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Psicologia ·
Psicanálise
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FUNDAMENTOS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA FUNDAMENTOS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA OBRAS INCOMPLETAS DE SIGMUND FREUD APRESENTAÇÃO Gilson Iannini Pedro Heliodoro Tavares Quais os fundamentos da clínica psicanalítica O que separa a Psicanálise de outras práticas de cuidado como o tratamento medicinal as diversas psicoterapias ou as curas religiosas A resposta mais direta a essas questões não se esgota em aspectos teóricos ao contrário remetenos ao domínio da prática analítica relativo ao método e à técnica assim como à dimensão ética que dali se depreende Os textos aqui reunidos constituem o essencial dos escritos freudianos sobre o método e a técnica em sua constituição em sua história e em seus desdobramentos Nos quase 50 anos de reflexão sobre a clínica que este volume recobre Freud abordou temáticas que vão desde a associação livre e a atenção equiflutuante a transferência e a repetição até a formação do analista o início e o final de uma análise passando ainda pela interpretação e pelas construções entre tantas outras Contudo descontada a notável série de artigos técnicos escritos logo antes da deflagração da Primeira Grande Guerra entre 1911 e 1914 mais tarde reunida pelo próprio autor em uma coletânea intitulada Sobre a técnica da psicanálise Freud não dedicou nenhuma monografia ou trabalho de maior extensão exclusivamente à exposição sistemática do conjunto da técnica psicanalítica embora tenha anunciado em mais de uma ocasião a pretensão de fazêlo Com efeito uma arqueologia completa da técnica freudiana exigiria a reconstrução das diversas amostras de trabalho espalhadas ao longo principalmente dos casos clínicos que funcionam como lições de técnica analítica mas também das análises de sonhos e de outros fenômenos psíquicos Isso porque questões de ordem técnica dificilmente podem ser separadas do material ao qual estão relacionadas Não obstante ao longo de sua extensa obra alguns artigos em geral não muito extensos foram dedicados direta ou indiretamente a questões de natureza técnica É esse conjunto de textos que o leitor tem em mãos Talvez possa parecer estranho que Freud tenha dedicado um número relativamente 5 pequeno de artigos à apresentação de sua técnica Curioso já que ele próprio afirma que as maiores dificuldades no aprendizado da Psicanálise são sobretudo de ordem técnica e não teórica Aparentemente o autor percebia não apenas a dificuldade do manejo da técnica analítica mas também o quanto era especialmente difícil escrever sobre a técnica Com efeito os riscos não eram poucos Ao perguntar a Freud quando o anunciado trabalho sobre o método ficaria pronto Ernest Jones emenda prontamente deve haver muita gente esperando avidamente tanto amigos como inimigos GAY 1989 p 276 Essa dificuldade se dá a ver por exemplo no estilo menos assertivo do que aquele dos textos teóricos De fato nem sempre é possível reconhecer o escritor brilhante cujo talento literário se destaca sobretudo em ensaios clínicos ou dedicados à cultura às artes ou mesmo à mais pura especulação metapsicológica Não obstante o arguto pesquisador e o clínico sensível são facilmente detectáveis nesse conjunto de textos Outra coisa que salta imediatamente aos olhos do leitor contemporâneo é como questões de natureza técnica frequentemente se desdobram em reflexões de cunho ético Em um ou outro momento é possível detectar ainda importantes desdobramentos políticos Também é digno de nota que naquilo que se convencionou chamar de segunda tópica ou seja nas décadas de 1920 e 1930 à exceção talvez do artigo sobre as construções em análise Freud não publicou nenhum artigo estritamente técnico pelo menos não no mesmo sentido por exemplo daqueles publicados antes da Primeira Guerra que continham recomendações mais explícitas Contudo alguns ensaios publicados no entreguerras contêm importantes diretrizes acerca de temas que se mostraram essenciais na história da Psicanálise Temas como a formação do analista e o final de uma análise constituem eixos clínicos fundamentais de A questão da análise leiga e de A análise finita e a infinita respectivamente Freud evitou a todo custo hipostasiar regras e procedimentos numa espécie de manual de protocolos ou de prescrições codificados para o analista o que certamente poria a perder o essencial da prática analítica que é a abertura à escuta da singularidade Por essa razão reunimos os artigos técnicos sob a égide de fundamentos da clínica Nesse sentido quem acorre aos textos ditos técnicos procurando por regulamentos ou instruções corre o risco de se frustrar ao depreender dali a talvez única regra fundamental a da 6 livre associação Obrigação falar livremente tudo que ocorre alles was einfällt Freud emprega o verbo einfallen derivado de fallen cair para se referir àquilo que vem à tona que não mais é retido quando o analisante se entrega à associação livre Os resultados dessas associações são as Einfälle aquilo que ocorre numa palavra as ocorrências Contrapartida da única regra a atenção equiflutuante por parte do analista afora essa regra única tudo parece ter um estatuto menos inflexível Mesmo as recomendações não constituem protocolos rígidos a serem cegamente aplicados mas expressam princípios ou fundamentos gerais que regem uma prática O que também evidencia o quanto de arte no sentido antigo do termo mais ligado a uma atividade produtiva fundada em um saber singular do que no registro moderno relativo ao regime estético da obra de arte reside na experiência analítica e o quanto o aprendizado sobre o fazer clínico não pode ser limitado à leitura de textos mas sim essencialmente transmitido pela experiência do encontro com o analista no divã ou fora dele No final do século XIX as histéricas eram percebidas no quadro geral do grande teatro histérico e seus sintomas eram vistos como dissimulação Até hoje aliás não é incomum que pacientes saiam de consultas nos serviços de saúde depois de ouvirem enunciados do tipo Isso não é nada É apenas psicológico ou É de fundo emocional A gramática de enunciados desse tipo não esconde uma oposição muitas vezes subterrânea entre de um lado a dignidade do sintoma orgânico reconhecível e de outro a suposta inverdade do sofrimento psíquico É nesse cenário que o gesto freudiano de reconhecer a verdade do sofrimento psíquico funda a Psicanálise Embora Freud como médico tenha empregado diversos recursos terapêuticos disponíveis à época como a eletroterapia a hidroterapia entre outros a clínica da histeria é a primeira a mostrar a falência de métodos consagrados na neuropatologia da época Nesse contexto experimenta métodos que envolviam a hipnose a sugestão ou a catarse dos quais o método propriamente psicanalítico aos poucos desprendeuse Os caminhos que culminaram no estabelecimento da especificidade de sua disciplina fundada exclusivamente na palavra foram tortuosos Bastante precocemente contudo em 1890 afirma palavras também são a ferramenta essencial do tratamento anímico O leigo 7 achará difícil entender que distúrbios patológicos do corpo e da alma possam ser eliminados por meras palavras do médico Ele achará que se lhe imputa acreditar em magia E ele não está de todo enganado as palavras de nossos discursos cotidianos nada mais são do que magia empalidecida Mas será necessário trilhar mais um desvio para tornar compreensível como a ciência consegue devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico neste volume p 19 Como por que meios um tratamento fundado exclusivamente na palavra pode ter efeitos em sintomas que atingem o corpo e o psiquismo Que ferramentas o analista dispõe para sua ação terapêutica O que ocorre de fato num tratamento analítico Quais os fins de uma análise Quais as especificidades do tratamento analítico Numa célebre carta endereçada ao pastor Oskar Pfister em 25 de novembro de 1928 Freud aponta para o que secretamente aproximaria dois importantes textos seus A questão da análise leiga e O futuro de uma ilusão Afirma que com o primeiro quis defender a Psicanálise dos médicos e com o segundo dos sacerdotes Por que afinal de contas proteger a Psicanálise dos médicos e dos sacerdotes Para responder a essa questão vale lembrar que estamos acostumados pelo menos no Ocidente e sobretudo desde René Descartes a dividir tais cuidados reservandoos aos médicos quando se trata de um sofrimento relacionado ao corpo ou aos sacerdotes quando se trata daquilo que foge ao material ao anatômico ou ao fisiológico ou seja quando aquilo que sofre é a alma Acostumamonos a tomar por óbvia uma dicotomia que quando examinada com atenção em comparação com outras culturas parece ser uma curiosa peculiaridade do Ocidente eurocêntrico Outras sociedades não diferenciariam tão nitidamente os papéis médico e sacerdotal que se mesclam por exemplo em figuras como um pajé um druida ou um xamã A Psicanálise surge portanto nos interstícios rejeitados pelas arbitrárias divisões que a antecedem Não por acaso em 1914 no artigo que abre a série dedicada à sua Metapsicologia Freud define o primeiro conceito fundamental da Psicanálise a pulsão Trieb como um conceito fronteiriço Grenzbegriff entre o anímico e o somático1i Ou seja a vida pulsional do ser humano embaralha a distinção entre corpo e alma tão naturalizada em nossa cultura O lugar do analista não é pois equivalente nem ao lugar outrora reservado ao médico nem ao do sacerdote Não por acaso na carta a 8 Pfister mencionada acima Freud afirma pretender entregar a análise a uma categoria que não existe ainda e que ele designa com o termo weltlicher Seelsorger algo como o cuidador de alma secular ou mundano Como lembra James Strachey o leitor notará a presença maciça do termo médico Arzt para designar o analista principalmente nos textos anteriores ao ensaio sobre A questão da análise leiga de 1926 assim como notará sua significativa ausência nessa acepção nos textos posteriores a essa data quando o termo será substituído por analista Analytiker O fenômeno da histeria vale insistir punha em xeque outrora os pressupostos tanto da medicina quanto da religião Queimadas como bruxas ou como possuídas nas fogueiras da inquisição medieval as histéricas são à época de Freud reputadas como farsantes sedutoras pelos médicos que não encontravam em sua lógica anátomopatológica um lugar para aquele tipo de sofrimento No corpo histérico aparece como paralisia cegueira tosses espasmos etc o que tinha origem no psíquico e curiosamente métodos que usavam de influência psíquica hipnose magnetismo catarse etc de uma maneira ou de outra pareciam ter maior efeito sobre tais corpos do que os métodos da neurologia ou da psiquiatria O fenômeno da conversão de um sofrimento psíquico em sintoma físico aponta para algo fora do lugar Para tratar desse material fronteiriço disso que se acomoda como refugiados indigentes numa terra de ninguém Freud o judeu sem Deus descendente de gerações de sobreviventes migrantes e perseguidos teve de fazer sua teoria e sua prática atravessarem fronteiras cruzarem limites nosográficos epistemológicos e clínicos INÉDITOS O presente volume inclui ainda alguns materiais inéditos em outras edições de Freud em português Primeiramente a carta 242 que contém uma importante indicação acerca do caráter aparentemente sem fim de uma análise Essa rápida menção mostra como algumas questões atravessam o pensamento de Freud de ponta a ponta mesmo quando submergem e não aparecem na superfície do texto durante longos períodos Além disso foram restituídos alguns trechos inéditos do escrito A questão da análise leiga São eles três páginas do Posfácio de 1927 excluídas devido a sua contundência com relação à atitude dos norte 9 americanos a respeito da questão da análise leiga neste volume p 300 3042ii o PostScriptum de 1935 neste volume p 305306 e algumas notas de rodapé preparadas também em 1935 para uma reedição da obra que não chegou a vir à luz assinaladas como nota de 1935 Em uma dessas notas Freud critica a tradução em língua inglesa das instâncias psíquicas Tornouse usual na literatura psicanalítica de língua inglesa substituir os pronomes ingleses I Eu e It Isso pelos pronomes latinos Ego e Id Em alemão dizemos Ich Eu Es Isso e Überich SuperEu neste volume p 254 O material inédito do presente volume foi descoberto graças ao trabalho pioneiro de Ilse GrubrichSimitis na década 1990 e não faz parte nem da edição alemã da Gesammelte Werke ver nota editorial neste volume p 309310 NOTÍCIA Os textos deste volume foram traduzidos em sua quase totalidade por Claudia Sibylle Dornbusch As únicas exceções são as seguintes a Carta 242 e Sobre fausse reconnaissance traduzidos por Maria Rita Salzano Moraes Os trechos inéditos que foram restituídos ao ensaio A questão da análise leiga foram traduzidos por Pedro Heliodoro Tavares Este volume conta com um aparato crítico original inexistente em outras edições Esse aparato contém não apenas notas da tradutora NT mas também notas do revisor NR elaboradas pelo coordenador da tradução e algumas notas do editor NE Ao fim de cada texto de Freud o editor incluiu ainda uma notícia bibliográfica ou nota editorial não numerada que pretende reconstituir sumariamente a gênese e o contexto discursivo de cada ensaio assim como apontar sempre que possível as principais linhas de força do texto e referir uma ou outra notícia acerca de sua recepção ou repercussão na história da Psicanálise Ao leitor familiarizado com o pensamento de Freud e com a história da recepção de seus trabalhos a leitura desse material é dispensável AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer especialmente a Ernani Chaves por suas contribuições acerca da tradução do artigo Erinnern Wiederholen und 10 Durcharbeiten O aparato editorial deste volume foi revisado por Daniel Kupermann e Marcus Vinícius Silva a quem agradecemos a disponibilidade e as valiosas sugestões A Sérgio Laia agradecemos pelo posfácio e pela calorosa recepção da coleção Dividir a responsabilidade de um trabalho dessa monta é imprescindível i1 As pulsões e seus destinos Publicado nesta coleção em 2013 em edição bilíngue e comentada ii2 Uma tradução dessas três páginas foi publicada por Eduardo Vidal na revista da Escola Letra Freudiana ano XXII n 32 2003 com uma concisa mas elucidativa apresentação 11 Fundamentos da clínica psicanalítica TRATAMENTO PSÍQUICO TRATAMENTO ANÍMICO 1890 Psique é uma palavra grega que em tradução alemã significa alma Seele1 Portanto tratamento psíquico seria tratamento anímico Seelenbehandlung Poderíamos pensar então que se entende por isto tratamento dos fenômenos patológicos da vida anímica Mas não é esse o significado dessa palavra Tratamento psíquico quer dizer antes tratamento que parte da alma tratamento de distúrbios anímicos ou físicos com meios que inicial e diretamente terão efeito sobre o anímico da pessoa Um desses meios é em primeira linha a palavra e palavras também são a ferramenta essencial do tratamento anímico O leigo achará difícil entender que distúrbios patológicos do corpo e da alma possam ser eliminados por meras palavras do médico Ele achará que se lhe imputa acreditar em magia E ele não está de todo enganado as palavras de nossos discursos cotidianos nada mais são do que magia empalidecida Mas será necessário trilhar mais um desvio para tornar compreensível como a ciência consegue devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico Mesmo os médicos cientificamente treinados aprenderam a reconhecer o valor do tratamento anímico só em tempos recentes Isso se explica facilmente se considerarmos a evolução da Medicina no último meio século Depois de um período bastante infrutífero de dependência da chamada Filosofia da Natureza a Medicina sob a feliz influência das Ciências Naturais produziu os maiores avanços tanto como ciência quanto como arte desbravou a estrutura do organismo a partir das unidades microscópicas células aprendeu a entender física e quimicamente cada uma das ações vitais funções diferenciou as transformações visíveis e palpáveis das partes do corpo que são consequências dos diferentes processos patológicos e por outro lado também encontrou os sinais que evidenciam processos patológicos profundos em seres ainda vivos ademais descobriu um grande número de 13 vívidos focos de doenças além de reduzir extraordinariamente os perigos de grandes intervenções cirúrgicas com o auxílio das novas descobertas Todos esses progressos e descobertas se referiam à parte física do homem o que fez com que devido a uma tendência de juízo errônea mas facilmente compreensível os médicos limitassem o seu interesse ao físico deixando com prazer o anímico para os filósofos por eles tão desprezados É verdade que a Medicina moderna teria razões suficientes para estudar a relação inegável entre o físico e o anímico mas por outro lado ela nunca deixou de representar o anímico como determinado pelo físico e dele dependente Assim destacavase que as produções anímicas estavam associadas à presença de um cérebro de desenvolvimento normal e suficientemente alimentado e que a cada adoecimento desse órgão essas produções anímicas sofreriam distúrbios que a introdução de substâncias nocivas na circulação permite o surgimento de certos estados de doença mental ou em escala menor que os sonhos daquele que dorme são modificados de acordo com os estímulos que para fins de experimento lhe são dados A relação entre o corporal e o anímico tanto no animal quanto no humano é de efeito interativo Wechselwirkung mas o outro lado dessa relação o efeito do anímico sobre o corpo em tempos mais antigos era tratado de forma impiedosa pelos médicos Eles pareciam ter medo de advogar para a vida anímica uma certa autonomia como se com isso eles abandonassem o solo da cientificidade Essa direção unilateral da Medicina voltada para o corporal na última década e meia experimentou gradativamente uma mudança que derivou diretamente da atividade médica É que há uma grande quantidade de doentes de menor ou maior gravidade que com seus distúrbios e queixas colocam muitos desafios para a arte dos médicos mas nos quais não são encontrados sinais visíveis e palpáveis do processo da doença nem em vida nem após a morte apesar de todos os progressos nos métodos de exame da Medicina científica Um grupo desses doentes chama a atenção pela riqueza e variedade do quadro clínico eles não conseguem trabalhar intelectualmente devido à dor de cabeça ou à falta de atenção seus olhos doem quando estão lendo as pernas se cansam ao andar com uma dor seca ou então sensação de dormência a digestão fica prejudicada por sensações embaraçosas arrotos ou cãibras estomacais a evacuação não se dá sem auxílio o sono é 14 interrompido etc Eles podem ter todas essas formas de sofrimento ao mesmo tempo em sequência ou apenas uma seleção delas em todos os casos parece evidente tratarse da mesma doença Nesse contexto os sinais da doença muitas vezes são mutáveis eles se alternam e se substituem mutuamente o mesmo doente que até então era incapaz de trabalhar por causa da dor de cabeça mas que tinha uma digestão razoavelmente boa no dia seguinte fica feliz com a cabeça leve mas a partir daí não tolera a maioria dos alimentos Os incômodos também o abandonam repentinamente quando há uma transformação incisiva na sua vida em uma viagem ele poderá se sentir bastante bem e aproveitar as comidas variadas sem qualquer prejuízo mas quando volta para casa talvez tenha de voltar a se limitar ao consumo de leite coalhado Em alguns desses doentes o transtorno uma dor ou uma fraqueza semelhante a uma paralisia pode mudar de repente o lado afetado do corpo passando da direita para a região do corpo correspondente à esquerda Mas em todos podemos observar que os sinais de sofrimento estão muito claramente sob a influência de excitações oscilações de ânimo preocupações etc bem como que eles podem desaparecer e dar lugar à saúde plena sem deixar rastros mesmo após uma longa duração A pesquisa médica por fim chegou à conclusão de que essas pessoas não devem ser vistas e tratadas como doentes dos olhos ou do estômago e assemelhados mas que no caso delas deve se tratar de uma afecção de todo o sistema nervoso O exame do cérebro e dos nervos desses doentes porém não permitiu encontrar até agora qualquer alteração palpável e alguns traços do quadro clínico até tornam proibitiva a expectativa de que tais alterações que poderiam esclarecer a doença possam ser comprovadas com meios mais refinados de exame Chamaramse esses estados de nervosismo Nervosität neurastenia histeria sendo eles caracterizados como meras afecções funcionais do sistema nervoso Aliás também em muitas afecções nervosas mais constantes e naquelas que só apresentam sinais de doenças anímicas as chamadas ideias obsessivas ideias delirantes loucura o exame detalhado do cérebro após a morte do doente não trouxe resultados Coube aos médicos a tarefa de examinar a natureza e a origem das manifestações da doença nesses doentes de nervos Nervösen ou neuróticos Nesse contexto então descobriuse que pelo menos em uma parte desses doentes os sinais do sofrimento se originavam nada mais nada menos que de uma influência modificada de sua vida anímica sobre o seu corpo ou seja 15 que a origem mais próxima do distúrbio deve ser procurada no anímico Saber quais as origens remotas do distúrbio que afetou o anímico que agora por sua vez influencia o físico por meio de um distúrbio é outra questão e pode convenientemente ser deixada de lado neste momento Mas a ciência médica tinha encontrado aqui a conexão que faltava para dedicar sua atenção plena ao lado até então desprezado na relação recíproca entre corpo e alma Somente quando se estuda o patológico é que se entende o normal Muito já se sabia da influência do anímico sobre o corpo que só agora era iluminado da forma correta O exemplo de influência anímica sobre o corpo mais cotidiano regular e observável em todos é oferecido pela chamada expressão das oscilações de ânimo Ausdruck der Gemütsbewegungen Quase todos os estados anímicos de uma pessoa se manifestam nas tensões e nos relaxamentos de seus músculos faciais na focalização de seus olhos na vascularização da pele no uso de seu aparelho fonador e na postura de seus membros principalmente das mãos Essas mudanças físicas adjacentes geralmente não trazem ao afetado nenhum benefício muito pelo contrário elas muitas vezes atrapalham as suas intenções quando ele quer esconder seus processos anímicos dos outros mas para os outros elas servem de sinais confiáveis que permitem deduzir os processos anímicos e nos quais se confia mais do que nas manifestações quase simultâneas e intencionais em forma de palavras Se submetermos uma pessoa a um exame mais detalhado durante certas atividades anímicas encontraremos outras consequências físicas destas nas alterações de sua atividade cardíaca na mudança da distribuição sanguínea no corpo e assemelhados Em determinados estados anímicos que chamamos de afetos a participação do corpo é tão evidente e tão grandiosa que alguns pesquisadores da alma chegaram a acreditar que a essência dos afetos consistiria apenas nessas suas manifestações físicas É de conhecimento geral que alterações extraordinárias acontecem na expressão facial na circulação sanguínea nas secreções nos estados de excitação dos músculos voluntários por exemplo por influência do temor da ira da dor da alma des Seelenschmerzes do prazer sexual Menos conhecidos mas certamente garantidos são outros efeitos físicos dos afetos que já não pertencem mais à expressão destes Estados de afeto contínuos de natureza embaraçosa ou como se costuma dizer depressiva como tristeza Kummer preocupação e luto reduzem a alimentação do corpo como um todo fazem com que os cabelos percam o 16 brilho a gordura desapareça e as paredes dos vasos sanguíneos se modifiquem de forma doentia Por outro lado sob a influência de excitações alegres de felicidade vemos o corpo todo florescer e a pessoa recuperar algumas marcas da juventude Aparentemente os grandes afetos têm muito a ver com a capacidade de resistência contra doenças e contaminações um bom exemplo é quando observadores médicos relatam que é muito mais forte a tendência a doenças de campanha e disenteria em membros do exército derrotado do que entre os vencedores Os afetos e quase exclusivamente os de cunho depressivo muitas vezes acabam por se tornar eles mesmos ocasionadores de doenças tanto para doenças do sistema nervoso com alterações anatomicamente comprováveis quanto para doenças de outros órgãos e devemos supor que a pessoa afetada já tinha uma predisposição para essa doença até então não manifestada Estados patológicos já consolidados podem ser influenciados intensamente por afetos intempestivos geralmente no sentido de uma piora mas também há exemplos suficientes de que um grande susto ou uma tristeza repentina influenciou de forma curativa ou mesmo suspendeu um estado patológico bemfundamentado através de uma reconfiguração curiosa da disposição do organismo E por fim não resta dúvida de que o tempo de vida pode ser abreviado consideravelmente por afetos depressivos assim como um susto intenso uma ofensa Kränkung ou uma vergonha candente podem pôr um fim repentino à vida curiosamente este último efeito por vezes também é observado como consequência de uma grande alegria inesperada Os afetos em sentido estrito se caracterizam por uma relação muito especial com os processos corporais mas a rigor todos os estados anímicos mesmo aqueles que estamos acostumados a considerar como processos de pensamento são afetivos em certa medida e nenhum deles prescinde das manifestações corporais e da capacidade de transformar processos corporais Mesmo na calma do pensamento através de representações são desviadas constantemente excitações para os músculos lisos e estriados de acordo com o conteúdo dessas representações que por meio de reforço adequado podem se tornar evidentes fornecendo explicações para algumas manifestações curiosas e supostamente sobrenaturais Assim por exemplo explicase a chamada adivinhação dos pensamentos através dos pequenos e involuntários movimentos musculares que o sujeito mediador Medium 17 executa quando se fazem experiências com ele por exemplo deixandose conduzir por ele para encontrar um objeto escondido Todo esse fenômeno mereceria na verdade ser chamado de traição dos pensamentos Gedankenverrat2 Os processos da vontade e da atenção também são capazes de influenciar profundamente os processos do corpo tendo um papel importante nas doenças físicas como fomentadores ou inibidores Um grande médico inglês relatou sobre si próprio que consegue produzir sensações e dores diversas em cada parte do corpo à qual ele quer dedicar sua atenção e a maioria das pessoas parece se comportar de modo semelhante Na avaliação de dores que normalmente se associam a fenômenos corporais devese considerar sua evidente dependência de condições anímicas Os leigos que gostam de resumir tais influências anímicas sob o nome de imaginação Einbildung costumam ter pouco respeito diante de dores causadas pela imaginação ao contrário daquelas causadas por ferimento doença ou inflamação Mas se trata de uma evidente injustiça seja qual for a origem das dores até mesmo a imaginação as dores nem por isso são menos reais ou menos intensas Assim como dores são produzidas ou intensificadas através do empenho de atenção elas também desaparecem com o afastamento da atenção Podese usar essa experiência em toda criança para acalmála o guerreiro adulto não sente a dor da ferida no afã febril da batalha o mártir muito provavelmente se tornará insensível à dor de seu sofrimento no calor excessivo de seu sentimento religioso dirigindo todos os seus pensamentos à recompensa celestial que lhe acena A influência da vontade sobre processos patológicos do corpo é mais difícil de ser comprovada através de exemplos mas é bem possível que a predisposição a ficar saudável ou a vontade de morrer não deixem de ser importantes mesmo para o resultado Ausgang de casos de doenças graves e geradoras de dúvidas O que mais se volta ao nosso interesse é o estado anímico da expectativa através da qual se pode ativar uma série das mais eficazes forças anímicas para o adoecimento e para a cura de doenças físicas A expectativa temerosa ängstlich certamente não é algo indiferente para o sucesso seria importante saber ao certo se ela produz o tanto pelo adoecimento que se atribui a ela e se é verdade por exemplo que durante a vigência de uma epidemia os mais vulneráveis são aqueles que têm medo de adoecer O estado contrário a 18 expectativa crédula e esperançosa é uma força efetiva com a qual a rigor devemos contar em todas as nossas tentativas de tratamento e de cura Do contrário não conseguiríamos explicar as peculiaridades dos efeitos que observamos nos medicamentos e nas intervenções curativas Mas a expectativa crédula fica mais concreta nas chamadas curas milagrosas que ainda hoje acontecem diante de nossos olhos sem a participação da arte médica As verdadeiras curas milagrosas acontecem com crentes sob a influência de eventos adequados para a intensificação dos sentimentos religiosos ou seja em locais onde se idolatra uma imagem misericordiosa e operadora de milagres onde uma pessoa sagrada ou divina se apresentou aos seus filhos humanos Menschenkindern tendolhes prometido a diminuição do sofrimento em troca de devoção ou onde são guardadas as relíquias de um santo como tesouro Parece que não é fácil apenas para a fé religiosa sozinha afastar a doença pelo caminho da expectativa pois nas curas milagrosas geralmente ainda há outros eventos em jogo Os tempos em que se busca a graça divina precisam se caracterizar por relações especiais o sofrimento físico que o doente se autoimputa as dificuldades e os sacrifícios da viagem de peregrinação precisam dignificálo de modo especial para essa graça Seria confortável mas muito incorreto se simplesmente negássemos a fé a essas curas milagrosas e quiséssemos esclarecer os relatos a respeito através da junção de enganação religiosa e observação imperfeita Por mais que muitas vezes essa tentativa de explicação possa estar certa ela não tem o poder de eliminar o fato das curas milagrosas em si Elas realmente existem aconteceram em todas as épocas e não atingem apenas doenças de origem anímica que então são motivadas por imaginação e sobre as quais justamente as circunstâncias da peregrinação poderiam ter um efeito mais forte mas também estados patológicos orgânicos que anteriormente resistiram a todos os esforços médicos Mas há a necessidade aqui de invocar outros poderes que não os anímicos para esclarecer as curas milagrosas Efeitos que para o nosso conhecimento podem ser tidos como incompreensíveis também não aparecem nessas circunstâncias Tudo transcorre de forma natural o poder mesmo da fé religiosa experimenta aqui uma intensificação por várias forças motrizes humanas A fé religiosa do indivíduo é intensificada pela empolgação da massa de pessoas em cujo entorno ele costuma se aproximar do local sagrado Através desse efeito de massa todas as moções anímicas de cada pessoa 19 podem ser intensificadas de forma imensurável Onde o indivíduo busca a cura no local da graça é o chamado a visão do lugar que substitui a influência da massa de pessoas é onde novamente apenas o poder da massa faz efeito Essa influência ainda se mostra de outra forma Como se sabe que a graça divina se volta sempre apenas a alguns poucos entre os muitos que a almejam todos querem estar entre esses destacados e eleitos a ambição adormecida em cada uma dessas pessoas vem em auxílio da fé religiosa Onde há o feito conjunto de muitas forças poderosas não é de surpreender se ocasionalmente o objetivo for realmente atingido Mesmo os incrédulos da religião não precisam abdicar de curas milagrosas A fama e o efeito de massa substituem completamente a fé religiosa A toda hora há tratamentos da moda e médicos da moda que dominam principalmente a sociedade elegante onde a ambição de se antecipar ao outro e fazer igual aos mais elegantes representa as mais poderosas forças motrizes anímicas Esses tratamentos da moda desenvolvem efeitos de cura que não pertencem à sua área de atuação e os mesmos meios conseguem resultados muito melhores nas mãos do médico da moda que se tornou famoso por ter ajudado a uma personalidade de destaque do que nas de outros médicos Assim há milagreiros humanos e milagreiros divinos salvo que estes últimos elevados à fama pelo benefício da moda e pela imitação gastamse muito rápido como é próprio à natureza das forças que agem através deles A compreensível insatisfação com a ajuda médica muitas vezes insuficiente talvez também a revolta contra a obsessão pelo pensamento científico que reflete para o homem a implacabilidade da natureza hoje e em todos os tempos criaram de novo uma condição curiosa para o poder de cura de pessoas e meios A expectativa crédula apenas irá se estabelecer quando o ajudante não for um médico e puder se arvorar em nada entender da fundamentação científica para a arte da cura quando o meio não for comprovado por um exame minucioso mas por exemplo recomendado por uma preferência popular Disso advém a quantidade excessiva de artes de cura natural e de artistas da cura natural que agora novamente atacam os médicos e o exercício de seu ofício e dos quais podemos dizer com pelo menos alguma certeza que prejudicam mais do que ajudam àqueles em busca de cura Se temos motivos aqui para criticarmos a expectativa crédula do doente não podemos porém ser ingratos a ponto de esquecermos que o 20 mesmo poder também apoia continuamente os nossos próprios esforços médicos Provavelmente o efeito de todo remédio que o médico prescreve de toda intervenção que ele faz se compõe de duas partes Uma delas às vezes maior às vezes menor mas nunca totalmente desprezível é representada pelo comportamento anímico do doente A expectativa crédula com que ele vem de encontro à influência da medida médica por um lado depende do tamanho de sua própria ambição pela cura e por outro de sua confiança de que tenha dado os passos certos para tanto ou seja de seu respeito pela arte médica em geral além do poder que ele concede à pessoa do seu médico e mesmo da empatia puramente humana que o médico despertou nele Há médicos que têm a capacidade de ganhar a confiança dos doentes mais desenvolvida que outros médicos o doente muitas vezes já sente o alívio quando vê o médico entrando na sala Os médicos desde sempre já em tempos antigos exerceram o tratamento anímico muito mais intensamente do que hoje Se por tratamento anímico entendermos o esforço de evocarmos no doente os estados e condições anímicos mais favoráveis para a cura então esse tipo de tratamento médico é historicamente o mais antigo Os povos antigos não tinham praticamente nada à disposição além do tratamento psíquico eles também nunca deixavam de reforçar o efeito de bebidas curativas e medidas de cura com o tratamento intensivo da alma O uso conhecido de fórmulas mágicas banhos de purificação invocação de sonhos do oráculo dormindo no templo entre outros só pode ter tido efeito curativo pela via anímica A própria personalidade do médico criou uma fama derivada diretamente do poder divino uma vez que a arte da cura em seus primórdios estava nas mãos dos sacerdotes Dessa forma a pessoa do médico naquela época assim como hoje era uma das principais circunstâncias para atingir no doente o estado anímico favorável à cura Agora começamos a entender também a magia da palavra Palavras como sabemos são os mais importantes mediadores da influência que uma pessoa quer ter sobre a outra palavras são bons meios para provocar transformações anímicas naquele a quem elas são dirigidas e por isso não soa mais estranho quando se afirma que a magia da palavra pode afastar manifestações de doença ainda mais aquelas que se originam em estados anímicos Todas as influências anímicas que se mostraram eficazes para eliminar 21 doenças têm algo de imponderável Afetos direcionamento da vontade desvio da atenção expectativa crédula todos esses poderes que ocasionalmente suspendem o adoecimento em outros casos não conseguem fazêlo sem que se possa responsabilizar a natureza da doença pelo diferente desfecho Ao que parece é a prepotência das personalidades animicamente tão diferentes que está impedindo a regularidade do sucesso da cura Desde que então os médicos reconheceram claramente a importância do estado anímico para a cura foi sugerida a tentativa de não mais deixar a cargo do doente definir que quantidade de complacência anímica poderá ser produzida nele mas forçar o surgimento do estado anímico favorável com meios adequados e com foco no objetivo Com esse esforço iniciase o tratamento anímico moderno Portanto resulta daí uma série de formas de tratamento algumas delas óbvias outras acessíveis à compreensão apenas depois de passar por complicados prérequisitos É óbvio por exemplo que o médico que hoje em dia não provoca mais admiração como um sacerdote ou possuidor de uma ciência oculta mantenha a sua personalidade de tal forma que ele consiga ganhar a confiança e um pouco da empatia de seu doente É bom então em termos de distribuição quando esse tipo de sucesso só lhe é garantido em um número limitado de doentes enquanto outros devido a seu grau de instrução e sua empatia sentemse mais atraídos por outras personalidades médicas Mas com a suspensão da livre escolha dos médicos eliminase uma condição importante para o influenciamento Beeinflussung anímico dos doentes O médico deixa que se lhe escape toda uma série de recursos anímicos eficazes Ele ou não tem o poder ou não se pode dar o direito de aplicar esses recursos Isso vale principalmente para a evocação de afetos fortes ou seja para os recursos mais importantes por meio dos quais o anímico tem efeito sobre o físico O destino muitas vezes cura doenças através de grandes excitações de alegria de satisfação de necessidades de realização de desejos o médico que fora do âmbito de sua arte muitas vezes também se torna impotente não tem como concorrer com isso Criar temor e pavor para fins de cura estaria mais no seu campo de ação mas com exceção de crianças ele terá de pensar muito bem antes de recorrer a essas medidas ambíguas Por outro lado todas as relações com o doente associadas a sentimentos afetuosos não se aplicam para o médico devido à importância desses estados anímicos para a vida Dessa forma o seu poder de modificar animicamente os seus 22 pacientes desde o início pareceria tão limitado que o tratamento anímico executado de forma intencional não teria vantagens se comparado ao tipo praticado antigamente O médico pode tentar conduzir por exemplo a atividade da vontade e a atenção do doente e em diferentes estados da doença terá bons motivos para fazêlo Quando ele insistentemente pede que o doente que se julga paralisado execute os movimentos que supostamente não consegue fazer ou quando nega ao amedrontado a exigência deste de ser examinado devido a uma doença certamente inexistente ele terá optado pelo tratamento correto mas essas oportunidades específicas não lhe dão o direito de apresentar o tratamento anímico como um procedimento especial de cura Por outro lado através de um caminho curioso e imprevisível ao médico foi dada a possibilidade de exercer uma profunda mas passageira influência sobre a vida anímica de seus pacientes e usála para fins de cura Há muito tempo era de conhecimento geral mas apenas nas últimas décadas suspendeuse toda e qualquer suspeita a respeito de que através de certas intervenções suaves é possível levar pessoas a um estado anímico muito peculiar bastante semelhante ao sono e por isso chamado de hipnose3 Os procedimentos para chegar à hipnose à primeira vista não têm muito em comum Podese hipnotizar alguém pedindo que a pessoa olhe fixamente para um objeto brilhante durante alguns minutos ou então colocando um relógio de bolso durante o mesmo tempo junto ao ouvido da pessoa usada na experiência ou ainda passando as próprias mãos esticadas repetidas vezes a uma pequena distância sobre o rosto e os membros da pessoa Mas podese conseguir o mesmo anunciando com calma e de forma segura para a pessoa que se quer hipnotizar o início do estado hipnótico e de suas peculiaridades ou seja convencendoa através da fala Podese também unir os procedimentos Pedese que a pessoa se sente colocase um dedo diante dos seus olhos e pedese que olhe fixamente para ele dizendo a ela em seguida você está se sentindo cansado Os seus olhos já estão se fechando você não consegue mantêlos abertos Seus membros estão pesados você não consegue mais se mexer Você está adormecendo etc Percebese que todos esses procedimentos têm em comum uma captura da atenção no primeiro tipo tratase de extenuar a atenção através de estímulos sensoriais fracos e uniformes Ainda não foi esclarecida de forma satisfatória a dúvida em 23 relação a como o mero convencimento pela palavra produz exatamente o mesmo estado que os outros procedimentos Hipnotizadores experientes informam que com esse procedimento conseguese uma clara transformação hipnótica em cerca de 80 por cento das pessoas testadas Mas não se tem qualquer indício a partir do qual se possa adivinhar de antemão quais pessoas são hipnotizáveis e quais pessoas não o são Um estado de doença absolutamente não faz parte das condições da hipnose pessoas normais ao que parece são facilmente hipnotizáveis e uma parte dos nervosos é especialmente difícil de hipnotizar enquanto doentes mentais são totalmente refratários O estado hipnótico tem diversas gradações em seu grau mais leve o hipnotizado sente apenas algo como uma leve anestesia e o grau mais alto caracterizado por singularidades específicas foi chamado de sonambulismo devido à sua semelhança com o andar durante o sono observado como fenômeno natural Mas a hipnose não é um sono como o nosso sono noturno ou como aquele produzido artificialmente por soníferos Há modificações em seu interior e ali se mostram produções anímicas preservadas que não se apresentam no sono normal Alguns fenômenos da hipnose como as mudanças da atividade muscular têm apenas interesse científico O mais significativo e para nós mais importante sinal da hipnose está no comportamento do hipnotizado diante de seu hipnotizador Enquanto para o mundo exterior o hipnotizado se comporta como alguém que dorme ou seja afastouse dele com todos os sentidos ele está acordado para a pessoa que o colocou em hipnose ouve e vê apenas ela entendea e responde a ela Esse fenômeno a que chamamos de rapport na hipnose encontra um análogo no modo como algumas pessoas dormem por exemplo a mãe que alimenta o seu filho É algo tão curioso que deveria nos trazer a compreensão da relação entre hipnotizado e hipnotizador Mas o fato de o mundo do hipnotizado digamos ser restrito ao hipnotizador não é a única coisa Chega a ponto de o primeiro ser totalmente submisso ao último obediente e crédulo e isso ocorre na hipnose profunda de forma praticamente ilimitada E na execução dessa obediência e dessa credulidade mostrase então como sendo uma característica do estado hipnótico o fato de ser a influência da vida anímica sobre o corpo do hipnotizado extraordinariamente intensificada Se o hipnotizador disser você não consegue mexer o braço esse braço cairá como se fosse imóvel aparentemente o hipnotizado usa toda a sua força e não consegue movêlo 24 Se o hipnotizador disser seu braço se mexe automaticamente você não pode impedilo esse braço se moverá e vemos o hipnotizado fazer movimentos inúteis para imobilizar o braço A representação Vorstellung que o hipnotizador deu ao hipnotizado através da palavra provocou justamente aquele comportamento anímicocorporal que corresponde ao seu conteúdo Por um lado há aí obediência mas por outro há um aumento da influência física de uma ideia A palavra aqui volta a se transformar em magia O mesmo vale para a área das percepções sensoriais O hipnotizador diz você vê uma cobra você cheira uma rosa você ouve a mais bela das músicas e o hipnotizado vê cheira ouve tal como a representação Vorstellung prescrita o exige dele Como saber se o hipnotizado de fato tem essas percepções Poderíamos supor que ele apenas esteja fingindo mas não há motivo para duvidarmos pois ele se comporta como se estivesse sentido de fato manifesta todos os afetos que pertencem à sensação e sob certas circunstâncias após a hipnose ele poderá relatar as suas percepções e vivências imaginadas Percebese então que ele viu e ouviu assim como vemos e ouvimos no sonho isto é ele alucinou Aparentemente ele é tão crédulo diante do hipnotizador que está convencido de que a cobra deva ser vista se o hipnotizador a anuncia e essa convicção tem um efeito tão forte sobre o físico que ele de fato vê a cobra como de resto em certas ocasiões pode acontecer também com pessoas não hipnotizadas Digase aqui de passagem que tal credulidade que o hipnotizado apresenta diante de seu hipnotizador além da hipnose só é encontrada na vida real na criança diante dos pais amados e essa sintonia Einstellung da própria vida anímica com a de outra pessoa com uma submissão semelhante tem um único correspondente mas agora completo em alguns relacionamentos amorosos com uma total entrega A somatória da exclusividade do foco em uma pessoa com a obediência crédula aliás é algo que caracteriza o amar Há ainda muito a relatar sobre o estado hipnótico A fala do hipnotizador que expressa os efeitos mágicos anteriormente descritos é chamada de sugestão e criouse o costume de usar esse nome também nos casos em que há apenas a intenção de produzir efeito semelhante Assim como o movimento e a sensação todas as outras atividades anímicas do hipnotizado obedecem a essa sugestão enquanto ele não costuma empreender nada por motivação própria Podese aproveitar a obediência hipnótica para uma série de experiências altamente curiosas que permitem miradas profundas no 25 mecanismo anímico e criando no espectador a profunda convicção indelével do poder insuspeitado do anímico sobre o físico Assim como se pode instar o hipnotizado a ver o que não está lá também se pode proibilo de ver algo que está lá e quer se impor a seus sentidos por exemplo uma determinada pessoa a chamada alucinação negativa e essa pessoa então achará impossível se fazer perceptível ao hipnotizado através de qualquer tipo de estímulo ela será tratada por ele como ar Podese aplicar a sugestão ao hipnotizado de que execute determinada ação apenas algum tempo após acordar da hipnose a sugestão póshipnótica e o hipnotizado cumprirá esse tempo e executará a ação sugerida em meio a seu estado de vigília sem saber indicar um motivo para tanto Se então perguntarmos por que ele fez aquilo neste momento ele se reportará a uma pressão obscura à qual não conseguiu resistir ou então inventará um pretexto minimamente plausível sem se lembrar do motivo real que foi a sugestão nele aplicada O acordar da hipnose se dá sem esforço através da palavra poderosa do hipnotizador acorde Nas hipnoses mais profundas faltará a lembrança de tudo que foi vivenciado durante a hipnose sob influência do hipnotizador Essa parte da vida anímica chegará a permanecer isolada do resto Outros hipnotizados têm uma lembrança onírica outros ainda se lembram de tudo mas relatam que estiveram sob uma coerção anímica seelischer Zwang4 contra a qual não havia resistência O ganho científico que o conhecimento dos fatos hipnóticos trouxe para médicos e pesquisadores da alma dificilmente será superestimado Mas para destacar a importância prática dos novos achados coloquese o médico no lugar do hipnotizador e o paciente no lugar do hipnotizado A hipnose nesse caso não parece como que talhada para satisfazer todas as necessidades do médico desde que este queira aparecer diante do doente como médico da alma A hipnose presenteia o médico com uma autoridade que provavelmente um sacerdote ou um curandeiro nunca tiveram na medida em que reúne todo o interesse anímico do hipnotizado na pessoa do médico ela elimina a autoingerência Eigenmächtigkeit da vida anímica no doente autoingerência em que reconhecemos o impedimento para a expressão de influências anímicas sobre o corpo ela produz em si e per se um aumento do poder anímico sobre o corporal que comumente só se observa sob as mais fortes influências de afetos e pela possibilidade de deixar aflorar depois em 26 estado normal o que foi dito ao doente na hipnose sugestão póshipnótica fornece ao médico os meios para utilizar no estado de vigília o seu grande poder durante a hipnose para modificar o paciente Assim teríamos um padrão simples para o tipo de cura através do tratamento anímico O médico coloca o paciente em estado de hipnose aplica a sugestão de que ele não está doente modificada de acordo com as respectivas circunstâncias e de que após acordar não sentirá mais nenhum sinal de sofrimento depois do que acordará o doente e ficará na expectativa de que a sugestão fez a sua parte para sanar a doença Esse procedimento teria de ser repetido em número suficiente caso apenas uma sessão não tenha resolvido Apenas uma única dúvida poderia afastar médico e pacientes da utilização de tal procedimento de cura mesmo sendo ele tão promissor Caso os resultados mostrassem que o benefício da hipnose de um lado traria de outro lado por exemplo um prejuízo um distúrbio ou enfraquecimento na vida anímica do hipnotizado As experiências feitas até agora já são suficientes para afastar essa preocupação hipnoses únicas são absolutamente inofensivas mesmo aquelas repetidas com frequência não fazem mal como um todo Só há uma coisa a destacar nos casos em que as circunstâncias tornam necessária a utilização contínua da hipnose produzse um hábito e uma dependência do médico hipnotizador o que não pode ser a intenção do procedimento de cura O tratamento hipnótico significa realmente uma grande ampliação do âmbito de poder do médico significando um progresso na arte da cura Pode se aconselhar a todo aquele que sofre que confie na hipnose quando exercida por um médico confiável e experiente Mas se deveria usar a hipnose de uma forma diferente daquela geralmente praticada hoje Normalmente só se usa esse tipo de tratamento quando todos os outros recursos falharam o sofredor já está prestes a desistir e se sentindo desencorajado Então se abandona o médico que não sabe hipnotizar ou não exerce o procedimento e procurase um médico desconhecido que geralmente nada mais exercita e nada sabe além de hipnotizar O médico de família deveria estar familiarizado com o método hipnótico de cura utilizandoo desde o início se ele julgar que o caso e a pessoa estejam aptos para tanto Onde ela fosse aplicável a hipnose deveria existir de igual para igual ao lado dos outros procedimentos de cura e não significar um último refúgio ou até o abandono da cientificidade a caminho do charlatanismo O procedimento de cura da hipnose não é útil 27 apenas em todos os estados nervosos e nos distúrbios surgidos por imaginação além da desabituação de hábitos doentios alcoolismo vício em morfina desvios sexuais mas também em muitas doenças orgânicas mesmo as infecciosas nas quais em caso de continuidade da patologia de base se tem a perspectiva de eliminar os sinais da doença que num primeiro momento afligem o doente como dores inibição dos movimentos e afins A seleção dos casos para a utilização do procedimento hipnótico depende integralmente da decisão do médico Mas é chegada a hora de dissipar a impressão de que com a ferramenta da hipnose começou um confortável período de atividades milagrosas para o médico Ainda há inúmeras circunstâncias a considerar adequadas para diminuir significativamente as nossas expectativas em relação ao procedimento hipnótico de cura e reduzir as esperanças ativadas no doente à sua medida justa Principalmente uma condição básica se revelou insustentável que afirma que através da hipnose se teria conseguido demover dos doentes a autoingerência em seu comportamento anímico Eles a preservam e a comprovam já em seu posicionamento contra a tentativa de hipnotizálos Quando dissemos anteriormente que cerca de 80 por cento das pessoas são hipnotizáveis esse número elevado só se produziu porque todos os casos que apresentavam algum traço de influenciamento Beeinflussung foram computados como casos positivos Hipnoses realmente profundas com submissão total tal como as que escolhemos na descrição para servirem de modelo na realidade são raras pelo menos não tão frequentes como seria desejável para o interesse da cura Podese voltar a diluir a impressão desse fato destacando que a profundidade da hipnose e a submissão diante das sugestões não andam no mesmo compasso e muitas vezes podemos observar um bom efeito da sugestão em um torpor hipnótico leve Mas mesmo se tomarmos separadamente a submissão hipnótica como o mais essencial desse estado precisamos admitir que as pessoas mostram a sua especificidade na medida em que só se deixam influenciar pela submissão até certo ponto que é o momento em que param Portanto as pessoas mostram graus muito diferentes de utilidade para o procedimento hipnótico de cura Se fosse possível encontrar meios com os quais pudéssemos intensificar todos esses graus especiais do estado hipnótico até chegarmos à hipnose completa suspenderíamos novamente a especificidade dos doentes e o ideal do tratamento anímico seria concretizado Mas esse progresso até hoje não se 28 efetivou ainda depende muito mais do doente do que do médico qual o grau de submissão que se colocará à disposição da sugestão isto é está a cargo do arbítrio do paciente Mais importante é outro aspecto Quando se descrevem os sucessos altamente curiosos da sugestão no estado hipnótico esquecese que se trata aqui como em todos os efeitos anímicos de relações de grandeza e de força Se colocarmos uma pessoa saudável em hipnose profunda e dissermos a ela que morda uma batata que apresentamos a ela como pera ou então se dissermos a ela que está vendo um conhecido que precisa cumprimentar facilmente veremos uma submissão total porque não há um motivo sério no hipnotizado que possa se rebelar contra a sugestão Mas já no caso de outros comandos por exemplo quando se pede a uma menina normalmente tímida que tire a roupa ou a um homem honesto que se aproprie de um objeto valioso por meio de roubo podese perceber uma resistência no hipnotizado que pode ir até o ponto de recusar obediência à sugestão A partir disso aprendemos que na melhor das hipnoses a sugestão não tem poder ilimitado mas apenas um poder de certa intensidade O hipnotizado se dispõe a oferecer pequenos sacrifícios com os grandes ele é reticente assim como ele o seria em estado de vigília Agora se lidamos com um doente e através da sugestão o instamos à recusa da doença perceberemos que isso para ele significa um grande sacrifício e não um pequeno O poder da sugestão aí se mede também com a força que criou as manifestações da doença e as mantém mas a experiência mostra que esta última é de ordem totalmente diferente da influência hipnótica O mesmo doente que ingressa em toda situação onírica que lhe é sugerida desde que não seja abjeta submetendose totalmente a ela pode permanecer completamente avesso a uma sugestão que por exemplo contrarie a sua paralisia imaginada Acrescentese a isso que na prática justamente os nervosos em geral são difíceis de hipnotizar de modo que não será a influência hipnótica plena mas apenas uma fração dela a lutar a batalha contra as forças poderosas através das quais a doença está ancorada na vida anímica Portanto se a hipnose ou mesmo a hipnose profunda foi bemsucedida uma vez isso não garante de antemão que a sugestão saia vitoriosa em relação à doença Ainda será necessária a batalha e muitas vezes o resultado é incerto Por isso uma única sessão de hipnose de nada serve contra distúrbios sérios de origem anímica Mas com a repetição da hipnose cai o 29 efeito de milagre para o qual talvez o doente tenha se preparado Nesse caso podese conseguir que com repetidas hipnoses o influenciamento da doença de início fraco passe a se tornar cada vez mais evidente até que se instale um resultado satisfatório Contudo um tratamento hipnótico desse tipo pode ser tão trabalhoso e tomar tanto tempo quanto qualquer outro Outra forma como a relativa fraqueza da sugestão se revela em comparação às afecções a serem combatidas é que a sugestão consegue a suspensão das manifestações da doença mas apenas por pouco tempo Após decorrido esse período os sinais de sofrimento voltam e precisam ser eliminados por uma nova hipnose com sugestão Se esse percurso se repetir com uma frequência razoável geralmente ele esgotará a paciência tanto do doente quanto do médico e terá como consequência a desistência do tratamento hipnótico Esses também são os casos em que se costumam estabelecer no doente a dependência do médico e uma espécie de vício pela hipnose É bom que o doente conheça essas falhas do método hipnótico de cura e as possibilidades de se decepcionar na sua aplicação O poder de cura da sugestão hipnótica é um fato ele não precisa do louvor exacerbado Por outro lado é facilmente compreensível que os médicos a quem o tratamento anímico hipnótico prometia muito mais do que podia cumprir não se cansem de buscar outros procedimentos que possibilitem uma intervenção mais profunda ou menos imprevisível na alma do doente Podese ter a expectativa segura de que o tratamento anímico moderno focado no objetivo que acaba sendo uma revitalização recente de antigos métodos de cura ainda fornecerá aos médicos armas muito mais poderosas na batalha contra a doença Uma percepção mais profunda dos processos da vida anímica cujos primeiros passos repousam justamente sobre as experiências hipnóticas apontará recursos e caminhos para tanto 30 Psychische Behandlung Seelenbehandlung 1890 1890 Primeira publicação In KOSSMANN R WEISS J Die Gesundheit Ihre Erhaltung ihre Störung ihre Wiederherstellung Stuttgart Berlin und Leipzig Union Deutsche Verlagsgesellschaft 1942 Gesammelte Werke t V p 289315 Não há dúvida de que a melhor tradução para a palavra grega psyché em alemão é Seele As dificuldades se colocam a partir da tradução dessas palavras para línguas como o português ou mesmo para o inglês A questão tornouse central depois da famosa crítica de Bruno Bettelheim às versões inglesas Estas vertiam o substantivo Seele por mind e o adjetivo seelisch por mental o que resultaria na tradução por mente e mental em português nas traduções indiretas Ocorre que em alemão assim como em grego a mesma palavra Seele é empregada tanto no âmbito filosófico científico para se referir ao psiquismo em seus aspectos cognitivos emocionais sensoriais etc quanto no âmbito místicoreligioso quanto ainda no âmbito estéticoliterário De toda forma apesar dos inconvenientes parece menos inadequado traduzir Seeleseelisch pelo par almaanímico do que por mentemental O presente artigo foi publicado em 1890 numa obra coletiva de divulgação científica intitulada Die Gesundheit A saúde cuja leitura Freud recomendou a seus próprios filhos Por muitos anos acreditouse que o texto havia sido publicado em 1905 quando na verdade a primeira edição data de 15 anos antes Freud tinha pouco mais de 30 anos quando o publicou antes portanto da consolidação da técnica propriamente psicanalítica No início de sua prática clínica em Medicina que remonta a alguns anos antes Freud empregou diversos recursos terapêuticos então usuais incluindo a eletroterapia e a hidroterapia antes de se inclinar em direção a outros métodos que privilegiam aspectos da influência ou da fala tais como a hipnose a sugestão e o método catártico abreação Àquela altura no mundo médico e especialmente em Viena a validade da hipnose como método terapêutico era bastante controversa encontrando em seu eminente professor Theodor Meynert um forte opositor Duas viagens foram decisivas para que Freud pudesse decidirse acerca da validade da hipnose Em 188586 Freud obtém uma bolsa de estudos para estagiar em Paris na Salpêtrière junto a JeanMartin Charcot com quem aprendeu a primazia do fato clínico consubstanciada na frase que nunca mais esqueceu la théorie cest bon mais ça nempêche pas dexister Teoria é bom mas não impede um fato de existir Os relatos acerca do papel decisivo dessa temporada são inúmeros De maneira geral consolidase a mudança de interesse de Freud da neuroanatomia rumo à psicopatologia iniciada alguns anos antes quando o caso Anna O lhe é relatado por Breuer Ainda em Paris Freud se convence da existência da histeria masculina o que culminaria com a associação entre histeria e trauma Algum tempo mais tarde no verão de 1889 empreende outra viagem à França também determinante Em Nancy encontra Hippolyte Bernheim a fim de aperfeiçoar a técnica de hipnose levando consigo sua paciente Anna von Lieben conhecida como Frau Cecilia Charcot e Bernheim mantinham diferentes perspectivas acerca da natureza do hipnotismo Para o primeiro a hipnose era uma histeria produzida artificialmente uma condição mórbida ao passo que para o segundo era um fenômeno da psicologia normal da mesma natureza que o sono A passagem de Charcot a Bernheim corresponderia à passagem de uma clínica do olhar a uma clínica da palavra já que este último concebia a hipnose como resultado da sugestão pela palavra Contudo antes de abandonar definitivamente a técnica hipnótica Freud oscilou quanto a esses dois mestres Outro aspecto que deve ser destacado é o papel de Freud como tradutor Traduziu do francês para o alemão tanto a obra de Bernheim quanto a de Charcot contribuindo ainda com a redação de notas de rodapé e prefácio De todo modo o emprego freudiano de tais métodos deve ser visto sob o pano de fundo da forte 31 impressão causada pelo método catártico abreação de Breuer cf notícia bibliográfica de O método psicanalítico freudiano neste volume p 59 Nesse artigo precoce vale destacar ainda a aposta freudiana na causalidade psíquica cujo meio de ação não é outro que não o poder aparentemente mágico das palavras sem que Freud se desse conta ainda do fenômeno transferencial À questão acerca de como o tratamento da alma pode ter efeitos no corpo Freud como cientista natural não hesita em responder através da eficácia da palavra que passa a ser cada vez mais uma ferramenta essencial do método Não por acaso no ano seguinte Freud escreveria seu célebre estudo Sobre a concepção das afasias um estudo crítico publicado pela primeira vez no Brasil em 2013 nesta mesma coleção Vale a pena ressaltar como já àquela altura Freud reconhecia os limites do método hipnótico o que fica claro principalmente nas últimas páginas do texto em que ele sonha com armas mais poderosas na batalha contra a doença NOTAS 1 Ver nota bibliográfica ao final do texto NR 2 O verbo verraten tem em alemão uma dupla conotação de trair e deixar de ocultar claramente manifesta neste exemplo NR 3 A atribuição causal por isso se deve ao fato de a palavra hipnose derivar de sono Hypnos a partir da língua grega NR 4 Cabe destacar que aqui Freud valese do mesmo vocábulo utilizado para caracterizar a neurose obsessiva Zwangsneurose ou as compulsões que lhe são inerentes NR 32 CARTA A FLIESS 242 133 Viena 16 de abril de 1900 IX Berggasse 19 Dr Sigm Freud Docente de doenças nervosas ad Universidade Querido Wilhelm Lá se vai a saudação encomendada da Terra do Sol Pois novamente não cheguei lá O objetivo de chegar a Trento e ao Lago de Garda teve de ser reconsiderado porque de início meu companheiro ficou com medo da viagem de volta de 22 horas ao que tive de lhe dar razão Depois soubemos que o lugar para onde queríamos ir estava com muita neve quase tanta quanto por aqui Depois a sextafeira transformouse num terrível dia chuvoso Além disso Martin adoeceu de repente e decidi ficar Por fim no sábado o tempo ficou tolerável mas todas as cinco crianças depois de Mathilde ficaram de cama com catapora É claro que não é nada sério mas mesmo assim uma combinação tão grande de aborrecimentos que estou bem contente de ainda estar em casa Você tem plena razão meus desejos não são muito maleáveis uma renúncia parcial logo resulta num defunto inteiro e isso não me agrada Foi o que também aconteceu neste caso Nesse meiotempo vocês estiveram em Dresden com problemas domésticos de porte menor felizmente e mais rapidamente superados São estranhas distribuições Nós passamos por toda uma espécie de outras coisas mas nada que se pareça com isso Nossa casa vai bem as pessoas são fiéis e persistentes Cada camada da cultura tem suas queixas específicas E1 finalmente concluiu sua carreira de paciente com um convite para jantar em minha casa Seu enigma está quase totalmente solucionado sua saúde excelente sua essência totalmente mudada dos sintomas permaneceu um resto no momento Estou começando a entender que o caráter aparentemente sem fim do tratamento é algo regular e tem a ver com a 33 transferência Espero que esse resto não prejudique o resultado prático Só dependia de mim ainda ter continuado com o tratamento mas percebi que isso seria um compromisso entre o estar doente e o estar sadio o qual os próprios pacientes desejam e com o qual o médico por isso mesmo não deve concordar A conclusão assintótica do tratamento que para mim é indiferente continua sendo uma decepção mais para os de fora De qualquer forma estarei de olho no paciente Como ele teve de participar de todos os meus erros técnicos e teóricos penso que de fato um próximo caso poderia ser resolvido na metade do tempo Tomara que você agora me envie esse próximo caso LG2 vai muito bem Ela não será mais nenhum fracasso Às vezes a coisa caminha no sentido de uma síntese mas eu a detenho Fora isso Viena é Viena ou seja altamente repulsiva Se eu me despedisse com na próxima Páscoa em Roma eu me veria como um judeu devoto Portanto prefiro Até o nosso encontro no verão ou no outono em Berlim ou onde você quiser Saudações cordiais Teu Sigm Carta a Fließ 1950 Aus den Anfängen der Psychoanalyse estabelecida por Marie Bonaparte Anna Freud e Ernst Kris 1985 The Complete Letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fließ 18871904 editadas por J M Masson 1986 Briefe an Wilhelm Fließ 18871904 Ungekürzte Ausgabe A correspondência com Fließ foi decisiva para a constituição das principais linhas de força do pensamento de Freud Nesse sentido ela possui um estatuto à parte em relação à farta correspondência com outros missivistas Na nota do editor inserida no volume Neurose psicose perversão p 5455 o leitor encontrará informações mais detalhadas sobre a troca epistolar FreudFließ Na carta que o leitor tem em mãos Freud menciona a conclusão do tratamento do caso E provavelmente aludindo a seu paciente Oscar Fellner que ele qualifica de perseverante Freud refere se a esse caso direta ou indiretamente diversas vezes em sua correspondência com Fließ A primeira menção data de 20 de abril de 1895 a última é essa que o leitor tem em mãos de 16 de abril de 1900 Destacamse passagens em que Freud comenta a equivalência entre dinheiro e fezes 24 de janeiro de 1897 evoca a solução de um enigma através da análise de uma homofonia entre o alemão e o francês feita pelo próprio paciente 29 de dezembro de 1897 indica a proximidade do término da análise devido à descoberta de uma cena primitiva 21 de dezembro de 1889 que ele compara à descoberta arqueológica como se Heinrich Schliemann tivesse exumado Troia ainda uma vez Por demonstrar em sua própria carne a realidade de suas doutrinas Freud presenteia seu paciente com uma reprodução de Édipo e a Esfinge conforme carta de 21 de dezembro de 1899 Desde então Freud nutre a expectativa de uma resolução do caso É nesse contexto que ele aborda o caráter aparentemente infinito ou semfim Endlos do 34 tratamento anunciando um tema que será sistematizado somente muitos anos mais tarde em 1937 em seu A análise finita e a infinita Die endliche und die unendliche Analyse Esse fragmento é particularmente importante por aglutinar de modo embrionário ideias tais como o caráter assintótico do término de uma análise que se concluiria por uma decisão do analista o incontornável resto sintomático com o qual o analista deve moderar sua ambição terapêutica e last but not least a ligação desses fatores à transferência ANZIEU D Lautoanalyse de Freud et la découverte de la psychanalyse Paris PUF 1975 RUDNYTSKY P Psychoanalytic conversations interviews with clinicians commentators and critics Hillsdale NJ The Analytic Press 2000 NOTAS 1 Tratase aqui da menção a um paciente de Freud designado simplesmente pela inicial E NR 2 Novamente Freud usa de iniciais para se referir a pacientes Desta vez uma mulher NR 35 O MÉTODO PSICANALÍTICO FREUDIANO 1904 1905 O método peculiar de psicoterapia que Freud exerce e chama de Psicanálise tem sua origem no chamado processo catártico sobre o qual ele relatou à sua época nos Estudos sobre histeria em 1895 elaborados com J Breuer A terapia catártica foi uma invenção de Breuer que com seu auxílio primeiramente de certa forma fabricou hergestellt uma doente histérica um decênio antes percebendo então a patogênese de seus sintomas Devido a um encorajamento pessoal de Breuer Freud então retomou o procedimento e o experimentou em um número maior de doentes O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e fundavase na ampliação da consciência que se instaura na hipnose Ele tinha como objetivo o afastamento dos sintomas da doença e alcançava essa meta fazendo com que os pacientes regredissem até o estado psíquico em que o sintoma havia aparecido pela primeira vez Então no doente hipnotizado surgiam lembranças pensamentos e impulsos que até então tinham ficado de fora de sua consciência e quando ele sob intensas expressões dos afetos tinha comunicado ao médico esses seus processos anímicos o sintoma tinha sido superado e o retorno dele suspenso Essa experiência repetida regularmente foi explanada pelos dois autores em seu trabalho conjunto no sentido de que o sintoma estaria no lugar de processos psíquicos reprimidos unterdrückten e que não chegaram à consciência ou seja seria uma transformação conversão da última A eficácia terapêutica de seu procedimento era explicada por eles a partir do escoamento Abfuhr do afeto que até então se encontrava comprimido e que tinha estado colado às ações anímicas reprimidas abreação O esquema simples da intervenção terapêutica no entanto começou a se complicar quando ficou evidente que não era uma impressão única traumática mas geralmente uma série dessas impressões difíceis de serem superadas que participavam do surgimento do sintoma 36 A característica principal do método catártico que o coloca em oposição a todos os outros procedimentos da psicoterapia portanto consiste no fato de que nesse método a eficácia terapêutica não é transferida para uma proibição sugestiva do médico Ele espera ao contrário que os sintomas desapareçam por conta própria se a intervenção que se baseia em determinados pressupostos sobre o mecanismo psíquico conseguir levar processos anímicos por um percurso diferente do atual que desembocou na formação do sintoma As mudanças que Freud fez no procedimento catártico de Breuer inicialmente eram mudanças técnicas mas estas precisavam de novos resultados e acabaram na sequência por mostrar a premência de uma concepção de um trabalho terapêutico de outro tipo mas que não contradizia a concepção anterior Se o trabalho catártico já havia abdicado da sugestão Freud por sua vez deu um passo além e também desistiu da hipnose Atualmente ele atende os seus doentes deixando que eles se posicionem confortavelmente em um divã Ruhebett1 sem qualquer outro tipo de influenciamento enquanto ele próprio fora do escopo visual dos pacientes sentase em uma cadeira atrás deles Ele também não exige que fechem os olhos e evita qualquer contato e todo procedimento que possa lembrar a hipnose Portanto uma sessão assim transcorre como uma conversa entre duas pessoas igualmente despertas sendo que uma delas poupa todo e qualquer esforço muscular assim como toda impressão dos sentidos que possa atrapalhar a concentração na sua própria atividade anímica Uma vez que sabemos que toda forma de ser hipnotizado por maior que seja a habilidade do médico está fundada na arbitrariedade do paciente e que um grande número de pessoas neuróticas não é passível de ser hipnotizado por nenhum procedimento foi recusando a hipnose que se conseguiu garantir que o procedimento fosse aplicável a uma quantidade ilimitada de doentes Por outro lado ficou de fora a ampliação da consciência que justamente tinha fornecido ao médico aquele material psíquico de lembranças e imaginações Vorstellungen2 com ajuda do qual era possível executar a transposição dos sintomas e a libertação dos afetos Se não se criasse um substituto para essa ausência não haveria como falar de uma intervenção terapêutica eficaz 37 Freud então encontrou um tal substituto plenamente suficiente nas ocorrências3 Einfälle dos doentes isto é naquelas ocorrências involuntárias geralmente sentidas como pensamentos que atrapalham e que por isso sob condições normais seriam afastados pois costumavam atravessar o contexto de uma apresentação Darstellung intencionada Para se apoderar dessas ocorrências ele convida os doentes a falarem à vontade em suas comunicações como por exemplo em uma conversa na qual de um assunto se passa a outro totalmente diferente4 Antes de convidálos à narrativa detalhada do histórico de sua doença ele reforça a instrução de que eles lhe contem tudo que lhes vem à cabeça mesmo se acharem não ser importante ou se acharem que aquilo não vem ao caso ou que não faz sentido Mas com bastante ênfase exige deles que não excluam nenhum pensamento ou nenhuma ocorrência da comunicação pelo fato de lhes parecer vergonhoso ou embaraçoso Nos esforços de reunir esse material a partir das ocorrências até então esquecidas Freud então observou aquilo que viria a ser determinante para toda a sua concepção Já durante a narração do histórico da doença os doentes evidenciam lacunas nas lembranças seja porque processos que de fato aconteceram foram esquecidos seja porque relações temporais tenham ficado confusas ou porque relações causais tenham sido esfaceladas de modo a resultarem daí efeitos incompreensíveis Sem amnésia de qualquer tipo não há histórico da doença neurótica Se insistirmos com o narrador que preencha essas lacunas da memória com um esforço de atenção perceberemos que as ocorrências que surgem a partir daí são refreadas zurückgedrängt por ele com todas as formas de crítica até que por fim ele sinta o malestar direto quando a lembrança realmente aparece A partir dessa experiência Freud conclui que as amnésias são resultado de um processo que ele chama de recalque Verdrängung e cujo motivo ele entende serem as sensações de malestar Ele julga sentir as forças psíquicas que trouxeram à tona esse recalque na resistência que se ergue contra o restabelecimento O momento da resistência acabou se tornando um dos fundamentos de sua teoria As ocorrências que até então eram colocadas de lado sob inúmeros pretextos como citado na fórmula acima porém ele vê como derivados das formações psíquicas recalcadas pensamentos ou moções como deformações destas devido à resistência que há contra a sua reprodução Quanto maior a resistência maior será essa deformação Nessa relação das 38 ocorrências involuntárias com o material psíquico recalcado reside então o seu valor para a técnica terapêutica Se tivermos um procedimento que possibilite nos levar das ocorrências ao recalcado das deformações ao deformado também poderemos tornar acessível à consciência e sem hipnose o que era inconsciente na vida anímica Com base nisso Freud desenvolveu uma arte da interpretação que tem o mérito de a partir dos minérios das ocorrências involuntárias representar o teor de metal dos pensamentos recalcados Os objetos desse trabalho de interpretação não são apenas as ocorrências do doente mas também os seus sonhos que permitem o acesso mais direto ao conhecimento do inconsciente bem como seus atos involuntários e não planejados atos sintomáticos e equívocos em suas realizações5 Leistungen na vida cotidiana equivocarse6 ao falar Versprechen ao agir Vergreifen e assemelhados Os detalhes dessa técnica de interpretação ou de tradução ainda não foram publicados por Freud Segundo as suas indicações tratase de uma série de regras obtidas empiricamente mostrando como a partir de ocorrências podese construir o material inconsciente bem como instruções acerca de como entender quando as ocorrências do paciente falham além de experiências sobre as resistências típicas mais importantes que aparecem no decorrer de um tratamento deste tipo Um alentado livro sobre A interpretação dos sonhos Die Traumdeutung publicado por Freud em 1900 pode ser visto como precursor de uma introdução a essa técnica A partir dessas indicações poderíamos concluir acerca da técnica do método psicanalítico que o seu inventor dispendeu esforço supérfluo e agiu mal em abandonar o procedimento pouco complicado da hipnose Mas por um lado uma vez aprendida a técnica da Psicanálise é muito mais fácil de exercer do que pode parecer em uma descrição por outro lado nenhum outro caminho leva ao objetivo e por isso o caminho mais trabalhoso ainda acaba sendo o mais curto Podese objetar em relação à hipnose que ela encobre a resistência impedindo assim que o médico consiga vislumbrar o jogo das forças psíquicas No entanto a hipnose não acaba com a resistência ela apenas desvia dela e por isso só fornece informações incompletas e sucessos apenas passageiros A tarefa que o método psicanalítico quer resolver pode ser expressa em várias fórmulas mas que em essência se equivalem todas Podese dizer a 39 tarefa do tratamento é suspender as amnésias Se todas as lacunas da memória forem preenchidas e todos os efeitos misteriosos da vida psíquica forem esclarecidos impossibilitase a continuidade e até mesmo uma nova formação do sofrimento Podemos formular essa condição de outro modo tornar todos os recalques reversíveis o estado psíquico então seria o mesmo que aquele em que todas as amnésias foram preenchidas Em outra formulação ainda vamos além tratarseia de tornar o inconsciente acessível ao consciente o que ocorre através da superação das resistências Mas não podemos esquecer aqui que um estado ideal como esse também não existe em uma pessoa normal e que só raras vezes conseguimos nos aproximar minimamente desse ponto no tratamento Assim como a saúde e a doença não são separadas por princípio mas apenas por um limite somatório determinável a partir da prática assim também o objetivo do tratamento nunca será algo diferente do que a cura prática praktische Genesung do doente o estabelecimento de sua capacidade de realizar e de gozar7 Em caso de tratamento incompleto ou de resultados imperfeitos desse tratamento alcançamos principalmente uma melhora significativa do estado psíquico geral do doente enquanto os sintomas podem continuar existindo sem porém estigmatizálo como doente mas tendo menor importância para ele À exceção de pequenas modificações o processo terapêutico permanece o mesmo para todos os quadros sintomáticos da histeria multiforme e também para todas as formações da neurose obsessiva Mas não se fala de uma aplicabilidade ilimitada desse processo A natureza do método psicanalítico cria indicações e contraindicações tanto do lado das pessoas a serem tratadas quanto em respeito ao quadro da doença Os mais favoráveis para a Psicanálise são os casos crônicos de psiconeuroses com sintomas pouco intempestivos ou potencialmente pouco perigosos ou seja inicialmente todos os tipos de neurose obsessiva de pensamento e atuação obsessiva e casos de histeria em que fobias e abulias têm papel preponderante mas também todas as manifestações somáticas da histeria desde que a eliminação rápida dos sintomas como no caso da anorexia não se torne a tarefa principal do médico Em casos agudos de histeria teremos de esperar o início de um estágio mais calmo em todos os casos em que o esgotamento nervoso esteja em primeiro lugar evitaremos um procedimento que ele próprio exigirá esforço que trará progressos lentos e que durante certo tempo não poderá 40 levar em consideração a continuidade dos sintomas Precisamos fazer várias exigências à pessoa que será submetida com sucesso à Psicanálise Em primeiro lugar ela deverá ser capaz de mostrar um estado psíquico normal em tempos de confusão ou de depressão melancólica nada podemos fazer nem no caso de uma histeria Além disso podemos exigir determinado grau de inteligência natural e de desenvolvimento ético no caso de pessoas desprovidas de valores logo o interesse abandonará o médico interesse que no início o capacitava a se aprofundar na vida anímica do doente Deformações marcantes de caráter traços de constituição realmente degenerativa expressamse no tratamento Kur como uma fonte de resistências praticamente insuperáveis Nesse sentido a constituição aliás coloca limites para a curabilidade através da psicoterapia Também uma faixa etária por volta do quinto decênio cria condições desfavoráveis para a Psicanálise A massa de material psíquico não será mais dominável nessa fase o tempo necessário para o restabelecimento será longo demais e a capacidade de reverter processos psíquicos começa a fraquejar Apesar de todas essas limitações a quantidade de pessoas adequadas para a Psicanálise é excepcionalmente grande e segundo as afirmações de Freud a ampliação de nosso saber terapêutico através desse procedimento é considerável Freud usa longos períodos de tempo meio ano até três anos para um tratamento eficaz mas ele informa que até então devido a diversos fatores fáceis de serem adivinhados geralmente só conseguiu testar o seu tratamento em casos muito graves pessoas com uma doença de muitos anos e total incapacidade produtiva que iludidas por todos os tratamentos anteriores buscavam um último refúgio em seu procedimento novo e muito questionado Em casos de doenças mais leves a duração do tratamento possivelmente seria muito mais curta e poderseia obter um ganho extraordinário em termos de prevenção para o futuro 41 Die Freudsche psychoanalytische Methode 1904 1905 1904 Primeira publicação In LOEWENFELD Leopold Die psychischen Zwangserscheinungen p 545551 Wiesbaden Bergmann 1906 Sammlung kleiner Schriften zur Neurosenlehre Leipzig Wien Franz Deuticke p 218224 v I 1925 Gesammelte Schriften t VI p 310 1942 Gesammelte Werke t V 110 O presente artigo escrito em terceira pessoa é a contribuição de Freud para o livro de Leopold Loewenfeld Die psychischen Zwangserscheinungen Os fenômenos compulsivos psíquicos Conforme relata James Strachey tudo indica que a contribuição de Freud foi redigida um pouco antes de novembro de 1903 data em que Loewenfeld assina o prefácio da obra Sua importância para Freud é tal que em 1909 numa nota de rodapé a seu estudo clínico sobre o Homem dos Ratos confessa que seu livro de cabeceira seu manual padrão para a abordagem da neurose obsessiva continuava sendo o livro de Loewenfeld Ao longo da década de 1890 a técnica freudiana havia sofrido diversas modificações Foi por isso que Freud aceitou o convite de Loewenfeld para recensear as modificações técnicas posteriores aos Estudos sobre a histeria publicados pouco antes Além disso lembra PaulLaurent Assoun 2009 era a oportunidade perfeita para promulgar oficialmente a Psicanálise como técnica terapêutica em um momento em que o tratamento analítico já havia começado a se instituir internacionalmente notadamente com Eugen Bleuler em Zurique Este artigo pode ser lido como a primeira exposição abrangente acerca da técnica psicanalítica em sua especificidade não apenas com relação à sugestão e à hipnose que já não empregava há algum tempo mas ainda ao método catártico Vale lembrar que Freud estava familiarizado com o método catártico havia bastante tempo desde que Breuer relatara o caso Anna O o que ocorreu em diversas ocasiões a partir de novembro de 1882 A talking cure já havia impressionado o jovem médico bastante precocemente Mas teria sido o caso Emmy von N a baronesa Fanny Moser o acontecimento decisivo para que Freud abandonasse o método hipnótico quando ela por volta de 1889 pediulhe que lhe deixasse falar sem interrupções A arte da interpretação criada por Freud é correlata à técnica da associação livre que progressivamente iria se firmar como especificidade da prática analítica primeiramente de maneira focal depois especificamente livre É digno de nota que no contexto de um esforço obstinado em reconhecer a cientificidade da Psicanálise Freud designe como arte Kunst a principal ferramenta técnica de sua jovem ciência O texto vale ainda pela elucidação das relações entre resistência e recalque Finalmente o artigo contém uma das passagens mais citadas de Freud segundo a qual o objetivo do tratamento analítico seria o de estabelecer no paciente sua capacidade de realizar leisten e de gozar genießen muitas vezes traduzido erroneamente e de forma menos abrangente como capacidade de trabalhar e de amar Contudo em um trecho suprimido de A questão da análise leiga ver p 303 Freud emprega outra variante da fórmula restituir as capacidades perdidas de trabalhar e de fruir verlorene Arbeits und Genußfähigkeiten Colocadas lado a lado essas duas variantes parecem indicar uma concepção alargada de atividades tais como realizar produzir trabalhar NOTAS 1 Literalmente cama de descanso O termo Diwan existente na língua alemã não foi empregado por 42 Freud para se referir à característica forma de móvel utilizado em consultórios de Psicanálise NR 2 Vorstellung é uma palavra alemã que quando utilizada numa conotação conceitual específica não somente na Psicanálise como também por vários autores na Filosofia tem sua melhor tradução por representação Ocorre que sendo também uma palavra de uso corrente na língua pode ter os sentidos de noção ideia imaginação entre outros Nesta coleção procuramos ficar atentos ao contexto buscando a tradução mais adequada ainda que assinalando sempre que adequado o termo alemão entre colchetes NR 3 O termo alemão traduzido aqui por ocorrência Einfall remete literalmente àquilo que cai para dentro como uma ideia ou imagem que se impõe à pessoa NR 4 A expressão original em alemão aus dem Hundertsten ins Tausendste kommen significa literalmente sair de um centésimo e chegar a um milionésimo querendo dizer que uma coisa leva a outra um assunto leva a mil outros e se perde o fio da meada esquecendose de buscálo já que se trata de conversa informal e não há necessidade de coerência absoluta NT 5 Aqui Freud se refere ao que ficou conhecido como ato falho O termo composto Fehlleistung entretanto referese mais do que a um ato Handlung específico a qualquer realização ou produção Leistung NR 6 Vale notar que os títulos dos capítulos do livro Sobre a psicopatologia da vida cotidiana Zur Psychopathologie des Alltagslebens são em sua maioria formados por verbos com o prefixo ver indicando diferentes modalidades de equívoco no falar sprechen versprechen no agir greifen vergreifen ao ler lesen verlesen etc NR 7 Essa passagem além de relevante foi também bastante difundida ao nosso ver de modo equivocado Na versão corrente parece que o objetivo de uma análise consistiria em estabelecer no analisando sua capacidade de trabalhar e de amar Entretanto aqui Freud emprega termos mais abrangentes leisten realizar produzir e genießen gozar fruir de modo agradável Numa tradução menos literal teríamos capacidade de realizar coisas e gozar a vida Joyce McDougall complementa a frase de Freud entre parênteses com a expressão avec plaisir Cf MCDOUGALL Quelles valeurs pour la psychanalyse Revue Française de Psychanalyse v 52 n 3 1988 p 598 NR NE 43 SOBRE PSICOTERAPIA 1905 1904 Meus senhores Cerca de oito anos se passaram desde que pude falar neste círculo sobre o tema da histeria a convite de seu finado presidente Professor von Reder Pouco antes 1895 eu tinha publicado junto com o Doutor Josef Breuer os Estudos sobre histeria e empreendido a tentativa de introduzir uma forma inovadora de tratamento da neurose com base na nova descoberta que devemos àquele pesquisador Felizmente posso dizer que os esforços de nossos Estudos tiveram sucesso as ideias lá defendidas sobre a forma como agem traumas psíquicos através da contenção de afeto e a concepção dos sintomas histéricos como sucedâneos de uma moção transportada do anímico para o corpóreo ideias para as quais criamos os termos abreação e conversão Konversion hoje são amplamente conhecidas e compreendidas Não há pelo menos em solo alemão nenhuma concepção Darstellung da histeria que até certo ponto não lhes fosse tributária e não há colega especialista na área que não tenha ao menos durante certo tempo acompanhado essa teoria E mesmo assim esses teoremas e esses termos enquanto ainda estavam frescos devem ter soado bastante estranhos Não posso dizer o mesmo sobre o procedimento terapêutico que foi sugerido aos colegas juntamente com a nossa doutrina Lehre Esse procedimento até hoje luta pelo reconhecimento Podemos invocar motivos especiais para tal fato A técnica do procedimento ainda não estava totalmente formada naquela época eu não conseguia dar ao médico leitor do livro as instruções que o capacitariam a executar aquele tratamento de forma completa Mas certamente também houve motivos de ordem geral Para muitos médicos ainda hoje a psicoterapia parece ser um produto do misticismo moderno e se comparada a nossos remédios físicoquímicos cuja utilização se fundamenta em descobertas fisiológicas é considerada não científica indigna do interesse de um pesquisador de Ciências Naturais Permitamme então discutir e destacar a causa da psicoterapia diante dos 44 senhores apresentando o que pode ser considerado injustiça ou erro na condenação mencionada Deixemme lembrar em primeiro lugar que a psicoterapia não é um procedimento de cura moderno Pelo contrário ela é a terapia mais antiga da qual se serviu a Medicina Na obra muito instrutiva de Löwenfeld Manual global de psicoterapia Lehrbuch der gesamten Psychotherapie os senhores poderão ler quais eram os métodos da Medicina primitiva e da antiga Os senhores terão de associálos em grande parte à psicoterapia para fins de cura colocavamse os doentes no estado de expectativa crédula que ainda hoje nos fornece a mesma coisa Mesmo depois de os médicos terem descoberto outros meios de cura os empenhos psicoterapêuticos de um ou de outro tipo nunca sucumbiram na Medicina Em segundo lugar chamo a atenção para o fato de que nós médicos não podemos prescindir da psicoterapia porque uma outra parte levada em alta consideração no processo de cura que são os doentes não tem a intenção de abdicar dela Os senhores sabem que esclarecimentos a esse respeito devemos à Escola de Nancy Liébault Bernheim Um fator dependente da disposição psíquica dos doentes influencia sem que seja nosso intuito em todo o processo de cura introduzido pelo médico geralmente no sentido positivo às vezes também como obstáculo Para esse fato aprendemos a usar a palavra sugestão e Moebius nos ensinou que a falta de confiabilidade de que reclamamos em tantos de nossos métodos de cura remonta justamente à influência nociva desse fator mais que poderoso Nós médicos os senhores todos portanto estamos constantemente praticando a psicoterapia mesmo quando não nos damos conta disso e não sendo a nossa intenção apenas há a desvantagem de que os senhores dessa forma deixam totalmente a cargo do doente a influência do fator psíquico Assim ele se torna incontrolável não dosável incapaz de gradação crescente Não será então uma aspiração genuína do médico se apoderar desse fator utilizarse dele no intuito de conduzilo e de fortalecêlo Nada além disso é o que a psicoterapia científica exige dos senhores Em terceiro lugar senhores colegas quero apontar para a experiência há muito conhecida de que certas formas de sofrimento e especificamente as psiconeuroses são muito mais acessíveis a influências anímicas do que a qualquer outra medicação Não se trata de uma fala moderna mas de informações de médicos antigos quando se diz que essas doenças não são 45 curadas pelo medicamento mas pelo médico provavelmente a personalidade do médico na medida em que através dela se exerce influência psíquica Certamente sei senhores colegas que entre os senhores é muito popular aquela opinião que o esteta Vischer expressou em sua paródia de Fausto Fausto parte III da tragédia Sei que amiúde o que é corporal Tem efeito no moral Mas não deveria ser mais adequado e mais frequente influenciar o lado moral de uma pessoa com meios morais isto é psíquicos Há muitos tipos e caminhos de psicoterapia São bons todos os que levam ao objetivo da cura Nosso consolo habitual Ah tudo vai ficar bem com que somos tão generosos diante dos doentes corresponde a um dos métodos psicoterapêuticos só que ao olharmos mais profundamente para a essência das neuroses não víamos a necessidade de nos limitarmos ao consolo Desenvolvemos a técnica da sugestão hipnótica da psicoterapia pela distração pelo exercício pela evocação de afetos úteis Não desprezo nenhuma delas e as exerceria todas sob as condições adequadas Se na verdade me limitei a um único procedimento de cura o método que Breuer chamou de catártico e que prefiro chamar de analítico então foram importantes para mim apenas motivos subjetivos Devido à minha participação no estabelecimento dessa terapia sintome na obrigação pessoal de me dedicar a pesquisála e de expandir a sua técnica Posso afirmar que o método analítico da psicoterapia é aquele que tem o efeito mais profundo a maior amplitude e através do qual se atinge a mais considerável modificação do paciente Se por um momento eu abandonar a perspectiva terapêutica posso afirmar a respeito da psicoterapia que ela é a mais interessante e a única a nos ensinar algo sobre o surgimento e o contexto das manifestações da doença Devido às informações que ela nos oferece a respeito do mecanismo do estar animicamente doente só ela poderia ser capaz de ir além de si própria e nos apontar o caminho para outros tipos de influência terapêutica Quanto a esse método catártico ou analítico da psicoterapia permitamme agora corrigir alguns equívocos e prestar alguns esclarecimentos a Percebo que esse método muito frequentemente é confundido com o tratamento hipnótico sugestivo e o percebo a partir do fato de que com uma frequência bastante alta também colegas para os quais não costumo agir 46 como homem de confiança mandamme pacientes é claro que pacientes refratários com a tarefa de que eu os hipnotize Ocorre que há cerca de oito anos não tenho mais exercido a hipnose para fins terapêuticos à exceção de alguns experimentos e costumo retornar tais encomendas com o conselho de que aquele que confia em hipnose a faça ele mesmo Na verdade entre a técnica sugestiva e a analítica há o maior contraste aquele contraste que o grande Leonardo da Vinci condensou para as artes nas fórmulas per via di porre e per via di levare A pintura diz Da Vinci trabalha per via di porre é que ela coloca montinhos de tinta onde eles antes não existiam na tela sem cores a escultura por sua vez procede per via di levare já que retira da pedra o necessário para revelar a superfície da estátua nela contida De forma muito semelhante meus senhores a técnica sugestiva tenta fazer efeito per via di porre ela não se preocupa com a origem a força e a importância dos sintomas da doença mas aplica algo que é a sugestão da qual ela espera que seja forte o suficiente para impedir a ideia patogênica de se expressar A terapia analítica por sua vez não quer aplicar nada não quer introduzir algo novo mas quer tirar extrair e para esse fim ela se ocupa da gênese dos sintomas da doença e do contexto psíquico da ideia patogênica cuja eliminação é o seu objetivo Nesse caminho da pesquisa ela nos trouxe um subsídio muito importante para a nossa compreensão Eu desisti tão cedo da técnica sugestiva e com ela da hipnose porque eu me desesperava diante do fato de tentar tornar a sugestão tão forte e durável quanto seria necessário para a cura definitiva Em todos os casos graves eu via a sugestão aplicada sobre eles se esfarelar e então o estar doente ou algo substituto voltava a se instalar Além disso o que eu critico nessa técnica é que ela nos encobre a percepção do jogo de forças psíquico por exemplo não nos permite reconhecer a resistência com que os doentes se agarram à sua doença portanto com que também são avessos à cura e que na verdade é a única a possibilitar a compreensão de seu comportamento na vida b Pareceme ser um equívoco bastante disseminado entre os colegas a concepção de que a técnica da pesquisa sobre as origens da doença e a eliminação das manifestações seja fácil e óbvia através dessa investigação Concluo isso porque nenhum dos muitos que se interessam pela minha terapia e emitem opiniões seguras sobre ela jamais me perguntou como de fato eu agia Isso só pode ter uma única explicação eles acham que não há nada a perguntar e que é algo autoexplicativo Às vezes também ouço com 47 espanto que neste ou naquele setor do hospital um jovem médico recebeu a incumbência de seu chefe de proceder a uma Psicanálise em uma histérica Tenho a plena convicção de que não o deixariam examinar um tumor extirpado sem que antes tivessem se certificado de que ele domina a técnica histológica Da mesma forma chega a mim a notícia de que este ou aquele colega marca consultas com um paciente para proceder a um tratamento psíquico quando estou certo de que ele não conhece a técnica desse tratamento Portanto ele deve esperar que o doente lhe revele os seus segredos ou busca a salvação em algum tipo de confissão ou na informação sigilosa Não me causaria espanto se o doente tratado dessa forma experimentasse mais danos do que vantagens Pois o instrumento anímico não é fácil de ser tocado Nessas ocasiões sempre me lembro da fala de um neurótico mundialmente conhecido que evidentemente nunca esteve em tratamento médico e que só viveu na imaginação de um poeta Refirome ao príncipe Hamlet da Dinamarca O rei enviou os cortesãos Rosenkrantz e Guildenstern sic até ele para sondálo para lhe arrancar o segredo de seu desgosto Verstimmung Ele os descarta e eis que trazem flautas ao palco Hamlet toma uma flauta e pede a um de seus atormentadores que a toque que seria tão fácil quanto mentir O cortesão se recusa pois não conhece nenhum movimento para tocála e como Hamlet não consegue convencêlo a tocar a flauta por fim explode Porque me olhas agora assim que coisa indigna fazes de mim Querias me tocar querias saber de meus movimentos querias escrutinar o coração de meus mistérios da minha mais baixa nota até o meu ápice há muita música há uma bela voz mas não podes tocarme qual uma pequena flauta Tomesme pelo instrumento que for não poderias me tocar ato III cena 2 c A partir de determinadas observações minhas os senhores devem ter deduzido que o tratamento analítico possui algumas características que o mantêm distante do ideal de uma terapia Tuto cito iucunde1 o pesquisar e o procurar não vêm acompanhados necessariamente da rapidez do sucesso e a menção à resistência preparará os senhores para a expectativa de experiências desagradáveis Certamente o tratamento psicoterapêutico exige muito tanto do doente quanto do médico do primeiro ele exige o sacrifício da sinceridade total apresentase para ele como tomador de tempo e por isso caro para o médico ele também representa um grande empenho de tempo e devido à 48 técnica que ele precisa aprender e executar mostrase bastante trabalhoso Eu mesmo também acho muito justificável que se utilizem métodos de cura mais confortáveis enquanto se tem a perspectiva justamente de alcançar resultados com eles É este apenas o ponto crucial se com o procedimento mais trabalhoso e dispendioso tivermos resultados muito melhores que com o tratamento breve e mais fácil então apesar de tudo o primeiro se justifica Pensem meus senhores em quanto a terapia de Finsen contra o lúpus é mais desconfortável e exige maior empenho do que a antiga técnica de cauterização e de lixar e mesmo assim significa um grande progresso só porque os resultados são melhores é que cura o lúpus de modo radical Não quero impor a comparação aqui mas o método psicanalítico pode advogar para si uma primazia parecida Na verdade só pude elaborar e testar o meu método terapêutico em casos graves e gravíssimos o meu material de início eram apenas doentes que tinham tentado de tudo sem sucesso e que viveram em instituições durante anos Não juntei experiências suficientes para poder dizer aos senhores como a minha terapia se comporta naqueles distúrbios mais leves que surgem esporadicamente e que vemos serem curados sob as mais diversas influências e também de forma espontânea A terapia psicanalítica foi criada a partir de e para doentes com incapacidade duradoura de viver e o seu triunfo é que torna um número satisfatório deles capazes de viver a sua existência de forma duradoura Então todo o empenho contra esse sucesso parecerá irrisório Não podemos esconder que diante do doente costumamos negar que em termos de importância para o indivíduo por ela acometido uma neurose grave não fica atrás de uma caquexia2 Kachexie de uma temida doença geral d As indicações e contraindicações desse tratamento não podem ser postas de forma definitiva em decorrência das muitas limitações práticas que afetaram a minha atividade Mesmo assim tentarei debater alguns pontos com os senhores 1 De tanto focar na doença não se deve esquecer o valor de uma pessoa e rejeitemse aquelas que não possuem um determinado grau de instrução e um caráter relativamente confiável Não esqueçamos que há também pessoas saudáveis que não prestam e que facilmente somos inclinados no caso dessas pessoas inferiores a empurrar para a doença tudo aquilo que as torna incapazes de viver assim que demonstram qualquer traço de neurose Sou da 49 opinião de que a neurose não cunha o seu portador como dégénéré mas que com uma frequência razoável ela se encontra no mesmo indivíduo sociabilizada com as manifestações da degeneração A psicoterapia analítica não é digase aqui um procedimento para o tratamento da degeneração neuropática ao contrário ela encontra uma barreira nessa terapia Ela também não pode ser aplicada em pessoas que não se sintam impelidas à terapia por si próprias através de seu sofrimento mas que se submetem a ela apenas por uma imposição de seus parentes A propriedade decisiva para a adequação ao tratamento psicanalítico a educabilidade Erziehbarkeit ainda precisará de uma análise mais detalhada a partir de outro ponto de vista 2 Se quiser seguir pela via segura limite a sua seleção a pessoas que possuem um estado normal já que no procedimento psicanalítico é a partir dele que nos apoderamos do que é da ordem do doentio Portanto psicoses estados de confusão e de profunda melancolia Verstimmung quero dizer tóxicos são inadequados para a Psicanálise pelo menos tal como ela é exercida até agora Não descarto absolutamente que com uma modificação adequada do procedimento se possa superar essa contraindicação e assim iniciar uma psicoterapia das psicoses 3 A idade dos doentes é relevante na seleção para o tratamento psicanalítico na medida em que nas pessoas próximas ou acima dos 50 anos por um lado costuma faltar a plasticidade dos processos anímicos nos quais a terapia se fia pessoas idosas não são mais educáveis e por outro lado o material a ser trabalhado prolonga a duração do tratamento até o imponderável O limite de idade para baixo só pode ser definido individualmente pessoas jovens antes da puberdade muitas vezes são influenciáveis de modo excelente 4 Não iremos recorrer à Psicanálise quando se tratar da eliminação rápida de manifestações ameaçadoras por exemplo no caso de uma anorexia histérica Os senhores agora devem ter a impressão de que a área de aplicação da psicoterapia analítica é muito limitada uma vez que os senhores só ouviram de mim contraindicações Mesmo assim restam casos e formas de doença em número suficiente nos quais se pode experimentar essa terapia todas as formas crônicas de histeria com manifestações residuais a grande área dos estados obsessivos abulias e assemelhados É muito bom que dessa forma possamos ajudar do melhor modo 50 justamente as pessoas mais valiosas e altamente desenvolvidas Mas ali onde pouco se podia fazer com a psicoterapia analítica podese afirmar tranquilamente que qualquer outro tratamento certamente não alcançaria absolutamente nada e Certamente os senhores quererão me perguntar sobre a utilização da Psicanálise com a possibilidade de causar danos Posso lhes responder que se os senhores apenas quiserem julgar superficialmente e mostrarem a mesma benevolência crítica que mostraram em relação aos nossos outros métodos terapêuticos também aqui em relação a esse procedimento os senhores terão de concordar com a opinião de que no caso de um tratamento analítico conduzido com conhecimento de causa não há por que temer um dano ao paciente Outra opinião talvez terá aquele que enquanto leigo estiver acostumado a imputar ao tratamento tudo o que ocorre em um caso de doença Pois não faz tanto tempo que contra as nossas instituições de hidroterapia havia um preconceito semelhante Várias pessoas às quais se aconselhava procurar uma instituição dessas ficavam reticentes porque tinham algum conhecido que entrou naquela instituição enquanto nervoso e lá enlouqueceu Como os senhores adivinharam tratavase de casos de paralisia geral incipientes que no estágio inicial ainda podiam ser tratados em uma instituição de hidroterapia e que lá seguiam seu curso irrefreável até o distúrbio psíquico manifesto para o leigo a água era a culpada e a causadora dessa triste alteração Quando se trata de empregar novas formas de influência sequer os médicos estão livres de tais erros de julgamento Lembrome de ter feito certa vez uma tentativa de psicoterapia em uma mulher que passara boa parte de sua existência na alternância entre mania e melancolia Eu a acolhi ao fim de uma melancolia parecia ir tudo bem durante duas semanas na terceira já estávamos no início da nova mania Certamente fora uma alteração espontânea do quadro da doença pois duas semanas não é um período de tempo em que a psicoterapia analítica consiga obter resultados mas o médico excelente entrementes já falecido que veio a ver a doente junto comigo não conteve o comentário de que a psicoterapia devia ter sido a culpada por aquela piora Tenho plena convicção de que sob outras circunstâncias ele teria se mostrado mais crítico f Para finalizar senhores colegas digo a mim mesmo que não posso abusar de sua atenção por tanto tempo em benefício da psicoterapia analítica sem lhes dizer em que consiste esse tratamento e em que se baseia Porém 51 posso fazêlo apenas com pequenas alusões pois preciso ser breve Essa terapia portanto fundamentase na concepção de que representações Vorstellungen inconscientes ou melhor a inconsciência de determinados processos anímicos sejam a causa mais próxima dos sintomas patológicos Essa é a convicção que dividimos com a escola francesa Janet que aliás em uma esquematização dura mostra que o sintoma histérico remonta a uma idée fixe inconsciente Mas não se assustem achando que com isso entraremos nas profundezas da filosofia mais obscura O nosso inconsciente não é bem o mesmo que o dos filósofos e além disso a maioria dos filósofos não quer saber nada do psíquico inconsciente Mas se os senhores partilharem do nosso ponto de vista verão que a transposição desse inconsciente na vida anímica dos doentes para um consciente terá o resultado positivo que é corrigir o desvio do normal e suspender a coerção Zwang sob a qual se encontra a sua vida anímica Pois a vontade consciente vai até onde vão os processos psíquicos conscientes e cada coerção psíquica originase a partir do inconsciente Os senhores também jamais precisarão temer que o doente seja prejudicado pelo abalo que significa a entrada do inconsciente em sua consciência pois os senhores poderão verificar pela teoria que o efeito somático e afetivo da moção tornada consciente nunca poderá ser tão forte quanto o da inconsciente Nós só dominamos todas as nossas moções porque aplicamos a elas as nossas capacidades anímicas mais altas associadas à consciência Mas os senhores também poderão escolher outra perspectiva para compreender o tratamento psicanalítico O desvendamento e a transposição do inconsciente se dão a partir de uma constante resistência por parte do doente O surgimento desse inconsciente está associado ao desprazer e devido a esse desprazer ele sempre será rechaçado pelo doente E é nesse conflito na vida anímica do paciente que os senhores irão interferir se os senhores conseguirem fazer com que por motivos de uma melhor convicção o doente aceite algo que até então ele havia rejeitado recalcado devido à regulagem automática do desprazer os senhores terão realizado com ele parte de um trabalho educativo Já podemos dizer que se trata de educação quando convencemos alguém que não gosta de sair da cama de manhã cedo a fazêlo mesmo assim Então os senhores poderão entender o tratamento psicanalítico de forma bastante geral como sendo um tipo de educação póstuma para superar resistências interiores Mas em nenhum outro ponto uma tal 52 educação póstuma dos nervosos é mais necessária do que em relação ao elemento anímico de sua vida sexual E em nenhum outro lugar a cultura e a educação fizeram estragos maiores do que justamente aqui e é aqui também que como lhes mostrará a experiência se encontram as etiologias domináveis das neuroses o outro elemento etiológico a contribuição constitucional nos é dado como algo imutável Mas surge daí uma exigência importante a ser feita ao médico Ele não apenas precisa ser ele próprio de um caráter íntegro o moral é óbvio como costuma dizer a personagem principal de Auch Einer de Vischer mas ele também precisa para si próprio ter superado a mescla de lascívia e recato com a qual infelizmente tantos outros costumam enfrentar os problemas sexuais Aqui talvez seja o lugar para fazermos mais uma observação Eu sei que a minha ênfase no papel do sexual para o surgimento das psiconeuroses se tornou conhecida em amplos círculos Mas sei também que restrições e determinações mais precisas junto ao grande público pouco adiantam a quantidade tem pouco espaço em seu cérebro e retém apenas o cerne mais rudimentar da afirmação guardando um extremo que é fácil de lembrar Isso deve ter acontecido com vários médicos que imaginam que na minha teoria eu afirme que as neuroses em última análise originemse a partir da privação sexual E não falta esse tipo de privação considerando as condições de vida da nossa sociedade Mas partindo de tal pressuposto poderseia optar então por evitar o árduo desvio que passa pelo tratamento psíquico e almejar diretamente a cura recomendando a atividade sexual como meio de cura Agora não sei o que poderia me mover a descartar essa conclusão se ela fosse justificável Mas não é bem assim A necessidade e a privação sexual são apenas um dos fatores que estão em jogo no mecanismo da neurose se fosse apenas ele a existir a consequência não seria a doença mas sim o excesso O outro fator igualmente imprescindível e que tantas vezes é esquecido é a repulsa sexual dos neuróticos sua incapacidade de amar aquele traço psíquico que chamei de recalque É só a partir do conflito entre as duas aspirações que surge a doença neurótica e por isso o conselho da atividade sexual no caso das psiconeuroses na verdade só raramente pode ser considerado uma boa recomendação Deixemme fechar com esta observação de defesa Esperemos que o interesse dos senhores pela psicoterapia assim que despido de todo preconceito hostil apoienos para que produzamos resultados positivos 53 também no tratamento dos casos graves de psiconeuroses 54 Über Psychotherapie 1905 1904 1905 Primeira publicação Wiener Medizinische Presse 46 n 1 1 Jan p 916 1924 Zur Technik der Psychoanalyse und zur Metapsychologie p 1124 1925 Gesammelte Schriften t VI p 1124 1942 Gesammelte Werke t V p 1326 O presente artigo corresponde à conferência apresentada por Freud no Colégio Vienense de Médicos em 12 de dezembro de 1904 Uma década antes em outubro de 1895 Freud havia apresentado uma série de três conferências para esse mesmo público e um ano mais tarde tinha experimentado o malogro de não ser sequer escutado pelos membros da Associação de Psiquiatria e Neurologia Agora tratase segundo Jones do fechamento de um ciclo de conferências em que Freud buscava o reconhecimento científico da Psicanálise junto a entidades médicas Depois dessa data a estratégia freudiana de difusão da Psicanálise seria totalmente revista De fato o reconhecimento médico que tanto almejara nos anos de formação só viria muito mais tarde na década de 1930 sendo recebido então com certo desgosto principalmente depois de outro prêmio o prestigioso Prêmio Goethe Aqueles anos eram promissores em termos da emancipação intelectual depois de longa espera no cargo de Privatdozent tinha recebido sua promoção universitária Havia pouco tinha cortado relações com Wilhelm Fließ De fato o ano de 1905 é excepcionalmente produtivo Perto de completar 50 anos Freud publicaria nada mais nada menos do que Três ensaios sobre a teoria sexual O chiste e sua relação com o inconsciente e Fragmento de uma análise de histeria Caso Dora Vale lembrar que os termos psicoterapia e psicoterapêutico são ainda relativamente novos remontando respectivamente a Bernheim 1891 e Tucke 1872 Se Bernheim havia ligado psicoterapia e sugestão tratavase agora justamente de separar definitivamente essas duas noções Essa separação definitiva é consolidada através de um recurso tornado célebre a Leonardo da Vinci Ao passo que o método sugestivo pode ser comparado à pintura que opera per via di porre ou seja por acréscimos a psicoterapia psicanalítica opera per via di levare por subtrações ou retiradas como a escultura O principal conceito que Freud elabora nessa altura é o conceito de resistência que desloca o eixo da técnica analítica centrada antes disso apenas na rememoração de conteúdos recalcados Na Psicanálise contemporânea a distinção entre psicoterapia caracterizada como tentativa de suprimir sintomas e Psicanálise que visaria a objetivos mais ambiciosos começou a se impor em certas escolas psicanalíticas Conforme nota Assoun 2009 p 1086 o presente artigo vai na direção oposta quer dizer pretende apresentar a Psicanálise como psicoterapia propriamente dita opondose a terapias alternativas que seriam no fundo técnicas sugestivas Atualmente com a ampliação da clínica psicanalítica para além do campo da neurose questionase se a Psicanálise opera de fato apenas per via di levare como a escultura uma vez que frente a quadros de sofrimento psíquico como o autismo as psicoses e os chamados borderlines ou casoslimite o psicanalista é convocado a compartilhar das produções realizadas na análise NOTAS 1 Seguro célere e agradável conforme apregoa a tradição médica atribuída a Esculápio NR 55 2 Termo usado na Medicina para referir um enfraquecimento corporal generalizado NR 56 SOBRE PSICANÁLISE SELVAGEM 1910 Há alguns dias apareceu no meu consultório acompanhada de uma amiga protetora uma senhora mais velha que se queixava de estados de angústia Angstzustände Com seus 40 e tantos anos bastante bem conservada mas ao que parecia não havia ainda fechado o ciclo de sua feminilidade O motivo da irrupção daqueles estados tinha sido o divórcio de seu último marido no entanto a angústia segundo ela informou havia aumentado consideravelmente desde que ela havia se consultado com um jovem médico em seu bairro pois ele havia detalhado para ela que a causa de sua angústia seria a sua necessidade sexual Ela não conseguiria segundo ele suportar a falta da relação sexual com o marido e por isso só havia três caminhos para a cura Gesundheit voltar para o marido ter um amante ou a satisfação solitária Desde então ela estava convencida de que era incurável pois não queria voltar para o marido e os dois outros meios iam contra a sua moral e a sua religião Mas ela viera até mim porque o médico havia lhe dito que aquela era uma abordagem nova que se devia a mim e que ela viesse confirmar comigo pessoalmente que era assim e não de outra forma A amiga uma mulher mais velha que a primeira esquálida e com aspecto de doente imploroume que eu assegurasse à paciente de que o médico tinha se enganado Não podia ser assim pois ela mesma era viúva há muitos anos e permanecera uma senhora decente sem sofrer daquela angústia Não quero me deter aqui na difícil situação em que fui colocado através dessa visita mas gostaria de lançar luz sobre o comportamento do colega que encaminhou essa doente para mim Antes porém gostaria de lembrar uma advertência que talvez ou assim espero não seja supérflua A experiência de longos anos me ensinou como poderia ensinar a qualquer outro a não aceitar facilmente como verdade o que pacientes especialmente os doentes de nervos1 Nervöse contam acerca de seus médicos O médico dos nervos Nervenarzt em todo tipo de tratamento não só facilmente virará objeto 57 sendo alvo das múltiplas moções hostis do paciente às vezes ele precisará assumir a responsabilidade pelos desejos secretos recalcados dos doentes de nervos através de uma espécie de projeção Então será um fato triste mas significativo que tais acusações em nenhum outro lugar encontrarão credibilidade maior que nos ouvidos de outros médicos Portanto tenho o direito de esperar que a senhora em meu consultório tenha apresentado um relato tendenciosamente deformado a respeito das afirmações de seu médico e que seria injusto com ele que não conheço pessoalmente se as minhas observações sobre Psicanálise selvagem se atrelassem justamente a esse caso Mas talvez com isso eu impeça outros de cometerem injustiças com seus doentes Suponhamos portanto que o médico tenha dito exatamente o que a paciente me relatou Então facilmente qualquer pessoa dirá para criticálo que um médico se julgar ser necessário conversar com uma mulher sobre o tema da sexualidade terá de fazêlo com tato e discrição Mas essas exigências coincidem com o respeito a certas prescrições técnicas da Psicanálise além disso o médico teria descartado ou interpretado mal uma série de ensinamentos científicos da Psicanálise mostrando com isso quão pouco ele avançou no entendimento da essência e das intenções dessa área Comecemos com o último aspecto os enganos científicos Os conselhos do médico permitem reconhecer claramente qual o sentido que ele atribui à vida sexual No sentido popular sendo que por necessidades sexuais ele nada mais entende que a necessidade do coito ou coisas análogas que propiciam o orgasmo e a descarga Entleerung das substâncias sexuais Mas não pode ter ficado despercebido do médico que é comum criticar a Psicanálise no sentido de que ela estende o conceito do sexual para além da dimensão usual Eis um fato se ele pode ser usado como objeção é algo que não discutiremos aqui O conceito do sexual engloba muito mais na Psicanálise tanto para cima quanto para baixo ele vai além do sentido popular Essa ampliação tem justificativa genética2 julgamos ser parte da vida sexual também todas as ativações de sensações carinhosas que se originaram da fonte das moções sexuais primitivas mesmo se essas moções experimentam um bloqueio de seu objetivo sexual original ou se elas trocaram esse objetivo por outro não mais sexual Por isso também 58 preferimos falar em psicossexualidade enfatizando que não se deve esquecer nem subestimar o fator anímico da vida sexual Utilizamos a palavra sexualidade no mesmo sentido amplo em que na língua alemã se usa a palavra amar lieben Também já sabemos há tempos que a insatisfação anímica pode perdurar com todas as suas consequências onde não há falta de relação sexual normal e como terapeutas sempre nos detemos diante do fato de que das aspirações sexuais não satisfeitas aspirações que combatemos quando assumem a forma de satisfação substituta como sintomas nervosos muitas vezes apenas uma pequena parte delas pode ser descarregada pelo coito ou por outros atos sexuais Aqueles que não compartilham dessa concepção de psicossexualidade não têm direito de se reportar às teses basilares Lehrsätze da Psicanálise em que se trata do significado etiológico da sexualidade Enfatizando exclusivamente o fator somático do sexual eles certamente simplificaram em muito o problema mas assumirão sozinhos a responsabilidade pelos seus procedimentos A partir dos conselhos do médico ainda vem à luz um segundo mal entendido igualmente grave É verdade que a Psicanálise afirma que a insatisfação sexual seja a causa dos males nervosos Mas será que ela não diz mais que isso Será que se quer deixar de lado por ser mais complicado que ela ensina que os sintomas nervosos brotam de um conflito entre dois poderes entre uma libido que geralmente cresceu em excesso e uma recusa sexual ou um recalque demasiadamente rígido Quem não se esquecer desse segundo fator que de fato não foi relegado a uma posição secundária nunca acreditará que a satisfação sexual em si geralmente seja um elemento de cura confiável contra os males dos doentes de nervos Uma boa parte dessas pessoas sob as dadas circunstâncias não é capaz de satisfação em absoluto ou em determinada situação Se elas fossem capazes de se satisfazer se não tivessem as suas resistências internas a força da pulsão lhes apontaria o caminho para a satisfação mesmo se o médico não lhes aconselhasse isso Qual então o sentido de um conselho como aquele que o médico supostamente deu àquela senhora Mesmo sendo cientificamente justificável é inexequível para ela Se ela não tivesse resistências internas contra o onanismo ou contra uma relação amorosa há muito ela já teria recorrido a esses meios Ou será que o médico 59 acha que uma mulher de mais de 40 anos não sabe que se pode arranjar um amante ou será que ele superestima tanto a sua própria influência a ponto de achar que sem o beneplácito médico ela nunca conseguiria decidir dar um tal passo Isso tudo parece muito claro mas mesmo assim precisamos concordar que há um momento que muitas vezes dificulta a tomada de decisão Alguns dos estados nervosos as chamadas neuroses atuais Aktualneurosen como a neurastenia típica e a neurose de angústia pura reine Angstneurose aparentemente dependem do fator somático da vida sexual enquanto ainda não temos uma concepção Vorstellung segura quanto ao papel do fator psíquico e do recalque nesses quadros Em casos desse tipo é praticamente obrigatório para o médico ter em vista uma terapia atual uma modificação da atividade sexual somática e ele o fará com toda razão se o seu diagnóstico tiver sido correto A senhora que se consultou com o jovem médico se queixava essencialmente de estados de angústia a partir daí ele provavelmente supôs que ela sofria de neurose de angústia e se julgou no direito de recomendar a ela uma terapia somática Novamente um mal entendido confortável Quem sofre de angústia Angst nem por isso tem necessariamente uma neurose de angústia o diagnóstico não pode ser deduzido a partir do nome precisase saber que fenômenos caracterizam uma neurose de angústia para distinguilos de outros estados de doença também manifestados pela angústia Tenho a impressão de que a senhora em questão sofria de uma histeria de angústia e todo o valor completamente suficiente de tais diferenciações nosográficas reside no fato de apontar para outra etiologia e outra terapia Quem tivesse considerado a possibilidade de tal histeria de angústia não teria sucumbido ao esquecimento dos fatores psíquicos tal como fica evidente nos conselhos alternativos do médico Curiosamente nessa alternativa terapêutica do suposto psicanalista não sobra espaço para a Psicanálise Essa mulher segundo ele só se curaria de sua angústia se voltasse para o marido ou se satisfizesse pelo onanismo ou com um amante E em que momento entraria o tratamento analítico no qual vislumbramos o principal recurso no caso de estados de angústia Chegamos assim aos erros técnicos que reconhecemos no procedimento do médico no caso referido É uma concepção há muito superada que se atém à aparência de superfície de que o doente sofra em decorrência de um tipo de desconhecimento e que se esse desconhecimento for suspenso 60 aufhebe através da comunicação Mitteilung sobre as relações entre as causas de sua doença e a sua vida sobre as suas vivências de infância etc ele será curado Não é o desconhecimento Unwissenheit3 em si o momento patogênico mas a fundamentação do desconhecimento em resistências internas que primeiro evocaram o desconhecimento e ainda agora o sustentam E é no combate contra essas resistências que reside a tarefa da terapia A comunicação daquilo que o paciente não sabe porque o recalcou é apenas uma das preparações necessárias para a terapia Se o conhecimento do inconsciente fosse tão importante para o doente como quer crer o inexperiente em Psicanálise para a cura seria suficiente o doente assistir a palestras ou ler livros a respeito Mas essas medidas têm a mesma influência sobre os sintomas de males nervosos quanto a distribuição de cardápios para os famintos Essa comparação é útil até para além deste uso imediato pois a comunicação do inconsciente ao doente via de regra tem como consequência a intensificação do conflito dentro dele e o aumento do sofrimento Mas como a Psicanálise não pode prescindir dessa comunicação ela prescreve que a comunicação não se dê antes de serem preenchidos dois pré requisitos Primeiro até que o doente se aproxime ele próprio do recalcado com preparação adequada e segundo até que ele tenha se apegado ao médico em tal medida transferência que os sentimentos em relação ao médico tornem impossível uma nova fuga Só com o preenchimento desses prérequisitos será possível reconhecer e dominar as resistências que levaram ao recalque e ao desconhecimento Uma intervenção psicanalítica portanto certamente pressupõe um contato mais prolongado com o doente e tentativas de logo na primeira sessão atropelálo com a comunicação abrupta de seus segredos adivinhados pelo médico são tecnicamente condenáveis e geralmente colhem como resultado uma inimizade profunda por parte do doente em relação ao médico cortando todas as possíveis influências futuras Acrescentese a isso que às vezes damos conselhos errados e nunca somos capazes de adivinhar tudo Através dessas determinações técnicas específicas a Psicanálise substitui a exigência do tato médico inapreensível tido como um talento especial Portanto não é suficiente para o médico conhecer alguns dos resultados 61 da Psicanálise ele precisa ter se familiarizado com a sua técnica se quiser conduzir a sua atuação médica seguindo as perspectivas psicanalíticas Essa técnica até hoje não pode ser aprendida através de livros e certamente só poderá ser atingida por si próprio com grande empenho de tempo esforço e sucesso Como as outras técnicas médicas estas são aprendidas com aqueles que já as dominam Por isso para avaliar o caso ao qual eu atrelo essas observações certamente não é indiferente o fato de eu não conhecer o médico que aparentemente deu aqueles conselhos nem de eu nunca ter ouvido o seu nome Não é agradável nem para mim nem para meus amigos e colegas monopolizar de tal modo o direito ao exercício de uma técnica médica Mas diante dos perigos que acarreta o exercício previsível de uma Psicanálise selvagem tanto para os doentes quanto para a causa da Psicanálise não nos restava outro caminho Na primavera de 1910 fundamos uma associação psicanalítica internacional cujos membros declaram a ela pertencer através da publicação de seus nomes para assim poder afastar a responsabilidade pelas atividades de todos aqueles que não fazem parte de nós e que chamam o seu procedimento médico de Psicanálise Pois na verdade esses analistas selvagens prejudicam mais a causa do que o doente individual Muitas vezes presenciei que um procedimento desastrado desse tipo que no início provocou uma piora no estado do doente no final mesmo assim acabou sendo suficiente para a sua cura Nem sempre mas muitas vezes Depois de ter reclamado por muito tempo do médico sabendose distante o suficiente de sua influência exercida os sintomas do doente começam a diminuir ou então ele decide dar um passo no caminho de sua cura A melhora definitiva depois surge por si só ou então é atribuída ao tratamento altamente indiferente de um médico ao qual o doente se dirigiu posteriormente No caso da senhora cuja reclamação contra o médico ouvimos quero crer que afinal o psicanalista selvagem acabou por fazer mais pela sua paciente do que qualquer autoridade altamente aclamada que teria dito a ela que o seu problema era uma neurose vasomotora Ele direcionou à força o olhar da paciente para o real motivo de seu sofrimento e essa intervenção apesar de toda a resistência da paciente não deixará de ter consequências favoráveis Mas ele prejudicou a si próprio e ajudou a reforçar os preconceitos que surgem em decorrência de compreensíveis resistências de afeto Affektwiderstände no doente contra a atividade do psicanalista E isso pode 62 ser evitado Über wilde Psychoanalyse 1910 1910 Primeira publicação Zentralblatt für Psychoanalyse t I n 3 p 9195 1925 Gesammelte Schriften t VI p 3744 1943 Gesammelte Werke t XI p 118125 Nem sempre é fácil distinguir questões técnicas e questões éticas postas pela prática analítica Este artigo é um belo exemplo dessa fronteira nem sempre tão nítida Redigido em um momento em que a prática e a teoria freudianas começam a se difundir para além do círculo restrito dos discípulos o artigo pretende repor algumas diretrizes fundamentais da interpretação analítica a partir de um caso de interpretação selvagem de um sintoma proferida por um médico que de maneira descuidada havia se apropriado de uma versão vulgar de ideias psicanalíticas Publicado no ano de fundação da Internationale Psychoanalytische Vereinigung IPV que um quarto de século mais tarde seria convertida em Associação Internacional de Psicanálise IPA Sobre psicanálise selvagem faz parte do primeiro esforço de institucionalização da prática psicanalítica Destacase ainda a importância dada por Freud ao tato como elemento constitutivo da interpretação indicando a atenção merecida pela dimensão estética da clínica isto é para a sensibilidade do psicanalista aos movimentos psíquicos do analisando Ainda que possa ser enquadrado principalmente como um artigo técnico a relevância do presente artigo não se esgota nisso Notese por exemplo como Freud aproveita o contraexemplo da má compreensão do papel da sexualidade para a Psicanálise a fim de esclarecer seu próprio ponto de vista Vale ainda ressaltar o emprego da categoria de neurose de angústia no quadro das assim chamadas neuroses atuais entidade nosográfica em franco desuso já àquela altura do pensamento de Freud NOTAS 1 Freud emprega aqui o termo Nervöse mais abrangente e menos técnico do que o termo Neurotiker que geralmente designa os neuróticos NR 2 Cabe ressaltar que Freud comumente faz uso do termo genético genetisch remetendo ao seu significado em língua grega ou seja ao que diz respeito às origens não necessariamente com as conotações biológicas da ciência atual referentes ao material genético cromossomos DNA tendências inatas etc NR 3 Na Psicanálise é importante diferenciar o desconhecimento Unwissenheit da mera ignorância nicht wissen Levandose em consideração a hipótese do inconsciente o primeiro caso diz respeito a um saber que é impedido do seu registro consciente e o segundo a uma simples ausência de informação NR 64 RECOMENDAÇÕES AO MÉDICO PARA O TRATAMENTO PSICANALÍTICO 19121 As regras técnicas que aqui coloco como proposta resultaram da minha própria experiência ao longo de muitos anos após ter retornado de outros caminhos que geraram prejuízos também próprios Facilmente se percebe que elas ou pelo menos muitas delas juntamse em uma única prescrição Espero que levála em conta poupe aos médicos que lidam com a análise muito esforço desnecessário protegendoos de várias inadvertências mas devo dizer expressamente que essa técnica resultou como a única adequada para mim como indivíduo não ouso questionar que outra personalidade médica de constituição totalmente diferente possa se ver impelida a privilegiar outra postura em relação ao doente e à tarefa a ser resolvida a A tarefa que segue diante da qual se vê o analista que como tal trata mais de um paciente por dia também lhe parecerá a mais difícil Pois ela consiste em ao longo do tratamento manter na memória os incontáveis nomes datas detalhes da lembrança ocorrências2 Einfälle e produções da doença que um paciente apresenta durante meses e anos não os confundindo com material semelhante oriundo de pacientes analisados ao mesmo tempo ou em momento anterior Se nos virmos obrigados a atender diariamente seis até oito pacientes ou mais o trabalho da memória que consegue armazenar tudo isso produzirá em quem vê de fora incredulidade admiração ou até mesmo compaixão Em todo caso devem estar curiosos em relação à técnica que permite o domínio de tamanho volume e imaginar que ela se utilize de meios de apoio especiais No entanto a técnica é muito simples Ela recusa todos os meios de apoio como ouviremos a seguir mesmo a anotação consistindo apenas no fato de não querer memorizar algo específico e dispensando a mesma atenção equiflutuante3 como eu já a havia chamado4 ao que ouvimos Dessa 65 forma economizamos o esforço da atenção que de resto não conseguiríamos mesmo durante muitas horas ao dia além de evitarmos um perigo que é inseparável da postura atenta e intencional Pois assim que afiamos a atenção intencionalmente até um determinado ponto começamos a selecionar em meio ao material apresentado fixamos uma parte de maneira bastante acurada eliminando outra em seu lugar e nessa seleção fiamos as nossas expectativas ou as nossas inclinações Mas é justamente isso que não podemos fazer se na seleção seguimos as nossas expectativas corremos o risco de nunca encontrarmos algo diferente daquilo que já sabemos se seguirmos as nossas inclinações certamente falsificaremos a possível percepção Não nos esqueçamos de que em geral ouvimos coisas cuja importância só se revelará a posteriori nachträglich Como se vê a prescrição de lembrar tudo em igual medida é a contrapartida necessária de exigirmos do analisando que conte tudo que lhe ocorre sem crítica ou seleção Se um médico se comportar de forma diferente em grande parte ele destruirá o ganho que resulta da obediência à regra psicanalítica fundamental por parte do paciente A regra para o médico pode ser formulada da seguinte maneira mantenha todas as influências conscientes longe de sua capacidade de memorização e se entregue completamente à sua memória inconsciente ou dito de maneira puramente técnica ouça o que lhe dizem e não se preocupe se vai se lembrar de algo ou não O que se consegue por essa via e por si só satisfaz a todas as exigências durante o tratamento Aquelas partes do material que já se uniram em uma contextualização também se tornam disponíveis conscientemente para o médico o restante ainda descontextualizado caótico e desorganizado parece estar imerso num primeiro momento mas ressurge e se torna disponível na memória assim que o analisando apresenta algo novo que possa estabelecer uma relação com esse material e através do qual possa haver uma continuidade Então recebese com um sorriso o elogio não merecido do paciente por conta de uma memória especialmente boa mesmo se depois de anos a fio reproduzimos um detalhe que possivelmente teria escapado à intenção consciente de fixálo na memória Enganos nessas lembranças só ocorrem em alguns momentos e em pontos em que nos sentimos incomodados em relação a nós mesmos ver adiante ou seja quando se fica muito aquém do ideal do analista Confusões com o 66 material de outros pacientes são bastante raras Em uma discussão com o analisando sobre se e como ele teria dito algo específico geralmente o médico acaba tendo razãoiii b Não recomendo fazer anotações de grande extensão nas sessões com o analisando nem fazer registros da sessão e assemelhados Além da impressão desfavorável que isso causa em alguns pacientes valem por sua vez os mesmos aspectos que destacamos na memorização Necessariamente fazemos uma seleção nociva do material enquanto anotamos ou estenografamos além do que ocupamos uma parte de nossa própria atividade intelectual que deveria ser mais bem aplicada na interpretação do que ouvimos Sem sermos criticados por isso podemos aceitar exceções a essa regra valendo para datas textos de sonho Traumtexte ou resultados específicos relevantes que facilmente podem ser separados do contexto sendo adequados como exemplos de uma utilização autônoma Mas também não costumo fazer isso Anoto exemplos à noite depois de terminado o trabalho a partir do que me lembro quanto aos textos de sonho que me interessam particularmente peço que os pacientes os registrem após contarem o sonho c A anotação durante a sessão com o paciente se justificaria a partir da intenção de tornar o caso tratado o objeto de uma publicação científica Isso dificilmente seria recusado Mas temos de ter em mente que registros acurados do histórico analítico de uma doença trazem menos benefícios do que se poderia deles esperar A rigor eles pertencem àquela exatidão aparente da qual a psiquiatria moderna nos disponibiliza vários exemplos notórios Geralmente são cansativos para o leitor e não conseguem substituir a sua presença na análise Aliás fizemos a experiência de que o leitor se ele quiser acreditar no analista também lhe dará crédito pelo pouco trabalho que dedicou a seu material mas se ele não quiser levar a sério nem a análise nem o analista ele ignorará os registros acurados do tratamento Não parece ser esse o caminho para resolver a falta de evidências encontrada nas apresentações psicanalíticas d É bem verdade que um dos méritos do trabalho analítico é que nele pesquisa e tratamento coincidem mas a técnica que serve a um de um certo ponto de vista acaba se opondo à outra Não é bom abordar um caso cientificamente enquanto o respectivo tratamento não tiver sido concluído 67 construir a sua estrutura inferir a continuidade fazer imagens do status atual da situação de tempos em tempos tal como o interesse científico o exigiria O sucesso é prejudicado nesses casos que de antemão são definidos pelo aproveitamento científico e tratados de acordo com essas necessidades por outro lado os casos que mais têm sucesso são aqueles em que procedemos quase sem intenção nos surpreendendo com cada mudança de rumo e com que nos defrontamos sempre desarmados e sem preconcepções O comportamento correto do analista consiste em se alçar de uma configuração psíquica para a outra se preciso for não especular e meditar enquanto analisa e só submeter o material obtido ao trabalho sintético do pensamento após terminada a análise A diferença entre as duas configurações perderia a importância se já estivéssemos de posse de todos os conhecimentos ou pelo menos dos conhecimentos essenciais sobre a Psicologia do inconsciente e sobre a estrutura das neuroses que poderíamos obter a partir do trabalho psicanalítico Atualmente ainda estamos bem longe desse objetivo e não podemos bloquear os caminhos para verificar o que até agora foi descoberto e descobrir novidades a respeito e Sou insistente em recomendar aos colegas que no tratamento psicanalítico tomem como exemplo o cirurgião que coloca de lado todos os seus afetos e até a sua compaixão humana e estabelece um único objetivo para as suas forças psíquicas realizar a operação o mais perfeitamente possível Nas atuais condições para o psicanalista existe uma aspiração por afeto mais perigosa que é a ambição terapêutica de realizar através de seu meio novo e muito criticado algo que possa ser convincente para outros Dessa forma ele não só coloca a si próprio em uma situação desfavorável para o seu trabalho mas também se expõe indefeso a certas resistências do paciente de cujo embate de forças afinal depende essencialmente o restabelecimento Genesung A justificativa para essa frieza a ser exigida do analista dáse pelo fato de que para ambas as partes ela cria as condições mais favoráveis para o médico a preservação desejável de sua própria vida afetiva para o doente a maior amplitude de assistência possível hoje Um velho cirurgião usou como seu lema as seguintes palavras Je le pansai Dieu le guérit Eu lhe fiz os curativos Deus o curou O analista deveria se dar por satisfeito com algo parecido f É fácil inferir em qual objetivo essas regras aqui apresentadas confluem Elas todas querem criar no médico o contraponto da regra psicanalítica 68 fundamental estabelecida para o analisando Assim como o analisando deve comunicar tudo que ele capta em sua autoobservação evitando todos os apartes lógicos e afetivos que querem motiválo a proceder a uma seleção também o médico deverá ser capaz de utilizar tudo que lhe foi dito para a finalidade da interpretação do reconhecimento do inconsciente oculto sem substituir a seleção descartada pelo doente por uma censura própria resumindo em uma fórmula ele deverá dirigir para o inconsciente emissor do doente o seu próprio inconsciente enquanto órgão receptor deverá sintonizar se com o analisando assim como o receptor do telefone se sintoniza com o transmissor Assim como o receptor transforma novamente em ondas sonoras as oscilações elétricas da linha originadas por ondas sonoras da mesma forma o inconsciente do médico é capaz de reconstituir a partir das ramificações do inconsciente que lhe são informadas esse inconsciente que determinou as ocorrências Einfälle trazidas pelo paciente Mas se o médico deve ser capaz de se servir assim de seu inconsciente como instrumento durante a análise então ele próprio terá de preencher amplamente uma condição psicológica Ele não poderá tolerar quaisquer resistências dentro de si próprio resistências estas que afastam de seu consciente aquilo que foi reconhecido pelo seu inconsciente do contrário ele introduziria um novo tipo de seleção e deformação na análise o que seria muito mais nocivo do que aquilo que foi produzido pela tensão de sua atenção consciente Para tanto não basta ele ser uma pessoa razoavelmente normal podese antes exigir que ele tenha se submetido a uma purificação5 Purifizierung psicanalítica e que tenha tomado conhecimento daqueles complexos próprios adequados para atrapalhálo na absorção daquilo que lhe é apresentado pelo analisando A bem da verdade não se pode duvidar do efeito desqualificante de tais defeitos próprios cada recalque não resolvido do médico corresponde de acordo com uma expressão precisa de Wilhelm Stekel a um ponto cego em sua percepção analítica Há anos quando perguntado sobre como nos transformamos em analistas respondi através da análise dos próprios sonhos Certamente essa preparação é suficiente para muitas pessoas mas não para todas que querem aprender a análise Também não são todas as que conseguem interpretar os próprios sonhos sem ajuda de terceiros Considero parte dos muitos méritos da escola analítica de Zurique6 o fato de ter enfatizado essa condição concretizandoa 69 na exigência de que todo aquele que quiser executar uma análise dos outros deverá primeiro submeterse a uma análise junto a um especialista Quem levar a tarefa a sério deveria optar por esse caminho que promete várias vantagens o sacrifício de ter se aberto diante de outra pessoa sem a pressão de uma doença existente é largamente recompensado Não apenas realizaremos em um tempo muito mais curto e com menos esforço afetivo a intenção de conhecermos o oculto de nós mesmos mas também adquiriremos impressões e convicções no próprio corpo que em vão buscamos alcançar a partir do estudo de livros e ouvindo conferências Por fim também não será pouco o ganho que teremos a partir da relação psíquica que costuma se estabelecer entre o analisando e o seu guia Einführenden Tal análise de alguém quase saudável compreensivelmente permanecerá inacabada Aquele que souber reconhecer o alto valor do autoconhecimento e do aumento do autocontrole adquiridos através dela depois continuará o desbravamento analítico de sua própria pessoa como uma autoanálise contentandose com o fato de que tanto dentro de si quanto fora terá de esperar encontrar sempre algo de novo Mas aquele que enquanto analista tiver desprezado o cuidado da autoanálise não apenas será punido através da incapacidade de aprender em certa medida com os seus pacientes mas ele também correrá o risco mais sério que poderá se tornar um risco para outros Ele facilmente irá se ver diante da tentação em uma tosca autopercepção de projetar na Ciência aquilo que como se fosse teoria de validade geral ele reconhecer das idiossincrasias de sua própria pessoa ele trará descrédito para o método analítico e induzirá inexperientes ao erro g Acrescentarei algumas outras regras em que se faz a transição entre a postura do médico para o tratamento do analisando Certamente é tentador para o jovem e ambicioso analista o fato de investir muito da própria individualidade para levar o paciente consigo e içálo com esse impulso por sobre as barreiras de sua personalidade estreita Devíamos crer ser totalmente aceitável e até útil para superar as resistências existentes no doente quando o médico lhe oferece uma visão de seus próprios defeitos psíquicos e conflitos possibilitando a ele uma igualdade de posições quando lhe dá informações sigilosas de sua vida Ora a confiança de um equivale à do outro dirão e quem exige intimidade do outro também deve dála em troca Porém no trânsito psicanalítico muitas coisas acontecem de modo 70 diferente do que esperamos a partir dos pressupostos da Psicologia da Consciência A experiência não nos evidencia a excelência dessa técnica afetiva Também não é difícil concordarmos que com ela abandonamos o chão psicanalítico e nos aproximamos dos tratamentos por sugestão Assim conseguese que o paciente mais cordato informe com maior facilidade aquilo que ele conhece e o que ele teria mantido oculto ainda durante algum tempo por obra de resistências convencionais Para a descoberta do que é inconsciente para o paciente essa técnica em nada contribui ela ainda o torna mais incapaz de superar resistências mais profundas e em casos mais graves ela fracassa regularmente diante da insaciedade despertada no paciente que passa a querer inverter a relação achando a análise do médico mais interessante que a sua própria Também a resolução da transferência que é uma das tarefas principais do tratamento é dificultada pela postura de intimidade do médico e o eventual ganho inicial ao final é mais do que anulado Por isso não hesito aqui em avaliar esse tipo de técnica como sendo falha O médico precisa ser opaco para o analisando e assim como uma superfície espelhada não deve mostrar nada além daquilo que lhe é mostrado No entanto não há praticamente nada a criticar quando um psicoterapeuta mistura uma parte de análise com uma porção de influência por sugestão para alcançar resultados visíveis em um espaço mais curto tal como se torna necessário em instituições mas podemos exigir que ele próprio não tenha dúvidas sobre o que está fazendo e que saiba que o seu método não é aquele da autêntica Psicanálise h Outra tentação resulta da atividade educativa que recai sobre o médico no tratamento psicanalítico sem um intuito específico No processo de dissolução dos entraves ao desenvolvimento é natural que o médico aponte novos objetivos para as aspirações agora liberadas Então depois de tanto esforço para libertar a pessoa da neurose é uma ambição perfeitamente compreensível que ele queira transformála em algo especialmente destacado prescrevendo objetivos bastante altos para os desejos dessa pessoa Mas aqui também o médico deveria controlarse tomando como diretriz menos os próprios desejos do que a aptidão do analisando Nem todos os neuróticos têm muito talento para a sublimação podemos supor para muitos deles que não teriam adoecido se fossem dotados da arte de sublimar suas pulsões Se os forçarmos demais na direção da sublimação cortandolhes as mais próximas e confortáveis satisfações pulsionais tornaríamos a vida deles ainda 71 mais difícil do que já lhes parece ser Enquanto médicos precisamos antes de tudo ser tolerantes diante da fraqueza do doente precisamos nos contentar com o fato de termos recuperado uma parte da capacidade de realizar e fruir7 também para um paciente que não apresente elevados valores A ambição educativa é tão pouco adequada quanto a terapêutica Além disso considere se que muitas pessoas adoeceram justamente na tentativa de sublimar suas pulsões para além da medida autorizada pela sua organização e que naqueles capazes de fazer a sublimação esse processo costuma acontecer por si mesmo assim que as suas inibições são superadas através da análise Portanto acho que o empenho em utilizar o tratamento analítico regularmente para a sublimação das pulsões será sempre louvável mas definitivamente não é recomendado para todos os casos i Entre que limites devemos usar a cooperação intelectual do analisando no tratamento É difícil afirmarmos algo a esse respeito que tenha validade geral A personalidade do paciente é o fator decisivo em primeira linha Mas cuidado e reserva também devem ser observados aqui É incorreto dar tarefas ao analisando tais como reunir as suas lembranças meditar sobre um determinado período de sua vida e tarefas assemelhadas Ele terá antes de aprender principalmente o que não é fácil para ninguém admitir que pela atividade intelectual como a meditação que pelo empenho da vontade e da atenção não será resolvido nenhum dos mistérios da neurose que só serão resolvidos através do seguimento paciente da regra psicanalítica que estipula o desligamento da crítica ao inconsciente e seus derivados Essa regra deve ser seguida de forma especialmente rígida com aqueles pacientes que exercitam a arte de resvalar para a intelectualização durante o tratamento e assim refletindo muito e frequentemente com muita erudição sobre o seu estado resguardamse dessa forma de fazer algo para controlar aquele estado Por isso com os meus pacientes não gosto de recorrer à leitura de escritos psicanalíticos eu exijo que aprendam com sua própria pessoa e lhes asseguro que desse modo experienciarão mais e coisas mais valiosas do que toda a literatura psicanalítica poderia lhes transmitir Mas entendo que sob as condições de uma internação em uma instituição pode ser vantajoso usar a leitura para preparar os analisandos e para estabelecer um clima de influência Desaconselho veementemente que busquem a concordância e o apoio dos pais ou parentes dandolhes para ler alguma obra introdutória ou mais 72 aprofundada da nossa literatura Geralmente essa medida bemintencionada é suficiente para fazer eclodir precocemente a oposição natural e em determinado momento inevitável dos parentes contra o tratamento psicanalítico dos seus familiares de modo que nem se chega a começar o tratamento Exprimo aqui a esperança de que a experiência progressiva dos psicanalistas logo nos leve a um consenso sobre as questões da técnica com que se deva tratar de modo mais eficaz os neuróticos Quanto ao tratamento dos parentes confesso aqui a minha total desorientação e deposito pouca confiança em seu tratamento individual iii Frequentemente o analisando afirma já ter feito determinada declaração quando podemos assegurar com tranquila superioridade que o faz pela primeira vez Então percebese que o analisante tivera antes a intenção de o dizer mas foi impedido por uma resistência ainda presente A recordação de tal intenção lhe é indistinguível da de sua realização Freud retoma o tema dessa nota em seu Sobre fausse reconnaissance déjà raconté durante o trabalho analítico neste volume p 183 NR 73 Ratschläge für den Arzt bei der psychoanalytischen Behandlung 1912 1912 Zentralblatt für Psychoanalyse 2 n 9 p 483489 1925 Gesammelte Schriften t VI p 6475 1943 Gesammelte Werke t VIII p 376387 Antes de 1910 Freud já havia publicado três dos seus principais estudos clínicos incluindo aí Dora O homem dos Ratos e O pequeno Hans É a partir deles que o essencial da técnica psicanalítica podia ser inferido até então Mas ainda não havia uma sistematização das diretrizes da técnica analítica Naquela altura Freud alimentava a esperança de publicar uma espécie de Allgemeine Technik der Psychoanalyse Exposição geral da técnica psicanalítica Em 1908 confessa a Abraham esse desejo de publicar algo acerca das regras técnicas do tratamento analítico No Natal relata a Ferenczi que perto de 24 páginas estão escritas Mas elas nunca seriam publicadas No verão seguinte informa Ernest Jones tudo indica que Freud parecia preferir fazer circular um breve memorando contendo recomendações técnicas reservado aos discípulos mais próximos Em carta a Jung de 30 de dezembro de 1908 elogia um ensaio de Ferenczi sobre a transferência acrescentando que este se aproximaria bastante de sua própria perspectiva Finalmente em carta a Jung datada de 2 de fevereiro de 1910 informa que não pretende publicálo ainda Dois meses depois relata a Ferenczi a intenção de retomar a escrita do texto Contudo segundo Strachey a hesitação quanto à publicação de um trabalho sistemático sobre a técnica ou sobre o método indicaria uma certa relutância de Freud que temia entre outras coisas que suas recomendações fossem tomadas como regras inflexíveis O presente artigo foi escrito e publicado em 1912 Como o próprio título indica com precisão trata se aqui de elencar uma série de recomendações técnicas ao praticante da Psicanálise constituindose em um dos textos mais pragmáticos de toda a obra freudiana Uma contribuição decisiva desse artigo é a explicitação da atenção equiflutuante Segundo nota Assoun 2009 p 319 o adjetivo gleichschwebend para além da mera questão da flutuação designa as pequenas batidas de asa suficientes para que um pássaro possa planar É esse tipo de atenção que Freud recomenda aos analistas suficiente para que o analista possa escutar sem seleção prévia as associações livres do analisando NOTAS 1 Freud utiliza no título deste escrito a palavra Arzt médico para se referir ao profissional que exerce a Psicanálise ao passo que em A questão da análise leiga Die Frage der Laienanalyse publicado neste mesmo volume o autor faça questão de mostrar que ainda que a Psicanálise tenha se originado na Medicina seu exercício não é uma prerrogativa dos médicos Ele escreve o segundo trabalho visando sobretudo separar radicalmente os estatutos da Medicina e da Psicanálise Essa aparente contradição pode ser superada se atentarmos para a distância temporal entre os dois artigos Por volta de 1912 época de redação do presente ensaio os primeiros psicanalistas eram oriundos principalmente da formação acadêmica médica NR 2 74 Einfälle Aquilo que ocorre espontaneamente ao pensamento e consequentemente à fala do analisando quando em livre associação NR 3 Gleichschwebende Aufmerksamkeit A noção de atenção em língua portuguesa encontra no alemão as opções por Achtung atenção pontual ou Aufmerksamkeit atenção continuada A isso se soma o adjetivo engendrado por Freud a partir de uma composição entre gleich igualitário equitativo e schwebend flutuante Em língua portuguesa a solução pelo neologismo equiflutuante parece ter sido difundida entre outros pelo psicanalista Renato Mezan NR 4 Segundo James Strachey tratase de uma ocorrência na história clínica do Pequeno Hans de uma expressão bastante próxima dessa embora ainda não qualificada com o adjetivo flutuante NE 5 A palavra que provavelmente pode causar estranhamento ao leitor psicanalítico não é exatamente a mesma utilizada em contextos religiosos Purifikation ainda que possa ser compreendida como sinônimo de Reinigung purificação tornar puro em muitos casos O contexto aqui aponta para uma metáfora relativa a aspectos resistenciais para o recalcado NR 6 Como Freud costuma se referir às contribuições de Carl Gustav Jung NR 7 Ver a nota 7 do texto O método psicanalítico freudiano neste volume p 61 NE 75 SOBRE A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA 1912 O tema da transferência difícil de ser esgotado recentemente foi tratado de forma descritiva por Wilhelm Stekel nesta Zentralblattiv Quero acrescentar aqui apenas algumas considerações que pretendem esclarecer como necessariamente a transferência se desencadeia durante um tratamento psicanalítico e como ela assume o papel já conhecido durante o tratamento Que fique claro para nós que através da junção de predisposições inatas e influências durante os anos de infância todas as pessoas adquiriram uma determinada idiossincrasia ao conduzirem a sua vida amorosa ou seja daí vêm as condições que a pessoa estipula para o amor as pulsões a satisfazer e as metas almejadasv Isso resulta digamos em um clichê ou em vários deles que ao longo da vida é repetido regularmente é reeditado na medida em que as condições externas e a natureza dos objetos amorosos acessíveis o permitirem o que certamente não é de todo imutável mesmo diante de impressões recentes Nossas experiências mostraram então que dessas moções que determinam a vida amorosa apenas uma parte passou pelo pleno desenvolvimento psíquico essa parte está voltada para a realidade à disposição da personalidade consciente e constitui uma parte desta Outra parte dessas moções libidinosas foi detida em seu desenvolvimento foi mantida distante da personalidade consciente e da realidade e só conseguiu se expandir na fantasia ou então permaneceu totalmente no inconsciente sendo portanto desconhecida para a consciência da personalidade Aquele cuja necessidade de amor não é satisfeita plenamente pela realidade terá de se aproximar de cada nova pessoa que se avizinha com representações de expectativas libidinosas e é muito provável que as duas porções de sua libido tanto aquela capaz de chegar à consciência quanto a inconsciente tenham participação nessa postura Portanto é totalmente normal e compreensível que o investimento 76 libidinal Libidobesetzung de uma pessoa parcialmente insatisfeita carregado de muita expectativa também se volte para a figura do médico Conforme o nosso pressuposto esse investimento irá se guiar por modelos irá dar sequência a um dos clichês presentes na respectiva pessoa ou como também poderíamos afirmar irá inserir o médico em uma das sequências psíquicas que o paciente em sofrimento formou até aquele momento Isso corresponderá às relações reais com o médico se para essa inserção for determinante a imago do pai para usar uma expressão feliz de Jungvi Mas a transferência não está atrelada a esse modelo ela poderá se dar também a partir da imago da mãe ou do irmão As peculiaridades da transferência para o médico ultrapassando a medida e o tipo daquilo que se justificaria de forma sóbria e racional será compreensível a partir da consideração de que justamente não foram apenas as representações de expectativas conscientes mas também as retidas ou inconscientes que produziram tal transferência Sobre essa conduta da transferência nada mais haveria a dizer ou pensar se não houvesse aí dois pontos ainda obscuros que são de especial interesse para o psicanalista Primeiro não entendemos por que a transferência no caso de pessoas neuróticas é tão mais intensa na análise do que nas outras pessoas não analisadas segundo permanece uma incógnita o motivo de ser a transferência na análise a mais forte resistência contra o tratamento enquanto fora da análise temos de reconhecêla como portadora do efeito de cura e condição para o sucesso do tratamento Uma experiência confirmada inúmeras vezes aleatoriamente mostra que todas as vezes em que as associações livres de um paciente são impedidasvii o impasse pode ser resolvido a partir da garantia ao paciente de que agora ele está sob o domínio de uma ideia que lhe ocorreu Einfall que diz respeito à pessoa do médico ou a algo ligado a ele Assim que se presta esse esclarecimento o obstáculo desaparece ou então a situação de fracasso foi transformada em uma situação de ocultação de tais ideias que lhe ocorreram Einfälle À primeira vista parece ser uma grande desvantagem metodológica da Psicanálise o fato de que nela a transferência até então a força mais poderosa do sucesso transformase no meio mais forte de resistência Olhando mais de perto porém afastamos pelo menos o primeiro dos dois problemas Não é correto afirmar que a transferência aparece mais intensamente e de forma mais desmedida durante a Psicanálise do que fora 77 dela Nas instituições em que pacientes nervosos não têm tratamento psicanalítico observamos as maiores intensidades e as formas mais indignas de transferência chegando à servidão até mesmo um viés indubitavelmente erótico da transferência Numa época em que mal havia Psicanálise uma observadora sensível como Gabriele Reuter descreveu isso num livro curioso que nos revela aliás as melhores descobertas sobre a essência e o surgimento das neurosesviii Essas características da transferência portanto não devem ser colocadas na conta da Psicanálise mas sim atribuídas à própria neurose O segundo problema por ora permanece intacto Esse problema em que perguntamos por que na Psicanálise a transferência aparece como obstáculo precisa ser analisado mais atentamente Visualizemos a situação psicológica do tratamento um pré requisito regular e imprescindível de toda psiconeurose é o processo que Jung com precisão chamou de introversão da libidoix Isso significa o seguinte a porção da libido capaz de chegar à consciência e voltada à realidade é diminuída e a porção apartada da realidade inconsciente que por exemplo ainda alimenta as fantasias da pessoa mas pertence ao inconsciente é aumentada proporcionalmente A libido moveuse total ou parcialmente para a regressão reanimando as imagines infantisx É nessa direção que segue então o tratamento analítico que quer resgatar a libido tornála novamente acessível à consciência e por fim colocála a serviço da realidade Nos pontos em que a pesquisa analítica topa com a libido recolhida em seus esconderijos necessariamente eclode uma batalha todas as forças que causaram a regressão da libido irão se levantar como resistências contra o trabalho para conservar esse novo estado É que se a introversão ou regressão da libido não tivesse se justificado por uma determinada relação com o mundo externo em sua forma mais geral através do impedimento Versagung da satisfação e sido ela própria adequada para aquele momento ela nem poderia ter se formado As resistências com essa origem no entanto não são as únicas nem mesmo as mais fortes A libido disponível para a personalidade sempre esteve sob a atração dos complexos inconscientes ou mais corretamente as porções desses complexos pertencentes ao inconsciente e resvalou para a regressão porque a atração da realidade tinha ficado menos intensa Para libertála essa atração do inconsciente agora precisa ser superada ou seja o recalque Verdrängung 78 das pulsões inconscientes desde então constituídas no indivíduo e suas produções precisam ser suspensos Isso resulta na parte de longe mais grandiosa da resistência que tão frequentemente faz perdurar a doença mesmo quando o afastamento da realidade volta a perder a justificativa provisória A análise tem de lutar contra as resistências de ambas as fontes A resistência acompanha o tratamento a cada passo cada ocorrência Einfall cada ato do analisando precisa prestar contas à resistência e colocase como um acordo entre as forças que objetivam a cura e aquelas mencionadas que a elas se opõem Se acompanharmos um complexo patogênico desde a sua representação no consciente seja ele evidente como sintoma seja mesmo bastante imperceptível até sua raiz no inconsciente logo chegaremos a uma região em que a resistência se evidencia tão claramente que a próxima ocorrência Einfall terá de lhe fazer jus e aparecer como acordo entre as suas exigências e aquelas do trabalho de pesquisa É aqui então que segundo a comprovação pela experiência entra em cena a transferência Se algo da matéria do complexo o conteúdo do complexo for adequado para ser transferido à pessoa do médico então se dá essa transferência resultando na ideia seguinte e anunciandose através dos sinais de uma resistência por exemplo com uma interrupção A partir dessa experiência concluímos que essa ideia de transferência Übertragungsidee chegou à consciência antes de todas as outras possibilidades de ocorrências Einfallsmöglichkeiten1 porque ela também satisfaz a resistência Tal processo repetese inúmeras vezes no decorrer de uma análise Sempre que nos aproximamos de um complexo patogênico a porção do complexo capaz de transferência é empurrada para a consciência e defendida com a maior insistênciaxi Após a superação desta a dos outros elementos do complexo apresenta poucas dificuldades Quanto mais tempo durar um tratamento analítico e quanto mais claramente o paciente reconhecer que apenas distorções do material patogênico não oferecem proteção contra o descortinamento com mais coerência ele se utilizará daquele tipo de distorção que aparentemente lhe oferece as maiores vantagens a distorção através da transferência Essas relações seguem na direção de uma situação em que finalmente todos os conflitos precisam ser resolvidos no terreno da transferência Assim no tratamento analítico a transferência parecenos surgir primeiro 79 apenas como a arma mais poderosa da resistência e podemos concluir que a intensidade e a duração da transferência são um efeito e uma expressão da resistência O mecanismo da transferência é bem verdade resolvese a partir de seu retorno à disponibilidade da libido que permaneceu em posse de imagos infantis o esclarecimento de seu papel no tratamento porém só funciona se abordarmos os seus vínculos com a resistência Por que motivo a transferência se adequa tão perfeitamente como meio de resistência Poderíamos crer que a resposta a tal pergunta seria fácil Pois é óbvio que a confissão de cada moção de desejo é especialmente dificultada quando deve ser abandonada diante daquela pessoa para a qual a moção é direcionada Essa pressão resulta em situações que na realidade parecem ser praticamente inexequíveis É justamente isso que o analisando quer alcançar quando faz coincidir o objeto de suas moções emotivas com o médico No entanto uma consideração mais aprofundada mostra que essa aparente vantagem não pode levar à solução do problema Uma relação de proximidade carinhosa e devotada por outro lado poderá ajudar a superar todas as dificuldades de admitir tais afetos Como sabemos costumase dizer em condições reais análogas não tenho vergonha diante de ti a ti eu posso dizer tudo A transferência para o médico portanto poderia servir também para aliviar o peso da confissão e não entenderíamos por que ela a dificulta A resposta a essa pergunta aqui colocada diversas vezes não será obtida através de mais reflexões mas pela experiência que se faz por ocasião do tratamento de cada uma das resistências à transferência Percebese por fim que não conseguimos compreender a utilização da transferência para fins de resistência se pensarmos na transferência pura e simplesmente Precisamos tomar a decisão de separar uma transferência positiva de uma negativa a transferência de sentimentos carinhosos daquela de sentimentos hostis tratando os dois tipos de transferência para o médico de forma separada Assim a transferência positiva subdividese ainda naquela de sentimentos simpáticos ou carinhosos capazes de chegar à consciência e naquela que segue pela via inconsciente Em relação às últimas a análise comprova que elas remontam regularmente a fontes eróticas de modo que temos de chegar à conclusão de que todas as nossas relações emotivas utilizáveis ao longo da vida como simpatia amizade confiança e assemelhados têm associação genética com a sexualidade e se desenvolveram pelo enfraquecimento da 80 meta sexual a partir de desejos puramente sexuais por mais que eles se apresentem como puros e não sensuais por nossa autopercepção consciente Originalmente conhecíamos apenas metas sexuais a Psicanálise nos mostra que as pessoas de quem apenas gostamos ou que admiramos em nossa realidade ainda podem continuar sendo objetos sexuais em nosso inconsciente A solução desse enigma é portanto que a transferência para o médico só se mostra propícia à resistência durante o tratamento enquanto ela for transferência negativa ou positiva de moções eróticas recalcadas Se suspendermos a transferência tornandoa consciente desprenderemos da pessoa do médico apenas esses dois componentes do ato emotivo o outro componente capaz de chegar à consciência e não repulsivo permanece sendo portador do sucesso na Psicanálise tanto quanto em outros métodos de tratamento Nesse sentido admitimos que os resultados da Psicanálise se dão com base em sugestão desde que se entenda por sugestão aquilo que compartilhamos com Ferenczixii o sugestionamento de uma pessoa por meio dos fenômenos de transferência que nela são possíveis Nós cuidamos da autonomia final do paciente na medida em que utilizamos a sugestão para fazêlo desempenhar um trabalho psíquico que tem como resultado necessário uma melhora duradoura de sua situação psíquica Podese ainda perguntar por que os fenômenos de resistência da transferência só aparecem na Psicanálise e não no tratamento indiferenciado por exemplo em instituições A resposta é elas também aparecem lá mas precisam ser reconhecidas como tais A irrupção da transferência negativa aliás é bastante frequente em instituições O doente justamente deixa a instituição sem se transformar ou tem recidivas assim que entra no domínio da transferência negativa A transferência erótica não tem efeito tão inibidor nas instituições já que lá assim como na vida ela é embelezada em vez de ser revelada mas ela se manifesta claramente enquanto resistência contra a cura não afugentando o doente da instituição ao contrário ela o segura na instituição mas o distanciando da vida É que para a cura é bastante indiferente se o doente na instituição supera esta ou aquela angústia ou inibição depende muito mais de ele poder se libertar disso também na realidade da sua vida A transferência negativa mereceria uma atenção detalhada que no âmbito 81 destas considerações não será possível Nas formas curáveis de psiconeurose ela se encontra ao lado da transferência carinhosa muitas vezes voltada ao mesmo tempo para a mesma pessoa situação para a qual Bleuler cunhou a boa expressão ambivalênciaxiii Uma tal ambivalência de sentimentos parece ser normal até determinado grau mas um alto grau de ambivalência certamente será a marca específica de pessoas neuróticas No caso da neurose obsessiva parece ser característica a precoce separação dos pares de opostos para a vida pulsional parecendo ser também uma de suas condições constitucionais A ambivalência das inclinações emocionais é a que melhor explica a capacidade dos neuróticos de colocar as transferências a serviço da resistência Ali onde a capacidade de transferência se tornou essencialmente negativa tal como nos paranoides acaba a possibilidade de influência e de cura Com todas essas considerações no entanto fizemos jus a apenas um lado do problema da transferência fazse necessário voltarmos a nossa atenção para um outro aspecto do mesmo fenômeno Quem teve uma clara impressão de como o analisando é arrancado de seus vínculos reais e lançado para o médico assim que entra no domínio de uma farta resistência transferencial e como ele depois toma a liberdade de desprezar a regra psicanalítica fundamental de informar tudo o que vem à mente sem crítica como ele se esquece dos princípios com os quais iniciou o tratamento e como relações e conclusões lógicas que antes o impressionaram bastante agora lhe parecem indiferentes terá a necessidade de explicar essa impressão ainda a partir de outros fatores além dos aqui elencados e eles não estão tão distantes resultam por sua vez da situação psicanalítica para a qual o tratamento deslocou o analisando Rastreando a libido que havia se dispersado do consciente adentrouse o âmbito do inconsciente As reações que se alcançam então trazem à tona muito das características de processos inconscientes tais como as conhecemos pelo estudo dos sonhos As moções inconscientes não querem ser lembradas tal como o tratamento o deseja mas elas almejam se reproduzir de acordo com a atemporalidade e a capacidade alucinatória do inconsciente Semelhante ao que ocorre no sonho o paciente atribui atualidade e realidade aos resultados do despertar de suas moções inconscientes ele quer acionar as suas paixões sem levar em consideração a 82 situação real O médico quer leválo a inserir essas moções emocionais no contexto do tratamento e no de sua história de vida subordinálas à observação pensante e reconhecêlas em seu valor psíquico Essa luta entre médico e paciente entre intelecto e vida pulsional entre reconhecer e querer agir acontece quase exclusivamente nos fenômenos de transferência É nesse campo que precisa acontecer a vitória cuja expressão é a cura duradoura da neurose É inegável que o controle dos fenômenos de transferência oferece as maiores dificuldades para o psicanalista mas não esqueçamos que são justamente elas que nos prestam o inestimável serviço de tornar manifestas e atuais as moções amorosas ocultas e esquecidas dos pacientes pois afinal ninguém pode ser abatido in absentia ou in effigie iv Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise ano II n II p 26 Na verdade o artigo de Stekel começa na página 27 NE v Protejamonos aqui contra a objeção errônea que acredita termos negado a importância dos fatores inatos constitucionais por termos destacado as impressões infantis Tal crítica origina se na estreiteza da necessidade de causalidade dos homens que quer se satisfazer com um único momento originário ao contrário da configuração usual da realidade A Psicanálise se pronunciou muito sobre os fatores acidentais da etiologia e pouco sobre os constitucionais mas isso apenas porque pôde trazer algo de novo no primeiro caso e no segundo não sabia mais do que em geral já se sabe Rejeitamos o estabelecimento de uma oposição fundamental entre as duas sequências de fatores etiológicos supomos antes uma colaboração regular entre ambas produzindo o efeito observado Δαίμον καὶ Τύχη Destino e Acaso determinam o destino de um homem raras vezes talvez nunca uma dessas forças apenas A distribuição da eficácia etiológica entre as duas só poderá se realizar individualmente e em cada caso específico A sequência em que grandezas alternantes de ambos os fatores se compõem certamente também terá seus casos extremos Dependendo do nível do nosso conhecimento iremos avaliar de modo diferente a parcela da constituição ou da vivência em cada caso específico e nos reservamos o direito de modificarmos o nosso juízo com a mudança de nossas compreensões Aliás poderíamos arriscar a entender a própria constituição como o precipitado das influências acidentais sobre a infinita série dos antepassados vi JUNG Carl Gustav Symbole und Wandlungen der Libido Jahrbuch für Psychoanalyse v III p 164 vii Quero dizer quando elas de fato cessam e não quando o paciente não as externa devido a um simples sentimento de desprazer viii Aus guter Familie De boa família 1895 ix Não obstante algumas declarações de Jung darem a impressão de que ele via nessa introversão 83 algo característico da dementia praecox o que no caso de outras neuroses não seria considerado da mesma maneira x Seria confortável dizer ela voltou a investir os complexos infantis Mas isso não seria correto justificável seria apenas a seguinte afirmação as porções inconscientes desses complexos O extraordinário emaranhado do tema tratado neste trabalho produz a tentação de se debruçar sobre uma série de problemas cujo esclarecimento seria necessário antes de se falar dos processos psíquicos a serem descritos aqui com palavras inequívocas Tais problemas são a delimitação recíproca da introversão e da regressão a inserção da teoria do complexo na teoria da libido as relações do fantasiar com o consciente e o inconsciente assim como com a realidade entre outros Não devo desculparme se tenho aqui resistido a essas tentações xi De onde porém não podemos deduzir de forma generalizante uma importância patogênica específica do elemento escolhido para a resistência transferencial Übertragungswiderstand Se em uma batalha em torno da posse de uma determinada igrejinha ou de uma única fazenda o combate for marcado por intensa amargura não precisaremos supor por isso que a igreja seja um elemento nacional sagrado ou que a casa de fazenda esconda os tesouros do exército O valor dos objetos pode ser apenas tático e talvez só se destaque nessa única batalha xii FERENCZI Sándor Introjektion und Übertragung Introjeção e transferência Jahrbuch für Psychoanalyse v I 1909 xiii BLEULER Eugen Dementia praecox oder Gruppe der Schizophrenien Demência precoce ou grupos de esquizofrenias Handbuch der Psychiatrie Aschaffenburg 1911 Palestra sobre ambivalência em Berna 1910 mencionada no Zentralblatt für Psychoanalyse v I p 266 Para os mesmos fenômenos Wilhelm Stekel tinha sugerido antes o termo bipolaridade 84 Zur Dynamik der Übertragung 1912 1912 Zentralblatt für Psychoanalyse t II n 4 p 167173 1925 Gesammelte Schriften t VI p 5363 1943 Gesammelte Werke t VIII p 363374 O fenômeno da transferência é um dos pilares do tratamento analítico Já em 1895 nos Estudos sobre a histeria Freud descreve a transferência como uma mésalliance uma conexão falsa falsche Verknüpfung As expressões empregadas uma de origem francesa e uma de origem germânica colocam em cena na própria escrita freudiana a amplitude e plasticidade do termo Übertragung que designa transferência mas também pode significar tradução geralmente Übersetzung Naquela altura contudo embora Freud reconhecesse o fenômeno a transferência ainda não tinha centralidade no dispositivo analítico Não por acaso Freud elaborou o conceito de transferência sobretudo nos casos clínicos especialmente em Dora e em O homem dos Ratos quando paulatinamente o conceito vai ganhando contornos mais específicos e delimitados à medida que impasses clínicos vão induzindo a reformulações teóricas e técnicas O presente artigo constitui talvez o primeiro esforço de sistematização acerca da transferência decisivo no contexto das primeiras dissidências do movimento psicanalítico Escrito no final de 1911 Freud anuncia sua conclusão em carta a Jung datada de 31 de dezembro O artigo começa referindo o estudo recémpublicado por Stekel na mesma revista sob o título de As diferentes formas da transferência Por um lado o título de Freud contrapõe o aspecto dinâmico ao caráter descritivo da análise de Stekel Por outro lado não custa lembrar que dinâmico se refere ao lado dos aspectos tópico e econômico a um dos três aspectos da abordagem metapsicológica A conclusão do texto evoca duas expressões latinas oriundas do direito In absentia em ausência é um termo jurídico que designa um processo em que o acusado se recusa a comparecer ao julgamento In effigie em imagem também é uma expressão jurídica que designa o tipo de aplicação de uma punição física ou da lei capital a um substituto ou representação do condenado quando este se encontra foragido por exemplo em outro país Entre os séculos XVI e XVII a pena in effigie podia ser aplicada a um manequim ou a uma imagem Em 1521 a Inquisição por exemplo queimou uma imagem de Lutero em Roma No século XVIII bastava castigar a inscrição de seu nome Em ambos os casos a dimensão metafórica é essencial Sendo um texto fundamental da técnica psicanalítica teve grande repercussão Podemos destacar três capítulos dessa recepção Melanie Klein relê a transferência sobretudo como situação transferencial sob a perspectiva das relações objetais primitivas ampliando o alcance do conceito para a análise com crianças através do conceito de personificação no brincar assim como para o campo da psicose Donald Winnicott publicou nos anos 1950 um artigo intitulado Formas clínicas da transferência no qual diferencia as manifestações bem como o manejo técnico da transferência nas neuroses nas psicoses e nos pacientes borderlines Por usa vez Wilfred Bion trata a transferência como um caso particular de transformação Finalmente Jacques Lacan dedicou a sessão do dia 3 de fevereiro de 1954 do seu Seminário sobre Os escritos técnicos de Freud a uma releitura dos conceitos de transferência e resistência Alguns anos mais tarde dedicou um ano de seu Seminário a uma redefinição do conceito de transferência afastandoo dos fenômenos da sugestão resistência e repetição aos quais estava vinculado na obra de Freud e articulandoo em torno da noção de amor ao saber BION W R Transformations change from learning to growth London Heinemann Medical Books 1965 KLEIN M The origins of transference 1952 In Envy and gratitude and other works 1946 1963 p 4856 London Karnac 1993 LACAN J O Seminário livro 1 Os escritos técnicos de 85 Freud Rio de Janeiro Jorge Zahar 1979 LACAN J O Seminário livro 8 A transferência Rio de Janeiro Jorge Zahar 1992 NOTAS 1 Einfall tratase das ideias ou pensamentos que ocorrem que vêm à tona ou à mente do sujeito que se entrega à associação livre Ainda que tenhamos adotado a tendência a traduzir Einfall por ocorrência em alguns casos utilizamos locuções semelhantes a fim de esclarecer NR 86 SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO 1913 Quem quiser aprender o nobre jogo de xadrez a partir de livros logo irá se dar conta de que apenas as jogadas de abertura e as jogadas finais permitem uma representação exaustiva enquanto a enorme variedade das jogadas que começam a partir da abertura acaba frustrando tal representação Apenas um estudo aplicado de partidas em que mestres se enfrentaram pode preencher essa lacuna das instruções Limitações semelhantes a essas parecem ocorrer com as regras que podemos estabelecer para o exercício do tratamento psicanalítico Daqui em diante tentarei reunir algumas dessas regras para o início do tratamento no intuito de serem utilizadas pelo analista praticante Entre elas há determinações que podem parecer diminutas e que provavelmente o são mesmo Que sirva como desculpa para isso o fato de que são regras do jogo que precisam extrair a sua importância a partir do contexto da estratégia do jogo Mas faço bem em apresentar essas regras como recomendações não querendo advogar para elas uma obrigatoriedade absoluta A diversidade extraordinária das constelações psíquicas em questão a plasticidade de todos os processos anímicos e a riqueza de fatores determinantes também se opõem a uma mecanização da técnica e permitem que um procedimento usualmente justificado por vezes se torne sem efeito assim como um procedimento costumeiramente errôneo algumas vezes possa levar ao objetivo esperado No entanto essas condições não impedem que se estabeleça uma postura razoavelmente adequada do médico Há anos já apontei em outro local as indicações mais importantes para a seleção dos pacientesxiv Por isso não as repetirei aqui nesse meiotempo elas tiveram a aprovação de outros psicanalistas Mas acrescento aqui que desde então me acostumei a aceitar de início apenas provisoriamente por uma a duas semanas pacientes dos quais pouco sei Se durante esse período 87 ocorrer uma interrupção poupamos ao doente a impressão desagradável de uma tentativa fracassada de cura O que se fez foi apenas uma sondagem para conhecer o caso e para decidir se é adequado à Psicanálise Não temos à disposição outro tipo de avaliação além desse ensaio nem mesmo longas conversas e perguntas aos pacientes durante a sessão seriam um substituto para tanto Mas esse ensaio prévio já é o início da Psicanálise e deverá seguir as suas regras Podemos por exemplo mantêla separada na medida em que deixamos principalmente o paciente falar e não lhe prestamos esclarecimentos além daqueles imprescindíveis à continuidade de sua narração O início do tratamento com esse período probatório estipulado em algumas semanas aliás também tem uma motivação diagnóstica Muitas vezes quando estamos diante de uma neurose com sintomas histéricos ou obsessivos sem manifestação excessiva e de curta duração ou seja justamente aquelas formas que seriam vistas como adequadas ao tratamento precisamos dar espaço para nos questionarmos se o caso não corresponde a um estágio prévio de uma chamada dementia praecox esquizofrenia segundo Bleuler parafrenia segundo a minha proposta e que depois de um período breve ou mais longo evidenciará um quadro mais claro dessa afecção Eu contesto quando dizem que é sempre fácil estabelecer a diferença Sei que há psiquiatras que oscilam mais raramente ao estabelecerem o diagnóstico diferencial mas eu me convenci de que eles também se equivocam com a mesma frequência Ocorre que o erro é mais carregado de consequências para o psicanalista do que para o chamado psiquiatra clínico Pois este último nem em um caso nem no outro empreende algo frutífero ele apenas corre o risco de cometer um erro teórico e o seu diagnóstico tem apenas interesse acadêmico Mas o psicanalista em um caso desfavorável terá cometido uma falha prática e causado um esforço inócuo desacreditando o seu processo de cura Ele não pode manter a sua promessa de cura se o doente não sofrer de histeria ou neurose obsessiva mas sim de parafrenia e por isso terá fortes razões para evitar o erro no diagnóstico Em um tratamento probatório de algumas semanas ele muitas vezes irá ter percepções e suspeitas que o levem a não continuar a experiência Infelizmente não posso afirmar que tal experiência regularmente possibilite uma decisão segura é apenas uma boa precaução suplementarxv 88 Longas conversas prévias antes do início do tratamento analítico uma terapia de outro tipo feita anteriormente assim como um conhecimento anterior do futuro analisando por parte do médico tem certas consequências desvantajosas para as quais precisamos estar preparados É que elas fazem com que o paciente se coloque diante do médico com uma postura preconcebida em relação à transferência que o médico precisará desvendar aos poucos em vez de ter a oportunidade de observar desde o início o crescimento e o devir da transferência Dessa forma o paciente estará na dianteira durante um determinado período vantagem que não gostamos de lhe conceder durante o tratamento Desconfiemos de todos aqueles que querem começar o tratamento com um adiamento A experiência nos mostra que após decorrido o prazo acordado eles não aparecem mesmo quando a motivação desse adiamento ou seja a racionalização do propósito pareça impecável ao não iniciado Dificuldades específicas surgem quando entre o médico e o paciente que começa a análise ou entre as famílias de ambos em algum momento houve relações sociais ou de amizade O psicanalista do qual se exige que trate da esposa ou do filho de um amigo deve se preparar para o fato de que esse empreendimento não importando o resultado final custarlheá a amizade É ele quem terá de fazer o sacrifício no caso de não conseguir ser um substituto confiável Tanto leigos quanto médicos que ainda gostam de confundir a Psicanálise com um tratamento baseado em sugestão costumam dar grande valor à expectativa que o paciente tem em relação ao novo tratamento Eles acreditam muitas vezes que não iremos ter muito trabalho com um paciente caso ele tenha grande confiança na Psicanálise estando convencido de sua verdade e de sua capacidade efetiva Outro paciente possivelmente dará mais trabalho pois tem uma postura cética e não acredita em nada antes de perceber o sucesso em si próprio Mas na verdade essa postura dos pacientes tem muito pouca importância sua confiança ou desconfiança provisórias são pouco relevantes diante das resistências internas que ancoram a neurose A boafé do paciente certamente torna o trânsito com ele bastante agradável agradecemos a ele por isso mas o preparamos para o fato de que sua posição inicial favorável será destroçada ao encontrar a primeira dificuldade no tratamento Ao cético dizemos que a análise não precisa de confiança que ele pode ser crítico e desconfiado à vontade que não colocaremos a sua 89 posição na conta de seu juízo pois ele não está em condições de formar um juízo confiável acerca desses pontos sua desconfiança é justamente um sintoma assim como os seus outros sintomas e não será incômodo se ele apenas seguir de modo consciencioso aquilo que a regra do tratamento exigir dele Quem estiver familiarizado com a natureza da neurose não ficará espantado ao ouvir que mesmo aquele que tem total capacidade de psicanalisar os outros pode se comportar como outro mortal qualquer podendo produzir as mais intensas resistências assim que ele mesmo for transformado em objeto da Psicanálise Então mais uma vez experienciamos a dimensão psíquica profunda e não acharemos espantoso que a neurose tenha suas raízes em camadas psíquicas nas quais a formação analítica ainda não adentrou Pontos importantes no início do tratamento analítico são as determinações referentes a tempo e dinheiro Quanto ao tempo sigo exclusivamente o princípio da remuneração por uma determinada hora A cada paciente é atribuída uma determinada hora disponível do meu dia de trabalho essa hora será a sua e ele será responsável por ela mesmo se não vier a usála Essa determinação que parece óbvia em nossa boa sociedade para o professor de música ou de idiomas no caso do médico pode parecer dura ou mesmo indigna de sua função Estaremos inclinados a apontar os diversos acasos que poderão impedir o paciente de comparecer sempre à mesma hora no consultório médico e exigiremos que devam ser levadas em consideração as inúmeras doenças intercorrentes que podem acontecer ao longo de um tratamento analítico mais extenso No entanto a minha resposta é não há outro jeito No caso de uma prática mais complacente os cancelamentos eventuais acabam se acumulando tanto que o médico verá a sua existência material ameaçada Se nos ativermos estritamente àquela determinação no entanto verificamos que acasos que impedem a presença são inexistentes e as doenças intercorrentes muito raras Dificilmente teremos a situação em que fruiremos do ócio do qual teríamos de nos envergonhar pela respectiva remuneração podemos continuar o trabalho sem sermos incomodados e evitamos a experiência desagradável e confusa de que justamente quando o trabalho prometia ser muito importante e rico em conteúdo entra uma pausa involuntária Só nos convencemos plenamente da importância do fator psicogênico no cotidiano 90 das pessoas da frequência das doenças escolares e da nulidade do acaso quando praticamos a Psicanálise durante anos seguindo estritamente o princípio da remuneração por hora No caso de afecções claramente orgânicas que não podem ser excluídas mesmo pelo interesse psíquico interrompo o tratamento e me julgo no direito de ocupar a hora que ficou livre de outra forma retomando o paciente assim que ele estiver restabelecido e eu conseguir outro horário livre Trabalho com os meus pacientes diariamente à exceção dos domingos e dos feriados ou seja normalmente seis vezes por semana Para casos leves ou continuações de tratamentos já bastante avançados são suficientes três horas por semana Do contrário limitações de tempo não trarão vantagens nem para o médico nem para o paciente no início elas deverão ser totalmente descartadas Já com breves interrupções o trabalho sempre fica um pouco prejudicado costumávamos brincar falando de uma crosta de segundafeira quando após o descanso do domingo começamos do início no caso de um trabalho mais espaçado correse o risco de não acompanhar a vivência real do paciente e de que o tratamento perca o contato com a realidade sendo conduzido para desvios Ocasionalmente também encontramos doentes aos quais precisamos dedicar mais tempo do que a média de uma hora porque eles gastam a maior parte dessa hora para se extroverter e tornarse comunicativos Uma questão incômoda para o médico e que o paciente logo no início lhe coloca é a seguinte Quanto tempo irá durar o tratamento Quanto tempo o senhor precisa para me libertar do meu sofrimento Se tiver sido sugerido um tratamento probatório de algumas semanas o médico eximese de uma resposta direta a essa pergunta na medida em que promete dar uma declaração mais confiável depois de decorrido o período probatório Respondese como o Esopo na fábula respondeu ao andarilho que pergunta pelo comprimento do caminho com a seguinte conclamação Anda e explica a informação com a justificativa de que primeiro se precisa conhecer o passo do andarilho para depois poder calcular a duração de sua caminhada Com essa informação superamos as primeiras dificuldades mas a comparação não é boa pois o neurótico facilmente pode mudar a sua velocidade e em determinadas épocas fazer apenas progressos muito pequenos A questão em torno da provável duração do tratamento na verdade praticamente não pode ser respondida 91 A falta de compreensão Einsichtlosigkeit dos pacientes e a insinceridade dos médicos reúnemse resultando em expectativas exageradas em relação à análise concedendolhe para tal um tempo diminuto Informo por exemplo os seguintes dados da carta de uma senhora na Rússia que recebi há poucos dias ela tem 53 anos de idade sofre há 23 e há 10 anos não é mais capaz de encontrar um trabalho fixo Tratamentos em diversas instituições para doenças dos nervos não conseguiram possibilitar a ela uma vida ativa Ela espera que com a Psicanálise sobre a qual leu alguma coisa possa ser completamente curada Mas os tratamentos já custaram tanto à sua família que ela não poderá permanecer em Viena mais do que seis semanas ou dois meses Somese a isso a dificuldade de que desde o início ela só quer tornar claras as coisas por escrito pois tocar em seus complexos provocaria uma explosão dentro dela ou fazer com que emudecesse temporariamente Ninguém esperaria levantar uma mesa pesada com dois dedos como se fosse um banquinho ou que se construa uma casa grande no mesmo tempo que uma cabaninha de madeira mas assim que se trata das neuroses que atualmente parecem ainda não ter sido inseridas no contexto do pensamento humano até mesmo pessoas inteligentes se esquecem da proporcionalidade necessária entre tempo trabalho e sucesso Aliás essa é uma consequência compreensível do profundo desconhecimento da etiologia das neuroses Dada essa ignorância para essas pessoas a neurose é uma espécie de menina do exterior1 Não se sabe de onde veio e por isso se espera que um dia terá desaparecido Os médicos apoiam essa boafé mesmo os doutos entre eles não avaliam devidamente a gravidade das doenças neuróticas Um colega amigo meu de quem admiro profundamente o fato de ele após várias décadas de trabalho científico com pressupostos diferentes ter se inclinado para a Psicanálise certa vez me escreveu precisamos é de um tratamento breve confortável e ambulatorial das neuroses obsessivas Não podia oferecer isso envergonhei me e procurava me desculpar com a observação de que provavelmente também os especialistas em Medicina Interna ficariam muito felizes com uma terapia da tuberculose ou do carcinoma que reunisse essas vantagens Dizendo de uma forma mais direta na Psicanálise tratase sempre de longos períodos de tempo semestres ou anos inteiros sempre períodos mais longos do que aqueles esperados pelo paciente Por isso temos a obrigação 92 de esclarecer a situação ao paciente antes que ele decida definitivamente iniciar o tratamento De resto sempre acho mais digno e também mais adequado quando desde o início o alertamos sem querer assustálo para as dificuldades e os sacrifícios da terapia analítica tirandolhe assim toda pretensa razão se ele porventura no futuro vier a alegar que fora atraído para o tratamento cuja amplitude e importância desconhecia Quem perder tempo com essas alegações de qualquer modo mais adiante teria se revelado como inapto ao tratamento É bom fazer uma seleção assim antes do início do tratamento Com o progresso do esclarecimento dos pacientes cresce o número daqueles que são aprovados nessa primeira prova Recusome a obrigar os pacientes a perseverarem no tratamento durante um determinado período e faculto a todos interromperem o tratamento quando lhes aprouver mas não escondo deles que uma interrupção depois de um curto período de tempo não terá sucesso algum e que isso facilmente poderá colocálos numa situação insatisfatória tal como de uma cirurgia não concluída Nos primeiros anos de minha atividade psicanalítica tive a maior dificuldade em motivar os meus doentes a ficar essa dificuldade há muito tempo se transladou agora preciso me esforçar angustiado para encorajá los a parar O encurtamento do tratamento analítico é um desejo justificado cuja realização como ouviremos adiante é buscada por meio de diversos caminhos Infelizmente há um impedimento um fator muito importante que é o vagar com que as transformações psíquicas profundas transcorrem em última análise provavelmente a atemporalidade de nossos processos conscientes Quando os pacientes são colocados diante da dificuldade do grande empenho de tempo para a análise não raro eles sugerem um certo expediente de informação Eles subdividem os seus problemas naqueles que lhes parecem insuportáveis e os que descrevem como secundários dizendo se o senhor me livrar apenas de um por exemplo da dor de cabeça de determinada angústia Angst eu mesmo me viro com o outro em minha vida No entanto com isso eles supervalorizam o poder eletivo da análise Certamente o médico analista consegue muito mas ele não consegue determinar ao certo o que ele trará à tona Ele introduz um processo que é o da dissolução dos recalques existentes ele pode supervisionálo estimulálo tirar obstáculos do caminho e certamente pode também estragálo em larga medida Mas em geral o processo uma vez iniciado acaba seguindo o seu 93 próprio caminho e não permite que lhe sejam impostas nem a direção nem a sequência dos pontos que ele irá atacar Portanto o poder do analista sobre as manifestações da doença colocase mais ou menos na mesma situação da potência masculina O mais forte dos homens pode é verdade gerar uma criança inteira mas não pode fazer com que no ventre feminino surja uma cabeça apenas um braço ou uma perna ele nem mesmo tem o poder de definir o sexo da criança Ele justamente apenas inicia um processo altamente intricado e determinado por acontecimentos antigos que termina com a separação entre a mãe e a criança Também a neurose de uma pessoa possui as características de um organismo suas manifestações parciais não são independentes umas das outras elas se condicionam mutuamente costumam apoiarse sempre se sofre de apenas uma neurose não de várias que por acaso se encontraram em um indivíduo O doente a quem libertamos conforme seu pedido de um sintoma insuportável facilmente poderia fazer a experiência de que um sintoma até então leve se potencializa até atingir o insuportável Aliás quem quiser dissociar ao máximo o sucesso de suas condições sugestivas isto é condições de transferência fará bem em renunciar também aos resquícios de influência seletiva sobre o resultado terapêutico que são direito do médico Para o psicanalista os melhores pacientes são aqueles que exigem dele a saúde plena desde que ela seja possível colocando à sua disposição o tempo necessário ao processo de restabelecimento Evidentemente são poucos os casos que oferecem condições tão favoráveis O próximo ponto que deve ser decidido no início de um tratamento é o dinheiro os honorários do médico O analista não contesta que o dinheiro em primeira linha deva ser visto como meio de sustento de si próprio e de aquisição de poder mas ele afirma que há poderosos fatores sexuais que participam da apreciação do dinheiro Então ele poderá se apoiar no fato de que assuntos que envolvem dinheiro são tratados na cultura pelos homens de forma muito semelhante a como tratam coisas sexuais com as mesmas dubiedade pudicidade e hipocrisia Ou seja desde o início ele está decidido a não participar disso mas a tratar de questões financeiras diante do paciente com a mesma e óbvia honestidade para a qual ele quer educálo em relação à vida sexual Provalhe que ele próprio abdicou de uma falsa vergonha informandolhe sem ser perguntado como ele avalia o seu tempo A sabedoria humana impõe então que não se deixem acumular grandes 94 quantias mas que se estipule o pagamento em períodos de tempo mais curtos e regulares por exemplo mensalmente Como se sabe não melhoramos a apreciação do tratamento por parte do paciente se cobrarmos muito pouco Essa não é como sabemos a práxis comum do neurologista ou do internista na nossa sociedade europeia Mas o psicanalista pode se colocar na mesma situação do cirurgião que é sincero e cobra caro pois ele dispõe de tratamentos que podem ajudar Creio ser mais digno e eticamente mais inquestionável professar suas verdadeiras metas e necessidades do que como ainda hoje é usual entre médicos mostrarse um altruísta filantropo cuja situação não lhe condiz e intimamente se irritar com a falta de consideração e a necessidade de exploração por parte do paciente ou ainda vociferar quanto a isso Pelo seu direito a pagamento o analista ainda saberá fazer valer o argumento de que mesmo com trabalho pesado ele nunca receberá tanto quanto outros médicos especialistas Pelos mesmos motivos ele pode recusar o tratamento não remunerado não fazendo exceções para colegas ou parentes Essa última exigência parece contrariar o coleguismo médico mas lembrese de que um tratamento grátis significa muito mais para um psicanalista do que para qualquer outro que é a subtração de uma significativa fração de seu tempo de trabalho remunerado uma oitava uma sétima parte e assemelhados ao longo de vários meses Um segundo tratamento grátis concomitante já lhe rouba um quarto ou um terço de sua capacidade de remuneração o que seria equiparável ao efeito de um grave acidente traumático Perguntamos então se a vantagem para o paciente compensa de alguma forma o sacrifício do médico Eu certamente tenho direito de emitir um juízo a respeito pois durante cerca de 10 anos dediquei uma às vezes duas horas diárias a tratamentos gratuitos porque para fins de orientação na neurose eu queria trabalhar com o mínimo de resistência possível Nesse contexto não encontrei as vantagens que procurava Algumas das resistências dos neuróticos aumentam enormemente no tratamento gratuito assim como na mulher jovem aumenta a tentação contida na relação transferencial e no homem jovem a resistência contra a obrigação à gratidão oriunda do complexo paterno que faz parte das mais resistentes dificuldades no auxílio médico A ausência da regulação que se dá a partir do pagamento ao médico se faz presente de uma forma muito desconcertante a relação distanciase do mundo real é tirado do paciente um bom motivo para se empenhar pelo fim 95 do tratamento Podese estar bem distante da condenação ascética do dinheiro e mesmo assim lamentar que a terapia analítica fique quase inacessível aos pobres por motivos tanto externos quanto internos Há pouco a se fazer contra essa situação Talvez esteja certa a afirmação muito disseminada de que sucumbe menos à neurose aquele que é forçado ao trabalho árduo dadas as necessidades da vida Mas indiscutivelmente há também a outra experiência de que se o pobre chega a desenvolver uma neurose só deixa que a tirem dele com muita dificuldade Ela lhe presta serviços bons demais na luta pela autoafirmação o lucro secundário da doença que ela lhe traz é muitíssimo significativo A piedade que as pessoas não mostraram em relação à sua necessidade material ele agora reivindica sob o título de sua neurose e pode assim libertarse ele mesmo da exigência de combater sua pobreza com trabalho Aquele que combate a neurose de um pobre com os meios da psicoterapia portanto geralmente fará a experiência de que nesse caso na verdade exigese dele uma terapia prática de um tipo completamente diferente tal como a utilizada pelo imperador José II segundo a lenda que corre entre nós É claro que ocasionalmente encontramos pessoas de valor e desamparadas sem terem sido elas as culpadas por isso nas quais o tratamento gratuito não encontra os obstáculos mencionados acima atingindo bons resultados Para a classe média o investimento financeiro necessário à Psicanálise é excessivo apenas na aparência Isso sem falar que a saúde e a capacidade produtiva por um lado e um investimento moderado por outro são de resto incomensuráveis se somarmos os gastos intermináveis em sanatórios e no tratamento médico contrapondoos ao aumento da capacidade produtiva e de trabalho após um tratamento encerrado com sucesso podemos dizer que os doentes fizeram um bom negócio Não há nada mais caro na vida do que a doença e a estupidez Antes de encerrar estas observações sobre o início do tratamento analítico cabe ainda uma palavra acerca de um certo cerimonial da situação na qual é conduzido o tratamento Mantenho o conselho de deixar que o paciente se deite em um divã Ruhebettxvi enquanto nós nos acomodamos atrás dele sem que ele nos veja Esse dispositivo tem um sentido histórico ele é um resquício do tratamento hipnótico a partir do qual se desenvolveu a 96 Psicanálise Mas por vários motivos merece ser mantido Em primeiro lugar por um motivo pessoal mas que outros possivelmente compartilharão comigo Não suporto ser observado fixamente por outras pessoas durante oito ou mais horas por dia Já que enquanto escuto entregome ao decurso de meus pensamentos inconscientes não quero que as minhas feições forneçam aos pacientes material para interpretações ou que os influenciem em suas comunicações O paciente geralmente entende a situação que lhe é imposta como privação resistindo a ela especialmente quando a pulsão de olhar Schautrieb o voyeurismo tiver um papel importante na sua neurose Mas me mantenho irredutível quanto a essa medida que tem a intenção e o efeito de prevenir a mistura imperceptível da transferência com aquilo que ocorre ao paciente de isolar a transferência e no tempo certo deixála aflorar como resistência descrita de forma clara e precisa Sei que muitos analistas agem de outro modo mas não sei se é a ânsia de fazer diferente ou se é uma vantagem que encontraram ao agirem assim que tem maior participação nesse desvio Tendo então estabelecido as condições do tratamento dessa forma surge a questão em que ponto e com que material devese iniciar o tratamento2 Em geral o material com que começamos o tratamento é indiferente seja ele a história de vida seja a história da doença ou lembranças da infância do paciente Mas em todo caso deixamos que o paciente conte e deixamos a cargo dele a escolha do ponto inicial Dizemos a ele portanto antes que eu possa lhe dizer algo preciso ter muitas informações a seu respeito por favor me informe o que sabe sobre si próprio Fazemos uma exceção apenas para a regra fundamental da técnica psicanalítica a ser observada pelo paciente Apresentamos a ele esta regra desde o início Mais um detalhe antes de começar A sua narrativa deve diferenciarse em um ponto de uma conversa comum Enquanto normalmente e com razão procuraria achar o fio da meada no contexto geral da sua narrativa rechaçando todas as ocorrências e pensamentos adjacentes para não se perder em digressões proceda de outro modo aqui Você observará que lhe ocorrerão vários pensamentos que você quer rechaçar com certas restrições críticas Você ficará tentado a dizer a si próprio isto ou aquilo não vem ao caso ou é absolutamente sem importância ou não faz sentido e por isso não precisa ser dito Nunca ceda a essa crítica digao mesmo assim justamente 97 porque você sente uma rejeição diante disso A razão dessa prescrição na verdade a única que você deverá seguir você conhecerá mais tarde e aprenderá a entendêla Portanto diga tudo o que lhe passa pela mente Comportese por exemplo como um viajante sentado à janela do trem que descreve para quem está dela mais afastado do lado de dentro como a paisagem vai mudando diante de seus olhos E por fim nunca se esqueça de que você prometeu sinceridade plena e nunca passe por cima de algum fato só porque por algum motivo essa informação lhe é desagradávelxvii Pacientes que consideram que seu estado de doença iniciou num determinado momento geralmente se concentram na causa da doença outros que não ignoram a relação de sua neurose com a própria infância frequentemente começam com a apresentação de toda a sua história de vida Não espere em hipótese alguma uma narrativa sistemática e nada faça para estimulála Cada pedacinho da história depois terá de ser contado de novo e só nessas repetições surgirão os acréscimos que revelarão os contextos relevantes desconhecidos do paciente Há pacientes que desde as primeiras sessões se preparam com esmero para a narrativa aparentemente para garantir o melhor aproveitamento do tempo de tratamento Aquilo que vem travestido de empenho na verdade é resistência Desaconselhe tais preparações que servem apenas de proteção contra o surgimento de ocorrências indesejadasxviii Por maior que seja a sinceridade com que o paciente acredite em sua intenção louvável não há escapatória a resistência cobrará o seu quinhão no tipo de preparação intencional e mostrará o seu poder fazendo com que o material mais precioso escape de ser comunicado Logo se perceberá que o paciente ainda irá inventar outros métodos para omitir do tratamento aquilo que dele se exige Por exemplo irá conversar diariamente com um amigo íntimo sobre o tratamento inserindo nessa conversa todos os pensamentos que deveriam aflorar na presença do médico O tratamento então terá sofrido um vazamento pelo qual escoa justamente o melhor de tudo Sendo assim logo chegará o momento de aconselhar ao paciente que encare o seu tratamento analítico como um assunto que diz respeito apenas ao seu médico e a ele próprio excluindo todas as outras pessoas por mais próximas ou curiosas que sejam sobre o assunto Em estágios posteriores do tratamento geralmente o paciente acaba não sucumbindo mais a essas tentações 98 Doentes que queiram manter em sigilo o tratamento muitas vezes porque também mantiveram em segredo a sua neurose não terão nenhum obstáculo de minha parte a esse respeito Evidentemente é inadmissível que devido a essa reserva alguns dos melhores resultados na cura tornemse sem efeito no convívio com os outros A opção dos pacientes pelo sigilo obviamente já evidencia um traço de sua história secreta Se desde o início incutirmos no paciente a orientação de que ao longo do tratamento ele informe o menor número de pessoas possível a respeito nós o protegeremos até certo ponto de muitas influências hostis que tentarão afastálo da análise Tais influências podem se tornar prejudiciais no início do tratamento Mais adiante elas geralmente são inócuas ou até mesmo úteis para trazer à tona resistências que querem permanecer ocultas Se durante o tratamento analítico o paciente transitoriamente precisar de outra terapia de ordem clínica geral ou especializada será muito mais adequado recorrer a um colega não analista do que prestar esse tipo de ajuda por conta própria Tratamentos combinados originados por males neuróticos com forte característica orgânica geralmente são inexequíveis Os pacientes têm sua atenção desviada do tratamento assim que lhes mostramos mais de um caminho em direção à cura É preferível transferir o tratamento orgânico para depois do fim do tratamento psíquico se começássemos pelo último na maioria das vezes este não teria sucesso Voltemos ao início do tratamento Ocasionalmente iremos nos deparar com pacientes que começam o tratamento garantindo em postura de rejeição que não lhe vem à cabeça nada que possam contar apesar de estar diante deles toda a área da história de vida e da doença intocadas Não ceda ao pedido deles de indicar sobre o que devem falar nem nessa primeira vez nem nas outras vezes Tenha em mente o problema a ser enfrentado nesses casos Há uma forte resistência no primeiro plano buscando defender a neurose aceite imediatamente esse desafio e enfrenteo A garantia repetida de forma enérgica de que não há essa ausência de ocorrências no início e que se trata de uma resistência ao tratamento logo levará o paciente a fazer as confissões de que suspeitávamos ou revelará uma primeira parte de seus complexos É grave ele ter de confessar que ao ouvir a regra básica decidiu se reservar o direito de manter para si isto ou aquilo Menos mal se ele precisar comunicar apenas qual a desconfiança que ele tem diante da análise ou que tipo de coisas assustadoras ouviu a respeito Se ele negar essa e outras alternativas 99 que lhe apresentamos por meio da insistência poderemos forçálo à confissão de que deixou de lado certos pensamentos que o intrigam Ele pensou no próprio tratamento ou então não pensou em nada específico ou ainda se deteve na imagem da sala em que se encontra ou se vê instado a pensar nos objetos presentes na sala em que está ou pensa no fato de estar no divã sendo que isso tudo foi substituído pela palavra nada Essas alusões são compreensíveis claro tudo o que se associa à situação presente corresponde a uma transferência para o médico que se revela apropriada para uma resistência Dessa forma vemonos obrigados a começar com o desvendamento dessa transferência a partir dela será rápido encontrarmos o caminho até a entrada do material patogênico do doente Mulheres que de acordo com a sua história de vida estão em alerta para uma agressão sexual e homens com intenso recalcamento de sua homossexualidade são os mais propensos a apresentar no início da análise uma tal recusa daquilo que lhes ocorre Assim como a primeira resistência também os primeiros sintomas ou os primeiros atos casuais dos pacientes podem demandar um interesse especial denunciando um complexo que domina a sua neurose Um jovem filósofo espirituoso com posições estéticas refinadas irá se apressar em acertar a dobra da calça antes de se deitar no divã na primeira sessão ele revela ser um antigo coprófilo de alto requinte como era de se esperar para o futuro esteta Na mesma situação uma jovem apressadamente puxa a bainha de sua saia para encobrir o tornozelo à mostra com isso revelou o melhor daquilo que mais tarde a análise posterior demonstrará ou seja o seu orgulho narcísico da beleza de seu corpo e suas tendências ao exibicionismo Um grande número de pacientes é reticente em relação à posição que lhes é sugerida enquanto o médico está sentado atrás deles sem ser visto e pedem permissão para fazer o tratamento em outra posição em geral porque não querem prescindir de olhar para o médico Em geral essa permissão não lhes é dada mas não podemos impedilos de lograr dizer algumas frases antes do início da sessão ou após o anúncio do seu término quando se levantam Assim eles dividem o tratamento em um segmento oficial durante o qual geralmente se comportam de modo muito acanhado e em um segmento aconchegante em que podem realmente falar livremente e em que comunicam muitas coisas que eles próprios não consideram parte do tratamento O médico não tolera essa divisão por muito tempo ele aponta o 100 que foi dito antes ou após a sessão e a partir da utilização desse material na próxima oportunidade ele acaba por derrubar o muro de separação que o paciente pretendia erguer O mesmo muro por sua vez é feito do material de uma resistência transferencial Enquanto as informações e o que ocorre ao paciente se derem sem interrupções deixe o tema da transferência intocado Devese esperar com esse procedimento que é dos mais sensíveis até que a transferência tenha se transformado em resistência A questão seguinte que se nos apresenta é uma questão de princípios É a seguinte quando devemos começar com as comunicações ao analisando Quando é chegado o momento de desvendar para ele o significado secreto de suas ideias espontâneas Einfälle de introduzilo nos pressupostos e nos procedimentos técnicos da análise A resposta a essa pergunta só pode ser uma não antes de ter se instalado no paciente uma transferência produtiva um rapport razoável O primeiro objetivo do tratamento permanece o de atrelálo à terapia e à pessoa do médico Nada mais precisa ser feito além de lhe dar tempo Se demonstrarmos interesse genuíno afastarmos cuidadosamente resistências que surgiram inicialmente e evitarmos certos erros de conduta o próprio paciente irá estabelecer esses laços associando o médico a uma das imagos daquelas pessoas das quais estava acostumado a receber carinho No entanto podemos desperdiçar esse primeiro sucesso se desde o início adotarmos um ponto de vista diferente da empatia por exemplo uma postura moralizante ou se nos portarmos como representantes ou mandatários de uma parte interessada do cônjuge etc Evidentemente essa resposta inclui a condenação de um procedimento que pretendia informar ao paciente as traduções de seus sintomas assim que nós próprios os tenhamos inferido ou mesmo vislumbrado ali um triunfo especial em jogar na cara dele essas soluções na primeira sessão Para um analista com alguma prática não será difícil detectar claramente os desejos retidos de um paciente já a partir de suas queixas do relato de sua doença mas qual não será o grau de autossatisfação e de falta de reflexão para revelar a um estranho totalmente alheio aos pressupostos analíticos e após um breve contato inicial que ele tem uma forma incestuosa de dependência da mãe que tem desejos de morte em relação à sua esposa supostamente amada por ele e que tem a intenção de trair o seu chefe ou coisas parecidas Ouvi dizer 101 que há analistas que se arvoram em fazer tais diagnósticos imediatos e tratamentos rápidos mas eu só posso alertar a todos dizendo que não sigam tais exemplos Com isso você e o seu ofício cairão em descrédito e suscitarão as mais fortes resistências quer você tenha acertado ou errado o diagnóstico na verdade a resistência será tão mais forte quanto mais correto tiver sido o diagnóstico O efeito terapêutico geralmente então será próximo a zero num primeiro momento mas a repulsa diante da análise será definitiva Mesmo em estágios mais avançados do tratamento devemos ter o cuidado de não comunicarmos uma solução de sintomas e uma tradução de desejos antes que o paciente esteja quase lá de modo que ele precisará apenas dar um pequeno passo para se apoderar ele mesmo dessa solução Nos meus primeiros anos de trabalho muitas vezes tive a oportunidade de perceber que a informação precoce de uma solução de tratamento provocava o seu fim precoce tanto devido às resistências tão repentinamente avivadas quanto devido ao alívio proporcionado pela solução Aqui podese fazer a seguinte interpelação mas será tarefa nossa prolongar o tratamento Não seria ela a de terminálo o mais rápido possível Será que o paciente não sofrerá devido ao seu não conhecimento e à sua não compreensão e não seria nosso dever tornálo ciente assim que possível ou seja assim que o médico estiver ciente A resposta a essa pergunta demanda um breve excurso sobre a importância do saber e sobre o mecanismo da cura na Psicanálise Nos primórdios da técnica analítica de fato numa postura intelectualista de pensamento tínhamos em alta conta o saber do doente acerca daquilo que ele esquecera mal distinguindo entre o nosso saber e o dele Considerávamos um caso de grande sorte quando conseguíamos obter de outra fonte informações sobre um trauma de infância esquecido por exemplo informações obtidas a partir dos pais dos cuidadores ou do próprio sedutor como era possível em alguns casos e nos apressávamos em levar ao doente o conhecimento e as comprovações de sua veracidade na expectativa segura de estarmos levando a neurose e o tratamento a uma rápida conclusão Foi uma grande decepção quando o sucesso esperado não se deu Como era possível o doente que agora sabia de sua vivência traumática comportarse como se soubesse a mesma coisa que antes Nem mesmo a lembrança do trauma recalcado aparecia em decorrência da sua comunicação e da descrição Em um determinado caso a mãe de uma menina histérica me contou em 102 segredo a vivência homossexual que tinha forte influência sobre a fixação das crises da menina A própria mãe havia flagrado a cena mas a paciente a havia esquecido completamente apesar de já estar na prépuberdade havia alguns anos Então tive a oportunidade de fazer uma experiência muito profícua em termos de ensinamento Toda vez que eu repetia a narrativa da mãe diante da menina ela reagia com um ataque histérico e depois disso a comunicação era esquecida Não havia dúvida de que a doente apresentava uma resistência violenta contra um saber que lhe era impingido por fim ela simulava imbecilidade Schwachsinn e perda total de memória para se proteger de minhas informações Então tivemos de decidir que iríamos retirar do saber em si a importância a ele atribuída enfatizando as resistências que naquele momento tinham causado o desconhecimento e agora ainda estavam dispostas a defendêlo O saber consciente porém era impotente diante dessas resistências mesmo quando não era novamente rechaçado O comportamento estranho dos doentes que conseguem juntar um saber consciente com o desconhecimento permanece inexplicável pela chamada Psicologia Normal Normalpsychologie Para a Psicanálise ele não oferece dificuldades devido ao seu reconhecimento do inconsciente o fenômeno descrito porém é um dos melhores subsídios para uma concepção que se aproxima dos processos psíquicos topicamente diferenciados Os pacientes então sabem da sua vivência recalcada em seus pensamentos mas falta a estes a ligação com aquele ponto em que a lembrança recalcada está contida de alguma forma Uma mudança só poderá ocorrer quando o processo do pensamento consciente Denkprozess avançou até esse ponto e lá superou as resistências de recalque Verdrängungswiderstände É como se no Ministério da Justiça tivesse sido anunciada uma portaria pela qual crimes cometidos por jovens devessem ser julgados de forma mais branda Enquanto essa portaria não chegasse ao conhecimento das varas regionais ou no caso de os juízes regionais não terem a intenção de acatar essa portaria praticando a jurisprudência de mão própria nada poderá ser mudado no tratamento de cada um dos delinquentes juvenis À guisa de correção ainda acrescentamos que a comunicação Mitteilung consciente do material recalcado ao paciente não ficará sem efeito Ela não expressará o efeito desejado de colocar um fim nos sintomas mas terá outras consequências Num primeiro momento irá suscitar resistências e depois quando estas tiverem sido superadas motivará um processo de pensamento em cujo percurso finalmente se estabelece o 103 influenciamento esperado da lembrança inconsciente Agora é chegado o momento de traçarmos um panorama do jogo de forças que colocamos em movimento a partir do tratamento O motor mais direto da terapia é o sofrimento do paciente e seu desejo de cura daí decorrente Do tamanho dessa força motriz será descontada muita coisa que virá a ser revelada apenas ao longo da análise principalmente o benefício secundário da doença mas a própria força motriz precisa ser mantida até o fim do tratamento cada melhora provoca uma diminuição deste Mas por si só é incapaz de eliminar a doença faltandolhe duas coisas para isso ela não conhece os caminhos que precisam ser trilhados para esse fim e ela não consegue produzir as quantias necessárias de energia contra as resistências Contra as duas falhas há solução através do tratamento analítico Ele fornece as grandezas de afeto Affektgrößen necessárias para superar as resistências através da mobilização das energias que estão a postos para a transferência por meio das informações no tempo certo ele mostra ao doente os caminhos para os quais ele deve direcionar essas energias Só a transferência muitas vezes pode eliminar os sintomas do sofrimento mas de forma provisória enquanto ela própria subsistir Isso então será um tratamento por meio de sugestão Suggestivbehandlung e não Psicanálise O tratamento só merecerá esse último nome se a transferência tiver utilizado a sua intensidade para superar as resistências Só nesse caso o estar doente tornase impossível mesmo se a transferência foi dissolvida tal como a sua determinação o exige Ao longo do tratamento ainda será avivado outro momento que é o interesse intelectual e a compreensão do doente Mas isso é praticamente irrelevante diante das outras forças que se digladiam o interesse e a compreensão são constantemente ameaçados pela desvalorização em decorrência do turvamento do juízo oriundo das resistências Dessa forma a transferência e a instrução através da comunicação são entendidas como as novas fontes de força que o doente deve ao analista Mas ele só utiliza a instrução na medida em que é levado a ela pela transferência por isso a primeira comunicação deverá esperar até que se tenha produzido uma transferência forte acrescentando que também se espere toda aquela posterior até que se tenha eliminado o incômodo da transferência por meio das resistências transferenciais que vão surgindo uma após a outra 104 xiv Über Psychotherapie Sobre Psicoterapia 1905 Gesammelte Werke v V neste volume p 7173 NE xv Em relação ao tema dessa incerteza no diagnóstico quanto às chances da análise em formas leves de parafrenia e à justificativa da semelhança de ambas as afecções haveria muito a se dizer mas que não posso pormenorizar neste contexto Adoraria contrapor segundo o processo de Jung a histeria e a neurose obsessiva enquanto neuroses de transferência às afecções parafrênicas enquanto neuroses de introversão se com esse uso o conceito da introversão da libido não fosse apartado de seu único sentido justificado xvi Literalmente leitocama de descanso NR xvii Sobre as experiências com a regra fundamental da Ψα abreviatura usada para designar a Psicanálise haveria muito a dizer Ocasionalmente encontramos pessoas que se comportam como se elas próprias tivessem se autoimposto tal regra Outras pecam contra ela desde o início Sua comunicação é imprescindível nos primeiros estágios do tratamento e também é útil mais tarde quando sob o domínio das resistências a obediência a ela fracassa e para todos em algum momento chega a hora de superála Precisamos nos lembrar a partir de nossa autoanálise de como é irresistível a tentação de cedermos àquelas intervenções críticas para refrear as ocorrências Podemos nos convencer regularmente da baixa eficácia desses contratos tais como os fechamos com o paciente através do estabelecimento da regra básica Ψα quando pela primeira vez algo íntimo sobre terceiros aflora na comunicação O paciente sabe que deve dizer tudo mas ele transforma a discrição diante de outros em uma nova resistência Devo mesmo dizer tudo Eu achava que isso valia apenas para coisas que só dizem respeito a mim mesmo Evidentemente é impossível proceder a um tratamento analítico em que as relações do paciente com outras pessoas e seus pensamentos sobre elas são excluídos da comunicação Pour faire une omelette il faut casser des œufs Para fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos Uma pessoa decente esquece de bom grado o que não lhe parece digno de conhecimento sobre tais segredos envolvendo outras pessoas Também não podemos prescindir da comunicação de nomes do contrário as narrativas do paciente terão um quê de obscuridade como nas cenas de A filha natural de Goethe e não se fixam na memória do médico a supressão dos nomes também impede o acesso a uma série de relações importantes Podese no entanto deixar os nomes reservados para mais tarde quando o analisando estiver mais familiarizado com o médico e o procedimento É muito curioso que a tarefa toda se torne insolúvel assim que se tenha permitido a postura reservada em um único momento Mas pense no seguinte se existisse aqui um direito de asilo em um único lugar da cidade por exemplo quanto tempo levaria até que toda a gentalha Gesindel da cidade se reunisse nesse único lugar Certa vez tratei de um funcionário que devido ao seu juramento profissional era obrigado a omitir certas coisas tratadas como segredos de Estado não podendo informálas de modo que fracassei no tratamento devido a essa limitação O tratamento psicanalítico precisa estar acima de todas as restrições porque a neurose e suas resistências não levam nada disso em consideração xviii Exceções só são toleradas para dados como relações de parentesco Familientafel estadias em determinados locais cirurgias e assemelhados 105 Zur Einleitung der Behandlung 1913 Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse I 1913 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 1 n 1 p 110 e n 2 p 139 146 1918 Sammlung kleiner Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 412440 1924 Gesammelte Schriften tVI p 84108 1943 Gesammelte Werke t VIII p 454478 O presente trabalho foi publicado em dois artigos separados nos dois primeiros números da recém criada Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse em 1913 O segundo artigo acrescentava ao presente título o seguinte complemento Die Frage der ersten Mitteilungen Die Dynamik der Heilung A questão das primeiras comunicações a dinâmica da cura Esse acréscimo pode ser visto como uma descrição das duas seções que por sua vez compõem o segundo artigo As edições alemãs adotaram desde 1924 o título curto também empregado aqui e unificaram as duas partes em um texto sem subdivisões aparentes A situação deste artigo no conjunto da obra de Freud é complexa Por um lado conforme nota de rodapé da primeira edição ele prolonga e encerra uma série de artigos publicados no periódico Zentralblatt für Psychoanalyse intitulados Manejo da interpretação dos sonhos Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico e Sobre a dinâmica da transferência Por outro lado inaugura uma nova série chamada Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise composta ainda por Lembrar repetir e perlaborar e Observações sobre o amor transferencial Nesse sentido funciona como uma báscula ao mesmo tempo que finaliza uma série inaugura outra Vale a pena lembrar que a palavra central do título Einleitung tem o sentido de início mas que o verbo einleiten tem também o sentido de colocar em movimento numa determinada direção o que é precisamente uma das principais questões de Freud no texto O presente artigo permanece sendo a principal referência acerca do início do tratamento Sua repercussão na história da Psicanálise é onipresente A referência à empatia Einfühlung foi aprofundada anos depois por Ferenczi em sua proposição de uma necessária elasticidade da técnica psicanalítica sobretudo na condução das análises de casos mais difíceis A leitura lacaniana costuma frisar a importância da entrada em análise e a relevância das entrevistas preliminares FERENCZI S Elasticidade da técnica In Psicanálise IV São Paulo Martins Fontes 1992 1928 p 2536 NOTAS 1 Expressão advinda do título de um poema de Schiller Das Mädchen aus der Fremde NR 2 Originalmente este artigo foi publicado em dois números subsequentes da revista Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse A primeira e a segunda parte se separavam neste ponto preciso NE 106 LEMBRAR REPETIR E PERLABORAR 19141 Não me parece supérfluo advertir constantemente os aprendizes das transformações profundas que a técnica psicanalítica sofreu desde os seus primórdios Primeiro na fase da catarse de Breuer o foco se dava sobre o momento da formação dos sintomas e havia o esforço consequente em deixar reproduzir os processos psíquicos daquela situação para depois conduzilos a um decurso2 Ablauf através da atividade consciente Naquela época lembrar e abreagir eram os objetivos a serem atingidos por meio do estado hipnótico Depois após a renúncia à hipnose tornavase premente a tarefa de inferir a partir das ocorrências Einfälle3 livres do analisando aquilo que ele não conseguia lembrar Através do trabalho de interpretação e da comunicação de seus resultados ao paciente objetivavase contornar a resistência mantevese o foco sobre a preparação para as situações da formação de sintomas e daqueles outros que surgiram por trás do momento do adoecimento a abreação ficou em segundo plano e parecia substituída pelo dispêndio de trabalho que o analisando tinha de fazer para a superação da crítica contra as suas ocorrências seguindo a regra fundamental da ψα4 superação esta que lhe era imputada Por fim constituiuse a técnica atual coerente em que o médico abdica do estabelecimento de um determinado momento ou problema e se contenta em estudar a superfície psíquica do analisando usando a arte da interpretação basicamente para reconhecer as resistências que surgem ali e para tornálas conscientes para o paciente Instalase então um novo tipo de divisão de trabalho o médico revela as resistências que eram desconhecidas do paciente sendo estas dominadas muitas vezes o paciente narra sem qualquer esforço as situações esquecidas e os contextos esquecidos O objetivo dessas técnicas naturalmente permaneceu inalterado De forma descritiva o preenchimento das lacunas da lembrança Erinnerung de forma dinâmica a superação das resistências de 107 recalque Verdrängungswiderstände Precisamos continuar gratos à antiga técnica hipnótica pois ela nos apresentou alguns processos psíquicos específicos da análise de forma isolada e esquemática Só assim conseguimos ter coragem de criar nós mesmos situações complicadas no tratamento Kur analítico e mantêlas transparentes O lembrar então configuravase de modo muito simples naqueles tratamentos hipnóticos O paciente transportavase para uma situação anterior que ele parecia nunca confundir com a situação presente informava os processos psíquicos delas até onde haviam permanecido normais e acrescentava o que poderia resultar da transformação dos processos então inconscientes para conscientes Acrescento aqui algumas observações para as quais todo analista encontrará confirmações a partir de sua experiência O esquecimento de impressões cenas e vivências geralmente se reduz a um bloqueio delas Quando o paciente fala desse esquecido raramente ele deixa de acrescentar a seguinte afirmação Na verdade eu sempre soube disso mas não pensava nisso Não raro ele expressa a sua decepção quanto ao fato de que não lhe ocorrem coisas suficientes que ele possa reconhecer como esquecidas nas quais ele nunca mais pensou desde que aconteceram Mas também esse anseio é satisfeito especificamente nas histerias de conversão O esquecer sofre uma nova limitação através do reconhecimento das lembranças encobridoras Deckerinnerungen geralmente presentes Em alguns casos tive a impressão de que a conhecida amnésia da infância tão importante para nós do ponto de vista teórico é totalmente compensada pelas lembranças encobridoras Nelas não apenas se perpetuou muito do essencial da vida da infância mas sim tudo o que é essencial Precisamos apenas saber delas extraílo através da análise Elas representam os anos de infância esquecidos tão bem quanto o conteúdo manifesto do sonho representa os pensamentos do sonho O outro grupo de processos psíquicos que podem ser contrapostos às impressões e às vivências como atos exclusivamente interiores fantasias processos de relações moções de sentimentos conexões precisa ser observado em separado na sua relação com o esquecer e o lembrar Aqui acontece com bastante frequência que se lembre algo que nunca poderia ter sido esquecido porque não foi percebido em nenhum momento nunca 108 esteve consciente e além disso parece ser totalmente indiferente para o percurso psíquico se tal conexão foi consciente e depois esquecida ou se nunca chegou à consciência A convicção que o paciente adquire ao longo da análise é totalmente independente de tal lembrança Especialmente nas variadas formas da neurose obsessiva o esquecido geralmente se limita à dissolução de nexos ao não reconhecimento de sequências e ao isolamento de lembranças Para um tipo especial de vivências extremamente importantes que fazem parte dos primórdios da infância e que à sua época foram vividas sem compreensão mas que a posteriori nachträglich encontraram compreensão e interpretação geralmente não se consegue evocar uma lembrança Chegamos ao seu conhecimento através de sonhos e pelos motivos mais prementes da engrenagem da neurose somos forçados a acreditar nela e também podemos nos convencer de que o analisando após a superação de suas resistências não utilizará a ausência da sensação de lembrança sensação de familiaridade contra a sua aceitação Enfim esse objeto requer tanto cuidado crítico e traz tanta coisa nova e estranha que eu me reservo o direito de tratálo em separado a partir de material adequado Mas ao colocar essa nova técnica em prática sobra muito pouco às vezes nada daquele decurso que felizmente não tem obstáculos Também aqui há casos que se comportam em parte como na técnica hipnótica e que só mais tarde fracassam mas outros casos se comportam de forma diferente desde o início Mas se tivermos em mente o último tipo no intuito de marcarmos a diferença podemos dizer que o analisando não se lembra de mais nada do que foi esquecido e recalcado mas ele atua5 com aquilo Ele não o reproduz como lembrança mas como ato ele repete sem obviamente saber que o repete Por exemplo o analisando não conta que lembra ter sido rebelde e incrédulo diante da autoridade dos pais mas se comporta dessa forma diante do médico Ele não lembra que em sua pesquisa sexual infantil ficou perplexo atônito e desamparado mas apresenta uma série de sonhos e ocorrências confusos reclama de que nada dá certo para ele e mostra como sendo o seu destino nunca terminar uma empreitada Ele não lembra que se envergonhou intensamente por certas atividades sexuais e que temia ser descoberto mas mostra que tem vergonha do tratamento ao qual se submeteu 109 agora buscando ocultálo de todos Principalmente ele começa o tratamento com tal repetição Frequentemente quando se informa a regra psicanalítica fundamental a um paciente com uma história de vida repleta de alternâncias e um longo histórico da doença e se convida o paciente a dizer o que lhe ocorre esperando que suas informações brotem em torrente temos a experiência inicial de que ele não tem nada a dizer Ele se cala e afirma que nada lhe vem à mente É evidente que isso nada mais é que a repetição de uma postura homossexual que se impõe como uma resistência contra todo tipo de lembrança Enquanto ele permanecer em tratamento ele não se libertará mais dessa obsessão da repetição enfim entendemos que esse é o seu modo de lembrar É claro que nos interessa em primeira linha a relação dessa obsessão da repetição com a transferência e com a resistência Logo percebemos que a resistência ela própria é apenas uma parcela de repetição e que a repetição é a transferência do passado esquecido não apenas para o médico mas também para todos os outros aspectos da situação presente Portanto precisamos estar preparados para o fato de que o analisando se entrega à obsessão da repetição que agora substitui o impulso para a lembrança não apenas na relação pessoal com o médico mas também em todas as outras atividades e relações simultâneas da sua vida por exemplo quando durante um tratamento Kur ele escolhe um objeto de amor assume uma tarefa inicia uma empreitada Também a parte da resistência é fácil de reconhecer Quanto maior for a resistência de forma mais frequente o lembrar será substituído pelo atuar agieren repetir Isso pois o lembrar ideal do esquecido durante a hipnose corresponde a um estado em que a resistência é totalmente posta de lado Se o tratamento começar sob os auspícios de uma transferência suave e positiva sem que o seja de forma expressa ele inicialmente permite um aprofundamento na lembrança como na hipnose enquanto até mesmo os sintomas da doença se calam mas se no decorrer do tratamento essa transferência se tornar hostil ou excessivamente forte e por isso passível de recalque imediatamente o lembrar dá lugar ao atuar A partir daí então são as resistências que irão definir a sequência daquilo a ser repetido É no arsenal do passado que o doente busca as armas com as quais se defende da continuidade do tratamento e que precisamos tirar dele peça por peça Ouvimos então que o analisando repete em vez de lembrar ele repete sob 110 as condições da resistência agora podemos perguntar o que de fato ele repete ou atua A resposta diz que ele repete tudo que já se impôs a partir das fontes do seu recalcado em sua essência evidente suas inibições e posições inviáveis seus traços de caráter patológicos Pois ele também repete todos os seus sintomas durante o tratamento E agora podemos perceber que com o destaque da compulsão para a repetição Zwang zur Wiederholung6 não ganhamos um fato novo mas apenas uma concepção mais coesa Então chegamos à conclusão de que o estar doente do analisando não pode terminar com o início da sua análise de que devemos tratar a sua doença não como um assunto histórico mas como uma potência atual Peça por peça desse estar doente será colocada agora no horizonte e no raio de influência do tratamento e enquanto o paciente vivenciar isso como algo real e atual entramos com o trabalho terapêutico que em boa parte consiste na recondução ao passado O fazer lembrar na hipnose deve ter causado a impressão de um experimento de laboratório O fazer repetir durante o tratamento analítico segundo a técnica mais recente significa invocar uma parcela de vida real e por isso não é inofensivo e sem problemas em todos os casos Entra aqui toda a questão da piora durante o tratamento muitas vezes incontornável Antes de tudo o início do tratamento leva o paciente a mudar a sua opinião consciente em relação à doença Usualmente ele se contentava em se queixar dela desprezála como bobagem subestimála em sua importância mas de resto continuava com o comportamento recalcante em relação às suas manifestações adotando a política de avestruz contra as origens da doença Pode ser então que ele não conheça devidamente as condições da sua fobia que não ouça o enunciado correto de suas ideias obsessivas ou que não entenda a verdadeira intenção do seu impulso obsessivo Isso certamente não ajuda no tratamento Ele precisa criar coragem para ocupar a sua atenção com as manifestações de sua doença A doença em si não pode mais ser algo desprezível para ele deve ser antes um adversário digno uma parte de sua essência que se apoia em bons motivos de onde se trata de buscar algo valioso para a sua vida futura Fazer as pazes com o recalcado que se expressa nos sintomas dessa forma será algo preparado desde o início mas também se calcula uma certa tolerância para com o estardoente Se porém agora através dessa nova relação com a doença os conflitos ficarem mais 111 acirrados e sintomas que antes ainda não eram nítidos aflorarem podemos consolar o paciente com facilidade se dissermos que se trata de pioras necessárias mas que são passageiras e que não se pode matar um inimigo que está ausente ou que não está perto o suficiente Mas a resistência pode explorar a situação de acordo com as suas intenções podendo querer fazer mau uso da permissão de estar doente Então ela parecerá demonstrar o seguinte olhe aqui e veja o que acontece quando eu realmente me deixar levar por essas coisas Eu não fiz bem em deixálas para o recalque Especialmente jovens e crianças costumam usar a condução para o estar doente necessária no tratamento para uma permanência prazerosa nos sintomas da doença Outros perigos surgem pelo fato de que no decurso do tratamento moções pulsionais novas mais profundas que ainda não tinham se imposto podem chegar à repetição Por fim as ações do paciente podem trazer consigo danos passageiros à sua vida fora da transferência ou podem até ser escolhidas de tal modo que desvalorizem constantemente a saúde a ser alcançada A tática a ser adotada pelo médico nessa situação é facilmente justificável Para ele o objetivo continua sendo o lembrar à moda antiga o reproduzir em âmbito psíquico objetivo ao qual ele se atém mesmo sabendo que com a nova técnica ele não poderá ser alcançado Ele se prepara para uma luta constante com o paciente para represar todos os impulsos no âmbito psíquico que ele quer levar ao âmbito motor comemorando como um triunfo do tratamento a resolução de algo através do trabalho de lembrar que o paciente quer descarregar através de uma ação Quando o vínculo se tornou útil de alguma forma através da transferência o tratamento conseguirá impedir o paciente de realizar todas as ações de repetição significativas utilizando essa intenção in statu nascendi como material para o trabalho terapêutico A melhor forma de proteger o paciente dos danos que decorreriam da execução de seus impulsos é quando acertamos com ele o compromisso de não tomar nenhuma decisão importante na vida enquanto durar o tratamento por exemplo que ele não escolha nenhuma profissão nenhum objeto definitivo de amor mas que para todos esses propósitos ele espere o momento da cura Genesung Nesse contexto muitas vezes gostamos de preservar aquela porção da liberdade pessoal do analisando que é compatível com esses cuidados nós 112 não o impedimos de colocar em prática certas intenções sem importância mesmo que estas sejam tolas e não esquecemos que o ser humano na verdade só aprende com os erros que comete e através da experiência própria Deve haver casos em que não conseguimos impedir a pessoa de se envolver em algum empreendimento completamente inadequado durante o tratamento casos que só depois serão acessíveis ao trabalho analítico e isso com muita dificuldade Ocasionalmente deve acontecer também de não se ter tempo de colocar as rédeas da transferência nas pulsões selvagens ou que o paciente em uma ação de repetição rompa o laço que o atrela ao tratamento Como exemplo extremo posso citar o caso de uma senhora de idade mais avançada que repetidas vezes abandonava a casa e o marido em estados confusionais fugindo para um lugar qualquer sem ter consciência do motivo de tal escapada Ela veio ao meu tratamento com uma transferência carinhosa bem formada aumentandoa de forma espantosamente rápida nos primeiros dias e ao fim de uma semana também escapou de mim antes que eu tivesse tempo de lhe dizer algo que pudesse impedila de incorrer nessa repetição Mas o principal recurso para conter a compulsão à repetição no paciente e reconfigurála num motivo para a lembrança encontrase no manejo da transferência Tornamos a compulsão inócua até mesmo útil na medida em que lhe damos o direito de se esbaldar em uma determinada área Abrimos a transferência para ela como sendo um parque de diversões onde ela tem autorização para se desenvolver com liberdade quase total e é instada a nos mostrar tudo que ficou escondido em termos de pulsões patológicas na vida anímica do paciente Se o paciente pelo menos tiver uma postura colaborativa na medida em que respeita as condições de existência do tratamento geralmente conseguiremos dar a todos os sintomas da doença um novo significado de transferência substituindo a sua neurose comum por uma neurose de transferência da qual ele pode ser curado pelo trabalho terapêutico A transferência cria assim uma zona intermediária entre a doença e a vida onde se dá a transição da primeira para a segunda O novo estado assumiu todas as características da doença mas representa uma doença artificial na qual podemos intervir em todo lugar Ao mesmo tempo é um pedaço da vivência real mas que é tornada possível através de condições especialmente favoráveis e que tem a natureza de algo provisório Partindo das reações de repetição que se mostram na transferência os 113 caminhos já conhecidos levam ao despertar das lembranças que se instalam quase que sem esforço após a superação das resistências Eu poderia encerrar aqui se o título deste artigo não me obrigasse a incluir nesta apresentação mais uma parte da técnica analítica A superação das resistências como se sabe é introduzida com o médico descobrindo a resistência até então desconhecida do analisando informando o paciente a respeito Ao que parece iniciantes na análise tendem a tomar essa introdução como já sendo todo o trabalho Muitas vezes fui chamado como consultor em casos nos quais o médico se queixava dizendo que apresentara ao doente a sua resistência mas nada tinha mudado a resistência a partir dali até aumentara e a situação toda tinha ficado ainda mais opaca Parecia que o tratamento empacara Essa expectativa sombria mais tarde sempre se revelou enganosa Em geral o tratamento estava no bom caminho o médico apenas tinha esquecido que a nomeação da resistência não pode ter como consequência o seu fim imediato Precisamos dar tempo ao paciente para que ele se aprofunde na resistência que até então lhe era desconhecida para perlaborála superála na medida em que ele a ela resistindo continua o trabalho de acordo com a regra analítica fundamental Só no ponto mais alto desse trabalho é que em conjunto com o analisando iremos descobrir as moções pulsionais recalcadas que alimentam as resistências e de cuja existência e poder o paciente se convencerá através dessa vivência O médico não tem mais nada a fazer aí senão esperar e aceitar um percurso que não pode ser evitado e que também nem sempre pode ser acelerado Se ele se ativer a essa percepção ele muitas vezes poupará a ilusão de ter fracassado apesar de ter seguido o tratamento na linha correta Essa perlaboração das resistências na prática pode se tornar uma tarefa difícil para o analisando e uma prova de paciência para o médico Mas é aquela parte do trabalho que terá a influência mais transformadora no paciente e que diferencia o tratamento analítico de todo influenciamento por sugestão Suggestionsbeeinflussung Do ponto de vista teórico pode ser comparado à abreação dos montantes de afeto Affektbeträge retidos pelo recalque sem o que o tratamento hipnótico não teria influência alguma 114 Erinnern Wiederholen und Durcharbeiten Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse II 1914 1914 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 2 n 6 p 485491 1918 Sammlung kleinen Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 441452 1925 Gesammelte Schriften t VI p 109119 1946 Gesammelte Werke t X p 126136 Este título tripartite fórmula tão cara às elaborações freudianas merece alguns esclarecimentos Dos três verbos que compõem o título o único que não coloca maiores dificuldades de tradução é o segundo repetir Wiederholen Quanto ao primeiro Freud emprega o verbo erinnern que significa lembrar recordar Apesar da relativa difusão de recordar o verbo mais usual que descreve melhor nossa experiência cotidiana e que é mais recorrente na prática clínica parece ser lembrar Ouvimos de nossos pacientes lembrei de uma coisa tenho uma lembrança vaga etc Além disso outro conceito igualmente consagrado pelo uso e central no presente artigo é formado a partir da mesma palavra Deckerinnerung ou lembrança encobridora Quanto ao terceiro termo tratase do que talvez ofereça maior dificuldade De fato o léxico relativo a arbeiten trabalhar laborar é particularmente rico Isso ocorre pela vasta gama de significados que um verbo alemão pode assumir conforme o prefixo anteposto Acrescido de prefixos como auf be durch mit um ver o verbo arbeiten descreve diferentes atividades psíquicas Freud empregou com valor conceitual pelo menos algumas delas em especial bearbeiten durcharbeiten e verarbeiten De fato como ressalta Luiz Hanns traduzir todos esses termos por elaborar implica uma perda de sentido irremediável que relega conotações e nuances importantes a segundo plano Embora esta coleção evite sempre que possível o uso de neologismos é bastante difícil encontrar na língua portuguesa um verbo que traduza especificamente o mecanismo ilustrado por Freud Durcharbeiten deriva do verbo arbeiten ou seja trabalhar laborar Quando esse verbo tem uma conotação transitiva direta ou seja quando o trabalho é realizado em algo ou em alguém há no alemão a possibilidade de matizálo com o prefixo be Nesse caso bearbeiten significaria algo próximo de elaborar Entretanto Freud usa aqui o prefixo durch muito próximo do through na língua inglesa Quer dizer há aqui a noção de um atravessamento que perfaz uma ação Além disso durcharbeiten designa uma ação que vai do início até o fim Logo assim como no português temos a relação entre fazer e perfazer correr e percorrer preferimos utilizar o prefixo per compondo o verbo perlaborar em consonância com a terminologia brasileira consagrada pela comunidade psicanalítica pelo menos desde a publicação entre nós do Vocabulário de psicanálise de Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis Conforme carta a Abraham de 29 de julho de 1914 datada portanto de um dia depois da eclosão da Primeira Grande Guerra Freud relata ter concluído a redação deste artigo Àquela altura ocorriam também algumas importantes guerras intestinas no movimento psicanalítico com as dissensões de Adler e de Jung o que levaria Freud ao esforço de sistematizar não apenas as diretrizes técnicas da Psicanálise mas também a especificidade dos conceitos fundamentais da metapsicologia tarefa a que se dedicaria em seguida Ainda no verão Freud acabara de publicar o texto sobre a História do movimento psicanalítico ao qual se referiria como a bomba carta a Abraham de 25 de junho de 1914 Pouco antes na primavera Jung havia renunciado para alívio dos discípulos mais fiéis à presidência da Associação Psicanalítica Internacional Podese ainda conjecturar que outra motivação para a construção do argumento deste importante ensaio adveio de dificuldades encontradas na condução do tratamento do caso conhecido como 115 Homem dos Lobos que despertara inquietações teóricas e esforços clínicos inéditos e que fora interrompido justamente por ocasião da deflagração da Primeira Grande Guerra ou seja simultaneamente à escrita do presente artigo O presente artigo foi publicado pela primeira vez no final daquele ano Nas versões publicadas posteriormente o subtítulo foi suprimido assim como ocorreu com os demais artigos que compõem essa série Ao que tudo indica tratase da primeira vez que Freud emprega o termo neurose de transferência Übertragungsneurose Outra ideia que se destaca nesse escrito é a de compulsão para a repetição Zwang zur Wiederholung que mais tarde encontrará sua expressão conceitual definitiva como compulsão à repetição Wiederholungszwang Uma variante dessa expressão havia sido formulada alguns anos antes na última página dos Três ensaios sobre a teoria sexual no tópico sobre a aderênciaadesividade Haftbarkeit das impressões sexuais que nos neuróticos produziriam uma repetição compulsiva zwangartig auf Wiederholung Nesse sentido Lembrar repetir e perlaborar pode ser visto como um precursor de ideias desenvolvidas em Além do princípio de prazer Jenseits des Lustprinzips NOTAS 1 Sobre o título ver nota editorial não numerada acima NE 2 Termo comumente traduzido por descarga não possui a conotação de algo abrupto e violento mas sim de um fluxo de escoamento NR 3 Novamente aqui se traduziu Einfall ou seja aquilo que ocorre espontaneamente que vem à mente do sujeito como ocorrência NR 4 Freud costumava usar as letras gregas psi e alfa como forma abreviada de se referir à Psicanálise NR 5 Tratase aqui do verbo de origem latina agieren passível de ser traduzido por agir ou atuar NR 6 Cabe esclarecer que aqui ainda que possa ter sido utilizada em um sentido de sinonímia Freud não usa a célebre palavra composta Wiederholungszwang compulsão à repetição NR 116 OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL 1915 1914 Cada iniciante na Psicanálise por certo teme de início as dificuldades que lhe apresentarão a interpretação daquilo que ocorre Einfälle ao paciente e a tarefa da reprodução do recalcado Mas logo ele dará importância menor a essas dificuldades trocandoas pela convicção de que as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência Das situações que se criaram nesse contexto destacarei uma única claramente descrita tanto pela sua frequência e importância real quanto pelo seu interesse teórico Refirome ao caso em que uma paciente mulher permite inferirmos a partir de suas sugestões pouco dúbias ou então o diz diretamente que assim como qualquer outra mulher mortal apaixonouse pelo médico que a analisa A situação tem seus aspectos desconcertantes e divertidos assim como os sérios ela também é tão intrincada e condicionada de múltiplas formas tão inevitável e de tão difícil solução que a sua discussão há muito teria preenchido uma necessidade vital da técnica analítica Mas como nós mesmos nem sempre estamos livres de incorrer nos erros que caçoamos nos outros não fizemos nenhum esforço para a realização dessa tarefa Sempre nos deparamos aqui com o dever da discrição médica que na vida é indispensável mas que na nossa Ciência não nos serve Na medida em que a literatura da Psicanálise também fizer parte da vida real disso resultará uma contradição insolúvel Há pouco tempo em determinado local suplantei a discrição e sugeri que a mesma situação transferencial atrasou o desenvolvimento da terapia psicanalítica pelo período de sua primeira décadaxix Para o leigo bem formado ele é provavelmente o ser humano cultivado ideal para a Psicanálise os eventos do amor assim como todos os outros são incomensuráveis eles estão numa folha especial que não suporta nenhuma outra descrição Portanto quando a paciente se apaixona pelo 117 médico ele pensará que há apenas duas saídas a mais rara delas quando todas as circunstâncias autorizam a união duradoura e legítima dos dois e a mais frequente que médico e paciente se separem desistindo do trabalho iniciado que na verdade deveria servir à cura mas que foi perturbado por um evento elementar Certamente também podemos pensar em uma terceira saída que até mesmo parece se coadunar com a continuidade do tratamento a saber o início de relações amorosas ilegítimas e não destinadas à eternidade mas esta se torna impossível certamente devido à moral burguesa e à dignidade médica Pelo menos o leigo pediria que ele fosse tranquilizado quanto à exclusão desse terceiro caso através de uma afirmação inequívoca do analista É evidente que o ponto de vista do psicanalista necessariamente deve ser outro Vejamos o caso da segunda saída da situação que discutimos acima em que médico e paciente se separam depois que a paciente se apaixonou pelo médico o tratamento é suspenso Mas o estado da paciente logo tornará necessária uma segunda tentativa analítica com outro médico aí acontece que a paciente também se sente apaixonada por esse segundo médico da mesma forma que após nova interrupção quando recomeça com um terceiro etc Esse evento que certamente ocorre que sabidamente é um dos fundamentos da teoria psicanalítica permite duas utilizações uma para o médico analista outra para a paciente que necessita da análise Para o médico ela significa um esclarecimento precioso e um bom alerta para uma contratransferência que possivelmente esteja nele latente Ele precisa reconhecer que o enamoramento da paciente é forçado pela situação analítica e não deve ser atribuído às vantagens da sua pessoa portanto ele não tem motivo algum de se orgulhar de uma tal conquista como a chamaríamos fora da análise E é sempre bom ter esse alerta em mente Mas para a paciente há uma alternativa ou ela abdica de um tratamento psicanalítico ou ela se acostuma a essa paixão pelo médico como sendo um destino inescapável xx Não duvido que os parentes da paciente irão se declarar favoráveis à primeira das possibilidades com a mesma veemência que terá o médico analista em relação à segunda Mas acredito que esse seja um caso em que os cuidados zelosos ou melhor dizendo egoístas e ciumentos dos parentes 118 não podem ser aqueles a decidir Apenas o interesse da doente deveria prevalecer O amor dos parentes não consegue curar uma neurose O psicanalista não precisa se impor mas ele pode se apresentar como imprescindível para determinados resultados Leistungen Aquele que enquanto parente adotar como sua a posição de Tolstói em relação a esse problema poderá permanecer na posse impoluta de sua esposa ou filha e precisará tentar aguentar o fato de que esta também manterá a sua neurose e o distúrbio da capacidade de amar a ela associado Por fim é um caso semelhante ao do tratamento ginecológico O pai ou marido ciumento aliás comete um grande engano quando acha que a paciente escapará de se apaixonar pelo médico quando este para combater a sua neurose faz com que ela enverede por outro tratamento que não o analítico A diferença será apenas que uma paixão determinada a permanecer impronunciada e não analisada nunca poderá contribuir para a recuperação da paciente do modo como a análise forçosamente o faria Soube que alguns médicos que praticam a análise muitas vezes preparam os pacientes para o surgimento da transferência amorosa1 Liebesübertragung ou até mesmo os estimulam a se apaixonar apenas pelo médico para que a análise progrida Não consigo imaginar uma técnica mais sem sentido do que essa Com ela extirpase do fenômeno o caráter convincente da espontaneidade e criamse obstáculos para si próprio que serão difíceis de remover depois Inicialmente não parece que a paixão na transferência fará surgir algo produtivo para o tratamento A paciente até mesmo a mais cordata de repente perde a compreensão e o interesse em relação ao tratamento não quer falar nem ouvir mais nada além do seu amor que ela exige que seja correspondido Ela abdica dos seus sintomas ou os negligencia ela até mesmo declarase curada Há uma mudança total da cena como se um jogo fosse interrompido por uma realidade repentinamente presente como se durante uma apresentação de teatro soasse o alarme de incêndio O médico que vivencia isso pela primeira vez terá dificuldade em manter a situação analítica e fugir da ilusão de que o tratamento realmente terminou Com alguma reflexão podese reencontrar o caminho Lembremos aqui principalmente da suspeita de que tudo aquilo que atrapalha a continuidade do tratamento pode ser uma expressão de resistência No aparecimento 119 daquela exigência tempestuosa de amor a resistência indubitavelmente tem grande participação Já se tinha percebido na paciente há muito tempo os sinais de uma transferência afetuosa podendose creditar certamente essa postura em relação ao médico a partir de sua postura cordata da atenção positiva diante das explicações da análise sua compreensão excelente e a alta inteligência ali manifestada Agora isso tudo é praticamente varrido do mapa a paciente passa a perder a postura compreensiva ela parece mergulhar completamente na sua paixão e essa transformação ocorre via de regra num momento em que justamente precisamos instála a admitir ou recordar uma parte muito desconcertante ou muito recalcada de sua história de vida Ou seja a paixão já estava lá há muito tempo mas agora a resistência começa a se servir dela para impedir a continuidade do tratamento para desviar o interesse pelo trabalho e para levar o médico analista a uma situação de desconforto embaraçoso Se olharmos mais de perto também poderemos detectar nessa situação a influência de motivos complicadores em parte aqueles que se atrelam ao enamoramento em parte expressões específicas da resistência Do primeiro tipo é o anseio da paciente por se assegurar de sua irresistibilidade em quebrar a autoridade do médico rebaixandoo ao papel de amante e o que mais surgir de lucro adjacente na satisfação do amor Em relação à resistência podemos suspeitar que ocasionalmente ela use a declaração de amor como meio de colocar à prova o analista severo que deveria ser repreendido se com ela transigir Mas principalmente temos a impressão de que a resistência enquanto agent provocateur aumenta o enamoramento e exagera a disposição para a entrega sexual para depois justificar mais enfaticamente o efeito do recalque invocando os perigos de tal desmesura Como sabemos todo esse aparato adjacente que em casos mais puros também pode estar ausente foi visto por Alfred Adler como o essencial de todo o processo Mas como deve se comportar o analista para não sucumbir diante dessa situação se estiver claro para ele que o tratamento deva ser continuado apesar dessa transferência amorosa e através dele Seria fácil para mim postular apoiandome na moral vigente que o analista nunca jamais deva aceitar ou corresponder ao afeto que lhe é oferecido Ou que ele deva aproveitar esse momento para representar a exigência moral e a necessidade da recusa diante da mulher apaixonada e 120 consiga que ela desista de sua vontade e que continue o trabalho analítico com a superação da parcela animal do seu Eu Mas não satisfarei essas expectativas nem a primeira nem a segunda parte delas Não satisfarei a primeira pois não escrevo para a clientela mas para médicos que se digladiam com sérias dificuldades e porque além disso aqui posso remeter a prescrição moral à sua origem isto é à adequação a um fim Zweckmäßigkeit Desta vez encontrome na feliz posição de substituir a imposição moral sem alteração do resultado por considerações da técnica analítica Mas ainda abdicarei de forma mais enfática da segunda parte da expectativa mencionada Convidar a paciente à repressão da pulsão Triebunterdrückung2 à sua renúncia e à sublimação assim que ela confessar a sua transferência amorosa não é agir analiticamente mas agir sem sentido algum Seria como se quiséssemos habilmente invocar um espírito do submundo para que venha à superfície para depois mandarmos ele de volta sem ao menos lhe fazer uma pergunta Nesse caso teríamos apenas chamado o recalcado à consciência para que ele amedrontado fosse novamente mandado embora E não nos enganemos sobre o sucesso desse procedimento Como se sabe fórmulas sublimes pouco podem contra as paixões A paciente apenas sentirá a rejeição e não tardará a se vingar por isso Tampouco aconselho o caminho do meio que para alguns pareceria especialmente sagaz e que consiste em afirmar que se corresponde aos sentimentos afetuosos da paciente evitando todas as atividades corporais desse carinho até que se consiga levar a relação para uma trilha mais calma elevandoa a um patamar mais elevado Contra esse meio de informação tenho a contrapor que o tratamento psicanalítico se constrói sobre veracidade É isso que perfaz uma boa parte de seu efeito educacional e de seu valor ético É perigoso abandonar esse fundamento Quem se aclimatou na técnica analítica não atinge mais a mentira e a ilusão normalmente indispensáveis ao médico e costuma se trair quando tenta fazêlo com a melhor das intenções Já que se exige a mais rigorosa veracidade do paciente colocase em jogo toda a autoridade quando se é pego pelo paciente em um desvio da verdade Além disso a tentativa de se deixar levar por sentimentos afetuosos da paciente não deixa de ser perigosa Não se tem um bom domínio de si próprio podendo o analista ir repentinamente além do que se pretendia 121 Acho portanto que não se deve negar a indiferença3 adquirida pelo domínio da contratransferência Já dei a entender que a técnica analítica estabelece uma lei para o médico que lhe impõe a recusa diante da satisfação exigida pela paciente carente de amor O tratamento precisa ser executado em abstinência não me refiro aqui apenas à renúncia física nem à renúncia de tudo o que se deseja pois isso talvez nenhum doente suportasse Quero antes estabelecer o princípio de que a necessidade Bedürfnis e o anseio Sehnsucht devem ser mantidos na paciente como forças motivadoras do trabalho e da mudança e devemos evitar o abrandamento desses sentimentos por substitutos De resto não poderíamos mesmo oferecer nada além de substitutos já que a paciente não é capaz de uma satisfação real devido ao seu estado enquanto os seus recalques não tiverem sido eliminados Confessemos que o princípio de que o tratamento analítico deva acontecer em abstinência abarca muito mais do que o caso específico aqui observado necessitando de uma discussão mais detalhada pela qual devem ser estabelecidos os limites de sua exequibilidade Mas queremos evitar fazêlo aqui e queremos nos ater ao máximo à situação da qual partimos O que aconteceria se o médico procedesse de modo diferente e digamos aproveitasse a liberdade dada de ambos os lados para corresponder ao amor da paciente satisfazendo a sua necessidade de afeição Se nesse contexto ele calculasse que essa correspondência garantiria a ele o domínio sobre a paciente e a motivaria a resolver as tarefas do tratamento ou seja adquirir a libertação perene da neurose a experiência deveria mostrar que ele errou o cálculo A paciente atingiria seu objetivo mas ele nunca atingiria o dele Entre médico e paciente apenas aconteceria mais uma vez o que acontece em uma história divertida do pastor e do corretor de seguros A pedido dos parentes chamase um homem de fé para ir falar com um corretor de seguros descrente e muito doente A conversa dura tanto tempo que os que esperam têm alguma esperança Enfim a porta do quarto do doente se abre O descrente não foi convertido mas o pastor sai de lá segurado Seria um grande triunfo da paciente se a sua corte tivesse sido correspondida e seria também uma total derrota para o tratamento A doente teria conseguido o que todos os doentes em análise almejam colocar algo em movimento repetir na vida aquilo que apenas devem lembrar reproduzir 122 como material psíquico e manter no âmbito psíquicoxxi No decorrer da relação amorosa ela traria à tona todas as inibições e reações patológicas de sua vida amorosa sem que seja possível uma correção e ela fecharia a dolorosa vivência com remorso e um grande fortalecimento de sua tendência ao recalque A relação amorosa justamente coloca um ponto final na capacidade de ser influenciada Beeinflussbarkeit através do tratamento analítico a junção das duas coisas está fora de cogitação Sendo assim acatar as demandas de amor por parte da paciente é tão fatal para a análise quanto a repressão Unterdrückung delas O caminho do analista é outro é aquele para o qual a vida real não fornece um modelo Evitamos desviar da transferência amorosa afugentála ou estragála na paciente também nos abstemos ferrenhamente de toda correspondência desse amor Mantemos a transferência amorosa a tratamos como algo irreal como uma situação que deva ser enfrentada no tratamento e reconduzida às suas origens inconscientes e que deva ajudar a levar à consciência da paciente os elementos mais ocultos de sua vida amorosa e com isso a dominálos Quanto mais dermos a impressão de estarmos nós mesmos imunes a toda tentação mais facilmente poderemos extrair da situação o seu teor analítico A paciente cujo recalque sexual não tenha sido suspenso mas apenas afastado para o segundo plano sentirseá suficientemente segura para trazer à tona todas as suas condições para o amor todas as fantasias do seu anseio sexual Sexualsehnsucht todas as características de seu enamoramento para a partir delas encontrar ela própria o caminho para as motivações infantis de seu amor Em uma determinada classe de mulheres porém essa tentativa de preservar a transferência amorosa para o trabalho analítico sem satisfazêla não terá sucesso Tratase de mulheres dotadas de uma paixão elementar que não suportam substitutos são filhas da natureza que não querem receber o psíquico em troca do material e que nas palavras do poeta só têm acesso à lógica da sopa com argumentos de bolinhos4 No caso dessas pessoas estamos diante de uma escolha ou mostrar o amor correspondido ou ter a inimizade total da mulher desprezada Em nenhum dos casos podese preservar os interesses do tratamento Teremos de recuar sem obter sucesso e poderemos visualizar o problema de como a capacidade de neurose se une com tamanha necessidade inflexível de amor 123 O modo como aos poucos instamos outras apaixonadas menos agressivas à concepção analítica deve ter acontecido igualmente com muitos analistas Enfatizamos principalmente a porção indubitável de resistência nesse amor Um enamoramento verdadeiro tornaria a paciente maleável e aumentaria a sua disposição em resolver os problemas do seu caso apenas porque o homem amado o exige Uma mulher desse tipo escolheria o caminho que passa pela conclusão do tratamento para tornarse valiosa para o médico e preparar a realidade em que a tendência amorosa encontraria o seu lugar Em vez disso a paciente se mostra obstinada e desobediente abdica de todo e qualquer interesse pelo tratamento e ao que parece também perde o respeito pelas convicções mais que justificadas do médico Portanto ela produz uma resistência sob forma evidente de enamoramento e além disso não tem crise de consciência por leválo a estar entre a cruz e a espada Pois se ele recusar aquilo a que o seu dever e a sua compreensão o impelem ela poderá fazer o papel de rejeitada e se furtar a ser curada por ele por motivo de vingança e amargura tal como agora como consequência do aparente enamoramento Como segundo argumento contra a autenticidade desse amor introduzimos a afirmação de que ele não traz um único traço novo oriundo da situação presente mas é composto integralmente de repetições e retomadas de reações antigas até mesmo as infantis Comprometemonos a proválo através da análise detalhada do comportamento amoroso da paciente Se a esses argumentos ainda acrescentarmos a medida necessária de paciência geralmente conseguiremos superar a situação difícil e continuar o trabalho ou com um enamoramento moderado ou com o enamoramento transformado trabalho cujo objetivo então será a descoberta da escolha do objeto infantil e das fantasias que o enredam Mas gostaria de iluminar os argumentos mencionados de forma crítica perguntandonos se com eles dizemos a verdade à paciente ou se em nossa situação de emergência nos refugiamos em dissimulações e distorções Em outras palavras será que o enamoramento que se torna manifesto no tratamento analítico de fato não pode ser chamado de real Entendo que dissemos a verdade à paciente mas não toda a verdade sem consideração pelo resultado Daqueles nossos argumentos o primeiro é o mais forte A parcela de resistência no amor transferencial 124 Übertragungsliebe é irrefutável e considerável Mas a resistência não criou esse amor ela vai encontrálo servese dele e exagera as suas manifestações A autenticidade do fenômeno também não é enfraquecida pela resistência Nosso segundo argumento é muito mais fraco é verdade que esse enamoramento é composto de reedições de traços antigos e repete reações infantis Mas esse é o caráter essencial de todo enamoramento Não há nenhum que não repita modelos infantis Justamente aquilo que perfaz o seu caráter compulsivo zwanghaft que lembra o patológico remonta ao seu condicionamento infantil O amor transferencial talvez tenha um grau de liberdade a menos que aquele da vida real aquele que chamamos de normal ele permite reconhecer mais nitidamente a dependência do modelo infantil ele se mostra menos maleável e menos capaz de modificação mas isso é tudo e nem é o essencial Como então reconhecemos a autenticidade de um amor Pela sua capacidade produtiva sua utilidade para pôr em prática o objetivo do amor Nesse ponto o amor transferencial parece não ficar atrás de nenhum outro temos a impressão de que podemos obter tudo dele Então resumindo não temos o direito de negar ao enamoramento que surge no tratamento analítico o caráter de amor autêntico Se ele parece tão pouco normal isso pode ser explicado satisfatoriamente a partir da circunstância de que também os demais enamoramentos fora do tratamento analítico lembram mais os fenômenos anímicos anormais do que os normais Pelo menos ele se caracteriza por alguns traços que lhe garantem uma posição especial Ele é 1 provocado pela situação analítica 2 potencializado pela resistência que domina a situação e 3 carece em alto grau da consideração pela realidade ele é menos sagaz mais despreocupado com as consequências mais cego na avaliação da pessoa amada do que gostaríamos de atribuir a um enamoramento normal Mas não esqueçamos que justamente esses traços que desviam da norma perfazem o essencial de um enamoramento Para a atividade do médico a primeira das três propriedades do amor transferencial é a relevante Foi o médico quem trouxe à tona esse enamoramento através do início do tratamento analítico para curar a neurose para ele é o resultado inevitável de uma situação médica semelhante ao desnudamento físico de um paciente ou à informação de um segredo vital Assim para ele está claro que não pode tirar proveito pessoal da situação A 125 disponibilidade da paciente nada muda no fato apenas empurra a responsabilidade para a sua própria pessoa Como ele deve saber a paciente não estava preparada para nenhum outro mecanismo de cura Após a superação bemsucedida de todas as dificuldades frequentemente ela confessa a fantasia de expectativa com que iniciou o tratamento se ela se comportasse bem no final ela seria recompensada com a afeição do médico Para o médico então juntamse motivos éticos aos motivos técnicos para afastálo da concessão do amor à paciente Ele precisa manter o foco no objetivo a saber que a mulher impedida em sua capacidade de amar devido a fixações infantis chegará à livre disposição dessa função de inestimável importância para ela porém que ela não a gaste no tratamento mas a mantenha disponível para a vida real quando ela lhe solicitar essa função após terminado o tratamento Ele não pode encenar com ela a cena da corrida de cães em que se expõe como prêmio uma guirlanda de salsichas e um estragaprazeres desmancha tudo jogando uma única salsicha na pista de corrida Os cães se jogarão sobre ela e esquecerão a corrida e a guirlanda do vencedor que acena ao longe Não quero afirmar aqui que seja sempre fácil para o médico se manter dentro dos limites que a ética e a técnica lhe prescrevem Especialmente o homem mais jovem e ainda sem vínculos fixos poderá sentir a renúncia como dura Sem dúvida o amor sexual é um dos principais conteúdos da vida e a união de satisfação anímica e física na fruição do amor Liebesgenusse chega a ser um dos pontos altos da vida À exceção de alguns poucos fanáticos esquisitos todas as pessoas sabem disso e constroem a sua vida seguindo esse princípio apenas na Ciência há recato em se confessar isso Por outro lado é desconcertante para o homem assumir o papel daquele que recusa e renuncia quando a mulher busca o amor e uma nobre mulher que assume a sua paixão exerce uma magia incomparável apesar da neurose e da resistência Não é o desejo sensual primitivo da paciente que produz a tentação Este tem o efeito de repulsa e requisita toda a tolerância para fazer valêlo como fenômeno natural São talvez as moções de desejo Wunschregungen mais sutis por parte da mulher e mais inibidas em sua meta que trazem consigo o perigo de esquecer a técnica e a tarefa médica diante de uma bela vivência Mesmo assim para o analista é impensável ceder Por mais que ele tenha o amor em alto juízo ele precisa colocar em um juízo maior o fato de ter a oportunidade de levar a sua paciente a superar um estágio decisivo de sua 126 vida Ela deve aprender com ele a superação do princípio de prazer a renúncia a uma satisfação próxima mas socialmente não classificada em benefício de uma mais distante talvez até incerta mas tanto psicológica quanto socialmente irrepreensível Para essa superação ela precisará atravessar os tempos primordiais de sua evolução anímica e dessa forma adquirir aquele bônus de liberdade anímica que diferencia a atividade anímica consciente no sentido sistemático da inconsciente O psicoterapeuta analítico tem assim uma luta tripla a enfrentar em seu interior contra as forças que querem tirálo do nível analítico fora da análise contra os adversários que questionam a importância das forças pulsionais sexuais e o impedem de utilizálas em sua técnica científica e na análise contra os pacientes que no início se portam como adversários mas depois anunciam a supervalorização da vida sexual que os dominava e depois querem aprisionar o médico com a sua paixão socialmente irrefreada Os leigos de cuja postura em relação à Psicanálise falei inicialmente certamente também tomarão como ensejo essas discussões sobre o amor transferencial para alertarem o mundo sobre o perigo desse método terapêutico O psicanalista sabe que trabalha com as forças mais explosivas e que são necessárias cautela e meticulosidade assim como no caso dos químicos Mas quando é que a um químico foi interditado se ocupar com materiais explosivos indispensáveis por sua periculosidade apesar de seu efeito É curioso que a Psicanálise tenha de batalhar por todas as licenças desde o início quando elas há muito foram concedidas a outras atividades médicas Certamente não sou favorável a que se abdique dos métodos de tratamento inofensivos Para alguns casos eles são suficientes e de resto a sociedade humana não precisa nem do furor sanandi nem de qualquer outro tipo de fanatismo Mas significaria subestimar e muito as psiconeuroses segundo as suas origens e sua importância prática se acreditarmos que essas afecções possam ser derrotadas através de operações com meios diminutos e inofensivos Não na atividade médica sempre haverá um espaço ao lado da medicina5 sic para o ferrum e para o ignis e assim também será imprescindível a Psicanálise acurada que não esmaece que não se furta de manipular as mais perigosas moções anímicas dominandoas para o bem do paciente 127 Bemerkungen über die Übertragungsliebe Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse III 1915 1914 1915 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 3 n 1 p 111 1918 Sammlung kleinen Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 453469 1925 Gesammelte Schriften tVI p 120135 1946 Gesammelte Werke t X p 305322 Publicado originalmente no início de 1915 este artigo foi escrito no final do ano anterior Embora tenha sido redigido já sob o impacto da notícia acerca da eclosão da guerra Freud considerava este artigo como sendo o melhor e mais útil dessa série de artigos técnicos conforme admitiu a Abraham em carta de 4 de março de 1915 A partir de 1918 edições posteriores omitiram o subtítulo e adotaram apenas o título curto como nos demais artigos da série A primeira menção ao fenômeno da contratransferência parece ter sido feita numa carta a Jung de 7 de junho de 1909 em que Freud o aconselhava a respeito do tratamento de Sabina Spielrein referindo se ao fenômeno como uma blessing in disguise Em termos de sua recepção PaulLaurent Assoun 2009 p 1164 anota que duas vias se abrem na posteridade deste artigo De um lado os textos sobre a contratransferência que marcaram época entre os pósfreudianos especialmente entre os membros da escola kleiniana com destaque para o pioneiro ensaio de Paula Heimann 1950 de outro lado as elaborações de Lacan e sua escola acerca do desejo do analista HEIMANN P On Countertransference In Int J PsychoAnal n 35 1950 p 8184 LACAN J Direção da cura e princípios de seu poder NOTAS 1 Freud faz frequente uso de um recurso da língua alemã chamado Kompositum ou seja a justaposição de termos nos quais o último é qualificado pelos anteriores No título deste texto aparece a composição Übertragungsliebe amor transferencial que não deve ser confundida com a que é expressa na ordem contrária a Liebesübertragung transferência amorosa NR 2 Esse é um dos casos em que fica clara a diferença entre repressão e recalque a força de repulsão operante na repressão não seria de ordem inconsciente ao contrário do que ocorre geralmente no caso do recalque NR 3 Apesar de Freud utilizar aqui a palavra alemã Indifferenz literalmente indiferença poderíamos depreender aqui o sentido de neutralidade NR 128 4 Referência ao poema de Heinrich Heine Die Wanderratten em seu verso que menciona a tal Suppenlogik mit Knödelargumenten Na verdade Heine usa a composição quase sinonímica Knödelgrunden NR 5 Aqui Freud usa palavras latinas para se referir aos medicamentos medicina ao ferro ferrum e ao fogo ignis NR xix Zur Geschichte der psychoanalytischen Bewegung Sobre a história do movimento psicanalítico 1914 xx Sabemos que a transferência pode se externar em outros sentimentos também menos ternos mas isso não será assunto deste artigo xxi Confira o texto anterior sobre Lembrar repetir e perlaborar 129 SOBRE FAUSSE RECONNAISSANCE DÉJÀ RACONTÉ DURANTE O TRABALHO ANALÍTICO 19141 Não é raro acontecer de durante o trabalho da análise o paciente acrescentar à comunicação de um fato lembrado por ele a seguinte observação mas eu já lhe contei isso quando o próprio analista acredita estar certo de nunca ter ouvido dele esse relato Se externamos essa contradição ao paciente muitas vezes ele vai energicamente assegurar ter certeza disso que pode até jurar etc na mesma medida no entanto fortalecese a própria convicção do analista sobre a novidade do que foi escutado Seria muito contrapsicológico2 querer decidir esse conflito elevando a voz ou sobrepujandoo com protestos Sabemos que essa sensação de convicção sobre a fidelidade da própria memória não tem nenhum valor objetivo e já que um dos dois necessariamente deve estar errado a vítima da paramnésia tanto pode ser o médico como o analisando Logo damos razão ao paciente interrompemos o conflito e adiamos sua solução para uma outra ocasião Em uma minoria de casos o próprio analista se lembra de já ter ouvido a questionável comunicação e ao mesmo tempo encontra o motivo subjetivo e muitas vezes longínquo de seu desaparecimento temporário Mas na grande maioria das vezes é o analisando que errou e pode ser convencido a reconhecêlo A explicação para esse acontecimento frequente parece ser a de que ele efetivamente teve a intenção de fazer essa tal comunicação de que uma ou mais vezes ele realmente fez uma manifestação preparatória mas depois foi impedido pela resistência de executar seu propósito e agora confunde a lembrança da intenção com a da execução Deixo agora de lado todos esses casos em que a situação pode deixar alguma dúvida e destaco alguns outros que possuem um interesse teórico particular Acontece a certas pessoas na verdade repetidamente de defenderem de maneira particularmente persistente na comunicação a 130 afirmação de já terem contado isto ou aquilo ao passo que a natureza da situação mostra ser inteiramente impossível que elas possam ter razão O que elas alegam já ter contado antes e que agora reconhecem como algo antigo que o médico também deveria saber são então lembranças da maior importância para a análise confirmações esperadas há muito tempo soluções que permitem finalizar uma parte do trabalho e às quais o médico analista certamente teria acrescentado esclarecimentos profundos Em vista dessas circunstâncias o paciente também admite em seguida que sua lembrança o confundiu embora não se consiga explicar a sua precisão O fenômeno que o analisando oferece nesses casos merece ser chamado de fausse reconnaissance falso reconhecimento e é inteiramente análogo a outros casos em que espontaneamente se tem essa sensação já estive nesta situação isto eu já vivenciei alguma vez o déjà vu já visto sem que sequer seja possível se confirmar essa convicção pela recuperação Wiederauffinden da situação anterior na memória Como se sabe esse fenômeno suscitou um grande número de tentativas de explicação que de maneira geral podem ser reunidas em dois gruposxxii no primeiro é dado crédito à sensação contida no fenômeno e se supõe que realmente se trata de algo que é lembrado a questão é saber o quê Em um grupo muitíssimo mais numeroso entram aquelas explicações que afirmam que ao contrário estamos aí diante de uma confusão da lembrança e que agora a tarefa é rastrear como se pôde chegar a esse ato falho Fehlleistung paramnésico Além disso essas tentativas abarcam uma vasta gama de motivos começando pela antiquíssima concepção atribuída a Pitágoras de que o fenômeno do déjà vu contém a prova de uma existência anterior do indivíduo seguida da hipótese apoiada na anatomia de que um desencontro temporal na atividade dos dois hemisférios cerebrais causaria o fenômeno WIGAN 18603 até às teorias puramente psicológicas da maioria dos autores recentes que veem no déjà vu a indicação de uma fraqueza aperceptiva cujos responsáveis seriam o cansaço o esgotamento e a distração Grassetxxiii em 1904 forneceu uma explicação do déjà vu que é preciso ser computada no grupo dos que acreditam gläubigen Segundo o autor o fenômeno indica que em algum momento anterior houve uma percepção inconsciente que só agora sob a influência de uma nova e semelhante impressão alcançou a consciência Muitos outros autores o seguiram e 131 fizeram da lembrança de algo sonhado e esquecido a base do fenômeno Em ambos os casos tratavase da reanimação de uma impressão inconsciente Em 1907 na segunda edição de minha Psicopatologia da vida cotidiana defendi uma explicação bastante semelhante para a aparente paramnésia sem conhecer o trabalho de Grasset ou mencionálo Deve servir para me desculpar o fato de que construí minha teoria como resultado de uma investigação psicanalítica que pude empreender em um caso muito nítido no entanto de 28 anos atrás de déjà vu em uma paciente Não irei repetir aqui essa breve análise Ocorre que a situação na qual se deu o déjà vu era realmente apropriada para despertar a lembrança de uma vivência anterior da analisanda Na família que a criança com 12 anos na época visitou encontravase um menino gravemente doente prestes a morrer e alguns meses antes seu próprio irmão tinha corrido o mesmo perigo A tudo isso em comum ligouse porém no caso da primeira vivência uma fantasia incapaz de se tornar consciente o desejo de que o irmão morresse e por isso a analogia dos dois casos não pôde tornarse consciente A sensação dessa analogia foi substituída pelo fenômeno do játervividoissoantes no qual a identidade do que havia em comum deslocouse para aquela localidade Sabemos que o nome déjà vu vale para toda uma gama de fenômenos análogos para um déjà entendu já escutado um déjà éprouvé já vivenciado um déjà senti já sentido Em vez de muitos outros semelhantes o caso que irei relatar agora consiste em um déjà raconté já contado que também poderia ter origem em uma intenção inconsciente que permaneceu sem ser executada Um paciente4 relata no curso de suas associações Como eu na época com a idade de 5 anos estava brincando com um canivete no jardim e cortei o dedo mindinho ah eu só pensei que o tivesse cortado mas isso eu já lhe contei Eu lhe asseguro que não me lembro de nada parecido Ele afirma cada vez mais convencido que não pode estar enganado sobre isso Acabei por dar fim ao conflito da maneira como indiquei no início e lhe peço assim mesmo para repetir a história Então veríamos se foi o caso Quando eu tinha 5 anos estava brincando no jardim perto da babá e fazia cortes com meu canivete na casca de uma das nogueiras que também têm um papelxxiv em meu sonhoxxv De repente percebi com um terror indizível 132 que tinha cortado o dedo mindinho da mão direita ou esquerda de tal maneira que ele só estava pendurado pela pele Dor eu não sentia mas um grande medo Angst Eu não me atrevia a dizer nada à babá que se encontrava a poucos passos de distância desabei no banco mais próximo e fiquei lá sentado incapaz de olhar mais uma vez para o dedo Finalmente me acalmei olhei para o dedo e vi que estava totalmente ileso Logo depois concordamos que ele não poderia ter me contado essa visão ou alucinação Ele entendeu muito bem que eu não poderia ter deixado de valorizar uma prova como essa da existência no seu quinto ano de vida da angústia de castração5 Kastrationsangst Com isso havia se desfeito sua resistência contra a suposição do complexo de castração No entanto ele colocou a questão Por que eu acreditei com tanta certeza já ter contado essa lembrança Então ocorreu a ambos que ele repetidamente nas mais diversas situações mas a cada vez sem tirar proveito tinha relatado a seguinte breve lembrança Certa vez quando meu tio viajou ele perguntou à minha irmã e a mim o que devia nos trazer de presente Minha irmã pediu um livro e eu um canivete Agora entendíamos essa ocorrência Einfall que havia surgido meses antes como lembrança encobridora da lembrança recalcada e como preparação do relato não realizado devido à resistência sobre a suposta perda do dedinho um inequívoco equivalente do pênis O canivete que seu tio realmente lhe trouxera era segundo sua clara lembrança o mesmo que aparecia naquele relato longamente reprimido unterdrückten Penso ser desnecessário acrescentar algo mais à interpretação dessa pequena experiência tendo em vista que ela lança luz sobre o fenômeno da fausse reconnaissance Sobre o conteúdo da visão do paciente quero assinalar que justamente na estrutura do complexo de castração essas confusões alucinatórias não são raras e que elas igualmente podem servir para corrigir percepções indesejadas Em 1911 uma pessoa de formação acadêmica vinda de uma cidade universitária alemã pessoa que não conheço e da qual também desconheço a idade colocou à minha disposição a seguinte comunicação sobre a sua infância Na leitura de Lembranças da infância de Leonardo 19105 as 133 afirmações feitas na p 29 até 31 me conduziram a uma contradição interna Sua observação de que o menino é dominado pelo interesse de seu próprio genital despertou em mim uma contraobservação do tipo Se essa é uma regra geral então de qualquer forma eu sou uma exceção Li então as próximas páginas 31 até 32 parte de cima com o maior assombro aquele assombro que se apodera de nós quando tomamos conhecimento de um fato inteiramente novo Em meio ao meu assombro me vem uma lembrança que me ensina para a minha própria surpresa que aquele fato não poderia ser tão novo Na época em que me encontrava no meio da investigação sexual infantil passei pelo feliz acaso de ter a oportunidade de observar o genital feminino de uma coleguinha da mesma idade e percebi muito claramente um pênis do mesmo tipo que o meu Mas logo em seguida a visão de estátuas e nus femininos me lançou em uma nova confusão e para sair desse conflito científico engendrei o seguinte experimento fiz desaparecer meu genital pressionandoo entre as duas coxas e constatei com satisfação que assim estava eliminada qualquer diferença do nu feminino Estava claro pensei comigo mesmo que também no caso do nu feminino fizeram desaparecer o genital da mesma maneira Mas nesse ponto me vem uma outra lembrança que sempre teve para mim a maior importância pois ela é uma das três lembranças que constam no conjunto das lembranças sobre minha mãe que faleceu precocemente Minha mãe está na frente da pia lavando os copos e a cuba enquanto eu estou brincando no mesmo cômodo e fazendo algum tipo de travessura Como castigo levo algumas palmadas em minha mão então para o meu grande horror vejo que meu dedo mindinho caiu e caiu justamente na cuba de água Como sei que minha mãe está zangada não me atrevo a dizer nada e vejo cada vez mais horrorizado que logo depois a empregada levou a cuba de água para fora Por muito tempo fiquei convencido de que tinha perdido um dedo provavelmente até a época em que aprendi a contar Muitas vezes tentei interpretar essa lembrança que como já mencionei sempre foi muito importante para mim por sua ligação com minha mãe Mas nenhuma dessas interpretações me deixou satisfeito Só agora após a leitura de seu trabalho vislumbro uma solução simples e satisfatória para o enigma Para a satisfação dos terapeutas há uma outra espécie de fausse reconnaissance que aparece não raramente no final de um tratamento Depois 134 que se conseguiu contra todas as resistências abrir caminho para a aceitação do acontecimento recalcado de natureza real ou psíquica e reabilitálo por assim dizer o paciente diz agora tenho a sensação de que eu sempre soube disso Com isso a tarefa analítica está resolvida xxii Cf uma das mais recentes referências do assunto em questão em Havelock Ellis World of Dreams 1911 xxiii La sensation du déjà vu Journal de Psychologie Norm et Pathol v I 1904 xxiv Correção feita em um relato posterior Acho que eu não estava cortando a árvore Foi uma mistura com uma outra lembrança que também deve ter sido falseada alucinatoriamente de eu ter feito um corte em uma árvore com o canivete e de ter saído sangue da árvore xxv Cf Märchenstoffe im Traum Material de contos de fadas nos sonhos 135 Über fausse reconnaissance déjà raconté während der psychoanalytischen Arbeit 1914 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 2 n 1 p 15 1925 Gesammelte Schriften tVI p 7683 1946 Gesammelte Werke t X p 116123 O tema do presente artigo foi mencionado em 1912 no artigo Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico neste volume p 93 Um extrato deste texto foi reproduzido na história clínica do Homem dos Lobos caso em que Freud estava trabalhando mas que viria a lume apenas ao final da guerra O fenômeno aqui estudado ganharia uma luz nova a partir de 1925 quando Freud estuda o problema do estatuto da negação ver A negação nesta coleção no volume Neurose psicose perversão NOTAS 1 Traduzido por Maria Rita Salzano Moraes NE 2 Unpsychologisch com o prefixo de negação un Freud alude aqui ao que seria inadequado ou mesmo contrário ao psicológico NR 3 Freud referese provavelmente à segunda edição publicada em 1860 de WIGAN A L A new view of insanity the duality of the mind proved by the structure functions and diseases of the brain and by the phenomena of mental derangement and shewn to be essential to moral responsibility London Longman Brown Green and Longmans 1844 NE 4 Tratase de Sergei Pankejeff conhecido como Homem dos Lobos NE 5 Dada a ambiguidade da palavra alemã Angst conforme o contexto a traduzimos por angústia ou medo É importante ressaltar que ainda que haja no alemão a palavra Furcht a ser traduzida de modo inequívoco como medo o vocábulo Angst pode ser compreendido como medo ansiedade ou angústia conforme o contexto de seu emprego Sendo uma palavra corriqueira da língua alemã muitas vezes Freud a emprega no sentido mais comum de medo Contudo há uma certa tendência ao seu uso no sentido de angústia quando o autor a emprega num contexto teórico Ainda que por vezes a composição Kastrationsangst nos leve à tradução por medo de castração o contexto aqui parece remeter de modo mais claro à noção de angústia NR 5 Incluído nesta coleção no volume Arte literatura e os artistas As passagens referidas por Freud 136 encontramse à página 110 e seguintes NE 137 CAMINHOS DA TERAPIA PSICANALÍTICA 1919 1918 Senhores colegas Os senhores sabem que nunca nos orgulhamos da completude e do fechamento do nosso saber e de nossas habilidades estamos sempre dispostos tanto antes quanto agora a admitir a incompletude do nosso conhecimento a aprender coisas novas e mudar em nosso procedimento aquilo que pode ser substituído por algo melhor Como voltamos a nos reunir agora depois de longos anos de separação difíceis de serem vividos1 sintome estimulado a rever o estado da nossa terapia à qual enfim devemos a nossa posição na sociedade humana para observar em que direções ela poderia se desenvolver Formulamos como sendo a nossa tarefa médica levar o doente neurótico a conhecer as moções recalcadas e inconscientes existentes dentro dele e para esse fim revelar as resistências que nele atuam contra tais ampliações do conhecimento sobre sua própria pessoa Será que com a revelação dessas resistências também garantimos a sua superação Nem sempre certamente mas esperamos atingir esse objetivo na medida em que aproveitamos a sua transferência para a pessoa do médico para transformarmos a nossa convicção da inadequação dos processos de recalque ocorridos na infância e da inexequibilidade de uma vida pautada no princípio de prazer na própria convicção quanto a isso As relações dinâmicas do novo conflito pelo qual conduzimos o paciente e que colocamos no lugar do antigo conflito da doença dentro dele foram por mim esclarecidas em outro lugar Atualmente não teria nada a modificar quanto a isso O trabalho através do qual trazemos à consciência do paciente o material anímico recalcado foi chamado por nós de Psicanálise Por que análise que significa desmembramento decomposição e remete a uma analogia com o trabalho do químico com as substâncias que ele encontra na natureza e leva ao laboratório Porque uma tal analogia realmente existe em um ponto 138 importante Os sintomas e as manifestações patológicas do paciente são de natureza altamente intricada bem como todas as suas atividades anímicas os elementos dessa composição intricada são em última instância motivos e moções pulsionais Mas o doente nada sabe desses fatores elementares ou sobre eles possui apenas informações insuficientes Então lhe ensinamos a entender a composição dessas formações anímicas de alta complexidade remetemos os sintomas às moções pulsionais que os motivaram comprovamos nos sintomas esses motores pulsionais até então desconhecidos do doente tal como o químico extrai a substância de base Grundstoff o elemento químico em meio ao sal dentro do qual encontravase irreconhecível por estar associado com outros elementos Da mesma forma mostramos ao paciente a partir de suas manifestações anímicas não consideradas como patológicas que a motivação dessas manifestações só lhe era parcialmente conhecida de forma consciente e que outros motivos pulsionais também atuaram ali e permaneceram desconhecidos para ele Também explicamos a aspiração sexual das pessoas separandoa em seus componentes e quando interpretamos um sonho procedemos inicialmente deixando em segundo plano o sonho como um todo atrelando a associação a seus elementos específicos A partir dessa comparação pertinente da atividade médica psicanalítica com um trabalho químico então poderia surgir a motivação para um novo rumo da nossa terapia Nós analisamos o paciente isto é decompomos a sua atividade anímica em seus componentes elementares e mostramos a ele esses elementos pulsionais individual e isoladamente então não parece óbvio exigir que também o ajudemos na nova e melhor composição dos componentes Os senhores sabem que essa exigência realmente foi feita Ouvimos o seguinte depois da análise da vida anímica doente deve ocorrer a sua síntese E logo se aliou a essa exigência a preocupação de se dar muita análise e pouca síntese assim como o esforço de transferir o peso maior do efeito psicoterapêutico para a síntese uma espécie de reconstituição daquilo que fora praticamente destruído pela vivissecção Mas não posso crer meus senhores que nessa psicossíntese se nos apresente uma nova tarefa Se eu quisesse me conceder a liberdade de ser sincero e descortês eu diria que se trata de retórica vazia e impensada Limitome a observar que temos aí apenas uma hiperextensão sem conteúdo de uma comparação ou se quiserem uma exploração injustificada de uma 139 nomenclatura Mas um nome é apenas uma etiqueta adequada para diferenciála de outras coisas semelhantes não é um programa nem um sumário nem uma definição E uma comparação precisa tangenciar aquilo que é comparado apenas em um ponto e em todos outros pode se distanciar bastante daquilo O psíquico é algo tão especificamente único que nenhuma comparação individual poderá reproduzir a sua natureza O trabalho psicanalítico oferece analogias com a análise química mas igualmente analogias com a intervenção do cirurgião ou a atuação do ortopedista ou ainda com a influência de um educador A comparação com a análise química encontra um limite no fato de que na vida anímica lidamos com aspirações que estão sujeitas a uma compulsão Zwang por unificação e reunião Se conseguirmos dissecar um sintoma liberar uma moção pulsional de um determinado contexto ela não ficará isolada mas logo entrará em um novo contexto xxvi Sim pelo contrário O paciente neurótico nos apresenta uma vida anímica dilacerada cindida por resistências e enquanto a analisamos e afastamos as resistências essa vida anímica vai se recompondo incorpora na grande unidade que chamamos de seu Eu todas as moções pulsionais que até então eram dissociadas por ele e reunidas em outro lugar Assim a psicossíntese se dá no analisando sem a nossa intervenção de forma automática e inescapável Com a dissecação dos sintomas e a suspensão das resistências criamos as condições para que ela acontecesse Não é verdade que haja algo no doente que foi decomposto em partes e que agora esteja esperando calmamente que nós de algum modo façamos a reconstrução O desenvolvimento da nossa terapia portanto deverá trilhar outros caminhos principalmente aquele que Ferenczi recentemente definiu em seu trabalho sobre as Dificuldades técnicas de uma análise da histeriaxxvii como a atividade do analista Entremos em um rápido acordo sobre o que se entende por tal atividade Havíamos descrito a nossa tarefa terapêutica a partir de dois conteúdos conscientização do recalcado e descoberta das resistências Fazendo isso aliás já somos suficientemente ativos Mas será que devemos deixar por conta do doente lidar sozinho com as resistências que lhe foram reveladas Será que não podemos lhe fornecer nenhuma outra ajuda além da que ele recebeu com o impulso Antrieb da transferência Não seria muito mais 140 óbvio ajudálo também colocandoo naquela situação psíquica que é a mais favorável para a solução desejada do conflito Afinal a sua produção Leistung também depende de uma constelação de fatores externos Sendo assim será que deveríamos pensar em mudar essa constelação através de uma intervenção nossa que fosse adequada Acredito que uma tal atividade do médico analista é unívoca e claramente justificada Os senhores percebem que aqui se abre um novo setor da técnica analítica cujo destrinchamento exige esforço intenso e que produzirá determinadas prescrições Hoje não tentarei lhes dar uma introdução dessa técnica ainda em desenvolvimento mas me limitarei a destacar um princípio básico que provavelmente será o princípio dominante nessa área É ele O tratamento analítico deve na medida do possível ser executado na privação Entbehrung na abstinência Deixarei para uma discussão mais detalhada observar em que medida é possível detectar isso Mas por abstinência não entendemos a falta de toda satisfação obviamente isso seria inexequível e também não o que se entende popularmente pelo termo que seria a abstinência sexual mas algo diferente que tem muito mais a ver com a dinâmica do adoecimento e do restabelecimento Os senhores se lembram de que foi um impedimento Versagung que fez o paciente ficar doente que os seus sintomas lhe prestam o serviço de satisfações substitutivas Durante o tratamento Kur os senhores podem observar que cada melhora de seu estado de sofrimento Leidenszustand retarda a velocidade do restabelecimento e diminui a força motriz Triebkraft que impele para a cura Mas não podemos renunciar a essa força motriz uma diminuição dela é perigosa para a nossa intenção de cura Então qual é a conclusão que se evidencia irrefutavelmente Temos de por mais cruel que isso possa parecer cuidar para que o sofrimento de algum modo eficaz do paciente não termine antes da hora Se pela decomposição e desvalorização dos sintomas ele foi reduzido em algum outro lugar precisamos reerguêlo como uma privação sensível senão corremos o risco de nunca alcançarmos nada além de melhoras modestas e insustentáveis Pelo que vejo o perigo se mostra como ameaça especialmente em dois lados Por um lado o paciente cujo estar doente foi abalado pela análise esforçase com afinco em criar novas satisfações substitutivas no lugar dos seus sintomas satisfações que agora não têm a característica do sofrimento 141 Ele se serve da grandiosa mobilidade da libido parcialmente liberada para investir com libido as mais variadas atividades preferências costumes também os que já existiam antes elevandoos assim a satisfações substitutivas Ele sempre voltará a encontrar tais distrações novas através das quais escoa a energia necessária para a manutenção do tratamento e sabe mantêlas em segredo por algum tempo Temos a tarefa de detectar todos esses desvios e a cada vez exigir dele a renúncia mesmo que a atividade que leva à satisfação pareça ser a mais inofensiva possível Mas o semicurado também pode trilhar caminhos menos inofensivos por exemplo se for homem procurar um vínculo prematuro com uma mulher Digase de passagem que um casamento infeliz e o sofrimento corporal são as manifestações mais comuns da neurose Elas satisfazem em especial a consciência de culpa necessidade de punição que faz com que muitos doentes se apeguem tão tenazmente à sua neurose Devido a uma escolha infeliz no casamento eles punem a si próprios uma doença orgânica longa eles aceitam como sendo uma punição do destino e então muitas vezes renunciam a uma continuidade da neurose A atividade do médico em todas essas situações precisa se manifestar como uma intervenção enérgica contra as satisfações substitutivas prematuras Porém será mais fácil para ele a preservação diante do segundo perigo que não deve ser subestimado e que ameaça a força motriz da análise O doente procura principalmente a satisfação substitutiva no próprio tratamento na relação transferencial com o médico podendo até almejar dessa forma uma compensação por toda a recusa que até então lhe foi imposta Alguma coisa precisa ser concedida a ele em maior ou menor proporção dependendo da natureza do caso e da característica do doente Mas não é bom quando é demais Quando o analista por exemplo de dentro da imensidão de seu coração solícito concede ao paciente tudo que uma pessoa pode esperar do outro ele estará cometendo o mesmo erro econômico em que incorrem as nossas instituições de cura não analíticas Elas nada mais buscam que tornar a estada do doente o mais agradável possível para que ele se sinta bem ali e possa retornar àquele lugar como a um refúgio para todas as situações difíceis da vida Fazendo isso elas abdicam de tornálo mais forte para a vida e mais capacitado para as suas verdadeiras tarefas No tratamento analítico devemos evitar todo tipo de mimo semelhante Em sua relação com o médico o paciente deve ter uma vasta gama de desejos não realizados É 142 oportuno priválo justamente daquelas satisfações que ele mais deseja e que expressa de forma mais urgente Não creio ter esgotado a dimensão da atividade almejada para um médico com a frase no tratamento devese manter a falta Uma outra vertente como os senhores se lembram já foi ponto de discórdia entre nós e a Escola Suíça2 Recusamos enfaticamente transformar o paciente que se entrega em nossas mãos buscando ajuda em nossa propriedade formar o seu destino para ele imporlhe os nossos ideais e com a altivez do Criador formálo à nossa semelhança para a nossa satisfação Ainda hoje insisto nessa recusa e creio que aqui seja o lugar da discrição médica que precisamos superar em outros relacionamentos e também tive a experiência de que uma atividade que vai tão longe contra o paciente tampouco seja necessária para a intenção terapêutica Porque pude ajudar pessoas com as quais não tinha qualquer laço de raça educação posição social ou visão de mundo sem incomodálas em suas peculiaridades Aliás naquela época quando houve aquelas divergências tive a impressão de que o protesto de nossos representantes creio que foi em primeira linha Ernest Jones acabou sendo demasiado brusco e direto Não podemos impedir que recebamos também pacientes que são tão instáveis e incapazes de viver que nesse caso precisamos unir o influenciamento Beeinflussung analítico com o educacional e também na maioria dos outros casos aqui e acolá teremos uma oportunidade em que o médico é obrigado a atuar como educador e conselheiro Mas isso a cada vez precisa ser manuseado com grande cuidado de preservação e o paciente não deve ser educado para ser semelhante a nós mas para a libertação e a concretização de sua própria essência Nosso estimado amigo James Putnam que está na América tão inimiga nossa atualmente precisa nos desculpar por também não podermos aceitar a sua exigência de que a Psicanálise se coloque a serviço de uma determinada visão de mundo filosófica philosophischen Weltanschauung e que a imponhamos ao paciente com a finalidade de seu enobrecimento Quero dizer que isso é apenas violência mesmo que encoberta pelas mais nobres intenções Outra atividade de tipo bem diferente nos será imposta pela compreensão que vem crescendo aos poucos de que as diferentes formas de doença de que tratamos não podem ser resolvidas pela mesma técnica Seria 143 apressado tratarmos disso em detalhes agora mas posso explicar a partir de dois exemplos em que medida deve ser considerada aqui uma nova atividade Nossa técnica cresceu a partir do tratamento da histeria e ainda se volta para essa afecção Já as fobias estas nos obrigam a ir além de nossa conduta até então exercida Dificilmente seremos senhores de uma fobia se esperarmos que o doente se motive pela análise a abdicar dela Então ele nunca trará aquele material para a análise que seria indispensável para a solução convincente da fobia Precisamos proceder de outro modo Tomem o exemplo de uma agoráfobo há duas classes deles uma mais leve e outra mais severa É verdade que os primeiros sempre terão de sofrer com o medo Angst toda vez que andarem sozinhos na rua mas nem por isso abdicaram de andar sozinhos os outros se protegem do medo abdicando de andar sozinhos Com esses últimos só teremos sucesso se pudermos motiválos por influência da análise a se comportar como os fóbicos de primeiro grau portanto a ir para a rua e lutar contra o medo durante essa tentativa Ou seja conseguimos chegar a um ponto em que diminuímos a fobia nessa medida e só quando alcançamos isso por exigência do médico o doente terá domínio daquelas ocorrências e lembranças que possibilitam a solução da fobia Menos adequado ainda parece ser esperarmos passivamente nos casos graves de atos obsessivos que na verdade tendem num processo de cura assintótico a uma duração infinita do tratamento cuja análise sempre corre o risco de revelar muita coisa e nada mudar Pareceme pouco questionável que a técnica certa aqui só possa consistir em esperar até que o próprio tratamento tenha se transformado em obsessão e depois reprimir unterdrücken violentamente a obsessão da doença com essa contraobsessão Gegenzwang Mas os senhores entendem que nesses dois casos lhes apresentei apenas amostras dos novos desenvolvimentos dos quais a nossa terapia se aproxima E agora por fim gostaria de enfocar uma situação que pertence ao futuro que para muitos dos senhores parecerá fantasiosa mas que merece creio eu que nos preparemos para ela em pensamento Os senhores sabem que a nossa eficácia terapêutica não é muito intensa Somos apenas um punhado de gente e cada um de nós mesmo com um grande esforço só pode se dedicar a um número pequeno de pacientes em um ano Contra o excesso de sofrimento neurótico que existe no mundo e que talvez não tenha de existir aquilo que nós conseguimos eliminar desse sofrimento é praticamente irrelevante em 144 termos quantitativos Além disso devido às condições de nossa existência estamos limitados às camadas abastadas e mais altas da sociedade que costumam escolher elas próprias os seus médicos e nessa escolha são desviadas por todos os preconceitos relativos à Psicanálise Para as amplas camadas da população que sofrem muito profundamente com as neuroses por ora nada podemos fazer Agora suponhamos que através de alguma organização conseguíssemos multiplicar o nosso número de modo que fôssemos suficientes para o tratamento de massas maiores de pessoas Por outro lado podese prever que em algum momento a consciência da população acordará e a alertará para o fato de que o pobre tem o mesmo direito à assistência anímica que ele já tem agora à assistência cirúrgica que salva vidas E que as neuroses não são menos ameaçadoras à saúde da população que a tuberculose e que assim como esta não podem ser deixadas a cargo de cada pessoa do povo Então serão erguidos instituições ou institutos de formação Ordinationsinstitute onde trabalharão médicos de formação psicanalítica que através da análise manterão capazes em face da resistência à produtividade Leistung homens que do contrário se entregariam à bebida mulheres que ameaçam sucumbir diante do peso das renúncias e crianças que têm diante de si apenas a escolha entre a selvageria e a neurose Esses tratamentos serão gratuitos Pode ser que leve muito tempo até que o Estado perceba esses deveres como sendo urgentes As condições atuais possivelmente ainda adiarão esse prazo e é provável que a beneficência particular dará o primeiro passo com tais institutos mas em algum momento isso necessariamente terá de acontecer Resultará daí para nós então a tarefa de adequar a nossa técnica às novas condições Não duvido de que a força argumentativa das nossas crenças psicológicas também impressionará alguém sem formação mas precisaremos encontrar a expressão mais simples e palpável dos nossos ensinamentos teóricos Provavelmente teremos a experiência de que o pobre estará ainda menos disposto a renunciar à sua neurose do que o rico porque a vida difícil que espera por ele não o atrai e o estardoente lhe garante mais um direito à assistência social Possivelmente muitas vezes poderemos ter resultados apenas se conseguirmos unir à maneira do imperador José3 a assistência anímica e o apoio material Muito provavelmente também seremos obrigados 145 ao utilizarmos a nossa terapia com as massas a fundir o ouro puro da análise em grande medida com o cobre do sugestionamento direto e também o influenciamento hipnótico poderia encontrar o seu lugar ali assim como no tratamento dos neuróticos de guerra Mas seja de que forma essa psicoterapia para o povo se configure ou de que elementos ela se constitua as suas partes mais eficazes e importantes certamente serão aquelas emprestadas da Psicanálise propriamente dita livre desta ou daquela tendência xxvi Já que durante a análise química acontece algo muito semelhante Concomitantemente com os isolamentos forçados pelo químico ocorrem sínteses que ele não pretendia graças às afinidades liberadas e às afinidades eletivas dos materiais xxvii Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v V 1919 146 Wege der psychoanalytischen Therapie 1919 1918 1919 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 5 n 2 p 6168 1946 Gesammelte Werke t XII p 181194 Freud esboçou as principais ideias desta conferência durante sua estadia de verão em Steinbruch na Hungria O texto desta conferência foi lido no V Congresso Internacional de Psicanálise ocorrido na Academia de Ciências de Budapeste em presença de representantes dos governos da Alemanha da Áustria e da Hungria entre 28 e 29 de setembro de 1918 pouco tempo antes do fim da guerra O caráter inequivocamente político do texto evidente principalmente na sua última parte explicase pelo menos em parte por essa particular audiência e contexto Freud não poderia perder a chance de falar sobre o futuro da Psicanálise no pósguerra especialmente no que tange à sua extensão para camadas mais pobres da população através de serviços públicos de saúde Sua fala foi vista como um misto de profecia e de desafio Numa passagem tornada célebre a analogia do trabalho do psicanalista com a análise química afasta a tentação de aproximar a prática psicanalítica e a psicossíntese O tropo relativo à Química permite ainda outra importante metáfora aquela que distingue o ouro puro da análise e o cobre dos métodos sugestivos A fusão dessas substâncias sob certas condições poderia ser uma inovação técnica com vistas à extensão do tratamento analítico em contexto institucional Não foram poucas as ressonâncias práticas dessa intervenção levadas a efeito por diversos participantes do congresso Em 1920 Max Eitingon e Ernst Simmel fundam a Policlínica de Berlim que oferecia tratamento gratuito e onde trabalharam nomes como Melanie Klein Hanns Sachs e Karl Abraham dois anos mais tarde Eduard Hitschmann inaugura uma clínica social em Viena depois de algum tempo Sándor Ferenczi funda em Budapeste mais uma clínica gratuita As ressonâncias da conferência de Freud chegam ainda a Ernest Jones que mesmo não tendo participado do congresso de Budapeste cria em 1926 a London Clinic for Psychoanalysis Ao fim e ao cabo entre o final da Primeira Guerra e a ascensão do Reich nazista perto de uma dúzia de clínicas sociais foi fundada por discípulos de Freud de Londres a Zagreb Este texto é um ótimo exemplo do cruzamento entre a dimensão ética e a dimensão técnica da Psicanálise especialmente quando aborda o risco de uma certa análise ortopédica que submete os destinos de uma análise seja aos ideais do terapeuta seja a ideais sociais determinados Reconhecemos aqui o distanciamento de Freud com relação a Jung no primeiro caso e a uma certa versão da Psicanálise norteamericana no segundo Por outro lado é nítida também a afirmação do caráter inacabado da teoria e da técnica psicanalíticas Os caminhos da terapia psicanalítica referidos no título do artigo são o índice de uma certa abertura a inovações clínicas tendo como horizonte inovações técnicas discutidas naqueles anos com seus discípulos sobretudo com Ferenczi Nesse sentido a conferência de Freud da qual resultou o presente artigo detinha também a especificidade de um ato político contra a tendência ao dogmatismo precocemente presente no movimento psicanalítico DANTO E A Freuds free clinics psychoanalysis and social justice 19181938 New York Columbia University Press 2005 FERENCZI S A técnica psicanalítica In Obras completas São Paulo Martins Fontes 1992 1919 v 2 NOTAS 1 147 Clara menção aos anos da Primeira Guerra Mundial 19141918 NR 2 Modo como Freud se referia à pessoa de Carl Gustav Jung Inicialmente um psicanalista suíço que Freud teve em alta conta e que chegou a presidir a Associação Internacional de Psicanálise Posteriormente um conhecido dissidente da Psicanálise NR 3 Referência ao imperador José II do Império AustroHúngaro famoso pelos seus gestos de filantropia NR 148 A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA CONVERSAS COM UMA PESSOA IMPARCIAL 1926 INTRODUÇÃO O título deste pequeno escrito não é inteligível de imediato Portanto vou elucidálo leigos não médicos e a questão que se coloca é se a não médicos também é permitido exercer a análise Essa questão está condicionada pelo tempo e pelo espaço Pelo tempo na medida em que até agora ninguém se preocupou com quem exerce a análise É verdade preocuparamse pouco demais com essa questão mas havia consenso no desejo de que ninguém deveria exercêla com justificativas diversas todas elas com a mesma rejeição na base A exigência de que apenas médicos devessem analisar portanto corresponde a uma nova postura aparentemente mais simpática em relação à análise isto é desde que não se coloque apenas como um derivado da postura antiga Admitese que um tratamento analítico deva ser feito sob certas circunstâncias mas sendo o caso apenas médicos deveriam poder fazêlo O porquê dessa limitação é que será aqui analisado Essa questão está condicionada pelo espaço porque não se aplica a todos os países da mesma forma Na Alemanha e nos Estados Unidos ela é uma discussão meramente acadêmica pois nesses países todo paciente pode ser tratado como e por quem ele quiser e todo aquele que quiser pode tratar inúmeros pacientes como charlatão Kurpfuschen1 desde que assuma a responsabilidade pelos seus atos A lei não se intromete até que ela seja consultada para punir um dano causado ao paciente Mas na Áustria onde e para a qual eu escrevo a lei é preventiva ela proíbe ao não médico aplicar tratamentos em pacientes sem esperar o seu resultadoxxviii Aqui portanto a questão sobre se leigos não médicos podem tratar pacientes com a Psicanálise tem um sentido prático Mas assim que é levantada ela parece também ter sido decidida pela letra da Lei Os doentes de nervos Nervösen são doentes leigos são não médicos a Psicanálise é um procedimento para a 149 cura ou a melhora das doenças nervosas e todos os tratamentos desse tipo são reservados aos médicos consequentemente não é permitido que leigos exerçam a análise em doentes de nervos e se o fizerem serão passíveis de punição legal Numa situação tão simples e clara dificilmente nos atreveríamos a discutir a questão da análise leiga No entanto há algumas complicações das quais a lei não se ocupou mas que justamente por isso precisam ser consideradas Talvez se conclua aqui que doentes nesse caso não são iguais a outros doentes que leigos não são realmente leigos e que médicos não são exatamente aquilo que se pode esperar de médicos e em que eles podem embasar as suas reivindicações Se isso puder ser comprovado será uma exigência justificada que a lei não se aplique a esse caso sem que ela seja modificada I Se isso de fato irá ocorrer vai depender de pessoas que não têm a obrigação de conhecer as especificidades de um tratamento analítico É nossa tarefa instruir tais pessoas imparciais a respeito supomos até agora como desinformadas Lamentamos não podermos transformálos em ouvintes de um tratamento desse tipo A situação analítica não suporta um terceiro Cada uma das sessões de tratamento também tem valor desigual um ouvinte desses não autorizado que presenciasse uma sessão aleatória na maioria dos casos não teria uma impressão aproveitável ele correria perigo de não entender o que é tratado entre o analista e o paciente ou então ficaria entediado Ou seja mal ou bem ele precisa se dar por satisfeito com a nossa informação que queremos passar da forma mais confiável possível O paciente talvez sofra de oscilação de humores que ele não domina ou talvez de desânimo através do qual ele sente a sua energia paralisada já que não confia muito em si ou então sofre de timidez angustiante diante de estranhos Ele poderá perceber sem compreender que lhe é difícil executar o seu trabalho profissional mas também toda tomada de decisão mais séria ou qualquer empreendimento Certo dia ele não sabe por que ele sofreu um ataque desconcertante de sentimentos de angústia e desde então não consegue atravessar a rua sozinho ou viajar de trem sem um esforço de superação talvez até tenha abdicado de ambos Ou o que é muito curioso seus pensamentos trilham caminhos próprios e não se deixam guiar por sua 150 vontade Eles perseguem problemas que lhe são muito indiferentes mas dos quais não consegue se livrar Também lhe são impostas tarefas extremamente ridículas como contar a quantidade de janelas nas fachadas dos prédios e quanto a atividades simples como jogar cartas em uma caixa de correio ou desligar a chama do fogão por um instante ele fica em dúvida se realmente as executou Isso talvez seja apenas irritante e incômodo mas a situação fica insuportável quando de repente ele não consegue se livrar da ideia de que jogou uma criança debaixo das rodas de um carro empurrou um desconhecido da ponte fazendoo cair na água ou se vê instado a se perguntar se não é ele o assassino que a polícia está procurando como o autor de um crime que foi descoberto hoje Aparentemente é bobagem ele mesmo sabe disso ele nunca fez mal a ninguém mas se ele fosse mesmo o assassino procurado a sensação o sentimento de culpa não poderia ser mais forte Ou então o nosso paciente digamos que agora seja uma mulher sofre de outra forma e em outra área Ela é pianista mas seus dedos ficam crispados e recusamse a tocar Quando ela pensa em ir a um evento social imediatamente se instala nela uma necessidade natural cuja satisfação seria incompatível com a sociabilidade Portanto ela abdica de ir a eventos sociais bailes teatro concertos No momento em que menos precisa ela é acometida por fortes dores de cabeça ou outras sensações de dor Eventualmente ela expele todas as refeições que ingere através de vômito o que a longo prazo pode ser perigoso Por fim é lamentável que ela não suporte excitações algo que é inevitável ao longo da vida Nessas ocasiões ela desmaia muitas vezes com cãibras musculares que lembram estados patológicos perturbadores unheimliche Ainda outros pacientes sentemse incomodados em um âmbito especial no qual a vida sentimental ligase com as demandas do corpo Quando homens eles se sentem incapazes de expressar fisicamente as moções mais afetivas diante do sexo oposto enquanto talvez diante de objetos pouco amados eles tenham à disposição todas as reações Ou então a sua sensualidade os atrela a pessoas que eles desprezam das quais querem se libertar Ou ainda ela estabelece condições cuja realização é abjeta até mesmo para eles Quando mulheres elas se sentem impedidas pelo medo e pelo nojo ou por obstáculos desconhecidos a responder às exigências da vida sexual ou se elas cederam ao amor sentemse privadas do prazer que a natureza concedeu como prêmio por tal docilidade 151 Todas essas pessoas se enxergam como doentes e procuram médicos dos quais se espera a eliminação desses distúrbios nervosos Os médicos também dispõem das categorias em que se classificam essas doenças De acordo com as suas perspectivas eles as diagnosticam com nomes diversos neurastenia psicastenia fobias neurose obsessiva histeria Eles examinam os órgãos que manifestam os sintomas o coração o estômago os intestinos os genitais e os acham saudáveis Eles aconselham interrupções do modo de vida usual descansos procedimentos fortalecedores medicamentos tonificantes e obtêm alívios passageiros ou simplesmente nada Por fim os doentes ouvem dizer que há pessoas que se ocupam especificamente do tratamento desse tipo de doença e começam uma análise com elas Nosso interlocutor imparcial que imagino como estando aqui presente deu sinais de impaciência durante a apresentação das manifestações patológicas dos doentes de nervos Agora ele está mais atento curioso e se expressa da seguinte forma Então agora vamos saber o que o analista faz com o paciente a quem o médico não conseguiu ajudar Nada mais acontece entre eles do que uma conversa O analista não utiliza instrumentos nem mesmo para o exame nem prescreve medicamentos Se possível ele até mantém o doente em seu ambiente e em meio a suas relações habituais enquanto está em tratamento Isso evidentemente não é uma condição e nem sempre pode ser feito dessa forma O analista pede que o paciente venha ao seu consultório em um horário determinado do dia deixao falar ouve o que ele diz depois fala com ele e o faz ouvir A expressão facial do nosso interlocutor imparcial então demonstra um indefectível alívio e relaxamento mas também evidencia claramente certo desprezo É como se pensasse é só isso Palavras palavras palavras2 como diz o príncipe Hamlet Certamente também lhe vem à cabeça a fala de escárnio de Mefisto3 que diz como é confortável lidar com palavras versos que nenhum alemão jamais esquecerá Ele diz também Então isso é um tipo de magia vocês fazem desaparecer a doença com palavras e um simples sopro Com certeza seria magia se o efeito fosse mais rápido Parte da magia é necessariamente a rapidez até mesmo o aspecto repentino do sucesso Mas os tratamentos analíticos precisam de meses e até anos uma mágica tão lenta perde o caráter do miraculoso Aliás não desprezemos a palavra Ela é um 152 instrumento poderoso é o recurso pelo qual comunicamos nossos sentimentos uns aos outros é o caminho pelo qual influenciamos o outro Palavras podem ser extremamente benfazejas e podem ferir terrivelmente É verdade que no princípio era o ato4 a palavra veio depois sob certas circunstâncias foi um progresso cultural quando a ação se reduziu à palavra Mas a palavra originalmente era magia um ato mágico e ainda preservou muito de sua antiga força O interlocutor imparcial continua Suponhamos que o paciente não esteja mais preparado que eu para compreender o tratamento analítico como o senhor pensa em convencêlo da magia da palavra ou da fala que o libertará de seu sofrimento Evidentemente ele necessitará de uma preparação e isso pode ser feito de um modo fácil Pedimos a ele que seja muito sincero com seu analista que não omita propositalmente nada que lhe venha à mente e depois que ignore todos os impedimentos que querem excluir alguns pensamentos ou lembranças da comunicação Toda pessoa sabe que há coisas que ela contaria aos outros apenas a contragosto ou cuja comunicação ela julga impraticável São suas intimidades Ele também intui aquilo que significa um grande progresso no autoconhecimento psicológico que há outras coisas que não se quer confessar a si mesmo que se quer esconder de si mesmo e que por isso se interrompe e se afugenta de seus pensamentos quando elas surgem Talvez ele próprio perceba o indício de um problema psicológico muito curioso na situação em que um pensamento deva ser escondido de si mesmo É como se o simesmo Selbst não fosse mais aquela unidade que se julgava ser como se ainda houvesse outra coisa dentro dele que se contrapusesse a esse si mesmo Algo como uma oposição entre o simesmo e uma vida anímica em sentido amplo pode ser vislumbrado por ele ainda em contornos obscuros Quando então ele aceita a exigência da análise de dizer tudo ele facilmente se torna acessível à expectativa de que um trânsito e uma troca de ideias sob circunstâncias tão incomuns também possa levar a efeitos curiosos Eu entendo diz o nosso ouvinte imparcial o senhor supõe que todo nervoso tenha algo que o incomoda um segredo e na medida em que o senhor o motiva a verbalizar o problema o senhor lhe tira o peso e lhe faz bem Esse é o princípio da confissão do qual a igreja católica se serviu desde sempre para garantir o seu domínio dos ânimos 153 Temos de responder a isso com sim e não A confissão introduz a análise como uma espécie de preâmbulo Mas está longe de chegar à essência da análise ou de explicar o seu efeito Na confissão o pecador diz o que sabe na análise o neurótico deve dizer mais Também nada consta sobre a confissão ter desenvolvido alguma força que elimine sintomas diretos de doenças Então eu não entendo é o que retruca O que significa dizer mais do que ele sabe Mas posso imaginar que o senhor enquanto analista tenha uma influência maior sobre o paciente que o penitente sobre o confessor porque o senhor se dedica a ele por muito mais tempo de forma mais intensa e mais individualizada e o senhor utiliza essa influência ampliada para afastálo de suas ideias patologizantes para tirar dele os temores etc Seria deveras curioso se dessa forma fosse possível dominar também fenômenos puramente físicos como vômitos diarreia e cãibras e sei que esses influenciamentos Beeinflussungen são perfeitamente possíveis quando se colocou alguém em estado hipnótico Provavelmente através do seu esforço com o paciente o senhor consiga tal relação hipnótica uma ligação sugestiva com a sua pessoa mesmo não sendo essa a sua intenção e os milagres da sua terapia serão então os efeitos da sugestão hipnótica Mas pelo que sei a terapia hipnótica trabalha muito mais rápido que a sua análise que como o senhor diz dura meses e até anos Nosso interlocutor imparcial não é nem tão desinformado nem tão perdido como inicialmente poderíamos supor É evidente que ele se esforça em compreender a Psicanálise com auxílio de seus conhecimentos prévios atrelálos a outra coisa que ele já sabe Temos agora a tarefa difícil de esclarecer a ele que isso não funcionará que a análise é um procedimento sui generis algo novo e único que só pode ser compreendido por meio de novas descobertas ou se quisermos de novas suposições Mas ainda estamos devendo a ele a resposta aos seus últimos comentários O que o senhor disse sobre a influência pessoal especial do analista certamente é notável Essa influência existe e tem um papel muito importante na análise Mas não o mesmo que no hipnotismo Creio que conseguirei provar ao senhor que as situações nos dois casos são bem diferentes Talvez baste a observação de que não usamos essa influência pessoal o fator sugestivo para suprimir unterdrücken os sintomas da doença como acontece na sugestão hipnótica Além disso seria falso acreditar que esse momento é o portador e o promotor do tratamento No início talvez mas 154 depois ele se contrapõe às nossas intenções analíticas e nos obriga a tomar as mais extensas contramedidas Também quero lhe mostrar a partir de um exemplo como a distração e a dissuasão estão distantes da técnica analítica Se o nosso paciente sofre de um sentimento de culpa como se tivesse cometido um crime grave não aconselhamos a ele que supere essa crise de consciência reforçando a sua indubitável ausência de culpa ele já tentou isso sem sucesso Mas nós o alertamos de que um sentimento tão forte e duradouro deve se originar de algo real que talvez possa ser encontrado Muito me espantaria diz o interlocutor imparcial se com essa aquiescência o senhor conseguisse aplacar a sensação de culpa do seu paciente Mas quais são as suas intenções analíticas e o que o senhor faz com o paciente II Se eu tiver de dizer ao senhor algo compreensível provavelmente terei de lhe informar uma parte de um ensinamento psicológico que é desconhecido fora dos círculos analíticos ou pelo menos que não é suficientemente reconhecido A partir dessa teoria é fácil deduzir o que queremos do doente e de que modo iremos alcançálo Vou apresentálo ao senhor de forma dogmática como se fosse uma estrutura doutrinária acabada Mas não ache que ela surgiu como tal semelhante a um sistema filosófico Nós a desenvolvemos muito lentamente lutamos por cada pedacinho a modificamos em constante contato com a observação até que ela enfim ganhasse uma forma que fosse suficiente para os nossos objetivos Há alguns anos eu ainda teria de vestila com outros termos Evidentemente não posso lhe garantir que a forma como ela se expressa hoje seja a definitiva O senhor sabe que a Ciência não é uma revelação que muito depois de seus primórdios lhe faltam as características da determinação da imutabilidade da infalibilidade características pelas quais o pensamento humano tanto anseia Mas tal como ela é ela é tudo de que podemos dispor Acrescentese a isso que a nossa ciência é muito jovem mal tem a idade do nosso século e que ela mais ou menos se ocupa da matéria mais difícil que pode ser apresentada à pesquisa humana então o senhor facilmente terá a perspectiva correta diante da minha explanação Mas me interrompa à vontade toda vez que o senhor não conseguir acompanhar ou se desejar mais esclarecimentos 155 Interrompo mesmo antes de o senhor começar O senhor diz que vai me apresentar uma nova Psicologia mas quero crer que a Psicologia não seja uma ciência nova Houve Psicologia e psicólogos suficientes e na escola ouvi falar de grandes feitos nessa área O que não tenciono refutar Mas se o senhor analisar mais de perto terá de associar esses grandes feitos à fisiologia dos sentidos A doutrina da vida anímica não pôde se desenvolver porque estava travada por uma única compreensão falsa essencial O que ela engloba hoje tal como é ensinada nas escolas Além daquelas descobertas valiosas da fisiologia dos sentidos uma série de divisões e definições dos nossos processos anímicos que graças ao uso corriqueiro da linguagem tornaramse bem comuns para todas as pessoas cultas Isso aparentemente não é suficiente para abarcar a nossa vida anímica O senhor não percebeu que todo filósofo poeta historiador e biógrafo organiza a sua própria Psicologia apresenta seus prérequisitos especiais sobre a relação e os objetivos dos atos anímicos todos eles mais ou menos agradáveis e todos igualmente pouco confiáveis Ao que parece falta um fundamento comum a todos E é por isso também que no campo da Psicologia por assim dizer não há respeito nem autoridade Toda e qualquer pessoa pode agir de forma selvagem à vontade Se o senhor levantar uma questão de Física ou de Química silenciará todo aquele que não dispuser de conhecimentos de especialista Mas se o senhor arriscar uma afirmação da área da Psicologia o senhor deverá estar preparado para juízos e refutações de todos Provavelmente não há conhecimentos especializados nessa área Qualquer um tem a sua vida anímica e por isso todo mundo se julga um psicólogo Mas isso não me parece ser um título de direito suficiente Conta se que perguntaram a uma pessoa que se oferecia para ser babá de crianças se ela sabia lidar com crianças Certamente respondeu ela eu mesma já fui criança um dia E o senhor alega ter descoberto esse fundamento comum da vida anímica que passou despercebido de todos os psicólogos a partir da observação dos pacientes Não creio que essa origem desqualifique os nossos achados A Embriologia por exemplo não mereceria confiança se não conseguisse esclarecer claramente o surgimento de malformações congênitas Mas contei para o senhor o caso de pessoas cujos pensamentos caminham por vias próprias de modo que são obrigadas a refletir sobre problemas que lhe são 156 completamente indiferentes O senhor acha que a Psicologia acadêmica alguma vez contribuiu minimamente para esclarecer tal anomalia E por fim acontece com todos nós que à noite os nossos pensamentos trilhem caminhos próprios e criem coisas que então não compreendemos que nos causam estranhamento e nos preocupam pois as associamos a produtos doentios Refirome aos nossos sonhos O povo sempre sustentou a crença de que os sonhos têm um sentido um valor que significam algo A Psicologia acadêmica nunca conseguiu indicar o sentido dos sonhos Ela não sabia o que fazer com o sonho quando tentou dar explicações elas não eram psicológicas tal como remontar a estímulos sensoriais a diferentes profundidades do sono das diferentes partes do cérebro e explicações semelhantes Mas podese dizer que uma psicologia que não consegue explicar o sonho também não serve para a compreensão da vida anímica normal portanto não tem direito de se chamar de Ciência O senhor está ficando agressivo portanto o senhor deve ter tocado em um ponto sensível É que ouvi que na análise se dá muito valor aos sonhos eles são interpretados por trás deles se buscam lembranças de fatos reais etc Mas ouvi também que a interpretação dos sonhos está sujeita à arbitrariedade dos analistas e que eles mesmos não souberam lidar com as divergências sobre o modo de interpretar sonhos sobre o direito de tirar conclusões a partir deles Se isso for verdade o senhor não pode sublinhar com tanta ênfase a vantagem que a análise alcançou diante da Psicologia acadêmica O senhor realmente disse muita coisa correta É verdade que a interpretação dos sonhos alcançou uma importância incomparável tanto para a teoria quanto para a prática da análise Se pareço agressivo para mim essa é uma forma de defesa Mas se penso em todas as besteiras que alguns analistas fizeram com a interpretação dos sonhos eu poderia ficar desesperançoso e dar razão à expressão pessimista do nosso grande autor satírico Nestroy5 que é todo progresso sempre tem só a metade do tamanho que parece ter inicialmente Mas alguma vez o senhor teve outra experiência senão a de que as pessoas confundem e distorcem tudo que lhes cai nas mãos Com algum cuidado e autocontrole certamente se pode evitar a maioria dos perigos da interpretação dos sonhos Mas o senhor não acha que eu nunca de fato começarei a minha palestra se nos deixarmos distrair de tal modo Sim o senhor queria falar do pressuposto fundamental da nova 157 Psicologia se eu o entendi bem Eu não queria iniciar por aí Tenho a intenção de fazêlo ouvir qual foi a concepção da estrutura do aparelho anímico Seelenapparat que nós formamos durante os estudos analíticos Posso perguntar o que o senhor chama de aparelho anímico e do que ele é composto Logo ficará claro o que é o aparelho anímico Peço que não pergunte de que material ele é composto Não é um interesse psicológico pode ser tão indiferente para a Psicologia quanto é para a Óptica saber se as paredes dos binóculos são feitas de metal ou de papelão Aliás deixaremos totalmente de lado o aspecto material mas não o aspecto espacial É que realmente imaginamos o aparelho desconhecido que serve aos empreendimentos anímicos como sendo um instrumento composto de várias partes que chamamos de instâncias cada uma com uma função específica e que têm uma relação espacial mútua estabelecida isto é a relação espacial o na frente de e o atrás de o superficial e o profundo para nós inicialmente só tem o sentido de uma representação da sequência regular das funções Ainda me faço compreender Não muito bem talvez eu entenda mais tarde mas no mínimo é uma curiosa anatomia da alma que há muito tempo não existe mais para os cientistas naturais Mas o que o senhor esperava É uma concepção auxiliar como tantas outras nas ciências As primeiras sempre foram bastante rudimentares Open to revision aberta a reconsiderações como poderíamos dizer nesses casos Acredito ser supérfluo eu me utilizar aqui do como se que ficou tão popular O valor de tal ficção diria o filósofo Vaihinger6 depende do quanto se pode fazer com ela Então para continuarmos colocamonos no terreno da sabedoria cotidiana e reconhecemos no ser humano uma organização anímica que por um lado está inserida entre os seus estímulos sensoriais e a percepção das necessidades do corpo e por outro nos seus atos motores e que serve de mediadora entre eles com determinada intenção Chamamos a essa organização de seu Eu Mas isso não é novidade todos nós fazemos essa suposição quando não somos filósofos e alguns o fazem apesar de serem filósofos Mas não acreditamos ter esgotado com isso a descrição do aparelho 158 anímico Além desse Eu reconhecemos outra área anímica mais ampla mais grandiosa e mais obscura que o Eu a que chamamos de Isso A relação entre os dois é a que nos ocupará nesse primeiro momento O senhor provavelmente irá criticar o fato de termos escolhido pronomes simples para introduzirmos as nossas duas instâncias ou províncias anímicas em vez de nomes gregos sonoros7 Mas na Psicanálise amamos ficar em contato com o modo de pensar popular e preferimos tornar os seus conceitos cientificamente úteis em vez de descartálos Não há nenhum mérito nisso precisamos proceder dessa forma porque as nossas doutrinas precisam ser entendidas pelos nossos pacientes que muitas vezes são muito inteligentes mas nem sempre são eruditos O Isso impessoal associase diretamente a certas formas de expressão do homem normal As pessoas dizem algo me estremeceu havia isso dentro de mim es war etwas in mir que naquele momento foi mais forte que eu Cétait plus fort que moi8 Na Psicologia só podemos descrever com auxílio de comparações Isso não é nada de especial também é assim em outros lugares Mas precisamos mudar essas comparações constantemente ninguém nos aguenta por muito tempo Portanto seu eu quiser esclarecer a relação entre Eu e Isso pediria ao senhor que imaginasse que o Eu é uma espécie de fachada do Isso um primeiro plano como uma camada externa cortical do Isso Essa última comparação pode ser guardada Sabemos que as camadas corticais possuem as suas características especiais graças à influência modificadora do meio externo que elas tocam Assim imaginamos que o Eu seja a camada do aparelho anímico do Isso que foi modificada por influência do mundo externo da realidade Assim o senhor vê como levamos a sério as concepções de espaço na Psicanálise O Eu para nós é realmente o superficial o Isso é o mais profundo é claro que visto de fora O Eu se localiza entre a realidade e o Isso que é o propriamente anímico Ainda nem vou perguntar como podemos saber disso tudo Digame primeiro que vantagem tem essa separação entre um Eu e um Isso o que leva o senhor a fazer isso A sua pergunta me aponta o caminho para a continuação correta O importante e valioso é saber que o Eu e o Isso em vários pontos diferem muito entre si no Eu valem regras diferentes daquelas do Isso para o desenrolar de atos anímicos o Eu persegue outros objetivos e com outros 159 recursos Teríamos muito a dizer a esse respeito mas o senhor se contentará com uma nova comparação e um exemplo Pense na diferença entre o front e o interior tal como se configurou durante a guerra Naquele momento não nos surpreendemos com o fato de que no front muitas coisas aconteciam de modo diferente se comparadas ao interior e que no interior se permitiam coisas que no front tinham de ser proibidas A influência decisiva evidentemente era a proximidade do inimigo para a vida anímica é a proximidade do mundo externo Os termos fora alheio inimigo draußen fremd feindlich em algum momento foram idênticos E agora o exemplo no Isso não há conflitos contradições opostos continuam coexistindo sem se deixar importunar e muitas vezes se acertam por meio da formação de acordos Nesses casos o Eu sente um conflito que precisa ser decidido e a decisão consiste no fato de que uma ambição é descartada em benefício da outra O Eu é uma organização caracterizada por um anseio muito curioso por unificação por síntese essa característica falta ao Isso ela está digamos desgastada suas ambições individuais perseguem os seus objetivos independentes umas das outras e sem consideração mútua Mas se existe um interior anímico tão importante como o senhor pode tornar compreensível para mim o fato de que até a época da Psicanálise ele tenha sido ignorado Assim voltamos a uma das suas perguntas anteriores A Psicologia bloqueou o acesso à área do Isso na medida em que se ateve a um pressuposto que parece evidente mas que não se sustenta Diz ele que todos os atos anímicos são conscientes em nós que a consciência é a marca do anímico e que se houver processos inconscientes em nosso cérebro eles não merecem o nome de atos anímicos e não são da alçada da Psicologia Creio que isso seja óbvio Sim os psicólogos também acham isso mas é fácil mostrar que isso está errado ou que é uma diferenciação totalmente inadequada A auto observação mais confortável nos ensina que podemos ter ocorrências Einfälle que não podem ter surgido sem uma preparação Mas dessas etapas preliminares de sua ideia que certamente também foram de natureza anímica o senhor não fica sabendo nada o que chega à sua consciência é apenas o resultado pronto Ocasionalmente o senhor poderá conscientizarse a posteriori dessas formações preparatórias das ideias como em uma reconstrução 160 Provavelmente havia uma distração da atenção para que não se percebessem essas preparações Mas isso são evasivas Assim o senhor não escapa do fato de que dentro do senhor podem acontecer atos de natureza anímica frequentemente muito complicados dos quais a sua consciência nada fica sabendo dos quais o senhor nada sabe Ou o senhor está disposto a supor que um pouco mais ou um pouco menos da sua atenção é suficiente para transformar um ato não anímico em um ato anímico Aliás por que a discussão Há experimentos hipnóticos em que a existência dessas ideias não conscientes é demonstrada de forma irrefutável para qualquer pessoa que queira aprender Não quero negar mas acredito que enfim entendo o senhor O que o senhor chama de Eu é o consciente e o seu Isso é o chamado inconsciente do qual tanto se fala hoje Mas por que esse mascaramento com esses nomes novos Não é um mascaramento esses outros nomes são inúteis E não tente me dar Literatura em vez de Ciência Quando alguém fala de inconsciente não sei se fala no sentido tópico alguma coisa que se encontra na alma abaixo do consciente ou no sentido qualitativo um outro consciente como um consciente subterrâneo Provavelmente ele não tem nada disso claro para si A única oposição admissível é aquela entre consciente e inconsciente Mas seria um engano repleto de consequências acreditar que essa oposição seja coincidente com a separação entre Eu e Isso Aliás seria maravilhoso se fosse simples assim a nossa teoria então teria um jogo fácil mas não é tão simples assim Certo é apenas que tudo aquilo que se passa no Isso é e permanece inconsciente e que os processos no Eu podem se tornar conscientes e só eles Mas não são todos nem sempre e não necessariamente e grandes partes do Eu podem permanecer inconscientes o tempo todo A conscientização Bewusstwerden de um processo anímico é uma questão complicada Não vou me refrear em lhe apresentar de novo de forma dogmática o que supomos a esse respeito O senhor se recorda de que o Eu é uma camada externa periférica do Isso Nós acreditamos então que na superfície extrema desse Eu exista uma instância especial voltada diretamente para o mundo externo um sistema um órgão a partir de cuja excitação surja o fenômeno que chamamos de consciência Esse órgão também pode ser excitado pelo lado de fora ou seja ele recebe os estímulos do mundo externo por meio dos órgãos sensoriais ou por dentro onde 161 percebe primeiro as sensações no Isso e depois também os processos no Eu Isso está ficando cada vez mais difícil e cada vez mais se distancia da minha compreensão O senhor havia me convidado para uma conversa sobre a questão que indaga se também os leigos não médicos devem exercer o tratamento analítico Por que então todas essas digressões sobre teorias ousadas e obscuras de cuja justificativa o senhor não consegue me convencer Eu sei que não consigo convencêlo Isso está aquém de todas as possibilidades e por isso também não é a minha intenção Quando ministramos aulas teóricas de Psicanálise aos nossos alunos podemos observar quão pouco os impressionamos num primeiro momento Eles aceitam os preceitos analíticos com a mesma frieza que outras abstrações com que foram alimentados Alguns talvez queiram ser convencidos mas não há qualquer traço de que o foram Mas agora exigimos também que todo aquele que queira aplicar a análise em outras pessoas primeiro se submeta ele próprio a uma análise Só no decurso dessa autoanálise como ela é erroneamente denominada quando eles experimentam de fato no próprio corpo ou melhor na própria alma os processos postulados pela análise eles terão adquirido as convicções que os guiarão mais tarde enquanto analistas Como então esperar convencer o senhor o interlocutor imparcial da correção das nossas teorias o senhor para quem posso fazer apenas uma apresentação incompleta reduzida e por isso não transparente delas sem o reforço das suas próprias experiências Ajo com outro intuito Entre nós não existe a questão que indaga se a análise faz sentido ou não se ela tem razão em suas considerações ou se incorre em erros crassos Apresentolhe nossas teorias porque assim posso esclarecer da melhor forma qual o repertório de ideias da análise de que premissas ela parte em cada paciente e o que ela faz com ele Assim jogaremos uma luz muito específica sobre a questão da análise leiga Aliás fique tranquilo se o senhor me acompanhou até aqui o senhor superou a parte mais difícil tudo o que se segue será mais fácil Mas agora deixeme respirar um pouco III Estou na expectativa de que o senhor queira deduzir a partir das teorias 162 da Psicanálise como devemos imaginar o surgimento de uma doença nervosa Vou tentar fazêlo Mas para esse fim precisamos estudar o nosso Eu e o nosso Isso a partir de uma perspectiva nova a perspectiva dinâmica isto é considerando as forças que agem dentro deles e entre eles Anteriormente havíamos nos contentado com a descrição do aparelho anímico Espero que não seja novamente tão incompreensível Creio que não O senhor logo compreenderá Então suponhamos que as forças que impulsionam o aparelho anímico para a atividade originamse nos órgãos do corpo como expressão das grandes necessidades físicas O senhor se lembra da expressão do nosso filósofo poeta fome e amor9 Aliás um par de forças respeitável Nós as chamamos de necessidades físicas na medida em que representam estímulos para a atividade anímica pulsões Triebe uma palavra pela qual muitos idiomas modernos nos invejam10 Essas pulsões então preenchem o Isso podemos dizer em resumo que toda energia no Isso provém delas As forças no Eu também não têm outra origem elas são derivadas daquelas do Isso Mas o que querem as pulsões Satisfação isto é a produção de situações em que as necessidades físicas possam se extinguir A diminuição da tensão das necessidades é sentida pelo nosso órgão da consciência como prazerosa um aumento dessa tensão logo será sentido como desprazer A partir dessas oscilações surge uma série de sensações de prazerdesprazer segundo a qual todo o aparelho anímico regula a sua atividade Nesse caso falamos de um domínio do princípio de prazer Chegase a estados insuportáveis quando as exigências pulsionais Triebansprüche do Isso não encontram satisfação A experiência logo mostrará que essas situações de satisfação só podem ser produzidas com auxílio do mundo exterior Assim a parte do Isso voltada para o mundo exterior que é o Eu entra em funcionamento Se toda a força motriz que tira o veículo do lugar for levantada pelo Isso o Eu assume a condução cuja ausência evidentemente impediria de alcançar o objetivo As pulsões no Isso pressionam no sentido de uma satisfação imediata irrestrita não alcançam nada dessa forma ou experimentam elas mesmas um dano sensível Passa então a ser a tarefa do Eu evitar esse insucesso e mediar entre as necessidades do Isso e o protesto do mudo exterior Ele desenvolve a sua atividade em duas direções De um lado ele observa o mundo externo com ajuda de seu 163 órgão sensorial o sistema da consciência para aproveitar o momento certo para a satisfação sem danos por outro lado ele influencia o Isso refreia as suas paixões faz com que as pulsões adiem a sua satisfação e até mesmo se for reconhecidamente necessário que elas modifiquem os seus objetivos ou que deles desistam ao receberem uma compensação Na medida em que ele acalma as moções do Isso dessa forma ele substitui o princípio de prazer que antes era o único determinante pelo chamado princípio de realidade que esse sim persegue os mesmos objetivos finais mas leva em consideração as condições estipuladas pelo mundo exterior real Mais tarde o Eu aprende que ainda há outro caminho para a garantia da satisfação diferente da adaptação ao mundo exterior Também se pode intervir no mundo externo de forma modificadora e nele produzir propositalmente as condições que possibilitam a satisfação Essa atividade então se tornará o produto mais elevado do Eu as decisões sobre quando é mais adequado dominar as suas paixões e se curvar diante da realidade ou tomar o partido delas e se defender do mundo exterior são o que há de básico na sabedoria de vida Mas o Isso aceita simplesmente um tal domínio do Eu mesmo sendo ele se bem entendi a parte mais forte Sim isso funciona bem quando o Eu está de posse de sua organização plena e de sua capacidade produtiva quando tem acesso a todas as partes do Isso e pode exercer a sua influência sobre elas É que não há uma oposição natural entre Eu e Isso eles são uma coisa só e no caso de uma pessoa saudável praticamente não se consegue diferenciálos Isso tudo é bom de ouvir mas eu não vejo em que lugar dessa relação ideal pode haver o mais ínfimo espaço para um distúrbio patológico O senhor tem razão enquanto o Eu e suas relações com o Isso preencherem essas exigências não haverá distúrbio patológico O ponto de irrupção da doença está em um lugar inesperado não obstante um conhecedor de patologia geral não ficar surpreso em ver confirmado que justamente os desenvolvimentos e diferenciações mais significativos trazem dentro de si a semente que leva ao adoecimento ao fracasso da função O senhor se coloca de forma muito erudita eu não o entendo Eu preciso abrir o contexto um pouco mais Não é verdade que o pequeno ser vivo é uma coisa bastante miserável e impotente diante do mundo externo maisquepoderoso e repleto de influências destrutivas Um ser primitivo 164 que não desenvolveu uma organização suficiente do Eu está exposto a todos esses traumas Ele vive para a satisfação cega de seus desejos pulsionais e tantas vezes sucumbe por isso A diferenciação de um Eu é principalmente um passo para a preservação da vida É verdade que nada se aprende da derrocada mas quando se supera um trauma de forma feliz prestase atenção quando situações semelhantes se aproximam e se sinaliza o perigo através de uma repetição reduzida das impressões vividas durante o trauma através de um afeto de angústia Angstaffekt Essa reação à percepção do perigo então introduz a tentativa de fuga que terá o efeito de salvar a vida até que se tenha força suficiente para enfrentar o perigo no mundo externo de forma ativa talvez até com agressão Isso tudo está muito distante daquilo que o senhor prometeu O senhor não faz ideia de quanto me aproximei do cumprimento de minha promessa inicial Mesmo nos seres que depois têm uma organização do Eu produtiva esse Eu inicialmente nos anos de infância ainda está enfraquecido e diferenciase pouco do Isso Agora imagine o senhor o que acontece quando esse Eu sem poderes vivencia uma necessidade pulsional do Isso à qual já quer resistir porque antevê que essa satisfação é perigosa provocaria uma situação traumática um confronto com o mundo externo mas que não consegue dominar porque ainda não possui a força necessária para tanto Então o Eu trata o perigo pulsional como se fosse um perigo externo ele tenta fugir recua diante dessa parte do Isso e o deixa à mercê de seu destino depois de lhe ter recusado todas as contribuições que normalmente faz para as moções pulsionais Dizemos que o Eu promove um recalque dessas moções pulsionaisxxix No momento isso tem como resultado afastar o perigo mas não se confunde o dentro e o fora impunemente Não se pode fugir de si mesmo No recalque o Eu segue o princípio de prazer que normalmente costuma corrigir e terá prejuízos por causa disso Esse prejuízo consiste no fato de que o Eu agora tem a sua área de poder constantemente limitada A moção pulsional recalcada agora está isolada deixada à sua própria sorte inacessível mas também ininfluenciável Ela trilha o seu próprio caminho Em geral o Eu depois que já estiver mais forte também não conseguirá mais suspender o recalque sua síntese ficará prejudicada uma parte do Isso permanecerá solo proibido para o Eu Mas a moção pulsional isolada também não fica ociosa ela sabe buscar a sua compensação 165 por lhe ter sido negada a satisfação normal e produz derivados Abkömmlinge psíquicos que a representam associase a outros processos que por sua influência também arranca do Eu e por fim irrompe no Eu e chega até a consciência com o aspecto de uma formação substitutiva disforme e irreconhecível e cria o que chamamos de sintoma De repente vislumbramos o estado de um distúrbio nervoso diante de nós um Eu que teve a sua síntese impedida que não tem influência sobre partes do Isso que precisa abdicar de várias de suas atividades para evitar um novo confronto com o recalcado que por sua vez se esgota em reações de defesa geralmente inúteis contra os sintomas os derivados das moções recalcadas e um Isso em que algumas pulsões se tornaram independentes que perseguem os seus objetivos sem considerar os interesses da pessoa como um todo e que só obedecem às leis da psicologia primitiva que vigoram nas suas profundezas do Isso Se observarmos toda a situação em sua perspectiva geral mostrase para nós uma fórmula simples para o surgimento da neurose o Eu tentou suprimir unterdrücken certas partes do Isso de forma inadequada não teve sucesso e o Isso foi buscar vingança Portanto a neurose é a consequência de um conflito entre o Eu e o Isso em que o Eu ingressa porque como mostra um estudo detalhado ele quer se ater à sua plasticidade diante do mundo externo A oposição se dá entre o mundo externo e o Isso e porque o Eu fiel a sua essência mais íntima se coloca do lado do mundo externo e por isso entra em conflito com seu Isso Mas atente para o detalhe de que não é o fato do conflito que cria a condição do estar doente pois tais oposições entre a realidade e o Isso são inevitáveis e o Eu tem como uma de suas constantes tarefas fazer a mediação entre eles mas a circunstância de que o Eu se serviu do recurso insuficiente do recalque para resolver o conflito Mas isso se explica porque o Eu no momento em que a tarefa se colocou para ele ainda não tinha se desenvolvido e era impotente Os recalques decisivos como se sabe ocorrem todos na primeira infância Que caminho curioso Sigo o seu conselho de não criticar já que o senhor quer apenas me mostrar o que a Psicanálise acha em relação ao surgimento da neurose para acrescentar o que ela faz para combatêla Eu teria diversas perguntas a fazer e trarei algumas questões mais tarde No momento estou até me sentindo tentado a continuar construindo a partir de seus raciocínios e até mesmo a ousar criar uma teoria O senhor desenvolveu a relação mundo externoEuIsso e a apresentou como a condição da neurose 166 que o Eu em sua dependência do mundo externo combate o Isso Será que não poderíamos também pensar no outro caso em que o Eu num conflito desses se deixe arrastar pelo Isso e renegue a sua consideração para com o mundo externo O que acontece nesse caso Segundo as minhas concepções de leigo em relação à natureza de uma doença psíquica essa decisão do Eu poderia ser a condição da doença psíquica Um tal apartamento da realidade parece ser o essencial na doença psíquica Sim eu mesmo já pensei nisso11 e acho até pertinente mesmo a comprovação dessa suposição exigindo uma discussão de situações bastante complicadas Neurose e psicose aparentemente são muito próximas mas se separam num ponto decisivo Esse ponto poderia ser a tomada de partido do Eu em tal conflito Em ambos os casos o Isso manteria o seu caráter de irredutibilidade cega Agora continue Que dicas a sua teoria nos dá para o tratamento das doenças neuróticas Nosso objetivo terapêutico agora é fácil de ser descrito Queremos restabelecer o Eu libertálo de suas restrições devolver a ele o domínio sobre o Isso que ele perdeu como consequência de seus recalques da primeira infância Somente para esse fim fazemos a análise toda a nossa técnica está voltada para esse objetivo Temos de buscar os recalcamentos ocorridos e mover o Eu a corrigilos agora com a nossa ajuda a resolver os conflitos de um modo melhor do que com uma tentativa de fuga Como esses recalques pertencem aos primeiros anos da infância o trabalho analítico também nos leva de volta a essa época da vida O caminho até as situações de conflito geralmente esquecidas que queremos reavivar na lembrança do doente é que nos aponta os sintomas sonhos e ocorrências Einfälle do doente mas que antes precisamos interpretar e traduzir já que sob a influência da psicologia do Isso adotaram formas de expressão estranhas à nossa compreensão Das ocorrências pensamentos e lembranças que o paciente consegue nos comunicar mesmo com uma sensação de rejeição interior podemos supor que eles têm alguma relação com o recalcado ou que são derivados dele Na medida em que encorajamos o paciente a superar as suas resistências quanto à comunicação educamos o seu Eu a superar a sua tendência a tentativas de fuga e a suportar a aproximação do recalcado No final quando tivermos conseguido reproduzir a situação do recalque em sua lembrança a sua 167 plasticidade será recompensada regiamente Toda a diferença entre as épocas corre em favor dele e aquilo do que o seu Eu infantil fugia assustado agora parece uma brincadeira de criança ao Eu adulto e fortalecido IV Tudo o que o senhor me contou até aqui tratou de Psicologia Muitas vezes soava estranho seco obscuro mas sempre foi como diria limpo É verdade que até agora sempre soube pouco sobre a sua Psicanálise mas chegou até mim o boato de que ela essencialmente se ocupa de coisas que não têm direito a tal categorização Cria em mim a impressão de uma reclusão intencional o fato de até agora o senhor não ter tocado em nada semelhante Também não consigo evitar externar outra dúvida As neuroses como o senhor mesmo diz são distúrbios da vida anímica E coisas tão importantes como a nossa ética nossa consciência nossos ideais será que elas não têm nenhuma participação nesses distúrbios tão profundos O senhor portanto sente falta nas nossas discussões até aqui de considerar tanto o mais baixo quanto o mais elevado Mas isso se deve ao fato de que ainda nem tratamos dos conteúdos da vida anímica Mas deixe me fazer eu mesmo o papel daquele que interrompe que impede o progresso da conversa Falei tanto de Psicologia para o senhor porque eu queria que o senhor tivesse a impressão de que o trabalho analítico seria um pouco de Psicologia aplicada mais especificamente de uma Psicologia desconhecida fora do âmbito da análise Portanto o analista precisa ter aprendido principalmente essa Psicologia a Psicologia Profunda ou Psicologia do Inconsciente pelo menos aquilo que se sabe a respeito até os dias de hoje Nós precisaremos disso para as nossas conclusões posteriores Mas agora o que o senhor quis dizer com a sua alusão ao que é limpo Bom o que geralmente se diz por aí é que nas análises se abordam as mais íntimas e mais sórdidas questões da vida sexual com todos os detalhes Se isso for verdade a partir das suas discussões psicológicas eu não pude deduzir que necessariamente precisa ser desse modo isso seria um argumento forte para deixar que apenas médicos fossem autorizados a realizar tal tratamento Como podemos pensar em conceder liberdades tão perigosas a outras pessoas de cuja discrição não temos certeza e de cujo caráter não temos qualquer garantia 168 É verdade que os médicos detêm certa prerrogativa no âmbito sexual de resto eles também têm a permissão para examinar as partes genitais Não obstante eles não terem essa permissão no Oriente até mesmo alguns reformadores idealistas o senhor sabe a quem me refiro12 combateram algumas dessas prerrogativas Mas em primeiro lugar o senhor quer saber se na análise acontece isso mesmo e por que precisa ser assim Sim é assim mesmo Mas precisa ser assim em primeiro lugar porque a análise se fundamenta em total sinceridade Nela tratamos por exemplo de questões de patrimônio com o mesmo detalhamento e a mesma abertura dizemos coisas que não dizemos aos outros concidadãos mesmo não sendo eles concorrentes ou agentes do fisco Não refuto e até reforço enfaticamente que esse dever de sinceridade também coloca o analista sob uma forte responsabilidade Em segundo lugar precisa ser assim porque entre as causas e motivações das doenças nervosas fatores da vida sexual têm um papel extremamente importante de destaque talvez até um papel específico O que mais a análise pode fazer além de se moldar à sua matéria ao material que o paciente traz O analista nunca atrai o paciente para o terreno sexual ele não antecipa trataremos agora das intimidades de sua vida sexual Ele o deixará começar com as suas comunicações por onde quiser e aguardará calmamente até que o próprio paciente toque em questões sexuais Sempre costumo alertar os meus alunos nossos opositores nos informaram que toparemos com casos em que o fator sexual não tem papel relevante evitemos introduzilo na análise não percamos a chance de encontrar um caso desses Bem até agora nenhum de nós teve essa sorte Evidentemente eu sei que o nosso reconhecimento da sexualidade admitidamente ou não se tornou o motivo mais forte para a animosidade dos outros contra a análise Isso pode nos abalar Apenas nos mostra como toda a nossa vida cultural é neurótica uma vez que os supostos normais não se comportam de modo muito diferente dos doentes de nervos Na época em que nas sociedades eruditas na Alemanha se procedia solenemente a um julgamento da Psicanálise hoje a coisa se aquietou bastante um dos oradores reclamava para si autoridade especial porque após a sua comunicação ele também permitia que os doentes se expressassem Aparentemente com intenção diagnóstica e para comprovar as afirmações dos 169 analistas Mas acrescentou ele se eles começarem a falar de coisas sexuais eu lhes faço calar a boca O que o senhor acha desse procedimento de comprovação A sociedade erudita aplaudia o orador em júbilo em vez de se envergonhar por ele como era devido Apenas a segurança triunfante que a consciência de preconceitos conjuntos concede pode explicar a falta de preocupação lógica desse orador Anos depois alguns de meus alunos daquela época cederam à necessidade de libertar a sociedade humana da imposição da sexualidade que a Psicanálise quer lhe impor Um deles declarou que o sexual não significava a sexualidade mas algo diferente algo abstrato místico um segundo afirmou até que a vida sexual seria apenas uma das áreas em que o ser humano quer ativar a necessidade de poder e de dominação que o move13 Eles foram muito aplaudidos pelo menos durante certo período Mas aqui me arrisco a tomar partido Pareceme muito ousado afirmar que a sexualidade não é uma necessidade natural e original dos seres vivos mas a expressão de alguma outra coisa Basta nos atermos ao exemplo dos animais Isso não importa Não existe nenhuma beberagem por mais absurda que ela seja que a sociedade não engoliria de bom grado se ela fosse vendida como sendo um antídoto contra a temida supremacia da sexualidade Aliás confesso ao senhor que a rejeição que o senhor mesmo revelou sentir diante do fato de se dar um papel tão importante ao fator sexual no surgimento das neuroses não parece se coadunar com a sua tarefa de interlocutor imparcial O senhor não teme que com uma tal antipatia estaria prejudicado em emitir uma sentença justa a respeito Sinto muito que o senhor diga isso A sua confiança em mim parece abalada Então por que o senhor não escolheu outro para ser o interlocutor imparcial Porque esse outro também não teria pensado de outro modo Mas se desde o início ele estivesse disposto a reconhecer a importância da vida sexual todo mundo teria gritado mas esse aí não é alguém imparcial é um adepto seu Não eu não desisto da expectativa de exercer influência sobre as suas opiniões Mas reconheço que esse caso é diferente para mim em relação ao anteriormente tratado Nas abordagens psicológicas seria indiferente se o senhor acreditasse em mim ou não desde que o senhor tivesse a impressão de 170 que se tratava de problemas puramente psicológicos Dessa vez na questão da sexualidade eu gostaria que o senhor fosse acessível diante da percepção de que o seu motivo mais forte para a refutação seria justamente a animosidade trazida de antemão que o senhor divide com tantos outros É que me falta a experiência que criou no senhor uma segurança tão inabalável Bem agora posso continuar com a minha apresentação A vida sexual não é apenas uma mera ocorrência picante mas também um problema científico sério Havia muita novidade nesse terreno muitas curiosidades Eu já lhe disse que a análise teve de retroceder até os anos da primeira infância do paciente porque foi nessa época e durante a fase de fraqueza do Eu que aconteceram os recalques decisivos Mas na infância certamente não há vida sexual ela começa só na época da puberdade não é Pelo contrário tivemos de fazer a descoberta de que as moções pulsionais sexuais acompanham a vida desde o nascimento e que são justamente essas pulsões que fazem com que o Eu infantil delas se proteja através dos recalcamentos Uma combinação curiosa o fato de que já a criança bem pequena se revolta contra o poder da sexualidade como depois o orador na sociedade erudita e depois ainda os meus alunos que propõem as suas próprias teorias não é mesmo Como isso se dá A informação mais geral diria que a nossa cultura em geral é construída às custas da sexualidade mas há muitas outras coisas a serem ditas a esse respeito A descoberta da sexualidade infantil seria um desses achados dos quais devemos nos envergonhar Alguns pediatras sempre souberam desse fato e ao que parece também algumas babás Homens intelectualizados que se denominam psicólogos da infância então falaram em tom crítico de uma desinocentização da infância Como sempre sentimentos em vez de argumentos Nas nossas corporações políticas esses fatos são corriqueiros Alguém da oposição levanta e denuncia uma malversação na administração no exército na justiça e assemelhados Em seguida um outro declara de certo alguém do governo que tais constatações ferem a honra do Estado dos militares da dinastia e até mesmo da Nação Ou seja elas são como que inverídicas Esses sentimentos não toleram ofensas A vida sexual da criança obviamente é diferente daquela do adulto A função sexual perfaz uma evolução complicada desde os primórdios até a configuração final que nos é tão familiar Ela se forma a partir de inúmeras 171 pulsões parciais com objetivos específicos percorre várias fases de organização até por fim se colocar a serviço da reprodução Das pulsões parciais nem todas são úteis em igual medida para o resultado final elas precisam ser desviadas remodeladas e em parte reprimidas unterdrückt Um desenvolvimento tão amplo nem sempre transcorre de forma impecável há inibições no desenvolvimento fixações parciais em níveis iniciais do desenvolvimento ali onde mais tarde há obstáculos para o exercício da função sexual o anseio sexual a libido como dizemos costuma recuar para esses pontos de fixação anteriores O estudo da sexualidade infantil e as suas transformações até a maturidade também nos forneceu a chave para a compreensão das chamadas perversões sexuais que sempre costumavam ser descritas com todos os sinais exigidos de aversão mas cuja gênese não se conseguia esclarecer Toda essa área é extremamente interessante mas para os fins das nossas conversas não faz muito sentido eu continuar lhe contando a respeito Para se orientar nessa área é evidente que são necessários conhecimentos de Anatomia e Fisiologia que infelizmente não podem ser adquiridos em sua totalidade na escola médica mas uma certa familiaridade com a História Cultural e com a Mitologia são igualmente indispensáveis Mas depois disso tudo eu ainda não consigo ter uma visão clara da vida sexual da criança Sendo assim vou me deter mais nesse tema aliás não é fácil para mim me afastar do assunto Veja o mais curioso na vida sexual da criança parece me ser o fato de que ela perfaz todo o seu amplo desenvolvimento nos primeiros cinco anos de vida daí até a puberdade temos o chamado período de latência em que normalmente a sexualidade não faz progressos e em que as aspirações sexuais pelo contrário perdem a intensidade e muito daquilo que a criança já fez ou sabia é descartado e esquecido Nesse período da vida depois que a florada precoce da vida sexual murchou começam a se formar aquelas atitudes do Eu que como a vergonha o nojo e a moralidade têm a finalidade de se manter fortes diante da tempestade da puberdade que está por vir e de colocar nos trilhos o desejo sexual que começa a surgir Essa chamada iniciação da vida sexual em dois tempos tem muito a ver com o surgimento das doenças nervosas Parece que ela ocorre apenas nos seres humanos talvez ela seja uma das condições da prerrogativa humana de se tornar neurótico Os primórdios da vida sexual foram esquecidos antes da Psicanálise assim como em outra área esqueceram o pano de fundo da vida 172 anímica consciente O senhor com razão irá supor que ambos estão intimamente ligados Haveria muito a dizer sobre os conteúdos as mudanças e os produtos desses primórdios da sexualidade que contrariam as expectativas Por exemplo o senhor certamente ficará surpreso ao ouvir que o menininho muitas vezes tem medo de ser devorado pelo pai Não é de se admirar também que eu coloque esse medo entre as expressões da vida sexual Mas quero lembrálo aqui da narrativa mitológica da qual o senhor talvez ainda se lembre de sua época de escola que diz que até o deus Cronos devora os seus filhos Que curioso deve ter lhe parecido esse mito quando o senhor o ouviu pela primeira vez Mas eu acho que naquela época não nos parecia absurdo Hoje também nos lembramos de muitos contos de fada em que aparece um animal que devora alguma coisa como o lobo e nele reconheceremos um disfarce do pai Aproveito essa oportunidade para lhe assegurar que a Mitologia e o mundo dos contos de fada só se tornam compreensíveis a partir do conhecimento da vida sexual infantil Isso acaba sendo um lucro agregado aos estudos analíticos Não será menor o seu espanto quando o senhor ouvir que os meninos têm medo de que o pai lhes roube o órgão sexual de modo que esse medo da castração14 Kastrationsangst terá a maior influência sobre o desenvolvimento do seu caráter e sobre a decisão de sua opção sexual Aqui também a Mitologia o encorajará a acreditar na Psicanálise O mesmo Cronos que devora os seus filhos também castrara o seu pai Urano e depois como vingança foi castrado por seu filho Zeus que fora salvo pela astúcia da mãe Se o senhor tendia a supor que tudo que a Psicanálise conta sobre a sexualidade precoce das crianças é produto da fantasia selvagem dos analistas pelo menos admita que essa fantasia criou as mesmas produções que a atividade fantástica da humanidade primitiva da qual os mitos e os contos de fada são os produtos A outra concepção mais simpática e provavelmente também mais adequada seria que na vida anímica da criança ainda hoje são comprováveis os mesmos momentos arcaicos que originalmente vigoravam nos primórdios da cultura humana em geral A criança repetiria em seu desenvolvimento anímico a história etnográfica Stammesgeschichte de forma abreviada tal como a Embriologia há muito tempo reconheceu em relação ao desenvolvimento do corpo 173 Outra característica da sexualidade da primeira infância é que o órgão sexual feminino propriamente dito ainda não tem um papel importante para a criança ele ainda não foi descoberto Todo o interesse está voltado para o órgão masculino todo o interesse se concentra em detectar se ele está presente ou não Sabemos menos sobre a vida sexual da menininha do que sobre a do menininho Não precisamos ter vergonha dessa diferença uma vez que também a vida sexual da mulher adulta é um dark continent15 para a Psicologia Mas reconhecemos que a menina sente como difícil a falta de um membro sexual masculino equivalente sentese inferior por isso e que essa inveja do pênis é a origem de toda uma série de reações femininas características Também é próprio da criança que as duas necessidades excrementícias estejam investidas besetzt de interesse sexual A educação depois impõe uma diferenciação clara e a prática das piadas volta a suspendêla Isso pode nos parecer repugnante mas como se sabe na criança é necessário bastante tempo até que o asco se instaure Isso não foi negado nem mesmo por aqueles que normalmente defendem a pureza seráfica da alma infantil Mas nenhum outro fato tem chamado mais a nossa atenção que o fato de a criança direcionar regularmente os seus desejos sexuais para as pessoas mais próximas que lhe são aparentadas ou seja em primeira linha pai e mãe e na sequência os irmãos Para o menino a mãe é o primeiro objeto de amor para a menina é o paixxx desde que uma disposição bissexual não favoreça também ao mesmo tempo a disposição contrária A figura parental do mesmo sexo é sentida como rival que atrapalha e não raro é tratada com forte animosidade Entendame bem não quero dizer que a criança só deseja aquele tipo de carinho da parte privilegiada dos pais em que nós adultos gostamos de ver a essência da relação entre pais e filhos Não a análise mostra indubitavelmente que os desejos da criança para além desse carinho almejam tudo aquilo que compreendemos como satisfação sensual considerando o limite da capacidade de imaginação Vorstellungsvermögen da criança É fácil entender que a criança nunca suspeitará da situação verdadeira da união dos sexos para tanto ela ativa outras concepções deduzidas a partir de suas experiências e sensações Geralmente os seus desejos culminam na intenção de dar à luz um filho ou de modo indefinido de concebêlo Desse desejo de dar à luz um filho nem o menino em seu 174 desconhecimento está excluído Chamamos a toda essa construção anímica de complexo de Édipo inspirados pela lenda grega Normalmente com o fim do primeiro período sexual ele deverá ser totalmente abandonado e transformado e os resultados dessa transformação estão destinados a grandes funções na vida anímica posterior Mas em geral ele não ocorre de modo suficientemente radical e então a puberdade provoca uma revivificação do complexo que pode ter consequências graves Eu estou espantado com o seu silêncio Isso dificilmente significa aprovação Quando a análise afirma que a primeira escolha do objeto da criança é uma escolha incestuosa usando o termo técnico certamente ela mais uma vez ofendeu os sentimentos mais sagrados da humanidade e pode se preparar para a respectiva quantidade de incredulidade protesto e acusação E isso ela já experimentou em grande quantidade Nada lhe foi mais prejudicial em relação à acolhida do público do que a apresentação do complexo de Édipo como uma formação geral inerente ao destino humano O mito grego aliás deve ter intencionado o mesmo mas a grande maioria das pessoas de hoje instruídas ou não prefere acreditar que a natureza ativou uma rejeição inata como proteção contra a possibilidade de incesto Num primeiro momento quem nos auxiliará é a História Quando Júlio César pisou no Egito encontrou a jovem rainha Cleópatra que logo se tornaria tão importante para ele casada com o próprio irmão ainda mais jovem Ptolomeu Isso não era nada de mais na dinastia egípcia os Ptolomeus originalmente gregos apenas deram continuidade ao costume que os seus antecessores os antigos faraós já praticavam há alguns milênios Mas isso é apenas incesto entre irmãos que ainda em nossos dias é visto de forma mais branda Por isso voltemonos à nossa testemunhamor das condições nos tempos primordiais a Mitologia Ela tem a nos relatar que os mitos de todos os povos não apenas dos gregos são mais que ricos em relações amorosas entre pai e filha e mesmo entre mãe e filho Tanto a Cosmologia quanto a Genealogia das dinastias reais são fundadas a partir do incesto Com que intenção o senhor acha que essas narrativas foram criadas Para cunhar deuses e reis como criminosos e atrair para si a aversão da raça humana É mais provável que seja porque os desejos incestuosos são uma herança humana dos primórdios e nunca foram superados totalmente de modo que ainda se aceitava a sua realização para os deuses e seus descendentes quando a maioria dos humanos comuns já tinha de renunciar a 175 eles Em total consonância com esses ensinamentos da História e da Mitologia ainda hoje vemos o desejo incestuoso presente e atuante na infância do indivíduo Eu poderia levar a mal o fato de o senhor querer me ocultar tudo isso sobre a sexualidade infantil Pareceme muito interessante justamente por causa de suas relações com a história primordial da humanidade Eu temia que isso nos afastasse demais do nosso objetivo Mas talvez acabe tendo lá a sua vantagem Mas agora me diga que certeza o senhor pode conferir aos seus resultados analíticos sobre a vida sexual das crianças A sua convicção se baseia apenas nas consonâncias com a Mitologia e a História Oh não de modo algum Ela se baseia na observação direta Foi assim nós tínhamos descoberto inicialmente o conteúdo da infância sexual a partir da análise de adultos portanto 20 a 40 anos mais tarde Depois passamos a fazer as análises nas próprias crianças e não foi um triunfo pequeno quando confirmamos nelas aquilo que havíamos deduzido apesar das sobreposições e distorções desse lapso de tempo Como O senhor levou crianças pequenas para a análise crianças de 6 anos Isso funciona Não seria muito questionável para essas crianças Funciona muito bem É inacreditável o que já acontece numa dessas crianças de 4 a 5 anos Nessa idade as crianças ainda são muito ativas intelectualmente os primórdios sexuais para elas são também um período de florescência intelectual Tenho a impressão de que com a chegada do período de latência elas também ficam intelectualmente inibidas mais tolas Muitas crianças também perdem a sua atratividade física a partir dessa fase E quanto aos danos de uma análise precoce posso relatar ao senhor que a primeira criança em quem se ousou aplicar esse experimento há cerca de 20 anos desde então se tornou um jovem saudável e produtivo que passou pela puberdade sem queixas apesar de ter vivido traumas psíquicos graves Pode se esperar que com as outras vítimas da análise precoce não tenha sido diferente Há diversos interesses atrelados a essas análises em crianças é possível que no futuro ainda se tornem mais importantes Seu valor para a teoria é inquestionável Elas fornecem informações unívocas sobre questões que permanecem inconclusas nas análises com adultos protegendo assim o analista de cometer erros que teriam graves consequências para ele Surpreendemse os fatores que configuram a neurose enquanto atuam e eles 176 são evidentes Mas em nome do interesse das crianças o influenciamento analítico precisa estar associado a medidas educacionais Essa técnica ainda aguarda aperfeiçoamento No entanto despertase um interesse prático através da observação de que uma grande quantidade de nossas crianças passa por uma fase claramente neurótica em seu desenvolvimento Desde que aprendemos a olhar mais atentamente somos tentados a dizer que a neurose infantil não é a exceção mas a regra como se no trajeto da disposição infantil até a cultura social ela fosse praticamente inevitável Na maioria dos casos essa disposição neurótica dos anos de infância é superada espontaneamente será que ela não deixa regularmente os seus traços mesmo nos medianamente saudáveis Por sua vez em nenhum dos posteriormente neuróticos sentimos falta da ligação com a doença infantil que não precisa ter sido necessariamente muito clara à sua época De modo bastante análogo creio eu os médicos internistas afirmam hoje que toda pessoa alguma vez na infância passou por uma tuberculose Para as neuroses aliás a questão da inoculação está fora de cogitação apenas a da predisposição Quero voltar à sua questão referente à certeza Como disse em geral nos convencemos a partir da observação analítica direta das crianças de que tínhamos interpretado de forma correta as informações dos adultos sobre a sua infância Mas em uma série de casos ainda se tornou possível para nós outro tipo de confirmação A partir do material da análise tínhamos reconstituído certos processos externos fatos impressionantes dos anos de infância dos quais a recordação consciente dos doentes nada tinha retido e acasos felizes buscas de informação junto a pais e cuidadores então nos trouxeram a prova irrefutável de que esses acontecimentos desbravados realmente aconteceram daquela forma É claro que isso não funcionava com muita frequência mas quando acontecia causava uma impressão espantosa O senhor precisa saber que a reconstrução correta de tais vivências infantis esquecidas sempre tem um grande efeito terapêutico independentemente de elas permitirem uma confirmação objetiva ou não É claro que esses acontecimentos devem a sua importância à circunstância de que aconteceram tão cedo em uma época em que ainda podiam ter efeito traumático sobre o Eu enfraquecido Que acontecimentos são esses que precisam ser descobertos pela análise Variados Em primeira linha tratase de impressões que tinham a 177 capacidade de influenciar constantemente a vida sexual nascente da criança assim como a observação de processos sexuais entre adultos ou experiências sexuais próprias com um adulto ou uma outra criança ocorrências nada raras além disso ouvir conversas que a criança naquela época ainda não entendia ou que viria a entender só mais tarde e das quais ela julgava extrair esclarecimentos sobre coisas misteriosas ou inquietantes unheimliche ademais expressões e ações da própria criança que comprovam uma postura importante afetuosa ou hostil dela diante de outras pessoas De crucial importância na análise é fazer recordar a atividade sexual esquecida da criança acrescendo a isso a intervenção do adulto que pôs fim a tal atividade Isso para mim é a oportunidade para levantar uma questão que eu queria colocar há muito tempo Então afinal em que consiste a atividade sexual da criança durante esse período inicial que como o senhor disse tinha sido ignorada antes da Psicanálise Curiosamente no entanto não se tinha esquecido o elemento regular e essencial dessa atividade sexual isto é nem é espantoso porque era evidente As moções sexuais da criança encontram a sua mais importante expressão na autossatisfação a partir da estimulação dos próprios genitais na verdade a porção masculina deles A incrível disseminação desse vício infantil sempre foi do conhecimento dos adultos e ele costumava ser condenado como pecado grave e tratado com rigidez Não me pergunte como se conseguiu unir essa observação das tendências indecorosas das crianças pois as crianças o fazem porque segundo elas próprias divertemse com isso com a teoria de sua pureza e falta de decoro ambos inatos Peça que os opositores esclareçam esse enigma Para nós colocase um problema mais importante Como se comportar diante da atividade sexual da primeira infância Sabemos da responsabilidade que assumimos quando reprimimos unterdrücken essa atividade mas ao mesmo tempo não temos coragem de deixála fluir ilimitadamente Em povos de pouca cultura e nas camadas inferiores dos povos civilizados a sexualidade das crianças parece estar liberada Com isso talvez se tenha conseguido uma proteção forte contra o adoecimento posterior por neuroses individuais mas será que também não se paga um preço extraordinário em detrimento da capacidade de criar produtos culturais Muitos argumentos mostram que estamos aqui diante de uma nova escolha entre Cila e Caríbdis16 178 Quanto a se os interesses suscitados através do estudo da vida sexual dos neuróticos criam uma atmosfera favorável ao despertar da volúpia Lüsternheit isso eu deixo a cargo de seu próprio juízo V Creio entender o seu intuito O senhor quer me mostrar quais os conhecimentos de que precisamos para exercer a análise para que eu possa julgar se apenas o médico deveria ser autorizado a exercêla Bem até agora surgiram poucos assuntos médicos muita Psicologia e um pouco de Biologia ou Sexologia Mas talvez ainda não tenhamos vislumbrado o final Certamente não Ainda há lacunas a preencher Posso lhe pedir algo O senhor não quer me descrever como o senhor imagina agora que seja um tratamento analítico Como se o senhor mesmo tivesse de fazêlo Bem isso está ficando cada vez melhor Eu realmente não tenho a intenção de decidir a nossa questão polêmica com um tal experimento Mas vou lhe fazer esse favor uma vez que a responsabilidade seria sua de todo modo Pois então eu suponho que o paciente chegue até mim e se queixe de seus problemas Eu lhe prometo a cura ou a melhora se ele quiser seguir as minhas instruções Eu o encorajo a me dizer com toda a sinceridade tudo o que sabe e o que lhe ocorre e lhe digo para não se deixar desviar dessa intenção mesmo se alguma coisa lhe for desagradável de ser dita Eu me lembrei bem dessa regra Sim o senhor ainda deveria acrescentar mesmo se ele achar que aquilo que lhe ocorre é desimportante ou não faz sentido Isso também Então ele começa a contar e eu escuto Sim e depois A partir de suas informações eu infiro que impressões vivências moções de desejo ele recalcou porque elas lhe apareceram em uma época em que seu Eu ainda estava fraco e as temia em vez de lidar com elas Quando ele ouve isso de mim ele se coloca nas situações daquela época e age de forma melhor com a minha ajuda Então as restrições a que se via obrigado o seu Eu desaparecem e o paciente se restabelece É isso mesmo Bravo bravo Eu vejo que novamente poderão me criticar dizendo que eu formei um não médico para ser analista O senhor se apropriou muito bem disso Eu apenas repeti o que ouvi do senhor como se eu repetisse algo que foi 179 decorado Não consigo imaginar como eu faria isso e não entendo por que um trabalho desses precisa de uma hora diária durante tantos meses Uma pessoa normal geralmente não vivenciou tanta coisa assim e aquilo que é recalcado na infância provavelmente é a mesma coisa em todos os casos Aprendemse ainda muitas coisas no verdadeiro exercício da análise Por exemplo o senhor não acharia tão fácil tirar conclusões a partir das comunicações Mitteilungen do paciente em relação às vivências que ele esqueceu e as moções pulsionais que ele recalcou Ele lhe dirá uma coisa qualquer o que inicialmente para o senhor fará tão pouco sentido quanto para ele O senhor terá de decidir lidar de uma forma muito especial com o material que o analisando lhe apresenta seguindo fielmente a regra Assim como um minério do qual extraímos o teor de metal precioso a partir de determinados processos Desse modo o senhor também estará preparado para processar muitas toneladas de minério que talvez só contenham pouco daquela matéria preciosa que se busca Aqui teríamos a primeira razão para a longa duração do tratamento Mas como é que processamos essa matériaprima para nos atermos à sua comparação Na medida em que supomos que as informações e ocorrências do doente sejam apenas deformações daquilo que procuramos assim como alusões a partir das quais o senhor terá de adivinhar o que se esconde por trás delas Resumindo primeiro o senhor terá de interpretar esse material seja ele composto de recordações ocorrências ou sonhos Obviamente isso se dá tendo em vista as expectativas que se formaram no senhor graças ao seu conhecimento técnico enquanto ouvia o que lhe era dito Interpretar Essa é uma palavra desagradável Não gosto de ouvila com ela o senhor me tira toda a segurança Se tudo depende da minha interpretação quem me garante que ela esteja correta Então tudo estará à mercê da minha arbitrariedade Calma não é tão grave assim Por que o senhor quer excluir os seus próprios processos anímicos das regras que o senhor reconhece para os processos dos outros Se o senhor adquiriu um certo autocontrole e dispõe de determinados conhecimentos as suas interpretações permanecerão imunes às suas propriedades pessoais e chegarão à conclusão correta Não digo com isso que para essa parte da tarefa a personalidade do analista seja indiferente Entra em cena uma certa sensibilidade auditiva para o que foi recalcado 180 inconscientemente e nem todos possuem o mesmo grau de sensibilidade E principalmente atrelada a isso temos também a obrigação do analista de se tornar apto para a recepção sem preconceitos do material analítico a partir de uma profunda análise própria Resta uma coisa evidentemente que é comparável à equação pessoal nas observações astronômicas esse momento individual sempre terá um papel maior na Psicanálise do que nas outras áreas Uma pessoa anormal poderá se tornar um físico correto mas como analista ela estará impedida por sua própria anormalidade de perceber as imagens da vida anímica sem distorção Como não se pode comprovar a anormalidade de ninguém será muito difícil alcançar uma unanimidade geral nas questões da Psicologia Profunda Alguns psicólogos acham até que isso não tem chance alguma e que todo tolo tem o mesmo direito de vender a sua tolice como sendo sabedoria Confesso que nesse ponto sou mais otimista Pois as nossas experiências mostram que também na Psicologia podem ser alcançadas unanimidades bastante satisfatórias Toda área de pesquisa tem a sua dificuldade específica que precisa do nosso esforço para ser eliminada Aliás também na arte de interpretação na análise há muito a ser aprendido como uma matéria nova por exemplo aquilo que está associado à curiosa representação indireta por meio de símbolos Bem não tenho mais vontade de empreender um tratamento analítico nem que seja em pensamento Quem sabe que surpresas me esperariam aí O senhor faz bem em desistir dessa intenção O senhor percebe quanto treinamento e exercício ainda seriam necessários Quando o senhor encontrar as interpretações corretas ainda se coloca uma nova tarefa O senhor precisa aguardar o momento certo para informar ao seu paciente a sua interpretação se quiser ter sucesso na empreitada E como percebemos qual é o momento certo em cada caso É uma questão de tato que pode ser bastante refinado através da experiência O senhor incorrerá em erro grave se despejar no paciente a sua interpretação assim que a tiver encontrado com o objetivo de encurtar a análise Fazendo isso o senhor receberá manifestações de resistência rejeição e indignação do paciente mas não conseguirá que o seu Eu domine o recalcado A prescrição é esperar até que ele tenha se aproximado disso de tal maneira que precise apenas dar mais alguns passos guiado pela interpretação sugerida Eu acho que nunca aprenderia isso E se eu tiver tomado todos esses 181 cuidados na interpretação o que acontece depois Aí o senhor está determinado a fazer uma descoberta para a qual o senhor não está preparado E qual seria Que o senhor se enganou na avaliação do paciente que o senhor não pode contar com a ajuda e a submissão dele que ele está disposto a colocar todos os empecilhos possíveis no caminho do trabalho conjunto resumindo que ele não quer se curar Não isso é a coisa mais louca que o senhor me disse até agora Eu não acredito nisso O doente que sofre tanto que reclama de forma tão pungente dos males que o afligem que faz tanto sacrifício pelo tratamento não quer se curar Certamente o senhor não quer dizer isso nesse sentido Quero dizer isso sim acredite O que eu disse é a verdade obviamente não toda ela mas uma parcela considerável dela O doente quer se curar mas ao mesmo tempo ele não quer Seu Eu perdeu a unidade por isso ele também não apresenta uma vontade unificada Se fosse diferente ele não seria um neurótico Se eu tivesse razão não seria o Tell17 Os derivados do recalcado irromperam no seu Eu ali se firmam e o Eu tem tão pouco domínio sobre as aspirações dali originadas quanto sobre o próprio recalcado e geralmente nada sabe a respeito delas E esses pacientes justamente são de um tipo especial e causam dificuldades com as quais não estamos acostumados a lidar Todas as nossas instituições sociais são talhadas para pessoas com um Eu unificado e normal que pode ser classificado como bom ou mau que preenche a sua função ou é desligado por força de uma influência de elevado poder Por isso temos a alternativa judicial responsável ou irresponsável Nenhuma dessas distinções é adequada para os neuróticos Temos de confessar que é difícil adequar as exigências sociais ao seu estado psicológico Em grande escala vivemos isso na última guerra Será que os neuróticos que se furtaram ao serviço militar eram farsantes ou não Eram ambos Quando eram tratados como farsantes tornando a doença desconfortável eles se curavam quando os supostamente curados eram mandados para o serviço logo eles voltavam a se refugiar na doença Nada havia a fazer com eles E o mesmo acontece com os neuróticos na vida civil Eles reclamam da doença mas a aproveitam ao máximo e quando a 182 queremos tirar deles eles a defendem como a leoa defende os filhotes não havendo sentido em criticálos por essa contradição Mas não seria melhor então nem tratar dessas pessoas difíceis e deixá las entregues à própria sorte Não quero crer que valha a pena empenhar tanto esforço em cada um desses doentes como eu suponho que seja necessário a partir de suas alusões Não posso concordar com a sua sugestão Certamente seria mais correto aceitar as complicações da vida em vez de se rebelar contra elas Nem todo neurótico que tratamos é digno do esforço da análise mas entre eles certamente há pessoas muito valiosas Precisamos ter como meta conseguir que o mínimo possível de indivíduos humanos enfrente a vida cultural com um equipamento anímico tão deficiente e é por isso que precisamos acumular muitas experiências aprender a compreender muito Toda análise pode ser instrutiva trazernos um ganho a partir de novos esclarecimentos para não falar do valor pessoal de cada paciente Mas se no Eu do paciente se formou uma moção de vontade que quer manter a doença ela precisa se reportar a razões e motivos precisa se justificar com alguma coisa Mas é incompreensível por que razão uma pessoa queira estar doente e o que ela ganharia com isso Oh sim não é nada difícil ocorrer Pense nos neuróticos de guerra que não precisam servir por estarem doentes Na vida burguesa a doença pode servir como proteção para embelezar a sua incapacidade na profissão e na concorrência com os outros na família pode servir como meio para obrigar os outros a sacrifícios e provas de amor ou para impor a sua vontadexxxi Isso tudo é bastante superficial vamos resumilo sob o termo ganho da doença apenas é curioso que o doente o seu Eu nada saiba de toda essa associação de motivos com as suas ações coerentes Combatemos a influência dessas aspirações na medida em que convocamos o Eu a tomar conhecimento delas No entanto ainda há motivos mais profundos para se agarrar à doença com os quais é mais difícil de lidar Mas não podemos entendêlos sem uma nova excursão pela teoria psicológica Continue a sua explanação sem problemas Um pouco a mais ou um pouco a menos de teoria não vai fazer diferença agora Quando dissequei para o senhor a relação entre Eu e Isso omiti uma parte importante da doutrina sobre o aparelho anímico É que éramos obrigados a 183 supor que dentro do próprio Eu se distinguia uma instância específica que chamamos de SuperEuxxxii Esse SuperEu tem uma posição entre o Eu e o Isso Ele pertence ao Eu compartilha da sua avançada organização psicológica mas se encontra em relação especialmente íntima com o Isso Na verdade é a precipitação das primeiras cargas de objeto Objektbesetzungen do Isso o herdeiro do complexo de Édipo depois de sua abertura Esse Super Eu pode se contrapor ao Eu tratálo como objeto e muitas vezes ele o trata de forma muito dura Para o Eu é tão importante estar em acordo com o Super Eu quanto com o Isso Discordâncias entre o Eu e o SuperEu têm grande importância para a vida anímica O senhor certamente já deve estar adivinhando que o SuperEu é o portador do fenômeno que chamamos de consciência moral Gewissen18 Para a saúde anímica é muito importante que o SuperEu tenha uma formação normal isto é que tenha permanecido suficientemente impessoal Justamente no neurótico não é esse o caso pois o seu complexo de Édipo não experimentou a transformação correta O seu SuperEu ainda está contraposto ao Eu como o pai severo diante da criança e a sua moralidade age de forma primitiva na medida em que o Eu se deixa castigar pelo SuperEu A doença é utilizada como meio de autopunição o neurótico precisa se comportar como se fosse dominado por uma sensação de culpa que para ser aplacada precisa da doença como punição Isso realmente parece muito misterioso O mais curioso nisso tudo é que esse poder de sua consciência moral seines Gewissens também não deve se tornar consciente zum Bewußtsein kommen19 Sim nós estamos apenas começando a valorizar todas essas importantes relações Por isso a minha apresentação tinha de resultar tão obscura Agora posso continuar Chamamos a todas as forças que se contrapõem ao trabalho de cura de resistências do paciente O ganho da doença é a fonte de uma tal resistência a sensação inconsciente de culpa representa a resistência do SuperEu ela é o fator mais poderoso e o mais temido por nós No tratamento ainda encontraremos outras resistências Se nos primórdios o Eu realizou um recalque movido pela angústia essa angústia continua existindo e agora se manifesta como resistência quando o Eu deve se aproximar do recalcado Por fim podemos imaginar que não são poucas as dificuldades quando um processo pulsional que durante décadas trilhou um determinado caminho de repente precisa trilhar um novo caminho que lhe abriram 184 Poderíamos chamar isso de resistência do Isso A luta contra todas essas resistências é o nosso trabalho principal durante o tratamento analítico diante disso a tarefa das interpretações chega a desaparecer Através dessa luta e da superação das resistências no entanto o Eu do paciente também é modificado e fortalecido de modo que podemos vislumbrar com tranquilidade o seu comportamento futuro após o término do tratamento Por outro lado agora o senhor entende por que precisamos dessa longa duração do tratamento A extensão do caminho do desenvolvimento e a riqueza do material não são o elemento decisivo É mais importante saber se o caminho está livre Num trecho que em tempos de paz pode ser percorrido de trem em algumas horas um exército pode ser retido durante semanas se tiver de superar aí a resistência do inimigo Essas batalhas dispendem tempo também na vida anímica Infelizmente tenho de constatar que todos os esforços de acelerar sensivelmente o tratamento analítico até agora fracassaram O melhor caminho para o encurtamento do tratamento parece ser a sua execução correta Se alguma vez eu tivesse tido vontade de me intrometer no seu ofício e tentar fazer eu mesmo a análise de uma outra pessoa as suas informações sobre as resistências teriam me curado dessa intenção Mas o que dizer sobre a influência pessoal especial que o senhor confessou existir Ela não se insurge contra as resistências É bom que o senhor pergunte isso agora Essa influência pessoal é a nossa arma dinâmica mais poderosa é aquele elemento novo que introduzimos na situação e com o qual a fazemos seguir O teor intelectual dos nossos esclarecimentos não consegue fazer isso pois o paciente que compartilha todos os preconceitos do ambiente precisaria acreditar em nós tão pouco quanto os nossos críticos científicos O neurótico arregaça as mangas porque ele acredita no analista e acredita nele porque adquire uma atitude emocional especial em relação à pessoa do analista Também a criança só acredita nas pessoas com as quais possui vínculo Eu já lhe disse com que finalidade usamos essa influência sugestiva especialmente grande Não só para a supressão Unterdrückung dos sintomas é isso que diferencia o método analítico dos outros procedimentos da psicoterapia mas como força motriz Triebkraft para incentivar o Eu do paciente a superar as suas resistências Bem e se isso der certo o resto também funcionará bem Sim deveria Mas aí aparece uma complicação inesperada Talvez tenha 185 sido a maior surpresa para o analista o fato de que a relação de sentimentos que o doente adota em relação a ele é de natureza muito curiosa Já o primeiro médico que tentara uma análise e não era eu deparouse com esse fenômeno que o desconcertou20 É que essa relação pautada em sentimentos para dizêlo de forma bem clara é da natureza de um enamoramento Curioso não Se além disso o senhor considerar que o analista nada faz para provocála que pelo contrário mantémse afastado do paciente no âmbito pessoal cercando a sua própria pessoa de uma certa reserva E se ademais o senhor ficar sabendo que essa relação amorosa curiosa desconsidera todas as outras vantagens reais que se sobrepõe a todas as variações de atração pessoal de idade sexo e posição social Esse amor é até obrigatório Não que essa característica do enamoramento espontâneo de resto seja algo estranho O senhor sabe o contrário é suficientemente frequente mas na situação analítica se instala com regularidade porém sem encontrar aí uma explicação racional Poderíamos crer que a partir da relação do paciente com o analista para o primeiro nada mais resultaria do que um certo grau de respeito confiança gratidão e simpatia humana Em vez disso temos esse enamoramento que ele próprio dá a impressão de um fenômeno patológico Bem eu deveria crer que isso seria benéfico para os seus intentos analíticos Quando se ama se é submisso e se faz tudo por amor à outra parte Sim no início é benéfico mas depois quando essa paixão se aprofunda aparece toda a sua natureza em que muitas coisas são incompatíveis com a tarefa da análise O amor do paciente não se contenta em obedecer ele se torna exigente exige satisfações carinhosas e sensuais exige exclusividade desenvolve ciúme mostra de forma cada vez mais evidente o seu lado oposto a disposição para a animosidade e a vingança quando não consegue realizar as suas intenções Ao mesmo tempo como toda paixão reprime todos os outros conteúdos anímicos apaga o interesse pelo tratamento e pela cura em resumo não duvidamos que ela se colocou no lugar da neurose e o nosso trabalho teve como resultado substituir uma forma de doença por outra xxxiii Isso agora soa desesperançoso O que fazer nessa situação Deverseia desistir da análise mas como o resultado aparece em todos os casos como o 186 senhor disse não se poderia fazer análise nenhuma Em primeiro lugar vamos aproveitar a situação para aprendermos a partir dela O que ganhamos assim pode nos ajudar depois para dominála Não é muito digno de nota que tenhamos conseguido transformar uma neurose de conteúdo aleatório em um estado de paixão doentia A nossa convicção de que a neurose tem como base uma parte da vida amorosa usada de forma anormal é reforçada inabalavelmente a partir dessa experiência Com essa percepção voltamos a nos movimentar em solo firme ousando agora tomar esse enamoramento como o objeto da análise Também faremos outra observação Não é em todos os casos que esse apaixonamento analítico se expressa de forma tão clara e tão crassa como tentei descrever aqui Mas por que isso não acontece Logo perceberemos Na medida em que os lados ultrassensuais e os hostis do seu enamoramento querem se mostrar também acorda a aversão do paciente a eles Ele luta contra eles busca recalcálos diante dos nossos olhos E agora entendemos o processo O paciente repete sob a forma do enamoramento pelo analista vivências anímicas pelas quais já passou antigamente ele transferiu para o analista as posições anímicas que estavam disponíveis dentro dele e que estavam intimamente associadas à sua neurose Ele também repete as suas reações de rejeição daquela época à nossa vista e preferiria repetir todos os destinos daquele período esquecido da vida na sua relação com o analista O que ele nos mostra portanto é o cerne de sua história de vida íntima ele o reproduz de forma tangível como se fosse presente em vez de se recordar dele Com isso solucionamos o mistério do amor transferencial e a análise pode ser continuada justamente com a ajuda da nova situação que lhe parecia tão ameaçadora Isso é bem sagaz E o doente acredita tão facilmente que ele não está apaixonado mas apenas que é obrigado a reencenar uma peça antiga Tudo agora depende disso e toda a habilidade no manejo da transferência condiz com a tentativa de alcançar isso O senhor percebe que nesse ponto as exigências feitas à técnica analítica experimentam o seu ápice É aqui que podemos cometer os erros mais graves ou obter os maiores sucessos A tentativa de se esquivar das dificuldades suprimindo unterdrück ou desconsiderando a transferência seria absurda seja lá o que se tenha feito certamente não mereceria o nome de análise Mandar o paciente embora assim que os lados desagradáveis de sua neurose 187 transferencial se instalam tampouco faz sentido e além disso é uma covardia é como se invocássemos espíritos e depois saíssemos correndo assim que eles aparecessem É bem verdade que às vezes não temos como agir diferentemente há casos em que não dominamos a transferência desencadeada e temos de interromper a análise mas pelo menos precisamos ter vivido um embate de forças com os espíritos maus Ceder às exigências da transferência realizar os desejos do paciente por satisfação carinhosa e sensual não nos é proibido apenas por restrições morais mas também é totalmente inadequado como recurso técnico para atingir a meta analítica O neurótico não pode ser curado pelo fato de termos possibilitado a ele a repetição sem correção de um clichê inconsciente preparado dentro dele Se entrarmos em acordos negociados com ele oferecendolhe satisfações parciais em troca de sua colaboração na análise precisamos tomar cuidado para não entrarmos naquela situação ridícula do religioso que deve converter o corretor de seguros doente O doente não é convertido mas o religioso sai de lá com uma apólice A única saída possível dessa situação da transferência é a recondução ao passado do doente tal como ele a vivenciou realmente ou tal como ele a configurou através da atividade de sua imaginação que realiza os seus desejos E isso exige do analista muita habilidade paciência calma e abnegação E onde o senhor acha que o neurótico vivenciou o modelo para o seu amor transferencial Na infância geralmente na relação com um dos pais O senhor se lembra da importância que tivemos de atribuir a essas primeiras relações afetivas Aqui portanto o círculo se fecha O senhor terminou finalmente Estou um pouco tonto com a quantidade de coisas que ouvi do senhor Apenas me diga ainda como e onde se aprende o que se precisa para exercer a análise Atualmente há dois institutos em que ocorre o ensino da Psicanálise O primeiro em Berlim foi instalado pelo Dr Max Eitingon da associação local O segundo é mantido pela Associação Vienense de Psicanálise Wiener Psychoanalytische Vereinigung com recursos próprios e com sacrifícios consideráveis A participação dos órgãos públicos por enquanto se resume às diversas dificuldades que eles oferecem a esse novo empreendimento Um terceiro instituto de ensino está para ser inaugurado em Londres pela 188 associação local sob a direção do Dr Ernest Jonesxxxiv Nesses institutos os próprios candidatos são analisados têm aulas teóricas em forma de palestras sobre todos os objetos importantes para eles e usufruem da supervisão de analistas mais velhos e experientes quando são habilitados a empreender os primeiros experimentos em casos mais simples Calculase que sejam necessários em média dois anos para essa formação Evidentemente após esse período ainda se é iniciante não um mestre Aquilo que ainda for lacunar precisa ser adquirido por meio de exercícios e pela troca de ideias nas associações psicanalíticas onde membros mais jovens encontram os mais velhos A preparação para a atividade analítica não é tão fácil e simples como se pensa o trabalho é difícil a responsabilidade é grande Mas aquele que tiver passado por uma formação dessas que tiver sido analisado que absorveu tudo o que pode ser ensinado hoje sobre a Psicologia do Inconsciente que transita bem na ciência da vida sexual e que aprendeu a técnica delicada da Psicanálise assim como a arte da interpretação o combate às resistências e o manuseio da transferência não é mais um leigo na área da Psicanálise Ele está apto a empreender o tratamento de distúrbios neuróticos e com o passar do tempo ele poderá produzir nesse contexto tudo aquilo que se pode requerer dessa terapia VI O senhor empenhou grande esforço para me mostrar o que é a Psicanálise e quais os conhecimentos de que se precisa para praticála com alguma perspectiva de sucesso Bem não me fará mal ter ouvido o senhor Mas não sei que influência o senhor espera ter sobre a minha opinião em relação às suas considerações Vejo diante de mim um caso que não tem nada de extraordinário As neuroses são um tipo especial de doença a análise é um método especial para tratála uma especialidade médica Geralmente a regra é que um médico que escolheu uma área específica da Medicina não se satisfaça com a formação atestada pelo diploma Especialmente quando ele quer se estabelecer em uma cidade maior somente onde se podem alimentar especialistas Quem quiser ser cirurgião procurará trabalhar alguns anos em uma clínica cirúrgica assim como o oftalmologista o laringologista etc e até o psiquiatra que talvez nunca se livre de uma instituição pública ou de um sanatório Será o mesmo para o psicanalista aquele que decidir seguir 189 essa nova especialidade médica depois de formado terá de passar pelos dois anos de formação nos institutos de ensino dos quais o senhor falava se é que realmente levará esse tempo todo Ele também perceberá que será vantajoso manter o contato com os colegas em uma sociedade psicanalítica e tudo seguirá na mais perfeita ordem Não entendo como pode haver espaço aí para a questão da análise leiga O médico que faz isso que o senhor prometeu em seu nome será bem vindo para todos nós Quatro quintos das pessoas que reconheço como meus alunos já são médicos mesmo Mas permitame lhe apresentar como as relações dos médicos com a análise realmente se configuraram e como previsivelmente irão continuar se desenvolvendo Os médicos não têm um direito historicamente adquirido de propriedade exclusiva da análise muito pelo contrário até há pouco tempo eles se valiam de tudo do escárnio mais raso até a calúnia pesada para prejudicála O senhor responderá com razão que isso pertence ao passado e que não influenciará necessariamente o futuro Concordo mas temo que o futuro será diferente do que o senhor previu Permita que eu dê à palavra charlatão Kurpfuscher o sentido a que tem direito no lugar do significado legal Para a lei um charlatão é aquele que trata de pacientes sem poder se identificar por meio da posse de um diploma oficial de médico Eu preferiria outra definição charlatão é aquele que empreende um tratamento sem possuir os conhecimentos e as habilidades necessários para tanto Com base nessa definição ouso afirmar que não apenas nos países europeus os médicos representam a maioria do contingente de charlatães na análise Eles muitas vezes exercem o tratamento analítico sem o ter aprendido e sem compreendêlo É inútil o senhor querer retrucar que isso é inconsequente que o senhor não quer imputar isso aos médicos Que um médico deve saber que um diploma médico não é uma carta branca e que um doente não está disponível ao léu Que se deve confiar que o médico sempre age de boafé mesmo ele talvez incorrendo em enganos Os fatos perduram esperemos que eles possam ser esclarecidos da forma como o senhor imagina Vou tentar esmiuçar para o senhor como é possível que um médico em questões da análise se comporte de uma forma que ele evitaria com todo o cuidado em qualquer outra área Aqui em primeira linha precisamos levar em consideração que o médico recebeu uma formação na Faculdade de Medicina que é mais ou menos o 190 contrário do que ele precisaria como preparação para a Psicanálise A sua atenção foi direcionada para fatos anatômicos físicos e químicos objetivamente detectáveis e da percepção correta deles e do influenciamento Beeinflussung adequado depende o sucesso da ação médica No seu raio de visão encontrase o problema da vida na medida em que até agora se revelou para nós a partir do jogo das forças comprováveis também na natureza inorgânica Não se desperta o interesse pelos lados anímicos dos fenômenos da vida o estudo das produções espirituais mais elevadas não diz respeito à Medicina isso é do âmbito de outra faculdade Apenas a Psiquiatria deveria se ocupar dos distúrbios das funções anímicas mas sabese de que modo e com que intenções ela o faz Ela busca as condições físicas dos distúrbios da alma e as trata como outras causas de doença Nisso a Psiquiatria tem razão e a formação médica ao que parece é excelente Se dissermos que ela é unilateral precisamos detectar a partir de qual perspectiva essa característica se torna uma crítica Em si toda ciência é unilateral ela precisa sêlo na medida em que se restringe a determinados conteúdos pontos de vista e métodos É um contrassenso e não quero ser parte disso que se jogue uma ciência contra a outra A Física não desmerece a Química ela não pode substituíla mas também não pode ser substituída por ela A Psicanálise com certeza é especialmente unilateral como a ciência do inconsciente anímico O direito à unilateralidade portanto não deve ser contestado às Ciências Médicas O ponto de vista procurado só será encontrado se nos desviarmos da Medicina científica para chegar à cura prática A pessoa doente é um ser complicado ela pode nos lembrar de que nem mesmo os fenômenos anímicos tão difíceis de ser abarcados podem ser apagados do quadro da vida Até o neurótico é uma complicação indesejada um malestar para a arte da cura assim como o é para o direito e o serviço militar Mas ele existe e concerne à Medicina de modo bastante direto E para julgálo digno bem como para tratálo a formação médica em nada contribui absolutamente nada Na relação intensa entre as coisas que dividimos como sendo físicas e anímicas podemos prever que chegará o dia em que se abrirão os caminhos do conhecimento e oxalá também do influenciamento Beeinflussung da Biologia dos órgãos e da Química para termos um quadro das manifestações da neurose Esse dia parece ainda estar distante atualmente esses estados de doença ainda são inacessíveis pelo lado da Medicina 191 Seria tolerável se a formação médica falhasse somente em suprimir dos médicos a orientação no âmbito das neuroses Ela faz mais ela transmite a eles uma postura errada e nociva Os médicos nos quais não foi despertado o interesse pelos fatores psíquicos da vida agora estarão mais do que dispostos a menosprezálos e a ironizálos como sendo não científicos Por isso eles não conseguem levar nada realmente a sério que esteja relacionado a eles e não percebem as responsabilidades deles decorridas Por essa razão eles sucumbem à falta de respeito semelhante à do leigo diante da pesquisa psicológica e facilitam a sua tarefa Ora os neuróticos precisam ser tratados porque são doentes e se dirigem ao médico sempre se precisa tentar algo novo Mas por que se submeter ao esforço de uma preparação longa Também funcionará sem isso quem sabe para o que serve o que ensinam nos institutos analíticos Quanto menos eles entendem do assunto mais ousados eles se tornam Apenas aquele que realmente sabe ficará modesto pois sabe como esse conhecimento é insuficiente A comparação da especialidade analítica com outras disciplinas médicas que o senhor fez para me acalmar portanto não se aplica Para a Cirurgia a Oftalmologia etc a própria escola oferece a possibilidade de formação continuada Os institutos analíticos são poucos novos e desprovidos de autoridade A Escola de Medicina não os reconheceu e não se ocupa deles O jovem médico que teve de acreditar em tanta coisa que os seus professores diziam sobrando pouco espaço para a educação de seu próprio juízo adorará aproveitar a oportunidade de enfim poder fazer o papel de crítico numa área em que ainda não existe autoridade reconhecida Ainda há outras condições que favorecem a sua atuação como charlatão analista Se ele quisesse fazer operações oftalmológicas sem a devida preparação o insucesso de suas extrações de catarata e de iridectomias bem como a ausência de pacientes logo colocariam um ponto final em sua ousadia O exercício da análise para ele é comparavelmente inofensivo O público está acostumado com os resultados positivos da média das cirurgias oftalmológicas e espera a cura por parte do cirurgião Mas quando o médico dos nervos não restabelece os seus doentes ninguém se espanta Não se ficou acostumado com os sucessos da terapia dos doentes de nervos pelo menos o médico dos nervos se dedicou muito a eles Nesse caso não há mesmo muito que fazer a natureza ou o tempo é que irão ajudar Ou seja no caso da mulher primeiro a menstruação depois o casamento e mais tarde a 192 menopausa No fim o que ajuda é a morte Além disso aquilo que o analista médico fez com o nervoso é tão pouco notável que não se pode criticar nada a respeito Ele não usou instrumentos ou medicamentos apenas conversou com ele tentou convencêlo ou demovêlo de algo Isso não pode fazer mal especialmente quando se evitou tocar em coisas vexaminosas ou que provoquem comoção O analista médico que se libertou da instrução rígida certamente não deixou de lado a tentativa de melhorar a análise quebrarlhe os dentes peçonhentos e tornála agradável para os doentes E que bom se ele permaneceu nessa tentativa porque se ele realmente tivesse a coragem de despertar resistências e depois não soubesse como enfrentálas aí sim nesse caso ele realmente poderia ter se tornado impopular Para sermos honestos a atividade de um analista sem treinamento também é mais inofensiva para o doente do que a de um cirurgião pouco hábil O possível dano se restringe ao fato de que o doente foi motivado a fazer um esforço inócuo e que perdeu ou piorou as chances de cura Além disso rebaixouse a fama da terapia analítica Isso tudo é bastante indesejável mas não se compara aos perigos decorrentes do bisturi de um cirurgião charlatão Pioras graves e duradouras do estado patológico no meu entender não devem ser temidas mesmo na aplicação inábil da análise As reações indesejáveis depois de um tempo esmorecem Além dos traumas da vida que produziram a doença esse pouco de tratamento equivocado do médico é irrelevante Apenas que justamente a tentativa terapêutica inadequada não produziu nada de bom para o doente Eu ouvi a sua descrição do médico charlatão na análise sem interrompê lo não deixando de ter a impressão de que o senhor está dominado pela animosidade contra a classe médica sendo que o senhor mesmo me apontou o caminho para a sua explicação histórica Mas confesso que concordo com uma coisa já que se vai executar a análise que seja feita por pessoas que tiveram uma sólida formação na área E o senhor não acredita que os médicos que se voltam para a análise no decorrer do tempo vão fazer todo o possível para se apropriar dessa formação Temo que não Enquanto a relação entre a faculdade e o instituto analítico permanecer inalterada possivelmente os médicos acharão grande demais a tentação de lhes facilitar a vida Mas o senhor parece se esquivar constantemente de uma afirmação direta em relação à questão da análise leiga Agora devo adivinhar que o senhor 193 sugere que pelo fato de não se poder controlar os médicos que querem analisar devase de certa forma por vingança e para punilos tirarlhes o monopólio da análise e abrir essa atividade médica também para os leigos Não sei se o senhor adivinhou corretamente os meus motivos Talvez mais tarde eu possa lhe apresentar o testemunho de uma posição menos partidária Mas coloco a ênfase na exigência de que ninguém que não tenha sido habilitado para tanto através de uma formação específica deva exercer a análise Se essa pessoa é um médico ou não pareceme secundário Então que sugestões específicas o senhor teria a fazer Ainda não cheguei a esse ponto e também não sei se chegarei Quero abordar outra questão com o senhor agora mas também gostaria de tocar em determinado ponto à guisa de introdução Dizem que os órgãos responsáveis motivados pela classe médica querem proibir aos leigos em geral o exercício da análise Essa proibição afetaria também os membros não médicos da Associação Psicanalítica que usufruíram de uma formação excelente e se aperfeiçoaram por meio do exercício Se a proibição for promulgada teremos uma situação em que se impede uma série de pessoas de exercerem uma atividade em relação à qual podemos estar convictos de que a possam exercer muito bem enquanto se libera essa mesma atividade para pessoas em relação às quais não podemos ter uma garantia semelhante E isso não é exatamente o resultado que uma lei quer alcançar No entanto esse problema específico não é nem muito importante nem difícil de resolver Tratase aqui de uma quantidade de pessoas que não podem ser prejudicadas gravemente Provavelmente elas emigrarão para a Alemanha onde sem o impedimento legal logo receberão o reconhecimento pelo seu empenho Caso se queira poupálas disso e abrandar a dureza da lei para elas isso seria fácil com base em casos precedentes conhecidos Na Áustria monárquica por diversas vezes se concedeu permissão para a atividade médica em determinadas áreas ad personam a notórios charlatães porque havia convicção sobre a sua real capacidade Esses casos se reportavam em sua maioria a camponeses curandeiros e a aquiescência regularmente se dava por meio de uma das outrora inúmeras arquiduquesas mas também deveria ser possível para os citadinos e com base em outras garantias puramente técnicas Mais importante teria sido o efeito de tal proibição no Instituto de Ensino Analítico de Viena que a partir daí não poderia mais aceitar candidatos de círculos não médicos para a formação Dessa forma mais uma vez em nossa pátria teria 194 sido reprimida uma vertente da atividade intelectual que em outros lugares pode se desenvolver livremente Longe de mim pleitear competência na avaliação de leis e determinações Mas vejo que a ênfase na nossa lei relativa ao charlatanismo vai no sentido oposto ao das condições alemãs cuja adequação parece ser almejada hoje e que a aplicação da lei ao caso da Psicanálise tem algo de anacrônico pois à época de sua promulgação ainda não existia a análise e a natureza específica das doenças neuróticas ainda não era conhecida Chego agora à questão cuja discussão me parece mais importante Será que o exercício da Psicanálise é um objeto que deva ser submetido à intervenção dos órgãos oficiais ou será que é mais adequado deixálo à mercê de seu desenvolvimento natural Certamente não tomarei uma decisão aqui mas tomo a liberdade de lhe apresentar o problema para que o senhor reflita a respeito Na nossa pátria desde sempre há um verdadeiro furor prohibendi uma tendência à tutela à intervenção e à proibição que como todos sabemos não trouxe exatamente frutos positivos Pareceme que na nova Áustria republicana ainda não mudou muita coisa Suspeito que em relação à decisão sobre o caso da Psicanálise que nos ocupa agora o senhor tenha uma contribuição importante a dar não sei se o senhor terá vontade ou influência para se contrapor às tendências burocráticas Pelo menos não o pouparei de meus pensamentos irrelevantes sobre a nossa questão Acredito que um excesso de determinações e proibições prejudique a autoridade da lei Podese observar onde há apenas poucas proibições elas são obedecidas cuidadosamente onde se é acompanhado de proibições a cada passo sentimonos realmente tentados a não respeitálas Além disso ainda não se é um anarquista só por estar disposto a entender que leis e determinações por sua origem não podem reivindicar o caráter de sacralidade e inviolabilidade que muitas vezes o seu conteúdo é insuficiente e para o nosso sentimento de justiça são ofensivas ou que com o tempo passam a sêlo e que no caso de morosidade das pessoas que conduzem a sociedade muitas vezes não há outro meio para corrigir tais leis inadequadas que não seja a transgressão intencional Também é aconselhável quando se quer manter o respeito diante de leis e determinações não promulgar aquelas cuja observação ou transgressão seja difícil de controlar Muito do que dissemos sobre o exercício da análise por médicos teria de ser repetido aqui acerca da análise leiga propriamente dita que a lei quer reprimir O procedimento da análise é 195 bastante imperceptível ela não usa nem medicamentos nem instrumentos consiste apenas de conversas e de troca de informações não será fácil comprovar que uma pessoa leiga exerça a análise quando ela afirma que apenas motiva distribui esclarecimentos e busca ganhar influência humana curativa sobre aqueles que precisam de ajuda anímica isso não pode ser proibido uma vez que o médico às vezes também faz isso Nos países anglófonos as práticas da Christian Science21 são amplamente difundidas uma espécie de negação dialética dos males da vida por meio da invocação dos ensinamentos da religião cristã Não hesitaria em afirmar que esse procedimento seja uma lamentável deformação do espírito humano mas quem na América ou na Inglaterra pensaria em proibilo ou punilo Será que a alta autoridade em nosso país está tão segura de ter garantido o caminho para a felicidade que possa ter a ousadia de evitar que cada um tente ser feliz à sua maneira22 E sabendo que muitos estão entregues à própria sorte correndo perigo ou se prejudicando será que as autoridades não fariam bem em delimitar cuidadosamente as regiões que devem ser consideradas impenetráveis deixando de resto e no máximo possível que as próprias pessoas cuidem de sua educação a partir da experiência e do influenciamento Beeinflussung mútuo A Psicanálise é algo tão novo no mundo a grande maioria está tão pouco informada a seu respeito a posição da Ciência oficial em relação a ela ainda oscila tanto que me parece prematuro já intervir nesse momento com prescrições legais no desenvolvimento Deixemos que os próprios doentes façam a descoberta de que é prejudicial para eles buscar ajuda psíquica com pessoas que não aprenderam como prestála Esclareçamos os doentes a respeito e os alertemos pois assim nos pouparemos de lhes proibir isso Nas estradas italianas os fios de alta tensão têm a inscrição curta e impressionante Chi tocca muore Quem toca morre Isso é totalmente suficiente para regular o comportamento dos transeuntes diante de fios caídos Os avisos alemães correspondentes são de um floreio supérfluo e ofensivo Tocar os fios de alta tensão é rigorosamente proibido por oferecer risco de morte Para que a proibição Quem ama a vida se autoimpõe a proibição e aquele que quiser se matar por essa via não irá pedir permissão Mas há casos que podem ser citados como precedentes para a questão da análise leiga Refirome à proibição de que leigos pratiquem hipnose em 196 pacientes e a recente proibição de fazer reuniões de ocultismo e de fundar tais sociedades Não posso dizer que eu seja um admirador dessas medidas A última indubitavelmente é um excesso da tutela policial que prejudica a liberdade intelectual Sou insuspeito de acreditar muito nos chamados fenômenos ocultos ou até de ansiar por seu reconhecimento mas com tais proibições não se conseguirá abafar o interesse das pessoas por esse suposto mundo secreto Talvez pelo contrário tenhase feito algo muito prejudicial fechado o caminho para a vontade apartidária de conhecimento na direção de um juízo libertador sobre essas possibilidades opressoras Mas isso também apenas na Áustria Em outros países nem a pesquisa parapsicológica se defronta com obstáculos legais O caso da hipnose é um pouco diferente do da análise A hipnose é a produção de um estado anímico anormal e hoje serve aos leigos apenas como recurso de apresentação impactante Se a terapia hipnótica incialmente tão promissora tivesse se sustentado teriam surgido condições semelhantes às da análise Aliás a história da hipnose traz um precedente em relação ao destino da análise em outra direção Quando eu era um jovem docente de Neuropatologia os médicos se esmeravam em combater a hipnose de forma apaixonada declarandoa como sendo um engodo uma ilusão do diabo e uma intervenção altamente perigosa Hoje eles monopolizaram essa mesma hipnose servemse dela sem medo como método de exame e para alguns médicos dos nervos ela ainda é o recurso principal de sua terapia Mas eu já lhe disse que não penso em fazer propostas que se baseiam na decisão sobre se a regulamentação legal ou se a autorização em questões referentes à análise são a coisa mais acertada Sei que é uma questão de princípios sobre cuja solução provavelmente as tendências das pessoas competentes tenham mais influência do que argumentos O que me parece favorecer uma política do laissez faire eu já resumi anteriormente Se a decisão for a outra a de uma política de intervenção ativa então a medida deficiente e injusta da proibição irrestrita da análise praticada por não médicos não me parece ser suficiente Nesse caso a preocupação precisa ser com outras coisas estabelecer as condições sob as quais se permite o exercício da prática analítica para todos os que queiram exercêla instaurar uma autoridade qualquer junto à qual se possa buscar informação sobre o que é análise e que preparação se pode exigir para ela e fomentar as 197 possibilidades de instrução na análise Ou seja ou deixar em paz ou criar ordem e clareza mas não interferir em uma situação complicada com uma única proibição deduzida mecanicamente a partir de uma proibição que se tornou inadequada VII Sim mas os médicos os médicos Eu não consigo trazêlo para o verdadeiro tema das nossas conversas O senhor continua se esquivando Tratase de saber se não se concede aos médicos o direito exclusivo do exercício da análise por mim pode ser depois de terem preenchido certas condições Os médicos certamente não são em sua maioria aqueles charlatães como os que o senhor descreveu O senhor mesmo diz que a grande maioria dos seus alunos e seguidores são médicos Alguém me segredou que eles de forma alguma compartilham o seu ponto de vista na questão da análise leiga Certamente devo supor que os seus alunos sigam as suas exigências a respeito da preparação adequada etc e mesmo assim esses alunos julgam ser compatível com isso impedir o exercício da análise para leigos É isso mesmo E se for como o senhor explica o fato Vejo que o senhor está bem informado e é isso mesmo Não são todos mas uma boa parte de meus colaboradores médicos nessa questão não está do meu lado eles defendem o direito exclusivo dos médicos ao tratamento analítico dos neuróticos O senhor vê assim que também pode haver diferenças de opinião em nosso meio Minha tomada de partido é conhecida e a oposição na questão da análise leiga não suspende a nossa concordância O senhor pergunta como posso explicar o comportamento desses meus alunos Não sei com certeza mas creio que deva ser o poder da consciência de classe Standesbewusstsein Eles tiveram um desenvolvimento diferente do meu ainda se sentem desconfortáveis com o isolamento diante dos colegas gostariam de ser acolhidos pela profession profissão com seus direitos plenos e estão dispostos a oferecer sacrifício em nome dessa tolerância em um ponto cuja importância vital ainda não ficou clara para eles Talvez seja outra coisa atribuirlhes razões de concorrência significaria não apenas culpálos de uma intenção baixa mas também julgálos capazes de uma curiosa miopia Ora eles estão sempre dispostos a introduzir outros médicos na análise e se eles têm de dividir os pacientes disponíveis com 198 colegas ou com leigos é indiferente para a sua situação material Mas provavelmente ainda há outra coisa em jogo aí Esses meus alunos podem estar sob a influência de determinados fatores que garantem ao médico na prática analítica a irrefutável vantagem diante do leigo Garantem uma vantagem Então é esse o ponto Então enfim o senhor confessa essa vantagem Com isso a questão estaria resolvida A confissão não me é difícil Ela pode lhe mostrar que eu não estou tão apaixonadamente cego como o senhor supõe Eu adiei a menção a essas condições porque a sua discussão por sua vez novamente torna necessárias algumas elucubrações teóricas A que o senhor se refere Temos inicialmente a questão do diagnóstico Se começamos a tratar com análise um doente que sofre dos chamados distúrbios nervosos queremos antes ter certeza desde que ela seja alcançável de que ele é adequado para essa terapia ou seja de que possamos ajudálo por esse caminho Mas isso só é o caso se ele realmente tiver uma neurose Eu deveria crer que isso se reconhece pelos fenômenos pelos sintomas dos quais ele reclama Aqui justamente é o ponto de uma nova complicação Nem sempre os reconhecemos com absoluta segurança O doente pode apresentar o quadro externo de uma neurose e mesmo assim pode ser outra coisa o início de uma doença mental incurável a preparação de um processo cerebral destrutivo A diferenciação diagnóstico diferencial nem sempre é fácil e não é factível de imediato em todas as fases A responsabilidade por uma decisão dessas evidentemente só pode ser assumida por um médico Como disse isso nem sempre será fácil para ele O caso patológico pode ter uma característica inofensiva durante um longo período até que enfim se manifeste a sua natureza grave Aliás é sempre um temor dos doentes de nervos a possibilidade de desenvolverem uma doença mental Mas se um médico não reconheceu adequadamente um caso assim durante algum tempo ou ficou indeciso a seu respeito isso não é muito problemático uma vez que não houve dano algum e nada supérfluo aconteceu É verdade que o tratamento analítico desse doente também não lhe teria causado dano mas teria ficado evidente que foi um esforço desnecessário Além disso certamente haveria pessoas em número suficiente que lhe imputariam o resultado ruim da análise Certamente injustificado mas esses motivos de crítica deveriam ser 199 evitados Mas isso tem um tom desesperançoso Isso desenraiza tudo o que o senhor me disse sobre a natureza do surgimento de uma neurose De modo algum Isso apenas reforça mais uma vez que os neuróticos constituem um aborrecimento e um malestar para todas as partes inclusive para os analistas Mas talvez eu volte a desfazer a sua confusão se eu vestir as minhas novas informações com uma expressão correta Talvez seja mais acertado falar dos casos que nos ocupam no momento dizendo que eles realmente desenvolveram uma neurose no entanto esta não é psicogênica mas somatogênica não tem causas anímicas mas físicas O senhor me entende Entender eu entendo mas não consigo juntar isso com o outro aspecto o psicológico Bem isso pode ser feito se se quiser apenas levar em consideração as complicações da substância viva Onde encontramos a essência de uma neurose No fato de que o Eu que é a organização mais elevada do aparelho anímico criada pela influência do mundo externo não é capaz de realizar a sua função de mediação entre o Isso e a realidade de que em sua fraqueza recua diante das porções pulsionais do Isso e por isso precisa aceitar as consequências dessa recusa em forma de restrições sintomas e formações reativas malsucedidas Uma tal fraqueza do Eu geralmente acontece em nós todos na infância por isso as vivências dos primeiros anos de infância adquirem uma importância tão grande na vida posterior Sob o peso extraordinário desse período da infância no período de poucos anos temos de passar pela incrível distância evolutiva entre o primitivo da Idade da Pedra e a participação na cultura de hoje e além disso temos também de nos proteger especialmente das moções pulsionais do primeiro período sexualxxxv o nosso Eu se refugia em recalques e se expõe a uma neurose infantil cujo reflexo ele levará para a maturidade da vida sob a forma de disposição para uma posterior doença nervosa Agora tudo vai depender de como esse ser em crescimento será tratado pelo destino Se a vida for muito dura e a distância entre as exigências pulsionais e os protestos da realidade for muito grande o Eu pode fracassar em seus esforços de conciliar ambos e isso é tão mais possível quanto mais ele for impedido pela disposição infantil trazida 200 consigo Então repetese o processo do recalque as pulsões rasgam as amarras que as prendem ao domínio do Eu criam as suas satisfações substitutas através dos caminhos da regressão e o pobre Eu se tornou um desamparado neurótico Tenhamos em mente apenas isto que o ponto crucial e de virada de toda essa situação é a relativa força da organização do Eu Então será fácil para nós completar o nosso panorama etiológico Como as chamadas causas normais do nervosismo já conhecemos a fraqueza infantil do Eu a tarefa de dominar as primeiras moções de sexualidade e os efeitos das vivências infantis mais ou menos casuais Mas será que não é possível que outros fatores também tenham um papel importante fatores de um período anterior à vida infantil Por exemplo uma força inata e uma irrefreabilidade inata da vida pulsional no Isso que desde o início dá tarefas muito difíceis ao Eu Ou então uma fraqueza evolutiva específica do Eu causada por motivos desconhecidos Evidentemente esses fatores precisam adquirir uma importância etiológica em alguns casos uma importância predominante Teremos de contar com a força pulsional no Isso a toda vez quando ela tiver se desenvolvido excessivamente as perspectivas para a nossa terapia não serão boas Ainda sabemos muito pouco sobre as causas de um impedimento evolutivo do Eu Esses então seriam os casos de neurose de base essencialmente constitucional Sem a existência de qualquer tipo desse favorecimento constitucional congênito é pouco provável que se produza uma neurose Mas se a relativa fraqueza do Eu é o fator decisivo para o surgimento da neurose então também deve ser possível que um posterior adoecimento físico produza uma neurose desde que ele possa provocar um enfraquecimento do Eu E isso por sua vez é o caso em larga medida Um tal distúrbio físico pode afetar a vida pulsional no Isso e intensificar a força pulsional para além do limite que o Eu consegue suportar O padrão normal desses processos seria por exemplo a transformação na mulher através dos distúrbios da menstruação e da menopausa Ou ainda um adoecimento físico até mesmo uma doença orgânica do órgão nervoso central que ataca as condições de alimentação do aparelho anímico obrigandoo a diminuir a sua função e a suspender as suas produções mais refinadas das quais faz parte a manutenção da organização do Eu Em todos esses casos surge mais ou menos o mesmo quadro da neurose a neurose sempre tem o mesmo mecanismo psicológico 201 mas como vemos a mais diversificada e muitas vezes composta etiologia Agora estou gostando mais do senhor enfim o senhor falou como um médico Agora espero a confissão de que um caso médico tão complicado quanto a neurose só pode ser tratado por um médico Temo que com isso o senhor extrapole o objetivo O que debatemos aqui foi um tanto de Patologia na análise se trata de um procedimento terapêutico Eu ressalvo não eu insisto que o médico em cada caso passível de análise primeiro estabeleça o diagnóstico A quantidade enorme de neuroses que nos ocupam felizmente é de natureza psicogênica e é patologicamente insuspeita Se o médico tiver constatado isso ele tranquilamente poderá deixar a análise a cargo de um analista leigo Nas nossas sociedades analíticas sempre tem sido assim Graças ao contato intenso entre os membros médicos e não médicos os temidos erros têm sido praticamente eliminados em sua totalidade Ainda há aí um segundo caso em que o analista precisa do auxílio do médico No decorrer do tratamento analítico podem aparecer sintomas mais frequentemente físicos em que se fica em dúvida se eles devem ser relacionados à neurose ou associados a uma doença orgânica independente que surge como distúrbio Essa decisão por sua vez deve ficar a cargo do médico Então o analista leigo também não pode prescindir do médico durante a análise Um novo argumento contra a sua utilidade Não a partir dessa possibilidade não podemos forjar um argumento contra o analista leigo pois o analista médico também não agiria de outra forma no mesmo caso Não entendo É que existe a prescrição técnica de que o analista no caso de surgirem sintomas dúbios desse tipo durante o tratamento não os submeta a seu próprio juízo mas solicite um parecer de um médico distante da análise por exemplo um especialista em Medicina Interna Internist mesmo ele próprio sendo médico e ainda confiando em seus conhecimentos médicos E por que se prescreve algo que me parece tão supérfluo Não é supérfluo e até tem muitas justificativas Em primeiro lugar a junção de tratamento orgânico e psíquico numa coisa só não funciona bem em segundo lugar a relação da transferência pode fazer com que seja desaconselhável que o analista examine fisicamente o paciente e em terceiro lugar o analista tem todos os motivos para duvidar de sua imparcialidade já 202 que o seu interesse está tão intensamente voltado para os fatores psíquicos Agora ficou clara a sua posição em relação à análise leiga O senhor é irredutível em afirmar que precisa haver analistas leigos Mas como o senhor não consegue refutar a incapacidade deles para a tarefa o senhor reúne tudo que possa servir de desculpa e alívio para a sua existência Mas eu não vejo absolutamente por que deva haver analistas leigos que de resto conseguiriam apenas ser terapeutas de segunda categoria Por mim posso excetuar desse grupo os poucos leigos que já se formaram analistas mas não se deveria criar novos e os institutos de ensino deveriam se comprometer a não mais aceitar leigos em sua formação Concordo com o senhor se ficar comprovado que com essa restrição se atenderia a todos os interesses em questão O senhor há de convir que esses interesses são de três tipos os dos doentes os dos médicos e last not least os da Ciência que inclui os interesses de todos os doentes futuros Vamos analisar juntos esses três pontos Bem para o doente é indiferente se o analista é médico ou não desde que se exclua o perigo de uma interpretação errada de seu estado por meio do parecer médico exigido antes do início do tratamento e em determinadas intercorrências durante ele Para ele é muito mais importante que o analista disponha das características pessoais que o tornam digno de confiança e que ele tenha adquirido os conhecimentos e as percepções além das experiências que o habilitem a realizar a sua tarefa Poderseia pensar que seria prejudicial à autoridade do analista o fato de o paciente saber que ele não é médico e que em algumas situações não pode prescindir do apoio do médico Evidentemente nunca deixamos de informar os pacientes sobre a qualificação do analista e pudemos nos certificar de que os preconceitos de classe não encontram respaldo junto a eles que eles estão dispostos a aceitar a cura não importando de que origem ela lhes seja oferecida o que aliás a classe médica vivenciou há tempos para seu profundo desgosto E acrescentese que os analistas leigos que hoje praticam a análise não são indivíduos aleatórios arrivistas mas pessoas de formação acadêmica doutores em Filosofia pedagogos e algumas mulheres com grande experiência de vida e de extraordinária personalidade A análise à qual devem se submeter todos os candidatos de um instituto de ensino analítico ao mesmo tempo também é o melhor caminho para obter esclarecimentos sobre a sua adequação pessoal para o exercício dessa atividade exigente 203 Agora falemos do interesse dos médicos Não posso crer que haja um ganho com a incorporação da Psicanálise na Medicina O estudo da Medicina agora já leva cinco anos a prestação dos últimos exames já entra bastante no sexto ano Ano após ano surgem novas exigências para o estudante sem o cumprimento das quais a sua capacitação para o futuro teria de ser declarada insuficiente O acesso à profissão de médico é muito difícil o seu exercício não é nem muito satisfatório nem muito vantajoso Se adotarmos a exigência certamente justificada de que o médico também precisa estar familiarizado com o lado anímico da doença e por isso estendermos a formação médica com uma parte de preparação para a análise isso significará mais uma ampliação do conteúdo programático e a correspondente expansão de seus anos de estudo Não sei se os médicos ficarão satisfeitos com essa conclusão a partir de sua exigência do direito à análise Mas ela dificilmente poderá ser recusada E isso em uma época em que as condições da existência material das classes de onde se recrutam os médicos pioraram tanto que a nova geração se vê forçada a se manter por conta própria o mais rapidamente possível Mas talvez o senhor não queira sobrecarregar o estudo da Medicina com a preparação para a prática analítica e julgue mais adequado que os futuros analistas se preocupem com a formação necessária para tanto apenas depois de completarem os seus estudos de Medicina O senhor poderá dizer que a perda de tempo daí decorrente é praticamente irrelevante porque um jovem de 30 anos nunca irá ganhar a confiança do paciente que é justamente a condição para a ajuda psíquica A isso poderíamos retrucar que também o médico recémformado não deve contar com um imenso respeito dos pacientes em relação a sofrimentos físicos e que o jovem analista poderia muito bem ocupar o seu tempo trabalhando em uma policlínica psicanalítica sob a supervisão de profissionais experientes Mas o que me parece mais importante é que o senhor com essa sugestão apoia um desperdício de forças que nesses tempos difíceis realmente não encontra justificativa econômica A formação analítica é verdade tem uma intersecção com o círculo da preparação médica mas não o inclui e não é incluída por ele Se tivéssemos de fundar uma Faculdade de Psicanálise algo que hoje ainda pode parecer fantasioso nela teríamos de ensinar muita coisa que é ensinada também na Faculdade de Medicina além da Psicologia Profunda que sempre seria a parte principal uma introdução à Biologia em 204 um espectro o mais amplo possível a ciência da vida sexual uma familiarização com os quadros patológicos da Psiquiatria Por outro lado a instrução analítica também englobaria disciplinas distantes do médico e com as quais eles dificilmente se defrontam em sua atividade História da Cultura Mitologia Psicologia da Religião e Ciência da Literatura Sem uma boa orientação nessas áreas o analista se verá diante de boa parte de seu material com uma postura de incompreensão Para tanto a massa principal daquilo que é ensinado na Escola de Medicina não será útil para a sua finalidade Tanto o conhecimento dos ossos do tarso quanto o da constituição dos hidróxidos de carbono do percurso das fibras dos nervos cerebrais tudo o que a Medicina revelou sobre focos bacilares de doenças e seu combate sobre reações séricas e neoplasias tudo em si com certeza é altamente valioso mas para ele é completamente irrelevante não lhe diz respeito não lhe ajuda diretamente a compreender uma neurose e curála nem esse conhecimento contribui para aguçar aquelas capacidades intelectuais que são exigidas em grande quantidade na sua atividade E não se intervenha aqui dizendo que o caso é semelhante àquele em que o médico se volta a uma especialidade médica diferente por exemplo à Odontologia Mesmo nesse caso ele também descartará muita coisa que ele teve de provar saber em exames e precisará aprender muita coisa nova para a qual a escola não o preparou Mas os dois casos não são equivalentes Também para a Odontologia os grandes aspectos da patologia as doutrinas sobre inflamação purulência necrose sobre a interação dos órgãos do corpo mantém a sua importância mas a experiência leva o analista para um mundo diferente com outros fenômenos e outras leis Não importa como a Filosofia procura transpor o abismo entre o físico e o anímico para a nossa experiência ela tem primazia até mesmo para os nossos esforços práticos É injusto e inadequado obrigar uma pessoa que quer libertar o outro do sofrimento de uma fobia ou de uma ideia obsessiva a trilhar o desvio do estudo da Medicina Também não terá sucesso se não se conseguir suprimir a análise Imagine uma paisagem onde há dois caminhos para se chegar a um determinado mirante um deles curto e em linha reta o outro longo cheio de curvas e de desvios O senhor tenta barrar o caminho mais curto com uma placa de proibição talvez porque ele passe por alguns canteiros de flores que o senhor quer proteger O senhor só terá chance de a sua proibição ser respeitada se o caminho mais curto for íngreme e trabalhoso enquanto o mais 205 longo ascende de forma mais suave Mas se for diferente e ao contrário o desvio for mais difícil o senhor facilmente adivinhará qual a utilidade da sua proibição e o destino de seus canteiros de flores Temo que da mesma forma o senhor não conseguirá obrigar os leigos a estudarem Medicina nem eu conseguirei mover os médicos a aprenderem a análise O senhor conhece a natureza humana Se o senhor tiver razão com o fato de que o tratamento analítico não deve ser praticado sem a formação específica mas que o estudo da Medicina não suporta a sobrecarga de uma preparação para tanto e que os conhecimentos médicos em grande parte são supérfluos para o analista então como chegar à personalidade médica ideal apta a dar conta de todas as tarefas da profissão Não posso prever qual será a saída para essas dificuldades tampouco me cabe indicála Vejo apenas duas coisas em primeiro lugar que a análise para o senhor é um incômodo idealmente ela nem deveria existir certamente o neurótico também é um incômodo e em segundo lugar que momentaneamente todos os interesses serão levados em conta quando os médicos decidirem tolerar uma classe de terapeutas que os poupa do tratamento trabalhoso das neuroses psicogênicas tão frequentes e está em constante contato com eles para o bem desses doentes Essa é a sua última palavra sobre o assunto ou o senhor ainda tem algo a dizer Certamente eu ainda queria considerar um terceiro interesse o da Ciência O que eu tenho a dizer a respeito não o afetará em quase nada mas tem para mim elevada importância É que não julgamos desejável que a Psicanálise seja engolida pela Medicina e depois encontre o seu depósito definitivo no livro didático de Psiquiatria no capítulo sobre terapia ao lado de procedimentos como sugestão hipnótica autossugestão persuasão que buscados de dentro de nosso desconhecimento devem os seus efeitos efêmeros à morosidade e à covardia das massas de pessoas Ela merece um destino melhor e esperemos que o tenha Na qualidade de Psicologia Profunda a ciência do inconsciente anímico ela pode se tornar indispensável para todas as ciências que se ocupam da história da formação da cultura humana e de suas grandes instituições como a arte a religião e a organização social Acho que ela já prestou auxílio considerável a essas ciências até agora para resolver os seus 206 problemas mas essas são apenas pequenas contribuições em comparação ao que poderia ser alcançado se historiadores da cultura psicólogos da religião linguistas etc se reunissem para eles mesmos manusearem esse novo recurso de pesquisa que lhes é ofertado A utilização da análise para a terapia das neuroses é apenas uma de suas aplicações talvez o futuro mostre que não é a mais importante Pelo menos seria injusto sacrificar todas as outras aplicações em favor dessa única apenas porque essa área de aplicação toca o círculo dos interesses médicos Pois aqui se desenrola uma segunda relação em que não se intervém sem prejuízos Quando os representantes das diversas Ciências Humanas Geisteswissenschaften23 precisam aprender a Psicanálise para aplicar os seus métodos e pontos de vista ao seu material não é suficiente aterse aos resultados registrados na literatura analítica Eles precisarão aprender a entender a análise pela única via aberta para tanto que é se submetendo a uma análise Assim aos neuróticos que precisam de análise se juntaria uma segunda categoria de pessoas que aceita a análise por razões intelectuais mas que certamente saudaria o aumento de sua produtividade conseguida como resultado colateral Para executar essas análises é necessária uma quantidade de analistas para os quais eventuais conhecimentos de Medicina terão muito pouca importância Mas estes iremos chamálos de analistas didatas Lehranalytiker precisam ter recebido uma formação especialmente detalhada Se não quisermos que esse aprendizado arrefeça precisamos lhes dar a oportunidade de colecionar experiências em casos com potencial de aprendizado e que sirvam de comprovação da teoria e como as pessoas saudáveis que não possuem o motivo da sede de conhecimento não se submetem a uma análise só pode ser com os neuróticos sob supervisão cuidadosa que os analistas didatas serão educados para a sua atividade futura não médica Mas tudo isso exige um certo grau de liberdade de movimentação e não suporta limitações mesquinhas Talvez o senhor não acredite nesses interesses puramente teóricos da Psicanálise ou não queira lhes conceder influência sobre a questão prática da análise leiga Então deixeme alertálo de que ainda há outra área de aplicação da Psicanálise fora da área da lei do charlatanismo e para a qual os médicos dificilmente solicitarão soberania Refirome à sua utilização na Pedagogia Quando uma criança começa a externar sinais de um 207 desenvolvimento indesejado tornandose malhumorada teimosa e desatenta o pediatra e mesmo o médico da escola nada poderão fazer pela criança mesmo quando ela produzir fenômenos claramente nervosos como temores Ängstlichkeiten falta de apetite vômito insônia Um tratamento que alia o influenciamento analítico a medidas educacionais executado por pessoas que não dispensam ocuparse das condições do entorno da criança e que sabem criar uma via de acesso para a vida anímica dela consegue duas coisas ao mesmo tempo suspender os sintomas nervosos e reverter a incipiente mudança de caráter Nosso conhecimento da importância das neuroses infantis muitas vezes imperceptíveis como disposição para doenças sérias na vida futura aponta para essas análises infantis como um caminho excelente de profilaxia Inegavelmente ainda há inimigos da análise não sei que recursos têm à disposição para impedir também a atividade desses analistas pedagógicos ou pedagogos analistas também não acho que isso seja possível facilmente Mas é claro que nunca devemos nos sentir seguros demais Aliás para retornarmos à nossa questão do tratamento analítico de doentes de nervos adultos aqui também ainda não esgotamos todos os aspectos Nossa cultura exerce uma pressão quase insuportável sobre nós ela exige um corretivo Será que é muito fantasioso esperar que a Psicanálise apesar de suas dificuldades seja vocacionada para preparar as pessoas para um tal corretivo Talvez mais um norteamericano tenha a ideia de gastar dinheiro para formar analiticamente os social workers assistentes sociais do seu país transformandoos numa tropa auxiliar para combater as neuroses da cultura Ah sei um novo tipo de Exército da Salvação Por que não A nossa imaginação sempre trabalha de acordo com modelos O fluxo de pessoas ansiosas por aprendizado que então correria para a Europa terá de passar por Viena pois aqui o desenvolvimento analítico pode ter sucumbido a um trauma precoce da proibição O senhor sorri Não digo isso para obter seu apoio certamente não Eu sei que o senhor não acredita em mim e também não posso lhe garantir que assim será Mas de uma coisa eu sei Não é tão importante saber qual a sua decisão sobre a questão da análise leiga Ela pode ter um efeito local Mas aquilo que realmente é importante as possibilidades internas de desenvolvimento da Psicanálise estas não podem ser atingidas com regulamentos e proibições 208 xxviii O mesmo vale para a França xxix Nota de 1935 Teoria da Psicanálise sobre a qual devo atrair a atenção do leitor A apresentação no texto somente reconhece como motivo de recalcamento o caso em que a satisfação da pulsão é perigosa em que ela conduziria a uma colisão com o mundo exterior Mas a questão é saber se essa é a única condição ou talvez somente a condição original de um recalque saber se o recalque essa tentativa de fuga do Eu diante da pulsão não intervém na verdade a cada vez que a demanda pulsional se torna dada sua intensidade excessivamente intensa em relação à capacidade do Eu de lidar com ela caso em que a consideração do perigo que ameaça a partir do mundo exterior não é levada em conta A questão ainda não está resolvida e as relações recíprocas dos dois possíveis motivos do recalque ainda não foram esclarecidas xxx Nota de 1935 Nossas investigações desde então nos ensinaram que também para a menina a mãe é o primeiro objeto de amor É somente através de um longo desvio que posteriormente sucede ao pai tomar o lugar da mãe xxxi Nota de 1935 Esse é o ponto de vista que a assim chamada Psicologia Individual retirou do contexto da Psicanálise e popularizou através de uma generalização indevida A alusão à psicologia individual remete provavelmente à perspectiva de Adler NE xxxii Nota de 1935 Tornouse usual na literatura psicanalítica de língua inglesa substituir os pronomes ingleses I Eu e It Isso pelos pronomes latinos Ego e Id Em alemão dizemos Ich Eu Es Isso e Überich SuperEu xxxiii Nota de 1935 Essa característica da transferência no tratamento analítico foi o motivo principal para atribuir às moções eróticas um papel eminente quiçá um papel específico na etiologia das neuroses Mas de um modo geral é questionável se as moções destrutivas ou agressivas podem lançar a mesma demanda em todas as direções Na apresentação do texto somente as moções eróticas foram levadas em consideração isso em conformidade com uma versão mais antiga da teoria xxxiv Nota de 1935 Depois de estas linhas terem sido escritas o número de institutos de ensino cresceu consideravelmente assim como os esforços dedicados à formação esta agora bastante aperfeiçoada em Psicanálise xxxv Nota de 1935 Acrescentar aqui a tarefa de domar a tendência inata para a agressão dada na constituição do ser humano Tal tendência naturalmente é inconciliável com a preservação da sociedade humana Não restam dúvidas nossa cultura baseiase na repressão das pulsões Triebunterdrückung Tratase de saber se ela se erige mais às expensas das pulsões eróticas do que das pulsões destrutivas 209 POSFÁCIO A A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA 1927 A motivação direta para redigir o meu pequeno escrito ao qual se atrelam as discussões acima expostas24 foi a acusação contra o nosso colega não médico Dr Theodor Reik de charlatanismo junto às autoridades de Viena Deve ter sido de conhecimento geral que essa acusação foi retirada depois de terem sido realizados todos os levantamentos prévios e colhidos diversos pareceres Não creio que isso tenha sido um resultado positivo do meu livro ao que parece o caso era desfavorável demais para a acusação e a pessoa que tinha reclamado por ter sido lesada revelou ser pouco digna de confiança A suspensão do processo contra o Dr Reik provavelmente não tem a importância de uma decisão de princípios do Tribunal de Viena na questão da análise leiga Quando criei o personagem do interlocutor imparcial no meu escrito tendencioso eu tinha em mente a pessoa de um dos nossos altos funcionários um homem de boa vontade e de incomum integridade com quem eu mesmo tinha tido uma conversa sobre o caso Reik e a quem entreguei um parecer particular a respeito como ele desejara Eu sabia que não tinha conseguido convertêlo à minha opinião e foi por isso que não deixei o meu diálogo com o interlocutor imparcial terminar em um acordo Também não esperava conseguir produzir uma posição unânime em relação à questão da análise leiga por parte dos analistas Aquele que nessa coletânea comparar a manifestação da Sociedade Húngara com a do Grupo de Nova York talvez suponha que o meu escrito de nada tenha servido que todos mantêm a mesma opinião que já tinham antes Também não acredito nisso Creio que muitos colegas terão abrandado a sua postura extrema a maioria aceitou a minha concepção de que a questão da análise leiga não pode ser decidida com base em costumes tradicionais mas se origina de uma situação de um novo tipo e por isso exige uma nova decisão Também a abordagem com que tratei a questão parece ter recebido aprovação Como sabem eu havia colocado em primeiro plano a afirmação 210 de que pouco importa se o analista possui um diploma de médico importa mais se ele adquiriu uma formação especializada que é necessária para se exercer a análise A essa afirmação pudemos atrelar a pergunta que tão avidamente foi discutida pelos colegas sobre qual seria a formação mais adequada para o analista Eu achava e ainda defendo isso agora que não é aquela que a universidade prescreve ao futuro médico A chamada formação médica pareceme um desvio trabalhoso para chegar à profissão analítica ela certamente dá ao analista muita coisa que lhe será indispensável mas também o sobrecarrega de coisas que ele nunca irá usar trazendo consigo o risco de que o seu interesse e a sua forma de pensar sejam desviados da percepção dos fenômenos psíquicos O conteúdo programático para o analista ainda precisa ser criado ele precisa abarcar tanto o conteúdo das Ciências Humanas o conteúdo psicológico históricocultural e sociológico quanto o anatômico biológico e históricoevolutivo Haverá aí tanto a ensinar que se justifica deixar de fora das aulas o que não tem relação direta com a atividade analítica e que como em todo outro curso poderá contribuir apenas indiretamente para educar o intelecto e a capacidade de observação É confortável retrucar a essa sugestão que não existem essas universidades analíticas que isso é uma exigência idealizada Sim é um ideal mas que pode ser realizado e precisa ser realizado Nossos institutos de ensino apesar de toda a sua insuficiência juvenil já são o início de tal realização Aos meus leitores não deve ter escapado que no que escrevi acima eu pressupus como óbvio algo que nas discussões ainda é fortemente controvertido Que a Psicanálise não é uma especialidade da Medicina Não vejo como se recusar a reconhecer isso A Psicanálise é parte da Psicologia e também não é Psicologia Médica no sentido antigo ou Psicologia dos processos patológicos mas Psicologia simplesmente e certamente não o todo da Psicologia mas sim o seu substrato talvez até o seu fundamento Não nos deixemos enganar pela possibilidade de utilizála para fins médicos até mesmo a eletricidade e os raiosX encontraram aplicação na Medicina mas a ciência de ambos é a Física Mesmo os argumentos históricos nada mudam em relação a esse vínculo Toda a doutrina da eletricidade parte de uma observação do preparado de músculos nervosos e nem por isso hoje se pensa em afirmar que ela é uma parte da Fisiologia Em relação à Psicanálise se argumenta que ela foi inventada por um médico em seu esforço para ajudar aos doentes Mas isso ao que parece é indiferente para o seu julgamento E 211 esse argumento de cunho histórico também é bastante perigoso Se formos continuálo poderíamos lembrar como desde o início foi antipática e até de rejeição ofensiva a reação da classe médica contra a análise daí poderíamos concluir que hoje tampouco ela teria direito à análise E realmente apesar de eu rejeitar essa conclusão ainda hoje não sei ao certo se o cortejo dos médicos em relação à Psicanálise do ponto de vista da teoria da libido remonta ao primeiro ou ao segundo dos subestágios de Abraham25 se aí se trata de uma tomada de posse com a intenção de destruição ou de preservação do objeto Para nos determos ainda mais um pouco no argumento histórico como se trata da minha pessoa posso esclarecer as minhas próprias razões àquele que se interessar Após 41 anos de atividade médica o meu autoconhecimento me diz que a rigor eu nunca fui um médico de verdade Torneime médico devido a um desvio que me foi imposto da minha intenção original e o triunfo da minha vida consiste no fato de que reencontrei o rumo inicial depois de um grande detour Nada me consta dos anos iniciais a respeito de uma necessidade de ajudar pessoas em sofrimento a minha disposição sádica não era muito forte assim sendo esse um de seus derivados ele não precisou se desenvolver Eu também nunca brinquei de médico a minha curiosidade infantil aparentemente trilhava outros caminhos Nos anos da juventude a necessidade de entender um pouco dos mistérios deste mundo e talvez contribuir um pouco para a sua solução tornouse dominante A inscrição na Faculdade de Medicina parecia ser o melhor caminho para tanto mas aí tentei sem sucesso a Zoologia e a Química até que sob influência de Brücke26 a maior autoridade que sobre mim influiu ativeme à Fisiologia que naquela época evidentemente se restringia de forma excessiva à Histologia Eu já tinha passado por todos os exames da Medicina sem no entanto interessar me por algo da área médica até que um alerta do admirado professor me dizia que diante da minha situação material precária eu deveria evitar uma carreira teórica Assim passei da Histologia do Sistema Nervoso à Neuropatologia e devido a novos estímulos dediqueime ao trabalho com as neuroses Mas acredito que a minha falha na disposição médica correta não tenha prejudicado muito os meus pacientes Pois o doente em nada se beneficia quando o interesse terapêutico do médico registra um excesso de afetividade Para ele é melhor que o médico trabalhe de modo frio e o mais 212 corretamente possível O relato acima certamente contribuiu pouco para esclarecer a questão da análise leiga Ele apenas devia reforçar a minha legitimação pessoal quando justamente eu defendo o valor próprio da Psicanálise e a sua independência da aplicação médica Mas aqui irão me retrucar que saber se a Psicanálise enquanto ciência é uma parte da Medicina ou da Psicologia é uma questão acadêmica e praticamente sem interesse algum O que estaria em jogo seria outra coisa justamente a utilização da análise para tratar doentes e na medida em que ela reivindica isso ela precisa aceitar ser acolhida na Medicina enquanto área de especialidade como por exemplo a Radiologia e se submeter às prescrições válidas para todos os métodos terapêuticos Eu reconheço isso confesso apenas quero evitar que a terapia sufoque a Ciência Infelizmente todas as comparações só funcionam até certo ponto pois chega um momento em que os dois elementos de comparação divergem O caso da análise é diferente daquele da Radiologia os físicos não precisam da pessoa doente para estudar as leis dos raiosX Mas a análise não dispõe de nenhum outro material além dos processos anímicos da pessoa ela só pode ser estudada na própria pessoa devido às condições especiais facilmente compreensíveis a pessoa neurótica constitui material muito mais rico em termos de aprendizado e muito mais acessível que a pessoa normal e se retirarmos esse material de alguém que queira aprender e aplicar a análise teremos reduzido amplamente suas possibilidades de formação Evidentemente está longe de mim exigir que o interesse do doente neurótico seja oferecido em sacrifício do interesse da instrução e da pesquisa científica Meu pequeno escrito sobre a questão da análise leiga se esforça em mostrar justamente que observando determinadas cautelas ambos os interesses podem ser coadunados e que essa solução por fim acaba prestando um serviço também ao interesse médico se entendido de forma correta Eu mesmo elenquei todas essas cautelas devo dizer que a discussão não acrescentou nada de novo nesse ponto quero ainda apontar que muitas vezes ela distribuiu os destaques de uma forma que não faz jus à realidade Tudo o que foi dito sobre a dificuldade do diagnóstico diferenciado a insegurança na avaliação dos sintomas físicos em muitos casos está correto ou seja aquilo que torna necessário o conhecimento médico ou a intervenção médica mas a quantidade de casos em que essas dúvidas nem sequer surgem e em que o médico não é necessário ainda é incomparavelmente maior Esses 213 casos possivelmente são desinteressantes do ponto de vista científico mas na vida eles têm um papel suficientemente importante para justificar a atividade do analista leigo que está totalmente apto a lidar com eles Há algum tempo eu analisei um colega que desenvolveu uma rejeição especialmente forte contra o fato de que alguém que não seja médico exerça uma atividade médica Eu pude dizer a ele nós estamos trabalhando há mais de três meses Em que momento da nossa análise eu me vi obrigado a recorrer aos meus conhecimentos médicos Ele confessou que não havia existido essa necessidade Também não tenho em alta conta o argumento de que o analista leigo por ter de estar pronto para consultar o médico não adquira autoridade junto ao doente e que não goze de um prestígio maior que o assistente de médico o massagista e assemelhados A analogia mais uma vez não é pertinente além disso o doente costuma conceder a autoridade de acordo com a sua transferência de sentimentos e a posse de um diploma de médico não o impressiona tanto quanto o médico quer crer O analista leigo profissional não terá dificuldade em criar a reputação que lhe é devida como um sacerdote profano27 weltlicher Seelsorger Aliás com a fórmula sacerdote profano poderíamos descrever a função que o analista médico ou leigo deve preencher diante do público Nossos amigos entre os clérigos protestantes e recentemente também católicos muitas vezes livram os seus fiéis de suas travas na vida na medida em que restabelecem a sua fé após terem oferecido a eles um pouco de esclarecimento analítico sobre os seus conflitos Nossos opositores da Psicologia Individual de Adler buscam a mesma transformação naqueles que perderam o prumo e se tornaram improdutivos na medida em que despertam o seu interesse pela comunidade social após terem iluminado um único ângulo de sua vida anímica e lhes mostrado qual a participação de suas moções de egoísmo e de desconfiança em seu estado de doença Ambos os procedimentos que devem a sua força ao seu apoio na análise encontram lugar na psicoterapia Nós analistas temos como objetivo uma análise a mais completa e profunda possível nós não queremos lhe tirar um peso através do acolhimento na comunidade católica protestante ou socialista mas queremos enriquecêlo a partir de seu próprio interior na medida em que emitimos as energias em direção ao seu Eu as quais encontramse amarradas e inacessíveis em seu inconsciente devido ao 214 recalque e também aquelas que o Eu precisa desperdiçar de modo infrutífero para manter os recalques Isso que vimos fazendo é cuidar de almas28 no melhor dos sentidos Será que estabelecemos objetivos altos demais com isso Será que a maioria dos nossos pacientes vale o esforço empenhado nesse trabalho Não seria mais econômico aparar o que está defeituoso a partir de fora em vez de reformar por dentro Não sei dizer mas sei de outra coisa Na Psicanálise desde o início havia uma associação entre curar e pesquisar e o conhecimento trazia o sucesso não se podia tratar sem experimentar algo novo não se obtinha esclarecimento sem vivenciar o seu efeito benéfico Nosso procedimento analítico é o único que mantém essa preciosa conjunção Só quando praticamos o cuidado analítico da alma aprofundamos nossa incipiente compreensão da vida anímica do ser humano Essa perspectiva de ganho científico constitui o traço mais nobre e feliz do trabalho analítico será que podemos sacrificálo em nome de considerações práticas quaisquer Algumas manifestações nessa discussão despertam em mim a suspeita de que o meu escrito sobre a questão da análise leiga foi sim mal compreendido em um ponto Os médicos são defendidos contra mim como se eu de forma generalizada os tivesse declarado incapacitados para o exercício da análise e tivesse lançado a divisa de que se deva evitar buscar ajuda médica Bom não foi essa a minha intenção Provavelmente tevese essa impressão pelo fato de eu ter declarado em minha apresentação de disposição polêmica que os analistas médicos sem formação específica seriam ainda mais perigosos que os leigos Eu poderia deixar clara a minha verdadeira opinião nessa questão copiando um cinismo que foi apresentado certa vez no Simplicissimus29 sobre as mulheres Nele um dos parceiros se queixava das fraquezas e dificuldades do sexo mais belo ao que o outro observou Mas a mulher é o melhor que temos desse gênero Confesso que enquanto ainda não existirem as escolas que desejamos para a formação de analistas as pessoas de formação médica são o melhor material para o futuro analista No entanto podemos exigir que não coloquem a sua préformação médica no lugar da formação específica que eles superem a unilateralidade favorecida pelo ensino médico e que resistam à tentação de flertar com a Endocrinologia e com o sistema nervoso autônomo quando se tratar de perceber fatos psicológicos através de concepções psicológicas auxiliares Da mesma forma compartilho da 215 expectativa de que todos os problemas que se referem às relações entre os fenômenos psíquicos e suas bases orgânicas anatômicas e químicas só possam ser enfrentados por pessoas que estudaram ambas as coisas ou seja por analistas médicos Mas não deveríamos nos esquecer de que isso não é tudo na Psicanálise e que para o seu outro lado nunca podemos prescindir da colaboração de pessoas que são formadas em Ciências Humanas Por razões práticas criamos o hábito também para as nossas publicações de separar uma análise médica das aplicações da análise Isso não é correto Na verdade o limite da separação corre entre a Psicanálise científica e as suas aplicações nas áreas médica e não médica A rejeição mais dura quanto à análise leiga é representada nessas discussões por nossos colegas norteamericanos Não considero supérfluo retrucarlhes com algumas observações Dificilmente seria um mau uso da análise para fins polêmicos eu expressar a opinião de que a sua resistência remonta unicamente a fatores práticos Eles observam que em seu país os analistas leigos cometem muitos absurdos e abusos com a análise e consequentemente prejudicam tanto os pacientes quanto a reputação da análise Então é compreensível que em sua indignação eles queiram ficar longe desses malfeitores irresponsáveis e queiram excluir os leigos de qualquer participação na análise Mas essa situação já é suficiente para diminuir a importância da sua postura Pois a questão da análise leiga não pode ser decidida unicamente segundo considerações práticas e as condições locais da América não podem ser os únicos parâmetros para nós A atitude dos norteamericanos30 contudo parece verse aberta a críticas do ponto de vista da conveniência Zweckmäßigkeit Colocamonos a questão sobre por que justamente da América viria o grande número de análises leigas prejudicais Até onde se pode julgar à tamanha distância muitos fatores cuja importância relativa não se consegue avaliar parecem aqui se coadunar Primeiramente devese supor que somente um pequeno número de médicos analistas foi bemsucedido em obter reconhecimento e exercer influência sobre decisões de seu público Nisso pode se reconhecer a culpa de muitos fatores a extensão do país a falta de uma organização coordenadora que se estenda de forma satisfatória para além das fronteiras de determinada cidade além disso o temor à autoridade dos norteamericanos sua tendência a exercer a independência pessoal nos poucos âmbitos ainda 216 não considerados como estabelecidos por uma pressão implacável da public opinion sic O mesmo traço norteamericano transferido da vida política para o empreendimento científico mostrase no próprio grupo de analistas pela determinação de ter de trocar de dirigente a cada novo ano de forma que com isso nenhuma liderança de fato que seria necessária nesses difíceis caminhos possa se constituir Ou então no comportamento de círculos científicos que por exemplo manifestam igual interesse por todas as variantes de teorias autoproclamadas psicanalíticas e com isso visam afirmar sua openmindedness sic O cético europeu não pode reprimir a suspeita de que o interesse em todos os casos não possa ser tão profundo e que por trás de tal imparcialidade escondase muito desprazer e incapacidade de julgamento Parece a todos de acordo com o que se ouve que camadas da população estão à mercê da exploração por parte de analistas leigos fraudulentos enquanto na Europa já estariam deles protegidas graças às suas próprias censuras Não saberia dizer que traço da mentalidade norteamericana mereceria a culpa por isso de onde vem a explicação para o fato de que pessoas cujo mais elevado ideal de vida é a efficiency o trabalho pela prosperidade na vida não levam em conta as mais simples precauções na escolha de um auxiliar para dirimir suas aflições Entretanto para fazermos justiça temos de convir que isso ao menos em parte diminui a culpa dos malfeitores Na rica América onde se obtém dinheiro facilmente com qualquer extravagância ainda não há locais onde médicos e não médicos possam aprender a Psicanálise Já a empobrecida Europa conta com três institutos de ensino financiados com meios privados em Berlim Viena e Londres Com isso só resta aos pobres ladrões buscar o pouco de conhecimento necessário à formação numa lastimável apresentação popular da análise elaborada por algum de seus compatriotas Os bons livros em inglês lhes são muito difíceis os em alemão inacessíveis Algumas dessas pessoas depois de passarem anos numa existência de piratas Piratenexistenz e de terem com isso obtido alguma coisa vão para a Europa com escrúpulos de consciência tardios para a posteriori legitimarem sua relação com a Psicanálise para se tornarem honestos e aprenderem alguma coisa Nossos colegas norteamericanos geralmente nos admoestam por não recusarmos esses hóspedes Mas eles também rejeitam aqueles leigos que mesmo sem ter feito o mau 217 uso prévio da análise procuram uma formação em nossos institutos de ensino e criticam duramente a precariedade do conhecimento obtido com o qual retornam para a América Se eles têm razão nesse ponto não nos cabe a responsabilidade mas isso seria consequência de duas particularidades bastante conhecidas da essência do norteamericano que nos bastaria aqui aludir Primeiramente é indiscutível que o nível de formação geral bem como o de capacidade de assimilação intelectual mesmo em pessoas que visitaram um college norteamericano é bem mais baixo que o de um europeu Quem não acredita nisso ou toma isso por maledicência deve se remeter a observadores norteamericanos honestos lendo sobre exemplos em Martin The Behavior of Crowds O comportamento de massa Em segundo lugar só confirmamos o ditado ao lembrar que os norteamericanos nunca têm tempo Por certo time is money tempo é dinheiro mas não se pode entender por que ele tempo precisa ser convertido em dinheiro com tanta pressa Ele manteria igualmente o seu valor monetário mesmo se agíssemos com mais morosidade e se deveria imaginar que quanto mais tempo fosse investido mais dinheiro se obteria no final Em nossas terras alpinas há um cumprimento para quando duas pessoas se encontram tome seu tempo Zeit lassen Nós já muito escarnecemos essa formulação mas diante da pressa norteamericana aprendemos a reconhecer a grande sabedoria de vida que nela se encerra De todo modo o norteamericano não tem tempo Ele se compraz com os grandes números pelo aumento de todas as dimensões e em contrapartida pelo encurtamento do tempo dispendido pela obtenção de algo Creio que chama isso de recorde Ele deseja aprender a análise em três ou quatro meses e naturalmente que um tratamento analítico também não deveria durar mais do que isso Um analista europeu Otto Rank também se submeteu a essa ânsia norteamericana por abreviamento adequando a ela sua técnica que consiste na abreação do trauma do nascimento e buscou dar ao seu procedimento no âmbito da Psicologia Genética uma fundamentação teórica Estamos acostumados ao fato de que cada necessidade prática produza sua correspondente ideologia Mas os decursos entre consciente e inconsciente têm suas próprias condições temporais que não condizem bem com as exigências norte americanas Não é possível transformar no intervalo de três ou quatro meses em um analista eficiente alguém que até então não tinha qualquer entendimento sobre análise e menos ainda seria possível conduzir o 218 neurótico às mudanças que deveriam lhe restituir as capacidades perdidas de trabalhar e de fruir verlorene Arbeits und Genußfähigkeiten31 O norte americano também nada obtém em nossos institutos de ensino pois permanece geralmente muito pouco tempo neles Aliás ouvi dizer de certos leigos norteamericanos que fizeram toda a formação de dois anos de duração em nossos institutos de ensino que tal duração de curso também é requerida de analistas médicos mas nunca soube de nenhum médico norteamericano que tivesse dispendido tanto tempo em formação Não devo corrigirme conheço uma exceção tratase de uma médica norteamericana que entretanto jamais exerceu o ofício médico Ouso agora apontar para um outro fator sem o qual não se pode entender a situação norteamericana O SuperEu norteamericano parece em muito diminuir a sua severidade em relação ao Eu quando se trata do interesse pelo lucro Mas talvez o leitor ache agora que eu externei muitas maldades sobre aquele país diante do qual nas últimas décadas aprendemos a nos curvar Paro por aqui A resolução dos nossos colegas norteamericanos contra os analistas leigos guiada essencialmente por motivos práticos pareceme pouco prática pois ela não pode modificar um dos momentos que dominam a situação Ela tem mais ou menos o valor de uma tentativa de recalque Se não se pode impedir os analistas leigos em sua atividade se não se tem o apoio do público na luta contra eles não seria melhor levar em consideração o fato de sua existência oferecendolhes oportunidades de formação ganhando influência sobre eles mostrandolhes a possibilidade de aprovação da classe médica e do recurso ao trabalho colaborativo como motivação de modo que eles tenham interesse em melhorar o seu nível ético e intelectual 219 POSTSCRIPTUM 193532 Este ensaio foi redigido em 1926 e apresentado em 1927 aos leitores norteamericanos aos cuidados da editora Brentano Como agora colocouse a demanda de sua reedição reviseio cuidadosamente e achei que ele pode permanecer como está que não necessita nem comporta modificações profundas O amigável leitor deve rejeitar alguns detalhes por não serem mais atuais Uma assimilação à situação existente no Reich Alemão não mais é desejada entre nós na Áustria a expectativa que aliás nunca pode ser levada a sério de que a generosidade norteamericana fosse resolver a questão dos cuidados anímicos Seelsorge no sentido psicanalítico não resistiria ao declínio da prosperity sic norteamericana No mais acredito que algumas poucas observações devem bastar para trazer a apresentação ao nível de nosso entendimento atual O escrito A questão da análise leiga foi um verdadeiro trabalho de ocasião Ocorreu em Viena que um de nossos colaboradores um homem habilidoso e digno de confiança não médico mas Doctor Philosophiae Dr phil foi erroneamente acusado por um paciente psicopático de que ele teria usurpado da qualificação médica para têlo sob tratamento A lei austríaca relativa ao charlatanismo é severa tememos então que esse precedente fosse dar aos órgãos competentes o ensejo para proibir irrestritamente o exercício da Psicanálise por não médicos A pessoa imparcial referida em meu pequeno livro existiu de fato e hoje ainda vive Ele é uma personalidade influente em nosso campo profissional para quem redigi um parecer sobre o tema ocasionado Não sei se meus argumentos causaram grande impressão contudo a análise leiga na Áustria permaneceu sem ser proibida O ensaio que se originou desse parecer não teve um destino amigável É um dos poucos entre meus escritos que não obteve uma segunda edição em alemão que raramente foi traduzido e que praticamente nunca é citado Acredito que esse tratamento foi injusto O escrito é bom e merece o juízo de 220 reconhecimento que meu agora falecido amigo Ferenczi externou em sua Introduction sic a ele Mas novamente empreendi a luta contra o preconceito censurei duramente a conduta da corporação médica da qual eu mesmo faço parte há mais de 50 anos e isso não pode ao menos de imediato ter tido consequência distinta 221 DR REIK E O CHARLATANISMO 192633 Prezada redação Num artigo de seu jornal datado de 15 de dezembro que abordava o caso de meu aluno o Dr Theodor Reik e mais precisamente num parágrafo intitulado Comunicação advindas de círculos de psicanalistas encontrase uma passagem sobre a qual gostaria de emitir certas observações retificadoras Ali consta que nos últimos anos ele Freud se convenceu de que o Dr Reik que ganhou reconhecimento público através de seus trabalhos filosóficos e psicológicos possui um dom muito mais elevado para a Psicanálise do que médicos que se dizem seguidores da Escola Freudiana e que somente a ele e a sua própria filha Anna que se revelou especialmente capacitada para a difícil técnica analítica confia os casos mais difíceis Acredito que o Dr Reik seria o primeiro a recusar tal motivação para nossas relações Mas procede a informação de que tomo em consideração sua competência para lidar com casos especialmente difíceis somente contudo aqueles cujos sintomas se situam longe do domínio corporal Jamais deixei de dizer a um paciente que ele não é médico e sim psicólogo Minha filha Anna voltouse para a análise pedagógica de crianças e adolescentes Nunca ainda lhe confiei um caso de afecção neurótica severa em adultos O único caso de doença com sintomas limítrofes ao psiquiátrico que ela tratou até o presente momento mereceu aprovação médica dado o seu pleno sucesso ANÚNCIO DE UMA PUBLICAÇÃO SOBRE A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA Eu aproveito esta ocasião para comunicar que acabo de enviar para a impressão um breve escrito sobre A questão da análise leiga Nele procuro demonstrar o que é uma psicanálise o que ela demanda do psicanalista considero ali relações nada simples entre Psicanálise e Medicina e após essa 222 apresentação que há grandes reservas a serem feitas contra uma aplicação mecânica do parágrafo que concerne aos charlatães no caso do analista formado em nossa escola Como abandonei minha clínica vienense e restringi minha atividade ao tratamento de um pequeno número de estrangeiros espero não atrair com isso uma acusação de propaganda contra a própria profissão Com protestos de elevada estima e consideração Seu Professor Freud 223 Die Frage der Laienanalyse Unterredungen mit einem Unparteiischen 1926 1926 Primeira publicação Internationaler psychoanalytischer Verlag 1928 Gesammelte Schriften t XI p 307384 1948 Gesammelte Werke t XIV p 209296 Para as passagens não incluídas na edição alemã da Gesammelte Werke 1993 GRUBRICHSIMITIS I Zurück zu Freuds Texten Frankfurt am Main Fischer Verlag 1993 p 226229 294295 297302 1994 Œuvres complètes de Freud Paris PUF 1994 Dr Reik und die Kurpfuscherei 1926 Primeira publicação Neue Freie Presse 18 de julho 1987 Gesammelte Werke Nachtragsband p 715717 Este texto construído em forma de diálogo constitui talvez um dos mais importantes escritos técnicos freudianos após a reformulação da doutrina das pulsões e da teoria do aparelho psíquico no início da década de 1920 Tratase contudo de um texto de intervenção um documento vivo de como Freud respondia ao contexto político de seu tempo Sua motivação mais imediata remonta a um processo que acusava Theodor Reik 18881969 membro da Sociedade Psicanalítica de Viena de charlatanismo na medida em que este exercia a Psicanálise sem ser diplomado em Medicina A discussão acerca da análise leiga isto é a análise exercida por não médicos remonta a pelo menos dois anos antes Conforme carta a Abraham de novembro de 1924 o fisiologista Arnold Durig que era membro do Conselho Superior de Saúde da cidade de Viena havia solicitado a Freud um parecer acerca da prática da análise por leigos A despeito de sua interlocução com Durig que muito provavelmente inspirou a pessoa imparcial do diálogo o município de Viena proibiria Reik de exercer a Psicanálise em resolução datada de 24 de fevereiro de 1925 Logo em seguida Freud escreveria também a Julius Tandler outro conselheiro pedindo que ele reconsiderasse a decisão Freud redige seu artigo no verão de 1926 Um ano depois escreve o Posfácio com o intuito de concluir uma acalorada discussão acerca do tema que teve lugar no X Congresso Internacional de Psicanálise ocorrido em Innsbruck organizado por Jones e Eitingon e que contou com as colaborações dos mais renomados psicanalistas à época O contexto era efervescente Na primavera de 1925 um paciente psicótico norteamericano Newton Murphy que também era médico procura Freud para uma análise mas é encaminhado justamente a Reik Pouco depois Murphy entra com uma queixa contra Reik Por seu turno Wilhelm Stekel dissidente do movimento analítico orquestrara uma campanha contra a análise leiga interpelando a Sociedade Psicanalítica de Viena Aos praticantes de Psicanálise da Policlínica de Viena foi exigido o diploma médico Entre julho e setembro de 1926 a imprensa vienense repercutiu esse debate dedicando manchetes e artigos particularmente na Neue Freie Presse No domingo 18 de julho de 1926 Freud publica um artigo defendendo Reik acrescentando que outro exemplo de sucesso analítico de um praticante não médico era o de sua própria filha Anna Freud O processo contra Reik só seria concluído favoravelmente a ele em maio de 1927 A repercussão desse escrito foi imediata e dividiu a comunidade psicanalítica internacional Tornouse um marco acerca da questão da formação do analista Alguns nomes importantes como Jones Sadger e Deutsch advogaram contra a posição de Freud e insistiram na necessidade da formação 224 médica do psicanalista Jones escreveu uma resenha do texto publicada em 1927 e debateu o assunto em sua correspondência com Freud A questão foi particularmente dramática nos Estados Unidos onde a formação médica foi unanimemente exigida culminando com a expulsão dos analistas não médicos em Nova York O Posfácio 1927 escrito por Freud é veemente Jones e Eitingon suprimiram com o aval de Freud três páginas de texto especialmente acres em relação à assimilação norteamericana da Psicanálise A íntegra do texto reproduzida aqui foi restituída por Ilse GrubrichSimitis em 1993 Além disso acrescentamos aqui a tradução de um manuscrito de Freud intitulado Postscriptum 1935 Esse texto assim como algumas notas de rodapé foi escrito por Freud para uma nova edição norteamericana preparada por Norton um editor novaiorquino que infelizmente abandonou o projeto Todo esse material inédito foi descoberto por Ilse GrubrichSimitis Ao final julgamos pertinente publicar ainda uma carta de Freud sobre o charlatanismo Dr Reik e o charlatanismo publicada no dia 18 de julho de 1926 na Neue Freie Presse NOTAS 1 O termo em alemão não remete tanto à noção de alguém que use de um falso diploma ou de falsidade ideológica como no caso do vocábulo português mas sobretudo à clandestinidade ou falta de capacitação legal NR 2 SHAKESPEARE W Hamlet ato II cena 2 Words words words Na tradução de Millôr Fernandes em que o protagonista conversa com Polônio o Lord camarista NT 3 Ver GOETHE J W Fausto cena 4 Conversa entre Mefistófeles e o estudante Mit Worten läßt sich trefflich streiten NR 4 No final de seu Totem e tabu Freud cita o verso No começo era o ato Im Anfang war die Tat Cf GOETHE Fausto v 1237 NE 5 Johann Nestroy 18011862 NE 6 Referência ao autor Hans Vaihinger que publicou o livro Die Philosophie des Als ob A filosofia do como se obra duramente criticada por Freud em Die Zukunft einer Illusion O futuro de uma ilusão ensaio que Freud via de modo complementar a este A questão da análise leiga Em carta a Oskar Pfister de 1933 Freud afirma que escreveu Die Frage der Laienanalyse para defender a Psicanálise dos médicos e Die Zukunft einer Illusion para defendêla dos sacerdotes NR 7 Crítica de Freud à célebre tradução de Ernest Jones para essas instâncias que utiliza não exatamente o 225 grego mas outra língua clássica igualmente morta o latim Mesmo na língua portuguesa há quem prefira traduzir os tais pronomes retos Ich e Es Eu e Isso por Ego ou Id respectivamente Essa desaprovação é confirmada em nota de Freud de 1935 inserida ao final deste texto NR 8 Isso foi mais forte que eu grifo nosso Percebase o quanto Freud se apoia em palavras e expressões cotidianas para elaborar suas teorias de forma compreensível e acessível ao leigo NR 9 Freud se refere aqui a Friedrich Schiller aludindo ao poema Die Weltweisen NR 10 Interessante perceber como Freud antecipa toda a incessante discussão sobre a procura por um termo tão comum e cotidiano para a tradução de Trieb em outras línguas europeias modernas NR 11 Ver por exemplo Neurose e psicose e A perda da realidade na neurose e na psicose ambos de 1924 no volume Neurose psicose perversão NE 12 Provável alusão a Tolstói em consonância com uma passagem semelhante em Observações sobre o amor transferencial neste volume p 168 NE 13 Clara referência de Freud a dois seguidores seus que posteriormente se tornaram dissidentes e fundadores de novas escolas de pensamento sobre o psiquismo Tratase respectivamente de Carl Gustav Jung e Alfred Adler NR 14 Em outras notas desta mesma coleção advertimos o leitor quanto à polissemia do vocábulo Angst podendo significar medo ansiedade ou angústia e de como há uma certa tendência de Freud em usálo teoricamente no sentido de angústia Entretanto o contexto aqui deixa claro ser o caso de medo do temor de que o pai cumpra com uma ameaça NR 15 Continente escuro ou negro ou obscuro em inglês no original Alusão à expressão popularizada pelo bestseller da literatura colonial Through the Dark Continent publicado pelo explorador Henry Morton Stanley Londres 1878 O emprego dessa metáfora por Freud fez correr muita tinta críticos viram nela o vestígio de um discurso faloeurocentrista defensores perceberam nessa alusão a uma alteridade radical reduplicada e metaforizada a constatação dos limites daquele próprio discurso e um ponto de inflexão para sua superação NE 16 Referência à Odisseia de Homero representando criaturas marinhas Estar entre um turbilhão 226 Caríbdis e um rochedo Cila na região do estreito de Messina perigosos para a navegação ou se fugia do turbilhão ou se batia no rochedo Corresponde a um dilema algo como estar entre a cruz e a espada NR 17 Referência ao herói da história suíça Guilherme Wilhelm Tell Citase aqui um trecho da fala de Tell na peça de Schiller Wilhelm Tell ato III cena I NT 18 Digno de nota que no alemão não se confunda a Consciência Bewusstsein clássico objeto da ciência psicológica e aquilo que Freud contrapõe ao Inconsciente das Unbewusste com a consciência enquanto senso moral Gewissen NR 19 Ver nota anterior NR 20 Alusão a Joseph Breuer médico de Anna O e coautor com Freud do célebre Estudos sobre a histeria 1895 NE 21 Conjunto de crenças do movimento religioso fundado por Mary Baker Eddy 18211910 nos Estados Unidos No livro de referência desse movimento Science and Health 1875 Eddy propõe que a doença é uma ilusão que pode ser curada apenas pela oração NE 22 Citação do rei Frederico II da Prússia que respondendo a uma consulta sobre a eliminação das escolas católicas em seu reino advogava liberdade religiosa para que cada um pudesse ser felizbem aventurado selig à sua maneira Nach seiner Façon selig werden no facsímile muss ein jeder nach seiner Faßon Selich werden NT 23 Literalmente Ciências no Espírito ou da Mente que na tradição alemã desde Dilthey opõemse às Ciências da Natureza Naturwissenschaften O paradigma se aproxima da nossa oposição dicotômica Ciências Humanas Ciências Exatas mas com algumas diferenças fundamentais NR 24 Freud alude à circunstância de que este posfácio foi publicado no final de um debate organizado pela Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse no verão de 1927 nos cadernos 2 e 3 do ano XIII sobre a questão da análise leiga NE 25 Referência às teorias propostas por Karl Abraham quanto aos dois subestágios da fase analsádica NR 227 26 Ernst Wilhelm von Brücke Berlim 1819Viena 1892 Psiquiatra e psicólogo alemão professor de Freud na Universidade de Viena NR 27 Fórmula de difícil e ambígua tradução O adjetivo weltlich está relacionado ao substantivo Welt mundo Logo poderia ter uma tradução mais literal em mundano Seelsorger é uma composição entre cuidador Sorger e alma Seele Entretanto fica claro aqui o efeito paradoxal que Freud emprega entre algo que se aproxima em suas origens e ao mesmo tempo se distingue radicalmente dos cuidados de um sacerdote NR 28 Novamente aqui vale lembrar que em alemão Seele alma mantém tanto os sentidos místico e religioso quanto os científico e filosófico ainda que em português tendamos mais a reduzir o correlato alma ao primeiro desses âmbitos NR 29 Revista satírica semanal alemã editada em Munique que circulou entre 1896 e 1967 NR 30 Essa longa passagem entre colchetes foi excluída da edição da Gesammelte Werke assim como das demais edições completas das obras de Freud Seguimos aqui o modelo editorial proposto por Jean Laplanche em sua edição das Œuvres complètes de Freud NE 31 Uma versão mais abrangente dessa diretriz pode ser encontrada em O método psicanalítico freudiano Neste volume nota de fim n 7 p 61 NE 32 Este PostScriptum foi redigido para uma edição norteamericana do ensaio que acabou não vindo à luz Ver nota editorial supra NE 33 Publicada no dia 18 de julho de 1926 no jornal Neue Freie Presse NE 228 A ANÁLISE FINITA E A INFINITA 1937 I A experiência tem nos ensinado que a terapia psicanalítica a libertação de uma pessoa de seus sintomas neuróticos suas travas e anormalidades de caráter é um trabalho de longo prazo Por isso desde o início foram realizadas tentativas de reduzir a duração das análises Tais esforços não necessitavam de justificativa pois podiam se reportar às motivações mais compreensíveis e adequadas Mas provavelmente havia neles ainda um resquício do tal desdém impaciente com que num período mais antigo da Medicina viamse as neuroses ou seja como decorrências supérfluas de danos invisíveis Se agora foi necessário ocuparse delas queriase que isso fosse feito no menor tempo possível Uma tentativa bastante enérgica nesse sentido foi feita por Otto Rank dando sequência ao seu livro O trauma do nascimento 1924 Ele supunha que o ato do nascimento fosse a verdadeira fonte da neurose na medida em que ele coloca a possibilidade de que a fixação primordial Urfixierung na mãe nunca seja superada e continua existindo como recalque primordial Urverdrängung A partir da resolução analítica posterior desse trauma primordial Rank esperava eliminar toda a neurose de modo que esse pedacinho único de análise economizasse todo o trabalho analítico restante Alguns poucos meses deveriam ser suficientes para esse trabalho Não se pode negar que esse raciocínio de Rank foi espirituoso e ousado mas ele não resistiu a uma análise crítica Aliás a tentativa de Rank nasceu em uma época que vivia sob a impressão do contraste entre a miséria europeia do pósguerra e a prosperity norte americana sendo concebida e destinada a adequar a velocidade da terapia analítica à pressa da vida norteamericana Não ficamos sabendo que contribuição a execução do plano de Rank trouxe para os casos de doenças Provavelmente não mais do que os bombeiros poderiam ter contribuído se no caso de um incêndio residencial provocado por uma lamparina caída se 229 satisfizessem em tirar a lamparina do recinto em que o incêndio começou É bem verdade que assim se atingiria uma considerável redução no tempo de extinção do fogo A teoria e a prática do experimento de Rank hoje são coisa do passado assim como a própria prosperity norteamericana Eu mesmo antes da guerra ainda trilhei um outro caminho para acelerar o decurso de um tratamento analítico Na época assumi o tratamento de um jovem russo1 que mimado pela riqueza tinha vindo a Viena em total desamparo acompanhado de seu médico particular e de seu cuidadorxxxvi Ao longo de alguns anos consegui restituir a ele boa parte de sua autonomia pude despertar o seu interesse pela vida colocar em ordem as suas relações com as pessoas mais importantes para ele mas então o progresso estagnou o esclarecimento da neurose de infância que era a base da doença posterior não continuou e se reconhecia claramente que o paciente considerava o seu estado muito agradável naquele estágio não querendo dar mais nenhum passo que o aproximasse do fim do tratamento Era um caso de autoinibição do tratamento ele corria perigo de fracassar justamente a partir de seu sucesso parcial Nessa situação recorri ao meio heroico do estabelecimento de um prazo fixo Terminsetzung Ao início de uma temporada de trabalho esclareci ao paciente que aquele ano seria o último do tratamento independentemente dos progressos que ele viesse a registrar no tempo ainda restante De início ele não acreditou em mim mas depois de ter se convencido da seriedade irredutível do meu propósito ocorreu a sua desejada transformação Suas resistências enfraqueceram e naqueles últimos meses ele conseguiu reproduzir todas as lembranças e encontrar todas as relações que pareciam necessárias para que compreendesse a sua neurose antiga e dominasse a atual Quando ele se despediu de mim em pleno verão de 1914 sem saber como de resto nós todos que acontecimentos estavam por vir considereio curado profunda e duradouramente Em um acréscimo à sua história clínica2 1923 já relatei que aquilo não se mostrou correto Quando o paciente perto do fim da guerra retornou a Viena como fugitivo sem quaisquer recursos tive de ajudálo a dominar uma parte não resolvida da transferência depois de alguns meses isso funcionou e consegui fechar o acréscimo ao texto com a comunicação de que o paciente de quem a guerra tinha tomado a pátria o patrimônio e todas as relações familiares desde então se sentia normal e se portava de forma exemplar A 230 década e meia que se passou desde então não exatamente me fez pagar com a língua por esse veredito mas me obrigou a nele fazer restrições O paciente permaneceu em Viena firmandose em uma posição social ainda que modesta Mas várias vezes durante esse período ele foi acometido por episódios de doença que só podiam ser interpretados como estertores de sua neurose de vida Lebensneurose A habilidade de uma de minhas alunas Dra Ruth Mack Brunswick conseguiu a cada vez e após um breve tratamento pôr fim a esses estados espero que em breve ela própria relate essas experiências Em alguns desses ataques ainda se tratava de resquícios da transferência nessa ocasião eles evidenciavam apesar de sua brevidade seu caráter paranoico Em outros porém o material patogênico era composto de fragmentos da história de sua infância que durante a análise comigo não tinham vindo à tona e que agora não podemos nos esquivar da comparação se desvencilhavam tal como a linha cirúrgica após uma operação ou como pedacinhos de ossos necrosados Eu não considerava a história da cura desse paciente menos interessante do que a história de sua doença Posteriormente também recorri ao estabelecimento de prazos fixos em outros casos e também tomei em consideração as experiências de outros analistas O juízo sobre o valor dessa medida de coação é indubitável Ela é eficaz desde que se encontre o tempo certo para ela Mas ela não tem como garantir a consecução completa da tarefa Ao contrário podemos estar certos de que enquanto uma parte do material se torna acessível sob a pressão Zwang da ameaça outra parte permanece reclusa e com isso é soterrada e se perde para o esforço terapêutico Lembremos que não se pode estender o prazo depois de ele ter sido fixado do contrário se perderá toda a credibilidade para a sequência do tratamento A continuidade da terapia com outro analista seria a próxima saída evidentemente sabemos que uma tal mudança significa nova perda de tempo e abdicação dos frutos do trabalho realizado Também não podemos afirmar com ares de validade geral qual é o momento certo para aplicar esse recurso técnico agressivo fica a cargo do tato Um erro de procedimento não poderá mais ser consertado O ditado popular que afirma que o leão só salta uma vez está certo II As considerações sobre o problema técnico de como acelerar o decurso 231 lento de uma análise nos levam agora a outra questão de profundo interesse a saber se há um término natural de uma análise ou se é possível levar uma análise até tal término O uso linguístico corrente entre analistas parece favorecer tal pressuposto pois muitas vezes ouvimos eles se lamentarem ou se desculparem por terem reconhecido um ser humano em sua incompletude ele não foi analisado até o fim Em primeiro lugar precisamos entrar em acordo sobre o que se entende pelo termo polissêmico fim de análise Na prática é fácil determinar isso A análise termina quando analista e paciente não mais se encontram para o trabalho analítico Eles assim agirão quando duas condições forem cumpridas aproximadamente a primeira o fato de o paciente não sofrer mais com os sintomas e ter superado as suas angústias e suas inibições a segunda o fato de o analista julgar que tantas coisas recalcadas se tornaram conscientes para o paciente tantas coisas incompreensíveis foram esclarecidas tantas resistências interiores foram vencidas que não se precisa temer a repetição dos processos patológicos a elas relacionados Se dificuldades externas impediram que se atingisse esse objetivo é melhor falar em uma análise incompleta do que em uma análise inconclusa O outro sentido do fim de uma análise é muito mais ambicioso Pergunta se em seu nome se o influenciamento do paciente foi levado a tal ponto que uma continuidade da análise não pode prometer nenhuma outra mudança Ou seja como se através da análise pudéssemos atingir um nível de normalidade psíquica absoluta ao qual também pudéssemos confiar a capacidade de se manter estável por exemplo se tivesse dado certo dissolver todos os recalques que apareceram e preencher todas as lacunas da memória Primeiramente perguntaremos à experiência se algo assim de fato acontece para depois perguntarmos à teoria se isso é possível Todo analista tratou de certos casos com um tal final satisfatório Ele conseguiu eliminar o distúrbio neurótico existente que não retornou e não foi substituído por nenhum outro distúrbio E é claro que se conhecem as condições desses sucessos O Eu dos pacientes não mudou de forma evidente e a etiologia do distúrbio era essencialmente traumática A etiologia de todos os distúrbios neuróticos é mesclada tratase ou de pulsões excessivamente fortes ou seja que se rebelam contra a domação Bändigung pelo Eu ou do efeito de traumas precoces isto é que ocorreram antes do tempo dos quais um Eu imaturo não conseguiu se apoderar Em geral tratase de um efeito 232 conjunto dos dois momentos o constitucional e o acidental Quanto mais forte for o primeiro mais provavelmente um trauma levará à fixação e deixará um distúrbio evolutivo como resquício quanto mais forte for o trauma maior será a certeza de que ele expressará a sua lesão Schädigung mesmo em condições pulsionais normais Não resta dúvida de que a etiologia traumática oferece a oportunidade mais vantajosa de todas à análise Apenas no caso eminentemente traumático a análise fará o que sabe fazer com maestria substituir a resolução insuficiente dos primeiros tempos graças ao fortalecimento do Eu por uma consecução correta Só em um caso desse tipo podese falar em uma análise definitivamente encerrada Aqui a análise desempenhou o seu papel e não precisa ser continuada Se o paciente restabelecido nunca mais produzir um distúrbio a ponto de precisar ser analisado evidentemente não saberemos quanto dessa imunidade se deve ao mérito do destino que pode têlo poupado de provações excessivas A força pulsional constitucional e a alteração desfavorável do Eu adquirida na luta defensiva no sentido de uma distorção e limitação são os fatores que prejudicam o efeito da análise e que podem prolongar a sua duração até o inconclusível Somos tentados a responsabilizar a primeira a força pulsional também pela formação da outra a alteração do Eu mas parece que esta também possui a sua própria etiologia e na verdade precisamos admitir que essas condições ainda não são suficientemente conhecidas Só agora elas estão começando a ser objeto dos estudos analíticos O interesse dos analistas nessa área pareceme não estar corretamente direcionado Em vez de analisarem como a cura se dá através da análise o que julgo suficientemente esclarecido a questão devia ser sobre quais obstáculos impedem a cura analítica Quero aqui abordar dois problemas que resultam diretamente da prática analítica como mostrarão os exemplos a seguir Um homem que ele próprio exerceu a análise com grande sucesso3 julga que a sua relação tanto com homens quanto com mulheres com os homens que são seus concorrentes e com a mulher que ele ama não está livre afinal de obstáculos neuróticos e por isso ele se torna o objeto analítico de um outro que ele acredita ser superior a ele A radiografia crítica de sua própria pessoa mostra seu pleno sucesso Ele se casou com a mulher amada e se transformou em amigo e professor dos supostos rivais Passamse muitos anos nessa situação em que 233 também a relação com o antigo analista permanece inalterada Então sem motivo externo comprovável surge um transtorno O analisado entra em confronto com o analista e o acusa de não ter lhe dado uma análise completa Ele deveria saber e ter considerado que uma relação de transferência nunca pode ser apenas positiva ele deveria ter se preocupado com as possibilidades de uma transferência negativa O analista afirma que à época da análise nada evidenciava uma transferência negativa Entretanto mesmo supondo que ele não tivesse atentado para os mais tênues traços de uma tal transferência negativa o que não é de todo descartável diante da estreiteza dos horizontes naqueles primórdios da análise continuaria questionável se ele teria o poder de ativar um tema ou como se diz um complexo através da simples menção enquanto no próprio paciente ainda não era algo atual Para tanto certamente seria necessária uma ação antipática no sentido real em relação ao paciente Além disso nem toda boa relação entre analista e analisado durante e após a análise deve ser avaliada como transferência Também há relações de amizade que possuem fundamentação real e que se revelam como vivenciáveis Já acrescento também o segundo exemplo a partir do qual surge o mesmo problema Uma menina mais velha foi desconectada da vida desde a puberdade devido à incapacidade de andar por sentir fortes dores nas pernas esse estado ao que parece é de natureza histérica e resistiu a diversos tratamentos um tratamento de nove meses o eliminou devolvendo a uma pessoa valiosa e produtiva seus direitos a uma parte da vida Os anos após a cura nada trouxeram de bom catástrofes na família perda de patrimônio com o avançar da idade a perda de qualquer perspectiva de felicidade no amor e de casamento Mas a exdoente resiste a tudo isso com tenacidade servindo de apoio para os seus em tempos difíceis Não me lembro mais se foi após 12 ou 14 anos do final do tratamento que sangramentos profusos fizeram necessário um exame ginecológico Encontrouse um mioma que justificava a extirpação total do útero A partir dessa operação a moça voltou a ficar doente Apaixonouse pelo médico que a operou divagava em meio a fantasias masoquistas sobre as terríveis transformações em seu interior com as quais encobria o seu romance e amor mostrouse inacessível para uma nova tentativa analítica e até o fim da vida nunca mais voltou a ser normal O tratamento bemsucedido ficou tão longe no passado que não se pode exigir demais dela isso passouse nos meus primeiros anos de atividade analítica 234 Mas é bem possível que a segunda doença se originasse da mesma raiz que a primeira que fora superada com sucesso ou seja que ela fosse uma expressão modificada das mesmas moções recalcadas que na análise só foram resolvidas de forma incompleta Mas quero crer que sem o novo trauma não teríamos uma nova irrupção da neurose Esses dois casos escolhidos intencionalmente em meio a uma grande quantidade de casos semelhantes serão suficientes para desencadear a discussão sobre os nossos temas Céticos otimistas ambiciosos os utilizarão de modo muito diferente Os primeiros dirão que agora está comprovado que mesmo um tratamento analítico bemsucedido não protege o paciente originalmente curado de sucumbir a uma outra neurose e mesmo a uma neurose da mesma raiz pulsional ou seja adoecer de um retorno do velho sofrimento Os segundos dirão que essa comprovação não foi feita Eles contraporão o argumento de que as duas experiências são dos primórdios da análise de 20 ou 30 anos atrás Desde então os nossos conhecimentos se aprofundaram e ampliaram a nossa técnica se modificou adaptandose aos novos avanços Hoje poderíamos exigir e esperar que uma cura analítica se consolidasse como duradoura ou pelo menos que uma nova doença não mostre ser um reavivamento do antigo distúrbio pulsional com novas formas de expressão A experiência não nos obrigaria a delimitar de modo tão sensível os nossos anseios em relação à terapia Evidentemente escolhi as duas observações porque estão longe no passado Quanto mais recente for um sucesso no tratamento mais ele se tornará aqui improdutivo e isso é compreensível para as nossas considerações já que não dispomos de nenhum recurso para prever o destino de uma cura As expectativas dos otimistas aparentemente pressupõem muitas coisas que não são óbvias primeiro ser possível eliminar um conflito pulsional ou melhor um conflito entre o Eu e uma pulsão definitivamente para todo o sempre segundo poder ser possível digamos vacinar uma pessoa contra todas as outras possibilidades de conflito enquanto tratamos desse conflito pulsional específico terceiro que temos o poder de despertar um tal conflito patogênico que no momento não se manifesta por qualquer sinal objetivando um tratamento profilático e que essa seria uma atitude sábia Levanto essas questões sem querer respondêlas neste momento Talvez uma resposta segura atualmente sequer seja possível Considerações teóricas talvez nos permitam contribuir de alguma forma 235 para que certas coisas sejam levadas a sério Mas há outra coisa que já agora ficou clara o caminho para realizar os anseios aumentados em relação ao tratamento analítico não leva à abreviação de sua duração ou não passa por ela III A experiência analítica que já se estende por várias décadas e uma mudança no modo de exercer minha atividade me encorajam a tentar responder àquelas perguntas levantadas Em tempos passados eu lidava com um número maior de pacientes que como era compreensível faziam pressão para ter uma resolução rápida nos últimos anos predominam as análises didáticas e um número comparativamente menor de pacientes com sofrimentos graves continuou comigo para um tratamento continuado mesmo que interrompido por intervalos breves ou mais longos Com esses últimos o objetivo terapêutico tinha mudado Uma abreviação do tratamento não se cogitava mais a intenção era provocar um esgotamento profundo das possibilidades de doenças e uma transformação profunda da pessoa Dos três fatores que consideramos determinantes para a oportunidade da terapia analítica influência de traumas força pulsional constitucional alteração do Eu interessanos aqui o segundo a força pulsional A consideração seguinte nos instiga a dúvida sobre se a limitação através do adjetivo constitucional ou congênito é indispensável Por mais decisivo que seja desde o início o fator constitucional permanece plausível que uma intensificação pulsional mais tarde ao longo da vida possa externar os mesmos efeitos A fórmula então seria alterada a força pulsional atual em vez da constitucional A primeira das nossas perguntas foi é possível resolver de forma duradoura e definitiva através da terapia analítica um conflito entre a pulsão e o Eu ou uma exigência pulsional patogênica em relação ao Eu Provavelmente à guisa de evitarmos malentendidos seja necessário explanarmos em mais detalhes o que entendemos por resolução duradoura de uma exigência pulsional Triebanspruch Certamente não significa que fazemos com que ela desapareça de modo que nunca mais dê sinais Isso em geral não é possível nem seria desejável Não Seria algo diferente que poderíamos chamar mais ou menos de domação Bändigung4 da pulsão isso quer dizer que a pulsão foi acolhida 236 completamente na harmonia do Eu e é acessível através das outras aspirações no Eu não trilhando mais os seus próprios caminhos em busca de satisfação Se perguntarem através de que caminhos e com que recursos isso acontece a resposta não será fácil Temos de dizer a nós mesmos Então agora a bruxa precisa entrar em ação5 É a bruxa chamada Metapsicologia Sem especulação metapsicológica e teorização quase diria sem fantasiar não avançamos nenhum passo sequer6 Infelizmente as informações fornecidas pela bruxa também dessa vez não são nem muito claras nem detalhadas Temos apenas um ponto de apoio esse aliás incalculável a contraposição entre processo primário e secundário e é para ela que quero apontar neste momento Se agora retornarmos à nossa primeira pergunta veremos que a nossa nova perspectiva nos impõe uma determinada decisão A pergunta era se é possível resolver um conflito pulsional de forma duradoura e definitiva isto é domar a exigência pulsional de tal forma Nessa formulação da pergunta a força pulsional não é mencionada em momento algum mas é justamente dela que depende a resolução Partamos do pressuposto de que no caso do neurótico a análise nada mais faz do que uma pessoa sadia faria sem essa ajuda Mas na pessoa saudável a experiência cotidiana nos ensina que toda decisão de um conflito pulsional só vale para uma determinada força pulsional ou dito de modo mais correto só vale em meio a uma determinada relação entre a força da pulsão e a força do Euxxxvii Se a força do Eu diminuir devido a doença esgotamento ou assemelhados todas as pulsões até então domadas com sucesso poderão voltar a anunciar as suas exigências almejando satisfações substitutas através de caminhos anormaisxxxviii Quem nos fornece a comprovação irrefutável dessa afirmação é o sonho noturno que reage à preparação do Eu para o sono com o despertar das exigências pulsionais Igualmente indubitável é também o material do outro lado Duas vezes ao longo do desenvolvimento individual surgem intensificações consideráveis de certas pulsões na puberdade e por volta da menopausa nas mulheres Não nos causaria a menor surpresa se nos deparássemos com pessoas que antes não eram neuróticas e se tornam neuróticas nesses períodos A domação das pulsões que tinha funcionado com uma intensidade menor dessas pulsões agora fracassa com a sua maior intensidade Os recalques se comportam 237 como os diques contra a pressão das águas Aquilo que essas intensificações fisiológicas da pulsão produzem pode ser igualmente provocado de forma irregular em qualquer outro momento de vida a partir de influências acidentais As intensificações das pulsões se originam a partir de novos traumas impedimentos Versagungen impostos ou influenciamentos colaterais mútuos entra as pulsões O resultado será sempre o mesmo e ele endurece o poder irresistível do fator quantitativo na causação da doença Tenho a impressão aqui de que deveria me envergonhar de todas essas discussões pesadas uma vez que aquilo que elas dizem é conhecido e óbvio há muito tempo É verdade sempre nos comportamos como se soubéssemos disso só que na maioria das vezes nos esquecemos em nossas concepções teóricas de levar em conta o aspecto econômico na mesma medida em que consideramos os aspectos dinâmico e tópico A minha desculpa portanto é o fato de estar alertando para essa falha Mas antes de nos decidirmos por uma resposta à nossa questão devemos ouvir a interpelação cuja força reside no fato de que provavelmente de antemão tomaremos partido dela Essa interpelação diz que todos os nossos argumentos derivam dos processos espontâneos entre o Eu e a pulsão e pressupõem que a terapia analítica não faz nada que não aconteça automaticamente em circunstâncias normais e favoráveis Mas será isso mesmo Será que a nossa teoria justamente não advoga produzir um estado que nunca está presente espontaneamente no Eu e cuja criação perfaz a diferença essencial entre a pessoa analisada e a não analisada Vejamos em que se baseia essa interpelação Todos os recalques acontecem na primeira infância são medidas primitivas de defesa do Eu imaturo e fraco Nos anos posteriores não são mais executados recalques novos mas os antigos se mantêm e os seus serviços continuam sendo solicitados pelo Eu para dominar as pulsões Novos conflitos são como costumamos dizer resolvidos com um recalque posterior Nachverdrängung Em relação a esses recalques infantis pode ser válido o que afirmamos de modo geral ou seja que eles dependem plena e totalmente da relação de forças relativas e que não resistem a uma intensificação da força pulsional No entanto a análise permite que o Eu amadurecido e fortalecido possa proceder a uma revisão desses recalques antigos alguns serão desmontados outros serão reconhecidos mas reconstruídos com material mais sólido Esses novos diques têm uma durabilidade totalmente diferente dos antigos podemos 238 confiar que diante da maré alta da intensificação pulsional eles não cederão facilmente A correção posterior do processo original de recalque que coloca um fim na supremacia do fator quantitativo seria portanto a verdadeira contribuição da terapia analítica Isso quanto à nossa teoria da qual não podemos prescindir sem pressão irrefutável E o que nos diz a experiência a respeito Talvez ela ainda não seja abrangente o suficiente para uma decisão segura Muitas vezes ela dá razão às nossas expectativas mas não é sempre Temos a impressão de que não deveríamos nos surpreender se no fim descobríssemos que a diferença entre o não analisado e o comportamento posterior do analisado não é tão ampla quanto desejaríamos esperaríamos e afirmamos Então às vezes a análise realmente conseguiria desligar a influência da intensificação da pulsão mas não com regularidade Ou então o seu efeito se limitaria a aumentar o poder de resistência das inibições de modo que após a análise elas encarariam exigências muito maiores do que antes da análise ou mesmo sem ela Realmente não arrisco uma decisão aqui e também não sei se ela é possível neste momento Mas podemos nos aproximar por outro lado da compreensão dessa irregularidade no efeito da análise Sabemos que é o primeiro passo para o domínio intelectual do entorno em que vivemos no qual encontramos generalizações regras e leis que trarão ordem para o caos Por meio desse trabalho simplificamos o mundo dos fenômenos mas não conseguimos evitar que os falsifiquemos especialmente quando se tratar de processos de desenvolvimento e de transformação O que nos interessa é abarcar uma transformação qualitativa nesse intuito geralmente esquecemos pelo menos temporariamente de um fator quantitativo Na realidade as transições e as etapas intermediárias são muito mais frequentes do que os estados contrários claramente delineados No caso dos desenvolvimentos e das transformações nossa atenção se volta apenas para o resultado costumamos esquecer que tais processos normalmente transcorrem de modo mais ou menos incompletos ou seja que na verdade são transformações apenas parciais O mais arguto autor satírico da antiga Áustria J Nestroy certa vez disse todo progresso tem sempre apenas a metade do tamanho que parecia ter Estaríamos tentados a conferir validade bastante geral a essa frase maldosa Quase sempre há fenômenos residuais um resquício parcial Quando o mecenas mãoaberta nos surpreende com um traço isolado de 239 mesquinharia quando aquele que normalmente é excessivamente bom de repente se entrega a uma ação belicista esses fenômenos residuais são de valor incalculável para a pesquisa genética Eles nos mostram que aquelas características louváveis e valiosas se fundamentam em compensação e sobrecompensação que como era esperado não deram totalmente certo não funcionaram em sua totalidade Se a nossa primeira descrição do desenvolvimento da libido era uma fase oral original dá lugar à sádicoanal e esta por sua vez dá lugar à fase fálicogenital a pesquisa posterior não se opôs a isso mas apenas acrescentou a troco de correção que essas substituições não se dão de repente mas aos poucos de modo que a qualquer tempo partes da organização anterior continuam existindo ao lado da mais recente e que mesmo em um desenvolvimento normal a transformação nunca se dá de forma completa de modo que ainda na configuração definitiva podem continuar existindo restos das antigas fixações da libido Em áreas muito diferentes podemos detectar a mesma coisa Não há nenhuma das acepções equivocadas ou das superstições humanas supostamente superadas que não tenha deixado restos que não continue entre nós hoje nas camadas mais profundas dos povos civilizados Kulturvölker ou mesmo nas camadas mais altas da sociedade cultivada Kulturgesellschaft Aquilo que alguma vez ganhou vida sabe se manter de forma tenaz Às vezes poderíamos questionar se os dragões dos tempos primevos realmente foram extintos E agora para proceder à aplicação ao nosso caso ou seja a resposta à pergunta de como se explica a irregularidade de sucesso de nossa terapia analítica poderia facilmente ser o caso de que em nosso intuito de substituir os recalques permeáveis por domínios confiáveis condizentes com o Eu nem sempre eles são atingidos em toda a sua plenitude ou seja não são atingidos em profundidade A transformação dá certo mas às vezes apenas parcialmente partes dos mecanismos antigos seguem intocados pelo trabalho analítico É difícil comprovar que é isso o que realmente acontece não temos outro meio para avaliar o que se dá senão justamente o sucesso que precisaria ser explicado Mas as impressões que se recebem durante o trabalho analítico não contradizem a nossa suposição ao contrário parecem confirmála Apenas não podemos usar a clareza da nossa própria percepção como medida da convicção que despertamos no analisado Pode faltarlhe a profundidade como diríamos tratase sempre do fator quantitativo tão facilmente esquecido Se for essa a solução podese dizer que a análise em 240 teoria sempre tem razão com a sua alegação de curar neuroses com a garantia do domínio das pulsões mas na prática nem sempre E justamente porque ela nem sempre consegue assegurar os fundamentos do domínio das pulsões na dimensão necessária O motivo desse fracasso parcial é fácil de ser encontrado O fator quantitativo da força pulsional no passado teria se oposto ao anseio de defesa do Eu por isso buscamos auxílio no trabalho analítico e agora esse mesmo fator coloca limites na eficácia desse novo esforço No caso de uma força pulsional excessivamente grande o Eu amadurecido e apoiado pela análise não consegue realizar a tarefa de modo semelhante ao que acontecia anteriormente com o Eu desamparado o domínio da pulsão melhora mas permanece imperfeito porque a transformação do mecanismo de defesa é apenas incompleta Não há nisso nada de espantoso pois a análise não trabalha com recursos de poder ilimitados mas com recursos limitados e o resultado final depende sempre das relações de forças relativas das instâncias em combate mútuo Indubitavelmente é desejável diminuir a duração de um tratamento mas o caminho para executar a nossa intenção terapêutica só passa pelo reforço da capacidade analítica auxiliar que queremos levar ao Eu O influenciamento hipnótico parecia ser um recurso excelente para os nossos fins sabese por que tivemos de renunciar a ele Não se encontrou até hoje um substituto para a hipnose mas a partir desse ponto de vista se entendem os esforços terapêuticos infelizmente desnecessários aos quais um mestre da análise como Ferenczi dedicou seus últimos anos de vida IV As duas perguntas seguintes se durante o tratamento de um conflito pulsional podemos proteger o paciente contra futuros conflitos pulsionais e se é exequível e adequado despertar um conflito pulsional não manifesto naquele momento com a finalidade de profilaxia deverão ser tratadas em conjunto pois parece evidente que a primeira tarefa só pode ser resolvida fazendo o proposto na segunda ou seja transformando o conflito possível no futuro em um conflito atual que submeteremos ao influenciamento Essa nova questão no fundo é apenas uma continuação da anterior Se antes se tratava de uma evitação do retorno do mesmo conflito agora se trata de sua possível substituição por outro O que se pretende aqui parece muito 241 ambicioso mas o que se quer é apenas esclarecer quais são os limites da capacidade produtiva de uma terapia analítica Por mais que a ambição terapêutica se sinta atraída a se colocar tais questões a experiência tem apenas a prontidão para uma simples recusa Abweisung Quando um conflito pulsional não é atual não se manifesta ele também não pode ser influenciado pela análise O alerta para não despertar cães adormecidos que tantas vezes nos fazem diante de nossos esforços em desbravar o submundo psíquico é especialmente inadequado para as relações da vida psíquica Pois se as pulsões provocam distúrbios isso é uma prova de que os cães não estão adormecidos e se realmente parecem dormir não está em nosso poder acordálos Essa última afirmação porém não parece muito acertada ela nos desafia para uma discussão mais detalhada Pensemos nos recursos de que dispomos para tornar atual um conflito pulsional latente neste momento Ao que parece podemos fazer apenas duas coisas ou provocamos situações em que ele se torne atual ou nos satisfazemos em falar dele na análise apontando para a sua possibilidade O primeiro intuito pode ser alcançado por dois caminhos primeiro na realidade segundo na transferência na medida em que expomos o paciente a uma medida de sofrimento real através do impedimento e da estase da libido Libidostauung É bem verdade que já nos utilizamos dessa técnica no exercício habitual da análise Senão qual seria o sentido da prescrição de que a análise deve ser executada no impedimento in der Versagung7 Mas essa é uma técnica usada no tratamento de um conflito já atual Buscamos exacerbar esse conflito conduzilo à forma mais aguda para aumentarmos a força pulsional que levará à sua solução A experiência analítica nos mostrou que ao tentar melhorar o que está bom só o pioramos8 que em cada fase da recuperação teremos de lutar contra a inércia do paciente que está disposta a se contentar com uma resolução incompleta Mas se partirmos para um tratamento profilático de conflitos pulsionais não atuais mas apenas possíveis não basta regular o sofrimento existente e inevitável deveríamos nos decidir por fazer nascer um novo sofrimento e isso até agora certamente com razão tem sido delegado ao destino De todos os lados nos alertariam quanto à ousadia de fazer experimentos tão cruéis com os pobres humanos concorrendo com o destino E de que tipo seriam eles Como assumir que a serviço da profilaxia destruímos um 242 casamento satisfatório ou fizemos com que o paciente abandonasse o seu emprego que garantia o sustento do analisando Por sorte nem chegamos a meditar sobre a justificativa de tais intervenções na vida real não temos um mínimo do poder totalitário que essas intervenções exigem e o objeto desse experimento terapêutico certamente não iria querer participar dele Se algo assim portanto está praticamente fora de cogitação na prática então a teoria ainda tem outras objeções a respeito É que o trabalho analítico se desenrola da melhor forma quando as vivências patogênicas pertencem ao passado de modo que o Eu tenha podido tomar distância delas Em estados de crise agudos a análise é praticamente imprestável Nesse caso todo o interesse do Eu é absorvido pela realidade dolorosa e rechaça a análise que quer conduzirse para debaixo dessa superfície e desvendar as influências do passado Ou seja criar um conflito novo apenas irá prolongar e dificultar o trabalho analítico Podese argumentar que essas considerações são absolutamente supérfluas Que ninguém pensaria em produzir a possibilidade de tratamento do conflito pulsional latente invocando intencionalmente uma nova situação de sofrimento E que isso também não seria uma ação profilática digna Sabe se por exemplo que uma escarlatina curada deixa como resquício uma imunidade contra a recidiva da mesa doença mas nem por isso os internistas9 pensam em infectar uma pessoa sadia com escarlatina para evitar a possibilidade de a pessoa contrair escarlatina no futuro A ação de proteção não pode restabelecer a mesma situação de perigo que a própria doença oferece apenas uma muito mais branda como a que se consegue no caso da vacina contra varíola e muitos outros procedimentos semelhantes Portanto em uma profilaxia analítica dos conflitos pulsionais só podem ser considerados os outros dois métodos ou seja a criação artificial de novos conflitos na transferência os quais se despem do caráter de realidade e o despertar de tais conflitos na imaginação Vorstellung do analisado na medida em que se fala deles e se familiariza o paciente com a sua possibilidade Não sei se podemos afirmar que o primeiro desses procedimentos mais brandos seria de todo inaplicável à análise Faltam estudos especificamente voltados a esse assunto Mas logo se colocam dificuldades que fazem com que essa empresa não pareça ser muito promissora Primeiro porque há uma 243 grande limitação na escolha de tais situações para a transferência O analisando não pode ele próprio acomodar todos os seus conflitos na transferência tampouco o analista pode despertar todos os possíveis conflitos pulsionais do paciente a partir da situação de transferência Podese por exemplo fazer com que ele sinta ciúme ou que vivencie decepções amorosas mas para isso não precisamos de um intuito técnico Algo assim costuma surgir espontaneamente na maioria das análises Em segundo lugar não podemos esquecer que todos esses eventos tornam necessárias ações antipáticas contra o analisando e através delas prejudicamos a postura terna em relação ao analista a transferência positiva que é o motivo mais forte para a participação do analisando no trabalho analítico conjunto Portanto não devemos esperar muito desse procedimento Portanto resta apenas aquele caminho que provavelmente e desde o início se tinha em mente Contase ao paciente quais as possibilidades dos outros conflitos pulsionais despertando nele a expectativa de que algo semelhante possa ocorrer com ele Esperase então que essa comunicação ou esse alerta tenham como efeito ativar no paciente um dos conflitos sugeridos em escala menor mas suficiente para o tratamento No entanto dessa vez a experiência nos dá uma resposta inquestionável O resultado esperado não acontece O paciente bem que ouve a mensagem mas ela não faz eco Ele deve pensar isso é muito interessante mas não sinto nada disso O saber foi multiplicado mas nada mudou nesse conhecimento É mais ou menos o que acontece com a leitura de escritos psicanalíticos O leitor só se sente estimulado nas passagens em que se sente atingido ou seja as que se referem aos conflitos que naquele momento estão agindo dentro dele Todo o resto não o comove Quero dizer com isso que podemos fazer experiências análogas quando prestamos esclarecimentos sexuais a crianças Longe de mim querer afirmar que se trata de um procedimento danoso ou supérfluo mas aparentemente o efeito profilático dessa medida liberal foi supervalorizado em excesso As crianças agora sabem o que não sabiam até então mas elas nada fazem com os conhecimentos novos que lhes foram dados de presente Convencemonos de que elas nem mesmo estarão dispostas a sacrificar tão rapidamente aquelas teorias sexuais digamos naturais que elas formaram em consonância com e na dependência de sua organização incompleta da libido tais como o papel da cegonha a natureza da relação sexual o modo como são feitos os bebês Muito tempo depois de terem recebido o esclarecimento sexual elas ainda se 244 comportam como os povos primitivos aos quais se impingiu o cristianismo e que secretamente continuam a adorar seus antigos deuses V Partimos da pergunta sobre como podemos encurtar a longa duração de um tratamento analítico então ainda guiados pelo interesse por relações temporais chegamos a analisar se podemos alcançar a cura perene ou até se podemos afastar uma doença futura através do tratamento profilático Nesse intuito reconhecemos como fundamentais para o sucesso de nosso esforço terapêutico as influências da etiologia traumática a força relativa das pulsões a serem dominadas e algo que chamamos de alteração do Eu Foi apenas no segundo desses fatores que permanecemos mais tempo e entramos em mais detalhes nessa ocasião tivemos motivos para reconhecer a importância suprema do fator quantitativo assim como para enfatizar o direito da perspectiva metapsicológica em cada tentativa de explicação Ainda não dissemos nada sobre o terceiro fator a alteração do Eu Se nos voltarmos a ele teremos a primeira impressão de que há aqui muito a ser perguntado e muito a ser respondido e que aquilo que temos a dizer a respeito irá se revelar como demasiado insuficiente Essa primeira impressão também permanecerá após continuarmos lidando com a questão A situação analítica como se sabe consiste em nos associarmos ao Eu da pessoaobjeto para submetermos porções não dominadas de seu Isso ou seja incluílas na síntese do Eu O fato de que um tal trabalho conjunto geralmente fracassa no caso dos psicóticos nos fornece um primeiro ponto fixo para o nosso juízo O Eu com o qual podemos firmar um tal pacto precisa ser um Eu normal Mas esse Eu normal é uma ficção ideal aliás como toda normalidade Infelizmente o Eu anormal inútil para os nossos propósitos não o é Toda pessoa normal justamente é apenas medianamente normal o seu Eu se aproxima daquele do psicótico em um ou outro aspecto em maior ou menor grau e o tamanho da distância de uma ponta e da aproximação da outra ponta da sequência é que provisoriamente nos dará a medida da alteração do Eu tão indefinidamente caracterizada Se perguntarmos de onde vêm os tipos e graus tão variados da alteração do Eu a alternativa mais próxima e inevitável seria ou eles são originários ou são adquiridos No segundo caso o tratamento é mais fácil Se foi 245 adquirido certamente isso ocorreu ao longo do desenvolvimento desde os primeiros dias de vida Pois desde o princípio o Eu precisa tentar cumprir a sua tarefa fazer a mediação entre seu Isso e o mundo exterior a serviço do princípio de prazer proteger o Isso contra os perigos do mundo exterior Se ao longo desse esforço ele aprender a também adotar uma postura defensiva em relação ao próprio Isso e a tratar as reivindicações pulsionais desse Isso como perigos externos isso pelo menos em parte se dá porque ele entende que a satisfação pulsional levaria a conflitos com o mundo exterior Então sob a influência da educação o Eu se acostuma a transferir o campo da batalha de fora para dentro a dominar o perigo interior antes que ele se transforme em exterior na maioria das vezes provavelmente é a melhor coisa a ser feita Durante essa batalha em duas frentes mais tarde virá ainda a terceira frente o Eu se serve de diferentes procedimentos para fazer jus à sua tarefa ou dito de maneira geral para evitar perigo angústia e desprazer Chamamos esses procedimentos de mecanismos de defesa Eles ainda não são suficientemente conhecidos O livro de Anna Freud nos permitiu uma primeira ideia de sua variedade e de seu significado multifacetadoxxxix Um desses mecanismos o recalque foi o ponto de partida para o estudo dos processos neuróticos Nunca houve dúvida acerca do fato de que o recalque não é o único procedimento à disposição do Eu para fazer valer suas intenções Pelo menos ele é algo muito especial algo que mostra uma diferença mais nítida diante dos outros mecanismos do que estes entre si Quero ilustrar essa relação dos mecanismos com esses outros a partir de uma comparação mas sei que comparações nessas áreas nunca são profícuas Mas vamos lá pensem nos possíveis destinos de um livro em uma época em que livros ainda não eram impressos em edições mas escritos um a um Imaginem que um livro desses contenha informações que em épocas posteriores seriam consideradas indesejáveis Mais ou menos como o que Robert Eislerxl diz sobre os escritos de Flávio Josefo afirmando que o livro de Josefo devia conter passagens sobre Jesus Cristo posteriormente rechaçadas pela cristandade A censura oficial no aquieagora não adotaria nenhum outro mecanismo de defesa a não ser o confisco e a eliminação de cada um dos exemplares de toda a edição Naquela época utilizavamse métodos diversos de inutilização da obra Ou as passagens criticadas eram riscadas com traço grosso tornandose ilegíveis dessa forma elas não 246 poderiam mais ser copiadas e o próximo copista do livro fornecia um texto impecável mas que continha lacunas em algumas passagens e talvez só ali fosse incompreensível Ou então isso não bastava queriase também evitar mostrar o retalhamento a que foi submetido o texto dessa forma passouse a deformar o texto Deixavamse algumas palavras de fora ou elas eram substituídas por outras novas frases eram encaixadas melhor ainda era tirar toda a passagem colocando outra em seu lugar que dizia exatamente o contrário da anterior O próximo copista do livro então conseguia produzir um texto insuspeito mas que tinha sido adulterado ele não continha mais o que o autor quis transmitir e muito provavelmente a correção não tinha ocorrido para restabelecer a verdade Se não fizermos essa comparação de uma forma muito rígida podemos afirmar que a relação do recalque com os outros mecanismos de defesa é como a relação entre a exclusão e a deformação do texto e nas diversas formas dessa falsificação podemos reencontrar as analogias com a diversidade da alteração do Eu Podese fazer a objeção de que essa comparação é falha em um ponto essencial pois a deformação do texto é obra de uma censura tendenciosa para a qual o desenvolvimento do Eu não apresenta nenhum contraponto Mas não é esse o caso pois essa tendência é amplamente representada pela compulsão do princípio de prazer O aparelho psíquico não suporta o desprazer ele precisa se proteger dele a todo custo e quando a percepção da realidade trouxer desprazer ela a verdade portanto precisa ser sacrificada Por um bom tempo conseguimos nos proteger contra o perigo exterior através da fuga ou da evitação da situação de perigo até mais tarde nos tornarmos fortes o suficiente para suspendermos a ameaça procedendo a uma transformação ativa da realidade Mas não podemos fugir de nós mesmos contra o perigo interno não há fuga possível10 por isso os mecanismos de defesa do Eu estão condenados a falsificar a percepção interior e nos possibilitar apenas um conhecimento falho e distorcido do nosso Isso Dessa forma e devido às suas limitações o Eu fica paralisado em suas relações com o Isso ou então fica cegado por seus erros e o sucesso no processo psíquico necessariamente terá de ser o mesmo que em uma caminhada na qual não se conhece a região e não se está muito seguro ao caminhar Os mecanismos de defesa servem ao propósito de afastar perigos É 247 indiscutível que eles conseguem atingir tal objetivo contudo é questionável se o Eu ao longo de seu desenvolvimento pode deles prescindir totalmente mas também é certo que eles mesmos podem se tornar um perigo Às vezes descobrimos que o Eu pagou um preço muito alto pelos serviços que eles lhe prestaram O esforço dinâmico exigido para mantêlos bem como as limitações do Eu que quase sempre acompanham o processo revelamse como uma grande sobrecarga para a economia psíquica Esses mecanismos também não são deixados de lado depois de terem ajudado o Eu nos difíceis anos de seu desenvolvimento Evidentemente uma pessoa não usa todos os mecanismos de defesa possíveis mas apenas alguns selecionados mas estes irão se fixar no Eu transformandose em formas de reação regulares do caráter que serão repetidas por toda a vida sempre que uma situação semelhante à original retornar Com isso transformamse em infantilismos compartilham do destino de tantas instituições que buscam se manter para além do tempo de sua utilidade Razão vira tolice o bemestar vira flagelo11 como diz a queixa do poeta O Eu fortalecido do adulto continua a se defender de perigos que na realidade não existem mais chega a se sentir pressionado a buscar aquelas situações da realidade que poderiam substituir aproximadamente o perigo original para poder justificar a partir delas a manutenção das suas formas de reação usuais Desse modo é fácil entender como os mecanismos de defesa preparam e favorecem a eclosão da neurose através de um estranhamento cada vez maior do mundo exterior e de um enfraquecimento constante do Eu Mas o nosso interesse atualmente não está voltado para o papel patogênico dos mecanismos de defesa queremos analisar como a alteração do Eu a eles correspondente influencia o nosso esforço terapêutico O material para responder a questão encontrase no livro mencionado de Anna Freud O essencial nessa questão é que o analisando repete essas formas de reação também durante o trabalho analítico e literalmente nos mostra isso diante dos nossos olhos na verdade só as conhecemos por isso Não quero dizer com isso que elas tornam a análise impossível Elas antes estabelecem a primeira metade da nossa tarefa analítica A outra metade aquela que foi trabalhada primeiro no início da análise consiste no revelar daquilo que se oculta no Isso Durante o tratamento o nosso esforço terapêutico constantemente oscila como um pêndulo entre um pedacinho de análise do Isso e um pedacinho de 248 análise do Eu Num caso queremos tornar consciente algo do Isso no outro corrigir algo no Eu O fato decisivo é que os mecanismos de defesa contra perigos antigos reaparecem no tratamento como resistências contra a cura Decorre daí que a cura é tratada como um novo perigo até pelo Eu O efeito terapêutico está atrelado à conscientização num sentido amplo do recalque contido no Isso preparamos o caminho para essa conscientização através de interpretações e construções Konstruktionen12 mas interpretamos apenas para nós mesmos não para o analisado enquanto o Eu se mantiver preso às defesas antigas e não desistir das resistências Mas apesar de pertencerem ao Eu essas resistências são inconscientes e de certa forma apartadas no âmbito do Eu O analista as reconhece mais facilmente do que aquilo que está oculto no Isso deve ser suficiente tratálas como porções do Isso relacionandoas com o Eu restante através da conscientização Seguindo esse caminho resolveríamos a primeira metade da tarefa analítica não queremos contar com uma resistência contra o desvendamento de resistências No entanto ocorre o seguinte durante o trabalho com as resistências o Eu de forma mais ou menos séria retirase do contrato sobre o qual se funda a situação analítica O Eu não apoia mais o nosso esforço para revelar o Isso ele se opõe a esse esforço não cumpre a regra analítica básica e não permite que mais nenhum derivado Abkömmlinge do recalcado aflore Não se pode esperar uma convicção maior que essa por parte do paciente em relação ao poder de cura da análise ele pode ter trazido consigo um tanto de confiança diante do analista confiança que é reforçada através dos momentos a serem despertados de transferência positiva para a produtividade Sob influência das moções de desprazer sentidas através da reencenação dos conflitos de defesa agora as transferências negativas podem assumir o comando suspendendo completamente a situação analítica Agora para o paciente o analista é apenas um ser desconhecido que lhe imputa coisas desagradáveis e o paciente se comporta como a criança que não gosta do forasteiro e não acredita em nada do que ele diz Se o analista tentar evidenciar para o paciente uma das deformações produzidas na defesa e tentar corrigilas ele o encontrará pouco compreensível e inacessível para bons argumentos Assim de fato há uma resistência contra o descobrimento de resistências e os mecanismos de defesa realmente fazem jus ao nome que lhes demos 249 inicialmente antes de aprofundarmos a pesquisa a respeito são resistências não só contra a conscientização dos conteúdos do Isso mas também contra a própria análise e consequentemente contra a cura Creio que possamos chamar o efeito das defesas no Eu de alteração do Eu se entendermos por esse termo a distância de um Eunormal fictício que garante ao trabalho analítico uma fidelidade pactual inabalável Agora será fácil acreditar no que a experiência diária nos mostra depende essencialmente de quão forte e quão profundamente enraizadas estão essas resistências da alteração do Eu já que se trata do desembocar de um tratamento analítico Aqui mais uma vez deparamonos com a importância do fator quantitativo novamente somos alertados de que a análise só poderá dispender quantidades determinadas e limitadas de energias que terão de se medir com as forças inimigas E como se a vitória na maioria dos casos realmente estivesse do lado dos batalhões mais fortes VI A próxima pergunta será se toda alteração do Eu no sentido que aqui usamos é adquirida durante as batalhas de defesa dos primeiros tempos Frühzeit A resposta não poderá ser dúbia Não há motivo para questionarmos a existência e a importância de diferenças do Eu originárias inatas Há aí já o fato decisivo de toda pessoa fazer a sua escolha entre os possíveis mecanismos de defesa usando sempre alguns deles e depois sempre os mesmos Isso sugere que o Eu individual desde o início é provido de disposições e tendências individuais cujo tipo e cujas condicionantes evidentemente não poderemos demonstrar Além disso sabemos que não podemos levar ao extremo a diferença entre características herdadas e adquiridas criando um par de opostos entre o que herdamos encontrase o que os antepassados adquiriram certamente uma parte importante Quando falamos de herança arcaica usualmente pensamos apenas no Isso e parecemos supor que ainda não exista um Eu no início da vida própria Mas não esqueçamos que originalmente o Isso e o Eu são uma coisa só e ainda não significaria uma supervalorização mística da hereditariedade se acharmos crível que no Eu ainda inexistente já esteja preestabelecido que caminhos o desenvolvimento irá seguir que tendências e reações ele trará à tona posteriormente As especificidades psicológicas de famílias raças e nações 250 em sua conduta em face da análise não permitem nenhuma outra explicação Digo ainda mais a experiência analítica nos impôs a convicção de que mesmo determinados conteúdos psíquicos tais como a simbologia não têm outras fontes senão a transferência hereditária e com base em diversos estudos sobre psicologia dos povos somos induzidos a pressupor na herança arcaica ainda outros precipitados igualmente específicos nos primórdios do desenvolvimento da humanidade Diante da convicção de que as propriedades do Eu que sentimos como resistências podem ser tanto hereditárias quanto adquiridas em batalhas de defesa a diferenciação utópica para definir o que é Eu ou o que é Isso perdeu muito de seu valor para o nosso estudo Um próximo passo em nossa experiência analítica nos leva a resistências de outra ordem que não conseguimos mais localizar e que parecem depender de condições fundamentais no aparelho psíquico Só posso elencar aqui algumas amostras desse gênero todo esse campo ainda é confusamente alheio e insuficientemente pesquisado Encontramos pessoas por exemplo às quais gostaríamos de atribuir uma especial viscosidade da libido Os processos que iniciam o tratamento dessas pessoas transcorrem muito mais devagar do que em outros casos porque aparentemente elas não conseguem tomar a decisão de liberar os investimentos libidinais Libidobesetzungen de um objeto e transferilos para outro apesar de não haver motivos especiais para uma tal fidelidade de investimento Encontramos também o tipo oposto em que a libido parece transitar com facilidade em que os novos investimentos parecem acatar as sugestões da análise abdicando dos antigos É como a diferença que o artista plástico deve sentir quando trabalha com a pedra dura e a argila maleável Infelizmente os resultados analíticos nesse segundo tipo muitas vezes se mostram muito frágeis as novas ocupações logo são abandonadas temos a impressão de que não trabalhamos com argila mas que escrevemos sobre a água O alerta tal como foi vencido também será diluído se mostra muito verdadeiro Em um outro grupo de casos somos surpreendidos por um comportamento que só pode ser relacionado a um esgotamento da esperada plasticidade da capacidade de mudança e de desenvolvimento continuado Certamente na análise estamos preparados para um certo grau de inércia psíquica quando o trabalho analítico da moção pulsional abre novos caminhos observamos quase sempre que eles nunca são trilhados sem um 251 evidente retardamento Chamamos esse comportamento talvez não de forma muito correta de resistência do Isso Mas nos casos a que nos referimos aqui todos os percursos todas as relações e distribuições de força revelamse como imutáveis fixas e petrificadas É como nas pessoas muito velhas pelo chamado poder do hábito do esgotamento da capacidade de absorção o que se explica com uma espécie de entropia psíquica mas aqui se trata de indivíduos ainda jovens Nosso preparo teórico ainda parece insuficiente para entender corretamente os tipos aqui descritos aparentemente devem ser consideradas caraterísticas temporais alterações de um ritmo de desenvolvimento na vida psíquica ainda não foram consideradas de modo adequado Diferentes e ainda mais profundamente ancoradas devem ser as diversidades do Eu Ichverschiedenheiten que num outro grupo de casos seriam apontadas como fontes de resistência contra o tratamento analítico e impedimentos do sucesso terapêutico Aqui tratase da última coisa que a pesquisa psicológica consegue quando muito reconhecer a saber o comportamento das duas pulsões primevas sua distribuição mistura e desfusão coisas que não podem ser concebidas como pertinentes a uma única província do aparelho psíquico limitadas ao Isso ao Eu e ao SuperEu Não há impressão mais forte das resistências durante o trabalho analítico do que aquela de uma força que se defende da cura com todos os meios possíveis e que a todo custo quer se manter na doença e no sofrimento Uma parte dessa força foi reconhecida por nós certamente com razão como consciência de culpa e necessidade de punição sendo localizada na relação entre o Eu e o SuperEu Mas essa é apenas aquela parte digamos psiquicamente ligada ao SuperEu e como tal se manifesta outros valores dessa mesma força devem estar agindo em local indeterminado de forma ligada ou livre Se tivermos em mente essa imagem em sua totalidade que se forma a partir das manifestações do masoquismo imanente de tantas pessoas da reação terapêutica negativa e da consciência de culpa dos neuróticos não poderemos mais nos aliar à crença de que os acontecimentos psíquicos são dominados exclusivamente pela aspiração ao prazer Esses fenômenos são sinais evidentes da presença de um poder na vida psíquica que chamamos de pulsão de agressão ou pulsão de destruição dependendo de seus objetivos e que deduzimos a partir da pulsão de morte original da matéria animada Uma oposição entre uma teoria de vida otimista e outra pessimista está fora de 252 questão apenas a junção de forças e o embate das duas pulsões primevas Eros e pulsão de morte explica o colorido das ocorrências de vida nunca só uma delas A tarefa mais gratificante da pesquisa psicológica seria esclarecer como as porções dos dois tipos de pulsão se juntam para executar cada uma das funções vitais sob que condições essas junções se afrouxam ou se desfazem quais distúrbios correspondem a essas transformações e com que sensações a escala de percepção do princípio de prazer responde a elas Por enquanto curvamonos diante da supremacia dos poderes diante dos quais vemos os nossos esforços sucumbirem Já o influenciamento psíquico do masoquismo simples coloca nossa capacidade diante de uma dura prova Ao estudarmos os fenômenos que comprovam a atividade da pulsão de destruição não estamos limitados a observações do material patológico Inúmeros fatos da vida psíquica normal clamam por uma tal explicação e quanto mais o nosso olhar se aguça mais intensamente eles chamarão a nossa atenção Esse é um tema novo demais e importante demais para ser tratado nesta discussão apenas superficialmente contentarmeei em destacar algumas poucas amostras Tomemos como exemplo o que segue Sabese que em todos os tempos houve e ainda há pessoas que podem tomar pessoas do mesmo ou do outro gênero como seus objetos sexuais sem que uma vertente prejudique a outra Chamamos a essas pessoas de bissexuais aceitamos a sua existência sem nos espantarmos muito com isso No entanto aprendemos que nesse sentido todas as pessoas são bissexuais e que distribuem a sua libido ou de forma manifesta ou de forma latente entre objetos de ambos os gêneros Mas há algo que chama a nossa atenção enquanto no primeiro caso as duas direções se entenderam sem embates no segundo e mais frequente elas se encontram no estado de um conflito irreconciliável A heterossexualidade de um homem não tolera a homossexualidade e viceversa Se a primeira for a mais forte ela conseguirá manter a última latente e afastála da satisfação real por outro lado não há um perigo maior para a função heterossexual de um homem do que o distúrbio causado pela homossexualidade latente Poderíamos tentar uma explicação dizendo que justamente apenas uma determinada porção de libido está disponível e é por ela que as duas direções rivais precisam brigar No entanto não entendemos por que os rivais não dividem entre si regularmente a porção disponível da libido de acordo com a sua força relativa 253 considerando que poderiam fazêlo em alguns casos Temse a nítida impressão de que a tendência ao conflito seria algo especial algo novo que é acrescentado à situação independendo da quantidade da libido Essa tendência ao conflito que surge de modo autônomo necessariamente será associada à intervenção de uma parte de agressão livre Se reconhecermos o caso aqui abordado como expressão da pulsão de destruição ou de agressão logo se instaurará a pergunta sobre se deveríamos estender a mesma concepção a outros exemplos de conflito ou mesmo se deveríamos rechaçar todo o nosso conhecimento sobre o conflito psíquico a partir dessa nova perspectiva Supomos evidentemente que no trajeto evolutivo do homem primitivo para o homem civilizado Kulturmenschen ocorreu uma internalização muito relevante uma introversão da agressão e para as batalhas externas que vão cessando os conflitos interiores certamente seriam o real equivalente Sei bem que a teoria dualista que advoga uma pulsão de morte de destruição ou de agressão como parceira em nível de igualdade com o Eros manifesto na libido em geral não obteve respaldo e também acabou por não se firmar realmente entre os psicanalistas Entretanto muito me alegrei quando reencontrei há pouco a nossa teoria em um dos grandes pensadores dos primórdios gregos É com prazer que sacrifico o prestígio da originalidade em nome dessa afirmação já que dado o volume de minhas leituras nos meus primeiros anos nunca poderei ter certeza se a minha pretensa nova criação não seria obra da criptomnésia Kryptomnesie Empédocles de Ácragas Agrigentoxli nascido por volta de 495 aC surge como uma das mais geniais e curiosas figuras da história cultural da Grécia Sua personalidade multifacetada atuava em diversas direções ele era pesquisador e pensador profeta e mago político filantropo e médico com conhecimentos da natureza dizse que salvou a cidade de Selinunte da malária e era adorado pelos seus contemporâneos como um deus Seu espírito parece ter unificado em si os mais agudos contrastes sendo exato e sóbrio em suas pesquisas físicas e fisiológicas ele não se esquivava da mística obscura e estruturou uma especulação cósmica de uma fantástica e impressionante ousadia Capelle o compara a Dr Fausto a quem muitos segredos foram revelados13 Surgido em uma época em que o reino do saber ainda não se diluía em tantas províncias alguns de seus ensinamentos nos parecem primitivos hoje em dia Ele explicava as diferenças entre as coisas através de 254 misturas dos quatro elementos terra água fogo e ar acreditava numa natureza plenamente animada e na migração das almas mas tinha também ideias modernas a evolução dos seres vivos em etapas a permanência do mais capaz e o reconhecimento do papel do acaso τύχη nessa evolução fazem parte de seu arcabouço de ensinamentos Mas o nosso interesse se volta para a doutrina de Empédocles que se aproxima tanto da teoria pulsional psicanalítica que seríamos tentados a afirmar que as duas coisas são idênticas se não houvesse a diferença de que a fantasia dos gregos era cósmica enquanto a nossa se contenta com a aspiração de validade biológica É claro que o fato de Empédocles atribuir a mesma natureza animada para o universo e para cada ser vivo tira dessa diferença uma grande parte de sua importância O filósofo nos ensina portanto que há dois princípios que regem os acontecimentos na vida terrena e na vida psíquica que estão em constante luta entre si Ele os chama de φιλία philia amor e νεϊκοϛ neikos discórdia Uma dessas forças que para ele no fundo são forças pulsionais da natureza evidentemente não se trata de inteligências conscientes de seus intuitos almeja concentrar em uma única unidade as partículas primevas dos quatro elementos a outra força ao contrário quer reverter todas essas misturas separando as partículas primevas umas das outras Ele imagina o processo do mundo Weltprozeß como uma alternância continuada e incessante de períodos em que uma ou outra das forças fundamentais sai vencedora e ora é o amor ora é a discórdia quem impõe a sua vontade plenamente e domina o mundo depois a outra parte subjugada é a que vai dominar e que agora por sua vez derrota o parceiro Os dois princípios fundamentais de Empédocles φιλία e νεϊκοϛ a partir de seu nome e de sua função são a mesma coisa que nossas duas pulsões primevas Eros e Destruição um se esforçando em reunir o existente em unidades cada vez maiores o outro em dissolver essas junções e destruir as formas assim produzidas Mas também não causará espanto essa teoria ter sido modificada em alguns de seus traços considerando o seu ressurgimento após dois milênios e meio À exceção da redução ao biopsíquico que nos foi imposta de que as nossas matériasprimas não são mais os quatro elementos de Empédocles para nós temos que a vida se apartou claramente do inanimado não pensamos mais em mistura e separação de partículas de matéria mas em mesclagem e desfusão Entmischung de componentes 255 pulsionais E de certa forma também reforçamos biologicamente o princípio da discórdia na medida em que remetemos a nossa pulsão de destruição à pulsão de morte à ânsia14 Drang do ser vivente em retornar ao inanimado Esse fato não nega que uma pulsão análoga já existia anteriormente e certamente não afirma que tal pulsão só tenha aparecido com o surgimento da vida E ninguém pode prever com que roupagem o cerne de verdade nos ensinamentos de Empédocles se mostrará para uma apreciação posterior VII Uma substancial conferência proferida em 1927 por Sándor Ferenczi O problema da finalização das análises Das Problem der Beendigung der Analysenxlii termina com a garantia consoladora de que a análise não é um processo interminável mas que com conhecimento técnico adequado e paciência do analista ela poderá ser conduzida para um término natural Acredito que esse trabalho se assemelha a um alerta para que não se veja como meta o encurtamento mas sim o aprofundamento da análise Ferenczi ainda acrescenta a observação valiosa de quão fundamental é para o sucesso que o analista tenha aprendido a partir de seus próprios enganos e erros e que tenha adquirido domínio sobre os pontos fracos da própria personalidade Isso nos permite um importante acréscimo ao nosso tema Não é apenas a constituição do Eu do paciente mas também a peculiaridade do analista que tem um lugar importante entre os momentos que influenciam as perspectivas do tratamento analítico e o dificultam dependendo do tipo das resistências Indiscutivelmente os analistas não atingiram em sua própria personalidade a total medida de normalidade psíquica para a qual eles querem educar os seus pacientes Opositores da análise costumam apontar para esse fato com escárnio usandoo como argumento para a inutilidade do esforço analítico Poderíamos rechaçar essa crítica como sendo uma exigência injusta Analistas são pessoas que aprenderam a exercer determinada arte e que paralelamente a isso podem ser pessoas como as outras Também não dizemos que alguém não serve para ser um médico internista se os seus órgãos internos não estiverem saudáveis pelo contrário podemos obter certa vantagem a partir disso na medida em que por exemplo alguém ameaçado pela tuberculose acaba se especializando no tratamento de tuberculosos Mas 256 os casos não são da mesma ordem O médico que sofre do pulmão ou do coração desde que esteja em condições de trabalho não será impedido por sua doença nem de realizar diagnósticos nem de aplicar uma terapia para sofrimentos internos do corpo ao passo que o analista devido às condições especiais do trabalho analítico realmente será prejudicado por seus próprios defeitos na medida em que terá dificuldades em apreender as condições do paciente de forma correta e reagir a elas de modo adequado Portanto há uma razão em se exigir do analista um grau mais elevado de normalidade psíquica e correção como parte da comprovação de sua habilidade profissional acrescentese a isso que ele ainda necessita de uma certa superioridade para funcionar como modelo para o paciente em determinadas situações analíticas e em outras como professor E por fim não esqueçamos que a relação analítica se baseia no amor à verdade isto é no reconhecimento da realidade excluindo toda e qualquer aparência e falseamento Detenhamonos um pouco aqui para garantirmos ao analista nossa sincera empatia e que ao exercer a sua atividade sentimos com ele a dificuldade em cumprir exigências tão duras É quase como se o analisar fosse aquela terceira das profissões impossíveis em que se tem certeza de antemão do resultado insuficiente As outras duas conhecidas há muito mais tempo são o educar e o governar Aparentemente não podemos exigir que o futuro analista seja um ser completo antes de se ocupar com a análise ou seja que apenas pessoas de uma completude tão perfeita e tão rara possam se dedicar a essa profissão Onde e como o pobre coitado poderá adquirir aquela habilitação ideal necessária em sua profissão A resposta será na própria análise com a qual começa a preparação para a sua atividade futura Por razões práticas esta só poderá ser breve e incompleta a sua finalidade principal é possibilitar um juízo ao professor para avaliar se o candidato pode ser aprovado para continuar na formação O seu trabalho estará terminado quando trouxer para o aprendiz a convicção segura da existência do inconsciente quando lhe transmitir as autopercepções normalmente indignas de credulidade ao aflorar o recalcado e por fim quando lhe mostrar a partir de uma primeira amostra a técnica que só se consolida na atividade analítica Só isso não seria suficiente em termos de instrução mas esperase que a partir das motivações recebidas na própria análise que elas não se esgotem com o seu término mas que os processos de reformulação do Eu Ichumarbeitung continuem espontaneamente no analisando e que todas 257 as demais experiências sejam utilizadas nesse novo sentido adquirido Isso acontece de fato e conforme vai acontecendo habilita o analisando para se tornar analista É lamentável que além disso algo mais aconteça Ficamos na dependência de impressões ao descrevêlo inimizade de um lado partidarismo do outro criam um clima desfavorável para a pesquisa objetiva No entanto parece que inúmeros analistas aprendem a utilizar mecanismos de defesa que lhes permitem desviar da própria pessoa conclusões e exigências da análise provavelmente voltandose contra outros para que eles mesmos fiquem como são para que possam se esquivar da influência crítica e corretora da análise Pode ser que esse procedimento dê razão ao poeta que nos alerta para o seguinte se conferimos poder a uma pessoa será difícil para ela não fazer mau uso delexliii Por vezes colocase para aquele que se esforça em compreender tudo isso uma analogia desagradável com os que usam raiosX sem tomar as precauções necessárias Não causaria espanto se através do trabalho com todo o recalcado que luta por satisfação na alma humana também despertássemos no analista aquelas demandas pulsionais que ele do contrário poderia manter reprimidas Esses também são os perigos da análise que não ameaçam o parceiro passivo mas sim o ativo na situação analítica e não deveríamos deixar de enfrentálos Não pode haver dúvidas sobre a forma através da qual esse encontro acontecerá Todo analista periodicamente por exemplo a cada cinco anos deveria voltar a se tornar objeto da análise sem se envergonhar desse passo Isso significaria portanto que também a própria análise se transformaria de tarefa finita em tarefa infinita e não apenas a análise terapêutica do doente É chegada a hora de desfazermos um possível malentendido Não tenho a intenção de afirmar que a análise seja de todo um trabalho sem fim Seja qual for a vertente teórica que se defenda a esse respeito penso que o fim de uma análise seja uma questão da prática Todo analista experiente poderá se lembrar de uma série de casos em que rebus bene gestis15 se despediu definitivamente de um paciente A prática se distancia bem menos da teoria nos casos da chamada análise de caráter Charakteranalyse Nesse caso não podemos prever facilmente um término natural mesmo se não cultivarmos expectativas exageradas e não colocarmos tarefas extremas para a análise Evidentemente não teremos por objetivo refinar todas as especificidades 258 humanas em benefício de uma normalidade esquemática ou até mesmo exigir que aquele que foi analisado em profundidade não possa sentir paixões ou não desenvolva conflitos interiores A análise deve criar as condições psicológicas mais favoráveis para as funções do Eu de tal modo a sua tarefa estaria cumprida VIII Tanto nas análises terapêuticas quanto nas análises de caráter chamanos a atenção o fato de que dois temas se destacam especialmente e dão muito trabalho ao analista Não demora para que se evidencie a regularidade que ali se expressa Ambos os temas estão atrelados às diferenças de gênero um deles é tão característico do homem quanto o outro o é da mulher Apesar da diversidade de conteúdo há correspondências evidentes Algo que é comum aos dois gêneros foi prensado dentro de outra forma de expressão através da diferença de gênero Os dois temas que se correspondem são para a mulher a inveja do pênis a aspiração positiva por possuir um genital masculino e para o homem a aversão contra a sua postura passiva ou feminina em relação a outro homem O que há em comum foi destacado bastante cedo pela nomenclatura psicanalítica conhecido como comportamento diante do complexo de castração mais tarde Alfred Adler colocou em uso o termo protesto masculino que seria absolutamente preciso no caso dos homens mas acredito que a descrição correta dessa parte tão curiosa da vida psíquica humana teria sido recusa da feminilidade Na tentativa de inserção em nossa estrutura teórica não esqueçamos que por sua natureza esse fator não encontra a mesma acolhida para ambos os gêneros No caso do homem a aspiração de masculinidade desde o início é totalmente sintônica com o Eu ichgerecht a postura passiva é recalcada de forma enérgica uma vez que pressupõe a aceitação da castração e muitas vezes são apenas supercompensações excessivas que apontam para a sua presença Também no caso da mulher a aspiração de masculinidade durante determinado momento é sintônica com o Eu mais especificamente na fase fálica antes do desenvolvimento da feminilidade Depois no entanto ela é submetida àquele significativo processo de recalque de cujo resultado como apresentado tantas vezes dependem os destinos da feminilidade Muito 259 dependerá de sabermos se uma porção suficiente do complexo de masculinidade se esquivou do recalque influenciando constantemente o caráter grandes porções do complexo normalmente são transformadas para contribuir na construção da feminilidade a partir do desejo não saciado pelo pênis deverá se criar o desejo por uma criança e pelo homem que tem o pênis No entanto é estranho percebermos o quão frequentemente o desejo de masculinidade é preservado no inconsciente lá desenvolvendo sua influência perturbadora a partir do recalque Como se vê a partir do exposto em ambos os casos é a oposição ao outro sexo o que sucumbe ao recalque Em outro momento16 já mencionei que esse ponto de vista me foi apresentado por Wilhelm Fließ Ele tendia a explicar a oposição dos gêneros como o verdadeiro estopim e o motivo primevo do recalque Reitero apenas a minha contrariedade daquela época quando me recusei a sexualizar o recalque dessa forma ou seja justificandoo biologicamente em vez de fazêlo apenas psicologicamente A importância destacada desses dois temas o desejo do pênis na mulher e a aversão contra a postura passiva no homem não escapou à atenção de Ferenczi Em sua palestra proferida em 1927 ele estabelece a exigência de que toda análise bemsucedida teria de ter dominado esses dois complexosxliv Gostaria de acrescentar a partir de minha própria experiência que Ferenczi está sendo especialmente exigente aqui Em nenhum momento do trabalho analítico sofremos mais com a sensação opressora de um esforço repetido infrutífero suspeitando de que nossas falas são como pregações ao vento do que quando queremos instar as mulheres a desistirem de seu desejo pelo pênis por ele ser impraticável e quando queremos convencer os homens de que uma postura passiva em relação a outro homem nem sempre significa uma castração e em muitas relações na vida é indispensável Da supercompensação rebelde do homem é que deriva uma das mais fortes resistências à transferência O homem não quer se submeter a um substituto do pai não quer lhe dever gratidão portanto também não quer aceitar a cura vinda do médico Não é possível produzir uma transferência análoga a partir do desejo do pênis por parte da mulher mas derivam dessa fonte irrupções graves de depressão dada a convicção interna de que a terapia analítica de nada servirá e de que não podemos ajudar à doente Não podemos deixar de dar razão a ela quando ficamos sabendo 260 que a esperança de ainda conseguir o órgão masculino cuja falta lhe é tão dolorosa foi o principal motivo que a impeliu a fazer o tratamento Mas também aprendemos a partir daí que a forma sob a qual a resistência aparece não é importante seja como transferência ou não O que é decisivo é que a resistência não permite que se produza uma modificação deixando tudo como está Muitas vezes temos a impressão de que com o desejo do pênis e o protesto masculino tenhamos atravessado todas as camadas psicológicas e penetrado até o fundo e assim chegado ao fim de sua atividade Imagino que isso deva ser assim pois para o psíquico o biológico realmente tem o papel de pano de fundo A recusa da feminilidade nada mais pode ser do que um fato biológico uma porção daquele grande enigma da sexualidadexlv Será difícil dizer se e em que momento conseguimos dominar esse fator no tratamento analítico Consolamonos com a certeza de que oferecemos ao analisado todo estímulo possível para que ele pudesse reexaminar e mudar a sua postura em relação a ele xxxvi Confira o escrito Aus der Geschichte einer infantilen Neurose Da história de uma neurose infantil 1918 publicado com o consentimento do paciente A doença posterior do jovem não é apresentada em detalhes ali mas apenas tangenciada nos momentos em que a relação com a neurose de infância se faz absolutamente necessária xxxvii Em uma correção mais conscienciosa para uma determinada amplitude dessa relação xxxviii Isso para justificar a exigência etiológica de momentos tão pouco específicos como esgotamento por excesso de trabalho efeito de choque etc que sempre tinham a certeza do reconhecimento geral e sempre tiveram de ser colocados em segundo plano justamente pela Psicanálise Não há outra forma de descrever a saúde a não ser pela descrição metapsicológica referindose às relações de força entre as instâncias do aparato psíquico instâncias estas por nós reconhecidas ou se quisermos por nós desbravadas supostas xxxix FREUD A Das Ich und die Abwehrmechanismen O Eu e os mecanismos de defesa London Imago 1946 1ª edição Viena 1936 xl EISLER R Jesus Basileus Heidelberg Carl Winter 1929 Religionswissenschaftliche Bibliothek v 9 xli O que se segue foi baseado em Wilhelm Capelle Die Vorsokratiker Os présocráticos Leipzig Alfred Keller 1935 xlii Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v XIV 1928 xliii Anatole France A revolta dos anjos La révolte des anges 261 xliv todo paciente masculino deverá atingir uma sensação de igualdade de direitos diante do médico sinalizando que superou a angústia de castração todas as doentes femininas se quiserem resolver completamente a sua neurose terão de administrar o seu complexo de masculinidade e se entregar sem rancor às possibilidades imaginativas Denkmöglichkeiten do papel feminino FERENCZI Das Problem der Beendigung der Analysen p 8 xlv Não podemos ser levados a supor a partir do termo protesto masculino que a recusa do homem se aplique à postura passiva ao chamado aspecto social da feminilidade A isso se opõe a observação facilmente comprovável de que esses homens frequentemente apresentam um comportamento masoquista em relação à mulher até mesmo mostrando uma servidão O homem só se defende da passividade em relação ao homem não da passividade como tal Dito de outra forma o protesto masculino de fato nada mais é que a angústia de castração 262 Die endliche und die unendliche Analyse 1937 1937 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 23 n 2 p 209240 1946 Gesammelte Werke t XIV p 57100 Em uma carta a Fließ datada de 16 de abril de 1900 Freud já se mostra preocupado com o caráter aparentemente sem fim de um tratamento analítico neste volume p 48 Se é verdade que a questão da duração de uma análise sempre esteve na pauta das preocupações dos psicanalistas é também verdade que apenas em 1937 Freud dedica um artigo inteiro a esse tema Ao que tudo indica o trabalho foi redigido entre janeiro e abril de 1937 Alguns anos antes a questão da duração do tratamento tinha sido motivo de debates e de dissidências Primeiramente Otto Rank havia proposto um modelo de terapia breve baseado na teoria do caráter traumático do nascimento A ruptura com Rank foi lenta e gradual e está consubstanciada principalmente no artigo de 1924 O declínio do complexo de Édipo nesta coleção no volume Neurose psicose perversão e em Inibição sintoma e angústia 1925 Além disso por meio deste escrito Freud recupera uma polêmica pessoal com Ferenczi quatro anos após a morte deste último Em uma carta de 17 de janeiro de 1930 Ferenczi queixouse de que Freud não havia dado atenção suficiente aos sentimentos e fantasias negativos em parte transferidos impedindo a finalização da sua análise tema de seu ensaio de 1928 O problema do fim da análise De fato a condensação por parte de Freud da função de analista com as figuras de mestre e amigo dificultou o tratamento de alguns dos seus discípulos indicando assim que um dos principais obstáculos ao desfecho das análises seria a resistência do próprio psicanalista Portanto a questão tratada neste escrito é ainda mais relevante no que concerne à análise dos próprios psicanalistas o que fez com que Ferenczi formulasse a segunda regra fundamental da Psicanálise a análise finalizada do analista O principal herdeiro dessa problemática foi Jacques Lacan que nos anos 1960 propôs uma articulação lógica entre o final da análise e o advento de um psicanalista e inventou um dispositivo que proporcionaria aos psicanalistas a oportunidade de testemunhar e de teorizar o final da análise o passe O caso clínico relatado na segunda seção do presente artigo referese muito provavelmente a Ferenczi que foi analisado por Freud por três breves períodos o primeiro entre setembro e dezembro de 1914 o segundo entre junho e julho de 1916 e o terceiro entre setembro e outubro do mesmo ano Curiosamente o título deste escrito de Freud até o momento foi conhecido pela maioria de seus leitores brasileiros como Análise terminável e interminável Ocorre que os adjetivos em suas formas afirmativa e negativa derivados do substantivo Ende fimtérmino são formados pelo sufixo lich e não pelo bar geralmente correspondente aos sufixos ável ou ível denotando portanto o que é passível de algo por exemplo comestível essbar potável trinkbar Além disso interminável traz uma conotação de impaciência inexistente na língua original É preciso ressaltar ainda que a palavra fim em português apresenta claramente duas acepções diferentes fim no sentido de término e fim no sentido de finalidade este último sentido não está presente no termo alemão Finalmente o leitor deve ter em mente que o termo alemão unendlich não tem conotação tão fortemente metafísica quanto o português infinita De toda forma parece que esse inconveniente pode ser superado mais facilmente do que os demais bastando ter em mente que infinita tem o sentido de sem fim FERENCZI S O problema do fim da análise 1928 LACAN J Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola In Outros escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2003 NOTAS 263 1 Tratase como podemos nos certificar a partir da nota de rodapé inserida pelo autor do famoso caso do Homem dos Lobos como ficou conhecido o paciente Sergei Pankejeff na literatura psicanalítica NR 2 Krankengeschichte era como Freud designava o que ficou conhecido na literatura psicanalítica como caso clínico ou história clínica ainda que uma tradução mais literal seria história de doente NR 3 Referência provável ao caso Ferenczi analisado por Freud NE 4 Também passível de ser traduzida como domesticação preferimos aqui relacionar ao verbo domar como uma tentativa de intervir na conduta de uma força selvagem ou acéfala em sua origem ainda que não propriamente confundível com o instintual ou biologicamente programado NR 5 So muß denn doch die Hexe dran Passagem do Fausto de J W von Goethe parte 1 cena 6 Freud aqui compara os poderes de sua teoria metapsicológica aos da bruxa evocada na mais célebre obra da literatura alemã NR 6 Acerca do estatuto epistemológico dessa passagem consultar o ensaio de Gilson Iannini intitulado Epistemologia da pulsão fantasia ciência mito publicado no volume As pulsões e seus destinos nesta coleção NE 7 Vale aqui lembrar as reiteradas menções do psicanalista e tradutor Luiz Hanns acerca da equivocada tradução de Versagung por frustração Enquanto frustração comumente nos leva à compreensão de uma decepção a ser tolerada Freud geralmente usa o termo Versagung para falar de um processo que é impedido interrompido Cf HANNS Luiz Dicionário comentado do alemão de Freud Rio de Janeiro Imago 1996 NR 8 A expressão das Bessere ist ein Feind des Guten O melhor é inimigo do bom serve para denotar aquilo que é prejudicado por uma tentativa de melhora de incremento NR 9 Médico especializado em Medicina Interna policlínico NE 264 10 Tratase de uma das ideias mais antigas e mais centrais de Freud que desde 1895 insiste na impossibilidade de fuga de estímulos oriundos do interior do corpo fundamento do conceito de pulsão NE 11 Nova referência ao Fausto de Goethe parte 1 cena 4 NR 12 Conferir neste volume o artigo consagrado ao tema da construção Construções na análise NE 13 dem gar manch Geheimnis wurde kund ou seja uma forma de paráfrase da passagem do Fausto de Goethe Nicht manch Geheimnis würde kund Não ficou a par de certos segredos Fausto parte 1 cena 1 NR 14 Nesse caso preferimos traduzir Drang por ânsia e não por pressão como fizemos em As pulsões e seus destinos Triebe und Triebschicksale Naquele caso tratavase de definir um dos quatro termos ou componentes da pulsão Não custa insistir na polissemia do termo NR 15 Expressão latina que equivaleria a após o bom feito ou após ter cumprido sua tarefa NR 16 Batese numa criança Ein Kind wird geschlagen Nesta coleção incluído no volume intitulado Neurose psicose perversão NE 265 CONSTRUÇÕES NA ANÁLISE 19371 Um pesquisador de grande mérito a quem tenho em grande conta por ter feito justiça à Psicanálise em uma época em que a maioria dos outros se afastavam dessa responsabilidade fez certa vez contudo um comentário tanto ofensivo quanto injusto sobre a nossa técnica analítica Dizia ele que quando apresentamos ao paciente as nossas interpretações estaríamos agindo contra ele segundo o famoso princípio Heads I win Tails you lose2 Isso significa que se ele concorda conosco estamos com razão mas se ele nos contraria então seria apenas um sinal de sua resistência e portanto também mostraria que temos razão Dessa forma sempre teremos razão diante de uma pobre pessoa desamparada que analisamos não importando como ela possa se comportar diante das nossas confrontações Como é verdade que um não de nosso paciente em geral não nos move a abdicarmos de nossa interpretação considerandoa equivocada tal exposição de nossa técnica foi muito bemvinda para os adversários da análise Por isso vale a pena apresentar em detalhes como costumamos avaliar o sim e o não do paciente a expressão de sua concordância e de sua oposição durante o tratamento analítico Evidentemente durante essa justificativa nenhum analista no exercício de sua atividade ouvirá algo que já não saiba Como se sabe o objetivo do trabalho analítico é fazer com que o paciente volte a suspender aufhebe os recalques entendidos aqui no sentido amplo de seu primeiro desenvolvimento para substituílos por reações que corresponderiam a um estado de maturidade psíquica Para esse fim ele precisa voltar a recordar determinadas vivências e moções de afeto por elas desencadeadas que atualmente estão sob o esquecimento Sabemos que seus sintomas e suas inibições atuais são as consequências de tais recalques ou seja são substitutos do esquecido Que materiais ele nos oferece para que utilizandonos deles possamos leválo ao caminho da recuperação das 266 lembranças perdidas São vários fragmentos dessas lembranças em seus sonhos em si de um valor incomparável mas em geral fortemente deformados por todos os fatores que participam da formação do sonho ocorrências que ele produz quando se entrega à associação livre a partir das quais podemos descobrir alusões às vivências recalcadas e derivados das moções de afeto reprimidas assim como as reações contra elas por fim alusões de repetições de afetos pertencentes ao recalcado em ações importantes ou triviais do paciente tanto dentro quanto fora da situação analítica A experiência nos mostra que a relação de transferência que se estabelece com o analista é especialmente adequada para favorecer o retorno de tais conexões de afeto A partir dessa matériaprima como a chamamos é que deveremos produzir o que queremos O que queremos é uma imagem dos anos de vida esquecidos do paciente imagem que seja confiável e consistente em todas as partes essenciais Aqui porém somos lembrados de que o trabalho analítico é composto de duas partes bastante diversas que ele transcorre em dois palcos diferentes que acontece em duas pessoas e a cada uma delas é atribuída uma tarefa diferente Por um momento perguntamonos por que não se chamou a atenção para esse fato fundamental há muito mais tempo mas logo nos dizemos que nada nos foi omitido que se trata de um fato de conhecimento geral digamos que óbvio que é destacado só aqui com uma intenção específica e que será devidamente tratado Todos nós sabemos que o analisando deverá ser levado a se recordar de algo que ele vivenciou e recalcou e as condições dinâmicas desse processo são tão interessantes que diante disso a outra parte do trabalho que é o empenho do analista passa a ficar em segundo plano De tudo o que é essencial aqui o analista não vivenciou nem recalcou nada não pode ser a sua tarefa lembrar algo O que então é a sua tarefa Ele terá de inferir o esquecido a partir dos sinais por ele deixados ou mais corretamente ele terá de construir o esquecido Como quando e com que explicações ele comunica as suas construções ao analisando é o que estabelecerá a ligação entre as duas partes do trabalho analítico entre a sua parte e a do analisando O seu trabalho de construção ou se preferirmos de reconstrução mostra uma ampla coincidência com o do arqueólogo que escava uma moradia destruída e soterrada ou uma construção do passado Na verdade o trabalho aí é idêntico apenas o analista trabalha sob condições melhores dispõe de 267 mais material de apoio porque ainda se ocupa com algo vivo e não com um objeto destruído e talvez ainda por outro motivo Mas assim como o arqueólogo constrói as paredes de um prédio a partir dos resquícios de parede ainda existentes determina a quantidade e a posição de colunas a partir de depressões no solo reconstitui os antigos ornamentos e pinturas de parede a partir de restos encontrados nos escombros o analista procede da mesma forma quando tira as suas conclusões a partir de fragmentos de lembranças associações e declarações ativas do analisando Ambos permanecem tendo o direito indiscutível de reconstrução através de complementação e junção dos restos conservados Também algumas dificuldades e fontes de erros são as mesmas Uma das tarefas mais delicadas da Arqueologia como se sabe é a determinação da idade relativa de um achado e quando um objeto aparece em uma determinada camada muitas vezes cabe decidir se ele faz parte dessa camada ou se chegou até aquele local mais profundo por uma perturbação posterior É fácil inferir o que corresponde a essa dúvida nas construções analíticas Dissemos que o analista trabalha sob condições melhores que a do arqueólogo porque também dispõe de material para o qual não há correspondente nas escavações por exemplo as repetições de reações oriundas de tempos primevos e tudo o que é revelado em termos de repetições através da transferência Mas além disso devemos considerar que o escavador lida com objetos destruídos dos quais partes grandes e importantes certamente se perderam devido à violência mecânica ao fogo ou a saques Por maior que seja o esforço não se consegue encontrar essas partes para compôlas com os restos preservados Dependemos única e exclusivamente da reconstrução que por isso muitas vezes não consegue ir além de um certo grau de probabilidade A situação é diferente com o objeto psíquico cuja história prévia o analista quer levantar Aqui geralmente acontece o que só em felizes casos excepcionais aconteceu em Pompeia ou com a tumba de Tutancâmon Todo o essencial ficou preservado mesmo aquilo que parece totalmente esquecido ainda está presente de alguma forma em algum lugar estando apenas soterrado tornado inacessível ao indivíduo Como se sabe duvidamos que qualquer formação psíquica realmente seja suscetível à destruição total É apenas uma questão da técnica analítica saber se vamos conseguir trazer totalmente à tona o que está oculto A essa extraordinária vantagem do trabalho analítico se contrapõem apenas dois 268 outros fatos a saber o objeto psíquico é incomparavelmente mais complicado que o objeto material do escavador e o nosso conhecimento não está suficientemente preparado para aquilo que devemos encontrar uma vez que a sua estrutura íntima ainda abriga muitos mistérios E aqui a nossa comparação entre os dois trabalhos já chega ao fim pois a principal diferença entre ambos reside no fato de que para a Arqueologia a reconstrução é o objetivo e o fim dos seus esforços e para a análise a construção constitui apenas um trabalho preliminar II Mas não é um trabalho preliminar no sentido de que primeiro terá de ser terminado antes de se começar o próximo mais ou menos como a construção de uma casa em que todas as paredes precisam ser erguidas e todas as janelas colocadas antes de nos ocuparmos com a decoração interior dos cômodos Todo analista sabe que no tratamento analítico isso é diferente que ambos os tipos de trabalho caminham paralelamente sempre um deles um tanto na dianteira vindo o outro em sua sequência O analista produz um pedaço de construção comunicao ao paciente para que faça efeito sobre ele depois ele constrói mais um pedaço a partir do novo material que chega como um afluente e trabalha do mesmo jeito e nessa alternância vai até o fim Se nas apresentações do trabalho analítico se ouve falar tão pouco em construções isso se deve ao fato de que em vez disso falase em interpretações Deutungen e seus efeitos Mas penso ser construção o termo infinitamente mais adequado Interpretação se refere àquilo que fazemos com um único elemento do material a exemplo de uma ocorrência Einfall um ato falho ou assemelhados Mas falamos em construção quando apresentamos ao analisando um pedaço de sua história pregressa esquecida da seguinte forma por exemplo até os seus x anos você se considerava o dono único e irrestrito da sua mãe até que chegou um segundo filho e com ele uma grande decepção Sua mãe abandonou você durante algum tempo e também mais tarde não se dedicou exclusivamente a você Seus sentimentos em relação à sua mãe tornaramse ambivalentes o pai passou a ter outra importância para você etc Neste artigo a atenção se volta exclusivamente a esse trabalho preliminar das construções E é aí que surge em primeiro lugar a pergunta que 269 garantias temos durante o nosso trabalho nas construções de que não seguiremos por caminhos errados colocando em risco o sucesso do tratamento caso defendamos uma construção incorreta Pode parecer que essa pergunta nem permita uma resposta geral mas ainda antes de discutirmos a questão ouçamos uma informação de consolo que nos traz a experiência analítica Pois ela nos ensina que não provocará nenhum dano se alguma vez nos equivocarmos e apresentarmos ao paciente uma construção incorreta como sendo a verdade histórica provável É evidente que isso significa que perderemos tempo e que aquele que sempre impor ao paciente certas combinações falsas não lhe causará boa impressão e não chegará longe no tratamento mas um único equívoco é inócuo O que acontece nesse caso é muito mais que o paciente permanece como que intocado não reagindo nem com um sim nem com um não Isso possivelmente significará apenas um adiamento da reação mas se a situação permanecer assim podemos chegar à conclusão de que erramos e confessaremos isso ao paciente no momento adequado sem prejuízo da nossa autoridade Esse momento se dá quando surgir um novo material que possibilite uma construção melhor e assim a correção do erro A construção errada acaba por ficar de lado de forma que é como se nunca tivesse sido feita e em alguns casos até se tem a impressão de que usando as palavras de Polônio3 se fisgou a carpa da verdade justamente com a isca da mentira O perigo de levar o paciente pelo mau caminho através da sugestão convencendoo de determinadas coisas em que nós próprios acreditamos mas que ele não deveria aceitar certamente tem sido exagerado além da medida O analista teria se comportado de forma muito incorreta se um infortúnio desses lhe acontecesse principalmente ele teria de fazer a autocrítica reconhecendo que não deu voz ao paciente Posso afirmar sem falsa modéstia que esse mau uso da sugestão nunca aconteceu na minha atividade A partir do que dissemos acima já se pode deduzir que não estamos nem um pouco inclinados a desprezar os sinais que depreendemos da reação do paciente diante da comunicação que lhe fazemos de uma de nossas construções Trataremos desse ponto em detalhes Está certo dizer que não damos a um não do analisando o crédito total assim como tomamos como válido o seu sim é absolutamente injustificado nos culparem por reinterpretarmos a sua manifestação transformandoa em todos os casos em 270 uma confirmação Na verdade não é tão simples assim não tomamos uma decisão com tanta facilidade O sim direto do analisando tem muitos significados Ele pode de fato indicar que ele reconhece a construção ouvida como sendo correta mas também pode ser desprovido de sentido ou mesmo o que podemos chamar de falso na medida em que é confortável para a sua resistência continuar ocultando a verdade não revelada através dessa aquiescência Esse sim só tem algum valor se for seguido de confirmações indiretas se o paciente logo depois do sim produzir novas lembranças que complementam e ampliam a construção Só nesse caso reconheceremos o sim como a plena resolução do respectivo ponto O não do analisando é muito polissêmico e na verdade ainda menos utilizável que o seu sim Em casos raros ele se mostra como expressão de uma rejeição justificada muito mais frequentemente ele é expressão de uma resistência provocada pelo conteúdo da construção informada mas que também pode se originar de outro fator da situação analítica complexa O não do paciente portanto nada prova em relação à correção da construção mas se coaduna muito bem com essa possibilidade Uma vez que toda construção é incompleta e abarca apenas um pequeno fragmento do acontecimento esquecido temos a liberdade de supor que o analisando na verdade não está renegando leugnet o que lhe foi comunicado mas fundamenta sua oposição com base na parte ainda não revelada Via de regra ele só dará a sua concordância quando souber de toda a verdade e esta muitas vezes é bastante ampla Portanto a única interpretação segura do seu não é aquela que aponta insegurança que a construção certamente não lhe disse tudo Portanto concluímos que a partir das manifestações diretas do paciente após a comunicação da construção teremos poucos pontos de apoio para saber se agimos de forma correta ou incorreta Tanto mais interessante é saber que existem tipos indiretos de confirmação que são absolutamente confiáveis Um deles é uma expressão idiomática que se ouve com pequenas variações das mais variadas pessoas como se fosse combinado Eu jamais pensei ou teria pensado isso nisso Podemos traduzir essa manifestação tranquilamente por Sim nesse caso você acertou o inconsciente na mosca Infelizmente ouvimos essa fórmula tão desejada pelo analista com maior frequência após interpretações isoladas mais do que depois da comunicação 271 de construções ampliadas Uma confirmação de igual valor dessa vez expressa de forma positiva é quando o analisando responde com uma associação que contém algo semelhante ou análogo ao conteúdo da construção Em vez de apresentar um exemplo tirado da análise que seria fácil de achar mas seria muito longo para demonstrar quero narrar aqui uma pequena vivência extraanálise que apresenta essa situação com uma ênfase quase cômica Tratavase de um colega que tinha isso faz muito tempo me escolhido como consultor em sua atividade médica Certo dia porém ele me trouxe a sua jovem esposa que estava lhe causando problemas Ela se recusava a ter relações sexuais usando todo tipo de pretextos e ele aparentemente esperava de mim que eu esclarecesse a ela quais as consequências de seu comportamento inadequado Eu concordei e expliquei a ela que a sua recusa provavelmente causaria distúrbios de saúde lamentáveis ou tentações no marido que poderiam levar à destruição do seu casamento Durante essa explicação ele repentinamente me interrompeu para dizer o seguinte o inglês em quem o senhor diagnosticou um tumor cerebral também já morreu No início a fala parecia incompreensível o também na frase parecia enigmático não havíamos falado de nenhum outro falecido Poucos instantes depois entendi Aparentemente o homem queria me apoiar ele quis dizer sim certamente o senhor tem razão o seu diagnóstico do paciente também acabou se confirmando Era uma plena contrapartida das confirmações indiretas por associações que obtemos nas análises Não quero negar aqui que na manifestação do colega também houve a participação de ideias rechaçadas por ele A confirmação indireta por meio das associações que combinam com o conteúdo das construções e que trazem consigo um também como aquele fornece ao nosso juízo alguns pontos de apoio para descobrir se essa construção se mostrará verdadeira na continuidade da análise Especialmente impressionante também é o caso em que a confirmação se infiltra na oposição direta por meio de um ato falho Um belo exemplo desse tipo foi publicado por mim anteriormente em outro local4 Nos sonhos do paciente repetidamente aparecia o nome Jauner bem conhecido em Viena sem que em suas associações houvesse qualquer esclarecimento a respeito Então tentei a interpretação de que talvez ele quisesse dizer Gauner quando dizia Jauner ao que o paciente prontamente respondeu mas isso me parece 272 demasiado gousado jewagt5 Ou então o paciente quer rechaçar a ideia a ele atribuída de que determinado pagamento tenha um valor alto demais para ele usando as seguintes palavras dez dólares não significam nada para mim mas em vez de dólares usa a moeda menos valiosa dizendo dez xelins Quando a análise está sob a pressão de fortes fatores que forçam a uma reação terapêutica negativa como consciência de culpa necessidade masoquista de sofrimento relutância contra a ajuda do analista o comportamento do paciente após a comunicação da construção muitas vezes torna a decisão que buscávamos muito fácil Se a construção estiver errada nada muda no paciente mas se ela estiver correta ou trouxer uma aproximação da verdade ele reagirá a ela com uma visível piora de seus sintomas e de seu estado geral Resumindo constataremos que não merecemos a crítica de que desprezamos e colocamos de lado a posição do analisando em relação às nossas construções Nós prestamos atenção nela e dela muitas vezes retiramos pontos de apoio valiosos Mas essas reações do paciente geralmente têm múltiplos significados e não permitem uma decisão definitiva Apenas a continuidade da análise poderá trazer a decisão sobre a correção ou a inutilidade da nossa construção Entendemos a construção individual como nada mais que uma suposição que aguarda a verificação a comprovação ou o descarte Não pleiteamos autoridade para ela não exigimos do paciente nenhuma concordância imediata não debatemos com ele quando ele inicialmente rebate Em suma comportamonos segundo o modelo de um conhecido personagem de Nestroy6 o criado da casa que tem uma única resposta pronta para todas as perguntas e intervenções ao longo dos acontecimentos tudo será esclarecido III Mostrar aqui como isso se dá ao longo da continuação da análise por que caminhos a nossa suposição se transforma em convicção para o paciente não vale o esforço isso é de conhecimento de todo analista a partir da experiência diária e não é de difícil compreensão Apenas um ponto nesse contexto merece um exame mais acurado bem como esclarecimentos O caminho que começa com a construção do analista deveria terminar com a recordação do 273 paciente nem sempre ele vai tão longe Inúmeras vezes não conseguimos levar o paciente à recordação do recalcado Em vez disso se executarmos a análise de forma correta conseguimos que ele tenha uma convicção segura da verdade da construção que do ponto de vista terapêutico tem o mesmo efeito que uma recordação recuperada Sob que circunstâncias isso acontece e como é possível que uma substituição aparentemente incompleta tenha mesmo assim o efeito pleno será matéria para uma pesquisa futura Encerrarei esta pequena comunicação com algumas observações que abrirão uma nova perspectiva Chamoume a atenção em algumas análises que a comunicação de uma construção aparentemente correta produzia nos analisandos um fenômeno surpreendente e inicialmente incompreensível Eles começavam a ter recordações vivas chamadas por eles próprios de ultranítidas überdeutlich no entanto eles não se lembravam do acontecimento em si que fora o conteúdo da construção mas de detalhes próximos a esse conteúdo por exemplo do rosto das pessoas ali citadas com extrema nitidez ou dos espaços em que algo semelhante poderia ter acontecido ou ainda um pouco mais adiante dos objetos de decoração desses ambientes dos quais evidentemente a construção não teria como ter conhecimento Isso acontecia tanto em sonhos diretamente após a comunicação como também em vigília em estados semelhantes a uma fantasia A essas lembranças não se atrelava mais nada na sequência então parecia legítimo entendêlas como o resultado de um acordo A súbita vinda à tona Auftrieb do recalcado ativada pela comunicação da construção tinha a intenção de levar aqueles importantes resquícios da lembrança à consciência uma resistência conseguiu se não refrear o movimento pelo menos deslocá lo para objetos secundários vizinhos Essas lembranças poderiam ter sido chamadas de alucinações se à sua nitidez tivesse sido acrescida a crença em sua atualidade Mas essa analogia ganhou importância quando atentei para a ocorrência ocasional de alucinações reais em outros casos certamente não psicóticos O raciocínio então continuou talvez seja uma característica geral da alucinação até então não considerada suficientemente que nela retorna algo vivenciado nos primórdios e depois esquecido algo que a criança viu ou ouviu numa época em que mal sabia falar e que agora se insinua fortemente na consciência provavelmente de modo deformado e deslocado devido às forças que se contrapõem a esse retorno E se pensarmos na relação estreita entre a 274 alucinação e determinadas formas de psicose nosso raciocínio ainda pode ir além Talvez as formações alucinatórias em que regularmente vemos inseridas essas alucinações não sejam elas próprias tão independentes assim da súbita vinda à tona do inconsciente e do retorno do recalcado como supomos até agora Em geral sublinhamos apenas dois fatores no mecanismo de uma formação alucinatória Wahnbildung por um lado o afastamento Abwendung do mundo real e seus motivos e por outro lado a influência da realização do desejo sobre o conteúdo do delírio Mas será que o processo dinâmico não seria aquele em que o afastamento da realidade é aproveitado pela emergência do recalcado para impor o seu conteúdo à consciência sendo que as resistências ativadas nesse processo e a tendência à realização do desejo se dividem na responsabilidade pela deformidade e pelo deslocamento do relembrado Mas isso é também o conhecido mecanismo do sonho que já uma antiquíssima suposição equiparava à loucura delirante Não creio que essa concepção de delírio seja totalmente nova mas ela reforça um aspecto que normalmente não aparece em primeiro plano Essencial aí é a afirmação de que a loucura não só tem método como já reconhecera o poeta mas também contém uma parte de verdade histórica7 e nos é lícito supor que a crença obsessiva que a loucura encontra extrai a sua força justamente de tal fonte infantil Para demonstrar essa teoria hoje tenho apenas reminiscências à minha disposição e não impressões recentes Provavelmente valeria a pena tentar estudar casos patológicos correspondentes de acordo com os pressupostos aqui desenvolvidos e também estabelecer o tratamento segundo eles Certamente abandonaríamos o esforço inútil de convencer o doente do erro de seu delírio de sua contradição diante da realidade encontrando antes e muito mais um fundamento comum no reconhecimento do cerne da verdade a partir do qual se poderá desenvolver o trabalho terapêutico Esse trabalho consistiria em libertar aquela parte de verdade histórica de suas deformações e ligações Anlehnungen com o presente real reconduzindo aquela parte do passado à qual pertence O deslocamento da préhistória esquecida para o presente ou para a expectativa do futuro é uma ocorrência regular também no neurótico Muitas vezes quando um estado de angústia Angstzustand o deixa na expectativa de que algo terrível vai acontecer ele apenas está sob a influência de uma recordação recalcada que quer chegar à consciência e que não pode se 275 tornar consciente naquela época em que de fato algo assustador aconteceu Quero dizer com isso que a partir de tais esforços com os psicóticos descobriremos muita coisa valiosa mesmo se o sucesso terapêutico não acontecer Sei que não é apropriado tratar de um tema tão importante de modo tão superficial como fizemos aqui Segui o atrativo de uma analogia As formações delirantes dos doentes parecemme equivalentes das construções que elaboramos nos tratamentos analíticos tentativas de explicação e reconstituição que sob as condições da psicose aliás só poderão levar a substituir aquela parte de realidade que é renegada verleugnet no presente por uma outra parte que nos primórdios também foi renegada Revelar as relações íntimas entre a matéria da recusa Verleugnung atual e o antigo recalque será tarefa do exame individual Assim como a nossa construção só tem efeito por trazer de volta uma parte da história de vida perdida o delírio também deve o seu poder de convencimento à porção de verdade histórica que ele coloca no lugar da realidade rejeitada Desse modo o delírio também se submeteria à frase que no passado eu usei apenas para a histeria dizendo que o doente sofria de suas reminiscências Nem naquela época essa fórmula resumida tinha a intenção de negar a complexidade da causação da doença excluindo o efeito de tantos outros fatores Se abarcarmos a humanidade como um todo e a colocarmos no lugar de cada indivíduo humano verificaremos que ela também desenvolveu formações delirantes inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade Se mesmo assim elas puderem expressar um extraordinário poder sobre as pessoas a análise levará à mesma conclusão que no caso de cada indivíduo Elas devem o seu poder ao teor de verdade histórica que foram buscar lá no recalque dos tempos primordiais esquecidos 276 Konstruktionen in der Analyse 1937 1937 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 23 p 6168 1950 Gesammelte Werke t XVI p 4156 Dois dispositivos fundamentais se destacam na técnica psicanalítica ao quebrar o silêncio do analista as interpretações e as construções Embora Freud tenha feito uso de construções em alguns casos clínicos publicados notadamente no caso do Homem dos Lobos e no caso da jovem homossexual é aqui que pela primeira vez ele tematiza de maneira sistemática a especificidade desse procedimento Nos últimos anos de sua atividade intelectual Freud dedicouse intensamente à elaboração de seu testamento clínico e teórico A questão da transmissão da Psicanálise e de sua herança foi tratada sob diversos ângulos em textos tão diversos como o Compêndio de psicanálise ou O homem Moisés e a religião monoteísta O presente ensaio pode ser visto ao lado de A análise finita e a infinita como uma contribuição técnica desse legado Embora seja difícil precisar com certeza a quem Freud se refere no início do artigo como autor da crítica segundo a qual o analista tem sempre razão vários nomes de uma ou de outra forma poderiam esposar tal asserção Uma hipótese bastante provável é que se trataria de Havelock Ellis É o que afirma Joseph Wortis que relata ter ouvido essa informação da boca do próprio Freud durante uma sessão Mais tarde nomes como Ludwig Wittgenstein e Karl Popper elaborariam argumentos análogos ao de Ellis O presente artigo pode ser visto como uma resposta em alguns casos antecipada à ideia de que o analista tem sempre razão Ao tomar essa crítica em consideração Freud acrescenta que o analista não toma o não do paciente por seu valor nominal assim como também não se contenta com o sim como critério de validade Apenas o próprio curso do tratamento pode fornecer confirmações indiretas que mostram ou não a correção da interpretação O complexo estatuto da negação já tinha sido abordado no texto A negação em 1925 A célebre analogia entre o trabalho do arqueólogo e do psicanalista fornece o tropo argumentativo do texto Por outro lado ao explicitar que o trabalho do analista não se limita à interpretação do recalcado Freud oferece subsídios para a perspectiva de autores que se dedicaram ao atendimento de pacientes que apresentam sofrimento psíquico distinto do neurótico KOFMAN S Un métier impossible lecture de Constructions en analyse 1983 WORTIS J Fragments of an analysis with Freud New York Simon and Schuster 1954 WITTGENSTEIN L Lectures conversations on Aesthetics Psychology and Religious Belief Berkeley Los Angeles University of California Press 1997 NOTAS 1 Em várias outras notas assinalamos casos em que a língua alemã dispõe de uma palavra de origem germânica e de outra de origem grega ou latina para designar aparentes sinônimos Nesses casos a palavra germânica tende a expressar algo de forma mais direta e cotidiana ao passo que os termos grecolatinos remetem a um registro mais culto da língua apontando muitas vezes para certo nível de abstração É exatamente esse o caso aqui Enquanto a palavra Bau é usada para designar uma construção como uma casa ou um edifício por exemplo o termo latino Konstruktion aponta para uma 277 construção no sentido metafórico algo psíquica ou intelectualmente elaborado NR 2 Significa literalmente Cara eu ganho coroa você perde numa espécie de aposta ou jogo para ver quem sai vencedor NT 3 Referência à personagem do Hamlet de Shakespeare ato II cena I NR 4 Tratase do capítulo V da Psicopatologia da vida cotidiana NE 5 Há aqui um jogo de palavras de difícil tradução Freud escuta sob o nome Jauner o substantivo Gauner algo como malandro larápio bandido Na fala vulgar de alguns dialetos alemães é comum a troca do G pelo J Portanto Jauner e Gauner podem ser eventualmente homófonos Na resposta em alemão que tem a estrutura de um lapso o colega de Freud responde que aquilo lhe parecia demasiado jewagt quando o correto seria dizer gewagt com G significando ousado Optamos por acrescentar um G também em português sendo o mesmo G de Gauner lembrando a palavra gozado com a grafia incorreta gousado sendo portanto uma variação incorreta de ousado NT 6 Johann Nepomuk Nestroy foi um conhecido autor austríaco de peças de vaudeville bastante populares que viveu de 1801 a 1862 Em suas comédias mirabolantes costumava haver um triângulo amoroso jogos de escondeesconde para identificar o traidor e enredos assemelhados Ao mesmo tempo revelava mazelas sociais da época em chave de comédia NT 7 O tema da verdade histórica foi tratado por Freud também em seu O homem Moisés e a religião monoteísta Freud trabalhava na terceira parte do longo ensaio sobre Moisés quando redigiu o presente artigo NE 278 POSFÁCIO ORIENTAÇÃO FREUDIANA Sérgio Laia Os textos reunidos neste volume das Obras incompletas de Sigmund Freud perfazem uma extensa trajetória temporal pois vão desde o que já se considerou como os primórdios ou mesmo a préhistória da psicanálise até praticamente um dos últimos trabalhos publicados por aquele que a criou Essa extensão além de se fazer ao longo do tempo comporta ainda todo um processo de elaboração clínicoconceitual O texto que abre esta coletânea Tratamento psíquico tratamento anímico é de 1890 e explicita as especificidades do que é o processo terapêutico que Freud já procurava então apurar Por sua vez os dois últimos textos são A análise finita e a infinita e Construções na análise ambos de 1937 no primeiro Freud entre tantas outras importantes considerações argumenta por que uma análise ao mesmo tempo é longa e mesmo sem ser necessariamente permanente quanto a seus resultados pode ser considerada eficaz no segundo ele explicita uma operação clínica a chamada construção que terá uma função decisiva no encaminhamento do fim de uma análise por não se valer apenas das lembranças ou seja das representações do passado por se pautar no que se perdeu sem deixar qualquer registro na realidade mas que se impõe ainda na vida Os textos aqui reunidos apresentam também um endereçamento bem diversificado destinamse como lemos em O método psicanalítico freudiano de 1904 1905 a chamar a atenção para um método terapêutico então recente ou por exemplo em Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico 1912 e A questão da análise leiga 1926 a zelar pela formação do analista ou ainda como em Caminhos da terapia psicanalítica 1919 1918 a garantir o futuro da psicanálise conclamando os analistas a renovaremna frente à devastação provocada por uma guerra mundial e pela pobreza antecipando suas intervenções no âmbito da hoje 279 chamada saúde pública Escrita sobre a água Nessa ampla extensão temporal e clínicoconceitual e nessa variedade de destinos uma orientação se sustenta e pareceme o título deste volume a apreendeu muito bem tratase de dar lugar fazer valer e operar os fundamentos da clínica Porém conforme experimentamos no trabalho com esses textos e na nossa própria prática provavelmente também tal qual Freud o terá provado criando e dedicandose ao exercício da psicanálise bem como na própria redação de sua obra não é tarefa fácil fundar a clínica e de modo especial uma clínica como a psicanalítica Afinal nessa clínica tratase de intervir não exatamente sobre o que uma clínica médica discerne como sendo os órgãos do corpo nem sobre o que os filósofos antigos abordavam como psique ou anima e que após o século XIX segundo perspectivas muito diferentes profissionais marcados pelo prefixo psi passaram a chamar de mente psiquismo ou cérebro Na clínica psicanalítica tal como Freud já entrevê em 1890 no primeiro texto publicado neste volume a intervenção se processa sobre as modificações que a vida anímica provoca no corpo mas da qual esse corpo também participa intensamente através dos afetos p 24 que por sua vez não se confundem com os chamados sentimentos nem com manifestações físicas do corpo Afinal a concepção freudiana de afeto designa um quantum ou seja uma quantidade que sem ser propriamente mensurável ou quantificável afeta toca o corpo Em outros termos na clínica analítica a intervenção se faz sobre uma espécie de matéria que concerne ao corpo sem ser propriamente orgânica e que toma vida sem se confundir com o que sob diferentes perspectivas é designado como espiritual mental ou psíquico Como fundar então uma clínica se a matéria sobre a qual e com a qual trabalhamos na psicanálise toma a dimensão de um objeto sem ser propriamente objetivável dá lugar a um lugar que por se apresentar mais como uma fronteira não é exatamente localizável e mesmo sendo capaz de aumentar ou de diminuir produzindo tensões e alívios não é efetivamente mensurável Sabemos inclusive pela leitura de textos publicados aqui como Sobre a dinâmica da transferência Observações sobre o amor transferencial e A análise finita e a infinita que a formulação e o manejo da transferência por Freud são decisivos para se fundar a clínica psicanalítica e sustentála mas também nesse viés um novo paradoxo se impõe a 280 transferência concebida como o investimento libidinal que cada analisandoa faz em seusua analista é tanto a força mais poderosa do sucesso quanto o meio mais forte de resistência p 110 e assim ainda nesse viés o que se apresenta como fundamento se mostra por demais fluido cambiante o que nos serve de apoio também se volta contra nós Não é sem razão portanto que em A análise finita e a infinita Freud declara temos a impressão de que não trabalhamos com argila mas que escrevemos sobre a água p 347 Como então escrever sobre a água sem que o exercício mesmo de nossa clínica se dilua Como dar corpo à experiência analítica se ela é marcada tanto pela mutação dos sintomas quanto pela permanência inexorável inclusive frente à própria ação terapêutica daquilo que alguma vez ganhou vida e sabe se manter de forma tenaz p 331 São desafios assim que Freud se dispôs a enfrentar para fundar a clínica analítica e que como analistas a cada experiência com a psicanálise continuamos enfrentando Afinal como é próprio à matéria com que operamos tal fundamento se perfaz com Freud e ao mesmo tempo é contínua e diferencialmente reinventado por cada um que se dispõe a praticar a psicanálise e a se entregar à sua experiência Breve passagem por Heidegger O título deste volume Fundamentos da clínica psicanalítica bem como o que Freud promove nos textos aqui reunidos fizeramme evocar o modo como em alemão o termo para fundamento Grund é bem próximo do que pode se apresentar como seu revés isto é do abismo Abgrund Assim Grund originalmente significava areia solo arenoso terra passou a ser correspondente também de lote de construção campo fundo leito de mar fundação profundezas base razão causa mas ao ser escrito com o prefixo ab dá lugar à palavra Abgrund que significa literalmente terra indo para baixo profundezas insondáveis abismo fundo abissalxlvi Importante lembrar que o fundo abissal que podemos encontrar no termo Abgrund não tem nada a ver com a ausência ou a falta de fundamento porque para o sem fundamento a língua alemã oferecenos uma palavra diferente grundlos Sabemos que Heidegger se valeu bastante dessa digamos assim tensa proximidade entre fundamento Grund e abismo Abgrund entre o que 281 funda e ao mesmo tempo se esvai dando lugar a um oximoro como fundamento abissal ou mesmo fundo abissal Embora Freud escrevesse em alemão e como sabemos exercitasse essa língua como poucosxlvii ele não explorou essa tensa proximidade existente entre Grund e Abgrund Porém minha hipótese é de que ele a realiza em ato ao inventar a clínica psicanalítica e desejar fazêla chegar até nós de modo que também passemos a desejála e fazer com que ela continue se transmitindo às gerações futuras No importante Sobre a essência do fundamento Vom Wesen des Grundes o ponto de partida heideggeriano é o princípio da razão que em sua fórmula vulgar e abreviada é nihil est sine ratione nada é sem razão fundamento e em sua transposição positiva significa omne ens habet rationem todo ente tem uma razão fundamentoxlviii Desde o início desse texto Heidegger problematiza tal princípio por parecer como um princípio supremo recusar de antemão o que poderia ser considerado como problema do fundamento pois sem se ater antes ao que faz algo ser fundante ou seja sem se perguntar sobre a essência do fundamento proclama que tudo tem fundamento tudo tem razão e portanto faz com que se possa questionar se ele ao se apresentar como um princípio da razão é um enunciado sobre o fundamento como talxlix Além disso continua Heidegger em sua transposição positiva tal princípio da razão faz uma formulação sobre o ente tomando a razão fundamento como ponto de vista mas nada determina quanto aquilo que constitui a essência do fundamentol Pareceme então possível já detectar nessa problematização heideggeriana inicial sobre tal princípio da razão o quanto a declaração de que tudo tem fundamento Grund nos leva no sentido negativo dessa condução ao abismo Abgrund por não tematizar previamente o que constitui o fundamento como fundamento No final de Sobre a essência do fundamento Heidegger justifica o que me parecia possível detectar desde o início pois afirma que o princípio da razão continua perturbando a essência do fundamento e sufoca na sua forma sancionada de princípio uma problemática que sacudiria a ele mesmoli ou seja a problemática de sem antes discernir o que é fundamento proclamar que nada é sem fundamento Porém é também no final desse texto que Heidegger me parece destacar uma 282 proximidade entre fundamento Grund e abismo Abgrund que não se faz negativamente Primeiro porque esse filósofo afirma que o fundamento tem sua desordem não essêncialii ou seja o fundamento como o que dá lugar a uma ordem e organiza não deixa de comportar uma desordem uma opacidade a tal não essência Além disso será também afirmado que o fundamento remonta à própria liberdade que como origem se transforma ela mesma em fundamento fazendo com que Heidegger a proclame como razão do fundamento o fundamento do fundamento sem no entanto tomar esse processo como uma iteração formal sem fimliii que transformaria esse fundamento do fundamento por exemplo em um mero jogo de palavras em um recurso retórico ou mesmo tautológico como se passássemos de um tudo tem fundamento fórmula do princípio da razão a um nada tem fundamento Portanto tomar a liberdade como a razão do fundamento o fundamento do fundamento implica um risco porque enquanto este fundamento a liberdade será tematizada por Heidegger como o abismo Abgrund sem fundamento do seraí Daseinliv da existência humana Abismo nesse novo contexto não tem mais um sentido negativo porque não se trata de conceber o comportamento individual livre como sem razão de ser grundloslv ou seja literalmente sem fundamento Tratase de concebêlo como fundado no próprio abismo que a liberdade é como fundamento do fundamento porque em sua ultrapassagem do mundoprojeção dos entes o Dasein seraí deve ultrapassarse a si mesmo para só então poder compreenderse como um abismo do fundamento a partir dessa elevaçãolvi Ora Heidegger em sua tematização sobre a essência do fundamento interessase precisamente por essa abissalidade do seraílvii que não deve ser confundida com uma falta ou uma ausência de fundamento ou seja como sem fundamento grundlos Em um posfácio a uma coletânea de textos de Freud mesmo se ela se intitula Fundamentos da clínica psicanalítica não me parece ser o caso de me aprofundar mais no que Heidegger elabora sobre o que tenho chamado aqui de proximidade tensa entre fundamento Grund e abismo Abgrund tampouco em sua concepção da liberdade Entretanto destacaria ainda que segundo ele essa abissalidade do seraí não se abriria 283 para qualquer dialética ou análise psicológicalviii Faço tal destaque por um lado porque sem dúvida ao se interessar por tal abissalidade a filosofia heideggeriana vai se enveredar por caminhos que lhe são próprios e bem diferentes daqueles da psicologia e por outro lado porque a orientação depreendida por exemplo dos textos reunidos no presente volume também nos convoca a trilhar por um fundo abissal que cada analisando traz consigo como sendo também o mais estranho de si e incompatível tanto com qualquer dialética ou análise psicológica quanto com qualquer determinação absoluta de um fundamento para tudo Antes de retornar à orientação freudiana pareceme importante ainda citar uma última vez Heidegger a nãoessência o elemento perturbador do fundamento é unicamente superada no existir fático ou seja no que existe factualmente sempre vamos encontrar alguma superação do que perturba o fundamento porém essa não essência como elemento perturbador nunca é afastadalix Considero importante essa citação porque quanto à clínica psicanalítica a orientação freudiana é justamente a de sustentar que a superação das perturbações promovida ao longo da própria experiência analítica almejada pelas recomendações destinadas aos praticantes da psicanálise e à própria formação de analistas não afasta de modo nenhum a perturbação Fundar a clínica analítica fazêla prosseguir e enfrentar novos desafios implica portanto dar lugar ao fundo abissal para mesmo superando as perturbações verificar também como Freud o faz por exemplo em A análise finita e a infinita p 315364 que elas não são elimináveis e podem portanto em outros momentos fáticos imporse sem comprometer o que se conquistou ao longo de uma análise e sem desqualificar a eficácia do processo analítico Essa breve passagem por Heidegger bem como o que derivo da experiência analítica e da leitura de A análise finita e a infinita permitem me afirmar tanto que uma análise pode e deve chegar a um fim em sua existência fática quanto que considerando que as perturbações jamais deixam de compor a dimensão real do que é vivo há também a análise infinita não por ineficiência do processo psicanalítico mas por uma coerência com relação à dimensão inevitável e imprevisível do que pode perturbar um corpo Essa dupla e sob alguns aspectos contraditória afirmação tem a ver também com essa impressão freudiana já citada aqui de que não trabalhamos com 284 argila mas que escrevemos sobre a água p 347 Assim é sobre um fundo abissal que construímos desde Freud a clínica analítica porque a matéria com que lidamos é tão ou mais fluida que a água e não menos perturbadora que esse elemento líquido capaz de se imiscuir nas mínimas frestas e mesmo de furar o que é duro firme e resistente Retorno a Freud Se a clínica psicanalítica convocanos a escrever sobre a água não é sem razão que Freud em 1890 no primeiro texto deste volume já sustentava que o então chamado tratamento anímico vinha devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico p 19 Em outros termos por lidar com palavras e verificar seus efeitos na causalidade dos sintomas e nos modos como eles são tratados a clínica analítica pode ser concebida como uma escrita sobre as águas porque a fala é tão ou mais que a água essa matéria ao mesmo tempo fluida e incisiva com que operamos Nesse viés embora Freud tenha colocado no título mesmo desse texto primeiro a expressão tratamento psíquico e entre parênteses tratamento anímico embora a palavra psíquico muito mais que a anímico tenha se consolidado entre nós para designar de modo geral o âmbito no qual a psicanálise opera pareceme importante que encontremos no texto freudiano essa referência ao anímico Apesar de evocar o termo alma cuja forte conotação religiosa é sem qualquer incidência no fundamento abissal de onde Freud ergue sua clínica considero o resgate do termo anímico valioso na medida em implica o que anima toma vida ganha corpo Certamente como psíquico tem sua raiz no grego psyché ele tampouco nessa vertente etimológica deixa de se associar ao que é princípio vital e toma o corpo Entretanto sobretudo a partir do século XIX com a consolidação da psicologia e da psiquiatria psíquico se torna muito mais equivalente do que hoje é qualificado de mental Essa redução contemporânea do psíquico ao mental deixa escapar nuances semânticas que o termo anímico conserva nuances indispensáveis se quisermos apreender todo o alcance da inovação da clínica fundada por Freud O célebre mito bíblico entre outras referências do sopro que anima vivifica e corporifica o que antes foi simplesmente modelado como argila do solo Gênesis 2 7lx já me permite situar o quanto o anímico literalmente toma corpo implica a vida e portanto não deve ser confundido com o que a 285 psicologia e a psiquiatria consideram como psíquico mental ou mesmo cerebral O anímico que interessa à clínica psicanalítica diferente da concepção religiosa convencional da alma não é separado do corpo nem lhe é superior Porém tampouco se confunde com o que é orgânico ou com o que seria abstrato imaterial Nesse contexto considerando a orientação freudiana de que a clínica analítica devolve à palavra o poder que lhe atribuía a magia sem no entanto se apresentar como uma nova prática mágica ou religiosa vale ainda relembrar o mito do sopro que anima vivifica e corporifica porque é esse hálito de vida que torna o homem um ser vivente Gênesis 2 7 ou como preferiu traduzir Haroldo de Campos uma almadevida néfeshlxi por ter sido literalmente soprado insuflado esse hálito é o que sai da boca e portanto tem a ver com o que é falado e marca o corpo no qual ele ressoa Por nos exigir uma escrita sobre as águas e não sobre a argila é instigante que em Sobre psicoterapia 1905 1904 p 6379 a clínica psicanalítica seja comparada ao procedimento com que Leonardo da Vinci designava a escultura diferenciandoa da pintura Considerando a peculiaridade de uma tal escrita essa comparação pode parecer estranha porque a pintura ao se fazer com tintas evocaria muito mais uma composição a partir de elementos líquidos e a escultura por sua vez não deixa de se materializar em um elemento como a argila que embora moldável não é exatamente fluido Porém a comparação freudiana entre analisar e esculpir não se vale das diferentes matérias com que pintura e escultura são compostas mas de como são diferentes os dois procedimentos com que se realiza cada uma dessas manifestações artísticas a pintura trabalha per via di porre colocando montinhos de tinta onde eles antes não existiam na tela sem cores ao passo que a escultura procede per via di levare já que retira da pedra o necessário para revelar a superfície da estátua nela contida p 67 e o método analítico também opera com a extração a retirada Por conseguinte se operamos na experiência analítica uma espécie de escrita sobre as águas não há como introduzir elementos onde eles não existiam porque eles tenderiam a se diluir ou ao contrário talvez mesmo fixar o que é fluido Ao contrário tratase de reduzir extrair o que está de algum modo contido no que é fluido e pode mesmo sem esse tipo de intervenção tornálo fixo 286 Graças a esse procedimento a incapacidade duradoura de viver marca destacada por Freud quanto àqueles que procuram uma análise pode dar lugar no transcurso do processo analítico à capacidade de viver a existência de forma duradoura p 71 A clínica analítica portanto opera com a vida e para a vida mas não sem desconhecer enfrentar e localizar o que é mortífero e letal Ainda assim ela não é um simples combate da vida contra a morte muito menos uma polarização maniqueísta entre o que é vivo e o que é morto Nesse contexto é instigante quando em Observações sobre o amor transferencial 1915 1914 Freud compara o amor transferencial a um espírito do submundo que uma vez invocado à superfície não deve ser mandado de volta sem ao menos lhe fazer uma pergunta p 171 É também esse amor que faz Freud nesse mesmo texto destacar o perigo desse método terapêutico e comparar o analista ao químico pois ambos lidam com as forças mais explosivas e para as quais se necessita cautela e meticulosidade p 179 Se uma doxa psicanalítica ou mesmo o senso comum tenderam a tematizar a periculosidade do método analítico como a possibilidade de o analisando se apaixonar pelo analista ou tornarse dele dependente a orientação freudiana é muito mais complexa e mesmo inquietante Assim na clínica analítica e esta é mais uma demonstração de seu fundamento abissal a doença não é um elemento a ser puramente expurgado nem um assunto histórico pois a repetição dos sintomas durante o próprio tratamento mostra nos o quanto a doença é uma potência atual p 156 a ponto de por exemplo a neurose com que se chega a uma análise poder se transmutar no que Freud designou como neurose de transferência Essa transmutação entretanto não é equivalente à infecção que se corre o risco de contrair por ocasião de uma internação clínica em um hospital no qual se foi fazer algum tipo de intervenção cirúrgica ou terapêutica Diferentemente da infecção hospitalar não é a clínica analítica que pode fazer proliferar um quadro infeccioso até então inexistente em um corpo se a doença a ser tratada em uma análise é segundo a orientação freudiana uma potência atual a clínica analítica apenas recolhe a atualização do que já se encontrava no corpo de quem a procura Daí a importância do que Freud concebeu como manejo da transferência Esse manejo se vale do fato de que a transferência cria uma zona intermediária entre a doença e a vida onde se dá a transição da primeira para 287 a segunda p 160 Tratase de um novo estado que assumiu todas as características da doença mas representa uma doença artificial a neurose de transferência na qual podemos intervir em todo lugar p 160 Mas consonante tanto com a periculosidade do método analítico quanto com a imiscuição do que é real na dimensão mesma do que artificial Freud também afirma que a neurose de transferência é um pedaço da vivência real permitindonos partir das reações de repetição que se mostram na transferência para percorrermos caminhos já conhecidos e que levam ao despertar das lembranças que se instalam quase que sem esforço após a superação das resistências p 160 Por conseguinte o analista não maneja a transferência como se ela lhe fosse um elemento estranho e assimilável a uma suposta natureza doentia ou adoecida de quem o procura para se analisar Tampouco cabelhe provocála como uma estratégia de sedução para as dificuldades a serem enfrentadas no tratamento ou para acolher melhor as dificuldades que levam alguém à experiência analítica A orientação freudiana é de que devemos como analistas corporificar a transferência que nos é endereçada porque se o controle dos fenômenos de transferência oferece as maiores dificuldades para o psicanalista não deixam de ser justamente elas que nos prestam o inestimável serviço de tornar manifestas e atuais as moções amorosas e esquecidas dos pacientes pois afinal ninguém pode ser abatido in absentia ou in effigie p 118 Em outros termos o corpo do analista vai se apresentar em sua presença na clínica como uma espécie de instrumento sem o qual o enfrentamento dos sintomas se faria ao léu sem qualquer fundamento no puro abismo ou no mero deslocamento infinito de um sintoma a outro Mas é igualmente importante levar em conta o fundo abissal que o corpo do analista apresenta na transferência que lhe é dirigida Por um lado em textos como Sobre a dinâmica da transferência 1912 e Lembrar repetir e perlaborar 1914 Freud almejou que ao emprestar seu corpo à transferência o analista permite abater o que não poderia ter esse fim in absentia ou in effigie p 118 assim como possibilita ao analisando aprofundarse na resistência que até então lhe era desconhecida para perlaborála superála na medida em que ele a ela resistindo continua o trabalho de acordo com a regra analítica fundamental da associação livre p 161 Por outro lado em um texto mais tardio como A análise finita e a 288 infinita 1937 o Freud que há quase duas décadas já formulara a pulsão de morte poderá então destacar a existência de fenômenos residuais relacionados à transferência em análises que já teriam chegado a seus respectivos fins assim como a perturbadora incidência do fator quantitativo determinante para o que uma análise pode comportar de infinito porque às vezes ela realmente conseguiria desligar a influência da intensificação da pulsão mas não com regularidade p 330 Desde os primórdios da psicanálise até os nossos dias mas também muito provavelmente no futuro para o qual procuramos destinála essa ausência de regularidade derivada da impossibilidade de se desligar o impacto da pulsão nos corpos é tomada como uma ineficiência da clínica analítica para tratar os sintomas que a ela se endereçam Entretanto essa ausência de regularidade quanto a tal desligamento ou mais ainda a impossibilidade de operálo designam efetivamente o que a vida tem de perturbador e de perigoso bem como o que a clínica analítica não pretende eludir de seus fundamentos e de seus procedimentos Na história da psicanálise essa problemática acerca dos fenômenos residuais de uma análise derivada inicialmente do que o próprio Freud pôde constatar na retomada do tratamento daquele que ficou conhecido como o Homem dos Lobos ou sob a forma de transferência negativa da própria análise de Ferenczilxii conhecerá um desdobramento importante a meu ver com Lacan Poderemos então considerar que uma análise não operaria exatamente um desligamento mas uma retificação do estado de satisfação da pulsãolxiii de modo que ao final e mesmo mais além da análise um analisante encontraria outro modo de viver a pulsãolxiv e a meta que esta sempre mantém de se satisfazer Tratase de uma perspectiva diferente daquela que consistiria em mesmo sem garantia de regularidade desligar a pulsão Nesse outro modo de viver a pulsão encontraríamos o quanto a satisfação pulsional comporta uma opacidade que insiste ao longo de toda uma análise e ganha com a análise algum contorno alguma localização mas insiste sem qualquer possibilidade de desligamento ou apagamento analisa se portanto para se haver com uma satisfação que se reitera sem se deixar negativizar porque ela é também mesmo perturbandoos o que confere vida aos corpos e implica uma parceria da qual não há propriamente como se 289 livrar ou afastarlxv A orientação freudiana mesmo quando muito pontualmente parece vacilar quanto à impossibilidade de se domar a satisfação pulsional que perturba os corpos sob a forma de sintomas não deixa de nos guiar hoje e sempre Sabemos por exemplo o quanto um primeiro Lacan preconizou e realizou um retorno a Freud e que ele próprio esclareceu que o sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freudlxvi Por sua vez se o último Lacan vai ressaltar o equívoco da palavra sentido na medida em que além de sua dimensão semântica ela designa também uma orientaçãolxvii pareceme possível afirmar que mesmo a vacilação pontual que podemos encontrar em Freud é um modo de ele assinalarnos sua aproximação do fundo abissal que sua clínica nos apresenta como ineludível para o exercício da psicanálise Como a clínica psicanalítica procede segundo Freud per via di levare tratase então de extrair inclusive desses momentos em que ele parece vacilar uma orientação que não é outra senão aquela designada bem mais tarde como orientação do reallxviii ou seja como o que endereça a clínica analítica rumo ao que é incurável e ingovernável na pulsação mesma da vida e que com as palavras ressoa nos corpos xlvi Valhome aqui especialmente do verbete Fundo fundamento e abismo em INWOOD M Dicionário Heidegger Tradução de Luísa Buarque de Hollanda Rio de Janeiro Zahar 2002 1999 p 7476 xlvii Em seu primoroso trabalho de coordenador de tradução destas Obras incompletas de Sigmund Freud Pedro Heliodoro Tavares tem oferecido vários parâmetros para que o leitor brasileiro ou de língua portuguesa possa comprovar o modo preciso como Freud opera e se deixa atravessar pelo alemão Nesse contexto além de reiterar o que já foi sustentado por outros tradutores brasileiros da obra freudiana e por um poetatradutor do quilate de Haroldo de Campos esse coordenador também tem depurado essa faceta de Freud como uma espécie de mestreartesão da língua alemã Para a referência a Haroldo de Campos recomendo CAMPOS H O afreudisíaco Lacan na galáxia de lalíngua Freud Lacan e a Escritura Correio Escola Brasileira de Psicanálise n 1819 p 136162 1998 1988 Destaco por fim que essa tensa proximidade entre fundamento e abismo não deixa de aparecer ainda que sem que o termo Abgrund abismo seja citado como tal na concepção freudiana do que é 290 um conceito fundamental para a ciência e para a Psicanálise ver especialmente os dois primeiros parágrafos de As pulsões e seus destinos Recomendo também a leitura de um excelente estudo sobre a metodologia sustentada por Freud na formulação dos conceitos que são fundamentais para a clínica analítica IANNINI G Epistemologia da pulsão fantasia ciência e mito In FREUD S As pulsões e seus destinos Tradução de Pedro Heliodoro Tavares Belo Horizonte Autêntica 2014 1915 p 91133 xlviii HEIDEGGER M Sobre a essência do fundamento In Conferências e escritos filosóficos Tradução introdução e notas de Ernildo Stein São Paulo Abril Cultural 1983 1929 p 99 Os Pensadores Nessa citação aparece o termo ente que Heidegger insistiu em diferenciar de ser não se trata neste Posfácio a textos freudianos de explicitar tal diferença nem o que é seraí Dasein embora esse termo também vá aparecer mais adiante Meu interesse aqui nessa passagem por Heidegger é apenas me servir de algumas de suas considerações sobre Grund fundamento e Abgrund abismo Para uma introdução mais detalhada a outros termos característicos da filosofia de Heidegger recomendo INWOOD Dicionário Heidegger xlix HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 99 l HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 99 li HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124 lii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124 liii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124125 liv HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lv HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lvi Nesta passagem utilizei uma tradução inglesa de a Sobre a essência do fundamento porque nessa versão para o inglês a referência ao abismo do fundamento é ainda mais explícita do que na tradução brasileira de Ernildo Stein Yet in its worldprojective surpassing of beings Dasein must surpass itself so as to be able to first of all understand itself as an abyss of ground from out of this elevation ver HEIDEGGER M On the essence of ground In Pathmarks Edited by William McNeill Cambridge Cambridge University Press 2007 1929 p 134 Na tradução brasileira dessa mesma passagem por Ernildo Stein temos o seraí deve na ultrapassagem do ente que projeta mundo ultrapassarse a si mesmo para apenas então poder compreenderse como abismo a partir de sua elevação ver HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lvii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lviii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lix HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lx A BÍBLIA de Jerusalém Ed rev São Paulo Paulinas 1989 p 33 lxi Segundo a nota de rodapé u de Gênesis 2 1 na Bíblia de Jerusalém ser vivente é a tradução de nefesh Assinalo que é justamente esse termo que em sua tradução do capítulo 1 do mesmo Gênesis realizada por Haroldo de Campos foi vertido como almadevida Além da beleza dessa versão foi sobretudo a junção dos termos alma e vida que me fizeram utilizá la aqui Ver CAMPOS H Bereshith a cena da origem e outros estudos da poética bíblica São Paulo Perspectiva 1993 lxii Ver nota editorial de A análise finita e a infinita neste volume p 362 Para essa passagem relacionada à transferência negativa ver p 322 lxiii LACAN J Le séminaire Livre XI les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse Paris Seuil 1973 1964 p 152 291 lxiv LACAN Le séminaire Livre XI les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse p 246 lxv Como já mostrava Freud em seu texto As pulsões e seus destinos não há como fugir do impulso pulsional porque ele é interno aos corpos não se impõe de fora ver FREUD As pulsões e seus destinos Para a formulação do que há de não negativizável na satisfação pulsional que se apresenta no próprio sintoma ver por exemplo MILLER JA Perspectivas dos Escritos e Outros escritos de Lacan Entre desejo e gozo Tradução de Vera Avellar Ribeiro Rio de Janeiro Zahar 2011 20082009 p 9226 lxvi LACAN J La chose freudienne ou Sens du retour à Freud en psychanalyse Paris Seuil 1966 1955 p 405 lxvii LACAN J O seminário livro 23 o sinthoma Tradução de Sérgio Laia Rio de Janeiro Zahar 2007 19751976 p 112 lxviii LACAN O seminário livro 23 o sinthoma p 115124 292 REFERÊNCIAS O aparato editorial do presente volume apoiouse nos principais aparatos críticos disponíveis em línguas estrangeiras nas biografias mais conhecidas e em alguns dicionários temáticos APARATOS CRÍTICOS ESTRANGEIROS LAPLANCHE J Ed Œuvres complètes de Freud Paris PUF 19882016 Notices notes et variantes de Alain Rauzy STRACHEY J Apparatus In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud Translated from the German under the General Editorship of James Strachey Londres 19561974 DICIONÁRIOS E CONGÊNERES ASSOUN PL Dictionnaire des œuvres psychanalytiques Paris PUF 2009 GRUBRICHSIMITIS I Zurück zu Freuds Texten Frankfurt am Main Fischer Verlag 1993 Edição brasileira De volta aos textos de Freud Trad Inês Lohbauer Rio de Janeiro Imago 1995 HANNS L A Dicionário comentado do alemão de Freud Rio de Janeiro Imago 1996 LAPLANCHE J PONTALIS JB Vocabulário de psicanálise Trad Pedro Tamen São Paulo Martins Fontes 1998 ROUDINESCO E PLON M Dicionário de psicanálise Trad Vera Ribeiro e Lucy Magalhães Rio de Janeiro Zahar 1998 TAVARES Pedro Heliodoro Versões de Freud breve panorama crítico das traduções de sua obra Rio de Janeiro 7Letras 2011 BIOGRAFIAS GAY P Freud uma vida para nosso tempo Trad Denise Bottmann São Paulo Companhia das Letras 1989 293 JONES E Vida e obra de Sigmund Freud Trad Júlio Castañon Guimarães Rio de Janeiro Imago 1998 3 v ROUDINESCO E Sigmund Freud en son temps et dans le nôtre Paris Seuil 2014 294 OBRAS INCOMPLETAS DE SIGMUND FREUD A célebre enciclopédia chinesa referida por Borges dividia os animais em a pertencentes ao imperador b embalsamados c domesticados d leitões e sereias f fabulosos g cães em liberdade h incluídos na presente classificação i que se agitam como loucos j inumeráveis k desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo l et cetera m que acabam de quebrar a bilha A coleção Obras Incompletas de Sigmund Freud é um convite para que o leitor estranhe as taxionomias sacramentadas pelas tradições de escolas e de editores classificações que incluem e excluem obras do cânone freudiano através do apaziguador adjetivo completas que dividem a obra em classes consagradas tais como publicações pré psicanalíticas artigos metapsicológicos escritos técnicos textos sociológicos casos clínicos outros trabalhos etc Como se um texto sobre a cultura ou sobre um artista não fosse também um documento clínico ou um escrito técnico não discutisse importantes questões metapsicológicas ou se trabalhos como Sobre a concepção das afasias por exemplo simplesmente jamais tivessem sido escritos A tradução e a edição da obra de Freud envolvem múltiplos aspectos e dificuldades Ao lado do rigor filológico e do cuidado estilístico ao menos em igual proporção deve figurar a precisão conceitual Embora Freud seja um escritor talentoso tendo sido agraciado com o prêmio Goethe entre outros motivos pela qualidade literária de sua prosa científica seus textos fundamentam uma prática a clínica psicanalítica É claro que os conceitos que emanam da Psicanálise também interessam em maior ou menor grau a áreas conexas como a crítica social a teoria literária a prática filosófica etc Nesse sentido uma tradução nunca é neutra ou anódina Isso porque existem dimensões não apenas linguísticas terminológicas semânticas estilísticas envolvidas na tradução mas também éticas políticas teóricas e sobretudo clínicas Assim escolhas terminológicas não são sem efeitos práticos Uma clínica calcada na teoria da pulsão não se pauta pelos mesmos princípios de 296 uma clínica dos instintos para tomar apenas o exemplo mais eloquente A tradução de Freud autor tão multifacetado deve ser encarada de forma complexa Sua tradução não envolve somente o conhecimento das duas línguas e de uma boa técnica de tradução Do texto de Freud se traduz também o substrato teórico que sustenta uma prática clínica amparada nas capacidades transformadoras da palavra A questão é que na estilística de Freud e nas suas opções de vocabulário via de regra forma e conteúdo confluem É fundamental portanto proceder à escuta do texto para que alguém possa desse autor se tornar intérprete Certamente há um clamor por parte de psicanalistas e estudiosos de Freud por uma edição brasileira que respeite a fluência e a criatividade do grande escritor sem se descuidar da atenção necessária ao já tão amadurecido debate acerca de um vocabulário brasileiro relativo à metapsicologia freudiana De fato o leitor acostumado a um estranho método de leitura que requer a substituição mental de alguns termos fundamentais como instinto por pulsão repressão por recalque ego por eu id por isso não raro perde o foco do que está em jogo no texto de Freud Se tradicionalmente as edições de Freud se dicotomizam entre as edições de estudo que afugentam o leitor não especializado e as edições de divulgação que desagradam o leitor especializado procurouse aqui evitar tais extremos Quanto à prosa ou ao estilo freudianos procurouse preservar ao máximo as construções das frases evitando ambientações desnecessárias mas levando em conta fundamentalmente as consideráveis diferenças sintáticas entre as línguas A presente tradução direta do alemão envolve uma equipe multidisciplinar de tradutores e consultores composta por eminentes profissionais oriundos de diversas áreas como a Psicanálise as Letras e a Filosofia O trabalho de tradução e a revisão técnica de todos os volumes é coordenado pelo psicanalista e germanista Pedro Heliodoro Tavares encarregado também de fixar as diretrizes terminológicas da coleção O projeto é guiado pelos princípios editoriais propostos pelo psicanalista e filósofo Gilson Iannini A coleção Obras Incompletas de Sigmund Freud não pretende apenas oferecer uma nova tradução direta do alemão e atenta ao uso dos conceitos pela comunidade psicanalítica brasileira Ela pretende ainda oferecer uma nova maneira de organizar e de tratar os textos 297 A coleção se divide em duas vertentes principais uma série de volumes organizados tematicamente ao lado de outra série dedicada a volumes monográficos Cada volume receberá um tratamento absolutamente singular que determinará se a edição será bilíngue ou não o volume de paratexto e notas conforme as exigências impostas a cada caso Uma ética pautada na clínica Gilson Iannini Editor e coordenador da coleção Pedro Heliodoro Tavares Coordenador da coleção e coordenador de tradução Conselho editorial Antônio Teixeira Claudia Berliner Christian Dunker Claire Gillie Daniel Kupermann Edson L A de Sousa Emiliano de Brito Rossi Ernani Chaves Glacy Gorski Guilherme Massara Jeferson Machado Pinto João Azenha Junior Kathrin Rosenfield Luís Carlos Menezes Maria Rita Salzano Moraes Marcus Coelen Marcus Vinícius Silva Nelson Coelho Junior Paulo César Ribeiro Romero Freitas Romildo do Rêgo Barros Sérgio Laia Tito Lívio C Romão Vladimir Safatle Walter Carlos Costa VOLUMES TEMÁTICOS I Psicanálise 298 O interesse pela Psicanálise 1913 História do movimento psicanalítico 1914 Psicanálise e Psiquiatria 1917 Uma dificuldade da Psicanálise 1917 A Psicanálise deve ser ensinada na universidade 1919 Psicanálise e Teoria da libido 19221923 Breve compêndio de Psicanálise 1924 As resistências à Psicanálise 1924 Autoapresentação 1924 PsicoAnálise 1926 Sobre uma visão de mundo 1933 II Fundamentos da clínica psicanalítica Publicado em 2017 Tradução de Claudia Dornbusch Tratamento psíquico tratamento anímico 1890 O método psicanalítico freudiano 1903 Sobre psicoterapia 1904 Sobre Psicanálise selvagem 1910 Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico 1912 Sobre a dinâmica da transferência 1912 Sobre o início do tratamento Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise I 1913 Recordar repetir e perlaborar Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II 1914 Observações sobre o amor transferencial Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III 1914 Sobre fausse reconnaissance déjà raconté no curso do trabalho psicanalítico 1914 Caminhos da terapia psicanalítica 1918 A questão da análise leiga 1926 Análise finita e infinita 1937 Construções em análise 1937 III Conceitos fundamentais da Psicanálise Cartas e rascunhos O mecanismo psíquico do esquecimento 1898 Lembranças encobridoras 1899 299 Formulações sobre dois princípios do acontecer psíquico 1911 Algumas considerações sobre o conceito de inconsciente na Psicanálise 1912 Para introduzir o narcisismo 1914 As pulsões e seus destinos 1915 O recalque 1915 O inconsciente 1915 A transferência 1917 Além do princípio de prazer 1920 O Eu e o Isso 1923 Nota sobre o bloco mágico 1925 A decomposição da personalidade psíquica 1933 IV Sonhos sintomas e atos falhos Sobre o sonho 1901 Manejo da interpretação dos sonhos 1911 Sonhos e folclore 1911 Um sonho como meio de comprovação 1913 Material de contos de fadas em sonhos 1913 Complementação metapsicológica à doutrina dos sonhos 1915 Uma relação entre um símbolo e um sintoma 1916 Os atos falhos 1916 O sentido do sintoma 1917 Os caminhos da formação de sintoma 1917 Observações sobre teoria e prática da interpretação de sonhos 1922 Algumas notas posteriores à totalidade da interpretação dos sonhos 1925 Inibição sintoma e angústia 1925 Revisão da doutrina dos sonhos 1933 As sutilezas de um ato falho 1935 Distúrbio de memória na Acrópole 1936 V Histórias clínicas Fragmento de uma análise de histeria Caso Dora 1905 Análise de fobia em um menino de cinco anos Caso Pequeno Hans 1909 Considerações sobre um caso de neurose obsessiva Caso Homem dos Ratos 1909 Considerações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado de forma autobiográfica Dementia Paranoides Caso Presidente Schreber 1911 300 História de uma neurose infantil Caso Homem dos Lobos 1914 VI Histeria obsessão e outras neuroses Cartas e rascunhos Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos 1893 Obsessões e fobias seu mecanismo psíquico e sua etiologia 1894 As neuropsicoses de defesa 1894 Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa 1896 A etiologia da histeria 1896 A hereditariedade e a etiologia das neuroses 1896 A sexualidade na etiologia das neuroses 1898 Minhas perspectivas sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses 1905 Atos obsessivos e práticas religiosas 1907 Fantasias histéricas e sua ligação com a bissexualidade 1908 Considerações gerais sobre o ataque histérico 1908 Caráter e erotismo anal 1908 O romance familiar dos neuróticos 1908 A disposição para a neurose obsessiva uma contribuição ao problema da escolha da neurose 1913 Paralelos mitológicos de uma representação obsessiva visualplástica 1916 Sobre transposições da pulsão especialmente no erotismo anal 1917 VII Neurose psicose perversão Publicado em 2016 Tradução de Maria Rita Salzano Moraes Cartas e rascunhos Sobre o sentido antitético das palavras primitivas 1910 Sobre tipos neuróticos de adoecimento 1912 Luto e melancolia 1915 Comunicação sobre um caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica 1915 Batese numa criança 1919 Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina 1920 Sobre alguns mecanismos neuróticos no ciúme na paranoia e na homossexualidade 1922 Uma neurose demoníaca no século XVII 1922 O declínio do complexo de Édipo 1924 A perda da realidade na neurose e na psicose 1924 Neurose e psicose 1924 301 O problema econômico do masoquismo 1924 A negação 1925 O fetichismo 1927 VIII Arte literatura e os artistas Publicado em 2015 Tradução de Ernani Chaves Personagens psicopáticos no palco 1905 O poeta e o fantasiar 1907 Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci 1910 O motivo da escolha dos três cofrinhos 1913 Moisés de Michelangelo 1914 Transitoriedade 1915 Alguns tipos de caráter no trabalho analítico 1916 Uma lembrança de infância em Poesia e verdade 1917 O humor 1927 Dostoiévski e o parricídio 1927 Prêmio Goethe 1930 IX Amor sexualidade e feminilidade Sobre o esclarecimento sexual das crianças 1907 Teorias sexuais infantis 1908 Contribuições para a psicologia do amor 1910 a Sobre um tipo especial de escolha objetal no homem b Sobre a degradação geral da vida amorosa c O tabu da virgindade Duas mentiras contadas por crianças 1913 A vida sexual dos seres humanos 1916 Desenvolvimento da libido e organização sexual 1916 Organização genital infantil 1923 Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos 1925 Sobre tipos libidinais 1931 Sobre a sexualidade feminina 1931 A feminilidade 1933 X Sociedade religião cultura Moral sexual civilizada e doença nervosa 1908 Considerações contemporâneas sobre guerra e morte 1915 Psicologia de massas e análise do Eu 1921 302 O futuro de uma ilusão 1927 Uma vivência religiosa 1927 O malestar na cultura 1930 Sobre a conquista do fogo 1931 Por que a guerra 1932 Comentário sobre o antissemitismo 1938 VOLUMES MONOGRÁFICOS As pulsões e seus destinos edição bilínguePublicado em 2013 Tradução de Pedro Heliodoro Tavares Sobre a concepção das afasias Publicado em 2013 Tradução de Emiliano de Brito Rossi Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados Publicado em 2014 Tradução de Pedro Heliodoro Tavares O estranho edição bilíngue Seguido de O homem da areia de ETA Hoffmann O delírio e os sonhos na Gradiva de Jensen Seguido de Gradiva de W Jensen Três ensaios sobre a teoria sexual Psicopatologia da vida cotidiana O chiste e sua relação com o inconsciente Estudos sobre histeria Cinco lições de Psicanálise Totem e tabu O homem Moisés e a religião monoteísta Gilson Iannini Psicanalista filósofo editor Professor do Departamento de Filosofia da UFOP Doutor em Filosofia USP e mestre em Psicanálise Université Paris 8 Autor de Estilo e verdade em Jacques Lacan Autêntica Pedro Heliodoro Tavares Psicanalista germanista tradutor Professor da Área de Alemão Língua Literatura e Tradução USP Doutor em Psicanálise e Psicopatologia 303 Université Paris VII Autor de Versões de Freud 7Letras 2011 e coorganizador de Tradução e Psicanálise 7Letras 2013 Claudia Dornbusch Tradutora professora livredocente aposentada da Área de Alemão USP Graduada em Letras PortuguêsAlemão UFF mestre e doutora em Letras Língua e Literatura Alemã pela USP onde atua no Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução TRADUSP e no Programa de Língua e Literatura Alemã Intérprete de conferências tradutora pública intérprete comercial Sérgio Laia Professor Titular IV do Curso de Psicologia e do Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade FUMEC Fundação Mineira de Educação e Cultura pesquisador apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico CNPq e pelo Programa de Pesquisa e Iniciação Científica ProPIC da Universidade FUMEC psicanalista autor de Os escritos fora de si Autêntica 304 Copyright 2016 Autêntica Editora Títulos originais Psychische Behandlung Seelenbehandlung Brief 242 an Fließ Die Freudsche psychoanalytische Methode Über Psychotherapie Über wilde Psychoanalyse Ratschläge für den Artzt bei der psychoanalytischen Behandlung Zur Dynamik der Übertragung Zur Einleitung der Behandlung Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse I Erinnern Wiederholen Durcharbeiten Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse II Bemerkungen über die Übertragungsliebe Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse III Über fausse reconnaissance déjà raconté während der psychoanalytischen Arbeit Wege der psychoanalytischen Therapie Die Frage der Laienanalyse Unterredungen mit einem Unparteiischen Die endliche und die unendliche Analyse Konstruktionen in der Analyse Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida seja por meios mecânicos eletrônicos ou em cópia reprográfica sem a autorização prévia da Editora EDITOR DA COLEÇÃO Gilson Iannini EDITORA RESPONSÁVEL Rejane Dias EDITORA ASSISTENTE Cecília Martins ORGANIZAÇÃO NOTAS E APARATO EDITORIAL Gilson Iannini Pedro Heliodoro Tavares REVISÃO TÉCNICA E DE TRADUÇÃO Pedro Heliodoro Tavares CONSULTORIA CIENTÍFICA E REVISÃO DO APARATO Daniel Kupermann Marcus Vinícius Silva REVISÃO Aline Sobreira PROJETO GRÁFICO E CAPA Diogo Droschi sobre imagem Sigmund Freuds Study Authenticated News DIAGRAMAÇÃO Guilherme Fagundes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Freud Sigmund 18561939 Fundamentos da clínica psicanalítica Sigmund Freud tradução Claudia Dornbusch 1 ed Belo Horizonte Autêntica Editora 2017 Obras incompletas de Sigmund Freud 6 Bibliografia ISBN 9788551301982 305 1 Freud Sigmund 18561939 2 Freud Sigmund 18561939 Psicologia 3 Psicanálise I Dornbusch Claudia II Título III Série 1702355 CDD150195 Índices para catálogo sistemático 1 Clínica psicanalítica Psicologia 150195 Belo Horizonte Rua Carlos Turner 420 Silveira 31140520 Belo Horizonte MG Tel 55 31 3465 4500 wwwgrupoautenticacombr Rio de Janeiro Rua Debret 23 sala 401 Centro 20030080 Rio de Janeiro RJ Tel 55 21 3179 1975 São Paulo Av Paulista 2073 Conjunto Nacional Horsa I 23º andar Conj 2301 Cerqueira César 01311940 São Paulo SP Tel 55 11 3034 4468 306 freud Neurose psicose perversão Freud Sigmund 9788582179864 368 páginas Compre agora e leia Este livro reúne em um único volume textos espalhados ao longo de mais de trinta anos de pesquisa clínica que lançaram os fundamentos das estruturas clínicas freudianas neurose psicose e perversão Os principais eixos da psicopatologia psicanalítica foram estabelecidos em um arco que se inicia no contexto da correspondência com Fließ no fim do século XIX até os célebres artigos sobre o masoquismo e o fetichismo redigidos no entreguerras Embora mais ou menos um século nos separe desses escritos eles continuam contemporâneos Freud não esteve apenas à frente de seu tempo mas também do nosso Por exemplo quando afirma que a Patologia não pôde fazer justiça ao problema da causa imediata da doença nas neuroses enquanto esteve preocupada apenas em decidir se essas afecções eram de natureza endógenaou exógena Talvez até hoje um certo discurso psicopatológico esteja aprisionado nessa pobre dicotomia entre fatores genéticos ou ambientais biológicos ou psíquicos A perspectiva freudiana é mais moderna e mais ousada a Psicanálise nos advertiu a abandonarmos a infecunda oposição entre fatores externos e internos entre destino e constituição e nos ensinou a encontrar a causação do adoecimento neurótico regularmente em uma determinada situação psíquica que pode se produzir por diversos caminhos Os textos aqui reunidos mostram ainda como Freud articulava a reflexão psicopatológica a um rico material clínico Este volume conta com um aparato editorial original que ajuda o leitor a transpor a distância que nos une e nos separa de Freud Compre agora e leia 308 DEBORAH LEVY Coisas que não quero saber Levy Deborah 9788582178539 128 páginas Compre agora e leia Deborah Levy sulafricana radicada em Londres é uma das vozes mais originais e transgressoras da literatura de língua inglesa Em Coisas que não quero saber ela tece uma resposta feminina ao conhecido ensaio de George Orwell Por que escrevo de 1946 Aqui ela reflete literariamente sobre as razões que a levaram a escrever tendo como pano de fundo a África do Sul onde cresceu e onde seu pai foi preso por lutar contra o apartheid o subúrbio londrino em que exilada passou a adolescência e Maiorca a ilha espanhola que é como um refúgio na maturidade Neste relato vívido e perspicaz sobre como despretensiosos detalhes da vida pessoal de uma autora podem ganhar força na ficção Levy sugere muito mais do que de fato diz De certa forma uma versão atualizada de Um teto todo seu de Virginia Woolf esta elegante autobiografia literária desvela a necessidade da mulher de dizer o que pensa de projetar sua voz e ocupar seu lugar no mundo Compre agora e leia 310 Coisas que não quero saber Uma resposta ao ensaio Por que escrevo de George Orwell Jogos para pensar Educação em Direitos Humanos e Formação para a Cidadania Maria Lúcia Miranda Afonso Fátia Lemos Abade Jogos para pensar Abade Flávia Lemos 9788582171479 96 páginas Compre agora e leia Uma Educação em Direitos Humanos tem se colocado como tarefa das mais relevantes para as instituições de ensino de todo o País a partir do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos que se desdobra nas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos aprovadas em 2012 Como enfrentar esse desafio sem encerrar em escaninhos algo que transcende as fronteiras disciplinares As autoras deste livro propõem que a Educação em Direitos Humanos EDH não seja um mero repasse de informações e buscam equilibrar a discussão sobre os direitos já conquistados com as questões que emergem nas novas reivindicações sociais Além de uma consistente revisão de literatura sobre a EDH a obra destaca a importância da dimensão lúdica para a vida em sociedade defendendo a capacidade de brincar como integrante das ações que o homem opera sobre si e seu mundo É a partir dessa perspectiva que Maria Lúcia Miranda Afonso e Flávia Lemos Abade tomam a responsabilidade de propor e discutir o uso de jogos pedagógicos na EDH e na formação para a cidadania Compre agora e leia 312 DORIS LESSING Sobre gatos Sobre gatos Lessing Doris 9788551302538 192 páginas Compre agora e leia Doris Lessing 19192013 Prêmio Nobel de Literatura em 2007 é uma das mais reconhecidas escritoras do planeta Seu caso de amor com gatos começou na infância na fazenda africana onde cresceu e sua fascinação pelos felinos só fez aumentar ao longo dos anos em que dividiu sua casa e sua vida com essas criaturas domesticadas Sobre gatos é uma deliciosa coletânea que reúne três narrativas inéditas no Brasil Gatos em particular Rufus o sobrevivente e A velhice de El Magnífico É um trabalho de raro afeto e delicada compaixão sem deixar de lado certa mordacidade bem ao estilo de sua escrita O que une por exemplo seres humanos e gatos Qual é a experiência desse relacionamento sob a ótica de uma escritora tão preocupada com a sociedade suas perspectivas sociais e políticas Os apaixonados por gatos vão encontrar nas páginas deste livro momentos de alegria e reflexão Compre agora e leia 314 ABRIR A HISTÓRIA NOVOS OLHARES SOBRE O SÉCULO XX FRANCÊS JeanFrançois Sirinelli Abrir a história Sirinelli JeanFrançois 9788582174340 128 páginas Compre agora e leia JeanFrançois Sirinelli é um dos nomes mais destacados da historiografia francesa atual sendo autor de livros importantes no campo da História do Tempo Presente Várias de suas publicações tornaramse obras de referência por abordarem temas fundamentais para a história do século XX como os intelectuais as direitas a cultura de massa e a ebulição políticocultural dos anos 1960 Suas pesquisas situamse no ou propõem um encontro entre o político e o cultural resultando em reflexões férteis e originais Além de contribuir para o conhecimento histórico propriamente dito os trabalhos do autor são inspiradores na busca de instrumentos teóricoconceituais adequados ao estudo dos fenômenos próximos do nosso tempo Neste belo livro escrito com elegância e clareza ele revisita alguns de seus temas prediletos que implicam questões importantes para os historiadores e demais interessados nesse campo as relações complexas entre história e memória o impacto das guerras a influência das culturas políticas a história cultural do político as mídias e a democracia os dilemas da história política ante a ampliação de escalas espaciais transcendendo as fronteiras nacionais e temporais Um dos pontos altos do livro é sua contribuição para o debate sobre os limites cronológicos da história do tempo presente em que Sirinelli usa a bem inspirada metáfora do pôlder Muitas são as razões para ler este livro Quem o fizer não se arrependerá Rodrigo Patto Sá Motta 316 Compre agora e leia
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ULBRA ILES
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FUNDAMENTOS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA FUNDAMENTOS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA OBRAS INCOMPLETAS DE SIGMUND FREUD APRESENTAÇÃO Gilson Iannini Pedro Heliodoro Tavares Quais os fundamentos da clínica psicanalítica O que separa a Psicanálise de outras práticas de cuidado como o tratamento medicinal as diversas psicoterapias ou as curas religiosas A resposta mais direta a essas questões não se esgota em aspectos teóricos ao contrário remetenos ao domínio da prática analítica relativo ao método e à técnica assim como à dimensão ética que dali se depreende Os textos aqui reunidos constituem o essencial dos escritos freudianos sobre o método e a técnica em sua constituição em sua história e em seus desdobramentos Nos quase 50 anos de reflexão sobre a clínica que este volume recobre Freud abordou temáticas que vão desde a associação livre e a atenção equiflutuante a transferência e a repetição até a formação do analista o início e o final de uma análise passando ainda pela interpretação e pelas construções entre tantas outras Contudo descontada a notável série de artigos técnicos escritos logo antes da deflagração da Primeira Grande Guerra entre 1911 e 1914 mais tarde reunida pelo próprio autor em uma coletânea intitulada Sobre a técnica da psicanálise Freud não dedicou nenhuma monografia ou trabalho de maior extensão exclusivamente à exposição sistemática do conjunto da técnica psicanalítica embora tenha anunciado em mais de uma ocasião a pretensão de fazêlo Com efeito uma arqueologia completa da técnica freudiana exigiria a reconstrução das diversas amostras de trabalho espalhadas ao longo principalmente dos casos clínicos que funcionam como lições de técnica analítica mas também das análises de sonhos e de outros fenômenos psíquicos Isso porque questões de ordem técnica dificilmente podem ser separadas do material ao qual estão relacionadas Não obstante ao longo de sua extensa obra alguns artigos em geral não muito extensos foram dedicados direta ou indiretamente a questões de natureza técnica É esse conjunto de textos que o leitor tem em mãos Talvez possa parecer estranho que Freud tenha dedicado um número relativamente 5 pequeno de artigos à apresentação de sua técnica Curioso já que ele próprio afirma que as maiores dificuldades no aprendizado da Psicanálise são sobretudo de ordem técnica e não teórica Aparentemente o autor percebia não apenas a dificuldade do manejo da técnica analítica mas também o quanto era especialmente difícil escrever sobre a técnica Com efeito os riscos não eram poucos Ao perguntar a Freud quando o anunciado trabalho sobre o método ficaria pronto Ernest Jones emenda prontamente deve haver muita gente esperando avidamente tanto amigos como inimigos GAY 1989 p 276 Essa dificuldade se dá a ver por exemplo no estilo menos assertivo do que aquele dos textos teóricos De fato nem sempre é possível reconhecer o escritor brilhante cujo talento literário se destaca sobretudo em ensaios clínicos ou dedicados à cultura às artes ou mesmo à mais pura especulação metapsicológica Não obstante o arguto pesquisador e o clínico sensível são facilmente detectáveis nesse conjunto de textos Outra coisa que salta imediatamente aos olhos do leitor contemporâneo é como questões de natureza técnica frequentemente se desdobram em reflexões de cunho ético Em um ou outro momento é possível detectar ainda importantes desdobramentos políticos Também é digno de nota que naquilo que se convencionou chamar de segunda tópica ou seja nas décadas de 1920 e 1930 à exceção talvez do artigo sobre as construções em análise Freud não publicou nenhum artigo estritamente técnico pelo menos não no mesmo sentido por exemplo daqueles publicados antes da Primeira Guerra que continham recomendações mais explícitas Contudo alguns ensaios publicados no entreguerras contêm importantes diretrizes acerca de temas que se mostraram essenciais na história da Psicanálise Temas como a formação do analista e o final de uma análise constituem eixos clínicos fundamentais de A questão da análise leiga e de A análise finita e a infinita respectivamente Freud evitou a todo custo hipostasiar regras e procedimentos numa espécie de manual de protocolos ou de prescrições codificados para o analista o que certamente poria a perder o essencial da prática analítica que é a abertura à escuta da singularidade Por essa razão reunimos os artigos técnicos sob a égide de fundamentos da clínica Nesse sentido quem acorre aos textos ditos técnicos procurando por regulamentos ou instruções corre o risco de se frustrar ao depreender dali a talvez única regra fundamental a da 6 livre associação Obrigação falar livremente tudo que ocorre alles was einfällt Freud emprega o verbo einfallen derivado de fallen cair para se referir àquilo que vem à tona que não mais é retido quando o analisante se entrega à associação livre Os resultados dessas associações são as Einfälle aquilo que ocorre numa palavra as ocorrências Contrapartida da única regra a atenção equiflutuante por parte do analista afora essa regra única tudo parece ter um estatuto menos inflexível Mesmo as recomendações não constituem protocolos rígidos a serem cegamente aplicados mas expressam princípios ou fundamentos gerais que regem uma prática O que também evidencia o quanto de arte no sentido antigo do termo mais ligado a uma atividade produtiva fundada em um saber singular do que no registro moderno relativo ao regime estético da obra de arte reside na experiência analítica e o quanto o aprendizado sobre o fazer clínico não pode ser limitado à leitura de textos mas sim essencialmente transmitido pela experiência do encontro com o analista no divã ou fora dele No final do século XIX as histéricas eram percebidas no quadro geral do grande teatro histérico e seus sintomas eram vistos como dissimulação Até hoje aliás não é incomum que pacientes saiam de consultas nos serviços de saúde depois de ouvirem enunciados do tipo Isso não é nada É apenas psicológico ou É de fundo emocional A gramática de enunciados desse tipo não esconde uma oposição muitas vezes subterrânea entre de um lado a dignidade do sintoma orgânico reconhecível e de outro a suposta inverdade do sofrimento psíquico É nesse cenário que o gesto freudiano de reconhecer a verdade do sofrimento psíquico funda a Psicanálise Embora Freud como médico tenha empregado diversos recursos terapêuticos disponíveis à época como a eletroterapia a hidroterapia entre outros a clínica da histeria é a primeira a mostrar a falência de métodos consagrados na neuropatologia da época Nesse contexto experimenta métodos que envolviam a hipnose a sugestão ou a catarse dos quais o método propriamente psicanalítico aos poucos desprendeuse Os caminhos que culminaram no estabelecimento da especificidade de sua disciplina fundada exclusivamente na palavra foram tortuosos Bastante precocemente contudo em 1890 afirma palavras também são a ferramenta essencial do tratamento anímico O leigo 7 achará difícil entender que distúrbios patológicos do corpo e da alma possam ser eliminados por meras palavras do médico Ele achará que se lhe imputa acreditar em magia E ele não está de todo enganado as palavras de nossos discursos cotidianos nada mais são do que magia empalidecida Mas será necessário trilhar mais um desvio para tornar compreensível como a ciência consegue devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico neste volume p 19 Como por que meios um tratamento fundado exclusivamente na palavra pode ter efeitos em sintomas que atingem o corpo e o psiquismo Que ferramentas o analista dispõe para sua ação terapêutica O que ocorre de fato num tratamento analítico Quais os fins de uma análise Quais as especificidades do tratamento analítico Numa célebre carta endereçada ao pastor Oskar Pfister em 25 de novembro de 1928 Freud aponta para o que secretamente aproximaria dois importantes textos seus A questão da análise leiga e O futuro de uma ilusão Afirma que com o primeiro quis defender a Psicanálise dos médicos e com o segundo dos sacerdotes Por que afinal de contas proteger a Psicanálise dos médicos e dos sacerdotes Para responder a essa questão vale lembrar que estamos acostumados pelo menos no Ocidente e sobretudo desde René Descartes a dividir tais cuidados reservandoos aos médicos quando se trata de um sofrimento relacionado ao corpo ou aos sacerdotes quando se trata daquilo que foge ao material ao anatômico ou ao fisiológico ou seja quando aquilo que sofre é a alma Acostumamonos a tomar por óbvia uma dicotomia que quando examinada com atenção em comparação com outras culturas parece ser uma curiosa peculiaridade do Ocidente eurocêntrico Outras sociedades não diferenciariam tão nitidamente os papéis médico e sacerdotal que se mesclam por exemplo em figuras como um pajé um druida ou um xamã A Psicanálise surge portanto nos interstícios rejeitados pelas arbitrárias divisões que a antecedem Não por acaso em 1914 no artigo que abre a série dedicada à sua Metapsicologia Freud define o primeiro conceito fundamental da Psicanálise a pulsão Trieb como um conceito fronteiriço Grenzbegriff entre o anímico e o somático1i Ou seja a vida pulsional do ser humano embaralha a distinção entre corpo e alma tão naturalizada em nossa cultura O lugar do analista não é pois equivalente nem ao lugar outrora reservado ao médico nem ao do sacerdote Não por acaso na carta a 8 Pfister mencionada acima Freud afirma pretender entregar a análise a uma categoria que não existe ainda e que ele designa com o termo weltlicher Seelsorger algo como o cuidador de alma secular ou mundano Como lembra James Strachey o leitor notará a presença maciça do termo médico Arzt para designar o analista principalmente nos textos anteriores ao ensaio sobre A questão da análise leiga de 1926 assim como notará sua significativa ausência nessa acepção nos textos posteriores a essa data quando o termo será substituído por analista Analytiker O fenômeno da histeria vale insistir punha em xeque outrora os pressupostos tanto da medicina quanto da religião Queimadas como bruxas ou como possuídas nas fogueiras da inquisição medieval as histéricas são à época de Freud reputadas como farsantes sedutoras pelos médicos que não encontravam em sua lógica anátomopatológica um lugar para aquele tipo de sofrimento No corpo histérico aparece como paralisia cegueira tosses espasmos etc o que tinha origem no psíquico e curiosamente métodos que usavam de influência psíquica hipnose magnetismo catarse etc de uma maneira ou de outra pareciam ter maior efeito sobre tais corpos do que os métodos da neurologia ou da psiquiatria O fenômeno da conversão de um sofrimento psíquico em sintoma físico aponta para algo fora do lugar Para tratar desse material fronteiriço disso que se acomoda como refugiados indigentes numa terra de ninguém Freud o judeu sem Deus descendente de gerações de sobreviventes migrantes e perseguidos teve de fazer sua teoria e sua prática atravessarem fronteiras cruzarem limites nosográficos epistemológicos e clínicos INÉDITOS O presente volume inclui ainda alguns materiais inéditos em outras edições de Freud em português Primeiramente a carta 242 que contém uma importante indicação acerca do caráter aparentemente sem fim de uma análise Essa rápida menção mostra como algumas questões atravessam o pensamento de Freud de ponta a ponta mesmo quando submergem e não aparecem na superfície do texto durante longos períodos Além disso foram restituídos alguns trechos inéditos do escrito A questão da análise leiga São eles três páginas do Posfácio de 1927 excluídas devido a sua contundência com relação à atitude dos norte 9 americanos a respeito da questão da análise leiga neste volume p 300 3042ii o PostScriptum de 1935 neste volume p 305306 e algumas notas de rodapé preparadas também em 1935 para uma reedição da obra que não chegou a vir à luz assinaladas como nota de 1935 Em uma dessas notas Freud critica a tradução em língua inglesa das instâncias psíquicas Tornouse usual na literatura psicanalítica de língua inglesa substituir os pronomes ingleses I Eu e It Isso pelos pronomes latinos Ego e Id Em alemão dizemos Ich Eu Es Isso e Überich SuperEu neste volume p 254 O material inédito do presente volume foi descoberto graças ao trabalho pioneiro de Ilse GrubrichSimitis na década 1990 e não faz parte nem da edição alemã da Gesammelte Werke ver nota editorial neste volume p 309310 NOTÍCIA Os textos deste volume foram traduzidos em sua quase totalidade por Claudia Sibylle Dornbusch As únicas exceções são as seguintes a Carta 242 e Sobre fausse reconnaissance traduzidos por Maria Rita Salzano Moraes Os trechos inéditos que foram restituídos ao ensaio A questão da análise leiga foram traduzidos por Pedro Heliodoro Tavares Este volume conta com um aparato crítico original inexistente em outras edições Esse aparato contém não apenas notas da tradutora NT mas também notas do revisor NR elaboradas pelo coordenador da tradução e algumas notas do editor NE Ao fim de cada texto de Freud o editor incluiu ainda uma notícia bibliográfica ou nota editorial não numerada que pretende reconstituir sumariamente a gênese e o contexto discursivo de cada ensaio assim como apontar sempre que possível as principais linhas de força do texto e referir uma ou outra notícia acerca de sua recepção ou repercussão na história da Psicanálise Ao leitor familiarizado com o pensamento de Freud e com a história da recepção de seus trabalhos a leitura desse material é dispensável AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer especialmente a Ernani Chaves por suas contribuições acerca da tradução do artigo Erinnern Wiederholen und 10 Durcharbeiten O aparato editorial deste volume foi revisado por Daniel Kupermann e Marcus Vinícius Silva a quem agradecemos a disponibilidade e as valiosas sugestões A Sérgio Laia agradecemos pelo posfácio e pela calorosa recepção da coleção Dividir a responsabilidade de um trabalho dessa monta é imprescindível i1 As pulsões e seus destinos Publicado nesta coleção em 2013 em edição bilíngue e comentada ii2 Uma tradução dessas três páginas foi publicada por Eduardo Vidal na revista da Escola Letra Freudiana ano XXII n 32 2003 com uma concisa mas elucidativa apresentação 11 Fundamentos da clínica psicanalítica TRATAMENTO PSÍQUICO TRATAMENTO ANÍMICO 1890 Psique é uma palavra grega que em tradução alemã significa alma Seele1 Portanto tratamento psíquico seria tratamento anímico Seelenbehandlung Poderíamos pensar então que se entende por isto tratamento dos fenômenos patológicos da vida anímica Mas não é esse o significado dessa palavra Tratamento psíquico quer dizer antes tratamento que parte da alma tratamento de distúrbios anímicos ou físicos com meios que inicial e diretamente terão efeito sobre o anímico da pessoa Um desses meios é em primeira linha a palavra e palavras também são a ferramenta essencial do tratamento anímico O leigo achará difícil entender que distúrbios patológicos do corpo e da alma possam ser eliminados por meras palavras do médico Ele achará que se lhe imputa acreditar em magia E ele não está de todo enganado as palavras de nossos discursos cotidianos nada mais são do que magia empalidecida Mas será necessário trilhar mais um desvio para tornar compreensível como a ciência consegue devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico Mesmo os médicos cientificamente treinados aprenderam a reconhecer o valor do tratamento anímico só em tempos recentes Isso se explica facilmente se considerarmos a evolução da Medicina no último meio século Depois de um período bastante infrutífero de dependência da chamada Filosofia da Natureza a Medicina sob a feliz influência das Ciências Naturais produziu os maiores avanços tanto como ciência quanto como arte desbravou a estrutura do organismo a partir das unidades microscópicas células aprendeu a entender física e quimicamente cada uma das ações vitais funções diferenciou as transformações visíveis e palpáveis das partes do corpo que são consequências dos diferentes processos patológicos e por outro lado também encontrou os sinais que evidenciam processos patológicos profundos em seres ainda vivos ademais descobriu um grande número de 13 vívidos focos de doenças além de reduzir extraordinariamente os perigos de grandes intervenções cirúrgicas com o auxílio das novas descobertas Todos esses progressos e descobertas se referiam à parte física do homem o que fez com que devido a uma tendência de juízo errônea mas facilmente compreensível os médicos limitassem o seu interesse ao físico deixando com prazer o anímico para os filósofos por eles tão desprezados É verdade que a Medicina moderna teria razões suficientes para estudar a relação inegável entre o físico e o anímico mas por outro lado ela nunca deixou de representar o anímico como determinado pelo físico e dele dependente Assim destacavase que as produções anímicas estavam associadas à presença de um cérebro de desenvolvimento normal e suficientemente alimentado e que a cada adoecimento desse órgão essas produções anímicas sofreriam distúrbios que a introdução de substâncias nocivas na circulação permite o surgimento de certos estados de doença mental ou em escala menor que os sonhos daquele que dorme são modificados de acordo com os estímulos que para fins de experimento lhe são dados A relação entre o corporal e o anímico tanto no animal quanto no humano é de efeito interativo Wechselwirkung mas o outro lado dessa relação o efeito do anímico sobre o corpo em tempos mais antigos era tratado de forma impiedosa pelos médicos Eles pareciam ter medo de advogar para a vida anímica uma certa autonomia como se com isso eles abandonassem o solo da cientificidade Essa direção unilateral da Medicina voltada para o corporal na última década e meia experimentou gradativamente uma mudança que derivou diretamente da atividade médica É que há uma grande quantidade de doentes de menor ou maior gravidade que com seus distúrbios e queixas colocam muitos desafios para a arte dos médicos mas nos quais não são encontrados sinais visíveis e palpáveis do processo da doença nem em vida nem após a morte apesar de todos os progressos nos métodos de exame da Medicina científica Um grupo desses doentes chama a atenção pela riqueza e variedade do quadro clínico eles não conseguem trabalhar intelectualmente devido à dor de cabeça ou à falta de atenção seus olhos doem quando estão lendo as pernas se cansam ao andar com uma dor seca ou então sensação de dormência a digestão fica prejudicada por sensações embaraçosas arrotos ou cãibras estomacais a evacuação não se dá sem auxílio o sono é 14 interrompido etc Eles podem ter todas essas formas de sofrimento ao mesmo tempo em sequência ou apenas uma seleção delas em todos os casos parece evidente tratarse da mesma doença Nesse contexto os sinais da doença muitas vezes são mutáveis eles se alternam e se substituem mutuamente o mesmo doente que até então era incapaz de trabalhar por causa da dor de cabeça mas que tinha uma digestão razoavelmente boa no dia seguinte fica feliz com a cabeça leve mas a partir daí não tolera a maioria dos alimentos Os incômodos também o abandonam repentinamente quando há uma transformação incisiva na sua vida em uma viagem ele poderá se sentir bastante bem e aproveitar as comidas variadas sem qualquer prejuízo mas quando volta para casa talvez tenha de voltar a se limitar ao consumo de leite coalhado Em alguns desses doentes o transtorno uma dor ou uma fraqueza semelhante a uma paralisia pode mudar de repente o lado afetado do corpo passando da direita para a região do corpo correspondente à esquerda Mas em todos podemos observar que os sinais de sofrimento estão muito claramente sob a influência de excitações oscilações de ânimo preocupações etc bem como que eles podem desaparecer e dar lugar à saúde plena sem deixar rastros mesmo após uma longa duração A pesquisa médica por fim chegou à conclusão de que essas pessoas não devem ser vistas e tratadas como doentes dos olhos ou do estômago e assemelhados mas que no caso delas deve se tratar de uma afecção de todo o sistema nervoso O exame do cérebro e dos nervos desses doentes porém não permitiu encontrar até agora qualquer alteração palpável e alguns traços do quadro clínico até tornam proibitiva a expectativa de que tais alterações que poderiam esclarecer a doença possam ser comprovadas com meios mais refinados de exame Chamaramse esses estados de nervosismo Nervosität neurastenia histeria sendo eles caracterizados como meras afecções funcionais do sistema nervoso Aliás também em muitas afecções nervosas mais constantes e naquelas que só apresentam sinais de doenças anímicas as chamadas ideias obsessivas ideias delirantes loucura o exame detalhado do cérebro após a morte do doente não trouxe resultados Coube aos médicos a tarefa de examinar a natureza e a origem das manifestações da doença nesses doentes de nervos Nervösen ou neuróticos Nesse contexto então descobriuse que pelo menos em uma parte desses doentes os sinais do sofrimento se originavam nada mais nada menos que de uma influência modificada de sua vida anímica sobre o seu corpo ou seja 15 que a origem mais próxima do distúrbio deve ser procurada no anímico Saber quais as origens remotas do distúrbio que afetou o anímico que agora por sua vez influencia o físico por meio de um distúrbio é outra questão e pode convenientemente ser deixada de lado neste momento Mas a ciência médica tinha encontrado aqui a conexão que faltava para dedicar sua atenção plena ao lado até então desprezado na relação recíproca entre corpo e alma Somente quando se estuda o patológico é que se entende o normal Muito já se sabia da influência do anímico sobre o corpo que só agora era iluminado da forma correta O exemplo de influência anímica sobre o corpo mais cotidiano regular e observável em todos é oferecido pela chamada expressão das oscilações de ânimo Ausdruck der Gemütsbewegungen Quase todos os estados anímicos de uma pessoa se manifestam nas tensões e nos relaxamentos de seus músculos faciais na focalização de seus olhos na vascularização da pele no uso de seu aparelho fonador e na postura de seus membros principalmente das mãos Essas mudanças físicas adjacentes geralmente não trazem ao afetado nenhum benefício muito pelo contrário elas muitas vezes atrapalham as suas intenções quando ele quer esconder seus processos anímicos dos outros mas para os outros elas servem de sinais confiáveis que permitem deduzir os processos anímicos e nos quais se confia mais do que nas manifestações quase simultâneas e intencionais em forma de palavras Se submetermos uma pessoa a um exame mais detalhado durante certas atividades anímicas encontraremos outras consequências físicas destas nas alterações de sua atividade cardíaca na mudança da distribuição sanguínea no corpo e assemelhados Em determinados estados anímicos que chamamos de afetos a participação do corpo é tão evidente e tão grandiosa que alguns pesquisadores da alma chegaram a acreditar que a essência dos afetos consistiria apenas nessas suas manifestações físicas É de conhecimento geral que alterações extraordinárias acontecem na expressão facial na circulação sanguínea nas secreções nos estados de excitação dos músculos voluntários por exemplo por influência do temor da ira da dor da alma des Seelenschmerzes do prazer sexual Menos conhecidos mas certamente garantidos são outros efeitos físicos dos afetos que já não pertencem mais à expressão destes Estados de afeto contínuos de natureza embaraçosa ou como se costuma dizer depressiva como tristeza Kummer preocupação e luto reduzem a alimentação do corpo como um todo fazem com que os cabelos percam o 16 brilho a gordura desapareça e as paredes dos vasos sanguíneos se modifiquem de forma doentia Por outro lado sob a influência de excitações alegres de felicidade vemos o corpo todo florescer e a pessoa recuperar algumas marcas da juventude Aparentemente os grandes afetos têm muito a ver com a capacidade de resistência contra doenças e contaminações um bom exemplo é quando observadores médicos relatam que é muito mais forte a tendência a doenças de campanha e disenteria em membros do exército derrotado do que entre os vencedores Os afetos e quase exclusivamente os de cunho depressivo muitas vezes acabam por se tornar eles mesmos ocasionadores de doenças tanto para doenças do sistema nervoso com alterações anatomicamente comprováveis quanto para doenças de outros órgãos e devemos supor que a pessoa afetada já tinha uma predisposição para essa doença até então não manifestada Estados patológicos já consolidados podem ser influenciados intensamente por afetos intempestivos geralmente no sentido de uma piora mas também há exemplos suficientes de que um grande susto ou uma tristeza repentina influenciou de forma curativa ou mesmo suspendeu um estado patológico bemfundamentado através de uma reconfiguração curiosa da disposição do organismo E por fim não resta dúvida de que o tempo de vida pode ser abreviado consideravelmente por afetos depressivos assim como um susto intenso uma ofensa Kränkung ou uma vergonha candente podem pôr um fim repentino à vida curiosamente este último efeito por vezes também é observado como consequência de uma grande alegria inesperada Os afetos em sentido estrito se caracterizam por uma relação muito especial com os processos corporais mas a rigor todos os estados anímicos mesmo aqueles que estamos acostumados a considerar como processos de pensamento são afetivos em certa medida e nenhum deles prescinde das manifestações corporais e da capacidade de transformar processos corporais Mesmo na calma do pensamento através de representações são desviadas constantemente excitações para os músculos lisos e estriados de acordo com o conteúdo dessas representações que por meio de reforço adequado podem se tornar evidentes fornecendo explicações para algumas manifestações curiosas e supostamente sobrenaturais Assim por exemplo explicase a chamada adivinhação dos pensamentos através dos pequenos e involuntários movimentos musculares que o sujeito mediador Medium 17 executa quando se fazem experiências com ele por exemplo deixandose conduzir por ele para encontrar um objeto escondido Todo esse fenômeno mereceria na verdade ser chamado de traição dos pensamentos Gedankenverrat2 Os processos da vontade e da atenção também são capazes de influenciar profundamente os processos do corpo tendo um papel importante nas doenças físicas como fomentadores ou inibidores Um grande médico inglês relatou sobre si próprio que consegue produzir sensações e dores diversas em cada parte do corpo à qual ele quer dedicar sua atenção e a maioria das pessoas parece se comportar de modo semelhante Na avaliação de dores que normalmente se associam a fenômenos corporais devese considerar sua evidente dependência de condições anímicas Os leigos que gostam de resumir tais influências anímicas sob o nome de imaginação Einbildung costumam ter pouco respeito diante de dores causadas pela imaginação ao contrário daquelas causadas por ferimento doença ou inflamação Mas se trata de uma evidente injustiça seja qual for a origem das dores até mesmo a imaginação as dores nem por isso são menos reais ou menos intensas Assim como dores são produzidas ou intensificadas através do empenho de atenção elas também desaparecem com o afastamento da atenção Podese usar essa experiência em toda criança para acalmála o guerreiro adulto não sente a dor da ferida no afã febril da batalha o mártir muito provavelmente se tornará insensível à dor de seu sofrimento no calor excessivo de seu sentimento religioso dirigindo todos os seus pensamentos à recompensa celestial que lhe acena A influência da vontade sobre processos patológicos do corpo é mais difícil de ser comprovada através de exemplos mas é bem possível que a predisposição a ficar saudável ou a vontade de morrer não deixem de ser importantes mesmo para o resultado Ausgang de casos de doenças graves e geradoras de dúvidas O que mais se volta ao nosso interesse é o estado anímico da expectativa através da qual se pode ativar uma série das mais eficazes forças anímicas para o adoecimento e para a cura de doenças físicas A expectativa temerosa ängstlich certamente não é algo indiferente para o sucesso seria importante saber ao certo se ela produz o tanto pelo adoecimento que se atribui a ela e se é verdade por exemplo que durante a vigência de uma epidemia os mais vulneráveis são aqueles que têm medo de adoecer O estado contrário a 18 expectativa crédula e esperançosa é uma força efetiva com a qual a rigor devemos contar em todas as nossas tentativas de tratamento e de cura Do contrário não conseguiríamos explicar as peculiaridades dos efeitos que observamos nos medicamentos e nas intervenções curativas Mas a expectativa crédula fica mais concreta nas chamadas curas milagrosas que ainda hoje acontecem diante de nossos olhos sem a participação da arte médica As verdadeiras curas milagrosas acontecem com crentes sob a influência de eventos adequados para a intensificação dos sentimentos religiosos ou seja em locais onde se idolatra uma imagem misericordiosa e operadora de milagres onde uma pessoa sagrada ou divina se apresentou aos seus filhos humanos Menschenkindern tendolhes prometido a diminuição do sofrimento em troca de devoção ou onde são guardadas as relíquias de um santo como tesouro Parece que não é fácil apenas para a fé religiosa sozinha afastar a doença pelo caminho da expectativa pois nas curas milagrosas geralmente ainda há outros eventos em jogo Os tempos em que se busca a graça divina precisam se caracterizar por relações especiais o sofrimento físico que o doente se autoimputa as dificuldades e os sacrifícios da viagem de peregrinação precisam dignificálo de modo especial para essa graça Seria confortável mas muito incorreto se simplesmente negássemos a fé a essas curas milagrosas e quiséssemos esclarecer os relatos a respeito através da junção de enganação religiosa e observação imperfeita Por mais que muitas vezes essa tentativa de explicação possa estar certa ela não tem o poder de eliminar o fato das curas milagrosas em si Elas realmente existem aconteceram em todas as épocas e não atingem apenas doenças de origem anímica que então são motivadas por imaginação e sobre as quais justamente as circunstâncias da peregrinação poderiam ter um efeito mais forte mas também estados patológicos orgânicos que anteriormente resistiram a todos os esforços médicos Mas há a necessidade aqui de invocar outros poderes que não os anímicos para esclarecer as curas milagrosas Efeitos que para o nosso conhecimento podem ser tidos como incompreensíveis também não aparecem nessas circunstâncias Tudo transcorre de forma natural o poder mesmo da fé religiosa experimenta aqui uma intensificação por várias forças motrizes humanas A fé religiosa do indivíduo é intensificada pela empolgação da massa de pessoas em cujo entorno ele costuma se aproximar do local sagrado Através desse efeito de massa todas as moções anímicas de cada pessoa 19 podem ser intensificadas de forma imensurável Onde o indivíduo busca a cura no local da graça é o chamado a visão do lugar que substitui a influência da massa de pessoas é onde novamente apenas o poder da massa faz efeito Essa influência ainda se mostra de outra forma Como se sabe que a graça divina se volta sempre apenas a alguns poucos entre os muitos que a almejam todos querem estar entre esses destacados e eleitos a ambição adormecida em cada uma dessas pessoas vem em auxílio da fé religiosa Onde há o feito conjunto de muitas forças poderosas não é de surpreender se ocasionalmente o objetivo for realmente atingido Mesmo os incrédulos da religião não precisam abdicar de curas milagrosas A fama e o efeito de massa substituem completamente a fé religiosa A toda hora há tratamentos da moda e médicos da moda que dominam principalmente a sociedade elegante onde a ambição de se antecipar ao outro e fazer igual aos mais elegantes representa as mais poderosas forças motrizes anímicas Esses tratamentos da moda desenvolvem efeitos de cura que não pertencem à sua área de atuação e os mesmos meios conseguem resultados muito melhores nas mãos do médico da moda que se tornou famoso por ter ajudado a uma personalidade de destaque do que nas de outros médicos Assim há milagreiros humanos e milagreiros divinos salvo que estes últimos elevados à fama pelo benefício da moda e pela imitação gastamse muito rápido como é próprio à natureza das forças que agem através deles A compreensível insatisfação com a ajuda médica muitas vezes insuficiente talvez também a revolta contra a obsessão pelo pensamento científico que reflete para o homem a implacabilidade da natureza hoje e em todos os tempos criaram de novo uma condição curiosa para o poder de cura de pessoas e meios A expectativa crédula apenas irá se estabelecer quando o ajudante não for um médico e puder se arvorar em nada entender da fundamentação científica para a arte da cura quando o meio não for comprovado por um exame minucioso mas por exemplo recomendado por uma preferência popular Disso advém a quantidade excessiva de artes de cura natural e de artistas da cura natural que agora novamente atacam os médicos e o exercício de seu ofício e dos quais podemos dizer com pelo menos alguma certeza que prejudicam mais do que ajudam àqueles em busca de cura Se temos motivos aqui para criticarmos a expectativa crédula do doente não podemos porém ser ingratos a ponto de esquecermos que o 20 mesmo poder também apoia continuamente os nossos próprios esforços médicos Provavelmente o efeito de todo remédio que o médico prescreve de toda intervenção que ele faz se compõe de duas partes Uma delas às vezes maior às vezes menor mas nunca totalmente desprezível é representada pelo comportamento anímico do doente A expectativa crédula com que ele vem de encontro à influência da medida médica por um lado depende do tamanho de sua própria ambição pela cura e por outro de sua confiança de que tenha dado os passos certos para tanto ou seja de seu respeito pela arte médica em geral além do poder que ele concede à pessoa do seu médico e mesmo da empatia puramente humana que o médico despertou nele Há médicos que têm a capacidade de ganhar a confiança dos doentes mais desenvolvida que outros médicos o doente muitas vezes já sente o alívio quando vê o médico entrando na sala Os médicos desde sempre já em tempos antigos exerceram o tratamento anímico muito mais intensamente do que hoje Se por tratamento anímico entendermos o esforço de evocarmos no doente os estados e condições anímicos mais favoráveis para a cura então esse tipo de tratamento médico é historicamente o mais antigo Os povos antigos não tinham praticamente nada à disposição além do tratamento psíquico eles também nunca deixavam de reforçar o efeito de bebidas curativas e medidas de cura com o tratamento intensivo da alma O uso conhecido de fórmulas mágicas banhos de purificação invocação de sonhos do oráculo dormindo no templo entre outros só pode ter tido efeito curativo pela via anímica A própria personalidade do médico criou uma fama derivada diretamente do poder divino uma vez que a arte da cura em seus primórdios estava nas mãos dos sacerdotes Dessa forma a pessoa do médico naquela época assim como hoje era uma das principais circunstâncias para atingir no doente o estado anímico favorável à cura Agora começamos a entender também a magia da palavra Palavras como sabemos são os mais importantes mediadores da influência que uma pessoa quer ter sobre a outra palavras são bons meios para provocar transformações anímicas naquele a quem elas são dirigidas e por isso não soa mais estranho quando se afirma que a magia da palavra pode afastar manifestações de doença ainda mais aquelas que se originam em estados anímicos Todas as influências anímicas que se mostraram eficazes para eliminar 21 doenças têm algo de imponderável Afetos direcionamento da vontade desvio da atenção expectativa crédula todos esses poderes que ocasionalmente suspendem o adoecimento em outros casos não conseguem fazêlo sem que se possa responsabilizar a natureza da doença pelo diferente desfecho Ao que parece é a prepotência das personalidades animicamente tão diferentes que está impedindo a regularidade do sucesso da cura Desde que então os médicos reconheceram claramente a importância do estado anímico para a cura foi sugerida a tentativa de não mais deixar a cargo do doente definir que quantidade de complacência anímica poderá ser produzida nele mas forçar o surgimento do estado anímico favorável com meios adequados e com foco no objetivo Com esse esforço iniciase o tratamento anímico moderno Portanto resulta daí uma série de formas de tratamento algumas delas óbvias outras acessíveis à compreensão apenas depois de passar por complicados prérequisitos É óbvio por exemplo que o médico que hoje em dia não provoca mais admiração como um sacerdote ou possuidor de uma ciência oculta mantenha a sua personalidade de tal forma que ele consiga ganhar a confiança e um pouco da empatia de seu doente É bom então em termos de distribuição quando esse tipo de sucesso só lhe é garantido em um número limitado de doentes enquanto outros devido a seu grau de instrução e sua empatia sentemse mais atraídos por outras personalidades médicas Mas com a suspensão da livre escolha dos médicos eliminase uma condição importante para o influenciamento Beeinflussung anímico dos doentes O médico deixa que se lhe escape toda uma série de recursos anímicos eficazes Ele ou não tem o poder ou não se pode dar o direito de aplicar esses recursos Isso vale principalmente para a evocação de afetos fortes ou seja para os recursos mais importantes por meio dos quais o anímico tem efeito sobre o físico O destino muitas vezes cura doenças através de grandes excitações de alegria de satisfação de necessidades de realização de desejos o médico que fora do âmbito de sua arte muitas vezes também se torna impotente não tem como concorrer com isso Criar temor e pavor para fins de cura estaria mais no seu campo de ação mas com exceção de crianças ele terá de pensar muito bem antes de recorrer a essas medidas ambíguas Por outro lado todas as relações com o doente associadas a sentimentos afetuosos não se aplicam para o médico devido à importância desses estados anímicos para a vida Dessa forma o seu poder de modificar animicamente os seus 22 pacientes desde o início pareceria tão limitado que o tratamento anímico executado de forma intencional não teria vantagens se comparado ao tipo praticado antigamente O médico pode tentar conduzir por exemplo a atividade da vontade e a atenção do doente e em diferentes estados da doença terá bons motivos para fazêlo Quando ele insistentemente pede que o doente que se julga paralisado execute os movimentos que supostamente não consegue fazer ou quando nega ao amedrontado a exigência deste de ser examinado devido a uma doença certamente inexistente ele terá optado pelo tratamento correto mas essas oportunidades específicas não lhe dão o direito de apresentar o tratamento anímico como um procedimento especial de cura Por outro lado através de um caminho curioso e imprevisível ao médico foi dada a possibilidade de exercer uma profunda mas passageira influência sobre a vida anímica de seus pacientes e usála para fins de cura Há muito tempo era de conhecimento geral mas apenas nas últimas décadas suspendeuse toda e qualquer suspeita a respeito de que através de certas intervenções suaves é possível levar pessoas a um estado anímico muito peculiar bastante semelhante ao sono e por isso chamado de hipnose3 Os procedimentos para chegar à hipnose à primeira vista não têm muito em comum Podese hipnotizar alguém pedindo que a pessoa olhe fixamente para um objeto brilhante durante alguns minutos ou então colocando um relógio de bolso durante o mesmo tempo junto ao ouvido da pessoa usada na experiência ou ainda passando as próprias mãos esticadas repetidas vezes a uma pequena distância sobre o rosto e os membros da pessoa Mas podese conseguir o mesmo anunciando com calma e de forma segura para a pessoa que se quer hipnotizar o início do estado hipnótico e de suas peculiaridades ou seja convencendoa através da fala Podese também unir os procedimentos Pedese que a pessoa se sente colocase um dedo diante dos seus olhos e pedese que olhe fixamente para ele dizendo a ela em seguida você está se sentindo cansado Os seus olhos já estão se fechando você não consegue mantêlos abertos Seus membros estão pesados você não consegue mais se mexer Você está adormecendo etc Percebese que todos esses procedimentos têm em comum uma captura da atenção no primeiro tipo tratase de extenuar a atenção através de estímulos sensoriais fracos e uniformes Ainda não foi esclarecida de forma satisfatória a dúvida em 23 relação a como o mero convencimento pela palavra produz exatamente o mesmo estado que os outros procedimentos Hipnotizadores experientes informam que com esse procedimento conseguese uma clara transformação hipnótica em cerca de 80 por cento das pessoas testadas Mas não se tem qualquer indício a partir do qual se possa adivinhar de antemão quais pessoas são hipnotizáveis e quais pessoas não o são Um estado de doença absolutamente não faz parte das condições da hipnose pessoas normais ao que parece são facilmente hipnotizáveis e uma parte dos nervosos é especialmente difícil de hipnotizar enquanto doentes mentais são totalmente refratários O estado hipnótico tem diversas gradações em seu grau mais leve o hipnotizado sente apenas algo como uma leve anestesia e o grau mais alto caracterizado por singularidades específicas foi chamado de sonambulismo devido à sua semelhança com o andar durante o sono observado como fenômeno natural Mas a hipnose não é um sono como o nosso sono noturno ou como aquele produzido artificialmente por soníferos Há modificações em seu interior e ali se mostram produções anímicas preservadas que não se apresentam no sono normal Alguns fenômenos da hipnose como as mudanças da atividade muscular têm apenas interesse científico O mais significativo e para nós mais importante sinal da hipnose está no comportamento do hipnotizado diante de seu hipnotizador Enquanto para o mundo exterior o hipnotizado se comporta como alguém que dorme ou seja afastouse dele com todos os sentidos ele está acordado para a pessoa que o colocou em hipnose ouve e vê apenas ela entendea e responde a ela Esse fenômeno a que chamamos de rapport na hipnose encontra um análogo no modo como algumas pessoas dormem por exemplo a mãe que alimenta o seu filho É algo tão curioso que deveria nos trazer a compreensão da relação entre hipnotizado e hipnotizador Mas o fato de o mundo do hipnotizado digamos ser restrito ao hipnotizador não é a única coisa Chega a ponto de o primeiro ser totalmente submisso ao último obediente e crédulo e isso ocorre na hipnose profunda de forma praticamente ilimitada E na execução dessa obediência e dessa credulidade mostrase então como sendo uma característica do estado hipnótico o fato de ser a influência da vida anímica sobre o corpo do hipnotizado extraordinariamente intensificada Se o hipnotizador disser você não consegue mexer o braço esse braço cairá como se fosse imóvel aparentemente o hipnotizado usa toda a sua força e não consegue movêlo 24 Se o hipnotizador disser seu braço se mexe automaticamente você não pode impedilo esse braço se moverá e vemos o hipnotizado fazer movimentos inúteis para imobilizar o braço A representação Vorstellung que o hipnotizador deu ao hipnotizado através da palavra provocou justamente aquele comportamento anímicocorporal que corresponde ao seu conteúdo Por um lado há aí obediência mas por outro há um aumento da influência física de uma ideia A palavra aqui volta a se transformar em magia O mesmo vale para a área das percepções sensoriais O hipnotizador diz você vê uma cobra você cheira uma rosa você ouve a mais bela das músicas e o hipnotizado vê cheira ouve tal como a representação Vorstellung prescrita o exige dele Como saber se o hipnotizado de fato tem essas percepções Poderíamos supor que ele apenas esteja fingindo mas não há motivo para duvidarmos pois ele se comporta como se estivesse sentido de fato manifesta todos os afetos que pertencem à sensação e sob certas circunstâncias após a hipnose ele poderá relatar as suas percepções e vivências imaginadas Percebese então que ele viu e ouviu assim como vemos e ouvimos no sonho isto é ele alucinou Aparentemente ele é tão crédulo diante do hipnotizador que está convencido de que a cobra deva ser vista se o hipnotizador a anuncia e essa convicção tem um efeito tão forte sobre o físico que ele de fato vê a cobra como de resto em certas ocasiões pode acontecer também com pessoas não hipnotizadas Digase aqui de passagem que tal credulidade que o hipnotizado apresenta diante de seu hipnotizador além da hipnose só é encontrada na vida real na criança diante dos pais amados e essa sintonia Einstellung da própria vida anímica com a de outra pessoa com uma submissão semelhante tem um único correspondente mas agora completo em alguns relacionamentos amorosos com uma total entrega A somatória da exclusividade do foco em uma pessoa com a obediência crédula aliás é algo que caracteriza o amar Há ainda muito a relatar sobre o estado hipnótico A fala do hipnotizador que expressa os efeitos mágicos anteriormente descritos é chamada de sugestão e criouse o costume de usar esse nome também nos casos em que há apenas a intenção de produzir efeito semelhante Assim como o movimento e a sensação todas as outras atividades anímicas do hipnotizado obedecem a essa sugestão enquanto ele não costuma empreender nada por motivação própria Podese aproveitar a obediência hipnótica para uma série de experiências altamente curiosas que permitem miradas profundas no 25 mecanismo anímico e criando no espectador a profunda convicção indelével do poder insuspeitado do anímico sobre o físico Assim como se pode instar o hipnotizado a ver o que não está lá também se pode proibilo de ver algo que está lá e quer se impor a seus sentidos por exemplo uma determinada pessoa a chamada alucinação negativa e essa pessoa então achará impossível se fazer perceptível ao hipnotizado através de qualquer tipo de estímulo ela será tratada por ele como ar Podese aplicar a sugestão ao hipnotizado de que execute determinada ação apenas algum tempo após acordar da hipnose a sugestão póshipnótica e o hipnotizado cumprirá esse tempo e executará a ação sugerida em meio a seu estado de vigília sem saber indicar um motivo para tanto Se então perguntarmos por que ele fez aquilo neste momento ele se reportará a uma pressão obscura à qual não conseguiu resistir ou então inventará um pretexto minimamente plausível sem se lembrar do motivo real que foi a sugestão nele aplicada O acordar da hipnose se dá sem esforço através da palavra poderosa do hipnotizador acorde Nas hipnoses mais profundas faltará a lembrança de tudo que foi vivenciado durante a hipnose sob influência do hipnotizador Essa parte da vida anímica chegará a permanecer isolada do resto Outros hipnotizados têm uma lembrança onírica outros ainda se lembram de tudo mas relatam que estiveram sob uma coerção anímica seelischer Zwang4 contra a qual não havia resistência O ganho científico que o conhecimento dos fatos hipnóticos trouxe para médicos e pesquisadores da alma dificilmente será superestimado Mas para destacar a importância prática dos novos achados coloquese o médico no lugar do hipnotizador e o paciente no lugar do hipnotizado A hipnose nesse caso não parece como que talhada para satisfazer todas as necessidades do médico desde que este queira aparecer diante do doente como médico da alma A hipnose presenteia o médico com uma autoridade que provavelmente um sacerdote ou um curandeiro nunca tiveram na medida em que reúne todo o interesse anímico do hipnotizado na pessoa do médico ela elimina a autoingerência Eigenmächtigkeit da vida anímica no doente autoingerência em que reconhecemos o impedimento para a expressão de influências anímicas sobre o corpo ela produz em si e per se um aumento do poder anímico sobre o corporal que comumente só se observa sob as mais fortes influências de afetos e pela possibilidade de deixar aflorar depois em 26 estado normal o que foi dito ao doente na hipnose sugestão póshipnótica fornece ao médico os meios para utilizar no estado de vigília o seu grande poder durante a hipnose para modificar o paciente Assim teríamos um padrão simples para o tipo de cura através do tratamento anímico O médico coloca o paciente em estado de hipnose aplica a sugestão de que ele não está doente modificada de acordo com as respectivas circunstâncias e de que após acordar não sentirá mais nenhum sinal de sofrimento depois do que acordará o doente e ficará na expectativa de que a sugestão fez a sua parte para sanar a doença Esse procedimento teria de ser repetido em número suficiente caso apenas uma sessão não tenha resolvido Apenas uma única dúvida poderia afastar médico e pacientes da utilização de tal procedimento de cura mesmo sendo ele tão promissor Caso os resultados mostrassem que o benefício da hipnose de um lado traria de outro lado por exemplo um prejuízo um distúrbio ou enfraquecimento na vida anímica do hipnotizado As experiências feitas até agora já são suficientes para afastar essa preocupação hipnoses únicas são absolutamente inofensivas mesmo aquelas repetidas com frequência não fazem mal como um todo Só há uma coisa a destacar nos casos em que as circunstâncias tornam necessária a utilização contínua da hipnose produzse um hábito e uma dependência do médico hipnotizador o que não pode ser a intenção do procedimento de cura O tratamento hipnótico significa realmente uma grande ampliação do âmbito de poder do médico significando um progresso na arte da cura Pode se aconselhar a todo aquele que sofre que confie na hipnose quando exercida por um médico confiável e experiente Mas se deveria usar a hipnose de uma forma diferente daquela geralmente praticada hoje Normalmente só se usa esse tipo de tratamento quando todos os outros recursos falharam o sofredor já está prestes a desistir e se sentindo desencorajado Então se abandona o médico que não sabe hipnotizar ou não exerce o procedimento e procurase um médico desconhecido que geralmente nada mais exercita e nada sabe além de hipnotizar O médico de família deveria estar familiarizado com o método hipnótico de cura utilizandoo desde o início se ele julgar que o caso e a pessoa estejam aptos para tanto Onde ela fosse aplicável a hipnose deveria existir de igual para igual ao lado dos outros procedimentos de cura e não significar um último refúgio ou até o abandono da cientificidade a caminho do charlatanismo O procedimento de cura da hipnose não é útil 27 apenas em todos os estados nervosos e nos distúrbios surgidos por imaginação além da desabituação de hábitos doentios alcoolismo vício em morfina desvios sexuais mas também em muitas doenças orgânicas mesmo as infecciosas nas quais em caso de continuidade da patologia de base se tem a perspectiva de eliminar os sinais da doença que num primeiro momento afligem o doente como dores inibição dos movimentos e afins A seleção dos casos para a utilização do procedimento hipnótico depende integralmente da decisão do médico Mas é chegada a hora de dissipar a impressão de que com a ferramenta da hipnose começou um confortável período de atividades milagrosas para o médico Ainda há inúmeras circunstâncias a considerar adequadas para diminuir significativamente as nossas expectativas em relação ao procedimento hipnótico de cura e reduzir as esperanças ativadas no doente à sua medida justa Principalmente uma condição básica se revelou insustentável que afirma que através da hipnose se teria conseguido demover dos doentes a autoingerência em seu comportamento anímico Eles a preservam e a comprovam já em seu posicionamento contra a tentativa de hipnotizálos Quando dissemos anteriormente que cerca de 80 por cento das pessoas são hipnotizáveis esse número elevado só se produziu porque todos os casos que apresentavam algum traço de influenciamento Beeinflussung foram computados como casos positivos Hipnoses realmente profundas com submissão total tal como as que escolhemos na descrição para servirem de modelo na realidade são raras pelo menos não tão frequentes como seria desejável para o interesse da cura Podese voltar a diluir a impressão desse fato destacando que a profundidade da hipnose e a submissão diante das sugestões não andam no mesmo compasso e muitas vezes podemos observar um bom efeito da sugestão em um torpor hipnótico leve Mas mesmo se tomarmos separadamente a submissão hipnótica como o mais essencial desse estado precisamos admitir que as pessoas mostram a sua especificidade na medida em que só se deixam influenciar pela submissão até certo ponto que é o momento em que param Portanto as pessoas mostram graus muito diferentes de utilidade para o procedimento hipnótico de cura Se fosse possível encontrar meios com os quais pudéssemos intensificar todos esses graus especiais do estado hipnótico até chegarmos à hipnose completa suspenderíamos novamente a especificidade dos doentes e o ideal do tratamento anímico seria concretizado Mas esse progresso até hoje não se 28 efetivou ainda depende muito mais do doente do que do médico qual o grau de submissão que se colocará à disposição da sugestão isto é está a cargo do arbítrio do paciente Mais importante é outro aspecto Quando se descrevem os sucessos altamente curiosos da sugestão no estado hipnótico esquecese que se trata aqui como em todos os efeitos anímicos de relações de grandeza e de força Se colocarmos uma pessoa saudável em hipnose profunda e dissermos a ela que morda uma batata que apresentamos a ela como pera ou então se dissermos a ela que está vendo um conhecido que precisa cumprimentar facilmente veremos uma submissão total porque não há um motivo sério no hipnotizado que possa se rebelar contra a sugestão Mas já no caso de outros comandos por exemplo quando se pede a uma menina normalmente tímida que tire a roupa ou a um homem honesto que se aproprie de um objeto valioso por meio de roubo podese perceber uma resistência no hipnotizado que pode ir até o ponto de recusar obediência à sugestão A partir disso aprendemos que na melhor das hipnoses a sugestão não tem poder ilimitado mas apenas um poder de certa intensidade O hipnotizado se dispõe a oferecer pequenos sacrifícios com os grandes ele é reticente assim como ele o seria em estado de vigília Agora se lidamos com um doente e através da sugestão o instamos à recusa da doença perceberemos que isso para ele significa um grande sacrifício e não um pequeno O poder da sugestão aí se mede também com a força que criou as manifestações da doença e as mantém mas a experiência mostra que esta última é de ordem totalmente diferente da influência hipnótica O mesmo doente que ingressa em toda situação onírica que lhe é sugerida desde que não seja abjeta submetendose totalmente a ela pode permanecer completamente avesso a uma sugestão que por exemplo contrarie a sua paralisia imaginada Acrescentese a isso que na prática justamente os nervosos em geral são difíceis de hipnotizar de modo que não será a influência hipnótica plena mas apenas uma fração dela a lutar a batalha contra as forças poderosas através das quais a doença está ancorada na vida anímica Portanto se a hipnose ou mesmo a hipnose profunda foi bemsucedida uma vez isso não garante de antemão que a sugestão saia vitoriosa em relação à doença Ainda será necessária a batalha e muitas vezes o resultado é incerto Por isso uma única sessão de hipnose de nada serve contra distúrbios sérios de origem anímica Mas com a repetição da hipnose cai o 29 efeito de milagre para o qual talvez o doente tenha se preparado Nesse caso podese conseguir que com repetidas hipnoses o influenciamento da doença de início fraco passe a se tornar cada vez mais evidente até que se instale um resultado satisfatório Contudo um tratamento hipnótico desse tipo pode ser tão trabalhoso e tomar tanto tempo quanto qualquer outro Outra forma como a relativa fraqueza da sugestão se revela em comparação às afecções a serem combatidas é que a sugestão consegue a suspensão das manifestações da doença mas apenas por pouco tempo Após decorrido esse período os sinais de sofrimento voltam e precisam ser eliminados por uma nova hipnose com sugestão Se esse percurso se repetir com uma frequência razoável geralmente ele esgotará a paciência tanto do doente quanto do médico e terá como consequência a desistência do tratamento hipnótico Esses também são os casos em que se costumam estabelecer no doente a dependência do médico e uma espécie de vício pela hipnose É bom que o doente conheça essas falhas do método hipnótico de cura e as possibilidades de se decepcionar na sua aplicação O poder de cura da sugestão hipnótica é um fato ele não precisa do louvor exacerbado Por outro lado é facilmente compreensível que os médicos a quem o tratamento anímico hipnótico prometia muito mais do que podia cumprir não se cansem de buscar outros procedimentos que possibilitem uma intervenção mais profunda ou menos imprevisível na alma do doente Podese ter a expectativa segura de que o tratamento anímico moderno focado no objetivo que acaba sendo uma revitalização recente de antigos métodos de cura ainda fornecerá aos médicos armas muito mais poderosas na batalha contra a doença Uma percepção mais profunda dos processos da vida anímica cujos primeiros passos repousam justamente sobre as experiências hipnóticas apontará recursos e caminhos para tanto 30 Psychische Behandlung Seelenbehandlung 1890 1890 Primeira publicação In KOSSMANN R WEISS J Die Gesundheit Ihre Erhaltung ihre Störung ihre Wiederherstellung Stuttgart Berlin und Leipzig Union Deutsche Verlagsgesellschaft 1942 Gesammelte Werke t V p 289315 Não há dúvida de que a melhor tradução para a palavra grega psyché em alemão é Seele As dificuldades se colocam a partir da tradução dessas palavras para línguas como o português ou mesmo para o inglês A questão tornouse central depois da famosa crítica de Bruno Bettelheim às versões inglesas Estas vertiam o substantivo Seele por mind e o adjetivo seelisch por mental o que resultaria na tradução por mente e mental em português nas traduções indiretas Ocorre que em alemão assim como em grego a mesma palavra Seele é empregada tanto no âmbito filosófico científico para se referir ao psiquismo em seus aspectos cognitivos emocionais sensoriais etc quanto no âmbito místicoreligioso quanto ainda no âmbito estéticoliterário De toda forma apesar dos inconvenientes parece menos inadequado traduzir Seeleseelisch pelo par almaanímico do que por mentemental O presente artigo foi publicado em 1890 numa obra coletiva de divulgação científica intitulada Die Gesundheit A saúde cuja leitura Freud recomendou a seus próprios filhos Por muitos anos acreditouse que o texto havia sido publicado em 1905 quando na verdade a primeira edição data de 15 anos antes Freud tinha pouco mais de 30 anos quando o publicou antes portanto da consolidação da técnica propriamente psicanalítica No início de sua prática clínica em Medicina que remonta a alguns anos antes Freud empregou diversos recursos terapêuticos então usuais incluindo a eletroterapia e a hidroterapia antes de se inclinar em direção a outros métodos que privilegiam aspectos da influência ou da fala tais como a hipnose a sugestão e o método catártico abreação Àquela altura no mundo médico e especialmente em Viena a validade da hipnose como método terapêutico era bastante controversa encontrando em seu eminente professor Theodor Meynert um forte opositor Duas viagens foram decisivas para que Freud pudesse decidirse acerca da validade da hipnose Em 188586 Freud obtém uma bolsa de estudos para estagiar em Paris na Salpêtrière junto a JeanMartin Charcot com quem aprendeu a primazia do fato clínico consubstanciada na frase que nunca mais esqueceu la théorie cest bon mais ça nempêche pas dexister Teoria é bom mas não impede um fato de existir Os relatos acerca do papel decisivo dessa temporada são inúmeros De maneira geral consolidase a mudança de interesse de Freud da neuroanatomia rumo à psicopatologia iniciada alguns anos antes quando o caso Anna O lhe é relatado por Breuer Ainda em Paris Freud se convence da existência da histeria masculina o que culminaria com a associação entre histeria e trauma Algum tempo mais tarde no verão de 1889 empreende outra viagem à França também determinante Em Nancy encontra Hippolyte Bernheim a fim de aperfeiçoar a técnica de hipnose levando consigo sua paciente Anna von Lieben conhecida como Frau Cecilia Charcot e Bernheim mantinham diferentes perspectivas acerca da natureza do hipnotismo Para o primeiro a hipnose era uma histeria produzida artificialmente uma condição mórbida ao passo que para o segundo era um fenômeno da psicologia normal da mesma natureza que o sono A passagem de Charcot a Bernheim corresponderia à passagem de uma clínica do olhar a uma clínica da palavra já que este último concebia a hipnose como resultado da sugestão pela palavra Contudo antes de abandonar definitivamente a técnica hipnótica Freud oscilou quanto a esses dois mestres Outro aspecto que deve ser destacado é o papel de Freud como tradutor Traduziu do francês para o alemão tanto a obra de Bernheim quanto a de Charcot contribuindo ainda com a redação de notas de rodapé e prefácio De todo modo o emprego freudiano de tais métodos deve ser visto sob o pano de fundo da forte 31 impressão causada pelo método catártico abreação de Breuer cf notícia bibliográfica de O método psicanalítico freudiano neste volume p 59 Nesse artigo precoce vale destacar ainda a aposta freudiana na causalidade psíquica cujo meio de ação não é outro que não o poder aparentemente mágico das palavras sem que Freud se desse conta ainda do fenômeno transferencial À questão acerca de como o tratamento da alma pode ter efeitos no corpo Freud como cientista natural não hesita em responder através da eficácia da palavra que passa a ser cada vez mais uma ferramenta essencial do método Não por acaso no ano seguinte Freud escreveria seu célebre estudo Sobre a concepção das afasias um estudo crítico publicado pela primeira vez no Brasil em 2013 nesta mesma coleção Vale a pena ressaltar como já àquela altura Freud reconhecia os limites do método hipnótico o que fica claro principalmente nas últimas páginas do texto em que ele sonha com armas mais poderosas na batalha contra a doença NOTAS 1 Ver nota bibliográfica ao final do texto NR 2 O verbo verraten tem em alemão uma dupla conotação de trair e deixar de ocultar claramente manifesta neste exemplo NR 3 A atribuição causal por isso se deve ao fato de a palavra hipnose derivar de sono Hypnos a partir da língua grega NR 4 Cabe destacar que aqui Freud valese do mesmo vocábulo utilizado para caracterizar a neurose obsessiva Zwangsneurose ou as compulsões que lhe são inerentes NR 32 CARTA A FLIESS 242 133 Viena 16 de abril de 1900 IX Berggasse 19 Dr Sigm Freud Docente de doenças nervosas ad Universidade Querido Wilhelm Lá se vai a saudação encomendada da Terra do Sol Pois novamente não cheguei lá O objetivo de chegar a Trento e ao Lago de Garda teve de ser reconsiderado porque de início meu companheiro ficou com medo da viagem de volta de 22 horas ao que tive de lhe dar razão Depois soubemos que o lugar para onde queríamos ir estava com muita neve quase tanta quanto por aqui Depois a sextafeira transformouse num terrível dia chuvoso Além disso Martin adoeceu de repente e decidi ficar Por fim no sábado o tempo ficou tolerável mas todas as cinco crianças depois de Mathilde ficaram de cama com catapora É claro que não é nada sério mas mesmo assim uma combinação tão grande de aborrecimentos que estou bem contente de ainda estar em casa Você tem plena razão meus desejos não são muito maleáveis uma renúncia parcial logo resulta num defunto inteiro e isso não me agrada Foi o que também aconteceu neste caso Nesse meiotempo vocês estiveram em Dresden com problemas domésticos de porte menor felizmente e mais rapidamente superados São estranhas distribuições Nós passamos por toda uma espécie de outras coisas mas nada que se pareça com isso Nossa casa vai bem as pessoas são fiéis e persistentes Cada camada da cultura tem suas queixas específicas E1 finalmente concluiu sua carreira de paciente com um convite para jantar em minha casa Seu enigma está quase totalmente solucionado sua saúde excelente sua essência totalmente mudada dos sintomas permaneceu um resto no momento Estou começando a entender que o caráter aparentemente sem fim do tratamento é algo regular e tem a ver com a 33 transferência Espero que esse resto não prejudique o resultado prático Só dependia de mim ainda ter continuado com o tratamento mas percebi que isso seria um compromisso entre o estar doente e o estar sadio o qual os próprios pacientes desejam e com o qual o médico por isso mesmo não deve concordar A conclusão assintótica do tratamento que para mim é indiferente continua sendo uma decepção mais para os de fora De qualquer forma estarei de olho no paciente Como ele teve de participar de todos os meus erros técnicos e teóricos penso que de fato um próximo caso poderia ser resolvido na metade do tempo Tomara que você agora me envie esse próximo caso LG2 vai muito bem Ela não será mais nenhum fracasso Às vezes a coisa caminha no sentido de uma síntese mas eu a detenho Fora isso Viena é Viena ou seja altamente repulsiva Se eu me despedisse com na próxima Páscoa em Roma eu me veria como um judeu devoto Portanto prefiro Até o nosso encontro no verão ou no outono em Berlim ou onde você quiser Saudações cordiais Teu Sigm Carta a Fließ 1950 Aus den Anfängen der Psychoanalyse estabelecida por Marie Bonaparte Anna Freud e Ernst Kris 1985 The Complete Letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fließ 18871904 editadas por J M Masson 1986 Briefe an Wilhelm Fließ 18871904 Ungekürzte Ausgabe A correspondência com Fließ foi decisiva para a constituição das principais linhas de força do pensamento de Freud Nesse sentido ela possui um estatuto à parte em relação à farta correspondência com outros missivistas Na nota do editor inserida no volume Neurose psicose perversão p 5455 o leitor encontrará informações mais detalhadas sobre a troca epistolar FreudFließ Na carta que o leitor tem em mãos Freud menciona a conclusão do tratamento do caso E provavelmente aludindo a seu paciente Oscar Fellner que ele qualifica de perseverante Freud refere se a esse caso direta ou indiretamente diversas vezes em sua correspondência com Fließ A primeira menção data de 20 de abril de 1895 a última é essa que o leitor tem em mãos de 16 de abril de 1900 Destacamse passagens em que Freud comenta a equivalência entre dinheiro e fezes 24 de janeiro de 1897 evoca a solução de um enigma através da análise de uma homofonia entre o alemão e o francês feita pelo próprio paciente 29 de dezembro de 1897 indica a proximidade do término da análise devido à descoberta de uma cena primitiva 21 de dezembro de 1889 que ele compara à descoberta arqueológica como se Heinrich Schliemann tivesse exumado Troia ainda uma vez Por demonstrar em sua própria carne a realidade de suas doutrinas Freud presenteia seu paciente com uma reprodução de Édipo e a Esfinge conforme carta de 21 de dezembro de 1899 Desde então Freud nutre a expectativa de uma resolução do caso É nesse contexto que ele aborda o caráter aparentemente infinito ou semfim Endlos do 34 tratamento anunciando um tema que será sistematizado somente muitos anos mais tarde em 1937 em seu A análise finita e a infinita Die endliche und die unendliche Analyse Esse fragmento é particularmente importante por aglutinar de modo embrionário ideias tais como o caráter assintótico do término de uma análise que se concluiria por uma decisão do analista o incontornável resto sintomático com o qual o analista deve moderar sua ambição terapêutica e last but not least a ligação desses fatores à transferência ANZIEU D Lautoanalyse de Freud et la découverte de la psychanalyse Paris PUF 1975 RUDNYTSKY P Psychoanalytic conversations interviews with clinicians commentators and critics Hillsdale NJ The Analytic Press 2000 NOTAS 1 Tratase aqui da menção a um paciente de Freud designado simplesmente pela inicial E NR 2 Novamente Freud usa de iniciais para se referir a pacientes Desta vez uma mulher NR 35 O MÉTODO PSICANALÍTICO FREUDIANO 1904 1905 O método peculiar de psicoterapia que Freud exerce e chama de Psicanálise tem sua origem no chamado processo catártico sobre o qual ele relatou à sua época nos Estudos sobre histeria em 1895 elaborados com J Breuer A terapia catártica foi uma invenção de Breuer que com seu auxílio primeiramente de certa forma fabricou hergestellt uma doente histérica um decênio antes percebendo então a patogênese de seus sintomas Devido a um encorajamento pessoal de Breuer Freud então retomou o procedimento e o experimentou em um número maior de doentes O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e fundavase na ampliação da consciência que se instaura na hipnose Ele tinha como objetivo o afastamento dos sintomas da doença e alcançava essa meta fazendo com que os pacientes regredissem até o estado psíquico em que o sintoma havia aparecido pela primeira vez Então no doente hipnotizado surgiam lembranças pensamentos e impulsos que até então tinham ficado de fora de sua consciência e quando ele sob intensas expressões dos afetos tinha comunicado ao médico esses seus processos anímicos o sintoma tinha sido superado e o retorno dele suspenso Essa experiência repetida regularmente foi explanada pelos dois autores em seu trabalho conjunto no sentido de que o sintoma estaria no lugar de processos psíquicos reprimidos unterdrückten e que não chegaram à consciência ou seja seria uma transformação conversão da última A eficácia terapêutica de seu procedimento era explicada por eles a partir do escoamento Abfuhr do afeto que até então se encontrava comprimido e que tinha estado colado às ações anímicas reprimidas abreação O esquema simples da intervenção terapêutica no entanto começou a se complicar quando ficou evidente que não era uma impressão única traumática mas geralmente uma série dessas impressões difíceis de serem superadas que participavam do surgimento do sintoma 36 A característica principal do método catártico que o coloca em oposição a todos os outros procedimentos da psicoterapia portanto consiste no fato de que nesse método a eficácia terapêutica não é transferida para uma proibição sugestiva do médico Ele espera ao contrário que os sintomas desapareçam por conta própria se a intervenção que se baseia em determinados pressupostos sobre o mecanismo psíquico conseguir levar processos anímicos por um percurso diferente do atual que desembocou na formação do sintoma As mudanças que Freud fez no procedimento catártico de Breuer inicialmente eram mudanças técnicas mas estas precisavam de novos resultados e acabaram na sequência por mostrar a premência de uma concepção de um trabalho terapêutico de outro tipo mas que não contradizia a concepção anterior Se o trabalho catártico já havia abdicado da sugestão Freud por sua vez deu um passo além e também desistiu da hipnose Atualmente ele atende os seus doentes deixando que eles se posicionem confortavelmente em um divã Ruhebett1 sem qualquer outro tipo de influenciamento enquanto ele próprio fora do escopo visual dos pacientes sentase em uma cadeira atrás deles Ele também não exige que fechem os olhos e evita qualquer contato e todo procedimento que possa lembrar a hipnose Portanto uma sessão assim transcorre como uma conversa entre duas pessoas igualmente despertas sendo que uma delas poupa todo e qualquer esforço muscular assim como toda impressão dos sentidos que possa atrapalhar a concentração na sua própria atividade anímica Uma vez que sabemos que toda forma de ser hipnotizado por maior que seja a habilidade do médico está fundada na arbitrariedade do paciente e que um grande número de pessoas neuróticas não é passível de ser hipnotizado por nenhum procedimento foi recusando a hipnose que se conseguiu garantir que o procedimento fosse aplicável a uma quantidade ilimitada de doentes Por outro lado ficou de fora a ampliação da consciência que justamente tinha fornecido ao médico aquele material psíquico de lembranças e imaginações Vorstellungen2 com ajuda do qual era possível executar a transposição dos sintomas e a libertação dos afetos Se não se criasse um substituto para essa ausência não haveria como falar de uma intervenção terapêutica eficaz 37 Freud então encontrou um tal substituto plenamente suficiente nas ocorrências3 Einfälle dos doentes isto é naquelas ocorrências involuntárias geralmente sentidas como pensamentos que atrapalham e que por isso sob condições normais seriam afastados pois costumavam atravessar o contexto de uma apresentação Darstellung intencionada Para se apoderar dessas ocorrências ele convida os doentes a falarem à vontade em suas comunicações como por exemplo em uma conversa na qual de um assunto se passa a outro totalmente diferente4 Antes de convidálos à narrativa detalhada do histórico de sua doença ele reforça a instrução de que eles lhe contem tudo que lhes vem à cabeça mesmo se acharem não ser importante ou se acharem que aquilo não vem ao caso ou que não faz sentido Mas com bastante ênfase exige deles que não excluam nenhum pensamento ou nenhuma ocorrência da comunicação pelo fato de lhes parecer vergonhoso ou embaraçoso Nos esforços de reunir esse material a partir das ocorrências até então esquecidas Freud então observou aquilo que viria a ser determinante para toda a sua concepção Já durante a narração do histórico da doença os doentes evidenciam lacunas nas lembranças seja porque processos que de fato aconteceram foram esquecidos seja porque relações temporais tenham ficado confusas ou porque relações causais tenham sido esfaceladas de modo a resultarem daí efeitos incompreensíveis Sem amnésia de qualquer tipo não há histórico da doença neurótica Se insistirmos com o narrador que preencha essas lacunas da memória com um esforço de atenção perceberemos que as ocorrências que surgem a partir daí são refreadas zurückgedrängt por ele com todas as formas de crítica até que por fim ele sinta o malestar direto quando a lembrança realmente aparece A partir dessa experiência Freud conclui que as amnésias são resultado de um processo que ele chama de recalque Verdrängung e cujo motivo ele entende serem as sensações de malestar Ele julga sentir as forças psíquicas que trouxeram à tona esse recalque na resistência que se ergue contra o restabelecimento O momento da resistência acabou se tornando um dos fundamentos de sua teoria As ocorrências que até então eram colocadas de lado sob inúmeros pretextos como citado na fórmula acima porém ele vê como derivados das formações psíquicas recalcadas pensamentos ou moções como deformações destas devido à resistência que há contra a sua reprodução Quanto maior a resistência maior será essa deformação Nessa relação das 38 ocorrências involuntárias com o material psíquico recalcado reside então o seu valor para a técnica terapêutica Se tivermos um procedimento que possibilite nos levar das ocorrências ao recalcado das deformações ao deformado também poderemos tornar acessível à consciência e sem hipnose o que era inconsciente na vida anímica Com base nisso Freud desenvolveu uma arte da interpretação que tem o mérito de a partir dos minérios das ocorrências involuntárias representar o teor de metal dos pensamentos recalcados Os objetos desse trabalho de interpretação não são apenas as ocorrências do doente mas também os seus sonhos que permitem o acesso mais direto ao conhecimento do inconsciente bem como seus atos involuntários e não planejados atos sintomáticos e equívocos em suas realizações5 Leistungen na vida cotidiana equivocarse6 ao falar Versprechen ao agir Vergreifen e assemelhados Os detalhes dessa técnica de interpretação ou de tradução ainda não foram publicados por Freud Segundo as suas indicações tratase de uma série de regras obtidas empiricamente mostrando como a partir de ocorrências podese construir o material inconsciente bem como instruções acerca de como entender quando as ocorrências do paciente falham além de experiências sobre as resistências típicas mais importantes que aparecem no decorrer de um tratamento deste tipo Um alentado livro sobre A interpretação dos sonhos Die Traumdeutung publicado por Freud em 1900 pode ser visto como precursor de uma introdução a essa técnica A partir dessas indicações poderíamos concluir acerca da técnica do método psicanalítico que o seu inventor dispendeu esforço supérfluo e agiu mal em abandonar o procedimento pouco complicado da hipnose Mas por um lado uma vez aprendida a técnica da Psicanálise é muito mais fácil de exercer do que pode parecer em uma descrição por outro lado nenhum outro caminho leva ao objetivo e por isso o caminho mais trabalhoso ainda acaba sendo o mais curto Podese objetar em relação à hipnose que ela encobre a resistência impedindo assim que o médico consiga vislumbrar o jogo das forças psíquicas No entanto a hipnose não acaba com a resistência ela apenas desvia dela e por isso só fornece informações incompletas e sucessos apenas passageiros A tarefa que o método psicanalítico quer resolver pode ser expressa em várias fórmulas mas que em essência se equivalem todas Podese dizer a 39 tarefa do tratamento é suspender as amnésias Se todas as lacunas da memória forem preenchidas e todos os efeitos misteriosos da vida psíquica forem esclarecidos impossibilitase a continuidade e até mesmo uma nova formação do sofrimento Podemos formular essa condição de outro modo tornar todos os recalques reversíveis o estado psíquico então seria o mesmo que aquele em que todas as amnésias foram preenchidas Em outra formulação ainda vamos além tratarseia de tornar o inconsciente acessível ao consciente o que ocorre através da superação das resistências Mas não podemos esquecer aqui que um estado ideal como esse também não existe em uma pessoa normal e que só raras vezes conseguimos nos aproximar minimamente desse ponto no tratamento Assim como a saúde e a doença não são separadas por princípio mas apenas por um limite somatório determinável a partir da prática assim também o objetivo do tratamento nunca será algo diferente do que a cura prática praktische Genesung do doente o estabelecimento de sua capacidade de realizar e de gozar7 Em caso de tratamento incompleto ou de resultados imperfeitos desse tratamento alcançamos principalmente uma melhora significativa do estado psíquico geral do doente enquanto os sintomas podem continuar existindo sem porém estigmatizálo como doente mas tendo menor importância para ele À exceção de pequenas modificações o processo terapêutico permanece o mesmo para todos os quadros sintomáticos da histeria multiforme e também para todas as formações da neurose obsessiva Mas não se fala de uma aplicabilidade ilimitada desse processo A natureza do método psicanalítico cria indicações e contraindicações tanto do lado das pessoas a serem tratadas quanto em respeito ao quadro da doença Os mais favoráveis para a Psicanálise são os casos crônicos de psiconeuroses com sintomas pouco intempestivos ou potencialmente pouco perigosos ou seja inicialmente todos os tipos de neurose obsessiva de pensamento e atuação obsessiva e casos de histeria em que fobias e abulias têm papel preponderante mas também todas as manifestações somáticas da histeria desde que a eliminação rápida dos sintomas como no caso da anorexia não se torne a tarefa principal do médico Em casos agudos de histeria teremos de esperar o início de um estágio mais calmo em todos os casos em que o esgotamento nervoso esteja em primeiro lugar evitaremos um procedimento que ele próprio exigirá esforço que trará progressos lentos e que durante certo tempo não poderá 40 levar em consideração a continuidade dos sintomas Precisamos fazer várias exigências à pessoa que será submetida com sucesso à Psicanálise Em primeiro lugar ela deverá ser capaz de mostrar um estado psíquico normal em tempos de confusão ou de depressão melancólica nada podemos fazer nem no caso de uma histeria Além disso podemos exigir determinado grau de inteligência natural e de desenvolvimento ético no caso de pessoas desprovidas de valores logo o interesse abandonará o médico interesse que no início o capacitava a se aprofundar na vida anímica do doente Deformações marcantes de caráter traços de constituição realmente degenerativa expressamse no tratamento Kur como uma fonte de resistências praticamente insuperáveis Nesse sentido a constituição aliás coloca limites para a curabilidade através da psicoterapia Também uma faixa etária por volta do quinto decênio cria condições desfavoráveis para a Psicanálise A massa de material psíquico não será mais dominável nessa fase o tempo necessário para o restabelecimento será longo demais e a capacidade de reverter processos psíquicos começa a fraquejar Apesar de todas essas limitações a quantidade de pessoas adequadas para a Psicanálise é excepcionalmente grande e segundo as afirmações de Freud a ampliação de nosso saber terapêutico através desse procedimento é considerável Freud usa longos períodos de tempo meio ano até três anos para um tratamento eficaz mas ele informa que até então devido a diversos fatores fáceis de serem adivinhados geralmente só conseguiu testar o seu tratamento em casos muito graves pessoas com uma doença de muitos anos e total incapacidade produtiva que iludidas por todos os tratamentos anteriores buscavam um último refúgio em seu procedimento novo e muito questionado Em casos de doenças mais leves a duração do tratamento possivelmente seria muito mais curta e poderseia obter um ganho extraordinário em termos de prevenção para o futuro 41 Die Freudsche psychoanalytische Methode 1904 1905 1904 Primeira publicação In LOEWENFELD Leopold Die psychischen Zwangserscheinungen p 545551 Wiesbaden Bergmann 1906 Sammlung kleiner Schriften zur Neurosenlehre Leipzig Wien Franz Deuticke p 218224 v I 1925 Gesammelte Schriften t VI p 310 1942 Gesammelte Werke t V 110 O presente artigo escrito em terceira pessoa é a contribuição de Freud para o livro de Leopold Loewenfeld Die psychischen Zwangserscheinungen Os fenômenos compulsivos psíquicos Conforme relata James Strachey tudo indica que a contribuição de Freud foi redigida um pouco antes de novembro de 1903 data em que Loewenfeld assina o prefácio da obra Sua importância para Freud é tal que em 1909 numa nota de rodapé a seu estudo clínico sobre o Homem dos Ratos confessa que seu livro de cabeceira seu manual padrão para a abordagem da neurose obsessiva continuava sendo o livro de Loewenfeld Ao longo da década de 1890 a técnica freudiana havia sofrido diversas modificações Foi por isso que Freud aceitou o convite de Loewenfeld para recensear as modificações técnicas posteriores aos Estudos sobre a histeria publicados pouco antes Além disso lembra PaulLaurent Assoun 2009 era a oportunidade perfeita para promulgar oficialmente a Psicanálise como técnica terapêutica em um momento em que o tratamento analítico já havia começado a se instituir internacionalmente notadamente com Eugen Bleuler em Zurique Este artigo pode ser lido como a primeira exposição abrangente acerca da técnica psicanalítica em sua especificidade não apenas com relação à sugestão e à hipnose que já não empregava há algum tempo mas ainda ao método catártico Vale lembrar que Freud estava familiarizado com o método catártico havia bastante tempo desde que Breuer relatara o caso Anna O o que ocorreu em diversas ocasiões a partir de novembro de 1882 A talking cure já havia impressionado o jovem médico bastante precocemente Mas teria sido o caso Emmy von N a baronesa Fanny Moser o acontecimento decisivo para que Freud abandonasse o método hipnótico quando ela por volta de 1889 pediulhe que lhe deixasse falar sem interrupções A arte da interpretação criada por Freud é correlata à técnica da associação livre que progressivamente iria se firmar como especificidade da prática analítica primeiramente de maneira focal depois especificamente livre É digno de nota que no contexto de um esforço obstinado em reconhecer a cientificidade da Psicanálise Freud designe como arte Kunst a principal ferramenta técnica de sua jovem ciência O texto vale ainda pela elucidação das relações entre resistência e recalque Finalmente o artigo contém uma das passagens mais citadas de Freud segundo a qual o objetivo do tratamento analítico seria o de estabelecer no paciente sua capacidade de realizar leisten e de gozar genießen muitas vezes traduzido erroneamente e de forma menos abrangente como capacidade de trabalhar e de amar Contudo em um trecho suprimido de A questão da análise leiga ver p 303 Freud emprega outra variante da fórmula restituir as capacidades perdidas de trabalhar e de fruir verlorene Arbeits und Genußfähigkeiten Colocadas lado a lado essas duas variantes parecem indicar uma concepção alargada de atividades tais como realizar produzir trabalhar NOTAS 1 Literalmente cama de descanso O termo Diwan existente na língua alemã não foi empregado por 42 Freud para se referir à característica forma de móvel utilizado em consultórios de Psicanálise NR 2 Vorstellung é uma palavra alemã que quando utilizada numa conotação conceitual específica não somente na Psicanálise como também por vários autores na Filosofia tem sua melhor tradução por representação Ocorre que sendo também uma palavra de uso corrente na língua pode ter os sentidos de noção ideia imaginação entre outros Nesta coleção procuramos ficar atentos ao contexto buscando a tradução mais adequada ainda que assinalando sempre que adequado o termo alemão entre colchetes NR 3 O termo alemão traduzido aqui por ocorrência Einfall remete literalmente àquilo que cai para dentro como uma ideia ou imagem que se impõe à pessoa NR 4 A expressão original em alemão aus dem Hundertsten ins Tausendste kommen significa literalmente sair de um centésimo e chegar a um milionésimo querendo dizer que uma coisa leva a outra um assunto leva a mil outros e se perde o fio da meada esquecendose de buscálo já que se trata de conversa informal e não há necessidade de coerência absoluta NT 5 Aqui Freud se refere ao que ficou conhecido como ato falho O termo composto Fehlleistung entretanto referese mais do que a um ato Handlung específico a qualquer realização ou produção Leistung NR 6 Vale notar que os títulos dos capítulos do livro Sobre a psicopatologia da vida cotidiana Zur Psychopathologie des Alltagslebens são em sua maioria formados por verbos com o prefixo ver indicando diferentes modalidades de equívoco no falar sprechen versprechen no agir greifen vergreifen ao ler lesen verlesen etc NR 7 Essa passagem além de relevante foi também bastante difundida ao nosso ver de modo equivocado Na versão corrente parece que o objetivo de uma análise consistiria em estabelecer no analisando sua capacidade de trabalhar e de amar Entretanto aqui Freud emprega termos mais abrangentes leisten realizar produzir e genießen gozar fruir de modo agradável Numa tradução menos literal teríamos capacidade de realizar coisas e gozar a vida Joyce McDougall complementa a frase de Freud entre parênteses com a expressão avec plaisir Cf MCDOUGALL Quelles valeurs pour la psychanalyse Revue Française de Psychanalyse v 52 n 3 1988 p 598 NR NE 43 SOBRE PSICOTERAPIA 1905 1904 Meus senhores Cerca de oito anos se passaram desde que pude falar neste círculo sobre o tema da histeria a convite de seu finado presidente Professor von Reder Pouco antes 1895 eu tinha publicado junto com o Doutor Josef Breuer os Estudos sobre histeria e empreendido a tentativa de introduzir uma forma inovadora de tratamento da neurose com base na nova descoberta que devemos àquele pesquisador Felizmente posso dizer que os esforços de nossos Estudos tiveram sucesso as ideias lá defendidas sobre a forma como agem traumas psíquicos através da contenção de afeto e a concepção dos sintomas histéricos como sucedâneos de uma moção transportada do anímico para o corpóreo ideias para as quais criamos os termos abreação e conversão Konversion hoje são amplamente conhecidas e compreendidas Não há pelo menos em solo alemão nenhuma concepção Darstellung da histeria que até certo ponto não lhes fosse tributária e não há colega especialista na área que não tenha ao menos durante certo tempo acompanhado essa teoria E mesmo assim esses teoremas e esses termos enquanto ainda estavam frescos devem ter soado bastante estranhos Não posso dizer o mesmo sobre o procedimento terapêutico que foi sugerido aos colegas juntamente com a nossa doutrina Lehre Esse procedimento até hoje luta pelo reconhecimento Podemos invocar motivos especiais para tal fato A técnica do procedimento ainda não estava totalmente formada naquela época eu não conseguia dar ao médico leitor do livro as instruções que o capacitariam a executar aquele tratamento de forma completa Mas certamente também houve motivos de ordem geral Para muitos médicos ainda hoje a psicoterapia parece ser um produto do misticismo moderno e se comparada a nossos remédios físicoquímicos cuja utilização se fundamenta em descobertas fisiológicas é considerada não científica indigna do interesse de um pesquisador de Ciências Naturais Permitamme então discutir e destacar a causa da psicoterapia diante dos 44 senhores apresentando o que pode ser considerado injustiça ou erro na condenação mencionada Deixemme lembrar em primeiro lugar que a psicoterapia não é um procedimento de cura moderno Pelo contrário ela é a terapia mais antiga da qual se serviu a Medicina Na obra muito instrutiva de Löwenfeld Manual global de psicoterapia Lehrbuch der gesamten Psychotherapie os senhores poderão ler quais eram os métodos da Medicina primitiva e da antiga Os senhores terão de associálos em grande parte à psicoterapia para fins de cura colocavamse os doentes no estado de expectativa crédula que ainda hoje nos fornece a mesma coisa Mesmo depois de os médicos terem descoberto outros meios de cura os empenhos psicoterapêuticos de um ou de outro tipo nunca sucumbiram na Medicina Em segundo lugar chamo a atenção para o fato de que nós médicos não podemos prescindir da psicoterapia porque uma outra parte levada em alta consideração no processo de cura que são os doentes não tem a intenção de abdicar dela Os senhores sabem que esclarecimentos a esse respeito devemos à Escola de Nancy Liébault Bernheim Um fator dependente da disposição psíquica dos doentes influencia sem que seja nosso intuito em todo o processo de cura introduzido pelo médico geralmente no sentido positivo às vezes também como obstáculo Para esse fato aprendemos a usar a palavra sugestão e Moebius nos ensinou que a falta de confiabilidade de que reclamamos em tantos de nossos métodos de cura remonta justamente à influência nociva desse fator mais que poderoso Nós médicos os senhores todos portanto estamos constantemente praticando a psicoterapia mesmo quando não nos damos conta disso e não sendo a nossa intenção apenas há a desvantagem de que os senhores dessa forma deixam totalmente a cargo do doente a influência do fator psíquico Assim ele se torna incontrolável não dosável incapaz de gradação crescente Não será então uma aspiração genuína do médico se apoderar desse fator utilizarse dele no intuito de conduzilo e de fortalecêlo Nada além disso é o que a psicoterapia científica exige dos senhores Em terceiro lugar senhores colegas quero apontar para a experiência há muito conhecida de que certas formas de sofrimento e especificamente as psiconeuroses são muito mais acessíveis a influências anímicas do que a qualquer outra medicação Não se trata de uma fala moderna mas de informações de médicos antigos quando se diz que essas doenças não são 45 curadas pelo medicamento mas pelo médico provavelmente a personalidade do médico na medida em que através dela se exerce influência psíquica Certamente sei senhores colegas que entre os senhores é muito popular aquela opinião que o esteta Vischer expressou em sua paródia de Fausto Fausto parte III da tragédia Sei que amiúde o que é corporal Tem efeito no moral Mas não deveria ser mais adequado e mais frequente influenciar o lado moral de uma pessoa com meios morais isto é psíquicos Há muitos tipos e caminhos de psicoterapia São bons todos os que levam ao objetivo da cura Nosso consolo habitual Ah tudo vai ficar bem com que somos tão generosos diante dos doentes corresponde a um dos métodos psicoterapêuticos só que ao olharmos mais profundamente para a essência das neuroses não víamos a necessidade de nos limitarmos ao consolo Desenvolvemos a técnica da sugestão hipnótica da psicoterapia pela distração pelo exercício pela evocação de afetos úteis Não desprezo nenhuma delas e as exerceria todas sob as condições adequadas Se na verdade me limitei a um único procedimento de cura o método que Breuer chamou de catártico e que prefiro chamar de analítico então foram importantes para mim apenas motivos subjetivos Devido à minha participação no estabelecimento dessa terapia sintome na obrigação pessoal de me dedicar a pesquisála e de expandir a sua técnica Posso afirmar que o método analítico da psicoterapia é aquele que tem o efeito mais profundo a maior amplitude e através do qual se atinge a mais considerável modificação do paciente Se por um momento eu abandonar a perspectiva terapêutica posso afirmar a respeito da psicoterapia que ela é a mais interessante e a única a nos ensinar algo sobre o surgimento e o contexto das manifestações da doença Devido às informações que ela nos oferece a respeito do mecanismo do estar animicamente doente só ela poderia ser capaz de ir além de si própria e nos apontar o caminho para outros tipos de influência terapêutica Quanto a esse método catártico ou analítico da psicoterapia permitamme agora corrigir alguns equívocos e prestar alguns esclarecimentos a Percebo que esse método muito frequentemente é confundido com o tratamento hipnótico sugestivo e o percebo a partir do fato de que com uma frequência bastante alta também colegas para os quais não costumo agir 46 como homem de confiança mandamme pacientes é claro que pacientes refratários com a tarefa de que eu os hipnotize Ocorre que há cerca de oito anos não tenho mais exercido a hipnose para fins terapêuticos à exceção de alguns experimentos e costumo retornar tais encomendas com o conselho de que aquele que confia em hipnose a faça ele mesmo Na verdade entre a técnica sugestiva e a analítica há o maior contraste aquele contraste que o grande Leonardo da Vinci condensou para as artes nas fórmulas per via di porre e per via di levare A pintura diz Da Vinci trabalha per via di porre é que ela coloca montinhos de tinta onde eles antes não existiam na tela sem cores a escultura por sua vez procede per via di levare já que retira da pedra o necessário para revelar a superfície da estátua nela contida De forma muito semelhante meus senhores a técnica sugestiva tenta fazer efeito per via di porre ela não se preocupa com a origem a força e a importância dos sintomas da doença mas aplica algo que é a sugestão da qual ela espera que seja forte o suficiente para impedir a ideia patogênica de se expressar A terapia analítica por sua vez não quer aplicar nada não quer introduzir algo novo mas quer tirar extrair e para esse fim ela se ocupa da gênese dos sintomas da doença e do contexto psíquico da ideia patogênica cuja eliminação é o seu objetivo Nesse caminho da pesquisa ela nos trouxe um subsídio muito importante para a nossa compreensão Eu desisti tão cedo da técnica sugestiva e com ela da hipnose porque eu me desesperava diante do fato de tentar tornar a sugestão tão forte e durável quanto seria necessário para a cura definitiva Em todos os casos graves eu via a sugestão aplicada sobre eles se esfarelar e então o estar doente ou algo substituto voltava a se instalar Além disso o que eu critico nessa técnica é que ela nos encobre a percepção do jogo de forças psíquico por exemplo não nos permite reconhecer a resistência com que os doentes se agarram à sua doença portanto com que também são avessos à cura e que na verdade é a única a possibilitar a compreensão de seu comportamento na vida b Pareceme ser um equívoco bastante disseminado entre os colegas a concepção de que a técnica da pesquisa sobre as origens da doença e a eliminação das manifestações seja fácil e óbvia através dessa investigação Concluo isso porque nenhum dos muitos que se interessam pela minha terapia e emitem opiniões seguras sobre ela jamais me perguntou como de fato eu agia Isso só pode ter uma única explicação eles acham que não há nada a perguntar e que é algo autoexplicativo Às vezes também ouço com 47 espanto que neste ou naquele setor do hospital um jovem médico recebeu a incumbência de seu chefe de proceder a uma Psicanálise em uma histérica Tenho a plena convicção de que não o deixariam examinar um tumor extirpado sem que antes tivessem se certificado de que ele domina a técnica histológica Da mesma forma chega a mim a notícia de que este ou aquele colega marca consultas com um paciente para proceder a um tratamento psíquico quando estou certo de que ele não conhece a técnica desse tratamento Portanto ele deve esperar que o doente lhe revele os seus segredos ou busca a salvação em algum tipo de confissão ou na informação sigilosa Não me causaria espanto se o doente tratado dessa forma experimentasse mais danos do que vantagens Pois o instrumento anímico não é fácil de ser tocado Nessas ocasiões sempre me lembro da fala de um neurótico mundialmente conhecido que evidentemente nunca esteve em tratamento médico e que só viveu na imaginação de um poeta Refirome ao príncipe Hamlet da Dinamarca O rei enviou os cortesãos Rosenkrantz e Guildenstern sic até ele para sondálo para lhe arrancar o segredo de seu desgosto Verstimmung Ele os descarta e eis que trazem flautas ao palco Hamlet toma uma flauta e pede a um de seus atormentadores que a toque que seria tão fácil quanto mentir O cortesão se recusa pois não conhece nenhum movimento para tocála e como Hamlet não consegue convencêlo a tocar a flauta por fim explode Porque me olhas agora assim que coisa indigna fazes de mim Querias me tocar querias saber de meus movimentos querias escrutinar o coração de meus mistérios da minha mais baixa nota até o meu ápice há muita música há uma bela voz mas não podes tocarme qual uma pequena flauta Tomesme pelo instrumento que for não poderias me tocar ato III cena 2 c A partir de determinadas observações minhas os senhores devem ter deduzido que o tratamento analítico possui algumas características que o mantêm distante do ideal de uma terapia Tuto cito iucunde1 o pesquisar e o procurar não vêm acompanhados necessariamente da rapidez do sucesso e a menção à resistência preparará os senhores para a expectativa de experiências desagradáveis Certamente o tratamento psicoterapêutico exige muito tanto do doente quanto do médico do primeiro ele exige o sacrifício da sinceridade total apresentase para ele como tomador de tempo e por isso caro para o médico ele também representa um grande empenho de tempo e devido à 48 técnica que ele precisa aprender e executar mostrase bastante trabalhoso Eu mesmo também acho muito justificável que se utilizem métodos de cura mais confortáveis enquanto se tem a perspectiva justamente de alcançar resultados com eles É este apenas o ponto crucial se com o procedimento mais trabalhoso e dispendioso tivermos resultados muito melhores que com o tratamento breve e mais fácil então apesar de tudo o primeiro se justifica Pensem meus senhores em quanto a terapia de Finsen contra o lúpus é mais desconfortável e exige maior empenho do que a antiga técnica de cauterização e de lixar e mesmo assim significa um grande progresso só porque os resultados são melhores é que cura o lúpus de modo radical Não quero impor a comparação aqui mas o método psicanalítico pode advogar para si uma primazia parecida Na verdade só pude elaborar e testar o meu método terapêutico em casos graves e gravíssimos o meu material de início eram apenas doentes que tinham tentado de tudo sem sucesso e que viveram em instituições durante anos Não juntei experiências suficientes para poder dizer aos senhores como a minha terapia se comporta naqueles distúrbios mais leves que surgem esporadicamente e que vemos serem curados sob as mais diversas influências e também de forma espontânea A terapia psicanalítica foi criada a partir de e para doentes com incapacidade duradoura de viver e o seu triunfo é que torna um número satisfatório deles capazes de viver a sua existência de forma duradoura Então todo o empenho contra esse sucesso parecerá irrisório Não podemos esconder que diante do doente costumamos negar que em termos de importância para o indivíduo por ela acometido uma neurose grave não fica atrás de uma caquexia2 Kachexie de uma temida doença geral d As indicações e contraindicações desse tratamento não podem ser postas de forma definitiva em decorrência das muitas limitações práticas que afetaram a minha atividade Mesmo assim tentarei debater alguns pontos com os senhores 1 De tanto focar na doença não se deve esquecer o valor de uma pessoa e rejeitemse aquelas que não possuem um determinado grau de instrução e um caráter relativamente confiável Não esqueçamos que há também pessoas saudáveis que não prestam e que facilmente somos inclinados no caso dessas pessoas inferiores a empurrar para a doença tudo aquilo que as torna incapazes de viver assim que demonstram qualquer traço de neurose Sou da 49 opinião de que a neurose não cunha o seu portador como dégénéré mas que com uma frequência razoável ela se encontra no mesmo indivíduo sociabilizada com as manifestações da degeneração A psicoterapia analítica não é digase aqui um procedimento para o tratamento da degeneração neuropática ao contrário ela encontra uma barreira nessa terapia Ela também não pode ser aplicada em pessoas que não se sintam impelidas à terapia por si próprias através de seu sofrimento mas que se submetem a ela apenas por uma imposição de seus parentes A propriedade decisiva para a adequação ao tratamento psicanalítico a educabilidade Erziehbarkeit ainda precisará de uma análise mais detalhada a partir de outro ponto de vista 2 Se quiser seguir pela via segura limite a sua seleção a pessoas que possuem um estado normal já que no procedimento psicanalítico é a partir dele que nos apoderamos do que é da ordem do doentio Portanto psicoses estados de confusão e de profunda melancolia Verstimmung quero dizer tóxicos são inadequados para a Psicanálise pelo menos tal como ela é exercida até agora Não descarto absolutamente que com uma modificação adequada do procedimento se possa superar essa contraindicação e assim iniciar uma psicoterapia das psicoses 3 A idade dos doentes é relevante na seleção para o tratamento psicanalítico na medida em que nas pessoas próximas ou acima dos 50 anos por um lado costuma faltar a plasticidade dos processos anímicos nos quais a terapia se fia pessoas idosas não são mais educáveis e por outro lado o material a ser trabalhado prolonga a duração do tratamento até o imponderável O limite de idade para baixo só pode ser definido individualmente pessoas jovens antes da puberdade muitas vezes são influenciáveis de modo excelente 4 Não iremos recorrer à Psicanálise quando se tratar da eliminação rápida de manifestações ameaçadoras por exemplo no caso de uma anorexia histérica Os senhores agora devem ter a impressão de que a área de aplicação da psicoterapia analítica é muito limitada uma vez que os senhores só ouviram de mim contraindicações Mesmo assim restam casos e formas de doença em número suficiente nos quais se pode experimentar essa terapia todas as formas crônicas de histeria com manifestações residuais a grande área dos estados obsessivos abulias e assemelhados É muito bom que dessa forma possamos ajudar do melhor modo 50 justamente as pessoas mais valiosas e altamente desenvolvidas Mas ali onde pouco se podia fazer com a psicoterapia analítica podese afirmar tranquilamente que qualquer outro tratamento certamente não alcançaria absolutamente nada e Certamente os senhores quererão me perguntar sobre a utilização da Psicanálise com a possibilidade de causar danos Posso lhes responder que se os senhores apenas quiserem julgar superficialmente e mostrarem a mesma benevolência crítica que mostraram em relação aos nossos outros métodos terapêuticos também aqui em relação a esse procedimento os senhores terão de concordar com a opinião de que no caso de um tratamento analítico conduzido com conhecimento de causa não há por que temer um dano ao paciente Outra opinião talvez terá aquele que enquanto leigo estiver acostumado a imputar ao tratamento tudo o que ocorre em um caso de doença Pois não faz tanto tempo que contra as nossas instituições de hidroterapia havia um preconceito semelhante Várias pessoas às quais se aconselhava procurar uma instituição dessas ficavam reticentes porque tinham algum conhecido que entrou naquela instituição enquanto nervoso e lá enlouqueceu Como os senhores adivinharam tratavase de casos de paralisia geral incipientes que no estágio inicial ainda podiam ser tratados em uma instituição de hidroterapia e que lá seguiam seu curso irrefreável até o distúrbio psíquico manifesto para o leigo a água era a culpada e a causadora dessa triste alteração Quando se trata de empregar novas formas de influência sequer os médicos estão livres de tais erros de julgamento Lembrome de ter feito certa vez uma tentativa de psicoterapia em uma mulher que passara boa parte de sua existência na alternância entre mania e melancolia Eu a acolhi ao fim de uma melancolia parecia ir tudo bem durante duas semanas na terceira já estávamos no início da nova mania Certamente fora uma alteração espontânea do quadro da doença pois duas semanas não é um período de tempo em que a psicoterapia analítica consiga obter resultados mas o médico excelente entrementes já falecido que veio a ver a doente junto comigo não conteve o comentário de que a psicoterapia devia ter sido a culpada por aquela piora Tenho plena convicção de que sob outras circunstâncias ele teria se mostrado mais crítico f Para finalizar senhores colegas digo a mim mesmo que não posso abusar de sua atenção por tanto tempo em benefício da psicoterapia analítica sem lhes dizer em que consiste esse tratamento e em que se baseia Porém 51 posso fazêlo apenas com pequenas alusões pois preciso ser breve Essa terapia portanto fundamentase na concepção de que representações Vorstellungen inconscientes ou melhor a inconsciência de determinados processos anímicos sejam a causa mais próxima dos sintomas patológicos Essa é a convicção que dividimos com a escola francesa Janet que aliás em uma esquematização dura mostra que o sintoma histérico remonta a uma idée fixe inconsciente Mas não se assustem achando que com isso entraremos nas profundezas da filosofia mais obscura O nosso inconsciente não é bem o mesmo que o dos filósofos e além disso a maioria dos filósofos não quer saber nada do psíquico inconsciente Mas se os senhores partilharem do nosso ponto de vista verão que a transposição desse inconsciente na vida anímica dos doentes para um consciente terá o resultado positivo que é corrigir o desvio do normal e suspender a coerção Zwang sob a qual se encontra a sua vida anímica Pois a vontade consciente vai até onde vão os processos psíquicos conscientes e cada coerção psíquica originase a partir do inconsciente Os senhores também jamais precisarão temer que o doente seja prejudicado pelo abalo que significa a entrada do inconsciente em sua consciência pois os senhores poderão verificar pela teoria que o efeito somático e afetivo da moção tornada consciente nunca poderá ser tão forte quanto o da inconsciente Nós só dominamos todas as nossas moções porque aplicamos a elas as nossas capacidades anímicas mais altas associadas à consciência Mas os senhores também poderão escolher outra perspectiva para compreender o tratamento psicanalítico O desvendamento e a transposição do inconsciente se dão a partir de uma constante resistência por parte do doente O surgimento desse inconsciente está associado ao desprazer e devido a esse desprazer ele sempre será rechaçado pelo doente E é nesse conflito na vida anímica do paciente que os senhores irão interferir se os senhores conseguirem fazer com que por motivos de uma melhor convicção o doente aceite algo que até então ele havia rejeitado recalcado devido à regulagem automática do desprazer os senhores terão realizado com ele parte de um trabalho educativo Já podemos dizer que se trata de educação quando convencemos alguém que não gosta de sair da cama de manhã cedo a fazêlo mesmo assim Então os senhores poderão entender o tratamento psicanalítico de forma bastante geral como sendo um tipo de educação póstuma para superar resistências interiores Mas em nenhum outro ponto uma tal 52 educação póstuma dos nervosos é mais necessária do que em relação ao elemento anímico de sua vida sexual E em nenhum outro lugar a cultura e a educação fizeram estragos maiores do que justamente aqui e é aqui também que como lhes mostrará a experiência se encontram as etiologias domináveis das neuroses o outro elemento etiológico a contribuição constitucional nos é dado como algo imutável Mas surge daí uma exigência importante a ser feita ao médico Ele não apenas precisa ser ele próprio de um caráter íntegro o moral é óbvio como costuma dizer a personagem principal de Auch Einer de Vischer mas ele também precisa para si próprio ter superado a mescla de lascívia e recato com a qual infelizmente tantos outros costumam enfrentar os problemas sexuais Aqui talvez seja o lugar para fazermos mais uma observação Eu sei que a minha ênfase no papel do sexual para o surgimento das psiconeuroses se tornou conhecida em amplos círculos Mas sei também que restrições e determinações mais precisas junto ao grande público pouco adiantam a quantidade tem pouco espaço em seu cérebro e retém apenas o cerne mais rudimentar da afirmação guardando um extremo que é fácil de lembrar Isso deve ter acontecido com vários médicos que imaginam que na minha teoria eu afirme que as neuroses em última análise originemse a partir da privação sexual E não falta esse tipo de privação considerando as condições de vida da nossa sociedade Mas partindo de tal pressuposto poderseia optar então por evitar o árduo desvio que passa pelo tratamento psíquico e almejar diretamente a cura recomendando a atividade sexual como meio de cura Agora não sei o que poderia me mover a descartar essa conclusão se ela fosse justificável Mas não é bem assim A necessidade e a privação sexual são apenas um dos fatores que estão em jogo no mecanismo da neurose se fosse apenas ele a existir a consequência não seria a doença mas sim o excesso O outro fator igualmente imprescindível e que tantas vezes é esquecido é a repulsa sexual dos neuróticos sua incapacidade de amar aquele traço psíquico que chamei de recalque É só a partir do conflito entre as duas aspirações que surge a doença neurótica e por isso o conselho da atividade sexual no caso das psiconeuroses na verdade só raramente pode ser considerado uma boa recomendação Deixemme fechar com esta observação de defesa Esperemos que o interesse dos senhores pela psicoterapia assim que despido de todo preconceito hostil apoienos para que produzamos resultados positivos 53 também no tratamento dos casos graves de psiconeuroses 54 Über Psychotherapie 1905 1904 1905 Primeira publicação Wiener Medizinische Presse 46 n 1 1 Jan p 916 1924 Zur Technik der Psychoanalyse und zur Metapsychologie p 1124 1925 Gesammelte Schriften t VI p 1124 1942 Gesammelte Werke t V p 1326 O presente artigo corresponde à conferência apresentada por Freud no Colégio Vienense de Médicos em 12 de dezembro de 1904 Uma década antes em outubro de 1895 Freud havia apresentado uma série de três conferências para esse mesmo público e um ano mais tarde tinha experimentado o malogro de não ser sequer escutado pelos membros da Associação de Psiquiatria e Neurologia Agora tratase segundo Jones do fechamento de um ciclo de conferências em que Freud buscava o reconhecimento científico da Psicanálise junto a entidades médicas Depois dessa data a estratégia freudiana de difusão da Psicanálise seria totalmente revista De fato o reconhecimento médico que tanto almejara nos anos de formação só viria muito mais tarde na década de 1930 sendo recebido então com certo desgosto principalmente depois de outro prêmio o prestigioso Prêmio Goethe Aqueles anos eram promissores em termos da emancipação intelectual depois de longa espera no cargo de Privatdozent tinha recebido sua promoção universitária Havia pouco tinha cortado relações com Wilhelm Fließ De fato o ano de 1905 é excepcionalmente produtivo Perto de completar 50 anos Freud publicaria nada mais nada menos do que Três ensaios sobre a teoria sexual O chiste e sua relação com o inconsciente e Fragmento de uma análise de histeria Caso Dora Vale lembrar que os termos psicoterapia e psicoterapêutico são ainda relativamente novos remontando respectivamente a Bernheim 1891 e Tucke 1872 Se Bernheim havia ligado psicoterapia e sugestão tratavase agora justamente de separar definitivamente essas duas noções Essa separação definitiva é consolidada através de um recurso tornado célebre a Leonardo da Vinci Ao passo que o método sugestivo pode ser comparado à pintura que opera per via di porre ou seja por acréscimos a psicoterapia psicanalítica opera per via di levare por subtrações ou retiradas como a escultura O principal conceito que Freud elabora nessa altura é o conceito de resistência que desloca o eixo da técnica analítica centrada antes disso apenas na rememoração de conteúdos recalcados Na Psicanálise contemporânea a distinção entre psicoterapia caracterizada como tentativa de suprimir sintomas e Psicanálise que visaria a objetivos mais ambiciosos começou a se impor em certas escolas psicanalíticas Conforme nota Assoun 2009 p 1086 o presente artigo vai na direção oposta quer dizer pretende apresentar a Psicanálise como psicoterapia propriamente dita opondose a terapias alternativas que seriam no fundo técnicas sugestivas Atualmente com a ampliação da clínica psicanalítica para além do campo da neurose questionase se a Psicanálise opera de fato apenas per via di levare como a escultura uma vez que frente a quadros de sofrimento psíquico como o autismo as psicoses e os chamados borderlines ou casoslimite o psicanalista é convocado a compartilhar das produções realizadas na análise NOTAS 1 Seguro célere e agradável conforme apregoa a tradição médica atribuída a Esculápio NR 55 2 Termo usado na Medicina para referir um enfraquecimento corporal generalizado NR 56 SOBRE PSICANÁLISE SELVAGEM 1910 Há alguns dias apareceu no meu consultório acompanhada de uma amiga protetora uma senhora mais velha que se queixava de estados de angústia Angstzustände Com seus 40 e tantos anos bastante bem conservada mas ao que parecia não havia ainda fechado o ciclo de sua feminilidade O motivo da irrupção daqueles estados tinha sido o divórcio de seu último marido no entanto a angústia segundo ela informou havia aumentado consideravelmente desde que ela havia se consultado com um jovem médico em seu bairro pois ele havia detalhado para ela que a causa de sua angústia seria a sua necessidade sexual Ela não conseguiria segundo ele suportar a falta da relação sexual com o marido e por isso só havia três caminhos para a cura Gesundheit voltar para o marido ter um amante ou a satisfação solitária Desde então ela estava convencida de que era incurável pois não queria voltar para o marido e os dois outros meios iam contra a sua moral e a sua religião Mas ela viera até mim porque o médico havia lhe dito que aquela era uma abordagem nova que se devia a mim e que ela viesse confirmar comigo pessoalmente que era assim e não de outra forma A amiga uma mulher mais velha que a primeira esquálida e com aspecto de doente imploroume que eu assegurasse à paciente de que o médico tinha se enganado Não podia ser assim pois ela mesma era viúva há muitos anos e permanecera uma senhora decente sem sofrer daquela angústia Não quero me deter aqui na difícil situação em que fui colocado através dessa visita mas gostaria de lançar luz sobre o comportamento do colega que encaminhou essa doente para mim Antes porém gostaria de lembrar uma advertência que talvez ou assim espero não seja supérflua A experiência de longos anos me ensinou como poderia ensinar a qualquer outro a não aceitar facilmente como verdade o que pacientes especialmente os doentes de nervos1 Nervöse contam acerca de seus médicos O médico dos nervos Nervenarzt em todo tipo de tratamento não só facilmente virará objeto 57 sendo alvo das múltiplas moções hostis do paciente às vezes ele precisará assumir a responsabilidade pelos desejos secretos recalcados dos doentes de nervos através de uma espécie de projeção Então será um fato triste mas significativo que tais acusações em nenhum outro lugar encontrarão credibilidade maior que nos ouvidos de outros médicos Portanto tenho o direito de esperar que a senhora em meu consultório tenha apresentado um relato tendenciosamente deformado a respeito das afirmações de seu médico e que seria injusto com ele que não conheço pessoalmente se as minhas observações sobre Psicanálise selvagem se atrelassem justamente a esse caso Mas talvez com isso eu impeça outros de cometerem injustiças com seus doentes Suponhamos portanto que o médico tenha dito exatamente o que a paciente me relatou Então facilmente qualquer pessoa dirá para criticálo que um médico se julgar ser necessário conversar com uma mulher sobre o tema da sexualidade terá de fazêlo com tato e discrição Mas essas exigências coincidem com o respeito a certas prescrições técnicas da Psicanálise além disso o médico teria descartado ou interpretado mal uma série de ensinamentos científicos da Psicanálise mostrando com isso quão pouco ele avançou no entendimento da essência e das intenções dessa área Comecemos com o último aspecto os enganos científicos Os conselhos do médico permitem reconhecer claramente qual o sentido que ele atribui à vida sexual No sentido popular sendo que por necessidades sexuais ele nada mais entende que a necessidade do coito ou coisas análogas que propiciam o orgasmo e a descarga Entleerung das substâncias sexuais Mas não pode ter ficado despercebido do médico que é comum criticar a Psicanálise no sentido de que ela estende o conceito do sexual para além da dimensão usual Eis um fato se ele pode ser usado como objeção é algo que não discutiremos aqui O conceito do sexual engloba muito mais na Psicanálise tanto para cima quanto para baixo ele vai além do sentido popular Essa ampliação tem justificativa genética2 julgamos ser parte da vida sexual também todas as ativações de sensações carinhosas que se originaram da fonte das moções sexuais primitivas mesmo se essas moções experimentam um bloqueio de seu objetivo sexual original ou se elas trocaram esse objetivo por outro não mais sexual Por isso também 58 preferimos falar em psicossexualidade enfatizando que não se deve esquecer nem subestimar o fator anímico da vida sexual Utilizamos a palavra sexualidade no mesmo sentido amplo em que na língua alemã se usa a palavra amar lieben Também já sabemos há tempos que a insatisfação anímica pode perdurar com todas as suas consequências onde não há falta de relação sexual normal e como terapeutas sempre nos detemos diante do fato de que das aspirações sexuais não satisfeitas aspirações que combatemos quando assumem a forma de satisfação substituta como sintomas nervosos muitas vezes apenas uma pequena parte delas pode ser descarregada pelo coito ou por outros atos sexuais Aqueles que não compartilham dessa concepção de psicossexualidade não têm direito de se reportar às teses basilares Lehrsätze da Psicanálise em que se trata do significado etiológico da sexualidade Enfatizando exclusivamente o fator somático do sexual eles certamente simplificaram em muito o problema mas assumirão sozinhos a responsabilidade pelos seus procedimentos A partir dos conselhos do médico ainda vem à luz um segundo mal entendido igualmente grave É verdade que a Psicanálise afirma que a insatisfação sexual seja a causa dos males nervosos Mas será que ela não diz mais que isso Será que se quer deixar de lado por ser mais complicado que ela ensina que os sintomas nervosos brotam de um conflito entre dois poderes entre uma libido que geralmente cresceu em excesso e uma recusa sexual ou um recalque demasiadamente rígido Quem não se esquecer desse segundo fator que de fato não foi relegado a uma posição secundária nunca acreditará que a satisfação sexual em si geralmente seja um elemento de cura confiável contra os males dos doentes de nervos Uma boa parte dessas pessoas sob as dadas circunstâncias não é capaz de satisfação em absoluto ou em determinada situação Se elas fossem capazes de se satisfazer se não tivessem as suas resistências internas a força da pulsão lhes apontaria o caminho para a satisfação mesmo se o médico não lhes aconselhasse isso Qual então o sentido de um conselho como aquele que o médico supostamente deu àquela senhora Mesmo sendo cientificamente justificável é inexequível para ela Se ela não tivesse resistências internas contra o onanismo ou contra uma relação amorosa há muito ela já teria recorrido a esses meios Ou será que o médico 59 acha que uma mulher de mais de 40 anos não sabe que se pode arranjar um amante ou será que ele superestima tanto a sua própria influência a ponto de achar que sem o beneplácito médico ela nunca conseguiria decidir dar um tal passo Isso tudo parece muito claro mas mesmo assim precisamos concordar que há um momento que muitas vezes dificulta a tomada de decisão Alguns dos estados nervosos as chamadas neuroses atuais Aktualneurosen como a neurastenia típica e a neurose de angústia pura reine Angstneurose aparentemente dependem do fator somático da vida sexual enquanto ainda não temos uma concepção Vorstellung segura quanto ao papel do fator psíquico e do recalque nesses quadros Em casos desse tipo é praticamente obrigatório para o médico ter em vista uma terapia atual uma modificação da atividade sexual somática e ele o fará com toda razão se o seu diagnóstico tiver sido correto A senhora que se consultou com o jovem médico se queixava essencialmente de estados de angústia a partir daí ele provavelmente supôs que ela sofria de neurose de angústia e se julgou no direito de recomendar a ela uma terapia somática Novamente um mal entendido confortável Quem sofre de angústia Angst nem por isso tem necessariamente uma neurose de angústia o diagnóstico não pode ser deduzido a partir do nome precisase saber que fenômenos caracterizam uma neurose de angústia para distinguilos de outros estados de doença também manifestados pela angústia Tenho a impressão de que a senhora em questão sofria de uma histeria de angústia e todo o valor completamente suficiente de tais diferenciações nosográficas reside no fato de apontar para outra etiologia e outra terapia Quem tivesse considerado a possibilidade de tal histeria de angústia não teria sucumbido ao esquecimento dos fatores psíquicos tal como fica evidente nos conselhos alternativos do médico Curiosamente nessa alternativa terapêutica do suposto psicanalista não sobra espaço para a Psicanálise Essa mulher segundo ele só se curaria de sua angústia se voltasse para o marido ou se satisfizesse pelo onanismo ou com um amante E em que momento entraria o tratamento analítico no qual vislumbramos o principal recurso no caso de estados de angústia Chegamos assim aos erros técnicos que reconhecemos no procedimento do médico no caso referido É uma concepção há muito superada que se atém à aparência de superfície de que o doente sofra em decorrência de um tipo de desconhecimento e que se esse desconhecimento for suspenso 60 aufhebe através da comunicação Mitteilung sobre as relações entre as causas de sua doença e a sua vida sobre as suas vivências de infância etc ele será curado Não é o desconhecimento Unwissenheit3 em si o momento patogênico mas a fundamentação do desconhecimento em resistências internas que primeiro evocaram o desconhecimento e ainda agora o sustentam E é no combate contra essas resistências que reside a tarefa da terapia A comunicação daquilo que o paciente não sabe porque o recalcou é apenas uma das preparações necessárias para a terapia Se o conhecimento do inconsciente fosse tão importante para o doente como quer crer o inexperiente em Psicanálise para a cura seria suficiente o doente assistir a palestras ou ler livros a respeito Mas essas medidas têm a mesma influência sobre os sintomas de males nervosos quanto a distribuição de cardápios para os famintos Essa comparação é útil até para além deste uso imediato pois a comunicação do inconsciente ao doente via de regra tem como consequência a intensificação do conflito dentro dele e o aumento do sofrimento Mas como a Psicanálise não pode prescindir dessa comunicação ela prescreve que a comunicação não se dê antes de serem preenchidos dois pré requisitos Primeiro até que o doente se aproxime ele próprio do recalcado com preparação adequada e segundo até que ele tenha se apegado ao médico em tal medida transferência que os sentimentos em relação ao médico tornem impossível uma nova fuga Só com o preenchimento desses prérequisitos será possível reconhecer e dominar as resistências que levaram ao recalque e ao desconhecimento Uma intervenção psicanalítica portanto certamente pressupõe um contato mais prolongado com o doente e tentativas de logo na primeira sessão atropelálo com a comunicação abrupta de seus segredos adivinhados pelo médico são tecnicamente condenáveis e geralmente colhem como resultado uma inimizade profunda por parte do doente em relação ao médico cortando todas as possíveis influências futuras Acrescentese a isso que às vezes damos conselhos errados e nunca somos capazes de adivinhar tudo Através dessas determinações técnicas específicas a Psicanálise substitui a exigência do tato médico inapreensível tido como um talento especial Portanto não é suficiente para o médico conhecer alguns dos resultados 61 da Psicanálise ele precisa ter se familiarizado com a sua técnica se quiser conduzir a sua atuação médica seguindo as perspectivas psicanalíticas Essa técnica até hoje não pode ser aprendida através de livros e certamente só poderá ser atingida por si próprio com grande empenho de tempo esforço e sucesso Como as outras técnicas médicas estas são aprendidas com aqueles que já as dominam Por isso para avaliar o caso ao qual eu atrelo essas observações certamente não é indiferente o fato de eu não conhecer o médico que aparentemente deu aqueles conselhos nem de eu nunca ter ouvido o seu nome Não é agradável nem para mim nem para meus amigos e colegas monopolizar de tal modo o direito ao exercício de uma técnica médica Mas diante dos perigos que acarreta o exercício previsível de uma Psicanálise selvagem tanto para os doentes quanto para a causa da Psicanálise não nos restava outro caminho Na primavera de 1910 fundamos uma associação psicanalítica internacional cujos membros declaram a ela pertencer através da publicação de seus nomes para assim poder afastar a responsabilidade pelas atividades de todos aqueles que não fazem parte de nós e que chamam o seu procedimento médico de Psicanálise Pois na verdade esses analistas selvagens prejudicam mais a causa do que o doente individual Muitas vezes presenciei que um procedimento desastrado desse tipo que no início provocou uma piora no estado do doente no final mesmo assim acabou sendo suficiente para a sua cura Nem sempre mas muitas vezes Depois de ter reclamado por muito tempo do médico sabendose distante o suficiente de sua influência exercida os sintomas do doente começam a diminuir ou então ele decide dar um passo no caminho de sua cura A melhora definitiva depois surge por si só ou então é atribuída ao tratamento altamente indiferente de um médico ao qual o doente se dirigiu posteriormente No caso da senhora cuja reclamação contra o médico ouvimos quero crer que afinal o psicanalista selvagem acabou por fazer mais pela sua paciente do que qualquer autoridade altamente aclamada que teria dito a ela que o seu problema era uma neurose vasomotora Ele direcionou à força o olhar da paciente para o real motivo de seu sofrimento e essa intervenção apesar de toda a resistência da paciente não deixará de ter consequências favoráveis Mas ele prejudicou a si próprio e ajudou a reforçar os preconceitos que surgem em decorrência de compreensíveis resistências de afeto Affektwiderstände no doente contra a atividade do psicanalista E isso pode 62 ser evitado Über wilde Psychoanalyse 1910 1910 Primeira publicação Zentralblatt für Psychoanalyse t I n 3 p 9195 1925 Gesammelte Schriften t VI p 3744 1943 Gesammelte Werke t XI p 118125 Nem sempre é fácil distinguir questões técnicas e questões éticas postas pela prática analítica Este artigo é um belo exemplo dessa fronteira nem sempre tão nítida Redigido em um momento em que a prática e a teoria freudianas começam a se difundir para além do círculo restrito dos discípulos o artigo pretende repor algumas diretrizes fundamentais da interpretação analítica a partir de um caso de interpretação selvagem de um sintoma proferida por um médico que de maneira descuidada havia se apropriado de uma versão vulgar de ideias psicanalíticas Publicado no ano de fundação da Internationale Psychoanalytische Vereinigung IPV que um quarto de século mais tarde seria convertida em Associação Internacional de Psicanálise IPA Sobre psicanálise selvagem faz parte do primeiro esforço de institucionalização da prática psicanalítica Destacase ainda a importância dada por Freud ao tato como elemento constitutivo da interpretação indicando a atenção merecida pela dimensão estética da clínica isto é para a sensibilidade do psicanalista aos movimentos psíquicos do analisando Ainda que possa ser enquadrado principalmente como um artigo técnico a relevância do presente artigo não se esgota nisso Notese por exemplo como Freud aproveita o contraexemplo da má compreensão do papel da sexualidade para a Psicanálise a fim de esclarecer seu próprio ponto de vista Vale ainda ressaltar o emprego da categoria de neurose de angústia no quadro das assim chamadas neuroses atuais entidade nosográfica em franco desuso já àquela altura do pensamento de Freud NOTAS 1 Freud emprega aqui o termo Nervöse mais abrangente e menos técnico do que o termo Neurotiker que geralmente designa os neuróticos NR 2 Cabe ressaltar que Freud comumente faz uso do termo genético genetisch remetendo ao seu significado em língua grega ou seja ao que diz respeito às origens não necessariamente com as conotações biológicas da ciência atual referentes ao material genético cromossomos DNA tendências inatas etc NR 3 Na Psicanálise é importante diferenciar o desconhecimento Unwissenheit da mera ignorância nicht wissen Levandose em consideração a hipótese do inconsciente o primeiro caso diz respeito a um saber que é impedido do seu registro consciente e o segundo a uma simples ausência de informação NR 64 RECOMENDAÇÕES AO MÉDICO PARA O TRATAMENTO PSICANALÍTICO 19121 As regras técnicas que aqui coloco como proposta resultaram da minha própria experiência ao longo de muitos anos após ter retornado de outros caminhos que geraram prejuízos também próprios Facilmente se percebe que elas ou pelo menos muitas delas juntamse em uma única prescrição Espero que levála em conta poupe aos médicos que lidam com a análise muito esforço desnecessário protegendoos de várias inadvertências mas devo dizer expressamente que essa técnica resultou como a única adequada para mim como indivíduo não ouso questionar que outra personalidade médica de constituição totalmente diferente possa se ver impelida a privilegiar outra postura em relação ao doente e à tarefa a ser resolvida a A tarefa que segue diante da qual se vê o analista que como tal trata mais de um paciente por dia também lhe parecerá a mais difícil Pois ela consiste em ao longo do tratamento manter na memória os incontáveis nomes datas detalhes da lembrança ocorrências2 Einfälle e produções da doença que um paciente apresenta durante meses e anos não os confundindo com material semelhante oriundo de pacientes analisados ao mesmo tempo ou em momento anterior Se nos virmos obrigados a atender diariamente seis até oito pacientes ou mais o trabalho da memória que consegue armazenar tudo isso produzirá em quem vê de fora incredulidade admiração ou até mesmo compaixão Em todo caso devem estar curiosos em relação à técnica que permite o domínio de tamanho volume e imaginar que ela se utilize de meios de apoio especiais No entanto a técnica é muito simples Ela recusa todos os meios de apoio como ouviremos a seguir mesmo a anotação consistindo apenas no fato de não querer memorizar algo específico e dispensando a mesma atenção equiflutuante3 como eu já a havia chamado4 ao que ouvimos Dessa 65 forma economizamos o esforço da atenção que de resto não conseguiríamos mesmo durante muitas horas ao dia além de evitarmos um perigo que é inseparável da postura atenta e intencional Pois assim que afiamos a atenção intencionalmente até um determinado ponto começamos a selecionar em meio ao material apresentado fixamos uma parte de maneira bastante acurada eliminando outra em seu lugar e nessa seleção fiamos as nossas expectativas ou as nossas inclinações Mas é justamente isso que não podemos fazer se na seleção seguimos as nossas expectativas corremos o risco de nunca encontrarmos algo diferente daquilo que já sabemos se seguirmos as nossas inclinações certamente falsificaremos a possível percepção Não nos esqueçamos de que em geral ouvimos coisas cuja importância só se revelará a posteriori nachträglich Como se vê a prescrição de lembrar tudo em igual medida é a contrapartida necessária de exigirmos do analisando que conte tudo que lhe ocorre sem crítica ou seleção Se um médico se comportar de forma diferente em grande parte ele destruirá o ganho que resulta da obediência à regra psicanalítica fundamental por parte do paciente A regra para o médico pode ser formulada da seguinte maneira mantenha todas as influências conscientes longe de sua capacidade de memorização e se entregue completamente à sua memória inconsciente ou dito de maneira puramente técnica ouça o que lhe dizem e não se preocupe se vai se lembrar de algo ou não O que se consegue por essa via e por si só satisfaz a todas as exigências durante o tratamento Aquelas partes do material que já se uniram em uma contextualização também se tornam disponíveis conscientemente para o médico o restante ainda descontextualizado caótico e desorganizado parece estar imerso num primeiro momento mas ressurge e se torna disponível na memória assim que o analisando apresenta algo novo que possa estabelecer uma relação com esse material e através do qual possa haver uma continuidade Então recebese com um sorriso o elogio não merecido do paciente por conta de uma memória especialmente boa mesmo se depois de anos a fio reproduzimos um detalhe que possivelmente teria escapado à intenção consciente de fixálo na memória Enganos nessas lembranças só ocorrem em alguns momentos e em pontos em que nos sentimos incomodados em relação a nós mesmos ver adiante ou seja quando se fica muito aquém do ideal do analista Confusões com o 66 material de outros pacientes são bastante raras Em uma discussão com o analisando sobre se e como ele teria dito algo específico geralmente o médico acaba tendo razãoiii b Não recomendo fazer anotações de grande extensão nas sessões com o analisando nem fazer registros da sessão e assemelhados Além da impressão desfavorável que isso causa em alguns pacientes valem por sua vez os mesmos aspectos que destacamos na memorização Necessariamente fazemos uma seleção nociva do material enquanto anotamos ou estenografamos além do que ocupamos uma parte de nossa própria atividade intelectual que deveria ser mais bem aplicada na interpretação do que ouvimos Sem sermos criticados por isso podemos aceitar exceções a essa regra valendo para datas textos de sonho Traumtexte ou resultados específicos relevantes que facilmente podem ser separados do contexto sendo adequados como exemplos de uma utilização autônoma Mas também não costumo fazer isso Anoto exemplos à noite depois de terminado o trabalho a partir do que me lembro quanto aos textos de sonho que me interessam particularmente peço que os pacientes os registrem após contarem o sonho c A anotação durante a sessão com o paciente se justificaria a partir da intenção de tornar o caso tratado o objeto de uma publicação científica Isso dificilmente seria recusado Mas temos de ter em mente que registros acurados do histórico analítico de uma doença trazem menos benefícios do que se poderia deles esperar A rigor eles pertencem àquela exatidão aparente da qual a psiquiatria moderna nos disponibiliza vários exemplos notórios Geralmente são cansativos para o leitor e não conseguem substituir a sua presença na análise Aliás fizemos a experiência de que o leitor se ele quiser acreditar no analista também lhe dará crédito pelo pouco trabalho que dedicou a seu material mas se ele não quiser levar a sério nem a análise nem o analista ele ignorará os registros acurados do tratamento Não parece ser esse o caminho para resolver a falta de evidências encontrada nas apresentações psicanalíticas d É bem verdade que um dos méritos do trabalho analítico é que nele pesquisa e tratamento coincidem mas a técnica que serve a um de um certo ponto de vista acaba se opondo à outra Não é bom abordar um caso cientificamente enquanto o respectivo tratamento não tiver sido concluído 67 construir a sua estrutura inferir a continuidade fazer imagens do status atual da situação de tempos em tempos tal como o interesse científico o exigiria O sucesso é prejudicado nesses casos que de antemão são definidos pelo aproveitamento científico e tratados de acordo com essas necessidades por outro lado os casos que mais têm sucesso são aqueles em que procedemos quase sem intenção nos surpreendendo com cada mudança de rumo e com que nos defrontamos sempre desarmados e sem preconcepções O comportamento correto do analista consiste em se alçar de uma configuração psíquica para a outra se preciso for não especular e meditar enquanto analisa e só submeter o material obtido ao trabalho sintético do pensamento após terminada a análise A diferença entre as duas configurações perderia a importância se já estivéssemos de posse de todos os conhecimentos ou pelo menos dos conhecimentos essenciais sobre a Psicologia do inconsciente e sobre a estrutura das neuroses que poderíamos obter a partir do trabalho psicanalítico Atualmente ainda estamos bem longe desse objetivo e não podemos bloquear os caminhos para verificar o que até agora foi descoberto e descobrir novidades a respeito e Sou insistente em recomendar aos colegas que no tratamento psicanalítico tomem como exemplo o cirurgião que coloca de lado todos os seus afetos e até a sua compaixão humana e estabelece um único objetivo para as suas forças psíquicas realizar a operação o mais perfeitamente possível Nas atuais condições para o psicanalista existe uma aspiração por afeto mais perigosa que é a ambição terapêutica de realizar através de seu meio novo e muito criticado algo que possa ser convincente para outros Dessa forma ele não só coloca a si próprio em uma situação desfavorável para o seu trabalho mas também se expõe indefeso a certas resistências do paciente de cujo embate de forças afinal depende essencialmente o restabelecimento Genesung A justificativa para essa frieza a ser exigida do analista dáse pelo fato de que para ambas as partes ela cria as condições mais favoráveis para o médico a preservação desejável de sua própria vida afetiva para o doente a maior amplitude de assistência possível hoje Um velho cirurgião usou como seu lema as seguintes palavras Je le pansai Dieu le guérit Eu lhe fiz os curativos Deus o curou O analista deveria se dar por satisfeito com algo parecido f É fácil inferir em qual objetivo essas regras aqui apresentadas confluem Elas todas querem criar no médico o contraponto da regra psicanalítica 68 fundamental estabelecida para o analisando Assim como o analisando deve comunicar tudo que ele capta em sua autoobservação evitando todos os apartes lógicos e afetivos que querem motiválo a proceder a uma seleção também o médico deverá ser capaz de utilizar tudo que lhe foi dito para a finalidade da interpretação do reconhecimento do inconsciente oculto sem substituir a seleção descartada pelo doente por uma censura própria resumindo em uma fórmula ele deverá dirigir para o inconsciente emissor do doente o seu próprio inconsciente enquanto órgão receptor deverá sintonizar se com o analisando assim como o receptor do telefone se sintoniza com o transmissor Assim como o receptor transforma novamente em ondas sonoras as oscilações elétricas da linha originadas por ondas sonoras da mesma forma o inconsciente do médico é capaz de reconstituir a partir das ramificações do inconsciente que lhe são informadas esse inconsciente que determinou as ocorrências Einfälle trazidas pelo paciente Mas se o médico deve ser capaz de se servir assim de seu inconsciente como instrumento durante a análise então ele próprio terá de preencher amplamente uma condição psicológica Ele não poderá tolerar quaisquer resistências dentro de si próprio resistências estas que afastam de seu consciente aquilo que foi reconhecido pelo seu inconsciente do contrário ele introduziria um novo tipo de seleção e deformação na análise o que seria muito mais nocivo do que aquilo que foi produzido pela tensão de sua atenção consciente Para tanto não basta ele ser uma pessoa razoavelmente normal podese antes exigir que ele tenha se submetido a uma purificação5 Purifizierung psicanalítica e que tenha tomado conhecimento daqueles complexos próprios adequados para atrapalhálo na absorção daquilo que lhe é apresentado pelo analisando A bem da verdade não se pode duvidar do efeito desqualificante de tais defeitos próprios cada recalque não resolvido do médico corresponde de acordo com uma expressão precisa de Wilhelm Stekel a um ponto cego em sua percepção analítica Há anos quando perguntado sobre como nos transformamos em analistas respondi através da análise dos próprios sonhos Certamente essa preparação é suficiente para muitas pessoas mas não para todas que querem aprender a análise Também não são todas as que conseguem interpretar os próprios sonhos sem ajuda de terceiros Considero parte dos muitos méritos da escola analítica de Zurique6 o fato de ter enfatizado essa condição concretizandoa 69 na exigência de que todo aquele que quiser executar uma análise dos outros deverá primeiro submeterse a uma análise junto a um especialista Quem levar a tarefa a sério deveria optar por esse caminho que promete várias vantagens o sacrifício de ter se aberto diante de outra pessoa sem a pressão de uma doença existente é largamente recompensado Não apenas realizaremos em um tempo muito mais curto e com menos esforço afetivo a intenção de conhecermos o oculto de nós mesmos mas também adquiriremos impressões e convicções no próprio corpo que em vão buscamos alcançar a partir do estudo de livros e ouvindo conferências Por fim também não será pouco o ganho que teremos a partir da relação psíquica que costuma se estabelecer entre o analisando e o seu guia Einführenden Tal análise de alguém quase saudável compreensivelmente permanecerá inacabada Aquele que souber reconhecer o alto valor do autoconhecimento e do aumento do autocontrole adquiridos através dela depois continuará o desbravamento analítico de sua própria pessoa como uma autoanálise contentandose com o fato de que tanto dentro de si quanto fora terá de esperar encontrar sempre algo de novo Mas aquele que enquanto analista tiver desprezado o cuidado da autoanálise não apenas será punido através da incapacidade de aprender em certa medida com os seus pacientes mas ele também correrá o risco mais sério que poderá se tornar um risco para outros Ele facilmente irá se ver diante da tentação em uma tosca autopercepção de projetar na Ciência aquilo que como se fosse teoria de validade geral ele reconhecer das idiossincrasias de sua própria pessoa ele trará descrédito para o método analítico e induzirá inexperientes ao erro g Acrescentarei algumas outras regras em que se faz a transição entre a postura do médico para o tratamento do analisando Certamente é tentador para o jovem e ambicioso analista o fato de investir muito da própria individualidade para levar o paciente consigo e içálo com esse impulso por sobre as barreiras de sua personalidade estreita Devíamos crer ser totalmente aceitável e até útil para superar as resistências existentes no doente quando o médico lhe oferece uma visão de seus próprios defeitos psíquicos e conflitos possibilitando a ele uma igualdade de posições quando lhe dá informações sigilosas de sua vida Ora a confiança de um equivale à do outro dirão e quem exige intimidade do outro também deve dála em troca Porém no trânsito psicanalítico muitas coisas acontecem de modo 70 diferente do que esperamos a partir dos pressupostos da Psicologia da Consciência A experiência não nos evidencia a excelência dessa técnica afetiva Também não é difícil concordarmos que com ela abandonamos o chão psicanalítico e nos aproximamos dos tratamentos por sugestão Assim conseguese que o paciente mais cordato informe com maior facilidade aquilo que ele conhece e o que ele teria mantido oculto ainda durante algum tempo por obra de resistências convencionais Para a descoberta do que é inconsciente para o paciente essa técnica em nada contribui ela ainda o torna mais incapaz de superar resistências mais profundas e em casos mais graves ela fracassa regularmente diante da insaciedade despertada no paciente que passa a querer inverter a relação achando a análise do médico mais interessante que a sua própria Também a resolução da transferência que é uma das tarefas principais do tratamento é dificultada pela postura de intimidade do médico e o eventual ganho inicial ao final é mais do que anulado Por isso não hesito aqui em avaliar esse tipo de técnica como sendo falha O médico precisa ser opaco para o analisando e assim como uma superfície espelhada não deve mostrar nada além daquilo que lhe é mostrado No entanto não há praticamente nada a criticar quando um psicoterapeuta mistura uma parte de análise com uma porção de influência por sugestão para alcançar resultados visíveis em um espaço mais curto tal como se torna necessário em instituições mas podemos exigir que ele próprio não tenha dúvidas sobre o que está fazendo e que saiba que o seu método não é aquele da autêntica Psicanálise h Outra tentação resulta da atividade educativa que recai sobre o médico no tratamento psicanalítico sem um intuito específico No processo de dissolução dos entraves ao desenvolvimento é natural que o médico aponte novos objetivos para as aspirações agora liberadas Então depois de tanto esforço para libertar a pessoa da neurose é uma ambição perfeitamente compreensível que ele queira transformála em algo especialmente destacado prescrevendo objetivos bastante altos para os desejos dessa pessoa Mas aqui também o médico deveria controlarse tomando como diretriz menos os próprios desejos do que a aptidão do analisando Nem todos os neuróticos têm muito talento para a sublimação podemos supor para muitos deles que não teriam adoecido se fossem dotados da arte de sublimar suas pulsões Se os forçarmos demais na direção da sublimação cortandolhes as mais próximas e confortáveis satisfações pulsionais tornaríamos a vida deles ainda 71 mais difícil do que já lhes parece ser Enquanto médicos precisamos antes de tudo ser tolerantes diante da fraqueza do doente precisamos nos contentar com o fato de termos recuperado uma parte da capacidade de realizar e fruir7 também para um paciente que não apresente elevados valores A ambição educativa é tão pouco adequada quanto a terapêutica Além disso considere se que muitas pessoas adoeceram justamente na tentativa de sublimar suas pulsões para além da medida autorizada pela sua organização e que naqueles capazes de fazer a sublimação esse processo costuma acontecer por si mesmo assim que as suas inibições são superadas através da análise Portanto acho que o empenho em utilizar o tratamento analítico regularmente para a sublimação das pulsões será sempre louvável mas definitivamente não é recomendado para todos os casos i Entre que limites devemos usar a cooperação intelectual do analisando no tratamento É difícil afirmarmos algo a esse respeito que tenha validade geral A personalidade do paciente é o fator decisivo em primeira linha Mas cuidado e reserva também devem ser observados aqui É incorreto dar tarefas ao analisando tais como reunir as suas lembranças meditar sobre um determinado período de sua vida e tarefas assemelhadas Ele terá antes de aprender principalmente o que não é fácil para ninguém admitir que pela atividade intelectual como a meditação que pelo empenho da vontade e da atenção não será resolvido nenhum dos mistérios da neurose que só serão resolvidos através do seguimento paciente da regra psicanalítica que estipula o desligamento da crítica ao inconsciente e seus derivados Essa regra deve ser seguida de forma especialmente rígida com aqueles pacientes que exercitam a arte de resvalar para a intelectualização durante o tratamento e assim refletindo muito e frequentemente com muita erudição sobre o seu estado resguardamse dessa forma de fazer algo para controlar aquele estado Por isso com os meus pacientes não gosto de recorrer à leitura de escritos psicanalíticos eu exijo que aprendam com sua própria pessoa e lhes asseguro que desse modo experienciarão mais e coisas mais valiosas do que toda a literatura psicanalítica poderia lhes transmitir Mas entendo que sob as condições de uma internação em uma instituição pode ser vantajoso usar a leitura para preparar os analisandos e para estabelecer um clima de influência Desaconselho veementemente que busquem a concordância e o apoio dos pais ou parentes dandolhes para ler alguma obra introdutória ou mais 72 aprofundada da nossa literatura Geralmente essa medida bemintencionada é suficiente para fazer eclodir precocemente a oposição natural e em determinado momento inevitável dos parentes contra o tratamento psicanalítico dos seus familiares de modo que nem se chega a começar o tratamento Exprimo aqui a esperança de que a experiência progressiva dos psicanalistas logo nos leve a um consenso sobre as questões da técnica com que se deva tratar de modo mais eficaz os neuróticos Quanto ao tratamento dos parentes confesso aqui a minha total desorientação e deposito pouca confiança em seu tratamento individual iii Frequentemente o analisando afirma já ter feito determinada declaração quando podemos assegurar com tranquila superioridade que o faz pela primeira vez Então percebese que o analisante tivera antes a intenção de o dizer mas foi impedido por uma resistência ainda presente A recordação de tal intenção lhe é indistinguível da de sua realização Freud retoma o tema dessa nota em seu Sobre fausse reconnaissance déjà raconté durante o trabalho analítico neste volume p 183 NR 73 Ratschläge für den Arzt bei der psychoanalytischen Behandlung 1912 1912 Zentralblatt für Psychoanalyse 2 n 9 p 483489 1925 Gesammelte Schriften t VI p 6475 1943 Gesammelte Werke t VIII p 376387 Antes de 1910 Freud já havia publicado três dos seus principais estudos clínicos incluindo aí Dora O homem dos Ratos e O pequeno Hans É a partir deles que o essencial da técnica psicanalítica podia ser inferido até então Mas ainda não havia uma sistematização das diretrizes da técnica analítica Naquela altura Freud alimentava a esperança de publicar uma espécie de Allgemeine Technik der Psychoanalyse Exposição geral da técnica psicanalítica Em 1908 confessa a Abraham esse desejo de publicar algo acerca das regras técnicas do tratamento analítico No Natal relata a Ferenczi que perto de 24 páginas estão escritas Mas elas nunca seriam publicadas No verão seguinte informa Ernest Jones tudo indica que Freud parecia preferir fazer circular um breve memorando contendo recomendações técnicas reservado aos discípulos mais próximos Em carta a Jung de 30 de dezembro de 1908 elogia um ensaio de Ferenczi sobre a transferência acrescentando que este se aproximaria bastante de sua própria perspectiva Finalmente em carta a Jung datada de 2 de fevereiro de 1910 informa que não pretende publicálo ainda Dois meses depois relata a Ferenczi a intenção de retomar a escrita do texto Contudo segundo Strachey a hesitação quanto à publicação de um trabalho sistemático sobre a técnica ou sobre o método indicaria uma certa relutância de Freud que temia entre outras coisas que suas recomendações fossem tomadas como regras inflexíveis O presente artigo foi escrito e publicado em 1912 Como o próprio título indica com precisão trata se aqui de elencar uma série de recomendações técnicas ao praticante da Psicanálise constituindose em um dos textos mais pragmáticos de toda a obra freudiana Uma contribuição decisiva desse artigo é a explicitação da atenção equiflutuante Segundo nota Assoun 2009 p 319 o adjetivo gleichschwebend para além da mera questão da flutuação designa as pequenas batidas de asa suficientes para que um pássaro possa planar É esse tipo de atenção que Freud recomenda aos analistas suficiente para que o analista possa escutar sem seleção prévia as associações livres do analisando NOTAS 1 Freud utiliza no título deste escrito a palavra Arzt médico para se referir ao profissional que exerce a Psicanálise ao passo que em A questão da análise leiga Die Frage der Laienanalyse publicado neste mesmo volume o autor faça questão de mostrar que ainda que a Psicanálise tenha se originado na Medicina seu exercício não é uma prerrogativa dos médicos Ele escreve o segundo trabalho visando sobretudo separar radicalmente os estatutos da Medicina e da Psicanálise Essa aparente contradição pode ser superada se atentarmos para a distância temporal entre os dois artigos Por volta de 1912 época de redação do presente ensaio os primeiros psicanalistas eram oriundos principalmente da formação acadêmica médica NR 2 74 Einfälle Aquilo que ocorre espontaneamente ao pensamento e consequentemente à fala do analisando quando em livre associação NR 3 Gleichschwebende Aufmerksamkeit A noção de atenção em língua portuguesa encontra no alemão as opções por Achtung atenção pontual ou Aufmerksamkeit atenção continuada A isso se soma o adjetivo engendrado por Freud a partir de uma composição entre gleich igualitário equitativo e schwebend flutuante Em língua portuguesa a solução pelo neologismo equiflutuante parece ter sido difundida entre outros pelo psicanalista Renato Mezan NR 4 Segundo James Strachey tratase de uma ocorrência na história clínica do Pequeno Hans de uma expressão bastante próxima dessa embora ainda não qualificada com o adjetivo flutuante NE 5 A palavra que provavelmente pode causar estranhamento ao leitor psicanalítico não é exatamente a mesma utilizada em contextos religiosos Purifikation ainda que possa ser compreendida como sinônimo de Reinigung purificação tornar puro em muitos casos O contexto aqui aponta para uma metáfora relativa a aspectos resistenciais para o recalcado NR 6 Como Freud costuma se referir às contribuições de Carl Gustav Jung NR 7 Ver a nota 7 do texto O método psicanalítico freudiano neste volume p 61 NE 75 SOBRE A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA 1912 O tema da transferência difícil de ser esgotado recentemente foi tratado de forma descritiva por Wilhelm Stekel nesta Zentralblattiv Quero acrescentar aqui apenas algumas considerações que pretendem esclarecer como necessariamente a transferência se desencadeia durante um tratamento psicanalítico e como ela assume o papel já conhecido durante o tratamento Que fique claro para nós que através da junção de predisposições inatas e influências durante os anos de infância todas as pessoas adquiriram uma determinada idiossincrasia ao conduzirem a sua vida amorosa ou seja daí vêm as condições que a pessoa estipula para o amor as pulsões a satisfazer e as metas almejadasv Isso resulta digamos em um clichê ou em vários deles que ao longo da vida é repetido regularmente é reeditado na medida em que as condições externas e a natureza dos objetos amorosos acessíveis o permitirem o que certamente não é de todo imutável mesmo diante de impressões recentes Nossas experiências mostraram então que dessas moções que determinam a vida amorosa apenas uma parte passou pelo pleno desenvolvimento psíquico essa parte está voltada para a realidade à disposição da personalidade consciente e constitui uma parte desta Outra parte dessas moções libidinosas foi detida em seu desenvolvimento foi mantida distante da personalidade consciente e da realidade e só conseguiu se expandir na fantasia ou então permaneceu totalmente no inconsciente sendo portanto desconhecida para a consciência da personalidade Aquele cuja necessidade de amor não é satisfeita plenamente pela realidade terá de se aproximar de cada nova pessoa que se avizinha com representações de expectativas libidinosas e é muito provável que as duas porções de sua libido tanto aquela capaz de chegar à consciência quanto a inconsciente tenham participação nessa postura Portanto é totalmente normal e compreensível que o investimento 76 libidinal Libidobesetzung de uma pessoa parcialmente insatisfeita carregado de muita expectativa também se volte para a figura do médico Conforme o nosso pressuposto esse investimento irá se guiar por modelos irá dar sequência a um dos clichês presentes na respectiva pessoa ou como também poderíamos afirmar irá inserir o médico em uma das sequências psíquicas que o paciente em sofrimento formou até aquele momento Isso corresponderá às relações reais com o médico se para essa inserção for determinante a imago do pai para usar uma expressão feliz de Jungvi Mas a transferência não está atrelada a esse modelo ela poderá se dar também a partir da imago da mãe ou do irmão As peculiaridades da transferência para o médico ultrapassando a medida e o tipo daquilo que se justificaria de forma sóbria e racional será compreensível a partir da consideração de que justamente não foram apenas as representações de expectativas conscientes mas também as retidas ou inconscientes que produziram tal transferência Sobre essa conduta da transferência nada mais haveria a dizer ou pensar se não houvesse aí dois pontos ainda obscuros que são de especial interesse para o psicanalista Primeiro não entendemos por que a transferência no caso de pessoas neuróticas é tão mais intensa na análise do que nas outras pessoas não analisadas segundo permanece uma incógnita o motivo de ser a transferência na análise a mais forte resistência contra o tratamento enquanto fora da análise temos de reconhecêla como portadora do efeito de cura e condição para o sucesso do tratamento Uma experiência confirmada inúmeras vezes aleatoriamente mostra que todas as vezes em que as associações livres de um paciente são impedidasvii o impasse pode ser resolvido a partir da garantia ao paciente de que agora ele está sob o domínio de uma ideia que lhe ocorreu Einfall que diz respeito à pessoa do médico ou a algo ligado a ele Assim que se presta esse esclarecimento o obstáculo desaparece ou então a situação de fracasso foi transformada em uma situação de ocultação de tais ideias que lhe ocorreram Einfälle À primeira vista parece ser uma grande desvantagem metodológica da Psicanálise o fato de que nela a transferência até então a força mais poderosa do sucesso transformase no meio mais forte de resistência Olhando mais de perto porém afastamos pelo menos o primeiro dos dois problemas Não é correto afirmar que a transferência aparece mais intensamente e de forma mais desmedida durante a Psicanálise do que fora 77 dela Nas instituições em que pacientes nervosos não têm tratamento psicanalítico observamos as maiores intensidades e as formas mais indignas de transferência chegando à servidão até mesmo um viés indubitavelmente erótico da transferência Numa época em que mal havia Psicanálise uma observadora sensível como Gabriele Reuter descreveu isso num livro curioso que nos revela aliás as melhores descobertas sobre a essência e o surgimento das neurosesviii Essas características da transferência portanto não devem ser colocadas na conta da Psicanálise mas sim atribuídas à própria neurose O segundo problema por ora permanece intacto Esse problema em que perguntamos por que na Psicanálise a transferência aparece como obstáculo precisa ser analisado mais atentamente Visualizemos a situação psicológica do tratamento um pré requisito regular e imprescindível de toda psiconeurose é o processo que Jung com precisão chamou de introversão da libidoix Isso significa o seguinte a porção da libido capaz de chegar à consciência e voltada à realidade é diminuída e a porção apartada da realidade inconsciente que por exemplo ainda alimenta as fantasias da pessoa mas pertence ao inconsciente é aumentada proporcionalmente A libido moveuse total ou parcialmente para a regressão reanimando as imagines infantisx É nessa direção que segue então o tratamento analítico que quer resgatar a libido tornála novamente acessível à consciência e por fim colocála a serviço da realidade Nos pontos em que a pesquisa analítica topa com a libido recolhida em seus esconderijos necessariamente eclode uma batalha todas as forças que causaram a regressão da libido irão se levantar como resistências contra o trabalho para conservar esse novo estado É que se a introversão ou regressão da libido não tivesse se justificado por uma determinada relação com o mundo externo em sua forma mais geral através do impedimento Versagung da satisfação e sido ela própria adequada para aquele momento ela nem poderia ter se formado As resistências com essa origem no entanto não são as únicas nem mesmo as mais fortes A libido disponível para a personalidade sempre esteve sob a atração dos complexos inconscientes ou mais corretamente as porções desses complexos pertencentes ao inconsciente e resvalou para a regressão porque a atração da realidade tinha ficado menos intensa Para libertála essa atração do inconsciente agora precisa ser superada ou seja o recalque Verdrängung 78 das pulsões inconscientes desde então constituídas no indivíduo e suas produções precisam ser suspensos Isso resulta na parte de longe mais grandiosa da resistência que tão frequentemente faz perdurar a doença mesmo quando o afastamento da realidade volta a perder a justificativa provisória A análise tem de lutar contra as resistências de ambas as fontes A resistência acompanha o tratamento a cada passo cada ocorrência Einfall cada ato do analisando precisa prestar contas à resistência e colocase como um acordo entre as forças que objetivam a cura e aquelas mencionadas que a elas se opõem Se acompanharmos um complexo patogênico desde a sua representação no consciente seja ele evidente como sintoma seja mesmo bastante imperceptível até sua raiz no inconsciente logo chegaremos a uma região em que a resistência se evidencia tão claramente que a próxima ocorrência Einfall terá de lhe fazer jus e aparecer como acordo entre as suas exigências e aquelas do trabalho de pesquisa É aqui então que segundo a comprovação pela experiência entra em cena a transferência Se algo da matéria do complexo o conteúdo do complexo for adequado para ser transferido à pessoa do médico então se dá essa transferência resultando na ideia seguinte e anunciandose através dos sinais de uma resistência por exemplo com uma interrupção A partir dessa experiência concluímos que essa ideia de transferência Übertragungsidee chegou à consciência antes de todas as outras possibilidades de ocorrências Einfallsmöglichkeiten1 porque ela também satisfaz a resistência Tal processo repetese inúmeras vezes no decorrer de uma análise Sempre que nos aproximamos de um complexo patogênico a porção do complexo capaz de transferência é empurrada para a consciência e defendida com a maior insistênciaxi Após a superação desta a dos outros elementos do complexo apresenta poucas dificuldades Quanto mais tempo durar um tratamento analítico e quanto mais claramente o paciente reconhecer que apenas distorções do material patogênico não oferecem proteção contra o descortinamento com mais coerência ele se utilizará daquele tipo de distorção que aparentemente lhe oferece as maiores vantagens a distorção através da transferência Essas relações seguem na direção de uma situação em que finalmente todos os conflitos precisam ser resolvidos no terreno da transferência Assim no tratamento analítico a transferência parecenos surgir primeiro 79 apenas como a arma mais poderosa da resistência e podemos concluir que a intensidade e a duração da transferência são um efeito e uma expressão da resistência O mecanismo da transferência é bem verdade resolvese a partir de seu retorno à disponibilidade da libido que permaneceu em posse de imagos infantis o esclarecimento de seu papel no tratamento porém só funciona se abordarmos os seus vínculos com a resistência Por que motivo a transferência se adequa tão perfeitamente como meio de resistência Poderíamos crer que a resposta a tal pergunta seria fácil Pois é óbvio que a confissão de cada moção de desejo é especialmente dificultada quando deve ser abandonada diante daquela pessoa para a qual a moção é direcionada Essa pressão resulta em situações que na realidade parecem ser praticamente inexequíveis É justamente isso que o analisando quer alcançar quando faz coincidir o objeto de suas moções emotivas com o médico No entanto uma consideração mais aprofundada mostra que essa aparente vantagem não pode levar à solução do problema Uma relação de proximidade carinhosa e devotada por outro lado poderá ajudar a superar todas as dificuldades de admitir tais afetos Como sabemos costumase dizer em condições reais análogas não tenho vergonha diante de ti a ti eu posso dizer tudo A transferência para o médico portanto poderia servir também para aliviar o peso da confissão e não entenderíamos por que ela a dificulta A resposta a essa pergunta aqui colocada diversas vezes não será obtida através de mais reflexões mas pela experiência que se faz por ocasião do tratamento de cada uma das resistências à transferência Percebese por fim que não conseguimos compreender a utilização da transferência para fins de resistência se pensarmos na transferência pura e simplesmente Precisamos tomar a decisão de separar uma transferência positiva de uma negativa a transferência de sentimentos carinhosos daquela de sentimentos hostis tratando os dois tipos de transferência para o médico de forma separada Assim a transferência positiva subdividese ainda naquela de sentimentos simpáticos ou carinhosos capazes de chegar à consciência e naquela que segue pela via inconsciente Em relação às últimas a análise comprova que elas remontam regularmente a fontes eróticas de modo que temos de chegar à conclusão de que todas as nossas relações emotivas utilizáveis ao longo da vida como simpatia amizade confiança e assemelhados têm associação genética com a sexualidade e se desenvolveram pelo enfraquecimento da 80 meta sexual a partir de desejos puramente sexuais por mais que eles se apresentem como puros e não sensuais por nossa autopercepção consciente Originalmente conhecíamos apenas metas sexuais a Psicanálise nos mostra que as pessoas de quem apenas gostamos ou que admiramos em nossa realidade ainda podem continuar sendo objetos sexuais em nosso inconsciente A solução desse enigma é portanto que a transferência para o médico só se mostra propícia à resistência durante o tratamento enquanto ela for transferência negativa ou positiva de moções eróticas recalcadas Se suspendermos a transferência tornandoa consciente desprenderemos da pessoa do médico apenas esses dois componentes do ato emotivo o outro componente capaz de chegar à consciência e não repulsivo permanece sendo portador do sucesso na Psicanálise tanto quanto em outros métodos de tratamento Nesse sentido admitimos que os resultados da Psicanálise se dão com base em sugestão desde que se entenda por sugestão aquilo que compartilhamos com Ferenczixii o sugestionamento de uma pessoa por meio dos fenômenos de transferência que nela são possíveis Nós cuidamos da autonomia final do paciente na medida em que utilizamos a sugestão para fazêlo desempenhar um trabalho psíquico que tem como resultado necessário uma melhora duradoura de sua situação psíquica Podese ainda perguntar por que os fenômenos de resistência da transferência só aparecem na Psicanálise e não no tratamento indiferenciado por exemplo em instituições A resposta é elas também aparecem lá mas precisam ser reconhecidas como tais A irrupção da transferência negativa aliás é bastante frequente em instituições O doente justamente deixa a instituição sem se transformar ou tem recidivas assim que entra no domínio da transferência negativa A transferência erótica não tem efeito tão inibidor nas instituições já que lá assim como na vida ela é embelezada em vez de ser revelada mas ela se manifesta claramente enquanto resistência contra a cura não afugentando o doente da instituição ao contrário ela o segura na instituição mas o distanciando da vida É que para a cura é bastante indiferente se o doente na instituição supera esta ou aquela angústia ou inibição depende muito mais de ele poder se libertar disso também na realidade da sua vida A transferência negativa mereceria uma atenção detalhada que no âmbito 81 destas considerações não será possível Nas formas curáveis de psiconeurose ela se encontra ao lado da transferência carinhosa muitas vezes voltada ao mesmo tempo para a mesma pessoa situação para a qual Bleuler cunhou a boa expressão ambivalênciaxiii Uma tal ambivalência de sentimentos parece ser normal até determinado grau mas um alto grau de ambivalência certamente será a marca específica de pessoas neuróticas No caso da neurose obsessiva parece ser característica a precoce separação dos pares de opostos para a vida pulsional parecendo ser também uma de suas condições constitucionais A ambivalência das inclinações emocionais é a que melhor explica a capacidade dos neuróticos de colocar as transferências a serviço da resistência Ali onde a capacidade de transferência se tornou essencialmente negativa tal como nos paranoides acaba a possibilidade de influência e de cura Com todas essas considerações no entanto fizemos jus a apenas um lado do problema da transferência fazse necessário voltarmos a nossa atenção para um outro aspecto do mesmo fenômeno Quem teve uma clara impressão de como o analisando é arrancado de seus vínculos reais e lançado para o médico assim que entra no domínio de uma farta resistência transferencial e como ele depois toma a liberdade de desprezar a regra psicanalítica fundamental de informar tudo o que vem à mente sem crítica como ele se esquece dos princípios com os quais iniciou o tratamento e como relações e conclusões lógicas que antes o impressionaram bastante agora lhe parecem indiferentes terá a necessidade de explicar essa impressão ainda a partir de outros fatores além dos aqui elencados e eles não estão tão distantes resultam por sua vez da situação psicanalítica para a qual o tratamento deslocou o analisando Rastreando a libido que havia se dispersado do consciente adentrouse o âmbito do inconsciente As reações que se alcançam então trazem à tona muito das características de processos inconscientes tais como as conhecemos pelo estudo dos sonhos As moções inconscientes não querem ser lembradas tal como o tratamento o deseja mas elas almejam se reproduzir de acordo com a atemporalidade e a capacidade alucinatória do inconsciente Semelhante ao que ocorre no sonho o paciente atribui atualidade e realidade aos resultados do despertar de suas moções inconscientes ele quer acionar as suas paixões sem levar em consideração a 82 situação real O médico quer leválo a inserir essas moções emocionais no contexto do tratamento e no de sua história de vida subordinálas à observação pensante e reconhecêlas em seu valor psíquico Essa luta entre médico e paciente entre intelecto e vida pulsional entre reconhecer e querer agir acontece quase exclusivamente nos fenômenos de transferência É nesse campo que precisa acontecer a vitória cuja expressão é a cura duradoura da neurose É inegável que o controle dos fenômenos de transferência oferece as maiores dificuldades para o psicanalista mas não esqueçamos que são justamente elas que nos prestam o inestimável serviço de tornar manifestas e atuais as moções amorosas ocultas e esquecidas dos pacientes pois afinal ninguém pode ser abatido in absentia ou in effigie iv Zentralblatt für Psychoanalyse Folha Central de Psicanálise ano II n II p 26 Na verdade o artigo de Stekel começa na página 27 NE v Protejamonos aqui contra a objeção errônea que acredita termos negado a importância dos fatores inatos constitucionais por termos destacado as impressões infantis Tal crítica origina se na estreiteza da necessidade de causalidade dos homens que quer se satisfazer com um único momento originário ao contrário da configuração usual da realidade A Psicanálise se pronunciou muito sobre os fatores acidentais da etiologia e pouco sobre os constitucionais mas isso apenas porque pôde trazer algo de novo no primeiro caso e no segundo não sabia mais do que em geral já se sabe Rejeitamos o estabelecimento de uma oposição fundamental entre as duas sequências de fatores etiológicos supomos antes uma colaboração regular entre ambas produzindo o efeito observado Δαίμον καὶ Τύχη Destino e Acaso determinam o destino de um homem raras vezes talvez nunca uma dessas forças apenas A distribuição da eficácia etiológica entre as duas só poderá se realizar individualmente e em cada caso específico A sequência em que grandezas alternantes de ambos os fatores se compõem certamente também terá seus casos extremos Dependendo do nível do nosso conhecimento iremos avaliar de modo diferente a parcela da constituição ou da vivência em cada caso específico e nos reservamos o direito de modificarmos o nosso juízo com a mudança de nossas compreensões Aliás poderíamos arriscar a entender a própria constituição como o precipitado das influências acidentais sobre a infinita série dos antepassados vi JUNG Carl Gustav Symbole und Wandlungen der Libido Jahrbuch für Psychoanalyse v III p 164 vii Quero dizer quando elas de fato cessam e não quando o paciente não as externa devido a um simples sentimento de desprazer viii Aus guter Familie De boa família 1895 ix Não obstante algumas declarações de Jung darem a impressão de que ele via nessa introversão 83 algo característico da dementia praecox o que no caso de outras neuroses não seria considerado da mesma maneira x Seria confortável dizer ela voltou a investir os complexos infantis Mas isso não seria correto justificável seria apenas a seguinte afirmação as porções inconscientes desses complexos O extraordinário emaranhado do tema tratado neste trabalho produz a tentação de se debruçar sobre uma série de problemas cujo esclarecimento seria necessário antes de se falar dos processos psíquicos a serem descritos aqui com palavras inequívocas Tais problemas são a delimitação recíproca da introversão e da regressão a inserção da teoria do complexo na teoria da libido as relações do fantasiar com o consciente e o inconsciente assim como com a realidade entre outros Não devo desculparme se tenho aqui resistido a essas tentações xi De onde porém não podemos deduzir de forma generalizante uma importância patogênica específica do elemento escolhido para a resistência transferencial Übertragungswiderstand Se em uma batalha em torno da posse de uma determinada igrejinha ou de uma única fazenda o combate for marcado por intensa amargura não precisaremos supor por isso que a igreja seja um elemento nacional sagrado ou que a casa de fazenda esconda os tesouros do exército O valor dos objetos pode ser apenas tático e talvez só se destaque nessa única batalha xii FERENCZI Sándor Introjektion und Übertragung Introjeção e transferência Jahrbuch für Psychoanalyse v I 1909 xiii BLEULER Eugen Dementia praecox oder Gruppe der Schizophrenien Demência precoce ou grupos de esquizofrenias Handbuch der Psychiatrie Aschaffenburg 1911 Palestra sobre ambivalência em Berna 1910 mencionada no Zentralblatt für Psychoanalyse v I p 266 Para os mesmos fenômenos Wilhelm Stekel tinha sugerido antes o termo bipolaridade 84 Zur Dynamik der Übertragung 1912 1912 Zentralblatt für Psychoanalyse t II n 4 p 167173 1925 Gesammelte Schriften t VI p 5363 1943 Gesammelte Werke t VIII p 363374 O fenômeno da transferência é um dos pilares do tratamento analítico Já em 1895 nos Estudos sobre a histeria Freud descreve a transferência como uma mésalliance uma conexão falsa falsche Verknüpfung As expressões empregadas uma de origem francesa e uma de origem germânica colocam em cena na própria escrita freudiana a amplitude e plasticidade do termo Übertragung que designa transferência mas também pode significar tradução geralmente Übersetzung Naquela altura contudo embora Freud reconhecesse o fenômeno a transferência ainda não tinha centralidade no dispositivo analítico Não por acaso Freud elaborou o conceito de transferência sobretudo nos casos clínicos especialmente em Dora e em O homem dos Ratos quando paulatinamente o conceito vai ganhando contornos mais específicos e delimitados à medida que impasses clínicos vão induzindo a reformulações teóricas e técnicas O presente artigo constitui talvez o primeiro esforço de sistematização acerca da transferência decisivo no contexto das primeiras dissidências do movimento psicanalítico Escrito no final de 1911 Freud anuncia sua conclusão em carta a Jung datada de 31 de dezembro O artigo começa referindo o estudo recémpublicado por Stekel na mesma revista sob o título de As diferentes formas da transferência Por um lado o título de Freud contrapõe o aspecto dinâmico ao caráter descritivo da análise de Stekel Por outro lado não custa lembrar que dinâmico se refere ao lado dos aspectos tópico e econômico a um dos três aspectos da abordagem metapsicológica A conclusão do texto evoca duas expressões latinas oriundas do direito In absentia em ausência é um termo jurídico que designa um processo em que o acusado se recusa a comparecer ao julgamento In effigie em imagem também é uma expressão jurídica que designa o tipo de aplicação de uma punição física ou da lei capital a um substituto ou representação do condenado quando este se encontra foragido por exemplo em outro país Entre os séculos XVI e XVII a pena in effigie podia ser aplicada a um manequim ou a uma imagem Em 1521 a Inquisição por exemplo queimou uma imagem de Lutero em Roma No século XVIII bastava castigar a inscrição de seu nome Em ambos os casos a dimensão metafórica é essencial Sendo um texto fundamental da técnica psicanalítica teve grande repercussão Podemos destacar três capítulos dessa recepção Melanie Klein relê a transferência sobretudo como situação transferencial sob a perspectiva das relações objetais primitivas ampliando o alcance do conceito para a análise com crianças através do conceito de personificação no brincar assim como para o campo da psicose Donald Winnicott publicou nos anos 1950 um artigo intitulado Formas clínicas da transferência no qual diferencia as manifestações bem como o manejo técnico da transferência nas neuroses nas psicoses e nos pacientes borderlines Por usa vez Wilfred Bion trata a transferência como um caso particular de transformação Finalmente Jacques Lacan dedicou a sessão do dia 3 de fevereiro de 1954 do seu Seminário sobre Os escritos técnicos de Freud a uma releitura dos conceitos de transferência e resistência Alguns anos mais tarde dedicou um ano de seu Seminário a uma redefinição do conceito de transferência afastandoo dos fenômenos da sugestão resistência e repetição aos quais estava vinculado na obra de Freud e articulandoo em torno da noção de amor ao saber BION W R Transformations change from learning to growth London Heinemann Medical Books 1965 KLEIN M The origins of transference 1952 In Envy and gratitude and other works 1946 1963 p 4856 London Karnac 1993 LACAN J O Seminário livro 1 Os escritos técnicos de 85 Freud Rio de Janeiro Jorge Zahar 1979 LACAN J O Seminário livro 8 A transferência Rio de Janeiro Jorge Zahar 1992 NOTAS 1 Einfall tratase das ideias ou pensamentos que ocorrem que vêm à tona ou à mente do sujeito que se entrega à associação livre Ainda que tenhamos adotado a tendência a traduzir Einfall por ocorrência em alguns casos utilizamos locuções semelhantes a fim de esclarecer NR 86 SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO 1913 Quem quiser aprender o nobre jogo de xadrez a partir de livros logo irá se dar conta de que apenas as jogadas de abertura e as jogadas finais permitem uma representação exaustiva enquanto a enorme variedade das jogadas que começam a partir da abertura acaba frustrando tal representação Apenas um estudo aplicado de partidas em que mestres se enfrentaram pode preencher essa lacuna das instruções Limitações semelhantes a essas parecem ocorrer com as regras que podemos estabelecer para o exercício do tratamento psicanalítico Daqui em diante tentarei reunir algumas dessas regras para o início do tratamento no intuito de serem utilizadas pelo analista praticante Entre elas há determinações que podem parecer diminutas e que provavelmente o são mesmo Que sirva como desculpa para isso o fato de que são regras do jogo que precisam extrair a sua importância a partir do contexto da estratégia do jogo Mas faço bem em apresentar essas regras como recomendações não querendo advogar para elas uma obrigatoriedade absoluta A diversidade extraordinária das constelações psíquicas em questão a plasticidade de todos os processos anímicos e a riqueza de fatores determinantes também se opõem a uma mecanização da técnica e permitem que um procedimento usualmente justificado por vezes se torne sem efeito assim como um procedimento costumeiramente errôneo algumas vezes possa levar ao objetivo esperado No entanto essas condições não impedem que se estabeleça uma postura razoavelmente adequada do médico Há anos já apontei em outro local as indicações mais importantes para a seleção dos pacientesxiv Por isso não as repetirei aqui nesse meiotempo elas tiveram a aprovação de outros psicanalistas Mas acrescento aqui que desde então me acostumei a aceitar de início apenas provisoriamente por uma a duas semanas pacientes dos quais pouco sei Se durante esse período 87 ocorrer uma interrupção poupamos ao doente a impressão desagradável de uma tentativa fracassada de cura O que se fez foi apenas uma sondagem para conhecer o caso e para decidir se é adequado à Psicanálise Não temos à disposição outro tipo de avaliação além desse ensaio nem mesmo longas conversas e perguntas aos pacientes durante a sessão seriam um substituto para tanto Mas esse ensaio prévio já é o início da Psicanálise e deverá seguir as suas regras Podemos por exemplo mantêla separada na medida em que deixamos principalmente o paciente falar e não lhe prestamos esclarecimentos além daqueles imprescindíveis à continuidade de sua narração O início do tratamento com esse período probatório estipulado em algumas semanas aliás também tem uma motivação diagnóstica Muitas vezes quando estamos diante de uma neurose com sintomas histéricos ou obsessivos sem manifestação excessiva e de curta duração ou seja justamente aquelas formas que seriam vistas como adequadas ao tratamento precisamos dar espaço para nos questionarmos se o caso não corresponde a um estágio prévio de uma chamada dementia praecox esquizofrenia segundo Bleuler parafrenia segundo a minha proposta e que depois de um período breve ou mais longo evidenciará um quadro mais claro dessa afecção Eu contesto quando dizem que é sempre fácil estabelecer a diferença Sei que há psiquiatras que oscilam mais raramente ao estabelecerem o diagnóstico diferencial mas eu me convenci de que eles também se equivocam com a mesma frequência Ocorre que o erro é mais carregado de consequências para o psicanalista do que para o chamado psiquiatra clínico Pois este último nem em um caso nem no outro empreende algo frutífero ele apenas corre o risco de cometer um erro teórico e o seu diagnóstico tem apenas interesse acadêmico Mas o psicanalista em um caso desfavorável terá cometido uma falha prática e causado um esforço inócuo desacreditando o seu processo de cura Ele não pode manter a sua promessa de cura se o doente não sofrer de histeria ou neurose obsessiva mas sim de parafrenia e por isso terá fortes razões para evitar o erro no diagnóstico Em um tratamento probatório de algumas semanas ele muitas vezes irá ter percepções e suspeitas que o levem a não continuar a experiência Infelizmente não posso afirmar que tal experiência regularmente possibilite uma decisão segura é apenas uma boa precaução suplementarxv 88 Longas conversas prévias antes do início do tratamento analítico uma terapia de outro tipo feita anteriormente assim como um conhecimento anterior do futuro analisando por parte do médico tem certas consequências desvantajosas para as quais precisamos estar preparados É que elas fazem com que o paciente se coloque diante do médico com uma postura preconcebida em relação à transferência que o médico precisará desvendar aos poucos em vez de ter a oportunidade de observar desde o início o crescimento e o devir da transferência Dessa forma o paciente estará na dianteira durante um determinado período vantagem que não gostamos de lhe conceder durante o tratamento Desconfiemos de todos aqueles que querem começar o tratamento com um adiamento A experiência nos mostra que após decorrido o prazo acordado eles não aparecem mesmo quando a motivação desse adiamento ou seja a racionalização do propósito pareça impecável ao não iniciado Dificuldades específicas surgem quando entre o médico e o paciente que começa a análise ou entre as famílias de ambos em algum momento houve relações sociais ou de amizade O psicanalista do qual se exige que trate da esposa ou do filho de um amigo deve se preparar para o fato de que esse empreendimento não importando o resultado final custarlheá a amizade É ele quem terá de fazer o sacrifício no caso de não conseguir ser um substituto confiável Tanto leigos quanto médicos que ainda gostam de confundir a Psicanálise com um tratamento baseado em sugestão costumam dar grande valor à expectativa que o paciente tem em relação ao novo tratamento Eles acreditam muitas vezes que não iremos ter muito trabalho com um paciente caso ele tenha grande confiança na Psicanálise estando convencido de sua verdade e de sua capacidade efetiva Outro paciente possivelmente dará mais trabalho pois tem uma postura cética e não acredita em nada antes de perceber o sucesso em si próprio Mas na verdade essa postura dos pacientes tem muito pouca importância sua confiança ou desconfiança provisórias são pouco relevantes diante das resistências internas que ancoram a neurose A boafé do paciente certamente torna o trânsito com ele bastante agradável agradecemos a ele por isso mas o preparamos para o fato de que sua posição inicial favorável será destroçada ao encontrar a primeira dificuldade no tratamento Ao cético dizemos que a análise não precisa de confiança que ele pode ser crítico e desconfiado à vontade que não colocaremos a sua 89 posição na conta de seu juízo pois ele não está em condições de formar um juízo confiável acerca desses pontos sua desconfiança é justamente um sintoma assim como os seus outros sintomas e não será incômodo se ele apenas seguir de modo consciencioso aquilo que a regra do tratamento exigir dele Quem estiver familiarizado com a natureza da neurose não ficará espantado ao ouvir que mesmo aquele que tem total capacidade de psicanalisar os outros pode se comportar como outro mortal qualquer podendo produzir as mais intensas resistências assim que ele mesmo for transformado em objeto da Psicanálise Então mais uma vez experienciamos a dimensão psíquica profunda e não acharemos espantoso que a neurose tenha suas raízes em camadas psíquicas nas quais a formação analítica ainda não adentrou Pontos importantes no início do tratamento analítico são as determinações referentes a tempo e dinheiro Quanto ao tempo sigo exclusivamente o princípio da remuneração por uma determinada hora A cada paciente é atribuída uma determinada hora disponível do meu dia de trabalho essa hora será a sua e ele será responsável por ela mesmo se não vier a usála Essa determinação que parece óbvia em nossa boa sociedade para o professor de música ou de idiomas no caso do médico pode parecer dura ou mesmo indigna de sua função Estaremos inclinados a apontar os diversos acasos que poderão impedir o paciente de comparecer sempre à mesma hora no consultório médico e exigiremos que devam ser levadas em consideração as inúmeras doenças intercorrentes que podem acontecer ao longo de um tratamento analítico mais extenso No entanto a minha resposta é não há outro jeito No caso de uma prática mais complacente os cancelamentos eventuais acabam se acumulando tanto que o médico verá a sua existência material ameaçada Se nos ativermos estritamente àquela determinação no entanto verificamos que acasos que impedem a presença são inexistentes e as doenças intercorrentes muito raras Dificilmente teremos a situação em que fruiremos do ócio do qual teríamos de nos envergonhar pela respectiva remuneração podemos continuar o trabalho sem sermos incomodados e evitamos a experiência desagradável e confusa de que justamente quando o trabalho prometia ser muito importante e rico em conteúdo entra uma pausa involuntária Só nos convencemos plenamente da importância do fator psicogênico no cotidiano 90 das pessoas da frequência das doenças escolares e da nulidade do acaso quando praticamos a Psicanálise durante anos seguindo estritamente o princípio da remuneração por hora No caso de afecções claramente orgânicas que não podem ser excluídas mesmo pelo interesse psíquico interrompo o tratamento e me julgo no direito de ocupar a hora que ficou livre de outra forma retomando o paciente assim que ele estiver restabelecido e eu conseguir outro horário livre Trabalho com os meus pacientes diariamente à exceção dos domingos e dos feriados ou seja normalmente seis vezes por semana Para casos leves ou continuações de tratamentos já bastante avançados são suficientes três horas por semana Do contrário limitações de tempo não trarão vantagens nem para o médico nem para o paciente no início elas deverão ser totalmente descartadas Já com breves interrupções o trabalho sempre fica um pouco prejudicado costumávamos brincar falando de uma crosta de segundafeira quando após o descanso do domingo começamos do início no caso de um trabalho mais espaçado correse o risco de não acompanhar a vivência real do paciente e de que o tratamento perca o contato com a realidade sendo conduzido para desvios Ocasionalmente também encontramos doentes aos quais precisamos dedicar mais tempo do que a média de uma hora porque eles gastam a maior parte dessa hora para se extroverter e tornarse comunicativos Uma questão incômoda para o médico e que o paciente logo no início lhe coloca é a seguinte Quanto tempo irá durar o tratamento Quanto tempo o senhor precisa para me libertar do meu sofrimento Se tiver sido sugerido um tratamento probatório de algumas semanas o médico eximese de uma resposta direta a essa pergunta na medida em que promete dar uma declaração mais confiável depois de decorrido o período probatório Respondese como o Esopo na fábula respondeu ao andarilho que pergunta pelo comprimento do caminho com a seguinte conclamação Anda e explica a informação com a justificativa de que primeiro se precisa conhecer o passo do andarilho para depois poder calcular a duração de sua caminhada Com essa informação superamos as primeiras dificuldades mas a comparação não é boa pois o neurótico facilmente pode mudar a sua velocidade e em determinadas épocas fazer apenas progressos muito pequenos A questão em torno da provável duração do tratamento na verdade praticamente não pode ser respondida 91 A falta de compreensão Einsichtlosigkeit dos pacientes e a insinceridade dos médicos reúnemse resultando em expectativas exageradas em relação à análise concedendolhe para tal um tempo diminuto Informo por exemplo os seguintes dados da carta de uma senhora na Rússia que recebi há poucos dias ela tem 53 anos de idade sofre há 23 e há 10 anos não é mais capaz de encontrar um trabalho fixo Tratamentos em diversas instituições para doenças dos nervos não conseguiram possibilitar a ela uma vida ativa Ela espera que com a Psicanálise sobre a qual leu alguma coisa possa ser completamente curada Mas os tratamentos já custaram tanto à sua família que ela não poderá permanecer em Viena mais do que seis semanas ou dois meses Somese a isso a dificuldade de que desde o início ela só quer tornar claras as coisas por escrito pois tocar em seus complexos provocaria uma explosão dentro dela ou fazer com que emudecesse temporariamente Ninguém esperaria levantar uma mesa pesada com dois dedos como se fosse um banquinho ou que se construa uma casa grande no mesmo tempo que uma cabaninha de madeira mas assim que se trata das neuroses que atualmente parecem ainda não ter sido inseridas no contexto do pensamento humano até mesmo pessoas inteligentes se esquecem da proporcionalidade necessária entre tempo trabalho e sucesso Aliás essa é uma consequência compreensível do profundo desconhecimento da etiologia das neuroses Dada essa ignorância para essas pessoas a neurose é uma espécie de menina do exterior1 Não se sabe de onde veio e por isso se espera que um dia terá desaparecido Os médicos apoiam essa boafé mesmo os doutos entre eles não avaliam devidamente a gravidade das doenças neuróticas Um colega amigo meu de quem admiro profundamente o fato de ele após várias décadas de trabalho científico com pressupostos diferentes ter se inclinado para a Psicanálise certa vez me escreveu precisamos é de um tratamento breve confortável e ambulatorial das neuroses obsessivas Não podia oferecer isso envergonhei me e procurava me desculpar com a observação de que provavelmente também os especialistas em Medicina Interna ficariam muito felizes com uma terapia da tuberculose ou do carcinoma que reunisse essas vantagens Dizendo de uma forma mais direta na Psicanálise tratase sempre de longos períodos de tempo semestres ou anos inteiros sempre períodos mais longos do que aqueles esperados pelo paciente Por isso temos a obrigação 92 de esclarecer a situação ao paciente antes que ele decida definitivamente iniciar o tratamento De resto sempre acho mais digno e também mais adequado quando desde o início o alertamos sem querer assustálo para as dificuldades e os sacrifícios da terapia analítica tirandolhe assim toda pretensa razão se ele porventura no futuro vier a alegar que fora atraído para o tratamento cuja amplitude e importância desconhecia Quem perder tempo com essas alegações de qualquer modo mais adiante teria se revelado como inapto ao tratamento É bom fazer uma seleção assim antes do início do tratamento Com o progresso do esclarecimento dos pacientes cresce o número daqueles que são aprovados nessa primeira prova Recusome a obrigar os pacientes a perseverarem no tratamento durante um determinado período e faculto a todos interromperem o tratamento quando lhes aprouver mas não escondo deles que uma interrupção depois de um curto período de tempo não terá sucesso algum e que isso facilmente poderá colocálos numa situação insatisfatória tal como de uma cirurgia não concluída Nos primeiros anos de minha atividade psicanalítica tive a maior dificuldade em motivar os meus doentes a ficar essa dificuldade há muito tempo se transladou agora preciso me esforçar angustiado para encorajá los a parar O encurtamento do tratamento analítico é um desejo justificado cuja realização como ouviremos adiante é buscada por meio de diversos caminhos Infelizmente há um impedimento um fator muito importante que é o vagar com que as transformações psíquicas profundas transcorrem em última análise provavelmente a atemporalidade de nossos processos conscientes Quando os pacientes são colocados diante da dificuldade do grande empenho de tempo para a análise não raro eles sugerem um certo expediente de informação Eles subdividem os seus problemas naqueles que lhes parecem insuportáveis e os que descrevem como secundários dizendo se o senhor me livrar apenas de um por exemplo da dor de cabeça de determinada angústia Angst eu mesmo me viro com o outro em minha vida No entanto com isso eles supervalorizam o poder eletivo da análise Certamente o médico analista consegue muito mas ele não consegue determinar ao certo o que ele trará à tona Ele introduz um processo que é o da dissolução dos recalques existentes ele pode supervisionálo estimulálo tirar obstáculos do caminho e certamente pode também estragálo em larga medida Mas em geral o processo uma vez iniciado acaba seguindo o seu 93 próprio caminho e não permite que lhe sejam impostas nem a direção nem a sequência dos pontos que ele irá atacar Portanto o poder do analista sobre as manifestações da doença colocase mais ou menos na mesma situação da potência masculina O mais forte dos homens pode é verdade gerar uma criança inteira mas não pode fazer com que no ventre feminino surja uma cabeça apenas um braço ou uma perna ele nem mesmo tem o poder de definir o sexo da criança Ele justamente apenas inicia um processo altamente intricado e determinado por acontecimentos antigos que termina com a separação entre a mãe e a criança Também a neurose de uma pessoa possui as características de um organismo suas manifestações parciais não são independentes umas das outras elas se condicionam mutuamente costumam apoiarse sempre se sofre de apenas uma neurose não de várias que por acaso se encontraram em um indivíduo O doente a quem libertamos conforme seu pedido de um sintoma insuportável facilmente poderia fazer a experiência de que um sintoma até então leve se potencializa até atingir o insuportável Aliás quem quiser dissociar ao máximo o sucesso de suas condições sugestivas isto é condições de transferência fará bem em renunciar também aos resquícios de influência seletiva sobre o resultado terapêutico que são direito do médico Para o psicanalista os melhores pacientes são aqueles que exigem dele a saúde plena desde que ela seja possível colocando à sua disposição o tempo necessário ao processo de restabelecimento Evidentemente são poucos os casos que oferecem condições tão favoráveis O próximo ponto que deve ser decidido no início de um tratamento é o dinheiro os honorários do médico O analista não contesta que o dinheiro em primeira linha deva ser visto como meio de sustento de si próprio e de aquisição de poder mas ele afirma que há poderosos fatores sexuais que participam da apreciação do dinheiro Então ele poderá se apoiar no fato de que assuntos que envolvem dinheiro são tratados na cultura pelos homens de forma muito semelhante a como tratam coisas sexuais com as mesmas dubiedade pudicidade e hipocrisia Ou seja desde o início ele está decidido a não participar disso mas a tratar de questões financeiras diante do paciente com a mesma e óbvia honestidade para a qual ele quer educálo em relação à vida sexual Provalhe que ele próprio abdicou de uma falsa vergonha informandolhe sem ser perguntado como ele avalia o seu tempo A sabedoria humana impõe então que não se deixem acumular grandes 94 quantias mas que se estipule o pagamento em períodos de tempo mais curtos e regulares por exemplo mensalmente Como se sabe não melhoramos a apreciação do tratamento por parte do paciente se cobrarmos muito pouco Essa não é como sabemos a práxis comum do neurologista ou do internista na nossa sociedade europeia Mas o psicanalista pode se colocar na mesma situação do cirurgião que é sincero e cobra caro pois ele dispõe de tratamentos que podem ajudar Creio ser mais digno e eticamente mais inquestionável professar suas verdadeiras metas e necessidades do que como ainda hoje é usual entre médicos mostrarse um altruísta filantropo cuja situação não lhe condiz e intimamente se irritar com a falta de consideração e a necessidade de exploração por parte do paciente ou ainda vociferar quanto a isso Pelo seu direito a pagamento o analista ainda saberá fazer valer o argumento de que mesmo com trabalho pesado ele nunca receberá tanto quanto outros médicos especialistas Pelos mesmos motivos ele pode recusar o tratamento não remunerado não fazendo exceções para colegas ou parentes Essa última exigência parece contrariar o coleguismo médico mas lembrese de que um tratamento grátis significa muito mais para um psicanalista do que para qualquer outro que é a subtração de uma significativa fração de seu tempo de trabalho remunerado uma oitava uma sétima parte e assemelhados ao longo de vários meses Um segundo tratamento grátis concomitante já lhe rouba um quarto ou um terço de sua capacidade de remuneração o que seria equiparável ao efeito de um grave acidente traumático Perguntamos então se a vantagem para o paciente compensa de alguma forma o sacrifício do médico Eu certamente tenho direito de emitir um juízo a respeito pois durante cerca de 10 anos dediquei uma às vezes duas horas diárias a tratamentos gratuitos porque para fins de orientação na neurose eu queria trabalhar com o mínimo de resistência possível Nesse contexto não encontrei as vantagens que procurava Algumas das resistências dos neuróticos aumentam enormemente no tratamento gratuito assim como na mulher jovem aumenta a tentação contida na relação transferencial e no homem jovem a resistência contra a obrigação à gratidão oriunda do complexo paterno que faz parte das mais resistentes dificuldades no auxílio médico A ausência da regulação que se dá a partir do pagamento ao médico se faz presente de uma forma muito desconcertante a relação distanciase do mundo real é tirado do paciente um bom motivo para se empenhar pelo fim 95 do tratamento Podese estar bem distante da condenação ascética do dinheiro e mesmo assim lamentar que a terapia analítica fique quase inacessível aos pobres por motivos tanto externos quanto internos Há pouco a se fazer contra essa situação Talvez esteja certa a afirmação muito disseminada de que sucumbe menos à neurose aquele que é forçado ao trabalho árduo dadas as necessidades da vida Mas indiscutivelmente há também a outra experiência de que se o pobre chega a desenvolver uma neurose só deixa que a tirem dele com muita dificuldade Ela lhe presta serviços bons demais na luta pela autoafirmação o lucro secundário da doença que ela lhe traz é muitíssimo significativo A piedade que as pessoas não mostraram em relação à sua necessidade material ele agora reivindica sob o título de sua neurose e pode assim libertarse ele mesmo da exigência de combater sua pobreza com trabalho Aquele que combate a neurose de um pobre com os meios da psicoterapia portanto geralmente fará a experiência de que nesse caso na verdade exigese dele uma terapia prática de um tipo completamente diferente tal como a utilizada pelo imperador José II segundo a lenda que corre entre nós É claro que ocasionalmente encontramos pessoas de valor e desamparadas sem terem sido elas as culpadas por isso nas quais o tratamento gratuito não encontra os obstáculos mencionados acima atingindo bons resultados Para a classe média o investimento financeiro necessário à Psicanálise é excessivo apenas na aparência Isso sem falar que a saúde e a capacidade produtiva por um lado e um investimento moderado por outro são de resto incomensuráveis se somarmos os gastos intermináveis em sanatórios e no tratamento médico contrapondoos ao aumento da capacidade produtiva e de trabalho após um tratamento encerrado com sucesso podemos dizer que os doentes fizeram um bom negócio Não há nada mais caro na vida do que a doença e a estupidez Antes de encerrar estas observações sobre o início do tratamento analítico cabe ainda uma palavra acerca de um certo cerimonial da situação na qual é conduzido o tratamento Mantenho o conselho de deixar que o paciente se deite em um divã Ruhebettxvi enquanto nós nos acomodamos atrás dele sem que ele nos veja Esse dispositivo tem um sentido histórico ele é um resquício do tratamento hipnótico a partir do qual se desenvolveu a 96 Psicanálise Mas por vários motivos merece ser mantido Em primeiro lugar por um motivo pessoal mas que outros possivelmente compartilharão comigo Não suporto ser observado fixamente por outras pessoas durante oito ou mais horas por dia Já que enquanto escuto entregome ao decurso de meus pensamentos inconscientes não quero que as minhas feições forneçam aos pacientes material para interpretações ou que os influenciem em suas comunicações O paciente geralmente entende a situação que lhe é imposta como privação resistindo a ela especialmente quando a pulsão de olhar Schautrieb o voyeurismo tiver um papel importante na sua neurose Mas me mantenho irredutível quanto a essa medida que tem a intenção e o efeito de prevenir a mistura imperceptível da transferência com aquilo que ocorre ao paciente de isolar a transferência e no tempo certo deixála aflorar como resistência descrita de forma clara e precisa Sei que muitos analistas agem de outro modo mas não sei se é a ânsia de fazer diferente ou se é uma vantagem que encontraram ao agirem assim que tem maior participação nesse desvio Tendo então estabelecido as condições do tratamento dessa forma surge a questão em que ponto e com que material devese iniciar o tratamento2 Em geral o material com que começamos o tratamento é indiferente seja ele a história de vida seja a história da doença ou lembranças da infância do paciente Mas em todo caso deixamos que o paciente conte e deixamos a cargo dele a escolha do ponto inicial Dizemos a ele portanto antes que eu possa lhe dizer algo preciso ter muitas informações a seu respeito por favor me informe o que sabe sobre si próprio Fazemos uma exceção apenas para a regra fundamental da técnica psicanalítica a ser observada pelo paciente Apresentamos a ele esta regra desde o início Mais um detalhe antes de começar A sua narrativa deve diferenciarse em um ponto de uma conversa comum Enquanto normalmente e com razão procuraria achar o fio da meada no contexto geral da sua narrativa rechaçando todas as ocorrências e pensamentos adjacentes para não se perder em digressões proceda de outro modo aqui Você observará que lhe ocorrerão vários pensamentos que você quer rechaçar com certas restrições críticas Você ficará tentado a dizer a si próprio isto ou aquilo não vem ao caso ou é absolutamente sem importância ou não faz sentido e por isso não precisa ser dito Nunca ceda a essa crítica digao mesmo assim justamente 97 porque você sente uma rejeição diante disso A razão dessa prescrição na verdade a única que você deverá seguir você conhecerá mais tarde e aprenderá a entendêla Portanto diga tudo o que lhe passa pela mente Comportese por exemplo como um viajante sentado à janela do trem que descreve para quem está dela mais afastado do lado de dentro como a paisagem vai mudando diante de seus olhos E por fim nunca se esqueça de que você prometeu sinceridade plena e nunca passe por cima de algum fato só porque por algum motivo essa informação lhe é desagradávelxvii Pacientes que consideram que seu estado de doença iniciou num determinado momento geralmente se concentram na causa da doença outros que não ignoram a relação de sua neurose com a própria infância frequentemente começam com a apresentação de toda a sua história de vida Não espere em hipótese alguma uma narrativa sistemática e nada faça para estimulála Cada pedacinho da história depois terá de ser contado de novo e só nessas repetições surgirão os acréscimos que revelarão os contextos relevantes desconhecidos do paciente Há pacientes que desde as primeiras sessões se preparam com esmero para a narrativa aparentemente para garantir o melhor aproveitamento do tempo de tratamento Aquilo que vem travestido de empenho na verdade é resistência Desaconselhe tais preparações que servem apenas de proteção contra o surgimento de ocorrências indesejadasxviii Por maior que seja a sinceridade com que o paciente acredite em sua intenção louvável não há escapatória a resistência cobrará o seu quinhão no tipo de preparação intencional e mostrará o seu poder fazendo com que o material mais precioso escape de ser comunicado Logo se perceberá que o paciente ainda irá inventar outros métodos para omitir do tratamento aquilo que dele se exige Por exemplo irá conversar diariamente com um amigo íntimo sobre o tratamento inserindo nessa conversa todos os pensamentos que deveriam aflorar na presença do médico O tratamento então terá sofrido um vazamento pelo qual escoa justamente o melhor de tudo Sendo assim logo chegará o momento de aconselhar ao paciente que encare o seu tratamento analítico como um assunto que diz respeito apenas ao seu médico e a ele próprio excluindo todas as outras pessoas por mais próximas ou curiosas que sejam sobre o assunto Em estágios posteriores do tratamento geralmente o paciente acaba não sucumbindo mais a essas tentações 98 Doentes que queiram manter em sigilo o tratamento muitas vezes porque também mantiveram em segredo a sua neurose não terão nenhum obstáculo de minha parte a esse respeito Evidentemente é inadmissível que devido a essa reserva alguns dos melhores resultados na cura tornemse sem efeito no convívio com os outros A opção dos pacientes pelo sigilo obviamente já evidencia um traço de sua história secreta Se desde o início incutirmos no paciente a orientação de que ao longo do tratamento ele informe o menor número de pessoas possível a respeito nós o protegeremos até certo ponto de muitas influências hostis que tentarão afastálo da análise Tais influências podem se tornar prejudiciais no início do tratamento Mais adiante elas geralmente são inócuas ou até mesmo úteis para trazer à tona resistências que querem permanecer ocultas Se durante o tratamento analítico o paciente transitoriamente precisar de outra terapia de ordem clínica geral ou especializada será muito mais adequado recorrer a um colega não analista do que prestar esse tipo de ajuda por conta própria Tratamentos combinados originados por males neuróticos com forte característica orgânica geralmente são inexequíveis Os pacientes têm sua atenção desviada do tratamento assim que lhes mostramos mais de um caminho em direção à cura É preferível transferir o tratamento orgânico para depois do fim do tratamento psíquico se começássemos pelo último na maioria das vezes este não teria sucesso Voltemos ao início do tratamento Ocasionalmente iremos nos deparar com pacientes que começam o tratamento garantindo em postura de rejeição que não lhe vem à cabeça nada que possam contar apesar de estar diante deles toda a área da história de vida e da doença intocadas Não ceda ao pedido deles de indicar sobre o que devem falar nem nessa primeira vez nem nas outras vezes Tenha em mente o problema a ser enfrentado nesses casos Há uma forte resistência no primeiro plano buscando defender a neurose aceite imediatamente esse desafio e enfrenteo A garantia repetida de forma enérgica de que não há essa ausência de ocorrências no início e que se trata de uma resistência ao tratamento logo levará o paciente a fazer as confissões de que suspeitávamos ou revelará uma primeira parte de seus complexos É grave ele ter de confessar que ao ouvir a regra básica decidiu se reservar o direito de manter para si isto ou aquilo Menos mal se ele precisar comunicar apenas qual a desconfiança que ele tem diante da análise ou que tipo de coisas assustadoras ouviu a respeito Se ele negar essa e outras alternativas 99 que lhe apresentamos por meio da insistência poderemos forçálo à confissão de que deixou de lado certos pensamentos que o intrigam Ele pensou no próprio tratamento ou então não pensou em nada específico ou ainda se deteve na imagem da sala em que se encontra ou se vê instado a pensar nos objetos presentes na sala em que está ou pensa no fato de estar no divã sendo que isso tudo foi substituído pela palavra nada Essas alusões são compreensíveis claro tudo o que se associa à situação presente corresponde a uma transferência para o médico que se revela apropriada para uma resistência Dessa forma vemonos obrigados a começar com o desvendamento dessa transferência a partir dela será rápido encontrarmos o caminho até a entrada do material patogênico do doente Mulheres que de acordo com a sua história de vida estão em alerta para uma agressão sexual e homens com intenso recalcamento de sua homossexualidade são os mais propensos a apresentar no início da análise uma tal recusa daquilo que lhes ocorre Assim como a primeira resistência também os primeiros sintomas ou os primeiros atos casuais dos pacientes podem demandar um interesse especial denunciando um complexo que domina a sua neurose Um jovem filósofo espirituoso com posições estéticas refinadas irá se apressar em acertar a dobra da calça antes de se deitar no divã na primeira sessão ele revela ser um antigo coprófilo de alto requinte como era de se esperar para o futuro esteta Na mesma situação uma jovem apressadamente puxa a bainha de sua saia para encobrir o tornozelo à mostra com isso revelou o melhor daquilo que mais tarde a análise posterior demonstrará ou seja o seu orgulho narcísico da beleza de seu corpo e suas tendências ao exibicionismo Um grande número de pacientes é reticente em relação à posição que lhes é sugerida enquanto o médico está sentado atrás deles sem ser visto e pedem permissão para fazer o tratamento em outra posição em geral porque não querem prescindir de olhar para o médico Em geral essa permissão não lhes é dada mas não podemos impedilos de lograr dizer algumas frases antes do início da sessão ou após o anúncio do seu término quando se levantam Assim eles dividem o tratamento em um segmento oficial durante o qual geralmente se comportam de modo muito acanhado e em um segmento aconchegante em que podem realmente falar livremente e em que comunicam muitas coisas que eles próprios não consideram parte do tratamento O médico não tolera essa divisão por muito tempo ele aponta o 100 que foi dito antes ou após a sessão e a partir da utilização desse material na próxima oportunidade ele acaba por derrubar o muro de separação que o paciente pretendia erguer O mesmo muro por sua vez é feito do material de uma resistência transferencial Enquanto as informações e o que ocorre ao paciente se derem sem interrupções deixe o tema da transferência intocado Devese esperar com esse procedimento que é dos mais sensíveis até que a transferência tenha se transformado em resistência A questão seguinte que se nos apresenta é uma questão de princípios É a seguinte quando devemos começar com as comunicações ao analisando Quando é chegado o momento de desvendar para ele o significado secreto de suas ideias espontâneas Einfälle de introduzilo nos pressupostos e nos procedimentos técnicos da análise A resposta a essa pergunta só pode ser uma não antes de ter se instalado no paciente uma transferência produtiva um rapport razoável O primeiro objetivo do tratamento permanece o de atrelálo à terapia e à pessoa do médico Nada mais precisa ser feito além de lhe dar tempo Se demonstrarmos interesse genuíno afastarmos cuidadosamente resistências que surgiram inicialmente e evitarmos certos erros de conduta o próprio paciente irá estabelecer esses laços associando o médico a uma das imagos daquelas pessoas das quais estava acostumado a receber carinho No entanto podemos desperdiçar esse primeiro sucesso se desde o início adotarmos um ponto de vista diferente da empatia por exemplo uma postura moralizante ou se nos portarmos como representantes ou mandatários de uma parte interessada do cônjuge etc Evidentemente essa resposta inclui a condenação de um procedimento que pretendia informar ao paciente as traduções de seus sintomas assim que nós próprios os tenhamos inferido ou mesmo vislumbrado ali um triunfo especial em jogar na cara dele essas soluções na primeira sessão Para um analista com alguma prática não será difícil detectar claramente os desejos retidos de um paciente já a partir de suas queixas do relato de sua doença mas qual não será o grau de autossatisfação e de falta de reflexão para revelar a um estranho totalmente alheio aos pressupostos analíticos e após um breve contato inicial que ele tem uma forma incestuosa de dependência da mãe que tem desejos de morte em relação à sua esposa supostamente amada por ele e que tem a intenção de trair o seu chefe ou coisas parecidas Ouvi dizer 101 que há analistas que se arvoram em fazer tais diagnósticos imediatos e tratamentos rápidos mas eu só posso alertar a todos dizendo que não sigam tais exemplos Com isso você e o seu ofício cairão em descrédito e suscitarão as mais fortes resistências quer você tenha acertado ou errado o diagnóstico na verdade a resistência será tão mais forte quanto mais correto tiver sido o diagnóstico O efeito terapêutico geralmente então será próximo a zero num primeiro momento mas a repulsa diante da análise será definitiva Mesmo em estágios mais avançados do tratamento devemos ter o cuidado de não comunicarmos uma solução de sintomas e uma tradução de desejos antes que o paciente esteja quase lá de modo que ele precisará apenas dar um pequeno passo para se apoderar ele mesmo dessa solução Nos meus primeiros anos de trabalho muitas vezes tive a oportunidade de perceber que a informação precoce de uma solução de tratamento provocava o seu fim precoce tanto devido às resistências tão repentinamente avivadas quanto devido ao alívio proporcionado pela solução Aqui podese fazer a seguinte interpelação mas será tarefa nossa prolongar o tratamento Não seria ela a de terminálo o mais rápido possível Será que o paciente não sofrerá devido ao seu não conhecimento e à sua não compreensão e não seria nosso dever tornálo ciente assim que possível ou seja assim que o médico estiver ciente A resposta a essa pergunta demanda um breve excurso sobre a importância do saber e sobre o mecanismo da cura na Psicanálise Nos primórdios da técnica analítica de fato numa postura intelectualista de pensamento tínhamos em alta conta o saber do doente acerca daquilo que ele esquecera mal distinguindo entre o nosso saber e o dele Considerávamos um caso de grande sorte quando conseguíamos obter de outra fonte informações sobre um trauma de infância esquecido por exemplo informações obtidas a partir dos pais dos cuidadores ou do próprio sedutor como era possível em alguns casos e nos apressávamos em levar ao doente o conhecimento e as comprovações de sua veracidade na expectativa segura de estarmos levando a neurose e o tratamento a uma rápida conclusão Foi uma grande decepção quando o sucesso esperado não se deu Como era possível o doente que agora sabia de sua vivência traumática comportarse como se soubesse a mesma coisa que antes Nem mesmo a lembrança do trauma recalcado aparecia em decorrência da sua comunicação e da descrição Em um determinado caso a mãe de uma menina histérica me contou em 102 segredo a vivência homossexual que tinha forte influência sobre a fixação das crises da menina A própria mãe havia flagrado a cena mas a paciente a havia esquecido completamente apesar de já estar na prépuberdade havia alguns anos Então tive a oportunidade de fazer uma experiência muito profícua em termos de ensinamento Toda vez que eu repetia a narrativa da mãe diante da menina ela reagia com um ataque histérico e depois disso a comunicação era esquecida Não havia dúvida de que a doente apresentava uma resistência violenta contra um saber que lhe era impingido por fim ela simulava imbecilidade Schwachsinn e perda total de memória para se proteger de minhas informações Então tivemos de decidir que iríamos retirar do saber em si a importância a ele atribuída enfatizando as resistências que naquele momento tinham causado o desconhecimento e agora ainda estavam dispostas a defendêlo O saber consciente porém era impotente diante dessas resistências mesmo quando não era novamente rechaçado O comportamento estranho dos doentes que conseguem juntar um saber consciente com o desconhecimento permanece inexplicável pela chamada Psicologia Normal Normalpsychologie Para a Psicanálise ele não oferece dificuldades devido ao seu reconhecimento do inconsciente o fenômeno descrito porém é um dos melhores subsídios para uma concepção que se aproxima dos processos psíquicos topicamente diferenciados Os pacientes então sabem da sua vivência recalcada em seus pensamentos mas falta a estes a ligação com aquele ponto em que a lembrança recalcada está contida de alguma forma Uma mudança só poderá ocorrer quando o processo do pensamento consciente Denkprozess avançou até esse ponto e lá superou as resistências de recalque Verdrängungswiderstände É como se no Ministério da Justiça tivesse sido anunciada uma portaria pela qual crimes cometidos por jovens devessem ser julgados de forma mais branda Enquanto essa portaria não chegasse ao conhecimento das varas regionais ou no caso de os juízes regionais não terem a intenção de acatar essa portaria praticando a jurisprudência de mão própria nada poderá ser mudado no tratamento de cada um dos delinquentes juvenis À guisa de correção ainda acrescentamos que a comunicação Mitteilung consciente do material recalcado ao paciente não ficará sem efeito Ela não expressará o efeito desejado de colocar um fim nos sintomas mas terá outras consequências Num primeiro momento irá suscitar resistências e depois quando estas tiverem sido superadas motivará um processo de pensamento em cujo percurso finalmente se estabelece o 103 influenciamento esperado da lembrança inconsciente Agora é chegado o momento de traçarmos um panorama do jogo de forças que colocamos em movimento a partir do tratamento O motor mais direto da terapia é o sofrimento do paciente e seu desejo de cura daí decorrente Do tamanho dessa força motriz será descontada muita coisa que virá a ser revelada apenas ao longo da análise principalmente o benefício secundário da doença mas a própria força motriz precisa ser mantida até o fim do tratamento cada melhora provoca uma diminuição deste Mas por si só é incapaz de eliminar a doença faltandolhe duas coisas para isso ela não conhece os caminhos que precisam ser trilhados para esse fim e ela não consegue produzir as quantias necessárias de energia contra as resistências Contra as duas falhas há solução através do tratamento analítico Ele fornece as grandezas de afeto Affektgrößen necessárias para superar as resistências através da mobilização das energias que estão a postos para a transferência por meio das informações no tempo certo ele mostra ao doente os caminhos para os quais ele deve direcionar essas energias Só a transferência muitas vezes pode eliminar os sintomas do sofrimento mas de forma provisória enquanto ela própria subsistir Isso então será um tratamento por meio de sugestão Suggestivbehandlung e não Psicanálise O tratamento só merecerá esse último nome se a transferência tiver utilizado a sua intensidade para superar as resistências Só nesse caso o estar doente tornase impossível mesmo se a transferência foi dissolvida tal como a sua determinação o exige Ao longo do tratamento ainda será avivado outro momento que é o interesse intelectual e a compreensão do doente Mas isso é praticamente irrelevante diante das outras forças que se digladiam o interesse e a compreensão são constantemente ameaçados pela desvalorização em decorrência do turvamento do juízo oriundo das resistências Dessa forma a transferência e a instrução através da comunicação são entendidas como as novas fontes de força que o doente deve ao analista Mas ele só utiliza a instrução na medida em que é levado a ela pela transferência por isso a primeira comunicação deverá esperar até que se tenha produzido uma transferência forte acrescentando que também se espere toda aquela posterior até que se tenha eliminado o incômodo da transferência por meio das resistências transferenciais que vão surgindo uma após a outra 104 xiv Über Psychotherapie Sobre Psicoterapia 1905 Gesammelte Werke v V neste volume p 7173 NE xv Em relação ao tema dessa incerteza no diagnóstico quanto às chances da análise em formas leves de parafrenia e à justificativa da semelhança de ambas as afecções haveria muito a se dizer mas que não posso pormenorizar neste contexto Adoraria contrapor segundo o processo de Jung a histeria e a neurose obsessiva enquanto neuroses de transferência às afecções parafrênicas enquanto neuroses de introversão se com esse uso o conceito da introversão da libido não fosse apartado de seu único sentido justificado xvi Literalmente leitocama de descanso NR xvii Sobre as experiências com a regra fundamental da Ψα abreviatura usada para designar a Psicanálise haveria muito a dizer Ocasionalmente encontramos pessoas que se comportam como se elas próprias tivessem se autoimposto tal regra Outras pecam contra ela desde o início Sua comunicação é imprescindível nos primeiros estágios do tratamento e também é útil mais tarde quando sob o domínio das resistências a obediência a ela fracassa e para todos em algum momento chega a hora de superála Precisamos nos lembrar a partir de nossa autoanálise de como é irresistível a tentação de cedermos àquelas intervenções críticas para refrear as ocorrências Podemos nos convencer regularmente da baixa eficácia desses contratos tais como os fechamos com o paciente através do estabelecimento da regra básica Ψα quando pela primeira vez algo íntimo sobre terceiros aflora na comunicação O paciente sabe que deve dizer tudo mas ele transforma a discrição diante de outros em uma nova resistência Devo mesmo dizer tudo Eu achava que isso valia apenas para coisas que só dizem respeito a mim mesmo Evidentemente é impossível proceder a um tratamento analítico em que as relações do paciente com outras pessoas e seus pensamentos sobre elas são excluídos da comunicação Pour faire une omelette il faut casser des œufs Para fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos Uma pessoa decente esquece de bom grado o que não lhe parece digno de conhecimento sobre tais segredos envolvendo outras pessoas Também não podemos prescindir da comunicação de nomes do contrário as narrativas do paciente terão um quê de obscuridade como nas cenas de A filha natural de Goethe e não se fixam na memória do médico a supressão dos nomes também impede o acesso a uma série de relações importantes Podese no entanto deixar os nomes reservados para mais tarde quando o analisando estiver mais familiarizado com o médico e o procedimento É muito curioso que a tarefa toda se torne insolúvel assim que se tenha permitido a postura reservada em um único momento Mas pense no seguinte se existisse aqui um direito de asilo em um único lugar da cidade por exemplo quanto tempo levaria até que toda a gentalha Gesindel da cidade se reunisse nesse único lugar Certa vez tratei de um funcionário que devido ao seu juramento profissional era obrigado a omitir certas coisas tratadas como segredos de Estado não podendo informálas de modo que fracassei no tratamento devido a essa limitação O tratamento psicanalítico precisa estar acima de todas as restrições porque a neurose e suas resistências não levam nada disso em consideração xviii Exceções só são toleradas para dados como relações de parentesco Familientafel estadias em determinados locais cirurgias e assemelhados 105 Zur Einleitung der Behandlung 1913 Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse I 1913 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 1 n 1 p 110 e n 2 p 139 146 1918 Sammlung kleiner Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 412440 1924 Gesammelte Schriften tVI p 84108 1943 Gesammelte Werke t VIII p 454478 O presente trabalho foi publicado em dois artigos separados nos dois primeiros números da recém criada Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse em 1913 O segundo artigo acrescentava ao presente título o seguinte complemento Die Frage der ersten Mitteilungen Die Dynamik der Heilung A questão das primeiras comunicações a dinâmica da cura Esse acréscimo pode ser visto como uma descrição das duas seções que por sua vez compõem o segundo artigo As edições alemãs adotaram desde 1924 o título curto também empregado aqui e unificaram as duas partes em um texto sem subdivisões aparentes A situação deste artigo no conjunto da obra de Freud é complexa Por um lado conforme nota de rodapé da primeira edição ele prolonga e encerra uma série de artigos publicados no periódico Zentralblatt für Psychoanalyse intitulados Manejo da interpretação dos sonhos Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico e Sobre a dinâmica da transferência Por outro lado inaugura uma nova série chamada Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise composta ainda por Lembrar repetir e perlaborar e Observações sobre o amor transferencial Nesse sentido funciona como uma báscula ao mesmo tempo que finaliza uma série inaugura outra Vale a pena lembrar que a palavra central do título Einleitung tem o sentido de início mas que o verbo einleiten tem também o sentido de colocar em movimento numa determinada direção o que é precisamente uma das principais questões de Freud no texto O presente artigo permanece sendo a principal referência acerca do início do tratamento Sua repercussão na história da Psicanálise é onipresente A referência à empatia Einfühlung foi aprofundada anos depois por Ferenczi em sua proposição de uma necessária elasticidade da técnica psicanalítica sobretudo na condução das análises de casos mais difíceis A leitura lacaniana costuma frisar a importância da entrada em análise e a relevância das entrevistas preliminares FERENCZI S Elasticidade da técnica In Psicanálise IV São Paulo Martins Fontes 1992 1928 p 2536 NOTAS 1 Expressão advinda do título de um poema de Schiller Das Mädchen aus der Fremde NR 2 Originalmente este artigo foi publicado em dois números subsequentes da revista Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse A primeira e a segunda parte se separavam neste ponto preciso NE 106 LEMBRAR REPETIR E PERLABORAR 19141 Não me parece supérfluo advertir constantemente os aprendizes das transformações profundas que a técnica psicanalítica sofreu desde os seus primórdios Primeiro na fase da catarse de Breuer o foco se dava sobre o momento da formação dos sintomas e havia o esforço consequente em deixar reproduzir os processos psíquicos daquela situação para depois conduzilos a um decurso2 Ablauf através da atividade consciente Naquela época lembrar e abreagir eram os objetivos a serem atingidos por meio do estado hipnótico Depois após a renúncia à hipnose tornavase premente a tarefa de inferir a partir das ocorrências Einfälle3 livres do analisando aquilo que ele não conseguia lembrar Através do trabalho de interpretação e da comunicação de seus resultados ao paciente objetivavase contornar a resistência mantevese o foco sobre a preparação para as situações da formação de sintomas e daqueles outros que surgiram por trás do momento do adoecimento a abreação ficou em segundo plano e parecia substituída pelo dispêndio de trabalho que o analisando tinha de fazer para a superação da crítica contra as suas ocorrências seguindo a regra fundamental da ψα4 superação esta que lhe era imputada Por fim constituiuse a técnica atual coerente em que o médico abdica do estabelecimento de um determinado momento ou problema e se contenta em estudar a superfície psíquica do analisando usando a arte da interpretação basicamente para reconhecer as resistências que surgem ali e para tornálas conscientes para o paciente Instalase então um novo tipo de divisão de trabalho o médico revela as resistências que eram desconhecidas do paciente sendo estas dominadas muitas vezes o paciente narra sem qualquer esforço as situações esquecidas e os contextos esquecidos O objetivo dessas técnicas naturalmente permaneceu inalterado De forma descritiva o preenchimento das lacunas da lembrança Erinnerung de forma dinâmica a superação das resistências de 107 recalque Verdrängungswiderstände Precisamos continuar gratos à antiga técnica hipnótica pois ela nos apresentou alguns processos psíquicos específicos da análise de forma isolada e esquemática Só assim conseguimos ter coragem de criar nós mesmos situações complicadas no tratamento Kur analítico e mantêlas transparentes O lembrar então configuravase de modo muito simples naqueles tratamentos hipnóticos O paciente transportavase para uma situação anterior que ele parecia nunca confundir com a situação presente informava os processos psíquicos delas até onde haviam permanecido normais e acrescentava o que poderia resultar da transformação dos processos então inconscientes para conscientes Acrescento aqui algumas observações para as quais todo analista encontrará confirmações a partir de sua experiência O esquecimento de impressões cenas e vivências geralmente se reduz a um bloqueio delas Quando o paciente fala desse esquecido raramente ele deixa de acrescentar a seguinte afirmação Na verdade eu sempre soube disso mas não pensava nisso Não raro ele expressa a sua decepção quanto ao fato de que não lhe ocorrem coisas suficientes que ele possa reconhecer como esquecidas nas quais ele nunca mais pensou desde que aconteceram Mas também esse anseio é satisfeito especificamente nas histerias de conversão O esquecer sofre uma nova limitação através do reconhecimento das lembranças encobridoras Deckerinnerungen geralmente presentes Em alguns casos tive a impressão de que a conhecida amnésia da infância tão importante para nós do ponto de vista teórico é totalmente compensada pelas lembranças encobridoras Nelas não apenas se perpetuou muito do essencial da vida da infância mas sim tudo o que é essencial Precisamos apenas saber delas extraílo através da análise Elas representam os anos de infância esquecidos tão bem quanto o conteúdo manifesto do sonho representa os pensamentos do sonho O outro grupo de processos psíquicos que podem ser contrapostos às impressões e às vivências como atos exclusivamente interiores fantasias processos de relações moções de sentimentos conexões precisa ser observado em separado na sua relação com o esquecer e o lembrar Aqui acontece com bastante frequência que se lembre algo que nunca poderia ter sido esquecido porque não foi percebido em nenhum momento nunca 108 esteve consciente e além disso parece ser totalmente indiferente para o percurso psíquico se tal conexão foi consciente e depois esquecida ou se nunca chegou à consciência A convicção que o paciente adquire ao longo da análise é totalmente independente de tal lembrança Especialmente nas variadas formas da neurose obsessiva o esquecido geralmente se limita à dissolução de nexos ao não reconhecimento de sequências e ao isolamento de lembranças Para um tipo especial de vivências extremamente importantes que fazem parte dos primórdios da infância e que à sua época foram vividas sem compreensão mas que a posteriori nachträglich encontraram compreensão e interpretação geralmente não se consegue evocar uma lembrança Chegamos ao seu conhecimento através de sonhos e pelos motivos mais prementes da engrenagem da neurose somos forçados a acreditar nela e também podemos nos convencer de que o analisando após a superação de suas resistências não utilizará a ausência da sensação de lembrança sensação de familiaridade contra a sua aceitação Enfim esse objeto requer tanto cuidado crítico e traz tanta coisa nova e estranha que eu me reservo o direito de tratálo em separado a partir de material adequado Mas ao colocar essa nova técnica em prática sobra muito pouco às vezes nada daquele decurso que felizmente não tem obstáculos Também aqui há casos que se comportam em parte como na técnica hipnótica e que só mais tarde fracassam mas outros casos se comportam de forma diferente desde o início Mas se tivermos em mente o último tipo no intuito de marcarmos a diferença podemos dizer que o analisando não se lembra de mais nada do que foi esquecido e recalcado mas ele atua5 com aquilo Ele não o reproduz como lembrança mas como ato ele repete sem obviamente saber que o repete Por exemplo o analisando não conta que lembra ter sido rebelde e incrédulo diante da autoridade dos pais mas se comporta dessa forma diante do médico Ele não lembra que em sua pesquisa sexual infantil ficou perplexo atônito e desamparado mas apresenta uma série de sonhos e ocorrências confusos reclama de que nada dá certo para ele e mostra como sendo o seu destino nunca terminar uma empreitada Ele não lembra que se envergonhou intensamente por certas atividades sexuais e que temia ser descoberto mas mostra que tem vergonha do tratamento ao qual se submeteu 109 agora buscando ocultálo de todos Principalmente ele começa o tratamento com tal repetição Frequentemente quando se informa a regra psicanalítica fundamental a um paciente com uma história de vida repleta de alternâncias e um longo histórico da doença e se convida o paciente a dizer o que lhe ocorre esperando que suas informações brotem em torrente temos a experiência inicial de que ele não tem nada a dizer Ele se cala e afirma que nada lhe vem à mente É evidente que isso nada mais é que a repetição de uma postura homossexual que se impõe como uma resistência contra todo tipo de lembrança Enquanto ele permanecer em tratamento ele não se libertará mais dessa obsessão da repetição enfim entendemos que esse é o seu modo de lembrar É claro que nos interessa em primeira linha a relação dessa obsessão da repetição com a transferência e com a resistência Logo percebemos que a resistência ela própria é apenas uma parcela de repetição e que a repetição é a transferência do passado esquecido não apenas para o médico mas também para todos os outros aspectos da situação presente Portanto precisamos estar preparados para o fato de que o analisando se entrega à obsessão da repetição que agora substitui o impulso para a lembrança não apenas na relação pessoal com o médico mas também em todas as outras atividades e relações simultâneas da sua vida por exemplo quando durante um tratamento Kur ele escolhe um objeto de amor assume uma tarefa inicia uma empreitada Também a parte da resistência é fácil de reconhecer Quanto maior for a resistência de forma mais frequente o lembrar será substituído pelo atuar agieren repetir Isso pois o lembrar ideal do esquecido durante a hipnose corresponde a um estado em que a resistência é totalmente posta de lado Se o tratamento começar sob os auspícios de uma transferência suave e positiva sem que o seja de forma expressa ele inicialmente permite um aprofundamento na lembrança como na hipnose enquanto até mesmo os sintomas da doença se calam mas se no decorrer do tratamento essa transferência se tornar hostil ou excessivamente forte e por isso passível de recalque imediatamente o lembrar dá lugar ao atuar A partir daí então são as resistências que irão definir a sequência daquilo a ser repetido É no arsenal do passado que o doente busca as armas com as quais se defende da continuidade do tratamento e que precisamos tirar dele peça por peça Ouvimos então que o analisando repete em vez de lembrar ele repete sob 110 as condições da resistência agora podemos perguntar o que de fato ele repete ou atua A resposta diz que ele repete tudo que já se impôs a partir das fontes do seu recalcado em sua essência evidente suas inibições e posições inviáveis seus traços de caráter patológicos Pois ele também repete todos os seus sintomas durante o tratamento E agora podemos perceber que com o destaque da compulsão para a repetição Zwang zur Wiederholung6 não ganhamos um fato novo mas apenas uma concepção mais coesa Então chegamos à conclusão de que o estar doente do analisando não pode terminar com o início da sua análise de que devemos tratar a sua doença não como um assunto histórico mas como uma potência atual Peça por peça desse estar doente será colocada agora no horizonte e no raio de influência do tratamento e enquanto o paciente vivenciar isso como algo real e atual entramos com o trabalho terapêutico que em boa parte consiste na recondução ao passado O fazer lembrar na hipnose deve ter causado a impressão de um experimento de laboratório O fazer repetir durante o tratamento analítico segundo a técnica mais recente significa invocar uma parcela de vida real e por isso não é inofensivo e sem problemas em todos os casos Entra aqui toda a questão da piora durante o tratamento muitas vezes incontornável Antes de tudo o início do tratamento leva o paciente a mudar a sua opinião consciente em relação à doença Usualmente ele se contentava em se queixar dela desprezála como bobagem subestimála em sua importância mas de resto continuava com o comportamento recalcante em relação às suas manifestações adotando a política de avestruz contra as origens da doença Pode ser então que ele não conheça devidamente as condições da sua fobia que não ouça o enunciado correto de suas ideias obsessivas ou que não entenda a verdadeira intenção do seu impulso obsessivo Isso certamente não ajuda no tratamento Ele precisa criar coragem para ocupar a sua atenção com as manifestações de sua doença A doença em si não pode mais ser algo desprezível para ele deve ser antes um adversário digno uma parte de sua essência que se apoia em bons motivos de onde se trata de buscar algo valioso para a sua vida futura Fazer as pazes com o recalcado que se expressa nos sintomas dessa forma será algo preparado desde o início mas também se calcula uma certa tolerância para com o estardoente Se porém agora através dessa nova relação com a doença os conflitos ficarem mais 111 acirrados e sintomas que antes ainda não eram nítidos aflorarem podemos consolar o paciente com facilidade se dissermos que se trata de pioras necessárias mas que são passageiras e que não se pode matar um inimigo que está ausente ou que não está perto o suficiente Mas a resistência pode explorar a situação de acordo com as suas intenções podendo querer fazer mau uso da permissão de estar doente Então ela parecerá demonstrar o seguinte olhe aqui e veja o que acontece quando eu realmente me deixar levar por essas coisas Eu não fiz bem em deixálas para o recalque Especialmente jovens e crianças costumam usar a condução para o estar doente necessária no tratamento para uma permanência prazerosa nos sintomas da doença Outros perigos surgem pelo fato de que no decurso do tratamento moções pulsionais novas mais profundas que ainda não tinham se imposto podem chegar à repetição Por fim as ações do paciente podem trazer consigo danos passageiros à sua vida fora da transferência ou podem até ser escolhidas de tal modo que desvalorizem constantemente a saúde a ser alcançada A tática a ser adotada pelo médico nessa situação é facilmente justificável Para ele o objetivo continua sendo o lembrar à moda antiga o reproduzir em âmbito psíquico objetivo ao qual ele se atém mesmo sabendo que com a nova técnica ele não poderá ser alcançado Ele se prepara para uma luta constante com o paciente para represar todos os impulsos no âmbito psíquico que ele quer levar ao âmbito motor comemorando como um triunfo do tratamento a resolução de algo através do trabalho de lembrar que o paciente quer descarregar através de uma ação Quando o vínculo se tornou útil de alguma forma através da transferência o tratamento conseguirá impedir o paciente de realizar todas as ações de repetição significativas utilizando essa intenção in statu nascendi como material para o trabalho terapêutico A melhor forma de proteger o paciente dos danos que decorreriam da execução de seus impulsos é quando acertamos com ele o compromisso de não tomar nenhuma decisão importante na vida enquanto durar o tratamento por exemplo que ele não escolha nenhuma profissão nenhum objeto definitivo de amor mas que para todos esses propósitos ele espere o momento da cura Genesung Nesse contexto muitas vezes gostamos de preservar aquela porção da liberdade pessoal do analisando que é compatível com esses cuidados nós 112 não o impedimos de colocar em prática certas intenções sem importância mesmo que estas sejam tolas e não esquecemos que o ser humano na verdade só aprende com os erros que comete e através da experiência própria Deve haver casos em que não conseguimos impedir a pessoa de se envolver em algum empreendimento completamente inadequado durante o tratamento casos que só depois serão acessíveis ao trabalho analítico e isso com muita dificuldade Ocasionalmente deve acontecer também de não se ter tempo de colocar as rédeas da transferência nas pulsões selvagens ou que o paciente em uma ação de repetição rompa o laço que o atrela ao tratamento Como exemplo extremo posso citar o caso de uma senhora de idade mais avançada que repetidas vezes abandonava a casa e o marido em estados confusionais fugindo para um lugar qualquer sem ter consciência do motivo de tal escapada Ela veio ao meu tratamento com uma transferência carinhosa bem formada aumentandoa de forma espantosamente rápida nos primeiros dias e ao fim de uma semana também escapou de mim antes que eu tivesse tempo de lhe dizer algo que pudesse impedila de incorrer nessa repetição Mas o principal recurso para conter a compulsão à repetição no paciente e reconfigurála num motivo para a lembrança encontrase no manejo da transferência Tornamos a compulsão inócua até mesmo útil na medida em que lhe damos o direito de se esbaldar em uma determinada área Abrimos a transferência para ela como sendo um parque de diversões onde ela tem autorização para se desenvolver com liberdade quase total e é instada a nos mostrar tudo que ficou escondido em termos de pulsões patológicas na vida anímica do paciente Se o paciente pelo menos tiver uma postura colaborativa na medida em que respeita as condições de existência do tratamento geralmente conseguiremos dar a todos os sintomas da doença um novo significado de transferência substituindo a sua neurose comum por uma neurose de transferência da qual ele pode ser curado pelo trabalho terapêutico A transferência cria assim uma zona intermediária entre a doença e a vida onde se dá a transição da primeira para a segunda O novo estado assumiu todas as características da doença mas representa uma doença artificial na qual podemos intervir em todo lugar Ao mesmo tempo é um pedaço da vivência real mas que é tornada possível através de condições especialmente favoráveis e que tem a natureza de algo provisório Partindo das reações de repetição que se mostram na transferência os 113 caminhos já conhecidos levam ao despertar das lembranças que se instalam quase que sem esforço após a superação das resistências Eu poderia encerrar aqui se o título deste artigo não me obrigasse a incluir nesta apresentação mais uma parte da técnica analítica A superação das resistências como se sabe é introduzida com o médico descobrindo a resistência até então desconhecida do analisando informando o paciente a respeito Ao que parece iniciantes na análise tendem a tomar essa introdução como já sendo todo o trabalho Muitas vezes fui chamado como consultor em casos nos quais o médico se queixava dizendo que apresentara ao doente a sua resistência mas nada tinha mudado a resistência a partir dali até aumentara e a situação toda tinha ficado ainda mais opaca Parecia que o tratamento empacara Essa expectativa sombria mais tarde sempre se revelou enganosa Em geral o tratamento estava no bom caminho o médico apenas tinha esquecido que a nomeação da resistência não pode ter como consequência o seu fim imediato Precisamos dar tempo ao paciente para que ele se aprofunde na resistência que até então lhe era desconhecida para perlaborála superála na medida em que ele a ela resistindo continua o trabalho de acordo com a regra analítica fundamental Só no ponto mais alto desse trabalho é que em conjunto com o analisando iremos descobrir as moções pulsionais recalcadas que alimentam as resistências e de cuja existência e poder o paciente se convencerá através dessa vivência O médico não tem mais nada a fazer aí senão esperar e aceitar um percurso que não pode ser evitado e que também nem sempre pode ser acelerado Se ele se ativer a essa percepção ele muitas vezes poupará a ilusão de ter fracassado apesar de ter seguido o tratamento na linha correta Essa perlaboração das resistências na prática pode se tornar uma tarefa difícil para o analisando e uma prova de paciência para o médico Mas é aquela parte do trabalho que terá a influência mais transformadora no paciente e que diferencia o tratamento analítico de todo influenciamento por sugestão Suggestionsbeeinflussung Do ponto de vista teórico pode ser comparado à abreação dos montantes de afeto Affektbeträge retidos pelo recalque sem o que o tratamento hipnótico não teria influência alguma 114 Erinnern Wiederholen und Durcharbeiten Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse II 1914 1914 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 2 n 6 p 485491 1918 Sammlung kleinen Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 441452 1925 Gesammelte Schriften t VI p 109119 1946 Gesammelte Werke t X p 126136 Este título tripartite fórmula tão cara às elaborações freudianas merece alguns esclarecimentos Dos três verbos que compõem o título o único que não coloca maiores dificuldades de tradução é o segundo repetir Wiederholen Quanto ao primeiro Freud emprega o verbo erinnern que significa lembrar recordar Apesar da relativa difusão de recordar o verbo mais usual que descreve melhor nossa experiência cotidiana e que é mais recorrente na prática clínica parece ser lembrar Ouvimos de nossos pacientes lembrei de uma coisa tenho uma lembrança vaga etc Além disso outro conceito igualmente consagrado pelo uso e central no presente artigo é formado a partir da mesma palavra Deckerinnerung ou lembrança encobridora Quanto ao terceiro termo tratase do que talvez ofereça maior dificuldade De fato o léxico relativo a arbeiten trabalhar laborar é particularmente rico Isso ocorre pela vasta gama de significados que um verbo alemão pode assumir conforme o prefixo anteposto Acrescido de prefixos como auf be durch mit um ver o verbo arbeiten descreve diferentes atividades psíquicas Freud empregou com valor conceitual pelo menos algumas delas em especial bearbeiten durcharbeiten e verarbeiten De fato como ressalta Luiz Hanns traduzir todos esses termos por elaborar implica uma perda de sentido irremediável que relega conotações e nuances importantes a segundo plano Embora esta coleção evite sempre que possível o uso de neologismos é bastante difícil encontrar na língua portuguesa um verbo que traduza especificamente o mecanismo ilustrado por Freud Durcharbeiten deriva do verbo arbeiten ou seja trabalhar laborar Quando esse verbo tem uma conotação transitiva direta ou seja quando o trabalho é realizado em algo ou em alguém há no alemão a possibilidade de matizálo com o prefixo be Nesse caso bearbeiten significaria algo próximo de elaborar Entretanto Freud usa aqui o prefixo durch muito próximo do through na língua inglesa Quer dizer há aqui a noção de um atravessamento que perfaz uma ação Além disso durcharbeiten designa uma ação que vai do início até o fim Logo assim como no português temos a relação entre fazer e perfazer correr e percorrer preferimos utilizar o prefixo per compondo o verbo perlaborar em consonância com a terminologia brasileira consagrada pela comunidade psicanalítica pelo menos desde a publicação entre nós do Vocabulário de psicanálise de Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis Conforme carta a Abraham de 29 de julho de 1914 datada portanto de um dia depois da eclosão da Primeira Grande Guerra Freud relata ter concluído a redação deste artigo Àquela altura ocorriam também algumas importantes guerras intestinas no movimento psicanalítico com as dissensões de Adler e de Jung o que levaria Freud ao esforço de sistematizar não apenas as diretrizes técnicas da Psicanálise mas também a especificidade dos conceitos fundamentais da metapsicologia tarefa a que se dedicaria em seguida Ainda no verão Freud acabara de publicar o texto sobre a História do movimento psicanalítico ao qual se referiria como a bomba carta a Abraham de 25 de junho de 1914 Pouco antes na primavera Jung havia renunciado para alívio dos discípulos mais fiéis à presidência da Associação Psicanalítica Internacional Podese ainda conjecturar que outra motivação para a construção do argumento deste importante ensaio adveio de dificuldades encontradas na condução do tratamento do caso conhecido como 115 Homem dos Lobos que despertara inquietações teóricas e esforços clínicos inéditos e que fora interrompido justamente por ocasião da deflagração da Primeira Grande Guerra ou seja simultaneamente à escrita do presente artigo O presente artigo foi publicado pela primeira vez no final daquele ano Nas versões publicadas posteriormente o subtítulo foi suprimido assim como ocorreu com os demais artigos que compõem essa série Ao que tudo indica tratase da primeira vez que Freud emprega o termo neurose de transferência Übertragungsneurose Outra ideia que se destaca nesse escrito é a de compulsão para a repetição Zwang zur Wiederholung que mais tarde encontrará sua expressão conceitual definitiva como compulsão à repetição Wiederholungszwang Uma variante dessa expressão havia sido formulada alguns anos antes na última página dos Três ensaios sobre a teoria sexual no tópico sobre a aderênciaadesividade Haftbarkeit das impressões sexuais que nos neuróticos produziriam uma repetição compulsiva zwangartig auf Wiederholung Nesse sentido Lembrar repetir e perlaborar pode ser visto como um precursor de ideias desenvolvidas em Além do princípio de prazer Jenseits des Lustprinzips NOTAS 1 Sobre o título ver nota editorial não numerada acima NE 2 Termo comumente traduzido por descarga não possui a conotação de algo abrupto e violento mas sim de um fluxo de escoamento NR 3 Novamente aqui se traduziu Einfall ou seja aquilo que ocorre espontaneamente que vem à mente do sujeito como ocorrência NR 4 Freud costumava usar as letras gregas psi e alfa como forma abreviada de se referir à Psicanálise NR 5 Tratase aqui do verbo de origem latina agieren passível de ser traduzido por agir ou atuar NR 6 Cabe esclarecer que aqui ainda que possa ter sido utilizada em um sentido de sinonímia Freud não usa a célebre palavra composta Wiederholungszwang compulsão à repetição NR 116 OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL 1915 1914 Cada iniciante na Psicanálise por certo teme de início as dificuldades que lhe apresentarão a interpretação daquilo que ocorre Einfälle ao paciente e a tarefa da reprodução do recalcado Mas logo ele dará importância menor a essas dificuldades trocandoas pela convicção de que as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência Das situações que se criaram nesse contexto destacarei uma única claramente descrita tanto pela sua frequência e importância real quanto pelo seu interesse teórico Refirome ao caso em que uma paciente mulher permite inferirmos a partir de suas sugestões pouco dúbias ou então o diz diretamente que assim como qualquer outra mulher mortal apaixonouse pelo médico que a analisa A situação tem seus aspectos desconcertantes e divertidos assim como os sérios ela também é tão intrincada e condicionada de múltiplas formas tão inevitável e de tão difícil solução que a sua discussão há muito teria preenchido uma necessidade vital da técnica analítica Mas como nós mesmos nem sempre estamos livres de incorrer nos erros que caçoamos nos outros não fizemos nenhum esforço para a realização dessa tarefa Sempre nos deparamos aqui com o dever da discrição médica que na vida é indispensável mas que na nossa Ciência não nos serve Na medida em que a literatura da Psicanálise também fizer parte da vida real disso resultará uma contradição insolúvel Há pouco tempo em determinado local suplantei a discrição e sugeri que a mesma situação transferencial atrasou o desenvolvimento da terapia psicanalítica pelo período de sua primeira décadaxix Para o leigo bem formado ele é provavelmente o ser humano cultivado ideal para a Psicanálise os eventos do amor assim como todos os outros são incomensuráveis eles estão numa folha especial que não suporta nenhuma outra descrição Portanto quando a paciente se apaixona pelo 117 médico ele pensará que há apenas duas saídas a mais rara delas quando todas as circunstâncias autorizam a união duradoura e legítima dos dois e a mais frequente que médico e paciente se separem desistindo do trabalho iniciado que na verdade deveria servir à cura mas que foi perturbado por um evento elementar Certamente também podemos pensar em uma terceira saída que até mesmo parece se coadunar com a continuidade do tratamento a saber o início de relações amorosas ilegítimas e não destinadas à eternidade mas esta se torna impossível certamente devido à moral burguesa e à dignidade médica Pelo menos o leigo pediria que ele fosse tranquilizado quanto à exclusão desse terceiro caso através de uma afirmação inequívoca do analista É evidente que o ponto de vista do psicanalista necessariamente deve ser outro Vejamos o caso da segunda saída da situação que discutimos acima em que médico e paciente se separam depois que a paciente se apaixonou pelo médico o tratamento é suspenso Mas o estado da paciente logo tornará necessária uma segunda tentativa analítica com outro médico aí acontece que a paciente também se sente apaixonada por esse segundo médico da mesma forma que após nova interrupção quando recomeça com um terceiro etc Esse evento que certamente ocorre que sabidamente é um dos fundamentos da teoria psicanalítica permite duas utilizações uma para o médico analista outra para a paciente que necessita da análise Para o médico ela significa um esclarecimento precioso e um bom alerta para uma contratransferência que possivelmente esteja nele latente Ele precisa reconhecer que o enamoramento da paciente é forçado pela situação analítica e não deve ser atribuído às vantagens da sua pessoa portanto ele não tem motivo algum de se orgulhar de uma tal conquista como a chamaríamos fora da análise E é sempre bom ter esse alerta em mente Mas para a paciente há uma alternativa ou ela abdica de um tratamento psicanalítico ou ela se acostuma a essa paixão pelo médico como sendo um destino inescapável xx Não duvido que os parentes da paciente irão se declarar favoráveis à primeira das possibilidades com a mesma veemência que terá o médico analista em relação à segunda Mas acredito que esse seja um caso em que os cuidados zelosos ou melhor dizendo egoístas e ciumentos dos parentes 118 não podem ser aqueles a decidir Apenas o interesse da doente deveria prevalecer O amor dos parentes não consegue curar uma neurose O psicanalista não precisa se impor mas ele pode se apresentar como imprescindível para determinados resultados Leistungen Aquele que enquanto parente adotar como sua a posição de Tolstói em relação a esse problema poderá permanecer na posse impoluta de sua esposa ou filha e precisará tentar aguentar o fato de que esta também manterá a sua neurose e o distúrbio da capacidade de amar a ela associado Por fim é um caso semelhante ao do tratamento ginecológico O pai ou marido ciumento aliás comete um grande engano quando acha que a paciente escapará de se apaixonar pelo médico quando este para combater a sua neurose faz com que ela enverede por outro tratamento que não o analítico A diferença será apenas que uma paixão determinada a permanecer impronunciada e não analisada nunca poderá contribuir para a recuperação da paciente do modo como a análise forçosamente o faria Soube que alguns médicos que praticam a análise muitas vezes preparam os pacientes para o surgimento da transferência amorosa1 Liebesübertragung ou até mesmo os estimulam a se apaixonar apenas pelo médico para que a análise progrida Não consigo imaginar uma técnica mais sem sentido do que essa Com ela extirpase do fenômeno o caráter convincente da espontaneidade e criamse obstáculos para si próprio que serão difíceis de remover depois Inicialmente não parece que a paixão na transferência fará surgir algo produtivo para o tratamento A paciente até mesmo a mais cordata de repente perde a compreensão e o interesse em relação ao tratamento não quer falar nem ouvir mais nada além do seu amor que ela exige que seja correspondido Ela abdica dos seus sintomas ou os negligencia ela até mesmo declarase curada Há uma mudança total da cena como se um jogo fosse interrompido por uma realidade repentinamente presente como se durante uma apresentação de teatro soasse o alarme de incêndio O médico que vivencia isso pela primeira vez terá dificuldade em manter a situação analítica e fugir da ilusão de que o tratamento realmente terminou Com alguma reflexão podese reencontrar o caminho Lembremos aqui principalmente da suspeita de que tudo aquilo que atrapalha a continuidade do tratamento pode ser uma expressão de resistência No aparecimento 119 daquela exigência tempestuosa de amor a resistência indubitavelmente tem grande participação Já se tinha percebido na paciente há muito tempo os sinais de uma transferência afetuosa podendose creditar certamente essa postura em relação ao médico a partir de sua postura cordata da atenção positiva diante das explicações da análise sua compreensão excelente e a alta inteligência ali manifestada Agora isso tudo é praticamente varrido do mapa a paciente passa a perder a postura compreensiva ela parece mergulhar completamente na sua paixão e essa transformação ocorre via de regra num momento em que justamente precisamos instála a admitir ou recordar uma parte muito desconcertante ou muito recalcada de sua história de vida Ou seja a paixão já estava lá há muito tempo mas agora a resistência começa a se servir dela para impedir a continuidade do tratamento para desviar o interesse pelo trabalho e para levar o médico analista a uma situação de desconforto embaraçoso Se olharmos mais de perto também poderemos detectar nessa situação a influência de motivos complicadores em parte aqueles que se atrelam ao enamoramento em parte expressões específicas da resistência Do primeiro tipo é o anseio da paciente por se assegurar de sua irresistibilidade em quebrar a autoridade do médico rebaixandoo ao papel de amante e o que mais surgir de lucro adjacente na satisfação do amor Em relação à resistência podemos suspeitar que ocasionalmente ela use a declaração de amor como meio de colocar à prova o analista severo que deveria ser repreendido se com ela transigir Mas principalmente temos a impressão de que a resistência enquanto agent provocateur aumenta o enamoramento e exagera a disposição para a entrega sexual para depois justificar mais enfaticamente o efeito do recalque invocando os perigos de tal desmesura Como sabemos todo esse aparato adjacente que em casos mais puros também pode estar ausente foi visto por Alfred Adler como o essencial de todo o processo Mas como deve se comportar o analista para não sucumbir diante dessa situação se estiver claro para ele que o tratamento deva ser continuado apesar dessa transferência amorosa e através dele Seria fácil para mim postular apoiandome na moral vigente que o analista nunca jamais deva aceitar ou corresponder ao afeto que lhe é oferecido Ou que ele deva aproveitar esse momento para representar a exigência moral e a necessidade da recusa diante da mulher apaixonada e 120 consiga que ela desista de sua vontade e que continue o trabalho analítico com a superação da parcela animal do seu Eu Mas não satisfarei essas expectativas nem a primeira nem a segunda parte delas Não satisfarei a primeira pois não escrevo para a clientela mas para médicos que se digladiam com sérias dificuldades e porque além disso aqui posso remeter a prescrição moral à sua origem isto é à adequação a um fim Zweckmäßigkeit Desta vez encontrome na feliz posição de substituir a imposição moral sem alteração do resultado por considerações da técnica analítica Mas ainda abdicarei de forma mais enfática da segunda parte da expectativa mencionada Convidar a paciente à repressão da pulsão Triebunterdrückung2 à sua renúncia e à sublimação assim que ela confessar a sua transferência amorosa não é agir analiticamente mas agir sem sentido algum Seria como se quiséssemos habilmente invocar um espírito do submundo para que venha à superfície para depois mandarmos ele de volta sem ao menos lhe fazer uma pergunta Nesse caso teríamos apenas chamado o recalcado à consciência para que ele amedrontado fosse novamente mandado embora E não nos enganemos sobre o sucesso desse procedimento Como se sabe fórmulas sublimes pouco podem contra as paixões A paciente apenas sentirá a rejeição e não tardará a se vingar por isso Tampouco aconselho o caminho do meio que para alguns pareceria especialmente sagaz e que consiste em afirmar que se corresponde aos sentimentos afetuosos da paciente evitando todas as atividades corporais desse carinho até que se consiga levar a relação para uma trilha mais calma elevandoa a um patamar mais elevado Contra esse meio de informação tenho a contrapor que o tratamento psicanalítico se constrói sobre veracidade É isso que perfaz uma boa parte de seu efeito educacional e de seu valor ético É perigoso abandonar esse fundamento Quem se aclimatou na técnica analítica não atinge mais a mentira e a ilusão normalmente indispensáveis ao médico e costuma se trair quando tenta fazêlo com a melhor das intenções Já que se exige a mais rigorosa veracidade do paciente colocase em jogo toda a autoridade quando se é pego pelo paciente em um desvio da verdade Além disso a tentativa de se deixar levar por sentimentos afetuosos da paciente não deixa de ser perigosa Não se tem um bom domínio de si próprio podendo o analista ir repentinamente além do que se pretendia 121 Acho portanto que não se deve negar a indiferença3 adquirida pelo domínio da contratransferência Já dei a entender que a técnica analítica estabelece uma lei para o médico que lhe impõe a recusa diante da satisfação exigida pela paciente carente de amor O tratamento precisa ser executado em abstinência não me refiro aqui apenas à renúncia física nem à renúncia de tudo o que se deseja pois isso talvez nenhum doente suportasse Quero antes estabelecer o princípio de que a necessidade Bedürfnis e o anseio Sehnsucht devem ser mantidos na paciente como forças motivadoras do trabalho e da mudança e devemos evitar o abrandamento desses sentimentos por substitutos De resto não poderíamos mesmo oferecer nada além de substitutos já que a paciente não é capaz de uma satisfação real devido ao seu estado enquanto os seus recalques não tiverem sido eliminados Confessemos que o princípio de que o tratamento analítico deva acontecer em abstinência abarca muito mais do que o caso específico aqui observado necessitando de uma discussão mais detalhada pela qual devem ser estabelecidos os limites de sua exequibilidade Mas queremos evitar fazêlo aqui e queremos nos ater ao máximo à situação da qual partimos O que aconteceria se o médico procedesse de modo diferente e digamos aproveitasse a liberdade dada de ambos os lados para corresponder ao amor da paciente satisfazendo a sua necessidade de afeição Se nesse contexto ele calculasse que essa correspondência garantiria a ele o domínio sobre a paciente e a motivaria a resolver as tarefas do tratamento ou seja adquirir a libertação perene da neurose a experiência deveria mostrar que ele errou o cálculo A paciente atingiria seu objetivo mas ele nunca atingiria o dele Entre médico e paciente apenas aconteceria mais uma vez o que acontece em uma história divertida do pastor e do corretor de seguros A pedido dos parentes chamase um homem de fé para ir falar com um corretor de seguros descrente e muito doente A conversa dura tanto tempo que os que esperam têm alguma esperança Enfim a porta do quarto do doente se abre O descrente não foi convertido mas o pastor sai de lá segurado Seria um grande triunfo da paciente se a sua corte tivesse sido correspondida e seria também uma total derrota para o tratamento A doente teria conseguido o que todos os doentes em análise almejam colocar algo em movimento repetir na vida aquilo que apenas devem lembrar reproduzir 122 como material psíquico e manter no âmbito psíquicoxxi No decorrer da relação amorosa ela traria à tona todas as inibições e reações patológicas de sua vida amorosa sem que seja possível uma correção e ela fecharia a dolorosa vivência com remorso e um grande fortalecimento de sua tendência ao recalque A relação amorosa justamente coloca um ponto final na capacidade de ser influenciada Beeinflussbarkeit através do tratamento analítico a junção das duas coisas está fora de cogitação Sendo assim acatar as demandas de amor por parte da paciente é tão fatal para a análise quanto a repressão Unterdrückung delas O caminho do analista é outro é aquele para o qual a vida real não fornece um modelo Evitamos desviar da transferência amorosa afugentála ou estragála na paciente também nos abstemos ferrenhamente de toda correspondência desse amor Mantemos a transferência amorosa a tratamos como algo irreal como uma situação que deva ser enfrentada no tratamento e reconduzida às suas origens inconscientes e que deva ajudar a levar à consciência da paciente os elementos mais ocultos de sua vida amorosa e com isso a dominálos Quanto mais dermos a impressão de estarmos nós mesmos imunes a toda tentação mais facilmente poderemos extrair da situação o seu teor analítico A paciente cujo recalque sexual não tenha sido suspenso mas apenas afastado para o segundo plano sentirseá suficientemente segura para trazer à tona todas as suas condições para o amor todas as fantasias do seu anseio sexual Sexualsehnsucht todas as características de seu enamoramento para a partir delas encontrar ela própria o caminho para as motivações infantis de seu amor Em uma determinada classe de mulheres porém essa tentativa de preservar a transferência amorosa para o trabalho analítico sem satisfazêla não terá sucesso Tratase de mulheres dotadas de uma paixão elementar que não suportam substitutos são filhas da natureza que não querem receber o psíquico em troca do material e que nas palavras do poeta só têm acesso à lógica da sopa com argumentos de bolinhos4 No caso dessas pessoas estamos diante de uma escolha ou mostrar o amor correspondido ou ter a inimizade total da mulher desprezada Em nenhum dos casos podese preservar os interesses do tratamento Teremos de recuar sem obter sucesso e poderemos visualizar o problema de como a capacidade de neurose se une com tamanha necessidade inflexível de amor 123 O modo como aos poucos instamos outras apaixonadas menos agressivas à concepção analítica deve ter acontecido igualmente com muitos analistas Enfatizamos principalmente a porção indubitável de resistência nesse amor Um enamoramento verdadeiro tornaria a paciente maleável e aumentaria a sua disposição em resolver os problemas do seu caso apenas porque o homem amado o exige Uma mulher desse tipo escolheria o caminho que passa pela conclusão do tratamento para tornarse valiosa para o médico e preparar a realidade em que a tendência amorosa encontraria o seu lugar Em vez disso a paciente se mostra obstinada e desobediente abdica de todo e qualquer interesse pelo tratamento e ao que parece também perde o respeito pelas convicções mais que justificadas do médico Portanto ela produz uma resistência sob forma evidente de enamoramento e além disso não tem crise de consciência por leválo a estar entre a cruz e a espada Pois se ele recusar aquilo a que o seu dever e a sua compreensão o impelem ela poderá fazer o papel de rejeitada e se furtar a ser curada por ele por motivo de vingança e amargura tal como agora como consequência do aparente enamoramento Como segundo argumento contra a autenticidade desse amor introduzimos a afirmação de que ele não traz um único traço novo oriundo da situação presente mas é composto integralmente de repetições e retomadas de reações antigas até mesmo as infantis Comprometemonos a proválo através da análise detalhada do comportamento amoroso da paciente Se a esses argumentos ainda acrescentarmos a medida necessária de paciência geralmente conseguiremos superar a situação difícil e continuar o trabalho ou com um enamoramento moderado ou com o enamoramento transformado trabalho cujo objetivo então será a descoberta da escolha do objeto infantil e das fantasias que o enredam Mas gostaria de iluminar os argumentos mencionados de forma crítica perguntandonos se com eles dizemos a verdade à paciente ou se em nossa situação de emergência nos refugiamos em dissimulações e distorções Em outras palavras será que o enamoramento que se torna manifesto no tratamento analítico de fato não pode ser chamado de real Entendo que dissemos a verdade à paciente mas não toda a verdade sem consideração pelo resultado Daqueles nossos argumentos o primeiro é o mais forte A parcela de resistência no amor transferencial 124 Übertragungsliebe é irrefutável e considerável Mas a resistência não criou esse amor ela vai encontrálo servese dele e exagera as suas manifestações A autenticidade do fenômeno também não é enfraquecida pela resistência Nosso segundo argumento é muito mais fraco é verdade que esse enamoramento é composto de reedições de traços antigos e repete reações infantis Mas esse é o caráter essencial de todo enamoramento Não há nenhum que não repita modelos infantis Justamente aquilo que perfaz o seu caráter compulsivo zwanghaft que lembra o patológico remonta ao seu condicionamento infantil O amor transferencial talvez tenha um grau de liberdade a menos que aquele da vida real aquele que chamamos de normal ele permite reconhecer mais nitidamente a dependência do modelo infantil ele se mostra menos maleável e menos capaz de modificação mas isso é tudo e nem é o essencial Como então reconhecemos a autenticidade de um amor Pela sua capacidade produtiva sua utilidade para pôr em prática o objetivo do amor Nesse ponto o amor transferencial parece não ficar atrás de nenhum outro temos a impressão de que podemos obter tudo dele Então resumindo não temos o direito de negar ao enamoramento que surge no tratamento analítico o caráter de amor autêntico Se ele parece tão pouco normal isso pode ser explicado satisfatoriamente a partir da circunstância de que também os demais enamoramentos fora do tratamento analítico lembram mais os fenômenos anímicos anormais do que os normais Pelo menos ele se caracteriza por alguns traços que lhe garantem uma posição especial Ele é 1 provocado pela situação analítica 2 potencializado pela resistência que domina a situação e 3 carece em alto grau da consideração pela realidade ele é menos sagaz mais despreocupado com as consequências mais cego na avaliação da pessoa amada do que gostaríamos de atribuir a um enamoramento normal Mas não esqueçamos que justamente esses traços que desviam da norma perfazem o essencial de um enamoramento Para a atividade do médico a primeira das três propriedades do amor transferencial é a relevante Foi o médico quem trouxe à tona esse enamoramento através do início do tratamento analítico para curar a neurose para ele é o resultado inevitável de uma situação médica semelhante ao desnudamento físico de um paciente ou à informação de um segredo vital Assim para ele está claro que não pode tirar proveito pessoal da situação A 125 disponibilidade da paciente nada muda no fato apenas empurra a responsabilidade para a sua própria pessoa Como ele deve saber a paciente não estava preparada para nenhum outro mecanismo de cura Após a superação bemsucedida de todas as dificuldades frequentemente ela confessa a fantasia de expectativa com que iniciou o tratamento se ela se comportasse bem no final ela seria recompensada com a afeição do médico Para o médico então juntamse motivos éticos aos motivos técnicos para afastálo da concessão do amor à paciente Ele precisa manter o foco no objetivo a saber que a mulher impedida em sua capacidade de amar devido a fixações infantis chegará à livre disposição dessa função de inestimável importância para ela porém que ela não a gaste no tratamento mas a mantenha disponível para a vida real quando ela lhe solicitar essa função após terminado o tratamento Ele não pode encenar com ela a cena da corrida de cães em que se expõe como prêmio uma guirlanda de salsichas e um estragaprazeres desmancha tudo jogando uma única salsicha na pista de corrida Os cães se jogarão sobre ela e esquecerão a corrida e a guirlanda do vencedor que acena ao longe Não quero afirmar aqui que seja sempre fácil para o médico se manter dentro dos limites que a ética e a técnica lhe prescrevem Especialmente o homem mais jovem e ainda sem vínculos fixos poderá sentir a renúncia como dura Sem dúvida o amor sexual é um dos principais conteúdos da vida e a união de satisfação anímica e física na fruição do amor Liebesgenusse chega a ser um dos pontos altos da vida À exceção de alguns poucos fanáticos esquisitos todas as pessoas sabem disso e constroem a sua vida seguindo esse princípio apenas na Ciência há recato em se confessar isso Por outro lado é desconcertante para o homem assumir o papel daquele que recusa e renuncia quando a mulher busca o amor e uma nobre mulher que assume a sua paixão exerce uma magia incomparável apesar da neurose e da resistência Não é o desejo sensual primitivo da paciente que produz a tentação Este tem o efeito de repulsa e requisita toda a tolerância para fazer valêlo como fenômeno natural São talvez as moções de desejo Wunschregungen mais sutis por parte da mulher e mais inibidas em sua meta que trazem consigo o perigo de esquecer a técnica e a tarefa médica diante de uma bela vivência Mesmo assim para o analista é impensável ceder Por mais que ele tenha o amor em alto juízo ele precisa colocar em um juízo maior o fato de ter a oportunidade de levar a sua paciente a superar um estágio decisivo de sua 126 vida Ela deve aprender com ele a superação do princípio de prazer a renúncia a uma satisfação próxima mas socialmente não classificada em benefício de uma mais distante talvez até incerta mas tanto psicológica quanto socialmente irrepreensível Para essa superação ela precisará atravessar os tempos primordiais de sua evolução anímica e dessa forma adquirir aquele bônus de liberdade anímica que diferencia a atividade anímica consciente no sentido sistemático da inconsciente O psicoterapeuta analítico tem assim uma luta tripla a enfrentar em seu interior contra as forças que querem tirálo do nível analítico fora da análise contra os adversários que questionam a importância das forças pulsionais sexuais e o impedem de utilizálas em sua técnica científica e na análise contra os pacientes que no início se portam como adversários mas depois anunciam a supervalorização da vida sexual que os dominava e depois querem aprisionar o médico com a sua paixão socialmente irrefreada Os leigos de cuja postura em relação à Psicanálise falei inicialmente certamente também tomarão como ensejo essas discussões sobre o amor transferencial para alertarem o mundo sobre o perigo desse método terapêutico O psicanalista sabe que trabalha com as forças mais explosivas e que são necessárias cautela e meticulosidade assim como no caso dos químicos Mas quando é que a um químico foi interditado se ocupar com materiais explosivos indispensáveis por sua periculosidade apesar de seu efeito É curioso que a Psicanálise tenha de batalhar por todas as licenças desde o início quando elas há muito foram concedidas a outras atividades médicas Certamente não sou favorável a que se abdique dos métodos de tratamento inofensivos Para alguns casos eles são suficientes e de resto a sociedade humana não precisa nem do furor sanandi nem de qualquer outro tipo de fanatismo Mas significaria subestimar e muito as psiconeuroses segundo as suas origens e sua importância prática se acreditarmos que essas afecções possam ser derrotadas através de operações com meios diminutos e inofensivos Não na atividade médica sempre haverá um espaço ao lado da medicina5 sic para o ferrum e para o ignis e assim também será imprescindível a Psicanálise acurada que não esmaece que não se furta de manipular as mais perigosas moções anímicas dominandoas para o bem do paciente 127 Bemerkungen über die Übertragungsliebe Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse III 1915 1914 1915 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 3 n 1 p 111 1918 Sammlung kleinen Schriften zur Neurosenlehre t 4 p 453469 1925 Gesammelte Schriften tVI p 120135 1946 Gesammelte Werke t X p 305322 Publicado originalmente no início de 1915 este artigo foi escrito no final do ano anterior Embora tenha sido redigido já sob o impacto da notícia acerca da eclosão da guerra Freud considerava este artigo como sendo o melhor e mais útil dessa série de artigos técnicos conforme admitiu a Abraham em carta de 4 de março de 1915 A partir de 1918 edições posteriores omitiram o subtítulo e adotaram apenas o título curto como nos demais artigos da série A primeira menção ao fenômeno da contratransferência parece ter sido feita numa carta a Jung de 7 de junho de 1909 em que Freud o aconselhava a respeito do tratamento de Sabina Spielrein referindo se ao fenômeno como uma blessing in disguise Em termos de sua recepção PaulLaurent Assoun 2009 p 1164 anota que duas vias se abrem na posteridade deste artigo De um lado os textos sobre a contratransferência que marcaram época entre os pósfreudianos especialmente entre os membros da escola kleiniana com destaque para o pioneiro ensaio de Paula Heimann 1950 de outro lado as elaborações de Lacan e sua escola acerca do desejo do analista HEIMANN P On Countertransference In Int J PsychoAnal n 35 1950 p 8184 LACAN J Direção da cura e princípios de seu poder NOTAS 1 Freud faz frequente uso de um recurso da língua alemã chamado Kompositum ou seja a justaposição de termos nos quais o último é qualificado pelos anteriores No título deste texto aparece a composição Übertragungsliebe amor transferencial que não deve ser confundida com a que é expressa na ordem contrária a Liebesübertragung transferência amorosa NR 2 Esse é um dos casos em que fica clara a diferença entre repressão e recalque a força de repulsão operante na repressão não seria de ordem inconsciente ao contrário do que ocorre geralmente no caso do recalque NR 3 Apesar de Freud utilizar aqui a palavra alemã Indifferenz literalmente indiferença poderíamos depreender aqui o sentido de neutralidade NR 128 4 Referência ao poema de Heinrich Heine Die Wanderratten em seu verso que menciona a tal Suppenlogik mit Knödelargumenten Na verdade Heine usa a composição quase sinonímica Knödelgrunden NR 5 Aqui Freud usa palavras latinas para se referir aos medicamentos medicina ao ferro ferrum e ao fogo ignis NR xix Zur Geschichte der psychoanalytischen Bewegung Sobre a história do movimento psicanalítico 1914 xx Sabemos que a transferência pode se externar em outros sentimentos também menos ternos mas isso não será assunto deste artigo xxi Confira o texto anterior sobre Lembrar repetir e perlaborar 129 SOBRE FAUSSE RECONNAISSANCE DÉJÀ RACONTÉ DURANTE O TRABALHO ANALÍTICO 19141 Não é raro acontecer de durante o trabalho da análise o paciente acrescentar à comunicação de um fato lembrado por ele a seguinte observação mas eu já lhe contei isso quando o próprio analista acredita estar certo de nunca ter ouvido dele esse relato Se externamos essa contradição ao paciente muitas vezes ele vai energicamente assegurar ter certeza disso que pode até jurar etc na mesma medida no entanto fortalecese a própria convicção do analista sobre a novidade do que foi escutado Seria muito contrapsicológico2 querer decidir esse conflito elevando a voz ou sobrepujandoo com protestos Sabemos que essa sensação de convicção sobre a fidelidade da própria memória não tem nenhum valor objetivo e já que um dos dois necessariamente deve estar errado a vítima da paramnésia tanto pode ser o médico como o analisando Logo damos razão ao paciente interrompemos o conflito e adiamos sua solução para uma outra ocasião Em uma minoria de casos o próprio analista se lembra de já ter ouvido a questionável comunicação e ao mesmo tempo encontra o motivo subjetivo e muitas vezes longínquo de seu desaparecimento temporário Mas na grande maioria das vezes é o analisando que errou e pode ser convencido a reconhecêlo A explicação para esse acontecimento frequente parece ser a de que ele efetivamente teve a intenção de fazer essa tal comunicação de que uma ou mais vezes ele realmente fez uma manifestação preparatória mas depois foi impedido pela resistência de executar seu propósito e agora confunde a lembrança da intenção com a da execução Deixo agora de lado todos esses casos em que a situação pode deixar alguma dúvida e destaco alguns outros que possuem um interesse teórico particular Acontece a certas pessoas na verdade repetidamente de defenderem de maneira particularmente persistente na comunicação a 130 afirmação de já terem contado isto ou aquilo ao passo que a natureza da situação mostra ser inteiramente impossível que elas possam ter razão O que elas alegam já ter contado antes e que agora reconhecem como algo antigo que o médico também deveria saber são então lembranças da maior importância para a análise confirmações esperadas há muito tempo soluções que permitem finalizar uma parte do trabalho e às quais o médico analista certamente teria acrescentado esclarecimentos profundos Em vista dessas circunstâncias o paciente também admite em seguida que sua lembrança o confundiu embora não se consiga explicar a sua precisão O fenômeno que o analisando oferece nesses casos merece ser chamado de fausse reconnaissance falso reconhecimento e é inteiramente análogo a outros casos em que espontaneamente se tem essa sensação já estive nesta situação isto eu já vivenciei alguma vez o déjà vu já visto sem que sequer seja possível se confirmar essa convicção pela recuperação Wiederauffinden da situação anterior na memória Como se sabe esse fenômeno suscitou um grande número de tentativas de explicação que de maneira geral podem ser reunidas em dois gruposxxii no primeiro é dado crédito à sensação contida no fenômeno e se supõe que realmente se trata de algo que é lembrado a questão é saber o quê Em um grupo muitíssimo mais numeroso entram aquelas explicações que afirmam que ao contrário estamos aí diante de uma confusão da lembrança e que agora a tarefa é rastrear como se pôde chegar a esse ato falho Fehlleistung paramnésico Além disso essas tentativas abarcam uma vasta gama de motivos começando pela antiquíssima concepção atribuída a Pitágoras de que o fenômeno do déjà vu contém a prova de uma existência anterior do indivíduo seguida da hipótese apoiada na anatomia de que um desencontro temporal na atividade dos dois hemisférios cerebrais causaria o fenômeno WIGAN 18603 até às teorias puramente psicológicas da maioria dos autores recentes que veem no déjà vu a indicação de uma fraqueza aperceptiva cujos responsáveis seriam o cansaço o esgotamento e a distração Grassetxxiii em 1904 forneceu uma explicação do déjà vu que é preciso ser computada no grupo dos que acreditam gläubigen Segundo o autor o fenômeno indica que em algum momento anterior houve uma percepção inconsciente que só agora sob a influência de uma nova e semelhante impressão alcançou a consciência Muitos outros autores o seguiram e 131 fizeram da lembrança de algo sonhado e esquecido a base do fenômeno Em ambos os casos tratavase da reanimação de uma impressão inconsciente Em 1907 na segunda edição de minha Psicopatologia da vida cotidiana defendi uma explicação bastante semelhante para a aparente paramnésia sem conhecer o trabalho de Grasset ou mencionálo Deve servir para me desculpar o fato de que construí minha teoria como resultado de uma investigação psicanalítica que pude empreender em um caso muito nítido no entanto de 28 anos atrás de déjà vu em uma paciente Não irei repetir aqui essa breve análise Ocorre que a situação na qual se deu o déjà vu era realmente apropriada para despertar a lembrança de uma vivência anterior da analisanda Na família que a criança com 12 anos na época visitou encontravase um menino gravemente doente prestes a morrer e alguns meses antes seu próprio irmão tinha corrido o mesmo perigo A tudo isso em comum ligouse porém no caso da primeira vivência uma fantasia incapaz de se tornar consciente o desejo de que o irmão morresse e por isso a analogia dos dois casos não pôde tornarse consciente A sensação dessa analogia foi substituída pelo fenômeno do játervividoissoantes no qual a identidade do que havia em comum deslocouse para aquela localidade Sabemos que o nome déjà vu vale para toda uma gama de fenômenos análogos para um déjà entendu já escutado um déjà éprouvé já vivenciado um déjà senti já sentido Em vez de muitos outros semelhantes o caso que irei relatar agora consiste em um déjà raconté já contado que também poderia ter origem em uma intenção inconsciente que permaneceu sem ser executada Um paciente4 relata no curso de suas associações Como eu na época com a idade de 5 anos estava brincando com um canivete no jardim e cortei o dedo mindinho ah eu só pensei que o tivesse cortado mas isso eu já lhe contei Eu lhe asseguro que não me lembro de nada parecido Ele afirma cada vez mais convencido que não pode estar enganado sobre isso Acabei por dar fim ao conflito da maneira como indiquei no início e lhe peço assim mesmo para repetir a história Então veríamos se foi o caso Quando eu tinha 5 anos estava brincando no jardim perto da babá e fazia cortes com meu canivete na casca de uma das nogueiras que também têm um papelxxiv em meu sonhoxxv De repente percebi com um terror indizível 132 que tinha cortado o dedo mindinho da mão direita ou esquerda de tal maneira que ele só estava pendurado pela pele Dor eu não sentia mas um grande medo Angst Eu não me atrevia a dizer nada à babá que se encontrava a poucos passos de distância desabei no banco mais próximo e fiquei lá sentado incapaz de olhar mais uma vez para o dedo Finalmente me acalmei olhei para o dedo e vi que estava totalmente ileso Logo depois concordamos que ele não poderia ter me contado essa visão ou alucinação Ele entendeu muito bem que eu não poderia ter deixado de valorizar uma prova como essa da existência no seu quinto ano de vida da angústia de castração5 Kastrationsangst Com isso havia se desfeito sua resistência contra a suposição do complexo de castração No entanto ele colocou a questão Por que eu acreditei com tanta certeza já ter contado essa lembrança Então ocorreu a ambos que ele repetidamente nas mais diversas situações mas a cada vez sem tirar proveito tinha relatado a seguinte breve lembrança Certa vez quando meu tio viajou ele perguntou à minha irmã e a mim o que devia nos trazer de presente Minha irmã pediu um livro e eu um canivete Agora entendíamos essa ocorrência Einfall que havia surgido meses antes como lembrança encobridora da lembrança recalcada e como preparação do relato não realizado devido à resistência sobre a suposta perda do dedinho um inequívoco equivalente do pênis O canivete que seu tio realmente lhe trouxera era segundo sua clara lembrança o mesmo que aparecia naquele relato longamente reprimido unterdrückten Penso ser desnecessário acrescentar algo mais à interpretação dessa pequena experiência tendo em vista que ela lança luz sobre o fenômeno da fausse reconnaissance Sobre o conteúdo da visão do paciente quero assinalar que justamente na estrutura do complexo de castração essas confusões alucinatórias não são raras e que elas igualmente podem servir para corrigir percepções indesejadas Em 1911 uma pessoa de formação acadêmica vinda de uma cidade universitária alemã pessoa que não conheço e da qual também desconheço a idade colocou à minha disposição a seguinte comunicação sobre a sua infância Na leitura de Lembranças da infância de Leonardo 19105 as 133 afirmações feitas na p 29 até 31 me conduziram a uma contradição interna Sua observação de que o menino é dominado pelo interesse de seu próprio genital despertou em mim uma contraobservação do tipo Se essa é uma regra geral então de qualquer forma eu sou uma exceção Li então as próximas páginas 31 até 32 parte de cima com o maior assombro aquele assombro que se apodera de nós quando tomamos conhecimento de um fato inteiramente novo Em meio ao meu assombro me vem uma lembrança que me ensina para a minha própria surpresa que aquele fato não poderia ser tão novo Na época em que me encontrava no meio da investigação sexual infantil passei pelo feliz acaso de ter a oportunidade de observar o genital feminino de uma coleguinha da mesma idade e percebi muito claramente um pênis do mesmo tipo que o meu Mas logo em seguida a visão de estátuas e nus femininos me lançou em uma nova confusão e para sair desse conflito científico engendrei o seguinte experimento fiz desaparecer meu genital pressionandoo entre as duas coxas e constatei com satisfação que assim estava eliminada qualquer diferença do nu feminino Estava claro pensei comigo mesmo que também no caso do nu feminino fizeram desaparecer o genital da mesma maneira Mas nesse ponto me vem uma outra lembrança que sempre teve para mim a maior importância pois ela é uma das três lembranças que constam no conjunto das lembranças sobre minha mãe que faleceu precocemente Minha mãe está na frente da pia lavando os copos e a cuba enquanto eu estou brincando no mesmo cômodo e fazendo algum tipo de travessura Como castigo levo algumas palmadas em minha mão então para o meu grande horror vejo que meu dedo mindinho caiu e caiu justamente na cuba de água Como sei que minha mãe está zangada não me atrevo a dizer nada e vejo cada vez mais horrorizado que logo depois a empregada levou a cuba de água para fora Por muito tempo fiquei convencido de que tinha perdido um dedo provavelmente até a época em que aprendi a contar Muitas vezes tentei interpretar essa lembrança que como já mencionei sempre foi muito importante para mim por sua ligação com minha mãe Mas nenhuma dessas interpretações me deixou satisfeito Só agora após a leitura de seu trabalho vislumbro uma solução simples e satisfatória para o enigma Para a satisfação dos terapeutas há uma outra espécie de fausse reconnaissance que aparece não raramente no final de um tratamento Depois 134 que se conseguiu contra todas as resistências abrir caminho para a aceitação do acontecimento recalcado de natureza real ou psíquica e reabilitálo por assim dizer o paciente diz agora tenho a sensação de que eu sempre soube disso Com isso a tarefa analítica está resolvida xxii Cf uma das mais recentes referências do assunto em questão em Havelock Ellis World of Dreams 1911 xxiii La sensation du déjà vu Journal de Psychologie Norm et Pathol v I 1904 xxiv Correção feita em um relato posterior Acho que eu não estava cortando a árvore Foi uma mistura com uma outra lembrança que também deve ter sido falseada alucinatoriamente de eu ter feito um corte em uma árvore com o canivete e de ter saído sangue da árvore xxv Cf Märchenstoffe im Traum Material de contos de fadas nos sonhos 135 Über fausse reconnaissance déjà raconté während der psychoanalytischen Arbeit 1914 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 2 n 1 p 15 1925 Gesammelte Schriften tVI p 7683 1946 Gesammelte Werke t X p 116123 O tema do presente artigo foi mencionado em 1912 no artigo Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico neste volume p 93 Um extrato deste texto foi reproduzido na história clínica do Homem dos Lobos caso em que Freud estava trabalhando mas que viria a lume apenas ao final da guerra O fenômeno aqui estudado ganharia uma luz nova a partir de 1925 quando Freud estuda o problema do estatuto da negação ver A negação nesta coleção no volume Neurose psicose perversão NOTAS 1 Traduzido por Maria Rita Salzano Moraes NE 2 Unpsychologisch com o prefixo de negação un Freud alude aqui ao que seria inadequado ou mesmo contrário ao psicológico NR 3 Freud referese provavelmente à segunda edição publicada em 1860 de WIGAN A L A new view of insanity the duality of the mind proved by the structure functions and diseases of the brain and by the phenomena of mental derangement and shewn to be essential to moral responsibility London Longman Brown Green and Longmans 1844 NE 4 Tratase de Sergei Pankejeff conhecido como Homem dos Lobos NE 5 Dada a ambiguidade da palavra alemã Angst conforme o contexto a traduzimos por angústia ou medo É importante ressaltar que ainda que haja no alemão a palavra Furcht a ser traduzida de modo inequívoco como medo o vocábulo Angst pode ser compreendido como medo ansiedade ou angústia conforme o contexto de seu emprego Sendo uma palavra corriqueira da língua alemã muitas vezes Freud a emprega no sentido mais comum de medo Contudo há uma certa tendência ao seu uso no sentido de angústia quando o autor a emprega num contexto teórico Ainda que por vezes a composição Kastrationsangst nos leve à tradução por medo de castração o contexto aqui parece remeter de modo mais claro à noção de angústia NR 5 Incluído nesta coleção no volume Arte literatura e os artistas As passagens referidas por Freud 136 encontramse à página 110 e seguintes NE 137 CAMINHOS DA TERAPIA PSICANALÍTICA 1919 1918 Senhores colegas Os senhores sabem que nunca nos orgulhamos da completude e do fechamento do nosso saber e de nossas habilidades estamos sempre dispostos tanto antes quanto agora a admitir a incompletude do nosso conhecimento a aprender coisas novas e mudar em nosso procedimento aquilo que pode ser substituído por algo melhor Como voltamos a nos reunir agora depois de longos anos de separação difíceis de serem vividos1 sintome estimulado a rever o estado da nossa terapia à qual enfim devemos a nossa posição na sociedade humana para observar em que direções ela poderia se desenvolver Formulamos como sendo a nossa tarefa médica levar o doente neurótico a conhecer as moções recalcadas e inconscientes existentes dentro dele e para esse fim revelar as resistências que nele atuam contra tais ampliações do conhecimento sobre sua própria pessoa Será que com a revelação dessas resistências também garantimos a sua superação Nem sempre certamente mas esperamos atingir esse objetivo na medida em que aproveitamos a sua transferência para a pessoa do médico para transformarmos a nossa convicção da inadequação dos processos de recalque ocorridos na infância e da inexequibilidade de uma vida pautada no princípio de prazer na própria convicção quanto a isso As relações dinâmicas do novo conflito pelo qual conduzimos o paciente e que colocamos no lugar do antigo conflito da doença dentro dele foram por mim esclarecidas em outro lugar Atualmente não teria nada a modificar quanto a isso O trabalho através do qual trazemos à consciência do paciente o material anímico recalcado foi chamado por nós de Psicanálise Por que análise que significa desmembramento decomposição e remete a uma analogia com o trabalho do químico com as substâncias que ele encontra na natureza e leva ao laboratório Porque uma tal analogia realmente existe em um ponto 138 importante Os sintomas e as manifestações patológicas do paciente são de natureza altamente intricada bem como todas as suas atividades anímicas os elementos dessa composição intricada são em última instância motivos e moções pulsionais Mas o doente nada sabe desses fatores elementares ou sobre eles possui apenas informações insuficientes Então lhe ensinamos a entender a composição dessas formações anímicas de alta complexidade remetemos os sintomas às moções pulsionais que os motivaram comprovamos nos sintomas esses motores pulsionais até então desconhecidos do doente tal como o químico extrai a substância de base Grundstoff o elemento químico em meio ao sal dentro do qual encontravase irreconhecível por estar associado com outros elementos Da mesma forma mostramos ao paciente a partir de suas manifestações anímicas não consideradas como patológicas que a motivação dessas manifestações só lhe era parcialmente conhecida de forma consciente e que outros motivos pulsionais também atuaram ali e permaneceram desconhecidos para ele Também explicamos a aspiração sexual das pessoas separandoa em seus componentes e quando interpretamos um sonho procedemos inicialmente deixando em segundo plano o sonho como um todo atrelando a associação a seus elementos específicos A partir dessa comparação pertinente da atividade médica psicanalítica com um trabalho químico então poderia surgir a motivação para um novo rumo da nossa terapia Nós analisamos o paciente isto é decompomos a sua atividade anímica em seus componentes elementares e mostramos a ele esses elementos pulsionais individual e isoladamente então não parece óbvio exigir que também o ajudemos na nova e melhor composição dos componentes Os senhores sabem que essa exigência realmente foi feita Ouvimos o seguinte depois da análise da vida anímica doente deve ocorrer a sua síntese E logo se aliou a essa exigência a preocupação de se dar muita análise e pouca síntese assim como o esforço de transferir o peso maior do efeito psicoterapêutico para a síntese uma espécie de reconstituição daquilo que fora praticamente destruído pela vivissecção Mas não posso crer meus senhores que nessa psicossíntese se nos apresente uma nova tarefa Se eu quisesse me conceder a liberdade de ser sincero e descortês eu diria que se trata de retórica vazia e impensada Limitome a observar que temos aí apenas uma hiperextensão sem conteúdo de uma comparação ou se quiserem uma exploração injustificada de uma 139 nomenclatura Mas um nome é apenas uma etiqueta adequada para diferenciála de outras coisas semelhantes não é um programa nem um sumário nem uma definição E uma comparação precisa tangenciar aquilo que é comparado apenas em um ponto e em todos outros pode se distanciar bastante daquilo O psíquico é algo tão especificamente único que nenhuma comparação individual poderá reproduzir a sua natureza O trabalho psicanalítico oferece analogias com a análise química mas igualmente analogias com a intervenção do cirurgião ou a atuação do ortopedista ou ainda com a influência de um educador A comparação com a análise química encontra um limite no fato de que na vida anímica lidamos com aspirações que estão sujeitas a uma compulsão Zwang por unificação e reunião Se conseguirmos dissecar um sintoma liberar uma moção pulsional de um determinado contexto ela não ficará isolada mas logo entrará em um novo contexto xxvi Sim pelo contrário O paciente neurótico nos apresenta uma vida anímica dilacerada cindida por resistências e enquanto a analisamos e afastamos as resistências essa vida anímica vai se recompondo incorpora na grande unidade que chamamos de seu Eu todas as moções pulsionais que até então eram dissociadas por ele e reunidas em outro lugar Assim a psicossíntese se dá no analisando sem a nossa intervenção de forma automática e inescapável Com a dissecação dos sintomas e a suspensão das resistências criamos as condições para que ela acontecesse Não é verdade que haja algo no doente que foi decomposto em partes e que agora esteja esperando calmamente que nós de algum modo façamos a reconstrução O desenvolvimento da nossa terapia portanto deverá trilhar outros caminhos principalmente aquele que Ferenczi recentemente definiu em seu trabalho sobre as Dificuldades técnicas de uma análise da histeriaxxvii como a atividade do analista Entremos em um rápido acordo sobre o que se entende por tal atividade Havíamos descrito a nossa tarefa terapêutica a partir de dois conteúdos conscientização do recalcado e descoberta das resistências Fazendo isso aliás já somos suficientemente ativos Mas será que devemos deixar por conta do doente lidar sozinho com as resistências que lhe foram reveladas Será que não podemos lhe fornecer nenhuma outra ajuda além da que ele recebeu com o impulso Antrieb da transferência Não seria muito mais 140 óbvio ajudálo também colocandoo naquela situação psíquica que é a mais favorável para a solução desejada do conflito Afinal a sua produção Leistung também depende de uma constelação de fatores externos Sendo assim será que deveríamos pensar em mudar essa constelação através de uma intervenção nossa que fosse adequada Acredito que uma tal atividade do médico analista é unívoca e claramente justificada Os senhores percebem que aqui se abre um novo setor da técnica analítica cujo destrinchamento exige esforço intenso e que produzirá determinadas prescrições Hoje não tentarei lhes dar uma introdução dessa técnica ainda em desenvolvimento mas me limitarei a destacar um princípio básico que provavelmente será o princípio dominante nessa área É ele O tratamento analítico deve na medida do possível ser executado na privação Entbehrung na abstinência Deixarei para uma discussão mais detalhada observar em que medida é possível detectar isso Mas por abstinência não entendemos a falta de toda satisfação obviamente isso seria inexequível e também não o que se entende popularmente pelo termo que seria a abstinência sexual mas algo diferente que tem muito mais a ver com a dinâmica do adoecimento e do restabelecimento Os senhores se lembram de que foi um impedimento Versagung que fez o paciente ficar doente que os seus sintomas lhe prestam o serviço de satisfações substitutivas Durante o tratamento Kur os senhores podem observar que cada melhora de seu estado de sofrimento Leidenszustand retarda a velocidade do restabelecimento e diminui a força motriz Triebkraft que impele para a cura Mas não podemos renunciar a essa força motriz uma diminuição dela é perigosa para a nossa intenção de cura Então qual é a conclusão que se evidencia irrefutavelmente Temos de por mais cruel que isso possa parecer cuidar para que o sofrimento de algum modo eficaz do paciente não termine antes da hora Se pela decomposição e desvalorização dos sintomas ele foi reduzido em algum outro lugar precisamos reerguêlo como uma privação sensível senão corremos o risco de nunca alcançarmos nada além de melhoras modestas e insustentáveis Pelo que vejo o perigo se mostra como ameaça especialmente em dois lados Por um lado o paciente cujo estar doente foi abalado pela análise esforçase com afinco em criar novas satisfações substitutivas no lugar dos seus sintomas satisfações que agora não têm a característica do sofrimento 141 Ele se serve da grandiosa mobilidade da libido parcialmente liberada para investir com libido as mais variadas atividades preferências costumes também os que já existiam antes elevandoos assim a satisfações substitutivas Ele sempre voltará a encontrar tais distrações novas através das quais escoa a energia necessária para a manutenção do tratamento e sabe mantêlas em segredo por algum tempo Temos a tarefa de detectar todos esses desvios e a cada vez exigir dele a renúncia mesmo que a atividade que leva à satisfação pareça ser a mais inofensiva possível Mas o semicurado também pode trilhar caminhos menos inofensivos por exemplo se for homem procurar um vínculo prematuro com uma mulher Digase de passagem que um casamento infeliz e o sofrimento corporal são as manifestações mais comuns da neurose Elas satisfazem em especial a consciência de culpa necessidade de punição que faz com que muitos doentes se apeguem tão tenazmente à sua neurose Devido a uma escolha infeliz no casamento eles punem a si próprios uma doença orgânica longa eles aceitam como sendo uma punição do destino e então muitas vezes renunciam a uma continuidade da neurose A atividade do médico em todas essas situações precisa se manifestar como uma intervenção enérgica contra as satisfações substitutivas prematuras Porém será mais fácil para ele a preservação diante do segundo perigo que não deve ser subestimado e que ameaça a força motriz da análise O doente procura principalmente a satisfação substitutiva no próprio tratamento na relação transferencial com o médico podendo até almejar dessa forma uma compensação por toda a recusa que até então lhe foi imposta Alguma coisa precisa ser concedida a ele em maior ou menor proporção dependendo da natureza do caso e da característica do doente Mas não é bom quando é demais Quando o analista por exemplo de dentro da imensidão de seu coração solícito concede ao paciente tudo que uma pessoa pode esperar do outro ele estará cometendo o mesmo erro econômico em que incorrem as nossas instituições de cura não analíticas Elas nada mais buscam que tornar a estada do doente o mais agradável possível para que ele se sinta bem ali e possa retornar àquele lugar como a um refúgio para todas as situações difíceis da vida Fazendo isso elas abdicam de tornálo mais forte para a vida e mais capacitado para as suas verdadeiras tarefas No tratamento analítico devemos evitar todo tipo de mimo semelhante Em sua relação com o médico o paciente deve ter uma vasta gama de desejos não realizados É 142 oportuno priválo justamente daquelas satisfações que ele mais deseja e que expressa de forma mais urgente Não creio ter esgotado a dimensão da atividade almejada para um médico com a frase no tratamento devese manter a falta Uma outra vertente como os senhores se lembram já foi ponto de discórdia entre nós e a Escola Suíça2 Recusamos enfaticamente transformar o paciente que se entrega em nossas mãos buscando ajuda em nossa propriedade formar o seu destino para ele imporlhe os nossos ideais e com a altivez do Criador formálo à nossa semelhança para a nossa satisfação Ainda hoje insisto nessa recusa e creio que aqui seja o lugar da discrição médica que precisamos superar em outros relacionamentos e também tive a experiência de que uma atividade que vai tão longe contra o paciente tampouco seja necessária para a intenção terapêutica Porque pude ajudar pessoas com as quais não tinha qualquer laço de raça educação posição social ou visão de mundo sem incomodálas em suas peculiaridades Aliás naquela época quando houve aquelas divergências tive a impressão de que o protesto de nossos representantes creio que foi em primeira linha Ernest Jones acabou sendo demasiado brusco e direto Não podemos impedir que recebamos também pacientes que são tão instáveis e incapazes de viver que nesse caso precisamos unir o influenciamento Beeinflussung analítico com o educacional e também na maioria dos outros casos aqui e acolá teremos uma oportunidade em que o médico é obrigado a atuar como educador e conselheiro Mas isso a cada vez precisa ser manuseado com grande cuidado de preservação e o paciente não deve ser educado para ser semelhante a nós mas para a libertação e a concretização de sua própria essência Nosso estimado amigo James Putnam que está na América tão inimiga nossa atualmente precisa nos desculpar por também não podermos aceitar a sua exigência de que a Psicanálise se coloque a serviço de uma determinada visão de mundo filosófica philosophischen Weltanschauung e que a imponhamos ao paciente com a finalidade de seu enobrecimento Quero dizer que isso é apenas violência mesmo que encoberta pelas mais nobres intenções Outra atividade de tipo bem diferente nos será imposta pela compreensão que vem crescendo aos poucos de que as diferentes formas de doença de que tratamos não podem ser resolvidas pela mesma técnica Seria 143 apressado tratarmos disso em detalhes agora mas posso explicar a partir de dois exemplos em que medida deve ser considerada aqui uma nova atividade Nossa técnica cresceu a partir do tratamento da histeria e ainda se volta para essa afecção Já as fobias estas nos obrigam a ir além de nossa conduta até então exercida Dificilmente seremos senhores de uma fobia se esperarmos que o doente se motive pela análise a abdicar dela Então ele nunca trará aquele material para a análise que seria indispensável para a solução convincente da fobia Precisamos proceder de outro modo Tomem o exemplo de uma agoráfobo há duas classes deles uma mais leve e outra mais severa É verdade que os primeiros sempre terão de sofrer com o medo Angst toda vez que andarem sozinhos na rua mas nem por isso abdicaram de andar sozinhos os outros se protegem do medo abdicando de andar sozinhos Com esses últimos só teremos sucesso se pudermos motiválos por influência da análise a se comportar como os fóbicos de primeiro grau portanto a ir para a rua e lutar contra o medo durante essa tentativa Ou seja conseguimos chegar a um ponto em que diminuímos a fobia nessa medida e só quando alcançamos isso por exigência do médico o doente terá domínio daquelas ocorrências e lembranças que possibilitam a solução da fobia Menos adequado ainda parece ser esperarmos passivamente nos casos graves de atos obsessivos que na verdade tendem num processo de cura assintótico a uma duração infinita do tratamento cuja análise sempre corre o risco de revelar muita coisa e nada mudar Pareceme pouco questionável que a técnica certa aqui só possa consistir em esperar até que o próprio tratamento tenha se transformado em obsessão e depois reprimir unterdrücken violentamente a obsessão da doença com essa contraobsessão Gegenzwang Mas os senhores entendem que nesses dois casos lhes apresentei apenas amostras dos novos desenvolvimentos dos quais a nossa terapia se aproxima E agora por fim gostaria de enfocar uma situação que pertence ao futuro que para muitos dos senhores parecerá fantasiosa mas que merece creio eu que nos preparemos para ela em pensamento Os senhores sabem que a nossa eficácia terapêutica não é muito intensa Somos apenas um punhado de gente e cada um de nós mesmo com um grande esforço só pode se dedicar a um número pequeno de pacientes em um ano Contra o excesso de sofrimento neurótico que existe no mundo e que talvez não tenha de existir aquilo que nós conseguimos eliminar desse sofrimento é praticamente irrelevante em 144 termos quantitativos Além disso devido às condições de nossa existência estamos limitados às camadas abastadas e mais altas da sociedade que costumam escolher elas próprias os seus médicos e nessa escolha são desviadas por todos os preconceitos relativos à Psicanálise Para as amplas camadas da população que sofrem muito profundamente com as neuroses por ora nada podemos fazer Agora suponhamos que através de alguma organização conseguíssemos multiplicar o nosso número de modo que fôssemos suficientes para o tratamento de massas maiores de pessoas Por outro lado podese prever que em algum momento a consciência da população acordará e a alertará para o fato de que o pobre tem o mesmo direito à assistência anímica que ele já tem agora à assistência cirúrgica que salva vidas E que as neuroses não são menos ameaçadoras à saúde da população que a tuberculose e que assim como esta não podem ser deixadas a cargo de cada pessoa do povo Então serão erguidos instituições ou institutos de formação Ordinationsinstitute onde trabalharão médicos de formação psicanalítica que através da análise manterão capazes em face da resistência à produtividade Leistung homens que do contrário se entregariam à bebida mulheres que ameaçam sucumbir diante do peso das renúncias e crianças que têm diante de si apenas a escolha entre a selvageria e a neurose Esses tratamentos serão gratuitos Pode ser que leve muito tempo até que o Estado perceba esses deveres como sendo urgentes As condições atuais possivelmente ainda adiarão esse prazo e é provável que a beneficência particular dará o primeiro passo com tais institutos mas em algum momento isso necessariamente terá de acontecer Resultará daí para nós então a tarefa de adequar a nossa técnica às novas condições Não duvido de que a força argumentativa das nossas crenças psicológicas também impressionará alguém sem formação mas precisaremos encontrar a expressão mais simples e palpável dos nossos ensinamentos teóricos Provavelmente teremos a experiência de que o pobre estará ainda menos disposto a renunciar à sua neurose do que o rico porque a vida difícil que espera por ele não o atrai e o estardoente lhe garante mais um direito à assistência social Possivelmente muitas vezes poderemos ter resultados apenas se conseguirmos unir à maneira do imperador José3 a assistência anímica e o apoio material Muito provavelmente também seremos obrigados 145 ao utilizarmos a nossa terapia com as massas a fundir o ouro puro da análise em grande medida com o cobre do sugestionamento direto e também o influenciamento hipnótico poderia encontrar o seu lugar ali assim como no tratamento dos neuróticos de guerra Mas seja de que forma essa psicoterapia para o povo se configure ou de que elementos ela se constitua as suas partes mais eficazes e importantes certamente serão aquelas emprestadas da Psicanálise propriamente dita livre desta ou daquela tendência xxvi Já que durante a análise química acontece algo muito semelhante Concomitantemente com os isolamentos forçados pelo químico ocorrem sínteses que ele não pretendia graças às afinidades liberadas e às afinidades eletivas dos materiais xxvii Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v V 1919 146 Wege der psychoanalytischen Therapie 1919 1918 1919 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 5 n 2 p 6168 1946 Gesammelte Werke t XII p 181194 Freud esboçou as principais ideias desta conferência durante sua estadia de verão em Steinbruch na Hungria O texto desta conferência foi lido no V Congresso Internacional de Psicanálise ocorrido na Academia de Ciências de Budapeste em presença de representantes dos governos da Alemanha da Áustria e da Hungria entre 28 e 29 de setembro de 1918 pouco tempo antes do fim da guerra O caráter inequivocamente político do texto evidente principalmente na sua última parte explicase pelo menos em parte por essa particular audiência e contexto Freud não poderia perder a chance de falar sobre o futuro da Psicanálise no pósguerra especialmente no que tange à sua extensão para camadas mais pobres da população através de serviços públicos de saúde Sua fala foi vista como um misto de profecia e de desafio Numa passagem tornada célebre a analogia do trabalho do psicanalista com a análise química afasta a tentação de aproximar a prática psicanalítica e a psicossíntese O tropo relativo à Química permite ainda outra importante metáfora aquela que distingue o ouro puro da análise e o cobre dos métodos sugestivos A fusão dessas substâncias sob certas condições poderia ser uma inovação técnica com vistas à extensão do tratamento analítico em contexto institucional Não foram poucas as ressonâncias práticas dessa intervenção levadas a efeito por diversos participantes do congresso Em 1920 Max Eitingon e Ernst Simmel fundam a Policlínica de Berlim que oferecia tratamento gratuito e onde trabalharam nomes como Melanie Klein Hanns Sachs e Karl Abraham dois anos mais tarde Eduard Hitschmann inaugura uma clínica social em Viena depois de algum tempo Sándor Ferenczi funda em Budapeste mais uma clínica gratuita As ressonâncias da conferência de Freud chegam ainda a Ernest Jones que mesmo não tendo participado do congresso de Budapeste cria em 1926 a London Clinic for Psychoanalysis Ao fim e ao cabo entre o final da Primeira Guerra e a ascensão do Reich nazista perto de uma dúzia de clínicas sociais foi fundada por discípulos de Freud de Londres a Zagreb Este texto é um ótimo exemplo do cruzamento entre a dimensão ética e a dimensão técnica da Psicanálise especialmente quando aborda o risco de uma certa análise ortopédica que submete os destinos de uma análise seja aos ideais do terapeuta seja a ideais sociais determinados Reconhecemos aqui o distanciamento de Freud com relação a Jung no primeiro caso e a uma certa versão da Psicanálise norteamericana no segundo Por outro lado é nítida também a afirmação do caráter inacabado da teoria e da técnica psicanalíticas Os caminhos da terapia psicanalítica referidos no título do artigo são o índice de uma certa abertura a inovações clínicas tendo como horizonte inovações técnicas discutidas naqueles anos com seus discípulos sobretudo com Ferenczi Nesse sentido a conferência de Freud da qual resultou o presente artigo detinha também a especificidade de um ato político contra a tendência ao dogmatismo precocemente presente no movimento psicanalítico DANTO E A Freuds free clinics psychoanalysis and social justice 19181938 New York Columbia University Press 2005 FERENCZI S A técnica psicanalítica In Obras completas São Paulo Martins Fontes 1992 1919 v 2 NOTAS 1 147 Clara menção aos anos da Primeira Guerra Mundial 19141918 NR 2 Modo como Freud se referia à pessoa de Carl Gustav Jung Inicialmente um psicanalista suíço que Freud teve em alta conta e que chegou a presidir a Associação Internacional de Psicanálise Posteriormente um conhecido dissidente da Psicanálise NR 3 Referência ao imperador José II do Império AustroHúngaro famoso pelos seus gestos de filantropia NR 148 A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA CONVERSAS COM UMA PESSOA IMPARCIAL 1926 INTRODUÇÃO O título deste pequeno escrito não é inteligível de imediato Portanto vou elucidálo leigos não médicos e a questão que se coloca é se a não médicos também é permitido exercer a análise Essa questão está condicionada pelo tempo e pelo espaço Pelo tempo na medida em que até agora ninguém se preocupou com quem exerce a análise É verdade preocuparamse pouco demais com essa questão mas havia consenso no desejo de que ninguém deveria exercêla com justificativas diversas todas elas com a mesma rejeição na base A exigência de que apenas médicos devessem analisar portanto corresponde a uma nova postura aparentemente mais simpática em relação à análise isto é desde que não se coloque apenas como um derivado da postura antiga Admitese que um tratamento analítico deva ser feito sob certas circunstâncias mas sendo o caso apenas médicos deveriam poder fazêlo O porquê dessa limitação é que será aqui analisado Essa questão está condicionada pelo espaço porque não se aplica a todos os países da mesma forma Na Alemanha e nos Estados Unidos ela é uma discussão meramente acadêmica pois nesses países todo paciente pode ser tratado como e por quem ele quiser e todo aquele que quiser pode tratar inúmeros pacientes como charlatão Kurpfuschen1 desde que assuma a responsabilidade pelos seus atos A lei não se intromete até que ela seja consultada para punir um dano causado ao paciente Mas na Áustria onde e para a qual eu escrevo a lei é preventiva ela proíbe ao não médico aplicar tratamentos em pacientes sem esperar o seu resultadoxxviii Aqui portanto a questão sobre se leigos não médicos podem tratar pacientes com a Psicanálise tem um sentido prático Mas assim que é levantada ela parece também ter sido decidida pela letra da Lei Os doentes de nervos Nervösen são doentes leigos são não médicos a Psicanálise é um procedimento para a 149 cura ou a melhora das doenças nervosas e todos os tratamentos desse tipo são reservados aos médicos consequentemente não é permitido que leigos exerçam a análise em doentes de nervos e se o fizerem serão passíveis de punição legal Numa situação tão simples e clara dificilmente nos atreveríamos a discutir a questão da análise leiga No entanto há algumas complicações das quais a lei não se ocupou mas que justamente por isso precisam ser consideradas Talvez se conclua aqui que doentes nesse caso não são iguais a outros doentes que leigos não são realmente leigos e que médicos não são exatamente aquilo que se pode esperar de médicos e em que eles podem embasar as suas reivindicações Se isso puder ser comprovado será uma exigência justificada que a lei não se aplique a esse caso sem que ela seja modificada I Se isso de fato irá ocorrer vai depender de pessoas que não têm a obrigação de conhecer as especificidades de um tratamento analítico É nossa tarefa instruir tais pessoas imparciais a respeito supomos até agora como desinformadas Lamentamos não podermos transformálos em ouvintes de um tratamento desse tipo A situação analítica não suporta um terceiro Cada uma das sessões de tratamento também tem valor desigual um ouvinte desses não autorizado que presenciasse uma sessão aleatória na maioria dos casos não teria uma impressão aproveitável ele correria perigo de não entender o que é tratado entre o analista e o paciente ou então ficaria entediado Ou seja mal ou bem ele precisa se dar por satisfeito com a nossa informação que queremos passar da forma mais confiável possível O paciente talvez sofra de oscilação de humores que ele não domina ou talvez de desânimo através do qual ele sente a sua energia paralisada já que não confia muito em si ou então sofre de timidez angustiante diante de estranhos Ele poderá perceber sem compreender que lhe é difícil executar o seu trabalho profissional mas também toda tomada de decisão mais séria ou qualquer empreendimento Certo dia ele não sabe por que ele sofreu um ataque desconcertante de sentimentos de angústia e desde então não consegue atravessar a rua sozinho ou viajar de trem sem um esforço de superação talvez até tenha abdicado de ambos Ou o que é muito curioso seus pensamentos trilham caminhos próprios e não se deixam guiar por sua 150 vontade Eles perseguem problemas que lhe são muito indiferentes mas dos quais não consegue se livrar Também lhe são impostas tarefas extremamente ridículas como contar a quantidade de janelas nas fachadas dos prédios e quanto a atividades simples como jogar cartas em uma caixa de correio ou desligar a chama do fogão por um instante ele fica em dúvida se realmente as executou Isso talvez seja apenas irritante e incômodo mas a situação fica insuportável quando de repente ele não consegue se livrar da ideia de que jogou uma criança debaixo das rodas de um carro empurrou um desconhecido da ponte fazendoo cair na água ou se vê instado a se perguntar se não é ele o assassino que a polícia está procurando como o autor de um crime que foi descoberto hoje Aparentemente é bobagem ele mesmo sabe disso ele nunca fez mal a ninguém mas se ele fosse mesmo o assassino procurado a sensação o sentimento de culpa não poderia ser mais forte Ou então o nosso paciente digamos que agora seja uma mulher sofre de outra forma e em outra área Ela é pianista mas seus dedos ficam crispados e recusamse a tocar Quando ela pensa em ir a um evento social imediatamente se instala nela uma necessidade natural cuja satisfação seria incompatível com a sociabilidade Portanto ela abdica de ir a eventos sociais bailes teatro concertos No momento em que menos precisa ela é acometida por fortes dores de cabeça ou outras sensações de dor Eventualmente ela expele todas as refeições que ingere através de vômito o que a longo prazo pode ser perigoso Por fim é lamentável que ela não suporte excitações algo que é inevitável ao longo da vida Nessas ocasiões ela desmaia muitas vezes com cãibras musculares que lembram estados patológicos perturbadores unheimliche Ainda outros pacientes sentemse incomodados em um âmbito especial no qual a vida sentimental ligase com as demandas do corpo Quando homens eles se sentem incapazes de expressar fisicamente as moções mais afetivas diante do sexo oposto enquanto talvez diante de objetos pouco amados eles tenham à disposição todas as reações Ou então a sua sensualidade os atrela a pessoas que eles desprezam das quais querem se libertar Ou ainda ela estabelece condições cuja realização é abjeta até mesmo para eles Quando mulheres elas se sentem impedidas pelo medo e pelo nojo ou por obstáculos desconhecidos a responder às exigências da vida sexual ou se elas cederam ao amor sentemse privadas do prazer que a natureza concedeu como prêmio por tal docilidade 151 Todas essas pessoas se enxergam como doentes e procuram médicos dos quais se espera a eliminação desses distúrbios nervosos Os médicos também dispõem das categorias em que se classificam essas doenças De acordo com as suas perspectivas eles as diagnosticam com nomes diversos neurastenia psicastenia fobias neurose obsessiva histeria Eles examinam os órgãos que manifestam os sintomas o coração o estômago os intestinos os genitais e os acham saudáveis Eles aconselham interrupções do modo de vida usual descansos procedimentos fortalecedores medicamentos tonificantes e obtêm alívios passageiros ou simplesmente nada Por fim os doentes ouvem dizer que há pessoas que se ocupam especificamente do tratamento desse tipo de doença e começam uma análise com elas Nosso interlocutor imparcial que imagino como estando aqui presente deu sinais de impaciência durante a apresentação das manifestações patológicas dos doentes de nervos Agora ele está mais atento curioso e se expressa da seguinte forma Então agora vamos saber o que o analista faz com o paciente a quem o médico não conseguiu ajudar Nada mais acontece entre eles do que uma conversa O analista não utiliza instrumentos nem mesmo para o exame nem prescreve medicamentos Se possível ele até mantém o doente em seu ambiente e em meio a suas relações habituais enquanto está em tratamento Isso evidentemente não é uma condição e nem sempre pode ser feito dessa forma O analista pede que o paciente venha ao seu consultório em um horário determinado do dia deixao falar ouve o que ele diz depois fala com ele e o faz ouvir A expressão facial do nosso interlocutor imparcial então demonstra um indefectível alívio e relaxamento mas também evidencia claramente certo desprezo É como se pensasse é só isso Palavras palavras palavras2 como diz o príncipe Hamlet Certamente também lhe vem à cabeça a fala de escárnio de Mefisto3 que diz como é confortável lidar com palavras versos que nenhum alemão jamais esquecerá Ele diz também Então isso é um tipo de magia vocês fazem desaparecer a doença com palavras e um simples sopro Com certeza seria magia se o efeito fosse mais rápido Parte da magia é necessariamente a rapidez até mesmo o aspecto repentino do sucesso Mas os tratamentos analíticos precisam de meses e até anos uma mágica tão lenta perde o caráter do miraculoso Aliás não desprezemos a palavra Ela é um 152 instrumento poderoso é o recurso pelo qual comunicamos nossos sentimentos uns aos outros é o caminho pelo qual influenciamos o outro Palavras podem ser extremamente benfazejas e podem ferir terrivelmente É verdade que no princípio era o ato4 a palavra veio depois sob certas circunstâncias foi um progresso cultural quando a ação se reduziu à palavra Mas a palavra originalmente era magia um ato mágico e ainda preservou muito de sua antiga força O interlocutor imparcial continua Suponhamos que o paciente não esteja mais preparado que eu para compreender o tratamento analítico como o senhor pensa em convencêlo da magia da palavra ou da fala que o libertará de seu sofrimento Evidentemente ele necessitará de uma preparação e isso pode ser feito de um modo fácil Pedimos a ele que seja muito sincero com seu analista que não omita propositalmente nada que lhe venha à mente e depois que ignore todos os impedimentos que querem excluir alguns pensamentos ou lembranças da comunicação Toda pessoa sabe que há coisas que ela contaria aos outros apenas a contragosto ou cuja comunicação ela julga impraticável São suas intimidades Ele também intui aquilo que significa um grande progresso no autoconhecimento psicológico que há outras coisas que não se quer confessar a si mesmo que se quer esconder de si mesmo e que por isso se interrompe e se afugenta de seus pensamentos quando elas surgem Talvez ele próprio perceba o indício de um problema psicológico muito curioso na situação em que um pensamento deva ser escondido de si mesmo É como se o simesmo Selbst não fosse mais aquela unidade que se julgava ser como se ainda houvesse outra coisa dentro dele que se contrapusesse a esse si mesmo Algo como uma oposição entre o simesmo e uma vida anímica em sentido amplo pode ser vislumbrado por ele ainda em contornos obscuros Quando então ele aceita a exigência da análise de dizer tudo ele facilmente se torna acessível à expectativa de que um trânsito e uma troca de ideias sob circunstâncias tão incomuns também possa levar a efeitos curiosos Eu entendo diz o nosso ouvinte imparcial o senhor supõe que todo nervoso tenha algo que o incomoda um segredo e na medida em que o senhor o motiva a verbalizar o problema o senhor lhe tira o peso e lhe faz bem Esse é o princípio da confissão do qual a igreja católica se serviu desde sempre para garantir o seu domínio dos ânimos 153 Temos de responder a isso com sim e não A confissão introduz a análise como uma espécie de preâmbulo Mas está longe de chegar à essência da análise ou de explicar o seu efeito Na confissão o pecador diz o que sabe na análise o neurótico deve dizer mais Também nada consta sobre a confissão ter desenvolvido alguma força que elimine sintomas diretos de doenças Então eu não entendo é o que retruca O que significa dizer mais do que ele sabe Mas posso imaginar que o senhor enquanto analista tenha uma influência maior sobre o paciente que o penitente sobre o confessor porque o senhor se dedica a ele por muito mais tempo de forma mais intensa e mais individualizada e o senhor utiliza essa influência ampliada para afastálo de suas ideias patologizantes para tirar dele os temores etc Seria deveras curioso se dessa forma fosse possível dominar também fenômenos puramente físicos como vômitos diarreia e cãibras e sei que esses influenciamentos Beeinflussungen são perfeitamente possíveis quando se colocou alguém em estado hipnótico Provavelmente através do seu esforço com o paciente o senhor consiga tal relação hipnótica uma ligação sugestiva com a sua pessoa mesmo não sendo essa a sua intenção e os milagres da sua terapia serão então os efeitos da sugestão hipnótica Mas pelo que sei a terapia hipnótica trabalha muito mais rápido que a sua análise que como o senhor diz dura meses e até anos Nosso interlocutor imparcial não é nem tão desinformado nem tão perdido como inicialmente poderíamos supor É evidente que ele se esforça em compreender a Psicanálise com auxílio de seus conhecimentos prévios atrelálos a outra coisa que ele já sabe Temos agora a tarefa difícil de esclarecer a ele que isso não funcionará que a análise é um procedimento sui generis algo novo e único que só pode ser compreendido por meio de novas descobertas ou se quisermos de novas suposições Mas ainda estamos devendo a ele a resposta aos seus últimos comentários O que o senhor disse sobre a influência pessoal especial do analista certamente é notável Essa influência existe e tem um papel muito importante na análise Mas não o mesmo que no hipnotismo Creio que conseguirei provar ao senhor que as situações nos dois casos são bem diferentes Talvez baste a observação de que não usamos essa influência pessoal o fator sugestivo para suprimir unterdrücken os sintomas da doença como acontece na sugestão hipnótica Além disso seria falso acreditar que esse momento é o portador e o promotor do tratamento No início talvez mas 154 depois ele se contrapõe às nossas intenções analíticas e nos obriga a tomar as mais extensas contramedidas Também quero lhe mostrar a partir de um exemplo como a distração e a dissuasão estão distantes da técnica analítica Se o nosso paciente sofre de um sentimento de culpa como se tivesse cometido um crime grave não aconselhamos a ele que supere essa crise de consciência reforçando a sua indubitável ausência de culpa ele já tentou isso sem sucesso Mas nós o alertamos de que um sentimento tão forte e duradouro deve se originar de algo real que talvez possa ser encontrado Muito me espantaria diz o interlocutor imparcial se com essa aquiescência o senhor conseguisse aplacar a sensação de culpa do seu paciente Mas quais são as suas intenções analíticas e o que o senhor faz com o paciente II Se eu tiver de dizer ao senhor algo compreensível provavelmente terei de lhe informar uma parte de um ensinamento psicológico que é desconhecido fora dos círculos analíticos ou pelo menos que não é suficientemente reconhecido A partir dessa teoria é fácil deduzir o que queremos do doente e de que modo iremos alcançálo Vou apresentálo ao senhor de forma dogmática como se fosse uma estrutura doutrinária acabada Mas não ache que ela surgiu como tal semelhante a um sistema filosófico Nós a desenvolvemos muito lentamente lutamos por cada pedacinho a modificamos em constante contato com a observação até que ela enfim ganhasse uma forma que fosse suficiente para os nossos objetivos Há alguns anos eu ainda teria de vestila com outros termos Evidentemente não posso lhe garantir que a forma como ela se expressa hoje seja a definitiva O senhor sabe que a Ciência não é uma revelação que muito depois de seus primórdios lhe faltam as características da determinação da imutabilidade da infalibilidade características pelas quais o pensamento humano tanto anseia Mas tal como ela é ela é tudo de que podemos dispor Acrescentese a isso que a nossa ciência é muito jovem mal tem a idade do nosso século e que ela mais ou menos se ocupa da matéria mais difícil que pode ser apresentada à pesquisa humana então o senhor facilmente terá a perspectiva correta diante da minha explanação Mas me interrompa à vontade toda vez que o senhor não conseguir acompanhar ou se desejar mais esclarecimentos 155 Interrompo mesmo antes de o senhor começar O senhor diz que vai me apresentar uma nova Psicologia mas quero crer que a Psicologia não seja uma ciência nova Houve Psicologia e psicólogos suficientes e na escola ouvi falar de grandes feitos nessa área O que não tenciono refutar Mas se o senhor analisar mais de perto terá de associar esses grandes feitos à fisiologia dos sentidos A doutrina da vida anímica não pôde se desenvolver porque estava travada por uma única compreensão falsa essencial O que ela engloba hoje tal como é ensinada nas escolas Além daquelas descobertas valiosas da fisiologia dos sentidos uma série de divisões e definições dos nossos processos anímicos que graças ao uso corriqueiro da linguagem tornaramse bem comuns para todas as pessoas cultas Isso aparentemente não é suficiente para abarcar a nossa vida anímica O senhor não percebeu que todo filósofo poeta historiador e biógrafo organiza a sua própria Psicologia apresenta seus prérequisitos especiais sobre a relação e os objetivos dos atos anímicos todos eles mais ou menos agradáveis e todos igualmente pouco confiáveis Ao que parece falta um fundamento comum a todos E é por isso também que no campo da Psicologia por assim dizer não há respeito nem autoridade Toda e qualquer pessoa pode agir de forma selvagem à vontade Se o senhor levantar uma questão de Física ou de Química silenciará todo aquele que não dispuser de conhecimentos de especialista Mas se o senhor arriscar uma afirmação da área da Psicologia o senhor deverá estar preparado para juízos e refutações de todos Provavelmente não há conhecimentos especializados nessa área Qualquer um tem a sua vida anímica e por isso todo mundo se julga um psicólogo Mas isso não me parece ser um título de direito suficiente Conta se que perguntaram a uma pessoa que se oferecia para ser babá de crianças se ela sabia lidar com crianças Certamente respondeu ela eu mesma já fui criança um dia E o senhor alega ter descoberto esse fundamento comum da vida anímica que passou despercebido de todos os psicólogos a partir da observação dos pacientes Não creio que essa origem desqualifique os nossos achados A Embriologia por exemplo não mereceria confiança se não conseguisse esclarecer claramente o surgimento de malformações congênitas Mas contei para o senhor o caso de pessoas cujos pensamentos caminham por vias próprias de modo que são obrigadas a refletir sobre problemas que lhe são 156 completamente indiferentes O senhor acha que a Psicologia acadêmica alguma vez contribuiu minimamente para esclarecer tal anomalia E por fim acontece com todos nós que à noite os nossos pensamentos trilhem caminhos próprios e criem coisas que então não compreendemos que nos causam estranhamento e nos preocupam pois as associamos a produtos doentios Refirome aos nossos sonhos O povo sempre sustentou a crença de que os sonhos têm um sentido um valor que significam algo A Psicologia acadêmica nunca conseguiu indicar o sentido dos sonhos Ela não sabia o que fazer com o sonho quando tentou dar explicações elas não eram psicológicas tal como remontar a estímulos sensoriais a diferentes profundidades do sono das diferentes partes do cérebro e explicações semelhantes Mas podese dizer que uma psicologia que não consegue explicar o sonho também não serve para a compreensão da vida anímica normal portanto não tem direito de se chamar de Ciência O senhor está ficando agressivo portanto o senhor deve ter tocado em um ponto sensível É que ouvi que na análise se dá muito valor aos sonhos eles são interpretados por trás deles se buscam lembranças de fatos reais etc Mas ouvi também que a interpretação dos sonhos está sujeita à arbitrariedade dos analistas e que eles mesmos não souberam lidar com as divergências sobre o modo de interpretar sonhos sobre o direito de tirar conclusões a partir deles Se isso for verdade o senhor não pode sublinhar com tanta ênfase a vantagem que a análise alcançou diante da Psicologia acadêmica O senhor realmente disse muita coisa correta É verdade que a interpretação dos sonhos alcançou uma importância incomparável tanto para a teoria quanto para a prática da análise Se pareço agressivo para mim essa é uma forma de defesa Mas se penso em todas as besteiras que alguns analistas fizeram com a interpretação dos sonhos eu poderia ficar desesperançoso e dar razão à expressão pessimista do nosso grande autor satírico Nestroy5 que é todo progresso sempre tem só a metade do tamanho que parece ter inicialmente Mas alguma vez o senhor teve outra experiência senão a de que as pessoas confundem e distorcem tudo que lhes cai nas mãos Com algum cuidado e autocontrole certamente se pode evitar a maioria dos perigos da interpretação dos sonhos Mas o senhor não acha que eu nunca de fato começarei a minha palestra se nos deixarmos distrair de tal modo Sim o senhor queria falar do pressuposto fundamental da nova 157 Psicologia se eu o entendi bem Eu não queria iniciar por aí Tenho a intenção de fazêlo ouvir qual foi a concepção da estrutura do aparelho anímico Seelenapparat que nós formamos durante os estudos analíticos Posso perguntar o que o senhor chama de aparelho anímico e do que ele é composto Logo ficará claro o que é o aparelho anímico Peço que não pergunte de que material ele é composto Não é um interesse psicológico pode ser tão indiferente para a Psicologia quanto é para a Óptica saber se as paredes dos binóculos são feitas de metal ou de papelão Aliás deixaremos totalmente de lado o aspecto material mas não o aspecto espacial É que realmente imaginamos o aparelho desconhecido que serve aos empreendimentos anímicos como sendo um instrumento composto de várias partes que chamamos de instâncias cada uma com uma função específica e que têm uma relação espacial mútua estabelecida isto é a relação espacial o na frente de e o atrás de o superficial e o profundo para nós inicialmente só tem o sentido de uma representação da sequência regular das funções Ainda me faço compreender Não muito bem talvez eu entenda mais tarde mas no mínimo é uma curiosa anatomia da alma que há muito tempo não existe mais para os cientistas naturais Mas o que o senhor esperava É uma concepção auxiliar como tantas outras nas ciências As primeiras sempre foram bastante rudimentares Open to revision aberta a reconsiderações como poderíamos dizer nesses casos Acredito ser supérfluo eu me utilizar aqui do como se que ficou tão popular O valor de tal ficção diria o filósofo Vaihinger6 depende do quanto se pode fazer com ela Então para continuarmos colocamonos no terreno da sabedoria cotidiana e reconhecemos no ser humano uma organização anímica que por um lado está inserida entre os seus estímulos sensoriais e a percepção das necessidades do corpo e por outro nos seus atos motores e que serve de mediadora entre eles com determinada intenção Chamamos a essa organização de seu Eu Mas isso não é novidade todos nós fazemos essa suposição quando não somos filósofos e alguns o fazem apesar de serem filósofos Mas não acreditamos ter esgotado com isso a descrição do aparelho 158 anímico Além desse Eu reconhecemos outra área anímica mais ampla mais grandiosa e mais obscura que o Eu a que chamamos de Isso A relação entre os dois é a que nos ocupará nesse primeiro momento O senhor provavelmente irá criticar o fato de termos escolhido pronomes simples para introduzirmos as nossas duas instâncias ou províncias anímicas em vez de nomes gregos sonoros7 Mas na Psicanálise amamos ficar em contato com o modo de pensar popular e preferimos tornar os seus conceitos cientificamente úteis em vez de descartálos Não há nenhum mérito nisso precisamos proceder dessa forma porque as nossas doutrinas precisam ser entendidas pelos nossos pacientes que muitas vezes são muito inteligentes mas nem sempre são eruditos O Isso impessoal associase diretamente a certas formas de expressão do homem normal As pessoas dizem algo me estremeceu havia isso dentro de mim es war etwas in mir que naquele momento foi mais forte que eu Cétait plus fort que moi8 Na Psicologia só podemos descrever com auxílio de comparações Isso não é nada de especial também é assim em outros lugares Mas precisamos mudar essas comparações constantemente ninguém nos aguenta por muito tempo Portanto seu eu quiser esclarecer a relação entre Eu e Isso pediria ao senhor que imaginasse que o Eu é uma espécie de fachada do Isso um primeiro plano como uma camada externa cortical do Isso Essa última comparação pode ser guardada Sabemos que as camadas corticais possuem as suas características especiais graças à influência modificadora do meio externo que elas tocam Assim imaginamos que o Eu seja a camada do aparelho anímico do Isso que foi modificada por influência do mundo externo da realidade Assim o senhor vê como levamos a sério as concepções de espaço na Psicanálise O Eu para nós é realmente o superficial o Isso é o mais profundo é claro que visto de fora O Eu se localiza entre a realidade e o Isso que é o propriamente anímico Ainda nem vou perguntar como podemos saber disso tudo Digame primeiro que vantagem tem essa separação entre um Eu e um Isso o que leva o senhor a fazer isso A sua pergunta me aponta o caminho para a continuação correta O importante e valioso é saber que o Eu e o Isso em vários pontos diferem muito entre si no Eu valem regras diferentes daquelas do Isso para o desenrolar de atos anímicos o Eu persegue outros objetivos e com outros 159 recursos Teríamos muito a dizer a esse respeito mas o senhor se contentará com uma nova comparação e um exemplo Pense na diferença entre o front e o interior tal como se configurou durante a guerra Naquele momento não nos surpreendemos com o fato de que no front muitas coisas aconteciam de modo diferente se comparadas ao interior e que no interior se permitiam coisas que no front tinham de ser proibidas A influência decisiva evidentemente era a proximidade do inimigo para a vida anímica é a proximidade do mundo externo Os termos fora alheio inimigo draußen fremd feindlich em algum momento foram idênticos E agora o exemplo no Isso não há conflitos contradições opostos continuam coexistindo sem se deixar importunar e muitas vezes se acertam por meio da formação de acordos Nesses casos o Eu sente um conflito que precisa ser decidido e a decisão consiste no fato de que uma ambição é descartada em benefício da outra O Eu é uma organização caracterizada por um anseio muito curioso por unificação por síntese essa característica falta ao Isso ela está digamos desgastada suas ambições individuais perseguem os seus objetivos independentes umas das outras e sem consideração mútua Mas se existe um interior anímico tão importante como o senhor pode tornar compreensível para mim o fato de que até a época da Psicanálise ele tenha sido ignorado Assim voltamos a uma das suas perguntas anteriores A Psicologia bloqueou o acesso à área do Isso na medida em que se ateve a um pressuposto que parece evidente mas que não se sustenta Diz ele que todos os atos anímicos são conscientes em nós que a consciência é a marca do anímico e que se houver processos inconscientes em nosso cérebro eles não merecem o nome de atos anímicos e não são da alçada da Psicologia Creio que isso seja óbvio Sim os psicólogos também acham isso mas é fácil mostrar que isso está errado ou que é uma diferenciação totalmente inadequada A auto observação mais confortável nos ensina que podemos ter ocorrências Einfälle que não podem ter surgido sem uma preparação Mas dessas etapas preliminares de sua ideia que certamente também foram de natureza anímica o senhor não fica sabendo nada o que chega à sua consciência é apenas o resultado pronto Ocasionalmente o senhor poderá conscientizarse a posteriori dessas formações preparatórias das ideias como em uma reconstrução 160 Provavelmente havia uma distração da atenção para que não se percebessem essas preparações Mas isso são evasivas Assim o senhor não escapa do fato de que dentro do senhor podem acontecer atos de natureza anímica frequentemente muito complicados dos quais a sua consciência nada fica sabendo dos quais o senhor nada sabe Ou o senhor está disposto a supor que um pouco mais ou um pouco menos da sua atenção é suficiente para transformar um ato não anímico em um ato anímico Aliás por que a discussão Há experimentos hipnóticos em que a existência dessas ideias não conscientes é demonstrada de forma irrefutável para qualquer pessoa que queira aprender Não quero negar mas acredito que enfim entendo o senhor O que o senhor chama de Eu é o consciente e o seu Isso é o chamado inconsciente do qual tanto se fala hoje Mas por que esse mascaramento com esses nomes novos Não é um mascaramento esses outros nomes são inúteis E não tente me dar Literatura em vez de Ciência Quando alguém fala de inconsciente não sei se fala no sentido tópico alguma coisa que se encontra na alma abaixo do consciente ou no sentido qualitativo um outro consciente como um consciente subterrâneo Provavelmente ele não tem nada disso claro para si A única oposição admissível é aquela entre consciente e inconsciente Mas seria um engano repleto de consequências acreditar que essa oposição seja coincidente com a separação entre Eu e Isso Aliás seria maravilhoso se fosse simples assim a nossa teoria então teria um jogo fácil mas não é tão simples assim Certo é apenas que tudo aquilo que se passa no Isso é e permanece inconsciente e que os processos no Eu podem se tornar conscientes e só eles Mas não são todos nem sempre e não necessariamente e grandes partes do Eu podem permanecer inconscientes o tempo todo A conscientização Bewusstwerden de um processo anímico é uma questão complicada Não vou me refrear em lhe apresentar de novo de forma dogmática o que supomos a esse respeito O senhor se recorda de que o Eu é uma camada externa periférica do Isso Nós acreditamos então que na superfície extrema desse Eu exista uma instância especial voltada diretamente para o mundo externo um sistema um órgão a partir de cuja excitação surja o fenômeno que chamamos de consciência Esse órgão também pode ser excitado pelo lado de fora ou seja ele recebe os estímulos do mundo externo por meio dos órgãos sensoriais ou por dentro onde 161 percebe primeiro as sensações no Isso e depois também os processos no Eu Isso está ficando cada vez mais difícil e cada vez mais se distancia da minha compreensão O senhor havia me convidado para uma conversa sobre a questão que indaga se também os leigos não médicos devem exercer o tratamento analítico Por que então todas essas digressões sobre teorias ousadas e obscuras de cuja justificativa o senhor não consegue me convencer Eu sei que não consigo convencêlo Isso está aquém de todas as possibilidades e por isso também não é a minha intenção Quando ministramos aulas teóricas de Psicanálise aos nossos alunos podemos observar quão pouco os impressionamos num primeiro momento Eles aceitam os preceitos analíticos com a mesma frieza que outras abstrações com que foram alimentados Alguns talvez queiram ser convencidos mas não há qualquer traço de que o foram Mas agora exigimos também que todo aquele que queira aplicar a análise em outras pessoas primeiro se submeta ele próprio a uma análise Só no decurso dessa autoanálise como ela é erroneamente denominada quando eles experimentam de fato no próprio corpo ou melhor na própria alma os processos postulados pela análise eles terão adquirido as convicções que os guiarão mais tarde enquanto analistas Como então esperar convencer o senhor o interlocutor imparcial da correção das nossas teorias o senhor para quem posso fazer apenas uma apresentação incompleta reduzida e por isso não transparente delas sem o reforço das suas próprias experiências Ajo com outro intuito Entre nós não existe a questão que indaga se a análise faz sentido ou não se ela tem razão em suas considerações ou se incorre em erros crassos Apresentolhe nossas teorias porque assim posso esclarecer da melhor forma qual o repertório de ideias da análise de que premissas ela parte em cada paciente e o que ela faz com ele Assim jogaremos uma luz muito específica sobre a questão da análise leiga Aliás fique tranquilo se o senhor me acompanhou até aqui o senhor superou a parte mais difícil tudo o que se segue será mais fácil Mas agora deixeme respirar um pouco III Estou na expectativa de que o senhor queira deduzir a partir das teorias 162 da Psicanálise como devemos imaginar o surgimento de uma doença nervosa Vou tentar fazêlo Mas para esse fim precisamos estudar o nosso Eu e o nosso Isso a partir de uma perspectiva nova a perspectiva dinâmica isto é considerando as forças que agem dentro deles e entre eles Anteriormente havíamos nos contentado com a descrição do aparelho anímico Espero que não seja novamente tão incompreensível Creio que não O senhor logo compreenderá Então suponhamos que as forças que impulsionam o aparelho anímico para a atividade originamse nos órgãos do corpo como expressão das grandes necessidades físicas O senhor se lembra da expressão do nosso filósofo poeta fome e amor9 Aliás um par de forças respeitável Nós as chamamos de necessidades físicas na medida em que representam estímulos para a atividade anímica pulsões Triebe uma palavra pela qual muitos idiomas modernos nos invejam10 Essas pulsões então preenchem o Isso podemos dizer em resumo que toda energia no Isso provém delas As forças no Eu também não têm outra origem elas são derivadas daquelas do Isso Mas o que querem as pulsões Satisfação isto é a produção de situações em que as necessidades físicas possam se extinguir A diminuição da tensão das necessidades é sentida pelo nosso órgão da consciência como prazerosa um aumento dessa tensão logo será sentido como desprazer A partir dessas oscilações surge uma série de sensações de prazerdesprazer segundo a qual todo o aparelho anímico regula a sua atividade Nesse caso falamos de um domínio do princípio de prazer Chegase a estados insuportáveis quando as exigências pulsionais Triebansprüche do Isso não encontram satisfação A experiência logo mostrará que essas situações de satisfação só podem ser produzidas com auxílio do mundo exterior Assim a parte do Isso voltada para o mundo exterior que é o Eu entra em funcionamento Se toda a força motriz que tira o veículo do lugar for levantada pelo Isso o Eu assume a condução cuja ausência evidentemente impediria de alcançar o objetivo As pulsões no Isso pressionam no sentido de uma satisfação imediata irrestrita não alcançam nada dessa forma ou experimentam elas mesmas um dano sensível Passa então a ser a tarefa do Eu evitar esse insucesso e mediar entre as necessidades do Isso e o protesto do mudo exterior Ele desenvolve a sua atividade em duas direções De um lado ele observa o mundo externo com ajuda de seu 163 órgão sensorial o sistema da consciência para aproveitar o momento certo para a satisfação sem danos por outro lado ele influencia o Isso refreia as suas paixões faz com que as pulsões adiem a sua satisfação e até mesmo se for reconhecidamente necessário que elas modifiquem os seus objetivos ou que deles desistam ao receberem uma compensação Na medida em que ele acalma as moções do Isso dessa forma ele substitui o princípio de prazer que antes era o único determinante pelo chamado princípio de realidade que esse sim persegue os mesmos objetivos finais mas leva em consideração as condições estipuladas pelo mundo exterior real Mais tarde o Eu aprende que ainda há outro caminho para a garantia da satisfação diferente da adaptação ao mundo exterior Também se pode intervir no mundo externo de forma modificadora e nele produzir propositalmente as condições que possibilitam a satisfação Essa atividade então se tornará o produto mais elevado do Eu as decisões sobre quando é mais adequado dominar as suas paixões e se curvar diante da realidade ou tomar o partido delas e se defender do mundo exterior são o que há de básico na sabedoria de vida Mas o Isso aceita simplesmente um tal domínio do Eu mesmo sendo ele se bem entendi a parte mais forte Sim isso funciona bem quando o Eu está de posse de sua organização plena e de sua capacidade produtiva quando tem acesso a todas as partes do Isso e pode exercer a sua influência sobre elas É que não há uma oposição natural entre Eu e Isso eles são uma coisa só e no caso de uma pessoa saudável praticamente não se consegue diferenciálos Isso tudo é bom de ouvir mas eu não vejo em que lugar dessa relação ideal pode haver o mais ínfimo espaço para um distúrbio patológico O senhor tem razão enquanto o Eu e suas relações com o Isso preencherem essas exigências não haverá distúrbio patológico O ponto de irrupção da doença está em um lugar inesperado não obstante um conhecedor de patologia geral não ficar surpreso em ver confirmado que justamente os desenvolvimentos e diferenciações mais significativos trazem dentro de si a semente que leva ao adoecimento ao fracasso da função O senhor se coloca de forma muito erudita eu não o entendo Eu preciso abrir o contexto um pouco mais Não é verdade que o pequeno ser vivo é uma coisa bastante miserável e impotente diante do mundo externo maisquepoderoso e repleto de influências destrutivas Um ser primitivo 164 que não desenvolveu uma organização suficiente do Eu está exposto a todos esses traumas Ele vive para a satisfação cega de seus desejos pulsionais e tantas vezes sucumbe por isso A diferenciação de um Eu é principalmente um passo para a preservação da vida É verdade que nada se aprende da derrocada mas quando se supera um trauma de forma feliz prestase atenção quando situações semelhantes se aproximam e se sinaliza o perigo através de uma repetição reduzida das impressões vividas durante o trauma através de um afeto de angústia Angstaffekt Essa reação à percepção do perigo então introduz a tentativa de fuga que terá o efeito de salvar a vida até que se tenha força suficiente para enfrentar o perigo no mundo externo de forma ativa talvez até com agressão Isso tudo está muito distante daquilo que o senhor prometeu O senhor não faz ideia de quanto me aproximei do cumprimento de minha promessa inicial Mesmo nos seres que depois têm uma organização do Eu produtiva esse Eu inicialmente nos anos de infância ainda está enfraquecido e diferenciase pouco do Isso Agora imagine o senhor o que acontece quando esse Eu sem poderes vivencia uma necessidade pulsional do Isso à qual já quer resistir porque antevê que essa satisfação é perigosa provocaria uma situação traumática um confronto com o mundo externo mas que não consegue dominar porque ainda não possui a força necessária para tanto Então o Eu trata o perigo pulsional como se fosse um perigo externo ele tenta fugir recua diante dessa parte do Isso e o deixa à mercê de seu destino depois de lhe ter recusado todas as contribuições que normalmente faz para as moções pulsionais Dizemos que o Eu promove um recalque dessas moções pulsionaisxxix No momento isso tem como resultado afastar o perigo mas não se confunde o dentro e o fora impunemente Não se pode fugir de si mesmo No recalque o Eu segue o princípio de prazer que normalmente costuma corrigir e terá prejuízos por causa disso Esse prejuízo consiste no fato de que o Eu agora tem a sua área de poder constantemente limitada A moção pulsional recalcada agora está isolada deixada à sua própria sorte inacessível mas também ininfluenciável Ela trilha o seu próprio caminho Em geral o Eu depois que já estiver mais forte também não conseguirá mais suspender o recalque sua síntese ficará prejudicada uma parte do Isso permanecerá solo proibido para o Eu Mas a moção pulsional isolada também não fica ociosa ela sabe buscar a sua compensação 165 por lhe ter sido negada a satisfação normal e produz derivados Abkömmlinge psíquicos que a representam associase a outros processos que por sua influência também arranca do Eu e por fim irrompe no Eu e chega até a consciência com o aspecto de uma formação substitutiva disforme e irreconhecível e cria o que chamamos de sintoma De repente vislumbramos o estado de um distúrbio nervoso diante de nós um Eu que teve a sua síntese impedida que não tem influência sobre partes do Isso que precisa abdicar de várias de suas atividades para evitar um novo confronto com o recalcado que por sua vez se esgota em reações de defesa geralmente inúteis contra os sintomas os derivados das moções recalcadas e um Isso em que algumas pulsões se tornaram independentes que perseguem os seus objetivos sem considerar os interesses da pessoa como um todo e que só obedecem às leis da psicologia primitiva que vigoram nas suas profundezas do Isso Se observarmos toda a situação em sua perspectiva geral mostrase para nós uma fórmula simples para o surgimento da neurose o Eu tentou suprimir unterdrücken certas partes do Isso de forma inadequada não teve sucesso e o Isso foi buscar vingança Portanto a neurose é a consequência de um conflito entre o Eu e o Isso em que o Eu ingressa porque como mostra um estudo detalhado ele quer se ater à sua plasticidade diante do mundo externo A oposição se dá entre o mundo externo e o Isso e porque o Eu fiel a sua essência mais íntima se coloca do lado do mundo externo e por isso entra em conflito com seu Isso Mas atente para o detalhe de que não é o fato do conflito que cria a condição do estar doente pois tais oposições entre a realidade e o Isso são inevitáveis e o Eu tem como uma de suas constantes tarefas fazer a mediação entre eles mas a circunstância de que o Eu se serviu do recurso insuficiente do recalque para resolver o conflito Mas isso se explica porque o Eu no momento em que a tarefa se colocou para ele ainda não tinha se desenvolvido e era impotente Os recalques decisivos como se sabe ocorrem todos na primeira infância Que caminho curioso Sigo o seu conselho de não criticar já que o senhor quer apenas me mostrar o que a Psicanálise acha em relação ao surgimento da neurose para acrescentar o que ela faz para combatêla Eu teria diversas perguntas a fazer e trarei algumas questões mais tarde No momento estou até me sentindo tentado a continuar construindo a partir de seus raciocínios e até mesmo a ousar criar uma teoria O senhor desenvolveu a relação mundo externoEuIsso e a apresentou como a condição da neurose 166 que o Eu em sua dependência do mundo externo combate o Isso Será que não poderíamos também pensar no outro caso em que o Eu num conflito desses se deixe arrastar pelo Isso e renegue a sua consideração para com o mundo externo O que acontece nesse caso Segundo as minhas concepções de leigo em relação à natureza de uma doença psíquica essa decisão do Eu poderia ser a condição da doença psíquica Um tal apartamento da realidade parece ser o essencial na doença psíquica Sim eu mesmo já pensei nisso11 e acho até pertinente mesmo a comprovação dessa suposição exigindo uma discussão de situações bastante complicadas Neurose e psicose aparentemente são muito próximas mas se separam num ponto decisivo Esse ponto poderia ser a tomada de partido do Eu em tal conflito Em ambos os casos o Isso manteria o seu caráter de irredutibilidade cega Agora continue Que dicas a sua teoria nos dá para o tratamento das doenças neuróticas Nosso objetivo terapêutico agora é fácil de ser descrito Queremos restabelecer o Eu libertálo de suas restrições devolver a ele o domínio sobre o Isso que ele perdeu como consequência de seus recalques da primeira infância Somente para esse fim fazemos a análise toda a nossa técnica está voltada para esse objetivo Temos de buscar os recalcamentos ocorridos e mover o Eu a corrigilos agora com a nossa ajuda a resolver os conflitos de um modo melhor do que com uma tentativa de fuga Como esses recalques pertencem aos primeiros anos da infância o trabalho analítico também nos leva de volta a essa época da vida O caminho até as situações de conflito geralmente esquecidas que queremos reavivar na lembrança do doente é que nos aponta os sintomas sonhos e ocorrências Einfälle do doente mas que antes precisamos interpretar e traduzir já que sob a influência da psicologia do Isso adotaram formas de expressão estranhas à nossa compreensão Das ocorrências pensamentos e lembranças que o paciente consegue nos comunicar mesmo com uma sensação de rejeição interior podemos supor que eles têm alguma relação com o recalcado ou que são derivados dele Na medida em que encorajamos o paciente a superar as suas resistências quanto à comunicação educamos o seu Eu a superar a sua tendência a tentativas de fuga e a suportar a aproximação do recalcado No final quando tivermos conseguido reproduzir a situação do recalque em sua lembrança a sua 167 plasticidade será recompensada regiamente Toda a diferença entre as épocas corre em favor dele e aquilo do que o seu Eu infantil fugia assustado agora parece uma brincadeira de criança ao Eu adulto e fortalecido IV Tudo o que o senhor me contou até aqui tratou de Psicologia Muitas vezes soava estranho seco obscuro mas sempre foi como diria limpo É verdade que até agora sempre soube pouco sobre a sua Psicanálise mas chegou até mim o boato de que ela essencialmente se ocupa de coisas que não têm direito a tal categorização Cria em mim a impressão de uma reclusão intencional o fato de até agora o senhor não ter tocado em nada semelhante Também não consigo evitar externar outra dúvida As neuroses como o senhor mesmo diz são distúrbios da vida anímica E coisas tão importantes como a nossa ética nossa consciência nossos ideais será que elas não têm nenhuma participação nesses distúrbios tão profundos O senhor portanto sente falta nas nossas discussões até aqui de considerar tanto o mais baixo quanto o mais elevado Mas isso se deve ao fato de que ainda nem tratamos dos conteúdos da vida anímica Mas deixe me fazer eu mesmo o papel daquele que interrompe que impede o progresso da conversa Falei tanto de Psicologia para o senhor porque eu queria que o senhor tivesse a impressão de que o trabalho analítico seria um pouco de Psicologia aplicada mais especificamente de uma Psicologia desconhecida fora do âmbito da análise Portanto o analista precisa ter aprendido principalmente essa Psicologia a Psicologia Profunda ou Psicologia do Inconsciente pelo menos aquilo que se sabe a respeito até os dias de hoje Nós precisaremos disso para as nossas conclusões posteriores Mas agora o que o senhor quis dizer com a sua alusão ao que é limpo Bom o que geralmente se diz por aí é que nas análises se abordam as mais íntimas e mais sórdidas questões da vida sexual com todos os detalhes Se isso for verdade a partir das suas discussões psicológicas eu não pude deduzir que necessariamente precisa ser desse modo isso seria um argumento forte para deixar que apenas médicos fossem autorizados a realizar tal tratamento Como podemos pensar em conceder liberdades tão perigosas a outras pessoas de cuja discrição não temos certeza e de cujo caráter não temos qualquer garantia 168 É verdade que os médicos detêm certa prerrogativa no âmbito sexual de resto eles também têm a permissão para examinar as partes genitais Não obstante eles não terem essa permissão no Oriente até mesmo alguns reformadores idealistas o senhor sabe a quem me refiro12 combateram algumas dessas prerrogativas Mas em primeiro lugar o senhor quer saber se na análise acontece isso mesmo e por que precisa ser assim Sim é assim mesmo Mas precisa ser assim em primeiro lugar porque a análise se fundamenta em total sinceridade Nela tratamos por exemplo de questões de patrimônio com o mesmo detalhamento e a mesma abertura dizemos coisas que não dizemos aos outros concidadãos mesmo não sendo eles concorrentes ou agentes do fisco Não refuto e até reforço enfaticamente que esse dever de sinceridade também coloca o analista sob uma forte responsabilidade Em segundo lugar precisa ser assim porque entre as causas e motivações das doenças nervosas fatores da vida sexual têm um papel extremamente importante de destaque talvez até um papel específico O que mais a análise pode fazer além de se moldar à sua matéria ao material que o paciente traz O analista nunca atrai o paciente para o terreno sexual ele não antecipa trataremos agora das intimidades de sua vida sexual Ele o deixará começar com as suas comunicações por onde quiser e aguardará calmamente até que o próprio paciente toque em questões sexuais Sempre costumo alertar os meus alunos nossos opositores nos informaram que toparemos com casos em que o fator sexual não tem papel relevante evitemos introduzilo na análise não percamos a chance de encontrar um caso desses Bem até agora nenhum de nós teve essa sorte Evidentemente eu sei que o nosso reconhecimento da sexualidade admitidamente ou não se tornou o motivo mais forte para a animosidade dos outros contra a análise Isso pode nos abalar Apenas nos mostra como toda a nossa vida cultural é neurótica uma vez que os supostos normais não se comportam de modo muito diferente dos doentes de nervos Na época em que nas sociedades eruditas na Alemanha se procedia solenemente a um julgamento da Psicanálise hoje a coisa se aquietou bastante um dos oradores reclamava para si autoridade especial porque após a sua comunicação ele também permitia que os doentes se expressassem Aparentemente com intenção diagnóstica e para comprovar as afirmações dos 169 analistas Mas acrescentou ele se eles começarem a falar de coisas sexuais eu lhes faço calar a boca O que o senhor acha desse procedimento de comprovação A sociedade erudita aplaudia o orador em júbilo em vez de se envergonhar por ele como era devido Apenas a segurança triunfante que a consciência de preconceitos conjuntos concede pode explicar a falta de preocupação lógica desse orador Anos depois alguns de meus alunos daquela época cederam à necessidade de libertar a sociedade humana da imposição da sexualidade que a Psicanálise quer lhe impor Um deles declarou que o sexual não significava a sexualidade mas algo diferente algo abstrato místico um segundo afirmou até que a vida sexual seria apenas uma das áreas em que o ser humano quer ativar a necessidade de poder e de dominação que o move13 Eles foram muito aplaudidos pelo menos durante certo período Mas aqui me arrisco a tomar partido Pareceme muito ousado afirmar que a sexualidade não é uma necessidade natural e original dos seres vivos mas a expressão de alguma outra coisa Basta nos atermos ao exemplo dos animais Isso não importa Não existe nenhuma beberagem por mais absurda que ela seja que a sociedade não engoliria de bom grado se ela fosse vendida como sendo um antídoto contra a temida supremacia da sexualidade Aliás confesso ao senhor que a rejeição que o senhor mesmo revelou sentir diante do fato de se dar um papel tão importante ao fator sexual no surgimento das neuroses não parece se coadunar com a sua tarefa de interlocutor imparcial O senhor não teme que com uma tal antipatia estaria prejudicado em emitir uma sentença justa a respeito Sinto muito que o senhor diga isso A sua confiança em mim parece abalada Então por que o senhor não escolheu outro para ser o interlocutor imparcial Porque esse outro também não teria pensado de outro modo Mas se desde o início ele estivesse disposto a reconhecer a importância da vida sexual todo mundo teria gritado mas esse aí não é alguém imparcial é um adepto seu Não eu não desisto da expectativa de exercer influência sobre as suas opiniões Mas reconheço que esse caso é diferente para mim em relação ao anteriormente tratado Nas abordagens psicológicas seria indiferente se o senhor acreditasse em mim ou não desde que o senhor tivesse a impressão de 170 que se tratava de problemas puramente psicológicos Dessa vez na questão da sexualidade eu gostaria que o senhor fosse acessível diante da percepção de que o seu motivo mais forte para a refutação seria justamente a animosidade trazida de antemão que o senhor divide com tantos outros É que me falta a experiência que criou no senhor uma segurança tão inabalável Bem agora posso continuar com a minha apresentação A vida sexual não é apenas uma mera ocorrência picante mas também um problema científico sério Havia muita novidade nesse terreno muitas curiosidades Eu já lhe disse que a análise teve de retroceder até os anos da primeira infância do paciente porque foi nessa época e durante a fase de fraqueza do Eu que aconteceram os recalques decisivos Mas na infância certamente não há vida sexual ela começa só na época da puberdade não é Pelo contrário tivemos de fazer a descoberta de que as moções pulsionais sexuais acompanham a vida desde o nascimento e que são justamente essas pulsões que fazem com que o Eu infantil delas se proteja através dos recalcamentos Uma combinação curiosa o fato de que já a criança bem pequena se revolta contra o poder da sexualidade como depois o orador na sociedade erudita e depois ainda os meus alunos que propõem as suas próprias teorias não é mesmo Como isso se dá A informação mais geral diria que a nossa cultura em geral é construída às custas da sexualidade mas há muitas outras coisas a serem ditas a esse respeito A descoberta da sexualidade infantil seria um desses achados dos quais devemos nos envergonhar Alguns pediatras sempre souberam desse fato e ao que parece também algumas babás Homens intelectualizados que se denominam psicólogos da infância então falaram em tom crítico de uma desinocentização da infância Como sempre sentimentos em vez de argumentos Nas nossas corporações políticas esses fatos são corriqueiros Alguém da oposição levanta e denuncia uma malversação na administração no exército na justiça e assemelhados Em seguida um outro declara de certo alguém do governo que tais constatações ferem a honra do Estado dos militares da dinastia e até mesmo da Nação Ou seja elas são como que inverídicas Esses sentimentos não toleram ofensas A vida sexual da criança obviamente é diferente daquela do adulto A função sexual perfaz uma evolução complicada desde os primórdios até a configuração final que nos é tão familiar Ela se forma a partir de inúmeras 171 pulsões parciais com objetivos específicos percorre várias fases de organização até por fim se colocar a serviço da reprodução Das pulsões parciais nem todas são úteis em igual medida para o resultado final elas precisam ser desviadas remodeladas e em parte reprimidas unterdrückt Um desenvolvimento tão amplo nem sempre transcorre de forma impecável há inibições no desenvolvimento fixações parciais em níveis iniciais do desenvolvimento ali onde mais tarde há obstáculos para o exercício da função sexual o anseio sexual a libido como dizemos costuma recuar para esses pontos de fixação anteriores O estudo da sexualidade infantil e as suas transformações até a maturidade também nos forneceu a chave para a compreensão das chamadas perversões sexuais que sempre costumavam ser descritas com todos os sinais exigidos de aversão mas cuja gênese não se conseguia esclarecer Toda essa área é extremamente interessante mas para os fins das nossas conversas não faz muito sentido eu continuar lhe contando a respeito Para se orientar nessa área é evidente que são necessários conhecimentos de Anatomia e Fisiologia que infelizmente não podem ser adquiridos em sua totalidade na escola médica mas uma certa familiaridade com a História Cultural e com a Mitologia são igualmente indispensáveis Mas depois disso tudo eu ainda não consigo ter uma visão clara da vida sexual da criança Sendo assim vou me deter mais nesse tema aliás não é fácil para mim me afastar do assunto Veja o mais curioso na vida sexual da criança parece me ser o fato de que ela perfaz todo o seu amplo desenvolvimento nos primeiros cinco anos de vida daí até a puberdade temos o chamado período de latência em que normalmente a sexualidade não faz progressos e em que as aspirações sexuais pelo contrário perdem a intensidade e muito daquilo que a criança já fez ou sabia é descartado e esquecido Nesse período da vida depois que a florada precoce da vida sexual murchou começam a se formar aquelas atitudes do Eu que como a vergonha o nojo e a moralidade têm a finalidade de se manter fortes diante da tempestade da puberdade que está por vir e de colocar nos trilhos o desejo sexual que começa a surgir Essa chamada iniciação da vida sexual em dois tempos tem muito a ver com o surgimento das doenças nervosas Parece que ela ocorre apenas nos seres humanos talvez ela seja uma das condições da prerrogativa humana de se tornar neurótico Os primórdios da vida sexual foram esquecidos antes da Psicanálise assim como em outra área esqueceram o pano de fundo da vida 172 anímica consciente O senhor com razão irá supor que ambos estão intimamente ligados Haveria muito a dizer sobre os conteúdos as mudanças e os produtos desses primórdios da sexualidade que contrariam as expectativas Por exemplo o senhor certamente ficará surpreso ao ouvir que o menininho muitas vezes tem medo de ser devorado pelo pai Não é de se admirar também que eu coloque esse medo entre as expressões da vida sexual Mas quero lembrálo aqui da narrativa mitológica da qual o senhor talvez ainda se lembre de sua época de escola que diz que até o deus Cronos devora os seus filhos Que curioso deve ter lhe parecido esse mito quando o senhor o ouviu pela primeira vez Mas eu acho que naquela época não nos parecia absurdo Hoje também nos lembramos de muitos contos de fada em que aparece um animal que devora alguma coisa como o lobo e nele reconheceremos um disfarce do pai Aproveito essa oportunidade para lhe assegurar que a Mitologia e o mundo dos contos de fada só se tornam compreensíveis a partir do conhecimento da vida sexual infantil Isso acaba sendo um lucro agregado aos estudos analíticos Não será menor o seu espanto quando o senhor ouvir que os meninos têm medo de que o pai lhes roube o órgão sexual de modo que esse medo da castração14 Kastrationsangst terá a maior influência sobre o desenvolvimento do seu caráter e sobre a decisão de sua opção sexual Aqui também a Mitologia o encorajará a acreditar na Psicanálise O mesmo Cronos que devora os seus filhos também castrara o seu pai Urano e depois como vingança foi castrado por seu filho Zeus que fora salvo pela astúcia da mãe Se o senhor tendia a supor que tudo que a Psicanálise conta sobre a sexualidade precoce das crianças é produto da fantasia selvagem dos analistas pelo menos admita que essa fantasia criou as mesmas produções que a atividade fantástica da humanidade primitiva da qual os mitos e os contos de fada são os produtos A outra concepção mais simpática e provavelmente também mais adequada seria que na vida anímica da criança ainda hoje são comprováveis os mesmos momentos arcaicos que originalmente vigoravam nos primórdios da cultura humana em geral A criança repetiria em seu desenvolvimento anímico a história etnográfica Stammesgeschichte de forma abreviada tal como a Embriologia há muito tempo reconheceu em relação ao desenvolvimento do corpo 173 Outra característica da sexualidade da primeira infância é que o órgão sexual feminino propriamente dito ainda não tem um papel importante para a criança ele ainda não foi descoberto Todo o interesse está voltado para o órgão masculino todo o interesse se concentra em detectar se ele está presente ou não Sabemos menos sobre a vida sexual da menininha do que sobre a do menininho Não precisamos ter vergonha dessa diferença uma vez que também a vida sexual da mulher adulta é um dark continent15 para a Psicologia Mas reconhecemos que a menina sente como difícil a falta de um membro sexual masculino equivalente sentese inferior por isso e que essa inveja do pênis é a origem de toda uma série de reações femininas características Também é próprio da criança que as duas necessidades excrementícias estejam investidas besetzt de interesse sexual A educação depois impõe uma diferenciação clara e a prática das piadas volta a suspendêla Isso pode nos parecer repugnante mas como se sabe na criança é necessário bastante tempo até que o asco se instaure Isso não foi negado nem mesmo por aqueles que normalmente defendem a pureza seráfica da alma infantil Mas nenhum outro fato tem chamado mais a nossa atenção que o fato de a criança direcionar regularmente os seus desejos sexuais para as pessoas mais próximas que lhe são aparentadas ou seja em primeira linha pai e mãe e na sequência os irmãos Para o menino a mãe é o primeiro objeto de amor para a menina é o paixxx desde que uma disposição bissexual não favoreça também ao mesmo tempo a disposição contrária A figura parental do mesmo sexo é sentida como rival que atrapalha e não raro é tratada com forte animosidade Entendame bem não quero dizer que a criança só deseja aquele tipo de carinho da parte privilegiada dos pais em que nós adultos gostamos de ver a essência da relação entre pais e filhos Não a análise mostra indubitavelmente que os desejos da criança para além desse carinho almejam tudo aquilo que compreendemos como satisfação sensual considerando o limite da capacidade de imaginação Vorstellungsvermögen da criança É fácil entender que a criança nunca suspeitará da situação verdadeira da união dos sexos para tanto ela ativa outras concepções deduzidas a partir de suas experiências e sensações Geralmente os seus desejos culminam na intenção de dar à luz um filho ou de modo indefinido de concebêlo Desse desejo de dar à luz um filho nem o menino em seu 174 desconhecimento está excluído Chamamos a toda essa construção anímica de complexo de Édipo inspirados pela lenda grega Normalmente com o fim do primeiro período sexual ele deverá ser totalmente abandonado e transformado e os resultados dessa transformação estão destinados a grandes funções na vida anímica posterior Mas em geral ele não ocorre de modo suficientemente radical e então a puberdade provoca uma revivificação do complexo que pode ter consequências graves Eu estou espantado com o seu silêncio Isso dificilmente significa aprovação Quando a análise afirma que a primeira escolha do objeto da criança é uma escolha incestuosa usando o termo técnico certamente ela mais uma vez ofendeu os sentimentos mais sagrados da humanidade e pode se preparar para a respectiva quantidade de incredulidade protesto e acusação E isso ela já experimentou em grande quantidade Nada lhe foi mais prejudicial em relação à acolhida do público do que a apresentação do complexo de Édipo como uma formação geral inerente ao destino humano O mito grego aliás deve ter intencionado o mesmo mas a grande maioria das pessoas de hoje instruídas ou não prefere acreditar que a natureza ativou uma rejeição inata como proteção contra a possibilidade de incesto Num primeiro momento quem nos auxiliará é a História Quando Júlio César pisou no Egito encontrou a jovem rainha Cleópatra que logo se tornaria tão importante para ele casada com o próprio irmão ainda mais jovem Ptolomeu Isso não era nada de mais na dinastia egípcia os Ptolomeus originalmente gregos apenas deram continuidade ao costume que os seus antecessores os antigos faraós já praticavam há alguns milênios Mas isso é apenas incesto entre irmãos que ainda em nossos dias é visto de forma mais branda Por isso voltemonos à nossa testemunhamor das condições nos tempos primordiais a Mitologia Ela tem a nos relatar que os mitos de todos os povos não apenas dos gregos são mais que ricos em relações amorosas entre pai e filha e mesmo entre mãe e filho Tanto a Cosmologia quanto a Genealogia das dinastias reais são fundadas a partir do incesto Com que intenção o senhor acha que essas narrativas foram criadas Para cunhar deuses e reis como criminosos e atrair para si a aversão da raça humana É mais provável que seja porque os desejos incestuosos são uma herança humana dos primórdios e nunca foram superados totalmente de modo que ainda se aceitava a sua realização para os deuses e seus descendentes quando a maioria dos humanos comuns já tinha de renunciar a 175 eles Em total consonância com esses ensinamentos da História e da Mitologia ainda hoje vemos o desejo incestuoso presente e atuante na infância do indivíduo Eu poderia levar a mal o fato de o senhor querer me ocultar tudo isso sobre a sexualidade infantil Pareceme muito interessante justamente por causa de suas relações com a história primordial da humanidade Eu temia que isso nos afastasse demais do nosso objetivo Mas talvez acabe tendo lá a sua vantagem Mas agora me diga que certeza o senhor pode conferir aos seus resultados analíticos sobre a vida sexual das crianças A sua convicção se baseia apenas nas consonâncias com a Mitologia e a História Oh não de modo algum Ela se baseia na observação direta Foi assim nós tínhamos descoberto inicialmente o conteúdo da infância sexual a partir da análise de adultos portanto 20 a 40 anos mais tarde Depois passamos a fazer as análises nas próprias crianças e não foi um triunfo pequeno quando confirmamos nelas aquilo que havíamos deduzido apesar das sobreposições e distorções desse lapso de tempo Como O senhor levou crianças pequenas para a análise crianças de 6 anos Isso funciona Não seria muito questionável para essas crianças Funciona muito bem É inacreditável o que já acontece numa dessas crianças de 4 a 5 anos Nessa idade as crianças ainda são muito ativas intelectualmente os primórdios sexuais para elas são também um período de florescência intelectual Tenho a impressão de que com a chegada do período de latência elas também ficam intelectualmente inibidas mais tolas Muitas crianças também perdem a sua atratividade física a partir dessa fase E quanto aos danos de uma análise precoce posso relatar ao senhor que a primeira criança em quem se ousou aplicar esse experimento há cerca de 20 anos desde então se tornou um jovem saudável e produtivo que passou pela puberdade sem queixas apesar de ter vivido traumas psíquicos graves Pode se esperar que com as outras vítimas da análise precoce não tenha sido diferente Há diversos interesses atrelados a essas análises em crianças é possível que no futuro ainda se tornem mais importantes Seu valor para a teoria é inquestionável Elas fornecem informações unívocas sobre questões que permanecem inconclusas nas análises com adultos protegendo assim o analista de cometer erros que teriam graves consequências para ele Surpreendemse os fatores que configuram a neurose enquanto atuam e eles 176 são evidentes Mas em nome do interesse das crianças o influenciamento analítico precisa estar associado a medidas educacionais Essa técnica ainda aguarda aperfeiçoamento No entanto despertase um interesse prático através da observação de que uma grande quantidade de nossas crianças passa por uma fase claramente neurótica em seu desenvolvimento Desde que aprendemos a olhar mais atentamente somos tentados a dizer que a neurose infantil não é a exceção mas a regra como se no trajeto da disposição infantil até a cultura social ela fosse praticamente inevitável Na maioria dos casos essa disposição neurótica dos anos de infância é superada espontaneamente será que ela não deixa regularmente os seus traços mesmo nos medianamente saudáveis Por sua vez em nenhum dos posteriormente neuróticos sentimos falta da ligação com a doença infantil que não precisa ter sido necessariamente muito clara à sua época De modo bastante análogo creio eu os médicos internistas afirmam hoje que toda pessoa alguma vez na infância passou por uma tuberculose Para as neuroses aliás a questão da inoculação está fora de cogitação apenas a da predisposição Quero voltar à sua questão referente à certeza Como disse em geral nos convencemos a partir da observação analítica direta das crianças de que tínhamos interpretado de forma correta as informações dos adultos sobre a sua infância Mas em uma série de casos ainda se tornou possível para nós outro tipo de confirmação A partir do material da análise tínhamos reconstituído certos processos externos fatos impressionantes dos anos de infância dos quais a recordação consciente dos doentes nada tinha retido e acasos felizes buscas de informação junto a pais e cuidadores então nos trouxeram a prova irrefutável de que esses acontecimentos desbravados realmente aconteceram daquela forma É claro que isso não funcionava com muita frequência mas quando acontecia causava uma impressão espantosa O senhor precisa saber que a reconstrução correta de tais vivências infantis esquecidas sempre tem um grande efeito terapêutico independentemente de elas permitirem uma confirmação objetiva ou não É claro que esses acontecimentos devem a sua importância à circunstância de que aconteceram tão cedo em uma época em que ainda podiam ter efeito traumático sobre o Eu enfraquecido Que acontecimentos são esses que precisam ser descobertos pela análise Variados Em primeira linha tratase de impressões que tinham a 177 capacidade de influenciar constantemente a vida sexual nascente da criança assim como a observação de processos sexuais entre adultos ou experiências sexuais próprias com um adulto ou uma outra criança ocorrências nada raras além disso ouvir conversas que a criança naquela época ainda não entendia ou que viria a entender só mais tarde e das quais ela julgava extrair esclarecimentos sobre coisas misteriosas ou inquietantes unheimliche ademais expressões e ações da própria criança que comprovam uma postura importante afetuosa ou hostil dela diante de outras pessoas De crucial importância na análise é fazer recordar a atividade sexual esquecida da criança acrescendo a isso a intervenção do adulto que pôs fim a tal atividade Isso para mim é a oportunidade para levantar uma questão que eu queria colocar há muito tempo Então afinal em que consiste a atividade sexual da criança durante esse período inicial que como o senhor disse tinha sido ignorada antes da Psicanálise Curiosamente no entanto não se tinha esquecido o elemento regular e essencial dessa atividade sexual isto é nem é espantoso porque era evidente As moções sexuais da criança encontram a sua mais importante expressão na autossatisfação a partir da estimulação dos próprios genitais na verdade a porção masculina deles A incrível disseminação desse vício infantil sempre foi do conhecimento dos adultos e ele costumava ser condenado como pecado grave e tratado com rigidez Não me pergunte como se conseguiu unir essa observação das tendências indecorosas das crianças pois as crianças o fazem porque segundo elas próprias divertemse com isso com a teoria de sua pureza e falta de decoro ambos inatos Peça que os opositores esclareçam esse enigma Para nós colocase um problema mais importante Como se comportar diante da atividade sexual da primeira infância Sabemos da responsabilidade que assumimos quando reprimimos unterdrücken essa atividade mas ao mesmo tempo não temos coragem de deixála fluir ilimitadamente Em povos de pouca cultura e nas camadas inferiores dos povos civilizados a sexualidade das crianças parece estar liberada Com isso talvez se tenha conseguido uma proteção forte contra o adoecimento posterior por neuroses individuais mas será que também não se paga um preço extraordinário em detrimento da capacidade de criar produtos culturais Muitos argumentos mostram que estamos aqui diante de uma nova escolha entre Cila e Caríbdis16 178 Quanto a se os interesses suscitados através do estudo da vida sexual dos neuróticos criam uma atmosfera favorável ao despertar da volúpia Lüsternheit isso eu deixo a cargo de seu próprio juízo V Creio entender o seu intuito O senhor quer me mostrar quais os conhecimentos de que precisamos para exercer a análise para que eu possa julgar se apenas o médico deveria ser autorizado a exercêla Bem até agora surgiram poucos assuntos médicos muita Psicologia e um pouco de Biologia ou Sexologia Mas talvez ainda não tenhamos vislumbrado o final Certamente não Ainda há lacunas a preencher Posso lhe pedir algo O senhor não quer me descrever como o senhor imagina agora que seja um tratamento analítico Como se o senhor mesmo tivesse de fazêlo Bem isso está ficando cada vez melhor Eu realmente não tenho a intenção de decidir a nossa questão polêmica com um tal experimento Mas vou lhe fazer esse favor uma vez que a responsabilidade seria sua de todo modo Pois então eu suponho que o paciente chegue até mim e se queixe de seus problemas Eu lhe prometo a cura ou a melhora se ele quiser seguir as minhas instruções Eu o encorajo a me dizer com toda a sinceridade tudo o que sabe e o que lhe ocorre e lhe digo para não se deixar desviar dessa intenção mesmo se alguma coisa lhe for desagradável de ser dita Eu me lembrei bem dessa regra Sim o senhor ainda deveria acrescentar mesmo se ele achar que aquilo que lhe ocorre é desimportante ou não faz sentido Isso também Então ele começa a contar e eu escuto Sim e depois A partir de suas informações eu infiro que impressões vivências moções de desejo ele recalcou porque elas lhe apareceram em uma época em que seu Eu ainda estava fraco e as temia em vez de lidar com elas Quando ele ouve isso de mim ele se coloca nas situações daquela época e age de forma melhor com a minha ajuda Então as restrições a que se via obrigado o seu Eu desaparecem e o paciente se restabelece É isso mesmo Bravo bravo Eu vejo que novamente poderão me criticar dizendo que eu formei um não médico para ser analista O senhor se apropriou muito bem disso Eu apenas repeti o que ouvi do senhor como se eu repetisse algo que foi 179 decorado Não consigo imaginar como eu faria isso e não entendo por que um trabalho desses precisa de uma hora diária durante tantos meses Uma pessoa normal geralmente não vivenciou tanta coisa assim e aquilo que é recalcado na infância provavelmente é a mesma coisa em todos os casos Aprendemse ainda muitas coisas no verdadeiro exercício da análise Por exemplo o senhor não acharia tão fácil tirar conclusões a partir das comunicações Mitteilungen do paciente em relação às vivências que ele esqueceu e as moções pulsionais que ele recalcou Ele lhe dirá uma coisa qualquer o que inicialmente para o senhor fará tão pouco sentido quanto para ele O senhor terá de decidir lidar de uma forma muito especial com o material que o analisando lhe apresenta seguindo fielmente a regra Assim como um minério do qual extraímos o teor de metal precioso a partir de determinados processos Desse modo o senhor também estará preparado para processar muitas toneladas de minério que talvez só contenham pouco daquela matéria preciosa que se busca Aqui teríamos a primeira razão para a longa duração do tratamento Mas como é que processamos essa matériaprima para nos atermos à sua comparação Na medida em que supomos que as informações e ocorrências do doente sejam apenas deformações daquilo que procuramos assim como alusões a partir das quais o senhor terá de adivinhar o que se esconde por trás delas Resumindo primeiro o senhor terá de interpretar esse material seja ele composto de recordações ocorrências ou sonhos Obviamente isso se dá tendo em vista as expectativas que se formaram no senhor graças ao seu conhecimento técnico enquanto ouvia o que lhe era dito Interpretar Essa é uma palavra desagradável Não gosto de ouvila com ela o senhor me tira toda a segurança Se tudo depende da minha interpretação quem me garante que ela esteja correta Então tudo estará à mercê da minha arbitrariedade Calma não é tão grave assim Por que o senhor quer excluir os seus próprios processos anímicos das regras que o senhor reconhece para os processos dos outros Se o senhor adquiriu um certo autocontrole e dispõe de determinados conhecimentos as suas interpretações permanecerão imunes às suas propriedades pessoais e chegarão à conclusão correta Não digo com isso que para essa parte da tarefa a personalidade do analista seja indiferente Entra em cena uma certa sensibilidade auditiva para o que foi recalcado 180 inconscientemente e nem todos possuem o mesmo grau de sensibilidade E principalmente atrelada a isso temos também a obrigação do analista de se tornar apto para a recepção sem preconceitos do material analítico a partir de uma profunda análise própria Resta uma coisa evidentemente que é comparável à equação pessoal nas observações astronômicas esse momento individual sempre terá um papel maior na Psicanálise do que nas outras áreas Uma pessoa anormal poderá se tornar um físico correto mas como analista ela estará impedida por sua própria anormalidade de perceber as imagens da vida anímica sem distorção Como não se pode comprovar a anormalidade de ninguém será muito difícil alcançar uma unanimidade geral nas questões da Psicologia Profunda Alguns psicólogos acham até que isso não tem chance alguma e que todo tolo tem o mesmo direito de vender a sua tolice como sendo sabedoria Confesso que nesse ponto sou mais otimista Pois as nossas experiências mostram que também na Psicologia podem ser alcançadas unanimidades bastante satisfatórias Toda área de pesquisa tem a sua dificuldade específica que precisa do nosso esforço para ser eliminada Aliás também na arte de interpretação na análise há muito a ser aprendido como uma matéria nova por exemplo aquilo que está associado à curiosa representação indireta por meio de símbolos Bem não tenho mais vontade de empreender um tratamento analítico nem que seja em pensamento Quem sabe que surpresas me esperariam aí O senhor faz bem em desistir dessa intenção O senhor percebe quanto treinamento e exercício ainda seriam necessários Quando o senhor encontrar as interpretações corretas ainda se coloca uma nova tarefa O senhor precisa aguardar o momento certo para informar ao seu paciente a sua interpretação se quiser ter sucesso na empreitada E como percebemos qual é o momento certo em cada caso É uma questão de tato que pode ser bastante refinado através da experiência O senhor incorrerá em erro grave se despejar no paciente a sua interpretação assim que a tiver encontrado com o objetivo de encurtar a análise Fazendo isso o senhor receberá manifestações de resistência rejeição e indignação do paciente mas não conseguirá que o seu Eu domine o recalcado A prescrição é esperar até que ele tenha se aproximado disso de tal maneira que precise apenas dar mais alguns passos guiado pela interpretação sugerida Eu acho que nunca aprenderia isso E se eu tiver tomado todos esses 181 cuidados na interpretação o que acontece depois Aí o senhor está determinado a fazer uma descoberta para a qual o senhor não está preparado E qual seria Que o senhor se enganou na avaliação do paciente que o senhor não pode contar com a ajuda e a submissão dele que ele está disposto a colocar todos os empecilhos possíveis no caminho do trabalho conjunto resumindo que ele não quer se curar Não isso é a coisa mais louca que o senhor me disse até agora Eu não acredito nisso O doente que sofre tanto que reclama de forma tão pungente dos males que o afligem que faz tanto sacrifício pelo tratamento não quer se curar Certamente o senhor não quer dizer isso nesse sentido Quero dizer isso sim acredite O que eu disse é a verdade obviamente não toda ela mas uma parcela considerável dela O doente quer se curar mas ao mesmo tempo ele não quer Seu Eu perdeu a unidade por isso ele também não apresenta uma vontade unificada Se fosse diferente ele não seria um neurótico Se eu tivesse razão não seria o Tell17 Os derivados do recalcado irromperam no seu Eu ali se firmam e o Eu tem tão pouco domínio sobre as aspirações dali originadas quanto sobre o próprio recalcado e geralmente nada sabe a respeito delas E esses pacientes justamente são de um tipo especial e causam dificuldades com as quais não estamos acostumados a lidar Todas as nossas instituições sociais são talhadas para pessoas com um Eu unificado e normal que pode ser classificado como bom ou mau que preenche a sua função ou é desligado por força de uma influência de elevado poder Por isso temos a alternativa judicial responsável ou irresponsável Nenhuma dessas distinções é adequada para os neuróticos Temos de confessar que é difícil adequar as exigências sociais ao seu estado psicológico Em grande escala vivemos isso na última guerra Será que os neuróticos que se furtaram ao serviço militar eram farsantes ou não Eram ambos Quando eram tratados como farsantes tornando a doença desconfortável eles se curavam quando os supostamente curados eram mandados para o serviço logo eles voltavam a se refugiar na doença Nada havia a fazer com eles E o mesmo acontece com os neuróticos na vida civil Eles reclamam da doença mas a aproveitam ao máximo e quando a 182 queremos tirar deles eles a defendem como a leoa defende os filhotes não havendo sentido em criticálos por essa contradição Mas não seria melhor então nem tratar dessas pessoas difíceis e deixá las entregues à própria sorte Não quero crer que valha a pena empenhar tanto esforço em cada um desses doentes como eu suponho que seja necessário a partir de suas alusões Não posso concordar com a sua sugestão Certamente seria mais correto aceitar as complicações da vida em vez de se rebelar contra elas Nem todo neurótico que tratamos é digno do esforço da análise mas entre eles certamente há pessoas muito valiosas Precisamos ter como meta conseguir que o mínimo possível de indivíduos humanos enfrente a vida cultural com um equipamento anímico tão deficiente e é por isso que precisamos acumular muitas experiências aprender a compreender muito Toda análise pode ser instrutiva trazernos um ganho a partir de novos esclarecimentos para não falar do valor pessoal de cada paciente Mas se no Eu do paciente se formou uma moção de vontade que quer manter a doença ela precisa se reportar a razões e motivos precisa se justificar com alguma coisa Mas é incompreensível por que razão uma pessoa queira estar doente e o que ela ganharia com isso Oh sim não é nada difícil ocorrer Pense nos neuróticos de guerra que não precisam servir por estarem doentes Na vida burguesa a doença pode servir como proteção para embelezar a sua incapacidade na profissão e na concorrência com os outros na família pode servir como meio para obrigar os outros a sacrifícios e provas de amor ou para impor a sua vontadexxxi Isso tudo é bastante superficial vamos resumilo sob o termo ganho da doença apenas é curioso que o doente o seu Eu nada saiba de toda essa associação de motivos com as suas ações coerentes Combatemos a influência dessas aspirações na medida em que convocamos o Eu a tomar conhecimento delas No entanto ainda há motivos mais profundos para se agarrar à doença com os quais é mais difícil de lidar Mas não podemos entendêlos sem uma nova excursão pela teoria psicológica Continue a sua explanação sem problemas Um pouco a mais ou um pouco a menos de teoria não vai fazer diferença agora Quando dissequei para o senhor a relação entre Eu e Isso omiti uma parte importante da doutrina sobre o aparelho anímico É que éramos obrigados a 183 supor que dentro do próprio Eu se distinguia uma instância específica que chamamos de SuperEuxxxii Esse SuperEu tem uma posição entre o Eu e o Isso Ele pertence ao Eu compartilha da sua avançada organização psicológica mas se encontra em relação especialmente íntima com o Isso Na verdade é a precipitação das primeiras cargas de objeto Objektbesetzungen do Isso o herdeiro do complexo de Édipo depois de sua abertura Esse Super Eu pode se contrapor ao Eu tratálo como objeto e muitas vezes ele o trata de forma muito dura Para o Eu é tão importante estar em acordo com o Super Eu quanto com o Isso Discordâncias entre o Eu e o SuperEu têm grande importância para a vida anímica O senhor certamente já deve estar adivinhando que o SuperEu é o portador do fenômeno que chamamos de consciência moral Gewissen18 Para a saúde anímica é muito importante que o SuperEu tenha uma formação normal isto é que tenha permanecido suficientemente impessoal Justamente no neurótico não é esse o caso pois o seu complexo de Édipo não experimentou a transformação correta O seu SuperEu ainda está contraposto ao Eu como o pai severo diante da criança e a sua moralidade age de forma primitiva na medida em que o Eu se deixa castigar pelo SuperEu A doença é utilizada como meio de autopunição o neurótico precisa se comportar como se fosse dominado por uma sensação de culpa que para ser aplacada precisa da doença como punição Isso realmente parece muito misterioso O mais curioso nisso tudo é que esse poder de sua consciência moral seines Gewissens também não deve se tornar consciente zum Bewußtsein kommen19 Sim nós estamos apenas começando a valorizar todas essas importantes relações Por isso a minha apresentação tinha de resultar tão obscura Agora posso continuar Chamamos a todas as forças que se contrapõem ao trabalho de cura de resistências do paciente O ganho da doença é a fonte de uma tal resistência a sensação inconsciente de culpa representa a resistência do SuperEu ela é o fator mais poderoso e o mais temido por nós No tratamento ainda encontraremos outras resistências Se nos primórdios o Eu realizou um recalque movido pela angústia essa angústia continua existindo e agora se manifesta como resistência quando o Eu deve se aproximar do recalcado Por fim podemos imaginar que não são poucas as dificuldades quando um processo pulsional que durante décadas trilhou um determinado caminho de repente precisa trilhar um novo caminho que lhe abriram 184 Poderíamos chamar isso de resistência do Isso A luta contra todas essas resistências é o nosso trabalho principal durante o tratamento analítico diante disso a tarefa das interpretações chega a desaparecer Através dessa luta e da superação das resistências no entanto o Eu do paciente também é modificado e fortalecido de modo que podemos vislumbrar com tranquilidade o seu comportamento futuro após o término do tratamento Por outro lado agora o senhor entende por que precisamos dessa longa duração do tratamento A extensão do caminho do desenvolvimento e a riqueza do material não são o elemento decisivo É mais importante saber se o caminho está livre Num trecho que em tempos de paz pode ser percorrido de trem em algumas horas um exército pode ser retido durante semanas se tiver de superar aí a resistência do inimigo Essas batalhas dispendem tempo também na vida anímica Infelizmente tenho de constatar que todos os esforços de acelerar sensivelmente o tratamento analítico até agora fracassaram O melhor caminho para o encurtamento do tratamento parece ser a sua execução correta Se alguma vez eu tivesse tido vontade de me intrometer no seu ofício e tentar fazer eu mesmo a análise de uma outra pessoa as suas informações sobre as resistências teriam me curado dessa intenção Mas o que dizer sobre a influência pessoal especial que o senhor confessou existir Ela não se insurge contra as resistências É bom que o senhor pergunte isso agora Essa influência pessoal é a nossa arma dinâmica mais poderosa é aquele elemento novo que introduzimos na situação e com o qual a fazemos seguir O teor intelectual dos nossos esclarecimentos não consegue fazer isso pois o paciente que compartilha todos os preconceitos do ambiente precisaria acreditar em nós tão pouco quanto os nossos críticos científicos O neurótico arregaça as mangas porque ele acredita no analista e acredita nele porque adquire uma atitude emocional especial em relação à pessoa do analista Também a criança só acredita nas pessoas com as quais possui vínculo Eu já lhe disse com que finalidade usamos essa influência sugestiva especialmente grande Não só para a supressão Unterdrückung dos sintomas é isso que diferencia o método analítico dos outros procedimentos da psicoterapia mas como força motriz Triebkraft para incentivar o Eu do paciente a superar as suas resistências Bem e se isso der certo o resto também funcionará bem Sim deveria Mas aí aparece uma complicação inesperada Talvez tenha 185 sido a maior surpresa para o analista o fato de que a relação de sentimentos que o doente adota em relação a ele é de natureza muito curiosa Já o primeiro médico que tentara uma análise e não era eu deparouse com esse fenômeno que o desconcertou20 É que essa relação pautada em sentimentos para dizêlo de forma bem clara é da natureza de um enamoramento Curioso não Se além disso o senhor considerar que o analista nada faz para provocála que pelo contrário mantémse afastado do paciente no âmbito pessoal cercando a sua própria pessoa de uma certa reserva E se ademais o senhor ficar sabendo que essa relação amorosa curiosa desconsidera todas as outras vantagens reais que se sobrepõe a todas as variações de atração pessoal de idade sexo e posição social Esse amor é até obrigatório Não que essa característica do enamoramento espontâneo de resto seja algo estranho O senhor sabe o contrário é suficientemente frequente mas na situação analítica se instala com regularidade porém sem encontrar aí uma explicação racional Poderíamos crer que a partir da relação do paciente com o analista para o primeiro nada mais resultaria do que um certo grau de respeito confiança gratidão e simpatia humana Em vez disso temos esse enamoramento que ele próprio dá a impressão de um fenômeno patológico Bem eu deveria crer que isso seria benéfico para os seus intentos analíticos Quando se ama se é submisso e se faz tudo por amor à outra parte Sim no início é benéfico mas depois quando essa paixão se aprofunda aparece toda a sua natureza em que muitas coisas são incompatíveis com a tarefa da análise O amor do paciente não se contenta em obedecer ele se torna exigente exige satisfações carinhosas e sensuais exige exclusividade desenvolve ciúme mostra de forma cada vez mais evidente o seu lado oposto a disposição para a animosidade e a vingança quando não consegue realizar as suas intenções Ao mesmo tempo como toda paixão reprime todos os outros conteúdos anímicos apaga o interesse pelo tratamento e pela cura em resumo não duvidamos que ela se colocou no lugar da neurose e o nosso trabalho teve como resultado substituir uma forma de doença por outra xxxiii Isso agora soa desesperançoso O que fazer nessa situação Deverseia desistir da análise mas como o resultado aparece em todos os casos como o 186 senhor disse não se poderia fazer análise nenhuma Em primeiro lugar vamos aproveitar a situação para aprendermos a partir dela O que ganhamos assim pode nos ajudar depois para dominála Não é muito digno de nota que tenhamos conseguido transformar uma neurose de conteúdo aleatório em um estado de paixão doentia A nossa convicção de que a neurose tem como base uma parte da vida amorosa usada de forma anormal é reforçada inabalavelmente a partir dessa experiência Com essa percepção voltamos a nos movimentar em solo firme ousando agora tomar esse enamoramento como o objeto da análise Também faremos outra observação Não é em todos os casos que esse apaixonamento analítico se expressa de forma tão clara e tão crassa como tentei descrever aqui Mas por que isso não acontece Logo perceberemos Na medida em que os lados ultrassensuais e os hostis do seu enamoramento querem se mostrar também acorda a aversão do paciente a eles Ele luta contra eles busca recalcálos diante dos nossos olhos E agora entendemos o processo O paciente repete sob a forma do enamoramento pelo analista vivências anímicas pelas quais já passou antigamente ele transferiu para o analista as posições anímicas que estavam disponíveis dentro dele e que estavam intimamente associadas à sua neurose Ele também repete as suas reações de rejeição daquela época à nossa vista e preferiria repetir todos os destinos daquele período esquecido da vida na sua relação com o analista O que ele nos mostra portanto é o cerne de sua história de vida íntima ele o reproduz de forma tangível como se fosse presente em vez de se recordar dele Com isso solucionamos o mistério do amor transferencial e a análise pode ser continuada justamente com a ajuda da nova situação que lhe parecia tão ameaçadora Isso é bem sagaz E o doente acredita tão facilmente que ele não está apaixonado mas apenas que é obrigado a reencenar uma peça antiga Tudo agora depende disso e toda a habilidade no manejo da transferência condiz com a tentativa de alcançar isso O senhor percebe que nesse ponto as exigências feitas à técnica analítica experimentam o seu ápice É aqui que podemos cometer os erros mais graves ou obter os maiores sucessos A tentativa de se esquivar das dificuldades suprimindo unterdrück ou desconsiderando a transferência seria absurda seja lá o que se tenha feito certamente não mereceria o nome de análise Mandar o paciente embora assim que os lados desagradáveis de sua neurose 187 transferencial se instalam tampouco faz sentido e além disso é uma covardia é como se invocássemos espíritos e depois saíssemos correndo assim que eles aparecessem É bem verdade que às vezes não temos como agir diferentemente há casos em que não dominamos a transferência desencadeada e temos de interromper a análise mas pelo menos precisamos ter vivido um embate de forças com os espíritos maus Ceder às exigências da transferência realizar os desejos do paciente por satisfação carinhosa e sensual não nos é proibido apenas por restrições morais mas também é totalmente inadequado como recurso técnico para atingir a meta analítica O neurótico não pode ser curado pelo fato de termos possibilitado a ele a repetição sem correção de um clichê inconsciente preparado dentro dele Se entrarmos em acordos negociados com ele oferecendolhe satisfações parciais em troca de sua colaboração na análise precisamos tomar cuidado para não entrarmos naquela situação ridícula do religioso que deve converter o corretor de seguros doente O doente não é convertido mas o religioso sai de lá com uma apólice A única saída possível dessa situação da transferência é a recondução ao passado do doente tal como ele a vivenciou realmente ou tal como ele a configurou através da atividade de sua imaginação que realiza os seus desejos E isso exige do analista muita habilidade paciência calma e abnegação E onde o senhor acha que o neurótico vivenciou o modelo para o seu amor transferencial Na infância geralmente na relação com um dos pais O senhor se lembra da importância que tivemos de atribuir a essas primeiras relações afetivas Aqui portanto o círculo se fecha O senhor terminou finalmente Estou um pouco tonto com a quantidade de coisas que ouvi do senhor Apenas me diga ainda como e onde se aprende o que se precisa para exercer a análise Atualmente há dois institutos em que ocorre o ensino da Psicanálise O primeiro em Berlim foi instalado pelo Dr Max Eitingon da associação local O segundo é mantido pela Associação Vienense de Psicanálise Wiener Psychoanalytische Vereinigung com recursos próprios e com sacrifícios consideráveis A participação dos órgãos públicos por enquanto se resume às diversas dificuldades que eles oferecem a esse novo empreendimento Um terceiro instituto de ensino está para ser inaugurado em Londres pela 188 associação local sob a direção do Dr Ernest Jonesxxxiv Nesses institutos os próprios candidatos são analisados têm aulas teóricas em forma de palestras sobre todos os objetos importantes para eles e usufruem da supervisão de analistas mais velhos e experientes quando são habilitados a empreender os primeiros experimentos em casos mais simples Calculase que sejam necessários em média dois anos para essa formação Evidentemente após esse período ainda se é iniciante não um mestre Aquilo que ainda for lacunar precisa ser adquirido por meio de exercícios e pela troca de ideias nas associações psicanalíticas onde membros mais jovens encontram os mais velhos A preparação para a atividade analítica não é tão fácil e simples como se pensa o trabalho é difícil a responsabilidade é grande Mas aquele que tiver passado por uma formação dessas que tiver sido analisado que absorveu tudo o que pode ser ensinado hoje sobre a Psicologia do Inconsciente que transita bem na ciência da vida sexual e que aprendeu a técnica delicada da Psicanálise assim como a arte da interpretação o combate às resistências e o manuseio da transferência não é mais um leigo na área da Psicanálise Ele está apto a empreender o tratamento de distúrbios neuróticos e com o passar do tempo ele poderá produzir nesse contexto tudo aquilo que se pode requerer dessa terapia VI O senhor empenhou grande esforço para me mostrar o que é a Psicanálise e quais os conhecimentos de que se precisa para praticála com alguma perspectiva de sucesso Bem não me fará mal ter ouvido o senhor Mas não sei que influência o senhor espera ter sobre a minha opinião em relação às suas considerações Vejo diante de mim um caso que não tem nada de extraordinário As neuroses são um tipo especial de doença a análise é um método especial para tratála uma especialidade médica Geralmente a regra é que um médico que escolheu uma área específica da Medicina não se satisfaça com a formação atestada pelo diploma Especialmente quando ele quer se estabelecer em uma cidade maior somente onde se podem alimentar especialistas Quem quiser ser cirurgião procurará trabalhar alguns anos em uma clínica cirúrgica assim como o oftalmologista o laringologista etc e até o psiquiatra que talvez nunca se livre de uma instituição pública ou de um sanatório Será o mesmo para o psicanalista aquele que decidir seguir 189 essa nova especialidade médica depois de formado terá de passar pelos dois anos de formação nos institutos de ensino dos quais o senhor falava se é que realmente levará esse tempo todo Ele também perceberá que será vantajoso manter o contato com os colegas em uma sociedade psicanalítica e tudo seguirá na mais perfeita ordem Não entendo como pode haver espaço aí para a questão da análise leiga O médico que faz isso que o senhor prometeu em seu nome será bem vindo para todos nós Quatro quintos das pessoas que reconheço como meus alunos já são médicos mesmo Mas permitame lhe apresentar como as relações dos médicos com a análise realmente se configuraram e como previsivelmente irão continuar se desenvolvendo Os médicos não têm um direito historicamente adquirido de propriedade exclusiva da análise muito pelo contrário até há pouco tempo eles se valiam de tudo do escárnio mais raso até a calúnia pesada para prejudicála O senhor responderá com razão que isso pertence ao passado e que não influenciará necessariamente o futuro Concordo mas temo que o futuro será diferente do que o senhor previu Permita que eu dê à palavra charlatão Kurpfuscher o sentido a que tem direito no lugar do significado legal Para a lei um charlatão é aquele que trata de pacientes sem poder se identificar por meio da posse de um diploma oficial de médico Eu preferiria outra definição charlatão é aquele que empreende um tratamento sem possuir os conhecimentos e as habilidades necessários para tanto Com base nessa definição ouso afirmar que não apenas nos países europeus os médicos representam a maioria do contingente de charlatães na análise Eles muitas vezes exercem o tratamento analítico sem o ter aprendido e sem compreendêlo É inútil o senhor querer retrucar que isso é inconsequente que o senhor não quer imputar isso aos médicos Que um médico deve saber que um diploma médico não é uma carta branca e que um doente não está disponível ao léu Que se deve confiar que o médico sempre age de boafé mesmo ele talvez incorrendo em enganos Os fatos perduram esperemos que eles possam ser esclarecidos da forma como o senhor imagina Vou tentar esmiuçar para o senhor como é possível que um médico em questões da análise se comporte de uma forma que ele evitaria com todo o cuidado em qualquer outra área Aqui em primeira linha precisamos levar em consideração que o médico recebeu uma formação na Faculdade de Medicina que é mais ou menos o 190 contrário do que ele precisaria como preparação para a Psicanálise A sua atenção foi direcionada para fatos anatômicos físicos e químicos objetivamente detectáveis e da percepção correta deles e do influenciamento Beeinflussung adequado depende o sucesso da ação médica No seu raio de visão encontrase o problema da vida na medida em que até agora se revelou para nós a partir do jogo das forças comprováveis também na natureza inorgânica Não se desperta o interesse pelos lados anímicos dos fenômenos da vida o estudo das produções espirituais mais elevadas não diz respeito à Medicina isso é do âmbito de outra faculdade Apenas a Psiquiatria deveria se ocupar dos distúrbios das funções anímicas mas sabese de que modo e com que intenções ela o faz Ela busca as condições físicas dos distúrbios da alma e as trata como outras causas de doença Nisso a Psiquiatria tem razão e a formação médica ao que parece é excelente Se dissermos que ela é unilateral precisamos detectar a partir de qual perspectiva essa característica se torna uma crítica Em si toda ciência é unilateral ela precisa sêlo na medida em que se restringe a determinados conteúdos pontos de vista e métodos É um contrassenso e não quero ser parte disso que se jogue uma ciência contra a outra A Física não desmerece a Química ela não pode substituíla mas também não pode ser substituída por ela A Psicanálise com certeza é especialmente unilateral como a ciência do inconsciente anímico O direito à unilateralidade portanto não deve ser contestado às Ciências Médicas O ponto de vista procurado só será encontrado se nos desviarmos da Medicina científica para chegar à cura prática A pessoa doente é um ser complicado ela pode nos lembrar de que nem mesmo os fenômenos anímicos tão difíceis de ser abarcados podem ser apagados do quadro da vida Até o neurótico é uma complicação indesejada um malestar para a arte da cura assim como o é para o direito e o serviço militar Mas ele existe e concerne à Medicina de modo bastante direto E para julgálo digno bem como para tratálo a formação médica em nada contribui absolutamente nada Na relação intensa entre as coisas que dividimos como sendo físicas e anímicas podemos prever que chegará o dia em que se abrirão os caminhos do conhecimento e oxalá também do influenciamento Beeinflussung da Biologia dos órgãos e da Química para termos um quadro das manifestações da neurose Esse dia parece ainda estar distante atualmente esses estados de doença ainda são inacessíveis pelo lado da Medicina 191 Seria tolerável se a formação médica falhasse somente em suprimir dos médicos a orientação no âmbito das neuroses Ela faz mais ela transmite a eles uma postura errada e nociva Os médicos nos quais não foi despertado o interesse pelos fatores psíquicos da vida agora estarão mais do que dispostos a menosprezálos e a ironizálos como sendo não científicos Por isso eles não conseguem levar nada realmente a sério que esteja relacionado a eles e não percebem as responsabilidades deles decorridas Por essa razão eles sucumbem à falta de respeito semelhante à do leigo diante da pesquisa psicológica e facilitam a sua tarefa Ora os neuróticos precisam ser tratados porque são doentes e se dirigem ao médico sempre se precisa tentar algo novo Mas por que se submeter ao esforço de uma preparação longa Também funcionará sem isso quem sabe para o que serve o que ensinam nos institutos analíticos Quanto menos eles entendem do assunto mais ousados eles se tornam Apenas aquele que realmente sabe ficará modesto pois sabe como esse conhecimento é insuficiente A comparação da especialidade analítica com outras disciplinas médicas que o senhor fez para me acalmar portanto não se aplica Para a Cirurgia a Oftalmologia etc a própria escola oferece a possibilidade de formação continuada Os institutos analíticos são poucos novos e desprovidos de autoridade A Escola de Medicina não os reconheceu e não se ocupa deles O jovem médico que teve de acreditar em tanta coisa que os seus professores diziam sobrando pouco espaço para a educação de seu próprio juízo adorará aproveitar a oportunidade de enfim poder fazer o papel de crítico numa área em que ainda não existe autoridade reconhecida Ainda há outras condições que favorecem a sua atuação como charlatão analista Se ele quisesse fazer operações oftalmológicas sem a devida preparação o insucesso de suas extrações de catarata e de iridectomias bem como a ausência de pacientes logo colocariam um ponto final em sua ousadia O exercício da análise para ele é comparavelmente inofensivo O público está acostumado com os resultados positivos da média das cirurgias oftalmológicas e espera a cura por parte do cirurgião Mas quando o médico dos nervos não restabelece os seus doentes ninguém se espanta Não se ficou acostumado com os sucessos da terapia dos doentes de nervos pelo menos o médico dos nervos se dedicou muito a eles Nesse caso não há mesmo muito que fazer a natureza ou o tempo é que irão ajudar Ou seja no caso da mulher primeiro a menstruação depois o casamento e mais tarde a 192 menopausa No fim o que ajuda é a morte Além disso aquilo que o analista médico fez com o nervoso é tão pouco notável que não se pode criticar nada a respeito Ele não usou instrumentos ou medicamentos apenas conversou com ele tentou convencêlo ou demovêlo de algo Isso não pode fazer mal especialmente quando se evitou tocar em coisas vexaminosas ou que provoquem comoção O analista médico que se libertou da instrução rígida certamente não deixou de lado a tentativa de melhorar a análise quebrarlhe os dentes peçonhentos e tornála agradável para os doentes E que bom se ele permaneceu nessa tentativa porque se ele realmente tivesse a coragem de despertar resistências e depois não soubesse como enfrentálas aí sim nesse caso ele realmente poderia ter se tornado impopular Para sermos honestos a atividade de um analista sem treinamento também é mais inofensiva para o doente do que a de um cirurgião pouco hábil O possível dano se restringe ao fato de que o doente foi motivado a fazer um esforço inócuo e que perdeu ou piorou as chances de cura Além disso rebaixouse a fama da terapia analítica Isso tudo é bastante indesejável mas não se compara aos perigos decorrentes do bisturi de um cirurgião charlatão Pioras graves e duradouras do estado patológico no meu entender não devem ser temidas mesmo na aplicação inábil da análise As reações indesejáveis depois de um tempo esmorecem Além dos traumas da vida que produziram a doença esse pouco de tratamento equivocado do médico é irrelevante Apenas que justamente a tentativa terapêutica inadequada não produziu nada de bom para o doente Eu ouvi a sua descrição do médico charlatão na análise sem interrompê lo não deixando de ter a impressão de que o senhor está dominado pela animosidade contra a classe médica sendo que o senhor mesmo me apontou o caminho para a sua explicação histórica Mas confesso que concordo com uma coisa já que se vai executar a análise que seja feita por pessoas que tiveram uma sólida formação na área E o senhor não acredita que os médicos que se voltam para a análise no decorrer do tempo vão fazer todo o possível para se apropriar dessa formação Temo que não Enquanto a relação entre a faculdade e o instituto analítico permanecer inalterada possivelmente os médicos acharão grande demais a tentação de lhes facilitar a vida Mas o senhor parece se esquivar constantemente de uma afirmação direta em relação à questão da análise leiga Agora devo adivinhar que o senhor 193 sugere que pelo fato de não se poder controlar os médicos que querem analisar devase de certa forma por vingança e para punilos tirarlhes o monopólio da análise e abrir essa atividade médica também para os leigos Não sei se o senhor adivinhou corretamente os meus motivos Talvez mais tarde eu possa lhe apresentar o testemunho de uma posição menos partidária Mas coloco a ênfase na exigência de que ninguém que não tenha sido habilitado para tanto através de uma formação específica deva exercer a análise Se essa pessoa é um médico ou não pareceme secundário Então que sugestões específicas o senhor teria a fazer Ainda não cheguei a esse ponto e também não sei se chegarei Quero abordar outra questão com o senhor agora mas também gostaria de tocar em determinado ponto à guisa de introdução Dizem que os órgãos responsáveis motivados pela classe médica querem proibir aos leigos em geral o exercício da análise Essa proibição afetaria também os membros não médicos da Associação Psicanalítica que usufruíram de uma formação excelente e se aperfeiçoaram por meio do exercício Se a proibição for promulgada teremos uma situação em que se impede uma série de pessoas de exercerem uma atividade em relação à qual podemos estar convictos de que a possam exercer muito bem enquanto se libera essa mesma atividade para pessoas em relação às quais não podemos ter uma garantia semelhante E isso não é exatamente o resultado que uma lei quer alcançar No entanto esse problema específico não é nem muito importante nem difícil de resolver Tratase aqui de uma quantidade de pessoas que não podem ser prejudicadas gravemente Provavelmente elas emigrarão para a Alemanha onde sem o impedimento legal logo receberão o reconhecimento pelo seu empenho Caso se queira poupálas disso e abrandar a dureza da lei para elas isso seria fácil com base em casos precedentes conhecidos Na Áustria monárquica por diversas vezes se concedeu permissão para a atividade médica em determinadas áreas ad personam a notórios charlatães porque havia convicção sobre a sua real capacidade Esses casos se reportavam em sua maioria a camponeses curandeiros e a aquiescência regularmente se dava por meio de uma das outrora inúmeras arquiduquesas mas também deveria ser possível para os citadinos e com base em outras garantias puramente técnicas Mais importante teria sido o efeito de tal proibição no Instituto de Ensino Analítico de Viena que a partir daí não poderia mais aceitar candidatos de círculos não médicos para a formação Dessa forma mais uma vez em nossa pátria teria 194 sido reprimida uma vertente da atividade intelectual que em outros lugares pode se desenvolver livremente Longe de mim pleitear competência na avaliação de leis e determinações Mas vejo que a ênfase na nossa lei relativa ao charlatanismo vai no sentido oposto ao das condições alemãs cuja adequação parece ser almejada hoje e que a aplicação da lei ao caso da Psicanálise tem algo de anacrônico pois à época de sua promulgação ainda não existia a análise e a natureza específica das doenças neuróticas ainda não era conhecida Chego agora à questão cuja discussão me parece mais importante Será que o exercício da Psicanálise é um objeto que deva ser submetido à intervenção dos órgãos oficiais ou será que é mais adequado deixálo à mercê de seu desenvolvimento natural Certamente não tomarei uma decisão aqui mas tomo a liberdade de lhe apresentar o problema para que o senhor reflita a respeito Na nossa pátria desde sempre há um verdadeiro furor prohibendi uma tendência à tutela à intervenção e à proibição que como todos sabemos não trouxe exatamente frutos positivos Pareceme que na nova Áustria republicana ainda não mudou muita coisa Suspeito que em relação à decisão sobre o caso da Psicanálise que nos ocupa agora o senhor tenha uma contribuição importante a dar não sei se o senhor terá vontade ou influência para se contrapor às tendências burocráticas Pelo menos não o pouparei de meus pensamentos irrelevantes sobre a nossa questão Acredito que um excesso de determinações e proibições prejudique a autoridade da lei Podese observar onde há apenas poucas proibições elas são obedecidas cuidadosamente onde se é acompanhado de proibições a cada passo sentimonos realmente tentados a não respeitálas Além disso ainda não se é um anarquista só por estar disposto a entender que leis e determinações por sua origem não podem reivindicar o caráter de sacralidade e inviolabilidade que muitas vezes o seu conteúdo é insuficiente e para o nosso sentimento de justiça são ofensivas ou que com o tempo passam a sêlo e que no caso de morosidade das pessoas que conduzem a sociedade muitas vezes não há outro meio para corrigir tais leis inadequadas que não seja a transgressão intencional Também é aconselhável quando se quer manter o respeito diante de leis e determinações não promulgar aquelas cuja observação ou transgressão seja difícil de controlar Muito do que dissemos sobre o exercício da análise por médicos teria de ser repetido aqui acerca da análise leiga propriamente dita que a lei quer reprimir O procedimento da análise é 195 bastante imperceptível ela não usa nem medicamentos nem instrumentos consiste apenas de conversas e de troca de informações não será fácil comprovar que uma pessoa leiga exerça a análise quando ela afirma que apenas motiva distribui esclarecimentos e busca ganhar influência humana curativa sobre aqueles que precisam de ajuda anímica isso não pode ser proibido uma vez que o médico às vezes também faz isso Nos países anglófonos as práticas da Christian Science21 são amplamente difundidas uma espécie de negação dialética dos males da vida por meio da invocação dos ensinamentos da religião cristã Não hesitaria em afirmar que esse procedimento seja uma lamentável deformação do espírito humano mas quem na América ou na Inglaterra pensaria em proibilo ou punilo Será que a alta autoridade em nosso país está tão segura de ter garantido o caminho para a felicidade que possa ter a ousadia de evitar que cada um tente ser feliz à sua maneira22 E sabendo que muitos estão entregues à própria sorte correndo perigo ou se prejudicando será que as autoridades não fariam bem em delimitar cuidadosamente as regiões que devem ser consideradas impenetráveis deixando de resto e no máximo possível que as próprias pessoas cuidem de sua educação a partir da experiência e do influenciamento Beeinflussung mútuo A Psicanálise é algo tão novo no mundo a grande maioria está tão pouco informada a seu respeito a posição da Ciência oficial em relação a ela ainda oscila tanto que me parece prematuro já intervir nesse momento com prescrições legais no desenvolvimento Deixemos que os próprios doentes façam a descoberta de que é prejudicial para eles buscar ajuda psíquica com pessoas que não aprenderam como prestála Esclareçamos os doentes a respeito e os alertemos pois assim nos pouparemos de lhes proibir isso Nas estradas italianas os fios de alta tensão têm a inscrição curta e impressionante Chi tocca muore Quem toca morre Isso é totalmente suficiente para regular o comportamento dos transeuntes diante de fios caídos Os avisos alemães correspondentes são de um floreio supérfluo e ofensivo Tocar os fios de alta tensão é rigorosamente proibido por oferecer risco de morte Para que a proibição Quem ama a vida se autoimpõe a proibição e aquele que quiser se matar por essa via não irá pedir permissão Mas há casos que podem ser citados como precedentes para a questão da análise leiga Refirome à proibição de que leigos pratiquem hipnose em 196 pacientes e a recente proibição de fazer reuniões de ocultismo e de fundar tais sociedades Não posso dizer que eu seja um admirador dessas medidas A última indubitavelmente é um excesso da tutela policial que prejudica a liberdade intelectual Sou insuspeito de acreditar muito nos chamados fenômenos ocultos ou até de ansiar por seu reconhecimento mas com tais proibições não se conseguirá abafar o interesse das pessoas por esse suposto mundo secreto Talvez pelo contrário tenhase feito algo muito prejudicial fechado o caminho para a vontade apartidária de conhecimento na direção de um juízo libertador sobre essas possibilidades opressoras Mas isso também apenas na Áustria Em outros países nem a pesquisa parapsicológica se defronta com obstáculos legais O caso da hipnose é um pouco diferente do da análise A hipnose é a produção de um estado anímico anormal e hoje serve aos leigos apenas como recurso de apresentação impactante Se a terapia hipnótica incialmente tão promissora tivesse se sustentado teriam surgido condições semelhantes às da análise Aliás a história da hipnose traz um precedente em relação ao destino da análise em outra direção Quando eu era um jovem docente de Neuropatologia os médicos se esmeravam em combater a hipnose de forma apaixonada declarandoa como sendo um engodo uma ilusão do diabo e uma intervenção altamente perigosa Hoje eles monopolizaram essa mesma hipnose servemse dela sem medo como método de exame e para alguns médicos dos nervos ela ainda é o recurso principal de sua terapia Mas eu já lhe disse que não penso em fazer propostas que se baseiam na decisão sobre se a regulamentação legal ou se a autorização em questões referentes à análise são a coisa mais acertada Sei que é uma questão de princípios sobre cuja solução provavelmente as tendências das pessoas competentes tenham mais influência do que argumentos O que me parece favorecer uma política do laissez faire eu já resumi anteriormente Se a decisão for a outra a de uma política de intervenção ativa então a medida deficiente e injusta da proibição irrestrita da análise praticada por não médicos não me parece ser suficiente Nesse caso a preocupação precisa ser com outras coisas estabelecer as condições sob as quais se permite o exercício da prática analítica para todos os que queiram exercêla instaurar uma autoridade qualquer junto à qual se possa buscar informação sobre o que é análise e que preparação se pode exigir para ela e fomentar as 197 possibilidades de instrução na análise Ou seja ou deixar em paz ou criar ordem e clareza mas não interferir em uma situação complicada com uma única proibição deduzida mecanicamente a partir de uma proibição que se tornou inadequada VII Sim mas os médicos os médicos Eu não consigo trazêlo para o verdadeiro tema das nossas conversas O senhor continua se esquivando Tratase de saber se não se concede aos médicos o direito exclusivo do exercício da análise por mim pode ser depois de terem preenchido certas condições Os médicos certamente não são em sua maioria aqueles charlatães como os que o senhor descreveu O senhor mesmo diz que a grande maioria dos seus alunos e seguidores são médicos Alguém me segredou que eles de forma alguma compartilham o seu ponto de vista na questão da análise leiga Certamente devo supor que os seus alunos sigam as suas exigências a respeito da preparação adequada etc e mesmo assim esses alunos julgam ser compatível com isso impedir o exercício da análise para leigos É isso mesmo E se for como o senhor explica o fato Vejo que o senhor está bem informado e é isso mesmo Não são todos mas uma boa parte de meus colaboradores médicos nessa questão não está do meu lado eles defendem o direito exclusivo dos médicos ao tratamento analítico dos neuróticos O senhor vê assim que também pode haver diferenças de opinião em nosso meio Minha tomada de partido é conhecida e a oposição na questão da análise leiga não suspende a nossa concordância O senhor pergunta como posso explicar o comportamento desses meus alunos Não sei com certeza mas creio que deva ser o poder da consciência de classe Standesbewusstsein Eles tiveram um desenvolvimento diferente do meu ainda se sentem desconfortáveis com o isolamento diante dos colegas gostariam de ser acolhidos pela profession profissão com seus direitos plenos e estão dispostos a oferecer sacrifício em nome dessa tolerância em um ponto cuja importância vital ainda não ficou clara para eles Talvez seja outra coisa atribuirlhes razões de concorrência significaria não apenas culpálos de uma intenção baixa mas também julgálos capazes de uma curiosa miopia Ora eles estão sempre dispostos a introduzir outros médicos na análise e se eles têm de dividir os pacientes disponíveis com 198 colegas ou com leigos é indiferente para a sua situação material Mas provavelmente ainda há outra coisa em jogo aí Esses meus alunos podem estar sob a influência de determinados fatores que garantem ao médico na prática analítica a irrefutável vantagem diante do leigo Garantem uma vantagem Então é esse o ponto Então enfim o senhor confessa essa vantagem Com isso a questão estaria resolvida A confissão não me é difícil Ela pode lhe mostrar que eu não estou tão apaixonadamente cego como o senhor supõe Eu adiei a menção a essas condições porque a sua discussão por sua vez novamente torna necessárias algumas elucubrações teóricas A que o senhor se refere Temos inicialmente a questão do diagnóstico Se começamos a tratar com análise um doente que sofre dos chamados distúrbios nervosos queremos antes ter certeza desde que ela seja alcançável de que ele é adequado para essa terapia ou seja de que possamos ajudálo por esse caminho Mas isso só é o caso se ele realmente tiver uma neurose Eu deveria crer que isso se reconhece pelos fenômenos pelos sintomas dos quais ele reclama Aqui justamente é o ponto de uma nova complicação Nem sempre os reconhecemos com absoluta segurança O doente pode apresentar o quadro externo de uma neurose e mesmo assim pode ser outra coisa o início de uma doença mental incurável a preparação de um processo cerebral destrutivo A diferenciação diagnóstico diferencial nem sempre é fácil e não é factível de imediato em todas as fases A responsabilidade por uma decisão dessas evidentemente só pode ser assumida por um médico Como disse isso nem sempre será fácil para ele O caso patológico pode ter uma característica inofensiva durante um longo período até que enfim se manifeste a sua natureza grave Aliás é sempre um temor dos doentes de nervos a possibilidade de desenvolverem uma doença mental Mas se um médico não reconheceu adequadamente um caso assim durante algum tempo ou ficou indeciso a seu respeito isso não é muito problemático uma vez que não houve dano algum e nada supérfluo aconteceu É verdade que o tratamento analítico desse doente também não lhe teria causado dano mas teria ficado evidente que foi um esforço desnecessário Além disso certamente haveria pessoas em número suficiente que lhe imputariam o resultado ruim da análise Certamente injustificado mas esses motivos de crítica deveriam ser 199 evitados Mas isso tem um tom desesperançoso Isso desenraiza tudo o que o senhor me disse sobre a natureza do surgimento de uma neurose De modo algum Isso apenas reforça mais uma vez que os neuróticos constituem um aborrecimento e um malestar para todas as partes inclusive para os analistas Mas talvez eu volte a desfazer a sua confusão se eu vestir as minhas novas informações com uma expressão correta Talvez seja mais acertado falar dos casos que nos ocupam no momento dizendo que eles realmente desenvolveram uma neurose no entanto esta não é psicogênica mas somatogênica não tem causas anímicas mas físicas O senhor me entende Entender eu entendo mas não consigo juntar isso com o outro aspecto o psicológico Bem isso pode ser feito se se quiser apenas levar em consideração as complicações da substância viva Onde encontramos a essência de uma neurose No fato de que o Eu que é a organização mais elevada do aparelho anímico criada pela influência do mundo externo não é capaz de realizar a sua função de mediação entre o Isso e a realidade de que em sua fraqueza recua diante das porções pulsionais do Isso e por isso precisa aceitar as consequências dessa recusa em forma de restrições sintomas e formações reativas malsucedidas Uma tal fraqueza do Eu geralmente acontece em nós todos na infância por isso as vivências dos primeiros anos de infância adquirem uma importância tão grande na vida posterior Sob o peso extraordinário desse período da infância no período de poucos anos temos de passar pela incrível distância evolutiva entre o primitivo da Idade da Pedra e a participação na cultura de hoje e além disso temos também de nos proteger especialmente das moções pulsionais do primeiro período sexualxxxv o nosso Eu se refugia em recalques e se expõe a uma neurose infantil cujo reflexo ele levará para a maturidade da vida sob a forma de disposição para uma posterior doença nervosa Agora tudo vai depender de como esse ser em crescimento será tratado pelo destino Se a vida for muito dura e a distância entre as exigências pulsionais e os protestos da realidade for muito grande o Eu pode fracassar em seus esforços de conciliar ambos e isso é tão mais possível quanto mais ele for impedido pela disposição infantil trazida 200 consigo Então repetese o processo do recalque as pulsões rasgam as amarras que as prendem ao domínio do Eu criam as suas satisfações substitutas através dos caminhos da regressão e o pobre Eu se tornou um desamparado neurótico Tenhamos em mente apenas isto que o ponto crucial e de virada de toda essa situação é a relativa força da organização do Eu Então será fácil para nós completar o nosso panorama etiológico Como as chamadas causas normais do nervosismo já conhecemos a fraqueza infantil do Eu a tarefa de dominar as primeiras moções de sexualidade e os efeitos das vivências infantis mais ou menos casuais Mas será que não é possível que outros fatores também tenham um papel importante fatores de um período anterior à vida infantil Por exemplo uma força inata e uma irrefreabilidade inata da vida pulsional no Isso que desde o início dá tarefas muito difíceis ao Eu Ou então uma fraqueza evolutiva específica do Eu causada por motivos desconhecidos Evidentemente esses fatores precisam adquirir uma importância etiológica em alguns casos uma importância predominante Teremos de contar com a força pulsional no Isso a toda vez quando ela tiver se desenvolvido excessivamente as perspectivas para a nossa terapia não serão boas Ainda sabemos muito pouco sobre as causas de um impedimento evolutivo do Eu Esses então seriam os casos de neurose de base essencialmente constitucional Sem a existência de qualquer tipo desse favorecimento constitucional congênito é pouco provável que se produza uma neurose Mas se a relativa fraqueza do Eu é o fator decisivo para o surgimento da neurose então também deve ser possível que um posterior adoecimento físico produza uma neurose desde que ele possa provocar um enfraquecimento do Eu E isso por sua vez é o caso em larga medida Um tal distúrbio físico pode afetar a vida pulsional no Isso e intensificar a força pulsional para além do limite que o Eu consegue suportar O padrão normal desses processos seria por exemplo a transformação na mulher através dos distúrbios da menstruação e da menopausa Ou ainda um adoecimento físico até mesmo uma doença orgânica do órgão nervoso central que ataca as condições de alimentação do aparelho anímico obrigandoo a diminuir a sua função e a suspender as suas produções mais refinadas das quais faz parte a manutenção da organização do Eu Em todos esses casos surge mais ou menos o mesmo quadro da neurose a neurose sempre tem o mesmo mecanismo psicológico 201 mas como vemos a mais diversificada e muitas vezes composta etiologia Agora estou gostando mais do senhor enfim o senhor falou como um médico Agora espero a confissão de que um caso médico tão complicado quanto a neurose só pode ser tratado por um médico Temo que com isso o senhor extrapole o objetivo O que debatemos aqui foi um tanto de Patologia na análise se trata de um procedimento terapêutico Eu ressalvo não eu insisto que o médico em cada caso passível de análise primeiro estabeleça o diagnóstico A quantidade enorme de neuroses que nos ocupam felizmente é de natureza psicogênica e é patologicamente insuspeita Se o médico tiver constatado isso ele tranquilamente poderá deixar a análise a cargo de um analista leigo Nas nossas sociedades analíticas sempre tem sido assim Graças ao contato intenso entre os membros médicos e não médicos os temidos erros têm sido praticamente eliminados em sua totalidade Ainda há aí um segundo caso em que o analista precisa do auxílio do médico No decorrer do tratamento analítico podem aparecer sintomas mais frequentemente físicos em que se fica em dúvida se eles devem ser relacionados à neurose ou associados a uma doença orgânica independente que surge como distúrbio Essa decisão por sua vez deve ficar a cargo do médico Então o analista leigo também não pode prescindir do médico durante a análise Um novo argumento contra a sua utilidade Não a partir dessa possibilidade não podemos forjar um argumento contra o analista leigo pois o analista médico também não agiria de outra forma no mesmo caso Não entendo É que existe a prescrição técnica de que o analista no caso de surgirem sintomas dúbios desse tipo durante o tratamento não os submeta a seu próprio juízo mas solicite um parecer de um médico distante da análise por exemplo um especialista em Medicina Interna Internist mesmo ele próprio sendo médico e ainda confiando em seus conhecimentos médicos E por que se prescreve algo que me parece tão supérfluo Não é supérfluo e até tem muitas justificativas Em primeiro lugar a junção de tratamento orgânico e psíquico numa coisa só não funciona bem em segundo lugar a relação da transferência pode fazer com que seja desaconselhável que o analista examine fisicamente o paciente e em terceiro lugar o analista tem todos os motivos para duvidar de sua imparcialidade já 202 que o seu interesse está tão intensamente voltado para os fatores psíquicos Agora ficou clara a sua posição em relação à análise leiga O senhor é irredutível em afirmar que precisa haver analistas leigos Mas como o senhor não consegue refutar a incapacidade deles para a tarefa o senhor reúne tudo que possa servir de desculpa e alívio para a sua existência Mas eu não vejo absolutamente por que deva haver analistas leigos que de resto conseguiriam apenas ser terapeutas de segunda categoria Por mim posso excetuar desse grupo os poucos leigos que já se formaram analistas mas não se deveria criar novos e os institutos de ensino deveriam se comprometer a não mais aceitar leigos em sua formação Concordo com o senhor se ficar comprovado que com essa restrição se atenderia a todos os interesses em questão O senhor há de convir que esses interesses são de três tipos os dos doentes os dos médicos e last not least os da Ciência que inclui os interesses de todos os doentes futuros Vamos analisar juntos esses três pontos Bem para o doente é indiferente se o analista é médico ou não desde que se exclua o perigo de uma interpretação errada de seu estado por meio do parecer médico exigido antes do início do tratamento e em determinadas intercorrências durante ele Para ele é muito mais importante que o analista disponha das características pessoais que o tornam digno de confiança e que ele tenha adquirido os conhecimentos e as percepções além das experiências que o habilitem a realizar a sua tarefa Poderseia pensar que seria prejudicial à autoridade do analista o fato de o paciente saber que ele não é médico e que em algumas situações não pode prescindir do apoio do médico Evidentemente nunca deixamos de informar os pacientes sobre a qualificação do analista e pudemos nos certificar de que os preconceitos de classe não encontram respaldo junto a eles que eles estão dispostos a aceitar a cura não importando de que origem ela lhes seja oferecida o que aliás a classe médica vivenciou há tempos para seu profundo desgosto E acrescentese que os analistas leigos que hoje praticam a análise não são indivíduos aleatórios arrivistas mas pessoas de formação acadêmica doutores em Filosofia pedagogos e algumas mulheres com grande experiência de vida e de extraordinária personalidade A análise à qual devem se submeter todos os candidatos de um instituto de ensino analítico ao mesmo tempo também é o melhor caminho para obter esclarecimentos sobre a sua adequação pessoal para o exercício dessa atividade exigente 203 Agora falemos do interesse dos médicos Não posso crer que haja um ganho com a incorporação da Psicanálise na Medicina O estudo da Medicina agora já leva cinco anos a prestação dos últimos exames já entra bastante no sexto ano Ano após ano surgem novas exigências para o estudante sem o cumprimento das quais a sua capacitação para o futuro teria de ser declarada insuficiente O acesso à profissão de médico é muito difícil o seu exercício não é nem muito satisfatório nem muito vantajoso Se adotarmos a exigência certamente justificada de que o médico também precisa estar familiarizado com o lado anímico da doença e por isso estendermos a formação médica com uma parte de preparação para a análise isso significará mais uma ampliação do conteúdo programático e a correspondente expansão de seus anos de estudo Não sei se os médicos ficarão satisfeitos com essa conclusão a partir de sua exigência do direito à análise Mas ela dificilmente poderá ser recusada E isso em uma época em que as condições da existência material das classes de onde se recrutam os médicos pioraram tanto que a nova geração se vê forçada a se manter por conta própria o mais rapidamente possível Mas talvez o senhor não queira sobrecarregar o estudo da Medicina com a preparação para a prática analítica e julgue mais adequado que os futuros analistas se preocupem com a formação necessária para tanto apenas depois de completarem os seus estudos de Medicina O senhor poderá dizer que a perda de tempo daí decorrente é praticamente irrelevante porque um jovem de 30 anos nunca irá ganhar a confiança do paciente que é justamente a condição para a ajuda psíquica A isso poderíamos retrucar que também o médico recémformado não deve contar com um imenso respeito dos pacientes em relação a sofrimentos físicos e que o jovem analista poderia muito bem ocupar o seu tempo trabalhando em uma policlínica psicanalítica sob a supervisão de profissionais experientes Mas o que me parece mais importante é que o senhor com essa sugestão apoia um desperdício de forças que nesses tempos difíceis realmente não encontra justificativa econômica A formação analítica é verdade tem uma intersecção com o círculo da preparação médica mas não o inclui e não é incluída por ele Se tivéssemos de fundar uma Faculdade de Psicanálise algo que hoje ainda pode parecer fantasioso nela teríamos de ensinar muita coisa que é ensinada também na Faculdade de Medicina além da Psicologia Profunda que sempre seria a parte principal uma introdução à Biologia em 204 um espectro o mais amplo possível a ciência da vida sexual uma familiarização com os quadros patológicos da Psiquiatria Por outro lado a instrução analítica também englobaria disciplinas distantes do médico e com as quais eles dificilmente se defrontam em sua atividade História da Cultura Mitologia Psicologia da Religião e Ciência da Literatura Sem uma boa orientação nessas áreas o analista se verá diante de boa parte de seu material com uma postura de incompreensão Para tanto a massa principal daquilo que é ensinado na Escola de Medicina não será útil para a sua finalidade Tanto o conhecimento dos ossos do tarso quanto o da constituição dos hidróxidos de carbono do percurso das fibras dos nervos cerebrais tudo o que a Medicina revelou sobre focos bacilares de doenças e seu combate sobre reações séricas e neoplasias tudo em si com certeza é altamente valioso mas para ele é completamente irrelevante não lhe diz respeito não lhe ajuda diretamente a compreender uma neurose e curála nem esse conhecimento contribui para aguçar aquelas capacidades intelectuais que são exigidas em grande quantidade na sua atividade E não se intervenha aqui dizendo que o caso é semelhante àquele em que o médico se volta a uma especialidade médica diferente por exemplo à Odontologia Mesmo nesse caso ele também descartará muita coisa que ele teve de provar saber em exames e precisará aprender muita coisa nova para a qual a escola não o preparou Mas os dois casos não são equivalentes Também para a Odontologia os grandes aspectos da patologia as doutrinas sobre inflamação purulência necrose sobre a interação dos órgãos do corpo mantém a sua importância mas a experiência leva o analista para um mundo diferente com outros fenômenos e outras leis Não importa como a Filosofia procura transpor o abismo entre o físico e o anímico para a nossa experiência ela tem primazia até mesmo para os nossos esforços práticos É injusto e inadequado obrigar uma pessoa que quer libertar o outro do sofrimento de uma fobia ou de uma ideia obsessiva a trilhar o desvio do estudo da Medicina Também não terá sucesso se não se conseguir suprimir a análise Imagine uma paisagem onde há dois caminhos para se chegar a um determinado mirante um deles curto e em linha reta o outro longo cheio de curvas e de desvios O senhor tenta barrar o caminho mais curto com uma placa de proibição talvez porque ele passe por alguns canteiros de flores que o senhor quer proteger O senhor só terá chance de a sua proibição ser respeitada se o caminho mais curto for íngreme e trabalhoso enquanto o mais 205 longo ascende de forma mais suave Mas se for diferente e ao contrário o desvio for mais difícil o senhor facilmente adivinhará qual a utilidade da sua proibição e o destino de seus canteiros de flores Temo que da mesma forma o senhor não conseguirá obrigar os leigos a estudarem Medicina nem eu conseguirei mover os médicos a aprenderem a análise O senhor conhece a natureza humana Se o senhor tiver razão com o fato de que o tratamento analítico não deve ser praticado sem a formação específica mas que o estudo da Medicina não suporta a sobrecarga de uma preparação para tanto e que os conhecimentos médicos em grande parte são supérfluos para o analista então como chegar à personalidade médica ideal apta a dar conta de todas as tarefas da profissão Não posso prever qual será a saída para essas dificuldades tampouco me cabe indicála Vejo apenas duas coisas em primeiro lugar que a análise para o senhor é um incômodo idealmente ela nem deveria existir certamente o neurótico também é um incômodo e em segundo lugar que momentaneamente todos os interesses serão levados em conta quando os médicos decidirem tolerar uma classe de terapeutas que os poupa do tratamento trabalhoso das neuroses psicogênicas tão frequentes e está em constante contato com eles para o bem desses doentes Essa é a sua última palavra sobre o assunto ou o senhor ainda tem algo a dizer Certamente eu ainda queria considerar um terceiro interesse o da Ciência O que eu tenho a dizer a respeito não o afetará em quase nada mas tem para mim elevada importância É que não julgamos desejável que a Psicanálise seja engolida pela Medicina e depois encontre o seu depósito definitivo no livro didático de Psiquiatria no capítulo sobre terapia ao lado de procedimentos como sugestão hipnótica autossugestão persuasão que buscados de dentro de nosso desconhecimento devem os seus efeitos efêmeros à morosidade e à covardia das massas de pessoas Ela merece um destino melhor e esperemos que o tenha Na qualidade de Psicologia Profunda a ciência do inconsciente anímico ela pode se tornar indispensável para todas as ciências que se ocupam da história da formação da cultura humana e de suas grandes instituições como a arte a religião e a organização social Acho que ela já prestou auxílio considerável a essas ciências até agora para resolver os seus 206 problemas mas essas são apenas pequenas contribuições em comparação ao que poderia ser alcançado se historiadores da cultura psicólogos da religião linguistas etc se reunissem para eles mesmos manusearem esse novo recurso de pesquisa que lhes é ofertado A utilização da análise para a terapia das neuroses é apenas uma de suas aplicações talvez o futuro mostre que não é a mais importante Pelo menos seria injusto sacrificar todas as outras aplicações em favor dessa única apenas porque essa área de aplicação toca o círculo dos interesses médicos Pois aqui se desenrola uma segunda relação em que não se intervém sem prejuízos Quando os representantes das diversas Ciências Humanas Geisteswissenschaften23 precisam aprender a Psicanálise para aplicar os seus métodos e pontos de vista ao seu material não é suficiente aterse aos resultados registrados na literatura analítica Eles precisarão aprender a entender a análise pela única via aberta para tanto que é se submetendo a uma análise Assim aos neuróticos que precisam de análise se juntaria uma segunda categoria de pessoas que aceita a análise por razões intelectuais mas que certamente saudaria o aumento de sua produtividade conseguida como resultado colateral Para executar essas análises é necessária uma quantidade de analistas para os quais eventuais conhecimentos de Medicina terão muito pouca importância Mas estes iremos chamálos de analistas didatas Lehranalytiker precisam ter recebido uma formação especialmente detalhada Se não quisermos que esse aprendizado arrefeça precisamos lhes dar a oportunidade de colecionar experiências em casos com potencial de aprendizado e que sirvam de comprovação da teoria e como as pessoas saudáveis que não possuem o motivo da sede de conhecimento não se submetem a uma análise só pode ser com os neuróticos sob supervisão cuidadosa que os analistas didatas serão educados para a sua atividade futura não médica Mas tudo isso exige um certo grau de liberdade de movimentação e não suporta limitações mesquinhas Talvez o senhor não acredite nesses interesses puramente teóricos da Psicanálise ou não queira lhes conceder influência sobre a questão prática da análise leiga Então deixeme alertálo de que ainda há outra área de aplicação da Psicanálise fora da área da lei do charlatanismo e para a qual os médicos dificilmente solicitarão soberania Refirome à sua utilização na Pedagogia Quando uma criança começa a externar sinais de um 207 desenvolvimento indesejado tornandose malhumorada teimosa e desatenta o pediatra e mesmo o médico da escola nada poderão fazer pela criança mesmo quando ela produzir fenômenos claramente nervosos como temores Ängstlichkeiten falta de apetite vômito insônia Um tratamento que alia o influenciamento analítico a medidas educacionais executado por pessoas que não dispensam ocuparse das condições do entorno da criança e que sabem criar uma via de acesso para a vida anímica dela consegue duas coisas ao mesmo tempo suspender os sintomas nervosos e reverter a incipiente mudança de caráter Nosso conhecimento da importância das neuroses infantis muitas vezes imperceptíveis como disposição para doenças sérias na vida futura aponta para essas análises infantis como um caminho excelente de profilaxia Inegavelmente ainda há inimigos da análise não sei que recursos têm à disposição para impedir também a atividade desses analistas pedagógicos ou pedagogos analistas também não acho que isso seja possível facilmente Mas é claro que nunca devemos nos sentir seguros demais Aliás para retornarmos à nossa questão do tratamento analítico de doentes de nervos adultos aqui também ainda não esgotamos todos os aspectos Nossa cultura exerce uma pressão quase insuportável sobre nós ela exige um corretivo Será que é muito fantasioso esperar que a Psicanálise apesar de suas dificuldades seja vocacionada para preparar as pessoas para um tal corretivo Talvez mais um norteamericano tenha a ideia de gastar dinheiro para formar analiticamente os social workers assistentes sociais do seu país transformandoos numa tropa auxiliar para combater as neuroses da cultura Ah sei um novo tipo de Exército da Salvação Por que não A nossa imaginação sempre trabalha de acordo com modelos O fluxo de pessoas ansiosas por aprendizado que então correria para a Europa terá de passar por Viena pois aqui o desenvolvimento analítico pode ter sucumbido a um trauma precoce da proibição O senhor sorri Não digo isso para obter seu apoio certamente não Eu sei que o senhor não acredita em mim e também não posso lhe garantir que assim será Mas de uma coisa eu sei Não é tão importante saber qual a sua decisão sobre a questão da análise leiga Ela pode ter um efeito local Mas aquilo que realmente é importante as possibilidades internas de desenvolvimento da Psicanálise estas não podem ser atingidas com regulamentos e proibições 208 xxviii O mesmo vale para a França xxix Nota de 1935 Teoria da Psicanálise sobre a qual devo atrair a atenção do leitor A apresentação no texto somente reconhece como motivo de recalcamento o caso em que a satisfação da pulsão é perigosa em que ela conduziria a uma colisão com o mundo exterior Mas a questão é saber se essa é a única condição ou talvez somente a condição original de um recalque saber se o recalque essa tentativa de fuga do Eu diante da pulsão não intervém na verdade a cada vez que a demanda pulsional se torna dada sua intensidade excessivamente intensa em relação à capacidade do Eu de lidar com ela caso em que a consideração do perigo que ameaça a partir do mundo exterior não é levada em conta A questão ainda não está resolvida e as relações recíprocas dos dois possíveis motivos do recalque ainda não foram esclarecidas xxx Nota de 1935 Nossas investigações desde então nos ensinaram que também para a menina a mãe é o primeiro objeto de amor É somente através de um longo desvio que posteriormente sucede ao pai tomar o lugar da mãe xxxi Nota de 1935 Esse é o ponto de vista que a assim chamada Psicologia Individual retirou do contexto da Psicanálise e popularizou através de uma generalização indevida A alusão à psicologia individual remete provavelmente à perspectiva de Adler NE xxxii Nota de 1935 Tornouse usual na literatura psicanalítica de língua inglesa substituir os pronomes ingleses I Eu e It Isso pelos pronomes latinos Ego e Id Em alemão dizemos Ich Eu Es Isso e Überich SuperEu xxxiii Nota de 1935 Essa característica da transferência no tratamento analítico foi o motivo principal para atribuir às moções eróticas um papel eminente quiçá um papel específico na etiologia das neuroses Mas de um modo geral é questionável se as moções destrutivas ou agressivas podem lançar a mesma demanda em todas as direções Na apresentação do texto somente as moções eróticas foram levadas em consideração isso em conformidade com uma versão mais antiga da teoria xxxiv Nota de 1935 Depois de estas linhas terem sido escritas o número de institutos de ensino cresceu consideravelmente assim como os esforços dedicados à formação esta agora bastante aperfeiçoada em Psicanálise xxxv Nota de 1935 Acrescentar aqui a tarefa de domar a tendência inata para a agressão dada na constituição do ser humano Tal tendência naturalmente é inconciliável com a preservação da sociedade humana Não restam dúvidas nossa cultura baseiase na repressão das pulsões Triebunterdrückung Tratase de saber se ela se erige mais às expensas das pulsões eróticas do que das pulsões destrutivas 209 POSFÁCIO A A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA 1927 A motivação direta para redigir o meu pequeno escrito ao qual se atrelam as discussões acima expostas24 foi a acusação contra o nosso colega não médico Dr Theodor Reik de charlatanismo junto às autoridades de Viena Deve ter sido de conhecimento geral que essa acusação foi retirada depois de terem sido realizados todos os levantamentos prévios e colhidos diversos pareceres Não creio que isso tenha sido um resultado positivo do meu livro ao que parece o caso era desfavorável demais para a acusação e a pessoa que tinha reclamado por ter sido lesada revelou ser pouco digna de confiança A suspensão do processo contra o Dr Reik provavelmente não tem a importância de uma decisão de princípios do Tribunal de Viena na questão da análise leiga Quando criei o personagem do interlocutor imparcial no meu escrito tendencioso eu tinha em mente a pessoa de um dos nossos altos funcionários um homem de boa vontade e de incomum integridade com quem eu mesmo tinha tido uma conversa sobre o caso Reik e a quem entreguei um parecer particular a respeito como ele desejara Eu sabia que não tinha conseguido convertêlo à minha opinião e foi por isso que não deixei o meu diálogo com o interlocutor imparcial terminar em um acordo Também não esperava conseguir produzir uma posição unânime em relação à questão da análise leiga por parte dos analistas Aquele que nessa coletânea comparar a manifestação da Sociedade Húngara com a do Grupo de Nova York talvez suponha que o meu escrito de nada tenha servido que todos mantêm a mesma opinião que já tinham antes Também não acredito nisso Creio que muitos colegas terão abrandado a sua postura extrema a maioria aceitou a minha concepção de que a questão da análise leiga não pode ser decidida com base em costumes tradicionais mas se origina de uma situação de um novo tipo e por isso exige uma nova decisão Também a abordagem com que tratei a questão parece ter recebido aprovação Como sabem eu havia colocado em primeiro plano a afirmação 210 de que pouco importa se o analista possui um diploma de médico importa mais se ele adquiriu uma formação especializada que é necessária para se exercer a análise A essa afirmação pudemos atrelar a pergunta que tão avidamente foi discutida pelos colegas sobre qual seria a formação mais adequada para o analista Eu achava e ainda defendo isso agora que não é aquela que a universidade prescreve ao futuro médico A chamada formação médica pareceme um desvio trabalhoso para chegar à profissão analítica ela certamente dá ao analista muita coisa que lhe será indispensável mas também o sobrecarrega de coisas que ele nunca irá usar trazendo consigo o risco de que o seu interesse e a sua forma de pensar sejam desviados da percepção dos fenômenos psíquicos O conteúdo programático para o analista ainda precisa ser criado ele precisa abarcar tanto o conteúdo das Ciências Humanas o conteúdo psicológico históricocultural e sociológico quanto o anatômico biológico e históricoevolutivo Haverá aí tanto a ensinar que se justifica deixar de fora das aulas o que não tem relação direta com a atividade analítica e que como em todo outro curso poderá contribuir apenas indiretamente para educar o intelecto e a capacidade de observação É confortável retrucar a essa sugestão que não existem essas universidades analíticas que isso é uma exigência idealizada Sim é um ideal mas que pode ser realizado e precisa ser realizado Nossos institutos de ensino apesar de toda a sua insuficiência juvenil já são o início de tal realização Aos meus leitores não deve ter escapado que no que escrevi acima eu pressupus como óbvio algo que nas discussões ainda é fortemente controvertido Que a Psicanálise não é uma especialidade da Medicina Não vejo como se recusar a reconhecer isso A Psicanálise é parte da Psicologia e também não é Psicologia Médica no sentido antigo ou Psicologia dos processos patológicos mas Psicologia simplesmente e certamente não o todo da Psicologia mas sim o seu substrato talvez até o seu fundamento Não nos deixemos enganar pela possibilidade de utilizála para fins médicos até mesmo a eletricidade e os raiosX encontraram aplicação na Medicina mas a ciência de ambos é a Física Mesmo os argumentos históricos nada mudam em relação a esse vínculo Toda a doutrina da eletricidade parte de uma observação do preparado de músculos nervosos e nem por isso hoje se pensa em afirmar que ela é uma parte da Fisiologia Em relação à Psicanálise se argumenta que ela foi inventada por um médico em seu esforço para ajudar aos doentes Mas isso ao que parece é indiferente para o seu julgamento E 211 esse argumento de cunho histórico também é bastante perigoso Se formos continuálo poderíamos lembrar como desde o início foi antipática e até de rejeição ofensiva a reação da classe médica contra a análise daí poderíamos concluir que hoje tampouco ela teria direito à análise E realmente apesar de eu rejeitar essa conclusão ainda hoje não sei ao certo se o cortejo dos médicos em relação à Psicanálise do ponto de vista da teoria da libido remonta ao primeiro ou ao segundo dos subestágios de Abraham25 se aí se trata de uma tomada de posse com a intenção de destruição ou de preservação do objeto Para nos determos ainda mais um pouco no argumento histórico como se trata da minha pessoa posso esclarecer as minhas próprias razões àquele que se interessar Após 41 anos de atividade médica o meu autoconhecimento me diz que a rigor eu nunca fui um médico de verdade Torneime médico devido a um desvio que me foi imposto da minha intenção original e o triunfo da minha vida consiste no fato de que reencontrei o rumo inicial depois de um grande detour Nada me consta dos anos iniciais a respeito de uma necessidade de ajudar pessoas em sofrimento a minha disposição sádica não era muito forte assim sendo esse um de seus derivados ele não precisou se desenvolver Eu também nunca brinquei de médico a minha curiosidade infantil aparentemente trilhava outros caminhos Nos anos da juventude a necessidade de entender um pouco dos mistérios deste mundo e talvez contribuir um pouco para a sua solução tornouse dominante A inscrição na Faculdade de Medicina parecia ser o melhor caminho para tanto mas aí tentei sem sucesso a Zoologia e a Química até que sob influência de Brücke26 a maior autoridade que sobre mim influiu ativeme à Fisiologia que naquela época evidentemente se restringia de forma excessiva à Histologia Eu já tinha passado por todos os exames da Medicina sem no entanto interessar me por algo da área médica até que um alerta do admirado professor me dizia que diante da minha situação material precária eu deveria evitar uma carreira teórica Assim passei da Histologia do Sistema Nervoso à Neuropatologia e devido a novos estímulos dediqueime ao trabalho com as neuroses Mas acredito que a minha falha na disposição médica correta não tenha prejudicado muito os meus pacientes Pois o doente em nada se beneficia quando o interesse terapêutico do médico registra um excesso de afetividade Para ele é melhor que o médico trabalhe de modo frio e o mais 212 corretamente possível O relato acima certamente contribuiu pouco para esclarecer a questão da análise leiga Ele apenas devia reforçar a minha legitimação pessoal quando justamente eu defendo o valor próprio da Psicanálise e a sua independência da aplicação médica Mas aqui irão me retrucar que saber se a Psicanálise enquanto ciência é uma parte da Medicina ou da Psicologia é uma questão acadêmica e praticamente sem interesse algum O que estaria em jogo seria outra coisa justamente a utilização da análise para tratar doentes e na medida em que ela reivindica isso ela precisa aceitar ser acolhida na Medicina enquanto área de especialidade como por exemplo a Radiologia e se submeter às prescrições válidas para todos os métodos terapêuticos Eu reconheço isso confesso apenas quero evitar que a terapia sufoque a Ciência Infelizmente todas as comparações só funcionam até certo ponto pois chega um momento em que os dois elementos de comparação divergem O caso da análise é diferente daquele da Radiologia os físicos não precisam da pessoa doente para estudar as leis dos raiosX Mas a análise não dispõe de nenhum outro material além dos processos anímicos da pessoa ela só pode ser estudada na própria pessoa devido às condições especiais facilmente compreensíveis a pessoa neurótica constitui material muito mais rico em termos de aprendizado e muito mais acessível que a pessoa normal e se retirarmos esse material de alguém que queira aprender e aplicar a análise teremos reduzido amplamente suas possibilidades de formação Evidentemente está longe de mim exigir que o interesse do doente neurótico seja oferecido em sacrifício do interesse da instrução e da pesquisa científica Meu pequeno escrito sobre a questão da análise leiga se esforça em mostrar justamente que observando determinadas cautelas ambos os interesses podem ser coadunados e que essa solução por fim acaba prestando um serviço também ao interesse médico se entendido de forma correta Eu mesmo elenquei todas essas cautelas devo dizer que a discussão não acrescentou nada de novo nesse ponto quero ainda apontar que muitas vezes ela distribuiu os destaques de uma forma que não faz jus à realidade Tudo o que foi dito sobre a dificuldade do diagnóstico diferenciado a insegurança na avaliação dos sintomas físicos em muitos casos está correto ou seja aquilo que torna necessário o conhecimento médico ou a intervenção médica mas a quantidade de casos em que essas dúvidas nem sequer surgem e em que o médico não é necessário ainda é incomparavelmente maior Esses 213 casos possivelmente são desinteressantes do ponto de vista científico mas na vida eles têm um papel suficientemente importante para justificar a atividade do analista leigo que está totalmente apto a lidar com eles Há algum tempo eu analisei um colega que desenvolveu uma rejeição especialmente forte contra o fato de que alguém que não seja médico exerça uma atividade médica Eu pude dizer a ele nós estamos trabalhando há mais de três meses Em que momento da nossa análise eu me vi obrigado a recorrer aos meus conhecimentos médicos Ele confessou que não havia existido essa necessidade Também não tenho em alta conta o argumento de que o analista leigo por ter de estar pronto para consultar o médico não adquira autoridade junto ao doente e que não goze de um prestígio maior que o assistente de médico o massagista e assemelhados A analogia mais uma vez não é pertinente além disso o doente costuma conceder a autoridade de acordo com a sua transferência de sentimentos e a posse de um diploma de médico não o impressiona tanto quanto o médico quer crer O analista leigo profissional não terá dificuldade em criar a reputação que lhe é devida como um sacerdote profano27 weltlicher Seelsorger Aliás com a fórmula sacerdote profano poderíamos descrever a função que o analista médico ou leigo deve preencher diante do público Nossos amigos entre os clérigos protestantes e recentemente também católicos muitas vezes livram os seus fiéis de suas travas na vida na medida em que restabelecem a sua fé após terem oferecido a eles um pouco de esclarecimento analítico sobre os seus conflitos Nossos opositores da Psicologia Individual de Adler buscam a mesma transformação naqueles que perderam o prumo e se tornaram improdutivos na medida em que despertam o seu interesse pela comunidade social após terem iluminado um único ângulo de sua vida anímica e lhes mostrado qual a participação de suas moções de egoísmo e de desconfiança em seu estado de doença Ambos os procedimentos que devem a sua força ao seu apoio na análise encontram lugar na psicoterapia Nós analistas temos como objetivo uma análise a mais completa e profunda possível nós não queremos lhe tirar um peso através do acolhimento na comunidade católica protestante ou socialista mas queremos enriquecêlo a partir de seu próprio interior na medida em que emitimos as energias em direção ao seu Eu as quais encontramse amarradas e inacessíveis em seu inconsciente devido ao 214 recalque e também aquelas que o Eu precisa desperdiçar de modo infrutífero para manter os recalques Isso que vimos fazendo é cuidar de almas28 no melhor dos sentidos Será que estabelecemos objetivos altos demais com isso Será que a maioria dos nossos pacientes vale o esforço empenhado nesse trabalho Não seria mais econômico aparar o que está defeituoso a partir de fora em vez de reformar por dentro Não sei dizer mas sei de outra coisa Na Psicanálise desde o início havia uma associação entre curar e pesquisar e o conhecimento trazia o sucesso não se podia tratar sem experimentar algo novo não se obtinha esclarecimento sem vivenciar o seu efeito benéfico Nosso procedimento analítico é o único que mantém essa preciosa conjunção Só quando praticamos o cuidado analítico da alma aprofundamos nossa incipiente compreensão da vida anímica do ser humano Essa perspectiva de ganho científico constitui o traço mais nobre e feliz do trabalho analítico será que podemos sacrificálo em nome de considerações práticas quaisquer Algumas manifestações nessa discussão despertam em mim a suspeita de que o meu escrito sobre a questão da análise leiga foi sim mal compreendido em um ponto Os médicos são defendidos contra mim como se eu de forma generalizada os tivesse declarado incapacitados para o exercício da análise e tivesse lançado a divisa de que se deva evitar buscar ajuda médica Bom não foi essa a minha intenção Provavelmente tevese essa impressão pelo fato de eu ter declarado em minha apresentação de disposição polêmica que os analistas médicos sem formação específica seriam ainda mais perigosos que os leigos Eu poderia deixar clara a minha verdadeira opinião nessa questão copiando um cinismo que foi apresentado certa vez no Simplicissimus29 sobre as mulheres Nele um dos parceiros se queixava das fraquezas e dificuldades do sexo mais belo ao que o outro observou Mas a mulher é o melhor que temos desse gênero Confesso que enquanto ainda não existirem as escolas que desejamos para a formação de analistas as pessoas de formação médica são o melhor material para o futuro analista No entanto podemos exigir que não coloquem a sua préformação médica no lugar da formação específica que eles superem a unilateralidade favorecida pelo ensino médico e que resistam à tentação de flertar com a Endocrinologia e com o sistema nervoso autônomo quando se tratar de perceber fatos psicológicos através de concepções psicológicas auxiliares Da mesma forma compartilho da 215 expectativa de que todos os problemas que se referem às relações entre os fenômenos psíquicos e suas bases orgânicas anatômicas e químicas só possam ser enfrentados por pessoas que estudaram ambas as coisas ou seja por analistas médicos Mas não deveríamos nos esquecer de que isso não é tudo na Psicanálise e que para o seu outro lado nunca podemos prescindir da colaboração de pessoas que são formadas em Ciências Humanas Por razões práticas criamos o hábito também para as nossas publicações de separar uma análise médica das aplicações da análise Isso não é correto Na verdade o limite da separação corre entre a Psicanálise científica e as suas aplicações nas áreas médica e não médica A rejeição mais dura quanto à análise leiga é representada nessas discussões por nossos colegas norteamericanos Não considero supérfluo retrucarlhes com algumas observações Dificilmente seria um mau uso da análise para fins polêmicos eu expressar a opinião de que a sua resistência remonta unicamente a fatores práticos Eles observam que em seu país os analistas leigos cometem muitos absurdos e abusos com a análise e consequentemente prejudicam tanto os pacientes quanto a reputação da análise Então é compreensível que em sua indignação eles queiram ficar longe desses malfeitores irresponsáveis e queiram excluir os leigos de qualquer participação na análise Mas essa situação já é suficiente para diminuir a importância da sua postura Pois a questão da análise leiga não pode ser decidida unicamente segundo considerações práticas e as condições locais da América não podem ser os únicos parâmetros para nós A atitude dos norteamericanos30 contudo parece verse aberta a críticas do ponto de vista da conveniência Zweckmäßigkeit Colocamonos a questão sobre por que justamente da América viria o grande número de análises leigas prejudicais Até onde se pode julgar à tamanha distância muitos fatores cuja importância relativa não se consegue avaliar parecem aqui se coadunar Primeiramente devese supor que somente um pequeno número de médicos analistas foi bemsucedido em obter reconhecimento e exercer influência sobre decisões de seu público Nisso pode se reconhecer a culpa de muitos fatores a extensão do país a falta de uma organização coordenadora que se estenda de forma satisfatória para além das fronteiras de determinada cidade além disso o temor à autoridade dos norteamericanos sua tendência a exercer a independência pessoal nos poucos âmbitos ainda 216 não considerados como estabelecidos por uma pressão implacável da public opinion sic O mesmo traço norteamericano transferido da vida política para o empreendimento científico mostrase no próprio grupo de analistas pela determinação de ter de trocar de dirigente a cada novo ano de forma que com isso nenhuma liderança de fato que seria necessária nesses difíceis caminhos possa se constituir Ou então no comportamento de círculos científicos que por exemplo manifestam igual interesse por todas as variantes de teorias autoproclamadas psicanalíticas e com isso visam afirmar sua openmindedness sic O cético europeu não pode reprimir a suspeita de que o interesse em todos os casos não possa ser tão profundo e que por trás de tal imparcialidade escondase muito desprazer e incapacidade de julgamento Parece a todos de acordo com o que se ouve que camadas da população estão à mercê da exploração por parte de analistas leigos fraudulentos enquanto na Europa já estariam deles protegidas graças às suas próprias censuras Não saberia dizer que traço da mentalidade norteamericana mereceria a culpa por isso de onde vem a explicação para o fato de que pessoas cujo mais elevado ideal de vida é a efficiency o trabalho pela prosperidade na vida não levam em conta as mais simples precauções na escolha de um auxiliar para dirimir suas aflições Entretanto para fazermos justiça temos de convir que isso ao menos em parte diminui a culpa dos malfeitores Na rica América onde se obtém dinheiro facilmente com qualquer extravagância ainda não há locais onde médicos e não médicos possam aprender a Psicanálise Já a empobrecida Europa conta com três institutos de ensino financiados com meios privados em Berlim Viena e Londres Com isso só resta aos pobres ladrões buscar o pouco de conhecimento necessário à formação numa lastimável apresentação popular da análise elaborada por algum de seus compatriotas Os bons livros em inglês lhes são muito difíceis os em alemão inacessíveis Algumas dessas pessoas depois de passarem anos numa existência de piratas Piratenexistenz e de terem com isso obtido alguma coisa vão para a Europa com escrúpulos de consciência tardios para a posteriori legitimarem sua relação com a Psicanálise para se tornarem honestos e aprenderem alguma coisa Nossos colegas norteamericanos geralmente nos admoestam por não recusarmos esses hóspedes Mas eles também rejeitam aqueles leigos que mesmo sem ter feito o mau 217 uso prévio da análise procuram uma formação em nossos institutos de ensino e criticam duramente a precariedade do conhecimento obtido com o qual retornam para a América Se eles têm razão nesse ponto não nos cabe a responsabilidade mas isso seria consequência de duas particularidades bastante conhecidas da essência do norteamericano que nos bastaria aqui aludir Primeiramente é indiscutível que o nível de formação geral bem como o de capacidade de assimilação intelectual mesmo em pessoas que visitaram um college norteamericano é bem mais baixo que o de um europeu Quem não acredita nisso ou toma isso por maledicência deve se remeter a observadores norteamericanos honestos lendo sobre exemplos em Martin The Behavior of Crowds O comportamento de massa Em segundo lugar só confirmamos o ditado ao lembrar que os norteamericanos nunca têm tempo Por certo time is money tempo é dinheiro mas não se pode entender por que ele tempo precisa ser convertido em dinheiro com tanta pressa Ele manteria igualmente o seu valor monetário mesmo se agíssemos com mais morosidade e se deveria imaginar que quanto mais tempo fosse investido mais dinheiro se obteria no final Em nossas terras alpinas há um cumprimento para quando duas pessoas se encontram tome seu tempo Zeit lassen Nós já muito escarnecemos essa formulação mas diante da pressa norteamericana aprendemos a reconhecer a grande sabedoria de vida que nela se encerra De todo modo o norteamericano não tem tempo Ele se compraz com os grandes números pelo aumento de todas as dimensões e em contrapartida pelo encurtamento do tempo dispendido pela obtenção de algo Creio que chama isso de recorde Ele deseja aprender a análise em três ou quatro meses e naturalmente que um tratamento analítico também não deveria durar mais do que isso Um analista europeu Otto Rank também se submeteu a essa ânsia norteamericana por abreviamento adequando a ela sua técnica que consiste na abreação do trauma do nascimento e buscou dar ao seu procedimento no âmbito da Psicologia Genética uma fundamentação teórica Estamos acostumados ao fato de que cada necessidade prática produza sua correspondente ideologia Mas os decursos entre consciente e inconsciente têm suas próprias condições temporais que não condizem bem com as exigências norte americanas Não é possível transformar no intervalo de três ou quatro meses em um analista eficiente alguém que até então não tinha qualquer entendimento sobre análise e menos ainda seria possível conduzir o 218 neurótico às mudanças que deveriam lhe restituir as capacidades perdidas de trabalhar e de fruir verlorene Arbeits und Genußfähigkeiten31 O norte americano também nada obtém em nossos institutos de ensino pois permanece geralmente muito pouco tempo neles Aliás ouvi dizer de certos leigos norteamericanos que fizeram toda a formação de dois anos de duração em nossos institutos de ensino que tal duração de curso também é requerida de analistas médicos mas nunca soube de nenhum médico norteamericano que tivesse dispendido tanto tempo em formação Não devo corrigirme conheço uma exceção tratase de uma médica norteamericana que entretanto jamais exerceu o ofício médico Ouso agora apontar para um outro fator sem o qual não se pode entender a situação norteamericana O SuperEu norteamericano parece em muito diminuir a sua severidade em relação ao Eu quando se trata do interesse pelo lucro Mas talvez o leitor ache agora que eu externei muitas maldades sobre aquele país diante do qual nas últimas décadas aprendemos a nos curvar Paro por aqui A resolução dos nossos colegas norteamericanos contra os analistas leigos guiada essencialmente por motivos práticos pareceme pouco prática pois ela não pode modificar um dos momentos que dominam a situação Ela tem mais ou menos o valor de uma tentativa de recalque Se não se pode impedir os analistas leigos em sua atividade se não se tem o apoio do público na luta contra eles não seria melhor levar em consideração o fato de sua existência oferecendolhes oportunidades de formação ganhando influência sobre eles mostrandolhes a possibilidade de aprovação da classe médica e do recurso ao trabalho colaborativo como motivação de modo que eles tenham interesse em melhorar o seu nível ético e intelectual 219 POSTSCRIPTUM 193532 Este ensaio foi redigido em 1926 e apresentado em 1927 aos leitores norteamericanos aos cuidados da editora Brentano Como agora colocouse a demanda de sua reedição reviseio cuidadosamente e achei que ele pode permanecer como está que não necessita nem comporta modificações profundas O amigável leitor deve rejeitar alguns detalhes por não serem mais atuais Uma assimilação à situação existente no Reich Alemão não mais é desejada entre nós na Áustria a expectativa que aliás nunca pode ser levada a sério de que a generosidade norteamericana fosse resolver a questão dos cuidados anímicos Seelsorge no sentido psicanalítico não resistiria ao declínio da prosperity sic norteamericana No mais acredito que algumas poucas observações devem bastar para trazer a apresentação ao nível de nosso entendimento atual O escrito A questão da análise leiga foi um verdadeiro trabalho de ocasião Ocorreu em Viena que um de nossos colaboradores um homem habilidoso e digno de confiança não médico mas Doctor Philosophiae Dr phil foi erroneamente acusado por um paciente psicopático de que ele teria usurpado da qualificação médica para têlo sob tratamento A lei austríaca relativa ao charlatanismo é severa tememos então que esse precedente fosse dar aos órgãos competentes o ensejo para proibir irrestritamente o exercício da Psicanálise por não médicos A pessoa imparcial referida em meu pequeno livro existiu de fato e hoje ainda vive Ele é uma personalidade influente em nosso campo profissional para quem redigi um parecer sobre o tema ocasionado Não sei se meus argumentos causaram grande impressão contudo a análise leiga na Áustria permaneceu sem ser proibida O ensaio que se originou desse parecer não teve um destino amigável É um dos poucos entre meus escritos que não obteve uma segunda edição em alemão que raramente foi traduzido e que praticamente nunca é citado Acredito que esse tratamento foi injusto O escrito é bom e merece o juízo de 220 reconhecimento que meu agora falecido amigo Ferenczi externou em sua Introduction sic a ele Mas novamente empreendi a luta contra o preconceito censurei duramente a conduta da corporação médica da qual eu mesmo faço parte há mais de 50 anos e isso não pode ao menos de imediato ter tido consequência distinta 221 DR REIK E O CHARLATANISMO 192633 Prezada redação Num artigo de seu jornal datado de 15 de dezembro que abordava o caso de meu aluno o Dr Theodor Reik e mais precisamente num parágrafo intitulado Comunicação advindas de círculos de psicanalistas encontrase uma passagem sobre a qual gostaria de emitir certas observações retificadoras Ali consta que nos últimos anos ele Freud se convenceu de que o Dr Reik que ganhou reconhecimento público através de seus trabalhos filosóficos e psicológicos possui um dom muito mais elevado para a Psicanálise do que médicos que se dizem seguidores da Escola Freudiana e que somente a ele e a sua própria filha Anna que se revelou especialmente capacitada para a difícil técnica analítica confia os casos mais difíceis Acredito que o Dr Reik seria o primeiro a recusar tal motivação para nossas relações Mas procede a informação de que tomo em consideração sua competência para lidar com casos especialmente difíceis somente contudo aqueles cujos sintomas se situam longe do domínio corporal Jamais deixei de dizer a um paciente que ele não é médico e sim psicólogo Minha filha Anna voltouse para a análise pedagógica de crianças e adolescentes Nunca ainda lhe confiei um caso de afecção neurótica severa em adultos O único caso de doença com sintomas limítrofes ao psiquiátrico que ela tratou até o presente momento mereceu aprovação médica dado o seu pleno sucesso ANÚNCIO DE UMA PUBLICAÇÃO SOBRE A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA Eu aproveito esta ocasião para comunicar que acabo de enviar para a impressão um breve escrito sobre A questão da análise leiga Nele procuro demonstrar o que é uma psicanálise o que ela demanda do psicanalista considero ali relações nada simples entre Psicanálise e Medicina e após essa 222 apresentação que há grandes reservas a serem feitas contra uma aplicação mecânica do parágrafo que concerne aos charlatães no caso do analista formado em nossa escola Como abandonei minha clínica vienense e restringi minha atividade ao tratamento de um pequeno número de estrangeiros espero não atrair com isso uma acusação de propaganda contra a própria profissão Com protestos de elevada estima e consideração Seu Professor Freud 223 Die Frage der Laienanalyse Unterredungen mit einem Unparteiischen 1926 1926 Primeira publicação Internationaler psychoanalytischer Verlag 1928 Gesammelte Schriften t XI p 307384 1948 Gesammelte Werke t XIV p 209296 Para as passagens não incluídas na edição alemã da Gesammelte Werke 1993 GRUBRICHSIMITIS I Zurück zu Freuds Texten Frankfurt am Main Fischer Verlag 1993 p 226229 294295 297302 1994 Œuvres complètes de Freud Paris PUF 1994 Dr Reik und die Kurpfuscherei 1926 Primeira publicação Neue Freie Presse 18 de julho 1987 Gesammelte Werke Nachtragsband p 715717 Este texto construído em forma de diálogo constitui talvez um dos mais importantes escritos técnicos freudianos após a reformulação da doutrina das pulsões e da teoria do aparelho psíquico no início da década de 1920 Tratase contudo de um texto de intervenção um documento vivo de como Freud respondia ao contexto político de seu tempo Sua motivação mais imediata remonta a um processo que acusava Theodor Reik 18881969 membro da Sociedade Psicanalítica de Viena de charlatanismo na medida em que este exercia a Psicanálise sem ser diplomado em Medicina A discussão acerca da análise leiga isto é a análise exercida por não médicos remonta a pelo menos dois anos antes Conforme carta a Abraham de novembro de 1924 o fisiologista Arnold Durig que era membro do Conselho Superior de Saúde da cidade de Viena havia solicitado a Freud um parecer acerca da prática da análise por leigos A despeito de sua interlocução com Durig que muito provavelmente inspirou a pessoa imparcial do diálogo o município de Viena proibiria Reik de exercer a Psicanálise em resolução datada de 24 de fevereiro de 1925 Logo em seguida Freud escreveria também a Julius Tandler outro conselheiro pedindo que ele reconsiderasse a decisão Freud redige seu artigo no verão de 1926 Um ano depois escreve o Posfácio com o intuito de concluir uma acalorada discussão acerca do tema que teve lugar no X Congresso Internacional de Psicanálise ocorrido em Innsbruck organizado por Jones e Eitingon e que contou com as colaborações dos mais renomados psicanalistas à época O contexto era efervescente Na primavera de 1925 um paciente psicótico norteamericano Newton Murphy que também era médico procura Freud para uma análise mas é encaminhado justamente a Reik Pouco depois Murphy entra com uma queixa contra Reik Por seu turno Wilhelm Stekel dissidente do movimento analítico orquestrara uma campanha contra a análise leiga interpelando a Sociedade Psicanalítica de Viena Aos praticantes de Psicanálise da Policlínica de Viena foi exigido o diploma médico Entre julho e setembro de 1926 a imprensa vienense repercutiu esse debate dedicando manchetes e artigos particularmente na Neue Freie Presse No domingo 18 de julho de 1926 Freud publica um artigo defendendo Reik acrescentando que outro exemplo de sucesso analítico de um praticante não médico era o de sua própria filha Anna Freud O processo contra Reik só seria concluído favoravelmente a ele em maio de 1927 A repercussão desse escrito foi imediata e dividiu a comunidade psicanalítica internacional Tornouse um marco acerca da questão da formação do analista Alguns nomes importantes como Jones Sadger e Deutsch advogaram contra a posição de Freud e insistiram na necessidade da formação 224 médica do psicanalista Jones escreveu uma resenha do texto publicada em 1927 e debateu o assunto em sua correspondência com Freud A questão foi particularmente dramática nos Estados Unidos onde a formação médica foi unanimemente exigida culminando com a expulsão dos analistas não médicos em Nova York O Posfácio 1927 escrito por Freud é veemente Jones e Eitingon suprimiram com o aval de Freud três páginas de texto especialmente acres em relação à assimilação norteamericana da Psicanálise A íntegra do texto reproduzida aqui foi restituída por Ilse GrubrichSimitis em 1993 Além disso acrescentamos aqui a tradução de um manuscrito de Freud intitulado Postscriptum 1935 Esse texto assim como algumas notas de rodapé foi escrito por Freud para uma nova edição norteamericana preparada por Norton um editor novaiorquino que infelizmente abandonou o projeto Todo esse material inédito foi descoberto por Ilse GrubrichSimitis Ao final julgamos pertinente publicar ainda uma carta de Freud sobre o charlatanismo Dr Reik e o charlatanismo publicada no dia 18 de julho de 1926 na Neue Freie Presse NOTAS 1 O termo em alemão não remete tanto à noção de alguém que use de um falso diploma ou de falsidade ideológica como no caso do vocábulo português mas sobretudo à clandestinidade ou falta de capacitação legal NR 2 SHAKESPEARE W Hamlet ato II cena 2 Words words words Na tradução de Millôr Fernandes em que o protagonista conversa com Polônio o Lord camarista NT 3 Ver GOETHE J W Fausto cena 4 Conversa entre Mefistófeles e o estudante Mit Worten läßt sich trefflich streiten NR 4 No final de seu Totem e tabu Freud cita o verso No começo era o ato Im Anfang war die Tat Cf GOETHE Fausto v 1237 NE 5 Johann Nestroy 18011862 NE 6 Referência ao autor Hans Vaihinger que publicou o livro Die Philosophie des Als ob A filosofia do como se obra duramente criticada por Freud em Die Zukunft einer Illusion O futuro de uma ilusão ensaio que Freud via de modo complementar a este A questão da análise leiga Em carta a Oskar Pfister de 1933 Freud afirma que escreveu Die Frage der Laienanalyse para defender a Psicanálise dos médicos e Die Zukunft einer Illusion para defendêla dos sacerdotes NR 7 Crítica de Freud à célebre tradução de Ernest Jones para essas instâncias que utiliza não exatamente o 225 grego mas outra língua clássica igualmente morta o latim Mesmo na língua portuguesa há quem prefira traduzir os tais pronomes retos Ich e Es Eu e Isso por Ego ou Id respectivamente Essa desaprovação é confirmada em nota de Freud de 1935 inserida ao final deste texto NR 8 Isso foi mais forte que eu grifo nosso Percebase o quanto Freud se apoia em palavras e expressões cotidianas para elaborar suas teorias de forma compreensível e acessível ao leigo NR 9 Freud se refere aqui a Friedrich Schiller aludindo ao poema Die Weltweisen NR 10 Interessante perceber como Freud antecipa toda a incessante discussão sobre a procura por um termo tão comum e cotidiano para a tradução de Trieb em outras línguas europeias modernas NR 11 Ver por exemplo Neurose e psicose e A perda da realidade na neurose e na psicose ambos de 1924 no volume Neurose psicose perversão NE 12 Provável alusão a Tolstói em consonância com uma passagem semelhante em Observações sobre o amor transferencial neste volume p 168 NE 13 Clara referência de Freud a dois seguidores seus que posteriormente se tornaram dissidentes e fundadores de novas escolas de pensamento sobre o psiquismo Tratase respectivamente de Carl Gustav Jung e Alfred Adler NR 14 Em outras notas desta mesma coleção advertimos o leitor quanto à polissemia do vocábulo Angst podendo significar medo ansiedade ou angústia e de como há uma certa tendência de Freud em usálo teoricamente no sentido de angústia Entretanto o contexto aqui deixa claro ser o caso de medo do temor de que o pai cumpra com uma ameaça NR 15 Continente escuro ou negro ou obscuro em inglês no original Alusão à expressão popularizada pelo bestseller da literatura colonial Through the Dark Continent publicado pelo explorador Henry Morton Stanley Londres 1878 O emprego dessa metáfora por Freud fez correr muita tinta críticos viram nela o vestígio de um discurso faloeurocentrista defensores perceberam nessa alusão a uma alteridade radical reduplicada e metaforizada a constatação dos limites daquele próprio discurso e um ponto de inflexão para sua superação NE 16 Referência à Odisseia de Homero representando criaturas marinhas Estar entre um turbilhão 226 Caríbdis e um rochedo Cila na região do estreito de Messina perigosos para a navegação ou se fugia do turbilhão ou se batia no rochedo Corresponde a um dilema algo como estar entre a cruz e a espada NR 17 Referência ao herói da história suíça Guilherme Wilhelm Tell Citase aqui um trecho da fala de Tell na peça de Schiller Wilhelm Tell ato III cena I NT 18 Digno de nota que no alemão não se confunda a Consciência Bewusstsein clássico objeto da ciência psicológica e aquilo que Freud contrapõe ao Inconsciente das Unbewusste com a consciência enquanto senso moral Gewissen NR 19 Ver nota anterior NR 20 Alusão a Joseph Breuer médico de Anna O e coautor com Freud do célebre Estudos sobre a histeria 1895 NE 21 Conjunto de crenças do movimento religioso fundado por Mary Baker Eddy 18211910 nos Estados Unidos No livro de referência desse movimento Science and Health 1875 Eddy propõe que a doença é uma ilusão que pode ser curada apenas pela oração NE 22 Citação do rei Frederico II da Prússia que respondendo a uma consulta sobre a eliminação das escolas católicas em seu reino advogava liberdade religiosa para que cada um pudesse ser felizbem aventurado selig à sua maneira Nach seiner Façon selig werden no facsímile muss ein jeder nach seiner Faßon Selich werden NT 23 Literalmente Ciências no Espírito ou da Mente que na tradição alemã desde Dilthey opõemse às Ciências da Natureza Naturwissenschaften O paradigma se aproxima da nossa oposição dicotômica Ciências Humanas Ciências Exatas mas com algumas diferenças fundamentais NR 24 Freud alude à circunstância de que este posfácio foi publicado no final de um debate organizado pela Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse no verão de 1927 nos cadernos 2 e 3 do ano XIII sobre a questão da análise leiga NE 25 Referência às teorias propostas por Karl Abraham quanto aos dois subestágios da fase analsádica NR 227 26 Ernst Wilhelm von Brücke Berlim 1819Viena 1892 Psiquiatra e psicólogo alemão professor de Freud na Universidade de Viena NR 27 Fórmula de difícil e ambígua tradução O adjetivo weltlich está relacionado ao substantivo Welt mundo Logo poderia ter uma tradução mais literal em mundano Seelsorger é uma composição entre cuidador Sorger e alma Seele Entretanto fica claro aqui o efeito paradoxal que Freud emprega entre algo que se aproxima em suas origens e ao mesmo tempo se distingue radicalmente dos cuidados de um sacerdote NR 28 Novamente aqui vale lembrar que em alemão Seele alma mantém tanto os sentidos místico e religioso quanto os científico e filosófico ainda que em português tendamos mais a reduzir o correlato alma ao primeiro desses âmbitos NR 29 Revista satírica semanal alemã editada em Munique que circulou entre 1896 e 1967 NR 30 Essa longa passagem entre colchetes foi excluída da edição da Gesammelte Werke assim como das demais edições completas das obras de Freud Seguimos aqui o modelo editorial proposto por Jean Laplanche em sua edição das Œuvres complètes de Freud NE 31 Uma versão mais abrangente dessa diretriz pode ser encontrada em O método psicanalítico freudiano Neste volume nota de fim n 7 p 61 NE 32 Este PostScriptum foi redigido para uma edição norteamericana do ensaio que acabou não vindo à luz Ver nota editorial supra NE 33 Publicada no dia 18 de julho de 1926 no jornal Neue Freie Presse NE 228 A ANÁLISE FINITA E A INFINITA 1937 I A experiência tem nos ensinado que a terapia psicanalítica a libertação de uma pessoa de seus sintomas neuróticos suas travas e anormalidades de caráter é um trabalho de longo prazo Por isso desde o início foram realizadas tentativas de reduzir a duração das análises Tais esforços não necessitavam de justificativa pois podiam se reportar às motivações mais compreensíveis e adequadas Mas provavelmente havia neles ainda um resquício do tal desdém impaciente com que num período mais antigo da Medicina viamse as neuroses ou seja como decorrências supérfluas de danos invisíveis Se agora foi necessário ocuparse delas queriase que isso fosse feito no menor tempo possível Uma tentativa bastante enérgica nesse sentido foi feita por Otto Rank dando sequência ao seu livro O trauma do nascimento 1924 Ele supunha que o ato do nascimento fosse a verdadeira fonte da neurose na medida em que ele coloca a possibilidade de que a fixação primordial Urfixierung na mãe nunca seja superada e continua existindo como recalque primordial Urverdrängung A partir da resolução analítica posterior desse trauma primordial Rank esperava eliminar toda a neurose de modo que esse pedacinho único de análise economizasse todo o trabalho analítico restante Alguns poucos meses deveriam ser suficientes para esse trabalho Não se pode negar que esse raciocínio de Rank foi espirituoso e ousado mas ele não resistiu a uma análise crítica Aliás a tentativa de Rank nasceu em uma época que vivia sob a impressão do contraste entre a miséria europeia do pósguerra e a prosperity norte americana sendo concebida e destinada a adequar a velocidade da terapia analítica à pressa da vida norteamericana Não ficamos sabendo que contribuição a execução do plano de Rank trouxe para os casos de doenças Provavelmente não mais do que os bombeiros poderiam ter contribuído se no caso de um incêndio residencial provocado por uma lamparina caída se 229 satisfizessem em tirar a lamparina do recinto em que o incêndio começou É bem verdade que assim se atingiria uma considerável redução no tempo de extinção do fogo A teoria e a prática do experimento de Rank hoje são coisa do passado assim como a própria prosperity norteamericana Eu mesmo antes da guerra ainda trilhei um outro caminho para acelerar o decurso de um tratamento analítico Na época assumi o tratamento de um jovem russo1 que mimado pela riqueza tinha vindo a Viena em total desamparo acompanhado de seu médico particular e de seu cuidadorxxxvi Ao longo de alguns anos consegui restituir a ele boa parte de sua autonomia pude despertar o seu interesse pela vida colocar em ordem as suas relações com as pessoas mais importantes para ele mas então o progresso estagnou o esclarecimento da neurose de infância que era a base da doença posterior não continuou e se reconhecia claramente que o paciente considerava o seu estado muito agradável naquele estágio não querendo dar mais nenhum passo que o aproximasse do fim do tratamento Era um caso de autoinibição do tratamento ele corria perigo de fracassar justamente a partir de seu sucesso parcial Nessa situação recorri ao meio heroico do estabelecimento de um prazo fixo Terminsetzung Ao início de uma temporada de trabalho esclareci ao paciente que aquele ano seria o último do tratamento independentemente dos progressos que ele viesse a registrar no tempo ainda restante De início ele não acreditou em mim mas depois de ter se convencido da seriedade irredutível do meu propósito ocorreu a sua desejada transformação Suas resistências enfraqueceram e naqueles últimos meses ele conseguiu reproduzir todas as lembranças e encontrar todas as relações que pareciam necessárias para que compreendesse a sua neurose antiga e dominasse a atual Quando ele se despediu de mim em pleno verão de 1914 sem saber como de resto nós todos que acontecimentos estavam por vir considereio curado profunda e duradouramente Em um acréscimo à sua história clínica2 1923 já relatei que aquilo não se mostrou correto Quando o paciente perto do fim da guerra retornou a Viena como fugitivo sem quaisquer recursos tive de ajudálo a dominar uma parte não resolvida da transferência depois de alguns meses isso funcionou e consegui fechar o acréscimo ao texto com a comunicação de que o paciente de quem a guerra tinha tomado a pátria o patrimônio e todas as relações familiares desde então se sentia normal e se portava de forma exemplar A 230 década e meia que se passou desde então não exatamente me fez pagar com a língua por esse veredito mas me obrigou a nele fazer restrições O paciente permaneceu em Viena firmandose em uma posição social ainda que modesta Mas várias vezes durante esse período ele foi acometido por episódios de doença que só podiam ser interpretados como estertores de sua neurose de vida Lebensneurose A habilidade de uma de minhas alunas Dra Ruth Mack Brunswick conseguiu a cada vez e após um breve tratamento pôr fim a esses estados espero que em breve ela própria relate essas experiências Em alguns desses ataques ainda se tratava de resquícios da transferência nessa ocasião eles evidenciavam apesar de sua brevidade seu caráter paranoico Em outros porém o material patogênico era composto de fragmentos da história de sua infância que durante a análise comigo não tinham vindo à tona e que agora não podemos nos esquivar da comparação se desvencilhavam tal como a linha cirúrgica após uma operação ou como pedacinhos de ossos necrosados Eu não considerava a história da cura desse paciente menos interessante do que a história de sua doença Posteriormente também recorri ao estabelecimento de prazos fixos em outros casos e também tomei em consideração as experiências de outros analistas O juízo sobre o valor dessa medida de coação é indubitável Ela é eficaz desde que se encontre o tempo certo para ela Mas ela não tem como garantir a consecução completa da tarefa Ao contrário podemos estar certos de que enquanto uma parte do material se torna acessível sob a pressão Zwang da ameaça outra parte permanece reclusa e com isso é soterrada e se perde para o esforço terapêutico Lembremos que não se pode estender o prazo depois de ele ter sido fixado do contrário se perderá toda a credibilidade para a sequência do tratamento A continuidade da terapia com outro analista seria a próxima saída evidentemente sabemos que uma tal mudança significa nova perda de tempo e abdicação dos frutos do trabalho realizado Também não podemos afirmar com ares de validade geral qual é o momento certo para aplicar esse recurso técnico agressivo fica a cargo do tato Um erro de procedimento não poderá mais ser consertado O ditado popular que afirma que o leão só salta uma vez está certo II As considerações sobre o problema técnico de como acelerar o decurso 231 lento de uma análise nos levam agora a outra questão de profundo interesse a saber se há um término natural de uma análise ou se é possível levar uma análise até tal término O uso linguístico corrente entre analistas parece favorecer tal pressuposto pois muitas vezes ouvimos eles se lamentarem ou se desculparem por terem reconhecido um ser humano em sua incompletude ele não foi analisado até o fim Em primeiro lugar precisamos entrar em acordo sobre o que se entende pelo termo polissêmico fim de análise Na prática é fácil determinar isso A análise termina quando analista e paciente não mais se encontram para o trabalho analítico Eles assim agirão quando duas condições forem cumpridas aproximadamente a primeira o fato de o paciente não sofrer mais com os sintomas e ter superado as suas angústias e suas inibições a segunda o fato de o analista julgar que tantas coisas recalcadas se tornaram conscientes para o paciente tantas coisas incompreensíveis foram esclarecidas tantas resistências interiores foram vencidas que não se precisa temer a repetição dos processos patológicos a elas relacionados Se dificuldades externas impediram que se atingisse esse objetivo é melhor falar em uma análise incompleta do que em uma análise inconclusa O outro sentido do fim de uma análise é muito mais ambicioso Pergunta se em seu nome se o influenciamento do paciente foi levado a tal ponto que uma continuidade da análise não pode prometer nenhuma outra mudança Ou seja como se através da análise pudéssemos atingir um nível de normalidade psíquica absoluta ao qual também pudéssemos confiar a capacidade de se manter estável por exemplo se tivesse dado certo dissolver todos os recalques que apareceram e preencher todas as lacunas da memória Primeiramente perguntaremos à experiência se algo assim de fato acontece para depois perguntarmos à teoria se isso é possível Todo analista tratou de certos casos com um tal final satisfatório Ele conseguiu eliminar o distúrbio neurótico existente que não retornou e não foi substituído por nenhum outro distúrbio E é claro que se conhecem as condições desses sucessos O Eu dos pacientes não mudou de forma evidente e a etiologia do distúrbio era essencialmente traumática A etiologia de todos os distúrbios neuróticos é mesclada tratase ou de pulsões excessivamente fortes ou seja que se rebelam contra a domação Bändigung pelo Eu ou do efeito de traumas precoces isto é que ocorreram antes do tempo dos quais um Eu imaturo não conseguiu se apoderar Em geral tratase de um efeito 232 conjunto dos dois momentos o constitucional e o acidental Quanto mais forte for o primeiro mais provavelmente um trauma levará à fixação e deixará um distúrbio evolutivo como resquício quanto mais forte for o trauma maior será a certeza de que ele expressará a sua lesão Schädigung mesmo em condições pulsionais normais Não resta dúvida de que a etiologia traumática oferece a oportunidade mais vantajosa de todas à análise Apenas no caso eminentemente traumático a análise fará o que sabe fazer com maestria substituir a resolução insuficiente dos primeiros tempos graças ao fortalecimento do Eu por uma consecução correta Só em um caso desse tipo podese falar em uma análise definitivamente encerrada Aqui a análise desempenhou o seu papel e não precisa ser continuada Se o paciente restabelecido nunca mais produzir um distúrbio a ponto de precisar ser analisado evidentemente não saberemos quanto dessa imunidade se deve ao mérito do destino que pode têlo poupado de provações excessivas A força pulsional constitucional e a alteração desfavorável do Eu adquirida na luta defensiva no sentido de uma distorção e limitação são os fatores que prejudicam o efeito da análise e que podem prolongar a sua duração até o inconclusível Somos tentados a responsabilizar a primeira a força pulsional também pela formação da outra a alteração do Eu mas parece que esta também possui a sua própria etiologia e na verdade precisamos admitir que essas condições ainda não são suficientemente conhecidas Só agora elas estão começando a ser objeto dos estudos analíticos O interesse dos analistas nessa área pareceme não estar corretamente direcionado Em vez de analisarem como a cura se dá através da análise o que julgo suficientemente esclarecido a questão devia ser sobre quais obstáculos impedem a cura analítica Quero aqui abordar dois problemas que resultam diretamente da prática analítica como mostrarão os exemplos a seguir Um homem que ele próprio exerceu a análise com grande sucesso3 julga que a sua relação tanto com homens quanto com mulheres com os homens que são seus concorrentes e com a mulher que ele ama não está livre afinal de obstáculos neuróticos e por isso ele se torna o objeto analítico de um outro que ele acredita ser superior a ele A radiografia crítica de sua própria pessoa mostra seu pleno sucesso Ele se casou com a mulher amada e se transformou em amigo e professor dos supostos rivais Passamse muitos anos nessa situação em que 233 também a relação com o antigo analista permanece inalterada Então sem motivo externo comprovável surge um transtorno O analisado entra em confronto com o analista e o acusa de não ter lhe dado uma análise completa Ele deveria saber e ter considerado que uma relação de transferência nunca pode ser apenas positiva ele deveria ter se preocupado com as possibilidades de uma transferência negativa O analista afirma que à época da análise nada evidenciava uma transferência negativa Entretanto mesmo supondo que ele não tivesse atentado para os mais tênues traços de uma tal transferência negativa o que não é de todo descartável diante da estreiteza dos horizontes naqueles primórdios da análise continuaria questionável se ele teria o poder de ativar um tema ou como se diz um complexo através da simples menção enquanto no próprio paciente ainda não era algo atual Para tanto certamente seria necessária uma ação antipática no sentido real em relação ao paciente Além disso nem toda boa relação entre analista e analisado durante e após a análise deve ser avaliada como transferência Também há relações de amizade que possuem fundamentação real e que se revelam como vivenciáveis Já acrescento também o segundo exemplo a partir do qual surge o mesmo problema Uma menina mais velha foi desconectada da vida desde a puberdade devido à incapacidade de andar por sentir fortes dores nas pernas esse estado ao que parece é de natureza histérica e resistiu a diversos tratamentos um tratamento de nove meses o eliminou devolvendo a uma pessoa valiosa e produtiva seus direitos a uma parte da vida Os anos após a cura nada trouxeram de bom catástrofes na família perda de patrimônio com o avançar da idade a perda de qualquer perspectiva de felicidade no amor e de casamento Mas a exdoente resiste a tudo isso com tenacidade servindo de apoio para os seus em tempos difíceis Não me lembro mais se foi após 12 ou 14 anos do final do tratamento que sangramentos profusos fizeram necessário um exame ginecológico Encontrouse um mioma que justificava a extirpação total do útero A partir dessa operação a moça voltou a ficar doente Apaixonouse pelo médico que a operou divagava em meio a fantasias masoquistas sobre as terríveis transformações em seu interior com as quais encobria o seu romance e amor mostrouse inacessível para uma nova tentativa analítica e até o fim da vida nunca mais voltou a ser normal O tratamento bemsucedido ficou tão longe no passado que não se pode exigir demais dela isso passouse nos meus primeiros anos de atividade analítica 234 Mas é bem possível que a segunda doença se originasse da mesma raiz que a primeira que fora superada com sucesso ou seja que ela fosse uma expressão modificada das mesmas moções recalcadas que na análise só foram resolvidas de forma incompleta Mas quero crer que sem o novo trauma não teríamos uma nova irrupção da neurose Esses dois casos escolhidos intencionalmente em meio a uma grande quantidade de casos semelhantes serão suficientes para desencadear a discussão sobre os nossos temas Céticos otimistas ambiciosos os utilizarão de modo muito diferente Os primeiros dirão que agora está comprovado que mesmo um tratamento analítico bemsucedido não protege o paciente originalmente curado de sucumbir a uma outra neurose e mesmo a uma neurose da mesma raiz pulsional ou seja adoecer de um retorno do velho sofrimento Os segundos dirão que essa comprovação não foi feita Eles contraporão o argumento de que as duas experiências são dos primórdios da análise de 20 ou 30 anos atrás Desde então os nossos conhecimentos se aprofundaram e ampliaram a nossa técnica se modificou adaptandose aos novos avanços Hoje poderíamos exigir e esperar que uma cura analítica se consolidasse como duradoura ou pelo menos que uma nova doença não mostre ser um reavivamento do antigo distúrbio pulsional com novas formas de expressão A experiência não nos obrigaria a delimitar de modo tão sensível os nossos anseios em relação à terapia Evidentemente escolhi as duas observações porque estão longe no passado Quanto mais recente for um sucesso no tratamento mais ele se tornará aqui improdutivo e isso é compreensível para as nossas considerações já que não dispomos de nenhum recurso para prever o destino de uma cura As expectativas dos otimistas aparentemente pressupõem muitas coisas que não são óbvias primeiro ser possível eliminar um conflito pulsional ou melhor um conflito entre o Eu e uma pulsão definitivamente para todo o sempre segundo poder ser possível digamos vacinar uma pessoa contra todas as outras possibilidades de conflito enquanto tratamos desse conflito pulsional específico terceiro que temos o poder de despertar um tal conflito patogênico que no momento não se manifesta por qualquer sinal objetivando um tratamento profilático e que essa seria uma atitude sábia Levanto essas questões sem querer respondêlas neste momento Talvez uma resposta segura atualmente sequer seja possível Considerações teóricas talvez nos permitam contribuir de alguma forma 235 para que certas coisas sejam levadas a sério Mas há outra coisa que já agora ficou clara o caminho para realizar os anseios aumentados em relação ao tratamento analítico não leva à abreviação de sua duração ou não passa por ela III A experiência analítica que já se estende por várias décadas e uma mudança no modo de exercer minha atividade me encorajam a tentar responder àquelas perguntas levantadas Em tempos passados eu lidava com um número maior de pacientes que como era compreensível faziam pressão para ter uma resolução rápida nos últimos anos predominam as análises didáticas e um número comparativamente menor de pacientes com sofrimentos graves continuou comigo para um tratamento continuado mesmo que interrompido por intervalos breves ou mais longos Com esses últimos o objetivo terapêutico tinha mudado Uma abreviação do tratamento não se cogitava mais a intenção era provocar um esgotamento profundo das possibilidades de doenças e uma transformação profunda da pessoa Dos três fatores que consideramos determinantes para a oportunidade da terapia analítica influência de traumas força pulsional constitucional alteração do Eu interessanos aqui o segundo a força pulsional A consideração seguinte nos instiga a dúvida sobre se a limitação através do adjetivo constitucional ou congênito é indispensável Por mais decisivo que seja desde o início o fator constitucional permanece plausível que uma intensificação pulsional mais tarde ao longo da vida possa externar os mesmos efeitos A fórmula então seria alterada a força pulsional atual em vez da constitucional A primeira das nossas perguntas foi é possível resolver de forma duradoura e definitiva através da terapia analítica um conflito entre a pulsão e o Eu ou uma exigência pulsional patogênica em relação ao Eu Provavelmente à guisa de evitarmos malentendidos seja necessário explanarmos em mais detalhes o que entendemos por resolução duradoura de uma exigência pulsional Triebanspruch Certamente não significa que fazemos com que ela desapareça de modo que nunca mais dê sinais Isso em geral não é possível nem seria desejável Não Seria algo diferente que poderíamos chamar mais ou menos de domação Bändigung4 da pulsão isso quer dizer que a pulsão foi acolhida 236 completamente na harmonia do Eu e é acessível através das outras aspirações no Eu não trilhando mais os seus próprios caminhos em busca de satisfação Se perguntarem através de que caminhos e com que recursos isso acontece a resposta não será fácil Temos de dizer a nós mesmos Então agora a bruxa precisa entrar em ação5 É a bruxa chamada Metapsicologia Sem especulação metapsicológica e teorização quase diria sem fantasiar não avançamos nenhum passo sequer6 Infelizmente as informações fornecidas pela bruxa também dessa vez não são nem muito claras nem detalhadas Temos apenas um ponto de apoio esse aliás incalculável a contraposição entre processo primário e secundário e é para ela que quero apontar neste momento Se agora retornarmos à nossa primeira pergunta veremos que a nossa nova perspectiva nos impõe uma determinada decisão A pergunta era se é possível resolver um conflito pulsional de forma duradoura e definitiva isto é domar a exigência pulsional de tal forma Nessa formulação da pergunta a força pulsional não é mencionada em momento algum mas é justamente dela que depende a resolução Partamos do pressuposto de que no caso do neurótico a análise nada mais faz do que uma pessoa sadia faria sem essa ajuda Mas na pessoa saudável a experiência cotidiana nos ensina que toda decisão de um conflito pulsional só vale para uma determinada força pulsional ou dito de modo mais correto só vale em meio a uma determinada relação entre a força da pulsão e a força do Euxxxvii Se a força do Eu diminuir devido a doença esgotamento ou assemelhados todas as pulsões até então domadas com sucesso poderão voltar a anunciar as suas exigências almejando satisfações substitutas através de caminhos anormaisxxxviii Quem nos fornece a comprovação irrefutável dessa afirmação é o sonho noturno que reage à preparação do Eu para o sono com o despertar das exigências pulsionais Igualmente indubitável é também o material do outro lado Duas vezes ao longo do desenvolvimento individual surgem intensificações consideráveis de certas pulsões na puberdade e por volta da menopausa nas mulheres Não nos causaria a menor surpresa se nos deparássemos com pessoas que antes não eram neuróticas e se tornam neuróticas nesses períodos A domação das pulsões que tinha funcionado com uma intensidade menor dessas pulsões agora fracassa com a sua maior intensidade Os recalques se comportam 237 como os diques contra a pressão das águas Aquilo que essas intensificações fisiológicas da pulsão produzem pode ser igualmente provocado de forma irregular em qualquer outro momento de vida a partir de influências acidentais As intensificações das pulsões se originam a partir de novos traumas impedimentos Versagungen impostos ou influenciamentos colaterais mútuos entra as pulsões O resultado será sempre o mesmo e ele endurece o poder irresistível do fator quantitativo na causação da doença Tenho a impressão aqui de que deveria me envergonhar de todas essas discussões pesadas uma vez que aquilo que elas dizem é conhecido e óbvio há muito tempo É verdade sempre nos comportamos como se soubéssemos disso só que na maioria das vezes nos esquecemos em nossas concepções teóricas de levar em conta o aspecto econômico na mesma medida em que consideramos os aspectos dinâmico e tópico A minha desculpa portanto é o fato de estar alertando para essa falha Mas antes de nos decidirmos por uma resposta à nossa questão devemos ouvir a interpelação cuja força reside no fato de que provavelmente de antemão tomaremos partido dela Essa interpelação diz que todos os nossos argumentos derivam dos processos espontâneos entre o Eu e a pulsão e pressupõem que a terapia analítica não faz nada que não aconteça automaticamente em circunstâncias normais e favoráveis Mas será isso mesmo Será que a nossa teoria justamente não advoga produzir um estado que nunca está presente espontaneamente no Eu e cuja criação perfaz a diferença essencial entre a pessoa analisada e a não analisada Vejamos em que se baseia essa interpelação Todos os recalques acontecem na primeira infância são medidas primitivas de defesa do Eu imaturo e fraco Nos anos posteriores não são mais executados recalques novos mas os antigos se mantêm e os seus serviços continuam sendo solicitados pelo Eu para dominar as pulsões Novos conflitos são como costumamos dizer resolvidos com um recalque posterior Nachverdrängung Em relação a esses recalques infantis pode ser válido o que afirmamos de modo geral ou seja que eles dependem plena e totalmente da relação de forças relativas e que não resistem a uma intensificação da força pulsional No entanto a análise permite que o Eu amadurecido e fortalecido possa proceder a uma revisão desses recalques antigos alguns serão desmontados outros serão reconhecidos mas reconstruídos com material mais sólido Esses novos diques têm uma durabilidade totalmente diferente dos antigos podemos 238 confiar que diante da maré alta da intensificação pulsional eles não cederão facilmente A correção posterior do processo original de recalque que coloca um fim na supremacia do fator quantitativo seria portanto a verdadeira contribuição da terapia analítica Isso quanto à nossa teoria da qual não podemos prescindir sem pressão irrefutável E o que nos diz a experiência a respeito Talvez ela ainda não seja abrangente o suficiente para uma decisão segura Muitas vezes ela dá razão às nossas expectativas mas não é sempre Temos a impressão de que não deveríamos nos surpreender se no fim descobríssemos que a diferença entre o não analisado e o comportamento posterior do analisado não é tão ampla quanto desejaríamos esperaríamos e afirmamos Então às vezes a análise realmente conseguiria desligar a influência da intensificação da pulsão mas não com regularidade Ou então o seu efeito se limitaria a aumentar o poder de resistência das inibições de modo que após a análise elas encarariam exigências muito maiores do que antes da análise ou mesmo sem ela Realmente não arrisco uma decisão aqui e também não sei se ela é possível neste momento Mas podemos nos aproximar por outro lado da compreensão dessa irregularidade no efeito da análise Sabemos que é o primeiro passo para o domínio intelectual do entorno em que vivemos no qual encontramos generalizações regras e leis que trarão ordem para o caos Por meio desse trabalho simplificamos o mundo dos fenômenos mas não conseguimos evitar que os falsifiquemos especialmente quando se tratar de processos de desenvolvimento e de transformação O que nos interessa é abarcar uma transformação qualitativa nesse intuito geralmente esquecemos pelo menos temporariamente de um fator quantitativo Na realidade as transições e as etapas intermediárias são muito mais frequentes do que os estados contrários claramente delineados No caso dos desenvolvimentos e das transformações nossa atenção se volta apenas para o resultado costumamos esquecer que tais processos normalmente transcorrem de modo mais ou menos incompletos ou seja que na verdade são transformações apenas parciais O mais arguto autor satírico da antiga Áustria J Nestroy certa vez disse todo progresso tem sempre apenas a metade do tamanho que parecia ter Estaríamos tentados a conferir validade bastante geral a essa frase maldosa Quase sempre há fenômenos residuais um resquício parcial Quando o mecenas mãoaberta nos surpreende com um traço isolado de 239 mesquinharia quando aquele que normalmente é excessivamente bom de repente se entrega a uma ação belicista esses fenômenos residuais são de valor incalculável para a pesquisa genética Eles nos mostram que aquelas características louváveis e valiosas se fundamentam em compensação e sobrecompensação que como era esperado não deram totalmente certo não funcionaram em sua totalidade Se a nossa primeira descrição do desenvolvimento da libido era uma fase oral original dá lugar à sádicoanal e esta por sua vez dá lugar à fase fálicogenital a pesquisa posterior não se opôs a isso mas apenas acrescentou a troco de correção que essas substituições não se dão de repente mas aos poucos de modo que a qualquer tempo partes da organização anterior continuam existindo ao lado da mais recente e que mesmo em um desenvolvimento normal a transformação nunca se dá de forma completa de modo que ainda na configuração definitiva podem continuar existindo restos das antigas fixações da libido Em áreas muito diferentes podemos detectar a mesma coisa Não há nenhuma das acepções equivocadas ou das superstições humanas supostamente superadas que não tenha deixado restos que não continue entre nós hoje nas camadas mais profundas dos povos civilizados Kulturvölker ou mesmo nas camadas mais altas da sociedade cultivada Kulturgesellschaft Aquilo que alguma vez ganhou vida sabe se manter de forma tenaz Às vezes poderíamos questionar se os dragões dos tempos primevos realmente foram extintos E agora para proceder à aplicação ao nosso caso ou seja a resposta à pergunta de como se explica a irregularidade de sucesso de nossa terapia analítica poderia facilmente ser o caso de que em nosso intuito de substituir os recalques permeáveis por domínios confiáveis condizentes com o Eu nem sempre eles são atingidos em toda a sua plenitude ou seja não são atingidos em profundidade A transformação dá certo mas às vezes apenas parcialmente partes dos mecanismos antigos seguem intocados pelo trabalho analítico É difícil comprovar que é isso o que realmente acontece não temos outro meio para avaliar o que se dá senão justamente o sucesso que precisaria ser explicado Mas as impressões que se recebem durante o trabalho analítico não contradizem a nossa suposição ao contrário parecem confirmála Apenas não podemos usar a clareza da nossa própria percepção como medida da convicção que despertamos no analisado Pode faltarlhe a profundidade como diríamos tratase sempre do fator quantitativo tão facilmente esquecido Se for essa a solução podese dizer que a análise em 240 teoria sempre tem razão com a sua alegação de curar neuroses com a garantia do domínio das pulsões mas na prática nem sempre E justamente porque ela nem sempre consegue assegurar os fundamentos do domínio das pulsões na dimensão necessária O motivo desse fracasso parcial é fácil de ser encontrado O fator quantitativo da força pulsional no passado teria se oposto ao anseio de defesa do Eu por isso buscamos auxílio no trabalho analítico e agora esse mesmo fator coloca limites na eficácia desse novo esforço No caso de uma força pulsional excessivamente grande o Eu amadurecido e apoiado pela análise não consegue realizar a tarefa de modo semelhante ao que acontecia anteriormente com o Eu desamparado o domínio da pulsão melhora mas permanece imperfeito porque a transformação do mecanismo de defesa é apenas incompleta Não há nisso nada de espantoso pois a análise não trabalha com recursos de poder ilimitados mas com recursos limitados e o resultado final depende sempre das relações de forças relativas das instâncias em combate mútuo Indubitavelmente é desejável diminuir a duração de um tratamento mas o caminho para executar a nossa intenção terapêutica só passa pelo reforço da capacidade analítica auxiliar que queremos levar ao Eu O influenciamento hipnótico parecia ser um recurso excelente para os nossos fins sabese por que tivemos de renunciar a ele Não se encontrou até hoje um substituto para a hipnose mas a partir desse ponto de vista se entendem os esforços terapêuticos infelizmente desnecessários aos quais um mestre da análise como Ferenczi dedicou seus últimos anos de vida IV As duas perguntas seguintes se durante o tratamento de um conflito pulsional podemos proteger o paciente contra futuros conflitos pulsionais e se é exequível e adequado despertar um conflito pulsional não manifesto naquele momento com a finalidade de profilaxia deverão ser tratadas em conjunto pois parece evidente que a primeira tarefa só pode ser resolvida fazendo o proposto na segunda ou seja transformando o conflito possível no futuro em um conflito atual que submeteremos ao influenciamento Essa nova questão no fundo é apenas uma continuação da anterior Se antes se tratava de uma evitação do retorno do mesmo conflito agora se trata de sua possível substituição por outro O que se pretende aqui parece muito 241 ambicioso mas o que se quer é apenas esclarecer quais são os limites da capacidade produtiva de uma terapia analítica Por mais que a ambição terapêutica se sinta atraída a se colocar tais questões a experiência tem apenas a prontidão para uma simples recusa Abweisung Quando um conflito pulsional não é atual não se manifesta ele também não pode ser influenciado pela análise O alerta para não despertar cães adormecidos que tantas vezes nos fazem diante de nossos esforços em desbravar o submundo psíquico é especialmente inadequado para as relações da vida psíquica Pois se as pulsões provocam distúrbios isso é uma prova de que os cães não estão adormecidos e se realmente parecem dormir não está em nosso poder acordálos Essa última afirmação porém não parece muito acertada ela nos desafia para uma discussão mais detalhada Pensemos nos recursos de que dispomos para tornar atual um conflito pulsional latente neste momento Ao que parece podemos fazer apenas duas coisas ou provocamos situações em que ele se torne atual ou nos satisfazemos em falar dele na análise apontando para a sua possibilidade O primeiro intuito pode ser alcançado por dois caminhos primeiro na realidade segundo na transferência na medida em que expomos o paciente a uma medida de sofrimento real através do impedimento e da estase da libido Libidostauung É bem verdade que já nos utilizamos dessa técnica no exercício habitual da análise Senão qual seria o sentido da prescrição de que a análise deve ser executada no impedimento in der Versagung7 Mas essa é uma técnica usada no tratamento de um conflito já atual Buscamos exacerbar esse conflito conduzilo à forma mais aguda para aumentarmos a força pulsional que levará à sua solução A experiência analítica nos mostrou que ao tentar melhorar o que está bom só o pioramos8 que em cada fase da recuperação teremos de lutar contra a inércia do paciente que está disposta a se contentar com uma resolução incompleta Mas se partirmos para um tratamento profilático de conflitos pulsionais não atuais mas apenas possíveis não basta regular o sofrimento existente e inevitável deveríamos nos decidir por fazer nascer um novo sofrimento e isso até agora certamente com razão tem sido delegado ao destino De todos os lados nos alertariam quanto à ousadia de fazer experimentos tão cruéis com os pobres humanos concorrendo com o destino E de que tipo seriam eles Como assumir que a serviço da profilaxia destruímos um 242 casamento satisfatório ou fizemos com que o paciente abandonasse o seu emprego que garantia o sustento do analisando Por sorte nem chegamos a meditar sobre a justificativa de tais intervenções na vida real não temos um mínimo do poder totalitário que essas intervenções exigem e o objeto desse experimento terapêutico certamente não iria querer participar dele Se algo assim portanto está praticamente fora de cogitação na prática então a teoria ainda tem outras objeções a respeito É que o trabalho analítico se desenrola da melhor forma quando as vivências patogênicas pertencem ao passado de modo que o Eu tenha podido tomar distância delas Em estados de crise agudos a análise é praticamente imprestável Nesse caso todo o interesse do Eu é absorvido pela realidade dolorosa e rechaça a análise que quer conduzirse para debaixo dessa superfície e desvendar as influências do passado Ou seja criar um conflito novo apenas irá prolongar e dificultar o trabalho analítico Podese argumentar que essas considerações são absolutamente supérfluas Que ninguém pensaria em produzir a possibilidade de tratamento do conflito pulsional latente invocando intencionalmente uma nova situação de sofrimento E que isso também não seria uma ação profilática digna Sabe se por exemplo que uma escarlatina curada deixa como resquício uma imunidade contra a recidiva da mesa doença mas nem por isso os internistas9 pensam em infectar uma pessoa sadia com escarlatina para evitar a possibilidade de a pessoa contrair escarlatina no futuro A ação de proteção não pode restabelecer a mesma situação de perigo que a própria doença oferece apenas uma muito mais branda como a que se consegue no caso da vacina contra varíola e muitos outros procedimentos semelhantes Portanto em uma profilaxia analítica dos conflitos pulsionais só podem ser considerados os outros dois métodos ou seja a criação artificial de novos conflitos na transferência os quais se despem do caráter de realidade e o despertar de tais conflitos na imaginação Vorstellung do analisado na medida em que se fala deles e se familiariza o paciente com a sua possibilidade Não sei se podemos afirmar que o primeiro desses procedimentos mais brandos seria de todo inaplicável à análise Faltam estudos especificamente voltados a esse assunto Mas logo se colocam dificuldades que fazem com que essa empresa não pareça ser muito promissora Primeiro porque há uma 243 grande limitação na escolha de tais situações para a transferência O analisando não pode ele próprio acomodar todos os seus conflitos na transferência tampouco o analista pode despertar todos os possíveis conflitos pulsionais do paciente a partir da situação de transferência Podese por exemplo fazer com que ele sinta ciúme ou que vivencie decepções amorosas mas para isso não precisamos de um intuito técnico Algo assim costuma surgir espontaneamente na maioria das análises Em segundo lugar não podemos esquecer que todos esses eventos tornam necessárias ações antipáticas contra o analisando e através delas prejudicamos a postura terna em relação ao analista a transferência positiva que é o motivo mais forte para a participação do analisando no trabalho analítico conjunto Portanto não devemos esperar muito desse procedimento Portanto resta apenas aquele caminho que provavelmente e desde o início se tinha em mente Contase ao paciente quais as possibilidades dos outros conflitos pulsionais despertando nele a expectativa de que algo semelhante possa ocorrer com ele Esperase então que essa comunicação ou esse alerta tenham como efeito ativar no paciente um dos conflitos sugeridos em escala menor mas suficiente para o tratamento No entanto dessa vez a experiência nos dá uma resposta inquestionável O resultado esperado não acontece O paciente bem que ouve a mensagem mas ela não faz eco Ele deve pensar isso é muito interessante mas não sinto nada disso O saber foi multiplicado mas nada mudou nesse conhecimento É mais ou menos o que acontece com a leitura de escritos psicanalíticos O leitor só se sente estimulado nas passagens em que se sente atingido ou seja as que se referem aos conflitos que naquele momento estão agindo dentro dele Todo o resto não o comove Quero dizer com isso que podemos fazer experiências análogas quando prestamos esclarecimentos sexuais a crianças Longe de mim querer afirmar que se trata de um procedimento danoso ou supérfluo mas aparentemente o efeito profilático dessa medida liberal foi supervalorizado em excesso As crianças agora sabem o que não sabiam até então mas elas nada fazem com os conhecimentos novos que lhes foram dados de presente Convencemonos de que elas nem mesmo estarão dispostas a sacrificar tão rapidamente aquelas teorias sexuais digamos naturais que elas formaram em consonância com e na dependência de sua organização incompleta da libido tais como o papel da cegonha a natureza da relação sexual o modo como são feitos os bebês Muito tempo depois de terem recebido o esclarecimento sexual elas ainda se 244 comportam como os povos primitivos aos quais se impingiu o cristianismo e que secretamente continuam a adorar seus antigos deuses V Partimos da pergunta sobre como podemos encurtar a longa duração de um tratamento analítico então ainda guiados pelo interesse por relações temporais chegamos a analisar se podemos alcançar a cura perene ou até se podemos afastar uma doença futura através do tratamento profilático Nesse intuito reconhecemos como fundamentais para o sucesso de nosso esforço terapêutico as influências da etiologia traumática a força relativa das pulsões a serem dominadas e algo que chamamos de alteração do Eu Foi apenas no segundo desses fatores que permanecemos mais tempo e entramos em mais detalhes nessa ocasião tivemos motivos para reconhecer a importância suprema do fator quantitativo assim como para enfatizar o direito da perspectiva metapsicológica em cada tentativa de explicação Ainda não dissemos nada sobre o terceiro fator a alteração do Eu Se nos voltarmos a ele teremos a primeira impressão de que há aqui muito a ser perguntado e muito a ser respondido e que aquilo que temos a dizer a respeito irá se revelar como demasiado insuficiente Essa primeira impressão também permanecerá após continuarmos lidando com a questão A situação analítica como se sabe consiste em nos associarmos ao Eu da pessoaobjeto para submetermos porções não dominadas de seu Isso ou seja incluílas na síntese do Eu O fato de que um tal trabalho conjunto geralmente fracassa no caso dos psicóticos nos fornece um primeiro ponto fixo para o nosso juízo O Eu com o qual podemos firmar um tal pacto precisa ser um Eu normal Mas esse Eu normal é uma ficção ideal aliás como toda normalidade Infelizmente o Eu anormal inútil para os nossos propósitos não o é Toda pessoa normal justamente é apenas medianamente normal o seu Eu se aproxima daquele do psicótico em um ou outro aspecto em maior ou menor grau e o tamanho da distância de uma ponta e da aproximação da outra ponta da sequência é que provisoriamente nos dará a medida da alteração do Eu tão indefinidamente caracterizada Se perguntarmos de onde vêm os tipos e graus tão variados da alteração do Eu a alternativa mais próxima e inevitável seria ou eles são originários ou são adquiridos No segundo caso o tratamento é mais fácil Se foi 245 adquirido certamente isso ocorreu ao longo do desenvolvimento desde os primeiros dias de vida Pois desde o princípio o Eu precisa tentar cumprir a sua tarefa fazer a mediação entre seu Isso e o mundo exterior a serviço do princípio de prazer proteger o Isso contra os perigos do mundo exterior Se ao longo desse esforço ele aprender a também adotar uma postura defensiva em relação ao próprio Isso e a tratar as reivindicações pulsionais desse Isso como perigos externos isso pelo menos em parte se dá porque ele entende que a satisfação pulsional levaria a conflitos com o mundo exterior Então sob a influência da educação o Eu se acostuma a transferir o campo da batalha de fora para dentro a dominar o perigo interior antes que ele se transforme em exterior na maioria das vezes provavelmente é a melhor coisa a ser feita Durante essa batalha em duas frentes mais tarde virá ainda a terceira frente o Eu se serve de diferentes procedimentos para fazer jus à sua tarefa ou dito de maneira geral para evitar perigo angústia e desprazer Chamamos esses procedimentos de mecanismos de defesa Eles ainda não são suficientemente conhecidos O livro de Anna Freud nos permitiu uma primeira ideia de sua variedade e de seu significado multifacetadoxxxix Um desses mecanismos o recalque foi o ponto de partida para o estudo dos processos neuróticos Nunca houve dúvida acerca do fato de que o recalque não é o único procedimento à disposição do Eu para fazer valer suas intenções Pelo menos ele é algo muito especial algo que mostra uma diferença mais nítida diante dos outros mecanismos do que estes entre si Quero ilustrar essa relação dos mecanismos com esses outros a partir de uma comparação mas sei que comparações nessas áreas nunca são profícuas Mas vamos lá pensem nos possíveis destinos de um livro em uma época em que livros ainda não eram impressos em edições mas escritos um a um Imaginem que um livro desses contenha informações que em épocas posteriores seriam consideradas indesejáveis Mais ou menos como o que Robert Eislerxl diz sobre os escritos de Flávio Josefo afirmando que o livro de Josefo devia conter passagens sobre Jesus Cristo posteriormente rechaçadas pela cristandade A censura oficial no aquieagora não adotaria nenhum outro mecanismo de defesa a não ser o confisco e a eliminação de cada um dos exemplares de toda a edição Naquela época utilizavamse métodos diversos de inutilização da obra Ou as passagens criticadas eram riscadas com traço grosso tornandose ilegíveis dessa forma elas não 246 poderiam mais ser copiadas e o próximo copista do livro fornecia um texto impecável mas que continha lacunas em algumas passagens e talvez só ali fosse incompreensível Ou então isso não bastava queriase também evitar mostrar o retalhamento a que foi submetido o texto dessa forma passouse a deformar o texto Deixavamse algumas palavras de fora ou elas eram substituídas por outras novas frases eram encaixadas melhor ainda era tirar toda a passagem colocando outra em seu lugar que dizia exatamente o contrário da anterior O próximo copista do livro então conseguia produzir um texto insuspeito mas que tinha sido adulterado ele não continha mais o que o autor quis transmitir e muito provavelmente a correção não tinha ocorrido para restabelecer a verdade Se não fizermos essa comparação de uma forma muito rígida podemos afirmar que a relação do recalque com os outros mecanismos de defesa é como a relação entre a exclusão e a deformação do texto e nas diversas formas dessa falsificação podemos reencontrar as analogias com a diversidade da alteração do Eu Podese fazer a objeção de que essa comparação é falha em um ponto essencial pois a deformação do texto é obra de uma censura tendenciosa para a qual o desenvolvimento do Eu não apresenta nenhum contraponto Mas não é esse o caso pois essa tendência é amplamente representada pela compulsão do princípio de prazer O aparelho psíquico não suporta o desprazer ele precisa se proteger dele a todo custo e quando a percepção da realidade trouxer desprazer ela a verdade portanto precisa ser sacrificada Por um bom tempo conseguimos nos proteger contra o perigo exterior através da fuga ou da evitação da situação de perigo até mais tarde nos tornarmos fortes o suficiente para suspendermos a ameaça procedendo a uma transformação ativa da realidade Mas não podemos fugir de nós mesmos contra o perigo interno não há fuga possível10 por isso os mecanismos de defesa do Eu estão condenados a falsificar a percepção interior e nos possibilitar apenas um conhecimento falho e distorcido do nosso Isso Dessa forma e devido às suas limitações o Eu fica paralisado em suas relações com o Isso ou então fica cegado por seus erros e o sucesso no processo psíquico necessariamente terá de ser o mesmo que em uma caminhada na qual não se conhece a região e não se está muito seguro ao caminhar Os mecanismos de defesa servem ao propósito de afastar perigos É 247 indiscutível que eles conseguem atingir tal objetivo contudo é questionável se o Eu ao longo de seu desenvolvimento pode deles prescindir totalmente mas também é certo que eles mesmos podem se tornar um perigo Às vezes descobrimos que o Eu pagou um preço muito alto pelos serviços que eles lhe prestaram O esforço dinâmico exigido para mantêlos bem como as limitações do Eu que quase sempre acompanham o processo revelamse como uma grande sobrecarga para a economia psíquica Esses mecanismos também não são deixados de lado depois de terem ajudado o Eu nos difíceis anos de seu desenvolvimento Evidentemente uma pessoa não usa todos os mecanismos de defesa possíveis mas apenas alguns selecionados mas estes irão se fixar no Eu transformandose em formas de reação regulares do caráter que serão repetidas por toda a vida sempre que uma situação semelhante à original retornar Com isso transformamse em infantilismos compartilham do destino de tantas instituições que buscam se manter para além do tempo de sua utilidade Razão vira tolice o bemestar vira flagelo11 como diz a queixa do poeta O Eu fortalecido do adulto continua a se defender de perigos que na realidade não existem mais chega a se sentir pressionado a buscar aquelas situações da realidade que poderiam substituir aproximadamente o perigo original para poder justificar a partir delas a manutenção das suas formas de reação usuais Desse modo é fácil entender como os mecanismos de defesa preparam e favorecem a eclosão da neurose através de um estranhamento cada vez maior do mundo exterior e de um enfraquecimento constante do Eu Mas o nosso interesse atualmente não está voltado para o papel patogênico dos mecanismos de defesa queremos analisar como a alteração do Eu a eles correspondente influencia o nosso esforço terapêutico O material para responder a questão encontrase no livro mencionado de Anna Freud O essencial nessa questão é que o analisando repete essas formas de reação também durante o trabalho analítico e literalmente nos mostra isso diante dos nossos olhos na verdade só as conhecemos por isso Não quero dizer com isso que elas tornam a análise impossível Elas antes estabelecem a primeira metade da nossa tarefa analítica A outra metade aquela que foi trabalhada primeiro no início da análise consiste no revelar daquilo que se oculta no Isso Durante o tratamento o nosso esforço terapêutico constantemente oscila como um pêndulo entre um pedacinho de análise do Isso e um pedacinho de 248 análise do Eu Num caso queremos tornar consciente algo do Isso no outro corrigir algo no Eu O fato decisivo é que os mecanismos de defesa contra perigos antigos reaparecem no tratamento como resistências contra a cura Decorre daí que a cura é tratada como um novo perigo até pelo Eu O efeito terapêutico está atrelado à conscientização num sentido amplo do recalque contido no Isso preparamos o caminho para essa conscientização através de interpretações e construções Konstruktionen12 mas interpretamos apenas para nós mesmos não para o analisado enquanto o Eu se mantiver preso às defesas antigas e não desistir das resistências Mas apesar de pertencerem ao Eu essas resistências são inconscientes e de certa forma apartadas no âmbito do Eu O analista as reconhece mais facilmente do que aquilo que está oculto no Isso deve ser suficiente tratálas como porções do Isso relacionandoas com o Eu restante através da conscientização Seguindo esse caminho resolveríamos a primeira metade da tarefa analítica não queremos contar com uma resistência contra o desvendamento de resistências No entanto ocorre o seguinte durante o trabalho com as resistências o Eu de forma mais ou menos séria retirase do contrato sobre o qual se funda a situação analítica O Eu não apoia mais o nosso esforço para revelar o Isso ele se opõe a esse esforço não cumpre a regra analítica básica e não permite que mais nenhum derivado Abkömmlinge do recalcado aflore Não se pode esperar uma convicção maior que essa por parte do paciente em relação ao poder de cura da análise ele pode ter trazido consigo um tanto de confiança diante do analista confiança que é reforçada através dos momentos a serem despertados de transferência positiva para a produtividade Sob influência das moções de desprazer sentidas através da reencenação dos conflitos de defesa agora as transferências negativas podem assumir o comando suspendendo completamente a situação analítica Agora para o paciente o analista é apenas um ser desconhecido que lhe imputa coisas desagradáveis e o paciente se comporta como a criança que não gosta do forasteiro e não acredita em nada do que ele diz Se o analista tentar evidenciar para o paciente uma das deformações produzidas na defesa e tentar corrigilas ele o encontrará pouco compreensível e inacessível para bons argumentos Assim de fato há uma resistência contra o descobrimento de resistências e os mecanismos de defesa realmente fazem jus ao nome que lhes demos 249 inicialmente antes de aprofundarmos a pesquisa a respeito são resistências não só contra a conscientização dos conteúdos do Isso mas também contra a própria análise e consequentemente contra a cura Creio que possamos chamar o efeito das defesas no Eu de alteração do Eu se entendermos por esse termo a distância de um Eunormal fictício que garante ao trabalho analítico uma fidelidade pactual inabalável Agora será fácil acreditar no que a experiência diária nos mostra depende essencialmente de quão forte e quão profundamente enraizadas estão essas resistências da alteração do Eu já que se trata do desembocar de um tratamento analítico Aqui mais uma vez deparamonos com a importância do fator quantitativo novamente somos alertados de que a análise só poderá dispender quantidades determinadas e limitadas de energias que terão de se medir com as forças inimigas E como se a vitória na maioria dos casos realmente estivesse do lado dos batalhões mais fortes VI A próxima pergunta será se toda alteração do Eu no sentido que aqui usamos é adquirida durante as batalhas de defesa dos primeiros tempos Frühzeit A resposta não poderá ser dúbia Não há motivo para questionarmos a existência e a importância de diferenças do Eu originárias inatas Há aí já o fato decisivo de toda pessoa fazer a sua escolha entre os possíveis mecanismos de defesa usando sempre alguns deles e depois sempre os mesmos Isso sugere que o Eu individual desde o início é provido de disposições e tendências individuais cujo tipo e cujas condicionantes evidentemente não poderemos demonstrar Além disso sabemos que não podemos levar ao extremo a diferença entre características herdadas e adquiridas criando um par de opostos entre o que herdamos encontrase o que os antepassados adquiriram certamente uma parte importante Quando falamos de herança arcaica usualmente pensamos apenas no Isso e parecemos supor que ainda não exista um Eu no início da vida própria Mas não esqueçamos que originalmente o Isso e o Eu são uma coisa só e ainda não significaria uma supervalorização mística da hereditariedade se acharmos crível que no Eu ainda inexistente já esteja preestabelecido que caminhos o desenvolvimento irá seguir que tendências e reações ele trará à tona posteriormente As especificidades psicológicas de famílias raças e nações 250 em sua conduta em face da análise não permitem nenhuma outra explicação Digo ainda mais a experiência analítica nos impôs a convicção de que mesmo determinados conteúdos psíquicos tais como a simbologia não têm outras fontes senão a transferência hereditária e com base em diversos estudos sobre psicologia dos povos somos induzidos a pressupor na herança arcaica ainda outros precipitados igualmente específicos nos primórdios do desenvolvimento da humanidade Diante da convicção de que as propriedades do Eu que sentimos como resistências podem ser tanto hereditárias quanto adquiridas em batalhas de defesa a diferenciação utópica para definir o que é Eu ou o que é Isso perdeu muito de seu valor para o nosso estudo Um próximo passo em nossa experiência analítica nos leva a resistências de outra ordem que não conseguimos mais localizar e que parecem depender de condições fundamentais no aparelho psíquico Só posso elencar aqui algumas amostras desse gênero todo esse campo ainda é confusamente alheio e insuficientemente pesquisado Encontramos pessoas por exemplo às quais gostaríamos de atribuir uma especial viscosidade da libido Os processos que iniciam o tratamento dessas pessoas transcorrem muito mais devagar do que em outros casos porque aparentemente elas não conseguem tomar a decisão de liberar os investimentos libidinais Libidobesetzungen de um objeto e transferilos para outro apesar de não haver motivos especiais para uma tal fidelidade de investimento Encontramos também o tipo oposto em que a libido parece transitar com facilidade em que os novos investimentos parecem acatar as sugestões da análise abdicando dos antigos É como a diferença que o artista plástico deve sentir quando trabalha com a pedra dura e a argila maleável Infelizmente os resultados analíticos nesse segundo tipo muitas vezes se mostram muito frágeis as novas ocupações logo são abandonadas temos a impressão de que não trabalhamos com argila mas que escrevemos sobre a água O alerta tal como foi vencido também será diluído se mostra muito verdadeiro Em um outro grupo de casos somos surpreendidos por um comportamento que só pode ser relacionado a um esgotamento da esperada plasticidade da capacidade de mudança e de desenvolvimento continuado Certamente na análise estamos preparados para um certo grau de inércia psíquica quando o trabalho analítico da moção pulsional abre novos caminhos observamos quase sempre que eles nunca são trilhados sem um 251 evidente retardamento Chamamos esse comportamento talvez não de forma muito correta de resistência do Isso Mas nos casos a que nos referimos aqui todos os percursos todas as relações e distribuições de força revelamse como imutáveis fixas e petrificadas É como nas pessoas muito velhas pelo chamado poder do hábito do esgotamento da capacidade de absorção o que se explica com uma espécie de entropia psíquica mas aqui se trata de indivíduos ainda jovens Nosso preparo teórico ainda parece insuficiente para entender corretamente os tipos aqui descritos aparentemente devem ser consideradas caraterísticas temporais alterações de um ritmo de desenvolvimento na vida psíquica ainda não foram consideradas de modo adequado Diferentes e ainda mais profundamente ancoradas devem ser as diversidades do Eu Ichverschiedenheiten que num outro grupo de casos seriam apontadas como fontes de resistência contra o tratamento analítico e impedimentos do sucesso terapêutico Aqui tratase da última coisa que a pesquisa psicológica consegue quando muito reconhecer a saber o comportamento das duas pulsões primevas sua distribuição mistura e desfusão coisas que não podem ser concebidas como pertinentes a uma única província do aparelho psíquico limitadas ao Isso ao Eu e ao SuperEu Não há impressão mais forte das resistências durante o trabalho analítico do que aquela de uma força que se defende da cura com todos os meios possíveis e que a todo custo quer se manter na doença e no sofrimento Uma parte dessa força foi reconhecida por nós certamente com razão como consciência de culpa e necessidade de punição sendo localizada na relação entre o Eu e o SuperEu Mas essa é apenas aquela parte digamos psiquicamente ligada ao SuperEu e como tal se manifesta outros valores dessa mesma força devem estar agindo em local indeterminado de forma ligada ou livre Se tivermos em mente essa imagem em sua totalidade que se forma a partir das manifestações do masoquismo imanente de tantas pessoas da reação terapêutica negativa e da consciência de culpa dos neuróticos não poderemos mais nos aliar à crença de que os acontecimentos psíquicos são dominados exclusivamente pela aspiração ao prazer Esses fenômenos são sinais evidentes da presença de um poder na vida psíquica que chamamos de pulsão de agressão ou pulsão de destruição dependendo de seus objetivos e que deduzimos a partir da pulsão de morte original da matéria animada Uma oposição entre uma teoria de vida otimista e outra pessimista está fora de 252 questão apenas a junção de forças e o embate das duas pulsões primevas Eros e pulsão de morte explica o colorido das ocorrências de vida nunca só uma delas A tarefa mais gratificante da pesquisa psicológica seria esclarecer como as porções dos dois tipos de pulsão se juntam para executar cada uma das funções vitais sob que condições essas junções se afrouxam ou se desfazem quais distúrbios correspondem a essas transformações e com que sensações a escala de percepção do princípio de prazer responde a elas Por enquanto curvamonos diante da supremacia dos poderes diante dos quais vemos os nossos esforços sucumbirem Já o influenciamento psíquico do masoquismo simples coloca nossa capacidade diante de uma dura prova Ao estudarmos os fenômenos que comprovam a atividade da pulsão de destruição não estamos limitados a observações do material patológico Inúmeros fatos da vida psíquica normal clamam por uma tal explicação e quanto mais o nosso olhar se aguça mais intensamente eles chamarão a nossa atenção Esse é um tema novo demais e importante demais para ser tratado nesta discussão apenas superficialmente contentarmeei em destacar algumas poucas amostras Tomemos como exemplo o que segue Sabese que em todos os tempos houve e ainda há pessoas que podem tomar pessoas do mesmo ou do outro gênero como seus objetos sexuais sem que uma vertente prejudique a outra Chamamos a essas pessoas de bissexuais aceitamos a sua existência sem nos espantarmos muito com isso No entanto aprendemos que nesse sentido todas as pessoas são bissexuais e que distribuem a sua libido ou de forma manifesta ou de forma latente entre objetos de ambos os gêneros Mas há algo que chama a nossa atenção enquanto no primeiro caso as duas direções se entenderam sem embates no segundo e mais frequente elas se encontram no estado de um conflito irreconciliável A heterossexualidade de um homem não tolera a homossexualidade e viceversa Se a primeira for a mais forte ela conseguirá manter a última latente e afastála da satisfação real por outro lado não há um perigo maior para a função heterossexual de um homem do que o distúrbio causado pela homossexualidade latente Poderíamos tentar uma explicação dizendo que justamente apenas uma determinada porção de libido está disponível e é por ela que as duas direções rivais precisam brigar No entanto não entendemos por que os rivais não dividem entre si regularmente a porção disponível da libido de acordo com a sua força relativa 253 considerando que poderiam fazêlo em alguns casos Temse a nítida impressão de que a tendência ao conflito seria algo especial algo novo que é acrescentado à situação independendo da quantidade da libido Essa tendência ao conflito que surge de modo autônomo necessariamente será associada à intervenção de uma parte de agressão livre Se reconhecermos o caso aqui abordado como expressão da pulsão de destruição ou de agressão logo se instaurará a pergunta sobre se deveríamos estender a mesma concepção a outros exemplos de conflito ou mesmo se deveríamos rechaçar todo o nosso conhecimento sobre o conflito psíquico a partir dessa nova perspectiva Supomos evidentemente que no trajeto evolutivo do homem primitivo para o homem civilizado Kulturmenschen ocorreu uma internalização muito relevante uma introversão da agressão e para as batalhas externas que vão cessando os conflitos interiores certamente seriam o real equivalente Sei bem que a teoria dualista que advoga uma pulsão de morte de destruição ou de agressão como parceira em nível de igualdade com o Eros manifesto na libido em geral não obteve respaldo e também acabou por não se firmar realmente entre os psicanalistas Entretanto muito me alegrei quando reencontrei há pouco a nossa teoria em um dos grandes pensadores dos primórdios gregos É com prazer que sacrifico o prestígio da originalidade em nome dessa afirmação já que dado o volume de minhas leituras nos meus primeiros anos nunca poderei ter certeza se a minha pretensa nova criação não seria obra da criptomnésia Kryptomnesie Empédocles de Ácragas Agrigentoxli nascido por volta de 495 aC surge como uma das mais geniais e curiosas figuras da história cultural da Grécia Sua personalidade multifacetada atuava em diversas direções ele era pesquisador e pensador profeta e mago político filantropo e médico com conhecimentos da natureza dizse que salvou a cidade de Selinunte da malária e era adorado pelos seus contemporâneos como um deus Seu espírito parece ter unificado em si os mais agudos contrastes sendo exato e sóbrio em suas pesquisas físicas e fisiológicas ele não se esquivava da mística obscura e estruturou uma especulação cósmica de uma fantástica e impressionante ousadia Capelle o compara a Dr Fausto a quem muitos segredos foram revelados13 Surgido em uma época em que o reino do saber ainda não se diluía em tantas províncias alguns de seus ensinamentos nos parecem primitivos hoje em dia Ele explicava as diferenças entre as coisas através de 254 misturas dos quatro elementos terra água fogo e ar acreditava numa natureza plenamente animada e na migração das almas mas tinha também ideias modernas a evolução dos seres vivos em etapas a permanência do mais capaz e o reconhecimento do papel do acaso τύχη nessa evolução fazem parte de seu arcabouço de ensinamentos Mas o nosso interesse se volta para a doutrina de Empédocles que se aproxima tanto da teoria pulsional psicanalítica que seríamos tentados a afirmar que as duas coisas são idênticas se não houvesse a diferença de que a fantasia dos gregos era cósmica enquanto a nossa se contenta com a aspiração de validade biológica É claro que o fato de Empédocles atribuir a mesma natureza animada para o universo e para cada ser vivo tira dessa diferença uma grande parte de sua importância O filósofo nos ensina portanto que há dois princípios que regem os acontecimentos na vida terrena e na vida psíquica que estão em constante luta entre si Ele os chama de φιλία philia amor e νεϊκοϛ neikos discórdia Uma dessas forças que para ele no fundo são forças pulsionais da natureza evidentemente não se trata de inteligências conscientes de seus intuitos almeja concentrar em uma única unidade as partículas primevas dos quatro elementos a outra força ao contrário quer reverter todas essas misturas separando as partículas primevas umas das outras Ele imagina o processo do mundo Weltprozeß como uma alternância continuada e incessante de períodos em que uma ou outra das forças fundamentais sai vencedora e ora é o amor ora é a discórdia quem impõe a sua vontade plenamente e domina o mundo depois a outra parte subjugada é a que vai dominar e que agora por sua vez derrota o parceiro Os dois princípios fundamentais de Empédocles φιλία e νεϊκοϛ a partir de seu nome e de sua função são a mesma coisa que nossas duas pulsões primevas Eros e Destruição um se esforçando em reunir o existente em unidades cada vez maiores o outro em dissolver essas junções e destruir as formas assim produzidas Mas também não causará espanto essa teoria ter sido modificada em alguns de seus traços considerando o seu ressurgimento após dois milênios e meio À exceção da redução ao biopsíquico que nos foi imposta de que as nossas matériasprimas não são mais os quatro elementos de Empédocles para nós temos que a vida se apartou claramente do inanimado não pensamos mais em mistura e separação de partículas de matéria mas em mesclagem e desfusão Entmischung de componentes 255 pulsionais E de certa forma também reforçamos biologicamente o princípio da discórdia na medida em que remetemos a nossa pulsão de destruição à pulsão de morte à ânsia14 Drang do ser vivente em retornar ao inanimado Esse fato não nega que uma pulsão análoga já existia anteriormente e certamente não afirma que tal pulsão só tenha aparecido com o surgimento da vida E ninguém pode prever com que roupagem o cerne de verdade nos ensinamentos de Empédocles se mostrará para uma apreciação posterior VII Uma substancial conferência proferida em 1927 por Sándor Ferenczi O problema da finalização das análises Das Problem der Beendigung der Analysenxlii termina com a garantia consoladora de que a análise não é um processo interminável mas que com conhecimento técnico adequado e paciência do analista ela poderá ser conduzida para um término natural Acredito que esse trabalho se assemelha a um alerta para que não se veja como meta o encurtamento mas sim o aprofundamento da análise Ferenczi ainda acrescenta a observação valiosa de quão fundamental é para o sucesso que o analista tenha aprendido a partir de seus próprios enganos e erros e que tenha adquirido domínio sobre os pontos fracos da própria personalidade Isso nos permite um importante acréscimo ao nosso tema Não é apenas a constituição do Eu do paciente mas também a peculiaridade do analista que tem um lugar importante entre os momentos que influenciam as perspectivas do tratamento analítico e o dificultam dependendo do tipo das resistências Indiscutivelmente os analistas não atingiram em sua própria personalidade a total medida de normalidade psíquica para a qual eles querem educar os seus pacientes Opositores da análise costumam apontar para esse fato com escárnio usandoo como argumento para a inutilidade do esforço analítico Poderíamos rechaçar essa crítica como sendo uma exigência injusta Analistas são pessoas que aprenderam a exercer determinada arte e que paralelamente a isso podem ser pessoas como as outras Também não dizemos que alguém não serve para ser um médico internista se os seus órgãos internos não estiverem saudáveis pelo contrário podemos obter certa vantagem a partir disso na medida em que por exemplo alguém ameaçado pela tuberculose acaba se especializando no tratamento de tuberculosos Mas 256 os casos não são da mesma ordem O médico que sofre do pulmão ou do coração desde que esteja em condições de trabalho não será impedido por sua doença nem de realizar diagnósticos nem de aplicar uma terapia para sofrimentos internos do corpo ao passo que o analista devido às condições especiais do trabalho analítico realmente será prejudicado por seus próprios defeitos na medida em que terá dificuldades em apreender as condições do paciente de forma correta e reagir a elas de modo adequado Portanto há uma razão em se exigir do analista um grau mais elevado de normalidade psíquica e correção como parte da comprovação de sua habilidade profissional acrescentese a isso que ele ainda necessita de uma certa superioridade para funcionar como modelo para o paciente em determinadas situações analíticas e em outras como professor E por fim não esqueçamos que a relação analítica se baseia no amor à verdade isto é no reconhecimento da realidade excluindo toda e qualquer aparência e falseamento Detenhamonos um pouco aqui para garantirmos ao analista nossa sincera empatia e que ao exercer a sua atividade sentimos com ele a dificuldade em cumprir exigências tão duras É quase como se o analisar fosse aquela terceira das profissões impossíveis em que se tem certeza de antemão do resultado insuficiente As outras duas conhecidas há muito mais tempo são o educar e o governar Aparentemente não podemos exigir que o futuro analista seja um ser completo antes de se ocupar com a análise ou seja que apenas pessoas de uma completude tão perfeita e tão rara possam se dedicar a essa profissão Onde e como o pobre coitado poderá adquirir aquela habilitação ideal necessária em sua profissão A resposta será na própria análise com a qual começa a preparação para a sua atividade futura Por razões práticas esta só poderá ser breve e incompleta a sua finalidade principal é possibilitar um juízo ao professor para avaliar se o candidato pode ser aprovado para continuar na formação O seu trabalho estará terminado quando trouxer para o aprendiz a convicção segura da existência do inconsciente quando lhe transmitir as autopercepções normalmente indignas de credulidade ao aflorar o recalcado e por fim quando lhe mostrar a partir de uma primeira amostra a técnica que só se consolida na atividade analítica Só isso não seria suficiente em termos de instrução mas esperase que a partir das motivações recebidas na própria análise que elas não se esgotem com o seu término mas que os processos de reformulação do Eu Ichumarbeitung continuem espontaneamente no analisando e que todas 257 as demais experiências sejam utilizadas nesse novo sentido adquirido Isso acontece de fato e conforme vai acontecendo habilita o analisando para se tornar analista É lamentável que além disso algo mais aconteça Ficamos na dependência de impressões ao descrevêlo inimizade de um lado partidarismo do outro criam um clima desfavorável para a pesquisa objetiva No entanto parece que inúmeros analistas aprendem a utilizar mecanismos de defesa que lhes permitem desviar da própria pessoa conclusões e exigências da análise provavelmente voltandose contra outros para que eles mesmos fiquem como são para que possam se esquivar da influência crítica e corretora da análise Pode ser que esse procedimento dê razão ao poeta que nos alerta para o seguinte se conferimos poder a uma pessoa será difícil para ela não fazer mau uso delexliii Por vezes colocase para aquele que se esforça em compreender tudo isso uma analogia desagradável com os que usam raiosX sem tomar as precauções necessárias Não causaria espanto se através do trabalho com todo o recalcado que luta por satisfação na alma humana também despertássemos no analista aquelas demandas pulsionais que ele do contrário poderia manter reprimidas Esses também são os perigos da análise que não ameaçam o parceiro passivo mas sim o ativo na situação analítica e não deveríamos deixar de enfrentálos Não pode haver dúvidas sobre a forma através da qual esse encontro acontecerá Todo analista periodicamente por exemplo a cada cinco anos deveria voltar a se tornar objeto da análise sem se envergonhar desse passo Isso significaria portanto que também a própria análise se transformaria de tarefa finita em tarefa infinita e não apenas a análise terapêutica do doente É chegada a hora de desfazermos um possível malentendido Não tenho a intenção de afirmar que a análise seja de todo um trabalho sem fim Seja qual for a vertente teórica que se defenda a esse respeito penso que o fim de uma análise seja uma questão da prática Todo analista experiente poderá se lembrar de uma série de casos em que rebus bene gestis15 se despediu definitivamente de um paciente A prática se distancia bem menos da teoria nos casos da chamada análise de caráter Charakteranalyse Nesse caso não podemos prever facilmente um término natural mesmo se não cultivarmos expectativas exageradas e não colocarmos tarefas extremas para a análise Evidentemente não teremos por objetivo refinar todas as especificidades 258 humanas em benefício de uma normalidade esquemática ou até mesmo exigir que aquele que foi analisado em profundidade não possa sentir paixões ou não desenvolva conflitos interiores A análise deve criar as condições psicológicas mais favoráveis para as funções do Eu de tal modo a sua tarefa estaria cumprida VIII Tanto nas análises terapêuticas quanto nas análises de caráter chamanos a atenção o fato de que dois temas se destacam especialmente e dão muito trabalho ao analista Não demora para que se evidencie a regularidade que ali se expressa Ambos os temas estão atrelados às diferenças de gênero um deles é tão característico do homem quanto o outro o é da mulher Apesar da diversidade de conteúdo há correspondências evidentes Algo que é comum aos dois gêneros foi prensado dentro de outra forma de expressão através da diferença de gênero Os dois temas que se correspondem são para a mulher a inveja do pênis a aspiração positiva por possuir um genital masculino e para o homem a aversão contra a sua postura passiva ou feminina em relação a outro homem O que há em comum foi destacado bastante cedo pela nomenclatura psicanalítica conhecido como comportamento diante do complexo de castração mais tarde Alfred Adler colocou em uso o termo protesto masculino que seria absolutamente preciso no caso dos homens mas acredito que a descrição correta dessa parte tão curiosa da vida psíquica humana teria sido recusa da feminilidade Na tentativa de inserção em nossa estrutura teórica não esqueçamos que por sua natureza esse fator não encontra a mesma acolhida para ambos os gêneros No caso do homem a aspiração de masculinidade desde o início é totalmente sintônica com o Eu ichgerecht a postura passiva é recalcada de forma enérgica uma vez que pressupõe a aceitação da castração e muitas vezes são apenas supercompensações excessivas que apontam para a sua presença Também no caso da mulher a aspiração de masculinidade durante determinado momento é sintônica com o Eu mais especificamente na fase fálica antes do desenvolvimento da feminilidade Depois no entanto ela é submetida àquele significativo processo de recalque de cujo resultado como apresentado tantas vezes dependem os destinos da feminilidade Muito 259 dependerá de sabermos se uma porção suficiente do complexo de masculinidade se esquivou do recalque influenciando constantemente o caráter grandes porções do complexo normalmente são transformadas para contribuir na construção da feminilidade a partir do desejo não saciado pelo pênis deverá se criar o desejo por uma criança e pelo homem que tem o pênis No entanto é estranho percebermos o quão frequentemente o desejo de masculinidade é preservado no inconsciente lá desenvolvendo sua influência perturbadora a partir do recalque Como se vê a partir do exposto em ambos os casos é a oposição ao outro sexo o que sucumbe ao recalque Em outro momento16 já mencionei que esse ponto de vista me foi apresentado por Wilhelm Fließ Ele tendia a explicar a oposição dos gêneros como o verdadeiro estopim e o motivo primevo do recalque Reitero apenas a minha contrariedade daquela época quando me recusei a sexualizar o recalque dessa forma ou seja justificandoo biologicamente em vez de fazêlo apenas psicologicamente A importância destacada desses dois temas o desejo do pênis na mulher e a aversão contra a postura passiva no homem não escapou à atenção de Ferenczi Em sua palestra proferida em 1927 ele estabelece a exigência de que toda análise bemsucedida teria de ter dominado esses dois complexosxliv Gostaria de acrescentar a partir de minha própria experiência que Ferenczi está sendo especialmente exigente aqui Em nenhum momento do trabalho analítico sofremos mais com a sensação opressora de um esforço repetido infrutífero suspeitando de que nossas falas são como pregações ao vento do que quando queremos instar as mulheres a desistirem de seu desejo pelo pênis por ele ser impraticável e quando queremos convencer os homens de que uma postura passiva em relação a outro homem nem sempre significa uma castração e em muitas relações na vida é indispensável Da supercompensação rebelde do homem é que deriva uma das mais fortes resistências à transferência O homem não quer se submeter a um substituto do pai não quer lhe dever gratidão portanto também não quer aceitar a cura vinda do médico Não é possível produzir uma transferência análoga a partir do desejo do pênis por parte da mulher mas derivam dessa fonte irrupções graves de depressão dada a convicção interna de que a terapia analítica de nada servirá e de que não podemos ajudar à doente Não podemos deixar de dar razão a ela quando ficamos sabendo 260 que a esperança de ainda conseguir o órgão masculino cuja falta lhe é tão dolorosa foi o principal motivo que a impeliu a fazer o tratamento Mas também aprendemos a partir daí que a forma sob a qual a resistência aparece não é importante seja como transferência ou não O que é decisivo é que a resistência não permite que se produza uma modificação deixando tudo como está Muitas vezes temos a impressão de que com o desejo do pênis e o protesto masculino tenhamos atravessado todas as camadas psicológicas e penetrado até o fundo e assim chegado ao fim de sua atividade Imagino que isso deva ser assim pois para o psíquico o biológico realmente tem o papel de pano de fundo A recusa da feminilidade nada mais pode ser do que um fato biológico uma porção daquele grande enigma da sexualidadexlv Será difícil dizer se e em que momento conseguimos dominar esse fator no tratamento analítico Consolamonos com a certeza de que oferecemos ao analisado todo estímulo possível para que ele pudesse reexaminar e mudar a sua postura em relação a ele xxxvi Confira o escrito Aus der Geschichte einer infantilen Neurose Da história de uma neurose infantil 1918 publicado com o consentimento do paciente A doença posterior do jovem não é apresentada em detalhes ali mas apenas tangenciada nos momentos em que a relação com a neurose de infância se faz absolutamente necessária xxxvii Em uma correção mais conscienciosa para uma determinada amplitude dessa relação xxxviii Isso para justificar a exigência etiológica de momentos tão pouco específicos como esgotamento por excesso de trabalho efeito de choque etc que sempre tinham a certeza do reconhecimento geral e sempre tiveram de ser colocados em segundo plano justamente pela Psicanálise Não há outra forma de descrever a saúde a não ser pela descrição metapsicológica referindose às relações de força entre as instâncias do aparato psíquico instâncias estas por nós reconhecidas ou se quisermos por nós desbravadas supostas xxxix FREUD A Das Ich und die Abwehrmechanismen O Eu e os mecanismos de defesa London Imago 1946 1ª edição Viena 1936 xl EISLER R Jesus Basileus Heidelberg Carl Winter 1929 Religionswissenschaftliche Bibliothek v 9 xli O que se segue foi baseado em Wilhelm Capelle Die Vorsokratiker Os présocráticos Leipzig Alfred Keller 1935 xlii Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse v XIV 1928 xliii Anatole France A revolta dos anjos La révolte des anges 261 xliv todo paciente masculino deverá atingir uma sensação de igualdade de direitos diante do médico sinalizando que superou a angústia de castração todas as doentes femininas se quiserem resolver completamente a sua neurose terão de administrar o seu complexo de masculinidade e se entregar sem rancor às possibilidades imaginativas Denkmöglichkeiten do papel feminino FERENCZI Das Problem der Beendigung der Analysen p 8 xlv Não podemos ser levados a supor a partir do termo protesto masculino que a recusa do homem se aplique à postura passiva ao chamado aspecto social da feminilidade A isso se opõe a observação facilmente comprovável de que esses homens frequentemente apresentam um comportamento masoquista em relação à mulher até mesmo mostrando uma servidão O homem só se defende da passividade em relação ao homem não da passividade como tal Dito de outra forma o protesto masculino de fato nada mais é que a angústia de castração 262 Die endliche und die unendliche Analyse 1937 1937 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 23 n 2 p 209240 1946 Gesammelte Werke t XIV p 57100 Em uma carta a Fließ datada de 16 de abril de 1900 Freud já se mostra preocupado com o caráter aparentemente sem fim de um tratamento analítico neste volume p 48 Se é verdade que a questão da duração de uma análise sempre esteve na pauta das preocupações dos psicanalistas é também verdade que apenas em 1937 Freud dedica um artigo inteiro a esse tema Ao que tudo indica o trabalho foi redigido entre janeiro e abril de 1937 Alguns anos antes a questão da duração do tratamento tinha sido motivo de debates e de dissidências Primeiramente Otto Rank havia proposto um modelo de terapia breve baseado na teoria do caráter traumático do nascimento A ruptura com Rank foi lenta e gradual e está consubstanciada principalmente no artigo de 1924 O declínio do complexo de Édipo nesta coleção no volume Neurose psicose perversão e em Inibição sintoma e angústia 1925 Além disso por meio deste escrito Freud recupera uma polêmica pessoal com Ferenczi quatro anos após a morte deste último Em uma carta de 17 de janeiro de 1930 Ferenczi queixouse de que Freud não havia dado atenção suficiente aos sentimentos e fantasias negativos em parte transferidos impedindo a finalização da sua análise tema de seu ensaio de 1928 O problema do fim da análise De fato a condensação por parte de Freud da função de analista com as figuras de mestre e amigo dificultou o tratamento de alguns dos seus discípulos indicando assim que um dos principais obstáculos ao desfecho das análises seria a resistência do próprio psicanalista Portanto a questão tratada neste escrito é ainda mais relevante no que concerne à análise dos próprios psicanalistas o que fez com que Ferenczi formulasse a segunda regra fundamental da Psicanálise a análise finalizada do analista O principal herdeiro dessa problemática foi Jacques Lacan que nos anos 1960 propôs uma articulação lógica entre o final da análise e o advento de um psicanalista e inventou um dispositivo que proporcionaria aos psicanalistas a oportunidade de testemunhar e de teorizar o final da análise o passe O caso clínico relatado na segunda seção do presente artigo referese muito provavelmente a Ferenczi que foi analisado por Freud por três breves períodos o primeiro entre setembro e dezembro de 1914 o segundo entre junho e julho de 1916 e o terceiro entre setembro e outubro do mesmo ano Curiosamente o título deste escrito de Freud até o momento foi conhecido pela maioria de seus leitores brasileiros como Análise terminável e interminável Ocorre que os adjetivos em suas formas afirmativa e negativa derivados do substantivo Ende fimtérmino são formados pelo sufixo lich e não pelo bar geralmente correspondente aos sufixos ável ou ível denotando portanto o que é passível de algo por exemplo comestível essbar potável trinkbar Além disso interminável traz uma conotação de impaciência inexistente na língua original É preciso ressaltar ainda que a palavra fim em português apresenta claramente duas acepções diferentes fim no sentido de término e fim no sentido de finalidade este último sentido não está presente no termo alemão Finalmente o leitor deve ter em mente que o termo alemão unendlich não tem conotação tão fortemente metafísica quanto o português infinita De toda forma parece que esse inconveniente pode ser superado mais facilmente do que os demais bastando ter em mente que infinita tem o sentido de sem fim FERENCZI S O problema do fim da análise 1928 LACAN J Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola In Outros escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2003 NOTAS 263 1 Tratase como podemos nos certificar a partir da nota de rodapé inserida pelo autor do famoso caso do Homem dos Lobos como ficou conhecido o paciente Sergei Pankejeff na literatura psicanalítica NR 2 Krankengeschichte era como Freud designava o que ficou conhecido na literatura psicanalítica como caso clínico ou história clínica ainda que uma tradução mais literal seria história de doente NR 3 Referência provável ao caso Ferenczi analisado por Freud NE 4 Também passível de ser traduzida como domesticação preferimos aqui relacionar ao verbo domar como uma tentativa de intervir na conduta de uma força selvagem ou acéfala em sua origem ainda que não propriamente confundível com o instintual ou biologicamente programado NR 5 So muß denn doch die Hexe dran Passagem do Fausto de J W von Goethe parte 1 cena 6 Freud aqui compara os poderes de sua teoria metapsicológica aos da bruxa evocada na mais célebre obra da literatura alemã NR 6 Acerca do estatuto epistemológico dessa passagem consultar o ensaio de Gilson Iannini intitulado Epistemologia da pulsão fantasia ciência mito publicado no volume As pulsões e seus destinos nesta coleção NE 7 Vale aqui lembrar as reiteradas menções do psicanalista e tradutor Luiz Hanns acerca da equivocada tradução de Versagung por frustração Enquanto frustração comumente nos leva à compreensão de uma decepção a ser tolerada Freud geralmente usa o termo Versagung para falar de um processo que é impedido interrompido Cf HANNS Luiz Dicionário comentado do alemão de Freud Rio de Janeiro Imago 1996 NR 8 A expressão das Bessere ist ein Feind des Guten O melhor é inimigo do bom serve para denotar aquilo que é prejudicado por uma tentativa de melhora de incremento NR 9 Médico especializado em Medicina Interna policlínico NE 264 10 Tratase de uma das ideias mais antigas e mais centrais de Freud que desde 1895 insiste na impossibilidade de fuga de estímulos oriundos do interior do corpo fundamento do conceito de pulsão NE 11 Nova referência ao Fausto de Goethe parte 1 cena 4 NR 12 Conferir neste volume o artigo consagrado ao tema da construção Construções na análise NE 13 dem gar manch Geheimnis wurde kund ou seja uma forma de paráfrase da passagem do Fausto de Goethe Nicht manch Geheimnis würde kund Não ficou a par de certos segredos Fausto parte 1 cena 1 NR 14 Nesse caso preferimos traduzir Drang por ânsia e não por pressão como fizemos em As pulsões e seus destinos Triebe und Triebschicksale Naquele caso tratavase de definir um dos quatro termos ou componentes da pulsão Não custa insistir na polissemia do termo NR 15 Expressão latina que equivaleria a após o bom feito ou após ter cumprido sua tarefa NR 16 Batese numa criança Ein Kind wird geschlagen Nesta coleção incluído no volume intitulado Neurose psicose perversão NE 265 CONSTRUÇÕES NA ANÁLISE 19371 Um pesquisador de grande mérito a quem tenho em grande conta por ter feito justiça à Psicanálise em uma época em que a maioria dos outros se afastavam dessa responsabilidade fez certa vez contudo um comentário tanto ofensivo quanto injusto sobre a nossa técnica analítica Dizia ele que quando apresentamos ao paciente as nossas interpretações estaríamos agindo contra ele segundo o famoso princípio Heads I win Tails you lose2 Isso significa que se ele concorda conosco estamos com razão mas se ele nos contraria então seria apenas um sinal de sua resistência e portanto também mostraria que temos razão Dessa forma sempre teremos razão diante de uma pobre pessoa desamparada que analisamos não importando como ela possa se comportar diante das nossas confrontações Como é verdade que um não de nosso paciente em geral não nos move a abdicarmos de nossa interpretação considerandoa equivocada tal exposição de nossa técnica foi muito bemvinda para os adversários da análise Por isso vale a pena apresentar em detalhes como costumamos avaliar o sim e o não do paciente a expressão de sua concordância e de sua oposição durante o tratamento analítico Evidentemente durante essa justificativa nenhum analista no exercício de sua atividade ouvirá algo que já não saiba Como se sabe o objetivo do trabalho analítico é fazer com que o paciente volte a suspender aufhebe os recalques entendidos aqui no sentido amplo de seu primeiro desenvolvimento para substituílos por reações que corresponderiam a um estado de maturidade psíquica Para esse fim ele precisa voltar a recordar determinadas vivências e moções de afeto por elas desencadeadas que atualmente estão sob o esquecimento Sabemos que seus sintomas e suas inibições atuais são as consequências de tais recalques ou seja são substitutos do esquecido Que materiais ele nos oferece para que utilizandonos deles possamos leválo ao caminho da recuperação das 266 lembranças perdidas São vários fragmentos dessas lembranças em seus sonhos em si de um valor incomparável mas em geral fortemente deformados por todos os fatores que participam da formação do sonho ocorrências que ele produz quando se entrega à associação livre a partir das quais podemos descobrir alusões às vivências recalcadas e derivados das moções de afeto reprimidas assim como as reações contra elas por fim alusões de repetições de afetos pertencentes ao recalcado em ações importantes ou triviais do paciente tanto dentro quanto fora da situação analítica A experiência nos mostra que a relação de transferência que se estabelece com o analista é especialmente adequada para favorecer o retorno de tais conexões de afeto A partir dessa matériaprima como a chamamos é que deveremos produzir o que queremos O que queremos é uma imagem dos anos de vida esquecidos do paciente imagem que seja confiável e consistente em todas as partes essenciais Aqui porém somos lembrados de que o trabalho analítico é composto de duas partes bastante diversas que ele transcorre em dois palcos diferentes que acontece em duas pessoas e a cada uma delas é atribuída uma tarefa diferente Por um momento perguntamonos por que não se chamou a atenção para esse fato fundamental há muito mais tempo mas logo nos dizemos que nada nos foi omitido que se trata de um fato de conhecimento geral digamos que óbvio que é destacado só aqui com uma intenção específica e que será devidamente tratado Todos nós sabemos que o analisando deverá ser levado a se recordar de algo que ele vivenciou e recalcou e as condições dinâmicas desse processo são tão interessantes que diante disso a outra parte do trabalho que é o empenho do analista passa a ficar em segundo plano De tudo o que é essencial aqui o analista não vivenciou nem recalcou nada não pode ser a sua tarefa lembrar algo O que então é a sua tarefa Ele terá de inferir o esquecido a partir dos sinais por ele deixados ou mais corretamente ele terá de construir o esquecido Como quando e com que explicações ele comunica as suas construções ao analisando é o que estabelecerá a ligação entre as duas partes do trabalho analítico entre a sua parte e a do analisando O seu trabalho de construção ou se preferirmos de reconstrução mostra uma ampla coincidência com o do arqueólogo que escava uma moradia destruída e soterrada ou uma construção do passado Na verdade o trabalho aí é idêntico apenas o analista trabalha sob condições melhores dispõe de 267 mais material de apoio porque ainda se ocupa com algo vivo e não com um objeto destruído e talvez ainda por outro motivo Mas assim como o arqueólogo constrói as paredes de um prédio a partir dos resquícios de parede ainda existentes determina a quantidade e a posição de colunas a partir de depressões no solo reconstitui os antigos ornamentos e pinturas de parede a partir de restos encontrados nos escombros o analista procede da mesma forma quando tira as suas conclusões a partir de fragmentos de lembranças associações e declarações ativas do analisando Ambos permanecem tendo o direito indiscutível de reconstrução através de complementação e junção dos restos conservados Também algumas dificuldades e fontes de erros são as mesmas Uma das tarefas mais delicadas da Arqueologia como se sabe é a determinação da idade relativa de um achado e quando um objeto aparece em uma determinada camada muitas vezes cabe decidir se ele faz parte dessa camada ou se chegou até aquele local mais profundo por uma perturbação posterior É fácil inferir o que corresponde a essa dúvida nas construções analíticas Dissemos que o analista trabalha sob condições melhores que a do arqueólogo porque também dispõe de material para o qual não há correspondente nas escavações por exemplo as repetições de reações oriundas de tempos primevos e tudo o que é revelado em termos de repetições através da transferência Mas além disso devemos considerar que o escavador lida com objetos destruídos dos quais partes grandes e importantes certamente se perderam devido à violência mecânica ao fogo ou a saques Por maior que seja o esforço não se consegue encontrar essas partes para compôlas com os restos preservados Dependemos única e exclusivamente da reconstrução que por isso muitas vezes não consegue ir além de um certo grau de probabilidade A situação é diferente com o objeto psíquico cuja história prévia o analista quer levantar Aqui geralmente acontece o que só em felizes casos excepcionais aconteceu em Pompeia ou com a tumba de Tutancâmon Todo o essencial ficou preservado mesmo aquilo que parece totalmente esquecido ainda está presente de alguma forma em algum lugar estando apenas soterrado tornado inacessível ao indivíduo Como se sabe duvidamos que qualquer formação psíquica realmente seja suscetível à destruição total É apenas uma questão da técnica analítica saber se vamos conseguir trazer totalmente à tona o que está oculto A essa extraordinária vantagem do trabalho analítico se contrapõem apenas dois 268 outros fatos a saber o objeto psíquico é incomparavelmente mais complicado que o objeto material do escavador e o nosso conhecimento não está suficientemente preparado para aquilo que devemos encontrar uma vez que a sua estrutura íntima ainda abriga muitos mistérios E aqui a nossa comparação entre os dois trabalhos já chega ao fim pois a principal diferença entre ambos reside no fato de que para a Arqueologia a reconstrução é o objetivo e o fim dos seus esforços e para a análise a construção constitui apenas um trabalho preliminar II Mas não é um trabalho preliminar no sentido de que primeiro terá de ser terminado antes de se começar o próximo mais ou menos como a construção de uma casa em que todas as paredes precisam ser erguidas e todas as janelas colocadas antes de nos ocuparmos com a decoração interior dos cômodos Todo analista sabe que no tratamento analítico isso é diferente que ambos os tipos de trabalho caminham paralelamente sempre um deles um tanto na dianteira vindo o outro em sua sequência O analista produz um pedaço de construção comunicao ao paciente para que faça efeito sobre ele depois ele constrói mais um pedaço a partir do novo material que chega como um afluente e trabalha do mesmo jeito e nessa alternância vai até o fim Se nas apresentações do trabalho analítico se ouve falar tão pouco em construções isso se deve ao fato de que em vez disso falase em interpretações Deutungen e seus efeitos Mas penso ser construção o termo infinitamente mais adequado Interpretação se refere àquilo que fazemos com um único elemento do material a exemplo de uma ocorrência Einfall um ato falho ou assemelhados Mas falamos em construção quando apresentamos ao analisando um pedaço de sua história pregressa esquecida da seguinte forma por exemplo até os seus x anos você se considerava o dono único e irrestrito da sua mãe até que chegou um segundo filho e com ele uma grande decepção Sua mãe abandonou você durante algum tempo e também mais tarde não se dedicou exclusivamente a você Seus sentimentos em relação à sua mãe tornaramse ambivalentes o pai passou a ter outra importância para você etc Neste artigo a atenção se volta exclusivamente a esse trabalho preliminar das construções E é aí que surge em primeiro lugar a pergunta que 269 garantias temos durante o nosso trabalho nas construções de que não seguiremos por caminhos errados colocando em risco o sucesso do tratamento caso defendamos uma construção incorreta Pode parecer que essa pergunta nem permita uma resposta geral mas ainda antes de discutirmos a questão ouçamos uma informação de consolo que nos traz a experiência analítica Pois ela nos ensina que não provocará nenhum dano se alguma vez nos equivocarmos e apresentarmos ao paciente uma construção incorreta como sendo a verdade histórica provável É evidente que isso significa que perderemos tempo e que aquele que sempre impor ao paciente certas combinações falsas não lhe causará boa impressão e não chegará longe no tratamento mas um único equívoco é inócuo O que acontece nesse caso é muito mais que o paciente permanece como que intocado não reagindo nem com um sim nem com um não Isso possivelmente significará apenas um adiamento da reação mas se a situação permanecer assim podemos chegar à conclusão de que erramos e confessaremos isso ao paciente no momento adequado sem prejuízo da nossa autoridade Esse momento se dá quando surgir um novo material que possibilite uma construção melhor e assim a correção do erro A construção errada acaba por ficar de lado de forma que é como se nunca tivesse sido feita e em alguns casos até se tem a impressão de que usando as palavras de Polônio3 se fisgou a carpa da verdade justamente com a isca da mentira O perigo de levar o paciente pelo mau caminho através da sugestão convencendoo de determinadas coisas em que nós próprios acreditamos mas que ele não deveria aceitar certamente tem sido exagerado além da medida O analista teria se comportado de forma muito incorreta se um infortúnio desses lhe acontecesse principalmente ele teria de fazer a autocrítica reconhecendo que não deu voz ao paciente Posso afirmar sem falsa modéstia que esse mau uso da sugestão nunca aconteceu na minha atividade A partir do que dissemos acima já se pode deduzir que não estamos nem um pouco inclinados a desprezar os sinais que depreendemos da reação do paciente diante da comunicação que lhe fazemos de uma de nossas construções Trataremos desse ponto em detalhes Está certo dizer que não damos a um não do analisando o crédito total assim como tomamos como válido o seu sim é absolutamente injustificado nos culparem por reinterpretarmos a sua manifestação transformandoa em todos os casos em 270 uma confirmação Na verdade não é tão simples assim não tomamos uma decisão com tanta facilidade O sim direto do analisando tem muitos significados Ele pode de fato indicar que ele reconhece a construção ouvida como sendo correta mas também pode ser desprovido de sentido ou mesmo o que podemos chamar de falso na medida em que é confortável para a sua resistência continuar ocultando a verdade não revelada através dessa aquiescência Esse sim só tem algum valor se for seguido de confirmações indiretas se o paciente logo depois do sim produzir novas lembranças que complementam e ampliam a construção Só nesse caso reconheceremos o sim como a plena resolução do respectivo ponto O não do analisando é muito polissêmico e na verdade ainda menos utilizável que o seu sim Em casos raros ele se mostra como expressão de uma rejeição justificada muito mais frequentemente ele é expressão de uma resistência provocada pelo conteúdo da construção informada mas que também pode se originar de outro fator da situação analítica complexa O não do paciente portanto nada prova em relação à correção da construção mas se coaduna muito bem com essa possibilidade Uma vez que toda construção é incompleta e abarca apenas um pequeno fragmento do acontecimento esquecido temos a liberdade de supor que o analisando na verdade não está renegando leugnet o que lhe foi comunicado mas fundamenta sua oposição com base na parte ainda não revelada Via de regra ele só dará a sua concordância quando souber de toda a verdade e esta muitas vezes é bastante ampla Portanto a única interpretação segura do seu não é aquela que aponta insegurança que a construção certamente não lhe disse tudo Portanto concluímos que a partir das manifestações diretas do paciente após a comunicação da construção teremos poucos pontos de apoio para saber se agimos de forma correta ou incorreta Tanto mais interessante é saber que existem tipos indiretos de confirmação que são absolutamente confiáveis Um deles é uma expressão idiomática que se ouve com pequenas variações das mais variadas pessoas como se fosse combinado Eu jamais pensei ou teria pensado isso nisso Podemos traduzir essa manifestação tranquilamente por Sim nesse caso você acertou o inconsciente na mosca Infelizmente ouvimos essa fórmula tão desejada pelo analista com maior frequência após interpretações isoladas mais do que depois da comunicação 271 de construções ampliadas Uma confirmação de igual valor dessa vez expressa de forma positiva é quando o analisando responde com uma associação que contém algo semelhante ou análogo ao conteúdo da construção Em vez de apresentar um exemplo tirado da análise que seria fácil de achar mas seria muito longo para demonstrar quero narrar aqui uma pequena vivência extraanálise que apresenta essa situação com uma ênfase quase cômica Tratavase de um colega que tinha isso faz muito tempo me escolhido como consultor em sua atividade médica Certo dia porém ele me trouxe a sua jovem esposa que estava lhe causando problemas Ela se recusava a ter relações sexuais usando todo tipo de pretextos e ele aparentemente esperava de mim que eu esclarecesse a ela quais as consequências de seu comportamento inadequado Eu concordei e expliquei a ela que a sua recusa provavelmente causaria distúrbios de saúde lamentáveis ou tentações no marido que poderiam levar à destruição do seu casamento Durante essa explicação ele repentinamente me interrompeu para dizer o seguinte o inglês em quem o senhor diagnosticou um tumor cerebral também já morreu No início a fala parecia incompreensível o também na frase parecia enigmático não havíamos falado de nenhum outro falecido Poucos instantes depois entendi Aparentemente o homem queria me apoiar ele quis dizer sim certamente o senhor tem razão o seu diagnóstico do paciente também acabou se confirmando Era uma plena contrapartida das confirmações indiretas por associações que obtemos nas análises Não quero negar aqui que na manifestação do colega também houve a participação de ideias rechaçadas por ele A confirmação indireta por meio das associações que combinam com o conteúdo das construções e que trazem consigo um também como aquele fornece ao nosso juízo alguns pontos de apoio para descobrir se essa construção se mostrará verdadeira na continuidade da análise Especialmente impressionante também é o caso em que a confirmação se infiltra na oposição direta por meio de um ato falho Um belo exemplo desse tipo foi publicado por mim anteriormente em outro local4 Nos sonhos do paciente repetidamente aparecia o nome Jauner bem conhecido em Viena sem que em suas associações houvesse qualquer esclarecimento a respeito Então tentei a interpretação de que talvez ele quisesse dizer Gauner quando dizia Jauner ao que o paciente prontamente respondeu mas isso me parece 272 demasiado gousado jewagt5 Ou então o paciente quer rechaçar a ideia a ele atribuída de que determinado pagamento tenha um valor alto demais para ele usando as seguintes palavras dez dólares não significam nada para mim mas em vez de dólares usa a moeda menos valiosa dizendo dez xelins Quando a análise está sob a pressão de fortes fatores que forçam a uma reação terapêutica negativa como consciência de culpa necessidade masoquista de sofrimento relutância contra a ajuda do analista o comportamento do paciente após a comunicação da construção muitas vezes torna a decisão que buscávamos muito fácil Se a construção estiver errada nada muda no paciente mas se ela estiver correta ou trouxer uma aproximação da verdade ele reagirá a ela com uma visível piora de seus sintomas e de seu estado geral Resumindo constataremos que não merecemos a crítica de que desprezamos e colocamos de lado a posição do analisando em relação às nossas construções Nós prestamos atenção nela e dela muitas vezes retiramos pontos de apoio valiosos Mas essas reações do paciente geralmente têm múltiplos significados e não permitem uma decisão definitiva Apenas a continuidade da análise poderá trazer a decisão sobre a correção ou a inutilidade da nossa construção Entendemos a construção individual como nada mais que uma suposição que aguarda a verificação a comprovação ou o descarte Não pleiteamos autoridade para ela não exigimos do paciente nenhuma concordância imediata não debatemos com ele quando ele inicialmente rebate Em suma comportamonos segundo o modelo de um conhecido personagem de Nestroy6 o criado da casa que tem uma única resposta pronta para todas as perguntas e intervenções ao longo dos acontecimentos tudo será esclarecido III Mostrar aqui como isso se dá ao longo da continuação da análise por que caminhos a nossa suposição se transforma em convicção para o paciente não vale o esforço isso é de conhecimento de todo analista a partir da experiência diária e não é de difícil compreensão Apenas um ponto nesse contexto merece um exame mais acurado bem como esclarecimentos O caminho que começa com a construção do analista deveria terminar com a recordação do 273 paciente nem sempre ele vai tão longe Inúmeras vezes não conseguimos levar o paciente à recordação do recalcado Em vez disso se executarmos a análise de forma correta conseguimos que ele tenha uma convicção segura da verdade da construção que do ponto de vista terapêutico tem o mesmo efeito que uma recordação recuperada Sob que circunstâncias isso acontece e como é possível que uma substituição aparentemente incompleta tenha mesmo assim o efeito pleno será matéria para uma pesquisa futura Encerrarei esta pequena comunicação com algumas observações que abrirão uma nova perspectiva Chamoume a atenção em algumas análises que a comunicação de uma construção aparentemente correta produzia nos analisandos um fenômeno surpreendente e inicialmente incompreensível Eles começavam a ter recordações vivas chamadas por eles próprios de ultranítidas überdeutlich no entanto eles não se lembravam do acontecimento em si que fora o conteúdo da construção mas de detalhes próximos a esse conteúdo por exemplo do rosto das pessoas ali citadas com extrema nitidez ou dos espaços em que algo semelhante poderia ter acontecido ou ainda um pouco mais adiante dos objetos de decoração desses ambientes dos quais evidentemente a construção não teria como ter conhecimento Isso acontecia tanto em sonhos diretamente após a comunicação como também em vigília em estados semelhantes a uma fantasia A essas lembranças não se atrelava mais nada na sequência então parecia legítimo entendêlas como o resultado de um acordo A súbita vinda à tona Auftrieb do recalcado ativada pela comunicação da construção tinha a intenção de levar aqueles importantes resquícios da lembrança à consciência uma resistência conseguiu se não refrear o movimento pelo menos deslocá lo para objetos secundários vizinhos Essas lembranças poderiam ter sido chamadas de alucinações se à sua nitidez tivesse sido acrescida a crença em sua atualidade Mas essa analogia ganhou importância quando atentei para a ocorrência ocasional de alucinações reais em outros casos certamente não psicóticos O raciocínio então continuou talvez seja uma característica geral da alucinação até então não considerada suficientemente que nela retorna algo vivenciado nos primórdios e depois esquecido algo que a criança viu ou ouviu numa época em que mal sabia falar e que agora se insinua fortemente na consciência provavelmente de modo deformado e deslocado devido às forças que se contrapõem a esse retorno E se pensarmos na relação estreita entre a 274 alucinação e determinadas formas de psicose nosso raciocínio ainda pode ir além Talvez as formações alucinatórias em que regularmente vemos inseridas essas alucinações não sejam elas próprias tão independentes assim da súbita vinda à tona do inconsciente e do retorno do recalcado como supomos até agora Em geral sublinhamos apenas dois fatores no mecanismo de uma formação alucinatória Wahnbildung por um lado o afastamento Abwendung do mundo real e seus motivos e por outro lado a influência da realização do desejo sobre o conteúdo do delírio Mas será que o processo dinâmico não seria aquele em que o afastamento da realidade é aproveitado pela emergência do recalcado para impor o seu conteúdo à consciência sendo que as resistências ativadas nesse processo e a tendência à realização do desejo se dividem na responsabilidade pela deformidade e pelo deslocamento do relembrado Mas isso é também o conhecido mecanismo do sonho que já uma antiquíssima suposição equiparava à loucura delirante Não creio que essa concepção de delírio seja totalmente nova mas ela reforça um aspecto que normalmente não aparece em primeiro plano Essencial aí é a afirmação de que a loucura não só tem método como já reconhecera o poeta mas também contém uma parte de verdade histórica7 e nos é lícito supor que a crença obsessiva que a loucura encontra extrai a sua força justamente de tal fonte infantil Para demonstrar essa teoria hoje tenho apenas reminiscências à minha disposição e não impressões recentes Provavelmente valeria a pena tentar estudar casos patológicos correspondentes de acordo com os pressupostos aqui desenvolvidos e também estabelecer o tratamento segundo eles Certamente abandonaríamos o esforço inútil de convencer o doente do erro de seu delírio de sua contradição diante da realidade encontrando antes e muito mais um fundamento comum no reconhecimento do cerne da verdade a partir do qual se poderá desenvolver o trabalho terapêutico Esse trabalho consistiria em libertar aquela parte de verdade histórica de suas deformações e ligações Anlehnungen com o presente real reconduzindo aquela parte do passado à qual pertence O deslocamento da préhistória esquecida para o presente ou para a expectativa do futuro é uma ocorrência regular também no neurótico Muitas vezes quando um estado de angústia Angstzustand o deixa na expectativa de que algo terrível vai acontecer ele apenas está sob a influência de uma recordação recalcada que quer chegar à consciência e que não pode se 275 tornar consciente naquela época em que de fato algo assustador aconteceu Quero dizer com isso que a partir de tais esforços com os psicóticos descobriremos muita coisa valiosa mesmo se o sucesso terapêutico não acontecer Sei que não é apropriado tratar de um tema tão importante de modo tão superficial como fizemos aqui Segui o atrativo de uma analogia As formações delirantes dos doentes parecemme equivalentes das construções que elaboramos nos tratamentos analíticos tentativas de explicação e reconstituição que sob as condições da psicose aliás só poderão levar a substituir aquela parte de realidade que é renegada verleugnet no presente por uma outra parte que nos primórdios também foi renegada Revelar as relações íntimas entre a matéria da recusa Verleugnung atual e o antigo recalque será tarefa do exame individual Assim como a nossa construção só tem efeito por trazer de volta uma parte da história de vida perdida o delírio também deve o seu poder de convencimento à porção de verdade histórica que ele coloca no lugar da realidade rejeitada Desse modo o delírio também se submeteria à frase que no passado eu usei apenas para a histeria dizendo que o doente sofria de suas reminiscências Nem naquela época essa fórmula resumida tinha a intenção de negar a complexidade da causação da doença excluindo o efeito de tantos outros fatores Se abarcarmos a humanidade como um todo e a colocarmos no lugar de cada indivíduo humano verificaremos que ela também desenvolveu formações delirantes inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade Se mesmo assim elas puderem expressar um extraordinário poder sobre as pessoas a análise levará à mesma conclusão que no caso de cada indivíduo Elas devem o seu poder ao teor de verdade histórica que foram buscar lá no recalque dos tempos primordiais esquecidos 276 Konstruktionen in der Analyse 1937 1937 Primeira publicação Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse t 23 p 6168 1950 Gesammelte Werke t XVI p 4156 Dois dispositivos fundamentais se destacam na técnica psicanalítica ao quebrar o silêncio do analista as interpretações e as construções Embora Freud tenha feito uso de construções em alguns casos clínicos publicados notadamente no caso do Homem dos Lobos e no caso da jovem homossexual é aqui que pela primeira vez ele tematiza de maneira sistemática a especificidade desse procedimento Nos últimos anos de sua atividade intelectual Freud dedicouse intensamente à elaboração de seu testamento clínico e teórico A questão da transmissão da Psicanálise e de sua herança foi tratada sob diversos ângulos em textos tão diversos como o Compêndio de psicanálise ou O homem Moisés e a religião monoteísta O presente ensaio pode ser visto ao lado de A análise finita e a infinita como uma contribuição técnica desse legado Embora seja difícil precisar com certeza a quem Freud se refere no início do artigo como autor da crítica segundo a qual o analista tem sempre razão vários nomes de uma ou de outra forma poderiam esposar tal asserção Uma hipótese bastante provável é que se trataria de Havelock Ellis É o que afirma Joseph Wortis que relata ter ouvido essa informação da boca do próprio Freud durante uma sessão Mais tarde nomes como Ludwig Wittgenstein e Karl Popper elaborariam argumentos análogos ao de Ellis O presente artigo pode ser visto como uma resposta em alguns casos antecipada à ideia de que o analista tem sempre razão Ao tomar essa crítica em consideração Freud acrescenta que o analista não toma o não do paciente por seu valor nominal assim como também não se contenta com o sim como critério de validade Apenas o próprio curso do tratamento pode fornecer confirmações indiretas que mostram ou não a correção da interpretação O complexo estatuto da negação já tinha sido abordado no texto A negação em 1925 A célebre analogia entre o trabalho do arqueólogo e do psicanalista fornece o tropo argumentativo do texto Por outro lado ao explicitar que o trabalho do analista não se limita à interpretação do recalcado Freud oferece subsídios para a perspectiva de autores que se dedicaram ao atendimento de pacientes que apresentam sofrimento psíquico distinto do neurótico KOFMAN S Un métier impossible lecture de Constructions en analyse 1983 WORTIS J Fragments of an analysis with Freud New York Simon and Schuster 1954 WITTGENSTEIN L Lectures conversations on Aesthetics Psychology and Religious Belief Berkeley Los Angeles University of California Press 1997 NOTAS 1 Em várias outras notas assinalamos casos em que a língua alemã dispõe de uma palavra de origem germânica e de outra de origem grega ou latina para designar aparentes sinônimos Nesses casos a palavra germânica tende a expressar algo de forma mais direta e cotidiana ao passo que os termos grecolatinos remetem a um registro mais culto da língua apontando muitas vezes para certo nível de abstração É exatamente esse o caso aqui Enquanto a palavra Bau é usada para designar uma construção como uma casa ou um edifício por exemplo o termo latino Konstruktion aponta para uma 277 construção no sentido metafórico algo psíquica ou intelectualmente elaborado NR 2 Significa literalmente Cara eu ganho coroa você perde numa espécie de aposta ou jogo para ver quem sai vencedor NT 3 Referência à personagem do Hamlet de Shakespeare ato II cena I NR 4 Tratase do capítulo V da Psicopatologia da vida cotidiana NE 5 Há aqui um jogo de palavras de difícil tradução Freud escuta sob o nome Jauner o substantivo Gauner algo como malandro larápio bandido Na fala vulgar de alguns dialetos alemães é comum a troca do G pelo J Portanto Jauner e Gauner podem ser eventualmente homófonos Na resposta em alemão que tem a estrutura de um lapso o colega de Freud responde que aquilo lhe parecia demasiado jewagt quando o correto seria dizer gewagt com G significando ousado Optamos por acrescentar um G também em português sendo o mesmo G de Gauner lembrando a palavra gozado com a grafia incorreta gousado sendo portanto uma variação incorreta de ousado NT 6 Johann Nepomuk Nestroy foi um conhecido autor austríaco de peças de vaudeville bastante populares que viveu de 1801 a 1862 Em suas comédias mirabolantes costumava haver um triângulo amoroso jogos de escondeesconde para identificar o traidor e enredos assemelhados Ao mesmo tempo revelava mazelas sociais da época em chave de comédia NT 7 O tema da verdade histórica foi tratado por Freud também em seu O homem Moisés e a religião monoteísta Freud trabalhava na terceira parte do longo ensaio sobre Moisés quando redigiu o presente artigo NE 278 POSFÁCIO ORIENTAÇÃO FREUDIANA Sérgio Laia Os textos reunidos neste volume das Obras incompletas de Sigmund Freud perfazem uma extensa trajetória temporal pois vão desde o que já se considerou como os primórdios ou mesmo a préhistória da psicanálise até praticamente um dos últimos trabalhos publicados por aquele que a criou Essa extensão além de se fazer ao longo do tempo comporta ainda todo um processo de elaboração clínicoconceitual O texto que abre esta coletânea Tratamento psíquico tratamento anímico é de 1890 e explicita as especificidades do que é o processo terapêutico que Freud já procurava então apurar Por sua vez os dois últimos textos são A análise finita e a infinita e Construções na análise ambos de 1937 no primeiro Freud entre tantas outras importantes considerações argumenta por que uma análise ao mesmo tempo é longa e mesmo sem ser necessariamente permanente quanto a seus resultados pode ser considerada eficaz no segundo ele explicita uma operação clínica a chamada construção que terá uma função decisiva no encaminhamento do fim de uma análise por não se valer apenas das lembranças ou seja das representações do passado por se pautar no que se perdeu sem deixar qualquer registro na realidade mas que se impõe ainda na vida Os textos aqui reunidos apresentam também um endereçamento bem diversificado destinamse como lemos em O método psicanalítico freudiano de 1904 1905 a chamar a atenção para um método terapêutico então recente ou por exemplo em Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico 1912 e A questão da análise leiga 1926 a zelar pela formação do analista ou ainda como em Caminhos da terapia psicanalítica 1919 1918 a garantir o futuro da psicanálise conclamando os analistas a renovaremna frente à devastação provocada por uma guerra mundial e pela pobreza antecipando suas intervenções no âmbito da hoje 279 chamada saúde pública Escrita sobre a água Nessa ampla extensão temporal e clínicoconceitual e nessa variedade de destinos uma orientação se sustenta e pareceme o título deste volume a apreendeu muito bem tratase de dar lugar fazer valer e operar os fundamentos da clínica Porém conforme experimentamos no trabalho com esses textos e na nossa própria prática provavelmente também tal qual Freud o terá provado criando e dedicandose ao exercício da psicanálise bem como na própria redação de sua obra não é tarefa fácil fundar a clínica e de modo especial uma clínica como a psicanalítica Afinal nessa clínica tratase de intervir não exatamente sobre o que uma clínica médica discerne como sendo os órgãos do corpo nem sobre o que os filósofos antigos abordavam como psique ou anima e que após o século XIX segundo perspectivas muito diferentes profissionais marcados pelo prefixo psi passaram a chamar de mente psiquismo ou cérebro Na clínica psicanalítica tal como Freud já entrevê em 1890 no primeiro texto publicado neste volume a intervenção se processa sobre as modificações que a vida anímica provoca no corpo mas da qual esse corpo também participa intensamente através dos afetos p 24 que por sua vez não se confundem com os chamados sentimentos nem com manifestações físicas do corpo Afinal a concepção freudiana de afeto designa um quantum ou seja uma quantidade que sem ser propriamente mensurável ou quantificável afeta toca o corpo Em outros termos na clínica analítica a intervenção se faz sobre uma espécie de matéria que concerne ao corpo sem ser propriamente orgânica e que toma vida sem se confundir com o que sob diferentes perspectivas é designado como espiritual mental ou psíquico Como fundar então uma clínica se a matéria sobre a qual e com a qual trabalhamos na psicanálise toma a dimensão de um objeto sem ser propriamente objetivável dá lugar a um lugar que por se apresentar mais como uma fronteira não é exatamente localizável e mesmo sendo capaz de aumentar ou de diminuir produzindo tensões e alívios não é efetivamente mensurável Sabemos inclusive pela leitura de textos publicados aqui como Sobre a dinâmica da transferência Observações sobre o amor transferencial e A análise finita e a infinita que a formulação e o manejo da transferência por Freud são decisivos para se fundar a clínica psicanalítica e sustentála mas também nesse viés um novo paradoxo se impõe a 280 transferência concebida como o investimento libidinal que cada analisandoa faz em seusua analista é tanto a força mais poderosa do sucesso quanto o meio mais forte de resistência p 110 e assim ainda nesse viés o que se apresenta como fundamento se mostra por demais fluido cambiante o que nos serve de apoio também se volta contra nós Não é sem razão portanto que em A análise finita e a infinita Freud declara temos a impressão de que não trabalhamos com argila mas que escrevemos sobre a água p 347 Como então escrever sobre a água sem que o exercício mesmo de nossa clínica se dilua Como dar corpo à experiência analítica se ela é marcada tanto pela mutação dos sintomas quanto pela permanência inexorável inclusive frente à própria ação terapêutica daquilo que alguma vez ganhou vida e sabe se manter de forma tenaz p 331 São desafios assim que Freud se dispôs a enfrentar para fundar a clínica analítica e que como analistas a cada experiência com a psicanálise continuamos enfrentando Afinal como é próprio à matéria com que operamos tal fundamento se perfaz com Freud e ao mesmo tempo é contínua e diferencialmente reinventado por cada um que se dispõe a praticar a psicanálise e a se entregar à sua experiência Breve passagem por Heidegger O título deste volume Fundamentos da clínica psicanalítica bem como o que Freud promove nos textos aqui reunidos fizeramme evocar o modo como em alemão o termo para fundamento Grund é bem próximo do que pode se apresentar como seu revés isto é do abismo Abgrund Assim Grund originalmente significava areia solo arenoso terra passou a ser correspondente também de lote de construção campo fundo leito de mar fundação profundezas base razão causa mas ao ser escrito com o prefixo ab dá lugar à palavra Abgrund que significa literalmente terra indo para baixo profundezas insondáveis abismo fundo abissalxlvi Importante lembrar que o fundo abissal que podemos encontrar no termo Abgrund não tem nada a ver com a ausência ou a falta de fundamento porque para o sem fundamento a língua alemã oferecenos uma palavra diferente grundlos Sabemos que Heidegger se valeu bastante dessa digamos assim tensa proximidade entre fundamento Grund e abismo Abgrund entre o que 281 funda e ao mesmo tempo se esvai dando lugar a um oximoro como fundamento abissal ou mesmo fundo abissal Embora Freud escrevesse em alemão e como sabemos exercitasse essa língua como poucosxlvii ele não explorou essa tensa proximidade existente entre Grund e Abgrund Porém minha hipótese é de que ele a realiza em ato ao inventar a clínica psicanalítica e desejar fazêla chegar até nós de modo que também passemos a desejála e fazer com que ela continue se transmitindo às gerações futuras No importante Sobre a essência do fundamento Vom Wesen des Grundes o ponto de partida heideggeriano é o princípio da razão que em sua fórmula vulgar e abreviada é nihil est sine ratione nada é sem razão fundamento e em sua transposição positiva significa omne ens habet rationem todo ente tem uma razão fundamentoxlviii Desde o início desse texto Heidegger problematiza tal princípio por parecer como um princípio supremo recusar de antemão o que poderia ser considerado como problema do fundamento pois sem se ater antes ao que faz algo ser fundante ou seja sem se perguntar sobre a essência do fundamento proclama que tudo tem fundamento tudo tem razão e portanto faz com que se possa questionar se ele ao se apresentar como um princípio da razão é um enunciado sobre o fundamento como talxlix Além disso continua Heidegger em sua transposição positiva tal princípio da razão faz uma formulação sobre o ente tomando a razão fundamento como ponto de vista mas nada determina quanto aquilo que constitui a essência do fundamentol Pareceme então possível já detectar nessa problematização heideggeriana inicial sobre tal princípio da razão o quanto a declaração de que tudo tem fundamento Grund nos leva no sentido negativo dessa condução ao abismo Abgrund por não tematizar previamente o que constitui o fundamento como fundamento No final de Sobre a essência do fundamento Heidegger justifica o que me parecia possível detectar desde o início pois afirma que o princípio da razão continua perturbando a essência do fundamento e sufoca na sua forma sancionada de princípio uma problemática que sacudiria a ele mesmoli ou seja a problemática de sem antes discernir o que é fundamento proclamar que nada é sem fundamento Porém é também no final desse texto que Heidegger me parece destacar uma 282 proximidade entre fundamento Grund e abismo Abgrund que não se faz negativamente Primeiro porque esse filósofo afirma que o fundamento tem sua desordem não essêncialii ou seja o fundamento como o que dá lugar a uma ordem e organiza não deixa de comportar uma desordem uma opacidade a tal não essência Além disso será também afirmado que o fundamento remonta à própria liberdade que como origem se transforma ela mesma em fundamento fazendo com que Heidegger a proclame como razão do fundamento o fundamento do fundamento sem no entanto tomar esse processo como uma iteração formal sem fimliii que transformaria esse fundamento do fundamento por exemplo em um mero jogo de palavras em um recurso retórico ou mesmo tautológico como se passássemos de um tudo tem fundamento fórmula do princípio da razão a um nada tem fundamento Portanto tomar a liberdade como a razão do fundamento o fundamento do fundamento implica um risco porque enquanto este fundamento a liberdade será tematizada por Heidegger como o abismo Abgrund sem fundamento do seraí Daseinliv da existência humana Abismo nesse novo contexto não tem mais um sentido negativo porque não se trata de conceber o comportamento individual livre como sem razão de ser grundloslv ou seja literalmente sem fundamento Tratase de concebêlo como fundado no próprio abismo que a liberdade é como fundamento do fundamento porque em sua ultrapassagem do mundoprojeção dos entes o Dasein seraí deve ultrapassarse a si mesmo para só então poder compreenderse como um abismo do fundamento a partir dessa elevaçãolvi Ora Heidegger em sua tematização sobre a essência do fundamento interessase precisamente por essa abissalidade do seraílvii que não deve ser confundida com uma falta ou uma ausência de fundamento ou seja como sem fundamento grundlos Em um posfácio a uma coletânea de textos de Freud mesmo se ela se intitula Fundamentos da clínica psicanalítica não me parece ser o caso de me aprofundar mais no que Heidegger elabora sobre o que tenho chamado aqui de proximidade tensa entre fundamento Grund e abismo Abgrund tampouco em sua concepção da liberdade Entretanto destacaria ainda que segundo ele essa abissalidade do seraí não se abriria 283 para qualquer dialética ou análise psicológicalviii Faço tal destaque por um lado porque sem dúvida ao se interessar por tal abissalidade a filosofia heideggeriana vai se enveredar por caminhos que lhe são próprios e bem diferentes daqueles da psicologia e por outro lado porque a orientação depreendida por exemplo dos textos reunidos no presente volume também nos convoca a trilhar por um fundo abissal que cada analisando traz consigo como sendo também o mais estranho de si e incompatível tanto com qualquer dialética ou análise psicológica quanto com qualquer determinação absoluta de um fundamento para tudo Antes de retornar à orientação freudiana pareceme importante ainda citar uma última vez Heidegger a nãoessência o elemento perturbador do fundamento é unicamente superada no existir fático ou seja no que existe factualmente sempre vamos encontrar alguma superação do que perturba o fundamento porém essa não essência como elemento perturbador nunca é afastadalix Considero importante essa citação porque quanto à clínica psicanalítica a orientação freudiana é justamente a de sustentar que a superação das perturbações promovida ao longo da própria experiência analítica almejada pelas recomendações destinadas aos praticantes da psicanálise e à própria formação de analistas não afasta de modo nenhum a perturbação Fundar a clínica analítica fazêla prosseguir e enfrentar novos desafios implica portanto dar lugar ao fundo abissal para mesmo superando as perturbações verificar também como Freud o faz por exemplo em A análise finita e a infinita p 315364 que elas não são elimináveis e podem portanto em outros momentos fáticos imporse sem comprometer o que se conquistou ao longo de uma análise e sem desqualificar a eficácia do processo analítico Essa breve passagem por Heidegger bem como o que derivo da experiência analítica e da leitura de A análise finita e a infinita permitem me afirmar tanto que uma análise pode e deve chegar a um fim em sua existência fática quanto que considerando que as perturbações jamais deixam de compor a dimensão real do que é vivo há também a análise infinita não por ineficiência do processo psicanalítico mas por uma coerência com relação à dimensão inevitável e imprevisível do que pode perturbar um corpo Essa dupla e sob alguns aspectos contraditória afirmação tem a ver também com essa impressão freudiana já citada aqui de que não trabalhamos com 284 argila mas que escrevemos sobre a água p 347 Assim é sobre um fundo abissal que construímos desde Freud a clínica analítica porque a matéria com que lidamos é tão ou mais fluida que a água e não menos perturbadora que esse elemento líquido capaz de se imiscuir nas mínimas frestas e mesmo de furar o que é duro firme e resistente Retorno a Freud Se a clínica psicanalítica convocanos a escrever sobre a água não é sem razão que Freud em 1890 no primeiro texto deste volume já sustentava que o então chamado tratamento anímico vinha devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico p 19 Em outros termos por lidar com palavras e verificar seus efeitos na causalidade dos sintomas e nos modos como eles são tratados a clínica analítica pode ser concebida como uma escrita sobre as águas porque a fala é tão ou mais que a água essa matéria ao mesmo tempo fluida e incisiva com que operamos Nesse viés embora Freud tenha colocado no título mesmo desse texto primeiro a expressão tratamento psíquico e entre parênteses tratamento anímico embora a palavra psíquico muito mais que a anímico tenha se consolidado entre nós para designar de modo geral o âmbito no qual a psicanálise opera pareceme importante que encontremos no texto freudiano essa referência ao anímico Apesar de evocar o termo alma cuja forte conotação religiosa é sem qualquer incidência no fundamento abissal de onde Freud ergue sua clínica considero o resgate do termo anímico valioso na medida em implica o que anima toma vida ganha corpo Certamente como psíquico tem sua raiz no grego psyché ele tampouco nessa vertente etimológica deixa de se associar ao que é princípio vital e toma o corpo Entretanto sobretudo a partir do século XIX com a consolidação da psicologia e da psiquiatria psíquico se torna muito mais equivalente do que hoje é qualificado de mental Essa redução contemporânea do psíquico ao mental deixa escapar nuances semânticas que o termo anímico conserva nuances indispensáveis se quisermos apreender todo o alcance da inovação da clínica fundada por Freud O célebre mito bíblico entre outras referências do sopro que anima vivifica e corporifica o que antes foi simplesmente modelado como argila do solo Gênesis 2 7lx já me permite situar o quanto o anímico literalmente toma corpo implica a vida e portanto não deve ser confundido com o que a 285 psicologia e a psiquiatria consideram como psíquico mental ou mesmo cerebral O anímico que interessa à clínica psicanalítica diferente da concepção religiosa convencional da alma não é separado do corpo nem lhe é superior Porém tampouco se confunde com o que é orgânico ou com o que seria abstrato imaterial Nesse contexto considerando a orientação freudiana de que a clínica analítica devolve à palavra o poder que lhe atribuía a magia sem no entanto se apresentar como uma nova prática mágica ou religiosa vale ainda relembrar o mito do sopro que anima vivifica e corporifica porque é esse hálito de vida que torna o homem um ser vivente Gênesis 2 7 ou como preferiu traduzir Haroldo de Campos uma almadevida néfeshlxi por ter sido literalmente soprado insuflado esse hálito é o que sai da boca e portanto tem a ver com o que é falado e marca o corpo no qual ele ressoa Por nos exigir uma escrita sobre as águas e não sobre a argila é instigante que em Sobre psicoterapia 1905 1904 p 6379 a clínica psicanalítica seja comparada ao procedimento com que Leonardo da Vinci designava a escultura diferenciandoa da pintura Considerando a peculiaridade de uma tal escrita essa comparação pode parecer estranha porque a pintura ao se fazer com tintas evocaria muito mais uma composição a partir de elementos líquidos e a escultura por sua vez não deixa de se materializar em um elemento como a argila que embora moldável não é exatamente fluido Porém a comparação freudiana entre analisar e esculpir não se vale das diferentes matérias com que pintura e escultura são compostas mas de como são diferentes os dois procedimentos com que se realiza cada uma dessas manifestações artísticas a pintura trabalha per via di porre colocando montinhos de tinta onde eles antes não existiam na tela sem cores ao passo que a escultura procede per via di levare já que retira da pedra o necessário para revelar a superfície da estátua nela contida p 67 e o método analítico também opera com a extração a retirada Por conseguinte se operamos na experiência analítica uma espécie de escrita sobre as águas não há como introduzir elementos onde eles não existiam porque eles tenderiam a se diluir ou ao contrário talvez mesmo fixar o que é fluido Ao contrário tratase de reduzir extrair o que está de algum modo contido no que é fluido e pode mesmo sem esse tipo de intervenção tornálo fixo 286 Graças a esse procedimento a incapacidade duradoura de viver marca destacada por Freud quanto àqueles que procuram uma análise pode dar lugar no transcurso do processo analítico à capacidade de viver a existência de forma duradoura p 71 A clínica analítica portanto opera com a vida e para a vida mas não sem desconhecer enfrentar e localizar o que é mortífero e letal Ainda assim ela não é um simples combate da vida contra a morte muito menos uma polarização maniqueísta entre o que é vivo e o que é morto Nesse contexto é instigante quando em Observações sobre o amor transferencial 1915 1914 Freud compara o amor transferencial a um espírito do submundo que uma vez invocado à superfície não deve ser mandado de volta sem ao menos lhe fazer uma pergunta p 171 É também esse amor que faz Freud nesse mesmo texto destacar o perigo desse método terapêutico e comparar o analista ao químico pois ambos lidam com as forças mais explosivas e para as quais se necessita cautela e meticulosidade p 179 Se uma doxa psicanalítica ou mesmo o senso comum tenderam a tematizar a periculosidade do método analítico como a possibilidade de o analisando se apaixonar pelo analista ou tornarse dele dependente a orientação freudiana é muito mais complexa e mesmo inquietante Assim na clínica analítica e esta é mais uma demonstração de seu fundamento abissal a doença não é um elemento a ser puramente expurgado nem um assunto histórico pois a repetição dos sintomas durante o próprio tratamento mostra nos o quanto a doença é uma potência atual p 156 a ponto de por exemplo a neurose com que se chega a uma análise poder se transmutar no que Freud designou como neurose de transferência Essa transmutação entretanto não é equivalente à infecção que se corre o risco de contrair por ocasião de uma internação clínica em um hospital no qual se foi fazer algum tipo de intervenção cirúrgica ou terapêutica Diferentemente da infecção hospitalar não é a clínica analítica que pode fazer proliferar um quadro infeccioso até então inexistente em um corpo se a doença a ser tratada em uma análise é segundo a orientação freudiana uma potência atual a clínica analítica apenas recolhe a atualização do que já se encontrava no corpo de quem a procura Daí a importância do que Freud concebeu como manejo da transferência Esse manejo se vale do fato de que a transferência cria uma zona intermediária entre a doença e a vida onde se dá a transição da primeira para 287 a segunda p 160 Tratase de um novo estado que assumiu todas as características da doença mas representa uma doença artificial a neurose de transferência na qual podemos intervir em todo lugar p 160 Mas consonante tanto com a periculosidade do método analítico quanto com a imiscuição do que é real na dimensão mesma do que artificial Freud também afirma que a neurose de transferência é um pedaço da vivência real permitindonos partir das reações de repetição que se mostram na transferência para percorrermos caminhos já conhecidos e que levam ao despertar das lembranças que se instalam quase que sem esforço após a superação das resistências p 160 Por conseguinte o analista não maneja a transferência como se ela lhe fosse um elemento estranho e assimilável a uma suposta natureza doentia ou adoecida de quem o procura para se analisar Tampouco cabelhe provocála como uma estratégia de sedução para as dificuldades a serem enfrentadas no tratamento ou para acolher melhor as dificuldades que levam alguém à experiência analítica A orientação freudiana é de que devemos como analistas corporificar a transferência que nos é endereçada porque se o controle dos fenômenos de transferência oferece as maiores dificuldades para o psicanalista não deixam de ser justamente elas que nos prestam o inestimável serviço de tornar manifestas e atuais as moções amorosas e esquecidas dos pacientes pois afinal ninguém pode ser abatido in absentia ou in effigie p 118 Em outros termos o corpo do analista vai se apresentar em sua presença na clínica como uma espécie de instrumento sem o qual o enfrentamento dos sintomas se faria ao léu sem qualquer fundamento no puro abismo ou no mero deslocamento infinito de um sintoma a outro Mas é igualmente importante levar em conta o fundo abissal que o corpo do analista apresenta na transferência que lhe é dirigida Por um lado em textos como Sobre a dinâmica da transferência 1912 e Lembrar repetir e perlaborar 1914 Freud almejou que ao emprestar seu corpo à transferência o analista permite abater o que não poderia ter esse fim in absentia ou in effigie p 118 assim como possibilita ao analisando aprofundarse na resistência que até então lhe era desconhecida para perlaborála superála na medida em que ele a ela resistindo continua o trabalho de acordo com a regra analítica fundamental da associação livre p 161 Por outro lado em um texto mais tardio como A análise finita e a 288 infinita 1937 o Freud que há quase duas décadas já formulara a pulsão de morte poderá então destacar a existência de fenômenos residuais relacionados à transferência em análises que já teriam chegado a seus respectivos fins assim como a perturbadora incidência do fator quantitativo determinante para o que uma análise pode comportar de infinito porque às vezes ela realmente conseguiria desligar a influência da intensificação da pulsão mas não com regularidade p 330 Desde os primórdios da psicanálise até os nossos dias mas também muito provavelmente no futuro para o qual procuramos destinála essa ausência de regularidade derivada da impossibilidade de se desligar o impacto da pulsão nos corpos é tomada como uma ineficiência da clínica analítica para tratar os sintomas que a ela se endereçam Entretanto essa ausência de regularidade quanto a tal desligamento ou mais ainda a impossibilidade de operálo designam efetivamente o que a vida tem de perturbador e de perigoso bem como o que a clínica analítica não pretende eludir de seus fundamentos e de seus procedimentos Na história da psicanálise essa problemática acerca dos fenômenos residuais de uma análise derivada inicialmente do que o próprio Freud pôde constatar na retomada do tratamento daquele que ficou conhecido como o Homem dos Lobos ou sob a forma de transferência negativa da própria análise de Ferenczilxii conhecerá um desdobramento importante a meu ver com Lacan Poderemos então considerar que uma análise não operaria exatamente um desligamento mas uma retificação do estado de satisfação da pulsãolxiii de modo que ao final e mesmo mais além da análise um analisante encontraria outro modo de viver a pulsãolxiv e a meta que esta sempre mantém de se satisfazer Tratase de uma perspectiva diferente daquela que consistiria em mesmo sem garantia de regularidade desligar a pulsão Nesse outro modo de viver a pulsão encontraríamos o quanto a satisfação pulsional comporta uma opacidade que insiste ao longo de toda uma análise e ganha com a análise algum contorno alguma localização mas insiste sem qualquer possibilidade de desligamento ou apagamento analisa se portanto para se haver com uma satisfação que se reitera sem se deixar negativizar porque ela é também mesmo perturbandoos o que confere vida aos corpos e implica uma parceria da qual não há propriamente como se 289 livrar ou afastarlxv A orientação freudiana mesmo quando muito pontualmente parece vacilar quanto à impossibilidade de se domar a satisfação pulsional que perturba os corpos sob a forma de sintomas não deixa de nos guiar hoje e sempre Sabemos por exemplo o quanto um primeiro Lacan preconizou e realizou um retorno a Freud e que ele próprio esclareceu que o sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freudlxvi Por sua vez se o último Lacan vai ressaltar o equívoco da palavra sentido na medida em que além de sua dimensão semântica ela designa também uma orientaçãolxvii pareceme possível afirmar que mesmo a vacilação pontual que podemos encontrar em Freud é um modo de ele assinalarnos sua aproximação do fundo abissal que sua clínica nos apresenta como ineludível para o exercício da psicanálise Como a clínica psicanalítica procede segundo Freud per via di levare tratase então de extrair inclusive desses momentos em que ele parece vacilar uma orientação que não é outra senão aquela designada bem mais tarde como orientação do reallxviii ou seja como o que endereça a clínica analítica rumo ao que é incurável e ingovernável na pulsação mesma da vida e que com as palavras ressoa nos corpos xlvi Valhome aqui especialmente do verbete Fundo fundamento e abismo em INWOOD M Dicionário Heidegger Tradução de Luísa Buarque de Hollanda Rio de Janeiro Zahar 2002 1999 p 7476 xlvii Em seu primoroso trabalho de coordenador de tradução destas Obras incompletas de Sigmund Freud Pedro Heliodoro Tavares tem oferecido vários parâmetros para que o leitor brasileiro ou de língua portuguesa possa comprovar o modo preciso como Freud opera e se deixa atravessar pelo alemão Nesse contexto além de reiterar o que já foi sustentado por outros tradutores brasileiros da obra freudiana e por um poetatradutor do quilate de Haroldo de Campos esse coordenador também tem depurado essa faceta de Freud como uma espécie de mestreartesão da língua alemã Para a referência a Haroldo de Campos recomendo CAMPOS H O afreudisíaco Lacan na galáxia de lalíngua Freud Lacan e a Escritura Correio Escola Brasileira de Psicanálise n 1819 p 136162 1998 1988 Destaco por fim que essa tensa proximidade entre fundamento e abismo não deixa de aparecer ainda que sem que o termo Abgrund abismo seja citado como tal na concepção freudiana do que é 290 um conceito fundamental para a ciência e para a Psicanálise ver especialmente os dois primeiros parágrafos de As pulsões e seus destinos Recomendo também a leitura de um excelente estudo sobre a metodologia sustentada por Freud na formulação dos conceitos que são fundamentais para a clínica analítica IANNINI G Epistemologia da pulsão fantasia ciência e mito In FREUD S As pulsões e seus destinos Tradução de Pedro Heliodoro Tavares Belo Horizonte Autêntica 2014 1915 p 91133 xlviii HEIDEGGER M Sobre a essência do fundamento In Conferências e escritos filosóficos Tradução introdução e notas de Ernildo Stein São Paulo Abril Cultural 1983 1929 p 99 Os Pensadores Nessa citação aparece o termo ente que Heidegger insistiu em diferenciar de ser não se trata neste Posfácio a textos freudianos de explicitar tal diferença nem o que é seraí Dasein embora esse termo também vá aparecer mais adiante Meu interesse aqui nessa passagem por Heidegger é apenas me servir de algumas de suas considerações sobre Grund fundamento e Abgrund abismo Para uma introdução mais detalhada a outros termos característicos da filosofia de Heidegger recomendo INWOOD Dicionário Heidegger xlix HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 99 l HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 99 li HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124 lii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124 liii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 124125 liv HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lv HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lvi Nesta passagem utilizei uma tradução inglesa de a Sobre a essência do fundamento porque nessa versão para o inglês a referência ao abismo do fundamento é ainda mais explícita do que na tradução brasileira de Ernildo Stein Yet in its worldprojective surpassing of beings Dasein must surpass itself so as to be able to first of all understand itself as an abyss of ground from out of this elevation ver HEIDEGGER M On the essence of ground In Pathmarks Edited by William McNeill Cambridge Cambridge University Press 2007 1929 p 134 Na tradução brasileira dessa mesma passagem por Ernildo Stein temos o seraí deve na ultrapassagem do ente que projeta mundo ultrapassarse a si mesmo para apenas então poder compreenderse como abismo a partir de sua elevação ver HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lvii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lviii HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lix HEIDEGGER Sobre a essência do fundamento p 125 lx A BÍBLIA de Jerusalém Ed rev São Paulo Paulinas 1989 p 33 lxi Segundo a nota de rodapé u de Gênesis 2 1 na Bíblia de Jerusalém ser vivente é a tradução de nefesh Assinalo que é justamente esse termo que em sua tradução do capítulo 1 do mesmo Gênesis realizada por Haroldo de Campos foi vertido como almadevida Além da beleza dessa versão foi sobretudo a junção dos termos alma e vida que me fizeram utilizá la aqui Ver CAMPOS H Bereshith a cena da origem e outros estudos da poética bíblica São Paulo Perspectiva 1993 lxii Ver nota editorial de A análise finita e a infinita neste volume p 362 Para essa passagem relacionada à transferência negativa ver p 322 lxiii LACAN J Le séminaire Livre XI les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse Paris Seuil 1973 1964 p 152 291 lxiv LACAN Le séminaire Livre XI les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse p 246 lxv Como já mostrava Freud em seu texto As pulsões e seus destinos não há como fugir do impulso pulsional porque ele é interno aos corpos não se impõe de fora ver FREUD As pulsões e seus destinos Para a formulação do que há de não negativizável na satisfação pulsional que se apresenta no próprio sintoma ver por exemplo MILLER JA Perspectivas dos Escritos e Outros escritos de Lacan Entre desejo e gozo Tradução de Vera Avellar Ribeiro Rio de Janeiro Zahar 2011 20082009 p 9226 lxvi LACAN J La chose freudienne ou Sens du retour à Freud en psychanalyse Paris Seuil 1966 1955 p 405 lxvii LACAN J O seminário livro 23 o sinthoma Tradução de Sérgio Laia Rio de Janeiro Zahar 2007 19751976 p 112 lxviii LACAN O seminário livro 23 o sinthoma p 115124 292 REFERÊNCIAS O aparato editorial do presente volume apoiouse nos principais aparatos críticos disponíveis em línguas estrangeiras nas biografias mais conhecidas e em alguns dicionários temáticos APARATOS CRÍTICOS ESTRANGEIROS LAPLANCHE J Ed Œuvres complètes de Freud Paris PUF 19882016 Notices notes et variantes de Alain Rauzy STRACHEY J Apparatus In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud Translated from the German under the General Editorship of James Strachey Londres 19561974 DICIONÁRIOS E CONGÊNERES ASSOUN PL Dictionnaire des œuvres psychanalytiques Paris PUF 2009 GRUBRICHSIMITIS I Zurück zu Freuds Texten Frankfurt am Main Fischer Verlag 1993 Edição brasileira De volta aos textos de Freud Trad Inês Lohbauer Rio de Janeiro Imago 1995 HANNS L A Dicionário comentado do alemão de Freud Rio de Janeiro Imago 1996 LAPLANCHE J PONTALIS JB Vocabulário de psicanálise Trad Pedro Tamen São Paulo Martins Fontes 1998 ROUDINESCO E PLON M Dicionário de psicanálise Trad Vera Ribeiro e Lucy Magalhães Rio de Janeiro Zahar 1998 TAVARES Pedro Heliodoro Versões de Freud breve panorama crítico das traduções de sua obra Rio de Janeiro 7Letras 2011 BIOGRAFIAS GAY P Freud uma vida para nosso tempo Trad Denise Bottmann São Paulo Companhia das Letras 1989 293 JONES E Vida e obra de Sigmund Freud Trad Júlio Castañon Guimarães Rio de Janeiro Imago 1998 3 v ROUDINESCO E Sigmund Freud en son temps et dans le nôtre Paris Seuil 2014 294 OBRAS INCOMPLETAS DE SIGMUND FREUD A célebre enciclopédia chinesa referida por Borges dividia os animais em a pertencentes ao imperador b embalsamados c domesticados d leitões e sereias f fabulosos g cães em liberdade h incluídos na presente classificação i que se agitam como loucos j inumeráveis k desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo l et cetera m que acabam de quebrar a bilha A coleção Obras Incompletas de Sigmund Freud é um convite para que o leitor estranhe as taxionomias sacramentadas pelas tradições de escolas e de editores classificações que incluem e excluem obras do cânone freudiano através do apaziguador adjetivo completas que dividem a obra em classes consagradas tais como publicações pré psicanalíticas artigos metapsicológicos escritos técnicos textos sociológicos casos clínicos outros trabalhos etc Como se um texto sobre a cultura ou sobre um artista não fosse também um documento clínico ou um escrito técnico não discutisse importantes questões metapsicológicas ou se trabalhos como Sobre a concepção das afasias por exemplo simplesmente jamais tivessem sido escritos A tradução e a edição da obra de Freud envolvem múltiplos aspectos e dificuldades Ao lado do rigor filológico e do cuidado estilístico ao menos em igual proporção deve figurar a precisão conceitual Embora Freud seja um escritor talentoso tendo sido agraciado com o prêmio Goethe entre outros motivos pela qualidade literária de sua prosa científica seus textos fundamentam uma prática a clínica psicanalítica É claro que os conceitos que emanam da Psicanálise também interessam em maior ou menor grau a áreas conexas como a crítica social a teoria literária a prática filosófica etc Nesse sentido uma tradução nunca é neutra ou anódina Isso porque existem dimensões não apenas linguísticas terminológicas semânticas estilísticas envolvidas na tradução mas também éticas políticas teóricas e sobretudo clínicas Assim escolhas terminológicas não são sem efeitos práticos Uma clínica calcada na teoria da pulsão não se pauta pelos mesmos princípios de 296 uma clínica dos instintos para tomar apenas o exemplo mais eloquente A tradução de Freud autor tão multifacetado deve ser encarada de forma complexa Sua tradução não envolve somente o conhecimento das duas línguas e de uma boa técnica de tradução Do texto de Freud se traduz também o substrato teórico que sustenta uma prática clínica amparada nas capacidades transformadoras da palavra A questão é que na estilística de Freud e nas suas opções de vocabulário via de regra forma e conteúdo confluem É fundamental portanto proceder à escuta do texto para que alguém possa desse autor se tornar intérprete Certamente há um clamor por parte de psicanalistas e estudiosos de Freud por uma edição brasileira que respeite a fluência e a criatividade do grande escritor sem se descuidar da atenção necessária ao já tão amadurecido debate acerca de um vocabulário brasileiro relativo à metapsicologia freudiana De fato o leitor acostumado a um estranho método de leitura que requer a substituição mental de alguns termos fundamentais como instinto por pulsão repressão por recalque ego por eu id por isso não raro perde o foco do que está em jogo no texto de Freud Se tradicionalmente as edições de Freud se dicotomizam entre as edições de estudo que afugentam o leitor não especializado e as edições de divulgação que desagradam o leitor especializado procurouse aqui evitar tais extremos Quanto à prosa ou ao estilo freudianos procurouse preservar ao máximo as construções das frases evitando ambientações desnecessárias mas levando em conta fundamentalmente as consideráveis diferenças sintáticas entre as línguas A presente tradução direta do alemão envolve uma equipe multidisciplinar de tradutores e consultores composta por eminentes profissionais oriundos de diversas áreas como a Psicanálise as Letras e a Filosofia O trabalho de tradução e a revisão técnica de todos os volumes é coordenado pelo psicanalista e germanista Pedro Heliodoro Tavares encarregado também de fixar as diretrizes terminológicas da coleção O projeto é guiado pelos princípios editoriais propostos pelo psicanalista e filósofo Gilson Iannini A coleção Obras Incompletas de Sigmund Freud não pretende apenas oferecer uma nova tradução direta do alemão e atenta ao uso dos conceitos pela comunidade psicanalítica brasileira Ela pretende ainda oferecer uma nova maneira de organizar e de tratar os textos 297 A coleção se divide em duas vertentes principais uma série de volumes organizados tematicamente ao lado de outra série dedicada a volumes monográficos Cada volume receberá um tratamento absolutamente singular que determinará se a edição será bilíngue ou não o volume de paratexto e notas conforme as exigências impostas a cada caso Uma ética pautada na clínica Gilson Iannini Editor e coordenador da coleção Pedro Heliodoro Tavares Coordenador da coleção e coordenador de tradução Conselho editorial Antônio Teixeira Claudia Berliner Christian Dunker Claire Gillie Daniel Kupermann Edson L A de Sousa Emiliano de Brito Rossi Ernani Chaves Glacy Gorski Guilherme Massara Jeferson Machado Pinto João Azenha Junior Kathrin Rosenfield Luís Carlos Menezes Maria Rita Salzano Moraes Marcus Coelen Marcus Vinícius Silva Nelson Coelho Junior Paulo César Ribeiro Romero Freitas Romildo do Rêgo Barros Sérgio Laia Tito Lívio C Romão Vladimir Safatle Walter Carlos Costa VOLUMES TEMÁTICOS I Psicanálise 298 O interesse pela Psicanálise 1913 História do movimento psicanalítico 1914 Psicanálise e Psiquiatria 1917 Uma dificuldade da Psicanálise 1917 A Psicanálise deve ser ensinada na universidade 1919 Psicanálise e Teoria da libido 19221923 Breve compêndio de Psicanálise 1924 As resistências à Psicanálise 1924 Autoapresentação 1924 PsicoAnálise 1926 Sobre uma visão de mundo 1933 II Fundamentos da clínica psicanalítica Publicado em 2017 Tradução de Claudia Dornbusch Tratamento psíquico tratamento anímico 1890 O método psicanalítico freudiano 1903 Sobre psicoterapia 1904 Sobre Psicanálise selvagem 1910 Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico 1912 Sobre a dinâmica da transferência 1912 Sobre o início do tratamento Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise I 1913 Recordar repetir e perlaborar Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II 1914 Observações sobre o amor transferencial Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III 1914 Sobre fausse reconnaissance déjà raconté no curso do trabalho psicanalítico 1914 Caminhos da terapia psicanalítica 1918 A questão da análise leiga 1926 Análise finita e infinita 1937 Construções em análise 1937 III Conceitos fundamentais da Psicanálise Cartas e rascunhos O mecanismo psíquico do esquecimento 1898 Lembranças encobridoras 1899 299 Formulações sobre dois princípios do acontecer psíquico 1911 Algumas considerações sobre o conceito de inconsciente na Psicanálise 1912 Para introduzir o narcisismo 1914 As pulsões e seus destinos 1915 O recalque 1915 O inconsciente 1915 A transferência 1917 Além do princípio de prazer 1920 O Eu e o Isso 1923 Nota sobre o bloco mágico 1925 A decomposição da personalidade psíquica 1933 IV Sonhos sintomas e atos falhos Sobre o sonho 1901 Manejo da interpretação dos sonhos 1911 Sonhos e folclore 1911 Um sonho como meio de comprovação 1913 Material de contos de fadas em sonhos 1913 Complementação metapsicológica à doutrina dos sonhos 1915 Uma relação entre um símbolo e um sintoma 1916 Os atos falhos 1916 O sentido do sintoma 1917 Os caminhos da formação de sintoma 1917 Observações sobre teoria e prática da interpretação de sonhos 1922 Algumas notas posteriores à totalidade da interpretação dos sonhos 1925 Inibição sintoma e angústia 1925 Revisão da doutrina dos sonhos 1933 As sutilezas de um ato falho 1935 Distúrbio de memória na Acrópole 1936 V Histórias clínicas Fragmento de uma análise de histeria Caso Dora 1905 Análise de fobia em um menino de cinco anos Caso Pequeno Hans 1909 Considerações sobre um caso de neurose obsessiva Caso Homem dos Ratos 1909 Considerações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado de forma autobiográfica Dementia Paranoides Caso Presidente Schreber 1911 300 História de uma neurose infantil Caso Homem dos Lobos 1914 VI Histeria obsessão e outras neuroses Cartas e rascunhos Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos 1893 Obsessões e fobias seu mecanismo psíquico e sua etiologia 1894 As neuropsicoses de defesa 1894 Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa 1896 A etiologia da histeria 1896 A hereditariedade e a etiologia das neuroses 1896 A sexualidade na etiologia das neuroses 1898 Minhas perspectivas sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses 1905 Atos obsessivos e práticas religiosas 1907 Fantasias histéricas e sua ligação com a bissexualidade 1908 Considerações gerais sobre o ataque histérico 1908 Caráter e erotismo anal 1908 O romance familiar dos neuróticos 1908 A disposição para a neurose obsessiva uma contribuição ao problema da escolha da neurose 1913 Paralelos mitológicos de uma representação obsessiva visualplástica 1916 Sobre transposições da pulsão especialmente no erotismo anal 1917 VII Neurose psicose perversão Publicado em 2016 Tradução de Maria Rita Salzano Moraes Cartas e rascunhos Sobre o sentido antitético das palavras primitivas 1910 Sobre tipos neuróticos de adoecimento 1912 Luto e melancolia 1915 Comunicação sobre um caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica 1915 Batese numa criança 1919 Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina 1920 Sobre alguns mecanismos neuróticos no ciúme na paranoia e na homossexualidade 1922 Uma neurose demoníaca no século XVII 1922 O declínio do complexo de Édipo 1924 A perda da realidade na neurose e na psicose 1924 Neurose e psicose 1924 301 O problema econômico do masoquismo 1924 A negação 1925 O fetichismo 1927 VIII Arte literatura e os artistas Publicado em 2015 Tradução de Ernani Chaves Personagens psicopáticos no palco 1905 O poeta e o fantasiar 1907 Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci 1910 O motivo da escolha dos três cofrinhos 1913 Moisés de Michelangelo 1914 Transitoriedade 1915 Alguns tipos de caráter no trabalho analítico 1916 Uma lembrança de infância em Poesia e verdade 1917 O humor 1927 Dostoiévski e o parricídio 1927 Prêmio Goethe 1930 IX Amor sexualidade e feminilidade Sobre o esclarecimento sexual das crianças 1907 Teorias sexuais infantis 1908 Contribuições para a psicologia do amor 1910 a Sobre um tipo especial de escolha objetal no homem b Sobre a degradação geral da vida amorosa c O tabu da virgindade Duas mentiras contadas por crianças 1913 A vida sexual dos seres humanos 1916 Desenvolvimento da libido e organização sexual 1916 Organização genital infantil 1923 Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos 1925 Sobre tipos libidinais 1931 Sobre a sexualidade feminina 1931 A feminilidade 1933 X Sociedade religião cultura Moral sexual civilizada e doença nervosa 1908 Considerações contemporâneas sobre guerra e morte 1915 Psicologia de massas e análise do Eu 1921 302 O futuro de uma ilusão 1927 Uma vivência religiosa 1927 O malestar na cultura 1930 Sobre a conquista do fogo 1931 Por que a guerra 1932 Comentário sobre o antissemitismo 1938 VOLUMES MONOGRÁFICOS As pulsões e seus destinos edição bilínguePublicado em 2013 Tradução de Pedro Heliodoro Tavares Sobre a concepção das afasias Publicado em 2013 Tradução de Emiliano de Brito Rossi Compêndio de Psicanálise e outros escritos inacabados Publicado em 2014 Tradução de Pedro Heliodoro Tavares O estranho edição bilíngue Seguido de O homem da areia de ETA Hoffmann O delírio e os sonhos na Gradiva de Jensen Seguido de Gradiva de W Jensen Três ensaios sobre a teoria sexual Psicopatologia da vida cotidiana O chiste e sua relação com o inconsciente Estudos sobre histeria Cinco lições de Psicanálise Totem e tabu O homem Moisés e a religião monoteísta Gilson Iannini Psicanalista filósofo editor Professor do Departamento de Filosofia da UFOP Doutor em Filosofia USP e mestre em Psicanálise Université Paris 8 Autor de Estilo e verdade em Jacques Lacan Autêntica Pedro Heliodoro Tavares Psicanalista germanista tradutor Professor da Área de Alemão Língua Literatura e Tradução USP Doutor em Psicanálise e Psicopatologia 303 Université Paris VII Autor de Versões de Freud 7Letras 2011 e coorganizador de Tradução e Psicanálise 7Letras 2013 Claudia Dornbusch Tradutora professora livredocente aposentada da Área de Alemão USP Graduada em Letras PortuguêsAlemão UFF mestre e doutora em Letras Língua e Literatura Alemã pela USP onde atua no Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução TRADUSP e no Programa de Língua e Literatura Alemã Intérprete de conferências tradutora pública intérprete comercial Sérgio Laia Professor Titular IV do Curso de Psicologia e do Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade FUMEC Fundação Mineira de Educação e Cultura pesquisador apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico CNPq e pelo Programa de Pesquisa e Iniciação Científica ProPIC da Universidade FUMEC psicanalista autor de Os escritos fora de si Autêntica 304 Copyright 2016 Autêntica Editora Títulos originais Psychische Behandlung Seelenbehandlung Brief 242 an Fließ Die Freudsche psychoanalytische Methode Über Psychotherapie Über wilde Psychoanalyse Ratschläge für den Artzt bei der psychoanalytischen Behandlung Zur Dynamik der Übertragung Zur Einleitung der Behandlung Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse I Erinnern Wiederholen Durcharbeiten Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse II Bemerkungen über die Übertragungsliebe Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse III Über fausse reconnaissance déjà raconté während der psychoanalytischen Arbeit Wege der psychoanalytischen Therapie Die Frage der Laienanalyse Unterredungen mit einem Unparteiischen Die endliche und die unendliche Analyse Konstruktionen in der Analyse Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida seja por meios mecânicos eletrônicos ou em cópia reprográfica sem a autorização prévia da Editora EDITOR DA COLEÇÃO Gilson Iannini EDITORA RESPONSÁVEL Rejane Dias EDITORA ASSISTENTE Cecília Martins ORGANIZAÇÃO NOTAS E APARATO EDITORIAL Gilson Iannini Pedro Heliodoro Tavares REVISÃO TÉCNICA E DE TRADUÇÃO Pedro Heliodoro Tavares CONSULTORIA CIENTÍFICA E REVISÃO DO APARATO Daniel Kupermann Marcus Vinícius Silva REVISÃO Aline Sobreira PROJETO GRÁFICO E CAPA Diogo Droschi sobre imagem Sigmund Freuds Study Authenticated News DIAGRAMAÇÃO Guilherme Fagundes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Freud Sigmund 18561939 Fundamentos da clínica psicanalítica Sigmund Freud tradução Claudia Dornbusch 1 ed Belo Horizonte Autêntica Editora 2017 Obras incompletas de Sigmund Freud 6 Bibliografia ISBN 9788551301982 305 1 Freud Sigmund 18561939 2 Freud Sigmund 18561939 Psicologia 3 Psicanálise I Dornbusch Claudia II Título III Série 1702355 CDD150195 Índices para catálogo sistemático 1 Clínica psicanalítica Psicologia 150195 Belo Horizonte Rua Carlos Turner 420 Silveira 31140520 Belo Horizonte MG Tel 55 31 3465 4500 wwwgrupoautenticacombr Rio de Janeiro Rua Debret 23 sala 401 Centro 20030080 Rio de Janeiro RJ Tel 55 21 3179 1975 São Paulo Av Paulista 2073 Conjunto Nacional Horsa I 23º andar Conj 2301 Cerqueira César 01311940 São Paulo SP Tel 55 11 3034 4468 306 freud Neurose psicose perversão Freud Sigmund 9788582179864 368 páginas Compre agora e leia Este livro reúne em um único volume textos espalhados ao longo de mais de trinta anos de pesquisa clínica que lançaram os fundamentos das estruturas clínicas freudianas neurose psicose e perversão Os principais eixos da psicopatologia psicanalítica foram estabelecidos em um arco que se inicia no contexto da correspondência com Fließ no fim do século XIX até os célebres artigos sobre o masoquismo e o fetichismo redigidos no entreguerras Embora mais ou menos um século nos separe desses escritos eles continuam contemporâneos Freud não esteve apenas à frente de seu tempo mas também do nosso Por exemplo quando afirma que a Patologia não pôde fazer justiça ao problema da causa imediata da doença nas neuroses enquanto esteve preocupada apenas em decidir se essas afecções eram de natureza endógenaou exógena Talvez até hoje um certo discurso psicopatológico esteja aprisionado nessa pobre dicotomia entre fatores genéticos ou ambientais biológicos ou psíquicos A perspectiva freudiana é mais moderna e mais ousada a Psicanálise nos advertiu a abandonarmos a infecunda oposição entre fatores externos e internos entre destino e constituição e nos ensinou a encontrar a causação do adoecimento neurótico regularmente em uma determinada situação psíquica que pode se produzir por diversos caminhos Os textos aqui reunidos mostram ainda como Freud articulava a reflexão psicopatológica a um rico material clínico Este volume conta com um aparato editorial original que ajuda o leitor a transpor a distância que nos une e nos separa de Freud Compre agora e leia 308 DEBORAH LEVY Coisas que não quero saber Levy Deborah 9788582178539 128 páginas Compre agora e leia Deborah Levy sulafricana radicada em Londres é uma das vozes mais originais e transgressoras da literatura de língua inglesa Em Coisas que não quero saber ela tece uma resposta feminina ao conhecido ensaio de George Orwell Por que escrevo de 1946 Aqui ela reflete literariamente sobre as razões que a levaram a escrever tendo como pano de fundo a África do Sul onde cresceu e onde seu pai foi preso por lutar contra o apartheid o subúrbio londrino em que exilada passou a adolescência e Maiorca a ilha espanhola que é como um refúgio na maturidade Neste relato vívido e perspicaz sobre como despretensiosos detalhes da vida pessoal de uma autora podem ganhar força na ficção Levy sugere muito mais do que de fato diz De certa forma uma versão atualizada de Um teto todo seu de Virginia Woolf esta elegante autobiografia literária desvela a necessidade da mulher de dizer o que pensa de projetar sua voz e ocupar seu lugar no mundo Compre agora e leia 310 Coisas que não quero saber Uma resposta ao ensaio Por que escrevo de George Orwell Jogos para pensar Educação em Direitos Humanos e Formação para a Cidadania Maria Lúcia Miranda Afonso Fátia Lemos Abade Jogos para pensar Abade Flávia Lemos 9788582171479 96 páginas Compre agora e leia Uma Educação em Direitos Humanos tem se colocado como tarefa das mais relevantes para as instituições de ensino de todo o País a partir do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos que se desdobra nas Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos aprovadas em 2012 Como enfrentar esse desafio sem encerrar em escaninhos algo que transcende as fronteiras disciplinares As autoras deste livro propõem que a Educação em Direitos Humanos EDH não seja um mero repasse de informações e buscam equilibrar a discussão sobre os direitos já conquistados com as questões que emergem nas novas reivindicações sociais Além de uma consistente revisão de literatura sobre a EDH a obra destaca a importância da dimensão lúdica para a vida em sociedade defendendo a capacidade de brincar como integrante das ações que o homem opera sobre si e seu mundo É a partir dessa perspectiva que Maria Lúcia Miranda Afonso e Flávia Lemos Abade tomam a responsabilidade de propor e discutir o uso de jogos pedagógicos na EDH e na formação para a cidadania Compre agora e leia 312 DORIS LESSING Sobre gatos Sobre gatos Lessing Doris 9788551302538 192 páginas Compre agora e leia Doris Lessing 19192013 Prêmio Nobel de Literatura em 2007 é uma das mais reconhecidas escritoras do planeta Seu caso de amor com gatos começou na infância na fazenda africana onde cresceu e sua fascinação pelos felinos só fez aumentar ao longo dos anos em que dividiu sua casa e sua vida com essas criaturas domesticadas Sobre gatos é uma deliciosa coletânea que reúne três narrativas inéditas no Brasil Gatos em particular Rufus o sobrevivente e A velhice de El Magnífico É um trabalho de raro afeto e delicada compaixão sem deixar de lado certa mordacidade bem ao estilo de sua escrita O que une por exemplo seres humanos e gatos Qual é a experiência desse relacionamento sob a ótica de uma escritora tão preocupada com a sociedade suas perspectivas sociais e políticas Os apaixonados por gatos vão encontrar nas páginas deste livro momentos de alegria e reflexão Compre agora e leia 314 ABRIR A HISTÓRIA NOVOS OLHARES SOBRE O SÉCULO XX FRANCÊS JeanFrançois Sirinelli Abrir a história Sirinelli JeanFrançois 9788582174340 128 páginas Compre agora e leia JeanFrançois Sirinelli é um dos nomes mais destacados da historiografia francesa atual sendo autor de livros importantes no campo da História do Tempo Presente Várias de suas publicações tornaramse obras de referência por abordarem temas fundamentais para a história do século XX como os intelectuais as direitas a cultura de massa e a ebulição políticocultural dos anos 1960 Suas pesquisas situamse no ou propõem um encontro entre o político e o cultural resultando em reflexões férteis e originais Além de contribuir para o conhecimento histórico propriamente dito os trabalhos do autor são inspiradores na busca de instrumentos teóricoconceituais adequados ao estudo dos fenômenos próximos do nosso tempo Neste belo livro escrito com elegância e clareza ele revisita alguns de seus temas prediletos que implicam questões importantes para os historiadores e demais interessados nesse campo as relações complexas entre história e memória o impacto das guerras a influência das culturas políticas a história cultural do político as mídias e a democracia os dilemas da história política ante a ampliação de escalas espaciais transcendendo as fronteiras nacionais e temporais Um dos pontos altos do livro é sua contribuição para o debate sobre os limites cronológicos da história do tempo presente em que Sirinelli usa a bem inspirada metáfora do pôlder Muitas são as razões para ler este livro Quem o fizer não se arrependerá Rodrigo Patto Sá Motta 316 Compre agora e leia