·
Ciências Contábeis ·
Filosofia
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
7
O Esclarecimento: A Saída da Menoridade segundo Immanuel Kant
Filosofia
CEUCLAR
36
Educação em Esparta e Atenas: Métodos e Paradigmas
Filosofia
CEUCLAR
30
Necropolítica: O Poder de Viver e Morrer
Filosofia
CEUCLAR
51
A Filosofia Crítica de Immanuel Kant: Objetivos e Conteúdos
Filosofia
CEUCLAR
204
História da Filosofia Moderna II - Caderno de Referência
Filosofia
CEUCLAR
216
História da Filosofia Moderna I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
192
Tópicos de Filosofia e Educação em Cursos de Graduação EAD
Filosofia
CEUCLAR
92
Ética I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
140
Lógica I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
Texto de pré-visualização
CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD Filosofia Política Prof Dr Daniel Arruda Nascimento Daniel Arruda Nascimento é Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas Atualmente é professor do Mestrado em Ética e Epistemologia da Universidade Federal do Piauí na linha de pesquisa Ética e Filosofia Política De 2007 a 2009 contribuiu para o curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitário Claretiano sendo professor convidado tendo atuado em diversos polos e elaborado o material didático de Filosofia Política que ora se inicia email danielnascimentovoilafr Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação FILOSOFIA POLÍTICA Caderno de Referência de Conteúdo Daniel Arruda Nascimento Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2011 Batatais SP Versão dez2013 32001 N193f Nascimento Daniel Arruda Filosofia política Daniel Arruda Nascimento Batatais SP Claretiano 2013 116 p ISBN 9788567425627 1 História da Filosofia Política 2 Conceitos períodos e representantes da filosofia política 3 Introdução à discussão e exame das contribuições filosóficas de alguns expoentes 4 Filosofia política na Antiguidade Platão e Aristóteles 5 Filosofia política na Idade Média Agostinho e Tomás de Aquino 6 Filosofia política e a teoria do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau 7 Filosofia política na modernidade Kant e Hegel 8 Filosofia política contemporânea Arendt Foucault e Habermas I Filosofia política CDD 32001 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REfERêNCIA DE CONTEúDO 1 iNTRODUçãO 9 2 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO 11 3 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 24 UNiDADE 1 iNTRóiTO 1 OBJETiVOS 25 2 CONTEúDOS 25 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 25 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 26 5 EM TORNO DO CONCEiTO DE POLíTiCA 28 6 POLíTiCA E ORGANiZAçãO DO PODER 29 7 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 33 8 CONSiDERAçÕES 34 9 EREFERêNCiA 34 10 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 34 UNiDADE 2 FiLOSOFiA POLíTiCA NA ANTiGUiDADE 1 OBJETiVOS 35 2 CONTEúDOS 35 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 35 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 36 5 CONCEiTO DE POLíTiCA E ExPERiêNCiA DA DEMOCRACiA 37 6 PLATãO E A CiDADE JUSTA 38 7 ARiSTóTELES E O BEM COMUM COMO FiNALiDADE DA ViDA POLíTiCA 43 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 46 9 CONSiDERAçÕES 47 10 EREFERêNCiAS 47 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 47 UNiDADE 3 FiLOSOFiA POLíTiCA NA iDADE MÉDiA 1 OBJETiVOS 49 2 CONTEúDOS 49 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 49 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 50 5 AGOSTiNHO E A CiDADE DE DEUS 52 6 TOMáS DE AqUiNO E A PEDAGOGiA DA LEi DiViNA 54 7 TExTOS COMPLEMENTARES 57 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 59 9 CONSiDERAçÕES 59 10 EREFERêNCiAS 59 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 60 UNiDADE 4 FiLOSOFiA POLíTiCA E A TEORiA DO PACTO SOCiAL 1 OBJETiVOS 61 2 CONTEúDOS 61 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 62 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 62 5 NiCOLAU MAqUiAVEL E O ESTADO FORTE 65 6 THOMAS HOBBES E O PACTO SOCiAL 68 7 JOHN LOCkE E A TEORiA LiBERAL 71 8 JEANJACqUES ROUSSEAU E O CONTRATO SOCiAL 74 9 TExTOS COMPLEMENTARES 77 10 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 79 11 CONSiDERAçÕES 79 12 EREFERêNCiAS 80 13 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 80 UNiDADE 5 FiLOSOFiA POLíTiCA NA MODERNiDADE 1 OBJETiVOS 83 2 CONTEúDOS 83 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 83 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 84 5 iMMANUEL kANT E A PAZ PERPÉTUA 87 6 FRiEDRiCH HEGEL E A REALiZAçãO DA RAZãO UNiVERSAL 91 7 TExTOS COMPLEMENTARES 94 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 96 9 CONSiDERAçÕES 97 10 EREFERêNCiAS 97 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 97 UNiDADE 6 FiLOSOFiA POLíTiCA CONTEMPORâNEA 1 OBJETiVOS 99 2 CONTEúDOS 99 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 100 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 100 5 HANNAH ARENDT 102 6 MiCHEL FOUCAULT 105 7 JüRGEN HABERMAS 108 8 TExTOS COMPLEMENTARES 111 9 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 113 10 CONSiDERAçÕES FiNAiS 113 11 EREFERêNCiAS 114 12 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 114 EAD CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa História da Filosofia Política Conceitos períodos e representantes da Filosofia Política Introdução à discussão e exame das contribuições filosóficas de alguns expoentes Filosofia Política na Antiguidade Platão e Aristóteles Filosofia Polí tica na Idade Média Agostinho e Tomás de Aquino Filosofia Política e a teoria do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau Filosofia Política na mo dernidade Kant e Hegel Filosofia Política contemporânea Arendt Foucault e Habermas 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo Prezado aluno iniciaremos o estudo do Caderno de Referên cia de Conteúdo Filosofia Política que compõe os Cursos de Gra duação No Caderno de Referência de Conteúdos você encontrará as seis unidades básicas que o ajudará a percorrer o longo cami nho da história do pensamento político Observe que o CRC que se inicia cumpre a sua finalidade de ser apenas um instrumento de orientação para que o aluno bus Filosofia Política 10 que por si mesmo aprofundar seus conhecimentos A construção de um Caderno de Referência de Conteúdo sobre a história da fi losofia política exige um enorme recorte Se o CRC intitulado Filo sofia Política possui como objeto específico de análise a vida em comunidade ela se debruça sobre um objeto que não pode ser medido nem no tempo nem no espaço Por motivos óbvios seria impossível abarcar toda a história do pensamento dedicado à con cepção e à organização da vida comum Todo sistema filosófico corre o risco de cometer injustiças irreparáveis na medida em que faz escolhas diante de um incon tornável O que você tem nas mãos não é um compêndio universal de Filosofia Política nem muito menos um tratado sobre política Podemos dizer que agora se inicia um CRC vazado entre uma unidade e outra poderiam ser incluídas muitas outras Logo a lei tura de cada unidade precisa ser aprofundada com a pesquisa às fontes primárias e secundárias Aprender a desconfiar do que lê mesmo que seja um conteúdo orientador é tarefa do aluno atento e já comprometido com a atitude filosófica fundamental As unidades que se seguem estão dispostas de modo a faci litar a compreensão da história da Filosofia Política Apresentamos aqui um panorama dos principais representantes do pensamento ocidental no que se refere à política e sua investigação filosófica A Unidade 1 traz apenas uma introdução ao estudo A Unidade 2 é dedicada à Filosofia Política na Antiguidade com capítulos referentes a Platão e a Aristóteles A Unidade 3 aborda a Filosofia Política na idade Média e nela reservamos espaço para Agostinho e Tomás de Aquino A Unidade 4 tem como tema a relação entre a Filosofia Política e as teorias do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau aparecerão aí como os autores principais A Unidade 5 cuida da Filosofia Política na modernidade e nela priorizamos os estudos de kant e Hegel A Unidade 6 trata da Filosofia Política contemporânea Esboçamos nessa última unidade uma breve apresentação de alguns dos Claretiano Centro Universitário 11 Caderno de Referência de Conteúdo filósofos mais importantes da nossa atualidade no que diz respeito à Filosofia Política Arendt Foucault e Habermas Tendo em vista a natureza de um conteúdo introdutório atento à finalidade didática capaz de colocálo em contato com os textos das fontes primordiais abusamos das citações Criar essa proximidade será vital se quisermos atingir nossos objetivos Para deixar falar os principais representantes da história da Filosofia Po lítica cada pequena unidade aparecerá recheada com textos reti rados das obras respectivas Ao final de cada unidade a leitura de um ou dois textos complementares poderá ser sugerida Bom estudo 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr Daniel Arruda Nascimento Neste tópico apresentase uma visão geral do que será es tudado neste CRC Aqui você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportu nidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade Desse modo essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conheci mento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com com petência cognitiva ética e responsabilidade social Vamos come çar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC Uma apresentação prefacial merece ser escrita por alguém que tem diante de si uma considerável distância do objeto de es tudo do que deve apresentar Se é certo que a distância não pode ser de tal magnitude que impeça o contato cognitivo parece ser também de conhecimento científico geral que o espaço que sepa Filosofia Política 12 ra observador e observado evite o embaraço entre os dois ainda que oriente uma influência saliente demais Mais ou menos como dessas coisas que acontecem nas tramas literárias de operação po licial nas quais o detetive se mantém em perseguição em margem segura quanto ao suspeito sem perder o contato visual tendo de preferência o cuidado de interpor entre si e o perseguido tantos postes e esquinas quanto forem necessários Esta apresentação que inaugura o caderno que o aluno tem em mãos não é con tudo inteiramente coerente a si Ela se afastou do corpo do tex to no tempo no espaço nas condições fisiológicas e no espírito mas quem a escreve se sente profundamente inserido no olho do furacão da política Temos diante de nós uma segunda versão da disciplina de Filosofia Política O que esperar de um caderno de Filosofia Política além de em flagrante duplicação ambivalente da mirada da apresentação sobre o corpo do texto um olhar filosófico lançado sobre a políti ca Ou no mínimo de uma narrativa história topicalizada que tra ga consigo companheiros de viagem pontos de vista alimentados pela matriz filosófica de fina estampa outros olhares de membros da comunidade humana que ousaram pensar sobre política ou so bre o melhor modo de se fazer política Esperaríamos saber ao fi nal o que vem a ser política ou ficaríamos com impressões diversas que não chegam a tocar o fundo do tacho Uma concepção bem próxima das origens do que adotou o nome de política seria aquela segundo a qual política designa doutrina da moral e do direito isto porque as questões atinen tes às relações humanas de primeira ordem e aos limites a serem impostos ao comportamento de cada um dos envolvidos no con vívio humano tais questões presentes desde sempre caíram no colo dos humanos Um homem se apresenta a outro sabendo que seus gestos e suas palavras o cativam ou geram desgosto sabendo que atos possuem efeitos como resultado que ações e reações constituirão uma cadeia intrincada sem fim cujo desenvolvimento será de qualquer maneira determinante para o seu próprio futuro Claretiano Centro Universitário 13 Caderno de Referência de Conteúdo e bemestar incluise aí toda investigação acerca do que deve ser o bem e do que pode ser o bem comum o bem que pertence a todos Desta cepa pertence a escolha de princípios e valores cons ciente ou não e tal como uma necessidade siamesa a constitui ção de regras e a fixação da relevância e do alcance dessas regras Outra concepção também bastante original vincularia a po lítica à arte ou à ciência do bom governo ou seja perguntaria pelo modo de governar que melhor satisfaz os ideais de uma comuni dade humana Nesta hipótese não interessa apenas analisar as diferentes formas de governo que obtiveram realidade ao longo da história distinguindoas e avaliandoas segundo critérios de nascimento força permanência ou legitimidade Nem mesmo os diferentes governantes interessa inquirir para além inclusive da satisfação dos ideais humanos se há uma ciência do governo e de quais atributos ela se ocupa A política então evolveria saberes saber o que é política saber conduzirse nos meios políticos sa ber governar saber guiar uma comunidade ao seu destino político Político é o governante políticos são os governados naquilo que cooperam com o governante Uma terceira concepção geral e originária expande suas ra ízes até as teorias das instituições de organização e direção mais ou menos burocráticas o que podemos provisoriamente chamar de Estado Política enquanto teoria do Estado Auferese o que é Es tado e por que ele se torna necessário politicamente quais as suas condições de existência quais os elementos que o compõem qual o melhor tipo de Estado qual a sua melhor estrutura quais as circuns tâncias históricas que determinam o surgimento de um tipo esta tal e quais tipos se adequariam melhor a certas geografias a certas épocas e a certos povos Recentemente inferese se é possível so ciedade sem Estado tal o desgaste sofrido pela palavra tal o amargo paladar que na boca nos restou depois de tantos infortúnios Uma quarta concepção posterior identifica política e ciên cia da sociedade humana Recebendo de vez a beca de uma área Filosofia Política 14 científica de conhecimento ou de uma disciplina terá como objeto a política os fatos e fenômenos sociais compreendendo as suas leis de surgimento sucessão e funcionamento as suas tendências e possibilidades de influência De modo complementar engloba o estudo das relações intersubjetivas e o seu reflexo no contexto maior da comunidade política Nesse âmbito todavia a política ou a Filosofia Política não estará mais sozinha ela contará com interlocutores da Sociologia da Psicologia da Antropologia da Te ologia e do Direito Vistas assim de uma visão panorâmica as diversas concep ções gerais de política permitem notar talvez muito pouco o que implica o jogo da definição de política Definir o que seja política significa desde cedo assumir um determinado posicionamento sobre as responsabilidades da política Se assevero que política é assunto exclusivamente de governo posso estar querendo dizer com isso que a política não diz respeito a ninguém que não es teja efetivamente no exercício de um cargo institucionalizado Se defendo que toda política tem como finalidade necessária o bem de todos e a justiça social posso estar esquecendo o quanto de ilusões já nos fizeram perder o caminho da paz quando Otto von Bismarck um dos líderes nacionais mais destacados do século 19 se refere à política como arte do possível pode estar insinuando tanto que ao representante político cabe lidar com as possibilida des que lhe estão à mão quanto que na política tudo é possível dependendo da competência do agente político De qualquer ma neira argumentar a favor da imparcialidade mesmo científica é pretender guardar pedras em saco furado Em nossos dias os debates que mais concernem à Filoso fia Política se estendem desde a preocupação com a definição do que é propriamente político em distinção a todo o resto e com o resgate da dignidade da política às críticas que recaem sobre a notória despolitização do cidadão comum daquele que se ausenta do espaço público refugiandose nos interesses particulares sem consideração aos interesses públicos ainda que não esteja atento Claretiano Centro Universitário 15 Caderno de Referência de Conteúdo a quanto de público tem seus interesses privados e quanto a reali zação do público interfere na fruição do privado ou o que é pior daquele que envereda pela profissionalização política a reboque de uma má intenção Muito resta aos estudantes de Filosofia in vestigar Cumpre ressaltar porém que a discussão sobre o que se in sere no âmbito da política e o que está fora de seu campo de ação perdeu por um lado toda a inocência se é que alguma ainda a possuía e por outro todo apelo de extensão restrita Os proble mas enfrentados hoje pela comunidade política planetária já não se referem somente à organização da vida comum Estamos hoje a bordo de um planeta no qual diante de novos distúrbios naturais de grandes proporções e de conquistas tecnológicas nunca vistas uma decisão política precipitada pode ameaçar a vida da espécie humana causando tanto a sua destruição quanto o seu flagelo Um último parágrafo introdutório antes de começarmos propriamente a estudar os conteúdos embora tenhamos ficado quase unanimemente nas páginas que se seguem com a história do pensamento político ocidental é possível e até provável que outras obras de outros pastos de outras inspirações literárias e artísticas tenham mais a dizer de política e experiências políticas que as que foram consultadas e arroladas à bibliografia Para dar apenas um exemplo citamos o Ensaio sobre a lucidez de José Sara mago imaginemos que em uma comunidade política as pessoas manifestassem através da participação política que não querem mais participar do modo habitual imaginemos que em uma de mocracia os eleitores votassem maciçamente em branco 83 dos eleitores votassem em branco mostrando que não estavam contentes com nenhuma das alternativas dadas e impossibilitando a escolha de novos representantes Suponhamos que este tenha sido já o resultado final depois da repetição de eleições realizadas uma semana antes e canceladas pelo mesmo motivo Este é o en redo do romance Ele é por si só bastante político ou bastante próximo dos temas políticos mais conhecidos Mas o que nos inte Filosofia Política 16 ressa vem agora Ao chegar ao meio do livro precisamente ao dé cimo primeiro capítulo o autor tinha que escolher como o levaria ao fim Até então tudo indicava que ele daria um fim diferente pautado em uma concepção de mundo muito diferente do ante rior Ensaio sobre a cegueira no qual não esconde sua percepção da realidade ao transformar homens homens e mulheres repen tinamente cegas em novamente animais entregues sem pudor à satisfação da fome dos instintos de sexo e da agressividade No Ensaio sobre a lucidez Saramago parece nutrir uma esperança no gênero humano desde as primeiras páginas parece comovido com uma nova utopia e o livro parecia destinado a converterse numa parábola da resistência política A comunidade política criada pelo autor respondia às provocações perseguições e ataques dissimu lados dos antigos governantes com tranquilidade inteligência e heroísmo num ambiente de profunda fé na lucidez humana O leitor encontravase com a experiência excepcional de superação do egoísmo Ao chegar ao meio do livro todavia perdese o fio da meada Saramago transverte o seu livro em um suspense policial resgatando a antiga história da cegueira branca mudando os mo dos da narrativa e abandonando a feliz história da resistência da cidade Político é o romance política é a decisão do autor Estaria ele transmitindo a mensagem de que já havia dito tudo que era preciso sobre a experiência de resistência Ou teria ele chegado à conclusão de que a experiência não era possível Mesmo uma inscrição aparentemente inofensiva nas paredes de uma academia de ginástica podem revelar mensagens de cunho político Vejamos esta que encontrei há pouco Nós da Academia x estamos aqui para promover um ambiente agradável e descontraí do onde todos possamos desenvolver um estilo de vida ativo e sau dável sem pressão ou constrangimento Nós somos um meio e não um fim Somos um instrumento para você tornar sua vida melhor Buscamos manter nosso ambiente seguro e estimulante onde você possa se sentir aceito e respeitado Nós não estamos aqui para te bajular mas podemos te dar um empurrãozinho se for isso que você Claretiano Centro Universitário 17 Caderno de Referência de Conteúdo precisar Acreditamos que o mundo não seria o mesmo sem você por isso precisamos de você FAçA PARTE O texto termina com uma expressão imperativa dirigida ao consumidor como não devia deixar de ser Traz todavia em dois movimentos complementares uma intenção bem definida espera contribuir para a construção de um pequeno ambiente que se comunique com outros ambientes maiores em que as pessoas não se sintam socialmente pressiona das a ter um corpo perfeito segundo o modelo atual nem se sintam constrangidas porque não o possuem ou fatalmente nunca virão a possuílo A academia tem a intenção portanto de contribuir para alguma transformação do mundo cujo estilo de vida ativo e sau dável compartilhe uma vida melhor para todos sem discriminação apesar da penúltima frase um tanto contraditória Política é a ins crição na parede política é a filosofia da academia Fiquemos adiante com nossos companheiros de viagem De pois de uma breve introdução ao estudo vejamos o que nos têm a dizer Platão e Aristóteles Agostinho e Tomás de Aquino Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau kant e Hegel Arendt Foucault e Haber mas Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá pida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC Filosofia Política Veja a seguir a definição de alguns dos principais conceitos deste CRC elaborados com escólio nos dicionários de política de Bobbio Matteucci e Pasquino e de análise política de Roberts citados no tópico Referências Bibliográficas 1 Bem comum princípio operativo da edificação da socie dade humana e fim para o qual ela deve se orientar com vistas à obtenção da felicidade para todos 2 Contratualismo teoria que pretende explicar a for mação e a legitimidade do poder estatal evocando sua Filosofia Política 18 instituição por meio de um contrato social no qual a constituição de um soberano ocorre em função da trans ferência de direitos associados a um estado de natureza logicamente anterior 3 Democracia sistema político baseado nos princípios de liberdade igualdade e autogestão no qual todo poder emana do povo e por ele é exercido seja diretamente seja através de representantes escolhidos para tal fim 4 Direito conjunto harmônico de princípios declaratórios de direitos fundamentais e obrigações normas de condu ta e de organização dotado de heteronomia e coercitivi dade instituído com a finalidade de regular as relações sociais na manutenção da ordem da paz e da justiça 5 Estado organização que compreende extensão territo rial população e governo soberano cuja coesão é garan tida pelo monopólio legítimo da força 6 Ética ciência que estuda o comportamento humano e seus valores 7 filosofia em termos muito gerais seria o estudo que visa ampliar a compreensão da realidade e dos diferen tes sentidos de mundo 8 Governo organismo institucional responsável pela ge rência de uma comunidade política no que diz respeito à tomada de decisões e condução dos negócios públicos 9 Guerra período de conflito armado no qual as leis co muns são suspensas e grupos políticos rivais buscam atingir objetivos específicos ou impedir que outros os atinjam 10 Igualdade em termos políticos a igualdade se diz dos que possuem as mesmas características ou necessida des pessoais dos que merecem mesmo tratamento e para fins de distribuição de direitos e bens 11 Justiça noção ética fundamental compreendida classi camente como o ato de dar a cada um o que é seu se gundo seu grau habilidade e necessidade 12 Liberdade em termos políticos referese à interação entre pessoas grupos e poderes e à relativa força dos Claretiano Centro Universitário 19 Caderno de Referência de Conteúdo obstáculos que divisam as ações e omissões em socie dade 13 Monarquia forma de governo em que há um único che fe de Estado cujo título é transmitido hereditariamente e cuja atividade envolve funções de governo e comu mente funções religiosas e simbólicas 14 Moral ética contextualizada no tempo e no espaço re lativa a definições de condutas e hábitos julgados válidos para determinada pessoa ou grupo 15 Paz situação política de concórdia tranquilidade públi ca e cessação das hostilidades 16 Poder capacidade de agir por si ou de afetar com ou sem o emprego da força a opinião e o comportamento dos outros envolvendo no âmbito estrito da política questões de autoridade e de distribuição 17 Política processo pelo qual os princípios e objetivos de um grupo social são escolhidos ordenados executados e garantidos compreendendo atividades de diversos ti pos e relevâncias 18 República forma de governo de surgimento histórico contrário à monarquia onde o chefe de Estado é esco lhido por eleição ou nomeação geralmente através da participação popular 19 Soberania poder político que encarna e decide o desti no de um povo vinculado às suas instituições de coman do e oponível contra todos os outros Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções Filosofia Política 20 É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino Com base na teoria de aprendizagem significativa entende se que por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu co nhecimento de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pe dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza gem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para os alunos e as alu nas uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cognitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por objetivo tor Claretiano Centro Universitário 21 Caderno de Referência de Conteúdo nar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhe cimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabele cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgsbredutoolsmapascon ceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 Figura 1 Esquema dos Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo Filosofia Política Filosofia Política 22 Como pode observar esse Esquema oferece a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo citados no glossário anterior Ao seguilo será possível transitar entre os principais conceitos deste CRC e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino aprendizagem Por exemplo o conceito de política depende de como a filosofia age sobre o seu objeto de estudo e do modo como antes foi afetada pelos conceitos de ética moral e direito Outro exemplo os conceitos república democracia e contratualismo decorrentes da evolução do conceito de poder majorado pela in cidência da filosofia sobre a política desembocam em teorias que precisam definir e compatibilizar liberdade e igualdade O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realizadas presen cialmente no polo Lembrese de que você aluno EaD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertativas Responder discutir e comentar essas questões bem como re lacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional As questões de múltipla escolha são as que têm como respos ta apenas uma alternativa correta Por sua vez entendemse por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos Claretiano Centro Universitário 23 Caderno de Referência de Conteúdo matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada inalterada Já as questões abertas dissertativas obtêm por res posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado por isso normalmente não há nada relacionado a elas no item Gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte inte grante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apu rada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao com partilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno ou aluna dos Cursos de Graduação na mo dalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e con sistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Filosofia Política 24 Sugerimos pois que organize bem o seu tempo e realize as ativi dades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas poderão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 3 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS ABBAGNANO N Dicionário de Filosofia Tradução de Alfredo Bosi São Paulo Martins Fontes 2007 BOBBiO N MATTEUCCi N PASqUiNO G Dicionário de política Tradução de Carmen C Varrialle et al Brasília Ed da UNB 1991 DELACAMPAGNE C A filosofia política hoje idéias debates questões Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 ROBERTS G k Dicionário de análise política Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1972 SARAMAGO J Ensaio sobre a lucidez São Paulo Companhia das Letras 2004 1 EAD Intróito 1 OBJETIVOS Compreender o contexto da Filosofia Política Ambientarse nas discussões que envolvem a disciplina 2 CONTEúDOS Em torno do conceito de política Política e organização do poder Uma folha antiga Glosa 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 26 1 Lembrese de que há muitos conceitos possíveis para a palavra política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e têm a preten são de ajudálo na compreensão das polissemias aqui presentes 2 Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitoschave para o estudo de todas as unidades deste CRC isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho 3 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 4 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 5 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Por que estudar Filosofia Política qual a relação que existe entre política e Filosofia Nada escapa à reflexão filosófica Se a Filosofia for apenas uma intensidade ou ritmo do pensamento seu campo de abran gência não pode ser limitado pela definição de um objeto específi co Coisas como desigualdade e poluição taxas de juros e potência dos motores de veículos são também objetos da reflexão filosófi ca A política como parte relevante da constituição do mundo em que vivemos não poderia ficar excluída do olhar crítico do filósofo Claretiano Centro Universitário 27 U1 Intróito Além disso quando a Filosofia reflete sobre o exercício da política reflete sobre as próprias condições do filosofar Ainda que alguns filósofos tenham escrito importantes obras em situações extremamente adversas como é o caso de Franz Rosenzweig ou Walter Benjamin persiste como condição primaz do pensamento o ócio criativo Mesmo o nascimento da Filosofia na Grécia Antiga não pa rece estar isolado da prosperidade política e econômica das cida des gregas a partir do século 7º aC O surgimento de uma robusta classe comerciante e o crescimento no uso da força de trabalho es cravo auxiliam na liberação da aristocracia agrária para a contem plação para o investimento nas ciências e nas artes Além disso ao lado das novidades trazidas pelas navegações e de novos métodos de medição do tempo do espaço e das riquezas um fator determi nante para o nascimento da filosofia helênica teria sido justamen te o aparecimento da CidadeEstado e a consequente substituição de certas figuras e instituições da tradição mitológica A Filosofia nasce num ambiente político de fértil diálogo forjado pelo exercí cio do pensamento e pela troca de opiniões Tratar a política como se fosse um objeto estranho à Filosofia seria então no mínimo arbitrário A Filosofia não se deixa domi nar nem por uma área do conhecimento nem por grupos que se pretendem titulares do filosofar à filosofia encastelada também se aplica a advertência atri buída a Bertolt Brecht num pequeno texto que espanta pela sua simplicidade e clareza O texto chamase O analfabeto político O pior analfabeto é o analfabeto político Ele não ouve não fala nem participa dos acontecimentos políticos Ele não sabe que o custo de vida o preço do feijão do peixe da farinha do aluguel do sapato e do remédio dependem das decisões políticas O anal fabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política Não sabe que da sua ignorância política nasce a prostituta o menor abandonado e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista pilantra o corrupto e os exploradores do povo LiGóRiO 2012 Filosofia Política 28 Vamos enfrentar o desafio de estudar e refletir sobre a po lítica 5 EM TORNO DO CONCEITO DE POLíTICA O que vem a ser política A política é uma referência permanente em todas as dimensões do nosso cotidiano na medida em que este se desenvolve como vida em sociedade A política surge junto com a própria história com o dinamismo de uma realidade em constante transformação que continuamente se revela insuficiente e insatisfatória e que não é fruto do acaso mas resulta da atividade dos próprios homens vivendo em socie dade Entre o voto e a força das armas está uma gama variada de formas de ação desenvolvidas historicamente visando resolver con flitos de interesses configurando assim a atividade política em sua questão fundamental sua relação com o poder MAAR 1994 p 79 Por ser a política o resultado de uma construção histórica dinâmica ao definir um significado geral para embrutecer o seu conceito correse o risco de fazer tábula rasa das figuras distintas que se apresentam na sua gênese Podemos não obstante en tender a política simplesmente como meio de organização da vida comunitária e como tal ela poderia levar uma conotação genérica ou específica de um determinado grupo já inserido no conjunto do corpo social no tempo e no espaço A política exige a sabedoria de dosar e coordenar os inte resses individuais e coletivos para tornar possível a vida comum exige a análise meticulosa da realidade que cerca os viventes e a esperança de modificála requisita a intervenção propositiva cria tiva e ativa Um sentido mais rasteiro e sensibilizado com o que há de vis ceral na superfície da terra permite compreender a política como via para a realização humana Todos nós participamos da política ainda que não o façamos no modo do engajamento voluntário Claretiano Centro Universitário 29 U1 Intróito 6 POLíTICA E ORGANIZAÇÃO DO PODER Está para nascer uma comunidade sem organização política sem um mínimo de determinação das modalidades de poder Mes mo o mais acalorado dos intelectuais com tendências anarquistas há de convir que não existe nem nunca existiu comunidade que não possuísse governo ou pelo menos alguma forma de organiza ção do poder Desde que o homem vive em comunidade desde que se re laciona e convive com outros homens dentro de um mesmo espa ço público latente se torna a definição do exercício de liderança e do poder de decidir Seja o processo de escolha consciente ou não sejam quais forem os critérios de escolha força física grau de sabedoria inteligência origem familiar antiguidade motivação religiosa contagem de votos etc a própria existência da comu nidade acarreta a necessidade de eleição às vezes toda a coisa acontece de forma muito sutil quando se vive em comunidade alguma instituição precisa estar disponível para escutar os demais aglutinar desejos e ideias construir uma visão de conjunto tomar decisões incentivar mudanças de atitude Ao longo da história da humanidade algumas tentativas foram feitas Algumas obtiveram maior sucesso outras amarga ram um prematuro fracasso De todas as tentativas a expressão da organização do poder mais próxima a nós é sem dúvida o Es tado Moderno surgido como estrutura conceitual no século 16 sobrevivente quase que incólume até os dias atuais O Estado re siste às mudanças do tempo continua a ser o principal modo de organização das sociedades embora diferentes épocas da história tenham lhe emprestado diferentes rostos Todavia não vamos nos adiantar Precisamos antes percor rer a história do pensamento para lá colher contribuições que per mitam visualizar o conjunto de uma Filosofia Política Filosofia Política 30 Ainda como elemento de introdução sugerimos a leitura de um pequeno conto de Franz kafka e da glosa que a ele se segue Ambos aparecem aqui com a dupla intenção de provocar e mo tivar uma reflexão preliminar sobre o objeto de nosso estudo O conto intitulado Uma folha antiga integra o corpo de Um médico rural pequenas narrativas livro publicado pelo autor em 1919 numa época de intensos conflitos e desamparo político e narra a história de um sapateiro inserido no miolo de uma situação políti ca dramática Uma folha antiga É como se muita coisa tivesse sido negligenciada na defesa da nossa pátria Até então não havíamos nos importado com isso entregues como estávamos ao nosso trabalho mas os acontecimentos dos últimos tempos nos causam pre ocupações Tenho uma oficina de sapateiro na praça em frente ao palácio imperial Mal abro a porta no crepúsculo da manhã e já vejo ocupado por homens armados as en tradas de todas as ruas que confluem para cá Mas não são soldados nossos e sim nômades vindos evidentemente do norte De uma maneira incompreensível para mim eles penetraram até a capital que no entanto fica muito distante da fronteira Seja como for já estão aí parece que a cada manhã se tornam mais numerosos Seguindo sua natureza eles acampam a céu aberto pois abominam as casas Ocupamse em afiar as espadas aguçam as lanças e praticam exercícios a ca valo Fizeram desta praça tranqüila mantida sempre escrupulosamente limpa uma autêntica estrebaria É verdade que nós tentamos às vezes sair às pressas das nossas lojas para retirar pelo menos o grosso da sujeira mas isso ocorre com uma freqüência cada vez menor pois o esforço é inútil e além disso corre mos o perigo de cair sob as patas dos cavalos selvagens e de ser feridos pelos chicotes Com os nômades não se pode falar Eles não conhecem a nossa língua na realidade quase não têm um idioma próprio Entendemse entre si de um modo semelhante ao de gralhas Para eles nossa maneira de viver nossas institui ções são tão incompreensíveis quanto indiferentes Conseqüentemente recusam qualquer linguagem de sinais Você pode deslocar as mandíbulas e destroncar as mãos que eles não o compreendem nem nunca irão compreender Muitas ve zes fazem caretas mostram então o branco dos olhos e a baba cresce na boca mas com isso não querem dizer alguma coisa nem assustar ninguém fazemno porque é essa a sua maneira de ser Aquilo de que precisam eles pegam Não se pode afirmar que empreguem a violência Ante a sua intervenção as pessoas se põem de lado e deixam tudo para eles Também das minhas provisões eles levaram uma boa parte Mas não posso me queixar quando vejo por exemplo o que acontece ao açougueiro em frente Mal ele traz as suas mercadorias tudo já lhe foi tirado e engolido pelos nômades Os cavalos deles também comem carne muitas vezes um cavaleiro fica ao lado do Claretiano Centro Universitário 31 U1 Intróito seu cavalo e os dois se alimentam da mesma posta de carne cada qual por uma extremidade O açougueiro é medroso e não ousa acabar com o fornecimento Mas nós entendemos o que se passa recolhemos dinheiro e o ajudamos Se os nômades não recebessem carne quem é que sabe o que lhes ocorreria fazer De qualquer maneira quem é que sabe o que lhes vai ocorrer ainda que recebam carne diariamente Não faz muito o açougueiro pensou que podia ao menos se poupar do esforço do abate e uma manhã trouxe um boi vivo Isso não deve se repetir Fiquei bem uma hora estendido no fundo da oficina com todas as roupas cobertas e almofadas empilhadas em cima de mim para não ouvir os mugidos do boi que os nômades atacavam de todos os lados para arrancar com os dentes pedaços de sua carne quente Quando me atrevi a sair já fazia silêncio há muito tempo como bêbados em torno de um barril de vinho eles estavam deitados mortos de cansaço em torno dos restos do boi Justamente nessa época acreditei ter visto o imperador em pessoa numa janela do palácio em geral ele nunca vem a esses aposentos externos vive sempre no mais interno dos jardins mas desta vez pelo menos assim me pareceu ele estava em pé junto a uma das janelas olhando de cabeça baixa o movimento diante do seu castelo O que irá acontecer todos nós nos perguntamos Quanto tempo vamos suportar esse peso e tormento O palácio imperial atraiu os nômades mas não é capaz de expulsálos Os portões permanecem fechados a guarda que antes entrava e saía marchando festivamente mantémse atrás de janelas gradeadas A nós artesãos e comerciantes foi confiada a salvação da pátria mas não esta mos à altura de uma tarefa dessas nem jamais nos vangloriamos de estar É um equívoco e por causa dele vamos nos arruinar KAFKA 1999 p 2426 Glosa O pequeno conto transcrito um exemplar típico do universo de kafka apresenta a situação fictícia protótipo da situação real Se pudéssemos distender o arquivo da história de modo a deixar sobressair os gritos não ouvidos as vozes roucas e abafadas ve rificaríamos sem muito esforço que ao longo dos séculos muitos oprimidos repetiram a pergunta final do conto do escritor tcheco até quando vamos suportar O narrador de Uma folha antiga vive o cotidiano de uma ci dade dominada por gente estrangeira desconhecida despropor cional Não que isso fosse de se notar a princípio O trabalho co tidiano dos moradores da cidade deve seguir o seu ritmo normal não há dúvida quanto a isso O incômodo somente toma corpo quando já não é mais possível ignorar a invasão dada a sujeira e o Filosofia Política 32 cheiro da praça principal cheia de estrume Fossem os estrangeiros pouco mais discretos talvez nem fossem notados Mas o estarda lhaço dos cavalos a galope unido ao alvoroço de seus cavaleiros que afiam espadas e bradam chicotes não deixa passar desperce bida a presença infortuna Logo de início o conto deixa entrever a distância que se in terpõe entre os moradores da cidade e o novo governo instaurado pelos nômades impossível qualquer comunicação ou mesmo con tato impossível resistir à sua força A experiência tem demonstra do que nesses casos o melhor a se fazer é aceitar o mais rápido a nova situação sem perder tempo com perguntas inúteis sem se deixar levar por sentimentos arredios e procurar se adaptar ao novo estilo de vida questões e pulsões de fato só resultam em depressão ou castigo desperdício que é melhor evitar A gente aguenta a vida ainda vale a pena O conto traz à tona uma relação de poder capilar em que do minação e opressão reclinam virgens em lados opostos No novo ambiente da cidade nenhuma organização política tem lugar Uma única tentativa tem em vista ajudar um morador que possui ainda maior má sorte A situação do açougueiro comove provoca a mo bilização dos demais comerciantes da praça mas se obtém desta que a sua desgraça isso ocorre por efeito de uma função didática demonstrar que a situação de um morador da cidade pode sempre piorar Em todo caso uma ajudinha sempre é bemvinda espe cialmente se colaborar com o fornecimento de carne e com a paz social Os nômades comem carne Os cavalos também Comem no mesmo prato dividindo às vezes uma mesma posta de carne viva ou morta isto não pode ser ignorado quem devora um boi vivo por que não iria comer um morador desavisado que atravessasse a praça no momento errado Aproximarse de alguém que pode assim engolir assusta até aos mais destemidos Chicotes e patas de cavalo exercem o fascínio que mantém a distância mas nem sempre os instrumentos de poder são tão visíveis Ameaça e as Claretiano Centro Universitário 33 U1 Intróito sédio moral assustam as almas mais sensíveis e se encaixam como peças acessórias e móveis nos radicais livres das estruturas que engrossam o poder quem ousaria desafiar os estrangeiros quem ousaria levantar a voz Escutariam os nômades algum conselho pessoas simples um açougueiro um sapateiro um lixeiro Aí cabe só um tipo de política manca resignação Se os estrangeiros todavia quiserem se perpetuar no gover no da cidade por um período longo de tempo devem ser mais es pertos e aprender a falar a língua do povo de modo a discursarem e convencerem que o seu domínio é necessário Não custa nada lembrar a lição de Hobbes mesmo os mais fortes podem sucumbir diante dos mais fracos se estes são capazes de atacar os primei ros num momento de desatenção ou fragilidade Leviatã Primeira Parte capítulos xiii e xiV A garantia de conservação do poder de pende da sagacidade dos nômades que devem até chegar ao cú mulo de incentivar a participação popular nos negócios públicos quiçá através do sufrágio Assim os moradores se sentirão úteis e reconhecerão na dominação o reflexo de sua vontade soberana 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos estuda dos para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Edu cação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas desco bertas com os seus colegas Filosofia Política 34 Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 O que é política 2 qual a diferença entre política e politicagem 8 CONSIDERAÇÕES Procuramos nesta unidade introduzir nosso tema Na pró xima unidade ficaremos com a Filosofia Política na Antiguidade Conheceremos os pensamentos de Sócrates Platão e Aristóteles a respeito da política 9 ereferênCia LiGóRiO S Eleição é coisa séria Disponível em httpwwwvidaempoesiacombr linguagemeleicaohtm Acesso em 28 mar 2012 10 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS CHAUí M Introdução à história da filosofia dos présocráticos a Aristóteles São Paulo Companhia das Letras 2002 CORBiSiER R Filosofia política e liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1975 DALLARi D A O que é participação política São Paulo Brasiliense 1994 kAFkA F Um médico rural pequenas narrativas Tradução de Modesto Carone São Paulo Companhia das Letras 1999 MAAR W L O que é política São Paulo Brasiliense 1994 EAD 2 Filosofia Política na Antiguidade 1 OBJETIVOS Compreender as condições de nascimento da Filosofia Política e o seu estatuto Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS O conceito de política e a experiência da democracia Platão e a cidade justa Aristóteles e o bem comum como finalidade da vida po lítica 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 36 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Embora não tenhamos neste CRC dedicado espaço a correntes filosóficas do período helênico tais como o epicurismo o estoicismo ou o ceticismo aquele que quiser estudar a fundo a experiência política na filosofia antiga não pode negligenciálas Muito menos esquecer as influências que marcaram a passagem da Antiguidade à idade Medieval tais como os discursos de Marco Túlio Cícero e outros pensadores do império Romano 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na primeira unidade procuramos compreender o contexto da Filosofia Política bem como nos ambientar com as discussões sobre o conceito de política e a organização do poder Nesta unida de a partir das vicissitudes da história grega veremos como estão vinculados o conceito de política e a experiência da democracia Estudaremos ainda os dois principais filósofos do período que costumamos denominar como Antiguidade Platão e Aristóteles Por fim veremos como esses dois pensadores abordaram os te mas relacionados à política e à organização da vida em sociedade Claretiano Centro Universitário 37 U2 Filosofia Política na Antiguidade 5 CONCEITO DE POLíTICA E ExPERIêNCIA DA DEMO CRACIA Se quisermos ser fiéis aos principais livros de história uni versal precisamos indicar a Grécia Antiga como o berço do que atualmente entendemos por política O próprio conceito de políti ca está atrelado à experiência grega de fundação da pólis e de sua coordenação e organização A partir dos fins do século 8º aC certos agrupamentos ini ciam a construção de cidadelas para proteção contra inimigos constituindo governos centralizados A passagem de uma cultura agrária desarticulada e fundada sob a propriedade territorial à ins tituição de uma oligarquia urbana fundada economicamente sob o artesanato e o comércio auxilia a constituição de novas cidades Um novo modelo de organização política surge então a Cidade Estado O período clássico da cultura política grega virá no entan to somente alguns séculos depois Do século 6º aC ao século 5º aC algumas reformas realizadas por Clístenes Efialtes e Péricles inauguram um novo regime de governo que será conhecido pelo nome de democracia Em Atenas surge o governo do povo pelo povo pautado por princípios de liberdade e igualdade As decisões importantes são tomadas em assembleias populares nas quais to dos têm o direito à palavra e ao voto todos aqueles que eram considerados cidadãos isto é os homens livres atenienses Os car gos de magistratura e administração da cidade tornamse acessí veis a todos os cidadãos interessados preenchidos mediante um procedimento de sorteio e prova de habilidades Mesmo os mais pobres podem a eles concorrer uma vez que a investidura garantia a sobrevivência da família por meio de uma remuneração Surgem ainda as obrigações para os governantes na medida em que ne cessitam prestar contas das suas administrações Filosofia Política 38 Aliadas ao desenvolvimento político e de um império marí timo tanto a economia como a vida intelectual e artística passam por um período de grande efervescência Este é o século de sofis tas ilustres como Protágoras e Górgias o século de Sócrates e o século de renomados escritores trágicos como Ésquilo Sófocles e Eurípides O período perdura até o esgotamento com a Guerra do Pe loponeso e o domínio final por Filipe e Alexandre da Macedônia Tucídides historiador grego incomodado com os acontecimentos da época constatando a degeneração do regime democrático ateniense e sua incapacidade em conduzir a guerra e gerir seus problemas internos registra suas impressões num livro intitulado História da Guerra do Peloponeso livro que será posteriormente traduzido para a língua inglesa por Thomas Hobbes Platão nasci do na segunda metade do século 5º aC assiste ao declínio da ex periência democrática grega e sua filosofia levará em consideração o sabor amargo que dela restou Vamos agora nos ocupar de Platão e Aristóteles 6 PLATÃO E A CIDADE JUSTA Consternado pela condenação à mor te do mais justo dos cidadãos de Atenas e pela corrupção que assolava a cidade grega e a levaria definitivamente à ruína Platão pre tende erigir uma Filosofia Política sob uma base científica sólida Os acontecimentos de sua época exigem um esforço para se pen sar uma política distinta daquela preconiza da pelos sofistas amantes da retórica e das técnicas de oratória mas negligentes com relação ao compromisso com a verdade A constituição de uma cidade em que se possa bem viver supõe uma ciência do político Figura 1 Platão 428427 348347 Claretiano Centro Universitário 39 U2 Filosofia Política na Antiguidade Platão expõe sua teoria sobre a política basicamente em três obras na República no Político e nas Leis Contudo podemos no tar que sua Filosofia Política possui uma relação visceral tanto com a sua ética quanto com toda a sua teoria do conhecimento Neste momento vamos nos ater somente aos aspectos mais importan tes para compreendermos a teoria política platônica Para aqueles que desejarem um estudo mais aprofundado do tema aconselha mos que recorram à história da filosofia antiga No Político ao final de uma longa discussão que segue o ca minho de uma dialética ascendente Platão traz uma definição até hoje muito utilizada Política seria a ciência que sabe reunir os con trários separar os diferentes e juntar os semelhantes e transfor mar a discórdia em concórdia O político seria então aquele que domina a ciência da proporção e da harmonia Será na República no entanto que Platão exporá de modo detalhado o que entende por política e por justiça oferecendo um modelo de cidade ideal Para facilitar a compreensão da Filosofia Política platônica propomos iniciar o seu estudo pela leitura do seguinte parágrafo do Livro ii da República 369b370c Sócrates assim conduz o seu diálogo com Adimanto Ora disse eu uma cidade tem a sua origem segundo creio no fato de cada um de nós não ser autosuficiente mas sim ne cessitado de muita coisa Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razão Por nenhuma outra respondeu Assim portanto um homem toma outro para uma necessidade e outro ainda para outra e como precisariam de muita coisa reú nem numa só habitação companheiros e ajudantes A essa associa ção pusemos o nome de cidade Não é assim Absolutamente Mas se uma pessoa participa numa sociedade com outra se dá ou recebe algo é na convicção de que isso é melhor para ela Certamente Ora vamos lá disse eu Fundemos em imaginação uma cidade Serão ao que parece as nossas necessidades que hão de fundála Filosofia Política 40 Como não Mas por certo que a primeira e a maior de todas as necessidades é a obtenção de alimentos em ordem a existirmos e a vivermos inteiramente A segunda é a habitação a terceira o vestuário e coisas no gê nero Assim é Ora prossegui Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador outro pedreiro outro tecelão Acrescentarlhes emos também um sapateiro e qualquer outro artífice que se ocu pe do que é relativo ao corpo Com toda certeza Logo o mínimo que se pode chamar uma cidade compõese de quatro ou cinco homens Assim parece E agora Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio para ser comum a todos Por exemplo o lavrador sozinho fornecerá trigo para quatro e gastará o quádruplo do tempo e do esforço com a obtenção do trigo para partilhar com os outros ou preocuparseá apenas consigo e preparará a quarta parte deste trigo na quarta parte do tempo e os outros três quartos gastá losá um na construção de uma casa outro na confecção de um manto outro ainda de calçado e sem partilhar com os outros terá as suas coisas fazendo por si mesmo o que é seu Adimanto declarou Talvez seja mais fácil do primeiro modo que do segundo ó Sócrates Por Zeus que nada me admira disse eu Ao ouvirte falar pen so também que em primeiro lugar cada um de nós não nasceu igual ao outro mas com naturezas diferentes cada um para a exe cução de sua tarefa Ou não te parece Pareceme Como assim Uma pessoa fará melhor em trabalhar sozinho em muitos ofícios ou quando for só um a executar um quando for só um a executar um Mas julgo eu que é também evidente que se alguém deixar fugir a oportunidade de fazer uma coisa perdea É evidente Claretiano Centro Universitário 41 U2 Filosofia Política na Antiguidade É que creio eu a obra não espera pelo lazer do obreiro mas força é que o obreiro acompanhe o seu trabalho sem ser à maneira de um passatempo É forçoso Por conseguinte o resultado é mais rico mais belo e mais fácil quando cada pessoa fizer uma só coisa de acordo com a natureza e na ocasião própria deixando em paz as outras 2001 O texto fala por si mesmo De acordo com Platão uma cida de existe para que os homens possam coordenar os seus traba lhos e viver melhor quanto mais correta for a divisão de ofícios no interior de uma cidade melhor ela estará organizada e de maior harmonia gozará A conclusão encontrada por Sócrates e seu interlocutor le vará a uma série de outras consequências teóricas O conceito de justiça será definido tendo em vista o cenário de uma cidade justa Nela cada um desempenha a sua função Uma ordem proporcio nal nos leva a crer que numa cidade justa cada um deve ocuparse de uma tarefa aquela para a qual está mais preparado E numa cidade assim concebida a finalidade da política não será o exercí cio puro e simples do poder mas a realização da justiça para o bem comum da comunidade de homens reunidos pela cidade A quem Platão entregaria o governo de uma cidade que se pretenda justa quem poderia conhecer a totalidade das funções coordenar as diferenças saber em que consiste o bem da cidade O governo de uma cidade deverá ser exercido por aquele que es teja mais preparado para a função o filósofo Já podemos entender então por que o conceito de uma ci dade justa está aliado ao conceito de alma justa O princípio é o mesmo a melhor parte deve governar a pior Assim como a parte racional deve dominar a parte irracional da alma coisa que se con clui por exemplo da leitura do Mito do Cocheiro exposto no Fe dro uma elite intelectual deve orientar o funcionamento de uma cidade para que ela atinja a sua finalidade qual seja proporcionar uma vida boa a seus componentes Filosofia Política 42 Tendo em vista o seu conceito de uma cidade justa e as dife rentes classes de uma sociedade Platão sugere um extenso pro grama educacional para que se determine a que função deve cada um se dedicar Embora pareça anacrônico o projeto platônico po demos nele visualizar certas inovações importantes não há mais distinção entre crianças de diferentes classes sociais nem entre meninos e meninas Uma mesma educação deve ser dada a todas as crianças que serão selecionadas segundo sua natureza e suas habilidades ao final de cada etapa do curso de aprendizado As menos dotadas pertencerão à classe dos agricultores artesãos e comerciantes outras pertencerão à classe dos guardiães e guerrei ros e apenas as que se saírem melhor poderão estudar as ciências de formação do raciocínio e se tornarem magistrados para a admi nistração pública Se notarmos bem o programa para a educação das crianças em uma cidade justa está intimamente vinculado à teoria do co nhecimento As etapas de formação seguem não somente a divi são interna de classes de uma cidade organizada como a estrutura dos modos de conhecer a preparação do espírito para que con temple a verdade De início todas as crianças recebem a mesma educação ginástica e dança jogos pedagógicos para iniciação na leitura e na matemática poesia épica Aos sete anos passando por um processo de seleção as mais bem dotadas seguirão seus estu dos sendo alfabetizadas e aprendendo artes marciais e técnicas de luta Aos vinte anos uma nova seleção distingue as mais bem dotados Alguns seguirão pelo estudo das matemáticas astrono mia e da música ciências das grandezas proporcionais estáveis Aos trinta e cinco anos serão submetidos a nova prova e somente os que se mostrarem mais aptos deverão seguir adiante estudan do ética física política dialética Aos cinquenta anos se aprova dos os alunos estarão aptos a pertencerem à classe dos magistra dos e dirigentes políticos Esses são os filósofos capazes de usar a razão com todo o seu esplendor conhecer as ideias perfeitas conhecer o bem em si O Claretiano Centro Universitário 43 U2 Filosofia Política na Antiguidade amor à verdade e o esforço pelo conhecimento do mundo inteligível serão os traços distintivos de uma classe apta a organizar o funcio namento de uma cidade e conduzila pelos caminhos do bem Essa é a conclusão de Sócrates em República 473d473e Enquanto não forem ou os filósofos reis nas cidades ou os que agora se chamam reis e soberanos filósofos genuínos e capazes e se dê esta coalescência do poder político com a filosofia enquanto as numerosas naturezas que atualmente seguem um destes caminhos com exclusão do outro não forem impedidas forçosamente de o fa zer não haverá trégua dos males meu caro Gláucon para as cidades nem sequer julgo eu para o gênero humano nem antes disso será jamais possível e verá a luz do sol a cidade que há pouco descreve mos Mas isto é o que eu há muito hesitava em dizer por ver como seriam paradoxais essas afirmações Efetivamente é penoso ver que não há outra felicidade possível particular ou pública 2001 7 ARISTóTELES E O BEM COMUM COMO fINALIDA DE DA VIDA POLíTICA Ética e política possuem uma vigorosa im bricação em Aristóteles A cidade será o local privilegiado da vida virtuosa e o político exem plar será aquele afeto à disposição da prudên cia As páginas de Ética a Nicômaco serão não somente a principal referência para a compre ensão de uma ética prática segundo a qual a virtude consiste na escolha do justo meio en tre dois extremos encontrado pela prudência educado pelo hábito mas também serão responsáveis pela passa gem da ética à política Essa passagem é realizada pela introdução de um conceito que parece ter sido esquecido ao longo da história da filosofia a amizade Já não acreditamos mais no amor desinteressado e a gasta palavra amizade usada à exaustão por discursos maliciosos já não comove tanto quanto no seu frescor inicial Para os gregos no entanto a amizade continha ainda um sabor especial Figura 2 Aristóteles 384322 Filosofia Política 44 Os livros Viii e ix da Ética a Nicômaco a ela se dedicam distinguindo o vício da virtude akrasía a incontinência falta de domínio sobre si e philía amizade Enquanto a amizade consiste na benevolência na busca do prazer do outro na entrega desin teressada o vício busca obter o próprio prazer sempre de modo imoderado e arbitrário por vezes mascarandose de amizade para ludibriar e conseguir uma maior vantagem Por isso para Aristóte les a amizade só pode existir entre prudentes e virtuosos entre aqueles que são semelhantes no desejo de fazer bem a outrem Assim entendemos o porquê da passagem da vida ética à vida política Muito natural que os homens virtuosos e dados à amizade se unam em busca de um bem comum A amizade será então ao mesmo tempo condição e consequência da vida em co munidade argamassa na construção da vida justa e feliz A principal obra de Aristóteles no que diz respeito à Filosofia Política no entanto traz como título A Política No decorrer dos livros que integram o corpo da obra o filósofo oferece uma análise detalhada do que vem a ser a constituição de uma sociedade polí tica e quais são as suas características Entre os mais relevantes princípios legados à história do pensamento político do Ocidente encontrase aquele segundo o qual o homem é um animal político por natureza zóon poliktikon Sendo um animal gregário como as abelhas e as formigas todo homem possui uma inclinação natural à vida em comunidade Po demos ler no livro primeiro capítulo 1 de A Política Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem Todas as socie dades pois se propõem qualquer lucro sobretudo a mais impor tante delas pois que visa a um bem maior envolvendo todas as demais a cidade ou sociedade política É evidente pois que a cidade faz parte das coisas da natureza que o homem é naturalmente um animal político destinado a viver em sociedade e aquele que por instinto e não porque qualquer circunstância o inibe deixa de fazer parte de uma cidade é um ser vil ou superior ao homem 1988 Claretiano Centro Universitário 45 U2 Filosofia Política na Antiguidade Há uma tendência natural no homem para a vida comunitá ria Sendo carente ele precisa da companhia dos outros homens não somente para suprir suas necessidades básicas mas para al cançar a completude a que aspira Não é possível ao homem ser feliz sozinho O ser humano só se realiza em comunidade Ainda que existam comunidades cronologicamente anterio res às cidades tais como as famílias ou as pequenas aldeias Aris tóteles acredita que a comunidade propriamente dita só se cons titua na cidade na comunidade política Será a cidade constituída com a finalidade do bem comum e da vida justa o paradigma do seu programa político Mas atente para o seguinte Embora a Cidade seja natural isso não significa que a natureza a produza espontaneamente Assim como a phýsis dá ao indivíduo o desejo isto é a inclinação natural para o bem mas a ética precisa intervir como ação voluntária e deliberada para que essa finalidade seja alcançada por meio das virtudes assim também o Estado ou pólis nasce da ação deliberada e voluntária dos homens e por isso a política não é uma ciência teorética e sim uma ciência prática em que a ação tem a si mesma como seu fim Assim como ninguém nasce virtuoso mas se torna virtuoso assim também ninguém nasce cidadão mas se torna cidadão pela educação que atualiza a inclinação potencial e natural dos homens à vida comunitária ou social CHAUí 2002 p 467 O homem precisa então tornarse um cidadão Mas note que para Aristóteles a palavra cidadão difere substancialmente em sentido do que entendemos atualmente pelo termo Para o filósofo cidadão era aquele que efetivamente participava da polí tica excluídos as mulheres as crianças os idosos os estrangeiros e os escravos Os direitos políticos só eram destinados a uma mi noria que participava diretamente do governo seja participando das discussões públicas seja decidindo rumos para a condução dos negócios públicos A adoção de um regime de governo será definida pela quan tidade de cidadãos que ocuparem o poder soberano Se for o go verno de um só cidadão será ele a realeza Se for de alguns será a Filosofia Política 46 aristocracia Se for de todos será a república A degeneração pelos vícios gera contudo versões corrompidas dos governos perfeitos A realeza convertese em tirania a aristocracia em oligarquia a república em democracia Antes de terminarmos esta unidade convém salientar um aspecto do pensamento aristotélico caro às teorias da justiça que se seguirão independentemente de sua constituição a cidade existe para que os homens tenham condições de gozar de uma vida jus ta e harmoniosa Na avaliação das cidades um critério tem proe minência a justiça Uma cidade justa segundo Aristóteles deve tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade Tratar a todos com absoluta igualdade não contempla as exigên cias da justiça Uma distribuição proporcional dos bens deve ter o princípio da justiça como fio condutor Por isso duas instituições de justiça são necessárias às cida des uma justiça distributiva e outra comutativa A primeira realiza a partilha dos bens disponíveis tratando a cada um segundo os ditames da proporcionalidade A segunda corrige os erros da pri meira estabelecendo leis e aplicando regras do direito e penalida de aos delinquentes 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 quais os principais elementos do surgimento da democracia na Grécia An tiga 2 Como pensar o conceito de política para Platão 3 Como pensar o conceito de política para Aristóteles 4 É possível comparar democracia contemporânea e democracia clássica Claretiano Centro Universitário 47 U2 Filosofia Política na Antiguidade 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade trabalhamos com a Filosofia Política na Anti guidade Na próxima unidade estudaremos a Filosofia Política na idade Média Conheceremos os pensamentos de Agostinho e To más de Aquino a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Platão 428427348347 Disponível em httpwwwdialogocomosfilosofos combrcategoryplatao Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Aristóteles 384322 Disponível em httpwwwfilosofiaonlinecom filosofiatagaristoteles Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS ARiSTóTELES A política Tradução de Nestor Silveira Chaves Rio de Janeiro Ediouro 1988 Ética a Nicômaco Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim São Paulo Abril Cultural 1973 v 4 Coleção Os pensadores CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CHAUí M Introdução à história da filosofia dos présocráticos a Aristóteles São Paulo Companhia das Letras 2002 COULANGES F A cidade antiga Tradução de Fernando de Aguiar São Paulo Martins Fontes 1998 HATZFELD J História da Grécia Antiga Tradução de Cristóvão dos Santos 3 ed Lisboa Publicações EuropaAmérica sd PLATãO A república Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2001 O político in diálogos Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa São Paulo Nova Cultural 1991 Coleção Os pensadores Leis in diálogos Tradução de Carlos Alberto Nunes Belém Universidade Federal do Pará 1980 v xiixiii REALE G História da filosofia antiga das origens a Sócrates Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1993 v 1 História da filosofia antiga Platão e Aristóteles Tradução de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 2 Filosofia Política 48 História da filosofia antiga os sistemas da era helenística Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 3 RUBY C Introdução à filosofia política Tradução de Maria Leonor F R Loureiro São Paulo Editora Unesp 1998 VERNANT J P Entre mito e política Tradução de Cristina Murachco São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2002 EAD 3 Filosofia Política na Idade Média 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na idade Média Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS Agostinho e a Cidade de Deus Tomás de Aquino e a pedagogia da lei divina Texto complementar Agostinho Texto complementar Tomás de Aquino 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 50 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento são alguns dos atributos que você precisa adquirir e cul tivar para que possa expandir seus conhecimentos Cabe ressaltarmos que cada exercício realizado representa um momento em que você exercita o seu poder de compre ensão e análise de conceitos de interpretação de textos e de síntese seu senso crítico e suas habilidades inter pessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na unidade anterior pudemos compreender as condições de nascimento da Filosofia Política e o seu estatuto Discutimos o conceito de política e a experiência da democracia Analisamos também do ponto de vista político os principais pensamentos filo sóficos do período a cidade justa Platão e o bem comum como finalidade da vida política Aristóteles Claretiano Centro Universitário 51 U3 Filosofia Política na Idade Média Vamos agora iniciar o estudo da Filosofia Política no perío do medieval da história Mas por que dedicar uma unidade à filo sofia medieval Não é ela toda obscura fundada sob uma metafí sica improvável dominada pelos interesses do poder eclesiástico àqueles que possuem uma tendência a suprimila uma advertên cia se faz oportuna é estupidez tratar toda a idade Média como uma grande vala da história ou acreditar que todos os pensadores do seu período disseram o mesmo Adiante Vamos ver como dois dos principais filósofos da idade Média pensaram a política Embora suas teorias pouco se jam utilizadas pelos filósofos que atualmente se dedicam aos pro blemas da política contemporânea veremos como foram impor tantes na história do pensamento ocidental Ao final da unidade você encontrará dois textos comple mentares Sugerimos a leitura de ambos Trata o primeiro texto de um capítulo retirado do livro A ci dade de Deus de Agostinho O filósofo referese à ética enquanto condição e fundamento de uma cidade perfeita à busca do bem e à relação entre filosofia e felicidade Notemos como Agostinho se utiliza da obra platônica para os seus próprios fins e como a filo sofia ainda aparece atrelada à procura da felicidade O segundo texto complementar reproduz um trecho de Suma Teológica de Tomás de Aquino Por ele podemos visualizar o método pedagógico do filósofo e compreender a utilidade das leis humanas para organização do espaço coletivo Notemos aí como a política já está efetivamente dominada pelo jurídico e pela prima zia da confecção das leis Filosofia Política 52 5 AGOSTINhO E A CIDADE DE DEUS A influência do pensamento de Agostinho não pode ser desmerecida Poucos escritores marcaram de modo tão decisivo a história e a cul tura de uma época A sua imensa obra intitulada A cidade de Deus foi durante um longo período durante séculos uma referência inescusável não somente quanto a pontos controversos da teo logia mas também quanto à compreensão da história universal e da Filosofia Política Agostinho preocupase menos com a constituição política das cidades onde viviam os homens e mais com estabelecer dis tinções entre as realidades materiais e espirituais No prefácio de A cidade de Deus capítulo que pretende definir o motivo e o ar gumento da obra lemos o anúncio da existência de uma cidade diversa da cidade fundada pelos homens A gloriosíssima Cidade de Deus que no presente decurso do tem po vivendo da fé faz sua peregrinação no meio dos ímpios que agora espera a estabilidade da eterna morada com paciência até o dia em que será julgada com justiça e que graças à sua santida de possuirá então por uma suprema vitória a paz perfeita tal é Marcelino meu caríssimo filho o objeto desta obra Todos os homens vivem numa realidade temporal e terrena mas há alguns que se destacam por um vínculo especial e formam assim uma cidade eterna e celeste Os homens que amam a Deus são unidos pelo amor que têm por ele e unidos entre si pelo vínculo do mesmo amor indepen dentemente das fronteiras criadas pelos povos e línguas Assim como os homens unidos pelo vínculo civil se organizam em cida des tendo em vista um mesmo bem os bens necessários à vida e a paz os homens unidos pela busca de um mesmo bem superior o amor divino e a beatitude sejam eles do tempo presente passa do ou futuro formam uma cidade diversa cidade que receberá o nome de Cidade de Deus Figura 1 Agostinho de Hipona 354430 Claretiano Centro Universitário 53 U3 Filosofia Política na Idade Média Para melhor compreender o que quer dizer Agostinho com a expressão que dá o título da obra vejamos alguns trechos do Livro xi capítulo i Chamamos Cidade de Deus àquela de que dá testemunho a Escritu ra que não devido a movimentos fortuitos dos ânimos mas antes devido a uma disposição da Suma Providência ultrapassando pela sua divina autoridade todas as literaturas de todos os povos aca bou por subjugar toda espécie de humanos engenhosos Com estes testemunhos e outros que tais que seria longo citar sa bemos que há uma Cidade de Deus da qual aspiramos ser cidadãos movidos pelo amor que o seu fundador infundiu em nós A este fundador da cidade santa preferem os cidadãos da Cidade Terrestre os seus próprios deuses Vou tratar de expor a origem o desenvolvimento e os fins destas duas cidades a terrena e a celeste que estão como disse interliga das e de certo modo misturadas uma na outra no século presente A história da humanidade é a história das relações entre as duas cidades Os grandes acontecimentos aparecem aí como fa ses de um longo percurso conduzido por um plano de Deus com vistas à plenitude dos tempos Toda a história é atravessada por um mistério insondável reflexo de uma atuação ininterrupta da Providência Divina Embora as duas cidades permaneçam mescladas há uma realidade espiritual que as distingue Aqueles que se entregam ao amor divino vivem como eleitos no seio da sociedade terrena Segundo Agostinho as duas cidades permanecem juntas e serão separadas e distintamente constituídas no dia do Juízo Final Aqueles que pertencem à cidade divina são unidos por um sentimento que possui uma força capaz de criar laços comunitá rios o amor Um amor dirigido antes de tudo a Deus expressão do renunciar ao egoísmo que o pode contaminar Diz o Livro xiV capítulo xxViii da mesma obra Dois amores fizeram as duas cidades o amor de si até o desprezo de Deus a terrestre o amor de Deus até o desprezo de si a celeste Filosofia Política 54 Os homens foram criados por Deus e possuem uma vital ca pacidade de amar Os vícios frutos de uma vontade corrompida são contrários à natureza boa do homem Por isso todos os ho mens podem encontrar em si os fundamentos do amor e perten cer à cidade celeste Para que se tornem cidadãos de uma cidade magistral precisam descobrir o amor que há em si e dirigilo para a fonte do bem Agostinho sabe contudo que as exigências do amor não são fáceis de acolher O amor dirigido a Deus é também o que une os homens no século Ninguém pode utilizar o amor a Deus como desculpa para negligenciar a relação com aquele que está ao seu lado como membro de uma mesma comunidade humana e por que não dizer política Amar a Deus é amar aos homens e o Deus que neles habita 6 TOMÁS DE AQUINO E A PEDAGOGIA DA LEI DIVINA Tomás de Aquino quer basear sua Filoso fia Política em princípios de legalidade Há di versidade de leis e a relação entre leis de natu rezas distintas deve estabelecer os parâmetros da vida política e social Seguindo o rastro da metafísica aristotéli ca Tomás de Aquino pensará a ética do homem tendo como premissa que todo ser traz em si uma causa final toda forma possui um apetite natural que a direciona para determinado fim Observando os mo vimentos da natureza o filósofo acredita numa ordenação univer sal e racional todo ser criado possui uma finalidade Tal acontece com o homem O objeto necessário de sua von tade é o bem Todo homem deseja o bem todos os homens são iguais no desejo do fim último a beatitude Há porém uma ca racterística humana que o distingue dos outros seres O homem Figura 2 Tomás de Aquino 12251274 Claretiano Centro Universitário 55 U3 Filosofia Política na Idade Média possui uma vontade livre podendo escolher livremente os meios que conduzam àquele fim Ocorre que o homem na procura do bem que concretize seu fim beatífico pode escolher meios inadequados Sendo imperfeito o homem pode escolher voluntariamente um mau caminho ou pode errar quanto à escolha do melhor caminho desviandoo de sua fina lidade Essa é a dinâmica da vida humana Há vícios que corrompem tanto a inteligibilidade quanto a fidelidade da vontade Aí vemos mais uma vez como a confiança na razão marca a história do pensamento ocidental Na dinâmica da vida humana a virtude primordial seria a disposição para o agir conforme a razão Pelo uso da razão o homem chega ao caminho das virtudes e sua liberdade antes de dificultar o seu acesso à beatitude o auxilia inteligência e vontade obedecem à reta finalidade e aprendem das três virtudes morais basilares justiça temperança e fortaleza Elas devem regular toda conduta humana seja ela interna ou externa Como entender então o papel das leis humanas Segundo Tomás de Aquino as leis cumprem uma relevante função na me dida em que visam nortear a vida externa do homem que vive em comunidade Uma comunidade sem leis seria uma comunidade caótica fadada ao fracasso Frutos da razão as leis devem tornar a terra habitável Tendo como finalidade uma comunidade perfeita as leis devem servir ao bem comum a felicidade e o bemestar de toda a coletividade Mas ainda que exista um fundo comum no qual se apóiem todas as leis elas devem emanar de cada comuni dade distinta ou de uma pessoa que legitimamente a represente Cada comunidade possui características próprias que não podem ser desprezadas na elaboração das leis Dito isso poderíamos perguntar o que vem a ser esse fundo comum de toda lei humana Como definilo O rosto da filosofia de Tomás de Aquino somente aparecerá na resposta à questão sendo Deus o governador da primeira e maior das comunidades há uma lei eterna da qual devem emanar todas as leis humanas Filosofia Política 56 Há uma lei eterna proveniente de Deus e essa lei se manifes ta na natureza humana de um modo particular O homem dota do de consciência participa da razão divina pelo que conhecemos como lei natural Todo homem possui em si uma inscrição da lei eterna conhecida como lei natural Vejamos como a tese aparece na Suma Teológica Parte ii questão 91 Artigos 1 e 2 Suposto que o mundo seja regido pela providência divina como se mostrou na Parte i é manifesto que toda a comunidade do univer so é governada pela razão divina E assim a própria razão do go verno das coisas em Deus como existindo no príncipe do universo tem razão de lei Como acima foi dito a lei dado que é regra e medida pode estar duplamente em algo de um modo como no que regula e mede de outro como no regulado e medido porque enquanto participa algo da regra e medida assim é regulado e medido Por isso como todas as coisas que estão sujeitas à providência divina são reguladas e medidas pela lei eterna como se evidencia do que foi dito é manifesto que todas participam de algum modo da lei eterna enquanto por impressão dessa têm inclinações para os atos e fins próprios Entre as demais a criatura racional está sujeita à providência divina de um modo mais excelente enquanto a mes ma se torna participante da providência promovendo a si mesma e aos outros Portanto nela mesma é participada a razão eterna por meio da qual tem a inclinação natural ao devido ato e fim E tal participação da lei eterna na criatura racional se chama lei natural Todas as leis derivam de uma mesma fonte a lei eterna As leis humanas devem na medida do possível refluir da lei natural inscrita no coração do homem por Deus Assim teremos uma so ciedade humana organizada conforme o seu fim Como lei natural suprema temos aquela que determina simplesmente faz o bem e evita o mal de uma regra assim constituída decorre o dever da autoconservação e da conservação da humanidade quanto à necessidade de uma lei eterna e divina Tomás de Aquino conclui na sua Suma Teológica Parte ii questão 91 Artigo 4 Além da lei natural e da lei humana foi necessário para a direção da vida humana ter a lei divina E isso por quatro razões Em primeiro lugar porque pela lei é dirigido o homem aos atos próprios em or dem ao fim último Claretiano Centro Universitário 57 U3 Filosofia Política na Idade Média Em segundo lugar porque em razão da incerteza do juízo humano precipuamente sobre as coisas contingentes e particulares aconte ceu haver a respeito dos diversos atos humanos juízos diversos dos quais também procedem leis diversas e contrárias Em terceiro lugar porque o homem pode legislar sobre aquelas coi sas das quais pode julgar O juízo do homem com efeito não pode ser sobre movimentos interiores que estão ocultos mas apenas sobre os atos exteriores que aparecem Em quarto lugar como diz Agostinho a lei humana não pode punir ou proibir todas as coisas que se praticam mal Os argumentos do filósofo são claros Uma lei divina é neces sária porque possui o homem um fim último e o seu fim excede a sua potencialidade humana para que o homem possa conhecer com segurança os melhores caminhos para que não somente os atos ex teriores mas os atos humanos interiores também sejam ordenados pela retidão porque não seria possível à lei humana prever todos os casos possíveis de males sem prejudicar a prática de atos bons Na visão de Tomás de Aquino para que tenhamos uma co munidade política ideal basta que os homens aprendam a escutar as leis naturais inscritas em sua razão e que as leis humanas sai bam exaurir sua força da lei divina 7 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Agostinho A Cidade de Deus Livro VIII capítulo VIII Também na filosofia moral os platônicos têm a primazia Resta a parte moral a Ética como se diz em grego que trata do Bem supremo a ele referimos tudo o que fazemos apetecêmolo não por ou tro mas por si mesmo pela sua posse termina toda a busca posterior de felicidade É por isso que também se chama fim porque é para ele que queremos os outros bens mas àquele queremolo por si mesmo Este bem beatífico uns dizem que vem ao homem do corpo outros da alma e outros dos dois conjuntamente Como viam que o homem é forma do de corpo e alma julgavam que quer o corpo quer a alma quer os dois conjuntamente é que podiam ser a origem do seu bem dum bem definitivo princípio da felicidade ao qual se reportava tudo o que faziam e não tive ram que buscar outra coisa a que referilo Filosofia Política 58 Aqueles pois que dizse acrescentaram uma terceira categoria de bens chamados extrínsecos como a honra a glória o dinheiro e outros que tais não se propunham de forma alguma fazer deles um bem final isto é de sejável por si próprio mas sim um bem desejado na mira de outro e assim este gênero de bens seria bom para os bons e mau para os maus Desta forma este bem do homem que uns exigem da alma outros do corpo ou tros do corpo e da alma todos eles pensaram que haveria de procurálo unicamente no homem Os que o esperavam do corpo esperavamno da parte menos nobre os que o esperavam da alma esperavamno da parte melhor os que o esperavam do corpo e da alma conjuntamente espera vamno do homem todo Mas quer seja duma parte ou do todo é apenas do homem que o esperam Estas diferenças embora sejam três não de ram origem a três mas a muitos sistemas ou seitas filosóficas porque acerca do bem do corpo acerca do bem da alma acerca do bem dos dois conjuntamente diversos filósofos emitiram diversas opiniões Cedam portanto todos estes filósofos que disseram que feliz não é o ho mem que goza do seu corpo que feliz não é o que goza da sua alma mas feliz é o que goza de Deus não como o espírito goza do seu corpo ou de si próprio nem como um amigo goza de um amigo mas como o olhar goza da luz se é que entre estas coisas alguma semelhança pode existir qual seja a sua natureza verseá em outro lugar na medida em que com a ajuda de Deus nos for possível Basta por agora recordar que segun do Platão o bem supremo consiste em viver conforme a virtude o que só pode ser alcançado por quem tem o conhecimento de Deus e procura imitálo não há outra causa que possa tornálo feliz Também não hesita em dizer que filosofar é amar a Deus cuja natureza é incorpórea Donde se segue que o desejoso de sabedoria que o mesmo é que dizer o filósofo só se torna feliz quando começa a gozar de Deus Certamente que se não é feliz pelo simples fato de que goza do que se ama muitos de fato são infelizes por amarem o que não deviam amar e mais infelizes ainda por dele gozarem Todavia ninguém é feliz se não goza do que ama Mesmo aqueles que amam o que não deve ser amado não se julgam felizes por amarem mas por gozarem Portanto quem goza daquele que ama e ama o verdadeiro e supremo bem quem senão o mais desgraçado negará que esse é feliz A esse verdadeiro e supremo bem dá Platão o nome de Deus Por isso é que diz que o filósofo é o que ama a Deus e porque a filosofia tende para a vida feliz é gozando de Deus que quem o ama é feliz 1993 Texto 2 Tomás de Aquino Suma teológica Parte II Questão 95 Artigo I Foi útil que algumas leis tenham sido impostas pelos homens Respondo Como fica claro pelo que foi dito está presente no homem natu ralmente a aptidão para a virtude ora é necessário que a própria aptidão da virtude sobrevenha ao homem por meio de alguma disciplina Assim como vemos que o homem recorre a alguma indústria em suas necessidades por exemplo no alimento e no vestir cujos inícios tem ele por natureza a saber a razão e as mãos mas não o próprio complemento como os demais ani mais aos quais a natureza deu suficientemente cobertura e alimento Para essa disciplina porém o homem não se acha por si mesmo suficiente com Claretiano Centro Universitário 59 U3 Filosofia Política na Idade Média facilidade Porque a perfeição da virtude consiste principalmente em afas tar o homem dos prazeres indevidos aos quais os homens são inclinados principalmente e maximamente os jovens em relação aos quais a disciplina é mais eficaz E assim é necessário que os homens obtenham tal disciplina por outro por meio da qual se chega à virtude E certamente quanto àqueles jovens inclinados aos atos da virtude em razão de uma boa disposição da natureza do costume ou mais ainda do dom divino é suficiente a discipli na paterna que se faz mediante os conselhos Mas porque se encontram alguns imprudentes e inclinados ao vício os quais não podem ser movidos facilmente com palavras foi necessário que pela força e pelo medo fossem coibidos do mal de modo que ao menos desistindo assim de fazer o mal aos outros tornassem tranqüila a vida e os mesmos por fim por força de tal costume fossem conduzidos a fazer voluntariamente o que antes cum priam por medo e assim se tornassem virtuosos Tal disciplina obrigando por medo da pena é a disciplina das leis Portanto foi necessário que as leis fossem impostas para a paz dos homens e a virtude 2005 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Agostinho 2 Como pensar o conceito de política para Tomás de Aquino 3 qual a atualidade dos problemas levantados pela Filosofia Política medieval 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade trabalhamos com a Filosofia Política na idade Média Na próxima unidade ficaremos com a teoria do pacto social e conheceremos os pensamentos de Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Agostinho de Hipona 354430 Disponível em httpinvestigacaofilosofica blogspotcombr201201deushomemmundoemagostinhodehiponahtml Acesso em 26 jun 2012 Filosofia Política 60 figura 2 Tomás de Aquino 12251274 Disponível em httpcesaraugustoliveira blogspotcombr201201santotomasdeaquinohtml Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS AGOSTiNHO S A cidade de Deus Tradução de J Dias Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1991 v 1 A Cidade de Deus Tradução de J Dias Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1993 v 2 AqUiNO T Suma teológica a bemaventurança os atos humanos as paixões da alma Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2003 v 3 Suma teológica os hábitos e as virtudes os dons do Espírito Santo os vícios e os pecados a pedagogia divina pela lei a lei antiga e a lei nova a graça Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2005 v 5 Suma teológica justiça religião virtudes sociais Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2005 v 6 BOEHNER P GiLSON E História da filosofia cristã desde as origens até Nicolau de Cusa Tradução de Raimundo Vier Petrópolis Vozes 1982 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 GiLSON E A filosofia na Idade Média Tradução de Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 2001 kOBUSCH T Org Filósofos da Idade Média uma introdução Tradução de Paulo Astor Soethe São Leopoldo Editora Unisinos 2005 EAD 4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política no Renascimento e na era das revoluções clássicas Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS Nicolau Maquiavel e o Estado forte Thomas Hobbes e o pacto social John Locke e a teoria liberal JeanJacques Rousseau e o Contrato Social Texto complementar Thomas Hobbes Texto complementar Thomas Jefferson Filosofia Política 62 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Um número considerável de autores da época teve como objeto de análise a complexidade dos fenômenos que envolveram a Revolução Francesa de 1789 e a emer gência do EstadoNação Vale a pena conhecer os escri tos de alguns deles tais como os de Sieyès Robespierre SaintJust e Edmund Burke 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na unidade anterior vimos como se deu o desenvolvimen to da Filosofia Política na idade Média com Agostinho cujo pen samento a este respeito está formulado na sua obra A cidade de Deus Outro pensador representativo da Filosofia Política medieval foi Tomás de Aquino com a sua tese sobre a pedagogia da lei di vina Claretiano Centro Universitário 63 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Ao longo dos séculos 16 17 e 18 um incontável número de pensadores dedicouse à compreensão dos fenômenos políticos que remexiam o panorama público europeu e americano Uma intensa produção de tratados políticos acompanha as transforma ções que determinam o início do que costumamos chamar de mo dernidade Nesta unidade priorizando o estudo de alguns dos seus principais representantes veremos como a teoria do pacto social marcou a história do pensamento político ocidental Cuidaremos em tópicos de Hobbes de Locke e de Rousseau conhecidos como contratualistas Embora não seja Maquiavel propriamente um pensador da teoria do pacto social iniciaremos esta unidade com um tópico a ele dedicado por considerálo um inescusável ante cedente de uma corrente que até hoje influencia o modo como entendemos as instituições políticas Tratase evidentemente de um recorte Alguns relevantes autores do período não estão aqui contemplados por isso suge rimos que o estudo desse fértil momento da história da Filosofia Política não se restrinja aos dados coletados neste material Tere mos uma visão bastante limitada se negligenciarmos obras de vital importância para a compreensão do contexto filosófico em pauta tais como as citadas a seguir No século 16 a Utopia de Thomas More livro de inspiração platônica em que o autor tenta redefinir a imagem de uma cidade ideal o Discurso da servidão voluntária de Etienne de La Boétie com sua crítica da obediência e os Seis livros da República de Jean Bodin uma grande obra de legitimação do poder político estatal fundamental ancestral teórica do princípio da soberania e do po der de legislar da concepção segundo a qual deve a lei se impor sobre direitos naturais ou costumeiros No século 17 Do direito da guerra e da paz de Hugo Grotius um livro de parentesco contratualista já preocupado com as rela ções do direito internacional relações entre Estados soberanos e com o respeito aos direitos do homem natural Filosofia Política 64 No século 18 O espírito das leis de Charles de Montesquieu e Investigações sobre a natureza e as causas das riquezas das na ções de Adam Smith Montesquieu contribui para a revitalização da distinção entre as espécies de governo e defende o princípio da separação dos poderes como única solução institucional para a garantia da liberdade política somente a descentralização e o controle múltiplo podem conter os abusos de poder Adam Smith isola o fenômeno da distribuição das riquezas iniciando o estudo da economia e da administração dos recursos disponíveis à viabili zação da vida em sociedade fundando as bases teóricas do libera lismo econômico e da divisão do trabalho Também o século 18 pertence ao grupo de homens que mais influenciou a definição do conceito de democracia que temos hoje Logo após a Revolução Americana de 1776 com o objetivo de contribuir para a ratificação de uma nova Constituição para os Estados Unidos da América que viria a ser promulgada em 1789 Alexander Hamilton James Madison e John Jay publicam uma sé rie de artigos que reunidos receberam o nome de O federalista Tratase de um esforço de superação do paradigma grego de de mocracia e de eliminação da incompatibilidade entre governo po pular e modernidade na visão dos revolucionários americanos a democracia não depende da virtude do povo nem do tamanho do território governado Mais a democracia não torna frágil o Estado Com o movimento impulsionado por O federalista tornase viável a formação da Federação e a convivência de dois entes estatais de estatura diversa dentro de um mesmo território sem prejuízo do relacionamento direto de cada um deles com os indivíduos O federalista reforça ainda a defesa do princípio da tripartição dos poderes e do sistema bicameral para o poder legislativo Surge uma nova forma de pensar a política os republicanos não querem eliminar a formação de facções e o conflito uma vez que eles são saudáveis à manutenção das instituições democráticas É preciso tão somente que a legislação previna a coordenação entre os di versos interesses evitando que qualquer grupo venha a controlar Claretiano Centro Universitário 65 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social o poder para satisfazer unicamente seus objetivos mesmo que esse grupo seja a maioria Ao final da unidade sugerimos a leitura de dois textos com plementares O primeiro de Thomas Hobbes retirado de sua prin cipal obra O segundo de Thomas Jefferson notável articulador político e pensador do movimento democrático norteamericano Uma pequena coletânea de escritos e cartas daquele que se tor nou presidente de um país ainda em consolidação nos permitirá ver como as novas concepções se opõem às clássicas e se afirmam como a solução para um novo mundo 5 NICOLAU MAQUIAVEL E O ESTADO fORTE Estamos acostumados com a relação que a linguagem comum estabelece entre o adjeti vo maquiavélico e o sentido que gira em torno da imagem de um homem sórdido traiçoeiro mesquinho Mas aí é preciso ter um pouco de cuidado Embora seja o nome de Maquiavel citado como a encarnação do mal o pensador renascentista foi um notável teórico e articula dor político de um cenário conturbado no qual reviravoltas e sucessões de governos geravam tal instabilidade que impedia qualquer meio de vida protegido por um mínimo de se gurança impressionado pelas disputas que assolavam a cidade de Florença e toda a península itálica Maquiavel se dá conta da inu tilidade em esperar de fórmulas mágicas a solução de problemas tão reais Opondose radicalmente ao idealismo político ocupado apenas com uma ordem ideal imaginando como o mundo deve ria ser mas desatento à realidade concreta seus esforços terão como ponto de partida e chegada a verdade extraída inteiramente dos fatos Com Maquiavel a política perde a auréola de qualidade Figura1 Nicolau Maquiavel 14691527 Filosofia Política 66 natural ou divina sendo substituída por uma atividade humana e racional constitutiva da existência coletiva Daí a necessidade do planejamento de um programa político que atenda às exigências de um quadro tortuoso e complexo E o pensador florentino o re dige na sua principal obra O príncipe Escrito em 1513 O príncipe é dedicado a Lorenzo de Médicis go vernador de Florença o que vale a Maquiavel o retorno ao cenário político e sua nomeação como historiógrafo oficial O pensador florentino ainda escreveria os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio e História de Florença Aprendendo com a história universal com as lutas que deter minaram um movimento cíclico de estabilidade e caos cabe aos ho mens a tentativa de superar a sorte para encontrar um estado que garanta a ordem e a segurança O estudo do passado deve iluminar o presente Os ensinamentos apreendidos dos eventos históricos que determinaram períodos de guerra e de paz podem ser utilizados pelo homem para que fundamente na sua realidade efetiva uma ordem confiável Vemos então como a liberdade humana se insurge contra as forças da predestinação Lemos no capítulo xxV de O príncipe Para que o nosso livre arbítrio não seja extinto julgo poder ser ver dade que a sorte seja o arbítrio da metade das nossas ações mas que ainda nos deixe governar a outra metade ou quase a sorte demonstra o seu poderio onde não existe virtude preparada para resistir e volta seu ímpeto em direção ao ponto onde sabe não fo ram construídos diques e anteparos para contêla 1976 Como vencer os auspícios da instabilidade dos governos das cidades e assegurar uma vida tranquila aos homens Para compre ender a resposta de Maquiavel precisamos perceber como o pen sador entendia a natureza humana Observando os homens que o cercavam Maquiavel conclui que a vida em comunidade nunca ocorre sem dificuldades e isto por um motivo claro os homens são volúveis e simuladores egoístas e ávidos de lucro Numa socieda de fragilizada a luta pelo poder pode ser interminável Somente um governo centralizado e forte pode garantir a estabilidade de uma comunidade humana Claretiano Centro Universitário 67 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Maquiavel não recusa inteiramente que o governo de uma cidade seja organizado sob a forma de uma república desde que o povo dessa cidade seja suficientemente virtuoso para tanto o que é raro O governo de um único príncipe parece ser sempre melhor este é o Estado forte mais unido e menos sujeito à corrupção ca paz de gerir os bens públicos mais resistente contra as invasões estrangeiras quem é o príncipe quais suas qualidades indispensáveis O príncipe é o homem virtuoso que se mantém no poder pelo sá bio uso da força Enquanto nas sociedades desorganizadas politi camente o mais forte apenas conquista não persevera no poder o príncipe guiado pela necessidade sabe se utilizar dos recursos disponíveis e salvar o Estado das investidas inimigas Cito o capítu lo xV de O príncipe Donde é necessário a um príncipe que queira se manter aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade segundo a neces sidade Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encon traremse em um príncipe de todos os atributos acima referidos apenas aqueles que são considerados bons mas desde que não os podem possuir nem inteiramente observálos em razão das con tingências humanas não o permitirem é necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder 1976 Para Maquiavel o príncipe não precisa ser bom comportar se segundo as regras da moralidade nem precisa ser amado pelos seus súditos basta possuir a sabedoria de agir conforme as cir cunstâncias e o respeito dos governados saber resistir aos inimi gos e assegurar a manutenção do Estado baluarte da ordem e da paz Esta é a finalidade da política Vejamos como Maquiavel orienta o proceder do príncipe numa importante passagem do capítulo xViii de O príncipe A um príncipe portanto não é essencial possuir todas as qualida des acima mencionadas mas é bem necessário parecer possuílas Antes ousarei dizer que possuindoas e usandoas sempre elas são danosas enquanto que aparentando possuílas são úteis por Filosofia Política 68 exemplo parecer piedoso fiel humano íntegro religioso e sêlo realmente mas estar com o espírito preparado e disposto de modo que precisando não sêlo possas e saibas tornarte o contrário Devese compreender que um príncipe e em particular um prín cipe novo não pode praticar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons uma vez que freqüentemente é obrigado para manter o Estado a agir contra a fé contra a carida de contra a humanidade contra a religião 1976 Os meios para o triunfo das dificuldades e manutenção do Estado nunca deixarão de ser julgados honrosos Segundo o pen sador florentino deve o governante usar da inteligência e ao mes mo tempo aprender dos animais deve o príncipe ser um leão e uma raposa 6 ThOMAS hOBBES E O PACTO SOCIAL Se Maquiavel dá o pontapé inicial à concepção do Estado Moderno restará a outro pensador o papel de principal referência quando se procura pelas raízes da sistematização da doutrina estatal Na primavera do século 17 Thomas Hobbes de Malmesbury publica três livros que marcam definitivamente a ruptura com a teoria de inspiração aristotélica e delimitam os caracteres constituintes do Estado Moderno Elementos do direito natural e político De cive elementos filosóficos a respeito do cidadão e o mais conhecido de seus escritos e provavelmente a melhor compilação de suas ideias proeminentes Leviatã ou Matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil O Estado seria de acordo com os argumentos do pensador inglês não somente o resultado de uma natural tendência do homem à vida coletiva mas o fruto de um pacto realizado entre os homens escolhido de modo inteiramente racional Figura 2 Thomas Hobbes 15881679 Claretiano Centro Universitário 69 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Com Hobbes surge a teoria do pacto social A origem da so ciedade civil estaria vinculada à celebração de um pacto que divide a história da humanidade em duas partes sendo a primeira rela tiva a um estado de natureza sem governo e a segunda a um esta do de direitos garantidos por um poder soberano Vejamos como acontece a passagem de um cenário ao outro Hobbes desmistifica a imagem do homem inocente e bom enfatizando que suas paixões determinam o seu comportamento Não que sejam os homens maus em si eles simplesmente preci sam satisfazer os seus desejos e a experiência demonstra que os indivíduos com vistas à própria conservação da vida terminam por desejar as mesmas coisas No estado de natureza todo ho mem seria inimigo de qualquer outro homem na medida em que compete pelas mesmas coisas na busca da satisfação do desejo daí a famosa frase hobbesiana o homem é um lobo para o homem A guerra se generaliza O estado do homem em liberdade natural seria necessariamente um estado de guerra e de medo porque embora os mais fortes rápidos e habilidosos consigam evidente mente vantagem sobre os demais nenhum homem pode preva lecer sobre o outro de maneira integral isto é os menos afortu nados podem ainda se aproveitar de um momento de desatenção ou fraqueza dos primeiros e matálos No estado de natureza a relação entre os homens não pode ser nem um pouco prazerosa uma vez que não há ordem e o que impera é um estado de guerra de todos contra todos Ocorre que os homens desejam a vida e a paz Como esta belecer então uma ordem para que o homem possa gozar do seu objeto de desejo Pelo uso da razão os homens percebem que somente por uma espécie de trégua poderiam garantir a paz social e viver na felicidade Pela celebração do pacto o Estado é criado e erigido à categoria de protetor universal Cada homem transfere espontaneamente uma parcela dos seus direitos ao soberano e as sim o Estado se constitui Filosofia Política 70 Lemos no capítulo xVii do Leviatã O acordo dos homens surge apenas através de um pacto isto é artificialmente Portanto não é de admirar que seja necessária al guma coisa mais além de um pacto para tornar constante e dura douro seu acordo ou seja um poder comum que os mantenha em respeito e que dirija suas ações no sentido do benefício comum A única maneira de instituir um tal poder comum capaz de defendê los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros ga rantindolhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens 1983 Assim surge o nosso Estado e o conceito de soberania atre lado à noção de poder absoluto e ilimitado Ao soberano compete a proteção do povo e a defesa da paz o poder de prescrever re gras e julgar as controvérsias o direito de escolher os ministros e funcionários do governo a distribuição da propriedade privada as decisões quanto à política externa Observemos o capítulo xViii do Leviatã São estes os direitos que constituem a essência da soberania e são as marcas pelas quais se pode distinguir em que homem ou as sembléia de homens se localiza e reside o poder soberano Porque esses direitos são incomunicáveis e inseparáveis Mas poderia objetarse que a condição de súdito é muito miserável pois se encontra sujeita aos apetites e paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm em suas mãos poder tão ilimitado A condição do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra in comodidade e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral em qualquer forma de governo é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompa nham a guerra civil ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar suas mãos impedindo a rapina e a vingança 1983 Precisamos evitar a guerra a qualquer custo Por isso Hobbes conclui ser o Estado imprescindível na garantia dos direitos naturais do homem e julga necessária a centralização do poder nas mãos de um soberano Somente um governo forte pode impedir a guerra e assegurar a paz Hobbes permite entrever contudo um resquício de liberdade que será explorado e desenvolvido por Locke alguns Claretiano Centro Universitário 71 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social anos mais tarde Percebendo a incompatibilidade entre os meios e fins do estado de natureza o homem havia renunciado aos seus direitos e celebrado o pacto com um claro objetivo preservar a sua própria vida Se o soberano deixa de proteger os fins de sua instituição desaparece a razão do pacto social e o direito de obedecer 7 JOhN LOCkE E A TEORIA LIBERAL A obra política de John Locke nutrese de um século marcado não somente pelo espírito científico fundado na luz natural e na experiên cia e pelas transformações ocorridas nas estrutu ras do comércio e no mercado de trabalho mas sobretudo pelo intenso conflito entre o poder monárquico absolutista e as camadas burguesas em ascensão Teórico do empirismo defensor da individualidade do jusnaturalismo do liberalis mo econômico e da tolerância religiosa Locke deixou importantes contribuições à história do pensamento político tais como Cartas sobre a tolerância e Dois tratados sobre o governo civil Concordando com Hobbes Locke aponta a teoria do pacto social como fonte das origens das sociedades Mas embora pense no horizonte do trinômio estado de natureza contrato social estado civil isto é identifique um estado de natureza limite das relações humanas e considere que a passagem ao estado civil seja mediada por um contrato firmado espontaneamente o filósofo chega a conclusões diversas e refuta a necessidade de submissão incondicional ao poder soberano No Primeiro tratado sobre o governo civil Locke combate o absolutismo divino contestando os argumentos de uma tese se gundo a qual os monarcas modernos descenderiam da linhagem de Adão sendo herdeiros legítimos da autoridade patriarcal No Segundo tratado sobre o governo civil o filósofo esclarece o que Figura 3 John Locke 16321704 Filosofia Política 72 entende por poder político explicando em que consiste a consti tuição e a extensão do governo civil estabelecendo parâmetros que viriam a influenciar todo um conjunto de revoluções liberais Originalmente os homens viviam num estado de liberdade e igualdade estado de relativa paz e harmonia em que seus di reitos naturais eram preservados No estado de natureza todos possuíam direito à vida à liberdade e à propriedade uma vez que os bens adquiridos pelo trabalho eram considerados uma exten são do próprio corpo Ocorre todavia que uma sociedade sem governo instituído pode encerrar uma série de inconvenientes a ausência de uma lei e de uma força de coerção que obrigue ao respeito dos direitos do outro pode incentivar que os indivíduos se voltem uns contra os outros favorecendo o surgimento do estado de guerra Daí a celebração do contrato firmado para solucionar os abu sos do convívio e proteger a propriedade e a comunidade contra os inimigos internos e externos Por meio de um pacto de consen timento o contrato aparece como um meio artificial de aperfei çoamento do estado de natureza o governo surge para preservar direitos naturais preexistentes e colocálos sob o amparo da lei A intenção de Locke aparece nitidamente na introdução ao Segundo tratado sobre o governo Nem a força nem a tradição apenas o consentimento dos governados é fonte do poder legíti mo Vejamos o que diz o filósofo sobre a origem e o estatuto do poder político Tendo todas essas premissas sido como me parece claramente demonstradas é impossível que os soberanos ora existentes sobre a Terra devam haurir algum benefício ou derivar que seja a menor sombra de autoridade daquilo que é considerado a fonte de todo o poder o domínio particular e a jurisdição paterna de Adão Julgo não ser descabido estabelecer o que considero como poder político de modo a distinguir o poder de um magistrado sobre um súdito do de um pai sobre os filhos de um amo sobre seu servidor do marido sobre a esposa e de um senhor sobre seus escravos Por estarem ocasionalmente todos esses diferentes poderes enfeixa dos num mesmo homem se este for considerado sob essas dife Claretiano Centro Universitário 73 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social rentes relações será útil distinguir esses poderes entre si e mostrar a diferença entre o soberano de uma sociedade política um pai de família e o capitão de uma galera Considero portanto que o poder político é o direito de editar leis com pena de morte e conseqüentemente todas as penas meno res com vistas a regular e a preservar a propriedade e de empre gar a força do Estado na execução de tais leis e na defesa da socie dade política contra os danos externos observando tãosomente o bem público 1998 No capítulo Viii da mesma obra intitulado Do início das so ciedades políticas Locke explica claramente como se dá o pacto social Sendo todos os homens como já foi dito naturalmente livres iguais e independentes ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio con sentimento A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestirse dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntarse e unirse em uma comunidade para viverem confortável segura e pacificamen te uns com outros num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte qual quer número de homens pode fazêlo pois tal não fere a liberdade dos demais que são deixados tal como estavam na liberdade do estado de natureza quando qualquer número de homens consen tiu desse modo em formar uma comunidade ou governo são por esse ato logo incorporados e formam um único corpo político no qual a maioria tem o direito de agir e deliberar pelos demais 1998 Uma vez instituído o contrato pelo consentimento podem os homens escolher como lhes aprouver a forma de governo para a consecução dos seus fins E se o governo deixar de cumprir o seu fim descumprir as leis ou desrespeitar o bem comum o que equivale a um retorno ao estado de natureza E se o governo se degenerar em tirania Locke salienta que todo homem possui um direito de resistência à opressão Contra o exercício ilegal do poder podem os homens legitimamente resistir e até depor o governo se preciso for Filosofia Política 74 8 JeanJaCques rousseau e o Contrato soCial O que a história do Ocidente conta como verdade um órfão suíço do século 18 que se tor naria um dos pensadores de maior influência no desenrolar dos acontecimentos soube expressá lo em discursos críticos das desigualdades polí ticas já tão fortemente enraizadas na sua época JeanJacques Rousseau aparece aí como uns dos primeiros a enfrentar seriamente as questões do regime absolutista e sugerir substanciais mudan ças no modo de pensar o Estado Escolado no século das luzes e ao mesmo tempo crítico do iluminismo Rousseau oscila entre a confiança na razão e o ceti cismo tanto para conhecer a realidade quanto para solucionar os problemas cotidianos por ela oferecidos Em seu Discurso sobre as ciências e as artes o filósofo não poupa esforços para demonstrar como o uso maléfico das artes e das ciências podem corromper os costumes e as virtudes No seu Contrato social o filósofo compõe o projeto que justifica uma real passagem do estado de natureza para o estado civil O estado originário do homem é a felicidade a liberdade e a igualdade Mas as disputas e guerras ao longo da história trouxe ram o homem a um estado de coisas em que sociedade e servidão se equivalem Lemos na abertura do Contrato social O homem nasceu livre e em toda parte se encontra sob ferros De tal modo acreditase o senhor dos outros que não deixa de ser mais escravo que eles 1965 Dialogando com a tradição da Filosofia Política especial mente com aquela filiada à concepção do pacto Rousseau ressalta que a sociedade política até então instituída nada mais era que o fruto de uma história de dominação Para o filósofo suíço o pacto perde sua aura de hipótese da realidade política para se converter em argumento do domínio A sociedade surge com a desigualdade Figura 4 JeanJaques Rousseau 17121778 Claretiano Centro Universitário 75 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social e os discursos que pregavam a alienação dos direitos em função da associação e união de todos nada disfarçavam da sua intenção de submeter Em Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualda de entre os homens encontrado na obra O contrato social e outros escritos o autor afirma Bastou muito menos que o equivalente deste discurso para sedu zir homens grosseiros fáceis de convencer Todos correram a submeterse aos grilhões crendo que se asseguravam a liberdade porque possuindo demasiadas razões para sentir as vantagens de uma formação política não possuíam suficiente experiência para prever os seus perigos os mais capazes de pressentir os abusos eram precisamente os que contavam tirar proveito disso e mes mo os mais talentosos compreenderam que era preciso decidirse a sacrificar uma parte de sua liberdade a fim de conservar a outra como um ferido que se faz cortar o braço com o intuito de salvar o restante do corpo Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis que criaram novas peias para o fraco e novas forças para o rico destruíram sem possibilidade de retorno a liberdade natural fixaram para sempre a ordem da propriedade e da desigualdade que de uma astuciosa usurpação fizeram o direito irrevogável e para proveito de alguns ambiciosos sujeitaram daí por diante todo o gênero humano ao trabalho à servidão à miséria 1965 p 189190 Rousseau concebe o contrato social enquanto projeto Com o seu planejamento o filósofo pretende estabelecer as condições de possibilidade de um pacto legítimo em que a liberdade natural se não pode ser recuperada integralmente seja ao menos substi tuída pela liberdade civil Os homens precisam encontrar uma for ma de associação que proteja a todos sem contudo constranger a liberdade de cada associado um modo de associação em que cada um só tenha que obedecer a si mesmo Como encontrar a solução que atenda aos requisitos do con trato Como respeitar plenamente a condição de igualdade dos contratantes e assegurar a liberdade antes e depois do contrato Aí está a principal novidade proposta pelo filósofo suíço o exercí cio da soberania pelo povo Filosofia Política 76 Numa sociedade assim constituída haverá apenas uma úni ca submissão à vontade geral Os indivíduos passam a integrar um sujeito coletivo dotado de uma vontade geral Pela formação de uma vontade geral que extrapole as vontades individuais ao povo será atribuída a soberania e somente ele será a parte ativa e passi va na elaboração e obediência às leis Ademais o processo de legitimação do governo não se dá pontualmente e de uma vez por todas ele perdura após a funda ção do corpo político todo poder governamental deve ser limi tado pelo poder do povo tendo em vista que a vontade geral não pode ser transmitida a soberania é inalienável e indivisível Se por motivos operacionais precisamos reconhecer a necessidade de representantes para o exercício do governo esses representan tes nunca serão titulares da soberania ou de seus cargos e devem ser trocados permanentemente Do início do Livro ii do Contrato social temos a seguinte passagem A primeira e mais importante conseqüência dos princípios acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibili dade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua institui ção isto é o bem comum pois se a oposição dos interesses parti culares tornou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível Digo pois que outra coisa não sendo a soberania senão o exer cício da vontade geral jamais se pode alienar e que o soberano que nada mais é senão um ser coletivo não pode ser representado a não ser por si mesmo é perfeitamente possível transmitir o po der não porém a vontade Pela mesma razão que a torna inalienável a soberania é indivi sível porque a vontade é geral ou não o é é a vontade do corpo do povo ou apenas de uma de suas partes 1965 Rousseau não é somente um pensador político de notável envergadura O forte apelo revolucionário de seus textos viria a influenciar as insurreições francesas do final do século 18 e dar fôlego às aspirações democráticas do outro lado do oceano Bem vinculado ao espírito da época um parágrafo retirado do final do Livro ii do Contrato social demonstra como filosofia e política ca minhavam pela mesma vereda Claretiano Centro Universitário 77 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Se se procura saber em que consiste precisamente o maior dos bens que deve ser o objetivo de todo sistema de legislação achar seá que se reduz a estes dois objetos principais a liberdade e a igualdade A liberdade porque toda independência particular é ou tra tanta força subtraída a corpo do Estado a igualdade porque a liberdade não pode subsistir sem ela 1965 9 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Thomas Hobbes Leviatã capítulo XIII Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria A natureza fez os homens tão iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo do que outro mesmo assim quando se considera tudo isso em conjunto a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar tal como ele Porque quanto à força corporal o mais fraco tem for ça suficiente para matar o mais forte quer por secreta maquinação quer aliandose com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à espe rança de atingirmos nossos fins Portanto se dois homens desejam a mes ma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos eles tornamse inimigos E no caminho para seu fim que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite esforçamse por destruir ou subjugar um ao outro Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra em que todo homem é inimigo de todo homem o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção Numa tal situação não há lugar para a indústria pois seu fruto é incerto conseqüentemente não há cultivo de terra nem navegação nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar não há construções confortáveis nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força não há reconhecimento da face da Terra nem cômputo do tempo nem artes nem letras não há sociedade e o que é pior do que tudo um constante temor e perigo de morte violenta Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é conseqüência que nada pode ser injusto As noções de bem e de mal de justiça e injustiça não podem aí ter lugar Onde não há poder comum não há lei e onde não há lei não há injustiça Na guerra a força e a fraude são as duas virtudes cardeais A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito Se assim fosse poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo do mesmo modo que seus senti dos e paixões São qualidades que pertencem aos homens em sociedade Filosofia Política 78 não na solidão Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade nem domínio nem distinção entre o meu e o teu só pertence a cada homem aquilo que é capaz de conseguir e apenas enquanto for capaz de conserválo É pois esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra por obra da simples natureza Embora com uma possibilidade de escapar a ela que em parte reside nas paixões e em parte em sua razão As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de conseguilas através do trabalho E a razão sugere ade quadas normas de paz em torno das quais os homens podem chegar a acordo 1983 Texto 2 Thomas Jefferson Escritos políticos Carta a George Washington Paris 2 de maio de 1788 Eu era um inimigo ferrenho de monarquias antes de minha vinda à Europa Sou dez mil vezes mais desde que vi o que elas são Não há dificilmente um mal que conheça nestes países cuja origem não possa ser atribuída a seus reis nem um bem que não derive das pequenas fibras de republi canismo existente entre elas Posso acrescentar com segurança que não há na Europa cabeça coroada cujo talento ou cujos méritos lhe dessem o direito a ser eleito pelo povo conselheiro de qualquer paróquia da Amé rica Opinião do Gabinete 28 de abril de 1793 Considero o povo que constitui a sociedade ou nação como a fonte de toda a autoridade nessa nação como sendo livre para conduzir seus interesses comuns através de quaisquer órgãos que julgue adequados para modifi car esses órgãos individualmente ou sua organização na forma ou função sempre que lhe apraz que todos os atos praticados por esses órgãos sob a autoridade da nação constituem atos dela são obrigatórios para o povo e em vigor seu uso não podendo de forma alguma ser anulados ou afe tados por quaisquer mudanças na forma do governo ou das pessoas que o administram Carta a François dIvernois Monticello 6 de fevereiro de 1795 Suspeito que a doutrina de que somente pequenos Estados se acham ap tos para ser repúblicas será arrasada pela experiência juntamente com outras brilhantes falácias apregoadas por Montesquieu e outros escritores políticos Talvez se descobrirá que para se conseguir uma república justa e é para assegurar nossos justos direitos que recorremos de qualquer modo ao governo é preciso que ela tenha tal amplitude de modo a que egoísmos locais jamais atinjam a maior parcela que em cada questão par ticular se encontre em seus conselhos uma maioria livre de interesses privados que dê portanto uma prevalência uniforme aos princípios de justiça Carta a Adamantios Coray Monticello 31 de outubro de 1823 Claretiano Centro Universitário 79 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Por possuirmos combinadas as bênçãos de liberdade e ordem desejamos o mesmo para outros países e para nenhum país mais que o vosso Gré cia que foi a primeira das nações civilizadas a apresentar exemplos do que o homem deve ser Na verdade não que as formas de governo adap tadas a sua época e seu país sejam praticáveis ou devam ser imitadas em nossos dias embora preconceitos a seu favor fossem bastante naturais a nosso povo As circunstâncias do mundo modificaramse muito para isso A igualdade de direitos para o homem e a felicidade de cada indivíduo são agora reconhecidas como os únicos objetivos legítimos do governo Os tempos modernos têm agora também esta vantagem evidente a de ter descoberto o único processo pelo qual esses direitos podem ser assegu rados a saber governo pelo povo agindo não em pessoa mas por meio de representantes eleitos pelo povo isto é por todo homem maduro e são de espírito que contribua quer com sua bolsa quer com sua pessoa para suporte do país 1973 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Maquiavel 2 Como pensar o conceito de política para Hobbes 3 Seria o pacto social uma referência ficcional ou uma realidade histórica 4 Como pensar o conceito de política para Locke 5 Como pensar o conceito de política para Rousseau 11 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade estudamos a teoria do pacto social Na pró xima unidade estudaremos a Filosofia Política na Modernidade e conheceremos os pensamentos de kant e Hegel a respeito da po lítica Filosofia Política 80 12 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Nicolau Maquiavel 14691527 Disponível em httpwwwkuniyoshiname blogindexphpmental27maquiavel Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Thomas Hobbes 15881679 Disponível em httpwwwoneeternalday com20100701archivehtml Acesso em 26 jun 2012 figura 3 John Locke 16321704 Disponível em httpwwwportalsophiaorgindex phpblogjohnlocke16321704sinteseentreempirismoeliberalismohtml Acesso em 26 jun 2012 figura 4 JeanJaques Rousseau 17121778 Disponível em httpwwwculturabrasil probrrousseauhtm Acesso em 26 jun 2012 13 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS BOBBiO N Teoria geral da política a filosofia política e as lições dos clássicos Tradução de Daniela Beccaccia Versani Rio de Janeiro Campus 2000 Estado governo sociedade para uma teoria geral da política Tradução de Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 BORON A A Org Filosofia política moderna de Hobbes a Marx Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales São Paulo USP 2006 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CHEVALLiER JJ As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias Tradução de Lydia Cristina Rio de Janeiro Agir 1995 HOBBES T Leviatã ou Matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1983 Coleção Os pensadores De cive elementos filosóficos a respeito do cidadão Tradução de ingeborg Soler Petrópolis Vozes 1993 Elementos do direito natural e político Tradução de Fernando Couto Porto Resjurídica sd JEFFERSON T Escritos políticos in Federalistas Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho São Paulo Abril Cultural 1973 Coleção Os pensadores LEFORT C Le travail de loeuvre de Machiavel Paris Gallimard 1972 LOCkE J Dois tratados sobre o governo Tradução de Julio Fischer São Paulo Martins Fontes 1998 MAqUiAVEL N O príncipe Tradução de Roberto Grassi Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1976 Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio Tradução de Sergio Fernando Claretiano Centro Universitário 81 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Guarischi Bath Brasília UnB 1982 ROUSSEAU JJ O contrato social e outros escritos Tradução de Rolando Roque da Silva São Paulo Cultrix 1965 SkiNNER q As fundações do pensamento político moderno Tradução de Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta São Paulo Companhia das Letras 1996 WEFFORT F C Org Os clássicos da política Maquiavel Hobbes Locke Montesquieu Rousseau O Federalista São Paulo ática 2000 v 1 Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 EAD 5 Filosofia Política na Modernidade 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na Modernidade Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS immanuel kant e a paz perpétua Friedrich Hegel e a realização da razão universal Texto complementar Alexis de Tocqueville Texto complementar Marx e Engels 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 84 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento estes são alguns dos atributos que você precisa adqui rir e cultivar Cabe ressaltar que cada exercício realiza do representa um momento em que você exercita o seu poder de compreensão e análise de conceitos de inter pretação de textos e de síntese seu senso crítico suas habilidades interpessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na Unidade 4 tratamos do desenvolvimento da Filosofia Política no Renascimento e na era das revoluções clássicas Ana lisamos os principais pensamentos filosóficos no que concerne à política Nicolau Maquiavel e o Estado forte Thomas Hobbes e o pacto social John Locke e a teoria liberal JeanJacques Rousseau e o contrato social Poucos autores influenciaram tanto a história do pensamen to como kant e Hegel Não somente por suas próprias produções Claretiano Centro Universitário 85 U5 Filosofia Política na Modernidade extensas e de grande relevância mas principalmente pelo desdo bramento que souberam delas auferir um notável número de filó sofos historiadores e sociólogos entre outros As transformações que advieram ao longo do fecundo século 19 sejam elas na esfera do pensamento sejam na esfera da realidade prática devem em boa parte à leitura de kant e de Hegel Nesta unidade veremos como são expostas as filosofias políticas de cada um deles Novamente precisamos realizar um grande recorte Há uma série de pensadores que ocupam o cenário multiforme do sécu lo 19 Esquecer deles seria ignorar uma fundamental parcela da história do pensamento político Não poderíamos desprezar por exemplo as contribuições do início do século oferecidas por Ben jamin Constant e por Alexis de Tocqueville Benjamin Constant na corrente do liberalismo revisitado foi um ardente defensor das liberdades individuais e da limitação da autoridade do conjunto tanto quanto à autoridade estatal quanto à autoridade dos direitos da maioria contra os da minoria Nenhum poder poderia ser ilimitado mesmo os poderes fundados sob o conceito de uma soberania popular não poderiam violar direitos que existem independentemente de qualquer organização social ou política Levando às últimas consequências a reflexão liberal promovendo a cisão definitiva entre o público e o privado Benja min Constant chegará à conclusão de que um único princípio deve conduzir as nações novas e antigas liberdade em tudo na religião na literatura na filosofia na indústria na política o direito de ser submetido apenas às leis não ser preso nem morto em decorrên cia de qualquer vontade arbitrária o direito de emitir opinião de se associar a outros homens de escolher sua indústria e exercêla de dispor da propriedade o direito de ir e vir sem precisar prestar contas de seus motivos A Alexis de Tocqueville historiador e pensador francês de vemos um dos principais registros históricos dos períodos que su cederam as grandes revoluções do século anterior da consolida ção de novos regimes de governo e novas convicções políticas A Filosofia Política 86 observação das experiências democráticas na América e na Europa o deixou bem impressionado Mas a partir da análise de dados concretos de tais experiências ele pode mesmo oscilando entre a inocência e a perspicácia enumerar traços de avanço e contra dições percebendo que mesmo altos princípios nutridos de um longo processo histórico não constituíam impedimento para a vio lência e a submissão Tocqueville estava consciente da inevitabili dade do fenômeno democrático para as nações do Ocidente mas isso não o impediu de explorar os elementos conflituais da aliança entre igualdade e liberdade e compreender que muitos dos princí pios elencados pelos pensadores políticos da época não passavam de realidades metafísicas ou falácias da argumentação Para que o estudo não fique demasiado incompleto é preciso que você aluno interessado busque em outras fontes uma adequa da referência a importantes autores que deixaram de ser aqui con templados O século 19 é também o século do utilitarismo de John Stuart Mill do positivismo de Auguste Comte da teoria crítica de karl Marx e Friedrich Engels e da filosofia crepuscular de Friedrich Nietzsche Ao final desta unidade você encontrará um texto complementar retirado da Democracia na América de Alexis de Tocqueville e outro do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels Navegando por uma corrente contrária ao espírito da época Marx prevê a ruína da sociedade capitalista Suas análises estão contudo longe de terem um efeito exclusivamente diagnóstico Os notáveis escritos de Marx são de grande contribuição para que possamos compreender conceitos como materialismo histórico dialética luta de classes divisão do trabalho alienação mercado ria etc A repercussão da atividade intelectual de Marx tanto na teoria quanto na prática não só influenciou um profícuo número de pensadores como até hoje ocupa uma considerável parcela da tarefa de cientistas políticos e economistas Claretiano Centro Universitário 87 U5 Filosofia Política na Modernidade 5 IMMANUEL kANT E A PAZ PERPÉTUA No contorno de toda produção intelec tual de kant um filósofo que dispensa apre sentações para todos aqueles que buscam na modernidade as raízes do quadro político atual primazia do indivíduo e filosofia moral têm ro bustas implicações políticas Se compreender mos bem em que consiste a moralidade e a sua relação com o direito na obra kantiana podere mos daí extrair uma série de consequências te óricas para a organização do Estado e para a vida política em geral Tomando como fundamento o inato direito à liberdade do homem esforçandose para definir a esfera inviolável da consci ência individual kant oferece à humanidade um peculiar conceito de moralidade moralidade pode ser entendida como a confor midade com a norma do dever ser dada pelo próprio indivíduo Todo homem pode enquanto ser dotado das faculdades da razão conhecer e ditar normas de conduta para si mesmo normas que viabilizariam tanto a vida particular quanto a vida em sociedade A organização do direito e da política provêm do adequado uso da razão de comandos assumidos a priori metafísicos no que concerne à experiência concreta O imperativo categórico defini do por kant na Fundamentação da metafísica dos costumes como o agir sempre segundo princípios que devem ser tomados como lei universal mostrase aqui como o alicerce de todo o edifício em construção O homem moral obedece ao imperativo categórico apreendido de modo objetivo e universal Do conceito kantiano de moralidade subtraímos duas con sequências Em primeiro lugar enquanto ser moral o homem só obe dece a leis dadas por ele mesmo nisso consiste a dignidade e a liberdade do homem agir sempre conforme a sua razão O que Figura 1 Immanuel Kant 17241804 Filosofia Política 88 antes havia sido definido como a espontaneidade que extrapola as relações de causalidade presentes na natureza toma na filoso fia moral kantiana uma dupla coloração que se exprime tanto no conceito negativo de liberdade manifesto pela ausência de limita ções eternas do comportamento quanto do conceito positivo de liberdade materializado como autonomia isto é a propriedade de legislar para si próprio A segunda consequência é a seguinte enquanto ser huma no o homem é um fim em si mesmo sua dignidade não depende de qualquer juízo de valor utilitário não depende de dados cole tados da sensibilidade empírica e auferidos por seja lá quem for qual então a relação entre a moralidade o direito e a po lítica Assim como os princípios da moralidade os princípios do di reito devem ser conhecidos de modo objetivo e universal Diz um parágrafo retirado da introdução à teoria do direito de Primeiros princípios metafísicos da doutrina do direito que é o Direito em si Esta questão se não for pra mergulhar numa tautologia ou referirse à legislação de determinado país ou tempo em lugar de dar uma solução geral é tão grave para o jurisconsulto como o é para o lógico a questão que é a verdade Seguramente podese dizer que é o direito isto é que prescrevem ou prescreve ram as leis determinadas do lugar ou tempo Porém a questão de saber se o que prescrevem essas leis é justo a questão de dar por si o critério geral através do qual possam ser reconhecidos o justo e o injusto jamais poderá ser resolvida a menos que se deixe à parte esses princípios empíricos e se busque a origem desses juízos na razão somente ainda que essas leis possam muito bem se dirigir a ela nessa investigação para estabelecer os fundamentos de uma legislação positiva possível Se a razão controlasse perfeitamente as paixões humanas haveria sempre conformidade entre as leis morais e as leis posi tivas do direito aquelas de obediência sugerida estas de cumpri mento exigido coercitivamente Mas tal não é a condição humana nem sempre os homens estão aptos a escutarem e seguirem os ditames da razão muitos se deixam frequentemente ser arrasta Claretiano Centro Universitário 89 U5 Filosofia Política na Modernidade dos pelas paixões Por isso o direito precisa regular as relações externas entre os indivíduos de modo a tornar possível a vida em sociedade e o exercício da liberdade por cada um A fórmula do princípio universal do direito será dada nos Pri meiros princípios metafísicos da doutrina do direito é justa toda ação ou máxima da ação que permita a liberdade do arbítrio de cada um com a liberdade do outro segundo uma lei universal Sur ge o Estado como necessário agente regulador das liberdades indi viduais A seguir um pequeno trecho do suplemento primeiro de A paz perpétua O problema do estabelecimento do Estado por mais áspero que soe tem solução inclusive para um povo de demônios contanto que tenham entendimento e formulase assim ordenar uma mul tidão de seres racionais que para a sua conservação exigem con juntamente leis universais às quais porém cada um é inclinado no seu interior a eximirse e estabelecer a sua constituição de um modo tal que estes embora opondose uns aos outros nas suas dis posições privadas se contêm no entanto reciprocamente de modo que o resultado da conduta pública é o mesmo que se não tivessem essas disposições más A sociedade civil decorre do imperativo moral e realiza a ideia de liberdade quais as características do Estado pensado por kant O Estado kantiano é liberal porque garante tão somente o bem público a manutenção da juridicidade das relações interpessoais a constituição que permita a cada um exercer sua liberdade sem con trariar a lei Convém a cada indivíduo buscar sua felicidade como lhe aprouver contanto que não viole os direitos dos demais membros da sociedade A fim de que a vontade geral não seja usurpada pelas von tades particulares deve o poder estatal obedecer à já consagrada tripartição dos poderes legislativo executivo e judiciário kant referese ainda à constituição de um contrato originá rio para justificar a legitimidade do governo político Mas ao con trário dos expoentes da tradição do pacto social a sua intenção Filosofia Política 90 parece estar bem definida e delimitada instituir a ideia metafísica de fundamento da sociedade civil negando qualquer direito de resistência por parte dos governados Não estão os consorciados de uma sociedade autorizados nem à resistência nem à revolu ção isso geraria uma contradição interna insanável no corpo da sociedade As reformas necessárias ao aperfeiçoamento da ordem constitucional só podem ser realizadas pelo próprio poder sobe rano por meio do legislativo Não podemos todavia confundir competência com participação segundo o filósofo prussiano para que a vontade geral seja melhor conhecida a publicidade e o alar gamento do espaço público são basilares como modo de assegurar a liberdade de expressão e o debate Afeito ao culto do progresso kant alimentou a convicção de que há na história da humanidade uma evolução racional Ideia de uma história universal a partir de um ponto de vista cosmopoli ta embora parecesse saber que a forma de uma sociedade ideal permaneceria sempre distante da realização concreta na história isso não o impediu de contribuir para que novos caminhos para a paz fossem encontrados No âmbito do direito internacional a paz deve ser estabelecida porque a guerra não interessa aos Estados este é também um princípio da razão kant foi um dos primeiros a conceber teoricamente uma liga das nações como meio de favorecer a concórdia entre diferentes países Cabe à confederação de Estados enquanto expressão de vontades livres a manutenção da paz Lemos no Segundo artigo definitivo sobre a paz perpétua O direito das gentes deve fundarse numa federação de Estados livres Os povos podem enquanto Estados considerarse como ho mens singulares que no seu estado de natureza isto é na indepen dência de leis externas se prejudicam uns aos outros já pela sua simples coexistência e cada um em vista da sua segurança pode e deve exigir do outro que entre com ele numa constituição seme lhante à constituição civil na qual se possa garantir a cada um o seu direito isso seria uma federação de povos que no entanto não deveria ser um Estado de povos Claretiano Centro Universitário 91 U5 Filosofia Política na Modernidade 6 fRIEDRICh hEGEL E A REALIZAÇÃO DA RAZÃO UNIVERSAL Ao final de sua vida Hegel publica o pro duto de seus cursos sobre a filosofia do direito ministrados na Universidade de Berlim sob o tí tulo Princípios da filosofia do direito tratase de um longo e vasto estudo que viria a ser con siderado posteriormente como a principal refe rência de sua obra no que concerne à Filosofia Política Mas não é fácil entender o seu pensa mento Se por um lado a Filosofia Política hege liana se alimenta de conceitos que possuem um elevado grau de abstração por outro está intimamente atrelada à sua peculiar acepção de história Conhecer a intenção de Hegel com a publicação da obra que viria a coroar toda a sua produção filosófica pode nos auxiliar na compreensão do seu pensamento político Com Massimiliano Tomba em Poder e constituição em Hegel poderíamos começar dizendo que A leitura do Prefácio aos Lineamentos de filosofia do direito permite perceber que o objetivo da filosofia política hegeliana é a compre ensão da racionalidade do Estado como forma específica do Espíri to numa época determinada DUSO 2005 p 305 O Estado aparece então como a realização da história da ra zão universal do saber absoluto Não se pode tomar a natureza humana e a constituição de sua organização política fora do desen volvimento histórico o que segundo o filósofo fariam os contratu alistas clássicos A base do Estado não reside no contrato mesmo que auferido de modo puramente lógico mas na vontade univer sal e no seu curso histórico O homem é fruto do seu tempo e a sua organização política como modo de expressão do seu modo de ser também deve ser assim compreendida Figura 2 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 1770 1831 Filosofia Política 92 Hegel pensa o Estado soberano como modo de organização necessário à existência da vida social O indivíduo só pode se de senvolver plenamente no Estado O sujeito moral pela mediação da família e da atividade profissional que exerce reconhece que a sua existência depende do Estado Lemos nos parágrafos 257 e 258 dos Princípios da filosofia do direito O Estado é a realidade em ato da idéia moral objetiva o espírito como vontade substancial revelada clara para si mesma que se co nhece e se pensa e realiza o que sabe e porque sabe No costume tem o Estado a sua existência imediata na consciência de si no saber e na atividade do indivíduo tem a sua existência mediata enquanto o indivíduo obtém a sua liberdade substancial ligandose ao Estado como à sua essência como ao fim e ao produto da sua atividade O Estado como realidade em ato da vontade substancial realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada é o ra cional em si e para si esta unidade substancial é um fim próprio abso luto imóvel nele a liberdade obtém o seu valor supremo e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever Se o Estado é o espírito objetivo então só como membro é que o in divíduo tem objetividade verdade e moralidade A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim e o destino dos in divíduos está em participar de uma vida coletiva quaisquer outras satisfações atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal Fiel ao conceito de história como um movimento de negati vidade e reconciliação a Filosofia Política de Hegel possui também um forte apelo dialético O Estado aparece como o fruto dialético entre particularidade e universalidade na procura da totalidade O Estado enquanto realidade que extrapola o cenáculo individual constitui o limite externo e formal para a liberdade do indivíduo mas assume ao mesmo tempo a própria realização do seu direito à liberdade Diz Hegel no parágrafo 260 subsequente É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta Ora a liber dade consiste em a liberdade pessoal com os seus particulares de tal modo possuir o seu pleno desenvolvimento e o reconhecimento dos seus direitos para si nos sistemas da família e da sociedade civil que em parte se integram por si mesmos no interesse univer Claretiano Centro Universitário 93 U5 Filosofia Política na Modernidade sal e em parte consciente e voluntariamente o reconhecem como seu particular espírito substancial e para ele elegem como seu últi mo fim O princípio dos Estados modernos tem esta imensa for ça e profundidade permitem que o espírito da subjetividade che gue até a extrema autonomia da particularidade pessoal ao mesmo tempo que o reconduz à unidade substancial assim mantendo esta unidade no seu próprio princípio Hegel distingue em três esferas a família a sociedade civil e o Estado Do ponto de vista teórico o Hegel da Filosofia do direito é o primei ro e não Marx a fixar o conceito de sociedade civil como algo distinto e separado do Estado político A sociedade civil é de finida como um sistema de carecimentos estrutura de dependên cias recíprocas onde os indivíduos satisfazem as suas necessidades através do trabalho da divisão do trabalho e da troca e asseguram a defesa de suas liberdades propriedades e interesses através da administração da justiça e das corporações Tratase da esfera dos interesses privados econômicocorporativos e antagônicos entre si A ela se contrapõe o Estado político isto é a esfera dos interes ses públicos e universais na qual aquelas contradições estão me diatizadas e superadas BRANDãO in WEFFORT 2002 p 105106 A rigor não há liberdade fora do Estado porque não há povo se desprovido de constituição antes da organização estatal temos apenas uma multiplicidade inorgânica de indivíduos A instituição da constituição representa e realiza a unidade Se o movimento dialético faz da história a expressão da superação e absorção das formas políticas devem as fases históricas anteriores à instituição da constituição estatal serem entendidas apenas como fases Hegel extrai dos seus próprios conceitos algumas conclusões de notória relevância e implicações práticas Vamos a elas As distinções clássicas quanto aos tipos de governo monar quia aristocracia democracia são assumidas como momentos da articulação do Estado A divisão dos poderes de um Estado político deve compre ender o poder legislativo responsável pela determinação do uni versal o poder de governo capaz de absorver o particular no uni versal e o poder do príncipe ao qual cumpre a decisão última e a Filosofia Política 94 reunificação dos poderes na unidade individual concebida como a cúpula e o início do todo que constitui a monarquia constitucional esta por sua vez o aperfeiçoamento do Estado na forma infinita da ideia cf Princípios da filosofia do direito parágrafo 273 Se a última palavra compete ao monarca sua decisão não é arbitrária porque se encontra subordinada à unidade da consti tuição A soberania não transcende à articulação dos poderes O monarca dá racionalidade à constituição mas é menos que uma figura do poder absolutista e mais que uma figura supérflua que apenas encena Hegel defende a participação popular no governo e os prin cípios da publicidade Os integrantes dos poderes públicos devem ser recrutados em função de sua competência capacidade de ra cionalmente calcular as intervenções necessárias à vida civil e à consciência do universal Para que o Estado não se torne uma estrutura engessada e desprovida de sentido deve estar sempre disponível à modifica ção de modo que ao desenvolvimento do Espírito corresponda o desenvolvimento das instituições Em última instância o poder le gislativo absoluto e supremo seria a história Embora os acontecimentos que o cerquem não o incentivem a pensar de modo inteiramente otimista Hegel ainda acredita que os conflitos mundiais levarão à superação dos mesmos conflitos e à instau ração de um Estado universal como realização final da razão universal 7 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Alexis de Tocqueville Introdução de A democracia na América Dentre as coisas novas que durante minha estada nos Estados Unidos chamaramme a atenção nenhuma impressionoume tão intensamente quanto a igualdade de condições Descobri sem dificuldades a influência prodigiosa exercida por este fator na marcha da sociedade dá ao espírito público certa direção às leis um ar especial aos governantes novos prin cípios e aos governados hábitos particulares Claretiano Centro Universitário 95 U5 Filosofia Política na Modernidade Desse modo à medida que estudava a sociedade americana via cada vez mais na igualdade de condições o fato originário de que cada aspecto parecia provir e reencontravao incessantemente como o ponto central a que chegavam todas as minhas observações Levei então o pensamento ao nosso hemisfério e pareceume que aí en contrava algo semelhante ao espetáculo oferecido pelo Novo Mundo Via igualdade de condições que sem atingir como nos Estados Unidos seus limites extremos aproximavase deles cada dia mais esta mesma demo cracia que reinava nos Estados Unidos pareceume avançar rapidamente em direção ao poder na Europa Desde este instante concebi a idéia do livro que se vai ler Uma grande revolução democrática operase entre nós todos a vêem mas nem todos a julgam da mesma maneira Uns consideramna algo de novo e tomandoa por coisa acidental esperam poder ainda sustála en quanto outros julgamna irresistível pois lhes parece o fato mais contínuo mais antigo e mais permanente que se conhece na história Não há povo na Europa em que a grande revolução social a que fiz alusão tenha feito progressos mais rápidos do que entre nós mas a revolução neste país desenvolveuse sempre ao acaso Nunca os chefes de Es tado pensaram em preparar previamente o que quer que fosse em seu favor fezse apesar deles ou sem que tivessem conhecimento As classes mais poderosas mais inteligentes e mais honestas da nação não busca ram apoderarse dessa revolução para dirigila A democracia foi portan to abandonada a seus instintos selvagens cresceu como essas crianças privadas dos cuidados paternos que se criam sós nas ruas das cidades que só conhecem da sociedade os vícios e as misérias Pareciase ignorar ainda a existência da revolução quando apoderouse inopinadamente do poder Então cada qual se submeteu servilmente a seus mínimos de sejos adoraramna como imagem da força quando depois enfraqueceu por culpa de seus próprios excessos os legisladores conceberam o projeto imprudente de destruíla ao invés de buscar instruíla e corrigila e sem pensar em ensinála a governar só quiseram expulsála do governo O resultado foi que a revolução democrática operouse no plano material da sociedade sem que houvesse nas leis nas idéias nos hábitos e cos tumes a mudança que teria sido necessária para tornála útil Assim temos a democracia menos o que deve atenuar seus vícios e realçarlhe as van tagens naturais já conhecendo os males que provoca ignoramos os bens que pode proporcionar 1973 Texto 2 Marx e Engels Manifesto do Partido Comunista capítulo I Burgueses e proletários A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu senhor feudal e servo mestre de cor poração e companheiro em suma opressores e oprimidos estiveram em cons tante antagonismo entre si travando uma luta ininterrupta umas vezes oculta outras aberta uma guerra que sempre terminou ou com a transformação revo lucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta Filosofia Política 96 Nas épocas anteriores da história encontramos quase por toda parte uma completa estruturação da sociedade em estados ou ordens sociais uma múltipla gradação das posições sociais Na Roma antiga temos patrícios cavaleiros plebeus escravos na Idade Média senhores feudais vassa los mestres das corporações aprendizes servos e além disso gradações particulares no interior dessas classes A sociedade burguesa moderna que surgiu do declínio da sociedade feu dal não aboliu os antagonismos de classes Limitouse a estabelecer no vas classes novas condições de opressão novas formas de luta em lugar das anteriores A nossa época a época da burguesia caracterizase porém por ter sim plificado os antagonismos de classe Toda a sociedade está se dividindo cada vez mais em dois grandes campos hostis em duas grandes classes em confronto direto a burguesia e o proletariado As armas que a burguesia empregou para abater o feudalismo voltam se hoje contra a própria burguesia Mas a burguesia não se limitou a forjar apenas as armas que lhe trarão a morte produziu também os homens que empunharão essas armas os operários modernos os proletários Todas as sociedades até hoje existentes assentaram como vimos no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas Mas para oprimir uma classe é necessário assegurarlhe ao menos as condições mínimas em que possa ir arrastando a sua existência servil O servo da gleba sem deixar de ser servo chegou a membro da comuna da mesma forma que o pequenoburguês sob o absolutismo feudal chegou a grande burguês O operário moderno ao contrário longe elevarse com o desen volvimento da indústria afundase cada vez mais indo abaixo das condi ções de sua própria classe O operário passa a indigente e a indigência cresce mais rapidamente que a população e a riqueza Tornase evidente que a burguesia é incapaz de continuar a ser por muito mais tempo a clas se dominante e impor à sociedade como lei suprema as condições de existência da sua classe A condição essencial para a existência e o domínio da classe burgue sa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares a formação e a multiplicação do capital a condição do capital é o trabalho assalariado O trabalho assalariado baseiase exclusivamente na concorrência entre os operários O progresso da indústria de que a burguesia é portadora indi ferente e involuntária substitui o isolamento dos operários resultante da concorrência pela sua união revolucionária resultante da associação O desenvolvimento da grande indústria assim retira da burguesia a própria base sobre a qual assentou o seu regime de produção e apropriação A burguesia produz sobretudo os seus próprios coveiros A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis 1998 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade Claretiano Centro Universitário 97 U5 Filosofia Política na Modernidade 1 Como pensar o conceito de política para kant 2 Como pensar o conceito de política para Hegel 3 É possível conciliar fim da história e estado final de paz 9 CONSIDERAÇÕES Estudamos nesta unidade a Filosofia Política na Moderni dade Na próxima unidade ficaremos com a Filosofia Política na Contemporaneidade quando conheceremos os pensamentos de Arendt Foucault e Habermas a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Immanuel Kant 17241804 Disponível em httpwwwsubstantivoplural combrbacteriascamerasekant Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Disponível em httpasttok wikispacescomBiographicalinformation Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS BOBBiO N Teoria geral da política a filosofia política e as lições dos clássicos Tradução de Daniela Beccaccia Versani Rio de Janeiro Campus 2000 Estado governo sociedade para uma teoria geral da política Tradução de Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 BORON A A Org Filosofia política moderna de Hobbes a Marx Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales São Paulo USP 2006 BRANDãO G M Hegel o Estado como realização histórica da liberdade in WEFFORT F C Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CONSTANT B Escritos de política Tradução de Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 2005 Cours de politique constitutionnelle New York Arno Press 1979 v 2 3 DUSO G Org O poder história da filosofia política moderna Tradução de Andrea Ciacchi Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi Petrópolis Vozes 2005 Filosofia Política 98 HEGEL G W F Princípios da filosofia do direito Tradução de Orlando Vittorino São Paulo Martins Fontes 1997 kANT i A paz perpétua e outros opúsculos Tradução de Artur Morão Lisboa Edições 70 1995 Doutrina do direito Tradução de Edson Bini São Paulo ícone 1993 MARx k ENGELS F Manifesto do Partido Comunista Prólogo de José Paulo Netto São Paulo Cortez 1998 RAMOS C A Liberdade subjetiva e Estado na filosofia política de Hegel Curitiba Editora da UFPR 2000 TERRA R R A política tensa idéia e realidade na filosofia da história de kant São Paulo iluminuras 1995 TOCqUEViLLE A A democracia na América in Federalistas Tradução de J A G Albuquerque São Paulo Abril Cultural 1973 Coleção Os pensadores O antigo regime e a revolução Tradução de Yvonne Jean Brasília Editora Universidade de Brasília 1982 WEFFORT F C Org Os clássicos da política Maquiavel Hobbes Locke Montesquieu Rousseau O Federalista São Paulo ática 2000 v 1 Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 EAD 6 Filosofia Política Contemporânea 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na contemporaneidade Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política identificar os desafios que atualmente envolvem a refle xão filosófica sobre a política e a sua prática 2 CONTEúDOS Hannah Arendt Michel Foucault Jürgen Habermas Texto complementar Claude Lefort Texto complementar Norberto Bobbio Filosofia Política 100 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento estes são alguns dos atributos que você precisa adqui rir e cultivar Cabe ressaltar que cada exercício realiza do representa um momento em que você exercita o seu poder de compreensão e análise de conceitos de inter pretação de textos e de síntese seu senso crítico suas habilidades interpessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na Unidade 5 abordamos os principais pensamentos filosó ficos relacionados à política na Modernidade Dentre os principais pensadores da política moderna destacamos immanuel kant a paz perpétua e Friedrich Hegel a realização da razão universal Claretiano Centro Universitário 101 U6 Filosofia Política Contemporânea Agora procuraremos entender como se desenvolveu a Filosofia Política na contemporaneidade Como encontrar um fundamento seguro no terreno ainda movediço da filosofia contemporânea especialmente no que con cerne ao seu pensamento político Podemos visualizar nesse con texto uma profícua e desconjunta série de tentativas destinadas não somente a dialogar com a tradição e oferecer novas leituras para textos que se tornaram clássicos mas a diagnosticar a realida de política atual pensar novas soluções para questões persisten tes arriscar previsões entender a relação entre teoria e prática A tarefa de elaborar uma lista dos filósofos que precisam ser lidos envolve um risco muito grande na medida em que se pode escolher arbitrariamente uns em detrimento de outros e deixar de citar nomes de relevância para o cenário da história da Filosofia Política Os autores citados a seguir aparecem aqui para motivar um início de leitura Do início do século 20 não podemos esquecer as contribui ções de Max Weber na vertente do pensamento sociológico ou de Hans kelsen e Carl Schmitt no confronto que reavalia teorias do direito e da justiça Nem as diferentes perspectivas ligadas a fontes do pensamento marxista tais como as encampadas por Lukács Gramsci e Althusser ou por importantes pensadores liga dos à Escola de Frankfurt tais como Horkheimer e Adorno e numa linha menos próxima Benjamin e Marcuse Seria de bom alvitre ainda conhecer os recentes e díspares esforços de karl Popper com A sociedade aberta e seus inimigos John Rawls com sua Teoria da Justiça e Claude Lefort com suas reflexões sobre totalitarismo e democracia Ou as recentíssimas intervenções de Antonio Negri e Michael Hardt com Império na tentativa de oferecer oposição ao processo de globalização capita lista e Giorgio Agamben com o original diagnóstico da realidade que identifica o estado de exceção como paradigma do político moderno Filosofia Política 102 Vamos então apontar três nomes mostrando como o complexo do quadro atual pode gerar diferentes leituras Arendt Foucault e Habermas Ao final indicamos dois textos complementares O primeiro de Claude Lefort sobre a remanescente tarefa da Filosofia Política o pensar das relações entre democracia e totalitarismo e o segundo de Norberto Bobbio sobre a democracia e as esperanças que restam 5 hANNAh ARENDT Entre os principais expoentes da Filosofia Política contemporânea reservamos um lugar para Hannah Arendt A sua obra não somente tenta responder aos escândalos e vicissitudes do nosso tempo encarandoos diretamente e sem receio de ser por isso desqualificada como oferece uma nítida contribuição à reflexão filo sófica engajada em encontrar alternativas do pensamento para os dias atuais Para aqueles que presenciaram os acontecimentos do sécu lo 20 não é possível iniciar qualquer reflexão filosófica ignorando o terror das experiências políticas pelas quais passou o universo planetário As duas grandes guerras e o colapso político arranca ram teóricos protegidos por castelos e os levaram a reavaliar os fundamentos do mundo conhecido Para aqueles inseridos no co ração dos acontecimentos que consumaram o fim da história será urgente compreender o totalitarismo Hannah Arendt esteve muito próxima dos eventos que mar caram o século Como alemã e filha de uma família judia viveu sob a forte impressão de um conflito que se iniciava dentro de sua própria casa suprimindo qualquer exigência de privacidade em face da penetração pública das ideologias vicinais Tendo conclu ído seus estudos em Teologia e Filosofia na universidade alemã teve vedado o acesso ao ensino na mesma universidade pela sua Figura 1 Hannah Arendt 19061975 Claretiano Centro Universitário 103 U6 Filosofia Política Contemporânea condição indesejável Para escapar do Terceiro Reich precisou mi grar para os Estados Unidos onde permaneceu por toda a vida impressionada pela experiência do totalitarismo espelhada tanto pela vertente nazista quanto pela soviética Arendt escreve um grosso volume reunindo dados históricos e fecunda reflexão filosófica A ele dá o título de Origens do totalitarismo As suas páginas permitem ao leitor compreender a gênese de ideologias nutridas pelo antissemitismo e pelo imperialismo e os traços de um movimento sem precedentes O totalitarismo não pode ser visto como um acontecimento previsível embora tenha como fonte certos produtos da cultura ocidental tais como o racismo e o nacionalismo Há traços da ex periência totalitária nunca contemplados os regimes totalitários eliminam a possibilidade da ação humana Por meio do funciona mento de uma máquina burocrática digna do imaginário fabuloso de um refinado processo de massificação da comunidade humana e do descarte da experiência pessoal o totalitarismo enquanto movimento que engendra o domínio total abole a individualidade e a liberdade suprimindo o espaço público e colocando a esfera privada sob constante suspeita Os sistemas totalitários diferem de outros sistemas de dominação surgidos ao longo da história hu mana porque não visam somente à maximização do poder sobre os homens eles têm como finalidade a fabricação de uma huma nidade específica A eliminação da individualidade e da liberdade é tática criar uma massa para convertêla em outra massa Para isso o totalitarismo utilizase de mecanismos já conhe cidos pela experiência política mas agora tomados de um novo ângulo valorativo tais como a propaganda e o terror Como adular as massas como minar qualquer chance de reação A ideologia que o alimenta quer convencer que toda medida adotada obedece aos ditames de uma ordem estrita inescusável há forças do desti no que conduzem a história da humanidade e o seu curso se deter mina pela obediência a uma lei natural inevitável Filosofia Política 104 O diagnóstico não é encorajador Não obstante mesmo ten do como pano de fundo esse horizonte cinzento Hannah Arendt não se limita ao diagnóstico da experiência totalitária Após o co lapso da história humana pelo evento totalitário resta uma tarefa aos pensadores recuperar o sentido da política e o estatuto da ação humana O poder costumeiramente concebido como instru mento de dominação pode ser realizado na experiência de resis tência ou na fundação democrática da convivência Arendt confia na capacidade humana de inaugurar algo novo A conclusão de Origens do totalitarismo traz a seguinte passagem A crise do nosso tempo e a sua principal experiência deram origem a uma forma inteiramente nova de governo que como potenciali dade e como risco sempre presente tende infelizmente a ficar co nosco de agora em diante como ficaram a despeito das derrotas passageiras outras formas de governo surgidas em diferentes mo mentos históricos e baseadas em experiências fundamentais mo narquias repúblicas tiranias ditaduras e despotismos Mas permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo esse começo é a pro messa a única mensagem que o fim pode produzir O começo antes de tornarse evento histórico é a suprema capacidade do homem politicamente equivale à liberdade do homem o ho mem foi criado para que houvesse um novo começo disse Agosti nho Cada novo nascimento garante esse começo ele é na verda de cada um de nós 1989 O processo de recuperação da dignidade da política passa pela análise da condição humana e pelo exame minucioso do seu espírito O homem por meio de sua ação política possui sempre a capacidade de iniciar algo novo A vida do homem não se resu me no seguimento do fluxo nem somente no trabalhar para o seu sustento e no consumir para garantir o mínimo de sobrevivência O homem possui ele próprio uma dignidade política e ao exercêla por meio da ação e do discurso singulariza sua existência e interfe re positivamente na realidade Lemos no quinto capítulo de A condição humana Na ação e no discurso os homens revelam quem são revelam ativa mente suas identidades pessoais e singulares e assim apresentam se ao mundo humano Claretiano Centro Universitário 105 U6 Filosofia Política Contemporânea Esta qualidade reveladora do discurso e da ação vem à tona quando as pessoas estão com outras isto é no simples gozo da convivência humana Dada a tendência intrínseca de revelar o agente jun tamente com o ato a ação requer para sua plena manifestação a luz intensa que outrora tinha o nome de glória e que só é possível na esfera pública 2004 Na recuperação da dignidade política a categoria da ação humana possui um papel nuclear e germinal Toda a obra de Arendt parece a ela afluir ainda que escritos posteriores permitam perceber novos aspectos de seu pensamento A mediação entre ação e política pode ser realizada pela reavaliação da faculdade do juízo na valorização da pluralidade da opinião e da publicidade do querer a capacidade humana de dizer não de escolher e resistir mesmo que sob o efeito de coerção e do fazer há uma parcela da realidade sujeita à intervenção humana O esforço de Hannah Arendt conjuga política e afirmação da liberdade humana Precisamos saber se a transformação da reali dade ainda está em poder dos homens O que podem os homens diante dos cenários adversos do nosso tempo Veja a seguir um pequeno trecho do final do quinto capítulo de A condição humana Fluindo na direção da morte a vida do homem arrastaria consigo inevitavelmente todas as coisas humanas para a ruína e a destrui ção se não fosse a faculdade humana de interrompêlas e iniciar algo novo faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens embora devam morrer não nascem para morrer mas para começar 2004 6 MIChEL fOUCAULT A Filosofia Política contemporânea vem assistindo à transladação da pura imposição descendente do poder soberano à criação de uma malha de relações de poder em cuja tra ma a vida se prende O poder antes emanado de um único e claro ponto de irradiação se faz sentir nas relações cotidianas algumas ve Figura 2 Michel Foucault zes pode um cidadão buscar participar politi 19261984 Filosofia Política 106 camente da organização da comunidade em que vive e ver seus esforços minarem sem auferir qualquer resultado sem ao menos saber onde sua ação se perdeu Fora dos esquemas delimitados através de séculos por uma tradição filosófica Michel Foucault encara o desafio de pensar no vamente o estatuto do poder político O poder deixa então de ser um atributo do soberano ou da elaboração e aplicação da lei uma propriedade que pode ser adquirida e cedida para se tornar um exercício difuso no corpo social As instituições que aparecem sob o verniz da centralização do poder são não o início mas o acaba mento das relações de poder disseminadas na sociedade O projeto do filósofo francês manifestase de modo bem de finido em Soberania e disciplina texto inserido no conjunto Micro física do poder Tratase ao contrário de captar o poder em suas extremidades em suas últimas ramificações lá onde ele se torna capilar captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais princi palmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam ele se prolonga penetra nas instituições corporificase em técnicas e se mune de instrumentos de interven ção material eventualmente violento FOUCAULT 1979 p 182 Foucault não compreende poder como um sistema comple to de dominação em que fácil seria visualizar uma fonte única da qual ele emanaria O poder é exercido a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis no interior da sociedade organizada As relações de poder não são ditadas uniformemente por uma superestrutura elas são integradas aos processos eco nômicos relações de conhecimento discursos de sexualidade construção de casas de detenção e desempenham aí um papel produtor Encontramos em Microfísica do poder numa entrevista intitulada como Verdade e poder a seguinte passagem O que faz com que o poder se mantenha e seja aceito é simples mente que ele não pesa só como uma força que diz sempre não mas que de fato ele permeia produz coisas induz ao prazer forma saber produz discurso FOUCAULT 1979 p 8 Claretiano Centro Universitário 107 U6 Filosofia Política Contemporânea Foucault percebe a cumplicidade que pode haver entre saber e poder há uma conexão silenciosa entre produção de saberes e estratégias do poder entre poder e instituições entre poder e prá ticas disciplinares resta investigar se não há uma matriz comum en tre história das ciências humanas e história do direito penal indo mais além trilhando a analítica das relações de poder na sociedade contemporânea o filósofo francês levanta a hipó tese segundo a qual política e guerra não consistiriam em duas estratégias diametralmente opostas política em tempos de paz e guerra podem estar mais próximas do que se imagina e prontas a se transformar uma na outra Lemos em Genealogia e poder texto que compõe a obra já citada Se é verdade que o poder político acaba a guerra tenta impor a paz na sociedade civil não o faz para suspender os efeitos da guerra ou neutralizar os desequilíbrios que se manifestam na batalha fi nal mas para reinscrever perpetuamente estas relações de força através de uma espécie de guerra silenciosa nas instituições e nas desigualdades econômicas na linguagem e até no corpo dos indiví duos FOUCAULT 1979 p 176 Foucault quer estar atento à pluralidade das relações de do minação ao jogo das relações de força e à efusão das micropena lidades que planejam adestrar corpos e palavras na complexidade da sociedade política atual Nessa linha de pensamento o filósofo vai dizer que o que interessa à classe burguesa que ascende a partir da Revolução Francesa e permanece até hoje com o papel dominante é desco brir como as técnicas de exclusão podem ser vantajosas política ou economicamente lucrativas De modo a distender estruturas de poder menos ruidosas certos mecanismos vão sendo criados e o poder soberano dá lugar ao poder disciplinar Surge uma nova economia do poder Este novo tipo de poder que não pode mais ser transcrito nos ter mos da soberania é uma das grandes invenções da sociedade bur guesa Ele foi um instrumento fundamental para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correspon dente este poder não soberano alheio à forma da soberania é o poder disciplinar FOUCAULT 1979 p 188 Filosofia Política 108 Uma extensa cadeia de vigilância permite um minucioso sis tema de controle e coerções O poder disciplinar mais adaptado às exigências do regime democrático ocupa o lugar do poder sobera no cru mas este não desaparece inteiramente na medida em que a teoria da soberania permanece como ideologia e como princípio organizador dos grandes códigos jurídicos isto por dois motivos de acordo com a argumentação do filósofo francês primeiro por que dita teoria persiste como um valoroso argumento de oposição contra a monarquia e os obstáculos que ela poderia impor ao pro gresso segundo porque a citada teoria permite camuflar técnicas de dominação recobrindoas de legitimidade plasmada num siste ma perfeito de direito Os sistemas jurídicos teorias ou códigos permitiram uma de mocratização da soberania através da constituição de um direito público articulado com a soberania coletiva no exato momento em que esta democratização fixavase profundamente através dos mecanismos de coerção disciplinar FOUCAULT 1979 p 188189 Poder e liberdade não se excluem implicamse reciproca mente Para que a assimetria da relação de poder se mantenha sua tensão não deve eliminar a possibilidade de ação do polo su bordinado uma vez que poder só pode ser propriamente exercido sobre o que se apresenta como livre Por isso os pontos de resis tência atualizam o poder seja pela confirmação institucional seja pela polarização da revolução 7 JüRGEN hABERMAS Herdeiro da Escola de Frankfurt aliado à crítica do Positivismo Habermas procede à análise do desenvolvimento da sociedade in dustrial e da crise de legitimidade do capitalis mo tardio Caberia ainda aos filósofos enfrentar certas questões persistentes da política con temporânea sem ignorar os fatos históricos e sem criar um fosso entre teoria e prática dian te do avanço cada vez maior da racionalidade Figura 3 Jürgen Habermas 1929 Claretiano Centro Universitário 109 U6 Filosofia Política Contemporânea científica em todos os âmbitos da vida social inclusive quanto às técnicas governamentais Entretanto ao longo de sua vida acadêmica Habermas vai paulatinamente deslocando a problemática marxista para a abor dagem do uso social da linguagem e da noção de comunicação Partindo de uma combinação entre teoria sociológica e filosofia da linguagem Habermas propõese a discutir as condições de legi timação das relações éticas e sociais no contexto da sociedade do século 20 privilegiando os pressupostos de possibilidade da ação comunicativa Habermas está consciente nesse ínterim da impor tância de superar a oposição entre filosofia e ciência e criar novas bases para o interlúdio com as ciências sociais Na esteira de uma crítica ao saber absoluto da metafísica a teoria habermasiana busca destranscendentalizar a razão a fim de trazê la ao chão do mundo vivido e às condições concretas e contingen tes da prática sem perder entretanto o horizonte das idealizações inevitáveis e necessárias que se abre em cada ato de fala realizado argumentativamente Finalmente será crucial a explosão do clás sico primado da teoria frente à prática Esse processo é acolhido dentro da teoria do agir comunicativo não nos termos de uma li quidação da pretensão racional do pensamento filosófico e sim de um encolhimento dos seus papéis tradicionais à filosofia não cabe mais o papel de indicador de lugar relativo às ciências e nem o de juiz frente à cultura mas ela pode e deve assumir o posto de coo peradora das ciências e de intérprete trazendo para o horizonte do mundo vivido realimentandoo através da linguagem argumenta tiva da crítica as estruturas de pensamento envolvidas num am biente cultural cada vez mais especializado ARAúJO in OLiVEiRA 2003 p 216 Habermas toma como premissa para a sua teoria do agir co municativo que a observação empírica tenha a comunidade co municativa como um dado objetivo Há uma comunidade que se comunica e os participantes dos debates assumem ao iniciálo a existência de normas lógicas que viabilizam o entendimento mú tuo Pressuposto da ação seria ter por base uma realidade dia lógica forjada pela relação entre ao menos dois sujeitos capazes de falar e agir inseridos num contexto socialmente apreciável A Filosofia Política 110 existência de tal relação permite pensar uma razão comunicativa antes de uma razão que tem no sujeito o seu ambiente centrali zado e isolado A razão comunicativa seria o reflexo do confronto dos participantes da comunicação mediada pela linguagem e pela argumentação leitura que admite a fragilidade e insuficiência da razão sempre plural e desprovida de fundamento absoluto As implicações de sua teoria para a Filosofia Política são cla ras o agir comunicativo aparece como o único meio de intercom preensão e elemento de ligação entre facticidade e validade jurí dica Diz Habermas no primeiro capítulo de Direito e democracia O conceito agir comunicativo que leva em conta o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a cons trução e manutenção de ordens sociais pois estas mantêmse no modo do reconhecimento de pretensões de validades normativas isso significa que a tensão entre facticidade e validade embutida na linguagem e no uso da linguagem retorna no modo de integra ção de indivíduos socializados ao menos indivíduos socializados comunicativamente devendo ser trabalhada pelos participantes 1997 A linguagem exerce aí a função de promotora do agir na complexidade do mundo moderno deflagrando a articulação en tre autonomia privada e autonomia pública Pela releitura do imperativo categórico kantiano mas sob uma ótica conduzida pelo desejo de superação da perspectiva sub jetivista do agente moral Habermas elege o princípio do discurso como base possível do direito A fórmula está expressa no terceiro capítulo de Direito e democracia Serão válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingi dos poderiam dar o seu assentimento na qualidade de participan tes de discursos racionais 1997 Ou ainda Somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capa zes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito num processo jurídico de normatização discursiva 1997 Claretiano Centro Universitário 111 U6 Filosofia Política Contemporânea Uma rápida passada de olhos sobre a fórmula lapidar do princípio do discurso permite compreender a amplitude de sua ressonância política Todos os envolvidos na intenção de estabe lecer normas para a convivência entre os homens devem ter voz Vemos quão forte pode ser o vínculo que une democracia e estado constitucional Enquanto filósofo do século 20 frente ao recuo da esperança na capacidade do homem em conduzir a vida comum mas ainda confiante nos princípios da democracia por vir Habermas acredita num projeto de modernidade que se caracteriza entre outra coisas por uma avaliação positi va ainda que crítica da racionalidade e de seus progressos por uma defesa clara da democracia como forma madura de resolu ção dos conflitos e finalmente pela convicção inabalável de que as questões normativas são suscetíveis de discussão argumentativa ARAúJO in OLiVEiRA 2003 p 223 8 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Claude Lefort Pensando o político ensaios sobre democracia revolução e liberdade A questão da democracia Gostaria agora de chamar a atenção para o que significa repensar o polí tico em nosso tempo A emergência do totalitarismo tanto na variante fascista presentemente destruída mas sobre a qual nada nos permite dizer que não reaparecerá no futuro quanto na variante que se acoberta sob o nome de socialismo cujo sucesso só ganhou em extensão colocanos na posição de reinterro gar a democracia Contrariamente à opinião difundida o totalitarismo não resulta de uma transformação do modo de produção Inútil demonstrálo a partir do caso do fascismo alemão ou italiano que se adaptou à ma nutenção de uma estrutura capitalista seja qual for a mudança ocorrida com o recrudescimento da intervenção do Estado na economia O to talitarismo moderno surgiu de uma mutação política mutação de ordem simbólica que atesta da melhor maneira possível a mudança de esta tuto do poder Nos fatos um partido se eleva apresentandose com uma natureza diferente da dos partidos tradicionais como portador de todas as aspirações do povo e detentor de uma legitimidade que o coloca acima das leis ele toma o poder destruindo todas as oposições o novo poder não tem de prestar contas a ninguém subtraindose a todo controle legal Mas pouco importa para o nosso propósito o desenrolar dos acontecimentos interessamme os traços mais característicos da nova forma de sociedade Operase uma condensação entre a esfera do poder a esfera da lei e a es Filosofia Política 112 fera do saber O conhecimento dos fins últimos da sociedade das normas que regem as práticas sociais tornase propriedade do poder ao passo que esse poder mostrase como órgão de um discurso que enuncia o real enquanto tal O esquema até agora apenas esboçado já permite reexaminar a demo cracia A partir do conteúdo do totalitarismo é que a democracia ganha um novo relevo mostra que é impossível reduzila a um sistema de insti tuições Aparece por sua vez como uma forma de sociedade e a tarefa que se impõe é compreender no que consiste sua singularidade e o que contém que permite o seu contrário isto é o advento da sociedade totali tária 1991 Texto 2 Norberto Bobbio O futuro da democracia Apelo aos valores É preciso dar uma resposta à questão fundamental aquela que ouço fre qüentemente repetida sobretudo pelos jovens tão inclinados às ilusões quanto às desilusões Se a democracia é predominantemente um con junto de regras de procedimento como pode pretender contar com cida dãos ativos Para ter os cidadãos ativos será que não são necessários alguns ideais É evidente que são necessários os ideais Mas como não darse conta das grandes lutas de idéias que produziram aquelas regras Tentemos enumerálas Primeiro de tudo nos vem ao encontro legado por séculos de cruéis guerras de religião o ideal da tolerância Se hoje existe um ameaça à paz mundial esta vem ainda uma vez do fanatismo ou seja da crença cega na própria verdade e na força capaz de impôla Inútil dar exemplos podemos encontrálos a cada dia diante dos olhos Em segundo lugar temos o ideal da nãoviolência jamais esqueci o ensinamento de Karl Popper segundo o qual o que distingue essencialmente um governo de mocrático de um nãodemocrático é que apenas no primeiro os cidadãos podem livrarse de seus governantes sem derramamento de sangue As tão freqüentemente ridicularizadas regras formais da democracia intro duziram pela primeira vez na história as técnicas de convivência desti nadas a resolver os conflitos sociais sem o recurso à violência Apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo que deve ser destruído mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar Terceiro o ideal da renovação gradual da sociedade através do livre debate de idéias e da mudança das mentalidades e do modo de viver apenas a democracia permite a formação e a expansão das revoluções silenciosas como foi por exemplo nessas últimas décadas a transformação das relações entre os sexos que talvez seja a maior revolução dos nossos tempos Por fim o ideal da irmandade a fraternité da revolução francesa Em nenhum país do mundo o método demo crático pode perdurar sem tornarse um costume Mas pode tornarse um costume sem o reconhecimento da irmandade que une todos os homens num destino comum Um reconhecimento ainda mais necessário hoje Claretiano Centro Universitário 113 U6 Filosofia Política Contemporânea quando nos tornamos a cada dia mais conscientes deste destino comum e deveríamos por aquele pequeno facho de razão que clareia nosso caminho agir de modo conseqüente 2000 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Arendt 2 Como pensar o conceito de política para Foucault 3 Como pensar o conceito de política para Habermas 4 quais os principais desafios do pensamento político hoje 5 Como compreender os avanços e os desafios da experiência democrática brasileira 10 CONSIDERAÇÕES fINAIS Não são poucas as angústias que acometem àqueles que de cidem se enveredar pelos caminhos da Filosofia Política As ques tões que logo se interpõem não dizem respeito unicamente à lei tura da história ou à interpretação das apropriações históricas dos dispositivos políticos tais questões interferem no modo como vi vemos em sociedade e determinam todo o invólucro da existência A Filosofia Política deve enfrentar com afinco os desafios que lhe são propostos Há questões de suma importância para os dias de hoje qual a natureza e a finalidade dessa estrutura que continu amos chamando de Estado Seria possível ventilar a hipótese de uma sociedade organizada para além das instituições estatais Se ria possível reavaliar o conceito de soberania Filosofia Política 114 quais as relações entre direitos individuais e direitos insti tuídos juridicamente há equivalência ou dessimetria entre eles Seria possível reavaliar o conceito de cidadania qual a melhor forma de governo qual o melhor regime de governo Como estreitar os laços da representação política de modo a garantir uma maior participação de todos qual o papel dos novos atores globais na persecução dos objetivos coletiva mente definidos Pode existir paz sem justiça Ainda podemos falar em justiça insatisfeitos com os rumos da política do nosso tempo preo cupados com a exigência de transformar a sociedade em que vive mos e tornar o mundo habitável para todos muitos acreditam que uma revolução seja a única solução possível outros acreditam na recuperação e revalorização das instituições democráticas Pode mos optar pelo caminho que melhor preencher nossas expectati vas O que não podemos é ficar indiferentes 11 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Hannah Arendt 19061975 Disponível em httphannaharendtwordpress comgaleriadefotosharendthannaharendtbyfredstein Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Michel Foucault 19261984 Disponível em httpwwwdialogocomosfilosofos combr201003michelfoucault Acesso em 26 jun 2012 figura 3 Jürgen Habermas 1929 Disponível em httpafilosofianosapopt habermas1htm Acesso em 26 jun 2012 12 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS AGAMBEN G Homo sacer o poder soberano e a vida nua Tradução de Henrique Burigo Belo Horizonte Ed UFMG 2002 Estado de exceção Tradução de iraci D Poleti São Paulo Boitempo 2004 ARENDT H Origens do totalitarismo Tradução de Roberto Raposo São Paulo Companhia das Letras 1989 Claretiano Centro Universitário 115 U6 Filosofia Política Contemporânea A condição humana Tradução de Roberto Raposo Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 BOBBiO N O futuro da democracia Tradução de Marco Aurélio Nogueira São Paulo Paz e Terra 2000 BORON A A Org Filosofia política contemporânea controvérsias sobre civilização império e cidadania Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales São Paulo USP 2006 DELACAMPAGNE C História da filosofia no século 20 Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 A filosofia política hoje idéias debates questões Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 DUSO G Org O poder história da filosofia política moderna Tradução de Andrea Ciacchi Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi Petrópolis Vozes 2005 FOUCAULT M História da sexualidade a vontade de saber Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J A Albuquerque Rio de Janeiro Graal 1988 Microfísica do poder Tradução de Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 1979 Em defesa da sociedade Tradução de Maria Ermantina Galvão São Paulo Martins Fontes 2000 HABERMAS J The theory of communicative action Tradução de Thomas McCarthy Cambridge Polity Press 1987 v 2 Consciência moral e agir comunicativo Tradução de Guido A de Almeida Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 Direito e democracia entre facticidade e validade Tradução de Flávio Beno Siebeneichler Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1997 LEFORT C A invenção democrática os limites da dominação totalitária Apresentação de Marilena Chauí Tradução de isabel Marva Loureiro São Paulo Brasiliense 1983 Pensando o político ensaios sobre democracia revolução e liberdade Tradução de Eliana M Souza Rio de Janeiro Paz e Terra 1991 OLiVEiRA M AGUiAR O A e SAHD L F N A S Orgs Filosofia política contemporânea Petrópolis Vozes 2003 WEBER M A política como vocação in Ensaios de sociologia Tradução de Waltensir Dutra Rio de Janeiro Zahar Editores 1971 WEiL E Filosofia política Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1990
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
7
O Esclarecimento: A Saída da Menoridade segundo Immanuel Kant
Filosofia
CEUCLAR
36
Educação em Esparta e Atenas: Métodos e Paradigmas
Filosofia
CEUCLAR
30
Necropolítica: O Poder de Viver e Morrer
Filosofia
CEUCLAR
51
A Filosofia Crítica de Immanuel Kant: Objetivos e Conteúdos
Filosofia
CEUCLAR
204
História da Filosofia Moderna II - Caderno de Referência
Filosofia
CEUCLAR
216
História da Filosofia Moderna I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
192
Tópicos de Filosofia e Educação em Cursos de Graduação EAD
Filosofia
CEUCLAR
92
Ética I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
140
Lógica I - Caderno de Referência de Conteúdo
Filosofia
CEUCLAR
Texto de pré-visualização
CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD Filosofia Política Prof Dr Daniel Arruda Nascimento Daniel Arruda Nascimento é Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas Atualmente é professor do Mestrado em Ética e Epistemologia da Universidade Federal do Piauí na linha de pesquisa Ética e Filosofia Política De 2007 a 2009 contribuiu para o curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitário Claretiano sendo professor convidado tendo atuado em diversos polos e elaborado o material didático de Filosofia Política que ora se inicia email danielnascimentovoilafr Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação FILOSOFIA POLÍTICA Caderno de Referência de Conteúdo Daniel Arruda Nascimento Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2011 Batatais SP Versão dez2013 32001 N193f Nascimento Daniel Arruda Filosofia política Daniel Arruda Nascimento Batatais SP Claretiano 2013 116 p ISBN 9788567425627 1 História da Filosofia Política 2 Conceitos períodos e representantes da filosofia política 3 Introdução à discussão e exame das contribuições filosóficas de alguns expoentes 4 Filosofia política na Antiguidade Platão e Aristóteles 5 Filosofia política na Idade Média Agostinho e Tomás de Aquino 6 Filosofia política e a teoria do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau 7 Filosofia política na modernidade Kant e Hegel 8 Filosofia política contemporânea Arendt Foucault e Habermas I Filosofia política CDD 32001 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REfERêNCIA DE CONTEúDO 1 iNTRODUçãO 9 2 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO 11 3 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 24 UNiDADE 1 iNTRóiTO 1 OBJETiVOS 25 2 CONTEúDOS 25 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 25 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 26 5 EM TORNO DO CONCEiTO DE POLíTiCA 28 6 POLíTiCA E ORGANiZAçãO DO PODER 29 7 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 33 8 CONSiDERAçÕES 34 9 EREFERêNCiA 34 10 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 34 UNiDADE 2 FiLOSOFiA POLíTiCA NA ANTiGUiDADE 1 OBJETiVOS 35 2 CONTEúDOS 35 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 35 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 36 5 CONCEiTO DE POLíTiCA E ExPERiêNCiA DA DEMOCRACiA 37 6 PLATãO E A CiDADE JUSTA 38 7 ARiSTóTELES E O BEM COMUM COMO FiNALiDADE DA ViDA POLíTiCA 43 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 46 9 CONSiDERAçÕES 47 10 EREFERêNCiAS 47 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 47 UNiDADE 3 FiLOSOFiA POLíTiCA NA iDADE MÉDiA 1 OBJETiVOS 49 2 CONTEúDOS 49 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 49 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 50 5 AGOSTiNHO E A CiDADE DE DEUS 52 6 TOMáS DE AqUiNO E A PEDAGOGiA DA LEi DiViNA 54 7 TExTOS COMPLEMENTARES 57 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 59 9 CONSiDERAçÕES 59 10 EREFERêNCiAS 59 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 60 UNiDADE 4 FiLOSOFiA POLíTiCA E A TEORiA DO PACTO SOCiAL 1 OBJETiVOS 61 2 CONTEúDOS 61 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 62 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 62 5 NiCOLAU MAqUiAVEL E O ESTADO FORTE 65 6 THOMAS HOBBES E O PACTO SOCiAL 68 7 JOHN LOCkE E A TEORiA LiBERAL 71 8 JEANJACqUES ROUSSEAU E O CONTRATO SOCiAL 74 9 TExTOS COMPLEMENTARES 77 10 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 79 11 CONSiDERAçÕES 79 12 EREFERêNCiAS 80 13 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 80 UNiDADE 5 FiLOSOFiA POLíTiCA NA MODERNiDADE 1 OBJETiVOS 83 2 CONTEúDOS 83 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 83 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 84 5 iMMANUEL kANT E A PAZ PERPÉTUA 87 6 FRiEDRiCH HEGEL E A REALiZAçãO DA RAZãO UNiVERSAL 91 7 TExTOS COMPLEMENTARES 94 8 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 96 9 CONSiDERAçÕES 97 10 EREFERêNCiAS 97 11 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 97 UNiDADE 6 FiLOSOFiA POLíTiCA CONTEMPORâNEA 1 OBJETiVOS 99 2 CONTEúDOS 99 3 ORiENTAçÕES PARA O ESTUDO DA UNiDADE 100 4 iNTRODUçãO à UNiDADE 100 5 HANNAH ARENDT 102 6 MiCHEL FOUCAULT 105 7 JüRGEN HABERMAS 108 8 TExTOS COMPLEMENTARES 111 9 qUESTÕES AUTOAVALiATiVAS 113 10 CONSiDERAçÕES FiNAiS 113 11 EREFERêNCiAS 114 12 REFERêNCiAS BiBLiOGRáFiCAS 114 EAD CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa História da Filosofia Política Conceitos períodos e representantes da Filosofia Política Introdução à discussão e exame das contribuições filosóficas de alguns expoentes Filosofia Política na Antiguidade Platão e Aristóteles Filosofia Polí tica na Idade Média Agostinho e Tomás de Aquino Filosofia Política e a teoria do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau Filosofia Política na mo dernidade Kant e Hegel Filosofia Política contemporânea Arendt Foucault e Habermas 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo Prezado aluno iniciaremos o estudo do Caderno de Referên cia de Conteúdo Filosofia Política que compõe os Cursos de Gra duação No Caderno de Referência de Conteúdos você encontrará as seis unidades básicas que o ajudará a percorrer o longo cami nho da história do pensamento político Observe que o CRC que se inicia cumpre a sua finalidade de ser apenas um instrumento de orientação para que o aluno bus Filosofia Política 10 que por si mesmo aprofundar seus conhecimentos A construção de um Caderno de Referência de Conteúdo sobre a história da fi losofia política exige um enorme recorte Se o CRC intitulado Filo sofia Política possui como objeto específico de análise a vida em comunidade ela se debruça sobre um objeto que não pode ser medido nem no tempo nem no espaço Por motivos óbvios seria impossível abarcar toda a história do pensamento dedicado à con cepção e à organização da vida comum Todo sistema filosófico corre o risco de cometer injustiças irreparáveis na medida em que faz escolhas diante de um incon tornável O que você tem nas mãos não é um compêndio universal de Filosofia Política nem muito menos um tratado sobre política Podemos dizer que agora se inicia um CRC vazado entre uma unidade e outra poderiam ser incluídas muitas outras Logo a lei tura de cada unidade precisa ser aprofundada com a pesquisa às fontes primárias e secundárias Aprender a desconfiar do que lê mesmo que seja um conteúdo orientador é tarefa do aluno atento e já comprometido com a atitude filosófica fundamental As unidades que se seguem estão dispostas de modo a faci litar a compreensão da história da Filosofia Política Apresentamos aqui um panorama dos principais representantes do pensamento ocidental no que se refere à política e sua investigação filosófica A Unidade 1 traz apenas uma introdução ao estudo A Unidade 2 é dedicada à Filosofia Política na Antiguidade com capítulos referentes a Platão e a Aristóteles A Unidade 3 aborda a Filosofia Política na idade Média e nela reservamos espaço para Agostinho e Tomás de Aquino A Unidade 4 tem como tema a relação entre a Filosofia Política e as teorias do pacto social Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau aparecerão aí como os autores principais A Unidade 5 cuida da Filosofia Política na modernidade e nela priorizamos os estudos de kant e Hegel A Unidade 6 trata da Filosofia Política contemporânea Esboçamos nessa última unidade uma breve apresentação de alguns dos Claretiano Centro Universitário 11 Caderno de Referência de Conteúdo filósofos mais importantes da nossa atualidade no que diz respeito à Filosofia Política Arendt Foucault e Habermas Tendo em vista a natureza de um conteúdo introdutório atento à finalidade didática capaz de colocálo em contato com os textos das fontes primordiais abusamos das citações Criar essa proximidade será vital se quisermos atingir nossos objetivos Para deixar falar os principais representantes da história da Filosofia Po lítica cada pequena unidade aparecerá recheada com textos reti rados das obras respectivas Ao final de cada unidade a leitura de um ou dois textos complementares poderá ser sugerida Bom estudo 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr Daniel Arruda Nascimento Neste tópico apresentase uma visão geral do que será es tudado neste CRC Aqui você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportu nidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade Desse modo essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conheci mento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com com petência cognitiva ética e responsabilidade social Vamos come çar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC Uma apresentação prefacial merece ser escrita por alguém que tem diante de si uma considerável distância do objeto de es tudo do que deve apresentar Se é certo que a distância não pode ser de tal magnitude que impeça o contato cognitivo parece ser também de conhecimento científico geral que o espaço que sepa Filosofia Política 12 ra observador e observado evite o embaraço entre os dois ainda que oriente uma influência saliente demais Mais ou menos como dessas coisas que acontecem nas tramas literárias de operação po licial nas quais o detetive se mantém em perseguição em margem segura quanto ao suspeito sem perder o contato visual tendo de preferência o cuidado de interpor entre si e o perseguido tantos postes e esquinas quanto forem necessários Esta apresentação que inaugura o caderno que o aluno tem em mãos não é con tudo inteiramente coerente a si Ela se afastou do corpo do tex to no tempo no espaço nas condições fisiológicas e no espírito mas quem a escreve se sente profundamente inserido no olho do furacão da política Temos diante de nós uma segunda versão da disciplina de Filosofia Política O que esperar de um caderno de Filosofia Política além de em flagrante duplicação ambivalente da mirada da apresentação sobre o corpo do texto um olhar filosófico lançado sobre a políti ca Ou no mínimo de uma narrativa história topicalizada que tra ga consigo companheiros de viagem pontos de vista alimentados pela matriz filosófica de fina estampa outros olhares de membros da comunidade humana que ousaram pensar sobre política ou so bre o melhor modo de se fazer política Esperaríamos saber ao fi nal o que vem a ser política ou ficaríamos com impressões diversas que não chegam a tocar o fundo do tacho Uma concepção bem próxima das origens do que adotou o nome de política seria aquela segundo a qual política designa doutrina da moral e do direito isto porque as questões atinen tes às relações humanas de primeira ordem e aos limites a serem impostos ao comportamento de cada um dos envolvidos no con vívio humano tais questões presentes desde sempre caíram no colo dos humanos Um homem se apresenta a outro sabendo que seus gestos e suas palavras o cativam ou geram desgosto sabendo que atos possuem efeitos como resultado que ações e reações constituirão uma cadeia intrincada sem fim cujo desenvolvimento será de qualquer maneira determinante para o seu próprio futuro Claretiano Centro Universitário 13 Caderno de Referência de Conteúdo e bemestar incluise aí toda investigação acerca do que deve ser o bem e do que pode ser o bem comum o bem que pertence a todos Desta cepa pertence a escolha de princípios e valores cons ciente ou não e tal como uma necessidade siamesa a constitui ção de regras e a fixação da relevância e do alcance dessas regras Outra concepção também bastante original vincularia a po lítica à arte ou à ciência do bom governo ou seja perguntaria pelo modo de governar que melhor satisfaz os ideais de uma comuni dade humana Nesta hipótese não interessa apenas analisar as diferentes formas de governo que obtiveram realidade ao longo da história distinguindoas e avaliandoas segundo critérios de nascimento força permanência ou legitimidade Nem mesmo os diferentes governantes interessa inquirir para além inclusive da satisfação dos ideais humanos se há uma ciência do governo e de quais atributos ela se ocupa A política então evolveria saberes saber o que é política saber conduzirse nos meios políticos sa ber governar saber guiar uma comunidade ao seu destino político Político é o governante políticos são os governados naquilo que cooperam com o governante Uma terceira concepção geral e originária expande suas ra ízes até as teorias das instituições de organização e direção mais ou menos burocráticas o que podemos provisoriamente chamar de Estado Política enquanto teoria do Estado Auferese o que é Es tado e por que ele se torna necessário politicamente quais as suas condições de existência quais os elementos que o compõem qual o melhor tipo de Estado qual a sua melhor estrutura quais as circuns tâncias históricas que determinam o surgimento de um tipo esta tal e quais tipos se adequariam melhor a certas geografias a certas épocas e a certos povos Recentemente inferese se é possível so ciedade sem Estado tal o desgaste sofrido pela palavra tal o amargo paladar que na boca nos restou depois de tantos infortúnios Uma quarta concepção posterior identifica política e ciên cia da sociedade humana Recebendo de vez a beca de uma área Filosofia Política 14 científica de conhecimento ou de uma disciplina terá como objeto a política os fatos e fenômenos sociais compreendendo as suas leis de surgimento sucessão e funcionamento as suas tendências e possibilidades de influência De modo complementar engloba o estudo das relações intersubjetivas e o seu reflexo no contexto maior da comunidade política Nesse âmbito todavia a política ou a Filosofia Política não estará mais sozinha ela contará com interlocutores da Sociologia da Psicologia da Antropologia da Te ologia e do Direito Vistas assim de uma visão panorâmica as diversas concep ções gerais de política permitem notar talvez muito pouco o que implica o jogo da definição de política Definir o que seja política significa desde cedo assumir um determinado posicionamento sobre as responsabilidades da política Se assevero que política é assunto exclusivamente de governo posso estar querendo dizer com isso que a política não diz respeito a ninguém que não es teja efetivamente no exercício de um cargo institucionalizado Se defendo que toda política tem como finalidade necessária o bem de todos e a justiça social posso estar esquecendo o quanto de ilusões já nos fizeram perder o caminho da paz quando Otto von Bismarck um dos líderes nacionais mais destacados do século 19 se refere à política como arte do possível pode estar insinuando tanto que ao representante político cabe lidar com as possibilida des que lhe estão à mão quanto que na política tudo é possível dependendo da competência do agente político De qualquer ma neira argumentar a favor da imparcialidade mesmo científica é pretender guardar pedras em saco furado Em nossos dias os debates que mais concernem à Filoso fia Política se estendem desde a preocupação com a definição do que é propriamente político em distinção a todo o resto e com o resgate da dignidade da política às críticas que recaem sobre a notória despolitização do cidadão comum daquele que se ausenta do espaço público refugiandose nos interesses particulares sem consideração aos interesses públicos ainda que não esteja atento Claretiano Centro Universitário 15 Caderno de Referência de Conteúdo a quanto de público tem seus interesses privados e quanto a reali zação do público interfere na fruição do privado ou o que é pior daquele que envereda pela profissionalização política a reboque de uma má intenção Muito resta aos estudantes de Filosofia in vestigar Cumpre ressaltar porém que a discussão sobre o que se in sere no âmbito da política e o que está fora de seu campo de ação perdeu por um lado toda a inocência se é que alguma ainda a possuía e por outro todo apelo de extensão restrita Os proble mas enfrentados hoje pela comunidade política planetária já não se referem somente à organização da vida comum Estamos hoje a bordo de um planeta no qual diante de novos distúrbios naturais de grandes proporções e de conquistas tecnológicas nunca vistas uma decisão política precipitada pode ameaçar a vida da espécie humana causando tanto a sua destruição quanto o seu flagelo Um último parágrafo introdutório antes de começarmos propriamente a estudar os conteúdos embora tenhamos ficado quase unanimemente nas páginas que se seguem com a história do pensamento político ocidental é possível e até provável que outras obras de outros pastos de outras inspirações literárias e artísticas tenham mais a dizer de política e experiências políticas que as que foram consultadas e arroladas à bibliografia Para dar apenas um exemplo citamos o Ensaio sobre a lucidez de José Sara mago imaginemos que em uma comunidade política as pessoas manifestassem através da participação política que não querem mais participar do modo habitual imaginemos que em uma de mocracia os eleitores votassem maciçamente em branco 83 dos eleitores votassem em branco mostrando que não estavam contentes com nenhuma das alternativas dadas e impossibilitando a escolha de novos representantes Suponhamos que este tenha sido já o resultado final depois da repetição de eleições realizadas uma semana antes e canceladas pelo mesmo motivo Este é o en redo do romance Ele é por si só bastante político ou bastante próximo dos temas políticos mais conhecidos Mas o que nos inte Filosofia Política 16 ressa vem agora Ao chegar ao meio do livro precisamente ao dé cimo primeiro capítulo o autor tinha que escolher como o levaria ao fim Até então tudo indicava que ele daria um fim diferente pautado em uma concepção de mundo muito diferente do ante rior Ensaio sobre a cegueira no qual não esconde sua percepção da realidade ao transformar homens homens e mulheres repen tinamente cegas em novamente animais entregues sem pudor à satisfação da fome dos instintos de sexo e da agressividade No Ensaio sobre a lucidez Saramago parece nutrir uma esperança no gênero humano desde as primeiras páginas parece comovido com uma nova utopia e o livro parecia destinado a converterse numa parábola da resistência política A comunidade política criada pelo autor respondia às provocações perseguições e ataques dissimu lados dos antigos governantes com tranquilidade inteligência e heroísmo num ambiente de profunda fé na lucidez humana O leitor encontravase com a experiência excepcional de superação do egoísmo Ao chegar ao meio do livro todavia perdese o fio da meada Saramago transverte o seu livro em um suspense policial resgatando a antiga história da cegueira branca mudando os mo dos da narrativa e abandonando a feliz história da resistência da cidade Político é o romance política é a decisão do autor Estaria ele transmitindo a mensagem de que já havia dito tudo que era preciso sobre a experiência de resistência Ou teria ele chegado à conclusão de que a experiência não era possível Mesmo uma inscrição aparentemente inofensiva nas paredes de uma academia de ginástica podem revelar mensagens de cunho político Vejamos esta que encontrei há pouco Nós da Academia x estamos aqui para promover um ambiente agradável e descontraí do onde todos possamos desenvolver um estilo de vida ativo e sau dável sem pressão ou constrangimento Nós somos um meio e não um fim Somos um instrumento para você tornar sua vida melhor Buscamos manter nosso ambiente seguro e estimulante onde você possa se sentir aceito e respeitado Nós não estamos aqui para te bajular mas podemos te dar um empurrãozinho se for isso que você Claretiano Centro Universitário 17 Caderno de Referência de Conteúdo precisar Acreditamos que o mundo não seria o mesmo sem você por isso precisamos de você FAçA PARTE O texto termina com uma expressão imperativa dirigida ao consumidor como não devia deixar de ser Traz todavia em dois movimentos complementares uma intenção bem definida espera contribuir para a construção de um pequeno ambiente que se comunique com outros ambientes maiores em que as pessoas não se sintam socialmente pressiona das a ter um corpo perfeito segundo o modelo atual nem se sintam constrangidas porque não o possuem ou fatalmente nunca virão a possuílo A academia tem a intenção portanto de contribuir para alguma transformação do mundo cujo estilo de vida ativo e sau dável compartilhe uma vida melhor para todos sem discriminação apesar da penúltima frase um tanto contraditória Política é a ins crição na parede política é a filosofia da academia Fiquemos adiante com nossos companheiros de viagem De pois de uma breve introdução ao estudo vejamos o que nos têm a dizer Platão e Aristóteles Agostinho e Tomás de Aquino Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau kant e Hegel Arendt Foucault e Haber mas Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá pida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC Filosofia Política Veja a seguir a definição de alguns dos principais conceitos deste CRC elaborados com escólio nos dicionários de política de Bobbio Matteucci e Pasquino e de análise política de Roberts citados no tópico Referências Bibliográficas 1 Bem comum princípio operativo da edificação da socie dade humana e fim para o qual ela deve se orientar com vistas à obtenção da felicidade para todos 2 Contratualismo teoria que pretende explicar a for mação e a legitimidade do poder estatal evocando sua Filosofia Política 18 instituição por meio de um contrato social no qual a constituição de um soberano ocorre em função da trans ferência de direitos associados a um estado de natureza logicamente anterior 3 Democracia sistema político baseado nos princípios de liberdade igualdade e autogestão no qual todo poder emana do povo e por ele é exercido seja diretamente seja através de representantes escolhidos para tal fim 4 Direito conjunto harmônico de princípios declaratórios de direitos fundamentais e obrigações normas de condu ta e de organização dotado de heteronomia e coercitivi dade instituído com a finalidade de regular as relações sociais na manutenção da ordem da paz e da justiça 5 Estado organização que compreende extensão territo rial população e governo soberano cuja coesão é garan tida pelo monopólio legítimo da força 6 Ética ciência que estuda o comportamento humano e seus valores 7 filosofia em termos muito gerais seria o estudo que visa ampliar a compreensão da realidade e dos diferen tes sentidos de mundo 8 Governo organismo institucional responsável pela ge rência de uma comunidade política no que diz respeito à tomada de decisões e condução dos negócios públicos 9 Guerra período de conflito armado no qual as leis co muns são suspensas e grupos políticos rivais buscam atingir objetivos específicos ou impedir que outros os atinjam 10 Igualdade em termos políticos a igualdade se diz dos que possuem as mesmas características ou necessida des pessoais dos que merecem mesmo tratamento e para fins de distribuição de direitos e bens 11 Justiça noção ética fundamental compreendida classi camente como o ato de dar a cada um o que é seu se gundo seu grau habilidade e necessidade 12 Liberdade em termos políticos referese à interação entre pessoas grupos e poderes e à relativa força dos Claretiano Centro Universitário 19 Caderno de Referência de Conteúdo obstáculos que divisam as ações e omissões em socie dade 13 Monarquia forma de governo em que há um único che fe de Estado cujo título é transmitido hereditariamente e cuja atividade envolve funções de governo e comu mente funções religiosas e simbólicas 14 Moral ética contextualizada no tempo e no espaço re lativa a definições de condutas e hábitos julgados válidos para determinada pessoa ou grupo 15 Paz situação política de concórdia tranquilidade públi ca e cessação das hostilidades 16 Poder capacidade de agir por si ou de afetar com ou sem o emprego da força a opinião e o comportamento dos outros envolvendo no âmbito estrito da política questões de autoridade e de distribuição 17 Política processo pelo qual os princípios e objetivos de um grupo social são escolhidos ordenados executados e garantidos compreendendo atividades de diversos ti pos e relevâncias 18 República forma de governo de surgimento histórico contrário à monarquia onde o chefe de Estado é esco lhido por eleição ou nomeação geralmente através da participação popular 19 Soberania poder político que encarna e decide o desti no de um povo vinculado às suas instituições de coman do e oponível contra todos os outros Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções Filosofia Política 20 É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino Com base na teoria de aprendizagem significativa entende se que por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu co nhecimento de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pe dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza gem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para os alunos e as alu nas uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cognitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por objetivo tor Claretiano Centro Universitário 21 Caderno de Referência de Conteúdo nar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhe cimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabele cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgsbredutoolsmapascon ceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 Figura 1 Esquema dos Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo Filosofia Política Filosofia Política 22 Como pode observar esse Esquema oferece a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo citados no glossário anterior Ao seguilo será possível transitar entre os principais conceitos deste CRC e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino aprendizagem Por exemplo o conceito de política depende de como a filosofia age sobre o seu objeto de estudo e do modo como antes foi afetada pelos conceitos de ética moral e direito Outro exemplo os conceitos república democracia e contratualismo decorrentes da evolução do conceito de poder majorado pela in cidência da filosofia sobre a política desembocam em teorias que precisam definir e compatibilizar liberdade e igualdade O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realizadas presen cialmente no polo Lembrese de que você aluno EaD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertativas Responder discutir e comentar essas questões bem como re lacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional As questões de múltipla escolha são as que têm como respos ta apenas uma alternativa correta Por sua vez entendemse por questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos Claretiano Centro Universitário 23 Caderno de Referência de Conteúdo matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada inalterada Já as questões abertas dissertativas obtêm por res posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado por isso normalmente não há nada relacionado a elas no item Gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus colegas de turma Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte inte grante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apu rada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao com partilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno ou aluna dos Cursos de Graduação na mo dalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e con sistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Filosofia Política 24 Sugerimos pois que organize bem o seu tempo e realize as ativi dades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas poderão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 3 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS ABBAGNANO N Dicionário de Filosofia Tradução de Alfredo Bosi São Paulo Martins Fontes 2007 BOBBiO N MATTEUCCi N PASqUiNO G Dicionário de política Tradução de Carmen C Varrialle et al Brasília Ed da UNB 1991 DELACAMPAGNE C A filosofia política hoje idéias debates questões Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 ROBERTS G k Dicionário de análise política Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1972 SARAMAGO J Ensaio sobre a lucidez São Paulo Companhia das Letras 2004 1 EAD Intróito 1 OBJETIVOS Compreender o contexto da Filosofia Política Ambientarse nas discussões que envolvem a disciplina 2 CONTEúDOS Em torno do conceito de política Política e organização do poder Uma folha antiga Glosa 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 26 1 Lembrese de que há muitos conceitos possíveis para a palavra política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e têm a preten são de ajudálo na compreensão das polissemias aqui presentes 2 Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitoschave para o estudo de todas as unidades deste CRC isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho 3 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 4 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 5 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Por que estudar Filosofia Política qual a relação que existe entre política e Filosofia Nada escapa à reflexão filosófica Se a Filosofia for apenas uma intensidade ou ritmo do pensamento seu campo de abran gência não pode ser limitado pela definição de um objeto específi co Coisas como desigualdade e poluição taxas de juros e potência dos motores de veículos são também objetos da reflexão filosófi ca A política como parte relevante da constituição do mundo em que vivemos não poderia ficar excluída do olhar crítico do filósofo Claretiano Centro Universitário 27 U1 Intróito Além disso quando a Filosofia reflete sobre o exercício da política reflete sobre as próprias condições do filosofar Ainda que alguns filósofos tenham escrito importantes obras em situações extremamente adversas como é o caso de Franz Rosenzweig ou Walter Benjamin persiste como condição primaz do pensamento o ócio criativo Mesmo o nascimento da Filosofia na Grécia Antiga não pa rece estar isolado da prosperidade política e econômica das cida des gregas a partir do século 7º aC O surgimento de uma robusta classe comerciante e o crescimento no uso da força de trabalho es cravo auxiliam na liberação da aristocracia agrária para a contem plação para o investimento nas ciências e nas artes Além disso ao lado das novidades trazidas pelas navegações e de novos métodos de medição do tempo do espaço e das riquezas um fator determi nante para o nascimento da filosofia helênica teria sido justamen te o aparecimento da CidadeEstado e a consequente substituição de certas figuras e instituições da tradição mitológica A Filosofia nasce num ambiente político de fértil diálogo forjado pelo exercí cio do pensamento e pela troca de opiniões Tratar a política como se fosse um objeto estranho à Filosofia seria então no mínimo arbitrário A Filosofia não se deixa domi nar nem por uma área do conhecimento nem por grupos que se pretendem titulares do filosofar à filosofia encastelada também se aplica a advertência atri buída a Bertolt Brecht num pequeno texto que espanta pela sua simplicidade e clareza O texto chamase O analfabeto político O pior analfabeto é o analfabeto político Ele não ouve não fala nem participa dos acontecimentos políticos Ele não sabe que o custo de vida o preço do feijão do peixe da farinha do aluguel do sapato e do remédio dependem das decisões políticas O anal fabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política Não sabe que da sua ignorância política nasce a prostituta o menor abandonado e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista pilantra o corrupto e os exploradores do povo LiGóRiO 2012 Filosofia Política 28 Vamos enfrentar o desafio de estudar e refletir sobre a po lítica 5 EM TORNO DO CONCEITO DE POLíTICA O que vem a ser política A política é uma referência permanente em todas as dimensões do nosso cotidiano na medida em que este se desenvolve como vida em sociedade A política surge junto com a própria história com o dinamismo de uma realidade em constante transformação que continuamente se revela insuficiente e insatisfatória e que não é fruto do acaso mas resulta da atividade dos próprios homens vivendo em socie dade Entre o voto e a força das armas está uma gama variada de formas de ação desenvolvidas historicamente visando resolver con flitos de interesses configurando assim a atividade política em sua questão fundamental sua relação com o poder MAAR 1994 p 79 Por ser a política o resultado de uma construção histórica dinâmica ao definir um significado geral para embrutecer o seu conceito correse o risco de fazer tábula rasa das figuras distintas que se apresentam na sua gênese Podemos não obstante en tender a política simplesmente como meio de organização da vida comunitária e como tal ela poderia levar uma conotação genérica ou específica de um determinado grupo já inserido no conjunto do corpo social no tempo e no espaço A política exige a sabedoria de dosar e coordenar os inte resses individuais e coletivos para tornar possível a vida comum exige a análise meticulosa da realidade que cerca os viventes e a esperança de modificála requisita a intervenção propositiva cria tiva e ativa Um sentido mais rasteiro e sensibilizado com o que há de vis ceral na superfície da terra permite compreender a política como via para a realização humana Todos nós participamos da política ainda que não o façamos no modo do engajamento voluntário Claretiano Centro Universitário 29 U1 Intróito 6 POLíTICA E ORGANIZAÇÃO DO PODER Está para nascer uma comunidade sem organização política sem um mínimo de determinação das modalidades de poder Mes mo o mais acalorado dos intelectuais com tendências anarquistas há de convir que não existe nem nunca existiu comunidade que não possuísse governo ou pelo menos alguma forma de organiza ção do poder Desde que o homem vive em comunidade desde que se re laciona e convive com outros homens dentro de um mesmo espa ço público latente se torna a definição do exercício de liderança e do poder de decidir Seja o processo de escolha consciente ou não sejam quais forem os critérios de escolha força física grau de sabedoria inteligência origem familiar antiguidade motivação religiosa contagem de votos etc a própria existência da comu nidade acarreta a necessidade de eleição às vezes toda a coisa acontece de forma muito sutil quando se vive em comunidade alguma instituição precisa estar disponível para escutar os demais aglutinar desejos e ideias construir uma visão de conjunto tomar decisões incentivar mudanças de atitude Ao longo da história da humanidade algumas tentativas foram feitas Algumas obtiveram maior sucesso outras amarga ram um prematuro fracasso De todas as tentativas a expressão da organização do poder mais próxima a nós é sem dúvida o Es tado Moderno surgido como estrutura conceitual no século 16 sobrevivente quase que incólume até os dias atuais O Estado re siste às mudanças do tempo continua a ser o principal modo de organização das sociedades embora diferentes épocas da história tenham lhe emprestado diferentes rostos Todavia não vamos nos adiantar Precisamos antes percor rer a história do pensamento para lá colher contribuições que per mitam visualizar o conjunto de uma Filosofia Política Filosofia Política 30 Ainda como elemento de introdução sugerimos a leitura de um pequeno conto de Franz kafka e da glosa que a ele se segue Ambos aparecem aqui com a dupla intenção de provocar e mo tivar uma reflexão preliminar sobre o objeto de nosso estudo O conto intitulado Uma folha antiga integra o corpo de Um médico rural pequenas narrativas livro publicado pelo autor em 1919 numa época de intensos conflitos e desamparo político e narra a história de um sapateiro inserido no miolo de uma situação políti ca dramática Uma folha antiga É como se muita coisa tivesse sido negligenciada na defesa da nossa pátria Até então não havíamos nos importado com isso entregues como estávamos ao nosso trabalho mas os acontecimentos dos últimos tempos nos causam pre ocupações Tenho uma oficina de sapateiro na praça em frente ao palácio imperial Mal abro a porta no crepúsculo da manhã e já vejo ocupado por homens armados as en tradas de todas as ruas que confluem para cá Mas não são soldados nossos e sim nômades vindos evidentemente do norte De uma maneira incompreensível para mim eles penetraram até a capital que no entanto fica muito distante da fronteira Seja como for já estão aí parece que a cada manhã se tornam mais numerosos Seguindo sua natureza eles acampam a céu aberto pois abominam as casas Ocupamse em afiar as espadas aguçam as lanças e praticam exercícios a ca valo Fizeram desta praça tranqüila mantida sempre escrupulosamente limpa uma autêntica estrebaria É verdade que nós tentamos às vezes sair às pressas das nossas lojas para retirar pelo menos o grosso da sujeira mas isso ocorre com uma freqüência cada vez menor pois o esforço é inútil e além disso corre mos o perigo de cair sob as patas dos cavalos selvagens e de ser feridos pelos chicotes Com os nômades não se pode falar Eles não conhecem a nossa língua na realidade quase não têm um idioma próprio Entendemse entre si de um modo semelhante ao de gralhas Para eles nossa maneira de viver nossas institui ções são tão incompreensíveis quanto indiferentes Conseqüentemente recusam qualquer linguagem de sinais Você pode deslocar as mandíbulas e destroncar as mãos que eles não o compreendem nem nunca irão compreender Muitas ve zes fazem caretas mostram então o branco dos olhos e a baba cresce na boca mas com isso não querem dizer alguma coisa nem assustar ninguém fazemno porque é essa a sua maneira de ser Aquilo de que precisam eles pegam Não se pode afirmar que empreguem a violência Ante a sua intervenção as pessoas se põem de lado e deixam tudo para eles Também das minhas provisões eles levaram uma boa parte Mas não posso me queixar quando vejo por exemplo o que acontece ao açougueiro em frente Mal ele traz as suas mercadorias tudo já lhe foi tirado e engolido pelos nômades Os cavalos deles também comem carne muitas vezes um cavaleiro fica ao lado do Claretiano Centro Universitário 31 U1 Intróito seu cavalo e os dois se alimentam da mesma posta de carne cada qual por uma extremidade O açougueiro é medroso e não ousa acabar com o fornecimento Mas nós entendemos o que se passa recolhemos dinheiro e o ajudamos Se os nômades não recebessem carne quem é que sabe o que lhes ocorreria fazer De qualquer maneira quem é que sabe o que lhes vai ocorrer ainda que recebam carne diariamente Não faz muito o açougueiro pensou que podia ao menos se poupar do esforço do abate e uma manhã trouxe um boi vivo Isso não deve se repetir Fiquei bem uma hora estendido no fundo da oficina com todas as roupas cobertas e almofadas empilhadas em cima de mim para não ouvir os mugidos do boi que os nômades atacavam de todos os lados para arrancar com os dentes pedaços de sua carne quente Quando me atrevi a sair já fazia silêncio há muito tempo como bêbados em torno de um barril de vinho eles estavam deitados mortos de cansaço em torno dos restos do boi Justamente nessa época acreditei ter visto o imperador em pessoa numa janela do palácio em geral ele nunca vem a esses aposentos externos vive sempre no mais interno dos jardins mas desta vez pelo menos assim me pareceu ele estava em pé junto a uma das janelas olhando de cabeça baixa o movimento diante do seu castelo O que irá acontecer todos nós nos perguntamos Quanto tempo vamos suportar esse peso e tormento O palácio imperial atraiu os nômades mas não é capaz de expulsálos Os portões permanecem fechados a guarda que antes entrava e saía marchando festivamente mantémse atrás de janelas gradeadas A nós artesãos e comerciantes foi confiada a salvação da pátria mas não esta mos à altura de uma tarefa dessas nem jamais nos vangloriamos de estar É um equívoco e por causa dele vamos nos arruinar KAFKA 1999 p 2426 Glosa O pequeno conto transcrito um exemplar típico do universo de kafka apresenta a situação fictícia protótipo da situação real Se pudéssemos distender o arquivo da história de modo a deixar sobressair os gritos não ouvidos as vozes roucas e abafadas ve rificaríamos sem muito esforço que ao longo dos séculos muitos oprimidos repetiram a pergunta final do conto do escritor tcheco até quando vamos suportar O narrador de Uma folha antiga vive o cotidiano de uma ci dade dominada por gente estrangeira desconhecida despropor cional Não que isso fosse de se notar a princípio O trabalho co tidiano dos moradores da cidade deve seguir o seu ritmo normal não há dúvida quanto a isso O incômodo somente toma corpo quando já não é mais possível ignorar a invasão dada a sujeira e o Filosofia Política 32 cheiro da praça principal cheia de estrume Fossem os estrangeiros pouco mais discretos talvez nem fossem notados Mas o estarda lhaço dos cavalos a galope unido ao alvoroço de seus cavaleiros que afiam espadas e bradam chicotes não deixa passar desperce bida a presença infortuna Logo de início o conto deixa entrever a distância que se in terpõe entre os moradores da cidade e o novo governo instaurado pelos nômades impossível qualquer comunicação ou mesmo con tato impossível resistir à sua força A experiência tem demonstra do que nesses casos o melhor a se fazer é aceitar o mais rápido a nova situação sem perder tempo com perguntas inúteis sem se deixar levar por sentimentos arredios e procurar se adaptar ao novo estilo de vida questões e pulsões de fato só resultam em depressão ou castigo desperdício que é melhor evitar A gente aguenta a vida ainda vale a pena O conto traz à tona uma relação de poder capilar em que do minação e opressão reclinam virgens em lados opostos No novo ambiente da cidade nenhuma organização política tem lugar Uma única tentativa tem em vista ajudar um morador que possui ainda maior má sorte A situação do açougueiro comove provoca a mo bilização dos demais comerciantes da praça mas se obtém desta que a sua desgraça isso ocorre por efeito de uma função didática demonstrar que a situação de um morador da cidade pode sempre piorar Em todo caso uma ajudinha sempre é bemvinda espe cialmente se colaborar com o fornecimento de carne e com a paz social Os nômades comem carne Os cavalos também Comem no mesmo prato dividindo às vezes uma mesma posta de carne viva ou morta isto não pode ser ignorado quem devora um boi vivo por que não iria comer um morador desavisado que atravessasse a praça no momento errado Aproximarse de alguém que pode assim engolir assusta até aos mais destemidos Chicotes e patas de cavalo exercem o fascínio que mantém a distância mas nem sempre os instrumentos de poder são tão visíveis Ameaça e as Claretiano Centro Universitário 33 U1 Intróito sédio moral assustam as almas mais sensíveis e se encaixam como peças acessórias e móveis nos radicais livres das estruturas que engrossam o poder quem ousaria desafiar os estrangeiros quem ousaria levantar a voz Escutariam os nômades algum conselho pessoas simples um açougueiro um sapateiro um lixeiro Aí cabe só um tipo de política manca resignação Se os estrangeiros todavia quiserem se perpetuar no gover no da cidade por um período longo de tempo devem ser mais es pertos e aprender a falar a língua do povo de modo a discursarem e convencerem que o seu domínio é necessário Não custa nada lembrar a lição de Hobbes mesmo os mais fortes podem sucumbir diante dos mais fracos se estes são capazes de atacar os primei ros num momento de desatenção ou fragilidade Leviatã Primeira Parte capítulos xiii e xiV A garantia de conservação do poder de pende da sagacidade dos nômades que devem até chegar ao cú mulo de incentivar a participação popular nos negócios públicos quiçá através do sufrágio Assim os moradores se sentirão úteis e reconhecerão na dominação o reflexo de sua vontade soberana 7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos estuda dos para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Edu cação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas desco bertas com os seus colegas Filosofia Política 34 Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 O que é política 2 qual a diferença entre política e politicagem 8 CONSIDERAÇÕES Procuramos nesta unidade introduzir nosso tema Na pró xima unidade ficaremos com a Filosofia Política na Antiguidade Conheceremos os pensamentos de Sócrates Platão e Aristóteles a respeito da política 9 ereferênCia LiGóRiO S Eleição é coisa séria Disponível em httpwwwvidaempoesiacombr linguagemeleicaohtm Acesso em 28 mar 2012 10 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS CHAUí M Introdução à história da filosofia dos présocráticos a Aristóteles São Paulo Companhia das Letras 2002 CORBiSiER R Filosofia política e liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra 1975 DALLARi D A O que é participação política São Paulo Brasiliense 1994 kAFkA F Um médico rural pequenas narrativas Tradução de Modesto Carone São Paulo Companhia das Letras 1999 MAAR W L O que é política São Paulo Brasiliense 1994 EAD 2 Filosofia Política na Antiguidade 1 OBJETIVOS Compreender as condições de nascimento da Filosofia Política e o seu estatuto Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS O conceito de política e a experiência da democracia Platão e a cidade justa Aristóteles e o bem comum como finalidade da vida po lítica 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 36 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Embora não tenhamos neste CRC dedicado espaço a correntes filosóficas do período helênico tais como o epicurismo o estoicismo ou o ceticismo aquele que quiser estudar a fundo a experiência política na filosofia antiga não pode negligenciálas Muito menos esquecer as influências que marcaram a passagem da Antiguidade à idade Medieval tais como os discursos de Marco Túlio Cícero e outros pensadores do império Romano 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na primeira unidade procuramos compreender o contexto da Filosofia Política bem como nos ambientar com as discussões sobre o conceito de política e a organização do poder Nesta unida de a partir das vicissitudes da história grega veremos como estão vinculados o conceito de política e a experiência da democracia Estudaremos ainda os dois principais filósofos do período que costumamos denominar como Antiguidade Platão e Aristóteles Por fim veremos como esses dois pensadores abordaram os te mas relacionados à política e à organização da vida em sociedade Claretiano Centro Universitário 37 U2 Filosofia Política na Antiguidade 5 CONCEITO DE POLíTICA E ExPERIêNCIA DA DEMO CRACIA Se quisermos ser fiéis aos principais livros de história uni versal precisamos indicar a Grécia Antiga como o berço do que atualmente entendemos por política O próprio conceito de políti ca está atrelado à experiência grega de fundação da pólis e de sua coordenação e organização A partir dos fins do século 8º aC certos agrupamentos ini ciam a construção de cidadelas para proteção contra inimigos constituindo governos centralizados A passagem de uma cultura agrária desarticulada e fundada sob a propriedade territorial à ins tituição de uma oligarquia urbana fundada economicamente sob o artesanato e o comércio auxilia a constituição de novas cidades Um novo modelo de organização política surge então a Cidade Estado O período clássico da cultura política grega virá no entan to somente alguns séculos depois Do século 6º aC ao século 5º aC algumas reformas realizadas por Clístenes Efialtes e Péricles inauguram um novo regime de governo que será conhecido pelo nome de democracia Em Atenas surge o governo do povo pelo povo pautado por princípios de liberdade e igualdade As decisões importantes são tomadas em assembleias populares nas quais to dos têm o direito à palavra e ao voto todos aqueles que eram considerados cidadãos isto é os homens livres atenienses Os car gos de magistratura e administração da cidade tornamse acessí veis a todos os cidadãos interessados preenchidos mediante um procedimento de sorteio e prova de habilidades Mesmo os mais pobres podem a eles concorrer uma vez que a investidura garantia a sobrevivência da família por meio de uma remuneração Surgem ainda as obrigações para os governantes na medida em que ne cessitam prestar contas das suas administrações Filosofia Política 38 Aliadas ao desenvolvimento político e de um império marí timo tanto a economia como a vida intelectual e artística passam por um período de grande efervescência Este é o século de sofis tas ilustres como Protágoras e Górgias o século de Sócrates e o século de renomados escritores trágicos como Ésquilo Sófocles e Eurípides O período perdura até o esgotamento com a Guerra do Pe loponeso e o domínio final por Filipe e Alexandre da Macedônia Tucídides historiador grego incomodado com os acontecimentos da época constatando a degeneração do regime democrático ateniense e sua incapacidade em conduzir a guerra e gerir seus problemas internos registra suas impressões num livro intitulado História da Guerra do Peloponeso livro que será posteriormente traduzido para a língua inglesa por Thomas Hobbes Platão nasci do na segunda metade do século 5º aC assiste ao declínio da ex periência democrática grega e sua filosofia levará em consideração o sabor amargo que dela restou Vamos agora nos ocupar de Platão e Aristóteles 6 PLATÃO E A CIDADE JUSTA Consternado pela condenação à mor te do mais justo dos cidadãos de Atenas e pela corrupção que assolava a cidade grega e a levaria definitivamente à ruína Platão pre tende erigir uma Filosofia Política sob uma base científica sólida Os acontecimentos de sua época exigem um esforço para se pen sar uma política distinta daquela preconiza da pelos sofistas amantes da retórica e das técnicas de oratória mas negligentes com relação ao compromisso com a verdade A constituição de uma cidade em que se possa bem viver supõe uma ciência do político Figura 1 Platão 428427 348347 Claretiano Centro Universitário 39 U2 Filosofia Política na Antiguidade Platão expõe sua teoria sobre a política basicamente em três obras na República no Político e nas Leis Contudo podemos no tar que sua Filosofia Política possui uma relação visceral tanto com a sua ética quanto com toda a sua teoria do conhecimento Neste momento vamos nos ater somente aos aspectos mais importan tes para compreendermos a teoria política platônica Para aqueles que desejarem um estudo mais aprofundado do tema aconselha mos que recorram à história da filosofia antiga No Político ao final de uma longa discussão que segue o ca minho de uma dialética ascendente Platão traz uma definição até hoje muito utilizada Política seria a ciência que sabe reunir os con trários separar os diferentes e juntar os semelhantes e transfor mar a discórdia em concórdia O político seria então aquele que domina a ciência da proporção e da harmonia Será na República no entanto que Platão exporá de modo detalhado o que entende por política e por justiça oferecendo um modelo de cidade ideal Para facilitar a compreensão da Filosofia Política platônica propomos iniciar o seu estudo pela leitura do seguinte parágrafo do Livro ii da República 369b370c Sócrates assim conduz o seu diálogo com Adimanto Ora disse eu uma cidade tem a sua origem segundo creio no fato de cada um de nós não ser autosuficiente mas sim ne cessitado de muita coisa Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razão Por nenhuma outra respondeu Assim portanto um homem toma outro para uma necessidade e outro ainda para outra e como precisariam de muita coisa reú nem numa só habitação companheiros e ajudantes A essa associa ção pusemos o nome de cidade Não é assim Absolutamente Mas se uma pessoa participa numa sociedade com outra se dá ou recebe algo é na convicção de que isso é melhor para ela Certamente Ora vamos lá disse eu Fundemos em imaginação uma cidade Serão ao que parece as nossas necessidades que hão de fundála Filosofia Política 40 Como não Mas por certo que a primeira e a maior de todas as necessidades é a obtenção de alimentos em ordem a existirmos e a vivermos inteiramente A segunda é a habitação a terceira o vestuário e coisas no gê nero Assim é Ora prossegui Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador outro pedreiro outro tecelão Acrescentarlhes emos também um sapateiro e qualquer outro artífice que se ocu pe do que é relativo ao corpo Com toda certeza Logo o mínimo que se pode chamar uma cidade compõese de quatro ou cinco homens Assim parece E agora Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio para ser comum a todos Por exemplo o lavrador sozinho fornecerá trigo para quatro e gastará o quádruplo do tempo e do esforço com a obtenção do trigo para partilhar com os outros ou preocuparseá apenas consigo e preparará a quarta parte deste trigo na quarta parte do tempo e os outros três quartos gastá losá um na construção de uma casa outro na confecção de um manto outro ainda de calçado e sem partilhar com os outros terá as suas coisas fazendo por si mesmo o que é seu Adimanto declarou Talvez seja mais fácil do primeiro modo que do segundo ó Sócrates Por Zeus que nada me admira disse eu Ao ouvirte falar pen so também que em primeiro lugar cada um de nós não nasceu igual ao outro mas com naturezas diferentes cada um para a exe cução de sua tarefa Ou não te parece Pareceme Como assim Uma pessoa fará melhor em trabalhar sozinho em muitos ofícios ou quando for só um a executar um quando for só um a executar um Mas julgo eu que é também evidente que se alguém deixar fugir a oportunidade de fazer uma coisa perdea É evidente Claretiano Centro Universitário 41 U2 Filosofia Política na Antiguidade É que creio eu a obra não espera pelo lazer do obreiro mas força é que o obreiro acompanhe o seu trabalho sem ser à maneira de um passatempo É forçoso Por conseguinte o resultado é mais rico mais belo e mais fácil quando cada pessoa fizer uma só coisa de acordo com a natureza e na ocasião própria deixando em paz as outras 2001 O texto fala por si mesmo De acordo com Platão uma cida de existe para que os homens possam coordenar os seus traba lhos e viver melhor quanto mais correta for a divisão de ofícios no interior de uma cidade melhor ela estará organizada e de maior harmonia gozará A conclusão encontrada por Sócrates e seu interlocutor le vará a uma série de outras consequências teóricas O conceito de justiça será definido tendo em vista o cenário de uma cidade justa Nela cada um desempenha a sua função Uma ordem proporcio nal nos leva a crer que numa cidade justa cada um deve ocuparse de uma tarefa aquela para a qual está mais preparado E numa cidade assim concebida a finalidade da política não será o exercí cio puro e simples do poder mas a realização da justiça para o bem comum da comunidade de homens reunidos pela cidade A quem Platão entregaria o governo de uma cidade que se pretenda justa quem poderia conhecer a totalidade das funções coordenar as diferenças saber em que consiste o bem da cidade O governo de uma cidade deverá ser exercido por aquele que es teja mais preparado para a função o filósofo Já podemos entender então por que o conceito de uma ci dade justa está aliado ao conceito de alma justa O princípio é o mesmo a melhor parte deve governar a pior Assim como a parte racional deve dominar a parte irracional da alma coisa que se con clui por exemplo da leitura do Mito do Cocheiro exposto no Fe dro uma elite intelectual deve orientar o funcionamento de uma cidade para que ela atinja a sua finalidade qual seja proporcionar uma vida boa a seus componentes Filosofia Política 42 Tendo em vista o seu conceito de uma cidade justa e as dife rentes classes de uma sociedade Platão sugere um extenso pro grama educacional para que se determine a que função deve cada um se dedicar Embora pareça anacrônico o projeto platônico po demos nele visualizar certas inovações importantes não há mais distinção entre crianças de diferentes classes sociais nem entre meninos e meninas Uma mesma educação deve ser dada a todas as crianças que serão selecionadas segundo sua natureza e suas habilidades ao final de cada etapa do curso de aprendizado As menos dotadas pertencerão à classe dos agricultores artesãos e comerciantes outras pertencerão à classe dos guardiães e guerrei ros e apenas as que se saírem melhor poderão estudar as ciências de formação do raciocínio e se tornarem magistrados para a admi nistração pública Se notarmos bem o programa para a educação das crianças em uma cidade justa está intimamente vinculado à teoria do co nhecimento As etapas de formação seguem não somente a divi são interna de classes de uma cidade organizada como a estrutura dos modos de conhecer a preparação do espírito para que con temple a verdade De início todas as crianças recebem a mesma educação ginástica e dança jogos pedagógicos para iniciação na leitura e na matemática poesia épica Aos sete anos passando por um processo de seleção as mais bem dotadas seguirão seus estu dos sendo alfabetizadas e aprendendo artes marciais e técnicas de luta Aos vinte anos uma nova seleção distingue as mais bem dotados Alguns seguirão pelo estudo das matemáticas astrono mia e da música ciências das grandezas proporcionais estáveis Aos trinta e cinco anos serão submetidos a nova prova e somente os que se mostrarem mais aptos deverão seguir adiante estudan do ética física política dialética Aos cinquenta anos se aprova dos os alunos estarão aptos a pertencerem à classe dos magistra dos e dirigentes políticos Esses são os filósofos capazes de usar a razão com todo o seu esplendor conhecer as ideias perfeitas conhecer o bem em si O Claretiano Centro Universitário 43 U2 Filosofia Política na Antiguidade amor à verdade e o esforço pelo conhecimento do mundo inteligível serão os traços distintivos de uma classe apta a organizar o funcio namento de uma cidade e conduzila pelos caminhos do bem Essa é a conclusão de Sócrates em República 473d473e Enquanto não forem ou os filósofos reis nas cidades ou os que agora se chamam reis e soberanos filósofos genuínos e capazes e se dê esta coalescência do poder político com a filosofia enquanto as numerosas naturezas que atualmente seguem um destes caminhos com exclusão do outro não forem impedidas forçosamente de o fa zer não haverá trégua dos males meu caro Gláucon para as cidades nem sequer julgo eu para o gênero humano nem antes disso será jamais possível e verá a luz do sol a cidade que há pouco descreve mos Mas isto é o que eu há muito hesitava em dizer por ver como seriam paradoxais essas afirmações Efetivamente é penoso ver que não há outra felicidade possível particular ou pública 2001 7 ARISTóTELES E O BEM COMUM COMO fINALIDA DE DA VIDA POLíTICA Ética e política possuem uma vigorosa im bricação em Aristóteles A cidade será o local privilegiado da vida virtuosa e o político exem plar será aquele afeto à disposição da prudên cia As páginas de Ética a Nicômaco serão não somente a principal referência para a compre ensão de uma ética prática segundo a qual a virtude consiste na escolha do justo meio en tre dois extremos encontrado pela prudência educado pelo hábito mas também serão responsáveis pela passa gem da ética à política Essa passagem é realizada pela introdução de um conceito que parece ter sido esquecido ao longo da história da filosofia a amizade Já não acreditamos mais no amor desinteressado e a gasta palavra amizade usada à exaustão por discursos maliciosos já não comove tanto quanto no seu frescor inicial Para os gregos no entanto a amizade continha ainda um sabor especial Figura 2 Aristóteles 384322 Filosofia Política 44 Os livros Viii e ix da Ética a Nicômaco a ela se dedicam distinguindo o vício da virtude akrasía a incontinência falta de domínio sobre si e philía amizade Enquanto a amizade consiste na benevolência na busca do prazer do outro na entrega desin teressada o vício busca obter o próprio prazer sempre de modo imoderado e arbitrário por vezes mascarandose de amizade para ludibriar e conseguir uma maior vantagem Por isso para Aristóte les a amizade só pode existir entre prudentes e virtuosos entre aqueles que são semelhantes no desejo de fazer bem a outrem Assim entendemos o porquê da passagem da vida ética à vida política Muito natural que os homens virtuosos e dados à amizade se unam em busca de um bem comum A amizade será então ao mesmo tempo condição e consequência da vida em co munidade argamassa na construção da vida justa e feliz A principal obra de Aristóteles no que diz respeito à Filosofia Política no entanto traz como título A Política No decorrer dos livros que integram o corpo da obra o filósofo oferece uma análise detalhada do que vem a ser a constituição de uma sociedade polí tica e quais são as suas características Entre os mais relevantes princípios legados à história do pensamento político do Ocidente encontrase aquele segundo o qual o homem é um animal político por natureza zóon poliktikon Sendo um animal gregário como as abelhas e as formigas todo homem possui uma inclinação natural à vida em comunidade Po demos ler no livro primeiro capítulo 1 de A Política Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem Todas as socie dades pois se propõem qualquer lucro sobretudo a mais impor tante delas pois que visa a um bem maior envolvendo todas as demais a cidade ou sociedade política É evidente pois que a cidade faz parte das coisas da natureza que o homem é naturalmente um animal político destinado a viver em sociedade e aquele que por instinto e não porque qualquer circunstância o inibe deixa de fazer parte de uma cidade é um ser vil ou superior ao homem 1988 Claretiano Centro Universitário 45 U2 Filosofia Política na Antiguidade Há uma tendência natural no homem para a vida comunitá ria Sendo carente ele precisa da companhia dos outros homens não somente para suprir suas necessidades básicas mas para al cançar a completude a que aspira Não é possível ao homem ser feliz sozinho O ser humano só se realiza em comunidade Ainda que existam comunidades cronologicamente anterio res às cidades tais como as famílias ou as pequenas aldeias Aris tóteles acredita que a comunidade propriamente dita só se cons titua na cidade na comunidade política Será a cidade constituída com a finalidade do bem comum e da vida justa o paradigma do seu programa político Mas atente para o seguinte Embora a Cidade seja natural isso não significa que a natureza a produza espontaneamente Assim como a phýsis dá ao indivíduo o desejo isto é a inclinação natural para o bem mas a ética precisa intervir como ação voluntária e deliberada para que essa finalidade seja alcançada por meio das virtudes assim também o Estado ou pólis nasce da ação deliberada e voluntária dos homens e por isso a política não é uma ciência teorética e sim uma ciência prática em que a ação tem a si mesma como seu fim Assim como ninguém nasce virtuoso mas se torna virtuoso assim também ninguém nasce cidadão mas se torna cidadão pela educação que atualiza a inclinação potencial e natural dos homens à vida comunitária ou social CHAUí 2002 p 467 O homem precisa então tornarse um cidadão Mas note que para Aristóteles a palavra cidadão difere substancialmente em sentido do que entendemos atualmente pelo termo Para o filósofo cidadão era aquele que efetivamente participava da polí tica excluídos as mulheres as crianças os idosos os estrangeiros e os escravos Os direitos políticos só eram destinados a uma mi noria que participava diretamente do governo seja participando das discussões públicas seja decidindo rumos para a condução dos negócios públicos A adoção de um regime de governo será definida pela quan tidade de cidadãos que ocuparem o poder soberano Se for o go verno de um só cidadão será ele a realeza Se for de alguns será a Filosofia Política 46 aristocracia Se for de todos será a república A degeneração pelos vícios gera contudo versões corrompidas dos governos perfeitos A realeza convertese em tirania a aristocracia em oligarquia a república em democracia Antes de terminarmos esta unidade convém salientar um aspecto do pensamento aristotélico caro às teorias da justiça que se seguirão independentemente de sua constituição a cidade existe para que os homens tenham condições de gozar de uma vida jus ta e harmoniosa Na avaliação das cidades um critério tem proe minência a justiça Uma cidade justa segundo Aristóteles deve tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade Tratar a todos com absoluta igualdade não contempla as exigên cias da justiça Uma distribuição proporcional dos bens deve ter o princípio da justiça como fio condutor Por isso duas instituições de justiça são necessárias às cida des uma justiça distributiva e outra comutativa A primeira realiza a partilha dos bens disponíveis tratando a cada um segundo os ditames da proporcionalidade A segunda corrige os erros da pri meira estabelecendo leis e aplicando regras do direito e penalida de aos delinquentes 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 quais os principais elementos do surgimento da democracia na Grécia An tiga 2 Como pensar o conceito de política para Platão 3 Como pensar o conceito de política para Aristóteles 4 É possível comparar democracia contemporânea e democracia clássica Claretiano Centro Universitário 47 U2 Filosofia Política na Antiguidade 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade trabalhamos com a Filosofia Política na Anti guidade Na próxima unidade estudaremos a Filosofia Política na idade Média Conheceremos os pensamentos de Agostinho e To más de Aquino a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Platão 428427348347 Disponível em httpwwwdialogocomosfilosofos combrcategoryplatao Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Aristóteles 384322 Disponível em httpwwwfilosofiaonlinecom filosofiatagaristoteles Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS ARiSTóTELES A política Tradução de Nestor Silveira Chaves Rio de Janeiro Ediouro 1988 Ética a Nicômaco Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim São Paulo Abril Cultural 1973 v 4 Coleção Os pensadores CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CHAUí M Introdução à história da filosofia dos présocráticos a Aristóteles São Paulo Companhia das Letras 2002 COULANGES F A cidade antiga Tradução de Fernando de Aguiar São Paulo Martins Fontes 1998 HATZFELD J História da Grécia Antiga Tradução de Cristóvão dos Santos 3 ed Lisboa Publicações EuropaAmérica sd PLATãO A república Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2001 O político in diálogos Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa São Paulo Nova Cultural 1991 Coleção Os pensadores Leis in diálogos Tradução de Carlos Alberto Nunes Belém Universidade Federal do Pará 1980 v xiixiii REALE G História da filosofia antiga das origens a Sócrates Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1993 v 1 História da filosofia antiga Platão e Aristóteles Tradução de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 2 Filosofia Política 48 História da filosofia antiga os sistemas da era helenística Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 3 RUBY C Introdução à filosofia política Tradução de Maria Leonor F R Loureiro São Paulo Editora Unesp 1998 VERNANT J P Entre mito e política Tradução de Cristina Murachco São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2002 EAD 3 Filosofia Política na Idade Média 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na idade Média Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS Agostinho e a Cidade de Deus Tomás de Aquino e a pedagogia da lei divina Texto complementar Agostinho Texto complementar Tomás de Aquino 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 50 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento são alguns dos atributos que você precisa adquirir e cul tivar para que possa expandir seus conhecimentos Cabe ressaltarmos que cada exercício realizado representa um momento em que você exercita o seu poder de compre ensão e análise de conceitos de interpretação de textos e de síntese seu senso crítico e suas habilidades inter pessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na unidade anterior pudemos compreender as condições de nascimento da Filosofia Política e o seu estatuto Discutimos o conceito de política e a experiência da democracia Analisamos também do ponto de vista político os principais pensamentos filo sóficos do período a cidade justa Platão e o bem comum como finalidade da vida política Aristóteles Claretiano Centro Universitário 51 U3 Filosofia Política na Idade Média Vamos agora iniciar o estudo da Filosofia Política no perío do medieval da história Mas por que dedicar uma unidade à filo sofia medieval Não é ela toda obscura fundada sob uma metafí sica improvável dominada pelos interesses do poder eclesiástico àqueles que possuem uma tendência a suprimila uma advertên cia se faz oportuna é estupidez tratar toda a idade Média como uma grande vala da história ou acreditar que todos os pensadores do seu período disseram o mesmo Adiante Vamos ver como dois dos principais filósofos da idade Média pensaram a política Embora suas teorias pouco se jam utilizadas pelos filósofos que atualmente se dedicam aos pro blemas da política contemporânea veremos como foram impor tantes na história do pensamento ocidental Ao final da unidade você encontrará dois textos comple mentares Sugerimos a leitura de ambos Trata o primeiro texto de um capítulo retirado do livro A ci dade de Deus de Agostinho O filósofo referese à ética enquanto condição e fundamento de uma cidade perfeita à busca do bem e à relação entre filosofia e felicidade Notemos como Agostinho se utiliza da obra platônica para os seus próprios fins e como a filo sofia ainda aparece atrelada à procura da felicidade O segundo texto complementar reproduz um trecho de Suma Teológica de Tomás de Aquino Por ele podemos visualizar o método pedagógico do filósofo e compreender a utilidade das leis humanas para organização do espaço coletivo Notemos aí como a política já está efetivamente dominada pelo jurídico e pela prima zia da confecção das leis Filosofia Política 52 5 AGOSTINhO E A CIDADE DE DEUS A influência do pensamento de Agostinho não pode ser desmerecida Poucos escritores marcaram de modo tão decisivo a história e a cul tura de uma época A sua imensa obra intitulada A cidade de Deus foi durante um longo período durante séculos uma referência inescusável não somente quanto a pontos controversos da teo logia mas também quanto à compreensão da história universal e da Filosofia Política Agostinho preocupase menos com a constituição política das cidades onde viviam os homens e mais com estabelecer dis tinções entre as realidades materiais e espirituais No prefácio de A cidade de Deus capítulo que pretende definir o motivo e o ar gumento da obra lemos o anúncio da existência de uma cidade diversa da cidade fundada pelos homens A gloriosíssima Cidade de Deus que no presente decurso do tem po vivendo da fé faz sua peregrinação no meio dos ímpios que agora espera a estabilidade da eterna morada com paciência até o dia em que será julgada com justiça e que graças à sua santida de possuirá então por uma suprema vitória a paz perfeita tal é Marcelino meu caríssimo filho o objeto desta obra Todos os homens vivem numa realidade temporal e terrena mas há alguns que se destacam por um vínculo especial e formam assim uma cidade eterna e celeste Os homens que amam a Deus são unidos pelo amor que têm por ele e unidos entre si pelo vínculo do mesmo amor indepen dentemente das fronteiras criadas pelos povos e línguas Assim como os homens unidos pelo vínculo civil se organizam em cida des tendo em vista um mesmo bem os bens necessários à vida e a paz os homens unidos pela busca de um mesmo bem superior o amor divino e a beatitude sejam eles do tempo presente passa do ou futuro formam uma cidade diversa cidade que receberá o nome de Cidade de Deus Figura 1 Agostinho de Hipona 354430 Claretiano Centro Universitário 53 U3 Filosofia Política na Idade Média Para melhor compreender o que quer dizer Agostinho com a expressão que dá o título da obra vejamos alguns trechos do Livro xi capítulo i Chamamos Cidade de Deus àquela de que dá testemunho a Escritu ra que não devido a movimentos fortuitos dos ânimos mas antes devido a uma disposição da Suma Providência ultrapassando pela sua divina autoridade todas as literaturas de todos os povos aca bou por subjugar toda espécie de humanos engenhosos Com estes testemunhos e outros que tais que seria longo citar sa bemos que há uma Cidade de Deus da qual aspiramos ser cidadãos movidos pelo amor que o seu fundador infundiu em nós A este fundador da cidade santa preferem os cidadãos da Cidade Terrestre os seus próprios deuses Vou tratar de expor a origem o desenvolvimento e os fins destas duas cidades a terrena e a celeste que estão como disse interliga das e de certo modo misturadas uma na outra no século presente A história da humanidade é a história das relações entre as duas cidades Os grandes acontecimentos aparecem aí como fa ses de um longo percurso conduzido por um plano de Deus com vistas à plenitude dos tempos Toda a história é atravessada por um mistério insondável reflexo de uma atuação ininterrupta da Providência Divina Embora as duas cidades permaneçam mescladas há uma realidade espiritual que as distingue Aqueles que se entregam ao amor divino vivem como eleitos no seio da sociedade terrena Segundo Agostinho as duas cidades permanecem juntas e serão separadas e distintamente constituídas no dia do Juízo Final Aqueles que pertencem à cidade divina são unidos por um sentimento que possui uma força capaz de criar laços comunitá rios o amor Um amor dirigido antes de tudo a Deus expressão do renunciar ao egoísmo que o pode contaminar Diz o Livro xiV capítulo xxViii da mesma obra Dois amores fizeram as duas cidades o amor de si até o desprezo de Deus a terrestre o amor de Deus até o desprezo de si a celeste Filosofia Política 54 Os homens foram criados por Deus e possuem uma vital ca pacidade de amar Os vícios frutos de uma vontade corrompida são contrários à natureza boa do homem Por isso todos os ho mens podem encontrar em si os fundamentos do amor e perten cer à cidade celeste Para que se tornem cidadãos de uma cidade magistral precisam descobrir o amor que há em si e dirigilo para a fonte do bem Agostinho sabe contudo que as exigências do amor não são fáceis de acolher O amor dirigido a Deus é também o que une os homens no século Ninguém pode utilizar o amor a Deus como desculpa para negligenciar a relação com aquele que está ao seu lado como membro de uma mesma comunidade humana e por que não dizer política Amar a Deus é amar aos homens e o Deus que neles habita 6 TOMÁS DE AQUINO E A PEDAGOGIA DA LEI DIVINA Tomás de Aquino quer basear sua Filoso fia Política em princípios de legalidade Há di versidade de leis e a relação entre leis de natu rezas distintas deve estabelecer os parâmetros da vida política e social Seguindo o rastro da metafísica aristotéli ca Tomás de Aquino pensará a ética do homem tendo como premissa que todo ser traz em si uma causa final toda forma possui um apetite natural que a direciona para determinado fim Observando os mo vimentos da natureza o filósofo acredita numa ordenação univer sal e racional todo ser criado possui uma finalidade Tal acontece com o homem O objeto necessário de sua von tade é o bem Todo homem deseja o bem todos os homens são iguais no desejo do fim último a beatitude Há porém uma ca racterística humana que o distingue dos outros seres O homem Figura 2 Tomás de Aquino 12251274 Claretiano Centro Universitário 55 U3 Filosofia Política na Idade Média possui uma vontade livre podendo escolher livremente os meios que conduzam àquele fim Ocorre que o homem na procura do bem que concretize seu fim beatífico pode escolher meios inadequados Sendo imperfeito o homem pode escolher voluntariamente um mau caminho ou pode errar quanto à escolha do melhor caminho desviandoo de sua fina lidade Essa é a dinâmica da vida humana Há vícios que corrompem tanto a inteligibilidade quanto a fidelidade da vontade Aí vemos mais uma vez como a confiança na razão marca a história do pensamento ocidental Na dinâmica da vida humana a virtude primordial seria a disposição para o agir conforme a razão Pelo uso da razão o homem chega ao caminho das virtudes e sua liberdade antes de dificultar o seu acesso à beatitude o auxilia inteligência e vontade obedecem à reta finalidade e aprendem das três virtudes morais basilares justiça temperança e fortaleza Elas devem regular toda conduta humana seja ela interna ou externa Como entender então o papel das leis humanas Segundo Tomás de Aquino as leis cumprem uma relevante função na me dida em que visam nortear a vida externa do homem que vive em comunidade Uma comunidade sem leis seria uma comunidade caótica fadada ao fracasso Frutos da razão as leis devem tornar a terra habitável Tendo como finalidade uma comunidade perfeita as leis devem servir ao bem comum a felicidade e o bemestar de toda a coletividade Mas ainda que exista um fundo comum no qual se apóiem todas as leis elas devem emanar de cada comuni dade distinta ou de uma pessoa que legitimamente a represente Cada comunidade possui características próprias que não podem ser desprezadas na elaboração das leis Dito isso poderíamos perguntar o que vem a ser esse fundo comum de toda lei humana Como definilo O rosto da filosofia de Tomás de Aquino somente aparecerá na resposta à questão sendo Deus o governador da primeira e maior das comunidades há uma lei eterna da qual devem emanar todas as leis humanas Filosofia Política 56 Há uma lei eterna proveniente de Deus e essa lei se manifes ta na natureza humana de um modo particular O homem dota do de consciência participa da razão divina pelo que conhecemos como lei natural Todo homem possui em si uma inscrição da lei eterna conhecida como lei natural Vejamos como a tese aparece na Suma Teológica Parte ii questão 91 Artigos 1 e 2 Suposto que o mundo seja regido pela providência divina como se mostrou na Parte i é manifesto que toda a comunidade do univer so é governada pela razão divina E assim a própria razão do go verno das coisas em Deus como existindo no príncipe do universo tem razão de lei Como acima foi dito a lei dado que é regra e medida pode estar duplamente em algo de um modo como no que regula e mede de outro como no regulado e medido porque enquanto participa algo da regra e medida assim é regulado e medido Por isso como todas as coisas que estão sujeitas à providência divina são reguladas e medidas pela lei eterna como se evidencia do que foi dito é manifesto que todas participam de algum modo da lei eterna enquanto por impressão dessa têm inclinações para os atos e fins próprios Entre as demais a criatura racional está sujeita à providência divina de um modo mais excelente enquanto a mes ma se torna participante da providência promovendo a si mesma e aos outros Portanto nela mesma é participada a razão eterna por meio da qual tem a inclinação natural ao devido ato e fim E tal participação da lei eterna na criatura racional se chama lei natural Todas as leis derivam de uma mesma fonte a lei eterna As leis humanas devem na medida do possível refluir da lei natural inscrita no coração do homem por Deus Assim teremos uma so ciedade humana organizada conforme o seu fim Como lei natural suprema temos aquela que determina simplesmente faz o bem e evita o mal de uma regra assim constituída decorre o dever da autoconservação e da conservação da humanidade quanto à necessidade de uma lei eterna e divina Tomás de Aquino conclui na sua Suma Teológica Parte ii questão 91 Artigo 4 Além da lei natural e da lei humana foi necessário para a direção da vida humana ter a lei divina E isso por quatro razões Em primeiro lugar porque pela lei é dirigido o homem aos atos próprios em or dem ao fim último Claretiano Centro Universitário 57 U3 Filosofia Política na Idade Média Em segundo lugar porque em razão da incerteza do juízo humano precipuamente sobre as coisas contingentes e particulares aconte ceu haver a respeito dos diversos atos humanos juízos diversos dos quais também procedem leis diversas e contrárias Em terceiro lugar porque o homem pode legislar sobre aquelas coi sas das quais pode julgar O juízo do homem com efeito não pode ser sobre movimentos interiores que estão ocultos mas apenas sobre os atos exteriores que aparecem Em quarto lugar como diz Agostinho a lei humana não pode punir ou proibir todas as coisas que se praticam mal Os argumentos do filósofo são claros Uma lei divina é neces sária porque possui o homem um fim último e o seu fim excede a sua potencialidade humana para que o homem possa conhecer com segurança os melhores caminhos para que não somente os atos ex teriores mas os atos humanos interiores também sejam ordenados pela retidão porque não seria possível à lei humana prever todos os casos possíveis de males sem prejudicar a prática de atos bons Na visão de Tomás de Aquino para que tenhamos uma co munidade política ideal basta que os homens aprendam a escutar as leis naturais inscritas em sua razão e que as leis humanas sai bam exaurir sua força da lei divina 7 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Agostinho A Cidade de Deus Livro VIII capítulo VIII Também na filosofia moral os platônicos têm a primazia Resta a parte moral a Ética como se diz em grego que trata do Bem supremo a ele referimos tudo o que fazemos apetecêmolo não por ou tro mas por si mesmo pela sua posse termina toda a busca posterior de felicidade É por isso que também se chama fim porque é para ele que queremos os outros bens mas àquele queremolo por si mesmo Este bem beatífico uns dizem que vem ao homem do corpo outros da alma e outros dos dois conjuntamente Como viam que o homem é forma do de corpo e alma julgavam que quer o corpo quer a alma quer os dois conjuntamente é que podiam ser a origem do seu bem dum bem definitivo princípio da felicidade ao qual se reportava tudo o que faziam e não tive ram que buscar outra coisa a que referilo Filosofia Política 58 Aqueles pois que dizse acrescentaram uma terceira categoria de bens chamados extrínsecos como a honra a glória o dinheiro e outros que tais não se propunham de forma alguma fazer deles um bem final isto é de sejável por si próprio mas sim um bem desejado na mira de outro e assim este gênero de bens seria bom para os bons e mau para os maus Desta forma este bem do homem que uns exigem da alma outros do corpo ou tros do corpo e da alma todos eles pensaram que haveria de procurálo unicamente no homem Os que o esperavam do corpo esperavamno da parte menos nobre os que o esperavam da alma esperavamno da parte melhor os que o esperavam do corpo e da alma conjuntamente espera vamno do homem todo Mas quer seja duma parte ou do todo é apenas do homem que o esperam Estas diferenças embora sejam três não de ram origem a três mas a muitos sistemas ou seitas filosóficas porque acerca do bem do corpo acerca do bem da alma acerca do bem dos dois conjuntamente diversos filósofos emitiram diversas opiniões Cedam portanto todos estes filósofos que disseram que feliz não é o ho mem que goza do seu corpo que feliz não é o que goza da sua alma mas feliz é o que goza de Deus não como o espírito goza do seu corpo ou de si próprio nem como um amigo goza de um amigo mas como o olhar goza da luz se é que entre estas coisas alguma semelhança pode existir qual seja a sua natureza verseá em outro lugar na medida em que com a ajuda de Deus nos for possível Basta por agora recordar que segun do Platão o bem supremo consiste em viver conforme a virtude o que só pode ser alcançado por quem tem o conhecimento de Deus e procura imitálo não há outra causa que possa tornálo feliz Também não hesita em dizer que filosofar é amar a Deus cuja natureza é incorpórea Donde se segue que o desejoso de sabedoria que o mesmo é que dizer o filósofo só se torna feliz quando começa a gozar de Deus Certamente que se não é feliz pelo simples fato de que goza do que se ama muitos de fato são infelizes por amarem o que não deviam amar e mais infelizes ainda por dele gozarem Todavia ninguém é feliz se não goza do que ama Mesmo aqueles que amam o que não deve ser amado não se julgam felizes por amarem mas por gozarem Portanto quem goza daquele que ama e ama o verdadeiro e supremo bem quem senão o mais desgraçado negará que esse é feliz A esse verdadeiro e supremo bem dá Platão o nome de Deus Por isso é que diz que o filósofo é o que ama a Deus e porque a filosofia tende para a vida feliz é gozando de Deus que quem o ama é feliz 1993 Texto 2 Tomás de Aquino Suma teológica Parte II Questão 95 Artigo I Foi útil que algumas leis tenham sido impostas pelos homens Respondo Como fica claro pelo que foi dito está presente no homem natu ralmente a aptidão para a virtude ora é necessário que a própria aptidão da virtude sobrevenha ao homem por meio de alguma disciplina Assim como vemos que o homem recorre a alguma indústria em suas necessidades por exemplo no alimento e no vestir cujos inícios tem ele por natureza a saber a razão e as mãos mas não o próprio complemento como os demais ani mais aos quais a natureza deu suficientemente cobertura e alimento Para essa disciplina porém o homem não se acha por si mesmo suficiente com Claretiano Centro Universitário 59 U3 Filosofia Política na Idade Média facilidade Porque a perfeição da virtude consiste principalmente em afas tar o homem dos prazeres indevidos aos quais os homens são inclinados principalmente e maximamente os jovens em relação aos quais a disciplina é mais eficaz E assim é necessário que os homens obtenham tal disciplina por outro por meio da qual se chega à virtude E certamente quanto àqueles jovens inclinados aos atos da virtude em razão de uma boa disposição da natureza do costume ou mais ainda do dom divino é suficiente a discipli na paterna que se faz mediante os conselhos Mas porque se encontram alguns imprudentes e inclinados ao vício os quais não podem ser movidos facilmente com palavras foi necessário que pela força e pelo medo fossem coibidos do mal de modo que ao menos desistindo assim de fazer o mal aos outros tornassem tranqüila a vida e os mesmos por fim por força de tal costume fossem conduzidos a fazer voluntariamente o que antes cum priam por medo e assim se tornassem virtuosos Tal disciplina obrigando por medo da pena é a disciplina das leis Portanto foi necessário que as leis fossem impostas para a paz dos homens e a virtude 2005 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Agostinho 2 Como pensar o conceito de política para Tomás de Aquino 3 qual a atualidade dos problemas levantados pela Filosofia Política medieval 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade trabalhamos com a Filosofia Política na idade Média Na próxima unidade ficaremos com a teoria do pacto social e conheceremos os pensamentos de Maquiavel Hobbes Locke e Rousseau a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Agostinho de Hipona 354430 Disponível em httpinvestigacaofilosofica blogspotcombr201201deushomemmundoemagostinhodehiponahtml Acesso em 26 jun 2012 Filosofia Política 60 figura 2 Tomás de Aquino 12251274 Disponível em httpcesaraugustoliveira blogspotcombr201201santotomasdeaquinohtml Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS AGOSTiNHO S A cidade de Deus Tradução de J Dias Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1991 v 1 A Cidade de Deus Tradução de J Dias Pereira Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1993 v 2 AqUiNO T Suma teológica a bemaventurança os atos humanos as paixões da alma Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2003 v 3 Suma teológica os hábitos e as virtudes os dons do Espírito Santo os vícios e os pecados a pedagogia divina pela lei a lei antiga e a lei nova a graça Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2005 v 5 Suma teológica justiça religião virtudes sociais Tradução de Aldo Vannucchi e outros São Paulo Loyola 2005 v 6 BOEHNER P GiLSON E História da filosofia cristã desde as origens até Nicolau de Cusa Tradução de Raimundo Vier Petrópolis Vozes 1982 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 GiLSON E A filosofia na Idade Média Tradução de Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 2001 kOBUSCH T Org Filósofos da Idade Média uma introdução Tradução de Paulo Astor Soethe São Leopoldo Editora Unisinos 2005 EAD 4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política no Renascimento e na era das revoluções clássicas Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS Nicolau Maquiavel e o Estado forte Thomas Hobbes e o pacto social John Locke e a teoria liberal JeanJacques Rousseau e o Contrato Social Texto complementar Thomas Hobbes Texto complementar Thomas Jefferson Filosofia Política 62 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Um número considerável de autores da época teve como objeto de análise a complexidade dos fenômenos que envolveram a Revolução Francesa de 1789 e a emer gência do EstadoNação Vale a pena conhecer os escri tos de alguns deles tais como os de Sieyès Robespierre SaintJust e Edmund Burke 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na unidade anterior vimos como se deu o desenvolvimen to da Filosofia Política na idade Média com Agostinho cujo pen samento a este respeito está formulado na sua obra A cidade de Deus Outro pensador representativo da Filosofia Política medieval foi Tomás de Aquino com a sua tese sobre a pedagogia da lei di vina Claretiano Centro Universitário 63 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Ao longo dos séculos 16 17 e 18 um incontável número de pensadores dedicouse à compreensão dos fenômenos políticos que remexiam o panorama público europeu e americano Uma intensa produção de tratados políticos acompanha as transforma ções que determinam o início do que costumamos chamar de mo dernidade Nesta unidade priorizando o estudo de alguns dos seus principais representantes veremos como a teoria do pacto social marcou a história do pensamento político ocidental Cuidaremos em tópicos de Hobbes de Locke e de Rousseau conhecidos como contratualistas Embora não seja Maquiavel propriamente um pensador da teoria do pacto social iniciaremos esta unidade com um tópico a ele dedicado por considerálo um inescusável ante cedente de uma corrente que até hoje influencia o modo como entendemos as instituições políticas Tratase evidentemente de um recorte Alguns relevantes autores do período não estão aqui contemplados por isso suge rimos que o estudo desse fértil momento da história da Filosofia Política não se restrinja aos dados coletados neste material Tere mos uma visão bastante limitada se negligenciarmos obras de vital importância para a compreensão do contexto filosófico em pauta tais como as citadas a seguir No século 16 a Utopia de Thomas More livro de inspiração platônica em que o autor tenta redefinir a imagem de uma cidade ideal o Discurso da servidão voluntária de Etienne de La Boétie com sua crítica da obediência e os Seis livros da República de Jean Bodin uma grande obra de legitimação do poder político estatal fundamental ancestral teórica do princípio da soberania e do po der de legislar da concepção segundo a qual deve a lei se impor sobre direitos naturais ou costumeiros No século 17 Do direito da guerra e da paz de Hugo Grotius um livro de parentesco contratualista já preocupado com as rela ções do direito internacional relações entre Estados soberanos e com o respeito aos direitos do homem natural Filosofia Política 64 No século 18 O espírito das leis de Charles de Montesquieu e Investigações sobre a natureza e as causas das riquezas das na ções de Adam Smith Montesquieu contribui para a revitalização da distinção entre as espécies de governo e defende o princípio da separação dos poderes como única solução institucional para a garantia da liberdade política somente a descentralização e o controle múltiplo podem conter os abusos de poder Adam Smith isola o fenômeno da distribuição das riquezas iniciando o estudo da economia e da administração dos recursos disponíveis à viabili zação da vida em sociedade fundando as bases teóricas do libera lismo econômico e da divisão do trabalho Também o século 18 pertence ao grupo de homens que mais influenciou a definição do conceito de democracia que temos hoje Logo após a Revolução Americana de 1776 com o objetivo de contribuir para a ratificação de uma nova Constituição para os Estados Unidos da América que viria a ser promulgada em 1789 Alexander Hamilton James Madison e John Jay publicam uma sé rie de artigos que reunidos receberam o nome de O federalista Tratase de um esforço de superação do paradigma grego de de mocracia e de eliminação da incompatibilidade entre governo po pular e modernidade na visão dos revolucionários americanos a democracia não depende da virtude do povo nem do tamanho do território governado Mais a democracia não torna frágil o Estado Com o movimento impulsionado por O federalista tornase viável a formação da Federação e a convivência de dois entes estatais de estatura diversa dentro de um mesmo território sem prejuízo do relacionamento direto de cada um deles com os indivíduos O federalista reforça ainda a defesa do princípio da tripartição dos poderes e do sistema bicameral para o poder legislativo Surge uma nova forma de pensar a política os republicanos não querem eliminar a formação de facções e o conflito uma vez que eles são saudáveis à manutenção das instituições democráticas É preciso tão somente que a legislação previna a coordenação entre os di versos interesses evitando que qualquer grupo venha a controlar Claretiano Centro Universitário 65 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social o poder para satisfazer unicamente seus objetivos mesmo que esse grupo seja a maioria Ao final da unidade sugerimos a leitura de dois textos com plementares O primeiro de Thomas Hobbes retirado de sua prin cipal obra O segundo de Thomas Jefferson notável articulador político e pensador do movimento democrático norteamericano Uma pequena coletânea de escritos e cartas daquele que se tor nou presidente de um país ainda em consolidação nos permitirá ver como as novas concepções se opõem às clássicas e se afirmam como a solução para um novo mundo 5 NICOLAU MAQUIAVEL E O ESTADO fORTE Estamos acostumados com a relação que a linguagem comum estabelece entre o adjeti vo maquiavélico e o sentido que gira em torno da imagem de um homem sórdido traiçoeiro mesquinho Mas aí é preciso ter um pouco de cuidado Embora seja o nome de Maquiavel citado como a encarnação do mal o pensador renascentista foi um notável teórico e articula dor político de um cenário conturbado no qual reviravoltas e sucessões de governos geravam tal instabilidade que impedia qualquer meio de vida protegido por um mínimo de se gurança impressionado pelas disputas que assolavam a cidade de Florença e toda a península itálica Maquiavel se dá conta da inu tilidade em esperar de fórmulas mágicas a solução de problemas tão reais Opondose radicalmente ao idealismo político ocupado apenas com uma ordem ideal imaginando como o mundo deve ria ser mas desatento à realidade concreta seus esforços terão como ponto de partida e chegada a verdade extraída inteiramente dos fatos Com Maquiavel a política perde a auréola de qualidade Figura1 Nicolau Maquiavel 14691527 Filosofia Política 66 natural ou divina sendo substituída por uma atividade humana e racional constitutiva da existência coletiva Daí a necessidade do planejamento de um programa político que atenda às exigências de um quadro tortuoso e complexo E o pensador florentino o re dige na sua principal obra O príncipe Escrito em 1513 O príncipe é dedicado a Lorenzo de Médicis go vernador de Florença o que vale a Maquiavel o retorno ao cenário político e sua nomeação como historiógrafo oficial O pensador florentino ainda escreveria os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio e História de Florença Aprendendo com a história universal com as lutas que deter minaram um movimento cíclico de estabilidade e caos cabe aos ho mens a tentativa de superar a sorte para encontrar um estado que garanta a ordem e a segurança O estudo do passado deve iluminar o presente Os ensinamentos apreendidos dos eventos históricos que determinaram períodos de guerra e de paz podem ser utilizados pelo homem para que fundamente na sua realidade efetiva uma ordem confiável Vemos então como a liberdade humana se insurge contra as forças da predestinação Lemos no capítulo xxV de O príncipe Para que o nosso livre arbítrio não seja extinto julgo poder ser ver dade que a sorte seja o arbítrio da metade das nossas ações mas que ainda nos deixe governar a outra metade ou quase a sorte demonstra o seu poderio onde não existe virtude preparada para resistir e volta seu ímpeto em direção ao ponto onde sabe não fo ram construídos diques e anteparos para contêla 1976 Como vencer os auspícios da instabilidade dos governos das cidades e assegurar uma vida tranquila aos homens Para compre ender a resposta de Maquiavel precisamos perceber como o pen sador entendia a natureza humana Observando os homens que o cercavam Maquiavel conclui que a vida em comunidade nunca ocorre sem dificuldades e isto por um motivo claro os homens são volúveis e simuladores egoístas e ávidos de lucro Numa socieda de fragilizada a luta pelo poder pode ser interminável Somente um governo centralizado e forte pode garantir a estabilidade de uma comunidade humana Claretiano Centro Universitário 67 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Maquiavel não recusa inteiramente que o governo de uma cidade seja organizado sob a forma de uma república desde que o povo dessa cidade seja suficientemente virtuoso para tanto o que é raro O governo de um único príncipe parece ser sempre melhor este é o Estado forte mais unido e menos sujeito à corrupção ca paz de gerir os bens públicos mais resistente contra as invasões estrangeiras quem é o príncipe quais suas qualidades indispensáveis O príncipe é o homem virtuoso que se mantém no poder pelo sá bio uso da força Enquanto nas sociedades desorganizadas politi camente o mais forte apenas conquista não persevera no poder o príncipe guiado pela necessidade sabe se utilizar dos recursos disponíveis e salvar o Estado das investidas inimigas Cito o capítu lo xV de O príncipe Donde é necessário a um príncipe que queira se manter aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade segundo a neces sidade Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encon traremse em um príncipe de todos os atributos acima referidos apenas aqueles que são considerados bons mas desde que não os podem possuir nem inteiramente observálos em razão das con tingências humanas não o permitirem é necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder 1976 Para Maquiavel o príncipe não precisa ser bom comportar se segundo as regras da moralidade nem precisa ser amado pelos seus súditos basta possuir a sabedoria de agir conforme as cir cunstâncias e o respeito dos governados saber resistir aos inimi gos e assegurar a manutenção do Estado baluarte da ordem e da paz Esta é a finalidade da política Vejamos como Maquiavel orienta o proceder do príncipe numa importante passagem do capítulo xViii de O príncipe A um príncipe portanto não é essencial possuir todas as qualida des acima mencionadas mas é bem necessário parecer possuílas Antes ousarei dizer que possuindoas e usandoas sempre elas são danosas enquanto que aparentando possuílas são úteis por Filosofia Política 68 exemplo parecer piedoso fiel humano íntegro religioso e sêlo realmente mas estar com o espírito preparado e disposto de modo que precisando não sêlo possas e saibas tornarte o contrário Devese compreender que um príncipe e em particular um prín cipe novo não pode praticar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons uma vez que freqüentemente é obrigado para manter o Estado a agir contra a fé contra a carida de contra a humanidade contra a religião 1976 Os meios para o triunfo das dificuldades e manutenção do Estado nunca deixarão de ser julgados honrosos Segundo o pen sador florentino deve o governante usar da inteligência e ao mes mo tempo aprender dos animais deve o príncipe ser um leão e uma raposa 6 ThOMAS hOBBES E O PACTO SOCIAL Se Maquiavel dá o pontapé inicial à concepção do Estado Moderno restará a outro pensador o papel de principal referência quando se procura pelas raízes da sistematização da doutrina estatal Na primavera do século 17 Thomas Hobbes de Malmesbury publica três livros que marcam definitivamente a ruptura com a teoria de inspiração aristotélica e delimitam os caracteres constituintes do Estado Moderno Elementos do direito natural e político De cive elementos filosóficos a respeito do cidadão e o mais conhecido de seus escritos e provavelmente a melhor compilação de suas ideias proeminentes Leviatã ou Matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil O Estado seria de acordo com os argumentos do pensador inglês não somente o resultado de uma natural tendência do homem à vida coletiva mas o fruto de um pacto realizado entre os homens escolhido de modo inteiramente racional Figura 2 Thomas Hobbes 15881679 Claretiano Centro Universitário 69 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Com Hobbes surge a teoria do pacto social A origem da so ciedade civil estaria vinculada à celebração de um pacto que divide a história da humanidade em duas partes sendo a primeira rela tiva a um estado de natureza sem governo e a segunda a um esta do de direitos garantidos por um poder soberano Vejamos como acontece a passagem de um cenário ao outro Hobbes desmistifica a imagem do homem inocente e bom enfatizando que suas paixões determinam o seu comportamento Não que sejam os homens maus em si eles simplesmente preci sam satisfazer os seus desejos e a experiência demonstra que os indivíduos com vistas à própria conservação da vida terminam por desejar as mesmas coisas No estado de natureza todo ho mem seria inimigo de qualquer outro homem na medida em que compete pelas mesmas coisas na busca da satisfação do desejo daí a famosa frase hobbesiana o homem é um lobo para o homem A guerra se generaliza O estado do homem em liberdade natural seria necessariamente um estado de guerra e de medo porque embora os mais fortes rápidos e habilidosos consigam evidente mente vantagem sobre os demais nenhum homem pode preva lecer sobre o outro de maneira integral isto é os menos afortu nados podem ainda se aproveitar de um momento de desatenção ou fraqueza dos primeiros e matálos No estado de natureza a relação entre os homens não pode ser nem um pouco prazerosa uma vez que não há ordem e o que impera é um estado de guerra de todos contra todos Ocorre que os homens desejam a vida e a paz Como esta belecer então uma ordem para que o homem possa gozar do seu objeto de desejo Pelo uso da razão os homens percebem que somente por uma espécie de trégua poderiam garantir a paz social e viver na felicidade Pela celebração do pacto o Estado é criado e erigido à categoria de protetor universal Cada homem transfere espontaneamente uma parcela dos seus direitos ao soberano e as sim o Estado se constitui Filosofia Política 70 Lemos no capítulo xVii do Leviatã O acordo dos homens surge apenas através de um pacto isto é artificialmente Portanto não é de admirar que seja necessária al guma coisa mais além de um pacto para tornar constante e dura douro seu acordo ou seja um poder comum que os mantenha em respeito e que dirija suas ações no sentido do benefício comum A única maneira de instituir um tal poder comum capaz de defendê los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros ga rantindolhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens 1983 Assim surge o nosso Estado e o conceito de soberania atre lado à noção de poder absoluto e ilimitado Ao soberano compete a proteção do povo e a defesa da paz o poder de prescrever re gras e julgar as controvérsias o direito de escolher os ministros e funcionários do governo a distribuição da propriedade privada as decisões quanto à política externa Observemos o capítulo xViii do Leviatã São estes os direitos que constituem a essência da soberania e são as marcas pelas quais se pode distinguir em que homem ou as sembléia de homens se localiza e reside o poder soberano Porque esses direitos são incomunicáveis e inseparáveis Mas poderia objetarse que a condição de súdito é muito miserável pois se encontra sujeita aos apetites e paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm em suas mãos poder tão ilimitado A condição do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra in comodidade e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral em qualquer forma de governo é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompa nham a guerra civil ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar suas mãos impedindo a rapina e a vingança 1983 Precisamos evitar a guerra a qualquer custo Por isso Hobbes conclui ser o Estado imprescindível na garantia dos direitos naturais do homem e julga necessária a centralização do poder nas mãos de um soberano Somente um governo forte pode impedir a guerra e assegurar a paz Hobbes permite entrever contudo um resquício de liberdade que será explorado e desenvolvido por Locke alguns Claretiano Centro Universitário 71 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social anos mais tarde Percebendo a incompatibilidade entre os meios e fins do estado de natureza o homem havia renunciado aos seus direitos e celebrado o pacto com um claro objetivo preservar a sua própria vida Se o soberano deixa de proteger os fins de sua instituição desaparece a razão do pacto social e o direito de obedecer 7 JOhN LOCkE E A TEORIA LIBERAL A obra política de John Locke nutrese de um século marcado não somente pelo espírito científico fundado na luz natural e na experiên cia e pelas transformações ocorridas nas estrutu ras do comércio e no mercado de trabalho mas sobretudo pelo intenso conflito entre o poder monárquico absolutista e as camadas burguesas em ascensão Teórico do empirismo defensor da individualidade do jusnaturalismo do liberalis mo econômico e da tolerância religiosa Locke deixou importantes contribuições à história do pensamento político tais como Cartas sobre a tolerância e Dois tratados sobre o governo civil Concordando com Hobbes Locke aponta a teoria do pacto social como fonte das origens das sociedades Mas embora pense no horizonte do trinômio estado de natureza contrato social estado civil isto é identifique um estado de natureza limite das relações humanas e considere que a passagem ao estado civil seja mediada por um contrato firmado espontaneamente o filósofo chega a conclusões diversas e refuta a necessidade de submissão incondicional ao poder soberano No Primeiro tratado sobre o governo civil Locke combate o absolutismo divino contestando os argumentos de uma tese se gundo a qual os monarcas modernos descenderiam da linhagem de Adão sendo herdeiros legítimos da autoridade patriarcal No Segundo tratado sobre o governo civil o filósofo esclarece o que Figura 3 John Locke 16321704 Filosofia Política 72 entende por poder político explicando em que consiste a consti tuição e a extensão do governo civil estabelecendo parâmetros que viriam a influenciar todo um conjunto de revoluções liberais Originalmente os homens viviam num estado de liberdade e igualdade estado de relativa paz e harmonia em que seus di reitos naturais eram preservados No estado de natureza todos possuíam direito à vida à liberdade e à propriedade uma vez que os bens adquiridos pelo trabalho eram considerados uma exten são do próprio corpo Ocorre todavia que uma sociedade sem governo instituído pode encerrar uma série de inconvenientes a ausência de uma lei e de uma força de coerção que obrigue ao respeito dos direitos do outro pode incentivar que os indivíduos se voltem uns contra os outros favorecendo o surgimento do estado de guerra Daí a celebração do contrato firmado para solucionar os abu sos do convívio e proteger a propriedade e a comunidade contra os inimigos internos e externos Por meio de um pacto de consen timento o contrato aparece como um meio artificial de aperfei çoamento do estado de natureza o governo surge para preservar direitos naturais preexistentes e colocálos sob o amparo da lei A intenção de Locke aparece nitidamente na introdução ao Segundo tratado sobre o governo Nem a força nem a tradição apenas o consentimento dos governados é fonte do poder legíti mo Vejamos o que diz o filósofo sobre a origem e o estatuto do poder político Tendo todas essas premissas sido como me parece claramente demonstradas é impossível que os soberanos ora existentes sobre a Terra devam haurir algum benefício ou derivar que seja a menor sombra de autoridade daquilo que é considerado a fonte de todo o poder o domínio particular e a jurisdição paterna de Adão Julgo não ser descabido estabelecer o que considero como poder político de modo a distinguir o poder de um magistrado sobre um súdito do de um pai sobre os filhos de um amo sobre seu servidor do marido sobre a esposa e de um senhor sobre seus escravos Por estarem ocasionalmente todos esses diferentes poderes enfeixa dos num mesmo homem se este for considerado sob essas dife Claretiano Centro Universitário 73 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social rentes relações será útil distinguir esses poderes entre si e mostrar a diferença entre o soberano de uma sociedade política um pai de família e o capitão de uma galera Considero portanto que o poder político é o direito de editar leis com pena de morte e conseqüentemente todas as penas meno res com vistas a regular e a preservar a propriedade e de empre gar a força do Estado na execução de tais leis e na defesa da socie dade política contra os danos externos observando tãosomente o bem público 1998 No capítulo Viii da mesma obra intitulado Do início das so ciedades políticas Locke explica claramente como se dá o pacto social Sendo todos os homens como já foi dito naturalmente livres iguais e independentes ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio con sentimento A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestirse dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em juntarse e unirse em uma comunidade para viverem confortável segura e pacificamen te uns com outros num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte qual quer número de homens pode fazêlo pois tal não fere a liberdade dos demais que são deixados tal como estavam na liberdade do estado de natureza quando qualquer número de homens consen tiu desse modo em formar uma comunidade ou governo são por esse ato logo incorporados e formam um único corpo político no qual a maioria tem o direito de agir e deliberar pelos demais 1998 Uma vez instituído o contrato pelo consentimento podem os homens escolher como lhes aprouver a forma de governo para a consecução dos seus fins E se o governo deixar de cumprir o seu fim descumprir as leis ou desrespeitar o bem comum o que equivale a um retorno ao estado de natureza E se o governo se degenerar em tirania Locke salienta que todo homem possui um direito de resistência à opressão Contra o exercício ilegal do poder podem os homens legitimamente resistir e até depor o governo se preciso for Filosofia Política 74 8 JeanJaCques rousseau e o Contrato soCial O que a história do Ocidente conta como verdade um órfão suíço do século 18 que se tor naria um dos pensadores de maior influência no desenrolar dos acontecimentos soube expressá lo em discursos críticos das desigualdades polí ticas já tão fortemente enraizadas na sua época JeanJacques Rousseau aparece aí como uns dos primeiros a enfrentar seriamente as questões do regime absolutista e sugerir substanciais mudan ças no modo de pensar o Estado Escolado no século das luzes e ao mesmo tempo crítico do iluminismo Rousseau oscila entre a confiança na razão e o ceti cismo tanto para conhecer a realidade quanto para solucionar os problemas cotidianos por ela oferecidos Em seu Discurso sobre as ciências e as artes o filósofo não poupa esforços para demonstrar como o uso maléfico das artes e das ciências podem corromper os costumes e as virtudes No seu Contrato social o filósofo compõe o projeto que justifica uma real passagem do estado de natureza para o estado civil O estado originário do homem é a felicidade a liberdade e a igualdade Mas as disputas e guerras ao longo da história trouxe ram o homem a um estado de coisas em que sociedade e servidão se equivalem Lemos na abertura do Contrato social O homem nasceu livre e em toda parte se encontra sob ferros De tal modo acreditase o senhor dos outros que não deixa de ser mais escravo que eles 1965 Dialogando com a tradição da Filosofia Política especial mente com aquela filiada à concepção do pacto Rousseau ressalta que a sociedade política até então instituída nada mais era que o fruto de uma história de dominação Para o filósofo suíço o pacto perde sua aura de hipótese da realidade política para se converter em argumento do domínio A sociedade surge com a desigualdade Figura 4 JeanJaques Rousseau 17121778 Claretiano Centro Universitário 75 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social e os discursos que pregavam a alienação dos direitos em função da associação e união de todos nada disfarçavam da sua intenção de submeter Em Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualda de entre os homens encontrado na obra O contrato social e outros escritos o autor afirma Bastou muito menos que o equivalente deste discurso para sedu zir homens grosseiros fáceis de convencer Todos correram a submeterse aos grilhões crendo que se asseguravam a liberdade porque possuindo demasiadas razões para sentir as vantagens de uma formação política não possuíam suficiente experiência para prever os seus perigos os mais capazes de pressentir os abusos eram precisamente os que contavam tirar proveito disso e mes mo os mais talentosos compreenderam que era preciso decidirse a sacrificar uma parte de sua liberdade a fim de conservar a outra como um ferido que se faz cortar o braço com o intuito de salvar o restante do corpo Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis que criaram novas peias para o fraco e novas forças para o rico destruíram sem possibilidade de retorno a liberdade natural fixaram para sempre a ordem da propriedade e da desigualdade que de uma astuciosa usurpação fizeram o direito irrevogável e para proveito de alguns ambiciosos sujeitaram daí por diante todo o gênero humano ao trabalho à servidão à miséria 1965 p 189190 Rousseau concebe o contrato social enquanto projeto Com o seu planejamento o filósofo pretende estabelecer as condições de possibilidade de um pacto legítimo em que a liberdade natural se não pode ser recuperada integralmente seja ao menos substi tuída pela liberdade civil Os homens precisam encontrar uma for ma de associação que proteja a todos sem contudo constranger a liberdade de cada associado um modo de associação em que cada um só tenha que obedecer a si mesmo Como encontrar a solução que atenda aos requisitos do con trato Como respeitar plenamente a condição de igualdade dos contratantes e assegurar a liberdade antes e depois do contrato Aí está a principal novidade proposta pelo filósofo suíço o exercí cio da soberania pelo povo Filosofia Política 76 Numa sociedade assim constituída haverá apenas uma úni ca submissão à vontade geral Os indivíduos passam a integrar um sujeito coletivo dotado de uma vontade geral Pela formação de uma vontade geral que extrapole as vontades individuais ao povo será atribuída a soberania e somente ele será a parte ativa e passi va na elaboração e obediência às leis Ademais o processo de legitimação do governo não se dá pontualmente e de uma vez por todas ele perdura após a funda ção do corpo político todo poder governamental deve ser limi tado pelo poder do povo tendo em vista que a vontade geral não pode ser transmitida a soberania é inalienável e indivisível Se por motivos operacionais precisamos reconhecer a necessidade de representantes para o exercício do governo esses representan tes nunca serão titulares da soberania ou de seus cargos e devem ser trocados permanentemente Do início do Livro ii do Contrato social temos a seguinte passagem A primeira e mais importante conseqüência dos princípios acima estabelecidos está em que somente a vontade geral tem possibili dade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua institui ção isto é o bem comum pois se a oposição dos interesses parti culares tornou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível Digo pois que outra coisa não sendo a soberania senão o exer cício da vontade geral jamais se pode alienar e que o soberano que nada mais é senão um ser coletivo não pode ser representado a não ser por si mesmo é perfeitamente possível transmitir o po der não porém a vontade Pela mesma razão que a torna inalienável a soberania é indivi sível porque a vontade é geral ou não o é é a vontade do corpo do povo ou apenas de uma de suas partes 1965 Rousseau não é somente um pensador político de notável envergadura O forte apelo revolucionário de seus textos viria a influenciar as insurreições francesas do final do século 18 e dar fôlego às aspirações democráticas do outro lado do oceano Bem vinculado ao espírito da época um parágrafo retirado do final do Livro ii do Contrato social demonstra como filosofia e política ca minhavam pela mesma vereda Claretiano Centro Universitário 77 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Se se procura saber em que consiste precisamente o maior dos bens que deve ser o objetivo de todo sistema de legislação achar seá que se reduz a estes dois objetos principais a liberdade e a igualdade A liberdade porque toda independência particular é ou tra tanta força subtraída a corpo do Estado a igualdade porque a liberdade não pode subsistir sem ela 1965 9 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Thomas Hobbes Leviatã capítulo XIII Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria A natureza fez os homens tão iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo do que outro mesmo assim quando se considera tudo isso em conjunto a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar tal como ele Porque quanto à força corporal o mais fraco tem for ça suficiente para matar o mais forte quer por secreta maquinação quer aliandose com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à espe rança de atingirmos nossos fins Portanto se dois homens desejam a mes ma coisa ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos eles tornamse inimigos E no caminho para seu fim que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite esforçamse por destruir ou subjugar um ao outro Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra em que todo homem é inimigo de todo homem o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção Numa tal situação não há lugar para a indústria pois seu fruto é incerto conseqüentemente não há cultivo de terra nem navegação nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar não há construções confortáveis nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força não há reconhecimento da face da Terra nem cômputo do tempo nem artes nem letras não há sociedade e o que é pior do que tudo um constante temor e perigo de morte violenta Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é conseqüência que nada pode ser injusto As noções de bem e de mal de justiça e injustiça não podem aí ter lugar Onde não há poder comum não há lei e onde não há lei não há injustiça Na guerra a força e a fraude são as duas virtudes cardeais A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito Se assim fosse poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo do mesmo modo que seus senti dos e paixões São qualidades que pertencem aos homens em sociedade Filosofia Política 78 não na solidão Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade nem domínio nem distinção entre o meu e o teu só pertence a cada homem aquilo que é capaz de conseguir e apenas enquanto for capaz de conserválo É pois esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra por obra da simples natureza Embora com uma possibilidade de escapar a ela que em parte reside nas paixões e em parte em sua razão As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de conseguilas através do trabalho E a razão sugere ade quadas normas de paz em torno das quais os homens podem chegar a acordo 1983 Texto 2 Thomas Jefferson Escritos políticos Carta a George Washington Paris 2 de maio de 1788 Eu era um inimigo ferrenho de monarquias antes de minha vinda à Europa Sou dez mil vezes mais desde que vi o que elas são Não há dificilmente um mal que conheça nestes países cuja origem não possa ser atribuída a seus reis nem um bem que não derive das pequenas fibras de republi canismo existente entre elas Posso acrescentar com segurança que não há na Europa cabeça coroada cujo talento ou cujos méritos lhe dessem o direito a ser eleito pelo povo conselheiro de qualquer paróquia da Amé rica Opinião do Gabinete 28 de abril de 1793 Considero o povo que constitui a sociedade ou nação como a fonte de toda a autoridade nessa nação como sendo livre para conduzir seus interesses comuns através de quaisquer órgãos que julgue adequados para modifi car esses órgãos individualmente ou sua organização na forma ou função sempre que lhe apraz que todos os atos praticados por esses órgãos sob a autoridade da nação constituem atos dela são obrigatórios para o povo e em vigor seu uso não podendo de forma alguma ser anulados ou afe tados por quaisquer mudanças na forma do governo ou das pessoas que o administram Carta a François dIvernois Monticello 6 de fevereiro de 1795 Suspeito que a doutrina de que somente pequenos Estados se acham ap tos para ser repúblicas será arrasada pela experiência juntamente com outras brilhantes falácias apregoadas por Montesquieu e outros escritores políticos Talvez se descobrirá que para se conseguir uma república justa e é para assegurar nossos justos direitos que recorremos de qualquer modo ao governo é preciso que ela tenha tal amplitude de modo a que egoísmos locais jamais atinjam a maior parcela que em cada questão par ticular se encontre em seus conselhos uma maioria livre de interesses privados que dê portanto uma prevalência uniforme aos princípios de justiça Carta a Adamantios Coray Monticello 31 de outubro de 1823 Claretiano Centro Universitário 79 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Por possuirmos combinadas as bênçãos de liberdade e ordem desejamos o mesmo para outros países e para nenhum país mais que o vosso Gré cia que foi a primeira das nações civilizadas a apresentar exemplos do que o homem deve ser Na verdade não que as formas de governo adap tadas a sua época e seu país sejam praticáveis ou devam ser imitadas em nossos dias embora preconceitos a seu favor fossem bastante naturais a nosso povo As circunstâncias do mundo modificaramse muito para isso A igualdade de direitos para o homem e a felicidade de cada indivíduo são agora reconhecidas como os únicos objetivos legítimos do governo Os tempos modernos têm agora também esta vantagem evidente a de ter descoberto o único processo pelo qual esses direitos podem ser assegu rados a saber governo pelo povo agindo não em pessoa mas por meio de representantes eleitos pelo povo isto é por todo homem maduro e são de espírito que contribua quer com sua bolsa quer com sua pessoa para suporte do país 1973 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Maquiavel 2 Como pensar o conceito de política para Hobbes 3 Seria o pacto social uma referência ficcional ou uma realidade histórica 4 Como pensar o conceito de política para Locke 5 Como pensar o conceito de política para Rousseau 11 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade estudamos a teoria do pacto social Na pró xima unidade estudaremos a Filosofia Política na Modernidade e conheceremos os pensamentos de kant e Hegel a respeito da po lítica Filosofia Política 80 12 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Nicolau Maquiavel 14691527 Disponível em httpwwwkuniyoshiname blogindexphpmental27maquiavel Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Thomas Hobbes 15881679 Disponível em httpwwwoneeternalday com20100701archivehtml Acesso em 26 jun 2012 figura 3 John Locke 16321704 Disponível em httpwwwportalsophiaorgindex phpblogjohnlocke16321704sinteseentreempirismoeliberalismohtml Acesso em 26 jun 2012 figura 4 JeanJaques Rousseau 17121778 Disponível em httpwwwculturabrasil probrrousseauhtm Acesso em 26 jun 2012 13 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS BOBBiO N Teoria geral da política a filosofia política e as lições dos clássicos Tradução de Daniela Beccaccia Versani Rio de Janeiro Campus 2000 Estado governo sociedade para uma teoria geral da política Tradução de Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 BORON A A Org Filosofia política moderna de Hobbes a Marx Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales São Paulo USP 2006 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CHEVALLiER JJ As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias Tradução de Lydia Cristina Rio de Janeiro Agir 1995 HOBBES T Leviatã ou Matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1983 Coleção Os pensadores De cive elementos filosóficos a respeito do cidadão Tradução de ingeborg Soler Petrópolis Vozes 1993 Elementos do direito natural e político Tradução de Fernando Couto Porto Resjurídica sd JEFFERSON T Escritos políticos in Federalistas Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho São Paulo Abril Cultural 1973 Coleção Os pensadores LEFORT C Le travail de loeuvre de Machiavel Paris Gallimard 1972 LOCkE J Dois tratados sobre o governo Tradução de Julio Fischer São Paulo Martins Fontes 1998 MAqUiAVEL N O príncipe Tradução de Roberto Grassi Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1976 Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio Tradução de Sergio Fernando Claretiano Centro Universitário 81 U4 Filosofia Política e a Teoria do Pacto Social Guarischi Bath Brasília UnB 1982 ROUSSEAU JJ O contrato social e outros escritos Tradução de Rolando Roque da Silva São Paulo Cultrix 1965 SkiNNER q As fundações do pensamento político moderno Tradução de Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta São Paulo Companhia das Letras 1996 WEFFORT F C Org Os clássicos da política Maquiavel Hobbes Locke Montesquieu Rousseau O Federalista São Paulo ática 2000 v 1 Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 EAD 5 Filosofia Política na Modernidade 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na Modernidade Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política 2 CONTEúDOS immanuel kant e a paz perpétua Friedrich Hegel e a realização da razão universal Texto complementar Alexis de Tocqueville Texto complementar Marx e Engels 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir Filosofia Política 84 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento estes são alguns dos atributos que você precisa adqui rir e cultivar Cabe ressaltar que cada exercício realiza do representa um momento em que você exercita o seu poder de compreensão e análise de conceitos de inter pretação de textos e de síntese seu senso crítico suas habilidades interpessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na Unidade 4 tratamos do desenvolvimento da Filosofia Política no Renascimento e na era das revoluções clássicas Ana lisamos os principais pensamentos filosóficos no que concerne à política Nicolau Maquiavel e o Estado forte Thomas Hobbes e o pacto social John Locke e a teoria liberal JeanJacques Rousseau e o contrato social Poucos autores influenciaram tanto a história do pensamen to como kant e Hegel Não somente por suas próprias produções Claretiano Centro Universitário 85 U5 Filosofia Política na Modernidade extensas e de grande relevância mas principalmente pelo desdo bramento que souberam delas auferir um notável número de filó sofos historiadores e sociólogos entre outros As transformações que advieram ao longo do fecundo século 19 sejam elas na esfera do pensamento sejam na esfera da realidade prática devem em boa parte à leitura de kant e de Hegel Nesta unidade veremos como são expostas as filosofias políticas de cada um deles Novamente precisamos realizar um grande recorte Há uma série de pensadores que ocupam o cenário multiforme do sécu lo 19 Esquecer deles seria ignorar uma fundamental parcela da história do pensamento político Não poderíamos desprezar por exemplo as contribuições do início do século oferecidas por Ben jamin Constant e por Alexis de Tocqueville Benjamin Constant na corrente do liberalismo revisitado foi um ardente defensor das liberdades individuais e da limitação da autoridade do conjunto tanto quanto à autoridade estatal quanto à autoridade dos direitos da maioria contra os da minoria Nenhum poder poderia ser ilimitado mesmo os poderes fundados sob o conceito de uma soberania popular não poderiam violar direitos que existem independentemente de qualquer organização social ou política Levando às últimas consequências a reflexão liberal promovendo a cisão definitiva entre o público e o privado Benja min Constant chegará à conclusão de que um único princípio deve conduzir as nações novas e antigas liberdade em tudo na religião na literatura na filosofia na indústria na política o direito de ser submetido apenas às leis não ser preso nem morto em decorrên cia de qualquer vontade arbitrária o direito de emitir opinião de se associar a outros homens de escolher sua indústria e exercêla de dispor da propriedade o direito de ir e vir sem precisar prestar contas de seus motivos A Alexis de Tocqueville historiador e pensador francês de vemos um dos principais registros históricos dos períodos que su cederam as grandes revoluções do século anterior da consolida ção de novos regimes de governo e novas convicções políticas A Filosofia Política 86 observação das experiências democráticas na América e na Europa o deixou bem impressionado Mas a partir da análise de dados concretos de tais experiências ele pode mesmo oscilando entre a inocência e a perspicácia enumerar traços de avanço e contra dições percebendo que mesmo altos princípios nutridos de um longo processo histórico não constituíam impedimento para a vio lência e a submissão Tocqueville estava consciente da inevitabili dade do fenômeno democrático para as nações do Ocidente mas isso não o impediu de explorar os elementos conflituais da aliança entre igualdade e liberdade e compreender que muitos dos princí pios elencados pelos pensadores políticos da época não passavam de realidades metafísicas ou falácias da argumentação Para que o estudo não fique demasiado incompleto é preciso que você aluno interessado busque em outras fontes uma adequa da referência a importantes autores que deixaram de ser aqui con templados O século 19 é também o século do utilitarismo de John Stuart Mill do positivismo de Auguste Comte da teoria crítica de karl Marx e Friedrich Engels e da filosofia crepuscular de Friedrich Nietzsche Ao final desta unidade você encontrará um texto complementar retirado da Democracia na América de Alexis de Tocqueville e outro do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels Navegando por uma corrente contrária ao espírito da época Marx prevê a ruína da sociedade capitalista Suas análises estão contudo longe de terem um efeito exclusivamente diagnóstico Os notáveis escritos de Marx são de grande contribuição para que possamos compreender conceitos como materialismo histórico dialética luta de classes divisão do trabalho alienação mercado ria etc A repercussão da atividade intelectual de Marx tanto na teoria quanto na prática não só influenciou um profícuo número de pensadores como até hoje ocupa uma considerável parcela da tarefa de cientistas políticos e economistas Claretiano Centro Universitário 87 U5 Filosofia Política na Modernidade 5 IMMANUEL kANT E A PAZ PERPÉTUA No contorno de toda produção intelec tual de kant um filósofo que dispensa apre sentações para todos aqueles que buscam na modernidade as raízes do quadro político atual primazia do indivíduo e filosofia moral têm ro bustas implicações políticas Se compreender mos bem em que consiste a moralidade e a sua relação com o direito na obra kantiana podere mos daí extrair uma série de consequências te óricas para a organização do Estado e para a vida política em geral Tomando como fundamento o inato direito à liberdade do homem esforçandose para definir a esfera inviolável da consci ência individual kant oferece à humanidade um peculiar conceito de moralidade moralidade pode ser entendida como a confor midade com a norma do dever ser dada pelo próprio indivíduo Todo homem pode enquanto ser dotado das faculdades da razão conhecer e ditar normas de conduta para si mesmo normas que viabilizariam tanto a vida particular quanto a vida em sociedade A organização do direito e da política provêm do adequado uso da razão de comandos assumidos a priori metafísicos no que concerne à experiência concreta O imperativo categórico defini do por kant na Fundamentação da metafísica dos costumes como o agir sempre segundo princípios que devem ser tomados como lei universal mostrase aqui como o alicerce de todo o edifício em construção O homem moral obedece ao imperativo categórico apreendido de modo objetivo e universal Do conceito kantiano de moralidade subtraímos duas con sequências Em primeiro lugar enquanto ser moral o homem só obe dece a leis dadas por ele mesmo nisso consiste a dignidade e a liberdade do homem agir sempre conforme a sua razão O que Figura 1 Immanuel Kant 17241804 Filosofia Política 88 antes havia sido definido como a espontaneidade que extrapola as relações de causalidade presentes na natureza toma na filoso fia moral kantiana uma dupla coloração que se exprime tanto no conceito negativo de liberdade manifesto pela ausência de limita ções eternas do comportamento quanto do conceito positivo de liberdade materializado como autonomia isto é a propriedade de legislar para si próprio A segunda consequência é a seguinte enquanto ser huma no o homem é um fim em si mesmo sua dignidade não depende de qualquer juízo de valor utilitário não depende de dados cole tados da sensibilidade empírica e auferidos por seja lá quem for qual então a relação entre a moralidade o direito e a po lítica Assim como os princípios da moralidade os princípios do di reito devem ser conhecidos de modo objetivo e universal Diz um parágrafo retirado da introdução à teoria do direito de Primeiros princípios metafísicos da doutrina do direito que é o Direito em si Esta questão se não for pra mergulhar numa tautologia ou referirse à legislação de determinado país ou tempo em lugar de dar uma solução geral é tão grave para o jurisconsulto como o é para o lógico a questão que é a verdade Seguramente podese dizer que é o direito isto é que prescrevem ou prescreve ram as leis determinadas do lugar ou tempo Porém a questão de saber se o que prescrevem essas leis é justo a questão de dar por si o critério geral através do qual possam ser reconhecidos o justo e o injusto jamais poderá ser resolvida a menos que se deixe à parte esses princípios empíricos e se busque a origem desses juízos na razão somente ainda que essas leis possam muito bem se dirigir a ela nessa investigação para estabelecer os fundamentos de uma legislação positiva possível Se a razão controlasse perfeitamente as paixões humanas haveria sempre conformidade entre as leis morais e as leis posi tivas do direito aquelas de obediência sugerida estas de cumpri mento exigido coercitivamente Mas tal não é a condição humana nem sempre os homens estão aptos a escutarem e seguirem os ditames da razão muitos se deixam frequentemente ser arrasta Claretiano Centro Universitário 89 U5 Filosofia Política na Modernidade dos pelas paixões Por isso o direito precisa regular as relações externas entre os indivíduos de modo a tornar possível a vida em sociedade e o exercício da liberdade por cada um A fórmula do princípio universal do direito será dada nos Pri meiros princípios metafísicos da doutrina do direito é justa toda ação ou máxima da ação que permita a liberdade do arbítrio de cada um com a liberdade do outro segundo uma lei universal Sur ge o Estado como necessário agente regulador das liberdades indi viduais A seguir um pequeno trecho do suplemento primeiro de A paz perpétua O problema do estabelecimento do Estado por mais áspero que soe tem solução inclusive para um povo de demônios contanto que tenham entendimento e formulase assim ordenar uma mul tidão de seres racionais que para a sua conservação exigem con juntamente leis universais às quais porém cada um é inclinado no seu interior a eximirse e estabelecer a sua constituição de um modo tal que estes embora opondose uns aos outros nas suas dis posições privadas se contêm no entanto reciprocamente de modo que o resultado da conduta pública é o mesmo que se não tivessem essas disposições más A sociedade civil decorre do imperativo moral e realiza a ideia de liberdade quais as características do Estado pensado por kant O Estado kantiano é liberal porque garante tão somente o bem público a manutenção da juridicidade das relações interpessoais a constituição que permita a cada um exercer sua liberdade sem con trariar a lei Convém a cada indivíduo buscar sua felicidade como lhe aprouver contanto que não viole os direitos dos demais membros da sociedade A fim de que a vontade geral não seja usurpada pelas von tades particulares deve o poder estatal obedecer à já consagrada tripartição dos poderes legislativo executivo e judiciário kant referese ainda à constituição de um contrato originá rio para justificar a legitimidade do governo político Mas ao con trário dos expoentes da tradição do pacto social a sua intenção Filosofia Política 90 parece estar bem definida e delimitada instituir a ideia metafísica de fundamento da sociedade civil negando qualquer direito de resistência por parte dos governados Não estão os consorciados de uma sociedade autorizados nem à resistência nem à revolu ção isso geraria uma contradição interna insanável no corpo da sociedade As reformas necessárias ao aperfeiçoamento da ordem constitucional só podem ser realizadas pelo próprio poder sobe rano por meio do legislativo Não podemos todavia confundir competência com participação segundo o filósofo prussiano para que a vontade geral seja melhor conhecida a publicidade e o alar gamento do espaço público são basilares como modo de assegurar a liberdade de expressão e o debate Afeito ao culto do progresso kant alimentou a convicção de que há na história da humanidade uma evolução racional Ideia de uma história universal a partir de um ponto de vista cosmopoli ta embora parecesse saber que a forma de uma sociedade ideal permaneceria sempre distante da realização concreta na história isso não o impediu de contribuir para que novos caminhos para a paz fossem encontrados No âmbito do direito internacional a paz deve ser estabelecida porque a guerra não interessa aos Estados este é também um princípio da razão kant foi um dos primeiros a conceber teoricamente uma liga das nações como meio de favorecer a concórdia entre diferentes países Cabe à confederação de Estados enquanto expressão de vontades livres a manutenção da paz Lemos no Segundo artigo definitivo sobre a paz perpétua O direito das gentes deve fundarse numa federação de Estados livres Os povos podem enquanto Estados considerarse como ho mens singulares que no seu estado de natureza isto é na indepen dência de leis externas se prejudicam uns aos outros já pela sua simples coexistência e cada um em vista da sua segurança pode e deve exigir do outro que entre com ele numa constituição seme lhante à constituição civil na qual se possa garantir a cada um o seu direito isso seria uma federação de povos que no entanto não deveria ser um Estado de povos Claretiano Centro Universitário 91 U5 Filosofia Política na Modernidade 6 fRIEDRICh hEGEL E A REALIZAÇÃO DA RAZÃO UNIVERSAL Ao final de sua vida Hegel publica o pro duto de seus cursos sobre a filosofia do direito ministrados na Universidade de Berlim sob o tí tulo Princípios da filosofia do direito tratase de um longo e vasto estudo que viria a ser con siderado posteriormente como a principal refe rência de sua obra no que concerne à Filosofia Política Mas não é fácil entender o seu pensa mento Se por um lado a Filosofia Política hege liana se alimenta de conceitos que possuem um elevado grau de abstração por outro está intimamente atrelada à sua peculiar acepção de história Conhecer a intenção de Hegel com a publicação da obra que viria a coroar toda a sua produção filosófica pode nos auxiliar na compreensão do seu pensamento político Com Massimiliano Tomba em Poder e constituição em Hegel poderíamos começar dizendo que A leitura do Prefácio aos Lineamentos de filosofia do direito permite perceber que o objetivo da filosofia política hegeliana é a compre ensão da racionalidade do Estado como forma específica do Espíri to numa época determinada DUSO 2005 p 305 O Estado aparece então como a realização da história da ra zão universal do saber absoluto Não se pode tomar a natureza humana e a constituição de sua organização política fora do desen volvimento histórico o que segundo o filósofo fariam os contratu alistas clássicos A base do Estado não reside no contrato mesmo que auferido de modo puramente lógico mas na vontade univer sal e no seu curso histórico O homem é fruto do seu tempo e a sua organização política como modo de expressão do seu modo de ser também deve ser assim compreendida Figura 2 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 1770 1831 Filosofia Política 92 Hegel pensa o Estado soberano como modo de organização necessário à existência da vida social O indivíduo só pode se de senvolver plenamente no Estado O sujeito moral pela mediação da família e da atividade profissional que exerce reconhece que a sua existência depende do Estado Lemos nos parágrafos 257 e 258 dos Princípios da filosofia do direito O Estado é a realidade em ato da idéia moral objetiva o espírito como vontade substancial revelada clara para si mesma que se co nhece e se pensa e realiza o que sabe e porque sabe No costume tem o Estado a sua existência imediata na consciência de si no saber e na atividade do indivíduo tem a sua existência mediata enquanto o indivíduo obtém a sua liberdade substancial ligandose ao Estado como à sua essência como ao fim e ao produto da sua atividade O Estado como realidade em ato da vontade substancial realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada é o ra cional em si e para si esta unidade substancial é um fim próprio abso luto imóvel nele a liberdade obtém o seu valor supremo e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever Se o Estado é o espírito objetivo então só como membro é que o in divíduo tem objetividade verdade e moralidade A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim e o destino dos in divíduos está em participar de uma vida coletiva quaisquer outras satisfações atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal Fiel ao conceito de história como um movimento de negati vidade e reconciliação a Filosofia Política de Hegel possui também um forte apelo dialético O Estado aparece como o fruto dialético entre particularidade e universalidade na procura da totalidade O Estado enquanto realidade que extrapola o cenáculo individual constitui o limite externo e formal para a liberdade do indivíduo mas assume ao mesmo tempo a própria realização do seu direito à liberdade Diz Hegel no parágrafo 260 subsequente É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta Ora a liber dade consiste em a liberdade pessoal com os seus particulares de tal modo possuir o seu pleno desenvolvimento e o reconhecimento dos seus direitos para si nos sistemas da família e da sociedade civil que em parte se integram por si mesmos no interesse univer Claretiano Centro Universitário 93 U5 Filosofia Política na Modernidade sal e em parte consciente e voluntariamente o reconhecem como seu particular espírito substancial e para ele elegem como seu últi mo fim O princípio dos Estados modernos tem esta imensa for ça e profundidade permitem que o espírito da subjetividade che gue até a extrema autonomia da particularidade pessoal ao mesmo tempo que o reconduz à unidade substancial assim mantendo esta unidade no seu próprio princípio Hegel distingue em três esferas a família a sociedade civil e o Estado Do ponto de vista teórico o Hegel da Filosofia do direito é o primei ro e não Marx a fixar o conceito de sociedade civil como algo distinto e separado do Estado político A sociedade civil é de finida como um sistema de carecimentos estrutura de dependên cias recíprocas onde os indivíduos satisfazem as suas necessidades através do trabalho da divisão do trabalho e da troca e asseguram a defesa de suas liberdades propriedades e interesses através da administração da justiça e das corporações Tratase da esfera dos interesses privados econômicocorporativos e antagônicos entre si A ela se contrapõe o Estado político isto é a esfera dos interes ses públicos e universais na qual aquelas contradições estão me diatizadas e superadas BRANDãO in WEFFORT 2002 p 105106 A rigor não há liberdade fora do Estado porque não há povo se desprovido de constituição antes da organização estatal temos apenas uma multiplicidade inorgânica de indivíduos A instituição da constituição representa e realiza a unidade Se o movimento dialético faz da história a expressão da superação e absorção das formas políticas devem as fases históricas anteriores à instituição da constituição estatal serem entendidas apenas como fases Hegel extrai dos seus próprios conceitos algumas conclusões de notória relevância e implicações práticas Vamos a elas As distinções clássicas quanto aos tipos de governo monar quia aristocracia democracia são assumidas como momentos da articulação do Estado A divisão dos poderes de um Estado político deve compre ender o poder legislativo responsável pela determinação do uni versal o poder de governo capaz de absorver o particular no uni versal e o poder do príncipe ao qual cumpre a decisão última e a Filosofia Política 94 reunificação dos poderes na unidade individual concebida como a cúpula e o início do todo que constitui a monarquia constitucional esta por sua vez o aperfeiçoamento do Estado na forma infinita da ideia cf Princípios da filosofia do direito parágrafo 273 Se a última palavra compete ao monarca sua decisão não é arbitrária porque se encontra subordinada à unidade da consti tuição A soberania não transcende à articulação dos poderes O monarca dá racionalidade à constituição mas é menos que uma figura do poder absolutista e mais que uma figura supérflua que apenas encena Hegel defende a participação popular no governo e os prin cípios da publicidade Os integrantes dos poderes públicos devem ser recrutados em função de sua competência capacidade de ra cionalmente calcular as intervenções necessárias à vida civil e à consciência do universal Para que o Estado não se torne uma estrutura engessada e desprovida de sentido deve estar sempre disponível à modifica ção de modo que ao desenvolvimento do Espírito corresponda o desenvolvimento das instituições Em última instância o poder le gislativo absoluto e supremo seria a história Embora os acontecimentos que o cerquem não o incentivem a pensar de modo inteiramente otimista Hegel ainda acredita que os conflitos mundiais levarão à superação dos mesmos conflitos e à instau ração de um Estado universal como realização final da razão universal 7 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Alexis de Tocqueville Introdução de A democracia na América Dentre as coisas novas que durante minha estada nos Estados Unidos chamaramme a atenção nenhuma impressionoume tão intensamente quanto a igualdade de condições Descobri sem dificuldades a influência prodigiosa exercida por este fator na marcha da sociedade dá ao espírito público certa direção às leis um ar especial aos governantes novos prin cípios e aos governados hábitos particulares Claretiano Centro Universitário 95 U5 Filosofia Política na Modernidade Desse modo à medida que estudava a sociedade americana via cada vez mais na igualdade de condições o fato originário de que cada aspecto parecia provir e reencontravao incessantemente como o ponto central a que chegavam todas as minhas observações Levei então o pensamento ao nosso hemisfério e pareceume que aí en contrava algo semelhante ao espetáculo oferecido pelo Novo Mundo Via igualdade de condições que sem atingir como nos Estados Unidos seus limites extremos aproximavase deles cada dia mais esta mesma demo cracia que reinava nos Estados Unidos pareceume avançar rapidamente em direção ao poder na Europa Desde este instante concebi a idéia do livro que se vai ler Uma grande revolução democrática operase entre nós todos a vêem mas nem todos a julgam da mesma maneira Uns consideramna algo de novo e tomandoa por coisa acidental esperam poder ainda sustála en quanto outros julgamna irresistível pois lhes parece o fato mais contínuo mais antigo e mais permanente que se conhece na história Não há povo na Europa em que a grande revolução social a que fiz alusão tenha feito progressos mais rápidos do que entre nós mas a revolução neste país desenvolveuse sempre ao acaso Nunca os chefes de Es tado pensaram em preparar previamente o que quer que fosse em seu favor fezse apesar deles ou sem que tivessem conhecimento As classes mais poderosas mais inteligentes e mais honestas da nação não busca ram apoderarse dessa revolução para dirigila A democracia foi portan to abandonada a seus instintos selvagens cresceu como essas crianças privadas dos cuidados paternos que se criam sós nas ruas das cidades que só conhecem da sociedade os vícios e as misérias Pareciase ignorar ainda a existência da revolução quando apoderouse inopinadamente do poder Então cada qual se submeteu servilmente a seus mínimos de sejos adoraramna como imagem da força quando depois enfraqueceu por culpa de seus próprios excessos os legisladores conceberam o projeto imprudente de destruíla ao invés de buscar instruíla e corrigila e sem pensar em ensinála a governar só quiseram expulsála do governo O resultado foi que a revolução democrática operouse no plano material da sociedade sem que houvesse nas leis nas idéias nos hábitos e cos tumes a mudança que teria sido necessária para tornála útil Assim temos a democracia menos o que deve atenuar seus vícios e realçarlhe as van tagens naturais já conhecendo os males que provoca ignoramos os bens que pode proporcionar 1973 Texto 2 Marx e Engels Manifesto do Partido Comunista capítulo I Burgueses e proletários A história de todas as sociedades até hoje é a história das lutas de classes Homem livre e escravo patrício e plebeu senhor feudal e servo mestre de cor poração e companheiro em suma opressores e oprimidos estiveram em cons tante antagonismo entre si travando uma luta ininterrupta umas vezes oculta outras aberta uma guerra que sempre terminou ou com a transformação revo lucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta Filosofia Política 96 Nas épocas anteriores da história encontramos quase por toda parte uma completa estruturação da sociedade em estados ou ordens sociais uma múltipla gradação das posições sociais Na Roma antiga temos patrícios cavaleiros plebeus escravos na Idade Média senhores feudais vassa los mestres das corporações aprendizes servos e além disso gradações particulares no interior dessas classes A sociedade burguesa moderna que surgiu do declínio da sociedade feu dal não aboliu os antagonismos de classes Limitouse a estabelecer no vas classes novas condições de opressão novas formas de luta em lugar das anteriores A nossa época a época da burguesia caracterizase porém por ter sim plificado os antagonismos de classe Toda a sociedade está se dividindo cada vez mais em dois grandes campos hostis em duas grandes classes em confronto direto a burguesia e o proletariado As armas que a burguesia empregou para abater o feudalismo voltam se hoje contra a própria burguesia Mas a burguesia não se limitou a forjar apenas as armas que lhe trarão a morte produziu também os homens que empunharão essas armas os operários modernos os proletários Todas as sociedades até hoje existentes assentaram como vimos no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas Mas para oprimir uma classe é necessário assegurarlhe ao menos as condições mínimas em que possa ir arrastando a sua existência servil O servo da gleba sem deixar de ser servo chegou a membro da comuna da mesma forma que o pequenoburguês sob o absolutismo feudal chegou a grande burguês O operário moderno ao contrário longe elevarse com o desen volvimento da indústria afundase cada vez mais indo abaixo das condi ções de sua própria classe O operário passa a indigente e a indigência cresce mais rapidamente que a população e a riqueza Tornase evidente que a burguesia é incapaz de continuar a ser por muito mais tempo a clas se dominante e impor à sociedade como lei suprema as condições de existência da sua classe A condição essencial para a existência e o domínio da classe burgue sa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares a formação e a multiplicação do capital a condição do capital é o trabalho assalariado O trabalho assalariado baseiase exclusivamente na concorrência entre os operários O progresso da indústria de que a burguesia é portadora indi ferente e involuntária substitui o isolamento dos operários resultante da concorrência pela sua união revolucionária resultante da associação O desenvolvimento da grande indústria assim retira da burguesia a própria base sobre a qual assentou o seu regime de produção e apropriação A burguesia produz sobretudo os seus próprios coveiros A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis 1998 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade Claretiano Centro Universitário 97 U5 Filosofia Política na Modernidade 1 Como pensar o conceito de política para kant 2 Como pensar o conceito de política para Hegel 3 É possível conciliar fim da história e estado final de paz 9 CONSIDERAÇÕES Estudamos nesta unidade a Filosofia Política na Moderni dade Na próxima unidade ficaremos com a Filosofia Política na Contemporaneidade quando conheceremos os pensamentos de Arendt Foucault e Habermas a respeito da política 10 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Immanuel Kant 17241804 Disponível em httpwwwsubstantivoplural combrbacteriascamerasekant Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 Disponível em httpasttok wikispacescomBiographicalinformation Acesso em 26 jun 2012 11 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS BOBBiO N Teoria geral da política a filosofia política e as lições dos clássicos Tradução de Daniela Beccaccia Versani Rio de Janeiro Campus 2000 Estado governo sociedade para uma teoria geral da política Tradução de Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 BORON A A Org Filosofia política moderna de Hobbes a Marx Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales São Paulo USP 2006 BRANDãO G M Hegel o Estado como realização histórica da liberdade in WEFFORT F C Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 CHâTELET F DUHAMEL O PiSiERkOUCHNER E História das idéias políticas Tradução de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 CONSTANT B Escritos de política Tradução de Eduardo Brandão São Paulo Martins Fontes 2005 Cours de politique constitutionnelle New York Arno Press 1979 v 2 3 DUSO G Org O poder história da filosofia política moderna Tradução de Andrea Ciacchi Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi Petrópolis Vozes 2005 Filosofia Política 98 HEGEL G W F Princípios da filosofia do direito Tradução de Orlando Vittorino São Paulo Martins Fontes 1997 kANT i A paz perpétua e outros opúsculos Tradução de Artur Morão Lisboa Edições 70 1995 Doutrina do direito Tradução de Edson Bini São Paulo ícone 1993 MARx k ENGELS F Manifesto do Partido Comunista Prólogo de José Paulo Netto São Paulo Cortez 1998 RAMOS C A Liberdade subjetiva e Estado na filosofia política de Hegel Curitiba Editora da UFPR 2000 TERRA R R A política tensa idéia e realidade na filosofia da história de kant São Paulo iluminuras 1995 TOCqUEViLLE A A democracia na América in Federalistas Tradução de J A G Albuquerque São Paulo Abril Cultural 1973 Coleção Os pensadores O antigo regime e a revolução Tradução de Yvonne Jean Brasília Editora Universidade de Brasília 1982 WEFFORT F C Org Os clássicos da política Maquiavel Hobbes Locke Montesquieu Rousseau O Federalista São Paulo ática 2000 v 1 Os clássicos da política Burke kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx São Paulo ática 2002 v 2 EAD 6 Filosofia Política Contemporânea 1 OBJETIVOS Compreender o desenvolvimento da Filosofia Política na contemporaneidade Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política identificar os desafios que atualmente envolvem a refle xão filosófica sobre a política e a sua prática 2 CONTEúDOS Hannah Arendt Michel Foucault Jürgen Habermas Texto complementar Claude Lefort Texto complementar Norberto Bobbio Filosofia Política 100 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Lembrese de que há muitas maneiras de pensar o con ceito de política As questões autoavaliativas que se guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes 2 Lembrese de que embora o ato de aprender seja soli tário a interação com os seus colegas pode ser de fun damental importância para a troca de informações para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo 3 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos cotejandoos com o mate rial didático apresentado 4 Antes de iniciar os estudos de cada unidade pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão Ainda que sites de caráter genérico tais como os enci clopédicos estejam muito aquém de suas necessidades eles podem auxiliar neste aspecto 5 Uma prática reflexiva integral englobando leitura aten ta pesquisa bibliográfica e hábito de questionamento estes são alguns dos atributos que você precisa adqui rir e cultivar Cabe ressaltar que cada exercício realiza do representa um momento em que você exercita o seu poder de compreensão e análise de conceitos de inter pretação de textos e de síntese seu senso crítico suas habilidades interpessoais 4 INTRODUÇÃO à UNIDADE Na Unidade 5 abordamos os principais pensamentos filosó ficos relacionados à política na Modernidade Dentre os principais pensadores da política moderna destacamos immanuel kant a paz perpétua e Friedrich Hegel a realização da razão universal Claretiano Centro Universitário 101 U6 Filosofia Política Contemporânea Agora procuraremos entender como se desenvolveu a Filosofia Política na contemporaneidade Como encontrar um fundamento seguro no terreno ainda movediço da filosofia contemporânea especialmente no que con cerne ao seu pensamento político Podemos visualizar nesse con texto uma profícua e desconjunta série de tentativas destinadas não somente a dialogar com a tradição e oferecer novas leituras para textos que se tornaram clássicos mas a diagnosticar a realida de política atual pensar novas soluções para questões persisten tes arriscar previsões entender a relação entre teoria e prática A tarefa de elaborar uma lista dos filósofos que precisam ser lidos envolve um risco muito grande na medida em que se pode escolher arbitrariamente uns em detrimento de outros e deixar de citar nomes de relevância para o cenário da história da Filosofia Política Os autores citados a seguir aparecem aqui para motivar um início de leitura Do início do século 20 não podemos esquecer as contribui ções de Max Weber na vertente do pensamento sociológico ou de Hans kelsen e Carl Schmitt no confronto que reavalia teorias do direito e da justiça Nem as diferentes perspectivas ligadas a fontes do pensamento marxista tais como as encampadas por Lukács Gramsci e Althusser ou por importantes pensadores liga dos à Escola de Frankfurt tais como Horkheimer e Adorno e numa linha menos próxima Benjamin e Marcuse Seria de bom alvitre ainda conhecer os recentes e díspares esforços de karl Popper com A sociedade aberta e seus inimigos John Rawls com sua Teoria da Justiça e Claude Lefort com suas reflexões sobre totalitarismo e democracia Ou as recentíssimas intervenções de Antonio Negri e Michael Hardt com Império na tentativa de oferecer oposição ao processo de globalização capita lista e Giorgio Agamben com o original diagnóstico da realidade que identifica o estado de exceção como paradigma do político moderno Filosofia Política 102 Vamos então apontar três nomes mostrando como o complexo do quadro atual pode gerar diferentes leituras Arendt Foucault e Habermas Ao final indicamos dois textos complementares O primeiro de Claude Lefort sobre a remanescente tarefa da Filosofia Política o pensar das relações entre democracia e totalitarismo e o segundo de Norberto Bobbio sobre a democracia e as esperanças que restam 5 hANNAh ARENDT Entre os principais expoentes da Filosofia Política contemporânea reservamos um lugar para Hannah Arendt A sua obra não somente tenta responder aos escândalos e vicissitudes do nosso tempo encarandoos diretamente e sem receio de ser por isso desqualificada como oferece uma nítida contribuição à reflexão filo sófica engajada em encontrar alternativas do pensamento para os dias atuais Para aqueles que presenciaram os acontecimentos do sécu lo 20 não é possível iniciar qualquer reflexão filosófica ignorando o terror das experiências políticas pelas quais passou o universo planetário As duas grandes guerras e o colapso político arranca ram teóricos protegidos por castelos e os levaram a reavaliar os fundamentos do mundo conhecido Para aqueles inseridos no co ração dos acontecimentos que consumaram o fim da história será urgente compreender o totalitarismo Hannah Arendt esteve muito próxima dos eventos que mar caram o século Como alemã e filha de uma família judia viveu sob a forte impressão de um conflito que se iniciava dentro de sua própria casa suprimindo qualquer exigência de privacidade em face da penetração pública das ideologias vicinais Tendo conclu ído seus estudos em Teologia e Filosofia na universidade alemã teve vedado o acesso ao ensino na mesma universidade pela sua Figura 1 Hannah Arendt 19061975 Claretiano Centro Universitário 103 U6 Filosofia Política Contemporânea condição indesejável Para escapar do Terceiro Reich precisou mi grar para os Estados Unidos onde permaneceu por toda a vida impressionada pela experiência do totalitarismo espelhada tanto pela vertente nazista quanto pela soviética Arendt escreve um grosso volume reunindo dados históricos e fecunda reflexão filosófica A ele dá o título de Origens do totalitarismo As suas páginas permitem ao leitor compreender a gênese de ideologias nutridas pelo antissemitismo e pelo imperialismo e os traços de um movimento sem precedentes O totalitarismo não pode ser visto como um acontecimento previsível embora tenha como fonte certos produtos da cultura ocidental tais como o racismo e o nacionalismo Há traços da ex periência totalitária nunca contemplados os regimes totalitários eliminam a possibilidade da ação humana Por meio do funciona mento de uma máquina burocrática digna do imaginário fabuloso de um refinado processo de massificação da comunidade humana e do descarte da experiência pessoal o totalitarismo enquanto movimento que engendra o domínio total abole a individualidade e a liberdade suprimindo o espaço público e colocando a esfera privada sob constante suspeita Os sistemas totalitários diferem de outros sistemas de dominação surgidos ao longo da história hu mana porque não visam somente à maximização do poder sobre os homens eles têm como finalidade a fabricação de uma huma nidade específica A eliminação da individualidade e da liberdade é tática criar uma massa para convertêla em outra massa Para isso o totalitarismo utilizase de mecanismos já conhe cidos pela experiência política mas agora tomados de um novo ângulo valorativo tais como a propaganda e o terror Como adular as massas como minar qualquer chance de reação A ideologia que o alimenta quer convencer que toda medida adotada obedece aos ditames de uma ordem estrita inescusável há forças do desti no que conduzem a história da humanidade e o seu curso se deter mina pela obediência a uma lei natural inevitável Filosofia Política 104 O diagnóstico não é encorajador Não obstante mesmo ten do como pano de fundo esse horizonte cinzento Hannah Arendt não se limita ao diagnóstico da experiência totalitária Após o co lapso da história humana pelo evento totalitário resta uma tarefa aos pensadores recuperar o sentido da política e o estatuto da ação humana O poder costumeiramente concebido como instru mento de dominação pode ser realizado na experiência de resis tência ou na fundação democrática da convivência Arendt confia na capacidade humana de inaugurar algo novo A conclusão de Origens do totalitarismo traz a seguinte passagem A crise do nosso tempo e a sua principal experiência deram origem a uma forma inteiramente nova de governo que como potenciali dade e como risco sempre presente tende infelizmente a ficar co nosco de agora em diante como ficaram a despeito das derrotas passageiras outras formas de governo surgidas em diferentes mo mentos históricos e baseadas em experiências fundamentais mo narquias repúblicas tiranias ditaduras e despotismos Mas permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo esse começo é a pro messa a única mensagem que o fim pode produzir O começo antes de tornarse evento histórico é a suprema capacidade do homem politicamente equivale à liberdade do homem o ho mem foi criado para que houvesse um novo começo disse Agosti nho Cada novo nascimento garante esse começo ele é na verda de cada um de nós 1989 O processo de recuperação da dignidade da política passa pela análise da condição humana e pelo exame minucioso do seu espírito O homem por meio de sua ação política possui sempre a capacidade de iniciar algo novo A vida do homem não se resu me no seguimento do fluxo nem somente no trabalhar para o seu sustento e no consumir para garantir o mínimo de sobrevivência O homem possui ele próprio uma dignidade política e ao exercêla por meio da ação e do discurso singulariza sua existência e interfe re positivamente na realidade Lemos no quinto capítulo de A condição humana Na ação e no discurso os homens revelam quem são revelam ativa mente suas identidades pessoais e singulares e assim apresentam se ao mundo humano Claretiano Centro Universitário 105 U6 Filosofia Política Contemporânea Esta qualidade reveladora do discurso e da ação vem à tona quando as pessoas estão com outras isto é no simples gozo da convivência humana Dada a tendência intrínseca de revelar o agente jun tamente com o ato a ação requer para sua plena manifestação a luz intensa que outrora tinha o nome de glória e que só é possível na esfera pública 2004 Na recuperação da dignidade política a categoria da ação humana possui um papel nuclear e germinal Toda a obra de Arendt parece a ela afluir ainda que escritos posteriores permitam perceber novos aspectos de seu pensamento A mediação entre ação e política pode ser realizada pela reavaliação da faculdade do juízo na valorização da pluralidade da opinião e da publicidade do querer a capacidade humana de dizer não de escolher e resistir mesmo que sob o efeito de coerção e do fazer há uma parcela da realidade sujeita à intervenção humana O esforço de Hannah Arendt conjuga política e afirmação da liberdade humana Precisamos saber se a transformação da reali dade ainda está em poder dos homens O que podem os homens diante dos cenários adversos do nosso tempo Veja a seguir um pequeno trecho do final do quinto capítulo de A condição humana Fluindo na direção da morte a vida do homem arrastaria consigo inevitavelmente todas as coisas humanas para a ruína e a destrui ção se não fosse a faculdade humana de interrompêlas e iniciar algo novo faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens embora devam morrer não nascem para morrer mas para começar 2004 6 MIChEL fOUCAULT A Filosofia Política contemporânea vem assistindo à transladação da pura imposição descendente do poder soberano à criação de uma malha de relações de poder em cuja tra ma a vida se prende O poder antes emanado de um único e claro ponto de irradiação se faz sentir nas relações cotidianas algumas ve Figura 2 Michel Foucault zes pode um cidadão buscar participar politi 19261984 Filosofia Política 106 camente da organização da comunidade em que vive e ver seus esforços minarem sem auferir qualquer resultado sem ao menos saber onde sua ação se perdeu Fora dos esquemas delimitados através de séculos por uma tradição filosófica Michel Foucault encara o desafio de pensar no vamente o estatuto do poder político O poder deixa então de ser um atributo do soberano ou da elaboração e aplicação da lei uma propriedade que pode ser adquirida e cedida para se tornar um exercício difuso no corpo social As instituições que aparecem sob o verniz da centralização do poder são não o início mas o acaba mento das relações de poder disseminadas na sociedade O projeto do filósofo francês manifestase de modo bem de finido em Soberania e disciplina texto inserido no conjunto Micro física do poder Tratase ao contrário de captar o poder em suas extremidades em suas últimas ramificações lá onde ele se torna capilar captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais princi palmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam ele se prolonga penetra nas instituições corporificase em técnicas e se mune de instrumentos de interven ção material eventualmente violento FOUCAULT 1979 p 182 Foucault não compreende poder como um sistema comple to de dominação em que fácil seria visualizar uma fonte única da qual ele emanaria O poder é exercido a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis no interior da sociedade organizada As relações de poder não são ditadas uniformemente por uma superestrutura elas são integradas aos processos eco nômicos relações de conhecimento discursos de sexualidade construção de casas de detenção e desempenham aí um papel produtor Encontramos em Microfísica do poder numa entrevista intitulada como Verdade e poder a seguinte passagem O que faz com que o poder se mantenha e seja aceito é simples mente que ele não pesa só como uma força que diz sempre não mas que de fato ele permeia produz coisas induz ao prazer forma saber produz discurso FOUCAULT 1979 p 8 Claretiano Centro Universitário 107 U6 Filosofia Política Contemporânea Foucault percebe a cumplicidade que pode haver entre saber e poder há uma conexão silenciosa entre produção de saberes e estratégias do poder entre poder e instituições entre poder e prá ticas disciplinares resta investigar se não há uma matriz comum en tre história das ciências humanas e história do direito penal indo mais além trilhando a analítica das relações de poder na sociedade contemporânea o filósofo francês levanta a hipó tese segundo a qual política e guerra não consistiriam em duas estratégias diametralmente opostas política em tempos de paz e guerra podem estar mais próximas do que se imagina e prontas a se transformar uma na outra Lemos em Genealogia e poder texto que compõe a obra já citada Se é verdade que o poder político acaba a guerra tenta impor a paz na sociedade civil não o faz para suspender os efeitos da guerra ou neutralizar os desequilíbrios que se manifestam na batalha fi nal mas para reinscrever perpetuamente estas relações de força através de uma espécie de guerra silenciosa nas instituições e nas desigualdades econômicas na linguagem e até no corpo dos indiví duos FOUCAULT 1979 p 176 Foucault quer estar atento à pluralidade das relações de do minação ao jogo das relações de força e à efusão das micropena lidades que planejam adestrar corpos e palavras na complexidade da sociedade política atual Nessa linha de pensamento o filósofo vai dizer que o que interessa à classe burguesa que ascende a partir da Revolução Francesa e permanece até hoje com o papel dominante é desco brir como as técnicas de exclusão podem ser vantajosas política ou economicamente lucrativas De modo a distender estruturas de poder menos ruidosas certos mecanismos vão sendo criados e o poder soberano dá lugar ao poder disciplinar Surge uma nova economia do poder Este novo tipo de poder que não pode mais ser transcrito nos ter mos da soberania é uma das grandes invenções da sociedade bur guesa Ele foi um instrumento fundamental para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correspon dente este poder não soberano alheio à forma da soberania é o poder disciplinar FOUCAULT 1979 p 188 Filosofia Política 108 Uma extensa cadeia de vigilância permite um minucioso sis tema de controle e coerções O poder disciplinar mais adaptado às exigências do regime democrático ocupa o lugar do poder sobera no cru mas este não desaparece inteiramente na medida em que a teoria da soberania permanece como ideologia e como princípio organizador dos grandes códigos jurídicos isto por dois motivos de acordo com a argumentação do filósofo francês primeiro por que dita teoria persiste como um valoroso argumento de oposição contra a monarquia e os obstáculos que ela poderia impor ao pro gresso segundo porque a citada teoria permite camuflar técnicas de dominação recobrindoas de legitimidade plasmada num siste ma perfeito de direito Os sistemas jurídicos teorias ou códigos permitiram uma de mocratização da soberania através da constituição de um direito público articulado com a soberania coletiva no exato momento em que esta democratização fixavase profundamente através dos mecanismos de coerção disciplinar FOUCAULT 1979 p 188189 Poder e liberdade não se excluem implicamse reciproca mente Para que a assimetria da relação de poder se mantenha sua tensão não deve eliminar a possibilidade de ação do polo su bordinado uma vez que poder só pode ser propriamente exercido sobre o que se apresenta como livre Por isso os pontos de resis tência atualizam o poder seja pela confirmação institucional seja pela polarização da revolução 7 JüRGEN hABERMAS Herdeiro da Escola de Frankfurt aliado à crítica do Positivismo Habermas procede à análise do desenvolvimento da sociedade in dustrial e da crise de legitimidade do capitalis mo tardio Caberia ainda aos filósofos enfrentar certas questões persistentes da política con temporânea sem ignorar os fatos históricos e sem criar um fosso entre teoria e prática dian te do avanço cada vez maior da racionalidade Figura 3 Jürgen Habermas 1929 Claretiano Centro Universitário 109 U6 Filosofia Política Contemporânea científica em todos os âmbitos da vida social inclusive quanto às técnicas governamentais Entretanto ao longo de sua vida acadêmica Habermas vai paulatinamente deslocando a problemática marxista para a abor dagem do uso social da linguagem e da noção de comunicação Partindo de uma combinação entre teoria sociológica e filosofia da linguagem Habermas propõese a discutir as condições de legi timação das relações éticas e sociais no contexto da sociedade do século 20 privilegiando os pressupostos de possibilidade da ação comunicativa Habermas está consciente nesse ínterim da impor tância de superar a oposição entre filosofia e ciência e criar novas bases para o interlúdio com as ciências sociais Na esteira de uma crítica ao saber absoluto da metafísica a teoria habermasiana busca destranscendentalizar a razão a fim de trazê la ao chão do mundo vivido e às condições concretas e contingen tes da prática sem perder entretanto o horizonte das idealizações inevitáveis e necessárias que se abre em cada ato de fala realizado argumentativamente Finalmente será crucial a explosão do clás sico primado da teoria frente à prática Esse processo é acolhido dentro da teoria do agir comunicativo não nos termos de uma li quidação da pretensão racional do pensamento filosófico e sim de um encolhimento dos seus papéis tradicionais à filosofia não cabe mais o papel de indicador de lugar relativo às ciências e nem o de juiz frente à cultura mas ela pode e deve assumir o posto de coo peradora das ciências e de intérprete trazendo para o horizonte do mundo vivido realimentandoo através da linguagem argumenta tiva da crítica as estruturas de pensamento envolvidas num am biente cultural cada vez mais especializado ARAúJO in OLiVEiRA 2003 p 216 Habermas toma como premissa para a sua teoria do agir co municativo que a observação empírica tenha a comunidade co municativa como um dado objetivo Há uma comunidade que se comunica e os participantes dos debates assumem ao iniciálo a existência de normas lógicas que viabilizam o entendimento mú tuo Pressuposto da ação seria ter por base uma realidade dia lógica forjada pela relação entre ao menos dois sujeitos capazes de falar e agir inseridos num contexto socialmente apreciável A Filosofia Política 110 existência de tal relação permite pensar uma razão comunicativa antes de uma razão que tem no sujeito o seu ambiente centrali zado e isolado A razão comunicativa seria o reflexo do confronto dos participantes da comunicação mediada pela linguagem e pela argumentação leitura que admite a fragilidade e insuficiência da razão sempre plural e desprovida de fundamento absoluto As implicações de sua teoria para a Filosofia Política são cla ras o agir comunicativo aparece como o único meio de intercom preensão e elemento de ligação entre facticidade e validade jurí dica Diz Habermas no primeiro capítulo de Direito e democracia O conceito agir comunicativo que leva em conta o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação faz com que as suposições contrafactuais dos atores que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância imediata para a cons trução e manutenção de ordens sociais pois estas mantêmse no modo do reconhecimento de pretensões de validades normativas isso significa que a tensão entre facticidade e validade embutida na linguagem e no uso da linguagem retorna no modo de integra ção de indivíduos socializados ao menos indivíduos socializados comunicativamente devendo ser trabalhada pelos participantes 1997 A linguagem exerce aí a função de promotora do agir na complexidade do mundo moderno deflagrando a articulação en tre autonomia privada e autonomia pública Pela releitura do imperativo categórico kantiano mas sob uma ótica conduzida pelo desejo de superação da perspectiva sub jetivista do agente moral Habermas elege o princípio do discurso como base possível do direito A fórmula está expressa no terceiro capítulo de Direito e democracia Serão válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingi dos poderiam dar o seu assentimento na qualidade de participan tes de discursos racionais 1997 Ou ainda Somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capa zes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito num processo jurídico de normatização discursiva 1997 Claretiano Centro Universitário 111 U6 Filosofia Política Contemporânea Uma rápida passada de olhos sobre a fórmula lapidar do princípio do discurso permite compreender a amplitude de sua ressonância política Todos os envolvidos na intenção de estabe lecer normas para a convivência entre os homens devem ter voz Vemos quão forte pode ser o vínculo que une democracia e estado constitucional Enquanto filósofo do século 20 frente ao recuo da esperança na capacidade do homem em conduzir a vida comum mas ainda confiante nos princípios da democracia por vir Habermas acredita num projeto de modernidade que se caracteriza entre outra coisas por uma avaliação positi va ainda que crítica da racionalidade e de seus progressos por uma defesa clara da democracia como forma madura de resolu ção dos conflitos e finalmente pela convicção inabalável de que as questões normativas são suscetíveis de discussão argumentativa ARAúJO in OLiVEiRA 2003 p 223 8 TExTOS COMPLEMENTARES Texto 1 Claude Lefort Pensando o político ensaios sobre democracia revolução e liberdade A questão da democracia Gostaria agora de chamar a atenção para o que significa repensar o polí tico em nosso tempo A emergência do totalitarismo tanto na variante fascista presentemente destruída mas sobre a qual nada nos permite dizer que não reaparecerá no futuro quanto na variante que se acoberta sob o nome de socialismo cujo sucesso só ganhou em extensão colocanos na posição de reinterro gar a democracia Contrariamente à opinião difundida o totalitarismo não resulta de uma transformação do modo de produção Inútil demonstrálo a partir do caso do fascismo alemão ou italiano que se adaptou à ma nutenção de uma estrutura capitalista seja qual for a mudança ocorrida com o recrudescimento da intervenção do Estado na economia O to talitarismo moderno surgiu de uma mutação política mutação de ordem simbólica que atesta da melhor maneira possível a mudança de esta tuto do poder Nos fatos um partido se eleva apresentandose com uma natureza diferente da dos partidos tradicionais como portador de todas as aspirações do povo e detentor de uma legitimidade que o coloca acima das leis ele toma o poder destruindo todas as oposições o novo poder não tem de prestar contas a ninguém subtraindose a todo controle legal Mas pouco importa para o nosso propósito o desenrolar dos acontecimentos interessamme os traços mais característicos da nova forma de sociedade Operase uma condensação entre a esfera do poder a esfera da lei e a es Filosofia Política 112 fera do saber O conhecimento dos fins últimos da sociedade das normas que regem as práticas sociais tornase propriedade do poder ao passo que esse poder mostrase como órgão de um discurso que enuncia o real enquanto tal O esquema até agora apenas esboçado já permite reexaminar a demo cracia A partir do conteúdo do totalitarismo é que a democracia ganha um novo relevo mostra que é impossível reduzila a um sistema de insti tuições Aparece por sua vez como uma forma de sociedade e a tarefa que se impõe é compreender no que consiste sua singularidade e o que contém que permite o seu contrário isto é o advento da sociedade totali tária 1991 Texto 2 Norberto Bobbio O futuro da democracia Apelo aos valores É preciso dar uma resposta à questão fundamental aquela que ouço fre qüentemente repetida sobretudo pelos jovens tão inclinados às ilusões quanto às desilusões Se a democracia é predominantemente um con junto de regras de procedimento como pode pretender contar com cida dãos ativos Para ter os cidadãos ativos será que não são necessários alguns ideais É evidente que são necessários os ideais Mas como não darse conta das grandes lutas de idéias que produziram aquelas regras Tentemos enumerálas Primeiro de tudo nos vem ao encontro legado por séculos de cruéis guerras de religião o ideal da tolerância Se hoje existe um ameaça à paz mundial esta vem ainda uma vez do fanatismo ou seja da crença cega na própria verdade e na força capaz de impôla Inútil dar exemplos podemos encontrálos a cada dia diante dos olhos Em segundo lugar temos o ideal da nãoviolência jamais esqueci o ensinamento de Karl Popper segundo o qual o que distingue essencialmente um governo de mocrático de um nãodemocrático é que apenas no primeiro os cidadãos podem livrarse de seus governantes sem derramamento de sangue As tão freqüentemente ridicularizadas regras formais da democracia intro duziram pela primeira vez na história as técnicas de convivência desti nadas a resolver os conflitos sociais sem o recurso à violência Apenas onde essas regras são respeitadas o adversário não é mais um inimigo que deve ser destruído mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar Terceiro o ideal da renovação gradual da sociedade através do livre debate de idéias e da mudança das mentalidades e do modo de viver apenas a democracia permite a formação e a expansão das revoluções silenciosas como foi por exemplo nessas últimas décadas a transformação das relações entre os sexos que talvez seja a maior revolução dos nossos tempos Por fim o ideal da irmandade a fraternité da revolução francesa Em nenhum país do mundo o método demo crático pode perdurar sem tornarse um costume Mas pode tornarse um costume sem o reconhecimento da irmandade que une todos os homens num destino comum Um reconhecimento ainda mais necessário hoje Claretiano Centro Universitário 113 U6 Filosofia Política Contemporânea quando nos tornamos a cada dia mais conscientes deste destino comum e deveríamos por aquele pequeno facho de razão que clareia nosso caminho agir de modo conseqüente 2000 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como pensar o conceito de política para Arendt 2 Como pensar o conceito de política para Foucault 3 Como pensar o conceito de política para Habermas 4 quais os principais desafios do pensamento político hoje 5 Como compreender os avanços e os desafios da experiência democrática brasileira 10 CONSIDERAÇÕES fINAIS Não são poucas as angústias que acometem àqueles que de cidem se enveredar pelos caminhos da Filosofia Política As ques tões que logo se interpõem não dizem respeito unicamente à lei tura da história ou à interpretação das apropriações históricas dos dispositivos políticos tais questões interferem no modo como vi vemos em sociedade e determinam todo o invólucro da existência A Filosofia Política deve enfrentar com afinco os desafios que lhe são propostos Há questões de suma importância para os dias de hoje qual a natureza e a finalidade dessa estrutura que continu amos chamando de Estado Seria possível ventilar a hipótese de uma sociedade organizada para além das instituições estatais Se ria possível reavaliar o conceito de soberania Filosofia Política 114 quais as relações entre direitos individuais e direitos insti tuídos juridicamente há equivalência ou dessimetria entre eles Seria possível reavaliar o conceito de cidadania qual a melhor forma de governo qual o melhor regime de governo Como estreitar os laços da representação política de modo a garantir uma maior participação de todos qual o papel dos novos atores globais na persecução dos objetivos coletiva mente definidos Pode existir paz sem justiça Ainda podemos falar em justiça insatisfeitos com os rumos da política do nosso tempo preo cupados com a exigência de transformar a sociedade em que vive mos e tornar o mundo habitável para todos muitos acreditam que uma revolução seja a única solução possível outros acreditam na recuperação e revalorização das instituições democráticas Pode mos optar pelo caminho que melhor preencher nossas expectati vas O que não podemos é ficar indiferentes 11 ereferênCias Lista de figuras figura 1 Hannah Arendt 19061975 Disponível em httphannaharendtwordpress comgaleriadefotosharendthannaharendtbyfredstein Acesso em 26 jun 2012 figura 2 Michel Foucault 19261984 Disponível em httpwwwdialogocomosfilosofos combr201003michelfoucault Acesso em 26 jun 2012 figura 3 Jürgen Habermas 1929 Disponível em httpafilosofianosapopt habermas1htm Acesso em 26 jun 2012 12 REfERêNCIAS BIBLIOGRÁfICAS AGAMBEN G Homo sacer o poder soberano e a vida nua Tradução de Henrique Burigo Belo Horizonte Ed UFMG 2002 Estado de exceção Tradução de iraci D Poleti São Paulo Boitempo 2004 ARENDT H Origens do totalitarismo Tradução de Roberto Raposo São Paulo Companhia das Letras 1989 Claretiano Centro Universitário 115 U6 Filosofia Política Contemporânea A condição humana Tradução de Roberto Raposo Rio de Janeiro Forense Universitária 2004 BOBBiO N O futuro da democracia Tradução de Marco Aurélio Nogueira São Paulo Paz e Terra 2000 BORON A A Org Filosofia política contemporânea controvérsias sobre civilização império e cidadania Buenos Aires Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales São Paulo USP 2006 DELACAMPAGNE C História da filosofia no século 20 Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 A filosofia política hoje idéias debates questões Tradução de Lucy Magalhães Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 DUSO G Org O poder história da filosofia política moderna Tradução de Andrea Ciacchi Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tosi Petrópolis Vozes 2005 FOUCAULT M História da sexualidade a vontade de saber Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J A Albuquerque Rio de Janeiro Graal 1988 Microfísica do poder Tradução de Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 1979 Em defesa da sociedade Tradução de Maria Ermantina Galvão São Paulo Martins Fontes 2000 HABERMAS J The theory of communicative action Tradução de Thomas McCarthy Cambridge Polity Press 1987 v 2 Consciência moral e agir comunicativo Tradução de Guido A de Almeida Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1989 Direito e democracia entre facticidade e validade Tradução de Flávio Beno Siebeneichler Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1997 LEFORT C A invenção democrática os limites da dominação totalitária Apresentação de Marilena Chauí Tradução de isabel Marva Loureiro São Paulo Brasiliense 1983 Pensando o político ensaios sobre democracia revolução e liberdade Tradução de Eliana M Souza Rio de Janeiro Paz e Terra 1991 OLiVEiRA M AGUiAR O A e SAHD L F N A S Orgs Filosofia política contemporânea Petrópolis Vozes 2003 WEBER M A política como vocação in Ensaios de sociologia Tradução de Waltensir Dutra Rio de Janeiro Zahar Editores 1971 WEiL E Filosofia política Tradução de Marcelo Perine São Paulo Loyola 1990