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Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 679 GENTRIFICAÇÃO DECORRENTE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM CHAPECÓSC GENTRIFICATION ARISING OUT OF PUBLIC POLICIES FOR LAND REGULARIZATION IN CHAPECÓ SC Reginaldo Pereira 1 Karen Bissani 2 Resumo O trabalho analisa como processos de regularização fundiária desenvolvidos pelo Município de ChapecóSC aplicados como solução para políticas públicas de habitação de interesse social equivocadas e caracterizadas pelo direcionamento da cidade para a periferia com a consequente desqualificação dos componentes do espaço urbano desencadearam um processo de gentrificação O referencial teórico é construído a partir das medidas políticas de planejamento para o desenvolvimento sustentável das cidades constantes na Nova Agenda Urbana proposta pela Conferência Habitat III de 2016 O artigo descreve os reflexos aos direitos individuais coletivos e bens comuns causados por políticas públicas habitacionais ineficientes e quais as medidas foram implementadas pelo poder público municipal visando à correção de tais equívocos via regularização fundiária urbana Por fim o trabalho problematiza o fenômeno da gentrificação como resultado não esperado de ações de requalificação de áreas irregulares A pesquisa é analítica e o método utilizado é o indutivo Os dados são levantados pela consulta à bibliografia e a documentos relacionados aos processos de regularização fundiária implementados pela municipalidade em loteamentos públicos de seu domínio Palavraschave Conferência Habitat III Desenvolvimento Sustentável Habitação de Interesse Social Regularização Fundiária Gentrificação Abstract This work analyzes how the land regularization processes developed by the Municipality of Chapecó SC applied as a solution to public policies of poor social interest and characterized by the direction of the city towards the periphery with the consequent disqualification of the components of the urban space triggered a process of gentrification The theoretical framework built on the political planning measures for the sustainable development 1 Doutor em Direito UFSC Professor do Programa de PósGraduação Stricto Sensu UNOCHAPECÓ Líder do Grupo de Pesquisa Direito Democracia e Participação Cidadã UNOCHAPECÓ Membro da Rede de Pesquisa Nanotecnologia Sociedade e Ambiente RENANOSOMA Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ Brasil Email rpereiraunochapecoedubr 2 Mestre em Direito pela UNOCHAPECÓ Membro do Grupo de Pesquisa Direito Democracia e Participação Cidadã da Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ Brasil Email kbissanigmailcom Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 680 of cities in the New Urban Agenda proposed by the Habitat III Conference 2016 The article describes the reflexes to individual collective and common property rights caused by public housing policies inefficient and what measures did the municipal public authority aiming at correcting such misconceptions through urban land regularization implement Finally the work problematizes the phenomenon of gentrification as an unexpected result of actions to requalify irregular areas The research is analytical and the method used is the inductive one The data collected by consulting the bibliography and documents related to land regularization processes implemented by the municipality in public subdivisions of its domain Keywords Habitat III Conference Sustainable Development Housing of Social Interest Land regularization Gentrification Introdução Como resultado da terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável a chamada Habitat III realizada em Quito no Equador em 2016 surgiu a Nova Agenda Urbana NAU um documento que irá nortear os governos na busca pela urbanização sustentável pelos próximos vinte anos sendo considerada como uma extensão da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável A presente pesquisa propõe uma reflexão sobre a ineficácia de políticas públicas de habitação de interesse social e que culminaram em ações de regularização fundiária aplicadas em um cenário previamente delimitado os loteamentos públicos instituídos pelo Município de ChapecóSC para atender uma demanda de interesse social e que ao invés de resolver um problema de moradia em respeito ao direito social garantido constitucionalmente acabaram criando uma irregularidade existente por quase duas décadas Desde que foram implantados os loteamentos públicos municipais apresentaram irregularidades causando problemas de toda ordem desde questões jurídicas urbanísticos ambientais e até mesmo sociais Interessa demonstrar como intervenções públicas que teriam o objetivo de facilitar o acesso ao solo urbanizado para população de baixa renda com o intuito de resolver o problema habitacional se transformaram em canais de segregação e consequentemente de gentrificação O termo gentrificação foi criado para explicar um fenômeno de repovoamento espontâneo de bairros desvalorizados em Londres por famílias de classe média ocorrido no início anos 1960 contudo com o advento da globalização esse fenômeno acabou sendo identificado em outros países e por consequência teve a sua conceituação ampliada Os argumentos que demonstram a ocorrência de gentrificação decorrente de políticas públicas de regularização fundiária na cidade de ChapecóSC serão apresentados em três fases a primeira fase trata da escolha da localização das áreas pelos gestores públicos ou seja locais Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 681 afastados sem infraestrutura básica adequada sem contar a ilegalidade cometida pelo próprio ente público que deixou de registrar o parcelamento do solo Na segunda fase observase que depois de passados muitos anos ainda persiste o abandono e a falta de investimentos em infraestrutura por parte do poder público municipal A cidade cresceu rapidamente na última década e as áreas antes longínquas e periféricas passaram a figurar entre os bairros nobres assim a pressão pela regularização fundiária destas áreas cresceu intensamente na mesma proporção que o mercado informal de lotes irregulares praticado livremente e sem qualquer controle municipal A revitalização das áreas e o impacto causado pelo programa regularização fundiária promovido pela municipalidade desde 2017 representa a terceira fase do processo de gentrificação Com a regularização jurídica e a urbanização dos loteamentos ocorre a valorização dos imóveis aumentando os negócios de compra e venda nestas áreas Como consequência da especulação imobiliária observase alguns casos de expulsão dos moradores dos loteamentos públicos para outras áreas da cidade A importância de registrar e acompanhar esse processo de gentrificação se dá no sentido de observar como políticas públicas de habitação de interesse social ineficazes podem acabar se tornando soluções inaptas a criar condições para o exercício do direito à moradia digna Da mesma forma se constata como ações curativas ou seja políticas públicas de regularização fundiária podem desencadear inesperadamente um processo de gentrificação urbana 1 A Conferência Habitat III Em outubro de 2016 foi realizada a 3ª Conferência das Nações Unidas tratando sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável chamada de Habitat III na cidade de Quito no Equador tendo reunido cerca de 40 mil pessoas e abrangendo delegados de 193 países A Conferência é a continuação de um programa promovido pela ONU Organização das Nações Unidas que acontece a cada 20 anos desde 1976 sendo que o primeiro ano ocorreu em Vancouver no Canadá O objetivo destas conferências é de uma maneira geral fazer uma inserção política buscando a consolidação e o aperfeiçoamento das instituições democráticas na formulação de políticas públicas voltadas ao urbanismo sustentável CAUGO 2016 Na Conferência Habitat III foi aprovada uma Nova Agenda Urbana NAU visando dar subsídios para o enfretamento dos desafios da urbanização global Esta agenda tem como objetivo guiar o trabalho das nações estados municípios programas internacionais programas Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 682 da Organização das Nações Unidas ONU e da sociedade civil pelos próximos vinte anos As conferências internacionais compõemse de espaços para elaboração de diretrizes passíveis de implementação pelos países participantes culminando em impactos positivos para toda a sociedade MORAIS 2017 Neste ponto são cabíveis duas observações sob o enfoque do direito internacional público Em primeiro lugar importa destacar que as declarações emitidas pela Organização das Nações Unidas ONU são documentos elaborados com sólida construção diplomática Isso porque sabese que é muito difícil construir um documento a ser firmado por quase duzentos países com diferentes culturas influenciados por distintas religiões com situações econômicas e políticas diversas Assim a construção de consensos é a premissa básica utilizada além do que muitas concessões são necessárias e precisam ser feitas durante o processo Por vezes a maneira mais fácil de obter o consenso em um documento firmado por um número tão grande de países é através da descrição dos objetivos de forma mais genérica possível ALFONSIN SALTZ VIVAN FILHO FACCENDA FERNANDEZ MULLER 2017 Em um segundo momento se observa o valor legal atribuível a um documento como o que foi produzido pela Habitat III ou seja a Nova Agenda Urbana NAU Segundo autores da área do direito internacional público documentos resultantes deste tipo de conferência são considerados como soft law isto é são fontes de direito internacional mas não dotados de cogência Dessa forma tratandose da sua aplicação efetiva preocupouse não apenas em garantir que os estados editassem marcos normativos suficientes para a aplicação dos instrumentos de transformação nela estabelecidos mas igualmente pretendeuse impedir hipóteses de retrocesso ALFONSIN SALTZ VIVAN FILHO FACCENDA FERNANDEZ MULLER 2017 Especificamente nesta Conferência em Quito cada país entregou um relatório elencando o andamento de políticas internas sobre os temas debatidos no fórum Pelo Brasil o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPEA juntamente com a Secretaria de Relações Institucionais SRI da Presidência da República o Conselho Nacional das Cidades ConCidades e o Ministério das Cidades apresentou um relatório específico para a Habitat III Segundo o coordenador da pesquisa Renato Balbim o relatório baseouse na recomendação da ONU de que a pesquisa fosse realizada de forma participativa e abarcasse os mais diversos níveis institucionais tendo sido recebidas informações e contribuições diversas organizações da sociedade civil e de governos locais MORAIS 2017 Como resultado do trabalho empregado na Conferência a Nova Agenda Urbana NAU reconheceu que as áreas urbanas são os principais polos de desenvolvimento econômico em Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 683 todo o mundo contudo são marcadas por grandes desigualdades sociais e estão expostas a diversos conflitos especialmente fundiários O ponto mais relevante da NAU é reconhecer o direito à cidade ou seja o direito que de todo cidadão tem de usufruir dos serviços e da infraestrutura que as cidades oferecem tornandose bastante relevante em face das desigualdades existentes em muitos países como por exemplo no Brasil O documento produzido na Conferência defende a diminuição da pobreza com a participação social nos processos decisórios e formas de governança mais articuladas com a sociedade particularmente nas áreas metropolitanas CAUGO 2016 A questão principal é como implementar as propostas trazidas pela Nova Agenda Urbana NAU e conscientizar os governos locais considerados como protagonistas destas ações da importância na implementação das medidas propostas e que muitas vezes se limitam a execução de políticas locais Ainda que o documento tenha deixado muito a desejar em termos de como será sua implementação o fato é que a comunidade mundial deve se mobilizar para cumprir tais metas em especial ao tratarse do quadro dramático apresentado nas cidades ocasionado pelo crescimento urbano desordenado As ações ou políticas públicas devem buscar a organização das cidades de forma mais justa democrática e sustentável através de espaços e construções de qualidade acessíveis e integrados CAUBR 2016 2 Os instrumentos da Política Brasileira de Desenvolvimento Urbano O crescimento do mercado imobiliário brasileiro na última década se deu em virtude da expansão econômica do país afinal uma economia fortalecida garante condições favoráveis para o investimento em imóveis Da mesma forma a globalização dos mercados e aumento das exportações elevaram os índices produtivos das indústrias gerando mais renda e atraindo os moradores de zona rurais às cidades polos Esse aumento desenfreado da população urbana entre outros motivos fez com que surgissem dezenas ou milhares de parcelamentos do solo clandestinos ou irregulares onde nasce a irregularidade fundiária Sabese que o desenvolvimento econômico implica diretamente no desenvolvimento urbano assim o problema da organização dos espaços físicos das cidades bem como a própria concepção de propriedade urbana carece de uma maior atenção dos poderes estatais Um dos maiores desafios enfrentados pelos gestores públicos brasileiros atualmente é o déficit habitacional verificado especialmente nas grandes cidades Além disso os municípios ainda precisam lidar com as ocupações irregulares que se proliferam diária e rapidamente ocupando principalmente áreas públicas e ambientalmente protegidas causando um enorme Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 684 impacto com inúmeras implicações sociais econômicas ambientais e jurídicas CARDOSO 2008 A partir da Constituição Federal especificamente do seu artigo 30 BRASIL 1988 passou a ser competência dos municípios traçar o planejamento urbano municipal objetivando a ordenação territorial mais adequada entre outras competências de desenvolvimento econômico local e demais intervenções nos assentamentos humanos tornandose assim um dos principias implementadores das diretrizes traçadas pelos programas das Organizações das Nações Unidas Mas somente em 2001 com a aprovação do Estatuto da Cidade é que diversos instrumentos jurídicos foram criados para dar suporte ao enfrentamento das questões urbanas sociais e ambientais que afetam a vida da população BRASIL 2001 Desde então as políticas habitacional e urbana ganharam um posto de destaque na agenda de políticas nacionais tendo sido em grande parte precursoras de novas práticas e alimentadas pelas diretrizes contidas no Estatuto da Cidade Iniciando pelo Programa Nacional de Habitação elaborado em 2004 e na sequência com a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social em 2005 concedendo tratamento federativo ao direito à moradia Ainda podese citar inúmeras iniciativas que foram estimuladas pelo Governo Federal que realizou uma ampla campanha nos estados e municípios e os apoiou na elaboração de seus planos locais de habitação IPEA 2016 Paralelamente a divulgação e incentivo à implementação do novo ordenamento jurídico o Governo Federal reforçou a estrutura governamental voltada à política de habitação criando o Ministério das Cidades em 2003 Desde então intensificaramse as ações no sentido da implementação de políticas públicas de habitação e regularização fundiária Muito embora os municípios brasileiros possam se valer de um grande leque de instrumentos legais e facilitadores ainda tem dificuldades em estabelecer programas locais e apresentar projetos específicos para este fim CARDOSO 2008 Por determinação legal os municípios brasileiros devem adotar políticas e planos de habitação de interesse social objetivando diminuir o enorme déficit por moradia que faz parte da realidade das cidades brasileiras Não é demais lembrar que este déficit afeta principalmente a população de baixa renda e moradores de áreas irregulares onde a carência por moradia é caracterizada principalmente pela insegurança na posse CARDOSO 2008 O combate à expansão de ocupações informais deveria iniciar com ações preventivas ou seja existe a necessidade de se criarem oportunidades habitacionais para a população de baixa renda em porções do território urbanizado pois apenas o controle e a coerção de novas ocupações não são suficientes para bloquear as construções de moradias em áreas irregulares Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 685 Sendo assim merece destaque as diretrizes defendidas pelo governo brasileiro colocadas no documento preparatório apresentado na Habitat III COSTA 2016 p 342 é fundamental estruturar uma política fundiária que assegure áreas para a promoção em larga escala de moradias para famílias de baixa renda de modo a possibilitar o enfrentamento do déficit habitacional Tal política deve levar em conta tanto o aproveitamento do território urbanizado em especial dos vazios urbanos quanto a promoção de novos bairros no território de expansão urbana de modo a qualificar essas novas áreas com o mesmo padrão de urbanização das áreas centrais das cidades bem servidas de empregos serviços públicos e infraestrutura De modo particular também deve ser considerada a produção de moradias nas áreas rurais porém com padrões de ocupação diferentes adequados ao contexto ambiental dessas áreas O déficit habitacional no Brasil se apresenta como um enorme problema social e econômico ainda não superado e com um significativo impacto na configuração urbana das cidades Inicia pela falta de infraestrutura adequada passa pela inexistência de novas oportunidades habitacionais promovidas pelo poder público e privado e culmina nas pressões fundiária e ambiental decorrentes das formas alternativas adotadas pela população de baixa renda para a produção de moradia Não se pode esquecer que a trajetória da política habitacional brasileira é marcada por décadas de acúmulo de um passivo de falta de moradia de interesse social somada as soluções habitacionais que apesar de pretenderem o atendimento das necessidades das classes mais baixas tiveram ao longo de seu percurso mudanças que acabaram desviando a sua finalidade Aqui se destaca uma característica da produção habitacional promovida pelo poder público qual seja a localização dos empreendimentos geralmente implementados nas periferias das cidades distantes da infraestrutura urbana implantada reforçando a desigualdade social por meio da exclusão territorial e do cerceamento do direito à cidade MARGUTI 2018 A condução da política econômica nos últimos anos em nosso país tem desafiado os municípios a absorverem um crescimento populacional e sustentálo sem planejamento adequado retirando da maioria da população o direito à moradia digna garantido constitucionalmente Numa perspectiva em que o problema da moradia possa ser integrado à questão do direito à cidade é possível perceber que as reivindicações em relação à habitação surgem de várias formas ou seja passa pela solução dos graves problemas de infraestrutura dos assentamentos bem como pela construção de moradias para atender ao número cada dia maior de famílias carentes culminando nas questionáveis obras de urbanização executadas em áreas periféricas das cidades MOTTA 2017 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 686 3 Os Loteamentos Públicos em ChapecóSC A ineficiência da política habitacional existente em ChapecóSC associado às ocupações de áreas irregulares no início da década de 1990 já era bastante significativo Somase a isso o fato de estarem sendo aplicadas ações políticas de forma desarticuladas De qualquer modo não houve nos anos 1990 uma política habitacional estruturada dirigida às áreas irregulares no município A esta lacuna podese associar o intenso crescimento do número de assentamentos irregulares e da população neles residente ao longo da última década RIGON 2011 Em 1995 instituise por decreto municipal pela primeira vez o Conselho Municipal de Habitação e regulamentouse o Fundo Municipal para Habitação Popular posteriormente revogado em 2001 também por decreto municipal que no mesmo ato redefiniu as competências do Conselho como um órgão de participação direta da comunidade na gestão da política habitacional de interesse social do município com a finalidade de propor e deliberar sobre diretrizes planos programas e fiscalizar a execução dessa política bem como pela aprovação de recursos do fundo para a habitação popular A partir de então foram sendo adquiridas inúmeras áreas localizadas na periferia da cidade onde foram projetados loteamentos públicos para famílias de baixa renda selecionadas através de critérios previamente definidos As famílias foram autorizadas a edificarem suas residências sem que houvesse qualquer registro destes loteamentos Da mesma forma não houve nenhuma preocupação do poder público na época com a infraestrutura dos loteamentos que na sua maioria não possui sistema de esgoto sanitário tão pouco ruas pavimentadas ou drenagem pluvial Segundo informações fornecidas pela Prefeitura Municipal de Chapecó existem atualmente cerca de 1200 lotes públicos irregulares advindo destes loteamentos criados no final da década de 1990 ou sejam ocupados há quase vinte anos onde os moradores na sua maioria tem contrato habitacional assinado com a municipalidade e um financiamento habitacional com valores subsidiados pelo Programa Municipal de Habitação de Interesse Social cujos requisitos para acesso foram atualizados através da Lei Municipal nº 7063 de 24 de novembro de 2017CHAPECO 2017 Essa situação atravessou quase duas décadas sem que houvesse nenhuma solução para o problema não obstante até 2011 quando o trabalho de regularização fundiária efetivamente tomou corpo essa matéria era vista como um problema jurídico impossível de ser resolvido Essa perspectiva começou a mudar com a aprovação da Lei Complementar nº 559 de 10 de Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 687 dezembro de 2015 CHAPECO 2015 que autorizou a intervenção pública para realização do maior projeto de regularização fundiária já executado no município a regularização fundiária do Quadro Bormann no Distrito de Marechal Bormann A partir de então houve uma mudança de paradigma e começouse a perceber a regularização fundiária como um processo complexo contudo possível de ser executado Surgiu ainda a necessidade de também serem resolvidos os problemas existentes nas áreas públicas adotandose a ideia de uma política pública de regularização fundiária independente da habitação de interesse social e voltada especificamente aos loteamentos públicos De uma forma muito simples Secchi 2017 define política pública como o tratamento para um problema público ou seja a tentativa de intervenção para a resolução de um problema público entendido como coletivamente relevante no presente caso o déficit habitacional Ocorre que por conta da ilegalidade da sua implementação a política pública habitacional não alcançou o objetivo proposto qual seja proporcionar as comunidades envolvidas o acesso à terra urbanizada A proposta de uma solução viável para resolver a irregularidade dos loteamentos públicos foi lançada em outubro de 2016 e assim pela primeira vez a história recente da cidade o tema regularização fundiária tornouse o centro das atenções Com a instituição do Programa de Regularização Bairro Legal pela Lei Municipal nº 6984 de 1º de março de 2017 CHAPECÓ 2017 criouse um novo marco legal em termos de política pública de regularização fundiária com ações voltadas ao enfrentamento dos problemas fundiários no município 4 O Programa Municipal de Regularização Bairro Legal Em 11 de julho de 2017 foi publicada a nova lei federal nº 13465 alterando o procedimento administrativo de regularização fundiária federal e que vem sendo considerada por especialistas como o novo Estatuto Fundiário Brasileiro BRASIL 2017 Esta lei foi concebida com a promessa de desburocratizar simplificar e agilizar os processos de regularização fundiária e acabou se tornando um importante instrumento para os municípios O instrumento legal existe entretanto cabe aos gestores públicos decidirem enfrentar os problemas fundiários em seus municípios ou arcarem com as consequências da ausência de políticas públicas voltadas a regularização fundiária Os municípios figuram agora como protagonistas dos processos de regularização e na prática o maior desafio é realizar o trabalho técnico no âmbito municipal que compreendo os levantamentos necessários a execução dos projetos e quando for o caso a aprovação de lei Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 688 específica com os índices urbanísticos exclusivos para cada área a ser regularizada Tratandose de loteamentos públicos o trabalho é ainda mais complexo O princípio basilar da regularização fundiária é a transformação da posse em propriedade mas nos casos em que o poder público municipal subsidia os lotes de interesse social para aqueles que cumpram os requisitos para serem beneficiados por meio de um contrato de financiamento habitacional essa transferência fica condicionada ao seu pagamento total o que torna necessária a aplicação de um instrumento que transfira a propriedade somente após a quitação do contrato PEREIRA BISSANI 2017 A primeira ação política implementada pela municipalidade para que a regularização fundiária avançasse no município foi uma reforma administrativa ocorrida no final de 2016 que extinguiu a Secretaria Municipal de Habitação e criou duas Diretorias uma voltada a habitação de interesse social e outra especificamente para a regularização fundiária seguindo uma tendência ditada pelo Governo Federal que ao aprovar a nova lei de regularização fundiária revogou o capítulo existente sobre o tema dentro da lei que trata da política pública de habitação nacional a Minha Casa Minha Vida A divisão e a diferenciação das duas políticas públicas se justifica pois tratamse de momentos diferentes com implementação de ações distintas a primeira é de caráter preventivo e a segunda curativo Diante da possibilidade de o próprio ente público regularizar suas áreas ou seja os loteamentos públicos implantados ocupados e sem registro e decidiuse criar um programa que pudesse delinear a forma com que este trabalho seria executado surgiu então o Programa de Regularização Bairro Legal instituído por lei municipal tendo como objetivo principal detalhar as ações jurídicas urbanísticas ambientais e sociais relacionadas à regularização e urbanização das Áreas de Interesse Social de propriedade do Município de Chapecó sendo que o projeto piloto foi o Loteamento de Interesse Social Vila Betinho localizado no Bairro Bom Pastor PEREIRA BISSANI 2017 A partir da análise do mapa da área urbana da cidade de ChapecóSC figura 1 verifica se a existência de loteamentos públicos irregulares em vários bairros da cidade Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 689 Figura 1 Mapa das áreas em processo de regularização fundiária Fonte Prefeitura Municipal de Chapecó Edição Júlie M Engler 2018 Depois de instituída a nova política pública de regularização fundiária uma das primeiras ações foi a elaboração de um cronograma de trabalho tomando como base o procedimento administrativo criado pela nova lei de regularização fundiária de 2017 que possibilitou em Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 690 regime de mutirão o envio de dezesseis projetos de lei à Câmara de Vereadores entre os anos de 2017 e 2018 todos solicitando autorização legislativa para flexibilização de índices urbanísticos nos loteamentos públicos contidos no Programa Bairro Legal Concedida a autorização legislativa para aprovação da municipalidade o projeto de regularização fundiária do loteamento seguia para o devido registro O objetivo do programa delineado na lei municipal que o criou não foi apenas a regularização jurídica das áreas mas também sua urbanização através da execução das obras de infraestrutura básica e melhoria das áreas institucionais disponíveis O impacto positivo desse trabalho pode ser observado com o registro dos loteamentos no Cartório de Registro de Imóveis e que tem como pressuposto maior devolver a dignidade à essas comunidades 5 A gentrificação como resultado de políticas públicas de regularização fundiária urbana O termo gentrification ou gentrificação teria sido utilizado pela primeira vez por Glass 1963 no início dos anos 1960 para descrever um processo onde famílias de classe média de Londres teriam ocupado antigos bairros desvalorizados do centro da cidade A autora manteve o foco na especulação criada pelo mercado imobiliário e na substituição da população mais pobre pela nova classe média contudo inúmeros autores retomaram esse termo e outros o empregaram de maneira mais ampla Ao expor o movimento ocorrido em certos bairros de Londres provocado pela elite da classe média londrina a autora faz o seguinte relato Uma vez que este processo de gentrificação comece em um distrito ele continua rapidamente até que todos ou a maioria dos ocupantes da classe trabalhadora sejam deslocados e todo o caráter social do distrito seja mudado Assim a gentrificação significa para ela restaurar um bairro para novos habitantes e em detrimento dos residentes atuais 3 MOSKOWITZ 2017 BidouZachariasen 2016 pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique foi uma das primeiras pesquisadoras a tratar sobre o surgimento de novas classes médias e dos processos de gentrificação nos grandes centros urbanos na França Dedicouse a reunir uma coletânea de estudos de casos sobre processos de revitalização de zonas centrais de 3 Tradução livre do original The author in her book London Aspects of Change described the upheaval of certain neighborhoods in London by the midddleclass gentry from the countryside Glass has wrote Once this process of gentrification starts in a district it goes on rapidly until all or most of the working class occupiers are displaced and the whole social character of the district is changed Even then gentrification meant remaking a neighborhood for new incomers and to the detriment of current residents Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 691 cidades europeias e latinoamericanas sendo que todas as experiências relatadas mostram um modelo diferente de gentrificação A autora adota o conceito Hamnet 1984 que descreve gentrificação da seguinte maneira Um fenômeno ao mesmo tempo físico econômico social e cultural Ela implica não apenas uma mudança social mas também uma mudança física do estoque de moradias na escala de bairros enfim uma mudança econômica sobre os mercados fundiário e imobiliário É esta combinação de mudanças sociais físicas e econômicas que distingue a gentrificação como um processo ou conjunto de processos específicos Pesquisas sobre gentrificação realizadas nos últimos anos tem fixado seu conceito por meio da indicação de casos ou situações que apesar de não abarcarem todos os requisitos da definição tradicionalmente aceita se encaixariam na rede conceitual da gentrificação abrindo suas possibilidades bem como seu significado A justificativa desta necessidade seria por conta da globalização do fenômeno e pelas particularidades assumidas pelo processo em cidades com contextos sociais e econômicos diferentes como por exemplo no caso das cidades latino americanas RIBEIRO 2018 Recentemente houve uma ampliação deste termo por Sassen 1996 que o utiliza para marcar a ascensão da gentrificação e dos gentrificadores e que segundo a sua tese são aqueles que servem à nova economia mundial isto é às classes dominantes ou as chamadas burguesias tradicionais O sentido de cidade global cunhado pela autora é da marginalização da classe operária e sua substituição por uma classe de pequenos comerciantes que correspondem a uma nova economia BIDOUZACHARIASEN 2006 Esse fenômeno tem sido invocado para explicar projetos em locais distintos muitas vezes sem uma reflexão mais apurada sobre seu efetivo cabimento nestas situações É neste contexto de reestruturação urbana que se produzem cidades altamente fragmentadas especialmente nas questões sociais onde a gentrificação se insere como um processo de elitização de determinadas áreas com a substituição da população local por moradores com um maior poder aquisitivo consequência do incremento de infraestrutura eou requalificação urbana RIBEIRO 2018 O crescimento da desigualdade na habitação nos coloca frente a frente com um paradoxo central da forma como o capitalismo ainda hoje influencia o processo de urbanização O agrupamento de talentos indústria investimento e outros ativos econômicos em pequenas partes das cidades e áreas metropolitanas é ao mesmo tempo o principal motor do Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 692 crescimento econômico e o maior impulsionador da desigualdade A capacidade de comprar e possuir moradia muito mais do que renda ou qualquer outra fonte de riqueza é um fator significativo nas crescentes divisões entre os ganhadores e perdedores da economia4 EDSALL 2018 A gentrificação muitas vezes não fica limitada ao espaço urbano pois muitos desses processos acontecem também em áreas periféricas das cidades como nos casos de retiradas de comunidades para dar espaço a novos projetos ambientais orquestrados por grandes empresas que ao final das contas visam somente o lucro Gold e Lewis 2017 p 23 abordam um tipo de gentrificação possivelmente derivada da gentrificação urbana a chamada gentrificação verde Os autores apresentam alguns exemplos de gentrificação verde nos Estados Unidos bem como no segundo capítulo senta um conceito assim definido Situamos o conceito de gentrificação verde dentro de amplos processos sociais que produzem e reproduzem a desigualdade na sociedade Usamos o termo gentrificação verde para descrever um subconjunto da gentrificação urbana O processo de gentrificação verde é iniciado por meio da ecologização de iniciativas que criam ou restauram amenidades ambientais5 A gentrificação urbana e a gentrificação verde contribuem uma com a outra pois a gentrificação urbana criou um cenário para a ecologização e esse fator aumentou a gentrificação verde embora não esteja claro qual das suas veio primeiro Além desse processo de crescimento interativo os autores argumentam que a ecologização tem um efeito independente e direto na gentrificação Em outras palavras um evento de ecologização por si só poderia gerar um processo de gentrificação No entanto ambas as direções causais têm implicações distributivas e ambas têm o efeito de fornecer maior acesso a facilidades ambientais para grupos mais ricos e poderosos6 GOLD LEWIS 2017 4 Tradução livre do original The rise in housing inequality brings us face to face with a central paradox of todays increasingly urbanized form of capitalism The clustering of talent industry investment and other economic assets in small parts of cities and metropolitan areas is at once the main engine of economic growth and the biggest driver of inequality The ability to buy and own housing much more than income or any other source of wealth is a significant factor in the growing divides between the economys winners and losers 5 Tradução livre do original We situate the concept of green gentrification within broad social processes that produce and reproduce inequality in society We use the term green gentrification to describe a subset of urban gentrification The process of green gentrification started by greening initiatives that create or restore environmental amenities 6 Tradução livre do original The neighborhood gentrification and the park redevelopment contributed to each other for the nascent gentrification created a local constituency for greening and the greening increased the gentrification though it is not clear which came first In addition to this iterative growth process we argue that greening has an independent and direct effect on gentrification In other words a greening event on its own can generate gentrification Nevertheless both casual directions have Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 693 Para o geógrafo britânico Harvey 2012 uma cidade surge de diversas maneiras e segue crescendo tanto quanto os seus problemas Algumas áreas recebem menos investimento público do que outras que ficam abandonadas mas continuam existindo de acordo com sua realidade Com o tempo essas áreas despertam o interesse do setor imobiliário por diferentes motivos em nosso contexto a localização das áreas públicas que antes estavam na periferia e atualmente ocupam áreas centrais agora se tornam privilegiadas Então a partir de um projeto de revitalização destas áreas aumentando o seu valor comercial acarretará um processo de gentrificação ou seja as pessoas que vivem em terrenos caros de alguma forma poderão ser forçadas a sair constituindo o que o autor chama de reurbanização para expulsão Sassen 2016 p 255 tratando sobre o fenômeno das expulsões e a complexidade na economia global afirma que é necessário capturar o lugar e o momento visível de expulsão antes que nos esqueçamos dele destacando que Os moradores de aldeias e os pequenos agricultores expulsos de suas terras por causa da introdução de plantações de palmeiras em seguida se materializam como habitantes de favelas em vastas megacidades completando o apagamento de seu passado como pequenos agricultores Sabese que o poder público municipal possui um importante papel no planejamento e gestão do espaço urbano da cidade devendo criar regras para o desenvolvimento local de forma sustentável Conforme mencionado anteriormente identificouse falhas significativas na aplicação das políticas públicas de habitação de interesse social gerando uma série de problemas que levaram a ocorrência de um processo de gentrificação e que pode ser dividido em três fases A primeira fase do processo de gentrificação identificado nos loteamentos públicos foi no momento da escolha da localização das áreas pelos gestores públicos ou seja na periferia da cidade afastadas dos serviços públicos essenciais e sem infraestrutura básica mínima exigida pela Lei de Parcelamento Urbano BRASIL 1979 dando a impressão de que o objetivo era de fato esconder a pobreza uma forma clara de segregação e isolamento desses grupos de pessoas em função da sua condição econômica e social No mesmo sentido a supracitada norma urbanística criminaliza em seu artigo 50 dar início de qualquer modo ou efetuar loteamentos ou desmembramentos do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente Assim a ilegalidade cometida pelo próprio ente público que deixou de registrar o parcelamento de solo contraria não só a distributional implications They both have the effect of providing greater access to environmental amenities to richer more powerful groups Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 694 legislação urbanística nacional mas também o Plano Diretor Municipal que exige dos particulares o prévio parcelamento de solo para posterior comercialização dos lotes desviando o eixo de responsabilidade direto à municipalidade O que caracteriza a segunda fase do processo de gentrificação advindo de uma política pública habitacional desastrosa é que passados quase vinte anos o abandono e a falta de investimentos em infraestrutura por parte do poder público municipal é visível em todos os loteamentos As famílias residentes nestas áreas foram esquecidas pelo poder público e para sobreviver criaram as suas próprias regras de uso e ocupação do solo em especial no que diz respeito as edificações das suas residências que não obedecem a legislação municipal vigente pondo em risco a vida desses cidadãos Indiscutivelmente a cidade cresceu rapidamente na última década e as áreas que antes eram consideradas isoladas e escondidas passaram a figurar entre os bairros nobres A pressão pela regularização destas áreas cresceu especialmente porque ao finalizarem o pagamento do seu financiamento habitacional junto ao Município o caminho natural seria a transferência dos títulos de propriedade aos beneficiados contudo essas famílias estão impedidas de realizar tal procedimento visto que sem o registro do loteamento não houve a individualização dos lotes o que impede sua transferência demonstrando novamente a dimensão do descaso com essas comunidades Esse distanciamento entre o poder público e as comunidades afetadas teve como consequência o crescimento de um mercado informal de lotes públicos praticado livremente e sem qualquer controle pela municipalidade deixando de respeitar em muitos casos os requisitos previstos em lei para acesso ao programa municipal de habitação de interesse social Passadas as duas primeiras fases ingressase na terceira e última fase que caracteriza o processo de gentrificação decorrente de ações visando a regularização fundiária das áreas e implementadas em 2017 Estimase que regularização jurídica e a urbanização dos loteamentos públicos devem causar impactos que poderão ser sentidos em toda a cidade a longo prazo afinal são mais de 1000 lotes regularizados Com a revitalização das áreas ocorre a valorização dos imóveis os negócios de compra e venda aumentam e como consequência da especulação imobiliária observase a expulsão dos moradores dos loteamentos públicos para outras áreas da cidade Para Correia 2017 é necessário um exercício de compatibilização entre a nova legislação sobre regularização fundiária e o arcabouço normativo local mantendose intacto o conceito de regularização fundiária plena e sempre precedida da urbanização da área em que se pretende intervir Haveria ainda a necessidade de se preservar as Áreas de Especial Interesse Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 695 Social já criadas por lei de modo a tentar evitar a gentrificação sem coibir a autonomia do indivíduo de dispor de seu patrimônio mesmo em se tratando de pessoas de baixa renda num ciclo virtuoso redistributivo em prol de uma cidade menos desigual Como forma de evitar a gentrificação ou seja a mudança da pobreza de lugar ou melhor das áreas revitalizadas e valorizadas para novas áreas irregulares seria necessário que esses projetos de regularização fundiária fossem conduzidos com a participação da comunidade beneficiada desenvolvendo um verdadeiro sentimento de pertencimento ao local por seus moradores o que impediria a sua expulsão permitindo que os mesmos pudessem usufruir de todos benefícios advindos da regularização fundiária A ideia da participação popular para a formulação de políticas de desenvolvimento urbano objetivando garantir o cumprimento da função social das propriedades privadas em prol da coletividade vem do proposto pelo Estatuto da Cidade que se voltou ao interesse social no processo de urbanização promovendo o bemestar social modificando o comportamento tanto dos particulares e quanto do governo Dessa forma em busca pela sustentabilidade devese procurar a construção de um ambiente urbano a partir de atitudes mais justas preservando e respeitando os ambientes naturais e urbanos como forma a contribuir para um planejamento sustentável das cidades brasileiras PROVIN 2018 A adoção de políticas públicas voltadas a regularização fundiária como um instrumento à sustentabilidade urbana romperia com o ciclo vicioso das ocupações irregulares caraterizado pela ocupação de áreas sem valor econômico ou ambientalmente protegidas por famílias de baixa renda e por consequência evitaria que processos de gentrificação urbana continuassem a castigar a população carente que notadamente não consegue ter acesso à lotes regularizados CONCLUSÃO A elaboração de ações ou políticas públicas habitacionais de interesse social deveriam ser pensadas de uma forma articulada objetivando um enfrentamento dessa problemática contudo apesar de todos os avanços no que tange aos conceitos que norteiam a política habitacional em sua maioria são desenvolvidas de forma ineficiente e descontínua apresentando incapacidade de atender a população de baixa renda sem contar a inexistência de recursos financeiros suficientes e na falta de capacidade institucional de gestão por parte dos entes governamentais A tentativa de solução do problema fundiário em ChapecóSC em especial aquele causado pela ineficácia de políticas públicas de habitação de interesse social implantadas pelo Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 696 poder público municipal na década de 1990 se materializou na criação do Programa de Regularização Bairro Legal que teve como ponto central a regularização jurídica e a urbanização como forma de requalificação dos loteamentos públicos municipais A complexidade de um processo de regularização fundiária ainda é pouco conhecida pelos gestores públicos especialmente por tratarse um tema relativamente novo apesar das ocupações irregulares acontecerem na maioria dos municípios brasileiros há algumas décadas Dessa forma existe uma grande dificuldade de se planejar e implementar uma políticas públicas de regularização fundiária e que pensem no processo de revitalização das áreas como um todo e não somente em partes Para se ter êxito e manter os projetos sustentáveis é preciso esgotar todos os níveis de participação popular como por exemplo a realização de audiências públicas permitindo que a comunidade participe de forma efetiva opinando quanto aos assuntos inerentes a sua realidade É exatamente neste sentido uma das principais alterações ocorridas na nova lei de regularização fundiária de 2017 qual seja a modificação do conceito de regularização fundiária que antes tratavase de um conjunto de medidas visando à regularização dos assentamentos e agora destinase à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial Assim tanto políticas públicas de habitação de interesse social quanto ações de regularização fundiária devem necessariamente culminar na inclusão das comunidades carentes à cidade urbanizada A melhor solução seria a articulação de ambas as políticas O processo de gentrificação derivado da aplicação de políticas de regularização fundiária criadas pelo poder público municipal e descrito neste trabalho em três fases distintas pode ser observado levando em consideração a falta de sustentabilidade dos projetos de regularização Alguns impactos podem ser mensurados na realização de um processo de regularização fundiária entretanto a expulsão dos moradores dos loteamentos públicos regularizados em especial por conta da especulação imobiliária foi em parte inesperado e de alguma maneira acabou desvirtuando o objetivo principal da regularização fundiária que é devolver a dignidade ao seus moradores Construir formas de se evitar a gentrificação urbana ou seja que a pobreza apenas mude de lugar depende de vários fatores contudo podese citar a participação popular nos projetos como forma de dar sustentabilidade aos mesmos O fato é que a gentrificação como forma de segregação precisa de ser combatida possibilitando a multiplicação de ações coletivas que a longo prazo possam tornarse políticas públicas consistentes e sustentáveis REFERENCIAS Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 697 ALFONSIN Betânia de Moraes SALTZ Alexandre Saltz VIVAN FILHO Gerson Tadeu Astolfi FACCENDA Guilherme FERNANDEZ e Daniel Fernandez MULLER Renata Das Ruas de Paris a Quito O Direito à Cidade na Nova Agenda Urbana HABITAT III Revista de Direito da Cidade vol 09 nº 3 pp 12141246 2017 Disponível em httpswwwe publicacoesuerjbrindexphprdcarticleview29236 Acesso em 15 jun 2018 BIDOUZACHARIASEN Catherine De volta à cidade dos processos de gentrificação às políticas de revitalização Tradução Helena Menna Barreto Silva São Paulo Annablume 2006 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Distrito Federal Senado Federal Centro Gráfico 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 11 out 2018 BRASIL Presidência da República Lei nº 10257 de 10 de julho de 2001 Regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbr Acesso em 11 out 2018 BRASIL Presidência da República Lei nº 13465 de 11 de julho de 2017 Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União Disponível em httpwwwplanaltogovbr Acesso em 11 out 2018 BRASIL Presidência da República Lei nº 6766 de 19 de dezembro de 1979 Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências Disponível em httpwwwplanaltogovbr Acesso em 10 out 2018 CARDOSO Beatriz Kauduinski Avaliação de Projetos de Regularização fundiária em Santa Catarina um Subsídio para Políticas habitacionais COBRAC2008 Congresso Brasileiro de Cadastro Técnico Multifinalitário na UFSC Florianópolis 2008 CAUBR Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal Habitat III os desafios da implementação da Nova Agenda Urbana Publicado em 21112016 Disponível 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ordinaria20177077063leiordinarian70632017dispoesobreoscriteriosparaacesso Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 DOI 1012957rdc202043125 Revista de Direito da Cidade vol 12 nº 1 ISSN 23177721 pp679699 698 aosprogramasdehabitacaodeinteressesocialedaoutras providenciasqLeiMunicipalnC2BA7063 Acesso em 19 out 2018 CORREIA Arícia Fernandes Direito da regularização fundiária urbana e autonomia municipal a conversão da medida provisória n 7592016 na lei federal n 134652017 e as titulações da prefeitura da cidade do rio de janeiro no primeiro quadrimestre de 2017 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpgeouerjarticleview32061 Acesso em 02 jun 2019 COSTA Marco Aurélio O Estatuto da Cidade e a Habitat III um balanço de quinze anos da política urbana no Brasil e a Nova Agenda Urbana Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA Brasília 2016 EDSALL Thomas B The Democrats Gentrification Problem Weekly column from Washington DC on politics demographics and inequality 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pp679699 699 PROVIN Alan Felipe O outro lado da cidade a regularização fundiária como instrumento à sustentabilidade Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2018 RIBEIRO Tarcyla Fidalgo Gentrificação Aspectos conceituais e práticos de sua verificação no Brasil Revista de Direito da Cidade vol 10 nº 3 ISSN 23177721 pp 13341356 2018 RIGON Matheus José FUJITA Camila MATIELLO Alexandre Mauricio VILELLA Ana Laura Vianna Planejamento Urbano e Ações Públicas sobre áreas de Habitação Irregular o Caso de ChapecóSC entre 1990 e 2010 Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ ChapecóSC 2011 SASSEN Saskia Expulsões brutalidade e complexidade na economia global Tradução Angélica Freitas 1a Ed Rio de JaneiroSão Paulo Paz e Terra 2016 SASSEN Saskia La ville globale Paris Editions Descartes et Comapgnie 1996 SECCHI Leonardo Políticas Públicas conceitos esquemas de análise casos práticos 2ª Edição São Paulo Cengage Learning 2017 Trabalho enviado em 02 de agosto de 2019 Aceito em 20 de abril de 2020