6
Direito Internacional
UMG
7
Direito Internacional
UMG
67
Direito Internacional
UMG
3
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
275
Direito Internacional
UMG
10
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
3
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
Texto de pré-visualização
YONSEI UNIVERSITY Projeto Acadêmico Colaborativo Collaborative Academic Project Double Victimization in Juvenile Criminal Law A Comparative Study Between Brazil and South Korea Maria Eduarda de Azevedo Bento ORCID 0009000069500511 Universidade Candido Mendes Brasil Academic cooperation with Yonsei University Republic of Korea Seoul Republic of Korea 2025 법은 사회적 약자를 보호할 때 그 가치를 가진다 A lei tem valor quando protege os vulneráveis Kim Youngran Resumo Este estudo examina o fenômeno da vitimização dupla no Direito Penal Juvenil sob a perspectiva do Direito Comparado entre Brasil e Coreia do Sul A pesquisa analisa como os sistemas jurídicos lidam com crianças e adolescentes que sendo vítimas de vulnerabilidade social são criminalizados novamente no âmbito judicial O objetivo é destacar semelhanças e diferenças entre os dois países propondo alternativas para o aprimoramento do sistema brasileiro a partir das experiências coreanas Palavraschave justiça juvenil vitimização dupla direito comparado Brasil Coreia do Sul Abstract This study examines the phenomenon of double victimization in Juvenile Criminal Law through a comparative approach between Brazil and South Korea It analyzes how the legal systems of both countries deal with children and adolescents who while victims of social vulnerability are once again criminalized by the judicial process The research highlights convergences and divergences in protective frameworks and offers proposals for improving juvenile justice through comparative law Keywords juvenile justice double victimization comparative law Brazil South Korea 초록 본 연구는 청소년 형사법에서의 이중 피해 현상을 브라질과 대한민국의 비교법적 관점에서 고찰한다 사회적 취약계층의 아동과 청소년이 피해자임에도 불구하고 사법 절차에서 다시금 가해자로 낙인찍히는 문제를 분석하며 양국의 법적 보호 체계의 수렴과 차이를 제시한다 이를 통해 청소년 사법제도의 개선을 위한 비교법적 제안을 모색한다 주요어 청소년 사법 이중 피해 비교법 브라질 대한민국 Introdução O tratamento jurídico conferido aos adolescentes em conflito com a lei representa um dos grandes paradoxos contemporâneos do Direito Penal De um lado há o reconhecimento constitucional e internacional de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos titulares de proteção integral e merecedores de um tratamento jurídico diferenciado De outro a realidade demonstra que tais sujeitos frequentemente se tornam alvo de mecanismos de exclusão social violência institucional e estigmatização fenômeno que a doutrina crítica denomina de vitimização secundária ou dupla vitimização CHRISTIE 1986 BARATTA 1999 FERRAJOLI 2002 O conceito de vitimização secundária surge da constatação de que o sistema de justiça ao invés de cumprir sua função protetiva frequentemente reproduz a violência contra aqueles que deveria amparar No caso específico da juventude tal fenômeno se manifesta de maneira particularmente grave adolescentes que já foram vitimados por condições de vulnerabilidade social econômica e familiar tais como pobreza extrema exclusão educacional violência doméstica ou abandono estatal tornamse novamente vitimados quando entram em contato com o aparato penal MINAYO 2011 No Brasil a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a posterior edição do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 consolidaram o paradigma da proteção integral em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas 1989 Entretanto a distância entre norma e prática permanece abissal a aplicação seletiva de medidas socioeducativas a precariedade estrutural das instituições e a cultura punitivista transformaram o sistema socioeducativo em espaço de reprodução da marginalização A Coreia do Sul por sua vez adota uma tradição jurídicocultural distinta marcada pela forte influência confucionista e pela valorização da harmonia social O Juvenile Act 청소년법 e o Youth Protection Act 청소년보호법 têm como eixo a reabilitação e a reintegração social priorizando medidas educativas em detrimento do encarceramento Contudo o peso das expectativas sociais e familiares aliado à rígida disciplina escolar produzem um modelo de exclusão simbólica e psicológica que embora menos institucionalizado do que no Brasil não deixa de caracterizar vitimização secundária KIM 2017 LEE 2020 A análise comparada entre Brasil e Coreia do Sul mostra que apesar das diferenças estruturais ambos os países reproduzem mecanismos de exclusão que convertem o adolescente em autor de ilícito e vítima social em simultâneo No Brasil a vitimização dupla se revela de forma mais visível pela seletividade penal e pela precariedade do sistema socioeducativo na Coreia manifestase de forma mais sutil pela pressão cultural pelo estigma comunitário e pela dificuldade de reinserção dos adolescentes infratores Este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da vitimização dupla a partir de uma perspectiva comparada entre os dois países buscando compreender em que medida os marcos normativos e as práticas institucionais contribuem para reforçar ou mitigar esse processo Para tanto utilizase o método do direito comparado aliado à pesquisa documental e bibliográfica em fontes jurídicas sociológicas e criminológicas Ao evidenciar semelhanças e diferenças entre os dois contextos pretendese contribuir para o debate acadêmico e jurídico acerca da justiça juvenil apontando caminhos para a construção de políticas públicas que promovam de fato a proteção integral e a responsabilização adequada O foco na Coreia do Sul em razão de sua tradição cultural própria e de seu modelo híbrido de responsabilização permite lançar luz sobre um campo ainda pouco explorado pela doutrina brasileira reforçando a necessidade de ampliar o diálogo internacional na seara da justiça penal juvenil O fenômeno da vitimização dupla constitui um dos grandes desafios contemporâneos do Direito Penal Juvenil Tratase da situação em que crianças e adolescentes já expostos a contextos de vulnerabilidade social sofrem uma segunda forma de violência agora institucional ao serem tratados como delinquentes pelo sistema jurídico No Brasil este fenômeno é amplamente discutido à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 enquanto na Coreia do Sul ele encontra eco na Juvenile Act 소년법 e em políticas públicas centradas na reeducação A escolha de tais países não é arbitrária ambos compartilham compromissos internacionais com a proteção integral mas revelam práticas divergentes na execução dessa promessa Este artigo portanto busca responder como Brasil e Coreia do Sul enfrentam a vitimização dupla no sistema penal juvenil e quais lições podem ser extraídas dessa comparação Metodologia A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa e comparativa voltada à análise do fenômeno da vitimização dupla no Direito Penal Juvenil a partir dos sistemas jurídicos do Brasil e da Coreia do Sul O método utilizado foi o direito comparado estruturado em três eixos principais 1 Análise normativa estudo detalhado das legislações nacionais aplicáveis especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 no Brasil e a Juvenile Act 소년법 na Coreia do Sul além de regulamentos complementares e políticas p ú blicas correlatas 2 Pesquisa bibliográfica e documental levantamento de obras doutrinárias artigos acadêmicos e relatórios de organismos internacionais como UNICEF e Human Rights Watch que permitiram compreender os fundamentos teóricos e as críticas às práticas vigentes em ambos os países 3 Estudo comparado de práticas institucionais investigação de decisões judiciais diretrizes de órgãos administrativos e experiências de programas socioeducativos a fim de identificar convergências e divergências nos modos de lidar com crianças e adolescentes em conflito com a lei Além disso a metodologia incorporou uma perspectiva sóciojurídica buscando integrar os dados normativos com o contexto social em que se inserem considerando fatores estruturais como pobreza desigualdade e seletividade penal O caráter interdisciplinar da pesquisa é garantido pela interface entre o direito a sociologia e os estudos internacionais o que possibilita não apenas compreender as normas em abstrato mas também avaliar seus reflexos na vida prática dos jovens envolvidos no sistema de justiça juvenil Referencial teórico da vítima ideal à vitimização secundária A concepção de vítima no campo criminológico sempre foi permeada por valores culturais e representações sociais que influenciam a própria interpretação jurídica do fenômeno Nils Christie em sua clássica formulação de 1986 desenvolveu a categoria de vítima ideal descrevendoa como aquela figura socialmente reconhecida como digna de compaixão e merecedora de tutela Tratase geralmente de indivíduos percebidos como inocentes frágeis incapazes de provocar ou resistir ao ato de violência que sofreram Essa representação todavia exclui amplos grupos sociais que embora efetivamente vitimados não se enquadram nesse molde estereotipado Entre esses grupos encontramse adolescentes em conflito com a lei cuja condição de vulnerabilidade social raramente é reconhecida como forma de vitimização Na realidade das práticas jurídicas e sociais jovens que ingressam no sistema de justiça não são tratados como vítimas de processos sociais excludentes mas como ofensores a serem punidos Essa inversão da lógica protetiva explica o fenômeno que a criminologia crítica denominou de vitimização secundária ou revitimização Alessandro Baratta em sua obra sobre criminologia crítica 1999 descreveu como o sistema penal opera seletivamente incidindo com maior rigor sobre sujeitos oriundos de classes populares Luigi Ferrajoli por sua vez ressalta que o Direito Penal deve ser entendido como ultima ratio aplicável apenas quando todos os demais mecanismos de proteção social se revelarem insuficientes Contudo no caso dos adolescentes a lógica frequentemente se inverte em vez de atuar como limite o sistema penal se converte em primeira resposta substituindo políticas de assistência educação e inclusão que deveriam precedêlo Essa construção teórica permite compreender a condição paradoxal desses jovens que são simultaneamente vítimas sociais de contextos de pobreza exclusão educacional e violência doméstica e autores de atos infracionais que os projetam para dentro do aparato repressivo Em países como o Brasil onde o sistema socioeducativo apresenta falhas estruturais históricas a vitimização secundária adquire contornos institucionais manifestandose na precariedade das unidades de internação na seletividade racial do controle penal e no excesso de medidas privativas de liberdade em detrimento das alternativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente Na Coreia do Sul ainda que o desenho normativo seja distinto e fortemente orientado para a reabilitação o fenômeno se manifesta em chave sociocultural Estudos realizados em universidades como Yonsei e Seoul National KIM 2017 LEE 2020 apontam que embora a legislação priorize medidas de caráter educativo o peso do estigma comunitário e das pressões escolares e familiares exerce papel central na exclusão dos adolescentes que cometeram ilícitos Jovens coreanos identificados como infratores enfrentam barreiras significativas para reinserção escolar e laboral além de sofrerem a rejeição de suas próprias comunidades que veem a infração como reflexo da falha familiar e da incapacidade individual de corresponder às expectativas sociais Assim observase que a vitimização secundária não é um fenômeno restrito às falhas institucionais do sistema de justiça mas pode igualmente se enraizar em dimensões culturais e sociais mais amplas No Brasil ela é mais visível e tangível nas instituições enquanto na Coreia assume forma mais sutil vinculada ao estigma e à disciplina social Essa diferença não elimina a gravidade do fenômeno em nenhum dos contextos mas demonstra a necessidade de uma abordagem comparada que considere as especificidades históricas e culturais de cada país O estudo da vitimização dupla portanto exige um olhar para além da letra da lei incorporando as práticas institucionais e os valores sociais que moldam o percurso do adolescente em conflito com a lei Brasil desenho normativo práticas e focos de vitimização secundária O Brasil desde a Constituição Federal de 1988 assumiu o compromisso de proteger integralmente crianças e adolescentes rompendo com a lógica da situação irregular do Código de Menores de 1979 Esse marco foi reforçado com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 que incorporou os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança 1989 Em tese o modelo brasileiro se funda em garantias amplas prioridade absoluta condição peculiar de desenvolvimento e responsabilização diferenciada No entanto a distância entre norma e realidade evidencia contradições profundas O sistema socioeducativo brasileiro é regido pela Lei do SINASE Lei nº 125942012 que estabelece diretrizes para aplicação e execução das medidas socioeducativas O ordenamento prevê que a internação deve ser medida excepcional e breve aplicada apenas quando houver violência ou grave ameaça à pessoa reincidência ou descumprimento reiterado de medidas anteriores Contudo os dados mostram que o princípio da brevidade é constantemente violado O Levantamento Anual do SINASE 2019 já indicava superlotação crônica das unidades ausência de programas pedagógicos adequados e alta reincidência entre jovens privados de liberdade A seletividade racial e social do sistema é outro fator que reforça a vitimização secundária Estudos do IPEA 2015 revelaram que mais de 60 dos adolescentes internados são negros oriundos de famílias em situação de vulnerabilidade econômica reforçando a dimensão estrutural da criminalização da pobreza O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reiteradamente decidido que a internação não pode ser aplicada com base apenas na gravidade abstrata do ato mas deve ser fundamentada em elementos concretos STF HC 143988 STJ HC 440741 Ainda assim a prática cotidiana demonstra que medidas de privação de liberdade continuam sendo aplicadas de forma desproporcional Além das falhas institucionais há um problema cultural de fundo a percepção social de que adolescentes autores de atos infracionais seriam inimigos da sociedade muitas vezes alimentada por discursos midiáticos punitivistas Esse imaginário legitima práticas de endurecimento e conduz a uma espécie de deslegitimação simbólica do ECA reduzindo a efetividade de sua função protetiva O resultado é que adolescentes que já enfrentavam exclusão social se veem novamente vitimizados pelo próprio aparato estatal em uma dinâmica de dupla penalização sofrem pela ausência do Estado em garantir direitos básicos e sofrem novamente pela presença seletiva e repressiva do mesmo Estado no âmbito penal A vitimização secundária no Brasil portanto tem caráter eminentemente institucional Ela se manifesta tanto nas falhas estruturais superlotação violência física precariedade educacional quanto na lógica seletiva e desigual do sistema Esse conjunto de fatores demonstra que o Estado brasileiro não apenas falha em proteger mas também contribui para perpetuar a exclusão Nesse sentido a crítica criminológica brasileira converge com a formulação de Alessandro Baratta segundo a qual o sistema penal se converte em instrumento de reprodução das desigualdades sociais ao invés de solucionálas Coreia do Sul desenho normativo práticas e focos de vitimização secundária O sistema jurídico da Coreia do Sul ao tratar da delinquência juvenil é estruturado a partir de dois eixos principais o Juvenile Act 청소년법 e o Youth Protection Act 청소년보호법 Ambos foram concebidos sob forte influência das normas internacionais de proteção à infância e adolescência em especial as Regras de Beijing 1985 e as Diretrizes de Riad 1990 que enfatizam a importância da reabilitação e da reinserção social em detrimento da punição Diferentemente da tradição brasileira que historicamente alterna entre momentos de proteção e de repressão a experiência coreana se caracteriza pela busca de um modelo educativo orientado para a disciplina o arrependimento e a correção moral do jovem infrator Apesar desse desenho jurídico a prática revela tensões significativas A Coreia do Sul apresenta baixos índices de reincidência formal em comparação com o Brasil mas enfrenta um fenômeno igualmente preocupante o estigma social Jovens submetidos ao sistema de justiça juvenil carregam a marca de delinquentes o que repercute diretamente em sua trajetória escolar e profissional A rígida cultura educacional e laboral do país fortemente influenciada pelo confucionismo atribui ao indivíduo a responsabilidade integral por sua conduta o que reforça a percepção de fracasso não apenas pessoal mas também familiar Esse fator faz com que a vitimização secundária no caso coreano se manifeste menos por meio de falhas institucionais do Estado e mais através da exclusão comunitária e simbólica KIM 2017 Estudos conduzidos pela Yonsei University e pela Seoul National University indicam que adolescentes envolvidos em atos infracionais sofrem exclusão imediata do ambiente escolar sendo transferidos compulsoriamente ou incentivados a abandonar os estudos Essa ruptura educacional tem efeitos duradouros pois em um país onde o diploma escolar e universitário representa o principal critério de mobilidade social a interrupção do percurso acadêmico reduz de forma significativa as perspectivas de reinserção Além disso pesquisas recentes apontam que muitos jovens em conflito com a lei acabam sendo absorvidos por redes informais de trabalho precário ou pelo subemprego perpetuando ciclos de marginalização LEE 2020 Outro aspecto relevante é o tratamento das chamadas infrações digitais como crimes relacionados a pornografia de vingança cyberbullying e aliciamento em redes sociais que cresceram nos últimos anos A Coreia do Sul desenvolveu legislação específica para enfrentar esse fenômeno impondo medidas rígidas de controle da internet e programas educativos voltados para adolescentes Ainda assim a resposta social costuma ser marcada por forte reprovação resultando em exclusão e perseguição midiática que configuram formas contemporâneas de vitimização secundária CHOI 2021 Portanto enquanto no Brasil a vitimização secundária tem caráter predominantemente institucional decorrente das falhas do sistema socioeducativo e da seletividade penal na Coreia do Sul ela assume um caráter eminentemente sociocultural refletindo valores comunitários disciplina familiar e padrões educacionais rígidos Em ambos os casos o resultado é semelhante adolescentes que deveriam ser tratados como sujeitos de direitos acabam experimentando processos de revitimização que fragilizam sua trajetória de desenvolvimento Cenário comparado Brasil versus Coreia do Sul análise crítica comparativa A comparação entre Brasil e Coreia do Sul evidencia dois modos distintos de administrar a tensão estrutural da justiça juvenil entre proteção e responsabilização Embora ambos os ordenamentos formalmente afirmem a centralidade do desenvolvimento do adolescente e a excepcionalidade das respostas restritivas de liberdade a experiência concreta revela que o locus da vitimização secundária se desloca conforme o contexto no Brasil ela se adensa no interior do aparelho institucional na Coreia espraiase no tecido social por meio de mecanismos de etiquetação expectativas de desempenho e sanções informais No plano jurídico as duas tradições partilham raízes de direito codificado mas caminham por trilhas históricas distintas O Brasil constitucionalizou a proteção integral e com o ECA consolidou um repertório de garantias procedimentais e medidas socioeducativas que em tese deveriam operar sob chave pedagógica A Coreia do Sul sob a égide do Juvenile Act estruturou um arranjo menos penalístico e mais protetivo com protagonismo do Tribunal de Família escalonando intervenções educativas e de bemestar Essa proximidade programática contudo oculta diferenças na tradução prática das normas no Brasil a porta de entrada é frequentemente policial e marcada por seletividade na Coreia a filtragem jurisdicional tende a ser mais célere e reservada ainda que não isenta de vieses A idade de responsabilidade juvenil ilustra a assimetria de pressupostos O Brasil preserva a maioridade penal aos dezoito anos admitindo medidas socioeducativas para adolescentes a partir dos doze com possibilidade de extensão da execução até os vinte e um A Coreia fixa a responsabilidade penal aos quatorze reservando às crianças mais novas medidas protetivas judiciais Na prática contudo a diferença numérica não se traduz linearmente em maior ou menor punitividade no Brasil a excepcionalidade da internação cede espaço à rotina institucional ao passo que na Coreia a contenção formal convive com sanções sociais silenciosas que restringem de modo difuso o horizonte de oportunidades do jovem rotulado A arquitetura institucional reforça essa clivagem No Brasil a execução das medidas sofre com descontinuidades pedagógicas déficits de equipe e disparidades regionais o princípio do sigilo convive com exposições midiáticas e vazamentos de informação que agravam a estigmatização Na Coreia a confidencialidade costuma ser mais resguardada e o itinerário processual é menos espetacularizado contudo a recomposição de vínculos escolares e a reentrada no circuito meritocrático enfrentam obstáculos simbólicos expressivos Em outros termos a revitimização brasileira tende a ser documental e mensurável a coreana experiencial e difusa Os determinantes sociais ajudam a compreender a divergência O Brasil opera sob forte desigualdade material e racial de modo que o encontro do adolescente com o sistema é mediado por marcadores de classe cor e território A Coreia por sua vez ainda que ostente indicadores socioeconômicos elevados submete a juventude a um regime de performance acadêmica e conformidade que diante do desvio aciona lógicas de vergonha e retração comunitária Em ambos os casos a narrativa da vítima ideal CHRISTIE 1986 se dissolve quando o jovem também figura como autor de ato infracional a condição de vítima social antecedente raramente é reconhecida com a densidade devida seja por um aparato estatal que falha em personalizar a resposta BARATTA 1999 seja por um entorno social que desloca para o indivíduo e para sua família a carga moral do fracasso No eixo escolar que é decisivo para a reversão de trajetórias a comparação é eloquente O Brasil convive com evasão e rematrículas tardias por vezes sem plano pedagógico individualizado a Coreia registra transferências voluntárias e exclusões latentes acompanhadas de expectativas de silêncio e de apagamento do episódio o que pode produzir isolamento e sofrimento psíquico Em ambos os contextos a escola oscila entre a promessa de reintegração e a produção de novas barreiras indicando que o retorno educacional exige políticas ativas não apenas abstenções punitivas Também divergem as gramáticas públicas de segurança No Brasil a oscilação cíclica entre agendas garantistas e discursos de endurecimento penal captura a justiça juvenil no turbilhão do populismo punitivo a consequência é a normalização de práticas de privação de liberdade e a precarização de alternativas em meio aberto Na Coreia a gramática da ordem e da harmonia social reduz a visibilidade do conflito juvenil e desloca a resposta para circuitos disciplinares e familiares com ênfase em arrependimento e correção moral a contrapartida é a insuficiência de dispositivos clínicos e psicossociais quando o sofrimento do adolescente é o próprio motor do desvio Em matéria de tecnologias do desvio a Coreia enfrenta com maior nitidez fenômenos ligados à sociabilidade digital cyberbullying exposição de intimidade e infrações mediadas por plataformas aos quais respondeu com marcos específicos e programas educativos O Brasil embora também enfrente esses problemas continua absorvido por padrões tradicionais de criminalização com foco em crimes patrimoniais e violência interpessoal juvenil o que por vezes desatualiza o repertório de proteção Em ambos os países a dimensão digital emerge como novo campo de vitimização secundária a rotulação online persiste para além do processo e prolonga no tempo os efeitos do estigma Do ponto de vista dos remédios a comparação sugere caminhos cruzados O Brasil poderia aprender com a Coreia a reduzir a centralidade do encarceramento e a qualificar a confidencialidade procedimental criando rotas mais consistentes de resposta protetiva e restaurativa a Coreia por seu turno pode aproveitar a experiência brasileira em construção de redes intersetoriais e de um discurso jurídico de direitos que explicite no texto e na prática obrigações positivas do Estado em saúde mental assistência e reinserção escolar Em ambos a justiça restaurativa culturalmente situada a escuta especializada que evite reatualizações traumáticas e a institucionalização de planos individualizados de atendimento são peças de um mesmo tabuleiro Ao final o contraste não autoriza leituras hierarquizantes O que se vê são configurações distintas de um mesmo dilema como responsabilizar sem agravar danos como proteger sem infantilizar como reabrir o futuro para quem já chega ao sistema com o passado ferido Se no Brasil a urgência é conter a máquina institucional de revitimização na Coreia ela consiste em romper a parede invisível do estigma que persiste após o encerramento formal do caso O ponto de encontro nesse espelho comparado é a necessidade de transformar promessas normativas em rotinas verificáveis de cuidado proporcionalidade e reintegração Instrumentos propostos Matriz MDVD e Protocolo 4A A análise comparada entre Brasil e Coreia do Sul revela que embora as expressões da vitimização secundária assumam feições distintas ora eminentemente institucionais ora socioculturais ambas convergem na produção de um ciclo de exclusão que fragiliza a trajetória do adolescente em conflito com a lei Para enfrentar essa dinâmica propõese a adoção de dois instrumentos complementares a Matriz MDVD Matriz de Diagnóstico da Vitimização Dupla e o Protocolo 4ª Acolhimento Acompanhamento Alternativas e Autonomia concebidos como ferramentas teóricopráticas de intervenção A Matriz MDVD consiste em um esquema analítico que cruza três dimensões vulnerabilidades sociais prévias respostas institucionais e barreiras socioculturais de reintegração O objetivo é identificar em que medida o adolescente acumula experiências de vitimização antes e depois do ato infracional No caso brasileiro a matriz permite mapear como fatores estruturais pobreza desigualdade racial ausência de políticas públicas se transformam em antecedentes da trajetória infracional enquanto o ingresso no sistema socioeducativo intensifica a exclusão por meio de internações prolongadas violência institucional e evasão escolar Já na Coreia do Sul o uso da matriz revela que a vulnerabilidade prévia é menos marcada pela carência material mas fortemente determinada por pressões escolares e familiares ao passo que a vitimização secundária se concentra na rejeição comunitária e no estigma de desonra Assim a MDVD oferece uma ferramenta comparativa capaz de evidenciar não apenas a origem da vulnerabilidade mas também a forma como o sistema jurídicosocial reage a ela permitindo diagnósticos situados e políticas de prevenção ajustadas ao contexto O segundo instrumento o Protocolo 4ª tem caráter normativooperacional e busca orientar práticas que evitem a revitimização Ele se estrutura em quatro eixos Acolhimento que consiste em garantir atendimento inicial humanizado e sigiloso evitando exposições midiáticas e novas violações de direitos Acompanhamento voltado à elaboração de planos individualizados de atendimento com suporte psicossocial e educacional contínuo Alternativas que privilegiam medidas em meio aberto justiça restaurativa e programas de mediação reduzindo o uso da privação de liberdade e Autonomia que enfatiza a construção de competências acadêmicas profissionais e de cidadania preparando o adolescente para reinserção social efetiva Ao aplicar o Protocolo 4ª em chave comparada notase que no Brasil o maior desafio recai sobre a consolidação das medidas em meio aberto e a capacitação das equipes multidisciplinares de modo a romper a cultura institucional da internação Na Coreia do Sul o protocolo poderia operar como reforço das redes de apoio escolar e comunitário reduzindo o peso do estigma e oferecendo ferramentas concretas para reintegração Em ambos os contextos tratase de deslocar o foco da simples contenção para a reconstrução de trajetórias com base em princípios de dignidade proporcionalidade e inclusão social Esses dois instrumentos não devem ser entendidos como meras abstrações conceituais mas como propostas aplicáveis a pesquisas empíricas e programas de políticas públicas A Matriz MDVD pode ser utilizada em levantamentos qualitativos e quantitativos permitindo a construção de indicadores de vitimização secundária O Protocolo 4ª por sua vez pode ser incorporado em manuais de atendimento socioeducativo e em guias de boas práticas internacionais funcionando como referência de governança jurídica e social O impacto esperado não é apenas reduzir taxas de reincidência mas também reconfigurar o modo como adolescentes em conflito com a lei são reconhecidos não mais como inimigos sociais mas como sujeitos de direitos que ao mesmo tempo em que cometem infrações carregam em sua trajetória marcas de múltiplas exclusões Conclusão A investigação comparada entre Brasil e Coreia do Sul sobre a vitimização secundária no direito penal juvenil evidencia que embora ambos os países estejam comprometidos com instrumentos internacionais de proteção à infância e adolescência as expressões concretas de revitimização se diferenciam em intensidade e natureza O Brasil marcado por desigualdades estruturais e seletividade penal demonstra uma vitimização eminentemente institucional onde adolescentes pobres e negros encontram no sistema socioeducativo não uma oportunidade de reintegração mas a reafirmação da exclusão social A Coreia do Sul por sua vez apesar de apresentar um aparato formalmente menos punitivo e mais orientado para a reabilitação reproduz formas difusas de vitimização simbólica e comunitária derivadas de um ethos social que associa desvio à falha moral e familiar com efeitos deletérios sobre a reinserção educacional e laboral Ao confrontar essas realidades verificase que o discurso da proteção integral embora normativamente consagrado encontra limites em práticas que reatualizam o ciclo de exclusão A condição do adolescente como vítima duas vezes vítima social pela ausência de direitos e vítima institucional ou comunitária pela resposta ao ato infracional desvela a insuficiência dos modelos vigentes e a necessidade de alternativas É nesse horizonte que a Matriz MDVD e o Protocolo 4ª surgem como propostas inovadoras a primeira oferecendo diagnóstico situado e comparativo das múltiplas vulnerabilidades o segundo estruturando diretrizes de atendimento que privilegiam acolhimento acompanhamento alternativas à privação e fortalecimento da autonomia O mérito de tais instrumentos reside justamente em sua aplicabilidade Eles não se limitam à reflexão teórica mas apresentam potencial para orientar pesquisas empíricas guiar políticas públicas e inspirar práticas judiciais e administrativas O impacto almejado é duplo no Brasil romper a lógica da institucionalização massiva e da seletividade estrutural na Coreia mitigar o peso do estigma social e da exclusão escolar Em ambos os países tratase de deslocar a justiça juvenil da esfera da mera contenção para o campo da reconstrução de trajetórias em consonância com os princípios constitucionais e internacionais de dignidade humana Por fim este estudo reafirma a importância do direito comparado como método crítico O diálogo entre experiências distintas não busca estabelecer hierarquias mas iluminar pontos cegos e sugerir intercâmbios possíveis Ao analisar o espelho BrasilCoreia revelase que a luta contra a vitimização secundária não é apenas questão de técnica jurídica mas de projeto social Se o objetivo é formar cidadãos e não perpetuar exclusões a justiça juvenil deve ser constantemente reimaginada com coragem rigor e sensibilidade Agradecimentos Este trabalho é fruto de um caminho que jamais poderia ter sido percorrido sozinha Cada página aqui escrita carrega um pouco da força da esperança e do amor das pessoas e instituições que me sustentaram durante esta jornada À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ meu profundo reconhecimento pela confiança e incentivo traduzidos nas bolsas de mérito concedidas em três períodos consecutivos que representaram não apenas apoio financeiro mas sobretudo um estímulo simbólico ao compromisso acadêmico que norteou esta pesquisa À Universidade Cândido Mendes espaço onde se forjou a minha formação jurídica agradeço pela excelência acadêmica e pelo constante desafio intelectual À ANACRIM Jovem RJ pela oportunidade de me conectar a jovens pesquisadores comprometidos com um Direito mais crítico plural e transformador À Yonsei University na Coreia do Sul pela generosa acolhida e pela possibilidade de realizar um trabalho de cooperação acadêmica que ampliou horizontes e reafirmou a relevância do Direito Comparado como instrumento de justiça Aos meus pais Débora e Paulo que me ensinaram desde cedo o valor da dignidade da coragem e do estudo Aos meus irmãos Rafael Daniel Paula Gabriel e Rafaela pela amizade sincera e pelo apoio silencioso em todos os momentos Ao meu marido João Miguel pelo amor inabalável pela paciência diante das ausências e pela parceria que me permite ser mais do que advogada e pesquisadora me permite ser plenamente eu E acima de tudo aos meus filhos Olívia e Vicente que me mostram todos os dias o verdadeiro sentido da palavra futuro São por eles que busco um Direito mais humano mais justo e mais sensível às fragilidades da infância e da juventude Por fim presto minha homenagem ao meu avô Gefferson advogado que já não está entre nós mas cuja memória permanece viva em cada conquista desta trajetória Tenho a certeza de que neste momento ele olharia para mim e diria com o brilho de sempre nos olhos Boa garota Assim que uma BENTO faz Terá Brasil na Coreia do Sul terá resistência da América Latina na Ásia Referências BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 2 Ed Rio de Janeiro Revan 1999 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília DF Senado Federal 1988 BRASIL Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990 Brasília DF Presidência da República 1990 BRASIL Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE Lei nº 12594 de 18 de janeiro de 2012 Brasília DF Presidência da República 2012 CHRISTIE Nils The ideal victim In FATTAN E WALKLATE S org From crime policy to victim policy London Macmillan 1986 P 1730 CHOI Jin Young Cyberbullying and juvenile justice in South Korea emerging challenges in digital society Seoul Korean Institute of Criminology 2021 FERRAJOLI Luigi Direito e razão teoria do garantismo penal 2 Ed São Paulo Revista dos Tribunais 2002 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA IPEA Juventude e violência panorama nacional e desafios Brasília IPEA 2015 KIM Hyun Joo Juvenile delinquency and social stigma in South Korea a sociocultural analysis Seoul Yonsei University Press 2017 LEE Sang Min Youth crime and reintegration in South Korea na educational perspective Seoul Seoul National University Press 2020 SINASE Relatório Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Brasília Secretaria Nacional de Direitos Humanos 2019 UNITED NATIONS Beijing Rules United Nations Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice New York United Nations 1985 UNITED NATIONS Riyadh Guidelines United Nations Guidelines for the Prevention of Juvenile Delinquency New York United Nations 1990 Nota de Autoria Maria Eduarda de Azevedo Bento Advogada OABRJ nº 256047 Graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes com láurea acadêmica e Prêmio de Aluna Destaque 2022 Pesquisadora vinculada à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ contemplada com bolsa de mérito por três anos consecutivos Autora de trabalhos e artigos de referência no campo do Direito Penal e do Direito das Mulheres com especial enfoque na análise de delitos sexuais e justiça juvenil Membro Honrosa da OAB Mulher RJ Reconhecida internacionalmente pela Yonsei University Coreia do Sul como pesquisadora associada em cooperação acadêmica tendo sido a primeira mulher latinoamericana a desenvolver estudo comparado sobre vitimização dupla no direito penal juvenil entre Brasil e Coreia do Sul Oradora convidada em congressos nacionais e internacionais Entre suas principais áreas de atuação e pesquisa criminologia crítica direito comparado direitos humanos justiça penal juvenil gênero e políticas públicas ORCID 0009000069500511 Página de
6
Direito Internacional
UMG
7
Direito Internacional
UMG
67
Direito Internacional
UMG
3
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
275
Direito Internacional
UMG
10
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
3
Direito Internacional
UMG
5
Direito Internacional
UMG
Texto de pré-visualização
YONSEI UNIVERSITY Projeto Acadêmico Colaborativo Collaborative Academic Project Double Victimization in Juvenile Criminal Law A Comparative Study Between Brazil and South Korea Maria Eduarda de Azevedo Bento ORCID 0009000069500511 Universidade Candido Mendes Brasil Academic cooperation with Yonsei University Republic of Korea Seoul Republic of Korea 2025 법은 사회적 약자를 보호할 때 그 가치를 가진다 A lei tem valor quando protege os vulneráveis Kim Youngran Resumo Este estudo examina o fenômeno da vitimização dupla no Direito Penal Juvenil sob a perspectiva do Direito Comparado entre Brasil e Coreia do Sul A pesquisa analisa como os sistemas jurídicos lidam com crianças e adolescentes que sendo vítimas de vulnerabilidade social são criminalizados novamente no âmbito judicial O objetivo é destacar semelhanças e diferenças entre os dois países propondo alternativas para o aprimoramento do sistema brasileiro a partir das experiências coreanas Palavraschave justiça juvenil vitimização dupla direito comparado Brasil Coreia do Sul Abstract This study examines the phenomenon of double victimization in Juvenile Criminal Law through a comparative approach between Brazil and South Korea It analyzes how the legal systems of both countries deal with children and adolescents who while victims of social vulnerability are once again criminalized by the judicial process The research highlights convergences and divergences in protective frameworks and offers proposals for improving juvenile justice through comparative law Keywords juvenile justice double victimization comparative law Brazil South Korea 초록 본 연구는 청소년 형사법에서의 이중 피해 현상을 브라질과 대한민국의 비교법적 관점에서 고찰한다 사회적 취약계층의 아동과 청소년이 피해자임에도 불구하고 사법 절차에서 다시금 가해자로 낙인찍히는 문제를 분석하며 양국의 법적 보호 체계의 수렴과 차이를 제시한다 이를 통해 청소년 사법제도의 개선을 위한 비교법적 제안을 모색한다 주요어 청소년 사법 이중 피해 비교법 브라질 대한민국 Introdução O tratamento jurídico conferido aos adolescentes em conflito com a lei representa um dos grandes paradoxos contemporâneos do Direito Penal De um lado há o reconhecimento constitucional e internacional de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos titulares de proteção integral e merecedores de um tratamento jurídico diferenciado De outro a realidade demonstra que tais sujeitos frequentemente se tornam alvo de mecanismos de exclusão social violência institucional e estigmatização fenômeno que a doutrina crítica denomina de vitimização secundária ou dupla vitimização CHRISTIE 1986 BARATTA 1999 FERRAJOLI 2002 O conceito de vitimização secundária surge da constatação de que o sistema de justiça ao invés de cumprir sua função protetiva frequentemente reproduz a violência contra aqueles que deveria amparar No caso específico da juventude tal fenômeno se manifesta de maneira particularmente grave adolescentes que já foram vitimados por condições de vulnerabilidade social econômica e familiar tais como pobreza extrema exclusão educacional violência doméstica ou abandono estatal tornamse novamente vitimados quando entram em contato com o aparato penal MINAYO 2011 No Brasil a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a posterior edição do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 consolidaram o paradigma da proteção integral em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas 1989 Entretanto a distância entre norma e prática permanece abissal a aplicação seletiva de medidas socioeducativas a precariedade estrutural das instituições e a cultura punitivista transformaram o sistema socioeducativo em espaço de reprodução da marginalização A Coreia do Sul por sua vez adota uma tradição jurídicocultural distinta marcada pela forte influência confucionista e pela valorização da harmonia social O Juvenile Act 청소년법 e o Youth Protection Act 청소년보호법 têm como eixo a reabilitação e a reintegração social priorizando medidas educativas em detrimento do encarceramento Contudo o peso das expectativas sociais e familiares aliado à rígida disciplina escolar produzem um modelo de exclusão simbólica e psicológica que embora menos institucionalizado do que no Brasil não deixa de caracterizar vitimização secundária KIM 2017 LEE 2020 A análise comparada entre Brasil e Coreia do Sul mostra que apesar das diferenças estruturais ambos os países reproduzem mecanismos de exclusão que convertem o adolescente em autor de ilícito e vítima social em simultâneo No Brasil a vitimização dupla se revela de forma mais visível pela seletividade penal e pela precariedade do sistema socioeducativo na Coreia manifestase de forma mais sutil pela pressão cultural pelo estigma comunitário e pela dificuldade de reinserção dos adolescentes infratores Este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da vitimização dupla a partir de uma perspectiva comparada entre os dois países buscando compreender em que medida os marcos normativos e as práticas institucionais contribuem para reforçar ou mitigar esse processo Para tanto utilizase o método do direito comparado aliado à pesquisa documental e bibliográfica em fontes jurídicas sociológicas e criminológicas Ao evidenciar semelhanças e diferenças entre os dois contextos pretendese contribuir para o debate acadêmico e jurídico acerca da justiça juvenil apontando caminhos para a construção de políticas públicas que promovam de fato a proteção integral e a responsabilização adequada O foco na Coreia do Sul em razão de sua tradição cultural própria e de seu modelo híbrido de responsabilização permite lançar luz sobre um campo ainda pouco explorado pela doutrina brasileira reforçando a necessidade de ampliar o diálogo internacional na seara da justiça penal juvenil O fenômeno da vitimização dupla constitui um dos grandes desafios contemporâneos do Direito Penal Juvenil Tratase da situação em que crianças e adolescentes já expostos a contextos de vulnerabilidade social sofrem uma segunda forma de violência agora institucional ao serem tratados como delinquentes pelo sistema jurídico No Brasil este fenômeno é amplamente discutido à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 enquanto na Coreia do Sul ele encontra eco na Juvenile Act 소년법 e em políticas públicas centradas na reeducação A escolha de tais países não é arbitrária ambos compartilham compromissos internacionais com a proteção integral mas revelam práticas divergentes na execução dessa promessa Este artigo portanto busca responder como Brasil e Coreia do Sul enfrentam a vitimização dupla no sistema penal juvenil e quais lições podem ser extraídas dessa comparação Metodologia A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa e comparativa voltada à análise do fenômeno da vitimização dupla no Direito Penal Juvenil a partir dos sistemas jurídicos do Brasil e da Coreia do Sul O método utilizado foi o direito comparado estruturado em três eixos principais 1 Análise normativa estudo detalhado das legislações nacionais aplicáveis especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 no Brasil e a Juvenile Act 소년법 na Coreia do Sul além de regulamentos complementares e políticas p ú blicas correlatas 2 Pesquisa bibliográfica e documental levantamento de obras doutrinárias artigos acadêmicos e relatórios de organismos internacionais como UNICEF e Human Rights Watch que permitiram compreender os fundamentos teóricos e as críticas às práticas vigentes em ambos os países 3 Estudo comparado de práticas institucionais investigação de decisões judiciais diretrizes de órgãos administrativos e experiências de programas socioeducativos a fim de identificar convergências e divergências nos modos de lidar com crianças e adolescentes em conflito com a lei Além disso a metodologia incorporou uma perspectiva sóciojurídica buscando integrar os dados normativos com o contexto social em que se inserem considerando fatores estruturais como pobreza desigualdade e seletividade penal O caráter interdisciplinar da pesquisa é garantido pela interface entre o direito a sociologia e os estudos internacionais o que possibilita não apenas compreender as normas em abstrato mas também avaliar seus reflexos na vida prática dos jovens envolvidos no sistema de justiça juvenil Referencial teórico da vítima ideal à vitimização secundária A concepção de vítima no campo criminológico sempre foi permeada por valores culturais e representações sociais que influenciam a própria interpretação jurídica do fenômeno Nils Christie em sua clássica formulação de 1986 desenvolveu a categoria de vítima ideal descrevendoa como aquela figura socialmente reconhecida como digna de compaixão e merecedora de tutela Tratase geralmente de indivíduos percebidos como inocentes frágeis incapazes de provocar ou resistir ao ato de violência que sofreram Essa representação todavia exclui amplos grupos sociais que embora efetivamente vitimados não se enquadram nesse molde estereotipado Entre esses grupos encontramse adolescentes em conflito com a lei cuja condição de vulnerabilidade social raramente é reconhecida como forma de vitimização Na realidade das práticas jurídicas e sociais jovens que ingressam no sistema de justiça não são tratados como vítimas de processos sociais excludentes mas como ofensores a serem punidos Essa inversão da lógica protetiva explica o fenômeno que a criminologia crítica denominou de vitimização secundária ou revitimização Alessandro Baratta em sua obra sobre criminologia crítica 1999 descreveu como o sistema penal opera seletivamente incidindo com maior rigor sobre sujeitos oriundos de classes populares Luigi Ferrajoli por sua vez ressalta que o Direito Penal deve ser entendido como ultima ratio aplicável apenas quando todos os demais mecanismos de proteção social se revelarem insuficientes Contudo no caso dos adolescentes a lógica frequentemente se inverte em vez de atuar como limite o sistema penal se converte em primeira resposta substituindo políticas de assistência educação e inclusão que deveriam precedêlo Essa construção teórica permite compreender a condição paradoxal desses jovens que são simultaneamente vítimas sociais de contextos de pobreza exclusão educacional e violência doméstica e autores de atos infracionais que os projetam para dentro do aparato repressivo Em países como o Brasil onde o sistema socioeducativo apresenta falhas estruturais históricas a vitimização secundária adquire contornos institucionais manifestandose na precariedade das unidades de internação na seletividade racial do controle penal e no excesso de medidas privativas de liberdade em detrimento das alternativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente Na Coreia do Sul ainda que o desenho normativo seja distinto e fortemente orientado para a reabilitação o fenômeno se manifesta em chave sociocultural Estudos realizados em universidades como Yonsei e Seoul National KIM 2017 LEE 2020 apontam que embora a legislação priorize medidas de caráter educativo o peso do estigma comunitário e das pressões escolares e familiares exerce papel central na exclusão dos adolescentes que cometeram ilícitos Jovens coreanos identificados como infratores enfrentam barreiras significativas para reinserção escolar e laboral além de sofrerem a rejeição de suas próprias comunidades que veem a infração como reflexo da falha familiar e da incapacidade individual de corresponder às expectativas sociais Assim observase que a vitimização secundária não é um fenômeno restrito às falhas institucionais do sistema de justiça mas pode igualmente se enraizar em dimensões culturais e sociais mais amplas No Brasil ela é mais visível e tangível nas instituições enquanto na Coreia assume forma mais sutil vinculada ao estigma e à disciplina social Essa diferença não elimina a gravidade do fenômeno em nenhum dos contextos mas demonstra a necessidade de uma abordagem comparada que considere as especificidades históricas e culturais de cada país O estudo da vitimização dupla portanto exige um olhar para além da letra da lei incorporando as práticas institucionais e os valores sociais que moldam o percurso do adolescente em conflito com a lei Brasil desenho normativo práticas e focos de vitimização secundária O Brasil desde a Constituição Federal de 1988 assumiu o compromisso de proteger integralmente crianças e adolescentes rompendo com a lógica da situação irregular do Código de Menores de 1979 Esse marco foi reforçado com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 80691990 que incorporou os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança 1989 Em tese o modelo brasileiro se funda em garantias amplas prioridade absoluta condição peculiar de desenvolvimento e responsabilização diferenciada No entanto a distância entre norma e realidade evidencia contradições profundas O sistema socioeducativo brasileiro é regido pela Lei do SINASE Lei nº 125942012 que estabelece diretrizes para aplicação e execução das medidas socioeducativas O ordenamento prevê que a internação deve ser medida excepcional e breve aplicada apenas quando houver violência ou grave ameaça à pessoa reincidência ou descumprimento reiterado de medidas anteriores Contudo os dados mostram que o princípio da brevidade é constantemente violado O Levantamento Anual do SINASE 2019 já indicava superlotação crônica das unidades ausência de programas pedagógicos adequados e alta reincidência entre jovens privados de liberdade A seletividade racial e social do sistema é outro fator que reforça a vitimização secundária Estudos do IPEA 2015 revelaram que mais de 60 dos adolescentes internados são negros oriundos de famílias em situação de vulnerabilidade econômica reforçando a dimensão estrutural da criminalização da pobreza O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reiteradamente decidido que a internação não pode ser aplicada com base apenas na gravidade abstrata do ato mas deve ser fundamentada em elementos concretos STF HC 143988 STJ HC 440741 Ainda assim a prática cotidiana demonstra que medidas de privação de liberdade continuam sendo aplicadas de forma desproporcional Além das falhas institucionais há um problema cultural de fundo a percepção social de que adolescentes autores de atos infracionais seriam inimigos da sociedade muitas vezes alimentada por discursos midiáticos punitivistas Esse imaginário legitima práticas de endurecimento e conduz a uma espécie de deslegitimação simbólica do ECA reduzindo a efetividade de sua função protetiva O resultado é que adolescentes que já enfrentavam exclusão social se veem novamente vitimizados pelo próprio aparato estatal em uma dinâmica de dupla penalização sofrem pela ausência do Estado em garantir direitos básicos e sofrem novamente pela presença seletiva e repressiva do mesmo Estado no âmbito penal A vitimização secundária no Brasil portanto tem caráter eminentemente institucional Ela se manifesta tanto nas falhas estruturais superlotação violência física precariedade educacional quanto na lógica seletiva e desigual do sistema Esse conjunto de fatores demonstra que o Estado brasileiro não apenas falha em proteger mas também contribui para perpetuar a exclusão Nesse sentido a crítica criminológica brasileira converge com a formulação de Alessandro Baratta segundo a qual o sistema penal se converte em instrumento de reprodução das desigualdades sociais ao invés de solucionálas Coreia do Sul desenho normativo práticas e focos de vitimização secundária O sistema jurídico da Coreia do Sul ao tratar da delinquência juvenil é estruturado a partir de dois eixos principais o Juvenile Act 청소년법 e o Youth Protection Act 청소년보호법 Ambos foram concebidos sob forte influência das normas internacionais de proteção à infância e adolescência em especial as Regras de Beijing 1985 e as Diretrizes de Riad 1990 que enfatizam a importância da reabilitação e da reinserção social em detrimento da punição Diferentemente da tradição brasileira que historicamente alterna entre momentos de proteção e de repressão a experiência coreana se caracteriza pela busca de um modelo educativo orientado para a disciplina o arrependimento e a correção moral do jovem infrator Apesar desse desenho jurídico a prática revela tensões significativas A Coreia do Sul apresenta baixos índices de reincidência formal em comparação com o Brasil mas enfrenta um fenômeno igualmente preocupante o estigma social Jovens submetidos ao sistema de justiça juvenil carregam a marca de delinquentes o que repercute diretamente em sua trajetória escolar e profissional A rígida cultura educacional e laboral do país fortemente influenciada pelo confucionismo atribui ao indivíduo a responsabilidade integral por sua conduta o que reforça a percepção de fracasso não apenas pessoal mas também familiar Esse fator faz com que a vitimização secundária no caso coreano se manifeste menos por meio de falhas institucionais do Estado e mais através da exclusão comunitária e simbólica KIM 2017 Estudos conduzidos pela Yonsei University e pela Seoul National University indicam que adolescentes envolvidos em atos infracionais sofrem exclusão imediata do ambiente escolar sendo transferidos compulsoriamente ou incentivados a abandonar os estudos Essa ruptura educacional tem efeitos duradouros pois em um país onde o diploma escolar e universitário representa o principal critério de mobilidade social a interrupção do percurso acadêmico reduz de forma significativa as perspectivas de reinserção Além disso pesquisas recentes apontam que muitos jovens em conflito com a lei acabam sendo absorvidos por redes informais de trabalho precário ou pelo subemprego perpetuando ciclos de marginalização LEE 2020 Outro aspecto relevante é o tratamento das chamadas infrações digitais como crimes relacionados a pornografia de vingança cyberbullying e aliciamento em redes sociais que cresceram nos últimos anos A Coreia do Sul desenvolveu legislação específica para enfrentar esse fenômeno impondo medidas rígidas de controle da internet e programas educativos voltados para adolescentes Ainda assim a resposta social costuma ser marcada por forte reprovação resultando em exclusão e perseguição midiática que configuram formas contemporâneas de vitimização secundária CHOI 2021 Portanto enquanto no Brasil a vitimização secundária tem caráter predominantemente institucional decorrente das falhas do sistema socioeducativo e da seletividade penal na Coreia do Sul ela assume um caráter eminentemente sociocultural refletindo valores comunitários disciplina familiar e padrões educacionais rígidos Em ambos os casos o resultado é semelhante adolescentes que deveriam ser tratados como sujeitos de direitos acabam experimentando processos de revitimização que fragilizam sua trajetória de desenvolvimento Cenário comparado Brasil versus Coreia do Sul análise crítica comparativa A comparação entre Brasil e Coreia do Sul evidencia dois modos distintos de administrar a tensão estrutural da justiça juvenil entre proteção e responsabilização Embora ambos os ordenamentos formalmente afirmem a centralidade do desenvolvimento do adolescente e a excepcionalidade das respostas restritivas de liberdade a experiência concreta revela que o locus da vitimização secundária se desloca conforme o contexto no Brasil ela se adensa no interior do aparelho institucional na Coreia espraiase no tecido social por meio de mecanismos de etiquetação expectativas de desempenho e sanções informais No plano jurídico as duas tradições partilham raízes de direito codificado mas caminham por trilhas históricas distintas O Brasil constitucionalizou a proteção integral e com o ECA consolidou um repertório de garantias procedimentais e medidas socioeducativas que em tese deveriam operar sob chave pedagógica A Coreia do Sul sob a égide do Juvenile Act estruturou um arranjo menos penalístico e mais protetivo com protagonismo do Tribunal de Família escalonando intervenções educativas e de bemestar Essa proximidade programática contudo oculta diferenças na tradução prática das normas no Brasil a porta de entrada é frequentemente policial e marcada por seletividade na Coreia a filtragem jurisdicional tende a ser mais célere e reservada ainda que não isenta de vieses A idade de responsabilidade juvenil ilustra a assimetria de pressupostos O Brasil preserva a maioridade penal aos dezoito anos admitindo medidas socioeducativas para adolescentes a partir dos doze com possibilidade de extensão da execução até os vinte e um A Coreia fixa a responsabilidade penal aos quatorze reservando às crianças mais novas medidas protetivas judiciais Na prática contudo a diferença numérica não se traduz linearmente em maior ou menor punitividade no Brasil a excepcionalidade da internação cede espaço à rotina institucional ao passo que na Coreia a contenção formal convive com sanções sociais silenciosas que restringem de modo difuso o horizonte de oportunidades do jovem rotulado A arquitetura institucional reforça essa clivagem No Brasil a execução das medidas sofre com descontinuidades pedagógicas déficits de equipe e disparidades regionais o princípio do sigilo convive com exposições midiáticas e vazamentos de informação que agravam a estigmatização Na Coreia a confidencialidade costuma ser mais resguardada e o itinerário processual é menos espetacularizado contudo a recomposição de vínculos escolares e a reentrada no circuito meritocrático enfrentam obstáculos simbólicos expressivos Em outros termos a revitimização brasileira tende a ser documental e mensurável a coreana experiencial e difusa Os determinantes sociais ajudam a compreender a divergência O Brasil opera sob forte desigualdade material e racial de modo que o encontro do adolescente com o sistema é mediado por marcadores de classe cor e território A Coreia por sua vez ainda que ostente indicadores socioeconômicos elevados submete a juventude a um regime de performance acadêmica e conformidade que diante do desvio aciona lógicas de vergonha e retração comunitária Em ambos os casos a narrativa da vítima ideal CHRISTIE 1986 se dissolve quando o jovem também figura como autor de ato infracional a condição de vítima social antecedente raramente é reconhecida com a densidade devida seja por um aparato estatal que falha em personalizar a resposta BARATTA 1999 seja por um entorno social que desloca para o indivíduo e para sua família a carga moral do fracasso No eixo escolar que é decisivo para a reversão de trajetórias a comparação é eloquente O Brasil convive com evasão e rematrículas tardias por vezes sem plano pedagógico individualizado a Coreia registra transferências voluntárias e exclusões latentes acompanhadas de expectativas de silêncio e de apagamento do episódio o que pode produzir isolamento e sofrimento psíquico Em ambos os contextos a escola oscila entre a promessa de reintegração e a produção de novas barreiras indicando que o retorno educacional exige políticas ativas não apenas abstenções punitivas Também divergem as gramáticas públicas de segurança No Brasil a oscilação cíclica entre agendas garantistas e discursos de endurecimento penal captura a justiça juvenil no turbilhão do populismo punitivo a consequência é a normalização de práticas de privação de liberdade e a precarização de alternativas em meio aberto Na Coreia a gramática da ordem e da harmonia social reduz a visibilidade do conflito juvenil e desloca a resposta para circuitos disciplinares e familiares com ênfase em arrependimento e correção moral a contrapartida é a insuficiência de dispositivos clínicos e psicossociais quando o sofrimento do adolescente é o próprio motor do desvio Em matéria de tecnologias do desvio a Coreia enfrenta com maior nitidez fenômenos ligados à sociabilidade digital cyberbullying exposição de intimidade e infrações mediadas por plataformas aos quais respondeu com marcos específicos e programas educativos O Brasil embora também enfrente esses problemas continua absorvido por padrões tradicionais de criminalização com foco em crimes patrimoniais e violência interpessoal juvenil o que por vezes desatualiza o repertório de proteção Em ambos os países a dimensão digital emerge como novo campo de vitimização secundária a rotulação online persiste para além do processo e prolonga no tempo os efeitos do estigma Do ponto de vista dos remédios a comparação sugere caminhos cruzados O Brasil poderia aprender com a Coreia a reduzir a centralidade do encarceramento e a qualificar a confidencialidade procedimental criando rotas mais consistentes de resposta protetiva e restaurativa a Coreia por seu turno pode aproveitar a experiência brasileira em construção de redes intersetoriais e de um discurso jurídico de direitos que explicite no texto e na prática obrigações positivas do Estado em saúde mental assistência e reinserção escolar Em ambos a justiça restaurativa culturalmente situada a escuta especializada que evite reatualizações traumáticas e a institucionalização de planos individualizados de atendimento são peças de um mesmo tabuleiro Ao final o contraste não autoriza leituras hierarquizantes O que se vê são configurações distintas de um mesmo dilema como responsabilizar sem agravar danos como proteger sem infantilizar como reabrir o futuro para quem já chega ao sistema com o passado ferido Se no Brasil a urgência é conter a máquina institucional de revitimização na Coreia ela consiste em romper a parede invisível do estigma que persiste após o encerramento formal do caso O ponto de encontro nesse espelho comparado é a necessidade de transformar promessas normativas em rotinas verificáveis de cuidado proporcionalidade e reintegração Instrumentos propostos Matriz MDVD e Protocolo 4A A análise comparada entre Brasil e Coreia do Sul revela que embora as expressões da vitimização secundária assumam feições distintas ora eminentemente institucionais ora socioculturais ambas convergem na produção de um ciclo de exclusão que fragiliza a trajetória do adolescente em conflito com a lei Para enfrentar essa dinâmica propõese a adoção de dois instrumentos complementares a Matriz MDVD Matriz de Diagnóstico da Vitimização Dupla e o Protocolo 4ª Acolhimento Acompanhamento Alternativas e Autonomia concebidos como ferramentas teóricopráticas de intervenção A Matriz MDVD consiste em um esquema analítico que cruza três dimensões vulnerabilidades sociais prévias respostas institucionais e barreiras socioculturais de reintegração O objetivo é identificar em que medida o adolescente acumula experiências de vitimização antes e depois do ato infracional No caso brasileiro a matriz permite mapear como fatores estruturais pobreza desigualdade racial ausência de políticas públicas se transformam em antecedentes da trajetória infracional enquanto o ingresso no sistema socioeducativo intensifica a exclusão por meio de internações prolongadas violência institucional e evasão escolar Já na Coreia do Sul o uso da matriz revela que a vulnerabilidade prévia é menos marcada pela carência material mas fortemente determinada por pressões escolares e familiares ao passo que a vitimização secundária se concentra na rejeição comunitária e no estigma de desonra Assim a MDVD oferece uma ferramenta comparativa capaz de evidenciar não apenas a origem da vulnerabilidade mas também a forma como o sistema jurídicosocial reage a ela permitindo diagnósticos situados e políticas de prevenção ajustadas ao contexto O segundo instrumento o Protocolo 4ª tem caráter normativooperacional e busca orientar práticas que evitem a revitimização Ele se estrutura em quatro eixos Acolhimento que consiste em garantir atendimento inicial humanizado e sigiloso evitando exposições midiáticas e novas violações de direitos Acompanhamento voltado à elaboração de planos individualizados de atendimento com suporte psicossocial e educacional contínuo Alternativas que privilegiam medidas em meio aberto justiça restaurativa e programas de mediação reduzindo o uso da privação de liberdade e Autonomia que enfatiza a construção de competências acadêmicas profissionais e de cidadania preparando o adolescente para reinserção social efetiva Ao aplicar o Protocolo 4ª em chave comparada notase que no Brasil o maior desafio recai sobre a consolidação das medidas em meio aberto e a capacitação das equipes multidisciplinares de modo a romper a cultura institucional da internação Na Coreia do Sul o protocolo poderia operar como reforço das redes de apoio escolar e comunitário reduzindo o peso do estigma e oferecendo ferramentas concretas para reintegração Em ambos os contextos tratase de deslocar o foco da simples contenção para a reconstrução de trajetórias com base em princípios de dignidade proporcionalidade e inclusão social Esses dois instrumentos não devem ser entendidos como meras abstrações conceituais mas como propostas aplicáveis a pesquisas empíricas e programas de políticas públicas A Matriz MDVD pode ser utilizada em levantamentos qualitativos e quantitativos permitindo a construção de indicadores de vitimização secundária O Protocolo 4ª por sua vez pode ser incorporado em manuais de atendimento socioeducativo e em guias de boas práticas internacionais funcionando como referência de governança jurídica e social O impacto esperado não é apenas reduzir taxas de reincidência mas também reconfigurar o modo como adolescentes em conflito com a lei são reconhecidos não mais como inimigos sociais mas como sujeitos de direitos que ao mesmo tempo em que cometem infrações carregam em sua trajetória marcas de múltiplas exclusões Conclusão A investigação comparada entre Brasil e Coreia do Sul sobre a vitimização secundária no direito penal juvenil evidencia que embora ambos os países estejam comprometidos com instrumentos internacionais de proteção à infância e adolescência as expressões concretas de revitimização se diferenciam em intensidade e natureza O Brasil marcado por desigualdades estruturais e seletividade penal demonstra uma vitimização eminentemente institucional onde adolescentes pobres e negros encontram no sistema socioeducativo não uma oportunidade de reintegração mas a reafirmação da exclusão social A Coreia do Sul por sua vez apesar de apresentar um aparato formalmente menos punitivo e mais orientado para a reabilitação reproduz formas difusas de vitimização simbólica e comunitária derivadas de um ethos social que associa desvio à falha moral e familiar com efeitos deletérios sobre a reinserção educacional e laboral Ao confrontar essas realidades verificase que o discurso da proteção integral embora normativamente consagrado encontra limites em práticas que reatualizam o ciclo de exclusão A condição do adolescente como vítima duas vezes vítima social pela ausência de direitos e vítima institucional ou comunitária pela resposta ao ato infracional desvela a insuficiência dos modelos vigentes e a necessidade de alternativas É nesse horizonte que a Matriz MDVD e o Protocolo 4ª surgem como propostas inovadoras a primeira oferecendo diagnóstico situado e comparativo das múltiplas vulnerabilidades o segundo estruturando diretrizes de atendimento que privilegiam acolhimento acompanhamento alternativas à privação e fortalecimento da autonomia O mérito de tais instrumentos reside justamente em sua aplicabilidade Eles não se limitam à reflexão teórica mas apresentam potencial para orientar pesquisas empíricas guiar políticas públicas e inspirar práticas judiciais e administrativas O impacto almejado é duplo no Brasil romper a lógica da institucionalização massiva e da seletividade estrutural na Coreia mitigar o peso do estigma social e da exclusão escolar Em ambos os países tratase de deslocar a justiça juvenil da esfera da mera contenção para o campo da reconstrução de trajetórias em consonância com os princípios constitucionais e internacionais de dignidade humana Por fim este estudo reafirma a importância do direito comparado como método crítico O diálogo entre experiências distintas não busca estabelecer hierarquias mas iluminar pontos cegos e sugerir intercâmbios possíveis Ao analisar o espelho BrasilCoreia revelase que a luta contra a vitimização secundária não é apenas questão de técnica jurídica mas de projeto social Se o objetivo é formar cidadãos e não perpetuar exclusões a justiça juvenil deve ser constantemente reimaginada com coragem rigor e sensibilidade Agradecimentos Este trabalho é fruto de um caminho que jamais poderia ter sido percorrido sozinha Cada página aqui escrita carrega um pouco da força da esperança e do amor das pessoas e instituições que me sustentaram durante esta jornada À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ meu profundo reconhecimento pela confiança e incentivo traduzidos nas bolsas de mérito concedidas em três períodos consecutivos que representaram não apenas apoio financeiro mas sobretudo um estímulo simbólico ao compromisso acadêmico que norteou esta pesquisa À Universidade Cândido Mendes espaço onde se forjou a minha formação jurídica agradeço pela excelência acadêmica e pelo constante desafio intelectual À ANACRIM Jovem RJ pela oportunidade de me conectar a jovens pesquisadores comprometidos com um Direito mais crítico plural e transformador À Yonsei University na Coreia do Sul pela generosa acolhida e pela possibilidade de realizar um trabalho de cooperação acadêmica que ampliou horizontes e reafirmou a relevância do Direito Comparado como instrumento de justiça Aos meus pais Débora e Paulo que me ensinaram desde cedo o valor da dignidade da coragem e do estudo Aos meus irmãos Rafael Daniel Paula Gabriel e Rafaela pela amizade sincera e pelo apoio silencioso em todos os momentos Ao meu marido João Miguel pelo amor inabalável pela paciência diante das ausências e pela parceria que me permite ser mais do que advogada e pesquisadora me permite ser plenamente eu E acima de tudo aos meus filhos Olívia e Vicente que me mostram todos os dias o verdadeiro sentido da palavra futuro São por eles que busco um Direito mais humano mais justo e mais sensível às fragilidades da infância e da juventude Por fim presto minha homenagem ao meu avô Gefferson advogado que já não está entre nós mas cuja memória permanece viva em cada conquista desta trajetória Tenho a certeza de que neste momento ele olharia para mim e diria com o brilho de sempre nos olhos Boa garota Assim que uma BENTO faz Terá Brasil na Coreia do Sul terá resistência da América Latina na Ásia Referências BARATTA Alessandro Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 2 Ed Rio de Janeiro Revan 1999 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília DF Senado Federal 1988 BRASIL Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990 Brasília DF Presidência da República 1990 BRASIL Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE Lei nº 12594 de 18 de janeiro de 2012 Brasília DF Presidência da República 2012 CHRISTIE Nils The ideal victim In FATTAN E WALKLATE S org From crime policy to victim policy London Macmillan 1986 P 1730 CHOI Jin Young Cyberbullying and juvenile justice in South Korea emerging challenges in digital society Seoul Korean Institute of Criminology 2021 FERRAJOLI Luigi Direito e razão teoria do garantismo penal 2 Ed São Paulo Revista dos Tribunais 2002 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA IPEA Juventude e violência panorama nacional e desafios Brasília IPEA 2015 KIM Hyun Joo Juvenile delinquency and social stigma in South Korea a sociocultural analysis Seoul Yonsei University Press 2017 LEE Sang Min Youth crime and reintegration in South Korea na educational perspective Seoul Seoul National University Press 2020 SINASE Relatório Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Brasília Secretaria Nacional de Direitos Humanos 2019 UNITED NATIONS Beijing Rules United Nations Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice New York United Nations 1985 UNITED NATIONS Riyadh Guidelines United Nations Guidelines for the Prevention of Juvenile Delinquency New York United Nations 1990 Nota de Autoria Maria Eduarda de Azevedo Bento Advogada OABRJ nº 256047 Graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes com láurea acadêmica e Prêmio de Aluna Destaque 2022 Pesquisadora vinculada à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ contemplada com bolsa de mérito por três anos consecutivos Autora de trabalhos e artigos de referência no campo do Direito Penal e do Direito das Mulheres com especial enfoque na análise de delitos sexuais e justiça juvenil Membro Honrosa da OAB Mulher RJ Reconhecida internacionalmente pela Yonsei University Coreia do Sul como pesquisadora associada em cooperação acadêmica tendo sido a primeira mulher latinoamericana a desenvolver estudo comparado sobre vitimização dupla no direito penal juvenil entre Brasil e Coreia do Sul Oradora convidada em congressos nacionais e internacionais Entre suas principais áreas de atuação e pesquisa criminologia crítica direito comparado direitos humanos justiça penal juvenil gênero e políticas públicas ORCID 0009000069500511 Página de