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Direito Processual Penal

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Justiça e Direito - Columnistas\nRODRIGO CHEMIN GUIMARÃES\nCOLUMN\nA \"Fórmula Matemática\" do Tráfico de Drogas e a Psicologia Cognitiva\n19/07/2015 | 22h19 | Rodrigo Chemin Guimarães\nO que diferencia a conduta de quem é usuário de drogas e de quem é traficante de drogas hoje no Brasil? A Lei 11.343 de 2006 prevê que os dois comportamentos são crimes, porém traz para eles respostas penais significativamente dispares. Enquanto o usuário é punido com penas que oscilam entre a mera advertência quanto aos malefícios do uso de drogas, chegando à prestação de serviços a comunidade ou simples multa (não admitindo a prisão em hipótese alguma, seja em flagrante delito), a resposta penal para o tráfico de drogas é bem severa e pena pode alcançar até quinze anos de reclusão.\nSucede que os tipos penais que definem os dois delitos são muito próximos. O artigo 28 da Lei 11.343/2006 (que tipifica o crime de porte para consumo próprio) considera como delito cinco condutas: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas, sem autorização legal ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Já o artigo 33 da Lei 11.343/2006 (que tipifica o crime de tráfico de drogas) traz dezoito condutas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Percebe-se que dentre estas dezoito condutas estão também aquelas selecionadas para o crime de consumo (o crime do usuário). Assim, o que diferencia o usuário do traficante não é a conduta em si, já que em ambos os crimes as condutas que podem alcançar o tráfico também previstas para o traficante. Com efeito, são as cinco condutas do porte penal do art. 28 da Lei 11.343/06 (porte para uso) só rigorosamente as mesmas do art. 33 da mesma lei (tráfico de drogas), a única diferença entre as duas figuras penais é o elemento subjetivo diverso do pedaço no art. 28: \"para consumo pessoal\".\nA lei 11.343/2006 até prevê em seu art. 28, §2º quais critérios o juiz deve avaliar para \"determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal\". Diz a lei: \"O juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que essa foi produzida e à ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente\". Ou seja: não precisa ser muito perspicaz para saber que estes critérios diferenciadores acabam sendo mais subjetivos do que objetivos, notadamente nos casos limítrofes, isto é, naqueles casos em que a quantidade de droga apreendida não permite traçar uma diferença clara entre o mero usuário e o traficante.\nSegundo outra linha, algumas legislações estrangeiras estabelecem critério exclusivamente quantitativo para diferenciar o usuário do traficante. Assim, por exemplo, no México, até 02 gramas de ópio, ou 50 miligramas de heroína, ou 05 gramas de maconha, ou 500 miligramas de cocaína, ou 0,015 miligramas de LSD, ou 40 gramas de metamfetaminas, o sujeito é considerado apenas usuário, sem resposta penal; passou disso é punido por crime de tráfico. Na República Tcheca, desde 2010, o sujeito portar até 15 gramas de maconha, ou 04 comprimidos de ecstasy, ou 01 grama de cocaína, ou 1,5 gramas de heroína ele é apenas usuário; passou disso, é traficante[1], prevendo-se apenas multa para o primeiro. No Brasil diante de situações semelhantes em termos de quantidade da drogaficante, o delegado, o promotor, o juiz e o Tribunal descobriram o que se passava na cabeça do sujeito (se queria apenas usar a droga ou objetivava outra finalidade) com valores/ critérios a serem aplicados de acordo com os dados subjetivos à luz do caso concreto.\nUma rápida \"visita\" às sentenças penais proferidas no Brasil dos dias de hoje, de casos nos quais se discute se o comportamento do agente era de tráfico de drogas ou de uso de drogas para consumo pessoal, acaba por verificar qual flexível a \"razoabilidade da dúvida\" – que deveria orientar o resultado em favor do réu – pode ser.\nNos milhares de casos que chegaram analisados por Tribunais de Justiça com postura – especializadas nesta matéria, boa parte dos casos que chegaram à segunda instância resume-se naquilo que se pode definir como sendo a fórmula matemática do tráfico de drogas: a Polícia Militar relata ter recebido uma notícia anônima de que haveria um traficante na região tal, com determinadas características físicas; em verificação desta notícia anônima, a Polícia Militar aborda um sujeito na rua, procede à revista pessoal e, bingo (!), encontra com ele pequenas quantidades de droga num dos bolsos da calça e, no outro, algumas notas de dinheiro em pequenos valores. Resultado: traficante! Não interessa o que o sujeito abordado na rua estava fazendo no momento, tampouco suas alegações no sentido de que a droga encontrada seria para seu consumo pessoal. Uma pequena variação de casos similares envolve notícias danadas que não se casam de fulano há tráfico de drogas. Nestes casos, na maioria das vezes sem mandado de busca e apreensão, a Polícia Militar comparece na residência, é \"convidada\" a entrar e encontra pequena quantidade de droga no refrigerador da casa. Nem se vê ao car da ilegalidade e abuso que possa haver neste proceder; fica para outro artigo. Por ora, basta considerar que os quadros probatórios identificados, mesmo que se considere o ingresso na residência como legitimidade, são o que costuma bastar para prisão em flagrante por tráfico, para a denúncia e respectiva condenação, sempre por tráfico. óbvio, e que a dogmática moderna espera é o que a Constituição da República de 1988 determina, é que a pessoa abordada nas condições acima indicadas pela Polícia Militar tinha sua conduta classificada para o delito de \"porte para uso\". Aliás, não deveria sequer ter sido lavrado o flagrante e sido oferecida a denúncia em relação a ele. O que se vê, portanto, é que mesmo em dúvida, a condenação por tráfico de drogas também afirma, e com certa facilidade em casos que representam este padrão de conduta e de prova. Casos assim são frequentes no foro.\nE por que isso ocorre?\nO que sucede em casos como o aludido acima, é explicado pela Psicologia Cognitiva de Amos Tversky e Daniel Kahneman, como sendo um \"julgamento por representatividade\" [3] que se costuma realizar mentalmente. No caso do tráfico de drogas e cristo uma representação, uma ideia – nem sempre falsa, mas que passou a ser padronizada e aceita como \"suficiente\" – de se acreditar na notícia anônima, pois ela teria sido \"confirmada\" com a descoberta da droga e do dinheiro no bolso ou na casa do sujeito. Assim, esta-se, pela \"repressão do que se sabe\" e pela \"representação\", a possibilidade da dúvida que é superabundante por pequeno valor. Agora, pois, nisto nestes casos em que se vê, sem uma análise minimamente razoável. Não se faz, por exemplo, campanhas nas proximidades do local indicado para verificar eventual movimentação característica de tráfico; não se documenta em imagens possível comércio; não se vai ao local investigar previamente; não se ouvem testemunhas; não se coleta nenhum dado minimamente razoável da prática de possível comércio; não se identifica o fornecedor da droga; não se sabe sua origem; não se investiga se alguém comprou a droga e por via... Nada. Só a notícia anônima. E vai-se ao local e se constatam pequenas porções de droga, escondidas em algum lugar, por vezes acrescida de notas de dinheiro em pequenos valores no bolso da calça, tudo somado à notícia anônima. E conclui-se, pela heurística da representação decorrente da notícia anônima, que só pode ser tráfico! Mas a conclusão, nestes moldes, poder ser considerada arbitrária. A situação, que se repete como rotina, é, no mínimo, preconceituosa.\nTodo o quadro probatório decorre da mera constatação do flagrante que, por sua vez, decorre da notícia anônima. E o resultado tem sido não só a dica de que isso \"não importa\", pois a aparência, ou o estereótipo, resolvem o processo decisório, e mesmo havendo dúvida – no caso pode-se até afirmar que a certeza seria inversamente proporcional à condenação. A \"Fórmula Matemática\" do Tráfico de Drogas e a Psicologia Cognitiva | Rodrigo Chemin Guimarães | Gazeta do Povo\n\nexposta – não raras vezes o que se tem é a condenação por tráfico de drogas.\n\nNa \"heurística da representatividade\" a probabilidade de que o sujeito abordado com a droga e com o dinheiro trocado no bolso seja um traficante \"é avaliada segundo o grau em que ele é representativo, ou similar ao estereótipo\" de um traficante [4]. E, por mais que se tentem agir assim, pois esse conjunto de dados deve ser considerado invariavelmente como insuficiente para, respectivamente, prender, denunciar e condenar por tráfico, sempre haverá um percentual destes profissionais – porque são seres humanos – que não escapará do mecanismo heurístico da representatividade. É inevitável, pois é assim que a maioria das pessoas opera.\n\nPara ilustrar o drama que a apreensão rotulagem destas pessoas como traficantes representa, basta pensar na possibilidade de alguém ser usuário de drogas e ter alium iminho pessoal por qualquer razão. Este, quando se vira alvo daquele só precisa telefonar, anonimidade, umas duas ou três vezes para o \"disque-denúncia\", quando ainda no caso da questão uma \"boca de fumo\". As notícias anônimas chamaram a atenção da Polícia Militar que, numa situação como esta, ao invés de tentar alegar ser mero usuário, pois há uma série de \"notícia\" não é \"prova\", ainda mais sendo uma que se faz presso a Política Cognitiva.\n\nAssim, a maneira de lidar a branquear para estabelecer uma quantidade precisa para separar a conduta de usuários de droga como se traficantes fossem. Pelo que se vê do cotidiano dos processos penais, tenha-se a certeza que hoje cumprem penas nas filas penitenciárias brasileiras, inúmeros condenados por tráfico de drogas que muito provavelmente eram apenas usuários (ou contra quem a prova do tráfico era absolutamente frágil) e que acabaram vítimas dessa heurística da representação, do estereótipo do traficante, formatado por uma equivocado e perigosa \"fórmula do tráfico\": notícia anônima + pequena quantidade de droga + notas trocadas de dinheiro no bolso = tráfico de drogas... É pra pensar... mudar, com urgência!\n\n[1] Políticas de Drogas: novas práticas pelo mundo. Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia. Rio de Janeiro, 2011, pp. 28 e 36.\n\n[2] AMOS, Tversky; KAHNEMAN, Daniel. Apêndice A: Julgamento sob Incerteza: Heurísticas e Vieses. In: KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pp. 524-539.\n\n[3] AMOS, Tversky; KAHNEMAN, Daniel. Apêndice A: Julgamento sob Incerteza: Heurísticas e Vieses. In: KAHNEMAN, Daniel. Ob. cit., pp. 524-539, p. 525.\n\n*Rodrigo Réginer Chemin Guimarães, Procurador de Justiça no Ministério Público do Paraná. Professor e Coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal do Unicuritiba. Mestre em Direito das Relações Sociais e Doutorando em Direito de Estado pela UFPR. Escreve mensalmente para o Justiça & Direito. da EMAP – Escola da Magistratura do Paraná; da ESMAFE – Escola da Magistratura Federal no Paraná. Professor e Coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal do Unicuritiba. Mestre em Direito das Relações Sociais e Doutorando em Direito de Estado pela UFPR. Escreve mensalmente para o Justiça & Direito. \n\nhttp://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/colunistas/rodrigp-chemin-guimaraes/formula-matematica-do-trafico-de-drogas-e-o-pais...