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Direito ·

Processo Penal

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Carnelutti Francesco As misérias do processo penal Francesco Carnelutti tradução da versão espanhola do original italiano por Carlos Eduardo Trevelin Millan 2 tiragem São Paulo Editora Pillares 2009 Título original Le miserie del processo penale ISBN 9788581830261 1 Processo penal I Título 065995 CDU3411 Índices para catálogo sistemático 1 Processo penal Direito penal 3411 Copyright 2009 by Editora Pillares Ltda Conselho Editorial Armando dos Santos Mesquita Martins Gaetano Dibenedetto Ivan de Oliveira Silva Ivo de Paula José Maria Trepat Cases Luiz Antonio Martins Wilson do Prado Revisão Daniela Medeiros Gonçalves Editoração e capa Triall Composição Editorial Ltda Produção do ebook Schäffer Editorial Editora Pillares Ltda Rua Santo Amaro 586 Bela Vista Telefones 11 31015100 31056374 CEP 01315000 Email editorapillaresigcombr Site wwweditorapillarescombr TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo especialmente por sistemas gráficos microfílmicos fotográficos reprográficos fonográficos videográficos Vedada a memorização eou a recuperação total ou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados Essas proibições aplicamse também às características gráficas da obra e a sua editoração A violação dos direitos autorais é punível como crime art 184 e parágrafos do Código Penal cf Lei no 106952003 com pena de prisão e multa conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas Lei no 9610 de 190298 Prefácio A Voz de São Jorge parte do Centro de cultura e civilização da Fundação Giorgio Gini que tem sua sede em Veneza cidade maravilhosa nessa ilha situada defronte da praça de São Marcos e do Palácio Ducal os quais as arquiteturas de Buora de Palladio e de Longhena hoje ressurgidas em seu antigo esplendor têm circundado de tanta maravilha O Centro propõese a fazer servir a cultura à civilização ou seja em simples palavras o saber à bondade Deveria ser este o destino do saber mas nem sempre as coisas seguem como deveriam Também o saber para dar o exemplo da energia atômica pode servir ao bem como ao mal ou fazer com que os homens passem a ser piores ou melhores ou fazer com que possa levantar a cabeça em atitude de soberba ou inclinála em ato de humildade O que para tal objetivo deverseia fazer neste ano é pensar algo em torno do processo penal Um tema científico à primeira vista pouco adequado para uma conversação com o grande público o qual especialmente na rádio tem vontade de se divertir Mas aqui está precisamente o cerne da questão em tema de civilização Divertirse quer dizer escapar da vida cotidiana a qual é tão monótona tão difícil tão amarga que faz com que resulte irresistível a necessidade de evasão Não estou fora da realidade ao extremo de não reconhecer ou de não experimentar esta modesta necessidade Porém existe outra saída para evadirse além da diversão É a saída oposta diz o provérbio que os extremos se tocam Esta saída é o recolhimento Ao final de tudo não há evasão mais completa que a prece que é a forma esquisita de recolhimento Muitas pessoas não o sabem porque não o provam Mas aqueles que têm experimentado o consolo da prece sabem o que se tem de pensar a respeito da diversão e do recolhimento Um pouco em todos os tempos porém na época atual cada vez mais interessa o processo penal à opinião pública Os jornais ocupam uma boa parte de suas páginas com a crônica dos delitos e dos processos Quem os lê tem consigo a impressão de que neste mundo se produzem muito mais delitos do que boas ações O que ocorre é que os delitos assemelhamse às papoulas que quando há uma em um campo todos se dão conta dela e as boas ações se ocultam como as violetas entre as ervas do prado Se os jornais se ocupam com tanta assiduidade dos delitos e dos processos penais é porque a gente se interessa muito por eles sobre os processos penais chamados célebres lançase avidamente a curiosidade do público E é também esta uma forma de diversão evadese da própria vida ocupandose da vida das demais pessoas e a preocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto de drama O mal é que se assiste ao processo da mesma maneira que se goza do espetáculo num cinema o qual pelo mais imita com muita frequência tanto o delito como o correspondente processo Contudo posto que a atitude do público a respeito dos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha há um tempo a multidão diante dos gladiadores que combatiam no circo e todavia tem em certos países do mundo diante das corridas de touros o processo penal não é infelizmente outra coisa senão uma escola de incivilidade O que com estes colóquios se desejaria é fazer do processo penal um motivo de reflexão em lugar de diversão Não vale opôr a isto o fato de que em torno desse processo reúnemse os homens da ciência e que nada tem a fazer o público em geral Os juristas é certo estudamno e todavia deveriam estudálo melhor para conseguir que seu mecanismo delicado como nenhum outro aperfeiçoese este é um problema com muito mais semelhança do que aquela que se supõe a respeito dos problemas de mecânica que os engenheiros resolvem e também dessa semelhança as pessoas deveriam se dar conta Contudo posto que o público também se interessa pelo processo penal fazse necessário que não o confundam com um espetáculo cinematográfico ao qual se assiste para alcançar emoções Poucos aspectos da vida social afetam tanto como este a civilização Não é a primeira vez que me ocorre advertir que a civilização com palavras muito simples que raras vezes se leem nos livros porque os homens infelizmente são e querem ser ainda mais terrivelmente complicados não é outra coisa senão a capacidade dos homens de amaremse e por isso de viver em paz Muito bem o processo penal é uma pedra de toque da civilização não só porque o delito com tintas mais ou menos fortes é um drama da inimizade e da discórdia mas também porque representa a relação entre quem o tenha cometido ou se diz têlo cometido e aqueles que assistem a ele A propósito dos exemplos recordados fazse uma pausa é necessário refletir acerca do que ocorria nas arenas do Circo Máximo nos tempos de Roma ou que ocorre todavia nas praças dos touros da Espanha do México ou do Peru Pensava nisto num dia de setembro passado durante a projeção de um filme mexicano no qual estava admiravelmente representado o estado de ânimo do público embrutecido contra o toureiro porque não demonstrava suficiente desprezo pelo perigo quem era mais bestial o público ou o touro Aquela atitude não se pode explicar senão mediante uma separação entre quem assiste e quem atua de tal maneira que o gladiador mais que um homem é considerado uma coisa Considerar o homem como uma coisa pode haver uma fórmula mais expressiva de incivilidade No entanto é o que ocorre infelizmente em nove de cada dez vezes no processo penal Na melhor das hipóteses os que se vão ver trancados numa cela como animais no jardim zoológico parecem homens fictícios ao invés de homens de verdade E se alguém se dá conta de que são homens de verdade parece a si que se tratam de homens de outra raça ou poderíamos dizer de outro mundo Este que pensa dessa maneira não lembra quando assim sente a parábola do publicano e do fariseu e não suspeita que sua mentalidade é propriamente a do fariseu eu não sou como este O que se necessita pelo contrário para merecer o título de homem civilizado é inverter tal comportamento somente quando chegarmos a dizer sinceramente eu sou como este então seremos verdadeiramente dignos da civilização No intento de provocar esta inversão trataremos juntos de compreender o que é um processo penal Ao trabalhar dessa maneira não faço depois de tudo mais do que percorrer de novo o meu caminho Também eu como a maior parte de vocês quando era pequeno sentia a curiosidade uma vez que não fosse verdadeiramente apaixonado por este espetáculo Contarei a vocês a respeito dentro de pouco um episódio Na Universidade no entanto uma série de circunstâncias das quais compreendi mais tarde o devido significado desvioume do direito penal para o direito civil Assim durante longos anos fui um melhor civilista do que penalista também minha atividade científica se desenvolveu mais amplamente no terreno do direito civil Mas conservouse em mim uma atração secreta pelo direito e processo penal Existia uma espécie de corrente subterrânea que ao chegar a um certo ponto saía à superfície da terra Seria inadequado recordar detalhadamente todas as ocasiões que a vida me proporcionou é fato que um dia da cátedra de processo civil passei à de direito e depois à do processo penal E ocorreu o mesmo que ocorre numa montanha quando depois de um longo caminho entre as rochas alcançase o topo e se abre por fim ante os olhos o panorama iluminado pelo sol Alguém se admirou com esta comparação Não está o direito penal no vale ao invés de no topo Não é o direito da sombra ao invés do direito do solA verdade é que segundo uma admirável intuição de São Paulo nós vemos as coisas no espelho e por isso vemolas invertidas O direito penal sim é o direito da sombra mas é necessário atravessar a sombra para chegar à luz Ao menos para mim assim penso Cada um faz seu caminho e o caminho como a face de cada um é diferente do caminho dos outros Eu enquanto me dediquei a lidar com os denominados homens de bem consideravame um homem de bem e não dei um passo adiante Foi o conhecimento dos infames que me fez saber que não sou de forma alguma melhor que eles e que estes não são em absoluto piores que eu era o que necessitava para um homem como eu mais inclinado ao orgulho senão propriamente à soberba Quero dizer que também estive por muito tempo nas arenas do circo olhando de cima a baixo os gladiadores como se não fossem meus irmãos Se os que estão ali no meio arriscando a vida fossem nossos irmãos não é certo que se correria para separálos e salvá los Não poderia dizer com precisão como ocorreu e como pouco a pouco de estranhos se converteram em irmãos Mas definitivamente isso ocorreu e é o que importa Desde aquele dia abriuse diante de mim um magnífico panorama iluminado pelo sol Certamente não tenho ilusões em torno da eficácia de minhas palavras Mas não duvido que segundo o ensinamento daquele sensacional filósofo que todos deveríamos ver em Cristo mesmo querendo considerálo somente como filho do Homem as palavras são semelhantes Ainda que com minhas sementes se misture infelizmente muitas de joio algum daqueles grãos pode ser capaz de germinar Por isso sem presunção mas com devoção semeioo Não pretendo que a colheita me remunere com cem nem com sessenta nem com trinta por um Ainda que um só dos grãos germinasse não teria semeado em vão Sumário Prefácio I A Toga II O Preso III O Advogado IV O Juiz e as Partes V Parcialidade do Defensor VI Das Provas VII O Juiz e o Imputado VIII O Passado e o Futuro no Processo Penal IX A Sentença Penal X O Cumprimento da Sentença XI A Libertação XII Fim Mais Além do Direito I A Toga A primeira coisa que impressiona aquele que se apresenta a uma sala em que se debate um processo penal é que certos homens que ali atuam vestem um uniforme uma divisa Esta tem sido a primeira impressão da justiça todavia nos anos de minha infância quando ao presenciar um certo cortejo desde as janelas do palácio que tem sua sede na Corte de apelação de Florença na rua Cavour vi sair de uma sala de aula um magistrado com toga e fiquei de boca aberta Por que os magistrados e os advogados usam a toga Não parece uma veste de trabalho como é para os médicos o avental branco Por ela se relacionar ao que têm de fazer os juízes e os defensores poderiam não se trocar ou não cobrir a vestimenta comum Há com efeito países nos quais a toga não é usada o mesmo ocorre entre nós em relação aos graus inferiores da hierarquia judicial Então de que se trata Só de um obséquio à tradição Porém por que foi estabelecida tal tradição Creio que a resposta pode vir da mesma palavra Certamente como dito a toga é uma divisa como a dos militares com a diferença de que os magistrados e os advogados a usam somente em serviço e até em certos atos do serviço particularmente solenes na França e sobretudo na Inglaterra onde a tradição se observa mais precisamente um advogado deve usála sempre dentro do palácio da justiça Perguntome por que o traje dos militares se chama divisa Divisa vem manifestamente de dividir que tem a ver com o traje militar a ideia de divisão A surpresa se desvanece imediatamente se o verbo dividir se substitui por outro mais afim discernir ou distinguir Há necessidade de se separar os militares dos civis não é certo A divisa é o signo da autoridade Teria razão para dizer que a observância das palavras nos teria orientado imediatamente na sala de justiça se exerce por excelência a autoridade compreendese que os que a exercem têm de se distinguir daqueles sobre os quais se exercem É a mesma razão pela qual também os sacerdotes vestem uma divisa e sobretudo quando celebram as funções litúrgicas usam as vestes sagradas A divisa se chama também uniforme O significado desta outra palavra parece contradizer sem dúvida a primeira posto que alude a uma união em lugar de uma divisão Mas são no fundo dois significados complementares a toga verdadeiramente como o traje militar desune e une separa os magistrados e os advogados dos profanos para unilos entre si União que observemos bem tem um grandíssimo valor União dos juízes entre si em primeiro lugar O Juiz como se sabe não é sempre um homem solitário com frequência para as causas mais graves está integrado a um colégio sem dúvida disse o juiz também quando os juízes são mais que um precisamente porque se unem um com outro como as notas que emite um instrumento se fundem nos acordes A toga dos magistrados não é pois somente o signo da autoridade mas também o da união ou seja o signo do vínculo que os liga conjuntamente Há no fundo disso uma ideia coletiva que faz o ambiente todavia mais solene Se vemos por exemplo a corte de cassação em seções conjuntas onde atuam togados ao menos quinze magistrados vemnos à mente uma reunião de frades quando cantam as Completas ou as Maitines encaixados nos bancos do coro Quem souber como opera a justiça colegiada não achará muito atrevida esta imagem do acordo e do coro O conceito do uniforme serve todavia para aclarar o motivo pelo qual vestem a toga não somente os juízes mas também o Ministério Público e os advogados Dentro de pouco cuidaremos de compreender a necessidade destas outras figuras ao lado dos juízes de qualquer forma é bem sabido de todos que eles não pertencem àqueles que julgam senão que pelo contrário também eles são julgados o acusador e o defensor ouvem o que lhes é dito ao final pelo juiz se tiveram razão ou não isto não é ser julgado Estão eles pois em relação ao juiz do outro lado da barricada Dirseia então se a toga é o símbolo da autoridade que não a deveriam usar e ainda mais se é o símbolo da união por que enquanto o acordo reina entre os juízes o desacordo pelo contrário não só separa senão que deve separar o acusador do defensor Numa palavra enquanto o juiz está ali para impor a paz o Ministério Público e os advogados estão para fazer a guerra Precisamente no processo é necessário fazer a guerra para garantir a paz Agora bem este enunciado pode conter um certo sabor de paradoxo mas chegará o momento em que poderemos apreciar a verdade dele A toga do acusador e do defensor significa que o que fazem é feito a serviço da autoridade aparentemente estão divididos mas na realidade estão unidos no esforço que cada um realiza para alcançar a justiça Em conjunto estes homens de toga dão ao processo e especialmente ao processo penal um aspecto solene Se a solenidade resulta obscurecida como desgraçadamente ocorre não poucas vezes por negligência dos advogados e dos próprios magistrados que não respeitam como deveriam a disciplina isto redunda em desprestígio da civilização No tribunal se deveria permanecer com igual devoção como na igreja Os antigos reconheciam um caráter sagrado ao imputado porque diziam estava consagrado à punição dos deuses teriam assim eles a intuição de uma verdade profunda O juízo o verdadeiro o justo juízo o juízo que não falha está somente nas mãos de Deus Se os homens no entanto colocamse na necessidade de julgar devem ter ao menos a consciência de que fazem quando julgam as vezes de Deus A afinidade entre o juiz e o sacerdote não passa despercebida nem sequer aos ateus os quais consideram o assunto como um sacerdócio civil A toga sem dúvida induz ao recato Infelizmente hoje em dia e cada vez mais por debaixo deste aspecto a função judicial se encontra ameaçada pelos perigos opostos da indiferença ou do clamor indiferença quanto aos processos menores clamor quanto aos processos célebres Naqueles a toga parece uma armadura inútil nestes se assemelha infelizmente a um disfarce teatral A publicidade do processo penal à qual corresponde não só a ideia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça como também e mais profundamente ao seu valor educativo degenerouse desgraçadamente numa situação de desordem Não somente o público que enche as salas até um limite inverossímil senão também a intervenção da imprensa que antecede e segue o processo com indevida falta de prudência e não raras vezes imprudências contra as quais ninguém ousa reagir têm destruído qualquer possibilidade de meditação para aqueles aos quais incumbe o terrível dever de acusar de defender de julgar As togas dos magistrados e dos advogados se perdem atualmente entre a multidão São cada vez mais raros os juízes que têm severidade suficiente para reprimir essa desordem Faz quase 50 anos celebrandose em Veneza um juízo por homicídio sobre o qual convergia a mórbida curiosidade de todo o mundo na sala da Corte de Assises inacreditavelmente abarrotada quando se levantou para ser interrogada surgindo da cela sua espantosa figura Maria Nicolaevna Tarnovskij e uma centena de senhoras que ocupavam os lugares reservados postas por sua vez de pé dirigiram sobre ela suas impertinências e seus olhares Ângelo Fusinato presidente insigne exclamou indignação contida amanhã este espetáculo incivil não se repetirá mais Além das medidas que ele entendeu tomar e inflexivelmente manter durante longo transcorrer do processo recordo agora como as ouvi pronunciar suas memoráveis palavras este espetáculo incivil Era o mesmo presidente o que não tolerava que um advogado não se comportasse no falar no vestir no gesto de modo adequado à dignidade de seu ofício e por outro lado quando se deu conta de decidindo uma causa civil ter cometido um erro não teve sossego até o instante em que lhe foi possível fazer pública correção Eis aqui um magistrado o qual compreendera o valor que tem o processo penal para a educação de um povo Os advogados de Veneza para comemorar seu exemplo de firmeza de dignidade de abnegação ornaram com seu busto o grande átrio superior da Corte de apelação e eu quis lembrar então sua figura para amparar sob sua proteção o que estou dizendo acerca desta mais alta experiência de civilização que deveria ser o processo penal II O Preso À solenidade para não dizer à majestade dos homens em toga contrapõese o homem na cela Nunca esquecerei a impressão que me produziu a primeira vez em que adolescente ainda entrei na sala de uma sessão penal do Tribunal de Turim Aqueles poderia dizer acima do nível do homem este por baixo deste nível trancado na cela como um animal perigoso Só pequeno ainda que seja de elevada estatura perdido ainda quando tente parecer desenvolto necessitado necessitado necessitado Cada um de nós tem suas preferências inclusive em matéria de compaixão Os homens são diferentes entre si incluindo o modo de sentir a caridade Também este é um aspecto de nossa carência Há os que concebem o pobre com a figura do faminto outros com a do vagabundo outros com a do enfermo para mim o mais pobre de todos os pobres é o preso o encarcerado Digo o encarcerado observese bem não o delinquente Digo o encarcerado como o disse o Senhor naquele famoso discurso citado no capítulo vigésimo quinto do Evangelho de São Mateus que exerceu sobre mim uma fascinação imensurável e até ontem poderia dizer cri que preso se pronunciasse como sinônimo de delinquente mas me equivocava e o equívoco foi um de tantos episódios aptos a demonstrar que nunca se meditam o bastante os discursos de Jesus O delinquente enquanto não está preso é outro ser Confesso que o delinquente me repugna em certos casos me produz horror Entre outras coisas a mim o delito o grande delito ocorreume vêlo ao menos uma vez com meus próprios olhos os que renhiam pareciam duas panteras fiquei absolutamente horrorizado e sem dúvida bastou que eu visse um dos homens que havia derrubado o outro com um golpe mortal enquanto os guardas que acudiram providencialmente colocavamno as algemas para que do horror nascesse a compaixão a verdade é que apenas algemado a fera se converteu em um homem As algemas também as algemas são um emblema do direito quem sabe pensando bem o mais autêntico de seus emblemas embora mais expressivo que a balança e a espada É necessário que o direito nos ate as mãos E precisamente as algemas servem para descobrir o valor do homem o qual é segundo um grande filósofo italiano a razão e a função do direito Quidquid latet apparebit repete ele a este respeito com o Dies irae tudo o que está oculto saltará a luz O que estava oculto na manhã em que vi um dos homens lançarse contra o outro por debaixo das aparências da fera era o homem tão logo lhe apertaram os pulsos com as correntes o homem ressurgiu o homem como eu com seu mal e com seu bem com suas sombras e com suas luzes com sua incomparável riqueza e com sua miséria espantosa Então nasceu do horror a compaixão Ora não me deixei arrastar pela literatura ao falar a propósito do delinquente do mal e do bem de sombra e de luz de miséria e de riqueza Censuraramme muitas vezes inclusive ultimamente com a ocasião de uma desditada batalha pela abolição do cárcere uma coisa que alguém define como uma ingenuidade Oxalá que o fosse A verdade é que Francisco precisamente porque interpretou Cristo melhor que nenhum outro chegou mais ao fundo que qualquer outro no abismo do problema penal Francisco só Francisco compreendeu ao beijar o leproso o que havia desejado dizer Jesus com o convite de visitar os presos Os sábios que continuam considerando a pena segundo uma fórmula famosa um mal com que se faz o delinquente sofrer pelo mal que ele fez sofrer ignoram ou esquecem o que Cristo disse a respeito do demônio que não serve para expulsar o demônio não é com o mal que se pode vencer o mal Já Virgílio antes que descesse sobre os homens a luz de Cristo havia cantado omnia vincit amor somente o amor é sempre vitorioso Não se pode fazer uma clara separação dos homens em bons e maus Infelizmente nossa curta visão não permite notar um germe do mal naqueles que se chamam bons e um germe do bem naqueles que se chamam maus E esta visão tão curta resulta de que nosso intelecto não está iluminado pelo amor Basta tratar o delinquente em vez de como uma besta como um homem para notar nele a vacilante chama do pavio luminoso que a piedade em vez de se apagar deve se reavivar Poucas vezes vi uma expressão tão sombria como a de um homicida o qual defendi há anos perante uma Corte de Assises da extrema Calábria havia matado dois homens premeditadamente disparando pelas costas dois tiros de pistola não vi naquele rosto sombreado por uma longa cabeleira de azabache nem sequer um princípio de luz Defendia juntamente com ele também o seu irmão imputado de têlo instigado a matar Na conversa que tive com ele tão logo cheguei lá embaixo tive de lhe dizer que infelizmente para ele não havia esperança que ao final se pudesse intentar com as atenuantes genéricas converter o ergástulo em trinta anos de reclusão Ele me escutou impassível depois disse não se preocupe comigo advogado não importa eu sou um homem perdido pense em salvar meu irmão que tem nove criaturas Então um raio de amor iluminou seu semblante Não era sua riqueza aquele amor fraterno que o fazia esquecer inclusive seu terrível destino A verdade é que o germe do bem em cada um de nós e não nos delinquentes somente está aprisionado Há quem tenha mais e quem tenha menos mas nenhum de nós tem todo o espaço que deveria ter Todos em uma palavra estamos na prisão uma prisão que não se vê porém que não se pode deixar de sentir Essa angústia do homem que constitui o motivo de uma corrente da filosofia moderna de grande notoriedade e de indiscutível importância não é outra coisa que o sentido da prisão Cada um de nós está aprisionado enquanto está fechado em si mesmo na solicitude por si mesmo no amor de si mesmo O delito não é outra coisa senão uma explosão de egoísmo em sua raiz o outro não conta o que conta somente é ele próprio Apenas abrindose para nós o homem poder sair da prisão E basta que se abra para nós para que entre pela porta aberta a graça de Deus Quidquid latet apparebit canta o Dies irae Poucas intuições são mais felizes que a do filósofo que expressou com este verso a eficácia do direito A cela ou as algemas dizíamos são uma insígnia do direito e por isso revelam a natureza e a desventura do homem O homem encarcerado ou o homem trancado numa cela é a verdade do homem o direito não faz mais que revelála Cada um de nós está fechado em uma cela que não se vê Nós não nos assemelhamos aos animais porque estamos na cela e sim que estamos em uma cela porque nos assemelhamos aos animais Ser homem não quer dizer não ser e sim poder não ser animal Esta capacidade é a capacidade de amar Quem teria imaginado estas coisas quando vi embora pequeno um homem encarcerado na sala sombria do Tribunal de Turim Quem imaginaria que eu ainda não teria esquecido a cena daquele homem na cela É curioso que certos fatos que parecem insignificantes incidem indelevelmente na nossa memória É um fato que ainda hoje depois de ter visto tantos o homem encarcerado tem para mim uma fascinação misteriosa É esta a experiência que me abriu a via da salvação III O Advogado Carlos Magno que é hoje um dos melhores advogados em Milão e que foi naquela Universidade um de meus discípulos mais queridos deume precisamente no dia em que deixava a cátedra de Milão pela de Roma um belíssimo desenho a lápis do pintor Mentessi que representa as mãos de um preso atadas pelas algemas Mentessi não tinha certamente uma experiência própria do problema penal no entanto aquele desenho demonstra a clarividência que são as intuições de um artista uma das mãos a esquerda caída inerte em ato de desalento a outra sobreposta volvida a palma para o alto como a do pobre que demanda a caridade Está toda a psicologia do preso naquele pequeno quadro A minha sorte foi que vi tantas vezes no decurso da vida estenderse a mim aquela mão aberta à espera da esmola As pessoas supõem o advogado como um técnico ao qual se pede uma obra pois quem a solicita não seria capaz de realizar por si supõemno no mesmo plano do médico ou do engenheiro também isto é verdade porém não é toda a verdade o resto dela se descobre sobretudo pela observação do preso O preso é essencialmente um necessitado A escala dos necessitados foi traçada naquele discurso de Cristo ao qual já tive ocasião de fazer alusão referido no capítulo vigésimo quinto de São Mateus famintos sedentos desnudos vagabundos enfermos presos uma escala que conduz da essencial necessidade física ou melhor animal à necessidade essencialmente espiritual o preso não tem necessidade de alimento nem de vestimentas nem de casa nem de remédios o único remédio para ele é a amizade As pessoas não sabem e nem sequer o sabem os juristas que o que se pede ao advogado é a esmola da amizade antes de qualquer outra coisa O próprio nome do advogado soa como um grito de ajuda Advocatus vocatus ad chamado a socorrer Também o médico é chamado a socorrer porém somente ao advogado se dá este nome isto é entrea assistência do médico e a assistência do advogado existe uma diferença a qual não advertida pelo direito é entretanto descoberta pela curiosa percepção da linguagem Advogado é aquele ao qual se pede em primeiro lugar a forma essencial da ajuda que é propriamente a amizade E também a outra palavra cliente que serve para denominar aquele que solicita a ajuda reforça esta interpretação o cliente na sociedade romana pedia proteção ao patrono também ao advogado se chama de patrono e a derivação de patrono da palavra pater projeta sobre a relação a luz da fraternidade O que atormenta o cliente e o impele a pedir ajuda é a inimizade Assim as causas civis mas sobretudo as causas penais são fenômenos de inimizade A inimizade ocasiona um sofrimento ou ao menos um dano com certos males os quais ainda mais quando não são descobertos pela dor minam o organismo por isso da inimizade surge a necessidade da amizade a dialética da vida é assim A forma elementar da ajuda para quem se encontra em guerra é a aliança O conceito da aliança é a raiz da advocacia O imputado sente a aversão de muitas pessoas contra ele algumas vezes nas causas mais graves parecelhe que contra si está todo o mundo Não é raro que enquanto o transportam à audiência seja acolhido pela multidão com um coro de imprecações não é raro que explodam contra ele atos de violência contra os quais não se torna fácil protegêlo Imaginem o estado de ânimo de Catalina Fort que quando se apresentou ante os juízes todos a chamaram de fera É necessário não só pensar nestes casos senão também se colocar na pele destes desgraçados para compreender sua terrível solidão e com isto sua necessidade de companhia Companheiro de cum pane é aquele que parte conosco o pão O companheiro se situa no mesmo plano daquele a quem faz companhia A necessidade do cliente especialmente do imputado é esta a de alguém que se coloque junto a ele no último degrau da escala A essência a dificuldade a nobreza da advocacia é esta situarse no último degrau da escala junto ao imputado As pessoas não compreendem aquilo que por outro lado sequer os juristas compreendem e riem e ridicularizam e escarnecem Não é um ofício que goze dos favores do público e do Cirineo As razões pelas quais a advocacia é objeto ainda que no campo literário e inclusive no campo litúrgico de uma difusa antipatia não são outras que esta E até Manzoni quando teve de retratar um advogado perdeu sua afabilidade e a Igreja desejou introduzir no Hino a Santo Ivo patrono dos advogados um verso injurioso As coisas mais simples são as mais difíceis de compreender Digamolo com claridade a experiência do advogado cai sob o signo da humilhação É certo que veste a toga colabora desde logo na administração da justiça porém seu posto está abaixo e não acima Ele compartilha com o imputado da necessidade de pedir e de ser julgado Está sujeito ao juiz como o está o imputado Mas precisamente por isto a advocacia é um exercício espiritualmente saudável Pesa o dever de pedir mas é proveitoso Habituase a rogar Que outra coisa é mais que um pedir a súplica A soberba é o verdadeiro obstáculo à súplica e a soberba é uma ilusão de poder Não há outra coisa melhor que a advocacia para nos curarmos de tal ilusão O maior dos advogados sabe que não pode fazer nada diante do menor dos juízes o pequenino o menor dos juízes é aquele que mais o humilha Está constrangido a chamar à porta como um pobre E nem sequer está escrito sobre a porta pulsate et aperietur vobis Não poucas as vezes chama em vão A experiência se faz mais dolorosa e mais saudável Se cria ter razão se havia estudado tanto se havia suado tanto pelo contrário É necessário conhecer estes momentos para compreender Os romanos denominavam a atividade do advogado no processo com o verbo postular Dizem os dicionários que este verbo significa pedir aquilo que tem direito a terEé istoo que agrava o peso do pedir Não deveria haver necessidade de pedir aquilo que há direito a ter Em conclusão é necessário submeter o próprio juízo a outrem ainda quando tudo permita crer que não haja razão para atribuir a outro uma maior capacidade de julgar Isto significa no plano social colocarse junto ao imputado no último degrau da escala um sacrifício mas não existe sacrifício sem benefício Por isso disse que nossa experiência é salutar O benefício se tem quando se começa a perceber na escuridão a chama do pavio flamejante Um benefício como ocorre sempre nas coisas do espírito que ao mesmo tempo se dá e se recebe se aquela pequena chama se reaviva seu calor não aquece somente a alma do cliente mas a do patrono ao mesmo tempo Pelo pouco bem que pude fazer a alguns destes infelizes foi imenso o benefício recebido deles do Senhor entendase mas por meio deles por isso que o Senhor disse que quando se dá a eles é recebido por Ele os pobres são os representantes de Deus O preso as pessoas não o sabem e menos ainda o sabe ele está faminto e sedento de amor A necessidade de amizade procede de sua desolação Quanto maior é a desolação mais profunda e fecunda é a necessidade de amizade Inconscientemente ele pede o que é indispensável a fim de que o defensor possa cumprir com seu ofício O que o defensor deve possuir diante de tudo para tanto é a compreensão do imputado não como o médico o conhecimento físico mas a compreensão espiritual Conhecer o espírito de um homem significa conhecer sua história e conhecer uma história não é somente conhecer a sucessão dos fatos mas encontrar o elo que os liga Nesse sentido a história é uma reconstrução lógica não uma exposição cronológica dos acontecimentos Tudo isto não é possível se o protagonista não abre pouco a pouco sua alma Estes tipos de protagonistas que são os delinquentes têm por definição almas fechadas Ao mesmo tempo que pedem a amizade opõem a desconfiança e a suspeita Impregnados de ódio veem o ódio inclusive onde não existe nada mais que amor São como animais selvagens que só com infinito cuidado e paciência podemse domesticar Alguém dirá que vejo assim a advocacia sob o perfil da poesia Pode ser A poesia de seu ofício é algo que um advogado sente em dois momentos da vida quando veste pela primeira vez a toga ou quando se propriamente não a depôs está para depôla no nascer e no ocaso No nascer defender a inocência fazer valer o direito fazer triunfar a justiça esta é a poesia Depois pouco a pouco caem as ilusões como as folhas da árvore depois do fulgor do verão mas por meio do emaranhado dos galhos cada vez mais despidos sorri o azul do céu Agora já não estou seguro de haver defendido a inocência nem de haver feito valer o direito nem de haver feito triunfar a justiça e sem dúvida se o Senhor me fizesse nascer de novo começaria outra vez Não obstante os fracassos as amarguras os desenganos o balanço é positivo se faço a análise dele doume conta de que o começo capaz de preencher todas as deficiências consiste precisamente naquela humilhação de dever me encontrar junto a tantos desgraçados contra os quais se desencadeia a ofensa e se aumenta o desprezo no último degrau da escala IV O Juiz e as Partes No mais alto da escala está o juiz Não existe um ofício mais alto que o seu nem uma dignidade mais imponente Está situado na sala sobre a cátedra e merece esta superioridade A linguagem dos juristas celebra o juiz com uma palavra acerca de cujo profundo significado os próprios juristas e tanto mais os filósofos deveriam deter mais do que a detêm a atenção Nós decidimos que perante o juiz estão as partes Denominamse partes os sujeitos de um contrato por exemplo o vendedor e o comprador o arrendador e o arrendatário o sócio e o outro sócio e igualmente os sujeitos de uma lide o credor que quer receber e o devedor que não quer pagar o proprietário que quer a entrega de sua casa e o inquilino que quer continuar habitandoa e finalmente denominamse também dessa maneira os sujeitos do contraditório ou seja daquela disputa que se desenrola entre os dois defensores nos processos civis ou entre o Ministério Público e o defensor nos processos penais Estes todos eles denominamse assim porque estão divididos e a parte procede precisamente da divisão cada um tem um interesse oposto ao do outro o vendedor queria entregar pouca mercadoria e ganhar muito dinheiro enquanto o comprador quer exatamente o contrário cada um dos sócios queria tomar a parte do leão dos dois defensores se um deles vence o outro perde e cada um deles quer a água no seu moinho Os juristas utilizam por isso o termo parte mas o significado de parte é muito mais profundo na parte convergem o ser e o não ser cada parte é ela mesmae não é a outra parte Mas se é assim todas as coisas e todos os homens são partes uma rosa é uma rosa e não uma violeta um cavalo é um cavalo e não um boi eu sou eu e não sou você E este descobrimento de ser o homem não outra coisa que uma parte tem inestimável valor por isso os filósofos deveriam dar maior crédito à linguagem dos juristas e prestarlhe maior atenção Assim pois se aqueles que estão perante o juiz para serem julgados são partes quer dizer que o juiz não é parte Com efeito os juristas dizem que o juiz está super partes por isso o juiz está no alto e o imputado embaixo por baixo dele um na cela outro sobre a cátedra Igualmente o defensor está abaixo referente ao juiz pelo contrário se o Ministério Público está a seu lado isto constitui um erro que mediante uma maior consciência em torno da mecânica do processo se terminará por retificar O juiz todavia é também um homem se é um homem ele também é uma parte Isto de ser ao mesmo tempo parte e não parte constitui a contradição na qual se debate o conceito de juiz Isto de ser o juiz um homem e de dever ser mais que um homem constitui seu drama Um drama representado com insuperável maestria no Evangelho de São João e todavia estou espantado quando me vem à memória aquela sublime representação de que Benedetto Croce ainda que seja do ponto de vista puramente estético tenha compreendido tão pouco sua grandeza ao ponto de têlo denominado um quadro encantador Jesus foi depois ao Monte das Oliveiras mas ao amanhecer estava no temploe todoo povo acorriaa Elee Ele se sentou e os ensinava Então os Escribas e os Fariseus lhe apresentaram uma mulher surpreendida em adultério e colocandoa no meio disseramlhe esta mulher foi surpreendida no momento de cometer adultério Bem Moisés na lei ordenounos que tais mulheres sejam apedrejadas Que dizes Tu disso E perguntavam isto para colocálo à prova e ter um meio de acusálo Mas Jesus se inclinou e com um dedo se pôs a escrever sobre o chão Insistindo aqueles em interrogálo levantouse respondendo quem de vós estiver livre de pecado que atire a primeira pedra São João VIII 1 É o suficiente para cair sem alento Quem de vocês estiver livre de pecado que atire a primeira pedra É necessário para sentirse digno de castigar estar livre de pecado somente então o juiz está acima daquele que é julgado E posto que o pecado não é outra coisa que nosso não ser aquilo que deveríamos ser é necessário ser plenamente sem deficiências sem sombras sem lacunas em suma é necessário não ser parte para ser juiz Nada de quadro encantador O problema do juiz o mais árduo problema do direito e do Estado está exposto aqui com uma clareza espantosa Certamente assim o entenderam os Escribas e os Fariseus que tentaram confundir o Mestre já que o Evangelho continua narrando que Jesus de novo se inclinou e escrevia no chão Esperava Ele absorto o efeito de suas palavras Então Escribas e Fariseus foramse marchando um atrás do outro a começar pelos mais velhos até os últimos e ficou sozinho Jesus e a mulher que continuava no meio São João VIII 8 Nenhum homem se pensasse no que é necessário para julgar outro homem aceitaria ser juiz E todavia é necessário encontrar juízes O drama do direito é este Um drama que deveria estar presente para todos dos juízes aos jurisdicionados no ato em que se realiza o processo O Crucifixo que graças a Deus nas salas judiciais pende sobre a cabeça dos juízes e que contudo seria melhor que se houvesse posto de frente a eles a fim de que pudessem pousar com frequência seu olhar nele está para significar sua indignidade é não outra coisa a imagem da vítima mais insigne da justiça humana Só a consciência de sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno A lei tem experimentado todos os expedientes possíveis para garantir a dignidade do juiz O mais óbvio entre estes consiste no juízo colegiado uma vez que o julgar outro homem exige que quem julga seja mais que quem é julgado fazse julgar por vários homens reunidos À primeira vista o expediente parece ilusório uma dignidade não se obtém com a soma de várias indignidades Mas o certo é que uma coisa é se considerar a soma de vários juízes e outra sua unidade não se trata no colégio de agregar um juiz a outro como os fatores de uma adição senão de vertere plures in unum diríamos em latim isto é de fazêlos se converter num só Está longe o misterioso conceito do acorde e do acordo a chave na música e a chave do direito misterioso porque todavia não sabemos e quiçá não o saibamos nunca como pode ocorrer quando entre dois homens se produz verdadeiramente a união e portanto formase a unidade comunicase a cada um o ser do outro mas não o não ser o bem mas não o mal Pode parecer que a associação para delinquir desminta esta afirmação mas refletindo dáse conta de que se os delinquentes são mantidos juntos pelo medo tratase de uma falsa união como seria a de um feixe de varas atadas juntamente que não formam em absoluto uma vara só ou há entre eles afeto e este é em todo caso um germe do bem o qual pode sempre encontrarse envolto e oculto sob a cortina do mal O princípio do colégio judicial é verdadeiramente um remédio contra a insuficiência do juiz no sentido de que se não a elimina ao menos a reduz em outras palavras o juiz colegiado está menos longe que o juiz singular daquilo que o juiz deveria ser mas a condição de que o juiz alcance sua unidade ou seja de que entre os juízes singulares se estabeleça o acordo que não significa tanto identidade de opiniões quanto paridade de tensão em direção da verdade Tocouse assim na raiz do problema A justiça humana não pode ser mais que uma justiça parcial sua humanidade não pode deixar de resolverse em sua parcialidade Tudo o que se pode fazer é tratar de diminuir esta parcialidade O problema do direito e o problema do juiz são uma mesma coisa O que pode o juiz fazer para ser melhor do que o é A única via que lhe está aberta a tal fim é a de sentir sua miséria é necessário sentirse pequeno para ser grande É necessário ter uma alma de criança para poder entrar no reino dos céus É necessário cada dia mais recuperar o dom do entusiasmo É necessário assistir a cada manhã com mais profunda emoção ao nascer do sol e a cada tarde ao seu ocaso É necessário sentirse cada noite aniquilado pela infinita beleza do céu estrelado É necessário permanecer atônito diante do perfume de um jasmim ou diante do canto de um rouxinol É necessário cair de joelhos diante de cada manifestação deste indescritível prodígio que é a vida Outros dirão que o juiz para ser juiz deve realizar certos estudos superar certos exames submeterse a certos controles Sobretudo hoje se ensina que para ser juiz penal é necessário estudar além do direito a sociologia a antropologia a psicologia Certamente são estudos úteis e inclusive necessários mas não suficientes Ante tudo não se deve crer que se possa colocar sobre a mesa anatômica como se coloca o corpo também a alma humana Não se deve confundir o espírito com o cérebro Certamente o espírito está condicionado pelo corpo e viceversa em particular a psicologia é a ciência que estuda estas relações mas além destas encontrase o campo que o juiz deve sobretudo conhecer e muito temo que seu conhecimento não ajude nem as Universidades nem os institutos complementares Narra uma fábula que li numa revista argentina que os protestos dos anjos pela criação deste ser absurdo meio anjo e meio besta que é o homem o Criador contestou o homem não é questão para congressos de filosofia o homem não é questão que se possa discutir nestes congressos e teria agregado o homem é questão de fé no homem Desde que tive a ocasião de lêlas faz anos não me fugiram da mente estas palavras Poderia se dizer também que é questão de fé no homem a questão penal Mas a fé no homem se adquire somente amando o homem Mais que ler muitos livros eu queria que os juízes conhecessem muitos homens se fosse possível sobretudo santos e infames os que estão no mais alto ou sobre o degrau mais baixo da escala Parecem imensamente distantes mas no terreno do espírito sucedem coisas estranhas Necessitase de muito pouco para converterse de infame em santo Cristo com o exemplo do ladrão crucificado temnos ensinado Em qualquer caso basta que o infame se envergonhe de ser infame e pode também bastar que um santo se vanglorie de ser santo para perder a santidade Estas são verdadeiramente as coisas essenciais mas não se encontram em nenhum manual de psicologia Mas bem se aprendem na Igreja ou na penitenciária É curiosa também esta aproximação não é certo Entre Igreja e penitenciária algo assim como colocar juntos o Inferno e o Paraíso Mas o erro o tremendo erro está em crer que aqueles que se encontram fechados na penitenciária estejam danados V Parcialidade do Defensor Temse dito um homem para ser juiz deveria ser mais que um homem E se viu que no fundo é precisamente tal ideia a que inspira aquela forma de correção da insuficiência do juiz que é o colégio judicial Mas não é este o único remédio que a experiência tem sugerido Para compreender é necessário partir da parcialidade do homem Todo homem dissemos é uma parte Precisamente por isto nenhum homem chega a apoderarse da verdade Aquela verdade que cada um de nós crê não é mais que um aspecto da verdade algo assim como uma minúscula faceta de um diamante maravilhoso É o que Cristo nos tem ensinado dizendo Eu sou a verdade alcançar a verdade é alcançar a Ele e Dele amandoo podemos nos aproximar sem fim mas alcançálo não porque Ele é infinito A verdade é como a luz ou como o silêncio que compreendem todas as cores e todos os sons mas a física tem demonstrado que nosso olho não vê e nosso ouvido não ouve mais que um curto segmento da gama das cores ou dos sons há mais aquém e mais além da nossa capacidade censora as cores infravermelhas e as ultravioletas assim como os infrassons e os ultrassons Assim se explica um ponto de vista o qual para quem quer compreender este importantíssimo fato social que é o processo tem uma importância de primeiro plano O juiz quando julga estabelece quem tem razão isto quer dizer de que lado está a razão Razão que é e não pode ser mais que uma a verdade também neste sentido são equivalentes razão e verdade Porém como se explica então se a razão é uma só que precisamente no processo cada uma das partes exponha suas razões As que o Ministério Público e o defensor expõem quando discutem são as razões pelas quais o primeiro pede a condenação e o segundo a absolvição Como se concilia a unidade da razão com a pluralidade de razões Como pode ocorrer que de quem termina por não ter razão dele se possa dizer que expôs suas razões A verdade é que socorrendose de novo da comparação a razão se decompõe nas razões como a luz se decompõe nas cores e o silêncio nos sons Do mesmo modo que não podemos enxergar toda a luz nem gozar de todo o silêncio assim tampouco podemos nos apoderar de toda a razão As razões são aquela fração de verdade que a cada um de nós parece ter nos alcançado Quanto mais razões se exponham tanto mais será possível que juntandoas alguém se aproxime da verdade No fundo quando o juiz passa a julgar encontrase ante uma dúvida este é culpado ou é inocente Também dúvida é uma palavra transparente dubium vem de duo Uma dupla via se abre ante o juiz de cá ou de lá O juiz deve escolher Mas a fim de escolher deve percorrer um ou outro caminho já que de outro modo não poderia ver onde vão dar Agora compreendese para que serve ao juiz o defensor e porque diante do defensor colocase o acusador são os que guiam o juiz ao longo dos dois caminhos a fim de que possa escolher um deles Acusador e defensor são em última análise dois raciocinadores constroem e expõem as razões Seu ofício é raciocinar Mas um raciocinar com licença de pé forçado Um raciocinar de modo diverso do raciocinar do juiz Não é talvez muito fácil de compreender mas se não se compreende isto tampouco se compreende o processo e não basta que compreendam os juristas porque este é o ponto a respeito do qual os leigos podem ter em torno do processo impressões falsas e nocivas para a civilidade Raciocinar é em palavras simples expor premissas e conseguir resultados o imputado confessou ter matado assim pois ele matou Em termos de lógica primeiro vêm as premissas e depois as consequências Assim procede o raciocinador imparcial Mas o defensor não é um raciocinador imparcial E é isto o que escandaliza a gente Apesar do escândalo o defensor não é imparcial porque não deve sêlo E porque não é imparcial o defensor tampouco pode ser nem deve ser imparcial seu adversário A parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz que é pois o milagre do homem uma vez que conseguindo não ser parte superase a si mesmo O defensor e o acusador devem buscar as premissas para chegar a uma conclusão forçada Tudo isto pode parecer absurdo E no entanto a chave do processo está aqui Mal seria se o juiz se contentasse em raciocinar assim o imputado confessou ter matado Portanto matou Há também casos nos quais um homem confessa um delito que não cometeu temos visto pais que se acusavam para salvar o filho e também filhos que se submetiam ao mesmo sacrifício para salvar seu pai Isto é tão certo e não só pela razão que acabo de indicar que inclusive o Código Penal castiga aqueles que denunciam contra a verdade ser culpados de um delito Isto quer dizer que ainda quando existam provas evidentes da culpabilidade ou da inocência antes de condenar ou de absolver é necessário continuar na investigação até ter esgotado todos os recursos Mas para fazer isto o juiz deve ser ajudado por si só não o conseguiria Seu ajudante natural é o defensor este amigo do imputado o qual naturalmente tem o interesse de buscar todas as razões que podem servir para demonstrar a inocência daquele O defensor pois é e deve ser um raciocinador de pé forçado isto é um raciocinador parcial um raciocinador que traga a água ao seu moinho É claro todavia que deste modo o defensor é um auxiliar precioso para o juiz mas também muito perigoso em razão de sua parcialidade E como se concebe que seja útil mas inócuo Contrapondolhe aquele outro raciocinador parcial em sentido inverso que se denomina Ministério Público e que deveria denominarse mais exatamente acusador No ordenamento atual do processo penal o Ministério Público não é essencialmente um acusador pelo contrário concebelhe à diferença do defensor como um raciocinador imparcial mas há aqui um erro de construção da máquina que também quanto a isto funciona mal ademais em nove de cada dez vezes a lógica das coisas arrasta o Ministério Público a ser o que deve ser o antagonista do defensor Desenvolvese assim ante os olhos do juiz o que os técnicos chamam contraditório e que é realmente um duelo o duelo serve ao juiz para superar a dúvidaa propósito do qual é interessante observar que também duelo o mesmo que dúvida vem de duo No duelo se personifica a dúvida é como se no cruzar das ruas se batessem os valentes para levar ao juiz fazia uma ou fazia a outra As armas utilizadas por estes para lutar são as razões Defensor e acusador são esgrimistas os quais não é raro que realizem uma má esgrima mas também às vezes oferecem aos entendidos um espetáculo excelente Inclusive aqueles que não são entendidos como ocorre nos torneios terminam por se apaixonar por este jogo esta é também para o público uma das mais fortes atrações do processo penal Mas digamos também é uma coisa que dá ao processo penal o sabor de admiração e é precisamente por isto que as pessoas o desfrutam E precisamente é este o motivo também pelo qual os advogados adquirem fama de criadores de sofismas Em boa parte a sátira que se levanta excepcionalmente salutar contra nós devese a uma maligna interpretação deste fenômeno Não se compreende que se o advogado fosse um raciocinador imparcial não somente trairia seu próprio dever como também estaria em contradição com sua razão de ser no processo e a estrutura deste resultaria desequilibrada Sem dúvida isto das duas verdades a verdade da defesa e a verdade da acusação é um escândalo mas é um escândalo do qual tem necessidade o juiz a fim de que não seja um escândalo o seu juízo E isto não só porque o juiz tem necessidade de que lhe apresentem todas as razões para encontrar a razão e quantas mais lhe apresentam mais evidentemente parece que se complica mas na realidade se simplifica seu encargo Sob este aspecto o duelo entre o defensor e acusador se assemelha ao choque entre duas pedras das quais salta a faísca As razões como dissemos são a razão como as cores da luz as arengas os informes do defensor e do acusador se assemelham a uma roda giratória de cores mas ao girar velozmente as cores se fundem na luz De qualquer maneira a vantagem que o juiz obtém dele não é somente na ordem da inteligência A verdade é que o contraditório o ajuda precisamente porque é uma confusão a confusão da parcialidade a confusão da discórdia a confusão da torre de Babel A repugnância pela parcialidade se converte para o juiz na necessidade de superála ou seja de se superar e nesta necessidade está a salvação do juízo Eis aqui que esta tentativa de análise do processo penal em seu momento tecnicamente mais delicado permite talvez apreciar um resultado que tem por si uma certa importância para a civilidade Poderseia falar a este respeito de reabilitação dos advogados A do advogado é quiçá uma das figuras mais discutidas no quadro social poderseia dizer mais atormentada Entre outras coisas nunca nem sequer nos momentos de maior convulsão histórica foi proposta a supressão dos médicos ou dos engenheiros mas a dos advogados sim Em alguma ocasião até se chegou a suprimilos depois ressurgiram com rapidez No fundo o protesto contra os advogados é o protesto contra a parcialidade do homem Olhandoo bem eles são os Cirineus da sociedade levam a cruz por outro e esta é sua nobreza Se me pedires uma divisa para a ordem dos advogados proporia o virgiliano sic vos nom vobis somos nós que aramos o campo da justiça e não colhemos seu fruto VI Das Provas O encargo do processo penal está em saber se o imputado é inocente ou culpado Isto quer dizer ante tudo se aconteceu ou não aconteceu um determinado fato um homem foi ou não foi morto uma mulher foi ou não foi violentada um documento foi ou não foi falsificado uma joia foi ou não roubada Seria necessário saber antes de tudo o que é um fato São palavras que se empregam intuitivamente compreendemse elas de maneira aproximada mas é necessário que nos detenhamos a refletir sobre elas Um fato é um pedaço de história e a historia é o caminho que percorrem desde o nascimento até a morte os homens e a humanidade Um pedaço de caminho pois Mas de caminho que se fez não de caminho que se pode fazer Saber se um fato ocorreu ou não quer dizer voltar atrás Este voltar atrás é o que se chama fazer a história Não é um mistério que no processo e não somente no processo penal se faz história Digo não é um mistério para os juristas os quais desde há muito tempo puseram nele sua atenção mas pode surpreender o público em geral ao qual meu discurso está dirigido Isto ocorre porque estamos habituados a examinar a história dos povos que é a grande história mas existe também a pequena história a história dos indivíduos inclusive não existiria aquela sem esta de igual maneira que não existiria a corda sem os fios que nela estão enrolados Quando se fala de história o pensamento volta para as dificuldades que se apresentam para reconstruir o passado mas são se se tem em conta a medida as mesmas dificuldades que se devem superar no processo Com isto de pior o delito é um pedaço do caminho do qual quem o percorreu trata de destruir as pegadas Sucede o contrário do que ocorre normalmente quanto ao contrato quando um compra e ainda mais se a coisa tem valor importante conserva em geral mediante um documento a prova de ter comprado quando rouba destrói o melhor que pode as provas de ter roubado As provas servem precisamente para voltar atrás ou seja para fazer ou melhor ainda para reconstruir a história Como faz quem tendo caminhado por meio dos campos quer percorrer em sentido contrário o mesmo caminho Segue as pegadas de seu passo Vem à mente a figura do cachorro policial o qual vai farejando aqui e ali para seguir por meio do olfato o caminho do malfeitor perseguido O trabalho do historiador é este Um trabalho de habilidade e paciência sobretudo no que colaboram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor os juízes da audiência os defensores os peritos Prescindindo da crônica dos periódicos os livros policiais e os cinematográficos têm apaixonado mais que informado o público a respeito deste trabalho A vantagem desta literatura sob o aspecto da civilidade está em ter difundido a impressão para não dizer a experiência das dificuldades da investigação em razão da falibilidade das provas O risco é o de erraro caminhoEo danoé grave quando se erra o caminho e quando a história se faz por meio de livros porque ainda quando os historiadores não se dão conta disso e os filósofos ou ao menos certos filósofos negamno não se remontam os caminhos percorridos senão para encontrar os caminhos a percorrer de qualquer maneira isto é tanto mais manifesto quando o passado se reconstrói para determinar a ventura de um homem Mas existe também o reverso da medalha e que reverso A culpa não é toda ela da literatura policial como pode se compreender esta literatura inclusive pode ser um sintoma bem mais que a causa de um fenômeno derivado de causas mais profundas Quiçá estas se deveriam buscar naquela tendência à diversão que tem tanta participação na crise da civilidade que estamos atravessando Em suma é própria história que se converte em meio da diversão A crônica judicial e a literatura policial servem do mesmo modo de diversão para a vida cotidiana tão cinzenta Assim o descobrimento do delito de dolorosa necessidade social temse convertido em uma espécie de esporte as pessoas se apaixonam do mesmo modo que pela busca do tesouro editores profissionais editores diletantes editores improvisados não colaboram tanto quanto fazem concorrência aos oficiais de polícia ou aos juízes instrutores e o que é pior fazem seus trabalhos Cada delito desencadeia uma série de investigações de conjecturas de informações de indiscrições Policiais e magistrados de vigilantes se convertem em vigiados por grupos de voluntários dispostos a assinalar cada um de seus movimentos a interpretar cada um de seus gestos a publicar cada uma de suas palavras Os testemunhos são farejados como a lebre pelo cão Depois repetidamente explorados sugestionados comprados Os advogados são o claro dos fotógrafos e dos cronistas E com frequência infelizmente nem sequer os magistrados tentam opor a esse frenesi a resistência que requereria o exercício de seu austero ofício Esta degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilidade em crise É inclusive difícil patentear todos os danos devido à falta do reconhecimento de que a nenhum outro cometido é tão imprescindível como aquele que no processo penal se deve desenrolar Não o mais grave mas desde logo o mais chamativo é aquele que se refere à pessoa do imputado A Constituição italiana tem proclamado solenemente a necessidade de tal respeito declarando que o imputado não deve ser considerado culpado enquanto não seja condenado por uma sentença definitiva Mas esta é uma dessas normas que servem somente para demonstrar a boafé daqueles que a tem elaborado ou em outras palavras a incrível capacidade de se forjar ilusões de que estão dotadas as revoluções Infelizmente a justiça humana está feita de tal maneira que não somente se faz sofrer os homens porque são culpados senão também para saber se são culpados ou inocentes Esta é infelizmente uma necessidade à qual o processo não pode se subtrair nem sequer se seu mecanismo fosse humanamente perfeito Santo Agostinho escreveu a este respeito uma de suas páginas imortais a tortura nas formas mais cruéis foi abolida ao menos no papel mas o próprio processo é uma tortura Até certo ponto temse dito não se pode prescindir dela mas a denominada civilização moderna tem exagerado de um modo inverossímil e insuportável esta triste consequência do processo Ao homem quando sobre ele recai a suspeita de ter cometido um delito é dado ad bestias como se dizia em um tempo dos condenados oferecidos como comida para as feras A fera a indomável e insaciável fera é a multidão O artigo da Constituição em que se tem a ilusão de garantir a incolumidade do imputado é praticamente inconcebível com aquele outro artigo que sanciona a liberdade de imprensa Basta apenas ter surgido a suspeita o imputado sua família sua casa seu trabalho são inquiridos requeridos examinados despidos na presença de todo mundo O indivíduo desta maneira é transformado em pedaços E o indivíduo recordemonos é o único valor que deveria ser salvo pela civilidade Mas existe outro indivíduo no centro do processo penal junto ao imputado a testemunha Os juristas friamente classificam a testemunha junto com o documento na categoria das provas e até a uma certa categoria das provas esta sua frieza é necessária como a do estudioso de anatomia que corta o cadáver mas aí se se esquece de que enquanto o documento é uma coisa a testemunha é um homem um homem com seu corpo e com sua alma com seus interesses e com suas tentações com suas recordações e com seus ouvidos com sua ignorância e com sua cultura com sua valentia e com seu medo Um homem que o processo coloca numa posição incômoda e perigosa submetido a uma espécie de requisição por utilidade pública separado de seu negócio e de sua paz utilizado exprimido inquirido convertido em objeto de suspeita Não conheço um aspecto da técnica penal mais preocupante que o que se refere ao exame e até em geral ao trato da testemunha Também aqui por demais a exigência técnica termina por se resolver em uma exigência moral se ela devesse se resumir em uma fórmula colocaria no mesmo planoo respeito à testemunha e o respeito ao imputado No centro do processo em última análise não estão tanto o imputado ou a testemunha quanto o indivíduo Todos sabem que a prova testemunhal é a mais enganosa de todas as provas a lei a rodeia de muitas formalidades que desejavam prevenir os perigos a ciência jurídica chega até o ponto de considerála um mal necessário a ciência psicológica regula e inventa inclusive instrumentos para sua valoração ou seja para distinguir a verdade da mentira mas o melhor modo de garantir o resultado tem sido e sempre será o de reconhecer na testemunha um homem e concederlhe o respeito que todo homem merece Recentemente um fino advogado genebrino comentando aquele processo de Digne na França pelo assassinato da família Drummond amargamente por ele chamado de Kermesse judiciaire ou procès touristique ao observar os fotógrafos que na sala juchés perchés debout assis accroupis mitraillaient les témoins se perguntava como é possível que a verdade saia à superfície quando a testemunha é perseguida pelos fotógrafos rodeada até tocála pelos escritores pelos guardas pelos advogados e concluía pensando profundamente não se abre nem o coração nem a alma sob a voz da multidão Sem embargo as pessoas estão convencidas de que esta que produz tais fenômenos seja uma civilidade de progresso E se pode esperar com confiança que algum jurista ou algum filósofo construa sua magnífica teoria tanto da arte como da história de massa sustentando que isso do historiador recolhido cauto absorto no pesar as provas como o químico com suas balanças e com suas provetas é uma figura de outros tempos cara somente para a nostalgia de algum sobrevivente do século XIX como este velho jurista que trata de fazêlos conhecer uma verdade a cujo descobrimento tem dedicado toda a vida VII O Juiz e o Imputado O juiz temos dito é também ele um historiador com a única diferença entre a grande e a pequena história E posto que a história que o juiz faz ou melhor reconstrói é a pequena história pode parecer que sua missão resulte mais fácil que a de reconstruir a grande história Eu me pergunto no entanto se verdadeiramente é mais fácil manejar o microscópio que o telescópio a diferença entre o povo e o indivíduo não é a diferença entre o macrocosmos e o microcosmos É um aspecto de nossa cegueira o de dar demasiada importância à distinção entre as coisas grandes e as pequenas depois de tudo a experiência do valor do átomo deveria ternos desenganado De todo modo a missão histórica do juiz não está somente em reconstruir um fato quando em um processo por homicídio se estabeleceu a certeza de que o imputado com um tiro de pistola tenha matado um homem não se sabe todavia dele tudo o que é necessário saber para dever condenálo O homicídio não é somente ter matado senão ter querido matar Isto quer dizer que o juiz não deve limitar sua investigação aos aspectos externos ou seja às relações do corpo do homem com o resto do mundo mas que deve descer mediante sua investigação à alma daquele homem E quando se diz alma ou espírito ou psiquismo como hoje preferem as pessoas cultas aludese a uma região misteriosa da qual não conseguimos falar a não ser mediante metáforas É necessário ir com cautela na investigação neste terreno O perigo mais grave é o de atribuir a outro a nossa alma ou seja o de julgar o que ele sentiu compreendeu quis segundo o que nós sentimos compreendemos queremos Certamente não se pode julgar a vontade senão por meio da ação ou seja do que o homem faz Mas de tudo o que se faz não somente de uma parte A ação do homem não é o ato singular mas todos os seus atos em conjunto Aqui o conceito que pode nos orientar é o de indivíduo precisamente porque expressa a ideia da indivisibilidade indivíduo não quer dizer outra coisa senão indivisível Um homem se denomina indivíduo para significar em uma palavra que não se pode fazer sua história aos pedaços O que o homem desejou não se pode conhecer senão por meio do que o homem é e o que o homem é somente se conhece por toda sua história O eu de cada um de nós é um centro ao qual se referem e ao qual se unificam todos nossos atos Cada um de nossos atos se relaciona com este princípio Fisicamente o ato pode ser considerado em si psicologicamente não A vontade de um ato é o princípio e o princípio não se encontra senão no final da história de um homem Isto quer dizer em uma palavra que quando o juiz reconstruiu um fato não percorreu mais que a primeira etapa do caminho mais além desta etapa o caminho prossegue porque lhe cabe conhecer a vida inteira do imputado Essa verdade que espero ter enunciado com bastante clareza encontrase atualmente reconhecida pelas leis penais modernas Há um artigo do nosso Código no qual se impõe a obrigação ao juiz de levar em conta a conduta e a vida do réu anterior ao delito a conduta contemporânea ou subsequente ao delito as condições de vida individual familiar e social do réu Esta é uma norma que só os juristas conhecem mas também o público em geral a deve conhecer porque o homem comum deve saber que a lei penal declara solenemente o dever de realizar no processo uma coisa que pelo contrário não se faz nem se pode fazer Disto deveria resultar para ele uma indignação mas a fim de que os escândalos possam beneficiar devem ser conhecidos Este é precisamente o fim a que a Voz de San Jorge se propõe O que a lei quer é precisamente que o juiz faça completamente a história do imputado O que supõe diante de tudo que o juiz tenha o tempo e a paciência de fazêla contar por ele depois deverá verificar o relato mas entretanto deve conseguir que lhe façam este relato Basta enunciar tal necessidade para pôr em claro o paradoxo e inclusive o absurdo do processo penal Em realidade o juiz não tem a paciência e se a tivesse não disporia de tempo necessário para escutar a história do imputado nem sequer em seus aspectos mais importantes e se a escutasse quanto a esses aspectos todavia não teria escutado a história verdadeira porque a história verdadeira está formada também pelas coisas pequenas as quais para o conhecimento de um homem contam muito mais que as grandes já adverti pelo mais que a diferença entre o grande e o pequeno não é mais que um efeito da limitação dos sentidos e da inteligência do homem E tanto mais é impossível o ofício de historiador que a lei atribui ao juiz enquanto escutar a história do imputado exige em primeiro lugar que se supere sua desconfiança primeira condição para um relato sincero e a desconfiança não se vence mais que com a amizade a qual entre o juiz e o imputado na maior parte dos casos é um sonho Se se agrega que o relato naturalmente deveria ser objeto de comprovação e que assim a investigação assumiria em cada processo dimensões imponentes é fácil concluir que o encargo histórico do juiz penal enquanto se refere ao desenvolvimento espiritual que conduz ao delito é na melhor das hipóteses grosseiramente aproximativa Não se deve crer que o ambiente dos juristas tenha permanecido insensível a este escândalo Já faz muito tempo que os juristas se deram conta de que para o juízo penal é necessário além de conhecer o fato conhecer o homem e conhecer o homem não é possível sem reconstruir sua história a disposição que descrevi foi introduzida por mérito da ciência no Código Penal italiano E ademais se têm dado conta os juristas de que os meios de que dispõe o juiz para conhecer o homem são absolutamente inadequados por isso ultimamente se tem manifestado um movimento voltado a procurar a ajuda de um especialista em psicologia Também este será desde logo um passo adiante quando se possa dar mas não se deve atribuir à psicologia capacidade e méritos maiores do que ela possua Os limites da psicologia são os limites da ciência isto é pouco mais ou pouco menos os limites da análise ainda quando a matéria tenha sido indagada até seus mais íntimos rincões não é deste modo como se pode captar o segredo da vida e o segredo do espírito é o segredo da vida Tudo o que pode fazer o psicólogo é algo análogo ao que faz o estudioso de anatomia sobre o corpo humano mas o espírito é essencialmente unidade Não o caminho da psicologia mas sim o da amizade pode conduzir o homem ao coração de outro homem e esse caminho infelizmente está fechado pelo juiz Estas coisas digo não para exortálos a depreciar o processo penal e os homens que têm construído e que manobram seu mecanismo Estes homens tiveram e têm todavia suas culpas que não devem ser ocultadas mas que tampouco se deve exagerar sobretudo sabemos reconhecer que são pobres também eles como nós e que as coisas perfeitas ninguém as sabe fazer No fundo o escândalo não está nos homens mas sim nas coisas É o processo penal em si a pobre coisa à qual é estabelecida uma missão demasiado grande para poder ser cumprida Isto não quer dizer que se possa prescindir dele mas se temos de reconhecer sua necessidade devese reconhecer igualmente sua insuficiência Nisto está verdadeiramente uma condição da civilidade a qual exige que se trate com respeito não só o juiz como também o que tem de ser julgado e inclusive o condenado Devemos nos resignar desgraçadamente com a história do imputado como o juiz a pode fazer mas não devemos fundar sobre ela nosso juízo e sobretudo nosso desprezo Tanto mais que a história do indivíduo como o juiz a pode fazer pela própria natureza do processo penal é uma história irremediavelmente incompleta Um homem é desde logo sua história mas sua história está composta não só por seu passado mas também por seu futuro Eu sou não só o que fui senão também o que serei O presente é síntese do passado e do futuro Isto é tão certo que o próprio Código Penal quer que o juiz tenha em conta a conduta do réu tanto anterior como posteriormente ao delito Mas o juiz forçosamente deve se deter na história não no momento do delito mas no momento do julgamento o que vem depois não pode levar em conta porque não o pode adivinhar embora ainda quando ignorado também o futuro é real O juízo para ser justo deveria ter em conta não somente o mal que alguém fez mas também o bem que fará não somente sua capacidade para delinquir mas também sua capacidade para se redimir Mas a fim de que este juízo que para ser justo deve ser íntegro possa se realizar deveria se fazer depois que o homem terminasse sua vida Não se pode obter as somas de um balanço diria um homem de negócios senão no fim do exercício Tal é a razão pela qual o processo de beatificação se faz pela Igreja sobre um morto não sobre o vivo Sempre há tempo enquanto se respira para que um infame se converta em santo ou um santo em infame vale o exemplo evangélico do ladrão crucificado Em troca ao contrário do que ocorre com o processo de beatificação o processo penal deve acontecer durante a vida Na melhor das hipóteses não se pode atribuir ao juízo que nele se pronuncia mais que um valor provisional este agora é um infame a menos que não se converta em um santo também o ladrão crucificado enquanto não o cravarem na cruz enquanto não pronunciou já agonizante a sublime palavra de arrependimento era um infame mas com aquela palavra resgatou toda sua iniquidade Entendemonos assim espero sobre o valor destas minhas reflexões sobre os fins da civilidade Eu não tenho a menor intenção de desacreditar o processo penal além dos limites em que sua imperfeição poderia ser eliminada com um pouco mais de atenção e boa vontade Entretanto a civilidade exige que não se atribua a ele um valor do qual nem tanto carece quanto não pode chegar a ter O imputado deveria ser considerado com o mesmo respeito que se concede ao enfermo nas mãos do médico ou do cirurgião Uma certa comparação entre o enfermo e o preso foi feita por Jesus não devemos nos esquecer dela VIII O Passado e o Futuro no Processo Penal Mas por que pois o juiz faz história Aquilo que aconteceu aconteceu factum infectumfieri nequit diziam uma vez nada pode fazer o tempo voltar Ninguém nem mesmo Deus disse um dia em discussão comigo nada menos que um doutor em religião e a mim me pareceu uma blasfêmia ainda quando inconsciente Mas deixemos estar este tema porque se volvêssemos nele perderseia o elo do discurso Águas passadas não movem moinho uma grande tentação emana deste provérbio com certeza o desespero Não há pois remédio para o passado Se não fosse assim porque se faria o processo penal Uma obscura intuição tem levado sempre os homens a crer que exista um remédio O delito é uma desordem e o processo serve para restaurar a ordem esta é a intuição Mas como se forma a ordem no lugar da desordem A verdade intuída é que o remédio para o passado está no futuro Não outra coisa que esta verdade intuída guia os homens a reconstruir a história Em algum tempo esta intuição tinha encontrado sua fórmula quando se dizia que a história é mestra da vida Atualmente não se diz mais e parece um passo adiante no caminho do saber Também o caminho do saber como todos os caminhos que conduzem ao alto tem seus falsos planos e seus trajetos em declive é certo que tendo perdido por assim dizer o contato entre passado e futuro temos nos afastado mais do que aproximado do alto Quiçá um dos caracteres da crise é precisamente este que denominaria o desinteresse pelo futuro Inclusive existiu um filósofo venerado pelos italianos e não somente por eles que negou ao homem a possibilidade de prever Poucas responsabilidades da filosofia são mais graves que esta A cegueira destes pretendidos condutores de homens os quais não sabem que o único problema do homem é o problema do futuro faz vir à mente as palavras do Evangelho como pode um cego guiar outro cego sem que um ou outro se precipitem num fosso O homem não tem outro modo para resolver o problema do futuro a não ser o de olhar o passado somente a contemplação do passado pode permitirlhe captar como em um espelho o segredo do futuro Se estes tivessem sabido desmontar como faz um mecânico com uma máquina o prodigioso mecanismo do pensamento teriam compreendido ao menos qual é a virtude da memória guardiã do passado desde a qual a inteligência inicia o voo até o futuro De qualquer maneira que seja se há um passado que se reconstrói para fazer dele a base do futuro no processo penal esse passado é o homem na cela Não existe outra razão para estabelecer a certeza do delito além da de inflingirlhe a pena O delito está no passado a pena está no futuro Disse o juiz devo saber o que houve para estabelecer o que será Foi um delinquente será um preso Fez sofrer sofrerá Não soube usar de sua liberdade será encarcerado Eu tenho nas mãos a balança a justiça quer que tanto quanto pese seu delito pese sua pena Mas ocorre que ao chegar a este ponto sucede algo que complica o problema Isto decorre do fato de que reprimir os delitos não é o bastante é necessário prevenilos O cidadão deve saber antes quais serão as consequências de seus atos para poder se conduzir É necessário também para os homens algo que os atemorize para salválos da tentação como se espantam os pássaros com o espantalho a fim de que não comam o grão A balança assim passa das mãos do juiz para as do legislador O peso se faz antes que o ladrão roube a fim de que se abstenha de roubar Mas se se faz antes fazse sobre o fato e não sobre o tipo O tipo é um conceito não um fato uma abstração não uma realidade algo previsto não algo acontecido Agora bem o prever é ao mesmo tempo mais ou menos que o ver mais que o ver porque se agrega ao ver menos porque não se vê tudo aquilo que quando aconteceu ver seá Em suma é um ver indistinto distinguemse as grandes linhas mas o acontecimento reserva sempre ainda quando seja conforme a previsão algo de novo O direito penal se debate pois nesse dilema ou se põe a balança nas mãos do juiz e então se o juiz é justo o peso será justo mas o direito não serve ou serve pouco para sua função preventiva ou se reserva a balança ao legislador e então opera a prevenção no sentido de que o cidadão sabe antes a que consequências se expõe ao desobedecer à lei mas o peso corre o risco de não ser justo porque o que se põe em um dos pratinhos é o tipo não o fato e o tipo dizíamos é uma abstração não uma realidade Entre os dois extremos do dilema a solução não pode ser mais que de compromisso por salvar a cabra e as hortaliças não se salvam nem a cabra nem as hortaliças não é possível nadar e guardar a roupa Por isso em primeiro lugar a técnica penal recorre à multiplicação dos tipos Há uma espécie de mostruário cada vez mais numeroso que se põe à disposição do juiz a fim de que ele esteja em situação de encontrar o tipo que se assemelha mais ao fato em sua concretude E posto que a vida social e com ela a delinquência complicase cada vez mais também o Código Penal inclusive o conjunto das leis penais as quais atualmente não estão todas elas contidas no Código e até pode se dizer que a maior parte delas está fora convertese em uma espécie de labirinto O juiz naturalmente deve saber se mover neste labirinto para isso deve ser um jurista O que não deixa de ser um perigo e tanto é assim que as Cortes de Assises tal é o nome que se dá aos colégios julgadores chamados a julgar os grandes delitos estão compostas em parte inclusive na menor parte por juristas e quanto ao resto por leigos no direito O perigo está precisamente nisto em que habituado ao tipo o juiz jurista se esquece do homem que viva em suma num mundo abstrato em lugar de viver no mundo concreto que confunda os fantoches com os homens e os homens com os fantoches O homem comum ao assistir a um processo tem a impressão fastidiosa e alguma vez angustiosa desta separação da vida quando ouve debater em torno da interpretação deste ou daquele artigo do Código Penal ou do Código de Processo Penal é inevitável que se pergunte se este mecanismo tão implicado e complicado não é uma coisa diabólica criada por pessoas que perderam o dom da simplicidade e do bom senso grande parte da má fama dos advogados e em geral dos homens das leis devese a este dissabor e a este desgosto Produz se deste modo uma ruptura entre o povo e a justiça ou melhor dito a administração da justiça que é certamente nociva para a civilidade Não há outra coisa a fazer para restabelecer a confiança mais que advertir que a justiça tal como se pode obter pelo trabalho dos juízes no processo é aquele pouco de justiça que a nós pobres homens limitados e finitos como somos énos consentida Não há nada mais perigoso que cultivar as ilusões em torno deste ponto fundamental do problema da civilidade O direito não pode fazer milagres e o processo ainda menos Enquanto as leis são obedecidas tudo vai bem ou ao menos permanecem ocultos os defeitos é a desobediência o que os faz eclodir O processo temse dito e o processo penal mais que nenhum outro descobre as contradições do direito o qual se engenha como pode para superálas Agora saiu à luz o contraste em matéria da determinação da pena entre o juiz e o legislador aos fins da repressão esta determinação deveria corresponder ao juiz aos fins da prevenção ao legislador Aparece um mecanismo empírico que ata as mãos do juiz mas não excessivamente a lei em vez de uma pena fixa estabelece pelo geral um mínimo e um máximo que marcam os limites da liberdade do juiz uma espécie de liberdade vigiada em todo caso uma média medida que não consegue nem resolver nem sequer ocultar a contradição Mas não há nada que fazer é a eterna antinomia entre o um e o múltiplo dentro da qual se debate a vida do homem Por esta antinomia que o homem não é capaz de resolver está viciado também o direito e sobretudo o processo No momento em que o juiz conseguiu dar cumprimento a seu encargo de historiador e temos visto as dificuldades que se opõem a seu cumprimento quando tem reconstruído o passado e deve adequar a este o porvir quando pesa sobre ele com maior gravidade a exigência da justiça que consiste nesta adequação no momento em que teria necessidade a tal fim de toda sua liberdade é aqui que a lei lhe ata as mãos constrangendoo a julgar em lugar de um homem um fantoche Esta situação no momento culminante do drama denuncia uma vez mais a pobreza da justiça humana Há casos entre outros nos quais é claro que bastou o processo ou melhor aquela fração do processo que se desenvolveu para reconstruir a história com todos os seus sofrimentos com todas as suas angústias com todas as suas vergonhas para assegurar o porvir do culpado no sentido de que compreendeu seu erro e não só o compreendeu mas que com aquele peso de sofrimento de angústia de vergonha expiouo e o resto do processo sua prolongação pela pena e com a sua execução não é outra coisa que uma perda total para o indivíduo e para a sociedade se o juiz fosse livre estes seriam os casos em que diria Jesus à adultera Vá e não peques mais mas tem infelizmente atadas as mãos Não se deve protestar contraa lei De acordo com isto não se pode protestar contra a necessidade mas não se pode ocultar que direito e processo são uma pobre coisa e isto é verdadeiramente o que se necessita para fazer avançar a civilidade IX A Sentença Penal Reconstruída a história aplicada a lei o juiz absolve ou condena Duas palavras que se ouvem pronunciar continuamente mas cujo significado profundo é necessário descobrir Deveriam significar o imputado é inocente ou culpado O juiz deve entretanto escolher entre o não do defensor e o sim do Ministério Público Mas e se não pode escolher Para escolher deve ter uma certeza no sentido negativo ou no sentido positivo e se não há As provas deveriam servir para iluminar o passado onde antes havia obscuridade e se não servem Então diz a lei o juiz absolve por insuficiência de provas e o que quer dizer isso Que o imputado não é culpado mas tampouco é inocente quando é inocente o juiz declara que não cometeu o fato ou que o fato não constitui delito O juiz diz que não pode dizer nada nestes casos O processo se encerra com um nada de fato E parece a solução mais lógica deste mundo Bem mas e o imputado Que um seja imputado quer dizer provavelmente já que não certamente cometeu um delito o processo ou melhor o debate serve precisamente para resolver a dúvida Em troca quando o juiz absolve por insuficiência de provas não resolve nada as coisas ficam como antes A absolvição por não ter cometido o fato ou porque o fato não constitui delito cancela a imputação com a absolvição por insuficiência de provas a imputação subsiste O processo não termina nunca O imputado continua sendo imputado por toda a vida Não é um absurdo também isto Nada menos que uma confissão da impotência da justiça Mas pode a justiça confessarse impotente E entretanto se é não é justa a confissão Não seria pior se o juiz declarasse a inocência ou a culpabilidade quando não está convencido de uma nem de outra A sentença se resolveria numa mentira O processo chega assim a um corredor sem saída do qual não é possível escapar Ou mentir ou declarar a falência uma via intermediária não existe E não se pode censurar nem as leis nem os homens assim é a necessidade e o que se pode dizer é somente que também a este respeito o processo penal é uma pobre coisa e devemos tirar dele as consequências quanto ao comportamento a observar em relação àqueles que foram afetados Tanto mais grave é a deficiência que agora se pôs às claras enquanto o imputado não é culpado que a declaração de sua inocência é o único modo para reparar o dano que injustamente lhe ocasionou Verdadeiramente se não cometeu o delito significa que não deve ser absolvido nem sequer devia ter sido acusado Não terá existido malícia por parte de quem suspeitou dele terá sido um daqueles erros aos quais infelizmente nós os homens estamos irreparavelmente sujeitos a culpa será das circunstâncias que enganaram a polícia o Ministério Público o juiz instrutor mas em suma existiu um erro a sentença de absolvição por não ter cometido o fato ou por inexistência do delito contém não somente a declaração da inocência do imputado mas ao mesmo tempo a confissão do erro cometido por aqueles que o arrastaram ao processo Por pouco que se reflexione aparece claro que os erros judiciais ainda de grande importância são muito mais numerosos do que se crê Todas as sentenças de absolvição excluída a absolvição por insuficiência de provas implicam a existência de um erro judicial As pessoas quando ouvem falar de erro judicial pensam no pobre padeiro isto é no erro descoberto depois da condenação durante a expiação e inclusive quando o condenado terminou de cumprir a pena Estes são certamente os casos mais dolorosos mas formam parte de uma série incomparavelmente mais numerosa Com as estatísticas nas mãos e posto que todas as providências de absolvição se resolvem na comprovação de um erro judicial viriam à luz que fariam estremecer As pessoas quando o juiz absolve especialmente nos processos célebres elogiam a justiça e têm razão porque é sempre uma fortuna e um mérito darse conta do erro mas entretanto o erro ocasionou seus danos e que danos Estes danos quem os repara Não se deve confundir certamente a culpa com o erro profissional isto quer dizer que os equívocos que não se devem atribuir à imperícia à negligência à imprudência senão pelo contrário à insuperável limitação do homem não dão lugar à responsabilidade de quem as comete mas é precisamente esta irresponsabilidade a que assinala outro aspecto em demérito do processo penal É um fato que este terrível instrumento imperfeito e imperfectível expõe um pobre homem a ser levado ante o juiz investigado não poucas vezes arrastado separado da família e dos negócios prejudicado para não dizer arruinado ante a opinião pública para depois nem sequer ouvir desculpas de quem ainda que seja sem culpa perturbou e em ocasiões destroçou sua vida São coisas que infelizmente sucedem e uma vez mais ainda sem protestar não deveríamos ao menos reconhecer a miséria do instrumento que é capaz de produzir esses desastres e que é até incapaz de não produzilos Menos mal quando o erro é reconhecido relativamente rápido antes do debate com a absolvição por parte do juiz instrutor ou pelo menos ao final do debate de primeiro grau mas não são raros os casos nos quais depois de uma primeira condenação a absolvição chega mais tarde ao final de uma via crucis que não é raro que dure alguns anos aquele diplomático italiano que foi acusado de ter matado a sua mulher na Tailândia passou quatorze anos em prisão preventiva antes que com a absolvição pronunciada há tempos pela Corte de apelação de Bolonha reconheceuse sua inocência É pois precisamente a hipótese da absolvição que descobre a miséria do processo penal o qual em tal caso tem o único mérito da confissão do erro O erro do qual as pessoas não se dão conta e não só o público em geral mas inclusive os expertos do direito não conheço um jurista com exceção de quem vos fala que tenha advertido que toda sentença de absolvição é o descobrimento de um erro Deste modo ou por negligêcia ou por falso pudor ocultamse as misérias do processo penal que devem em troca ser conhecidas e sofridas a fim de que se classifique como se deve a justiça humana Pelo contrário quando o juiz está convencido da culpabilidade do imputado então condena Mas e se se equivocou A ameaça do erro pende como a espada de Damocles sobre o processo Ressoa no fundo de toda sentença a divina advertência não julgueis A lei faz o que pode para garantir a sentença contra o erro Não se trata aqui de submeter a uma crítica as medidas que a lei toma a este respeito E tampouco descrevêlas nós sabemos pouco mais ou menos que a sentença de primeiro grau pode ser revisada pelo juiz de apelação e a sentença de apelação pela corte de cassação e não seria em absoluto útil explicar este mecanismo complicado e tampouco fazer observar seus graves e depois de tudo irremediáveis defeitos Não se deve desconhecer que não obstante estes defeitos o mecanismo até um certo ponto serve para garantir o processo contra o erro até o ponto aproximadamente em que é possível mas uma garantia absoluta não se pode dar Também o juízo dos juízes superiores está exposto como o dos juízes inferiores a este perigo tanto mais que se de um lado esses se encontram em relação àqueles numa posição vantajosa de outro lado especialmente quanto ao juízo histórico os meios de que dispõem são todavia mais imperfeitos basta pensar que no processo de apelação comumente não são examinadas de novo as testemunhas e o juízo se forma sobre os termos os quais não dão nem podem dar dos testemunhos mais que uma representação mutilada muitas vezes deformada e até incompreensível Entretanto ao chegar a um certo ponto é necessário terminar O processo não pode durar eternamente É um final por esgotamento não por obtenção do objeto Um final que se assemelha mais à morte que ao cumprimento É necessário contentarse É necessário resignarse Os juristas dizem que ao chegar a um certo ponto formase a coisa julgada e querem dizer que não se pode ir mais além Mas dizem também res iudicata pro veritate habetur a coisa julgada não é a verdade mas se considera como verdade Em suma é um subrogado da verdade Estas coisas que os juristas sabem também os demais as devem saber Depois de tudo é fácil que com aquele aparato solene da cátedra das togas da cela dos penachos dos guardas detrás do presidente do Ministério Público que acusa dos advogados que defendem do público que assiste tenso e apaixonado aqueles que têm a ilusão de que o que sai dos lábios dos juízes ao final seja a verdade E pode também ocorrer que seja a verdade entretanto ninguém o sabe pode ser assim mas pode também não o ser Em Assis um dia falando do preso definio com estas palavras um que pode ser culpado Tive a impressão de que aqueles que me escutavam ficaram horrorizados Mas são as coisas que se devem saber aos fins da civilidade X O Cumprimento da Sentença Como quer que seja absolvição ou condenação o processo termina quando o juiz diz a última palavra Também esta é uma impressão ao menos em parte enganosa Termina é certo com a absolvição quero dizer quando a absolvição se converta em coisa julgada E deixemos estar se é justo que ocorra assim é sempre possível que mais tarde surjam novas provas das quais resulte com certeza que o imputado absolvido era culpado o porquê neste caso ele devia gozar da impunidade é algo que dificilmente se compreende mas não é a crítica da lei o que quero fazer desde este púlpito Do contrário no caso de condenação o processo não termina em absoluto Quando se trata de condenação nunca está dita a última palavra o imputado absolvido ainda quando surjam novas provas contra ele está atualmente bem ou mal em segurança mas o condenado em certos casos e deixemos estar também aqui a crítica da lei que é igualmente neste aspecto muito imperfeita tem direito à revisão ou seja com muitas cautelas à reabertura do processo Como quer que seja e ainda prescindindo desta revivescência a condenação não significa em absoluto o final do processo quer dizer pelo contrário e à diferença da absolvição que o processo continua somente que sua sede se transfere do tribunal para a penitenciária O que se deve entender é que também a penitenciária está compreendida com o tribunal no palácio da justiça Esta é uma ideia que nada tem de clara ainda na mente dos juristas mas deve ser aclarada no interesse da civilidade Inclusive aqui se apresenta a nudez do problema no terreno da civilidade Ocorre às pessoas incluídos os juristas em relação à condenação algo de análogo ao que ocorre quando um homem morre o pronunciamento da condenação com o aparato que todos conhecem mais ou menos é uma espécie de funeral terminada a cerimônia uma vez que o imputado sai da cela e o tomam em seu poder os guardas continua para cada um de nós a vida cotidiana e pouco a pouco no morto não se pensa mais Sob um certo aspecto se pode também assemelhar a penitenciária ao cemitério mas se esquece de que o condenado é um sepultado vivo Não é necessário muito para compreender que em vez de cemitério deveria ser um hospital mas basta ter entendido isto para descobrir o erro de quem pensa que com a condenação o processo esteja terminado A condenação olhandoa bem não é mais que uma diagnose não é também a diagnose um juízo O médico quando ao final de suas investigações estabelece a existência da enfermidade pronuncia também ele uma sentença e até uma condenação também a ele ocorre o mesmo que ao juiz absolver ou condenar conforme contemple no paciente um são ou um enfermo Mas a quem ocorre que o médico com a diagnose tenha completado seu encargo O juiz com a sentença de condenação faz a diagnose e prescreve a cura também a cura pois é obra da justiça ou é que tal trabalho deve se suspender quando for comprovado que alguém é um delinquente sem preocuparse em fazer tudo quanto é possível a fim de que se converta num homem honrado A penitenciária é verdadeiramente um hospital cheio de enfermos de espírito em lugar de enfermos de corpo e algumas vezes também do corpo mas que hospital tão singular No hospital antes de mais nada o médico quando se dá conta de que a diagnose é equivocada corrigea e retifica a cura Na penitenciária pelo contrário está proibido de atuar assim Não é um hospital onde não existem médicos nem enfermeiras o diretor da penitenciária e os outros que o ajudam na direção não estão desprovidos em absoluto daqueles conhecimentos que possam servir para o conhecimento de seus enfermos e muitas vezes o atendem com inteligência com paciência e até com abnegação Entretanto a estes médicos a diagnose do juiz lhe está imposta com autoridade precisamente da coisa julgada a experiência da marcha da enfermidade não conta para nada o juiz disse dez vinte trinta anos e dez vinte trinta devem ser ainda quando a experiência demonstre que são demasiados ou que são demasiado poucos porque ainda antes do período estabelecido o enfermo recuperou a saúde ou bem pelo contrário o período transcorreu inutilmente Dizem facilmente que a pena não serve somente para a redenção do culpado mas também para a advertência dos outros que poderiam ser tentados a delinquir e por isso deve os assustar e não é este um discurso que deva se tomar por chacota pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre a função repressiva e a função preventiva da pena o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros e não há entre estes dois aspectos do instituto possibilidade de conciliação O mínimo que se pode concluir dele é que o condenado o qual ainda tendo caído redimido antes do término fixado para a condenação continua em prisão porque deve servir de exemplo aos outros é submetido a um sacrifício por interesse alheio este se encontra na mesma linha que o inocente sujeito à condenação por um daqueles erros judiciais que nenhum esforço humano jamais conseguirá eliminar Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente mais ou menos o orgulho tão profundamente aninhado no mais íntimo de nossa alma inspira a cada um de nós ninguém verdadeiramente sabe no meio deles quem é ou não é culpado e quem continua ou não continua sendo Como quer que seja ainda quando a pena deve servir para assustar os outros deveria ao mesmo tempo servir para redimir o condenado e redimilo quer dizer curálo de sua enfermidade cujo fim se deveria saber em que consiste sua enfermidade Aqui as coisas que se hão de dizer são as mais simples e as mais amargas enquanto a medicina do corpo tem realizado progressos maravilhosos a medicina do espírito se encontra todavia em um estágio infantil Cristo até agora sobre este tema tem pregado no deserto ao colocar o preso junto do enfermo e no topo da escala dos pobres Ele disse bem claro que a delinquência é uma forma de pobreza ao faminto lhe falta a comida a água ao sedento a veste ao desnudo a casa ao vagabundo a saúde ao enfermo que é o que falta pois ao preso Cristo ao nos convidar a visitálo falou claro a visita é um ato de amizade É muito simples não é o delito pelo contrário um ato de inimizade Parece impossível que o estudo do delito tenha apresentado tantas dificuldades e tantas complicações Como não recordar as outras palavras de Cristo te dou graças Pai porque estas coisas as tem revelado aos pequeninos e as tem escondido dos sábios É necessário ser pequeno para compreender que o delito se deve a uma falta de amor Os sábios buscam a origem do delito no cérebro os pequenos não esquecem que precisamente como disse Cristo os homicídios os roubos as violências as falsificações vêm do coração É o coração do delinquente a que para curálo devemos chegar E não há outra via para chegar a ele senão a do amor A falta de amor não se enche mais que com amor Amor que a nullo amato amar perdona A cura que o preso tem necessidade é a cura de amor E o castigo A pena embora deve ser um castigo De acordo mas o castigo não é em absoluto incompatível com o amor O pai que não emprega a vara não ama o filho dizse na Bíblia O castigo para um coração de pai exige mais amor que o perdão precisamente porque ao castigar o filho castigase a si mesmo não há coração de pai que não sangre pelo sofrimento do filho O amor pelo condenado não exclui em absoluto a severidade da pena Sob este aspecto por sorte não existem antinomias no instituto da pena mas somente uma batalha a combater em nome da civilidade A batalha não é pela reforma da lei senão pela reforma do costume A lei especialmente com as modificações mais recentes faz pelo condenado o que pode Não é necessário pretender tudo do Estado Infelizmente este é um dos hábitos que se vão consolidando cada vez mais entre os homens e também este é um aspecto da crise da civilidade Sobretudo não se deve pedir ao Estado o que o Estado não pode dar O Estado pode impor aos cidadãos o respeito mas não lhes pode infundir o amor O Estado é um gigantesco robot ao qual a ciência pôde lhe fabricar o cérebro mas não o coração Isso corresponde ao indivíduo ultrapassar os limites nos quais deve deterse a ação do Estado Ao chegar a um certo ponto o problema do delito e da pena deixa de ser um problema jurídico para seguir sendo somente um problema moral Cada um de nós está comprometido pessoalmente na redenção do culpado e responde por ela A darlhe em última análise tal consciência e a fazerlhe sentir tal responsabilidade estão dirigidas estas conversações Já desde o princípio enquanto se desenvolve o processo para a comprovação do delito antes em suma da absolvição ou da condenação o comportamento de cada um de nós pode ter uma influência notável para facilitar seu curso e em todo caso para diminuir os sofrimentos que o processo ocasiona Em outros termos cada um de nós é um colaborador invisível dos órgãos da justiça Mas até a condenação pode bastar o respeito Depois da condenação não basta mais O condenado é o pobre por excelência em sua desnudez Não há uma necessidade mais angustiosa que a necessidade do amor É necessário vêlos dentro de um grosseiro uniforme com grandes listras feito para separálos dos outros homens alçar sobre nós uma olhada na qual se expressa ainda quando trate de se ocultar o sentido mortífero de sua inferioridade para compreender o bem que pode proporcionar a eles um sorriso uma palavra uma carícia Um bem do qual num primeiro momento não se dão conta Ao qual inclusive podem a princípio tratar de resistir mas que depois pouco a pouco insinuase sobre eles apoderase deles conquistaos suavizaos exprime de seu coração sentimentos que pareciam sepultados e de seus lábios palavras que pareciam esquecidas É necessário ter vivido essa experiência para compreender que nosso comportamento diante dos condenados é o indicador mais seguro de nossa civilidade XI A Libertação Finalmente para o preso chega o dia da libertação E então o processo verdadeiramente terminou É dizer o dia da libertação pode seguramente chegar mas a condição de que se entenda a verdadeira libertação da prisão que é nossa finitude e não quero tampouco dizer de nosso egoísmo já que basta dizer do nosso eu a porta está sempre aberta para se evadir e não são necessários grandes esforços a tal objeto basta sentir o peso de nossa solidão e com ela a necessidade do outro que está próximo quando se sente a necessidade do outro terminase por sentir a necessidade de Deus Muitos concebem a Deus como infinitamente distante e imaginam que é necessário para alcançálo um interminável caminho mas não recordam a resposta que Ele deu a Blas Pascal posto que me buscas já me encontrou Deus está sempre próximo do homem o infinito está ao redor do finito nãoé necessário mais que o reconhecer o que provavelmente no cárcere é mais fácil que fora Uma vez reconhecido o cárcere se converte em uma fortaleza Neste sentido verdadeiramente a libertação está ao alcance da mão de todo condenado Não existem nem regras nem guardiões que lhe possam privar de se libertar Mas não é disto de que agora quero falar A ocasião virá dentro de pouco Porque se pelo contrário a libertação se entende no sentido físico em lugar de espiritual seu dia também pode chegar O pensamento corre agora ao ergástulo reclusão que dura por toda a vida ao ergastulado a porta do cárcere não se abre a não ser para passar seu cadáver Isto que dizer que para ele o processo não tem fim E posto que a penitenciária é ou deveria ser um sanatório para recuperar as almas enfermas a condenação ao ergástulo é a declaração de que a alma do homem está perdida para sempre O tom lúgubre destas palavras inspira um sentido de horror mas não para aquele a quem estão dirigidas senão para aquele que as pronunciou A Corte de cassação italiana em sessões conjuntas que é a mais alta expressão da justiça humana em nosso país não só negou há poucos meses o inumano do ergástulo quanto à seriedade de quem tem sustentado esse caráter inumano Paciência Não há que se levantar nem se inquietar contra este juízo Também a cassação é um juiz e como todos os juízes pode equivocarse Infelizmente os juízes erram tanto mais facilmente quanto mais seguros estão de não errar Enquanto o magistério da Igreja se com o processo de beatificação declara a certeza de elevação de um santo ao paraíso não conhece um processo dirigido a verificar o precipício de um condenado ao inferno e os teólogos temerosos de escrutar o coração dos homens e mais ainda o coração de Deus não ousam afirmar a condenação ao inferno nem sequer de Judas a magistratura italiana pela voz de seu órgão mais insigne declarou em conformidade com a humanidade que um homem seja condenado para toda a vida isto é que a pena de reclusão como a do inferno não tenha nunca fim Se fosse necessário mais uma prova da miséria do processo a mesma nos teria sido proporcionada Mas também para os reclusos não condenados ao esgástulo pode ocorrer que não chegue o dia em que saiam vivos da prisão Um terrível aspecto da condenação à reclusão ainda que por um período breve é este de que ninguém está seguro de não morrer dentro daquele período Isto basta para dizer que o processo penal o qual não cessa com a condenação senão que segue com a expiação pode durar até a morte A eventualidade da morte no cárcere é o risco mais grave do encarceramento E não porque uma interpretação benévola da disciplina carcerária não consinta ao moribundo o último adeus de seus entes queridos senão porque aquele morrer lhe trunca a esperança do retorno à sociedade humana Esta a esperança de entrar de novo na sociedade humana de despojarse finalmente do horrível uniforme de assumir de novo o aspecto do homem livre de retomar seu posto na sociedade é o oxigênio que alimenta o preso Desde o momento em que entrou na prisão esta é a razão de sua vida Ao priválo dela está o desumano da condenação por toda a vida O condenado a ergátulo não tem sequer a conformação de contar os dias E a de contar os dias é a vida do preso Mas desgraçadamente na maior parte dos casos também este esperar é enganoso O processo sim com a saída da prisão está terminado mas a pena não quero dizer o sofrimento e o castigo Podese pensar especialmente no tocante às condenações de longa duração nas dificuldades ocasionadas ao libertado do cárcere pela troca dos costumes das relações interrompidas dos ambientes modificados tudo isto não pode deixar de determinar uma crise que poderia também se chamar a crise do renascimento Se não fosse por isto entretanto seria pouca coisa Pelo contrário na maior parte dos casos não se trata de uma crise A questão é muito mais grave O preso ao sair da prisão crê já não ser um preso mas nós não Para nós ele é sempre um preso um encarcerado pelo mais dizse exencarcerado nesta expressão está a crueldade e está o engano A crueldade está em pensar que tal como foi deve continuar sendo A sociedade crava em cada um o seu passado O rei ainda quando segundo o direito não seja já rei é sempre rei e o devedor mesmo que tenha pago sua dívida é sempre devedor Este roubou condenaramno por isto cumpriu sua pena mas Nesse mas dizia está a crueldade e está o engano Mas poderia roubar todavia logo eu não lhe dou trabalho Assim pensam as pessoas E nada conta que ao pensar assim ante tudo em lugar de raciocinar se aparte de todo raciocínio se pensasse darseia conta de que não mais o futuro depende do passado senão o passado do futuro se isto não fosse verdade negarseia a redenção e inclusive a ressurreição A fórmula do ex resulta sacrílega precisamente por isto Mas os homens que o veem tudo ao revés continuam sendo persuadidos de que cada um seguirá sendo como tem sido e não as pessoas comuns somente como também os homens de grande cultura e inclusive aqueles que fazem profissão de cristianismo De qualquer maneira e ainda que este fosse um pensar raciocinar justo esqueceriam eles que quando se chega a um certo ponto não basta raciocinar a razão é necessária mas não é suficiente Se não existisse mais que a razão não existiria a caridade A caridade essencialmente é loucura Se São Francisco houvesse raciocinado nunca teria beijadoo leproso com o risco de contrair o contágio Certamente isso de tomar a seu serviço um exladrão no próprio estabelecimento ou na própria casa é um risco poderia estar mas também poderia não estar curado O risco da caridade E as pessoas razoáveis tratam de evitar os riscos In dubiis abstine Assim o exladrão fica sem trabalho Chama a esta porta chama àquela outra são todas pessoas justas as que poderiam darlhe o meio de ganhar o pão Estas pessoas justas querem ficar garantidas para sua garantia não se instituiu a certidão criminal Fora pois a certidão criminal O exladrão assim está marcado na face quem haverá de lhe dar trabalho Ah as ilusões do cárcere quando se contavam ansiosamente os dias que faltavam para a libertação O Estado O Estado é também um ser racional Quando se trata de proclamar os princípios especialmente no regime de democracia o Estado é o primeiro a dar o exemplo o acusado não é considerado culpado enquanto não seja condenado por sentença definitiva Itália é uma República fundada sobre o trabalho A República tutela o trabalho em todas as suas formas Mas quando se trata de tutelar seus interesses também o Estado franze a testa Um empregado público está sob a suspeita de terse apropriado dos fundos do erário e é submetido ao processo penal pode ocorrer que não seja certa pode também se tratar de pouca coisa pode ser que tenha as obrigações de família nos tempos que correm numa situação desesperada Pode ser mas a lei é a lei enquanto isso suspenso do emprego e do salário até a sentença definitiva a Constituição o considera todavia inocente mas um inocente que já não tem o direito de ganhar o pão Seguese o processo e se lhe infligem três anos de reclusão se este é seu castigo uma vez transcorrido deveria voltar a ser aquele que era antes ao contrário não o emprego fica definitivamente perdido para ele a saída do cárcere é o princípio ao invés do final de um calvário Um mestre afetado por uma condenação não pode voltar a trabalhar como mestre depois de têla cumprido Um capitão de barco saído da prisão não pode voltar a exercer nunca sua profissão Não são exemplos inventados tomei os três de minha experiência mais recente Ademais não teria nem sequer necessidade deles porque se trata de coisas mais que sabidas por todos quem ignora que para aspirar a um emprego público é necessário que a certidão criminal seja limpa E nem sequer se pode discutir que esta é a exigência mais razoável deste mundo Nem que se o Estado se comporta assim os cidadãos não têm razão para imitálo Só em termos de razão igualmente se deve reconhecer que isso do preso que conta os dias sonhando com a libertação nada mais é que um sonho serão necessários muito poucos dias depois que a porta da prisão seja aberta para acordálo Então infelizmente diaadia sua visão do mundo se inverte no fim das contas estava melhor na prisão Este lento despojarse de sua ilusão esta troca de posições este desgostarse do que ele pensava ser a liberdade este retornar do pensamento à prisão como aquela que é atualmente sua casa descrevese magnificamente num conhecido romance de Hans Fallada mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas pela fantasia do escritor a invenção corresponde infelizmente à realidade E tampouco aqui devemos dizêlo uma vez mais querse protestar em absoluto contra a realidade Basta conhecêla O resultado de a ter conhecido é este as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação e não é verdade as pessoas creem que a pena termina com a saída do cárcere e não é verdade as pessoas creem que o ergástulo é a única pena perpétua e não é verdade A pena se não propriamente sempre em nove de cada dez casos não termina nunca Quem pecou está perdido Cristo perdoa mas os homens não XII Fim Mais Além do Direito Talvez agora ao final destes colóquios tenhase compreendido mais claramente do que podia compreenderse no princípio deles o valor que tem a questão penal para a civilidade Civilidade humanidade unidade são uma só coisa tratase da possibilidade alcançada pelos homens de viver em paz Todos nós temos um pouco da ilusão de que os delinquentes são os que perturbam a paz e de que a perturbação pode eliminarse separandoos dos outros assim o mundo se divide em dois setores o dos civis e o dos incivis uma espécie de solução cirúrgica do problema da civilidade Aqui a ideia se expõe como ocorre sempre quando se trata de simplificar a expressão em termos paradoxos mas não seria difícil demonstrar que a ideia corresponde exatamente ao modo de pensar comum empírico científico e até filosófico Está bem como se faz para distinguir os incivis dos civis O único meio para distinguir é o juízo e é necessário fazer a experiência amarga do juízo penal para começar a compreender a advertência de Jesus Infelizmente quase todas as palavras de Jesus são todavia incompreendidas Essas palavras estão demasiado carregadas de pensamento para que nós pobres homens possamos apreciálas Elas nos deslumbram como quando se trata de olhar o sol Os intérpretes teriam o ofício de decompor a luz em um arcoíris mas são eles ao final de tudo pobres homens também Certamente entre as proposições do Evangelho uma das mais paradoxas é o nolit iudicare Todo o ordenamento do direito cuja essência é o juízo e do processo em particular parece que contradiz essa proposição É natural que aqueles pensadores que se negam a reconhecer algum valor jurídico no Evangelho encontrem na desvalorização do juízo seu mais firme ponto de apoio Mas bastaria um pouco de conhecimento penal prático para corrigir suas ideias Temse dito que o processo é aquele instituto no qual se manifestam todas as deficiências e as impotências do direito podese agregar que o penal é a espécie que expõe melhor de manifesto as deficiências e as impotências do processo À medida que a experiência do processo penal se aprofunda e se afina passase a apreciar no esplendor alucinante da advertência divina as linhas da verdade Motivo pelo qual a meu ver devo a essa advertência o milagre de ter renascido Como se faz pois para distinguir os incivis dos civis por meio do frágil juízo humano A primeira coisa que ensina a experiência penal é que a penitenciária não é diferente em absoluto do resto do mundo tanto no sentido de que a penitenciária é um mundo como no sentido de que também o resto do mundo é uma grande casa de pena Isso de que dentro da penitenciária existem somente infames e fora delas somente homens honrados é uma ilusão ou que um homem possa ser completamente infame ou toda pessoa decente Oralmente o processo penal entendido em seu mais amplo sentido compreensivo do tribunal e da detenção é a mais eficaz entre as escolas de psicologia e por que não também de filosofia É este também um ensinamento de Jesus o qual não desdenhava sentarse no mesmo banco com os publicanos e com as meretrizes foi uma meretriz que na casa de Simão o fariseu procurouo na alegria de sua generosidade de sua devoção de suas lágrimas e foi um ladrão quem enquanto um ou outro sofria sobre a cruz espargiu o bálsamo de uma palavra de misericórdia sobre seu coração transpassado Com isto não se nega a necessidade de separar já nesta vida para usar todavia termos evangélicos as ovelhas dos cabritos os bons dos maus Jesus mesmo reconheceu a necessidade da lei e do Estado mas toda necessidade é uma insuficiência Nestes colóquios não se tem desejado desconhecer que o direito do processo do tribunal da penitenciária não podemos prescindir sem eles infelizmente os homens seriam contudo piores do que o são O prejuízo por não dizer a superstição contra a que se tem combatido não é que o direito seja necessário mas sim que o direito seja suficiente Desta superstição infelizmente está impregnado o pensamento moderno Também este é um dos aspectos da crise da civilidade Tudo se pede e tudo se espera do Estado ou seja do direito não porque Estado e direito sejam a mesma coisa mas sim porque o direito é o único instrumento do qual em última análise o Estado pode se servir Se é verdade que cada fase da civilização tem seu ídolo o ídolo da que estamos atravessando é o direito Temonos convertido em adoradores do direito Agora bem não existe uma experiência tão idônea como a experiência penal para se apartar desta idolatria As misérias do processo penal são um aspecto da miséria fundamental do direito Se tratei de apontálas o sentimento que me guiou não foi o de desacreditar uma instituição à qual dediquei toda a minha vida senão o de pôr cuidados na sua apreciação exagerada Não se trata de desvalorizar o direito mas sim de evitar que seja supervalorizado Em suma de desenganar o público em geral a respeito deste ponto que basta ter boas leis e bons juízes para alcançar a civilidade No final de contas o que o direito poderia obter ainda quando fosse construído e manobrado do melhor modo possível é que os homens se respeitem uns aos outros Mas o respeito não faz desaparecer a divisão e é está a que se tem de superar Embora os homens se julguem permanecem divididos O respeito em última análise resolvese no meu e no teu e também o juízo tende a esta divisão Juízo e respeito ainda quando não o pareça são termos correlatos Quando o exladrão se apresenta a minha porta não lhe falto com o respeito se lhe respondo que não há trabalho para ele A ilusão e até a superstição que há que desarraigar é a de que ao fazer assim eu seja um homem civil É necessário habituarse a estabelecer a diferença entre o homem jurídico e o homem civil Mais além do direito é a expressão da civilidade Também neste caminho que se abre mais além do direito é Cristo quem nos guia Mais além do direito ou mais além do juízo mais além do juízo ou mais além do pensamento é a mesma coisa Cristo não se limitou a dizer não julgueis o relato de São João a este respeito completa o relato de São Mateus não julgueis é o preceito negativo de seu ensino amaos como eu os tenho amado é seu aspecto positivo Mais além da justiça dos homens está a caridade justiça e caridade são um todo somente em Deus Mais além do respeito está o amor o amor somente une Mas é necessário reconhecer que aos homens não é mais fácil amar que julgar frágil é em nós o juízo mas frágil também o amor Se não houvesse existido esta debilidade Cristo não teria tido razão para vir sobre a Terra Na melhor das hipóteses cada um de nós tem no coração uma dose mínima de amor Cada um de nós é um pavio luminoso antes que nos outros é em nós onde a chama deve ser reavivada Cristo tem ensinado que os pobres vieram ao mundo para isto Quando no discurso do juízo final identificouse com eles dizendo que o bem que se faz ao faminto ao sedento ao desnudo ao peregrino ao enfermo ao preso faz se a Ele identificou no pobre um enviado de Deus Enviado a que fim Ao fim precisamente de nos ensinar a amar O viajante pelo caminho de Jericó foi agredido depredado e golpeado pelos ladrões na divina economia da história para que o samaritano provasse nele sua compaixão de igual maneira Maria Bailly estava agonizando ante a gruta de Massabielle a fim de que Aléxis Carrel abrisse sua mente à onipotência de Deus A compaixão é o prelúdio do amor Também na pobreza se manifesta a diversidade sirene do mundo o discurso sobre o juízo final a classifica precisamente em seis espécies diversas Entre estas a pobreza do preso é sem dúvida a que menos parece reclamar a caridade O preso temse de admitilo repugna como o leproso A sua é uma pobreza oculta em comparação com a do pobre e com a do enfermo segundo uma observação superficial ninguém chama pobre a um malvado A coisa muda de aspecto quando a observação se faz mais profunda e descobre no malvado um necessitado de amor Tal é o descobrimento que permite fazer a experiência penal E é um descobrimento fundamental para nossa salvação Vêm à luz assim as raízes da pobreza e da caridade Quando por meio da compaixão chegase a reconhecer no pior dos presos um homem como eu quando se dissipou aquela névoa que me permitia crer ser melhor que ele quando senti pousar também sobre meus ombros a responsabilidade de seu delito quando há anos numa meditação da Sextafeira Santa diante da Cruz senti gritar dentro de mim Judas é teu irmão então compreendi não só que os homens não se podem dividir em bons e maus senão que tampouco se podem dividir em livres e presos porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros dos que estão dentro dele e os há dentro do cárcere mais livres quando estão na prisão do que os que estão fora Presos estamos todos mais ou menos entre os muros de nosso egoísmo quiçá para evadirse não há ajuda mais eficaz que a que nos podem oferecer aqueles pobres que estão materialmente fechados dentro dos muros da penitenciária Uma vez mais tem razão o padre Charles Quem pensa em dar graças senão o rico quando dá uma esmola ao pobre que a pede Nunca teria acreditado quando ainda quase uma criança passei a frequentar o processo penal que teria de receber dele tanto bem Depois de tudo não é mais que um ato de gratidão o que realizei com estas conversações Não se pode receber tanto bem sem tratar de dar também parte dos outros Cada vez mais me convenço de que aquele que me levou a conhecer as coisas que tratou de explicálas foi um privilégio Tratase para mim de pagar a dívida contraída ao receber este privilégio Disse um singular poeta espanhol que somente a moedinha da alma se perde se não se dá Os tesouros da matéria se guardam mas os do espírito se consomem trancando os num cofre Agora ao despedirme de vocês sintome mais leve