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A CONSTITUCIONALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO AÇÃO AFIRMATIVA Aline Santana Alves1 GT6 Direito e Relações Raciais Resumo Por se contextualizar em um Estado racista o Direito Tributário deve questionar o quanto o racismo influencia a sua aplicação no nosso sistema jurídico assim como precisa buscar formas de minorar o abismo racial criado pelo passado escravocrata que ainda desenha o perfil social do Brasil Além do imperativo de justiça histórica e social é também uma forma de constitucionalizar a legislação tributária Para isso é trazido um olhar crítico sobre a incidência tributária brasileira pontuando a como um meio de efetivar a justiça racial Desta forma é esperado que o presente trabalho contribua com o debate acerca das causas e consequências do racismo brasileiro explicitando a imprescindibilidade de ampliar a pesquisa jurídica no âmbito das relações raciais e do racismo Palavraschaves Constitucionalização tributária Racismo Direito Relações raciais 1 Introdução De fato é uma questão crucial pensar em como uma nação pode se constituir em um país de profundas desigualdades atravessado pelo estigma de 388 anos de escravidão Silvio Almeida O Brasil foi o último país do Ocidente a findar formalmente a escravidão negra O objetivo era atender ao máximo os interesses das elites agrícolas que dependiam em absoluto desse tipo de mão de obra O Estado não só teve ingerência em favor dos negócios das elites como foi beneficiário direto da situação MARTINS 2017 p 2 e 4 Depois de tanto se favorecer do regime nada o Estado brasileiro fez para reparar a condição deixada aos cidadãos negros ou para coibir as décadas de racismo estrutural que se seguiriam A primeira repressão estatal antirracismo só veio depois de muito tempo por meio da Lei 139051 de 3 de julho cuja eficácia é bastante questionável visto que nunca alguém foi punido ao longo dos 37 anos de sua vigência Podese dizer portanto que só em 1988 com o advento da Constituição Cidadã que o combate jurídico ao racismo passou a tomar forma E só no início do século XXI surgiram outros meios de enfrentamento com a implementação das políticas de ação afirmativa Porém 1 Mestranda do Programa de PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia Pós graduada em Direito da Comunicação Social pelo Instituto Jurídico da Comunicação da Universidade de Coimbra Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia Licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra e Bacharela em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica do Salvador Email alinesantana287gmailcom ainda faz falta que os juristas se disponham a pensar em outros caminhos idôneos de promover a inclusão social dos descendentes de pessoas escravizadas e de libertos ao longo do regime pauta deliberadamente negligenciada desde o final do século XIX Destarte é oportuno entender que o Direito é amplamente afetado pela conjuntura social e política do Estado no qual ele atua Na verdade conforme pontua Sacha Calmon Narravo Coêlho 2018 Estado e Direito se entrelaçam É legítimo portanto inferir que a tributação brasileira se gizou dentro de uma sociedade permeada pelo racismo estrutural Tanto é assim que ao arrepio da Constituição Federal a tributação brasileira é feita de tal forma a aumentar as desigualdades raciais e manter privilégios seculares Com foco nessas questões centrais o presente trabalho utiliza o raciocínio dedutivo no intuito de restar provado que a inconstitucionalidade tributária é uma problemática imbricada ao racismo estrutural sendo tanto consequência quanto um dos muitos reforços para a sua perpetuação A hipótese trazida tanto acerca da realidade sociorracial quanto tributária do Brasil mostrase pertinente por meio da interpretação de estudos dados e índices oficiais Isso porque por se tratar de uma premissa comprovadamente verdadeira os resultados tendem a convergir com a hipótese deduzida A explicitação da causa do problema faz com que a solução jurídicolegislativa se desenhe de forma simples quase intuitiva Então considerando os dados históricos sociais e estatísticos tanto qualitativos quanto quantitativos tornase viável apontar um caminho jurídico para se vislumbrar possibilidades de ações afirmativas tributárias Tratase de uma pesquisa aplicada cujo objetivo é trazer conhecimentos para embasar práticas voltadas à solução dos problemas trazidos Desta forma é esperado que o resultado do trabalho contribua com o debate acerca das causas e consequências do racismo estrutural brasileiro pontuando a imprescindibilidade de ampliar a pesquisa jurídica no âmbito das relações raciais e do racismo Qualquer política tributária que mereça ser levada a sério precisa incorporar o debate da desigualdade racial Além do imperativo de justiça histórica e social é também uma forma de constitucionalizar a legislação tributária Apesar de soar redundante visto que nosso sistema jurídico é necessariamente constitucionalizado no sentido de ter por Lei Maior a Constituição na prática há leis que chegam até a contrariar o texto fundamental Parece difícil explicar esse paradoxo jurídico mas o contexto históricosocial do Brasil cuida de dar a resposta central para a questão Basta olhar com mais atenção 2 O racismo estrutural no Brasil Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção Silvio Almeida Racismo estrutural é a relativa sobreposição estrutural entre negritude e pobreza que reforça crenças ideológicas e atitudes práticas contra os negros ainda que elas sejam inconscientes ou apresentadas em um discurso classista CAMPOS 2017 p 16 é uma decorrência da própria estrutura ou seja do modo normal com que se constituem as relações políticas econômicas jurídicas e até familiares não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional O racismo é estrutural ALMEIDA 2019 posição 448449 Por se tratar de uma realidade socialmente assimilada o racismo estrutural pode ser entendido como uma força motriz da concentração pacífica de poder e riqueza nas mãos das elites brancas locais A ausência do racismo no tecido social seria um indício de que a tentativa de subjugação de grupos subalternizados não mais existiria Como há racismo a conclusão é que os grilhões foram ressignificados no intuito de manter os privilégios na esfera jurídica do mesmo grupo de outrora Mais do que um arcabouço ideológico o racismo se firmou na estrutura do Estado brasileiro como um meio de conservar a população negra subjugada e explorada em benefício das aspirações capitalistas das elites nacionais Por se beneficiarem diretamente dessa injusta realidade muitos agentes públicos em prol da arrecadação defenderam até o último instante a continuidade da escravização conforme se verifica na fala do deputado Andrade Figueira no parecer nº 1 da Sinopse dos trabalhos da Câmara dos Deputados do ano de 1888 páginas 15 e 16 Abrase o relatório do Ministério da Fazenda vejamse os balanços do Tesouro cotejese a renda arrecadada nas alfândegas visto que os nossos tributos consistem quase que exclusivamente em direitos de exportação e direitos de importação Encontramse aí lições eloquentes O que dizem elas Dizem que três províncias do Império as províncias do Rio Minas e S Paulo concorrem para as rendas públicas com dois terços da sua soma total Pois bem estas três províncias têm dois terços da escravatura matriculada no ano findo e representam apenas um terço da população total do Império de maneira que com um terço da população nacional elas concorrem com dois terços das rendas públicas porque têm dois terços dos trabalhadores escravos Querse agora extinguir tudo isso já se pensou no resultado que esse acontecimento acarretará para as rendas públicas2 A situação econômicodemográfica trazida pelo parlamentar já se verificava no censo de 1872 o primeiro completo feito no Brasil O que indica que o Estado se beneficiou amplamente do sistema escravagista e teve influência direta tanto na sua perduração quanto na forma estouvada com que a extinção do instituto foi realizada 2 Disponível em httpbdcamaragovbrbdhandlebdcamara33939 Acesso em 08122020 Mas vale salientar que a via crucis da escravidão ainda que relevante não estagna o destino e a sorte dos afrodescendentes Conforme explica Silvio Almeida 2019 posição 1845 1849 essa corrente de pensamento adotada aqui apesar de não negar os impactos terríveis da escravidão na formação econômica e social brasileira dirá que as formas contemporâneas do racismo são produtos do capitalismo avançado e da racionalidade moderna e não resquícios de um passado não superado O racismo não é um resto da escravidão até mesmo porque não há oposição entre modernidadecapitalismo e escravidão A escravidão e o racismo são elementos constitutivos tanto da modernidade quanto do capitalismo de tal modo que não há como desassociar um do outro A verdade é que as elites brasileiras nunca abriram mão da forma de exploração pretérita sempre se adaptando às regras da macroeconomia internacional vigente Para além da coação física a subjugação moral e os variados braços do racismo estrutural configuraram a dominação necessária para que se explorasse a mão de obra escravizada por tanto tempo Restringindose a possibilidade da coação física com a Abolição as demais formas de dominação seguiram aprimoraramse e ainda se mostraram como meios idôneos de manter a posição exploradora do passado E o Estado colaborou diretamente para que esse processo de transição em nada salvaguardasse os direitos liberdades e garantias dos recémlibertos Assim explica Florestan Fernandes 2008 p 29 A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou no Brasil sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos sem que o Estado a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais que tivessem por objeto preparálos para o novo regime de organização da vida e do trabalho O liberto se viu convertido sumária e abruptamente em senhor de si mesmo tornandose responsável por sua pessoa e seus dependentes embora não dispusesse dos meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva Essas facetas da situação humana do antigo agente do trabalho escravo imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel Ainda nesse sentido é importante pontuar que mesmo antes da inevitável Abolição havia a noção de que a ruptura da relação escravista traria consequências sociais graves sendo que durante todo o século XIX a grande questão foi o que fazer com o negro após a ruptura da polaridade senhorescravo presente em todas as dimensões da sociedade ABREU e PEREIRA 2011 p 498 Mas isso não foi suficiente para haver uma ação estatal que norteasse meios de subsistência dos negros quando libertos fossem Muito pelo contrário houve um reforço ao racismo e uma exclusão deliberada dessa população cidadã vindoura tanto socialmente quanto politicamente conforme aponta o Decreto nº 3029 de 9 de janeiro de 1881 que só permitia a candidatura e o voto dos que soubessem ler e escrever Essa negação de direitos políticos aos nãoalfabetizados ganhou força constitucional dez anos depois dessa reforma quando já havia se iniciado a República e findada a escravidão isso em um contexto no qual aos negros ainda era negado o acesso à educação sendo praticamente todos eles analfabetos Portanto as bases políticas da recente república não tiveram espaço para a população que fora escravizada e seus descendentes Se antes essa negação era direta sob o véu do instituto da escravidão agora ela passa sutilmente a integrar o ordenamento jurídico brasileiro Nesse momento crucial que serviu para se fazer a base política da recémnascida república foi ceifado o direito dos negros de elegerem seus representantes e serem elegíveis As bases políticas hoje refletidas no Congresso Nacional deixaram de fora as vozes dos negros Consequentemente de maneira geral foram praticamente 100 anos de exclusão da população negra de um exercício político efetivo Foi um século de direitos indefesos e interesses praticamente ausentes nas discussões e pautas legislativas além de quase nenhuma política educacional de inclusão ampla o bastante para reverter a dura herança histórica E por que afinal nunca houve referida política inclusiva para os exescravizados e seus descendentes Porque o plano nunca foi incluir os negros a ideia de muitos legisladores era que a raça negra fosse eliminada conforme consta nos dados reunidos por Edgar Roquette Pinto e utilizados pelo cientista João Baptista de Lacerda no congresso de Londres em 1911 No final da apresentação Lacerda enunciaria sua principal tese acerca do resultado da miscigenação no Brasil Segundo ele o cruzamento racial tenderia a fazer com que negros e mestiços desaparecessem do território brasileiro em menos de um século ou seja antes mesmo do final do século XX possibilitando o branqueamento da população Além disso a crescente entrada de imigrantes europeus no país somada aos problemas sociais e o abandono que os negros foram obrigados a enfrentar desde a abolição traziam a perspectiva futura de uma nação inteiramente branca3 Embora Edgar RoquettePinto fosse favorável à miscigenação ao contrário de muitos teóricos à época que condenavam a mestiçagem a exemplo de Louis Agassiz Josiah Not e Samuel George Morton que acreditavam que o hibridismo levava à degenerescência o fim eugenista de terminar com a raça negra na população brasileira estava traçado por ele Acreditar em algo não tem o poder de fazêlo ser real mas as consequências de acreditar são Então a imigração força motriz para que as projeções se efetivassem foi bastante estimulada no período Além dos problemas sociais e do abandono que foram impostos aos negros Mesmo assim por se tratar de ações obstativas intentadas basicamente pelo Poder Executivo havia risco de descaminhos na efetivação dessa política de branqueamento da população Exemplo disso foi o que ocorreu quando muitos americanos a princípio aptos para 3 Trecho de O Congresso Universal de Raças Londres 1911 contextos temas e debates p 754 Disponível em httpwwwscielobrpdfbgoeldiv7n3a08v7n3pdf Acesso em 08122020 imigração foram recusados ao verificarem se tratar de pessoas negras conforme explicita a fala de Francisco de Oliveira Vianna em apoio ao projeto do deputado Fidélis Reis para impedir a imigração desses negros em 1923 trazida por Ramos 1996 p 65 Estes que nos ameaçam vir da América se acham modelados por uma civilização superior falando uma língua própria e tendo um sentimento de altivez e agressividade natural no meio em que vivem e que não possuíam os africanos que para cá vieram em outros tempos da costa da África Esses pela inferioridade de sua civilização fundiramse com os brancos superiores quem nos dirá que farão o mesmo os negros americanos Mas se se conservarem infusíveis neste caso teremos mais um perigo político a nos ensombrar os destinos Se se fundirem neste caso teremos aumentado a massa informe de mestiçagem inferior que tanto retarda o nosso progresso Essa fala do sociólogo ilustra o claro enfrentamento racista feito diante de alguma possibilidade de democracia racial que poderia vir a ser imposta com a chegada em massa de afroamericanos ao Brasil Além da questão racial em si já que não era perdido de vista o tão ambicionado branqueamento da população brasileira Nesse sentido Telles 2003 p 251 pontua que De forma mais destacada políticas de imigração continuaram a apoiar a desigualdade racial por pelo menos duas décadas após a Abolição Em um esforço para branquear e civilizar a população brasileira empregadores em conluio com os governos federal e estaduais buscaram imigrantes europeus para substituir escravos barrando a imigração de africanos asiáticos e afroamericanos Em oposição a uma efetiva política de acolhimento aos cerca de 15 milhão de imigrantes que chegaram nesse período assim como da ampla disponibilização de terras e meios de subsistência aos imigrantes brancos os negros foram virtualmente excluídos da economia formal sendo que aos recémlibertos sequer era dado o mínimo acesso a terras sendo expulsos pelos seus exsenhores que passaram a não ser mais responsáveis pela subsistência que lhes era garantida quando eram escravos TELLES 2003 p 251 Posteriormente para não haver mais dúvida acerca do tipo de imigração que convinha ao Brasil lançouse mão dos meios legais para efetivar essa política de europeização da população brasileira Sem descaminhos Assim o art 2º da lei de imigração de 1945 a qual só foi revogada décadas depois pela Lei nº 6815 de 1980 dispõe que Atenderseá na admissão dos imigrantes à necessidade de preservar e desenvolver na composição étnica da população as características mais convenientes da sua ascendência europeia Malgrado todo esforço político e legislativo empregado desde o fim do século XIX até meados do século seguinte esse branqueamento da população brasileira não vingou Seja em decorrência de nuances genéticas seja pela resiliência secular dos negros seja em consequência da perduração da mão de obra escravizada por um período tão longo e em escala tão ampla a qual resultou em outras formas de adaptação alheias à mestiçagem A soma da sequela deixada pelo prolongado regime escravocrata com a ausência de políticas públicas para a inclusão dessas pessoas outrora escravizadas e seus descendentes e a presença massiva dos cotistas da imigração branca os quais tiveram amplo acesso a facilidades e recursos públicos durante as décadas que se seguiram à Abolição resultou em uma situação social marcada pela persistente iniquidade racial O plano de branqueamento não vingou mas racismo estrutural refletido mais abertamente no genocídio cotidiano da população negra ainda vinga E a tributação brasileira é um claro reflexo disso 3 As inconstitucionalidades tributárias do Brasil O racismo se manifesta no campo econômico de forma objetiva como quando as políticas econômicas estabelecem privilégios para o grupo racial dominante ou prejudicam as minorias Um exemplo disso é a tributação Ou seja o Brasil é um típico exemplo de como o racismo convertese em tecnologia de poder e modo de internalizar as contradições Silvio Almeida Por se tratar de uma questão assaz complexa nesse tópico são mencionados os pontos principais que corroboram com a conclusão de que existe uma ação jurídicolegislativa para que os tributos não se conformem com os objetivos fundamentais da República brasileira Com fundamento na Constituição Federal o sistema tributário se mostra como um meio idôneo de reduzir a concentração de rendimentos existentes no Brasil Sendo esse o efeito direto das medidas políticas inclusivas vale pontuar ainda os efeitos indiretos tais como a diminuição da criminalidade a melhoria no bemestar social e o aumento da produtividade do País mas acerca dessas decorrências indiretas não haverá aqui maiores aprofundamentos O ponto central é que a incidência tributária sem distorções inconstitucionais perfaria um caminho para resolver um gritante problema social Problema esse que já passou da hora de ser solucionado mas que só se agrava por força de uma conjuntura estatal de poder que trabalha em prol da perpetuação dos privilégios de uma parcela ínfima da sociedade Na perspectiva jurídica observase uma omissão advinda de um Direito Tributário majoritariamente branco e que se resguarda sob a égide de um fazer acadêmico eminentemente técnico a serviço das finanças públicas e da legalidade tributária Quase não havendo por consequência pressão doutrinária no sentido de fazer coro e impulsionar as autoridades tributárias a tomarem medidas em prol das ações afirmativas redistributivas A progressividade fiscal ferramenta fundamental na prossecução dos referidos objetivos é uma técnica tributária que consegue fazer com que os maiores rendimentos e patrimônios contribuam mais com o erário ao estabelecer maiores taxas sobre montantes que refletem uma elevada disponibilidade financeira O seu oposto é a incidência regressiva na qual todos os contribuintes independentemente de suas respectivas capacidades contributivas pagam a mesma taxa É o que ocorre com os impostos indiretos Se há uma taxa de 30 de imposto indireto sobre um produto todos os contribuintes dos mais pobres aos mais abastados em regra pagarão a mesma taxa de 30 ao consumilo E essa forma de tributar é um mecanismo de aumento das desigualdades e da concentração de riquezas além de ser uma afronta direta ao princípio da capacidade contributiva Não por acaso o maior montante de impostos arrecadados no Brasil vem da tributação indireta conforme expõe o economista Fabrício Oliveira FAGNANI 2018 p88 outro desafio fundamental da reforma é alterar a composição da estrutura do sistema entre impostos diretos e indiretos visando a tornar mais justa a distribuição de seu ônus entre os membros da sociedade e a contribuir para reduzir as desigualdades de renda o que é essencial para o crescimento econômico Enquanto nos países desenvolvidos o peso da tributação direta representa de modo geral cerca de 70 da tributação mesmo com as reformas realizadas à luz das novas propostas do pensamento ortodoxo no Brasil essa relação se mostra diametralmente oposta com impostos indiretos incluindo os incidentes sobre a folha de salário ultrapassando 70 da carga tributária Como quase toda a arrecadação indireta vem do consumo que em geral não mensura a real capacidade financeira dos contribuintes o peso dessa carga tributária necessariamente prejudica as pessoas mais pobres Essa realidade é facilmente verificável conforme pontua o Dr Silvio Almeida 2019 posição 17041708 a carga tributária tornase um fator de empobrecimento da população negra especialmente das mulheres visto que estas são as que recebem os menores salários Segundo o relatório da pesquisa As implicações do sistema tributário na desigualdade de renda sendo a carga tributária brasileira regressiva pois mais da metade dela incide sobre o consumo isto é está embutida nos preços dos bens e serviços a consequência é que as pessoas com menor renda por exemplo as mulheres negras pagam proporcionalmente mais tributos do que aquelas com renda mais elevada Assim a renda dos contribuintes mais pobres negras e negros em sua maioria é transferida para o erário em uma proporção muito maior que a dos mais ricos Ou seja os mais pobres contribuem majoritariamente com a receita do Estado o qual é o grande responsável por garantir essa conjuntura jurídicopolítica que favorece sobremodo os interesses das elites Essa lógica de Robin Hood às avessas só terá termo quando a tributação sobre patrimônio rendas e proventos for verdadeiramente progressiva e os impostos indiretos não tenham tanto peso sobre a arrecadação nos termos da Constituição FAGNANI 2018 p276 e 278 O alcance da progressividade efetiva depende não apenas da isonomia de tratamento entre as rendas mas também de uma nova configuração da tabela de alíquotas progressivas cujos contornos devem ser definidos tendo em conta o contexto de profunda desigualdade de renda que coloca o Brasil entre os países mais desiguais do planeta Buscase portanto construir um sistema que promova a redução efetiva da desigualdade social onerando mais as rendas das parcelas mais ricas da população e aliviando a carga tributária sobre os mais pobres O combate às desigualdades econômicas e sociais também requer sistema tributário efetivamente progressivo condição comprovada pelas experiências históricas dos países que lograram estabelecer um Estado de BemEstar social Outro ponto altamente controvertido na tributação brasileira está no fato de lucros e dividendos serem isentos há quase 25 anos por força da lei nº 924995 O que perfaz mais uma forma de negligência com o princípio da capacidade contributiva já que essa cobrança viria a fazer com que as pessoas com mais rendas que são em regra os beneficiários de lucros e dividendos contribuíssem mais com as receitas públicas Essa decisão políticolegislativa eivada de inconstitucionalidades só reforça a conformação da incidência tributária brasileira à conveniência dos mais ricos A justificativa ao implementar essa isenção era o aumento dos investimentos sendo que curiosamente não houve verificação se de fato isso ocorreu ao longo dessas mais de duas décadas Na prática o que seguramente ocorreu foi o beneficiamento fiscal das pessoas mais abastadas já que praticamente todo o rendimento desse grupo é oriundo de aplicações financeiras e lucros de suas empresas a exemplo de Joesley Batista dono da empresa JBS cuja quebra do sigilo fiscal mostrou que ele recebeu em 2016 R 105 milhões mas pagou apenas R 340 mil de IR ou seja 03 tudo porque 95 da renda dele veio de lucros e dividendos distribuídos4 Essa incoerente opção tributária de isentar lucros e dividendos que não ocorre em praticamente nenhum outro país além de aumentar a concentração de renda termina por impactar negativamente a arrecadação e produzir ainda mais distorções E é por tabela uma sabotagem ao erário Ou seja o interesse público é atassalhado por medidas políticas em defesa dos interesses privados dos segmentos mais ricos da população A consequência disso é que o combate às desigualdades nunca se efetiva e a eficiência tributária perde espaço para as demandas usurárias dos detentores do capital Nesse sentido Piketty 2014 p363 pontua Até a Primeira Guerra Mundial não existia na maior parte dos países nenhum imposto sobre as rendas do capital ou sobre os lucros das empresas nos raros casos em que eles existiam seus coeficientes eram baixíssimos Tratavase assim de condições ideais para o acúmulo e a transmissão de fortunas consideráveis e para se viver da renda produzida por essas riquezas Ao longo do século XX surgiram inúmeras formas de tributação de dividendos juros lucros e aluguéis o que mudou radicalmente a distribuição Por fim dentre as principais distorções tributárias que acabam por solapar a pretensa redução das desigualdades seguramente está a opção legislativa por não implementar a cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas IGF Ora como reduzir as desigualdades sem tributar as grandes fortunas de um país tão desigual em que 1 dos mais ricos ganharam 36 4 Disponível em httpwwwreconconsultoriacombrnovidades1065tributacaobrasileiraeescandalosamente beneficaaosmuitoricosdizeconomista Acesso em 08122020 vezes o que recebeu 50 da população em 20175 E há algo que demonstre maior capacidade econômica do contribuinte do que a titularidade de uma grande fortuna Nesse aspecto o texto constitucional é explícito no 1º do art 145 ao determinar que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte Portanto inclusos patrimônio e renda a Constituição é clara acerca da progressividade tributária em face da capacidade contributiva dos cidadãos E havemos de convir que não existe impossibilidade alguma em identificar as grandes fortunas desse País o abismo da desigualdade sociorracial deixa bem claro exatamente onde elas estão Partindose da razoável perspectiva de que a cobrança de determinados impostos é autorizada pela Constituição e reforçada pelos princípios gerais do Sistema Tributário Nacional trazidos pela mesma a renúncia tributária por meio da não cobrança implica indiretamente em entregar dinheiro nas mãos desses particulares Mesmo havendo controvérsias acerca da cobrança desse imposto nos países em que havia a arrecadação a exemplo da França o tributo representava 025 do Produto Interno Bruto PIB local e 2 da arrecadação federal E recentemente foi aprovada a incidência desse imposto na Argentina6 e na Bolívia7 como forma de incrementar a arrecadação Segundo Carvalho Júnior pesquisador do IPEA há cálculos mostrando que no Brasil a aplicação ajudaria a arrecadar de 025 a 05 do PIB8 Assumindo que a desigualdade social no Brasil é radical o suficiente para justificar a incidência do IGF é fundamental considerar como se efetivaria a sua incidência Contrário ao argumento de que existiriam dificuldades técnicas para essa tributação Machado 2017 p 355 assevera que O argumento é inconsistente Os bens que integram as grandes fortunas são os mesmos cuja transmissão de propriedade é tributada Se a título oneroso pelo Município Se a título gratuito ou em virtude de sucessão por causa da morte pelo Estado E ninguém sustentou a inviabilidade do imposto de transmissão causa mortis e doação de que trata o art 155 I nem do imposto de transmissão inter vivos de que trata o art 156 II da CF 5 Esses números são parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE divulgados no início de 2018 6 Disponível em httpsbrasilelpaiscominternacional20201206argentinaaprovaimpostosobreariqueza parafinanciaralutacontraocoronavirushtml Acesso em 08122020 7 Disponível em httpswwwcartacapitalcombrmundocamaradosdeputadosdaboliviaaprovaimposto sobregrandesfortunas Acesso em 11122020 8 Disponível em httpseconomiauolcombrnoticiasredacao20180316impostosobrefortunasricos milionariosdistribuicaoderendahtm Acesso em 08122020 Não sendo um entrave de viabilidade técnica ou arrecadatório então o que viria a explicar essa disparatada renúncia em um território que só não é mais desigual por falta de espaço Prossegue Machado 2017 p 355 Não acreditamos na instituição de um imposto sobre grandes fortunas por uma razão muito simples quem manda no mundo seja pelo poder seja pela influência sobre os que o exercem é sempre titular de grande fortuna e certamente não vai admitir essa tributação Se um dia ocorrer a instituição de um imposto com esse nome não será devido pelos ricos mas pela classe média incrementando a enorme carga tributária por essa já suportada No Brasil essa constatação é ainda mais segura tendo em vista o contexto histórico social explanado aqui Ou seja no polo diametralmente oposto ao desses detentores de grandes fortunas não tributadas estão as mesmas pessoas que desde a formação do Estado brasileiro foram marcadas pelo estigma da exclusão social E são essas pessoas que como sempre pagam muito caro por essa política superprotetora das elites Toda falta de incidência tributária sobre os mais ricos configura uma corrupção real conforme pontua Jessé Souza 2017 p 163 por ser resultado direto de uma gestão pública entranhada pelos interesses particulares dos detentores dos meios de produção O que provoca uma reação em cadeia que resvala em um problema de receita que é solucionado com mais corrupção Só que dessa vez com o Estado enquanto devedor dessas mesmas pessoas que por suposta liberalidade política ficaram isentas de figurar como devedores fiscais A autorização constitucional para a incidência do IGF também encontra guarida na legislação pátria Mais especificamente no que tange à responsabilidade fiscal estabelecida pela Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal LRF O diploma legal no art 11 determina que Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação Quanto à conformidade com a ordem mundial considerando que em quase nenhum outro país esse imposto seja aplicado vale salientar que em nenhum outro país o instituto da escravidão perdurou por tanto tempo em quase nenhum outro país a desigualdade social é tão profunda e que em quase nenhum outro país é tão difícil ascender socialmente9 Considerando essas particularidades do Brasil é muito defensável a necessidade da instituição desse tributo Tanto que o legislador originário teve o cuidado de autorizálo em consonância com os princípios e os objetivos precípuos da Constituição Cidadã 9 Disponível em httpwwwoecdorgbrazilsocialmobililty2018BRAPTpdf Acesso em 08122020 A obrigatoriedade fica ainda mais patente quando se constata que todos os outros impostos que competem à União pelo art 153 foram implementados Havia a pretensão por parte do constituinte de que existisse também esse imposto a ser criado por lei complementar fosse para aumentar a arrecadação de receitas pela União fosse para reduzir a concentração de riquezas e combater o racismo estrutural Porém o que se averigua é que a legislação tributária brasileira vai na contramão da busca pela democracia racial 4 A manutenção da desigualdade racial no Brasil Para Foucault a emergência do biopoder inseriu o racismo como mecanismo fundamental do poder do Estado de tal modo que quase não haja funcionamento moderno do Estado que em certo momento em certo limite e em certas condições não passe pelo racismo Silvio Almeida A consolidação do racismo estrutural na população brasileira não é obra do acaso visto que os párias eram escravos e negros e deixando de ser escravos permaneciam negros e continuavam párias BERTÚLIO 1989 p1 Essa dimensão do racismo perpetuada ao longo do tempo é bastante nociva porque constitui um forte ciclo de causa e efeito conforme explana Jessé de Souza 2017 p 72 É em nome dela também que se passa a operar um novo código social nascente uma nova hierarquia social que vai estipular os critérios que permitem e legitimam que alguns sejam vistos como superiores e dignos de privilégios e outros sejam vistos como inferiores e merecedores de sua posição marginal e humilhante A distinção entre os estratos europeizados em relação aos estratos de influência africana e ameríndia com toda sua lista de distinções derivadas tipo doutoresanalfabetos homens de boas maneirasjoõesninguém competentesincompetentes etc vai ser a base dessa nova hierarquia das cidades que se criam e se desenvolvem A imagem prévia do negro seria o seu destino por força dos efeitos do racismo sobre a existência dessas pessoas e o destino forjado pelo racismo sustentava a imagem atribuída E sendo a contrapartida da manutenção desse ciclo a perpetuação dos privilégios dos brancos não havia por parte do Estado a menor pretensão de romper com o ciclo Na verdade por conta do persistente plano de branqueamento da população brasileira a atuação do Estado por meio de políticas públicas e controle de acesso a direitos e garantias sempre foi justamente no sentido oposto ao da inclusão dos cidadãos negros Mas não se trata unicamente de uma fatalidade histórica conforme pontuam Schwarcz e Gomes 2018 p 40 e 41 Depois de 130 anos da extinção da escravidão existem porém permanências fortes e teimosas na sociedade brasileira O racismo continua estrutural no país e continua inscrito no presente de forma que não é possível apenas culpar a história ou o passado A violência e a desigualdade têm na raça um fator a mais com as pesquisas mais contemporâneas mostrando como negros morrem antes estudam menos têm menos acesso ao mercado de trabalho contam com menos anos de educação sofrem com mais atos de sexismo possuem acesso mais restrito a sistemas de moradia e acompanhamento médico Por fim o trabalho escravo mesmo que informal está longe de se encontrar extinto no país O Estado brasileiro de forma direta ou indireta criou tamanha desigualdade racial tanto por meio de políticas públicas racistas quanto por nunca ter posto na pauta durante mais de um século os interesses dos cidadãos negros Nesse sentido afirma Bertúlio 1989 p 102 e 103 O racismo institucional foi definido a partir de ações oficiais que de alguma forma excluíam ou prejudicavam indivíduos ou grupos racialmente distintos a manipulação consciente de instituições a fim de atingir objetivos racistas Para tal as instituições racistas são extensão do pensamento racista individual É dessa forma que o racismo individual se introduz no sistema de macrorelações sociais atendendo os objetivos de discriminação ou segregação raciais O sistema de empregos educacional econômico e jurídico são exemplos marcantes dessa ação racista institucionalizada A desigualdade racial persistente também é por conseguinte um problema jurídico já que nessa dimensão institucional fazemse presentes as ideologias racistas na formação apreensão e utilização do Direito BERTÚLIO 1989 p 8 E é indispensável se atentar para essa condição a fim de que o Direito deixe de ser uma ferramenta de reprodução de desigualdades tornandose enfim meio de resolvêlas Portanto o enfoque central do Direito deve sim ser racial ALMEIDA 2019 posição 18651870 Logo o racismo não deve ser tratado como uma questão lateral que pode ser dissolvida na concepção de classes até porque uma noção de classe que desconsidera o modo com que esta se expressa enquanto relação social objetiva torna o conceito uma abstração vazia de conteúdo histórico São indivíduos concretos que compõem as classes à medida que se constituem concomitantemente como classe e como minoria nas condições estruturais do capitalismo Assim classe e raça são elementos socialmente sobredeterminados A exploração desmedida das negras e negros não é uma mera escolha pactuada entre as elites e as forças estatais Tratase na verdade de um método de produção nacional advindo do período colonial e hoje reforçado pelo mister imperialista do capitalismo Nunca houve a ruptura necessária para que o Estado e a sociedade se reestruturarem no sentido de findar esse esquema de exploração de tantos em benefício da pequena elite branca de sempre É uma sequência do mesmo regime cruel iniciado no século XVI As instituições consentiram com esse prosseguimento valendose do racismo estrutural e suas sofisticadas ferramentas para efetiválo e efetivandoo porque racistas estruturalmente O Brasil é o país do futuro Ontem hoje e seguindo essa marcha de incessantes desigualdades raciais amanhã também O tão enaltecido crescimento econômico nunca efetivou a promessa de formar um país igualitário Mesmo quando houve um aumento econômico ou no rendimento médio da população a desigualdade racial sempre se fez presente ao longo de todo o século passado e do atual Por exemplo o rendimento médio total de pessoas ocupadas em 2016 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE foi de R2043 Quando visto o valor médio recebido em relação a cada raça o rendimento dos pardos R1480 e dos pretos R1461 correspondiam respectivamente a 556 e 549 do rendimento dos brancos10 Outro ponto tão relevante quanto a desigualdade racial é a baixíssima mobilidade social brasileira verificada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE 201811 que culmina na perpetuação das desigualdades raciais ao longo de gerações As ações institucionais ou políticas públicas que ignoram os dados ou negam a existência de uma elevada ou crescente desigualdade racial independentemente do país são igualmente racistas Portanto tratase de uma omissão racista que ignora deliberadamente a necessidade da democracia racial conforme explana Bertúlio 1989 p 8 9 e 11 Dado que este fenômeno não é exclusivo do Brasil o estudo do Direito nas sociedades ocidentais capitalistas enseja a constatação de que o racismo e todas as agressões e violentações aos direitos dos povos coexistem com os mais puros e rígidos critérios de direito justo igualdade jurídica princípios de humanidade legalidade legitimidade etc A apreensão dogmática do Direito por outro lado impede o questionamento das situações que culminam com fatos tipificados pelo Direito E estas ações legitimadas e cobertas com a legalidade no interesse do Direito e da Justiça subrepticiamente formam e intensificam a apreensão do estereótipo racista negro como elemento diferenciado e inadequado para o convívio social A realidade sócioeconômica brasileira e alguns registros dela nos Censos Estatísticos feitos e orientados pelo menos Estado onde a marginalização e discriminação da população negra é constatado estão a nos provar a orientação racista de todo o sistema estatal brasileiro O Estado grande reprodutor e interessado na reprodução da ideologia das classes dominantes do Brasil acompanha e intensifica a invisibilidade do problema racial brasileiro BERTULIO 1989 p 17 E cabe a esse mesmo Estado enxergar e resolver o grave problema racial posto implicando necessariamente em perda de privilégios para os que sempre os tiveram em prol da implementação de direitos básicos para os subalternizados de sempre O fim dessa reprodução de injustiças só se efetivará quando não mais estivermos diante de um país tão racista Portanto o compromisso do Estado a fim de solucionar essa problemática deve se valer de duas frentes o combate ao racismo estrutural e o enfrentamento das desigualdades sociorraciais por meio de políticas de ação afirmativa e de redistribuição de riquezas em diversos âmbitos Por restar tardio o enfrentamento desses problemas por meio da tributação precisa ser bastante amplo para surtir um efeito transformador A política fiscal brasileira deve priorizar o combate ao racismo por meio da redistribuição de riquezas e rendimentos por mais que isso 10 Disponível em ftpftpibgegovbrTrabalhoeRendimentoPesquisaNacionalporAmostradeDomicilioscontinuaTrimes tralCaracteristicasdaforcadetrabalhoporcorouracaAlgumascaracteristicasdaforcadetrabalhopor corouraca201604trimestrepdf Acesso em 08122020 11 Disponível em httpwwwoecdorgbrazilsocialmobililty2018BRAPTpdf Acesso em 08122020 signifique alterar uma estrutura secular de poder Na verdade a saúde social do País perpassa justamente por findar essa estrutura e o ciclo jurídicolegislativo que a sustenta 5 O compromisso constitucional na tributação Por isso diversidade não basta é preciso igualdade Não existe nem nunca existirá respeito às diferenças em um mundo em que pessoas morrem de fome ou são assassinadas pela cor da pele Silvio Almeida Como há muitas normas tributárias na nossa Constituição Federal não é exagero algum pontuar que ela é o texto fundante da ordem jurídicotributária nacional Ainda que não houvesse essa constitucionalização tributária todo o ordenamento deve ser estabelecido necessariamente em obediência à Carta Magna O legislador originário elencou no art 3º os pontos principais de uma política social inclusiva voltada para o bemestar de todos os seus cidadãos Sob a égide do espírito constitucional ficou firmado um pacto social em prol do combate à pobreza e às desigualdades regionais e sociais FAGNANI 2018 p276 A isonomia de tratamento entre as rendas auferidas pelas pessoas físicas é condição essencial para a equidade do sistema tributário brasileiro Tributar os lucros e os dividendos e outras rendas do capital da mesma forma que se tributam as rendas do trabalho significa o primeiro passo para a construção de uma tributação mais justa e consequentemente uma sociedade mais justa e igualitária cumprindo com os objetivos fundamentais da República previstos no Artigo 3º da CF88 Essa redução das desigualdades mostrase um ponto tão proeminente na Constituição que se repete no Título VII Da Ordem Econômica e Financeira art 170 VII como um dos princípios gerais da atividade econômica Ou seja além de surgir como um princípio fundamental da República Federativa do Brasil subentendendose ser um objetivo sob todos os aspectos possíveis da atuação pública o texto constitucional vem reforçar no âmbito da atividade econômica a prossecução da redução das desigualdades regionais e sociais Partindo desse pressuposto seria de se esperar que as normas tributárias fossem fiéis ao texto constituinte e efetivassem as suas diretrizes Só que apesar do espírito constitucional voltado para a efetivação da solidariedade e do compromisso com a redução das desigualdades não tem sido esse o desejo do Poder Legislativo de 1988 para cá Na contramão da pretensão do legislador originário constatase que as normas tributárias possuem fins e efeitos que divergem dos preconizados constitucionalmente Também era de se esperar que com o impulso constituinte o combate a esse sistema cíclico de desigualdades se efetivasse Só que novamente não houve a necessária ruptura e apesar da nova Constituição Federal as velhas instituições se mantiveram E com elas o mesmo racismo estrutural Por isso que só no século seguinte à promulgação do texto constituinte mediante muitos embates foi possível a adoção de políticas de ação afirmativa para a população negra as quais comparadas com o esforço empreendido pelo poder público no financiamento da imigração branca do final do século XIX foram bastante ínfimas Ainda assim graças ao impulso do início da implementação dessas políticas foi enfim promulgado o Estatuto da Igualdade Racial Lei 12288 de 2010 O enfrentamento e a efetivação de direitos para a população negra felizmente têm acontecido em diversos campos E essas duas últimas décadas foram cruciais para que a consolidação de soluções a problemáticas de raízes seculares tomasse forma Só que é preciso ter um olhar mais crítico sobre o enfrentamento do racismo no Brasil Inclusive sobre a postura do judiciário brasileiro que conforme resta cristalino reproduz no plano material assim como as outras instituições de poder permeadas pelo racismo estrutural as formas de operacionalizar a concentração geracional de patrimônio FAGNANI 2018 p715 Questões de direito tributário relativas à gestão tributária da União e dos entes federados se decidem na suprema corte o STF tendo esse colegiado até pouco tempo impedido a tributação progressiva sobre o patrimônio recorrentes e na transferência com base na capacidade de pagamento Sustentavase que a posse de bens imóveis não se relaciona à capacidade de pagamento uma vez que a donatária do bem pode contar com fluxo de rendimentos aquém do custo da recepção do bem doado ou herdado A discussão se estendeu por quase 30 anos e a concessão do STF na RE 562045 acima citada foi dividida e os votos mostram claramente uma visão patrimonialista pois foram fundamentados com base em casos estilizados não se levando em conta os dados da concentração patrimonial e o peso que o instrumento da herança tem na preservação da desigualdade Se a razão precípua do racismo sempre foi a manutenção de privilégios e sua consequente concentração de poder renda e riquezas e a estrutura financeira favorável à concentração ainda se perpetua visto que não houve uma reforma tributária agrária ou uma ruptura estrutural nesse sentido algo está faltando Ou seja o Estado racista cedeu legislativamente no que tange às políticas de ação afirmativa mas ao longo desse período não promoveu políticas fiscais transformadoras de redistribuição de renda ou riquezas Portanto a resposta à Constituição precisa vir nesse âmbito também Caso contrário a conta não fecha 6 A tributação como ação afirmativa Se o direito é produzido pelas instituições as quais são resultantes das lutas pelo poder na sociedade as leis são uma extensão do poder político do grupo que detém o poder institucional O direito nesse caso é meio e não fim o direito é uma tecnologia de controle social utilizada para a consecução de objetivos políticos e para a correção do funcionamento institucional como o combate ao racismo por meio de ações afirmativas por exemplo Silvio Almeida Não há como a incidência de alguma tributação em nada alterar a dinâmica social ou econômica do meio em que atua independentemente de a instituição do tributo ter como objetivo principal a obtenção de receita Ao ser implementado um imposto para além da finalidade arrecadatória devese ter em vista os impactos sociais e econômicos advindos de sua cobrança O Estatuto da Igualdade Racial é bastante preciso quando traz que as ações afirmativas são programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades A democracia racial ainda que bastante tardia precisa ser efetivada Portanto não basta contar somente com programas sociais assistencialistas como o bolsafamília para estancar a sangria sociorracial deixada por tantos séculos de escravização cumulados com mais de um século de descaso estatal com os cidadãos negros e perpetuação de racismo estrutural As mudanças sociais têm um papel determinante no combate à desigualdade racial no Brasil Essa convergência quase que sobreposta entre desigualdade social e racial se efetivou conforme já explanado por conta do longo período de escravidão da perpetuação e consolidação do racismo e pela conformação estatal aos anseios das classes dominantes Dentro desse contexto é preciso considerar que o Direito Tributário enquanto agente ativo desse processo de sucessivas injustiças estatais pode vir a atuar como um meio idôneo de promover a democracia racial Uma política fiscal que prioriza a tributação indireta em detrimento da direta por exemplo neutraliza as políticas assistencialistas Quando o Estado provê um auxílio para pessoas que auferem pouca ou nenhuma renda todo esse dinheiro é gasto com consumo o que faz com que boa parte dele volte ao erário na forma de impostos indiretos Se uma significativa parte desse valor vai para impostos sobre consumo então esse auxílio não está atingindo sua finalidade redistributiva Portanto ao se pensar em políticas assistencialistas ou de reparação social necessariamente devese pensar conjuntamente na tributação voltada para a redução das desigualdades sob pena de não haver redistribuição alguma Só que a desigualdade racial no Brasil não é causada somente pela má distribuição de renda e riquezas Portanto não é somente com o combate às desigualdades sociais que se efetivará a democracia racial É um caminho indireto bastante seguro mas não deve ser pensado isoladamente Como o racismo tem um papel crucial na forma como as relações sociais e econômicas se estabelecem no Brasil é preciso um enfrentamento direto desse problema também por isso que existem as políticas de ação afirmativa já conhecidas Quanto ao mister dessa ação conjunta Telles 2003 p 274 assevera que O objetivo da ação afirmativa é reduzir a desigualdade racial e aliviar os seus sintomas No Brasil isso requer que sejam atacadas as três maiores barreiras à verdadeira democracia racial a hiperdesigualdade as barreiras invisíveis e a cultura racista Se o governo brasileiro deseja fazer uma significativa diferença na vida da maioria dos pretos e pardos necessita desenvolver um conjunto de políticas que combinem políticas sociais universalistas de desenvolvimento para reduzir a hiperdesigualdade existente no país com ação afirmativa de natureza racial que possa anular as barreiras invisíveis e minorar a cultura racista Conseguidas após décadas de lutas dos movimentos negros essas políticas de ação afirmativa de natureza racial são um caminho de curto e médio prazos voltado para a ocupação de espaços e criação de oportunidades equitativas para as pessoas negras Porém conforme pontua Telles no excerto acima essas ações afirmativas sozinhas não resolvem o complexo problema da desigualdade racial brasileira Tanto sim que em uma pesquisa publicada no final de 2018 constatouse que a desigualdade sociorracial antes estagnada se agravou12 Os dados ao expor o aumento dessa desigualdade demostram que as ações afirmativas de natureza racial sozinhas não efetivaram a igualdade pretendida no âmbito econômico de 2016 para 2017 os negros da metade mais pobre da população tiveram uma redução na renda 25 enquanto que os brancos do mesmo estrato social tiveram um aumento 3 Sem uma interferência estatal voltada para a redistribuição de renda e riquezas a tendência é que a desigualdade sociorracial não seja reduzida Em contrapartida não se pode confiar tão somente na redistribuição de riquezas para a redução das desigualdades raciais cuja origem combina fatores sociais que transpassam a mera questão da injustiça econômica Caso contrário os efeitos da redistribuição racial tendem a ser enfraquecidos Essa constatação foi teorizada no início desse século por Nancy Fraser filósofa estadunidense e importante expoente da Teoria Crítica contemporânea Para solucionar referida questão de injustiças sociais sobrepostas ela propõe uma teoria dualista na qual se combinam os dois fatores de injustiças Fraser 2006 p 238 e 239 explica que A lógica aqui se aplica à redistribuição afirmativa em geral Embora essa abordagem vise a compensar a injustiça econômica ela deixa intactas as estruturas profundas que engendram a desvantagem de classe Assim é obrigada a fazer realocações superficiais constantemente Remédios transformativos comumente combinam programas universalistas de bemestar social impostos elevados políticas macroeconômicas voltadas para criar pleno emprego um vasto setor público não mercantil propriedades públicas eou coletivas significativas e decisões democráticas quanto às prioridades socioeconômicas básicas Eles procuram garantir a todos o acesso ao emprego enquanto tendem também a desvincular a parte básica de consumo e o emprego Logo sua tendência é dissolver a diferenciação de classe Remédios transformativos reduzem a desigualdade social porém sem criar classes estigmatizadas de pessoas vulneráveis vistas como beneficiárias de uma generosidade especial Eles tendem portanto a promover reciprocidade e solidariedade nas relações de reconhecimento Assim uma abordagem voltada a compensar injustiças de distribuição pode ajudar também a compensar algumas injustiças de reconhecimento O combate às desigualdades sociorraciais só com políticas de reconhecimento dá margem às supracitadas injustiças de reconhecimento que são por exemplo a insatisfação do 12 Disponível em httpsmovimentomulher360combrwp contentuploads201901relatoriodesigualdade2018paisestagnadodigitalpdf Acesso em 08122020 branco pobre com a política de cotas raciais ao erroneamente visualizar a criação de um privilégio para pretos e pardos Além de presumir uma generosidade imerecida para os negros há ainda a perda do seu salário público e psicológico de outrora termo que o intelectual Du Bois 1920 criou para explicar a satisfação do branco em estar acima dos negros tão somente em decorrência de sua branquitude Assim o reconhecimento racial sozinho não finda o racismo porque a persistência da desigualdade sociorracial que não se resolve só pelas ações de reconhecimento resulta em mais racismo e mais injustiças de reconhecimento Então o branco pobre que poderia ser um aliado na busca por uma política tributária voltada para a redistribuição que necessariamente o favoreceria vira um inimigo que se ocupa em combater o privilégio que na sua perspectiva resulta das ações de reconhecimento para os negros Isso porque conforme expõe Almeida 2019 posições 733735 749750 Patologia social do branco era como Guerreiro Ramos referiase à postura de oposição e de rejeição que caracterizava as pessoas brancas brasileiras diante da possibilidade de integração social com negros bem como O pavor de um dia ser igualado a um negro é o verdadeiro fardo que carrega o homem branco da periferia do capitalismo e um dos fatores que garante a dominação política econômica e cultural dos países centrais Portanto Nancy Fraser estabelece que por se tratar de dois problemas sobrepostos racial e econômico são necessárias duas soluções Dessa forma a política de ação afirmativa de reconhecimento sem redistribuição a exemplo das cotas em concursos públicos faz com que o negro ocupe alguns lugares nas esferas de poder mas a falta de uma política redistributiva universal não permite que os negros se equivalham financeiramente aos brancos em uma verdadeira democracia racial E essa continuidade ou aumento da desigualdade racial resulta em uma constante necessidade de ações de reconhecimento para sanar a falta de ocupação natural e ampla dos negros nos espaços de poder o que aconteceria paulatinamente se houvesse concomitantemente diversas políticas de ação afirmativa de redistribuição 7 Conclusão Talvez essa presença ausente da questão racial seja a prova mais contundente de que o racismo pode obstruir a capacidade de compreensão de aspectos decisivos da realidade mesmo daqueles que querem sinceramente transformála Silvio Almeida Por se tratar de um país no qual o racismo é estrutural e estruturante fazse mister questionar o quanto este influencia o sistema jurídico brasileiro Sendo assim o Direito Tributário não pode se eximir de buscar formas de minorar o abismo sociorracial que há muito perdura na sociedade brasileira Isso porque o trabalho parte do pressuposto defendido pela maioria da doutrina de que a cobrança de tributos não serve somente à arrecadação de receitas havendo na sua incidência necessariamente consequências econômicas e sociais Qualquer contribuição para o aumento ou a manutenção das desigualdades sociais é um entrave ao fim do status quo nas esferas de poder e um estímulo natural à continuidade do racismo estrutural Diante da constatação de que existe o racismo e que ele é causa e reflexo das instituições públicas brasileiras perfaz uma hipótese razoável deduzir que o Direito Tributário integra esse sistema reprodutor de racismo Ainda mais ao se considerar o fato de que os tributaristas nem sempre buscam novas formas de ampliar o alcance social do Direito Tributário No geral há apenas o esforço acadêmico meramente técnico de questionar se a aplicação e a existência ou inexistência de determinados tributos estão de fato submetidas às normas e aos princípios constitucionais e tributários estudados A fim de anular o risco de depreenderem se tratar de uma iniciativa meramente universalista de redistribuição de renda a perspectiva trazida aqui é sobretudo racial Essa anulação ocorre justamente porque expor o racismo estrutural no âmbito do Direito Tributário embasa a possibilidade de fazêlo uma nova forma de política de ação afirmativa que diminua as desigualdades sociorraciais e efetive a democracia racial Ao fim e ao cabo a pesquisa vem fundamentar a presença do racismo na construção tributária do País Reconhecer a problemática racial é o cerne da questão visto que se trata de uma relação cíclica no qual o racismo estrutural é causa e consequência de tantas mazelas jurídicolegislativas verificadas Por isso é tão importante ter o Direito Tributário como um agente de ação afirmativa com todas as abordagens e fundamentos requeridos para esse efeito Portanto a raiz e o objetivo precisam ser claros para produzir o resultado esperado Não é possível entender e repensar a tributação sem enfrentar o racismo brasileiro Na verdade não é possível entender e repensar todo o ordenamento jurídico sem fazêlo Referências ABREU Martha PEREIRA Matheus Serva org Caminhos da liberdade histórias da abolição e do pósabolição no Brasil Niterói PPGHistória UFF 2011 ALMEIDA Silvio Luiz de Racismo Estrutural São Paulo Sueli Carneiro Pólen 2019 E book BERTÚLIO Dora Lúcia de Lima Direito e relações raciais uma introdução crítica ao racismo Dissertação Mestrado em Direito Curso de Pósgraduação em Direito Centro de Ciências Jurídicas Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 1989 CAMPOS Luiz Augusto Revista brasileira de ciências sociais vol 32 n 95 Rio de Janeiro 2017 p16 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbcsocv32n9501026909 rbcsoc3295072017pdf Acesso em 22062019 COÊLHO Sacha Calmon Navarro Curso de direito tributário brasileiro 16ª ed Rio de Janeiro Forense 2018 DU BOIS WEB Darkwater Voices from within the Veil NY Harcourt Brace Co 1920 FAGNANI Eduardo org A Reforma Tributária Necessária diagnóstico e premissas Brasília ANFIP FENAFISCO São Paulo Plataforma Política Social 2018 FERNANDES Florestan A integração do negro na sociedade de classes volume 1 5ª ed São Paulo Globo 2008 FRASER Nancy Da distribuição ao reconhecimento Cadernos de campo São Paulo n 1415 2006 p 231239 MARTINS Roberto Borges A obsessão com o tráfico a legislação escravista e os códigos negreiros portugueses XII Congresso Brasileiro de História Econômica 13ª Conferência Internacional de História de Empresas Niterói 2017 p 2 e 4 RAMOS Jair de Souza Dos males que vêm com o sangue as representações raciais e a categoria do imigrante indesejável nas concepções sobre imigração da década de 20 In MAIO Marcos Chor SANTOS Ricardo Ventura Raça ciência e sociedade Rio Ed Fiocruz 1996 p 65 SCHWARCZ Lilia Moritz GOMES Flávio dos Santos org Dicionário da escravidão e liberdade São Paulo Companhia das letras 2018 SOUZA Jessé A elite do atraso da escravidão à Lava Jato Rio de Janeiro Leya 2017 TELLES Edward Racismo à brasileira uma nova perspectiva sociológica Rio de Janeiro RelumeDumará Fundação Ford 2003