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Psicologia ·
Psicanálise
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Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 httpdxdoiorg1018379217648912020vNSPEAp2 2 História e mito na Psicanálise Ana Maria Rudge Resumo As relações da história e do mito com a Psicanálise são abordadas A importância dos mitos na tessitura da Psicanálise é tematizada não só em relação aos mitos com os quais Freud busca contribuir com as teorias sobre a cultura a partir de descobertas oriundas da clínica psicanalítica mas também em instrumentos clínicos como a construção em análise que são análogos ao valor dos mitos na cultura A reflexão freudiana sobre a como a história e a Psicanálise coincidem em trabalhar em um tempo que é uma cristalização entre passado e presente é seguida da observação de que a especificidade epistemológica de cada campo de saber deve ser respeitada em nome do rigor Palavraschave MITO HISTÓRIA INTERDISCIPLINARIDADE History and myth in Psychoanalysis Abstract The relationship of history and myth with psychoanalysis is addressed The importance of myths in the fabric of psychoanalysis is examined not only in relation to the myths with which Freud seeks to contribute with theories about culture that are based on discoveries from the psychoanalytic clinic but also in clinical instruments such as the constructions in analysis which are analogous to the value of myths in culture Freuds reflection on how history and psychoanalysis coincide in working in a time that is a crystallization between past and present The specificity of each field of knowledge is emphasized Keywords MYTH HISTORY INTERDISCIPLINARITY Historia y mito en psicoanálisis Resumen Se abordan las relaciones de la historia y del mito con el psicoanálisis La importancia de los mitos en el tejido del psicoanálisis es examinada no solo en relación con los mitos con los que Freud busca contribuir con teorías sobre la cultura basadas en los descubrimientos de la clínica psicoanalítica sino también en instrumentos clínicos como la construcción bajo análisis que son análogos al valor de los mitos en la cultura Freud considera la coincidencia entre la historia y el psicoanálisis al trabajar en un tiempo que es una cristalización entre el pasado y el presente Se enfatiza la especificidad epistemológica de cada campo de conocimiento conocimiento son heterogéneos y que la diferencia debe respetarse en nombre del rigor Palabras clave MITO HISTORIA INTERDISCIPLINARIEDAD A relação entre mito e história pode ser abordada em sua diversidade O mito embora costume versar sobre origens não supõe a ambição de constituir um discurso Docente do Programa de PósGraduação em Psicanálise Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida UVA ORCID ID httpsorcidorg0000000241954084 Email amrudgeoutlookcom 3 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 objetivo e comprovado sobre fatos do passado mas é uma narrativa ficcional No campo da Psicanálise entretanto parece diluirse a nitidez dessa diferenciação A bem da verdade não é apenas no campo da Psicanálise que esta distinção pode ser nebulosa O historiador EH Carr 1982 usa como epígrafe a observação de uma personagem de Jane Austen sobre a História Chego a estranhar muitas vezes que ela seja tão monótona pois grande parte dela deve ser invenção Freud tratou de indicar àqueles que desejavam exercer a função de analistas que importassem conhecimentos da história das civilizações e da mitologia Com efeito a implicação do conceito psicanalítico de recalque originário se sustenta na ideia de que toda a memória de nossa primeira infância é inteiramente fundada em fantasias de desejo com as quais preenchemos retroativamente as lacunas da memória e relatos que ouvimos de familiares É certo que tal como a ciência da História temos certos documentos dessa fase como fotos e livros do bebê mas nenhuma recordação que testemunhe fatos ocorridos Qualquer narrativa que substitua esse vazio é ficcional recordação encobridora mas não arbitrário Articulase à fantasia e às pulsões e em última instância às primeiras experiências as mais poderosas mas anteriores ao advento da linguagem O mito fundamental da Psicanálise conhecido como o mito de Totem e Tabu Freud 19121913 foi qualificado por Lacan como o único mito moderno Tratase da narrativa do assassinato do pai da horda qualificado por Freud de mito científico mostrando o alcance que lhe dava de uma construção ou ficção teórica que o tempo mostrou como sendo de inegável valor Embora o autor tenha consultado antropólogos com os quais cotejar sua invenção o mito de Totem e Tabu foi basicamente criado a partir do campo das descobertas em Psicanálise ou seja a clínica psicanalítica que o convenceu da importância estrutural do Complexo de Édipo na história de todos No campo da Antropologia encontramos a concepção do mito como algo vivo com o poder de conferir significação e valor à existência fornecendo modelos para o comportamento humano em uma dada cultura Como mostrou Malinovski 1922 o mito é vital para a cultura porque longe de ser uma ficção vã é uma realidade viva à qual se recorre incessantemente por representar a verdadeira codificação de um saber prático O mito é justificado por sua função de estruturar a vida presente É sem dúvida uma ficção o relato de algo que não ocorreu na realidade e entretanto o mito não deixa de portar sempre um enlace com algo de factual Ele lida com o que é supratemporal e permanente que nunca deixa de ocorrer e que como um paradigma vale para todos os tempos Mora 1988 p p 2237 Voltando à Psicanálise discutese a partir de algo dito por Freud se ele considerava que o assassinato do pai efetivamente ocorreu no ponto zero da história da humanidade Bem advertido estava ele entretanto de que os mitos não têm compromisso com a realidade factual da narrativa que os constitui Um dos indícios disso é o fato de que em 1915 ele escreve um mito diverso em vários pontos daquele 4 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 de 1913 mas também sobre as origens da cultura Esse mito estava em manuscrito descoberto tardiamente e publicado apenas em 1985 Neuroses de transferência e nele Freud apresenta construções que propõem uma correspondência entre a psicopatologia e o passado filogenético de nossa espécie A catástrofe entendida como condição da representação constitui um dos pontos de interesse do manuscrito freudiano Nele encontramos um mito das origens diverso daquele de Totem e Tabu mas igualmente fascinante Enquanto no mito de Totem e Tabu o assassinato do tirânico chefe da horda que privava a todos das mulheres e os expulsava marca a origem da cultura da moralidade e da religião o mito de 1915 parte das catástrofes da era glacial que teriam jogado os hominídeos que até então viviam em harmonia com a natureza em intensa angústia fome e desamparo Só então os primatas erigem um pai da horda justamente aquele que conseguira certo domínio sobre o mundo inclusive rudimentos da linguagem Em troca do seu saber e proteção entretanto exigia o domínio absoluto Nessa forma modificada do mito o papel do pai como proteção contra a angústia e o desamparo é colocado como precedente ao do pai tirânico e obstáculo às mulheres e ao sexo Os dois mitos correspondem a uma longa discussão que Freud afirmava sustentar na época sobre qual seria a primeira se a angústia real ou a angústia nostálgica essa de ordem libidinal Há ainda um terceiro mito importante com o qual Freud retorna às origens da cultura a do Moisés egípcio do qual Betty Fuks 2014 soube extrair importante e original trabalho de interpretação que enriquece o texto freudiano Não é apenas no terreno da contribuição da Psicanálise para o estudo da cultura no entanto que o valor que Freud concede aos mitos em nosso campo tem lugar também entre seus trabalhos especialmente concernentes à prática clínica o mito mostra sua centralidade na epistemologia da Psicanálise Que importância atribui Freud às construções em análise Em um artigo de 1937 um dos seus últimos escritos o único cujo tema central são as construções em análise ele procura definir estritamente sua natureza distinguindoas das interpretações É digno de nota que junto à escrita de Construções em análise Freud escrevia O homem Moisés e o monoteísmo uma construção histórica que desembocou na criação do mito sobre a origem de um povo Através das Escrituras e do trabalho de egiptólogos de sua época Freud procurou encontrar os rastros deformados do processo de construção do judaísmo e para tanto foi preciso construir a verdade histórica em jogo na religião de Moisés o egípcio Fuks 2014 Sabese que a interpretação é uma intervenção do analista em uma associação sonho ou ato falhado específicos Uma ferramenta sobre a qual a Psicanálise em seus primórdios desenhou seu campo específico Quando Freud se viu diante dos impasses do fenômeno de compulsão à repetição no tratamento analítico cria entretanto outro procedimento clínico a construção para atender ao paciente que repete como acting out aquilo que de alguma forma o marcou Tratase da produzir um fragmento determinado da história do analisando uma pequena narrativa que visa à investigação de um período de sua infância Freud nos apresenta um exemplo da forma que uma construção poderia assumir Até x anos você se considerou o único e irrestrito dono de sua mãe então veio outro neném e trouxe a você uma grave desilusão Sua mãe o abandonou por algum tempo e depois que reapareceu nunca mais se devotou exclusivamente a você Seus sentimentos em relação a sua mãe se tornaram ambivalentes seu pai tomou uma nova importância para você etc Freud 19371975 p 261 Nesta curta narrativa o analista busca 5 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 atingir uma provável verdade histórica com relação à existência do analisando e seu romance familiar O objetivo do tratamento analítico poderia ser descrito por Freud como um levantamento do recalque A análise deveria permitir ao analisando lembrarse de importantes experiências de sua infância O ideal a que Freud se ateve no início seria o de que um quadro completo de seu passado estivesse disponível à rememoração Quando escreve porém Construções em análise esse ideal havia sido há muito abandonado O texto marca uma descrença na noção de que o processo analítico pode atingir o objetivo de levantar a amnésia infantil objetivo aliás que por muito breve tempo teve lugar na Psicanálise tendo sido descartado desde que as recordações encobridoras mereceram um artigo 1899 e que a metáfora do umbigo do sonho em Interpretação dos Sonhos 19001 antecipou no terreno da descoberta clínica o que viria a constituir o conceito de recalque originário formulado em 1915 A tarefa do analisando é relembrar quantos fatos possa mas qual a do analista Nos sonhos atos falhos associações livres mas principalmente pela repetição na transferência procura pistas do que desapareceu Através dessas pistas traços deixados pelo recalque procura construir o que está submerso O papel da construção é inseparável da atividade de investigação do analista Freud propõe uma analogia entre o trabalho do analista e o do arqueólogo A escavação a que este se dedica assemelhase à atividade do analista em suas construções Ambos têm que completar com inferências a informação a que têm acesso em suas pesquisas O analista dispõe entretanto de condições mais favoráveis O arqueólogo escava em busca de restos das edificações que foram destruídas e soterradas O material de que o analista dispõe ao contrário está enterrado no sentido de que se tornou inacessível mas apenas para o analisando Para o analista tratase de algo do passado mas que está vivo na repetição e é frequentemente encenado no palco da transferência A tarefa de construir o passado é descrita como um vai e vem em que o analista comunica suas inferências o analisando responde com novas associações que por sua vez permitirão ao analista novas inferências e assim por diante Sem dúvida o analista pode elaborar construções errôneas Para abandonar um caminho que se mostrou equivocado precisa de critérios para avaliar as suas construções que pertencem ao campo da conjectura O analista para decidir do acerto de uma construção conta apenas com confirmações indiretas que recebe do analisando A mais conclusiva destas confirmações se dá quando as construções despertam memórias que complementam e ampliam a construção Isso nem sempre ocorre porém Muitas vezes a construção não evoca memórias e só no decorrer da análise poderá surgir alguma pista quanto ao seu valor A boa construção sempre encontra a convicção do paciente o que não ocorre necessariamente a partir do surgimento das recordações correspondentes Nesse caso a convicção do analisando e alguma mudança de posição subjetiva em que a repetição compulsiva é atenuada é tudo com o que podemos contar como confirmação e basta para caracterizar o valor da construção A introdução da noção de construção reflete duas novas ênfases no pensamento de Freud A primeira é a desistência de um ideal que se costuma pensar que ele acalentou recuperar as memórias que desapareceram sob a amnésia infantil Na verdade ele não acalentou tal ideal exceto no que poderia de se chamar de uma pré história da Psicanálise A memória tal como pensada na teoria freudiana apresenta paradoxos que surpreendem a uma primeira vista O primeiro diz respeito ao papel 6 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 estruturante das experiências da primeira infância que Freud representa metapsicologicamente como uma memória pulsional permanente e inerradicável Pois essa potência da memória é relativizada pelo fato de que não se expressa em recordações As primeiras memórias sucumbem inteiramente à amnésia infantil e toda a nossa ideia do passado é constituída de recordações encobridoras Como observa Lacan o próprio conceito de recordação encobridora mostra a desconfiança do analista de tudo o que a memória pensa que reproduz Lacan 1976 p 22 Quanto ao texto de 1899 sobre as recordações encobridoras ele já esclarece que não havia qualquer esperança ou desejo por parte do pai da Psicanálise de recuperar memórias da primeira infância essas estranhas memórias que são pulsionais e não se atualizam em recordações Mesmo se não evoca memórias perdidas mesmo sendo uma narrativa que como dizem os italianos se não é verdadeira é bem pensada a construção é efetiva no tratamento porque de alguma forma se articula a uma experiência recalcada A construção sempre traz algo de verdade histórica é isso que explica o sentimento de convicção que desperta Freud chega a comparar as construções aos delírios que também são tentativas de explicação e cura e carregam algum fragmento de verdade histórica Comparação que não deixa dúvidas de que Freud não acredita no poder do fragmento construído de reproduzir o que na verdade ocorreu Afinal sobre o que recai a construção Esclarece eventos esquecidos enterrados pela amnésia ou revela desejos e fantasias recalcados no passado Na busca de uma resposta vamos a um texto freudiano de 1919 Batese em uma criança no qual o tema da construção começa a tomar um lugar na teoria Freud aborda a fantasia de espancamento ao qual atribui um desenvolvimento histórico A primeira fase da fantasia pode ser representada pela frase meu pai bate numa criança Há uma segunda fase da fantasia porém que possui um cunho masoquista que pode ser expressa na frase estou sendo espancado por meu pai Embora seja a mais importante e a que é acompanhada de mais intenso prazer esta fase da fantasia não costuma ser recordada nunca Mais do que isso parece que jamais teve uma existência real Freud 19191975 p 185 sendo apenas uma construção da análise O termo construção aparece portanto mostrandoa como uma narrativa que se refere a fantasias produzidas pelo desejo inconsciente e não a fatos da infância Não há acesso à rocha do evento que não seja intermediado por fantasias e desejos este é o reinado da realidade psíquica Se nesse mesmo texto Freud reafirma seu antigo ideal ao afirmar que a Psicanálise só ocorre quando tem sucesso em remover a amnésia que esconde do adulto o conhecimento sobre sua infância desde o início Freud1919 p 183 podemos entender que essa amnésia diz respeito não ao puro evento mas a fantasias e desejos Não poderia ser de outra forma Desde o abandono da teoria da sedução infantil na etiologia das neuroses não há mais fatos traumáticos sob os sintomas mas fantasia ou uma fantasia fundamental A natureza da fantasia é ser em si mesma uma interpretação Freud 1919 p 185 No caso do Homem dos Lobos 1918 1914 por mais que Freud persiga o acontecimento acaba por construir uma cena primária que é mítica 7 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Com ela tenta dar conta dos efeitos sintomáticos que acompanharam a vida do paciente Desde que atenda a esse propósito é indiferente considerar a cena de origem como real ou como uma fantasia primária Freud 1918 1914 1975 É seu valor heurístico na compreensão do estado sintomático assim como seu poder de alterálo que eventualmente confirmará uma construção Há uma nova ênfase no discurso teórico freudiano que se reflete na elaboração da noção de construção Com essa noção Freud parece dar uma maior importância à atividade do analista na condução da análise e em seus resultados do que fazia anteriormente Assim afirma que o trabalho de análise consiste em duas partes bem diferentes envolve duas pessoas a cada uma das quais uma tarefa distinta é atribuída Pode parecer estranho que um fato tão fundamental não tenha sido assinalado há muito tempo atrás Freud 1937 p 258 Se a rememoração é abandonada por Freud é porque ele se dá conta de que as narrativas derivadas da análise são construídas tanto pelo analista quanto pelo analisando a partir do que é vivido transferencialmente durante o próprio processo O trabalho do analista está já incluído no que é construído a título de um quadro do passado Assim como o mito é um produto social por ser um elemento importante da cultura o mesmo se dá com a construção que é fruto da prática social em que é forjada Fornece um sentido às reações ao sofrimento e sintomas do analisando como o mito com a realidade cultural A construção não pode ser considerada um mito individual porque deriva da Psicanálise como uma prática social É uma produção social no sentido de que não é criada nem pelo analista nem pelo analisando não tem autor mas emerge do processo psicanalítico provendo uma história transferencial com um sentido Mircea Eliade 1994 observa como é difícil encontrar uma única definição de mito que satisfaça a todos por ser o mito uma realidade cultural muito complexa O mito é a narrativa de uma história fabulosa ou sagrada ocorrida em um passado remoto relacionada à origem de algo que é uma realidade atual É a narrativa de uma criação Pode ser tomado como verdadeiro sendo acompanhado de convicção ou compreendido como um relato alegórico Os ritos vão lado a lado com os mitos complementando e revelando seu sentido Encontramos nesses aspectos da função do mito na cultura uma possível correspondência com as construções em Psicanálise Se uma reconstrução fiel da realidade do passado é impossível Freud se contenta com a ideia de que a construção contém apenas um fragmento deste passado Passa a apreciá la por seu valor estratégico no tratamento um valor certificado apenas por seus efeitos Os mitos e a história fornecem ambos um quadro do passado São dois caminhos alternativos para a abordagem do passado que não são fáceis de separar O mesmo acontece com as construções que combinam memórias do passado com elementos míticos Esses elementos míticos funcionam como uma moldura que complementa e organiza as memórias fornecendo um certo sentido para o passado Sentido que emerge da possibilidade de desvelar como certos desejos estiveram implicados na história de um analisando desejos que não foram até então reconhecidos por ele como capazes de estruturar sua vida e escolhas História e temporalidade na Psicanálise O que será o fato histórico O fato básico com que trabalha o historiador tal como por exemplo a informação a Batalha dos Guararapes ocorreu em dois confrontos em 1648 e 1649 entre os holandeses e os defensores do Império 8 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Português Sobre a verdade desse fato há documentos O historiador deve usálos com exatidão entretanto embora zelar por isso seja uma função necessária do historiador essa não é sua função essencial Não existem dados sólidos que independam da interpretação do historiador nem documentos que não tenham sido redigidos por alguém O historiador atenta para os fatos selecionaos e interpretaos O presente e o passado estão em questão o passado representado pelos fatos e o presente pelo historiador A história portanto pode ser definida como um campo em que o saber se constitui de um processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos um diálogo interminável entre o presente e o passado Carr 1982 p 29 Embora a Psicanálise e a História sejam campos distintos ambos envolvem esse diálogo entre passado e presente No belo texto sobre Leonardo da Vinci 1910 Freud propõe uma analogia entre a Psicanálise e a historiografia Considera as recordações da infância como fundamentalmente diversas das que correspondem à idade adulta As memórias da vida adulta são fixadas durante as experiências tal como a escrita histórica que é crônica dos eventos atuais Já as recordações da infância são fantasias construídas depois e sofrem amplas deformações respondendo a tendências posteriores Interrogando a origem da escrita da história Freud dirá que os homens ao desejarem compreender de onde vieram e como chegaram até o presente interpretam os traços da antiguidade que sobreviveram nos costumes para criar a história do passado Esta jamais será um quadro verdadeiro do passado não só porque muita coisa se perdeu ou sofreu distorção na memória da nação mas porque a historiografia como narrativa não pode deixar de expressar desejos interesses e crenças do presente A história que se constrói expressa os desejos atuais e situase na confluência do passado com o presente reordenando em uma segunda instância esse passado Por que em segunda instância Porque já é como enlaçado aos acontecimentos e vínculos atuais que esse passado pode atualizarse essa simples transferência já significa uma reordenação do passado Nesse aspecto existe uma aproximação entre história e a Psicanálise Nesta a noção de Nachträglichkeit já presente nos primeiros escritos freudianos e que foi destacada por Lacan em sua releitura define inicialmente uma temporalidade própria à formação dos sintomas neuróticos nos quais as experiências infantis são tomadas como centrais A noção de Nachträglichkeit Freud 1895 surgiu na Psicanálise para designar o movimento pelo qual uma memória só adquiria a qualidade de traumática bem após o acontecimento Ainda num período que pode ser qualificado como dos antecedentes da Psicanálise em que a neurose era atribuída ao abuso sexual da criança essa experiência não teria efeitos imediatos mas só com a puberdade e com o advento da sexualidade viria a colorirse de um valor sexual o que precipitaria o recalque O pressuposto desta teoria era que a maturação fator de ordem biológica se encarregaria de introduzir a sexualidade na vida do púbere transformando a memória com o que ela passaria a ser dotada de uma significação sexual antes inexistente A contribuição de Lacan ao alertar para o valor da noção foi muito valiosa já que a tradução do termo para o inglês deferred action não foi mantida de forma coerente ao longo dos textos freudianos mas o termo alemão foi traduzido de formas diversas nos vários contextos e artigos Esta oscilação de tradução obscureceu o fato de que no original da obra freudiana o termo Nachträglichkeit aparece com grande frequência e de forma consistente o suficiente para ficar caracterizado o valor conceitual que Freud lhe atribuía inapreensível para o leitor das traduções 9 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Para Laplanche e Pontalis 1967 deferred action não é uma boa tradução para Nachträglichkeit porque sugere que o evento passado exerce seu efeito causal a partir de um adiamento temporal interpretação da qual discordam O que o conceito introduz de original é que ocorre uma determinação retroativa do presente sobre o passado A ideia de temporalidade aqui introduzida sem dúvida representa uma concepção de causalidade diversa da concepção tradicional que é a de uma ação linear do passado sobre o presente Não é necessário entretanto atribuir qualquer direção a este movimento causal seja ele progressivo ou retroativo A temporalidade em questão no Brasil traduzida como só depois ou a posteriori situa não apenas os sintomas mas todas as formações do inconsciente como produções que se dão na interseção entre presente e passado como cristalizações em que as experiências recentes e infantis se encontram a partir de alguma analogia ou ponte Este esquema temporal formulado na teoria da sedução traumática resistiu à virada da introdução do conceito de realidade psíquica e da descoberta da sexualidade infantil e continuou a vigorar depois do abandono da teoria da sedução e do método catártico Recebeu especial atenção na análise do Homem dos Lobos em que a cena primária de ordem traumática não pode ser lembrada mas é construída em minúcias pelo analista a partir do sonho dos lobos Além do mais seu valor de determinação é considerado independentemente de se ela foi realmente vista ou se foi construída pelo menino ao observar o coito de animais Lacan 1986 em seminário de 19051954 valoriza o momento do acontecimento como uma cunhagem em um inconsciente não recalcado de uma cena não dotada de significação limitada ao domínio imaginário Quando o menino entra no mundo simbólico o que foi cunhado sofrerá uma transformação O trauma que só intervém a posteriori é recalcado como núcleo do inconsciente Este recalcado não será mais integrado ao mundo simbólico do sujeito mas continuará a falar através de seus sintomas Neste mesmo âmbito estrutural Freud 1923b retorna a esta temporalidade ao afirmar que ameaças de castração só são dotadas de seu valor traumático a posteriori quando o menino se depara pela primeira vez com o genital feminino com o sinal de menos que é como pode apreendêlo inicialmente Pode então representar a possibilidade de perda do próprio pênis A temporalidade Nachträglichkeit é correlativa da importância da experiência infantil na obra freudiana O acontecimento recente se reforça com a energia latente do recalcado enquanto este só consegue agir através do recente o que mantém vivos os rastros no psiquismo adulto das experiências infantis A experiência analítica para Freud convence a todos da verdade de que a criança é pai do adulto Freud 1940 p187 tal a importância dos primeiros anos de vida As analogias e aproximações entre os campos da história e da Psicanálise podem ser férteis mas as especificidades epistemológicas destes campos do saber não podem ser ignoradas Peter Gay em seu grande interesse e simpatia pela Psicanálise escreveu o artigo A Psicanálise e o historiador Gay2000 em que tenta absolver a Psicanálise das ácidas críticas que vinha recebendo na época Afinal a Psicanálise assim como a história concentrase em compreender o passado trabalha no sentido de tornar legíveis as pistas ilegíveis e escava sob as superfícies até atingir as camadas ocultas obscuras e distorcidas pela passagem do tempo ou pela necessidade dos autores ou do público de negar verdades desagradáveis A Psicanálise tal como a história é uma investigação empírica que embora guiada pela 10 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 teoria e apesar de todos os seus procedimentos misteriosos tem um compromisso com a busca escrupulosa de provas Gay 2000 p 108 Gay busca aproximar a Psicanálise da ideologia positivista para tornála mais defensável do ponto de vista desse modelo de ciência único que consagra a prova especialmente a experimental como selo de qualidade Freud entretanto jamais desejou que a Psicanálise correspondesse a esse ideal O roteiro de sua investigação o alheava irremediavelmente desta tradição e ele sabia disso Ainda em 1909 Freud 1909 p104 ele se desobriga de verificar ou falsificar sua teoria defendendo a especificidade de sua construção Diz ele A Psicanálise não é uma investigação científica imparcial mas uma medida terapêutica Sua essência não é provar nada mas meramente alterar algo A Psicanálise é a teoria de uma prática Finalmente é preciso salientar que a especificidade de cada campo de saber exige o cuidado na pesquisa interdisciplinar para não transpassar fronteiras prejudicando o rigor no tratamento de cada um deles Referências Carr EH Que é história São Paulo Paz e Terra 1982 Eliade M Mito e realidade São PauloPerspectiva1994 Freud S 19501895 Project for a scientific psychology The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud v I London Hogarth Press 1975 p 283397 Freud S Screen memories 1899 SE v III London The Hogarth Press 1975 p 301322 Freud S The Interpretation of Dreams 1900 SE v IV e V London The Hogarth Press 1975 Freud S Analysis of a Phobia of a fiveyearold boy 1909 SE v X London The Hogarth Press 1975 p 3148 Freud S Leonardo da Vinci and a memory of his childhood 1910 SE v XI London The Hogarth Press 1975 p 63138 Freud S Totem and Taboo 191319121913 SE XIII London Hogarth Press 1975 p 1162 Freud S Repression 1915 SE XIV London Hogarth Press 1975 p 141 158 Freud S From the history of an infantile neurosis 1918 1914 SE XVII London Hogarth Press 1975 p 3122 Freud S A Child is being beaten A contribution to the study of the origin of sexual perversions 1919 SE XVII London Hogarth Press 1975 p175204 Freud S 1985 Neuroses de transferência uma síntese rascunho do décimo segundo ensaio metapsicológico de 1915 Rio de Janeiro Imago 1987 FerraterMora J Diccionario de Filosofía v 3 Madrid Alianza Editorial1988 Fuks BB O Homem Moisés e a Religião Monoteísta Três Ensaios O desvelar de um assassinato Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 11 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Freud S Constructions in analysis 1937 The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud SE vol XXIII London Hogarth Press1975 255270 Gay P A Psicanálise e o historiador In Roth Morg Freud Conflito e cultura Zahar 2000 Lacan J Os Escritos técnicos de Freud Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1986 Lacan J Conferences et entretiens dans des universities nordaméricaines Scilicet 67 Paris Seuil 1976 Laplanche J Pontalis JB Vocabulaire de la Psychanalyse Paris PUF 1967 Malinowski B Argonauts of the Western Pacific New York E P Dutton Co 1922 Edição do Kindle Rudge AM Mythology and constructions in psychoanalysis New York International Forum of Psychoanalysis v 6 série 1 p 5158 1997 Notas 1 Há duas menções do umbigo do sonho no texto a primeira em nota de rodapé no capítulo 2 a segunda no capítulo 7 CitaçãoCitation Rudge A M 2020 História e mito na Psicanálise Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe pp 211
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Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 httpdxdoiorg1018379217648912020vNSPEAp2 2 História e mito na Psicanálise Ana Maria Rudge Resumo As relações da história e do mito com a Psicanálise são abordadas A importância dos mitos na tessitura da Psicanálise é tematizada não só em relação aos mitos com os quais Freud busca contribuir com as teorias sobre a cultura a partir de descobertas oriundas da clínica psicanalítica mas também em instrumentos clínicos como a construção em análise que são análogos ao valor dos mitos na cultura A reflexão freudiana sobre a como a história e a Psicanálise coincidem em trabalhar em um tempo que é uma cristalização entre passado e presente é seguida da observação de que a especificidade epistemológica de cada campo de saber deve ser respeitada em nome do rigor Palavraschave MITO HISTÓRIA INTERDISCIPLINARIDADE History and myth in Psychoanalysis Abstract The relationship of history and myth with psychoanalysis is addressed The importance of myths in the fabric of psychoanalysis is examined not only in relation to the myths with which Freud seeks to contribute with theories about culture that are based on discoveries from the psychoanalytic clinic but also in clinical instruments such as the constructions in analysis which are analogous to the value of myths in culture Freuds reflection on how history and psychoanalysis coincide in working in a time that is a crystallization between past and present The specificity of each field of knowledge is emphasized Keywords MYTH HISTORY INTERDISCIPLINARITY Historia y mito en psicoanálisis Resumen Se abordan las relaciones de la historia y del mito con el psicoanálisis La importancia de los mitos en el tejido del psicoanálisis es examinada no solo en relación con los mitos con los que Freud busca contribuir con teorías sobre la cultura basadas en los descubrimientos de la clínica psicoanalítica sino también en instrumentos clínicos como la construcción bajo análisis que son análogos al valor de los mitos en la cultura Freud considera la coincidencia entre la historia y el psicoanálisis al trabajar en un tiempo que es una cristalización entre el pasado y el presente Se enfatiza la especificidad epistemológica de cada campo de conocimiento conocimiento son heterogéneos y que la diferencia debe respetarse en nombre del rigor Palabras clave MITO HISTORIA INTERDISCIPLINARIEDAD A relação entre mito e história pode ser abordada em sua diversidade O mito embora costume versar sobre origens não supõe a ambição de constituir um discurso Docente do Programa de PósGraduação em Psicanálise Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida UVA ORCID ID httpsorcidorg0000000241954084 Email amrudgeoutlookcom 3 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 objetivo e comprovado sobre fatos do passado mas é uma narrativa ficcional No campo da Psicanálise entretanto parece diluirse a nitidez dessa diferenciação A bem da verdade não é apenas no campo da Psicanálise que esta distinção pode ser nebulosa O historiador EH Carr 1982 usa como epígrafe a observação de uma personagem de Jane Austen sobre a História Chego a estranhar muitas vezes que ela seja tão monótona pois grande parte dela deve ser invenção Freud tratou de indicar àqueles que desejavam exercer a função de analistas que importassem conhecimentos da história das civilizações e da mitologia Com efeito a implicação do conceito psicanalítico de recalque originário se sustenta na ideia de que toda a memória de nossa primeira infância é inteiramente fundada em fantasias de desejo com as quais preenchemos retroativamente as lacunas da memória e relatos que ouvimos de familiares É certo que tal como a ciência da História temos certos documentos dessa fase como fotos e livros do bebê mas nenhuma recordação que testemunhe fatos ocorridos Qualquer narrativa que substitua esse vazio é ficcional recordação encobridora mas não arbitrário Articulase à fantasia e às pulsões e em última instância às primeiras experiências as mais poderosas mas anteriores ao advento da linguagem O mito fundamental da Psicanálise conhecido como o mito de Totem e Tabu Freud 19121913 foi qualificado por Lacan como o único mito moderno Tratase da narrativa do assassinato do pai da horda qualificado por Freud de mito científico mostrando o alcance que lhe dava de uma construção ou ficção teórica que o tempo mostrou como sendo de inegável valor Embora o autor tenha consultado antropólogos com os quais cotejar sua invenção o mito de Totem e Tabu foi basicamente criado a partir do campo das descobertas em Psicanálise ou seja a clínica psicanalítica que o convenceu da importância estrutural do Complexo de Édipo na história de todos No campo da Antropologia encontramos a concepção do mito como algo vivo com o poder de conferir significação e valor à existência fornecendo modelos para o comportamento humano em uma dada cultura Como mostrou Malinovski 1922 o mito é vital para a cultura porque longe de ser uma ficção vã é uma realidade viva à qual se recorre incessantemente por representar a verdadeira codificação de um saber prático O mito é justificado por sua função de estruturar a vida presente É sem dúvida uma ficção o relato de algo que não ocorreu na realidade e entretanto o mito não deixa de portar sempre um enlace com algo de factual Ele lida com o que é supratemporal e permanente que nunca deixa de ocorrer e que como um paradigma vale para todos os tempos Mora 1988 p p 2237 Voltando à Psicanálise discutese a partir de algo dito por Freud se ele considerava que o assassinato do pai efetivamente ocorreu no ponto zero da história da humanidade Bem advertido estava ele entretanto de que os mitos não têm compromisso com a realidade factual da narrativa que os constitui Um dos indícios disso é o fato de que em 1915 ele escreve um mito diverso em vários pontos daquele 4 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 de 1913 mas também sobre as origens da cultura Esse mito estava em manuscrito descoberto tardiamente e publicado apenas em 1985 Neuroses de transferência e nele Freud apresenta construções que propõem uma correspondência entre a psicopatologia e o passado filogenético de nossa espécie A catástrofe entendida como condição da representação constitui um dos pontos de interesse do manuscrito freudiano Nele encontramos um mito das origens diverso daquele de Totem e Tabu mas igualmente fascinante Enquanto no mito de Totem e Tabu o assassinato do tirânico chefe da horda que privava a todos das mulheres e os expulsava marca a origem da cultura da moralidade e da religião o mito de 1915 parte das catástrofes da era glacial que teriam jogado os hominídeos que até então viviam em harmonia com a natureza em intensa angústia fome e desamparo Só então os primatas erigem um pai da horda justamente aquele que conseguira certo domínio sobre o mundo inclusive rudimentos da linguagem Em troca do seu saber e proteção entretanto exigia o domínio absoluto Nessa forma modificada do mito o papel do pai como proteção contra a angústia e o desamparo é colocado como precedente ao do pai tirânico e obstáculo às mulheres e ao sexo Os dois mitos correspondem a uma longa discussão que Freud afirmava sustentar na época sobre qual seria a primeira se a angústia real ou a angústia nostálgica essa de ordem libidinal Há ainda um terceiro mito importante com o qual Freud retorna às origens da cultura a do Moisés egípcio do qual Betty Fuks 2014 soube extrair importante e original trabalho de interpretação que enriquece o texto freudiano Não é apenas no terreno da contribuição da Psicanálise para o estudo da cultura no entanto que o valor que Freud concede aos mitos em nosso campo tem lugar também entre seus trabalhos especialmente concernentes à prática clínica o mito mostra sua centralidade na epistemologia da Psicanálise Que importância atribui Freud às construções em análise Em um artigo de 1937 um dos seus últimos escritos o único cujo tema central são as construções em análise ele procura definir estritamente sua natureza distinguindoas das interpretações É digno de nota que junto à escrita de Construções em análise Freud escrevia O homem Moisés e o monoteísmo uma construção histórica que desembocou na criação do mito sobre a origem de um povo Através das Escrituras e do trabalho de egiptólogos de sua época Freud procurou encontrar os rastros deformados do processo de construção do judaísmo e para tanto foi preciso construir a verdade histórica em jogo na religião de Moisés o egípcio Fuks 2014 Sabese que a interpretação é uma intervenção do analista em uma associação sonho ou ato falhado específicos Uma ferramenta sobre a qual a Psicanálise em seus primórdios desenhou seu campo específico Quando Freud se viu diante dos impasses do fenômeno de compulsão à repetição no tratamento analítico cria entretanto outro procedimento clínico a construção para atender ao paciente que repete como acting out aquilo que de alguma forma o marcou Tratase da produzir um fragmento determinado da história do analisando uma pequena narrativa que visa à investigação de um período de sua infância Freud nos apresenta um exemplo da forma que uma construção poderia assumir Até x anos você se considerou o único e irrestrito dono de sua mãe então veio outro neném e trouxe a você uma grave desilusão Sua mãe o abandonou por algum tempo e depois que reapareceu nunca mais se devotou exclusivamente a você Seus sentimentos em relação a sua mãe se tornaram ambivalentes seu pai tomou uma nova importância para você etc Freud 19371975 p 261 Nesta curta narrativa o analista busca 5 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 atingir uma provável verdade histórica com relação à existência do analisando e seu romance familiar O objetivo do tratamento analítico poderia ser descrito por Freud como um levantamento do recalque A análise deveria permitir ao analisando lembrarse de importantes experiências de sua infância O ideal a que Freud se ateve no início seria o de que um quadro completo de seu passado estivesse disponível à rememoração Quando escreve porém Construções em análise esse ideal havia sido há muito abandonado O texto marca uma descrença na noção de que o processo analítico pode atingir o objetivo de levantar a amnésia infantil objetivo aliás que por muito breve tempo teve lugar na Psicanálise tendo sido descartado desde que as recordações encobridoras mereceram um artigo 1899 e que a metáfora do umbigo do sonho em Interpretação dos Sonhos 19001 antecipou no terreno da descoberta clínica o que viria a constituir o conceito de recalque originário formulado em 1915 A tarefa do analisando é relembrar quantos fatos possa mas qual a do analista Nos sonhos atos falhos associações livres mas principalmente pela repetição na transferência procura pistas do que desapareceu Através dessas pistas traços deixados pelo recalque procura construir o que está submerso O papel da construção é inseparável da atividade de investigação do analista Freud propõe uma analogia entre o trabalho do analista e o do arqueólogo A escavação a que este se dedica assemelhase à atividade do analista em suas construções Ambos têm que completar com inferências a informação a que têm acesso em suas pesquisas O analista dispõe entretanto de condições mais favoráveis O arqueólogo escava em busca de restos das edificações que foram destruídas e soterradas O material de que o analista dispõe ao contrário está enterrado no sentido de que se tornou inacessível mas apenas para o analisando Para o analista tratase de algo do passado mas que está vivo na repetição e é frequentemente encenado no palco da transferência A tarefa de construir o passado é descrita como um vai e vem em que o analista comunica suas inferências o analisando responde com novas associações que por sua vez permitirão ao analista novas inferências e assim por diante Sem dúvida o analista pode elaborar construções errôneas Para abandonar um caminho que se mostrou equivocado precisa de critérios para avaliar as suas construções que pertencem ao campo da conjectura O analista para decidir do acerto de uma construção conta apenas com confirmações indiretas que recebe do analisando A mais conclusiva destas confirmações se dá quando as construções despertam memórias que complementam e ampliam a construção Isso nem sempre ocorre porém Muitas vezes a construção não evoca memórias e só no decorrer da análise poderá surgir alguma pista quanto ao seu valor A boa construção sempre encontra a convicção do paciente o que não ocorre necessariamente a partir do surgimento das recordações correspondentes Nesse caso a convicção do analisando e alguma mudança de posição subjetiva em que a repetição compulsiva é atenuada é tudo com o que podemos contar como confirmação e basta para caracterizar o valor da construção A introdução da noção de construção reflete duas novas ênfases no pensamento de Freud A primeira é a desistência de um ideal que se costuma pensar que ele acalentou recuperar as memórias que desapareceram sob a amnésia infantil Na verdade ele não acalentou tal ideal exceto no que poderia de se chamar de uma pré história da Psicanálise A memória tal como pensada na teoria freudiana apresenta paradoxos que surpreendem a uma primeira vista O primeiro diz respeito ao papel 6 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 estruturante das experiências da primeira infância que Freud representa metapsicologicamente como uma memória pulsional permanente e inerradicável Pois essa potência da memória é relativizada pelo fato de que não se expressa em recordações As primeiras memórias sucumbem inteiramente à amnésia infantil e toda a nossa ideia do passado é constituída de recordações encobridoras Como observa Lacan o próprio conceito de recordação encobridora mostra a desconfiança do analista de tudo o que a memória pensa que reproduz Lacan 1976 p 22 Quanto ao texto de 1899 sobre as recordações encobridoras ele já esclarece que não havia qualquer esperança ou desejo por parte do pai da Psicanálise de recuperar memórias da primeira infância essas estranhas memórias que são pulsionais e não se atualizam em recordações Mesmo se não evoca memórias perdidas mesmo sendo uma narrativa que como dizem os italianos se não é verdadeira é bem pensada a construção é efetiva no tratamento porque de alguma forma se articula a uma experiência recalcada A construção sempre traz algo de verdade histórica é isso que explica o sentimento de convicção que desperta Freud chega a comparar as construções aos delírios que também são tentativas de explicação e cura e carregam algum fragmento de verdade histórica Comparação que não deixa dúvidas de que Freud não acredita no poder do fragmento construído de reproduzir o que na verdade ocorreu Afinal sobre o que recai a construção Esclarece eventos esquecidos enterrados pela amnésia ou revela desejos e fantasias recalcados no passado Na busca de uma resposta vamos a um texto freudiano de 1919 Batese em uma criança no qual o tema da construção começa a tomar um lugar na teoria Freud aborda a fantasia de espancamento ao qual atribui um desenvolvimento histórico A primeira fase da fantasia pode ser representada pela frase meu pai bate numa criança Há uma segunda fase da fantasia porém que possui um cunho masoquista que pode ser expressa na frase estou sendo espancado por meu pai Embora seja a mais importante e a que é acompanhada de mais intenso prazer esta fase da fantasia não costuma ser recordada nunca Mais do que isso parece que jamais teve uma existência real Freud 19191975 p 185 sendo apenas uma construção da análise O termo construção aparece portanto mostrandoa como uma narrativa que se refere a fantasias produzidas pelo desejo inconsciente e não a fatos da infância Não há acesso à rocha do evento que não seja intermediado por fantasias e desejos este é o reinado da realidade psíquica Se nesse mesmo texto Freud reafirma seu antigo ideal ao afirmar que a Psicanálise só ocorre quando tem sucesso em remover a amnésia que esconde do adulto o conhecimento sobre sua infância desde o início Freud1919 p 183 podemos entender que essa amnésia diz respeito não ao puro evento mas a fantasias e desejos Não poderia ser de outra forma Desde o abandono da teoria da sedução infantil na etiologia das neuroses não há mais fatos traumáticos sob os sintomas mas fantasia ou uma fantasia fundamental A natureza da fantasia é ser em si mesma uma interpretação Freud 1919 p 185 No caso do Homem dos Lobos 1918 1914 por mais que Freud persiga o acontecimento acaba por construir uma cena primária que é mítica 7 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Com ela tenta dar conta dos efeitos sintomáticos que acompanharam a vida do paciente Desde que atenda a esse propósito é indiferente considerar a cena de origem como real ou como uma fantasia primária Freud 1918 1914 1975 É seu valor heurístico na compreensão do estado sintomático assim como seu poder de alterálo que eventualmente confirmará uma construção Há uma nova ênfase no discurso teórico freudiano que se reflete na elaboração da noção de construção Com essa noção Freud parece dar uma maior importância à atividade do analista na condução da análise e em seus resultados do que fazia anteriormente Assim afirma que o trabalho de análise consiste em duas partes bem diferentes envolve duas pessoas a cada uma das quais uma tarefa distinta é atribuída Pode parecer estranho que um fato tão fundamental não tenha sido assinalado há muito tempo atrás Freud 1937 p 258 Se a rememoração é abandonada por Freud é porque ele se dá conta de que as narrativas derivadas da análise são construídas tanto pelo analista quanto pelo analisando a partir do que é vivido transferencialmente durante o próprio processo O trabalho do analista está já incluído no que é construído a título de um quadro do passado Assim como o mito é um produto social por ser um elemento importante da cultura o mesmo se dá com a construção que é fruto da prática social em que é forjada Fornece um sentido às reações ao sofrimento e sintomas do analisando como o mito com a realidade cultural A construção não pode ser considerada um mito individual porque deriva da Psicanálise como uma prática social É uma produção social no sentido de que não é criada nem pelo analista nem pelo analisando não tem autor mas emerge do processo psicanalítico provendo uma história transferencial com um sentido Mircea Eliade 1994 observa como é difícil encontrar uma única definição de mito que satisfaça a todos por ser o mito uma realidade cultural muito complexa O mito é a narrativa de uma história fabulosa ou sagrada ocorrida em um passado remoto relacionada à origem de algo que é uma realidade atual É a narrativa de uma criação Pode ser tomado como verdadeiro sendo acompanhado de convicção ou compreendido como um relato alegórico Os ritos vão lado a lado com os mitos complementando e revelando seu sentido Encontramos nesses aspectos da função do mito na cultura uma possível correspondência com as construções em Psicanálise Se uma reconstrução fiel da realidade do passado é impossível Freud se contenta com a ideia de que a construção contém apenas um fragmento deste passado Passa a apreciá la por seu valor estratégico no tratamento um valor certificado apenas por seus efeitos Os mitos e a história fornecem ambos um quadro do passado São dois caminhos alternativos para a abordagem do passado que não são fáceis de separar O mesmo acontece com as construções que combinam memórias do passado com elementos míticos Esses elementos míticos funcionam como uma moldura que complementa e organiza as memórias fornecendo um certo sentido para o passado Sentido que emerge da possibilidade de desvelar como certos desejos estiveram implicados na história de um analisando desejos que não foram até então reconhecidos por ele como capazes de estruturar sua vida e escolhas História e temporalidade na Psicanálise O que será o fato histórico O fato básico com que trabalha o historiador tal como por exemplo a informação a Batalha dos Guararapes ocorreu em dois confrontos em 1648 e 1649 entre os holandeses e os defensores do Império 8 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Português Sobre a verdade desse fato há documentos O historiador deve usálos com exatidão entretanto embora zelar por isso seja uma função necessária do historiador essa não é sua função essencial Não existem dados sólidos que independam da interpretação do historiador nem documentos que não tenham sido redigidos por alguém O historiador atenta para os fatos selecionaos e interpretaos O presente e o passado estão em questão o passado representado pelos fatos e o presente pelo historiador A história portanto pode ser definida como um campo em que o saber se constitui de um processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos um diálogo interminável entre o presente e o passado Carr 1982 p 29 Embora a Psicanálise e a História sejam campos distintos ambos envolvem esse diálogo entre passado e presente No belo texto sobre Leonardo da Vinci 1910 Freud propõe uma analogia entre a Psicanálise e a historiografia Considera as recordações da infância como fundamentalmente diversas das que correspondem à idade adulta As memórias da vida adulta são fixadas durante as experiências tal como a escrita histórica que é crônica dos eventos atuais Já as recordações da infância são fantasias construídas depois e sofrem amplas deformações respondendo a tendências posteriores Interrogando a origem da escrita da história Freud dirá que os homens ao desejarem compreender de onde vieram e como chegaram até o presente interpretam os traços da antiguidade que sobreviveram nos costumes para criar a história do passado Esta jamais será um quadro verdadeiro do passado não só porque muita coisa se perdeu ou sofreu distorção na memória da nação mas porque a historiografia como narrativa não pode deixar de expressar desejos interesses e crenças do presente A história que se constrói expressa os desejos atuais e situase na confluência do passado com o presente reordenando em uma segunda instância esse passado Por que em segunda instância Porque já é como enlaçado aos acontecimentos e vínculos atuais que esse passado pode atualizarse essa simples transferência já significa uma reordenação do passado Nesse aspecto existe uma aproximação entre história e a Psicanálise Nesta a noção de Nachträglichkeit já presente nos primeiros escritos freudianos e que foi destacada por Lacan em sua releitura define inicialmente uma temporalidade própria à formação dos sintomas neuróticos nos quais as experiências infantis são tomadas como centrais A noção de Nachträglichkeit Freud 1895 surgiu na Psicanálise para designar o movimento pelo qual uma memória só adquiria a qualidade de traumática bem após o acontecimento Ainda num período que pode ser qualificado como dos antecedentes da Psicanálise em que a neurose era atribuída ao abuso sexual da criança essa experiência não teria efeitos imediatos mas só com a puberdade e com o advento da sexualidade viria a colorirse de um valor sexual o que precipitaria o recalque O pressuposto desta teoria era que a maturação fator de ordem biológica se encarregaria de introduzir a sexualidade na vida do púbere transformando a memória com o que ela passaria a ser dotada de uma significação sexual antes inexistente A contribuição de Lacan ao alertar para o valor da noção foi muito valiosa já que a tradução do termo para o inglês deferred action não foi mantida de forma coerente ao longo dos textos freudianos mas o termo alemão foi traduzido de formas diversas nos vários contextos e artigos Esta oscilação de tradução obscureceu o fato de que no original da obra freudiana o termo Nachträglichkeit aparece com grande frequência e de forma consistente o suficiente para ficar caracterizado o valor conceitual que Freud lhe atribuía inapreensível para o leitor das traduções 9 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Para Laplanche e Pontalis 1967 deferred action não é uma boa tradução para Nachträglichkeit porque sugere que o evento passado exerce seu efeito causal a partir de um adiamento temporal interpretação da qual discordam O que o conceito introduz de original é que ocorre uma determinação retroativa do presente sobre o passado A ideia de temporalidade aqui introduzida sem dúvida representa uma concepção de causalidade diversa da concepção tradicional que é a de uma ação linear do passado sobre o presente Não é necessário entretanto atribuir qualquer direção a este movimento causal seja ele progressivo ou retroativo A temporalidade em questão no Brasil traduzida como só depois ou a posteriori situa não apenas os sintomas mas todas as formações do inconsciente como produções que se dão na interseção entre presente e passado como cristalizações em que as experiências recentes e infantis se encontram a partir de alguma analogia ou ponte Este esquema temporal formulado na teoria da sedução traumática resistiu à virada da introdução do conceito de realidade psíquica e da descoberta da sexualidade infantil e continuou a vigorar depois do abandono da teoria da sedução e do método catártico Recebeu especial atenção na análise do Homem dos Lobos em que a cena primária de ordem traumática não pode ser lembrada mas é construída em minúcias pelo analista a partir do sonho dos lobos Além do mais seu valor de determinação é considerado independentemente de se ela foi realmente vista ou se foi construída pelo menino ao observar o coito de animais Lacan 1986 em seminário de 19051954 valoriza o momento do acontecimento como uma cunhagem em um inconsciente não recalcado de uma cena não dotada de significação limitada ao domínio imaginário Quando o menino entra no mundo simbólico o que foi cunhado sofrerá uma transformação O trauma que só intervém a posteriori é recalcado como núcleo do inconsciente Este recalcado não será mais integrado ao mundo simbólico do sujeito mas continuará a falar através de seus sintomas Neste mesmo âmbito estrutural Freud 1923b retorna a esta temporalidade ao afirmar que ameaças de castração só são dotadas de seu valor traumático a posteriori quando o menino se depara pela primeira vez com o genital feminino com o sinal de menos que é como pode apreendêlo inicialmente Pode então representar a possibilidade de perda do próprio pênis A temporalidade Nachträglichkeit é correlativa da importância da experiência infantil na obra freudiana O acontecimento recente se reforça com a energia latente do recalcado enquanto este só consegue agir através do recente o que mantém vivos os rastros no psiquismo adulto das experiências infantis A experiência analítica para Freud convence a todos da verdade de que a criança é pai do adulto Freud 1940 p187 tal a importância dos primeiros anos de vida As analogias e aproximações entre os campos da história e da Psicanálise podem ser férteis mas as especificidades epistemológicas destes campos do saber não podem ser ignoradas Peter Gay em seu grande interesse e simpatia pela Psicanálise escreveu o artigo A Psicanálise e o historiador Gay2000 em que tenta absolver a Psicanálise das ácidas críticas que vinha recebendo na época Afinal a Psicanálise assim como a história concentrase em compreender o passado trabalha no sentido de tornar legíveis as pistas ilegíveis e escava sob as superfícies até atingir as camadas ocultas obscuras e distorcidas pela passagem do tempo ou pela necessidade dos autores ou do público de negar verdades desagradáveis A Psicanálise tal como a história é uma investigação empírica que embora guiada pela 10 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 teoria e apesar de todos os seus procedimentos misteriosos tem um compromisso com a busca escrupulosa de provas Gay 2000 p 108 Gay busca aproximar a Psicanálise da ideologia positivista para tornála mais defensável do ponto de vista desse modelo de ciência único que consagra a prova especialmente a experimental como selo de qualidade Freud entretanto jamais desejou que a Psicanálise correspondesse a esse ideal O roteiro de sua investigação o alheava irremediavelmente desta tradição e ele sabia disso Ainda em 1909 Freud 1909 p104 ele se desobriga de verificar ou falsificar sua teoria defendendo a especificidade de sua construção Diz ele A Psicanálise não é uma investigação científica imparcial mas uma medida terapêutica Sua essência não é provar nada mas meramente alterar algo A Psicanálise é a teoria de uma prática Finalmente é preciso salientar que a especificidade de cada campo de saber exige o cuidado na pesquisa interdisciplinar para não transpassar fronteiras prejudicando o rigor no tratamento de cada um deles Referências Carr EH Que é história São Paulo Paz e Terra 1982 Eliade M Mito e realidade São PauloPerspectiva1994 Freud S 19501895 Project for a scientific psychology The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud v I London Hogarth Press 1975 p 283397 Freud S Screen memories 1899 SE v III London The Hogarth Press 1975 p 301322 Freud S The Interpretation of Dreams 1900 SE v IV e V London The Hogarth Press 1975 Freud S Analysis of a Phobia of a fiveyearold boy 1909 SE v X London The Hogarth Press 1975 p 3148 Freud S Leonardo da Vinci and a memory of his childhood 1910 SE v XI London The Hogarth Press 1975 p 63138 Freud S Totem and Taboo 191319121913 SE XIII London Hogarth Press 1975 p 1162 Freud S Repression 1915 SE XIV London Hogarth Press 1975 p 141 158 Freud S From the history of an infantile neurosis 1918 1914 SE XVII London Hogarth Press 1975 p 3122 Freud S A Child is being beaten A contribution to the study of the origin of sexual perversions 1919 SE XVII London Hogarth Press 1975 p175204 Freud S 1985 Neuroses de transferência uma síntese rascunho do décimo segundo ensaio metapsicológico de 1915 Rio de Janeiro Imago 1987 FerraterMora J Diccionario de Filosofía v 3 Madrid Alianza Editorial1988 Fuks BB O Homem Moisés e a Religião Monoteísta Três Ensaios O desvelar de um assassinato Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 11 Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe p 211 Freud S Constructions in analysis 1937 The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud SE vol XXIII London Hogarth Press1975 255270 Gay P A Psicanálise e o historiador In Roth Morg Freud Conflito e cultura Zahar 2000 Lacan J Os Escritos técnicos de Freud Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1986 Lacan J Conferences et entretiens dans des universities nordaméricaines Scilicet 67 Paris Seuil 1976 Laplanche J Pontalis JB Vocabulaire de la Psychanalyse Paris PUF 1967 Malinowski B Argonauts of the Western Pacific New York E P Dutton Co 1922 Edição do Kindle Rudge AM Mythology and constructions in psychoanalysis New York International Forum of Psychoanalysis v 6 série 1 p 5158 1997 Notas 1 Há duas menções do umbigo do sonho no texto a primeira em nota de rodapé no capítulo 2 a segunda no capítulo 7 CitaçãoCitation Rudge A M 2020 História e mito na Psicanálise Trivium Estudos Interdisciplinares Ano XII nospe pp 211