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Texto de pré-visualização
REVISTA SEMESTRAL DE DIREITO EMPRESARIAL Nº 26 Publicação do Departamento de Direito Comercial e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Janeiro Junho de 2020 098030143 REVISTA SEMESTRAL DE DIREITO EMPRESARIAL Nº 26 JaneiroJunho de 2020 Publicação do Departamento de Direito Comercial e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Prof Alexandre Ferreira de Assumpção Alves Prof Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich Prof Enzo Baiocchi Prof Ivan Garcia Prof João Batista Berthier Leite Soares Prof José Carlos Vaz e Dias Prof José Gabriel Assis de Almeida Prof Leonardo da Silva SantAnna Prof Marcelo Leonardo Tavares Prof Mauricio Moreira Mene zes Prof Rodrigo Lychowski e Prof Sérgio Campinho EDITORES Sérgio Campinho e Mauricio Moreira Menezes CONSELHO EDITORIAL Alexandre Ferreira de Assumpção Alves UERJ Ana Frazão UNB António José Avelãs Nunes Universidade de Coimbra Car men Tiburcio UERJ Fábio Ulhoa Coelho PUCSP Jean E Kalicki George town University Law School John H Rooney Jr University of Miami Law School Jorge Manuel Coutinho de Abreu Universidade de Coimbra José de Oliveira Ascensão Universidade Clássica de Lisboa Luiz Edson Fachin UFPR MarieHélène MonsèriéBon Université des Sciences Sociales de Toulouse Paulo Fernando Campos Salles de Toledo USP PeterChristian MüllerGraff RuprechtKarlsUniversität Heidelberg e Werner Ebke Ru prechtKarlsUniversität Heidelberg CONSELHO EXECUTIVO Carlos Martins Neto e Mariana Pinto coordenadores Guilherme Vinseiro Martins Leonardo da Silva SantAnna Livia Ximenes Da masceno Mariana Campinho Mariana Pereira Mauro Teixeira de Faria Ni cholas Furlan Di Biase e Rodrigo Cavalcante Moreira PARECERISTAS DESTE NÚMERO Bruno Valladão Guimarães Ferreira PUCRio Caroline da Rosa Pinheiro UFJF Gerson Branco UFRGS José Gabriel Assis de Almeida UERJ Fabrício de Souza Oliveira UFJF Fernanda Valle Versiani UFMG Marcelo Féres UFMG Marcelo Lauar Leite UFERSA Milena Donato Oliva UERJ Pedro Wehrs do Vale Fernandes UERJ Samuel Max Gabbay IFRJ Sergio Negri UFJF e Uinie Caminha UNIFOR PATROCINADORES ISSN 19835264 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Publicado no segundo semestre de 2021 Revista semestral de direito empresarial nº 26 janeirojunho 2020 Rio de Janeiro Renovar 2007 v UERJ Campinho Advogados Moreira Menezes Martins Advogados Semestral 1 Direito Periódicos brasileiros e estrangeiros 941416 CDU 236104 Colaboraram neste número Alexandre Libório Dias Pereira Docente associado da Universidade de Coimbra desde março de 2020 Doutor em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Mestre em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Email aldpfducpt Daniel Fortes Aguilera Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Ja neiro UERJ Advogado Email dfortesterratavarescombr Elisa Mara Coimbra Doutoranda em Empresa e Atividades Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Católica do Rio de Janeiro PUC Rio Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Advogada da Financiadora de Estudos e Projetos Finep In tegrante do Grupo de Pesquisa Argumentação direito e inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contempo râneo Estudos GDAC Colaboradora do Núcleo Jurídico OIC IEAUSP Email elisacoimbra775yahoocombr Henrique Cunha Souza Lima Professor de PósGraduação em Direito e Tecnologia nas instituições Pontifícia Católica de Minas Gerais PUCMinas e SKEMA Business School Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG PósGraduado em Direito Processual Civil Ba charel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG com formação complementar pela University of Leeds Ingla terra cursando módulos da graduação e do LLM Advogado Email henriquesouzalimagmailcom Ives Nahama Gomes dos Santos Mestranda em Direito Constitucional Público pela Universidade Fede ral do Ceará PPGDUFC com mobilidade acadêmica na Universida de Federal de Minas Gerais UFMG Coordenadora do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais NECCUFC Pesquisadora do Projeto Pesquisa Empírica e Jurimetria PROPED UNIFOR Pesquisadora do Grupo de Direito Penal Econômico e da Empresa GDPEE da Fundação Getúlio Vargas FGVSP Pesquisadora do grupo de estu dos Dimensões do Conhecimento do Poder Judiciário da Escola Su perior da Magistratura do Estado do Ceará ESMEC Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e IBCCRIM Advogada Email ivesnahamahotmailcom João Luís Nogueira Matias Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará UFC com aulas na graduação e na pósgraduação Professor Titular do Centro Universitário 7 de Setem bro UNI7 Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará UFC MBA em Gestão de Empresas Fundação Getúlio Vargas FGVRJ Juiz Fe deral Email joaoluisnmuolcombr José Luiz de Moura Faleiros Júnior Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo USPLargo de São Francisco Doutorando em Direito na área de es tudo Direito Tecnologia e Inovação pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre e Bacharel em Direito pela Universida de Federal de Uberlândia UFU Especialista em Direito Digital Di reito Civil e Empresarial Advogado Email jfaleirosuspbr Marcos Vinício Chein Feres Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Professor do Corpo Permanente do Programa de PósGraduação Es trito Senso em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da Univer sidade Federal de Juiz de Fora UFJF Doutor em Direito pela Univer sidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre em Direito pela Uni versidade Federal de Minas Gerais UFMG Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Bolsista de Produ tividade do CNPq e Professor Colaborador do Programa em PósGra duação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Desempenhou a função de Diretor da Faculdade de Direito da UFJF 20062014 Desempenhou a função de ViceReitor da UFJF 20142016 assumindo o exercício da Reitoria de novembro de 2015 a abril de 2016 Compõe como participante a Collaborative Research Network 047 da Law and Society Association sobre economic and social rights Possui projetos na área de Propriedade Intelectual e Teoria do Direito Aplicada financiados pela FAPEMIG e pelo CNPq Tem experiência na área de Direito com ênfase em pesquisa empíri ca em direito aplicada ao Direito Econômico atuando principalmente nos seguintes temas Pesquisa Empírica em Direito Argumentação Direito e Inovações Tecnológicas Direito Econômico Direito de Pro priedade Intelectual Marcas Patentes e Inovação e Transferência de Tecnologia e Metodologia da Pesquisa e do Ensino Jurídico Email mvcheingmailcom Marvio Bonelli Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Ja neiro UERJ Advogado Email mbibmalawcombr Pedro Guilhardi Doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Católica de São Paulo PUCSP Mestre em Direito Comercial pela PUCSP LLM em Comparative and International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London Advogado em São Paulo Email pguilhardinanniadvbr Pedro Henrique Carvalho da Costa Mestrando em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná UFPR Especialista em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Bacharel em Direito pela Univer sidade Federal do Paraná UFPR Pesquisador do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Professor da PósGraduação em Direito Empre sarial Aplicado e Análise Econômica do Direito das Faculdades da In dústria FIEP Advogado Email pedrohcarvalhocostagmailcom Raíssa Mendes Tomaz Doutoranda em CiênciasJurídico Políticas pela Universidade de Lis boa Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra Pesquisadora associada do Centro de Investigação de Direito Público CIDP da Universidade de Lisboa Email raissamendestomazgmailcom Sumário A FASE PRÉCONTRATUAL DO CONTRATO DE FRANQUIA EM PORTUGAL Raíssa Mendes Tomaz e Alexandre Libório Dias Pereira 1 ESTUDO EMPÍRICO SOBRE O PERFIL DOS CONDENADOS POR INSIDER TRADING PELA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM HÁ O EFEITO EDUCATIVO DAS DECISÕES João Luís Nogueira Matias e Ives Nahama Gomes dos Santos 31 VALIDADE E CONFIABILIDADE DAS INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA PESQUISAS EMPÍRICAS O CASO DOS REGISTROS DE PATENTE NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL Elisa Mara Coimbra e Marcos Vinício Chein Feres 61 CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA ENQUADRAMENTO NORMATIVO POTENCIALIDADES E REQUISITOS DE VALIDADE Daniel Fortes Aguilera e Marvio Bonelli 85 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXCLUSÃO EXTRAJUDICIAL DE SÓCIOS EM SOCIEDADES LIMITADAS COM APENAS DOIS SÓCIOS Pedro Henrique Carvalho da Costa123 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PLATAFORMAS DE CROWDFUNDING DE RECOMPENSA E DE PRÉVENDA PELA FRAUDE POR TERCEIROS FINANCIADOS Henrique Cunha Souza Lima147 ACCOUNTABILITY E DEVIDA DILIGÊNCIA COMO VETORES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NOS MERCADOS RICOS EM DADOS José Luiz de Moura Faleiros Júnior 183 GARANTIAS GENÉRICAS OU OMNIBUS NO DIREITO BRASILEIRO Pedro Guilhardi213 GENERAL INFORMATION AND INSTRUCTIONS FOR THE USE OF THE PRODUCT A FASE PRÉCONTRATUAL DO CONTRATO DE FRANQUIA EM PORTUGAL1 THE PRECONTRACTUAL PHASE OF THE FRANCHISE CONTRACT IN PORTUGAL Raíssa Mendes Tomaz Alexandre Libório Dias Pereira Resumo Este trabalho busca fazer uma análise da legislação aplicável ao contrato de franquia no âmbito précontratual Buscase verificar a fase da formação do contrato discutindo a aplicação da culpa in contrahendo e da boafé como bases para a exigência da obrigação de disclosure Fazse também um breve comparativo com o direito comparado A atipicidade do contrato de franquia em Portu gal torna estas situações intrigantes devido à multiplicidade de solu ções que um contrato complexo como este pode apresentar Conclui se após o estudo dos temas supracitados que a análise casuística dos conflitos referentes à formação do contrato de franquia se configura devido à atipicidade do contrato no direito nacional como o meio mais adequado para dirimir conflitos referentes a este tipo contrato em Portugal Palavraschave Franchising Disclosure Contrato de distri buição Concorrência Indenização de clientela Stock Abstract This study aimed to analyze the law applicable to the franchise agreement in the precontractual post After this review we started to check the phase of contract formation discussing the im plementation of culpa in contrahendo and good faith as the basis for RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 1 1 Artigo recebido em 07052021 e aceito em 05072021 Doutoranda em CiênciasJurídico Políticas pela Universidade de Lisboa Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra Pesquisadora associada do Centro de Investigação de Direito Público CIDP da Universidade de Lisboa Email raissamendestomazgmailcom Docente associado da Universidade de Coimbra desde março de 2020 Doutor em Ciências Jurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Mestre em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Email aldpfducpt the requirement of the disclosure also making a short comparison with foreign law The atypical nature of the franchise agreement in Portugal makes these intriguing situations due to multiplicity of solu tions that a complex contract as the franchise can present It was con cluded after analyzing the aforementioned issues the case by case analysis of conflicts regarding the formation and termination of the franchise agreement appears as the most appropriate means to resolve conflicts over franchise agreement in Portugal Keywords Franchising Disclosure Contract of dependence Competition law Clientele indemnity Stock Sumário Introdução 1 Culpa in contrahen do 2 A boa fé nos contratos 3 Dever de in formação 4 Características da fase précon tratual no contrato de franquia 41 Disclosu re no direito comparado 42 Disclosure em Portugal 5 Tipos de contrato preliminares Conclusão Introdução O presente artigo tem como objetivo analisar a fase de forma ção do contrato de franquia elencando alguns problemas recorrentes nestas etapas e que acabam por ocasionar muitas discussões e impas ses doutrinários devido ao fato de o contrato de franquia ainda se afigurar como um contrato atípico na legislação portuguesa Para tan to fazse um levantamento legislativo doutrinário e jurisprudencial dos ordenamentos jurídicos dos outros contratos de distribuição as sim como o direito comunitário no intuito de contribuir na solução de possíveis questionamentos que surgem na fase précontratual do contrato de franchising sendo tal análise em conjunto indispensável para que se promova uma visão completa sobre o tema O referido tema tem grande relevância porque trata da dinâ mica de um dos tipos contratuais que mais se expandem na econo mia global Atualmente a franquia é responsável por boa parte das expansões de mercado de empresas dos mais diversos ramos A ver satilidade aliada com a redução de custos populariza esta modalida de de contrato No entanto ele é considerado como um contrato 2 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 complexo em que o feixe de relações que incorpora merece uma análise individualizada Ao longo desta análise detalharseá a formação do contrato ou em outras palavras a fase précontratual e serão analisadas as obrigações précontratuais e os tipos de contratos preliminares apli cados ao contrato de franchising O estudo é feito com base na boafé nos contratos e no desenvolvimento da culpa in contrahendo no di reito europeu e de que forma isto inclui a obrigação de disclosure prevista ao contrato de franquia Além disso é feita uma breve men ção sobre os tipos de contratos preliminares adotados que se confi guram em instrumentos cada vez mais utilizados pelas partes como uma forma de garantir a aplicabilidade prática desta investigação 1 Culpa in contrahendo O contrato é um instrumento privilegiado na instituição da di mensão valorativa da margem de liberdade dos particulares sendo dotado de certo caráter autônomo2 A ampliação do âmbito dos con tratantes em potencial impulsionada pelo desenvolvimento do mar keting da publicidade e da mercadologia cria a necessidade de uma progressão mais demorada entre o momento da negociação e do acordo definitivo3 Neste contexto surgem contratos antecedidos por processos cada vez mais complexos que objetivam a celebração do negócio final No teor deste iter negotii podem ser incluídos estudos individuais entrevistas propostas contratuais de duração complexi dade e custos variados O conteúdo deste processo a princípio está a critério das partes com base do princípio da liberdade contratual4 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 3 2 RIBEIRO Joaquim de Sousa O problema do contrato as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual Coimbra Almedina 1999 p 219 3 COSTA Mário Júlio de Almeida Responsabilidade civil pela ruptura das negociações prepa ratórias de um contrato Coimbra Coimbra editora 1994 p 46 4 O princípio da liberdade contratual previsto no art 405 do Código Civil Português tem no Contudo o desenvolvimento da liberdade contratual acaba por originar a modalidade dos contratos de adesão que paradoxal mente se configuram em uma limitação de ordem prática à liberdade de modelação dos contratos As finalidades dos contratos de adesão são claras as empresas se beneficiam deste modelo quando suas ati vidades são direcionadas a um número elevado e indeterminado de clientes No entanto também são evidentes as suas desvantagens Este tipo contratual restringe drasticamente a liberdade factual de contratar do consumidor individual além de facilitar uma possível cartelização de setores econômicos O crescimento da incidência des ta forma de contratar exigiu uma ampliação do dever de proteção antes restrito ao período contratual para o momento précontratual Esta proteção deve estar presente no momento anterior às negocia ções formais bastando que uma das partes atinja uma proximidade negocial5 Também se incluem nesta proteção os valores patrimo niais além dos terceiros relacionados à ocasião prénegocial A liber dade contratual não pode ser confundida com um total afastamento do ordenamento jurídico quanto às regras aplicáveis deixando tudo a critério das partes envolvidas Antes tratase de uma possibilidade dos sujeitos participarem diretamente da modelação de seus interes ses dentro de um quadro de valores jurídicos e econômicos A atenção para a responsabilidade até então pouco explorada na área da formação dos contratos é denominada por Jhering6 em 4 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 negócio jurídico uma manifestação própria de outro princípio correlato o princípio da auto nomia privada Tratase de conceder aos particulares o direito de autorregulamentação dos seus interesses e de autogoverno da sua esfera jurídica Este princípio se manifesta na soberania do querer e encontra nos contratos bilaterais a sua mais ampla dimensão Ter a faculdade de fixar o conteúdo de um contrato implica em uma maior liberdade no momento da sua celebração A liberdade contratual supõe o reconhecimento em maior ou menor escala do mercado como regulador da atividade econômica e apesar de não estar expressamente prevista na constitui ção portuguesa se constitui em dos princípios integradores da iniciativa privada prevista no art 61 da Constituição PINTO Carlos Alberto da Mota Teoria Geral do Direito Civil Coimbra Coimbra editora 2012 p 102108 5 CORDEIRO António Menezes Da boa fé no direito civil Coimbra Almedina 1997 p 547 6 Ainda que Jhering não forneça uma fundamentação muito clara do que é a figura da culpa seu célebre ensaio em 1861 como culpa in contrahendo O direito romano é muito insatisfatório nas bases desta responsabilidade pré contratual que vai de encontro com o desenvolvimento das ativida des econômicas enquanto estas cada vez mais exigem das partes uma maior lealdade e probidade nas transações É necessária pois a instalação de exigências de ordem ética e social traduzida na consa gração dos limites da autonomia privada7 O regime dessa responsa bilidade précontratual tem uma natureza híbrida e mista condizente com a índole da culpa nas formações dos contratos localizada em uma região nebulosa entre a responsabilidade contratual e extracon tratual8 A culpa in contrahendo se refere a contextos particularizados não é compatível com o direito delitual pois estabelece uma série de comportamentos genéricos independentemente de qualquer contex to em concreto Segundo Manuel Carneiro da Frada9 tratase de uma terceira via da responsabilidade civil porque não pode ser considera da como uma responsabilidade obrigacional já que os deveres refe rentes à formação dos contratos não são obrigações em sentido estri to por não se adequarem ao conceito de uma obrigação de prestar prevista no art 397 do Código Civil português Também vale salientar que a culpa in contrahendo não é reconhecida em todos os sistemas RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 5 in contahendo não se pode negar que sua obra foi pioneira na discussão do tema da respon sabilidade précontratual sendo responsável pelo préentendimento que se mantém hoje Em sua obra o autor defende que o fundamento da ação de indenização da culpa in contrahendo não pode ser a buona fides do comprador além de afirmar que a diligência em contrahendo não se inicia com a proposta porque esta enquanto não aceita não é capaz de gerar qualquer lesão JHERING Rudolf Von Culpa in contrahendo ou Indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição Coimbra Almedina 2008 p 33 7 COSTA Mario Júlio de Almeida Op Cit p 34 8 VICENTE Dário Moura Culpa na formação dos contratos Coimbra Coimbra editora 2007 p 275 9 FRADA Manuel A Carneiro da Uma terceira via no direito da responsabilidade civil O problema da imputação dos danos causados a terceiros por auditores de sociedades Coimbra Almedina 1997 p 95 jurídicos como por exemplo nos sistemas da common law Nestes sistemas a mera abertura das negociações não cria entre as partes nenhum tipo de relação jurídica passível de responsabilização10 2 A boafé nos contratos Esta preocupação da ordem jurídica com os valores éticosju rídicos da comunidade demonstrada pela culpa in contrahendo en contra clara sintonia com o princípio da boafé A boafé segundo Mota Pinto11 consiste no abandono da ideia do direito puramente po sitivista permitindo a utilização de princípios extralegais No âmbito específico dos contratos a boafé se configura numa regra de condu ta que impõe aos contratantes um comportamento honesto correto e leal O Decreto Lei n 44685 de 25 de outubro fixa o princípio da boafé como princípio geral de controle relativo às cláusulas contra tuais Configurase como um critério para determinar o exercício legí timo da liberdade contratual e está presente durante toda a existência do contrato sendo uma espécie de matriz dos deveres laterais Sua violação consequentemente pode ocasionar uma responsabilidade contratual póscontratual ou précontratual a depender do caso con creto12 6 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 10 Dário Vicente critica justamente este ponto da falta de homogeneidade entre os ordena mentos afirmando que a globalização econômica também deve implicar em uma globalização dos princípios jurídicos Ver VICENTE Dário Moura Op Cit p 275277 Na Itália a culpa in contrahendo presente no art 1337 do Código Civil Italiano de 1942 é considerada uma mera recepção formal do pensamento alemão da época porque o termo buona fede equivalente à boafé não é definido em nenhuma outra lei italiana 11 PINTO Carlos Alberto da Mota Op Cit p 124 12 Mario Júlio Costa afirma que a violação da obrigação de informação pode conduzir inclusive ao abortamento das negociações impondo à parte que sem demora preste a devida informa ção Se deste atraso decorrer algum tipo de prejuízo a parte autora responde com base na responsabilidade précontratual Deste posicionamento se percebe o quão impactante é o de ver lateral de informação no momento da negociação visto que ele influencia diretamente na declaração negocial da aceitação Ver COSTA Mário Júlio de Almeida Op Cit p 60 A culpa in contrahendo ou culpa na formação dos contratos encontrase prevista na legislação portuguesa no art 227 do Código Civil13 e pauta a conduta das partes nos princípios da boafé enten dida pelo seu sentido ético tanto na parte negociatória como na fase decisória O dano que o artigo deseja reparar é o dano da confiança desejando colocar o lesado na posição que estaria caso não tivesse depositado sua confiança no sujeito em questão Ela permite contro lar o conteúdo do contrato com o intuito de evitar abusos e injusti ças Apesar de teoricamente se dirigir à fase précontratual a culpa in contrahendo em Portugal atua de maneira independente da figura do contrato Em outras palavras ela não depende da validade ou até da conclusão do contrato para ser verificada Contudo o legislador não indica no art 227 quais são estes deveres précontratuais apenas consagra o preceito ético da boafé na fase negocial do contrato Este preceito ético deve estar presente na ruptura das negocia ções e também nos casos em que o contrato se conclui e se torna nulo e ineficaz A boafé atua como um mecanismo de integração do conteúdo vinculativo da relação obrigacional fundando deveres acessórios entre as partes uma espécie de instrumento operativo que visa fixar as cláusulas contratuais atuando como modelo limitador14 Este posicionamento já se encontra amadurecido na legislação ango lana sobre os contratos de franquia por exemplo que estabelece no art 41 da Lei 180315 um artigo específico referente à boafé exigin do a sua observância durante toda a relação contratual com o objeti vo da realização plena do fim contratual RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 7 13 Art 227 1 Quem negocia com outrem para a conclusão de um contrato deve tanto nos preliminares como na formação dele proceder segundo as regras da boafé sob pena de res ponder culposamente pelos danos que causou à outra parte 2 A responsabilidade prescreve nos termos do art 498 14 RIBEIRO Joaquim de Sousa Op Cit p 542562 15 Art 41 No cumprimento das suas obrigações contratuais o franchisado e franchisador devem proceder de boafé em ordem à realização plena do fim contratual 3 Dever de informação Segundo Menezes Cordeiro16 a culpa in contrahendo prevê deveres de proteção esclarecimento e lealdade O dever de proteção sofre uma extensão contínua e é aplicado até no momento que ante cede as negociações formais Já o dever de esclarecimento recai so bre as partes contratantes prevendo uma série de sanções como a conclusão ou anulamento do contrato caso este se baseie em falsas informações ou até devido a ameaças ilícitas Segundo o autor inde pendentemente do regime dos vícios na formação da vontade tal si tuação implica no dever de indenizar e em casos nos quais um con tratante exigir uma proteção especial este dever é intensificado O terceiro grupo que é bastante similar ao dever de esclareci mento é o dever de lealdade que não reside propriamente no âmbi to informativo mas no comportamento subjetivo das pessoas Estes deveres de informação obrigam os contraentes à prestação de todos os esclarecimentos necessários para a aceitação da proposta contra tual já os deveres de lealdade obrigam as partes a não adotarem comportamentos que desviem a negociação de um viés honesto In cluemse neste além dos deveres de informação os deveres de sigi lo por exemplo O que se procura vedar no caso é qualquer com portamento que frustre o escopo da formação válida do contrato por meio da declaração negocial Dentre esses deveres acessórios relacionados à culpa in con trahendo e à boafé destacase o dever de informação Informação segundo Sinde Monteiro17 em sentido estrito ou próprio é a exposi ção de uma situação de fato seja ela sobre pessoas coisas ou qual quer outro tipo de relação Diferentemente do conselho e da reco mendação a informação se esgota na pura exposição objetiva dos 8 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 16 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 549551 17 MONTEIRO Jorge Sinde Responsabilidade por conselhos recomendações ou informações Coimbra Almedina 1999 p 15 fatos estando ausente qualquer proposta de conduta A informação é um dever lateral importante em casos em que a relação jurídica é mais duradoura os indivíduos que carecem de conhecimentos técni cos ou factuais indispensáveis para a tomada de uma decisão recor rem a quem supostamente possui esses dados A violação dos deve res de atuação impostos pela boafé na fase précontratual referentes à informação pode ser verificada tanto por omissão silenciando ele mentos que a contraparte tem interesse de conhecer como por ação no fornecimento de informações inexatas Se as negociações envol vem profissionais no desempenho do seu ofício cabe as partes ob servar obrigações particulares de competência e honestidade que não são exigíveis de um leigo Tudo isto decorre das próprias característi cas da parte envolvida Os ditames da boafé consistem em um complexo feixe de de veres no qual o dever de informação se encontra incluído como par te integrante da ideia de proteção da confiança18 A culpa in contra hendo se configura em uma legitimação do processo de formação do contrato compreendendo que este não se traduz num ato simples mas sim em um conjunto de atividades complexas que objetivam a decisão definitiva de contratar assim como posteriormente a sua con clusão Nos casos de danos patrimoniais provocados por informações deturpadas quando se comprova que o autor tem consciência do dano que pode causar e mesmo assim induz terceiros a erro não é equivocado afirmar que há uma ofensa também aos bons costumes O Misrepresentation Act19 elaborado em 1967 é um impor tante passo referente ao dever legal da duty of disclore porque prevê um regime mais favorável para parte lesada no caso da violação do dever de informação Segundo Sinde Monteiro20 a indenização só RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 9 18 FRADA Manuel A Carneiro da Op Cit p 96 19 ATIYAH PS TREITEL GH Misrepresentation Act 1967 The Morden Law Review New York City v 30 n 4 p 869888 jul 1967 Disponível em httponlinelibrarywi leycomdoi101111j146822301967tb01149xpdf Acesso em 07 mai 2015 20 MONTEIRO J Sinde Op Cit p 145154 não é válida nos casos em que se comprove que a parte autora acre dita que os fatos fornecidos são verdadeiros Tal posição se constitui em um grande avanço no ordenamen to dos países da common law porque abandona a ideia de que para se exigir uma indenização deve se comprovar uma special relation ship entre as partes O termo misrepresentation consiste em uma falsa afirmação de um fato atual ou passado feita por uma das partes e dirigida a outra parte que de alguma forma a induza a contratar Pre cisa ser uma afirmação objetiva não podendo recair sobre publicida de e nem se constituir como uma declaração ambígua Além disso deve ser material e contar com o elemento da confiança Devido a todas estas exigências o silêncio não é considerado uma misrepre sentation segundo o direito inglês o que se exige no caso é ação positiva uma conduta que implique em uma declaração Segundo Vasconcelos21 a misrepresentation não é uma ação dolosa porque não é feita com o intuito de enganar mas consiste em afirmações prestadas à contraparte sobre perspectivas do negócio que elabora das de forma negligente acabam por não corresponder à realidade Porém é importante pontuar que por mais abrangentes que as exigências de informação e boafé sejam elas não podem se con fundir com uma garantia de sucesso empresarial É o que afirma Ma ria Santos22 quando diz que as partes devem sempre agir com boafé mas nem por isso pode ser o franqueador responsabilizado pelo fra casso da empresa do franqueado Monteiro23 corrobora essa ideia ao afirmar que a contraparte não pode exigir a inexistência de risco na escolha do seu parceiro contratual este risco é inerente a todo e qual quer negócio faz parte da natureza do investimento Moura Vicente24 10 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 81 22 SANTOS Ângela Maria Figueiredo O contrato de franquia 2009 Dissertação Mestrado Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Coimbra 2009 p 25 23 MONTEIRO J Sinde Op Cit p 357 24 VICENTE Dário Moura Op Cit p 270 complementa ao afirmar que não existe na ordem jurídica portugue sa nenhum dever geral de informar ou esclarecer à contraparte acer ca da totalidade de circunstâncias de fato e direito determinantes na hora de contratar O dever de informar para o autor se dá somente no padrão de diligência exigível ao comum das pessoas25 Também não é errado exigir que o dever de atuar com probidade lealdade e com base na boafé deve ser observado por ambas as partes contratantes A obrigação de sigilo quanto às negociações é outra obrigação que assim como o direito à informação decorre deste posicionamento le gislativo Mesmo com essas ressalvas feitas pela doutrina é inquestio nável que a imposição da necessidade de esclarecimento na fase pré contratual dos contratos se constitui em um grande avanço no sentido de se alcançar uma igualdade material entre as partes no momento da contratação Reconhecese que com a vida em comunidade é neces sário que o interesse individual seja por vezes sacrificado em favor do interesse coletivo e a imposição da responsabilidade no momento da formação dos contratos sob a figura da culpa in contrahendo cons tituise como mais um importante passo neste sentido 4 As características da fase précontratual do contrato de fran quia A fase negocial do contrato de franquia se inclui no grupo de contratos que demandam atenção na fase précontratual Ela é com RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 11 25 Sinde Monteiro relembra que a responsabilidade por informações deturpadas não pode ser considerada irrestritamente como danosa não se pode deixar de levar em consideração que a vontade do próprio lesado influi no momento da contratação A responsabilidade do inform ante deve ser confrontada com a do sujeito que decide Se toda informação incorreta fornecida der aso a uma indenização se ocasiona uma extrema reserva social devido ao que o autor define como responsabilidade por declarações O dever de esclarecimento ou explicação res tringese drasticamente em casos que o risco é conscientemente assumido neste âmbito se inclui boa parte dos negócios jurídicos bilaterais como é o caso dos contratos Ver MONTEIRO J Sinde Op Cit p 24 posta de obrigações especiais para as partes signatárias no sentido de promover uma melhor adequação ao negócio jurídico que preten dem constituir Conforme se disse anteriormente o contrato de fran chising é uma modalidade de investimento econômico muito mais democrática de acesso ao mercado e em decorrência de todas essas vantagens que o contrato possui e também devido aos investimen tos de grande monta que podem ser feitos no caso concreto cons tatase a necessidade de uma regulação prévia à constituição do con trato com o objetivo de evitar abusos por parte do franqueador ou franqueado A necessidade de regulação também pode ser justificada pelo princípio da lealdade que envolve o contrato de franquia decor rente do posicionamento de parte da doutrina ao afirmar que este se configura como um contrato intuitu personae26 aquele em que a con fiança se constitui em um elemento inerente ao tipo Segundo Amoroso27 um estudo de mercado deve ser feito an tes da instalação de uma rede de franquias sendo responsabilidade do futuro franqueador promover uma análise do seu projeto verifi cando a originalidade do produto ou serviço a adaptação da fórmula às diversas condições regionais a concorrência e se a transferência do knowhow é possível28 Em suma o franqueador tem que demons trar a validade do seu negócio antes de criar uma rede de franquias Para isto também é necessário estabelecer um perfil dos seus fran 12 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 26 Este posicionamento é defendido por Ana Paula Ribeiro Ver RIBEIRO Ana Paula Op Cit p 47 com base na teoria de BESSIS Phillipe Le contrat de Franchisage Notions Actuelles et Apport du Droit Européen Paris Montchrestien 1986 p 5758 27 AMOROSO Marisa BONANI Giuseppe GRASSI Paolo Manuale del Franchising Rimini Maggioli Editore 1996 p 103 28 Acórdão do Tribunal Da Relação de Lisboa Processo n1601117TVLSBL17 de 01272015 decide que esse dever não pode ser confundido como uma garantia de excelência do negócio O estudo prévio de viabilidade não tem poder de garantir se as projeções previstas vão se concretizar Desta forma entendese que o direito de informação que o franqueador possui não pode ser confundido com a garantia de sucesso do negócio eliminando o risco empresarial inerente a qualquer empreendimento PORTUGAL Tribunal da Relação de Lisboa Acórdão n1601117TVLSBL17 Relator Maria do Rosário Morgado Diário da República Eletrônico Lisboa 27 jan 2015 queados se estes podem ou não ser pessoas jurídicas se devem ter experiência no ramo qual o capital exigido para dar início a ativida de entre outras características Estes estudos precisam ser realizados para que o franqueador possa apresentar os elementos que qualifi cam a empresa e o contrato por meio da oferta de franquia aos seus candidatos também denominada package ou portfolio A exigência do dinheiro de entrada ou front Money se refere ao capital que o candidato deve desembolsar para ter acesso ao knowhow ao uso da marca e à assistência técnica por parte do fran queador como uma espécie de contraprestação pelos benefícios prestados29 Nos Estados Unidos esta taxa inicial é muito comum ge ralmente se trata de um valor elevado e em muitos casos não se constata o pagamento de royalties após o pagamento do front mon ey Já na Europa o fenômeno é inverso a exigência de frontmoney é pouco observada sendo mais comum o uso do pagamento dos royalties Em Angola a prestação do front money é prevista no art 4430 da Lei de Contratos de Distribuição n 1803 junto com as remunerações referentes à publicidade e royalties periódicos sob o título de direito de entrada A natureza desse capital de entrada é de um investimento a longo prazo que só tem o seu retorno de acordo com o desenvolvimento do próprio negócio O surgimento de problemas durante o período negocial vem exigir do legislador uma posição mais direcionada para esta fase de licada do contrato O problema mais comum enfrentado por parte dos franqueadores é referente à comunicação de informações que in tegram o saberfazer Além de outros elementos essenciais os fran queadores demandam um mecanismo de proteção de saberfazer RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 29 AMOROSO Marisa BONANI Giuseppe GRASSI Paolo Op Cit p 135 30 Art 44 A remuneração da franquia é a estabelecida no contrato podendo incluir a o pagamento de um direito de entrada b o pagamento de uma royaltie remuneração periódica fixa ou variável que pode ser calculada em função do volume de negócios das receitas brutas ou da quantidade de bens fornecidos pelo franchisador c o pagamento de uma taxa de publicidade que inclua a fase précontratual O conhecimento adquirido na fase negociatória assim como o da fase contratual também exige prote ção Já os franqueados enfrentam problemas relativos às informações prestadas pelos franqueadores que muitas vezes e de forma arbitrá ria omitem elementos importantes do negócio comprometendo o real consentimento da contraparte além de colocar o franqueado em uma posição completamente desfavorável no momento da contrata ção Em termos simples é necessário tentar coibir práticas ligadas à difusão do slogan get rich quick que podem ser potencialmente da nosas às partes contratantes31 41 Disclosure no direito comparado Quem primeiro atenta para a devida regulação desta fase pre paratória foi a legislação americana por meio da lei federal de 1979 que impôs ao franqueador a obrigação de oferecer ao franqueado todas as informações necessárias para uma melhor avaliação do risco do investimento Os Estados Unidos deram origem a este documento que influencia ativamente a legislação mundial o chamado Disclosu re Act32 Esta lei entra em vigor em 21 de outubro de 1979 e cria a figura do basic disclosure document que deve fornecer todas as informações necessárias sobre o novo negócio ao franqueado e em caso de sua não observância acarreta pesadas sanções ao franquea dor Seguindo este exemplo o estado canadiano de Alberta também adota medidas no sentido do fornecimento de informações sérias e leais por meio do Alberta Franchises Act que prevê a possibilidade de o franqueado resolver o contrato em caso de não observância O dever de informação é logo acompanhado pela legislação francesa por meio da Lei Doubin n 891008 de 31 de dezembro de 14 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 7780 32 FEDERAL TRADE COMMISSION Disclosure Act 1979 Disponível em wwwftcgov Aces so em 17 mar 2015 1989 que além de impor ao franqueador a obrigação de prestar informações sinceras sobre as especificações da rede de franquia também impõe um prazo de entrega para este documento de 20 dias anteriores à celebração do contrato Por meio deste documento legis lativo a França é considerada como a primeira nação a dar uma dis ciplina orgânica à fase précontratual A diferença entre a legislação americana e francesa é que a última não exaure os tipos de contratos que são influenciados por esta legislação enquanto a primeira afirma expressamente que se refere aos contratos de franquia Além da referida lei o Decreto Lei n 91337 vem especificar as informações que o documento deve ter como por exemplo a identificação do franqueador seu respectivo domicílio bancário data de criação da empresa contas anuais duração do contrato proposto suas condições de prorrogação e cessação entre outras o que garan te a introdução de um importante conceito de transparência no mo mento das negociações contratuais Tal exigência encontrase pre sente no artigo da Chambre de Commerce et dIndustrie Territoriale de lAisne33 sobre o modelo do contrato de franquia francês Além da França a Espanha também adota essa exigência de informação précontratual34 por meio da Lei n 71996 de 15 de janei ro que impõe a entrega do documento com as referidas informações em um prazo de 20 dias anteriores contados da celebração do contra to ou da entrega pelo futuro franqueado de qualquer prestação pecu niária Na Itália o contrato de franquia é tipificado devido a isto os deveres précontratuais são um pouco mais complexos e não se en RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 15 33 CCI HAUTS DE FRANCE Chambre de Commerce et dIndustrie Territoriale de lAisne Dis ponível em httpwwwaisneccifr Acesso em 17 mar 2014 34 Enrique Guardiola Scarrera afirma que o caráter de contrato de adesão que o contrato de franquia possui é diluído em virtude dessa exigência da entrega do disclosure document que de acordo com a legislação espanhola deve conter todas as informações necessárias para que o candidato decida se integra ou não a rede Ver GUARDIOLA SACARRERA Enrique Op Cit p 268 cerram na exigência de entrega da disclosure O legislador italiano também exige que o franqueador tenha constituído uma rede previa mente experimentada35 no mercado para que seja considerado apto a celebrar futuros contratos de franquia e esta exigência é alvo de críti ca por boa parte da doutrina italiana36 O art 4 da Legge 6 di maggio de 2004 exige que o franqueador deve conceder no período de 30 dias contados da data da assinatura do contrato todas as informações necessárias de modo exato e completo ainda que não tenha sido re quisitado pelo contratante Posição claramente influenciada pela doutrina americana da Federal Trade Comission Qualquer mudança no contrato também deve respeitar esta antecedência prevista na lei No caso de comprovação de um vizio de consenso situação em que as informações concedidas são consideradas inverídicas a contrapar te com base no art 8 da mesma lei pode requerer a anulação do contrato A função do período de 30 dias é a de conceder ao candidato um período di riflessione para verificar minunciosamente o conteúdo do contrato Frignani37 não considera este período longo e é taxativo 16 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 Ana Dassi fornece uma breve definição do que é esse contrato de experimentação deno minado contrato de pilotage O art 2 do Código da Associazione Italiana del Franchising exige que antes de a franquia ter a sua sede deve ter feito uma experimentação no mercado com sucesso pelo período mínimo de um ano com ao menos uma unidade piloto É diferente do contrato preliminar ou préFranchising que é aquele em que o franqueador e franqueado experimentam a fórmula por um período determinado Ver DASSI Ana Op Cit p 36 36 Fabio Borlotti afirma que a exigência de prévia atividade não é de fácil constatação na prática devido à ausência de um sistema de registro obrigatório dos franqueadores não há como se ter um controle efetivo da observância desse pressuposto Além disso afirma que a obrigação de disclosure não tem força coercitiva completa devido ao fato de o legislador não ter previsto nenhuma sanção específica para o seu descumprimento Ver BORLOTTI Fabio Op Cit p 80 Aldo Frignani complementa a ideia ao afirmar que a exigência dessa experi mentação prévia afasta investidores que acabam por optar por outros países da comunidade europeia onde esse requisito não seja necessário Por outro lado o franqueado tem a plena liberdade no modelo desta experimentação podendo até optar pelo modelo do máster Fran chising tal opção não descaracteriza a exigência de experimentação O contrato de pilotagem ou contratto pilota tem o mesmo objeto e conteúdo do contrato de franquia a distinção no caso é que a transmissão dos bens e do knowhow tem uma duração limitada FRIGNANI Aldo Il contratto di Franchising Milano Giuffrè 2012 p 2133 ao afirmar que a obrigação do disclosure não deve ser exercida de forma verbal devido à dificuldade de comprovação documental do ato Outra exigência interessante apontada pelo autor é referente à necessidade de demonstração da lista de franqueados que garante ao candidato um melhor poder de escolha quanto à localização do seu empreendimento Já no que diz respeito às decisões judiciais e arbitrais expostas entendese que estas devem ter algum liame sub jetivo com a atividade franqueada Apesar de ser um defensor da o brigação de disclosure o autor faz algumas ressalvas nas informações fornecidas38 A falta de assistência técnica também é considerada como uma violação da comunicação das partes segundo o Tribunal de Veneza na decisão de 01102007 que considera tal atitude como uma informação falsa porque o contrato de franquia tem como um dos seus elementos fundamentais a prestação de assistência técnica pelo franqueador Também se encontra na legislação brasileira um instrumento equivalente ao modelo americano francês e espanhol a chamada cir cular de oferta de franquia COF Previsto nos arts 3 e 4 da Lei 899539 este documento que visa dar maior transparência ao contra to contém todas as informações a respeito da situação jurídica e fi nanceira do franqueador e da empresa tais como o total do investi mento inicial o valor estimado das instalações e equipamentos condições de pagamento remuneração pelo uso de sistema e marca além do texto completo do contrato que visa celebrar com a contra parte Este documento deve ser entregue em linguagem clara e aces sível no prazo de 10 dias antes da celebração do contrato O não RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 37 Ibidem p 78 38 Para uma informação ser considerada incompleta por exemplo ela deve ser substancial de relevância grave não pode ser um mero erro numérico como dizer que existem 199 fran queados quando na verdade são 200 Ver FRIGNANI Aldo Op Cit p 129 39 Fábio Coelho afirma que a lei 8955 não é criada no sentido de tipificar o contrato de franquia mas apenas com o intuito de garantir que os futuros franqueados consigam acesso ao modelo americano da disclosure no sentido de ter acesso a todas as informações conside radas necessárias para a sua ponderação COELHO Fábio Ulhoa Op Cit p 127 cumprimento dessa premissa faculta ao franqueado arguir a anulabi lidade do contrato e a restituição dos valores já pagos ao franqueador A responsabilização civil compreende perdas e danos causados ao franqueado em virtude da falsa informação prestada já a responsabi lização penal se encaixa no tipo penal do art 17140 do Código Penal Brasileiro referente ao estelionato Macau tem um posicionamento interessante no que diz res peito às informações précontratuais referentes ao contrato de fran quia O art680 do Código Comercial41 de Macau elenca todas as informações que devem ser prestadas na fase précontratual Não se trata de uma lista taxativa por certo mas de uma boa referência que o franqueado tem na fase de negociação Informações como as con tas anuais do franqueador referentes aos dois últimos exercícios a 18 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 40 Art 171 Obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento 41 Art 6801 O franqueador é obrigado a prestar por escrito e com a antecedência adequada informações completas e verdadeiras ao interessado por forma a que este possa fazer uma ponderação criteriosa e esclarecida das vantagens e inconvenientes da celebração do contrato entre outras a Identificação do franqueador b Contas anuais do franqueador relativas aos dois últimos exercícios c Acções judiciais em que estejam ou tenham estado envolvidos o franqueador os titulares de marcas patentes e demais direitos de propriedade industrial ou intelectual relativos à franquia e seus subfranqueadores que directa ou indirectamente pos sam vir a afectar ou impossibilitar o funcionamento da franquia d Descrição detalhada da franquia e Perfil do franqueado ideal no que se refere à experiência anterior nível de esco laridade e outras características que deve ter obrigatória ou preferencialmente f Necessidade e extensão da participação directa e pessoal do franqueado no exercício da franquia g Especificações quanto ao montante estimado do investimento inicial necessário à aquisição implantação e entrada em funcionamento da franquia h Valor das retribuições periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados especificando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam i Composição da rede de franquia lista dos franqueados subfranqueados e sub franqueadores da rede bem como dos que se desligaram da rede nos últimos 12 meses j Rentabilidade das empresas dos franqueados e incidência de falências l Experiência profis sional adquirida o seu saberfazer e métodos empresariais m Serviços que o franqueador se obriga a prestar ao franqueado durante a vigência do contrato 2 O franqueador deve também facultar ao interessado com a antecedência adequada o modelo do contrato tipo e se for o caso também do précontrato de franquia adotado com o texto completo inclusive dos res pectivos anexos ções judiciais em que a franquia está envolvida perfil do franquiado ideal especificações quanto ao investimento inicial valor dos royal ties periódicos lista de franqueados e franqueadores serviços que o franqueador se dispõe a prestar ao franqueado rentabilidade de em presas e incidência de falências são algumas das informações que po dem ser exigidas pelo franqueado no momento da contratação É um rol completo e bastante amplo um pouco semelhante ao modelo ita liano mas mais detalhado porque inclui na sua segunda parte regu lação referente aos contratos preliminares de franquia o que não acontece na Itália devido à exigência de experimentação prévia da fórmula Além disto também vale ressaltar a obrigação de informa ção prévia sobre qualquer alteração na apresentação dos bens ou na sua composição conforme prevê o art 68842 o que mais uma vez demonstra a preocupação do legislador de Macau com a devida pres tação de informações durante o contrato de franquia Já em Angola apesar da tipificação do contrato de franquia efetuada por meio da já citada Lei n 1803 este diploma não fala expressamente na exigência da disclosure no entanto inclui no art 411c43 referente às obrigações do franqueado a obrigação de guar dar o devido sigilo sobre todas as informações fornecidas pelo fran queador O referido artigo prevê que é obrigação do franqueado guardar sigilo sobre todas as informações recebidas sejam elas sobre processos de fabricação knowhow publicidade técnicas de venda etc O legislador angolano visa incluir todo tipo de informação con cedida e garantir a devida tutela legal do seu sigilo por um lapso de tempo que perdure enquanto existir o controle pelo franqueador e até após o seu termo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 42 Art 688 O franqueador é obrigado a informar antecipadamente o franqueado de toda e qualquer alteração introduzida na composição e apresentação dos bens nas condições de venda ou na prestação do serviço ou quaisquer outras que digam respeito à exploração da franquia 43 Art 411 1 Constituem obrigações do franchisado nomeadamente c guardar segredo sobre toda a informação que lhe seja transmitida pelo franchisador incluindo sobre processos de fabrico e knowhow durante todo o período de duração do controlo e após o seu termo No âmbito internacional a UNIDROIT Internacional Institu te for the Unification of the Private Law publica em setembro de 2002 em Roma um modelo de legislação uniforme sobre a franquia denominado Model Franchise Disclosure Law44 O art 6 do documen to enumera as informações que devem ser fornecidas no contrato além disto o Model Franchise estabelece uma sanção no caso do não cumprimento da obrigação de disclosure o franqueado pode optar por resolver o contrato ou obter a sua anulação Tratase de impor tante modelo de referência para outros países porque fornece deta lhes precisos das exigências específicas que a modalidade contratual possui 42 Disclosure em Portugal Em Portugal não se encontra expressamente na legislação tal vedação legal entretanto alguma doutrina não admite um total vácuo legislativo no que tange a essa disciplina45 A comunidade portuguesa é signatária de dois instrumentos que regulam a disciplina o Model Franchise Disclosure Law e o European Code and Ethics for Franchis ing Tais instrumentos preveem a aplicação da figura do documento de basic disclosure que deve ser entregue ao candidato no período de 15 dias a um ano antes da data da celebração do contrato Além disto o já citado art 227 impõe as partes um dever de boafé nas preliminares do contrato e estabelece que a parte contratante deve se responsabilizar por eventuais abusos que efetuar nesta fase A legislação portuguesa referente às cláusulas contratuais ge rais que não raro são incluídas nos contratos de franquia também 20 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 44 INTERNATIONAL INSTITUTE FOR THE UNIFICATION OF PRIVATE LAW Model Franchise Disclosure Law 2002 Disponível em httpwwwunidroitorgenglishmodellaws2002fran chise2002modellawepdf Acesso em 06 mai 2015 45 PEREIRA Alexandre Libório Dias Transparency in business networks precontractual dis closure obligations in Franchising agreements Estudos selecionados do Instituto Jurídico Por tucalense Coimbra v 2 2014 p 17 atenta para a necessidade de informação integral e adequada além de atribuir à parte que fornece as informações o ônus de provar que as mesmas são devidamente prestadas Atentase para a característica presente do art 5 da LCCG de que a informação deve ser prestada na sua íntegra sob pena de ser considerada inexistente de acordo com o art 8 b do mesmo diploma O dever de informação se encontra consagrado no art6 e admite variações na sua extensão mas em suma prevê que se deve tornar acessível ao aderente todas os escla recimentos necessários para a real compreensão do conteúdo contra tual46 Menezes Cordeiro47 exemplifica que as situações de remissões para cláusulas não existentes ou colocadas em lugares não visíveis devem ser equiparadas como falta de informação Já Pinto Monteiro48 equipara a informação em excesso com a falta de informação em de terminados casos porque o consumidor ou o aderente a depender do caso não consegue analisar com cuidado contratos muito exten sos Assim os contratos de adesão também devem ser atentos a este tipo de situação caso contrário podem considerados inexistentes de acordo com o DL 44585 de 25 de outubro Vasconcelos49 defende que devido à complexidade do contra to de franquia o dever de informação deve ser ampliado a ponto de permitir que o franqueado visualize todo o sistema em funcionamen to Ao visualizar a fórmula em funcionamento o candidato pode pro por questões que atendam aos seus interesses sendo esta uma forma eficaz de superar o déficit de informação entre as partes Joerges50 complementa a ideia afirmando que as bases legais para o disclosure fazem parte da natureza legal do contrato que por se tratar de um RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 46 MONTEIRO António Pinto O novo regime jurídico dos contratos de adesãoclásulas con tratuais gerais Revista da Ordem dos Advogados Lisboa ano 62 v I p 118138 jan 2002 47 CORDEIRO António Menezes Da boa fé no direito civil São Paulo Almedina 2018 p 589 48 MONTEIRO António Pinto Op Cit p 115119 49 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 80 50 JOERGES Christian Franchising and the law theoretical and comparative approaches in Europe and the United States BadenBaden Nomos 1991 p 50 contrato de longo prazo a figura do franqueador deve inspirar segu rança ao franqueado Toda esta proteção ao direito da informação51 visa equalizar o claro desequilíbrio que envolve as partes no momen to da contratação visto que o franqueador possui exclusividade no acesso de muitas informações do novo empreendimento Se não há regulação própria a respeito facilmente se pode conduzir o fran queado a erro Além do dever de informação também é possível de depreender desta legislação um dever de lealdade e esclarecimento52 Mesmo depois dessa clara exigência legislativa do dever de lealdade no momento da celebração do contrato de franchising po demse constatar casos em que uma das partes fornece informações distorcidas e falsas sobre o negócio discutido Este é o caso da misrepresentation que segundo Césare Vaccá53 pode ter sido feita com o objetivo de dolo ou por negligência caso em que será chama da de negligent misrepresentation O autor italiano coíbe este com portamento com base na legislação italiana que por meio da Legge 6 Maggio 2004 n 129 também impõe ao franqueador a entrega do do cumento no qual constem as informações sobre o futuro negócio no prazo de 30 dias antes da celebração do contrato O contrato de affi liazione commerciale deve adotar um bom comportamento contra tual de acordo boafé sendo absolutamente vedadas tentativas de en ganar ou tentar induzir o contratante a erro Já em Portugal caso seja constatada uma misrepresentation o candidato adquire o direito de anular o contrato e a ser indenizado com base no art 227 do Código Civil 22 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 51 Fabio Borlotti assinala que a proteção ao direito de informação dos contratantes está pre sente até em países que recentemente introduziram a matéria de contratos na sua legislação como por exemplo a Federação Russa O art 1027 do Código Civil Russo descreve o contrato de concessão de venda de uma forma muito similar ao contrato de franquia Outros exemplos são a Armênia Código Civil Capítulo 53 art 969 e seguintes e a Georgia Código Civil art 607 e seguintes Ver BORLOTTI Fabio Op Cit p1517 52 SANTOS Ângela Maria Figueiredo Op Cit p 25 53 VACCÁ Césare Gli accordi di Franchising il controllo sulla formazione del contratto e le condizioni di fine rapporto Genova Diritto del Comercio Internazionale 1990 p 255 Vale salientar que apesar de se supor que o dever de lealdade e informação recai somente sobre o franqueador também se defende que estes mesmos deveres devem ser observados pelo franqueado Se isso não for exigido por parte do franqueado este pode facilmen te dotado de máfé conduzir o franqueador a erro somente para ad quirir conhecimento de knowhow por exemplo Segundo a escolha do franqueado deve estar sujeita aos mesmos deveres porque o fran queador precisa sempre prezar pela continuidade uniforme da sua rede e para isto necessita de informações claras e precisas de quem pretende contratar54 A obrigação de informação deve ser mútua durante toda a for mação do contrato independentemente de qualquer cláusula expres sa55 tal fato decorre da própria concepção do contrato de franquia que é um contrato de colaboração56 Tratase do fenômeno de feed back57 ou fertilização cruzada que surge a partir das obrigações de correntes do conteúdo essencial do contrato de franquia Dentre as informações que não devem ser consideradas integrantes do dever de disclosure nome de fornecedores com intuito de evitar que os can didatos lidem diretamente com eles e o nome de clientes em respei to à privacy entre outros58 Em suma a norma de transparência para ser considerada válida deve ser mútua e bilateral A cooperação en tre as partes não pode ser confundida com uma dependência Desta forma percebese que antes mesmo da formalização do contrato de franquia recai sobre ambas as partes o dever de for necer informações sérias e reais sobre suas qualificações técnicas sob pena de futura anulabilidade Essa confiança entre as partes se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 23 54 RIBEIRO Ana Paula da Costa Op Cit p 48 55 MONTEIRO António Pinto Contratos de agência de concessão e de franquia Franchising Boletim da Faculdade de Direito Coimbra ano 1984 n 3 p 303327 1984 56 Ibidem 57 RIBEIRO Maria Fátima Op Cit p 111 58 FRIGNANI Aldo Op Cit p 95 gundo estudos por parte dos autores Karlijn J Nijmeijer Isabelle N Fabbricotti e Robbert Huijsman59 configurase como um dos elemen tos que mais influenciam no sucesso empresarial de uma franquia Contudo as partes não podem fazer uso desse dever para se furtar ao risco que a participação no comércio implica conforme diz Vascon celos60 Também se deve evitar o desvirtuamento do dever de infor mação e lealdade que a fase negociatória do franchising possui este não pode ser estendido de forma irrestrita também deve ser passível de limites 5 Tipos de contratos preliminares Antes da celebração do contrato principal muitas vezes po dem se constatar casos em que seja interesse de uma das partes con tratuais ou de ambas constituir algum dos tipos de contratos pre liminares antes de formalizar o contrato de franchising em definitivo Tal necessidade pode ser justificada por inúmeras razões tal como a necessidade do franqueado de se familiarizar com a rede a impossi bilidade de constituição do contrato principal por falta de condições materiais provisórias o interesse de se experimentar a viabilidade econômica de uma franquia entre muitas outras Vasconcelos61 elen ca os tipos de contratos preliminares que podem ser aplicados ao contrato de franquia São eles o précontrato de franquia o contrato de préfranquia e o contrato de promessa de franquia O contrato de préfranquia é utilizado nos casos em que o franqueador ainda não se encontra seguro da viabilidade econômica do seu knowhow ou seja ele ainda não se encontra certo a respeito 24 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 59 NIJMEIJER Karlijn FABBRICOTTI Isabelle N HUIJSMAN Robbert Making Franchising Work a framework based on a Systematic Review International Journal of Management Re views London v 16 n 1 p 63 jan 2014 60 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 81 61 Ibidem p 84 da criação da rede ainda é uma espécie de aspirante a franqueador O que o franqueador almeja é um acordo entre um ou mais franquea dos para experimentação e desenvolvimento durante um determina do período de tempo Segundo Vasconcelos62 o franqueador neste caso quer testar sua fórmula empresarial no mercado ao final deste prazo deve optar por montar o sistema de franquia ou abandonar o projeto Se optar pela primeira opção caberá ao franqueado escolher se vai aderir ao sistema ou não concedendo à parte um claro direito de preferência decorrente deste acordo preliminar conforme defen de Henrique Mesquita63 Não há aqui a prestação de frontmoney ou royalties a princípio O contrato de promessa de franquia será aplicado nos casos em que uma das partes assume a obrigação de celebrar contrato fu turo de franquia que por algum motivo não pode ser celebrado no momento presente como a ausência temporária do capital necessá rio por exemplo O autor Mário Júlio de Almeida Costa64 defende que o fator que diferencia o contratopromessa dos atos de negociação é a ausência de eficácia contratual específica Os atos de negociação apesar de dotados de relevância jurídica carecem dessa eficácia ao contrário do que se verifica no contratopromessa que segundo o autor pode ser incluído no processo de elaboração de um negócio jurídico Ou seja esse será o modelo de contrato preliminar adotado quando houver realmente um desejo de contratar já mais amadureci do apenas por conveniência das partes é que se opta por não forma lizar o contrato no momento Segundo Vasconcelos65 este modelo de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 25 62 Ibidem p 85 63 MESQUITA Manuel Henrique Obrigações reais e ônus reais Coimbra Almedina 1990 p 207 64 COSTA Mário Júlio de Almeida Contratopromessa uma síntese do regime vigente Coim bra Almedina 2007 p 15 65 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 87 contrato de promessa não é passível de execução específica por se tratar de um contrato de prestação infungível não podendo ser subs tituído por uma decisão judiciária Segundo Fernando de Gravato Morais66 se um contrato possui obrigação de natureza pessoal infun gível o contratopromessa não é submetido à execução específica porque a natureza da obrigação se configura como uma das exceções legislativas à figura da execução específica esta seria inviabilizada por completo Já o précontrato de franquia é a modalidade mais aplicada na prática negocial É utilizada quando o interesse do franqueador é de dar ao candidato a franqueado um período de tempo para se familia rizar com a franquia e assim ter mais elementos para a escolha final sobre a titularidade do franqueado Também são verificados em casos que o franqueado mesmo após todas as informações prestadas opte por testar o poder atrativo da marca a eficiência da assistência entre outros aspectos67 Em termos simples consiste em uma experimenta ção do saber fazer68 É um contrato preliminar criado com o intuito de contornar o risco de se celebrar um contrato de franquia pois exige a demonstração prática por ambas as partes de que podem executar as cláusulas contratuais exigidas Com efeito tratase de uma nego ciação séria e leal visto que envolve direitos de confidencialidade69 Contudo não existe qualquer obrigação de se celebrar o con trato definitivo já que se configura como um prazo de experiência em que ambas as partes analisam na prática a viabilidade econômica do investimento Além disso o seu conteúdo não é cristalizado imu tável e pode variar caso se opte por um contrato definitivo Caso não seja celebrado o candidato não pode concorrer com o franqueador 26 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 66 MORAIS Fernando de Gravato Contratopromessa em geral contratospromessa em espe cial Coimbra Almedina 2009 p 118 67 VASCONCELOS Luís Pestana de Op Cit p 84 68 RIBEIRO Maria de Fátima Op Cit p 123 69 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 85 durante um determinado período de tempo em uma determinada área e para alguma doutrina tal acordo sequer dá direito à preferên cia por parte do franqueado70 Esta modalidade de contrato preliminar é amplamente utiliza da por países como a França71 e tem como objetivo promover certa segurança nas negociações do franchising Mesmo se tratando de uma modalidade socialmente típica de contrato o risco que cerca as partes é relativamente maior do que em outros tipos contratuais de vido ao desequilíbrio de informações em que as partes se encontram A existência destas modalidades contratuais preliminares tem clara influência na constituição de um contrato de franquia que resulte em um sucesso para ambas as empresas envolvidas sendo altamente re comendável a todos os tipos de contrato de franchising principal mente em casos em que o franqueado se considere inexperiente co mercialmente O direito italiano traz uma discussão interessante a respeito dos contratos preliminares que também pode ser ampliada para ou tras legislações em que o contrato de franquia é tipificado pois ques tiona se os requisitos referentes ao principal contrato de franquia presentes na Legge 6 maggio de 2004 n 129 devem ser ampliados aos contratos preliminares72 A existência desta variedade de contra tos preliminares de franquia se justifica devido à complexidade que este tipo de contrato possui e que é consequentemente transferida RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 27 70 Para Ana Paula Ribeiro esse pacto de preferência é duvidoso porque a obrigação em questão não é uma obrigação de igualdade de condições para se escolher determinada pessoa como seu contraente em caso de celebração contratual Ver RIBEIRO Ana Paula Op Cit p 49 71 CCI HAUTS DE FRANCE Op Cit 72 O posicionamento do autor com base em uma discussão do Tribunal de Genova de 15 de janeiro de 2008 é de que o contrato preliminar assim como contrato principal também se configura um consenso entre as partes devendo estar sujeito aos mesmos requisitos Visto que o objetivo do contrato preliminar é a formação de contrato principal válido este deve também respeitar as mesmas exigências sob pena de frustração do objetivo da sua existência FRIG NANI Aldo Op Cit p 99 para a sua fase précontratual Os deveres de lealdade probidade informação e sigilo decorrem das próprias características do contrato estudado que demanda uma proteção e tutela mesmo quando as negociações ainda não se configuram em uma aceitação das partes Conclusão A análise da fase précontratual do contrato de franquia feita no segundo capítulo é de extrema relevância pelo fato de esse con trato ser uma das modalidades contratuais mais utilizadas pelos no vos empreendedores Tal popularidade por outro lado pode causar abusos por parte dos contratantes seja o franqueador ou o franquea do A existência do dever de lealdade informação e esclarecimento durante todo o período das negociações vêm no sentido de acompa nhar a natureza que o contrato de franquia possui que se refere a uma estreita colaboração entre as partes contratuais a fim de que consigam transmitir ao consumidor a ideia de unidade que a rede exi ge Sem esta mútua colaboração não há como se obter resultados sa tisfatórios no empreendimento O desequilíbrio de qualificação e informação entre as partes torna esse tipo de contrato dependente da confiança entre os envol vidos afinal um empresário cede a um terceiro todo o conhecimento adquirido ao longo da experiência profissional além da sua marca e imagem diante dos consumidores É compreensível que haja certo re ceio na escolha do franqueado o franqueador deve se cercar de to das as informações possíveis para a sua escolha visto que este tercei ro representa a empresa em seu nome Por outro lado o franqueado também tem o direito de saber com seriedade e lealdade a real situa ção do negócio a que deseja associarse já que invariavelmente esse empreendimento dispõe de custos relativamente elevados A inexpe riência do franqueado não pode ser utilizada como motivo para a má fé por parte dos empresários franqueadores A confiança deve ser mútua A existência de contratos preliminares como o précontrato de 28 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 franquia contrato de promessa de franquia e o contrato de préfran quia tem o intuito justamente de fortalecer a confiança entre as par tes O contrato de préfranquia e o précontrato de franquia por exemplo são acordos em que não existe realmente uma obrigação de contratar um tipo de contrato de experiência em que as partes tes tam a viabilidade do empreendimento que pretendem realizar Estes são alguns dos pontos polêmicos discutidos por esta pesquisa contudo se encontram longe de exaurir totalmente o estudo referente ao tema que poderá ser aprofundado ou ter seu posiciona mento questionado com base em outros entendimentos doutrinários RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 29 Photocopied analysis cannot be accepted Original report only ESTUDO EMPÍRICO SOBRE O PERFIL DOS CONDENADOS POR INSIDER TRADING PELA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM HÁ O EFEITO EDUCATIVO DAS DECISÕES1 AN EMPIRICAL STUDY ON THE PROFILE OF THE CONDEMNED BY INSIDER TRADING BY THE COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM IS THERE AN EDUCATIONAL EFFECT OF DECISIONS João Luís Nogueira Matias Ives Nahama Gomes dos Santos Resumo Investigase por meio do multimétodo a maneira como o uso de informação privilegiada insider trading é tratado nos Processos Administrativos Sancionadores PAS no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários CVM Por meio de uma pesquisa empírica tendo como recorte temporal o período de 2004 até 2019 a pesquisa procurou delimitar qual o perfil das pessoas físicas conde nadas ou seja se mantinham ou não relação com a companhia ten do sido verificado que em sua maioria as condenações foram aplica das aos membros internos Outras variáveis na linha investigativa fo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 1 Artigo recebido em 06092021 e aceito em 10092021 Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará UFC com aulas na graduação e na pósgraduação Professor Titular do Centro Universitário 7 de Setembro UNI7 Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará UFC MBA em Gestão de Empresas Fundação Getúlio Vargas FGVRJ Juiz Federal Email joaoluisnmuolcombr Mestranda em Direito Constitucional Público pela Universidade Federal do Ceará PPGDUFC com mobilidade acadêmica na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Coordenadora do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais NECCUFC Pesquisadora do Projeto Pesquisa Empírica e Jurimetria PROPED UNIFOR Pesquisadora do Grupo de Direito Penal Econômico e da Empresa GDPEE da Fundação Getúlio Vargas FGVSP Pesquisadora do grupo de estudos Dimensões do Conhecimento do Poder Judiciário da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará ESMEC Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e IBCCRIM Advogada Email ivesnahamahotmailcom ram quais os cargos dos condenados quais as penas aplicadas e por fim se no teor do dispositivo das decisões dos PAS haveria a reco mendação de a companhia instituir boas práticas educacionais inter nas de modo a efetivar o caráter preventivo das sanções A pesquisa verificou no entanto que as decisões condenatórias ainda não utili zam todo o potencial da sua finalidade educativa o que auxiliaria no bom funcionamento das companhias Palavraschave Insider trading Processos Administrativos Sancionadores PAS Perfil dos condenados Comissão de Valores Mobiliários CVM Estudo Empírico Abstract The purpose of the article is to investigate through the multi method how the matter of insider trading is dealt with in the Sanctioning Administrative Proceedings SAP within the scope of the Comissão de Valores Mobiliários CVM From an empirical perspective within the time frame starting in 2004 until 2019 the re search sought to delimit which profile of individuals condemned by the practice that is whether they maintained relationship with the company and it was verified that the majority of convictions were applied to the internal members of the companies Other variables in the investigative line were which positions were most condemned which were the penalties applied and finally if in the content of the recommendation of the sentence of the PAS there would be a recom mendation that the condemned company institute good internal edu cational practices so to implement the preventive nature of sanc tions However the research found that the condemnatory sentences did not value the educational purpose being merely symbolic not helping the companies to function properly Keywords Insider Trading Sanctioning Administrative Proc esses SAP Profile of convicts Comissão de Valores Mobiliáros CVM Empirical Study Sumário Introdução 1 Informação merca dos e full disclosure em busca da eficiên cia informacional 2 O estado da arte dos processos sancionadores da CVM análise de dados 21 A metodologia aplicada na pes quisa 22 Sobre o perfil dos indiciados e efetivamente condenados por insider tra ding 23 Sobre as penas aplicadas 24 So 32 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 bre o caráter preventivo das penas 3 Além das penas a prevenção como caminho para a redução dos danos à eficiência informacio nal Considerações finais Introdução O inciso VI do artigo 4º da Lei 638576 prevê o princípio do full disclosure ou da transparência e estabelece ser atribuição da Comissão de Valores Mobiliários CVM e do Conselho Monetário Na cional CMN assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados dispondo ainda que à CVM cabe o papel fundamental na regulação do mercado principalmente no que concerne ao dever de informar Já a Instrução CVM nº 3582002 configurase como o marco re gulatório sobre a divulgação e uso de informações e sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas dispondo no artigo 13º so bre as consequências jurídicas do uso de informações privilegiadas ou seja informações não públicas até o momento da negociação Em países de vários níveis de desenvolvimento tem curso a aplicação de severas penas aos insiders inclusive com privação de liberdade Embora haja relativo sucesso na repressão e prevenção a ilícitos praticados contra o mercado de capitais percebese que muito ainda poderia ser feito com suporte na utilização de comandos pre ventivos re educacionais aplicados nos casos de condenações Nestas circunstâncias a pesquisa partiu das seguintes pergun tas centrais quais os incentivos para o fortalecimento do combate à informação privilegiada decorrentes da condenação de membros in ternos das companhias pela prática de insider trading Além dos efeitos repressivos decorrem aspectos preventivos Recorrese à metodologia multimétodo analisando processos administrativos sancionadores da CVM no período da vigência da Instrução Normativa de nº 3582002 até o último mês da pesquisa em maio de 2020 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 33 De início se contextualiza a ideia de eficiência informacional vital para o bom funcionamento dos mercados em especial do mer cado de valores mobiliários Em seguida mostrase a pesquisa empí rica com a análise dos dados sobre condenação por insider trading Na sequência abordase a importância da adoção de atitudes preven tivas educacionais como meio de mitigar os danos à eficiência infor macional Na sequência vêm as considerações finais 1 Informação mercados e full disclosure em busca da efi ciência informacional Com a inserção da sociedade no contexto da modernidade re flexiva em que confronta consigo uma espécie de espelho social as fontes de perigos já não são o desconhecimento mas sim o conhe cimento2 Percebese que a importância das informações e os seus fluxos de interação constituem proposições insurgentes na sociedade reflexa3 A informação ou seja o conhecimento dos fatos tem valor imensurável e direciona as ações das pessoas que a detêm4 A informação é um bem dotado de valor econômico5 e repre senta um anseio e uma busca humana basilar seja para questões sim ples do dia a dia entre as relações interpessoais seja para o desen volvimento tecnológico científico e até mesmo místico6 34 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 BECK Ulrich GIDDENS Anthony LASH Scott Modernização reflexiva política tradição e estética na ordem social moderna 2 ed São Paulo Unesp 2012 Tradução de Magda Lopes 3 TRANFIELD David DENYER David SMART Palminder Towards a methodology for deve loping evidenceinformed management knowledge by means of systematic review British jour nal of management v 14 n 3 2003 p 207222 4 WANG William KS STEINBERG Marc I Introduction Insider Trading 3rd Oxford Oxford University Press 2010 5 PRATAS Marta Alexandra Fialho O insider trading nos mercados financeiros o papel da informação no funcionamento dos mercados e sua regulação Dissertação Mestrado Facul dade de Direito Universidade de Lisboa Lisboa 2017 6 EIZIRIK Nelson et al Mercado de capitais regime jurídico 3º ed rev e ampl Rio de Janeiro Renovar 2011 p 460 No mercado financeiro o poder da informação na tomada de decisões é demonstrado não somente pelo caráter de influência que experimenta no âmbito negocial das partes envolvidas mas por abranger também a capacidade de que uma assimetria informacio nal fora das marcas admitidas é passível de afetar diretamente a cre dibilidade dos investidores no funcionamento e estrutura de todo o mercado7 É competência dos órgãos reguladores assegurar a transparên cia das informações relevantes princípio do full disclosure Do prin cípio deriva a obrigação de propagar informações com teor que in fluencie a compreensão e o conhecimento na avaliação dos fatos8 O princípio da transparência tem previsão no art 4º VI da Lei 638576 o qual dispõe que é uma das funções precípuas do Conse lho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários as segurar acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido Buscase asse gurar a simetria informacional entre os agentes econômicos o que torna o mercado mais digno de confiança permitindo ainda a alme jada redução dos custos de transação9 e um funcionamento equitativo do mercado10 Dispõese também que devem proteger os titulares de valo res mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informa ção relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários con soante a letra c do inciso IV do artigo 4º da Lei nº 638576 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 7 FERREIRA Laila Cristina Duarte Divulgação de informações no mercado de valores mobi liários brasileiro a regulação da atividade jornalística 240 f Dissertação Mestrado Faculda de de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2013 8 BAINBRIDGE Stephen M Research handbook on insider trading Edward Elgar Publishing 2013 Disponível em httpwwwssrncom Acesso em 10 maio 2020 9 EIZIRIK Nelson et al Op Cit p 480 10 Elzirik Nelson O papel do Estado na regulação do mercado de capitais Rio de Janeiro Ibmec SP 1977 p 6 A cotação dos valores mobiliários quaisquer títulos ou contra tos de investimento coletivo que gerem direito de participação lista dos no art 2º da Lei 63857611 deverá refletir apenas as informações publicamente disponíveis12 com os preços refletindo todas as variá veis suscetíveis de influenciar nos investimentos13 afinal a obtenção de informações tem um custo para os agentes econômicos e estes competem entre si tomando decisões com base em cada nova infor mação que é divulgada14 A ampla informação é o meio de alcançar a eficiência informa cional expressa na velocidade e na exatidão de reflexo nos preços a partir de cada divulgação15 Para que se assegure concorrência perfei ta nuclear é viabilizar a ampla informação e conhecimento de merca do por parte dos agentes ou seja todos os atores envolvidos nas rela ções tendo completo conhecimento das condições de mercado com plena paridade de informações16 É certo que uma decisão de investimento no mercado sem a detenção de toda informação necessária enseja prejuízos não só ao investidor mas também ao mercado de maneira plural como parte de um todo17 36 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 11 GIRÃO Luiz Felipe de Araújo Pontes MARTINS Orleans Silva PAULO Edilson Avaliação de empresas e probabilidade de negociação com informação privilegiada no mercado brasileiro de capitais Revista de Administração São Paulo v 49 n 3 p 462475 2014 12 DUBEUX Júlio Ramalho A comissão de valores mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do mercado de capitais brasileiro Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2006 p 49 13 MALKIEL Burton G FAMA Eugene F Efficient capital markets A review of theory and empirical work The Journal of Finance New York v 25 n 2 p 383417 1970 14 Ibidem p 385 15 GILSON Ronald J KRAAKMAN Reinier H The Mechanisms of Market Efficiency Twenty Years Later The Hindsight Bias Stanford Law Economics 2003 Disponível em httpsssrncomabstract462786 Acesso em 20 mai 2020 16 GUESTRIN Sergio G Fundamentos para un nuevo análisis económico del derecho de las fallas del mercado al sistema jurídico Buenos Aires Edital Ábaco de Rodolfo Depalma 2004 17 FERREIRA Laila Cristina Duarte Op Cit 2013 Não será qualquer informação que se submeterá à regra da ampla publicidade e da impossibilidade de uso indevido como des crito no parágrafo 4º do artigo 155 da Lei nº 640476 devendo a informação revestirse de determinados atributos que justifiquem a severidade do tratamento previsto na legislação Sobre a noção de informação relevante em sintonia com a previsão do artigo 157 4º da Lei nº 640476 a Instrução Normativa de nº 3582002 da CVM assim considera a informação passível de influir de modo ponderável na decisão dos investidores de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia no que se inclui qualquer decisão de acionista controlador deliberação da as sembleia geral ou dos órgãos de administração que venha influir na cotação na decisão de compra e venda e na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valo res mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados Assim entendese informação privilegiada como um dado re gido pela confidencialidade18 visto que as informações são obtidas em razão do cargo que se ocupa bem como em decorrência da sua materialidade conforme redação do art 2º da ICVM 35802 É privi legiada a informação que contém o trinômio obtida em virtude da funçãocargo que exerce ainda não divulgada e considerada deten tora de conteúdo capaz de influenciar de maneira notória as rela ções mercantis Complementa o sistema de publicidade e de vedação de informações privilegiadas o dever de guardar sigilo exposto no art 8º da Instrução 3582002 O sigilo é referente às informações relativas a ato ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam sendo portanto informações pri RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 37 18 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS IOSCO Objectives and Principles of Securities Regulation Madrid 2003 Disponível em httpswwwioscoorgli brarypubdocspdf IOSCOPD323pdf Acesso em 30 mai 2020 vilegiadas até a serem tornadas públicas ao mercado também de vendo exercer a função de vigilância de seus subordinados po dendo responder solidariamente caso haja o descumprimento e uso dos dados A prática de insider trading está ligada de maneira geral a duas proibições a realização de negócios em posse de informação material que não é pública logo privilegiada e revelar essa informa ção a terceiros19 Além dessas segundo as noções da IOSCO convém que não se permita que pessoas com informações privilegiadas façam recomendações de compra ou venda ou adquiram de outra pessoa para comprar vender ou assinar um contrato de subscrição compra ou venda de quaisquer valores mobiliários com base em informa ções privilegiadas20 Com efeito a CVM exerce papel fundamental na efetivação do dever de informar e do full disclosure21 sendo instrumento para bus ca da eficiência informacional do mercado mitigando o desequilíbrio econômico a assimetria informacional e o uso de informação privile giada22 Transpondo o seu papel repressor a CVM atua prevenindo ofensas à eficiência informacional Passase à análise do estado da arte nos processos sancionadores por meio de estudo empírico 38 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 PRADO Viviane Muller RACHMAN Nora Matilde VILELA Renato Insider trading normas instituições e mecanismos de combate no Brasil São Paulo FGV Direito SP 2016 p 102 20 IOSCO Op Cit 2003 p 14 21 CHARÃO Anderson Pereira RIBEIRO Marcia Carla Pereira A ineficiência econômica da punição do insider trading à luz da análise econômica do direito e da jurisprudência da comis são de valores mobiliários Economic Analysis of Law Review v 10 n 1 p 142157 2019 22 JAKOBI Karin Bergit A atuação da CVM na regulação do mercado de capitais e na con sagração do full disclosure sob o enfoque da análise econômica do direito Dissertação Mes trado Universidade Católica do Paraná Curitiba 2011 2 O estado da arte dos processos sancionadores da CVM análi se de dados Devese estar atento a que o sucesso na repressão e preven ção a ilícitos praticados contra o mercado de capitais não seja arrima do apenas pelo volume de condenações23 nem pela mera aplicação de sanções rígidas em termos pecuniários Na pesquisa objetivouse averiguar o perfil dos condenados e a existência de comandos preventivos re educacionais aplicados nos casos de insider trading De início é explicada a metodologia da pesquisa Em seguida serão mostrados os dados 21 A metodologia aplicada na pesquisa O artigo se utiliza da metodologia multimétodo termo utiliza do por Peter Cane e Herbert M Kritzer na obra The Oxford Hand book of Empirical Legal Research24 para especificar trabalhos que se valham de mais de uma técnica de pesquisa Antes de escolher um método de análise o problema de pes quisa foi delimitado na seguinte pergunta central a partir da conde nação por parte da CVM de membros internos das companhias pela prática de insider trading quais os reflexos preventivos para o forta lecimento do combate ao uso da informação privilegiada O ponto de partida para a revisão de literatura foi realizado recorrendose à base de dados Web Of Science com a chave de pes quisa insider trading Foi refinado nas categorias business finance or law or criminology penology com o recorte temporal em todos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 39 23 ALONSO Leonardo Crimes contra o Mercado de Capitais 2009 Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2009 24 CANE Peter KRITZER Herbert The Oxford handbook of empirical legal research OUP Oxford 2010 os anos Assim verificamse a relevância do tema a possibilidade de pesquisa a viabilidade e quais os referenciais teóricos utilizáveis na elaboração do artigo e qual o recorte temporal a ser aplicado Os da dos mais expressivos constam dos anos de 2002 até 2020 com picos nos anos de 2017 ao ano de 2019 conforme gráfico abaixo Figura 1 revisão de literatura realizada em 25 de abril de 2020 na base de dados Web Of Science Fonte Web of Science Foi percebido que o recorte temporal indicado pelo algoritmo do Web Of Science encontrava relação com os marcos nacionais sobre a temática tendo como recorte nacional a Instrução 3582008 da CVM e a última reforma legislativa em 2017 ano de um dos picos de produção de artigos com a promulgação da Lei nº 1350617 sendo mantidos portanto por esses motivos os recortes de 2002 ao ano de 2020 No segundo momento a pesquisa passou a ter uma aborda gem quantitativa coletando dados dos PAS julgados na CVM no pe ríodo pretendido e sistematizando os dados que puderam ser coleta 40 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 dos no site da autarquia a partir da ferramenta busca avançada com as palavraschaves insider trading e insider trading AND artigo 13 da Instrução CVM nº 35802 sendo somente essas duas chaves de pesquisa as escolhidas por se almejar uma objetividade na pesquisa tendo como resultados população juntos somando mais de um mil resultados que quando refinados pelo item processo ad ministrativo sancionador foram reduzidos para 122 decisões sendo todos analisados Mencionase ainda que só foram analisados PAS com refe rência ao artigo 13 da Instrução CVM nº 35802 o que resultou em uma amostra final de 45 decisões que foram transportadas para uma planilha do Excel Processos que tratavam de diversas infrações con juntamente no mesmo PAS foram analisados mas somente os dados que tratam de insider trading foram tratados Os gráficos tabelas e polímero de frequência que seguem abaixo são as espécies de figuras utilizadas por serem as mais indica das pela estatística descritiva Tais figuras foram geradas pela plata forma Flourist e Infogram todos de autoria própria para que se pu desse passar a vivência do fenômeno em estudo de maneira mais in terativa25 Desse modo a partir de tal metodologia para conhecer e con firmar o sistema de aplicação e exigibilidade das regras que vedam o uso de informação privilegiada bem como se nos PAS há a dedicação para o aspecto preventivo da prática se passa agora a mostrar os re sultados de pesquisa quantitativadescritiva em busca de respostas para a problemática condutora da investigação 22 Sobre o perfil dos indiciados e efetivamente condenados por insider trading De posse dos dados após a busca com as palavraschave in sider trading e insider trading e artigo 13 da Instrução CVM nº RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 41 25 GUEDES Terezinha Aparecida et al Estatística descritiva Projeto de ensino aprender fa zendo estatística sn p 149 2005 35802 refinados pelo item processo administrativo sancionador constatouse que alguns processos julgados após a entrada em vigor da Instrução nº 35802 ainda se pautavam na Instrução anterior e portanto não foram objetos da pesquisa Em realidade no recorte temporal realizado o primeiro pro cesso efetivamente julgado sob a Instrução normativa nº 35802 era datado de 2004 especificamente o PAS Nº 2504 com julgamento em 30 de setembro de 200826 O último processo julgado foi em 2019 o PAS nº 19957001639201615 RJ20162384 julgado dia 26 de no vembro de 201927 Das 45 decisões que constituem a amostra do artigo há o se guinte panorama de indiciados sem separação por espécie de parti cipação no mercado externo interno ou pessoa jurídica conforme se visualiza no polígono de frequência 1 Figura 2 Polígono de frequência 1 número total de indiciados por insider trading anualmente no período de 20022015 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 42 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 26 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 2504 Relator Diretor Eli Loria Rio de Janeiro 30 set de 2008 Diário Eletrônico da CVM 2008 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos20082008093 0PAS2504pdf Acesso em 20 jun 2020 27 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº RJ20162384 19957001639201615 Re lator Diretor Gustavo Machado Gonzalez Rio de Janeiro 26 nov 2019 Diário Eletrônico da CVM 22 jan 2020 Disponível em httpwwwcvmgovbrsancionadoressanciona dor2019RJ20162384html Acesso em 20 jun 2020 Como se nota o ano com menor número de indiciados por insider trading foi 2016 com nenhum indiciado28 e o ano com maior número de indiciados por insider trading foi 2018 com o total de 21 pessoas físicas e jurídicas indiciadas perante a autarquia por uso de informação privilegiada O número de indiciamentos é fortemente influenciado pela ló gica do funcionamento dos processos29 Se várias pessoas estiverem conexas a uma mesma prática utilizando de maneira ilícita informa ções privilegiadas serão vários os indiciados no mesmo processo o que influenciará no número de processos e de indiciamento Em oposto se forem poucas pessoas ou somente uma pessoa suspeita o número de indiciados será menor Sabendose que o número de indiciados no período analisado foi de 136 pessoas jurídicas e ou físicas é relevante para o escopo da pesquisa classificar quem são esses agentes A classificação para os insiders primários foi de internos pessoas com acesso à informação em virtude de sua função para os insiders secundários investidores pessoas que não tem nenhum acesso interno à companhia emissora da informação privilegiada foi externo e para as pessoas jurídicas externas à organização da com panhia foi de PJ Conforme se visualiza no polígono de frequência 2 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 43 28 Nenhuma ação foi verificada no ano de 2016 com o recorte temporal e de palavraschave realizado no estudo Não significa porém que não tenha havido nenhum julgamento só sig nifica que não foi encontrado nesta pesquisa 29 PRADO Viviane Muller RACHMAN Nora Matilde VILELA Renato Op Cit p 102 Figura 3 Polígono de frequência 2 número total de indiciados por insider trading anualmente no período de 20022015 divididos por classificação de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Foram quantificados 90 indiciados na categoria internos 24 na categoria externos e 22 na categoria PJ percebendose que a quantidade de entes internos indiciados em uma escala global é consideravelmente maior do que as outras duas categorias quase que somadas Somente no ano de 2010 o número de externos foi maior do que o dos internos sendo 3 externos e 3 PJ contra 2 indiciados internos conforme indicado no polígono de frequência 2 O gráfico 1 mostra o indiciamento por cargos observados na categoria internos no período de 2004 a 2019 conforme o recorte temporal já mencionado A apresentação do gráfico não foi feita ano a ano por uma questão estética e metodológica Se todos os dados dos 90 indiciados fossem mostrados em crescimento anual o gráfico perderia o caráter 44 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 explicativo e poderia induzir o leitor ao erro o que não é a intenção Os cargos contudo que apresentaram maior incidência nos indicia mentos por insider trading possuem gráficos próprios os gráficos 3 4 e 5 Por tal motivo o gráfico 1 é apresentado de maneira global sem que se tenha a evolução por ano mas sim com base no todo 90 Desse modo cada porcentagem apresentada diz respeito a uma parte x do todo 100 Figura 4 Gráfico 1 indiciamento por cargos observados na categoria internos no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Algumas explicações são necessárias sobre a categorização dos cargos Quando se menciona diretor todas as categorias de di reção foram incluídas para que se tivesse uma menor variedade e de vida precisão Todos os cargos que tinham como foco direção de de partamentos por ex diretor financeiro diretor jurídico diretor de vendas foram denominados somente cargos de direção Igual jun ção foi feita na categoria administração e conselho administrativo pois conforme foi verificado os cargos enquadrados nessa categoria RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 45 por terem similitude de importância e funções poderiam ser conta bilizados em um só bloco Assim conforme o gráfico 1 algumas categorias são prepon derantes na frequência dos indiciamentos sendo elas adm e conse lho adm com 333 cargos de direção com 1467 acionista com 1333 e sócio e presidência e vice ambos com 933 de frequência no total dos 90 indiciados internos Um dado importante a ser apresentado diz respeito ao conteú do das informações objeto dos PAS Como demonstrado no tópico 1 a prática de insider trading se consuma a partir do conhecimento e má utilização de informação privilegiada ainda não sabida pelo mercado que é capaz de influenciar no valor de ativos A partir do estudo empírico aqui realizado acessamse as categorias de informa ção utilizadas pelos indiciados nos PAS O Gráfico 2 aclara as catego rias Figura 5 Gráfico 2 tipos de informações utilizadas pelos indiciados nos PAS no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 46 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 O que se percebe diante do gráfico acima é que a variedade de informações privilegiadas utilizadas de maneira ilícita faz com que o perfil destas não possa ser traçada com maiores filtros ou padrões Contudo pode se observar uma preponderância mesmo que míni ma das categorias de reestruturação de dívidas 10 reorganização societária 750 compra de ações 75 venda de ações 5 e aquisição de controle acionário 5 Com suporte nesse panorama geral já se sabendo quem e quantos são os indiciados e quais as informações utilizadas para las trear o início dos PAS temse a questão dos absolvidos e dos indicia dos nos PAS da CVM no período 2004 a 2019 Os gráficos 3 e 4 demonstram a quantidade de absolvições e condenações no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Figura 6 Gráfico 3 absolvições no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 47 Da análise do gráfico notase é que dos 136 indiciados 71 entes foram absolvidos e 6056 dos absolvidos foram agentes inter nos o que é um número bem significativo Malgrado porém o alto índice de absolvição as condenações também são volumosas sendo o total de 65 porém deste número a maioria também é dos agentes internos conforme se visualiza no grá fico 4 Figura 7 Gráfico 4 condenações no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Para que se observe de maneira precisa os gráficos 6 7 e 8 apresentam o indiciamento separado por cargos mas em escala anual para que se perceba que cada ano teve um ator específico nos PAS julgadores de insider trading Sendo na mesma proporção dos indiciados os maiores cargos ocupantes condenados os cargos de 48 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 direção administrador e conselho de administração e presidente e vicepresidente Percebese ainda que mesmo com a crescente condenação de pessoas com posições importantes nas companhias a exemplo dos sócios e diretores o caráter preventivo no sentido educacional não foi exercido pelas penas ou sequer mencionado nos votos dos PAS conforme a tabela 1 demonstrará no momento oportuno Figura 8 Gráfico 5 condenações no período de 2004 a 2019 para cargos de direção Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Aqui percebese que nos anos de 2006 e 2007 a porcenta gem de condenações para a categoria cargos de direção teve um índice de 1111 mantendo um índice de 0 de 2010 até 2016 mas com um salto para 7778 em 2017 quando foram julgados 6 PAS RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 49 Figura 9 Gráfico 6 condenações no período de 2004 a 2019 para administrador e conselho de administração Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 No gráfico 6 notase que nos anos de 2007 e 2013 a porcen tagem de condenações para a categoria administrador e conselho de administração teve um índice de 1875 mantendo um índice de 0 de 2010 até 2012 tendo aparições em 2005 e 2014 de 625 ao ano 50 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 10 Gráfico 7 condenações no período de 2004 a 2019 para presidente e vicepresidente Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 No gráfico 7 percebese que nos anos de 2008 a 2011 as condenações para a categorias mantiveram o índice de 0 de 2010 até 2012 havendo nos anos de 2012 2016 e 2018 um índice iguali tário de condenações sendo a porcentagem fixada em 1667 O ano de 2006 merece destaque para a categoria pois o índice de condena ções saindo da marca de 0 em 2004 e 2005 vai para 3333 no ano de 2006 quando 3 PAS foram julgados e dentre os condenados al guns ocupavam cargos de presidente ou vice 23 Sobre as penas aplicadas No que diz respeito às sanções aplicadas o artigo 11 da Lei nº 6385 de 1976 prevê as penalidades nas seguintes modalidades ad vertência multa suspensão para o exercício de cargo em companhia RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 51 inabilitação temporária suspensão ou cassação da autorização ou re gistro para o exercício das atividades de mercado e proibição tempo rária para a prática de determinadas atividades Dos 65 indiciados punidos pela prática de insider trading mostrados no Gráfico 5 as multas compreendem quase a totalidade das condenações ocupando 9718 das decisões nos Votos dos PAS conforme a distribuição do Gráfico 8 Figura 11 Gráfico 8 distribuição das punições por insider trading por tipo no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Da análise do gráfico percebese que mesmo tendo possibi lidades diversas os PAS da CVM foram majoritariamente no sentido de punir os indiciados com a penalidade pecuniária algumas vezes chegando ao valor de R44078042300 quatrocentos e quarenta mi lhões setecentos e oitenta mil quatrocentos vinte e três reais no PAS nº RJ20140578 19957000594201572 em que a pena foi con jugada com a inabilitação temporária por 7 sete anos 52 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 Sobre o caráter preventivo das penas A pesquisa tem por objetivo aferir qual a contribuição da CVM no exercício de seu poder sancionador para a prevenção de condutas ofensivas à eficiência informacional do mercado A busca nos 45 PAS no recorte temporal de 20042019 em específico nos condenatórios de membros internos permitiu aferir se havia nas respectivas companhias boas práticas de governança pro gramas educacionais para o fortalecimento do princípio da transpa rência ou recomendações educacionais ou se houve por parte da CVM recomendações específicas para tais práticas Foi verificado contudo que a CVM no ato sancionador em sua maioria não se dedicou a recomendar boas práticas mesmo com a crescente condenação de membros internos de companhias atuan tes nos mercados É dizer os reflexos para o fortalecimento da tutela da informa ção privilegiada nas sociedades de capital aberto que decorreriam de sugestão de instituição de boas práticas de governança de agendas educacionais de programas de compliance ou de Chinese Wall ou até mesmo de programas de ensino básico parece não ter pertinên cia ou espaço nos votos sancionadores O espaço para se tentar a prevenção ou o estímulo de práticas educacionais parece ter sido ocupado por montantes cada vez mais vultosos de multas dos agentes internos das companhias emissoras O total de 9863 mencionado no gráfico 9 indica que a CVM não se dedicou à exploração do caráter preventivo educacional que as suas decisões poderiam ter no sentido de verificar se na compa nhia a que o agente interno condenado pertencia tinha práticas edu cacionais e propor a sua reformulação ou fortalecimento RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 53 Figura 12 Gráfico 9 verificação de recomendações educacionais no corpo do voto condenatório nos PADs no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 O único processo em que a CVM ensaiou uma reflexão acerca do fortalecimento ou instituição das boas práticas educacionais para atuação no mercado no tocante à necessidade de simetria informacio nal foi o PAS nº 040430 julgado em 28 de junho de 2006 cujos indi ciados eram advogados sendo um interno e outro externo à compa nhia emissora O trecho do voto é trazido no quadro 54 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 30 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 0404 Relator Diretor Marcelo Fernandez Trindade Rio de Janeiro 28 jun 2006 Diário Eletrônico da CVM 2006 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos20062006062 8PAS0404pdf Acesso em 20 jun 2020 Quadro conteúdo da recomendação de boas práticas preventivas no PAS nº 0404 julgado em 28 de junho de 2006 INFORMAÇÕES DO PAS RECOMENDAÇÃO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 0404 convocam a uma reflexão sobre a necessidade de os escritórios de advocacia estabelecerem códigos de conduta e políticas de negociação ou de não negociação com valores mobiliários de emissão de clientes ou partes adversas bem como sobre a necessidade de os acordos de confidencialidade comumente celebrados no dia a dia da advocacia empresarial serem específicos quanto à vedação à negociação de valores mobiliários a fim de evitar processos como este que lançam dúvida indevida sobre a conduta ética dos profissionais do direito Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Do teor do voto notase que a reflexão sobre a necessidade de se instaurar códigos de conduta e políticas de negociação ou de não negociação com valores mobiliários prezando pela simetria de informações a fim de se efetivar o princípio da transparência e evitar processos sancionadores somente ocorreu quando um advogado foi condenado sendo a questão tratada mais como um ato falho da pro RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 55 fissão de advogado do que uma falha no sistema de tutela à simetria informacional e transparência dos mercados No PAS nº 25201031 onde dois sócios da companhia emitente restaram condenados às multas de R13555000 cento e trinta e cin co mil e quinhentos e cinquenta reais e R131594400 um milhão trezentos e quinze mil e novecentos e quarenta e quatro mil reais o relator menciona que a CVM havia firmado acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Contas da União com intuito de proceder ao intercâmbio de conhecimento e base de dados entre as institui ções para melhor aferir vínculos entre pessoas naturais e jurídicas a fim de delinear as condutas dos insiders Nessa mesma decisão con tudo não há nenhuma menção a esforços para fiscalização e realiza ção de práticas educacionais a fim de que não se evite a existência de insiders A omissão da CVM é preocupante indicando um menosprezo do caráter preventivo da pena e do seu aspecto educacional mais am plo O estímulo a práticas educacionais é capaz de inibir o uso de informação privilegiada com a divulgação dos elementos que carac terizam a prática permitindo dirigir os esforços punitivos para aque les que realmente sabem o quão nociva a utilização de informações privilegiadas é mas não a evitam 3 Além das penas a prevenção como caminho para a redução dos danos à eficiência informacional Em 2017 a Price waterhouse Coopers PwC apresentou um estudo global que revelou as tendências dos CEOs a serem forçados 56 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 252010 Relator Diretor Leonardo P Go mes Pereira Rio de Janeiro 4 jul 2017 Diário Eletrônico da CVM 2017 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos2017252010 pdf Acesso em 19 jun 2020 a deixar o cargo por lapsos éticos observando que os agentes exer ciam ao usar a informação privilegiada uma maneira de corrupção No estudo da PwC32 observase que o insider trading é o tipo mais comum de corrupção que não envolve propriedade do governo sendo o marco representativo da existência do ânimo corruptivo em corporações mercado de ações e de compra e venda de ativos O estudo analisou as sucessões de CEOs nas maiores 2500 empresas públicas do mundo nos últimos 10 anos e demonstrou que a rotatividade forçada em decorrência de lapsos éticos aumentou de 39 de todas as sucessões em 200711 para 53 em 201216 Na Europa Ocidental o número de CEOs forçados a sair por lapsos éti cos aumentou de 42 para 59 enquanto nos países do BRIC o aumento foi de 36 para 8833 Haja vista esse quadro a pergunta que se faz é o que fazer para reverter essa situação alarmante As punições estão de fato se mostrando efetivas Percebese que não Impõese uma atuação pre ventiva por meio de práticas educacionais o que não tem sido reali zado Necessário então é mencionar que a proposição de incremen to das medidas educativas é uma proposta não uma solução a ser extraída dos dados No sítio da BMFBovespa e a CETIP B334 foi encontrada uma notícia datada de 2015 em que se destacava a criação da Câma RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 57 32 PRICE WATERHOUSE COOPERS Global study on CEO trends indicates a significant uptick in CEOs forced out of office for ethical lapses 2017 Disponível em httpswwwpwccomgxennewsroompressreleases2017globalstudyonceotrendsind icatesasignificantuptickinceosforcedoutofofficeforethicallhtml Acesso em 30 maio 2020 33 PWC Op Cit 2017 34 BRASIL Brasil bolsa educação B3 apresenta Programa Destaque em Governança de Es tatais São Paulo 2015 Disponível em httpwwwb3combrptbrnoticiasgovernancade estatais8AE490CA646C8899 01648491608657A4htm Acesso em 10 mai 2020 ra Consultiva de mercado de Governança de Estatais projeto que visava a atuar para aprimorar a transparência na divulgação de informações Os detalhes de funcionamento contudo se realmente foi implantada e se teve permanência ao longo dos anos ou ainda mais detalhes de suas diretrizes não foram divulgados tampouco houve menção de qualquer viés educacional a fim de evitar a prática da conduta de insider trading frisandose ainda que a adesão das empresas à câmara era voluntária sem nenhuma vinculação ou obri gação Propõese que a CVM deva incentivar as boas práticas utili zandose no novo direito sancionador do caráter preventivo educa cional da pena Podese estimular o aprendizado sobre por exemplo a o papel de cada agente no mercado b o que é informação c o que é informação privilegiada d o papel da informação na volatili dade dos mercados e sua influência nos preços e e as consequên cias da utilização de informação privilegiada Isto para que após a implementação dessas práticas educacionais possam ser colhidos os frutos do caráter preventivo positivo35 A CVM pode tentar fazer com que a suas penas atendem mais do que à mera função repressora sejam mais do que simplesmente pecuniárias estimulando boas práticas de mercado assim o índice de prática de insider trading que foi crescente nos anos de 20042019 pode vir a decrescer Considerações finais Deve ser reconhecido que há grande preocupação de prote 58 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 Em tempo é válido mencionar que a proposta de incremento das medidas educativas é uma proposta e não uma solução que pode ser extraída dos dados A proposta é colocada nos termos propostos levandose em consideração o referencial do qual parte o trabalho o diálogo entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal notadamente o caráter preventivo positivo ção dos investidores na ordem jurídica nacional Objetivase que o mercado de capitais seja justo eficiente e transparente com a redu ção de risco sistêmico e da assimetria informacional Para que isso aconteça muito importante é a atuação da CVM não apenas por meio da regulação mas por intermédio da função sancionadora A aplicação de sanções por si já é forte incentivo para que se evitem práticas nocivas ao mercado contudo não suficientes para que dei xem de ocorrer como a pesquisa demonstrou Com amparo na combinação de métodos quantitativos e qua litativos procurouse compreender o contexto da definição do insi der trading e a sua punição no âmbito dos PAS da CVM com desta que para o número de processos instaurados e julgados para o perfil de indiciados e efetivamente condenados por insider trading e para verificar se o caráter preventivo educacional decorreu das sanções ou foi mencionado nos votos das decisões Foi percebido que mesmo com a crescente condenação de pessoas com posições importantes nas companhias o caráter preven tivo educacional não foi exercido pelas penas ou sequer menciona do nos votos dos PAS Desse modo vislumbrase é que após a pes quisa apesar de o discurso mobilizado pelos diretores da autarquia demonstrar preocupação com a nocividade do uso de informação privilegiada em termos empíricos foi demonstrado que a construção argumentativa dos operadores não fomenta a implementação de boas práticas para a tutela do mercado Em decorrência desse quadro propõese que a CVM deva in centivar boas práticas estimulando o aprendizado sobre a o papel de cada agente no mercado b o que é informação c o que é infor mação privilegiada d o papel da informação na volatilidade dos mercados sua influência nos preços e e as consequências da utili zação de informação privilegiada Impõese entretanto mencionar que a sugestão de incremento das medidas educativas é uma propos ta não uma solução a extrair dos dados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 59 Estimase que após a implementação dessas práticas educa cionais seja alcançado um modelo mais eficaz na busca do mercado informacional eficiente 60 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 VALIDADE E CONFIABILIDADE DAS INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA PESQUISAS EMPÍRICAS O CASO DOS REGISTROS DE PATENTE NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL1 VALIDITY AND RELIABILITY OF TECHNOLOGICAL INFORMATION FOR THE EMPIRICAL RESEARCH THE CASE OF PATENT APPLICATIONS IN THE NATIONAL INSTITUTE OF INDUSTRIAL PROPERTY Elisa Mara Coimbra Marcos Vinício Chein Feres RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 61 1 Artigo recebido em 16072021 e aceito em 28092021 Doutoranda em Empresa e Atividades Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Católica do Rio de Janeiro PUCRio Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Advogada da Financiadora de Estudos e Projetos Finep Integrante do Grupo de Pesquisa Argumentação direito e inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo Estudos GDAC Colaboradora do Núcleo Jurídico OICIEAUSP Email elisacoimbra775yahoocombr Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Professor do Corpo Permanente do Programa de PósGraduação Estrito Senso em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Bolsista de Produtividade do CNPq e Professor Colaborador do Programa em PósGraduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Desempenhou a função de Diretor da Faculdade de Direito da UFJF 20062014 Desempenhou a função de ViceReitor da UFJF 20142016 assumindo o exercício da Reitoria de novembro de 2015 a abril de 2016 Compõe como participante a Collaborative Research Network 047 da Law and Society Association sobre economic and social rights Possui projetos na área de Propriedade Intelectual e Teoria do Direito Aplicada financiados pela FAPEMIG e pelo CNPq Tem experiência na área de Direito com ênfase em pesquisa empírica em direito aplicada ao Direito Econômico atuando principalmente nos seguintes temas Pesquisa Empírica em Direito Argumentação Direito e Inovações Tecnológicas Direito Econômico Direito de Propriedade Intelectual Marcas Patentes e Inovação e Transferência de Tecnologia e Metodologia da Pesquisa e do Ensino Jurídico Email mvcheingmailcom Resumo Este artigo visa estudar a qualidade dos dados de propriedade intelectual disponibilizados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI considerando os conceitos de validade e de confiabilidade definidas por Lee Epstein e Gary King O proble ma inicialmente identificado foi o de como coletar dados existentes nos bancos de dados de institutos de propriedade intelectual compa rando duas fontes possíveis ambas do próprio INPI uma fonte ofi cial formalizada dotada de confiabilidade por lei e uma fonte oficial porém não legalmente formalizada banco de busca de dados eletrô nico mais amigável do ponto de vista tecnológico A importância deste trabalho é validar uma metodologia a ser posteriormente inse ridas em pesquisas empíricas que se utilizem de tais informações tec nológicas especialmente para trabalhos acadêmicos ou mercadológi cos assim como para formulação de políticas públicas Também foi utilizado o software Anaconda uma distribuição Python de código livre licença New BSD disponível gratuitamente para viabilizar a comparação entre as fontes anteriormente indicadas Palavraschave Pesquisa empírica em Direito Técnica de Pesquisa Coleta de dados Propriedade Intelectual Abstract This article aims to study the quality of intellectual property data provided by the National Institute of Industrial Proper ty taking into account the concepts of validity and reliability defined by Lee Epstein and Gary King The problem initially identified was how to collect data concerning the database of intellectual property institutes comparing two possible sources both from the INPI an official formalized source endowed with reliability by law and an official source but not legally formalized electronic database more techfriendly The importance of this work is to validate a methodolo gy approach in order to be later inserted at empirical research which may use this kind of data especially not only for academic and mar ketoriented works but also for public policy formulation In addition the Anaconda software a free source Python distribution New BSD License available for free had been utilized so as to enable a com parison between the sources previously indicated Keywords Empirical legal research Research Technique Data Collection Intellectual Property 62 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Sumário Introdução 1 Recorte metodológi co 2 Limites comparativos das fontes de da dos relacionados à propriedade intelectual 3 Discussão de Resultados Conclusão Introdução A investigação a respeito da propriedade intelectual tem se re velado tema de destaque pelo mundo a fora especialmente pela sua relação com a inovação esta considerada como um dos drivers do crescimento econômico2 No entanto a relação entre propriedade in telectual e inovação não é uma relação estática e definitiva Tanto é assim que existe uma cizânia literária entre de um lado os estudos econômicos que demonstram que a propriedade industrial fomenta a inovação de maneira determinante3 e por outro lado estudos que demonstram que propriedade industrial não fomenta significativa mente a inovação4 Além disso segundo Hudson e Minea5 a proprie dade industrial afeta a inovação de maneira não linear de modo que um sistema de proteção de patente forte nem sempre colabora para o processo de inovação Neste cenário é a análise empírica que permite o estudo dos dados primários6 especialmente neste tema cujas numerosas variá veis impactam como a propriedade intelectual influencia a inovação RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 63 2 DAHLSTRAND A L STEVENSON L Innovative entrepreneurship policy linking innova tion and entrepreneurship in a European context Annals of Innovation Entrepreneurship v 1 n 1 2010 p 5602 OECDEurostat Oslo Manual Guidelines for Collecting Reporting and Using Data on Innovation 4 ed ParisEurostat Luxembourg OECD Publishing 2018 3 PAPAGEORGIADIS N SHARMA A Intellectual property rights and innovation A panel analysis Economics Letters 141 7072 2016 4 QIAN Y Do national patent laws stimulate domestic innovation in a global patenting en vironment A crosscountry analysis of pharmaceutical patent protection 19782002 The Re view of Economics and Statistics v 89 n 3 p 436453 2007 5 HUDSON J MINEA A Innovation intellectual property rights and economic develop ment a unified empirical investigation World Development Amsterdam n 46 p 6678 2013 6 MACHADO M R Pesquisar empiricamente o direito São Paulo Rede de Estudos Empíricos em Direito p 119160 2017 observadas por meio de regras de inferência7 Isso porque a proprie dade intelectual é um instrumento jurídico de apropriação de ativos intangíveis por meio do direito de propriedade conferido a todos aqueles que preencham determinados requisitos legais8 Portanto es tudos empíricos são mais que recomendáveis são imprescindíveis não apenas para uma compreensão adequada do tema como para a elaboração de políticas públicas industriais de inovação eou de de senvolvimento9 Neste contexto estudase aqui a qualidade dos dados de propriedade intelectual disponibilizados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial sob uma perspectiva metodológica O proble ma inicialmente identificado foi o de como coletar dados confiáveis concernentes aos institutos de propriedade intelectual de maneira adequada e a mais facilitada possível considerando que o veículo oficial de publicação de atos decisões despachos e matérias relacio nadas aos serviços do INPI Instituto Nacional de Propriedade Indus trial a Revista da Propriedade Industrial RPI não está totalmente disponível desde a criação do órgão 1971 bem como considerando a dificuldade de consulta das informações quando disponível Para tal tomase como estratégia metodológica deste trabalho comparar as informações obtidas de outra fonte que não a RPI um banco de dados desenvolvido pelo próprio INPI consulta à base de dados do INPI com os dados das RPI disponíveis Neste sentido foram consideradas as limitações deste banco indicadas pelo próprio órgão em relação ao recorte temporal a partir do qual os dados pas saram a ser inseridos O objetivo é o de extrair o máximo de informa ções confiáveis deste banco devido às possibilidades tecnológicas disponíveis na plataforma que o compreende Afinal a consulta a um 64 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 7 EPSTEIN L KING G Pesquisa empírica em direito as regras de inferência Vários Tradu tores São Paulo Direito GV 2013 8 BARBOSA D B 2010Uma Introdução à Propriedade Intelectual Ed Lumen Juris Rio de Janeiro 2010 9 FERREIRA A A GUIMARÃES E R CONTADOR J C Patente como instrumento compe titivo e como fonte de informação tecnológica Gestão Produção v 16 n 2 p 209221 2009 OCDE Manual de Oslo Diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação 3 ed Trad Rio de Janeiro Finep 2005 sistema de dados eletrônico ainda que incompleto facilita muito o tra balho do pesquisador que pode se dedicar mais especialmente ao seu problema original poupando tempo e recursos Para tal utilizase como marco teórico as considerações de Lee Epstein e Gary King10 sobre a importância dos dados dos proces sos de como os dados são observados bem como do processo pelo qual as observações potenciais são geradas a fim de subsidiar a sub sequente investigação por inferência nos estudos empíricos relacio nados à propriedade intelectual Ressaltase ainda que a questão apresentada surgiu no contex to de uma pesquisa de doutorado que visa estudar como a proteção jurídica da propriedade intelectual configurase como um mecanismo para alavancar o processo de inovação no sentido de auxiliar a so ciedade empresária no caso a Embraer na criação de uma vantagem competitiva no seu setor econômico específico 1 Recorte metodológico De acordo com Lee Epstein e Gary King11 a inferência defini da pelos autores como o aprendizado de fatos que não conhecemos pelo uso de fatos conhecidos requer dados Neste sentido fazse ne cessária a coleta de dados bem como de críticas a esses dados de modo a se tirar o máximo proveito em prol de mais qualidade às pos síveis conclusões Ainda segundo Lee Epstein e Gary King12 a recomendação por coletar a maior quantidade de dados não é incompatível com a possibilidade de serem utilizados métodos mais facilitados de fazêla haja vista que a tarefa mais especializada de um pesquisador empíri co está relacionada ao processo de fazer as inferências Neste contexto a primeira dúvida que surgiu durante a pes RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 65 10 EPSTEIN L KING G Pesquisa empírica em direito as regras de inferência Vários Tradu tores São Paulo Direito GV 2013 11 Ibidem p 11 12 Idem quisa para a tese de doutorado que envolve dados de propriedade intelectual estava relacionada com qual método de coleta seria o mais adequado e facilitado para o pesquisador pois existiriam duas fontes de dados possíveis ambas do próprio INPI uma fonte oficial forma lizada RPI e uma fonte oficial porém não legalmente formalizada banco de busca de dados eletrônico Embora a fonte oficial forma lizada seja a dotada de confiabilidade por lei a fonte não legalmente formalizada seria mais amigável do ponto de vista tecnológico por oferecer ferramentas para a construção do banco de dados persona lizado para as possíveis pesquisas inclusive a que se intenta realizar em nível de doutorado Desse modo de um lado está o repositório das RPI veículo oficial de publicação do INPI destinado a publicar seus atos despa chos decisões e matérias relacionadas aos seus serviços original mente previsto no artigo 9º pu da Lei nº 56481970 Por outro lado está a base de busca também do próprio INPI que funciona a partir da utilização de palavraschave e filtros que parametrizam os resulta dos da pesquisa mas não é o veículo oficial de publicação além de conter uma restrição por limitação temporal indicada pelo próprio ór gão que varia a depender da categoria do serviço Mais especificamente o problema foi investigar se a base de dados não formalizada poderia ser considerada confiável do ponto de vista de conter as informações utilizadas na pesquisa de doutora do e quais seriam os seus limites a fim de se otimizarem os recursos disponíveis sem comprometer os resultados finais e eventualmente validando ou invalidando outras pesquisas que se utilizam de uma fonte ou outra Portanto antes de explicitar a pesquisa metodológica prévia à coleta de dados em si fazse necessário esclarecer de forma sintética o objeto da tese de doutorado a fim de justificar as escolhas feitas na próxima seção O problema originalmente apresentado foi o de descrever como a proteção da propriedade intelectual relacionase com o pro cesso de inovação considerando em primeiro lugar que a proprie dade intelectual é um mecanismo jurídico de apropriação do conhe cimento hábil a incrementar o avanço das fronteiras tecnológicas e em segundo lugar que a propriedade intelectual pode potencializar 66 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 a vantagem competitiva de uma sociedade empresária em relação aos concorrentes que temporariamente não poderão se apropriar da tec nologia em questão Em outras palavras propôsse a seguinte pergunta de pesqui sa como a proteção jurídica da propriedade intelectual no caso Em braer pode se configurar como um mecanismo para alavancar o pro cesso de inovação no sentido de auxiliála a potencializar uma van tagem competitiva no seu setor econômico específico Assim sendo a hipótese preliminarmente indicada foi a de que os direitos de propriedade intelectual seja qual modalidade for marca patente desenho industrial direitos decorrentes de transfe rência de tecnologia entre outros podem ser mecanismos de apro priação do conhecimento utilizados pela Embraer no sentido de po tencializar uma vantagem competitiva no setor econômico no qual está inserida A proposta foi a de analisar de forma estruturada em um caso concreto como a Embraer tem protegido o seu conhecimento ao lon go dos anos e analisar a repercussão destas políticas na história da sociedade empresária para criar uma vantagem competitiva O obje tivo seria o de conferir como e quando a proteção da propriedade intelectual foi administrada contextualizando no processo de inova ção as suas tendências e os seus benefícios em relação às estratégias de crescimento da empresa Sabese pela bibliografia revisada e indicada acima que até o momento não existe um modelo teórico consolidado para explicar se a propriedade intelectual fomenta a inovação e como darseia esta relação Por isso optouse por estudar um caso concreto em que fos se evidente a ocorrência do processo de inovação a fim de identificar como a propriedade intelectual interagiria com a inovação neste con texto Por conseguinte a estratégia pela pesquisa empírica foi a me lhor opção No entanto para tal fazse necessário verificar adequada mente a confiabilidade dos dados utilizados para que as conclusões possam ser as mais acertadas possível RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 67 De um lado sobre a confiabilidade Lee Epstein e Gary King13 ensinam que é a extensão à qual se pode replicar uma medida re produzindo o mesmo valor indiferente de ser este o valor correto ou não no mesmo padrão para o mesmo tópico a um mesmo tempo O exemplo trazido pelos autores é se alguma pessoa subir consecutiva mente em uma balança ela registrará sempre o mesmo valor Por ou tro lado a validade está relacionada com a correção do registro14 Portanto simplesmente escolher aleatoriamente um modelo teórico ainda não consolidado e a partir dele dedutivamente propor hipóteses para em seguida extrair conclusões não contribuiria para o avanço da questão dada a provável superação deste modelo ini cial deixando igualmente para trás as conclusões dele extraídas Ocorre que a coleta de tais dados não se revelou uma iniciati va simples como inicialmente planejado devido às dificuldades apre sentadas na próxima seção 2 Limites comparativos das fontes de dados relacionados à pro priedade intelectual A verificação de como a Embraer utiliza o sistema de proteção da propriedade intelectual fez com que fosse necessário compreen der como funciona o registro das propriedades intelectuais e direitos correlatos bem como os mecanismos de dar publicidade a estas informações a fim de que os dados pudessem ser posteriormente co letados Por isso houve necessidade de procurar o INPI já que é o escritório de patentes nacional órgão responsável pelo processamen to de pedidos de patentes e outros direitos de propriedade industrial 68 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 Ibidem p 105 14 Ibidem p 111 para uma compreensão sobre a diferença entre validade e confiabilidade aplicadas ver FERES M V C SILVA A R MORAIS A R SOUZA A M de A medida da inovação farmacêutica e os pedidos de patente o caso da doença de chagas Revista de Estudos Empíricos em Direito São Paulo v 5 n 3 p 118135 2018 no Brasil Lei nº 56481970 considerando que a proteção da pro priedade intelectual é territorial ou seja uma patente protegida no Brasil tem proteção em todo o âmbito nacional apenas Lei nº 92791996 Portanto a despeito de considerar por lei a RPI como fonte oficial das publicações do INPI identificouse a ferramenta de con sulta à base de dados do INPI httpsgruinpigovbrpePIserv letLoginControlleractionlogin Ao clicar na consulta à base de da dos identificase a seguinte tela Figura 1 Tela inicial da consulta sugerida pelo site do INPI à base de dados de propriedade Industrial Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Nesta modalidade de consulta a base de dados é classificada em categorias específicas marca patente desenho industrial indica ção geográfica programa de computador topografia de circuito inte grado transferência de tecnologia informação tecnológica de paten RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 69 tes Assim para usufruir da consulta fazse necessária a escolha pré via da categoria de propriedade intelectual que se pretende pesqui sar Em seguida são abertas duas possibilidades de pesquisa a pesquisa avançada e a pesquisa básica Para utilizar os filtros da pes quisa avançada é necessário conhecer previamente alguns parâme tros os quais na base de dados de patentes são classificados como números datas classificação palavraschave depositantetitularin ventor Abaixo Figura 2 Tela da pesquisa avançada após escolher a pesquisa à base de dados de patentes Fonte Site do INPI Interessante registrar que a depender da categoria de proprie dade intelectual escolhida os filtros da pesquisa avançada variam de acordo com as suas peculiaridades De qualquer modo para conti nuar a pesquisa algum tipo de dado prévio a respeito da propriedade 70 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 intelectual escolhida fazse necessário Por isso tal tipo de busca não é adequado para o tipo de análise que se pretende neste trabalho pois se desconhece a princípio como a Embraer utilizou o sistema de proteção da propriedade intelectual ao longo do tempo ou seja previamente se desconhece quaisquer características dos direitos de propriedade intelectual e direitos correlatos requeridos e concedidos ao longo do tempo marco zero da pesquisa Ocorre que ao se retornar ao ponto de partida dando a devida atenção aos limites da base de dados utilizada identificouse a restri ção contida na Figura 1 parte inferior no sentido de que o acervo da base de dados está restrito aos documentos publicados a partir de 2000 exceto para os contratos de tecnologia cujo acervo da base de dados está restrito aos documentos publicados a partir de 2009 Assim podese supor que tal modalidade de pesquisa tem uma alta prob abilidade de resultar em falso negativo de modo que não é possível por ora atestar a confiabilidade do resultado observado na Figura 4 Diante dessa restrição temporal na busca por produtos ante riores ao ano 2000 recorrese à Revista de Propriedade Industrial do ravante RPI publicada pelo INPI considerada o canal oficial de publicações relativas às atividades do INPI com o intuito de se reali zarem as buscas por dados nela Ocorre que embora atualmente as últimas edições estejam em formato eletrônico nem sempre foi assim Na verdade a maior parte delas foi publicada fisicamente Por isso foi necessária uma visita à biblioteca do INPI para se constatar que a primeira RPI foi publicada fisicamente em 1972 mais precisamente em 04041972 e que as RPI físicas estavam sendo digitalizadas bem como recebendo uma cama da de OCR Optical Character Recognition ferramenta que permiti ria a localização de palavraschave Verificouse também que as edi ções de RPI mais recentes a partir de 2005 foram publicadas já em formato eletrônico o que não exigiria o processo de digitalização pois já estavam disponíveis15 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 71 15 Vide DE ARAUJO G G et al Bases de Dados de Patentes uma análise a partir do portal de periódicos da CAPES Cadernos de Prospecção Salvador v 12 n 5 Especial p 1500 2019 Neste momento vislumbrase a possibilidade de organização de um banco de dados personalizado para a pesquisa e por isso mais confiável haja vista que as RPI correspondem aos veículos ofi ciais de publicações do INPI concernente à questão de propriedade intelectual Verificouse que as RPI em formato digital sejam as digitali zadas com camada de OCR sejam as eletrônicas desde a origem estavam disponíveis no próprio site do INPI httprevistas inpigovbrrpi Figura 3 Tela de consulta das RPI disponíveis para consulta de acordo com os serviços do INPI Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi 72 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Nele discutemse as diferentes bases de dados de patentes no mundo incluindo as RPI e a consulta à base de dados do INPI Interessante registrar que a despeito da existência de diver sas plataformas os dados primários que alimentam estas plataformas são provenientes dos escritórios nacionais de patentes informados por compromissos assumidos em tratados ou convênios Manualmente iniciouse um trabalho de download dos docu mentos para descoberta do grau de completude das RPI digitais em relação ao universo total de publicações A identificação quanto ao grau de incompletude foi relativamente simples uma vez que desde 1972 as RPI gozam de numeração ininterrupta de modo que a RPI1 foi publicada em 04041972 e a última RPI até a conclusão da coleta 30102019 a RPI2546 foi publicada em 22102019 Tal trabalho iniciouse pela Seção VI Patentes porque se imaginou ser uma das mais relevantes para o trabalho considerando o maior volume de li teratura que trata o instituto em comparação com os demais16 Neste processo verificouse que a as RPI de 1972 e 1973 estavam digitalizadas na íntegra sem qualquer edição faltante b as RPI de 1975 a 1981 inclusive estavam parcialmente digitalizadas identificandose diversas edições faltantes e c a partir de 1982 não se identificou incompletude no processo de análise manual embora algumas falhas de digitalização ou de OCR Constatouse que se se quisesse um banco de dados o mais completo possível contendo todas as RPI disponíveis incluindo os diversos tipos de proteções do sistema de propriedade intelectual nomeadas pelo INPI como serviços os quais correspondem a cada uma das seções terseia que automatizar de alguma maneira o pro cesso de download dos arquivos das RPI Para isso iniciouse um processo de catalogação dos arquivos de RPI disponíveis de acordo com cada uma das seções uma vez que pelo site não se identificou a possibilidade de por meio de um RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 73 16 COULTER M B Property in ideas The Patent question in MidVictorian Britain Inven tions Kirksville Truman State Univ 1991 MACHLUP F An economic review of the patent system Study nº 15 Washington Committee on the Judiciary 1958 MACHLUP F PENROSE E The patent controversy in the nineteenth century The Journal of Economic History v 10 n 1 p 129 1950 MACLEOD C Inventing the industrial revolution The English patent system 16601800 Cambridge University Press 2002 MALAVOTA L M A construção do sistema de patentes no Brasil um olhar histórico Rio de Janeiro Editora Lumen Juris 2011 e MOSER P Patents and innovation evidence from economic history Journal of Economic Perspectives Pittsburgh v 27 n 1 p 2344 2013 filtro consultar todas as seções de uma edição qualquer aleatoria mente escolhida Por isso iniciouse a classificação escolhendo uma seção específica avançando para a seguinte até a análise de todas A partir dos dados retornados foi elaborada uma planilha no Programa Microsoft Office Excel licença Office 365 Figura 4 Consulta para identificar quais as RPI disponíveis digitalmente de 01011972 a 26102019 concernentes à seção de Patentes Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Este processo foi realizado para cada uma das seções de modo que foram identificados um total de 4702 arquivos de RPI com edições ordinárias e 1 arquivo denominado pelo próprio INPI como RPI 2202extra com os normativos vigentes à época No entanto percebeuse que alguns arquivos corresponden tes a algumas edições estavam em duplicidade pois foram encontra dos tanto por meio da busca dentro da seção de patentes quanto da seção de marcas Isso pode ser explicado porque em dado período as seções não eram subdivididas em mais de uma publicação quan 74 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 do no formato físico ou em mais de um arquivo quando no formato eletrônico Dessa forma foram excluídos os arquivos repetidos da plani lha de modo que dos 4702 arquivos foram excluídos 630 em dupli cidade resultando em 4072 arquivos disponíveis sendo 1970 encon trados na seção de patentes 910 encontrados na seção de marcas 334 encontrados em duplicidade tanto na seção de patentes quanto de marcas 143 encontrados na seção de contratos de transferência de tecnologia 143 encontrados na seção de desenho industrial 143 en contrados na seção de indicações geográficas 143 encontrados na se ção de programas de computador 143 na seção de topografia de cir cuitos integrados 143 na seção de comunicados A respeito dos dados acima o que chama a atenção é que desde o início da RPI coexistiram as seções de patentes e a seção de marcas de modo que por lógica deveria estar disponível a mesma quantidade de arquivos em cada uma destas seções No entanto tal informação não se verifica Quando se buscam os arquivos da RPI na seção de patentes são encontrados 2304 arqui vos na seção de patentes e 1244 arquivos na seção de marcas Isso conduz à conclusão de que por equívoco alguns arquivos foram in dexados em uma seção sem serem indexados na outra seção Por exemplo a RPI 551 aparece apenas na seção de Patentes no entanto quando se investiga o conteúdo da RPI identificase uma seção des tinada a tratar apenas do conteúdo marcário Apenas a partir da RPI 1592 de 10092011 é que se constata uma separação em dois arquivos um deles com conteúdo exclusivo relacionado a patentes e outro a marcas Para evitar falhas todos os arquivos disponíveis foram catalogados na planilha elaborada ainda que em duplicidade A duplicidade foi desconsiderada apenas quan do os arquivos continham o mesmo nome independentemente da seção indexada marcas ou patentes RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 75 Outro dado interessante é refletir a respeito das demais seções contratos de transferência de tecnologia desenho industrial indica ções geográficas programas de computador topografia de circuitos integrados e comunicados as quais foram criadas concomitante mente de modo que individualmente têm a mesma quantidade de arquivos Em seguida considerando o tempo que seria gasto no down load dos mais de 4000 arquivos buscouse uma alternativa mais auto matizada para a questão Assim lançouse mão do Anaconda uma distribuição Python de código livre New BSD License disponível gra tuitamente na internet Foi realizada a seguinte série de comandos Quadro 1 Linha de comando utilizada no Python from pathlib import Path import requests From openpyxl import loadworkbook arquivoexcel loadworkbookRevistasxlsx Plan1 arquivoexcelactive for i in range14704 aPlan1cellcolumn4 rowi filename Pathsavalue url httprevistasinpigovbrpdfsavalue response requestsgeturl filenamewritebytesresponsecontent Fonte Elaboração Própria Em síntese a linha de comando significa que uma vez dada a ordem o computador baixaria do site do INPI todas as RPI encontra das cujos nomes dos arquivos constaram da tabela Excel construída 76 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 anteriormente Lembrando que foram incluídos todos os arquivos dis poníveis de todas as seções disponíveis até o dia 29102019 O com putador ficou 4 dias e 4 noites realizando o download automático dos arquivos totalizando ao final um banco de dados de 126 GB apro ximadamente composto por 4073 arquivos 4072 RPI ordinárias e 1 RPI extra Ressaltase que algumas revistas disponíveis apenas em formato txt não foram baixadas automaticamente No entanto assim o foram manualmente de modo a completar o download de todo o acervo disponível Finalizado este processo foi analisada a qualidade dos arqui vos baixados e verificaramse algumas falhas na camada de OCR de algumas edições físicas que foram digitalizadas Por exemplo a RPI 340 não tem a camada de OCR em todas as folhas de modo que se fizermos uma busca por palavra no documento o resultado seria um falso negativo Além disso foram observados alguns erros no upload das RPI no site do INPI Por exemplo às RPI203 RPI204 RPI205 foi atribuído o ano de 1977 como o ano da publicação Ocorre que tal informação é inconsistente considerando que a RPI202 é de 05091974 e a RPI206 é de 03101974 Assim inferese que as três revistas são de 1974 supondose que houve apenas um erro de digitação Acrescentase ainda que quando se busca especificamente pe las RPI não disponíveis no site do INPI a consulta retorna com a in formação de que não foram encontrados documentos Figura 5 Resultado da busca pela RPI223 não disponível Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 77 Ocorre que apesar das inconsistências encontradas o banco de dados é bastante representativo dada a robustez de seus dados Figura 6 Número de RPI disponíveis no site do INPI Fonte Elaboração Própria O gráfico acima indica todas as RPI disponíveis em formato digital digitalizadas ou eletrônicas encontradas no site no INPI con siderando que a partir de 1982 as RPI disponíveis correspondem às RPI existentes Por sua vez as RPI não disponíveis correspondem ao gráfico abaixo 1975 1976 1976197719781979 19801981 0 20 40 60 80 100 120 Número de RPI não disponíveis 78 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 7 Número de RPI não disponíveis Fonte Elaboração Própria Pelo gráfico observase que apenas no intervalo compreen dido entre 19751981 é que se registram publicações não disponí veis Portanto apenas neste período é que se incorrerá na possibili dade de falsos negativos o que pode ser superado por uma com plementação de outros dados disponíveis ainda que de fontes secun dárias 3 Discussão de Resultados A partir da identificação dos limites de cada fonte de dados RPI ou consulta à base de dados do INPI iniciouse a elaboração de uma planilha com a identificação de todas as referências à palavra Embraer pontuando o instituto de propriedade intelectual envolvido suas características bem como o despacho relacionado a partir dos arquivos baixados Para solucionar a falha de OCR destes arquivos 1975 1976 197619771978 1979 19801981 0 20 40 60 80 100 120 Número de RPI não disponíveis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 79 utilizouse o software livre PDFX Change Viewer de propriedade da Microsoft Windows o qual dispõe desta ferramenta Por meio deste programa de computador foi possível corrigir as falhas de OCR evi tando falsos negativos quando requeridas as localizações das referên cias à Embraer No entanto identificaramse alguns arquivos digitali zados como imagem inviabilizando a localização da palavrachave e acrescentando novas possibilidades de falsos negativos A elaboração manual da planilha permitiu identificar que di ferente do que se pensava o sistema de consulta do INPI inicialmen te rechaçado devido à limitação temporal indicada na Figura 1 po deria ser sim utilizado para facilitar a busca por dados Apesar da limitação temporal à medida que fossem ocorrendo novas publicações o sistema era alimentado com informações básicas do processo original uma vez que este número permanecia o mesmo ao longo do tempo Por exemplo verificouse que a primeira referência à Embraer encontrada nas RPI baixadas observando a ordem cronológica das publicações relacionada ao processo nº 000587 de 16021973 na seção Pedidos de averbação de contratos aprovados da RPI 78 de responsabilidade da Secretaria de Informação e Transferência de Tec nologia à época cuja Concedente é a Société pour le Perfectionne ment des Matériels et Equipements Aérospatiaux SOPEMA e a Ces sionária é a EMBRAER também pode ser encontrada no sistema de consulta do INPI utilizando os parâmetros indicados abaixo 80 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 8 Tela do sistema INPI correspondente ao primeiro registro da palavra Embraer encontrada nas RPI Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Isso porque embora o despacho original não conste no siste ma dada a limitação temporal descrita na Figura 1 os despachos sub sequentes a 2009 no caso o constante da RPI 2503 indicado pela elip se garante a inserção dos dados básicos originais no sistema tal como o ocorrido De semelhante modo foram cotejadas outras refe rências encontradas nas RPI com o sistema de consulta do INPI e não se visualizaram inconsistências No entanto não havia descrições mais detalhadas do conteúdo técnico do ato averbado o qual poderia ser estudado mais perfunctoriamente se analisada a RPI Além disso observouse que especialmente na seção de transferência de tecnologia cuja restrição temporal é mais severa provavelmente por alguma orientação interna do próprio INPI houve o arquivamento dos processos administrativos de averbação dos con tratos de transferência de tecnologia que estavam vencidos17 Obser vase que a obrigação de averbar contratos de transferência de tecno logia advém tanto da Lei nº 5772197118 quanto da Lei nº RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 81 9279199619 que estabeleceram a obrigação de o INPI averbar a transferência de tecnologia hoje principalmente para produzir efeitos em relação a terceiros Por conseguinte com a publicação do despacho de arquiva mento o banco de dados do INPI foi alimentado com dados básicos originais Tal fato ficou explícito à medida em que se coletavam as informações pois na maioria dos casos em que houve arquivamento eles ocorreram no mesmo período anos 20182019 e o histórico dos andamentos processuais estavam incompletos Nesse sentido tanto um contrato de 1972 quanto um da década de 2000 foram arquivados no mesmo momento Portanto embora em uma primeira análise o método de consulta às RPI pudesse ser considerado como a fonte mais óbvia por ser o veículo oficial de divulgação dos atos do INPI a ferramenta de consulta à base de dados do INPI revelouse mais ade quada para a pesquisa por diversos fatores seja pela sua confiabilida de completude seja pela facilidade de manuseio das informações Assim a consulta à base de dados do INPI corresponde a um avanço não só tecnológico mas institucional na medida em que faci lita o acesso ao estado da técnica da propriedade intelectual a des peito das limitações relativas aos depósitosregistros mais antigos Desse modo se a pesquisa de doutorado fosse relacionada ao con teúdo técnico em si ou seja relacionada à descrição da tecnologia às reivindicações desenhos técnicos etc poderseia vislumbrar uma 82 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 Os dados registrados no INPI a respeito das averbações dos contratos de transferência de tecnologia foram utilizados por exemplo na pesquisa de Hemais Barros e Rosa EO Contra tos de transferência tecnológica Um estudo sobre aquisição de tecnologia em Polímeros no Brasil Polímeros São Paulo v 14 n 4 p 242250 2004 18 Art 126 Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial para os efeitos do artigo 2º parágrafo único da Lei n 5648 de 11 de dezembro de 1970 os atos ou contratos que impliquem em transferência de tecnologia 19 Art 211 O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros Parágrafo único A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no prazo de 30 trinta dias contados da data do pedido de registro dificuldade adicional em atender a questão visto que tal informação não foi migrada para a consulta à base de dados do INPI no período não compreendido antes da restrição indicada para cada seção Conclusão Ao longo da pesquisa verificouse que conquanto existam duas fontes para a coleta de dados sobre propriedade intelectual am bas possuem limitações Enquanto a RPI foi criada para dar publici dade aos atos oficiais do escritório nacional de patentes a consulta à base de dados do INPI foi criada com preocupações voltadas à difu são da tecnologia tanto que é relativamente simples a consulta à des crição técnica reivindicações e desenho técnico disponíveis no mo mento da publicação da invenção ou correlato observada a limitação temporal indicada em cada seção Portanto este trabalho pretendeu discutir qual das fontes seria a mais adequada para a busca de dados que subsidiem as pesquisas empíricas sobre propriedade intelectual especialmente na área do direito e ciências sociais menos voltadas ao aprofundamento do conhecimento tecnológico ou estado da téc nica em si Assim por meio dessa técnica comparativa entre as duas fon tes de dados foi possível identificar que a consulta à base de dados do INPI revelouse como uma fonte adequada para a coleta de dados básicos da propriedade intelectual em suas diversas modalidades já que estas não estão restritas às limitações temporais consignadas pelo próprio INPI Portanto de um lado é possível considerar válidos e confiáveis os dados extraídos da plataforma No entanto por outro lado caso a pesquisa esteja relacionada ao conteúdo tecnológico descrição da tecnologia às reivindicações desenhos técnicos a consulta à base de dados do INPI pode não atender satisfatoriamente pois se restringe à limitação temporal indicada em cada uma das se ções sendo portanto recomendável a complementação com a con sulta às RPI RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 83 THE MYSTERIOUS ARABIAN CANDLESTICKS CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA ENQUADRAMENTO NORMATIVO POTENCIALIDADES E REQUISITOS DE VALIDADE1 NONCOMPETE CLAUSES LEGAL FRAMEWORK POTENTIALITIES AND VALIDITY REQUERIMENTS Daniel Fortes Aguilera Marvio Bonelli Resumo Este artigo se propõe a apresentar o enquadramento normativo das cláusulas de não concorrência no ordenamento jurídi co nacional Para tanto serão indicados os fundamentos que respal dam essa espécie de compromisso Em seguida serão estudados os requisitos necessários à validade das cláusulas de não concorrência à luz dos entendimentos da doutrina da jurisprudência e do CADE bem como a possibilidade de se reconhecer a existência de compro missos anticoncorrenciais em caso de omissão legal e contratual PalavrasChave Cláusulas de não concorrência Requisitos de validade Contrato de trespasse Cláusulas implícitas de não concor rência Abstract This paper aims to present the legal framework of the noncompete clauses in the Brazilian law system The study will analyze the validity of this kind of agreement as well as the it will indicate the validity requirements that a noncompete clauses must met Finally the existence of a noncompete obligation in case of le gal and contractual omission will be brought to discussion Keywords Noncompete clauses Validity requirements Asset purchase Noncompete clauses in case of legal and contractual omis sion RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 85 1 Artigo recebido em 31082021 e aceito em 23092021 Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Advogado Email dfortesterratavarescombr Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Advogado Email mbibmalawcombr Sumário Introdução 1 Conceito e enqua dramento normativo 2 Parâmetros de Vali dade 21 Limitação temporal 22 Limitação territorial 23 Limitação material 24 Con traprestação 25 Acessoriedade 26 Legíti mo interesse 3 Dever de não concorrência em caso de omissão legal e contratual Con clusão Introdução As cláusulas de noncompete possuem grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro Em um contexto empresarial marca do pela relevância da expertise técnica e do controle de dados e de informações tornase premente o desejo de sociedades empresários e empregadores em instituir mecanismos que protejam o knowhow e as informações negociais sensíveis como aquelas relacionadas a fluxos produtivos e opções estratégicas de mercado Nesse contexto as cláusulas de noncompete vêm sendo usa das nos mais diversos setores como em contratos empresariais con tratos de trabalho e em contratos no âmbito de operações societárias A disseminação de tais avenças aguçou a atenção da doutrina e da jurisprudência na medida em que geram efeitos práticos sensíveis ao acarretar a restrição ainda que parcial da atuação de sociedades em presários e de empregados Por esse motivo surgem discussões rele vantes sobre os parâmetros normativos que devem orientar a avalia ção da validade desse tipo de compromisso sobretudo no intuito de evitar situações jurídicas abusivas Afinal a um só tempo tais cláusulas têm a aptidão de garantir a livre iniciativa econômica e em um paradoxo que é apenas aparen te a própria livre concorrência Dessa sorte a incidência desses esses princípios e direitos constitucionalmente protegidos impedem a for mulação de acordos anticoncorrenciais isentos de qualquer restrição 86 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 No campo do direito do trabalho as cláusulas de não concor rência têm a aptidão de impedir que profissionais com elevado co nhecimento técnico e com acesso a informações sensíveis migrem para concorrentes prejudicando a atividade de seu antigo emprega dor2 Assim como ocorre sob a ótica empresarial tais compromissos representam relevante sinal de que ambas as partes estão de fato en gajadas na construção de um projeto comercial comum e de que irão utilizar todos os seus esforços e recursos para o sucesso daquela em presa ou empreendimento afastando o risco de que ativos negociais sejam divididos ou direcionados para concorrentes Por outro lado essas cláusulas carregam consigo um elevado risco à liberdade da atividade empresarial e ainda mais grave à pró pria atividade laboral quando celebrados em relações trabalhistas Tais compromissos não podem em absoluto ser um instrumento uti lizado para inviabilizar a concorrência tampouco o livre exercício profissional A proteção dos interesses da empresa não pode legiti mar uma restrição que impeça o funcionário ou até mesmo diretores estatutários de atuar no mesmo ramo de atividades do seu antigo empregador ou em sociedades que concorram com ele Exigese nesse passo especial e redobrada atenção quanto à interpretação a ser atribuída às cláusulas de non compete que deve ser detalhista e bem delimitada de acordo com uma série de requisitos de validade para que não se tornem excessivamente restritivas àquele que se sub mete aos seus efeitos O presente artigo se propõe justamente a analisar do ponto de vista do direito civil essas diferentes limitações abordando o en tendimento jurisprudencial e doutrinário sobre cada uma delas inclu RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 87 2 O alerta é feito por José Roberto de Castro Neves Razoável então que os comerciantes principalmente as grandes empresas busquem proteção contra informações de seu negócio ou mesmo cuja imagem esteja associada ao seu produto ou a ela própria que venha a trabalhar para uma revisão NEVES José Roberto de Castro Aspectos da cláusula de não concorrência no direito brasileiro Revista Trimestral de Direito Civil Rio de Janeiro Padma v 12 p 205218 outdez 2002 p 205 sive o posicionamento do Conselho de Administrativo de Defesa Eco nômica CADE que possui papel extremamente relevante no con trole da livre concorrência Ainda será discutida a possibilidade de vedação da concorrência em caso de omissão legal e contratual com o reconhecimento ou não da aplicação analógica do art 1147 do Có digo Civil para outros tipos de contratos e atividades que não o tres passe seu âmbito natural de incidência De início contudo cumpre compreender com exatidão o pa pel exercido pelas cláusulas de não concorrência no ordenamento nacional sua natureza jurídica e as disposições normativas que as influenciam no intuito de entender seu enquadramento normativo 1 Conceito e enquadramento normativo As cláusulas de non compete instituem um dever de que uma das partes não concorra com outra em determinadas condições3 O objetivo de sua previsão é assegurar dentro do possível a fidelização de clientela daquele em favor de quem é instituída garantindo resul tados econômicos favoráveis e o retorno de eventual investimento realizado4 Buscase assim evitar que outros sujeitos desviem clien tes em razão de seu papel de destaque no mercado ou do knowhow e das informações que possuem com base no vínculo anterior que 88 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 3 Nas palavras dos Professores Eduardo Takemi e Wallace Corbo tais cláusulas visam impe dir a concorrência por um dos contratantes em relação aos demais contratantes ou sociedades que estes integrem por meio do exercício direto ou indireto da atividade econômica levada a efeito pela sociedade afetada KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace A cláusula de não concorrência seu posicionamento no ordenamento jurídico brasileiro e requisitos para sua validade à luz do princípio da proporcionalidade Revista Semestral de Direito Empresarial Rio de Janeiro n 14 p 279299 janjun 2014 p 281 4 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Cláusula de não concorrência na alienação de participação societária exame de seus requisitos de validade e ineficácia superveniente Civi listicacom v 9 n 2 2020 p 15 Disponível em httpcivilisticacomclausuladenaocon correncia Data de acesso 06 fev 2021 possuíam com a parte beneficiada pela restrição de concorrência Protegese em última análise o fundo de comércio da sociedade5 Sua natureza jurídica por sua vez equivale a inequívoca obri gação de nãofazer6 por impor que o sujeito a quem ela se direciona se abstenha de praticar determinado comportamento nocivo à ativi dade empresarial daquele em favor de quem o compromisso é cele brado7 Na maior parte dos casos tratase de uma obrigação intuito personae voltada exclusivamente à pessoa que a celebra não se es tendendo a terceiros e acessória gravitando ao redor de outras obrigações principais8 Não obstante inexista no ordenamento jurídico nacional nor ma específica positivando um dever genérico e abstrato de não con corrência há variadas disposições normativas que indicam a licitude das cláusulas anticoncorrenciais Como antecipado a validade desse tipo de compromisso decorre inclusive de normas de hierarquia constitucional notadamente i a valorização da livre iniciativa eco nômica art 1º inciso IV da Constituição Federal ii a livre con corrência art 170 inciso IV da CRFB iii o livre exercício profis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 89 5 NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 205 6 Nas lições de Orlando Gomes a obrigação de nãofazer exige do devedor uma omissão compreendendose nesta a tolerância entendida como abstenção de resistência ou oposição a que estaria autorizado se a obrigação não proibisse Por consequência importa autorestri ção mais energética à liberdade pessoal admitindose que não valem as que ultrapassam as fronteiras da liberdade jurídica GOMES Orlando Obrigações 16ª ed Rio de Janeiro Forense 2004 p 51 7 Uma espécie de obrigação de não fazer é aquela na qual se ajusta que uma das que uma das partes não irá prestar serviços profissionais para um grupo de pessoas Essa estipulação via de regra tem lugar entre uma pessoa jurídica e seu exfuncionário para vigorar após o encerramento do vínculo trabalhista Desejase com ela impedir que o antigo funcionário vá atuar para concorrentes o que traria uma repercussão ruim para o negócio Essa estipulação é conhecida como cláusula de não concorrência NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 206 8 Esse aspecto será melhor explorado mais à frente no capítulo voltado aos seus requisitos de validade sional art 153 inciso XXIII da CRFB e iv a defesa do consumidor art 170 inciso V Seria possível concluir em uma análise superficial que as cláusulas anticoncorrenciais em realidade prejudicam os valores constitucionais exemplificados acima justamente por limitarem o exercício da atividade empresarial e profissional9 Esse entendimento entretanto não se sustenta após uma análise mais detida do papel e principalmente da interpretação e das limitações que vêm sendo atri buídas às cláusulas de non compete Tais compromissos têm um pa pel ativo em impedir que profissionais com elevado conhecimento técnico knowhow e informações privilegiadas e sigilosas afetem ne gativamente determinado concorrente prejudicando sua atividade empresarial desviando clientela e por consequência afetando nega tivamente a livre concorrência e o poder de escolha do consumidor10 A normativa que orienta e legitima esse tipo de cláusula con tudo não se limita às normas de hierarquia constitucional O disposi tivo que mais se aproxima de uma previsão legal expressa da obriga ção de não concorrer é o artigo 1147 do Código Civil11 voltado à alienação do estabelecimento comercial 90 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 9 Em primeiro lugar é possível perceber que a cláusula de não concorrência estabelece uma obrigação negativa de não fazer a parte obrigada deve absterse de adotar atos que possam resultar em competição frente às atividades desenvolvidas pela parte que se beneficia da cláu sula Neste sentido a cláusula de não concorrência é disposição restritiva de direitos na medida em que afeta temporariamente o direito de livre iniciativa de um agente econômico SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Aplicação do artigo 1147 do Código Civil à alienação do con trole de sociedades empresárias Disponível em httpwwwpublicadireitocombrarti goscodc51a02c186f00636 p 9 Acesso em 29 ago 2021 10 Sobre esse ponto merece destaque a preocupação de Giovanni Ettore Nanni e Adriano Ferriani Daí decorre que toda forma de regulação tem como ponto central promover a com petitividade honesta evitandose o abuso do poder econômico a eliminação da concorrência e a majoração abusiva dos lucros exigindose a intervenção do Estado para assegurar essas premissas FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 4 11 Artigo 1147 Código Civil Não havendo autorização expressa o alienante do estabeleci mento não pode fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferên cia Ainda que não se proponha a instituir um compromisso geral de não concorrência uma vez que direcionado exclusivamente aos contratos de trespasse o dispositivo legal demonstra uma tendência do ordenamento jurídico a reconhecer a validade conveniência e oportunidade de se restringir a concorrência em determinadas hipó teses no intuito de preservar a atividade empresarial e evitar prejuí zos à sociedade Há ainda outras normas esparsas que reforçam a percepção de que o ordenamento jurídico reconhece a licitude da limitação da concorrência É o que se extrai de dispositivos i penais notadamen te o art 195 da Lei da Propriedade Industrial que veda a prática de uma série de atos caracterizandoos como concorrência desleal ii da Consolidação das Lei do Trabalho especificamente seu art 482 alínea c que traz como justa causa à rescisão do contrato de traba lho a prática de ato de concorrência ao empregador e iii voltados à proteção do sistema econômico a exemplo da Lei Federal n 1252911 Diante de todas essas considerações é possível concluir pela licitude das cláusulas de não concorrência no ordenamento jurídico nacional A constatação é corroborada pelo tratamento que outros or denamentos vêm conferindo a essa espécie de compromisso não apenas reconhecendo sua adequação aos valores que os orientam mas até mesmo admitindoo expressamente É o caso do artigo 74 do Código Comercial alemão do artigo 356 do Código das Obrigações suíço e dos Códigos Civis holandês e italiano respectivamente em seus artigos 1637 e 412512 Nesse contexto a discussão principal e mais urgente portan to deixa de girar ao redor da licitude desse tipo de compromisso para focar na extensão nos limites e nos parâmetros de validade que norteiem a celebração das cláusulas de não concorrência Na conclu são de Eros Grau e Paula Forgioni RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 91 12 NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 207 Assiste razão a Paolo Greco professor da Univer sidade de Turim e da Universidade Bocconi ao ressaltar ser inútil hoje em dia retornarse à questão da admissibilidade dos pactos que impe dem ou limitam a concorrência De fato estamos agora diante de um problema de limites de me dida como sempre ocorre quando tratamos da tutela da liberdade de comércio no ordenamento jurídico13 A instituição de standards objetivos na interpretação das cláu sulas anticoncorrenciais é fundamental para que não se tornem elas próprias prejudiciais aos valores do ordenamento jurídico principal mente à livre iniciativa econômica e ao livre exercício profissional É sobre esses limites que o próximo capítulo se debruçará 2 Parâmetros de validade Desde que passaram a receber especial atenção da doutrina e jurisprudência tem sido lugar comum dizer que as cláusulas de não concorrência não podem representar uma restrição total incondicio nal e irrestrita ao exercício de determinada atividade O fundamento por trás das exigências é tão simples quanto relevante não permitir que o obrigado por esse tipo de compromisso fique impossibilitado em absoluto de exercer sua atividade profissional ou empresarial sob as mais diversas perspectivas Ora denominadas limitações ora consideradas requisitos de validade as exigências irão dialogar com diferentes aspectos e são fundamentais na instituição das cláusulas de non compete ao garantir 92 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 GRAU Eros Roberto e FORGIONI Paula Cláusula de não concorrência ou de não resta belecimento In GRAU Eros Roberto e FORGIONI Paula A Coords O Estado a Empresa e o Contrato São Paulo Malheiros 2005 p 280 que o compromisso não represente cerceamento absoluto ao exercí cio laboral e empresarial e possa vir a ser invalidado judicialmente As limitações menos controvertidas são aquelas relacionadas a ao tempo b ao espaço e c ao objeto do compromisso tendo sido as duas primeiras reconhecidas no paradigmático julgamento do Recurso Especial n 1203109MG14 A não observância de um ou mais15 desses parâmetros levaria à invalidade ou pelos menos à revi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 93 14 RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL CONTRATO EMPRESARIAL ASSOCIATIVO CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA LIMITE TEMPORAL E ESPACIAL ABUSIVIDADE NÃO OCORRÊNCIA 1 Demanda em que se debate a validade e eficácia de cláusula contratual de não concorrência inserida em contrato comercial eminentemente associativo 5 A funcio nalização dos contratos positivada no art 421 do Código Civil impõe aos contratantes o dever de conduta proba que se estende para além da vigência contratual vinculando as partes ao atendimento da finalidade contratada de forma plena 6 São válidas as cláusulas contratuais de não concorrência desde que limitadas espacial e temporalmente porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente 7 Recurso especial provido BRASIL Su premo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial 1203109MG Relator Min Marco Au rélio Bellizze Data do Julgamento 05 maio 2015 15 A cumulatividade dos requisitos é uma questão controversa tanto na doutrina quanto na jurisprudência O melhor entendimento contudo parecer ser o de que os requisitos são de fato cumulativos isto é para a cláusula de não concorrência ser válida os parâmetros quanto ao objeto espaço e tempo devem ser observados ou como sustenta Luiz Gastão Paes de Barros Leães ao menos da limitação temporal complementada pela presença alternativa do limite espacial ou de ramo de atividade LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Convenção impediente de novo estabelecimento In LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Pareceres São Paulo Editora Singular 2004 v 1 p 686691 Nesse mesmo sentido ver NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 205219 MENDONÇA Carvalho Tratado de Direito Comercial Brasileiro vol 2 n 462 Rio de Janeiro Imprenta 1963 p 447448 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 28 NERY JUNIOR Nelson Cláusula de não concorrência e seus requisitos prejudicialidade externa entre processos In NERY JUNIOR Nelson Soluções práticas de di reito São Paulo Revista dos Tribunais Online 2014 v 7 Na jurisprudência BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial 1203109MG Relator Min Marco Aurélio Bellizze Data do Julgamento 05 maio 2015 votação unânime o qual declarou que pelo me nos são cumulativos os requisitos quanto ao tempo e quanto ao território Em sentido contrá rio é verse o entendimento de COMPARATO Fábio Konder As cláusulas de não concorrên cia nos shopping centers In Revista de Direito Mercantil n 97 p 2328 janeiromarço 1995 p 2728 COELHO Fábio Coelho Curso de direito Comercial vol 1 São Paulo Saraiva 2014 p 316 e BARRETO FILHO Oscar Teoria do estabelecimento comercial fundo de comércio ou fazenda mercantil São Paulo Saraiva 1988 p 253254 são judicial da cláusula Recentemente outras limitações passaram a ser suscitadas com maior ou menor grau de intensidade notadamen te d a necessidade de haver uma contraprestação à obrigação de nãoconcorrer e a acessoriedade do compromisso e f a existência de legítimo interesse para a estipulação desse tipo de obrigação16 21 Limitação temporal O primeiro limite pacificamente atribuído às cláusulas de non compete é o temporal Tais compromissos não devem instituir uma obrigação de não fazer demasiadamente longa tampouco eterna As partes devem estipular um prazo determinado e razoável ao longo do qual a obrigação produzirá efeitos para de um lado garantir a pro teção do fundo de comércio e de outro a livre iniciativa ou o livre exercício do trabalho de quem se submete aos seus efeitos17 Como consequência natural dessa constatação surge a indaga ção de qual seria o prazo razoável para que a cláusula de não concor rência restringisse o exercício profissional e a atividade empresarial A doutrina e jurisprudência usam por analogia18 o prazo de 5 94 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 16 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 15 17 Nesse sentido Arnoldo Wald e Alberto Xavier destacam que a razão de ser das restrições apontadas na doutrina limitação da cláusula no tempo e no espaço consiste em harmonizar a validade desta estipulação com o princípio constitucional de que é livre o exercício de qual quer trabalho ofício ou profissão observadas as condições de capacidade que a ei estabelece CF art 153 23 Com efeito o princípio da liberdade do trabalho seria ofendido se se estipulasse que alguém não poderia trabalhar em qualquer setor de atividade em qualquer lugar e para todo o sempre Mas obviamente essa liberdade não é atingida se a restrição for temporária livremente consentida e justamente retribuída WALD Arnoldo e XAVIER Alberto Pacto de não concorrência validade e seus efeitos no Direito brasileiro Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial Rio de Janeiro v 2 p 847863 dez 2010 18 V a doutrina de Carlos Maximiliano Os dois efeitos diferem quanto aos pressupostos ao fim e ao resultado a analogia pressupõe falta de dispositivo expresso a interpretação pressu põe a existência do mesmo a primeira interpretação extensiva tem por escopo a pesquisa de uma idéia superior aplicável também ao caso não contemplado no texto a segunda busca o anos previsto no art 1147 do Código Civil segundo o qual não havendo autorização expressa o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferência Contudo o prazo de 5 anos não é uma regra rígida e inflexível que deverá ser aplicada a todos os casos a torto e a direi to Tratase de mero parâmetro que poderá ser adaptado caso por exemplo a atividade no caso concreto exija um investimento tama nho a ponto de justificar da contraparte um afastamento maior do mercado em que atuava19 O próprio Guia de Análise de Atos de Concentração Horizon tal do CADE publicado em 2016 destacou que muito embora a ob rigação de não concorrência deva observar a princípio o período de 5 anos20 pode entretanto esse prazo ser reduzido ou estendido a depender do período de maturação do negócio envolvido21 Para ilustrar melhor esse posicionamento merece destaque o Ato de Concentração nº 08012009211200846 julgado pelo CADE em 12 de novembro de 2008 O caso versava sobre o contrato que regia a aquisição de ativos relacionados à produção e comercializa ção de produto veterinário no qual foi estabelecida uma cláusula de não concorrência cujo prazo era de 10 anos A Procuradoria sugeriu RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 95 sentido amplo de um preceito estabelecido aquela de fato revela uma norma nova esta apenas esclarece a antiga numa o que se estende é o princípio na outra na interpretação é a própria regra que se dilata MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e Aplicação do Direito Rio de Ja neiro Forense 1984 p 215 19 Por outro lado entendese a contrario senso que esse raciocínio possa ser aplicado para justificar a abusividade de uma cláusula de cino anos se os investimentos do caso concreto não fundamentem tal restrição muito embora se reconheça que ônus probatório dessa hipótese seria mais alto 20 Ratificando um posicionamento consolidado na Súmula nº 5 do CADE 2009 É lícita a estipulação de cláusula de não concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de estabelecimento desde que vinculada à proteção do fundo de comércio 21 Disponível em httpswwwgovbrcadeptbracessoainformacaoparticipacaoso cialcontribuicoesdasociedadeconsultapublicasobrepropostadenovoregimentointerno Acesso em 29 ago 2021 sua redução para o prazo de cinco anos usual nos contratos aprecia dos pelo CADE Em seu voto o Conselheiro Carlos Emmanuel Joppert Ragaz zo ressaltou que a extensão da cláusula a períodos mais longos tem sido excepcionalmente aceita quando a os investimentos são mais vultosos b estão envolvidos planos estratégicos de longo prazo e c a maturação mais lenta e a tradição de relações duradouras com fornecedores e clientes justificam a dilação da cláusula Portanto com base nas particularidades do caso concreto cujos investimentos de mandavam recursos significativos e a implementação de medidas de longo prazo considerouse razoável o prazo de 10 anos22 Em suma as cláusulas anticoncorrenciais devem ter um prazo determinado limitado e justificado com base na racionalidade econô mica do negócio celebrado entre partes de modo que não cerceiem excessiva ou indefinidamente a atividade de quem se submete às suas disposições Muito embora o prazo de cinco anos funcione como regra geral as circunstâncias do caso concreto devem ser leva das em consideração de sorte a justificar uma eventual redução ou prorrogação de tal prazo Não havendo limite temporal na fixação do compromisso doutrina e jurisprudência usualmente propõem restrin gir a cláusula para um período específico garantindo sua validade ainda que por um determinado prazo em prestígio à autonomia pri vada 22 Limitação territorial Da mesma forma a abrangência da cláusula de non compete 96 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 22 Nesse mesmo sentido vejase CADE AC nº 08012002814200906 julgado em 17 de junho de 2009 O caso versava sobre a aquisição do controle individual sobre a Joint Venture Areva NP SAS e suas afiliadas pela Areva SA Na oportunidade o CADE entendeu que a cláusula de não concorrência de oito anos prevista no acordo seria válida tendo em vista a especifici dade do setor afetado caracterizado por planos estratégicos de longo prazo e marcado por investimentos vultosos também deve ser geograficamente limitada ao território relevante de atuação das partes envolvidas para assim evitar uma disputa de mer cado ou de clientela23 Por consequência a obrigação de não compe tir deverá produzir efeitos apenas na zona em que se trava a concor rência não valendo fora do âmbito de influência dos estabelecimen tos concorrentes24 Pensando sob o ponto de vista geográfico realmente não será merecedora de tutela a cláusula que por exemplo proíba o antigo diretor de uma cervejaria brasileira de atuar em cargo semelhante em uma companhia do mesmo setor porém cuja atuação esteja restrita a um país vizinho Sem dúvida o conhecimento e knowhow que tal profissional carrega é valioso mas a simples inexistência de compe tição concreta entre as sociedades naquele território impede que se imponha uma restrição ao profissional até em razão da ausência de qualquer prejuízo à companhia brasileira Vale ressaltar que a conclu são poderá ser diferente caso seja demonstrado no caso concreto que a companhia brasileira tenha traçado planos efetivos e concretos de expansão nos anos seguintes de sua produção para países vizi nhos A aplicação da limitação territorial é muito discutida quando se trata de estabelecimentos comerciais em shoppings centers25 Nesse RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 97 23 Nesse sentido destacase mais uma vez a lição de Nelson Nery Junior que aponta que deve estar expresso na convenção contratual que a não concorrência restringese à área em que poderia em concreto haver uma disputa de mercado ou de clientela ou seja em áreas em que um dos concorrentes já está estabelecido não é válida portanto cláusula que imponha a não concorrência fora da área geográfica que sofre influência dos estabelecimentos concor rentes NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 8 No mesmo sentido caminham os ensinamentos de Wallace Corbo e Eduardo Takemi segundo os quais A abrangência da cláusula devese limitar ao mercado relevante geográfico restringindo sua delimitação espacial aos locais nos quais atura a sociedade empresária KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 290 24 LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Op Cit p 689 25 Sobre o tema da concorrência em shopping centers vale a transcrição dos ensinamentos de Fabio Konder Comparato Tais limitações indiretas à concorrência correspondem sem dúvida a um efeito natural do conjunto de contratos criadores do centro comercial pois tratandose setor é comum a estipulação de cláusulas de raio que visam prote ger os shoppings a fim de evitar que os lojistas concorram contra o proprietário do empreendimento central As cláusulas de raio são portanto um verdadeiro incentivo para que os lojistas concentrem todo o seu potencial em atrair clientela para o próprio shopping con vergindo seus esforços para o projeto comum O foco é proteger a viabilidade e lucratividade da atividade econômica e por esse moti vo tais cláusulas são reconhecidamente válidas26 Entretanto o entendimento que costuma prevalecer é de que as cláusulas de raio quando impostas de forma irrestrita nos contra tos de locação têm o potencial de fechar o mercado configurando conduta anticompetitiva A jurisprudência do CADE27 aponta que o parâmetro para aferição da validade das cláusulas de raio deve ser de 2 km muito embora mais uma vez a definição objetiva dessa restri ção possa variar à luz do caso concreto Isso porque a razoabilidade da extensão do limite varia de acordo com uma série de fatores como a natureza da atividade comercial e a densidade demográfica da re gião justificando cláusulas de raio mais restritas em áreas metropoli 98 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 como foi visto mais acima de relações contratuais de organização por meio da técnica grupal a função econômica desses contratos vai no sentido de colaboração entre as partes e não da competição entre elas COMPARATO Fábio Konder Op Cit p 27 26 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 4ª Turma Recurso Especial n 1535727RS Relator Min Marco Buzzi Data do Julgamento 20 jun 2016 Data de Publicação 20 jun 2016 No caso entendeu o Relator que 11 A aventada modificação unilateral das normas gerais complemen tares do empreendimento de 2000 dois mil para 3000 três mil metros de raio desde que não tenha sido imposta unilateralmente para os contratos de locação em curso quando da modificação estatutária não apresenta qualquer ilegalidade pois o dono do negócio pode impor limitações e condições para o uso de sua propriedade por terceiros 27 BRASIL Conselho Administrativo de Defesa Econômica Processo Administrativo nº 08012012740200746 Conselheiro Relator Márcio de Oliveira Junior Data do Julgamento 22 jun 2016 Representante Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e Representada Shop ping Iguatemi em Porto Alegre BRASIL Conselho Administrativo de Defesa Econômica Pro cesso Administrativo nº 08012012081200748 Conselheiro Relator João Paulo de Resende Data do Julgamento 11 nov 2015 Representante CADE Ex Officio Representadas Shopping Eldorado Shopping Morumbi Shopping Jardim Sul Shopping Villa Lobos e Shopping Higie nópolis tanas como Rio de Janeiro e São Paulo e outras mais amplas em áreas menos densamente povoadas 23 Limitação material Para ser válida a cláusula de não concorrência deverá tam bém ser restrita ao ramo de atividade desenvolvida pelo estabeleci mento titular da clientela não se estendendo a outro tipo de atividade empresarial28 Assim entendese que a cláusula de non compete deve ser lida e interpretada à luz do mercado de atuação do sujeito em favor de quem é celebrada não apenas sob o ponto de vista geográ fico mas também relativamente ao produto ou serviços relevantes à atividade exercida Com efeito se o fundamento da licitude da cláusula de não concorrência reside ora no risco de desvio de clientela do estabeleci mento ora na transferência de knowhow da companhia para concor rentes tais cláusulas deverão então ser lidas na estrita medida das razões que justificam sua validade Caso contrário tais compromissos seriam meramente instrumentos limitadores da livre concorrência Dessa forma não há muita dúvida de que caso o dono de uma rede de academias venda seus estabelecimentos ou a participa ção societária referente a tal empreendimento para um terceiro o alienante poderá investir por exemplo em uma rede de restaurantes Cláusulas excessivamente amplas e abstrata que impeçam aquele que se submete a seus efeitos de praticar toda e qualquer atividade naturalmente não devem ser ratificadas in totum pelo intérprete que deve limitálas ao escopo de atuação do sujeito beneficiário pelo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 99 28 Nesse sentido NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 210 LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Op Cit p 689 NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 78 e GARCIA Rodrigo Saraiva Porto SANTANNA Leonardo da Silva A cláusula de não concorrência nos contratos de fran quia considerações acerca da função social do contrato e da boafé objetiva Revista de direito privado v 84 p 5173 dez 2017 compromisso Contudo há exemplos que residem em uma zona cin zenta nos quais será mais desafiador definir se o campo de atuação de um empreendimento abrange ou não determinada atividade Importa ainda reforçar que a análise da amplitude objetiva da cláusula de não concorrência demanda um estudo de dados con cretos e técnicos acerca do que define a atividade desenvolvida e dos riscos concorrenciais que lhe possam ser causados análise que natu ralmente ultrapassa aspectos eminentemente jurídicos29 Um bom pa râmetro para ajudar na determinação do mercado de atuação do be neficiário da cláusula de non compete é a análise do objeto social da sociedade previsto no contrato ou estatuto social Muito embora as cláusulas que versam sobre o objeto social sejam geralmente amplas invariavelmente elas são um bom indicativo acerca do ramo e do tipo de atividade que os sócios visam desenvolver 24 Contraprestação Um requisito recorrentemente trazido para questionar a vali dade das cláusulas de não concorrência é a eventual ausência de con traprestação à pessoa que deixará de atuar no setor de mercado esta belecido no compromisso contratual30 Essa exigência é de aplicação menos pacífica e muitas vezes é lida e aplicada de forma superficial A necessidade de contraprestação como requisito à validade das cláusulas de non compete deve ser lida sob uma ótica simples mas nem sempre bem compreendida as cláusulas de não concorrên cia devem ser interpretadas como negócios jurídicos bilaterais isto é um negócio jurídico caracterizado pela reciprocidade das presta 100 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 29 No caso de investimento robusto em programas de nutrição e treino fitness online incluin do aplicativos websites e outras mídias seria possível caracterizar tal empreendimento como concorrente aos estúdios físicos de academia 30 NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 68 ções em que cada uma das partes deve e é credora simultanea mente31 Por conta de tal bilateralidade entre as prestações deverá o intérprete identificar um sinalagma entre elas exigindo uma presta ção em favor de quem se submete à limitação de concorrência32 Com efeito se de um lado há o adquirente do fundo de co mercio credor da obrigação de nãofazer do outro lado há antigo dono do fundo devedor da obrigação de nãofazer o qual terá um prejuízo econômico ao deixar de atuar no ramo que ele domina por certo período e em determinado espaço territorial Ainda assim não se pode exigir uma remuneração específica decorrente exclusiva mente da cláusula de não concorrência Isso porque no contrato de trespasse por exemplo as partes preveem uma série de termos e condições específicos dentre elas o preço e a forma de pagamento pela aquisição do fundo de comércio E é justamente nessa rede de obrigações recíprocas notadamente no valor pago pela transferência que reside ainda que indiretamente33 a contraprestação pela obriga ção de nãoconcorrer34 Mesma lógica orienta por exemplo o impe RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 101 31 PEREIRA Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil Contratos v 3 17ª ed Rio de Janeiro Forense 2013 p 140142 32 Nesse sentido ensina o autor italiano Tulio Ascarelli nos contratos bilaterais podemos identificar uma relação sinalagmática enquanto a obrigação de uma das partes dependa da existência de uma obrigação válida contrária ou enquanto a inexecução da obrigação de uma das partes autorize a nãoexecução da obrigação da parte contrária ASCARELLI Tulio Pro blema da Sociedades Anônimas e Direito Comparado São Paulo Quorum 2008 p 157 Ainda sobre a definição de sinalagma ver a lição de Antonio Junqueira Azevedo AZEVEDO Antonio Junqueira Parecer Natureza jurídica do contrato de consórcio sinalagma indireto Onerosi dade excessiva em contrato de consórcio Resolução parcial do contrato In AZEVEDO Anto nio Junqueira Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado São Paulo Saraiva p 363 33 O próprio Professor Antonio Junqueira Azevedo já discorria sobre a possibilidade de haver sinalagmas indiretos que seriam característicos por exemplo em contratos de colaboração e associativos AZEVEDO Antonio Junqueira Op Cit p 363 34 De forma análoga vejase o caso do profissional que se desliga da empresa trazido pelo Professor José Roberto Castro Neves O autor explica que nesse momento uma série de obriga ções são contratadas entre o exempregado e a antiga empregadora como prêmios gratifica ções seguros etc Assim seria natural que a cláusula de não concorrência venha inserida nesse acordo sem que se faça referência diretamente à remuneração decorrente do dever de não dimento de concorrer em contratos de alienação de participação so cietária É possível ainda que a contraprestação pela obrigação de não concorrer tenha outras facetas Imaginese por exemplo uma cláusu la de não concorrência inserida no bojo de um contrato de trabalho limitando a atividade do empregado por determinado tempo após sua saída da sociedade que o empregava Nesse caso poderão ser interpretadas como contraprestação da obrigação de não concorrer o conjunto de multas eou verbas indenizatórias devidas em razão do encerramento forçado do vínculo eou até mesmo o salário do em pregado que naturalmente é influenciado pela limitação que lhe será imposta após sua o encerramento do vínculo de trabalho Tal raciocínio pode ser analogamente aplicado no contexto da relação jurídica entre uma sociedade e seus diretores estatutários muito embora tais situações tenham naturezas jurídicas distintas Des tacase contudo que o encerramento seja do contrato de trabalho ou do vínculo entre diretor e uma sociedade pode ocorrer por uma série de razões de sorte que o ordenamento jurídico não precisa tutelar todas essas situações de maneira idêntica Ora as partes podem pre ver no contrato consequências jurídicas distintas para a destituição sem justa causa de um diretor para su destituição por justa causa e para renúncia espontânea do diretor ao seu cargo No primeiro cenário a obrigação de não concorrer só parece ser merecedora de tutela se estiver atrelada ao pagamento de alguma espécie de multa ou outra contraprestação pecuniária qualquer capaz 102 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 trabalhar para empresa rival mas haja vantagem econômica do contratado que justifique o dever negativo NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 211 Nesse sentido destacase o entendimento do Desembargador Cesar Ciampolini ao julgar como válida cláusula que limitava a atuação do exDiretor Presidente de uma companhia aberta que havia renunciado a seu cargo imotivadamente A compensação pela contratação da não concorrência aliás não é uma exigência apontada de forma unânime pela doutrina nem nas relações laborais e assim sendo tornase ainda mais discutível numa relação empresarial e estatutária SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 1ª CRDE Agravo de Instrumento nº 2172981 4520168260000 Relator Cesar Ciampolini Data de Julgamento 09 nov 2016 de justificar e remunerar o diretor pelo tempo em que permanecerá impossibilitado de atual como tal Isso porque como o encerramento do vínculo ocorreu por inciativa da sociedade seria abusivo reconhe cer a validade de uma cláusula que impedisse um diretor executivo de exercer sua profissão por uma decisão unilateral e desmotivada da sociedade Por outro lado no segundo e no terceiro cenários pode ser reconhecida como válida a obrigação de não concorrer não obs tante a ausência de uma multa ou contraprestação direta uma vez que o encerramento do vínculo se deu respectivamente por culpa ou vontade do próprio diretor Em outas palavras a contraprestação deve estar associada em caráter mais amplo ao equilíbrio da relação contratual impedindo que uma das partes seja submetida indevidamente a um compromis so unilateral de não concorrer que representaria nessas condições imposição de um simples impedimento do exercício da atividade profissional À guisa de parcial conclusão não há óbices em que se reconheça a contraprestação como requisito à validade da cláusula de não concorrer Essa exigência contudo deve ser lida em uma cha ve complexa que leve em consideração a integralidade da relação contratual existente entre os sujeitos e o equilíbrio das prestações e não como uma mera contraprestação pecuniária direta e imediata devida exclusivamente por força da obrigação non compete 25 Acessoriedade Há também outro requisito muitas vezes ignorado pela doutri na e jurisprudência civilistas mas trazido com frequência nas deci sões administrativas do CADE35 a natureza acessória das cláusulas de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 103 35 Remetese ao caso Mitchel v Reynolds do século XVIII em que se distinguiu as restrições à concorrência entre gerais e particulares Ao passo que as restrições gerais deveriam ser consi deradas ilegais já que eram estabelecidas apenas com o objetivo de limitar a concorrência as chamadas restrições particulares que via de regra são firmadas como estipulações acessórias de uma transação principal poderiam ser válidas a depender da análise do caso concreto não concorrência36 Em resumo o requisito da acessoriedade impede que a cláusula de non compete seja um fim em si mesma evitando que se torne um mero instrumento estratégico para afastar artificial mente possíveis concorrentes Como se pode perceber há uma rela ção latente entre a acessoriedade desse tipo de compromisso e a exi gência de contraprestação em razão da sua celebração A validade da cláusula como um todo e também especifica mente de cada um dos seus limites territorial temporal e material deve estar amparada por uma função jurídica a qual poderá ser mui tas vezes reconhecida no caso concreto a partir de uma análise eco nômica do negócio Isto é a extensão da obrigação de não concorrer só será merecedora de tutela jurídica na medida em que seja instru mento para o desenvolvimento e o sucesso de um determinado negó cio ou atividade empresarial37 O compromisso desempenha um objetivo claro preservar a legítima expectativa de lucratividade do empreendimento seja impe dindo o desvio de clientela seja evitando a transferência de conheci mento e knowhow Assim mitigamse eventuais perdas econômicas 104 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 sempre levando em conta a razoabilidade Um segundo caso que traz referência ao requisito da acessoriedade é o chamado US v Addyston Pipe Stell em que se firmou a doutrina das Ancilary Restraints segundo a qual as restrições são aceitáveis quando inseridas num contexto maior de uma operação de modo que essa obrigação de não concorrer seria apenas um ele mento auxiliar acessório subordinado mas essencial ao sucesso da transação 36 Guia de análise de Atos de Concentração Horizontal publicado em 2016 pelo Cade item nº 6 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 281 NAVAS Amanda R E Análise in casu de cláusulas de não concorrência em contrato de distribuição Revista dos Tri bunais São Paulo v 929 p 12091246 mar 2013 e GARCIA Rodrigo Saraiva Porto SANT ANNA Leonardo da Silva A cláusula de não concorrência nos contratos de franquia considera ções acerca da função social do contrato e da boafé objetiva Revista de Direito Privado São Paulo v 84 p 5173 dez 2017 37 Wallace Corbo e Eduardo Takemi dão um passo além para amparandose na jurisprudência do CADE considerar que a cláusula de não concorrência deve ser dotada de essencialidade em relação ao negócio principal KATAOKA Eduardo Takemi e CORBO Wallace Op Cit p 281 que o adquirente de determinado empreendimento terá caso seu parceiro passa a com ele concorrer Em rigor a cláusula de não concorrência não pode ser cele brada impositivamente como um fim em si mesmo no exclusivo in tuito de retirar determinado player do mercado sem motivos fáticos ou jurídicos que justifiquem essa obrigação Dependerá ao revés da existência de um negócio ou atividade que justifique do ponto de vista econômico e financeiro a restrição da atividade concorrencial Se não há benefício ou ao menos mitigação de riscos àquele em favor de quem a cláusula é celebrada sua instituição não merecerá tutela pelo ordenamento jurídico Isso não significa dizer que a obrigação anticoncorrencial não possa ser o elemento central de determinado instrumento jurídico ou mesmo objeto de um negócio jurídico autônomo voltado exclusiva mente para esse fim desde que se insira no contexto de um negócio mais amplo com concessões e obrigações mútuas Mais uma vez ressaltese ainda que a validade de tal cláusula e o design do seu escopo de aplicação deverá ser interpretada à luz do caso concreto da atividade prestada e das partes envolvidas e principalmente deverá ser verificado se há ou não assimetria informa cional e econômica na relação A imposição de uma obrigação de não concorrência desacompanhada de outras concessões e obrigações mútuas e desprovida de legítimas justificativas econômicas como um fim em si mesmo pode representar o exercício de uma posição abu siva por parte daquele em favor de quem a cláusula é celebrada em detrimento daquele que está submetido às suas disposições 26 Legítimo interesse Finalmente há ainda quem sustente a existência de um últi mo requisito de validade a existência de legítimo interesse do bene ficiário da cláusula de non compete que justifique a restrição da con RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 105 corrência imposta ao devedor da obrigação Nas palavras de Adriano Ferriani e Giovanni Ettore Nanni A respeito do legítimo interesse do credor deve se perquirir se a cláusula de não concorrência é necessária ao credor isto é se resulta de impera tivo justificável razoável e proporcional ao cre dor no bojo de seu ramo de atividade empresarial ou se tem por objetivo unicamente causar dano ao devedor38 Como se percebe a exigência é marcada por elevada abstra ção e ao fim e cabo não parece se distanciar do inerente controle valorativo do conteúdo e das limitações necessárias à validade desse e de qualquer outro compromisso celebrado no exercício da autono mia privada devendo ao revés ser extraído dos demais requisitos de validade apresentados ao longo desse breve trabalho O merecimento de tutela39 das cláusulas de não concorrência pressupõe a existência de um legítimo interesse que justifique a sua celebração inclusive limitando a obrigação de não fazer para que não ultrapasse a finalidade para a qual se destina Tais compromissos só deverão ser tutelados pelo intérprete caso suas disposições e delimitações sejam adequadas à defesa legítima do fundo de comér cio e da clientela daquela em favor de quem são instituídos Em ou 106 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 38 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 36 39 Eduardo de Nunes Souza ao apresentar o filtro do merecimento de tutela o define como a contraposição de interesses lícitos e legítimos que quando em conflito devem ser valorados e sobrepesados no intuito de se aferir qual deles é predominante na concretização dos valores do ordenamento jurídico Por vezes porém atos particulares que não apresentam fundamento para sua supressão podem sujeitarse a outra espécie de valoração baseada em seu potencial de promover valores do ordenamento Esse julgamento o merecimento de tutela aqui proposto em sentido estrito não classifica os atos como ilegítimos ou legítimos ainda que ao final um dos atos venha a ser reprimido mas procura identificar qual deles deve merecer tutela privi legiada em face do outro no caso concreto SOUZA Eduardo Nunes de Merecimento de tutela a nova fronteira da legalidade no direito civil Revista de Direito Privado São Paulo v 58 abrjun 2014 tras palavras a validade das cláusulas anticoncorrenciais pressupõe que os interesses por trás da sua celebração sejam legítimos e confor mes o ordenamento jurídico Tratase ao fim e cabo de um controle valorativo da extensão das cláusulas necessário para justificar a sua existência e a sua extensão sendo certo que caso sejam excessivas e demasiadamente amplas revelarseão contrárias aos valores que buscam tutelar e nesse passo não deverão ter sua validade reconhe cida pelo intérprete O intérprete portanto não estará alheio ao exame do legítimo interesse quando avaliar se por exemplo uma obrigação de não competição abrange desnecessariamente atividades que não estão necessariamente vinculadas ao mercado relevante do interessado que ultrapassam seu território de atuação ou que são excessivas do ponto de vista temporal considerando o perfil e natureza da ativida de exercida Da mesma forma devese perquirir se a cláusula de não concorrência foi estipulada em função do sucesso de um negócio efe tivo remetendose assim ao requisito da acessoriedade A avaliação sobre se a cláusula de non compete atende aos requisitos listados nes se trabalho é pressuposto à verificação de seu merecimento de tutela e portanto à presença de um legítimo interesse que a oriente Em suma a existência e a extensão das cláusulas de não con corrência devem ser proporcionais e adequadas aos interesses em jogo e principalmente aos valores do ordenamento jurídico que jus tificam a licitude desse tipo de compromisso Esse controle contudo é inerente a qualquer ato praticado em livre exercício da autonomia privada que deve ser sempre exercida de acordo com os valores do ordenamento A ideia de legítimo interesse como um novo e especí fico requisito de validade das cláusulas de non compete para além dos demais já explorados anteriormente parecenos mera tautolo gia40 O legítimo interesse ao contrário perpassa e se concretiza jus RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 107 40 Nesse sentido destacase a lição de Arnoldo Wald Alberto Xavier que já relacionavam a limitação temporal e geográfica com a ideia de legítimo interesse 42 Colocandonos seja no campo do Direito do Trabalho seja no do Direito Civil não vemos motivo para discutir a tamente na aplicação dos demais parâmetros de validade das cláusu las fundamentais ao reconhecimento do seu merecimento de tutela 3 Dever de não concorrência em caso de omissão legal e contra tual Cumpre agora tecer comentários acerca de aspecto especial mente polêmico das cláusulas de non compete a saber se existe ou não de um dever abstrato de não concorrência quando não há previ são legal ou contratual instituindoo Em outras palavras não se es tando diante de um contrato de trespasse e portanto tampouco de aplicação do art 1147 do Código Civil e sendo as disposições con tratuais omissivas quanto ao tema há de se reconhecer uma cláusula implícita de não concorrência Essa discussão foi antecipada no leading case brasileiro cuja conclusão foi diametralmente oposta ao que hoje determina o art 1147 do Código Civil Em julgamento que remonta à década de 1910 o Supremo Tribunal Federal entendeu que a renúncia ao direito de exercer determinada atividade deveria ser expressa permitindo as sim ao Conde Álvares Penteado retirante da Companhia Nacional de Tecidos de Juta continuar a exercer seu ofício41 Concluiuse em sín tese pela inexistência de uma obrigação implícita de não concorrên cia com possibilidade de que o Conde praticasse sua atividade pro 108 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 licitude da cláusula de não concorrência desde que limitada no tempo e no espaço corres pondendo a um interesse legítimo das partes e tendo tido uma adequada compensação con tratual conforme bem salientaram as leis estrangeiras os acórdãos dos tribunais e os autores que se dedicaram ao estudo da matéria WALD Arnoldo XAVIER Alberto Op Cit p 910 41 FARIA Luiz Alberto Gurgel de O restabelecimento do alienante após a transferência do estabelecimento Revista Jurídica Instituição Toledo de Ensino n 23 1998 p 116118 Para uma análise mais aprofundada do instigante episódio que contou com a participação de di versos juristas de renome da época vejase PAES Paulo Roberto Tavares Da concorrência do alienante do estabelecimento comercial São Paulo Saraiva 1980 p 1933 e DUVAL Hermano Concorrência desleal São Paulo Saraiva 1976 p 237246 fissional em concorrência com a Companhia em que pese tivesse se retirado da sociedade recentemente Muito embora não se possa desconsiderar que o ordenamento jurídico e os valores vigentes à época fossem totalmente distintos a referência histórica contribui para demonstrar simultaneamente a re levância do tema sua sensibilidade não raro sendo objeto de insti gantes discussões práticas e a multiplicidade de entendimentos que o permeiam Defendeuse no Capítulo II mais acima que as diversas nor mas extraídas de todo o ordenamento jurídico permitem concluir pela inequívoca licitude dos compromissos de não concorrência des de que levem em consideração os diversos requisitos de validade ao qual devem se submeter a fim de não restringir excessivamente a livre iniciativa econômica a livre atividade empresarial e o direito ao trabalho Essa constatação contudo não equivale ao reconhecimento de um dever geral e abstrato de não concorrência Não há como se desconsiderar o eloquente silêncio do legislador em trazer uma nor ma que instituísse uma obrigação dessa natureza e que fosse dotada de tamanha amplitude O Código Civil a bem ver limitou um dever de não concorrência exclusivamente aos contratos de trespasse no referido art 1147 A omissão não soa despropositada O estabelecimento comer cial é elemento marcante da sociedade empresária possuindo grande papel na captação da clientela e na sua fidelização A vedação legal à concorrência fixada no Código Civil nesse passo tem por objetivo impedir que o alienante do estabelecimento se restabeleça no mesmo mercado após a operação oferecendo concorrência ao adquirente e causando desvio de clientela42 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 109 42 SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Op Cit p 16 Nesse contexto a menção específica à obrigação de não con corrência exclusivamente para essa espécie contratual parece de monstrar uma preocupação do legislador em não estendêla a outras atividades negociais Mesma lógica orienta a previsão contida no art 482 alínea c da CLT Nesse caso a vedação legal decorre da proteção do empregador evitando que durante a vigência do contrato de tra balho o empregado se valha de seu vínculo empregatício para fazer concorrência àquele que o emprega Também nesse caso o escopo da norma restritiva é específico e bem delimitado A existência de um dever implícito de não concorrência se mostra controverso em operações societárias em especial no contex to de alienação do controle acionário Diversos autores que defen dem a aplicabilidade do art 1147 à alienação da participação socie tária fazendoo com base principalmente na similitude entre esse tipo de operação e a alienação do estabelecimento Nesse sentido é o posicionamento de Adriano Ferriani e Giovanni Etore Nanni4344 Não há diferença substancial entre os regimes ju rídicos aplicáveis porque não só a natureza da cláusula de não concorrência remanesce a mes ma como notadamente o interesse jurídico de proteção da livre concorrência e da livre iniciati va estará sempre presente além do interesse eco 110 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 43 O entendimento é compartilhado por GRECHI Frederico Price A Cláusula de não Concor rência na Cessão do Estabelecimento Empresarial na Perspectiva CivilConstitucional In AL VES Alexandre Ferreira de Assumpção GAMA Guilherme Calmon Nogueira da Coord Te mas de Direito CivilEmpresarial Rio de Janeiro Renovar 2008 p 364 44 Também Fábio Konder Comparato ao discorrer sobre as cláusulas de não concorrência em contratos de shopping centers defende a existênica de uma obrigação implícita nesse sentido ainda que fazendo referência ao regimento interno dos grandes estabelecimentos comerciais Podese pois sustentar que essas limitações à concorrência sendo um efeito natural dos contratos de constituição e exploração dos centros comerciais existem sempre como cláusula implícita e devem ser aplicadas mesmo na ausência de estipulação expressa Ao celebrarem contrato de locação de dependências num shopping center os comerciantes lojistas aderem ao regimento interno e portanto aceitam convencionalmente as normas limitadoras da concor rência COMPARATO Fábio Konder Op Cit p 2728 nômico envolvido a respeito do conglomerado de ativos envolvidos em negócios dessa nature za incluindo a expectativa da geração de provei tos por intermédio da clientela assim como o re torno dos investimentos efetuados45 Em sentido contrário há quem se posicione pela inexistência de uma obrigação implícita de não concorrência nas hipóteses em que houver omissão legal e contratual e portanto pela inaplicabili dade da regra do trespasse às alienações societárias inclusive às operações de alienação societária O fundamento nesse caso está associado i ao princípio da legalidade que impede a instituição de obrigação legal não prevista em lei e não extraída do ordenamento jurídico ii à defesa da autonomia privada e iii à impossibilidade de aplicação analógica de determinação legal que represente restrição de direitos No entendimento46 de Eduardo Takemi Kataoka e Walla ce Corbo parece mais adequado reconhecer que em regra a inexis tência de previsão contratual ou legal impede o reconhecimento de cláusulas de não concorrência tácitas em uma generalidade de espé cies de negócios jurídicos47 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 111 45 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 24 46 O entendimento é compartilhado por Ricardo Villela Mafra Alves da Silva Não obstante a similaridade dos efeitos econômicos gerados pela alienação de controle societário e pela trans ferência de estabelecimento acreditase que a resposta seja negativa O artigo 1147 do Código Civil em razão de sua natureza não comporta interpretação extensiva ou por analogia SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Op Cit p 1719 47 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 Ao defender tal posiciona mento os autores trazem a seguinte fundamentação Nada obstante fato é que em termos gerais estáse aqui analisando matéria submetida aos princípios da legalidade da livre inicia tiva e da autonomia da vontade Do primeiro decorre a impossibilidade de se impor ao parti cular obrigação não prevista em lei e que não decorre diretamente de imperativo constitucional O segundo por sua vez pretende garantir o livre desenvolvimento da atividade econômica desde que submetidas aos parâmetros constitucionais e legais da boafé e da função social da empresa Por fim a autonomia da vontade impõe que havendo receio de prejuízo às atividades econômicas de uma das partes os contratantes negociem a inclusão de cláusula objetivando precisamente impedir tal situação Também a jurisprudência vacila No Tribunal de Justiça de São Paulo é possível encontrar julgados que ora reconhecem um dever implícito de não concorrer no caso de exercício do direito de retira da48 e que ora afastam esse tipo de obrigação diante da inexistência de convenção contratual nesse sentido49 Atualmente prevalece na jurisprudência o entendimento pela inaplicabilidade do art 1147 a situações que não sejam relativas à alienação do estabelecimento justamente em razão da impossibilida de de que seja atribuída interpretação extensiva a norma restritiva de direitos Vejase a título exemplificativo julgados do Tribunal de Jus tiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça este último no qual a matéria de fundo não chegou a ser decidida por incidência dos óbices previstos nas Súmulas 5 e 7 do Tribunal APELAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE ATO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL CC PEDIDO DE IN DENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MO RAIS IMPROCEDÊNCIA MANUTENÇÃO CES SÃO DE QUOTAS SOCIAIS AUSÊNCIA DE PRE VISÃO CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA POR PARTE DO SÓCIO CEDENTE DAS QUO TAS INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1147 DO CÓDIGO CIVIL QUE TRATA DO TRESPASSE DE 112 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 48 Abstenção de prática de concorrencial desleal em atividade empresarial Sócio retirante que constitui outra empresa no mesmo ramo de atividade e na mesma praça da sociedade da qual se retirou Ato de deslealdade configurado Implícita no contrato de cessão das cotas societárias a cláusula de não restabelecimento SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 2ª Câmara de Direito Privado Apelação Cível n 91427674020028260000 Relator Des José Roberto Bedran Data do Julgamento 18 maio 2002 49 Apelação cível Obrigação de não fazer Exsócio que restabeleceu no mercado com a mesma atividade econômica da sociedade comercial anterior Ausência de impedimento Não há convenção entre as partes que estabeleça a proibição do réu em ingressar no mercado com a mesma atividade que exercia quando sócio do apelante Não há caracterização de con corrência desleal A livre concorrência é um dos princípios que regem a atividade econômica SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo Apelação nº 91952541120078260000 8ª Câmara de Direito Privado Relator Des Ribeiro da Silva Data do Julgamento 14 dez 2011 ESTABELECIMENTO INTERPRETAÇÃO RESTRI TIVA PRECEDENTES SENTENÇA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO50 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PROPRIEDADE INDUSTRIAL DISSO LUÇÃO DA SOCIEDADE INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1147 DO CÓDIGO CIVIL NEGATI VA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO OCORRÊNCIA MATÉRIA QUE DEMANDA REE XAME DE FATOS PROVAS E CLÁUSULAS CON TRATUAIS SUMULAS 5 E 7 DO STJ AGRAVO IN TERNO NÃO PROVIDO51 O entendimento que vem prevalecendo é a nosso ver acerta do A especificidade das normas extraídas dos art 1147 do Código Civil e art 482 c da CLT não permitem o reconhecimento de um dever geral abstrato e genérico de não concorrência Dessa forma sem manifestação das partes nesse sentido a obrigação de não con corrência não pode ser automaticamente transferida de forma inte gral para outros tipos contratuais e atividades negociais que não o trespasse como por exemplo a cessão e venda de quotas ou ações ou até mesmo a incorporação de sociedades em especial diante da elevada complexidade desse tipo de operação Ainda que como defendido ao longo desse trabalho a valida de das cláusulas de não concorrência possa ser extraída diretamente de outros dispositivos inclusive de matriz constitucional o reconhe cimento de uma obrigação tão ampla violaria os mesmos valores que as cláusulas de não concorrência buscam concretizar notadamente a livre iniciativa econômica e a livre concorrência As amarras que se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 113 50 SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial Apelação Cível n 10209955520168260196 Relator Des Alexandre Lazzarini Data do Julga mento 15 jul 2020 51 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 4ª Turma Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1239219RS Relator Min Luis Felipe Salomão Data de Julgamento 08 mai 2018 riam geradas caso se instituísse uma obrigação dessa natureza seriam excessivas e impactariam negativamente na própria atividade nego cial Como indicado a norma extraída do art 1147 do Código Civil traz evidente carga restritiva de direitos de modo que deve ser inter pretada de forma estrita não podendo ser objeto de processo analó gico ou de interpretação extensiva52 Nesse sentido veja abaixo dou trina especializada no assunto O princípio geral de hermenêutica as leis que abrem exceção a regras gerais ou restringem di reitos só abrangem os casos que especificam corresponde à repulsa da analogia na aplicação dessas leis equivale à interpretação estrita dessas mesmas leis Embora não fosse expressamente consignado na Lei de Introdução do Código Civil tal princípio é reconhecido por nossa doutrina e jurisprudência inclusive pela do Supremo Tribunal53 Essa constatação não impede contudo que as disposições normativas que orientam a aplicação do art 1147 sejam utilizadas para balizar a interpretação de cláusulas de não concorrência cons tantes em outros tipos contratuais A título de exemplo caso um con trato de compra e venda de quotas sociais não contenha uma cláusula de não concorrência o comprador não poderá impor a vedação do art 1147 do Código Civil Por outro lado caso outro contrato dessa natureza preveja uma cláusula anticoncorrencial mas não estipule um prazo de vigência54 ou ainda estipule um prazo excessivo55 o 114 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 52 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil v 1 13ª ed São Paulo Atlas 2015 p 87 53 SILVEIRA Alípio Hermenêutica no direito brasileiro v 2 São Paulo Revista dos Tribunais 1968 p 435436 54 Nesse sentido v MINAS GERAIS Tribunal de Justiça de Minas Gerais 16ª Câmara Cível intérprete poderá fazer uso da analogia do prazo de cinco anos do art 1147 do Código Civil a fim de conservar a vontade das partes de sujeitar o devedor a uma obrigação de nãoconcorrer e ao mesmo tempo afastar eventual abusividade da disposição contratual A apli cação da norma legal nesse caso concretiza a autonomia das partes em instituir a obrigação de non compete A dúvida sobre a existência de um dever implícito de não con correr surge também no âmbito das sociedades limitadas Muito em bora tanto a conclusão quanto o seu fundamento sejam discutíveis há de se apontar que alguns autores defendem que a aplicação dos deveres de lealdade dependerá das características da sociedade e de seus sócios Isto é quanto mais forte for o caráter pessoal da socieda de centrada essencialmente na figura dos sócios e com uma estrutura enxuta tornase mais relevante admitir um dever implícito de não competir sob risco de violação à lealdade Em sociedades marcadas pela importância do capital e menos pessoais o reconhecimento de uma obrigação nesse sentido sem expressa previsão contratual seria mais remoto56 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 115 Apelação Cível nº 10024060443082002 04430829720068130024 Relator Des Wagner Wilson Data de Julgamento 20 mar 2013 no qual o prazo de 5 anos do art 1147 do Código Civil foi aplicado por analogia à hipótese de sócio retirante vinculado à cláusula de não con corrência sem limitação temporal previsto instrumento de alteração contratual 55 Nesse sentido v RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 6ª CC Apelação Civil nº 70036049377 Relator Des Artur Arnildo Ludwig Data de Julgamento 08 nov 2012 vm no qual a cláusula de não concorrência não respeitou os limites temporal espacial e material mas ela não foi declarada nula O tribunal reconheceu a abusividade parcial da cláusula e ela foi readequada 56 Por um lado silentes os contratos sociais o aplicador do direito deverá se debruçar nas características específicas da sociedade sob estudo No caso dessa sociedade limitada constituir uma sociedade de pessoas com características pessoais entendemos que o dever de não competir seria implícito a essa sociedade somente podendo ser violado mediante autorização expressa dos demais sócios Por outro tratandose de uma sociedade eminentemente de capi tal tal obrigação não poderia ser presumida devendo constar no contrato social e nos docu mentos societários a expressa vedação ao dever de não competir Assim invertese a presunção aos olhos da lei NASCIMENTO Bruno Maglione ARAÚJO Caio Vasconcelos IDEHARA Cris tiana e LONGA Daniel Pinheiro Do dever de não competir dos sócios de uma sociedade Finalmente há ainda um último comentário relevante A ine xistência de um dever implícito de não concorrência não autoriza que as partes atuem em desacordo com as normas de boafé que orientam as relações contratuais e a prática negocial Dentre as três funções amplamente atribuídas à boafé objetiva57 ganha relevância para o presente estudo aquela que impõe o respeito a deveres anexos à prestação principal especialmente o dever de lealdade Em rigor da mesma forma que os corolários da boafé objeti va devem orientar a interpretação da cláusula de não concorrência direcionando seu escopo de incidência tampouco a inexistência de compromisso desse tipo permite às partes agir de modo desleal para propositadamente captar a clientela alheia com base em iniciativas ilícitas valendose por exemplo de informações exclusivas a que se teve acesso em razão da relação prévia com o agora concorrente como base de clientes ou outras informações negociais sensíveis ou do uso estabelecimento ou nome empresarial similares5859 116 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 limitada Revista de Direito Privado v 982019 p 109125 marabr 2019 57 Confirase para todos a lição de Anderson Schreiber Do ponto de vista dogmático tem se por toda parte atribuído à boafé objetiva uma tríplice função no sistema jurídico a saber a a função de cânone interpretativo dos negócios jurídicos b função restritiva do exercício de direitos e c função criadora de deveres anexos à prestação principal SCHREIBER An derson Manual de Direito Civil Contemporâneo São Paulo Saraiva Educação 2018 p 404 58 Quanto a esse último aspecto o risco de confusão do público é inclusive um dos elementos determinantes que orientam o Instituto Nacional da Propriedade Industrial a permitir ou não o registro de marcas Confirase o item 511 de seu Manual A análise da possibilidade de colidência entre os sinais em cotejo compreende a avaliação de seus aspectos gráfico fonético e ideológico com o objetivo de verificar se as semelhanças existentes geram risco de confusão ou associação indevida Tratase portanto de etapa essencial do exame do requisito da dispo nibilidade juntamente com a análise da afinidade mercadológica abordada no item 5112 Exame da afinidade mercadológica 59 O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que duas marcas que trans mitem a mesma ideia não podem conviver sob risco de causar confusão ao público RECURSO ESPECIAL PROPRIEDADE INTELECTUAL DIREITO MARCÁRIO AÇÃO DE NULIDADE SI NAIS EVOCATIVOS REGISTRABILIDADE SUFICIENTE DISTINTIVIDADE IMITAÇÃO IDEO LÓGICA OFENSA AO ART 124 XIX DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL 4 A Lei 927996 contém previsão específica que impede o registro de marca quando se constar a Esses deveres anexos se perpetuam mesmo após a extinção do contrato e o encerramento de sua eficácia imediata Nas palavras de Adriano Ferriani e Giovanni Ettore Nanni a cláusula de não con corrência deve ser interpretada na dinâmica de uma obrigação como um processo encerrando eficácia póscontratual60 A incidência da boafé na criação de deveres de lealdade que limitem a concorrência entre as partes deve dialogar intimamente com a natureza do contrato e das partes envolvidas na relação con tratual Isso porque a boafé objetiva não incide de maneira idêntica para todo vínculo contratual O standard de comportamento a ser exigido das partes varia de acordo com a espécie de contrato e as características das partes especialmente se o vínculo é paritário ou assimétrico61 Nesse contexto a verificação de assimetria ou hipossu ficiência de uma das partes influenciará sensivelmente no reconheci mento do dever de lealdade e na sua extensão bem como na inter pretação das demais disposições do contrato especialmente aquelas que tragam restrição de direitos ao polo mais vulnerável da relação Essa preocupação ganha ainda maior relevância caso se esteja diante de contrato de adesão para os quais os arts 42362 e 42463 do Código RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 117 ocorrência de reprodução ou imitação no todo ou em parte ainda que com acréscimo de marca alheia registrada para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico semelhante ou afim suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia art 124 XIX 5 A imitação ideológica ocorre quando uma marca reproduz a mesma ideia transmitida por outra anteriormente registrada e inserida no mesmo segmento mercadológico levando o público consumidor à confusão ou à associação indevida 7 Vale consignar que para a tutela da marca basta a possibilidade de confusão não se exigindo prova de efetivo engano por parte de clientes ou consumidores específicos Precedentes 10 RECURSO ESPECIAL PROVIDO BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial nº 1721697RJ Relatora Minª Nancy Andrighi Julgado em 22 mar 2018 60 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 22 61 Cada relação obrigacional exige um juízo de valor extraído do ambiente social conside rados o momento e o lugar em que se realiza mas esse juízo não é subjetivo no sentido de irradiarse das convicções morais do intérprete Seu sentido deve ser buscado nos parâmetros de lealdade e confiança mútuas próprios de cada tipo de relação jurídicas guardadas as suas especificidades SCHREIBER Anderson Op Cit p 406 Civil estabelecem regras rígidas de proteção ao aderente Mais uma vez nas lições de Eduardo Takemi e Wallace Corbo É certo que a verificação na prática de hipossu ficiência técnica de um dos contratantes de lesão ou em última análise de adesividade contra tual podem ensejar um quadro diverso em que a interpretação do contrato deverá ser favorável à parte mais frágil implicando o reconhecimento do dever de nãoconcorrer64 A nosso ver essa linha de entendimento ao atribuir especial destaque à natureza do contrato e à posição das partes inclusive re força a conclusão pela impossibilidade de aplicação analógica do art 1147 do Código Civil à alienação de participação societária Em re gra esse tipo de operação é marcada por densas discussões sobre os efeitos da saída do sócio e como regra contam com participação de advogados ou assessoria jurídica direta a todos os envolvidos Nesse contexto diante da não previsão de cláusula de não concorrência podese assumir que o reconhecimento de um dever dessa espécie representaria intervenção excessiva e despropositada na autonomia privada sem que haja justificativa jurídica para tanto65 Concluise em suma pela inexistência de um dever abstrato de não concorrência e pela impossibilidade de aplicação analógica 118 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 62 Art 423 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias de verseá adotar a interpretação mais favorável ao aderente 63 Art 424 Nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia anteci pada do aderente a direito resultante da natureza do negócio 64 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 65 Esse é o entendimento de Eduardo Takemi e Wallace Corbo Mas em se tratando de rela ções levadas à efeito sic no âmbito empresarial a generalização deste posicionamento con duziria a um indevido paternalismo contratual que não se confunde por certo com a aplica ção de princípios constitucionais e legais como a boafé e a função social dos contratos e da empresa KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 do art 1147 a espécies contratuais e a operações negociais inclusive a alienação de participação societária Essa constatação não impede contudo que se reconheça a antijuridicidade da postura de determi nada parte em atuando contrariamente aos deveres de lealdade ane xos à boafé objetiva se valer de iniciativas ilícitas para desviar clien tela e fazer concorrência desleal conduta essa que deve ser sempre interpretada à luz das características concretas daquela relação con tratual específica Conclusão É impossível ignorar a relevância e o destaque que vêm sendo atribuídos às cláusulas de non compete na prática negocial e na ativi dade empresarial contemporâneas Como não poderia deixar de ser o ordenamento jurídico nacional atento a essa nova realidade fática reconhece a licitude desse tipo de compromisso tão comum em di versas relações empresariais e trabalhistas Simplesmente não há mais espaço para que se defenda a antijuricidade das cláusulas de non compete entendimento que se revelaria descolado da realidade nego cial da principiologia constitucional e do caminho que vem sendo trilhado pelos ordenamentos de diversos outros países de tradição si milar à brasileira Tampouco se pode admitir cláusulas de não concorrência de masiadamente amplas que acabem por restringir definitivamente o exercício da atividade empresarial ou laboral em violação direta à livre iniciativa econômica à livre concorrência e ao direito ao traba lho Justamente por isso doutrina jurisprudência e também o CADE têm atuado ativamente na fixação de balizas normativas que limitem a incidência desse tipo de compromisso as quais se revelam funda mentais à manutenção da sua validade Buscouse nesse trabalho desenvolver e explicar cada uma dessas limitações com a indicação dos fundamentos que justificam sua exigência e dos posicionamentos jurídicos que reconhecem em RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 119 maior ou menor medida a sua incidência Os três requisitos de vali dade mais tradicionais a saber as limitações i temporal ii terri torial e iii material são pacificamente reconhecidos pela doutrina e aplicados de maneira unânime pela jurisprudência e pelo CADE As exigências mais controversas por sua vez são aquelas re lacionadas iv à necessidade de contraprestação v à acessoriedade e vi ao legítimo interesse Para a primeira limitação importa ressal tar que a contraprestação não pode ser lida de maneira rasa associa da exclusivamente a uma remuneração pela abstenção em concorrer Deve ao revés ser interpretada como a necessidade de que o com promisso de não concorrência possua inerente caráter bilateral insti tuindo benefícios contraprestações também em favor do devedor da obrigação de não fazer inclusive de modo indireto A acessorieda de por sua vez impõe que a cláusula de non compete não seja com promisso alheio a outras disposições com a única finalidade de invia bilizar a atividade negocial Isso não significa dizer contudo que não possa existir um contrato cuja prestação principal seja aquela de não concorrência mas tão somente o reconhecimento de que o propósito final da obrigação é a proteção do fundo de comércio e da atividade empresarial motivo pelo qual não pode se tornar um fim em si mes mo instituído com a única finalidade de prejudicar aquele que se submete aos seus efeitos Finalmente a nosso ver o legítimo interes se não representa requisito de validade efetivamente autônomo mas em diálogo com as demais limitações mera exigência de que a insti tuição da cláusula de não concorrência respeite a função que o orde namento jurídico lhe atribui para mediante a incidência dos demais requisitos de validade não represente uma restrição excessiva da ati vidade empresarial Cumpre ressaltar ainda que todos esses requisitos de valida de devem ser lidos à luz das particularidades do caso concreto nota damente da natureza da atividade em questão e da relação existente entre as partes comportando eventuais mas necessárias relativiza ções seja para que as limitações incidam de forma mais incisiva ou para que sejam flexibilizadas 120 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Defendeuse por fim a inexistência de um dever geral de não concorrência no ordenamento jurídico nacional A opção do legisla dor em instituir uma obrigação dessa natureza exclusivamente para o contrato de trespasse no art 1147 parece corroborar essa constata ção A impossibilidade de aplicação extensiva do dispositivo legal em caso de omissão contratual decorre da axiologia constitucional cate górica em defender a livre concorrência e a livre iniciativa econômi ca e da impossibilidade de que seja atribuída interpretação extensiva a disposições legais que restringem direitos Essa afirmativa não significa no entanto que as partes de de terminada relação não possam ser responsabilizadas em caso de vio lação dos deveres de lealdade anexos à boafé objetiva que impe dem a prática de atos ilícitos com vistas à obtenção indevida de clien tela e ao esvaziamento do fundo de comércio de concorrentes e prin cipalmente antigos parceiros comerciais ou empregadores Também para essa análise ganham especial relevância as particularidades da relação e da atividade desenvolvida bem como as próprias caracte rísticas das partes notadamente se existe ou não assimetria e hipos suficiência Os pontos sobre os quais se buscou discorrer ao longo desse trabalho estão longe de ser irrelevantes Em um contexto global mar cado pelo dinamismo da atividade econômica e por uma concorrên cia cada vez mais agressiva a atenção às balizas normativas que orientam os compromissos anticoncorrenciais é preocupação que deve estar no cerne de toda e qualquer atividade empresarial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 121 THE KEY A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXCLUSÃO EXTRAJUDICIAL DE SÓCIOS EM SOCIEDADES LIMITADAS COM APENAS DOIS SÓCIOS1 THE UNCONSTITUTINALITY OF EXTRAJUDICIAL SHAREHOLDER EXCLUSION IN LIMITED LIABILITY COMPANIES WITH ONLY TWO SHAREHOLDERS Pedro Henrique Carvalho da Costa Resumo O artigo tem como objetivo analisar a mudança legis lativa promovida no parágrafo único do artigo 1085 do Código Civil pela Lei nº 137292019 que permitiu a exclusão extrajudicial de só cio minoritário em sociedades limitadas com apenas dois sócios Far seá uma análise do instituto da exclusão extrajudicial como cláusula opcional de contratos sociais que permitem a sócios majoritários ex cluírem minoritários em sociedades limitadas quando estes estiverem praticando atos de inegável gravidade em face da sociedade desde que respeitados os quóruns necessários e a realização de uma reu nião ou assembleia prévia para isso na qual é assegurado ao sócio excludente o direito de defenderse das acusações Na sequência será analisada a temática da eficácia horizontal dos direitos funda mentais às relações interprivadas verificando a incidência direta dos preceitos constitucionais a relações que não somente as do Estado Serão tecidos comentários quanto à constitucionalização do direito privado especificamente referente ao direito empresarial com análi se de um julgado do Supremo Tribunal Federal no qual essa eficácia foi assegurada em um procedimento de exclusão extrajudicial de só RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 123 1 Artigo recebido em 21082021 e aceito em 11102021 Mestrando em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná UFPR Especialista em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR Pesquisador do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Professor da PósGraduação em Direito Empresarial Aplicado e Análise Econômica do Direito das Faculdades da Indústria FIEP Advogado Email pedrohcarvalhocostagmailcom cio A análise da Lei nº 137292019 e da alteração que promoveu levará à conclusão de sua inconstitucionalidade vez que tolheu os princípios da ampla defesa e do devido processo legal em sociedades limitadas com apenas dois sócios cuja eficácia é direta e prescinde de previsão contratual Por fim recomendase uma mudança legislativa no sentido de apenas permitir a exclusão em sociedades com dois sócios pela via judicial Palavraschave sociedade limitada com dois sócios Exclusão extrajudicial de sócios Eficácia direta dos direitos fundamentais Lei nº 137292019 Inconstitucionalidade Abstract The objective of this paper is to analyze the statutory change enacted on the sole paragraph of Article 1085 of the Civil Code by Federal Statute n 137292019 which permitted the extraju dicial exclusion of shareholders holding a minority of the equity on limited liability companies with only two shareholders First the ex trajudicial exclusion institute will be analyzed as an optional clause for articles of association which enable shareholders that hold a ma jority of the equity in a limited liability company exclude minority ones when these are practicing acts of undeniable severity against the company as long as the respective quorums are respected and a share holders meeting is held for such a decision in which the minority shareholder has the right to defend themselves from the accusations Following up the horizontal effectiveness of fundamental rights on private relations will be analyzed from which it will be concluded that such effectives does not apply only to the State and its relations Comments will be made about the constitutionalisation of private law specifically of commercial law with the analysis of a precedent from the Supreme Federal Tribunal in which such effectiveness was ensured in a procedure of extrajudicial exclusion of a shareholder The analysis of Federal Statute n 137292019 and the alterations it enacted leads to the conclusion of its unconstitutionality since it im paired the principles of audi alteram partem and due process of law in companies with only two shareholders principles whose effective ness is direct and waives contractual stipulation Finally a legislative change is recommended so that only judicial exclusion is possible in such companies 124 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Keywords Limited liability company with two shareholders Extrajudicial exclusion of shareholders Direct effectiveness of funda mental rights Federal Statute n 137292019 Unconstitutionality Sumário Introdução 1 A fundamentação da exclusão extrajudicial em sociedades limi tadas 2 A incidência de direitos fundamen tais nas relações societárias 3 A exclusão extrajudicial em sociedades limitadas com apenas dois sócios liberdade contratual x ampla defesa e devido processo legal Con clusão Introdução O presente artigo analisará a temática da exclusão extrajudi cial de sócios em sociedades limitadas instrumento que a sociedade pode dispor em seu contrato social para o encerramento de vínculos societários sem ter de se buscar o Poder Judiciário ou a arbitragem para tal tratando especificamente acerca do uso desse mecanismo em sociedades limitadas com apenas dois sócios Primeiramente o instituto da exclusão extrajudicial será anali sado verificando como ele é disposto no Código Civil destacando pontos positivos e negativos da regência legal O artigo do Código Civil que dispõe sobre essa matéria o 1085 deixa a cargo dos sócios uma regulamentação mais detalhada e a especificação de quais situa ções serão consideradas como justa causa para validar uma exclusão devendo sempre ser assegurado contudo o direito do sócio que se pretende excluir de defenderse das alegações em uma reunião de sócios Na sequência será introduzida a temática da eficácia horizon tal dos direitos fundamentais às relações particulares Para tal análise farseão comentários a respeito da constitucionalização do direito privado e de como os direitos fundamentais previstos constitucional RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 125 mente podem e devem ser aplicados às relações societárias inclusi ve se expondo o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema A temática da constitucionalidade da exclusão de sócios em sociedades com apenas dois sócios será então analisada Comentar seão as mudanças introduzidas no direito societário pela Lei nº 137292019 especificamente quanto à disciplina da exclusão extra judicial Perquirirseá se a mudança trazida que permite a exclusão de sócios em sociedades com apenas dois membros se realizar sem a necessidade de reunião para deliberação do tema não padece de in constitucionalidade Farseá uma análise dos direitos fundamentais envolvidos especialmente a liberdade contratual de um lado e a ampla defesa e o devido processo legal do outro para se chegar à conclusão da inconstitucionalidade da mudança legislativa Para se chegar às conclusões pretendidas utilizarseá do mé todo dedutivo com base na revisão bibliográfica de autores brasilei ros de direito societário e de outras áreas necessárias para a análise como o direito civil e o direito constitucional 1 A fundamentação da exclusão extrajudicial em sociedades li mitadas A sociedade limitada ao contrário de outros tipos societários como a sociedade anônima e a sociedade em nome coletivo surgiu por iniciativa parlamentar para oferecer a pequenos e médios empre sários uma estrutura jurídica que ao mesmo tempo outorgasse o be nefício da limitação de responsabilidade como nas companhias po rém sem a complexidade de constituição e manutenção destas tendo a simplicidade de constituição das sociedades contratuais2 126 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 MIRANDA Maria Bernadete Fundamentos jurídicos da exclusão extrajudicial de sócio na sociedade limitada Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais São Paulo vol 712016 janmar 2016 p 100 No Brasil a limitada foi introduzida no ordenamento jurídico por meio do Decreto 370819 sendo o quarto país no mundo a legis lar sobre essa matéria mesmo antes de países como Estados Unidos da América e França3 A principal característica desse tipo societário que se manteve com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas respectivas quotas e solidariamente até a integralização do capital social4 A sociedade limitada é considerada um modelo híbrido entre sociedades de capital e sociedades de pessoas apresentando caracte rísticas de ambas5 Similar às demais sociedades de pessoas ela é constituída por um contrato social e ao menos nas menores limita das a identidade pessoal dos sócios é relevante para o empreendi mento predominando o intuito personae Ao mesmo tempo a ma leabilidade de sua estrutura tornaa também apta para negócios de grande monta na qual será mais relevante os montes que os sócios investem na sociedade do que a relação entre si Uma forma de definir se uma sociedade limitada é de capital ou de pessoas é analisar os termos de seu contrato social no que se referem ao ingresso de novos sócios Quanto mais difícil for o ingres so de novos membros necessitando quóruns altos para que isso seja aprovado ela terá mais feições de uma sociedade de pessoas6 Conforme mencionado a limitada será constituída por um contrato social que deverá ser registrado na Junta Comercial da sede da sociedade O Código Civil traz o conteúdo mínimo que o contrato social deve ter em seu artigo 9977 Note que conforme o caput do RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 127 3 TOKARS Fábio Sociedades Limitadas São Paulo LTr 2007 p 28 4 GONÇALVES NETO Alfredo de Assis Direito de Empresa comentário aos artigos 966 a 1195 do Código Civil 6ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 p 366 5 Ibidem p 367 6 Idem 7 Artigo 997 do Código Civil A sociedade constituise mediante contrato escrito particular ou público que além de cláusulas estipuladas pelas partes mencionará I nome nacionali artigo esses são apenas seus elementos essenciais necessariamente presentes em todo ato constitutivo de sociedades contratuais com as devidas adaptações a cada um dos tipos societários bem como se se trata de sociedade unipessoal ou pluripessoal sendo lícito aos sócios preverem outras cláusulas que quiserem desde que não ex pressamente vedadas em lei Exemplos de cláusulas que podem ser incluídas no contrato social incluem cláusula compromissória de ar bitragem cláusulas relativas à transferência de quotas como tag along e drag along e uma cláusula autorizando a exclusão extrajudi cial de sócios Esta última está prevista no Código Civil em seu artigo 1085 Art 1085 Ressalvado o disposto no art 1030 quando a maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a conti nuidade da empresa em virtude de atos de ine gável gravidade poderá excluílos da sociedade mediante alteração do contrato social desde que prevista neste a exclusão por justa causa Esse dispositivo permite aos sócios que no momento de cons tituição da sociedade ou mediante posterior alteração do contrato so cial seja possível que um sócio praticando atos de inegável gravida de em face da sociedade seja excluído por justa causa sem a neces 128 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 dade estado civil profissão e residência dos sócios se pessoas naturais e a firma ou a deno minação nacionalidade e sede dos sócios se jurídicas II denominação objeto sede e prazo da sociedade III capital da sociedade expresso em moeda corrente podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária IV a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizála V as prestações a que se obriga o sócio cuja contribuição consista em serviços VI as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições VII a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas VIII se os sócios respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais Parágrafo único É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado contrário ao disposto no instrumento do contrato sidade de um processo judicial ou arbitral para tal conforme seria necessário caso seguido o rito do artigo 1030 do Código Civil8 Os atos que o sócio que se pretende excluir está praticando devem ser considerados pela maioria dos sócios como de máfé e desleais para com a sociedade colocando em risco a própria sobrevi vência da sociedade9 As ações praticadas pelo sócio em questão de vem ser imediatamente contra os interesses da sociedade e mediata mente contra os interesses dos sócios por afetar direitos como a ob tenção de lucros10 A expressão atos de inegável gravidade é propositalmente aberta permitindo que os sócios ao redigirem o contrato social de terminem situações que podem se enquadrar como justa causa para a exclusão extrajudicial A ausência de previsões expressas pode le var a questionamentos judiciais ou arbitrais acerca da existência ou não de justa causa para uma determinada exclusão Exclusões infun dadas ainda podem acarretar a responsabilização dos sócios majori tários11 Vale destacar que não há diferença semântica ou valorativa entre as expressões atos de inegável gravidade e falta grave am bas as expressões denotam o mesmo objetivo e os mesmos fatos12 A simples quebra da affectio societatis não é fundamento sufi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 129 8 Artigo 1030 do Código Civil Ressalvado o disposto no art 1004 e seu parágrafo único pode o sócio ser excluído judicialmente mediante iniciativa da maioria dos demais sócios por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou ainda por incapacidade superveniente 9 BERTOLDI Marcelo RIBEIRO Marcia Carla Pereira Curso Avançado de Direito Comercial 9ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 p 227 10 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Direito Comercial sociedades 3ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 142 11 BOITEUX Fernando Netto A exclusão indevida de sócios e suas consequências Legislação aplicável Revista dos Tribunais São Paulo v 841 nov 2005 p 153 12 ADAMEK Marcelo Vieira Von Anotações sobre a exclusão de sócios por falta grave no regime do Código Civil In LUPION Ricardo org Sociedades Limitadas estudos em come moração aos 100 anos Porto Alegre Editora Fi 2019 p 331 ciente para a exclusão de um sócio13 Podese argumentar que em virtude de atos praticados pelos sócios ela restaria rompida14 porém são os atos em si que constituem a justa causa Em outras palavras o rompimento da affectio é consequência não fundamento para a ex clusão15 A exclusão de forma extrajudicial é mecanismo que tem como objetivo assegurar a preservação da empresa16 princípio fundamen tal do direito societário permitindo que a sociedade prossiga sua existência sem o sócio que esteja causando problemas de forma céle re e eficiente Considerando a gravidade da medida ela deve ser a última opção dos sócios somente se justificando quando os atos pra ticados pelo sócio realmente forem intoleráveis no âmbito societário e não houver outra medida para remediar a situação17 Por muito a doutrina debateu acerca de qual seria a natureza jurídica da exclusão de sócios Dentre as teorias que tomaram desta que incluise a de a exclusão ser fundada na finalidade pública do instituto tendo caráter penal o exercício de um direito de poder dis ciplinar de forma similar ao poder disposto pela Administração Pú blica a natureza contratual do instituto tendo como causa o inadim 130 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 Esse entendimento apesar de controverso nos tribunais estaduais foi consolidado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que aprovou o 67º enunciado com a seguinte redação a quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minori tário mas apenas para dissolução parcial da sociedade 14 Ressalvase o entendimento do autor sobre esse tema de que a affectio societatis é um conceito vago e impreciso no direito societário bem como que não se verificam maiores van tagens em sua manutenção no ordenamento jurídico especialmente pela jurisprudência e seu uso indevido Para mais informações ver FRANÇA Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França ADAMEK Marcelo Vieira Von Affectio societatis um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social Revista de Direito Mercantil São Paulo v 149150 p 108130 2009 15 TOKARS Fábio Op Cit p 364 16 MIRANDA Maria Bernadete Op Cit p 108 17 ADAMEK Marcelo Vieira Von Op Cit p 332 plemento por parte de um sócio o que legitimaria sua exclusão Esta última teoria é a mais aceita pela doutrina atualmente18 Não se trata de um poder absoluto de sócios majoritários de terminarem a exclusão dos minoritários O parágrafo único do artigo 1085 estabelece a necessidade de uma deliberação social para que a exclusão seja consolidada Parágrafo único Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa Redação dada pela Lei nº 13792 de 2019 Portanto o procedimento a ser seguido pela sociedade é a maioria dos sócios representando mais da metade do capital social deve convocar uma assembleia ou reunião para se deliberar acerca da exclusão de um sócio minoritário Nesse conclave o sócio que se pretende excluir terá direito de defesa podendo arguir em face dos demais sócios as razões para sua permanência na sociedade Realiza da sua defesa e debatido o assunto entre os presentes os demais só cios decidirão acerca de sua exclusão ou não Ante ausência de quórum específico para essa deliberação autores tendem a considerar que o quórum aplicável é o da maioria absoluta do capital social19 Vale destacar que o sócio que se pretende excluir por força do parágrafo segundo do artigo 1074 do Código Civil20 não vota nesta deliberação por lhe dizer respeito diretamente RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 131 18 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Op Cit p 142145 19 Ibidem p 148 20 Artigo 1074 do Código Civil A assembléia dos sócios instalase com a presença em pri meira convocação de titulares de no mínimo três quartos do capital social e em segunda com portanto o quórum deve ser computado sem sua participação porém sua participação deve ser computada para o quórum da instalação da deliberação Alfredo de Assis Gonçalves Neto nota uma incongruência no Código Civil vez que o quórum para a destituição de sócio da admi nistração da sociedade é de 23 do capital social ao passo que para a exclusão de sócios algo mais grave o quórum seria menor21 Uma possível solução para a questão do quórum é sua inter pretação como um quórum complexo que exige não apenas a maio ria do capital social mas também que essa maior seja expressa pela maioria dos sócios contados por cabeça Essa solução é defendida por Marcelo Adamek e Luis Felipe Spinelli que propõem uma leitura atenta do caput do artigo 1085 quando a maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social que foi re digido de forma diferente das demais previsões de quóruns societá rios22 Essa solução parece ser a mais adequada respeitando a reda ção do artigo e a excepcionalidade da medida que deve exigir um quórum maior do que apenas maioria absoluta do capital social A necessidade de realização de assembleia ou reunião para se determinar a exclusão de sócios merece destaque Apesar de ser uma medida que em teoria assegura ao sócio que se pretende excluir o direito de ampla defesa e a possibilidade de convencer os demais só cios da necessidade de sua permanência em realidade o sócio se de fenderá em face daqueles que em sua maioria almejam sua exclu são sendo um procedimento muitas vezes estritamente formal com poucas chances de sucesso23 132 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 qualquer número 2º Nenhum sócio por si ou na condição de mandatário pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente 21 GONÇALVES NETO Alfredo de Assis Op Cit p 473 22 SPINELLI Luis Felipe Exclusão de sócio por falta grave na sociedade limitada São Paulo Quartier Latin 2015 p 360 23 LANA Henrique Avelino Recesso e exclusão de sócios em sociedades limitadas dissolução parcial Revista de Estudos Jurídicos UNA Belo Horizonte vol 5 2019 p 10 Isso fica evidente quando se considera que o quórum para se buscar a exclusão de um sócio é de mais da maioria dos sócios pos suidores de mais da metade do capital social Ou seja os sócios que pretendem excluir outro já possuem a maioria necessária para a ex clusão independentemente do posicionamento dos demais Não se pode deixar de considerar todavia a possibilidade de algum dos só cios mudar seu posicionamento após a reunião ou verificar que a saí da de outro sócio implicaria numa descapitalização significativa da sociedade algo que seria prejudicial para a preservação da empresa votando contra a exclusão por conta disso Em situações que o sócio excluído não concorde com a deli beração acreditando ter a exclusão sido efetivada de forma injusta e em desacordo com as previsões legais e contratuais é possível o questionamento do conclave perante um juiz ou árbitro haja vista a inafastabilidade do controle jurisdicional preceito de índole consti tucional que permite ao julgador averiguar se a situação efetiva mente se enquadrava como justa causa24 Na forma como está atualmente disposta no Código Civil con siderase que a exclusão extrajudicial realiza um papel importante para a preservação da harmonia da sociedade e ao mesmo tempo pode servir como palco para abusos de maioria 2 A incidência de direitos fundamentais nas relações societá rias A discussão pretendida neste artigo implica necessariamente numa introdução ao tema da eficácia dos direitos fundamentais em relações privadas O debate posto é de se os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal vinculam somente o Estado como forma de agir e de planejar suas políticas públicas ou se afetam dire tamente os particulares em suas relações descoladas com o Estado RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 133 24 ADAMEK Marcelo Vieira Von Op Cit p 351 Essa questão pode ser analisada sob o prisma mais amplo da constitucionalização do direito privado fenômeno que buscou colo car a constituição no centro do ordenamento jurídico não apenas num sentido hierárquico mas axiológico A ideia era romper com a dicotomia estrita entre Estado e sociedade figuras que somamse em direção à ética una que é a defesa material da dignidade da pessoa humana25 A eficácia dos direitos fundamentais aos particulares pode ocorrer de duas formas a primeira seria de forma indireta pela qual se argumenta que os direitos fundamentais devem ser levados em consideração quando da elaboração de leis que expressariam esses valores fundamentais porém sem haver uma aplicação direta dos preceitos constitucionais a segunda prega pela aplicação direta se gundo a qual os direitos fundamentais devem ser aplicados direta mente nas relações entre pessoas privadas26 Vale destacar contudo que os dois modelos não são mutuamente excludentes27 A doutrina da eficácia imediata encontrou grande recepção no Brasil sendo pouco contestada em trabalhos acadêmicos28 Na pró pria Constituição Federal é possível verificar a tendência por esta concepção o 1º do artigo 5º prevê de forma expressa que os direitos fundamentais não necessitam de intermédio legal sendo aplicáveis imediatamente29 134 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 25 PAULINI Umberto FACHIN Melina Girardi Problematizando a eficácia dos direitos funda mentais nas relações entre particulares ainda e sempre sobre a constitucionalização do direito civil In FACHIN Luiz Edson TEPEDINO Gustavo orgs Diálogos sobre Direito Civil Rio de Janeiro Renovar 2007 v 2 p 196 26 Ibidem p 203204 27 Ibidem p 204 28 RODRIGUES JR Otávio Luiz Direito Civil Contemporâneo estatuto epistemológico cons tituição e direitos fundamentais 2ª ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2019 p 295 29 Artigo 5º da Constituição Federal Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade Esse debate mantevese centrado de certa forma no direito civil cuja doutrina explorou de forma intensa as relações em suas normas e a Constituição O direito empresarial por sua vez manteve se distante do fenômeno30 Somente mais recentemente autores co mercialistas começaram a reconhecer a importância dos princípios constitucionais para sua disciplina reconhecendo também o isola mento que isso causou ao direito empresarial alheio a esta nova rea lidade31 A ordem econômica constitucional é estabelecida no artigo 170 da Constituição Federal32 que coloca a livreiniciativa como um de seus fundamentos observados os ditames da justiça social Não é possível assegurar a livreiniciativa empresarial portanto sem consi derar a coexistência desse princípio com os demais direitos funda mentais garantidos devendo os fins das sociedades empresariais irem ao encontro desses direitos33 Os princípios norteadores do Código Civil especificamente o da socialidade o da eticidade e da operabili dade devem ser observados nas relações econômicas empresariais34 No direito societário a quebra com a concepção estritamente privatista da disciplina implica no reconhecimento de interesses en RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 135 do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata 30 POZZO Emerson Luís Dal Paradigmas da função social da empresa em crise da função social à função socioeconômica Rio de Janeiro Lumen Juris 2020 p 148 31 COELHO Fábio Ulhoa O projeto do Novo Código Comercial Revista do Instituto dos Ad vogados de São Paulo São Paulo vol 292012 janjun 2012 p 202 32 Artigo 170 da Constituição Federal A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios 33 RIBEIRO Marcia Carla Pereira VIANNA Guilherme Borba Titularidade patrimonial na em presa frente à ordem civilconstitucional e o papel empresarial para a dignidade da pessoa humana primeiras anotações Scientia Iuris Londrina vol 12 2008 p 76 34 Ibidem p 77 volvidos que vão além dos interesses dos sócios para a formação do interesse social35 Quanto ao reconhecimento da incidência de direitos funda mentais nas relações societárias citase o Recurso Extraordinário n 15821536 julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 1996 Nele de batiase acerca da exclusão de um associado de uma cooperativa a qual havia sido realizada sem a observância do devido processo le gal O Ministro Marco Aurélio relator do caso entendeu que os prin cípios do devido processo legal e do contraditório deveriam ter sido observados pela cooperativa restando o julgado ementado da se guinte forma DEFESA DEVIDO PROCESSO LEGAL INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS EXAME LEGISLAÇÃO COMUM A intangibilida de do preceito constitucional assegurador do de vido processo legal direciona ao exame da legis lação comum Daí a insubsistência da óptica se gundo a qual a violência à Carta Política da Repú blica suficiente a ensejar o conhecimento de ex traordinário há de ser direta e frontal Caso a caso compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria distinguindo os re cursos protelatórios daqueles em que versada com procedência a transgressão a texto constitu cional muito embora tornese necessário até mesmo partirse do que previsto na legislação comum Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado 136 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 SALOMÃO FILHO Calixto O novo direito societário 2ª ed São Paulo Malheiros 2002 p 23 36 BRASIL Supremo Tribunal Federal Segunda Turma Recurso Extraordinário nº 158215 Re lator Ministro Marco Aurélio Data do Julgamento 30 abr 1996 Data de Publicação 07 jun 1996 Democrático de Direito o da legalidade e do de vido processo legal com a garantia da ampla de fesa sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais COOPERATIVA EX CLUSÃO DE ASSOCIADO CARÁTER PUNITIVO DEVIDO PROCESSO LEGAL Na hipótese de ex clusão de associado decorrente de conduta con trária aos estatutos impõese a observância ao devido processo legal viabilizado o exercício am plo da defesa Simples desafio do associado à as sembléia geral no que toca à exclusão não é de molde a atrair adoção de processo sumário Ob servância obrigatória do próprio estatuto da coo perativa grifos nossos Em seu voto o relator consignou que era obrigação da coope rativa assegurar o direito dos associados de defenderemse das alega ções restando ilegal e inconstitucional a exclusão sumária Esse jul gado foi posteriormente citado como precedente no Agravo Regi mental no Agravo de Instrumento n 346501 em 200437 que abordou situação similar Em outro caso semelhante no Recurso Extraordiná rio n 201819 em 2005 a incidência dos mesmos direitos fundamen tais foi reconhecida em uma associação sem fins lucrativos38 entida de não societária porém igualmente associativa O disposto no artigo 1085 do Código Civil em seu parágrafo único está em sintonia com a incidência de direitos fundamentais nas relações particulares não outorgando um direito potestativo dos só cios majoritários de excluírem sócios minoritários mas somente após RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 137 37 BRASIL Supremo Tribunal Federal Primeira Turma Agravo Regimental no Agravo de Ins trumento nº 346501 Relator Ministro Sepúlveda Pertence Data do Julgamento 16 dez 2004 Data de Publicação 25 fev 2005 38 BRASIL Supremo Tribunal Federal Segunda Turma Recurso Extraordinário nº 201819 Re latora Ministra Ellen Gracie Relator p Acórdão Ministro Gilmar Mendes Data do Julgamento 11 out 2005 Data de Publicação 27 out 2006 um procedimento interno no qual seja devidamente garantida a oportunidade do sócio se defender Caso um contrato social preveja um mecanismo distinto para a exclusão de sócios não apenas pade ceria de ilegalidade porém também de inconstitucionalidade 3 A exclusão extrajudicial em sociedades limitadas com apenas dois sócios liberdade contratual x ampla defesa e devido pro cesso legal Em 2019 foi promulgada a Lei n 137292019 que promoveu mudanças em alguns pontos da disciplina das sociedades limitadas no Código Civil A mais notável delas foi a alteração do parágrafo único do artigo 1085 criando uma ressalva para os casos de exclusão extrajudicial agora não é mais necessária a realização de uma reu nião para se excluir um sócio em sociedades limitadas que possuam somente dois sócios As reuniões para se deliberar sobre a exclusão de sócios con forme exposto muitas vezes se revestem de caráter estritamente for mal já tendo a maioria sido formada para a exclusão É possível igualmente a alteração do posicionamento de determinados sócios na deliberação a depender da habilidade do sócio se defender das acusações Em sociedades com apenas dois sócios o conclave era ainda mais proforma pois o majoritário já possui sua decisão acerca da ex clusão39 sendo pouco realista pensar que o minoritário o convence ria durante a reunião a não prosseguir com a exclusão sendo possí vel que ambos os sócios discutissem sua permanência a qualquer momento revelandose desnecessária a convocação de uma reunião específica para esse tema 138 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 39 COUTO FILHO Fábio Costa A minirreforma da sociedade limitada de janeiro de 2019 Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais São Paulo vol 862019 outdez 2019 p 129 Essa mudança pode servir de palco para abusos de maioria na qual o sócio majoritário por simples desentendimento com o só cio minoritário decide alterar o contrato social de forma unilateral promovendo sua exclusão do quadro societário havendo ou não jus ta causa O sócio majoritário estaria utilizando o instituto da exclusão extrajudicial para seu próprio interesse a despeito do que pode ser mais interessante para a sociedade Após a exclusão o sócio excluído terá direito a receber o va lor patrimonial de sua quota em caso o contrato social não preveja prazo distinto noventa dias A depender da participação do sócio ex cluído na sociedade isso pode implicar numa descapitalização consi derável da sociedade40 Considerese a seguinte situação uma sociedade A na qual há somente dois sócios um com participação societária de 60 e o outro com os 40 restantes Ambos acabam tendo um desentendimento por razões alheias à sociedade mas que impedem o prosseguimento de sua relação O sócio majoritário em um ímpeto movido por seu descontentamento registra uma alteração do contrato social da socie dade A na qual excluí o socio minoritário sem seu conhecimento Situações como essa não são difíceis de imaginar na prática empresarial em que o sócio majoritário não levou em conta que o minoritário tem direito aos seus 40 da sociedade como haveres os quais devem ser devidamente pagos Muito provavelmente o sócio majoritário não levou em consideração a necessidade de pagamento de haveres elevados quando do registro da minuta Caso o sócio minoritário queira anular esse registro será ne cessário o ingresso de uma demanda no Poder Judiciário ou em arbi tragem visando ou seu reingresso na sociedade ou a responsabiliza ção do sócio majoritário por perdas e danos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 139 40 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Op Cit p 154 Outra situação que pode ser verificada é na ocorrência de fal tas graves por ambos os sócios Luis Felipe Spinelli comenta que não seria possível a exclusão de somente um deles nesse caso por violar o princípio da igualdade de tratamento sendo mais adequada a dis solução total da sociedade caso se verifique que ela não pode preen cher seu fim social41 Com a nova possibilidade do Código Civil é possível que em uma situação similar a despeito de também estar cometendo faltas graves perante a sociedade o sócio majoritário exclua o minoritário e se mantenha sócio possivelmente continuando com o cometimento de atos de inegável gravidade perante a sociedade Verificase com esses exemplos a ineficiência dessa alteração legislativa Se a tentativa era evitar que sócios ingressassem em juízo prestigiando a célere exclusão extrajudicial o que se terá na prática é um possível aumento de demandas que tentem reverter essas modificações societárias Medida mais adequada teria sido uma alteração legislativa para prever que em sociedades com somente dois sócios a exclusão somente pode ocorrer conforme o artigo 1030 do Código Civil que dispõe sobre a exclusão judicial Essa seria a única forma de assegu rar ao sócio minoritário o direito de defenderse das acusações do sócio majoritário levando os argumentos de ambas as partes a um juiz ou árbitro Essa foi a escolha realizada pelo direito italiano pelo qual a exclusão em sociedades de pessoas de dois membros sempre será realizada de forma judicial Em Portugal isso também é regra para as sociedades em nome coletivo havendo controvérsia doutrinária a respeito da possibilidade de se operar a exclusão pela modalidade extrajudicial em sociedades por quotas42 140 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 41 SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 248 42 Ibidem p 242243 O sistema do Código Civil de exclusão extrajudicial antes da alteração foi elaborado justamente para assegurar o direito de ampla defesa como expressão dos direitos fundamentais nas relações priva das4344 A nova redação do parágrafo único do artigo 1085 essencial mente cria um direito potestativo do sócio majoritário de excluir o minoritário vez que será ele que afirmará a ocorrência de justa causa existente ou não na realidade o que parece ir de encontro ao preten dido pelo Código Civil Poderseia argumentar que há outro direito fundamental em tela que justificaria exclusões nessas situações que é a liberdade contratual Esta representa o poder que as partes têm de livremente dispor sobre as cláusulas de seus contratos45 O sócio minoritário ao ingressar na sociedade concordou com a redação do contrato social inclusive com esta cláusula Ainda haveria uma renúncia tácita ao direito de ampla defesa algo que seria permitido por se tratar de relações privadas e de direitos disponíveis Essa argumentação foi reforçada com a Lei n 138742019 a Lei de Liberdade Econômica que positivou46 o chamado princípio da intervenção mínima nas relações contratuais privadas47 indicando RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 141 43 GONÇALVES Ewerton Meirelis Direitos e garantias fundamentais no direito societário Dissertação Mestrado em Direito Universidade Estadual Paulista 2013 p 87 44 Em sentido contrário entendendo que o direito de defesa do sócio excluendo se resume ao direito de ser ouvido pelos demais não se confundindo com o devido processo legal e defendendo a inaplicabilidade desse princípio nas exclusões extrajudiciais ver SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 349351 45 NALIN Paulo A função social do contrato no futuro Código Civil brasileiro Revista de Direito Privado São Paulo v 12 outdez 2002 p 54 46 Artigo 421 do Código Civil A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato Redação dada pela Lei nº 13874 de 2019 Parágrafo único Nas relações contra tuais privadas prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual Incluído pela Lei nº 13874 de 2019 47 Alinhase com o entendimento de críticos da Lei de Liberdade Econômica quanto a esse ponto no sentido de ser um princípio desprovido de real conteúdo jurídico e sem previsão a rigor no ordenamento jurídico sendo que a intervenção nas relações privadas sempre foi uma tentativa de fortalecimento dos direitos advindos da liberdade econômica inclusive a contratual Retomase a argumentação com base na incidência direta dos direitos fundamentais nas relações privadas Os direitos de ampla de fesa e do devido processo legal não necessitam de expressa previsão no contrato social para que sejam efetivados e exigidos na prática Além de previsão legal eles são assegurados constitucionalmente48 o que implica em sua observância em todas as relações societárias Mesmo que a previsão constitucional seja a processos judiciais e administrativos o devido processo legal deve ser observado sem pre que houver situações jurídicas com desequilíbrio de poder como forma de evitar abusos e arbitrariedades daqueles que dispõem do poder com fundamento não somente neste princípio mas também nos da igualdade substancial da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social49 A interpretação sistemática é tão fundamental que já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em diversos momentos conforme os julgados citados previamente A garantia do devido processo legal em entidades privadas não necessita de estruturas complexas sendo assegurada em atos simples que assegurem a dignidade de seus membros Qualquer san ção imposta a um membro de uma sociedade sem que lhe seja garan 142 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 medida excepcional cf TEPEDINO Gustavo CAVALCANTI Lais Notas sobre as alterações promovidas pela Lei nº 138742019 nos artigos 50 113 e 421 do Código Civil In SALOMÃO Luis Felipe CUEVA Ricardo Villas Bôas FRAZÃO Ana Coords Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p 505 48 Artigo 5º da Constituição Federal Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal LV aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes 49 BRAGA Paula Sarno Aplicação do devido processo legal a processos particulares proces sos punitivos de sócios associados e condôminos Revista de Processo São Paulo v 161 jul 2008 p 303304 tido o direito de ser ouvido previamente pode inclusive tolher a le gitimidade da deliberação50 Há nessa situação um conflito entre os princípios constitucio nais analisados de um lado a liberdade contratual do outro o devi do processo legal e a ampla defesa Princípios por sua vez devem ser entendidos no sentido que Robert Alexy forneceu como manda mentos de otimização que podem ser cumpridos em graus distintos em relações jurídicas distintas A aplicação de um princípio em um determinado caso em detrimento de outros não invalida estes que continuarão válidos no ordenamento jurídico51 Afirmar que a ampla defesa e o devido processo legal devem prevalecer no conflito discutido não significa reduzir a importância da liberdade contratual mas apenas que nessa situação analisada em específico aqueles princípios devem prevalecer por conta da carga de valores que carregam os quais são muito sensíveis ao ordenamen to jurídico para serem eivados de forma leviana Teria agido melhor o legislador caso tivesse restringido a ex clusão de sócios em sociedades com apenas dois sócios à forma judi cial exclusivamente52 evitando o potencial desequilíbrio de poderes que serão ocasionados com a mudança legislativa Esperase que a jurisprudência pátria siga o caminho dos julgados do Supremo Tribu nal Federal analisados relativizando a modificação realizada e garan tindo os direitos fundamentais dos sócios envolvidos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 143 50 ANDRADE Cássio Calvacante O princípio do devido processo legal histórico dimensões e eficácia horizontal Revista dos Tribunais São Paulo v 948 out 2014 p 93 51 BUSTAMANTE Thomas Princípios regras e conflitos normativos uma nota sobre a supe rabildiade das regras jurídicas e as decisões contra legem Direito Estado e Sociedade Rio de Janeiro n 37 p 152180 2020 p 154 52 Mesmo discordando acerca da incidência do princípio da ampla defesa nas exclusões ex trajudiciais Luis Felipe Spinelli também defende que a exclusão em sociedades com apenas dois sócios somente deveria ocorrer de forma judicial cf SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 242 Conclusão Neste artigo foi possível realizar um estudo acerca da exclu são extrajudicial de sócios em sociedades limitadas em particular considerando recentes alterações ao Código Civil problematizando a questão da exclusão em sociedades com apenas dois sócios A exclusão extrajudicial é prevista no artigo 1085 do Código Civil como mecanismo de manutenção da harmonia das relações in ternas da sociedade permitindo que sócios representantes da maioria tanto em número de sócios quanto do capital social excluam sócios que estejam praticando atos em prejuízo da sociedade pondo em ris co sua continuidade É necessário que o contrato social preveja ex pressamente a possibilidade de exclusão pela via extrajudicial asse gurando o direito de defesa do sócio que se pretende excluir A garantia do direito de defesa do sócio é assegurada não so mente pelo disposto no Código Civil mas também por força da inci dência de direitos fundamentais nas relações privadas Fato este asse gurado pela Constituição Federal a temática inserese no debate maior sobre a constitucionalização do direito privado impondo a ob servância dos preceitos constitucionais nas relações com maior inde pendência do Estado Mesmo no direito empresarial que sentiu esse fenômeno em menor intensidade do que o direito civil é necessário observar os princípios constitucionais quando do estudo e aplicação de suas nor mas O Supremo Tribunal Federal já decidiu inclusive pela incidên cia de normas constitucionais em casos de exclusões de sócios em aplicação direta da Constituição Federal A mudança do parágrafo único do artigo 1085 do Código Ci vil promovida pela Lei nº 137292019 ao eliminar a necessidade de realização de assembleias para a exclusão de sócios em sociedades limitadas com somente dois sócios apesar de ser algo que era reali zado somente por formalidade vai de encontro ao que a Constituição Federal e o próprio Código Civil preconizam Não era intenção do 144 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 legislador criar um direito potestativo do sócio majoritário excluir o minoritário que é essencialmente o que está previsto atualmente já que sempre caberá àquele a decisão de excluir este havendo ou não justa causa na realidade algo que pode levar a um aumento em de mandas judiciais e arbitrais sobre exclusão de sócios ao contrário do que parece ter sido a intenção da modificação realizada Os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal devem ser observados nas relações entre privados não somente pelo dispos to no artigo 5º da Constituição Federal mas também como expressão dos objetivos maiores da Constituição que são uma valorização dos princípios da igualdade substancial e da solidariedade Uma mudança legislativa mais favorável teria sido impedir a possibilidade de exclu são extrajudicial nestas sociedades somente autorizando a exclusão pela via judicial na qual efetivamente se verificaria o direito à defesa do sócio minoritário Enquanto não for verificada uma nova mudança legislativa esperase que a jurisprudência aja de forma a evitar possí veis abusos que podem ser realizados por conta da mudança RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 145 IN THE TOMB OF THE RURAL GODS A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PLATAFORMAS DE CROWDFUNDING DE RECOMPENSA E DE PRÉVENDA PELA FRAUDE POR TERCEIROS FINANCIADOS1 CIVIL LIABILITY OF PRESALE AND REWARD CROWDFUNDING PLATFORMS IN THE EVENT OF FRAUD BY THE FINANCED THIRDPARTY Henrique Cunha Souza Lima Resumo As plataformas de crowdfunding revolucionaram as formas tradicionais de financiamento privado permitindo uma apro ximação entre investidores e projetos inovadores Contudo na medi da em que recente o fenômeno ainda carece de regulação mais abrangente ensejando múltiplas controvérsias O objetivo da pre sente pesquisa é detalhar um dentre os diversos aspectos polêmi cos que a temática suscita em que medida as plataformas de crowd funding nas modalidades de prévenda e de recompensa po dem ser responsabilizadas pela eventual fraude praticada por aque les que recebem o investimento e se essa responsabilidade é objetiva ou subjetiva Palavraschave Crowdfunding Plataformas Prévenda Re compensa Responsabilidade Civil Abstract Crowdfunding platforms have diversified the possi bilities for privatly financing innovative projects but the regulation on the matter is still incipient and gives rise to a series of controversies RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 147 1 Artigo recebido em 07082021 e aceito em 20092021 Professor de PósGraduação em Direito e Tecnologia nas instituições Pontifícia Católica de Minas Gerais PUCMinas e SKEMA Business School Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG PósGraduado em Direito Processual Civil Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG com formação complementar pela University of Leeds Inglaterra cursando módulos da graduação e do LLM Advogado Email henriquesouzalimagmailcom The objective of the present study is to analyse one specific debated aspect of crowdfunding regulation the civil liability regime for pre sale and reward crowdfunding platforms in the event of fraud by the financed party and whether such liability is objective or subjec tive according to the Brazilian legal system Keywords Crowdfunding Platforms Presale Reward Civil Liability Sumário Introdução 1 O Crowdfunding 11 Breve Notícia Histórica 12 Crowdfund ing entre o Conceito e suas Formas 2 As Relações Jurídicas no Crowdfunding 21 As Plataformas de Crowdfunding na Modalida de Recompensa 22 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade PréVenda 3 A Responsabilidade Civil e a Internet 31 A Responsabilidade Civil de Provedores de Serviços na Internet 32 A Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico 4 A Responsa bilidade Civil das Plataformas de Crowd funding Conclusões Introdução A velocidade com que novas tecnologias são desenvolvidas faz com que o operador do direito enfrente inúmeros obstáculos em sua compreensão e regulação Não por outro motivo já se defendeu a des necessidade do estudo do direito cibernético2 Entretanto a intensi dade com que a internet altera a dinâmica das relações sociais e jurí dicas hodiernas impede que essa nova realidade seja negligenciada 148 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 A few years ago at a conference on the Law of the Cyberspace held at the University of Chicago in a room packed with cyberlaw devotees and worse Judge Frank Easterbrook told the assembled listeners that tehre was no more a law of cyberspace than there wae a law of the horse LESSIG Lawrence The Law of the Horse What Cyberlaw Might Teach Harvard Law Review Cambridge Harvard University Press v 113 n 01 p 501546 Apr 1999 p 02 Nesse sentido o estudo do chamado crowdfunding mostrase essencial seja porque a doutrina nacional a seu respeito ainda é inci piente seja pela evidência de que não obstante sua recente criação o modelo já movimenta bilhões de dólares anualmente apenas em 2015 estimase que aproximadamente U 34 bilhões foram levanta dos por meio do crowdfunding3 Naturalmente não é o objetivo deste trabalho abordar o papel do direito na interface com novas tecnologias em geral diante da complexidade do tema e dos múltiplos enfoques possíveis Tampou co irá se debater todos os aspectos e controvérsias relacionadas ao fenômeno do crowdfunding como o enquadramento dos produtos do crowdfunding como valor mobiliário4 Buscase aqui abordar a responsabilidade jurídica das plataformas de captação de recursos nas modalidades de recompensa e de prévenda por atos ou omissões fraudulentas de terceiros que tenham recebido investimento por meio delas evidenciando se essa responsabilidade é objetiva ou subjetiva Diante do crescente volume de investimentos realizados por meio dessas plataformas a análise de sua responsabilidade mostrase curial e o direito brasileiro ainda não oferece respostas claras quanto a que tipo de proteção os investidores fazem jus em caso de fraude nos projetos investidos A estrutura da pesquisa foi organizada em 04 quatro capítu los RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 149 3 Estatísticas disponíveis em CROWDEXPERT Crowdfunding Industry Statistics 20152016 Disponível em httpcrowdexpertcomcrowdfundingindustrystatistics Acesso em 13 jun 2016 4 Para esse estudo recomendase a leitura de HEMINWAY Joan Macleod What is a Security in the Crowdfunding Era The Ohio State Entrepreneurial Business Law Journal Columbus The Ohio State University v 07 n 02 p 335371 2012 e NAJJARIAN Ilene Patrícia de Noronha O Capitalismo Eletrônico Informático Sistemas High Frequency Trading ou Algotraders das Corretoras de Valores Plataformas de Crowdfunding In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 No primeiro capítulo será dada breve notícia histórica do fe nômeno do crowdfunding procurandose definilo e pontuar suas diferentes formas No segundo capítulo a pesquisa estudará a inter face do instituto da responsabilidade civil com a internet em especial no que diz respeito aos provedores de conteúdo e aos intermediários do comércio eletrônico Após a compreensão de como essa respon sabilidade é tratada no direito brasileiro o quarto capítulo abordará especificamente a responsabilidade das plataformas de crowdfun ding nas modalidades recompensa e prévenda à luz do direito nor teamericano e do nacional 1 O Crowdfunding 11 Breve Notícia Histórica O crowdfunding em seu sentido axiológico referese a um financiamento funding por uma coletividade crowd Naturalmente seu formato atual por meio de plataformas on line é recente e advém de algumas iniciativas dos anos 2000 Contu do a ideia de um financiamento coletivo remonta ao menos a 1713 quando o Papa Alexandre contou com o apoio de 750 investidores para concluir a tarefa de traduzir e manuscrever as Ilíadas de Homero do grego para o inglês5 Em outro exemplo clássico de financiamento coletivo houve uma campanha nos Estados Unidos em 1885 com a finalidade de arrecadar recursos para a construção de um pedestal para a Estátua da Liberdade presente dos franceses aos norteamericanos A campa nha veiculada pelo jornal The New York World angariou contribui 150 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 5 KAZMARK Justin Kickstarter Before Kickstarter Disponível em httpswwwkickstar tercomblogkickstarterbeforekickstarterrefhello Acesso em 14 jun 2016 ções de mais de 100000 pessoas de todo o mundo alcançando sua meta para realização da obra6 Notase portanto que a ideia por detrás do crowdfunding não é recente Contudo com o advento da internet foi possível revi ver o instituto e aumentar sua abrangência Em 2003 por exemplo foi lançada nos Estados Unidos a plataforma ArtistShare em que mú sicos buscavam doações de fãs para financiar seus projetos musicais sendo previsto um programa de recompensas para aqueles que con tribuíssem7 Dentre outras plataformas de destaque vale pontuar o papel da Indiegogo de 20088 e da Kickstarter lançada em 20099 que marcaram o histórico do crowdfunding ajudando na sedimentação do instituto como forma de captação de recursos privados em escala global Em verdade temse que o crowdfunding em plataformas digi tais decorre de dois institutos anteriores o crowdsourcing e a micro finance1011 O primeiro conceito parte da ideia de uma coleta de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 151 6 BBC The Statue of Liberty and Americas Crowdfunding Pioneer BBC News 29 de abril de 2013 Acesso em httpwwwbbccomnewsmagazine21932675 Disponível em 14 jun 2016 7 Para maior detalhe quanto ao histórico do crowdfunding na era digital ver FREEDMAN David M e NUTTING Matthew R A Brief History of Crowdfunding Including Rewards Dona tion Debt and Equity Platforms in the USA 2015 Disponível em httpwwwfreedmanchica gocomec4iHistoryofCrowdfundingpdf Acesso em 14 jun de 2016 8 INDIEGOGO About Us Disponível em httpswwwindiegogocomaboutourstory Acesso em 14 jun 2016 9 KICKSTARTER Kickstarter Basics Disponível em httpswwwkickstar tercomhelpfaqkickstarterbasicsreffooter Acesso em 14 de jun 2016 10 Crowdfunding is the natural derivative of microfinance and crowdsourcing two innova tions that have grown impressively during the past two decades FINK Andrew Protecting the Crowd and Raising Capital Through the JOBS Act 25 de abril de 2012 p 07 Disponível em httpssrncomabstract2046051 Acesso em 18 jun 2016 11 El crowdfunding es una materia nueva con un desarrollo exponencial Surge como uma variante del crowdsourcing puesta en contacto a través de internet de la gente interesada em contribuir a la realización una obra cuya principal manifestación es Wikipedia ZUNZUNE contribuições por diferentes indivíduos a fim de se alcançar um obje tivo o foco portanto é naquele que contribui12 Por outro lado a microfinance ou microlending envolve o empréstimo de pequenas quantias de dinheiro a geralmente devedores com baixa renda o foco portanto é na figura daquele que recebe o empréstimo13 14 Assim é possível perceber que o crowdfunding por meio de plataformas digitais é um fenômeno recente mas advindo de um lon go histórico de iniciativas e possui desenvolvimento exponencial15 152 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 GUI Fernando Régimen jurídico de las plataformas de financiación participativa Crowdfun ding Spanish Crowdfunding Act 30 de junho de 2015 p 04 Disponível em httpssrncomabstract2628249 Acesso em 14 jun 2016 12 Internetbased crowdfunding is a merger of two distinct antecedents crowdsourcing and microfinance Crowdsourcing is quite simply collecting contributions from many individuals to achieve a goal It divides an overwhelming taskinto small enough chunks that completing it becomes feasible Wikipedia is probably the most prominent example of crowdsourcing an entire encyclopedia consisting of articles written and edited by the general public BRAD FORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Re view v 2012 n 1 2012 p 1819 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabs tractid1916184 Acesso em 14 jun 2016 13 The other antecedent of crowdfunding is microlending sometimes called microfinance Microlending involves lending very small amoU1ts of money typically to poorer borrowers Microleding can be traced back to Irish loan funds in the 1700s but it became prominent in recent times through the work of Muhammad Yunus and the Grameen Bank Yunuss project began when he loaned 27 of his own money to 42 villagers in Bangladesh He subsequently established a multibranch bank the Grameen Bank that specialized in such loans In 2006 Yunus and the Grameen Bank shared the Nobel Peace Prize Microlending has its detractors but it has ballooned into a multibilliondollar industry Microlending is defined primarily by the recipientvery small entrepreneurial ventures BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 p 1819 Dis ponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Acesso em 14 jun 2016 14 The broader crowdfunding movement has its roots in the microfinance and microcredit trend pioneered by Nobel Prize winner Muhammad Yunus WEINSTEIN Ross S Crowdfunding in the US and Abroad What to Expect When Youre Expecting Cornell International Law Journal Ithaca v 46 Iss 2 Artigo 6 2013 p 428 Disponível em httpscholarshiplawcor nelleduciljvol46iss26 Acesso em 14 jun 2016 15 ZUNZUNEGUI Fernando Régimen jurídico de las plataformas de financiación participa tiva Crowdfunding Spanish Crowdfunding Act 2015 p 04 Disponível em Cabe então tentar definilo bem como examinar brevemente seus principais formatos 12 Crowdfunding entre o Conceito e suas Formas Como visto o crowdfunding é fruto de uma construção hu mana histórica e em virtude de suas particularidades várias foram as tentativas de conceituálo De acordo com a Securities and Exchange Comission SEC órgão norteamericano análogo à Comissão de Valores Mobiliários brasileira por exemplo o termo se refere a um método de financia mento em que o dinheiro é levantado por meio de solicitação de in vestimentos individuais de pequena monta ou de contribuições por um número considerável de pessoas16 O conceito apesar de correto talvez não seja suficientemente abrangente para definir o crowdfunding Em outra construção mais acertada Norberto Montani Martins e Pedro Miguel Bento Pereira da Silva definiram o instituto no sentido de que o crowdfunding ou financiamento coletivo co necta diretamente por meio da Internet e das mí dias sociais as pessoas que podem doar empres tar ou investir dinheiro com aquelas que necessi tam deste dinheiro para financiar um projeto ou negócio que desejam realizar através de peque nas contribuições de um grande número de indi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 153 httpssrncomabstract2628249 Acesso em 14 jun 2016 16 Crowdfunding generally refers to a financing method in which money is raised through soliciting relatively small individual investments or contributions from a large number of peo ple SEC Investor Bulletin Crowdfunding for Investors 2016 Disponível em httpswwwsecgovoieainvestoralertsbulletinsibcrowdfundinghtml Acesso em 14 jun 2016 víduos que juntos de forma anônima formam a massa crítica para viabilizálos17 Naturalmente contudo pelo dinamismo do desenvolvimento tecnológico e pela complexidade das relações humanas e comerciais o apego a um conceito restrito de crowdfunding pode se mostrar in viável sendo recomendável estar atento para novos formatos desse fenômeno em constante evolução Ressaltase que diversas outras foram as tentativas de concei tuação1819 mas o termo mostrase como verdadeiro guardachuva descrevendo variados formatos de financiamento de iniciativas por diferentes grupos de pessoas20 154 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 MARTINS Norberto Montani DA SILVA Pedro Miguel Bento Pereira Funcionalidade dos sistemas financeiros e o financiamento a pequenas e médias empresas o caso do crowdfun ding Revista Economia Ensaios Uberlândia v 29 n especial Associação Keynesiana Brasi leira dez 2014 p 1920 18 Crowdfunding engages a wider array of donors who may choose to support a greater number of enterprises and who may contribute more funds and possibly do so more quickly and with less effort by and risk to the entrepreneur Not only does crowdfunding provide a mechanism to entrepreneurs of raising capital but it also provides an opportunity for investors including those with limited means to purchase equity in enterprises they would like to support or think will be profitable Because of the way it facilitates both groups respective interests crowdfunding democratizes entrepreneurship KASSINGER Theodore W et al De mocratizing Entrepreneurship Na Overview of the Past Present and Future of Crowdfunding Securities Regulation Law Report v 45 n 05 04 fev 2013 Bloomberg BNA p 210 19 Crowdfunding refers to the efforts by entrepreneurial individuals and groups cultural social and forprofit to fund their ventures by drawing on relatively small contributions from a relatively large number of individuals using the internet without standard financial interme diaries MOLLICK Ethan R The Dynamics of Crowdfunding An Exploratory Study 26 de junho de 2013 Journal of Business Venturing v 29 n 1 jan 2014 p 0116 p 02 Disponível em httpssrncomabstract2088298 Acesso em 14 jun 2016 20 Crowdfunding is an umbrella term used to describe an increasingly widespread form of fundraising whereby groups of people pool money typically very small individual contribu tions to support a particular goal Despite increased attention by policymakers regulators investors and founders however the mechanisms and dynamics of crowdfunding in general and equity crowdfunding in particular are not yet well understood As we noted at the outset the umbrella term crowdfunding encompasses various types of fundraising that can range from collecting donations to selling equity stakes via the Internet But a clear definition No que toca às suas formas ao menos oito modalidades emer gem cada uma com suas nuances Não sendo o objeto deste trabalho o de detalhar pormenorizadamente todas elas optase por refletir o trabalho de Norberto Montani Martins e Pedro Miguel Bento Pereira da Silva autores que de maneira elucidativa compuseram esses principais formatos21 Diferentes Tipos de Crowdfunding Tipo Características Principal Interesse Doações Pessoas fornecem recursos para a realização de um determinado projeto negócio sem que nada seja prometido em retorno Social Recompensas Produtosserviços tipicamente de baixo valor material e baixo valor em relação ao da contribuição são ofertados como contrapartida às contribuições Material Prévendas As campanhas visam vender adiantadamente um novo produto serviço ou adiantar recursos para o desenvolvimento de um novo produto serviço oferecendoo em troca das contribuições Material Empréstimo Social Há a possibilidade de realizar empréstimos a juros nulos para projetos comumente de cunho social por determinado prazo e depois receber os recursos de volta Social RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 155 of the term has yet to be proposed AHLERS Gerrit KC et al Signaling in Equity Crowdfun ding out 2012 Disponível em httpssrncomabstract2161587 Acesso em 15 jun 2016 21 MARTINS Norberto Montani DA SILVA Pedro Miguel Bento Pereira Op Cit p 2021 Empréstimos Empréstimos aos pares Um empreendedor ou uma pequena empresa ao invés de recorrer a um banco ou similar contrai um empréstimo pactuando o pagamento de juros e principal junto ao coletivo de contribuidores que assumem a posição de credores Financeiro Dívida Um empreendedor ou uma pequena empresa contrai uma dívida junto aos contribuidores que assumem a posição de credores Financeiro Divisão dos lucros Estabelecemse arranjos de repartição dos lucros futuros entre os contribuidores e os empreendedoresempresas Financeiro Participações A campanha oferece a participação no negócioprojeto através da compra de uma parcela da titularidade do mesmo tal como no caso de uma ação Ao invés de recorrer a investidores anjos ou fundos de venture capital o empreendedor ou a empresa busca investidores no coletivo de pessoas Financeiro Híbridos Mesclam formas distintas onde o interesse financeiro é predominante ou formas financeiras com outras onde o interesse socialmaterial é mais importante eg empréstimos com prévenda Diversos Todas as modalidades possuem em comum o envolvimento de um risco para os investidores que de alguma forma buscam um resultado específico de seu investimento seja o recebimento de par ticipação societária seja o recebimento de mercadorias ou mesmo a utilização dos recursos para elaboração de produtos ou atividades so ciais que lhe sejam caras 156 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 A divisão das plataformas nas oito modalidades acima entre tanto não é unânime havendo quem proponha outros critérios para a classificação2223 A divisão em oito modalidades é apenas a que mais pormenoriza os tipos de crowdfunding Fica aberta a questão quanto ao que pode acontecer às plataformas de crowdfunding caso aqueles que recebem investimentos por meio delas não observem suas contraprestações ou os encargos inerentes aos projetos financia dos Em vista da amplitude do tema o presente trabalho analisará tão somente a responsabilidade das plataformas de recompensa e de prévenda nos casos de fraude praticada pelos agentes financiados É o que passamos a elucidar 2 As Relações Jurídicas no Crowdfunding Antes de analisar se podem as plataformas de crowdfunding ser civilmente responsabilizadas pela fraude de terceiros essencial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 157 22 Alguns autores por exemplo classificam como crowdfunding de recompensa aquele em que os investidores recebem o produto em cuja produção investiram aqui trabalhada como modalidade diversa de prévenda Vide We focus on rewardbased crowdfunding where funders are rewarded for their contributions by receiving the product if it gets produced ELLMAN Matthew HURKENS Sjaak Optimal Crowdfunding Design 1º de outubro de 2014 NET Institute Working Paper nº 1421 Disponível em httpssrncomabstract2507457 Aces so em 27 jun 2016 p 02 23 Existem quatro tipos de crowdfunding sendo praticados no mundo 1 o baseado em doações donation based filantropia sem expectativa de um retorno financeiro 2 o baseado em recompensas reward based em que o apoiador faz a sua contribuição em troca de um prêmio ou a possibilidade de préencomendar um produto 3 com base em pequenos em préstimos lending based que oferece a possibilidade para que os empreendedores atuem como tomadores enquanto contribuintes assumem a posição de credores e 4 financiamento de micro e pequenas empresas MPEs por meio de vendas de ações equity based MON TEIRO Mônica de Carvalho Penido Crowdfunding no Brasil uma Análise Sobre as Motivações de Quem Participa 2014 120f Dissertação Mestrado Executvo em Gestão Empresarial Es cola Brasileira de Administração Pública e de Empresas EBAPE Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro p 10 perquirir a natureza das relações jurídicas estabelecidas entre as pla taformas os investidores e os investidos tanto na modalidade re compensa quanto na prévenda Vale pontuar que boa parte das plataformas online traz moda lidade híbrida com características de mais de uma forma de crowd funding Na prática evidenciase que as modalidades de recompensa e prévenda são muitas vezes trabalhadas em conjunto24 Por exem plo em eventual campanha para criação de um novo jogo de compu tador no caso de doação de baixo valor o investidor seria recompen sado o investidor receberia uma carta de agradecimento escrita a próprio punho dos criadores do jogo Caso o valor doado fosse mais considerável a recompensa entregue pode ser a própria cópia do produto oferecido o jogo criado ainda no exemplo configurando se assim relação de prévenda Mesmo que seja essa a realidade de muitas plataformas as relações jurídicas estabelecidas em cada uma das duas modalidades são diferentes e merecem estudo de forma individualizada 21 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade Recom pensa O crowdfunding de recompensa no inglês reward crowd funding é modalidade considerada nãofinanceira na medida em que os investidores não esperam um retorno financeiro de seu inves 158 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 O que são as recompensas É um incentivo que você pode oferecer em troca de doações para sua campanha Os contribuidores dão preferência à recompensas com valor emocional atribuído por isso ofereça recompensas exclusivas e simbólicas que o façam se sentir parte do seu projeto Podem ser físicas ou intangíveis como um agradecimento nas redes sociais ou uma cópia online da sua obra Lembrese que as recompensas não podem ter caráter monetário como retorno financeiro ou porcentagem nas ações da empresa KICKANTE Descubra Como Atrair Kickadores com Boas Recompensas Disponível em httpwwwkickantecombrbau deideiascriarlancarcampanhacrowdfundingrecompensas Acesso em 27 jun 2016 gn timento mas apenas que i seja o projeto financiado concluído e ii sejalhes entregue uma prometida recompensa25 As recompensas oferecidas tendem a ser simbólicas com maior valor sentimental que material como por exemplo o envio de cartões de agradecimento assinado pelos financiados um jantar com os idealistas do projeto ou brindes personalizados26 Na me dida em que tais recompensas são eminentemente simbólicas notase que a principal razão pela qual o investidor financia o pro jeto em questão é por acreditar nele e buscar um senso de perten cimento à comunidade que usufruirá da futura prestação do servi çocriação do produto Diferentemente do que acontece no crowdfunding de pré venda a ser analisado abaixo a relação jurídica estabelecida entre investidor e financiado em regra não é onerosa Em verdade o prin cipal objetivo de quem doa é o auxílio financeiro àquele projeto es pecífico sendo a recompensa um objetivo secundário um estímulo para que as doações sejam sempre as mais generosas possíveis ao trazerem ao investidor a sensação de fazerem parte da criação senso de comunidade e pertencimento27 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 159 25 Reward crowdfunding is one of the nonfinancial crowdfunding models Funders of these campaigns do not expect a financial return on their pledge they rather expect nonfinancial rewards based on the size of their pledge The model is often compared to prepurchasing and a majority of the crowdfunders are assumed to be future consumers of the product AN DERSEN Lasse Magnus Klæbo MAURITZEN Lars Joakim Crowdfunding as a Tool for Startups to Raise Capital 2015 109f Dissertação Mestrado em Business Analysis and Performance Ma nagement Norwegian School of Economics p 71 26 The reward and prepurchase crowdfunding models are similar to each other and often appear together on the same sites The reward model offers something to the investor in return for the contribution but not interest ora part of the earnings of the business The reward could be small such as a key chain or it could be something with a little more cachet such as the investors name on thecredits of a movie BRADFORD C Steven Crowdfunding and the Fe deral Securities Laws Columbia Business Law Review v 2012 nº 1 2012 Disponível em httpssrncomabstract1916184 Acesso em 27 jun 2016 p 10 27 Why do people back projects To start they want to support what youre doing But they also want to feel like theyre getting something in return and rewards let them share in your Em vista disso não há de imediato contrato previsto no Có digo Civil Brasileiro CC totalmente adequado a essa relação jurídi ca A vinculação à entrega de uma recompensa denota possível one rosidade no contrato o que impediria sua classificação como doação nos termos dos art 538 e seguintes do CC Entretanto acreditase que a obrigação de entrega de recom pensa via de regra não impossibilita a configuração do negócio como doação na medida em que o suposto sinalagma é mais de or dem moral que obrigacional os financiados entregam as recompen sas como incentivo às doações uma vez que o financiamento de seu projeto depende eminentemente de sua empatia e credibilidade pe rante os investidores A título ilustrativo a plataforma norteamericana Kickstarter calcula que aproximadamente 9 dos projetos financiados falham em entregar as recompensas prometidas28 Entretanto a própria pla taforma entende que essa porcentagem é aceitável pois há um risco inerente às doações realizadas e na relação de custobenefício entre o financiamento de projetos criativos e o risco de não entrega das recompensas a inovação deve ser priorizada A conclusão do projeto financiado por sua vez configura en cargo incidente sobre a doação o que não lhe retira o caráter de gra tuidade não obstante tornarse o contrato bilateral29 A inexecução do encargo por conseguinte poderia mesmo ensejar a revogação da 160 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 creation KICKSTARTER Building Rewards Disponível em httpswwwkickstar tercomhelphandbookrewards Acesso em 27 jun 2016 28 Is a 9 failure rate reasonable for a community of people trying to bring creative projects to life We think so but we also understand that the risk of failure may deter some people from participating We respect that We want everyone to understand exactly how Kickstarter works that its not a store and that amid creativity and innovation there is risk and failure KICKS TARTER The Kickstarter Fulfillment Report Disponível em httpswwwkickstartercomfulfill ment Acesso em 27 jun 2016 29 Art 553 caput CC O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação caso forem a benefício do doador de terceiro ou do interesse geral doação nos termos dos art 55530 e 56231 do CC mas como o risco é inerente ao investimento não se entende que a revogação deva ser automática ou mesmo a regra geral 22 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade PréVenda No que toca às plataformas de prévenda ocorre como o pró prio nome o diz verdadeira compra e venda do produto a ser produ zido ou prestação do serviço financiado32 33 Em alguns casos o valor investido pode ser superior ao que seria o preço final do produto motivo pelo qual poderseia cogitar que a entrega do produto seria espécie de recompensa simbolizando a gratidão dos financiados pelo investimento realizado Isso faz com que parte da doutrina considere ambas as modalidades aqui estuda das de forma conjunta34 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 161 30 Art 555 A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo 31 Art 562 A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo se o donatário incorrer em mora Não havendo prazo para o cumprimento o doador poderá notificar judicial mente o donatário assinandolhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida 32 Several other crowdfunding platforms such as Sellaband also facilitate revenuesharing agreements However the focus of these sites is generally the facilitation of prepurchasing which generally means the preselling of music albums to finance their production The pre selling aspect is more important in these cases and thus the author categorizes them as re wardbased platforms AHLERS Gerrit KC et al Signaling in Equity Crowdfunding 14 out 2012 Disponível em httpssrncomabstract2161587 Acesso em 28 jun 2016 p 09 33 The prepurchase model the most common type of crowdfundlng is similar As with the reward model contributors do not receive a financial returninterest dividends or part of the earnings of a business Instead they receive the product that the entrepreneur is making For example if the entrepreneur is producing a music album contributors would receive the al bum or the right to buy the album at a reduced price upon completion BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Aces so em 28 jun 2016 p 11 34 Rewardbased people give money to fundraisers in exchange for a specific reward pro De fato a motivação pelo investimento tende a extrapolar a simples aquisição do que foi financiado remetendo à busca de per tencimento entre investidores investidos e o projeto35 Como coloca Andrew Schwartz o crowdfunding oferece uma série de retornos nãofinanceiros tais como entretenimento possibilidade de expres são política sentimento de altruísmo e de pertencimento a uma co munidade36 os quais até mesmo mitigam os riscos do investidor Não obstante a percepção de tais elementos acreditase que o estudo do crowdfunding não deve se resumir à análise de retornos como sentimento de altruísmo sob pena de distanciarse do plano prático O próprio fato de os valores investidos por meio das platafor mas de financiamento coletivo serem expressivos serve como de monstrativo da predominância de interesses econômicos que não podem ser postos de lado Na prévenda o recebimento do produto em questão é posto em destaque o investimento é feito para que o projeto seja realizado mas principalmente na medida em que os investidores receberão di retamente uma versão do que foi produzido37 162 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 duct or service YING Hu Regulation of Equity Crowdfunding in Singapore Centre for Ban king Finance Law Faculty of Law National University of Singapore 2015 Disponível em httplawnusedusgcbflpdfsworkingpapersCBFLWPHY01pdf Acesso em 28 jun 2016 p 01 35 Os valores morais possuem relevância significativa no funcionamento do crowdfunding Para estudo quanto às motivações vide GERBER Elizabeth M HUI Julie S KUO PeiYi Crowdfunding Why People are Motivated to Post and Fund Projects on Crowdfunding Plat forms The ACM SIGCHI Conference on Computer Supported Cooperative Work and Social Computing CSCW Workshop on Design Influence and Social Technologies Seattle WA 2012 Disponível em httpwwwjuliehuiorgwpcontentuploads201304CSCWCrowdfun dingFinalpdf Acesso em 28 jun 2016 e MONTEIRO Mônica de Carvalho Penido Op Cit 36 Vide SCHWARTZ Andrew A The Nonfinancial Returns of Crowdfunding 24 de agosto de 2015 Review of Banking and Financial Law v 34 nº 2 p 565580 2015 University of Colo rado Law Legal Studies Research Paper nº 1512 Disponível em httpssrncomabs tract2649979 Acesso em 28 jun 2016 37 Isso entretanto não neutraliza o risco inerente ao próprio negócio pois os investidores devem ter em mente que a depender das circunstâncias o produto final poderá não refletir o Com isso temse que independentemente de suas caracterís ticas próprias a relação jurídica no crowdfunding de prévenda é análoga à da compraevenda regulada pelo Código Civil 3 A Responsabilidade Civil e a Internet Breves Notas Para uma melhor compreensão quanto ao regime de respon sabilidade civil das plataformas de crowdfunding é importante veri ficar mesmo que brevemente como é a interface entre o instituto da responsabilidade civil e outras plataformas na internet Analisar como os provedores de aplicação e as plataformas de comércio eletrônico podem ser responsabilizadas por atos de tercei ros permitirá construção de analogia no que toca à responsabilidade no crowdfunding quando de fraude praticada pelos terceiros finan ciados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 163 que era esperado ou não venha mesmo a ser produzido Vide Investors in reward crowdfun ding those who do so in return for small rewards or to prepurchase a product likewise appear to have additional reasons other than a simple economic exchange These transactions are not ordinary consumer transactions Experience shows that in sharp contrast with buying a known product from a known brand the investor might never receive the promised reward or the reward or product may not be as valuable as they anticipated Even so this market has bloomed into the billiondollar range The point is that crowdfund investorsdonors have pro ved themselves willing to contribute substantial sums without any apparent expectation to receive much of financial substance in return Why would they do that The remainder of this Part catalogs some of the nonfinancial motivations that drive donation and reward crowdfun ding and suggests that they may translate well to securities crowdfunding This list is not meant to be complete nor are the categories mutually exclusive It is merely an attempt to show that securities crowdfunding like reward and donation crowdfunding before can provide investors with significant nonfinancial benefits of various types SCHWARTZ Andrew A Op Cit p 574575 e People who contribute to crowdfunding appeals in return for small rewards or to prepurchase a product might never receive the promised reward and even if they do the reward or product may not be as valuable as they anticipated People who make nointerest loans on Kiva may never get their money back BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 p 68 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Acesso em 28 jun 2016 31 A Responsabilidade Civil de Provedores de Serviços na In ternet Diversos autores se debruçaram sobre a tarefa de delimitar os deveres e o regime de responsabilidade dos provedores de serviço na internet Como anota Marcel Leonardi o provedor de serviços na in ternet é a pessoa natural ou jurídica que fornece serviços relaciona dos ao funcionamento da Internet ou por meio dela38 sendo gêne ro do qual as demais categorias provedor de backbone provedor de acesso provedor de correio eletrônico provedor de hospedagem e provedor de conteúdo são espécies39 Com isso ao definir a responsabilidade dos provedores de serviço a doutrina mais acertada cuidou de descrever as espécies aci ma mencionadas examinando o regime de responsabilidade civil aplicável a cada uma delas40 Dentre as categorias de provedores de serviço destacase a dos chamados provedores de conteúdo aqueles responsáveis pela disponibilização de informações na internet41 informações essas criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação utilizan 164 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 38 LEONARDI Marcel Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet São Pau lo Juarez de Oliveira 2005 p 19 39 Idem 40 Vide por todos LEONARDI Marcel Op Cit p 0523 41 DOMINGUES Alessandra de Azevedo Formatos e Classificações da Publicidade Eletrônica e seus Controles Legais licitudes e ilicitudes In Direito e Internet II Aspectos Jurídicos Rele vantes LUCCA Newton de SIMÃO FILHO Adalberto Coord São Paulo Quartier Latin 2008 p 151 Provedor de Conteúdo ou de Informação é a instituição cuja finalidade principal é coletar manter eou organizar informações online para acesso pela Internet por parte dos assinantes da rede Essas informações podem ser de acesso público incondicional caracteri zando assim um provedor nãocomercial ou no outro extremo constituir um serviço comercial em que existem tarifas ou assinaturas cobradas pelo provedor do para armazenálas servidores próprios ou serviços de um prove dor de hospedagem42 O provedor de conteúdo nem sempre se confunde com o pro vedor de informação por mais que isso possa acontecer este o ver dadeiro responsável pela criação das informações divulgadas através da Internet É o efetivo autor da informação disponibilizada por um provedor de conteúdo43 Até a edição do Marco Civil da Internet alguns autores defen diam que em decorrência das informações disponibilizadas pelos provedores de conteúdo seria sua responsabilidade objetiva O ris co de responsabilização seria inerente à atividade exercida poden do mesmo se configurada relação de consumo incidir as disposi ções do Código de Defesa do Consumidor como propôs Leonardo Parentoni44 Na visão de Marcel Leonardi os provedores de conteúdo po deriam exercer controle prévio sobre as informações disponibiliza das com a possibilidade de escolherem o que é divulgado antes de autorizarem o acesso aos usuários45 motivo pelo qual responderiam RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 165 42 LEONARDI Marcel Op Cit p 30 O provedor de conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedo res de informação utilizando para armazenálas servidores próprios ou serviços de um prove dor de hospedagem 43 LEONARDI Marcel Op Cit p 30 44 PARENTONI Leonardo Netto Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços na Inter net Breves Notas Revista Magister de Direito Empresarial Concorrencial e do Consumidor Porto Alegre Magister ano V n 25 p 0523 fevmar 2009 Disponível em httpswwwre searchgatenetpublication299801706ResponsabilidadeCivildosProvedoresdeServicos naInternetBrevesNotas Acesso em 13 mar 2017 p 23 Por outro lado a responsabilidade do provedor de conteúdo na internet em virtude das informações por ele divulgadas é objetiva e baseiase no risco inerente a essa atividade nos termos do art 927 parágrafo único do Código Civil sem prejuízo da aplicação das disposições específicas do Código de Defesa do Consumidor caso se configure relação de consumo 45 LEONARDI Marcel Op Cit p 31 concorrentemente com os provedores de informações46 Porém se um provedor se limitasse a transmitir mensagens sem exercer contro le sobre o conteúdo não deveria responder pelos danos causados por terceiros4748 Com o advento do Marco Civil da Internet a discussão ga nhou novo relevo Seu art 19 expressa Art 19 Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura o provedor de aplicações de internet somente poderá ser res ponsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se após ordem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu ser viço e dentro do prazo assinalado tornar indis ponível o conteúdo apontado como infringente ressalvadas as disposições legais em contrário 166 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 46 LEONARDI Marcel Op Cit p 115 47 VASCONCELOS Fernando Antônio de Internet Responsabilidade do Provedor pelo Danos Praticados Curitiba Jaruá 2003 p 204 Se o provedor desempenha no caso atividade de conexão ou de serviço limitandose a transmitir mensagens eletrônicas sem exercer controle algum sobre o seu conteúdo não deve responder pelos danos sofridos por terceiro atingido em sua honra A este caberá apenas demandar o internauta que enviou o material ofensivo Se porém de alguma forma exerceu ou se obrigou a exercer controle sobre o conteúdo dessas mensagens praticando pois atividade de provedor de conteúdo mas permitindo ainda assim a publicação do material ofensivo inafastável será a sua responsabilização 48 REINALDO FILHO Demócrito Ramos Responsabilidade por Publicações na Internet Rio de Janeiro Forense 2005 p 203 apud SOUTO JÚNIOR José Humberto A Responsabilidade Civil dos Provedores de Hospedagem frente aos Autos Praticados pelos seus Usuários e Terceiros Dissertação Mestrado em Direito Nova Lima Faculdade de Direito Milton Campos 2010 p 76 A jurisprudência brasileira pelo menos até o momento distanciase da tendência genera lizada assentada em outros países porquanto o entendimento consolidado nas manifestações alienígenas sobre o tema é o de que em princípio o provedor de serviços não é responsável pelo conteúdo ilegal de websites hospedados em seu sistema a não ser nos casos em que tem prévio conhecimento da ilegalidade e possuir meios para bloquear o acesso ao material ilegal e desde que o bloqueio se mostre tecnicamente viável e razoável Notase que o Marco Civil não elabora distinção pormenoriza da entre os diferentes tipos de provedores limitandose a trabalhar com a figura do provedor de aplicações de internet no transcrito art 19 O conceito remete o intérprete à divisão da internet em cama das sendo a camada de aplicações aquela em que os softwares e na vegadores de internet por exemplo são executados anterior à cama da de conteúdo propriamente dita49 O dispositivo todavia não defi ne de forma estrita o que entende por provedor de aplicações Os únicos parâmetros para tanto estão no art 5º VII em que é concei tuado o que seriam as aplicações de internet50 Apesar do desapego à classificação doutrinária a expressão utilizada pelo Marco Civil da Internet vem sendo interpretada por alguns51 como sinônima da denominação provedor de conteúdo e por outros como tudo que não seja provedor de conexão52 O regi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 167 49 A divisão em camadas entretanto não é objeto do presente texto Para aprofundamento recomendase SOLUM Lawrence B CHUNG Minn The Layers Principle Internet Architecture and the Law Notre Dame Law Review Notre Dame University of Notre Dame Law School v 79 n 03 p 815948 jan 2004 p 816817 e TANENBAUM Andrew S WETHERALL David J Computer Networks 5th Ed Boston Pearson 2011 p 45 The application layer contains a variety of protocols that are commonly needed by users One widely used application protocol is HTTP HyperText Transfer Protocol which is the basis for the World Wide Web When a browser wants a Web page it sends the name of the page it wants to the server hosting the page using HTTP The server then sends the page back Other application protocols are used for file transfer electronic mail and network News 50 Insere também o art 15 que o provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet sob sigilo em ambiente controlado e de segurança pelo prazo de 6 seis meses nos termos do regulamento 51 TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 358359 É válido ponderar que o Marco Civil da Internet denomina o provedor de conteúdo de provedor de aplicações de internet 52 Para Marcel Leonardi por sua vez o conceito provedores de aplicações engloba nos me de responsabilidade civil aplicável até então fruto de uma cons trução doutrinária e jurisprudencial passa a ter regulamentação legal com nova roupagem53 Referido art 19 condiciona a responsabilização dos provedo res de aplicações a um descumprimento de ordem judicial O prove dor passa a ser passível de responsabilidade somente se após or dem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado tor nar indisponível o conteúdo apontado como infringente545556 168 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 termos da definição prevista no art 5º inciso VII o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à Internet e abrange portanto provedores de correio eletrônico de hospedagem e de conteúdo entre diversos outros LEONARDI Mar cel Internet e Regulação o Bom Exemplo do Marco Civil da Internet Revista do Advogado ano XXXII nº 115 p 99113 Associação dos Advogados de São Paulo AASP abr 2012 Disponível em httpleonardiadvbr201204interneteregulacaoobomexemplodomar cocivildainternet Acesso em 28 jun de 2016 53 Vide sobre o tema LEMOS Ronaldo e SOUZA Carlos Affonso Marco Civil da Internet Construção e Aplicação Juiz de Fora Editar Editora Associada Ltda 2016 p 67108 54 Vale pontuar também que o art 18 estabelece que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros bem como positiva o art 21 que o provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimi dade decorrente da divulgação sem autorização de seus participantes de imagens de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal deixar de promover de forma diligente no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço a indisponibi lização desse conteúdo 55 Vide MULHOLLAND Caitlin Responsabilidade Civil Indireta dos Provedores de Serviço de Internet e Sua Regulação no Marco Civil da Internet Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI UFS Direito e Novas Tecnologias 2015 Disponível em httpswwwconpe diorgbrpublicacoesc178h0tgvwk790q7dTa7488W12NDA0SJpdf Acesso em 13 mai 2018 p 500 A notificação judicial é requisito formal indispensável para a eventual responsabiliza ção do provedor de serviços de Internet A notificação extrajudicial somente será admitida na hipótese prevista no artigo 21 qual seja a de conteúdo infringente da intimidade de pessoa retratada sem sua autorização 56 O regime difere por exemplo da sistemática norteamericana baseada no notice and ta kedown A redação legal é objeto de muitas críticas ao ser mais prote tiva quanto aos provedores que aos usuários575859 Contudo vale pontuar que a limitação à responsabilidade civil dos servidores pos sui aspectos positivos em atenção ao princípio constitucional da livre iniciativa e do fomento à inovação60 sendo necessárias reflexões mais profundas antes de se cogitar uma alteração legislativa no Marco Civil61 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 169 57 SCHREIBER Anderson Marco Civil da Internet Avanço ou Retrocesso A Responsabilidade Civil por Dano Derivado do Conteúdo Gerado por Terceiro In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 304 Ao condicionar a responsabilidade civil ao descumprimento de ordem judiicla específica o referido art 19 promove um espantoso engessamento da tutela dos direitos do suário da internet não raro direitos fundamentais expressamente protegidos pela Constituição da República como a honra a imagem e a privacidade 58 THOMPSON Marcelo Marco Civil ou Demarcação de Direitos Democracia Razoabilidade e as Fendas na Internet do Brasil Revista de Direito Administrativo v 261 28 mai 2012 Dis ponível em httpssrncomabstract2101322 Acesso em 28 jun 2016 p 214215 O que o Marco Civil traz portanto é um instrumento que promove a conduta irrazoável e irresponsável de provedores de serviços na internet Isto porque mesmo provedores de serviços que ajam com negligência ou até mesmo com malícia na manutenção de conteúdo de cuja exis tência têm ciência não poderão ser de qualquer forma responsabilizados senão pelo descum primento de ordem judicial extemporânea e muitas vezes jurisdicionalmente distante O Marco Civil assim promove também um amplo desincentivo ao desenvolvimento de boas práticas de direito e de fato Provedores que direcionam seus serviços ao mercado brasileiro por exem plo não têm qualquer responsabilidade de fazêlo de acordo com as leis que protegem os cidadãos brasileiros 59 DE GODOY Claudio Luiz Bueno Uma Análise Crítica da Responsabilidade Civil dos Pro vedores na Lei nº 1296514 Marco Civil da Internet In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 319 Pelo que se viu especificamente na matéria atinente à responsabilidade dos provedores a nova lei crêse andou pouco ou para trás criando um sistema muito singular que no final desprotege o consumidor vítima e que neste sentido somente pode ser recebido e compreendido à luz de uma interpretação sistemática levandose em conta normatização subjetivamente especial de particular realização do comando constitucional de tutela do vul nerável e de indenidade pessoal dos indivíduos 60 Basta notar nesse sentido que se a responsabilização civil de servidores fosse deveras ampla e irrestrita ela poderia servir como desincentivo à ampliação dos serviços oferecidos na internet 61 Finalmente pensase que a responsabilidade civil dos provedores por atos de terceiros 32 A Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico A discussão quanto à responsabilidade civil no comércio ele trônico poderia ter sido trabalhada no tópico anterior enquanto pro vedores de aplicações na internet no conceito do Marco Civil62 En tretanto por trazer algumas peculiaridades optouse por tecer essas breves notas em separado de modo a colocálas em evidência Em primeiro lugar fazse a ressalva de que cada tipo de ativi dade desenvolvida por sites de comércio eletrônico possui caracterís ticas próprias Por essa razão Tarcísio Teixeira propôs classificação distinguindo entre i estabelecimentos virtuais ii compras coleti vas iii classificados iv comparadores de preços e v intermediá rios ou facilitadores63 Outros autores trazem as particularidades do chamado leilão virtual64 Na medida em que esta análise quanto à responsabilidade ci vil na internet serve de arcabouço para o trato da responsabilização de plataformas de crowdfunding ela será concentrada na sistemática dos intermediários ou facilitadores eis que são os mais semelhantes às plataformas online de financiamento coletivo 170 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 deva ser subjetiva com fundamento nas argumentações apresentadas no ponto específico A forma como a sociedade da informação interage por meio da comunicação de massa torna qualquer um passível de ser vítima de alguma forma nos ambientes virtuais Pensase que a responsabilidade subjetiva esteja mais em consonância com a realidade fluida da disseminação de atos ilícitos de terceiros numa tentativa de juridicamente tutelar melhor o assunto In TA VEIRA JÚNIOR Fernando Ponderações Acerca da Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet por Atos de Terceiros Revista dos Tribunais v 942 abr 2014 p 14 62 Pensamos que realmente os sites da internet que fazem intermediação de compras de produtos ou de prestação de serviços podem ser enquadrados como provedores de conteúdo TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 359 63 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 359365 64 Vide GOMES Frederico Félix Responsabilidade Civil dos Sites de Leilão Virtual Revista dos Tribunais v 966 p 7380 abr 2016 e LEONARDI Marcel Responsabilidade Civil dos Prove dores de Serviços de Internet São Paulo Juarez de Oliveira 2005 p 185190 Nessa categoria as plataformas servem de verdadeira interme diação entre os vendedoresprestadores de serviço e os comprado restomadores e a depender do site a compra pode ser fechada dire tamente com quem oferece o bem ou serviço ou pela própria plata forma online Sobre o valor anunciado incide uma comissão ou o intermediário é remunerado pela quantidade de acessos ao anúncio online São exemplos de intermediários o wwwmercadolivrecombr e o wwwdecolarcom A jurisprudência pátria quanto ao regime de responsabilidade civil de tais facilitadores ainda é controversa também não havendo consenso na doutrina quanto ao assunto Para alguns os intermediários se enquadram no conceito de fornecedor do art 3º do CDC65 incidindo o regime de responsabili dade objetiva do art 14 do CDC66 O risco de dano aos comprado restomadores de serviço seria inerente à atividade desenvolvida pe los intermediários e eventuais ilícitos praticados por terceiros sejam eles vendedores ou fornecedores de serviço deveriam ser antevistos pelas plataformas que teriam o dever de oferecer a segurança neces sária para seus usuários67686970 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 171 65 Art 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica pública ou privada nacional ou estran geira bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade de produção mon tagem criação construção transformação importação exportação distribuição ou comercia lização de produtos ou prestação de serviços 66 Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos 67 Assim a existência de dois ou mais sujeitos a capacidade genérica das partes para con tratar e a aptidão para os atos da vida civil além do assentimento necessário à formulação do pacto nos contratos eletrônicos tornam esse contrato perfeitamente adaptável às normas do CDC Esses e muitos outros questionamentos irão com certeza surgir Porém no nosso enten dimento esses obstáculos não podem servir de base para prejudicar o consumidor In VAS CONCELOS Fernando Antônio de Internet Responsabilidade do Provedor pelo Danos Prati cados Curitiba Jaruá 2003 p 169 68 Vide estudo da jurisprudência dos Tribunais dos Estados do Rio Grande do Sul do Mato Grosso do Sul do Rio de Janeiro e de São Paulo em TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil Referida posição foi esposada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1107024DF71 veiculado no Informativo nº 4882011 No caso em que se discutia a responsabilidade do site wwwmercadolivrecombr chegouse ao entendimento de que o prestador de serviços respon de objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermedia ção de negócios e pagamentos oferecido ao consumidor e que even tual descumprimento pelo consumidor de providência simplesmen te mencionada no site não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do ser viço por ele implementado sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada Todavia em que pese a importância da tutela ao consumidor e conforme defendido por Tarcísio Teixeira é notável que muitas vezes a aplicação do CDC ocorre de forma extremamente protetiva ao 172 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 p 365369 69 Em primeiro lugar aos provedores devese reconhecer uma responsabilidade não propria mente a de que aqui se vai tratar por descumprimento ou falha do serviço para o qual foram contratados E isso à luz da própria legislação consumerista Temse uma responsabilidade contratual perante o usuário GODOY Cláudio Luiz Bueno de Responsabilidade Civil pelo Risco da Atividade Uma Cláusula Geral no Código Civil de 2002 2ª ed São Paulo Saraiva 2010 p 159 70 A atividade empresarial do site de intermediação por caracterizar fornecimento de serviço na órbita de consumo atrai os ônus inerentes aos resultados expressivos alcançados caben dolhe propiciar aos usuários de seus serviços meios confiáveis e seguros ao implemento adequado dos negócios sob pena de caracterizarse responsabilidade civil objetiva pelos danos causados segundo a doutrina e a jurisprudência pesquisadas FERREIRA Cláudio Augusto Annuza A Responsabilidade Civil na Intermediação do Comércio de Internet Rio de Janeiro 2012 Disponível em httpwwwemerjtjrjjusbrpaginasrcursodeespecializacaolatosen sudireitodoconsumidoreresponsabilidadeciviledicoesn1novembro2012pdfClaudioA ugustoAnnuzaFerreirapdf Acesso em 28 jun 2016 p 16 71 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial 1107024DF Rela tora Minª Maria Isabel Gallotti Data do Julgamento 14 dez 2011 consumidor muitas vezes de forma injusta e de sequilibrada por tratarse de consumidor que não guarda a boafé impondo desvantagem aos for necedores que por sua vez acabam por incorpo rar ao preço de seus produtos e serviços os cus tos experimentados pelas indenizações pagas72 O próprio CDC em seu art 4º III insere que deve haver uma harmonização dos interesses dos participan tes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica art 170 da Constitui ção Federal sempre com base na boafé e equi líbrio nas relações entre consumidores e fornece dores Portanto acreditase que a imputação de responsabilidade objetiva aos intermediários tratados acima não é sempre compatível com o princípio constitucional da livreiniciativa7374 e de fomento à inovação75 devendo ser feita análise mais pormenorizada das cir cunstâncias de um dado caso antes de se aplicar o CDC76 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 173 72 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 369 73 Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa 74 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre ini ciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios 75 Art 218 O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa a capacitação científica e tecnológica e a inovação 76 Dessa forma pelo fato de estarem no mesmo plano do ponto de vista constitucional a defesa do consumidor deve ser feita de forma a alinharse com o princípio da livreiniciativa não podendo impor responsabilidade objetiva aos intermediários a fim de beneficiar o consu É nesse sentido que pondera Tarcísio Teixeira parecenos muito vago e inseguro tentar solucio nar os problemas jurídicos decorrentes das com pras pela internet aplicandose cegamente o CDC em favor do consumidor como um fim em si mesmo Pensamos que tendo em vista a dinâmi ca do comércio eletrônico em todo momento surgem novos modelos de negócios muitos ape nas remodelados sendo preciso delimitar a res ponsabilidade dos intermediários no confronto com os direitos dos consumidores de forma equi librada buscando uma solução justa para cada tipo de negócio envolvido Para tanto devem ser consideradas as peculiaridades concretas apli candose os princípios não apenas do direito do consumidor mas também do direito empresarial e da responsabilidade civil77 O próprio STJ em decisão publicada em 2017 que reitera o entendimento adotado nos autos do AgRg nos EDcl no Ag nº 1360058RS DJe 27042011 coloca que em caso de fraude per petrada por terceiros utilizandose de anúncio veiculado no site deno minado Mercado Livre gn a responsabilidade não pode ser im putada ao veículo de comunicação visto que esse não participou da elaboração do anúncio tampouco do contrato entre anunciante e comprador78 174 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 midor quando essa não é a vontade da lei nem seria uma posição justa Assim notadamente nos negócios celebrados pela internet o consumidor deve estar ciente de tratarse de um am biente que há risco TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 p 371 77 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 372 78 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Terceira Turma Recurso Especial 1639028SP Rela tor Min Moura Ribeiro Data de Julgamento 19 abr 2017 Em meio às controvérsias que ainda cercam o tema e não obstante o precedente veiculado no Informativo nº 4882011 parece que um caminho mais ponderado de fato ganha força com aplicação do Marco Civil em detrimento da responsabilização objetiva baseada no CDC 4 A Responsabilidade Civil das Plataformas de Crowdfunding Tendo em vista a construção feita até aqui partindose da des crição da atividade das plataformas de crowdfunding passando pe las noções quanto à responsabilidade civil e sua interface com a in ternet tornase possível pensar como deve ser a responsabilização no crowdfunding79 A doutrina legislação e a jurisprudência brasileiras ainda não têm uma resposta imediata ao problema examinado com regulamen tação específica apenas para a modalidade de crowdfunding de participações equity crowdfunding Tratase da Instrução Normativa nº 5882017 da CVM ICVM 588 que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo80 Apesar de não regular as modalida RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 175 79 A construção da teoria da responsabilidade no ambiente eletrônico resume a identificar em quais situações os diversos participantes podem ser responsabilizados Esse raciocínio coa dunase com o nosso Contudo entendemos que o instituto da responsabilidade civil aplicado aos intermediários de compras pela internet deve levar em conta como a responsabilidade é atribuída em outros cenários TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 368 80 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Instrução Normativa nº 488 de 13 de julho de 2017 Disponível em httpwwwcvmgovbrlegislacaoinstrucoesinst588html Acesso em 26 mar 2020 Ver também COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Crowdfunding de Inves timento Cadernos CVM v 12 Rio de Janeiro Comissão de Valores Mobiliários 2019 Dispo nível em httpswwwinvestidorgovbrportaldoinvestidorexportsitesportaldoinvesti dorpublicacaoCadernosCVMCaderno12pdf Acesso em 26 mar 2020 des objeto deste estudo a Instrução é interessante ao elencar dentre os deveres das plataformas o de tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência informando ainda que as platafor mas podem ser responsabilizadas pela falta de diligência ou omis são em diversas situações elencadas em nove alíneas vide art 19 I Os Estados Unidos por sua vez também contam com uma regulação para o crowdfunding na modalidade de participações O primeiro marco nesse sentido foi o denominado JOBS Act Jumpstart Our Business Startups Act de 201281 que trata do crowd funding em seu Título III também chamado de Capital Raising Onli ne While Deterring Fraud and Unethical NonDisclosure Act of 2012 o CROWDFUND Act De modo análogo a emissão de participação societária é regulada pela Securities Act de 193382 sendo o controle da fraude regulada pelo Securities Exchange Act de 193483 Em 16 de maio de 2016 o país passou a ter uma regulamenta ção específica a Regulation Crowdfunding8485 para disciplinar o mencionado crowdfunding de participações 176 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 81 ESTADOS UNIDOS Jumpstart Our Business Startups Act tit III Pub L 112106 126 Stat 306 2012 Disponível em httpswwwgpogovfdsyspkgBILLS112hr3606enrpdfBILLS 112hr3606enrpdf Acesso em 30 jun 2016 82 Em especial vejase a seção 4a6 SEC Securites Act of 1933 Disponível em httpswwwsecgovaboutlawssa33pdf Acesso em 30 jun 2016 83 Em especial vejase a Rule 10b5 SEC Securities Exchange Act of 1934 Disponível em httpswwwsecgovaboutlawssea34pdf Acesso em 30 jun 2016 84 The Securities and Exchange Commission today october 30 2015 adopted final rules to permit companies to offer and sell securities through crowdfunding In SEC SEC Adopts Rules to Permit Crowdfunding Proposes Amendments to Existing Rules to Facilitate Intrastate and Regional Securities Offerings US Securities and Exchange Comission Disponível em httpswwwsecgovnewspressrelease2015249html Acesso em 30 jun 2016 85 The final rules and forms are effective May 16 2016 except that instruction 3 adding part 227 and instruction 14 amending Form ID are effective January 29 2016 In SEC Regulation Crowdfunding Securities and Exchange Comission Release Nos 339974 3476324 File No S70913 Disponível em httpswwwsecgovrulesfinal2015339974pdf Acesso em 30 À maneira do regramento da CVM as disposições aprovadas nos EUA permitem antecipar como tende a ser a responsabilização civil das plataformas de crowdfunding em suas diversas modalida des nos casos de fraude praticadas por terceiros A regulação norteamericana fixou diversos parâmetros a se rem seguidos tanto pelos investidos denominados issuers quanto pelas plataformas no texto original intermediaries Em suma as plataformas de crowdfunding têm o dever de verificar a medida em que os investidos respeitaram tais parâmetros averiguando se eles possuem e merecem credibilidade Não sendo apuradas irregularida des as plataformas não respondem por eventuais omissões ilegalida des ou pela fraude perpetuada pelos investidos sua responsabilida de existe mas é subjetiva e depende da demonstração da ocorrência de algum tipo de negligência ou culpa por parte da plataforma em questão86 87 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 177 jun 2016 p 01 86 In satisfying the requirements of Rule 301a we emphasize that an intermediary has a responsibility to assess whether it may reasonably rely on an issuers representation of com pliance through the course of its interactions with potential issuers643 We agree with com ments that an intermediary seeking to rely on an issuer representation should consider whether the representation is detailed enough to evidence a reasonable awareness by the issuer of its obligations and its ability to comply with those obligations The specific steps an intermediary should take to determine whether it can rely on an issuer representation may vary but should be influenced by and tailored according to the intermediarys knowledge and comfort with each particular issuer We believe this approach is generally consistent with the view of one commenter that suggested a tiered approach to compliance obligations where intermediaries should conduct more rigorous compliance reviews and background checks as risk factors in crease In SEC Regulation Crowdfunding Securities and Exchange Comission Release Nos 339974 3476324 File No S70913 Disponível em httpswwwsecgovrulesfinal201533 9974pdf Acesso em 30 de jun 2016 p 169 87 First crowdfunding intermediaries should be liable if they have actual knowledge that statements posted by others on their platforms are false or if they are aware of red flags that should make them aware of the fraud BRADFORD C Steven Shooting the Messenger The Liability of Crowdfunding Intermediaries for the Fraud of Others 1º de maio de 2015 83 University of Cincinnati Law Review 371 2015 Disponível em httpssrncomabs tract2460000 Acesso em 30 jun 2016 p 408409 No que diz ao crowdfunding de prévenda e recompensa no direito brasileiro acreditase que a mesma lógica deve ser aplicada E tal se dá se dá por uma série de razões Em primeiro lugar quanto ao crowdfunding de recompensa viuse que a principal relação jurídica estabelecida é análoga a uma doação com encargo Logo é evidente não se caracterizar relação de consumo na medida em que não há retirada de um bem da cadeia produtiva88 as partes não são credoras e devedoras entre si89 nem se verifica uma habitualidade Assim a responsabilidade daqueles que recebem investimento é subjetiva e no caso de fraude90 não pode ser a plataforma de crowdfunding solidariamente responsável salvo comprovada culpa A relação jurídica estabelecida no crowdfunding de préven da por sua vez possui características passíveis de enquadramento em uma relação consumerista em que há responsabilização objetiva do fornecedor e em certos casos solidária e objetiva dos intermediá rios A relação entre o investido e investidor portanto pode ser con siderada análoga à entre fornecedor e consumidor Entretanto defen dese que a responsabilidade objetiva do investido não é a mesma da plataforma intermediária sem regime de necessária solidariedade Como visto o art 19 do Marco Civil da Internet coloca ser subjetiva a responsabilidade do provedor de aplicações de internet 178 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 88 Ato de consumo é o ato através do qual um sujeito consumidor adquire um bem ou serviço a fim de ser seu utilizador final retirandoo da cadeia produtiva GOMES Marcelo Kokke Responsabilidade Civil Dano e Defesa do Consumidor Belo Horizonte Del Rey 2001 p 90 89 Na relação de consumo tais elementos são o fornecedor de produtos e o prestador de serviços de um lado e o consumido do outro lado Na grande maioria das vezes as partes são credoras e devedoras entre si eis que prevalecem nas relações de consumo as hipóteses em que há proporcionalidade das prestações sinalagma TARTUCE Flávio Manual do Di reito Consumidor Direito Material e Processual Rio de Janeiro Forense e São Paulo Método 2012 p 60 90 Em que naturalmente haverá dolo por danos causados por terceiros Em vista da amplitude do conceito provedor de aplicações na internet temse que as plataformas onli ne para captação pública de recursos podem ser nele enquadradas Com isso na medida em que os projetos financiados seriam conteú do de terceiros o Marco Civil da Internet impede que as plataformas de crowdfunding sejam objetivamente responsabilizadas Não fosse isso o bastante mas responsabilizar objetivamente as plataformas de crowdfunding pela fraude de terceiros seria mes mo ir na contramão da inovação pois inviabilizaria a própria ativi dade de captação de recursos o que viola os mencionados princípios constituicionais da livre iniciativa e do fomento à inovação As plataformas de crowdfunding não podem ser responsabili zadas pelo simples insucesso do projeto financiado pois esse risco é inerente ao próprio investimento No caso de fraude pelos terceiros investidos hipótese aqui analisada temse que a responsabilidade das plataformas pode existir mas apenas na constatação de dolo ou culpa À maneira do que coloca a ICVM 588 e o Crowdfunding Regu lation norteamericano defender a ausência de responsabilidade no crowdfunding também não seria adequado pois abriria margem à total negligência das plataformas quanto aos projetos nela expos tos É importante haver algum controle sobre os projetos ofertado Por exemplo as plataformas podem exigir as informações básicas daqueles que pretendem ser financiados o plano para execução do projeto ou mesmo efetuar uma análise superficial da viabilidade do pretendido Por conseguinte as plataformas podem ser responsáveis pela fraude praticada por terceiros mas essa responsabildiade é subjetiva sendo imperiosa a análise do caso concreto para apurarse em que medida os danos aos investidores poderiam ter sido evitados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 179 Conclusões O modelo de negócios proposto pelo crowdfunding já é uma realidade e veio para ficar Resta ao direito buscar compreendêlo para que seja possível regulálo Imputar uma responsabilidade solidária e objetiva às platafor mas de crowdfunding quanto à fraude praticada por terceiros inves tidos poderia inviabilizar esse modelo motivo pelo qual se faz neces sário perceber que a proteção ao consumidor não pode ser defendida a qualquer custo Mesmo porque o enquadramento das relações esta belecidas por meio das plataformas como relações consumeristas não é de todo adequado Enquanto as respostas não são sedimentadas é importante que a busca pela minoração de riscos seja sempre buscada Assim ainda que se entenda pela responsabilidade subjetiva das plataformas de crowdfunding recomendase que elas sejam sempre diligentes em filtrar projetos fraudulentos E mais recomendase que seus riscos sejam securitizados Como nem o direito brasileiro nem o norteamericano chega ram a um consenso quanto ao regime de responsabilidade civil ade quado ao crowdfunding uma alternativa que deve ser pensada é a confecção de seguros privados91 Tanto os proponentes dos projetos a serem investidos poderiam providenciar o seguro como forma de garantir sua credibilidade perante o mercado como poderiam ter as plataformas a iniciativa para tanto resguardandose contra eventual e possível tendo em vista as incertezas que cercam a disciplina responsabilidade por condutas fraudulentas em prejuízo dos investidores 180 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 91 Quanto ao assunto no Direito norteamericano vejase LI Timothy Q Fraud in Crowd funding and Antifraud Insurance 12 de maio de 2013 Disponível em httpssrncomabs tract2273263 Acesso em 30 jun 2016 O advento das novas tecnologias demonstra que muitas ve zes o direito não oferece respostas óbvias aos problemas que estão por surgir Portanto mais do que nunca será necessário envidar es forços para pensar em e talvez repensar formatos para essa interface entre o jurídico e o tecnológico RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 181 Polyform Nonpareil EZCast ACCOUNTABILITY E DEVIDA DILIGÊNCIA COMO VETORES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NOS MERCADOS RICOS EM DADOS1 ACCOUNTABILITY AND DUE DILIGENCE AS VECTORS OF CORPORATE GOVERNANCE IN DATARICH MARKETS José Luiz de Moura Faleiros Júnior Resumo Quando se pensa na governança de dados o que se pretende destacar é um desdobramento natural da governança cor porativa cujas origens remontam ao século XX e ao início do fenô meno da globalização em que as empresas passaram a se integrar dinamicamente em transações mais rápidas exigindo sistematização de processos e o contato pokela Rede Mundial de Computadores A partir dessa premissa o presente trabalho buscará esclarecer quais são as diretrizes adequadas para a implementação de políticas de proteção de dados pessoais que configurem o que a doutrina cha ma de governança de dados considerada mais específica do que a governança corporativa embora conexa a ela especialmente a partir de dois vetores aqui tomados como hipótese da pesquisa proposta o primeiro a accountability desdobrada da compreen são traçada quanto à governança e às boas práticas para a proteção de dados pessoais a segunda a devida diligência empresarial due diligence considerada importante elemento para a completa com preensão do princípio da prevenção A pesquisa será realizada a par tir do método dedutivo com aportes bibliográficos Ao final uma conclusão será apresentada RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 183 1 Artigo recebido em 09092021 e aceito em 11102021 Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo USPLargo de São Francisco Doutorando em Direito na área de estudo Direito Tecnologia e Inovação pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia UFU Especialista em Direito Digital Direito Civil e Empresarial Advogado E mail jfaleirosuspbr Palavraschave Accountability Devida diligência Governan ça corporativa Mercados ricos em dados Governança de dados Abstract When thinking about data governance what is inten ded to be highlighted is a natural offshoot of corporate governance which dates back to the 20th century and the beginning of the phe nomenon of globalization in which companies began to dynamically integrate in faster transactions demanding systematization of proc esses and contact by the World Wide Web Based on this premise this paper will seek to clarify which are the appropriate guidelines for the implementation of personal data protection policies that configure what the doctrine calls data governance considered more specific than corporate governance although connected to it especially in light of two vectors taken here as the hypothesis of the proposed research the first accountability which unfolds from the under standing of governance and good practices for the protection of per sonal data the second corporate due diligence considered an im portant element for the complete understanding of the principle of prevention The research will be carried out using the deductive met hod with bibliographic contributions At the end a conclusion will be presented Keywords Accountability Due diligence Corporate govern ance Datarich markets Data governance Sumário Introdução 1 Os mercados ricos em dados e sua preponderância na socieda de da informação 2 Accountability como primeiro vetor governança e boas práticas na proteção de dados pessoais 3 A devida diligência como segundo vetor um desdo bramento virtuoso do princípio da preven ção Conclusão Introdução A evolução da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos ao ambiente virtual vêm tornando cada vez 184 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 maior o volume de informações que circula pela rede configurando o que se convencionou chamar de Big Data o que contribui para o aumento dos riscos de responsabilização pela má curadoria de dados pessoais em decorrência do tratamento dispensado às informações coletadas de forma desordenada cujos maus resultados são previsí veis a configurar o tratamento irregular descrito no artigo 44 II da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Lei nº 137092018 Quando se pensa na governança de dados o que se pretende destacar é um desdobramento natural da governança corporativa cu jas origens remontam ao século XX e ao início do fenômeno da glo balização em que as empresas passaram a se integrar dinamicamente em transações mais rápidas exigindo sistematização de processos e o contato pela Rede Mundial de Computadores Tratase de reconhe cer que as redes não são absolutamente seguras e que não bastam leis que resguardam a privacidade e a proteção de dados pessoais para que se tenha efetiva preservação de direitos Há interações de todos os níveis e em todos os segmentos o que denota exatamente esse aspecto de fluidez da tecnologia e a re levância que este tema tem para a implementação da governança cor porativa Por isso na sociedade hiperconectada é preciso ir além da norma pois já não restam dúvidas do virtuoso papel da governança pautada em processos e na gestão de riscos relacionados às boas prá ticas relativas a dados Nunca se falou tanto em compliance e a prin cipal razão possivelmente é decorrência dessa característica A implementação de políticas de governança de dados permi te diagnosticar zonas de risco e prevenir responsabilidades quanto à gestão dos dados pessoais notadamente em face do longo período que se leva até que um marco regulatório específico seja introjetado na sociedade A partir dessa premissa o presente trabalho buscará esclarecer quais são as diretrizes adequadas para a implementação de políticas de proteção de dados pessoais que configurem o que a dou trina chama de governança de dados especialmente com o objetivo de prevenir demandas e responsabilidades a partir da devida diligên RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 185 cia empresarial due diligence Com fulcro nessa premissa e no obje tivo de tecer considerações mais assertivas sobre o tema proceder seá à análise comparativa por meio de pesquisa bibliográfica en tre a governança corporativa mais ampla e a de dados mais espe cífica A hipótese da pesquisa almejada será estruturada a partir de dois vetores o primeiro a accountability desdobrada da compreen são traçada quanto à governança e às boas práticas para a proteção de dados pessoais a segunda a devida diligência empresarial due diligence considerada importante elemento para a completa com preensão do princípio da prevenção A pesquisa será realizada a par tir do método dedutivo com aportes bibliográficos Ao final uma conclusão será apresentada 1 Os mercados ricos em dados e sua preponderância na socie dade da informação Quando os shareholders delegam ao administrador o poder de gestão da empresa entendimentos distintos sobre os melhores procedimentos a serem adotados no zelo quanto ao desenvolvimento corporativo podem conduzir a distorções de interesses de vários ou tros envolvidos na estrutura corporativa stakeholders É exatamente isso que a governança corporativa procura superar explicitando e até mesmo definindo regras cuja observância representa a conformidade compliance dos membros da corporação2 a valores éticos que se introjetam nas rotinas e atividades 186 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 Sobre a governança corporativa Mariana Pargendler destaca seu valor e a proeminência do debate em torno de sua propagação Given the prominence of the corporate governance agenda in the academic and public spheresand its resilience despite variations in the specific issues of the dayfurther appraisals of its normative implications are badly needed There are two competing normative justifications for the obsession with corporate governance whereas the first view is based on the relationship between corporate governance and shareholder value the second conception assumes a direct effect of corporate governance practices on Sobre o tema convém ressaltar que o compliance termo usualmente empregado como um conceito geral advém do verbo inglês to comply que em tradução livre sinaliza o ato de agir de acordo com as regras englobando leis marcos regulatórios infrale gais e normativas internas e externas do mercado ou da própria cor poração Não obstante algumas empresas focam em regulamentos internos sem alinhálos com as questões jurídicas pertinentes em es pecial aquelas que dizem respeito à inovação e às mudanças propi ciadas por transformações no ambiente regulatório As boas práticas de governança corporativa convertem princí pios básicos em recomendações objetivas alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo pra zo da organização facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização sua longevidade e o bem comum3 Noutras palavras podese dizer que governança corporativa é um conjunto de estratégias utilizadas para administrar a relação entre os acionistas gestores investidores parceiros e que tem a função de parametrizar a direção estratégica e o desempenho das organizações Apesar de ser assunto recorrente no século XXI não se trata de tema muito antigo com origens histórias que remontam ao famoso Caso Watergate mas com estruturação mais recente já que se considera que a publicação em 1992 do Relatório Cadbury RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 187 nonshareholder constituencies and social welfare more generally PARGENDLER Mariana The corporate governance obsession The Journal of Corporation Law Iowa City v 42 n 2 p 359402 2016 p 395 3 De acordo com André Luiz Carvalhal da Silva que cita entendimento adotado pela Comis são de Valores Mobiliários podese conceituar a Governança Corporativa como o conjun to de práticas que tem por finalidade melhorar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas por exemplo investidores empregados e credores facilitando o acesso ao capital Segundo essa definição a análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve principalmente a transparência equidade de trata mento dos acionistas e prestação de contas SILVA André Luiz Carvalhal da Governança corporativa e decisões financeiras no Brasil 2 ed Rio de Janeiro Mauad 2005 p 15 foi o marco inicial do tema sendo este o primeiro código de boas práticas corporativas4 Por sua vez a governança de Tecnologia da Informação TI contempla o conjunto de políticas normas métodos e procedimen tos estipulados com a finalidade de permitir à administração o contro le da utilização de Tecnologia da Informação buscando uma eficien te utilização de recursos minimização de riscos e o apoio aos proces sos da organização empresarial5 Seu objetivo portanto é garantir que o uso da TI agregue valor ao negócio Para o Information Tech nology Governance Institute ITGI tratase de responsabilidade exi gível dos executivos e da alta direçãoadministração6 consistindo em aspectos de liderança estrutura organizacional e processos que ga 188 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 4 Em 1991 no Reino Unido foi criado o Comitê Cadbury presidido por Adrian Cadbury com o objetivo de delinear os pilares da governança corporativa As duas principais recomendações do Código eram i que os conselhos de empresas de capital aberto incluíssem pelo menos três diretores não executivos e ii que os cargos de CEO Chief Executive Officer e Presidente do Conselho dessas empresas deveriam ser ocupados por duas pessoas diferentes 5 FERNANDES Aguinaldo Aragon ABREU Vladimir Ferraz Implantando a Governança de TI da estratégia à gestão dos processos e serviços 2 ed Rio de Janeiro Brasport 2008 p 23 6 Partindo da ideia de que a cúpula estratégica da corporação está sujeita a erros Michael Jensen e William Meckling escreveram seu emblemático artigo Theory of the firm Teoria da firma no português publicado em 1976 no qual declararam a inexistência do agente per feito em qualquer organização Nos dizeres dos próprios autores While the literature of eco nomics is replete with references to the theory of the firm the material generally subsumed under that heading is not actually a theory of the firm but rather a theory of markets in which firms are important actors The firm is a black box operated so as to meet the relevant mar ginal conditions with respect to inputs and outputs thereby maximizing profits or more accu rately present value Except for a few recent and tentative steps however we have no theory which explains how the conflicting objectives of the individual participants are brought into equilibrium so as to yield this result The limitations of this black box view of the firm have been cited by Adam Smith and Alfred Marshall among others More recently popular and professional debates over the social responsibility of corporations the separation of owners hip and control and the rash of reviews of the literature on the theory of the firm have evidenced continuing concern with these issues JENSEN Michael MECKLING William H Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure Journal of Financial Economics Nova York v 3 n 4 p 305360 out 1976 p 308 rantam que a área de TI da organização consiga suportar e aprimorar seus objetivos e estratégias O foco da governança corporativa é direcionar e monitorar a gestão da instituição7 ao passo que o foco da governança de TI é direcionar e monitorar as práticas de uso de TI de uma organização8 É grande aliada da governança corporativa com papel de destaque na estruturação de diretrizes responsabilidades competências e ha bilidades assumidas pelas organizações objetivando controlar pro cessos garantir a segurança das informações otimizar a utilização de recursos e dar suporte para a tomada de decisões alinhadas com os interesses de stakeholders Percebese que a governança de TI está dentro da governança corporativa sendo parte indestacável dela neste modelo globalizado das corporações em que a Internet se tornou instrumento preponde rante das relações jurídicas Tem as seguintes áreas de foco i estratégia processos do negócio e os de tecnologia devem trabalhar conjuntamente ii valor acrescentar inovações ao negócio visando a um diferencial para efi ciência e eficácia iii riscos visualização e gerenciamento de riscos visando a minimizálos é também uma forma de agregar valor iv recursos neste caso o papel da governança de TI é garantir que a gestão dos recursos humanos e tecnológicos da empresa seja a mais otimizada possível v desempenho deve auxiliar a visualizar os re sultados do negócio mediante indicadores9 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 189 7 Cf ABREU Jorge Manuel Coutinho de Governação das sociedades comerciais Coimbra Almedina 2010 p 734 GILSON Ronald From corporate law to corporate governance ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 324 set 2016 Disponível em httpssrncomabstractid2819128 Acesso em 09 set 2021 8 SELIG Gad J IT Governance an integrated framework and roadmap how to plan deploy and sustain for improved effectiveness Journal of International Technology and Information Management San Bernardino v 25 n 1 p 5576 2016 p 5960 9 Pertinente nesse contexto a discussão sobre o valor do conhecimento para a corporação que se inicia com os clássicos escritos de Fritz Machlup que até mesmo revisitam a Teoria Como foi dito uma nova estrutura econômica política e cul tural surgiu devido ao fenômeno da globalização que se iniciou com a liberação ampla do comercio exterior e posteriormente foi possível perceber que o foco passou para os mercados financeiros10 Porém apesar de todos os benefícios que a globalização financeira trouxe incluindo a possibilidade e as facilidades de investir no mercado ex terno e conquistar novos clientes e investidores é preciso ressaltar que as realidades são diferentes em cada país As políticas financeiras das instituições e empresas que atuam nesses mercados nem sempre seguem parâmetros éticos preocupação social ou respeito aos inves tidores podendo gerar enormes discrepâncias e prejuízos a todos aqueles envolvidos nas diversas etapas de exploração de suas ativida des Nasce no plano global uma estrutura de prevalência ampla da governança corporativa catalisada pelas diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE inserin 190 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 da Firma In welfare economics the firm is an imaginary or a typical reactor or initiator with accurate knowledge of his opportunities Depending on the proposition in question all com binations are again possible but in any case a new requirement is introduced accurate know ledge of the environmental conditions on the part of all reactors and initiators MACHLUP Fritz Theories of the firm marginalist behavioral managerial American Economic Review Pittsburgh v 57 n1 p 133 mar 1967 p 27 Ainda sobre o tema é importante destacar que uma vertente doutrinária foi totalmente construída em torno da reconstrução da teoria em questão que passou a ser baseada no conhecimento considerado o recurso estrategicamente mais significativo de uma empresa Seus proponentes argumentam que como os recursos ba seados em conhecimento são geralmente difíceis de imitar e socialmente complexos as bases de conhecimento e capacidades heterogêneas entre as empresas são os principais determinan tes da vantagem competitiva sustentada e do desempenho corporativo superior Sobre o tema conferir GRANT Robert M Toward a KnowledgeBased Theory of the Firm Strategic Manage ment Journal Nova Jersey v 17 p 109122 janmar 1996 KOGUT Bruce ZANDER Udo The network as knowledge generative rules and the emergence of structure Strategic Mana gement Journal Nova Jersey v 21 2000 p 405425 10 Denotando esta preocupação Joseph Stiglitz aduz que O maior desafio não está apenas nas instituições propriamente ditas mas nas mentalidades para que se alcancem os benefícios potenciais da globalização é necessário cuidar do meio ambiente garantir que os pobres te nham voz nas decisões que os afetam e promover a democracia e o justo comércio STIGLITZ Joseph E A globalização e seus malefícios São Paulo Futura 2002 p 265 do a eficácia horizontal dos direitos humanos no plano das relações econômicas11 em consonância com as políticas de integridade alme jadas e suas repercussões Sem dúvidas os princípios orientadores oferecem instruções valiosas para que as corporações exerçam atividades empresariais de forma ética mitigando os impactos negativos e elevando as expecta tivas de atendimento aos padrões de compliance em sintonia com o arcabouço normativo existente para a definição das políticas e proce dimentos de conformidade integrando o referido rol dentre outros os instrumentos internacionais e regionais12 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 191 11 Sobre tal tema Eduardo SaadDiniz defende a estruturação de uma justiça de transição corporativa cuja principal promessa é justamente o fato de que ela representa a abertura ao diálogo e à participação das empresas fundamentada em obrigação moral e propósito demo crático na transição e no enfrentamento à ascensão de dinâmicas autoritárias A um só tempo a JTC dinamiza a avaliação crítica sobre a desestabilização dos procedimentos demo cráticos que advém do setor privado e revê o papel das empresas na sociedade de tal forma a inspirar iniciativas corporativas inovadoras orientadas à reconstrução social pósconflito SAADDINIZ Eduardo Justiça de transição corporativa a nova geração de estudos transicio nais Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 167 ano 28 p 71128 mai 2020 p 117 Comentando a necessidade de compreensão da finalidade da responsabilidade social da empresa com destaque para o meio ambiente que é outro vetor importantíssimo dessa transformação de contornos mais amplos Renata Albuquerque Lima e Doralúcia Azevedo Rodrigues enfatizam que a busca pela conscientização das empresas e dos consumidores en contra como obstáculos no capitalismo a extrema competitividade e a dificuldade em voltar recursos para a preservação ambiental mas também é possível observar que a busca pela atuação de grupos empresariais que possuem boa reputação e são responsáveis perante o meio ambiente está entre as atuais preferências do mercado econômico LIMA Renata Albuquerque RODRIGUES Doralúcia Azevedo Os desafios da empresa no século XXI a conciliação entre a responsabilidade socialambiental e a atividade lucrativa Revista Semestral de Direito Empre sarial Rio de Janeiro n 24 p 169195 janjun 2019 p 195 12 Analisando as diferenças entre os modelos norteamericano e europeu de governança cor porativa bem como seus reflexos sobre o desenvolvimento da dogmática em torno da matéria cf GELTER Martin Comparative corporate governance old and new ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 321 jul 2016 Disponível em httpsssrncomabs tract2756038 Acesso em 09 set 2021 Ressaltando a importância da luta contra a corrupção e traçando um paralelo entre o Canadá e o Brasil cf BOUCHARD Charlaine FÉRES Marcelo Andrade ONANA Édouard La lutte contre la corruption en droit international et dans les pratiques locales entre normativisation effectivité et incohérences les cas du Québec et du Brésil In FORTINI Cristiana LARA Fabiana Teodoro FÉRES Marcelo Andrade Org Estado Nos dizeres de Newton De Lucca Enfim ao cabo de todas as reflexões desenvolvi das até aqui pareceme razoável e mais do que razoável prudente imaginarse que a ética em presarial só teria condições de prosperar efetiva mente se fosse semeada num contexto social e numa época em que os valores mais profundos da dignidade do ser humano estivessem consa grados nas convenções sociais com característi cas jurídicas de costume Ora no atual mundo globalizado da economia será que somente o Estado como fonte exclusiva do direito que é pode resolver os conflitos de interesses existen tes seja pela disciplina expressa das normas es critas seja pela interpretação e aplicação das cha madas cláusulas gerais 13 Para sistematizar o que se almeja com a governança criouse a sigla GRC que tem ganhado peso em todos os estudos relaciona dos à governança corporativa à gestão de riscos e ao compliance14 O G representa a governança e se relaciona aos parâmetros de con trole supervisão e gestão de uma companhia envolvendo análise organização metas processos e objetivos O R trata dos riscos exis tentes inerentes ao negócio e outros que possam ocorrer por fatores internos ou externos envolvendo um trabalho preventivo de mapea mento para que condutas indesejadas não sejam praticadas e desen cadeiem eventual responsabilização O C cuida do compliance pro priamente dito que está ligado a questões de diversas matérias não 192 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 e empresa encontros e desencontros em matéria de corrupção e programas de integridade Belo Horizonte DPlácido 2021 p 55 6076 113120 13 DE LUCCA Newton Da ética geral à ética empresarial São Paulo Quartier Latin 2009 p 414 14 Cf SOKOL Daniel D Cartels corporate compliance and what practitioners really think about enforcement Antitrust Law Journal Gainesville v 78 n 201 p 201240 2012 apenas financeiras jurídicas ou contábeis mas até comportamentais e de posturas Essa fórmula revela análise jurídica e técnica que transcende o Direito impondo um diálogo transversal e interdiscipli nar15 No mundo corporativo preponderam hoje mercados ricos ou movidos a dados datarich ou datadriven markets16 o que desper tou os olhares de empresas e de diversas organizações para a necessi dade do fino trato das informações trocadas por meio da Internet primando pela prevenção de danos quanto ao incessante fluxo de da dos pois com o avanço da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos à web tornase cada vez maior o volume des ses fluxos que podem ser estruturados ou não A despeito disso a grande preocupação que surge não diz respeito à quantidade de da dos mas ao tratamento dispensado pelas grandes corporações às informações pois marcos regulatórios especificamente direcionados à proteção da privacidade e dos dados pessoais passam a lhes impor deveres Falase em linhas mais específicas no atendimento aos dita mes dos marcos regulatórios vigentes e especificamente ligados à proteção de dados pessoais aos serviços à integração de tecnolo gias à segurança da informação e à TI em relação ao próprio negó cio Evidentemente tratase de uma disciplina inerente à governança corporativa e que visa ao atendimento das necessidades específicas da presença das Tecnologias de Informação e Comunicação TICs na empresa além do controle informacional no ambiente corporativo amplamente considerado No Brasil a proteção aos grandes fluxos de informações é compreendida a partir de um conjunto de leis composto pelo Marco RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 193 15 FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Notas introdutórias ao compliance digital In CA MARGO Coriolano Almeida CRESPO Marcelo CUNHA Liana SANTOS Cleórbete Coord Direito digital novas teses jurídicas 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2019 p 123 16 MAYERSCHÖNBERGER Viktor RAMGE Thomas Reinventing capitalism in the age of Big Data Nova York Basic Books 2018 p 87108 Civil da Internet Lei nº 12965 de 23 de abril de 2014 pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Lei nº 13709 de 14 de agosto de 2018 e pela Lei de Acesso à Informação Lei nº 12527 de 18 de no vembro de 2011 apenas para exemplificar Segundo Juliano Madalena Portanto para a correta aplicação do direito na internet é de suma importância a análise da rela ção jurídica que dialoga com este fenômeno Por certo o regime jurídico da internet obedece complexa tarefa interpretativa exigindo um es forço multidisciplinar que possibilite a extração do conjunto dos fatos para a constituição de uma matéria Contudo considerando os aspectos jurí dicos que a internet oferece à vida social é possí vel assentar a existência de uma disciplina parti cular do direito que opera criando e balizando regras sociais de direito objetivo e subjetivo17 Porém a existência de regulamentos escritos não esgota o tema eis que não são raros os exemplos difundidos na mídia sobre contrapontos jurídicos de direitos fundamentais que enfrentam carên cia de delimitação axiológica quando invocados para dar solução a relações travadas no mundo virtual18 principalmente na hipótese em que tais relações sejam capazes de acarretar danos Isto não afasta do 194 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 MADALENA Juliano Regulação das fronteiras da Internet um primeiro passo para uma teoria geral do direito digital In MARTINS Guilherme Magalhães LONGHI João Victor Rozatti Coord Direito digital direito privado e Internet 4 ed Indaiatuba Foco 2021 p 186 18 Segundo van Dijk essa é a terceira fraqueza da proteção jurídica conferida à privacidade The third weakness of legal privacy protection is that it still deals almost exclusively with informational privacy It is a matter of data protection However ICT in general and media networks in particular increasingly enter the areas of relational and physical privacy As a result applications such as email calling line identification video surveillance with storage of recor dings and all kinds of monitoring of Internet use are poorly protected VAN DIJK Jan The network society 2 ed Londres Sage Publications 2006 p 118119 campo de cognição do Direito contudo a importância do controle regulatório como destaca James Beniger Cada nova inovação tec nológica estende os processos que sustentam a vida social humana aumentando assim a necessidade de controle e a melhoria da tecno logia de controle19 E no contexto específico dos dados os dilemas enfrentados são usualmente de grande complexidade O aumento dos riscos de responsabilização pela má gestão de dados pessoais em decorrência do tratamento dispensado às informações coletadas de usuários gera problemas de governança na medida em que a inadequada curadoria de dados frequentemente remete a um contexto de previsibilidade de falhas gerando tratamento irregular de dados pessoais art 44 II LGPD20 Em suma a delimitação de políticas adequadas permite iden tificar zonas de risco para que antes mesmo da realização do trata mento de dados se possa prevenir responsabilidades quanto à gestão de dados pessoais É nesse aspecto que o próprio conceito de trata mento irregular definido pela LGPD exsurge pois o inciso II do arti go 44 da lei descreve exatamente a importância de que os riscos e resultados sejam considerados na aferição do mencionado conceito Se o avanço da tecnologia representa fenômeno irrefreável e que certamente dará o tom da produção normativa no século XXI além de irradiar efeitos sobre os diversos assuntos pertinentes à vida em sociedade como a economia a política e a inclusão social defi nindo as bases da chamada sociedade da informação também será a tecnologia o elemento de maior impacto para a Ciência do Direito RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 195 19 BENIGER James R The control revolution technological and economic origins of the in formation society Cambridge Harvard University Press 1986 p 434 tradução livre No origi nal Each new technological innovation extends the processes that sustain human social life thereby increasing the need for control and for improved control technology 20 CROOTOF Rebecca The Internet of Torts expanding civil liability standards to address corporate remote interference Duke Law Journal Durham v 69 p 583667 2019 p 665 que deverá se aprimorar para não permitir que a inovação ofusque a capacidade regulatória do Estado21 É nesse cerne que a governança corporativa passa a incidir com o fito de direcionar e monitorar a gestão de determinada empre sa ou instituição são definidos padrões de conduta adequados por sua vez o foco da governança de TI se torna mais categórico passan do a direcionar e monitorar as práticas de uso das TICs em uma orga nização E finalmente com a constatação de que o elemento central do desenvolvimento tecnológico é hoje baseado no Big Data surge a governança de dados Extraída do contexto maior da governança cor porativa e tangenciando pontos da Governança de TI a de dados foca em princípios de organiza ção e controle sobre esses insumos essenciais para a produção de informação e conhecimento das empresas O controle mais estrito e formal de dados não é um desafio surgido nos dias de hoje Os dados dentre os insumos corporativos são aqueles que mais apresentam características de fluidez perpassam diversos processos e sofrem mais transmutações pois são trabalhados em di versos pontos do seu ciclo de vida dando origem a outros além de nem sempre possuírem uma fonte e um destino claramente formalizados22 Tratase basicamente de grande aliada da governança corpo 196 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 MARQUES NETO Floriano de Azevedo Pensando o controle da atividade de regulação estatal In GUERRA Sérgio Coord Temas de direito regulatório Rio de Janeiro Freitas Bas tos 2005 p 202 Comenta A atividade regulatória é espécie do gênero atividade administra tiva Mas tratase de uma espécie bastante peculiar Como já pude afirmar em outra oportuni dade é na moderna atividade regulatória estatal que melhor se manifesta o novo paradigma de direito administrativo de caráter menos autoritário e mais consensual aberto à interlocução com a sociedade e permeado pela participação do administrado 22 BARBIERI Carlos Governança de dados Rio de Janeiro Alta Books 2019 p 35 rativa com papel de destaque na estruturação de diretrizes respon sabilidades competências e habilidades assumidas pelas organiza ções e por seus membros com o intuito de controlar processos ga rantir a segurança das informações otimizar a utilização de recursos23 e dar suporte para a tomada de decisões alinhadas com os interesses definidos na legislação de regência A preocupação com a governança corporativa a nível legisla tivo aportou no Brasil de forma marcante no final do Século XX influenciada pelos seguintes eventos em 1992 foi editada a Lei de Improbidade Administrativa brasileira Lei nº 842992 em 1995 foi publicada a Basileia I que definiu regras para o mercado financei ro24 Já em 1997 foi editada a Convenção sobre o Combate da Cor rupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comer ciais Internacionais ratificada pelo Brasil e promulgada internamente pelo Decreto nº 36782000 em 1998 foi publicada no Brasil a Lei nº 9613 que definiu os crimes de lavagem e ocultação de bens e criou o COAF ainda em 1998 foi publicada a Resolução nº 2554 dispondo sobre a implementação de sistemas de controles internos nas corporações25 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 197 23 Importante destaque deve ser conferido às boards nas estruturas de governança corporativa The board of directors operates within a system of corporate governance Governance systems can be roughly grouped according to whether the operation of the company by the board is determined by market forces outsider control or by mechanisms within the corporation and by its networks insider control HOPT Klaus LEYENS Patrick C The structure of the Board of Directors boards and governance strategies in the US the UK and Germany ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 567 mar 2021 Disponível em httpsssrncomabs tract3804717 Acesso em 09 set 2021 24 FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Administração Pública Digital proposições para o aperfeiçoamento do Regime Jurídico Administrativo na sociedade da informação Indaiatuba Foco 2020 p111112 25 O tema é de grande importância e também inspirou a adesão do Brasil a outros importantes atos multilaterais como anotam Natália Chaves e Marcelo Féres Nas últimas décadas a luta contra a corrupção assumiu proporções globais O mundo levantou essa bandeira e muitas foram as convenções editadas sobre a matéria O Brasil também se engajou nessa causa e tornouse signatário de vários atos multilaterais como por exemplo a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais In Além disso em 2009 o Banco Central do Brasil publica a Cir cular nº 3461 que consolidou todos os normativos relativos às ativi dades de prevenção à lavagem de dinheiro Por sua vez foi promul gada no ano de 2012 a Lei nº 12683 com importantes mudanças na lei de lavagem de capitais Também é importante destacar o advento da Lei de Defesa da Concorrência Lei nº 1252911 da Lei Anticor rupção brasileira Lei nº 1284613 e de seu Decreto regulamentador Decreto nº 842015 Devido ao incremento no uso da Internet como ferramenta de comunicação e de interação social surgiram diversas questões desa fiadoras para o Direito particularmente o Civil e o do Consumidor uma vez que se verificou a necessidade de regulamentar os direitos26 deveres e responsabilidades no uso da rede com atenção às peculia ridades desse ambiente virtual27 198 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 ternacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE de 1997 Decreto n 36782000 a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 1996 De creto n 441002 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 Decreto n 568706 CHAVES Natália Cristina FÉRES Marcelo Andrade O emprego de tecnologias e inovações no combate à corrupção In PARENTONI Leonardo Coord GONTIJO Bruno Miranda LIMA Henrique Cunha Souza Org Direito tecnologia e inovação Belo Horizonte DPlácido 2020 v 1 p 592 26 Colin Bennett em importante estudo da década de 1990 sugeriu importante reflexão acerca das peculiaridades da regulação global da proteção de dados Data protection is not like en vironmental protection in which states might agree on the desirable level of toxins in rivers and have a relatively clear and common understanding of what that level means For data protection we can compare the black letter of the law we can observe indicators of the scope of law manual vs automated data public vs private etc and we can compare and contrast the functions and powers of the policy instruments But it is fallacious to make inferences about the level of protection from the observation of these crude indicators Any attempt to establish evaluative criteria for assessing performance is fraught with the central difficulty that the goals of data protection are not selfdefining What is needed is a more holistic perspective that sees data protection as a process that involves a wide network of actors data users data subjects and regulators all engaged in the coproduction of data protection The successful implemen tation of data protection requires a shift in organizational culture and citizen behavior BEN NETT Colin Convergence revisited toward a global policy for the protection of personal data In AGRE Philip E ROTENBERG Marc Ed Technology and privacy the new landscape Cambridge The MIT Press 1997 p 119120 O desenvolvimento tecnológico mudou sensivelmente o co mércio e o mercado mundial que atualmente se diversifica entre o meio físico e o meio digital com exemplos variados de empresas que atuam no meio físico com extensão para o ambiente digital e até mes mo de outras que se direcionam exclusivamente para o meio digital Nesse contexto novas diretrizes jurídicas passam a permear os modelos de negócio dessas companhias que precisam estar aten tas à realidade do mercado consumidor e a todas as diversas discipli nas jurídicas que lhes exigem um atuar em conformidade ao Direito28 É nesse sentido que surge o compliance termo que revela a exigên cia da atuação conforme à lei e às diversas diretrizes e regulamenta ções aplicáveis29 e que tem grande impacto quanto à prevenção de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 199 27 Cf TRUBEK David M TRUBEK Louise G New governance and legal regulation com plementarity rivalry or transformation University of Wisconsin Legal Studies Research Paper Madison n 1022 2006 28 FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato ABILIO Vivianne da Silveira Compliance de dados pessoais In TEPEDINO Gustavo FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato Coord Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro São Paulo Thomson Reu ters Brasil 2019 p706 Com efeito Também no compliance de dados pessoais o estabeleci mento de organização compatível com o risco da atividade é elemento fundamental da robus tez do programa conforme estabelece o art 50 2º inciso I c Cuidase de assegurar que a estrutura corporativa será capaz de cumprir as determinações legais manutenção do registro das operações elaboração de relatório de impacto etc mediante a adoção de procedimentos especificamente desenhados para as hipóteses de tratamento 29 Por toda a complexidade que permeia a regulação específica dos ecossistemas baseados em dados Rolf Weber e Dominic Staiger propõem um modelo regulatório híbrido A hybrid approach to regulating data protection currently presents the best way forward as it takes the need for clear rules as well as the technological capabilities of various industries into account by enabling them to create their own technological and organizational data protection frame works that are based on the applicable industry characteristics Future legislation should en compass five categories including a righttoknow legislation that keeps users informed a prohibition legislation which prevents certain types of collection and distribution practices of information an IT security legislation that provides for the necessary security standards a utilization regulation that restricts the use of personal data having been collected a taskforce legislation enabling technical communitys efforts to address privacy challenges created by technological shifts WEBER Rolf H STAIGER Dominic Transatlantic data protection in practice BerlimHeidelberg SpringerVerlag 2017 p 135 ilícitos inclusive no contexto da prevenção às práticas corruptivas no ambiente corporativo30 Em termos de governança corporativa a avaliação do próprio negócio sob os diversos pontos de vista do compliance garante a solidez empresarial parâmetro imprescindível ao florescimento do negócio Porém não se pode reduzir o escopo de atuação da gover nança a ponto de não contemplar a tecnologia da informação É complexo e extremamente aberto o debate doutrinário so bre a natureza da responsabilidade civil definida na LGPD Parte da doutrina defende que o nexo de imputação remeteria ao risco da ati vidade em razão da realização do tratamento de dados por expressa previsão do artigo 4231 outra parcela se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da culpa como fator de imputação32 A despeito de 200 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 30 CHAVES Natália Cristina FÉRES Marcelo Andrade A inteligência artificial e a prevenção de ilícitos no âmbito do compliance anticorrupção In FRAZÃO Ana MULHOLLAND Caitlin Coord Inteligência artificial e direito ética regulação e responsabilidade São Paulo Thom son Reuters Brasil 2019 p 705 Anotam Por óbvio como tudo na sociedade contemporânea os mecanismos de compliance também envolvem o uso de ferramentas tecnológicas incluindo sistemas dotados de inteligência artificial A título exemplificativo vale registrar que a maior parte das grandes corporações tem informatizado os seus procedimentos internos e desenvol vido softwares de gestão com o objetivo de estabelecer padrões de conduta balizados pelo ordenamento jurídico interno e que não podem ser alterados manualmente pelos funcionários Com isso reduzse a margem de erros e criase uma uniformidade no processo que facilita o controle Sob essa ótica qualquer ato fora do padrão será acusado pelo sistema alertando os responsáveis a verificar o ocorrido Ainda como parte desse controle interno programas de computador voltados para o monitoramento de riscos também têm merecido especial atenção na medida em que viabilizam a identificação de potenciais ameaças no exercício da atividade 31 Defendendo posição objetivista conferir por todos MULHOLLAND Caitlin Responsabili dade civil por danos causados pela violação de dados sensíveis e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais lei 137092018 In MARTINS Guilherme Magalhães ROSENVALD Nelson Coord Responsabilidade civil e novas tecnologias Indaiatuba Foco 2020 p 122 MIRAGEM Bruno A Lei Geral de Proteção de Dados Lei 137092018 e o direito do consumidor Revista dos Tribunais São Paulo v 1009 nov 2019 p 27 et seq MENDES Laura Schertel DONEDA Danilo Reflexões iniciais sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados Revista de Direito do Consumidor São Paulo Revista dos Tribunais v 120 p 468486 novdez 2018 p 473 32 Defendendo a natureza subjetiva do regime de responsabilidade civil em questão temse por todos GUEDES Gisela Sampaio da Cruz MEIRELES Rose Melo Venceslau Término do qualquer divergência a governança de dados se revela aspecto im portantíssimo não apenas para as empresas que desenvolvem ativi dades com extensão ou exclusivamente em meio digital mas para todas uma vez que o trato com a tecnologia avança cada vez mais passando a influenciar todos os modelos de negócio Exemplos a serem citados são a proteção de dados pessoais e a segurança da informação que são duas faces de uma mesma moe da embora esta esteja conectada aos postulados de confidencialida de integridade e disponibilidade Isso porque existem notícias de va zamentos de informações de inúmeros sites e portais criados para atender às mais diversas finalidades Assim nesta nova realidade vir tual o acesso a dados de usuários dados pessoais ganha relevância ímpar e passa a impor às companhias e organizações um zelo espe cial pela segurança da informação 2 Accountability como primeiro vetor governança e boas prá ticas na proteção de dados pessoais A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é composta de im portante rol de onze princípios Um deles a boafé objetiva33 cons RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 201 tratamento de dados In TEPEDINO Gustavo FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato Coord Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro São Paulo Thomson Reuters Brasil 2019 p 231232 DANTAS BISNETO Cícero Dano moral pela violação à legislação de proteção de dados um estudo de direito comparado entre a LGPD e o RGPD In FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura LONGHI João Victor Rozatti GUGLIARA Rodrigo Coord Proteção de dados pessoais na sociedade da informação entre dados e danos Indaia tuba Foco 2021 p 228 33 Eduardo Tomasevicius Filho destaca que A informação transmitida deve ser verdadeira clara e relevante Ademais este dever só impõe a transmissão na medida necessária para re duzir custos de transação elevados Assim há um ônus de se informar e um dever de informar que incidem simultaneamente Para facilitar o cumprimento deste dever existem ain da o dever de informar para ser informado e o dever de se informar para informar TOMASE VICIUS FILHO Eduardo O princípio da boafé no direito civil São Paulo Almedina 2020 p 486 Conferir ainda sobre o tema os apontamentos gerais apresentados em MARTINSCOSTA Judith A boafé no direito privado critérios para a sua aplicação São Paulo Saraiva Educação ta do caput do artigo 6º da lei os outros dez estão listados no rol de incisos do mesmo dispositivo Nesse momento cumpre destacar a prevenção inciso VIII e a responsabilidade e prestação de contas inciso X Tais princípios estão intrinsecamente conectados aos pro pósitos da já citada cartilha de princípios da OCDE que agregada aos demais axiomas de regência da governança despertou os valores importantíssimos para a estruturação de modelos de proteção ex ante i fairness compreendido como o senso de justiça e a equida de no tratamento dos acionistas ii disclosure ou a transparência nas informações iii accountability a prestação de contas iv com pliance o atuar em conformidade cujo consagrado conceito foi sen do aprimorado pela doutrina especializada tornandose o paradigma almejado Para o momento importa ressaltar que alguns desses princí pios possuem importante função na compreensão que se pretende traçar quanto ao escopo protetivo da governança de dados na lei Segundo Cíntia Rosa Pereira de Lima e Kelvin Peroli i o nexo estrutural structural nexus enten dido como o desenvolvimento de políticas e pro cedimentos na própria empresa capazes de pro mover a cultura de conformidade em seu âmago ii o fluxo de informações information flow da empresa necessita ser eficiente no sentido de que o compliance deve ser implantado no fluxo de informações do alto comando até os emprega dos do chão de fábrica para garantir que a comu nicação entre todos de todos níveis hierárquicos seja rápida e eficaz iii monitoramento e vigilân cia monitoring and suveillance sendo também função do compliance o monitoramento do com 202 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2018 p 625 SILVA Michael César Convergências e assimetrias do princípio da boafé objetiva no direito contratual contemporâneo Revista Jurídica LusoBrasileira Lisboa v 1 2015 p 11331186 portamento dos empregados a fim de garantir a sua adesão às políticas e procedimentos da em presa o que gera consequentemente a vigilân cia que deve ser minimizada e utilizada apenas para os fins corporativos iv o enforcement das políticas procedimentos e normas de direito que devem ser direcionados tanto para as atividades que oferecem maior risco de nãoconformidade quanto para as que menos risco oferecem o que pressupõe em verdade a análise e o gerencia mento de riscos efetivos pela empresa34 O legislador brasileiro agindo em sintonia com modelos que vêm ganhando espaço noutras legislações35 previu a governança de dados como uma faculdade do agente dela cuidando especificamen te em seus artigos 50 e 5136 De fato tudo parece sinalizar que a com RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 203 34 LIMA Cíntia Rosa Pereira de PEROLI Kelvin Direito digital compliance regulação e go vernança São Paulo Quartier Latin 2019 p 136 35 É o caso do regulamento europeu The GDPR Art 322 GDPR Art 71 Directive 9546EC forces data controllers to mitigate the risk of a potential privacy breach by estab lishing internal procedures to assess data protection risks of their products and services Risk assessment provisions encourage data controllers to weigh technical data protection measures against risks faced by data processing activities These measures must be proportionate to the envisaged risks TAMÒLARRIEUX Aurelia Designing for privacy and its legal framework data protection by design and default for the Internet of Things Basileia Springer 2018 p 96 36 Art 50 Os controladores e operadores no âmbito de suas competências pelo tratamento de dados pessoais individualmente ou por meio de associações poderão formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos incluindo reclamações e petições de titulares as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para os diversos envolvidos no tra tamento as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais 1º Ao estabelecer regras de boas práticas o controlador e o operador levarão em consideração em relação ao tratamento e aos dados a natureza o escopo a finalidade e a probabilidade e a gravidade dos riscos e dos benefícios decorrentes de tratamento de dados do titular 2º Na aplicação dos princípios indicados nos incisos VII e VIII do caput do art 6º desta Lei o controlador observados a estrutura a escala e o volume de suas operações bem como a sensibilidade dos dados tratados e a probabilidade e a gravidade dos danos para os titulares dos dados poderá I implementar plexidade técnica dos processos relativos a dados amplia o espectro das atividades de processamento que deixam de ser equiparáveis a outras atividades geradoras de riscos menores Nesse contexto a pró pria noção de accountability passa a congregar sentidos variados37 É nesse ponto que se deve destacar a importância da base principioló gica da LGPD para a estruturação de novos contornos à civilística tra dicional Não há dúvidas de que o tratamento desenfreado e massivo dos dados pessoais torna o usuário parte vulnerável de qualquer re lação jurídica visto que na esmagadora maioria das vezes esse não terá sequer o conhecimento de que seus dados estão sendo coleta dos muito menos de que estão sendo tratados e compartilhados com terceiros para os mais variados fins e isto acaba se tornando nor mal38 Nesse compasso violações a diversos direitos dos consumido res redução da sua capacidade de escolha discriminações e supres 204 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 programa de governança em privacidade que no mínimo a demonstre o comprometimento do controlador em adotar processos e políticas internas que assegurem o cumprimento de forma abrangente de normas e boas práticas relativas à proteção de dados pessoais b seja aplicável a todo o conjunto de dados pessoais que estejam sob seu controle inde pendentemente do modo como se realizou sua coleta c seja adaptado à estrutura à escala e ao volume de suas operações bem como à sensibilidade dos dados tratados d estabeleça políticas e salvaguardas adequadas com base em processo de avaliação sistemática de impactos e riscos à privacidade e tenha o objetivo de estabelecer relação de confiança com o titular por meio de atuação transparente e que assegure mecanismos de participação do titular f esteja integrado a sua estrutura geral de governança e estabeleça e aplique mecanismos de supervisão internos e externos g conte com planos de resposta a incidentes e remediação e h seja atualizado constantemente com base em informações obtidas a partir de monitoramento contínuo e avaliações periódicas II demonstrar a efetividade de seu programa de governança em privacidade quando apropriado e em especial a pedido da autoridade nacional ou de outra entidade responsável por promover o cumprimento de boas práticas ou códigos de con duta os quais de forma independente promovam o cumprimento desta Lei 3º As regras de boas práticas e de governança deverão ser publicadas e atualizadas periodicamente e poderão ser reconhecidas e divulgadas pela autoridade nacional 37 VAN ALSENOY Brendan Data protection law in the EU roles responsibilities and liability Cambridge Intersentia 2019 p 318 38 POUNDSTONE William Head in the cloud why knowing things still matters when facts are so easy to look up Nova York Hachette 2016 p 253 são da privacidade são práticas contumazes embora espúrias que se visou a combater com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados 3 A devida diligência como segundo vetor um desdobramento virtuoso do princípio da prevenção A chamada devida diligência due diligence no inglês nada mais é que uma auditoria realizada com o objetivo de prevenir res ponsabilidades o que se alinha à principiologia mencionada39 No direito empresarial tratase de prática amplamente utilizada para análises de riscos de operações integrando o contexto da gover nança corporativa e compreendendo etapas que partem do pres suposto de que se deve verificar se o negócio está nas condições que o investidor acreditava estar quando da data de apresentação e proposta Esta prática é amplamente utilizada nos Estados Unidos da América notadamente nas aquisições de empresas e na realização de investimentos o que Luis Henrique Ventura classifica como nada mais nada menos que uma auditoria empresarial40 Tudo parte de um pressuposto de cooperação entre investidor e vendedor que agindo de boafé devem alinhar os procedimentos que irão contribuir para um estudo eficiente sobre as nuances do caso41 normalmente compondose de cinco etapas principais que RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 205 39 Cf ROSA Dirceu Pereira de Santa A importância da due diligence de propriedade intelec tual nas reorganizações societárias Revista da ABPI São Paulo v 60 setout 2002 LUPION Ricardo Boafé objetiva nos contratos empresariais contornos dogmáticos dos deveres de con duta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 40 VENTURA Luis Henrique Contratos Internacionais Empresariais Belo Horizonte Del Rey 2002 p 5960 41 Cf ASSI Marcos Gestão de riscos com controles internos ferramentas certificações e mé todos para garantir a eficiência dos negócios São Paulo Saint Paul 2012 podem ser transpostas ao contexto específico da proteção de dados pessoais para reforço das medidas de accountability em reforço ao que prevê o artigo 6º inciso X da LGPD compreendido em conjunto com a prevenção descrita no inciso VIII do mesmo dispositivo e com os elementos do inciso II do artigo 44 1 Declaração de intenção Tratase de estágio inicial que en volve a celebração de um acordo preliminar conhecido como en gagement letter42 em que são determinadas as regras da devida dili gência por documento que indica normas e temas estratégicos impor tantes tanto para o potencial vendedor quanto para o interessado usualmente o consumidor que também pode ser identificado como titular de dados Também é o documento que contempla aspectos como confidencialidade direito de preferência no negócio entre ou tros Sendo um acordo que formata uma negociação que se dará en tre as partes não existe como enumerar com precisão o que deve constar neste documento 2 Check listing Documento que é usualmente preparado para o mapeamento da due diligence listando etapas e ciclos bem como detalhando as informações que deverão ser disponibilizadas pela possível auditoria É nesse cerne que passam a ter grande valor 206 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 42 Esse tipo de acordo pode contribuir eficazmente para o cumprimento do disposto na alínea a do inciso I do 2º do artigo 50 da LGPD que exige do agente de tratamento de dados que demonstre o comprometimento do controlador em adotar processos e políticas internas que assegurem o cumprimento de forma abrangente de normas e boas práticas relativas à proteção de dados pessoais Seu valor também pode ser identificado no contexto do inciso II e do 3º do mesmo dispositivo Merece destaque derradeiro ainda neste campo o disposto no 3º que exige a atualização periódica das políticas de governança o que ressalta a necessidade de auditorias cíclicas e revisões de métodos e procedimentos para a garantia da efetividade indi cada no 2º II pois como se disse o programa somente servira de parâmetro para a avaliação de boa conduta empresarial e para a mitigação de responsabilidades se reconhecidamente for efetivo MARTINS Guilherme Magalhães FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Segurança boas práticas governança e compliance In LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Comentá rios à Lei Geral de Proteção de Dados Lei n 137092018 com alteração da Lei n 138532019 São Paulo Almedina 2020 p 363 as normas admitidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT No caso específico da privacidade e segurança da informação a ABNT possui uma família específi ca de normas técnicas a família 27000 e as prin cipais normas para tratar esse assunto são a ABNTNBR ISOIEC 27001 27002 e 27701 As normas da família ISOIEC 27000 são normas internacionais que possibilitam às organizações a implementação de um Sistema de Gestão da Se gurança da Informação SGSI através do estabe lecimento de uma Política de Segurança Contro les e Gerenciamento de Riscos O conjunto de normas ISOIEC 27000 apresenta os requisitos necessários para a implementação de um Sistema de Gestão da Segurança da Informação SGSI em qualquer organização incluindo métodos de auditoria métricas controle e gerenciamento de riscos43 3 Fornecimento eou obtenção das informações Definido o ponto de partida da averiguação que se pretenda fazer iniciase a fase mais árdua da devida diligência que está relacionada à revisão do conjunto de informações levantadas bem como à pesquisa e à coleta de dados complementares 4 Consolidação É a etapa em que depois de consolidada a análise dos dados coletados um extenso relatório é preparado nos moldes solicitados pela contratante do serviço e seguindo os padrões adotados pelos advogados responsáveis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 207 43 FONSECA Fernando MELLO Renata Avelar de Frameworks para privacidade e proteção de dados pessoais In CRESPO Marcelo Xavier de Freitas Coord Compliance no direito digital São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p113115 5 Entrega do relatório final Corresponde ao relatório que po derá ser utilizado diretamente ou após análise minuciosa sobre a via bilidade da transação A partir daí caberá a ambas as partes continuar eventual revisão ou auditoria De modo geral o procedimento de devida diligência revela exatamente a preocupação de uma atuação em conformidade às nor mas com o fim de identificar riscos mitigandoos em possíveis negociações Nada mais é que uma formatação preventiva do com pliance aplicada via de regra às incorporações societárias e aos in vestimentos Para qualquer investidor a possibilidade de demonstrar que agiu nos limites das cautelas minimamente esperadas é um trunfo no momento de afastar ou reduzir sua responsabilização por qualquer evento decorrente do negócio principalmente no plano jurídico Pri meiro porque o valor do investimento pode ser prejudicado por pro blemas legais ocultos como proteção insuficiente da propriedade in telectual inexistência de boas práticas nas relações consumeristas tributárias e trabalhistas etc segundo porque termos jurídicos po dem gerar impacto significativo sobre o capital real de retorno de in vestimentos de riscos Por essa razão a due diligence jurídica abrange aspectos le gais e riscos envolvidos nos negócios de uma empresa incluindo os riscos relativos a possíveis responsabilidades incluindo resolução de litígios e responsabilidades ambientais contratos assistências e ou tras áreas Porém uma vez que seu escopo é amplo e subdividido entre a análise financeira e a jurídica percebese o que o estudo iso lado desta última não deve estar dissociado dos aspectos econômi cos pois as normas jurídicas servem para instrumentalizar e viabilizar o mercado de forma eficaz e justa Nessa linha de intelecção Renato Ventura Ribeiro expõe que o dever de diligência exige que o administra dor deva estar munido das informações necessá 208 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 rias para tanto em especial aquelas relevantes e razoavelmente disponíveis As informações ne cessárias para a tomada de decisões abrangem tanto a parte legal quanto a negocial estando in cluídas na última conhecimento da situação de mercado política e produtos da empresa dificul dades e propostas de soluções44 É importante lembrar que não são raras as legislações que im põem a responsabilização objetiva particularmente no trato das rela ções jurídicas desniveladas o que acaba por gerar uma preocupação ainda maior com due diligence para a prevenção de riscos o que se coaduna com a noção de accountability destacada pela dicção do princípio contido no artigo 6º inciso X da LGPD No contexto da governança de dados este é um cenário sempre presente nas rela ções entre os agentes de tratamento que lidam com atividades de alto risco especialmente em mercados robustecidos por aplicações ba seadas em Big Data haja vista o amplo controle exercido frente à hipossuficiência técnicoprobatória de suas contrapartes o que acaba acirrando o potencial de responsabilização por inobservância a deve res e rotinas de prevenção que decorrem da devida diligência E evidentemente esta responsabilização se aguça quando o ilícito diagnosticado envolve a má gestão de dados pessoais dos usuários nas relações de consumo45 o que margeia direitos funda mentais da pessoa muitas vezes expostos a situações de nítido dano Isto pode ocorrer dentre outras hipóteses pela veiculação de publi cidade ilícita notadamente enganosa pela má utilização de coo kies46 ou pela má gestão de links RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 209 44 RIBEIRO Renato Ventura Dever de diligência dos administradores de sociedades São Pau lo Quartier Latin 2006 p 226227 45 Sobre as peculiaridades das relações de consumo levadas a efeito na Internet conferir SIL VA Michael César SANTOS Wellington Fonseca dos O direito do consumidor nas relações de consumo virtuais Revista de Informação Legislativa Brasília ano 49 n 194 abrjun 2012 p261281 Destarte não é de se olvidar dos riscos que circundam as em presas que fazem coleta de dados pessoais de seus usuários ainda que sem a finalidade de explorar comercialmente os bancos de dados constituídos a partir dessas coletas pois os riscos decorrentes do uso inadvertido e abstruso de dados pessoais com graves implicações para a identificação da não observância aos parâmetros de governan ça estabelecidos em rotinas de devida diligência Conclusão Nesse breve ensaio buscouse traçar algumas pontuações so bre as origens da governança corporativa e seu aprimoramento até a consolidação da governança de dados que é desdobramento natural da primeira Na investigação realizada pontuouse que as origens do tema remontam ao Século XX e ao início do fenômeno da globaliza ção em que interações de todos os níveis e de todos os segmentos 210 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 46 Cookies são arquivos de texto gerados durante o acesso a um website que são gravados no disco rígido do computador para serem utilizados pelo navegador sendo que alguns cookies temporários permanecem na memória RAM e são apagados assim que o programa navegador é encerrado ao passo que outros cookies permanentes são gravados no disco rígido quando do término da navegação Têm por objetivo básico fornecer maior conveniência na utilização da Internet evitando que certos dados precisem ser fornecidos a cada vez que uma página é visitada e armazenando informações relativas às preferências de um usuário Para mais deta lhes consultar DENSA Roberta DANTAS Cecília Notas sobre publicidade digital cookies e spams In MARTINS Guilherme Magalhães LONGHI João Victor Rozatti Coord Direito digital direito privado e Internet 4 ed Indaiatuba Foco 2021 p 694700 Com efeito a doutrina ainda sinaliza um cookie dependendo de como é feito tem o poder de coletar informações do usuário como seu número de IP o navegador e o sistema operacional que utiliza o horário em que acessou o site quais áreas do site que visitou mais vezes de que outro site seu acesso se originou caso tenha seguido um link etc Apenas a primeira infor mação das listadas acima já bastaria para marcar a invasão da privacidade do usuário O nú mero de IP Internet Protocol está para a Internet como a impressão digital está para a iden tificação de pessoas O IP fornece o provedor o navegador e o sistema operacional do usuário por exemplo Com o número do IP podese tendo o conhecimento técnico para tanto facil mente saber a identidade real e a localização de qualquer um que tenha acessado a Internet QUEIROZ Danilo Duarte de Privacidade na Internet In REINALDO FILHO Demócrito Coord Direito da Informática temas polêmicos Bauru Edipro 2002 p 88 caracterizaram a fluidez da tecnologia e a relevância que esse tema tem para a implementação do compliance para o trato dos fluxos de dados Com o avanço da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos ao ambiente virtual viuse que o incremento do volume de informações captadas e trocadas contribuiu e continuará contribuindo para que a atual sociedade da informação avance a um novo paradigma de acirramento de riscos Nesse contexto destacou se a relevância de que bases sólidas que ultrapassem a própria nor ma e que envolvam rotinas coerentes com o grau de risco de cada atividade e com a viabilidade de revisões cíclicas e auditorias de da dos para adequada curadoria possam conduzir a uma reformulação do que a doutrina chama de devida diligência ou due diligence no original em inglês O advento de marcos regulatórios é portanto o primeiro pas so dessa reformulação paradigmática Não obstante o papel da devi da diligência e da delimitação dos controles internos para o atendi mento desses marcos a partir de serviços da integração de tecnolo gias da segurança da informação e do papel da TI em relação ao negócio é de inegável valor para a consolidação do atendimento às necessidades específicas impostas pela presença da tecnologia e do controle informacional no ambiente corporativo especialmente para fins de mitigação da responsabilização pelo mapeamento de riscos e resultados fatores expressamente contemplados no artigo 44 II da LGPD para a construção do conceito de tratamento irregular Os dois vetores apontados na construção da hipótese de pesquisa se mostra ram pertinentes e adequados à concreta elucidação dos desafios que permeiam o tema além de serem importantes elementos parara a consolidação de uma cultura de governança e de boas práticas rela cionadas a dados Somente a partir disso é que se avançará virtuosa mente rumo à concretização da principiologia de lastro preventivo insculpida na LGPD RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 211 A BStage and stock size GARANTIAS GENÉRICAS OU OMNIBUS NO DIREITO BRASILEIRO1 GLOBAL OR OMNIBUS GUARANTEES UNDER BRAZILIAN LAW Pedro Guilhardi Resumo O artigo examina atributo facultativo de determina das garantias sejam elas pessoais sejam reais típicas ou atípicas Esse atributo denominado omnibus constituise como garantias ge néricas globais ou guardachuvas Partese das noções introdutórias da figura seu surgimento e adoção pela práxis bancária para discutir a validade de tal contratação à luz da determinabilidade do objeto dos negócios jurídicos A análise é feita tanto sob o ponto de vista de garantias pessoais quanto de garantias reais típicas ou atípicas Palavraschave Garantias Negócio jurídico Garantia omni bus ou genérica Efetividade do Direito Privado Proteção ao investi mento privado Abstract The article assesses a particular feature of certain type of guarantees either personal or in rem known as omnibus that create a global or umbrella guarantee This text discusses its notion development and use in banking to further discuss the validity of this kind of guarantees in the light of the requirement under Brazilian contract law that the subbject of obligations undertaken shall be de termined or determinable The analysis is carried out from the point of view of both personal and in rem guarantees expressly ruled by legal statutes or not ruled by legal statutes Keywords Guarantees Legal transaction Global or omnibus guarantees Effectiveness of private law Protection of private invest ment RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 213 1 Artigo recebido em 04052021 e aceito em 17112021 Doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Católica de São Paulo PUCSP Mestre em Direito Comercial pela PUCSP LLM em Comparative and International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London Advogado em São Paulo Email pguilhardinanniadvbr Sumário Introdução 1 Noção origem e disciplina 2 O regime de invalidade por in determinabilidade do objeto no direito brasi leiro 3 O problema das garantias genéricas ou omnibus à luz da determinabilidade do seu objeto 31 A quantificação do montante garantido ao tempo da conclusão do negó cio não constitui exigência legal brasileira no âmbito da fiança 32 O problema da quanti ficação do montante garantido nos contratos em que a lei do negócio típico exige referên cia ao valor garantido hipóteses de garantias reais típicas 33 A referência à espécie de negócio jurídico futuro 34 Validade da pac tuação por prazo indeterminado 35 Valida de das garantias omnibus artigo 104 inciso II do Código Civil controle da legalidade suscetível de se operar no plano da eficácia à luz do contexto e da boafé objetiva Con clusão Introdução Pretendese avaliar elemento facultativo de garantias denomi nado omnibus que conta pelo menos sob tal terminologia com pou cas referências e estudos exclusivamente a ele dedicados no direito brasileiro2 e normalmente atrelados à fiança3 como garantia em es 214 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 Ver entre outros FIGUEIREDO Gabriel Seijo Leal de Contrato de fiança São Paulo Sarai va 2010 p 125 e ss GUILHARDI Pedro Garantias autônomas Instrumento para proteção jurídica do crédito São Paulo Quartier Latin 2019 p 247 ZULIANI Ênio Santarelli In NANNI Giovanni Ettore Coord Comentários ao Código Civil direito privado contemporâneo 2 ed São Paulo Saraiva 2021 p 21722173 3 Isso se justifica em grande medida pela tipicidade da fiança e pela disposição do artigo 821 do Código Civil que autoriza a contratação de fiança para garantia de dívida futura Além disso a modalidade omnibus é especialmente presente na contratação de fianças bancárias pécie Garantias com a característica omnibus ou simplesmente ga rantias omnibus também são denominadas genéricas gerais4 globais caldeirões5 ou guardachuvas6 A palavra omnibus é formada pelo antepositivo latino omni também conhecido como oni que significa todo todos tudo qualquer de toda espécie7 originando também vocábulos como onipresente onipotente onisciente etc Em parte a característica marcante das garantias omnibus é reflexo de sua denominação signi ficando para todos no caso específico para todas as obrigações que venham a surgir daí a criação inclusive da palavra ônibus para designar um veículo coletivo ou para todos É modalidade utilizada especialmente por instituições finan ceiras que para concessão de sucessivos créditos em favor de socie dades e dada a autonomia jurídica e patrimonial da pessoa do sócio em relação à pessoa jurídica constituem com o sócio controlador ou investidor fiança ou qualquer outra espécie de garantia na sua mo dalidade omnibus a fim de garantir obrigações a serem constituídas pelas sociedades junto àquela mesma instituição Vale lembrar que as dívidas futuras podem ser objeto pelo menos de fiança a teor do que dispõe a primeira parte do artigo 821 do Código Civil Ao contratar a referida modalidade as partes alme jam a redução dos custos de transação e da burocracia que estaria RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 215 4 Terminologia que será evitada pelo autor para que não se confunda com a contraposição entre garantias gerais e especiais 5 VIDEIRA Celina A fiança omnibus Revista de direito das sociedades v 8 Coimbra Alme dina 2016 p 646 6 VENOSA Silvio de Salvo DENSA Roberta Contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia de dívida futura ou incerta In PERES Tatiana Bonatti TERRA Marcelo DIAS José Guilherme Gregori Siqueira Coords Alienação fiduciária de bem imóvel e outras garantias Indaiatuba Editora Foco 2019 p 97 7 HOUAISS Antônio VILLAR Mauros de Sales Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 2062 presente caso fosse necessário firmar a cada operação contrato de garantia apartado Em outras palavras facilita agiliza e tem o poten cial de reduzir o custo do crédito desde que obedecidos os requisitos de validade do negócio jurídico Não se pretende avaliar a característica omnibus das garantias em todos os seus aspectos mas desenvolver a noção do instituto para então estudar a obrigação assumida sob o prisma da validade do negócio jurídico Quando necessário farseá referência à fiança dada a existência de regulação parcial mas específica da matéria pela lei Tratarseá da validade e dos limites das contratações omnibus no âmbito do direito das garantias em geral à luz do artigo 104 inciso II do Código Civil para responder se tal modalidade de garantia é válida perante o ordenamento jurídico brasileiro isto é se eou em que hipóteses a contratação omnibus tem objeto jurídico determina do ou determinável Restringese o estudo a operações bancárias de concessão de crédito garantidas por obrigações genéricas Esclarecese de igual modo que o artigo não tem por objeto o estudo de garantias em espécie seu objeto as relações jurídicas formadas em cada tipologia as defesas dos envolvidos etc mas o estudo de cláusula omnibus que pode ou não estar presente nas contratações das diferentes espécies de garantia Por fim serão apresentadas as conclusões do estudo 1 Noção origem e disciplina Mais comum e amplamente apesar das ressalvas adiante as modalidades de garantia omnibus se caracterizam pela assunção do garante de todas as dívidas sem especificar de determinado devedor8 216 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 8 MARTINEZ Pedro Romano PONTE Pedro Fuzeta Garantias de cumprimento Coimbra Almedina 2006 p 9697 Entendese que em sentido mais estrito a característica omni bus das garantias é marcada pela contratação futura e sem determina ção pelo menos prévia do objeto futuro garantido Ao revés se a situação envolve simultaneamente a assunção de obrigações pre sentes e futuras de natureza indeterminada apenas na parte relativa a estas últimas é que se pode considerar omnibus9 De outra sorte havendo contratação de garantia para asse gurar obrigação futura mas determinada não se está na hipótese de garantia omnibus mas simplesmente de garantia de obrigação futura Dessa forma a contratação omnibus pode ser definida como a obrigação assumida pelo garante de responder por todas as dívidas futuras que venham a ser contraídas por determinada pessoa ente garantido perante o seu credor ente beneficiário sem que nor malmente o seu objeto conte com qualquer limitação de ordem quantitativa ou temporal10 Se de um lado a prévia indeterminação do objeto de contra tação futura é o que confere utilidade a tal modalidade de contrata ção11 também pode de outro lado trazer inquietações quanto à va lidade do negócio jurídico à luz dos requisitos de validade impostos pelo ordenamento civil notadamente o artigo 104 inciso II do Códi go Civil A modalidade rompe um processo burocrático que deman dava inicialmente a negociação e a contratação de diferentes garan tias a cada operação de crédito atraindo as instituições financeiras RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 217 9 VIDEIRA Celina Op Cit p 646 10 Ampliouse o conceito comumente utilizado pela doutrina que se restringe geralmente à fiança omnibus De fato a garantia ominbus não é um tipo contratual de garantia é ao con trário uma obrigação oriunda das contratações das diferentes modalidades de contratos de garantia sejam reais sejam pessoais etc 11 FARO Frederico Fiança omnibus no âmbito bancário validade e exercício da garantia à luz do princípio da boafé Coimbra Coimbra Editora 2009 p 113 e seus usuários que se beneficiam com a facilidade e a agilidade na obtenção de crédito O instrumento também serve ao propósito de fazer frente à eventual limitação geralmente decorrente do princípio da autono mia patrimonial da sociedade empresária em relação à pessoa de seus sócios de as instituições financeiras recuperarem o crédito con cedido aumentando a massa quantitativa de bens garantidores do crédito para incluir além dos bens do devedor principal o patrimô nio dos garantidores que responderão pelo débito assumido pelo devedor principal Surgem assim as figuras omnibus como a garantia autôno ma omnibus e a fiança omnibus12 sendo que a terminologia e o con teúdo da obrigação assumida têm origem na Itália em especial a fiança omnibus que foi configurada pela Associação de Bancos Ita lianos ABI13 A adoção do instrumento pelos italianos rapidamente se expandiu para países como Alemanha Portugal França e Espa nha14 A jurisprudência italiana em 1957 começou por admitir in condicionalmente a fiança omnibus Aduziu que a figura seria válida uma vez que estavam prédeterminados os débitos afiançados e os sujeitos subordinados às obrigações impostas pela fiança15 Esta situação instigou debates acadêmicos entre as décadas de 1970 e 1980 formulandose três distintas correntes de entendimento A primeira defendida por autores como Stolfi Si monetto e Valcavi considerava que a fiança om nibus não era compatível com as exigências de 218 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 12 VIDEIRA Celina Op Cit p 648 13 Ibidem p 648649 14 Ibidem p 649 15 FARO Frederico Op Cit p 147 determinabilidade impostas pelos artigos 1346 e 1418 do Código Civil italiano A segunda repre sentada por autores como Bozzi e Fragali susten tava que a validade da fiança omnibus estava as segurada per relationem se feita referência aos futuros negócios celebrados entre o afiançado e o credor sendo os limites temporais e de mon tante problemas que escapavam ao problema da validade da fiança Para estes autores a determi nabilidade do objeto bastavase com a indivi dualização do acordo entendido como prefigu ração da operação econômicojurídica querida pelas partes da qual resulta a natureza das prestações e não já a exata individuação do con teúdo destas que bem pode ser diferida para um momento sucessivo A terceira corrente inicial mente defendida entre outros por Roppo e Bre goli considerava que a fiança omnibus assumia uma relevância no mundo negocial que a carac terizava como uma figura cujo objeto negocial ti nha um cariz indeterminado e que ao direito se impunha traçar os limites toleráveis dessa inde terminação16 Na década de 1980 o entendimento firmado pelos tribunais italianos acabou se revertendo admitindose a tese da nulidade da fiança omnibus por indeterminabilidade pois contrariaria o artigo 1346 do Código Civil italiano17 A questão foi parcialmente pacificada em 1992 com a redação introduzida ao Código Civil italiano em seu artigo 193818 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 219 16 VIDEIRA Celina Op Cit p 649650 17 GOMES Manuel Januário da Costa Gomes Assunção Fidejussória de Dívida sobre o sen tido e o âmbito da vinculação como fiador Coimbra Almedina 2000 p 636 18 GALLO Paolo Trattato del contratto la formazione Torino UTET Giuridica 2010 v 1 p 143 Art 1938 Fideiussione per obbligazioni future o condizio nali La fideiussione può essere prestata anche per unobbligazione condizionale o futura con la pre visione in questo ultimo caso dellimporto mas simo garantito19 Na França o entendimento inicialmente firmado foi pela vali dade das obrigações assumidas pelo garantidor omnibus no caso fiança omnibus desde que os deveres assumidos constassem mini mamente do instrumento A Lei nº 80525 de 12 de junho de 1980 contudo alterou a redação do artigo 1326 do então vigente texto do Código Civil francês20 exigindo que a fiança fosse não só assinada pelo fiador como também constasse escrito à mão e por extenso o montante garantido no instrumento21 220 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 Tradução livre Art 1938 Fiança por obrigações futuras ou condicionais A fiança pode ser prestada ainda por uma obrigação condicional ou futura com a previsão nesse último caso da importância máxima garantida 20 Lacte juridique par lequel une seule partie sengage envers une autre à lui payer une somme dargent ou à lui livrer un bien fongible doit être constaté dans un titre qui comporte la signature de celui qui souscrit cet engagement ainsi que la mention écrite par luimême de la somme ou de la quantité en toutes lettres et en chiffres En cas de différence lacte sous seing privé vaut pour la somme écrite en toutes lettres Tradução Livre O ato jurídico pelo qual uma parte se compromete a outra a pagarlhe uma quantia em dinheiro ou a lhe entregar um bem fungível deve ser inscrito em título que inclua a assinatura da parte que assume o compromisso bem como a menção por escrito da soma ou quantidade em cifras e por extenso Em caso de divergência o instrumento vale pelo valor escrito por extenso 21 Redação atual equivalente disposta no artigo 1376 do Código Civil francês Lacte sous signature privée par lequel une seule partie sengage envers une autre à lui payer une somme dargent ou à lui livrer un bien fongible ne fait preuve que sil comporte la signature de celui qui souscrit cet engagement ainsi que la mention écrite par luimême de la somme ou de la quantité en toutes lettres et en chiffres En cas de différence lacte sous signature privée vaut preuve pour la somme écrite en toutes lettres Tradução livre O instrumento particular pela qual uma das partes se compromete perante a outra a pagarlhe uma quantia em dinheiro ou a lhe entregar um bem fungível só é prova se incluir a assinatura da parte que assume este compromisso bem como a menção escrita por ele mesmo da soma ou da quantidade por Já em Portugal a jurisprudência desenvolveuse em três fases Temse inicialmente a fase de indiferença inaugurada na década de 1970 que se mostrou alheia às discussões sobre a determinabilidade do objeto da garantia omnibus Seguiuse a fase limitadora na década de 1990 que impôs restrições à contratação ou mesmo determinou sua inadmissibilidade Por fim temse a fase implementada a partir dos nos anos 2000 com prolação de acórdão uniformizador de juris prudência de 23 de janeiro de 2001 processo nº 42001 Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça ser nula por indeterminabilidade do seu objeto a fiança de obrigações futuras quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida sem menção expressa da sua origem natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha Embora não explicitamente a decisão impõe limites tempo rais e de montante para que a contratação seja válida notadamente se avaliada à luz de outros julgados a respeito do tema em Portugal22 2 O regime de invalidade por indeterminabilidade do objeto no direito brasileiro Como salientou a doutrina portuguesa a sombra que paira sobre a fiança omnibus é precisamente o problema da determinabi lidade das obrigações garantidas cuja violação pode importar a sua invalidade23 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 221 extenso e em cifras Em caso de divergência vale a prova do valor por extenso no instrumento particular 22 VIDEIRA Celina Op Cit p 666667 23 Ibidem p 649663 A indeterminabilidade do objeto é vício de conteúdo mais precisamente de inidoneidade do objeto O conteúdo corresponde à estrutura e ao significado global do consenso tal como determinado após interpretação e eventual integração do negócio jurídico24 É composto pelo objeto mediato ou objeto em sentido estrito por refe rência ao bem ou aos bens a que o contrato se reporta Já o objeto imediato relacionase às pessoas funções e circunstâncias da contra tação25 Em um contrato de compra e venda por exemplo a obriga ção de transferência do bem de um patrimônio a outro e o pagamen to do preço constituem o objeto imediato já o bem propriamente dito é seu objeto mediato26 Em nossa percepção os conceitos não são absolutamente au tônomos nem estáticos pois o conteúdo da contratação como um todo os seus objetos mediato e imediato interrelacionamse de ma neira que o intérprete para avaliar a adequação do objeto contratual ao requisito legal deverá aferir não só o texto mas o contexto da contratação aí incluindose as pessoas envolvidas as funções exer cidas pelos instrumentos que estão sendo avaliados bem como as circunstâncias da contratação É o que esclarece em outros termos Fabiano Menke Tudo dependerá da análise do contexto Se das circunstâncias da conclusão do negócio jurídico ficar claro sobre qual objeto específico se estabe leceu o vínculo ou que ele integra um universo de bens conhecido das partes não há que se falar em invalidade por indeterminação do objeto27 222 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos V invalidade Coimbra Almedina 2018 p 178 25 Idem 26 TEPEDINO Gustavo BARBOZA Heloisa Helena MORAES Caria Celina Bodin de Código Civil interpretado conforme a Constituição da República São Paulo Renovar 2014 3 ed v 1 p 219 27 MENKE Fabiano In NANNI Giovanni Ettore Coord Comentários ao Código Civil direito privado contemporâneo São Paulo Saraiva 2021 p 187 Se as referências da contratação não resultarem na determina ção ou determinabilidade do objeto temse a invalidade da contrata ção que contudo está sujeita à validação pelos contraentes median te integração do contrato salvo se a indeterminabilidade for total ou tão extensa que impeça a inteligência do texto aqui incluindose contradições insolúveis pois inexiste nesse caso o contrato28 Para António Menezes Cordeiro a prestação é indetermina da mas determinável quando não se saiba num momento anterior qual o seu teor mas não obstante exista um critério para proceder à determinação exemplos claros são os constituídos pelas obrigações alternativas e pelas obrigações genéricas ao passo que a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer crité rio para proceder à determinação gerando a nulidade29 No direito civil brasileiro o tema da invalidade por indetermi nabilidade do objeto é regulado pelo artigo 104 inciso II do Código Civil que assim dispõe Art 104 A validade do negócio jurídico re quer II objeto lícito possível determinado ou determinável Notase a equivalência do tratamento da matéria pelo direito italiano cujo Código Civil artigo 1346 estabelece que loggetto del contratto deve essere possibile lecito determinato o determinabile30 Já o Código Civil Português artigo 280º prescreve a nulidade do ne gócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível con trário à lei ou indeterminável RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 223 28 ALMEIDA Carlos Ferreira de Op Cit p 180 29 CORDEIRO António Menezes Anotação ao acórdão de 19 de fevereiro de 1991 impug nação pauliana de atos anteriores ao crédito nulidades da fiança por débitos futuros indeter mináveis efeitos da impugnação Revista da Ordem dos Advogados Coimbra ano 51 p 525 572 jul 1991 p 563 30 Tradução livre O objeto do contrato deve ser possível lícito determinado ou determiná vel A possibilidade de determinação futura do objeto contratual quando não completamente identificado ao tempo da conclusão o negócio é indicada pelo vocábulo determinável no inciso II do citado dispositivo brasileiro O objeto contratual por sua vez é composto por i meios indiretos de determinação regulados pelas próprias par tes no âmbito do contrato contratação sobre coisas futuras sujeição a eventos nomeação conjunta de arbitrador31 etc ou pela ii pró pria lei que em alguns casos relega a terceiros ou estabelece diretri zes para a determinação posterior Acerca desse segundo caso ve jamse por exemplo o artigo 400º do Código Civil português con cernente aos negócios jurídicos em geral32 os artigos 485 a 48733 para determinação do preço em contratos de compra e venda o arti 224 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 Veja por exemplo a autorização expressa contemplada pelo artigo 1473 do Código Civil italiano Art 1473 Determinazione del prezzo affidata a un terzo Le parti possono affidare la determi nazione del prezzo a un terzo eletto nel contratto o da eleggere posteriormente Se il terzo non vuole o non può accettare lincarico ovvero le parti non si accordano per la sua nomina o per la sua sostituzione la nomina su richiesta di una delle parti è fatta dal presidente del tribunale del luogo in cui è stato concluso il contrato Tradução livre Art 1473 Determinação do preço confiada a um terceiro As partes podem confiar a determinação do preço a um terceiro eleito no contrato ou a ser eleito posteriormente Se o terceiro não quiser ou não puder aceitar a nomeação ou as partes não concordarem com a sua nomeação ou substituição a nomeação a pedido de uma das partes é feita pelo presidente do tribunal do local onde o contrato foi firmado 32 Artigo 400º Determinação da prestação 1 A determinação da prestação pode ser confia da a uma ou outra das partes ou a terceiro em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade se outros critérios não tiverem sido estipulados 2 Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido sêloá pelo tribunal sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas 33 Art 485 A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro que os contratantes logo designarem ou prometerem designar Se o terceiro não aceitar a incumbência ficará sem efeito o contrato salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa Art 486 Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa em certo e determinado dia e lugar Art 487 É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros desde que suscetíveis de objetiva determinação Art 488 Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação se não houver tabelamento oficial entendese que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do ven dedor Parágrafo único Na falta de acordo por ter havido diversidade de preço prevalecerá o termo médio go 59634 relativo ao arbitramento da retribuição nos contratos de prestação de serviços o artigo 628 parágrafo único35 sobre fixação da retribuição do depositário o artigo 658 parágrafo único36 a res peito da remuneração do mandatário o artigo 70137 quanto à retri buição do comissário o artigo 72438 em relação ao corretor todos do Código Civil brasileiro Vejase também o artigo 1349 do Código Ci vil italiano39 que regula a questão sob a rubrica dos negócios jurídi cos em geral a exemplo da disciplina portuguesa RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 225 34 Art 596 Não se tendo estipulado nem chegado a acordo as partes fixarseá por arbitra mento a retribuição segundo o costume do lugar o tempo de serviço e sua qualidade 35 Art 628 O contrato de depósito é gratuito exceto se houver convenção em contrário se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão Parágrafo único Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei nem resultar de ajuste será determinada pelos usos do lugar e na falta destes por arbitramento 36 Art 658 O mandato presumese gratuito quando não houver sido estipulada retribuição exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa Parágrafo único Se o mandato for oneroso caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato Sendo estes omissos será ela determinada pelos usos do lugar ou na falta destes por arbitramento 37 Art 701 Não estipulada a remuneração devida ao comissário será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar 38 Art 724 A remuneração do corretor se não estiver fixada em lei nem ajustada entre as partes será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais 39 Art 1349 Determinazione delloggetto Se la determinazione della prestazione dedotta in contratto è deferita a un terzo e non risulta che le parti vollero rimettersi al suo mero arbitrio il terzo deve procedere con equo apprezzamento Se manca la determinazione del terzo o se questa è manifestamente iniqua o erronea la determinazione è fatta dal giudice La determina zione rimessa al mero arbitrio del terzo non si può impugnare se non provando la sua mala fede Se manca la determinazione del terzo e le parti non si accordano per sostituirlo il con tratto è nullo Nel determinare la prestazione il terzo deve tener conto anche delle condizioni generali della produzione a cui il contratto eventualmente abbia riferimento Tradução livre Art 1349 Determinação do objeto Se a determinação da prestação deduzida no contrato for deferida a um terceiro e não resultar que as partes desejaram remeter ao seu mero arbítrio o terceiro deve proceder com a avaliação justa Se faltar a determinação por terceiro ou se for manifestamente injusta ou errônea a determinação é feita pelo juiz A determinação relegada a mero arbítrio do terceiro não pode ser contestada exceto pela prova de sua máfé Se faltar a determinação do terceiro e as partes não concordarem em substituílo o contrato é nulo Na O fato de a determinação poder ser estabelecida em último caso pelo juiz por exemplo não afasta o problema da invalidade pois a determinação da prestação por alguma das partes ou por ter ceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entida des devem obedecer40 Em outras palavras admitese a vagueza dos critérios não se concebendo apenas que se deixe tudo ao arbítrio de uma das partes ou de terceiro de maneira que quando chamado a intervir o opera dor deverá atuar nos limites dos critérios estipulados pelas partes va lendose da equidade legal Caso não encontre critérios objetivos de verá ex officio declarar a nulidade da obrigação41 Fabiano Menke esclarece que a determinação do objeto como requisito de validade exige que em algum momento seja determiná vel permitindo que a parte obrigada ou ambas as partes possa di recionar suas condutas para cumprir o avençado fazendo alusão às regras relativas às obrigações de dar coisa incerta em que a coisa deverá ser indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade nos termos do artigo 243 do Código Civil42 Carlos Alberto da Mota Pinto entende que o objeto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou pode vir a ser individualmente determinado segundo um critério es tabelecido no contrato ou na lei43 Sob tal perspectiva seriam eiva dos de nulidade os negócios que se refiram a objeto do qual nem a lei nem as partes estabeleceram o critério de harmonia com que se deva fazer a sua individualização44 pois é preciso que ele possa ser 226 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 determinação do serviço o terceiro também deve levar em consideração as condições gerais de produção a que o contrato pode referirse 40 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 563 41 Ibidem p 564 42 MENKE Fabiano Op Cit p 187 43 PINTO Carlos Alberto da Mota Teoria geral do direito civil 3 ed Coimbra Coimbra Edi tora 1996 p 548 identificado localizado percebido medido aferido sem que se con funda com outros ou se torne impossível a sua descrição e individua ção45 ainda que tal determinação seja dada apenas quando da exigi bilidade da prestação e não no momento de nascimento da preten são46 Temse nessa hipótese a individualização da prestação para que possa ser cumprida em passagem de indeterminação relativa para a determinação com a concentração do débito47 Assim por exemplo um contrato de compra e venda cujo bem é terreno ou coisa sem indicação de qualquer característica per mitiria ao credor em tese a entrega de coisa insignificante para exo nerarse da obrigação Tratarseia pois de obrigação inválida Ao tratar dos elementos categoriais inderrogáveis do negócio jurídico de compra e venda Antônio Junqueira de Azevedo explana a indeterminabilidade do preço que se verificada acarreta a invali dade do tipo negocial Afirma não ser possível a indeterminação ab soluta exemplificando com a estipulação pagarás o que quiseres representando nulidade ao submeter a determinação do preço ao ar bítrio exclusivo de uma das partes configurando pois condição po testativa artigo 122 do Código Civil e prática vedada pelo artigo 489 do Código Civil48 É reconhecida a possibilidade de contratação de negócios ju rídicos futuros Tais contratações não se confundem nem se resumem ao problema da determinação do objeto do negócio jurídico A inte ração que se dá entre a contratação futura e a indeterminabilidade do objeto decorre da maior frequência com que contratações futuras dei RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 227 44 Idem 45 DELGADO José Augusto In ALVIM Arruda ALVIM Thereza Coords Comentários ao Código Civil brasileiro dos fatos jurídicos v 2 Rio de Janeiro Forense 2008 p 148 46 LOBO Paulo Direito civil parte geral São Paulo Saraiva 2010 p 254 47 GOMES Orlando Obrigações Rio de Janeiro Forense 2004 p 46 48 AZEVEDO Antônio Junqueira de Negócio jurídico existência validade e eficácia São Pau lo Saraiva 2019 p 4445 xam de especificar o objeto do negócio a ser firmado porque em tal modalidade é comum que o objeto contratual não esteja delimitado em todas as especificidades necessárias No direito italiano a regra geral é prevista no artigo 1348 do Código Civil ao prescrever que la prestazione di cose future può essere dedotta in contratto salvi i particolari divieti della legge49 O ordenamento brasileiro não contém regra no âmbito dos negócios jurídicos em geral de negócio jurídico futuro50 Sua autori zação pode ser deduzida de outras provisões do Código Civil que para determinados tipos de contratos preveem contratações futuras Assim por exemplo quanto à fiança o artigo 821 do Código Civil estabelece que as dívidas futuras podem ser objeto de fiança mas o fiador neste caso não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor O ponto de partida é esclarecer que ao mencionar contratação futura o legisla dor está se referindo a obrigações ainda não constituídas e não àquelas sujeitas a condição ou termo tampouco àquelas prestações cujo vencimento eou exigibilidade se dará no futuro Uma vez assumida a obrigação pelo fiador ainda que a obri gação assegurada não tenha sido constituída pois futura inviável via de regra sua retratação51 ausente pactuação em sentido diverso pelo menos no âmbito brasileiro Por sua vez o Código Civil italiano e o Código Civil português autorizam em diferentes situações a re tratação do fiador52 228 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 49 Tradução livre a prestação de coisas futuras pode ser deduzido no contrato sujeito às proibições previstas na lei 50 As disposições sobre contratos aleatórios previstas nos art 458 e ss do Código Civil não se referem propriamente na visão do autor a obrigações futuras mas a obrigações já contraí das que digam respeito a coisas ou fatos futuros 51 FIGUEIREDO Gabriel Seijo Leal de Op Cit p 128 De se notar como demonstra o estudo do autor as diferentes nuances quanto à retratabilidade que em hipóteses pontuais e especí ficas poderia em tese admitir a retratação 52 Respectivamente os textos da lei portuguesa e italiana Artigo 654º Obrigação futura Na mesma linha mas relativamente à hipoteca estabelece o artigo 1487 do Código Civil que pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido sendo que a execução da garan tia hipotecária dependerá da prévia e expressa concordância do de vedor quanto ao montante da dívida nos termos do parágrafo único do citado artigo Também no contrato de compra e venda embora não pro priamente se trate de contrato futuro há previsão de aquisição de coisa futura a teor do artigo 483 do Código Civil a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura Neste caso ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório 3 O problema das garantias genéricas ou omnibus à luz da de terminabilidade do seu objeto Ao longo dos anos de estudo a respeito da validade das garan tias omnibus foram trazidos à discussão diversos mecanismos contra tuais que pretendiam suprir o aparente vício da determinabilidade do objeto de tais contratações Entre outros citamse a limitação quanti RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 229 Sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura tem o fiador enquanto a obrigação se não constituir a possibilidade de liberarse da garantia se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança quando outro prazo não resulte da conven ção Art 1956 Liberazione del fideiussore per obbligazione futura Il fideiussore per unobbli gazione futura è liberato se il creditore senza speciale autorizzazione del fideiussore ha fatto credito al terzo pur conoscendo che le condizioni patrimoniali di questo erano divenute tali da rendere notevolmente più difficile il soddisfacimento del credito Non è valida la preventiva rinuncia del fideiussore ad avvalersi della liberazione Tradução livre Art 1956 Liberação do fiador para obrigações futuras O fiador de uma obrigação futura é exonerado se o credor sem autorização especial do fiador tiver dado crédito ao terceiro mesmo sabendo que as condições financeiras deste se alteraram para tornar consideravelmente mais difícil a satisfação do crédito A prévia renúncia do fiador para valerse da liberação não é válida tativa da garantia53 sua limitação temporal e a enumeração das fontes de obrigações garantidas54 Vejase exemplificativamente o que se sustentou a respeito A necessidade de quando da fiança por débitos futuros se consignar um critério objetivo e limi tativo de determinação corresponde a uma natu ral função moderadora do ordenamento presen te por exemplo na limitação das taxas de juros Essa posição tem sido expressamente defendida por Vaz Serra em escritos que até hoje não se mostram rebatidos Diz designadamente esse au tor Podendo a fiança ser prestada para garantia de obrigação futura é todavia de exigir que no mo mento dessa prestação seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá re sultar ou ao menos o objeto da fiança não seria determinado nem determinável e ela seria por tanto nula55 Em julgamento realizado perante o Supremo Tribunal de Jus tiça de Portugal consignou o Acórdão de 19 de fevereiro de 1991 230 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 53 Essa limitação aliás restou codificada na Itália em razão do texto do artigo 1938 do Código Civil italiano já referenciado e transcrito 54 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 57 55 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 563 No mesmo sentido Impõese porém para ser válida a cláusula omnibus que o objecto da garantia seja determinado ou determinável sendo nula por indeterminabilidade do seu objecto a fiança de obrigações futuras quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha SILVA João Calvão da Direito bancário Coim bra Almedina 2001 p 379380 Patilha do entendimento LEITÃO Luís Manuel Teles de Me nezes Garantia das obrigações Coimbra Almedina 2016 p 123 e ss Com efeito na parte agora em crítica qualquer das duas fianças limitase a indicar os sujeitos das obrigações garantidas mas é totalmente omissa no que respeita ao critério para determinar os tí tulos de onde elas derivam contrariamente ao exigido pelo art 2809 I C Civil que considera nulo o negócio jurídico cujo objecto seja indeter minável Notese que a determinabilidade em questão de via ocorrer logo no momento da fiança Vaz Ser ra idem p 255 pois de outra forma o fiador não ficaria suficientemente defendido e estaria exposto a riscos excessivos56 Ao avaliar os fatos do acórdão de 19 de fevereiro de 1991 An tónio Menezes Cordeiro sustentou que se as sociedades em causa ente garantido assu missem responsabilidades exorbitantes e inespe radas por tudo isto responderiam os fiadores Não pode naturalmente ser assim A fiança é in determinável uma vez que os fiadores ficam ili mitadamente nas mãos do credor e de terceiros E tudo isso sem contrapartida57 No mesmo sentido mas contemplando contratações omnibus em outras modalidades de garantia que não a fiança Vasco Soares da Veiga explicita que mesmo carácter genérico de garantias prestadas ao bom cumprimento de obrigações futuras sem qualquer critério de determinação das obrigações garantidas se deverá aplicar quando a garantia RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 231 56 Supremo Tribunal de Justiça acórdão de 19 de fevereiro de 1991 57 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 566 prestada em vez de pessoal o for de penhor ou até por simples livrança de caução em branco em que a autorização de preenchimento da mes ma não defina como quando e em relação a que operação tal título pode vir a ser utilizado58 O entendimento jurisprudencial português posteriormente pacificado por Acórdão de 23 de janeiro de 2001 foi criticado por Carlos Ferreira de Almeida Quanto à indeterminabilidade do objeto o exem plo que a jurisprudência e a doutrina vêm apre sentando é a fiança omnibus ou geral quando garante obrigações futuras que o Supremo Tri bunal de Justiça em acórdão de uniformização de jurisprudência julgou nula por indeterminabi lidade do objeto Não me parece porém que seja assim porque a determinabilidade das obriga ções do fiador se fará no futuro per relatione à medida que o devedor afiançado vá contraindo dívidas O que está em causa é o risco excessivo e até o risco de ruína do fiado cuja liberdade fica coartada por outrem de tal modo que pode construir obstáculo ao desenvolvimento de sua personalidade e afetar sua dignidade O funda mento da nulidade da fiança omnibus de obriga ções futuras é antes em minha opinião a limita ção voluntária de direitos de personalidade do fiador em termos suscetíveis de contraria a ordem pública59 Em outro volume de sua obra o mesmo autor60 expõe que se 232 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 58 VEIGA Vasco Soares da Direito bancário Coimbra Almedina 1997 p 375 59 Ibidem p 181 60 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos III contratos de liberalidade de cooperação e de risco Coimbra Almedina 2019 p 206207 vem admitindo a fiança omnibus de obrigações assumidas por uma sociedade quando o fiador possa controlar ou influenciar o nível de endividamento do ente garantido Assim segundo a visão exposta o que está em causa não é a determinabilidade ou não da obrigação mas a subordinação do fiador ao arbítrio de terceiro que possa afetar sua dignidade e por isso a validade da contratação Conclui portanto que o tema deve ser avaliado sob o prisma do exercício abusivo do direito com excesso contido pelos limites da boafé bons costumes e fim econômicosocial do direito mas não está em causa a determinabilidade ou não de seu objeto61 Entendese pois que grande parte das limitações impostas à contratação omnibus não tem em verdade o condão de trazer deter minabilidade ao objeto da contratação62 senão de equilibrar e limitar a contratação assumida pelo garantidor O dilema é exposto da se guinte forma Assim analisadas com o necessário rigor vêse que na essência as censuras que se dirigem con tra as soluções voltadas à fixação de critérios de determinação do objeto da fiança genérica con forme propostas nos capítulos anteriores não se referem diretamente à ausência de elementos de medição da extensão da prestação fidejussória senão a argumentos que salientam as inúmeras possibilidades de abuso por elas consentidas e conseguintemente os perigos a que estaria ex posto o garantidor Em outros termos é possível afirmar que em muitos dos casos acima exami nados as imperfeições encontradas na estrutura dos critérios projetados para viabilizar a preserva ção da admissibilidade da fiança genérica não RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 233 61 Idem 62 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 90 encontram relação direta com uma possível inde terminabilidade de seu objeto63 De fato como se pretenderá demonstrar não se está diante de discussão em torno da determinabilidade do objeto da garantia gené rica mas de meios protetivos do garantidor que impeçam exercício abusivo do direito em face de sua pessoa 31 A quantificação do montante garantido ao tempo da conclu são do negócio não constitui exigência legal brasileira no âmbi to da fiança A par das regras gerais de determinabilidade do objeto dos negócios jurídicos que sob a ótica do autor deste texto possibilitam a liquidação futura do montante garantido notase que a disciplina legal da fiança reforça tal entendimento Tomemse como exemplo ainda que considerada a interpre tação restritiva que se opera em favor do fiador os contratos locatí cios garantidos por fiança outorgada em benefício do locatáriodeve dor que não se restringe ao pagamento dos alugueres mas do con trato como um todo Em tal cenário a garantia se presta igualmente a ressarcir o credor pelos danos que ao bem cause o inquilino e de multas fiscais que recaiam sobre o locador64 Não há pois determi nação ab initio de tal obrigação cujo montante pode ser vultoso no futuro mas plenamente determinável por ocasião da apuração dos danos causados ao imóvel judicial ou extrajudicialmente atribuindo se liquidez e exigibilidade ao crédito É o que a lei civil brasileira exige na parte final do artigo 821 do Código Civil ao estabelecer que as dívidas futuras podem ser ob 234 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 63 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 5960 64 MIRANDA Francisco Cavalcanti Pontes de Tratado de direito privado São Paulo Revista dos Tribunais 2012 v 44 p 259 jeto de fiança mas o fiador neste caso não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor Não merece guarida sustentar que o garantidor se submeterá à fixação do débito a exclusivo critério de um dos contraentes o que restaria vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro Em verdade não é o ente financiador que ao seu livre arbítrio fixará o valor das operações futuras de empréstimo Tal se dará mediante contrato futu ro firmado entre o beneficiário da garantia e o ente garantido cujo interesse na obtenção dos recursos no mais das vezes aproveita ao próprio garantidor O interesse do garantidor portanto deve fazer parte do processo cognitivo do intérprete a fim de bem verificar eventual abusividade da contratação Mais do que isso o montante de crédito a ser concedido como é forçoso reconhecer se dará em função da capacidade patri monial tanto do garantidor como do próprio ente garantido pois nenhuma instituição profissional financeira ou não concederá em préstimos sem conhecer a solvabilidade de seus devedores Se assim o faz é preciso investigar a eventual conduta abusiva pelo credor na concessão dos recursos tema que escapa à validade do negócio jurí dico por falta de determinabilidade do objeto Em situação análoga envolvendo fiança o Superior Tribunal de Justiça por acórdão de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanse verino assim avaliou o tema ao declarar a responsabilidade do fiador por débito novado entre credor e devedor já que a garantia previa acobertar dívidas futuras do devedor principal Fez transcrever ainda cláusula quinta do contra to de fiança em que os fiadores obrigaramse a garantir débitos com origem tanto na aquisição de mercadorias quanto em transações havidas entre a Afiançada e a Credora inclusive na hipó tese do Parágrafo Primeiro da Cláusula 1 acima seja em relação ao valor original seja em relação aos acessórios e correção monetária dos débitos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 235 originais não importando tenham esses débitos seus vencimentos originais alterados ou prorro gados ou até mesmo em caso de Novação de Dí vida que ainda assim continuarão garantidos pe los Fiadores que por eles continuarão respon dendo com seus bens presentes e futuros já que por via desta Carta de Fiança fica a Credora ex pressamente autorizada a conceder moratória eou fazer Novação de Dívida com a Afiançada sendo que os Fiadores não só autorizam como reconhecem expressamente que em ocorrendo tais situações isso será tido como benefício a eles mesmos uma vez que a Credora estará fazendo tentativas e promovendo condições para receber seu crédito diretamente da Afiançada O Código Civil reconhece em matéria de garan tia fidejussória o alcance do fiador também pela obrigação novada quando com ela concorde Proíbese bem verdade a interpretação extensi va do contrato de fiança mas o direito ainda as sim é eminentemente dispositivo e as obrigações serão livremente assumidas em consonância com a vontade negocial dos contratantes Não haverá pois ignorar a válida disposição do contrato de fiança em que os garantidores se comprometeram a solver as dívidas presentes e futuras inclusive como principais pagadores seja nos termos originalmente contratados seja na queles traçados em novações posteriores clara mente abdicando assim do direito a eles alcan çado pelos arts 366 e 838 inciso I ambos do CCB65 236 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 65 BRASIL Supremo Tribunal De Justiça Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1491341SP 201200416307 Relator Min Paulo de Tarso Sanseverino São Paulo 10 fev 2015 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 19 fev 2015 Ver ainda RECURSO ESPE CIAL FIANÇA GARANTIA DE DÍVIDAS FUTURAS POSSIBILIDADE NOVAÇÃO EXONERA Como se percebe tratase de risco assumido pelo garantidor no âmbito de sua autonomia privada sem que isso represente a inva lidade do negócio jurídico 32 O problema da quantificação do montante garantido nos contratos em que a lei do negócio típico exige referência ao va lor garantido hipóteses de garantias reais típicas Pode ocorrer que a própria lei estabeleça requisitos de valida de de determinado tipo de garantia entre os quais o valor principal da dívida e o prazo de vigência do contrato Isso ocorre por exem plo nos negócios de alienação fiduciária de imóvel em garantia re gulados pela Lei nº 95141997 Expressa o artigo 24 da referida lei que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá I o valor do principal da dívida II o prazo e as condições de reposi ção do empréstimo ou do crédito do fiduciário Do mesmo modo especificamente em relação à alienação fi duciária de coisa móvel e penhor anticrese e hipoteca exigese pelo menos a estimativa da dívida consoante se verifica nos artigos 1362 e 1424 do Código Civil que assim preveem RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 237 ÇÃO DA FIANÇA IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO 1 As obrigações futuras podem ser objeto de fiança CC1916 art 1485 primeira parte 2 Garantia prestada na espécie em relação a obrigações pecuniárias não específicas e sem limite de duração 3 Importa exonera ção do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal CC1916 art 1006 4 Não obstante diante da prestação de fiança em relação a dívidas futuras da afiançada para com a credora de maneira irrestrita carece de sentido exonerar dela a recorrente em face de novação Com efeito a dívida resultante da novação não deixa de ser obrigação pecuniária prevista na estipulação contratual da garantia fidejussória 5 Exegese que não escapa à neces sária interpretação restritiva da fiança pois não se cuida de atribuirlhe qualquer extensão temporal Ademais não se trata na espécie de atribuir responsabilidade perpétua à fiadora eis que entre o estabelecimento da garantia e o surgimento da dívida decorrente da novação decorreu período inferior a um ano 6 Recurso especial não conhecido BRASIL Superior Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial nº 279299SP Relator Min Fernando Gonçalves São Paulo 20 out 2009 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 09 nov 2009 Art 1362 O contrato que serve de título à pro priedade fiduciária conterá I o total da dívida ou sua estimativa II o prazo ou a época do pagamento III a taxa de juros se houver IV a descrição da coisa objeto da transferência com os elementos indispensáveis à sua identifica ção Art 1424 Os contratos de penhor anticrese ou hipoteca declararão sob pena de não terem efi cácia I o valor do crédito sua estimação ou valor má ximo II o prazo fixado para pagamento III a taxa dos juros se houver IV o bem dado em garantia com as suas especificações Em artigo sobre o assunto reconhecendose ser lícito que contraentes estabeleçam dívidas futuras ou incertas nos contratos consignouse que se tal constar de instrumento de alienação fiduciá ria de imóveis em garantia terseia contrato inominado posto ser inviável saber se haverá dívida e seu valor total66 Reconheceuse em tal estudo a possibilidade com fundamento em precedentes judiciais e interpretação sistemática e funcional da lei de sob o regime legal e mantida a tipicidade do negócio fixarse valor máximo garantido A cobrança fundada no instrumento de garantia não pode contudo exceder o valor máximo garantido quando o credor será então me ramente quirografário Em hipóteses nas quais a lei estabelece como condição de va lidade e eficácia do negócio jurídico de garantia a fixação de valor estimado ou máximo a previsão omnibus pode parecer mais tormen 238 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 66 VENOSA Silvio de Salvo DENSA Roberta Op Cit p 97 tosa dado o teor da disposição legal Não é o que ocorre entretanto na visão do autor do presente artigo ressalvando que a jurisprudên cia dominante parece não admitir tal espécie de contratação67 Isso porque os contraentes afastam deliberadamente exigên cia que visa a limitar o escopo da garantia real para dívidas já existen tes e líquidas o que exsurge da necessidade de indicação do valor garantido sua estimativa ou máximo garantido no instrumento de constituição da garantia Pretendem finalidade distinta daquela ini cialmente projetada pelo negócio tipificado constituindo garantias reais para dívidas futuras ainda não conhecidas nem contraídas ao tempo da constituição do instrumento garantidor daí porque omitem no instrumento o valor garantido apenas referindose às obrigações que venham a ser formadas no futuro Parecenos que as facilidades e vantagens de contratações ge néricas também no âmbito dos contratos de garantia geral são moti vo legítimo para afastar tal disciplina legal conduta que em princí pio não visa fraudar lei imperativa A ampliação do escopo da con tratação há de ser devidamente fundada em razões que se façam coe rentes com o contexto do negócio jurídico firmado e com a intenção comum dos contraentes devidamente declarada Ademais a ausên cia de fixação do montante do débito ou seu valor máximo pode se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 239 67 DIREITO CIVIL EXECUÇÃO FUNDADA EM CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO VINCULADO À NOTA PROMISSÓRIA E ESCRITURA DE HIPOTECA CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE NÃO CONFIRMAM A ILIQUIDEZ DO TÍTULO EXTINÇÃO DO PRO CESSO EXECUTIVO 5 Incabível a execução de hipoteca garantidora de dívidas futuras como no caso concreto em que a garantia não estava limitada e nem vinculada a um contrato específico mas a quaisquer débitos sem qualquer limitação provenientes ou não de finan ciamentos diversos eou vendas financiadas A previsão legal de hipoteca de dívida futura é novidade legislativa trazida somente pelo Código Civil de 2002 que passou a prever no seu art 1487 que a hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido 6 Inaplicabilidade da Súmula n 300STJ à míngua de préquestionamento e por necessidade de reexame fático 7 Recurso especial não provido BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial nº 1022034SP Relator Min Luis Felipe Salomão São Paulo 12 mar 2013 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 18 abr 2013 dar mediante avaliação do próprio bem afetado pela garantia real suprindo assim omissão das partes a respeito É que o reforço conferido pelo direito real de garantia institui afetação de bens quer do devedor quer de terceiro para paga mento preferencial de determinada prestação68 Tratase de reforço qualitativo69 do crédito se o bem afetado é do próprio devedor Caso o bem afetado seja de terceiro têmse reforço qualitativo e quantita tivo do crédito70 Ora sendo o próprio devedor o garantidor nas hipóteses de garantias reais nem mesmo o aventado problema da sujeição do ga rantidor a novas dívidas contraídas por terceiros estará presente pois o garantidor real também devedor principal é quem assumirá o encargo de devedor futuro Saberá a exata medida e extensão das novas dívidas que serão acrescidas ao direito real genérico de garan tia conferido em favor do credor beneficiário da garantia Além disso caso os termos do instrumento de garantia real não fixem valor máximo ou sua estimativa temse que implicitamen te é o valor do bem o teto máximo a que a garantia se prestará 33 A referência à espécie de negócio jurídico futuro Tampouco se admite a ideia de que careceria de determinabi lidade a contratação omnibus que não se refira no momento de sua conclusão ao tipo de operação futura que servirá de meio de finan ciamento do devedor principal 240 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 68 LEITÃO Luís Manuel Teles de Menezes Garantias das obrigações Coimbra Almedina 2018 p 95 69 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Direito das garantias Coimbra Almedina 2020 p 62 70 Idem Para fins ilustrativos a operação de crédito poderá se relacio nar à utilização de recursos bancários vinculados à conta corrente o denominado cheque especial como também de determinado mú tuo bancário desvinculado da disponibilidade de recursos no âmbito do contrato de conta corrente Entendese que independentemente da natureza da contratação futura que será abarcada pela generalida de da garantia a validade do instrumento de garantia não restará comprometida Em primeiro lugar porque a operação futura abarca da pela garantia restará plenamente determinada por ocasião do fe chamento da respectiva contratação ainda que não contemporânea à formação do próprio contrato de garantia Em segundo lugar e mais importante fato não localizado nas pesquisas realizada pelo autor do presente artigo independentemente da modalidade de conces são de crédito a que se sujeitará o devedor principal inexistirá ao garantidor qualquer prejuízo A natureza da garantia contratada sob o regime omnibus e suas condições jamais serão alteradas em razão da modalidade de concessão de crédito a ser oferecida pelo agente cre dor da garantia Vale dizer a garantia de direito real pessoal autônoma cam biária etc que contenha cláusula omnibus seguirá rigorosamente os efeitos típicos de cada espécie independentemente da operação de que se valham o beneficiário da garantia e o devedor principal para concessão do crédito Tampouco a finalidade do referido crédito é capaz de impactar a contratação perfeita e acabada entre benefi ciário e devedor da garantia com cláusula omnibus Não há assim qualquer prejuízo ao garantidor que continua respondendo por suas obrigações nos limites da contratação omni bus pelo que não se pode cogitar qualquer nulidade advinda de tal aparente indeterminação do objeto da garantia Aplicase brocardo aceito em nosso ordenamento civil pas de nullité sans grief71 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 241 71 Tradução livre Não há nulidade sem prejuízo 34 Validade da pactuação por prazo indeterminado Por sua vez o fato de a garantia omnibus ser contratada por prazo indeterminado não é causa de invalidade tanto sob o ponto de vista dos negócios jurídicos em geral quanto por não submeter o ga rantidor a qualquer situação iníqua a ser reprimida pelo Direito Basta notar que se o tipo de garantia for a fiança a extinção do contrato principal de concessão de crédito cujo montante será acrescido à garantia omnibus acarretará também a extinção da relação obriga cional havida no âmbito do contrato omnibus com exclusão do mon tante devedor do garantidor Em outras palavras a extinção ocorrerá no futuro com a de dução do débito acobertado pela garantia genérica segundo a tipo logia contratada sempre levando em conta os termos da própria con tratação omnibus bem como a sorte que couber ao contrato princi pal em consideração à acessoriedade ou não da garantia e ao con texto da contratação 35 Validade das garantias omnibus artigo 104 inciso II do Có digo Civil controle da legalidade suscetível de se operar no pla no da eficácia à luz do contexto e da boafé objetiva Explicados os conceitos de determinabilidade do objeto do negócio jurídico em geral assim como as características próprias de garantias tipificadas é também preciso conceber a importância das contratações gerais de garantia no barateamento do crédito na agili zação de sua concessão e no atendimento das necessidades específi cas de cada agente econômico Tais funções econômicosociais da modalidade de contratação omnibus inseremse no objeto mediato e imediato da contratação pois se ligam às circunstâncias da conclusão do negócio jurídico É nesse arcabouço que a legalidade da cláusula omnibus deve ser afe rida 242 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Há como se viu elementos idôneos capazes da sucessiva de terminação da contratação omnibus pois mesmo que possa existir certo grau de incerteza tratase de incerteza parcial Não lhe falta contudo conteúdo mínimo em especial quando se considera a con venção em seu pano de fundo mais amplo e em vista dos objetivos almejados pela contração de garantias guardachuvas Parece pertinente para fins de ilustração a classificação de Carlos Ferreira de Almeida ao se referir ao contratoquadro normati vo que pode ser interno ou externo Será interno se as partes do contratoquadro coincidirem com o contrato de execução como é típico nos contratos reais de garantia em que devedor e garantidor são a mesma pessoa será externo se o contrato de execução for fir mado com terceira pessoa72 Embora seja próximo do contratopromessa o contratoqua dro diferenciase pela pluralidade de contratos a celebrar e exata mente por admitir uma relativa indeterminação destes a suprir por normas supletivas ou por acordos posteriores73 A função econômicosocial desenvolvida por obrigações inse ridas dentro de contratosquadro normativos é aferível caso a caso Em situações envolvendo garantias no âmbito bancário normalmen te se alude à agilização do crédito seu barateamento redução dos custos transacionais etc pois o tomador ou o ordenador são clientes frequentes do garante No âmbito das contratações omnibus acrescese a todos esses fatores funcionais de incentivo ao crédito o fato recorrente de os agentes que almejam o crédito não serem capazes de precisar a priori o valor ou data específica em que terão de se socorrer dos recursos a serem disponibilizados gerando empréstimo abaixo ou RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 243 72 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos IV funções circunstâncias interpretação Coimbra Almedina 2018 p 69 73 Idem além do necessário com gastos desnecessários em pagamento de juros74 Revelase assim outra função econômicosocial de grande re levância que demanda a avaliação do intérprete para aferir a legalida de das contratações de garantia com cláusulas omnibus A modalida de é capaz de impedir que créditos sejam concedidos desnecessaria mente com encargos que poderiam ser evitados ou ao revés que créditos inferiores ao efetivamente necessário sejam concedidos o que também acarreta custos extras Além disso no que tange à contratação futura por terceiro como já se constatou a ocasião típica de contratações de garantia com cláusulas omnibus se dá no âmbito comercial mediante a assun ção do encargo por sócios dirigentes ou empresa coligada sendo a sociedade empresária a recebedora do crédito garantido No mais das vezes e é preciso avaliar cada caso concreto as referidas pessoas não assumem o encargo por mera liberalidade pois buscam majorar o patrimônio da sociedade garantida para que ela possa prosperar e alcançar seus resultados positivos revertendose em benefício dos próprios fiadores afastandose a ideia de que o garantidor é ente ab solutamente frágil ante a potência dos entes financeiros75 Não assu mem pois tal posição sem qualquer retribuição fato que contudo deverá ser discutido e apurado no âmbito probatório de eventual disputa Esclarecimento necessário é o de que o papel retributivo que ora se discute não deverá acarretar a invalidade do instrumento Po derá indicar eventual abusividade da contratação ou da execução do contrato se avaliadas todas as demais circunstâncias não só a posi ção do garantidor e os benefícios auferidos com a sua vinculação à garantia assim concluir o intérprete 244 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 74 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 5960 75 Ibidem p 67 Cumpridos os deveres laterais atrelados à boafé contudo constatase que os sócios administradores ou diretores das compa nhias devedoras sempre sabem o tamanho dos novos empréstimos que tomam e a extensão do passivo aberto fato que vai enfraquecer a tese de surpresa com as novas dívidas incluídas na ga rantia geral76 Por isso a tendência é admitir a eficácia de tal modalidade respeitado o direito de o garantidor produzir prova em sentido adver so e demonstrar no conjunto de todas as demais circunstâncias da contratação eventual contratação abusiva É à boafé objetiva que se deve atribuir o papel de incremen tar o conteúdo contratual com regras não previstas pelas partes77 su portadas por critérios mínimos de definição do objeto negocial das garantias e não o regime da invalidade dos negócios jurídicos em geral Eventuais detalhamentos constantes do instrumento contra tual como prazo de vigência referência ou não a montante máximo de garantia fontes geradoras da obrigação futura papel do garanti dor na sociedade empresária que obterá o empréstimo entre outros elementos do contexto da contratação não se prestam a aferir a de terminabilidade do objeto contratual nem sua validade mas cum prem a função de temperar o papel reservado à boafé objetiva nesse contexto auxiliando o intérprete Daí porque serão as especificidades de cada caso concreto que permitirão havendo necessidade dar contornos ao conteúdo do RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 245 76 ZULIANI Ênio Santarelli Op Cit p 21722173 77 Vejase quanto a tal função da boafé objetiva NITSCHKE Guilherme Carneiro Monteiro Lacunas contratuais e interpretação história conceito e método São Paulo Quartier Latin 2020 p 543 negócio jurídico aos ditames da boafé cumprindose tal método du pla função i evitar a declaração de nulidade do negócio jurídico dandolhe a eficácia pretendida pelos contratantes ii não abando nar garantidor e ente garantido à própria sorte sujeitandoos injusti ficadamente ora a tentativas de ampliação ora à pretensão de limita ção abusiva do objeto da garantia78 Não se pretende adentrar às hipóteses e aos requisitos para aferir a ocorrência de abuso do direito nos termos do artigo 187 do Código Civil O papel casuístico é de relevo mas a função do freio inserido na concepção de abuso do direito é de tornar mais flexível a aplicação das normas jurídicas inspiradas em diretrizes que deixam de corresponder às aspirações sociais da atualidade aliviando cho ques frequentes entre a lei e a realidade verdadeiro conceito amor tecedor79 E nesse ponto apesar do efeito típico reparatório que o abu so do direito implica não é de se desconsiderar que se o vício for refletido na celebração de qualquer negócio este será em princípio nulo ou anulável conforme a hipótese De fato pode acarretar repa ração natural indenização pecuniária mas também nulidade anula bilidade inoponibilidade rescindibilidade etc80 Em suma as razões expostas indicam que eventual repressão às contratações omnibus notadamente por suposta ausência de de terminabilidade de seu objeto deve se dar no plano da eficácia san cionandose o exercício abusivo do direito mas não o plano da vali dade nos termos do artigo 104 inciso II do Código Civil 246 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 78 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 98 79 GOMES Orlando Op Cit p 132 80 Nesse sentido VARELA João de Matos Antunes Das obrigações em geral Coimbra Alme dina 1996 v 1 p 567 SÁ Fernando Augusto Cunha de Abuso de direito Coimbra Almedina p 647648 NANNI Giovanni Ettore Abuso do Direito In LOTUFO Renan NANNI Giovanni Ettore Coords Teoria geral do direito civil São Paulo Atlas 2008 p 759 Conclusão O trabalho dentro dos limites da pesquisa do autor deste tex to permite concluir relativamente às garantias gerais ou omnibus no âmbito bancário brasileiro a A extrema relevância na práxis bancária para fomento do crédito da redução de sua obtenção do desenvolvimento das atividades empresariais da redução dos custos de tran sação etc da concessão de crédito assegurado sob o regi me omnibus b A existência de acalorados debates práticos e acadêmicos a respeito da determinabilidade do objeto de garantias de tal natureza c A validade dos negócios jurídicos em geral bem como da contratação de garantias requer a determinação ou possi bilidade de determinação de seu objeto no futuro deven do para tanto o intérprete avaliar o contexto e a finalida de da contratação em todos os seus elementos e contornos possíveis a fim de aferir a validade do negócio d A fundamental questão na visão do autor que aflige a con tratação de garantias sob o regime omnibus não é propria mente a de validade mas a do instrumento por indetermi nabilidade de seu objeto Entendese que é o exercício abusivo do direito tanto pelo credor quanto pelo devedor embora a possibilidade de a abusividade ser cometida pelo credor seja substancialmente maior do que pelo deve dor que deve ser reprimido mediante as circunstâncias do caso concreto em toda a sua extensão e Do ponto de vista do direito brasileiro a contratação de ga rantias genéricas pode ser posta sob o aspecto das garan tias reais e pessoais embora existam vários pontos co muns a ambas as modalidades e1 garantias reais não padece de automática invalidade a contratação de garantias reais típicas e atípicas no direito brasi leiro apenas porque não fazem referência ao valor do débito garantido no momento da constituição da RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 247 garantia nem menção à natureza dos negócios jurí dicos futuros que se incluirão no escopo da garan tia se as partes pretenderam ampliar o escopo da garantia para débitos a serem constituídos no futu ro dos quais ainda não têm conhecimento ao tem po da constituição da garantia fato comum na vida empresarial implicitamente os contratos de garantias reais fixam valor máximo garantido à medida em que a garantia é limitada ao valor do bem que lhe serve de suporte os negócios jurídicos que serão abarcados pela ga rantia não alteram a natureza do pacto omnibus daí porque sua menção não traz qualquer prejuízo além do contratado pelo devedor do direito real dado em garantia o fato de a garantia ser prestada por prazo indeter minado não encontra óbice legal no direito brasilei ro sua extinção deverá se dar segundo o regime ju rídico que lhe for próprio se o garantidor real for o próprio devedor das dívi das futuras terá pleno conhecimento dos valores que estão garantidos sob o regime de direito real afastando qualquer alegação de surpresa se o devedor for terceiro é preciso avaliar eventual exercício abusivo de direito pelo credor da garantia real bem como todos os interesses em jogo sendo que a boafé poderá ter papel integrador do objeto contratual e sua delimitação em todos os casos a boafé por seu papel de incre mento do conteúdo contratual servirá de salvaguar da a eventual exercício abusivo de direito pelo ga rantidor e pelo credor avaliandose o contexto da contratação e sua finalidade e2 garantias pessoais não padece de automática invalidade a contratação de garantias pessoais no direito brasileiro apenas porque não se refiram a um teto máximo garantido não façam menção à natureza dos negócios jurídi 248 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 cos futuros que se incluirão no escopo da garantia ou não fixem prazo de vigência do instrumento a indeterminação do prazo de vigência da garantia não esbarra em óbice legal no direito brasileiro de vendo a extinção do instrumento de garantia pes soal se dar conforme seu regime jurídico e conside rando entre outras coisas sua acessoriedade ou au tonomia em relação ao negócio jurídico subjacente o fato de a garantia não estabelecer a priori o valor máximo garantido não afasta a validade do instru mento cuja determinação do quantum se dará por ocasião das contratações futuras é preciso também avaliar o papel do garantidor no âmbito da sociedade ou pessoa afiançada bem como o seu poder de controle e de gestão sobre os negócios do devedor principal em todos os casos a boafé serve de contracautela a eventual exercício abusivo do direito pelo garanti dor e pelo credor avaliandose o contexto da con tratação e sua função econômicosocial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 249 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic approximately 12 cup 28 oz 80 grams Item 51452 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic 1 cup 56 oz 160 grams Item 51453 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic 2 cup 112 oz 320 grams Item51454 Specifically formulated for easy hand molding and casting It can be melted and poured into molds Also has excellent adhesion to the mold surface which eliminates the need for spraying or coating Cures to a firm but flexible rubber with excellent flexibility for use in molds Produces rubber molds that are hard and durable Nontoxic Molds are heat resistant and can be used for some casting up to 175F No shrinkage Normas para publicação de artigos na RSDE 1 Os trabalhos para publicação na Revista Semestral de Direito Empresarial RSDE deverão ser inéditos no Brasil e sua publicação não deve estar pendente em outro veículo nacional Serão aceitos trabalhos redigidos em português inglês espanhol francês e italiano 2 Os trabalhos deverão ser enviados em arquivos no formato doc para o email conselhoexecutivorsdecombr 3 Os artigos deverão observar as normas da ABNT NBR 6023 NBR 10520 e NBR 14724 e ser entregues na seguinte formatação a Tamanho do papel A4 210 x 297 mm b Orientação retrato c Margens as margens superior e esquerda devem ser de 3 cm ao passo que as margens inferior e direita devem ser de 2 cm d Alinhamento justificado e Parágrafo usar a tabulação padrão 125 cm a partir da margem es querda da folha As eventuais alíneas devem estar a 25 cm da margem para transcrições longas observar a alínea h abaixo f Espaçamento antes e depois 0 pt entrelinhas 15 linhas no texto e simples para notas de rodapé para transcrições longas observar a alínea h abaixo g Fonte Times New Roman estilo normal tamanho corpo 12 para o texto e corpo 10 para as notas de rodapé cor automático h Transcrições longas mais de 3 linhas escritas em parágrafo inde pendente com recuo a 4 cm da margem esquerda sem aspas tamanho da fonte 10 o trecho não deverá ser transcrito em itálico ou negrito à exceção de expressão grifada pelo autor caso em que deverá ser incluída ao final do texto transcrito a expressão grifos do autor espaçamento entrelinhas simples e i Transcrições curtas até 3 linhas inclusive deverão observar o mesmo padrão do texto do artigo escritas entre aspas 4 Os artigos deverão possuir a sumário b título resumo e palavraschave em dois idiomas sendo um deles o idioma do texto e o outro necessariamente o inglês c referências a citações as quais serão feitas em notas de rodapé seguin do como já indicado no item 3 acima as normas da ABNT e d no mínimo de 15 e máximo de 30 páginas Não será necessária a indi cação de bibliografia ao final do artigo 5 Os trabalhos recebidos serão submetidos a processo de dupla avaliação anônima por pares double blind review pelo corpo de pareceristas permanente da RSDE o qual é composto por professores de universidades brasileiras e estrangeiras 6 Cada artigo avaliado poderá ser considerado a apto para publicação b apto para publicação desde que realizadas correções obrigatórias ou c inapto para pu blicação Serão publicados os artigos que não tiverem recebido qualquer parecer negativo ou aqueles que tiverem atendido as correções obrigatórias requeridas pe los Pareceristas Após a avaliação os artigos retornarão aos autores para ciência e para realização de eventuais correções as quais serão posteriormente conferidas tanto pelos pareceristas quanto pelos membros do Conselho Executivo 7 Realizado esse procedimento os artigos aprovados serão submetidos aos Edito res e aos membros dos Conselhos Editorial e Executivo da Revista que se reunirão para avaliálos e finalizar a seleção para a publicação observando os critérios de qualidade e exogenia e a quantidade de artigos por número 8 Além desses artigos avaliados anonimamente por pares a RSDE publicará até dois artigos de convidados por número Estes artigos serão avaliados somente pelos Conselhos Editorial e Executivo os quais analisarão a pertinência temática com o foco e o escopo da Revista e a observância das regras formais para publicação 9 As edições da RSDE são publicadas semestralmente nos meses de junho e de zembro todos os anos
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Texto de pré-visualização
REVISTA SEMESTRAL DE DIREITO EMPRESARIAL Nº 26 Publicação do Departamento de Direito Comercial e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Janeiro Junho de 2020 098030143 REVISTA SEMESTRAL DE DIREITO EMPRESARIAL Nº 26 JaneiroJunho de 2020 Publicação do Departamento de Direito Comercial e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Prof Alexandre Ferreira de Assumpção Alves Prof Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich Prof Enzo Baiocchi Prof Ivan Garcia Prof João Batista Berthier Leite Soares Prof José Carlos Vaz e Dias Prof José Gabriel Assis de Almeida Prof Leonardo da Silva SantAnna Prof Marcelo Leonardo Tavares Prof Mauricio Moreira Mene zes Prof Rodrigo Lychowski e Prof Sérgio Campinho EDITORES Sérgio Campinho e Mauricio Moreira Menezes CONSELHO EDITORIAL Alexandre Ferreira de Assumpção Alves UERJ Ana Frazão UNB António José Avelãs Nunes Universidade de Coimbra Car men Tiburcio UERJ Fábio Ulhoa Coelho PUCSP Jean E Kalicki George town University Law School John H Rooney Jr University of Miami Law School Jorge Manuel Coutinho de Abreu Universidade de Coimbra José de Oliveira Ascensão Universidade Clássica de Lisboa Luiz Edson Fachin UFPR MarieHélène MonsèriéBon Université des Sciences Sociales de Toulouse Paulo Fernando Campos Salles de Toledo USP PeterChristian MüllerGraff RuprechtKarlsUniversität Heidelberg e Werner Ebke Ru prechtKarlsUniversität Heidelberg CONSELHO EXECUTIVO Carlos Martins Neto e Mariana Pinto coordenadores Guilherme Vinseiro Martins Leonardo da Silva SantAnna Livia Ximenes Da masceno Mariana Campinho Mariana Pereira Mauro Teixeira de Faria Ni cholas Furlan Di Biase e Rodrigo Cavalcante Moreira PARECERISTAS DESTE NÚMERO Bruno Valladão Guimarães Ferreira PUCRio Caroline da Rosa Pinheiro UFJF Gerson Branco UFRGS José Gabriel Assis de Almeida UERJ Fabrício de Souza Oliveira UFJF Fernanda Valle Versiani UFMG Marcelo Féres UFMG Marcelo Lauar Leite UFERSA Milena Donato Oliva UERJ Pedro Wehrs do Vale Fernandes UERJ Samuel Max Gabbay IFRJ Sergio Negri UFJF e Uinie Caminha UNIFOR PATROCINADORES ISSN 19835264 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Publicado no segundo semestre de 2021 Revista semestral de direito empresarial nº 26 janeirojunho 2020 Rio de Janeiro Renovar 2007 v UERJ Campinho Advogados Moreira Menezes Martins Advogados Semestral 1 Direito Periódicos brasileiros e estrangeiros 941416 CDU 236104 Colaboraram neste número Alexandre Libório Dias Pereira Docente associado da Universidade de Coimbra desde março de 2020 Doutor em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Mestre em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Email aldpfducpt Daniel Fortes Aguilera Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Ja neiro UERJ Advogado Email dfortesterratavarescombr Elisa Mara Coimbra Doutoranda em Empresa e Atividades Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Católica do Rio de Janeiro PUC Rio Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Advogada da Financiadora de Estudos e Projetos Finep In tegrante do Grupo de Pesquisa Argumentação direito e inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contempo râneo Estudos GDAC Colaboradora do Núcleo Jurídico OIC IEAUSP Email elisacoimbra775yahoocombr Henrique Cunha Souza Lima Professor de PósGraduação em Direito e Tecnologia nas instituições Pontifícia Católica de Minas Gerais PUCMinas e SKEMA Business School Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG PósGraduado em Direito Processual Civil Ba charel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG com formação complementar pela University of Leeds Ingla terra cursando módulos da graduação e do LLM Advogado Email henriquesouzalimagmailcom Ives Nahama Gomes dos Santos Mestranda em Direito Constitucional Público pela Universidade Fede ral do Ceará PPGDUFC com mobilidade acadêmica na Universida de Federal de Minas Gerais UFMG Coordenadora do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais NECCUFC Pesquisadora do Projeto Pesquisa Empírica e Jurimetria PROPED UNIFOR Pesquisadora do Grupo de Direito Penal Econômico e da Empresa GDPEE da Fundação Getúlio Vargas FGVSP Pesquisadora do grupo de estu dos Dimensões do Conhecimento do Poder Judiciário da Escola Su perior da Magistratura do Estado do Ceará ESMEC Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e IBCCRIM Advogada Email ivesnahamahotmailcom João Luís Nogueira Matias Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará UFC com aulas na graduação e na pósgraduação Professor Titular do Centro Universitário 7 de Setem bro UNI7 Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará UFC MBA em Gestão de Empresas Fundação Getúlio Vargas FGVRJ Juiz Fe deral Email joaoluisnmuolcombr José Luiz de Moura Faleiros Júnior Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo USPLargo de São Francisco Doutorando em Direito na área de es tudo Direito Tecnologia e Inovação pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre e Bacharel em Direito pela Universida de Federal de Uberlândia UFU Especialista em Direito Digital Di reito Civil e Empresarial Advogado Email jfaleirosuspbr Marcos Vinício Chein Feres Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Professor do Corpo Permanente do Programa de PósGraduação Es trito Senso em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da Univer sidade Federal de Juiz de Fora UFJF Doutor em Direito pela Univer sidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre em Direito pela Uni versidade Federal de Minas Gerais UFMG Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Bolsista de Produ tividade do CNPq e Professor Colaborador do Programa em PósGra duação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Desempenhou a função de Diretor da Faculdade de Direito da UFJF 20062014 Desempenhou a função de ViceReitor da UFJF 20142016 assumindo o exercício da Reitoria de novembro de 2015 a abril de 2016 Compõe como participante a Collaborative Research Network 047 da Law and Society Association sobre economic and social rights Possui projetos na área de Propriedade Intelectual e Teoria do Direito Aplicada financiados pela FAPEMIG e pelo CNPq Tem experiência na área de Direito com ênfase em pesquisa empíri ca em direito aplicada ao Direito Econômico atuando principalmente nos seguintes temas Pesquisa Empírica em Direito Argumentação Direito e Inovações Tecnológicas Direito Econômico Direito de Pro priedade Intelectual Marcas Patentes e Inovação e Transferência de Tecnologia e Metodologia da Pesquisa e do Ensino Jurídico Email mvcheingmailcom Marvio Bonelli Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Ja neiro UERJ Advogado Email mbibmalawcombr Pedro Guilhardi Doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Católica de São Paulo PUCSP Mestre em Direito Comercial pela PUCSP LLM em Comparative and International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London Advogado em São Paulo Email pguilhardinanniadvbr Pedro Henrique Carvalho da Costa Mestrando em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná UFPR Especialista em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Bacharel em Direito pela Univer sidade Federal do Paraná UFPR Pesquisador do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Professor da PósGraduação em Direito Empre sarial Aplicado e Análise Econômica do Direito das Faculdades da In dústria FIEP Advogado Email pedrohcarvalhocostagmailcom Raíssa Mendes Tomaz Doutoranda em CiênciasJurídico Políticas pela Universidade de Lis boa Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra Pesquisadora associada do Centro de Investigação de Direito Público CIDP da Universidade de Lisboa Email raissamendestomazgmailcom Sumário A FASE PRÉCONTRATUAL DO CONTRATO DE FRANQUIA EM PORTUGAL Raíssa Mendes Tomaz e Alexandre Libório Dias Pereira 1 ESTUDO EMPÍRICO SOBRE O PERFIL DOS CONDENADOS POR INSIDER TRADING PELA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM HÁ O EFEITO EDUCATIVO DAS DECISÕES João Luís Nogueira Matias e Ives Nahama Gomes dos Santos 31 VALIDADE E CONFIABILIDADE DAS INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA PESQUISAS EMPÍRICAS O CASO DOS REGISTROS DE PATENTE NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL Elisa Mara Coimbra e Marcos Vinício Chein Feres 61 CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA ENQUADRAMENTO NORMATIVO POTENCIALIDADES E REQUISITOS DE VALIDADE Daniel Fortes Aguilera e Marvio Bonelli 85 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXCLUSÃO EXTRAJUDICIAL DE SÓCIOS EM SOCIEDADES LIMITADAS COM APENAS DOIS SÓCIOS Pedro Henrique Carvalho da Costa123 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PLATAFORMAS DE CROWDFUNDING DE RECOMPENSA E DE PRÉVENDA PELA FRAUDE POR TERCEIROS FINANCIADOS Henrique Cunha Souza Lima147 ACCOUNTABILITY E DEVIDA DILIGÊNCIA COMO VETORES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NOS MERCADOS RICOS EM DADOS José Luiz de Moura Faleiros Júnior 183 GARANTIAS GENÉRICAS OU OMNIBUS NO DIREITO BRASILEIRO Pedro Guilhardi213 GENERAL INFORMATION AND INSTRUCTIONS FOR THE USE OF THE PRODUCT A FASE PRÉCONTRATUAL DO CONTRATO DE FRANQUIA EM PORTUGAL1 THE PRECONTRACTUAL PHASE OF THE FRANCHISE CONTRACT IN PORTUGAL Raíssa Mendes Tomaz Alexandre Libório Dias Pereira Resumo Este trabalho busca fazer uma análise da legislação aplicável ao contrato de franquia no âmbito précontratual Buscase verificar a fase da formação do contrato discutindo a aplicação da culpa in contrahendo e da boafé como bases para a exigência da obrigação de disclosure Fazse também um breve comparativo com o direito comparado A atipicidade do contrato de franquia em Portu gal torna estas situações intrigantes devido à multiplicidade de solu ções que um contrato complexo como este pode apresentar Conclui se após o estudo dos temas supracitados que a análise casuística dos conflitos referentes à formação do contrato de franquia se configura devido à atipicidade do contrato no direito nacional como o meio mais adequado para dirimir conflitos referentes a este tipo contrato em Portugal Palavraschave Franchising Disclosure Contrato de distri buição Concorrência Indenização de clientela Stock Abstract This study aimed to analyze the law applicable to the franchise agreement in the precontractual post After this review we started to check the phase of contract formation discussing the im plementation of culpa in contrahendo and good faith as the basis for RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 1 1 Artigo recebido em 07052021 e aceito em 05072021 Doutoranda em CiênciasJurídico Políticas pela Universidade de Lisboa Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Coimbra Pesquisadora associada do Centro de Investigação de Direito Público CIDP da Universidade de Lisboa Email raissamendestomazgmailcom Docente associado da Universidade de Coimbra desde março de 2020 Doutor em Ciências Jurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Mestre em CiênciasJurídico Empresariais pela Universidade de Coimbra Email aldpfducpt the requirement of the disclosure also making a short comparison with foreign law The atypical nature of the franchise agreement in Portugal makes these intriguing situations due to multiplicity of solu tions that a complex contract as the franchise can present It was con cluded after analyzing the aforementioned issues the case by case analysis of conflicts regarding the formation and termination of the franchise agreement appears as the most appropriate means to resolve conflicts over franchise agreement in Portugal Keywords Franchising Disclosure Contract of dependence Competition law Clientele indemnity Stock Sumário Introdução 1 Culpa in contrahen do 2 A boa fé nos contratos 3 Dever de in formação 4 Características da fase précon tratual no contrato de franquia 41 Disclosu re no direito comparado 42 Disclosure em Portugal 5 Tipos de contrato preliminares Conclusão Introdução O presente artigo tem como objetivo analisar a fase de forma ção do contrato de franquia elencando alguns problemas recorrentes nestas etapas e que acabam por ocasionar muitas discussões e impas ses doutrinários devido ao fato de o contrato de franquia ainda se afigurar como um contrato atípico na legislação portuguesa Para tan to fazse um levantamento legislativo doutrinário e jurisprudencial dos ordenamentos jurídicos dos outros contratos de distribuição as sim como o direito comunitário no intuito de contribuir na solução de possíveis questionamentos que surgem na fase précontratual do contrato de franchising sendo tal análise em conjunto indispensável para que se promova uma visão completa sobre o tema O referido tema tem grande relevância porque trata da dinâ mica de um dos tipos contratuais que mais se expandem na econo mia global Atualmente a franquia é responsável por boa parte das expansões de mercado de empresas dos mais diversos ramos A ver satilidade aliada com a redução de custos populariza esta modalida de de contrato No entanto ele é considerado como um contrato 2 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 complexo em que o feixe de relações que incorpora merece uma análise individualizada Ao longo desta análise detalharseá a formação do contrato ou em outras palavras a fase précontratual e serão analisadas as obrigações précontratuais e os tipos de contratos preliminares apli cados ao contrato de franchising O estudo é feito com base na boafé nos contratos e no desenvolvimento da culpa in contrahendo no di reito europeu e de que forma isto inclui a obrigação de disclosure prevista ao contrato de franquia Além disso é feita uma breve men ção sobre os tipos de contratos preliminares adotados que se confi guram em instrumentos cada vez mais utilizados pelas partes como uma forma de garantir a aplicabilidade prática desta investigação 1 Culpa in contrahendo O contrato é um instrumento privilegiado na instituição da di mensão valorativa da margem de liberdade dos particulares sendo dotado de certo caráter autônomo2 A ampliação do âmbito dos con tratantes em potencial impulsionada pelo desenvolvimento do mar keting da publicidade e da mercadologia cria a necessidade de uma progressão mais demorada entre o momento da negociação e do acordo definitivo3 Neste contexto surgem contratos antecedidos por processos cada vez mais complexos que objetivam a celebração do negócio final No teor deste iter negotii podem ser incluídos estudos individuais entrevistas propostas contratuais de duração complexi dade e custos variados O conteúdo deste processo a princípio está a critério das partes com base do princípio da liberdade contratual4 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 3 2 RIBEIRO Joaquim de Sousa O problema do contrato as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual Coimbra Almedina 1999 p 219 3 COSTA Mário Júlio de Almeida Responsabilidade civil pela ruptura das negociações prepa ratórias de um contrato Coimbra Coimbra editora 1994 p 46 4 O princípio da liberdade contratual previsto no art 405 do Código Civil Português tem no Contudo o desenvolvimento da liberdade contratual acaba por originar a modalidade dos contratos de adesão que paradoxal mente se configuram em uma limitação de ordem prática à liberdade de modelação dos contratos As finalidades dos contratos de adesão são claras as empresas se beneficiam deste modelo quando suas ati vidades são direcionadas a um número elevado e indeterminado de clientes No entanto também são evidentes as suas desvantagens Este tipo contratual restringe drasticamente a liberdade factual de contratar do consumidor individual além de facilitar uma possível cartelização de setores econômicos O crescimento da incidência des ta forma de contratar exigiu uma ampliação do dever de proteção antes restrito ao período contratual para o momento précontratual Esta proteção deve estar presente no momento anterior às negocia ções formais bastando que uma das partes atinja uma proximidade negocial5 Também se incluem nesta proteção os valores patrimo niais além dos terceiros relacionados à ocasião prénegocial A liber dade contratual não pode ser confundida com um total afastamento do ordenamento jurídico quanto às regras aplicáveis deixando tudo a critério das partes envolvidas Antes tratase de uma possibilidade dos sujeitos participarem diretamente da modelação de seus interes ses dentro de um quadro de valores jurídicos e econômicos A atenção para a responsabilidade até então pouco explorada na área da formação dos contratos é denominada por Jhering6 em 4 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 negócio jurídico uma manifestação própria de outro princípio correlato o princípio da auto nomia privada Tratase de conceder aos particulares o direito de autorregulamentação dos seus interesses e de autogoverno da sua esfera jurídica Este princípio se manifesta na soberania do querer e encontra nos contratos bilaterais a sua mais ampla dimensão Ter a faculdade de fixar o conteúdo de um contrato implica em uma maior liberdade no momento da sua celebração A liberdade contratual supõe o reconhecimento em maior ou menor escala do mercado como regulador da atividade econômica e apesar de não estar expressamente prevista na constitui ção portuguesa se constitui em dos princípios integradores da iniciativa privada prevista no art 61 da Constituição PINTO Carlos Alberto da Mota Teoria Geral do Direito Civil Coimbra Coimbra editora 2012 p 102108 5 CORDEIRO António Menezes Da boa fé no direito civil Coimbra Almedina 1997 p 547 6 Ainda que Jhering não forneça uma fundamentação muito clara do que é a figura da culpa seu célebre ensaio em 1861 como culpa in contrahendo O direito romano é muito insatisfatório nas bases desta responsabilidade pré contratual que vai de encontro com o desenvolvimento das ativida des econômicas enquanto estas cada vez mais exigem das partes uma maior lealdade e probidade nas transações É necessária pois a instalação de exigências de ordem ética e social traduzida na consa gração dos limites da autonomia privada7 O regime dessa responsa bilidade précontratual tem uma natureza híbrida e mista condizente com a índole da culpa nas formações dos contratos localizada em uma região nebulosa entre a responsabilidade contratual e extracon tratual8 A culpa in contrahendo se refere a contextos particularizados não é compatível com o direito delitual pois estabelece uma série de comportamentos genéricos independentemente de qualquer contex to em concreto Segundo Manuel Carneiro da Frada9 tratase de uma terceira via da responsabilidade civil porque não pode ser considera da como uma responsabilidade obrigacional já que os deveres refe rentes à formação dos contratos não são obrigações em sentido estri to por não se adequarem ao conceito de uma obrigação de prestar prevista no art 397 do Código Civil português Também vale salientar que a culpa in contrahendo não é reconhecida em todos os sistemas RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 5 in contahendo não se pode negar que sua obra foi pioneira na discussão do tema da respon sabilidade précontratual sendo responsável pelo préentendimento que se mantém hoje Em sua obra o autor defende que o fundamento da ação de indenização da culpa in contrahendo não pode ser a buona fides do comprador além de afirmar que a diligência em contrahendo não se inicia com a proposta porque esta enquanto não aceita não é capaz de gerar qualquer lesão JHERING Rudolf Von Culpa in contrahendo ou Indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição Coimbra Almedina 2008 p 33 7 COSTA Mario Júlio de Almeida Op Cit p 34 8 VICENTE Dário Moura Culpa na formação dos contratos Coimbra Coimbra editora 2007 p 275 9 FRADA Manuel A Carneiro da Uma terceira via no direito da responsabilidade civil O problema da imputação dos danos causados a terceiros por auditores de sociedades Coimbra Almedina 1997 p 95 jurídicos como por exemplo nos sistemas da common law Nestes sistemas a mera abertura das negociações não cria entre as partes nenhum tipo de relação jurídica passível de responsabilização10 2 A boafé nos contratos Esta preocupação da ordem jurídica com os valores éticosju rídicos da comunidade demonstrada pela culpa in contrahendo en contra clara sintonia com o princípio da boafé A boafé segundo Mota Pinto11 consiste no abandono da ideia do direito puramente po sitivista permitindo a utilização de princípios extralegais No âmbito específico dos contratos a boafé se configura numa regra de condu ta que impõe aos contratantes um comportamento honesto correto e leal O Decreto Lei n 44685 de 25 de outubro fixa o princípio da boafé como princípio geral de controle relativo às cláusulas contra tuais Configurase como um critério para determinar o exercício legí timo da liberdade contratual e está presente durante toda a existência do contrato sendo uma espécie de matriz dos deveres laterais Sua violação consequentemente pode ocasionar uma responsabilidade contratual póscontratual ou précontratual a depender do caso con creto12 6 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 10 Dário Vicente critica justamente este ponto da falta de homogeneidade entre os ordena mentos afirmando que a globalização econômica também deve implicar em uma globalização dos princípios jurídicos Ver VICENTE Dário Moura Op Cit p 275277 Na Itália a culpa in contrahendo presente no art 1337 do Código Civil Italiano de 1942 é considerada uma mera recepção formal do pensamento alemão da época porque o termo buona fede equivalente à boafé não é definido em nenhuma outra lei italiana 11 PINTO Carlos Alberto da Mota Op Cit p 124 12 Mario Júlio Costa afirma que a violação da obrigação de informação pode conduzir inclusive ao abortamento das negociações impondo à parte que sem demora preste a devida informa ção Se deste atraso decorrer algum tipo de prejuízo a parte autora responde com base na responsabilidade précontratual Deste posicionamento se percebe o quão impactante é o de ver lateral de informação no momento da negociação visto que ele influencia diretamente na declaração negocial da aceitação Ver COSTA Mário Júlio de Almeida Op Cit p 60 A culpa in contrahendo ou culpa na formação dos contratos encontrase prevista na legislação portuguesa no art 227 do Código Civil13 e pauta a conduta das partes nos princípios da boafé enten dida pelo seu sentido ético tanto na parte negociatória como na fase decisória O dano que o artigo deseja reparar é o dano da confiança desejando colocar o lesado na posição que estaria caso não tivesse depositado sua confiança no sujeito em questão Ela permite contro lar o conteúdo do contrato com o intuito de evitar abusos e injusti ças Apesar de teoricamente se dirigir à fase précontratual a culpa in contrahendo em Portugal atua de maneira independente da figura do contrato Em outras palavras ela não depende da validade ou até da conclusão do contrato para ser verificada Contudo o legislador não indica no art 227 quais são estes deveres précontratuais apenas consagra o preceito ético da boafé na fase negocial do contrato Este preceito ético deve estar presente na ruptura das negocia ções e também nos casos em que o contrato se conclui e se torna nulo e ineficaz A boafé atua como um mecanismo de integração do conteúdo vinculativo da relação obrigacional fundando deveres acessórios entre as partes uma espécie de instrumento operativo que visa fixar as cláusulas contratuais atuando como modelo limitador14 Este posicionamento já se encontra amadurecido na legislação ango lana sobre os contratos de franquia por exemplo que estabelece no art 41 da Lei 180315 um artigo específico referente à boafé exigin do a sua observância durante toda a relação contratual com o objeti vo da realização plena do fim contratual RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 7 13 Art 227 1 Quem negocia com outrem para a conclusão de um contrato deve tanto nos preliminares como na formação dele proceder segundo as regras da boafé sob pena de res ponder culposamente pelos danos que causou à outra parte 2 A responsabilidade prescreve nos termos do art 498 14 RIBEIRO Joaquim de Sousa Op Cit p 542562 15 Art 41 No cumprimento das suas obrigações contratuais o franchisado e franchisador devem proceder de boafé em ordem à realização plena do fim contratual 3 Dever de informação Segundo Menezes Cordeiro16 a culpa in contrahendo prevê deveres de proteção esclarecimento e lealdade O dever de proteção sofre uma extensão contínua e é aplicado até no momento que ante cede as negociações formais Já o dever de esclarecimento recai so bre as partes contratantes prevendo uma série de sanções como a conclusão ou anulamento do contrato caso este se baseie em falsas informações ou até devido a ameaças ilícitas Segundo o autor inde pendentemente do regime dos vícios na formação da vontade tal si tuação implica no dever de indenizar e em casos nos quais um con tratante exigir uma proteção especial este dever é intensificado O terceiro grupo que é bastante similar ao dever de esclareci mento é o dever de lealdade que não reside propriamente no âmbi to informativo mas no comportamento subjetivo das pessoas Estes deveres de informação obrigam os contraentes à prestação de todos os esclarecimentos necessários para a aceitação da proposta contra tual já os deveres de lealdade obrigam as partes a não adotarem comportamentos que desviem a negociação de um viés honesto In cluemse neste além dos deveres de informação os deveres de sigi lo por exemplo O que se procura vedar no caso é qualquer com portamento que frustre o escopo da formação válida do contrato por meio da declaração negocial Dentre esses deveres acessórios relacionados à culpa in con trahendo e à boafé destacase o dever de informação Informação segundo Sinde Monteiro17 em sentido estrito ou próprio é a exposi ção de uma situação de fato seja ela sobre pessoas coisas ou qual quer outro tipo de relação Diferentemente do conselho e da reco mendação a informação se esgota na pura exposição objetiva dos 8 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 16 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 549551 17 MONTEIRO Jorge Sinde Responsabilidade por conselhos recomendações ou informações Coimbra Almedina 1999 p 15 fatos estando ausente qualquer proposta de conduta A informação é um dever lateral importante em casos em que a relação jurídica é mais duradoura os indivíduos que carecem de conhecimentos técni cos ou factuais indispensáveis para a tomada de uma decisão recor rem a quem supostamente possui esses dados A violação dos deve res de atuação impostos pela boafé na fase précontratual referentes à informação pode ser verificada tanto por omissão silenciando ele mentos que a contraparte tem interesse de conhecer como por ação no fornecimento de informações inexatas Se as negociações envol vem profissionais no desempenho do seu ofício cabe as partes ob servar obrigações particulares de competência e honestidade que não são exigíveis de um leigo Tudo isto decorre das próprias característi cas da parte envolvida Os ditames da boafé consistem em um complexo feixe de de veres no qual o dever de informação se encontra incluído como par te integrante da ideia de proteção da confiança18 A culpa in contra hendo se configura em uma legitimação do processo de formação do contrato compreendendo que este não se traduz num ato simples mas sim em um conjunto de atividades complexas que objetivam a decisão definitiva de contratar assim como posteriormente a sua con clusão Nos casos de danos patrimoniais provocados por informações deturpadas quando se comprova que o autor tem consciência do dano que pode causar e mesmo assim induz terceiros a erro não é equivocado afirmar que há uma ofensa também aos bons costumes O Misrepresentation Act19 elaborado em 1967 é um impor tante passo referente ao dever legal da duty of disclore porque prevê um regime mais favorável para parte lesada no caso da violação do dever de informação Segundo Sinde Monteiro20 a indenização só RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 9 18 FRADA Manuel A Carneiro da Op Cit p 96 19 ATIYAH PS TREITEL GH Misrepresentation Act 1967 The Morden Law Review New York City v 30 n 4 p 869888 jul 1967 Disponível em httponlinelibrarywi leycomdoi101111j146822301967tb01149xpdf Acesso em 07 mai 2015 20 MONTEIRO J Sinde Op Cit p 145154 não é válida nos casos em que se comprove que a parte autora acre dita que os fatos fornecidos são verdadeiros Tal posição se constitui em um grande avanço no ordenamen to dos países da common law porque abandona a ideia de que para se exigir uma indenização deve se comprovar uma special relation ship entre as partes O termo misrepresentation consiste em uma falsa afirmação de um fato atual ou passado feita por uma das partes e dirigida a outra parte que de alguma forma a induza a contratar Pre cisa ser uma afirmação objetiva não podendo recair sobre publicida de e nem se constituir como uma declaração ambígua Além disso deve ser material e contar com o elemento da confiança Devido a todas estas exigências o silêncio não é considerado uma misrepre sentation segundo o direito inglês o que se exige no caso é ação positiva uma conduta que implique em uma declaração Segundo Vasconcelos21 a misrepresentation não é uma ação dolosa porque não é feita com o intuito de enganar mas consiste em afirmações prestadas à contraparte sobre perspectivas do negócio que elabora das de forma negligente acabam por não corresponder à realidade Porém é importante pontuar que por mais abrangentes que as exigências de informação e boafé sejam elas não podem se con fundir com uma garantia de sucesso empresarial É o que afirma Ma ria Santos22 quando diz que as partes devem sempre agir com boafé mas nem por isso pode ser o franqueador responsabilizado pelo fra casso da empresa do franqueado Monteiro23 corrobora essa ideia ao afirmar que a contraparte não pode exigir a inexistência de risco na escolha do seu parceiro contratual este risco é inerente a todo e qual quer negócio faz parte da natureza do investimento Moura Vicente24 10 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 81 22 SANTOS Ângela Maria Figueiredo O contrato de franquia 2009 Dissertação Mestrado Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Coimbra 2009 p 25 23 MONTEIRO J Sinde Op Cit p 357 24 VICENTE Dário Moura Op Cit p 270 complementa ao afirmar que não existe na ordem jurídica portugue sa nenhum dever geral de informar ou esclarecer à contraparte acer ca da totalidade de circunstâncias de fato e direito determinantes na hora de contratar O dever de informar para o autor se dá somente no padrão de diligência exigível ao comum das pessoas25 Também não é errado exigir que o dever de atuar com probidade lealdade e com base na boafé deve ser observado por ambas as partes contratantes A obrigação de sigilo quanto às negociações é outra obrigação que assim como o direito à informação decorre deste posicionamento le gislativo Mesmo com essas ressalvas feitas pela doutrina é inquestio nável que a imposição da necessidade de esclarecimento na fase pré contratual dos contratos se constitui em um grande avanço no sentido de se alcançar uma igualdade material entre as partes no momento da contratação Reconhecese que com a vida em comunidade é neces sário que o interesse individual seja por vezes sacrificado em favor do interesse coletivo e a imposição da responsabilidade no momento da formação dos contratos sob a figura da culpa in contrahendo cons tituise como mais um importante passo neste sentido 4 As características da fase précontratual do contrato de fran quia A fase negocial do contrato de franquia se inclui no grupo de contratos que demandam atenção na fase précontratual Ela é com RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 11 25 Sinde Monteiro relembra que a responsabilidade por informações deturpadas não pode ser considerada irrestritamente como danosa não se pode deixar de levar em consideração que a vontade do próprio lesado influi no momento da contratação A responsabilidade do inform ante deve ser confrontada com a do sujeito que decide Se toda informação incorreta fornecida der aso a uma indenização se ocasiona uma extrema reserva social devido ao que o autor define como responsabilidade por declarações O dever de esclarecimento ou explicação res tringese drasticamente em casos que o risco é conscientemente assumido neste âmbito se inclui boa parte dos negócios jurídicos bilaterais como é o caso dos contratos Ver MONTEIRO J Sinde Op Cit p 24 posta de obrigações especiais para as partes signatárias no sentido de promover uma melhor adequação ao negócio jurídico que preten dem constituir Conforme se disse anteriormente o contrato de fran chising é uma modalidade de investimento econômico muito mais democrática de acesso ao mercado e em decorrência de todas essas vantagens que o contrato possui e também devido aos investimen tos de grande monta que podem ser feitos no caso concreto cons tatase a necessidade de uma regulação prévia à constituição do con trato com o objetivo de evitar abusos por parte do franqueador ou franqueado A necessidade de regulação também pode ser justificada pelo princípio da lealdade que envolve o contrato de franquia decor rente do posicionamento de parte da doutrina ao afirmar que este se configura como um contrato intuitu personae26 aquele em que a con fiança se constitui em um elemento inerente ao tipo Segundo Amoroso27 um estudo de mercado deve ser feito an tes da instalação de uma rede de franquias sendo responsabilidade do futuro franqueador promover uma análise do seu projeto verifi cando a originalidade do produto ou serviço a adaptação da fórmula às diversas condições regionais a concorrência e se a transferência do knowhow é possível28 Em suma o franqueador tem que demons trar a validade do seu negócio antes de criar uma rede de franquias Para isto também é necessário estabelecer um perfil dos seus fran 12 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 26 Este posicionamento é defendido por Ana Paula Ribeiro Ver RIBEIRO Ana Paula Op Cit p 47 com base na teoria de BESSIS Phillipe Le contrat de Franchisage Notions Actuelles et Apport du Droit Européen Paris Montchrestien 1986 p 5758 27 AMOROSO Marisa BONANI Giuseppe GRASSI Paolo Manuale del Franchising Rimini Maggioli Editore 1996 p 103 28 Acórdão do Tribunal Da Relação de Lisboa Processo n1601117TVLSBL17 de 01272015 decide que esse dever não pode ser confundido como uma garantia de excelência do negócio O estudo prévio de viabilidade não tem poder de garantir se as projeções previstas vão se concretizar Desta forma entendese que o direito de informação que o franqueador possui não pode ser confundido com a garantia de sucesso do negócio eliminando o risco empresarial inerente a qualquer empreendimento PORTUGAL Tribunal da Relação de Lisboa Acórdão n1601117TVLSBL17 Relator Maria do Rosário Morgado Diário da República Eletrônico Lisboa 27 jan 2015 queados se estes podem ou não ser pessoas jurídicas se devem ter experiência no ramo qual o capital exigido para dar início a ativida de entre outras características Estes estudos precisam ser realizados para que o franqueador possa apresentar os elementos que qualifi cam a empresa e o contrato por meio da oferta de franquia aos seus candidatos também denominada package ou portfolio A exigência do dinheiro de entrada ou front Money se refere ao capital que o candidato deve desembolsar para ter acesso ao knowhow ao uso da marca e à assistência técnica por parte do fran queador como uma espécie de contraprestação pelos benefícios prestados29 Nos Estados Unidos esta taxa inicial é muito comum ge ralmente se trata de um valor elevado e em muitos casos não se constata o pagamento de royalties após o pagamento do front mon ey Já na Europa o fenômeno é inverso a exigência de frontmoney é pouco observada sendo mais comum o uso do pagamento dos royalties Em Angola a prestação do front money é prevista no art 4430 da Lei de Contratos de Distribuição n 1803 junto com as remunerações referentes à publicidade e royalties periódicos sob o título de direito de entrada A natureza desse capital de entrada é de um investimento a longo prazo que só tem o seu retorno de acordo com o desenvolvimento do próprio negócio O surgimento de problemas durante o período negocial vem exigir do legislador uma posição mais direcionada para esta fase de licada do contrato O problema mais comum enfrentado por parte dos franqueadores é referente à comunicação de informações que in tegram o saberfazer Além de outros elementos essenciais os fran queadores demandam um mecanismo de proteção de saberfazer RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 29 AMOROSO Marisa BONANI Giuseppe GRASSI Paolo Op Cit p 135 30 Art 44 A remuneração da franquia é a estabelecida no contrato podendo incluir a o pagamento de um direito de entrada b o pagamento de uma royaltie remuneração periódica fixa ou variável que pode ser calculada em função do volume de negócios das receitas brutas ou da quantidade de bens fornecidos pelo franchisador c o pagamento de uma taxa de publicidade que inclua a fase précontratual O conhecimento adquirido na fase negociatória assim como o da fase contratual também exige prote ção Já os franqueados enfrentam problemas relativos às informações prestadas pelos franqueadores que muitas vezes e de forma arbitrá ria omitem elementos importantes do negócio comprometendo o real consentimento da contraparte além de colocar o franqueado em uma posição completamente desfavorável no momento da contrata ção Em termos simples é necessário tentar coibir práticas ligadas à difusão do slogan get rich quick que podem ser potencialmente da nosas às partes contratantes31 41 Disclosure no direito comparado Quem primeiro atenta para a devida regulação desta fase pre paratória foi a legislação americana por meio da lei federal de 1979 que impôs ao franqueador a obrigação de oferecer ao franqueado todas as informações necessárias para uma melhor avaliação do risco do investimento Os Estados Unidos deram origem a este documento que influencia ativamente a legislação mundial o chamado Disclosu re Act32 Esta lei entra em vigor em 21 de outubro de 1979 e cria a figura do basic disclosure document que deve fornecer todas as informações necessárias sobre o novo negócio ao franqueado e em caso de sua não observância acarreta pesadas sanções ao franquea dor Seguindo este exemplo o estado canadiano de Alberta também adota medidas no sentido do fornecimento de informações sérias e leais por meio do Alberta Franchises Act que prevê a possibilidade de o franqueado resolver o contrato em caso de não observância O dever de informação é logo acompanhado pela legislação francesa por meio da Lei Doubin n 891008 de 31 de dezembro de 14 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 7780 32 FEDERAL TRADE COMMISSION Disclosure Act 1979 Disponível em wwwftcgov Aces so em 17 mar 2015 1989 que além de impor ao franqueador a obrigação de prestar informações sinceras sobre as especificações da rede de franquia também impõe um prazo de entrega para este documento de 20 dias anteriores à celebração do contrato Por meio deste documento legis lativo a França é considerada como a primeira nação a dar uma dis ciplina orgânica à fase précontratual A diferença entre a legislação americana e francesa é que a última não exaure os tipos de contratos que são influenciados por esta legislação enquanto a primeira afirma expressamente que se refere aos contratos de franquia Além da referida lei o Decreto Lei n 91337 vem especificar as informações que o documento deve ter como por exemplo a identificação do franqueador seu respectivo domicílio bancário data de criação da empresa contas anuais duração do contrato proposto suas condições de prorrogação e cessação entre outras o que garan te a introdução de um importante conceito de transparência no mo mento das negociações contratuais Tal exigência encontrase pre sente no artigo da Chambre de Commerce et dIndustrie Territoriale de lAisne33 sobre o modelo do contrato de franquia francês Além da França a Espanha também adota essa exigência de informação précontratual34 por meio da Lei n 71996 de 15 de janei ro que impõe a entrega do documento com as referidas informações em um prazo de 20 dias anteriores contados da celebração do contra to ou da entrega pelo futuro franqueado de qualquer prestação pecu niária Na Itália o contrato de franquia é tipificado devido a isto os deveres précontratuais são um pouco mais complexos e não se en RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 15 33 CCI HAUTS DE FRANCE Chambre de Commerce et dIndustrie Territoriale de lAisne Dis ponível em httpwwwaisneccifr Acesso em 17 mar 2014 34 Enrique Guardiola Scarrera afirma que o caráter de contrato de adesão que o contrato de franquia possui é diluído em virtude dessa exigência da entrega do disclosure document que de acordo com a legislação espanhola deve conter todas as informações necessárias para que o candidato decida se integra ou não a rede Ver GUARDIOLA SACARRERA Enrique Op Cit p 268 cerram na exigência de entrega da disclosure O legislador italiano também exige que o franqueador tenha constituído uma rede previa mente experimentada35 no mercado para que seja considerado apto a celebrar futuros contratos de franquia e esta exigência é alvo de críti ca por boa parte da doutrina italiana36 O art 4 da Legge 6 di maggio de 2004 exige que o franqueador deve conceder no período de 30 dias contados da data da assinatura do contrato todas as informações necessárias de modo exato e completo ainda que não tenha sido re quisitado pelo contratante Posição claramente influenciada pela doutrina americana da Federal Trade Comission Qualquer mudança no contrato também deve respeitar esta antecedência prevista na lei No caso de comprovação de um vizio de consenso situação em que as informações concedidas são consideradas inverídicas a contrapar te com base no art 8 da mesma lei pode requerer a anulação do contrato A função do período de 30 dias é a de conceder ao candidato um período di riflessione para verificar minunciosamente o conteúdo do contrato Frignani37 não considera este período longo e é taxativo 16 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 Ana Dassi fornece uma breve definição do que é esse contrato de experimentação deno minado contrato de pilotage O art 2 do Código da Associazione Italiana del Franchising exige que antes de a franquia ter a sua sede deve ter feito uma experimentação no mercado com sucesso pelo período mínimo de um ano com ao menos uma unidade piloto É diferente do contrato preliminar ou préFranchising que é aquele em que o franqueador e franqueado experimentam a fórmula por um período determinado Ver DASSI Ana Op Cit p 36 36 Fabio Borlotti afirma que a exigência de prévia atividade não é de fácil constatação na prática devido à ausência de um sistema de registro obrigatório dos franqueadores não há como se ter um controle efetivo da observância desse pressuposto Além disso afirma que a obrigação de disclosure não tem força coercitiva completa devido ao fato de o legislador não ter previsto nenhuma sanção específica para o seu descumprimento Ver BORLOTTI Fabio Op Cit p 80 Aldo Frignani complementa a ideia ao afirmar que a exigência dessa experi mentação prévia afasta investidores que acabam por optar por outros países da comunidade europeia onde esse requisito não seja necessário Por outro lado o franqueado tem a plena liberdade no modelo desta experimentação podendo até optar pelo modelo do máster Fran chising tal opção não descaracteriza a exigência de experimentação O contrato de pilotagem ou contratto pilota tem o mesmo objeto e conteúdo do contrato de franquia a distinção no caso é que a transmissão dos bens e do knowhow tem uma duração limitada FRIGNANI Aldo Il contratto di Franchising Milano Giuffrè 2012 p 2133 ao afirmar que a obrigação do disclosure não deve ser exercida de forma verbal devido à dificuldade de comprovação documental do ato Outra exigência interessante apontada pelo autor é referente à necessidade de demonstração da lista de franqueados que garante ao candidato um melhor poder de escolha quanto à localização do seu empreendimento Já no que diz respeito às decisões judiciais e arbitrais expostas entendese que estas devem ter algum liame sub jetivo com a atividade franqueada Apesar de ser um defensor da o brigação de disclosure o autor faz algumas ressalvas nas informações fornecidas38 A falta de assistência técnica também é considerada como uma violação da comunicação das partes segundo o Tribunal de Veneza na decisão de 01102007 que considera tal atitude como uma informação falsa porque o contrato de franquia tem como um dos seus elementos fundamentais a prestação de assistência técnica pelo franqueador Também se encontra na legislação brasileira um instrumento equivalente ao modelo americano francês e espanhol a chamada cir cular de oferta de franquia COF Previsto nos arts 3 e 4 da Lei 899539 este documento que visa dar maior transparência ao contra to contém todas as informações a respeito da situação jurídica e fi nanceira do franqueador e da empresa tais como o total do investi mento inicial o valor estimado das instalações e equipamentos condições de pagamento remuneração pelo uso de sistema e marca além do texto completo do contrato que visa celebrar com a contra parte Este documento deve ser entregue em linguagem clara e aces sível no prazo de 10 dias antes da celebração do contrato O não RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 37 Ibidem p 78 38 Para uma informação ser considerada incompleta por exemplo ela deve ser substancial de relevância grave não pode ser um mero erro numérico como dizer que existem 199 fran queados quando na verdade são 200 Ver FRIGNANI Aldo Op Cit p 129 39 Fábio Coelho afirma que a lei 8955 não é criada no sentido de tipificar o contrato de franquia mas apenas com o intuito de garantir que os futuros franqueados consigam acesso ao modelo americano da disclosure no sentido de ter acesso a todas as informações conside radas necessárias para a sua ponderação COELHO Fábio Ulhoa Op Cit p 127 cumprimento dessa premissa faculta ao franqueado arguir a anulabi lidade do contrato e a restituição dos valores já pagos ao franqueador A responsabilização civil compreende perdas e danos causados ao franqueado em virtude da falsa informação prestada já a responsabi lização penal se encaixa no tipo penal do art 17140 do Código Penal Brasileiro referente ao estelionato Macau tem um posicionamento interessante no que diz res peito às informações précontratuais referentes ao contrato de fran quia O art680 do Código Comercial41 de Macau elenca todas as informações que devem ser prestadas na fase précontratual Não se trata de uma lista taxativa por certo mas de uma boa referência que o franqueado tem na fase de negociação Informações como as con tas anuais do franqueador referentes aos dois últimos exercícios a 18 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 40 Art 171 Obter para si ou para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento 41 Art 6801 O franqueador é obrigado a prestar por escrito e com a antecedência adequada informações completas e verdadeiras ao interessado por forma a que este possa fazer uma ponderação criteriosa e esclarecida das vantagens e inconvenientes da celebração do contrato entre outras a Identificação do franqueador b Contas anuais do franqueador relativas aos dois últimos exercícios c Acções judiciais em que estejam ou tenham estado envolvidos o franqueador os titulares de marcas patentes e demais direitos de propriedade industrial ou intelectual relativos à franquia e seus subfranqueadores que directa ou indirectamente pos sam vir a afectar ou impossibilitar o funcionamento da franquia d Descrição detalhada da franquia e Perfil do franqueado ideal no que se refere à experiência anterior nível de esco laridade e outras características que deve ter obrigatória ou preferencialmente f Necessidade e extensão da participação directa e pessoal do franqueado no exercício da franquia g Especificações quanto ao montante estimado do investimento inicial necessário à aquisição implantação e entrada em funcionamento da franquia h Valor das retribuições periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados especificando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam i Composição da rede de franquia lista dos franqueados subfranqueados e sub franqueadores da rede bem como dos que se desligaram da rede nos últimos 12 meses j Rentabilidade das empresas dos franqueados e incidência de falências l Experiência profis sional adquirida o seu saberfazer e métodos empresariais m Serviços que o franqueador se obriga a prestar ao franqueado durante a vigência do contrato 2 O franqueador deve também facultar ao interessado com a antecedência adequada o modelo do contrato tipo e se for o caso também do précontrato de franquia adotado com o texto completo inclusive dos res pectivos anexos ções judiciais em que a franquia está envolvida perfil do franquiado ideal especificações quanto ao investimento inicial valor dos royal ties periódicos lista de franqueados e franqueadores serviços que o franqueador se dispõe a prestar ao franqueado rentabilidade de em presas e incidência de falências são algumas das informações que po dem ser exigidas pelo franqueado no momento da contratação É um rol completo e bastante amplo um pouco semelhante ao modelo ita liano mas mais detalhado porque inclui na sua segunda parte regu lação referente aos contratos preliminares de franquia o que não acontece na Itália devido à exigência de experimentação prévia da fórmula Além disto também vale ressaltar a obrigação de informa ção prévia sobre qualquer alteração na apresentação dos bens ou na sua composição conforme prevê o art 68842 o que mais uma vez demonstra a preocupação do legislador de Macau com a devida pres tação de informações durante o contrato de franquia Já em Angola apesar da tipificação do contrato de franquia efetuada por meio da já citada Lei n 1803 este diploma não fala expressamente na exigência da disclosure no entanto inclui no art 411c43 referente às obrigações do franqueado a obrigação de guar dar o devido sigilo sobre todas as informações fornecidas pelo fran queador O referido artigo prevê que é obrigação do franqueado guardar sigilo sobre todas as informações recebidas sejam elas sobre processos de fabricação knowhow publicidade técnicas de venda etc O legislador angolano visa incluir todo tipo de informação con cedida e garantir a devida tutela legal do seu sigilo por um lapso de tempo que perdure enquanto existir o controle pelo franqueador e até após o seu termo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 42 Art 688 O franqueador é obrigado a informar antecipadamente o franqueado de toda e qualquer alteração introduzida na composição e apresentação dos bens nas condições de venda ou na prestação do serviço ou quaisquer outras que digam respeito à exploração da franquia 43 Art 411 1 Constituem obrigações do franchisado nomeadamente c guardar segredo sobre toda a informação que lhe seja transmitida pelo franchisador incluindo sobre processos de fabrico e knowhow durante todo o período de duração do controlo e após o seu termo No âmbito internacional a UNIDROIT Internacional Institu te for the Unification of the Private Law publica em setembro de 2002 em Roma um modelo de legislação uniforme sobre a franquia denominado Model Franchise Disclosure Law44 O art 6 do documen to enumera as informações que devem ser fornecidas no contrato além disto o Model Franchise estabelece uma sanção no caso do não cumprimento da obrigação de disclosure o franqueado pode optar por resolver o contrato ou obter a sua anulação Tratase de impor tante modelo de referência para outros países porque fornece deta lhes precisos das exigências específicas que a modalidade contratual possui 42 Disclosure em Portugal Em Portugal não se encontra expressamente na legislação tal vedação legal entretanto alguma doutrina não admite um total vácuo legislativo no que tange a essa disciplina45 A comunidade portuguesa é signatária de dois instrumentos que regulam a disciplina o Model Franchise Disclosure Law e o European Code and Ethics for Franchis ing Tais instrumentos preveem a aplicação da figura do documento de basic disclosure que deve ser entregue ao candidato no período de 15 dias a um ano antes da data da celebração do contrato Além disto o já citado art 227 impõe as partes um dever de boafé nas preliminares do contrato e estabelece que a parte contratante deve se responsabilizar por eventuais abusos que efetuar nesta fase A legislação portuguesa referente às cláusulas contratuais ge rais que não raro são incluídas nos contratos de franquia também 20 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 44 INTERNATIONAL INSTITUTE FOR THE UNIFICATION OF PRIVATE LAW Model Franchise Disclosure Law 2002 Disponível em httpwwwunidroitorgenglishmodellaws2002fran chise2002modellawepdf Acesso em 06 mai 2015 45 PEREIRA Alexandre Libório Dias Transparency in business networks precontractual dis closure obligations in Franchising agreements Estudos selecionados do Instituto Jurídico Por tucalense Coimbra v 2 2014 p 17 atenta para a necessidade de informação integral e adequada além de atribuir à parte que fornece as informações o ônus de provar que as mesmas são devidamente prestadas Atentase para a característica presente do art 5 da LCCG de que a informação deve ser prestada na sua íntegra sob pena de ser considerada inexistente de acordo com o art 8 b do mesmo diploma O dever de informação se encontra consagrado no art6 e admite variações na sua extensão mas em suma prevê que se deve tornar acessível ao aderente todas os escla recimentos necessários para a real compreensão do conteúdo contra tual46 Menezes Cordeiro47 exemplifica que as situações de remissões para cláusulas não existentes ou colocadas em lugares não visíveis devem ser equiparadas como falta de informação Já Pinto Monteiro48 equipara a informação em excesso com a falta de informação em de terminados casos porque o consumidor ou o aderente a depender do caso não consegue analisar com cuidado contratos muito exten sos Assim os contratos de adesão também devem ser atentos a este tipo de situação caso contrário podem considerados inexistentes de acordo com o DL 44585 de 25 de outubro Vasconcelos49 defende que devido à complexidade do contra to de franquia o dever de informação deve ser ampliado a ponto de permitir que o franqueado visualize todo o sistema em funcionamen to Ao visualizar a fórmula em funcionamento o candidato pode pro por questões que atendam aos seus interesses sendo esta uma forma eficaz de superar o déficit de informação entre as partes Joerges50 complementa a ideia afirmando que as bases legais para o disclosure fazem parte da natureza legal do contrato que por se tratar de um RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 46 MONTEIRO António Pinto O novo regime jurídico dos contratos de adesãoclásulas con tratuais gerais Revista da Ordem dos Advogados Lisboa ano 62 v I p 118138 jan 2002 47 CORDEIRO António Menezes Da boa fé no direito civil São Paulo Almedina 2018 p 589 48 MONTEIRO António Pinto Op Cit p 115119 49 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 80 50 JOERGES Christian Franchising and the law theoretical and comparative approaches in Europe and the United States BadenBaden Nomos 1991 p 50 contrato de longo prazo a figura do franqueador deve inspirar segu rança ao franqueado Toda esta proteção ao direito da informação51 visa equalizar o claro desequilíbrio que envolve as partes no momen to da contratação visto que o franqueador possui exclusividade no acesso de muitas informações do novo empreendimento Se não há regulação própria a respeito facilmente se pode conduzir o fran queado a erro Além do dever de informação também é possível de depreender desta legislação um dever de lealdade e esclarecimento52 Mesmo depois dessa clara exigência legislativa do dever de lealdade no momento da celebração do contrato de franchising po demse constatar casos em que uma das partes fornece informações distorcidas e falsas sobre o negócio discutido Este é o caso da misrepresentation que segundo Césare Vaccá53 pode ter sido feita com o objetivo de dolo ou por negligência caso em que será chama da de negligent misrepresentation O autor italiano coíbe este com portamento com base na legislação italiana que por meio da Legge 6 Maggio 2004 n 129 também impõe ao franqueador a entrega do do cumento no qual constem as informações sobre o futuro negócio no prazo de 30 dias antes da celebração do contrato O contrato de affi liazione commerciale deve adotar um bom comportamento contra tual de acordo boafé sendo absolutamente vedadas tentativas de en ganar ou tentar induzir o contratante a erro Já em Portugal caso seja constatada uma misrepresentation o candidato adquire o direito de anular o contrato e a ser indenizado com base no art 227 do Código Civil 22 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 51 Fabio Borlotti assinala que a proteção ao direito de informação dos contratantes está pre sente até em países que recentemente introduziram a matéria de contratos na sua legislação como por exemplo a Federação Russa O art 1027 do Código Civil Russo descreve o contrato de concessão de venda de uma forma muito similar ao contrato de franquia Outros exemplos são a Armênia Código Civil Capítulo 53 art 969 e seguintes e a Georgia Código Civil art 607 e seguintes Ver BORLOTTI Fabio Op Cit p1517 52 SANTOS Ângela Maria Figueiredo Op Cit p 25 53 VACCÁ Césare Gli accordi di Franchising il controllo sulla formazione del contratto e le condizioni di fine rapporto Genova Diritto del Comercio Internazionale 1990 p 255 Vale salientar que apesar de se supor que o dever de lealdade e informação recai somente sobre o franqueador também se defende que estes mesmos deveres devem ser observados pelo franqueado Se isso não for exigido por parte do franqueado este pode facilmen te dotado de máfé conduzir o franqueador a erro somente para ad quirir conhecimento de knowhow por exemplo Segundo a escolha do franqueado deve estar sujeita aos mesmos deveres porque o fran queador precisa sempre prezar pela continuidade uniforme da sua rede e para isto necessita de informações claras e precisas de quem pretende contratar54 A obrigação de informação deve ser mútua durante toda a for mação do contrato independentemente de qualquer cláusula expres sa55 tal fato decorre da própria concepção do contrato de franquia que é um contrato de colaboração56 Tratase do fenômeno de feed back57 ou fertilização cruzada que surge a partir das obrigações de correntes do conteúdo essencial do contrato de franquia Dentre as informações que não devem ser consideradas integrantes do dever de disclosure nome de fornecedores com intuito de evitar que os can didatos lidem diretamente com eles e o nome de clientes em respei to à privacy entre outros58 Em suma a norma de transparência para ser considerada válida deve ser mútua e bilateral A cooperação en tre as partes não pode ser confundida com uma dependência Desta forma percebese que antes mesmo da formalização do contrato de franquia recai sobre ambas as partes o dever de for necer informações sérias e reais sobre suas qualificações técnicas sob pena de futura anulabilidade Essa confiança entre as partes se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 23 54 RIBEIRO Ana Paula da Costa Op Cit p 48 55 MONTEIRO António Pinto Contratos de agência de concessão e de franquia Franchising Boletim da Faculdade de Direito Coimbra ano 1984 n 3 p 303327 1984 56 Ibidem 57 RIBEIRO Maria Fátima Op Cit p 111 58 FRIGNANI Aldo Op Cit p 95 gundo estudos por parte dos autores Karlijn J Nijmeijer Isabelle N Fabbricotti e Robbert Huijsman59 configurase como um dos elemen tos que mais influenciam no sucesso empresarial de uma franquia Contudo as partes não podem fazer uso desse dever para se furtar ao risco que a participação no comércio implica conforme diz Vascon celos60 Também se deve evitar o desvirtuamento do dever de infor mação e lealdade que a fase negociatória do franchising possui este não pode ser estendido de forma irrestrita também deve ser passível de limites 5 Tipos de contratos preliminares Antes da celebração do contrato principal muitas vezes po dem se constatar casos em que seja interesse de uma das partes con tratuais ou de ambas constituir algum dos tipos de contratos pre liminares antes de formalizar o contrato de franchising em definitivo Tal necessidade pode ser justificada por inúmeras razões tal como a necessidade do franqueado de se familiarizar com a rede a impossi bilidade de constituição do contrato principal por falta de condições materiais provisórias o interesse de se experimentar a viabilidade econômica de uma franquia entre muitas outras Vasconcelos61 elen ca os tipos de contratos preliminares que podem ser aplicados ao contrato de franquia São eles o précontrato de franquia o contrato de préfranquia e o contrato de promessa de franquia O contrato de préfranquia é utilizado nos casos em que o franqueador ainda não se encontra seguro da viabilidade econômica do seu knowhow ou seja ele ainda não se encontra certo a respeito 24 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 59 NIJMEIJER Karlijn FABBRICOTTI Isabelle N HUIJSMAN Robbert Making Franchising Work a framework based on a Systematic Review International Journal of Management Re views London v 16 n 1 p 63 jan 2014 60 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 81 61 Ibidem p 84 da criação da rede ainda é uma espécie de aspirante a franqueador O que o franqueador almeja é um acordo entre um ou mais franquea dos para experimentação e desenvolvimento durante um determina do período de tempo Segundo Vasconcelos62 o franqueador neste caso quer testar sua fórmula empresarial no mercado ao final deste prazo deve optar por montar o sistema de franquia ou abandonar o projeto Se optar pela primeira opção caberá ao franqueado escolher se vai aderir ao sistema ou não concedendo à parte um claro direito de preferência decorrente deste acordo preliminar conforme defen de Henrique Mesquita63 Não há aqui a prestação de frontmoney ou royalties a princípio O contrato de promessa de franquia será aplicado nos casos em que uma das partes assume a obrigação de celebrar contrato fu turo de franquia que por algum motivo não pode ser celebrado no momento presente como a ausência temporária do capital necessá rio por exemplo O autor Mário Júlio de Almeida Costa64 defende que o fator que diferencia o contratopromessa dos atos de negociação é a ausência de eficácia contratual específica Os atos de negociação apesar de dotados de relevância jurídica carecem dessa eficácia ao contrário do que se verifica no contratopromessa que segundo o autor pode ser incluído no processo de elaboração de um negócio jurídico Ou seja esse será o modelo de contrato preliminar adotado quando houver realmente um desejo de contratar já mais amadureci do apenas por conveniência das partes é que se opta por não forma lizar o contrato no momento Segundo Vasconcelos65 este modelo de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 25 62 Ibidem p 85 63 MESQUITA Manuel Henrique Obrigações reais e ônus reais Coimbra Almedina 1990 p 207 64 COSTA Mário Júlio de Almeida Contratopromessa uma síntese do regime vigente Coim bra Almedina 2007 p 15 65 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 87 contrato de promessa não é passível de execução específica por se tratar de um contrato de prestação infungível não podendo ser subs tituído por uma decisão judiciária Segundo Fernando de Gravato Morais66 se um contrato possui obrigação de natureza pessoal infun gível o contratopromessa não é submetido à execução específica porque a natureza da obrigação se configura como uma das exceções legislativas à figura da execução específica esta seria inviabilizada por completo Já o précontrato de franquia é a modalidade mais aplicada na prática negocial É utilizada quando o interesse do franqueador é de dar ao candidato a franqueado um período de tempo para se familia rizar com a franquia e assim ter mais elementos para a escolha final sobre a titularidade do franqueado Também são verificados em casos que o franqueado mesmo após todas as informações prestadas opte por testar o poder atrativo da marca a eficiência da assistência entre outros aspectos67 Em termos simples consiste em uma experimenta ção do saber fazer68 É um contrato preliminar criado com o intuito de contornar o risco de se celebrar um contrato de franquia pois exige a demonstração prática por ambas as partes de que podem executar as cláusulas contratuais exigidas Com efeito tratase de uma nego ciação séria e leal visto que envolve direitos de confidencialidade69 Contudo não existe qualquer obrigação de se celebrar o con trato definitivo já que se configura como um prazo de experiência em que ambas as partes analisam na prática a viabilidade econômica do investimento Além disso o seu conteúdo não é cristalizado imu tável e pode variar caso se opte por um contrato definitivo Caso não seja celebrado o candidato não pode concorrer com o franqueador 26 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 66 MORAIS Fernando de Gravato Contratopromessa em geral contratospromessa em espe cial Coimbra Almedina 2009 p 118 67 VASCONCELOS Luís Pestana de Op Cit p 84 68 RIBEIRO Maria de Fátima Op Cit p 123 69 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Op Cit p 85 durante um determinado período de tempo em uma determinada área e para alguma doutrina tal acordo sequer dá direito à preferên cia por parte do franqueado70 Esta modalidade de contrato preliminar é amplamente utiliza da por países como a França71 e tem como objetivo promover certa segurança nas negociações do franchising Mesmo se tratando de uma modalidade socialmente típica de contrato o risco que cerca as partes é relativamente maior do que em outros tipos contratuais de vido ao desequilíbrio de informações em que as partes se encontram A existência destas modalidades contratuais preliminares tem clara influência na constituição de um contrato de franquia que resulte em um sucesso para ambas as empresas envolvidas sendo altamente re comendável a todos os tipos de contrato de franchising principal mente em casos em que o franqueado se considere inexperiente co mercialmente O direito italiano traz uma discussão interessante a respeito dos contratos preliminares que também pode ser ampliada para ou tras legislações em que o contrato de franquia é tipificado pois ques tiona se os requisitos referentes ao principal contrato de franquia presentes na Legge 6 maggio de 2004 n 129 devem ser ampliados aos contratos preliminares72 A existência desta variedade de contra tos preliminares de franquia se justifica devido à complexidade que este tipo de contrato possui e que é consequentemente transferida RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 27 70 Para Ana Paula Ribeiro esse pacto de preferência é duvidoso porque a obrigação em questão não é uma obrigação de igualdade de condições para se escolher determinada pessoa como seu contraente em caso de celebração contratual Ver RIBEIRO Ana Paula Op Cit p 49 71 CCI HAUTS DE FRANCE Op Cit 72 O posicionamento do autor com base em uma discussão do Tribunal de Genova de 15 de janeiro de 2008 é de que o contrato preliminar assim como contrato principal também se configura um consenso entre as partes devendo estar sujeito aos mesmos requisitos Visto que o objetivo do contrato preliminar é a formação de contrato principal válido este deve também respeitar as mesmas exigências sob pena de frustração do objetivo da sua existência FRIG NANI Aldo Op Cit p 99 para a sua fase précontratual Os deveres de lealdade probidade informação e sigilo decorrem das próprias características do contrato estudado que demanda uma proteção e tutela mesmo quando as negociações ainda não se configuram em uma aceitação das partes Conclusão A análise da fase précontratual do contrato de franquia feita no segundo capítulo é de extrema relevância pelo fato de esse con trato ser uma das modalidades contratuais mais utilizadas pelos no vos empreendedores Tal popularidade por outro lado pode causar abusos por parte dos contratantes seja o franqueador ou o franquea do A existência do dever de lealdade informação e esclarecimento durante todo o período das negociações vêm no sentido de acompa nhar a natureza que o contrato de franquia possui que se refere a uma estreita colaboração entre as partes contratuais a fim de que consigam transmitir ao consumidor a ideia de unidade que a rede exi ge Sem esta mútua colaboração não há como se obter resultados sa tisfatórios no empreendimento O desequilíbrio de qualificação e informação entre as partes torna esse tipo de contrato dependente da confiança entre os envol vidos afinal um empresário cede a um terceiro todo o conhecimento adquirido ao longo da experiência profissional além da sua marca e imagem diante dos consumidores É compreensível que haja certo re ceio na escolha do franqueado o franqueador deve se cercar de to das as informações possíveis para a sua escolha visto que este tercei ro representa a empresa em seu nome Por outro lado o franqueado também tem o direito de saber com seriedade e lealdade a real situa ção do negócio a que deseja associarse já que invariavelmente esse empreendimento dispõe de custos relativamente elevados A inexpe riência do franqueado não pode ser utilizada como motivo para a má fé por parte dos empresários franqueadores A confiança deve ser mútua A existência de contratos preliminares como o précontrato de 28 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 franquia contrato de promessa de franquia e o contrato de préfran quia tem o intuito justamente de fortalecer a confiança entre as par tes O contrato de préfranquia e o précontrato de franquia por exemplo são acordos em que não existe realmente uma obrigação de contratar um tipo de contrato de experiência em que as partes tes tam a viabilidade do empreendimento que pretendem realizar Estes são alguns dos pontos polêmicos discutidos por esta pesquisa contudo se encontram longe de exaurir totalmente o estudo referente ao tema que poderá ser aprofundado ou ter seu posiciona mento questionado com base em outros entendimentos doutrinários RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 29 Photocopied analysis cannot be accepted Original report only ESTUDO EMPÍRICO SOBRE O PERFIL DOS CONDENADOS POR INSIDER TRADING PELA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM HÁ O EFEITO EDUCATIVO DAS DECISÕES1 AN EMPIRICAL STUDY ON THE PROFILE OF THE CONDEMNED BY INSIDER TRADING BY THE COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁROS CVM IS THERE AN EDUCATIONAL EFFECT OF DECISIONS João Luís Nogueira Matias Ives Nahama Gomes dos Santos Resumo Investigase por meio do multimétodo a maneira como o uso de informação privilegiada insider trading é tratado nos Processos Administrativos Sancionadores PAS no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários CVM Por meio de uma pesquisa empírica tendo como recorte temporal o período de 2004 até 2019 a pesquisa procurou delimitar qual o perfil das pessoas físicas conde nadas ou seja se mantinham ou não relação com a companhia ten do sido verificado que em sua maioria as condenações foram aplica das aos membros internos Outras variáveis na linha investigativa fo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 1 Artigo recebido em 06092021 e aceito em 10092021 Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará UFC com aulas na graduação e na pósgraduação Professor Titular do Centro Universitário 7 de Setembro UNI7 Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará UFC MBA em Gestão de Empresas Fundação Getúlio Vargas FGVRJ Juiz Federal Email joaoluisnmuolcombr Mestranda em Direito Constitucional Público pela Universidade Federal do Ceará PPGDUFC com mobilidade acadêmica na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Coordenadora do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais NECCUFC Pesquisadora do Projeto Pesquisa Empírica e Jurimetria PROPED UNIFOR Pesquisadora do Grupo de Direito Penal Econômico e da Empresa GDPEE da Fundação Getúlio Vargas FGVSP Pesquisadora do grupo de estudos Dimensões do Conhecimento do Poder Judiciário da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará ESMEC Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e IBCCRIM Advogada Email ivesnahamahotmailcom ram quais os cargos dos condenados quais as penas aplicadas e por fim se no teor do dispositivo das decisões dos PAS haveria a reco mendação de a companhia instituir boas práticas educacionais inter nas de modo a efetivar o caráter preventivo das sanções A pesquisa verificou no entanto que as decisões condenatórias ainda não utili zam todo o potencial da sua finalidade educativa o que auxiliaria no bom funcionamento das companhias Palavraschave Insider trading Processos Administrativos Sancionadores PAS Perfil dos condenados Comissão de Valores Mobiliários CVM Estudo Empírico Abstract The purpose of the article is to investigate through the multi method how the matter of insider trading is dealt with in the Sanctioning Administrative Proceedings SAP within the scope of the Comissão de Valores Mobiliários CVM From an empirical perspective within the time frame starting in 2004 until 2019 the re search sought to delimit which profile of individuals condemned by the practice that is whether they maintained relationship with the company and it was verified that the majority of convictions were applied to the internal members of the companies Other variables in the investigative line were which positions were most condemned which were the penalties applied and finally if in the content of the recommendation of the sentence of the PAS there would be a recom mendation that the condemned company institute good internal edu cational practices so to implement the preventive nature of sanc tions However the research found that the condemnatory sentences did not value the educational purpose being merely symbolic not helping the companies to function properly Keywords Insider Trading Sanctioning Administrative Proc esses SAP Profile of convicts Comissão de Valores Mobiliáros CVM Empirical Study Sumário Introdução 1 Informação merca dos e full disclosure em busca da eficiên cia informacional 2 O estado da arte dos processos sancionadores da CVM análise de dados 21 A metodologia aplicada na pes quisa 22 Sobre o perfil dos indiciados e efetivamente condenados por insider tra ding 23 Sobre as penas aplicadas 24 So 32 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 bre o caráter preventivo das penas 3 Além das penas a prevenção como caminho para a redução dos danos à eficiência informacio nal Considerações finais Introdução O inciso VI do artigo 4º da Lei 638576 prevê o princípio do full disclosure ou da transparência e estabelece ser atribuição da Comissão de Valores Mobiliários CVM e do Conselho Monetário Na cional CMN assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados dispondo ainda que à CVM cabe o papel fundamental na regulação do mercado principalmente no que concerne ao dever de informar Já a Instrução CVM nº 3582002 configurase como o marco re gulatório sobre a divulgação e uso de informações e sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas dispondo no artigo 13º so bre as consequências jurídicas do uso de informações privilegiadas ou seja informações não públicas até o momento da negociação Em países de vários níveis de desenvolvimento tem curso a aplicação de severas penas aos insiders inclusive com privação de liberdade Embora haja relativo sucesso na repressão e prevenção a ilícitos praticados contra o mercado de capitais percebese que muito ainda poderia ser feito com suporte na utilização de comandos pre ventivos re educacionais aplicados nos casos de condenações Nestas circunstâncias a pesquisa partiu das seguintes pergun tas centrais quais os incentivos para o fortalecimento do combate à informação privilegiada decorrentes da condenação de membros in ternos das companhias pela prática de insider trading Além dos efeitos repressivos decorrem aspectos preventivos Recorrese à metodologia multimétodo analisando processos administrativos sancionadores da CVM no período da vigência da Instrução Normativa de nº 3582002 até o último mês da pesquisa em maio de 2020 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 33 De início se contextualiza a ideia de eficiência informacional vital para o bom funcionamento dos mercados em especial do mer cado de valores mobiliários Em seguida mostrase a pesquisa empí rica com a análise dos dados sobre condenação por insider trading Na sequência abordase a importância da adoção de atitudes preven tivas educacionais como meio de mitigar os danos à eficiência infor macional Na sequência vêm as considerações finais 1 Informação mercados e full disclosure em busca da efi ciência informacional Com a inserção da sociedade no contexto da modernidade re flexiva em que confronta consigo uma espécie de espelho social as fontes de perigos já não são o desconhecimento mas sim o conhe cimento2 Percebese que a importância das informações e os seus fluxos de interação constituem proposições insurgentes na sociedade reflexa3 A informação ou seja o conhecimento dos fatos tem valor imensurável e direciona as ações das pessoas que a detêm4 A informação é um bem dotado de valor econômico5 e repre senta um anseio e uma busca humana basilar seja para questões sim ples do dia a dia entre as relações interpessoais seja para o desen volvimento tecnológico científico e até mesmo místico6 34 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 BECK Ulrich GIDDENS Anthony LASH Scott Modernização reflexiva política tradição e estética na ordem social moderna 2 ed São Paulo Unesp 2012 Tradução de Magda Lopes 3 TRANFIELD David DENYER David SMART Palminder Towards a methodology for deve loping evidenceinformed management knowledge by means of systematic review British jour nal of management v 14 n 3 2003 p 207222 4 WANG William KS STEINBERG Marc I Introduction Insider Trading 3rd Oxford Oxford University Press 2010 5 PRATAS Marta Alexandra Fialho O insider trading nos mercados financeiros o papel da informação no funcionamento dos mercados e sua regulação Dissertação Mestrado Facul dade de Direito Universidade de Lisboa Lisboa 2017 6 EIZIRIK Nelson et al Mercado de capitais regime jurídico 3º ed rev e ampl Rio de Janeiro Renovar 2011 p 460 No mercado financeiro o poder da informação na tomada de decisões é demonstrado não somente pelo caráter de influência que experimenta no âmbito negocial das partes envolvidas mas por abranger também a capacidade de que uma assimetria informacio nal fora das marcas admitidas é passível de afetar diretamente a cre dibilidade dos investidores no funcionamento e estrutura de todo o mercado7 É competência dos órgãos reguladores assegurar a transparên cia das informações relevantes princípio do full disclosure Do prin cípio deriva a obrigação de propagar informações com teor que in fluencie a compreensão e o conhecimento na avaliação dos fatos8 O princípio da transparência tem previsão no art 4º VI da Lei 638576 o qual dispõe que é uma das funções precípuas do Conse lho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários as segurar acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido Buscase asse gurar a simetria informacional entre os agentes econômicos o que torna o mercado mais digno de confiança permitindo ainda a alme jada redução dos custos de transação9 e um funcionamento equitativo do mercado10 Dispõese também que devem proteger os titulares de valo res mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informa ção relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários con soante a letra c do inciso IV do artigo 4º da Lei nº 638576 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 7 FERREIRA Laila Cristina Duarte Divulgação de informações no mercado de valores mobi liários brasileiro a regulação da atividade jornalística 240 f Dissertação Mestrado Faculda de de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2013 8 BAINBRIDGE Stephen M Research handbook on insider trading Edward Elgar Publishing 2013 Disponível em httpwwwssrncom Acesso em 10 maio 2020 9 EIZIRIK Nelson et al Op Cit p 480 10 Elzirik Nelson O papel do Estado na regulação do mercado de capitais Rio de Janeiro Ibmec SP 1977 p 6 A cotação dos valores mobiliários quaisquer títulos ou contra tos de investimento coletivo que gerem direito de participação lista dos no art 2º da Lei 63857611 deverá refletir apenas as informações publicamente disponíveis12 com os preços refletindo todas as variá veis suscetíveis de influenciar nos investimentos13 afinal a obtenção de informações tem um custo para os agentes econômicos e estes competem entre si tomando decisões com base em cada nova infor mação que é divulgada14 A ampla informação é o meio de alcançar a eficiência informa cional expressa na velocidade e na exatidão de reflexo nos preços a partir de cada divulgação15 Para que se assegure concorrência perfei ta nuclear é viabilizar a ampla informação e conhecimento de merca do por parte dos agentes ou seja todos os atores envolvidos nas rela ções tendo completo conhecimento das condições de mercado com plena paridade de informações16 É certo que uma decisão de investimento no mercado sem a detenção de toda informação necessária enseja prejuízos não só ao investidor mas também ao mercado de maneira plural como parte de um todo17 36 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 11 GIRÃO Luiz Felipe de Araújo Pontes MARTINS Orleans Silva PAULO Edilson Avaliação de empresas e probabilidade de negociação com informação privilegiada no mercado brasileiro de capitais Revista de Administração São Paulo v 49 n 3 p 462475 2014 12 DUBEUX Júlio Ramalho A comissão de valores mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do mercado de capitais brasileiro Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 2006 p 49 13 MALKIEL Burton G FAMA Eugene F Efficient capital markets A review of theory and empirical work The Journal of Finance New York v 25 n 2 p 383417 1970 14 Ibidem p 385 15 GILSON Ronald J KRAAKMAN Reinier H The Mechanisms of Market Efficiency Twenty Years Later The Hindsight Bias Stanford Law Economics 2003 Disponível em httpsssrncomabstract462786 Acesso em 20 mai 2020 16 GUESTRIN Sergio G Fundamentos para un nuevo análisis económico del derecho de las fallas del mercado al sistema jurídico Buenos Aires Edital Ábaco de Rodolfo Depalma 2004 17 FERREIRA Laila Cristina Duarte Op Cit 2013 Não será qualquer informação que se submeterá à regra da ampla publicidade e da impossibilidade de uso indevido como des crito no parágrafo 4º do artigo 155 da Lei nº 640476 devendo a informação revestirse de determinados atributos que justifiquem a severidade do tratamento previsto na legislação Sobre a noção de informação relevante em sintonia com a previsão do artigo 157 4º da Lei nº 640476 a Instrução Normativa de nº 3582002 da CVM assim considera a informação passível de influir de modo ponderável na decisão dos investidores de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia no que se inclui qualquer decisão de acionista controlador deliberação da as sembleia geral ou dos órgãos de administração que venha influir na cotação na decisão de compra e venda e na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valo res mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados Assim entendese informação privilegiada como um dado re gido pela confidencialidade18 visto que as informações são obtidas em razão do cargo que se ocupa bem como em decorrência da sua materialidade conforme redação do art 2º da ICVM 35802 É privi legiada a informação que contém o trinômio obtida em virtude da funçãocargo que exerce ainda não divulgada e considerada deten tora de conteúdo capaz de influenciar de maneira notória as rela ções mercantis Complementa o sistema de publicidade e de vedação de informações privilegiadas o dever de guardar sigilo exposto no art 8º da Instrução 3582002 O sigilo é referente às informações relativas a ato ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam sendo portanto informações pri RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 37 18 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS IOSCO Objectives and Principles of Securities Regulation Madrid 2003 Disponível em httpswwwioscoorgli brarypubdocspdf IOSCOPD323pdf Acesso em 30 mai 2020 vilegiadas até a serem tornadas públicas ao mercado também de vendo exercer a função de vigilância de seus subordinados po dendo responder solidariamente caso haja o descumprimento e uso dos dados A prática de insider trading está ligada de maneira geral a duas proibições a realização de negócios em posse de informação material que não é pública logo privilegiada e revelar essa informa ção a terceiros19 Além dessas segundo as noções da IOSCO convém que não se permita que pessoas com informações privilegiadas façam recomendações de compra ou venda ou adquiram de outra pessoa para comprar vender ou assinar um contrato de subscrição compra ou venda de quaisquer valores mobiliários com base em informa ções privilegiadas20 Com efeito a CVM exerce papel fundamental na efetivação do dever de informar e do full disclosure21 sendo instrumento para bus ca da eficiência informacional do mercado mitigando o desequilíbrio econômico a assimetria informacional e o uso de informação privile giada22 Transpondo o seu papel repressor a CVM atua prevenindo ofensas à eficiência informacional Passase à análise do estado da arte nos processos sancionadores por meio de estudo empírico 38 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 PRADO Viviane Muller RACHMAN Nora Matilde VILELA Renato Insider trading normas instituições e mecanismos de combate no Brasil São Paulo FGV Direito SP 2016 p 102 20 IOSCO Op Cit 2003 p 14 21 CHARÃO Anderson Pereira RIBEIRO Marcia Carla Pereira A ineficiência econômica da punição do insider trading à luz da análise econômica do direito e da jurisprudência da comis são de valores mobiliários Economic Analysis of Law Review v 10 n 1 p 142157 2019 22 JAKOBI Karin Bergit A atuação da CVM na regulação do mercado de capitais e na con sagração do full disclosure sob o enfoque da análise econômica do direito Dissertação Mes trado Universidade Católica do Paraná Curitiba 2011 2 O estado da arte dos processos sancionadores da CVM análi se de dados Devese estar atento a que o sucesso na repressão e preven ção a ilícitos praticados contra o mercado de capitais não seja arrima do apenas pelo volume de condenações23 nem pela mera aplicação de sanções rígidas em termos pecuniários Na pesquisa objetivouse averiguar o perfil dos condenados e a existência de comandos preventivos re educacionais aplicados nos casos de insider trading De início é explicada a metodologia da pesquisa Em seguida serão mostrados os dados 21 A metodologia aplicada na pesquisa O artigo se utiliza da metodologia multimétodo termo utiliza do por Peter Cane e Herbert M Kritzer na obra The Oxford Hand book of Empirical Legal Research24 para especificar trabalhos que se valham de mais de uma técnica de pesquisa Antes de escolher um método de análise o problema de pes quisa foi delimitado na seguinte pergunta central a partir da conde nação por parte da CVM de membros internos das companhias pela prática de insider trading quais os reflexos preventivos para o forta lecimento do combate ao uso da informação privilegiada O ponto de partida para a revisão de literatura foi realizado recorrendose à base de dados Web Of Science com a chave de pes quisa insider trading Foi refinado nas categorias business finance or law or criminology penology com o recorte temporal em todos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 39 23 ALONSO Leonardo Crimes contra o Mercado de Capitais 2009 Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2009 24 CANE Peter KRITZER Herbert The Oxford handbook of empirical legal research OUP Oxford 2010 os anos Assim verificamse a relevância do tema a possibilidade de pesquisa a viabilidade e quais os referenciais teóricos utilizáveis na elaboração do artigo e qual o recorte temporal a ser aplicado Os da dos mais expressivos constam dos anos de 2002 até 2020 com picos nos anos de 2017 ao ano de 2019 conforme gráfico abaixo Figura 1 revisão de literatura realizada em 25 de abril de 2020 na base de dados Web Of Science Fonte Web of Science Foi percebido que o recorte temporal indicado pelo algoritmo do Web Of Science encontrava relação com os marcos nacionais sobre a temática tendo como recorte nacional a Instrução 3582008 da CVM e a última reforma legislativa em 2017 ano de um dos picos de produção de artigos com a promulgação da Lei nº 1350617 sendo mantidos portanto por esses motivos os recortes de 2002 ao ano de 2020 No segundo momento a pesquisa passou a ter uma aborda gem quantitativa coletando dados dos PAS julgados na CVM no pe ríodo pretendido e sistematizando os dados que puderam ser coleta 40 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 dos no site da autarquia a partir da ferramenta busca avançada com as palavraschaves insider trading e insider trading AND artigo 13 da Instrução CVM nº 35802 sendo somente essas duas chaves de pesquisa as escolhidas por se almejar uma objetividade na pesquisa tendo como resultados população juntos somando mais de um mil resultados que quando refinados pelo item processo ad ministrativo sancionador foram reduzidos para 122 decisões sendo todos analisados Mencionase ainda que só foram analisados PAS com refe rência ao artigo 13 da Instrução CVM nº 35802 o que resultou em uma amostra final de 45 decisões que foram transportadas para uma planilha do Excel Processos que tratavam de diversas infrações con juntamente no mesmo PAS foram analisados mas somente os dados que tratam de insider trading foram tratados Os gráficos tabelas e polímero de frequência que seguem abaixo são as espécies de figuras utilizadas por serem as mais indica das pela estatística descritiva Tais figuras foram geradas pela plata forma Flourist e Infogram todos de autoria própria para que se pu desse passar a vivência do fenômeno em estudo de maneira mais in terativa25 Desse modo a partir de tal metodologia para conhecer e con firmar o sistema de aplicação e exigibilidade das regras que vedam o uso de informação privilegiada bem como se nos PAS há a dedicação para o aspecto preventivo da prática se passa agora a mostrar os re sultados de pesquisa quantitativadescritiva em busca de respostas para a problemática condutora da investigação 22 Sobre o perfil dos indiciados e efetivamente condenados por insider trading De posse dos dados após a busca com as palavraschave in sider trading e insider trading e artigo 13 da Instrução CVM nº RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 41 25 GUEDES Terezinha Aparecida et al Estatística descritiva Projeto de ensino aprender fa zendo estatística sn p 149 2005 35802 refinados pelo item processo administrativo sancionador constatouse que alguns processos julgados após a entrada em vigor da Instrução nº 35802 ainda se pautavam na Instrução anterior e portanto não foram objetos da pesquisa Em realidade no recorte temporal realizado o primeiro pro cesso efetivamente julgado sob a Instrução normativa nº 35802 era datado de 2004 especificamente o PAS Nº 2504 com julgamento em 30 de setembro de 200826 O último processo julgado foi em 2019 o PAS nº 19957001639201615 RJ20162384 julgado dia 26 de no vembro de 201927 Das 45 decisões que constituem a amostra do artigo há o se guinte panorama de indiciados sem separação por espécie de parti cipação no mercado externo interno ou pessoa jurídica conforme se visualiza no polígono de frequência 1 Figura 2 Polígono de frequência 1 número total de indiciados por insider trading anualmente no período de 20022015 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 42 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 26 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 2504 Relator Diretor Eli Loria Rio de Janeiro 30 set de 2008 Diário Eletrônico da CVM 2008 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos20082008093 0PAS2504pdf Acesso em 20 jun 2020 27 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº RJ20162384 19957001639201615 Re lator Diretor Gustavo Machado Gonzalez Rio de Janeiro 26 nov 2019 Diário Eletrônico da CVM 22 jan 2020 Disponível em httpwwwcvmgovbrsancionadoressanciona dor2019RJ20162384html Acesso em 20 jun 2020 Como se nota o ano com menor número de indiciados por insider trading foi 2016 com nenhum indiciado28 e o ano com maior número de indiciados por insider trading foi 2018 com o total de 21 pessoas físicas e jurídicas indiciadas perante a autarquia por uso de informação privilegiada O número de indiciamentos é fortemente influenciado pela ló gica do funcionamento dos processos29 Se várias pessoas estiverem conexas a uma mesma prática utilizando de maneira ilícita informa ções privilegiadas serão vários os indiciados no mesmo processo o que influenciará no número de processos e de indiciamento Em oposto se forem poucas pessoas ou somente uma pessoa suspeita o número de indiciados será menor Sabendose que o número de indiciados no período analisado foi de 136 pessoas jurídicas e ou físicas é relevante para o escopo da pesquisa classificar quem são esses agentes A classificação para os insiders primários foi de internos pessoas com acesso à informação em virtude de sua função para os insiders secundários investidores pessoas que não tem nenhum acesso interno à companhia emissora da informação privilegiada foi externo e para as pessoas jurídicas externas à organização da com panhia foi de PJ Conforme se visualiza no polígono de frequência 2 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 43 28 Nenhuma ação foi verificada no ano de 2016 com o recorte temporal e de palavraschave realizado no estudo Não significa porém que não tenha havido nenhum julgamento só sig nifica que não foi encontrado nesta pesquisa 29 PRADO Viviane Muller RACHMAN Nora Matilde VILELA Renato Op Cit p 102 Figura 3 Polígono de frequência 2 número total de indiciados por insider trading anualmente no período de 20022015 divididos por classificação de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Foram quantificados 90 indiciados na categoria internos 24 na categoria externos e 22 na categoria PJ percebendose que a quantidade de entes internos indiciados em uma escala global é consideravelmente maior do que as outras duas categorias quase que somadas Somente no ano de 2010 o número de externos foi maior do que o dos internos sendo 3 externos e 3 PJ contra 2 indiciados internos conforme indicado no polígono de frequência 2 O gráfico 1 mostra o indiciamento por cargos observados na categoria internos no período de 2004 a 2019 conforme o recorte temporal já mencionado A apresentação do gráfico não foi feita ano a ano por uma questão estética e metodológica Se todos os dados dos 90 indiciados fossem mostrados em crescimento anual o gráfico perderia o caráter 44 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 explicativo e poderia induzir o leitor ao erro o que não é a intenção Os cargos contudo que apresentaram maior incidência nos indicia mentos por insider trading possuem gráficos próprios os gráficos 3 4 e 5 Por tal motivo o gráfico 1 é apresentado de maneira global sem que se tenha a evolução por ano mas sim com base no todo 90 Desse modo cada porcentagem apresentada diz respeito a uma parte x do todo 100 Figura 4 Gráfico 1 indiciamento por cargos observados na categoria internos no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Algumas explicações são necessárias sobre a categorização dos cargos Quando se menciona diretor todas as categorias de di reção foram incluídas para que se tivesse uma menor variedade e de vida precisão Todos os cargos que tinham como foco direção de de partamentos por ex diretor financeiro diretor jurídico diretor de vendas foram denominados somente cargos de direção Igual jun ção foi feita na categoria administração e conselho administrativo pois conforme foi verificado os cargos enquadrados nessa categoria RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 45 por terem similitude de importância e funções poderiam ser conta bilizados em um só bloco Assim conforme o gráfico 1 algumas categorias são prepon derantes na frequência dos indiciamentos sendo elas adm e conse lho adm com 333 cargos de direção com 1467 acionista com 1333 e sócio e presidência e vice ambos com 933 de frequência no total dos 90 indiciados internos Um dado importante a ser apresentado diz respeito ao conteú do das informações objeto dos PAS Como demonstrado no tópico 1 a prática de insider trading se consuma a partir do conhecimento e má utilização de informação privilegiada ainda não sabida pelo mercado que é capaz de influenciar no valor de ativos A partir do estudo empírico aqui realizado acessamse as categorias de informa ção utilizadas pelos indiciados nos PAS O Gráfico 2 aclara as catego rias Figura 5 Gráfico 2 tipos de informações utilizadas pelos indiciados nos PAS no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 46 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 O que se percebe diante do gráfico acima é que a variedade de informações privilegiadas utilizadas de maneira ilícita faz com que o perfil destas não possa ser traçada com maiores filtros ou padrões Contudo pode se observar uma preponderância mesmo que míni ma das categorias de reestruturação de dívidas 10 reorganização societária 750 compra de ações 75 venda de ações 5 e aquisição de controle acionário 5 Com suporte nesse panorama geral já se sabendo quem e quantos são os indiciados e quais as informações utilizadas para las trear o início dos PAS temse a questão dos absolvidos e dos indicia dos nos PAS da CVM no período 2004 a 2019 Os gráficos 3 e 4 demonstram a quantidade de absolvições e condenações no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Figura 6 Gráfico 3 absolvições no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 47 Da análise do gráfico notase é que dos 136 indiciados 71 entes foram absolvidos e 6056 dos absolvidos foram agentes inter nos o que é um número bem significativo Malgrado porém o alto índice de absolvição as condenações também são volumosas sendo o total de 65 porém deste número a maioria também é dos agentes internos conforme se visualiza no grá fico 4 Figura 7 Gráfico 4 condenações no período de acordo com cada categoria de atuação no mercado de capitais interno externo e PJ Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Para que se observe de maneira precisa os gráficos 6 7 e 8 apresentam o indiciamento separado por cargos mas em escala anual para que se perceba que cada ano teve um ator específico nos PAS julgadores de insider trading Sendo na mesma proporção dos indiciados os maiores cargos ocupantes condenados os cargos de 48 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 direção administrador e conselho de administração e presidente e vicepresidente Percebese ainda que mesmo com a crescente condenação de pessoas com posições importantes nas companhias a exemplo dos sócios e diretores o caráter preventivo no sentido educacional não foi exercido pelas penas ou sequer mencionado nos votos dos PAS conforme a tabela 1 demonstrará no momento oportuno Figura 8 Gráfico 5 condenações no período de 2004 a 2019 para cargos de direção Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Aqui percebese que nos anos de 2006 e 2007 a porcenta gem de condenações para a categoria cargos de direção teve um índice de 1111 mantendo um índice de 0 de 2010 até 2016 mas com um salto para 7778 em 2017 quando foram julgados 6 PAS RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 49 Figura 9 Gráfico 6 condenações no período de 2004 a 2019 para administrador e conselho de administração Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 No gráfico 6 notase que nos anos de 2007 e 2013 a porcen tagem de condenações para a categoria administrador e conselho de administração teve um índice de 1875 mantendo um índice de 0 de 2010 até 2012 tendo aparições em 2005 e 2014 de 625 ao ano 50 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 10 Gráfico 7 condenações no período de 2004 a 2019 para presidente e vicepresidente Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 No gráfico 7 percebese que nos anos de 2008 a 2011 as condenações para a categorias mantiveram o índice de 0 de 2010 até 2012 havendo nos anos de 2012 2016 e 2018 um índice iguali tário de condenações sendo a porcentagem fixada em 1667 O ano de 2006 merece destaque para a categoria pois o índice de condena ções saindo da marca de 0 em 2004 e 2005 vai para 3333 no ano de 2006 quando 3 PAS foram julgados e dentre os condenados al guns ocupavam cargos de presidente ou vice 23 Sobre as penas aplicadas No que diz respeito às sanções aplicadas o artigo 11 da Lei nº 6385 de 1976 prevê as penalidades nas seguintes modalidades ad vertência multa suspensão para o exercício de cargo em companhia RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 51 inabilitação temporária suspensão ou cassação da autorização ou re gistro para o exercício das atividades de mercado e proibição tempo rária para a prática de determinadas atividades Dos 65 indiciados punidos pela prática de insider trading mostrados no Gráfico 5 as multas compreendem quase a totalidade das condenações ocupando 9718 das decisões nos Votos dos PAS conforme a distribuição do Gráfico 8 Figura 11 Gráfico 8 distribuição das punições por insider trading por tipo no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Da análise do gráfico percebese que mesmo tendo possibi lidades diversas os PAS da CVM foram majoritariamente no sentido de punir os indiciados com a penalidade pecuniária algumas vezes chegando ao valor de R44078042300 quatrocentos e quarenta mi lhões setecentos e oitenta mil quatrocentos vinte e três reais no PAS nº RJ20140578 19957000594201572 em que a pena foi con jugada com a inabilitação temporária por 7 sete anos 52 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 Sobre o caráter preventivo das penas A pesquisa tem por objetivo aferir qual a contribuição da CVM no exercício de seu poder sancionador para a prevenção de condutas ofensivas à eficiência informacional do mercado A busca nos 45 PAS no recorte temporal de 20042019 em específico nos condenatórios de membros internos permitiu aferir se havia nas respectivas companhias boas práticas de governança pro gramas educacionais para o fortalecimento do princípio da transpa rência ou recomendações educacionais ou se houve por parte da CVM recomendações específicas para tais práticas Foi verificado contudo que a CVM no ato sancionador em sua maioria não se dedicou a recomendar boas práticas mesmo com a crescente condenação de membros internos de companhias atuan tes nos mercados É dizer os reflexos para o fortalecimento da tutela da informa ção privilegiada nas sociedades de capital aberto que decorreriam de sugestão de instituição de boas práticas de governança de agendas educacionais de programas de compliance ou de Chinese Wall ou até mesmo de programas de ensino básico parece não ter pertinên cia ou espaço nos votos sancionadores O espaço para se tentar a prevenção ou o estímulo de práticas educacionais parece ter sido ocupado por montantes cada vez mais vultosos de multas dos agentes internos das companhias emissoras O total de 9863 mencionado no gráfico 9 indica que a CVM não se dedicou à exploração do caráter preventivo educacional que as suas decisões poderiam ter no sentido de verificar se na compa nhia a que o agente interno condenado pertencia tinha práticas edu cacionais e propor a sua reformulação ou fortalecimento RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 53 Figura 12 Gráfico 9 verificação de recomendações educacionais no corpo do voto condenatório nos PADs no período de 2004 a 2019 Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 O único processo em que a CVM ensaiou uma reflexão acerca do fortalecimento ou instituição das boas práticas educacionais para atuação no mercado no tocante à necessidade de simetria informacio nal foi o PAS nº 040430 julgado em 28 de junho de 2006 cujos indi ciados eram advogados sendo um interno e outro externo à compa nhia emissora O trecho do voto é trazido no quadro 54 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 30 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 0404 Relator Diretor Marcelo Fernandez Trindade Rio de Janeiro 28 jun 2006 Diário Eletrônico da CVM 2006 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos20062006062 8PAS0404pdf Acesso em 20 jun 2020 Quadro conteúdo da recomendação de boas práticas preventivas no PAS nº 0404 julgado em 28 de junho de 2006 INFORMAÇÕES DO PAS RECOMENDAÇÃO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº 0404 convocam a uma reflexão sobre a necessidade de os escritórios de advocacia estabelecerem códigos de conduta e políticas de negociação ou de não negociação com valores mobiliários de emissão de clientes ou partes adversas bem como sobre a necessidade de os acordos de confidencialidade comumente celebrados no dia a dia da advocacia empresarial serem específicos quanto à vedação à negociação de valores mobiliários a fim de evitar processos como este que lançam dúvida indevida sobre a conduta ética dos profissionais do direito Fonte Elaborado pelos autores com base nos dados disponibilizados pela CVM 2020 Do teor do voto notase que a reflexão sobre a necessidade de se instaurar códigos de conduta e políticas de negociação ou de não negociação com valores mobiliários prezando pela simetria de informações a fim de se efetivar o princípio da transparência e evitar processos sancionadores somente ocorreu quando um advogado foi condenado sendo a questão tratada mais como um ato falho da pro RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 55 fissão de advogado do que uma falha no sistema de tutela à simetria informacional e transparência dos mercados No PAS nº 25201031 onde dois sócios da companhia emitente restaram condenados às multas de R13555000 cento e trinta e cin co mil e quinhentos e cinquenta reais e R131594400 um milhão trezentos e quinze mil e novecentos e quarenta e quatro mil reais o relator menciona que a CVM havia firmado acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Contas da União com intuito de proceder ao intercâmbio de conhecimento e base de dados entre as institui ções para melhor aferir vínculos entre pessoas naturais e jurídicas a fim de delinear as condutas dos insiders Nessa mesma decisão con tudo não há nenhuma menção a esforços para fiscalização e realiza ção de práticas educacionais a fim de que não se evite a existência de insiders A omissão da CVM é preocupante indicando um menosprezo do caráter preventivo da pena e do seu aspecto educacional mais am plo O estímulo a práticas educacionais é capaz de inibir o uso de informação privilegiada com a divulgação dos elementos que carac terizam a prática permitindo dirigir os esforços punitivos para aque les que realmente sabem o quão nociva a utilização de informações privilegiadas é mas não a evitam 3 Além das penas a prevenção como caminho para a redução dos danos à eficiência informacional Em 2017 a Price waterhouse Coopers PwC apresentou um estudo global que revelou as tendências dos CEOs a serem forçados 56 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 BRASIL Comissão de Valores Mobiliários PAS nº 252010 Relator Diretor Leonardo P Go mes Pereira Rio de Janeiro 4 jul 2017 Diário Eletrônico da CVM 2017 Disponível em httpwwwcvmgovbrexportsitescvmsancionadoressancionadoranexos2017252010 pdf Acesso em 19 jun 2020 a deixar o cargo por lapsos éticos observando que os agentes exer ciam ao usar a informação privilegiada uma maneira de corrupção No estudo da PwC32 observase que o insider trading é o tipo mais comum de corrupção que não envolve propriedade do governo sendo o marco representativo da existência do ânimo corruptivo em corporações mercado de ações e de compra e venda de ativos O estudo analisou as sucessões de CEOs nas maiores 2500 empresas públicas do mundo nos últimos 10 anos e demonstrou que a rotatividade forçada em decorrência de lapsos éticos aumentou de 39 de todas as sucessões em 200711 para 53 em 201216 Na Europa Ocidental o número de CEOs forçados a sair por lapsos éti cos aumentou de 42 para 59 enquanto nos países do BRIC o aumento foi de 36 para 8833 Haja vista esse quadro a pergunta que se faz é o que fazer para reverter essa situação alarmante As punições estão de fato se mostrando efetivas Percebese que não Impõese uma atuação pre ventiva por meio de práticas educacionais o que não tem sido reali zado Necessário então é mencionar que a proposição de incremen to das medidas educativas é uma proposta não uma solução a ser extraída dos dados No sítio da BMFBovespa e a CETIP B334 foi encontrada uma notícia datada de 2015 em que se destacava a criação da Câma RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 57 32 PRICE WATERHOUSE COOPERS Global study on CEO trends indicates a significant uptick in CEOs forced out of office for ethical lapses 2017 Disponível em httpswwwpwccomgxennewsroompressreleases2017globalstudyonceotrendsind icatesasignificantuptickinceosforcedoutofofficeforethicallhtml Acesso em 30 maio 2020 33 PWC Op Cit 2017 34 BRASIL Brasil bolsa educação B3 apresenta Programa Destaque em Governança de Es tatais São Paulo 2015 Disponível em httpwwwb3combrptbrnoticiasgovernancade estatais8AE490CA646C8899 01648491608657A4htm Acesso em 10 mai 2020 ra Consultiva de mercado de Governança de Estatais projeto que visava a atuar para aprimorar a transparência na divulgação de informações Os detalhes de funcionamento contudo se realmente foi implantada e se teve permanência ao longo dos anos ou ainda mais detalhes de suas diretrizes não foram divulgados tampouco houve menção de qualquer viés educacional a fim de evitar a prática da conduta de insider trading frisandose ainda que a adesão das empresas à câmara era voluntária sem nenhuma vinculação ou obri gação Propõese que a CVM deva incentivar as boas práticas utili zandose no novo direito sancionador do caráter preventivo educa cional da pena Podese estimular o aprendizado sobre por exemplo a o papel de cada agente no mercado b o que é informação c o que é informação privilegiada d o papel da informação na volatili dade dos mercados e sua influência nos preços e e as consequên cias da utilização de informação privilegiada Isto para que após a implementação dessas práticas educacionais possam ser colhidos os frutos do caráter preventivo positivo35 A CVM pode tentar fazer com que a suas penas atendem mais do que à mera função repressora sejam mais do que simplesmente pecuniárias estimulando boas práticas de mercado assim o índice de prática de insider trading que foi crescente nos anos de 20042019 pode vir a decrescer Considerações finais Deve ser reconhecido que há grande preocupação de prote 58 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 Em tempo é válido mencionar que a proposta de incremento das medidas educativas é uma proposta e não uma solução que pode ser extraída dos dados A proposta é colocada nos termos propostos levandose em consideração o referencial do qual parte o trabalho o diálogo entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal notadamente o caráter preventivo positivo ção dos investidores na ordem jurídica nacional Objetivase que o mercado de capitais seja justo eficiente e transparente com a redu ção de risco sistêmico e da assimetria informacional Para que isso aconteça muito importante é a atuação da CVM não apenas por meio da regulação mas por intermédio da função sancionadora A aplicação de sanções por si já é forte incentivo para que se evitem práticas nocivas ao mercado contudo não suficientes para que dei xem de ocorrer como a pesquisa demonstrou Com amparo na combinação de métodos quantitativos e qua litativos procurouse compreender o contexto da definição do insi der trading e a sua punição no âmbito dos PAS da CVM com desta que para o número de processos instaurados e julgados para o perfil de indiciados e efetivamente condenados por insider trading e para verificar se o caráter preventivo educacional decorreu das sanções ou foi mencionado nos votos das decisões Foi percebido que mesmo com a crescente condenação de pessoas com posições importantes nas companhias o caráter preven tivo educacional não foi exercido pelas penas ou sequer menciona do nos votos dos PAS Desse modo vislumbrase é que após a pes quisa apesar de o discurso mobilizado pelos diretores da autarquia demonstrar preocupação com a nocividade do uso de informação privilegiada em termos empíricos foi demonstrado que a construção argumentativa dos operadores não fomenta a implementação de boas práticas para a tutela do mercado Em decorrência desse quadro propõese que a CVM deva in centivar boas práticas estimulando o aprendizado sobre a o papel de cada agente no mercado b o que é informação c o que é infor mação privilegiada d o papel da informação na volatilidade dos mercados sua influência nos preços e e as consequências da utili zação de informação privilegiada Impõese entretanto mencionar que a sugestão de incremento das medidas educativas é uma propos ta não uma solução a extrair dos dados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 59 Estimase que após a implementação dessas práticas educa cionais seja alcançado um modelo mais eficaz na busca do mercado informacional eficiente 60 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 VALIDADE E CONFIABILIDADE DAS INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA PESQUISAS EMPÍRICAS O CASO DOS REGISTROS DE PATENTE NO INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL1 VALIDITY AND RELIABILITY OF TECHNOLOGICAL INFORMATION FOR THE EMPIRICAL RESEARCH THE CASE OF PATENT APPLICATIONS IN THE NATIONAL INSTITUTE OF INDUSTRIAL PROPERTY Elisa Mara Coimbra Marcos Vinício Chein Feres RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 61 1 Artigo recebido em 16072021 e aceito em 28092021 Doutoranda em Empresa e Atividades Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Católica do Rio de Janeiro PUCRio Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Advogada da Financiadora de Estudos e Projetos Finep Integrante do Grupo de Pesquisa Argumentação direito e inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo Estudos GDAC Colaboradora do Núcleo Jurídico OICIEAUSP Email elisacoimbra775yahoocombr Professor Associado da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Professor do Corpo Permanente do Programa de PósGraduação Estrito Senso em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Bolsista de Produtividade do CNPq e Professor Colaborador do Programa em PósGraduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Desempenhou a função de Diretor da Faculdade de Direito da UFJF 20062014 Desempenhou a função de ViceReitor da UFJF 20142016 assumindo o exercício da Reitoria de novembro de 2015 a abril de 2016 Compõe como participante a Collaborative Research Network 047 da Law and Society Association sobre economic and social rights Possui projetos na área de Propriedade Intelectual e Teoria do Direito Aplicada financiados pela FAPEMIG e pelo CNPq Tem experiência na área de Direito com ênfase em pesquisa empírica em direito aplicada ao Direito Econômico atuando principalmente nos seguintes temas Pesquisa Empírica em Direito Argumentação Direito e Inovações Tecnológicas Direito Econômico Direito de Propriedade Intelectual Marcas Patentes e Inovação e Transferência de Tecnologia e Metodologia da Pesquisa e do Ensino Jurídico Email mvcheingmailcom Resumo Este artigo visa estudar a qualidade dos dados de propriedade intelectual disponibilizados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial INPI considerando os conceitos de validade e de confiabilidade definidas por Lee Epstein e Gary King O proble ma inicialmente identificado foi o de como coletar dados existentes nos bancos de dados de institutos de propriedade intelectual compa rando duas fontes possíveis ambas do próprio INPI uma fonte ofi cial formalizada dotada de confiabilidade por lei e uma fonte oficial porém não legalmente formalizada banco de busca de dados eletrô nico mais amigável do ponto de vista tecnológico A importância deste trabalho é validar uma metodologia a ser posteriormente inse ridas em pesquisas empíricas que se utilizem de tais informações tec nológicas especialmente para trabalhos acadêmicos ou mercadológi cos assim como para formulação de políticas públicas Também foi utilizado o software Anaconda uma distribuição Python de código livre licença New BSD disponível gratuitamente para viabilizar a comparação entre as fontes anteriormente indicadas Palavraschave Pesquisa empírica em Direito Técnica de Pesquisa Coleta de dados Propriedade Intelectual Abstract This article aims to study the quality of intellectual property data provided by the National Institute of Industrial Proper ty taking into account the concepts of validity and reliability defined by Lee Epstein and Gary King The problem initially identified was how to collect data concerning the database of intellectual property institutes comparing two possible sources both from the INPI an official formalized source endowed with reliability by law and an official source but not legally formalized electronic database more techfriendly The importance of this work is to validate a methodolo gy approach in order to be later inserted at empirical research which may use this kind of data especially not only for academic and mar ketoriented works but also for public policy formulation In addition the Anaconda software a free source Python distribution New BSD License available for free had been utilized so as to enable a com parison between the sources previously indicated Keywords Empirical legal research Research Technique Data Collection Intellectual Property 62 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Sumário Introdução 1 Recorte metodológi co 2 Limites comparativos das fontes de da dos relacionados à propriedade intelectual 3 Discussão de Resultados Conclusão Introdução A investigação a respeito da propriedade intelectual tem se re velado tema de destaque pelo mundo a fora especialmente pela sua relação com a inovação esta considerada como um dos drivers do crescimento econômico2 No entanto a relação entre propriedade in telectual e inovação não é uma relação estática e definitiva Tanto é assim que existe uma cizânia literária entre de um lado os estudos econômicos que demonstram que a propriedade industrial fomenta a inovação de maneira determinante3 e por outro lado estudos que demonstram que propriedade industrial não fomenta significativa mente a inovação4 Além disso segundo Hudson e Minea5 a proprie dade industrial afeta a inovação de maneira não linear de modo que um sistema de proteção de patente forte nem sempre colabora para o processo de inovação Neste cenário é a análise empírica que permite o estudo dos dados primários6 especialmente neste tema cujas numerosas variá veis impactam como a propriedade intelectual influencia a inovação RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 63 2 DAHLSTRAND A L STEVENSON L Innovative entrepreneurship policy linking innova tion and entrepreneurship in a European context Annals of Innovation Entrepreneurship v 1 n 1 2010 p 5602 OECDEurostat Oslo Manual Guidelines for Collecting Reporting and Using Data on Innovation 4 ed ParisEurostat Luxembourg OECD Publishing 2018 3 PAPAGEORGIADIS N SHARMA A Intellectual property rights and innovation A panel analysis Economics Letters 141 7072 2016 4 QIAN Y Do national patent laws stimulate domestic innovation in a global patenting en vironment A crosscountry analysis of pharmaceutical patent protection 19782002 The Re view of Economics and Statistics v 89 n 3 p 436453 2007 5 HUDSON J MINEA A Innovation intellectual property rights and economic develop ment a unified empirical investigation World Development Amsterdam n 46 p 6678 2013 6 MACHADO M R Pesquisar empiricamente o direito São Paulo Rede de Estudos Empíricos em Direito p 119160 2017 observadas por meio de regras de inferência7 Isso porque a proprie dade intelectual é um instrumento jurídico de apropriação de ativos intangíveis por meio do direito de propriedade conferido a todos aqueles que preencham determinados requisitos legais8 Portanto es tudos empíricos são mais que recomendáveis são imprescindíveis não apenas para uma compreensão adequada do tema como para a elaboração de políticas públicas industriais de inovação eou de de senvolvimento9 Neste contexto estudase aqui a qualidade dos dados de propriedade intelectual disponibilizados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial sob uma perspectiva metodológica O proble ma inicialmente identificado foi o de como coletar dados confiáveis concernentes aos institutos de propriedade intelectual de maneira adequada e a mais facilitada possível considerando que o veículo oficial de publicação de atos decisões despachos e matérias relacio nadas aos serviços do INPI Instituto Nacional de Propriedade Indus trial a Revista da Propriedade Industrial RPI não está totalmente disponível desde a criação do órgão 1971 bem como considerando a dificuldade de consulta das informações quando disponível Para tal tomase como estratégia metodológica deste trabalho comparar as informações obtidas de outra fonte que não a RPI um banco de dados desenvolvido pelo próprio INPI consulta à base de dados do INPI com os dados das RPI disponíveis Neste sentido foram consideradas as limitações deste banco indicadas pelo próprio órgão em relação ao recorte temporal a partir do qual os dados pas saram a ser inseridos O objetivo é o de extrair o máximo de informa ções confiáveis deste banco devido às possibilidades tecnológicas disponíveis na plataforma que o compreende Afinal a consulta a um 64 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 7 EPSTEIN L KING G Pesquisa empírica em direito as regras de inferência Vários Tradu tores São Paulo Direito GV 2013 8 BARBOSA D B 2010Uma Introdução à Propriedade Intelectual Ed Lumen Juris Rio de Janeiro 2010 9 FERREIRA A A GUIMARÃES E R CONTADOR J C Patente como instrumento compe titivo e como fonte de informação tecnológica Gestão Produção v 16 n 2 p 209221 2009 OCDE Manual de Oslo Diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação 3 ed Trad Rio de Janeiro Finep 2005 sistema de dados eletrônico ainda que incompleto facilita muito o tra balho do pesquisador que pode se dedicar mais especialmente ao seu problema original poupando tempo e recursos Para tal utilizase como marco teórico as considerações de Lee Epstein e Gary King10 sobre a importância dos dados dos proces sos de como os dados são observados bem como do processo pelo qual as observações potenciais são geradas a fim de subsidiar a sub sequente investigação por inferência nos estudos empíricos relacio nados à propriedade intelectual Ressaltase ainda que a questão apresentada surgiu no contex to de uma pesquisa de doutorado que visa estudar como a proteção jurídica da propriedade intelectual configurase como um mecanismo para alavancar o processo de inovação no sentido de auxiliar a so ciedade empresária no caso a Embraer na criação de uma vantagem competitiva no seu setor econômico específico 1 Recorte metodológico De acordo com Lee Epstein e Gary King11 a inferência defini da pelos autores como o aprendizado de fatos que não conhecemos pelo uso de fatos conhecidos requer dados Neste sentido fazse ne cessária a coleta de dados bem como de críticas a esses dados de modo a se tirar o máximo proveito em prol de mais qualidade às pos síveis conclusões Ainda segundo Lee Epstein e Gary King12 a recomendação por coletar a maior quantidade de dados não é incompatível com a possibilidade de serem utilizados métodos mais facilitados de fazêla haja vista que a tarefa mais especializada de um pesquisador empíri co está relacionada ao processo de fazer as inferências Neste contexto a primeira dúvida que surgiu durante a pes RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 65 10 EPSTEIN L KING G Pesquisa empírica em direito as regras de inferência Vários Tradu tores São Paulo Direito GV 2013 11 Ibidem p 11 12 Idem quisa para a tese de doutorado que envolve dados de propriedade intelectual estava relacionada com qual método de coleta seria o mais adequado e facilitado para o pesquisador pois existiriam duas fontes de dados possíveis ambas do próprio INPI uma fonte oficial forma lizada RPI e uma fonte oficial porém não legalmente formalizada banco de busca de dados eletrônico Embora a fonte oficial forma lizada seja a dotada de confiabilidade por lei a fonte não legalmente formalizada seria mais amigável do ponto de vista tecnológico por oferecer ferramentas para a construção do banco de dados persona lizado para as possíveis pesquisas inclusive a que se intenta realizar em nível de doutorado Desse modo de um lado está o repositório das RPI veículo oficial de publicação do INPI destinado a publicar seus atos despa chos decisões e matérias relacionadas aos seus serviços original mente previsto no artigo 9º pu da Lei nº 56481970 Por outro lado está a base de busca também do próprio INPI que funciona a partir da utilização de palavraschave e filtros que parametrizam os resulta dos da pesquisa mas não é o veículo oficial de publicação além de conter uma restrição por limitação temporal indicada pelo próprio ór gão que varia a depender da categoria do serviço Mais especificamente o problema foi investigar se a base de dados não formalizada poderia ser considerada confiável do ponto de vista de conter as informações utilizadas na pesquisa de doutora do e quais seriam os seus limites a fim de se otimizarem os recursos disponíveis sem comprometer os resultados finais e eventualmente validando ou invalidando outras pesquisas que se utilizam de uma fonte ou outra Portanto antes de explicitar a pesquisa metodológica prévia à coleta de dados em si fazse necessário esclarecer de forma sintética o objeto da tese de doutorado a fim de justificar as escolhas feitas na próxima seção O problema originalmente apresentado foi o de descrever como a proteção da propriedade intelectual relacionase com o pro cesso de inovação considerando em primeiro lugar que a proprie dade intelectual é um mecanismo jurídico de apropriação do conhe cimento hábil a incrementar o avanço das fronteiras tecnológicas e em segundo lugar que a propriedade intelectual pode potencializar 66 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 a vantagem competitiva de uma sociedade empresária em relação aos concorrentes que temporariamente não poderão se apropriar da tec nologia em questão Em outras palavras propôsse a seguinte pergunta de pesqui sa como a proteção jurídica da propriedade intelectual no caso Em braer pode se configurar como um mecanismo para alavancar o pro cesso de inovação no sentido de auxiliála a potencializar uma van tagem competitiva no seu setor econômico específico Assim sendo a hipótese preliminarmente indicada foi a de que os direitos de propriedade intelectual seja qual modalidade for marca patente desenho industrial direitos decorrentes de transfe rência de tecnologia entre outros podem ser mecanismos de apro priação do conhecimento utilizados pela Embraer no sentido de po tencializar uma vantagem competitiva no setor econômico no qual está inserida A proposta foi a de analisar de forma estruturada em um caso concreto como a Embraer tem protegido o seu conhecimento ao lon go dos anos e analisar a repercussão destas políticas na história da sociedade empresária para criar uma vantagem competitiva O obje tivo seria o de conferir como e quando a proteção da propriedade intelectual foi administrada contextualizando no processo de inova ção as suas tendências e os seus benefícios em relação às estratégias de crescimento da empresa Sabese pela bibliografia revisada e indicada acima que até o momento não existe um modelo teórico consolidado para explicar se a propriedade intelectual fomenta a inovação e como darseia esta relação Por isso optouse por estudar um caso concreto em que fos se evidente a ocorrência do processo de inovação a fim de identificar como a propriedade intelectual interagiria com a inovação neste con texto Por conseguinte a estratégia pela pesquisa empírica foi a me lhor opção No entanto para tal fazse necessário verificar adequada mente a confiabilidade dos dados utilizados para que as conclusões possam ser as mais acertadas possível RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 67 De um lado sobre a confiabilidade Lee Epstein e Gary King13 ensinam que é a extensão à qual se pode replicar uma medida re produzindo o mesmo valor indiferente de ser este o valor correto ou não no mesmo padrão para o mesmo tópico a um mesmo tempo O exemplo trazido pelos autores é se alguma pessoa subir consecutiva mente em uma balança ela registrará sempre o mesmo valor Por ou tro lado a validade está relacionada com a correção do registro14 Portanto simplesmente escolher aleatoriamente um modelo teórico ainda não consolidado e a partir dele dedutivamente propor hipóteses para em seguida extrair conclusões não contribuiria para o avanço da questão dada a provável superação deste modelo ini cial deixando igualmente para trás as conclusões dele extraídas Ocorre que a coleta de tais dados não se revelou uma iniciati va simples como inicialmente planejado devido às dificuldades apre sentadas na próxima seção 2 Limites comparativos das fontes de dados relacionados à pro priedade intelectual A verificação de como a Embraer utiliza o sistema de proteção da propriedade intelectual fez com que fosse necessário compreen der como funciona o registro das propriedades intelectuais e direitos correlatos bem como os mecanismos de dar publicidade a estas informações a fim de que os dados pudessem ser posteriormente co letados Por isso houve necessidade de procurar o INPI já que é o escritório de patentes nacional órgão responsável pelo processamen to de pedidos de patentes e outros direitos de propriedade industrial 68 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 Ibidem p 105 14 Ibidem p 111 para uma compreensão sobre a diferença entre validade e confiabilidade aplicadas ver FERES M V C SILVA A R MORAIS A R SOUZA A M de A medida da inovação farmacêutica e os pedidos de patente o caso da doença de chagas Revista de Estudos Empíricos em Direito São Paulo v 5 n 3 p 118135 2018 no Brasil Lei nº 56481970 considerando que a proteção da pro priedade intelectual é territorial ou seja uma patente protegida no Brasil tem proteção em todo o âmbito nacional apenas Lei nº 92791996 Portanto a despeito de considerar por lei a RPI como fonte oficial das publicações do INPI identificouse a ferramenta de con sulta à base de dados do INPI httpsgruinpigovbrpePIserv letLoginControlleractionlogin Ao clicar na consulta à base de da dos identificase a seguinte tela Figura 1 Tela inicial da consulta sugerida pelo site do INPI à base de dados de propriedade Industrial Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Nesta modalidade de consulta a base de dados é classificada em categorias específicas marca patente desenho industrial indica ção geográfica programa de computador topografia de circuito inte grado transferência de tecnologia informação tecnológica de paten RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 69 tes Assim para usufruir da consulta fazse necessária a escolha pré via da categoria de propriedade intelectual que se pretende pesqui sar Em seguida são abertas duas possibilidades de pesquisa a pesquisa avançada e a pesquisa básica Para utilizar os filtros da pes quisa avançada é necessário conhecer previamente alguns parâme tros os quais na base de dados de patentes são classificados como números datas classificação palavraschave depositantetitularin ventor Abaixo Figura 2 Tela da pesquisa avançada após escolher a pesquisa à base de dados de patentes Fonte Site do INPI Interessante registrar que a depender da categoria de proprie dade intelectual escolhida os filtros da pesquisa avançada variam de acordo com as suas peculiaridades De qualquer modo para conti nuar a pesquisa algum tipo de dado prévio a respeito da propriedade 70 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 intelectual escolhida fazse necessário Por isso tal tipo de busca não é adequado para o tipo de análise que se pretende neste trabalho pois se desconhece a princípio como a Embraer utilizou o sistema de proteção da propriedade intelectual ao longo do tempo ou seja previamente se desconhece quaisquer características dos direitos de propriedade intelectual e direitos correlatos requeridos e concedidos ao longo do tempo marco zero da pesquisa Ocorre que ao se retornar ao ponto de partida dando a devida atenção aos limites da base de dados utilizada identificouse a restri ção contida na Figura 1 parte inferior no sentido de que o acervo da base de dados está restrito aos documentos publicados a partir de 2000 exceto para os contratos de tecnologia cujo acervo da base de dados está restrito aos documentos publicados a partir de 2009 Assim podese supor que tal modalidade de pesquisa tem uma alta prob abilidade de resultar em falso negativo de modo que não é possível por ora atestar a confiabilidade do resultado observado na Figura 4 Diante dessa restrição temporal na busca por produtos ante riores ao ano 2000 recorrese à Revista de Propriedade Industrial do ravante RPI publicada pelo INPI considerada o canal oficial de publicações relativas às atividades do INPI com o intuito de se reali zarem as buscas por dados nela Ocorre que embora atualmente as últimas edições estejam em formato eletrônico nem sempre foi assim Na verdade a maior parte delas foi publicada fisicamente Por isso foi necessária uma visita à biblioteca do INPI para se constatar que a primeira RPI foi publicada fisicamente em 1972 mais precisamente em 04041972 e que as RPI físicas estavam sendo digitalizadas bem como recebendo uma cama da de OCR Optical Character Recognition ferramenta que permiti ria a localização de palavraschave Verificouse também que as edi ções de RPI mais recentes a partir de 2005 foram publicadas já em formato eletrônico o que não exigiria o processo de digitalização pois já estavam disponíveis15 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 71 15 Vide DE ARAUJO G G et al Bases de Dados de Patentes uma análise a partir do portal de periódicos da CAPES Cadernos de Prospecção Salvador v 12 n 5 Especial p 1500 2019 Neste momento vislumbrase a possibilidade de organização de um banco de dados personalizado para a pesquisa e por isso mais confiável haja vista que as RPI correspondem aos veículos ofi ciais de publicações do INPI concernente à questão de propriedade intelectual Verificouse que as RPI em formato digital sejam as digitali zadas com camada de OCR sejam as eletrônicas desde a origem estavam disponíveis no próprio site do INPI httprevistas inpigovbrrpi Figura 3 Tela de consulta das RPI disponíveis para consulta de acordo com os serviços do INPI Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi 72 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Nele discutemse as diferentes bases de dados de patentes no mundo incluindo as RPI e a consulta à base de dados do INPI Interessante registrar que a despeito da existência de diver sas plataformas os dados primários que alimentam estas plataformas são provenientes dos escritórios nacionais de patentes informados por compromissos assumidos em tratados ou convênios Manualmente iniciouse um trabalho de download dos docu mentos para descoberta do grau de completude das RPI digitais em relação ao universo total de publicações A identificação quanto ao grau de incompletude foi relativamente simples uma vez que desde 1972 as RPI gozam de numeração ininterrupta de modo que a RPI1 foi publicada em 04041972 e a última RPI até a conclusão da coleta 30102019 a RPI2546 foi publicada em 22102019 Tal trabalho iniciouse pela Seção VI Patentes porque se imaginou ser uma das mais relevantes para o trabalho considerando o maior volume de li teratura que trata o instituto em comparação com os demais16 Neste processo verificouse que a as RPI de 1972 e 1973 estavam digitalizadas na íntegra sem qualquer edição faltante b as RPI de 1975 a 1981 inclusive estavam parcialmente digitalizadas identificandose diversas edições faltantes e c a partir de 1982 não se identificou incompletude no processo de análise manual embora algumas falhas de digitalização ou de OCR Constatouse que se se quisesse um banco de dados o mais completo possível contendo todas as RPI disponíveis incluindo os diversos tipos de proteções do sistema de propriedade intelectual nomeadas pelo INPI como serviços os quais correspondem a cada uma das seções terseia que automatizar de alguma maneira o pro cesso de download dos arquivos das RPI Para isso iniciouse um processo de catalogação dos arquivos de RPI disponíveis de acordo com cada uma das seções uma vez que pelo site não se identificou a possibilidade de por meio de um RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 73 16 COULTER M B Property in ideas The Patent question in MidVictorian Britain Inven tions Kirksville Truman State Univ 1991 MACHLUP F An economic review of the patent system Study nº 15 Washington Committee on the Judiciary 1958 MACHLUP F PENROSE E The patent controversy in the nineteenth century The Journal of Economic History v 10 n 1 p 129 1950 MACLEOD C Inventing the industrial revolution The English patent system 16601800 Cambridge University Press 2002 MALAVOTA L M A construção do sistema de patentes no Brasil um olhar histórico Rio de Janeiro Editora Lumen Juris 2011 e MOSER P Patents and innovation evidence from economic history Journal of Economic Perspectives Pittsburgh v 27 n 1 p 2344 2013 filtro consultar todas as seções de uma edição qualquer aleatoria mente escolhida Por isso iniciouse a classificação escolhendo uma seção específica avançando para a seguinte até a análise de todas A partir dos dados retornados foi elaborada uma planilha no Programa Microsoft Office Excel licença Office 365 Figura 4 Consulta para identificar quais as RPI disponíveis digitalmente de 01011972 a 26102019 concernentes à seção de Patentes Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Este processo foi realizado para cada uma das seções de modo que foram identificados um total de 4702 arquivos de RPI com edições ordinárias e 1 arquivo denominado pelo próprio INPI como RPI 2202extra com os normativos vigentes à época No entanto percebeuse que alguns arquivos corresponden tes a algumas edições estavam em duplicidade pois foram encontra dos tanto por meio da busca dentro da seção de patentes quanto da seção de marcas Isso pode ser explicado porque em dado período as seções não eram subdivididas em mais de uma publicação quan 74 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 do no formato físico ou em mais de um arquivo quando no formato eletrônico Dessa forma foram excluídos os arquivos repetidos da plani lha de modo que dos 4702 arquivos foram excluídos 630 em dupli cidade resultando em 4072 arquivos disponíveis sendo 1970 encon trados na seção de patentes 910 encontrados na seção de marcas 334 encontrados em duplicidade tanto na seção de patentes quanto de marcas 143 encontrados na seção de contratos de transferência de tecnologia 143 encontrados na seção de desenho industrial 143 en contrados na seção de indicações geográficas 143 encontrados na se ção de programas de computador 143 na seção de topografia de cir cuitos integrados 143 na seção de comunicados A respeito dos dados acima o que chama a atenção é que desde o início da RPI coexistiram as seções de patentes e a seção de marcas de modo que por lógica deveria estar disponível a mesma quantidade de arquivos em cada uma destas seções No entanto tal informação não se verifica Quando se buscam os arquivos da RPI na seção de patentes são encontrados 2304 arqui vos na seção de patentes e 1244 arquivos na seção de marcas Isso conduz à conclusão de que por equívoco alguns arquivos foram in dexados em uma seção sem serem indexados na outra seção Por exemplo a RPI 551 aparece apenas na seção de Patentes no entanto quando se investiga o conteúdo da RPI identificase uma seção des tinada a tratar apenas do conteúdo marcário Apenas a partir da RPI 1592 de 10092011 é que se constata uma separação em dois arquivos um deles com conteúdo exclusivo relacionado a patentes e outro a marcas Para evitar falhas todos os arquivos disponíveis foram catalogados na planilha elaborada ainda que em duplicidade A duplicidade foi desconsiderada apenas quan do os arquivos continham o mesmo nome independentemente da seção indexada marcas ou patentes RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 75 Outro dado interessante é refletir a respeito das demais seções contratos de transferência de tecnologia desenho industrial indica ções geográficas programas de computador topografia de circuitos integrados e comunicados as quais foram criadas concomitante mente de modo que individualmente têm a mesma quantidade de arquivos Em seguida considerando o tempo que seria gasto no down load dos mais de 4000 arquivos buscouse uma alternativa mais auto matizada para a questão Assim lançouse mão do Anaconda uma distribuição Python de código livre New BSD License disponível gra tuitamente na internet Foi realizada a seguinte série de comandos Quadro 1 Linha de comando utilizada no Python from pathlib import Path import requests From openpyxl import loadworkbook arquivoexcel loadworkbookRevistasxlsx Plan1 arquivoexcelactive for i in range14704 aPlan1cellcolumn4 rowi filename Pathsavalue url httprevistasinpigovbrpdfsavalue response requestsgeturl filenamewritebytesresponsecontent Fonte Elaboração Própria Em síntese a linha de comando significa que uma vez dada a ordem o computador baixaria do site do INPI todas as RPI encontra das cujos nomes dos arquivos constaram da tabela Excel construída 76 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 anteriormente Lembrando que foram incluídos todos os arquivos dis poníveis de todas as seções disponíveis até o dia 29102019 O com putador ficou 4 dias e 4 noites realizando o download automático dos arquivos totalizando ao final um banco de dados de 126 GB apro ximadamente composto por 4073 arquivos 4072 RPI ordinárias e 1 RPI extra Ressaltase que algumas revistas disponíveis apenas em formato txt não foram baixadas automaticamente No entanto assim o foram manualmente de modo a completar o download de todo o acervo disponível Finalizado este processo foi analisada a qualidade dos arqui vos baixados e verificaramse algumas falhas na camada de OCR de algumas edições físicas que foram digitalizadas Por exemplo a RPI 340 não tem a camada de OCR em todas as folhas de modo que se fizermos uma busca por palavra no documento o resultado seria um falso negativo Além disso foram observados alguns erros no upload das RPI no site do INPI Por exemplo às RPI203 RPI204 RPI205 foi atribuído o ano de 1977 como o ano da publicação Ocorre que tal informação é inconsistente considerando que a RPI202 é de 05091974 e a RPI206 é de 03101974 Assim inferese que as três revistas são de 1974 supondose que houve apenas um erro de digitação Acrescentase ainda que quando se busca especificamente pe las RPI não disponíveis no site do INPI a consulta retorna com a in formação de que não foram encontrados documentos Figura 5 Resultado da busca pela RPI223 não disponível Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 77 Ocorre que apesar das inconsistências encontradas o banco de dados é bastante representativo dada a robustez de seus dados Figura 6 Número de RPI disponíveis no site do INPI Fonte Elaboração Própria O gráfico acima indica todas as RPI disponíveis em formato digital digitalizadas ou eletrônicas encontradas no site no INPI con siderando que a partir de 1982 as RPI disponíveis correspondem às RPI existentes Por sua vez as RPI não disponíveis correspondem ao gráfico abaixo 1975 1976 1976197719781979 19801981 0 20 40 60 80 100 120 Número de RPI não disponíveis 78 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 7 Número de RPI não disponíveis Fonte Elaboração Própria Pelo gráfico observase que apenas no intervalo compreen dido entre 19751981 é que se registram publicações não disponí veis Portanto apenas neste período é que se incorrerá na possibili dade de falsos negativos o que pode ser superado por uma com plementação de outros dados disponíveis ainda que de fontes secun dárias 3 Discussão de Resultados A partir da identificação dos limites de cada fonte de dados RPI ou consulta à base de dados do INPI iniciouse a elaboração de uma planilha com a identificação de todas as referências à palavra Embraer pontuando o instituto de propriedade intelectual envolvido suas características bem como o despacho relacionado a partir dos arquivos baixados Para solucionar a falha de OCR destes arquivos 1975 1976 197619771978 1979 19801981 0 20 40 60 80 100 120 Número de RPI não disponíveis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 79 utilizouse o software livre PDFX Change Viewer de propriedade da Microsoft Windows o qual dispõe desta ferramenta Por meio deste programa de computador foi possível corrigir as falhas de OCR evi tando falsos negativos quando requeridas as localizações das referên cias à Embraer No entanto identificaramse alguns arquivos digitali zados como imagem inviabilizando a localização da palavrachave e acrescentando novas possibilidades de falsos negativos A elaboração manual da planilha permitiu identificar que di ferente do que se pensava o sistema de consulta do INPI inicialmen te rechaçado devido à limitação temporal indicada na Figura 1 po deria ser sim utilizado para facilitar a busca por dados Apesar da limitação temporal à medida que fossem ocorrendo novas publicações o sistema era alimentado com informações básicas do processo original uma vez que este número permanecia o mesmo ao longo do tempo Por exemplo verificouse que a primeira referência à Embraer encontrada nas RPI baixadas observando a ordem cronológica das publicações relacionada ao processo nº 000587 de 16021973 na seção Pedidos de averbação de contratos aprovados da RPI 78 de responsabilidade da Secretaria de Informação e Transferência de Tec nologia à época cuja Concedente é a Société pour le Perfectionne ment des Matériels et Equipements Aérospatiaux SOPEMA e a Ces sionária é a EMBRAER também pode ser encontrada no sistema de consulta do INPI utilizando os parâmetros indicados abaixo 80 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Figura 8 Tela do sistema INPI correspondente ao primeiro registro da palavra Embraer encontrada nas RPI Fonte Site do INPI Disponível em httprevistasinpigovbrrpi Isso porque embora o despacho original não conste no siste ma dada a limitação temporal descrita na Figura 1 os despachos sub sequentes a 2009 no caso o constante da RPI 2503 indicado pela elip se garante a inserção dos dados básicos originais no sistema tal como o ocorrido De semelhante modo foram cotejadas outras refe rências encontradas nas RPI com o sistema de consulta do INPI e não se visualizaram inconsistências No entanto não havia descrições mais detalhadas do conteúdo técnico do ato averbado o qual poderia ser estudado mais perfunctoriamente se analisada a RPI Além disso observouse que especialmente na seção de transferência de tecnologia cuja restrição temporal é mais severa provavelmente por alguma orientação interna do próprio INPI houve o arquivamento dos processos administrativos de averbação dos con tratos de transferência de tecnologia que estavam vencidos17 Obser vase que a obrigação de averbar contratos de transferência de tecno logia advém tanto da Lei nº 5772197118 quanto da Lei nº RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 81 9279199619 que estabeleceram a obrigação de o INPI averbar a transferência de tecnologia hoje principalmente para produzir efeitos em relação a terceiros Por conseguinte com a publicação do despacho de arquiva mento o banco de dados do INPI foi alimentado com dados básicos originais Tal fato ficou explícito à medida em que se coletavam as informações pois na maioria dos casos em que houve arquivamento eles ocorreram no mesmo período anos 20182019 e o histórico dos andamentos processuais estavam incompletos Nesse sentido tanto um contrato de 1972 quanto um da década de 2000 foram arquivados no mesmo momento Portanto embora em uma primeira análise o método de consulta às RPI pudesse ser considerado como a fonte mais óbvia por ser o veículo oficial de divulgação dos atos do INPI a ferramenta de consulta à base de dados do INPI revelouse mais ade quada para a pesquisa por diversos fatores seja pela sua confiabilida de completude seja pela facilidade de manuseio das informações Assim a consulta à base de dados do INPI corresponde a um avanço não só tecnológico mas institucional na medida em que faci lita o acesso ao estado da técnica da propriedade intelectual a des peito das limitações relativas aos depósitosregistros mais antigos Desse modo se a pesquisa de doutorado fosse relacionada ao con teúdo técnico em si ou seja relacionada à descrição da tecnologia às reivindicações desenhos técnicos etc poderseia vislumbrar uma 82 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 Os dados registrados no INPI a respeito das averbações dos contratos de transferência de tecnologia foram utilizados por exemplo na pesquisa de Hemais Barros e Rosa EO Contra tos de transferência tecnológica Um estudo sobre aquisição de tecnologia em Polímeros no Brasil Polímeros São Paulo v 14 n 4 p 242250 2004 18 Art 126 Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial para os efeitos do artigo 2º parágrafo único da Lei n 5648 de 11 de dezembro de 1970 os atos ou contratos que impliquem em transferência de tecnologia 19 Art 211 O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros Parágrafo único A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no prazo de 30 trinta dias contados da data do pedido de registro dificuldade adicional em atender a questão visto que tal informação não foi migrada para a consulta à base de dados do INPI no período não compreendido antes da restrição indicada para cada seção Conclusão Ao longo da pesquisa verificouse que conquanto existam duas fontes para a coleta de dados sobre propriedade intelectual am bas possuem limitações Enquanto a RPI foi criada para dar publici dade aos atos oficiais do escritório nacional de patentes a consulta à base de dados do INPI foi criada com preocupações voltadas à difu são da tecnologia tanto que é relativamente simples a consulta à des crição técnica reivindicações e desenho técnico disponíveis no mo mento da publicação da invenção ou correlato observada a limitação temporal indicada em cada seção Portanto este trabalho pretendeu discutir qual das fontes seria a mais adequada para a busca de dados que subsidiem as pesquisas empíricas sobre propriedade intelectual especialmente na área do direito e ciências sociais menos voltadas ao aprofundamento do conhecimento tecnológico ou estado da téc nica em si Assim por meio dessa técnica comparativa entre as duas fon tes de dados foi possível identificar que a consulta à base de dados do INPI revelouse como uma fonte adequada para a coleta de dados básicos da propriedade intelectual em suas diversas modalidades já que estas não estão restritas às limitações temporais consignadas pelo próprio INPI Portanto de um lado é possível considerar válidos e confiáveis os dados extraídos da plataforma No entanto por outro lado caso a pesquisa esteja relacionada ao conteúdo tecnológico descrição da tecnologia às reivindicações desenhos técnicos a consulta à base de dados do INPI pode não atender satisfatoriamente pois se restringe à limitação temporal indicada em cada uma das se ções sendo portanto recomendável a complementação com a con sulta às RPI RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 83 THE MYSTERIOUS ARABIAN CANDLESTICKS CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA ENQUADRAMENTO NORMATIVO POTENCIALIDADES E REQUISITOS DE VALIDADE1 NONCOMPETE CLAUSES LEGAL FRAMEWORK POTENTIALITIES AND VALIDITY REQUERIMENTS Daniel Fortes Aguilera Marvio Bonelli Resumo Este artigo se propõe a apresentar o enquadramento normativo das cláusulas de não concorrência no ordenamento jurídi co nacional Para tanto serão indicados os fundamentos que respal dam essa espécie de compromisso Em seguida serão estudados os requisitos necessários à validade das cláusulas de não concorrência à luz dos entendimentos da doutrina da jurisprudência e do CADE bem como a possibilidade de se reconhecer a existência de compro missos anticoncorrenciais em caso de omissão legal e contratual PalavrasChave Cláusulas de não concorrência Requisitos de validade Contrato de trespasse Cláusulas implícitas de não concor rência Abstract This paper aims to present the legal framework of the noncompete clauses in the Brazilian law system The study will analyze the validity of this kind of agreement as well as the it will indicate the validity requirements that a noncompete clauses must met Finally the existence of a noncompete obligation in case of le gal and contractual omission will be brought to discussion Keywords Noncompete clauses Validity requirements Asset purchase Noncompete clauses in case of legal and contractual omis sion RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 85 1 Artigo recebido em 31082021 e aceito em 23092021 Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Advogado Email dfortesterratavarescombr Mestrando em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Advogado Email mbibmalawcombr Sumário Introdução 1 Conceito e enqua dramento normativo 2 Parâmetros de Vali dade 21 Limitação temporal 22 Limitação territorial 23 Limitação material 24 Con traprestação 25 Acessoriedade 26 Legíti mo interesse 3 Dever de não concorrência em caso de omissão legal e contratual Con clusão Introdução As cláusulas de noncompete possuem grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro Em um contexto empresarial marca do pela relevância da expertise técnica e do controle de dados e de informações tornase premente o desejo de sociedades empresários e empregadores em instituir mecanismos que protejam o knowhow e as informações negociais sensíveis como aquelas relacionadas a fluxos produtivos e opções estratégicas de mercado Nesse contexto as cláusulas de noncompete vêm sendo usa das nos mais diversos setores como em contratos empresariais con tratos de trabalho e em contratos no âmbito de operações societárias A disseminação de tais avenças aguçou a atenção da doutrina e da jurisprudência na medida em que geram efeitos práticos sensíveis ao acarretar a restrição ainda que parcial da atuação de sociedades em presários e de empregados Por esse motivo surgem discussões rele vantes sobre os parâmetros normativos que devem orientar a avalia ção da validade desse tipo de compromisso sobretudo no intuito de evitar situações jurídicas abusivas Afinal a um só tempo tais cláusulas têm a aptidão de garantir a livre iniciativa econômica e em um paradoxo que é apenas aparen te a própria livre concorrência Dessa sorte a incidência desses esses princípios e direitos constitucionalmente protegidos impedem a for mulação de acordos anticoncorrenciais isentos de qualquer restrição 86 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 No campo do direito do trabalho as cláusulas de não concor rência têm a aptidão de impedir que profissionais com elevado co nhecimento técnico e com acesso a informações sensíveis migrem para concorrentes prejudicando a atividade de seu antigo emprega dor2 Assim como ocorre sob a ótica empresarial tais compromissos representam relevante sinal de que ambas as partes estão de fato en gajadas na construção de um projeto comercial comum e de que irão utilizar todos os seus esforços e recursos para o sucesso daquela em presa ou empreendimento afastando o risco de que ativos negociais sejam divididos ou direcionados para concorrentes Por outro lado essas cláusulas carregam consigo um elevado risco à liberdade da atividade empresarial e ainda mais grave à pró pria atividade laboral quando celebrados em relações trabalhistas Tais compromissos não podem em absoluto ser um instrumento uti lizado para inviabilizar a concorrência tampouco o livre exercício profissional A proteção dos interesses da empresa não pode legiti mar uma restrição que impeça o funcionário ou até mesmo diretores estatutários de atuar no mesmo ramo de atividades do seu antigo empregador ou em sociedades que concorram com ele Exigese nesse passo especial e redobrada atenção quanto à interpretação a ser atribuída às cláusulas de non compete que deve ser detalhista e bem delimitada de acordo com uma série de requisitos de validade para que não se tornem excessivamente restritivas àquele que se sub mete aos seus efeitos O presente artigo se propõe justamente a analisar do ponto de vista do direito civil essas diferentes limitações abordando o en tendimento jurisprudencial e doutrinário sobre cada uma delas inclu RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 87 2 O alerta é feito por José Roberto de Castro Neves Razoável então que os comerciantes principalmente as grandes empresas busquem proteção contra informações de seu negócio ou mesmo cuja imagem esteja associada ao seu produto ou a ela própria que venha a trabalhar para uma revisão NEVES José Roberto de Castro Aspectos da cláusula de não concorrência no direito brasileiro Revista Trimestral de Direito Civil Rio de Janeiro Padma v 12 p 205218 outdez 2002 p 205 sive o posicionamento do Conselho de Administrativo de Defesa Eco nômica CADE que possui papel extremamente relevante no con trole da livre concorrência Ainda será discutida a possibilidade de vedação da concorrência em caso de omissão legal e contratual com o reconhecimento ou não da aplicação analógica do art 1147 do Có digo Civil para outros tipos de contratos e atividades que não o tres passe seu âmbito natural de incidência De início contudo cumpre compreender com exatidão o pa pel exercido pelas cláusulas de não concorrência no ordenamento nacional sua natureza jurídica e as disposições normativas que as influenciam no intuito de entender seu enquadramento normativo 1 Conceito e enquadramento normativo As cláusulas de non compete instituem um dever de que uma das partes não concorra com outra em determinadas condições3 O objetivo de sua previsão é assegurar dentro do possível a fidelização de clientela daquele em favor de quem é instituída garantindo resul tados econômicos favoráveis e o retorno de eventual investimento realizado4 Buscase assim evitar que outros sujeitos desviem clien tes em razão de seu papel de destaque no mercado ou do knowhow e das informações que possuem com base no vínculo anterior que 88 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 3 Nas palavras dos Professores Eduardo Takemi e Wallace Corbo tais cláusulas visam impe dir a concorrência por um dos contratantes em relação aos demais contratantes ou sociedades que estes integrem por meio do exercício direto ou indireto da atividade econômica levada a efeito pela sociedade afetada KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace A cláusula de não concorrência seu posicionamento no ordenamento jurídico brasileiro e requisitos para sua validade à luz do princípio da proporcionalidade Revista Semestral de Direito Empresarial Rio de Janeiro n 14 p 279299 janjun 2014 p 281 4 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Cláusula de não concorrência na alienação de participação societária exame de seus requisitos de validade e ineficácia superveniente Civi listicacom v 9 n 2 2020 p 15 Disponível em httpcivilisticacomclausuladenaocon correncia Data de acesso 06 fev 2021 possuíam com a parte beneficiada pela restrição de concorrência Protegese em última análise o fundo de comércio da sociedade5 Sua natureza jurídica por sua vez equivale a inequívoca obri gação de nãofazer6 por impor que o sujeito a quem ela se direciona se abstenha de praticar determinado comportamento nocivo à ativi dade empresarial daquele em favor de quem o compromisso é cele brado7 Na maior parte dos casos tratase de uma obrigação intuito personae voltada exclusivamente à pessoa que a celebra não se es tendendo a terceiros e acessória gravitando ao redor de outras obrigações principais8 Não obstante inexista no ordenamento jurídico nacional nor ma específica positivando um dever genérico e abstrato de não con corrência há variadas disposições normativas que indicam a licitude das cláusulas anticoncorrenciais Como antecipado a validade desse tipo de compromisso decorre inclusive de normas de hierarquia constitucional notadamente i a valorização da livre iniciativa eco nômica art 1º inciso IV da Constituição Federal ii a livre con corrência art 170 inciso IV da CRFB iii o livre exercício profis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 89 5 NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 205 6 Nas lições de Orlando Gomes a obrigação de nãofazer exige do devedor uma omissão compreendendose nesta a tolerância entendida como abstenção de resistência ou oposição a que estaria autorizado se a obrigação não proibisse Por consequência importa autorestri ção mais energética à liberdade pessoal admitindose que não valem as que ultrapassam as fronteiras da liberdade jurídica GOMES Orlando Obrigações 16ª ed Rio de Janeiro Forense 2004 p 51 7 Uma espécie de obrigação de não fazer é aquela na qual se ajusta que uma das que uma das partes não irá prestar serviços profissionais para um grupo de pessoas Essa estipulação via de regra tem lugar entre uma pessoa jurídica e seu exfuncionário para vigorar após o encerramento do vínculo trabalhista Desejase com ela impedir que o antigo funcionário vá atuar para concorrentes o que traria uma repercussão ruim para o negócio Essa estipulação é conhecida como cláusula de não concorrência NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 206 8 Esse aspecto será melhor explorado mais à frente no capítulo voltado aos seus requisitos de validade sional art 153 inciso XXIII da CRFB e iv a defesa do consumidor art 170 inciso V Seria possível concluir em uma análise superficial que as cláusulas anticoncorrenciais em realidade prejudicam os valores constitucionais exemplificados acima justamente por limitarem o exercício da atividade empresarial e profissional9 Esse entendimento entretanto não se sustenta após uma análise mais detida do papel e principalmente da interpretação e das limitações que vêm sendo atri buídas às cláusulas de non compete Tais compromissos têm um pa pel ativo em impedir que profissionais com elevado conhecimento técnico knowhow e informações privilegiadas e sigilosas afetem ne gativamente determinado concorrente prejudicando sua atividade empresarial desviando clientela e por consequência afetando nega tivamente a livre concorrência e o poder de escolha do consumidor10 A normativa que orienta e legitima esse tipo de cláusula con tudo não se limita às normas de hierarquia constitucional O disposi tivo que mais se aproxima de uma previsão legal expressa da obriga ção de não concorrer é o artigo 1147 do Código Civil11 voltado à alienação do estabelecimento comercial 90 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 9 Em primeiro lugar é possível perceber que a cláusula de não concorrência estabelece uma obrigação negativa de não fazer a parte obrigada deve absterse de adotar atos que possam resultar em competição frente às atividades desenvolvidas pela parte que se beneficia da cláu sula Neste sentido a cláusula de não concorrência é disposição restritiva de direitos na medida em que afeta temporariamente o direito de livre iniciativa de um agente econômico SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Aplicação do artigo 1147 do Código Civil à alienação do con trole de sociedades empresárias Disponível em httpwwwpublicadireitocombrarti goscodc51a02c186f00636 p 9 Acesso em 29 ago 2021 10 Sobre esse ponto merece destaque a preocupação de Giovanni Ettore Nanni e Adriano Ferriani Daí decorre que toda forma de regulação tem como ponto central promover a com petitividade honesta evitandose o abuso do poder econômico a eliminação da concorrência e a majoração abusiva dos lucros exigindose a intervenção do Estado para assegurar essas premissas FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 4 11 Artigo 1147 Código Civil Não havendo autorização expressa o alienante do estabeleci mento não pode fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferên cia Ainda que não se proponha a instituir um compromisso geral de não concorrência uma vez que direcionado exclusivamente aos contratos de trespasse o dispositivo legal demonstra uma tendência do ordenamento jurídico a reconhecer a validade conveniência e oportunidade de se restringir a concorrência em determinadas hipó teses no intuito de preservar a atividade empresarial e evitar prejuí zos à sociedade Há ainda outras normas esparsas que reforçam a percepção de que o ordenamento jurídico reconhece a licitude da limitação da concorrência É o que se extrai de dispositivos i penais notadamen te o art 195 da Lei da Propriedade Industrial que veda a prática de uma série de atos caracterizandoos como concorrência desleal ii da Consolidação das Lei do Trabalho especificamente seu art 482 alínea c que traz como justa causa à rescisão do contrato de traba lho a prática de ato de concorrência ao empregador e iii voltados à proteção do sistema econômico a exemplo da Lei Federal n 1252911 Diante de todas essas considerações é possível concluir pela licitude das cláusulas de não concorrência no ordenamento jurídico nacional A constatação é corroborada pelo tratamento que outros or denamentos vêm conferindo a essa espécie de compromisso não apenas reconhecendo sua adequação aos valores que os orientam mas até mesmo admitindoo expressamente É o caso do artigo 74 do Código Comercial alemão do artigo 356 do Código das Obrigações suíço e dos Códigos Civis holandês e italiano respectivamente em seus artigos 1637 e 412512 Nesse contexto a discussão principal e mais urgente portan to deixa de girar ao redor da licitude desse tipo de compromisso para focar na extensão nos limites e nos parâmetros de validade que norteiem a celebração das cláusulas de não concorrência Na conclu são de Eros Grau e Paula Forgioni RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 91 12 NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 207 Assiste razão a Paolo Greco professor da Univer sidade de Turim e da Universidade Bocconi ao ressaltar ser inútil hoje em dia retornarse à questão da admissibilidade dos pactos que impe dem ou limitam a concorrência De fato estamos agora diante de um problema de limites de me dida como sempre ocorre quando tratamos da tutela da liberdade de comércio no ordenamento jurídico13 A instituição de standards objetivos na interpretação das cláu sulas anticoncorrenciais é fundamental para que não se tornem elas próprias prejudiciais aos valores do ordenamento jurídico principal mente à livre iniciativa econômica e ao livre exercício profissional É sobre esses limites que o próximo capítulo se debruçará 2 Parâmetros de validade Desde que passaram a receber especial atenção da doutrina e jurisprudência tem sido lugar comum dizer que as cláusulas de não concorrência não podem representar uma restrição total incondicio nal e irrestrita ao exercício de determinada atividade O fundamento por trás das exigências é tão simples quanto relevante não permitir que o obrigado por esse tipo de compromisso fique impossibilitado em absoluto de exercer sua atividade profissional ou empresarial sob as mais diversas perspectivas Ora denominadas limitações ora consideradas requisitos de validade as exigências irão dialogar com diferentes aspectos e são fundamentais na instituição das cláusulas de non compete ao garantir 92 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 GRAU Eros Roberto e FORGIONI Paula Cláusula de não concorrência ou de não resta belecimento In GRAU Eros Roberto e FORGIONI Paula A Coords O Estado a Empresa e o Contrato São Paulo Malheiros 2005 p 280 que o compromisso não represente cerceamento absoluto ao exercí cio laboral e empresarial e possa vir a ser invalidado judicialmente As limitações menos controvertidas são aquelas relacionadas a ao tempo b ao espaço e c ao objeto do compromisso tendo sido as duas primeiras reconhecidas no paradigmático julgamento do Recurso Especial n 1203109MG14 A não observância de um ou mais15 desses parâmetros levaria à invalidade ou pelos menos à revi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 93 14 RECURSO ESPECIAL DIREITO CIVIL CONTRATO EMPRESARIAL ASSOCIATIVO CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA LIMITE TEMPORAL E ESPACIAL ABUSIVIDADE NÃO OCORRÊNCIA 1 Demanda em que se debate a validade e eficácia de cláusula contratual de não concorrência inserida em contrato comercial eminentemente associativo 5 A funcio nalização dos contratos positivada no art 421 do Código Civil impõe aos contratantes o dever de conduta proba que se estende para além da vigência contratual vinculando as partes ao atendimento da finalidade contratada de forma plena 6 São válidas as cláusulas contratuais de não concorrência desde que limitadas espacial e temporalmente porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente 7 Recurso especial provido BRASIL Su premo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial 1203109MG Relator Min Marco Au rélio Bellizze Data do Julgamento 05 maio 2015 15 A cumulatividade dos requisitos é uma questão controversa tanto na doutrina quanto na jurisprudência O melhor entendimento contudo parecer ser o de que os requisitos são de fato cumulativos isto é para a cláusula de não concorrência ser válida os parâmetros quanto ao objeto espaço e tempo devem ser observados ou como sustenta Luiz Gastão Paes de Barros Leães ao menos da limitação temporal complementada pela presença alternativa do limite espacial ou de ramo de atividade LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Convenção impediente de novo estabelecimento In LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Pareceres São Paulo Editora Singular 2004 v 1 p 686691 Nesse mesmo sentido ver NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 205219 MENDONÇA Carvalho Tratado de Direito Comercial Brasileiro vol 2 n 462 Rio de Janeiro Imprenta 1963 p 447448 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 28 NERY JUNIOR Nelson Cláusula de não concorrência e seus requisitos prejudicialidade externa entre processos In NERY JUNIOR Nelson Soluções práticas de di reito São Paulo Revista dos Tribunais Online 2014 v 7 Na jurisprudência BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial 1203109MG Relator Min Marco Aurélio Bellizze Data do Julgamento 05 maio 2015 votação unânime o qual declarou que pelo me nos são cumulativos os requisitos quanto ao tempo e quanto ao território Em sentido contrá rio é verse o entendimento de COMPARATO Fábio Konder As cláusulas de não concorrên cia nos shopping centers In Revista de Direito Mercantil n 97 p 2328 janeiromarço 1995 p 2728 COELHO Fábio Coelho Curso de direito Comercial vol 1 São Paulo Saraiva 2014 p 316 e BARRETO FILHO Oscar Teoria do estabelecimento comercial fundo de comércio ou fazenda mercantil São Paulo Saraiva 1988 p 253254 são judicial da cláusula Recentemente outras limitações passaram a ser suscitadas com maior ou menor grau de intensidade notadamen te d a necessidade de haver uma contraprestação à obrigação de nãoconcorrer e a acessoriedade do compromisso e f a existência de legítimo interesse para a estipulação desse tipo de obrigação16 21 Limitação temporal O primeiro limite pacificamente atribuído às cláusulas de non compete é o temporal Tais compromissos não devem instituir uma obrigação de não fazer demasiadamente longa tampouco eterna As partes devem estipular um prazo determinado e razoável ao longo do qual a obrigação produzirá efeitos para de um lado garantir a pro teção do fundo de comércio e de outro a livre iniciativa ou o livre exercício do trabalho de quem se submete aos seus efeitos17 Como consequência natural dessa constatação surge a indaga ção de qual seria o prazo razoável para que a cláusula de não concor rência restringisse o exercício profissional e a atividade empresarial A doutrina e jurisprudência usam por analogia18 o prazo de 5 94 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 16 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 15 17 Nesse sentido Arnoldo Wald e Alberto Xavier destacam que a razão de ser das restrições apontadas na doutrina limitação da cláusula no tempo e no espaço consiste em harmonizar a validade desta estipulação com o princípio constitucional de que é livre o exercício de qual quer trabalho ofício ou profissão observadas as condições de capacidade que a ei estabelece CF art 153 23 Com efeito o princípio da liberdade do trabalho seria ofendido se se estipulasse que alguém não poderia trabalhar em qualquer setor de atividade em qualquer lugar e para todo o sempre Mas obviamente essa liberdade não é atingida se a restrição for temporária livremente consentida e justamente retribuída WALD Arnoldo e XAVIER Alberto Pacto de não concorrência validade e seus efeitos no Direito brasileiro Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial Rio de Janeiro v 2 p 847863 dez 2010 18 V a doutrina de Carlos Maximiliano Os dois efeitos diferem quanto aos pressupostos ao fim e ao resultado a analogia pressupõe falta de dispositivo expresso a interpretação pressu põe a existência do mesmo a primeira interpretação extensiva tem por escopo a pesquisa de uma idéia superior aplicável também ao caso não contemplado no texto a segunda busca o anos previsto no art 1147 do Código Civil segundo o qual não havendo autorização expressa o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente nos cinco anos subsequentes à transferência Contudo o prazo de 5 anos não é uma regra rígida e inflexível que deverá ser aplicada a todos os casos a torto e a direi to Tratase de mero parâmetro que poderá ser adaptado caso por exemplo a atividade no caso concreto exija um investimento tama nho a ponto de justificar da contraparte um afastamento maior do mercado em que atuava19 O próprio Guia de Análise de Atos de Concentração Horizon tal do CADE publicado em 2016 destacou que muito embora a ob rigação de não concorrência deva observar a princípio o período de 5 anos20 pode entretanto esse prazo ser reduzido ou estendido a depender do período de maturação do negócio envolvido21 Para ilustrar melhor esse posicionamento merece destaque o Ato de Concentração nº 08012009211200846 julgado pelo CADE em 12 de novembro de 2008 O caso versava sobre o contrato que regia a aquisição de ativos relacionados à produção e comercializa ção de produto veterinário no qual foi estabelecida uma cláusula de não concorrência cujo prazo era de 10 anos A Procuradoria sugeriu RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 95 sentido amplo de um preceito estabelecido aquela de fato revela uma norma nova esta apenas esclarece a antiga numa o que se estende é o princípio na outra na interpretação é a própria regra que se dilata MAXIMILIANO Carlos Hermenêutica e Aplicação do Direito Rio de Ja neiro Forense 1984 p 215 19 Por outro lado entendese a contrario senso que esse raciocínio possa ser aplicado para justificar a abusividade de uma cláusula de cino anos se os investimentos do caso concreto não fundamentem tal restrição muito embora se reconheça que ônus probatório dessa hipótese seria mais alto 20 Ratificando um posicionamento consolidado na Súmula nº 5 do CADE 2009 É lícita a estipulação de cláusula de não concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de estabelecimento desde que vinculada à proteção do fundo de comércio 21 Disponível em httpswwwgovbrcadeptbracessoainformacaoparticipacaoso cialcontribuicoesdasociedadeconsultapublicasobrepropostadenovoregimentointerno Acesso em 29 ago 2021 sua redução para o prazo de cinco anos usual nos contratos aprecia dos pelo CADE Em seu voto o Conselheiro Carlos Emmanuel Joppert Ragaz zo ressaltou que a extensão da cláusula a períodos mais longos tem sido excepcionalmente aceita quando a os investimentos são mais vultosos b estão envolvidos planos estratégicos de longo prazo e c a maturação mais lenta e a tradição de relações duradouras com fornecedores e clientes justificam a dilação da cláusula Portanto com base nas particularidades do caso concreto cujos investimentos de mandavam recursos significativos e a implementação de medidas de longo prazo considerouse razoável o prazo de 10 anos22 Em suma as cláusulas anticoncorrenciais devem ter um prazo determinado limitado e justificado com base na racionalidade econô mica do negócio celebrado entre partes de modo que não cerceiem excessiva ou indefinidamente a atividade de quem se submete às suas disposições Muito embora o prazo de cinco anos funcione como regra geral as circunstâncias do caso concreto devem ser leva das em consideração de sorte a justificar uma eventual redução ou prorrogação de tal prazo Não havendo limite temporal na fixação do compromisso doutrina e jurisprudência usualmente propõem restrin gir a cláusula para um período específico garantindo sua validade ainda que por um determinado prazo em prestígio à autonomia pri vada 22 Limitação territorial Da mesma forma a abrangência da cláusula de non compete 96 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 22 Nesse mesmo sentido vejase CADE AC nº 08012002814200906 julgado em 17 de junho de 2009 O caso versava sobre a aquisição do controle individual sobre a Joint Venture Areva NP SAS e suas afiliadas pela Areva SA Na oportunidade o CADE entendeu que a cláusula de não concorrência de oito anos prevista no acordo seria válida tendo em vista a especifici dade do setor afetado caracterizado por planos estratégicos de longo prazo e marcado por investimentos vultosos também deve ser geograficamente limitada ao território relevante de atuação das partes envolvidas para assim evitar uma disputa de mer cado ou de clientela23 Por consequência a obrigação de não compe tir deverá produzir efeitos apenas na zona em que se trava a concor rência não valendo fora do âmbito de influência dos estabelecimen tos concorrentes24 Pensando sob o ponto de vista geográfico realmente não será merecedora de tutela a cláusula que por exemplo proíba o antigo diretor de uma cervejaria brasileira de atuar em cargo semelhante em uma companhia do mesmo setor porém cuja atuação esteja restrita a um país vizinho Sem dúvida o conhecimento e knowhow que tal profissional carrega é valioso mas a simples inexistência de compe tição concreta entre as sociedades naquele território impede que se imponha uma restrição ao profissional até em razão da ausência de qualquer prejuízo à companhia brasileira Vale ressaltar que a conclu são poderá ser diferente caso seja demonstrado no caso concreto que a companhia brasileira tenha traçado planos efetivos e concretos de expansão nos anos seguintes de sua produção para países vizi nhos A aplicação da limitação territorial é muito discutida quando se trata de estabelecimentos comerciais em shoppings centers25 Nesse RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 97 23 Nesse sentido destacase mais uma vez a lição de Nelson Nery Junior que aponta que deve estar expresso na convenção contratual que a não concorrência restringese à área em que poderia em concreto haver uma disputa de mercado ou de clientela ou seja em áreas em que um dos concorrentes já está estabelecido não é válida portanto cláusula que imponha a não concorrência fora da área geográfica que sofre influência dos estabelecimentos concor rentes NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 8 No mesmo sentido caminham os ensinamentos de Wallace Corbo e Eduardo Takemi segundo os quais A abrangência da cláusula devese limitar ao mercado relevante geográfico restringindo sua delimitação espacial aos locais nos quais atura a sociedade empresária KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 290 24 LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Op Cit p 689 25 Sobre o tema da concorrência em shopping centers vale a transcrição dos ensinamentos de Fabio Konder Comparato Tais limitações indiretas à concorrência correspondem sem dúvida a um efeito natural do conjunto de contratos criadores do centro comercial pois tratandose setor é comum a estipulação de cláusulas de raio que visam prote ger os shoppings a fim de evitar que os lojistas concorram contra o proprietário do empreendimento central As cláusulas de raio são portanto um verdadeiro incentivo para que os lojistas concentrem todo o seu potencial em atrair clientela para o próprio shopping con vergindo seus esforços para o projeto comum O foco é proteger a viabilidade e lucratividade da atividade econômica e por esse moti vo tais cláusulas são reconhecidamente válidas26 Entretanto o entendimento que costuma prevalecer é de que as cláusulas de raio quando impostas de forma irrestrita nos contra tos de locação têm o potencial de fechar o mercado configurando conduta anticompetitiva A jurisprudência do CADE27 aponta que o parâmetro para aferição da validade das cláusulas de raio deve ser de 2 km muito embora mais uma vez a definição objetiva dessa restri ção possa variar à luz do caso concreto Isso porque a razoabilidade da extensão do limite varia de acordo com uma série de fatores como a natureza da atividade comercial e a densidade demográfica da re gião justificando cláusulas de raio mais restritas em áreas metropoli 98 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 como foi visto mais acima de relações contratuais de organização por meio da técnica grupal a função econômica desses contratos vai no sentido de colaboração entre as partes e não da competição entre elas COMPARATO Fábio Konder Op Cit p 27 26 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 4ª Turma Recurso Especial n 1535727RS Relator Min Marco Buzzi Data do Julgamento 20 jun 2016 Data de Publicação 20 jun 2016 No caso entendeu o Relator que 11 A aventada modificação unilateral das normas gerais complemen tares do empreendimento de 2000 dois mil para 3000 três mil metros de raio desde que não tenha sido imposta unilateralmente para os contratos de locação em curso quando da modificação estatutária não apresenta qualquer ilegalidade pois o dono do negócio pode impor limitações e condições para o uso de sua propriedade por terceiros 27 BRASIL Conselho Administrativo de Defesa Econômica Processo Administrativo nº 08012012740200746 Conselheiro Relator Márcio de Oliveira Junior Data do Julgamento 22 jun 2016 Representante Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e Representada Shop ping Iguatemi em Porto Alegre BRASIL Conselho Administrativo de Defesa Econômica Pro cesso Administrativo nº 08012012081200748 Conselheiro Relator João Paulo de Resende Data do Julgamento 11 nov 2015 Representante CADE Ex Officio Representadas Shopping Eldorado Shopping Morumbi Shopping Jardim Sul Shopping Villa Lobos e Shopping Higie nópolis tanas como Rio de Janeiro e São Paulo e outras mais amplas em áreas menos densamente povoadas 23 Limitação material Para ser válida a cláusula de não concorrência deverá tam bém ser restrita ao ramo de atividade desenvolvida pelo estabeleci mento titular da clientela não se estendendo a outro tipo de atividade empresarial28 Assim entendese que a cláusula de non compete deve ser lida e interpretada à luz do mercado de atuação do sujeito em favor de quem é celebrada não apenas sob o ponto de vista geográ fico mas também relativamente ao produto ou serviços relevantes à atividade exercida Com efeito se o fundamento da licitude da cláusula de não concorrência reside ora no risco de desvio de clientela do estabeleci mento ora na transferência de knowhow da companhia para concor rentes tais cláusulas deverão então ser lidas na estrita medida das razões que justificam sua validade Caso contrário tais compromissos seriam meramente instrumentos limitadores da livre concorrência Dessa forma não há muita dúvida de que caso o dono de uma rede de academias venda seus estabelecimentos ou a participa ção societária referente a tal empreendimento para um terceiro o alienante poderá investir por exemplo em uma rede de restaurantes Cláusulas excessivamente amplas e abstrata que impeçam aquele que se submete a seus efeitos de praticar toda e qualquer atividade naturalmente não devem ser ratificadas in totum pelo intérprete que deve limitálas ao escopo de atuação do sujeito beneficiário pelo RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 99 28 Nesse sentido NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 210 LEÃES Luiz Gastão Paes de Barros Op Cit p 689 NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 78 e GARCIA Rodrigo Saraiva Porto SANTANNA Leonardo da Silva A cláusula de não concorrência nos contratos de fran quia considerações acerca da função social do contrato e da boafé objetiva Revista de direito privado v 84 p 5173 dez 2017 compromisso Contudo há exemplos que residem em uma zona cin zenta nos quais será mais desafiador definir se o campo de atuação de um empreendimento abrange ou não determinada atividade Importa ainda reforçar que a análise da amplitude objetiva da cláusula de não concorrência demanda um estudo de dados con cretos e técnicos acerca do que define a atividade desenvolvida e dos riscos concorrenciais que lhe possam ser causados análise que natu ralmente ultrapassa aspectos eminentemente jurídicos29 Um bom pa râmetro para ajudar na determinação do mercado de atuação do be neficiário da cláusula de non compete é a análise do objeto social da sociedade previsto no contrato ou estatuto social Muito embora as cláusulas que versam sobre o objeto social sejam geralmente amplas invariavelmente elas são um bom indicativo acerca do ramo e do tipo de atividade que os sócios visam desenvolver 24 Contraprestação Um requisito recorrentemente trazido para questionar a vali dade das cláusulas de não concorrência é a eventual ausência de con traprestação à pessoa que deixará de atuar no setor de mercado esta belecido no compromisso contratual30 Essa exigência é de aplicação menos pacífica e muitas vezes é lida e aplicada de forma superficial A necessidade de contraprestação como requisito à validade das cláusulas de non compete deve ser lida sob uma ótica simples mas nem sempre bem compreendida as cláusulas de não concorrên cia devem ser interpretadas como negócios jurídicos bilaterais isto é um negócio jurídico caracterizado pela reciprocidade das presta 100 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 29 No caso de investimento robusto em programas de nutrição e treino fitness online incluin do aplicativos websites e outras mídias seria possível caracterizar tal empreendimento como concorrente aos estúdios físicos de academia 30 NERY JUNIOR Nelson Op Cit p 68 ções em que cada uma das partes deve e é credora simultanea mente31 Por conta de tal bilateralidade entre as prestações deverá o intérprete identificar um sinalagma entre elas exigindo uma presta ção em favor de quem se submete à limitação de concorrência32 Com efeito se de um lado há o adquirente do fundo de co mercio credor da obrigação de nãofazer do outro lado há antigo dono do fundo devedor da obrigação de nãofazer o qual terá um prejuízo econômico ao deixar de atuar no ramo que ele domina por certo período e em determinado espaço territorial Ainda assim não se pode exigir uma remuneração específica decorrente exclusiva mente da cláusula de não concorrência Isso porque no contrato de trespasse por exemplo as partes preveem uma série de termos e condições específicos dentre elas o preço e a forma de pagamento pela aquisição do fundo de comércio E é justamente nessa rede de obrigações recíprocas notadamente no valor pago pela transferência que reside ainda que indiretamente33 a contraprestação pela obriga ção de nãoconcorrer34 Mesma lógica orienta por exemplo o impe RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 101 31 PEREIRA Caio Mário da Silva Pereira Instituições de Direito Civil Contratos v 3 17ª ed Rio de Janeiro Forense 2013 p 140142 32 Nesse sentido ensina o autor italiano Tulio Ascarelli nos contratos bilaterais podemos identificar uma relação sinalagmática enquanto a obrigação de uma das partes dependa da existência de uma obrigação válida contrária ou enquanto a inexecução da obrigação de uma das partes autorize a nãoexecução da obrigação da parte contrária ASCARELLI Tulio Pro blema da Sociedades Anônimas e Direito Comparado São Paulo Quorum 2008 p 157 Ainda sobre a definição de sinalagma ver a lição de Antonio Junqueira Azevedo AZEVEDO Antonio Junqueira Parecer Natureza jurídica do contrato de consórcio sinalagma indireto Onerosi dade excessiva em contrato de consórcio Resolução parcial do contrato In AZEVEDO Anto nio Junqueira Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado São Paulo Saraiva p 363 33 O próprio Professor Antonio Junqueira Azevedo já discorria sobre a possibilidade de haver sinalagmas indiretos que seriam característicos por exemplo em contratos de colaboração e associativos AZEVEDO Antonio Junqueira Op Cit p 363 34 De forma análoga vejase o caso do profissional que se desliga da empresa trazido pelo Professor José Roberto Castro Neves O autor explica que nesse momento uma série de obriga ções são contratadas entre o exempregado e a antiga empregadora como prêmios gratifica ções seguros etc Assim seria natural que a cláusula de não concorrência venha inserida nesse acordo sem que se faça referência diretamente à remuneração decorrente do dever de não dimento de concorrer em contratos de alienação de participação so cietária É possível ainda que a contraprestação pela obrigação de não concorrer tenha outras facetas Imaginese por exemplo uma cláusu la de não concorrência inserida no bojo de um contrato de trabalho limitando a atividade do empregado por determinado tempo após sua saída da sociedade que o empregava Nesse caso poderão ser interpretadas como contraprestação da obrigação de não concorrer o conjunto de multas eou verbas indenizatórias devidas em razão do encerramento forçado do vínculo eou até mesmo o salário do em pregado que naturalmente é influenciado pela limitação que lhe será imposta após sua o encerramento do vínculo de trabalho Tal raciocínio pode ser analogamente aplicado no contexto da relação jurídica entre uma sociedade e seus diretores estatutários muito embora tais situações tenham naturezas jurídicas distintas Des tacase contudo que o encerramento seja do contrato de trabalho ou do vínculo entre diretor e uma sociedade pode ocorrer por uma série de razões de sorte que o ordenamento jurídico não precisa tutelar todas essas situações de maneira idêntica Ora as partes podem pre ver no contrato consequências jurídicas distintas para a destituição sem justa causa de um diretor para su destituição por justa causa e para renúncia espontânea do diretor ao seu cargo No primeiro cenário a obrigação de não concorrer só parece ser merecedora de tutela se estiver atrelada ao pagamento de alguma espécie de multa ou outra contraprestação pecuniária qualquer capaz 102 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 trabalhar para empresa rival mas haja vantagem econômica do contratado que justifique o dever negativo NEVES José Roberto de Castro Op Cit p 211 Nesse sentido destacase o entendimento do Desembargador Cesar Ciampolini ao julgar como válida cláusula que limitava a atuação do exDiretor Presidente de uma companhia aberta que havia renunciado a seu cargo imotivadamente A compensação pela contratação da não concorrência aliás não é uma exigência apontada de forma unânime pela doutrina nem nas relações laborais e assim sendo tornase ainda mais discutível numa relação empresarial e estatutária SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 1ª CRDE Agravo de Instrumento nº 2172981 4520168260000 Relator Cesar Ciampolini Data de Julgamento 09 nov 2016 de justificar e remunerar o diretor pelo tempo em que permanecerá impossibilitado de atual como tal Isso porque como o encerramento do vínculo ocorreu por inciativa da sociedade seria abusivo reconhe cer a validade de uma cláusula que impedisse um diretor executivo de exercer sua profissão por uma decisão unilateral e desmotivada da sociedade Por outro lado no segundo e no terceiro cenários pode ser reconhecida como válida a obrigação de não concorrer não obs tante a ausência de uma multa ou contraprestação direta uma vez que o encerramento do vínculo se deu respectivamente por culpa ou vontade do próprio diretor Em outas palavras a contraprestação deve estar associada em caráter mais amplo ao equilíbrio da relação contratual impedindo que uma das partes seja submetida indevidamente a um compromis so unilateral de não concorrer que representaria nessas condições imposição de um simples impedimento do exercício da atividade profissional À guisa de parcial conclusão não há óbices em que se reconheça a contraprestação como requisito à validade da cláusula de não concorrer Essa exigência contudo deve ser lida em uma cha ve complexa que leve em consideração a integralidade da relação contratual existente entre os sujeitos e o equilíbrio das prestações e não como uma mera contraprestação pecuniária direta e imediata devida exclusivamente por força da obrigação non compete 25 Acessoriedade Há também outro requisito muitas vezes ignorado pela doutri na e jurisprudência civilistas mas trazido com frequência nas deci sões administrativas do CADE35 a natureza acessória das cláusulas de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 103 35 Remetese ao caso Mitchel v Reynolds do século XVIII em que se distinguiu as restrições à concorrência entre gerais e particulares Ao passo que as restrições gerais deveriam ser consi deradas ilegais já que eram estabelecidas apenas com o objetivo de limitar a concorrência as chamadas restrições particulares que via de regra são firmadas como estipulações acessórias de uma transação principal poderiam ser válidas a depender da análise do caso concreto não concorrência36 Em resumo o requisito da acessoriedade impede que a cláusula de non compete seja um fim em si mesma evitando que se torne um mero instrumento estratégico para afastar artificial mente possíveis concorrentes Como se pode perceber há uma rela ção latente entre a acessoriedade desse tipo de compromisso e a exi gência de contraprestação em razão da sua celebração A validade da cláusula como um todo e também especifica mente de cada um dos seus limites territorial temporal e material deve estar amparada por uma função jurídica a qual poderá ser mui tas vezes reconhecida no caso concreto a partir de uma análise eco nômica do negócio Isto é a extensão da obrigação de não concorrer só será merecedora de tutela jurídica na medida em que seja instru mento para o desenvolvimento e o sucesso de um determinado negó cio ou atividade empresarial37 O compromisso desempenha um objetivo claro preservar a legítima expectativa de lucratividade do empreendimento seja impe dindo o desvio de clientela seja evitando a transferência de conheci mento e knowhow Assim mitigamse eventuais perdas econômicas 104 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 sempre levando em conta a razoabilidade Um segundo caso que traz referência ao requisito da acessoriedade é o chamado US v Addyston Pipe Stell em que se firmou a doutrina das Ancilary Restraints segundo a qual as restrições são aceitáveis quando inseridas num contexto maior de uma operação de modo que essa obrigação de não concorrer seria apenas um ele mento auxiliar acessório subordinado mas essencial ao sucesso da transação 36 Guia de análise de Atos de Concentração Horizontal publicado em 2016 pelo Cade item nº 6 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 281 NAVAS Amanda R E Análise in casu de cláusulas de não concorrência em contrato de distribuição Revista dos Tri bunais São Paulo v 929 p 12091246 mar 2013 e GARCIA Rodrigo Saraiva Porto SANT ANNA Leonardo da Silva A cláusula de não concorrência nos contratos de franquia considera ções acerca da função social do contrato e da boafé objetiva Revista de Direito Privado São Paulo v 84 p 5173 dez 2017 37 Wallace Corbo e Eduardo Takemi dão um passo além para amparandose na jurisprudência do CADE considerar que a cláusula de não concorrência deve ser dotada de essencialidade em relação ao negócio principal KATAOKA Eduardo Takemi e CORBO Wallace Op Cit p 281 que o adquirente de determinado empreendimento terá caso seu parceiro passa a com ele concorrer Em rigor a cláusula de não concorrência não pode ser cele brada impositivamente como um fim em si mesmo no exclusivo in tuito de retirar determinado player do mercado sem motivos fáticos ou jurídicos que justifiquem essa obrigação Dependerá ao revés da existência de um negócio ou atividade que justifique do ponto de vista econômico e financeiro a restrição da atividade concorrencial Se não há benefício ou ao menos mitigação de riscos àquele em favor de quem a cláusula é celebrada sua instituição não merecerá tutela pelo ordenamento jurídico Isso não significa dizer que a obrigação anticoncorrencial não possa ser o elemento central de determinado instrumento jurídico ou mesmo objeto de um negócio jurídico autônomo voltado exclusiva mente para esse fim desde que se insira no contexto de um negócio mais amplo com concessões e obrigações mútuas Mais uma vez ressaltese ainda que a validade de tal cláusula e o design do seu escopo de aplicação deverá ser interpretada à luz do caso concreto da atividade prestada e das partes envolvidas e principalmente deverá ser verificado se há ou não assimetria informa cional e econômica na relação A imposição de uma obrigação de não concorrência desacompanhada de outras concessões e obrigações mútuas e desprovida de legítimas justificativas econômicas como um fim em si mesmo pode representar o exercício de uma posição abu siva por parte daquele em favor de quem a cláusula é celebrada em detrimento daquele que está submetido às suas disposições 26 Legítimo interesse Finalmente há ainda quem sustente a existência de um últi mo requisito de validade a existência de legítimo interesse do bene ficiário da cláusula de non compete que justifique a restrição da con RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 105 corrência imposta ao devedor da obrigação Nas palavras de Adriano Ferriani e Giovanni Ettore Nanni A respeito do legítimo interesse do credor deve se perquirir se a cláusula de não concorrência é necessária ao credor isto é se resulta de impera tivo justificável razoável e proporcional ao cre dor no bojo de seu ramo de atividade empresarial ou se tem por objetivo unicamente causar dano ao devedor38 Como se percebe a exigência é marcada por elevada abstra ção e ao fim e cabo não parece se distanciar do inerente controle valorativo do conteúdo e das limitações necessárias à validade desse e de qualquer outro compromisso celebrado no exercício da autono mia privada devendo ao revés ser extraído dos demais requisitos de validade apresentados ao longo desse breve trabalho O merecimento de tutela39 das cláusulas de não concorrência pressupõe a existência de um legítimo interesse que justifique a sua celebração inclusive limitando a obrigação de não fazer para que não ultrapasse a finalidade para a qual se destina Tais compromissos só deverão ser tutelados pelo intérprete caso suas disposições e delimitações sejam adequadas à defesa legítima do fundo de comér cio e da clientela daquela em favor de quem são instituídos Em ou 106 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 38 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 36 39 Eduardo de Nunes Souza ao apresentar o filtro do merecimento de tutela o define como a contraposição de interesses lícitos e legítimos que quando em conflito devem ser valorados e sobrepesados no intuito de se aferir qual deles é predominante na concretização dos valores do ordenamento jurídico Por vezes porém atos particulares que não apresentam fundamento para sua supressão podem sujeitarse a outra espécie de valoração baseada em seu potencial de promover valores do ordenamento Esse julgamento o merecimento de tutela aqui proposto em sentido estrito não classifica os atos como ilegítimos ou legítimos ainda que ao final um dos atos venha a ser reprimido mas procura identificar qual deles deve merecer tutela privi legiada em face do outro no caso concreto SOUZA Eduardo Nunes de Merecimento de tutela a nova fronteira da legalidade no direito civil Revista de Direito Privado São Paulo v 58 abrjun 2014 tras palavras a validade das cláusulas anticoncorrenciais pressupõe que os interesses por trás da sua celebração sejam legítimos e confor mes o ordenamento jurídico Tratase ao fim e cabo de um controle valorativo da extensão das cláusulas necessário para justificar a sua existência e a sua extensão sendo certo que caso sejam excessivas e demasiadamente amplas revelarseão contrárias aos valores que buscam tutelar e nesse passo não deverão ter sua validade reconhe cida pelo intérprete O intérprete portanto não estará alheio ao exame do legítimo interesse quando avaliar se por exemplo uma obrigação de não competição abrange desnecessariamente atividades que não estão necessariamente vinculadas ao mercado relevante do interessado que ultrapassam seu território de atuação ou que são excessivas do ponto de vista temporal considerando o perfil e natureza da ativida de exercida Da mesma forma devese perquirir se a cláusula de não concorrência foi estipulada em função do sucesso de um negócio efe tivo remetendose assim ao requisito da acessoriedade A avaliação sobre se a cláusula de non compete atende aos requisitos listados nes se trabalho é pressuposto à verificação de seu merecimento de tutela e portanto à presença de um legítimo interesse que a oriente Em suma a existência e a extensão das cláusulas de não con corrência devem ser proporcionais e adequadas aos interesses em jogo e principalmente aos valores do ordenamento jurídico que jus tificam a licitude desse tipo de compromisso Esse controle contudo é inerente a qualquer ato praticado em livre exercício da autonomia privada que deve ser sempre exercida de acordo com os valores do ordenamento A ideia de legítimo interesse como um novo e especí fico requisito de validade das cláusulas de non compete para além dos demais já explorados anteriormente parecenos mera tautolo gia40 O legítimo interesse ao contrário perpassa e se concretiza jus RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 107 40 Nesse sentido destacase a lição de Arnoldo Wald Alberto Xavier que já relacionavam a limitação temporal e geográfica com a ideia de legítimo interesse 42 Colocandonos seja no campo do Direito do Trabalho seja no do Direito Civil não vemos motivo para discutir a tamente na aplicação dos demais parâmetros de validade das cláusu las fundamentais ao reconhecimento do seu merecimento de tutela 3 Dever de não concorrência em caso de omissão legal e contra tual Cumpre agora tecer comentários acerca de aspecto especial mente polêmico das cláusulas de non compete a saber se existe ou não de um dever abstrato de não concorrência quando não há previ são legal ou contratual instituindoo Em outras palavras não se es tando diante de um contrato de trespasse e portanto tampouco de aplicação do art 1147 do Código Civil e sendo as disposições con tratuais omissivas quanto ao tema há de se reconhecer uma cláusula implícita de não concorrência Essa discussão foi antecipada no leading case brasileiro cuja conclusão foi diametralmente oposta ao que hoje determina o art 1147 do Código Civil Em julgamento que remonta à década de 1910 o Supremo Tribunal Federal entendeu que a renúncia ao direito de exercer determinada atividade deveria ser expressa permitindo as sim ao Conde Álvares Penteado retirante da Companhia Nacional de Tecidos de Juta continuar a exercer seu ofício41 Concluiuse em sín tese pela inexistência de uma obrigação implícita de não concorrên cia com possibilidade de que o Conde praticasse sua atividade pro 108 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 licitude da cláusula de não concorrência desde que limitada no tempo e no espaço corres pondendo a um interesse legítimo das partes e tendo tido uma adequada compensação con tratual conforme bem salientaram as leis estrangeiras os acórdãos dos tribunais e os autores que se dedicaram ao estudo da matéria WALD Arnoldo XAVIER Alberto Op Cit p 910 41 FARIA Luiz Alberto Gurgel de O restabelecimento do alienante após a transferência do estabelecimento Revista Jurídica Instituição Toledo de Ensino n 23 1998 p 116118 Para uma análise mais aprofundada do instigante episódio que contou com a participação de di versos juristas de renome da época vejase PAES Paulo Roberto Tavares Da concorrência do alienante do estabelecimento comercial São Paulo Saraiva 1980 p 1933 e DUVAL Hermano Concorrência desleal São Paulo Saraiva 1976 p 237246 fissional em concorrência com a Companhia em que pese tivesse se retirado da sociedade recentemente Muito embora não se possa desconsiderar que o ordenamento jurídico e os valores vigentes à época fossem totalmente distintos a referência histórica contribui para demonstrar simultaneamente a re levância do tema sua sensibilidade não raro sendo objeto de insti gantes discussões práticas e a multiplicidade de entendimentos que o permeiam Defendeuse no Capítulo II mais acima que as diversas nor mas extraídas de todo o ordenamento jurídico permitem concluir pela inequívoca licitude dos compromissos de não concorrência des de que levem em consideração os diversos requisitos de validade ao qual devem se submeter a fim de não restringir excessivamente a livre iniciativa econômica a livre atividade empresarial e o direito ao trabalho Essa constatação contudo não equivale ao reconhecimento de um dever geral e abstrato de não concorrência Não há como se desconsiderar o eloquente silêncio do legislador em trazer uma nor ma que instituísse uma obrigação dessa natureza e que fosse dotada de tamanha amplitude O Código Civil a bem ver limitou um dever de não concorrência exclusivamente aos contratos de trespasse no referido art 1147 A omissão não soa despropositada O estabelecimento comer cial é elemento marcante da sociedade empresária possuindo grande papel na captação da clientela e na sua fidelização A vedação legal à concorrência fixada no Código Civil nesse passo tem por objetivo impedir que o alienante do estabelecimento se restabeleça no mesmo mercado após a operação oferecendo concorrência ao adquirente e causando desvio de clientela42 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 109 42 SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Op Cit p 16 Nesse contexto a menção específica à obrigação de não con corrência exclusivamente para essa espécie contratual parece de monstrar uma preocupação do legislador em não estendêla a outras atividades negociais Mesma lógica orienta a previsão contida no art 482 alínea c da CLT Nesse caso a vedação legal decorre da proteção do empregador evitando que durante a vigência do contrato de tra balho o empregado se valha de seu vínculo empregatício para fazer concorrência àquele que o emprega Também nesse caso o escopo da norma restritiva é específico e bem delimitado A existência de um dever implícito de não concorrência se mostra controverso em operações societárias em especial no contex to de alienação do controle acionário Diversos autores que defen dem a aplicabilidade do art 1147 à alienação da participação socie tária fazendoo com base principalmente na similitude entre esse tipo de operação e a alienação do estabelecimento Nesse sentido é o posicionamento de Adriano Ferriani e Giovanni Etore Nanni4344 Não há diferença substancial entre os regimes ju rídicos aplicáveis porque não só a natureza da cláusula de não concorrência remanesce a mes ma como notadamente o interesse jurídico de proteção da livre concorrência e da livre iniciati va estará sempre presente além do interesse eco 110 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 43 O entendimento é compartilhado por GRECHI Frederico Price A Cláusula de não Concor rência na Cessão do Estabelecimento Empresarial na Perspectiva CivilConstitucional In AL VES Alexandre Ferreira de Assumpção GAMA Guilherme Calmon Nogueira da Coord Te mas de Direito CivilEmpresarial Rio de Janeiro Renovar 2008 p 364 44 Também Fábio Konder Comparato ao discorrer sobre as cláusulas de não concorrência em contratos de shopping centers defende a existênica de uma obrigação implícita nesse sentido ainda que fazendo referência ao regimento interno dos grandes estabelecimentos comerciais Podese pois sustentar que essas limitações à concorrência sendo um efeito natural dos contratos de constituição e exploração dos centros comerciais existem sempre como cláusula implícita e devem ser aplicadas mesmo na ausência de estipulação expressa Ao celebrarem contrato de locação de dependências num shopping center os comerciantes lojistas aderem ao regimento interno e portanto aceitam convencionalmente as normas limitadoras da concor rência COMPARATO Fábio Konder Op Cit p 2728 nômico envolvido a respeito do conglomerado de ativos envolvidos em negócios dessa nature za incluindo a expectativa da geração de provei tos por intermédio da clientela assim como o re torno dos investimentos efetuados45 Em sentido contrário há quem se posicione pela inexistência de uma obrigação implícita de não concorrência nas hipóteses em que houver omissão legal e contratual e portanto pela inaplicabili dade da regra do trespasse às alienações societárias inclusive às operações de alienação societária O fundamento nesse caso está associado i ao princípio da legalidade que impede a instituição de obrigação legal não prevista em lei e não extraída do ordenamento jurídico ii à defesa da autonomia privada e iii à impossibilidade de aplicação analógica de determinação legal que represente restrição de direitos No entendimento46 de Eduardo Takemi Kataoka e Walla ce Corbo parece mais adequado reconhecer que em regra a inexis tência de previsão contratual ou legal impede o reconhecimento de cláusulas de não concorrência tácitas em uma generalidade de espé cies de negócios jurídicos47 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 111 45 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 24 46 O entendimento é compartilhado por Ricardo Villela Mafra Alves da Silva Não obstante a similaridade dos efeitos econômicos gerados pela alienação de controle societário e pela trans ferência de estabelecimento acreditase que a resposta seja negativa O artigo 1147 do Código Civil em razão de sua natureza não comporta interpretação extensiva ou por analogia SILVA Ricardo Villela Mafra Alves da Op Cit p 1719 47 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 Ao defender tal posiciona mento os autores trazem a seguinte fundamentação Nada obstante fato é que em termos gerais estáse aqui analisando matéria submetida aos princípios da legalidade da livre inicia tiva e da autonomia da vontade Do primeiro decorre a impossibilidade de se impor ao parti cular obrigação não prevista em lei e que não decorre diretamente de imperativo constitucional O segundo por sua vez pretende garantir o livre desenvolvimento da atividade econômica desde que submetidas aos parâmetros constitucionais e legais da boafé e da função social da empresa Por fim a autonomia da vontade impõe que havendo receio de prejuízo às atividades econômicas de uma das partes os contratantes negociem a inclusão de cláusula objetivando precisamente impedir tal situação Também a jurisprudência vacila No Tribunal de Justiça de São Paulo é possível encontrar julgados que ora reconhecem um dever implícito de não concorrer no caso de exercício do direito de retira da48 e que ora afastam esse tipo de obrigação diante da inexistência de convenção contratual nesse sentido49 Atualmente prevalece na jurisprudência o entendimento pela inaplicabilidade do art 1147 a situações que não sejam relativas à alienação do estabelecimento justamente em razão da impossibilida de de que seja atribuída interpretação extensiva a norma restritiva de direitos Vejase a título exemplificativo julgados do Tribunal de Jus tiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça este último no qual a matéria de fundo não chegou a ser decidida por incidência dos óbices previstos nas Súmulas 5 e 7 do Tribunal APELAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE ATO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL CC PEDIDO DE IN DENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MO RAIS IMPROCEDÊNCIA MANUTENÇÃO CES SÃO DE QUOTAS SOCIAIS AUSÊNCIA DE PRE VISÃO CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA POR PARTE DO SÓCIO CEDENTE DAS QUO TAS INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1147 DO CÓDIGO CIVIL QUE TRATA DO TRESPASSE DE 112 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 48 Abstenção de prática de concorrencial desleal em atividade empresarial Sócio retirante que constitui outra empresa no mesmo ramo de atividade e na mesma praça da sociedade da qual se retirou Ato de deslealdade configurado Implícita no contrato de cessão das cotas societárias a cláusula de não restabelecimento SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 2ª Câmara de Direito Privado Apelação Cível n 91427674020028260000 Relator Des José Roberto Bedran Data do Julgamento 18 maio 2002 49 Apelação cível Obrigação de não fazer Exsócio que restabeleceu no mercado com a mesma atividade econômica da sociedade comercial anterior Ausência de impedimento Não há convenção entre as partes que estabeleça a proibição do réu em ingressar no mercado com a mesma atividade que exercia quando sócio do apelante Não há caracterização de con corrência desleal A livre concorrência é um dos princípios que regem a atividade econômica SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo Apelação nº 91952541120078260000 8ª Câmara de Direito Privado Relator Des Ribeiro da Silva Data do Julgamento 14 dez 2011 ESTABELECIMENTO INTERPRETAÇÃO RESTRI TIVA PRECEDENTES SENTENÇA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO50 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PROPRIEDADE INDUSTRIAL DISSO LUÇÃO DA SOCIEDADE INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1147 DO CÓDIGO CIVIL NEGATI VA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO OCORRÊNCIA MATÉRIA QUE DEMANDA REE XAME DE FATOS PROVAS E CLÁUSULAS CON TRATUAIS SUMULAS 5 E 7 DO STJ AGRAVO IN TERNO NÃO PROVIDO51 O entendimento que vem prevalecendo é a nosso ver acerta do A especificidade das normas extraídas dos art 1147 do Código Civil e art 482 c da CLT não permitem o reconhecimento de um dever geral abstrato e genérico de não concorrência Dessa forma sem manifestação das partes nesse sentido a obrigação de não con corrência não pode ser automaticamente transferida de forma inte gral para outros tipos contratuais e atividades negociais que não o trespasse como por exemplo a cessão e venda de quotas ou ações ou até mesmo a incorporação de sociedades em especial diante da elevada complexidade desse tipo de operação Ainda que como defendido ao longo desse trabalho a valida de das cláusulas de não concorrência possa ser extraída diretamente de outros dispositivos inclusive de matriz constitucional o reconhe cimento de uma obrigação tão ampla violaria os mesmos valores que as cláusulas de não concorrência buscam concretizar notadamente a livre iniciativa econômica e a livre concorrência As amarras que se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 113 50 SÃO PAULO Tribunal de Justiça de São Paulo 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial Apelação Cível n 10209955520168260196 Relator Des Alexandre Lazzarini Data do Julga mento 15 jul 2020 51 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 4ª Turma Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1239219RS Relator Min Luis Felipe Salomão Data de Julgamento 08 mai 2018 riam geradas caso se instituísse uma obrigação dessa natureza seriam excessivas e impactariam negativamente na própria atividade nego cial Como indicado a norma extraída do art 1147 do Código Civil traz evidente carga restritiva de direitos de modo que deve ser inter pretada de forma estrita não podendo ser objeto de processo analó gico ou de interpretação extensiva52 Nesse sentido veja abaixo dou trina especializada no assunto O princípio geral de hermenêutica as leis que abrem exceção a regras gerais ou restringem di reitos só abrangem os casos que especificam corresponde à repulsa da analogia na aplicação dessas leis equivale à interpretação estrita dessas mesmas leis Embora não fosse expressamente consignado na Lei de Introdução do Código Civil tal princípio é reconhecido por nossa doutrina e jurisprudência inclusive pela do Supremo Tribunal53 Essa constatação não impede contudo que as disposições normativas que orientam a aplicação do art 1147 sejam utilizadas para balizar a interpretação de cláusulas de não concorrência cons tantes em outros tipos contratuais A título de exemplo caso um con trato de compra e venda de quotas sociais não contenha uma cláusula de não concorrência o comprador não poderá impor a vedação do art 1147 do Código Civil Por outro lado caso outro contrato dessa natureza preveja uma cláusula anticoncorrencial mas não estipule um prazo de vigência54 ou ainda estipule um prazo excessivo55 o 114 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 52 FARIAS Cristiano Chaves de ROSENVALD Nelson Curso de direito civil v 1 13ª ed São Paulo Atlas 2015 p 87 53 SILVEIRA Alípio Hermenêutica no direito brasileiro v 2 São Paulo Revista dos Tribunais 1968 p 435436 54 Nesse sentido v MINAS GERAIS Tribunal de Justiça de Minas Gerais 16ª Câmara Cível intérprete poderá fazer uso da analogia do prazo de cinco anos do art 1147 do Código Civil a fim de conservar a vontade das partes de sujeitar o devedor a uma obrigação de nãoconcorrer e ao mesmo tempo afastar eventual abusividade da disposição contratual A apli cação da norma legal nesse caso concretiza a autonomia das partes em instituir a obrigação de non compete A dúvida sobre a existência de um dever implícito de não con correr surge também no âmbito das sociedades limitadas Muito em bora tanto a conclusão quanto o seu fundamento sejam discutíveis há de se apontar que alguns autores defendem que a aplicação dos deveres de lealdade dependerá das características da sociedade e de seus sócios Isto é quanto mais forte for o caráter pessoal da socieda de centrada essencialmente na figura dos sócios e com uma estrutura enxuta tornase mais relevante admitir um dever implícito de não competir sob risco de violação à lealdade Em sociedades marcadas pela importância do capital e menos pessoais o reconhecimento de uma obrigação nesse sentido sem expressa previsão contratual seria mais remoto56 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 115 Apelação Cível nº 10024060443082002 04430829720068130024 Relator Des Wagner Wilson Data de Julgamento 20 mar 2013 no qual o prazo de 5 anos do art 1147 do Código Civil foi aplicado por analogia à hipótese de sócio retirante vinculado à cláusula de não con corrência sem limitação temporal previsto instrumento de alteração contratual 55 Nesse sentido v RIO GRANDE DO SUL Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 6ª CC Apelação Civil nº 70036049377 Relator Des Artur Arnildo Ludwig Data de Julgamento 08 nov 2012 vm no qual a cláusula de não concorrência não respeitou os limites temporal espacial e material mas ela não foi declarada nula O tribunal reconheceu a abusividade parcial da cláusula e ela foi readequada 56 Por um lado silentes os contratos sociais o aplicador do direito deverá se debruçar nas características específicas da sociedade sob estudo No caso dessa sociedade limitada constituir uma sociedade de pessoas com características pessoais entendemos que o dever de não competir seria implícito a essa sociedade somente podendo ser violado mediante autorização expressa dos demais sócios Por outro tratandose de uma sociedade eminentemente de capi tal tal obrigação não poderia ser presumida devendo constar no contrato social e nos docu mentos societários a expressa vedação ao dever de não competir Assim invertese a presunção aos olhos da lei NASCIMENTO Bruno Maglione ARAÚJO Caio Vasconcelos IDEHARA Cris tiana e LONGA Daniel Pinheiro Do dever de não competir dos sócios de uma sociedade Finalmente há ainda um último comentário relevante A ine xistência de um dever implícito de não concorrência não autoriza que as partes atuem em desacordo com as normas de boafé que orientam as relações contratuais e a prática negocial Dentre as três funções amplamente atribuídas à boafé objetiva57 ganha relevância para o presente estudo aquela que impõe o respeito a deveres anexos à prestação principal especialmente o dever de lealdade Em rigor da mesma forma que os corolários da boafé objeti va devem orientar a interpretação da cláusula de não concorrência direcionando seu escopo de incidência tampouco a inexistência de compromisso desse tipo permite às partes agir de modo desleal para propositadamente captar a clientela alheia com base em iniciativas ilícitas valendose por exemplo de informações exclusivas a que se teve acesso em razão da relação prévia com o agora concorrente como base de clientes ou outras informações negociais sensíveis ou do uso estabelecimento ou nome empresarial similares5859 116 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 limitada Revista de Direito Privado v 982019 p 109125 marabr 2019 57 Confirase para todos a lição de Anderson Schreiber Do ponto de vista dogmático tem se por toda parte atribuído à boafé objetiva uma tríplice função no sistema jurídico a saber a a função de cânone interpretativo dos negócios jurídicos b função restritiva do exercício de direitos e c função criadora de deveres anexos à prestação principal SCHREIBER An derson Manual de Direito Civil Contemporâneo São Paulo Saraiva Educação 2018 p 404 58 Quanto a esse último aspecto o risco de confusão do público é inclusive um dos elementos determinantes que orientam o Instituto Nacional da Propriedade Industrial a permitir ou não o registro de marcas Confirase o item 511 de seu Manual A análise da possibilidade de colidência entre os sinais em cotejo compreende a avaliação de seus aspectos gráfico fonético e ideológico com o objetivo de verificar se as semelhanças existentes geram risco de confusão ou associação indevida Tratase portanto de etapa essencial do exame do requisito da dispo nibilidade juntamente com a análise da afinidade mercadológica abordada no item 5112 Exame da afinidade mercadológica 59 O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que duas marcas que trans mitem a mesma ideia não podem conviver sob risco de causar confusão ao público RECURSO ESPECIAL PROPRIEDADE INTELECTUAL DIREITO MARCÁRIO AÇÃO DE NULIDADE SI NAIS EVOCATIVOS REGISTRABILIDADE SUFICIENTE DISTINTIVIDADE IMITAÇÃO IDEO LÓGICA OFENSA AO ART 124 XIX DA LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL 4 A Lei 927996 contém previsão específica que impede o registro de marca quando se constar a Esses deveres anexos se perpetuam mesmo após a extinção do contrato e o encerramento de sua eficácia imediata Nas palavras de Adriano Ferriani e Giovanni Ettore Nanni a cláusula de não con corrência deve ser interpretada na dinâmica de uma obrigação como um processo encerrando eficácia póscontratual60 A incidência da boafé na criação de deveres de lealdade que limitem a concorrência entre as partes deve dialogar intimamente com a natureza do contrato e das partes envolvidas na relação con tratual Isso porque a boafé objetiva não incide de maneira idêntica para todo vínculo contratual O standard de comportamento a ser exigido das partes varia de acordo com a espécie de contrato e as características das partes especialmente se o vínculo é paritário ou assimétrico61 Nesse contexto a verificação de assimetria ou hipossu ficiência de uma das partes influenciará sensivelmente no reconheci mento do dever de lealdade e na sua extensão bem como na inter pretação das demais disposições do contrato especialmente aquelas que tragam restrição de direitos ao polo mais vulnerável da relação Essa preocupação ganha ainda maior relevância caso se esteja diante de contrato de adesão para os quais os arts 42362 e 42463 do Código RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 117 ocorrência de reprodução ou imitação no todo ou em parte ainda que com acréscimo de marca alheia registrada para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico semelhante ou afim suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia art 124 XIX 5 A imitação ideológica ocorre quando uma marca reproduz a mesma ideia transmitida por outra anteriormente registrada e inserida no mesmo segmento mercadológico levando o público consumidor à confusão ou à associação indevida 7 Vale consignar que para a tutela da marca basta a possibilidade de confusão não se exigindo prova de efetivo engano por parte de clientes ou consumidores específicos Precedentes 10 RECURSO ESPECIAL PROVIDO BRASIL Supremo Tribunal de Justiça 3ª Turma Recurso Especial nº 1721697RJ Relatora Minª Nancy Andrighi Julgado em 22 mar 2018 60 FERRIANI Adriano NANNI Giovanni Ettore Op Cit p 22 61 Cada relação obrigacional exige um juízo de valor extraído do ambiente social conside rados o momento e o lugar em que se realiza mas esse juízo não é subjetivo no sentido de irradiarse das convicções morais do intérprete Seu sentido deve ser buscado nos parâmetros de lealdade e confiança mútuas próprios de cada tipo de relação jurídicas guardadas as suas especificidades SCHREIBER Anderson Op Cit p 406 Civil estabelecem regras rígidas de proteção ao aderente Mais uma vez nas lições de Eduardo Takemi e Wallace Corbo É certo que a verificação na prática de hipossu ficiência técnica de um dos contratantes de lesão ou em última análise de adesividade contra tual podem ensejar um quadro diverso em que a interpretação do contrato deverá ser favorável à parte mais frágil implicando o reconhecimento do dever de nãoconcorrer64 A nosso ver essa linha de entendimento ao atribuir especial destaque à natureza do contrato e à posição das partes inclusive re força a conclusão pela impossibilidade de aplicação analógica do art 1147 do Código Civil à alienação de participação societária Em re gra esse tipo de operação é marcada por densas discussões sobre os efeitos da saída do sócio e como regra contam com participação de advogados ou assessoria jurídica direta a todos os envolvidos Nesse contexto diante da não previsão de cláusula de não concorrência podese assumir que o reconhecimento de um dever dessa espécie representaria intervenção excessiva e despropositada na autonomia privada sem que haja justificativa jurídica para tanto65 Concluise em suma pela inexistência de um dever abstrato de não concorrência e pela impossibilidade de aplicação analógica 118 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 62 Art 423 Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias de verseá adotar a interpretação mais favorável ao aderente 63 Art 424 Nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia anteci pada do aderente a direito resultante da natureza do negócio 64 KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 65 Esse é o entendimento de Eduardo Takemi e Wallace Corbo Mas em se tratando de rela ções levadas à efeito sic no âmbito empresarial a generalização deste posicionamento con duziria a um indevido paternalismo contratual que não se confunde por certo com a aplica ção de princípios constitucionais e legais como a boafé e a função social dos contratos e da empresa KATAOKA Eduardo Takemi CORBO Wallace Op Cit p 286 do art 1147 a espécies contratuais e a operações negociais inclusive a alienação de participação societária Essa constatação não impede contudo que se reconheça a antijuridicidade da postura de determi nada parte em atuando contrariamente aos deveres de lealdade ane xos à boafé objetiva se valer de iniciativas ilícitas para desviar clien tela e fazer concorrência desleal conduta essa que deve ser sempre interpretada à luz das características concretas daquela relação con tratual específica Conclusão É impossível ignorar a relevância e o destaque que vêm sendo atribuídos às cláusulas de non compete na prática negocial e na ativi dade empresarial contemporâneas Como não poderia deixar de ser o ordenamento jurídico nacional atento a essa nova realidade fática reconhece a licitude desse tipo de compromisso tão comum em di versas relações empresariais e trabalhistas Simplesmente não há mais espaço para que se defenda a antijuricidade das cláusulas de non compete entendimento que se revelaria descolado da realidade nego cial da principiologia constitucional e do caminho que vem sendo trilhado pelos ordenamentos de diversos outros países de tradição si milar à brasileira Tampouco se pode admitir cláusulas de não concorrência de masiadamente amplas que acabem por restringir definitivamente o exercício da atividade empresarial ou laboral em violação direta à livre iniciativa econômica à livre concorrência e ao direito ao traba lho Justamente por isso doutrina jurisprudência e também o CADE têm atuado ativamente na fixação de balizas normativas que limitem a incidência desse tipo de compromisso as quais se revelam funda mentais à manutenção da sua validade Buscouse nesse trabalho desenvolver e explicar cada uma dessas limitações com a indicação dos fundamentos que justificam sua exigência e dos posicionamentos jurídicos que reconhecem em RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 119 maior ou menor medida a sua incidência Os três requisitos de vali dade mais tradicionais a saber as limitações i temporal ii terri torial e iii material são pacificamente reconhecidos pela doutrina e aplicados de maneira unânime pela jurisprudência e pelo CADE As exigências mais controversas por sua vez são aquelas re lacionadas iv à necessidade de contraprestação v à acessoriedade e vi ao legítimo interesse Para a primeira limitação importa ressal tar que a contraprestação não pode ser lida de maneira rasa associa da exclusivamente a uma remuneração pela abstenção em concorrer Deve ao revés ser interpretada como a necessidade de que o com promisso de não concorrência possua inerente caráter bilateral insti tuindo benefícios contraprestações também em favor do devedor da obrigação de não fazer inclusive de modo indireto A acessorieda de por sua vez impõe que a cláusula de non compete não seja com promisso alheio a outras disposições com a única finalidade de invia bilizar a atividade negocial Isso não significa dizer contudo que não possa existir um contrato cuja prestação principal seja aquela de não concorrência mas tão somente o reconhecimento de que o propósito final da obrigação é a proteção do fundo de comércio e da atividade empresarial motivo pelo qual não pode se tornar um fim em si mes mo instituído com a única finalidade de prejudicar aquele que se submete aos seus efeitos Finalmente a nosso ver o legítimo interes se não representa requisito de validade efetivamente autônomo mas em diálogo com as demais limitações mera exigência de que a insti tuição da cláusula de não concorrência respeite a função que o orde namento jurídico lhe atribui para mediante a incidência dos demais requisitos de validade não represente uma restrição excessiva da ati vidade empresarial Cumpre ressaltar ainda que todos esses requisitos de valida de devem ser lidos à luz das particularidades do caso concreto nota damente da natureza da atividade em questão e da relação existente entre as partes comportando eventuais mas necessárias relativiza ções seja para que as limitações incidam de forma mais incisiva ou para que sejam flexibilizadas 120 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Defendeuse por fim a inexistência de um dever geral de não concorrência no ordenamento jurídico nacional A opção do legisla dor em instituir uma obrigação dessa natureza exclusivamente para o contrato de trespasse no art 1147 parece corroborar essa constata ção A impossibilidade de aplicação extensiva do dispositivo legal em caso de omissão contratual decorre da axiologia constitucional cate górica em defender a livre concorrência e a livre iniciativa econômi ca e da impossibilidade de que seja atribuída interpretação extensiva a disposições legais que restringem direitos Essa afirmativa não significa no entanto que as partes de de terminada relação não possam ser responsabilizadas em caso de vio lação dos deveres de lealdade anexos à boafé objetiva que impe dem a prática de atos ilícitos com vistas à obtenção indevida de clien tela e ao esvaziamento do fundo de comércio de concorrentes e prin cipalmente antigos parceiros comerciais ou empregadores Também para essa análise ganham especial relevância as particularidades da relação e da atividade desenvolvida bem como as próprias caracte rísticas das partes notadamente se existe ou não assimetria e hipos suficiência Os pontos sobre os quais se buscou discorrer ao longo desse trabalho estão longe de ser irrelevantes Em um contexto global mar cado pelo dinamismo da atividade econômica e por uma concorrên cia cada vez mais agressiva a atenção às balizas normativas que orientam os compromissos anticoncorrenciais é preocupação que deve estar no cerne de toda e qualquer atividade empresarial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 121 THE KEY A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXCLUSÃO EXTRAJUDICIAL DE SÓCIOS EM SOCIEDADES LIMITADAS COM APENAS DOIS SÓCIOS1 THE UNCONSTITUTINALITY OF EXTRAJUDICIAL SHAREHOLDER EXCLUSION IN LIMITED LIABILITY COMPANIES WITH ONLY TWO SHAREHOLDERS Pedro Henrique Carvalho da Costa Resumo O artigo tem como objetivo analisar a mudança legis lativa promovida no parágrafo único do artigo 1085 do Código Civil pela Lei nº 137292019 que permitiu a exclusão extrajudicial de só cio minoritário em sociedades limitadas com apenas dois sócios Far seá uma análise do instituto da exclusão extrajudicial como cláusula opcional de contratos sociais que permitem a sócios majoritários ex cluírem minoritários em sociedades limitadas quando estes estiverem praticando atos de inegável gravidade em face da sociedade desde que respeitados os quóruns necessários e a realização de uma reu nião ou assembleia prévia para isso na qual é assegurado ao sócio excludente o direito de defenderse das acusações Na sequência será analisada a temática da eficácia horizontal dos direitos funda mentais às relações interprivadas verificando a incidência direta dos preceitos constitucionais a relações que não somente as do Estado Serão tecidos comentários quanto à constitucionalização do direito privado especificamente referente ao direito empresarial com análi se de um julgado do Supremo Tribunal Federal no qual essa eficácia foi assegurada em um procedimento de exclusão extrajudicial de só RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 123 1 Artigo recebido em 21082021 e aceito em 11102021 Mestrando em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná UFPR Especialista em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR Pesquisador do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Professor da PósGraduação em Direito Empresarial Aplicado e Análise Econômica do Direito das Faculdades da Indústria FIEP Advogado Email pedrohcarvalhocostagmailcom cio A análise da Lei nº 137292019 e da alteração que promoveu levará à conclusão de sua inconstitucionalidade vez que tolheu os princípios da ampla defesa e do devido processo legal em sociedades limitadas com apenas dois sócios cuja eficácia é direta e prescinde de previsão contratual Por fim recomendase uma mudança legislativa no sentido de apenas permitir a exclusão em sociedades com dois sócios pela via judicial Palavraschave sociedade limitada com dois sócios Exclusão extrajudicial de sócios Eficácia direta dos direitos fundamentais Lei nº 137292019 Inconstitucionalidade Abstract The objective of this paper is to analyze the statutory change enacted on the sole paragraph of Article 1085 of the Civil Code by Federal Statute n 137292019 which permitted the extraju dicial exclusion of shareholders holding a minority of the equity on limited liability companies with only two shareholders First the ex trajudicial exclusion institute will be analyzed as an optional clause for articles of association which enable shareholders that hold a ma jority of the equity in a limited liability company exclude minority ones when these are practicing acts of undeniable severity against the company as long as the respective quorums are respected and a share holders meeting is held for such a decision in which the minority shareholder has the right to defend themselves from the accusations Following up the horizontal effectiveness of fundamental rights on private relations will be analyzed from which it will be concluded that such effectives does not apply only to the State and its relations Comments will be made about the constitutionalisation of private law specifically of commercial law with the analysis of a precedent from the Supreme Federal Tribunal in which such effectiveness was ensured in a procedure of extrajudicial exclusion of a shareholder The analysis of Federal Statute n 137292019 and the alterations it enacted leads to the conclusion of its unconstitutionality since it im paired the principles of audi alteram partem and due process of law in companies with only two shareholders principles whose effective ness is direct and waives contractual stipulation Finally a legislative change is recommended so that only judicial exclusion is possible in such companies 124 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Keywords Limited liability company with two shareholders Extrajudicial exclusion of shareholders Direct effectiveness of funda mental rights Federal Statute n 137292019 Unconstitutionality Sumário Introdução 1 A fundamentação da exclusão extrajudicial em sociedades limi tadas 2 A incidência de direitos fundamen tais nas relações societárias 3 A exclusão extrajudicial em sociedades limitadas com apenas dois sócios liberdade contratual x ampla defesa e devido processo legal Con clusão Introdução O presente artigo analisará a temática da exclusão extrajudi cial de sócios em sociedades limitadas instrumento que a sociedade pode dispor em seu contrato social para o encerramento de vínculos societários sem ter de se buscar o Poder Judiciário ou a arbitragem para tal tratando especificamente acerca do uso desse mecanismo em sociedades limitadas com apenas dois sócios Primeiramente o instituto da exclusão extrajudicial será anali sado verificando como ele é disposto no Código Civil destacando pontos positivos e negativos da regência legal O artigo do Código Civil que dispõe sobre essa matéria o 1085 deixa a cargo dos sócios uma regulamentação mais detalhada e a especificação de quais situa ções serão consideradas como justa causa para validar uma exclusão devendo sempre ser assegurado contudo o direito do sócio que se pretende excluir de defenderse das alegações em uma reunião de sócios Na sequência será introduzida a temática da eficácia horizon tal dos direitos fundamentais às relações particulares Para tal análise farseão comentários a respeito da constitucionalização do direito privado e de como os direitos fundamentais previstos constitucional RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 125 mente podem e devem ser aplicados às relações societárias inclusi ve se expondo o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema A temática da constitucionalidade da exclusão de sócios em sociedades com apenas dois sócios será então analisada Comentar seão as mudanças introduzidas no direito societário pela Lei nº 137292019 especificamente quanto à disciplina da exclusão extra judicial Perquirirseá se a mudança trazida que permite a exclusão de sócios em sociedades com apenas dois membros se realizar sem a necessidade de reunião para deliberação do tema não padece de in constitucionalidade Farseá uma análise dos direitos fundamentais envolvidos especialmente a liberdade contratual de um lado e a ampla defesa e o devido processo legal do outro para se chegar à conclusão da inconstitucionalidade da mudança legislativa Para se chegar às conclusões pretendidas utilizarseá do mé todo dedutivo com base na revisão bibliográfica de autores brasilei ros de direito societário e de outras áreas necessárias para a análise como o direito civil e o direito constitucional 1 A fundamentação da exclusão extrajudicial em sociedades li mitadas A sociedade limitada ao contrário de outros tipos societários como a sociedade anônima e a sociedade em nome coletivo surgiu por iniciativa parlamentar para oferecer a pequenos e médios empre sários uma estrutura jurídica que ao mesmo tempo outorgasse o be nefício da limitação de responsabilidade como nas companhias po rém sem a complexidade de constituição e manutenção destas tendo a simplicidade de constituição das sociedades contratuais2 126 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 MIRANDA Maria Bernadete Fundamentos jurídicos da exclusão extrajudicial de sócio na sociedade limitada Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais São Paulo vol 712016 janmar 2016 p 100 No Brasil a limitada foi introduzida no ordenamento jurídico por meio do Decreto 370819 sendo o quarto país no mundo a legis lar sobre essa matéria mesmo antes de países como Estados Unidos da América e França3 A principal característica desse tipo societário que se manteve com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas respectivas quotas e solidariamente até a integralização do capital social4 A sociedade limitada é considerada um modelo híbrido entre sociedades de capital e sociedades de pessoas apresentando caracte rísticas de ambas5 Similar às demais sociedades de pessoas ela é constituída por um contrato social e ao menos nas menores limita das a identidade pessoal dos sócios é relevante para o empreendi mento predominando o intuito personae Ao mesmo tempo a ma leabilidade de sua estrutura tornaa também apta para negócios de grande monta na qual será mais relevante os montes que os sócios investem na sociedade do que a relação entre si Uma forma de definir se uma sociedade limitada é de capital ou de pessoas é analisar os termos de seu contrato social no que se referem ao ingresso de novos sócios Quanto mais difícil for o ingres so de novos membros necessitando quóruns altos para que isso seja aprovado ela terá mais feições de uma sociedade de pessoas6 Conforme mencionado a limitada será constituída por um contrato social que deverá ser registrado na Junta Comercial da sede da sociedade O Código Civil traz o conteúdo mínimo que o contrato social deve ter em seu artigo 9977 Note que conforme o caput do RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 127 3 TOKARS Fábio Sociedades Limitadas São Paulo LTr 2007 p 28 4 GONÇALVES NETO Alfredo de Assis Direito de Empresa comentário aos artigos 966 a 1195 do Código Civil 6ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2016 p 366 5 Ibidem p 367 6 Idem 7 Artigo 997 do Código Civil A sociedade constituise mediante contrato escrito particular ou público que além de cláusulas estipuladas pelas partes mencionará I nome nacionali artigo esses são apenas seus elementos essenciais necessariamente presentes em todo ato constitutivo de sociedades contratuais com as devidas adaptações a cada um dos tipos societários bem como se se trata de sociedade unipessoal ou pluripessoal sendo lícito aos sócios preverem outras cláusulas que quiserem desde que não ex pressamente vedadas em lei Exemplos de cláusulas que podem ser incluídas no contrato social incluem cláusula compromissória de ar bitragem cláusulas relativas à transferência de quotas como tag along e drag along e uma cláusula autorizando a exclusão extrajudi cial de sócios Esta última está prevista no Código Civil em seu artigo 1085 Art 1085 Ressalvado o disposto no art 1030 quando a maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a conti nuidade da empresa em virtude de atos de ine gável gravidade poderá excluílos da sociedade mediante alteração do contrato social desde que prevista neste a exclusão por justa causa Esse dispositivo permite aos sócios que no momento de cons tituição da sociedade ou mediante posterior alteração do contrato so cial seja possível que um sócio praticando atos de inegável gravida de em face da sociedade seja excluído por justa causa sem a neces 128 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 dade estado civil profissão e residência dos sócios se pessoas naturais e a firma ou a deno minação nacionalidade e sede dos sócios se jurídicas II denominação objeto sede e prazo da sociedade III capital da sociedade expresso em moeda corrente podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária IV a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizála V as prestações a que se obriga o sócio cuja contribuição consista em serviços VI as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições VII a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas VIII se os sócios respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais Parágrafo único É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado contrário ao disposto no instrumento do contrato sidade de um processo judicial ou arbitral para tal conforme seria necessário caso seguido o rito do artigo 1030 do Código Civil8 Os atos que o sócio que se pretende excluir está praticando devem ser considerados pela maioria dos sócios como de máfé e desleais para com a sociedade colocando em risco a própria sobrevi vência da sociedade9 As ações praticadas pelo sócio em questão de vem ser imediatamente contra os interesses da sociedade e mediata mente contra os interesses dos sócios por afetar direitos como a ob tenção de lucros10 A expressão atos de inegável gravidade é propositalmente aberta permitindo que os sócios ao redigirem o contrato social de terminem situações que podem se enquadrar como justa causa para a exclusão extrajudicial A ausência de previsões expressas pode le var a questionamentos judiciais ou arbitrais acerca da existência ou não de justa causa para uma determinada exclusão Exclusões infun dadas ainda podem acarretar a responsabilização dos sócios majori tários11 Vale destacar que não há diferença semântica ou valorativa entre as expressões atos de inegável gravidade e falta grave am bas as expressões denotam o mesmo objetivo e os mesmos fatos12 A simples quebra da affectio societatis não é fundamento sufi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 129 8 Artigo 1030 do Código Civil Ressalvado o disposto no art 1004 e seu parágrafo único pode o sócio ser excluído judicialmente mediante iniciativa da maioria dos demais sócios por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou ainda por incapacidade superveniente 9 BERTOLDI Marcelo RIBEIRO Marcia Carla Pereira Curso Avançado de Direito Comercial 9ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2015 p 227 10 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Direito Comercial sociedades 3ª ed São Paulo Revista dos Tribunais 2014 p 142 11 BOITEUX Fernando Netto A exclusão indevida de sócios e suas consequências Legislação aplicável Revista dos Tribunais São Paulo v 841 nov 2005 p 153 12 ADAMEK Marcelo Vieira Von Anotações sobre a exclusão de sócios por falta grave no regime do Código Civil In LUPION Ricardo org Sociedades Limitadas estudos em come moração aos 100 anos Porto Alegre Editora Fi 2019 p 331 ciente para a exclusão de um sócio13 Podese argumentar que em virtude de atos praticados pelos sócios ela restaria rompida14 porém são os atos em si que constituem a justa causa Em outras palavras o rompimento da affectio é consequência não fundamento para a ex clusão15 A exclusão de forma extrajudicial é mecanismo que tem como objetivo assegurar a preservação da empresa16 princípio fundamen tal do direito societário permitindo que a sociedade prossiga sua existência sem o sócio que esteja causando problemas de forma céle re e eficiente Considerando a gravidade da medida ela deve ser a última opção dos sócios somente se justificando quando os atos pra ticados pelo sócio realmente forem intoleráveis no âmbito societário e não houver outra medida para remediar a situação17 Por muito a doutrina debateu acerca de qual seria a natureza jurídica da exclusão de sócios Dentre as teorias que tomaram desta que incluise a de a exclusão ser fundada na finalidade pública do instituto tendo caráter penal o exercício de um direito de poder dis ciplinar de forma similar ao poder disposto pela Administração Pú blica a natureza contratual do instituto tendo como causa o inadim 130 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 13 Esse entendimento apesar de controverso nos tribunais estaduais foi consolidado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que aprovou o 67º enunciado com a seguinte redação a quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minori tário mas apenas para dissolução parcial da sociedade 14 Ressalvase o entendimento do autor sobre esse tema de que a affectio societatis é um conceito vago e impreciso no direito societário bem como que não se verificam maiores van tagens em sua manutenção no ordenamento jurídico especialmente pela jurisprudência e seu uso indevido Para mais informações ver FRANÇA Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França ADAMEK Marcelo Vieira Von Affectio societatis um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social Revista de Direito Mercantil São Paulo v 149150 p 108130 2009 15 TOKARS Fábio Op Cit p 364 16 MIRANDA Maria Bernadete Op Cit p 108 17 ADAMEK Marcelo Vieira Von Op Cit p 332 plemento por parte de um sócio o que legitimaria sua exclusão Esta última teoria é a mais aceita pela doutrina atualmente18 Não se trata de um poder absoluto de sócios majoritários de terminarem a exclusão dos minoritários O parágrafo único do artigo 1085 estabelece a necessidade de uma deliberação social para que a exclusão seja consolidada Parágrafo único Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa Redação dada pela Lei nº 13792 de 2019 Portanto o procedimento a ser seguido pela sociedade é a maioria dos sócios representando mais da metade do capital social deve convocar uma assembleia ou reunião para se deliberar acerca da exclusão de um sócio minoritário Nesse conclave o sócio que se pretende excluir terá direito de defesa podendo arguir em face dos demais sócios as razões para sua permanência na sociedade Realiza da sua defesa e debatido o assunto entre os presentes os demais só cios decidirão acerca de sua exclusão ou não Ante ausência de quórum específico para essa deliberação autores tendem a considerar que o quórum aplicável é o da maioria absoluta do capital social19 Vale destacar que o sócio que se pretende excluir por força do parágrafo segundo do artigo 1074 do Código Civil20 não vota nesta deliberação por lhe dizer respeito diretamente RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 131 18 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Op Cit p 142145 19 Ibidem p 148 20 Artigo 1074 do Código Civil A assembléia dos sócios instalase com a presença em pri meira convocação de titulares de no mínimo três quartos do capital social e em segunda com portanto o quórum deve ser computado sem sua participação porém sua participação deve ser computada para o quórum da instalação da deliberação Alfredo de Assis Gonçalves Neto nota uma incongruência no Código Civil vez que o quórum para a destituição de sócio da admi nistração da sociedade é de 23 do capital social ao passo que para a exclusão de sócios algo mais grave o quórum seria menor21 Uma possível solução para a questão do quórum é sua inter pretação como um quórum complexo que exige não apenas a maio ria do capital social mas também que essa maior seja expressa pela maioria dos sócios contados por cabeça Essa solução é defendida por Marcelo Adamek e Luis Felipe Spinelli que propõem uma leitura atenta do caput do artigo 1085 quando a maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social que foi re digido de forma diferente das demais previsões de quóruns societá rios22 Essa solução parece ser a mais adequada respeitando a reda ção do artigo e a excepcionalidade da medida que deve exigir um quórum maior do que apenas maioria absoluta do capital social A necessidade de realização de assembleia ou reunião para se determinar a exclusão de sócios merece destaque Apesar de ser uma medida que em teoria assegura ao sócio que se pretende excluir o direito de ampla defesa e a possibilidade de convencer os demais só cios da necessidade de sua permanência em realidade o sócio se de fenderá em face daqueles que em sua maioria almejam sua exclu são sendo um procedimento muitas vezes estritamente formal com poucas chances de sucesso23 132 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 qualquer número 2º Nenhum sócio por si ou na condição de mandatário pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente 21 GONÇALVES NETO Alfredo de Assis Op Cit p 473 22 SPINELLI Luis Felipe Exclusão de sócio por falta grave na sociedade limitada São Paulo Quartier Latin 2015 p 360 23 LANA Henrique Avelino Recesso e exclusão de sócios em sociedades limitadas dissolução parcial Revista de Estudos Jurídicos UNA Belo Horizonte vol 5 2019 p 10 Isso fica evidente quando se considera que o quórum para se buscar a exclusão de um sócio é de mais da maioria dos sócios pos suidores de mais da metade do capital social Ou seja os sócios que pretendem excluir outro já possuem a maioria necessária para a ex clusão independentemente do posicionamento dos demais Não se pode deixar de considerar todavia a possibilidade de algum dos só cios mudar seu posicionamento após a reunião ou verificar que a saí da de outro sócio implicaria numa descapitalização significativa da sociedade algo que seria prejudicial para a preservação da empresa votando contra a exclusão por conta disso Em situações que o sócio excluído não concorde com a deli beração acreditando ter a exclusão sido efetivada de forma injusta e em desacordo com as previsões legais e contratuais é possível o questionamento do conclave perante um juiz ou árbitro haja vista a inafastabilidade do controle jurisdicional preceito de índole consti tucional que permite ao julgador averiguar se a situação efetiva mente se enquadrava como justa causa24 Na forma como está atualmente disposta no Código Civil con siderase que a exclusão extrajudicial realiza um papel importante para a preservação da harmonia da sociedade e ao mesmo tempo pode servir como palco para abusos de maioria 2 A incidência de direitos fundamentais nas relações societá rias A discussão pretendida neste artigo implica necessariamente numa introdução ao tema da eficácia dos direitos fundamentais em relações privadas O debate posto é de se os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal vinculam somente o Estado como forma de agir e de planejar suas políticas públicas ou se afetam dire tamente os particulares em suas relações descoladas com o Estado RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 133 24 ADAMEK Marcelo Vieira Von Op Cit p 351 Essa questão pode ser analisada sob o prisma mais amplo da constitucionalização do direito privado fenômeno que buscou colo car a constituição no centro do ordenamento jurídico não apenas num sentido hierárquico mas axiológico A ideia era romper com a dicotomia estrita entre Estado e sociedade figuras que somamse em direção à ética una que é a defesa material da dignidade da pessoa humana25 A eficácia dos direitos fundamentais aos particulares pode ocorrer de duas formas a primeira seria de forma indireta pela qual se argumenta que os direitos fundamentais devem ser levados em consideração quando da elaboração de leis que expressariam esses valores fundamentais porém sem haver uma aplicação direta dos preceitos constitucionais a segunda prega pela aplicação direta se gundo a qual os direitos fundamentais devem ser aplicados direta mente nas relações entre pessoas privadas26 Vale destacar contudo que os dois modelos não são mutuamente excludentes27 A doutrina da eficácia imediata encontrou grande recepção no Brasil sendo pouco contestada em trabalhos acadêmicos28 Na pró pria Constituição Federal é possível verificar a tendência por esta concepção o 1º do artigo 5º prevê de forma expressa que os direitos fundamentais não necessitam de intermédio legal sendo aplicáveis imediatamente29 134 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 25 PAULINI Umberto FACHIN Melina Girardi Problematizando a eficácia dos direitos funda mentais nas relações entre particulares ainda e sempre sobre a constitucionalização do direito civil In FACHIN Luiz Edson TEPEDINO Gustavo orgs Diálogos sobre Direito Civil Rio de Janeiro Renovar 2007 v 2 p 196 26 Ibidem p 203204 27 Ibidem p 204 28 RODRIGUES JR Otávio Luiz Direito Civil Contemporâneo estatuto epistemológico cons tituição e direitos fundamentais 2ª ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2019 p 295 29 Artigo 5º da Constituição Federal Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade Esse debate mantevese centrado de certa forma no direito civil cuja doutrina explorou de forma intensa as relações em suas normas e a Constituição O direito empresarial por sua vez manteve se distante do fenômeno30 Somente mais recentemente autores co mercialistas começaram a reconhecer a importância dos princípios constitucionais para sua disciplina reconhecendo também o isola mento que isso causou ao direito empresarial alheio a esta nova rea lidade31 A ordem econômica constitucional é estabelecida no artigo 170 da Constituição Federal32 que coloca a livreiniciativa como um de seus fundamentos observados os ditames da justiça social Não é possível assegurar a livreiniciativa empresarial portanto sem consi derar a coexistência desse princípio com os demais direitos funda mentais garantidos devendo os fins das sociedades empresariais irem ao encontro desses direitos33 Os princípios norteadores do Código Civil especificamente o da socialidade o da eticidade e da operabili dade devem ser observados nas relações econômicas empresariais34 No direito societário a quebra com a concepção estritamente privatista da disciplina implica no reconhecimento de interesses en RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 135 do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata 30 POZZO Emerson Luís Dal Paradigmas da função social da empresa em crise da função social à função socioeconômica Rio de Janeiro Lumen Juris 2020 p 148 31 COELHO Fábio Ulhoa O projeto do Novo Código Comercial Revista do Instituto dos Ad vogados de São Paulo São Paulo vol 292012 janjun 2012 p 202 32 Artigo 170 da Constituição Federal A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios 33 RIBEIRO Marcia Carla Pereira VIANNA Guilherme Borba Titularidade patrimonial na em presa frente à ordem civilconstitucional e o papel empresarial para a dignidade da pessoa humana primeiras anotações Scientia Iuris Londrina vol 12 2008 p 76 34 Ibidem p 77 volvidos que vão além dos interesses dos sócios para a formação do interesse social35 Quanto ao reconhecimento da incidência de direitos funda mentais nas relações societárias citase o Recurso Extraordinário n 15821536 julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 1996 Nele de batiase acerca da exclusão de um associado de uma cooperativa a qual havia sido realizada sem a observância do devido processo le gal O Ministro Marco Aurélio relator do caso entendeu que os prin cípios do devido processo legal e do contraditório deveriam ter sido observados pela cooperativa restando o julgado ementado da se guinte forma DEFESA DEVIDO PROCESSO LEGAL INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS EXAME LEGISLAÇÃO COMUM A intangibilida de do preceito constitucional assegurador do de vido processo legal direciona ao exame da legis lação comum Daí a insubsistência da óptica se gundo a qual a violência à Carta Política da Repú blica suficiente a ensejar o conhecimento de ex traordinário há de ser direta e frontal Caso a caso compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria distinguindo os re cursos protelatórios daqueles em que versada com procedência a transgressão a texto constitu cional muito embora tornese necessário até mesmo partirse do que previsto na legislação comum Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado 136 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 35 SALOMÃO FILHO Calixto O novo direito societário 2ª ed São Paulo Malheiros 2002 p 23 36 BRASIL Supremo Tribunal Federal Segunda Turma Recurso Extraordinário nº 158215 Re lator Ministro Marco Aurélio Data do Julgamento 30 abr 1996 Data de Publicação 07 jun 1996 Democrático de Direito o da legalidade e do de vido processo legal com a garantia da ampla de fesa sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais COOPERATIVA EX CLUSÃO DE ASSOCIADO CARÁTER PUNITIVO DEVIDO PROCESSO LEGAL Na hipótese de ex clusão de associado decorrente de conduta con trária aos estatutos impõese a observância ao devido processo legal viabilizado o exercício am plo da defesa Simples desafio do associado à as sembléia geral no que toca à exclusão não é de molde a atrair adoção de processo sumário Ob servância obrigatória do próprio estatuto da coo perativa grifos nossos Em seu voto o relator consignou que era obrigação da coope rativa assegurar o direito dos associados de defenderemse das alega ções restando ilegal e inconstitucional a exclusão sumária Esse jul gado foi posteriormente citado como precedente no Agravo Regi mental no Agravo de Instrumento n 346501 em 200437 que abordou situação similar Em outro caso semelhante no Recurso Extraordiná rio n 201819 em 2005 a incidência dos mesmos direitos fundamen tais foi reconhecida em uma associação sem fins lucrativos38 entida de não societária porém igualmente associativa O disposto no artigo 1085 do Código Civil em seu parágrafo único está em sintonia com a incidência de direitos fundamentais nas relações particulares não outorgando um direito potestativo dos só cios majoritários de excluírem sócios minoritários mas somente após RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 137 37 BRASIL Supremo Tribunal Federal Primeira Turma Agravo Regimental no Agravo de Ins trumento nº 346501 Relator Ministro Sepúlveda Pertence Data do Julgamento 16 dez 2004 Data de Publicação 25 fev 2005 38 BRASIL Supremo Tribunal Federal Segunda Turma Recurso Extraordinário nº 201819 Re latora Ministra Ellen Gracie Relator p Acórdão Ministro Gilmar Mendes Data do Julgamento 11 out 2005 Data de Publicação 27 out 2006 um procedimento interno no qual seja devidamente garantida a oportunidade do sócio se defender Caso um contrato social preveja um mecanismo distinto para a exclusão de sócios não apenas pade ceria de ilegalidade porém também de inconstitucionalidade 3 A exclusão extrajudicial em sociedades limitadas com apenas dois sócios liberdade contratual x ampla defesa e devido pro cesso legal Em 2019 foi promulgada a Lei n 137292019 que promoveu mudanças em alguns pontos da disciplina das sociedades limitadas no Código Civil A mais notável delas foi a alteração do parágrafo único do artigo 1085 criando uma ressalva para os casos de exclusão extrajudicial agora não é mais necessária a realização de uma reu nião para se excluir um sócio em sociedades limitadas que possuam somente dois sócios As reuniões para se deliberar sobre a exclusão de sócios con forme exposto muitas vezes se revestem de caráter estritamente for mal já tendo a maioria sido formada para a exclusão É possível igualmente a alteração do posicionamento de determinados sócios na deliberação a depender da habilidade do sócio se defender das acusações Em sociedades com apenas dois sócios o conclave era ainda mais proforma pois o majoritário já possui sua decisão acerca da ex clusão39 sendo pouco realista pensar que o minoritário o convence ria durante a reunião a não prosseguir com a exclusão sendo possí vel que ambos os sócios discutissem sua permanência a qualquer momento revelandose desnecessária a convocação de uma reunião específica para esse tema 138 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 39 COUTO FILHO Fábio Costa A minirreforma da sociedade limitada de janeiro de 2019 Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais São Paulo vol 862019 outdez 2019 p 129 Essa mudança pode servir de palco para abusos de maioria na qual o sócio majoritário por simples desentendimento com o só cio minoritário decide alterar o contrato social de forma unilateral promovendo sua exclusão do quadro societário havendo ou não jus ta causa O sócio majoritário estaria utilizando o instituto da exclusão extrajudicial para seu próprio interesse a despeito do que pode ser mais interessante para a sociedade Após a exclusão o sócio excluído terá direito a receber o va lor patrimonial de sua quota em caso o contrato social não preveja prazo distinto noventa dias A depender da participação do sócio ex cluído na sociedade isso pode implicar numa descapitalização consi derável da sociedade40 Considerese a seguinte situação uma sociedade A na qual há somente dois sócios um com participação societária de 60 e o outro com os 40 restantes Ambos acabam tendo um desentendimento por razões alheias à sociedade mas que impedem o prosseguimento de sua relação O sócio majoritário em um ímpeto movido por seu descontentamento registra uma alteração do contrato social da socie dade A na qual excluí o socio minoritário sem seu conhecimento Situações como essa não são difíceis de imaginar na prática empresarial em que o sócio majoritário não levou em conta que o minoritário tem direito aos seus 40 da sociedade como haveres os quais devem ser devidamente pagos Muito provavelmente o sócio majoritário não levou em consideração a necessidade de pagamento de haveres elevados quando do registro da minuta Caso o sócio minoritário queira anular esse registro será ne cessário o ingresso de uma demanda no Poder Judiciário ou em arbi tragem visando ou seu reingresso na sociedade ou a responsabiliza ção do sócio majoritário por perdas e danos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 139 40 VERÇOSA Haroldo Malheiros Duclerc Op Cit p 154 Outra situação que pode ser verificada é na ocorrência de fal tas graves por ambos os sócios Luis Felipe Spinelli comenta que não seria possível a exclusão de somente um deles nesse caso por violar o princípio da igualdade de tratamento sendo mais adequada a dis solução total da sociedade caso se verifique que ela não pode preen cher seu fim social41 Com a nova possibilidade do Código Civil é possível que em uma situação similar a despeito de também estar cometendo faltas graves perante a sociedade o sócio majoritário exclua o minoritário e se mantenha sócio possivelmente continuando com o cometimento de atos de inegável gravidade perante a sociedade Verificase com esses exemplos a ineficiência dessa alteração legislativa Se a tentativa era evitar que sócios ingressassem em juízo prestigiando a célere exclusão extrajudicial o que se terá na prática é um possível aumento de demandas que tentem reverter essas modificações societárias Medida mais adequada teria sido uma alteração legislativa para prever que em sociedades com somente dois sócios a exclusão somente pode ocorrer conforme o artigo 1030 do Código Civil que dispõe sobre a exclusão judicial Essa seria a única forma de assegu rar ao sócio minoritário o direito de defenderse das acusações do sócio majoritário levando os argumentos de ambas as partes a um juiz ou árbitro Essa foi a escolha realizada pelo direito italiano pelo qual a exclusão em sociedades de pessoas de dois membros sempre será realizada de forma judicial Em Portugal isso também é regra para as sociedades em nome coletivo havendo controvérsia doutrinária a respeito da possibilidade de se operar a exclusão pela modalidade extrajudicial em sociedades por quotas42 140 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 41 SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 248 42 Ibidem p 242243 O sistema do Código Civil de exclusão extrajudicial antes da alteração foi elaborado justamente para assegurar o direito de ampla defesa como expressão dos direitos fundamentais nas relações priva das4344 A nova redação do parágrafo único do artigo 1085 essencial mente cria um direito potestativo do sócio majoritário de excluir o minoritário vez que será ele que afirmará a ocorrência de justa causa existente ou não na realidade o que parece ir de encontro ao preten dido pelo Código Civil Poderseia argumentar que há outro direito fundamental em tela que justificaria exclusões nessas situações que é a liberdade contratual Esta representa o poder que as partes têm de livremente dispor sobre as cláusulas de seus contratos45 O sócio minoritário ao ingressar na sociedade concordou com a redação do contrato social inclusive com esta cláusula Ainda haveria uma renúncia tácita ao direito de ampla defesa algo que seria permitido por se tratar de relações privadas e de direitos disponíveis Essa argumentação foi reforçada com a Lei n 138742019 a Lei de Liberdade Econômica que positivou46 o chamado princípio da intervenção mínima nas relações contratuais privadas47 indicando RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 141 43 GONÇALVES Ewerton Meirelis Direitos e garantias fundamentais no direito societário Dissertação Mestrado em Direito Universidade Estadual Paulista 2013 p 87 44 Em sentido contrário entendendo que o direito de defesa do sócio excluendo se resume ao direito de ser ouvido pelos demais não se confundindo com o devido processo legal e defendendo a inaplicabilidade desse princípio nas exclusões extrajudiciais ver SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 349351 45 NALIN Paulo A função social do contrato no futuro Código Civil brasileiro Revista de Direito Privado São Paulo v 12 outdez 2002 p 54 46 Artigo 421 do Código Civil A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato Redação dada pela Lei nº 13874 de 2019 Parágrafo único Nas relações contra tuais privadas prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual Incluído pela Lei nº 13874 de 2019 47 Alinhase com o entendimento de críticos da Lei de Liberdade Econômica quanto a esse ponto no sentido de ser um princípio desprovido de real conteúdo jurídico e sem previsão a rigor no ordenamento jurídico sendo que a intervenção nas relações privadas sempre foi uma tentativa de fortalecimento dos direitos advindos da liberdade econômica inclusive a contratual Retomase a argumentação com base na incidência direta dos direitos fundamentais nas relações privadas Os direitos de ampla de fesa e do devido processo legal não necessitam de expressa previsão no contrato social para que sejam efetivados e exigidos na prática Além de previsão legal eles são assegurados constitucionalmente48 o que implica em sua observância em todas as relações societárias Mesmo que a previsão constitucional seja a processos judiciais e administrativos o devido processo legal deve ser observado sem pre que houver situações jurídicas com desequilíbrio de poder como forma de evitar abusos e arbitrariedades daqueles que dispõem do poder com fundamento não somente neste princípio mas também nos da igualdade substancial da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social49 A interpretação sistemática é tão fundamental que já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em diversos momentos conforme os julgados citados previamente A garantia do devido processo legal em entidades privadas não necessita de estruturas complexas sendo assegurada em atos simples que assegurem a dignidade de seus membros Qualquer san ção imposta a um membro de uma sociedade sem que lhe seja garan 142 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 medida excepcional cf TEPEDINO Gustavo CAVALCANTI Lais Notas sobre as alterações promovidas pela Lei nº 138742019 nos artigos 50 113 e 421 do Código Civil In SALOMÃO Luis Felipe CUEVA Ricardo Villas Bôas FRAZÃO Ana Coords Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p 505 48 Artigo 5º da Constituição Federal Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal LV aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes 49 BRAGA Paula Sarno Aplicação do devido processo legal a processos particulares proces sos punitivos de sócios associados e condôminos Revista de Processo São Paulo v 161 jul 2008 p 303304 tido o direito de ser ouvido previamente pode inclusive tolher a le gitimidade da deliberação50 Há nessa situação um conflito entre os princípios constitucio nais analisados de um lado a liberdade contratual do outro o devi do processo legal e a ampla defesa Princípios por sua vez devem ser entendidos no sentido que Robert Alexy forneceu como manda mentos de otimização que podem ser cumpridos em graus distintos em relações jurídicas distintas A aplicação de um princípio em um determinado caso em detrimento de outros não invalida estes que continuarão válidos no ordenamento jurídico51 Afirmar que a ampla defesa e o devido processo legal devem prevalecer no conflito discutido não significa reduzir a importância da liberdade contratual mas apenas que nessa situação analisada em específico aqueles princípios devem prevalecer por conta da carga de valores que carregam os quais são muito sensíveis ao ordenamen to jurídico para serem eivados de forma leviana Teria agido melhor o legislador caso tivesse restringido a ex clusão de sócios em sociedades com apenas dois sócios à forma judi cial exclusivamente52 evitando o potencial desequilíbrio de poderes que serão ocasionados com a mudança legislativa Esperase que a jurisprudência pátria siga o caminho dos julgados do Supremo Tribu nal Federal analisados relativizando a modificação realizada e garan tindo os direitos fundamentais dos sócios envolvidos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 143 50 ANDRADE Cássio Calvacante O princípio do devido processo legal histórico dimensões e eficácia horizontal Revista dos Tribunais São Paulo v 948 out 2014 p 93 51 BUSTAMANTE Thomas Princípios regras e conflitos normativos uma nota sobre a supe rabildiade das regras jurídicas e as decisões contra legem Direito Estado e Sociedade Rio de Janeiro n 37 p 152180 2020 p 154 52 Mesmo discordando acerca da incidência do princípio da ampla defesa nas exclusões ex trajudiciais Luis Felipe Spinelli também defende que a exclusão em sociedades com apenas dois sócios somente deveria ocorrer de forma judicial cf SPINELLI Luis Felipe Op Cit p 242 Conclusão Neste artigo foi possível realizar um estudo acerca da exclu são extrajudicial de sócios em sociedades limitadas em particular considerando recentes alterações ao Código Civil problematizando a questão da exclusão em sociedades com apenas dois sócios A exclusão extrajudicial é prevista no artigo 1085 do Código Civil como mecanismo de manutenção da harmonia das relações in ternas da sociedade permitindo que sócios representantes da maioria tanto em número de sócios quanto do capital social excluam sócios que estejam praticando atos em prejuízo da sociedade pondo em ris co sua continuidade É necessário que o contrato social preveja ex pressamente a possibilidade de exclusão pela via extrajudicial asse gurando o direito de defesa do sócio que se pretende excluir A garantia do direito de defesa do sócio é assegurada não so mente pelo disposto no Código Civil mas também por força da inci dência de direitos fundamentais nas relações privadas Fato este asse gurado pela Constituição Federal a temática inserese no debate maior sobre a constitucionalização do direito privado impondo a ob servância dos preceitos constitucionais nas relações com maior inde pendência do Estado Mesmo no direito empresarial que sentiu esse fenômeno em menor intensidade do que o direito civil é necessário observar os princípios constitucionais quando do estudo e aplicação de suas nor mas O Supremo Tribunal Federal já decidiu inclusive pela incidên cia de normas constitucionais em casos de exclusões de sócios em aplicação direta da Constituição Federal A mudança do parágrafo único do artigo 1085 do Código Ci vil promovida pela Lei nº 137292019 ao eliminar a necessidade de realização de assembleias para a exclusão de sócios em sociedades limitadas com somente dois sócios apesar de ser algo que era reali zado somente por formalidade vai de encontro ao que a Constituição Federal e o próprio Código Civil preconizam Não era intenção do 144 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 legislador criar um direito potestativo do sócio majoritário excluir o minoritário que é essencialmente o que está previsto atualmente já que sempre caberá àquele a decisão de excluir este havendo ou não justa causa na realidade algo que pode levar a um aumento em de mandas judiciais e arbitrais sobre exclusão de sócios ao contrário do que parece ter sido a intenção da modificação realizada Os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal devem ser observados nas relações entre privados não somente pelo dispos to no artigo 5º da Constituição Federal mas também como expressão dos objetivos maiores da Constituição que são uma valorização dos princípios da igualdade substancial e da solidariedade Uma mudança legislativa mais favorável teria sido impedir a possibilidade de exclu são extrajudicial nestas sociedades somente autorizando a exclusão pela via judicial na qual efetivamente se verificaria o direito à defesa do sócio minoritário Enquanto não for verificada uma nova mudança legislativa esperase que a jurisprudência aja de forma a evitar possí veis abusos que podem ser realizados por conta da mudança RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 145 IN THE TOMB OF THE RURAL GODS A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PLATAFORMAS DE CROWDFUNDING DE RECOMPENSA E DE PRÉVENDA PELA FRAUDE POR TERCEIROS FINANCIADOS1 CIVIL LIABILITY OF PRESALE AND REWARD CROWDFUNDING PLATFORMS IN THE EVENT OF FRAUD BY THE FINANCED THIRDPARTY Henrique Cunha Souza Lima Resumo As plataformas de crowdfunding revolucionaram as formas tradicionais de financiamento privado permitindo uma apro ximação entre investidores e projetos inovadores Contudo na medi da em que recente o fenômeno ainda carece de regulação mais abrangente ensejando múltiplas controvérsias O objetivo da pre sente pesquisa é detalhar um dentre os diversos aspectos polêmi cos que a temática suscita em que medida as plataformas de crowd funding nas modalidades de prévenda e de recompensa po dem ser responsabilizadas pela eventual fraude praticada por aque les que recebem o investimento e se essa responsabilidade é objetiva ou subjetiva Palavraschave Crowdfunding Plataformas Prévenda Re compensa Responsabilidade Civil Abstract Crowdfunding platforms have diversified the possi bilities for privatly financing innovative projects but the regulation on the matter is still incipient and gives rise to a series of controversies RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 147 1 Artigo recebido em 07082021 e aceito em 20092021 Professor de PósGraduação em Direito e Tecnologia nas instituições Pontifícia Católica de Minas Gerais PUCMinas e SKEMA Business School Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG PósGraduado em Direito Processual Civil Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG com formação complementar pela University of Leeds Inglaterra cursando módulos da graduação e do LLM Advogado Email henriquesouzalimagmailcom The objective of the present study is to analyse one specific debated aspect of crowdfunding regulation the civil liability regime for pre sale and reward crowdfunding platforms in the event of fraud by the financed party and whether such liability is objective or subjec tive according to the Brazilian legal system Keywords Crowdfunding Platforms Presale Reward Civil Liability Sumário Introdução 1 O Crowdfunding 11 Breve Notícia Histórica 12 Crowdfund ing entre o Conceito e suas Formas 2 As Relações Jurídicas no Crowdfunding 21 As Plataformas de Crowdfunding na Modalida de Recompensa 22 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade PréVenda 3 A Responsabilidade Civil e a Internet 31 A Responsabilidade Civil de Provedores de Serviços na Internet 32 A Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico 4 A Responsa bilidade Civil das Plataformas de Crowd funding Conclusões Introdução A velocidade com que novas tecnologias são desenvolvidas faz com que o operador do direito enfrente inúmeros obstáculos em sua compreensão e regulação Não por outro motivo já se defendeu a des necessidade do estudo do direito cibernético2 Entretanto a intensi dade com que a internet altera a dinâmica das relações sociais e jurí dicas hodiernas impede que essa nova realidade seja negligenciada 148 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 A few years ago at a conference on the Law of the Cyberspace held at the University of Chicago in a room packed with cyberlaw devotees and worse Judge Frank Easterbrook told the assembled listeners that tehre was no more a law of cyberspace than there wae a law of the horse LESSIG Lawrence The Law of the Horse What Cyberlaw Might Teach Harvard Law Review Cambridge Harvard University Press v 113 n 01 p 501546 Apr 1999 p 02 Nesse sentido o estudo do chamado crowdfunding mostrase essencial seja porque a doutrina nacional a seu respeito ainda é inci piente seja pela evidência de que não obstante sua recente criação o modelo já movimenta bilhões de dólares anualmente apenas em 2015 estimase que aproximadamente U 34 bilhões foram levanta dos por meio do crowdfunding3 Naturalmente não é o objetivo deste trabalho abordar o papel do direito na interface com novas tecnologias em geral diante da complexidade do tema e dos múltiplos enfoques possíveis Tampou co irá se debater todos os aspectos e controvérsias relacionadas ao fenômeno do crowdfunding como o enquadramento dos produtos do crowdfunding como valor mobiliário4 Buscase aqui abordar a responsabilidade jurídica das plataformas de captação de recursos nas modalidades de recompensa e de prévenda por atos ou omissões fraudulentas de terceiros que tenham recebido investimento por meio delas evidenciando se essa responsabilidade é objetiva ou subjetiva Diante do crescente volume de investimentos realizados por meio dessas plataformas a análise de sua responsabilidade mostrase curial e o direito brasileiro ainda não oferece respostas claras quanto a que tipo de proteção os investidores fazem jus em caso de fraude nos projetos investidos A estrutura da pesquisa foi organizada em 04 quatro capítu los RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 149 3 Estatísticas disponíveis em CROWDEXPERT Crowdfunding Industry Statistics 20152016 Disponível em httpcrowdexpertcomcrowdfundingindustrystatistics Acesso em 13 jun 2016 4 Para esse estudo recomendase a leitura de HEMINWAY Joan Macleod What is a Security in the Crowdfunding Era The Ohio State Entrepreneurial Business Law Journal Columbus The Ohio State University v 07 n 02 p 335371 2012 e NAJJARIAN Ilene Patrícia de Noronha O Capitalismo Eletrônico Informático Sistemas High Frequency Trading ou Algotraders das Corretoras de Valores Plataformas de Crowdfunding In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 No primeiro capítulo será dada breve notícia histórica do fe nômeno do crowdfunding procurandose definilo e pontuar suas diferentes formas No segundo capítulo a pesquisa estudará a inter face do instituto da responsabilidade civil com a internet em especial no que diz respeito aos provedores de conteúdo e aos intermediários do comércio eletrônico Após a compreensão de como essa respon sabilidade é tratada no direito brasileiro o quarto capítulo abordará especificamente a responsabilidade das plataformas de crowdfun ding nas modalidades recompensa e prévenda à luz do direito nor teamericano e do nacional 1 O Crowdfunding 11 Breve Notícia Histórica O crowdfunding em seu sentido axiológico referese a um financiamento funding por uma coletividade crowd Naturalmente seu formato atual por meio de plataformas on line é recente e advém de algumas iniciativas dos anos 2000 Contu do a ideia de um financiamento coletivo remonta ao menos a 1713 quando o Papa Alexandre contou com o apoio de 750 investidores para concluir a tarefa de traduzir e manuscrever as Ilíadas de Homero do grego para o inglês5 Em outro exemplo clássico de financiamento coletivo houve uma campanha nos Estados Unidos em 1885 com a finalidade de arrecadar recursos para a construção de um pedestal para a Estátua da Liberdade presente dos franceses aos norteamericanos A campa nha veiculada pelo jornal The New York World angariou contribui 150 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 5 KAZMARK Justin Kickstarter Before Kickstarter Disponível em httpswwwkickstar tercomblogkickstarterbeforekickstarterrefhello Acesso em 14 jun 2016 ções de mais de 100000 pessoas de todo o mundo alcançando sua meta para realização da obra6 Notase portanto que a ideia por detrás do crowdfunding não é recente Contudo com o advento da internet foi possível revi ver o instituto e aumentar sua abrangência Em 2003 por exemplo foi lançada nos Estados Unidos a plataforma ArtistShare em que mú sicos buscavam doações de fãs para financiar seus projetos musicais sendo previsto um programa de recompensas para aqueles que con tribuíssem7 Dentre outras plataformas de destaque vale pontuar o papel da Indiegogo de 20088 e da Kickstarter lançada em 20099 que marcaram o histórico do crowdfunding ajudando na sedimentação do instituto como forma de captação de recursos privados em escala global Em verdade temse que o crowdfunding em plataformas digi tais decorre de dois institutos anteriores o crowdsourcing e a micro finance1011 O primeiro conceito parte da ideia de uma coleta de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 151 6 BBC The Statue of Liberty and Americas Crowdfunding Pioneer BBC News 29 de abril de 2013 Acesso em httpwwwbbccomnewsmagazine21932675 Disponível em 14 jun 2016 7 Para maior detalhe quanto ao histórico do crowdfunding na era digital ver FREEDMAN David M e NUTTING Matthew R A Brief History of Crowdfunding Including Rewards Dona tion Debt and Equity Platforms in the USA 2015 Disponível em httpwwwfreedmanchica gocomec4iHistoryofCrowdfundingpdf Acesso em 14 jun de 2016 8 INDIEGOGO About Us Disponível em httpswwwindiegogocomaboutourstory Acesso em 14 jun 2016 9 KICKSTARTER Kickstarter Basics Disponível em httpswwwkickstar tercomhelpfaqkickstarterbasicsreffooter Acesso em 14 de jun 2016 10 Crowdfunding is the natural derivative of microfinance and crowdsourcing two innova tions that have grown impressively during the past two decades FINK Andrew Protecting the Crowd and Raising Capital Through the JOBS Act 25 de abril de 2012 p 07 Disponível em httpssrncomabstract2046051 Acesso em 18 jun 2016 11 El crowdfunding es una materia nueva con un desarrollo exponencial Surge como uma variante del crowdsourcing puesta en contacto a través de internet de la gente interesada em contribuir a la realización una obra cuya principal manifestación es Wikipedia ZUNZUNE contribuições por diferentes indivíduos a fim de se alcançar um obje tivo o foco portanto é naquele que contribui12 Por outro lado a microfinance ou microlending envolve o empréstimo de pequenas quantias de dinheiro a geralmente devedores com baixa renda o foco portanto é na figura daquele que recebe o empréstimo13 14 Assim é possível perceber que o crowdfunding por meio de plataformas digitais é um fenômeno recente mas advindo de um lon go histórico de iniciativas e possui desenvolvimento exponencial15 152 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 GUI Fernando Régimen jurídico de las plataformas de financiación participativa Crowdfun ding Spanish Crowdfunding Act 30 de junho de 2015 p 04 Disponível em httpssrncomabstract2628249 Acesso em 14 jun 2016 12 Internetbased crowdfunding is a merger of two distinct antecedents crowdsourcing and microfinance Crowdsourcing is quite simply collecting contributions from many individuals to achieve a goal It divides an overwhelming taskinto small enough chunks that completing it becomes feasible Wikipedia is probably the most prominent example of crowdsourcing an entire encyclopedia consisting of articles written and edited by the general public BRAD FORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Re view v 2012 n 1 2012 p 1819 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabs tractid1916184 Acesso em 14 jun 2016 13 The other antecedent of crowdfunding is microlending sometimes called microfinance Microlending involves lending very small amoU1ts of money typically to poorer borrowers Microleding can be traced back to Irish loan funds in the 1700s but it became prominent in recent times through the work of Muhammad Yunus and the Grameen Bank Yunuss project began when he loaned 27 of his own money to 42 villagers in Bangladesh He subsequently established a multibranch bank the Grameen Bank that specialized in such loans In 2006 Yunus and the Grameen Bank shared the Nobel Peace Prize Microlending has its detractors but it has ballooned into a multibilliondollar industry Microlending is defined primarily by the recipientvery small entrepreneurial ventures BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 p 1819 Dis ponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Acesso em 14 jun 2016 14 The broader crowdfunding movement has its roots in the microfinance and microcredit trend pioneered by Nobel Prize winner Muhammad Yunus WEINSTEIN Ross S Crowdfunding in the US and Abroad What to Expect When Youre Expecting Cornell International Law Journal Ithaca v 46 Iss 2 Artigo 6 2013 p 428 Disponível em httpscholarshiplawcor nelleduciljvol46iss26 Acesso em 14 jun 2016 15 ZUNZUNEGUI Fernando Régimen jurídico de las plataformas de financiación participa tiva Crowdfunding Spanish Crowdfunding Act 2015 p 04 Disponível em Cabe então tentar definilo bem como examinar brevemente seus principais formatos 12 Crowdfunding entre o Conceito e suas Formas Como visto o crowdfunding é fruto de uma construção hu mana histórica e em virtude de suas particularidades várias foram as tentativas de conceituálo De acordo com a Securities and Exchange Comission SEC órgão norteamericano análogo à Comissão de Valores Mobiliários brasileira por exemplo o termo se refere a um método de financia mento em que o dinheiro é levantado por meio de solicitação de in vestimentos individuais de pequena monta ou de contribuições por um número considerável de pessoas16 O conceito apesar de correto talvez não seja suficientemente abrangente para definir o crowdfunding Em outra construção mais acertada Norberto Montani Martins e Pedro Miguel Bento Pereira da Silva definiram o instituto no sentido de que o crowdfunding ou financiamento coletivo co necta diretamente por meio da Internet e das mí dias sociais as pessoas que podem doar empres tar ou investir dinheiro com aquelas que necessi tam deste dinheiro para financiar um projeto ou negócio que desejam realizar através de peque nas contribuições de um grande número de indi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 153 httpssrncomabstract2628249 Acesso em 14 jun 2016 16 Crowdfunding generally refers to a financing method in which money is raised through soliciting relatively small individual investments or contributions from a large number of peo ple SEC Investor Bulletin Crowdfunding for Investors 2016 Disponível em httpswwwsecgovoieainvestoralertsbulletinsibcrowdfundinghtml Acesso em 14 jun 2016 víduos que juntos de forma anônima formam a massa crítica para viabilizálos17 Naturalmente contudo pelo dinamismo do desenvolvimento tecnológico e pela complexidade das relações humanas e comerciais o apego a um conceito restrito de crowdfunding pode se mostrar in viável sendo recomendável estar atento para novos formatos desse fenômeno em constante evolução Ressaltase que diversas outras foram as tentativas de concei tuação1819 mas o termo mostrase como verdadeiro guardachuva descrevendo variados formatos de financiamento de iniciativas por diferentes grupos de pessoas20 154 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 MARTINS Norberto Montani DA SILVA Pedro Miguel Bento Pereira Funcionalidade dos sistemas financeiros e o financiamento a pequenas e médias empresas o caso do crowdfun ding Revista Economia Ensaios Uberlândia v 29 n especial Associação Keynesiana Brasi leira dez 2014 p 1920 18 Crowdfunding engages a wider array of donors who may choose to support a greater number of enterprises and who may contribute more funds and possibly do so more quickly and with less effort by and risk to the entrepreneur Not only does crowdfunding provide a mechanism to entrepreneurs of raising capital but it also provides an opportunity for investors including those with limited means to purchase equity in enterprises they would like to support or think will be profitable Because of the way it facilitates both groups respective interests crowdfunding democratizes entrepreneurship KASSINGER Theodore W et al De mocratizing Entrepreneurship Na Overview of the Past Present and Future of Crowdfunding Securities Regulation Law Report v 45 n 05 04 fev 2013 Bloomberg BNA p 210 19 Crowdfunding refers to the efforts by entrepreneurial individuals and groups cultural social and forprofit to fund their ventures by drawing on relatively small contributions from a relatively large number of individuals using the internet without standard financial interme diaries MOLLICK Ethan R The Dynamics of Crowdfunding An Exploratory Study 26 de junho de 2013 Journal of Business Venturing v 29 n 1 jan 2014 p 0116 p 02 Disponível em httpssrncomabstract2088298 Acesso em 14 jun 2016 20 Crowdfunding is an umbrella term used to describe an increasingly widespread form of fundraising whereby groups of people pool money typically very small individual contribu tions to support a particular goal Despite increased attention by policymakers regulators investors and founders however the mechanisms and dynamics of crowdfunding in general and equity crowdfunding in particular are not yet well understood As we noted at the outset the umbrella term crowdfunding encompasses various types of fundraising that can range from collecting donations to selling equity stakes via the Internet But a clear definition No que toca às suas formas ao menos oito modalidades emer gem cada uma com suas nuances Não sendo o objeto deste trabalho o de detalhar pormenorizadamente todas elas optase por refletir o trabalho de Norberto Montani Martins e Pedro Miguel Bento Pereira da Silva autores que de maneira elucidativa compuseram esses principais formatos21 Diferentes Tipos de Crowdfunding Tipo Características Principal Interesse Doações Pessoas fornecem recursos para a realização de um determinado projeto negócio sem que nada seja prometido em retorno Social Recompensas Produtosserviços tipicamente de baixo valor material e baixo valor em relação ao da contribuição são ofertados como contrapartida às contribuições Material Prévendas As campanhas visam vender adiantadamente um novo produto serviço ou adiantar recursos para o desenvolvimento de um novo produto serviço oferecendoo em troca das contribuições Material Empréstimo Social Há a possibilidade de realizar empréstimos a juros nulos para projetos comumente de cunho social por determinado prazo e depois receber os recursos de volta Social RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 155 of the term has yet to be proposed AHLERS Gerrit KC et al Signaling in Equity Crowdfun ding out 2012 Disponível em httpssrncomabstract2161587 Acesso em 15 jun 2016 21 MARTINS Norberto Montani DA SILVA Pedro Miguel Bento Pereira Op Cit p 2021 Empréstimos Empréstimos aos pares Um empreendedor ou uma pequena empresa ao invés de recorrer a um banco ou similar contrai um empréstimo pactuando o pagamento de juros e principal junto ao coletivo de contribuidores que assumem a posição de credores Financeiro Dívida Um empreendedor ou uma pequena empresa contrai uma dívida junto aos contribuidores que assumem a posição de credores Financeiro Divisão dos lucros Estabelecemse arranjos de repartição dos lucros futuros entre os contribuidores e os empreendedoresempresas Financeiro Participações A campanha oferece a participação no negócioprojeto através da compra de uma parcela da titularidade do mesmo tal como no caso de uma ação Ao invés de recorrer a investidores anjos ou fundos de venture capital o empreendedor ou a empresa busca investidores no coletivo de pessoas Financeiro Híbridos Mesclam formas distintas onde o interesse financeiro é predominante ou formas financeiras com outras onde o interesse socialmaterial é mais importante eg empréstimos com prévenda Diversos Todas as modalidades possuem em comum o envolvimento de um risco para os investidores que de alguma forma buscam um resultado específico de seu investimento seja o recebimento de par ticipação societária seja o recebimento de mercadorias ou mesmo a utilização dos recursos para elaboração de produtos ou atividades so ciais que lhe sejam caras 156 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 A divisão das plataformas nas oito modalidades acima entre tanto não é unânime havendo quem proponha outros critérios para a classificação2223 A divisão em oito modalidades é apenas a que mais pormenoriza os tipos de crowdfunding Fica aberta a questão quanto ao que pode acontecer às plataformas de crowdfunding caso aqueles que recebem investimentos por meio delas não observem suas contraprestações ou os encargos inerentes aos projetos financia dos Em vista da amplitude do tema o presente trabalho analisará tão somente a responsabilidade das plataformas de recompensa e de prévenda nos casos de fraude praticada pelos agentes financiados É o que passamos a elucidar 2 As Relações Jurídicas no Crowdfunding Antes de analisar se podem as plataformas de crowdfunding ser civilmente responsabilizadas pela fraude de terceiros essencial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 157 22 Alguns autores por exemplo classificam como crowdfunding de recompensa aquele em que os investidores recebem o produto em cuja produção investiram aqui trabalhada como modalidade diversa de prévenda Vide We focus on rewardbased crowdfunding where funders are rewarded for their contributions by receiving the product if it gets produced ELLMAN Matthew HURKENS Sjaak Optimal Crowdfunding Design 1º de outubro de 2014 NET Institute Working Paper nº 1421 Disponível em httpssrncomabstract2507457 Aces so em 27 jun 2016 p 02 23 Existem quatro tipos de crowdfunding sendo praticados no mundo 1 o baseado em doações donation based filantropia sem expectativa de um retorno financeiro 2 o baseado em recompensas reward based em que o apoiador faz a sua contribuição em troca de um prêmio ou a possibilidade de préencomendar um produto 3 com base em pequenos em préstimos lending based que oferece a possibilidade para que os empreendedores atuem como tomadores enquanto contribuintes assumem a posição de credores e 4 financiamento de micro e pequenas empresas MPEs por meio de vendas de ações equity based MON TEIRO Mônica de Carvalho Penido Crowdfunding no Brasil uma Análise Sobre as Motivações de Quem Participa 2014 120f Dissertação Mestrado Executvo em Gestão Empresarial Es cola Brasileira de Administração Pública e de Empresas EBAPE Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro p 10 perquirir a natureza das relações jurídicas estabelecidas entre as pla taformas os investidores e os investidos tanto na modalidade re compensa quanto na prévenda Vale pontuar que boa parte das plataformas online traz moda lidade híbrida com características de mais de uma forma de crowd funding Na prática evidenciase que as modalidades de recompensa e prévenda são muitas vezes trabalhadas em conjunto24 Por exem plo em eventual campanha para criação de um novo jogo de compu tador no caso de doação de baixo valor o investidor seria recompen sado o investidor receberia uma carta de agradecimento escrita a próprio punho dos criadores do jogo Caso o valor doado fosse mais considerável a recompensa entregue pode ser a própria cópia do produto oferecido o jogo criado ainda no exemplo configurando se assim relação de prévenda Mesmo que seja essa a realidade de muitas plataformas as relações jurídicas estabelecidas em cada uma das duas modalidades são diferentes e merecem estudo de forma individualizada 21 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade Recom pensa O crowdfunding de recompensa no inglês reward crowd funding é modalidade considerada nãofinanceira na medida em que os investidores não esperam um retorno financeiro de seu inves 158 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 O que são as recompensas É um incentivo que você pode oferecer em troca de doações para sua campanha Os contribuidores dão preferência à recompensas com valor emocional atribuído por isso ofereça recompensas exclusivas e simbólicas que o façam se sentir parte do seu projeto Podem ser físicas ou intangíveis como um agradecimento nas redes sociais ou uma cópia online da sua obra Lembrese que as recompensas não podem ter caráter monetário como retorno financeiro ou porcentagem nas ações da empresa KICKANTE Descubra Como Atrair Kickadores com Boas Recompensas Disponível em httpwwwkickantecombrbau deideiascriarlancarcampanhacrowdfundingrecompensas Acesso em 27 jun 2016 gn timento mas apenas que i seja o projeto financiado concluído e ii sejalhes entregue uma prometida recompensa25 As recompensas oferecidas tendem a ser simbólicas com maior valor sentimental que material como por exemplo o envio de cartões de agradecimento assinado pelos financiados um jantar com os idealistas do projeto ou brindes personalizados26 Na me dida em que tais recompensas são eminentemente simbólicas notase que a principal razão pela qual o investidor financia o pro jeto em questão é por acreditar nele e buscar um senso de perten cimento à comunidade que usufruirá da futura prestação do servi çocriação do produto Diferentemente do que acontece no crowdfunding de pré venda a ser analisado abaixo a relação jurídica estabelecida entre investidor e financiado em regra não é onerosa Em verdade o prin cipal objetivo de quem doa é o auxílio financeiro àquele projeto es pecífico sendo a recompensa um objetivo secundário um estímulo para que as doações sejam sempre as mais generosas possíveis ao trazerem ao investidor a sensação de fazerem parte da criação senso de comunidade e pertencimento27 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 159 25 Reward crowdfunding is one of the nonfinancial crowdfunding models Funders of these campaigns do not expect a financial return on their pledge they rather expect nonfinancial rewards based on the size of their pledge The model is often compared to prepurchasing and a majority of the crowdfunders are assumed to be future consumers of the product AN DERSEN Lasse Magnus Klæbo MAURITZEN Lars Joakim Crowdfunding as a Tool for Startups to Raise Capital 2015 109f Dissertação Mestrado em Business Analysis and Performance Ma nagement Norwegian School of Economics p 71 26 The reward and prepurchase crowdfunding models are similar to each other and often appear together on the same sites The reward model offers something to the investor in return for the contribution but not interest ora part of the earnings of the business The reward could be small such as a key chain or it could be something with a little more cachet such as the investors name on thecredits of a movie BRADFORD C Steven Crowdfunding and the Fe deral Securities Laws Columbia Business Law Review v 2012 nº 1 2012 Disponível em httpssrncomabstract1916184 Acesso em 27 jun 2016 p 10 27 Why do people back projects To start they want to support what youre doing But they also want to feel like theyre getting something in return and rewards let them share in your Em vista disso não há de imediato contrato previsto no Có digo Civil Brasileiro CC totalmente adequado a essa relação jurídi ca A vinculação à entrega de uma recompensa denota possível one rosidade no contrato o que impediria sua classificação como doação nos termos dos art 538 e seguintes do CC Entretanto acreditase que a obrigação de entrega de recom pensa via de regra não impossibilita a configuração do negócio como doação na medida em que o suposto sinalagma é mais de or dem moral que obrigacional os financiados entregam as recompen sas como incentivo às doações uma vez que o financiamento de seu projeto depende eminentemente de sua empatia e credibilidade pe rante os investidores A título ilustrativo a plataforma norteamericana Kickstarter calcula que aproximadamente 9 dos projetos financiados falham em entregar as recompensas prometidas28 Entretanto a própria pla taforma entende que essa porcentagem é aceitável pois há um risco inerente às doações realizadas e na relação de custobenefício entre o financiamento de projetos criativos e o risco de não entrega das recompensas a inovação deve ser priorizada A conclusão do projeto financiado por sua vez configura en cargo incidente sobre a doação o que não lhe retira o caráter de gra tuidade não obstante tornarse o contrato bilateral29 A inexecução do encargo por conseguinte poderia mesmo ensejar a revogação da 160 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 creation KICKSTARTER Building Rewards Disponível em httpswwwkickstar tercomhelphandbookrewards Acesso em 27 jun 2016 28 Is a 9 failure rate reasonable for a community of people trying to bring creative projects to life We think so but we also understand that the risk of failure may deter some people from participating We respect that We want everyone to understand exactly how Kickstarter works that its not a store and that amid creativity and innovation there is risk and failure KICKS TARTER The Kickstarter Fulfillment Report Disponível em httpswwwkickstartercomfulfill ment Acesso em 27 jun 2016 29 Art 553 caput CC O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação caso forem a benefício do doador de terceiro ou do interesse geral doação nos termos dos art 55530 e 56231 do CC mas como o risco é inerente ao investimento não se entende que a revogação deva ser automática ou mesmo a regra geral 22 As Plataformas de Crowdfunding na Modalidade PréVenda No que toca às plataformas de prévenda ocorre como o pró prio nome o diz verdadeira compra e venda do produto a ser produ zido ou prestação do serviço financiado32 33 Em alguns casos o valor investido pode ser superior ao que seria o preço final do produto motivo pelo qual poderseia cogitar que a entrega do produto seria espécie de recompensa simbolizando a gratidão dos financiados pelo investimento realizado Isso faz com que parte da doutrina considere ambas as modalidades aqui estuda das de forma conjunta34 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 161 30 Art 555 A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo 31 Art 562 A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo se o donatário incorrer em mora Não havendo prazo para o cumprimento o doador poderá notificar judicial mente o donatário assinandolhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida 32 Several other crowdfunding platforms such as Sellaband also facilitate revenuesharing agreements However the focus of these sites is generally the facilitation of prepurchasing which generally means the preselling of music albums to finance their production The pre selling aspect is more important in these cases and thus the author categorizes them as re wardbased platforms AHLERS Gerrit KC et al Signaling in Equity Crowdfunding 14 out 2012 Disponível em httpssrncomabstract2161587 Acesso em 28 jun 2016 p 09 33 The prepurchase model the most common type of crowdfundlng is similar As with the reward model contributors do not receive a financial returninterest dividends or part of the earnings of a business Instead they receive the product that the entrepreneur is making For example if the entrepreneur is producing a music album contributors would receive the al bum or the right to buy the album at a reduced price upon completion BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Aces so em 28 jun 2016 p 11 34 Rewardbased people give money to fundraisers in exchange for a specific reward pro De fato a motivação pelo investimento tende a extrapolar a simples aquisição do que foi financiado remetendo à busca de per tencimento entre investidores investidos e o projeto35 Como coloca Andrew Schwartz o crowdfunding oferece uma série de retornos nãofinanceiros tais como entretenimento possibilidade de expres são política sentimento de altruísmo e de pertencimento a uma co munidade36 os quais até mesmo mitigam os riscos do investidor Não obstante a percepção de tais elementos acreditase que o estudo do crowdfunding não deve se resumir à análise de retornos como sentimento de altruísmo sob pena de distanciarse do plano prático O próprio fato de os valores investidos por meio das platafor mas de financiamento coletivo serem expressivos serve como de monstrativo da predominância de interesses econômicos que não podem ser postos de lado Na prévenda o recebimento do produto em questão é posto em destaque o investimento é feito para que o projeto seja realizado mas principalmente na medida em que os investidores receberão di retamente uma versão do que foi produzido37 162 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 duct or service YING Hu Regulation of Equity Crowdfunding in Singapore Centre for Ban king Finance Law Faculty of Law National University of Singapore 2015 Disponível em httplawnusedusgcbflpdfsworkingpapersCBFLWPHY01pdf Acesso em 28 jun 2016 p 01 35 Os valores morais possuem relevância significativa no funcionamento do crowdfunding Para estudo quanto às motivações vide GERBER Elizabeth M HUI Julie S KUO PeiYi Crowdfunding Why People are Motivated to Post and Fund Projects on Crowdfunding Plat forms The ACM SIGCHI Conference on Computer Supported Cooperative Work and Social Computing CSCW Workshop on Design Influence and Social Technologies Seattle WA 2012 Disponível em httpwwwjuliehuiorgwpcontentuploads201304CSCWCrowdfun dingFinalpdf Acesso em 28 jun 2016 e MONTEIRO Mônica de Carvalho Penido Op Cit 36 Vide SCHWARTZ Andrew A The Nonfinancial Returns of Crowdfunding 24 de agosto de 2015 Review of Banking and Financial Law v 34 nº 2 p 565580 2015 University of Colo rado Law Legal Studies Research Paper nº 1512 Disponível em httpssrncomabs tract2649979 Acesso em 28 jun 2016 37 Isso entretanto não neutraliza o risco inerente ao próprio negócio pois os investidores devem ter em mente que a depender das circunstâncias o produto final poderá não refletir o Com isso temse que independentemente de suas caracterís ticas próprias a relação jurídica no crowdfunding de prévenda é análoga à da compraevenda regulada pelo Código Civil 3 A Responsabilidade Civil e a Internet Breves Notas Para uma melhor compreensão quanto ao regime de respon sabilidade civil das plataformas de crowdfunding é importante veri ficar mesmo que brevemente como é a interface entre o instituto da responsabilidade civil e outras plataformas na internet Analisar como os provedores de aplicação e as plataformas de comércio eletrônico podem ser responsabilizadas por atos de tercei ros permitirá construção de analogia no que toca à responsabilidade no crowdfunding quando de fraude praticada pelos terceiros finan ciados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 163 que era esperado ou não venha mesmo a ser produzido Vide Investors in reward crowdfun ding those who do so in return for small rewards or to prepurchase a product likewise appear to have additional reasons other than a simple economic exchange These transactions are not ordinary consumer transactions Experience shows that in sharp contrast with buying a known product from a known brand the investor might never receive the promised reward or the reward or product may not be as valuable as they anticipated Even so this market has bloomed into the billiondollar range The point is that crowdfund investorsdonors have pro ved themselves willing to contribute substantial sums without any apparent expectation to receive much of financial substance in return Why would they do that The remainder of this Part catalogs some of the nonfinancial motivations that drive donation and reward crowdfun ding and suggests that they may translate well to securities crowdfunding This list is not meant to be complete nor are the categories mutually exclusive It is merely an attempt to show that securities crowdfunding like reward and donation crowdfunding before can provide investors with significant nonfinancial benefits of various types SCHWARTZ Andrew A Op Cit p 574575 e People who contribute to crowdfunding appeals in return for small rewards or to prepurchase a product might never receive the promised reward and even if they do the reward or product may not be as valuable as they anticipated People who make nointerest loans on Kiva may never get their money back BRADFORD C Steven Crowdfunding and the federal securities laws Columbia Business Law Review v 2012 n 1 2012 p 68 Disponível em httppapersssrncomsol3paperscfmabstractid1916184 Acesso em 28 jun 2016 31 A Responsabilidade Civil de Provedores de Serviços na In ternet Diversos autores se debruçaram sobre a tarefa de delimitar os deveres e o regime de responsabilidade dos provedores de serviço na internet Como anota Marcel Leonardi o provedor de serviços na in ternet é a pessoa natural ou jurídica que fornece serviços relaciona dos ao funcionamento da Internet ou por meio dela38 sendo gêne ro do qual as demais categorias provedor de backbone provedor de acesso provedor de correio eletrônico provedor de hospedagem e provedor de conteúdo são espécies39 Com isso ao definir a responsabilidade dos provedores de serviço a doutrina mais acertada cuidou de descrever as espécies aci ma mencionadas examinando o regime de responsabilidade civil aplicável a cada uma delas40 Dentre as categorias de provedores de serviço destacase a dos chamados provedores de conteúdo aqueles responsáveis pela disponibilização de informações na internet41 informações essas criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação utilizan 164 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 38 LEONARDI Marcel Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet São Pau lo Juarez de Oliveira 2005 p 19 39 Idem 40 Vide por todos LEONARDI Marcel Op Cit p 0523 41 DOMINGUES Alessandra de Azevedo Formatos e Classificações da Publicidade Eletrônica e seus Controles Legais licitudes e ilicitudes In Direito e Internet II Aspectos Jurídicos Rele vantes LUCCA Newton de SIMÃO FILHO Adalberto Coord São Paulo Quartier Latin 2008 p 151 Provedor de Conteúdo ou de Informação é a instituição cuja finalidade principal é coletar manter eou organizar informações online para acesso pela Internet por parte dos assinantes da rede Essas informações podem ser de acesso público incondicional caracteri zando assim um provedor nãocomercial ou no outro extremo constituir um serviço comercial em que existem tarifas ou assinaturas cobradas pelo provedor do para armazenálas servidores próprios ou serviços de um prove dor de hospedagem42 O provedor de conteúdo nem sempre se confunde com o pro vedor de informação por mais que isso possa acontecer este o ver dadeiro responsável pela criação das informações divulgadas através da Internet É o efetivo autor da informação disponibilizada por um provedor de conteúdo43 Até a edição do Marco Civil da Internet alguns autores defen diam que em decorrência das informações disponibilizadas pelos provedores de conteúdo seria sua responsabilidade objetiva O ris co de responsabilização seria inerente à atividade exercida poden do mesmo se configurada relação de consumo incidir as disposi ções do Código de Defesa do Consumidor como propôs Leonardo Parentoni44 Na visão de Marcel Leonardi os provedores de conteúdo po deriam exercer controle prévio sobre as informações disponibiliza das com a possibilidade de escolherem o que é divulgado antes de autorizarem o acesso aos usuários45 motivo pelo qual responderiam RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 165 42 LEONARDI Marcel Op Cit p 30 O provedor de conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedo res de informação utilizando para armazenálas servidores próprios ou serviços de um prove dor de hospedagem 43 LEONARDI Marcel Op Cit p 30 44 PARENTONI Leonardo Netto Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços na Inter net Breves Notas Revista Magister de Direito Empresarial Concorrencial e do Consumidor Porto Alegre Magister ano V n 25 p 0523 fevmar 2009 Disponível em httpswwwre searchgatenetpublication299801706ResponsabilidadeCivildosProvedoresdeServicos naInternetBrevesNotas Acesso em 13 mar 2017 p 23 Por outro lado a responsabilidade do provedor de conteúdo na internet em virtude das informações por ele divulgadas é objetiva e baseiase no risco inerente a essa atividade nos termos do art 927 parágrafo único do Código Civil sem prejuízo da aplicação das disposições específicas do Código de Defesa do Consumidor caso se configure relação de consumo 45 LEONARDI Marcel Op Cit p 31 concorrentemente com os provedores de informações46 Porém se um provedor se limitasse a transmitir mensagens sem exercer contro le sobre o conteúdo não deveria responder pelos danos causados por terceiros4748 Com o advento do Marco Civil da Internet a discussão ga nhou novo relevo Seu art 19 expressa Art 19 Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura o provedor de aplicações de internet somente poderá ser res ponsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se após ordem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu ser viço e dentro do prazo assinalado tornar indis ponível o conteúdo apontado como infringente ressalvadas as disposições legais em contrário 166 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 46 LEONARDI Marcel Op Cit p 115 47 VASCONCELOS Fernando Antônio de Internet Responsabilidade do Provedor pelo Danos Praticados Curitiba Jaruá 2003 p 204 Se o provedor desempenha no caso atividade de conexão ou de serviço limitandose a transmitir mensagens eletrônicas sem exercer controle algum sobre o seu conteúdo não deve responder pelos danos sofridos por terceiro atingido em sua honra A este caberá apenas demandar o internauta que enviou o material ofensivo Se porém de alguma forma exerceu ou se obrigou a exercer controle sobre o conteúdo dessas mensagens praticando pois atividade de provedor de conteúdo mas permitindo ainda assim a publicação do material ofensivo inafastável será a sua responsabilização 48 REINALDO FILHO Demócrito Ramos Responsabilidade por Publicações na Internet Rio de Janeiro Forense 2005 p 203 apud SOUTO JÚNIOR José Humberto A Responsabilidade Civil dos Provedores de Hospedagem frente aos Autos Praticados pelos seus Usuários e Terceiros Dissertação Mestrado em Direito Nova Lima Faculdade de Direito Milton Campos 2010 p 76 A jurisprudência brasileira pelo menos até o momento distanciase da tendência genera lizada assentada em outros países porquanto o entendimento consolidado nas manifestações alienígenas sobre o tema é o de que em princípio o provedor de serviços não é responsável pelo conteúdo ilegal de websites hospedados em seu sistema a não ser nos casos em que tem prévio conhecimento da ilegalidade e possuir meios para bloquear o acesso ao material ilegal e desde que o bloqueio se mostre tecnicamente viável e razoável Notase que o Marco Civil não elabora distinção pormenoriza da entre os diferentes tipos de provedores limitandose a trabalhar com a figura do provedor de aplicações de internet no transcrito art 19 O conceito remete o intérprete à divisão da internet em cama das sendo a camada de aplicações aquela em que os softwares e na vegadores de internet por exemplo são executados anterior à cama da de conteúdo propriamente dita49 O dispositivo todavia não defi ne de forma estrita o que entende por provedor de aplicações Os únicos parâmetros para tanto estão no art 5º VII em que é concei tuado o que seriam as aplicações de internet50 Apesar do desapego à classificação doutrinária a expressão utilizada pelo Marco Civil da Internet vem sendo interpretada por alguns51 como sinônima da denominação provedor de conteúdo e por outros como tudo que não seja provedor de conexão52 O regi RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 167 49 A divisão em camadas entretanto não é objeto do presente texto Para aprofundamento recomendase SOLUM Lawrence B CHUNG Minn The Layers Principle Internet Architecture and the Law Notre Dame Law Review Notre Dame University of Notre Dame Law School v 79 n 03 p 815948 jan 2004 p 816817 e TANENBAUM Andrew S WETHERALL David J Computer Networks 5th Ed Boston Pearson 2011 p 45 The application layer contains a variety of protocols that are commonly needed by users One widely used application protocol is HTTP HyperText Transfer Protocol which is the basis for the World Wide Web When a browser wants a Web page it sends the name of the page it wants to the server hosting the page using HTTP The server then sends the page back Other application protocols are used for file transfer electronic mail and network News 50 Insere também o art 15 que o provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet sob sigilo em ambiente controlado e de segurança pelo prazo de 6 seis meses nos termos do regulamento 51 TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 358359 É válido ponderar que o Marco Civil da Internet denomina o provedor de conteúdo de provedor de aplicações de internet 52 Para Marcel Leonardi por sua vez o conceito provedores de aplicações engloba nos me de responsabilidade civil aplicável até então fruto de uma cons trução doutrinária e jurisprudencial passa a ter regulamentação legal com nova roupagem53 Referido art 19 condiciona a responsabilização dos provedo res de aplicações a um descumprimento de ordem judicial O prove dor passa a ser passível de responsabilidade somente se após or dem judicial específica não tomar as providências para no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado tor nar indisponível o conteúdo apontado como infringente545556 168 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 termos da definição prevista no art 5º inciso VII o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à Internet e abrange portanto provedores de correio eletrônico de hospedagem e de conteúdo entre diversos outros LEONARDI Mar cel Internet e Regulação o Bom Exemplo do Marco Civil da Internet Revista do Advogado ano XXXII nº 115 p 99113 Associação dos Advogados de São Paulo AASP abr 2012 Disponível em httpleonardiadvbr201204interneteregulacaoobomexemplodomar cocivildainternet Acesso em 28 jun de 2016 53 Vide sobre o tema LEMOS Ronaldo e SOUZA Carlos Affonso Marco Civil da Internet Construção e Aplicação Juiz de Fora Editar Editora Associada Ltda 2016 p 67108 54 Vale pontuar também que o art 18 estabelece que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros bem como positiva o art 21 que o provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimi dade decorrente da divulgação sem autorização de seus participantes de imagens de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal deixar de promover de forma diligente no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço a indisponibi lização desse conteúdo 55 Vide MULHOLLAND Caitlin Responsabilidade Civil Indireta dos Provedores de Serviço de Internet e Sua Regulação no Marco Civil da Internet Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI UFS Direito e Novas Tecnologias 2015 Disponível em httpswwwconpe diorgbrpublicacoesc178h0tgvwk790q7dTa7488W12NDA0SJpdf Acesso em 13 mai 2018 p 500 A notificação judicial é requisito formal indispensável para a eventual responsabiliza ção do provedor de serviços de Internet A notificação extrajudicial somente será admitida na hipótese prevista no artigo 21 qual seja a de conteúdo infringente da intimidade de pessoa retratada sem sua autorização 56 O regime difere por exemplo da sistemática norteamericana baseada no notice and ta kedown A redação legal é objeto de muitas críticas ao ser mais prote tiva quanto aos provedores que aos usuários575859 Contudo vale pontuar que a limitação à responsabilidade civil dos servidores pos sui aspectos positivos em atenção ao princípio constitucional da livre iniciativa e do fomento à inovação60 sendo necessárias reflexões mais profundas antes de se cogitar uma alteração legislativa no Marco Civil61 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 169 57 SCHREIBER Anderson Marco Civil da Internet Avanço ou Retrocesso A Responsabilidade Civil por Dano Derivado do Conteúdo Gerado por Terceiro In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 304 Ao condicionar a responsabilidade civil ao descumprimento de ordem judiicla específica o referido art 19 promove um espantoso engessamento da tutela dos direitos do suário da internet não raro direitos fundamentais expressamente protegidos pela Constituição da República como a honra a imagem e a privacidade 58 THOMPSON Marcelo Marco Civil ou Demarcação de Direitos Democracia Razoabilidade e as Fendas na Internet do Brasil Revista de Direito Administrativo v 261 28 mai 2012 Dis ponível em httpssrncomabstract2101322 Acesso em 28 jun 2016 p 214215 O que o Marco Civil traz portanto é um instrumento que promove a conduta irrazoável e irresponsável de provedores de serviços na internet Isto porque mesmo provedores de serviços que ajam com negligência ou até mesmo com malícia na manutenção de conteúdo de cuja exis tência têm ciência não poderão ser de qualquer forma responsabilizados senão pelo descum primento de ordem judicial extemporânea e muitas vezes jurisdicionalmente distante O Marco Civil assim promove também um amplo desincentivo ao desenvolvimento de boas práticas de direito e de fato Provedores que direcionam seus serviços ao mercado brasileiro por exem plo não têm qualquer responsabilidade de fazêlo de acordo com as leis que protegem os cidadãos brasileiros 59 DE GODOY Claudio Luiz Bueno Uma Análise Crítica da Responsabilidade Civil dos Pro vedores na Lei nº 1296514 Marco Civil da Internet In DE LUCCA Newton et al Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 Tomo II São Paulo Quartier Latin 2015 p 319 Pelo que se viu especificamente na matéria atinente à responsabilidade dos provedores a nova lei crêse andou pouco ou para trás criando um sistema muito singular que no final desprotege o consumidor vítima e que neste sentido somente pode ser recebido e compreendido à luz de uma interpretação sistemática levandose em conta normatização subjetivamente especial de particular realização do comando constitucional de tutela do vul nerável e de indenidade pessoal dos indivíduos 60 Basta notar nesse sentido que se a responsabilização civil de servidores fosse deveras ampla e irrestrita ela poderia servir como desincentivo à ampliação dos serviços oferecidos na internet 61 Finalmente pensase que a responsabilidade civil dos provedores por atos de terceiros 32 A Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico A discussão quanto à responsabilidade civil no comércio ele trônico poderia ter sido trabalhada no tópico anterior enquanto pro vedores de aplicações na internet no conceito do Marco Civil62 En tretanto por trazer algumas peculiaridades optouse por tecer essas breves notas em separado de modo a colocálas em evidência Em primeiro lugar fazse a ressalva de que cada tipo de ativi dade desenvolvida por sites de comércio eletrônico possui caracterís ticas próprias Por essa razão Tarcísio Teixeira propôs classificação distinguindo entre i estabelecimentos virtuais ii compras coleti vas iii classificados iv comparadores de preços e v intermediá rios ou facilitadores63 Outros autores trazem as particularidades do chamado leilão virtual64 Na medida em que esta análise quanto à responsabilidade ci vil na internet serve de arcabouço para o trato da responsabilização de plataformas de crowdfunding ela será concentrada na sistemática dos intermediários ou facilitadores eis que são os mais semelhantes às plataformas online de financiamento coletivo 170 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 deva ser subjetiva com fundamento nas argumentações apresentadas no ponto específico A forma como a sociedade da informação interage por meio da comunicação de massa torna qualquer um passível de ser vítima de alguma forma nos ambientes virtuais Pensase que a responsabilidade subjetiva esteja mais em consonância com a realidade fluida da disseminação de atos ilícitos de terceiros numa tentativa de juridicamente tutelar melhor o assunto In TA VEIRA JÚNIOR Fernando Ponderações Acerca da Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet por Atos de Terceiros Revista dos Tribunais v 942 abr 2014 p 14 62 Pensamos que realmente os sites da internet que fazem intermediação de compras de produtos ou de prestação de serviços podem ser enquadrados como provedores de conteúdo TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 359 63 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 359365 64 Vide GOMES Frederico Félix Responsabilidade Civil dos Sites de Leilão Virtual Revista dos Tribunais v 966 p 7380 abr 2016 e LEONARDI Marcel Responsabilidade Civil dos Prove dores de Serviços de Internet São Paulo Juarez de Oliveira 2005 p 185190 Nessa categoria as plataformas servem de verdadeira interme diação entre os vendedoresprestadores de serviço e os comprado restomadores e a depender do site a compra pode ser fechada dire tamente com quem oferece o bem ou serviço ou pela própria plata forma online Sobre o valor anunciado incide uma comissão ou o intermediário é remunerado pela quantidade de acessos ao anúncio online São exemplos de intermediários o wwwmercadolivrecombr e o wwwdecolarcom A jurisprudência pátria quanto ao regime de responsabilidade civil de tais facilitadores ainda é controversa também não havendo consenso na doutrina quanto ao assunto Para alguns os intermediários se enquadram no conceito de fornecedor do art 3º do CDC65 incidindo o regime de responsabili dade objetiva do art 14 do CDC66 O risco de dano aos comprado restomadores de serviço seria inerente à atividade desenvolvida pe los intermediários e eventuais ilícitos praticados por terceiros sejam eles vendedores ou fornecedores de serviço deveriam ser antevistos pelas plataformas que teriam o dever de oferecer a segurança neces sária para seus usuários67686970 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 171 65 Art 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica pública ou privada nacional ou estran geira bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade de produção mon tagem criação construção transformação importação exportação distribuição ou comercia lização de produtos ou prestação de serviços 66 Art 14 O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos 67 Assim a existência de dois ou mais sujeitos a capacidade genérica das partes para con tratar e a aptidão para os atos da vida civil além do assentimento necessário à formulação do pacto nos contratos eletrônicos tornam esse contrato perfeitamente adaptável às normas do CDC Esses e muitos outros questionamentos irão com certeza surgir Porém no nosso enten dimento esses obstáculos não podem servir de base para prejudicar o consumidor In VAS CONCELOS Fernando Antônio de Internet Responsabilidade do Provedor pelo Danos Prati cados Curitiba Jaruá 2003 p 169 68 Vide estudo da jurisprudência dos Tribunais dos Estados do Rio Grande do Sul do Mato Grosso do Sul do Rio de Janeiro e de São Paulo em TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil Referida posição foi esposada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1107024DF71 veiculado no Informativo nº 4882011 No caso em que se discutia a responsabilidade do site wwwmercadolivrecombr chegouse ao entendimento de que o prestador de serviços respon de objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermedia ção de negócios e pagamentos oferecido ao consumidor e que even tual descumprimento pelo consumidor de providência simplesmen te mencionada no site não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do ser viço por ele implementado sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada Todavia em que pese a importância da tutela ao consumidor e conforme defendido por Tarcísio Teixeira é notável que muitas vezes a aplicação do CDC ocorre de forma extremamente protetiva ao 172 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 p 365369 69 Em primeiro lugar aos provedores devese reconhecer uma responsabilidade não propria mente a de que aqui se vai tratar por descumprimento ou falha do serviço para o qual foram contratados E isso à luz da própria legislação consumerista Temse uma responsabilidade contratual perante o usuário GODOY Cláudio Luiz Bueno de Responsabilidade Civil pelo Risco da Atividade Uma Cláusula Geral no Código Civil de 2002 2ª ed São Paulo Saraiva 2010 p 159 70 A atividade empresarial do site de intermediação por caracterizar fornecimento de serviço na órbita de consumo atrai os ônus inerentes aos resultados expressivos alcançados caben dolhe propiciar aos usuários de seus serviços meios confiáveis e seguros ao implemento adequado dos negócios sob pena de caracterizarse responsabilidade civil objetiva pelos danos causados segundo a doutrina e a jurisprudência pesquisadas FERREIRA Cláudio Augusto Annuza A Responsabilidade Civil na Intermediação do Comércio de Internet Rio de Janeiro 2012 Disponível em httpwwwemerjtjrjjusbrpaginasrcursodeespecializacaolatosen sudireitodoconsumidoreresponsabilidadeciviledicoesn1novembro2012pdfClaudioA ugustoAnnuzaFerreirapdf Acesso em 28 jun 2016 p 16 71 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial 1107024DF Rela tora Minª Maria Isabel Gallotti Data do Julgamento 14 dez 2011 consumidor muitas vezes de forma injusta e de sequilibrada por tratarse de consumidor que não guarda a boafé impondo desvantagem aos for necedores que por sua vez acabam por incorpo rar ao preço de seus produtos e serviços os cus tos experimentados pelas indenizações pagas72 O próprio CDC em seu art 4º III insere que deve haver uma harmonização dos interesses dos participan tes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica art 170 da Constitui ção Federal sempre com base na boafé e equi líbrio nas relações entre consumidores e fornece dores Portanto acreditase que a imputação de responsabilidade objetiva aos intermediários tratados acima não é sempre compatível com o princípio constitucional da livreiniciativa7374 e de fomento à inovação75 devendo ser feita análise mais pormenorizada das cir cunstâncias de um dado caso antes de se aplicar o CDC76 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 173 72 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 369 73 Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa 74 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre ini ciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios 75 Art 218 O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa a capacitação científica e tecnológica e a inovação 76 Dessa forma pelo fato de estarem no mesmo plano do ponto de vista constitucional a defesa do consumidor deve ser feita de forma a alinharse com o princípio da livreiniciativa não podendo impor responsabilidade objetiva aos intermediários a fim de beneficiar o consu É nesse sentido que pondera Tarcísio Teixeira parecenos muito vago e inseguro tentar solucio nar os problemas jurídicos decorrentes das com pras pela internet aplicandose cegamente o CDC em favor do consumidor como um fim em si mesmo Pensamos que tendo em vista a dinâmi ca do comércio eletrônico em todo momento surgem novos modelos de negócios muitos ape nas remodelados sendo preciso delimitar a res ponsabilidade dos intermediários no confronto com os direitos dos consumidores de forma equi librada buscando uma solução justa para cada tipo de negócio envolvido Para tanto devem ser consideradas as peculiaridades concretas apli candose os princípios não apenas do direito do consumidor mas também do direito empresarial e da responsabilidade civil77 O próprio STJ em decisão publicada em 2017 que reitera o entendimento adotado nos autos do AgRg nos EDcl no Ag nº 1360058RS DJe 27042011 coloca que em caso de fraude per petrada por terceiros utilizandose de anúncio veiculado no site deno minado Mercado Livre gn a responsabilidade não pode ser im putada ao veículo de comunicação visto que esse não participou da elaboração do anúncio tampouco do contrato entre anunciante e comprador78 174 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 midor quando essa não é a vontade da lei nem seria uma posição justa Assim notadamente nos negócios celebrados pela internet o consumidor deve estar ciente de tratarse de um am biente que há risco TEIXEIRA Tarcísio Responsabilidade Civil no Comércio Eletrônico a Livre Iniciativa e a Defesa do Consumidor In DE LUCCA Newton SIMÃO FILHO Adalberto LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Direito Internet III Marco Civil da Internet São Paulo Quartier Latin 2015 p 371 77 TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 372 78 BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Terceira Turma Recurso Especial 1639028SP Rela tor Min Moura Ribeiro Data de Julgamento 19 abr 2017 Em meio às controvérsias que ainda cercam o tema e não obstante o precedente veiculado no Informativo nº 4882011 parece que um caminho mais ponderado de fato ganha força com aplicação do Marco Civil em detrimento da responsabilização objetiva baseada no CDC 4 A Responsabilidade Civil das Plataformas de Crowdfunding Tendo em vista a construção feita até aqui partindose da des crição da atividade das plataformas de crowdfunding passando pe las noções quanto à responsabilidade civil e sua interface com a in ternet tornase possível pensar como deve ser a responsabilização no crowdfunding79 A doutrina legislação e a jurisprudência brasileiras ainda não têm uma resposta imediata ao problema examinado com regulamen tação específica apenas para a modalidade de crowdfunding de participações equity crowdfunding Tratase da Instrução Normativa nº 5882017 da CVM ICVM 588 que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo80 Apesar de não regular as modalida RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 175 79 A construção da teoria da responsabilidade no ambiente eletrônico resume a identificar em quais situações os diversos participantes podem ser responsabilizados Esse raciocínio coa dunase com o nosso Contudo entendemos que o instituto da responsabilidade civil aplicado aos intermediários de compras pela internet deve levar em conta como a responsabilidade é atribuída em outros cenários TEIXEIRA Tarcísio Op Cit p 368 80 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Instrução Normativa nº 488 de 13 de julho de 2017 Disponível em httpwwwcvmgovbrlegislacaoinstrucoesinst588html Acesso em 26 mar 2020 Ver também COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS Crowdfunding de Inves timento Cadernos CVM v 12 Rio de Janeiro Comissão de Valores Mobiliários 2019 Dispo nível em httpswwwinvestidorgovbrportaldoinvestidorexportsitesportaldoinvesti dorpublicacaoCadernosCVMCaderno12pdf Acesso em 26 mar 2020 des objeto deste estudo a Instrução é interessante ao elencar dentre os deveres das plataformas o de tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência informando ainda que as platafor mas podem ser responsabilizadas pela falta de diligência ou omis são em diversas situações elencadas em nove alíneas vide art 19 I Os Estados Unidos por sua vez também contam com uma regulação para o crowdfunding na modalidade de participações O primeiro marco nesse sentido foi o denominado JOBS Act Jumpstart Our Business Startups Act de 201281 que trata do crowd funding em seu Título III também chamado de Capital Raising Onli ne While Deterring Fraud and Unethical NonDisclosure Act of 2012 o CROWDFUND Act De modo análogo a emissão de participação societária é regulada pela Securities Act de 193382 sendo o controle da fraude regulada pelo Securities Exchange Act de 193483 Em 16 de maio de 2016 o país passou a ter uma regulamenta ção específica a Regulation Crowdfunding8485 para disciplinar o mencionado crowdfunding de participações 176 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 81 ESTADOS UNIDOS Jumpstart Our Business Startups Act tit III Pub L 112106 126 Stat 306 2012 Disponível em httpswwwgpogovfdsyspkgBILLS112hr3606enrpdfBILLS 112hr3606enrpdf Acesso em 30 jun 2016 82 Em especial vejase a seção 4a6 SEC Securites Act of 1933 Disponível em httpswwwsecgovaboutlawssa33pdf Acesso em 30 jun 2016 83 Em especial vejase a Rule 10b5 SEC Securities Exchange Act of 1934 Disponível em httpswwwsecgovaboutlawssea34pdf Acesso em 30 jun 2016 84 The Securities and Exchange Commission today october 30 2015 adopted final rules to permit companies to offer and sell securities through crowdfunding In SEC SEC Adopts Rules to Permit Crowdfunding Proposes Amendments to Existing Rules to Facilitate Intrastate and Regional Securities Offerings US Securities and Exchange Comission Disponível em httpswwwsecgovnewspressrelease2015249html Acesso em 30 jun 2016 85 The final rules and forms are effective May 16 2016 except that instruction 3 adding part 227 and instruction 14 amending Form ID are effective January 29 2016 In SEC Regulation Crowdfunding Securities and Exchange Comission Release Nos 339974 3476324 File No S70913 Disponível em httpswwwsecgovrulesfinal2015339974pdf Acesso em 30 À maneira do regramento da CVM as disposições aprovadas nos EUA permitem antecipar como tende a ser a responsabilização civil das plataformas de crowdfunding em suas diversas modalida des nos casos de fraude praticadas por terceiros A regulação norteamericana fixou diversos parâmetros a se rem seguidos tanto pelos investidos denominados issuers quanto pelas plataformas no texto original intermediaries Em suma as plataformas de crowdfunding têm o dever de verificar a medida em que os investidos respeitaram tais parâmetros averiguando se eles possuem e merecem credibilidade Não sendo apuradas irregularida des as plataformas não respondem por eventuais omissões ilegalida des ou pela fraude perpetuada pelos investidos sua responsabilida de existe mas é subjetiva e depende da demonstração da ocorrência de algum tipo de negligência ou culpa por parte da plataforma em questão86 87 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 177 jun 2016 p 01 86 In satisfying the requirements of Rule 301a we emphasize that an intermediary has a responsibility to assess whether it may reasonably rely on an issuers representation of com pliance through the course of its interactions with potential issuers643 We agree with com ments that an intermediary seeking to rely on an issuer representation should consider whether the representation is detailed enough to evidence a reasonable awareness by the issuer of its obligations and its ability to comply with those obligations The specific steps an intermediary should take to determine whether it can rely on an issuer representation may vary but should be influenced by and tailored according to the intermediarys knowledge and comfort with each particular issuer We believe this approach is generally consistent with the view of one commenter that suggested a tiered approach to compliance obligations where intermediaries should conduct more rigorous compliance reviews and background checks as risk factors in crease In SEC Regulation Crowdfunding Securities and Exchange Comission Release Nos 339974 3476324 File No S70913 Disponível em httpswwwsecgovrulesfinal201533 9974pdf Acesso em 30 de jun 2016 p 169 87 First crowdfunding intermediaries should be liable if they have actual knowledge that statements posted by others on their platforms are false or if they are aware of red flags that should make them aware of the fraud BRADFORD C Steven Shooting the Messenger The Liability of Crowdfunding Intermediaries for the Fraud of Others 1º de maio de 2015 83 University of Cincinnati Law Review 371 2015 Disponível em httpssrncomabs tract2460000 Acesso em 30 jun 2016 p 408409 No que diz ao crowdfunding de prévenda e recompensa no direito brasileiro acreditase que a mesma lógica deve ser aplicada E tal se dá se dá por uma série de razões Em primeiro lugar quanto ao crowdfunding de recompensa viuse que a principal relação jurídica estabelecida é análoga a uma doação com encargo Logo é evidente não se caracterizar relação de consumo na medida em que não há retirada de um bem da cadeia produtiva88 as partes não são credoras e devedoras entre si89 nem se verifica uma habitualidade Assim a responsabilidade daqueles que recebem investimento é subjetiva e no caso de fraude90 não pode ser a plataforma de crowdfunding solidariamente responsável salvo comprovada culpa A relação jurídica estabelecida no crowdfunding de préven da por sua vez possui características passíveis de enquadramento em uma relação consumerista em que há responsabilização objetiva do fornecedor e em certos casos solidária e objetiva dos intermediá rios A relação entre o investido e investidor portanto pode ser con siderada análoga à entre fornecedor e consumidor Entretanto defen dese que a responsabilidade objetiva do investido não é a mesma da plataforma intermediária sem regime de necessária solidariedade Como visto o art 19 do Marco Civil da Internet coloca ser subjetiva a responsabilidade do provedor de aplicações de internet 178 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 88 Ato de consumo é o ato através do qual um sujeito consumidor adquire um bem ou serviço a fim de ser seu utilizador final retirandoo da cadeia produtiva GOMES Marcelo Kokke Responsabilidade Civil Dano e Defesa do Consumidor Belo Horizonte Del Rey 2001 p 90 89 Na relação de consumo tais elementos são o fornecedor de produtos e o prestador de serviços de um lado e o consumido do outro lado Na grande maioria das vezes as partes são credoras e devedoras entre si eis que prevalecem nas relações de consumo as hipóteses em que há proporcionalidade das prestações sinalagma TARTUCE Flávio Manual do Di reito Consumidor Direito Material e Processual Rio de Janeiro Forense e São Paulo Método 2012 p 60 90 Em que naturalmente haverá dolo por danos causados por terceiros Em vista da amplitude do conceito provedor de aplicações na internet temse que as plataformas onli ne para captação pública de recursos podem ser nele enquadradas Com isso na medida em que os projetos financiados seriam conteú do de terceiros o Marco Civil da Internet impede que as plataformas de crowdfunding sejam objetivamente responsabilizadas Não fosse isso o bastante mas responsabilizar objetivamente as plataformas de crowdfunding pela fraude de terceiros seria mes mo ir na contramão da inovação pois inviabilizaria a própria ativi dade de captação de recursos o que viola os mencionados princípios constituicionais da livre iniciativa e do fomento à inovação As plataformas de crowdfunding não podem ser responsabili zadas pelo simples insucesso do projeto financiado pois esse risco é inerente ao próprio investimento No caso de fraude pelos terceiros investidos hipótese aqui analisada temse que a responsabilidade das plataformas pode existir mas apenas na constatação de dolo ou culpa À maneira do que coloca a ICVM 588 e o Crowdfunding Regu lation norteamericano defender a ausência de responsabilidade no crowdfunding também não seria adequado pois abriria margem à total negligência das plataformas quanto aos projetos nela expos tos É importante haver algum controle sobre os projetos ofertado Por exemplo as plataformas podem exigir as informações básicas daqueles que pretendem ser financiados o plano para execução do projeto ou mesmo efetuar uma análise superficial da viabilidade do pretendido Por conseguinte as plataformas podem ser responsáveis pela fraude praticada por terceiros mas essa responsabildiade é subjetiva sendo imperiosa a análise do caso concreto para apurarse em que medida os danos aos investidores poderiam ter sido evitados RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 179 Conclusões O modelo de negócios proposto pelo crowdfunding já é uma realidade e veio para ficar Resta ao direito buscar compreendêlo para que seja possível regulálo Imputar uma responsabilidade solidária e objetiva às platafor mas de crowdfunding quanto à fraude praticada por terceiros inves tidos poderia inviabilizar esse modelo motivo pelo qual se faz neces sário perceber que a proteção ao consumidor não pode ser defendida a qualquer custo Mesmo porque o enquadramento das relações esta belecidas por meio das plataformas como relações consumeristas não é de todo adequado Enquanto as respostas não são sedimentadas é importante que a busca pela minoração de riscos seja sempre buscada Assim ainda que se entenda pela responsabilidade subjetiva das plataformas de crowdfunding recomendase que elas sejam sempre diligentes em filtrar projetos fraudulentos E mais recomendase que seus riscos sejam securitizados Como nem o direito brasileiro nem o norteamericano chega ram a um consenso quanto ao regime de responsabilidade civil ade quado ao crowdfunding uma alternativa que deve ser pensada é a confecção de seguros privados91 Tanto os proponentes dos projetos a serem investidos poderiam providenciar o seguro como forma de garantir sua credibilidade perante o mercado como poderiam ter as plataformas a iniciativa para tanto resguardandose contra eventual e possível tendo em vista as incertezas que cercam a disciplina responsabilidade por condutas fraudulentas em prejuízo dos investidores 180 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 91 Quanto ao assunto no Direito norteamericano vejase LI Timothy Q Fraud in Crowd funding and Antifraud Insurance 12 de maio de 2013 Disponível em httpssrncomabs tract2273263 Acesso em 30 jun 2016 O advento das novas tecnologias demonstra que muitas ve zes o direito não oferece respostas óbvias aos problemas que estão por surgir Portanto mais do que nunca será necessário envidar es forços para pensar em e talvez repensar formatos para essa interface entre o jurídico e o tecnológico RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 181 Polyform Nonpareil EZCast ACCOUNTABILITY E DEVIDA DILIGÊNCIA COMO VETORES DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NOS MERCADOS RICOS EM DADOS1 ACCOUNTABILITY AND DUE DILIGENCE AS VECTORS OF CORPORATE GOVERNANCE IN DATARICH MARKETS José Luiz de Moura Faleiros Júnior Resumo Quando se pensa na governança de dados o que se pretende destacar é um desdobramento natural da governança cor porativa cujas origens remontam ao século XX e ao início do fenô meno da globalização em que as empresas passaram a se integrar dinamicamente em transações mais rápidas exigindo sistematização de processos e o contato pokela Rede Mundial de Computadores A partir dessa premissa o presente trabalho buscará esclarecer quais são as diretrizes adequadas para a implementação de políticas de proteção de dados pessoais que configurem o que a doutrina cha ma de governança de dados considerada mais específica do que a governança corporativa embora conexa a ela especialmente a partir de dois vetores aqui tomados como hipótese da pesquisa proposta o primeiro a accountability desdobrada da compreen são traçada quanto à governança e às boas práticas para a proteção de dados pessoais a segunda a devida diligência empresarial due diligence considerada importante elemento para a completa com preensão do princípio da prevenção A pesquisa será realizada a par tir do método dedutivo com aportes bibliográficos Ao final uma conclusão será apresentada RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 183 1 Artigo recebido em 09092021 e aceito em 11102021 Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo USPLargo de São Francisco Doutorando em Direito na área de estudo Direito Tecnologia e Inovação pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia UFU Especialista em Direito Digital Direito Civil e Empresarial Advogado E mail jfaleirosuspbr Palavraschave Accountability Devida diligência Governan ça corporativa Mercados ricos em dados Governança de dados Abstract When thinking about data governance what is inten ded to be highlighted is a natural offshoot of corporate governance which dates back to the 20th century and the beginning of the phe nomenon of globalization in which companies began to dynamically integrate in faster transactions demanding systematization of proc esses and contact by the World Wide Web Based on this premise this paper will seek to clarify which are the appropriate guidelines for the implementation of personal data protection policies that configure what the doctrine calls data governance considered more specific than corporate governance although connected to it especially in light of two vectors taken here as the hypothesis of the proposed research the first accountability which unfolds from the under standing of governance and good practices for the protection of per sonal data the second corporate due diligence considered an im portant element for the complete understanding of the principle of prevention The research will be carried out using the deductive met hod with bibliographic contributions At the end a conclusion will be presented Keywords Accountability Due diligence Corporate govern ance Datarich markets Data governance Sumário Introdução 1 Os mercados ricos em dados e sua preponderância na socieda de da informação 2 Accountability como primeiro vetor governança e boas práticas na proteção de dados pessoais 3 A devida diligência como segundo vetor um desdo bramento virtuoso do princípio da preven ção Conclusão Introdução A evolução da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos ao ambiente virtual vêm tornando cada vez 184 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 maior o volume de informações que circula pela rede configurando o que se convencionou chamar de Big Data o que contribui para o aumento dos riscos de responsabilização pela má curadoria de dados pessoais em decorrência do tratamento dispensado às informações coletadas de forma desordenada cujos maus resultados são previsí veis a configurar o tratamento irregular descrito no artigo 44 II da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Lei nº 137092018 Quando se pensa na governança de dados o que se pretende destacar é um desdobramento natural da governança corporativa cu jas origens remontam ao século XX e ao início do fenômeno da glo balização em que as empresas passaram a se integrar dinamicamente em transações mais rápidas exigindo sistematização de processos e o contato pela Rede Mundial de Computadores Tratase de reconhe cer que as redes não são absolutamente seguras e que não bastam leis que resguardam a privacidade e a proteção de dados pessoais para que se tenha efetiva preservação de direitos Há interações de todos os níveis e em todos os segmentos o que denota exatamente esse aspecto de fluidez da tecnologia e a re levância que este tema tem para a implementação da governança cor porativa Por isso na sociedade hiperconectada é preciso ir além da norma pois já não restam dúvidas do virtuoso papel da governança pautada em processos e na gestão de riscos relacionados às boas prá ticas relativas a dados Nunca se falou tanto em compliance e a prin cipal razão possivelmente é decorrência dessa característica A implementação de políticas de governança de dados permi te diagnosticar zonas de risco e prevenir responsabilidades quanto à gestão dos dados pessoais notadamente em face do longo período que se leva até que um marco regulatório específico seja introjetado na sociedade A partir dessa premissa o presente trabalho buscará esclarecer quais são as diretrizes adequadas para a implementação de políticas de proteção de dados pessoais que configurem o que a dou trina chama de governança de dados especialmente com o objetivo de prevenir demandas e responsabilidades a partir da devida diligên RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 185 cia empresarial due diligence Com fulcro nessa premissa e no obje tivo de tecer considerações mais assertivas sobre o tema proceder seá à análise comparativa por meio de pesquisa bibliográfica en tre a governança corporativa mais ampla e a de dados mais espe cífica A hipótese da pesquisa almejada será estruturada a partir de dois vetores o primeiro a accountability desdobrada da compreen são traçada quanto à governança e às boas práticas para a proteção de dados pessoais a segunda a devida diligência empresarial due diligence considerada importante elemento para a completa com preensão do princípio da prevenção A pesquisa será realizada a par tir do método dedutivo com aportes bibliográficos Ao final uma conclusão será apresentada 1 Os mercados ricos em dados e sua preponderância na socie dade da informação Quando os shareholders delegam ao administrador o poder de gestão da empresa entendimentos distintos sobre os melhores procedimentos a serem adotados no zelo quanto ao desenvolvimento corporativo podem conduzir a distorções de interesses de vários ou tros envolvidos na estrutura corporativa stakeholders É exatamente isso que a governança corporativa procura superar explicitando e até mesmo definindo regras cuja observância representa a conformidade compliance dos membros da corporação2 a valores éticos que se introjetam nas rotinas e atividades 186 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 Sobre a governança corporativa Mariana Pargendler destaca seu valor e a proeminência do debate em torno de sua propagação Given the prominence of the corporate governance agenda in the academic and public spheresand its resilience despite variations in the specific issues of the dayfurther appraisals of its normative implications are badly needed There are two competing normative justifications for the obsession with corporate governance whereas the first view is based on the relationship between corporate governance and shareholder value the second conception assumes a direct effect of corporate governance practices on Sobre o tema convém ressaltar que o compliance termo usualmente empregado como um conceito geral advém do verbo inglês to comply que em tradução livre sinaliza o ato de agir de acordo com as regras englobando leis marcos regulatórios infrale gais e normativas internas e externas do mercado ou da própria cor poração Não obstante algumas empresas focam em regulamentos internos sem alinhálos com as questões jurídicas pertinentes em es pecial aquelas que dizem respeito à inovação e às mudanças propi ciadas por transformações no ambiente regulatório As boas práticas de governança corporativa convertem princí pios básicos em recomendações objetivas alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo pra zo da organização facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização sua longevidade e o bem comum3 Noutras palavras podese dizer que governança corporativa é um conjunto de estratégias utilizadas para administrar a relação entre os acionistas gestores investidores parceiros e que tem a função de parametrizar a direção estratégica e o desempenho das organizações Apesar de ser assunto recorrente no século XXI não se trata de tema muito antigo com origens histórias que remontam ao famoso Caso Watergate mas com estruturação mais recente já que se considera que a publicação em 1992 do Relatório Cadbury RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 187 nonshareholder constituencies and social welfare more generally PARGENDLER Mariana The corporate governance obsession The Journal of Corporation Law Iowa City v 42 n 2 p 359402 2016 p 395 3 De acordo com André Luiz Carvalhal da Silva que cita entendimento adotado pela Comis são de Valores Mobiliários podese conceituar a Governança Corporativa como o conjun to de práticas que tem por finalidade melhorar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas por exemplo investidores empregados e credores facilitando o acesso ao capital Segundo essa definição a análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve principalmente a transparência equidade de trata mento dos acionistas e prestação de contas SILVA André Luiz Carvalhal da Governança corporativa e decisões financeiras no Brasil 2 ed Rio de Janeiro Mauad 2005 p 15 foi o marco inicial do tema sendo este o primeiro código de boas práticas corporativas4 Por sua vez a governança de Tecnologia da Informação TI contempla o conjunto de políticas normas métodos e procedimen tos estipulados com a finalidade de permitir à administração o contro le da utilização de Tecnologia da Informação buscando uma eficien te utilização de recursos minimização de riscos e o apoio aos proces sos da organização empresarial5 Seu objetivo portanto é garantir que o uso da TI agregue valor ao negócio Para o Information Tech nology Governance Institute ITGI tratase de responsabilidade exi gível dos executivos e da alta direçãoadministração6 consistindo em aspectos de liderança estrutura organizacional e processos que ga 188 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 4 Em 1991 no Reino Unido foi criado o Comitê Cadbury presidido por Adrian Cadbury com o objetivo de delinear os pilares da governança corporativa As duas principais recomendações do Código eram i que os conselhos de empresas de capital aberto incluíssem pelo menos três diretores não executivos e ii que os cargos de CEO Chief Executive Officer e Presidente do Conselho dessas empresas deveriam ser ocupados por duas pessoas diferentes 5 FERNANDES Aguinaldo Aragon ABREU Vladimir Ferraz Implantando a Governança de TI da estratégia à gestão dos processos e serviços 2 ed Rio de Janeiro Brasport 2008 p 23 6 Partindo da ideia de que a cúpula estratégica da corporação está sujeita a erros Michael Jensen e William Meckling escreveram seu emblemático artigo Theory of the firm Teoria da firma no português publicado em 1976 no qual declararam a inexistência do agente per feito em qualquer organização Nos dizeres dos próprios autores While the literature of eco nomics is replete with references to the theory of the firm the material generally subsumed under that heading is not actually a theory of the firm but rather a theory of markets in which firms are important actors The firm is a black box operated so as to meet the relevant mar ginal conditions with respect to inputs and outputs thereby maximizing profits or more accu rately present value Except for a few recent and tentative steps however we have no theory which explains how the conflicting objectives of the individual participants are brought into equilibrium so as to yield this result The limitations of this black box view of the firm have been cited by Adam Smith and Alfred Marshall among others More recently popular and professional debates over the social responsibility of corporations the separation of owners hip and control and the rash of reviews of the literature on the theory of the firm have evidenced continuing concern with these issues JENSEN Michael MECKLING William H Theory of the firm managerial behavior agency costs and ownership structure Journal of Financial Economics Nova York v 3 n 4 p 305360 out 1976 p 308 rantam que a área de TI da organização consiga suportar e aprimorar seus objetivos e estratégias O foco da governança corporativa é direcionar e monitorar a gestão da instituição7 ao passo que o foco da governança de TI é direcionar e monitorar as práticas de uso de TI de uma organização8 É grande aliada da governança corporativa com papel de destaque na estruturação de diretrizes responsabilidades competências e ha bilidades assumidas pelas organizações objetivando controlar pro cessos garantir a segurança das informações otimizar a utilização de recursos e dar suporte para a tomada de decisões alinhadas com os interesses de stakeholders Percebese que a governança de TI está dentro da governança corporativa sendo parte indestacável dela neste modelo globalizado das corporações em que a Internet se tornou instrumento preponde rante das relações jurídicas Tem as seguintes áreas de foco i estratégia processos do negócio e os de tecnologia devem trabalhar conjuntamente ii valor acrescentar inovações ao negócio visando a um diferencial para efi ciência e eficácia iii riscos visualização e gerenciamento de riscos visando a minimizálos é também uma forma de agregar valor iv recursos neste caso o papel da governança de TI é garantir que a gestão dos recursos humanos e tecnológicos da empresa seja a mais otimizada possível v desempenho deve auxiliar a visualizar os re sultados do negócio mediante indicadores9 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 189 7 Cf ABREU Jorge Manuel Coutinho de Governação das sociedades comerciais Coimbra Almedina 2010 p 734 GILSON Ronald From corporate law to corporate governance ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 324 set 2016 Disponível em httpssrncomabstractid2819128 Acesso em 09 set 2021 8 SELIG Gad J IT Governance an integrated framework and roadmap how to plan deploy and sustain for improved effectiveness Journal of International Technology and Information Management San Bernardino v 25 n 1 p 5576 2016 p 5960 9 Pertinente nesse contexto a discussão sobre o valor do conhecimento para a corporação que se inicia com os clássicos escritos de Fritz Machlup que até mesmo revisitam a Teoria Como foi dito uma nova estrutura econômica política e cul tural surgiu devido ao fenômeno da globalização que se iniciou com a liberação ampla do comercio exterior e posteriormente foi possível perceber que o foco passou para os mercados financeiros10 Porém apesar de todos os benefícios que a globalização financeira trouxe incluindo a possibilidade e as facilidades de investir no mercado ex terno e conquistar novos clientes e investidores é preciso ressaltar que as realidades são diferentes em cada país As políticas financeiras das instituições e empresas que atuam nesses mercados nem sempre seguem parâmetros éticos preocupação social ou respeito aos inves tidores podendo gerar enormes discrepâncias e prejuízos a todos aqueles envolvidos nas diversas etapas de exploração de suas ativida des Nasce no plano global uma estrutura de prevalência ampla da governança corporativa catalisada pelas diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE inserin 190 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 da Firma In welfare economics the firm is an imaginary or a typical reactor or initiator with accurate knowledge of his opportunities Depending on the proposition in question all com binations are again possible but in any case a new requirement is introduced accurate know ledge of the environmental conditions on the part of all reactors and initiators MACHLUP Fritz Theories of the firm marginalist behavioral managerial American Economic Review Pittsburgh v 57 n1 p 133 mar 1967 p 27 Ainda sobre o tema é importante destacar que uma vertente doutrinária foi totalmente construída em torno da reconstrução da teoria em questão que passou a ser baseada no conhecimento considerado o recurso estrategicamente mais significativo de uma empresa Seus proponentes argumentam que como os recursos ba seados em conhecimento são geralmente difíceis de imitar e socialmente complexos as bases de conhecimento e capacidades heterogêneas entre as empresas são os principais determinan tes da vantagem competitiva sustentada e do desempenho corporativo superior Sobre o tema conferir GRANT Robert M Toward a KnowledgeBased Theory of the Firm Strategic Manage ment Journal Nova Jersey v 17 p 109122 janmar 1996 KOGUT Bruce ZANDER Udo The network as knowledge generative rules and the emergence of structure Strategic Mana gement Journal Nova Jersey v 21 2000 p 405425 10 Denotando esta preocupação Joseph Stiglitz aduz que O maior desafio não está apenas nas instituições propriamente ditas mas nas mentalidades para que se alcancem os benefícios potenciais da globalização é necessário cuidar do meio ambiente garantir que os pobres te nham voz nas decisões que os afetam e promover a democracia e o justo comércio STIGLITZ Joseph E A globalização e seus malefícios São Paulo Futura 2002 p 265 do a eficácia horizontal dos direitos humanos no plano das relações econômicas11 em consonância com as políticas de integridade alme jadas e suas repercussões Sem dúvidas os princípios orientadores oferecem instruções valiosas para que as corporações exerçam atividades empresariais de forma ética mitigando os impactos negativos e elevando as expecta tivas de atendimento aos padrões de compliance em sintonia com o arcabouço normativo existente para a definição das políticas e proce dimentos de conformidade integrando o referido rol dentre outros os instrumentos internacionais e regionais12 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 191 11 Sobre tal tema Eduardo SaadDiniz defende a estruturação de uma justiça de transição corporativa cuja principal promessa é justamente o fato de que ela representa a abertura ao diálogo e à participação das empresas fundamentada em obrigação moral e propósito demo crático na transição e no enfrentamento à ascensão de dinâmicas autoritárias A um só tempo a JTC dinamiza a avaliação crítica sobre a desestabilização dos procedimentos demo cráticos que advém do setor privado e revê o papel das empresas na sociedade de tal forma a inspirar iniciativas corporativas inovadoras orientadas à reconstrução social pósconflito SAADDINIZ Eduardo Justiça de transição corporativa a nova geração de estudos transicio nais Revista Brasileira de Ciências Criminais São Paulo v 167 ano 28 p 71128 mai 2020 p 117 Comentando a necessidade de compreensão da finalidade da responsabilidade social da empresa com destaque para o meio ambiente que é outro vetor importantíssimo dessa transformação de contornos mais amplos Renata Albuquerque Lima e Doralúcia Azevedo Rodrigues enfatizam que a busca pela conscientização das empresas e dos consumidores en contra como obstáculos no capitalismo a extrema competitividade e a dificuldade em voltar recursos para a preservação ambiental mas também é possível observar que a busca pela atuação de grupos empresariais que possuem boa reputação e são responsáveis perante o meio ambiente está entre as atuais preferências do mercado econômico LIMA Renata Albuquerque RODRIGUES Doralúcia Azevedo Os desafios da empresa no século XXI a conciliação entre a responsabilidade socialambiental e a atividade lucrativa Revista Semestral de Direito Empre sarial Rio de Janeiro n 24 p 169195 janjun 2019 p 195 12 Analisando as diferenças entre os modelos norteamericano e europeu de governança cor porativa bem como seus reflexos sobre o desenvolvimento da dogmática em torno da matéria cf GELTER Martin Comparative corporate governance old and new ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 321 jul 2016 Disponível em httpsssrncomabs tract2756038 Acesso em 09 set 2021 Ressaltando a importância da luta contra a corrupção e traçando um paralelo entre o Canadá e o Brasil cf BOUCHARD Charlaine FÉRES Marcelo Andrade ONANA Édouard La lutte contre la corruption en droit international et dans les pratiques locales entre normativisation effectivité et incohérences les cas du Québec et du Brésil In FORTINI Cristiana LARA Fabiana Teodoro FÉRES Marcelo Andrade Org Estado Nos dizeres de Newton De Lucca Enfim ao cabo de todas as reflexões desenvolvi das até aqui pareceme razoável e mais do que razoável prudente imaginarse que a ética em presarial só teria condições de prosperar efetiva mente se fosse semeada num contexto social e numa época em que os valores mais profundos da dignidade do ser humano estivessem consa grados nas convenções sociais com característi cas jurídicas de costume Ora no atual mundo globalizado da economia será que somente o Estado como fonte exclusiva do direito que é pode resolver os conflitos de interesses existen tes seja pela disciplina expressa das normas es critas seja pela interpretação e aplicação das cha madas cláusulas gerais 13 Para sistematizar o que se almeja com a governança criouse a sigla GRC que tem ganhado peso em todos os estudos relaciona dos à governança corporativa à gestão de riscos e ao compliance14 O G representa a governança e se relaciona aos parâmetros de con trole supervisão e gestão de uma companhia envolvendo análise organização metas processos e objetivos O R trata dos riscos exis tentes inerentes ao negócio e outros que possam ocorrer por fatores internos ou externos envolvendo um trabalho preventivo de mapea mento para que condutas indesejadas não sejam praticadas e desen cadeiem eventual responsabilização O C cuida do compliance pro priamente dito que está ligado a questões de diversas matérias não 192 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 e empresa encontros e desencontros em matéria de corrupção e programas de integridade Belo Horizonte DPlácido 2021 p 55 6076 113120 13 DE LUCCA Newton Da ética geral à ética empresarial São Paulo Quartier Latin 2009 p 414 14 Cf SOKOL Daniel D Cartels corporate compliance and what practitioners really think about enforcement Antitrust Law Journal Gainesville v 78 n 201 p 201240 2012 apenas financeiras jurídicas ou contábeis mas até comportamentais e de posturas Essa fórmula revela análise jurídica e técnica que transcende o Direito impondo um diálogo transversal e interdiscipli nar15 No mundo corporativo preponderam hoje mercados ricos ou movidos a dados datarich ou datadriven markets16 o que desper tou os olhares de empresas e de diversas organizações para a necessi dade do fino trato das informações trocadas por meio da Internet primando pela prevenção de danos quanto ao incessante fluxo de da dos pois com o avanço da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos à web tornase cada vez maior o volume des ses fluxos que podem ser estruturados ou não A despeito disso a grande preocupação que surge não diz respeito à quantidade de da dos mas ao tratamento dispensado pelas grandes corporações às informações pois marcos regulatórios especificamente direcionados à proteção da privacidade e dos dados pessoais passam a lhes impor deveres Falase em linhas mais específicas no atendimento aos dita mes dos marcos regulatórios vigentes e especificamente ligados à proteção de dados pessoais aos serviços à integração de tecnolo gias à segurança da informação e à TI em relação ao próprio negó cio Evidentemente tratase de uma disciplina inerente à governança corporativa e que visa ao atendimento das necessidades específicas da presença das Tecnologias de Informação e Comunicação TICs na empresa além do controle informacional no ambiente corporativo amplamente considerado No Brasil a proteção aos grandes fluxos de informações é compreendida a partir de um conjunto de leis composto pelo Marco RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 193 15 FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Notas introdutórias ao compliance digital In CA MARGO Coriolano Almeida CRESPO Marcelo CUNHA Liana SANTOS Cleórbete Coord Direito digital novas teses jurídicas 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2019 p 123 16 MAYERSCHÖNBERGER Viktor RAMGE Thomas Reinventing capitalism in the age of Big Data Nova York Basic Books 2018 p 87108 Civil da Internet Lei nº 12965 de 23 de abril de 2014 pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Lei nº 13709 de 14 de agosto de 2018 e pela Lei de Acesso à Informação Lei nº 12527 de 18 de no vembro de 2011 apenas para exemplificar Segundo Juliano Madalena Portanto para a correta aplicação do direito na internet é de suma importância a análise da rela ção jurídica que dialoga com este fenômeno Por certo o regime jurídico da internet obedece complexa tarefa interpretativa exigindo um es forço multidisciplinar que possibilite a extração do conjunto dos fatos para a constituição de uma matéria Contudo considerando os aspectos jurí dicos que a internet oferece à vida social é possí vel assentar a existência de uma disciplina parti cular do direito que opera criando e balizando regras sociais de direito objetivo e subjetivo17 Porém a existência de regulamentos escritos não esgota o tema eis que não são raros os exemplos difundidos na mídia sobre contrapontos jurídicos de direitos fundamentais que enfrentam carên cia de delimitação axiológica quando invocados para dar solução a relações travadas no mundo virtual18 principalmente na hipótese em que tais relações sejam capazes de acarretar danos Isto não afasta do 194 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 17 MADALENA Juliano Regulação das fronteiras da Internet um primeiro passo para uma teoria geral do direito digital In MARTINS Guilherme Magalhães LONGHI João Victor Rozatti Coord Direito digital direito privado e Internet 4 ed Indaiatuba Foco 2021 p 186 18 Segundo van Dijk essa é a terceira fraqueza da proteção jurídica conferida à privacidade The third weakness of legal privacy protection is that it still deals almost exclusively with informational privacy It is a matter of data protection However ICT in general and media networks in particular increasingly enter the areas of relational and physical privacy As a result applications such as email calling line identification video surveillance with storage of recor dings and all kinds of monitoring of Internet use are poorly protected VAN DIJK Jan The network society 2 ed Londres Sage Publications 2006 p 118119 campo de cognição do Direito contudo a importância do controle regulatório como destaca James Beniger Cada nova inovação tec nológica estende os processos que sustentam a vida social humana aumentando assim a necessidade de controle e a melhoria da tecno logia de controle19 E no contexto específico dos dados os dilemas enfrentados são usualmente de grande complexidade O aumento dos riscos de responsabilização pela má gestão de dados pessoais em decorrência do tratamento dispensado às informações coletadas de usuários gera problemas de governança na medida em que a inadequada curadoria de dados frequentemente remete a um contexto de previsibilidade de falhas gerando tratamento irregular de dados pessoais art 44 II LGPD20 Em suma a delimitação de políticas adequadas permite iden tificar zonas de risco para que antes mesmo da realização do trata mento de dados se possa prevenir responsabilidades quanto à gestão de dados pessoais É nesse aspecto que o próprio conceito de trata mento irregular definido pela LGPD exsurge pois o inciso II do arti go 44 da lei descreve exatamente a importância de que os riscos e resultados sejam considerados na aferição do mencionado conceito Se o avanço da tecnologia representa fenômeno irrefreável e que certamente dará o tom da produção normativa no século XXI além de irradiar efeitos sobre os diversos assuntos pertinentes à vida em sociedade como a economia a política e a inclusão social defi nindo as bases da chamada sociedade da informação também será a tecnologia o elemento de maior impacto para a Ciência do Direito RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 195 19 BENIGER James R The control revolution technological and economic origins of the in formation society Cambridge Harvard University Press 1986 p 434 tradução livre No origi nal Each new technological innovation extends the processes that sustain human social life thereby increasing the need for control and for improved control technology 20 CROOTOF Rebecca The Internet of Torts expanding civil liability standards to address corporate remote interference Duke Law Journal Durham v 69 p 583667 2019 p 665 que deverá se aprimorar para não permitir que a inovação ofusque a capacidade regulatória do Estado21 É nesse cerne que a governança corporativa passa a incidir com o fito de direcionar e monitorar a gestão de determinada empre sa ou instituição são definidos padrões de conduta adequados por sua vez o foco da governança de TI se torna mais categórico passan do a direcionar e monitorar as práticas de uso das TICs em uma orga nização E finalmente com a constatação de que o elemento central do desenvolvimento tecnológico é hoje baseado no Big Data surge a governança de dados Extraída do contexto maior da governança cor porativa e tangenciando pontos da Governança de TI a de dados foca em princípios de organiza ção e controle sobre esses insumos essenciais para a produção de informação e conhecimento das empresas O controle mais estrito e formal de dados não é um desafio surgido nos dias de hoje Os dados dentre os insumos corporativos são aqueles que mais apresentam características de fluidez perpassam diversos processos e sofrem mais transmutações pois são trabalhados em di versos pontos do seu ciclo de vida dando origem a outros além de nem sempre possuírem uma fonte e um destino claramente formalizados22 Tratase basicamente de grande aliada da governança corpo 196 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 21 MARQUES NETO Floriano de Azevedo Pensando o controle da atividade de regulação estatal In GUERRA Sérgio Coord Temas de direito regulatório Rio de Janeiro Freitas Bas tos 2005 p 202 Comenta A atividade regulatória é espécie do gênero atividade administra tiva Mas tratase de uma espécie bastante peculiar Como já pude afirmar em outra oportuni dade é na moderna atividade regulatória estatal que melhor se manifesta o novo paradigma de direito administrativo de caráter menos autoritário e mais consensual aberto à interlocução com a sociedade e permeado pela participação do administrado 22 BARBIERI Carlos Governança de dados Rio de Janeiro Alta Books 2019 p 35 rativa com papel de destaque na estruturação de diretrizes respon sabilidades competências e habilidades assumidas pelas organiza ções e por seus membros com o intuito de controlar processos ga rantir a segurança das informações otimizar a utilização de recursos23 e dar suporte para a tomada de decisões alinhadas com os interesses definidos na legislação de regência A preocupação com a governança corporativa a nível legisla tivo aportou no Brasil de forma marcante no final do Século XX influenciada pelos seguintes eventos em 1992 foi editada a Lei de Improbidade Administrativa brasileira Lei nº 842992 em 1995 foi publicada a Basileia I que definiu regras para o mercado financei ro24 Já em 1997 foi editada a Convenção sobre o Combate da Cor rupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comer ciais Internacionais ratificada pelo Brasil e promulgada internamente pelo Decreto nº 36782000 em 1998 foi publicada no Brasil a Lei nº 9613 que definiu os crimes de lavagem e ocultação de bens e criou o COAF ainda em 1998 foi publicada a Resolução nº 2554 dispondo sobre a implementação de sistemas de controles internos nas corporações25 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 197 23 Importante destaque deve ser conferido às boards nas estruturas de governança corporativa The board of directors operates within a system of corporate governance Governance systems can be roughly grouped according to whether the operation of the company by the board is determined by market forces outsider control or by mechanisms within the corporation and by its networks insider control HOPT Klaus LEYENS Patrick C The structure of the Board of Directors boards and governance strategies in the US the UK and Germany ECGI Working Paper Series in Law Working Paper n 567 mar 2021 Disponível em httpsssrncomabs tract3804717 Acesso em 09 set 2021 24 FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Administração Pública Digital proposições para o aperfeiçoamento do Regime Jurídico Administrativo na sociedade da informação Indaiatuba Foco 2020 p111112 25 O tema é de grande importância e também inspirou a adesão do Brasil a outros importantes atos multilaterais como anotam Natália Chaves e Marcelo Féres Nas últimas décadas a luta contra a corrupção assumiu proporções globais O mundo levantou essa bandeira e muitas foram as convenções editadas sobre a matéria O Brasil também se engajou nessa causa e tornouse signatário de vários atos multilaterais como por exemplo a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais In Além disso em 2009 o Banco Central do Brasil publica a Cir cular nº 3461 que consolidou todos os normativos relativos às ativi dades de prevenção à lavagem de dinheiro Por sua vez foi promul gada no ano de 2012 a Lei nº 12683 com importantes mudanças na lei de lavagem de capitais Também é importante destacar o advento da Lei de Defesa da Concorrência Lei nº 1252911 da Lei Anticor rupção brasileira Lei nº 1284613 e de seu Decreto regulamentador Decreto nº 842015 Devido ao incremento no uso da Internet como ferramenta de comunicação e de interação social surgiram diversas questões desa fiadoras para o Direito particularmente o Civil e o do Consumidor uma vez que se verificou a necessidade de regulamentar os direitos26 deveres e responsabilidades no uso da rede com atenção às peculia ridades desse ambiente virtual27 198 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 ternacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE de 1997 Decreto n 36782000 a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 1996 De creto n 441002 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 Decreto n 568706 CHAVES Natália Cristina FÉRES Marcelo Andrade O emprego de tecnologias e inovações no combate à corrupção In PARENTONI Leonardo Coord GONTIJO Bruno Miranda LIMA Henrique Cunha Souza Org Direito tecnologia e inovação Belo Horizonte DPlácido 2020 v 1 p 592 26 Colin Bennett em importante estudo da década de 1990 sugeriu importante reflexão acerca das peculiaridades da regulação global da proteção de dados Data protection is not like en vironmental protection in which states might agree on the desirable level of toxins in rivers and have a relatively clear and common understanding of what that level means For data protection we can compare the black letter of the law we can observe indicators of the scope of law manual vs automated data public vs private etc and we can compare and contrast the functions and powers of the policy instruments But it is fallacious to make inferences about the level of protection from the observation of these crude indicators Any attempt to establish evaluative criteria for assessing performance is fraught with the central difficulty that the goals of data protection are not selfdefining What is needed is a more holistic perspective that sees data protection as a process that involves a wide network of actors data users data subjects and regulators all engaged in the coproduction of data protection The successful implemen tation of data protection requires a shift in organizational culture and citizen behavior BEN NETT Colin Convergence revisited toward a global policy for the protection of personal data In AGRE Philip E ROTENBERG Marc Ed Technology and privacy the new landscape Cambridge The MIT Press 1997 p 119120 O desenvolvimento tecnológico mudou sensivelmente o co mércio e o mercado mundial que atualmente se diversifica entre o meio físico e o meio digital com exemplos variados de empresas que atuam no meio físico com extensão para o ambiente digital e até mes mo de outras que se direcionam exclusivamente para o meio digital Nesse contexto novas diretrizes jurídicas passam a permear os modelos de negócio dessas companhias que precisam estar aten tas à realidade do mercado consumidor e a todas as diversas discipli nas jurídicas que lhes exigem um atuar em conformidade ao Direito28 É nesse sentido que surge o compliance termo que revela a exigên cia da atuação conforme à lei e às diversas diretrizes e regulamenta ções aplicáveis29 e que tem grande impacto quanto à prevenção de RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 199 27 Cf TRUBEK David M TRUBEK Louise G New governance and legal regulation com plementarity rivalry or transformation University of Wisconsin Legal Studies Research Paper Madison n 1022 2006 28 FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato ABILIO Vivianne da Silveira Compliance de dados pessoais In TEPEDINO Gustavo FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato Coord Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro São Paulo Thomson Reu ters Brasil 2019 p706 Com efeito Também no compliance de dados pessoais o estabeleci mento de organização compatível com o risco da atividade é elemento fundamental da robus tez do programa conforme estabelece o art 50 2º inciso I c Cuidase de assegurar que a estrutura corporativa será capaz de cumprir as determinações legais manutenção do registro das operações elaboração de relatório de impacto etc mediante a adoção de procedimentos especificamente desenhados para as hipóteses de tratamento 29 Por toda a complexidade que permeia a regulação específica dos ecossistemas baseados em dados Rolf Weber e Dominic Staiger propõem um modelo regulatório híbrido A hybrid approach to regulating data protection currently presents the best way forward as it takes the need for clear rules as well as the technological capabilities of various industries into account by enabling them to create their own technological and organizational data protection frame works that are based on the applicable industry characteristics Future legislation should en compass five categories including a righttoknow legislation that keeps users informed a prohibition legislation which prevents certain types of collection and distribution practices of information an IT security legislation that provides for the necessary security standards a utilization regulation that restricts the use of personal data having been collected a taskforce legislation enabling technical communitys efforts to address privacy challenges created by technological shifts WEBER Rolf H STAIGER Dominic Transatlantic data protection in practice BerlimHeidelberg SpringerVerlag 2017 p 135 ilícitos inclusive no contexto da prevenção às práticas corruptivas no ambiente corporativo30 Em termos de governança corporativa a avaliação do próprio negócio sob os diversos pontos de vista do compliance garante a solidez empresarial parâmetro imprescindível ao florescimento do negócio Porém não se pode reduzir o escopo de atuação da gover nança a ponto de não contemplar a tecnologia da informação É complexo e extremamente aberto o debate doutrinário so bre a natureza da responsabilidade civil definida na LGPD Parte da doutrina defende que o nexo de imputação remeteria ao risco da ati vidade em razão da realização do tratamento de dados por expressa previsão do artigo 4231 outra parcela se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da culpa como fator de imputação32 A despeito de 200 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 30 CHAVES Natália Cristina FÉRES Marcelo Andrade A inteligência artificial e a prevenção de ilícitos no âmbito do compliance anticorrupção In FRAZÃO Ana MULHOLLAND Caitlin Coord Inteligência artificial e direito ética regulação e responsabilidade São Paulo Thom son Reuters Brasil 2019 p 705 Anotam Por óbvio como tudo na sociedade contemporânea os mecanismos de compliance também envolvem o uso de ferramentas tecnológicas incluindo sistemas dotados de inteligência artificial A título exemplificativo vale registrar que a maior parte das grandes corporações tem informatizado os seus procedimentos internos e desenvol vido softwares de gestão com o objetivo de estabelecer padrões de conduta balizados pelo ordenamento jurídico interno e que não podem ser alterados manualmente pelos funcionários Com isso reduzse a margem de erros e criase uma uniformidade no processo que facilita o controle Sob essa ótica qualquer ato fora do padrão será acusado pelo sistema alertando os responsáveis a verificar o ocorrido Ainda como parte desse controle interno programas de computador voltados para o monitoramento de riscos também têm merecido especial atenção na medida em que viabilizam a identificação de potenciais ameaças no exercício da atividade 31 Defendendo posição objetivista conferir por todos MULHOLLAND Caitlin Responsabili dade civil por danos causados pela violação de dados sensíveis e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais lei 137092018 In MARTINS Guilherme Magalhães ROSENVALD Nelson Coord Responsabilidade civil e novas tecnologias Indaiatuba Foco 2020 p 122 MIRAGEM Bruno A Lei Geral de Proteção de Dados Lei 137092018 e o direito do consumidor Revista dos Tribunais São Paulo v 1009 nov 2019 p 27 et seq MENDES Laura Schertel DONEDA Danilo Reflexões iniciais sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados Revista de Direito do Consumidor São Paulo Revista dos Tribunais v 120 p 468486 novdez 2018 p 473 32 Defendendo a natureza subjetiva do regime de responsabilidade civil em questão temse por todos GUEDES Gisela Sampaio da Cruz MEIRELES Rose Melo Venceslau Término do qualquer divergência a governança de dados se revela aspecto im portantíssimo não apenas para as empresas que desenvolvem ativi dades com extensão ou exclusivamente em meio digital mas para todas uma vez que o trato com a tecnologia avança cada vez mais passando a influenciar todos os modelos de negócio Exemplos a serem citados são a proteção de dados pessoais e a segurança da informação que são duas faces de uma mesma moe da embora esta esteja conectada aos postulados de confidencialida de integridade e disponibilidade Isso porque existem notícias de va zamentos de informações de inúmeros sites e portais criados para atender às mais diversas finalidades Assim nesta nova realidade vir tual o acesso a dados de usuários dados pessoais ganha relevância ímpar e passa a impor às companhias e organizações um zelo espe cial pela segurança da informação 2 Accountability como primeiro vetor governança e boas prá ticas na proteção de dados pessoais A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é composta de im portante rol de onze princípios Um deles a boafé objetiva33 cons RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 201 tratamento de dados In TEPEDINO Gustavo FRAZÃO Ana OLIVA Milena Donato Coord Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no direito brasileiro São Paulo Thomson Reuters Brasil 2019 p 231232 DANTAS BISNETO Cícero Dano moral pela violação à legislação de proteção de dados um estudo de direito comparado entre a LGPD e o RGPD In FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura LONGHI João Victor Rozatti GUGLIARA Rodrigo Coord Proteção de dados pessoais na sociedade da informação entre dados e danos Indaia tuba Foco 2021 p 228 33 Eduardo Tomasevicius Filho destaca que A informação transmitida deve ser verdadeira clara e relevante Ademais este dever só impõe a transmissão na medida necessária para re duzir custos de transação elevados Assim há um ônus de se informar e um dever de informar que incidem simultaneamente Para facilitar o cumprimento deste dever existem ain da o dever de informar para ser informado e o dever de se informar para informar TOMASE VICIUS FILHO Eduardo O princípio da boafé no direito civil São Paulo Almedina 2020 p 486 Conferir ainda sobre o tema os apontamentos gerais apresentados em MARTINSCOSTA Judith A boafé no direito privado critérios para a sua aplicação São Paulo Saraiva Educação ta do caput do artigo 6º da lei os outros dez estão listados no rol de incisos do mesmo dispositivo Nesse momento cumpre destacar a prevenção inciso VIII e a responsabilidade e prestação de contas inciso X Tais princípios estão intrinsecamente conectados aos pro pósitos da já citada cartilha de princípios da OCDE que agregada aos demais axiomas de regência da governança despertou os valores importantíssimos para a estruturação de modelos de proteção ex ante i fairness compreendido como o senso de justiça e a equida de no tratamento dos acionistas ii disclosure ou a transparência nas informações iii accountability a prestação de contas iv com pliance o atuar em conformidade cujo consagrado conceito foi sen do aprimorado pela doutrina especializada tornandose o paradigma almejado Para o momento importa ressaltar que alguns desses princí pios possuem importante função na compreensão que se pretende traçar quanto ao escopo protetivo da governança de dados na lei Segundo Cíntia Rosa Pereira de Lima e Kelvin Peroli i o nexo estrutural structural nexus enten dido como o desenvolvimento de políticas e pro cedimentos na própria empresa capazes de pro mover a cultura de conformidade em seu âmago ii o fluxo de informações information flow da empresa necessita ser eficiente no sentido de que o compliance deve ser implantado no fluxo de informações do alto comando até os emprega dos do chão de fábrica para garantir que a comu nicação entre todos de todos níveis hierárquicos seja rápida e eficaz iii monitoramento e vigilân cia monitoring and suveillance sendo também função do compliance o monitoramento do com 202 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2018 p 625 SILVA Michael César Convergências e assimetrias do princípio da boafé objetiva no direito contratual contemporâneo Revista Jurídica LusoBrasileira Lisboa v 1 2015 p 11331186 portamento dos empregados a fim de garantir a sua adesão às políticas e procedimentos da em presa o que gera consequentemente a vigilân cia que deve ser minimizada e utilizada apenas para os fins corporativos iv o enforcement das políticas procedimentos e normas de direito que devem ser direcionados tanto para as atividades que oferecem maior risco de nãoconformidade quanto para as que menos risco oferecem o que pressupõe em verdade a análise e o gerencia mento de riscos efetivos pela empresa34 O legislador brasileiro agindo em sintonia com modelos que vêm ganhando espaço noutras legislações35 previu a governança de dados como uma faculdade do agente dela cuidando especificamen te em seus artigos 50 e 5136 De fato tudo parece sinalizar que a com RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 203 34 LIMA Cíntia Rosa Pereira de PEROLI Kelvin Direito digital compliance regulação e go vernança São Paulo Quartier Latin 2019 p 136 35 É o caso do regulamento europeu The GDPR Art 322 GDPR Art 71 Directive 9546EC forces data controllers to mitigate the risk of a potential privacy breach by estab lishing internal procedures to assess data protection risks of their products and services Risk assessment provisions encourage data controllers to weigh technical data protection measures against risks faced by data processing activities These measures must be proportionate to the envisaged risks TAMÒLARRIEUX Aurelia Designing for privacy and its legal framework data protection by design and default for the Internet of Things Basileia Springer 2018 p 96 36 Art 50 Os controladores e operadores no âmbito de suas competências pelo tratamento de dados pessoais individualmente ou por meio de associações poderão formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos incluindo reclamações e petições de titulares as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para os diversos envolvidos no tra tamento as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais 1º Ao estabelecer regras de boas práticas o controlador e o operador levarão em consideração em relação ao tratamento e aos dados a natureza o escopo a finalidade e a probabilidade e a gravidade dos riscos e dos benefícios decorrentes de tratamento de dados do titular 2º Na aplicação dos princípios indicados nos incisos VII e VIII do caput do art 6º desta Lei o controlador observados a estrutura a escala e o volume de suas operações bem como a sensibilidade dos dados tratados e a probabilidade e a gravidade dos danos para os titulares dos dados poderá I implementar plexidade técnica dos processos relativos a dados amplia o espectro das atividades de processamento que deixam de ser equiparáveis a outras atividades geradoras de riscos menores Nesse contexto a pró pria noção de accountability passa a congregar sentidos variados37 É nesse ponto que se deve destacar a importância da base principioló gica da LGPD para a estruturação de novos contornos à civilística tra dicional Não há dúvidas de que o tratamento desenfreado e massivo dos dados pessoais torna o usuário parte vulnerável de qualquer re lação jurídica visto que na esmagadora maioria das vezes esse não terá sequer o conhecimento de que seus dados estão sendo coleta dos muito menos de que estão sendo tratados e compartilhados com terceiros para os mais variados fins e isto acaba se tornando nor mal38 Nesse compasso violações a diversos direitos dos consumido res redução da sua capacidade de escolha discriminações e supres 204 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 programa de governança em privacidade que no mínimo a demonstre o comprometimento do controlador em adotar processos e políticas internas que assegurem o cumprimento de forma abrangente de normas e boas práticas relativas à proteção de dados pessoais b seja aplicável a todo o conjunto de dados pessoais que estejam sob seu controle inde pendentemente do modo como se realizou sua coleta c seja adaptado à estrutura à escala e ao volume de suas operações bem como à sensibilidade dos dados tratados d estabeleça políticas e salvaguardas adequadas com base em processo de avaliação sistemática de impactos e riscos à privacidade e tenha o objetivo de estabelecer relação de confiança com o titular por meio de atuação transparente e que assegure mecanismos de participação do titular f esteja integrado a sua estrutura geral de governança e estabeleça e aplique mecanismos de supervisão internos e externos g conte com planos de resposta a incidentes e remediação e h seja atualizado constantemente com base em informações obtidas a partir de monitoramento contínuo e avaliações periódicas II demonstrar a efetividade de seu programa de governança em privacidade quando apropriado e em especial a pedido da autoridade nacional ou de outra entidade responsável por promover o cumprimento de boas práticas ou códigos de con duta os quais de forma independente promovam o cumprimento desta Lei 3º As regras de boas práticas e de governança deverão ser publicadas e atualizadas periodicamente e poderão ser reconhecidas e divulgadas pela autoridade nacional 37 VAN ALSENOY Brendan Data protection law in the EU roles responsibilities and liability Cambridge Intersentia 2019 p 318 38 POUNDSTONE William Head in the cloud why knowing things still matters when facts are so easy to look up Nova York Hachette 2016 p 253 são da privacidade são práticas contumazes embora espúrias que se visou a combater com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados 3 A devida diligência como segundo vetor um desdobramento virtuoso do princípio da prevenção A chamada devida diligência due diligence no inglês nada mais é que uma auditoria realizada com o objetivo de prevenir res ponsabilidades o que se alinha à principiologia mencionada39 No direito empresarial tratase de prática amplamente utilizada para análises de riscos de operações integrando o contexto da gover nança corporativa e compreendendo etapas que partem do pres suposto de que se deve verificar se o negócio está nas condições que o investidor acreditava estar quando da data de apresentação e proposta Esta prática é amplamente utilizada nos Estados Unidos da América notadamente nas aquisições de empresas e na realização de investimentos o que Luis Henrique Ventura classifica como nada mais nada menos que uma auditoria empresarial40 Tudo parte de um pressuposto de cooperação entre investidor e vendedor que agindo de boafé devem alinhar os procedimentos que irão contribuir para um estudo eficiente sobre as nuances do caso41 normalmente compondose de cinco etapas principais que RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 205 39 Cf ROSA Dirceu Pereira de Santa A importância da due diligence de propriedade intelec tual nas reorganizações societárias Revista da ABPI São Paulo v 60 setout 2002 LUPION Ricardo Boafé objetiva nos contratos empresariais contornos dogmáticos dos deveres de con duta Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 40 VENTURA Luis Henrique Contratos Internacionais Empresariais Belo Horizonte Del Rey 2002 p 5960 41 Cf ASSI Marcos Gestão de riscos com controles internos ferramentas certificações e mé todos para garantir a eficiência dos negócios São Paulo Saint Paul 2012 podem ser transpostas ao contexto específico da proteção de dados pessoais para reforço das medidas de accountability em reforço ao que prevê o artigo 6º inciso X da LGPD compreendido em conjunto com a prevenção descrita no inciso VIII do mesmo dispositivo e com os elementos do inciso II do artigo 44 1 Declaração de intenção Tratase de estágio inicial que en volve a celebração de um acordo preliminar conhecido como en gagement letter42 em que são determinadas as regras da devida dili gência por documento que indica normas e temas estratégicos impor tantes tanto para o potencial vendedor quanto para o interessado usualmente o consumidor que também pode ser identificado como titular de dados Também é o documento que contempla aspectos como confidencialidade direito de preferência no negócio entre ou tros Sendo um acordo que formata uma negociação que se dará en tre as partes não existe como enumerar com precisão o que deve constar neste documento 2 Check listing Documento que é usualmente preparado para o mapeamento da due diligence listando etapas e ciclos bem como detalhando as informações que deverão ser disponibilizadas pela possível auditoria É nesse cerne que passam a ter grande valor 206 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 42 Esse tipo de acordo pode contribuir eficazmente para o cumprimento do disposto na alínea a do inciso I do 2º do artigo 50 da LGPD que exige do agente de tratamento de dados que demonstre o comprometimento do controlador em adotar processos e políticas internas que assegurem o cumprimento de forma abrangente de normas e boas práticas relativas à proteção de dados pessoais Seu valor também pode ser identificado no contexto do inciso II e do 3º do mesmo dispositivo Merece destaque derradeiro ainda neste campo o disposto no 3º que exige a atualização periódica das políticas de governança o que ressalta a necessidade de auditorias cíclicas e revisões de métodos e procedimentos para a garantia da efetividade indi cada no 2º II pois como se disse o programa somente servira de parâmetro para a avaliação de boa conduta empresarial e para a mitigação de responsabilidades se reconhecidamente for efetivo MARTINS Guilherme Magalhães FALEIROS JÚNIOR José Luiz de Moura Segurança boas práticas governança e compliance In LIMA Cíntia Rosa Pereira de Coord Comentá rios à Lei Geral de Proteção de Dados Lei n 137092018 com alteração da Lei n 138532019 São Paulo Almedina 2020 p 363 as normas admitidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT No caso específico da privacidade e segurança da informação a ABNT possui uma família específi ca de normas técnicas a família 27000 e as prin cipais normas para tratar esse assunto são a ABNTNBR ISOIEC 27001 27002 e 27701 As normas da família ISOIEC 27000 são normas internacionais que possibilitam às organizações a implementação de um Sistema de Gestão da Se gurança da Informação SGSI através do estabe lecimento de uma Política de Segurança Contro les e Gerenciamento de Riscos O conjunto de normas ISOIEC 27000 apresenta os requisitos necessários para a implementação de um Sistema de Gestão da Segurança da Informação SGSI em qualquer organização incluindo métodos de auditoria métricas controle e gerenciamento de riscos43 3 Fornecimento eou obtenção das informações Definido o ponto de partida da averiguação que se pretenda fazer iniciase a fase mais árdua da devida diligência que está relacionada à revisão do conjunto de informações levantadas bem como à pesquisa e à coleta de dados complementares 4 Consolidação É a etapa em que depois de consolidada a análise dos dados coletados um extenso relatório é preparado nos moldes solicitados pela contratante do serviço e seguindo os padrões adotados pelos advogados responsáveis RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 207 43 FONSECA Fernando MELLO Renata Avelar de Frameworks para privacidade e proteção de dados pessoais In CRESPO Marcelo Xavier de Freitas Coord Compliance no direito digital São Paulo Thomson Reuters Brasil 2020 p113115 5 Entrega do relatório final Corresponde ao relatório que po derá ser utilizado diretamente ou após análise minuciosa sobre a via bilidade da transação A partir daí caberá a ambas as partes continuar eventual revisão ou auditoria De modo geral o procedimento de devida diligência revela exatamente a preocupação de uma atuação em conformidade às nor mas com o fim de identificar riscos mitigandoos em possíveis negociações Nada mais é que uma formatação preventiva do com pliance aplicada via de regra às incorporações societárias e aos in vestimentos Para qualquer investidor a possibilidade de demonstrar que agiu nos limites das cautelas minimamente esperadas é um trunfo no momento de afastar ou reduzir sua responsabilização por qualquer evento decorrente do negócio principalmente no plano jurídico Pri meiro porque o valor do investimento pode ser prejudicado por pro blemas legais ocultos como proteção insuficiente da propriedade in telectual inexistência de boas práticas nas relações consumeristas tributárias e trabalhistas etc segundo porque termos jurídicos po dem gerar impacto significativo sobre o capital real de retorno de in vestimentos de riscos Por essa razão a due diligence jurídica abrange aspectos le gais e riscos envolvidos nos negócios de uma empresa incluindo os riscos relativos a possíveis responsabilidades incluindo resolução de litígios e responsabilidades ambientais contratos assistências e ou tras áreas Porém uma vez que seu escopo é amplo e subdividido entre a análise financeira e a jurídica percebese o que o estudo iso lado desta última não deve estar dissociado dos aspectos econômi cos pois as normas jurídicas servem para instrumentalizar e viabilizar o mercado de forma eficaz e justa Nessa linha de intelecção Renato Ventura Ribeiro expõe que o dever de diligência exige que o administra dor deva estar munido das informações necessá 208 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 rias para tanto em especial aquelas relevantes e razoavelmente disponíveis As informações ne cessárias para a tomada de decisões abrangem tanto a parte legal quanto a negocial estando in cluídas na última conhecimento da situação de mercado política e produtos da empresa dificul dades e propostas de soluções44 É importante lembrar que não são raras as legislações que im põem a responsabilização objetiva particularmente no trato das rela ções jurídicas desniveladas o que acaba por gerar uma preocupação ainda maior com due diligence para a prevenção de riscos o que se coaduna com a noção de accountability destacada pela dicção do princípio contido no artigo 6º inciso X da LGPD No contexto da governança de dados este é um cenário sempre presente nas rela ções entre os agentes de tratamento que lidam com atividades de alto risco especialmente em mercados robustecidos por aplicações ba seadas em Big Data haja vista o amplo controle exercido frente à hipossuficiência técnicoprobatória de suas contrapartes o que acaba acirrando o potencial de responsabilização por inobservância a deve res e rotinas de prevenção que decorrem da devida diligência E evidentemente esta responsabilização se aguça quando o ilícito diagnosticado envolve a má gestão de dados pessoais dos usuários nas relações de consumo45 o que margeia direitos funda mentais da pessoa muitas vezes expostos a situações de nítido dano Isto pode ocorrer dentre outras hipóteses pela veiculação de publi cidade ilícita notadamente enganosa pela má utilização de coo kies46 ou pela má gestão de links RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 209 44 RIBEIRO Renato Ventura Dever de diligência dos administradores de sociedades São Pau lo Quartier Latin 2006 p 226227 45 Sobre as peculiaridades das relações de consumo levadas a efeito na Internet conferir SIL VA Michael César SANTOS Wellington Fonseca dos O direito do consumidor nas relações de consumo virtuais Revista de Informação Legislativa Brasília ano 49 n 194 abrjun 2012 p261281 Destarte não é de se olvidar dos riscos que circundam as em presas que fazem coleta de dados pessoais de seus usuários ainda que sem a finalidade de explorar comercialmente os bancos de dados constituídos a partir dessas coletas pois os riscos decorrentes do uso inadvertido e abstruso de dados pessoais com graves implicações para a identificação da não observância aos parâmetros de governan ça estabelecidos em rotinas de devida diligência Conclusão Nesse breve ensaio buscouse traçar algumas pontuações so bre as origens da governança corporativa e seu aprimoramento até a consolidação da governança de dados que é desdobramento natural da primeira Na investigação realizada pontuouse que as origens do tema remontam ao Século XX e ao início do fenômeno da globaliza ção em que interações de todos os níveis e de todos os segmentos 210 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 46 Cookies são arquivos de texto gerados durante o acesso a um website que são gravados no disco rígido do computador para serem utilizados pelo navegador sendo que alguns cookies temporários permanecem na memória RAM e são apagados assim que o programa navegador é encerrado ao passo que outros cookies permanentes são gravados no disco rígido quando do término da navegação Têm por objetivo básico fornecer maior conveniência na utilização da Internet evitando que certos dados precisem ser fornecidos a cada vez que uma página é visitada e armazenando informações relativas às preferências de um usuário Para mais deta lhes consultar DENSA Roberta DANTAS Cecília Notas sobre publicidade digital cookies e spams In MARTINS Guilherme Magalhães LONGHI João Victor Rozatti Coord Direito digital direito privado e Internet 4 ed Indaiatuba Foco 2021 p 694700 Com efeito a doutrina ainda sinaliza um cookie dependendo de como é feito tem o poder de coletar informações do usuário como seu número de IP o navegador e o sistema operacional que utiliza o horário em que acessou o site quais áreas do site que visitou mais vezes de que outro site seu acesso se originou caso tenha seguido um link etc Apenas a primeira infor mação das listadas acima já bastaria para marcar a invasão da privacidade do usuário O nú mero de IP Internet Protocol está para a Internet como a impressão digital está para a iden tificação de pessoas O IP fornece o provedor o navegador e o sistema operacional do usuário por exemplo Com o número do IP podese tendo o conhecimento técnico para tanto facil mente saber a identidade real e a localização de qualquer um que tenha acessado a Internet QUEIROZ Danilo Duarte de Privacidade na Internet In REINALDO FILHO Demócrito Coord Direito da Informática temas polêmicos Bauru Edipro 2002 p 88 caracterizaram a fluidez da tecnologia e a relevância que esse tema tem para a implementação do compliance para o trato dos fluxos de dados Com o avanço da integração computacional e a facilitação do acesso dos cidadãos ao ambiente virtual viuse que o incremento do volume de informações captadas e trocadas contribuiu e continuará contribuindo para que a atual sociedade da informação avance a um novo paradigma de acirramento de riscos Nesse contexto destacou se a relevância de que bases sólidas que ultrapassem a própria nor ma e que envolvam rotinas coerentes com o grau de risco de cada atividade e com a viabilidade de revisões cíclicas e auditorias de da dos para adequada curadoria possam conduzir a uma reformulação do que a doutrina chama de devida diligência ou due diligence no original em inglês O advento de marcos regulatórios é portanto o primeiro pas so dessa reformulação paradigmática Não obstante o papel da devi da diligência e da delimitação dos controles internos para o atendi mento desses marcos a partir de serviços da integração de tecnolo gias da segurança da informação e do papel da TI em relação ao negócio é de inegável valor para a consolidação do atendimento às necessidades específicas impostas pela presença da tecnologia e do controle informacional no ambiente corporativo especialmente para fins de mitigação da responsabilização pelo mapeamento de riscos e resultados fatores expressamente contemplados no artigo 44 II da LGPD para a construção do conceito de tratamento irregular Os dois vetores apontados na construção da hipótese de pesquisa se mostra ram pertinentes e adequados à concreta elucidação dos desafios que permeiam o tema além de serem importantes elementos parara a consolidação de uma cultura de governança e de boas práticas rela cionadas a dados Somente a partir disso é que se avançará virtuosa mente rumo à concretização da principiologia de lastro preventivo insculpida na LGPD RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 211 A BStage and stock size GARANTIAS GENÉRICAS OU OMNIBUS NO DIREITO BRASILEIRO1 GLOBAL OR OMNIBUS GUARANTEES UNDER BRAZILIAN LAW Pedro Guilhardi Resumo O artigo examina atributo facultativo de determina das garantias sejam elas pessoais sejam reais típicas ou atípicas Esse atributo denominado omnibus constituise como garantias ge néricas globais ou guardachuvas Partese das noções introdutórias da figura seu surgimento e adoção pela práxis bancária para discutir a validade de tal contratação à luz da determinabilidade do objeto dos negócios jurídicos A análise é feita tanto sob o ponto de vista de garantias pessoais quanto de garantias reais típicas ou atípicas Palavraschave Garantias Negócio jurídico Garantia omni bus ou genérica Efetividade do Direito Privado Proteção ao investi mento privado Abstract The article assesses a particular feature of certain type of guarantees either personal or in rem known as omnibus that create a global or umbrella guarantee This text discusses its notion development and use in banking to further discuss the validity of this kind of guarantees in the light of the requirement under Brazilian contract law that the subbject of obligations undertaken shall be de termined or determinable The analysis is carried out from the point of view of both personal and in rem guarantees expressly ruled by legal statutes or not ruled by legal statutes Keywords Guarantees Legal transaction Global or omnibus guarantees Effectiveness of private law Protection of private invest ment RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 213 1 Artigo recebido em 04052021 e aceito em 17112021 Doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Católica de São Paulo PUCSP Mestre em Direito Comercial pela PUCSP LLM em Comparative and International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London Advogado em São Paulo Email pguilhardinanniadvbr Sumário Introdução 1 Noção origem e disciplina 2 O regime de invalidade por in determinabilidade do objeto no direito brasi leiro 3 O problema das garantias genéricas ou omnibus à luz da determinabilidade do seu objeto 31 A quantificação do montante garantido ao tempo da conclusão do negó cio não constitui exigência legal brasileira no âmbito da fiança 32 O problema da quanti ficação do montante garantido nos contratos em que a lei do negócio típico exige referên cia ao valor garantido hipóteses de garantias reais típicas 33 A referência à espécie de negócio jurídico futuro 34 Validade da pac tuação por prazo indeterminado 35 Valida de das garantias omnibus artigo 104 inciso II do Código Civil controle da legalidade suscetível de se operar no plano da eficácia à luz do contexto e da boafé objetiva Con clusão Introdução Pretendese avaliar elemento facultativo de garantias denomi nado omnibus que conta pelo menos sob tal terminologia com pou cas referências e estudos exclusivamente a ele dedicados no direito brasileiro2 e normalmente atrelados à fiança3 como garantia em es 214 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 2 Ver entre outros FIGUEIREDO Gabriel Seijo Leal de Contrato de fiança São Paulo Sarai va 2010 p 125 e ss GUILHARDI Pedro Garantias autônomas Instrumento para proteção jurídica do crédito São Paulo Quartier Latin 2019 p 247 ZULIANI Ênio Santarelli In NANNI Giovanni Ettore Coord Comentários ao Código Civil direito privado contemporâneo 2 ed São Paulo Saraiva 2021 p 21722173 3 Isso se justifica em grande medida pela tipicidade da fiança e pela disposição do artigo 821 do Código Civil que autoriza a contratação de fiança para garantia de dívida futura Além disso a modalidade omnibus é especialmente presente na contratação de fianças bancárias pécie Garantias com a característica omnibus ou simplesmente ga rantias omnibus também são denominadas genéricas gerais4 globais caldeirões5 ou guardachuvas6 A palavra omnibus é formada pelo antepositivo latino omni também conhecido como oni que significa todo todos tudo qualquer de toda espécie7 originando também vocábulos como onipresente onipotente onisciente etc Em parte a característica marcante das garantias omnibus é reflexo de sua denominação signi ficando para todos no caso específico para todas as obrigações que venham a surgir daí a criação inclusive da palavra ônibus para designar um veículo coletivo ou para todos É modalidade utilizada especialmente por instituições finan ceiras que para concessão de sucessivos créditos em favor de socie dades e dada a autonomia jurídica e patrimonial da pessoa do sócio em relação à pessoa jurídica constituem com o sócio controlador ou investidor fiança ou qualquer outra espécie de garantia na sua mo dalidade omnibus a fim de garantir obrigações a serem constituídas pelas sociedades junto àquela mesma instituição Vale lembrar que as dívidas futuras podem ser objeto pelo menos de fiança a teor do que dispõe a primeira parte do artigo 821 do Código Civil Ao contratar a referida modalidade as partes alme jam a redução dos custos de transação e da burocracia que estaria RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 215 4 Terminologia que será evitada pelo autor para que não se confunda com a contraposição entre garantias gerais e especiais 5 VIDEIRA Celina A fiança omnibus Revista de direito das sociedades v 8 Coimbra Alme dina 2016 p 646 6 VENOSA Silvio de Salvo DENSA Roberta Contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia de dívida futura ou incerta In PERES Tatiana Bonatti TERRA Marcelo DIAS José Guilherme Gregori Siqueira Coords Alienação fiduciária de bem imóvel e outras garantias Indaiatuba Editora Foco 2019 p 97 7 HOUAISS Antônio VILLAR Mauros de Sales Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 2062 presente caso fosse necessário firmar a cada operação contrato de garantia apartado Em outras palavras facilita agiliza e tem o poten cial de reduzir o custo do crédito desde que obedecidos os requisitos de validade do negócio jurídico Não se pretende avaliar a característica omnibus das garantias em todos os seus aspectos mas desenvolver a noção do instituto para então estudar a obrigação assumida sob o prisma da validade do negócio jurídico Quando necessário farseá referência à fiança dada a existência de regulação parcial mas específica da matéria pela lei Tratarseá da validade e dos limites das contratações omnibus no âmbito do direito das garantias em geral à luz do artigo 104 inciso II do Código Civil para responder se tal modalidade de garantia é válida perante o ordenamento jurídico brasileiro isto é se eou em que hipóteses a contratação omnibus tem objeto jurídico determina do ou determinável Restringese o estudo a operações bancárias de concessão de crédito garantidas por obrigações genéricas Esclarecese de igual modo que o artigo não tem por objeto o estudo de garantias em espécie seu objeto as relações jurídicas formadas em cada tipologia as defesas dos envolvidos etc mas o estudo de cláusula omnibus que pode ou não estar presente nas contratações das diferentes espécies de garantia Por fim serão apresentadas as conclusões do estudo 1 Noção origem e disciplina Mais comum e amplamente apesar das ressalvas adiante as modalidades de garantia omnibus se caracterizam pela assunção do garante de todas as dívidas sem especificar de determinado devedor8 216 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 8 MARTINEZ Pedro Romano PONTE Pedro Fuzeta Garantias de cumprimento Coimbra Almedina 2006 p 9697 Entendese que em sentido mais estrito a característica omni bus das garantias é marcada pela contratação futura e sem determina ção pelo menos prévia do objeto futuro garantido Ao revés se a situação envolve simultaneamente a assunção de obrigações pre sentes e futuras de natureza indeterminada apenas na parte relativa a estas últimas é que se pode considerar omnibus9 De outra sorte havendo contratação de garantia para asse gurar obrigação futura mas determinada não se está na hipótese de garantia omnibus mas simplesmente de garantia de obrigação futura Dessa forma a contratação omnibus pode ser definida como a obrigação assumida pelo garante de responder por todas as dívidas futuras que venham a ser contraídas por determinada pessoa ente garantido perante o seu credor ente beneficiário sem que nor malmente o seu objeto conte com qualquer limitação de ordem quantitativa ou temporal10 Se de um lado a prévia indeterminação do objeto de contra tação futura é o que confere utilidade a tal modalidade de contrata ção11 também pode de outro lado trazer inquietações quanto à va lidade do negócio jurídico à luz dos requisitos de validade impostos pelo ordenamento civil notadamente o artigo 104 inciso II do Códi go Civil A modalidade rompe um processo burocrático que deman dava inicialmente a negociação e a contratação de diferentes garan tias a cada operação de crédito atraindo as instituições financeiras RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 217 9 VIDEIRA Celina Op Cit p 646 10 Ampliouse o conceito comumente utilizado pela doutrina que se restringe geralmente à fiança omnibus De fato a garantia ominbus não é um tipo contratual de garantia é ao con trário uma obrigação oriunda das contratações das diferentes modalidades de contratos de garantia sejam reais sejam pessoais etc 11 FARO Frederico Fiança omnibus no âmbito bancário validade e exercício da garantia à luz do princípio da boafé Coimbra Coimbra Editora 2009 p 113 e seus usuários que se beneficiam com a facilidade e a agilidade na obtenção de crédito O instrumento também serve ao propósito de fazer frente à eventual limitação geralmente decorrente do princípio da autono mia patrimonial da sociedade empresária em relação à pessoa de seus sócios de as instituições financeiras recuperarem o crédito con cedido aumentando a massa quantitativa de bens garantidores do crédito para incluir além dos bens do devedor principal o patrimô nio dos garantidores que responderão pelo débito assumido pelo devedor principal Surgem assim as figuras omnibus como a garantia autôno ma omnibus e a fiança omnibus12 sendo que a terminologia e o con teúdo da obrigação assumida têm origem na Itália em especial a fiança omnibus que foi configurada pela Associação de Bancos Ita lianos ABI13 A adoção do instrumento pelos italianos rapidamente se expandiu para países como Alemanha Portugal França e Espa nha14 A jurisprudência italiana em 1957 começou por admitir in condicionalmente a fiança omnibus Aduziu que a figura seria válida uma vez que estavam prédeterminados os débitos afiançados e os sujeitos subordinados às obrigações impostas pela fiança15 Esta situação instigou debates acadêmicos entre as décadas de 1970 e 1980 formulandose três distintas correntes de entendimento A primeira defendida por autores como Stolfi Si monetto e Valcavi considerava que a fiança om nibus não era compatível com as exigências de 218 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 12 VIDEIRA Celina Op Cit p 648 13 Ibidem p 648649 14 Ibidem p 649 15 FARO Frederico Op Cit p 147 determinabilidade impostas pelos artigos 1346 e 1418 do Código Civil italiano A segunda repre sentada por autores como Bozzi e Fragali susten tava que a validade da fiança omnibus estava as segurada per relationem se feita referência aos futuros negócios celebrados entre o afiançado e o credor sendo os limites temporais e de mon tante problemas que escapavam ao problema da validade da fiança Para estes autores a determi nabilidade do objeto bastavase com a indivi dualização do acordo entendido como prefigu ração da operação econômicojurídica querida pelas partes da qual resulta a natureza das prestações e não já a exata individuação do con teúdo destas que bem pode ser diferida para um momento sucessivo A terceira corrente inicial mente defendida entre outros por Roppo e Bre goli considerava que a fiança omnibus assumia uma relevância no mundo negocial que a carac terizava como uma figura cujo objeto negocial ti nha um cariz indeterminado e que ao direito se impunha traçar os limites toleráveis dessa inde terminação16 Na década de 1980 o entendimento firmado pelos tribunais italianos acabou se revertendo admitindose a tese da nulidade da fiança omnibus por indeterminabilidade pois contrariaria o artigo 1346 do Código Civil italiano17 A questão foi parcialmente pacificada em 1992 com a redação introduzida ao Código Civil italiano em seu artigo 193818 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 219 16 VIDEIRA Celina Op Cit p 649650 17 GOMES Manuel Januário da Costa Gomes Assunção Fidejussória de Dívida sobre o sen tido e o âmbito da vinculação como fiador Coimbra Almedina 2000 p 636 18 GALLO Paolo Trattato del contratto la formazione Torino UTET Giuridica 2010 v 1 p 143 Art 1938 Fideiussione per obbligazioni future o condizio nali La fideiussione può essere prestata anche per unobbligazione condizionale o futura con la pre visione in questo ultimo caso dellimporto mas simo garantito19 Na França o entendimento inicialmente firmado foi pela vali dade das obrigações assumidas pelo garantidor omnibus no caso fiança omnibus desde que os deveres assumidos constassem mini mamente do instrumento A Lei nº 80525 de 12 de junho de 1980 contudo alterou a redação do artigo 1326 do então vigente texto do Código Civil francês20 exigindo que a fiança fosse não só assinada pelo fiador como também constasse escrito à mão e por extenso o montante garantido no instrumento21 220 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 19 Tradução livre Art 1938 Fiança por obrigações futuras ou condicionais A fiança pode ser prestada ainda por uma obrigação condicional ou futura com a previsão nesse último caso da importância máxima garantida 20 Lacte juridique par lequel une seule partie sengage envers une autre à lui payer une somme dargent ou à lui livrer un bien fongible doit être constaté dans un titre qui comporte la signature de celui qui souscrit cet engagement ainsi que la mention écrite par luimême de la somme ou de la quantité en toutes lettres et en chiffres En cas de différence lacte sous seing privé vaut pour la somme écrite en toutes lettres Tradução Livre O ato jurídico pelo qual uma parte se compromete a outra a pagarlhe uma quantia em dinheiro ou a lhe entregar um bem fungível deve ser inscrito em título que inclua a assinatura da parte que assume o compromisso bem como a menção por escrito da soma ou quantidade em cifras e por extenso Em caso de divergência o instrumento vale pelo valor escrito por extenso 21 Redação atual equivalente disposta no artigo 1376 do Código Civil francês Lacte sous signature privée par lequel une seule partie sengage envers une autre à lui payer une somme dargent ou à lui livrer un bien fongible ne fait preuve que sil comporte la signature de celui qui souscrit cet engagement ainsi que la mention écrite par luimême de la somme ou de la quantité en toutes lettres et en chiffres En cas de différence lacte sous signature privée vaut preuve pour la somme écrite en toutes lettres Tradução livre O instrumento particular pela qual uma das partes se compromete perante a outra a pagarlhe uma quantia em dinheiro ou a lhe entregar um bem fungível só é prova se incluir a assinatura da parte que assume este compromisso bem como a menção escrita por ele mesmo da soma ou da quantidade por Já em Portugal a jurisprudência desenvolveuse em três fases Temse inicialmente a fase de indiferença inaugurada na década de 1970 que se mostrou alheia às discussões sobre a determinabilidade do objeto da garantia omnibus Seguiuse a fase limitadora na década de 1990 que impôs restrições à contratação ou mesmo determinou sua inadmissibilidade Por fim temse a fase implementada a partir dos nos anos 2000 com prolação de acórdão uniformizador de juris prudência de 23 de janeiro de 2001 processo nº 42001 Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça ser nula por indeterminabilidade do seu objeto a fiança de obrigações futuras quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida sem menção expressa da sua origem natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha Embora não explicitamente a decisão impõe limites tempo rais e de montante para que a contratação seja válida notadamente se avaliada à luz de outros julgados a respeito do tema em Portugal22 2 O regime de invalidade por indeterminabilidade do objeto no direito brasileiro Como salientou a doutrina portuguesa a sombra que paira sobre a fiança omnibus é precisamente o problema da determinabi lidade das obrigações garantidas cuja violação pode importar a sua invalidade23 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 221 extenso e em cifras Em caso de divergência vale a prova do valor por extenso no instrumento particular 22 VIDEIRA Celina Op Cit p 666667 23 Ibidem p 649663 A indeterminabilidade do objeto é vício de conteúdo mais precisamente de inidoneidade do objeto O conteúdo corresponde à estrutura e ao significado global do consenso tal como determinado após interpretação e eventual integração do negócio jurídico24 É composto pelo objeto mediato ou objeto em sentido estrito por refe rência ao bem ou aos bens a que o contrato se reporta Já o objeto imediato relacionase às pessoas funções e circunstâncias da contra tação25 Em um contrato de compra e venda por exemplo a obriga ção de transferência do bem de um patrimônio a outro e o pagamen to do preço constituem o objeto imediato já o bem propriamente dito é seu objeto mediato26 Em nossa percepção os conceitos não são absolutamente au tônomos nem estáticos pois o conteúdo da contratação como um todo os seus objetos mediato e imediato interrelacionamse de ma neira que o intérprete para avaliar a adequação do objeto contratual ao requisito legal deverá aferir não só o texto mas o contexto da contratação aí incluindose as pessoas envolvidas as funções exer cidas pelos instrumentos que estão sendo avaliados bem como as circunstâncias da contratação É o que esclarece em outros termos Fabiano Menke Tudo dependerá da análise do contexto Se das circunstâncias da conclusão do negócio jurídico ficar claro sobre qual objeto específico se estabe leceu o vínculo ou que ele integra um universo de bens conhecido das partes não há que se falar em invalidade por indeterminação do objeto27 222 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 24 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos V invalidade Coimbra Almedina 2018 p 178 25 Idem 26 TEPEDINO Gustavo BARBOZA Heloisa Helena MORAES Caria Celina Bodin de Código Civil interpretado conforme a Constituição da República São Paulo Renovar 2014 3 ed v 1 p 219 27 MENKE Fabiano In NANNI Giovanni Ettore Coord Comentários ao Código Civil direito privado contemporâneo São Paulo Saraiva 2021 p 187 Se as referências da contratação não resultarem na determina ção ou determinabilidade do objeto temse a invalidade da contrata ção que contudo está sujeita à validação pelos contraentes median te integração do contrato salvo se a indeterminabilidade for total ou tão extensa que impeça a inteligência do texto aqui incluindose contradições insolúveis pois inexiste nesse caso o contrato28 Para António Menezes Cordeiro a prestação é indetermina da mas determinável quando não se saiba num momento anterior qual o seu teor mas não obstante exista um critério para proceder à determinação exemplos claros são os constituídos pelas obrigações alternativas e pelas obrigações genéricas ao passo que a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer crité rio para proceder à determinação gerando a nulidade29 No direito civil brasileiro o tema da invalidade por indetermi nabilidade do objeto é regulado pelo artigo 104 inciso II do Código Civil que assim dispõe Art 104 A validade do negócio jurídico re quer II objeto lícito possível determinado ou determinável Notase a equivalência do tratamento da matéria pelo direito italiano cujo Código Civil artigo 1346 estabelece que loggetto del contratto deve essere possibile lecito determinato o determinabile30 Já o Código Civil Português artigo 280º prescreve a nulidade do ne gócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível con trário à lei ou indeterminável RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 223 28 ALMEIDA Carlos Ferreira de Op Cit p 180 29 CORDEIRO António Menezes Anotação ao acórdão de 19 de fevereiro de 1991 impug nação pauliana de atos anteriores ao crédito nulidades da fiança por débitos futuros indeter mináveis efeitos da impugnação Revista da Ordem dos Advogados Coimbra ano 51 p 525 572 jul 1991 p 563 30 Tradução livre O objeto do contrato deve ser possível lícito determinado ou determiná vel A possibilidade de determinação futura do objeto contratual quando não completamente identificado ao tempo da conclusão o negócio é indicada pelo vocábulo determinável no inciso II do citado dispositivo brasileiro O objeto contratual por sua vez é composto por i meios indiretos de determinação regulados pelas próprias par tes no âmbito do contrato contratação sobre coisas futuras sujeição a eventos nomeação conjunta de arbitrador31 etc ou pela ii pró pria lei que em alguns casos relega a terceiros ou estabelece diretri zes para a determinação posterior Acerca desse segundo caso ve jamse por exemplo o artigo 400º do Código Civil português con cernente aos negócios jurídicos em geral32 os artigos 485 a 48733 para determinação do preço em contratos de compra e venda o arti 224 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 31 Veja por exemplo a autorização expressa contemplada pelo artigo 1473 do Código Civil italiano Art 1473 Determinazione del prezzo affidata a un terzo Le parti possono affidare la determi nazione del prezzo a un terzo eletto nel contratto o da eleggere posteriormente Se il terzo non vuole o non può accettare lincarico ovvero le parti non si accordano per la sua nomina o per la sua sostituzione la nomina su richiesta di una delle parti è fatta dal presidente del tribunale del luogo in cui è stato concluso il contrato Tradução livre Art 1473 Determinação do preço confiada a um terceiro As partes podem confiar a determinação do preço a um terceiro eleito no contrato ou a ser eleito posteriormente Se o terceiro não quiser ou não puder aceitar a nomeação ou as partes não concordarem com a sua nomeação ou substituição a nomeação a pedido de uma das partes é feita pelo presidente do tribunal do local onde o contrato foi firmado 32 Artigo 400º Determinação da prestação 1 A determinação da prestação pode ser confia da a uma ou outra das partes ou a terceiro em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade se outros critérios não tiverem sido estipulados 2 Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido sêloá pelo tribunal sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas 33 Art 485 A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro que os contratantes logo designarem ou prometerem designar Se o terceiro não aceitar a incumbência ficará sem efeito o contrato salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa Art 486 Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa em certo e determinado dia e lugar Art 487 É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros desde que suscetíveis de objetiva determinação Art 488 Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação se não houver tabelamento oficial entendese que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do ven dedor Parágrafo único Na falta de acordo por ter havido diversidade de preço prevalecerá o termo médio go 59634 relativo ao arbitramento da retribuição nos contratos de prestação de serviços o artigo 628 parágrafo único35 sobre fixação da retribuição do depositário o artigo 658 parágrafo único36 a res peito da remuneração do mandatário o artigo 70137 quanto à retri buição do comissário o artigo 72438 em relação ao corretor todos do Código Civil brasileiro Vejase também o artigo 1349 do Código Ci vil italiano39 que regula a questão sob a rubrica dos negócios jurídi cos em geral a exemplo da disciplina portuguesa RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 225 34 Art 596 Não se tendo estipulado nem chegado a acordo as partes fixarseá por arbitra mento a retribuição segundo o costume do lugar o tempo de serviço e sua qualidade 35 Art 628 O contrato de depósito é gratuito exceto se houver convenção em contrário se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão Parágrafo único Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei nem resultar de ajuste será determinada pelos usos do lugar e na falta destes por arbitramento 36 Art 658 O mandato presumese gratuito quando não houver sido estipulada retribuição exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa Parágrafo único Se o mandato for oneroso caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato Sendo estes omissos será ela determinada pelos usos do lugar ou na falta destes por arbitramento 37 Art 701 Não estipulada a remuneração devida ao comissário será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar 38 Art 724 A remuneração do corretor se não estiver fixada em lei nem ajustada entre as partes será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais 39 Art 1349 Determinazione delloggetto Se la determinazione della prestazione dedotta in contratto è deferita a un terzo e non risulta che le parti vollero rimettersi al suo mero arbitrio il terzo deve procedere con equo apprezzamento Se manca la determinazione del terzo o se questa è manifestamente iniqua o erronea la determinazione è fatta dal giudice La determina zione rimessa al mero arbitrio del terzo non si può impugnare se non provando la sua mala fede Se manca la determinazione del terzo e le parti non si accordano per sostituirlo il con tratto è nullo Nel determinare la prestazione il terzo deve tener conto anche delle condizioni generali della produzione a cui il contratto eventualmente abbia riferimento Tradução livre Art 1349 Determinação do objeto Se a determinação da prestação deduzida no contrato for deferida a um terceiro e não resultar que as partes desejaram remeter ao seu mero arbítrio o terceiro deve proceder com a avaliação justa Se faltar a determinação por terceiro ou se for manifestamente injusta ou errônea a determinação é feita pelo juiz A determinação relegada a mero arbítrio do terceiro não pode ser contestada exceto pela prova de sua máfé Se faltar a determinação do terceiro e as partes não concordarem em substituílo o contrato é nulo Na O fato de a determinação poder ser estabelecida em último caso pelo juiz por exemplo não afasta o problema da invalidade pois a determinação da prestação por alguma das partes ou por ter ceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entida des devem obedecer40 Em outras palavras admitese a vagueza dos critérios não se concebendo apenas que se deixe tudo ao arbítrio de uma das partes ou de terceiro de maneira que quando chamado a intervir o opera dor deverá atuar nos limites dos critérios estipulados pelas partes va lendose da equidade legal Caso não encontre critérios objetivos de verá ex officio declarar a nulidade da obrigação41 Fabiano Menke esclarece que a determinação do objeto como requisito de validade exige que em algum momento seja determiná vel permitindo que a parte obrigada ou ambas as partes possa di recionar suas condutas para cumprir o avençado fazendo alusão às regras relativas às obrigações de dar coisa incerta em que a coisa deverá ser indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade nos termos do artigo 243 do Código Civil42 Carlos Alberto da Mota Pinto entende que o objeto negocial deve estar individualmente concretizado no momento do negócio ou pode vir a ser individualmente determinado segundo um critério es tabelecido no contrato ou na lei43 Sob tal perspectiva seriam eiva dos de nulidade os negócios que se refiram a objeto do qual nem a lei nem as partes estabeleceram o critério de harmonia com que se deva fazer a sua individualização44 pois é preciso que ele possa ser 226 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 determinação do serviço o terceiro também deve levar em consideração as condições gerais de produção a que o contrato pode referirse 40 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 563 41 Ibidem p 564 42 MENKE Fabiano Op Cit p 187 43 PINTO Carlos Alberto da Mota Teoria geral do direito civil 3 ed Coimbra Coimbra Edi tora 1996 p 548 identificado localizado percebido medido aferido sem que se con funda com outros ou se torne impossível a sua descrição e individua ção45 ainda que tal determinação seja dada apenas quando da exigi bilidade da prestação e não no momento de nascimento da preten são46 Temse nessa hipótese a individualização da prestação para que possa ser cumprida em passagem de indeterminação relativa para a determinação com a concentração do débito47 Assim por exemplo um contrato de compra e venda cujo bem é terreno ou coisa sem indicação de qualquer característica per mitiria ao credor em tese a entrega de coisa insignificante para exo nerarse da obrigação Tratarseia pois de obrigação inválida Ao tratar dos elementos categoriais inderrogáveis do negócio jurídico de compra e venda Antônio Junqueira de Azevedo explana a indeterminabilidade do preço que se verificada acarreta a invali dade do tipo negocial Afirma não ser possível a indeterminação ab soluta exemplificando com a estipulação pagarás o que quiseres representando nulidade ao submeter a determinação do preço ao ar bítrio exclusivo de uma das partes configurando pois condição po testativa artigo 122 do Código Civil e prática vedada pelo artigo 489 do Código Civil48 É reconhecida a possibilidade de contratação de negócios ju rídicos futuros Tais contratações não se confundem nem se resumem ao problema da determinação do objeto do negócio jurídico A inte ração que se dá entre a contratação futura e a indeterminabilidade do objeto decorre da maior frequência com que contratações futuras dei RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 227 44 Idem 45 DELGADO José Augusto In ALVIM Arruda ALVIM Thereza Coords Comentários ao Código Civil brasileiro dos fatos jurídicos v 2 Rio de Janeiro Forense 2008 p 148 46 LOBO Paulo Direito civil parte geral São Paulo Saraiva 2010 p 254 47 GOMES Orlando Obrigações Rio de Janeiro Forense 2004 p 46 48 AZEVEDO Antônio Junqueira de Negócio jurídico existência validade e eficácia São Pau lo Saraiva 2019 p 4445 xam de especificar o objeto do negócio a ser firmado porque em tal modalidade é comum que o objeto contratual não esteja delimitado em todas as especificidades necessárias No direito italiano a regra geral é prevista no artigo 1348 do Código Civil ao prescrever que la prestazione di cose future può essere dedotta in contratto salvi i particolari divieti della legge49 O ordenamento brasileiro não contém regra no âmbito dos negócios jurídicos em geral de negócio jurídico futuro50 Sua autori zação pode ser deduzida de outras provisões do Código Civil que para determinados tipos de contratos preveem contratações futuras Assim por exemplo quanto à fiança o artigo 821 do Código Civil estabelece que as dívidas futuras podem ser objeto de fiança mas o fiador neste caso não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor O ponto de partida é esclarecer que ao mencionar contratação futura o legisla dor está se referindo a obrigações ainda não constituídas e não àquelas sujeitas a condição ou termo tampouco àquelas prestações cujo vencimento eou exigibilidade se dará no futuro Uma vez assumida a obrigação pelo fiador ainda que a obri gação assegurada não tenha sido constituída pois futura inviável via de regra sua retratação51 ausente pactuação em sentido diverso pelo menos no âmbito brasileiro Por sua vez o Código Civil italiano e o Código Civil português autorizam em diferentes situações a re tratação do fiador52 228 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 49 Tradução livre a prestação de coisas futuras pode ser deduzido no contrato sujeito às proibições previstas na lei 50 As disposições sobre contratos aleatórios previstas nos art 458 e ss do Código Civil não se referem propriamente na visão do autor a obrigações futuras mas a obrigações já contraí das que digam respeito a coisas ou fatos futuros 51 FIGUEIREDO Gabriel Seijo Leal de Op Cit p 128 De se notar como demonstra o estudo do autor as diferentes nuances quanto à retratabilidade que em hipóteses pontuais e especí ficas poderia em tese admitir a retratação 52 Respectivamente os textos da lei portuguesa e italiana Artigo 654º Obrigação futura Na mesma linha mas relativamente à hipoteca estabelece o artigo 1487 do Código Civil que pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido sendo que a execução da garan tia hipotecária dependerá da prévia e expressa concordância do de vedor quanto ao montante da dívida nos termos do parágrafo único do citado artigo Também no contrato de compra e venda embora não pro priamente se trate de contrato futuro há previsão de aquisição de coisa futura a teor do artigo 483 do Código Civil a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura Neste caso ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório 3 O problema das garantias genéricas ou omnibus à luz da de terminabilidade do seu objeto Ao longo dos anos de estudo a respeito da validade das garan tias omnibus foram trazidos à discussão diversos mecanismos contra tuais que pretendiam suprir o aparente vício da determinabilidade do objeto de tais contratações Entre outros citamse a limitação quanti RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 229 Sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura tem o fiador enquanto a obrigação se não constituir a possibilidade de liberarse da garantia se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança quando outro prazo não resulte da conven ção Art 1956 Liberazione del fideiussore per obbligazione futura Il fideiussore per unobbli gazione futura è liberato se il creditore senza speciale autorizzazione del fideiussore ha fatto credito al terzo pur conoscendo che le condizioni patrimoniali di questo erano divenute tali da rendere notevolmente più difficile il soddisfacimento del credito Non è valida la preventiva rinuncia del fideiussore ad avvalersi della liberazione Tradução livre Art 1956 Liberação do fiador para obrigações futuras O fiador de uma obrigação futura é exonerado se o credor sem autorização especial do fiador tiver dado crédito ao terceiro mesmo sabendo que as condições financeiras deste se alteraram para tornar consideravelmente mais difícil a satisfação do crédito A prévia renúncia do fiador para valerse da liberação não é válida tativa da garantia53 sua limitação temporal e a enumeração das fontes de obrigações garantidas54 Vejase exemplificativamente o que se sustentou a respeito A necessidade de quando da fiança por débitos futuros se consignar um critério objetivo e limi tativo de determinação corresponde a uma natu ral função moderadora do ordenamento presen te por exemplo na limitação das taxas de juros Essa posição tem sido expressamente defendida por Vaz Serra em escritos que até hoje não se mostram rebatidos Diz designadamente esse au tor Podendo a fiança ser prestada para garantia de obrigação futura é todavia de exigir que no mo mento dessa prestação seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá re sultar ou ao menos o objeto da fiança não seria determinado nem determinável e ela seria por tanto nula55 Em julgamento realizado perante o Supremo Tribunal de Jus tiça de Portugal consignou o Acórdão de 19 de fevereiro de 1991 230 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 53 Essa limitação aliás restou codificada na Itália em razão do texto do artigo 1938 do Código Civil italiano já referenciado e transcrito 54 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 57 55 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 563 No mesmo sentido Impõese porém para ser válida a cláusula omnibus que o objecto da garantia seja determinado ou determinável sendo nula por indeterminabilidade do seu objecto a fiança de obrigações futuras quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha SILVA João Calvão da Direito bancário Coim bra Almedina 2001 p 379380 Patilha do entendimento LEITÃO Luís Manuel Teles de Me nezes Garantia das obrigações Coimbra Almedina 2016 p 123 e ss Com efeito na parte agora em crítica qualquer das duas fianças limitase a indicar os sujeitos das obrigações garantidas mas é totalmente omissa no que respeita ao critério para determinar os tí tulos de onde elas derivam contrariamente ao exigido pelo art 2809 I C Civil que considera nulo o negócio jurídico cujo objecto seja indeter minável Notese que a determinabilidade em questão de via ocorrer logo no momento da fiança Vaz Ser ra idem p 255 pois de outra forma o fiador não ficaria suficientemente defendido e estaria exposto a riscos excessivos56 Ao avaliar os fatos do acórdão de 19 de fevereiro de 1991 An tónio Menezes Cordeiro sustentou que se as sociedades em causa ente garantido assu missem responsabilidades exorbitantes e inespe radas por tudo isto responderiam os fiadores Não pode naturalmente ser assim A fiança é in determinável uma vez que os fiadores ficam ili mitadamente nas mãos do credor e de terceiros E tudo isso sem contrapartida57 No mesmo sentido mas contemplando contratações omnibus em outras modalidades de garantia que não a fiança Vasco Soares da Veiga explicita que mesmo carácter genérico de garantias prestadas ao bom cumprimento de obrigações futuras sem qualquer critério de determinação das obrigações garantidas se deverá aplicar quando a garantia RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 231 56 Supremo Tribunal de Justiça acórdão de 19 de fevereiro de 1991 57 CORDEIRO António Menezes Op Cit p 566 prestada em vez de pessoal o for de penhor ou até por simples livrança de caução em branco em que a autorização de preenchimento da mes ma não defina como quando e em relação a que operação tal título pode vir a ser utilizado58 O entendimento jurisprudencial português posteriormente pacificado por Acórdão de 23 de janeiro de 2001 foi criticado por Carlos Ferreira de Almeida Quanto à indeterminabilidade do objeto o exem plo que a jurisprudência e a doutrina vêm apre sentando é a fiança omnibus ou geral quando garante obrigações futuras que o Supremo Tri bunal de Justiça em acórdão de uniformização de jurisprudência julgou nula por indeterminabi lidade do objeto Não me parece porém que seja assim porque a determinabilidade das obriga ções do fiador se fará no futuro per relatione à medida que o devedor afiançado vá contraindo dívidas O que está em causa é o risco excessivo e até o risco de ruína do fiado cuja liberdade fica coartada por outrem de tal modo que pode construir obstáculo ao desenvolvimento de sua personalidade e afetar sua dignidade O funda mento da nulidade da fiança omnibus de obriga ções futuras é antes em minha opinião a limita ção voluntária de direitos de personalidade do fiador em termos suscetíveis de contraria a ordem pública59 Em outro volume de sua obra o mesmo autor60 expõe que se 232 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 58 VEIGA Vasco Soares da Direito bancário Coimbra Almedina 1997 p 375 59 Ibidem p 181 60 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos III contratos de liberalidade de cooperação e de risco Coimbra Almedina 2019 p 206207 vem admitindo a fiança omnibus de obrigações assumidas por uma sociedade quando o fiador possa controlar ou influenciar o nível de endividamento do ente garantido Assim segundo a visão exposta o que está em causa não é a determinabilidade ou não da obrigação mas a subordinação do fiador ao arbítrio de terceiro que possa afetar sua dignidade e por isso a validade da contratação Conclui portanto que o tema deve ser avaliado sob o prisma do exercício abusivo do direito com excesso contido pelos limites da boafé bons costumes e fim econômicosocial do direito mas não está em causa a determinabilidade ou não de seu objeto61 Entendese pois que grande parte das limitações impostas à contratação omnibus não tem em verdade o condão de trazer deter minabilidade ao objeto da contratação62 senão de equilibrar e limitar a contratação assumida pelo garantidor O dilema é exposto da se guinte forma Assim analisadas com o necessário rigor vêse que na essência as censuras que se dirigem con tra as soluções voltadas à fixação de critérios de determinação do objeto da fiança genérica con forme propostas nos capítulos anteriores não se referem diretamente à ausência de elementos de medição da extensão da prestação fidejussória senão a argumentos que salientam as inúmeras possibilidades de abuso por elas consentidas e conseguintemente os perigos a que estaria ex posto o garantidor Em outros termos é possível afirmar que em muitos dos casos acima exami nados as imperfeições encontradas na estrutura dos critérios projetados para viabilizar a preserva ção da admissibilidade da fiança genérica não RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 233 61 Idem 62 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 90 encontram relação direta com uma possível inde terminabilidade de seu objeto63 De fato como se pretenderá demonstrar não se está diante de discussão em torno da determinabilidade do objeto da garantia gené rica mas de meios protetivos do garantidor que impeçam exercício abusivo do direito em face de sua pessoa 31 A quantificação do montante garantido ao tempo da conclu são do negócio não constitui exigência legal brasileira no âmbi to da fiança A par das regras gerais de determinabilidade do objeto dos negócios jurídicos que sob a ótica do autor deste texto possibilitam a liquidação futura do montante garantido notase que a disciplina legal da fiança reforça tal entendimento Tomemse como exemplo ainda que considerada a interpre tação restritiva que se opera em favor do fiador os contratos locatí cios garantidos por fiança outorgada em benefício do locatáriodeve dor que não se restringe ao pagamento dos alugueres mas do con trato como um todo Em tal cenário a garantia se presta igualmente a ressarcir o credor pelos danos que ao bem cause o inquilino e de multas fiscais que recaiam sobre o locador64 Não há pois determi nação ab initio de tal obrigação cujo montante pode ser vultoso no futuro mas plenamente determinável por ocasião da apuração dos danos causados ao imóvel judicial ou extrajudicialmente atribuindo se liquidez e exigibilidade ao crédito É o que a lei civil brasileira exige na parte final do artigo 821 do Código Civil ao estabelecer que as dívidas futuras podem ser ob 234 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 63 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 5960 64 MIRANDA Francisco Cavalcanti Pontes de Tratado de direito privado São Paulo Revista dos Tribunais 2012 v 44 p 259 jeto de fiança mas o fiador neste caso não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor Não merece guarida sustentar que o garantidor se submeterá à fixação do débito a exclusivo critério de um dos contraentes o que restaria vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro Em verdade não é o ente financiador que ao seu livre arbítrio fixará o valor das operações futuras de empréstimo Tal se dará mediante contrato futu ro firmado entre o beneficiário da garantia e o ente garantido cujo interesse na obtenção dos recursos no mais das vezes aproveita ao próprio garantidor O interesse do garantidor portanto deve fazer parte do processo cognitivo do intérprete a fim de bem verificar eventual abusividade da contratação Mais do que isso o montante de crédito a ser concedido como é forçoso reconhecer se dará em função da capacidade patri monial tanto do garantidor como do próprio ente garantido pois nenhuma instituição profissional financeira ou não concederá em préstimos sem conhecer a solvabilidade de seus devedores Se assim o faz é preciso investigar a eventual conduta abusiva pelo credor na concessão dos recursos tema que escapa à validade do negócio jurí dico por falta de determinabilidade do objeto Em situação análoga envolvendo fiança o Superior Tribunal de Justiça por acórdão de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanse verino assim avaliou o tema ao declarar a responsabilidade do fiador por débito novado entre credor e devedor já que a garantia previa acobertar dívidas futuras do devedor principal Fez transcrever ainda cláusula quinta do contra to de fiança em que os fiadores obrigaramse a garantir débitos com origem tanto na aquisição de mercadorias quanto em transações havidas entre a Afiançada e a Credora inclusive na hipó tese do Parágrafo Primeiro da Cláusula 1 acima seja em relação ao valor original seja em relação aos acessórios e correção monetária dos débitos RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 235 originais não importando tenham esses débitos seus vencimentos originais alterados ou prorro gados ou até mesmo em caso de Novação de Dí vida que ainda assim continuarão garantidos pe los Fiadores que por eles continuarão respon dendo com seus bens presentes e futuros já que por via desta Carta de Fiança fica a Credora ex pressamente autorizada a conceder moratória eou fazer Novação de Dívida com a Afiançada sendo que os Fiadores não só autorizam como reconhecem expressamente que em ocorrendo tais situações isso será tido como benefício a eles mesmos uma vez que a Credora estará fazendo tentativas e promovendo condições para receber seu crédito diretamente da Afiançada O Código Civil reconhece em matéria de garan tia fidejussória o alcance do fiador também pela obrigação novada quando com ela concorde Proíbese bem verdade a interpretação extensi va do contrato de fiança mas o direito ainda as sim é eminentemente dispositivo e as obrigações serão livremente assumidas em consonância com a vontade negocial dos contratantes Não haverá pois ignorar a válida disposição do contrato de fiança em que os garantidores se comprometeram a solver as dívidas presentes e futuras inclusive como principais pagadores seja nos termos originalmente contratados seja na queles traçados em novações posteriores clara mente abdicando assim do direito a eles alcan çado pelos arts 366 e 838 inciso I ambos do CCB65 236 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 65 BRASIL Supremo Tribunal De Justiça Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1491341SP 201200416307 Relator Min Paulo de Tarso Sanseverino São Paulo 10 fev 2015 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 19 fev 2015 Ver ainda RECURSO ESPE CIAL FIANÇA GARANTIA DE DÍVIDAS FUTURAS POSSIBILIDADE NOVAÇÃO EXONERA Como se percebe tratase de risco assumido pelo garantidor no âmbito de sua autonomia privada sem que isso represente a inva lidade do negócio jurídico 32 O problema da quantificação do montante garantido nos contratos em que a lei do negócio típico exige referência ao va lor garantido hipóteses de garantias reais típicas Pode ocorrer que a própria lei estabeleça requisitos de valida de de determinado tipo de garantia entre os quais o valor principal da dívida e o prazo de vigência do contrato Isso ocorre por exem plo nos negócios de alienação fiduciária de imóvel em garantia re gulados pela Lei nº 95141997 Expressa o artigo 24 da referida lei que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá I o valor do principal da dívida II o prazo e as condições de reposi ção do empréstimo ou do crédito do fiduciário Do mesmo modo especificamente em relação à alienação fi duciária de coisa móvel e penhor anticrese e hipoteca exigese pelo menos a estimativa da dívida consoante se verifica nos artigos 1362 e 1424 do Código Civil que assim preveem RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 237 ÇÃO DA FIANÇA IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO 1 As obrigações futuras podem ser objeto de fiança CC1916 art 1485 primeira parte 2 Garantia prestada na espécie em relação a obrigações pecuniárias não específicas e sem limite de duração 3 Importa exonera ção do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal CC1916 art 1006 4 Não obstante diante da prestação de fiança em relação a dívidas futuras da afiançada para com a credora de maneira irrestrita carece de sentido exonerar dela a recorrente em face de novação Com efeito a dívida resultante da novação não deixa de ser obrigação pecuniária prevista na estipulação contratual da garantia fidejussória 5 Exegese que não escapa à neces sária interpretação restritiva da fiança pois não se cuida de atribuirlhe qualquer extensão temporal Ademais não se trata na espécie de atribuir responsabilidade perpétua à fiadora eis que entre o estabelecimento da garantia e o surgimento da dívida decorrente da novação decorreu período inferior a um ano 6 Recurso especial não conhecido BRASIL Superior Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial nº 279299SP Relator Min Fernando Gonçalves São Paulo 20 out 2009 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 09 nov 2009 Art 1362 O contrato que serve de título à pro priedade fiduciária conterá I o total da dívida ou sua estimativa II o prazo ou a época do pagamento III a taxa de juros se houver IV a descrição da coisa objeto da transferência com os elementos indispensáveis à sua identifica ção Art 1424 Os contratos de penhor anticrese ou hipoteca declararão sob pena de não terem efi cácia I o valor do crédito sua estimação ou valor má ximo II o prazo fixado para pagamento III a taxa dos juros se houver IV o bem dado em garantia com as suas especificações Em artigo sobre o assunto reconhecendose ser lícito que contraentes estabeleçam dívidas futuras ou incertas nos contratos consignouse que se tal constar de instrumento de alienação fiduciá ria de imóveis em garantia terseia contrato inominado posto ser inviável saber se haverá dívida e seu valor total66 Reconheceuse em tal estudo a possibilidade com fundamento em precedentes judiciais e interpretação sistemática e funcional da lei de sob o regime legal e mantida a tipicidade do negócio fixarse valor máximo garantido A cobrança fundada no instrumento de garantia não pode contudo exceder o valor máximo garantido quando o credor será então me ramente quirografário Em hipóteses nas quais a lei estabelece como condição de va lidade e eficácia do negócio jurídico de garantia a fixação de valor estimado ou máximo a previsão omnibus pode parecer mais tormen 238 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 66 VENOSA Silvio de Salvo DENSA Roberta Op Cit p 97 tosa dado o teor da disposição legal Não é o que ocorre entretanto na visão do autor do presente artigo ressalvando que a jurisprudên cia dominante parece não admitir tal espécie de contratação67 Isso porque os contraentes afastam deliberadamente exigên cia que visa a limitar o escopo da garantia real para dívidas já existen tes e líquidas o que exsurge da necessidade de indicação do valor garantido sua estimativa ou máximo garantido no instrumento de constituição da garantia Pretendem finalidade distinta daquela ini cialmente projetada pelo negócio tipificado constituindo garantias reais para dívidas futuras ainda não conhecidas nem contraídas ao tempo da constituição do instrumento garantidor daí porque omitem no instrumento o valor garantido apenas referindose às obrigações que venham a ser formadas no futuro Parecenos que as facilidades e vantagens de contratações ge néricas também no âmbito dos contratos de garantia geral são moti vo legítimo para afastar tal disciplina legal conduta que em princí pio não visa fraudar lei imperativa A ampliação do escopo da con tratação há de ser devidamente fundada em razões que se façam coe rentes com o contexto do negócio jurídico firmado e com a intenção comum dos contraentes devidamente declarada Ademais a ausên cia de fixação do montante do débito ou seu valor máximo pode se RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 239 67 DIREITO CIVIL EXECUÇÃO FUNDADA EM CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO VINCULADO À NOTA PROMISSÓRIA E ESCRITURA DE HIPOTECA CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE NÃO CONFIRMAM A ILIQUIDEZ DO TÍTULO EXTINÇÃO DO PRO CESSO EXECUTIVO 5 Incabível a execução de hipoteca garantidora de dívidas futuras como no caso concreto em que a garantia não estava limitada e nem vinculada a um contrato específico mas a quaisquer débitos sem qualquer limitação provenientes ou não de finan ciamentos diversos eou vendas financiadas A previsão legal de hipoteca de dívida futura é novidade legislativa trazida somente pelo Código Civil de 2002 que passou a prever no seu art 1487 que a hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido 6 Inaplicabilidade da Súmula n 300STJ à míngua de préquestionamento e por necessidade de reexame fático 7 Recurso especial não provido BRASIL Supremo Tribunal de Justiça Quarta Turma Recurso Especial nº 1022034SP Relator Min Luis Felipe Salomão São Paulo 12 mar 2013 Revista Eletrônica de Jurisprudência Brasília 18 abr 2013 dar mediante avaliação do próprio bem afetado pela garantia real suprindo assim omissão das partes a respeito É que o reforço conferido pelo direito real de garantia institui afetação de bens quer do devedor quer de terceiro para paga mento preferencial de determinada prestação68 Tratase de reforço qualitativo69 do crédito se o bem afetado é do próprio devedor Caso o bem afetado seja de terceiro têmse reforço qualitativo e quantita tivo do crédito70 Ora sendo o próprio devedor o garantidor nas hipóteses de garantias reais nem mesmo o aventado problema da sujeição do ga rantidor a novas dívidas contraídas por terceiros estará presente pois o garantidor real também devedor principal é quem assumirá o encargo de devedor futuro Saberá a exata medida e extensão das novas dívidas que serão acrescidas ao direito real genérico de garan tia conferido em favor do credor beneficiário da garantia Além disso caso os termos do instrumento de garantia real não fixem valor máximo ou sua estimativa temse que implicitamen te é o valor do bem o teto máximo a que a garantia se prestará 33 A referência à espécie de negócio jurídico futuro Tampouco se admite a ideia de que careceria de determinabi lidade a contratação omnibus que não se refira no momento de sua conclusão ao tipo de operação futura que servirá de meio de finan ciamento do devedor principal 240 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 68 LEITÃO Luís Manuel Teles de Menezes Garantias das obrigações Coimbra Almedina 2018 p 95 69 VASCONCELOS Luís Miguel Pestana de Direito das garantias Coimbra Almedina 2020 p 62 70 Idem Para fins ilustrativos a operação de crédito poderá se relacio nar à utilização de recursos bancários vinculados à conta corrente o denominado cheque especial como também de determinado mú tuo bancário desvinculado da disponibilidade de recursos no âmbito do contrato de conta corrente Entendese que independentemente da natureza da contratação futura que será abarcada pela generalida de da garantia a validade do instrumento de garantia não restará comprometida Em primeiro lugar porque a operação futura abarca da pela garantia restará plenamente determinada por ocasião do fe chamento da respectiva contratação ainda que não contemporânea à formação do próprio contrato de garantia Em segundo lugar e mais importante fato não localizado nas pesquisas realizada pelo autor do presente artigo independentemente da modalidade de conces são de crédito a que se sujeitará o devedor principal inexistirá ao garantidor qualquer prejuízo A natureza da garantia contratada sob o regime omnibus e suas condições jamais serão alteradas em razão da modalidade de concessão de crédito a ser oferecida pelo agente cre dor da garantia Vale dizer a garantia de direito real pessoal autônoma cam biária etc que contenha cláusula omnibus seguirá rigorosamente os efeitos típicos de cada espécie independentemente da operação de que se valham o beneficiário da garantia e o devedor principal para concessão do crédito Tampouco a finalidade do referido crédito é capaz de impactar a contratação perfeita e acabada entre benefi ciário e devedor da garantia com cláusula omnibus Não há assim qualquer prejuízo ao garantidor que continua respondendo por suas obrigações nos limites da contratação omni bus pelo que não se pode cogitar qualquer nulidade advinda de tal aparente indeterminação do objeto da garantia Aplicase brocardo aceito em nosso ordenamento civil pas de nullité sans grief71 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 241 71 Tradução livre Não há nulidade sem prejuízo 34 Validade da pactuação por prazo indeterminado Por sua vez o fato de a garantia omnibus ser contratada por prazo indeterminado não é causa de invalidade tanto sob o ponto de vista dos negócios jurídicos em geral quanto por não submeter o ga rantidor a qualquer situação iníqua a ser reprimida pelo Direito Basta notar que se o tipo de garantia for a fiança a extinção do contrato principal de concessão de crédito cujo montante será acrescido à garantia omnibus acarretará também a extinção da relação obriga cional havida no âmbito do contrato omnibus com exclusão do mon tante devedor do garantidor Em outras palavras a extinção ocorrerá no futuro com a de dução do débito acobertado pela garantia genérica segundo a tipo logia contratada sempre levando em conta os termos da própria con tratação omnibus bem como a sorte que couber ao contrato princi pal em consideração à acessoriedade ou não da garantia e ao con texto da contratação 35 Validade das garantias omnibus artigo 104 inciso II do Có digo Civil controle da legalidade suscetível de se operar no pla no da eficácia à luz do contexto e da boafé objetiva Explicados os conceitos de determinabilidade do objeto do negócio jurídico em geral assim como as características próprias de garantias tipificadas é também preciso conceber a importância das contratações gerais de garantia no barateamento do crédito na agili zação de sua concessão e no atendimento das necessidades específi cas de cada agente econômico Tais funções econômicosociais da modalidade de contratação omnibus inseremse no objeto mediato e imediato da contratação pois se ligam às circunstâncias da conclusão do negócio jurídico É nesse arcabouço que a legalidade da cláusula omnibus deve ser afe rida 242 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 Há como se viu elementos idôneos capazes da sucessiva de terminação da contratação omnibus pois mesmo que possa existir certo grau de incerteza tratase de incerteza parcial Não lhe falta contudo conteúdo mínimo em especial quando se considera a con venção em seu pano de fundo mais amplo e em vista dos objetivos almejados pela contração de garantias guardachuvas Parece pertinente para fins de ilustração a classificação de Carlos Ferreira de Almeida ao se referir ao contratoquadro normati vo que pode ser interno ou externo Será interno se as partes do contratoquadro coincidirem com o contrato de execução como é típico nos contratos reais de garantia em que devedor e garantidor são a mesma pessoa será externo se o contrato de execução for fir mado com terceira pessoa72 Embora seja próximo do contratopromessa o contratoqua dro diferenciase pela pluralidade de contratos a celebrar e exata mente por admitir uma relativa indeterminação destes a suprir por normas supletivas ou por acordos posteriores73 A função econômicosocial desenvolvida por obrigações inse ridas dentro de contratosquadro normativos é aferível caso a caso Em situações envolvendo garantias no âmbito bancário normalmen te se alude à agilização do crédito seu barateamento redução dos custos transacionais etc pois o tomador ou o ordenador são clientes frequentes do garante No âmbito das contratações omnibus acrescese a todos esses fatores funcionais de incentivo ao crédito o fato recorrente de os agentes que almejam o crédito não serem capazes de precisar a priori o valor ou data específica em que terão de se socorrer dos recursos a serem disponibilizados gerando empréstimo abaixo ou RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 243 72 ALMEIDA Carlos Ferreira de Contratos IV funções circunstâncias interpretação Coimbra Almedina 2018 p 69 73 Idem além do necessário com gastos desnecessários em pagamento de juros74 Revelase assim outra função econômicosocial de grande re levância que demanda a avaliação do intérprete para aferir a legalida de das contratações de garantia com cláusulas omnibus A modalida de é capaz de impedir que créditos sejam concedidos desnecessaria mente com encargos que poderiam ser evitados ou ao revés que créditos inferiores ao efetivamente necessário sejam concedidos o que também acarreta custos extras Além disso no que tange à contratação futura por terceiro como já se constatou a ocasião típica de contratações de garantia com cláusulas omnibus se dá no âmbito comercial mediante a assun ção do encargo por sócios dirigentes ou empresa coligada sendo a sociedade empresária a recebedora do crédito garantido No mais das vezes e é preciso avaliar cada caso concreto as referidas pessoas não assumem o encargo por mera liberalidade pois buscam majorar o patrimônio da sociedade garantida para que ela possa prosperar e alcançar seus resultados positivos revertendose em benefício dos próprios fiadores afastandose a ideia de que o garantidor é ente ab solutamente frágil ante a potência dos entes financeiros75 Não assu mem pois tal posição sem qualquer retribuição fato que contudo deverá ser discutido e apurado no âmbito probatório de eventual disputa Esclarecimento necessário é o de que o papel retributivo que ora se discute não deverá acarretar a invalidade do instrumento Po derá indicar eventual abusividade da contratação ou da execução do contrato se avaliadas todas as demais circunstâncias não só a posi ção do garantidor e os benefícios auferidos com a sua vinculação à garantia assim concluir o intérprete 244 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 74 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 5960 75 Ibidem p 67 Cumpridos os deveres laterais atrelados à boafé contudo constatase que os sócios administradores ou diretores das compa nhias devedoras sempre sabem o tamanho dos novos empréstimos que tomam e a extensão do passivo aberto fato que vai enfraquecer a tese de surpresa com as novas dívidas incluídas na ga rantia geral76 Por isso a tendência é admitir a eficácia de tal modalidade respeitado o direito de o garantidor produzir prova em sentido adver so e demonstrar no conjunto de todas as demais circunstâncias da contratação eventual contratação abusiva É à boafé objetiva que se deve atribuir o papel de incremen tar o conteúdo contratual com regras não previstas pelas partes77 su portadas por critérios mínimos de definição do objeto negocial das garantias e não o regime da invalidade dos negócios jurídicos em geral Eventuais detalhamentos constantes do instrumento contra tual como prazo de vigência referência ou não a montante máximo de garantia fontes geradoras da obrigação futura papel do garanti dor na sociedade empresária que obterá o empréstimo entre outros elementos do contexto da contratação não se prestam a aferir a de terminabilidade do objeto contratual nem sua validade mas cum prem a função de temperar o papel reservado à boafé objetiva nesse contexto auxiliando o intérprete Daí porque serão as especificidades de cada caso concreto que permitirão havendo necessidade dar contornos ao conteúdo do RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 245 76 ZULIANI Ênio Santarelli Op Cit p 21722173 77 Vejase quanto a tal função da boafé objetiva NITSCHKE Guilherme Carneiro Monteiro Lacunas contratuais e interpretação história conceito e método São Paulo Quartier Latin 2020 p 543 negócio jurídico aos ditames da boafé cumprindose tal método du pla função i evitar a declaração de nulidade do negócio jurídico dandolhe a eficácia pretendida pelos contratantes ii não abando nar garantidor e ente garantido à própria sorte sujeitandoos injusti ficadamente ora a tentativas de ampliação ora à pretensão de limita ção abusiva do objeto da garantia78 Não se pretende adentrar às hipóteses e aos requisitos para aferir a ocorrência de abuso do direito nos termos do artigo 187 do Código Civil O papel casuístico é de relevo mas a função do freio inserido na concepção de abuso do direito é de tornar mais flexível a aplicação das normas jurídicas inspiradas em diretrizes que deixam de corresponder às aspirações sociais da atualidade aliviando cho ques frequentes entre a lei e a realidade verdadeiro conceito amor tecedor79 E nesse ponto apesar do efeito típico reparatório que o abu so do direito implica não é de se desconsiderar que se o vício for refletido na celebração de qualquer negócio este será em princípio nulo ou anulável conforme a hipótese De fato pode acarretar repa ração natural indenização pecuniária mas também nulidade anula bilidade inoponibilidade rescindibilidade etc80 Em suma as razões expostas indicam que eventual repressão às contratações omnibus notadamente por suposta ausência de de terminabilidade de seu objeto deve se dar no plano da eficácia san cionandose o exercício abusivo do direito mas não o plano da vali dade nos termos do artigo 104 inciso II do Código Civil 246 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 78 FARO Frederico Kastrup de Op Cit p 98 79 GOMES Orlando Op Cit p 132 80 Nesse sentido VARELA João de Matos Antunes Das obrigações em geral Coimbra Alme dina 1996 v 1 p 567 SÁ Fernando Augusto Cunha de Abuso de direito Coimbra Almedina p 647648 NANNI Giovanni Ettore Abuso do Direito In LOTUFO Renan NANNI Giovanni Ettore Coords Teoria geral do direito civil São Paulo Atlas 2008 p 759 Conclusão O trabalho dentro dos limites da pesquisa do autor deste tex to permite concluir relativamente às garantias gerais ou omnibus no âmbito bancário brasileiro a A extrema relevância na práxis bancária para fomento do crédito da redução de sua obtenção do desenvolvimento das atividades empresariais da redução dos custos de tran sação etc da concessão de crédito assegurado sob o regi me omnibus b A existência de acalorados debates práticos e acadêmicos a respeito da determinabilidade do objeto de garantias de tal natureza c A validade dos negócios jurídicos em geral bem como da contratação de garantias requer a determinação ou possi bilidade de determinação de seu objeto no futuro deven do para tanto o intérprete avaliar o contexto e a finalida de da contratação em todos os seus elementos e contornos possíveis a fim de aferir a validade do negócio d A fundamental questão na visão do autor que aflige a con tratação de garantias sob o regime omnibus não é propria mente a de validade mas a do instrumento por indetermi nabilidade de seu objeto Entendese que é o exercício abusivo do direito tanto pelo credor quanto pelo devedor embora a possibilidade de a abusividade ser cometida pelo credor seja substancialmente maior do que pelo deve dor que deve ser reprimido mediante as circunstâncias do caso concreto em toda a sua extensão e Do ponto de vista do direito brasileiro a contratação de ga rantias genéricas pode ser posta sob o aspecto das garan tias reais e pessoais embora existam vários pontos co muns a ambas as modalidades e1 garantias reais não padece de automática invalidade a contratação de garantias reais típicas e atípicas no direito brasi leiro apenas porque não fazem referência ao valor do débito garantido no momento da constituição da RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 247 garantia nem menção à natureza dos negócios jurí dicos futuros que se incluirão no escopo da garan tia se as partes pretenderam ampliar o escopo da garantia para débitos a serem constituídos no futu ro dos quais ainda não têm conhecimento ao tem po da constituição da garantia fato comum na vida empresarial implicitamente os contratos de garantias reais fixam valor máximo garantido à medida em que a garantia é limitada ao valor do bem que lhe serve de suporte os negócios jurídicos que serão abarcados pela ga rantia não alteram a natureza do pacto omnibus daí porque sua menção não traz qualquer prejuízo além do contratado pelo devedor do direito real dado em garantia o fato de a garantia ser prestada por prazo indeter minado não encontra óbice legal no direito brasilei ro sua extinção deverá se dar segundo o regime ju rídico que lhe for próprio se o garantidor real for o próprio devedor das dívi das futuras terá pleno conhecimento dos valores que estão garantidos sob o regime de direito real afastando qualquer alegação de surpresa se o devedor for terceiro é preciso avaliar eventual exercício abusivo de direito pelo credor da garantia real bem como todos os interesses em jogo sendo que a boafé poderá ter papel integrador do objeto contratual e sua delimitação em todos os casos a boafé por seu papel de incre mento do conteúdo contratual servirá de salvaguar da a eventual exercício abusivo de direito pelo ga rantidor e pelo credor avaliandose o contexto da contratação e sua finalidade e2 garantias pessoais não padece de automática invalidade a contratação de garantias pessoais no direito brasileiro apenas porque não se refiram a um teto máximo garantido não façam menção à natureza dos negócios jurídi 248 RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 cos futuros que se incluirão no escopo da garantia ou não fixem prazo de vigência do instrumento a indeterminação do prazo de vigência da garantia não esbarra em óbice legal no direito brasileiro de vendo a extinção do instrumento de garantia pes soal se dar conforme seu regime jurídico e conside rando entre outras coisas sua acessoriedade ou au tonomia em relação ao negócio jurídico subjacente o fato de a garantia não estabelecer a priori o valor máximo garantido não afasta a validade do instru mento cuja determinação do quantum se dará por ocasião das contratações futuras é preciso também avaliar o papel do garantidor no âmbito da sociedade ou pessoa afiançada bem como o seu poder de controle e de gestão sobre os negócios do devedor principal em todos os casos a boafé serve de contracautela a eventual exercício abusivo do direito pelo garanti dor e pelo credor avaliandose o contexto da con tratação e sua função econômicosocial RSDE nº 26 JaneiroJunho de 2020 249 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic approximately 12 cup 28 oz 80 grams Item 51452 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic 1 cup 56 oz 160 grams Item 51453 Polyform Nonpareil Brand EZCast Moldable Plastic 2 cup 112 oz 320 grams Item51454 Specifically formulated for easy hand molding and casting It can be melted and poured into molds Also has excellent adhesion to the mold surface which eliminates the need for spraying or coating Cures to a firm but flexible rubber with excellent flexibility for use in molds Produces rubber molds that are hard and durable Nontoxic Molds are heat resistant and can be used for some casting up to 175F No shrinkage Normas para publicação de artigos na RSDE 1 Os trabalhos para publicação na Revista Semestral de Direito Empresarial RSDE deverão ser inéditos no Brasil e sua publicação não deve estar pendente em outro veículo nacional Serão aceitos trabalhos redigidos em português inglês espanhol francês e italiano 2 Os trabalhos deverão ser enviados em arquivos no formato doc para o email conselhoexecutivorsdecombr 3 Os artigos deverão observar as normas da ABNT NBR 6023 NBR 10520 e NBR 14724 e ser entregues na seguinte formatação a Tamanho do papel A4 210 x 297 mm b Orientação retrato c Margens as margens superior e esquerda devem ser de 3 cm ao passo que as margens inferior e direita devem ser de 2 cm d Alinhamento justificado e Parágrafo usar a tabulação padrão 125 cm a partir da margem es querda da folha As eventuais alíneas devem estar a 25 cm da margem para transcrições longas observar a alínea h abaixo f Espaçamento antes e depois 0 pt entrelinhas 15 linhas no texto e simples para notas de rodapé para transcrições longas observar a alínea h abaixo g Fonte Times New Roman estilo normal tamanho corpo 12 para o texto e corpo 10 para as notas de rodapé cor automático h Transcrições longas mais de 3 linhas escritas em parágrafo inde pendente com recuo a 4 cm da margem esquerda sem aspas tamanho da fonte 10 o trecho não deverá ser transcrito em itálico ou negrito à exceção de expressão grifada pelo autor caso em que deverá ser incluída ao final do texto transcrito a expressão grifos do autor espaçamento entrelinhas simples e i Transcrições curtas até 3 linhas inclusive deverão observar o mesmo padrão do texto do artigo escritas entre aspas 4 Os artigos deverão possuir a sumário b título resumo e palavraschave em dois idiomas sendo um deles o idioma do texto e o outro necessariamente o inglês c referências a citações as quais serão feitas em notas de rodapé seguin do como já indicado no item 3 acima as normas da ABNT e d no mínimo de 15 e máximo de 30 páginas Não será necessária a indi cação de bibliografia ao final do artigo 5 Os trabalhos recebidos serão submetidos a processo de dupla avaliação anônima por pares double blind review pelo corpo de pareceristas permanente da RSDE o qual é composto por professores de universidades brasileiras e estrangeiras 6 Cada artigo avaliado poderá ser considerado a apto para publicação b apto para publicação desde que realizadas correções obrigatórias ou c inapto para pu blicação Serão publicados os artigos que não tiverem recebido qualquer parecer negativo ou aqueles que tiverem atendido as correções obrigatórias requeridas pe los Pareceristas Após a avaliação os artigos retornarão aos autores para ciência e para realização de eventuais correções as quais serão posteriormente conferidas tanto pelos pareceristas quanto pelos membros do Conselho Executivo 7 Realizado esse procedimento os artigos aprovados serão submetidos aos Edito res e aos membros dos Conselhos Editorial e Executivo da Revista que se reunirão para avaliálos e finalizar a seleção para a publicação observando os critérios de qualidade e exogenia e a quantidade de artigos por número 8 Além desses artigos avaliados anonimamente por pares a RSDE publicará até dois artigos de convidados por número Estes artigos serão avaliados somente pelos Conselhos Editorial e Executivo os quais analisarão a pertinência temática com o foco e o escopo da Revista e a observância das regras formais para publicação 9 As edições da RSDE são publicadas semestralmente nos meses de junho e de zembro todos os anos