade e o grau de inovação nesse meio implicando sério entrave para o desenvolvimento de novas alternativas de exploração e comunicação na rede SOUzA Carlos Affonso TEFFÉ Chiara Spadaccini de Liberdade de Expressão e o Marco Civil da internet Pesquisa TIC Domicílios 2016 p 43 44 Disponível em httpswwwacademiaedu36006753LIBERDADEDEEXPRESSC383OEO MARCOCIVILDAINTERNET Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 271 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 272 regra a retirada somente após ordem judicial o que foi recebido com críticas por parte da doutrina destacandose nesse aspecto Anderson Schreiber78 Ao condicionar a responsabilidade civil ao descumprimento de or dem judicial específica o referido art 19 promove um espantoso engessamento da tutela dos direitos do usuário da internet não raro direitos fundamentais expressamente protegidos pela Constituição da República como a honra a imagem e a privacidade Cria verdadei ra bolha de irresponsabilidade na medida em que restringe a respon sabilidade civil das sociedades empresárias que exploram os sites onde o conteúdo lesivo é veiculado limitando eventual pretensão reparatória aos tais terceiros quase sempre anônimos e cuja iden tidade e localização somente podem ser conhecidas na maior parte dos casos por aquelas mesmas sociedades empresárias que a lei exime de responsabilidade Mesmo quando conhecidos os terceiros não tem condições técnicas ou econômicas de atenuar a propagação do dano razão pela qual a eventual responsabilização tem pouca ou nenhuma consequência prática A principal exceção se verifica no caso do art 21 que trata da retirada de conteúdos pornográficos que se dá mediante a notificação extrajudicial do usuá rio sendo o que o único critério estabelecido pelo legislador para a retirada de conteúdo é que os participantes não tenham autorizado a divulgação do vídeo79 Diante desse cenário a solução para as plataformas tenderia a não respon sabilização pela divulgação de deepfakes a menos que i envolvessem conteúdo pornográfico ou ii houvesse ordem judicial de remoção do conteúdo Não obs tante é de se indagar seria esta a melhor solução Ou será que haveria para os provedores um dever mínimo de checagem quanto ao conteúdo80 78 Continua Schreiber Pior que uma norma infeliz o art 19 deve ser considerado inconstitucional por violar em diferentes aspectos a Constituição da República art 5º incisos X e XXXV art 1º III entre outros Não apenas restringe a tutela de direitos fundamentais retrocedendo em relação a proteção que já era assegurada pelos tribunais brasileiros mas também promove intolerável inversão axiológica ao permitir tratamento mais favorável a direitos de conteúdo patrimonial direitos patrimoniais do autor por exemplo que a direitos da personalidade sendo certo que a ordem constitucional trata esses últimos com primazia SCHREIBER Anderson Marco Civil da Internet avanço ou retrocesso A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro p 26 Disponível em httpsdlscombruploads files201806artigomarcocivilinternet1529497697pdf Acesso em 10 mar 2019 79 GONÇALVES Victor Hugo Pereira Marco Civil da Internet comentado 1 ed São Paulo Atlas 2017 p 104 80 Acerca da responsabilidade civil das plataformas pela divulgação de deepfakes remetese a minuciosa análise de SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabi lidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 MIOLORBDCivil27indd 272 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 273 A discussão nos Estados Unidos da América parece ser a mesma Com base no Communications DecencyAct CDA Section 230 Bobby Chesney e Danielle Citron criticam a irresponsabilidade das plataformas81 Para os autores não seria possível proibir as deepfakes abstratamente Com efeito para se evitar eventuais chilling effects isto é frear a inovação tecnológica por causa das restrições a ela criadas a saída para a responsabilização seria exigir a prova da intenção de enganar e a comprovação da evidência de prejuízo sério Nos Estados Unidos o discurso falso é permitido pela Constituição mais uma vez com base na ideia de que a sua proibição arrefeceria o discurso verdadeiro Assim a mentira só não é protegida em três casos difamação de pessoas privadas fraude e no caso de se furtar a identidade de oficiais do governo Chesney e Citron enumeram três obstáculos ao combate das deepfakes nos EUA i a dificuldade em se rastrear o criadordistribuidor da deepfake deixaria um remédio apenas contra a plataforma que permitiu que o vídeo continuasse circulando ii criadores e divulgadores podem estar fora da jurisdição do país iii o alto custo das ações cíveis nos EUA iv o fato de que as ações atraem publicidade para o seu caso o que pode agravar o seu dano o que poderia estar associado ao chamado efeito Streisand82 Analisando a impossibilidade de se recorrer ao direito autoral e ao chamado right to publicity algo parecido com o que se chama de lucro de intervenção no Brasil tendo em vista o fato de que nem sempre há ganho econômico para quem divulga a deepfake os autores norteamericanos trazem a possibilidade de se in vocar o instituto da defamation se o agente circulou a deepfake sabendo que o conteúdo era falso ou irresponsavelmente ignorou a possibilidade de que o fosse Não obstante Chesney e Citron advogam que a maneira mais eficiente de se mitigar o dano seria através da responsabilização das plataformas Em tradução livre afirmam que a Secão 230c1 expressamente proíbe que se trate a plataforma como um editor do conteúdo problemático A partir da interpretação 81 CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep Fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 3141 82 Há inclusive a possibilidade de ocorrer o efeito Streisand quando a tentativa de censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra o censor resultando na vasta replicação da referida informação Batizado de efeito Streisand em referência a atriz norteamericana Barbra Streisand que buscou remover uma foto de sua casa da rede o fenômeno expõe uma realidade que poderia muito bem ser aplicada para o espanhol Mario Costeja que provocou a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia ou para a professora Aliandra de Minas Gerais que buscou em ação que atualmente se encontra no Supremo Tribunal Federal a remoção de uma comunidade na extinta rede social Orkut e indenização pelo seu conteúdo Recurso Extraordinário 1057258 SOUzA Carlos Affonso TEFFÉ Chiara Spadaccini de Liberdade de Expressão e o Marco Civil da internet Pesquisa TIC Domicílios 2016 p 41 Disponível em httpswwwacademiaedu36006753LIBERDADEDEEXPRESSC383OEOMARCOCIVILDA INTERNET Acesso em 10 mar 2019 MIOLORBDCivil27indd 273 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 274 da jurisprudência acerca da Seção 230 as plataformas online gozam de imunidade de responsabilidade por conteúdo gerado pelo usuá rio mesmo se elas deliberadamente encorajem a publicação desse conteúdo83 Essa regra pode ser de certa forma comparada com a do art 19 do Marco Civil Como explicam os autores norteamericanos essa imunidade foi criada lá porque achavam que ela fosse permitir o crescimento da internet que estava surgindo a época Questionam contudo se ela ainda é necessária hoje uma vez que desincentivaria entidades melhor preparadas a tomarem ações contra esse tipo de conteúdo Com isso as plataformas acabariam tendo um enorme poder mas sem qualquer responsabilidade84 Como solução Chesney e Citron sugerem uma alteração legislativa criando para as plataformas o dever de tomar medidas razoáveis para detectar conteúdos ilegais85 de acordo com os meios técnicos que elas possuam para identificar a violação o que parece estar alinhado com o que vem sendo feito por exemplo 83 No original Section 230c1 expressly forbids treating the platform as a publisher of the problematic content As courts have interpreted Section 230 online platforms enjoy immunity from liability for user generated content even if they deliberately encourage the posting of that content CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep Fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 37 84 Section 230s immunity provision has been stretched considerably since its enactment immunizing platforms even when they solicit or knowingly host illegal or tortuous activity The result has been a very permissive environment for hosting and distributing usergenerated online content yes but also one in which it is exceptionally hard to hold providers accountable even in egregious circumstances including situations in which someone is purveying systematic disinformation and falsehoods statesponsored or otherwise Courts have taken this approach based on an assessment of First Amendment values that supposedly drove the CDA Courts have extended the immunity provision so that it applies to a remarkable array of scenarios including ones in which the provider republished content knowing it violated the law solicited illegal content while ensuring that those responsible could not be identified altered their user interface to ensure that criminals could not be caught and sold dangerous products In this way Section 230 has evolved into a kind of superimmunity that among other things prevents the civil liability system from incentivizing the bestpositioned entities to take action against the most harmful content This would have seemed absurd to the CDAs drafters The laws overbroad interpretation means that platforms have no liabilitybased reason to take down illicit material and that victims have no legal leverage to insist otherwise Rebecca Tushnet put it well a decade ago Section 230 ensures that platforms enjoy power without responsibility CHESNEY Bobby CITRON Danielle Deep fakes A looming challenge for privacy democracy and national security draft p 3839 85 Em entrevista para a CNN MonikaBickert vicepresidente do Facebook para políticas de produtos e antiterrorismo argumentou que a política da empresa é apenas remover o vídeo quando existe risco de dano físico ou violência em decorrência do conteúdo O apresentador Anderson Cooper insistiu no fato de que se um vídeo é sabidamente falso não deveria ele ser removido da plataforma A VP do Facebook argumentou que a empresa tomou todas as medidas para indicar claramente a natureza do vídeo e que o recurso a checagem de fato terceirizada garante aos usuários da rede social uma visão independente sobre o conteúdo que nela circula permitindo que os mesmos possam decidir no que acreditar AFFONSO Carlos Tecnologia abre novo capítulo na manipulação de vídeos Tecfront 28 maio 2019 Disponível em httpstecfrontblogosferauolcombr20190528tecnologiaabrenovocapitulonamanipulacaode videosimaginanaeleicao Acesso em 21 jul 2019 MIOLORBDCivil27indd 274 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 275 pelo Twitter que chegou a censurar conteúdos falsos nos últimos anos em espe cial do ExPresidente norteamericano Donald Trump E o uso da própria inteligên cia artificial parece ser um importante aliado nessa batalha contra as deepfakes por meio de uma identificação mais precisa delas86 No Brasil há quem defenda semelhante solução Nesse sentido Anderson Schreiber Felipe Ribas e Rafael Mansur advogam a possibilidade de se realizar interpretação conforme a Constituição do art 19 do Marco Civil para se responsa bilizar as plataformas pela divulgação de deepfakes87 Além disso o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva pontuou que o Marco Civil está atrasado no que toca ao combate a desinformação e que uma alternativa para o combate de Deep fakenews seria a criação de um algoritmo capaz de detectar o que é ou não fakenews mas obviamente isso geraria ainda mais críticas Quem controla a caixapreta do algoritmo e determina os parâmetros do que é falso ou verdadeiro88 Quais são os riscos de imputar as plataformas o dever de monitoramento e curadoria do conteúdo postado na rede No âmbito criminal recentemente o Código Penal foi reformado para abarcar também a criminalização das montagens de deepfakes que incluam a pessoa em cena de nudez ou de ato sexual ou libidino so de caráter íntimo conforme a dicção expressa do parágrafo único do art 216B Art 216B Produzir fotografar filmar ou registrar por qualquer meio conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter 86 O Reddit atualizou suas políticas de uso em 7 de fevereiro para incluir expressamente a proibição de conteúdos de pornografia involuntária e ainda baniu comunidades criadas com esse fim uma delas com cerca de 90 mil inscritos No mesmo sentido outras plataformas como Pornhub Twitter Discord e Gfycat também baniram esse tipo de vídeo Em que pesem todos esses esforços ainda há muito conteúdo de pornografia involuntária na rede Portanto considerando que a tecnologia é sempre uma faca de dois gumes agora buscase sic utilizar a própria IA para combater a divulgação desses vídeos fraudulentos É o que o Gfycat está se propondo a faze através de dois projetos Project Angora e Project Maru em que em termos bem simples e resumidos buscase online aquele mesmo rosto para verifi car se a imagem está sendo reutilizada no vídeo O problema com isso é todavia que se o vídeo do rosto original não está disponível online não seria possível identificar a montagem GODOY Maria Pornografia involuntária e vídeos deepfake Jusbrasil Disponível em httpsmgodoyjusbrasilcombr artigos547021016pornografiainvoluntariaevideosdeepfake Acesso em 1º set 2018 87 SCHREIBER Anderson RIBAS Felipe MANSUR Rafael Deepfakes regulação e responsabilidade civil In TEPEDINO Gustavo SILVA Rodrigo da Guia Coord O direito civil na era da inteligência artificial São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 88 MENDONÇA Helena C F Coelho RODRIGUES Paula Marques Deepfakenews e sua influência no universo feminino Migalhas 4 jul 2018 Disponível em httpswwwmigalhascombrdePeso16MI2829873 1047Deepfakenewsesuainfluencianouniversofeminino Acesso em 1º set 2018 MIOLORBDCivil27indd 275 26032021 155358 FILIPE MEDON Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 276 íntimo e privado sem autorização dos participantes Incluído pela Lei nº 13772 de 2018 Pena detenção de 6 seis meses a 1 um ano e multa Parágrafo único Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia vídeo áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter ínti mo Incluído pela Lei nº 13772 de 2018 Tratase assim de um problema novo que ainda precisa ser encarado de forma mais detida pela doutrina e sobretudo pela sociedade civil pautandose o debate pela inafastável certeza de que a educação digital das pessoas tem o poder de contribuir para diminuir os impactos da desinformação e da circulação de imagens manipuladas Não se pode olvidar contudo do importante papel a ser desempenhado pelas plataformas e da criação de algoritmos capazes de auxiliar na identificação de conteúdo falso Conclusão O presente estudo buscou traçar breve panorama acerca do estado da arte atual do direito a imagem no Brasil a partir de uma evolução histórica focando no combate as chamadas deepfakes e no tratamento dispensado a reconstrução digital de imagens a partir de tecnologias de inteligência artificial Como um direito midiático a proteção a imagem deve ser encarada dentro do seu tempo mas sempre recorrendo as bases que o fundaram como um direito da personalidade e em última análise como atributo essencial da dignidade da pessoa humana Muitos são os desafios impostos pela evolução tecnológica e a historicidade desse direito permite demonstrar como a sua permeabilidade aos avanços científicos moldou o seu conteúdo Inicialmente atrelado a fotografia falavase na quebra das máquinas para se impedir a divulgação do conteúdo Hoje todavia se chegou a um ponto em que a sofisticação tecnológica demanda respostas ainda mais criativas dada a velocidade89 na transmissão de conteúdos na internet e o potencial lesivo daí resultante Inúmeras outras questões ficaram de fora do breve escopo desta análise mas merecem igual atenção Vejase que a própria maneira de se reparar as lesões hoje é diferente havendo impactos como por exemplo o já mencionado efeito Streisand Além disso parâmetros anteriormente consagrados como o 89 BITTAR Carlos Alberto Os direitos da personalidade 8 ed São Paulo Saraiva 2015 p 159160 MIOLORBDCivil27indd 276 26032021 155358 O DIREITO À IMAGEM NA ERA DAS DEEPFAKES Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 277 da pessoa pública parecem estar ruindo até mesmo porque o conceito de fama hoje foi alterado com a câmera de um smartphone uma pessoa anônima pode se tornar mundialmente conhecida em questão de segundos Fato é que a tecnologia transforma a cada dia a forma de se capturar a imagem mas permanece atual a advertência de que o norte de todo o esforço hermenêutico deve ser garantir que o direito a imagem cumpra sua função prima cial de assegurar a pessoa humana o livre desenvolvimento dos atributos de sua personalidade que compõem a sua dignidade Informação bibliográfica deste texto conforme a NBR 60232018 da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT MEDON Filipe O direito a imagem na era das deepfakes Revista Brasileira de Direito Civil RBDCivil Belo Horizonte v 27 p 251277 janmar 2021 MIOLORBDCivil27indd 277 26032021 155358

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