• Home
  • Chat IA
  • Guru IA
  • Tutores
  • Central de ajuda
Home
Chat IA
Guru IA
Tutores

·

Direito ·

Direito Eleitoral

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Atividades - Questões Oab

20

Atividades - Questões Oab

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Questões Oab Direito Eleitoral

18

Questões Oab Direito Eleitoral

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Questões Oab

11

Questões Oab

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Captação Ilícita de Sufrágio - Guia Completo e Definições Essenciais

12

Captação Ilícita de Sufrágio - Guia Completo e Definições Essenciais

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Direito Eleitoral - 10 Questões Comentadas para Concursos e Exames OAB

9

Direito Eleitoral - 10 Questões Comentadas para Concursos e Exames OAB

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Análise Jurídica: Criação de Partido Político, Elegibilidade e Ameaças ao STF

7

Análise Jurídica: Criação de Partido Político, Elegibilidade e Ameaças ao STF

Direito Eleitoral

MACKENZIE

10 Questoes Objetivas com as Respectivas Justificativas

18

10 Questoes Objetivas com as Respectivas Justificativas

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Direito Eleitoral - Análise do Tema 564 do STF sobre Prefeito Itinerante

6

Direito Eleitoral - Análise do Tema 564 do STF sobre Prefeito Itinerante

Direito Eleitoral

UNIBRASIL

Atividade Dir Eleitoral - Princípios Eleitorais

17

Atividade Dir Eleitoral - Princípios Eleitorais

Direito Eleitoral

UMG

Provas Direito Eleitoral

11

Provas Direito Eleitoral

Direito Eleitoral

UNC

Texto de pré-visualização

78 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA POLITICAL RIGHTS AND DISINFORMATION IN THE ELECTORAL PROCESS AN ANALYSIS OF THE CHALLENGES OF DEMOCRACY Hianka Bárbara Silva Santos1 Artigo recebido em 14 de maio e aprovado em 18 de outubro de 2024 RESUMO Este estudo tem o objetivo de abordar o fenômeno das fake news e suas im plicações ao processo eleitoral em relação ao exercício dos direitos políticos e aos seus reflexos na democracia A análise exigiu a compreensão dos aspectos sociais e tecnológicos associados à disseminação de fake news e seus elementos facilitadores Para tanto utilizase de pesquisa bibliográfica por meio de livros artigos científicos revistas e dissertações Analisarseá que a disseminação de notícias falsas no processo eleitoral interfere no exercício dos direitos políticos tanto ativos quanto passivos comprometendo a compreensão esclarecida e a participação política igualitária necessária às democracias funcionando ainda como uma estratégia antidemocrática Palavraschave Fake news direitos políticos processo eleitoral democracia ABSTRACT This study aims to address the phenomenon of fake news and its implications for the electoral process in relation to the exercise of political rights and its effects on democracy The analysis required understanding the social and technologi cal aspects associated with the dissemination of fake news and its facilitating elements To this end bibliographical research is used through books scientific articles magazines and dissertations It will be analyzed that the dissemination of fake news in the electoral process interferes with the exercise of both active and passive political rights compromising enlightened understanding and equal 1 Advogada e graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia 2022 79 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA political participation necessary for democracies and also functioning as an antidemocratic strategy Keywords Fake news political rights electoral process democracy Sumário 1 Introdução 2 Aspectos sociais e tecnológicos associados à disse minação de fake news 3 O fenômeno das fake news e suas implica ções no processo eleitoral 4 Reflexos da disseminação de fake news no exercício dos direitos políticos e na democracia 41 Fake news e entendimento esclarecido 42 Fake news e o controle do programa de planejamento 43 Fake news e a participação efetiva 44 Fake news e plena inclusão 5 Considerações finais Referências 1 INTRODUÇÃO As fake news estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano principal mente quando o assunto são as eleições e o processo eleitoral No entanto o uso de boatos durante as campanhas eleitorais não é fenômeno recente sendo intensificado com a dinamização dos meios de comunicação principalmente através da internet Nesse contexto as plataformas digitais se tornaram durante as campanhas eleitorais um espaço importante tanto como fonte de informa ção para os cidadãos quanto para a interação entre representantes políticos e eleitores Esse novo cenário de comunicação proporcionado pela internet impactou a forma como a informação é produzida e consumida tornandoa mais objetiva assim como permitiu a ascensão das mídias sociais como fonte de informação gerando impactos significativos na vida dos brasileiros Esse papel atribuído às mídias sociais é preocupante pois nesse ambiente há um grande volume de cir culação de informações falsas eou enganosas e de fácil acesso que contribuem para uma cultura da desinformação e a consequente dificuldade de discernir um conteúdo falso do verdadeiro representando uma ruptura na busca pela verdade A cultura da desinformação com a disseminação ampla de informações falsas resulta na banalização da verdade e na intensificação da pósverdade compon do um ambiente no qual as informações são veiculadas com mais preocupação quanto ao impacto emocional do que em relação ao compromisso com a verdade 80 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Isso propicia a manipulação de discursos e informações factuais com potencial de influenciar o pensamento e visões de mundo da população apresentandose como um problema às democracias incluindo a brasileira A disseminação de notícias falsas impacta diversos setores da sociedade como política saúde e segurança pública afetando grupos minoritários especialmen te as mulheres Essa cultura da desinformação principalmente no contexto eleitoral cria uma nova dinâmica do debate da política nacional com o embate de narrativas constituindose em uma ferramenta poderosa para influenciar as massas Essa influência generalizada acarreta reflexos na democracia e por consequência no próprio fundamento democrático que depende de debates públicos que permitam aos cidadãos se manifestarem e formarem suas opiniões com base em informações verdadeiras É nesse contexto que a proliferação desenfreada de informações falsas e ou enganosas ganha contornos perigosos Ela remonta à estratégia utilizada por regimes autoritários e antidemocráticos durante o século XX que faziam uso da mentira para manipular a população criando uma desconexão entre o discurso e a realidade objetiva através da repetição de discursos retóricos sem qualquer intenção de corresponder à verdade Sustentados por preconceitos e ideias conspiratórias essa retórica corrompe sistematicamente a capacidade argumentativa e crítica da população de compreender a realidade e de questio nar suas crenças preexistentes Assim a história deve nos alertar para os efeitos que o uso de discursos mentirosos produzem sobre um povo e seu poder de manipulação representando uma ameaça à democracia Logo é justamente nesse contexto de falta de discernimento sobre a ver dade dos fatos e a realidade propagada pelas informações falsas que reside o problema da circulação de desinformação no processo eleitoral Desinformação que interfere na liberdade de escolha dos eleitores que baseiam suas decisões políticas em informações de conteúdo falso disseminadas com o intuito de con fundir ou enganar conforme interesse dos atores políticos além de impactar a disputa eleitoral Neste artigo serão abordadas as implicações do fenômeno das fake news so bre o exercício dos direitos políticos e a democracia Para isso será necessário compreender os aspectos sociais e tecnológicos associados à disseminação des sas informações falsas eou distorcidas além de como o uso de fake news como estratégia eleitoral pode influenciar no jogo político podendo configurar uma estratégia antidemocrática A metodologia adotada será a pesquisa qualitativa utilizando o método dedutivo ou racional com base em pesquisa bibliográfica e análise de notícias e reportagens que servirão como fontes Por fim serão 81 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA analisadas as consequências que um ambiente permeado pela propagação e circulação de fake news exerce em relação ao exercício dos direitos políticos no processo eleitoral à luz da perspectiva dos critérios democráticos estabelecidos por Robert Dahl 2001 2 ASPECTOS SOCIAIS E TECNOLÓGICOS ASSOCIADOS À DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS A sociedade é um ecossistema frágil Confunda as pessoas com as mentiras certas e elas ficarão cegas para a loucura bem diante dos seus olhos2 O termo fake news é empregado popularmente para referir a veiculação de notícias falsas que é a tradução literal para a expressão Contudo os autores Claire Wardle e Hossein Derakhshan ao escreverem o artigo Ban the term fake news explicam que o termo simplifica um problema muito mais complexo não sendo capaz de abarcar a complexidade dos diferentes tipos de desinformação O termo também vem sendo comumente utilizado para descrever qualquer informação que uma pessoa não goste se tornando uma arma para políticos minarem o jornalismo em um esforço para que o público utilize canais diretos para se comunicar com os atores políticos Wardle Derakhshan 2017 De acordo com Faustino 2019 p 94 o conceito de fake news emerge do conceito mais amplo de pósverdade relativo a manipulação ou alteração do sentido real dos fatos e mascarando isso na forma de notícia ou informação transformando a mentira em uma falsa verdade Portanto para entender como a cultura da desinformação se tornou um fenômeno recorrente na sociedade atual esta pesquisa considera importante compreender o contexto sociopolíti co atual no qual as pessoas se relacionam com a informação e a verdade que se dá no contexto da pósverdade O autor explica que o contexto da pósverdade é o que sustenta a possibi lidade de surgimento das fake news uma vez que esse contexto evidencia não mais a importância dos discursos com a concepção de verdade mas sim com o interesse que está por trás da informação ou notícia legitimando narrativas que viabilizam a publicação ou propagação de notícia falsa Faustino 2019 p 99 Segundo o dicionário de Oxford pósverdade posttruth foi considerada a palavra do ano em 2016 sendo definida como as circunstâncias nas quais as pessoas respondem mais a sentimentos e crenças do que a fatos Oxford 2 Série Twilight Zone disponível na plataforma Amazon 82 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 2016 Tal concepção indica que a assimilação da informação pela sociedade ocorre mais pelo sentimento que ela promove do que necessariamente pelo compromisso com a verdade uma vez que os indivíduos estão interessados na proliferação de visões ou de explicações que corroborem com a sua própria interpretação de mundo e não se os discursos são verdadeiros ou passíveis de verificação Prior 2019 p 90 Braga 2018 p 211 afirma que este fenômeno social é denominado pelos psicólogos como viés de confirmação referindose à propensão de buscar ou dar maior atenção e interpretar as informações que ratifiquem as concepções individuais do intérprete Essa análise psicológica mostra que a crença seja em uma ideia religião ou política tende a substituir a argumentação racional baseada em fatos Por essa razão quando alguém é confrontado por informa ções que não corroborem com sua visão de mundo as possibilidades de aceitar a nova informação como fato mudar a sua opinião e questionar seu próprio sistema de crenças são baixas Perosa 2017 Faustino 2019 afirma que a propensão do comportamento humano à disseminação de informações falsas não é uma manifestação recente Tal comportamento referese à habilidade intrínseca do ser humano de acreditar em informações que não se baseiam na realidade mas que dizem respeito a uma crença além de inventar e disseminar ficções e de convencer outros seres humanos a acreditar nelas Santaella 2018 No entanto DAncona 2018 afirma que a novidade trazida pelo contexto da pósverdade está na resposta do público na perda da verdade como prio ridade nas discussões públicas evidenciado pelo papel que as narrativas têm desempenhado em detrimento dos fatos sobre os aspectos políticos e sociais Isso proporcionado pelo cenário da digitalização e da conexão global no qual a emoção assume importância no discurso comunicativo em detrimento da ver dade O autor também enfatiza que a pósverdade não é sinônimo de mentira mas representa o declínio do valor da verdade Essa degradação do valor da verdade se baseia no que Faustino 2019 chamou de sociedade da simulação A sociedade da simulação é um sintoma proveniente de uma cibercultura em que predomina uma combinação de tecnologia encantamento e transformação ace lerada da sociedade Esse encantamento promove um maior descompromisso com conceitos estáticos como a verdade facilitando a indiferença em relação a ela e de certa forma permitindo a circulação de mentiras Além da depreciação do valor da verdade a desintegração do monopólio da comunicação de massa é apontada por Saba 2021 p 31 como o fenômeno estrutural que proporciona que as redes sociais sejam o ambiente ideal para 83 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA disseminação de informações falsas uma vez que permite a circulação de infor mações sem qualquer controle ou com controle mínimo que pode ser utilizada pelas pessoas não apenas como fonte de informação mas também de produção de informação massificada e policêntrica Para Moura 2019 p 1425 essa descentralização da comunicação destaca o papel central que as mídias sociais desempenham atualmente especialmente com o amplo uso das redes sociais nas campanhas eleitorais tornandoas uma ferramenta poderosa de comunicação e organização política Essa dinâmica promove uma nova forma de debate político nas plataformas digitais onde a distinção entre verdade e mentira se torna menos relevante e os argumentos perdem importância dando lugar ao embate de narrativas A dificuldade de se identificar a verdade ou mentira sobre determinada informação reside justa mente na repetição de informações de forma reiterada e rápida o que confere à mensagem a característica de familiaridade e leva o indivíduo a aceitar certos conteúdos como verdadeiros como afirma Mello 2020 p 18 Nesse ponto a forma como lidamos atualmente com a informação no am biente digital e o contexto informacional no qual estamos inseridos passaram a influenciar na nossa construção da realidade e do pensamento e não ocorre diferente no âmbito político A mensagem é cada vez mais simples e visa mais o impacto por meio da comunicação de massa através da internet tornando o debate político cada vez mais emocional Castells 2018 Por outro lado mesmo que haja responsabilização dos disseminadores e remoção do conteúdo pelas plataformas a rápida circulação de notícias frau dulentas nas mídias sociais associada ao fenômeno da pósverdade intensifica e legitima essas informações ainda que inverídicas fazendo surgir uma relação efêmera com a verdade fatos e até mesmo com a credibilidade da fonte Outro fator que influencia e favorece a disseminação de informações falsas é o ambiente de polarização política que divide a sociedade em grupos Braga 2018 Para o autor um ambiente politicamente polarizado marcado por gran des divergências e posições controversas favorece a circulação de notícias que promovem críticas e preconceitos de um grupo contra o outro O sentimento de hostilidade gerado pelas diferenças políticas extremistas é influenciado e intensificado pelas mídias devido à forma como a sociedade passou a consumir a informação por meio de notícias personalizadas direcionadas aos usuários com o objetivo de confirmar as preferências políticas de determinado grupo excluindo as demais Santaella 2018 Esse clima de polarização política em que as opiniões contrárias são rejeitadas e a pluralidade de ideias não é vista como positiva o indivíduo tende a aceitar informações que confirmam as suas crenças e concepções favorecendo a circulação de desinformação Braga 2018 84 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos A comunicação digital baseada no uso de mídias sociais e na personalização de conteúdo tende a criar bolhas ideológicas e facilitar a disseminação de fake news especialmente em contextos de disputas eleitorais reforçando a polariza ção política Dourado 2020 Isso ocorre devido às câmaras de eco DAncona 2018 p 52 ou molduras ideológicas também chamadas de bolhas que segun do Santaella 2018 p 4 consistem em um ecossistema individual e coletivo de informação viciada na repetição de crenças inamovíveis Esses filtros de acordo com DAncona 2018 são resultado da personalização das atividades que os usuários realizam na internet as quais são monitoradas pela grande máquina social invisível Essa máquina utiliza os dados coletados cli ques interações postagens compras e buscas para interesses mercadológicos e políticos direcionandonos para conteúdos que nos agradam e para grupos semelhantes resultando no reforço de opiniões semelhantes e na disseminação de mentiras incontestadas Consequentemente a personalização de filtros seja por meio de algoritmos ou outros mecanismos coloca o indivíduo em contato com uma visão unilateral mesmo dentro de um ambiente politicamente mais amplo e diverso Isso limita a visão de mundo do usuário impedindoo de ter contato com novas ideias e informações relevantes deixandoo mal informado e vulnerável a interesses políticos escusos Santaella 2018 A autora ainda enfatiza que a unilateralidade de uma visão acaba por gerar crenças fixas amortecidas por hábitos inflexíveis de pensamento que dão abrigo à formação de seitas cegas a tudo aquilo que está fora da bolha cir cundante Isso acaba por minar qualquer discurso cívico tornando as pessoas mais vulneráveis a propagandas e manipulações devido à confirmação preconceituosa de suas crenças Santaella 2018 p 7 Essas bolhas fortalecem uma visão de mundo através da repetição de infor mações que sustentam determinadas narrativas unindo pessoas contra inimigos em comum e colocando em risco a cultura de tolerância e dissenso elementos fundamentais para a formação de uma opinião pública democrática Saba 2021 Com isso o debate público essencial à democracia é prejudicado uma vez que os usuários são afastados de ideias e informações relevantes criandose uma forma de manipulação Santaella 2018 Essa atmosfera caótica atravessada por profunda polarização política e alinhada aos fenômenos da pósverdade associada a fatores tecnológicos e comportamentais da sociedade atual cria tempos de crise e aparente anomia Moura 2019 p 70 Isso provoca o retorno de conceitos anteriormente aban 85 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA donados que ganham nova roupagem e passam a ser considerados defensáveis constituindo o ambiente ideal para o favorecimento do processo de desinfor mação 3 O FENÔMENO DAS FAKE NEWS E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO ELEI TORAL As campanhas eleitorais passaram por modificações para se adequar à atual comunicação política Antes divididas em segmentos como rua TV e digital as campanhas políticas passaram a se estruturar de forma mais eficiente o conteúdo gravado nas ruas pode ser utilizado na TV no rádio nas redes sociais e até compartilhado via Whatsapp Moura 2019 Nesse contexto as redes sociais ganharam notoriedade com sua populari zação e têm sido usadas como ferramenta de marketing eleitoral tanto para comunicação direta com os eleitores quanto para a divulgação de informações Por outro lado elas permitem que mecanismos de adulteração de informações possibilitados pelo ciberespaço sejam usados para comprometer a integridade da informação pública e dificultar a detecção das fontes de desinformação o que se torna um aspecto crítico durante as campanhas eleitorais Além disso os próprios usuários contribuem para a disseminação da desinformação que tende a se propagar mais rapidamente nas redes sociais devido à prática de compartilhar informações sem verificação aumentando o risco de distribuição indiscriminada de conteúdo falso Comissão Europeia 2018 Em pesquisa realizada pelo Ideia Big Data no Brasil em 2019 evidenciase que 67 dos entrevistados afirmaram ter recebido fake news durante a campanha eleitoral de 2018 enquanto apenas 22 verificam a veracidade das notícias antes de compartilhar O estudo também revelou que 52 confiam em notícias enviadas por familiares em mídias sociais e 43 confiam naquelas enviadas por amigos demonstrando que informações provenientes de fontes com as quais o indivíduo se identifica tendem a ser consideradas mais confiáveis3 Outra pesquisa realizada pelo DataSenado em 2019 mostrou que 76 dos cidadãos com ensino fundamental acreditam que as redes sociais influenciam a opinião pública esse percentual sobe para 90 entre aqueles com ensino superior O estudo também constatou que 79 dos entrevistados afirmam usar o Whatsapp regularmente enquanto 50 recorrem sempre à televisão e 49 se informam pelo Youtube seguido pelo Facebook 44 plataformas de notícias 3 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder2019052emcada3receberam fakenewsnasultimaseleicoesapontapesquisashtml Acesso em 1 nov 2022 86 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 38 e rádio 22 Os jornais são utilizados como fontes por apenas 8 dos entrevistados ficando à frente apenas do X exTwitter 7 Senado Federal 2019 Esses dados são importantes pois evidenciam que a população tem bus cado cada vez mais fontes alternativas de comunicação e confiado nelas como veículos idôneos de informação formando sua opinião a partir das informações recebidas pelas mídias sociais Wardle Derakhshan 2017 Dessa forma a comunicação política no meio digital tornouse um veículo no qual políticos exploram estrategicamente a circulação de notícias e narrativas proporcionadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens privadas com o objetivo de manipular os processos eleitorais Saba 2019 Esse caráter manipu lativo da disseminação de informações falsas pode ser exemplificado pela utili zação de fake news para enaltecer ou minar um adversário político de modo que a desinformação pode assumir objetivos e motivações de propaganda política apesar de assumir formatos similares aos dos meios de comunicação noticiosos ou à propaganda políticopartidária oficial Ferreira 2019 p 94 Nesse sentido conforme retratado por Santaella 2018 a campanha eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos e o plebiscito sobre o Brexit4 foram mar cados pela massiva disseminação de notícias falsas criando uma perspectiva política focada no reforço de preconceitos e disseminação de ódio contra grupos marginalizados como imigrantes negros e mulheres No Brasil a situação não difere das democracias ao redor do mundo Em en trevista à Conectas Nina Santos diretora do Aláfia Lab laboratório de pesquisa baiano discutiu os impactos da desinformação na democracia e em grupos historicamente vulnerabilizados A diretora afirmou que a desinformação e os discursos de ódio são fenômenos que se intensificam com o surgimento do ambiente digital e têm uma conexão profunda com a realidade social atual Ela ressaltou que esses fenômenos não geram por si mesmos novas questões so ciais mas interagem com problemas já existentes na sociedade ampliandoos e transformandoos como ocorre com a misoginia o racismo entre outros Para ela a desinformação afeta a própria possibilidade ou habilidade das pessoas especialmente mulheres e pessoas negras de estarem em espaços sociais sejam espaços de poder espaços políticos disputar eleições Conectas 2024 Nesse sentido ao discutir sobre a verdade e a política Hannah Arendt 2016 afirma que na sociedade contemporânea a distinção entre o que é ou não é mentira não é evidente devido às novas técnicas de comunicação e à inserção 4 Brexit é uma abreviação para a expressão Britain exit que significa saída britânica referente ao processo de saída da GrãBretanha do bloco econômico e político da União Europeia iniciado em 2017 87 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA de novos atores nos sistemas políticos Isso resulta em formas de manipulação da opinião observadas no contexto atual da sociedade ocorrendo por diversos mecanismos especialmente por meio da produção de desinformação como explica Kakutani 2018 p 111 Inundando o público com informações produzindo distrações para diluir a atenção e o foco deslegitimando a imprensa que fornece informações corretas semeando a confusão o medo e a dúvida deliberadamente criando rumores ou alegando que determinadas informações são boatos e incitando campanhas persecutórias destinadas a dificultar o funcionamento de canais confiáveis de informação A estratégia política portanto envolve a criação de um fluxo contínuo de mentiras escândalos e confusões com o objetivo de gerar desinformação Kaku tani 2018 p 110 explica que esse fluxo tende a sobrecarregar e confundir as pessoas fazendo com que comportamentos desviantes pareçam menos graves e normalizando o inaceitável A indignação assim é substituída pela exaustão o que leva a um cinismo e fadiga que fortalecem aqueles que espalham as mentiras Esse fenômeno promove a destruição da verdade factual na medida em que gera o apagamento entre os limites da verdade e da opinião De acordo com Arendt 2016 embora fatos e verdades possam ser tidos separadamente não são opostos Os fatos podem ser contados a partir de uma narrativa ou interpre tação no entanto não podemos admitir que a história possa ser escrita de forma a manipular os fatos desrespeitandose a verdade factual Santaella 2018 p 50 aponta que a busca pela verdade factual não implica em negar a possibilidade de uma opinião imparcial competente e representativa Na verdade para evitar fanatismos a política precisa basear suas decisões em fatos Isso não significa que a verdade factual deva ser imparcial mas em um sistema democrático onde a liberdade de expressão prevalece a liberdade de opinião é uma farsa Arendt 2016 p 309 se não houver acesso à informação factual e aos próprios fatos garantida pelas instituições democráticas tais como a imprensa as universidades e um judiciário independente Arendt 2016 Dessa forma a problemática da circulação de informações falsas consiste na manipulação dos fatos o que promove a degradação da verdade e torna a verdade factual mais vulnerável à influência do poder Arendt 2016 com o consequente apagamento dos limites entre verdade e opinião que a longo prazo resultam em uma espécie de lavagem cerebral Arendt 2016 p 333 na qual ocorre uma recusa em acreditar na verdade por mais consolidada que ela seja 88 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Nesse sentido a autora afirma O resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade e a verdade ser difamada como mentira porém um processo de destruição do sentido mediante o qual nos orientamos no mundo real incluindose entre os meios mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade Arendt 2016 p 333 Por isso o apagamento ou dificuldade de discernimento entre a verdade e a mentira não reside apenas no fato de um grupo de pessoas se empenhar na mentira organizada mas na perda da capacidade de distinguir entre ambos E isso é grave pois resulta na perda da capacidade de compreensão e julgamento tornando a propagação de informações falsas um instrumento de destruição do sentido pelo qual nos orientamos na medida em que promove a deterioração da verdade factual e do discurso político que possui uma estrutura dialógica característico da esfera pública fomentando a dominação e o risco do retorno ao autoritarismo provocando o fim do diálogo e configurando como uma estra tégia antipolítica Arendt 2016 Esse desaparecimento do diálogo próprio do campo político faz emergir uma comunicação que se assemelha ao efeito das propagandas de massa totalitárias Como explica a autora Num mundo incompreensível e em perpétua mudança as massas haviam chegado a um ponto em que ao mesmo tempo acreditavam em tudo e em nada julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior por mais absurdo que fosse sem objetar contra o fato de ser enganado uma vez que acha va que toda afirmação afinal de contas não passava de mentira Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psi cológico correto de que em tais condições era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia na certeza de que se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua inverdade apelariam para o cinismo O que convence as massas não são os fatos mesmo que sejam fatos inventados mas apenas a coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte Arendt 2013 p 428429 p 455 O interesse na propagação de fake news reside então justamente na produ ção de ignorância pela produção massiva de conhecimentos sabidamente falsos pelos seus criadores com o intuito de bloquear o conteúdo verdadeiro a partir 89 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA do qual seria possível superar a ignorância conforme descreve Boaventura de Sousa Santos 2019 Portanto a utilização de fake news como ferramenta eleitoral configurase como uma estratégia antipolítica pois prejudica o debate público ao promover a degradação da verdade factual por meio da manipulação dos fatos com a finalidade de confundir e enganar o cidadão para obter vantagens ou interes ses políticos e consequentemente mitigar o direito de escolha e participação política o que impacta no controle sobre decisões relevantes como as eleições Saba 2021 4 REFLEXOS DA DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS NO EXERCÍCIO DOS DIREI TOS POLÍTICOS E NA DEMOCRACIA O processo eleitoral constitui o espaço em que são concretizados os direitos políticos fundamentais ativos e passivos Tratase de fenômeno coparticipa tivo em prol da efetivação da soberania popular e da concretização do direito fundamental ao sufrágio bem como do regime democrático Gomes 2022 Para além do sentido amplo como espaço concretizador de direitos políti cos o processo eleitoral também consiste em um instrumento de controle da normalidade e legitimidade das eleições assim como um sistema de regras e princípios que devem estar alinhados aos valores e direitos fundamentais pre vistos na Constituição Federal regulando as normas do jogo democrático Para que o processo eleitoral seja democrático é necessário garantir a competição entre todas as forças políticas especialmente as minoritárias e assegurar que a disputa ocorra de forma livre justa e em igualdade de condições princípio da paridade de armas garantindo eleições autênticas e legítimas Assim qualquer ataque ou circunstância que comprometa a proteção desse processo coloca em risco o resultado das eleições Gomes 2022 Dessa forma para entender os reflexos do uso da fake news no exercício dos direitos políticos é necessário entender as suas implicações sobre o processo eleitoral o que demanda a adoção de um modelo teórico de democracia que possa funcionar como horizonte epistemológico na medida que se permita adotar um conceito de democracia para a abordar a problematização da relação complexa entre direitos políticos e processo eleitoral em tempos de fake news Isto porque os elementos da relação acima referida se constituem no núcleo fundamental do regime político Para tanto será utilizado o conceito de demo cracia na visão do cientista político Robert Dahl 2001 a fim de mapear seus elementos e compreender as repercussões das fake news 90 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Para Dahl 2001 existem cinco critérios que devem ser observados pelo processo de escolha para que seja considerado democrático e para que os cida dãos sejam igualmente capacitados a participar das decisões políticas São eles 1 participação efetiva 2 igualdade de voto 3 entendimento esclarecido 4 controle do programa de planejamento e 5 inclusão dos adultos Dahl 2001 p 49 A participação efetiva corresponde à ideia de igualdade de oportunidades dos membros para emitirem suas opiniões e oportunizar aos demais membros conhecêlas antes do processo de escolha da política Já o critério da igualdade de voto garante que no momento da decisão acerca da política escolhida todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos os votos devem ter valores iguais Dahl 2001 p 49 O requisito do entendimento esclarecido pressupõe a ideia de que cada membro observada as limitações existentes tenha oportunidades iguais de co nhecer aprender e discutir sobre as políticas alternativas e suas consequências para garantir que os membros estejam igualmente qualificados para participar das decisões Dahl 2001 Por sua vez o controle do programa de planejamento prevê a prerrogativa de que os membros terão oportunidade exclusiva para decidir como e se preferi rem quais as questões que devem ser colocadas no planejamento O exercício dessa prerrogativa visa impedir que uma pequena parcela dos membros atente contra a igualdade política consubstanciada pelos três primeiros critérios de modo que o controle final permaneça nas mãos dos associados Dahl 2001 p 49 E por fim a inclusão dos adultos que visa garantir que ninguém seja exclu ído da participação das decisões políticas De outro modo o autor elenca as instituições indispensáveis da democra cia representativa necessárias para se alcançar a democracia verdadeira que correspondem a exigências mínimas que um país democrático deve satisfazer Dahl 2001 São elas funcionários eleitos eleições livres justas e frequentes liberdade de expressão fontes de informação diversificadas autonomia para as associações e cidadania inclusiva5 De acordo com Dahl 2001 todas essas 5 Funcionários eleitos O controle das decisões do governo sobre a política é investido constitucionalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos Eleições livres justas e frequentes Funcionários eleitos são escolhidos em eleições frequentes e justas em que a coerção é relativamente incomum Liberdade de expressão Os cidadãos têm o direito de se expressar sem o risco de sérias punições em questões políticas amplamente definidas incluindo a crítica aos funcionários o governo o regime a ordem socioeconômica e a ideologia prevalecente 91 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA instituições são fundamentais para que um sistema seja considerado uma de mocracia em grande escala Para satisfazer o critério de controle do programa é necessário que sejam eleitos os funcionários mais importantes sendo substituídos nas eleições se guintes respeitandose a igualdade de voto para que assim todos possam par ticipar efetivamente do controle das decisões e da mesma maneira o programa corresponda aos desejos e necessidades do povo Para sustentar o requisito da igualdade de voto é necessário que se tenha eleições livres e justas isto é que os cidadãos possam votar sem medo de repres são e que os votos tenham valor igual Não obstante eleições livres requerem eleições periódicas para que os cidadãos tenham controle sobre o planejamento bem como um sistema de votação justo A liberdade de expressão visa garantir que os cidadãos participem efetiva mente da vida política e influenciem no programa de decisões do governo e para isso é necessário que tenham o direito de manifestar as suas opiniões e também o de ouvir as opiniões alheias além de questionálas especialmente candidatos políticos e de obter informações de pessoas cujas opiniões confiem Dahl 2001 Nesse sentido Dahl 2001 p 111 assevera que a liberdade de expressão é essencial às democracias já que cidadãos silenciosos podem constituir um ele mento propício a governos autoritários Dessa forma o exercício da liberdade de expressão exige o conhecimento de fontes de informação alternativas e in dependentes para garantir o entendimento esclarecido O acesso à informação é o critério básico para que se tenha participação efetiva e influência no plane Fontes de informação diversificadas Os cidadãos têm o direito de buscar fontes de informação diversificadas e independentes de outros cidadãos especialistas jornais revistas livros telecomunicações e afins Autonomia para as associações Para obter seus vários direitos até mesmo os necessários para o funcionamento eficaz das instituições políticas democráticas os cidadãos também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente independentes como também partidos políticos e grupos de interesses Cidadania inclusiva A nenhum adulto com residência permanente no país e sujeito a suas leis podem ser negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às cinco instituições políticas anteriormente listadas Entre esses direitos estão o direito de votar para a escolha dos funcionários em eleições livres e justas de se candidatar para os postos eletivos de livre expressão de formar e participar organizações políticas independentes de ter acesso a fontes de informação independentes e de ter direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala Dahl 2001 p99100 grifo nosso 92 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos jamento de governo Por isso deve ser garantido o acesso a diversas fontes que essas fontes não sejam controladas pelo governo ou estejam sob o monopólio de um determinado grupo ou ponto de vista Dahl 2001 Por conseguinte a democracia exige associações independentes para pro porcionar aos cidadãos informações e oportunidades para discutir e deliberar a fim de assegurar o controle das decisões do programa Também garante a possibilidade de os cidadãos se reunirem em partidos políticos ou associações a fim de que participem efetivamente do processo de decisão Dahl 2001 Desse modo essas instituições políticas precisam ser reforçadas e consoli dadas para que se alcance a democracia representativa moderna democracia poliárquica exigindo a participação de todos os cidadãos sem exclusão para garantir a cidadania inclusiva Dahl 2001 Nessa linha os direitos políticos podem sofrer interferência em decorrência das implicações das fake news no processo eleitoral uma vez que representam uma contaminação de desinformação na opinião pública capaz de causar um prejuízo É o que passaremos a tratar analisando em que medida a disseminação das fake news podem afetar o exercício dos direitos políticos à luz dos critérios democráticos de Dahl 2001 41 Fake news e entendimento esclarecido Como visto anteriormente o critério do entendimento esclarecido visa que cada cidadão possa ter oportunidades iguais e efetivas de conhecer e discutir as políticas alternativas e suas possíveis consequências Para tanto devem ser asseguradas fontes de informações confiáveis e diversificadas a liberdade de expressão e a possibilidade de todos participarem do processo Dessa forma entendese que o critério do entendimento esclarecido está sendo afetado direta ou indiretamente pela desinformação no processo eleitoral uma vez que as fake news podem levar os cidadãos a escolherem os candidatos sem de fato terem tido oportunidade de discutir e conhecer as políticas alter nativas e as prováveis consequências Em vista da deturpação da informação necessária a formação do conhecimento do eleitor Nesse sentido destaca Kakutani 2018 p 133 Sem fatos consensuais não fatos republicanos nem fatos demo cráticos não os fatos alternativos do mundo repleto de bolhas de 93 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA hoje não há a possibilidade de um debate racional sobre políticas nem meios substanciais para avaliar candidatos a cargos políticos ou para exigir que governantes eleitos tenham que prestar contas ao povo Sem verdade a democracia é tolhida A manipulação da informação factual tolhe a capacidade dos cidadãos de tomar decisões bem informadas na medida em que compromete o esclareci mento de que necessitam obtido por meio do acesso a informações claras e verdadeiras essencial às democracias para exercer a escolha dos seus candida tos Por conseguinte a contaminação da informação por um ponto de vista ou monopolizada por um grupo promovida pela segregação ideológica das bolhas mitiga a instituição das fontes alternativas de informação já que a informação é adquirida de fonte única sem questionamento ou discussões Em pesquisa recente do Instituto DataSenado os entrevistados quando questionados sobre as razões para a disseminação de fake news 31 dos en trevistados afirmaram que as pessoas compartilham esse tipo de notícia com a intenção de mudar a opinião dos outros Já 30 acreditam que as notícias falsas são compartilhadas por falta de conhecimento sobre sua veracidade Senado Federal 2024 Esses dados demonstram o prejuízo trazido pela desinformação à sociedade já que evidencia a ausência de conhecimento por parte da população de informações relevantes ao desenvolvimento de um pensamento crítico e bem informado para tomar decisões políticas Em vista disso caso os eleitores recebam informações distorcidas e engano sas podem orientar seu voto na escolha de candidatos que não correspondam com os seus reais anseios e preferências o que acarreta sérios custos sociais ao longo do tempo Saba 2021 Tal implicação também mina a possibilidade de eleições livres e justas já que compromete os critérios democráticos ao contaminar o entendimento esclarecido que permite aos cidadãos aprender e conhecer acerca das propostas políticas e assim participar efetivamente das decisões do governo impactando o direito político ativo relativo ao exercício do voto dificultando ou mesmo comprometendo a formação da compreensão esclarecida 42 Fake news e o controle do programa de planejamento As fake news também interferem no controle do programa de planejamento das decisões políticas quando comprometem a liberdade de expressão dos eleitores para discutir questionar e expressar suas ideias já que os cidadãos 94 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos perdem a capacidade de influenciar no programa de planejamento das decisões do governo uma vez que para isso é necessária a aquisição de conhecimento através de fontes de informação alternativas e independentes Nessa perspectiva a liberdade de expressão compreende tanto o direito de informar quanto o de ser informado de modo que o direito à informação pressupõe que o indivíduo tenha acesso a uma informação verdadeira e correta Logo o ambiente de informações falsas e suas diversas formas tem contribuído para a desinformação da população sob o pretexto de interesses políticos indi viduais a fim de influenciar a escolha dos eleitores uma vez que a informação é fundamental na tomada de decisão durante o período eleitoral Na pesquisa acima mencionada realizada realizada pelo Instituto DataSena do em 2024 sobre desinformação e a disseminação de notícias falsas temse que 81 dos brasileiros acreditam que as fake news podem afetar significativa mente o resultado das eleições O levantamento aponta que 72 dos brasileiros se depararam com notícias falsas nas redes sociais nos últimos seis meses e consideraram muito importante controlar essas publicações para garantir uma competição eleitoral justa demonstrando o impacto crescente da desinforma ção próximo das eleições municipais de 2024 Senado Federal 2024 Dessa forma como explica Ferreira 2019 a exposição excessiva de infor mações falsas gera a sensação de familiaridade e criam o ambiente artificial de que um grande número de pessoas está alinhado àquela ideia influenciando a opinião pública e sendo capaz de moldar os comportamentos e influenciar nas tomadas de decisão Por isso a utilização de fake news como estratégia eleitoral atua como fa cilitadora para a dominação já que priva eleitores do conhecimento dos fatos essenciais para a tomada das decisões coletivas Saba 2021 p 34 Assim o processo eleitoral além de um procedimento de escolha de governo deve ser visto como uma forma de debate público e de produção de conhecimento pois é formador de opinião Saba 2021 Dessa forma o ambiente caótico de desinformação rompe a presunção de legitimidade das decisões coletivas que pressupõem um prévio e consciente debate de ideias apontado por Dahl 2001 43 Fake news e a participação efetiva A participação efetiva visa que todos os membros tenham oportunidades iguais de expressar suas opiniões sobre quais políticas devem prevalecer Dahl 2001 Esse critério é diretamente impactado pelo uso de fake news como instru 95 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA mento de poder pois se alguns membros têm mais oportunidades de divulgar suas perspectivas é provável que suas políticas prevaleçam restringindo as chances de debater outras propostas Dahl 2001 Nesse sentido a circulação massiva de fake news com mensagens negativas pode ser explorada como ferramenta eleitoral por determinados políticos ou partidos associando negatividade à imagem da pessoa que se pretende destruir a fim de eliminar o vínculo de confiança com os cidadãos Castells 2020 p 20 Isso afeta a imagem de candidatos adversários desequilibrando o processo eleitoral e comprometendo a igualdade de condições necessária para a legi timidade e lisura das eleições Essa estratégia de desinformação é alimentada pela polarização e radicalização intensificadas pela personalização da disputa eleitoral Ferreira 2019 Tal situação foi verificada recentemente nas eleições municipais de 2024 em que candidatas mulheres foram vítimas das chamadas deep nudes que segundo Juliana Cunha diretora da SaferNet Brasil em entrevista ao G1 é uma imagem seja em vídeo ou foto manipulada por tecnologias de inteligência artificial que geralmente tem as mulheres como alvos principais colocadas em contexto de nudez eou pornografia G1 2024 De acordo com a mesma reportagem pelo menos quatro candidatas tiveram suas fotos manipuladas por meio das deep nudes em 2024 entre elas duas can didatas à prefeitura de São Paulo Tábata Amaral PSB e Marina Helena Novo além de Letícia Arsenio Podemos candidata a vereadora no Rio de Janeiro e Suéllen Rosim PSD prefeita de Bauru Esses exemplos demonstram a utilização de campanhas de desinformação contra mulheres e evidenciam a misoginia ódio ou aversão às mulheres como um elemento intrínseco das fake news com o intuito de descredibilizar a imagem das candidatas o que se torna um obstáculo para a participação feminina na política além de interferir no equilíbrio do processo democrático quando utilizada como estratégia eleitoral Assim o princípio da paridade de armas entre os candidatos assegurado pelo processo eleitoral é mitigado na medida em que candidatos adeptos dessa estraté gia conseguem influenciar a opinião dos eleitores acerca do candidato adversário por meio da destruição moral e das imagens dos candidatos políticos Castells 2019 Isso contribui para alterar o resultado das eleições ao influenciar a compre ensão esclarecida dos eleitores e interfere na equidade do processo eleitoral além de impactar no exercício dos direitos políticos passivos 96 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 44 Fake news e plena inclusão Outro aspecto da utilização de desinformação que impacta nos direitos políticos é a produção do caos que fomenta o medo e o ódio O clima hostil é representado por uma rede de mentiras rumores e teorias da conspiração que se mesclam com notícias comentários e opiniões e interferem na identificação de fontes confiáveis e fatos dotados de credibilidade especialmente quando essas informações falsas ou distorcidas são compartilhadas reiteradamente nas redes sociais e corroboradas por figuras públicas Dourado 2020 Não obstante a utilização da mentira com a produção de conteúdo negativo referente a atores políticos leva a um efeito secundário destrutivo uma crise de legitimidade política ao promover o sentimento de desconfiança e reprovação em relação aos representantes políticos e à própria atividade política O intuito segundo Castells 2019 é quebrar o vínculo subjetivo existente entre o que os cidadãos pensam e querem e aqueles que elegem Essa crise de confiança no sistema político faz com que surja o dilema de em quem confiar já que os representantes políticos tiveram suas imagens desgastadas pela disseminação de campanhas de desinformação gerando os sentimentos de indignação e in diferença e influenciando a formação de opinião dos eleitores Esse efeito pode resultar na negativa de participação política pelo povo promovendo desestímu lo ao sufrágio evidenciado em números de abstenções votos nulos ou brancos como instrumento simbólico de protesto Um alto índice de votos nulos pode revelar o descontentamento do povo com a classe política demonstra o seu desprezo pela defici ência dos partidos e candidatos apresentados ou de seus projetos ou programas que não merecem seu apoio nem despertam seu entusiasmo Gomes 2022 p 712 De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral TSE sobre o 1º turno das eleições presidenciais de 2022 após quatro anos das eleições de 2018 marcadas pela disseminação massiva de fake news apurouse que o número de abstenções chegou a 31 milhões de brasileiros representando 20 do eleitorado Segundo o Tribunal essa foi a maior porcentagem desde 1998 Esse momento de fragilidade institucional Castells 2019 p 45 com a que bra da confiança da população nas instituições políticas colocam em perigo a sociedade uma vez que em virtude desse desencanto da população acerca da democracia Castells 2019 os cidadãos não estão participando efetivamente das decisões políticas e consequentemente não possuem controle sobre o pla nejamento 97 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA Nesse sentido a pesquisa recente realizada pelo DataSenado Senado Federal 2024 revelou que um terço dos brasileiros está insatisfeito com a democracia embora 66 ainda considerem a democracia a melhor forma de governo Esse resultado reflete o contexto político de desconfiança que se instaurou no Brasil nos últimos anos marcado pela crise estrutural na relação entre a sociedade e seus representantes em decorrência dos escândalos de corrupção a exemplo da Operação Lava Jato Moura 2019 Portanto percebese que a legitimidade do processo eleitoral não prescinde da garantia do exercício dos direitos políticos de forma a assegurar que os cri térios democráticos pontuados por Dahl 2001 sejam observados pelos países democráticos tendo em vista que na falta de algum dos critérios que vêm sendo mitigados pela disseminação de informações fraudulentas fake news o que está em jogo é a própria autonomia do sistema democrático 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa se dedicou a investigar em que medida a propagação de fake news mitiga o exercício dos direitos políticos fundamentais e causa reflexos na democracia Para tanto buscouse examinar de que forma as informações falsas interferem no processo eleitoral tendo em vista a potencialidade de influenciar o debate político e a opinião pública sendo seu estudo de suma relevância para o Direito e para a sociedade Como visto o ambiente digital e da era da pósverdade constituem o pano de fundo para a disseminação de notícias fraudulentas Atrelado a isso estão presentes discursos polarizados resultantes da personalização da política inten sificado pelas bolhas criadas pelas redes sociais que se tornaram fonte de infor mação e mediação entre os representantes políticos e os eleitores constituindo um meio efetivo e barato de divulgação de informações falsas Para além desses meios os próprios usuários disseminam desinformação pois tendem a compar tilhar informações sem verificar a veracidade da fonte devido à sensação de credibilidade e confiança nas informações partilhadas por amigos e familiares Ademais a desinformação tem sido utilizada por políticos como estratégia nas campanhas eleitorais devido a sua característica de manipulação dos fatos a fim de influenciar a opinião pública e fulminar a imagem de candidatos adversá rios desequilibrando a disputa eleitoral Afora isso a desinformação promove o desaparecimento da verdade factual causando um efeito destrutivo a perda da capacidade do cidadão de discernir 98 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos entre o que é verdade e mentira na medida em que promove a destruição pelo qual nos orientamos no mundo fazendo com que a verdade se torne irrelevante Esse efeito produz um público que não consegue acreditar eou questionar suas crenças provocando o fim do diálogo necessário na política e configurando uma estratégia antipolítica segundo o pensamento de Hannah Arendt 2016 Considerando o problema de pesquisa é possível afirmar que o ambiente de desinformação impacta o exercício dos direitos políticos no sentido em que compromete a informação sobre a qual os cidadãos se baseiam mitigando o direito à informação necessário ao exercício do voto livre e consciente Ademais a propagação de mentiras usada para fulminar a imagem de candi datos interfere no exercício dos direitos políticos passivos em relação a igual dade nas disputas eleitorais na medida em que o candidato que utiliza dessa ferramenta se beneficia em desfavor do candidato adversário A desinformação pode ainda promover o desestímulo à participação política tendo em vista a quebra da confiança nas instituições políticas levando à recusa ao exercício do sufrágio que constitui o núcleo dos direitos políticos Diante dessas pontuações foi possível concluir que a utilização de fake news com o intuito de manipular os fatos além de constituir uma ferramenta an tidemocrática impacta diretamente no exercício dos direitos políticos como ainda comprometem a compreensão esclarecida dos cidadãos o controle do planejamento de governo e a participação efetiva critérios propostos por Dahl 2001 os quais dentre outros devem ser observados pelos países para que sejam considerados democráticos REFERÊNCIAS ARENDT Hannah Entre o passado e o futuro Debates 19061975 Editora Perspectiva SA São Paulo 2016 Edição do Kindle ARENDT Hannah Origens do totalitarismo antissemitismo imperialismo totalitarismo São Paulo Companhia de Bolso 2013 BRAGA Renê Morais da Costa A indústria das fake news e o discurso de ódio In PEREIRA Rodolfo Viana Org Direitos políticos liberdade de expressão e discurso de ódio v 1 Belo Horizonte Instituto para o Desenvolvimento Democrático 2018 p 203220 Disponível em httpsbibliotecadigitaltsejusbrxmluibitstreamhandle bdtse44432018pereiradireitospoliticosliberdadepdfsequence1isAllowedy Acesso em 12 out 2022 99 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA CASTELLS Manuel Ruptura A crise da democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 2018 Edição do Kindle CONECTAS Eleições 2024 desinformação causa danos concretos na democracia e na vida das pessoas 28 de agosto de 2024 Disponível em httpswwwconectasorg noticiaseleicoes2024desinformacaocausadanosconcretosnademocraciaena vidadaspessoas Acesso em 10 nov 2024 COMISSÃO EUROPEIA Combater a desinformação em linha uma estratégia europeia Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu ao Conselho ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões COM 2018 236 final Bruxelas 26 de abril de 2018 Disponível em httpsdigitalstrategyeceuropaeuptpoliciesonline disinformation Acesso em 5 out 2024 DAHL Robert Sobre a democracia Tradução de Beatriz Sidou Brasília UNB 2001 DANCONA Matthew Pósverdade a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news Tradução Carlos Szlakj Barueri Faro Editorial 2018 DOURADO Tatiana Maria Silva Galvão Fake news na eleição presidencial de 2018 no Brasil 308 f Tese Doutorado Programa de PósGraduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas Universidade Federal da Bahia Salvador 2020 FAUSTINO André Fake news Lura Editorial 2019 Edição do Kindle FERREIRA Ricardo Ribeiro Desinformação em processos eleitorais um estudo de caso da eleição brasileira de 2018 Dissertação MestradoPrograma de PósGraduação em Jornalismo e Comunicação Universidade de Coimbra 2019 FOLHA DE S PAULO 2 em cada 3 receberam fake news nas últimas eleições aponta pesquisa Folha de S Paulo 19 maio 2019 Disponível em httpswww1folhauolcom brpoder2019052emcada3receberamfakenewsnasultimaseleicoesaponta pesquisashtml Acesso em 01 nov 2022 G1 Deep nudes fotos e vídeos são manipulados por IA para produzir conteúdo erótico 06 de outubro de 2024 Disponível em httpsg1globocomfantasticonoticia20241006 deepnudesfotosevideossaomanipuladosporiaparaproduzirconteudoerotico ghtml Acesso em 10 nov 2024 GOMES José J Direito Eleitoral Grupo GEN 2022 Ebook ISBN 9786559772056 KAKUTANI Michiko A morte da verdade Rio de Janeiro Intrínseca 2018 100 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos MELLO Patricia Campos A máquina do ódio notas de uma repórter sobre fake news e violência digital São Paulo Companhia das Letras 2020 MOURA Maurício Corbellini Juliano A eleição disruptiva Por que Bolsonaro venceu Record 2019 Edição do Kindle Oxford University Press Oxford Word of the Year 2016 Posttruth Oxford Languages 2016 Disponível em httpslanguagesoupcomwordoftheyear2016 Acesso em 23 set 2024 PEROSA Teresa O império da pósverdade Época 03 abr 2017 Disponível em https epocaglobocommundonoticia201704oimperiodaposverdadehtml Acesso em 23 set 2024 PRIOR Hélder Mentira e poltica na era da pósverdade fake news desinformação e factos alternativos In Comunicação digital Media práticas e consumos Lisboa NIP CM UAL LOPES Paula REIS Bruno Coords pp 7597 Disponível em https wwwresearchgatenetpublication326399045MentiraePoliticanaeradapos verdadefakenewsdesinformacaoefactosalternativos Acesso em 12 de out de 2022 SABA Diana Tognini Fake news e eleições estudo sociojurídico sobre política comunicação digital e regulação no Brasil recurso eletrônico et al Porto Alegre RS Editora Fi 2021 SANTAELLA L A pósverdade é verdadeira ou falsa In CYPRIANO F org A pós verdade é verdadeira ou falsa recurso eletrônico Barueri SP Estação das Letras e Cores 2018 Ebook SENADO FEDERAL Eleições 2022 abstenções superam 31 milhões e correspondem a 20 dos eleitores TV Senado Brasília 03 out 2022 Disponível em httpswww12 senadolegbrtvprogramasnoticias1202210eleicoes2022abstencoessuperam 31milhoesecorrespondema20doseleitores Acesso em 20 nov 2022 SENADO FEDERAL Mais de 80 dos brasileiros acreditam que redes sociais influenciam muito a opinião das pessoas Senado Federal 10 dez 2019 Disponível em httpswww12 senadolegbrinstitucionaldatasenadopublicacaodatasenadoidmaisde80dos brasileirosacreditamqueredessociaisinfluenciammuitoaopiniaodaspessoas Acesso em 02 nov 2022 SENADO FEDERAL Pesquisa DataSenado revela o que pensa o brasileiro sobre fake news 2024 Disponível em httpswww12senadolegbrinstitucionaldatasenado 101 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA publicacaodatasenadoidpesquisadatasenadorevelaoquepensaobrasileiro sobrefakenews Acesso em 10 nov 2024 SOUSA SANTOS Boaventura de As três ignorâncias arrogante indolente malévola Jornal Letras 1326 de março 2019 Disponível em httpssegundaopiniaojorbras tresignoranciasarroganteindolentemalevolaporboaventuradesousasantos Acesso em 12 out 2022 WARDLE C DERAKHSHAN H Ban the term fake news CNN 27 de novembro 2017 Disponível em httpseditioncnncom20171126opinionsfakenewsand disinformationopinionwardlederakhshanindexhtml Acesso em 20 nov 2022 59 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E AS PROPAGANDAS ELEITORAIS ELECTORAL ELECTIONS AND DISINFORMATION HOW ARTIFICIAL INTELLIGENCE INFLUENCES ELECTORAL CAMPAIGNS AND PROPAGANDA Camila Maria de Moura Vilela1 Christine Mattos Ferreira Albiani Alves2 Artigo recebido 30 de outubro e aprovado em 5 de dezembro de 2024 RESUMO Este artigo analisa o impacto da Inteligência Artificial IA nas campanhas e pro pagandas eleitorais destacando riscos à democracia Embora ofereça benefícios práticos a IA suscita questões éticas e legais como a manipulação de infor mações e a violação da privacidade dos eleitores A criação e disseminação de fake news e a polarização do discurso político facilitadas por ferramentas de IA ameaçam a integridade democrática O estudo explora casos recentes demons trando tanto o potencial quanto os perigos da IA na política Além disso avalia a regulamentação vigente e propõe políticas para mitigar impactos negativos enfatizando a necessidade de abordagens éticas e regulatórias que garantam o fortalecimento dos princípios democráticos Palavraschave inteligência artificial comunicação política desinformação eleições democracia ABSTRACT This article analyzes the impact of Artificial Intelligence AI on electoral cam paigns and advertisements highlighting risks to democracy Although it offers 1 Advogada da Floresta Produções Mestranda em Direito Intelectual pela Universidade de Lisboa Pesquisadora do Grupo de Propriedade Intelectual Direitos Humanos e Inclusão GPIDHI da FVG 2 Advogada sócia da 4S Advocacia Mestra em Direito pela Universidade Federal da Bahia UFBA MBA em Gestão Tributária pela USP Autora do livro Violação de direitos autorais e a responsabilidade civil do provedor diante do Marco Civil da Internet 60 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves practical benefits AI raises ethical and legal issues such as manipulating in formation and violating voter privacy The creation and dissemination of fake news and the polarization of political discourse facilitated by AI tools threaten democratic integrity The study explores recent cases demonstrating both the potential and dangers of AI in politics Furthermore it evaluates current regula tions and proposes policies to mitigate negative impacts emphasizing the need for ethical and regulatory approaches that guarantee the strengthening of de mocratic principles Keywords artificial intelligence political communication disinformation elec tions democracy 1 INTRODUÇÃO Como a IA influencia as campanhas eleitorais e o que podemos fazer a res peito Este artigo oferece uma análise dos mecanismos pelos quais a inteligência artificial IA pode facilitar a criação e propagação de desinformação examinan do tanto os aspectos técnicos quanto os impactos sociais e políticos além de discutir estratégias para mitigar esses efeitos De acordo com o Código de Conduta sobre Desinformação da União Europeia 2018 ou Code of Practice on Disinformation documento de autorregulação da Comissão Europeia assinado pelas grandes empresas atuantes no mercado de tecnologia3 a desinformação pode ser compreendida como a informação falsa ou enganosa que cumulativamente a é criada veiculada e disseminada para obter ganho econômico ou intencionalmente enganar o público b com potencial de cau sar dano público entendido como ameaça a processos políticos democráticos políticas públicas e bens públicos tais como a saúde dos cidadãos o meio ambiente ou a segurança Code of Pratice on Disinformation 2018 tradução própria O avanço da tecnologia em especial o desenvolvimento da IA tem impac tado significativamente diversas áreas da sociedade e o campo político não é 3 Documento de autorregulação assinado por 34 signatários destacandose os grandes dominadores do mercado como Meta Google Twitter Microsoft Vimeo e TikTok além de entidades como Repórteres Sem Fronteiras RSF e Avaaz DAngelo 2022 p 1 61 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS exceção No contexto de campanhas e propagandas eleitorais o uso de IA vem se tornando uma ferramenta estratégica tanto para candidatos quanto para partidos políticos influenciando diretamente o comportamento dos eleitores Este trabalho tem como objetivo analisar o papel da inteligência artificial nas campanhas eleitorais investigando como suas aplicações modificam as práticas de propaganda e afetam o processo democrático A metodologia adotada neste estudo é baseada em uma abordagem qualitativa com uma análise bibliográfica de pesquisas recentes sobre o uso de IA no campo político As fontes incluem artigos acadêmicos relatórios de organizações que monitoram o impacto de novas tecnologias nas eleições bem como estudos de caso de campanhas eleitorais em diferentes países A revisão de literatura será complementada com dados empíricos buscando identificar padrões de uso e os desafios éticos que emergem desse cenário Além disso este estudo se apoia em entrevistas com especialistas em ciência política e tecnologia buscando compreender a amplitude e as implicações do uso da IA no contexto eleitoral A combinação dessas metodologias visa oferecer uma análise abrangente sobre o tema contribuindo para o entendimento dos novos rumos da democracia e das eleições na era digital 2 CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS NO BRASIL Para melhor compreensão das complexidades que envolvem as campanhas e propagandas eleitorais no Brasil atualmente fazse necessário realizar um paralelo com a evolução tecnológica e os novos paradigmas existentes na co municação social no âmbito da Sociedade Informacional A evolução tecnológica tem sido um fator determinante na transformação dos meios de tecnologia da informação e comunicação TIC Desde os primór dios da civilização os avanços tecnológicos têm moldado a forma como os seres humanos se comunicam armazenam e processam informações A invenção da prensa por Johannes Gutenberg em 1440 marcou um ponto de inflexão na disseminação de informações A capacidade de produzir livros e outros materiais escritos em massa democratizou o conhecimento facilitando a Revolução Científica e o Renascimento Museuweg 2023 Posteriormente no século XIX houve o advento do telefone rádio e televisão que revolucionaram as formas de comunicação transformando a sociedade ao proporcionar acesso instantâneo a informações e entretenimento Esses novos 62 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves meios de comunicação de massa o rádio e a televisão permitiram configurar o que se pode designar por esfera pública de broadcasting transmissão de uma mensagem por vez por veículo para uma audiência indeterminada Pariser 2011 p 22 e ss A propaganda distribuída em folhetos panfletos e outros impressos além de outdoors foi gradualmente transformada com o advento do rádio e da televisão que revolucionaram a comunicação política Esses novos meios permitiram aos candidatos acesso a um público massivo ampliando o alcance das campanhas Assim as campanhas passaram a incluir jingles marcantes e propagandas criati vas na televisão para promover candidatos e partidos A segunda metade do século XX trouxe a revolução digital com o desen volvimento dos computadores e da internet A internet possibilitou a interco nexão global alterando fundamentalmente a forma como as informações são produzidas compartilhadas e consumidas O poder de comunicação da internet juntamente com novos processos de comunicação e computação geraram uma grande alteração tecnológica dos microcomputadores e mainframes descen tralizados e autônomos à computação universal por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados existentes em diversos formatos Esse novo sistema tecnológico cujo poder computacional é distribuído numa rede montada a partir de servidores da web que utilizam protocolos da internet gerou uma nova forma de comunicação em massa na sociedade Castells 2000 p 89 De acordo com o autor Manuel Castells 2000 p 69 que cunhou a reconhe cida nomenclatura sociedade informacional O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centra lidade de conhecimentos e informação mas a aplicação desses conhecimentos e de dispositivos de processamentocomunicação da informação em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e o seu uso A partir desta digressão histórica é importante reconhecer que as campanhas e propagandas eleitorais todas as formas de utilização de meios publicitários com o objetivo de angariar simpatizantes para as ideologias de um partido e assegurar a obtenção de votos TSE 2023 no Brasil acompanharam todas essas mudanças até chegar no atual estágio em que se encontram com a popu larização da internet o advento do Big Data e o exponencial desenvolvimento da IA com aplicações em todos os setores socioeconômicos 63 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS As campanhas e propagandas eleitorais são reguladas pela Lei das Eleições lei n 95041997 e pelo Código Eleitoral lei n 47371965 Por meio dessas leis são definidos prazos formatos e demais restrições para as propagandas eleitorais As propagandas podem ser feitas através de rádio de TV redes sociais e meios impressos como a distribuição de santinhos folhetos e adesivos A Justiça Eleitoral é responsável por fiscalizar as campanhas e punir infrações As penalidades podem incluir multas perda de tempo de propaganda gratuita e até a cassação do registro de candidatura ou do diploma do eleitor Desde a proibição das doações empresariais em 2015 as campanhas são financiadas por doações de pessoas físicas e pelo Fundo Especial de Financiamento de Cam panha FEFC distribuído entre os partidos conforme a representatividade no Congresso Nacional O ano de 2024 é marcado por eleições em todo o mundo Os ministros do Tri bunal Superior Eleitoral TSE aprovaram no dia 27 de fevereiro as resoluções que regeram as eleições municipais de 2024 As normas e diretrizes orientam candidatos partidos políticos e eleitores O pleito ocorrido no dia 6 de outubro trouxe a definição dos novos prefeitos viceprefeitos e vereadores do país para os próximos quatro anos TSE 2024 Dentre as preocupações mais discutidas no âmbito das campanhas e propagandas eleitorais não só no Brasil como no mundo estão o combate à desinformação às fake news e ao uso ilícito da IA sobretudo a utilização das denominadas deepfakes Entre os desafios enfrentados nas campanhas eleitorais modernas estão o combate à desinformação o controle dos gastos de campanha a regulamen tação das propagandas em plataformas digitais e a garantia de igualdade de oportunidades entre os candidatos Verificase portanto que as campanhas e propagandas eleitorais no Brasil são marcadas pelos desafios provenientes da transformação tecnológica e mi diática sendo um retrato das principais preocupações existentes na interseção entre os temas de direito e tecnologia envolvendo preocupações centrais como a desinformação ausência de transparência e obrigações de governança impos tas às plataformas digitais 64 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves 3 O USO DA IA EM CAMPANHAS ELEITORAIS A IA consiste na capacidade tecnológica de emular competências humanas reproduzindo processos similares ao de raciocínio aprendizagem planejamento e criatividade para resolver problemas e tomar decisões O professor John McCarthy 19272011 da Universidade de Stanford foi um dos pioneiros na formulação de uma definição para a inteligência artificial Em 1956 utilizou o termo inteligência artificial pela primeira vez numa Conferên cia em Dartmouth College Para McCarthy Inteligência Artificial seria a ciência e engenharia de fazer máquinas inteligentes especialmente programas de com putador inteligentes McCarthy 2007 A IA portanto não é uma tecnologia nova mas nos últimos anos suas apli cações se tornaram muito mais diversas e acessíveis estando presente hoje em todos os segmentos do mercado de saúde a exemplo das IAs aplicadas em diagnósticos médicos e cirurgias de educação por meio das IAs generativas que auxiliam na construção de conteúdos e análise de dados dos alunos para proposição de atividades logística por meio de reconhecimento facial em mo nitoramento de frotas por exemplo automobilístico com carros autônomos de direito em tribunais para auxiliar na análise de processos e ferramentas de jurimetria por exemplo fonográfica por meio de IAs que geram músicas e vídeos por exemplo e assim por diante A integração das tecnologias de IA nos mais diversos setores da sociedade le vanta diversas questões sobretudo no que concerne à interação entre humanos e máquinas ao papel do Big Data na sociedade à concorrência entre grandes potências e à regulamentação Embora a delegação de diversas funções às má quinas autônomas possa criar a ilusão de uma segurança fundamentada em princípios científicos e dados essa prática também pode expor as pessoas a uma série de novos riscos emergentes decorrentes da autonomia e da automatização dessas tecnologias4 bem como da potencialidade lesiva do seu mau uso Neste contexto observase que houve uma grande popularização de sistemas dotados de IA sobretudo das denominadas IAs generativas ou seja aquelas uti lizadas para criar novos conteúdos como texto imagens música áudio e vídeos O Brasil é o país que apresenta a maior proporção de usuários que declararam ter utilizado IA generativa conforme pesquisa inédita realizada pela consultoria 4 Nesse sentido Fabio Cristiano Dennis Broeders François Delerue Frédérick Douzet and Aude Géry Artificial Intelligence and International Conflict in Cyberspace London and New York Routledge 2023 p 2 65 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS global Oliver Wyman De acordo com a pesquisa cerca de 57 dos brasileiros afirmaram já ter usado plataformas de IA um percentual superior ao de países como Espanha França Austrália e até os Estados Unidos Lopes 2024 Tecnologias de IA generativa incluem as denominadas deepfakes que podem manipular ou criar conteúdo audiovisual apresentando desafios únicos para a integridade eleitoral Tais ferramentas podem ser utilizadas para criar conteúdos falsos ou enganosos influenciando indevidamente o eleitorado Teffé 2024 p 1 No passado a desinformação sempre foi criada por humanos Os avanços no desenvolvimento das IAs generativas modelos que possuem a capacidade de produzir ensaios sofisticados e criar imagens realistas a partir de instruções de texto tornam possível a propaganda sintética O maior risco da produção de conteúdo utilizando IA generativa é que as campanhas de desinformação pos sam ser intensificadas em 2024 quando diversos países incluindo os Estados Unidos a GrãBretanha a Índia a Indonésia o México e Taiwan além do Brasil se preparam para votar A questão que surge quão preocupados deveriam estar os seus cidadãos The Economist 2023 Vale observar que a desinformação é apresentada hoje como um dos maiores problemas da Sociedade Informacional Esta concepção é corroborada pelo Global Risks Report de 2024 relatório anual produzido pelo Fórum Econômi co Mundial que apresenta a desinformação e informações incorretas como o principal risco global a curto prazo vislumbrado nos próximos dois anos e que pertence à categoria tecnológica WEF 2024 Ronaldo Lemos na sua coluna semanal na Folha de São Paulo em 12 de junho de 2023 teve publicado um artigo intitulado Devemos banir a inteligência ar tificial das eleições Neste artigo ele destaca a proposição de Lawrence Lessig professor de direito da Universidade de Harvard acerca da criação de uma moratória com relação à propaganda gerada por IA nas eleições de 2024 nos Estados Unidos Lemos destaca que o autor indica três efeitos lesivos dessa utilização da IA O primeiro efeito referese à produção massiva e contínua de propaganda personalizada adaptada ao perfil e comportamento de cada indivíduo com base na análise detalhada de seus dados e atividades em redes sociais O segundo trata da capacidade da IA de aprender constantemente sobre quais abordagens são mais eficazes para influenciar opiniões ajustando suas estratégias de forma dinâmica muitas vezes sem compromisso com a veracidade das informações transmitidas O terceiro efeito por sua vez está relacionado à falta de trans parência com o uso de IA e as estratégias indiretas adotadas para se atingir o 66 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves objetivo Por exemplo ela pode tentar influenciar uma pessoa por meio de seus amigos e familiares ou enviar mensagens que causem bemestar ou malestar enquanto a pessoa visualiza comunicações de um candidato específico Fato é que ninguém pode prever quais estratégias a IA pode desenvolver para alterar o voto de um eleitor Lemos 2013 p 1 De acordo com uma pesquisa publicada pelo The Alan Turing Institute 2024 cerca de 874 da população do Reino Unido manifesta preocupação com o impacto dos deepfakes nos resultados eleitorais Uma porcentagem semelhante 918 também expressa inquietação quanto à disseminação mais ampla dessa tecnologia destacando seus possíveis efeitos sobre o aumento do abuso sexual infantil online a desconfiança em relação à informação e a manipulação da opi nião pública A pesquisa foi realizada com uma amostra representativa de 1403 pessoas residentes no Reino Unido Quando os pesquisadores investigaram a exposição das pessoas a alvos comuns de deepfakes descobriram que 502 dos entrevistados já haviam visto um deepfake de uma celebridade online enquanto 341 relataram ter visto um com políticos De acordo com a pesquisa apesar da ampla conscientização sobre deepfakes entre a população do Reino Unido a maioria das pessoas demonstrou falta de confiança em sua capacidade de identificar esses conteúdos Quase 70 das pessoas afirmaram ainda confiar na autenticidade de conteúdos audiovisuais online Dennehi 2024 Dessa forma diante da preocupação crescente acerca do tema no mundo o TSE aprovou regras para restringir o uso de IA nas eleições e sobretudo regular o seu uso em relação às campanhas eleitorais O tema foi debatido de forma ampla na audiência pública que o TSE promoveu em razão da atualização da normativa em janeiro e tem sido destacado em falas de ministros da Corte devido aos riscos de desvirtuamento dessa tecnologia em campanhas políticas Vital 2024 Salientase portanto que dentre as resoluções relatadas pela Ministra Cár men Lúcia destacamse as seguintes i O art 9ºB que impõe ao responsável pela propaganda a obrigação de informar de modo explícito destacado e acessível quando houver utilização na propaganda eleitoral de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar substituir omitir mesclar ou alterar a veloci dade ou sobrepor imagens ou sons O parágrafo primeiro segue apresentando requisitos para a transparência indicando a necessidade das informações esta rem no início das peças e das comunicações feitas por áudio por rótulo marca dágua e na audiodescrição nas peças que consistem em materiais visuais e em cada página ou face do material impresso Tratase portanto de disposição que 67 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS prevê obrigações qualificadas de transparência quando houver o uso de IA em conteúdos destinados à propaganda eleitoral ii O art 9ºC que veda a utilização de conteúdos fabricados ou manipulados para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados incluindo a utilização de deepfake com alteração de imagem ou voz de pessoa viva falecida ou fictícia mesmo com autorização iii O art 9ºD estipula o dever do provedor de aplicação de internet de ado ção de medidas aptas a impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que possam comprometer a integridade do processo eleitoral incluindo mas sem se limitar a elaboração e a aplicação de termos de uso e de políticas de conteúdo compatíveis com este fim a execução de instrumentos eficazes de notificação e de canais de denúncia bem como de ações corretivas e preventivas incluindo o aprimoramento de seus sistemas de recomendação de conteúdo e a transparência dos resultados alcançados pelas mencionadas ações Impõese ao provedor ainda outras obri gações como a adoção de providências imediatas e eficazes para fazer cessar o impulsionamento a monetização e o acesso ao conteúdo denunciado com a apuração interna do fato e de perfis e contas envolvidos iv Ademais o art 9ºE ainda estipula a responsabilidade civil e administra tiva solidária por omissão na hipótese de não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas durante o período eleitoral nos seguintes casos de risco de condutas informações e atos antidemocráticos caracterizadores de violação aos artigos 296 parágrafo único 359L 359 M 359N 359P e 359R do Código Penal de divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral inclusive os processos de votação e apuração de votos de grave ameaça direta e imediata de violência ou incitação à violência contra a integridade física de membros e servidores da justiça eleitoral e Ministério Público eleitoral ou contra a infraestrutura física do Poder Judiciário para restringir ou impedir o exercício dos poderes constitucionais ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito de comportamento ou discurso de ódio inclusive promoção de racismo homofobia ideologias nazistas fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem raça sexo cor idade religião e quaisquer outras formas de discriminação bem como na hipótese de inobservância das obrigações de rotulagem dos conteúdos gerados por IA trazidas pela Resolução As preocupações que justificaram a adoção dessas medidas estão intima mente relacionadas com o potencial lesivo do mau uso da IA para geração de 68 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves conteúdos de desinformação Esta problemática é ainda mais acentuada com os denominados filtrosbolha inerentes à própria arquitetura das redes so ciais que gera uma fragmentação da esfera pública e consequentemente uma polarização política e desincentivo ao pluralismo e diversidade de discursos provocada pela interação no contexto digital O ganho de importância das redes sociais resulta ademais em uma ascensão de particularismos e no retrocesso de uma parte da esfera pública a fóruns de pessoas que pensam da mesma forma A formação de tais fóruns é reforçada também pela inserção de algoritmos de aprendizagem automática que de forma direcionada recompensam contribuições específicas que desencadeiam fortes emoções e interações diretas e terminam por ter como resultado criar para o usuário individual seu mundo próprio e singular Ves ting 2018 p 102103 De acordo com o autor João Paulo Bachur 2021 p 447 não se imputa às novas mídias sociais uma causalidade mecânica na produção da polarização política mas devese observar que essas tecnologias adquiriram funcionali dades que amplificaram o impacto e o alcance da desinformação Embora as plataformas digitais não tenham criado a polarização seus algoritmos também não a impedem ao contrário a intensificam O fator temporal é crucial a mera criação das plataformas digitais não compromete a democracia Inicialmente o Facebook foi desenvolvido para integrar comunidades acadêmicas o Google para fornecer os melhores resultados de busca e a Amazon para sugerir livros de interesse No entanto com o tempo um número crescente de pessoas passou a dedicar mais horas diárias às interações nas mídias digitais Assim essas plata formas passaram a acumular um volume inédito de dados pessoais Sem algum tipo de filtro ou priorização a tecnologia seria ineficaz Os filtros de relevância emergiram como uma solução técnica para organizar a informação para o usu ário Consequentemente os algoritmos de relevância associados ao marketing direcionado produziram efeitos de médio prazo potencialmente disfuncionais ligados à concepção de economia da atenção Caliman 2012 Diante desta perspectiva salientase que informações falsas ou fraudulentas manipuladas de alguma forma como é o caso das envolvendo as deepfakes são potencialmente mais disseminadas que informações verdadeiras Isso é resultado de um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts MIT publicado pela Revista Science em 2018 sobre fake news constatando que no Twitter as notícias falsas se disseminam 70 a mais que as verdadeiras nesta rede social já incluindo uso de robôs os famosos bots Uma das grandes conclusões do estudo foi que as notícias falsas se difundem significativamente 69 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS mais rápido e mais amplamente do que as verdadeiras Vosoughi Roy Aral 2018 Neste ambiente caracterizado pela troca de informação numa escala global e extremamente ampla verificase a crescente preocupação com a influência da desinformação na democracia diante da descredibilização das instituições democráticas e influência da opinião pública que baseada em informações falsas ou fraudulentas podem alterar os rumos políticos do Estado Neste sentido po dese citar o voto da Ministra Rosa Weber na ADPF n 572 referente ao inquérito das fake news Constatar que desinformação divulgada em larga escala passou a influenciar diretamente as escolhas da sociedade nos mais variados temas e por conseguinte o rumo que nós brasileiros trilharemos na busca dos objetivos da República produz um choque de realidade sobre a dimensão e a complexidade do problema que se tem pela frente E não me parece digo com muito desalento que a disfunção social verificada esteja em trajetória descendente Ao contrário agora nos vemos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se cir cunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente tradu zindo antes ameaças destrutivas às instituições e seus membros com a intenção de desmoralizálas assim influenciando na própria conformação dos valores mais caros a uma sociedade democrática p 1819 grifado No segundo semestre de 2022 pelo menos 76 da população brasileira foi exposta a informações possivelmente falsas sobre política segundo o Panorama Político 2023 pesquisa do Senado Federal Nóbrega 2023 Esses dados eviden ciam a crescente disseminação de desinformação no contexto eleitoral o que pode impactar negativamente a percepção pública sobre a democracia e o pro cesso eleitoral A ampliação das tecnologias de manipulação audiovisual agrava esse cenário aumentando os desafios para garantir eleições justas e combater a influência de conteúdos falsos nas decisões dos eleitores Diante desta inegável preocupação no âmbito político com fins a salvaguar dar a democracia verificase que as medidas adotadas pelo TSE vão desde a proibição de tecnologias que têm um potencial muito grande de gerar danos para o processo democrático no sentido de servir para ludibriar eleitores em massa por meio da disseminação de informações falsas ou fraudulentas como é o caso das deepfakes bem como a imputação de obrigações robustas de go vernança relacionadas à transparência e prevenção de riscos com o intuito de 70 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves conter um ambiente evidentemente propício para o compartilhamento dessas informações 4 ALGORITMOS DE ENGANO COMO A IA FACILITA A CRIAÇÃO E PROPAGA ÇÃO DE DESINFORMAÇÃO Os algoritmos de IA podem ser usados para criar e propagar fake news de maneira rápida e eficaz o que representa um desafio significativo para a integri dade informacional A IA pode facilitar a criação de desinformação através de algoritmos de ge ração de texto como os modelos de linguagem avançados Esses modelos são capazes de produzir textos convincentes e coerentes reproduzindo o estilo de diferentes fontes de notícias Isso permite que notícias falsas sejam criadas em massa com um grau de convencimento que dificulta a sua detecção por leitores Além disso a IA pode ser utilizada para manipular imagens e vídeos criando deepfakes que podem enganar qualquer observador Essas técnicas permitem a criação de conteúdos falsos onde figuras públicas podem ser mostradas di zendo ou fazendo coisas que nunca ocorreram amplificando a capacidade de desinformar Na Argentina por exemplo a deepfake já foi usada em 2023 durante as eleições presidenciais quando grupos de direita e integrantes do partido de Javier Milei La Libertad Avanza compartilharam nas redes sociais um vídeo em que o adversário Sérgio Massa aparece supostamente consumindo cocaína Pos teriormente o candidato desmentiu a peça De acordo com reportagem da Uol as imagens circulam desde 2016 nas redes sociais e foram manipuladas com a sobreposição do rosto de Massa ao da pessoa da gravação original Dauer 2024 As eleições municipais brasileiras de 2024 também foram impactadas pelo uso de tecnologias de IA Entre os exemplos mais notórios destacamse a manipulação de imagens incluindo a produção de deepfakes com rostos de can didatos e de conteúdos sintéticos de cunho sexual e jingles políticos gerados por IA Causin 2024 De acordo com o relatório do Observatório IA nas Eleições coordenado pelo Data Privacy Brasil Research o Aláfia Lab e o desinformante foram identificados diversos casos de desinformação com o uso de deepfakes imagens e vídeos altamente realistas gerados por algoritmos de inteligência artificial Um exemplo específico ocorreu em Manaus onde três semanas antes do primeiro turno circulou nas redes sociais um vídeo falso que simulava um tre cho do telejornal Jornal Nacional Nesse vídeo o apresentador William Bonner 71 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS aparecia de forma manipulada indicando voto para um candidato a vereador Destacase que este tipo de conteúdo falso pode ser facilmente replicado para outros candidatos levantando preocupações sobre a escalabilidade e o impacto da tecnologia Desinformante 2024 Campanhas de desinformação utilizando deepfakes também foram observa das em grandes centros urbanos Em um dos casos apoiadores de Pablo Marçal PRTB utilizaram IA para criar um vídeo falso que mostrava um suposto abraço entre ele e Tabata Amaral PSD durante um debate televisivo insinuando uma reconciliação entre o excoach e sua adversária política bem como um vídeo falso de Datena PSDB agredindo uma jornalista que tinha o denunciado por assédio em 2018 Desinformante 2024 O uso de deepfakes tanto em imagens quanto em áudios tem sido objeto de processos na Justiça Eleitoral Um exemplo que passou a integrar a jurisprudên cia dos tribunais eleitorais ocorreu em Canindé de São Francisco no estado de Sergipe foi relativo a um vídeo postado em um grupo de WhatsApp que utilizou uma voz gerada por IA para fazer falsas acusações de má gestão contra um pré candidato A Justiça Eleitoral ordenou a remoção do vídeo e aplicou uma multa ao responsável pela divulgação Causin 2024 A propagação da desinformação também é amplificada pelos algoritmos de recomendação utilizados nas plataformas de mídia social Esses algoritmos otimizados para maximizar o engajamento tendem a promover conteúdos sensacionalistas e polarizadores que frequentemente incluem fake news Ao personalizar os feeds dos usuários com base em seus interesses e comporta mentos anteriores esses algoritmos podem criar bolhas informacionais onde a desinformação é continuamente reciclada e reforçada A atual arquitetura das plataformas de mídias digitais faz aumentar a into lerância com opiniões diversas que sustentam as bases da democracia bem como geram ambientes cada vez mais polarizados nos quais não se fomentam discussões voltadas à soluções num ambiente coletivo mas torcidas e discursos baseados em paixões A população passa a ter um acesso seletivo a informações envolvendo informações falsas e fraudulentas que prejudicam a sua tomada de decisões políticas Afinal como viabilizar uma boa interlocução na dimensão coletiva da liberdade de expressão se o direito à informação é comprometido com a desordem informacional e a má qualidade de informações Esta nova dinâmica portanto gera influência na democracia e tomadas de decisões dos cidadãos no ambiente público 72 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves A combinação dessas tecnologias torna a desinformação uma ameaça des leal com a capacidade de influenciar opiniões públicas e até mesmo provocar conflitos sociais Combatêla requer uma abordagem multifacetada incluindo o desenvolvimento de detecção de fake news educação digital para os usuários e políticas de regulamentação mais rígidas para a transparência e governança das plataformas digitais 5 AS MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO E AS PERSPECTIVAS FUTURAS O uso de IA nas campanhas eleitorais em especial no contexto das eleições brasileiras exige a adoção de medidas eficazes de enfrentamento para garantir a integridade do processo democrático A manipulação de informações a segmen tação de eleitores com base em dados obtidos por algoritmos e a disseminação de desinformação são apenas alguns dos desafios impostos pela IA no ambiente eleitoral À medida em que a IA facilita a criação de conteúdos direcionados como anúncios personalizados fake news e deepfakes as sociedades e os sistemas eleitorais enfrentam a necessidade urgente de implementar medidas de regula ção e controle Nesse sentido a regulação das plataformas digitais surge como uma ferramenta essencial capaz de mitigar os riscos inerentes ao uso dessas tecnologias e preservar os alicerces democráticos Dessa forma entre as principais iniciativas de enfrentamento destacamse as ações governamentais e legislativas em diversos países que têm buscado regular o uso de IA e proteger a transparência eleitoral Alguns países já come çaram a adotar marcos regulatórios que exigem maior transparência na criação e veiculação de conteúdos automatizados incluindo a identificação de bots e a proibição do uso de deepfakes em campanhas eleitorais Além disso plataformas digitais como redes sociais têm sido pressionadas a adotar políticas mais rígi das para a verificação de conteúdos rastreamento de fontes e identificação de materiais falsificados Como uma resposta inicial diversas nações implementaram medidas de en frentamento para tentar mitigar os potenciais efeitos nocivos da IA nas eleições Uma das abordagens envolve regulamentações mais rígidas sobre a transparên cia e a responsabilidade no uso de algoritmos em campanhas políticas Medidas como o Relatório Especial sobre Inteligência Artificial e Democracia da União Europeia por exemplo recomendam uma supervisão independente e maior transparência sobre o uso de tecnologias de IA para evitar a manipulação dos eleitores Taddeo e Floridi 2018 Nos Estados Unidos plataformas de mídia 73 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS social como Facebook e Twitter também passaram a exigir divulgações especí ficas para anúncios políticos permitindo que os usuários identifiquem a origem do conteúdo patrocinado e compreendam melhor o contexto das mensagens políticas que consomem Kreiss 2016 Outras medidas envolvem o desenvolvimento de tecnologias capazes de com bater diretamente as práticas ilícitas como ferramentas de detecção de deep fakes e algoritmos que identificam e neutralizam campanhas de desinformação No entanto a eficácia dessas ferramentas depende da sua ampla implementação e constante atualização dado que as tecnologias de manipulação de informação estão em constante evolução Em relação às perspectivas futuras esperase que o papel da IA nas cam panhas eleitorais continue a se expandir Isso exigirá porém um equilíbrio delicado entre inovação e ética O uso da IA pode potencialmente melhorar o engajamento dos eleitores e a personalização de campanhas com base em dados reais mas também pode intensificar as desigualdades no acesso a essas tecno logias e comprometer a equidade do processo eleitoral Assim a tecnologia de IA pode ser uma aliada para fortalecer a democracia desde que seu uso seja cuidadosamente monitorado e regido por princípios éticos e regulatórios É imprescindível que haja uma colaboração contínua entre órgãos reguladores especialistas em tecnologia e a sociedade civil para construir um futuro em que a IA atue como instrumento de fortalecimento da democracia preservando a autonomia dos eleitores e a integridade dos processos eleitorais Oliveira 2022 Nesse sentido é crucial que governos organizações internacionais partidos políticos e a sociedade civil trabalhem juntos para construir uma governança tecnológica que seja inclusiva e que proteja a legitimidade democrática A cria ção de fóruns globais como o Forum on Information and Democracy5 tem sido uma iniciativa importante para discutir boas práticas e desenvolver estratégias conjuntas para lidar com os desafios da IA nas eleições A combinação de regu lamentação rigorosa transparência e alfabetização midiática é primordial para garantir que o impacto da IA seja direcionado de forma positiva e ética para assegurar que o avanço tecnológico contribua para uma sociedade informada e livre ao invés de manipulada Floirid 2019 5 Forum on Information Democracy Disponível em httpsinformationdemocracyorg 74 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves 6 CONCLUSÃO O uso de IA não apenas amplia o poder das campanhas políticas de moldar a opinião pública mas também aumenta o risco de desinformação especialmente com o uso de ferramentas de deep learning para a criação de deepfakes e conte údos enganosos Em suma embora a IA possa contribuir para campanhas mais eficazes e co nectadas aos interesses dos eleitores seu uso exige regulamentação cuidadosa e uma sociedade civil preparada para garantir que essa tecnologia seja usada a favor e não contra os princípios da democracia As tentativas de regulamentação em tramitação no Brasil representam um avanço essencial nesse contexto Buscam implementar medidas de transpa rência que responsabilizam plataformas e atribuem obrigações de governança baseada em gradação de riscos para evitar o uso indevido e antiético da IA A fiscalização ética do uso de tecnologias de IA em eleições transcende a legalidade sendo uma questão de respeito à democracia pois devese garantir ao eleitor o direito a informações diversas e baseadas em fatos comuns Isto porque somente com uma base factual compartilhada é possível preservar o pluralismo de opiniões elemento essencial para a liberdade de expressão co letiva e para a condução adequada dos rumos de uma sociedade democrática A regulamentação das plataformas deve ainda ser acompanhada de esforços para promover uma cultura de educação midiática Os programas de educação voltados à alfabetização digital e à identificação de desinformação já implemen tados em alguns países apresentam experiências exitosas que podem inspirar políticas públicas no Brasil Com uma sociedade melhor preparada para identifi car e questionar conteúdos enganosos aumentase a capacidade de resistência à manipulação eleitoral promovendo uma escolha mais consciente e autônoma do eleitor Para enfrentar o uso abusivo de IA em campanhas eleitorais é imprescindí vel fortalecer a cooperação entre o Estado plataformas digitais e a sociedade civil promovendo parcerias para monitoramento de conteúdos e garantindo a transparência necessária para combater a desinformação e suas variáveis como as deepfakes Esse esforço conjunto aliado a uma regulação efetiva e dinâmica que acompanhe os avanços tecnológicos e a implementação de boas práticas tornase crucial para a proteção dos valores democráticos Assim o Brasil poderá não apenas reforçar suas defesas contra a manipulação eleitoral mas também assegurar a integridade do processo eleitoral em alinhamento com seus princípios democráticos fundamentais 75 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHUR João Paulo Desinformação Política Mídias Digitais e Democracia Como e Por Que as Fake News Funcionam RDP Brasília Volume 18 n 99 436469 julset 2021 Disponível em httpswwwportaldeperiodicosidpedubrdireitopublicoarticle view5939pdf Acesso em 15 mai 2024 BRASIL Supremo Tribunal Federal Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n 572 voto Ministra Rosa Weber Disponível em httpsportalstfjusbrprocessos detalheaspincidente5658808 Acesso em 15 jun 2024 CALIMAN Luciana Os regimes de atenção na sociedade contemporânea Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 1 217 2012 Disponível em httpspepsicbvsaludorgscielophpscriptsciabstractpidS1809 5 2 6 7 2 0 1 2 0 0 0 1 0 0 0 0 2 t e x t R e s u m o a t e n C 3 A 7 C 3 A 3 o 2 0 autogestC3A3o20subjetividades20contemporC3A2neas Acesso em 17 ago 2024 CAUSIN Juliana Nudes falsos deepfake e jingles sintéticos marcam uso da IA no primeiro turno e apontam desafios para 2026 O Globo 15 out 2024 Disponível em httpsoglobo globocompoliticanoticia20241015nudesfalsosdeepfakeejinglessinteticos marcamusodaianoprimeiroturnoeapontamdesafiospara2026ghtml Acesso em 20 out 2024 CASTELLS Manuel A Sociedade em Rede A era da informação economia sociedade e cultura v 1 6 ed São Paulo Paz e Terra 2000 DAUER Letícia Inteligência artificial deepfake já foi usada em eleições pelo mundo Site UOL 3 mar 2024 Disponível em httpsnoticiasuolcombrconfereultimas noticias20240303deepfakeusointeligenciaartificialeleicoesargentina estadosunidoshtmcmpidcopiaecola Acesso em 9 jun 2024 DENNEHI Fiona 9 in 10 concerned about deepfakes affecting election results The Alan Turing Institute 2 jul 2024 Disponível em httpswwwturingacuknews910 concernedaboutdeepfakesaffectingelectionresults Acesso em 20 ago 2024 DESINFORMANTE Observatório IA nas eleições 2024 Disponível em https desinformantecombrobservatorioia Acesso em 18 out 2024 EUROPEAN COMISSION Code of Practice on Desinformation da União Europeia Shaping Europes digital future 2018 76 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves FLORID L The Ethics of Artificial Intelligence in Political Campaigns Philosophy Technology 322 327333 2019 KREISS D 2016 Prototype Politics TechnologyIntensive Campaigning and the Data of Democracy Oxford University Press Disponível em httpscitapuncedupublications prototypepoliticstechnologyintensivecampaigningandthedataofdemocracy Acesso em 29 out 2024 LEMOS Ronaldo Devemos banir a inteligência artificial nas eleições Coluna Ronaldo Lemos para Folha de São Paulo 12 jun 2023 Disponível em httpsitsrioorgptartigos devemosbanirainteligenciaartificialnaseleicoes Acesso em 10 de jul 2024 LOPES André Brasil lidera uso de IA generativa entre as grandes economias aponta pesquisa Exame São Paulo 4 out 2024 Disponível em httpsexamecominteligencia artificialbrasilliderausodeiagenerativaentreasgrandeseconomiasaponta pesquisa Acesso em 10 out 2024 MCCARTHY J What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 27 jul 2024 MUSEU WEG DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA A prensa de Gutenberg como essa invenção mudou o mundo Blog com Ciência 4 dez 2022 Disponível em httpsmuseuwegnet blogaprensadegutenbergcomoessainvencaomudouomundo Acesso em 15 set 2024 NÓBREGA Liz 76 dos brasileiros tiveram contato com fake news política em 2022 Desinformante 2 mar 2023 Disponível em httpsdesinformantecombrbrasileiros fakenewspolitica Acesso em 13 jun 2024 OLIVEIRA A C Inteligência Artificial democracia e eleições riscos e oportunidades Revista Direito e Tecnologia 71 4559 2022 PARISER E The filter bubble what the internet is hiding from you New York Penguin Press 2011 TADDEO M Floridi L How AI can be a force for good Science 3616404 751752 2018 TEFFÉ Chiara Spadaccini de Eleições inteligência artificial e responsabilidade de plataformas digitais Migalhas de Responsabilidade Civil 21 Mar 2024 Disponível em httpswwwmigalhascombrcolunamigalhasderesponsabilidadecivil403881 eleicoesiaeresponsabilidadedeplataformasdigitais Acesso em 27 jul 2024 77 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS THE ECONOMIST AI voted How artificial intelligence will affect the elections of 2024 23 set 2023 Disponível em httpswwweconomistcomweeklyedition20230902 Acesso em 10 jul 2024 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Propaganda políticoeleitoral Escola Judiciária Eleitoral Brasília 2023 Disponível em httpswwwtsejusbrinstitucionalescola judiciariaeleitoralpublicacoesrevistasdaejeartigospropagandapoliticoeleitoral Acesso em 20 ago 2024 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Eleições 2024 TSE aprova todas as resoluções que regerão o pleito Tribunal Superior Eleitoral Brasília 27 fev 2024 Disponível em https wwwtsejusbrcomunicacaonoticias2024Fevereiroeleicoes2024tseaprova todasasresolucoesqueregeraoopleito Acesso em 18 jul 2024 VESTING Thomas A mudança da esfera pública pela inteligência artificial In ABBOUD George NERY JUNIOR Nelson CAMPOS Ricardo Org Fake news e regulação Revista dos Tribunais São Paulo p 91108 2018 VITAL Danilo TSE obriga candidatos a rotular uso de IA na campanha eleitoral e proíbe deep fake Site Consultor Jurídico CONJUR 28 fev 2024 Disponível em httpswww conjurcombr2024fev28tseobrigacandidatosarotularusodeianacampanha eproibedeepfake Acesso em 21 jun 2024 VOSOUGHI S ROY D ARAL S The spread of true and false news online Science Washington v 359 n 6380 p 11461151 2018 Disponível em httpsdoiorg101126 scienceaap9559 Acesso em 20 jun 2024 WORLD ECONOMIC FORUM WEF The Global Risks Report 19th Edition 2024 Disponível em httpswwwweforumorgpublicationsglobalrisksreport2024 Acesso em 18 jun 2024 153 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO ELECTORAL HARASSMENT IN THE WORKPLACE BETWEEN THE 2024 ELECTIONS AND PREVENTION METHODS Plinyo Paccioly Rodrigues Santos1 Artigo recebido em 142024 e aprovado em 2062024 RESUMO À medida que se aproximam as eleições municipais temse o aumento das de núncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho uma forma modernizada do voto de cabresto que por muito tempo tem assolado a política brasileira O assédio eleitoral é aquele praticado por empresários em face de seus emprega dos sendo uma evidente violação aos direitos e garantias fundamentais e sociais já conquistados como o voto secreto e a autodeterminação política dos cida dãos O presente estudo é qualitativo se utiliza do método dedutivo tomando como base pesquisas bibliográficas matérias jornalísticas legislação jurispru dência artigos e periódicos Concluise que o assédio eleitoral nas relações de trabalho teve um aparente aumento nas últimas eleições trazendo a necessida de de estudo aprofundado para se compreender as causas e os impactos sociais que traz essa forma moderna de coronelismo Palavraschave assédio eleitoral no trabalho coronelismo Direito do Trabalho democracia autonomia política ABSTRACT As municipal elections approach there is an increase in reports of electoral ha rassment in the workplace a modernized form of halt voting which has long plagued Brazilian politics Electoral harassment is that practiced by business people against their employees being an obvious violation of fundamental and social rights and guarantees already achieved such as secret voting and political 1 Graduado em Direito pela Faculdade Ari de Sá FAZ é pósgraduado em em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS e em Direito Penal Econômico e Compliance Empresarial pela Universidade de Fortaleza UNIFOR mestrando em Direito Privado na Universidade 7 de setembro UNI7 bolsista CAPES advogado 154 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos selfdetermination of citizens The present study is qualitative using the deduc tive method based on bibliographical research journalistic articles legislation jurisprudence articles and periodicals It is concluded that electoral harassment in labor relations had an apparent increase in the last elections bringing the need for indepth study to understand the causes and social impacts that this modern form of coronelismo brings Keywords electoral harassment at work coronelismo Labor Law democracy political autonomy Sumário 1 Introdução 2 Do voto de cabresto ao assédio eleitoral no ambiente de trabalho 3 A caracterização do assédio eleitoral nas relações de trabalho 4 A prevenção ao assédio eleitoral nas relações de em prego 5 Conclusão Referências 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa abordar a questão do assédio eleitoral e suas con sequências no contexto jurídico brasileiro validando a lenta conscientização global do trabalho e seus direitos associados fundamentos e formação histó rica e social A presente pesquisa bibliográfica é elaborada a partir de literatura impressa e artigos publicados online abordando o vínculo entre empregado e empregador filiação e assédio eleitoral no trabalho complementado por análi ses jurídicas pertinentes A pesquisa demonstrou que o assédio eleitoral é um tema ainda pouco deba tido e explorado de forma ineficiente bem como desconhecido pelos trabalha dores o que torna o seu exame ainda mais importante visto que se aproxima nova eleição em âmbito municipal A prática do assédio no ambiente de trabalho traz implicações na esfera trabalhista de ordem cível administrativa e até mesmo criminal O escopo da presente pesquisa é lançar uma discussão mais aprofundada sobre a temática supramencionada uma vez que não existem normas dedicadas a coibir tal fenô meno no ordenamento jurídico brasileiro Um dos problemas a serem debatidos neste trabalho é o crescimento relevante dos assédios em tempos de eleição principalmente na de 2022 Há uma evidente confusão por parte dos emprega dores por não saber distinguir legalmente os conceitos de poder disciplinar e suas consequências no âmbito empresarial 155 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Saliento desde já que os canais de denúncia fornecidos pelo compliance em presarial são uma nova forma de deter essa conduta praticada no ambiente de trabalho O abuso do poder hierárquico por parte do empregador tem uma ca racterística antiética que desrespeita a dignidade da pessoa humana e a liber dade do empregado por este se encontrar em situação de vulnerabilidade Tal conduta tem o poder de afetar de forma direta o psicológico dos empregados dentro e fora da empresa Outro ponto de suma importância é a falta de regulamentação vigente sobre o assunto e a realidade das relações trabalhistas A questão passa a ser como identificar a prática do assédio moral e eleitoral cometida no ambiente de traba lho E também como pode ser combatida e reparada a prática do assédio moral entre as paredes da empresa A pesquisa utilizará procedimentos técnicos dentre os quais se destacam os métodos dedutivo e histórico O método dedutivo realizará uma análise dos princípios basilares da doutrina e da jurisprudência especialmente quanto aos assuntos divergentes sendo confrontados com intuito de chegar na conclusão almejada De outro modo seguese pelo método histórico para que se entenda que a prática não é algo novo A pesquisa se baseia em livros de doutrina artigos e outras publicações bem como a legislação que proporcionarão o fundamento para a elaboração do trabalho Dessa forma o presente estudo tem como objetivo geral evidenciar e reco nhecer a existência do assédio eleitoral no ambiente do trabalho das relações de emprego bem como demonstrar consequências trazidas ao empregado e o direito que o empregado possui de reparação por danos morais sofridos pelo comportamento opressor do assediador Assim também traz como objetivos es pecíficos conceituar o assédio eleitoral e apresentar suas consequências trazer pontos que contribuam para prevenção do assédio compreender a indenização por dano moral e dano material e sua aplicabilidade bem como a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho como resultado do assédio moral eleitoral 2 DO VOTO DE CABRESTO AO ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRA BALHO A ideia de que um trabalhador seja submetido por seu empregador a ameaças de perda de emprego prejuízo no ambiente de trabalho ou até mesmo pro messas de promoção e benesses no caso da eleição do candidato da preferência do empresário é absurda em pleno século XXI e remonta às manipulações das Oligarquias ocorridas ainda na Primeira República Brasileira 156 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos A República Velha ou Primeira República que compreendeu o período en tre a Proclamação da República em 1889 e a Revolução de 1930 foi marcada pela promulgação da primeira Constituição Republicana do Brasil em 1891 que passou a estabelecer o sistema de voto secreto pondo fim ao critério de renda instituído pelo voto censitário decorrente do período imperial No entanto mu lheres mendigos militares de baixo escalão do exército religiosos e analfabetos não eram eleitores tornando mínima a população votante ressaltandose que a população brasileira era composta por ao menos 85 de analfabetos na época Depois das revoltas armadas ocorridas nos períodos de 1891 e 1893 foi dado início à República Oligárquica formada pelas elites latifundiárias especialmente produtores de café e de leite dos Estados de São Paulo e Minas Gerais asse gurandolhes o direito de elaborar a legislação eleitoral de acordo com seus interesses Visando à manutenção do poder os oligarcas nomeavam coronéis como che fes políticos locais pois como grandes proprietários rurais eram influentes e senhores dos meios de riqueza naquela região Os coronéis possuíam a capa cidade de controlar centenas de colonos meeiros e posseiros estes que eram pessoas miseráveis e dependentes sociais tornando possível o controle absolu to do voto local que obrigatoriamente deveria ir para o candidato indicado Em contrapartida eram oferecidas trocas de favores e benesses diversas ao povo ou do contrário era empregado o uso de violência física para fazer valer a imposição do voto direcionado A fiscalização era possível através do voto descoberto instituído pela Lei n 1269 de 15 de novembro de 19042 deixando o povo à mercê das vontades da elite isto é dos coronéis Essa dinâmica foi descrita por Victor Nunes Leal na obra clássica Coronelismo Enxada e Voto publicada em 1948 O trecho a seguir sintetiza os efeitos desse fenômeno O coronelismo representa assim uma forma de poder local base ada na liderança dos grandes proprietários de terra que exercem seu domínio político e econômico sobre a população rural influen ciando de maneira decisiva o processo eleitoral e a administração pública Leal 2012 p Quando isso não se mostrava suficiente para eleger o candidato desejado a corrupção e a fraude eleitoral eram institucionalizadas em prática constante 2 Art 57 A eleição será por escrutinio secreto mas é permittido ao eleitor votar a descoberto Paragrapho unico O voto descoberto será dado apresentando o eleitor duas cedulas que assignará perante a mesa eleitoral uma das quaes será depositada na urna e a outra ficará em seu poder depois de datadas e rubricadas ambas pelos mesarios 157 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Dessa forma surgiu o termo voto de cabresto ou de curral justamente pelo controle da votação dos eleitores pertencentes a determinado cercado eleitoral chefiado por um coronel Em pesquisa realizada pelo jornal Datafolha Balago 2022 os relatos mais frequentes são entre jovens de 16 a 24 anos que ganham até dois saláriosmí nimos tornandose as queixas mais raras de acordo com o aumento da renda Assim como ocorreu na época do coronelismo o assediador se vale da sua as cendência socioeconômica a fim de coagir pessoas simples de baixa renda e extremamente dependentes do trabalho O levantamento indica que o assédio eleitoral ocorreu mais entre assalaria dos sem registro do que entre assalariados com registro de certo porque os primeiros não possuem qualquer garantia de subsistência diante da perda da renda possivelmente já sendo vítimas de uma contratação irregular admitida em visível precarização do trabalho O número de denúncias ainda que careçam de investigação é grande e de monstra que o ambiente de trabalho foi igualmente contaminado pela polari zação política devendo tal violência ser combatida pelo Estado e instituições inclusive com políticas voltadas ao combate de assédio no ambiente de trabalho como já vêm sendo providas pelo Ministério Público do Trabalho MPT3 Dessa forma cabe às instituições que atuam junto ao patronato garantir um ambiente de trabalho saudável assim como aos empregadores proporcionar esse ambiente de conforto que não favoreça o aumento das já prevalentes do enças psicossociais a fim de salvaguardar a democracia e o Estado democrático de direito Além do mais o assédio eleitoral é conduta criminosa prevista no Código Eleitoral Lei no 47371965 As condutas estabelecidas nos artigos 299 a 301 com pena de reclusão de até 4 anos e multa podem ser entendidas como per tencentes a essa categoria de assédio eleitoral Partindo da mesma premissa o impedimento ou embaraço ao sufrágio também está tipificado como conduta criminosa pelo Código Eleitoral nos termos do artigo 297 com pena de deten ção de 6 meses e multa Outro entendimento não poderia ser diferente porque o direito ao voto é ga rantido constitucionalmente a todo cidadão Assim no país além de se tratar de 3 MPT NOTA TÉCNICACOORDIGUALDADE nº 0012022 Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho Disponível em httpsmptmpbrpgtnoticiasntassedioeleitoralpdf 158 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos uma conquista social para o exercício da soberania popular deve ser exercido de modo direto e secreto nos termos do artigo 14 da CF88 devendo ser garantido ao cidadão exercer a sua autodeterminação política sem qualquer constrangi mento Assim não cabe ao empregador saber a opção política do trabalhador e me nos ainda interferir com a possibilidade de punição eou retaliação quando seja diversa dos seus interesses pessoais Ao se tratar de manifestações no ambiente da internet não é admissível ao empregador coagir o empregado em razão de postagens nas redes sociais O comportamento é potencialmente discriminatório além de manifesta mente antidemocrático ofendendo outras liberdades e garantias constitucio nais como o direito à dignidade da pessoa humana também como nos mostra o art 1º II da Constituição à liberdade de expressão art 5º IV e IX à liberdade de crença art 5º VI e ao voto de acordo com a consciência política de cada cidadão art 5º VIII além da liberdade partidária art 17º considerando que o sistema eleitoral contempla a pluralidade em representatividade da diversidade política e social da nação A conduta assediosa fere também normas internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção nº 111 da Organização Interna cional do Trabalho OIT ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto no 651501968 que pelo seu artigo 1º I a tendo em vista a discriminação expres samente compreendida em toda distinção exclusão ou preferência pautada na opinião política com efeito a destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão No mesmo sentido a Convenção n 190 da OIT adotada em 2019 no art 5º estabelece o dever de respeitar de promover e de realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho como também reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho constituem violações ou abusos aos Direitos Humanos Temse com isso que a ninguém é dado o direito de interferir na liberdade de escolha do eleitor menos ainda ao empregador que não detém poder dire tivo absoluto pois limitado aos preceitos legais e constitucionais inclusive à normativa internacional Dessa forma o empregador conquanto possa impedir por meio de políticas internas a manifestação partidária dos seus empregados dentro do local de trabalho ou por seu cargo não tem o direito de gerenciar as suas vidas privadas ou mesmo qualquer manifestação de caráter pessoal do tra balhador como foi abordado anteriormente 159 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Visando coibir comportamentos que possam ser caracterizados como asse diosos no ambiente de trabalho e que venham a interferir na autodeterminação política do trabalhador a legislação se pauta ainda nas disposições contidas na Resolução TSE 237352024 que dispõe sobre condutas ilícitas em campanha e na Lei 950497 que estabelece as normas para as eleições Qualquer abuso nesse sentido configurando o assédio eleitoral no ambiente de trabalho é passível de rescisão indireta por falta grave do empregador art 483 CLT com repercussão ainda nas esferas criminal e cível até mesmo admi nistrativa além de reparação por danos morais e materiais inclusive de forma coletiva Ressalto que há muito o Tribunal Superior do Trabalho tem autorizado a reintegração do empregado quando constatada infringência à liberdade política do trabalhador bem como caracterizado abuso no direito potestativo de resili ção contratual pelo empregador evidenciando a demissão discriminatória Veja Direito potestativo de resilir o contrato Abuso O exercício pode mostrarse abusivo Despedido o empregado em face da convicção política que possui forçoso é concluir pela nulidade do ato e conse quente reintegração com o pagamento dos salários e vantagens do período de afastamento A liberdade política é atributo da cidada nia não passando o ato patronal pelo crivo da Constituição no que encerra em torno do tema garantias mínimas do cidadão TSTAg ERR 789 Rel Min Marco Aurélio Ac SDI 181089 Entretanto embora precedentes pacificados pelo Tribunal Superior estes não se mostraram suficientes para coibir essa nova roupagem do coronelis mo que tomou significado protagonismo em pleno século XXI com as últimas eleições a disparada de denúncias de assédio eleitoral no trabalho inúmeros Termos de Ajustes de Condutas TAC foram firmados por empresários com o Ministério Público do Trabalho geralmente prevendo uma retratação pública e comprometimento com o direito à livre manifestação de voto bem como de não campanha pró ou contra qualquer candidato além de eventual reparação por danos coletivos já que toda sociedade sofre com isso Enfim trazendo os argumentos apresentados resta saber quando se carac teriza assédio eleitoral Quais são as principais medidas de prevenção 160 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos 3 A CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO ELEITORAL NAS RELAÇÕES DE TRABA LHO Através da Resolução nº 355 de 28 de abril de 2023 o Conselho Superior da Justiça do Trabalho CJST instituiu procedimentos administrativos a serem ado tados em ações judiciais que versem sobre o assédio eleitoral no ambiente de trabalho Assim para subsidiar as medidas regulamentadas foram considerados os conceitos destacados abaixo Art 2º Para fins da presente Resolução considerase assédio elei toral toda forma de distinção exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho inclusive no processo de admissão Parágrafo único Configura igualmente assédio eleitoral a prática de coação intimidação ame aça humilhação ou constrangimento no intuito de influenciar ou manipular o voto apoio orientação ou manifestação política de tra balhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho Dessa forma a prática do assédio eleitoral no âmbito das relações de trabalho pressupõe a existência de condutas abusivas praticadas pelo assediador coação intimidação ameaça humilhação constrangimento manipulação do voto apoio ou manifestação política ou até mesmo promoções e que elas ocorram contra os trabalhadores nas dependências da empresa ou em situações relacionadas ao trabalho Decerto a descrição das condutas dessa modalidade de assédio não é taxa tiva especialmente porque a lógica da sistemática trabalhista visa a proteção do trabalhador o que se extrai do próprio conceito do princípio fundamental ao trabalhador o princípio da proteção Nesse sentido segundo o professor Mau ricio Godinho Delgado 2019 p 233 O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Indivi dual do Trabalho influindo na própria perspectiva desse ramo ao se construir desenvolverse e atuar como direito Efetivamente há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas tutelares da vontade e interesses obrei ros seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalha dor suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática Na verdade podese afirmar que sem a ideia protetivoretificadora o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cienti ficamente 161 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Assim a partir das noções trazidas por este princípio basilar para o direito do trabalho temse que existe uma tendência de que as condutas descritas como caracterizadoras do assédio eleitoral nas relações de trabalho sejam analisadas sob uma perspectiva mais ampla a fim de verificar se a situação fática se insere ou não no conceito do crime eleitoral No que concerne a afirmação de que as condutas não são taxativas na pes quisa desenvolvida por Nayana Shirado 2015 p 11 a autora concebe o conceito de assédio a partir da seguinte perspectiva Assim por se tratar de uma modalidade de assédio podese afirmar que está associado à ideia de coagir impor pressionar o trabalha dor pouco importando o liame contratual efetivo ou temporário ou o tomador do serviço entidade privada ou pública com o obje tivo de fazer aderir a determinados grupos políticos obterlhe voto eou apoio a candidatos no interesse do assediante contra a von tade do assediado ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas políticoideológicas contrárias às da vítima A partir da definição apresentada é possível observar que o assédio eleitoral nas relações de trabalho se configura a partir da prática das seguintes ações coagir impor pressionar e que tenha as seguintes finalidades a obtenção de voto eou apoio a candidatos de interesse do assediador b que o voto eou apoio seja obtido contra a vontade do assediado ou c que o assediado adote posturas políticoideológicas contrárias às que deseja Ainda depreendese que a autora considera que o assédio eleitoral nas re lações de trabalho está ligado à existência de uma relação de emprego no sen tido de que ela afirma que não importa se o trabalhador vítima do assédio seja efetivo ou temporário ou se o trabalho esteja sendo prestado para um tomador de serviço entidade pública ou privada Nesse ponto ao comparar o conceito apresentado acima e aquele apresentado pelo CSJT é possível constatar uma divergência a qual está relacionada sobre a necessidade ou não de existir uma relação formal de emprego para que seja constatada a prática do assédio eleito ral laboral A divergência mencionada existe na medida em que ao definir o contexto em que ocorre a prática do assédio o Conselho utiliza as expressões no âmbito das relações de trabalho no local de trabalho e situações relacionadas ao trabalho enquanto a autora apresenta o conceito considerando três modalida des contratuais decorrentes da relação emprego quais sejam trabalho efetivo trabalho temporário ou trabalho prestado para um tomador de serviço 162 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos A distinção entre relação de trabalho e relação de emprego já é bastante dis cutida pelos doutrinadores do campo do direito do trabalho Para Carlos Henri que Bezerra Leite 2023 a própria redação do artigo 114 da Constituição Federal demonstra a opção legislativa do constituinte originário em estabelecer uma distinção entre os dois tipos de relação Em vista do exposto no que pese as definições de assédio eleitoral laboral concebidas pelo CJST e por Nayana Shirado 2015 serem de grande valia para o estudo do assédio eleitoral no ambiente de trabalho e não serem excluden tes mas complementares a divergência apresentada revelase necessária para a compreender que se é o empregado eou o trabalhador o sujeito passivo dessa modalidade de assédio Dessa forma considerando a ampliação da competência da Justiça do Traba lho a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 452004 por meio da qual os trabalhadores não empregados passaram a ter o direito de discutir os direitos decorrentes da relação de trabalho por meio da utilização do procedi mento trabalhista revelase prudente ponderar que o assédio eleitoral laboral pode atingir tanto trabalhadores quanto empregados No contexto do assédio eleitoral nas relações de trabalho outro ponto de questionamento referese à possibilidade desta modalidade de assédio também ser praticada no serviço público ou se é inerente à iniciativa privada Diante do que foi discutido e cumprindo com a promessa do capítulo ante rior mostrando as principais características do assédio neste tópico foi pos sível observar que apesar do tema do assédio eleitoral nas relações de trabalho não ser novo na sociedade brasileira não há uma tipificação expressa do delito e tampouco previsão específica na legislação trabalhista 4 A PREVENÇÃO AO ASSÉDIO ELEITORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO Com o objetivo de criar um ambiente de trabalho mais digno saudável e sus tentável nas eleições de 2022 o Ministério Público do Trabalho a Ordem dos Advogados do Brasil e outros órgãos de fiscalização tiveram um papel funda mental no combate e na prevenção do assédio moral e eleitoral no âmbito das empresas Essas instituições são canais para receber e gerenciar notícias sobre a existência de ações ou circunstâncias propícias a assédio moral eleitoral se xual dentre outras contra servidores empregados e não distante disso os esta giários aprendizes e demais funcionários 163 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO No contexto dinâmico e complexo dos ambientes de trabalho seja ele formal ou não a prevenção do assédio eleitoral tem emergido como uma preocupação crucial para as organizações empresariais com a necessidade de estabelecer diretrizes claras práticas e eficazes para evitar a influência política indesejada e proteger a integridade do ambiente de trabalho Desse modo este artigo aborda alguns métodos de prevenção no ambiente de trabalho O primeiro é a criação e implementação de políticas organizacionais robustas e que sejam amplamente publicizadas Tais políticas devem definir com clareza o que constitui o assédio eleitoral bem como as penalidades associa das a tais condutas a comunicação dessas políticas por meio de treinamentos materiais informativos e documentos escritos Ações como essas são essenciais para assegurar a compreensão e adesão de todos os funcionários da empresa Outro modo interessante são as restrições de atividades políticas no local de trabalho Isso engloba a proibição de práticas como a distribuição de material eleitoral discussões partidárias acaloradas e pressões para apoiar determina das causas ou candidatos Assim estabelecer um ambiente neutro em relação a questões políticas é crucial para preservar a imparcialidade da empresa Como mencionado no início deste artigo a existência de canais de denúncia e suporte incorporados ao compliance da empresa e suas políticas é um passo fundamental para sua implementação A criação de canais de denúncia confi denciais é crucial para encorajar a delação segura e eficaz do assédio eleitoral permitindo que os funcionários se sintam respaldados ao reportar incidentes com a certeza de que suas preocupações serão tratadas de maneira apropria da e sem medo de retaliação Além disso no contexto do compliance empresa rial é importante destacar a avaliação de riscos risk assessment que envolve a participação dos colaboradores na identificação de potenciais riscos situações adversas e obstáculos que possam impactar a empresa desde um contrato mal redigido até casos de assédio dentro da organização Outro ponto treinamentos e sensibilizações que também podem ser implan tados por políticas internas A implementação de programas de treinamento pe riódicos visa educar os funcionários sobre o assédio eleitoral e seus impactos prejudiciais no ambiente de trabalho Esses programas são vitais para aumentar a conscientização e compreensão dos limites aceitáveis no ambiente corpora tivo A fiscalização e a aplicação consistente das políticas antiassédio eleitoral traz segurança no ambiente de trabalho As medidas disciplinares devem ser aplicadas de maneira justa e consistente a todos os envolvidos demonstrando 164 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos a seriedade da empresa na manutenção de um ambiente respeitoso O monito ramento e acompanhamento não estão longe do explicitado no parágrafo an terior assim a realização de pesquisas de clima organizacional e outras formas de monitoramento ajudam a detectar potenciais casos de assédio eleitoral Isso permite que haja a identificação precoce de problemas possibilitando a inter venção antes que se agravem Por fim a colaboração com órgãos externos em casos mais graves ou comple xos a colaboração com órgãos especializados em questões legais ou de direitos humanos pode ser benéfica para lidar com situações de assédio eleitoral Em síntese a implementação de diretrizes claras o treinamento contínuo a aplicação consistente de políticas e a criação de um ambiente de trabalho im parcial e respeitoso são pilares fundamentais na prevenção do assédio eleitoral no ambiente corporativo Tais medidas não apenas protegem os direitos dos funcionários mas também fortalecem a cultura organizacional e contribuem para um ambiente laboral saudável e produtivo 5 CONCLUSÃO As eleições gerais de 2022 foram marcadas por excessos tanto no âmbito de fake news como de assédios Os anseios democráticos entraram em batalha com um fanatismo político muito mais forte do que se imaginava culminando em crescentes relatos e denúncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho para órgãos de fiscalização O assédio eleitoral além de minar a democracia brasileira é um grande re trocesso social que remonta ao tempo das oligarquias da Velha República e dos votos de cabresto Como foi dissertado no início desse artigo assim sendo o ato abusivo e criminoso do poder econômico atual uma espécie de coronelismo moderno o que é lamentável pois seus danos são irremediáveis A ausência de uma regulamentação mais combativa em face dessa condu ta voltada efetivamente ao empregador acrescida da ausência de programas de enfrentamento junto à sociedade especialmente de maior publicidade dos canais de denúncia eficaz tem concorrido para que o poder empresarial man tenha os abusos e violações de direitos em detrimento da classe operária por vezes impedida de exercer a liberdade de consciência política garantida cons titucionalmente a todo cidadão Com efeito seria o discurso populista a pola rização o fanatismo político a atual circunstância econômica e a precarização das relações de trabalho um combinado de questões sociais que resultaram no 165 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO aumento do assédio eleitoral no trabalho nas últimas eleições A resposta ao que parece é sim O protagonismo indesejado do assédio eleitoral em 2022 bem como os atos e manifestações em período póseleições ensejará da sociedade um estudo ju rídico mais aprofundado para compreensão das raízes sintomáticas que condu ziram a democracia brasileira a essa realidade tão absurda Nesse sentido revelase importante que o trabalhador se sinta confiante e seguro para denunciar o acometimento de abusos sofridos pelo empregador em detrimento às suas garantias e direitos constitucionais visando assim às próxi mas eleições de 2024 REFERÊNCIAS BALAGO Rafael Datafolha 4 dos eleitores dizem ter sofrido assédio eleitoral São Paulo Folha de S Paulo 29 out 2022 Disponível em httpswww1folhauolcombr mercado202210datafolha4doseleitoresdizemtersofridoassedioeleitoral shtmloriginfolha Acesso em 29 out 2023 BRANT Danielle MACHADO Renato Senado vai instalar CPI sobre assédio eleitoral depois da eleição Brasília Folha de S Paulo 25 out 2022 Disponível em httpswww1folhauol combrmercado202210pachecodaavalparacpi sobreassedioeleitoralmas instalacaodeveficarparadepoisdas eleicoesshtml Acesso em 29 out 2023 BRASIL Congresso Nacional Projeto de Lei n 2735 de 2022 Acrescenta artigo à Lei nº 4737 de 15 de julho de 1965 Código Eleitoral para tipificar o assédio eleitoral no ambiente de trabalho Brasília DF 25 nov 2022 Disponível em httpswww25senado legbrwebatividademateriasmateria155054 Acesso em 29 out 2023 BRASIL Tribunal Superior do Trabalho TSTAg ERR 789 Rel Min Marco Aurélio Ac SDI 181089 Disponível em httpswwwconjurcombr2002jun 14telepar condenadapagar50milempregadopagina5 Acesso em 29 out 2023 CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO CJST Resolução n 355CSJT de 28 de abril de 2023 Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho caderno administrativo do Conselho Superior da Justiça do Trabalho Brasília DF n 3721 p 45 15 maio 2023 Disponível em httpshdlhandlenet2050012178215819 Acesso em 20 jun 2024 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília DF Presidência da República Disponível em httpwwwplanaltogovbr 166 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos ccivil03ConstituicaoConstituicaohtm Acesso em 29 out 2023 BRASIL DecretoLei no 5452 de 1º de maio de 1943 Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho Rio de Janeiro Presidência da República Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03DecretoLeiDel5452htm Acesso em 29 out 2023 BRASIL Lei no 13467 de 13 de julho de 2017 Altera a Consolidação das Leis do Trabalho CLT aprovada pelo DecretoLei no 5452 de 1º de maio de 1943 BRASIL Ministério Público do Trabalho MPT NOTA TÉCNICA COORDIGUALDADE nº 0012022 Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho Disponível em httpsmptmpbrpgtnoticiasntassedioeleitoralpdf Acesso em 5 jun 2024 DELGADO Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho 18 ed São Paulo LTr 2019 LEAL Vitor Nunes Coronelismo Enxada e Voto O Município e o Regime Representativo no Brasil 3 ed São Paulo Editora AlfaOmega 2012 LEITE Carlos Henrique Bezerra Curso de Direito do Trabalho 15 ed São Paulo SaraivaJur 2023 SHIRADO Nayana Assédio eleitoral no ambiente de trabalho a ingerência do empregador na escolha política do empregado Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas Manaus n 15 2015 p 11 FICHAMENTO ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Referência SANTOS Plinyo Paccioly Rodrigues Assédio eleitoral no ambiente de trabalho entre as eleições de 2024 e métodos de prevenção REDESP São Paulo SP v 8 n 1 p 153 166 janjun 2024 eISSN 25949519 1 Tema central do artigo O artigo analisa o assédio eleitoral nas relações de trabalho prática que vem se intensificando em períodos eleitorais e que representa uma reatualização do antigo voto de cabresto Através de ameaças coações ou promessas empregadores tentam influenciar o voto de seus empregados violando princípios constitucionais como a liberdade de escolha o voto secreto e a dignidade da pessoa humana A pesquisa revela que essa forma de manipulação política é uma ameaça real à democracia e aos direitos trabalhistas exigindo atenção jurídica e institucional 2 Objetivos da pesquisa O estudo busca demonstrar a existência do assédio eleitoral no ambiente de trabalho seus efeitos nas relações laborais e os riscos para a democracia Entre os objetivos estão conceituar o fenômeno discutir sua criminalização identificar medidas de prevenção e reparação e estimular o debate acadêmico e jurídico sobre o tema ainda pouco desenvolvido no Brasil 3 Metodologia A pesquisa é qualitativa e de base dedutiva com ênfase em revisão bibliográfica e documental O autor utiliza doutrinas legislações jurisprudências reportagens e documentos institucionais associando uma perspectiva histórica que remonta ao coronelismo com a análise jurídica atual O estudo também considera resoluções recentes como a do CSJT e dados de órgãos como o MPT e o TST 4 Principais pontos abordados a Do voto de cabresto ao assédio eleitoral moderno O artigo inicia sua análise resgatando uma prática histórica que infelizmente ainda encontra ecos no presente o voto de cabresto Essa forma de controle político era exercida pelas elites agrárias durante a Velha República período em que os chamados coronéis manipulavam as eleições com base no poder econômico e na influência social O trabalhador rural muitas vezes analfabeto e economicamente dependente votava sob imposição direta de seus superiores seja por medo por promessa de recompensa ou por coerção pura e simples No contexto atual apesar do avanço das instituições democráticas e da legislação eleitoral o que se observa é uma espécie de reedição dessa prática agora travestida de assédio eleitoral O empregador ocupando posição hierárquica superior passa a utilizar sua influência no ambiente de trabalho para direcionar o comportamento político de seus empregados reproduzindo em moldes modernos o velho coronelismo A promessa de benefícios ou pior o medo da perda do emprego passa a ser o novo curral eleitoral Assim o que era prática das oligarquias do campo hoje migra para os espaços urbanos e corporativos sendo necessário identificála e combatêla com rigor b Caracterização do assédio eleitoral nas relações de trabalho A partir da Resolução nº 3552023 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho CSJT o assédio eleitoral passa a ter um contorno mais normativo e técnico Essa norma define o fenômeno como qualquer conduta que envolva coação intimidação humilhação ou constrangimento que tenha por finalidade manipular ou influenciar a escolha política de um trabalhador ou trabalhadora seja no local de trabalho ou em situações diretamente ligadas à atividade profissional CSJT 2023 É importante frisar que a prática não exige um vínculo formal de emprego podendo ocorrer também em relações de trabalho mais amplas e precárias A pesquisadora Nayana Shirado 2015 p 11 por exemplo sustenta que o assédio eleitoral pode atingir tanto trabalhadores efetivos quanto temporários inclusive terceirizados ou vinculados a entidades públicas ou privadas O foco está na intenção do assediador impor ao trabalhador uma adesão política forçada seja por meio de ameaças chantagens ou pressões indiretas Essa caracterização reforça o entendimento de que o assédio eleitoral embora muitas vezes sutil e disfarçado configura grave violação aos direitos fundamentais como a liberdade de pensamento de associação política e de voto todos assegurados constitucionalmente BRASIL 1988 c Prevenção ao assédio eleitoral nas relações de emprego A prevenção nesse cenário aparece como ferramenta essencial para a manutenção de um ambiente laboral democrático e saudável O artigo propõe diversas estratégias que se adotadas de forma comprometida podem reduzir significativamente a ocorrência do assédio eleitoral Em primeiro lugar destacase a necessidade de políticas organizacionais claras públicas e acessíveis que delimitem o que é considerado assédio e quais as consequências previstas para quem praticálo Além disso os treinamentos periódicos voltados à conscientização sobre direitos políticos e trabalhistas contribuem para o empoderamento dos trabalhadores e para a construção de uma cultura corporativa baseada no respeito e na pluralidade Canais internos de denúncia anônima e sigilosa fortalecidos por programas de compliance eficazes funcionam como instrumentos de proteção e responsabilização dentro das empresas MPT 2022 Outro aspecto relevante é a neutralidade política nos ambientes empresariais devese proibir a veiculação de material de campanha a realização de comícios ou mesmo o uso da imagem institucional da empresa para fins partidários Tudo isso reforça o compromisso com a democracia e afasta a ingerência indevida sobre as convicções pessoais dos empregados d Responsabilização jurídica e reparação dos danos A responsabilização do empregador que pratica assédio eleitoral pode se dar em várias esferas Na seara trabalhista o art 483 da Consolidação das Leis do Trabalho CLT permite que o empregado diante de conduta abusiva e lesiva por parte do empregador pleiteie a rescisão indireta do contrato de trabalho Nessa hipótese o trabalhador poderá sair da empresa sem prejuízo de seus direitos como se fosse demitido sem justa causa BRASIL 1943 No campo penal o Código Eleitoral Lei nº 47371965 tipifica condutas de coação eleitoral sujeitando o infrator a penas de reclusão e multa conforme os artigos 299 a 301 Já na esfera cível é possível pleitear reparação por danos morais individuais e coletivos principalmente quando há repercussão social ou institucional da prática Importante destacar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho TST que tem reconhecido a demissão motivada por convicções políticas como abusiva determinando inclusive a reintegração de trabalhadores demitidos por razões ideológicas Em um caso emblemático o TST entendeu que a liberdade política é atributo da cidadania e que o exercício do poder diretivo pelo empregador não pode violar essa garantia constitucional TSTAg ERR 789 5 Conclusão Ao final do estudo o autor alerta para um problema que transcende as relações trabalhistas o enfraquecimento da democracia por meio de práticas de assédio eleitoral Tal conduta quando tolerada não apenas subverte os princípios constitucionais de liberdade e igualdade como aprofunda as desigualdades sociais e institucionais já existentes O assédio eleitoral retira do trabalhador o direito de exercer sua cidadania plena e o reduz a uma peça subordinada no jogo político do poder econômico A ausência de normatização específica e a tímida atuação preventiva de parte das instituições públicas ainda contribuem para a persistência e naturalização desse tipo de abuso O autor enfatiza que o aumento das denúncias em 2022 é um sinal claro de que o problema não é pontual mas estrutural Para as eleições de 2024 tornase urgente fortalecer canais de denúncia capacitar empregadores e empregados e implementar políticas internas sólidas que preservem a neutralidade política no ambiente corporativo Nesse cenário é preciso garantir que o trabalhador se sinta acolhido respeitado e seguro para manifestar sua posição política sem medo de retaliações Afinal a liberdade de escolha e o voto secreto não são apenas garantias legais são conquistas históricas da civilização democrática

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Atividades - Questões Oab

20

Atividades - Questões Oab

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Questões Oab Direito Eleitoral

18

Questões Oab Direito Eleitoral

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Questões Oab

11

Questões Oab

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Captação Ilícita de Sufrágio - Guia Completo e Definições Essenciais

12

Captação Ilícita de Sufrágio - Guia Completo e Definições Essenciais

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Direito Eleitoral - 10 Questões Comentadas para Concursos e Exames OAB

9

Direito Eleitoral - 10 Questões Comentadas para Concursos e Exames OAB

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Análise Jurídica: Criação de Partido Político, Elegibilidade e Ameaças ao STF

7

Análise Jurídica: Criação de Partido Político, Elegibilidade e Ameaças ao STF

Direito Eleitoral

MACKENZIE

10 Questoes Objetivas com as Respectivas Justificativas

18

10 Questoes Objetivas com as Respectivas Justificativas

Direito Eleitoral

MACKENZIE

Direito Eleitoral - Análise do Tema 564 do STF sobre Prefeito Itinerante

6

Direito Eleitoral - Análise do Tema 564 do STF sobre Prefeito Itinerante

Direito Eleitoral

UNIBRASIL

Atividade Dir Eleitoral - Princípios Eleitorais

17

Atividade Dir Eleitoral - Princípios Eleitorais

Direito Eleitoral

UMG

Provas Direito Eleitoral

11

Provas Direito Eleitoral

Direito Eleitoral

UNC

Texto de pré-visualização

78 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA POLITICAL RIGHTS AND DISINFORMATION IN THE ELECTORAL PROCESS AN ANALYSIS OF THE CHALLENGES OF DEMOCRACY Hianka Bárbara Silva Santos1 Artigo recebido em 14 de maio e aprovado em 18 de outubro de 2024 RESUMO Este estudo tem o objetivo de abordar o fenômeno das fake news e suas im plicações ao processo eleitoral em relação ao exercício dos direitos políticos e aos seus reflexos na democracia A análise exigiu a compreensão dos aspectos sociais e tecnológicos associados à disseminação de fake news e seus elementos facilitadores Para tanto utilizase de pesquisa bibliográfica por meio de livros artigos científicos revistas e dissertações Analisarseá que a disseminação de notícias falsas no processo eleitoral interfere no exercício dos direitos políticos tanto ativos quanto passivos comprometendo a compreensão esclarecida e a participação política igualitária necessária às democracias funcionando ainda como uma estratégia antidemocrática Palavraschave Fake news direitos políticos processo eleitoral democracia ABSTRACT This study aims to address the phenomenon of fake news and its implications for the electoral process in relation to the exercise of political rights and its effects on democracy The analysis required understanding the social and technologi cal aspects associated with the dissemination of fake news and its facilitating elements To this end bibliographical research is used through books scientific articles magazines and dissertations It will be analyzed that the dissemination of fake news in the electoral process interferes with the exercise of both active and passive political rights compromising enlightened understanding and equal 1 Advogada e graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia 2022 79 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA political participation necessary for democracies and also functioning as an antidemocratic strategy Keywords Fake news political rights electoral process democracy Sumário 1 Introdução 2 Aspectos sociais e tecnológicos associados à disse minação de fake news 3 O fenômeno das fake news e suas implica ções no processo eleitoral 4 Reflexos da disseminação de fake news no exercício dos direitos políticos e na democracia 41 Fake news e entendimento esclarecido 42 Fake news e o controle do programa de planejamento 43 Fake news e a participação efetiva 44 Fake news e plena inclusão 5 Considerações finais Referências 1 INTRODUÇÃO As fake news estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano principal mente quando o assunto são as eleições e o processo eleitoral No entanto o uso de boatos durante as campanhas eleitorais não é fenômeno recente sendo intensificado com a dinamização dos meios de comunicação principalmente através da internet Nesse contexto as plataformas digitais se tornaram durante as campanhas eleitorais um espaço importante tanto como fonte de informa ção para os cidadãos quanto para a interação entre representantes políticos e eleitores Esse novo cenário de comunicação proporcionado pela internet impactou a forma como a informação é produzida e consumida tornandoa mais objetiva assim como permitiu a ascensão das mídias sociais como fonte de informação gerando impactos significativos na vida dos brasileiros Esse papel atribuído às mídias sociais é preocupante pois nesse ambiente há um grande volume de cir culação de informações falsas eou enganosas e de fácil acesso que contribuem para uma cultura da desinformação e a consequente dificuldade de discernir um conteúdo falso do verdadeiro representando uma ruptura na busca pela verdade A cultura da desinformação com a disseminação ampla de informações falsas resulta na banalização da verdade e na intensificação da pósverdade compon do um ambiente no qual as informações são veiculadas com mais preocupação quanto ao impacto emocional do que em relação ao compromisso com a verdade 80 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Isso propicia a manipulação de discursos e informações factuais com potencial de influenciar o pensamento e visões de mundo da população apresentandose como um problema às democracias incluindo a brasileira A disseminação de notícias falsas impacta diversos setores da sociedade como política saúde e segurança pública afetando grupos minoritários especialmen te as mulheres Essa cultura da desinformação principalmente no contexto eleitoral cria uma nova dinâmica do debate da política nacional com o embate de narrativas constituindose em uma ferramenta poderosa para influenciar as massas Essa influência generalizada acarreta reflexos na democracia e por consequência no próprio fundamento democrático que depende de debates públicos que permitam aos cidadãos se manifestarem e formarem suas opiniões com base em informações verdadeiras É nesse contexto que a proliferação desenfreada de informações falsas e ou enganosas ganha contornos perigosos Ela remonta à estratégia utilizada por regimes autoritários e antidemocráticos durante o século XX que faziam uso da mentira para manipular a população criando uma desconexão entre o discurso e a realidade objetiva através da repetição de discursos retóricos sem qualquer intenção de corresponder à verdade Sustentados por preconceitos e ideias conspiratórias essa retórica corrompe sistematicamente a capacidade argumentativa e crítica da população de compreender a realidade e de questio nar suas crenças preexistentes Assim a história deve nos alertar para os efeitos que o uso de discursos mentirosos produzem sobre um povo e seu poder de manipulação representando uma ameaça à democracia Logo é justamente nesse contexto de falta de discernimento sobre a ver dade dos fatos e a realidade propagada pelas informações falsas que reside o problema da circulação de desinformação no processo eleitoral Desinformação que interfere na liberdade de escolha dos eleitores que baseiam suas decisões políticas em informações de conteúdo falso disseminadas com o intuito de con fundir ou enganar conforme interesse dos atores políticos além de impactar a disputa eleitoral Neste artigo serão abordadas as implicações do fenômeno das fake news so bre o exercício dos direitos políticos e a democracia Para isso será necessário compreender os aspectos sociais e tecnológicos associados à disseminação des sas informações falsas eou distorcidas além de como o uso de fake news como estratégia eleitoral pode influenciar no jogo político podendo configurar uma estratégia antidemocrática A metodologia adotada será a pesquisa qualitativa utilizando o método dedutivo ou racional com base em pesquisa bibliográfica e análise de notícias e reportagens que servirão como fontes Por fim serão 81 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA analisadas as consequências que um ambiente permeado pela propagação e circulação de fake news exerce em relação ao exercício dos direitos políticos no processo eleitoral à luz da perspectiva dos critérios democráticos estabelecidos por Robert Dahl 2001 2 ASPECTOS SOCIAIS E TECNOLÓGICOS ASSOCIADOS À DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS A sociedade é um ecossistema frágil Confunda as pessoas com as mentiras certas e elas ficarão cegas para a loucura bem diante dos seus olhos2 O termo fake news é empregado popularmente para referir a veiculação de notícias falsas que é a tradução literal para a expressão Contudo os autores Claire Wardle e Hossein Derakhshan ao escreverem o artigo Ban the term fake news explicam que o termo simplifica um problema muito mais complexo não sendo capaz de abarcar a complexidade dos diferentes tipos de desinformação O termo também vem sendo comumente utilizado para descrever qualquer informação que uma pessoa não goste se tornando uma arma para políticos minarem o jornalismo em um esforço para que o público utilize canais diretos para se comunicar com os atores políticos Wardle Derakhshan 2017 De acordo com Faustino 2019 p 94 o conceito de fake news emerge do conceito mais amplo de pósverdade relativo a manipulação ou alteração do sentido real dos fatos e mascarando isso na forma de notícia ou informação transformando a mentira em uma falsa verdade Portanto para entender como a cultura da desinformação se tornou um fenômeno recorrente na sociedade atual esta pesquisa considera importante compreender o contexto sociopolíti co atual no qual as pessoas se relacionam com a informação e a verdade que se dá no contexto da pósverdade O autor explica que o contexto da pósverdade é o que sustenta a possibi lidade de surgimento das fake news uma vez que esse contexto evidencia não mais a importância dos discursos com a concepção de verdade mas sim com o interesse que está por trás da informação ou notícia legitimando narrativas que viabilizam a publicação ou propagação de notícia falsa Faustino 2019 p 99 Segundo o dicionário de Oxford pósverdade posttruth foi considerada a palavra do ano em 2016 sendo definida como as circunstâncias nas quais as pessoas respondem mais a sentimentos e crenças do que a fatos Oxford 2 Série Twilight Zone disponível na plataforma Amazon 82 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 2016 Tal concepção indica que a assimilação da informação pela sociedade ocorre mais pelo sentimento que ela promove do que necessariamente pelo compromisso com a verdade uma vez que os indivíduos estão interessados na proliferação de visões ou de explicações que corroborem com a sua própria interpretação de mundo e não se os discursos são verdadeiros ou passíveis de verificação Prior 2019 p 90 Braga 2018 p 211 afirma que este fenômeno social é denominado pelos psicólogos como viés de confirmação referindose à propensão de buscar ou dar maior atenção e interpretar as informações que ratifiquem as concepções individuais do intérprete Essa análise psicológica mostra que a crença seja em uma ideia religião ou política tende a substituir a argumentação racional baseada em fatos Por essa razão quando alguém é confrontado por informa ções que não corroborem com sua visão de mundo as possibilidades de aceitar a nova informação como fato mudar a sua opinião e questionar seu próprio sistema de crenças são baixas Perosa 2017 Faustino 2019 afirma que a propensão do comportamento humano à disseminação de informações falsas não é uma manifestação recente Tal comportamento referese à habilidade intrínseca do ser humano de acreditar em informações que não se baseiam na realidade mas que dizem respeito a uma crença além de inventar e disseminar ficções e de convencer outros seres humanos a acreditar nelas Santaella 2018 No entanto DAncona 2018 afirma que a novidade trazida pelo contexto da pósverdade está na resposta do público na perda da verdade como prio ridade nas discussões públicas evidenciado pelo papel que as narrativas têm desempenhado em detrimento dos fatos sobre os aspectos políticos e sociais Isso proporcionado pelo cenário da digitalização e da conexão global no qual a emoção assume importância no discurso comunicativo em detrimento da ver dade O autor também enfatiza que a pósverdade não é sinônimo de mentira mas representa o declínio do valor da verdade Essa degradação do valor da verdade se baseia no que Faustino 2019 chamou de sociedade da simulação A sociedade da simulação é um sintoma proveniente de uma cibercultura em que predomina uma combinação de tecnologia encantamento e transformação ace lerada da sociedade Esse encantamento promove um maior descompromisso com conceitos estáticos como a verdade facilitando a indiferença em relação a ela e de certa forma permitindo a circulação de mentiras Além da depreciação do valor da verdade a desintegração do monopólio da comunicação de massa é apontada por Saba 2021 p 31 como o fenômeno estrutural que proporciona que as redes sociais sejam o ambiente ideal para 83 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA disseminação de informações falsas uma vez que permite a circulação de infor mações sem qualquer controle ou com controle mínimo que pode ser utilizada pelas pessoas não apenas como fonte de informação mas também de produção de informação massificada e policêntrica Para Moura 2019 p 1425 essa descentralização da comunicação destaca o papel central que as mídias sociais desempenham atualmente especialmente com o amplo uso das redes sociais nas campanhas eleitorais tornandoas uma ferramenta poderosa de comunicação e organização política Essa dinâmica promove uma nova forma de debate político nas plataformas digitais onde a distinção entre verdade e mentira se torna menos relevante e os argumentos perdem importância dando lugar ao embate de narrativas A dificuldade de se identificar a verdade ou mentira sobre determinada informação reside justa mente na repetição de informações de forma reiterada e rápida o que confere à mensagem a característica de familiaridade e leva o indivíduo a aceitar certos conteúdos como verdadeiros como afirma Mello 2020 p 18 Nesse ponto a forma como lidamos atualmente com a informação no am biente digital e o contexto informacional no qual estamos inseridos passaram a influenciar na nossa construção da realidade e do pensamento e não ocorre diferente no âmbito político A mensagem é cada vez mais simples e visa mais o impacto por meio da comunicação de massa através da internet tornando o debate político cada vez mais emocional Castells 2018 Por outro lado mesmo que haja responsabilização dos disseminadores e remoção do conteúdo pelas plataformas a rápida circulação de notícias frau dulentas nas mídias sociais associada ao fenômeno da pósverdade intensifica e legitima essas informações ainda que inverídicas fazendo surgir uma relação efêmera com a verdade fatos e até mesmo com a credibilidade da fonte Outro fator que influencia e favorece a disseminação de informações falsas é o ambiente de polarização política que divide a sociedade em grupos Braga 2018 Para o autor um ambiente politicamente polarizado marcado por gran des divergências e posições controversas favorece a circulação de notícias que promovem críticas e preconceitos de um grupo contra o outro O sentimento de hostilidade gerado pelas diferenças políticas extremistas é influenciado e intensificado pelas mídias devido à forma como a sociedade passou a consumir a informação por meio de notícias personalizadas direcionadas aos usuários com o objetivo de confirmar as preferências políticas de determinado grupo excluindo as demais Santaella 2018 Esse clima de polarização política em que as opiniões contrárias são rejeitadas e a pluralidade de ideias não é vista como positiva o indivíduo tende a aceitar informações que confirmam as suas crenças e concepções favorecendo a circulação de desinformação Braga 2018 84 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos A comunicação digital baseada no uso de mídias sociais e na personalização de conteúdo tende a criar bolhas ideológicas e facilitar a disseminação de fake news especialmente em contextos de disputas eleitorais reforçando a polariza ção política Dourado 2020 Isso ocorre devido às câmaras de eco DAncona 2018 p 52 ou molduras ideológicas também chamadas de bolhas que segun do Santaella 2018 p 4 consistem em um ecossistema individual e coletivo de informação viciada na repetição de crenças inamovíveis Esses filtros de acordo com DAncona 2018 são resultado da personalização das atividades que os usuários realizam na internet as quais são monitoradas pela grande máquina social invisível Essa máquina utiliza os dados coletados cli ques interações postagens compras e buscas para interesses mercadológicos e políticos direcionandonos para conteúdos que nos agradam e para grupos semelhantes resultando no reforço de opiniões semelhantes e na disseminação de mentiras incontestadas Consequentemente a personalização de filtros seja por meio de algoritmos ou outros mecanismos coloca o indivíduo em contato com uma visão unilateral mesmo dentro de um ambiente politicamente mais amplo e diverso Isso limita a visão de mundo do usuário impedindoo de ter contato com novas ideias e informações relevantes deixandoo mal informado e vulnerável a interesses políticos escusos Santaella 2018 A autora ainda enfatiza que a unilateralidade de uma visão acaba por gerar crenças fixas amortecidas por hábitos inflexíveis de pensamento que dão abrigo à formação de seitas cegas a tudo aquilo que está fora da bolha cir cundante Isso acaba por minar qualquer discurso cívico tornando as pessoas mais vulneráveis a propagandas e manipulações devido à confirmação preconceituosa de suas crenças Santaella 2018 p 7 Essas bolhas fortalecem uma visão de mundo através da repetição de infor mações que sustentam determinadas narrativas unindo pessoas contra inimigos em comum e colocando em risco a cultura de tolerância e dissenso elementos fundamentais para a formação de uma opinião pública democrática Saba 2021 Com isso o debate público essencial à democracia é prejudicado uma vez que os usuários são afastados de ideias e informações relevantes criandose uma forma de manipulação Santaella 2018 Essa atmosfera caótica atravessada por profunda polarização política e alinhada aos fenômenos da pósverdade associada a fatores tecnológicos e comportamentais da sociedade atual cria tempos de crise e aparente anomia Moura 2019 p 70 Isso provoca o retorno de conceitos anteriormente aban 85 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA donados que ganham nova roupagem e passam a ser considerados defensáveis constituindo o ambiente ideal para o favorecimento do processo de desinfor mação 3 O FENÔMENO DAS FAKE NEWS E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO ELEI TORAL As campanhas eleitorais passaram por modificações para se adequar à atual comunicação política Antes divididas em segmentos como rua TV e digital as campanhas políticas passaram a se estruturar de forma mais eficiente o conteúdo gravado nas ruas pode ser utilizado na TV no rádio nas redes sociais e até compartilhado via Whatsapp Moura 2019 Nesse contexto as redes sociais ganharam notoriedade com sua populari zação e têm sido usadas como ferramenta de marketing eleitoral tanto para comunicação direta com os eleitores quanto para a divulgação de informações Por outro lado elas permitem que mecanismos de adulteração de informações possibilitados pelo ciberespaço sejam usados para comprometer a integridade da informação pública e dificultar a detecção das fontes de desinformação o que se torna um aspecto crítico durante as campanhas eleitorais Além disso os próprios usuários contribuem para a disseminação da desinformação que tende a se propagar mais rapidamente nas redes sociais devido à prática de compartilhar informações sem verificação aumentando o risco de distribuição indiscriminada de conteúdo falso Comissão Europeia 2018 Em pesquisa realizada pelo Ideia Big Data no Brasil em 2019 evidenciase que 67 dos entrevistados afirmaram ter recebido fake news durante a campanha eleitoral de 2018 enquanto apenas 22 verificam a veracidade das notícias antes de compartilhar O estudo também revelou que 52 confiam em notícias enviadas por familiares em mídias sociais e 43 confiam naquelas enviadas por amigos demonstrando que informações provenientes de fontes com as quais o indivíduo se identifica tendem a ser consideradas mais confiáveis3 Outra pesquisa realizada pelo DataSenado em 2019 mostrou que 76 dos cidadãos com ensino fundamental acreditam que as redes sociais influenciam a opinião pública esse percentual sobe para 90 entre aqueles com ensino superior O estudo também constatou que 79 dos entrevistados afirmam usar o Whatsapp regularmente enquanto 50 recorrem sempre à televisão e 49 se informam pelo Youtube seguido pelo Facebook 44 plataformas de notícias 3 Disponível em httpswww1folhauolcombrpoder2019052emcada3receberam fakenewsnasultimaseleicoesapontapesquisashtml Acesso em 1 nov 2022 86 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 38 e rádio 22 Os jornais são utilizados como fontes por apenas 8 dos entrevistados ficando à frente apenas do X exTwitter 7 Senado Federal 2019 Esses dados são importantes pois evidenciam que a população tem bus cado cada vez mais fontes alternativas de comunicação e confiado nelas como veículos idôneos de informação formando sua opinião a partir das informações recebidas pelas mídias sociais Wardle Derakhshan 2017 Dessa forma a comunicação política no meio digital tornouse um veículo no qual políticos exploram estrategicamente a circulação de notícias e narrativas proporcionadas pelas redes sociais e aplicativos de mensagens privadas com o objetivo de manipular os processos eleitorais Saba 2019 Esse caráter manipu lativo da disseminação de informações falsas pode ser exemplificado pela utili zação de fake news para enaltecer ou minar um adversário político de modo que a desinformação pode assumir objetivos e motivações de propaganda política apesar de assumir formatos similares aos dos meios de comunicação noticiosos ou à propaganda políticopartidária oficial Ferreira 2019 p 94 Nesse sentido conforme retratado por Santaella 2018 a campanha eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos e o plebiscito sobre o Brexit4 foram mar cados pela massiva disseminação de notícias falsas criando uma perspectiva política focada no reforço de preconceitos e disseminação de ódio contra grupos marginalizados como imigrantes negros e mulheres No Brasil a situação não difere das democracias ao redor do mundo Em en trevista à Conectas Nina Santos diretora do Aláfia Lab laboratório de pesquisa baiano discutiu os impactos da desinformação na democracia e em grupos historicamente vulnerabilizados A diretora afirmou que a desinformação e os discursos de ódio são fenômenos que se intensificam com o surgimento do ambiente digital e têm uma conexão profunda com a realidade social atual Ela ressaltou que esses fenômenos não geram por si mesmos novas questões so ciais mas interagem com problemas já existentes na sociedade ampliandoos e transformandoos como ocorre com a misoginia o racismo entre outros Para ela a desinformação afeta a própria possibilidade ou habilidade das pessoas especialmente mulheres e pessoas negras de estarem em espaços sociais sejam espaços de poder espaços políticos disputar eleições Conectas 2024 Nesse sentido ao discutir sobre a verdade e a política Hannah Arendt 2016 afirma que na sociedade contemporânea a distinção entre o que é ou não é mentira não é evidente devido às novas técnicas de comunicação e à inserção 4 Brexit é uma abreviação para a expressão Britain exit que significa saída britânica referente ao processo de saída da GrãBretanha do bloco econômico e político da União Europeia iniciado em 2017 87 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA de novos atores nos sistemas políticos Isso resulta em formas de manipulação da opinião observadas no contexto atual da sociedade ocorrendo por diversos mecanismos especialmente por meio da produção de desinformação como explica Kakutani 2018 p 111 Inundando o público com informações produzindo distrações para diluir a atenção e o foco deslegitimando a imprensa que fornece informações corretas semeando a confusão o medo e a dúvida deliberadamente criando rumores ou alegando que determinadas informações são boatos e incitando campanhas persecutórias destinadas a dificultar o funcionamento de canais confiáveis de informação A estratégia política portanto envolve a criação de um fluxo contínuo de mentiras escândalos e confusões com o objetivo de gerar desinformação Kaku tani 2018 p 110 explica que esse fluxo tende a sobrecarregar e confundir as pessoas fazendo com que comportamentos desviantes pareçam menos graves e normalizando o inaceitável A indignação assim é substituída pela exaustão o que leva a um cinismo e fadiga que fortalecem aqueles que espalham as mentiras Esse fenômeno promove a destruição da verdade factual na medida em que gera o apagamento entre os limites da verdade e da opinião De acordo com Arendt 2016 embora fatos e verdades possam ser tidos separadamente não são opostos Os fatos podem ser contados a partir de uma narrativa ou interpre tação no entanto não podemos admitir que a história possa ser escrita de forma a manipular os fatos desrespeitandose a verdade factual Santaella 2018 p 50 aponta que a busca pela verdade factual não implica em negar a possibilidade de uma opinião imparcial competente e representativa Na verdade para evitar fanatismos a política precisa basear suas decisões em fatos Isso não significa que a verdade factual deva ser imparcial mas em um sistema democrático onde a liberdade de expressão prevalece a liberdade de opinião é uma farsa Arendt 2016 p 309 se não houver acesso à informação factual e aos próprios fatos garantida pelas instituições democráticas tais como a imprensa as universidades e um judiciário independente Arendt 2016 Dessa forma a problemática da circulação de informações falsas consiste na manipulação dos fatos o que promove a degradação da verdade e torna a verdade factual mais vulnerável à influência do poder Arendt 2016 com o consequente apagamento dos limites entre verdade e opinião que a longo prazo resultam em uma espécie de lavagem cerebral Arendt 2016 p 333 na qual ocorre uma recusa em acreditar na verdade por mais consolidada que ela seja 88 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Nesse sentido a autora afirma O resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade e a verdade ser difamada como mentira porém um processo de destruição do sentido mediante o qual nos orientamos no mundo real incluindose entre os meios mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e falsidade Arendt 2016 p 333 Por isso o apagamento ou dificuldade de discernimento entre a verdade e a mentira não reside apenas no fato de um grupo de pessoas se empenhar na mentira organizada mas na perda da capacidade de distinguir entre ambos E isso é grave pois resulta na perda da capacidade de compreensão e julgamento tornando a propagação de informações falsas um instrumento de destruição do sentido pelo qual nos orientamos na medida em que promove a deterioração da verdade factual e do discurso político que possui uma estrutura dialógica característico da esfera pública fomentando a dominação e o risco do retorno ao autoritarismo provocando o fim do diálogo e configurando como uma estra tégia antipolítica Arendt 2016 Esse desaparecimento do diálogo próprio do campo político faz emergir uma comunicação que se assemelha ao efeito das propagandas de massa totalitárias Como explica a autora Num mundo incompreensível e em perpétua mudança as massas haviam chegado a um ponto em que ao mesmo tempo acreditavam em tudo e em nada julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior por mais absurdo que fosse sem objetar contra o fato de ser enganado uma vez que acha va que toda afirmação afinal de contas não passava de mentira Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no pressuposto psi cológico correto de que em tais condições era possível fazer com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em determinado dia na certeza de que se recebessem no dia seguinte a prova irrefutável da sua inverdade apelariam para o cinismo O que convence as massas não são os fatos mesmo que sejam fatos inventados mas apenas a coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte Arendt 2013 p 428429 p 455 O interesse na propagação de fake news reside então justamente na produ ção de ignorância pela produção massiva de conhecimentos sabidamente falsos pelos seus criadores com o intuito de bloquear o conteúdo verdadeiro a partir 89 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA do qual seria possível superar a ignorância conforme descreve Boaventura de Sousa Santos 2019 Portanto a utilização de fake news como ferramenta eleitoral configurase como uma estratégia antipolítica pois prejudica o debate público ao promover a degradação da verdade factual por meio da manipulação dos fatos com a finalidade de confundir e enganar o cidadão para obter vantagens ou interes ses políticos e consequentemente mitigar o direito de escolha e participação política o que impacta no controle sobre decisões relevantes como as eleições Saba 2021 4 REFLEXOS DA DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS NO EXERCÍCIO DOS DIREI TOS POLÍTICOS E NA DEMOCRACIA O processo eleitoral constitui o espaço em que são concretizados os direitos políticos fundamentais ativos e passivos Tratase de fenômeno coparticipa tivo em prol da efetivação da soberania popular e da concretização do direito fundamental ao sufrágio bem como do regime democrático Gomes 2022 Para além do sentido amplo como espaço concretizador de direitos políti cos o processo eleitoral também consiste em um instrumento de controle da normalidade e legitimidade das eleições assim como um sistema de regras e princípios que devem estar alinhados aos valores e direitos fundamentais pre vistos na Constituição Federal regulando as normas do jogo democrático Para que o processo eleitoral seja democrático é necessário garantir a competição entre todas as forças políticas especialmente as minoritárias e assegurar que a disputa ocorra de forma livre justa e em igualdade de condições princípio da paridade de armas garantindo eleições autênticas e legítimas Assim qualquer ataque ou circunstância que comprometa a proteção desse processo coloca em risco o resultado das eleições Gomes 2022 Dessa forma para entender os reflexos do uso da fake news no exercício dos direitos políticos é necessário entender as suas implicações sobre o processo eleitoral o que demanda a adoção de um modelo teórico de democracia que possa funcionar como horizonte epistemológico na medida que se permita adotar um conceito de democracia para a abordar a problematização da relação complexa entre direitos políticos e processo eleitoral em tempos de fake news Isto porque os elementos da relação acima referida se constituem no núcleo fundamental do regime político Para tanto será utilizado o conceito de demo cracia na visão do cientista político Robert Dahl 2001 a fim de mapear seus elementos e compreender as repercussões das fake news 90 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos Para Dahl 2001 existem cinco critérios que devem ser observados pelo processo de escolha para que seja considerado democrático e para que os cida dãos sejam igualmente capacitados a participar das decisões políticas São eles 1 participação efetiva 2 igualdade de voto 3 entendimento esclarecido 4 controle do programa de planejamento e 5 inclusão dos adultos Dahl 2001 p 49 A participação efetiva corresponde à ideia de igualdade de oportunidades dos membros para emitirem suas opiniões e oportunizar aos demais membros conhecêlas antes do processo de escolha da política Já o critério da igualdade de voto garante que no momento da decisão acerca da política escolhida todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos os votos devem ter valores iguais Dahl 2001 p 49 O requisito do entendimento esclarecido pressupõe a ideia de que cada membro observada as limitações existentes tenha oportunidades iguais de co nhecer aprender e discutir sobre as políticas alternativas e suas consequências para garantir que os membros estejam igualmente qualificados para participar das decisões Dahl 2001 Por sua vez o controle do programa de planejamento prevê a prerrogativa de que os membros terão oportunidade exclusiva para decidir como e se preferi rem quais as questões que devem ser colocadas no planejamento O exercício dessa prerrogativa visa impedir que uma pequena parcela dos membros atente contra a igualdade política consubstanciada pelos três primeiros critérios de modo que o controle final permaneça nas mãos dos associados Dahl 2001 p 49 E por fim a inclusão dos adultos que visa garantir que ninguém seja exclu ído da participação das decisões políticas De outro modo o autor elenca as instituições indispensáveis da democra cia representativa necessárias para se alcançar a democracia verdadeira que correspondem a exigências mínimas que um país democrático deve satisfazer Dahl 2001 São elas funcionários eleitos eleições livres justas e frequentes liberdade de expressão fontes de informação diversificadas autonomia para as associações e cidadania inclusiva5 De acordo com Dahl 2001 todas essas 5 Funcionários eleitos O controle das decisões do governo sobre a política é investido constitucionalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos Eleições livres justas e frequentes Funcionários eleitos são escolhidos em eleições frequentes e justas em que a coerção é relativamente incomum Liberdade de expressão Os cidadãos têm o direito de se expressar sem o risco de sérias punições em questões políticas amplamente definidas incluindo a crítica aos funcionários o governo o regime a ordem socioeconômica e a ideologia prevalecente 91 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA instituições são fundamentais para que um sistema seja considerado uma de mocracia em grande escala Para satisfazer o critério de controle do programa é necessário que sejam eleitos os funcionários mais importantes sendo substituídos nas eleições se guintes respeitandose a igualdade de voto para que assim todos possam par ticipar efetivamente do controle das decisões e da mesma maneira o programa corresponda aos desejos e necessidades do povo Para sustentar o requisito da igualdade de voto é necessário que se tenha eleições livres e justas isto é que os cidadãos possam votar sem medo de repres são e que os votos tenham valor igual Não obstante eleições livres requerem eleições periódicas para que os cidadãos tenham controle sobre o planejamento bem como um sistema de votação justo A liberdade de expressão visa garantir que os cidadãos participem efetiva mente da vida política e influenciem no programa de decisões do governo e para isso é necessário que tenham o direito de manifestar as suas opiniões e também o de ouvir as opiniões alheias além de questionálas especialmente candidatos políticos e de obter informações de pessoas cujas opiniões confiem Dahl 2001 Nesse sentido Dahl 2001 p 111 assevera que a liberdade de expressão é essencial às democracias já que cidadãos silenciosos podem constituir um ele mento propício a governos autoritários Dessa forma o exercício da liberdade de expressão exige o conhecimento de fontes de informação alternativas e in dependentes para garantir o entendimento esclarecido O acesso à informação é o critério básico para que se tenha participação efetiva e influência no plane Fontes de informação diversificadas Os cidadãos têm o direito de buscar fontes de informação diversificadas e independentes de outros cidadãos especialistas jornais revistas livros telecomunicações e afins Autonomia para as associações Para obter seus vários direitos até mesmo os necessários para o funcionamento eficaz das instituições políticas democráticas os cidadãos também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente independentes como também partidos políticos e grupos de interesses Cidadania inclusiva A nenhum adulto com residência permanente no país e sujeito a suas leis podem ser negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às cinco instituições políticas anteriormente listadas Entre esses direitos estão o direito de votar para a escolha dos funcionários em eleições livres e justas de se candidatar para os postos eletivos de livre expressão de formar e participar organizações políticas independentes de ter acesso a fontes de informação independentes e de ter direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala Dahl 2001 p99100 grifo nosso 92 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos jamento de governo Por isso deve ser garantido o acesso a diversas fontes que essas fontes não sejam controladas pelo governo ou estejam sob o monopólio de um determinado grupo ou ponto de vista Dahl 2001 Por conseguinte a democracia exige associações independentes para pro porcionar aos cidadãos informações e oportunidades para discutir e deliberar a fim de assegurar o controle das decisões do programa Também garante a possibilidade de os cidadãos se reunirem em partidos políticos ou associações a fim de que participem efetivamente do processo de decisão Dahl 2001 Desse modo essas instituições políticas precisam ser reforçadas e consoli dadas para que se alcance a democracia representativa moderna democracia poliárquica exigindo a participação de todos os cidadãos sem exclusão para garantir a cidadania inclusiva Dahl 2001 Nessa linha os direitos políticos podem sofrer interferência em decorrência das implicações das fake news no processo eleitoral uma vez que representam uma contaminação de desinformação na opinião pública capaz de causar um prejuízo É o que passaremos a tratar analisando em que medida a disseminação das fake news podem afetar o exercício dos direitos políticos à luz dos critérios democráticos de Dahl 2001 41 Fake news e entendimento esclarecido Como visto anteriormente o critério do entendimento esclarecido visa que cada cidadão possa ter oportunidades iguais e efetivas de conhecer e discutir as políticas alternativas e suas possíveis consequências Para tanto devem ser asseguradas fontes de informações confiáveis e diversificadas a liberdade de expressão e a possibilidade de todos participarem do processo Dessa forma entendese que o critério do entendimento esclarecido está sendo afetado direta ou indiretamente pela desinformação no processo eleitoral uma vez que as fake news podem levar os cidadãos a escolherem os candidatos sem de fato terem tido oportunidade de discutir e conhecer as políticas alter nativas e as prováveis consequências Em vista da deturpação da informação necessária a formação do conhecimento do eleitor Nesse sentido destaca Kakutani 2018 p 133 Sem fatos consensuais não fatos republicanos nem fatos demo cráticos não os fatos alternativos do mundo repleto de bolhas de 93 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA hoje não há a possibilidade de um debate racional sobre políticas nem meios substanciais para avaliar candidatos a cargos políticos ou para exigir que governantes eleitos tenham que prestar contas ao povo Sem verdade a democracia é tolhida A manipulação da informação factual tolhe a capacidade dos cidadãos de tomar decisões bem informadas na medida em que compromete o esclareci mento de que necessitam obtido por meio do acesso a informações claras e verdadeiras essencial às democracias para exercer a escolha dos seus candida tos Por conseguinte a contaminação da informação por um ponto de vista ou monopolizada por um grupo promovida pela segregação ideológica das bolhas mitiga a instituição das fontes alternativas de informação já que a informação é adquirida de fonte única sem questionamento ou discussões Em pesquisa recente do Instituto DataSenado os entrevistados quando questionados sobre as razões para a disseminação de fake news 31 dos en trevistados afirmaram que as pessoas compartilham esse tipo de notícia com a intenção de mudar a opinião dos outros Já 30 acreditam que as notícias falsas são compartilhadas por falta de conhecimento sobre sua veracidade Senado Federal 2024 Esses dados demonstram o prejuízo trazido pela desinformação à sociedade já que evidencia a ausência de conhecimento por parte da população de informações relevantes ao desenvolvimento de um pensamento crítico e bem informado para tomar decisões políticas Em vista disso caso os eleitores recebam informações distorcidas e engano sas podem orientar seu voto na escolha de candidatos que não correspondam com os seus reais anseios e preferências o que acarreta sérios custos sociais ao longo do tempo Saba 2021 Tal implicação também mina a possibilidade de eleições livres e justas já que compromete os critérios democráticos ao contaminar o entendimento esclarecido que permite aos cidadãos aprender e conhecer acerca das propostas políticas e assim participar efetivamente das decisões do governo impactando o direito político ativo relativo ao exercício do voto dificultando ou mesmo comprometendo a formação da compreensão esclarecida 42 Fake news e o controle do programa de planejamento As fake news também interferem no controle do programa de planejamento das decisões políticas quando comprometem a liberdade de expressão dos eleitores para discutir questionar e expressar suas ideias já que os cidadãos 94 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos perdem a capacidade de influenciar no programa de planejamento das decisões do governo uma vez que para isso é necessária a aquisição de conhecimento através de fontes de informação alternativas e independentes Nessa perspectiva a liberdade de expressão compreende tanto o direito de informar quanto o de ser informado de modo que o direito à informação pressupõe que o indivíduo tenha acesso a uma informação verdadeira e correta Logo o ambiente de informações falsas e suas diversas formas tem contribuído para a desinformação da população sob o pretexto de interesses políticos indi viduais a fim de influenciar a escolha dos eleitores uma vez que a informação é fundamental na tomada de decisão durante o período eleitoral Na pesquisa acima mencionada realizada realizada pelo Instituto DataSena do em 2024 sobre desinformação e a disseminação de notícias falsas temse que 81 dos brasileiros acreditam que as fake news podem afetar significativa mente o resultado das eleições O levantamento aponta que 72 dos brasileiros se depararam com notícias falsas nas redes sociais nos últimos seis meses e consideraram muito importante controlar essas publicações para garantir uma competição eleitoral justa demonstrando o impacto crescente da desinforma ção próximo das eleições municipais de 2024 Senado Federal 2024 Dessa forma como explica Ferreira 2019 a exposição excessiva de infor mações falsas gera a sensação de familiaridade e criam o ambiente artificial de que um grande número de pessoas está alinhado àquela ideia influenciando a opinião pública e sendo capaz de moldar os comportamentos e influenciar nas tomadas de decisão Por isso a utilização de fake news como estratégia eleitoral atua como fa cilitadora para a dominação já que priva eleitores do conhecimento dos fatos essenciais para a tomada das decisões coletivas Saba 2021 p 34 Assim o processo eleitoral além de um procedimento de escolha de governo deve ser visto como uma forma de debate público e de produção de conhecimento pois é formador de opinião Saba 2021 Dessa forma o ambiente caótico de desinformação rompe a presunção de legitimidade das decisões coletivas que pressupõem um prévio e consciente debate de ideias apontado por Dahl 2001 43 Fake news e a participação efetiva A participação efetiva visa que todos os membros tenham oportunidades iguais de expressar suas opiniões sobre quais políticas devem prevalecer Dahl 2001 Esse critério é diretamente impactado pelo uso de fake news como instru 95 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA mento de poder pois se alguns membros têm mais oportunidades de divulgar suas perspectivas é provável que suas políticas prevaleçam restringindo as chances de debater outras propostas Dahl 2001 Nesse sentido a circulação massiva de fake news com mensagens negativas pode ser explorada como ferramenta eleitoral por determinados políticos ou partidos associando negatividade à imagem da pessoa que se pretende destruir a fim de eliminar o vínculo de confiança com os cidadãos Castells 2020 p 20 Isso afeta a imagem de candidatos adversários desequilibrando o processo eleitoral e comprometendo a igualdade de condições necessária para a legi timidade e lisura das eleições Essa estratégia de desinformação é alimentada pela polarização e radicalização intensificadas pela personalização da disputa eleitoral Ferreira 2019 Tal situação foi verificada recentemente nas eleições municipais de 2024 em que candidatas mulheres foram vítimas das chamadas deep nudes que segundo Juliana Cunha diretora da SaferNet Brasil em entrevista ao G1 é uma imagem seja em vídeo ou foto manipulada por tecnologias de inteligência artificial que geralmente tem as mulheres como alvos principais colocadas em contexto de nudez eou pornografia G1 2024 De acordo com a mesma reportagem pelo menos quatro candidatas tiveram suas fotos manipuladas por meio das deep nudes em 2024 entre elas duas can didatas à prefeitura de São Paulo Tábata Amaral PSB e Marina Helena Novo além de Letícia Arsenio Podemos candidata a vereadora no Rio de Janeiro e Suéllen Rosim PSD prefeita de Bauru Esses exemplos demonstram a utilização de campanhas de desinformação contra mulheres e evidenciam a misoginia ódio ou aversão às mulheres como um elemento intrínseco das fake news com o intuito de descredibilizar a imagem das candidatas o que se torna um obstáculo para a participação feminina na política além de interferir no equilíbrio do processo democrático quando utilizada como estratégia eleitoral Assim o princípio da paridade de armas entre os candidatos assegurado pelo processo eleitoral é mitigado na medida em que candidatos adeptos dessa estraté gia conseguem influenciar a opinião dos eleitores acerca do candidato adversário por meio da destruição moral e das imagens dos candidatos políticos Castells 2019 Isso contribui para alterar o resultado das eleições ao influenciar a compre ensão esclarecida dos eleitores e interfere na equidade do processo eleitoral além de impactar no exercício dos direitos políticos passivos 96 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos 44 Fake news e plena inclusão Outro aspecto da utilização de desinformação que impacta nos direitos políticos é a produção do caos que fomenta o medo e o ódio O clima hostil é representado por uma rede de mentiras rumores e teorias da conspiração que se mesclam com notícias comentários e opiniões e interferem na identificação de fontes confiáveis e fatos dotados de credibilidade especialmente quando essas informações falsas ou distorcidas são compartilhadas reiteradamente nas redes sociais e corroboradas por figuras públicas Dourado 2020 Não obstante a utilização da mentira com a produção de conteúdo negativo referente a atores políticos leva a um efeito secundário destrutivo uma crise de legitimidade política ao promover o sentimento de desconfiança e reprovação em relação aos representantes políticos e à própria atividade política O intuito segundo Castells 2019 é quebrar o vínculo subjetivo existente entre o que os cidadãos pensam e querem e aqueles que elegem Essa crise de confiança no sistema político faz com que surja o dilema de em quem confiar já que os representantes políticos tiveram suas imagens desgastadas pela disseminação de campanhas de desinformação gerando os sentimentos de indignação e in diferença e influenciando a formação de opinião dos eleitores Esse efeito pode resultar na negativa de participação política pelo povo promovendo desestímu lo ao sufrágio evidenciado em números de abstenções votos nulos ou brancos como instrumento simbólico de protesto Um alto índice de votos nulos pode revelar o descontentamento do povo com a classe política demonstra o seu desprezo pela defici ência dos partidos e candidatos apresentados ou de seus projetos ou programas que não merecem seu apoio nem despertam seu entusiasmo Gomes 2022 p 712 De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral TSE sobre o 1º turno das eleições presidenciais de 2022 após quatro anos das eleições de 2018 marcadas pela disseminação massiva de fake news apurouse que o número de abstenções chegou a 31 milhões de brasileiros representando 20 do eleitorado Segundo o Tribunal essa foi a maior porcentagem desde 1998 Esse momento de fragilidade institucional Castells 2019 p 45 com a que bra da confiança da população nas instituições políticas colocam em perigo a sociedade uma vez que em virtude desse desencanto da população acerca da democracia Castells 2019 os cidadãos não estão participando efetivamente das decisões políticas e consequentemente não possuem controle sobre o pla nejamento 97 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA Nesse sentido a pesquisa recente realizada pelo DataSenado Senado Federal 2024 revelou que um terço dos brasileiros está insatisfeito com a democracia embora 66 ainda considerem a democracia a melhor forma de governo Esse resultado reflete o contexto político de desconfiança que se instaurou no Brasil nos últimos anos marcado pela crise estrutural na relação entre a sociedade e seus representantes em decorrência dos escândalos de corrupção a exemplo da Operação Lava Jato Moura 2019 Portanto percebese que a legitimidade do processo eleitoral não prescinde da garantia do exercício dos direitos políticos de forma a assegurar que os cri térios democráticos pontuados por Dahl 2001 sejam observados pelos países democráticos tendo em vista que na falta de algum dos critérios que vêm sendo mitigados pela disseminação de informações fraudulentas fake news o que está em jogo é a própria autonomia do sistema democrático 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa se dedicou a investigar em que medida a propagação de fake news mitiga o exercício dos direitos políticos fundamentais e causa reflexos na democracia Para tanto buscouse examinar de que forma as informações falsas interferem no processo eleitoral tendo em vista a potencialidade de influenciar o debate político e a opinião pública sendo seu estudo de suma relevância para o Direito e para a sociedade Como visto o ambiente digital e da era da pósverdade constituem o pano de fundo para a disseminação de notícias fraudulentas Atrelado a isso estão presentes discursos polarizados resultantes da personalização da política inten sificado pelas bolhas criadas pelas redes sociais que se tornaram fonte de infor mação e mediação entre os representantes políticos e os eleitores constituindo um meio efetivo e barato de divulgação de informações falsas Para além desses meios os próprios usuários disseminam desinformação pois tendem a compar tilhar informações sem verificar a veracidade da fonte devido à sensação de credibilidade e confiança nas informações partilhadas por amigos e familiares Ademais a desinformação tem sido utilizada por políticos como estratégia nas campanhas eleitorais devido a sua característica de manipulação dos fatos a fim de influenciar a opinião pública e fulminar a imagem de candidatos adversá rios desequilibrando a disputa eleitoral Afora isso a desinformação promove o desaparecimento da verdade factual causando um efeito destrutivo a perda da capacidade do cidadão de discernir 98 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos entre o que é verdade e mentira na medida em que promove a destruição pelo qual nos orientamos no mundo fazendo com que a verdade se torne irrelevante Esse efeito produz um público que não consegue acreditar eou questionar suas crenças provocando o fim do diálogo necessário na política e configurando uma estratégia antipolítica segundo o pensamento de Hannah Arendt 2016 Considerando o problema de pesquisa é possível afirmar que o ambiente de desinformação impacta o exercício dos direitos políticos no sentido em que compromete a informação sobre a qual os cidadãos se baseiam mitigando o direito à informação necessário ao exercício do voto livre e consciente Ademais a propagação de mentiras usada para fulminar a imagem de candi datos interfere no exercício dos direitos políticos passivos em relação a igual dade nas disputas eleitorais na medida em que o candidato que utiliza dessa ferramenta se beneficia em desfavor do candidato adversário A desinformação pode ainda promover o desestímulo à participação política tendo em vista a quebra da confiança nas instituições políticas levando à recusa ao exercício do sufrágio que constitui o núcleo dos direitos políticos Diante dessas pontuações foi possível concluir que a utilização de fake news com o intuito de manipular os fatos além de constituir uma ferramenta an tidemocrática impacta diretamente no exercício dos direitos políticos como ainda comprometem a compreensão esclarecida dos cidadãos o controle do planejamento de governo e a participação efetiva critérios propostos por Dahl 2001 os quais dentre outros devem ser observados pelos países para que sejam considerados democráticos REFERÊNCIAS ARENDT Hannah Entre o passado e o futuro Debates 19061975 Editora Perspectiva SA São Paulo 2016 Edição do Kindle ARENDT Hannah Origens do totalitarismo antissemitismo imperialismo totalitarismo São Paulo Companhia de Bolso 2013 BRAGA Renê Morais da Costa A indústria das fake news e o discurso de ódio In PEREIRA Rodolfo Viana Org Direitos políticos liberdade de expressão e discurso de ódio v 1 Belo Horizonte Instituto para o Desenvolvimento Democrático 2018 p 203220 Disponível em httpsbibliotecadigitaltsejusbrxmluibitstreamhandle bdtse44432018pereiradireitospoliticosliberdadepdfsequence1isAllowedy Acesso em 12 out 2022 99 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA CASTELLS Manuel Ruptura A crise da democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 2018 Edição do Kindle CONECTAS Eleições 2024 desinformação causa danos concretos na democracia e na vida das pessoas 28 de agosto de 2024 Disponível em httpswwwconectasorg noticiaseleicoes2024desinformacaocausadanosconcretosnademocraciaena vidadaspessoas Acesso em 10 nov 2024 COMISSÃO EUROPEIA Combater a desinformação em linha uma estratégia europeia Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu ao Conselho ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões COM 2018 236 final Bruxelas 26 de abril de 2018 Disponível em httpsdigitalstrategyeceuropaeuptpoliciesonline disinformation Acesso em 5 out 2024 DAHL Robert Sobre a democracia Tradução de Beatriz Sidou Brasília UNB 2001 DANCONA Matthew Pósverdade a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news Tradução Carlos Szlakj Barueri Faro Editorial 2018 DOURADO Tatiana Maria Silva Galvão Fake news na eleição presidencial de 2018 no Brasil 308 f Tese Doutorado Programa de PósGraduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas Universidade Federal da Bahia Salvador 2020 FAUSTINO André Fake news Lura Editorial 2019 Edição do Kindle FERREIRA Ricardo Ribeiro Desinformação em processos eleitorais um estudo de caso da eleição brasileira de 2018 Dissertação MestradoPrograma de PósGraduação em Jornalismo e Comunicação Universidade de Coimbra 2019 FOLHA DE S PAULO 2 em cada 3 receberam fake news nas últimas eleições aponta pesquisa Folha de S Paulo 19 maio 2019 Disponível em httpswww1folhauolcom brpoder2019052emcada3receberamfakenewsnasultimaseleicoesaponta pesquisashtml Acesso em 01 nov 2022 G1 Deep nudes fotos e vídeos são manipulados por IA para produzir conteúdo erótico 06 de outubro de 2024 Disponível em httpsg1globocomfantasticonoticia20241006 deepnudesfotosevideossaomanipuladosporiaparaproduzirconteudoerotico ghtml Acesso em 10 nov 2024 GOMES José J Direito Eleitoral Grupo GEN 2022 Ebook ISBN 9786559772056 KAKUTANI Michiko A morte da verdade Rio de Janeiro Intrínseca 2018 100 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Hianka Bárbara Silva Santos MELLO Patricia Campos A máquina do ódio notas de uma repórter sobre fake news e violência digital São Paulo Companhia das Letras 2020 MOURA Maurício Corbellini Juliano A eleição disruptiva Por que Bolsonaro venceu Record 2019 Edição do Kindle Oxford University Press Oxford Word of the Year 2016 Posttruth Oxford Languages 2016 Disponível em httpslanguagesoupcomwordoftheyear2016 Acesso em 23 set 2024 PEROSA Teresa O império da pósverdade Época 03 abr 2017 Disponível em https epocaglobocommundonoticia201704oimperiodaposverdadehtml Acesso em 23 set 2024 PRIOR Hélder Mentira e poltica na era da pósverdade fake news desinformação e factos alternativos In Comunicação digital Media práticas e consumos Lisboa NIP CM UAL LOPES Paula REIS Bruno Coords pp 7597 Disponível em https wwwresearchgatenetpublication326399045MentiraePoliticanaeradapos verdadefakenewsdesinformacaoefactosalternativos Acesso em 12 de out de 2022 SABA Diana Tognini Fake news e eleições estudo sociojurídico sobre política comunicação digital e regulação no Brasil recurso eletrônico et al Porto Alegre RS Editora Fi 2021 SANTAELLA L A pósverdade é verdadeira ou falsa In CYPRIANO F org A pós verdade é verdadeira ou falsa recurso eletrônico Barueri SP Estação das Letras e Cores 2018 Ebook SENADO FEDERAL Eleições 2022 abstenções superam 31 milhões e correspondem a 20 dos eleitores TV Senado Brasília 03 out 2022 Disponível em httpswww12 senadolegbrtvprogramasnoticias1202210eleicoes2022abstencoessuperam 31milhoesecorrespondema20doseleitores Acesso em 20 nov 2022 SENADO FEDERAL Mais de 80 dos brasileiros acreditam que redes sociais influenciam muito a opinião das pessoas Senado Federal 10 dez 2019 Disponível em httpswww12 senadolegbrinstitucionaldatasenadopublicacaodatasenadoidmaisde80dos brasileirosacreditamqueredessociaisinfluenciammuitoaopiniaodaspessoas Acesso em 02 nov 2022 SENADO FEDERAL Pesquisa DataSenado revela o que pensa o brasileiro sobre fake news 2024 Disponível em httpswww12senadolegbrinstitucionaldatasenado 101 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 DIREITOS POLÍTICOS E A DESINFORMAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL UMA ANÁLISE DOS DESAFIOS DA DEMOCRACIA publicacaodatasenadoidpesquisadatasenadorevelaoquepensaobrasileiro sobrefakenews Acesso em 10 nov 2024 SOUSA SANTOS Boaventura de As três ignorâncias arrogante indolente malévola Jornal Letras 1326 de março 2019 Disponível em httpssegundaopiniaojorbras tresignoranciasarroganteindolentemalevolaporboaventuradesousasantos Acesso em 12 out 2022 WARDLE C DERAKHSHAN H Ban the term fake news CNN 27 de novembro 2017 Disponível em httpseditioncnncom20171126opinionsfakenewsand disinformationopinionwardlederakhshanindexhtml Acesso em 20 nov 2022 59 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E AS PROPAGANDAS ELEITORAIS ELECTORAL ELECTIONS AND DISINFORMATION HOW ARTIFICIAL INTELLIGENCE INFLUENCES ELECTORAL CAMPAIGNS AND PROPAGANDA Camila Maria de Moura Vilela1 Christine Mattos Ferreira Albiani Alves2 Artigo recebido 30 de outubro e aprovado em 5 de dezembro de 2024 RESUMO Este artigo analisa o impacto da Inteligência Artificial IA nas campanhas e pro pagandas eleitorais destacando riscos à democracia Embora ofereça benefícios práticos a IA suscita questões éticas e legais como a manipulação de infor mações e a violação da privacidade dos eleitores A criação e disseminação de fake news e a polarização do discurso político facilitadas por ferramentas de IA ameaçam a integridade democrática O estudo explora casos recentes demons trando tanto o potencial quanto os perigos da IA na política Além disso avalia a regulamentação vigente e propõe políticas para mitigar impactos negativos enfatizando a necessidade de abordagens éticas e regulatórias que garantam o fortalecimento dos princípios democráticos Palavraschave inteligência artificial comunicação política desinformação eleições democracia ABSTRACT This article analyzes the impact of Artificial Intelligence AI on electoral cam paigns and advertisements highlighting risks to democracy Although it offers 1 Advogada da Floresta Produções Mestranda em Direito Intelectual pela Universidade de Lisboa Pesquisadora do Grupo de Propriedade Intelectual Direitos Humanos e Inclusão GPIDHI da FVG 2 Advogada sócia da 4S Advocacia Mestra em Direito pela Universidade Federal da Bahia UFBA MBA em Gestão Tributária pela USP Autora do livro Violação de direitos autorais e a responsabilidade civil do provedor diante do Marco Civil da Internet 60 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves practical benefits AI raises ethical and legal issues such as manipulating in formation and violating voter privacy The creation and dissemination of fake news and the polarization of political discourse facilitated by AI tools threaten democratic integrity The study explores recent cases demonstrating both the potential and dangers of AI in politics Furthermore it evaluates current regula tions and proposes policies to mitigate negative impacts emphasizing the need for ethical and regulatory approaches that guarantee the strengthening of de mocratic principles Keywords artificial intelligence political communication disinformation elec tions democracy 1 INTRODUÇÃO Como a IA influencia as campanhas eleitorais e o que podemos fazer a res peito Este artigo oferece uma análise dos mecanismos pelos quais a inteligência artificial IA pode facilitar a criação e propagação de desinformação examinan do tanto os aspectos técnicos quanto os impactos sociais e políticos além de discutir estratégias para mitigar esses efeitos De acordo com o Código de Conduta sobre Desinformação da União Europeia 2018 ou Code of Practice on Disinformation documento de autorregulação da Comissão Europeia assinado pelas grandes empresas atuantes no mercado de tecnologia3 a desinformação pode ser compreendida como a informação falsa ou enganosa que cumulativamente a é criada veiculada e disseminada para obter ganho econômico ou intencionalmente enganar o público b com potencial de cau sar dano público entendido como ameaça a processos políticos democráticos políticas públicas e bens públicos tais como a saúde dos cidadãos o meio ambiente ou a segurança Code of Pratice on Disinformation 2018 tradução própria O avanço da tecnologia em especial o desenvolvimento da IA tem impac tado significativamente diversas áreas da sociedade e o campo político não é 3 Documento de autorregulação assinado por 34 signatários destacandose os grandes dominadores do mercado como Meta Google Twitter Microsoft Vimeo e TikTok além de entidades como Repórteres Sem Fronteiras RSF e Avaaz DAngelo 2022 p 1 61 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS exceção No contexto de campanhas e propagandas eleitorais o uso de IA vem se tornando uma ferramenta estratégica tanto para candidatos quanto para partidos políticos influenciando diretamente o comportamento dos eleitores Este trabalho tem como objetivo analisar o papel da inteligência artificial nas campanhas eleitorais investigando como suas aplicações modificam as práticas de propaganda e afetam o processo democrático A metodologia adotada neste estudo é baseada em uma abordagem qualitativa com uma análise bibliográfica de pesquisas recentes sobre o uso de IA no campo político As fontes incluem artigos acadêmicos relatórios de organizações que monitoram o impacto de novas tecnologias nas eleições bem como estudos de caso de campanhas eleitorais em diferentes países A revisão de literatura será complementada com dados empíricos buscando identificar padrões de uso e os desafios éticos que emergem desse cenário Além disso este estudo se apoia em entrevistas com especialistas em ciência política e tecnologia buscando compreender a amplitude e as implicações do uso da IA no contexto eleitoral A combinação dessas metodologias visa oferecer uma análise abrangente sobre o tema contribuindo para o entendimento dos novos rumos da democracia e das eleições na era digital 2 CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS NO BRASIL Para melhor compreensão das complexidades que envolvem as campanhas e propagandas eleitorais no Brasil atualmente fazse necessário realizar um paralelo com a evolução tecnológica e os novos paradigmas existentes na co municação social no âmbito da Sociedade Informacional A evolução tecnológica tem sido um fator determinante na transformação dos meios de tecnologia da informação e comunicação TIC Desde os primór dios da civilização os avanços tecnológicos têm moldado a forma como os seres humanos se comunicam armazenam e processam informações A invenção da prensa por Johannes Gutenberg em 1440 marcou um ponto de inflexão na disseminação de informações A capacidade de produzir livros e outros materiais escritos em massa democratizou o conhecimento facilitando a Revolução Científica e o Renascimento Museuweg 2023 Posteriormente no século XIX houve o advento do telefone rádio e televisão que revolucionaram as formas de comunicação transformando a sociedade ao proporcionar acesso instantâneo a informações e entretenimento Esses novos 62 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves meios de comunicação de massa o rádio e a televisão permitiram configurar o que se pode designar por esfera pública de broadcasting transmissão de uma mensagem por vez por veículo para uma audiência indeterminada Pariser 2011 p 22 e ss A propaganda distribuída em folhetos panfletos e outros impressos além de outdoors foi gradualmente transformada com o advento do rádio e da televisão que revolucionaram a comunicação política Esses novos meios permitiram aos candidatos acesso a um público massivo ampliando o alcance das campanhas Assim as campanhas passaram a incluir jingles marcantes e propagandas criati vas na televisão para promover candidatos e partidos A segunda metade do século XX trouxe a revolução digital com o desen volvimento dos computadores e da internet A internet possibilitou a interco nexão global alterando fundamentalmente a forma como as informações são produzidas compartilhadas e consumidas O poder de comunicação da internet juntamente com novos processos de comunicação e computação geraram uma grande alteração tecnológica dos microcomputadores e mainframes descen tralizados e autônomos à computação universal por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados existentes em diversos formatos Esse novo sistema tecnológico cujo poder computacional é distribuído numa rede montada a partir de servidores da web que utilizam protocolos da internet gerou uma nova forma de comunicação em massa na sociedade Castells 2000 p 89 De acordo com o autor Manuel Castells 2000 p 69 que cunhou a reconhe cida nomenclatura sociedade informacional O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centra lidade de conhecimentos e informação mas a aplicação desses conhecimentos e de dispositivos de processamentocomunicação da informação em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e o seu uso A partir desta digressão histórica é importante reconhecer que as campanhas e propagandas eleitorais todas as formas de utilização de meios publicitários com o objetivo de angariar simpatizantes para as ideologias de um partido e assegurar a obtenção de votos TSE 2023 no Brasil acompanharam todas essas mudanças até chegar no atual estágio em que se encontram com a popu larização da internet o advento do Big Data e o exponencial desenvolvimento da IA com aplicações em todos os setores socioeconômicos 63 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS As campanhas e propagandas eleitorais são reguladas pela Lei das Eleições lei n 95041997 e pelo Código Eleitoral lei n 47371965 Por meio dessas leis são definidos prazos formatos e demais restrições para as propagandas eleitorais As propagandas podem ser feitas através de rádio de TV redes sociais e meios impressos como a distribuição de santinhos folhetos e adesivos A Justiça Eleitoral é responsável por fiscalizar as campanhas e punir infrações As penalidades podem incluir multas perda de tempo de propaganda gratuita e até a cassação do registro de candidatura ou do diploma do eleitor Desde a proibição das doações empresariais em 2015 as campanhas são financiadas por doações de pessoas físicas e pelo Fundo Especial de Financiamento de Cam panha FEFC distribuído entre os partidos conforme a representatividade no Congresso Nacional O ano de 2024 é marcado por eleições em todo o mundo Os ministros do Tri bunal Superior Eleitoral TSE aprovaram no dia 27 de fevereiro as resoluções que regeram as eleições municipais de 2024 As normas e diretrizes orientam candidatos partidos políticos e eleitores O pleito ocorrido no dia 6 de outubro trouxe a definição dos novos prefeitos viceprefeitos e vereadores do país para os próximos quatro anos TSE 2024 Dentre as preocupações mais discutidas no âmbito das campanhas e propagandas eleitorais não só no Brasil como no mundo estão o combate à desinformação às fake news e ao uso ilícito da IA sobretudo a utilização das denominadas deepfakes Entre os desafios enfrentados nas campanhas eleitorais modernas estão o combate à desinformação o controle dos gastos de campanha a regulamen tação das propagandas em plataformas digitais e a garantia de igualdade de oportunidades entre os candidatos Verificase portanto que as campanhas e propagandas eleitorais no Brasil são marcadas pelos desafios provenientes da transformação tecnológica e mi diática sendo um retrato das principais preocupações existentes na interseção entre os temas de direito e tecnologia envolvendo preocupações centrais como a desinformação ausência de transparência e obrigações de governança impos tas às plataformas digitais 64 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves 3 O USO DA IA EM CAMPANHAS ELEITORAIS A IA consiste na capacidade tecnológica de emular competências humanas reproduzindo processos similares ao de raciocínio aprendizagem planejamento e criatividade para resolver problemas e tomar decisões O professor John McCarthy 19272011 da Universidade de Stanford foi um dos pioneiros na formulação de uma definição para a inteligência artificial Em 1956 utilizou o termo inteligência artificial pela primeira vez numa Conferên cia em Dartmouth College Para McCarthy Inteligência Artificial seria a ciência e engenharia de fazer máquinas inteligentes especialmente programas de com putador inteligentes McCarthy 2007 A IA portanto não é uma tecnologia nova mas nos últimos anos suas apli cações se tornaram muito mais diversas e acessíveis estando presente hoje em todos os segmentos do mercado de saúde a exemplo das IAs aplicadas em diagnósticos médicos e cirurgias de educação por meio das IAs generativas que auxiliam na construção de conteúdos e análise de dados dos alunos para proposição de atividades logística por meio de reconhecimento facial em mo nitoramento de frotas por exemplo automobilístico com carros autônomos de direito em tribunais para auxiliar na análise de processos e ferramentas de jurimetria por exemplo fonográfica por meio de IAs que geram músicas e vídeos por exemplo e assim por diante A integração das tecnologias de IA nos mais diversos setores da sociedade le vanta diversas questões sobretudo no que concerne à interação entre humanos e máquinas ao papel do Big Data na sociedade à concorrência entre grandes potências e à regulamentação Embora a delegação de diversas funções às má quinas autônomas possa criar a ilusão de uma segurança fundamentada em princípios científicos e dados essa prática também pode expor as pessoas a uma série de novos riscos emergentes decorrentes da autonomia e da automatização dessas tecnologias4 bem como da potencialidade lesiva do seu mau uso Neste contexto observase que houve uma grande popularização de sistemas dotados de IA sobretudo das denominadas IAs generativas ou seja aquelas uti lizadas para criar novos conteúdos como texto imagens música áudio e vídeos O Brasil é o país que apresenta a maior proporção de usuários que declararam ter utilizado IA generativa conforme pesquisa inédita realizada pela consultoria 4 Nesse sentido Fabio Cristiano Dennis Broeders François Delerue Frédérick Douzet and Aude Géry Artificial Intelligence and International Conflict in Cyberspace London and New York Routledge 2023 p 2 65 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS global Oliver Wyman De acordo com a pesquisa cerca de 57 dos brasileiros afirmaram já ter usado plataformas de IA um percentual superior ao de países como Espanha França Austrália e até os Estados Unidos Lopes 2024 Tecnologias de IA generativa incluem as denominadas deepfakes que podem manipular ou criar conteúdo audiovisual apresentando desafios únicos para a integridade eleitoral Tais ferramentas podem ser utilizadas para criar conteúdos falsos ou enganosos influenciando indevidamente o eleitorado Teffé 2024 p 1 No passado a desinformação sempre foi criada por humanos Os avanços no desenvolvimento das IAs generativas modelos que possuem a capacidade de produzir ensaios sofisticados e criar imagens realistas a partir de instruções de texto tornam possível a propaganda sintética O maior risco da produção de conteúdo utilizando IA generativa é que as campanhas de desinformação pos sam ser intensificadas em 2024 quando diversos países incluindo os Estados Unidos a GrãBretanha a Índia a Indonésia o México e Taiwan além do Brasil se preparam para votar A questão que surge quão preocupados deveriam estar os seus cidadãos The Economist 2023 Vale observar que a desinformação é apresentada hoje como um dos maiores problemas da Sociedade Informacional Esta concepção é corroborada pelo Global Risks Report de 2024 relatório anual produzido pelo Fórum Econômi co Mundial que apresenta a desinformação e informações incorretas como o principal risco global a curto prazo vislumbrado nos próximos dois anos e que pertence à categoria tecnológica WEF 2024 Ronaldo Lemos na sua coluna semanal na Folha de São Paulo em 12 de junho de 2023 teve publicado um artigo intitulado Devemos banir a inteligência ar tificial das eleições Neste artigo ele destaca a proposição de Lawrence Lessig professor de direito da Universidade de Harvard acerca da criação de uma moratória com relação à propaganda gerada por IA nas eleições de 2024 nos Estados Unidos Lemos destaca que o autor indica três efeitos lesivos dessa utilização da IA O primeiro efeito referese à produção massiva e contínua de propaganda personalizada adaptada ao perfil e comportamento de cada indivíduo com base na análise detalhada de seus dados e atividades em redes sociais O segundo trata da capacidade da IA de aprender constantemente sobre quais abordagens são mais eficazes para influenciar opiniões ajustando suas estratégias de forma dinâmica muitas vezes sem compromisso com a veracidade das informações transmitidas O terceiro efeito por sua vez está relacionado à falta de trans parência com o uso de IA e as estratégias indiretas adotadas para se atingir o 66 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves objetivo Por exemplo ela pode tentar influenciar uma pessoa por meio de seus amigos e familiares ou enviar mensagens que causem bemestar ou malestar enquanto a pessoa visualiza comunicações de um candidato específico Fato é que ninguém pode prever quais estratégias a IA pode desenvolver para alterar o voto de um eleitor Lemos 2013 p 1 De acordo com uma pesquisa publicada pelo The Alan Turing Institute 2024 cerca de 874 da população do Reino Unido manifesta preocupação com o impacto dos deepfakes nos resultados eleitorais Uma porcentagem semelhante 918 também expressa inquietação quanto à disseminação mais ampla dessa tecnologia destacando seus possíveis efeitos sobre o aumento do abuso sexual infantil online a desconfiança em relação à informação e a manipulação da opi nião pública A pesquisa foi realizada com uma amostra representativa de 1403 pessoas residentes no Reino Unido Quando os pesquisadores investigaram a exposição das pessoas a alvos comuns de deepfakes descobriram que 502 dos entrevistados já haviam visto um deepfake de uma celebridade online enquanto 341 relataram ter visto um com políticos De acordo com a pesquisa apesar da ampla conscientização sobre deepfakes entre a população do Reino Unido a maioria das pessoas demonstrou falta de confiança em sua capacidade de identificar esses conteúdos Quase 70 das pessoas afirmaram ainda confiar na autenticidade de conteúdos audiovisuais online Dennehi 2024 Dessa forma diante da preocupação crescente acerca do tema no mundo o TSE aprovou regras para restringir o uso de IA nas eleições e sobretudo regular o seu uso em relação às campanhas eleitorais O tema foi debatido de forma ampla na audiência pública que o TSE promoveu em razão da atualização da normativa em janeiro e tem sido destacado em falas de ministros da Corte devido aos riscos de desvirtuamento dessa tecnologia em campanhas políticas Vital 2024 Salientase portanto que dentre as resoluções relatadas pela Ministra Cár men Lúcia destacamse as seguintes i O art 9ºB que impõe ao responsável pela propaganda a obrigação de informar de modo explícito destacado e acessível quando houver utilização na propaganda eleitoral de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar substituir omitir mesclar ou alterar a veloci dade ou sobrepor imagens ou sons O parágrafo primeiro segue apresentando requisitos para a transparência indicando a necessidade das informações esta rem no início das peças e das comunicações feitas por áudio por rótulo marca dágua e na audiodescrição nas peças que consistem em materiais visuais e em cada página ou face do material impresso Tratase portanto de disposição que 67 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS prevê obrigações qualificadas de transparência quando houver o uso de IA em conteúdos destinados à propaganda eleitoral ii O art 9ºC que veda a utilização de conteúdos fabricados ou manipulados para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados incluindo a utilização de deepfake com alteração de imagem ou voz de pessoa viva falecida ou fictícia mesmo com autorização iii O art 9ºD estipula o dever do provedor de aplicação de internet de ado ção de medidas aptas a impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que possam comprometer a integridade do processo eleitoral incluindo mas sem se limitar a elaboração e a aplicação de termos de uso e de políticas de conteúdo compatíveis com este fim a execução de instrumentos eficazes de notificação e de canais de denúncia bem como de ações corretivas e preventivas incluindo o aprimoramento de seus sistemas de recomendação de conteúdo e a transparência dos resultados alcançados pelas mencionadas ações Impõese ao provedor ainda outras obri gações como a adoção de providências imediatas e eficazes para fazer cessar o impulsionamento a monetização e o acesso ao conteúdo denunciado com a apuração interna do fato e de perfis e contas envolvidos iv Ademais o art 9ºE ainda estipula a responsabilidade civil e administra tiva solidária por omissão na hipótese de não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas durante o período eleitoral nos seguintes casos de risco de condutas informações e atos antidemocráticos caracterizadores de violação aos artigos 296 parágrafo único 359L 359 M 359N 359P e 359R do Código Penal de divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral inclusive os processos de votação e apuração de votos de grave ameaça direta e imediata de violência ou incitação à violência contra a integridade física de membros e servidores da justiça eleitoral e Ministério Público eleitoral ou contra a infraestrutura física do Poder Judiciário para restringir ou impedir o exercício dos poderes constitucionais ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito de comportamento ou discurso de ódio inclusive promoção de racismo homofobia ideologias nazistas fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem raça sexo cor idade religião e quaisquer outras formas de discriminação bem como na hipótese de inobservância das obrigações de rotulagem dos conteúdos gerados por IA trazidas pela Resolução As preocupações que justificaram a adoção dessas medidas estão intima mente relacionadas com o potencial lesivo do mau uso da IA para geração de 68 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves conteúdos de desinformação Esta problemática é ainda mais acentuada com os denominados filtrosbolha inerentes à própria arquitetura das redes so ciais que gera uma fragmentação da esfera pública e consequentemente uma polarização política e desincentivo ao pluralismo e diversidade de discursos provocada pela interação no contexto digital O ganho de importância das redes sociais resulta ademais em uma ascensão de particularismos e no retrocesso de uma parte da esfera pública a fóruns de pessoas que pensam da mesma forma A formação de tais fóruns é reforçada também pela inserção de algoritmos de aprendizagem automática que de forma direcionada recompensam contribuições específicas que desencadeiam fortes emoções e interações diretas e terminam por ter como resultado criar para o usuário individual seu mundo próprio e singular Ves ting 2018 p 102103 De acordo com o autor João Paulo Bachur 2021 p 447 não se imputa às novas mídias sociais uma causalidade mecânica na produção da polarização política mas devese observar que essas tecnologias adquiriram funcionali dades que amplificaram o impacto e o alcance da desinformação Embora as plataformas digitais não tenham criado a polarização seus algoritmos também não a impedem ao contrário a intensificam O fator temporal é crucial a mera criação das plataformas digitais não compromete a democracia Inicialmente o Facebook foi desenvolvido para integrar comunidades acadêmicas o Google para fornecer os melhores resultados de busca e a Amazon para sugerir livros de interesse No entanto com o tempo um número crescente de pessoas passou a dedicar mais horas diárias às interações nas mídias digitais Assim essas plata formas passaram a acumular um volume inédito de dados pessoais Sem algum tipo de filtro ou priorização a tecnologia seria ineficaz Os filtros de relevância emergiram como uma solução técnica para organizar a informação para o usu ário Consequentemente os algoritmos de relevância associados ao marketing direcionado produziram efeitos de médio prazo potencialmente disfuncionais ligados à concepção de economia da atenção Caliman 2012 Diante desta perspectiva salientase que informações falsas ou fraudulentas manipuladas de alguma forma como é o caso das envolvendo as deepfakes são potencialmente mais disseminadas que informações verdadeiras Isso é resultado de um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts MIT publicado pela Revista Science em 2018 sobre fake news constatando que no Twitter as notícias falsas se disseminam 70 a mais que as verdadeiras nesta rede social já incluindo uso de robôs os famosos bots Uma das grandes conclusões do estudo foi que as notícias falsas se difundem significativamente 69 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS mais rápido e mais amplamente do que as verdadeiras Vosoughi Roy Aral 2018 Neste ambiente caracterizado pela troca de informação numa escala global e extremamente ampla verificase a crescente preocupação com a influência da desinformação na democracia diante da descredibilização das instituições democráticas e influência da opinião pública que baseada em informações falsas ou fraudulentas podem alterar os rumos políticos do Estado Neste sentido po dese citar o voto da Ministra Rosa Weber na ADPF n 572 referente ao inquérito das fake news Constatar que desinformação divulgada em larga escala passou a influenciar diretamente as escolhas da sociedade nos mais variados temas e por conseguinte o rumo que nós brasileiros trilharemos na busca dos objetivos da República produz um choque de realidade sobre a dimensão e a complexidade do problema que se tem pela frente E não me parece digo com muito desalento que a disfunção social verificada esteja em trajetória descendente Ao contrário agora nos vemos às voltas com ataques sistemáticos que em absoluto se cir cunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente tradu zindo antes ameaças destrutivas às instituições e seus membros com a intenção de desmoralizálas assim influenciando na própria conformação dos valores mais caros a uma sociedade democrática p 1819 grifado No segundo semestre de 2022 pelo menos 76 da população brasileira foi exposta a informações possivelmente falsas sobre política segundo o Panorama Político 2023 pesquisa do Senado Federal Nóbrega 2023 Esses dados eviden ciam a crescente disseminação de desinformação no contexto eleitoral o que pode impactar negativamente a percepção pública sobre a democracia e o pro cesso eleitoral A ampliação das tecnologias de manipulação audiovisual agrava esse cenário aumentando os desafios para garantir eleições justas e combater a influência de conteúdos falsos nas decisões dos eleitores Diante desta inegável preocupação no âmbito político com fins a salvaguar dar a democracia verificase que as medidas adotadas pelo TSE vão desde a proibição de tecnologias que têm um potencial muito grande de gerar danos para o processo democrático no sentido de servir para ludibriar eleitores em massa por meio da disseminação de informações falsas ou fraudulentas como é o caso das deepfakes bem como a imputação de obrigações robustas de go vernança relacionadas à transparência e prevenção de riscos com o intuito de 70 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves conter um ambiente evidentemente propício para o compartilhamento dessas informações 4 ALGORITMOS DE ENGANO COMO A IA FACILITA A CRIAÇÃO E PROPAGA ÇÃO DE DESINFORMAÇÃO Os algoritmos de IA podem ser usados para criar e propagar fake news de maneira rápida e eficaz o que representa um desafio significativo para a integri dade informacional A IA pode facilitar a criação de desinformação através de algoritmos de ge ração de texto como os modelos de linguagem avançados Esses modelos são capazes de produzir textos convincentes e coerentes reproduzindo o estilo de diferentes fontes de notícias Isso permite que notícias falsas sejam criadas em massa com um grau de convencimento que dificulta a sua detecção por leitores Além disso a IA pode ser utilizada para manipular imagens e vídeos criando deepfakes que podem enganar qualquer observador Essas técnicas permitem a criação de conteúdos falsos onde figuras públicas podem ser mostradas di zendo ou fazendo coisas que nunca ocorreram amplificando a capacidade de desinformar Na Argentina por exemplo a deepfake já foi usada em 2023 durante as eleições presidenciais quando grupos de direita e integrantes do partido de Javier Milei La Libertad Avanza compartilharam nas redes sociais um vídeo em que o adversário Sérgio Massa aparece supostamente consumindo cocaína Pos teriormente o candidato desmentiu a peça De acordo com reportagem da Uol as imagens circulam desde 2016 nas redes sociais e foram manipuladas com a sobreposição do rosto de Massa ao da pessoa da gravação original Dauer 2024 As eleições municipais brasileiras de 2024 também foram impactadas pelo uso de tecnologias de IA Entre os exemplos mais notórios destacamse a manipulação de imagens incluindo a produção de deepfakes com rostos de can didatos e de conteúdos sintéticos de cunho sexual e jingles políticos gerados por IA Causin 2024 De acordo com o relatório do Observatório IA nas Eleições coordenado pelo Data Privacy Brasil Research o Aláfia Lab e o desinformante foram identificados diversos casos de desinformação com o uso de deepfakes imagens e vídeos altamente realistas gerados por algoritmos de inteligência artificial Um exemplo específico ocorreu em Manaus onde três semanas antes do primeiro turno circulou nas redes sociais um vídeo falso que simulava um tre cho do telejornal Jornal Nacional Nesse vídeo o apresentador William Bonner 71 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS aparecia de forma manipulada indicando voto para um candidato a vereador Destacase que este tipo de conteúdo falso pode ser facilmente replicado para outros candidatos levantando preocupações sobre a escalabilidade e o impacto da tecnologia Desinformante 2024 Campanhas de desinformação utilizando deepfakes também foram observa das em grandes centros urbanos Em um dos casos apoiadores de Pablo Marçal PRTB utilizaram IA para criar um vídeo falso que mostrava um suposto abraço entre ele e Tabata Amaral PSD durante um debate televisivo insinuando uma reconciliação entre o excoach e sua adversária política bem como um vídeo falso de Datena PSDB agredindo uma jornalista que tinha o denunciado por assédio em 2018 Desinformante 2024 O uso de deepfakes tanto em imagens quanto em áudios tem sido objeto de processos na Justiça Eleitoral Um exemplo que passou a integrar a jurisprudên cia dos tribunais eleitorais ocorreu em Canindé de São Francisco no estado de Sergipe foi relativo a um vídeo postado em um grupo de WhatsApp que utilizou uma voz gerada por IA para fazer falsas acusações de má gestão contra um pré candidato A Justiça Eleitoral ordenou a remoção do vídeo e aplicou uma multa ao responsável pela divulgação Causin 2024 A propagação da desinformação também é amplificada pelos algoritmos de recomendação utilizados nas plataformas de mídia social Esses algoritmos otimizados para maximizar o engajamento tendem a promover conteúdos sensacionalistas e polarizadores que frequentemente incluem fake news Ao personalizar os feeds dos usuários com base em seus interesses e comporta mentos anteriores esses algoritmos podem criar bolhas informacionais onde a desinformação é continuamente reciclada e reforçada A atual arquitetura das plataformas de mídias digitais faz aumentar a into lerância com opiniões diversas que sustentam as bases da democracia bem como geram ambientes cada vez mais polarizados nos quais não se fomentam discussões voltadas à soluções num ambiente coletivo mas torcidas e discursos baseados em paixões A população passa a ter um acesso seletivo a informações envolvendo informações falsas e fraudulentas que prejudicam a sua tomada de decisões políticas Afinal como viabilizar uma boa interlocução na dimensão coletiva da liberdade de expressão se o direito à informação é comprometido com a desordem informacional e a má qualidade de informações Esta nova dinâmica portanto gera influência na democracia e tomadas de decisões dos cidadãos no ambiente público 72 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves A combinação dessas tecnologias torna a desinformação uma ameaça des leal com a capacidade de influenciar opiniões públicas e até mesmo provocar conflitos sociais Combatêla requer uma abordagem multifacetada incluindo o desenvolvimento de detecção de fake news educação digital para os usuários e políticas de regulamentação mais rígidas para a transparência e governança das plataformas digitais 5 AS MEDIDAS DE ENFRENTAMENTO E AS PERSPECTIVAS FUTURAS O uso de IA nas campanhas eleitorais em especial no contexto das eleições brasileiras exige a adoção de medidas eficazes de enfrentamento para garantir a integridade do processo democrático A manipulação de informações a segmen tação de eleitores com base em dados obtidos por algoritmos e a disseminação de desinformação são apenas alguns dos desafios impostos pela IA no ambiente eleitoral À medida em que a IA facilita a criação de conteúdos direcionados como anúncios personalizados fake news e deepfakes as sociedades e os sistemas eleitorais enfrentam a necessidade urgente de implementar medidas de regula ção e controle Nesse sentido a regulação das plataformas digitais surge como uma ferramenta essencial capaz de mitigar os riscos inerentes ao uso dessas tecnologias e preservar os alicerces democráticos Dessa forma entre as principais iniciativas de enfrentamento destacamse as ações governamentais e legislativas em diversos países que têm buscado regular o uso de IA e proteger a transparência eleitoral Alguns países já come çaram a adotar marcos regulatórios que exigem maior transparência na criação e veiculação de conteúdos automatizados incluindo a identificação de bots e a proibição do uso de deepfakes em campanhas eleitorais Além disso plataformas digitais como redes sociais têm sido pressionadas a adotar políticas mais rígi das para a verificação de conteúdos rastreamento de fontes e identificação de materiais falsificados Como uma resposta inicial diversas nações implementaram medidas de en frentamento para tentar mitigar os potenciais efeitos nocivos da IA nas eleições Uma das abordagens envolve regulamentações mais rígidas sobre a transparên cia e a responsabilidade no uso de algoritmos em campanhas políticas Medidas como o Relatório Especial sobre Inteligência Artificial e Democracia da União Europeia por exemplo recomendam uma supervisão independente e maior transparência sobre o uso de tecnologias de IA para evitar a manipulação dos eleitores Taddeo e Floridi 2018 Nos Estados Unidos plataformas de mídia 73 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS social como Facebook e Twitter também passaram a exigir divulgações especí ficas para anúncios políticos permitindo que os usuários identifiquem a origem do conteúdo patrocinado e compreendam melhor o contexto das mensagens políticas que consomem Kreiss 2016 Outras medidas envolvem o desenvolvimento de tecnologias capazes de com bater diretamente as práticas ilícitas como ferramentas de detecção de deep fakes e algoritmos que identificam e neutralizam campanhas de desinformação No entanto a eficácia dessas ferramentas depende da sua ampla implementação e constante atualização dado que as tecnologias de manipulação de informação estão em constante evolução Em relação às perspectivas futuras esperase que o papel da IA nas cam panhas eleitorais continue a se expandir Isso exigirá porém um equilíbrio delicado entre inovação e ética O uso da IA pode potencialmente melhorar o engajamento dos eleitores e a personalização de campanhas com base em dados reais mas também pode intensificar as desigualdades no acesso a essas tecno logias e comprometer a equidade do processo eleitoral Assim a tecnologia de IA pode ser uma aliada para fortalecer a democracia desde que seu uso seja cuidadosamente monitorado e regido por princípios éticos e regulatórios É imprescindível que haja uma colaboração contínua entre órgãos reguladores especialistas em tecnologia e a sociedade civil para construir um futuro em que a IA atue como instrumento de fortalecimento da democracia preservando a autonomia dos eleitores e a integridade dos processos eleitorais Oliveira 2022 Nesse sentido é crucial que governos organizações internacionais partidos políticos e a sociedade civil trabalhem juntos para construir uma governança tecnológica que seja inclusiva e que proteja a legitimidade democrática A cria ção de fóruns globais como o Forum on Information and Democracy5 tem sido uma iniciativa importante para discutir boas práticas e desenvolver estratégias conjuntas para lidar com os desafios da IA nas eleições A combinação de regu lamentação rigorosa transparência e alfabetização midiática é primordial para garantir que o impacto da IA seja direcionado de forma positiva e ética para assegurar que o avanço tecnológico contribua para uma sociedade informada e livre ao invés de manipulada Floirid 2019 5 Forum on Information Democracy Disponível em httpsinformationdemocracyorg 74 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves 6 CONCLUSÃO O uso de IA não apenas amplia o poder das campanhas políticas de moldar a opinião pública mas também aumenta o risco de desinformação especialmente com o uso de ferramentas de deep learning para a criação de deepfakes e conte údos enganosos Em suma embora a IA possa contribuir para campanhas mais eficazes e co nectadas aos interesses dos eleitores seu uso exige regulamentação cuidadosa e uma sociedade civil preparada para garantir que essa tecnologia seja usada a favor e não contra os princípios da democracia As tentativas de regulamentação em tramitação no Brasil representam um avanço essencial nesse contexto Buscam implementar medidas de transpa rência que responsabilizam plataformas e atribuem obrigações de governança baseada em gradação de riscos para evitar o uso indevido e antiético da IA A fiscalização ética do uso de tecnologias de IA em eleições transcende a legalidade sendo uma questão de respeito à democracia pois devese garantir ao eleitor o direito a informações diversas e baseadas em fatos comuns Isto porque somente com uma base factual compartilhada é possível preservar o pluralismo de opiniões elemento essencial para a liberdade de expressão co letiva e para a condução adequada dos rumos de uma sociedade democrática A regulamentação das plataformas deve ainda ser acompanhada de esforços para promover uma cultura de educação midiática Os programas de educação voltados à alfabetização digital e à identificação de desinformação já implemen tados em alguns países apresentam experiências exitosas que podem inspirar políticas públicas no Brasil Com uma sociedade melhor preparada para identifi car e questionar conteúdos enganosos aumentase a capacidade de resistência à manipulação eleitoral promovendo uma escolha mais consciente e autônoma do eleitor Para enfrentar o uso abusivo de IA em campanhas eleitorais é imprescindí vel fortalecer a cooperação entre o Estado plataformas digitais e a sociedade civil promovendo parcerias para monitoramento de conteúdos e garantindo a transparência necessária para combater a desinformação e suas variáveis como as deepfakes Esse esforço conjunto aliado a uma regulação efetiva e dinâmica que acompanhe os avanços tecnológicos e a implementação de boas práticas tornase crucial para a proteção dos valores democráticos Assim o Brasil poderá não apenas reforçar suas defesas contra a manipulação eleitoral mas também assegurar a integridade do processo eleitoral em alinhamento com seus princípios democráticos fundamentais 75 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHUR João Paulo Desinformação Política Mídias Digitais e Democracia Como e Por Que as Fake News Funcionam RDP Brasília Volume 18 n 99 436469 julset 2021 Disponível em httpswwwportaldeperiodicosidpedubrdireitopublicoarticle view5939pdf Acesso em 15 mai 2024 BRASIL Supremo Tribunal Federal Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n 572 voto Ministra Rosa Weber Disponível em httpsportalstfjusbrprocessos detalheaspincidente5658808 Acesso em 15 jun 2024 CALIMAN Luciana Os regimes de atenção na sociedade contemporânea Arquivos Brasileiros de Psicologia Rio de Janeiro 64 1 217 2012 Disponível em httpspepsicbvsaludorgscielophpscriptsciabstractpidS1809 5 2 6 7 2 0 1 2 0 0 0 1 0 0 0 0 2 t e x t R e s u m o a t e n C 3 A 7 C 3 A 3 o 2 0 autogestC3A3o20subjetividades20contemporC3A2neas Acesso em 17 ago 2024 CAUSIN Juliana Nudes falsos deepfake e jingles sintéticos marcam uso da IA no primeiro turno e apontam desafios para 2026 O Globo 15 out 2024 Disponível em httpsoglobo globocompoliticanoticia20241015nudesfalsosdeepfakeejinglessinteticos marcamusodaianoprimeiroturnoeapontamdesafiospara2026ghtml Acesso em 20 out 2024 CASTELLS Manuel A Sociedade em Rede A era da informação economia sociedade e cultura v 1 6 ed São Paulo Paz e Terra 2000 DAUER Letícia Inteligência artificial deepfake já foi usada em eleições pelo mundo Site UOL 3 mar 2024 Disponível em httpsnoticiasuolcombrconfereultimas noticias20240303deepfakeusointeligenciaartificialeleicoesargentina estadosunidoshtmcmpidcopiaecola Acesso em 9 jun 2024 DENNEHI Fiona 9 in 10 concerned about deepfakes affecting election results The Alan Turing Institute 2 jul 2024 Disponível em httpswwwturingacuknews910 concernedaboutdeepfakesaffectingelectionresults Acesso em 20 ago 2024 DESINFORMANTE Observatório IA nas eleições 2024 Disponível em https desinformantecombrobservatorioia Acesso em 18 out 2024 EUROPEAN COMISSION Code of Practice on Desinformation da União Europeia Shaping Europes digital future 2018 76 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 Camila Maria de Moura Vilela e Christine Mattos Ferreira Albiani Alves FLORID L The Ethics of Artificial Intelligence in Political Campaigns Philosophy Technology 322 327333 2019 KREISS D 2016 Prototype Politics TechnologyIntensive Campaigning and the Data of Democracy Oxford University Press Disponível em httpscitapuncedupublications prototypepoliticstechnologyintensivecampaigningandthedataofdemocracy Acesso em 29 out 2024 LEMOS Ronaldo Devemos banir a inteligência artificial nas eleições Coluna Ronaldo Lemos para Folha de São Paulo 12 jun 2023 Disponível em httpsitsrioorgptartigos devemosbanirainteligenciaartificialnaseleicoes Acesso em 10 de jul 2024 LOPES André Brasil lidera uso de IA generativa entre as grandes economias aponta pesquisa Exame São Paulo 4 out 2024 Disponível em httpsexamecominteligencia artificialbrasilliderausodeiagenerativaentreasgrandeseconomiasaponta pesquisa Acesso em 10 out 2024 MCCARTHY J What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 27 jul 2024 MUSEU WEG DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA A prensa de Gutenberg como essa invenção mudou o mundo Blog com Ciência 4 dez 2022 Disponível em httpsmuseuwegnet blogaprensadegutenbergcomoessainvencaomudouomundo Acesso em 15 set 2024 NÓBREGA Liz 76 dos brasileiros tiveram contato com fake news política em 2022 Desinformante 2 mar 2023 Disponível em httpsdesinformantecombrbrasileiros fakenewspolitica Acesso em 13 jun 2024 OLIVEIRA A C Inteligência Artificial democracia e eleições riscos e oportunidades Revista Direito e Tecnologia 71 4559 2022 PARISER E The filter bubble what the internet is hiding from you New York Penguin Press 2011 TADDEO M Floridi L How AI can be a force for good Science 3616404 751752 2018 TEFFÉ Chiara Spadaccini de Eleições inteligência artificial e responsabilidade de plataformas digitais Migalhas de Responsabilidade Civil 21 Mar 2024 Disponível em httpswwwmigalhascombrcolunamigalhasderesponsabilidadecivil403881 eleicoesiaeresponsabilidadedeplataformasdigitais Acesso em 27 jul 2024 77 REDESP São Paulo SP vol 8 n 2 jun a dez 2024 eISSN 25949519 ELEIÇÕES E DESINFORMAÇÃO COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL INFLUENCIA AS CAMPANHAS E PROPAGANDAS ELEITORAIS THE ECONOMIST AI voted How artificial intelligence will affect the elections of 2024 23 set 2023 Disponível em httpswwweconomistcomweeklyedition20230902 Acesso em 10 jul 2024 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Propaganda políticoeleitoral Escola Judiciária Eleitoral Brasília 2023 Disponível em httpswwwtsejusbrinstitucionalescola judiciariaeleitoralpublicacoesrevistasdaejeartigospropagandapoliticoeleitoral Acesso em 20 ago 2024 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Eleições 2024 TSE aprova todas as resoluções que regerão o pleito Tribunal Superior Eleitoral Brasília 27 fev 2024 Disponível em https wwwtsejusbrcomunicacaonoticias2024Fevereiroeleicoes2024tseaprova todasasresolucoesqueregeraoopleito Acesso em 18 jul 2024 VESTING Thomas A mudança da esfera pública pela inteligência artificial In ABBOUD George NERY JUNIOR Nelson CAMPOS Ricardo Org Fake news e regulação Revista dos Tribunais São Paulo p 91108 2018 VITAL Danilo TSE obriga candidatos a rotular uso de IA na campanha eleitoral e proíbe deep fake Site Consultor Jurídico CONJUR 28 fev 2024 Disponível em httpswww conjurcombr2024fev28tseobrigacandidatosarotularusodeianacampanha eproibedeepfake Acesso em 21 jun 2024 VOSOUGHI S ROY D ARAL S The spread of true and false news online Science Washington v 359 n 6380 p 11461151 2018 Disponível em httpsdoiorg101126 scienceaap9559 Acesso em 20 jun 2024 WORLD ECONOMIC FORUM WEF The Global Risks Report 19th Edition 2024 Disponível em httpswwwweforumorgpublicationsglobalrisksreport2024 Acesso em 18 jun 2024 153 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO ELECTORAL HARASSMENT IN THE WORKPLACE BETWEEN THE 2024 ELECTIONS AND PREVENTION METHODS Plinyo Paccioly Rodrigues Santos1 Artigo recebido em 142024 e aprovado em 2062024 RESUMO À medida que se aproximam as eleições municipais temse o aumento das de núncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho uma forma modernizada do voto de cabresto que por muito tempo tem assolado a política brasileira O assédio eleitoral é aquele praticado por empresários em face de seus emprega dos sendo uma evidente violação aos direitos e garantias fundamentais e sociais já conquistados como o voto secreto e a autodeterminação política dos cida dãos O presente estudo é qualitativo se utiliza do método dedutivo tomando como base pesquisas bibliográficas matérias jornalísticas legislação jurispru dência artigos e periódicos Concluise que o assédio eleitoral nas relações de trabalho teve um aparente aumento nas últimas eleições trazendo a necessida de de estudo aprofundado para se compreender as causas e os impactos sociais que traz essa forma moderna de coronelismo Palavraschave assédio eleitoral no trabalho coronelismo Direito do Trabalho democracia autonomia política ABSTRACT As municipal elections approach there is an increase in reports of electoral ha rassment in the workplace a modernized form of halt voting which has long plagued Brazilian politics Electoral harassment is that practiced by business people against their employees being an obvious violation of fundamental and social rights and guarantees already achieved such as secret voting and political 1 Graduado em Direito pela Faculdade Ari de Sá FAZ é pósgraduado em em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS e em Direito Penal Econômico e Compliance Empresarial pela Universidade de Fortaleza UNIFOR mestrando em Direito Privado na Universidade 7 de setembro UNI7 bolsista CAPES advogado 154 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos selfdetermination of citizens The present study is qualitative using the deduc tive method based on bibliographical research journalistic articles legislation jurisprudence articles and periodicals It is concluded that electoral harassment in labor relations had an apparent increase in the last elections bringing the need for indepth study to understand the causes and social impacts that this modern form of coronelismo brings Keywords electoral harassment at work coronelismo Labor Law democracy political autonomy Sumário 1 Introdução 2 Do voto de cabresto ao assédio eleitoral no ambiente de trabalho 3 A caracterização do assédio eleitoral nas relações de trabalho 4 A prevenção ao assédio eleitoral nas relações de em prego 5 Conclusão Referências 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa abordar a questão do assédio eleitoral e suas con sequências no contexto jurídico brasileiro validando a lenta conscientização global do trabalho e seus direitos associados fundamentos e formação histó rica e social A presente pesquisa bibliográfica é elaborada a partir de literatura impressa e artigos publicados online abordando o vínculo entre empregado e empregador filiação e assédio eleitoral no trabalho complementado por análi ses jurídicas pertinentes A pesquisa demonstrou que o assédio eleitoral é um tema ainda pouco deba tido e explorado de forma ineficiente bem como desconhecido pelos trabalha dores o que torna o seu exame ainda mais importante visto que se aproxima nova eleição em âmbito municipal A prática do assédio no ambiente de trabalho traz implicações na esfera trabalhista de ordem cível administrativa e até mesmo criminal O escopo da presente pesquisa é lançar uma discussão mais aprofundada sobre a temática supramencionada uma vez que não existem normas dedicadas a coibir tal fenô meno no ordenamento jurídico brasileiro Um dos problemas a serem debatidos neste trabalho é o crescimento relevante dos assédios em tempos de eleição principalmente na de 2022 Há uma evidente confusão por parte dos emprega dores por não saber distinguir legalmente os conceitos de poder disciplinar e suas consequências no âmbito empresarial 155 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Saliento desde já que os canais de denúncia fornecidos pelo compliance em presarial são uma nova forma de deter essa conduta praticada no ambiente de trabalho O abuso do poder hierárquico por parte do empregador tem uma ca racterística antiética que desrespeita a dignidade da pessoa humana e a liber dade do empregado por este se encontrar em situação de vulnerabilidade Tal conduta tem o poder de afetar de forma direta o psicológico dos empregados dentro e fora da empresa Outro ponto de suma importância é a falta de regulamentação vigente sobre o assunto e a realidade das relações trabalhistas A questão passa a ser como identificar a prática do assédio moral e eleitoral cometida no ambiente de traba lho E também como pode ser combatida e reparada a prática do assédio moral entre as paredes da empresa A pesquisa utilizará procedimentos técnicos dentre os quais se destacam os métodos dedutivo e histórico O método dedutivo realizará uma análise dos princípios basilares da doutrina e da jurisprudência especialmente quanto aos assuntos divergentes sendo confrontados com intuito de chegar na conclusão almejada De outro modo seguese pelo método histórico para que se entenda que a prática não é algo novo A pesquisa se baseia em livros de doutrina artigos e outras publicações bem como a legislação que proporcionarão o fundamento para a elaboração do trabalho Dessa forma o presente estudo tem como objetivo geral evidenciar e reco nhecer a existência do assédio eleitoral no ambiente do trabalho das relações de emprego bem como demonstrar consequências trazidas ao empregado e o direito que o empregado possui de reparação por danos morais sofridos pelo comportamento opressor do assediador Assim também traz como objetivos es pecíficos conceituar o assédio eleitoral e apresentar suas consequências trazer pontos que contribuam para prevenção do assédio compreender a indenização por dano moral e dano material e sua aplicabilidade bem como a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho como resultado do assédio moral eleitoral 2 DO VOTO DE CABRESTO AO ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRA BALHO A ideia de que um trabalhador seja submetido por seu empregador a ameaças de perda de emprego prejuízo no ambiente de trabalho ou até mesmo pro messas de promoção e benesses no caso da eleição do candidato da preferência do empresário é absurda em pleno século XXI e remonta às manipulações das Oligarquias ocorridas ainda na Primeira República Brasileira 156 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos A República Velha ou Primeira República que compreendeu o período en tre a Proclamação da República em 1889 e a Revolução de 1930 foi marcada pela promulgação da primeira Constituição Republicana do Brasil em 1891 que passou a estabelecer o sistema de voto secreto pondo fim ao critério de renda instituído pelo voto censitário decorrente do período imperial No entanto mu lheres mendigos militares de baixo escalão do exército religiosos e analfabetos não eram eleitores tornando mínima a população votante ressaltandose que a população brasileira era composta por ao menos 85 de analfabetos na época Depois das revoltas armadas ocorridas nos períodos de 1891 e 1893 foi dado início à República Oligárquica formada pelas elites latifundiárias especialmente produtores de café e de leite dos Estados de São Paulo e Minas Gerais asse gurandolhes o direito de elaborar a legislação eleitoral de acordo com seus interesses Visando à manutenção do poder os oligarcas nomeavam coronéis como che fes políticos locais pois como grandes proprietários rurais eram influentes e senhores dos meios de riqueza naquela região Os coronéis possuíam a capa cidade de controlar centenas de colonos meeiros e posseiros estes que eram pessoas miseráveis e dependentes sociais tornando possível o controle absolu to do voto local que obrigatoriamente deveria ir para o candidato indicado Em contrapartida eram oferecidas trocas de favores e benesses diversas ao povo ou do contrário era empregado o uso de violência física para fazer valer a imposição do voto direcionado A fiscalização era possível através do voto descoberto instituído pela Lei n 1269 de 15 de novembro de 19042 deixando o povo à mercê das vontades da elite isto é dos coronéis Essa dinâmica foi descrita por Victor Nunes Leal na obra clássica Coronelismo Enxada e Voto publicada em 1948 O trecho a seguir sintetiza os efeitos desse fenômeno O coronelismo representa assim uma forma de poder local base ada na liderança dos grandes proprietários de terra que exercem seu domínio político e econômico sobre a população rural influen ciando de maneira decisiva o processo eleitoral e a administração pública Leal 2012 p Quando isso não se mostrava suficiente para eleger o candidato desejado a corrupção e a fraude eleitoral eram institucionalizadas em prática constante 2 Art 57 A eleição será por escrutinio secreto mas é permittido ao eleitor votar a descoberto Paragrapho unico O voto descoberto será dado apresentando o eleitor duas cedulas que assignará perante a mesa eleitoral uma das quaes será depositada na urna e a outra ficará em seu poder depois de datadas e rubricadas ambas pelos mesarios 157 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Dessa forma surgiu o termo voto de cabresto ou de curral justamente pelo controle da votação dos eleitores pertencentes a determinado cercado eleitoral chefiado por um coronel Em pesquisa realizada pelo jornal Datafolha Balago 2022 os relatos mais frequentes são entre jovens de 16 a 24 anos que ganham até dois saláriosmí nimos tornandose as queixas mais raras de acordo com o aumento da renda Assim como ocorreu na época do coronelismo o assediador se vale da sua as cendência socioeconômica a fim de coagir pessoas simples de baixa renda e extremamente dependentes do trabalho O levantamento indica que o assédio eleitoral ocorreu mais entre assalaria dos sem registro do que entre assalariados com registro de certo porque os primeiros não possuem qualquer garantia de subsistência diante da perda da renda possivelmente já sendo vítimas de uma contratação irregular admitida em visível precarização do trabalho O número de denúncias ainda que careçam de investigação é grande e de monstra que o ambiente de trabalho foi igualmente contaminado pela polari zação política devendo tal violência ser combatida pelo Estado e instituições inclusive com políticas voltadas ao combate de assédio no ambiente de trabalho como já vêm sendo providas pelo Ministério Público do Trabalho MPT3 Dessa forma cabe às instituições que atuam junto ao patronato garantir um ambiente de trabalho saudável assim como aos empregadores proporcionar esse ambiente de conforto que não favoreça o aumento das já prevalentes do enças psicossociais a fim de salvaguardar a democracia e o Estado democrático de direito Além do mais o assédio eleitoral é conduta criminosa prevista no Código Eleitoral Lei no 47371965 As condutas estabelecidas nos artigos 299 a 301 com pena de reclusão de até 4 anos e multa podem ser entendidas como per tencentes a essa categoria de assédio eleitoral Partindo da mesma premissa o impedimento ou embaraço ao sufrágio também está tipificado como conduta criminosa pelo Código Eleitoral nos termos do artigo 297 com pena de deten ção de 6 meses e multa Outro entendimento não poderia ser diferente porque o direito ao voto é ga rantido constitucionalmente a todo cidadão Assim no país além de se tratar de 3 MPT NOTA TÉCNICACOORDIGUALDADE nº 0012022 Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho Disponível em httpsmptmpbrpgtnoticiasntassedioeleitoralpdf 158 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos uma conquista social para o exercício da soberania popular deve ser exercido de modo direto e secreto nos termos do artigo 14 da CF88 devendo ser garantido ao cidadão exercer a sua autodeterminação política sem qualquer constrangi mento Assim não cabe ao empregador saber a opção política do trabalhador e me nos ainda interferir com a possibilidade de punição eou retaliação quando seja diversa dos seus interesses pessoais Ao se tratar de manifestações no ambiente da internet não é admissível ao empregador coagir o empregado em razão de postagens nas redes sociais O comportamento é potencialmente discriminatório além de manifesta mente antidemocrático ofendendo outras liberdades e garantias constitucio nais como o direito à dignidade da pessoa humana também como nos mostra o art 1º II da Constituição à liberdade de expressão art 5º IV e IX à liberdade de crença art 5º VI e ao voto de acordo com a consciência política de cada cidadão art 5º VIII além da liberdade partidária art 17º considerando que o sistema eleitoral contempla a pluralidade em representatividade da diversidade política e social da nação A conduta assediosa fere também normas internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção nº 111 da Organização Interna cional do Trabalho OIT ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto no 651501968 que pelo seu artigo 1º I a tendo em vista a discriminação expres samente compreendida em toda distinção exclusão ou preferência pautada na opinião política com efeito a destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão No mesmo sentido a Convenção n 190 da OIT adotada em 2019 no art 5º estabelece o dever de respeitar de promover e de realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho como também reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho constituem violações ou abusos aos Direitos Humanos Temse com isso que a ninguém é dado o direito de interferir na liberdade de escolha do eleitor menos ainda ao empregador que não detém poder dire tivo absoluto pois limitado aos preceitos legais e constitucionais inclusive à normativa internacional Dessa forma o empregador conquanto possa impedir por meio de políticas internas a manifestação partidária dos seus empregados dentro do local de trabalho ou por seu cargo não tem o direito de gerenciar as suas vidas privadas ou mesmo qualquer manifestação de caráter pessoal do tra balhador como foi abordado anteriormente 159 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Visando coibir comportamentos que possam ser caracterizados como asse diosos no ambiente de trabalho e que venham a interferir na autodeterminação política do trabalhador a legislação se pauta ainda nas disposições contidas na Resolução TSE 237352024 que dispõe sobre condutas ilícitas em campanha e na Lei 950497 que estabelece as normas para as eleições Qualquer abuso nesse sentido configurando o assédio eleitoral no ambiente de trabalho é passível de rescisão indireta por falta grave do empregador art 483 CLT com repercussão ainda nas esferas criminal e cível até mesmo admi nistrativa além de reparação por danos morais e materiais inclusive de forma coletiva Ressalto que há muito o Tribunal Superior do Trabalho tem autorizado a reintegração do empregado quando constatada infringência à liberdade política do trabalhador bem como caracterizado abuso no direito potestativo de resili ção contratual pelo empregador evidenciando a demissão discriminatória Veja Direito potestativo de resilir o contrato Abuso O exercício pode mostrarse abusivo Despedido o empregado em face da convicção política que possui forçoso é concluir pela nulidade do ato e conse quente reintegração com o pagamento dos salários e vantagens do período de afastamento A liberdade política é atributo da cidada nia não passando o ato patronal pelo crivo da Constituição no que encerra em torno do tema garantias mínimas do cidadão TSTAg ERR 789 Rel Min Marco Aurélio Ac SDI 181089 Entretanto embora precedentes pacificados pelo Tribunal Superior estes não se mostraram suficientes para coibir essa nova roupagem do coronelis mo que tomou significado protagonismo em pleno século XXI com as últimas eleições a disparada de denúncias de assédio eleitoral no trabalho inúmeros Termos de Ajustes de Condutas TAC foram firmados por empresários com o Ministério Público do Trabalho geralmente prevendo uma retratação pública e comprometimento com o direito à livre manifestação de voto bem como de não campanha pró ou contra qualquer candidato além de eventual reparação por danos coletivos já que toda sociedade sofre com isso Enfim trazendo os argumentos apresentados resta saber quando se carac teriza assédio eleitoral Quais são as principais medidas de prevenção 160 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos 3 A CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO ELEITORAL NAS RELAÇÕES DE TRABA LHO Através da Resolução nº 355 de 28 de abril de 2023 o Conselho Superior da Justiça do Trabalho CJST instituiu procedimentos administrativos a serem ado tados em ações judiciais que versem sobre o assédio eleitoral no ambiente de trabalho Assim para subsidiar as medidas regulamentadas foram considerados os conceitos destacados abaixo Art 2º Para fins da presente Resolução considerase assédio elei toral toda forma de distinção exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho inclusive no processo de admissão Parágrafo único Configura igualmente assédio eleitoral a prática de coação intimidação ame aça humilhação ou constrangimento no intuito de influenciar ou manipular o voto apoio orientação ou manifestação política de tra balhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho Dessa forma a prática do assédio eleitoral no âmbito das relações de trabalho pressupõe a existência de condutas abusivas praticadas pelo assediador coação intimidação ameaça humilhação constrangimento manipulação do voto apoio ou manifestação política ou até mesmo promoções e que elas ocorram contra os trabalhadores nas dependências da empresa ou em situações relacionadas ao trabalho Decerto a descrição das condutas dessa modalidade de assédio não é taxa tiva especialmente porque a lógica da sistemática trabalhista visa a proteção do trabalhador o que se extrai do próprio conceito do princípio fundamental ao trabalhador o princípio da proteção Nesse sentido segundo o professor Mau ricio Godinho Delgado 2019 p 233 O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Indivi dual do Trabalho influindo na própria perspectiva desse ramo ao se construir desenvolverse e atuar como direito Efetivamente há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas tutelares da vontade e interesses obrei ros seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalha dor suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática Na verdade podese afirmar que sem a ideia protetivoretificadora o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cienti ficamente 161 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Assim a partir das noções trazidas por este princípio basilar para o direito do trabalho temse que existe uma tendência de que as condutas descritas como caracterizadoras do assédio eleitoral nas relações de trabalho sejam analisadas sob uma perspectiva mais ampla a fim de verificar se a situação fática se insere ou não no conceito do crime eleitoral No que concerne a afirmação de que as condutas não são taxativas na pes quisa desenvolvida por Nayana Shirado 2015 p 11 a autora concebe o conceito de assédio a partir da seguinte perspectiva Assim por se tratar de uma modalidade de assédio podese afirmar que está associado à ideia de coagir impor pressionar o trabalha dor pouco importando o liame contratual efetivo ou temporário ou o tomador do serviço entidade privada ou pública com o obje tivo de fazer aderir a determinados grupos políticos obterlhe voto eou apoio a candidatos no interesse do assediante contra a von tade do assediado ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas políticoideológicas contrárias às da vítima A partir da definição apresentada é possível observar que o assédio eleitoral nas relações de trabalho se configura a partir da prática das seguintes ações coagir impor pressionar e que tenha as seguintes finalidades a obtenção de voto eou apoio a candidatos de interesse do assediador b que o voto eou apoio seja obtido contra a vontade do assediado ou c que o assediado adote posturas políticoideológicas contrárias às que deseja Ainda depreendese que a autora considera que o assédio eleitoral nas re lações de trabalho está ligado à existência de uma relação de emprego no sen tido de que ela afirma que não importa se o trabalhador vítima do assédio seja efetivo ou temporário ou se o trabalho esteja sendo prestado para um tomador de serviço entidade pública ou privada Nesse ponto ao comparar o conceito apresentado acima e aquele apresentado pelo CSJT é possível constatar uma divergência a qual está relacionada sobre a necessidade ou não de existir uma relação formal de emprego para que seja constatada a prática do assédio eleito ral laboral A divergência mencionada existe na medida em que ao definir o contexto em que ocorre a prática do assédio o Conselho utiliza as expressões no âmbito das relações de trabalho no local de trabalho e situações relacionadas ao trabalho enquanto a autora apresenta o conceito considerando três modalida des contratuais decorrentes da relação emprego quais sejam trabalho efetivo trabalho temporário ou trabalho prestado para um tomador de serviço 162 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos A distinção entre relação de trabalho e relação de emprego já é bastante dis cutida pelos doutrinadores do campo do direito do trabalho Para Carlos Henri que Bezerra Leite 2023 a própria redação do artigo 114 da Constituição Federal demonstra a opção legislativa do constituinte originário em estabelecer uma distinção entre os dois tipos de relação Em vista do exposto no que pese as definições de assédio eleitoral laboral concebidas pelo CJST e por Nayana Shirado 2015 serem de grande valia para o estudo do assédio eleitoral no ambiente de trabalho e não serem excluden tes mas complementares a divergência apresentada revelase necessária para a compreender que se é o empregado eou o trabalhador o sujeito passivo dessa modalidade de assédio Dessa forma considerando a ampliação da competência da Justiça do Traba lho a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 452004 por meio da qual os trabalhadores não empregados passaram a ter o direito de discutir os direitos decorrentes da relação de trabalho por meio da utilização do procedi mento trabalhista revelase prudente ponderar que o assédio eleitoral laboral pode atingir tanto trabalhadores quanto empregados No contexto do assédio eleitoral nas relações de trabalho outro ponto de questionamento referese à possibilidade desta modalidade de assédio também ser praticada no serviço público ou se é inerente à iniciativa privada Diante do que foi discutido e cumprindo com a promessa do capítulo ante rior mostrando as principais características do assédio neste tópico foi pos sível observar que apesar do tema do assédio eleitoral nas relações de trabalho não ser novo na sociedade brasileira não há uma tipificação expressa do delito e tampouco previsão específica na legislação trabalhista 4 A PREVENÇÃO AO ASSÉDIO ELEITORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO Com o objetivo de criar um ambiente de trabalho mais digno saudável e sus tentável nas eleições de 2022 o Ministério Público do Trabalho a Ordem dos Advogados do Brasil e outros órgãos de fiscalização tiveram um papel funda mental no combate e na prevenção do assédio moral e eleitoral no âmbito das empresas Essas instituições são canais para receber e gerenciar notícias sobre a existência de ações ou circunstâncias propícias a assédio moral eleitoral se xual dentre outras contra servidores empregados e não distante disso os esta giários aprendizes e demais funcionários 163 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO No contexto dinâmico e complexo dos ambientes de trabalho seja ele formal ou não a prevenção do assédio eleitoral tem emergido como uma preocupação crucial para as organizações empresariais com a necessidade de estabelecer diretrizes claras práticas e eficazes para evitar a influência política indesejada e proteger a integridade do ambiente de trabalho Desse modo este artigo aborda alguns métodos de prevenção no ambiente de trabalho O primeiro é a criação e implementação de políticas organizacionais robustas e que sejam amplamente publicizadas Tais políticas devem definir com clareza o que constitui o assédio eleitoral bem como as penalidades associa das a tais condutas a comunicação dessas políticas por meio de treinamentos materiais informativos e documentos escritos Ações como essas são essenciais para assegurar a compreensão e adesão de todos os funcionários da empresa Outro modo interessante são as restrições de atividades políticas no local de trabalho Isso engloba a proibição de práticas como a distribuição de material eleitoral discussões partidárias acaloradas e pressões para apoiar determina das causas ou candidatos Assim estabelecer um ambiente neutro em relação a questões políticas é crucial para preservar a imparcialidade da empresa Como mencionado no início deste artigo a existência de canais de denúncia e suporte incorporados ao compliance da empresa e suas políticas é um passo fundamental para sua implementação A criação de canais de denúncia confi denciais é crucial para encorajar a delação segura e eficaz do assédio eleitoral permitindo que os funcionários se sintam respaldados ao reportar incidentes com a certeza de que suas preocupações serão tratadas de maneira apropria da e sem medo de retaliação Além disso no contexto do compliance empresa rial é importante destacar a avaliação de riscos risk assessment que envolve a participação dos colaboradores na identificação de potenciais riscos situações adversas e obstáculos que possam impactar a empresa desde um contrato mal redigido até casos de assédio dentro da organização Outro ponto treinamentos e sensibilizações que também podem ser implan tados por políticas internas A implementação de programas de treinamento pe riódicos visa educar os funcionários sobre o assédio eleitoral e seus impactos prejudiciais no ambiente de trabalho Esses programas são vitais para aumentar a conscientização e compreensão dos limites aceitáveis no ambiente corpora tivo A fiscalização e a aplicação consistente das políticas antiassédio eleitoral traz segurança no ambiente de trabalho As medidas disciplinares devem ser aplicadas de maneira justa e consistente a todos os envolvidos demonstrando 164 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos a seriedade da empresa na manutenção de um ambiente respeitoso O monito ramento e acompanhamento não estão longe do explicitado no parágrafo an terior assim a realização de pesquisas de clima organizacional e outras formas de monitoramento ajudam a detectar potenciais casos de assédio eleitoral Isso permite que haja a identificação precoce de problemas possibilitando a inter venção antes que se agravem Por fim a colaboração com órgãos externos em casos mais graves ou comple xos a colaboração com órgãos especializados em questões legais ou de direitos humanos pode ser benéfica para lidar com situações de assédio eleitoral Em síntese a implementação de diretrizes claras o treinamento contínuo a aplicação consistente de políticas e a criação de um ambiente de trabalho im parcial e respeitoso são pilares fundamentais na prevenção do assédio eleitoral no ambiente corporativo Tais medidas não apenas protegem os direitos dos funcionários mas também fortalecem a cultura organizacional e contribuem para um ambiente laboral saudável e produtivo 5 CONCLUSÃO As eleições gerais de 2022 foram marcadas por excessos tanto no âmbito de fake news como de assédios Os anseios democráticos entraram em batalha com um fanatismo político muito mais forte do que se imaginava culminando em crescentes relatos e denúncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho para órgãos de fiscalização O assédio eleitoral além de minar a democracia brasileira é um grande re trocesso social que remonta ao tempo das oligarquias da Velha República e dos votos de cabresto Como foi dissertado no início desse artigo assim sendo o ato abusivo e criminoso do poder econômico atual uma espécie de coronelismo moderno o que é lamentável pois seus danos são irremediáveis A ausência de uma regulamentação mais combativa em face dessa condu ta voltada efetivamente ao empregador acrescida da ausência de programas de enfrentamento junto à sociedade especialmente de maior publicidade dos canais de denúncia eficaz tem concorrido para que o poder empresarial man tenha os abusos e violações de direitos em detrimento da classe operária por vezes impedida de exercer a liberdade de consciência política garantida cons titucionalmente a todo cidadão Com efeito seria o discurso populista a pola rização o fanatismo político a atual circunstância econômica e a precarização das relações de trabalho um combinado de questões sociais que resultaram no 165 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO aumento do assédio eleitoral no trabalho nas últimas eleições A resposta ao que parece é sim O protagonismo indesejado do assédio eleitoral em 2022 bem como os atos e manifestações em período póseleições ensejará da sociedade um estudo ju rídico mais aprofundado para compreensão das raízes sintomáticas que condu ziram a democracia brasileira a essa realidade tão absurda Nesse sentido revelase importante que o trabalhador se sinta confiante e seguro para denunciar o acometimento de abusos sofridos pelo empregador em detrimento às suas garantias e direitos constitucionais visando assim às próxi mas eleições de 2024 REFERÊNCIAS BALAGO Rafael Datafolha 4 dos eleitores dizem ter sofrido assédio eleitoral São Paulo Folha de S Paulo 29 out 2022 Disponível em httpswww1folhauolcombr mercado202210datafolha4doseleitoresdizemtersofridoassedioeleitoral shtmloriginfolha Acesso em 29 out 2023 BRANT Danielle MACHADO Renato Senado vai instalar CPI sobre assédio eleitoral depois da eleição Brasília Folha de S Paulo 25 out 2022 Disponível em httpswww1folhauol combrmercado202210pachecodaavalparacpi sobreassedioeleitoralmas instalacaodeveficarparadepoisdas eleicoesshtml Acesso em 29 out 2023 BRASIL Congresso Nacional Projeto de Lei n 2735 de 2022 Acrescenta artigo à Lei nº 4737 de 15 de julho de 1965 Código Eleitoral para tipificar o assédio eleitoral no ambiente de trabalho Brasília DF 25 nov 2022 Disponível em httpswww25senado legbrwebatividademateriasmateria155054 Acesso em 29 out 2023 BRASIL Tribunal Superior do Trabalho TSTAg ERR 789 Rel Min Marco Aurélio Ac SDI 181089 Disponível em httpswwwconjurcombr2002jun 14telepar condenadapagar50milempregadopagina5 Acesso em 29 out 2023 CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO CJST Resolução n 355CSJT de 28 de abril de 2023 Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho caderno administrativo do Conselho Superior da Justiça do Trabalho Brasília DF n 3721 p 45 15 maio 2023 Disponível em httpshdlhandlenet2050012178215819 Acesso em 20 jun 2024 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Brasília DF Presidência da República Disponível em httpwwwplanaltogovbr 166 REDESP São Paulo SP vol 8 n 1 jan a jun 2024 eISSN 25949519 Plinyo Paccioly Rodrigues Santos ccivil03ConstituicaoConstituicaohtm Acesso em 29 out 2023 BRASIL DecretoLei no 5452 de 1º de maio de 1943 Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho Rio de Janeiro Presidência da República Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03DecretoLeiDel5452htm Acesso em 29 out 2023 BRASIL Lei no 13467 de 13 de julho de 2017 Altera a Consolidação das Leis do Trabalho CLT aprovada pelo DecretoLei no 5452 de 1º de maio de 1943 BRASIL Ministério Público do Trabalho MPT NOTA TÉCNICA COORDIGUALDADE nº 0012022 Nota Técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho Disponível em httpsmptmpbrpgtnoticiasntassedioeleitoralpdf Acesso em 5 jun 2024 DELGADO Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho 18 ed São Paulo LTr 2019 LEAL Vitor Nunes Coronelismo Enxada e Voto O Município e o Regime Representativo no Brasil 3 ed São Paulo Editora AlfaOmega 2012 LEITE Carlos Henrique Bezerra Curso de Direito do Trabalho 15 ed São Paulo SaraivaJur 2023 SHIRADO Nayana Assédio eleitoral no ambiente de trabalho a ingerência do empregador na escolha política do empregado Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas Manaus n 15 2015 p 11 FICHAMENTO ASSÉDIO ELEITORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO ENTRE AS ELEIÇÕES DE 2024 E MÉTODOS DE PREVENÇÃO Referência SANTOS Plinyo Paccioly Rodrigues Assédio eleitoral no ambiente de trabalho entre as eleições de 2024 e métodos de prevenção REDESP São Paulo SP v 8 n 1 p 153 166 janjun 2024 eISSN 25949519 1 Tema central do artigo O artigo analisa o assédio eleitoral nas relações de trabalho prática que vem se intensificando em períodos eleitorais e que representa uma reatualização do antigo voto de cabresto Através de ameaças coações ou promessas empregadores tentam influenciar o voto de seus empregados violando princípios constitucionais como a liberdade de escolha o voto secreto e a dignidade da pessoa humana A pesquisa revela que essa forma de manipulação política é uma ameaça real à democracia e aos direitos trabalhistas exigindo atenção jurídica e institucional 2 Objetivos da pesquisa O estudo busca demonstrar a existência do assédio eleitoral no ambiente de trabalho seus efeitos nas relações laborais e os riscos para a democracia Entre os objetivos estão conceituar o fenômeno discutir sua criminalização identificar medidas de prevenção e reparação e estimular o debate acadêmico e jurídico sobre o tema ainda pouco desenvolvido no Brasil 3 Metodologia A pesquisa é qualitativa e de base dedutiva com ênfase em revisão bibliográfica e documental O autor utiliza doutrinas legislações jurisprudências reportagens e documentos institucionais associando uma perspectiva histórica que remonta ao coronelismo com a análise jurídica atual O estudo também considera resoluções recentes como a do CSJT e dados de órgãos como o MPT e o TST 4 Principais pontos abordados a Do voto de cabresto ao assédio eleitoral moderno O artigo inicia sua análise resgatando uma prática histórica que infelizmente ainda encontra ecos no presente o voto de cabresto Essa forma de controle político era exercida pelas elites agrárias durante a Velha República período em que os chamados coronéis manipulavam as eleições com base no poder econômico e na influência social O trabalhador rural muitas vezes analfabeto e economicamente dependente votava sob imposição direta de seus superiores seja por medo por promessa de recompensa ou por coerção pura e simples No contexto atual apesar do avanço das instituições democráticas e da legislação eleitoral o que se observa é uma espécie de reedição dessa prática agora travestida de assédio eleitoral O empregador ocupando posição hierárquica superior passa a utilizar sua influência no ambiente de trabalho para direcionar o comportamento político de seus empregados reproduzindo em moldes modernos o velho coronelismo A promessa de benefícios ou pior o medo da perda do emprego passa a ser o novo curral eleitoral Assim o que era prática das oligarquias do campo hoje migra para os espaços urbanos e corporativos sendo necessário identificála e combatêla com rigor b Caracterização do assédio eleitoral nas relações de trabalho A partir da Resolução nº 3552023 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho CSJT o assédio eleitoral passa a ter um contorno mais normativo e técnico Essa norma define o fenômeno como qualquer conduta que envolva coação intimidação humilhação ou constrangimento que tenha por finalidade manipular ou influenciar a escolha política de um trabalhador ou trabalhadora seja no local de trabalho ou em situações diretamente ligadas à atividade profissional CSJT 2023 É importante frisar que a prática não exige um vínculo formal de emprego podendo ocorrer também em relações de trabalho mais amplas e precárias A pesquisadora Nayana Shirado 2015 p 11 por exemplo sustenta que o assédio eleitoral pode atingir tanto trabalhadores efetivos quanto temporários inclusive terceirizados ou vinculados a entidades públicas ou privadas O foco está na intenção do assediador impor ao trabalhador uma adesão política forçada seja por meio de ameaças chantagens ou pressões indiretas Essa caracterização reforça o entendimento de que o assédio eleitoral embora muitas vezes sutil e disfarçado configura grave violação aos direitos fundamentais como a liberdade de pensamento de associação política e de voto todos assegurados constitucionalmente BRASIL 1988 c Prevenção ao assédio eleitoral nas relações de emprego A prevenção nesse cenário aparece como ferramenta essencial para a manutenção de um ambiente laboral democrático e saudável O artigo propõe diversas estratégias que se adotadas de forma comprometida podem reduzir significativamente a ocorrência do assédio eleitoral Em primeiro lugar destacase a necessidade de políticas organizacionais claras públicas e acessíveis que delimitem o que é considerado assédio e quais as consequências previstas para quem praticálo Além disso os treinamentos periódicos voltados à conscientização sobre direitos políticos e trabalhistas contribuem para o empoderamento dos trabalhadores e para a construção de uma cultura corporativa baseada no respeito e na pluralidade Canais internos de denúncia anônima e sigilosa fortalecidos por programas de compliance eficazes funcionam como instrumentos de proteção e responsabilização dentro das empresas MPT 2022 Outro aspecto relevante é a neutralidade política nos ambientes empresariais devese proibir a veiculação de material de campanha a realização de comícios ou mesmo o uso da imagem institucional da empresa para fins partidários Tudo isso reforça o compromisso com a democracia e afasta a ingerência indevida sobre as convicções pessoais dos empregados d Responsabilização jurídica e reparação dos danos A responsabilização do empregador que pratica assédio eleitoral pode se dar em várias esferas Na seara trabalhista o art 483 da Consolidação das Leis do Trabalho CLT permite que o empregado diante de conduta abusiva e lesiva por parte do empregador pleiteie a rescisão indireta do contrato de trabalho Nessa hipótese o trabalhador poderá sair da empresa sem prejuízo de seus direitos como se fosse demitido sem justa causa BRASIL 1943 No campo penal o Código Eleitoral Lei nº 47371965 tipifica condutas de coação eleitoral sujeitando o infrator a penas de reclusão e multa conforme os artigos 299 a 301 Já na esfera cível é possível pleitear reparação por danos morais individuais e coletivos principalmente quando há repercussão social ou institucional da prática Importante destacar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho TST que tem reconhecido a demissão motivada por convicções políticas como abusiva determinando inclusive a reintegração de trabalhadores demitidos por razões ideológicas Em um caso emblemático o TST entendeu que a liberdade política é atributo da cidadania e que o exercício do poder diretivo pelo empregador não pode violar essa garantia constitucional TSTAg ERR 789 5 Conclusão Ao final do estudo o autor alerta para um problema que transcende as relações trabalhistas o enfraquecimento da democracia por meio de práticas de assédio eleitoral Tal conduta quando tolerada não apenas subverte os princípios constitucionais de liberdade e igualdade como aprofunda as desigualdades sociais e institucionais já existentes O assédio eleitoral retira do trabalhador o direito de exercer sua cidadania plena e o reduz a uma peça subordinada no jogo político do poder econômico A ausência de normatização específica e a tímida atuação preventiva de parte das instituições públicas ainda contribuem para a persistência e naturalização desse tipo de abuso O autor enfatiza que o aumento das denúncias em 2022 é um sinal claro de que o problema não é pontual mas estrutural Para as eleições de 2024 tornase urgente fortalecer canais de denúncia capacitar empregadores e empregados e implementar políticas internas sólidas que preservem a neutralidade política no ambiente corporativo Nesse cenário é preciso garantir que o trabalhador se sinta acolhido respeitado e seguro para manifestar sua posição política sem medo de retaliações Afinal a liberdade de escolha e o voto secreto não são apenas garantias legais são conquistas históricas da civilização democrática

Sua Nova Sala de Aula

Sua Nova Sala de Aula

Empresa

Central de ajuda Contato Blog

Legal

Termos de uso Política de privacidade Política de cookies Código de honra

Baixe o app

4,8
(35.000 avaliações)
© 2025 Meu Guru®