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Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 DOI 1053706gepv227010 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO RACE CLASS AND CITIZENSHIP IN BRAZIL REFLECTING THE DEFENSE OF AFFIRMATIVE POLICIES AS AN INSTRUMENT FOR THE CONSOLIDATION OF THE RIGHTS OF THE BLACK PEOPLE RAZA CLASE Y CIUDADANÍA EN BRASIL REFLEJANDO LA DEFENSA DE LAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO PARA LA CONSOLIDACIÓN DE LOS DERECHOS DEL PUEBLO NEGRO André Luis Vitório da Silva MSC Universidade Federal da BahiaBrazil admvitorio1gmailcom Maria Elisabete Pereira dos Santos MSC Universidade Federal da BahiaBrazil betesantos28gmailcom Emmanuelle Fonseca Marinho de Anias Daltro Dra Pontifícia Universidade Católica do ParanáBrazil daltroemmanuellegmailcom Sara Braga de Melo Fadigas MSC Universidade Federal da BahiaBrazil sarafadigasgmailcom RESUMO Em tempos de crise seja econômica ou social as conquistas das parcelas marginalizadas da sociedade são questionadas por diferentes agentes no contexto das interações sociais No Brasil o debate em torno da eficiência e da austeridade nos gastos públicos tenta legitimar uma narrativa perversa que trata as políticas de reparação como assistencialismo e põe em xeque a consolidação dos direitos do cidadão Tornase relevante portanto a realização de estudos que estimulem reflexões acerca deste tema com vistas a subsidiar discussões na área de Políticas Públicas Este artigo tem como objetivo identificar e compreender elementos estruturais que interferem no processo de efetivação das políticas públicas afirmativas no Estado brasileiro evidenciando razões históricas sociais e políticas Tratase de um ensaio teórico que perpassa os conceitos de raça classe política pública e políticas afirmativas no contexto brasileiro com base na literatura de Estado e Sociedade Palavraschave Políticas Públicas Políticas Afirmativas Cidadania Raça Classe ABSTRACT In times of crisis whether economic or social the achievements of marginalized parts of society are questioned by different agents in the context of social interactions In Brazil the debate around efficiency and austerity in public spending tries to legitimize a perverse narrative that treats reparation policies as assistentialism and calls into question the consolidation of citizens rights Therefore it is relevant to carry out studies that stimulate reflections on this theme with a view to supporting discussions in the area of Public Policies This article aims to identify and understand structural elements that interfere in the process of affirmative public policies in the Brazilian State evidencing historical social and political reasons It is a theoretical essay that runs through the concepts of race class public policy and affirmative policies in the Brazilian context based on the State and Society literature Keywords Public policy Affirmative Policies Citizenship Breed Class RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 428 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb RESUMEN En tiempos de crisis ya sea económica o social los logros de los sectores marginados de la sociedad son cuestionados por diferentes agentes en el contexto de las interacciones sociales En Brasil el debate en torno a la eficiencia y austeridad en el gasto público intenta legitimar una narrativa perversa que trata las políticas de reparación como asistencialismo y cuestiona la consolidación de los derechos ciudadanos Por tanto es relevante realizar estudios que estimulen la reflexión sobre este tema con miras a apoyar las discusiones en el área de Políticas Públicas Este artículo tiene como objetivo identificar y comprender elementos estructurales que interfieren en el proceso de políticas públicas afirmativas en el Estado brasileño evidenciando razones históricas sociales y políticas Es un ensayo teórico que recorre los conceptos de raza clase política pública y políticas afirmativas en el contexto brasileño con base en la literatura Estado y Sociedad Palabras clave Políticas públicas Políticas afirmativas Ciudadanía Raza Clase 1 INTRODUÇÃO Em tempos de crise seja econômica ou social as conquistas das parcelas marginalizadas da sociedade são questionadas por diferentes agentes no contexto das interações sociais Nos Estados Unidos da América por exemplo a crise econômica de 2007 gerada pela falência do banco de investimento Lehman Brothers resultou em cortes significativos dos recursos empregados em políticas públicas assistenciais De forma semelhante no Brasil o debate em torno da eficiência e da austeridade nos gastos públicos sobretudo com referência ao investimento em políticas públicas ultrapassa o aspecto financeiro e envereda pelo campo da legalidade numa narrativa perversa que trata as políticas de reparação como assistencialismo Considerando que o Estado brasileiro enfrenta uma crise fiscal política e institucional num cenário de polarização ideológica o estudo das políticas públicas tem sua relevância elevada em função do risco de não garantia da manutenção de conquistas sobretudo às relacionadas as políticas voltadas para a camada populacional mais vulnerável socioeconomicamente aí incluída as políticas afirmativas Este ensaio teórico se propõe a defender as políticas afirmativas como instrumento necessário à garantia da cidadania do povo preto no Brasil1 Para tal adotase como premissa que a cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade que gozam de direitos e obrigações compostos por um conjunto de três elementos de natureza normativa uma parte civil uma parte política e uma parte social MARSHALL 1967 Assim o objetivo deste artigo é realizar uma investigação teórica no contexto brasileiro possibilitando a compreensão e a identificação de alguns elementos estruturais que interferem no processo de efetivação das políticas públicas afirmativas no Estado brasileiro evidenciando razões históricas sociais e políticas Esperase que este trabalho possa suscitar reflexões que contribuam para o aumento da efetividade das políticas afirmativas e por conseguinte para a garantia dos princípios constitucionais de igualdade de direitos e de oportunidades para todos os cidadãos brasileiros Além desta introdução este trabalho está estruturado em mais quatro partes A primeira delas trata da discussão de raça e classe evidenciando a invisibilização da questão racial no âmbito do Estado brasileiro a segunda conceitua política pública a terceira parte apresenta um arrazoado histórico sobre a implantação de políticas afirmativas em âmbito nacional e a defesa de que elas se constituem em instrumento para a consolidação do estado democrático de direito e por fim temse as conclusões do estudo 1 Neste trabalho os termos povo preto e população negra tem o mesmo significado A pluralidade é justificada pela utilização do primeiro termo pelos movimentos negros de base e do segundo comumente no âmbito institucional RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 429 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb 2 RAÇA E CLASSE NO BRASIL Do pessimismo quanto à miscigenação marcado pelo poligenismo da obra de Nina Rodrigues passando para a leitura romantizada da democracia racial de Gilberto Freyre ambos expoentes a seus tempos a leitura racial estava fadada ao lugar de coadjuvante no processo de construção sociopolítico no Brasil CARNEIRO 2011 FONSECA 2009 SCHWARCZ 2012 Na arena da atuação do Estado brasileiro o escamoteamento das questões raciais promoveu uma poderosa construção ideológica cujo principal efeito tem sido manter as diferenças interraciais fora da arena política criando severos limites às demandas do negro por igualdade racial HASENBALG 1988 p 80 Um dos fatores materiais deste projeto deuse em dezembro de 1890 dois anos após a abolição oficial da escravização do povo preto no Brasil quando Ruy Barbosa o então Ministro das Finanças ordenou que todos os registros oficiais da escravidão fossem queimados O objetivo do Estado brasileiro foi de tentar apagar um recente passado vergonhoso e insólito Tentouse negar não somente a escravização de um povo mas também a existência de um povo preto apostando numa miscigenação positiva na qual pela seleção natural ou pelo estímulo à imigração branca o Brasil se tornaria paulatinamente uma nação branca Conforme Vianna 1981 em sua obra Populações meridionais do Brasil a cor branca imporseia conferindo ao Brasil uma civilização fadada ao progresso Quanto à esta questão Schwarcz 2012 pontuou Depois de uma era de libertações da promessa do fim de todas as formas de cativeiro o final do século XIX trazia agora o embaraço da exclusão e o retorno em bases renovadas porque biológicas de novos modelos de diferenciação social Se a igualdade jurídica prometia o final das cisões essas novas teorias traziam divisões ainda maiores e mais fortes pois pautadas na natureza SCHWARCZ 2012 p 23 Os pensadores do Estado brasileiros acreditavam que o desenvolvimento da sociedade estava diretamente condicionado ao branqueamento da população Amparados pelo darwinismo social afirmavam que o negro e o indígena desapareceriam juntamente com suas demandas a partir do contato com as populações superiores FONSECA 2009 Vale dizer que as condições de vida a qual a população negra foi exposta não pode ser resumida como resultado passivo deste processo de subjugação promovido por Estado e sociedade pois o povo preto no Brasil antes e após a escravização criou condições de existência marcados pela negociação e pelo conflito SCHWARCZ 2012 A inexistência de um projeto político de Estado que levasse em consideração a questão racial durante a formação sociopolítica brasileira foi determinante para a falta de ações no âmbito das políticas públicas que pudessem promover condições objetivas de emancipação do povo negro Para Schwarcz 2012 entender a dimensão racial é fundamental para compreensão da lógica política brasileira assim segundo a autora raça é Uma categoria classificatória que deve ser compreendida como uma construção local histórica e cultural que tanto pertence à ordem das representações sociais assim como o são fantasias mitos e ideologias como exerce influência real no mundo por meio da produção e reprodução de identidades coletivas e de hierarquias sociais politicamente poderosas SCHWARCZ 2012 p 25 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 430 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Neste trabalho adotase raça como categoria analítica de efeitos materiais compreendida como marcador social que no Brasil se forjou a partir do pressuposto de que quanto mais branco melhor e quanto mais claro maior o prestígio Neste contexto o branco deixa de ser cor e característica fenotípicas para compor um marcador de qualidade social que determina acesso aos espaços públicos e atribui virtudes aos sujeitos coletivos de pele clara Os primeiros estudos sobre mobilidade e raça foram realizados por Hasenbalg 1979 1988 utilizando respectivamente dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAD referentes nos anos de 1976 e de 1982 Em ambos estudos o autor evidenciou que em seis estados da região Centrosul do Brasil os brancos têm mais mobilidade ascendente do que os pretos e concluiu que os resultados indicam que existe discriminação racial e barreiras raciais na mobilidade social no Brasil O debate teórico sobre a interseção entre raça e classe no Brasil também passa pela construção de Florestan Fernandes 1965 que sugeriu que a discriminação racial no processo da mobilidade social seria substituída pela discriminação de classe O autor percebia o preconceito racial exclusivamente como uma herança do passado colonial Hasenbalg 1979 na sua revisão da literatura sobre relações raciais no Brasil contrapõese à alternativa de Fernandes sugerindo que a discriminação racial seria determinante na estratificação social brasileira mesmo na sociedade capitalista industrial Segundo o autor negros e brancos teriam oportunidades diferentes pela estrutura consolidada no racismo Cor no Brasil como instrumento de categoria racial repercute em uma forma de linguagem que tem abrangência cultural social e econômica De acordo com Schwarcz 2012 a definição de cor está vinculada à marcadores de identidades que podem ser tão flexíveis quanto os marcadores de classe social Esta íntima relação entre raça e classe pode ser vista no exemplo apresentado por Sansone 1993 Os negros que não querem se definir como negros e têm uma condição um pouco melhor tendem a se autodefinir como escuros ou mais ainda como pardos ou morenos Algo parecido acontece com os mestiços aqueles com uma condição melhor na rua tendem mais a se autodefinir como brancos Nesse sentido o termo pardo forma uma categoriaresto que contém os mais escuros sem jeito aqueles negros com renda escolaridade e status baixos demais para se aventurarem no jogo dos códigos de cor e do status SANSONE 1993 p 88 Raça Social é o termo adotado por Valle Silva 1994 para definir a ideia do uso social da cor no Brasil e ilustrar o efeito do processo de branqueamento Segundo o autor as diferenças entre cor percebida e cor autoatribuída estão relacionadas com a situação socioeconômica e cultural dos indivíduos Contudo as interpretações conservadoras da formação nacional sempre trabalharam para distanciar os conceitos de raça e classe com base na suposta democracia racial não diferente das leituras progressistas que atribuíram o processo de subordinação das desigualdades exclusivamente às lutas de classe o que prejudicou de maneira substancial a construção de agendas e políticas públicas à nossa realidade conforme evidencia Carneiro 2011 De outro lado a força do pensamento de esquerda que ao privilegiar a perspectiva analítica da luta de classes para a compreensão de nossas contradições sociais põe as desigualdades raciais de lado obscurecendo o fato de a raça social e culturalmente construída ser determinante na configuração da estrutura de classes em nosso país Essa inscrição e essa subordinação da racialidade no interior da luta de classes se iniciam inspirando perspectivas militantes que buscam articular raça e RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 431 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb classe como elementos estruturantes das desigualdades sociais no país CARNEIRO 2011 p 1718 A autora continua Apesar disso as duas ideologias o mito da democracia racial e a perspectiva da luta de classes têm em comum portanto a minimização ou o não reconhecimento eou a invisibilidade da intersecção de raça para as questões dos direitos humanos da justiça social e da consolidação democrática elementos que dificultam erradicação das desigualdades raciais nas políticas públicas CARNEIRO 2011 p 1819 Diante do exposto temse espaço para um relativismo que retira a base lógica do juízo de valor pois não se pode resolver ou propor soluções para um problema que não existe Assim a formação do Estado brasileiro desconsiderou por muito tempo o racismo como condição estruturante A partir deste entendimento seguese uma construção teórica sobre o conceito de política pública que subsidiará o debate sobre a efetividade das políticas afirmativas no Brasil 3 POLÍTICA PÚBLICA O conceito de Política Pública se constitui como objeto de análise por diferentes autores e autoras em diversos contextos Como vertente da ciência política o estudo das políticas públicas começou a ser desenhado nos Estados Unidos no início dos anos cinquenta enfatizando não somente o papel do Estado mas também as ações dos governos Na Europa essa literatura ganha destaque a partir do início dos anos setenta No Brasil os estudos sobre Política Pública são mais recentes FREY 2000 SOUZA 2006 e deram ênfase às análises estruturais e institucionais refletindo sobre a caracterização dos processos de negociação das políticas setoriais de caráter específico De acordo com Frey 2000 tais programas ou políticas setoriais eram examinados com a finalidade de compreensão dos seus efeitos sendo estudos descritivos e com graus de complexidade analítica e metodológica bastante distintos entre si A partir dos anos oitenta do último século identificamse certas similaridades nas construções conceituais do que vem a ser políticas públicas como aponta Celina Souza 2006 em sua revisão da literatura Não existe uma única nem melhor definição sobre o que seja política pública Mead 1995 a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn 1980 como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos Peters 1986 segue o mesmo veio política pública é a soma das atividades dos governos que agem diretamente ou através de delegação e que influenciam a vida dos cidadãos Dye 1984 sintetiza a definição de política pública como o que o governo escolhe ou não fazer A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell ou seja decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões quem ganha o quê por quê e que diferença faz SOUZA 2006 p24 Segundo o pensamento de Althusser 1987 as políticas objetivam criar as condições de cunho ideológico necessárias para a perpetuação da dominação burguesa pois é por meio das políticas públicas que se faz a difusão do pensamento dominante Nos programas escolares na regulação da mídia na família nas lógicas de mercado na ordem espiritual religiosa nos sindicatos enfim em instituições que possam reproduzir os valores da ordenação burguesa ALTHUSSER 1987 Poulantzas 1985 acrescenta que o Estado também age RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 432 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb de maneira positiva ao criar transformar e realizar Para o autor existiria uma série de funções do Estado que não se reduzem unicamente ao domínio político POULANTZAS 1985 p15 Partindo para uma caracterização de políticas públicas que se aproxime do objeto do presente trabalho seguimos com a concepção de policy arena introduzida por Lowi 1972 que aborda as reações e expectativas das pessoas que são afetadas pelas políticas públicas O modelo da policy arena referese portanto aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política as quais podem ser distinguidas de acordo com seu caráter distributivo redistributivo regulatório ou constitutivo FREY 2000 p 223 Ainda de acordo com Frey 2000 é possível caracterizar as políticas públicas de acordo com a sua natureza abrangências dos possíveis benefícios e quanto aos impactos que podem gerar Quadro 1 Quadro 1 Caracterização da Política Pública Âmbito Dimensão Descrição Quanto à natureza ou grau da intervenção Estrutural Interfere em relações estruturais como renda emprego propriedade etc Conjuntural ou Emergencial Atua em uma situação temporária imediata Quanto à abrangência dos possíveis benefícios Universal Para todos os cidadãos Segmental Para um segmento da população caracterizada por um fator determinado idade condição física gênero etc Fragmentada Destinada a grupos sociais dentro de cada segmento Quanto aos impactos que podem causar aos beneficiários ou ao seu papel nas relações sociais Distributiva Visa distribuir benefícios individuais costuma ser instrumentalizada pelo clientelismo Redistributiva Visa redistribuir recursos entre os grupos sociais buscando certa equidade retira recursos de um grupo para beneficiar outros o que provoca conflitos Regulatória Visa definir regras e procedimentos que regulem comportamento dos atores para atender interesses gerais da sociedade não visa benefícios imediatos para qualquer grupo Fonte Adaptado de Frey 2000 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 433 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Além do observado de acordo com Teixeira 2002 alguns aspectos precisam ser considerados no processo de formulação de políticas públicas principalmente no que se refere à participação da sociedade civil Segundo o autor a participação pode ter várias características quais sejam a Identidade a consideração de proposições que objetivem responder questões que reconheçam e fortaleçam os processos de formação de identidade coletiva dos atores sociais b Plataformas Políticas as políticas públicas devem expressar o sentido do desenvolvimento social dos atores sociais envolvidos no que se constitui como o conflito para a construção da hegemonia portanto devem refletir as concepções do Estado e da sociedade civil acerca dos seus papéis na promoção deste desenvolvimento c Mediações Institucionais as políticas públicas refletem o que o autor chamou de mediações entre interesses e valores dos diversos atores tais mediações transitam dentro e fora do ambiente governamental e se defrontam nos espaços públicos com o objetivo de negociar soluções para os alvos das políticas públicas d Dimensão Estratégica as políticas públicas devem estar diretamente conectadas ao modelo econômico e aos fundos públicos aos quais estão subordinadas o que remete ao processo de elaboração das políticas com um aspecto profundamente estratégico As políticas públicas também evidenciam seu caráter estratégico quando servem como referências para a elaboração de outras políticas públicas e programas Dentre as características apontadas por Teixeira 2002 duas delas auxiliam na análise de políticas públicas no que se refere às políticas e ações afirmativas a saber Identidade e Mediações Institucionais A primeira delas se mostra como balizadora para as necessidades de políticas públicas para populações específicas considerando seus processos de sujeição política de resistência e enfrentamento em relação às condições sociais a elas impostas Tal processo é definido por Hall 2015 como construção dialética das identidades ideia que considera o fortalecimento das identidades como uma reação defensiva dos membros diante aos efeitos da globalização provocando o alargamento do campo das identidades e a proliferação de novas construções identitárias e aumentando a polarização entre dominantes e dominados HALL 2015 Neste sentido Estado e sociedade civil atuam de maneira a articular suas existências frente ao contraditório que emerge deste encontro conforme evidencia o autor parece então que a globalização tem sim o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação e tornando as identidades mais posicionais mais políticas mais plurais e diversas menos fixas unificadas ou transhistóricas Entretanto seu efeito geral permanece contraditório Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que Robbins chama de tradição tentando recuperar sua pureza anterior e recobrir as unidade e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano das histórias da política da representação e da diferença e assim é improvável que elas sejam outra vez unitárias ou puras e essas consequentemente gravitam ao redor daquilo que Robins segundo Homi Bhabha chama de tradução HALL 2015 p 51 A Identidade é também parte fundamental quando analisamos o Estado e a produção das políticas públicas uma vez que esse ente é determinante no processo de construção dos instrumentos legais que fundamentam a criação dos órgãos políticas e programas voltados às políticas públicas segmentais Assim a fundamentação das identidades dos atores envolvidos é basilar neste processo RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 434 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Por sua vez a característica Mediações Institucionais traz o fator raça como determinante nas relações de poder no contexto da implementação de políticas influenciadas pela condicionante racial principalmente quando se trata de políticas destinadas à população negra Outro ponto fundamental à construção de políticas públicas é a concepção do modelo cívicoterritorial proposta por Santos 1987 segundo o qual Falar de um modelo cívicoterritorial a organização e a gestão do espaço sendo instrumentais a uma política efetivamente redistributiva isto é tendente à atribuição de justiça social para a totalidade da população não importa onde esteja cada indivíduo A plena realização do homem material e imaterial não depende da economia como hoje entendida pela maioria dos economistas que ajudam a nos governar Ela deve resultar de um quadro de vida material e nãomaterial que inclua a economia e cultura Ambos têm que ver com o território e este não tem apenas um papel passivo mas constitui um dado ativo devendo ser considerado como um fator e não exclusivamente como reflexo da sociedade É no território tal como ele atualmente é que a cidadania se dá tal como ela é hoje isto é incompleta Mudanças no uso e na gestão do território se impõem se queremos criar um novo tipo de cidadania uma cidadania que nos ofereça como respeito à cultura e como busca da liberdade SANTOS 1987 p 6 Como totalidade entendese que a aplicabilidade da justiça social deverá chegar a todos e todas Considerando que a aplicação desta justiça social está sujeita às diferenças dos sujeitos coletivos como posto em não importa onde esteja cada indivíduo essa justiça deverá alcançálo pela política pública de maneira a negar qualquer movimento universalista Santos 2012 compreende que é difícil elaborar a noção de totalidade sem o rompimento com os princípios da universalidade conceito que se apresenta como reprodutor das lógicas hegemônicas A noção de totalidade tomada em si sempre foi possível de apresentarse como abstrata e confusa a menos que a noção concomitante de sua divisão estivesse também presente A perversão da noção de universalidade se acompanha da possibilidade de perversão da ideia de totalidade se não adaptarmos nossos aparelhos analíticos e se ficarmos escravos de uma metodologia dogmática SANTOS 2012 p 212213 Diante do exposto evidenciamse as reflexões teóricas que afirmam que a elaboração de políticas públicas carrega no seu bojo a tradução das relações de poder e nos seus processos deverão estar definidos pontos nítidos como quem deverá executar o que quando com quais consequências e para quem TEIXEIRA 2002 Teixeira 2002 afirma ainda As políticas públicas traduzem no seu processo de elaboração e implantação e sobretudo em seus resultados formas de exercício do poder político envolvendo a distribuição e redistribuição de poder o papel do conflito social nos processos de decisão a repartição de custos e benefícios sociais Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios há necessidade de mediações sociais e institucionais para que se possa obter um mínimo de consenso e assim as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia TEIXEIRA 2002 p2 Esses interesses diferenciados se refletem na atuação do Estado que de acordo com Poulantzas 1985 usa de aparelhos para garantir e reproduzir a hegemonia estabelecendo um jogo de compromissos entre RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 435 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb dominantes e dominados Atuando em favor dos interesses da fração de classe dominante o Estado dispõe de um arcabouço de mecanismos internos que reproduzem a relação dominaçãosubordinação dos embates de classe e raça mesmo quando no âmbito do aparelho do Estado a classe dominada fazse representar Aqui cabe uma reflexão sobre a incorporação das demandas populares pelo Estado e o seu reflexo nas políticas públicas Poulantzas 1985 discute como os aparelhos do Estado organizam blocos de poder desorganizando e dividindo continuadamente as classes dominadas e inscrevendoas na ossatura organizacional do Estado O Estado concentra não apenas a relação de forças entre frações do bloco no poder mas também a relação de forças entre estas e as classes dominadas POULANTZAS 1985 p 162 Deste modo a inclusão das leituras identitárias como as demandas raciais dentro da estrutura política do Estado precisa ser analisada de modo a compreender como tais processos também reproduzem e principalmente dão forma a estrutura de dominação e controle A seguir apresentase o debate sobre as políticas afirmativas em âmbito nacional de modo a compreender as particularidades dessa política pública e a sua importância no escopo da efetivação da igualdade de direitos e oportunidades 4 AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS NO BRASIL A construção étnica brasileira é conformada pela diversidade racial dos povos e comunidades que em seus específicos processos de formação constituem o que a teoria do Estado Moderno qualifica como Nação Cada povo que habita ou habitou o Brasil possui seu quinhão de pertencimento o que Milton Santos chamou de sociodiversidade Para o referido autor a sociodiversidade é historicamente mais significativa do que a própria biodiversidade em termos da formação do país SANTOS 2000 Buscando recuperar os múltiplos significados dessa diversidade social e tentando não enveredar pela fábula freyriana da miscigenação que por muito balizou teóricos da nossa construção social nos preocuparemos aqui em analisar as relações de poder que estruturam a implementação de políticas públicas afirmativas entendendo que historicamente o acesso da população aos direitos e oportunidades no Brasil diferiu consideravelmente quando se tratou de negros e índios em relação aos demais povos constitutivos desta nação Como reflexão apresentase a desconexão entre os ideais hegemônicos que rondam as teorias e aplicações empíricas das políticas públicas no estado moderno e os ideais de homogeneidade predominante entre os atores alvos das políticas De acordo com Bauman 2005 as noções de nação e de Estado Moderno se configuram como instrumentos que favorecerem a construção deste universalismo A fragilidade da construção da cidadania no Brasil que de acordo com Santos 1987 foi balizada na desruralização migrações brutais desenraizadoras e expansão do consumo de massa fez com que este processo se estabelecesse facilmente por nossas fileiras A manutenção deste projeto foi apoiada pela compreensão de que o coletivo que compunha a nação sobrepõe os interesses coletivos territoriais tratando o país como uma imensa coisa só Entretanto o pressuposto do conflito é o choque dos interesses distintos que compõem o exercício da política pública Isso é evidenciado durante a construção sociopolítica brasileira que foi e ainda é dominada por uma elite política composta pelos grandes capitalistas Atores que não renunciam a privilégios da submissão dos menos favorecidos dos distintos autoritarismos e de tudo que compõe o patrimonialismo hereditário brasileiro SANTANA FILHO 2014 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 436 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Portanto como pontuou Duprat 2007 é no seio da comunidade nacional onde existem grupos que portam identidades específicas que cabe ao direito garantir que estes grupos possuam o controle de suas instituições de suas formas de vida e modelos desenvolvimento fortalecendo suas entidades línguas e religiões dentro do âmbito dos Estados onde moram2 Assim seguese o entendimento do processo formativo das políticas públicas afirmativas no Brasil buscando compreender como os processos de lutas dos movimentos negros organizados foram fundamentais para o empreendimento das ações públicas sejam essas fragmentais ou universais e principalmente como essas lutas influenciam ainda hoje as relações entre os diversos sujeitos sociais Ao analisar os períodos que antecedem a abolição da escravização e os movimentos posteriores a estes vislumbramse aspectos importantes para o entendimento do objeto estudado Mesmo compreendendo que desde o século XV as ordenações afonsinas 14461447 manuelinas 15121513 e filipinas 1603 instituídas no Brasil já legislavam sobre os corpos negros nesta terra tais ordenações vigoraram até 1916 quando se institui um novo Código Civil FONSECA 2009 Vale ressaltar que as leis abolicionistas que surgem no contexto da resistência negra e popular trouxeram em seus textos benefícios inegáveis aos senhores de escravos como pontuou Fonseca 2009 As leis abolicionistas no Brasil imperial vieram à tona no bojo de um movimento que se fazia presente em diversos pontos do território nacional Naquele momento o contexto político e econômico era favorável à discussão sobre o fim da escravidão e sobre o enfraquecimento do regime escravista No entanto tais leis não eram apenas favoráveis aos negros escravizados também favoreciam paradoxalmente aos barões do café e a outros escravistas que inclusive participaram da elaboração de certas leis FONSECA 2009 p 57 Oficialmente negros e negras brasileiras conquistaram em 1888 a libertação do cativeiro entretanto a maioria dos exescravizados continuou ocupando as mesmas senzalas das unidades produtivas nas quais tinham sua força de trabalho roubada pelos seus antigos escravizadores trabalhando ainda em condições análogas à escravidão sendo diferenciado apenas pela existência de alguma remuneração BARCELLOS et al 2004 Efetivamente a Lei Áurea não representou a libertação da população negra escravizada Fonseca 2009 pontua que a maioria dos negros e negras já se encontravam em liberdade de acordo com o autor a Lei atingiu apenas 56 dos escravizados menos de 1 milhão de negros numa população estimada em 25 milhões de habitantes Quase quatro décadas antes da assinatura da Lei Áurea a elite brasileira dona dos meios de produção já previa que o sistema escravista seria insustentável levando a promulgação da Lei 601 Lei de Terras no ano de 1850 A lei instituía que a propriedade privada seria a única maneira de acesso à terra o artigo primeiro afirmava Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por título que não seja o da compra BRASIL 1850 Negros e negras ainda escravizados estavam legalmente impossibilitados de possuírem terras No mesmo ano a Lei Eusébio de Queirós foi aprovada com o objetivo de acabar com o tráfico de negros e negras escravizados da África para o Brasil Mesmo com a lei tal atividade perdurou de maneira ilegal até o final do século XIX FONSECA 2009 No ano de 1871 a Lei do Ventre Livre declarava livres os filhos e filhas de mulheres negras escravizadas que nascessem após a promulgação do texto da lei Na prática muitas crianças 2 De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 437 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb continuaram ao lado de suas mães ainda escravizadas na mesma condição de escravizados Piratininga Junior 1991 afirma que a Lei do Ventre Livre teve como efeito social o início do fenômeno de crianças de rua crianças sem pais ou responsáveis no Brasil De acordo com Santana Filho 2018 esses fatos políticos tiveram impactos significativos sobre a vida da população negra em todos os séculos posteriores As leis abolicionistas promulgadas pelo Império tinham como um dos objetivos diminuir os impactos políticos sociais e econômicos da escravidão sistema que já não coadunava com o liberalismo do sistema mundo instaurado eram grandes os conflitos em praticamente todos os espaços públicos quilombos irmandades fazendas cidades o que levava a constatação de que a sociedade brasileira estava aprisionada pela própria violência que criou e alimentou durante séculos FONSECA 2009 p65 A população negra brasileira teve seus direitos renegados no contexto da elaboração de implementação de políticas públicas no Brasil Império e em boa parte do Brasil República As necessidades dessa população na condição de povo exescravizado desprovido de condições materiais foram objetivamente ignoradas O que se viu foi o estímulo à utilização de mão de obra europeia a partir da cessão de terras para imigrantes Durante a República Velha 18891930 o que se viu na construção de políticas públicas para negros e negras precisamente na falta delas foi a manutenção do caráter escravista e racista dos períodos anteriores Durante este período sociedade e governo promoveram uma série de medidas com o objetivo de apagar o passado recente e silenciar a população negra no período pósabolição Skidmore 1976 traz em sua obra os estudos de João Batista Lacerda diretor do Museu Nacional em 1911 nos quais Lacerda profetizava que em função dos processos de miscigenação imigração e das altas taxa de mortalidade negros e mestiços iriam desaparecer do solo brasileiro Desde a Abolição os pretos tinham ficado expostos a toda espécie de agentes de destruição e sem recursos suficientes para se manter Agora espalhados pelos distritos de população mais rala tendem a desaparecer do nosso território LACERDA 1911 apud SKIDMORE 1976 p 83 Lacerda assume em seu discurso que tanto durante o Império quanto na República a política pública no Brasil tinha como objetivo a extinção da população negra Por meio do descaso em todas as esferas principalmente na higiene e saúde A política adotada pelo Estado teve como resultado a diminuição drástica da população negra no país nos séculos XIX e XX FONSECA 2009 Durante o século XIX as demandas da população negra foram reivindicadas pelos seus movimentos e pela atuação de grupos sociais que lutaram pelo reconhecimento do racismo por parte do Estado pela criminalização dos atos racistas e pelo desenvolvimento de uma política nacional de reparação questões que são centrais para o entendimento de todas as negações sociais que tornaram a população negra uma minoria política SANTANA FILHO 2018 PAIXÃO 2003 Já no século XX movimentos como a Frente Negra Brasileira FNB criada no início da década de 1930 em São Paulo com representação em outros estados brasileiros como na Bahia BACELAR 1996 tiveram um importante papel na organização do movimento negro no Brasil Após ser denunciada na ONU a República Federativa do Brasil tornase signatária em 1967 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial na esfera federal o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo nº 23 de 21 de junho de 1967 que aprovava a Convenção RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 438 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Internacional da Assembleia Geral das Nações Unidas de 21 de dezembro de 1965 Assim como pontua Santana Filho 2018 Os discursos de harmonia para os organismos internacionais não foram suficientes para que os movimentos se desarticulassem o que contribuiu para que a agenda chegasse forte no plano internacional tornandose denúncia na Organização das Nações Unidas ONU o que colocou o Estado signatário da Carta de Direitos Humanos em situação de contradição política e levouo a reconhecer internacionalmente que o Brasil não era uma nação de democracia racial Esse era sim um Estado que não tinha rompido com o seu passado racista de relações verticalizadas e patrimonialistas entre brancos negros e povos indígenas SANTANA FILHO 2018 p 120 Foi a partir das denúncias desses movimentos como também do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial MNU fundado em 1978 que a situação dos negros brasileiros frente à inação do Estado tomou visibilidade Essas construções pautadas principalmente por intelectuais negros e negras aliadas à crescente mobilização das populações negras urbanas e rurais culminaram na emergência da necessidade de políticas compensatórias Tal processo também já era pautado nas agendas internacionais nas quais organismos políticos pleiteavam a igualdade racial em suas demandas A Assembleia Nacional Constituinte em 1988 significou uma virada expressiva na postura do Estado brasileiro frente às políticas afirmativas precisamente um século após a abolição do sequestro e escravização do povo negro em terras brasileiras Santana Filho 2004 pontua que a simbologia das comemorações do centenário da abolição facilitou a inclusão de artigos destinados às políticas afirmativas na Constituição Como por exemplo o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT que reconhece aos remanescentes de quilombo a propriedade definitiva das terras que estejam ocupando e atribui ao Estado a obrigação de emitirlhes os títulos respectivos BRASIL 1988 O Índice de Desenvolvimento Humano IDH registrado no Brasil no ano de 2017 é também um dos fatores que podem evidenciar as diferenças na realidade social dos negros Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD divulgados por meio do documento Desenvolvimento Humano para Além das Médias 2017 só em 2010 o IDHM dos negros alcançou a pontuação 0679 que já havia sido atingida pelos não negros no ano 2000 quando se registrava 0675 O desenvolvimento humano dos não negros registrou em 2010 de acordo com o PNUD o índice de 0777 número 1442 maior que o da população negra No ano 2000 a diferença era de 271 PNUD 2017 Tal registro evidencia um acúmulo histórico de segregação e descuido para com a população negra que fora posta a margem dos processos de desenvolvimento do país bem como a necessidade de políticas públicas e ações afirmativas específicas para a esta população Em 1995 em decorrência dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares diversas organizações do movimento negro brasileiro organizaram a Marcha de Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida em Brasília reunindo cerca de 30 mil manifestantes uma ação no sentido de afirmar o 20 de novembro como o dia da Consciência Negra em contraposição ao 13 de maio data oficial da abolição da escravidão no Brasil Como resultado material desta iniciativa houve a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra por meio de decreto do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de focar em ações públicas estatais direcionadas sob o recorte racial LIMA 2010 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 439 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb A partir da 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo a Discriminação Racial a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância realizada no ano de 2001 em Durban África do Sul a discussão do racismo é incorporada no contexto de políticas públicas nas agendas internacionais e nacionais SANTANA FILHO 2014 A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 representa portanto a incorporação das políticas afirmativas no Brasil reconhecendo o Estado como responsável pela criação de condições favoráveis a eliminação do racismo e das consequentes diferenças raciais Políticas públicas afirmativas devem pensar propor executar e avaliar de maneira objetiva a inclusão de povos e comunidades que estão à margem não só dos processos de desenvolvimento mas principalmente de povos e comunidades que estão excluídos do projeto capitalista Destacase que tal demanda não era recente conforme pontuou Luiza Bairros Um dos maiores desafios que se colocam para a inclusão social no Brasil hoje tem a ver com a capacidade de as políticas públicas levarem em conta a diversidade da sociedade brasileira Indicadores sociais calculados por instituições governamentais e acadêmicos de pesquisas demostram de forma inquestionável o que o momento negro vem denunciando desde o final dos anos 70 mulheres e homens negros morrem mais e mais cedo têm diferenciais de escolaridade em relação aos brancos que permanecem inalterados apesar da ampliação da escolarização em todos os grupos sociais BAIRROS 2006 p 139 Tanto a criação da SEPPIR quanto a promulgação da Lei 48872003 são esforços de um Estado que a partir de seu posicionamento ideológico assume a responsabilidades de promover a inclusão social desta população incorporando suas lutas na agenda política além de representantes de diversos movimentos negros no controle dessas pastas Destacase assim a presença de Matilde Ribeiro na equipe de transição do primeiro governo do Partido dos Trabalhadores de Paulo Paim na vicepresidência do Senado Federal e a nomeação de Benedita da Silva para a pasta de Assistência Social No texto A questão dos direitos humanos e o combate às desigualdades discriminação e violência Carneiro 2011 discute os avanços da política de governo do presidente Lula de acordo com a autora Inegavelmente em nenhum outro governo tevese a presença desse número de pessoas negras ocupando postos de primeiro escalão em franca sinalização para a sociedade de uma política de reconhecimento e inclusão dos negros em instâncias de poder Se as ações de governo historicamente sempre são consideradas demasiadamente tímidas frente às expectativas dos movimentos sociais há nesse caso decisões importantes sobre o tema que avançam em relação ao que já foi realizado anteriormente CARNEIRO 2011 p 20 Este cenário se mostrou favorável para o surgimento da política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras inicialmente implantada em 2002 pelas Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Norte Fluminense com expansão da adesão por outras universidades públicas pelo país chegando em 2008 a 51 do total destas SANTOS 2012 Ademais além desta política afirmativa educacional houve posteriormente a criação de cotas raciais também em concursos públicos através da Lei 129902014 que institui que 20 das vagas dos concursos públicos devam ser destinadas a negros RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 440 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb Os avanços referentes à inclusão das pautas negras na agenda política suscitaram o debate em diversos campos Contudo de acordo com Carneiro 2011 os avanços também foram marcados pela reação conservadora tanto no aparelho do Estado quanto na sociedade reproduzindo o velho racismo à brasileira a partir da negação da cessão de qualquer privilégio em prol da busca pela igualdade racial A autora encerra seu texto evidenciando o temor de que essa avalanche conservadora seja suficiente para amedrontar os setores governamentais alinhados com a promoção da igualdade racial e consequentemente levasse o governo a promover retrocessos nas políticas raciais no segundo mandato do governo Lula CARNEIRO 2011 p 20 Dito isto retomase o debate sobre a incorporação da luta do povo preto para sobrevivência nos contextos modernos de relações sociais Demarcase novamente a construção de Poulantzas 1985 que trata da presença das classes dominadas no âmbito do aparelho do Estado contudo ressaltando que convém não ignorar a importância dos mecanismos de domesticação do conflito político que estão permanentemente em ação no campo das políticas públicas Neste cenário Miguel 2014 considera que na inserção das lutas populares no aparelho do Estado as instituições geram pelo próprio funcionamento uma diferenciação objetiva entre os interlocutores aceitos e a base que devem representar De acordo com o autor Elas as instituições promovem um estímulo constante à cooptação das lideranças dadas as recompensas simbólicas e materiais para aqueles que aceitam jogar o jogo da política normalizada MIGUEL 2014 p 160 sendo este um dos elementos estruturais que fragilizam a efetivação das políticas afirmativas no Brasil 5 CONCLUSÃO Esta investigação teórica possibilitou a compreensão e a identificação de alguns elementos estruturais que interferem no processo de efetivação das políticas públicas afirmativas no Estado brasileiro evidenciando razões históricas sociais e políticas Depreendese das reflexões postas que o aumento da efetividade das políticas afirmativas está relacionado com o entendimento dos atores e dos sujeitos acerca da dimensão constitucional que busca a garantia da igualdade de direitos e de oportunidades para todos os cidadãos brasileiros Ao trazer a perspectiva da abolição da escravização descolada de meios para auto provimento de negros e negras evidenciase a manutenção de uma relação de dominação estrutural que se traduziu em narrativas de pouca capacidade do povo negro para atingir a melhores condições sociais e econômicas por mérito Do mesmo modo ao refletir sobre o papel e a posição dos atores que atuam na elaboração e implementação das políticas afirmativas ressaltase a fragilidade resultante das relações assimétricas de poder entre representantes da elite e dos subalternizados na estrutura do aparelho do estado De alguma forma há que se questionar a formação de quadros que efetivamente representem as demandas dos negros e negras com legitimidade em detrimento dos postos prioritariamente representativos uma vez que via de regra expoentes do Legislativo Executivo e Judiciário no Brasil foram e ainda o são compostos majoritariamente por homens brancos A breve consulta do histórico das relações raciais no Brasil realizada por esta investigação destaca o abandono ao qual a população negra foi exposta tal qual o povo indígena o foi ao longo da formação cidadã Entretanto é importante ressaltar que houve conquistas resultantes de diversas lutas frente aos poderes de um Estado historicamente racializado Garantir pois a permanência dessas conquistas ainda que representem uma RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 441 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb pequena fração do que se almeja no contexto da democracia racial é crucial para a construção e manutenção de um Estado Democrático de Direito onde os sujeitos possam independentemente de raça gênero sexualidade ou classe ter garantidos seus direitos de cidadãos Artigo submetido para avaliação em 07012021 e aceito para publicação em 02092021 REFERÊNCIAS ALTHUSSER Louis Aparelho Ideológicos de Estado Rio de Janeiro Edições Graal1987 BACELAR Jeferson A Frente Negra Brasileira na Bahia AfroÁsia Salvador n 17 p 7385 1996 BAIRROS Luiza H Indicadores Sociais e Políticas Públicas In 25 anos 19802005 Movimento negro no Brasil Brasília DF Fundação Cultural Palmares p 139140 2006 BARCELLOS Daisy M et al Comunidade Negra de Morto Alto Historicidade Identidade e Territorialidade Porto Alegre EufrgsFundação Cultural Palmares 2004 BAUMAN Zygmunt Identidade Entrevista a Benedetto Vecchi Rio de Janeiro J Zahar 2005 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado 1988 BRASIL Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03LeisL06011850htm Acesso em jan 2018 CARNEIRO Sueli Racismo sexismo e desigualdade no Brasil São Paulo Selo Negro 2011 DuPRAT Deborah O direito sob o marco da plurietnicidademulticulturalidade In Pareceres jurídicos direito dos povos e comunidades tradicionais Manaus Edições PPGSCA pp 919 2007 FERNANDES Florestan A integração do negro na sociedade de classes no limiar de uma nova era São Paulo DominusEdusp 1965 FONSECA Dagoberto J Políticas Públicas e Ações Afirmativas São Paulo Summus Selo Negro 2009 FREY Klaus Políticas públicas um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil Planejamento e Políticas Públicas IPEA Brasília v21 p211259 2000 HALL Stuart A identidade cultura na pós modernidade 12 ed Rio de Janeiro Lamparina 2015 HASENBALG Carlos Raça e Mobilidade Social In C HASENBALG e N V SILVA Ed Estrutura Social Mobilidade e Raça Rio de Janeiro IuperjVértice 1988 LIMA Marcia Ações afirmativas no governo Lula Novos Estudos CEBRAP São Paulo n 87 p 7795 2010 LOWI T J Four Systems of Policy Politics and Choice Public Administration Review v32 n4 p 298310 1992 MARSHALL Thomas Humphrey Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 MIGUEL Luis Mecanismos de exclusão política e os limites da democracia liberal uma conversa com Poulantzas Offe e Bourdieu Novos estudos CEBRAP São Paulo n 98 p 145161 Mar 2014 PAIXÃO Marcelo O ABC das desigualdades raciais um panorama da população negra através de uma leitura dos indicadores do Censo 2000 Teoria e Pesquisa São Carlos SP n 4243 p 245264 janjul 2003 PNUD Desenvolvimento Humano para Além das Médias Brasília PNUD IPEAFJP 2017 RAÇA CLASSE E CIDADANIA NO BRASIL REFLETINDO A DEFESA DAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS COMO INSTRUMENTO DE CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS DO POVO PRETO 442 Revista Gestão e Planejamento Salvador v 22 p 427442 jandez 2021 httpsrevistasunifacsbrindexphprgb POULANTZAS Nicos O Estado o Poder o Socialismo Rio de Janeiro Edições Graal 1985 SANSONE Livio Pai preto filho negro trabalho cor e diferenças de geração Estudos AfroAsiáticos Rio de Janeiro n 29 p 6584 1993 SANTOS Milton O espaço do cidadão São Pauto Nobel 1987 SANTOS Milton Por uma outra globalização do pensamento único à consciência universal São Paulo Record 2000 SANTOS Milton Por uma Geografia Nova Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica 6 ed São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2012 SANTOS Jocélio Org Cotas nas universidades análises dos processos de decisão Salvador CEAO 2012 288p SANTANA FILHO Diosmar M A Geopolítica do Estado e o Território Quilombola no Século XXI JundiaíSP Paco Editorial 2018 SCHWARCZ Lilia K M Nem preto nem branco muito pelo contrário cor e raça na sociabilidade brasileira São Paulo Claro Enigma 2012 SKIDMORE Thomas Preto no branco Raça e nacionalidade do pensamento brasileiro Rio de Janeiro Paz Terra 1976 SOUZA Celina Políticas Públicas Uma Revisão de Literatura Revista Sociologias Porto Alegre v8 n 16 p 20 45 juldez 2006 TEIXEIRA Elenaldo C O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade Salvador AATR 2002Disponível em httpwwwdhnetorgbrdadoscursosaatr2apdf03aatrpppapelpdf Acesso em 23 fev 2018 VALLE SILVA Nelson do Uma Nota Sobre Raça Social No Brasil Estudos AfroAsiáticos Rio de Janeiro v 26 p 6780 1994 VIANA Oliveira Populações Meridionais do Brasil Brasília Câmara dos deputados 1981 Raça Classe e Cidadania no Brasil Refletindo a defesa das políticas afirmativas como instrumento de consolidação dos direitos do povo preto Silva et al 2021 Introdução Os autores apontam que no Brasil o debate da eficiência e da austeridade nos investimentos com políticas públicas ultrapassa o campo financeiro tratando também do campo da legalidade Na época do estudo foi considerada a polarização ideológica que dominava o país para justificar a relevância de discutir as políticas públicas em função do risco de não garantia da manutenção das conquistas da camada mais vulnerável socioeconomicamente Buscouse defender as políticas afirmativas como instrumento necessário à garantia da cidadania do povo preto no Brasil considerando que o status de cidadão é dado para membros integrais de uma comunidade com direitos e obrigações cíveis políticas e sociais Raça e Classe no Brasil Os autores expressam que o escamoteamento das questões raciais promoveu uma construção ideológica que diz respeito a manter as diferenças interraciais fora do cenário político limitando as demandas do preto por igualdade racial Em dezembro de 1890 dois anos após a abolição oficial da escravização há uma tentativa de apagamento de um passado vergonhoso quando Ruy Barbosa Ministro das Finanças ordena que os registros oficiais da escravidão fossem queimados Apostouse em uma miscigenação positiva que reforçava a negação da existência de um povo preto pontuando que pela seleção natural com a imigração branca o Brasil se tornaria uma nação branca eventualmente Isso condicionou o desenvolvimento da sociedade diretamente ao branqueamento da população A inexistência de projeto político de Estado que considerasse a questão racial nessa época foi crucial para a falta de ações no campo das políticas públicas para promoção da emancipação do povo preto No trabalho raça foi adotada como uma categoria analítica já que o branco deixa de ser cor e passa a compor um marcador social O debate sobre intersecção entre raça e classe começou com Florestan Fernandes 1965 que percebia o preconceito racial como herança do passado colonial Os primeiros estudos sobre mobilidades e raça foram realizados por Hasenbalg 1979 1988 utilizando dados do PNAD de 1976 e 1982 provando que os brancos têm mais mobilidade do que pretos Hasenbalg contrapõe Fernandes ao pontuar que negros e brancos têm oportunidades diferentes por conta da estrutura social consolidada pelo racismo Schwarcz 2012 explica que a cor está vinculada a marcadores de identidades que são tão flexíveis quanto marcadores de classe social Por sua vez o termo Raça Social adotado por Valle Silva 1994 define essa ideia de uso social da cor no Brasil ilustrando os efeitos do branqueamento na situação socioeconômica e cultural dos indivíduos A formação do Estado brasileiro desconsiderou o racismo como condição estruturante Política Pública Os estudos sobre Política Pública são recentes no Brasil focando mais em análises estruturais e institucionais Apesar de não haver um consenso sobre a definição do que são políticas públicas concordase que as decisões e análises sobre política pública implicam responder às questões quem ganha o quê por quê e que diferença faz É por meio das políticas públicas que se difunde o pensamento dominante Althusser 1987 Para o trabalho foi utilizada a caracterização de policy arena de Lowi 1972 que se refere aos processos de conflito e consenso dentro das áreas da política distinguindose pelo seu caráter distributivo redistributivo regulatório ou constitutivo Podem ser classificadas de acordo com a natureza estrutural ou conjuntural a abrangência universal segmental ou fragmentada e os impactos que podem causar nos beneficiários distributiva redistributiva ou regulatória Quando à participação da sociedade civil Teixeira 2002 explica que pode ter várias características como Identidade Plataformas Políticas Mediações Institucionais Dimensão Estratégica A Identidade é balizadora para as necessidades de políticas públicas para populações específicas é também determinante no processo de construção dos instrumentos legais que fundamentam a criação de órgãos políticas e programas de políticas públicas segmentais As Mediações Institucionais trazem o fator raça como determinante nas relações de poder no contexto de implementação de políticas destinadas à população negra Outro pronto fundamental é a concepção do modelo cívicoterritorial que atribui a justiça social para a totalidade da população todas e todos mas tal totalidade está sujeita às diferenças dos sujeitos coletivos Constatase a dificuldade de elaborar uma noção totalidade que não se ligue aos princípios de universalidade de forma que se vê que as políticas públicas carregam relações de poder em sua constituição O Estado dispõe de uma série de mecanismos internos que reproduzem a relação dominaçãosubordinação nos embates de classe e raça As Políticas Afirmativas no Brasil No Brasil a fragilidade da construção da cidadania se deu pela desruralização migrações brutais desenraizadoras e expansão do consumo de massa Há um choque de interesses distintos que compõem o exercício da política pública sendo evidenciado pela dominação do contexto sociopolítico nacional por uma elite de grandes capitalistas No século XV as ordenações afonsinas manuelinas e filipinas legislavam sobre os corpos negros vigorando até 1916 quando há a instituição do novo Código Civil As leis abolicionistas surgem no contexto de resistência negra e popular mas trazem benefícios inegáveis aos senhores de escravos Oficialmente a libertação foi conquistada em 1888 mas continuouse ocupando as senzalas fornecendo força de trabalho para os antigos escravizadores Quatro décadas antes da promulgação da Lei Áurea a Lei de Terras previu a propriedade privada logo negros e negras estavam impossibilitados de possuírem terras Na prática tanto a abolição da escravização quanto a proibição do tráfico de negros e negras e a declaração de que filhos e filhas de mulheres negras que nascessem após a lei eram livres não representaram avanços significativos uma vez que por décadas continuaram sendo tratados como escravos vivendo em situação análoga A população negra brasileira teve seus direitos renegados no contexto da elaboração de implementação de políticas públicas no Brasil Império e em boa parte do Brasil República Durante a República Velha 18891930 se viu a manutenção do caráter escravista e racista Nos séculos XIX e XX as políticas adotadas pelo Estado reduziram drasticamente a população negra no país Na mesma época popularizamse os movimentos que lutam pelo reconhecimento do racismo por parte do Estado criminalização dos atos racistas e desenvolvimento de uma política nacional de reparação entre os movimentos é possível citar a Frente Negra Brasileira Em 1967 após ser denunciada na ONU a República do Brasil tornase signatária da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial As lutas dos movimentos fizeram com que a situação dos negros brasileiros se tornasse visível Em 1988 incluise artigos destinados às políticas afirmativas na Constituição como o art 68º Apesar disso o IDH ainda evidenciou um acúmulo de segregação e descuido para com a população negra marginalizada dos processos de desenvolvimento do país Em 1995 após a morte de Zumbi dos Palmares muitas organizações promoveram a Marcha de Zumbi dos Palmares contra o Racismo pela Cidadania e a Vida pedindo pela afirmação do dia 20 de novembro como dia da Consciência Negra A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003 representa portanto a incorporação das políticas afirmativas no Brasil A criação da SEPPIR e a promulgação da Lei 48872003 marcam os esforços de um Estado que busca incluir socialmente esta parcela da população Este cenário favoreceu o surgimento da política de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras em 2002 e as cotas raciais em concursos públicos em 2014 Apesar disso há reação conservadora reproduzindo o racismo à brasileira a partir da negação da cessão de privilégios em prol da busca pela igualdade racial Conclusão O aumento da efetividade das políticas afirmativas está relacionado ao entendimento dos atores e sujeitos acerca da dimensão constitucional Foi evidenciada a manutenção de uma relação de dominação estrutural traduzida em narrativas de pouca capacidade do povo negro de atingir melhores condições sociais e econômicas por mérito Questionase a formação de quadros que efetivamente representem as demandas dos negros e negras com legitimidade em detrimento dos postos prioritariamente representativos Apesar do abandono ao qual a população negra foi exposta destacam se as conquistas resultantes das lutas frente ao Estado mas ressaltase a importância da permanência dessas conquistas para a construção e manutenção de um Estado Democrático de Direito