·

Direito ·

Direito Ambiental

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 453 A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO COMO INSTRUMENTO DO DIREITO PARA A PROTEÇÃO DE BENS E DIREITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS PARA OS PRESENTES E AS FUTURAS GERAÇÕES THE EFFECTIVENESS OF THE PRINCIPLE OF PARTICIPATION AS AN INSTRUMENT OF THE RIGHT TO PROTECT SOCIAL AND ENVIRONMENTAL PROPERTY AND RIGHTS IN SUSTAINABLE COMPANIES FOR THE PRESENT AND FUTURE GENERATIONS Julia Mattei1 João Luis Nogueira Matias2 RESUMO Este artigo faz uma análise crítica dos instrumentos disponíveis para a participação popular em questões relativas às intervenções negativos no meio ambiente A análise é feita à luz da evolução do Direito Ambiental especialmente pela aplicação dos princípios da participação e da informação podendo ser representada pela consolidação dos instrumentos jurídicos para a efetividade da participação sob a perspectiva da tutela do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Este trabalho foi desenvolvido com a metodologia jurídicoteórica e procedimento de raciocínio dedutivo utilizandose de técnica de pesquisa doutrinária e jurisprudencial para atingir seus objetivos PALAVRASCHAVE participação informação meio ambiente ABSTRACT This article makes a critical analysis of the instruments available for popular participation in issues related to negative interventions in the environment The analysis is made in light of the evolution of 1 Doutora em Direito Ambiental Tributário pela Universidade de Colônia Alemanha Mestre em Direito Comparado LLM pela Universidade de Colônia Alemanha Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará UFC Professora do Mestrado Profissional em Direito e Gestão de Conflitos na Universidade de Fortaleza Unifor Pós doutora pelo Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Ceará UFC Universidade de Fortaleza UNIFOR Brasil ORCID iD httporcidorg0000000203085527 Email juliamatteigmailcom 2 Doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo USP 2009 Doutor em Direito público pela Universidade Federal de Pernambuco 2003 Mestre em Direito e desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará 1999 MBA em gestão de empresas FGVMARPE 2005 Professor Associado nível III da Universidade Federal do Ceará e do Centro Universitário 7 de Setembro UNI7 Universidade Federal do Ceará UFC e Centro Universitário 7 de Setembro UNI7 Brasil ORCID iD httporcidorg000000023873702X Email joaoluisnmuolcombr Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 454 Environmental Law especially by applying the principles of participation and information and can be represented by the consolidation of the legal instruments for the effectiveness of participation under the perspective of protecting the fundamental right to the environment ecologically balanced This work was developed with the legaltheoretical methodology and procedure of deductive reasoning using a doctrinal and jurisprudential research technique to reach its objectives KEYWORDS participation information environment 1 INTRODUÇÃO O conceito legal de meio ambiente originalmente previsto no art 3º inc I da Lei n 693881 foi recepcionado e ampliado pelo conteúdo do art 225 caput da Constituição Federal de 1988 para reconhecer a existência de um direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado com uma preocupação centralizada na figura humana inserida como parte da natureza O meio ambiente é considerado assim um macrobem ambiental integrado por distintos microbens ambientais O macrobem ambiental portanto é gênero do qual é espécie o microbem ambiental Entre os microbens ambientais temos os bens culturais os bens artificiais e os bens naturais Os bens naturais são os elementos integrantes da natureza considerados individualmente O bem natural por seu turno uma vez apropriado res passa à condição de recurso natural que é portanto o bem natural com relevância econômica O macrobem ambiental é ainda de acordo com a Constituição Federal de 1988 um bem de uso comum do povo As intervenções negativas no meio ambiente interessam portanto a toda sociedade A população é diretamente atingida pelos impactos ambientais no solo na água e no ar para citar alguns e indiretamente quanto às alterações sociais e econômicas da região durante e após o encerramento das atividades impactantes Esse interesse da sociedade em razão da natureza difusa do macrobem ambiental justifica o acesso à informação e à participação das questões inerentes ao meio ambiente Nesse sentido o Direito Ambiental tem consolidado meios de participação e informação ambientais à população Os princípios da participação e da informação estão entre os princípios de Direito Ambiental que vêm sendo gradualmente incorporados no universo doutrinário e jurisprudencial do direito Neste trabalho pretendese fazer uma análise crítica dos instrumentos de participação no âmbito do Direito Ambiental Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 455 A análise será feita à luz da evolução do Direito Ambiental podendo ser representada pela consolidação dos instrumentos jurídicos para a efetividade da participação sob a perspectiva da tutela do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Este trabalho foi desenvolvido com a metodologia jurídicoteórica e procedimento de raciocínio dedutivo utilizandose de técnica de pesquisa doutrinaria e jurisprudencial para atingir seus objetivos 2 INFORMAR PARA PARTICIPAR A informação é um requisito necessário para que a sociedade possa exercer efetivamente o seu direito à participação Em matéria ambiental essa informação deve ser técnica e compreensível A importância da participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões tem crescido O princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 dispõe que a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação e a informação no nível apropriado de todos os cidadãos interessados No nível nacional cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular colocando as informações à disposição de todos Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos3 A Convenção de Aarhus assinada na Dinamarca em 25 de junho de 1998 sob a égide da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa United Nations Economic Commission for Europe UNECE4 é um exemplo desse crescimento5 sendo um dos mais importantes instrumentos do Direito Internacional do Ambiente Referida Convenção foi baseada na ideia de que o desenvolvimento 3 Disponível em httpwwwonuorgbrrio20img201201rio92pdf Acesso em 31 ago2015 4 A UE tornouse Parte da Convenção de Aarhus através da Decisão do Conselho nº 2005370CE de 17 de fevereiro de 2015 Isto significa que a UE deve cumprir as obrigações decorrentes desta Convenção no âmbito do exercício dos seus poderes legislativos administrativos e judiciais estando sujeita ao mecanismo de revisão de cumprimento LANCEIRO R T O direito de acesso à informação ambiental em Portugal alguns problemas In A trilogia de Aarhus os direitos à informação à participação e à justiça ambiental GOMES C A ANTUNES T coord Lisboa Instituto de Ciências JurídicoPolíticas 2015 p 34 5 O direito de acesso à informação em matéria de ambiente reconhecido pela Convenção de Aarhus foi vertido no Direito da UE e no Direito nacional constituindo hoje em dia uma parte central dos direitos procedimentais ambientais A transposição da Directiva de Acesso a Informações Ambientais e das obrigações da Convenção de Aarhus no que diz respeito a este aspecto pela LAIA pode ser apontada como um exemplo de sucesso legislativo LANCEIRO R T op cit p 5960 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 456 sustentável apenas pode ser verdadeiramente alcançado através do envolvimento de todas as partes interessadas portanto com a necessária participação dos cidadãos LANCEIRO op cit p 30 Apesar não ter sido ratificada pelo Brasil6 embora haja a possibilidade de aplicação dessa convenção a países não europeus a Convenção de Aarhus fornece importantes instrumentos para que seja assegurada a participação através do reconhecimento expresso de direitos ao público o direito de acesso à informação relativa ao ambiente o direito de participação nos procedimentos de tomada de decisão em matérias ambientais e o direito de acesso à justiça nessas matérias Ao fazêlo a Convenção de Aarhus permite que os cidadãos reajam contra uma atuação danosa ao meio ambiente junto a um órgão internacional LANCEIRO 2015 p 3134 Existem ainda alguns entraves à plena aplicação da Convenção como por exemplo a delimitação de situações em que o pedido de informação feito pelo cidadão pode ser indeferido7 De uma análise mais acurada do texto aprovado em Aarhus verificase que embora imbuído de um verdadeiro espírito democrático a consagração muito generosa do direito de acesso ao pedido de informação acaba por redundar na extrema abrangência dos deveres dela decorrentes aplicandose a 6 Os participantes do CONGRESSO INTERNACIONAL O NOVO NO DIREITO AMBIENTAL POR MICHEL PRIEUR realização da Procuradoria Regional da República da 3ª Região e da Escola Superior do Ministério Público da União com o apoio da Associação Nacional dos Procuradores da República ANPR da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo da Conpacel SA do Instituto de Estudos de Direito e Cidadania IEDC e da Editora Fórum convencidos da urgência da adoção de medidas voltadas a que o Brasil seja signatário da Convenção de Aarhus sobre acesso à informação participação pública em processos de tomada de decisão ambiental e de acesso à justiça em questões ambientais encaminharam em setembro de 2010 a Carta de São Paulo aos candidatos ao cargo de Presidente da República Disponível em httpobservatorio ecojusbrasilcombrnoticias2410368cartaafavordaadocaodaconvencaodeaarhusnobrasil Acesso em 9mai2016 7 O item 4 do art 4º da Convenção de Aarhus arrola de maneira demasiadamente genérica os casos em que um pedido de informação pode ser recusado dificultando a interpretação do dispositivo 4 Um pedido de informação em matéria de ambiente pode ser recusado se a sua divulgação prejudicar a A confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas quando esta confidencialidade se encontre prevista na legislação nacional b As relações internacionais defesa nacional e segurança pública c O curso da justiça a capacidade de uma pessoa ter direito a um julgamento justo ou a capacidade de a autoridade pública conduzir uma investigação de natureza criminal ou disciplinar d A confidencialidade das informações industriais ou comerciais quando protegidas por lei de forma a proteger um interesse económico legítimo Neste contexto serão divulgadas as informações sobre emissões que sejam relevantes para a protecção do ambiente e Os direitos da propriedade intelectual f A confidencialidade de dados e ou registros pessoais que se refiram a pessoa física quando esta pessoa não tiver autorizado a sua divulgação pública quando esta confidencialidade estiver prevista na legislação nacional g Os interesses de terceiros que forneceram a informação solicitada sem que estes se possam encontrar ou se encontrem juridicamente obrigados a fazêlo e quando estes não permitam a divulgação desta matéria ou h O ambiente a que se refere a informação como áreas de reprodução de espécies raras Os fundamentos para recusa acima mencionados serão interpretados de forma restritiva tendo em consideração o interesse do público servido pela sua divulgação e tendo em consideração se a informação solicitada se relaciona com emissões para o ambiente Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 457 entidades que o Direito Administrativo nacional clássico não interpretaria como incluídas na definição de autoridades públicas LANCEIRO 2015 p 5960 Analisando as dificuldades de interpretação e aplicação da Convenção de Aarhus em Portugal Rui Lanceiro Tavares observa No entanto permanecem alguns desafios relativos à sua aplicação e interpretação Um ponto de maior conflitualidade colocase desde logo na delimitação das situações em que é admissível o indeferimento do pedido de informação De facto com a consagração muito generosa do direito de acesso a pedido é nesse âmbito que ainda se podem verificar situações de recusa abusiva de prestação de informações Quanto ao direito a ser informado o problema é o seu pouco desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário De uma forma mais genérica os desafios que podem ser encontrados quanto ao direito de acesso à informação ambiental redundam por um lado na extrema abrangência dos deveres dela decorrentes aplicandose a entidades que o Direito Administrativo nacional clássico não interpretaria como incluídas na definição de autoridades públicas como empresas participadas ou empresas concessionárias LANCEIRO 2015 p 5960 Às dificuldades relativas à aplicação e interpretação da Convenção de Aarhus em matéria de direito ao acesso à informação somamse aquelas relativas à correta identificação daqueles que terão o direito à participação na tomada de decisões em matéria ambiental É que ao contrário do que fora garantido no artigo que trata do direito à informação8 a propósito da participação em planos programas e ações em matéria de ambiente artigo 7º ou na preparação de outros instrumentos normativos artigo 8º não foi adotado o conceito de público tout court Para efeitos de direito à participação o público não será mais a massa inorgânica de todos os cidadãos e de todas as associações organizações e agrupamentos No âmbito do sistema da convenção a participação não é garantida a qualquer cidadão mas apenas àqueles que comprovarem terem sido lesados ou afetados pela decisão Esta opção foi aplaudida por parcela relevante da doutrina que aceita plenamente a ideia de que para a participação do público se exija um crivo de legitimidade mais apertado em comparação com 8 Artigo 4º Acesso à informação em matéria de ambiente 1 Cada Parte de acordo com o disposto no parágrafo seguinte deste artigo assegurará que as autoridades públicas em resposta a solicitação de informação em matéria de ambiente disponibilizarão esta informação ao público de acordo com a legislação nacional incluindo quando solicitado e nos termos do subparágrafo b deste artigo cópias da documentação actualizada contendo e abrangendo tal informação a Sem que tenha de provar ter um interesse na questão b Na forma requerida excepto i Se for razoável para a autoridade pública disponibilizar a informação de forma diferente justificando nesse caso esta forma de disponibilização ou ii Se a informação já tenha sido divulgada de outra forma Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 458 o direito ao acesso à informação ambiental9 No entanto é claro que esta limitação acaba por impor dificuldades interpretativas quanto à legitimação para a participação nos processos de tomadas de decisões em matéria ambiental além de não levar em consideração que se cuidam de interesses difusos e que portanto todas as ações nessa matéria podem atingir potencialmente todos os cidadãos A participação popular e a defesa do meio ambiente são temas vinculados Na lição de Álvaro Luiz Valery Mirra são temas indissociáveis pois as decisões que interferem no meio ambiente dizem respeito ao bem comum não sendo concebível excluir o público das escolhas suscetíveis de afetálo Por essa razão não se pode pensar na preservação conservação e gestão da qualidade ambiental fora de um regime de democracia participativa em que se garanta às pessoas em geral individualmente reunidas em grupos ou representadas por entes habilitados a possibilidade de tomar parte nas instâncias de decisão relacionadas à matéria e de exercer o controle sobre as atividades e omissões públicas e privadas potencial ou efetivamente lesivas A participação popular em matéria ambiental significa nesse sentido a integração da comunidade nos processos de definição implantação e execução de políticas ambientais bem como nos demais processos decisórios públicos relacionados ao tema e no controle das ações e omissões públicas e privadas que repercutem sobre a qualidade do meio ambiente MIRRA 2011 p 7172 A participação entretanto somente se efetiva quando há acesso à informação Afinal os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade tornandose parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente MILARÉ 2012 p 228230 No Brasil a Lei n 1065003 obriga em seu art 2º que os órgãos e entidades da Administração Pública direta indireta e fundacional integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA permitam o acesso público aos documentos expedientes e processos 9 Assim o texto da Convenção parece considerar suficiente como título de participação procedimental um interesse fáctico ainda que diferenciado por parte do sujeito interessado na decisão com incidência ambiental a adoptar Este critério assemelhase assim ao pressuposto que subjaz à decision ou acte faisant grief do Contencioso Administrativo francês Esta opção revelase igualmente acertada aceitandose plenamente que para esta participação do público se exija um crivo de legitimidade mais apertado por comparação ao acesso à informação ambiental De facto a participação nas decisões em matéria ambiental prevista na Convenção comporta uma série de faculdades que implicam uma complexificação dos procedimentos administrativos que é susceptível de entravar a eficiência administrativa e o investimento económico Tal é especialmente evidente quanto às faculdades que se traduzem numa relação personalizada ou individualizada entre a Administração e os particulares designadamente a notificação pessoal das decisões e a audiência dos interessados muito embora quanto a estas últimas e não por acaso a Convenção confere uma latitude suficiente aos Estados para recorrerem ao aviso público ou à consulta pública Em suma a multipolaridade administrativa também no domínio do segundo pilar parece ter sido adequadamente gizada realizando uma ponderação de interesses que atende à conciliação de interesses privados divergentes e ao balanceamento do risco MARQUES F P A Convenção de Aarhus e as relações jurídicas administrativas multipolares In A trilogia de Aarhus os direitos à informação à participação e à justiça ambiental GOMES C A ANTUNES T coord Lisboa Instituto de Ciências JurídicoPolíticas 2015 p 6667 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 459 administrativos que tratem de matéria ambiental e forneçam a qualquer indivíduo independentemente da comprovação de interesse específico todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda em meio escrito visual sonoro ou eletrônico especialmente as relativas à qualidade do meio ambiente políticas planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas acidentes situações de risco ou de emergência ambientais emissões de efluentes líquidos e gasosos e produção de resíduos sólidos substâncias tóxicas e perigosas diversidade biológica e organismos geneticamente modificados A participação social sem acesso à informação qualificada certamente estará comprometida As informações ambientais devem estar efetivamente disponíveis aos mais diversos segmentos da sociedade Para tanto os canais de informação precisam passar por adaptações para atingir cada um dos diferentes grupos sociais que compõem aquela sociedade É preciso portanto que as pessoas tenham a informação necessária sobre os benefícios da diversidade biológica e dos riscos e custos da sua perda MOTA BURSZTYN CÂNDIDO JÚNIOR ORTIZ 2010 p 268 para que possam exercer com qualidade o seu direito à participação Para o exercício da participação é preciso oferecer à população instrumentos de participaçãoO Direito Ambiental tem se encarregado disso 3 INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO DIREITO AMBIENTAL O princípio da participação ao incentivar meios de participação direta do povo em macro decisões plebiscito referendo e iniciativa legislativa popular e micro decisões decisões administrativas judiciais coletivas e sociais colabora para a efetivação da democracia tal como prevista no art 1º da Constituição Federal de 1988 Em matéria de meio ambiente o princípio tem fundamento no art 225 caput da Constituição sendo decorrência necessária do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do regime jurídico do macrobem ambiental como bem de uso comum do povo Com a constitucionalização da temática ambiental tornouse possível ampliar os canais administrativos e judiciais de participação pública como instrumento de efetivação dos direitos e obrigações constitucionais É correto e justo dizer que no Direito moderno o legislador que atribui o benefício qualidade ambiental ou a missão proteger o meio ambiente como dever de todos também distribui explícita ou implicitamente os meios e entre eles os instrumentos processuais e meios administrativos de participação no Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 460 esforço de implementação Logo é possível extrair da norma reconhecedora da tutela ambiental como valor essencial da sociedade um potencial poder processual de participar do processo decisório administrativo ou ingressar em juízo em favor próprio ou de outros cobeneficiários BENJAMIM CANOTILHO LEITE 2008 p 76 A necessidade de participação ambiental como já exposto decorre da classificação do macrobem ambiental como bem de uso comum do povo Em razão da titularidade difusa do macrobem ambiental há por consequência o interesse de todos quanto à mitigação de impactos ambientais Como bem de todos bem de uso comum do povo o macrobem ambiental é considerado indisponível o que significa dizer que sua conservação é não só um direito como também um ônus da coletividade pois que o macrobem ambiental deve estar ao alcance das presentes e das futuras gerações ARAGÃO 1997 p 30 Ao analisar o processo de evolução da participação comunitária na gestão ambiental Édis Milaré destaca que somente na década de 1980 com a retomada das liberdades democráticas é que se começou a abrir espaço para as comunidades expressarem suas reivindicações em favor da defesa do meio ambiente especialmente as populações afetadas por empreendimentos De fato a comunidade através de instituições movimentos populares e organizações intermediárias envolvese cada vez mais com a problemática ambiental Isto decorre da tomada de consciência da situação do amadurecimento político das instituições e das pessoas assim como da estimulante solidariedade com a Terra nossa casa Nenhum processo político administrativo pode ser desencadeado sem a participação comunitária se quiser obter legitimidade e eficácia Aliás os governos devem encarnar as aspirações da sociedade quer explícitas quer implícitas e para tanto são eles constituídos Não é outra a base de sustentação dos regimes democráticos A consciência do meio ambiente como bem comum proporciona novos rumos na participação da comunidade para definir seus objetivos implementar suas ações e alcançar seus resultados O planejamento e o gerenciamento do meio ambiente são assim compartilhados entre Poder Público e sociedade já que o meio ambiente como fonte de recursos para o desenvolvimento da humanidade é por suposto uma das expressões máximas do bem comum MILARÉ 2012 p 228230 No Brasil para assegurar o direito ao meio ambiente nosso constituinte impôs ao Poder Público uma série de obrigações que estão expressas no parágrafo primeiro do art 225 destacando se a de realizar o licenciamento ambiental a de exigir o estudo prévio de impacto ambiental e a de definir em todas as unidades da Federação espaços territoriais especialmente protegidos Para o desempenho destas atribuições a Constituição em seu art 23 conferiu competência comum aos entes federados ou seja União Estados DF e Municípios devem exercer as competências executórias Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 461 administrativas para a proteção do meio ambiente de modo cooperado nos termos do que estabeleceu a Lei Complementar n 1402011 Na tentativa de encontrar a melhor fórmula para o exercício desta competência comum houve ao longo dos anos uma grande evolução no Direito Ambiental a ponto de consolidarmos um modelo peculiar de organização administrativa o Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA que criado pela Lei n 693881 prima pela participação da sociedade na gestão ambiental especialmente pelo conjunto de órgãos colegiados em sua estrutura Os órgãos colegiados mostramse como instrumento efetivo de participação dos cidadãos em uma sociedade de massa Temos outras formas de participação direta da sociedade na gestão ambiental tais como a audiência pública em processos de licenciamento e as consultas públicas para criação de unidades de conservação previstas na Lei n 998500 a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC Quando porém não é possível a coleta das opiniões individuais de todos transferese à sociedade em algumas hipóteses o poder decisório acerca das questões ambientais por via de seus representantes Finalmente a partir do momento em que uma sociedade exceda 10 mil pessoas é impossível produzir executar e administrar decisões recorrendose a reuniões em que todos os cidadãos estejam sentados uns diante dos outros e em que cada um diga o que pensa Grandes populações não podem funcionar sem líderes que tomem as decisões executivos que implementem o decidido e burocratas que administrem as decisões e as leis Infelizmente para todos os meus leitores que são anarquistas e sonham viver sem nenhum governo de Estado essas razões fazem com que seu sonho seja irrealista vocês terão de encontrar algum bando ou tribo minúsculos dispostos a aceitálos onde ninguém seja um estranho para o outro e onde reis presidentes e burocratas sejam desnecessários DIAMOND 2014 p 25 Como exemplo vejase a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA10 órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA órgão colegiado de âmbito nacional que tem como competência entre outras estabelecer normas critérios e padrões relativos ao controle ambientais Tratase de um órgão colegiado representativo de cinco setores a saber órgãos federais estaduais e municipais setor empresarial e sociedade civil A presença de representantes da comunidade indicados livremente pelas associações civis nos conselhos e órgãos de defesa do meio ambiente como no CONAMA enseja atuação efetiva na criação do Direito tutelar ambiental MILARÉ 2012 p 228230 10 Instituído pela Lei 693881 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente regulamentada pelo Decreto 9927490 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 462 Já o Conselho Nacional de Recursos Hídricos CNRH11 instância mais alta na hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é um colegiado que desenvolve regras de mediação entre os diversos usuários da água sendo ainda um dos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos no País É composto por representantes dos Ministérios e Secretarias da Presidência da República com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos hídricos representantes indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos representantes dos usuários dos recursos hídricos e representantes das organizações civis de recursos hídricos Outro importante órgão colegiado a Câmara Federal de Compensação Ambiental CFCA12 tem por objetivo orientar o cumprimento da legislação referente à compensação ambiental oriunda do licenciamento ambiental federal sendo composta por membros dos setores público e privado da academia e da sociedade civil A Comissão Nacional da Biodiversidade CONABIO13 por seu turno é composta por representantes de órgãos governamentais e organizações da sociedade civil e tem um relevante papel na discussão e implementação das políticas sobre a biodiversidade Compete à comissão promover a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil junto à Convenção de Diversidade Biológica bem como identificar e propor áreas e ações prioritárias para pesquisa conservação e uso sustentável dos componentes da biodiversidade O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético CGEN14 órgão de caráter deliberativo e normativo é integrado por representantes de 19 órgãos e entidades da Administração Pública Federal15 com direito a voto 11 Instituído pela Lei nº 9433 de 8 de janeiro de 1997 12 Órgão colegiado criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente por meio da Portaria MMA nº 416 de 3 de novembro de 2010 13 BRASIL Decreto n 4703 de 21 de maio de 2003 14 Criado pela Lei 131232015 que estabelece Art 6º Fica criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético CGen órgão colegiado de caráter deliberativo normativo consultivo e recursal responsável por coordenar a elaboração e a implementação de políticas para a gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios formado por representação de órgãos e entidades da administração pública federal que detêm competência sobre as diversas ações de que trata esta Lei com participação máxima de 60 sessenta por cento e a representação da sociedade civil em no mínimo 40 quarenta por cento dos membros assegurada a paridade entre I setor empresarial II setor acadêmico e III populações indígenas comunidades tradicionais e agricultores tradicionais 15 Ministério do Meio Ambiente Ministério da Ciência e Tecnologia Ministério da Saúde Ministério da Justiça Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento Ministério da Defesa Ministério da Cultura Ministério das Relações Exteriores Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior IBAMA Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro CNPq Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia Instituto Evandro Chagas Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 463 Verificase que pela ampla possibilidade de participação os conselhos de meio ambiente são importantes foros de reflexão e deliberação sobre as questões ambientais que tanto afligem a sociedade Há Estados em que a sociedade civil participa até mesmo das decisões administrativas no licenciamento ambiental por meio dos Conselhos integrantes da própria estrutura administrativa É o caso por exemplo do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais COPAM Mesmo quando as consultas à população não vinculam as decisões do Poder Público a participação constituiu importante mecanismo de influência do poder decisório Todas essas formas de participação da população em matéria ambiental conhecidas como viabilizadoras de uma verdadeira democracia participativa constituem políticas paralelas de intervenção social criando novos espaços para a tomada de decisões a caminho de uma democracia participativa que possa funcionar por meio de uma cooperação e de um controle mais direto da população Pretendese que através desta política o quase total monopólio de poder que é detido pelo Estado totalista contemporâneo se disperse por diferentes entidades autogovernadas mas que ao mesmo tempo o macrogoverno do Estado embora confinado a alguns setores nacionais decisivos seja levado a cabo através de corpos representativos democraticamente eleitos que em um nível supervisionam o sistema de microgoverno e em outro nível dêem resposta e prestem contas a esses mesmos microgovernos SHETH 2002 Este modelo de organização administrativa na área ambiental do Brasil reflete a adoção em nosso texto constitucional do ideal comunitário A democracia participativa seja pela via representativa seja através da participação direta do cidadão foi de fato incorporada na nossa Constituição Ainda na esfera administrativa a Resolução CONAMA n 091987 dispõe sobre a realização de audiência pública no processo de licenciamento ambiental com a finalidade de expor aos interessados o conteúdo do empreendimento em análise e do seu referido Relatório de Impacto ao Meio Ambiente RIMA dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito Nos termos do seu art 2º o órgão ambiental sempre que julgar necessário ou quando for solicitado por entidade civil pelo Ministério Público ou por 50 cinquenta ou mais cidadãos promoverá a realização de audiência pública A informação da população quanto aos impactos ambientais das atividades minerárias é requisito mínimo intransponível para o licenciamento ambiental Respeitada a informação mostrase igualmente essencial que a população tenha participação no procedimento de licenciamento ambiental É óbvio que a população estará sempre a uma grande distância dos critérios técnicos definidores da Embrapa Fundação Oswaldo Cruz Funai Instituto Nacional de Propriedade Industrial Fundação Cultural Palmares Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 464 apuração dos impactos ambientais e de seus valores mas é a mesma população que poderá a partir de informações qualificadas atuar como termômetro do poder decisório No âmbito judicial a participação dos cidadãos na defesa do meio ambiente pode se dar através de conhecidos instrumentos como a Ação Civil Pública Lei n 73478516 e a Ação Popular17 Lei n 47176518 Considerando o macrobem ambiental como bem de titularidade difusa os instrumentos processuais para a defesa do meio ambiente estão ao alcance de qualquer cidadão ação popular ou associação legalmente constituída No âmbito de uma ação civil pública não há espaço para a realização de uma ampla consulta popular até mesmo porque a discussão está adstrita aos pedidos formulados O sistema de tutela coletiva vigente para evitar que qualquer atingido seja prejudicado permite o ajuizamento seja de outras ações civis públicas por quaisquer dos legitimados seja de outras ações populares com pedidos complementares àqueles formulados e negociados Além da participação nos processos de formulação e execução de políticas ambientais por meio da representação da sociedade civil nos órgãos colegiados e da participação popular direta na proteção do meio ambiente pela utilização de instrumentos processuais que permitam a obtenção de prestação de tutela jurisdicional em matéria ambiental existe um terceiro mecanismo de participação popular na proteção da qualidade ambiental Tratase da participação nos processos de criação do Direito Ambiental Como bem alerta Álvaro Luiz Valery Mirra essa participação se dá por meio da 16 Art 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar V a associação que concomitantemente a esteja constituída há pelo menos 1 um ano nos termos da lei civil b inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao patrimônio público e social ao meio ambiente ao consumidor à ordem econômica à livre concorrência aos direitos de grupos raciais étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico estético histórico turístico e paisagístico 17 Prevê o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência 18 BRASIL Lei n 471765 Art 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União do Distrito Federal dos Estados dos Municípios de entidades autárquicas de sociedades de economia mista Constituição art 141 38 de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes de empresas públicas de serviços sociais autônomos de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua de empresas incorporadas ao patrimônio da União do Distrito Federal dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 465 iniciativa popular nos procedimentos legislativos da realização de referendos sobre leis e da atuação de representantes da sociedade civil em órgãos colegiados dotados de poderes normativos p ex o Conama MIRRA 2016 Como visto há instrumentos disponíveis para o exercício da participação popular ambiental A prática contudo tem demonstrado que há ainda alguns entraves à efetividade desses instrumentos 4 DIFICULDADES À EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR AMBIENTAL Um conhecido entrave para a efetividade de um amplo acesso à participação ambiental está diretamente relacionado com a necessidade de uma Administração Pública Ambiental organizada e qualificada O modelo de gestão ambiental concebido para nortear as ações do Poder Público com ampla participação da sociedade apesar de bem arquitetado tem encontrado alguns obstáculos para sua efetivação o que por consequência diminui a amplitude da democracia Assim ainda que possa ampliar a participação da sociedade nos processos decisórios acerca das questões ambientais as decisões emanadas dos órgãos colegiados encontrariam óbice para sua efetividade no sucateamento da Administração Pública Ambiental É essencial que a sociedade possa conhecer as repercussões ambientais das mais diversas atividades empreendedoras para que possa nortear a sua participação Esta relação entre participação e informação é muito bem abordada pelo Professor Paulo Affonso Leme Machado que afirma que a qualidade e a quantidade de informação traduzem o tipo e a intensidade da participação na vida social e política Quem estiver mal informado nem por isso estará impedido de participar mas a qualidade de sua participação será prejudicada A ignorância gera apatia ou inércia dos que teriam legitimidade para participar Em regimes políticos onde não se permitia uma razoável participação dos cidadãos na vida política se irá procurar diminuir impedir ou direcionar a informação Contudo como é praticamente impossível na atualidade impedir completamente a transmissão de dados de interesse geral ou difuso mesmo o cidadão deficientemente informado acabará por postular um mínimo de participação A participação dos cidadãos e das associações não merece ser entendida como uma desconfiança contra os integrantes da Administração Pública Essa participação não é substitutiva da atuação do Poder Público O engajamento político ativo dos cidadãos é de relevante importância registrandose o acesso a outros fóruns centrais da subpolítica o judiciário e a mídia visando a tomar consciência de seus interesses na proteção do meio ambiente no movimento contra a energia nuclear no domínio da Informática e das liberdades consoante Ulrich Beck ao falar de uma nova cultura política MACHADO 2006 p 3435 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 466 Para Robert Dahl o acesso à informação deve ser livre sem controle do governo ou de quaisquer grupos dominantes a liberdade de expressão é um requisito para que os cidadãos realmente participem da vida política Como poderão eles tornar conhecidos seus pontos de vista e persuadir seus camaradas e seus representantes a adotálos a não ser expressandose livremente sobre todas as questões relacionadas à conduta do governo Se tiverem de levar em conta as idéias de outros será preciso escutar o que esses outros tenham a dizer A livre expressão não significa apenas ter o direito de ser ouvido mas ter também o direito de ouvir o que os outros têm para dizer Portanto os cidadãos devem ter acesso a fontes de informação que não estejam sob o controle do governo ou que sejam dominadas por qualquer grupo ou ponto de vista Pense ainda sobre a participação efetiva e a influência no planejamento público Como poderiam os cidadãos participar realmente da vida política se toda a informação que pudessem adquirir fosse proporcionada por uma única fonte o governo digamos ou por exemplo um único partido uma só facção ou um único interesse DAHL 2001 p 110111 Por essas razões óbvias não se pode admitir o que ocorre hoje na sistemática do processo de licenciamento ambiental em que a informação é produzida unilateralmente pelo empreendedor ao passo que a administração não apresenta em regra quadro de servidores com condições técnicas mínimas de verificação Outro fator relevante diz respeito à distância entre participação e efetiva representatividade Se não há legitimidade na representação não há participação e sem ela já não se tem a mesma intensidade do regime democrático Infelizmente na composição dos conselhos nem sempre os diversos grupos sociais estão legitimamente representados Até os dias de hoje ainda temos no Brasil e em diversos outros países comunidades miseráveis fragilizadas econômica e socialmente cujos interesses não coincidem com os interesses dos grupos dominantes Anibal Quijano faz uma análise dos novos Estados que muito bem representa a dificuldade de serem viabilizados meios para a representação de todos os seguimentos sociais No caso do Brasil os negros não eram nada além de escravos e a maioria dos índios constituíase de povos da Amazônia sendo desta maneira estrangeiros para o novo Estado Esses novos Estados não poderiam ser considerados de modo algum como nacionais salvo que se admita que essa exígua minoria de colonizadores no controle fosse genuinamente representante do conjunto da população colonizada As respectivas sociedades baseadas na dominação colonial de índios negros e mestiços não poderiam tampouco ser consideradas nacionais e muito menos democráticas Isto coloca uma situação aparentemente paradoxal Estados independentes e sociedades coloniais O paradoxo é somente parcial ou Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 467 superficial se observamos com mais cuidado os interesses sociais dos grupos dominantes daquelas sociedades coloniais e de seus Estados independentes QUIJANO 2005 p 227278 Em situações como essas ainda que franqueada plenamente a participação pode restar viciada Mesmo em regimes democráticos a participação pode beneficiar apenas alguns segmentos da sociedade que estejam melhor articulados seja pela burocratização da participação seja pela manipulação das instituições participativas19 Os perigos da perversão e da cooptação das práticas da democracia participativa por interesses que visem exclusão social e repressão das diferenças estão presentes sobretudo nos países de maior diversidade étnica podendo gerar o que se denomina na lição de Leonardo Avritzer e Boaventura de Souza Santos formas de democracia de baixa intensidade SANTOS AVRITZER 2002 Não basta a construção de um modelo teórico permeado pela participação Para que o princípio da participação seja aplicado em sua essência é preciso creditar as organizações Nas palavras de David Held as pessoas precisam acreditar que a participação vale a pena Se as pessoas sabem que existem oportunidades para a participação efetiva no processo de tomada de decisões elas provavelmente acreditarão que a participação vale a pena provavelmente participarão ativamente e provavelmente além disso defenderão que as decisões coletivas deveriam ser obedecidas Por outro lado se as pessoas forem sistematicamente marginalizadas eou mal representadas elas provavelmente acreditarão que apenas raramente seus pontos de vista e preferências são levados a sério pesados com igualdade juntamente com os de outros ou avaliados em um processo que seja justo Assim elas provavelmente encontrarão poucas razões 19 Como ilustração merece destaque o julgamento prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais quando foram identificadas nulidades no processo de escolha dos representantes da sociedade civil em Unidade Regional Colegiada do Conselho Estadual de Política Ambiental COPAM DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO ELEIÇÃO DE MEMBROS DO COPAM EM CONTRARIEDADE COM O PRINCÍPIO DE PARIDADE E COM O QUE ESTABELECE O ARTIGO 23 DO DECRETO 4466707 DEFERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR ANTES DE OITIVA DO REPRESENTANTE LEGAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERESSADA POSSIBILIDADE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE ENVOLVE GRAVE RISCO AO MEIO AMBIENTE FACULDADE CONFERIDA AO MAGISTRADO PELO ARTIGO 12 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONARIEDADE POSSIBILIDADE DESVIO DE FINALIDADE NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS Além disso em que pese a discricionariedade conferida ao Poder Público para eleição dos membros do COPAM do Alto São Francisco temse que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais atacou a forma em que realizada a eleição porquanto não foram observados de fato o princípio da paridade e da legalidade porque não observado o estabelecido pelo artigo 23 do Decreto 4466707 Ao contrário do alegado pelo agravante apontou o Parquet sérias irregularidades no procedimento de escolha dos membros da Unidade Regional do COPAM do Alto São Francisco quais sejam a dupla representatividade da Associação de Usuários do Rio Pará acarretada pela eleição para composição da Unidade Regional Colegiada do COPAM do Alto São Francisco e a indicação para titular do assento de conselheiro de ente ligado ao setor produtivo sendo que a vaga destinase à sociedade civil organizada TJMG AI n 10223082467851001 Rel Des CARREIRA MACHADO in DOE de 20012010 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 468 para participar no processo de tomada de decisões que afetam suas vidas e que considerem este processo autoritário HELD 2001 p 30220 20 Tradução livre No original Si las personas saben que existen oportunidades para uma participación efectiva en la toma de decisiones es probable que crean que la participación merece la pena que participen activamente y que además defiendan la idea de que las decisiones colectivas deban ser obligatorias Por el contrario si las personas son sistemáticamente marginadas yo pobremente representadas es probable que crean que rara vez se tomarán em serio sus opiniones y preferencias se considerarán con el mismo peso que las de los demás o se valorarán en un processo imparcial o justo Por lo tanto es probable que encuentren pocas buenas razones para participar en los procesos de toma de decisiones que afectan a sus vidas y que consideren este processo autoritario HELD D Modelos de Democracia Versão espanhola de Teresa Albero Madrid Alianza Editorial 2001 p 302 REFERÊNCIAS ARAGÃO M A S O princípio do poluidor pagador pedra angular da política comunitária do ambiente Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra Coimbra Coimbra Editora1997 ARAGÃO M A S A natureza não tem preçomas devia o dever de valorar e pagar os serviços dos ecossistemas In Estudos em homenagem ao Professor Doutor Jorge Miranda Vol IV Coimbra Coimbra Editora SA 2012 p 8 BENJAMIM A H CANOTILHO J G LEITE J R M Org Direito constitucional ambiental brasileiro São Paulo Saraiva 2008 COSTANZA R et al The value of worlds ecosystem services and natural capital Nature V 387 p253 260 1997 p 253 DAHL R Sobre a democracia Tradução Beatriz Sidou Brasília Editora Universidade de Brasília 2001 DIAMOND J O mundo até ontem o que podemos aprender com as sociedades tradicionais Tradução Maria Lúcia de Oliveira 1 ed Rio de Janeiro Record 2014 HELD D Modelos de Democracia Versão espanhola de Teresa Albero Madrid Alianza Editorial 2001 p 302 LANCEIRO R T O direito de acesso à informação ambiental em Portugal alguns problemas In A trilogia de Aarhus os direitos à informação à participação e à justiça ambiental GOMES C A ANTUNES T coord Lisboa Instituto de Ciências JurídicoPolíticas 2015 MACHADO P A L Direito à Informação e Meio Ambiente São Paulo Malheiros Editores 2006 MARQUES F P A Convenção de Aarhus e as relações jurídicas administrativas multipolares In A trilogia de Aarhus os direitos à informação à participação e à justiça ambiental GOMES C A ANTUNES T coord Lisboa Instituto de Ciências JurídicoPolíticas 2015 MILARÉ E Direito do ambiente a gestão ambiental em foco doutrina jurisprudência glossário 7 ed rev atual e reform São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2012 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 469 Estes entraves a uma efetiva participação social na gestão ambiental acarretam em última análise obstáculos a uma maior democratização do Estado brasileiro É preciso buscar soluções alternativas que permitam que o modelo teórico da participação ambiental seja realmente efetivado 5 CONCLUSÃO Considerando o meio ambiente enquanto macrobem como um bem de uso comum do povo não há dúvida de que as externalidades ambientais negativas das atividades produtivas despertam o interesse de toda a sociedade Dado o interesse geral de todos mostrase necessário assegurar à população participação nos processos decisórios em relação às intervenções ambientais negativas Essa participação para que seja assegurada deve estar acompanhada de informações técnicas e compreensíveis em relação a essas intervenções MIRRA A L V Participação processo civil e defesa do meio ambiente 1 ed São Paulo Letras Jurídicas 2011 MIRRA A L V Princípios fundamentais do Direito Ambiental Revista de Direito Ambiental n 02 abril junho1996 p 50 Disponível em httpwwwdireitoambientaladvbr ambientalqpsRefPAIA 6SRNQ8 Acesso em 23mar2016 MOTA J A BURSZTYN M CÂNDIDO JÚNIOR J A ORTIZ R A A valoração da biodiversidade conceitos e concepções metodológicas In Peter H May Org Economia do Meio Ambiente teoria e prática 2 ed Rio de Janeiro Elsevier 2010 QUIJANO A Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas latinoamericanas LANDER E org Colección Sur Sur CLACSO Ciudad Autónoma de Buenos Aires Argentina setembro2005 pp227278 Disponível em httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibroslanderptQuijanortf Acesso em 30abr2016 SHETH D L Micromovimentos na Índia para uma nova política de democracia participativa Tradução Victor Ferreira In Democratizar a democracia os caminhos da democracia participativa Boaventura de Sousa Santos Org Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 SANTOS B S Org AVRITZER L Introdução para ampliar o cânone democrático In Democratizar a democracia os caminhos da democracia participativa Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc201938828 Revista de Direito da Cidade vol 11 nº 3 ISSN 23177721 pp 453470 470 Para tanto são fundamentais os instrumentos criados pelo Direito Ambiental para a aplicação dos princípios da participação e da informação A efetividade desses instrumentos porém está ainda longe do desejável A melhoria desse quadro passa necessariamente pela melhor estruturação da administração pública ambiental Para assegurar efetiva participação à população é preciso um Estado estruturado capaz de exigir informações ambientais qualificadas atuar com efetividade na sua checagem e disponibilizar a toda a população A partir de uma informação técnica e compreensível a população poderá se utilizar dos instrumentos disponibilizados para a sua participação assumindo protagonismo na defesa do meio ambiente um bem de uso comum do povo Trabalho enviado em 21 de janeiro de 2019 Aceito em 01 de outubro de 2019