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Texto de pré-visualização

1 1 UM ÜLHAR EVOLUCIONISTA PARA A PSICOLOGIA 1 César Ades Desde que se constituiu a psicologia procurou estabe lecer a independência de seu enfoque e de seu método em relação à biologia Mas nunca deixou de pagar um tribu to ao biológico nem que fosse como o reconhecimento do substrato a partir do qual outra forma de organização da mente do comportamento se origina Na origem do pensamento psicológico está uma posição cartesiana rara mente explicitada mas que incomoda como Descartes esteve incomodado para explicar a origem ao mesmo tempo corporal e mental das paixões humanas por não indicar uma fronteira nítida entre o psicológico e o bioló gico e por não proporcionar uma epistemologia capaz de dar conta independentemente do psicológico O deter minante biológico não é negado mas colocado fora do âmbito das explicações relevantes acerca da mente ou do comportamento Sobre esta ambigüidade desenvolvemse dicotomias que se autoreforçam como a dicotomia entre natureza e criação nature and nurture entre biologia e cultura entre inato e aprendido e se criam distâncias ainda maiores do que as que normalmente existem entre as ciências os departamentos e os cientistas O conhecimento fica encap sulado em áreas não apenas especializadas mas que se colocam como incomensuráveis Acabase tendo a impres 1Versão de uma palestra apresentada no N Congresso NorteNordeste de Psicologia Salvador Bahia 2005 e do texto correspondente à palestra publicado em Psicologia novas direções no diálogo com outros campos do saber Nádia Maria Dourado Rocha e Antonio Virgilio Bittencourt Bastos Coordenadores Casa do Psicólogo 2007 são de que o objeto de estudo o ser humano perde sua unicidade e se fragmenta de acordo com as perspectivas e os recortes impostos Não faz tanto tempo fui convidado pelo centro acadê mico de um curso de psicologia para participar de uma mesaredonda sobre Hereditariedade e Ambiente composta de apenas dois participantes uma antropóloga e eu mesmo talvez no propósito de nos ver defender ela o aporte ambiental e cultural eu a base instintiva e bioló gica o que de fato fizemos O tema é bastante polêmi co mais ainda numa época como a nossa marcada por um progresso enorme no conhecimento dos processos genéticos e por tentativas audazes de aplicação desse conhe cimento inclusive ao comportamento Em Tdbula Rasa 2004 Stephen Pinker gasta quase 700 páginas para reba ter com paixão a idéia de que a mente da criança é uma folha em branco na qual a sociedade e a cultura inscrevem tudo No debate a fala da antropóloga foi principalmente dedicada ao estabelecimento do cultural e do psicológico como essencialmente independentes do biológico A natu reza simbólica do ser humano o arbitrário e o cumulati vo do fato cultural as transformações da história foram contrastados com a determinação mecânica do processo genético incapaz de dar conta do significado Fezse também uma crítica às interpretações funcionalistas evolucionistas do comportamento humano perigosas pelas implicações em termos de darwinismo social Justi ficariam tudo o que fosse considerado geneticamente adaptativo inclusive o estupro Estava clara nas coloca ções a permanência de uma postura dicotômica com raízes na distinção de Dil they 18 83 entre ciências natu rais Naturwissenchaften e ciências do espírito Geiteswis senchaften Como integrar a intenção de compreender com a de medir e interpretar de fora por assim dizer o objeto estudado Interpretar dados o problema é definir o que são dados psicológicos em termos biológicos seria perder um conteúdo essencial alienando o conhecimen to do ser humano da rede de significados que o constitui e que passa pela linguagem Apesar das divergências o debate com a antropóloga foi cordial Mas não é na mesa de discussão que poderá progredir muito o esforço de integração entre as perspectivas da biologia e das ciências humanas Não se trata de apenas efetuar uma tradução de termos ou um cutandpaste de idéias Mais estimu lante e produtivo é o contato que se dá em regiões de fronteira em torno de assuntos suficientemente próximos para que a vantagem de olhar de dois ou mais pontos de vista se torne explícita A aproximação se dá então atra vés do interesse convergente dos pesquisadores e de uma transferência natural de modos de pensar e de métodos de um lado a outro Piaget disse uma vez que uma regra de criatividade era olhar ao lado do assunto pesquisado Lino de Macedo comunicação pessoal aventurarse fora dos esquemas procurando outras formas de ver os fatos à maneira do antropólogo que aborda uma sociedade que ele pretende compreender com curiosidade e desejo de assimilação Ainda usando o pensamento de Piaget eu diria que é necessário descentrar a sua perspectiva ou seja ver o mesmo objeto de uma outra perspectiva sem abandonar a base de especialização E no surpreenderse diante do objeto porque visto dentro de outro referencial que está uma das raízes da integração entre perspectivas prenderse menos aos modos habituais de conhecer e às posições teóri cas e mais à necessidade de conhecer o objeto da forma mais completa e interativa possível A hierarquia que o senso comum estabelece entre as ciências faz muitos temerem que num empreendimento conjunto os enunciados da psicologia acabem se reduzin do aos da biologia Não há razão contudo para pensar que a migração de conceitos seja unidirecional não há perspectivas necessariamente mais básicas ou mais ricas na produção de perguntas Vale uma epistemologia cruzada que se constitui na pesquisa efetuada com conceitos e modelos transpostos de uma área para outra Em vez de pensar como reducionista o desenvolvimento do contato entre psicologia e biologia prefiro entendêlo como Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 1 1 produto de uma coevolução que instaura interdependên cias2 Neste texto abordo a perspectiva evolucionista que interpreta o comportamento humano como adaptação às condições do ambiente físico e social em que o ser huma no evoluiu enquanto espécie Do mesmo jeito como se supõe ser adaptativo porque pode afugentar predadores o movimento deimático de um louvaadeus que se ergue e estica as asas coloridas ou a resposta do pavão de abrir em leque a sua cauda porque atrai as fêmeas também podem ser interpretados os comportamentos do ser huma no como produtos de uma evolução que os tornou funcio nais isto é que lhes atribuiu uma vantagem em termos de sobrevivência e reprodução Transpõese uma maneira de conceituar o comportamento animal para o compor tamento humano Podese argüir que é inevitável esta transposição uma vez que sendo ele próprio um animal o ser humano tem seu comportamento regido pelos mesmos princípios darwinistas que regem o comportamento animal Mas este argumento simples e lógico como é não convence necessariamente embora sendo um animal o ser humano poderia seguir princípios comportamentais diferentes decorrentes de sua natureza diferente simbólica cultural histórica às vezes entendidos como princípios emer gentes libertos das contingências originais Sawyer 2002 A questão que se coloca então é saber se as diferenças do ser humano com os outros animais implicam necessa riamente e desde o ponto de partida a impossibilidade de aplicarse o modelo evolucionista ao comportamento humano As diferenças que marcam obviamente o comportamento humano poderiam ser análogas às que diferenciam um tipo de animal de outro isto é poderiam ser assimiláveis a uma lógica evolutiva geral Ou poderiam ao contrário determinar um campo empírico sujeito a princípios próprios nãoevolutivos 2Sociedades científicas como a Sociedade LatinoAmericana de Psicobio logia que se transformou em Sociedade Brasileira de Psicobiologia que por sua vez gerou a Sociedade Brasileira de Neurociência e Comporta mento foram bases importantes para uma interação psicobiológica em nosso meio A Sociedade Brasileira de Ecologia SBEc de cujos encontros anuais participam psicólogos e especialistas em diversas áreas biológicas e estudantes de diversos cursos de graduação tem sido ponto de convergência e de progresso na área A Revista de Ecologia uma publicação da SBEt e do Instituto de Psicologia da USP tem abordado questões de fronteira com o comportamento humano Disciplinas como Ecologia e Comportamento Animal oferecidas no Instituto de Psicologia da USP que reúnem alunos de biologia e de psicologia além de outros demonstram na prática das discussões de aula a viabilidade da integração de perspectivas 12 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia Embora não existam critérios rigorosos para decidir entre a comensurabilidade e a incomensurabilidade pare ceme apressada a proposição de que se há diferenças tornase necessário aceitar uma ruptura epistemológica entre as áreas de pesquisa envolvidas Se um peixe respira através de guelras um modo muito diferente da respiração de organismos terrestres isto não implica que devamos construir para os peixes uma biologia especial e que deva mos supor que eles não tenham sofrido uma história evolu tiva O mesmo vale para o biossonar dos morcegos os dentes recicláveis dos tubarões as asas das aves o órgão detector de temperatura das cobras e um número imenso de diferenças entre animais A abordagem evolucionista não pretende nem poderia sem entrar em contradição com a sua própria proposta reduzir a estrutura de um animal ou a sua fisiologia ou o seu comportamento à estrutura à fisiologia ou ao comportamento de outro animal Pretende ao contrário a partir de princípios gerais seleção natural seleção sexual e suas decorrências expli car como teriam sido geradas as diferenças essenciais e importantes entre os animais Não há nesta perspectiva contradição ou impossibilidade epistemológica em reco nhecer as características específicas do ser humano e em acreditar que se insiram num esquema mais amplo de semelhanças e de continuidade evolutiva Tratase de uma abordagem comparativa que parte das semelhanças e diferenças entre o ser humano e outros animais e busca examinar através do confronto a viabili dade de aplicação dos princípios de uma lógica evolucio nista Entender o comportamento humano consiste em tomálo como um caso especial e em verificar a validade neste caso dos princípios de interpretação desenvolvidos para a vida animal Esta aplicação não é pura transposição Interpretar evolutivamente significa levar em conta a novi dade das características específicas no sentido de próprias da espécie e aproveitálas num movimento de retorno para enriquecer o esquema geral A linguagem e a cultura das quais muito nos orgulhamos porque nos diferenciam surgem como novidades no cená rio evolutivo e têm de ser tomadas como tais O esforço comparativo pode nos levar a perceber que a novidade que tanto impressiona é uma novidade reiativa estudos sobre a capacidade de primatas nãohumanos adquirirem o uso de símbolos em suas interações com o ser humano se não provam e a intenção não é absolutamente provar que esses animais possam falar como seres humanos mostram que eles possuem aptidões que prenunciam a linguagem Sava geRumbaugh Shanker e Taylor 1998 Do mesmo jeito prenunciam a cultura humana as observações feitas em chimpanzés de diversas regiões da Africa de diferenças comportamentais estáveis e provavelmente transmitidas de uma geração para outra Perry e Manson 2003 A abordagem comparativa focaliza ao mesmo tempo causa e função A distinção entre categorias causal e funcional ou entre a causação próxima e a causação última Alcock 2001 esteve sempre implícita desde Darwin na abordagem evolucionista Foi posta em relevo por Tinbergen 1963 na sua famosa formulação das quatro perguntas básicas para a pesquisa etológica Sem retornar a uma definição ou discussão dessas categorias vale a pena notar que é possível interessarse em certo estágio de investigação mais pela estrutura e funciona mento de um processo comportamental isto é pelas suas características descritivas e causais do que pelas implica ções evolucionistas O fato de não se saber por que em termos funcionais o riso humano tem as características sonográficas que tem não impede que haja interesse em descrever de forma minuciosa as suas emissões verifican do o quanto são estereotipadas Provine e Yong 1991 ou o quanto são variáveis compostas de episódios vocalizados e nãovocalizados Bachorowski Smoski e Owren 2001 Do mesmo jeito podese investir tempo de pesquisa regis trando os contextos em que pessoas riem às vezes à toa sem que haja nada de humorístico na situação Provine 1993 ou formular uma teoria sobre a determinação social do riso mostrando que depende da motivação do emissor de seu relacionamento com o ouvinte e que atua como modificador de afetos Owren e Bachorowski 2003 antes ou independentemente da formulação de hipóteses evolu ClOnlStas Também pode existir um interesse maior pelo teste de uma hipótese funcional do que pela análise do mecanismo causal subjacente Não pode haver contradição entre as duas abordagens mas elas podem proceder independen temente de acordo com os objetivos da investigação empreendida A pesquisa psicológica comumente se centra sobre questões causais por exemplo contextos em que aparecem falsas memórias efeito da disposição do mobi liário de uma creche sobre o comportamento de crianças pequenas capacidade que bebês têm de imitar expressões faciais etc enquanto muito da pesquisa em comporta mento animal dentro de uma perspectiva biológica busca comprovar hipóteses funcionais por exemplo relativas às idéias de Trivers 1972 sobre investimento parental Isso significa que não é necessário que toda pesquisa psicológica passe a se pautar por hipóteses evolucionistas embora a longo prazo e dentro de uma visão unificada os níveis causal e funcional devam ter uma conexão flexí vel e de mútua influência Hipóteses evolucionistas são formuladas a partir de estudos causais e precisam deles para alcançar sua formulação mais precisa e para encontrar a sua comprovação A avaliação de hipóteses a respeito do apego enquanto estratégia evolutiva depende do conhe cimento de como se desenvolve a relação mãecriança da descrição dos tipos de apego etc Estudos sobre os proces sos cognitivos dentro de um quadro causal produzem informações relevantes às formulações evolucionistas a respeito da modularidade dos mecanismos mentais De maneira inversa a abordagem evolucionista pode ser vista como um programa heurístico de pesquisa capaz de gerar perguntas e hipóteses e de motivar pesquisas com meto dologia própria Lakatos 1970 Abre campos empíricos inatingidos até o momento e proporciona idéias para pesquisas causais fechando o círculo COEVOLUÇÃO PSICOBIOLOGICPA MOMENTO I Nunca foi tranqüila a história da inserção ou tentativa de inserção das idéias evolucionistas na psicologia A revi são desta história mostra que ela é pontuada por polêmi cas científicas e até pessoais muitas vezes duras pouco construtivas A polêmica indica que não é num clima de neutralidade científica que se desenvolvem e se articulam as teorias psicobiológicas mas num contexto marcado pela referência às concepções correntes sobre o que é a socie dade humana e sobre os perigos que poderiam advir de uma teoria científica que se transforme em justificativa para práticas injustas Rimos bastante hoje das charges publicadas na época de Darwin a respeito da teoria evolu cionista muitas delas representando Darwin meio homem meio macaco Mas elas eram sintomáticas de uma percep ção de perigo ou de inconveniência recuperavam mitos antigos nem sempre apaziguadores de participação do ser humano na natureza animal Mas também se nota revendo a história o quanto as idéias evolucionistas estiveram presentes desde o início do desenvolvimento da psicologia enquanto ciência Wundt um dos pioneiros da psicologia científica escreveu com um certo teor recapitulacionista Se tentarmos resolver a partir da comparação dos atributos psíquicos a questão geral da relação genética entre o homem e os animais devemos admi tir dada a semelhança dos elementos psíquicos e de suas Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 13 formas mais simples e mais gerais de combinação que é possível que a consciência humana tenha se desenvolvido a partir de uma forma inferior de consciência animal Este pressuposto também é fortemente reforçado pelo fato de que se encontra no reino animal uma série completa de estágios diferentes de desenvolvimento psíquico e de que cada ser humano individual passa por um desenvolvimento análogo Wundt 1897 pp 280281 Romanes naturalista amigo de Darwin e Lloyd Morgan psicólogo inglês professor de zoologia na Universidade de Bristol foram darwinistas no campo ainda incipiente das interpretações evolucionistas para o comportamento Romanes 1883 preocupouse em demonstrar a flexibi lidade do instinto na andorinha que melhora a construção de seu ninho nos cães de caça que adquirem hábitos muito diferentes dos hábitos naturais e em estabelecer paralelos com a consciência humana Descreveu por exemplo como proposital e consciente o comportamento de um macaco que numa certa oportunidade desfez os nós de uma corda para balançarse nela alcançar a porta de sua gaiola e fugir A postura anedótica e antropomórfica de Romanes foi criticada por Lloyd Morgan 1894 cujo cânone ampla mente citado estabelecia limites para a interpretação de processos mentais em animais Mas o propósito dos primei ros darwinistas era mesmo o de demonstrar a continuida de essencial entre a psicologia animal e a psicologia huma na partindo da consciência humana e indicando o seu surgimento evolutivo de formas mais simples como o reflexo ou o instinto A influência de Darwin também se manifestou sobre o jovem Freud Ainda aluno de medicina fora enviado à estação de biologia marinha de Trieste pelo seu orientador o professor Klaus um darwinista convicto A missão de Freud era dissecar enguias em busca de possíveis bases anatômicas para a distinção entre enguiamacho e enguia fêmea O artigo que resultou dessa pesquisa tem a minú cia e o rigor que o tema exigia Colocase a questão do quanto permaneceu deste ponto de partida biológico no desenvolvimento da psicanálise e de quanto não seria propícia uma revisão reintegrativa da questão das relações entre psicanálise e pesquisa psicológica Ades 2001 A repressão enquanto mecanismo freudiano através do qual idéias são mantidas fora da consciência talvez pudes se ser explicada através do funcionamento da memória operacional de aumentos na atividade nervosa do córtex préfrontal dorsolateral e da redução da atividade hipo campal mostrando a possibilidade de convergência Xavier e Helene 2005 14 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia Em seu livro que nos cativa pela forma saborosa com a qual se refere aos fenômenos psicológicos estas coisas que chamamos sentimentos desejos cognições raciocínios decisões e outros que tais William James 18901952 afirmava que um certo tanto de psicologiadocérebro deve ser pressuposto ou incluído na psicologia p 3 Mas James nao apenas se preocupa com centros e vias neurais poss1 veis ele cria outra convergência com a biologia e usa talvez pela primeira vez a expressão psicologia evolucionista que sugere serem os fenômenos psicológicos produtos de uma longa e lenta transformação da espécie Observa primeiro que com o surgimento da consciência uma nova natureza parece introduzirse algo cuja potência não resul ta dos meros átomos em expansão do caos original p 95 Parece haver incomensurabilidade entre as leis da matéria e as do sentimento e da vida mental em geral Mas James logo defende o princípio de continuidade deveríamos de modo sincero tentar de todas as possíveis maneiras conce ber o surgimento da consciência de modo que não pareça equivalente à irrupção no universo de uma nova substância até então nãoexistente p 97 Nesta tentativa de tomar a mente como um objeto num mundo de outros objetos James se preocupa entre outras coisas com instintos Não é necessário darse ao esforço de comprovar a sua existência no mundo animal são muitos os casos Mas eles também existem no ser humano e em variedade maior Fiquei impressionado de encontrar em James evidentemente de forma mais espe culativa a idéia de que os instintos se transformam pela sua própria execução e que vão construindo assim expec tativas aprendidas a respeito do contexto Cada ato instin tivo num animal dotado de memória deixa de ser cego depois da primeira repetição p 704 Assim já que o animal de razão mais rica pode ser também o animal mais rico em impulsos instintivos ele o ser humano nunca poderia parecerse com o autômato fatal que um animal meramente instintivo seria p 706 Também fiquei impressionado com a percepção muito moderna de como a evolução dos organismos implica também a evolução dos ambientes em que sobrevivem nossas faculdades internas estão adaptadas de antemão às características do mundo em que vivemos adaptadas eu entendo de modo a conseguirmos nossa segurança e nossa prosperidade nele mente e mundo evoluíram juntos e em conseqüência demonstram um ajustamento mútuo Qames 1892 p 34 Esta suposição de que atuam no ser humano impulsos ou motivações típicas que o definem como tal análogos aos que existem em animais e esta percepção de que estes impulsos ou motivações não são necessariamente cegos e estanques à experiência são um prenúncio das colocações etológicas e da moderna psicologia evolucionista Encon tram sua raiz em Darwin que tinha previsto a importân cia de sua teoria para a psicologia No final de A Origem das Espécies 1872 ele escreve num futuro distante eu vejo campos abertos para pesquisas muito mais importan tes A psicologia encontrará uma base segura no funda mento da aquisição necessária de cada poder mental e de cada capacidade mental de forma gradativa Muita luz será lançada sobre a origem do homem e sobre sua histó ria Darwin 18591996 p 394 Darwin não esperou esse futuro distante para realizar um exercício de aplicação do pensamento evolucionista ao domínio psicológico Em vez de estudar o lado mental das emoções como faria Wundt dirigiu seu olhar natu ralista colecionador de detalhes à expressão das emoções no homem e nos animais O título do seu livro coloca bem a crença de que existe entre os outros animais e o ser humano uma continuidade suficiente para que compara ções possam ser estabelecidas reveladoras de semelhanças e de diferenças indícios do partilhamento de uma história evolutiva Darwin 1872 O livro que foi um dos primei ros a usar fotografias com finalidade científica foi um verdadeiro bestseller na época de seu lançamento em 1872 Mas não teve impacto sobre a pesquisa Levou quase um século para que a sua proposta fosse recuperada por Paul Ekman um psicólogo que dedicou uma carreira intei ra ao estudo de como a face espelha ou esconde a raiva a tristeza o nojo a alegria a surpresa o medo o desprezo e outras emoções Ekman promoveu a reedição de A Expressão das Emoções Darwin 1998 que ele conside rava um livro extraordinário radical para o seu tempo e mesmo hoje Ekman 2003 p 13 Darwin sugere no primeiro capítulo de seu livro cita do aqui na versão traduzida Darwin 2000 as fontes nas quais foi buscar informação Em sua maioria ainda são válidas Dentre elas observar as crianças pois elas exibem muitas emoções com extraordinária intensidade p 23 de uma maneira mais reveladora às vezes do que mais tarde na vida usar fotos de expressões faciais para serem avaliadas quanto à emoção transmitida muitas das 3Nota das organizadoras no Brasil o livro encontrase traduzido para o português e publicado pela Companhia das Letras em 2000 por reco mendação do professor Renato Queiroz do Departamento de Antropo logia da USP expressões foram imediatamente reconhecidas por quase todos ainda que descritas não da mesma maneira p 23 buscar descrições de como manifestam emoção pessoas em outras culturas de preferência não em contato com europeus sempre que determinadas mudanças nas feições e no corpo exprimirem as mesmas emoções nas diferentes raças humanas poderemos inferir com grande probabili dade que estas são expressões verdadeiras ou seja que são inatas ou instintivas Expressões ou gestos adquiridos por convenção na infância provavelmente difeririam tanto quanto diferem as línguas p 24 descrever as expressões que animais mais comuns exibem claro que não para decidir escreve Darwin até onde no homem algumas expressões são características de determinados estados de espírito mas para proporcionar a mais segura base para se generalizarem as causas ou origens dos vários movimen tos de Expressão Ao observar animais estamos menos propensos a nos deixar influenciar pela nossa imaginação e podemos estar seguros de que suas expressões não são convencionadas p 27 Darwin acreditava que as emoções não fossem exclusivas dos seres humanos Até as abelhas podem ficar com raiva dizia Darwin Só nos últimos anos é que os estudiosos do comportamento animal pararam de se acanhar do perigo do antropomorfismo e aceitam as sábias observações de Darwin segundo as quais muitas vezes os contextos soc1a1s que geram emoçoes nos seres humanos também as produzem em animais Ekman 2003 p 2 Vêse que Darwin falando em raiva nas abelhas usava o método comparativo nas duas direções do animal para o ser humano e deste para o animal de uma forma que seria difícil taxar de reducionista COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT02 A tentação da abordagem biológica ao comportamento humano depois destas tentativas isoladas reaparece com Lorenz e Tinbergen Sua intenção inicial era recuperar a noção de instinto um tanto maltratada pelo behavio rismo que em tudo ou quase tudo queria ver aprendiza gem colocandoa numa perspectiva evolutiva Tanto Lorenz 1937 sob a influência do ornitólogo Heinroth como Tinbergen 1958 andando pelas dunas holandesas para observar vespas caçadoras e gaivotas estavam queren do construir uma ciência do comportamento animal mas ambos acabaram incluindo o ser humano em sua proposta Duas são a meu ver as principais contribuições da etolo Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 15 gia clássica a primeira mais essencial a insistência de que se deve encontrar raízes instintivas típicas da espécie gené ticas ou qualquer outro termo que se queira usar no comportamento humano e isso usando os métodos apon tados por Darwin voltar aos primeiros desempenhos do bebê ou da criança pequena na tentativa de surpreender o que não possa ser atribuído à experiência cultural demonstrar a transculturalidade de certos comportamen tos humanos O livro Human Ethology de EiblEibesfeldt 1989 com suas cerca de 800 páginas representa bem a riqueza de material empírico que as hipóteses etológicas são capazes de gerar A segunda contribuição é metodológica Os etólogos clássicos propunham que se observasse o comportamento humano como o naturalista observa o comportamento animal pondo entre parênteses os pressupostos não indo direto ao processo inferido não buscando aplicar a todo custo um esquema preconcebido em suma deixando o sujeito observado livre para demonstrar o seu modo de interagir com o ambiente Desmond Morris que começou observador de aves dizia que podia haver man watching ou de forma menos sexista person watchin do mesmo jeito que há bird watchinge se propôs a cultivar este olhar curioso em relação ao corriqueiro da vida das pessoas Morris 1977 Os estudos etológicos sobre o comportamento infantil têm por modelo as descrições minuciosas de BlurtonJones 19721981 Muitos estudos brasileiros podem ser citados como argumento da relevância de se olhar com atenção e de se categorizar o comportamento humano Se hoje não se ressalta nem se discute a questão da observação em psicologia é que a técnica se integrou às outras a ponto de não ser necessário remontar às suas origens Do mesmo modo como noções psicanalíticas passaram a fazer parte do conhecimento comum certos conceitos e formulações etológicos difundemse através da mídia atendendo à curiosidade a respeito das semelhanças ou dessemelhanças entre a mente humana e a animal São versões modernas de atitudes e crenças muito antigas Um certo modo de divulgar idéias etológicas veio com os textos de Lorenz sobre os males da humanidade e principalmente com os livros de Morris que usa um misto de conhecimentos cien tíficos com observações em que o senso comum se reco nhece O Macaco Nu 19972003 teve enorme repercus são agora temos A Mulher Nua Morris 20042005 Embora este tipo de divulgação tenha o mérito de colocar para um público maior a plausibilidade de uma perspec tiva psicobiológica pode criar a impressão de que as inter 16 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia pretações biológicas são intuitivas ou simplificadoras em demasia Incomodado com a definição dicotômica que Lorenz dava do comportamento instintivo ligado como que inevi tavelmente à genética e através da genética à ação do ambiente evolutivo Lehrman 1953 teceu críticas duras ao inatismo e defendeu a interação genesambiente como feição constante da ontogênese Os argumentos giravam em torno do comportamento animal mas tinham óbvias implicações para o ser humano Lorenz acabou conceden do que não há traço comportamental em princípio livre de efeitos ontogenéticos sem contudo abandonar a sua ênfase no caráter típicodaespécie dos padrões instintivos A controvérsia LorenzLehrman põe em destaque a neces sidade antiga mas sempre atual de criar uma ferra menta conceitua para dar conta da constância e da varia bilidade dos comportamentos adaptativos COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT03 Quando o mirmecólogo Edward Wilson saiu de seu campo de especialização e publicou Sociobiology a new synthesis 1975 também gerou uma enorme resistência e não apenas entre cientistas sociais Rose Kamin e Lewon tin 1985 Gould e Lewontin 1979 ver também Yama moto Cap 1 deste livro Como o próprio Wilson nota embora suas idéias sobre animais tivessem sido aceitas de imediato a generalização das teorias da Sociobiologia aos seres humanos teve uma recepção totalmente dife rente pelo menos fora da biologia Nos anos setenta preva lecia nas ciências sociais a idéia de que não existe uma base biológica para a natureza humana que o comportamento humano tem uma origem quase integralmente sociocul tural e portanto que os genes desempenham pouco ou nenhum papel além de auferir capacidade intelectual ou emocional Eu defendi o contrário que a biologia desem penha um papel maior em estreita sintonia com a cultu ra e que o comportamento humano não pode ser compre endido sem a biologia Wilson 1995 A ambição de Wilson era aplicar à sociedade humana e aos animais os princípios de uma nova compreensão dos mecanismos de sobrevivência baseada nos trabalhos teóri cos de Hamilton sobre a genética do comportamento social Hamilton 1964a 1964b e de Williams 1966 de acor do com os quais a seleção atua não sobre características de uma espécie mas sobre as características do indivíduo Daí o surgimento da noção de gene egoísta populariza da por Dawkins 1999 e o abandono da concepção acei ta por etólogos clássicos de atos selecionados pelo bem da espécie Os debates foram acalorados Gould e Dawkins ambos admiradores de Darwin escreviam resenhas um dos livros do outro trocando comentários ácidos Do lado de Wilson estavam além de Dawkins Stephen Pinker autor de Como a Mente Funciona 19972001 e mais recentemente de Tábula Rasa 20022004 e Alcock o autor de um exce lente manual evolucionista sobre comportamento animal Alcock 2001 e de um livro que transmite a partir de seu título The Triumph of Sociobiology 2001 a exultação de quem acredita estar do lado certo COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT04 Um quarto momento na coevolução entre psicologia e biologia ocorre quando arrefece a polêmica sociobiológica e se estende até hoje Marcase pela proposta de constituição de uma psicologia evolucionista O nome como foi visto remonta a William James A diferença é que agora se colo ca explicitamente como uma perspectiva autônoma para a análise do comportamento humano constituída em torno de um conjunto de pressupostos com presença institucio nal enquanto campo de pesquisa e disciplina acadêmica Não se trata de apenas efetuar empréstimos metodoló gicos à biologia ou de interpretar processos psicológicos conhecidos de uma forma evolucionista mas de assimilar o modo de pensar evolucionista criando um programa de pesquisa nascido por assim dizer de dentro da psicologia Um nomeresumo confere coerência e visibilidade social tende a constituirse em bandeira Foi o caso com a socio biologia em que Wilson em desafio à dicotomia tradi cional sabendo o quanto a sua consiliência iria provocar de reação juntou socio com bio criando um nomeresu mo rapidamente empregado em cursos encontros cientí ficos e no título de revistas Também é o caso da antropo logia evolucionista e de uma forma mais espetacular da ecologia comportamental a sucessora imediata da sociobio logia Na criação desses nomes observase uma caracte rística comum a junção de campos epistemológicos diver sos como se de linhas tradicionais postas em convergên cia pudessem resultar princípios mais abrangentes e produtivos E evidente que o nome não garante por si a coerência e a validade de um programa científico A psicologia evolucionista é identificada a partir de seus primeiros protagonistas entre os quais John Tooby e Leda Cosmides da Universidade da Califórnia em Santa Barba ra Barkow Cosmides e Tooby 1992 Cosmides e Tooby 1989 1999 Martin Daly e Marga Wilson da MacMas ter University do Canadá Daly e Wilson 1996 1999 e David Buss da Universidade do Texas em Austin Buss 1990 2005 A psicologia evolucionista está em fase de expansão O campo da psicologia evolucionista emergiu dramaticamen te nos últimos 15 anos como o indica o crescimento expo nencial no número de artigos teóricos e empíricos na área escrevem Durrant e Ellis 2003 p 1 apoiandose em esta tísticas de quatro artigos indicados por uma busca pelos índices da Psychlnfo entre 198 5 e 1988 passouse para 231 entre 1997 e 2000 Creio que deva ser ainda maior a conta gem em 2006 A psicologia evolucionista tem sua socieda de Human Behavior and Evolution Society seus manuais suas reuniões anuais as pesquisas dentro de seu âmbito são veiculadas em várias revistas especializadas No Brasil uma iniciativa marcante foi a reunião durante o congresso da ANPEPP emAracruz Espírito Santo em 2004 do grupo de trabalho Psicologia Evolucionista A Psicologia Evolu cionista marcase pelo senso de renovação e pela idéia de que será possível transcender a crônica divisão epistemoló gica da psicologia através da perspectiva da evolução Eviden A temente tanto entusiasmo gera res1stenc1as A Psicologia Evolucionista rejeita o que Cosmides e Tooby denominam modelo padrão das ciências sociais exemplificado pela posição da coparticipante antropó loga no simpósio sobre hereditariedade e ambiente ao qual me referi no começo deste ensaio Retoma por conta própria a interpretação do comportamento humano como préselecionado e adaptativo também central às propostas da etologia clássica e da sociobiologia Sofremos todos de cegueira para os instintos escrevem Cosmides e Tooby 1999 p 2 uma abordagem evolucionista permi te reconhecer que competências naturais existem indica que a mente é uma coleção heterogênea destas competên cias e o que é o mais importante fornece teorias concre tas acerca de suas estruturas grifo meu As competências naturais são adaptações produzidas pela seleção natural e pela seleção sexual em mecanismos psico lógicos que não representam uma pura manifestação gené tica mas decorrem de uma interação genesfatores ambien tais que produz toda uma gama de desempenhos compor tamentais e cognitivos De acordo com Buss 1999 os mecanismos psicológicos são estruturas que se desenvolve Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 17 ram ao longo da evolução por resolver problemas especí ficos de sobrevivência e de reprodução São seletivos levam em conta apenas determinados aspectos do ambiente funcionam de acordo com regras e procedimentos especí ficos e geram informação para outros mecanismos ou se traduzem diretamente em comportamento Os psicólogos evolucionistas se incomodam com a idéia de que existem mecanismos de efeitos generalizados pron tos para lidar com uma gama extensa de desafios ambien tais Preferem pensar que a mente é composta por uma coleção de aptidões restritas de uma certa quantidade de mecanismos psicológicos cada qual selecionado de acordo com uma finalidade particular A busca de alimento a seleção de um parceiro reprodutivo a evitação do incesto a aquisição de uma posição na hierarquia de dominância são problemas que requerem soluções específicas E mais plausível imaginar que tenham acabado por ser atendidos por mecanismos modulares Não há soluções gerais porque não há problemas gerais ver também Seidl de Moura e Oliva e Ottoni Caps 5 e 6 deste livro Tratase de uma questão de engenharia e de otimização de desempenho Imaginese uma fábrica com uma única máquina polivalente versus uma fábrica com máquinas feitas sob medida para cada tarefa Acreditam os psicólogos evolu cionistas que a segunda seria certamente mais eficiente e que na contrapartida comportamental o mesmo mecanis mo cognitivo raramente seria capaz de resolver problemas adaptativos diferentes Isso representa um retorno à intuição jamesiana de que o ser humano ao invés de ser desprovido de instintos como afirma o senso comum os tem em quan tidade Dentre os instintos que compõem a lista de James a pugnacidade a emulação o medo a apropriação ou aqui sitividade a construtividade a brincadeira a curiosidade a secretividade a vergonha o amor James afirma que o ciúme é inquestionavelmente instintivo p 735 Veremos mais adiante algo a respeito Mas os mecanismos psicológicos não são todos facil mente especificáveis nem pode ser sempre determinada sua localização no sistema nervoso e nem podem ser total mente independentes uns dos outros a crença na modu laridade não vai tão longe Alguns psicólogos evolucionis tas concedem que qualquer que seja a taxonomia de meca nismos especializados que seja proposta para dar conta da mente humana deve incluir também alguns processos nãoespecíficos Os mecanismos envolvidos no condicio namento clássico e operante podem ser exemplos bons destes processos nãoespecíficos Durrant e Ellis 2003 p 1 O Falta uma discussão dos critérios para distinguir o 18 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia campo de atuação de processos de domínio específico e de processos de domínio geral e das pressões evolutivas para o surgimento de uns e de outros A idéia da especi ficidade gera hipóteses de trásparadiante a partir da função que se supõe exercida por um determinado meca nismo podese imaginar quais devam ser as suas caracte rísticas estruturais diferentes das características de meca nismos que servem outras funções Os mecanismos psicológicos são remanescentes de uma adaptação adquirida em épocas ancestrais Para a Psicologia Evolucionista é essencial a distinção entre o ambiente em que a seleção atuou sobre uma determinada população de organismos moldando as suas características em função das demandas ambientais e o ambiente em que estas adap tações são postas em funcionamento às vezes em condições que as tornam contraproducentes O ambiente da seleção é o ambiente de adaptação evolutiva ver também lzar Cap 3 deste livro Supõese então que muitos dos traços psico lógicos que nos caracterizam tenham sido formados neste longo e nebuloso passado a respeito do qual temos poucos indícios inequívocos A civilização moderna que remonta à invenção da agricultura há poucos milhares de anos atrás não exerceu papel seletivo apreciável e não há por que pensar que hoje dispomos de adaptações genéticas para ver programas de TY para utilizar a Internet ou para diri gir carros no terrível trânsito de São Paulo De acordo com uma certa interpretação estaríamos controlados por prin cípios motivacionais e de cognição válidos para ambientes que não são mais os nossos A compreensão do comporta mento humano dependeria então do confronto entre os contextos atual e primordial Obviamente concedem Cosmides e Tooby somos capazes de resolver problemas que nunca se colocaram para caçadorcoletor algum pode mos aprender matemática a dirigir carros a usar compu tadores Nossa habilidade para resolver problemas como estes é um efeito colateral ou uma conseqüência dos circui tos que foram delineados para atender a problemas adap tativos Cosmides e Tooby 1999 p 6 Estudo de Caso I Reconciliação Usarei dois exemplos de aplicação de uma abordagem comparativaevolucionista a campos psicológicos A idéia é mostrar que esta abordagem funciona como um progra ma de pesquisa gerador de perguntas e de metodologias cuja riqueza depende do quanto de novidade empírica fornece e do quanto promete em termos de reorganização teor1ca O primeiro exemplo sobre a reconciliação visa ilustrar o valor heurístico da transposição de perguntas entre etolo giaanimal e etologiahumana a partir de comportamen tos ou processos que apresentam semelhanças descritivas ou causais E uma estratégia que do pressuposto da seme lhança parte para a descoberta de elementos que possam confirmála E biunívoca pode partir do homem como modelo para o animal no bom sentido de antropomor fismo defendido por de Waal 1997 ou do animal para o homem O objetivo vale a pena voltar a dizer não é nem redução nem identificação total Se chimpanzés se tocam e se beijam depois de um episó dio de briga ao invés de se evitarem e se com isso pare cem voltar a ter uma interação pacífica não seria de se esperar que crianças ou adultos evidenciassem uma tendência semelhante A idéia nasceu da leitura de um artigo que Franz de Waal publicou em 1979 com van Roosmalen de Waal e van Roosmalen 1979 sobre a reconciliação em chimpanzés Sempre que dois chimpan zés da colônia do zoológico de Arnhem na Holanda entrassem em conflito o comportamento de um deles era observado por mais 45 minutos Embora de imediato os oponentes se afastassem um do outro era notável que fossem vistos emitindo depois comportamentos amigá veis como abraçarse esticar a mão emitir uma vocaliza ção de submissão e até beijarse No período após o conflito os atos afiliativos eram mais freqüentes do que num período correspondente sem conflito o que sugere que a aproxi mação fosse produto do próprio conflito e talvez produto de uma motivação para recuperar uma interação pacífica Daí o termo reconciliação Quando Paula Maria de Almeida Fríoli me procurou para escolhermos um tema de pesquisa para o doutorado pensamos em buscar estes correlatos no comportamento de crianças Fríoli 1997 As referências acerca da agres sividade infantil eram fartas mas havia muito pouco publi cado a respeito de uma possível pacificação pósconflito Sackin e Thelen 1984 No pátio de uma escola de São Paulo Paula observou 256 crianças de 4 a 5 anos estágio I de 5 a 6 anos estágio II e de 7 a 8 anos estágio III O comportamento das crianças registrado em videoteipe foi classificado em categorias amplas sendo também regis tradas as interferências de terceiros as relações de amizade entre as crianças etc Depois de uma fase de registros focais procedeuse à observação dos episódios de conflito sempre que surgissem O registro iniciado com as primeiras provo cações ia até o final da briga e abrangia um período suple mentar de cinco minutos Os meninos se mostraram mais agressivos fisicamente do que as meninas estas mais afiliativas e reconciliatórias No estágio I a disputa pela posse de objetos ou pela ocupação de espaço eram os desen cadeadores básicos e a agressão se manifestava por movi mentos de bater de perseguir de puxar com apelos de mediação à professora Nos estágios seguintes aumenta vam em freqüência formas simbólicas ritualizadas de agre dir como as ameaças e agressões verbais Isso estava de acordo com as expectativas A existência de comportamen tos reconciliatórios nos três níveis de idade foi uma novi dade e uma confirmação A reconciliação se manifestava de início através de atos como beijar abraçar ficar de mãos dadas colocar o braço no ombro do outro etc em grupos geralmente de mesmo sexo A reaproximação era muitas vezes espontânea e sem marcação explícita entre estar de mal e estar de bem uma simples continuação da brincadeira interrompida No segundo estágio os comportamentos de ficar de mal e fazer as pazes apareciam de maneira mais nítida dota dos de uma característica de desafio e eram usados mesmo que não houvesse um motivo aparente para a briga como se as crianças estivessem testando sua capacidade de romper ou instaurar relacionamentos O terceiro estágio era marca do pelo aparecimento pleno das formas ritualizadas de rompimento e de reatamento Não era apenas o objeto ou o status em disputa que mais importavam mas a definição do relacionamento Mãos no rosto era um ficar de mal ritualizado exibido principalmente por meninas Duran te um episódio de conflito ou no final deste uma das crianças levava o dedo indicador de uma bochecha à outra queixo para cima em atitude de desafio ou de superiori dade muitas vezes dizendo Belém Belém nunca mais fico de bem nem agora nem no ano que vem Reconci liações verbais pedidos de desculpas oferecimentos simbólicos amanhã eu te empresto o meu caminhão tá ou real toma a minha banheirà ocorriam com maior freqüência Os comportamentos aftliativos eram mais freqüentes logo depois da briga do que num período pacífico do dia seguinte o que garante que tinham uma fonte motivacional própria Tem algo a ver a reconciliação animal com a reconci liação humana Não estaríamos ao usar o mesmo nome fazendo de uma semelhança superficial a base para uma comparação em profundidade E o significado que o rela cionamento tem para uma criança as fantasias que ela cria em torno dele as regras os princípios morais que vigoram no seu grupo Questionamentos como estes se baseiam num modelo de identidade absoluta traem a dimensão Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 19 comparativa Não se trata de negar a dimensão própria dos relacionamentos de crianças mesmo pequenas Nossa pesquisa mostra como ao longo dos níveis de idade mudam os modos através dos quais é restabelecido o equi líbrio depois do conflito A natureza dos conflitos se trans forma quando entram em jogo regras de comportamento verbalizáveis como eu cheguei primeiro ou foi a tia que me deu ou você já tem um brinquedo O aparecimen to de formas ritualizadas Belém Belém indica que estar de bem ou estar de mal deixaram sua fluidez inicial e se colocam como estruturas afetivas próprias dentro da representação que a criança tem de seu grupo social Por isso são usadas de forma quase lúdica como se as crianças brincassem de experimentar com as formas de relacionamento A perspectiva evolucionista tem a vantagem de inserir os processos estudados no ser huma no num quadro comparativo amplo em que as diferenças importam mas têm significado em função das semelhan ças que lhes dão origem Estudo de Caso 2 Ciúme O exemplo a seguir sobre o ciúme mostra que é possí vel deduzir de um conjunto de princípios da teoria evolu cionista conseqüências capazes de ser verificadas no comportamento humano O exemplo difere do exemplo sobre a reconciliação em que não havia definição prévia de hipótese funcional e em que a passagem de uma pers pectiva para a outra se dava a partir da analogia entre comportamentos concretos No exemplo do ciúme as semelhanças de cenário ou de desempenho não importam tanto mas sim a idéia de que o ser humano se submete aos princípios evolucionistas gerais que gerenciam o comportamento de qualquer espécie A lógica evolucionista entende que cada indivíduo deva atuar de maneira a favorecer a propagação de seus genes Não há intencionalidade consciente nisso apenas a expres são da maneira como os organismos foram selecionados ao longo de incontáveis gerações No cálculo de custos e benefícios que rege a função reprodutiva o investimento diferencial do macho e da fêmea na produção da prole é importante predeterminando a maneira como macho e fêmea se comportarão um em relação ao outro E uma história complexa na qual as idéias de Hamilton 1964a b Trivers 1972 e de outros biólogos tiveram um papel importante De acordo com a teoria os machos têm normalmente por objetivo biológico reproduzirse com o maior número possível de fêmeas competindo eou se 20 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia exibindo as fêmeas têm normalmente o objetivo biológico de escolher o melhor macho possível para a sua prole ver de Sousa e Mota Cap 12 deste livro Em caso de compe tição as fêmeas se importarão com a qualidade do macho e com os recursos que poderá proporcionar a elas e à prole os machos com a fertilidade da fêmea e em afastar concor rentes Machos em certas espécies montarão guarda para impedir que a fêmea com a qual irão copular ou com a qual já tenham copulado possa acasalarse com outros Em que medida poderseia dizer que existem compor tamentos humanos análogos às táticas de guarda de parcei ros dos animais No levantamento de Buss 1988 efetu ado com estudantes universitários constam categorias como vigiar o parceiro monopolizar o seu tempo depre ciar possíveis rivais usar de manipulação emocional e até ameaçar ou punir a infidelidade comportamentos de guarda que não é difícil atribuir ao ciúme Indo além da analogia cabe verificar se a teoria evolucionista propõe hipóteses testáveis a respeito do ciúme humano Uma hipó tese parte da idéia de que há uma diferença no modo de pais e mães investirem na criação dos filhos Ao homem só valeria a pena fornecer este cuidado se tivesse certeza de paternidade Portanto o ciúme masculino reflete essa preocupação Sua motivação seria impedir a infidelidade sexual da parceira e seu sofrimento a suspeita a este respei to À mulher interessaria manter junto a si um parceiro capaz de prover recursos para o desenvolvimento dos filhos e haveria preocupação com a perda ou a diminuição deste apoio que poderia ocorrer como resultado de uma nova ligação afetiva Haveria então uma variedade masculina do ciúme provocada pelas iniciativas sexuais concretas ou imaginadas da mulher e uma variedade feminina desper tada por uma traição afetiva concreta ou imaginada Inspireime numa pesquisa sobre as diferenças de sexo no ciúme Ades 2003 no trabalho de Geary Rumsey BowThomas e Hoard 1995 em que um questionário de ciúme era aplicado a estudantes universitários norte americanos e chineses visando avaliar o sofrimento que lhes causaria uma infidelidade 1 emocional seu parcei ro está tendo um relacionamento emocional profundo com outra pessoa ou 2 sexual seu parceiro está tendo relações sexuais intensas com outra pessoa Havia dife renças culturais marcadas quanto à experiência amorosa a maioria dos chineses não tinha tido relacionamentos prévios e pouquíssimos relacionamentos envolvendo sexo a maioria dos norteamericanos mantinha relacio namentos envolvendo sexo Os resultados confirmaram a hipótese evolucionista um número significativamente maior de homens do que de mulheres tanto norteameri canos como chineses relatou mais sofrimento ao imaginar a infidelidade sexual do que ao imaginar uma infidelidade afetiva O contexto cultural teve contudo influência a proporção de indivíduos relatando maior sofrimento pela infidelidade sexual era maior entre os norteamericanos do que entre os chineses Com um grupo de alunos4 repliquei a pesquisa de Geary et al 1995 Nossa amostra composta de estudan tes universitários de vários cursos da Universidade de São Paulo assemelhavase mais à amostra norteamericana em matéria de experiência de namoro do que da amostra chinesa Os dados também deram apoio à hipótese evolu cionista Uma porcentagem maior de homens brasileiros 5090o do que de mulheres 1350o disse sentirse mais afetada quando imaginava o parceiro tendo relações sexuais ardentes com alguém do que quando o imaginava apaixo nado A porcentagem se aproximava mais da encontrada por Geary et al 1995 em norteamericanos do que em chineses o que reforça a interpretação de que um maior sentimento de ciúme sexual surge em contextos de maior liberdade sexual e portanto mais ameaçadores Um resultado surpreendente da pesquisa foi a semelhan ça entre homens e mulheres quanto às emoções desperta das pela infidelidade do parceiro No caso da traição afeti va tanto homens como mulheres diziamse mais magoa dos e ciumentos do que enraivecidos quando se tratava de traição sexual a raiva era fortemente manifestada em homens e mulheres às vezes ultrapassando o nível do ciúme e da mágoa Concluímos que embora confirman do a natureza transcultural das diferenças homem mulher quanto ao tipo de ciúme sexual vs emocional nossos resultados mostram que estas diferenças não se encontram em todas as dimensões do comportamento ciumento e parecem ser flexíveis e sujeitas a influências contextuais Ades 2003 p 1186 PRODUTIVIDADE E PERSPECTIVAS DO PROGRAMA EVOLUCIONISTA O programa evolucionista aplicado à pesquisa psicoló gica tem tido grande produtividade tem levado a insights 4Ana Paula Ferreira Moreira Ana Paula Sammogini Ana Luísa Tisselli Cláudia Fernanda Rodriguez Janaína Silva Kátia Ackermann e Luciana Palma nas áreas de agressão da violência doméstica do apego e das relações paisfilhos da formação de amizades e alianças da psicopatologia e em outros temas Os dados que têm trazido não são conhecimentos de senso comum reelabora dos Não é trivial a pergunta Por que é que mulheres são mais propensas a ter relações extraconjugais quando estão ovulando e nem é fácil enquadrar a resposta seja no senso comum seja numa das nossas teorias psicológicas Uma primeira contribuição do programa evolucionista consiste numa ênfase metodológica na observação do comportamento em situações do diaadia naturais ilus trada pelo exemplo do comportamento de reconciliação Mas nem tudo na verdade pouco pode ser diretamente observado Entrevistas questionários avaliações escalas são instrumentos necessários do psicólogo evolucionista para abordar atitudes e afeto como no caso do ciúme Uma segunda contribuição do programa evolucionista mais importante tem a ver com a construção de um quadro teórico integrador de observações e gerador de hipóteses Uma teoria evolucionista do comportamento humano tem uma certa vantagem em termos de abrangência uma vez que coloca na mesma perspectiva teórica animais e seres humanos Princípios do comportamento não são fechados no círculo da espécie mas referemse a estruturas em trans formação que mantêm entre si uma semelhança básica dife renciandose contudo de acordo com o grupo ou espécie em que se concretizam Ao invés de nos apegarmos à idéia do quanto somos diferentes de qualquer outro animal afrr ma de Waal em entrevista a M F Small 2001 a identi dade humana deveria ser construída sobre a idéia de que somos animais que levaram adiante num grau significativo certas capacidades Nós e os outros animais somos iguais e Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 21 diferentes e a igualdade é o único quadro dentro do qual se pode tornar concreta a diferençà A abrangência teórica da perspectiva evolucionista cons tróise de forma bidirecional entre o conhecimento dos animais e o conhecimento do ser humano Uma tarefa difícil quando são detectadas semelhanças é saber se expressam homologia mecanismos provenientes de uma ascendência evolutiva comum ou homoplasia mecanismos convergentes sem ancestralidade comum O mecanismo de reconheci mento da face por exemplo apresenta várias características comuns ao ser humano e a primatas nãohumanos que apóiam a hipótese da homologia Hauser e Spelke 2004 É a reconciliação entendida como a presença de uma moti vação para a retomada de contato e interação após uma briga entre crianças uma característica homóloga ou homoplás tica em relação à reconciliação de primatas nãohumanos em circunstâncias semelhantes Mesmo que não seja prudente responder que sim a comparação pode ser frutífera Os dados com animais indicam claramente existir conti nuidade evolutiva em muitos processos sociais e inclusive na possibilidade de transmissão de tradições comporta mentais de uma geração para outra Fornecem ainda uma base forte para a idéia de que o ser humano é biologica mente cultural de acordo com a bela expressão de meus colegas Vera Sílvia Bussab e Fernando Leite Ribeiro 1998 No entanto a compreensão do comportamento humano permanece necessariamente aberta aos aportes de um olhar psicológico centrado na experiência individual e ao olhar antropológico dirigido aos aspectos coletivos da experiên cia Não reduzir mas ver melhor as características distin tivas e a complexidade do fenômeno humano na conti nuidade descontinuidade com outras espécies e dentro do quadro evolutivo do qual ele não pode escapar

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1 1 UM ÜLHAR EVOLUCIONISTA PARA A PSICOLOGIA 1 César Ades Desde que se constituiu a psicologia procurou estabe lecer a independência de seu enfoque e de seu método em relação à biologia Mas nunca deixou de pagar um tribu to ao biológico nem que fosse como o reconhecimento do substrato a partir do qual outra forma de organização da mente do comportamento se origina Na origem do pensamento psicológico está uma posição cartesiana rara mente explicitada mas que incomoda como Descartes esteve incomodado para explicar a origem ao mesmo tempo corporal e mental das paixões humanas por não indicar uma fronteira nítida entre o psicológico e o bioló gico e por não proporcionar uma epistemologia capaz de dar conta independentemente do psicológico O deter minante biológico não é negado mas colocado fora do âmbito das explicações relevantes acerca da mente ou do comportamento Sobre esta ambigüidade desenvolvemse dicotomias que se autoreforçam como a dicotomia entre natureza e criação nature and nurture entre biologia e cultura entre inato e aprendido e se criam distâncias ainda maiores do que as que normalmente existem entre as ciências os departamentos e os cientistas O conhecimento fica encap sulado em áreas não apenas especializadas mas que se colocam como incomensuráveis Acabase tendo a impres 1Versão de uma palestra apresentada no N Congresso NorteNordeste de Psicologia Salvador Bahia 2005 e do texto correspondente à palestra publicado em Psicologia novas direções no diálogo com outros campos do saber Nádia Maria Dourado Rocha e Antonio Virgilio Bittencourt Bastos Coordenadores Casa do Psicólogo 2007 são de que o objeto de estudo o ser humano perde sua unicidade e se fragmenta de acordo com as perspectivas e os recortes impostos Não faz tanto tempo fui convidado pelo centro acadê mico de um curso de psicologia para participar de uma mesaredonda sobre Hereditariedade e Ambiente composta de apenas dois participantes uma antropóloga e eu mesmo talvez no propósito de nos ver defender ela o aporte ambiental e cultural eu a base instintiva e bioló gica o que de fato fizemos O tema é bastante polêmi co mais ainda numa época como a nossa marcada por um progresso enorme no conhecimento dos processos genéticos e por tentativas audazes de aplicação desse conhe cimento inclusive ao comportamento Em Tdbula Rasa 2004 Stephen Pinker gasta quase 700 páginas para reba ter com paixão a idéia de que a mente da criança é uma folha em branco na qual a sociedade e a cultura inscrevem tudo No debate a fala da antropóloga foi principalmente dedicada ao estabelecimento do cultural e do psicológico como essencialmente independentes do biológico A natu reza simbólica do ser humano o arbitrário e o cumulati vo do fato cultural as transformações da história foram contrastados com a determinação mecânica do processo genético incapaz de dar conta do significado Fezse também uma crítica às interpretações funcionalistas evolucionistas do comportamento humano perigosas pelas implicações em termos de darwinismo social Justi ficariam tudo o que fosse considerado geneticamente adaptativo inclusive o estupro Estava clara nas coloca ções a permanência de uma postura dicotômica com raízes na distinção de Dil they 18 83 entre ciências natu rais Naturwissenchaften e ciências do espírito Geiteswis senchaften Como integrar a intenção de compreender com a de medir e interpretar de fora por assim dizer o objeto estudado Interpretar dados o problema é definir o que são dados psicológicos em termos biológicos seria perder um conteúdo essencial alienando o conhecimen to do ser humano da rede de significados que o constitui e que passa pela linguagem Apesar das divergências o debate com a antropóloga foi cordial Mas não é na mesa de discussão que poderá progredir muito o esforço de integração entre as perspectivas da biologia e das ciências humanas Não se trata de apenas efetuar uma tradução de termos ou um cutandpaste de idéias Mais estimu lante e produtivo é o contato que se dá em regiões de fronteira em torno de assuntos suficientemente próximos para que a vantagem de olhar de dois ou mais pontos de vista se torne explícita A aproximação se dá então atra vés do interesse convergente dos pesquisadores e de uma transferência natural de modos de pensar e de métodos de um lado a outro Piaget disse uma vez que uma regra de criatividade era olhar ao lado do assunto pesquisado Lino de Macedo comunicação pessoal aventurarse fora dos esquemas procurando outras formas de ver os fatos à maneira do antropólogo que aborda uma sociedade que ele pretende compreender com curiosidade e desejo de assimilação Ainda usando o pensamento de Piaget eu diria que é necessário descentrar a sua perspectiva ou seja ver o mesmo objeto de uma outra perspectiva sem abandonar a base de especialização E no surpreenderse diante do objeto porque visto dentro de outro referencial que está uma das raízes da integração entre perspectivas prenderse menos aos modos habituais de conhecer e às posições teóri cas e mais à necessidade de conhecer o objeto da forma mais completa e interativa possível A hierarquia que o senso comum estabelece entre as ciências faz muitos temerem que num empreendimento conjunto os enunciados da psicologia acabem se reduzin do aos da biologia Não há razão contudo para pensar que a migração de conceitos seja unidirecional não há perspectivas necessariamente mais básicas ou mais ricas na produção de perguntas Vale uma epistemologia cruzada que se constitui na pesquisa efetuada com conceitos e modelos transpostos de uma área para outra Em vez de pensar como reducionista o desenvolvimento do contato entre psicologia e biologia prefiro entendêlo como Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 1 1 produto de uma coevolução que instaura interdependên cias2 Neste texto abordo a perspectiva evolucionista que interpreta o comportamento humano como adaptação às condições do ambiente físico e social em que o ser huma no evoluiu enquanto espécie Do mesmo jeito como se supõe ser adaptativo porque pode afugentar predadores o movimento deimático de um louvaadeus que se ergue e estica as asas coloridas ou a resposta do pavão de abrir em leque a sua cauda porque atrai as fêmeas também podem ser interpretados os comportamentos do ser huma no como produtos de uma evolução que os tornou funcio nais isto é que lhes atribuiu uma vantagem em termos de sobrevivência e reprodução Transpõese uma maneira de conceituar o comportamento animal para o compor tamento humano Podese argüir que é inevitável esta transposição uma vez que sendo ele próprio um animal o ser humano tem seu comportamento regido pelos mesmos princípios darwinistas que regem o comportamento animal Mas este argumento simples e lógico como é não convence necessariamente embora sendo um animal o ser humano poderia seguir princípios comportamentais diferentes decorrentes de sua natureza diferente simbólica cultural histórica às vezes entendidos como princípios emer gentes libertos das contingências originais Sawyer 2002 A questão que se coloca então é saber se as diferenças do ser humano com os outros animais implicam necessa riamente e desde o ponto de partida a impossibilidade de aplicarse o modelo evolucionista ao comportamento humano As diferenças que marcam obviamente o comportamento humano poderiam ser análogas às que diferenciam um tipo de animal de outro isto é poderiam ser assimiláveis a uma lógica evolutiva geral Ou poderiam ao contrário determinar um campo empírico sujeito a princípios próprios nãoevolutivos 2Sociedades científicas como a Sociedade LatinoAmericana de Psicobio logia que se transformou em Sociedade Brasileira de Psicobiologia que por sua vez gerou a Sociedade Brasileira de Neurociência e Comporta mento foram bases importantes para uma interação psicobiológica em nosso meio A Sociedade Brasileira de Ecologia SBEc de cujos encontros anuais participam psicólogos e especialistas em diversas áreas biológicas e estudantes de diversos cursos de graduação tem sido ponto de convergência e de progresso na área A Revista de Ecologia uma publicação da SBEt e do Instituto de Psicologia da USP tem abordado questões de fronteira com o comportamento humano Disciplinas como Ecologia e Comportamento Animal oferecidas no Instituto de Psicologia da USP que reúnem alunos de biologia e de psicologia além de outros demonstram na prática das discussões de aula a viabilidade da integração de perspectivas 12 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia Embora não existam critérios rigorosos para decidir entre a comensurabilidade e a incomensurabilidade pare ceme apressada a proposição de que se há diferenças tornase necessário aceitar uma ruptura epistemológica entre as áreas de pesquisa envolvidas Se um peixe respira através de guelras um modo muito diferente da respiração de organismos terrestres isto não implica que devamos construir para os peixes uma biologia especial e que deva mos supor que eles não tenham sofrido uma história evolu tiva O mesmo vale para o biossonar dos morcegos os dentes recicláveis dos tubarões as asas das aves o órgão detector de temperatura das cobras e um número imenso de diferenças entre animais A abordagem evolucionista não pretende nem poderia sem entrar em contradição com a sua própria proposta reduzir a estrutura de um animal ou a sua fisiologia ou o seu comportamento à estrutura à fisiologia ou ao comportamento de outro animal Pretende ao contrário a partir de princípios gerais seleção natural seleção sexual e suas decorrências expli car como teriam sido geradas as diferenças essenciais e importantes entre os animais Não há nesta perspectiva contradição ou impossibilidade epistemológica em reco nhecer as características específicas do ser humano e em acreditar que se insiram num esquema mais amplo de semelhanças e de continuidade evolutiva Tratase de uma abordagem comparativa que parte das semelhanças e diferenças entre o ser humano e outros animais e busca examinar através do confronto a viabili dade de aplicação dos princípios de uma lógica evolucio nista Entender o comportamento humano consiste em tomálo como um caso especial e em verificar a validade neste caso dos princípios de interpretação desenvolvidos para a vida animal Esta aplicação não é pura transposição Interpretar evolutivamente significa levar em conta a novi dade das características específicas no sentido de próprias da espécie e aproveitálas num movimento de retorno para enriquecer o esquema geral A linguagem e a cultura das quais muito nos orgulhamos porque nos diferenciam surgem como novidades no cená rio evolutivo e têm de ser tomadas como tais O esforço comparativo pode nos levar a perceber que a novidade que tanto impressiona é uma novidade reiativa estudos sobre a capacidade de primatas nãohumanos adquirirem o uso de símbolos em suas interações com o ser humano se não provam e a intenção não é absolutamente provar que esses animais possam falar como seres humanos mostram que eles possuem aptidões que prenunciam a linguagem Sava geRumbaugh Shanker e Taylor 1998 Do mesmo jeito prenunciam a cultura humana as observações feitas em chimpanzés de diversas regiões da Africa de diferenças comportamentais estáveis e provavelmente transmitidas de uma geração para outra Perry e Manson 2003 A abordagem comparativa focaliza ao mesmo tempo causa e função A distinção entre categorias causal e funcional ou entre a causação próxima e a causação última Alcock 2001 esteve sempre implícita desde Darwin na abordagem evolucionista Foi posta em relevo por Tinbergen 1963 na sua famosa formulação das quatro perguntas básicas para a pesquisa etológica Sem retornar a uma definição ou discussão dessas categorias vale a pena notar que é possível interessarse em certo estágio de investigação mais pela estrutura e funciona mento de um processo comportamental isto é pelas suas características descritivas e causais do que pelas implica ções evolucionistas O fato de não se saber por que em termos funcionais o riso humano tem as características sonográficas que tem não impede que haja interesse em descrever de forma minuciosa as suas emissões verifican do o quanto são estereotipadas Provine e Yong 1991 ou o quanto são variáveis compostas de episódios vocalizados e nãovocalizados Bachorowski Smoski e Owren 2001 Do mesmo jeito podese investir tempo de pesquisa regis trando os contextos em que pessoas riem às vezes à toa sem que haja nada de humorístico na situação Provine 1993 ou formular uma teoria sobre a determinação social do riso mostrando que depende da motivação do emissor de seu relacionamento com o ouvinte e que atua como modificador de afetos Owren e Bachorowski 2003 antes ou independentemente da formulação de hipóteses evolu ClOnlStas Também pode existir um interesse maior pelo teste de uma hipótese funcional do que pela análise do mecanismo causal subjacente Não pode haver contradição entre as duas abordagens mas elas podem proceder independen temente de acordo com os objetivos da investigação empreendida A pesquisa psicológica comumente se centra sobre questões causais por exemplo contextos em que aparecem falsas memórias efeito da disposição do mobi liário de uma creche sobre o comportamento de crianças pequenas capacidade que bebês têm de imitar expressões faciais etc enquanto muito da pesquisa em comporta mento animal dentro de uma perspectiva biológica busca comprovar hipóteses funcionais por exemplo relativas às idéias de Trivers 1972 sobre investimento parental Isso significa que não é necessário que toda pesquisa psicológica passe a se pautar por hipóteses evolucionistas embora a longo prazo e dentro de uma visão unificada os níveis causal e funcional devam ter uma conexão flexí vel e de mútua influência Hipóteses evolucionistas são formuladas a partir de estudos causais e precisam deles para alcançar sua formulação mais precisa e para encontrar a sua comprovação A avaliação de hipóteses a respeito do apego enquanto estratégia evolutiva depende do conhe cimento de como se desenvolve a relação mãecriança da descrição dos tipos de apego etc Estudos sobre os proces sos cognitivos dentro de um quadro causal produzem informações relevantes às formulações evolucionistas a respeito da modularidade dos mecanismos mentais De maneira inversa a abordagem evolucionista pode ser vista como um programa heurístico de pesquisa capaz de gerar perguntas e hipóteses e de motivar pesquisas com meto dologia própria Lakatos 1970 Abre campos empíricos inatingidos até o momento e proporciona idéias para pesquisas causais fechando o círculo COEVOLUÇÃO PSICOBIOLOGICPA MOMENTO I Nunca foi tranqüila a história da inserção ou tentativa de inserção das idéias evolucionistas na psicologia A revi são desta história mostra que ela é pontuada por polêmi cas científicas e até pessoais muitas vezes duras pouco construtivas A polêmica indica que não é num clima de neutralidade científica que se desenvolvem e se articulam as teorias psicobiológicas mas num contexto marcado pela referência às concepções correntes sobre o que é a socie dade humana e sobre os perigos que poderiam advir de uma teoria científica que se transforme em justificativa para práticas injustas Rimos bastante hoje das charges publicadas na época de Darwin a respeito da teoria evolu cionista muitas delas representando Darwin meio homem meio macaco Mas elas eram sintomáticas de uma percep ção de perigo ou de inconveniência recuperavam mitos antigos nem sempre apaziguadores de participação do ser humano na natureza animal Mas também se nota revendo a história o quanto as idéias evolucionistas estiveram presentes desde o início do desenvolvimento da psicologia enquanto ciência Wundt um dos pioneiros da psicologia científica escreveu com um certo teor recapitulacionista Se tentarmos resolver a partir da comparação dos atributos psíquicos a questão geral da relação genética entre o homem e os animais devemos admi tir dada a semelhança dos elementos psíquicos e de suas Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 13 formas mais simples e mais gerais de combinação que é possível que a consciência humana tenha se desenvolvido a partir de uma forma inferior de consciência animal Este pressuposto também é fortemente reforçado pelo fato de que se encontra no reino animal uma série completa de estágios diferentes de desenvolvimento psíquico e de que cada ser humano individual passa por um desenvolvimento análogo Wundt 1897 pp 280281 Romanes naturalista amigo de Darwin e Lloyd Morgan psicólogo inglês professor de zoologia na Universidade de Bristol foram darwinistas no campo ainda incipiente das interpretações evolucionistas para o comportamento Romanes 1883 preocupouse em demonstrar a flexibi lidade do instinto na andorinha que melhora a construção de seu ninho nos cães de caça que adquirem hábitos muito diferentes dos hábitos naturais e em estabelecer paralelos com a consciência humana Descreveu por exemplo como proposital e consciente o comportamento de um macaco que numa certa oportunidade desfez os nós de uma corda para balançarse nela alcançar a porta de sua gaiola e fugir A postura anedótica e antropomórfica de Romanes foi criticada por Lloyd Morgan 1894 cujo cânone ampla mente citado estabelecia limites para a interpretação de processos mentais em animais Mas o propósito dos primei ros darwinistas era mesmo o de demonstrar a continuida de essencial entre a psicologia animal e a psicologia huma na partindo da consciência humana e indicando o seu surgimento evolutivo de formas mais simples como o reflexo ou o instinto A influência de Darwin também se manifestou sobre o jovem Freud Ainda aluno de medicina fora enviado à estação de biologia marinha de Trieste pelo seu orientador o professor Klaus um darwinista convicto A missão de Freud era dissecar enguias em busca de possíveis bases anatômicas para a distinção entre enguiamacho e enguia fêmea O artigo que resultou dessa pesquisa tem a minú cia e o rigor que o tema exigia Colocase a questão do quanto permaneceu deste ponto de partida biológico no desenvolvimento da psicanálise e de quanto não seria propícia uma revisão reintegrativa da questão das relações entre psicanálise e pesquisa psicológica Ades 2001 A repressão enquanto mecanismo freudiano através do qual idéias são mantidas fora da consciência talvez pudes se ser explicada através do funcionamento da memória operacional de aumentos na atividade nervosa do córtex préfrontal dorsolateral e da redução da atividade hipo campal mostrando a possibilidade de convergência Xavier e Helene 2005 14 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia Em seu livro que nos cativa pela forma saborosa com a qual se refere aos fenômenos psicológicos estas coisas que chamamos sentimentos desejos cognições raciocínios decisões e outros que tais William James 18901952 afirmava que um certo tanto de psicologiadocérebro deve ser pressuposto ou incluído na psicologia p 3 Mas James nao apenas se preocupa com centros e vias neurais poss1 veis ele cria outra convergência com a biologia e usa talvez pela primeira vez a expressão psicologia evolucionista que sugere serem os fenômenos psicológicos produtos de uma longa e lenta transformação da espécie Observa primeiro que com o surgimento da consciência uma nova natureza parece introduzirse algo cuja potência não resul ta dos meros átomos em expansão do caos original p 95 Parece haver incomensurabilidade entre as leis da matéria e as do sentimento e da vida mental em geral Mas James logo defende o princípio de continuidade deveríamos de modo sincero tentar de todas as possíveis maneiras conce ber o surgimento da consciência de modo que não pareça equivalente à irrupção no universo de uma nova substância até então nãoexistente p 97 Nesta tentativa de tomar a mente como um objeto num mundo de outros objetos James se preocupa entre outras coisas com instintos Não é necessário darse ao esforço de comprovar a sua existência no mundo animal são muitos os casos Mas eles também existem no ser humano e em variedade maior Fiquei impressionado de encontrar em James evidentemente de forma mais espe culativa a idéia de que os instintos se transformam pela sua própria execução e que vão construindo assim expec tativas aprendidas a respeito do contexto Cada ato instin tivo num animal dotado de memória deixa de ser cego depois da primeira repetição p 704 Assim já que o animal de razão mais rica pode ser também o animal mais rico em impulsos instintivos ele o ser humano nunca poderia parecerse com o autômato fatal que um animal meramente instintivo seria p 706 Também fiquei impressionado com a percepção muito moderna de como a evolução dos organismos implica também a evolução dos ambientes em que sobrevivem nossas faculdades internas estão adaptadas de antemão às características do mundo em que vivemos adaptadas eu entendo de modo a conseguirmos nossa segurança e nossa prosperidade nele mente e mundo evoluíram juntos e em conseqüência demonstram um ajustamento mútuo Qames 1892 p 34 Esta suposição de que atuam no ser humano impulsos ou motivações típicas que o definem como tal análogos aos que existem em animais e esta percepção de que estes impulsos ou motivações não são necessariamente cegos e estanques à experiência são um prenúncio das colocações etológicas e da moderna psicologia evolucionista Encon tram sua raiz em Darwin que tinha previsto a importân cia de sua teoria para a psicologia No final de A Origem das Espécies 1872 ele escreve num futuro distante eu vejo campos abertos para pesquisas muito mais importan tes A psicologia encontrará uma base segura no funda mento da aquisição necessária de cada poder mental e de cada capacidade mental de forma gradativa Muita luz será lançada sobre a origem do homem e sobre sua histó ria Darwin 18591996 p 394 Darwin não esperou esse futuro distante para realizar um exercício de aplicação do pensamento evolucionista ao domínio psicológico Em vez de estudar o lado mental das emoções como faria Wundt dirigiu seu olhar natu ralista colecionador de detalhes à expressão das emoções no homem e nos animais O título do seu livro coloca bem a crença de que existe entre os outros animais e o ser humano uma continuidade suficiente para que compara ções possam ser estabelecidas reveladoras de semelhanças e de diferenças indícios do partilhamento de uma história evolutiva Darwin 1872 O livro que foi um dos primei ros a usar fotografias com finalidade científica foi um verdadeiro bestseller na época de seu lançamento em 1872 Mas não teve impacto sobre a pesquisa Levou quase um século para que a sua proposta fosse recuperada por Paul Ekman um psicólogo que dedicou uma carreira intei ra ao estudo de como a face espelha ou esconde a raiva a tristeza o nojo a alegria a surpresa o medo o desprezo e outras emoções Ekman promoveu a reedição de A Expressão das Emoções Darwin 1998 que ele conside rava um livro extraordinário radical para o seu tempo e mesmo hoje Ekman 2003 p 13 Darwin sugere no primeiro capítulo de seu livro cita do aqui na versão traduzida Darwin 2000 as fontes nas quais foi buscar informação Em sua maioria ainda são válidas Dentre elas observar as crianças pois elas exibem muitas emoções com extraordinária intensidade p 23 de uma maneira mais reveladora às vezes do que mais tarde na vida usar fotos de expressões faciais para serem avaliadas quanto à emoção transmitida muitas das 3Nota das organizadoras no Brasil o livro encontrase traduzido para o português e publicado pela Companhia das Letras em 2000 por reco mendação do professor Renato Queiroz do Departamento de Antropo logia da USP expressões foram imediatamente reconhecidas por quase todos ainda que descritas não da mesma maneira p 23 buscar descrições de como manifestam emoção pessoas em outras culturas de preferência não em contato com europeus sempre que determinadas mudanças nas feições e no corpo exprimirem as mesmas emoções nas diferentes raças humanas poderemos inferir com grande probabili dade que estas são expressões verdadeiras ou seja que são inatas ou instintivas Expressões ou gestos adquiridos por convenção na infância provavelmente difeririam tanto quanto diferem as línguas p 24 descrever as expressões que animais mais comuns exibem claro que não para decidir escreve Darwin até onde no homem algumas expressões são características de determinados estados de espírito mas para proporcionar a mais segura base para se generalizarem as causas ou origens dos vários movimen tos de Expressão Ao observar animais estamos menos propensos a nos deixar influenciar pela nossa imaginação e podemos estar seguros de que suas expressões não são convencionadas p 27 Darwin acreditava que as emoções não fossem exclusivas dos seres humanos Até as abelhas podem ficar com raiva dizia Darwin Só nos últimos anos é que os estudiosos do comportamento animal pararam de se acanhar do perigo do antropomorfismo e aceitam as sábias observações de Darwin segundo as quais muitas vezes os contextos soc1a1s que geram emoçoes nos seres humanos também as produzem em animais Ekman 2003 p 2 Vêse que Darwin falando em raiva nas abelhas usava o método comparativo nas duas direções do animal para o ser humano e deste para o animal de uma forma que seria difícil taxar de reducionista COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT02 A tentação da abordagem biológica ao comportamento humano depois destas tentativas isoladas reaparece com Lorenz e Tinbergen Sua intenção inicial era recuperar a noção de instinto um tanto maltratada pelo behavio rismo que em tudo ou quase tudo queria ver aprendiza gem colocandoa numa perspectiva evolutiva Tanto Lorenz 1937 sob a influência do ornitólogo Heinroth como Tinbergen 1958 andando pelas dunas holandesas para observar vespas caçadoras e gaivotas estavam queren do construir uma ciência do comportamento animal mas ambos acabaram incluindo o ser humano em sua proposta Duas são a meu ver as principais contribuições da etolo Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 15 gia clássica a primeira mais essencial a insistência de que se deve encontrar raízes instintivas típicas da espécie gené ticas ou qualquer outro termo que se queira usar no comportamento humano e isso usando os métodos apon tados por Darwin voltar aos primeiros desempenhos do bebê ou da criança pequena na tentativa de surpreender o que não possa ser atribuído à experiência cultural demonstrar a transculturalidade de certos comportamen tos humanos O livro Human Ethology de EiblEibesfeldt 1989 com suas cerca de 800 páginas representa bem a riqueza de material empírico que as hipóteses etológicas são capazes de gerar A segunda contribuição é metodológica Os etólogos clássicos propunham que se observasse o comportamento humano como o naturalista observa o comportamento animal pondo entre parênteses os pressupostos não indo direto ao processo inferido não buscando aplicar a todo custo um esquema preconcebido em suma deixando o sujeito observado livre para demonstrar o seu modo de interagir com o ambiente Desmond Morris que começou observador de aves dizia que podia haver man watching ou de forma menos sexista person watchin do mesmo jeito que há bird watchinge se propôs a cultivar este olhar curioso em relação ao corriqueiro da vida das pessoas Morris 1977 Os estudos etológicos sobre o comportamento infantil têm por modelo as descrições minuciosas de BlurtonJones 19721981 Muitos estudos brasileiros podem ser citados como argumento da relevância de se olhar com atenção e de se categorizar o comportamento humano Se hoje não se ressalta nem se discute a questão da observação em psicologia é que a técnica se integrou às outras a ponto de não ser necessário remontar às suas origens Do mesmo modo como noções psicanalíticas passaram a fazer parte do conhecimento comum certos conceitos e formulações etológicos difundemse através da mídia atendendo à curiosidade a respeito das semelhanças ou dessemelhanças entre a mente humana e a animal São versões modernas de atitudes e crenças muito antigas Um certo modo de divulgar idéias etológicas veio com os textos de Lorenz sobre os males da humanidade e principalmente com os livros de Morris que usa um misto de conhecimentos cien tíficos com observações em que o senso comum se reco nhece O Macaco Nu 19972003 teve enorme repercus são agora temos A Mulher Nua Morris 20042005 Embora este tipo de divulgação tenha o mérito de colocar para um público maior a plausibilidade de uma perspec tiva psicobiológica pode criar a impressão de que as inter 16 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia pretações biológicas são intuitivas ou simplificadoras em demasia Incomodado com a definição dicotômica que Lorenz dava do comportamento instintivo ligado como que inevi tavelmente à genética e através da genética à ação do ambiente evolutivo Lehrman 1953 teceu críticas duras ao inatismo e defendeu a interação genesambiente como feição constante da ontogênese Os argumentos giravam em torno do comportamento animal mas tinham óbvias implicações para o ser humano Lorenz acabou conceden do que não há traço comportamental em princípio livre de efeitos ontogenéticos sem contudo abandonar a sua ênfase no caráter típicodaespécie dos padrões instintivos A controvérsia LorenzLehrman põe em destaque a neces sidade antiga mas sempre atual de criar uma ferra menta conceitua para dar conta da constância e da varia bilidade dos comportamentos adaptativos COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT03 Quando o mirmecólogo Edward Wilson saiu de seu campo de especialização e publicou Sociobiology a new synthesis 1975 também gerou uma enorme resistência e não apenas entre cientistas sociais Rose Kamin e Lewon tin 1985 Gould e Lewontin 1979 ver também Yama moto Cap 1 deste livro Como o próprio Wilson nota embora suas idéias sobre animais tivessem sido aceitas de imediato a generalização das teorias da Sociobiologia aos seres humanos teve uma recepção totalmente dife rente pelo menos fora da biologia Nos anos setenta preva lecia nas ciências sociais a idéia de que não existe uma base biológica para a natureza humana que o comportamento humano tem uma origem quase integralmente sociocul tural e portanto que os genes desempenham pouco ou nenhum papel além de auferir capacidade intelectual ou emocional Eu defendi o contrário que a biologia desem penha um papel maior em estreita sintonia com a cultu ra e que o comportamento humano não pode ser compre endido sem a biologia Wilson 1995 A ambição de Wilson era aplicar à sociedade humana e aos animais os princípios de uma nova compreensão dos mecanismos de sobrevivência baseada nos trabalhos teóri cos de Hamilton sobre a genética do comportamento social Hamilton 1964a 1964b e de Williams 1966 de acor do com os quais a seleção atua não sobre características de uma espécie mas sobre as características do indivíduo Daí o surgimento da noção de gene egoísta populariza da por Dawkins 1999 e o abandono da concepção acei ta por etólogos clássicos de atos selecionados pelo bem da espécie Os debates foram acalorados Gould e Dawkins ambos admiradores de Darwin escreviam resenhas um dos livros do outro trocando comentários ácidos Do lado de Wilson estavam além de Dawkins Stephen Pinker autor de Como a Mente Funciona 19972001 e mais recentemente de Tábula Rasa 20022004 e Alcock o autor de um exce lente manual evolucionista sobre comportamento animal Alcock 2001 e de um livro que transmite a partir de seu título The Triumph of Sociobiology 2001 a exultação de quem acredita estar do lado certo COEVOLUÇAO PSICOBIOLOGICA MOMENT04 Um quarto momento na coevolução entre psicologia e biologia ocorre quando arrefece a polêmica sociobiológica e se estende até hoje Marcase pela proposta de constituição de uma psicologia evolucionista O nome como foi visto remonta a William James A diferença é que agora se colo ca explicitamente como uma perspectiva autônoma para a análise do comportamento humano constituída em torno de um conjunto de pressupostos com presença institucio nal enquanto campo de pesquisa e disciplina acadêmica Não se trata de apenas efetuar empréstimos metodoló gicos à biologia ou de interpretar processos psicológicos conhecidos de uma forma evolucionista mas de assimilar o modo de pensar evolucionista criando um programa de pesquisa nascido por assim dizer de dentro da psicologia Um nomeresumo confere coerência e visibilidade social tende a constituirse em bandeira Foi o caso com a socio biologia em que Wilson em desafio à dicotomia tradi cional sabendo o quanto a sua consiliência iria provocar de reação juntou socio com bio criando um nomeresu mo rapidamente empregado em cursos encontros cientí ficos e no título de revistas Também é o caso da antropo logia evolucionista e de uma forma mais espetacular da ecologia comportamental a sucessora imediata da sociobio logia Na criação desses nomes observase uma caracte rística comum a junção de campos epistemológicos diver sos como se de linhas tradicionais postas em convergên cia pudessem resultar princípios mais abrangentes e produtivos E evidente que o nome não garante por si a coerência e a validade de um programa científico A psicologia evolucionista é identificada a partir de seus primeiros protagonistas entre os quais John Tooby e Leda Cosmides da Universidade da Califórnia em Santa Barba ra Barkow Cosmides e Tooby 1992 Cosmides e Tooby 1989 1999 Martin Daly e Marga Wilson da MacMas ter University do Canadá Daly e Wilson 1996 1999 e David Buss da Universidade do Texas em Austin Buss 1990 2005 A psicologia evolucionista está em fase de expansão O campo da psicologia evolucionista emergiu dramaticamen te nos últimos 15 anos como o indica o crescimento expo nencial no número de artigos teóricos e empíricos na área escrevem Durrant e Ellis 2003 p 1 apoiandose em esta tísticas de quatro artigos indicados por uma busca pelos índices da Psychlnfo entre 198 5 e 1988 passouse para 231 entre 1997 e 2000 Creio que deva ser ainda maior a conta gem em 2006 A psicologia evolucionista tem sua socieda de Human Behavior and Evolution Society seus manuais suas reuniões anuais as pesquisas dentro de seu âmbito são veiculadas em várias revistas especializadas No Brasil uma iniciativa marcante foi a reunião durante o congresso da ANPEPP emAracruz Espírito Santo em 2004 do grupo de trabalho Psicologia Evolucionista A Psicologia Evolu cionista marcase pelo senso de renovação e pela idéia de que será possível transcender a crônica divisão epistemoló gica da psicologia através da perspectiva da evolução Eviden A temente tanto entusiasmo gera res1stenc1as A Psicologia Evolucionista rejeita o que Cosmides e Tooby denominam modelo padrão das ciências sociais exemplificado pela posição da coparticipante antropó loga no simpósio sobre hereditariedade e ambiente ao qual me referi no começo deste ensaio Retoma por conta própria a interpretação do comportamento humano como préselecionado e adaptativo também central às propostas da etologia clássica e da sociobiologia Sofremos todos de cegueira para os instintos escrevem Cosmides e Tooby 1999 p 2 uma abordagem evolucionista permi te reconhecer que competências naturais existem indica que a mente é uma coleção heterogênea destas competên cias e o que é o mais importante fornece teorias concre tas acerca de suas estruturas grifo meu As competências naturais são adaptações produzidas pela seleção natural e pela seleção sexual em mecanismos psico lógicos que não representam uma pura manifestação gené tica mas decorrem de uma interação genesfatores ambien tais que produz toda uma gama de desempenhos compor tamentais e cognitivos De acordo com Buss 1999 os mecanismos psicológicos são estruturas que se desenvolve Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 17 ram ao longo da evolução por resolver problemas especí ficos de sobrevivência e de reprodução São seletivos levam em conta apenas determinados aspectos do ambiente funcionam de acordo com regras e procedimentos especí ficos e geram informação para outros mecanismos ou se traduzem diretamente em comportamento Os psicólogos evolucionistas se incomodam com a idéia de que existem mecanismos de efeitos generalizados pron tos para lidar com uma gama extensa de desafios ambien tais Preferem pensar que a mente é composta por uma coleção de aptidões restritas de uma certa quantidade de mecanismos psicológicos cada qual selecionado de acordo com uma finalidade particular A busca de alimento a seleção de um parceiro reprodutivo a evitação do incesto a aquisição de uma posição na hierarquia de dominância são problemas que requerem soluções específicas E mais plausível imaginar que tenham acabado por ser atendidos por mecanismos modulares Não há soluções gerais porque não há problemas gerais ver também Seidl de Moura e Oliva e Ottoni Caps 5 e 6 deste livro Tratase de uma questão de engenharia e de otimização de desempenho Imaginese uma fábrica com uma única máquina polivalente versus uma fábrica com máquinas feitas sob medida para cada tarefa Acreditam os psicólogos evolu cionistas que a segunda seria certamente mais eficiente e que na contrapartida comportamental o mesmo mecanis mo cognitivo raramente seria capaz de resolver problemas adaptativos diferentes Isso representa um retorno à intuição jamesiana de que o ser humano ao invés de ser desprovido de instintos como afirma o senso comum os tem em quan tidade Dentre os instintos que compõem a lista de James a pugnacidade a emulação o medo a apropriação ou aqui sitividade a construtividade a brincadeira a curiosidade a secretividade a vergonha o amor James afirma que o ciúme é inquestionavelmente instintivo p 735 Veremos mais adiante algo a respeito Mas os mecanismos psicológicos não são todos facil mente especificáveis nem pode ser sempre determinada sua localização no sistema nervoso e nem podem ser total mente independentes uns dos outros a crença na modu laridade não vai tão longe Alguns psicólogos evolucionis tas concedem que qualquer que seja a taxonomia de meca nismos especializados que seja proposta para dar conta da mente humana deve incluir também alguns processos nãoespecíficos Os mecanismos envolvidos no condicio namento clássico e operante podem ser exemplos bons destes processos nãoespecíficos Durrant e Ellis 2003 p 1 O Falta uma discussão dos critérios para distinguir o 18 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia campo de atuação de processos de domínio específico e de processos de domínio geral e das pressões evolutivas para o surgimento de uns e de outros A idéia da especi ficidade gera hipóteses de trásparadiante a partir da função que se supõe exercida por um determinado meca nismo podese imaginar quais devam ser as suas caracte rísticas estruturais diferentes das características de meca nismos que servem outras funções Os mecanismos psicológicos são remanescentes de uma adaptação adquirida em épocas ancestrais Para a Psicologia Evolucionista é essencial a distinção entre o ambiente em que a seleção atuou sobre uma determinada população de organismos moldando as suas características em função das demandas ambientais e o ambiente em que estas adap tações são postas em funcionamento às vezes em condições que as tornam contraproducentes O ambiente da seleção é o ambiente de adaptação evolutiva ver também lzar Cap 3 deste livro Supõese então que muitos dos traços psico lógicos que nos caracterizam tenham sido formados neste longo e nebuloso passado a respeito do qual temos poucos indícios inequívocos A civilização moderna que remonta à invenção da agricultura há poucos milhares de anos atrás não exerceu papel seletivo apreciável e não há por que pensar que hoje dispomos de adaptações genéticas para ver programas de TY para utilizar a Internet ou para diri gir carros no terrível trânsito de São Paulo De acordo com uma certa interpretação estaríamos controlados por prin cípios motivacionais e de cognição válidos para ambientes que não são mais os nossos A compreensão do comporta mento humano dependeria então do confronto entre os contextos atual e primordial Obviamente concedem Cosmides e Tooby somos capazes de resolver problemas que nunca se colocaram para caçadorcoletor algum pode mos aprender matemática a dirigir carros a usar compu tadores Nossa habilidade para resolver problemas como estes é um efeito colateral ou uma conseqüência dos circui tos que foram delineados para atender a problemas adap tativos Cosmides e Tooby 1999 p 6 Estudo de Caso I Reconciliação Usarei dois exemplos de aplicação de uma abordagem comparativaevolucionista a campos psicológicos A idéia é mostrar que esta abordagem funciona como um progra ma de pesquisa gerador de perguntas e de metodologias cuja riqueza depende do quanto de novidade empírica fornece e do quanto promete em termos de reorganização teor1ca O primeiro exemplo sobre a reconciliação visa ilustrar o valor heurístico da transposição de perguntas entre etolo giaanimal e etologiahumana a partir de comportamen tos ou processos que apresentam semelhanças descritivas ou causais E uma estratégia que do pressuposto da seme lhança parte para a descoberta de elementos que possam confirmála E biunívoca pode partir do homem como modelo para o animal no bom sentido de antropomor fismo defendido por de Waal 1997 ou do animal para o homem O objetivo vale a pena voltar a dizer não é nem redução nem identificação total Se chimpanzés se tocam e se beijam depois de um episó dio de briga ao invés de se evitarem e se com isso pare cem voltar a ter uma interação pacífica não seria de se esperar que crianças ou adultos evidenciassem uma tendência semelhante A idéia nasceu da leitura de um artigo que Franz de Waal publicou em 1979 com van Roosmalen de Waal e van Roosmalen 1979 sobre a reconciliação em chimpanzés Sempre que dois chimpan zés da colônia do zoológico de Arnhem na Holanda entrassem em conflito o comportamento de um deles era observado por mais 45 minutos Embora de imediato os oponentes se afastassem um do outro era notável que fossem vistos emitindo depois comportamentos amigá veis como abraçarse esticar a mão emitir uma vocaliza ção de submissão e até beijarse No período após o conflito os atos afiliativos eram mais freqüentes do que num período correspondente sem conflito o que sugere que a aproxi mação fosse produto do próprio conflito e talvez produto de uma motivação para recuperar uma interação pacífica Daí o termo reconciliação Quando Paula Maria de Almeida Fríoli me procurou para escolhermos um tema de pesquisa para o doutorado pensamos em buscar estes correlatos no comportamento de crianças Fríoli 1997 As referências acerca da agres sividade infantil eram fartas mas havia muito pouco publi cado a respeito de uma possível pacificação pósconflito Sackin e Thelen 1984 No pátio de uma escola de São Paulo Paula observou 256 crianças de 4 a 5 anos estágio I de 5 a 6 anos estágio II e de 7 a 8 anos estágio III O comportamento das crianças registrado em videoteipe foi classificado em categorias amplas sendo também regis tradas as interferências de terceiros as relações de amizade entre as crianças etc Depois de uma fase de registros focais procedeuse à observação dos episódios de conflito sempre que surgissem O registro iniciado com as primeiras provo cações ia até o final da briga e abrangia um período suple mentar de cinco minutos Os meninos se mostraram mais agressivos fisicamente do que as meninas estas mais afiliativas e reconciliatórias No estágio I a disputa pela posse de objetos ou pela ocupação de espaço eram os desen cadeadores básicos e a agressão se manifestava por movi mentos de bater de perseguir de puxar com apelos de mediação à professora Nos estágios seguintes aumenta vam em freqüência formas simbólicas ritualizadas de agre dir como as ameaças e agressões verbais Isso estava de acordo com as expectativas A existência de comportamen tos reconciliatórios nos três níveis de idade foi uma novi dade e uma confirmação A reconciliação se manifestava de início através de atos como beijar abraçar ficar de mãos dadas colocar o braço no ombro do outro etc em grupos geralmente de mesmo sexo A reaproximação era muitas vezes espontânea e sem marcação explícita entre estar de mal e estar de bem uma simples continuação da brincadeira interrompida No segundo estágio os comportamentos de ficar de mal e fazer as pazes apareciam de maneira mais nítida dota dos de uma característica de desafio e eram usados mesmo que não houvesse um motivo aparente para a briga como se as crianças estivessem testando sua capacidade de romper ou instaurar relacionamentos O terceiro estágio era marca do pelo aparecimento pleno das formas ritualizadas de rompimento e de reatamento Não era apenas o objeto ou o status em disputa que mais importavam mas a definição do relacionamento Mãos no rosto era um ficar de mal ritualizado exibido principalmente por meninas Duran te um episódio de conflito ou no final deste uma das crianças levava o dedo indicador de uma bochecha à outra queixo para cima em atitude de desafio ou de superiori dade muitas vezes dizendo Belém Belém nunca mais fico de bem nem agora nem no ano que vem Reconci liações verbais pedidos de desculpas oferecimentos simbólicos amanhã eu te empresto o meu caminhão tá ou real toma a minha banheirà ocorriam com maior freqüência Os comportamentos aftliativos eram mais freqüentes logo depois da briga do que num período pacífico do dia seguinte o que garante que tinham uma fonte motivacional própria Tem algo a ver a reconciliação animal com a reconci liação humana Não estaríamos ao usar o mesmo nome fazendo de uma semelhança superficial a base para uma comparação em profundidade E o significado que o rela cionamento tem para uma criança as fantasias que ela cria em torno dele as regras os princípios morais que vigoram no seu grupo Questionamentos como estes se baseiam num modelo de identidade absoluta traem a dimensão Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 19 comparativa Não se trata de negar a dimensão própria dos relacionamentos de crianças mesmo pequenas Nossa pesquisa mostra como ao longo dos níveis de idade mudam os modos através dos quais é restabelecido o equi líbrio depois do conflito A natureza dos conflitos se trans forma quando entram em jogo regras de comportamento verbalizáveis como eu cheguei primeiro ou foi a tia que me deu ou você já tem um brinquedo O aparecimen to de formas ritualizadas Belém Belém indica que estar de bem ou estar de mal deixaram sua fluidez inicial e se colocam como estruturas afetivas próprias dentro da representação que a criança tem de seu grupo social Por isso são usadas de forma quase lúdica como se as crianças brincassem de experimentar com as formas de relacionamento A perspectiva evolucionista tem a vantagem de inserir os processos estudados no ser huma no num quadro comparativo amplo em que as diferenças importam mas têm significado em função das semelhan ças que lhes dão origem Estudo de Caso 2 Ciúme O exemplo a seguir sobre o ciúme mostra que é possí vel deduzir de um conjunto de princípios da teoria evolu cionista conseqüências capazes de ser verificadas no comportamento humano O exemplo difere do exemplo sobre a reconciliação em que não havia definição prévia de hipótese funcional e em que a passagem de uma pers pectiva para a outra se dava a partir da analogia entre comportamentos concretos No exemplo do ciúme as semelhanças de cenário ou de desempenho não importam tanto mas sim a idéia de que o ser humano se submete aos princípios evolucionistas gerais que gerenciam o comportamento de qualquer espécie A lógica evolucionista entende que cada indivíduo deva atuar de maneira a favorecer a propagação de seus genes Não há intencionalidade consciente nisso apenas a expres são da maneira como os organismos foram selecionados ao longo de incontáveis gerações No cálculo de custos e benefícios que rege a função reprodutiva o investimento diferencial do macho e da fêmea na produção da prole é importante predeterminando a maneira como macho e fêmea se comportarão um em relação ao outro E uma história complexa na qual as idéias de Hamilton 1964a b Trivers 1972 e de outros biólogos tiveram um papel importante De acordo com a teoria os machos têm normalmente por objetivo biológico reproduzirse com o maior número possível de fêmeas competindo eou se 20 Um Olhar Evolucionista para a Psicologia exibindo as fêmeas têm normalmente o objetivo biológico de escolher o melhor macho possível para a sua prole ver de Sousa e Mota Cap 12 deste livro Em caso de compe tição as fêmeas se importarão com a qualidade do macho e com os recursos que poderá proporcionar a elas e à prole os machos com a fertilidade da fêmea e em afastar concor rentes Machos em certas espécies montarão guarda para impedir que a fêmea com a qual irão copular ou com a qual já tenham copulado possa acasalarse com outros Em que medida poderseia dizer que existem compor tamentos humanos análogos às táticas de guarda de parcei ros dos animais No levantamento de Buss 1988 efetu ado com estudantes universitários constam categorias como vigiar o parceiro monopolizar o seu tempo depre ciar possíveis rivais usar de manipulação emocional e até ameaçar ou punir a infidelidade comportamentos de guarda que não é difícil atribuir ao ciúme Indo além da analogia cabe verificar se a teoria evolucionista propõe hipóteses testáveis a respeito do ciúme humano Uma hipó tese parte da idéia de que há uma diferença no modo de pais e mães investirem na criação dos filhos Ao homem só valeria a pena fornecer este cuidado se tivesse certeza de paternidade Portanto o ciúme masculino reflete essa preocupação Sua motivação seria impedir a infidelidade sexual da parceira e seu sofrimento a suspeita a este respei to À mulher interessaria manter junto a si um parceiro capaz de prover recursos para o desenvolvimento dos filhos e haveria preocupação com a perda ou a diminuição deste apoio que poderia ocorrer como resultado de uma nova ligação afetiva Haveria então uma variedade masculina do ciúme provocada pelas iniciativas sexuais concretas ou imaginadas da mulher e uma variedade feminina desper tada por uma traição afetiva concreta ou imaginada Inspireime numa pesquisa sobre as diferenças de sexo no ciúme Ades 2003 no trabalho de Geary Rumsey BowThomas e Hoard 1995 em que um questionário de ciúme era aplicado a estudantes universitários norte americanos e chineses visando avaliar o sofrimento que lhes causaria uma infidelidade 1 emocional seu parcei ro está tendo um relacionamento emocional profundo com outra pessoa ou 2 sexual seu parceiro está tendo relações sexuais intensas com outra pessoa Havia dife renças culturais marcadas quanto à experiência amorosa a maioria dos chineses não tinha tido relacionamentos prévios e pouquíssimos relacionamentos envolvendo sexo a maioria dos norteamericanos mantinha relacio namentos envolvendo sexo Os resultados confirmaram a hipótese evolucionista um número significativamente maior de homens do que de mulheres tanto norteameri canos como chineses relatou mais sofrimento ao imaginar a infidelidade sexual do que ao imaginar uma infidelidade afetiva O contexto cultural teve contudo influência a proporção de indivíduos relatando maior sofrimento pela infidelidade sexual era maior entre os norteamericanos do que entre os chineses Com um grupo de alunos4 repliquei a pesquisa de Geary et al 1995 Nossa amostra composta de estudan tes universitários de vários cursos da Universidade de São Paulo assemelhavase mais à amostra norteamericana em matéria de experiência de namoro do que da amostra chinesa Os dados também deram apoio à hipótese evolu cionista Uma porcentagem maior de homens brasileiros 5090o do que de mulheres 1350o disse sentirse mais afetada quando imaginava o parceiro tendo relações sexuais ardentes com alguém do que quando o imaginava apaixo nado A porcentagem se aproximava mais da encontrada por Geary et al 1995 em norteamericanos do que em chineses o que reforça a interpretação de que um maior sentimento de ciúme sexual surge em contextos de maior liberdade sexual e portanto mais ameaçadores Um resultado surpreendente da pesquisa foi a semelhan ça entre homens e mulheres quanto às emoções desperta das pela infidelidade do parceiro No caso da traição afeti va tanto homens como mulheres diziamse mais magoa dos e ciumentos do que enraivecidos quando se tratava de traição sexual a raiva era fortemente manifestada em homens e mulheres às vezes ultrapassando o nível do ciúme e da mágoa Concluímos que embora confirman do a natureza transcultural das diferenças homem mulher quanto ao tipo de ciúme sexual vs emocional nossos resultados mostram que estas diferenças não se encontram em todas as dimensões do comportamento ciumento e parecem ser flexíveis e sujeitas a influências contextuais Ades 2003 p 1186 PRODUTIVIDADE E PERSPECTIVAS DO PROGRAMA EVOLUCIONISTA O programa evolucionista aplicado à pesquisa psicoló gica tem tido grande produtividade tem levado a insights 4Ana Paula Ferreira Moreira Ana Paula Sammogini Ana Luísa Tisselli Cláudia Fernanda Rodriguez Janaína Silva Kátia Ackermann e Luciana Palma nas áreas de agressão da violência doméstica do apego e das relações paisfilhos da formação de amizades e alianças da psicopatologia e em outros temas Os dados que têm trazido não são conhecimentos de senso comum reelabora dos Não é trivial a pergunta Por que é que mulheres são mais propensas a ter relações extraconjugais quando estão ovulando e nem é fácil enquadrar a resposta seja no senso comum seja numa das nossas teorias psicológicas Uma primeira contribuição do programa evolucionista consiste numa ênfase metodológica na observação do comportamento em situações do diaadia naturais ilus trada pelo exemplo do comportamento de reconciliação Mas nem tudo na verdade pouco pode ser diretamente observado Entrevistas questionários avaliações escalas são instrumentos necessários do psicólogo evolucionista para abordar atitudes e afeto como no caso do ciúme Uma segunda contribuição do programa evolucionista mais importante tem a ver com a construção de um quadro teórico integrador de observações e gerador de hipóteses Uma teoria evolucionista do comportamento humano tem uma certa vantagem em termos de abrangência uma vez que coloca na mesma perspectiva teórica animais e seres humanos Princípios do comportamento não são fechados no círculo da espécie mas referemse a estruturas em trans formação que mantêm entre si uma semelhança básica dife renciandose contudo de acordo com o grupo ou espécie em que se concretizam Ao invés de nos apegarmos à idéia do quanto somos diferentes de qualquer outro animal afrr ma de Waal em entrevista a M F Small 2001 a identi dade humana deveria ser construída sobre a idéia de que somos animais que levaram adiante num grau significativo certas capacidades Nós e os outros animais somos iguais e Um Olhar Evolucionista para a Psicologia 21 diferentes e a igualdade é o único quadro dentro do qual se pode tornar concreta a diferençà A abrangência teórica da perspectiva evolucionista cons tróise de forma bidirecional entre o conhecimento dos animais e o conhecimento do ser humano Uma tarefa difícil quando são detectadas semelhanças é saber se expressam homologia mecanismos provenientes de uma ascendência evolutiva comum ou homoplasia mecanismos convergentes sem ancestralidade comum O mecanismo de reconheci mento da face por exemplo apresenta várias características comuns ao ser humano e a primatas nãohumanos que apóiam a hipótese da homologia Hauser e Spelke 2004 É a reconciliação entendida como a presença de uma moti vação para a retomada de contato e interação após uma briga entre crianças uma característica homóloga ou homoplás tica em relação à reconciliação de primatas nãohumanos em circunstâncias semelhantes Mesmo que não seja prudente responder que sim a comparação pode ser frutífera Os dados com animais indicam claramente existir conti nuidade evolutiva em muitos processos sociais e inclusive na possibilidade de transmissão de tradições comporta mentais de uma geração para outra Fornecem ainda uma base forte para a idéia de que o ser humano é biologica mente cultural de acordo com a bela expressão de meus colegas Vera Sílvia Bussab e Fernando Leite Ribeiro 1998 No entanto a compreensão do comportamento humano permanece necessariamente aberta aos aportes de um olhar psicológico centrado na experiência individual e ao olhar antropológico dirigido aos aspectos coletivos da experiên cia Não reduzir mas ver melhor as características distin tivas e a complexidade do fenômeno humano na conti nuidade descontinuidade com outras espécies e dentro do quadro evolutivo do qual ele não pode escapar

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