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Direito ·

Hermenêutica

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Reitor João Cláudio Todorov ViceReitor Sérgio Barroso de Assis Fonseca EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Conselho Editorial Alexandre Lima Álvaro Tamayo Lumbana Aryon Dall Igna Rodrigues Dournir Nunes de Moura Emanuel Araújo Presidente Eurídice Carvalho de Sardinha Ferro Lúcio Benedito Reno Salomon Marcel Auguste Dardenne Sylvia Ficher Vilma de Mendonça Figueiredo Volnei Garrafa A Editora Universidade de Brasília instituída pela Lei nº 3998 de 15 de dezembro de 1961 tem como objetivo editar obras científicas técnicas e culturais de nível universitário Direitos exclusivos para esta edição EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA SCS Quadra 02 Bl C N 78 Edifício OK 70300500 Brasília DF Fax 061 2255611 Título original Teoria delordinamento giuridico Copyright 1982 by Edgardo G Giappichelli Nenhuma parte desta obra poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por escrito da Editora Impresso no Brasil Equipe técnica Editoração Ewandro Magalhães Júnior Flávio Gonçalves da Rocha Castro Regina Coeli Andrade Marques Revisão de texto Alta Rosa de Farias Falcão Eilda Moraes de Oliveira Filho José G de Arruda Filho Capa Francisco Regis ISBN 8523002766 Norberto Bobbio pertence a uma corrente jusfilosófica que se costuma chamar de Escola Analítica ou Positivismo Analítico Suas posições no entanto são bastante matizadas e não é fácil incluílo nessa corrente Desde a década de 50 os escritos de Bobbio marcam um nítido programa de reformulação dos estudos do Direito apertados que estavam numa polêmica tornada tediosa e fecunda entre jusnaturalismo e positivismo Bobbio é um dos primeiros a voltarse para a metodologia da Ciência do Direito em termos de uma análise linguística Ao posicionarse desse modo Bobbio enfrentava uma crise que pairava sobre a Ciência Jurídica tentando nas pegadas de Kelsen mas desvinculandose dos pressupostos neokantianos reelaborar um conceito de Ciência Jurídica capaz de conferirlhe um estatuto próprio dentro das ciências empíricas mesmo porque o conhecimento jurídico não podia prescindir de recorrer aos fatos ainda que elaborasse proposições sobre normas o Direito parecia encontrar um lugar que no entanto não lhe conferia o estatuto próprio consagrado Assim a partir dos anos 50 Bobbio se direcionou decididamente para uma concepção de ciência como linguagem de rigor e aí descobriu o caminho que procurava Seus estudos de Teoria Geral do Direito foram marcados por essa preocupação e se desenvolveram no sentido de buscar respostas para problemas que então preocupavam particularmente a teoria jurídica Os trabalhos de Bobbio sobre a temática jurídica são inúmeros Em todos eles mostrase acima de tudo um ama TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR lista É isso a ponto de às vezes influenciar o seu leitor não só pelo conteúdo mas pelo estilo de trabalho Leitores de Bobbio sentimosnos em muitas ocasiões tentados a proceder a análises que como as suas não culminam necessariamente em sínteses mas elucidam distinções capaces de aclarar os problemas Essa influência que a leitura de Norberto Bobbio exerce sobre o seu leitor é marcante haja vista a pleiade de juristas contemporâneos que na Itália e em tantos outros países seu pensamento produziu E muitos deles absorvendo às vezes menos do conteúdo e muito mais do estilo Um estilo contudo difícil de ser executado pois requer finura de espírito rigor de linguagem disciplina de pensamento e um formidável acúmulo de informações E neste conjunto Norberto Bobbio é certamente insuperável Seus escritos por isso são todos individualmente peças que se encaixam sob a forma de reflexões analíticas que o nosso autor executa com maestria conduzindo o leitor muitas vezes não a soluções mas a perplexidades É o caso de seu brilhante ensaio sobre as antinomias e que começa perguntando sobre qual a diferença entre o jurista e um chofer de caminhão quando respondem à pergunta Entre duas normas opostas qual prevalece para terminar dizendo em que pesem as sutis distinções do jurista que ambas não são a resposta simples e direta A mais justa Na verdade Norberto Bobbio mesmo no âmbito de sua especialidade jamais escreveu um tratado Sequer formulou de forma acabada e abrangente uma Teoria Geral do Direito A maior parte de seus livros são coleções de artigos ou nossos complicados casos No entanto como apontou Alfonso Ruiz Contribución a la teoría del derecho justamente por isso seu pensamento guarda um só tempo a finura da análise o rigor terminológico e uma certeza libertadora dos sistemas cercadores É óbvio que a sanção nesta visão ao referirse à violação da norma não diz respeito à sua validade mas à sua eficácia pois é um expediente diz Bobbio para conseguir que as normas sejam menos violadas ou que as consequências da violação sejam menos graves Ora colocandose a questão da sanção a nível da eficácia surge inevitavelmente perante a reflexão o problema da função da sanção combinada na norma e conseqüência a questão complexa da relação entre ser e deverser mais particularmente entre força e direito Preocupado em aprofundar a questão Bobbio procura um modo que lhe permita evitar a dicotomia rígida entre ser e deverser admitindo que o critério da sanção externa e institucionalizada está referido não a cada norma em particular mas ao ordenamento como um todo Com isso rejeita a idéia kelseniana de que o Direito seja um mero regulador da força que seria seu conteúdo admitindoo como um meio Assumindo uma posição analítica Bobbio aceita que no escalonamento normativo a força aparece ora como sanção de um direito já estabelecido e que deve ser aplicado ora como produção de um direito a ser criado Tudo depende do ponto em que nos colocamos na pirâmide jurídica Numa certa fase de seu pensamento a teoria de Bobbio sobre a sanção nos pareceu entender os limites em que se delineia o seu projeto de uma Ciência Jurídica Escolhesse por proposta a noção de sanção porque ela é central para uma posição positivista que à princípio assumiu alguns dos mais importantes pressupostos da teoria pura do Direito de Kelsen Com efeito a reflexão sobre a sanção nos mostra que se de um lado é positivo manter com certa clareza a relação jurídica dentro dos frontais do normativo das relações de validade uma vez que as normas não valem por causa da sanção do outro lado a noção de sanção nos obriga a explorar o fenômeno da força e consequentemente a enfrentar a questão da dimensão fática dentro da teoria jurídica Num texto escrito tempos depois Norberto Bobbio comentando aliás a posição de Kelsen sobre a teoria da Ciência do Direito e referindose ao empenho daquele autor a constituição das linhas mestras de sua Teoria Pura em evitar que o pensamento jurídico endereçasse pelas sendas da ideologia e da especialização sobre os fins do Direito observa no entanto com acuidade que uma das noções que Kelsen não consegue conceituar sem evitar uma definição funcional é justamente a sanção por sinal básica para a Teoria Pura pois as sanções são postas pelo ordenamento jurídico para obter um dado comportamento humano que o legislador considera desejável Dalla struttura alla funzione p 71 Em vista dessa observação Norberto Bobbio se acha em condições de aprofundar não apenas o conceito de sanção e de seu papel no Direito não apenas ao examinar com maior campo de visão a própria dimensão fática mas também de apontar o destino da Ciência Jurídica neste final de século E nisso Norberto Bobbio foi e continua sendo um mestre Com efeito se desde Kelsen e antes dele com Jhering a teoria jurídica sempre encarou a sanção particularmente como uma forma repressiva isso não esconde a existência das chamadas sanções positivas que não eram punições mas recompensas Isso sempre foi admitido na literatura jurídica e filosófica mas para o Direito a relevância das sanções negativas obscurecia a importância das outras Na verdade como iria observar Bobbio em seus últimos escritos sobre a problemática a distinção entre sanções negativas e positivas e a relativa desconhecimento para o Direito das positivas reproduz no fundo uma concepção de sociedade típica do século XIX Com isso a importância conferida no mundo jurídico à sanção negativa Em segundo lugar sendo também promessas de facilitar ou de premiar invertese até mesmo a relação direitodever em novas configurações extremamente importantes para a teoria jurídica uma vez que se a sanção é ameaça a relação direitodever vai do sancionado direito para o sancionador dever mas se é promessa do sancionado direito para o sancionador dever de cumprir a promessa A exigência da nova pesquisa nasce do fato de que na realidade as normas jurídicas nunca existem isoladamente mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si se estas relações serão em grande parte objeto de nossa análise Esse contexto de normas costuma ser chamado de ordenamento Uma rápida visão da história do pensamento jurídico nos últimos séculos nos dá uma confirmação do que até aqui afirmamos do famoso tratado De Legibus ac Deo Legislore de Francisco Suárez 1612 aos tratados mais recentes de Thon e de Binding ele faz claro desde os títulos que o objeto principal da análise é o verdadeiro elemento primeiro da realidade jurídica a norma em si Por critério material entendemos aquele critério que se poderia extrair do conteúdo das normas jurídicas isto é das ações reguladas Esse critério é manifestamente inconcluso Objeto de regulamentação por parte das normas jurídicas são todas as ações possíveis do homem e entendemos por ações possíveis aquelas que não são necessárias nem impossíveis Seguese obviamente que uma norma que comandasse uma ação necessária ou proibisse uma ação impossível seria inútil de outro lado uma norma que proibisse uma ação necessária ou ordenasse uma ação impossível seria inexequível Mas uma vez excluídas as ações necessárias isto é aquelas que o homem executa por necessidade natural e por conseqüência independentemente de sua vontade e as ações impossíveis isto é ações que o homem não está apto a cumprir obstante todo o esforço da sua vontade o campo das ações possíveis é vastíssimo e isso é comum tanto às regras jurídicas como a todas as outras regras de conduta consiste justamente o ordenamento jurídico abrindo assim para uma estrada que tinha como saída o reconhecimento da relevância do ordenamento para a compreensão do fenômeno jurídico No conjunto das tentativas realizadas para caracterizar o Direito através de algum elemento da norma jurídica consideraríamos sobredito quatro critérios 1 critério formal 2 critério material 3 critério do sujeito que põe a norma 4 critério do sujeito ao qual a norma se destina Em nenhuma dessas duas formulações a norma jurídica assume uma forma caracterizantista a primeira formulação é própria de qualquer norma técnica se você quer comprar selos deve ir ao correio a segunda formulação é característica de qualquer norma condicionada se chover você deve pegar o guardachuva mos poderseá dizer que a pesquisa por nós realizada na Teoria della norma giuridica é uma prova do caminho obrigatório que o teórico geral do Direito percorre de parte ao todo isto é do fato de que mesmo partindo da norma chegase quando se quer entender o fenômeno do Direito ao ordenamento Direito ao Moral mas não das regras do costume que se referem sempre a ações externas e muitas vezes a ações intersubjetivas nômene de normas sem sanção Partindo da consideração da norma jurídica tivemos de responder que se a sanção faz parte do caráter essencial das normas jurídicas as normas sem sanção não são normas jurídicas Um outro problema que no plano da norma jurídica deu lugar à infinita e estéreis controversas é o do Direito consuetudinário Como é sabido o principal problema de uma teoria do costume é determinar em que ponto uma norma consuetudinária jurídica distinguese de uma norma consuetudinária nãojurídica ou seja em outras palavras através de que processo uma simples norma de costume tornase uma norma jurídica Problema insolúvel talvez porque mal posto Se é verdade como procuramos mostrar até aqui que o que comummente chamamos Direito é um fenômeno muito complexo cujo ponto de referência é um sistema normativo inteiro é inútil procurar o elemento distintivo em um costume jurídico a respeito da regra do costume na norma consuetudinária em particular Deverseá responder de preferência que uma norma consuetudinária tornase jurídica quando vem a fazer parte de um ordenamento jurídico Mas desse modo o problema não é mais do que o tradicional teorico do costume Qual é o caráter distintivo de uma norma jurídica consuetudinária em relação a uma regra do costume mas este outro Quais são os procedimentos através dos quais uma norma consuetudinária vem a fazer parte de um ordenamento jurídico Concluindo essa posição proeminente que se dá ao ordenamento jurídico conduz a uma transmutação da perspectiva no tratamento de alguns problemas da teoria geral do Direito Essa transmutação pode ser assim expressa enquanto pela teoria tradicional um ordenamento se compõe de normas jurídicas na nova perspectiva normas jurídicas são aquelas que venham a fazer parte de um ordenamento jurídico Em outros termos não existem ordenamentos jurídicos porque há normas jurídicas mas existem normas jurídicas porque há ordenamentos jurídicos distintos dos ordenamentos condições e os procedimentos para produzir normas válidas de conduta Vimos até agora que não é concebível um ordenamento jurídico composto de uma só norma de conduta Perguntamos é concebível um ordenamento composto de uma só norma de estrutura Um ordenamento desse tipo é concebível Geralmente considerase tal o ordenamento de uma monarquia absoluta em que todas as normas parecem poder ser condensadas na seguinte É obrigatório tudo aquilo que o soberano determinar Por outro lado que um tal ordenamento tenha uma só norma de estrutura não implica que também haja apenas uma norma de conduta As normas de conduta são tantas quantas forem em dado momento as ordens do soberano O fato de existir uma só norma de estrutura tem por consequência a extrema variabilidade de normas de conduta no tempo e na exclusão de sua pluralidade em determinado tempo 5 Os problemas do ordenamento jurídico Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma isso advém que os principais problemas conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si Em primeiro lugar se trata de saber se essas normas constituem uma unidade e de que modo a constituem O problema fundamental que deve ser discutido é o da hierarquia das normas A unidade do ordenamento jurídico é dedicado o segundo capítulo Em segundo lugar tratase de saber se o ordenamento jurídico é fundamentalmente um sistema O problema fundamental que é colocado em discussão a este respeito é o das antinomias jurídicas A CAPÍTULO 2 A unidade do ordenamento jurídico 1 Fontes reconhecidas e fontes delegadas A hipótese de um ordenamento com uma ou duas normas proposta no capítulo anterior é puramente acadêmica Na realidade os ordenamentos são compostos por uma infinidade de normas que como as estrelas no céu jamais alguém consegue contar Quantas são as normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico italiano ou brasileiro Ninguém sabe Os juristas queixamse que são muitas mas assim mesmo criamse sempre novas e não se pode deixar de criarlas para satisfazer todas as necessidades de sempre mais variada e intrincada vida social A dificuldade de rastrear todas as normas que constituem um ordenamento depende do fato de geralmente essas normas não derivarem de uma única fonte Podemos distinguir os ordenamentos jurídicos em simples e complexos conforme as normas que os compõem derivem de uma só fonte ou de mais de uma Os ordenamentos jurídicos que constituem a nossa experiência de historiadores e de juristas são complexos A imagem de um ordenamento como colocam as normas e os sujeitos que as recebem é puramente escolástica O legislador é um personagem imaginário que esconde uma realidade mais complicada Também um ordenamento restrito pouco institucionalizado que recobre um grupo social de poucos membros como a normas gerais e abstratas mas à diferença das leis a sua produção é confiada geralmente ao Poder Executivo por delegação do Poder Legislativo e uma de suas funções é a de integrar leis muito genéricas que contêm algumas diretrizes de princípio e não poderiam ser aplicadas sem serem ulteriormente especificadas É impossível que o Poder Legislativo formule todas as normas necessárias para regular a vida social limitase então a formular normas genéricas que contêm somente diretrizes e confia aos órgãos executivos que são muito mais numerosos o encargo de tornálas exequíveis A mesma relação existe entre normas constitucionais e leis ordinárias as quais podem às vezes ser consideradas como os regulamentos executivos das diretrizes de princípio contidas na Constituição Conforme se vai subindo na hierarquia das fontes as normas tornamse cada vez menos numerosas e mais genéricas descem ao contrário as normas tornamse cada vez mais numerosas e mais específicas Outra fonte de normas de um ordenamento jurídico é o poder atribuído aos particulares de regular mediante atos voluntários os próprios interesses tratase do chamado poder de negociação O enquadramento desta fonte na classe das fontes reconhecidas nu das fontes delegadas é menos nítido Se se coloca em destaque a autonomia privada entendida como capacidade dos particulares de dar normas a si próprios numa certa esfera de interesses e se considerarmos os particulares como constitutivos de um ordenamento jurídico emboras sejam constitucionais e dependentes podese falar neste caso do limite interno do poder normativo originário A recepção de normas já feitas produzidas por ordenamentos diversos e precedentes A delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores Por essas razões em cada ordenamento ao lado da fonte direta temos fontes indiretas que podem ser distinguidas nestas duas classes fontes reconhecidas e fontes delegadas A complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder ou órgão em condições de satisfa fazêla sozinho Para vir ao encontro dessa exigência o poder supremo recorre geralmente a dois expedientes 1 a recepção plenamente subalternado pelo novo Direito positivo mas conserva em parte a sua eficácia no interior do mesmo ordenamento positivo como direito adequado Nessas duas hipóteses vêemse claramente representados e racionalizados os dois processos de formação de um ordenamento jurídico e a estrutura complexa que dele deriva De um lado o ordenamento positivo é concebido como tabela rasa de todo o direito preexistente representando aqui por aquele direito que vige no estado natural de outro é concebido como emergente de um estado jurídico mais antigo que continua a subsistir No primeiro caso limite do poder soberano é automatização no segundo existem limites originarios e externos Ao falarmos de uma complexidade do ordenamento jurídico derivada da presença de fontes reconhecidas e de fontes delegadas acolhemos e reunimos numa teoria unitária do ordenamento jurídico seja a hipótese dos limites externos seja a hipótese dos limites internos Exemplarizando a aceitação de uma normatização consecutiva corresponde a hipótese de um ordenamento que nasce limitado a atribuição de um poder regulamentar corresponde a hipótese de um ordenamento que se autolimita Quanto ao poder de negociação ele pode ser explicado com ambas as hipóteses ora como uma espécie de direito do estado natural a identificação entre Direito natural e Direito privado se encontra por exemplo em Kant que o Estado reconhece ora como uma delegação do Estado aos cidadãos Consideremos um ordenamento elementar como o familiar Se o concebemos como um ordenamento simples isto é como o ordenamento no qual existe uma fonte sobre a produção normativa não existirá senão uma regra sobre a produção jurídica a qual pode ser formulada deste modo O pai tem a autoridade de regular a vida da família Como se vê essa norma não diz nada sobre o modo como os filhos devem cumprir suas obrigações escolares diz simplesmente a quem cabe estabelecer estes deveres isto é faz existir uma fonte de direito Tomemos agora um ordenamento estatal moderno Em cada grupo normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura isto é normas dirigidas diretamente a regular a produção das pessoas e normas destinadas a regular a produção de outros normas Comecemos pela Constituição Numa Constituição como a italiana há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos como as que dizem respeito aos direitos de liberdade mas existem outras normas que regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder Legislativo e portanto não estabelecem nada a respeito das pessoas limitandose a estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas executa a obrigação contratada contraída com Sicrano e chamemolo de ato executivo Esse ato executivo é o cumprimento de uma regra de conduta derivada do contrato Por sua vez o contrato é executado em cumprimento às normas legislativas que disciplinam os contratos Quanto às normas legislativas foram formuladas segundo as regras estabelecidas pelas leis constitucionais para a formulação das leis Paremos aqui O ato executivo de que falamos está ligado ainda que mediatamente às normas constitucionais que são produtores em diversos níveis das normas inferiores Esse ato executivo pertence a um sistema normativo dado na medida em que de norma em norma ele pode ter sua referência última nas normas constitucionais O cabo recebe ordem do sargento o sargento do tenente o tenente do capitão até o geral e mais ainda num exercício falase de unidade do comando porque a ordem do cabo pode ter origem no geral O excerto é um exemplo de estrutura hierárquica Assim é o ordenamento jurídico Chamamos de ato executivo o ato de alguém que executa um contrato assim como chamamos de produtoras as normas inferiores às normas constitucionais Se observarmos melhor a estrutura hierárquica do ordenamento perceberemos que os termos execução e produção são relativos Podemos dizer que como Fulano executa o contrato assim Fulano e Sicrano estipulando o contrato executaram as normas superiores ou os órgãos legislativos estabelecidos executaram a Constituição Por outro lado é verdade que as normas inferiores produzem as leis ordinárias é também verdade que as leis ordinárias produz não só as normas superiores como também o próprio Fulano encontrar uma solução dentro do que as leis ordinárias estabelecem Quando se diz que o juiz deve aplicar a Lei dizse em outras palavras que a atividade do juiz está limitada pela Lei no sentido do que o conteúdo da sentença deve corresponder ao conteúdo de uma lei Se essa correspondência ocorre a sentença do juiz pode ser declarada inválida tal como uma lei ordinária nãoconforme à Constituição As leis relativas ao procedimento constituem ao contrário os limites formais da atividade do juiz isso quer dizer que o juiz está autorizado a estabelecer normas jurídicas no caso concreto mas deve estabelecêlas segundo um ritual em grande parte estabelecido pela Lei Em geral os vínculos do juiz com respeito à Lei são maiores que aqueles existentes para o legislador ordinário em respeito à Constituição Enquanto na passagem da Constituição para a lei ordinária vimos que se pode verificar o caso de falta de limites materiais na passagem da lei ordinária para a decisão do juiz é difícil que se verifique esta falta na realidade deveríamos formular a hipótese de um ordenamento no qual a Constituição estabelecesse que em cada caso o juiz deveria julgar segundo a equidade Chamamse juízos de equidade aqueles em que o juiz está autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma legal preestabelecida O juízo de equidade pode ser definido como autorização ao juiz de produzir direito fora de cada limite material imposto pelas normas superiores Em nossos ordenamentos esse tipo de autorização é raro Nos ordenamentos em que o poder criativo do juiz é maior o juízo de equidade é também sempre excecional os limites materiais são o poder normativo do juiz no que deriva da lei escrita derivam de outras fontes A norma fundamental No parágrafo quarto procedendo das normas inferiores para as superiores paramos nas normas constitucionais Será que as normas constitucionais são as últimas além das quais não se pode ir Por outro lado aqui a acolhi tivemos ocasião de falar de uma norma fundamental de todo o ordenamento jurídico Será que as normas constitucionais são a norma fundamental Para fecharmos o sistema devemos dar agora um passo além das normas constitucionais Partamos da consideração de que toda norma pressupõe um poder normativo norma significa imposição de obrigações imperativo comando prescrição etc onde há obrigação como já vimos há poder Portanto existem normas constitucionais deve existir o poder normativo do qual elas derivam esse poder é o poder constituinte O poder constituinte é o poder último aquele do qual se quisermos supremo originário um ordenamento jurídico Mas se vimos que uma norma jurídica pressupõe um poder jurídico vemos também que todo poder normativo pressupõe por sua vez uma norma que o autoriza a produzir normas jurídicas Dado o poder constituinte como poder último devemos considerar portanto uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jurídicas essa norma é a norma fundamental A norma fundamental enquanto por um lado atribui aos órgãos constitucionais poder de fixar normas válidas impõe a todos aqueles aos quais se refere as normas constitucionais o dever de obedecêlas É uma norma ao mesmo tempo atributiva e imperativa segundo se considera do ponto de vista de onde ela nasce Pode ser formulada da seguinte maneira O poder constituinte está autorizado a estabelecer normas obrigatórias para toda a coletividade A coletividade é obrigada a obedecer às normas estabelecidas pelo poder constituinte Notese bem a norma fundamental não é expressa mas nós a pressupomos para fundar o sistema normativo Para fundar o sistema normativo é necessária uma norma última além da qual seria inútil Todas as polêmicas sobre a norma fundamental resultam da não compreensão de sua função Posto um ordenamento de normas de diversas procedências a unidade do ordenamento postula que as normas que o compõem sejam unificadas Essa reductio ad unum não pode ser realizada no ápice do sistema não porque seja norma única da qual todas as outras direta ou indiretamente derivem Essa norma única não pode ser senão aquela que impõe obedecer ao poder originário do qual deriva a Constituição que origina as leis ordinárias que por sua vez vão derivar dos regulamentos decisões judiciais etc Se não postulássemos uma norma fundamental não acharíamos o que consistir sem o que o ponto de oposto do sistema E essa norma última não pode ser senão aquela de um poder anterior Tendo definido o poder jurídico como produto de uma norma jurídica podemos considerar o poder constituinte como produto legítimo de estabelecêla uma norma que ele não pertence da quando puder ser reinserida não importa se através de um ou mais graus na norma fundamental Então diríamos que a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento em outras palavras é o fundamento de validade de todas as normas do sistema Portanto não só a exigência de unidade do ordenamento mas também a exigência de fundamentar a validade do ordenamento nos induzem a postular a norma fundamental a qual simplesmente o fundamento de validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento E como um ordenamento pressupõe a existência de um critério para estabelecer se as partes pertencem ao todo e um princípio que é único não pode existir um ordenamento sem norma fundamental Uma teoria coerente do ordenamento jurídico e a teoria da norma fundamental são indissociáveis Mas alguém pode perguntar E a norma fundamental sobre o que é que se funda Grande parte da hostilidade à admissão da norma fundamental deriva da objeção formulada em tal pergunta Temos dito várias vezes que a norma fundamental é um pressuposto do ordenamento ela num sistema normativo exerce a mesma função que os postulados num sistema científico Os postulados são aquelas proposições primitivas das quais se deduzem outras mas que por sua vez não são deduzíveis Os postulados são colocados por convenção ou por uma pretensa evidência destes o mesmo se pode dizer da norma fundamental ela é uma convenção ou se quisermos uma proposição evidente que é posta no veículo do sistema para que ela se possa reconhecer todas as demais normas A definição mais frequente do Direito natural é dictamen rectae rationis ditame da reta razão Para uma justificação do direito positivo as teorias jusnaturalistas descobriram um outro direito superior ao direito positivo que derivava não da vontade deste ou daquele homem mas da própria razão comum a todos os homens Algumas correntes jusnaturalistas sustentam que um dos preceitos fundamentais da razão o portanto da lei natural é o de que é preciso obedecer aos governantes e assim chamam teoria da obediência Para quem sustenta essa teoria a norma fundamental de um ordenamento positivo é fundada sobre uma lei natural que manda obedecer à razão a qual por sua vez manda obedecer aos governantes c O dever de obedecer ao poder constituído deriva da lei natural Por lei natural se entende uma lei que não foi estabelecida por uma autoridade histórica mas é revelada ao homem através da razão A definição do Direito como o exercício do poder pode não estar absolutamente implícito no conceito de poder Podese muito bem imaginar um poder que repouse exclusivamente sobre o consenso Qualquer poder originário repousa um pouco sobre a força e um pouco sobre o consenso Quando a norma fundamental diz que se deve obedecer ao poder originário não deve absolutamente ser interpretada no sentido de que devemos nos submeter à violência mas no sentido de que devemos nos submeter àqueles que têm o poder coercitivo enunciada por Kelsen e defendida por Ross sustenta ao contrário que a força é o objeto da regulamentação jurídica isto é que por Direito devese entender não um conjunto de normas que se tornam válidas através da força mas um conjunto de normas que regulam o exercício da força numa determinada sociedade Quando Kelsen diz que o Direito é um ordenamento coercitivo quer dizer que é composto por normas que regulam a coação isto é que dispõem sobre a maneira pela qual se devem aplicar certas sanções Textualmente Uma regra é uma regra jurídica não porque a sua eficácia é garantida por uma outra regra que dispõe uma sanção uma regra é uma regra jurídica porque dispõe uma sanção O problema da coerção não é o problema de garantir a eficácia das regras mas o problema do conteúdo das regras Igualmente explícito é Ross Devemos insistir sobre o fato de que a relação entre as normas jurídicas e a força consiste em que elas estão respeitadas por meio da força E ainda Um sistema jurídico nacional é um conjunto de normas que dizem respito ao exercício da força física consequência disso que um ordenamento jurídico é um conjunto de regras para o exercício da força As regras para o exercício da força são num ordenamento jurídico aquela parte de regras que serve para organizar a sanção e portanto para tornar mais eficazes as normas de conduta e o próprio ordenamento em sua totalidade O objetivo de todo legislador não é organizar a força mas organizar a sociedade mediante a força As definições de Kelsen e Ross parecem limitativas também com respeito ao ordenamento jurídico tomado em seu conjunto porque confundem a parte com o todo o instrumento com o fim A coerência do ordenamento jurídico como sistema 1 O ordenamento jurídico como sistema No capítulo anterior falamos da unidade do ordenamento jurídico e mostramos que se pode falar de unidade somente se se pressupõe como base do ordenamento uma norma fundamental com a qual se possam direta ou indiretamente relacionar todas as normas do ordenamento O próximo problema que se nos apresenta é um ordenamento jurídico além de uma unidade constituir também um sistema Em poucas palavras se é uma unidade sistemática Entendemos por sistema uma totalidade ordenada um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem Para que se possa falar de uma ordem é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo mas também em relacionamento de coerência entre si Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema nos perguntamos se as normas que o compõem estão numa relação de coerência entre si e em que condições é possível essa relação sistema isto é chamar sistema ao sistema de tipo dinâmico como a mesma propriedade com que se fala em geral de sistema como totalidade ordenada e em particular de um sistema estático Que ordem pode haver entre as normas de um ordenamento jurídico isto é referente não à conduta que elas regulam mas unicamente à maneira com que foram postas Da autoridade delegada pode emanar qual norma E se pode emanar qualquer norma pode emanar também uma norma contrária àquela emanada de uma outra autoridade delegada Mas poderíamos ainda falar de sistema de ordem de totalidade quando um conjunto de normas no qual duas normas contraditórias fossem ambiguamente legítimas Num ordenamento jurídico complexo como aquele que temos sempre sob as vistas caracterizado pela pluralidade das fontes parece não haver dúvida de que possam existir normas produzidas por uma fonte em contraste com normas produzidas por outra Ora atendendose à definição de sistema dinâmico como o sistema no qual o critério do enquadramento das normas é puramente formal devese concluir que um sistema dinâmico duas normas em oposição são perfeitamente legítimas E de fato para julgar a oposição de duas normas é necessário examinar seu conteúdo não basta referirse à autoridade da qual emanaram Mas um ordenamento que admita no seu seio entes em oposição entre si pode ainda chamarse sistema Como se vê que um ordenamento jurídico constitua um sistema sobretudo se se partir da identificação do ordenamento jurídico como o sistema dinâmico é tudo menos óbvio Ou pelo menos cumpre precisar se se quiser continuar a falar de sistema normativo em relação ao Direito em qual sentido em quais condições e dentro de quais limites se pode falar dele a consideração comum entre as várias formas da interpretação da chamada interpretação sistemática Chamase interpretação sistemática aquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento ou mais exatamente de uma parte do ordenamento como o Direito privado ou Direito penal constituem uma totalidade ordenada mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deve entender com essa expressão e portanto é lícito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficiente recorrendo ao chamado espírito do sistema mesmoindo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal Também aqui para exemplificar lembramos que o artigo 265 do C italiano reconhece somente a violência e não o erro entre os vícios do reconhecimento do filho natural Um intérprete que achou deve aceitar entre os vícios do reconhecimento do filho natural também o erro contra a letra da Lei teve que apelar para a chamada vontade objeto da Lei isto é para aquele comando que por ser fundado sobre a lógica do inteiro sistema pode dizerse realmente definitivo para o intérprete No uso histórico da filosofia do Direito e da jurisprudência pareceme que emergem três diferentes significados de sistema Um primeiro significado é o mais próximo ao significado de sistema na expressão sistema dedutivo ou mais exatamente foi baseado nele Em tal acepção dizse que um dado ordenamento é um sistema enquanto todos as normas jurídicas daquela ordenamento são derivadas de alguns princípios gerais ditos princípios gerais do Direito considerados da mesma maneira que os postulados de um sistema científico Essa acepção muito trabalhada do termo sistema foi referida historicamente somente ao ordenamento do Direito natural Uma das mais constantes pretensões dos jusnaturalistas modernos pertencentes à escola racionalista foi a de construir o Direito natural como um sistema dedutivo E uma vez que o exemplo clássico do sistema dedutivo era a geometria de Euclides a pretensão dos jusnaturalistas resolviase em tentativa verdadeiramente desesperada de elaborar um sistema jurídico geometricum more demonstratum da mais interessante e é aquele sobre o qual nos deteremos neste capítulo Dizse que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque não podem coexistir nele normas incompatíveis Aqui sistema equivale a validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas Se um ordenamento venha a existir normas incompatíveis uma das duas ou ambas devem ser eliminadas Se isso é verdade quer dizer que as normas de um ordenamento têm um certo relacionamento entre si esse relacionamento é o de relacionamento de compatibilidade que implica a exclusão da incompatibilidade Notese porém que dizer que as normas devem ser compatíveis não quer dizer que se encaixem umas nas outras isto é que constituam um sistema dedutivo perfeito Nesse terceiro sentido de sistema o sistema jurídico não é um sistema dedutivo como no primeiro sentido é um sistema num sentido menos decisivo se se quiser num sentido negativo isto é uma ordem que exclui a incompatibilidade das suas partes simples Duas proposições como O quadrado negro é negro e O café é amargo são compatíveis mas não se encaixam uma na outra Portanto não é exato falar como faz frequentemente de coerência do ordenamento jurídico no seu conjunto podese falar de exigência de coerência entre suas partes simples Num sistema dedutivo se aparecer uma contradição tudo o sistema ruirá Num sistema jurídico a admissão do princípio que exclui a compatibilidade de duas normas não mais a queda de todo o sistema mas somente de uma das duas normas ou no máximo das duas por outro lado confrontado com um sistema dedutivo o sistema jurídico é alguma coisa de menos confrontado com o sistema dinâmico do qual falamos no parágrafo anterior é algo de mais de fato se se admite o princípio de compatibilidade para se considerar o enquadramento de uma norma no sistema não bastará mostrar a sua derivação de uma das fontes autorizadas mas será necessário também mostrar que ela não é incompatível com outras normas Nesse sentido nem todas as normas produzidas pelas fontes autorizadas seriam normas válidas mas somente aquelas compatíveis com as outras Cumpre descobrir por outro lado se esse princípio que exclui a incompatibilidade existe e qual é a sua função 3 As antinomias A situação de normas incompatíveis entre si é uma dificuldade tradicional frente à qual se encontraram os juristas de todos os tempos e teve uma denominação própria característica antinomia A tese de que o ordenamento jurídico constitui um sistema no terceiro sentido exposto podese exprimir também dizendo que o Direito não tolera antinomias Em nossa tradição romanística o problema das antinomias já foi posto com muita clareza nas duas célebres constituições de Justiniano e come ele se abre o Digesto aqui Justiniano afirma imperiosamente que no Digesto não há normas incompatíveis e usa a palavra antinomia Nulla alique in omnibus praedicti codicis membris antinomia sic enim a vetustate Graeco vocabulo noncapturi ali quid sibi individent locum sed ista una concorida una consequentia auctores veritatis in universum Análogamente Contrarium autem alii quid locodice positum mulium sibi locum individent nec inveniri si quis subtili animo diversitatis rationes excutier Tanto De confirmante digestorum O fato do Direito romano considerado por longos séculos o Direito por excelência não existir antinomias foi resposta constante para as interporações pelo menos enquanto o Direito romano foi o Direito caso específico o diretor de jornal mesmo não sendo pessoalmente responsável Uma vez que uma norma obriga e a outra proíbe o mesmo comportamento tratase de duas normas incompatíveis por contraditórias Segundo caso o art 18 do T U das leis sobre a Segurança Pública italiana diz Os promotores de uma reunião num lugar público ou aberto ao público devem avisar pelo menos trinta dias antes o delegado o art 17 2º da Constituição diz Para as reuniões também em lugares abertos ao público não é exigido aviso prévio Aqui a oposição está clara o art 18 do T U obriga a fazer aquilo que o art 17 da Constituição permite não fazer Tratase de duas normas incompatíveis porque são contraditórias Terceiro caso o art 502 do C P italiano considera a greve como um delito o art 40 da Constituição diz que O direito a greve exercese no âmbito das leis que o regulam O que a primeira norma proíbe a segunda norma considera lícito isto é permite fazer se bem que dentro de certos limites Também essas duas normas são incompatíveis por contraditórias a validade temporal É proibido fumar das cinco às sete não é incompatível com É permitido fumar das sete às nove b validade espacial É proibido fumar na sala de cinema não é incompatível com É permitido fumar na sala de espera c validade pessoal É proibido aos menores de 18 anos fumar não é incompatível com É permitido aos adultos fumar d validade material É proibido fumar charutos não é incompatível com É permitido fumar cigarros Após essas especificações podemos definir novamente a antinomia jurídica como aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade As antinomias assim definidas podem ser por sua vez distintas em três tipos diferentes conforme a maior ou menor extensão do contraste entre as duas normas 1 Se as duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade a antinomia podese chamar seguindo a terminologia de Ross que chamou a atenção sobre esta distinção totaltotal em nenhum caso uma das duas normas pode ser aplicada sem entrar em conflito uma com a outra porém que o problema clássico das antinomias jurídicas é aquele que temos exposto até aqui Para distinguirmos vamos chamarlas de antinomias impropriedades Falase de antinomia no Direito com referência ao fato de que um ordenamento jurídico pode ser inspirado em valores contrapostos em opostas ideologias consideramse por exemplo o valor da liberdade e da segurança como valores antinômicos no sentido de que a garantia da liberdade causa dano comunemente à segurança e a garantia da segurança tende a restringir a liberdade em consequência um ordenamento inspirado em ambos os valores se diz que descansa sobre princípios antinômicos Nesse caso podese falar de antinomias de princípio As antinomias de princípio não são antinomias jurídicas propriamente ditas mas podem dar lugar a normas incompatíveis É lícito supor que uma fonte de normas incompatíveis possa ser o fato de o ordenamento estar minado por antinomias de princípio Outra aceitação de antinomia é a chamada antinomia de avaliação que se verifica no caso em que uma norma pune um delito menor como uma pena mais grave do que a infligida a um delito maior É claro que nesse caso não existe uma antinomia em sentido próprio porque as duas normas a que pune o delito mais grave com penalidade menor e a que pune o delito menos grave com penalidade maior são perfeitamente compatíveis Não se deve falar de antinomia nesse caso mas de injustiça O que antinomia e injustiça têm em comum é que ambas dão lugar a uma situação que pede uma correção mas a razão pela qual se corrige a antinomia é diferente daquela pela qual se corrige a injustiça A an É necessário passar da determinação das antinomias à solução das antinomias No curso de secular obra de interpretação das leis a jurisprudência elaborou algumas regras para a solução das antinomias o que geralmente aceita Por outro lado é necessário acrescentar logo que essas regras não servem para resolver todos os casos possíveis de antinomia As regras fundamentais para a solução das antinomias são três a o critério cronológico b o critério hierárquico c o critério da especialidade O critério cronológico chamado também de lex posterior é aquele com base no qual entre duas normas incompatíveis prevalece a norma posterior A passagem de uma regra mais extensa que abrange um certo genus para uma regra derogatória menos extensa que abrange uma species do genus corresponde a uma exigência fundamental de justiça compreendendo como tratamento igual das pessoas que pertencem a mesma categoria que as normas de um código são estabelecidas ao mesmo tempo não como o hierárquico porque são todas leis ordinárias não como o critério da especialidade porque este resolve somente o caso de antinomia totalparcial Quid faciam Existe um quarto critério que permita resolver as antinomias deste tipo Aqui por existe entendemos um critério válido isto é um critério que seja reconhecido legítimo pelo intérprete por sua razoabilidade quer pelo inconstranto uso Devemos responder que não O único critério do qual se encontraram referências em velhos tratadistas mas não mais o encontrei mencionado nos tratados modernos e de qualquer forma seria necessário procurar uma confirmação numa paciente análise das decisões dos magistrados é aquele tirado da forma da norma Segundo a forma as normas podem ser como já vimos imperativas proibitivas e permissivas O critério é certamente aplicável porque é claro que duas normas incompatíveis são diferentes quanto à forma se uma é imperativa a outra é ou proibitiva ou permissiva e assim por diante Não é dito porém que seja justo o que se diz constantemente seguido pelos juristas O critério em respeito à forma consistiria em estabelecer uma graduação de prevalência entre as três formas da norma jurídica por exemplo deste modo se de duas normas incompatíveis uma é imperativa ou proibitva e a outra é permissiva prevalece a permissiva Esse critério parece razoável e corresponde a um dos cânones interpretativos mais constantemente seguidos pelos juristas que é o de dar preponderância em caso de ambiguidade ou incerteza na interpretação de um texto a interpretação favorabilis sobre a odiosa Em linha geral isso se estende por lex favorabilis aqueles que concede uma liberdade ou faculdade de ou direito subjetivo e por lex odiosa aquela que impõe uma obrigação seguida por uma sanção não há dúvida de que uma lex permitiva é favorabilis e uma lex imperativa é odiosa O cânone por outro lado é muito menos evidente do que possa parecer pela simples razão de que a norma jurídica é bilateral quer dizer ao mesmo tempo atribui um direito a uma pessoa e impõe uma obrigação positiva ou negativa a outra donde resulta que a interpretação a favor de um sujeito é ao mesmo tempo odiosa para o sujeito em relação jurídica com o primeiro e viceversa Em outras palavras é eu interpreto uma norma da maneira mais favorável para o devedor fazendo prevalecer em caso de ambiguidade ou de conflito a interpretação que lhe reconhece um certo direito em lugar daquela que lhe imporia uma certa obrigação minha interpretação é odiosa em relação ao credor O problema real frente ao qual se encontra o intérprete não é o de fazer prevalecer a norma permissiva sobre a imperativa ou viceversa mas sim o de qual dos dois sujeitos da relação jurídica é mais justo proteger isto é qual dos dois interesses em conflito é justo fazer prevalecer mas nesta decisão a diferença formal entre as normas não lhe oferece a mínima ajuda No conflito entre duas normas incompatíveis há com relação à forma das normas um outro caso aquele em que uma das duas normas é imperativa e a outra proibitiva Aqui uma solução poderia ser deduzida da consideração de que enquanto no primeiro caso já ilustrado tratase de um conflito entre duas normas contraditórias eliminese uma das outras não sobrando nenhuma das duas No primeiro caso a operação feita pelo juiz ou pelo jurista chamase interpretação abrogante Mas tratase na colocação do data no testamento holográfico antes ou depois da assinatura Da primeira alínea o testamento holográfico deve ser escrito por inteiro dada a data a abaixo assinada pelo mão do testador poderiase deduzir que data deve ser colocada no fim das disposições De segundo alínea a subscrição deve ser posta no fim das disposições ao contrário poderáse tirar a conclusão de que a data não sendo uma disposição deve ser colocada depois da subscrição Na dúvida entre a obrigação e a proibição de colocar a data antes da assinatura o intérprete poderá ser induzido a considerar que as duas normas contrárias se excluem uma a outra a considerar que seja lícito colocar a data tanto antes quanto depois da assinatura Também nesse caso podese falar de interpretação abrogante mesmo que como no caso precedente de maneira imprópria tificada através do reconhecimento de uma culpa in vigilando isto é mais uma vez de uma responsabilidade subjetiva Mas é claro que as duas interpretações são possíveis somente se se introduzir uma leve modificação no texto do artigo 57 do C P o qual diz que o diretor responde unicamente pelo delito cometido É claro que unicamente significa pelo único fato de ser diretor do jornal e portanto independentemente de qualquer culpa É necessário portanto eliminar a expressão unicamente se se quiser tornar este artigo compatível com a precisa disposição da Constituição A conciliação acontece através de uma correção 7 Conflito dos critérios Dissemos no início do 5º parágrafo que há antinomias insolúveis ao lado de antinomias solúveis e que as razões pelas quais existem antinomias insolúveis são duas a inaplicabilidade dos critérios ou a aplicabilidade de dois ou mais critérios conflitantes À primeira razão dedicamos o parágrafo precedente a segunda dedicaremos o presente Vimos que os critérios tradicionais aceitos para a solução das antinomias são três o cronológico o hierárquico e o de especialidade Pode acontecer que duas normas incompatíveis mantenham entre si uma relação em que se podem aplicar concomitantemente dois critérios o hierárquico e o cronológico mas se for aplicado o primeiro dáse prevalência à primeira norma se for aplicado o segundo dáse prevalência à segunda Não se pode aplicar ao mesmo tempo dois critérios os dois critérios são incompatíveis Aqui temos uma incompatibilidade de segundo grau não se trata mais da incompatibilidade de que falamos até agora entre normas mas da incompatibilidade entre os critérios válidos para a solução da incompatibilidade entre as normas que dá lugar ao problema das antinomias há o conflito dos critérios para a solução das antinomias que dá lugar a uma antinomia de segundo grau Essas antinomias de segundo grau são solucionáveis A resposta afirmativa depende do fato de haver regras tradicionalmente admitidas para a solução do conflito entre normas Tratase em outras palavras de saber se existe um critério estável para a solução dos conflitos entre critérios e qual seja Não podemos dar uma resposta geral temos que examinar um por um os casos do conflito entre critérios CAPÍTULO 4 A completeude do ordenamento jurídico 1 O problema das lacunas Examinamos nos dois capítulos anteriores dois aspectos do ordenamento jurídico a unidade e a coerência Faltanos considerar uma terceira característica que lhe é normalmente atribuída a completeude Por completeude entendese a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente lacuna num dos sentidos do termo lacuna completeude significa falta de lacunas Em outras palavras um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente ou melhor não há caso que não possa ser regulado com uma norma tridimensional Para dar uma definição mais técnica de completeude podemos dizer que um ordenamento é completo quando jamais se verifica o caso de que a ele não se podem demonstrar pertencentes nem uma certa norma mais nova contraditória Especificamente falar a incompleteza consiste no fato de que o sistema não compreende nem a norma que proíbe um certo comportamento nem a norma que o permite 2 O caso das normas de mesmo nível sucessivas no tempo Neste caso não existe dever algum de coerência por parte do legislador enquanto existe por parte do juiz o dever de resolver a antinomia eliminando a norma anterior e aplicando a posterior Existe portanto a regra da coerência na segunda forma isto é dirigida aos juízes mas não na primeira dirigida ao legislador a o legislador ordinário é perfeitamente livre para formular sucessivamente normas em oposição entre si isso está previsto por exemplo no artigo 15 das Disposições preliminares já citado no qual se admite a abrogação implícita isto é a legitimidade de uma lei posterior em oposição a uma anterior b mas quando a oposição se verifica o juiz deve eliminála aplicando das duas normas a posteriori Podese dizer também assim o legislador é perfeitamente livre para contradizerse mas a coerência é salva igualmente porque das duas normas em oposição uma é somente a outra permanente válida NORBERTO BOBBIO lhe o direito até onde se vai enviar o direito de não ter de se afastar do dito muro para dar passagem a quem quer que fosse coisa da qual se fazia então muita questão O outro pretendia ao contrário que o direito coubesse a si próprio como nobre que era e que Ludovico tivesse que andar pelo meio e isso por causa de outro costume Porque nisso como acontece em muitos outros negócios estavam em vigor dois costumes contrários sem que fosse decidido qual dos dois era o certo o que dava oportunidade de fazer uma guerra cada vez que um cabeçadura encontrasse outro da mesma tempera 12 entendese melhor qual é o nexo entre o problema da completeude e o da coerência examinado no capítulo anterior Podemos de fato definir a coerência como aquela propriedade pela qual nunca se dá o caso em que se possa demonstrar a pertinência a um sistema e de uma certa norma de forma contraditória Como vimos encontramos na frente a uma antinomia quando nos apercebemos de que o sistema pertence contemporaneamente tanto a norma que proíbe um certo comportamento quanto a que o permite Portanto o nexo entre coerência e completeude está em que a coerência significa a exclusão de toda a situação na qual pertencam ambas as normas que se contradizem a completeude significa a exclusão de toda a situação na qual pertençam ao sistema nenhuma das duas normas que se contradizem Diríamos incoerente um sistema no qual existem tanto a norma que proíbe um certo comportamento quanto aquela que o permite incomplete um sistema no qual não existem nem a norma que proíbe um certo comportamento nem aquela que o permite de que o juiz deve julgar cada caso mediante uma norma pertencente ao sistema a completeude é algo mais que uma exigência uma necessidade quer dizer é uma condição necessária para o funcionamento do sistema A norma que estabelece o dever do juiz de julgar cada caso com base numa norma pertencente ao sistema não poderia ser executada se o sistema não fosse pressupostamente completo quer dizer como uma regra para cada caso A completeude é portanto uma condição sem a qual o sistema em seu conjunto não poderia funcionar A base dos ordenamentos fundados sobre o dogma da completeude como já foi dito é o Código Civil francês cujo artigo 4º diz O juiz que recusar julgar a pretexto do silêncio da obscuridade ou da insuficiência da lei poderá ser processado como culpado de negar a justiça No Direito italiano esse princípio é estabelecido no artigo 113 do C P C que diz Ao pronunciarse sobre a causa o juiz deve seguir as normas do Direito salvo se a lei lhe atribuir o poder de decidir segundo a equidade Concluindo a completeude é uma condição necessária para os ordenamentos em que valem estas duas regras 1 o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem a seu exame 2 deve julgálas com base em uma norma pertencente ao sistema formação da sociedade que fez as primeiras codificações que refletem uma sociedade ainda predominantemente agrícola e escassamente industrializada parecerem anacrônicas e portanto insuficientes e inadequadas e acelerou seu processo natural de envelhecimento Basta pensar que ainda no Código Civil italiano de 1865 que derivava do francês todos os problemas do trabalho aos quais hoje é dedicado um livro inteiro estavam resumidos num artigo Falar de completeude de um Direito que ignorava o surgimento da grande indústria e todos os problemas da organização do trabalho e sua ligados significava fechar os olhos frente a realidade por amor a uma fórmula e deixarse balançar na inércia mental e no preconceito Acrescentemos que essa divergência sempre mais rápida e macroscópica entre Direito constituído e realidade social foi acompanhada pelo particular desenvolvimento da filosofia social e das Ciências Sociais no século passado as quais mesmo nas diversas correntes a que deram lugar tinham uma característica comum a polêmica contra o Estado e a descoberta da sociedade abaixo do Estado Tanto o marxismo quanto a sociologia positivista para nos limitarmos às duas maiores correntes de filosofia social foram animados por uma crítica contra o monismo estatal que havia tido a sua pressão mais intransigente na filosofia hegeliana mas tinha ramificações muito mais antigas O Estado se erguia acima da sociedade e tendia a absorvêla mas a luta das classes de um lado que tendia a quebrar continuamente os limites do orden estatal e a contínua formação espontânea não provocada ou imposta pelo Estado de novos conjuntos sociais como os sindicatos os partidos e de novos relacionamentos entre os homens derivados da transformação de novas idéias de produção punham em evidência uma vida subordinada ou em oposição ao Estado que nem o sociólogo portanto nem Na Alemanha o sinal da batalha contra o tradicionalismo jurídico em nome da sociologia jurídica e da livre pesquisa do Direito foi dado por Hermann Kantorowicz que em 1906 publicou um panfleto sob o título de A luta pela ciência do Direito Der Kampf um die Rechtswissenschaft com o pseudônimo de Gnaeus Flavius no qual indicava no Direito livre tirando diretamente da vida social independentemente das fontes estatais de derivação estatal o novo Direito natural que era de representar uma ordem normativa de origem não estatal mesmo que não tivesse mais a sua natureza do momento que o Direito livre era também ele um direito positivo isto é eficaz Somente o Direito livre estava em condições de preencher as lacunas da legislação Caiu como inútil e perigoso empecilho à adaptação do Direito às exigências sociais o dogma da completeude No seu lugar entrava a convicção de que o Direito legislativo era lacunoso e que as lacunas não podiam ser preenchidas mediante o próprio Direito estabelecido mas através do reconhecimento e da formulação do Direito livre vre no sentido de nãoligado ao Direito estatal concer de cidadania ao Direito livre isto é um Direito cri ado de vez em quando pelo juiz significava quebrar a barreira do princípio de legalidade que havia sido co locado em defesa do indivíduo abrir as portas ao arbí trio ao caos e à anarquia A completude não era um mito mas uma exigência de justiça não era uma fun ção inútil mas uma defesa útil de um dos valores supre mos a que deve servir a ordem jurídica a certeza Atrás da batalha dos métodos havia como sempre uma ba talha ideológica O dever dos juristas era o de defender a jus tiça legal ou de favorecer a justiça substancial Os defensores da legalidade ficaram presos ao dogma da completude Mas para ilustrarem que encontraram novos argu mentos Após o ataque ao Direito livre não mais bastava repe tir ingenuamente a velha confiança na sabedoria do legisla dor A confiança estava abalada Era necessário demonstrar criticamente que a completude longe de ser um cômodo fin gimento ou por outro uma ingénua crença era uma caracter istica constitutiva do ordenamento jurídico É que se havia uma teoria criada a ser refutada esta não era mais a teoria da completude mas aquela que sustentava a existên cia de lacunas Os juristas tradicionalistas passaram ao contraataque O efeito desse contraataque foi que o problema da completude passou de uma fase dogmática a uma fase crítica O primeiro argumento lançado pelos positivistas de escrita observância foi aquilo que chamaremos por brevidade de espaço jurídico vazio Foi enunciado e defendido contra qualquer renascimento jusnaturalista por um dos maiores defensores do positivismo júri dico Karl Bergholm no livro Jurisprudenz und Rechtsphilosophie de 1892 Jurisprudência e filoso fia do Direito Na Itália foi aceito por Santi Romano no ensaio Observações sobre a completude do ordenamento estatal 1925 O raciocínio de Bergholm é mais ou menos o seguinte toda norma jurídica repre senta uma limitação à livre atividade humana fora da esfera regulada pelo Direito o homem é livre para fa zer o que quiser O âmbito da atividade de um homem pode portanto ser considerado dividido do ponto de vista do Direito em dois compartimentos aquele no qual é regulado por normas jurídicas e aquele no qual é livre e que poderemos chamar de espaço jurídico vazio Ou há o vínculo jurídico ou há absoluta liberdade Tertium non datur A esfera da liberdade pode di minuir ou aumentar conforme aumentem ou diminuam as normas jurídicas mas não pode acontecer que o nos sato seja ao mesmo tempo livre e regulado Trans portemos esta alternativa para o plano do problema das lacunas um caso ou está regulado pelo Direito e então é um caso jurídico ou juridicamente relevante ou não está regulado pelo Direito e então pertence à esfe ra de livre desenvolvimento da atividade humana que é a esfera do juridicamente irrelevante Não há lugar para a lacuna no Direito Como é absurdo pensar num caso que não seja jurídico e todavia seja regulado assim também não é possível admitir um caso que seja jurídico e que apesar disso não seja regulado isto é não é possível admitir um la czna do Direito Até onde o Direito alcança com suas normas evidentemente não há lacunas onde alcança há espaço jurídico vazio e portanto apenas um espaço indeterminado a lacuna não é mais tal porque representa uma deficiência do ordenamento mas um seu limite natural O que está além dos limites das regras jurídicas nos quais a monopolização da força não é completa e portanto nesses ordenamentos há ca sos em que a intervenção da força privada é lícita na ou com a obrigação de indenização dos danos ou atribuindo qualquer outra consequência jurídica está sempre como subentendida a nãoexpressa uma norma fundamental geral negativa segundo a qual a parte esses casos particulares todas as outras ações ficam isentas de pena ou indenização cada norma positiva com a qual é atribuída uma pena ou uma indenização é nesse sentido uma exceção daquela norma fundamental geral e negativa Onde se segue no caso em que falte uma tal exceção positiva não há lacunas porque o juiz pode sempre aplicando aquela norma geral e negativa reconhecer que o efeito jurídico em questão não interveio ou que não surgiu o direito a pena ou a obrigação à indenização Diz Donati Dado o conjunto das disposições que prevendo determinados casos estabelecem a existência de danos obrigatórios do conjunto das disposições deriva ao mesmo tempo uma série de normas particulares inclusivas e uma norma geral exclusiva uma série de normas particulares dirigidas a estabelecer para os casos por elas particularmente considerados dadas limitações e uma norma geral dirigida a excluir qualquer limitação para todos os outros casos não particularmente considerados Por for dessa norma cada possível caso vem a encontrar no ordenamento jurídico o seu regulamento Num caso determinado ou existe na legislação uma disposição que particularmente a ele se refere e dela derivará para o próximo caso uma norma particular ou não existe e então cairá sob a norma geral referida se a quem cabe a coroa no caso em que se verifique a circunstância da extinção Pareceria que nos encontramos frente a umipto caso de lacuna Donati sustenta ao contrário com base na teoria da norma geral exclusiva que mesmo nesse caso existe uma solução jurídica Uma vez que o caso não encontra no ordenamento nenhuma norma particular que a ele se refira cairá sob a norma geral exclusivamente estabelecida para os casos não compreendidos Portanto a questão proposta a quem cabe a coroa terá a seguinte solução e será a única solução jurídica possível a coroa não cabe a ninguém ou seja o Estado e os súditos estão livres de qualquer limitação relativa à existência de um rei e portanto terão direito a recusar a pretensão de quem quiser ser reconhecido como rei Que tal solução não seja politicamente satisfatória não significa de modo algum que não seja uma solução jurídica Poderemos lamentar que um Estado no qual falte tal lei seja mal constituído mas não se poderá dizer que o seu ordenamento seja incompleto ou lacuna 2 A consideração do caso nãoregulamentado como semelhante ao regulamentado e a consequente aplicação da norma geral inclusiva Mas justamente o fato de que o caso nãoregulamentado oferece matéria para duas soluções opostas torna óbvio do que parecia partirse da teoria bastante linear da norma geral exclusiva Se existem duas soluções ambas possíveis e a decisão entre as duas cabe ao intérprete uma lacuna existe e consiste justamente no fato de que o ordenamento deixou impreciso qual das duas soluções é a pretendida Caso existisse tratandose de comportamento nãoregulamentado uma única solução a da norma geral exclusiva como acontece por exemplo no Direito penal onde a extensão analógica não é admitida poderíamos também dizer que não existem lacunas todos os comportamentos que não são expressamente proibidos pelas leis penais são lícitos Mas uma vez que as soluções em caso de comportamento nãoregulamentado são normalmente duas a lacuna consiste justamente na falta de uma regra que permita acolher uma solução em vez da outra Entendese também por lacuna a falta não já de uma solução qualquer que seja ela mas de uma solução satisfatória ou em outras palavras não já a falta de uma norma mas a falta de uma norma justa isto é de uma norma que se desejaria que existisse mas que não existe Uma vez que essas lacunas derivam não da consideração do ordenamento jurídico como ele é mas da comparação entre ordenamento jurídico como ele é e como deveria ser foram chamadas de ideológicas para distinguir aquelas que eventualmente se encontrassem no ordenamento jurídico como ele é e que se podem chamar de reais Podemos também enunciar a diferença deste modo as lacunas ideológicas são lacunas de iura concesso de direito a ser estabelecido as lacunas reais são de iure condito do direito já estabelecido Que existem lacunas ideológicas em cada sistema jurídico é tão óbvio que não precisamos nem insistir Nenhum ordenamento jurídico é perfeito pelo menos nenhum ordenamento jurídico positivo Somente o ordenamento jurídico natural não deveria ter lacunas ideológicas aliás uma possível definição do Direito natural poderia ser aquela que o define como um Direito sem lacunas ideológicas no sentido de que ele é aquilo que deveria ser Mas um sistema de Direito natural nunca ninguém formulou A nós interessa o Direito positivo Ora com respeito ao Direito positivo e é óbvio que cada ordenamento tem lacunas ideológicas é igualmente óbvio que as lacunas assim concebidas não são as ideológicas mas as reais Quando os juristas sustentam em nossa opinião sem razão que o ordenamento jurídico é completo isto é não tem lacunas referemse às lacunas reais e não às ideológicas 1 quando comparo uma determinada coisa com seu tipo ideal ou com aquele que deveria ser tem sentido perguntar se uma dada mesa é perfeita ou não somente a se comparar com aquela que deveria ser uma mesa perfeita 2 quando comparo a representação de uma coisa com a coisa representada por exemplo um mapa da Itália com a Itália Ora com relação ao ordenamento jurídico Brunetti sustenta que se o considerarmos em si mesmo isto é se comparálo com alguma outra coisa perguntarse se completo ou não tornase sem sentido como se nos perguntássemos se o ouro é completo ou se o céu é completo Para que o problema das lacunas tenha sentido é preciso ordenar o ordenamento jurídico real com um ordenamento jurídico ideal conforme o disposto expresso no item 1 e nesse caso é lícito falar de completude ou de incompletude do