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Direito Internacional

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I P R I RAYMOND ARON PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇOES COIECÃO CLÁSSICOS IPRI Comitê Editorial Celso Lafer lfarcelo de Paiva Abreu elson Fonseca Júnior Carlos Henrique Cardim A reflexão sobre a temática das relações internacionais está presente desde os pensadores da antigüidade grega como é o caso de Tucídides Igualmente obras como a Utopia de Thomas More e os escritos de Maquiavel Hobbes e Montesquieu requerem para sua melhor compreensão uma leitura sob a ótica mais ampla das relações entre estados e povos No mundo moderno conlO é sabido a disciplina Relações Internacionais surgiu após a Primeira Guerra Mundial e desde então experimentou notável desenvolvimento transformandose em matéria indispensável para o entendimento do cenário atual Assim sendo as relações internacionais constituem área essencial do conhecimento que é ao mesmo tempo antiga moderna e contemporânea No Brasil apesar do crescente interesse nos meios acadêmico político em presarial sindical e jornalístico pelos assuntos de relações exteriores e políti ca internacional constatase enorme carência bibliográfica nessa matéria N esse sentido o IPRI a Editora Universidade de Brasília e a Imprensa Ofi cial do Estado de São Paulo estabeleceram parceria para viabilizar a edição sistemática sob a forma de coleção de obras básicas para o estudo das rela ções internacionais Algumas das obras incluídas na coleção nunca foram traduzidas para o português como O Direito da Paz e da Guerra de Hugo Grotius enquanto outros títulos apesar de não serem inéditos em língua portuguesa encontramse esgotados sendo de difícil acesso Desse modo a coleção CLisSICOS IPRl tem por objetivo facilitar ao público interessado o acesso a obras consideradas fundamentais para o estudo das relações inter nacionais em seus aspectos histórico conceitual e teórico Cada um dos livros da coleção contará com apresentação feita por um espe cialista que situará a obra em seu tempo discutindo também sua importância dentro do panorama geral àa reflexão sobre as relaçes entre povos e naçôes Os CLAsSICOS IlR destinamse especialmente ao meio universitário brasilei ro que tem registrado nos últimos anos um expressivo aumento no número de cursos de graduação e pósgraduação na área de relações internacionais TLCÍDIDFS Coleção CLÁSSICOS IPRI G W F HJJ Históna da Guerra do Peloponeso Prefácio Hélio Jaguaribe E H CARR rrextos Selecionados rganização e prefácio Franklin Trein JFANJACQLS ROLSSFJL íl1inte Anos de Cnse 19191939 Ultla Introdu çào ao studo das Relações Internacionais Prefácio Eiiti Sato J vI 11 YN FS 41 Consequeflcias conâfJJÍcaJ da Paz Prefácio v1arcelo de Paiva Abreu RYiIOND ARON ílpaz e Guerra entre aJ lrvações Prefácio Antonio Paim lvLQLLYFI ílhJcntos Selecionados Prefácio e organização José Augusto Guilhon Albuquerque HL O CROTILS ílO IJireito da Guerra e da Paz Prefácio Celso lafer ALIXIS Dl TOOlFYllJF hJcntos SelecionadoJ rganizaçào e prefácio Ricardo Velez Rodrgues Hs vl R 111 Ll Política entre aJ Nações Prefácio Ronaldo vI Sardenbcrg IIiLNlJJ JNT íll scrtosPolíticos Prefácio Carlos flcnrique Cardim S1lLI PlILNDORI ílIo I ireito Natural e das Gentes Prefácio Tércio Sampaio lerraz Júnior CRI YN CIlSITI1 Ja Guerra Prefácio lomício Proença rfevytos Selecionados rganização e prefácio Gelson Fonseca Jr NORlLN ANIJJ Grande IIusào Prefácio José Paradiso THOlLS v10HV Utopia Prefácio João Almino ílConselhos Jzplomáticos Vários autores rganização e prefácio l uiz Felipe de Seixas Corrêa EI1RIUf DI VTTIJ ílO IJireito das Gentes Tradução e prefácio Vicente Marotta Rangel TIi1S HmBls Ufevytos Selecionados rganização e prefácio Renato Janine Rlbeiro ABlDL SINT PJlRRF 7rqjeto para uma Paz Perpétua para a huropa SINT SIiION Reorganização da Sociedade Européia rganização e prefácio Ricardo Seitcnfuss HILLY Bl IJ Sociedade Anárquica Prefácio Williams Conçalves FRlClSCO DL VITOR Je Indis et JeJure Helli Prefácio lernando Augusto Albuquerque lvIourão MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES Ministro de Estado Professor CELSO LAFER Secretário Geral Embaixador OSMAR CHOHFI FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GusMÃo FUNAG Presidente Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTELLA CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA CHDD Diretor Embaixador ÁLVARO DA COSTA FRANCO INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS IPRI Diretor Ministro CARLOS HENRIQUE CARDIM UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Reitor Professor IAURO MCRHY Diretor da Editora Universidade de Brasília ALEXANDRE Lll1A Conselho Editorial Elisabeth Cancelli Presidente Alexandre Linla Estevão Chaves de Rezende Martins Henryk Siewierskijosé Maria G de AlmeidaJúnior Moema Malheiros Pontes Reinhardt Adolfo Fuck Sérgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PALTLO Diretor Presidente SÉRGIO IZOBAYASHI Diretor VicePresidente LUIZ CARLCS FRIGERIO Diretor Industrial CARlS NICOLAEWSKY Diretor Financeiro eAdministrativo RICHARI VAINBERG I P R I RAYMOND ARON PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇOES Prefácio Antônio Paitn Traducão Sergio Bath Imprensa Oficial do Estado Editora Universidade de Brast1ia Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais São Paulo 2002 Copyright Éditions CalmannLévy 1962 Título Original Paix et guerre entre les nations Tradução de Sérgio Bath Direitos desta edição Editora Universidade de Brasilia SCS Q 02 bloco C n 78 2 andar 70300500 Brasília DF A presente edição foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Brasília com o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais IPRIFUNAG e a Imprensa ficial do Estado de São Paulo Todos os direitos reservados conforme a lei Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorização por escrito da Editora Universidade de Brasília Equipe técnica ElITI SATO planejamento editorial ISABFLA MFDEIROS SOARES Assistente Fotolitos impressão e acabamento IrvIPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Aron Raymond Paz e guerra entre as nações Raymond Aron Prefácio de Antonio Paim Trad Sérgio Bath 1 a edição Brasília Editora Universidade de Brasília Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo 2002 936 p 23 cm Clássicos IPRI 4 ISBN 852300095X Editora UnB ISBN 8570600305 Imprensa Oficial do Estado 1 Relaçóes Internacionais I título 11 Série CDU 327 6 RAYMCND ARON 111 PAR1E HISTRIA O SISTEl1A UNIVERSAL DA IDADE TERMONUCLEAR INTRCDUÇÃC 469 CAPÍTULO XIII O mundo finito ou a heterogeneidade do sistema universaI 475 CAPÍTULO XIV A estratégia da dissuasão 509 CAPÍTULO XV Os irmãos maiores ou a diplomacia dentro dos blocos 551 CAPÍTULO XVI Jogo empatado na Europa ou a diplomacia entre os blocos 591 CAPÍTULO XVII Persuasão e subversão ou os dois blocos e os não alinhados 625 CAPÍTULO XVIII Inimigos porém irmãos 657 IV PARTE PRAXICLOCIA As ARTINOJllAS DA AÇÃO DIPLOl1ÁTICA ESTRATfCICA INTRCIUCÀC 699 CAPÍTULO XIX Em busca de uma moral I Idealismo e Realismo 703 CAPÍTULO XX Em busca de uma moral 11 Convicção e responsa bilidade 739 CAPÍTUIJO XXI Em busca de uma estratégia 1 Armarse ou desarmarse 769 CAPÍTULO XXII En1 busca de uma estratégia 11 Sobreviver é vencer 807 CAPÍTULO XXIII Além da política de poder I A paz pela lei 847 CAPÍTULO XXIV Além da política de poder 11 A paz imperial 885 ApÊNDICE Estratégia racional e política razoável 917 SUMARIO PREIÁCI À NVA EIIÇÀ 7 PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 27 INTRCDUCÀ 47 I PARTE TEORIA CONCEITOS E SISTEllAS CAPÍTULO I Estratégia e diplomacia ou a unidade da política externa 69 CAPÍTULO 11 O poder e a força ou os meios da política externa 99 CAP1TUIJ 111 O poder a glória e a idéia ou os objetivos da política externa 127 CAPÍTUL IV Os sistemas internacionais 153 CAPÍTULC V Os sistemas pluripolares e os sistemas bipolares 189 CAPÍTULO VI Dialética da paz e da guerra 219 11 PARTE SOCIOIOGIA DETERlfINANTES E REGULARIDADES INTRDUCÀC CAIJÍTlJL VII O espaço CAPÍTlJVIII O número CAPÍTUI IX Os recursos 249 253 287 325 CAPÍTULO X Nações e regimes 367 CAPÍTULO XI Em busca de uma ordem histórica 399 CAPÍTUL XII As raízes da guerra como instituição 435 PREFAcIO Paz e Guerra entre as Nações uma Apresentação Antônio Paim IINICAÇOhJ lh ORlbM BIBIBIJOGRAJICA RAYMCND Aron nasceu em Paris em 1905 e notabilizouse no último pósguerra pela defesa da democracia e da liberdade ameaçadas na Europa pelo totalitarismo soviético que contava com as simpatias da imensa maioria da intelectualidade france sa Atuou assim isolado e como franco atirador Tendo faleci do em 1983 antes da queda do Muro de Berlim e do abandono pelos russos da experiência comunista não pôde assistir à vitó ria de sua pregação Aron concluiu a Escola Normal Superior de Paris e seguiu a carreira do magistério ingressando no Corpo Docente da Uni versidade de Colônia 1930 e na Casa Acadêmica de Berlim 1931 a 1933 A ascensão do nazismo na Alemanha forçouo a regressar à França onde se inscreve no doutorado em filosofia concluído em 1938 Interessavao nessa fase inicial da vida pro fissional o tema da filosofia da história a que dedicou seus dois primeiros livros Essai sur la théorie de lhistoire dans lAllemagne contemporaine la philosophie critique de lhistoire Paris Vrin 1938 e Introduction a la philosophie de lhistoire Paris Gallimard 1938 Considerase ter sido o autor melhor sucedido na apre sentação da filosofia neokantiana da história A essa matéria de dicou ainda diversos ensaios alguns deles reunidos no livro Dimentions de la conscience historique Paris Plon 1960 8 PAZ E GUERRA ENTRE AS N ACCES A guerra iria reorientar a sua carreira e leválo à luta políti ca Passando à Inglaterra para combater no exército de liberta ção que estava sendo organizado pelo General De Gaulle 1890 1970 foi então incurrLbido de conceber e editar a revista La France Libre função que exerceu até fins de 1944 quando se consuma a libertação de Paris da ocupação alemã Desde então Aron afeiçoouse ao jornalismo e nunca mais o abandonou Tor nouse colaborador eminente dos jornais Combat e Le Figaro bem como da revista LExpress Regressando à atividade acadêmica no pósguerra Aron ocu pouse do tema da sociedade industrial procurando averiguar o que tinha de específico e singular Na visão de Aron o essencial consiste na separação entre família e empresa Nesta na socie dade industrial que também é sinônimo de sociedade moder na a organização da produção não é determinada pela tradição mas pela aplicação sistemática da ciência e da técnica Em consequência o crescimento é uma finalidade imanente a esse tipo de sociedade A obra que Aron dedicou ao tema Dezoito lições sobre a sociedade industrial 4 luta de classes e Democracia e Totalitarismo minou pela base a pregação soviética marxista de que o embate central se dava entre socialismo na visão so viética o comunismo totalitário que nada tinha a ver com a tradição ocidental do socialismo democrático e capitalismo porquanto ambos achavamse inseridos no modelo de produção emergente e vitorioso desde a Revolução Industrial O verda deiro embate tinha lugar no plano da organização política isto é entre o sistema democrático representativo e o sistema cooptativo aparecido na Rússia e que esta impôs ao Leste Eu ropeu e também a outros países Cuba por exemplo Desse contato com as idéias de autores franceses e ale mães que abordaram em caráter pioneiro a questão do industrialismo na rrança SairltSii11ül1 e Cüi11te sobretuJo t na Alemanha Max Weber entre outros Aron produziu alguns livros tornados clássicos como A sociologia alemà contemporânea Prefácio à nova edição 9 1950 e Etapas do pensamento sociológico 1967 A crítica do mar xismo ocupa também uma parcela expressiva da obra de Aron Nesse conjunto destacase O ópio dos intelectuais 1955 Amos tra expressiva do seu método de análise de temas da política cotidiana encontrase em Estudos políticos 1971 No ambiente intelectual francês em que viveu Aron acha va que a postura da intelectualidade francesa predispunha à der rota diante da União Soviética Marcarao profundamente a ca pitulação de Munique quando o Ocidente consagrou a política de expansão de Hitler admitindo que se deteria no projeto de reconstituir as fronteiras alemãs tradicionais no chamado Ter ceiro Reich e temia que a Europa se encaminhasse na direção do capitulacionismo diante do despotismo oriental simboliza do pelo Império Soviético Entendia também que o destino do Ocidente estava associado à Aliança Atlântica onde defendia a presença dos Estados Unidos essencial dessa pregação reu niuo no livro Em defesa da Europa decadente 1971 Aron é autor de uma distinção importante entre o que designou de li derança americana a que os Estados Unidos tinha direito legi timamente e o que chamou de república imperial comporta mento ao qual o país tinha sido empurrado em certas circunstâncias por ambições imperialistas de correntes políti cas ali existentes con10 foi o caso da intervenção no Vietnã Por sua combatividade e persistência Aron conseguiu for mar expressivo grupo de intelectuais liberais que deram curso à sua obra após a sua morte em 1983 Presentemente esse grupo achase reunido em torno da revista Commentaire e da Fundação Raymond Aron 11 O lUGAR IJIPAZ E CUERRA ENTRE AS NACES N CONJlTNTO IJA OHRA Pela maneira como acompanhou e meditou os desdobramentos da guerra fria Aron deuse conta da importância do tema das 10 PAZ E GUERRA ENTRE AS NACES relações internacionais e neste conjLlnto o problema da guerra Estudouo com a profundidade que caracteriza as suas análises não apenas em Paz e guerra entre as nações mas também em Pen sar a guerra Clausewitz N as Memóriasl Aron indica que se interessou pela guerra como sociólogo ainda quando estava em Londres durante a conflagração Terminada esta tendo se tornado comentarista internacional do jornal Le Figaro senti necessidade de estudar o contexto tanto militar como histórico das decisões que eu como jornalista devia compreender e comentar2 Adianta ain da que entre 1945 e 1955 debruçouse sobre as duas guerras do século e data deste período o ensaio em que estabelece um pa ralelo com a Guerra do Peloponeso disputa de Atenas e Esparta entre os anos 431 e 404 antes de Cristo na Grécia Antiga tomando por base o fato de que as questões mal resolvidas da Primeira Guerra é que deram lugar à Segunda Aron queria saber também se a guerra fria substituía ou equivalia à preparação de uma guerra total Movido por essa ordem de preocupações depois dos três cursos sobre a sociedade industrial na Sorbonne dedicou os dois seguintes às relações internacionais O tema o envolveu a tal ponto que se licenciou da Universidade e passou um semes tre como professor pesquisador em Harvard Estados Unidos ocupandose desse assunto Ao término desta estada achavase concluído Paz e guerra Escrito nos anos de 1960 e 1961 o livro apareceu no primeiro semestre de 1962 Do que precede tornase patente que esta obra agora in cluída na nova Coleçã0 3 patrocinada pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais IPRI corresponde ao desdobramen to natural da meditação de Aron no pósguerra Ao mesmo tem I Memoires Paris Julliard 1983 Tradução espanhola Madrid Alianza Editorial 1985 1Tradução espanhola ed cit pág 435 As edições anteriores estiveram a cargo da Editora da Universidade de Brasília sendo a primeira de 1981 e a segunda de 1986 com apresentação de Vamireh Chacon Prefácio à nova edição 11 po ocupa um lugar dos maIS destacados no conjunto da sua ex pressiva bibliografia 111 IA1PRTANCIA b SIGNlflCAI IJA ThRIA A primeira parte de Paz e guerra entre as nações 4achase ampla mente inspirada em Clausewitz 17801831 no seu conceito de guerra total ou absoluta tomado como referência para o estu do das guerras concretas Vale dizer embora esteja voltado para o presente e para as situações existentes esse estudo sem a pré via determinação de uma tipologia formal não asseguraria o feliz desfecho da pesquisa a que irá lançarse Entretanto a pre sença de Clausewitz não se limita a este aspecto como se pode ver das citações adiallte A guerra é de todas as épocas e de todas as civilizações Os homens sempre se mataram empregando os instrumentos fornecidos pelo costume e a técnica disponível com machados e canhões flechas ou projéteis explosivos químicos ou reações atômicas de perto ou de longe individualmente ou em massa ao acaso ou de modo sistemático Uma tipologia formal das guerras e das situações de paz seria ilusória só uma tipologia sociológica que levasse em consideração as modalidades concretas desses fenômenos po deria ter algum valor Não obstante se as análises contribu em para esclarecer a lógica do comportamento diplomático e estratégico a tipologia formal resultante poderá ter também uma certa utilidade5 Nas Memórias diz expressamente que Clausewitz me proporcionou a idéia seminal de toda teoria das relações internacionais a continuidade dessas relações através da alternância de paz e guerra a complementaridade da diplo l livro subdividese etn quatro partes Seguindose a esta primeira teoria trata do que denomina de tipologia sociológica isto é das constantes e pennanência em meio à variedade histórica a terceira cuida da história concreta e finalmente a quarta que deno minou de praxeologia pretende retirar ensinamentos da trajetória efetivada isto é o caminho estratégia que melhor conduziria à paz Ed cit pág219 12 PAZ E GUERRA ENTRE AS N AÇES macia e da estrategla dos meios violentos e não violentos que utilizam os Estados para alcançar seus objetivos ou defender seus interesses Aron passa em revista as questões centrais a começar da correlação entre o que chama de guerra absoluta e guerra real cujo sentido poderia ser resumido como segue Quando uma nação ou conjunto de nações lançase à guerra seu propó sito é submeter o adversário de modo integral e absoluto Para tanto leva em conta os meios disponíveis o tipo de mobilização a empreender etc Contudo há um elemento da maior relevân cia que não pode ser medido a vontade de resistência do adver sário Podemos dispor de todas as informações requeridas acer ca dos recursos que se acham ao seu alcance eventuais pontos fracos e tudo mais Ainda assim a variável política permanece rá como uma incógnita Por isto ainda que a disposição de lan çarse à guerra requeira a definição do conjunto de elementos que configuram uma estratégia aqueles que a conduzem não podem supor que tudo ocorrerá conforme planejado Há mesmo circunstâncias que focaliza quando os homens chegam a per der o controle dos acontecimentos A par disto como diz a guerra não é um ato isolado que ocorra bruscamente sem conexão com a vida anterior do Esta do Tal circunstância levao a efetivar a indicação a mais com pleta do que compete levar em conta Não fazendo sentido seguí lo passo a passo parece suficiente referir esquematicamente de que se trata As guerras nem sempre supõem soluções claras e definitivas Além de ganhar cabe considerar a hipótese de não perder A condução das operações é tão essencial como a pró pria estratégia A diplomacia merece de sua parte uma conside ração toda especial Resun1indo o que lhe competiria escreve Pensar na paz a despeito do fragor dos combates e l1ão esque cer a guerra quando as armas silenciarem Enfim os objetivos da política externa precisam ser fixados com clareza Para tanto tece considerações teóricas as mais abrangentes acerca da ques Prefácio à nova edição 13 tão da potência ou das potências E assim chega a uma questão central os sistemas internacionais A sua tipologia considera tanto os sistemas pluripolares como os bipolares que era a cir cunstância de seu tempo isto é dos tempos da guerra fria De toda esta análise adverte ter adotado a guerra como ponto de partida porque a conduta estratégicodiplomática re ferese à eventualidade do conflito armado Entretanto a paz é o objoetivo razoável de todas as sociedades E prossegue Esta afir mativa não contradiz o princípio da unidade da política externa do intercâmbio contínuo entre as nações Quando se recusa a recorrer aos meios violentos o diplomata não se esquece da possibilidade e das exigências da arbitragem pelas armas A ri validade entre as coletividades não se inicia com o rompimento de tratados nem se esgota com a conclusão de unla trégua Con tudo qualquer que seja o objetivo da política externa posse do solo domínio sobre populações triunfo de uma idéia este objetivo nunca é a guerra em si Alguns homens amam a luta por si mesma alguns povos praticam a guerra como um esporte No nível das civilizações superiores contudo quando os Estados se organizam legalmente a guerra pode não ser mais do que um meio quando é deliberada conscientemente ou uma calamida de se foi provocada por causa desconhecida dos atores ú Para Aron podese distinguir três tipos de paz o equilíbrio a hegemonia e o império Mais expressamente as forças das unidades políticas estão em equilíbrio ou estão dominadas por qualquer uma delas ou então são superadas a tal ponto pelas forças de uma unidade que todas as demais perdem sua autono mia e tendem a desaparecer como centros de decisão política Chegase assim ao Estado imperial que detém o monopólio da violência legítima A seu ver seria um equívoco supor que a paz imperial dei xa de ser uma conjuntura da política externa na medida em que não pode ser distinguida do que denomina de paz civil Ibidem 14 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇCES isto é a paz interna do Estado Acontece que a tipologia que bus ca não é apenas abstrata mas intimamente ligada com os dados históricos Assim se há casos em que a paz imperial não se dis tingue da paz nacional a assimilação da primeira à segunda em todas as circunstâncias revelaria desconhecimento da diversida de das situações respectivas Para exemplificar passa em revista exemplos concretos extraídos da história e conclui que a paz imperial se transforma em paz civil na medida em que se apagam as lembranças da vida independente das unidades políticas Roma teve que fazer guerra aos judeus no interior do Império Embora a distinção seja in1prescindível e essencial Aron adverte que existe estreita correlação entre os três tipos de paz A paz da hegemonia encontrase entre as duas outras IV O tSStNCUlL IJA CONIRlHUlÇAO IJt ARON A BUSCA Ji REGULARIZJAIJtiS Talvez se possa dizer que a contribuição específica de Aron à teoria das relações internacionais residiria no seu empenho em estabelecer regularidades Reconhece de pronto que é muito di fícil fixar limites rígidos entre a teoria pura e a prática Contu do considera que o sociólogo está no dever de buscar proposi ções de uma certa generalidade relativas a estes dois aspectos precisos primeiro a ação exercida por certa causa sobre a po tência ou os objetivos das unidades políticas a natureza dos sistemas e às modalidades de paz e guerra e segundo à suces são regular ou aos esquemas de desenvolvin1ento que estariam inscritos na realidade sem que os atores deles tivessem consci ência necessariamente Em suma o sociólogo está convidado a pesquisar como diz os fenômenoscausa determinantes Para tanto irá considerar os seguintes aspectos 1 os tatores da potencla qual o peso específico em cada época desses fatores 2 a escolha por determinados Estados em determinadas Prefácio à nova edição 15 épocas de certos objetivos em vez de outros 3 as circunstâncias necessárias ou favoráveis à constitui ção de um sistema hegemônico ou heterogêneo pluripolar ou bipolar 4 o caráter próprio da paz e da guerra 5 a freqüência das guerras e 6 a ordem segundo a qual se sucedem as guerras e a paz se é que existe tal ordem o esquema se há tal esquema de flutuação da sorte pacífica ou belicosa das unidades sobera nas das civilizações e da humanidade Em síntese para averiguar se há alguma especle de determinismo na eclosão das guerras ou na manlltenção da paz irá examinar dois tipos de causas de um lado as físicas e mate riais as comunidades humanas ocupam um território reúnem uma população e contam ou não com recursos naturais tendo a ver com a geografia a demografia e a economia ou como pre fere o espaço o número e os recursos de outro lado temos os regimes políticos inseridos em determinadas civilizações po deríamos dizer também culturas mais das vezes em confron to e de igual modo a inquietante questão de saber se a natureza humana ou social predispõe a um ou outro dos comportamen tos isto é pacífico ou belicoso Assim escreve Aron o espa ço o número e os recursos definem as causas ou os meios mate riais de uma política As nações com seus regimes suas civilizações a natureza humana e social constituenl os deternlinantes mais ou menos disponíveis da política externa No caso dos atores agentes cumpre identificar ainda se po dem ser instados a escolher essa ou aquela direção por determinantes alheias à sua vontade Embora valendose am plamente da história Aron adverte que pretende evidenciar os traços originais de nossa época e para tanto é que irá interrogar o passado Para avaliar a influência efetiva do meio geográfico Aron 16 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇÕES toma por base a denominada geopolítica Considera ter sido o teó rico inglês IIalford lackinder quem popularizou esse tipo de te oria fornecendo o arsenal ideológico de que se valeram os ale mães para justificar o seu expansionismo imperialista da primeira metade do século xx Para esse fim passa em revista a obra de Mackinder que se inicia em 19041905 Apresenta também seus conceitos fundamentais como ilha nlundial ou terra pivotal a partir dos quais irá sugerir que as linhas de expansão e as ame aças à segurança estão desenhadas antecipadamente no mapa do mundo Aron submete as propostas de Mackinder a unla análise minuciosa mobilizando todas as situações históricas mais ex pressivas Parecelhe que o verdadeiro mérito da profundidade do estudo geográfico reside antes de tudo na eliminação das ilusões ou lendas a respeito do determinismo do clima ou do rele vo Quanto mais exata e profunda a investigação geográfica menos ela revela relações regulares de causalidade Dos ele mentos de convicção que mobiliza parecelhe patente que as condições geográficas são menos importantes que a capacidade técnica das populações Se o espírito da iniciativa individual do ataque de surpresa do aventureirismo heróico e do terroris mo passional nobre e sórdido adianta ainda tem ocasião de se manifestar isto não ocorre nos nlares e nos desertos mas nas montanhas e entre os guerrillleiros urbanos Devido ao avião o mar não é mais o campo propício à aventura sujeitas ao fogo inimigo as bases perderam sua importância ou quando menos não têm mais localização fixa A proteção de que dispõem os Estados Unidos por exemplo contra um ataque de surpresa não reside na defesa passiva abrigos para a população ou ativa ca nhões aviões e foguetes nas fortificações aeródromos ou por tos consiste na força de represália E rIlais adiante7 Dedicadu à cunyuisia dus uceanus e da atmosfera o homem europeu difundido agora para toda a hu 7Ediçào citada pág 285 Prefácio à nova edição 17 manidade volta seu olhar e suas ambições para o espaço sideral Nossas sociedades fechadas continuarão sus disputas provincia nas além do globo terrestre e da atmosfera da mesma forma como os ingleses e franceses se baterem nas neves do Canadá É possí vel que os senhores da sociedade industrial façam reinar por fim a ordem e a paz deixando aos insubmissos como único refúgio as cavernas e a solidão de sua consciência Até parece uma premonição das condições a que se viu reduzido Bin LadenK aqui simbolizando a única verdadeira ameaça que se abateu sobre o Ocidente no ciclo imediatamente pósguerra fria Igualmente minuciosa é a análise a que submete o fator população Mantendo o estilo de recorrer abundantemente a exemplos históricos indica que a força e a contribuição cultu ral das coletividades nunca foram proporcionais ao seu tama nho Quanto a este respeito também a técnica seria mais deci siva Contudo na hipótese de que todas as principais civilizações cheguem aos mesmos níveis de produtividade isto é dissemi nandose entre elas as capacidade industrial pode ser que o número volte a pesar Indica expressamente A superioridade que têm alguns pa íses devido ao seu avanço em matéria de desenvolviniento in dustrial atenuase e tende a desaparecer à medida que se di funde o tipo industrial de sociedade As relações de força dependem dos números relativos de homens e de máquinas e este último tem flutuado neste século ainda mais rapidamente que o primeiro Escrevendo nos anos sessenta Aron profeti zava que a China não precisará de mais do que quinze anos para aumentar a sua produção de aço em 20 milhões e tonela das isto é uma quantidade maior que a atual da França Tal prognóstico naturalmente esbarrou com os desacertos provoca dos pela Revolução Cultural de Mao Mas depois da morte deste 1976 não seriani requeridos prazos dilatados afim de que a China Acusado dos ataques terroristas de 11 de setembro deste ano e refugiado em cavernas no Afeganistào 18 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇÕES alcançasse índices invejáveis e duradouros de desenvolvimento econômico Assim a possibilidade de proliferação da sociedade industrial sem que isto implique a absorção dos valores morais do Ocidente entrevista por Aron tornouse uma possibilidade real Guardam portanto grande atualidade estas conclusões Podese conceber uma fase além do atual estágio de industriali zação do mundo em que todos os povos tenham alcançado uma produtividade comparável hipótese em que as relações de força poderiam depender exclusivamente do número de homens Mas pode ser também que a qualidade das máquinas seja o fator decisivo Que podem fazer milhares de tanques contra uma bomba ternlonuclear E que poderiam dezenas de bombas termonucleares contra o Estado que possuísse um sistema de defesa invulnerável protegendoo de bombardeiros e dos enge nhos balísticos inimigos Evitemos as profecias Limitemonos a constatar que entre rivais da mesma ordem de grandeza ou se preferirmos de ta manho é a qualidade que faz pender a balança e leva a uma decisão O que a capacidade de manobra das legiões romanas representou para o mundo da Antigüidade os engenhos balísticos poderiam representar para o hemisfério norte Os cientistas to maram o lugar dos estrategistas9 Aron explica que preferiu denominar de recursos ao conjun to de meios ao alcance das comunidades para assegurar a sua subsistência ao invés de economia por abrir um campo mais amplo desde o solo e o subsolo até os alimentos e os produtos manufaturados Acrescenta engloba de certo modo duas noções anteriormente estudadas o espaço e o número Aqui a análise centrase nestas doutrinas o liberalismo o mercantilismo a economia nacional denominação que atribui aos chamados desenvolvimentistas que se ocuparam das econo mIas então chamadas de subdesenvolvidas e o socialismo IvIas encara tais doutrinas do ponto de vista de suas implicações nas l1dem pág 323 Prefácio à nova edição 19 relações internacionais O mercantilismo por exemplo interes salhe na medida em que permitiu se formulasse a tese que iden tifica supremacia comercial com hegemonia política Os libe rais concluem logicamente indica que o comércio é por sua natureza contrário à guerra O comércio pacifica enquanto a rivalidade política inflama as paixões A escola batizada de economia nacional renovou os ar gumentos mercantilistas a propósito do desenvolvimento De seus seguidores resulta a preferência pelo crescimento autárquico Sua implicação no plano internacional é a de que o fechamento das fronteiras poderia levar à guerra Seus defensores admitindo tal possibilidade avançam a idéia de que a longo prazo pode advir um período de paz fundado no equilíbrio das nações e das eco nomias nacionais O socialismo marxistaIeninista também faz depender da economia a paz e a guerra a economia é belicosa sob o regime capitalista e será pacífica sob um regime socialis ta Depois de retirar as inferências pertinentes das menciona das doutrinas submeteas ao que se poderia chamar de prova da história Nessa revisão Aron não encontra evidências de que razões econômicas possam explicar os conflitos bélicos ou a sua ausência No caso da União Soviética recorda que o seu expansionismo não decorreu de uma necessidade econômica mas de política e ideologia Toda grande potência ideocrática é im perialista assinala em conclusão qualquer que seja seu regi me econômico se considerarmos imperialismo o esforço para difundir uma idéia e impor fora das fronteiras nacionais um modo determinado de governo e de organização social até mesmo com o emprego da força De qualquer forma este comportamento parecerá imperialista aos Estados que querem salvaguardar suas próprias instituições ainda quando a potência ideocrática pre ferir normalmente a subversão à invasão evitando anexar os povos convertidos à sua fé Os cruzados nunca foram vistos como mensageiros da paz embora em nossos dias alguns deles adotem 20 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇES uma pomba branca como emblemalü No estudo do comportamento dos atores Aron irá refutar de pronto a idéia algo difundida de que existiriam nações que se definem para todo e sempre de modo idêntico a Alemanha eter na a França de todos os tempos Depois de passar em revis ta teses e crenças que mais lhe parecem mitos comprova não haver entretanto indicações mais precisas de que se possa acre ditar na existência de desenvolvimento fatal das civilizações de atavismos de origem racial ou coisas desse tipo Ilusões de tal ordem advêm de uma estranha forma de cegueira capaz de transformar o esquema da diplomacia de uma época num modelo eternamente válido Em geral as situações conjunturais caracterizamse pela enorme heterogeneidade dos Estados e dos tipos de combate As organizações militares por sua vez apre sentam grande diversidade Depois deste percurso seria possível extrair algo como uma síntese aroniana isto é uma idéia geral de qual seria a sua pro posta de encaminhamento do estudo das relações internacionais seja de um período histórico seja de uma nação isolada ou de um grupo de nações com o objetivo tanto de definir políticas como de formar especialistas Creio que sim e atrevome a fazê lo ainda que correndo o risco de simplificar uma análise rica e instigante Podese afirmar sem sombra de dúvida que seu ensinamento básico consiste na advertência de que as situações conjunturais são sempre específicas Analogias e aproximações são válidas e necessárias desde que quem o faça haja exorciza do mitos e lendas O benefício que se pode extrair do amplo conhecimento da história e também das ilações que as rela ções internacionais proporcionaram consiste em saber orien tarse 110 cipoal de fatos e buscar o essencial Seriam a este fim àestinaàas as aàvertências a seguir resumiàas 1 Não é verdade que Estados Nacionais plenamente 10lden1 págs 365366 Prefácio à nova edição 21 estruturados sejam pacíficos de modo necessário Inspirados pelo orgulho podem ser imperialistas 2 A economia moderna de mercado não se inclina obriga toriamente às conquistas Tampouco uma economia moderna centralizada é em si pacífica 3 Os povos não permanecem os mesmos através da histó ria e nem os regimes são constantes 4 A conduta diplomáticoestratégica é instrumental isto é achase ao serviço de outra coisa serve como instrumento em tese aos objetivos de quem a patrocina Ainda que inseridas neste contexto as decisões isoladas son1ente serão compreendi das tomandose como referência a conjuntura e a psicosociolo gia de cada ator 5 A conjuntura é constituída pelas relações de força ins critas num espaço histórico determinado 6 O ator coletivo pode às vezes ser entendido como se fosse um indivíduo que teria um comportamento previsível e mais ou menos estável Mas cumpre levar em conta que pode ser instado a atender a múltiplas pressões sendo imprescindível procurar conhecêlas e desvendálas 7 Em todas as circunstâncias é preciso identificar os obje tivos das nações como vên1 o n1undo e o modo de ação que adotam Esta pode darse tanto por deliberação própria como decorrer de influências mais ou menos fortes V OU1RJS ASPEcros Rbl blNlS Ainda na segunda parte Aron posicionase acerca do que deno mina de raízes da guerra como instituição Tem inquestionavelmente raízes biológicas e psicológicas Escreve O homem não agride seu semelhante por instinto mas apesar disto é sempre em cada momento vítima e carrasco A agressão física e a vontade de destruir não constituem a única reação pos sível à frustração mas uma das respostas possíveis talvez a re 22 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇÕES ação espontânea Neste sentido os filósofos não se equivocavam quando diziam que o homem é naturalmente um perigo para ou tros homens A sociabilidade por sua vez não atenua a agressividade individual n1as ao contrário tende a incrementá la Ainda que estudos que menciona possam sugerir a existên cia de tipos de sociabilidade que atenuariam a agressividade parece a Aron supondo que a civilização possa em certas cir cunstâncias reduzir as oportunidades que provocam a agressividade eliminar sua motivação desqualificar suas cau sas supondo que o homem que não luta por instinto ou por ne cessidade fisiológica seja capaz de viver em paz com os seme lhantes numa pequena comunidade é impossível projetar no presente o no futuro da humanidade estas imagens ou sonhos de paz Depois de examinar o que dizem otimistas e pessimistas acerca da possibilidade de eliminação do conflito bélico avança a seguinte hipótese O animal humano é agressivo mas não luta por instinto a guerra é uma expressão da agressividade hu mana mas não é necessária embora tenha ocorrido constante mente desde que as sociedades se organizaram e se armaram A natureza humana não pern1itirá que o perigo da violência seja afastado definitivamente em todas as coletividades os desajustados violarào as leis e atacarão as pessoas O desapare cimento dos conflitos entre indivíduos e entre grupos é contrá rio à sua natureza Mas não está provado que os conflitos de vam manifestarse sob a forma de guerra tal como a conhecemos há milhares de anos com o combate organizado e o uso de instrumentos de destruiçào cada vez mais eficazes E logo adiante é peremptório A dificuldade em manter a paz está mais relacionada à humanidade do homem do que à sua animalidade O rato que levou uma surra sujeitase ao mais forte e a resul tante hierarquia de domínio é estável o lobo que se rende ofe recendo a garganta ao adversário é poupado O homem é o úni co ser capaz de preferir a revolta à llumilhação e a verdade à vida Prefácio à nova edição 23 Por isso a hierarquia dos senhores e dos escravos nunca poderá ser estável No futuro os senhores não precisarão mais de escra vos e terão o poder de extermináIos11 No Prefácio do livro que comentamos do mesmo modo que nas Memórias Aron explica porque introduziu uma parte his tórica relativa a um período limitado e também as razões pelas quais nas edições posteriores não se preocupou em atualizála Embora os dados constantes daquela análise não possam ser considerados permanentes permitiram muitas ilações acerca da era atômica Os Estados dominantes apesar da hostilidade que nutriam entre si tinham um interesse comum não se destruir mutuamente A meu ver preserva grande valor como estudo de caso agora que a guerra fria passou à história e deve ser estudada com o necessário distanciamento Talvez forneça mui tas pistas no sentido de fixarse as características estáveis e possíveis de uma hegemonia internacional de caráter bipolar A última parte do livro pretende fixar os ensinamentos ex traídos do estudo das relações internacionais que poderiam contribuir para a paz Nas Memórias12 destaca estes textos que conteriam o essencial O miolo das relações internacionais são as relações que chamamos de interestatais as que colocam em conflito as unidades como tais As relações interestatais expres samse dentro de condutas específicas e mediante elas condu tas de personagens que chamarei de dzplomata e soldado Dois e apenas dois homens atuam plenamente e não como membros quaisquer mas como representantes das coletividades a que per tencem o embaixador no exercício de suas funções na unidade política em cujo nome fala o soldado no campo de batalha da unidade política em cujo nome levará à morte seu semelhante O embaixador e o soldado vivem e simbolizam as relações in ternacionais que por ser interestatais apresentam um traço origi nal que as distingue de todas as outras relações sociais desenvol 1 JIdem pá 466 12Edição ótada tradução espanhola pág 438 24 PAZ E GUERRA ENTRE AS NAÇÕES vemse sob a possibilidade da guerra ou para expressarse com maior precisão as relações entre estados se compõem por essên cia da alternativa da guerra e da paz E mais Da definição das relações internacionais nestes termos depreendese uma conse qüência para mim essencial o diplon1ata entendido como res ponsável pela atuação exterior de um Estado não possui um fim imanente comparável ao do jogador num esporte ou do ator eco nômico Para quem governa um Estado nada se compara à maximização da utilidade a que aponta o setor econômico e que supõe os esquemas da teoria econômica A teoria das relações internacionais parte da pluralidade de centros autônomos de decisão por conseguinte do risco de guerra do qual se deduz a necessidade de calcular os meios Num quadro de ameaça de guerra como se viveu durante a guerra fria para todos os ato res do jogo diplomático a prevenção dessa guerra tornase um objetivo tão imperioso como a defesa dos interesses meramente naCIonaIS VI UAfA OBRA CIASSICA Paz e guerra entre as nações foi comentado e amplamente deba tido e não apenas na França Na Alemanha o fez o conhecido jurista Carl Schmitt 18881985 e também outros estudiosos tendo sido naquele país comparado à obra de Clausewitz A propósito da tradução inglesa em artigo no New York Times Henry Iissinger afirmou que consistia num livro profundo ci vilizado brilhante e difícil A obra tornouse um clássico por não se tratar de livro me ramente informativo pela massa de análises de situações concretas nas quais se detém apenas por isto já ocuparia uma posição das mais destacadas mas sobretudo por ser formativo Parodiando o que disse Aron estudiosos das relações internaci onais em especial aqueles que se destinam à carreira diplomáti ca do mesmo modo que as pessoas na carreira militar que as Prefácio à nova edição 25 cendem aos postos mais altos não podem furtarse ao dever de debruçarse sobre o texto em questão notadamente porque não se destina a ser lido mas estudado Rio de Janeiro dezembro de 2001 Antônio Paim PREfCIO À EDIÇÃO BRASIIJEIRA Pelas razúes expostas lH prebicio da edição francesa de 191tl n10 111e parece possível atualizar este texto para a edição em língua portuguesa Considero útil porém apresentar aos leitores uma análise sumária da conjuntura mundial conforme ela se desenvolveu nos últin10s quinze anos A comparação entre a situação no início da década de 1960 e a situa ção no fim da década de 1970 é em si mesma instrutiva pois constitui uma aplicação dos conceitos e do método utilizados neste livro Há trinta anos o professor de relações internalionais e o homem da rua concebiam o mundo aproximadamente da mesma forma O prin1eiro chamava o sistema interestatal de bipolar empreando linguagen1 eru dita o segundo colocava no centro dos acontecimentos internacionais a rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética subestimandoa superioridade de conjunto militar e econômica da potência n1arítima a República norteamericana comparável à GrãBretanha de outrora por contraste com a massa eurasiana Há vinte anos quando em 1958 Ni kita Kruschev formulou seu quaseultimato a propósito de Berlim e al guns anos depois durante a crise dosfoguetes de Cuba 1962 a humani dade aterrorizada suspendia a respiração Hoje os professores e os homens da rua podem estar de acordo mas não sobre a maneira de ver o mundo É possível mesmo que julgassem o mundo ininteligível pela sua complexidade Deveríamos substituir o due lo entre Moscou e Washington pela relação triangular entre Moscou Pe quim e Washington Qual dos duelistas tem hoje a supremacia militar O conflito LesteOeste ainda tem o significado n1undial que lhe atribuíamos até os primeiros anos da década de 1960 Na verdade os Estados Unidos e a União Soviética continuam a mere cer o lugar à parte que eles próprios assumem e que os observadores lhe concedem são os únicos Estados que possuem uma panóplia completa 28 Raymond Aron arnlas de terra de mar aéreas e espaciais da metralhadora à bomba de vários megatons São ps únicos Estados capazes de projetar sua força mili tar em qualquer ponto do globo os únicos a participar da conquista do espaço sideral Mais ainda até o fim deste século poderão manter essen cialmente esse duopólio qualquer que seja o progresso da China popular nos próximos vinte anos Por que razão uma imagem pouco nítida do mundo em lugar da es trutura simples da guerra fria Para ficarmos com o essencial pareceme que as principais razões são as seguintes 1 A confusão entre a União Soviética e o marxismoIeninismo que transfigurava uma rivalidade de grandes potências em guerras ideológi cas é coisa do passado o chamado campo socialista explodiu em peda ços A China popular denuncia a política de hegemonia da URSS como o inimigo número 1 Afastando os olhos de Moscou a intelligentsia pode sonhar com a Meca verdadeira em Belgrado ou em Havana Tito ou Fidel Castro contra o Golias stalinista ou capitalista Como escolher entre o quasestalinismo do Vietnam do Norte e o terrorismo quasegenocida de Camboja A China apóia o governo de PhnomPenh porqueMoscou apóia o governo de Hanói Ao conquistar o poder os partidos comunistas voltam às querelas históricas entre as nações Seria simples demais poder eliminar a dimensão ideológica para re tornar ao jogo de xadrez das chancelarias Na Ásia os dois Impérios o russo e o chinês elevaram a mesma ideologia à condição de verdade oficial acusandose reciprocamente de traição despojam assim as mano bras alianças e hostilidades de qualquer vestimenta ideológica Surge a política de poder nua e crua abandonando o véu de linguagem que a ocultava Em outros países a situação é bem diferente A vitória de um partido progressista ou marxistaIeninista não acarreta necessariamente a aliança com o campo soviético embora muitas vezes isto aconteça mesmo sem tal aliança o regime que se diz e se considera socialista tem uma diplomacia diferente da do regime moderado ou próocidental que derrubou O aces so do partido comunista ao poder em Roma ou em Paris constituiria um acontecimento internacional de conseqüências imprevisíveis uma inter pretação extrema catástrofe ou episódio definitivo poderia satisfazer nosso espírito mas falsearia a realidade 2 O relacionamento russonorteamericano se tornou ambíguo equí voco Aproximase mais da figura do condomínio ou de uma luta de vida ou morte A disputa entre as duas superpotências se desgasta ou é dissimulada Os acordos sobre a limitação dos armamentos estratégicos baseiamse em última análise na desconfiança recíproca Henry Kissin Paz e Guerra Entre as Nações 29 ger esperava poder concluir com Moscou acordos parciais formando uma rede de contenção da potência revolucionária ou exrevolucionária Terá Kissinger conseguido o que pretendia Como afirma George F Kenan terseá transformado a Rússia de Brejnev em potência conserva dora que não deve mais inspirar medo aos Estados Unidos ou aos nossos aliados Ou ao contrário como afirmam os dissidentes a Rússia é sempre a mesma prudente mas pronta a aproveitar todas as oportunidades para estender sua zona de influência ou de domínio mais ambiciosa ainda do que na época de Stalin pois dispõe de mais meios tendose nomalizado internamente porque os gerontocratas sobreviventes de tantas hecatom bes transformaram em rotina seu domínio e seu despotismo A contenção do expansionismo soviético constituía o lema e a inspira ção da diplomacia bipartidária dos Estados Unidos Mas essa diplomacia bipartidária deixou de existir Sobre todos os temas a China os acordos SALT a África o orçamento da defesa os intelectuais da costa atlântica que republicanos ou democratas conceberam e sustentaram a diploma cia bipartidária do pósguerra estão hoje divididos até o ponto de amigos de ontem não se falarem mais 3 As duas superpotências não perderam de fato sua supremacia mili tar mas que fazem com ela Eque poderiam fazer Uma força sem ação é ainda uma força genuína Em 195053 os Estados Unidos não consegui ram uma vitória sobre a Coréia do Norte metade de um país salva pela intervenção de voluntários isto é de tropas regulares da China po pular Mais tarde kram vencidos pelo Vietnam do Norte também me tade de um país A União Soviética não precisou de quarenta mil tanques para reprimir a revolução húngara Para controlar em Praga marxistas leninistas que sonhavam com um socialismo de feições humanas Menos cínicos do que Stalin que perguntou quantas divisões tinha o Papa os diplomatas nunca deixavam de levar em conta em suas negocia ções e cálculos o número de homens armados representados por cada Embaixador Hoje os muitos conselheiros especializados em cultura ciência comércio informação simbolizam a diplomacia total e ilustram as novas dimensões da ação diplomática Surge portanto uma pergunta importante que há de essencial no relacionamento entre os Estados De um lado temos a acumulação de ar mamentos os progressos técnicos das armas nucleares ou nãonucleares de outro as economias mundiais inseridas nwn mercado mundial Pela primeira vez como alguns historiadores já observaram surge um mer cado mundial desvinculado de um império mundial A indústria européia depende do petróleo do golfo Pérsico As empresas nacionais ou multina cionais importam dos países de baixos salários componentes indispensá 30 Raymond Aron veis para suas máquinas Nossas relações com os sócios da Comunidade européia com os países produtores de petróleo a União Soviética e a Eu ropa oriental dizem respeito antes de mais nada às tropas comerciais e subsidiariamente ao intercâmbio intelectual ou artístico Os Estados socia listas não pertencem totalmente ao mundo dos negócios mas estão asso ciados a ele pelo recurso aos empréstimos bancários privados destinados a financiar suas importações do Ocidente Tanto quanto as relações tradicionais entre os Estados diplomáticas e estratégicas é o complexo conjunto de relações internacionais e transnacio nais que constitui por assim dizer uma sociedade mundial As idéias e as informações atravessam as fronteiras e cruzam o mundo inteiro em minu tos as inovações técnicas e os descobrimentos científicos espalhamse com rapidez crescente Nessa sociedade transnacional nenl selllpre os Estados ocupam o lugar mais importante Explicase assim a diversidade das imagens entre as quais hesitam os professores de relações internacjonais sem saber qual é a mais adequada à realidade atual Não pretendo discutir em abstrato seus méritos respecti vos pois são talvez mais complementares do que incompatíveis Tomarei lomo ponto de partida a distinção entre o sistema interestatal governado pela relação de forças e a sociedade mundial sobre a qual nenhum ator tem domínio soberano indagando sobre o papel dos Estados lnidos e da União Soviética em cada um dos sistemas O declínio relativo dos Estados Unidos marcará a passagem do imperialismo norteamericano ao hege monismo soviético Artnas e ditornaria A rivalidade russonorteamericana assumiu duas formas bem diferentes na Europa e no resto do mundo Na Europa as duas coalizões o Pacto de Varsóvia e a Organização do Atlântico Norte se formaram gradual mente entre 1947 e 1955 dos dois lados da linha de demarcação As fron teiras não foram modificadas e nenhum dos campos recorreu às armas para tentar modificálas Na Ásia e no Oriente Próximo as superpotên cias agem nos bastidores e às vezes também no cenário Illas suas forças jamais se chocaram diretamente num campo de batalha As duas guerras limitadas em que os Estados UnIdos particIparanl com um corpo expedicionário tiveram caráter acidental Provavelmente Stalin não teria dado sinal verde a Kim IISung para seu ataque se os diplo matas norteamericanos não tivessem feito saber clara e antecipada mente que não tolerariam a invasão da Coréia do Sul pela oréiado Norte E as hostilidades não se teriam prolongado por três anos se lru Paz e Guerra Entre as Nações 31 man tivesse tomado em consideração o aviso dos chineses que o Embaixa dor indiano lhe havia transmitido Por outro lado os Estados Unidos hos tis ao retorno dos franceses à Indochina mudaranl sua atitude depois da vitória de Mao TséTung Após a conferência de Genebra não estavam obrigados a perpetuar uma situação coreana no Vietnam em condições desfavoráveis contrariamente ao que acontecia na Coréia do Sul o exér cito sulvietnamita não conseguia equilibrar as tropas mobilizadas pela ou tra metade do país Deixando de lado essas duas campanhas podese dizer que o sistema interestatal se modificou em conseqüência da descolonização das revoltas dentro dos países das transferências de lealdade de unl campo para outro Os Estados Unidos e a URSS continuaram a intervir reciprocanlente na sua política interna e nos Estados de modo geral fazendoo contudo de forma disfarçada quase sempre impecavelmente A Carta das Naçües Unidas não proíbe os Estadosmembros de adquirir arnlas ou de obter ajuda de um outro Estado A União Soviética e os Estados Unidos respon dem a este tipo de apelo retirando seus conselheiros e suas tropas quando o governo enl questão o solicita Assim o Presidente Sadat conseguiu a retirada dos conselheiros soviéticos e o reg1nle revolucionário da Etiópia o afastamento de diplomatas e militares norteamericanos Às vezes a fachada legal não resiste a um exanle crítico A expedição francoinglesa que se seguiu à nacionalização do canal de Suez falbou por unIa série de razôes com efeito só teria tido êxito conl a derrubada de Nasser e o surgimento imediato de um outro País Encorajado pelo Em baixador soviético e a posição assumida pelos Estados Unidos Nasser se nlanteve no poder as tropas anglofrancesas se retiraram ingloriamente e a libra não resistiu à tormenta Na mesnIa ocasião as tropas soviéticas reprimiram a revolução húngara para atender a um apelo do governo de camponeses e operários presidido porJanos Kadar esse caso o pretexto jurídico não era melhor do que o dos franceses e ingleses que ocuparam a zona do Canal para separar os beligerantes Israel e o Egito Enl 1968 o Kremlin lnelhorou o aspecto do movinlento de tropas russas associando a ele seus aliados do Pacto de Varsóvia Sem levar em conta as crises de 1956 e 1968 as superpotências inter vieram nos assuntos internos de outros Estados senl violar expresSéllllente o direito internacional intervenção aberta COln o envio de arlllalllentos ou de conselheiros militares ou intervenção clandestina destinada a deses tabilizar uln regime mediante o apoio a seus opositores ou a nlÍnorias ét nicas recalcitrantes Neste sentido podese dizer que a fUllboat diponlry a diplomacia das canhoneiras ficou ultrapassada No Oriente Próximo Israel e os países árabes entraraln enl luta qua 32 Raymond Aron tro vezes em 1948 1956 1967 e 1973 sem contar a guerra de atrito de 1970 guerras que terminaram sempre com acordos de essação de fogo nunca com um tratado de paz Em 1956 a França e a GrãBretanha parti ciparam das operações desde então foram afastadas das negociações nos momentos de crise não devido ao papel que desempenharam em 1956 mas por uma razão mais simples Quando os Estados entram em guerra só se fazem ouvir aqueles capazes de mobilizar forças no teatro de opera ções Em 1956 1967 e 1973 as negociações russonorteamericanas por trás do Conselho de Segurança e da Assembléia Geral das Nações Unidas influíram sobre a duração das hostilidades e as modalidades do acordo de cessação de fogo Os russos e os norteamericanos se abstiveram de partici par diretamente na luta armada o que permitiu a Israel alcançar vi tórias militares nlas em 1973 fórneceram arInas e nluniçôes a seus pro tegidos primeiro os russos depois os norteamericanos E apressaram a interrupção dos combates para salvar o exército egípcio cercado no de serto Numa crise desse gênero quando o Kremlin parecia disposto a enviar divisões aerotransportadas ao Oriente Próximo que relação de forças de cidiu a prova de vontades A relação das forças em presença no teatro de operações a VI frota norteamericana a frota soviética no Mediterrâneo oriental e as esquadrilhas de aviões operando a partir de bases terrestres A relação das forças globais da URSS e dos Estados Unidos da América nucleares e clássicas em todo o mundo Não creio que haja quem possa responder com segurança nem mesmo Henry Kissinger ou Richard Ni xon Os governantes russos não queriam assumir o risco de empenhar suas forças contra Israel mas não estavam dispostos a tolerar uma vitória total dos israelenses De seu lado Kissinger queria poupar ao Egito uma derrota que impediria Sadat de adotar uma política de paz Quando se tornou óbvia a impossibilidade de uma vitória sírioegípcia os russos e norteamericanos passaram a desejar essencialmente a mesma solução Os dois lados calcularam a relação de forças existentes regional e mundial encaminhandose para evitar a confrontação e tolerar o veredito das armas Na Etiópia como no Iêmen do Sul no Afeganistão como em Moçam bique ou em Angola os avanços soviéticos estarão relacionados de algum modo ao número de ogIvas nucleares de mísseIS ou submarInos da URSS e dos Estados Unidos Ao número de tanques ou de esquadrilhas de aviões de combate dos dois lados da linha de demarcação na Europa Ao que parece a resposta é dada espontaneamente De fato o movimento de liberação de Moçambique tinha idéias marxistas ou progressistas Os li beradores nacionais africanos aprenderam sua ideologia não em Moscou Paz e Guerra Entre as Nações 33 mas nas universidades da Europa Em Angola um movimento progres sista levou a melhor porque o Congresso norteamericano recusou os fun dos necessários para sustentar um movimento de liberação nãoprogres sista A relação de forças entre diferentes partidos dentro da Etiópia e de Angola não depende da relação de forças global entre a União Soviética e os Estados Unidos mas da capacidade e da vontade dos soviéticos e dos ocidentais de ajudar seus correligionários Mas a separação aparente entre a relação de forças local e a relação de forças global das superpotências nunca é radical A intervenção das tropas cubanas na África implicava no campo soviético uma aviação de trans porte uma série de bases aéreas talvez mesmo a disponibilidade de divi sões aerotransportadas para o caso de necessidade No Oriente Próximo o Kremlin tolerou a vitória de Israel em 1967 e em 1973 hesitou em usar suas divisões aerotransportadas tanto devido ao poder dos Estados Uni dos como em função de circunstâncias regionais Na crise de Cuba no ou tono de 1962 o lado norteamericano tinha todas as vantagens local mente o exército a aviação e a marinha dos Estados Unidos dipunham de superioridade esmagadora e seu armamento estratégico nuclear era três ou quatro vezes mais poderoso do que o da União Soviética Como precisar a função exercida no desenvolvimento da crise pelas armas clássicas presentes no teatro de operações e as armas nucleares existentes Será melhor nos atermos a conclusões prudentes O equilíbrio princi pal abrangendo ao mesmo tempo a Europa e os armamentos estratégicos em nível mundial influencia as crises as confrontações diplomáticas e seu resultado quando os exércitos se enfrentam e o recurso às armas das su perpotências parece provável ou pelo menos plausível Por outro lado quando a rivalidade russonorteamericana se exerce dentro dos Estados a relação de forças global só indiretamente afeta os protagonistas Nothing succeeds like success nada tem tanto êxito quanto o próprio êxito se o vento que sopra do Leste parece mais forte do que o do Oeste os argu mentos progressistas se tornam subitamente mais convincentes E a rela ção global de forças entre os Estados Unidos e a União Soviética cada ano favorece mais esta última corltrole dos armamentos A União Soviética sempre manteve efetivos militares importantes Basta comparar por exemplo o número de tanques do lado soviético e norte americano 50000 contra 10000 para que se tenha a impressão de que a URSS já é mais forte do que os EUA Essas comparações podem ser mul 34 Raymond Aron tiplicadas o orçamento militar soviético aumenta anualmente entre 3 a 5 representando talvez 13 ou mesmo 15 do produto nacional da URSS o triplo do dos Estados Unidos 5 Mesmo enl termos de armas nucleares os soviéticos têm avançado mais dispondo de doii novos siste mas de mísseis lançados de submarinos SLBM e três sistemas de mís seis terrestres Os norteamericanos só dispõem de um novo sistema de SLBM o Tridente dotaram os Minutemen e os Poseidon de ogivas múlti plas independentes e aperfeiçoaram a precisão de tiro dos seus foguetes Durante os últimos dez anos as negociações para a limitação de armas es tratégicas SALT 1 e SALT 2 acompanharam e dissimularam a ascensão soviética Os acordos SALT se inspiram na doutrina do controle de armamen tos armscontrol cuja idéia principal pode ser expressa assim estabelecer uma tal relação de armamentos que nenhuma das superpotências se veja tentada a empregálos O controle dos armamentos não implica o desar mamento ou a redução das armas a um mínimo se cada uma das super potências só dispusesse de uma centena de mísseis correria o risco de ficar imobilizada depois de um primeiro golpe o que aumentaria a instabili dade Os norteamericanos concentraram sua atenção nas armas estratégi cas isto é aquelas que poderiam atingir o território soviético a partir do território norteamericano ou de submarinos ou viceversa Os acordos SALT tendem a criar estabilidade não entre o conjunto dos meios mili tares das superpotências mas numa categoria de armas nucleares os foguetes intercontinentais Na medida em que esses acordos atingem seu objetivo eles neutralizam por assim dizer essas armas a estbilidade leva à sua nãoutilização a não ser na hipótese de um ataque direto contra elas ou contra o território nacional Que resta então da sua função dissuasivapróprio princípio dos acordos SALT não pode deixar de propor com urgência renovada a questão que divide os europeus há vinte anos a segurança européia é garantida pelas forças clássicas da NATO ou pelo dispositivo termonuclear dos Estados Unidos No período inicial da NATO a presença de tropas norteamericanas na Europa apagava simbolicamente a distância entre o Velho e o Novo Continente Ich bin ein Berliner disse o Presidente Kennedy Um acordo restrito às armas estratégicas aprofunda o fosso que divide a Europa oci dental e os Estados Unidos A longa controvérsia russonorteamericana sobre os BacfiTe põe em evidência ao Olesmo tempo a lógica e o paradoxo dessas negociações se elas têm como objetivo a igualdade ou equivalência num setor isolado os mísseis de longo percurso os norteaolericanos proíbem logicamente os Backfire de exercer uma função intercontinental Paz e Guerra Entre as Nações 35 empregado no teatro de operações contudo essebombardeiro contribui substancialmente para fortalecer o campo soviético embora não acres cente ao arsenal dos mísseis intercontinentais O raciocínio é lógico nunl acordo limitado a uma categoria de armas ilógico nurh acordo que englo be todas as armas Desde o momento em que a doutrina do controle dos armamentos foi elaborada até a conclusão das negociações SALT 2 os progressos técnicos foram mais rápidos do que a diplomacia O famoso artigo de A Wohlstet ter The Delicate Balance of Terror adquiriu nova atualidade A possibili dade de colocação de várias ogivas nucleares no mesnlO fóguete o aperfei çoamento da precisão de tiro e o número dessas ogivas podenl pernlitir a una das superpotências destruir num primeiro ataque quase todos os mísseis terrestres da outra o que lhe deixaria conlO único recurso reagir conl mísseis instalados enl subnlarinos atacando as instalaçôes industriais e urbanas do agressor mas conl a certeza de sofrer igual sorte Após a prinleira salva dirigida contra os nlísseis terrestres do inimigo o agressor conservaria nlilhares de ogivas nucleares para unla resposta à sua reação A hipótese da igualdade ou equivalência da capacidade destrutiva das superpotências faz conl que só a ação antifórça sja plausível ra é possí el que uma delas ou as duas possua a capacidade de dar o prinleiro golpe contra os mísseis terrestres Neste caso poderia ter condiçües de se inlpor ao ininligo depois de destruir a maior parte dos seus fóguetes de base terrestre ou de lello a responder sob a fórnla de ataque contra ci dades conl risco de escalada que chegasse a unIa orgia de violência sui cida As oljeçôesque se nlltltiplicanl contra o SAIr 2 reelanl o illlpasse l que chegaranl as negociaçües linlÍtadas aos nlÍsseis intercontinentais o acordo nlo estabilizaria a relaçáo entre as arlllas intercontinentais se parando o teatro europeu dos dispositivos nucleares das superpotências llais ainda os norteanlericanos descobrenl que por excesso de con fiança nos recursos da sua tecnologia eles se deixaranl ultrapassar sob certos pontos de ista l1ais avançados na técnica da nliniaturialo do taranIOS llinutelllen III de três ogias nucleares de 170 quilotol1s s so iéticos apoiaanlse 110S nlÍsseis pesados cljacarga útil ultrapassa de lllUi to a dos foguetes l1ortealllericanos os seus SS I H eles colocanl oito ogi as Ilucleares cada unIa conl dois Illegatons Atl I Hos Illísseis des se I ipo 0111 ogi lS 111 últ iplS illdepel1del1le ll11ll ri tlH de desl rt 1ilO lS Ilataforlllas terrest res de lanal1lentodos El TA lentro de alguns anos COI1I ou Sel11 a réltificaéIO do acordo SLr os especialistas talcl passenl a considerar que no Ilhel superior dos 111ÍS seis intercontinentais a lllié10 Soiéticél alCélllOU Ul1la certa superioridade pois telll posiélo superior o Estado que possui l11ais possihilidades do 36 Raymond Aron que seu adversário de destruir com um ataque a totalidade dos mísseis terrestres inimigos Fora de qualquer polêmica podese constatar que a aplicação do princípio do controle de armamentos não favoreceu o desar mamento a estabilidade dos níveis de armas intercontinentais ou a se gurança da Europa Isso se deve tanto à própria doutrina tratamento isolado de uma só ctegoria de armas quanto às inovações técnicas maior precisão de tiro ogivas múltiplas independentes Enquanto os diploma tas procuravam alcançar a estabilidade os técnicos a tornavam impossível A inferioridade soviética em miniaturização se tornou uma superioridade a dar maior carga útil dos foguetes pesados Os otimistas celebravam a mutual assuTed destruction garantia de destruição recíproca sem perceber que simultaneamente a ameaça de dissuasão das armas nucleares passava a ser cada vez menos plausível Muitos europeus interpretaram a doutrina norteamericana como cuidado em poupar o território nacional da destruição da guerraA neu tralização das forças estratégicas exclui de certo modo o território soviético e o norteamericano como teatros eventuais de operações Pessoalmente contudo essa interpretação não me parece convincente Ao manter na Europa duzentos ou trezentos mil soldados os Estados Unidos se conde nam a sofrer um desastre sem precedente caso não consigam impedir por todos os meios a invasão da Europa ocidental pelastropas soviéticas Há duas idéias que orientam o pensanlento e a ação dos dirigentes norte americanos e de seus conselheiros a primeira é a de que a rivalidade rus sonorteamericana está inscrita no livro da história mas que pode assu mir formas mais ou menos violentas exercerse com intensidade maior ou menor a segunda é o interesse comum das duas superpotências e de toda a humanidade em evitar uma unthinkable war uma guerra inconcebível São idéias razoáveis não há dúvida e atraentes mas que deixam sub sistir uma dúvida o curso da diplomacia as crises e seu desfecho são afeta dos pelas arnlas disponíveis cios dois lados Qual sert portanto resul tado dos acordos SALT sobre as eventuais confrontações futuras entre as superpotências No estado previsível das forças nucleares em 1982 ou 1985 uma confrontação do mesmo tipo do que a de Cuba de 1962 ou mesmo a da guerra do Kipur entre Israel e o Egito em 1973 terminaria da mesma forma o ingresso da China O ativismo diplomático dos sucessores de Mao TséTung modificará a es trutura do sistema interestatal Antes mesmo da morte de Mao a tensão entre Moscou e Pequim tinha levado o Kremlin a concentrar 44 divisões e Paz e Guerra Entre as Nações 37 uma quarta parte da aviação tática soviética nas fronteiras da China Os recursos necessários para manter um grande exército no Extremo Ori ente com bases e estoques obriga a reduzir a disponibilidade de força militar no Ocidente Portanto quaisquer que sejam as relações da China popular com os Estados Unidos e os países da Europa ocidental não há dúvida de que ela lhes presta um serviço graças a sua hostilidade com rela ção à URSS Para usar a terminologia marxista podese falar de uma ali ança objetiva objetivamente o inimigo do meu inimigo é meu amigo O que se alterou em 1978 foi a posição da China abrindose para o mundo exterior e buscando quatro formas de modernização na agricul tura na indústria no exército e na tecnologia Teng ChiaoPing substitui a supremacia da ideologia pela regra da eficácia embora citando de vez em quando alguma fórmula de Mao que se aplique à política atual Ao mesmo tempo não hesita em tomar emprestado ao Ocidente as máquinas de que seu país necessita e os dólares que se fazem necessários para ad quirilas A aliança objetiva assume uma nova forma a partir do momento em que os ocidentais passam a ajudar o esforço de modernização chinês com créditos e knowhow contribuindo assim para reforçar econômica e militarmente a China popular Até onde vai o interesse ocidental no reforço da China Alguns euro peus e norteamericanos se perguntam sobre a contradição que pode ha ver nessa atitude cooperativa a curto e a longo prazo Qual será amanhã a linha política chinesa O líder da facção que prega a modernização a qualquer preço Teng ultrapassou já os setenta anos Modernizada e po derosa a China teria um comportamento compatível com os interesses materiais ou morais dos Estados Unidos e de todos os países ocidentais As dúvidas e as objeções surgem espontaneamente no nosso espírito e podem multiplicarse O que está em questão hoje é a resposta do Oci dente às propostas da China PopularVendemos à URSS fábricas comple tas e lhe concedemos crédito por que não daríamos as mesmas facilidades à China A União Soviética não nos compra armas ou centrais nucleares mas a China desejaria comprálas Os Estados Unidos decidiram não vender armas a Pequim masjá deixaram saber que não se oporiam a uma atitude diferente por parte dos europeus Não há dúvida de que os soviéticos vêem com maus olhos esta aproxi mação entre os ocidentais e os chineses De nosso lado não devemos ter ilusões sobre o alcance militar dessa aliança objetiva Se a União Soviética se empenhasse numa operação limitada em algum dos pontos quentes da fronteira sinosoviética os Estados Unidos não teriam meios ou von tade de intervir Ao mesmo tempo supondo que a União Soviética lanças se seu exército sobre a Europa na direção do Atlântico a China não nos 38 Raymond Aron socorreria A China não constitui para a Europa ocidental um aliado de posição do tipo que a Rússia representava para a França no princípio deste século Os governantes do Kremlin consideram provavelmente como peri gos mortais a aliança do Japão e da China popular e a modernização chi nesa com auxílio do Ocidente Mas são perigos apenas a médio e longo prazo O equipamento militar chinês tem vinte anos de atraso em relação ao soviético o Japão não chega a aplicar um por cento do seu produto nacional às forças de autodefesa Duvido que usando a cartada chinesa os Estados Unidos consigam obter concessões da URSS na verdade o contrário me parece mais provável Assim os vietnamitas queriam liqui dar o regime de Pol Pot e os soviéticos não se importaram com que essa liquidação ocorresse pouco tempo depois do reconhecimento da China popular por Washington Os chineses têm razão para denunciar o hegemonismo soviético como o maior inimigo Do seu ponto de vista isso é claro eles não têm fronteira comum com os Estados Unidos mas possuem dois mil quilômetros de fronteira com o império soviético asiático A mesma fórmula pode ser apli cada a uma boa parte do mundo Na Europa por exemplo a lJRSS man tém superioridade de tropas e de equipamento sem esquecer ua superio ridade nuclear os SS 20 Mais do que os Estados Unidos a União Sovié tica está hoje decidida a projetar sua força em todo o mundo senlpre que surgir uma oportunidade e possui mais meios apropriados umas dez di visões aerotransportadas e aliados melhor equipados para isso Cuba Re pública Democrática Alemã Os dirigentes soviéticos seguramente não concordam com os profes sores norteamericanos que acreditam que a função da força militar tenda a declinar nas relações internacionais No sistema interestatal devese le var em conta o número de divisões e de mísseis e também a vontade de empregar esses meios Neste sentido o imperialismo norteamericano está sendo substituído pelo hegemonismo soviético o mercado mundial Depois da guerra os Estados Unidos passaram a dominar o mercado mundial mais ainda do que dominavam o sistema interestatal O exército nortecoreano e os voluntários chineses resistiram a um corpo expedi cionário norteamericano evidenciando os limites do poder militar dos Estados Unidos em terra A época da colonização européia tinha termi nado outros povos além do japonês já tinham adquirido os meios e a organização necessários para a arte da guerra moderna Quanto ao poder Paz e Guerra Entre as Nações 39 nuclear de que Washington possuía o monopólio ele não aterrorizava nem Moscou nem Pequim havia motivos morais e políticos para dissuadir os governantes norteamericanos de utilizálos mesmo contra os agres sores cOlnunistas No mercado mundial os Estados Unidos reinavam por assim dizer sós centro financeiro comercial e industrial do chamado mundo livre destinavam o excesso de capital disponível a investimentos externos Os EUA detinham o primeiro lugar na maioria dos setores tecnológicos avan çados seis por cento da população mundial os norteamericanos consu miam metade das matériasprimas utilizadas por toda a humanidade Era uma situação anormal que não poderia durar e que favoreceu a criação de organismos como o Fundo Monetário Internacional o GATT e as Na ções Unidas O Plano Marshall a recuperação da Europa ocidental e do Japão atendiam à lógica do sistema internacional é também à conveniência da economia norteamericana conforme a concebiam os próprios dirigentes daquele país Trinta anos depois do Plano Marshall que restou da supre macia dos Estados Unidos Nos países mais avançados da Europa o produto percapita parecejá superior ao dos Estados Unidos quando se utiliza as taxas de câmbio ofi ciais Embora a subvalorização do dólar falseie os cálculos não há dúvida de que a produção percapita da Suíça da Suécia eda República Federal Alemã se aproxima da dos Estados Unidos ou chega a alcançála Resta uma superioridade decisiva só os Estados Unidos combinam uma produ tividade elevada com grande massa populacional e um imenso território A população japonesa metade da norteamericana está concentrada num espaço limitado A Europa ocidental se encontra dividida em Estados dos quais os mais populosos não ultrapassam a quarta parte da popula ção dos Estados Unidos Ao Japão e à Europa ocidental faltam matérias primas e energia o que faz com que dependam do comércio internacional muito mais do que a República norteamericana Competidores dos Esta dos Unidos no mercado mundial nem osjaponeses nem os europeus são seus rivais no sistema interestatal não passam de Estados protegidos mesmo quando os Estados Unidos denunciam a invasão de mercadorias made in Japan Até 1971 mantevese o sistema de Bretton Woods valesse o que valesse A supervalorização do dólar favoreceu ao mesmo tempo a expan são do comércio mundial o crescimento das exportações européias e os investimentos das grandes empresas norteamericanas no exterior A par tir de 1971 e em especial depois de 1973 os Estados Unidos impuseram um regime de taxas cambiais flutuantes É sempre em Washington que se 40 Raymond Aron decide o sistema monetário mundial quaisquer que sejam as negocia ções que precedam ou ocultem as decisões norteamericanas Por fim em certos setores aviação civil tecnologia do petróleo inforrrlática con quista do espaço a técnica norteamericana continua a ser a mais avan çada O reinado monetário de Washington resulta do papel desempenhado pelos Estados Unidos no sistema internacional Fora do ouro só a moeda norteamericana pode servir como meio circulante mundial Nem os go vernantesjaponeses nem os alemães desejam que e o ien e o marco se tor nem moedas de reserva embora elas sejam assim utilizadas em certa me dida Como moeda contábil das transações internacionais o dólar é cada vez menos empregado O uso de um padrão misto de várias moedas per mite atenuar as flutuações da moeda norteamericana Os bancos centrais para os quais afluem dólares excedentários têm a escolher entre dois males ou deixar cair a taxa do dólar o que temem fazer por razões eco nômicas e comerciais ou sustentar a taxa de conversão da moeda norte americana o que os obriga a comprar bilhões de dólares cujo efeito infla cionário é difícil neutralizar completamente Até 1971 os europeus procuraram manter uma taxa fixa do dólar com relação ao ouro e às principais moedas embora com uma certa valori zação do marco e do ien a partir de então os japoneses e os alemães os cilaram entre duas atitudes sustentar o dólar ou deixálo cair Atual mente as autoridades monetárias de Bonn e de Washington parecem ter chegado a um acordo no sentido de defender com flexibilidade a taxa cambial do dólar Se não houvesse mais tropas norteamericanas em Berlim os euro peus teriam ainda meios e vontade para se opor à política econômica e financeira de Washington O dólar passou a ser a libra esterlina do século XX Provavelmente o padrãoouro exige uma moeda dominante só a moeda norteamericana tem condições de exercer essa função mas não a exerce bem Só uma moeda européia na plena acepção do termo retira ria do dólar sua supremacia supremacia já controvertida na medida em que se esboçam duas zonas monetárias distintas uma asiática associa da ao ien e outra européia vinculada ao marco Aliás a baixa do dólar não deixa de ferir o prestígio dos Estados Uni dosda mesma forma como a rebelião vItorIosa da UPEP desmascarou o mito da onipotência norteamericana A força militar dos Estados Unidos criou o equivalente de um quadro político no qual se desenvolveram no passado os mercados mundiais Os Estados Unidos encrajaram a des colonização que reduzia seus aliados europeus a uma posição regional O abandono do Vietnam e a elevação do preço do petróleo que se multipli Paz e Guerra Entre as Nações 41 cou por quatro mataram as ilusões de muitos norteamericanos e destruí ram o respeito supersticioso que os meInbros do mercado mundial tinham pela vontade de Washington A fórmula Eles não admitem passou de moda eles passaram a admitir muitas coisas porque as represálias mili tares e econômicas se tornaram pouco eficazes Nas negociações comer ciais mesmo supondo que os europeus e osjaponeses não discutem em pé de igualdade com os norteamericanos estes são vitimados por sua fra queza e sentimento de inferioridade Os dois mercados mundiais Os marxistasIeninistas se referem a dois mercados mundiais um capi talista o outro socialista Na verdade esses dois mercados não podem ser comparados O segundo inclui apenas os países da Europa oriental e Cuba além do VÍetnam Acréscimo recente imposto pela União Sovié tica para consolidar seu relacionamento com Hanói e para perpetuar a oposição entre Pequim e Hanói Os países da Europa oriental aumen taram seu intercâmbio com as economias ocidentais Limitado à zona so viética da Europa sem moedas conversíveis o chamado mercado mun dial socialista não chega a representar um substituto ou um rival do mer cado mundial que funciona tendo como centro os Estados Unidos da América é marginal em termos de economia internacional A URSS participa moderadamente da assistência aos países em desen volvimento e até mesmo os Estados que se proclamam progressistas e marxistas continuam ligados ao mercado mundial capitalista É nesse mer cado que os produtores de petróleo vendem o ouro negro aplicando na rede bancária norteamericana os dólares que não podem gastar pronta mente Mesmo quando chegam ao poder com a ajuda soviética os gover nantes da África negra mantêm relações diplomáticas com os países oci dentais e não abandonam o mercado capitalista Onde a liderança política se declara socialista ou soviética Moscou procura obter bases navais e aéreas na Guiné no Iêmen meridional em Moçambique busca consolidar sua posição por meio da influência exer cida sobre as forças armadas Na Etiópia oficiais soviéticos dirigiram a ofensiva contra os somalis no Ogaden contra os rebeldes da Eritréia rebeldes antes conhecidos como guerrilheiros de movimentos de libera ção sustentados por todos os países árabes e em primeiro lugar pelos mais progressistas Na África a intervenção das tropas cubanas transportadas pela avia ção soviética abriu uma nova fase marcada pela utilização de forças mili tares longe da União Soviética apoiadas por uma ponte aérea graças ao 42 Raymond Aron uso de bases concedidas por países amigos A técnica soviética de expansão baseiase sobretudo na força militar na infiltração e na propaganda polí tica e quase nada nas relações econômicas Na África o papel dos Estados Unidos é o de centro do mercado mundial a União Soviética o de uma das duas grandes potências militares mundiais A expansão soviética na África e no Oriente Próximo põe em perigo o equilíbrio de forças ou o mercado mundial Tudo depende da importân cia geopolítica e dos recursos do país que muda sua vinculação de leal dade Um regime antiocidental no Irã ou uma revolução na Arábia Saudita perturbariam ao mesmo tempo a ordem econômica e o equilíbrio político militar Os Estados Unidos terão ainda os meios e a vontade para se opor a situações como essas relacionadas com os assuntos internos de Estados soberanos Mesmo num regime nacionalista dominado pela Igreja xiita os dirigentes iranianos não renunciariam provavelmente à riqueza petro lífera seria de esperar portanto que continuassem a vender petróleo embora se interessassem menos pelo mercado mundial e pela posição dos Estados consumidore Deixariam de manter a secularidade do golfo Pér sico em atenção aos interesses do Ocidente Uma mudança de regime na Arábia Saudita teria conseqüências ainda mais graves Os novos donos do poder manteriam a atual política de preços e de produção O que cimenta a aliança de fato entre a Arábia Saudita e os Estaoos Unidos é o temor de uma revolução que sente a família real de Riad Tradicionalista e religiosa a família reinante cujo fundador unificou as tribos da Arábia apóia com o dinheiro do petróleo regimes moderados antisoviéticos e antiprogresis tas Os Estados Unidos perderiam a capacidade de influir sobre um re gime islâmico progressista A ordem do mercado mundial ficaria sujeita à discrição de líderes hostis à civilização moderna e acima de tudo ao capitalismo Nos dois casos o funcionamento da economia mundial dependeria de pessoas estranhas à sua lógica intrínseca Podese imaginar que os revolucionários de Teerã e de Riad mais nacionalistas do que progressistas e antisoviéticos por reli gião retornariam gradualmente à economia mundial aceitando suas limi tações depois do período crítico inicial Contudo o choque sofrido pelos Estados lTnidos repercutiria pelos cinco continentes mais ainna no que a derrota no Vietnam obrigando os governantes de Washington a uma re visão dilacerante da sua posição A presença militar dos Estados Unidos na Turquia e na Arábia Sau dita depende da boa vontade dos governantes de Âncara e de Riad É cla ro que o mesmo se pode dizer com relação às facilidades militares concedi das pelo Egito e a Somália à União Soviética e depois retiradas Mas o in Paz e Guerra Entre as Nações 43 sucesso soviético no Egito na Somália ele foi o preço a pagar pelo êxito na Etiópia relacionavase com o sistema interestatal não com o mercado mundial socialista Um rompimento entre o Irã ou a Arábia Saudita e os Estados Unidos estremece a ordenação da economia mundial indispensá vel para a prosperidade norteamericana e mais ainda para a prosperi dade dos seus aliados europeus Esse rompimento simbolizaria a incapacidade dos Estados Unidos de conservarem a lealdade dos países mais indispensáveis à salvaguarda dos seus interesses nacionais No jogo diplomático o poder norteamericano derivava em grande parte do prestígio internacional Atribuíase a Washington a capacidade de reinar sem que fosse necessário para isso usar a gunboat diplomac a diplomacia das canhoneiras Tratavase enl última análise de uma confiança mal fundamentada por si mesnla a mo dernização corrói as autoridades tradicionais arranca as raízes tradicio nais dos povos multiplica as queixas contra os homens que estão no poder e seus protetores norteamericanos Déspota modernizador o Xá concen trou em si mesmo todos esses ressentimentos dos estudantes e dos cren tes Os norteamericanos podiam ajudar seus amigos a se defenderem contra golpes militares contra uma revolta popular iluminada por chefes religiosos nem o exército iraniano nen1 os conselheiros nortean1ericanos dispõem de uma estratégia eficaz O enfraquecimento dos Estados Unidos na economia internacional agrava a contradição original do mundo contemporâneo a existência de um mercado mundial sem um império universal A supremacia norte anlericana cria a aparência de um império A propaganda denunciava o império norteamericano confundindo dois fenômenos muito distintos a influência exercida por Washington na América Latina na Europa na Ásia e a ordenl econônüca batizada de Hinlperialista Lenin explicara a guerra de 1914 pela rivalidade entre os países capitalistas empenhados na partilha dos outros continentes Uma vez desaparecidos os impérios colo niais europeus a própria organização do intercâmbio intercontinental re cebeu a denominação de imperialismo as sociedades multinacionais a ex ploração de recursos minerais por capitais estrangeiros etc Diante dos distúrbios que a começar no Afeganistão e no Irã se esten dem por toda a região o governo de Pequim não hesita e apóia o Xá con tra os rebeldes religiosos ou leigos No momento em que Teng Chiao Ping impõe a política das quatro modernizações Pequim se volta contra tudo o que poderia entravar ou desorganizar as trocas internacionais Por outro lado essas ameaças ao mercado mundial reforçam também o hege nlonismo da União Soviética se a U R S S controla o petróleo do riente 44 Raymond Aron Médio por meio de governos progressistas tem à sua disposição a econo mia da Europa e pode ampliar seu império militar Vista do exterior a atitude soviética parece ambígua Sem pertencer ao mercado mundial a URSS ressentese contudo dos efeitos das crises internacionais que a sacodem Por isso não deseja que qualquer vizinho seu entre no caos Por outro lado os soviéticos não podem deixar de per ceber a oportunidade que lhes oferece a revolta religiosa No Irã o Oci dente se apoiou num regime rnodernizador porem despótico o regime que vai sucedêlo depois da reação religiosa se afastará de Washing ton mesmo admitindo que não siga o caminho de Moscou o declínio norteamericano e a potência soviética A distinção entre sistema internacional e economia mundial não basta para sugerir uma representação simples e clara das relações internacio nais no fim da década de 1970 Revela porém a substituição do imperia lismo norteamericano pelo hegemonismo soviético Aos olhos dos observadores a República norteamericana parece de clinar Esse declínio tem três causas principais os acordos SALT de ins piração norteamericana que levam à igualdade ou à equivalência das for ças nucleares intercontinentais talvez mesmo errl breve à superiori dade soviética o que dá teoricamente uma superioridade global à URSS que tem um número maior de diões e de tanques a incapaci dade dos Estados Unidos de impedir revoluções sociais e políticas que pro vocam transferências de lealdade em certos países de importância vital no mercado mundial a redução da margem de superioridade da economia norteamericana com relação a seus competidores comerciais e a crise permanente do dólar Aproximandose dos Estados Unidos a China age de conformidade com a lógica eterna da sua política de poder A União Soviética está mais próxima dos centros vitais do território chinês do que os Estados Unidos Mais ainda se a força militar norteamericana entrar em ação ela tenderá não a se expandir mas sim a reforçar os Estados ameaçados Além da con quista da América do Norte terminada no fim do século passado não existe um imperialismo norteamericano comparável ao da Rússia tsarista ou da União Soviética No Vietnam a estratégia norteamericana era de fensiva tendo por objetivo impedir que o comunismo de Hanói engolisse o Sul do país A intervenção no Vietnam não se compara ao imperialismo no sentido ordinário do termo isto é a conquista de territórios ou de populações Quanto ao imperialismo caracterizado pelas sociedades inter nacionais e os investimentos externos a China não o teme e chega mesmo Paz e Guerra Entre as Nações 45 a atraílo contando com a característica paixão cega pelo lucro para conse guir créditos conhecimentos científicos e krwwhow necessários para a sua modernização Se os chineses usam outra palavra para designar e denunciar a ação soviética palavra que os ocidentais traduzem por hegemonismo têm razão para isso embora a palavra escolhida não corresponda exatamente à realidade A União Soviética exerce seu domínio na Europa oriental pela força militar fixando os limites da diversidade tolerável entre os regimes da comunidade socialista A China popular teme ser sitiada por uma coali zão da URSS e dos seus aliados O Japão e os Estados Unidos acreditam que o fortalecimento militar da China contribuirá para o equilíbrio do sis tema de Estados da Ásia E a abertura da China popular ao intercâmbio com o Ocidente amplia o mercado mundial A opção feita pela China contra o hegemonismo soviético e em favor do imperialismo norteamericano poderia repetirse amanhã em outros continentes Na América Latina a União Soviética está distante e os Esta dos Unidos estão próximos Com a exceção de Cuba há naquela região poucos soviéticos e muitos norteamericanos Também no Irã havia mui tos norteamericanos e poucos soviéticos o que acontece ainda na Ará bia Saudita Os egípcios receberam milhares de russos conselheiros mili tares e técnicos e os mandaram de volta a seu país Em outros Estados na África os soviéticos perderam a simpatia de povos cujos dirigentes tinham escolhido a via socialista Mali Guiné Os estudantes negros que retor nam do Leste denunciam o racismo de que foram vítimas Na África os cubanos parecem ter mais êxito do que os russos Restam três teatros de operações onde se desenrola direta ou indire tamente o conflito LesteOeste na África no Oriente Médio e na Europa Na África os soviéticos modificaram as regras do jogo com o engaja mento de tropas cubanas e o envio de conselheiros militares A sorte defi nitiva desses países governados pelos movimentos de liberação ou por partidos que se declaram socialistas não está ainda determinada Por mo tivos de ordem econômica eles se voltaram belTI depressa para o Oci dente Mas os soviéticos procuram manter a permanência do seu êxito ini cial mediante uma presença militar Hegemonismo contra o imperia lismo armas contra mercadorias diriam os chineses Hoje o imperia lismo representa o concurso indispensável dos capitais e da tecnologia do Ocidente No Oriente Médio a oposição não é diretamente a de Moscou contra Washington vemos aí a revolta de massas ou de minorias progressistas contra déspotas modernizadores ou não associados aos Estados Unidos que simbolizam ora a morte da tradição ora a supressão das liberdades 46 Raymond Aron outras vezes ainda o apoio a uma monarquia mal reputada Nessa região é o mercado mundial que está em jogo ameaçado não por Moscou mas pelos povos eventualmente para a maior glória do comunismo Na Europa as fronteiras de 1945 se estabilizaram e cristalizaram gra dualmente Bonn e Pankow se aceitaram mutuamente As duas coalizões continuam a se enfrentar de forma pacífica não sem se preparar para uma hipotética prova de força em que os ocidentais não acreditam Não é que os ocidentais tenham muita confiança na NATO nas forças clássicas ou no guardachuva nuclear dos Estados Unidos na verdade confiam na prudência dos bolchevistas sensíveis aos perigos incalculáveis repre sentados por um ataque maciço contra a Europa ocidental e à ajuda eco nômica que dela recebemnovo período em que estamos ingressando em 1979 não parece que será mais calmo e tranqüilo Os Estados Unidos da América não con seguiram ainda definir uma política externa bipartidária uma visão da conjuntura uma vontade nítida A revolução iraniana ilustra a precarie dade dos regimes sobre os quais se baseia à falta de melhor apoio a diplo macia norteamericana Na Europa a União Soviética não tem o prestígio de potência liberadora mas sim o que lhe dá a posse do maior exército do mundo Toda essa acumulação de armas e tal desconhecimento dos perigos nos fazem pensar até que ponto podemos ter certeza da prudência soviética Paris maio de 1979 Raymond Aron INTRODUÇÃO Os Níveis Conceituais da Compreensão O direito das gentes se ba5eia naturalmente neste princípio a5 várins nações devem fazerse mutuamente o maior bem possível em tempo de paz e o menor mal possível durante a guerra sem prejudicar seus genuínos interesses Montesquieu De LEsprit des Lois 13 Os tempos difíceis convidam à meditação A crise da cidadeestado grega nos legou a República de Platão e a Política de Aristóteles Os conflitos reli giosos que dilaceraram a Europa do século XVII fizeram surgir com o Leviatã e o Tratado Político a teoria do Estado neutro necessariamente absoluto conforme Hobbes liberal pelo menos com relação aos filósofos segundo Spinoza No século da revolução inglesa Locke defendeu as li berdades civis Na época em que os franceses prepararam sem o saber a Revolução Montesquieu e Rousseau definiram a essência dos dois regi mes que nasceriam da decomposição súbita e progressiva das monar quias tradicionais governos representativos e moderados com equilíbrio de poderes governos alegadamente democráticos invocando a vontade popular mas rejeitando qualquer limite à sua autoridade rrernlinada a Segunda Grande uerra deste século os Estados Unidos cujo sonho histórico tinha sido manterse à margem dos negócios do Ve lho Continente tornaramse responsáveis pela paz prosperidade e até pela própria existência de metade do mundo Havia soldados norte americanos estacionados em Tóquio e Seul a Oeste e em Berlim no Leste O Ocidente não tinha visto nada parecirlo desde o Império Ro mano Os Estados Unidos eram a primeira potência autenticamente mun dial pois a unificação mundial da cena diplomática não tinha precedentes Por comparação com a massa euroasiática o continente americano ocu pava uma posição igual à das ilhas britânicas com relação à Europa os Es 48 Raymond Aron tados Unidos retomaram a tradição do Estado insular esforçandose por construir uma barreira contra a expansão do Estado terrestre dominante no centro da Alemanha e no meio da Coréia Nenhuma grande obra comparável às que mencionamos nasceu da conjuntura criada pela vitória comum dos Estados Unidos e da União Soviética Contudo as relações internacionais tornaramse o objeto de es tudo de uma disciplina universitária As cátedras dedicadas à nova discipli na se multiplicaram O número de livros e de manuais cresceu proporcio nalmente Tiveram êxito esses esforços Antes de responder à pergunta é necessário precisar o que os professores norteamericanos seguindo os es tadistas e a opinião pública se propunham a descobrir e a elaborar Já antes da ascensão dos Estados Unidos ao primeiro plano da cena mundial os historiadores se puseram a estudar as relações internacio nais Mas se limitaram à descrição ou à narrativa sem chegar à análise e à explicação Ora nenhuma ciência se pode limitar à descrição e à narrativa Além disto que benefício poderiam tirar os estadistas atuais ou os diplo matas do conhecimento histórico dos séculos passados As armas de des truição generalizada as técnicas da subversão a ubiqüidade da força mili tar graças à aviação e à eletrônica introduzem novidades materiais e humanas que tornam pelo menos duvidosas as lições dos séculos passa dos A validade dessas lições não pode ser mantida se elas não forem in seridas numa teoria que abranja o antigo e o novo identificando os ele mentos constantes para elaborar o inédito em vez de eliminálo Essa era a questão decisiva Os especialistas em relações internacionais não queriam simplesmente seguir os passos dos historiadores desejavam criar um corpo de doutrina como todos os estudiosos formular proposi ções de caráter geral Só a geopolítica se interessava pelas relações interna cionais com a preocupação de abstrair e de explicar Mas a geopolítica ale mã tinha deixado má lembrança e de qualquer modo a referência ao qua dro espacial não poderia constituir o objetivo de uma teoria cuja função era apreender a multiplicidade das causas que agem sobre as relações en tre os Estados Era fácil caracterizar de modo grosseiro a teoria das relações interna cionais Em primeiro lugar ele torna possível a ordenação dos dados É um instrumento útil à compreensãol Em seguida permite que se identi fique expiicitamente critérios para a seleção dos problemas a serem anali sados Nem sempre se leva em conta que cada vez que um problema parti cular é selecionado para estudo e análise num determinado contexto há 1 Kenneth W Thompson loward a Theory of International Politics American Políti cal Scíence Review setembro de 1955 Paz e Guerra Entre as Nações 49 sempre na prática uma teoria subjacente à seleção feita Por fim a teo ria pode ser um instrumento para a compreensão não só das uniformida des e regularidades como também dos fatos contingentes ou irracionais Ninguém objetaria a essa fórmula organiUlÇão dos dados seleção dos proble rnLLS determirtOão das regularidndes e dos acidentes qualquer teoria no campo das ciências sociais deve cumprir essas três funções Os problemas se colo cam além destas proposições incontestáveis O especialista teórico tem sempre a tendência de simplificar a reali dade de interpretar os comportamentos ressaltando a lógica implícita dos atores HansJ Morgenthau escreve uma teoria das relações internacio nais é um sumário racionalmente ordenado de todos os elementos racio nais que o observador identifica no objeto de estudo subject matter É uma espécie de esboço racional da realidade das relações internacionais um mapa do cenário internacional2 A diferença entre uma interpretação empírica e uma interpretação teórica das relações internacionais é comparável à que existe entre uma fotografia e um retrato pintado A fotografia mostra tudo o que pode ser visto pelo olho nu o retrato não mostra tudo o que pode ser visto pelo olho nu mas mostra algo que o olho não vê a essência humana da pessoa que serve como modelo A isto um especialista responde fazendo as seguintes indagações Quais são os elementos racionais da política internacional Bastará consi derar os elementos racionais para desenhar um esboço ou pintar um re trato de acordo com a essência do modelo Se o especialista teórico res ponder negativamente a estas duas perguntas precisará trilhar um outro caminho o da sociologia Admitindose o objetivo fazer um mapa do cenário internacional o teórico se esforçará por reter todos os elementos em vez de fIXar sua atenção exclusivamente sobre ôs elementos racionais A este diálogo entre o defensor do esquematismo racional e o da análise sociológica diálogo cuja natureza e implicações os interlocu tores nem sempre percebem acrescentase muitas vezes vma outra con trovérsia de tradição propriamente norteamericana a do idealismo con tra o realismo O realismo hoje chamado de maquiavelismo dos diploma tas europeus passava do outro lado do Atlântico por típico do Velho Mundo marcado por uma corrupção da qual se queria fugir emigrando para o Novo Mundo para o país das possibilidades ilimitadas Transfor mados na potência dominante pela desaparição da ordem européia e pela sua vitória militar os Estados Unidos descobriam pouco a pouco não sem 2 De um relatório de HJ Morgenthau intitulado A Importância Teórica e Prática de uma Teoria das Relações Internacionais 50 Raymond Aron um problema de consciência que a sua diplomacia se assemelhava cada vez menos ao antigo ideal e cada vez mais à prática dos seus inimigos e aliados até então julgada com severidade Era moralmente aceitável comprar a intervenção soviética na guer ra contra o Japão a preço de concessões feitas às custasda China Tornou se claro a posteriori que a operação não foi lucrativa que do ponto de vista racional Roosevelt deveria ter assegurado a nãointervenção da União Soviética Mas se o cálculo tivesse sido mais racional teria sido por isto moral Roosevelt teria feito bem ou mal em abandonar os europeus do Leste ao domínio soviético Argumentar com a força dos fatos é retomar o argumento clássico dos europeus que os norteamericanos inspirados na sua virtude e na sua posição geográfica durante tanto tempo tinham rejei tado com desprezo e indignação O comandanteemchefe é responsável perante o povo por seus atos pelas vitórias e pelas derrotas Não impor tam as boas intenções e o respeito às virtudes individuais quando é outra a lei da diplomacia e da estratégia Nestas condições que acontece com as oposições entre realismo e idealismo entre o maquiavelismo e o kantismo entre a Europa corrom pida e a América virtuosa Este livro pretende primeiro esclarecer e depois superar este tipo de debate As duas concepções teóricas não são contraditórias mas comple mentares o esquematismo racional e as proposições sociológicas consti tuem estágios sucessivos na elaboração conceitual do universo social Mas a compreensão do domínio da ação não é suficiente para resolver o problema representado pelas antinomias da ação Só a história poderá resolver algum dia o eterno debate do maquiavelismo e do moralismo Contudo passando da teoria formal à determinação das causas e depois à análise de uma conjuntura regular espero poder demonstrar um método que é aplicável a outros assuntos indicando ao mesmo tempo os limites do nosso saber e as condições que determinam as escolhas históricas Para pôr em evidência nesta introdução a estrutura do livro será preciso antes de mais nada definir as relações internacionais para depois precisar as características dos quatro níveis conceituais que denominare mos teoria sociologia história e praxeologia i Recentemente um historiador holandês nomeado para a primeira cáte dra de relações internacionais criada no seu país em Leyde tentou em aula inaugural definir a disciplina que deveria ensinar Sua conclusão re 3 BHM Vlekke Paz e Guerra Entre as Nações 51 presentava uma confissão de derrota em vão tinha procurado os limites do seu campo de estudo O insucesso é instrutivo porque é definitivo e por assim dizer evi dente As relações internacionais não têm fronteiras reais não podem ser separadas materialmente dos outros fenômenos sociais Mas o mesmo se poderia dizer a respeito da economia e da política Se é verdade que falhou a tentativa de desenvolver o estudo das relações internacionais como um sistema isolado a questão verdadeira se coloca além deste insu cesso e diz respeitojustamente ao seu sentido Afinal a tendência para fa zer do estudo da economia um sistema isolado também falhou não existe uma ciência econômica propriamente cuja realidade íntima e isolada es teja fora de qualquer dúvida Mas o estudo das relações internacionais comporta um foco específico de interesse Procura compreender fenôme nos coletivos aspectos do comportamento humano cuja especificidade seja perceptível Este sentido específico das relações internacionais se presta à elaboração teórica As relações internacionais parecem ser por definição relações entre nações Neste caso o termo 1Ulão não é tomado no sentido histórico que recebeu depois da Revolução Francesa designa uma espécie particular de comunidade política aquela na qual os indivíduos têm na sua maioria uma consciência de cidadania e onde o Estado parece a expressão de uma nacionalidade preexistente Na fórmula relações internacionais a nação equivale a qualquer coletividade política organizada territorialmente Admitamos portanto em caráter provisório que as relações internacionais são relações entre unidades políticas conceito que abrange as cidades gregas o império ro mano e o egípcio tanto quanto as monarquias européias as repúblicas bur guesas e as democracias populares Esta definição apresenta uma dupla dificuldade Será preciso incluir nas relações entre as unidades políticas as relações entre os indivíduos que pertencem a tais unidades Onde come çam e onde terminam essas unidades políticas isto é essas coletividades políticas organizadas territorialmente O fato de quejovens europeus vão passar férias além das fronteiras do seu país interessa ao especialista em relações internacionais Quando com pro numa loja nacional um artigo alemão quando um importador nego cia com um exportador de outro país esses exemplos de intercânlbio eco nômico pertencem ao campo de estudo das relações internacionais Parece quase tão difícil responder afirmativamente como negativa mente As relações entre os Estados as relações proprianlente interesta tais constituem o campo por excelência das relações internacionais Os tratados por exemplo são um exemplo indiscutível dessas relações Va 52 Raymond Aron mos supor que o intercâmbio econômico entre os países seja integral mente regulamentado por um acordo entre Estados nesta hipótese aque le intercârnbio recairá sem dúvida no campo do estudo das relações inter nacionais Suponhamos porém ao contrário que o intercâmbio econô mico internacional seja liberto de toda regulamentação passando a reinar o comércio livre Imediatamente as compras de mercadorias alemãs na França e as vendas na Alemanha de produtos franceses serão atos indivi duais sem as características interestatais Esta é uma dificuldade real mas devemos evitar atribuirlhe uma im portância exagerada Nenhuma disciplina científica tem fronteiras traça das com exatidão Não importa muito saber onde começam e onde termi nam as relações internacionais em que momento as relações interindivi duais deixam de ser relações internacionais O importante é determinar o centro de interesse a significação própria do fenômeno ou dos compor tamentos que constituem o núcleo deste domínio específico Ora não há dúvida de que o centro das relações internacionais está situado no que cha mamos de relações interestatais as que engajam as unidades políticas Essas relações se manifestam por meio de canais especiais persona gens que chamarei simbolicamente de diplomata e de soldado Os dois e somente eles agem plenamente não como membros mas como represen tantes das coletividades a que pertencem o diplomata no exercício das duas funções éa unidade política em nome da qual fala no campo de batalha o soldado é a unidade política em nome da qual mata o seu semelhante O golpe de leque do soberano de Argel teve o valor de um acontecimento histórico porque atingiu um Embaixador Uniformizado e agindo por de ver o cidadão de um Estado civilizado mata sem problema de consciência O diplomata4e o soldado vivem e simboliwm as relações internacionais que enquanto interestatais levam à diplomacia e à guerra As relações in terestatais apresentam um traço original que as distinguem de todas as ou tras relações sociais elas se desenrolam à sombra da guerra para empre gar uma expressão mais rigorosa as relações entre os Estados implicam essencialmente na guerra e na paz Como cada Estado tende a reservar para si o monopólio da violência no curso da história todos os Estados reconhecendose reciprocamente reconheceram a legitimidade das guer ras que faziam entre si Em certas circunstâncias o reconhecimento mú tuo de Estados inimigos foi lógico até as últimas conseqüências cada Es tado usava na guerra somente forças regulares recusandose a provocar a rebelião no interior do Estado combatido rebelião que enfraqueceria o 4 Está claro que neste plano abstrato os estadistas o ministro das Relações Exteriores o primeiroministro o chefe de Estado podem ser também diplomatas e representam assim a unidade política Paz e Guerra Entre as Nações 53 inimigo mas que ao mesmo tempo quebraria o monopólio de violência le gítima que se queria salvaguardar Ciência da paz e da guerra o conhecimento das relações internacio nais pode servir como base para a diplomacia e para a estratégia os dois métodos complementares e opostos com que os Estados se inter relacionam A guerra não pertence ao domínio das artes e das ciências mas ao da existência social É um conflito de grandes inteesses resolvido pelo derramamento de sangue e somente nisto difere dos outros tipos de conflito Seria mais apropriado comparála ao comércio que é também um conflito de interesses e de atividades do que a uma arte qualquer Ela se aproxima ainda mais da política que pode ser considerada por sua vez pelo menos em parte uma espécie de comércio em larga escala Além disto a política é a matéria na qual a guerra se desenvolve seus contornos rudimentares nela se escondem camo as potencialidades das criaturas em embrião5 É fácil compreender ao mesmo tempo por que as relações internacio nais oferecem um centro de interesse para uma disciplina especial e por que escapam a qualquer delimitação precisa Os historiadores nunca isola ram o relato dos acontecimentos relativos às relações entre os Estados isolamento que teria sido de fato impossível pois as peripécias das cam panhas militares e as combinações diplomáticas se prendem de muitos modos às vicissitudes dos destinos nacionais às rivalidades dinásticas e de classes sociais A ciência das relações internacionais da mesma forma que a história diplomática não pode ignorar os vínculos entre o que ocorre no cenário diplomático e os acontecimentos de cada país Não pode separar rigorosamente as relações ihterestatais das relações interindividuais que interessam a mais de uma unidade política Contudo enquanto a humani dade não se tiver unido num Estado universal haverá uma diferença es sencial entre a política interna e a política externa A primeira tende a re servar o monopólio da violência aos detentores da autoridade legítima a segunda admite a pluralidade dos centros de poder armado Enquanto se dirige à organização interna das coletividades a política te por objetivo imanente a submissão dos homens ao império da lei na medida em que diz respeito às relações entre Estados parece significar a simples sobrevi vência dos Estados diante da ameaça virtual criada pela existência dos ou tros Estados este é o seu ideal e o seu objetivo De onde procede a oposi ção corrente na filosofia clássica a arte política ensina os homens a viver em paz no interior das coletividades e ensina as coletividades a viver em paz ou em guerra Em suas relações mútuas os Estados não deixaram 5 Karl von Clausewitz Da Guerra livro 11 Capo IV p 45 As referências dizem respeito à edição francesa publicada pelas Éditions de Minuit Paris 1950 54 Raymond Aron ainda o estado natural Só por isto existe ainda uma teoria das relações inter nacionais Poderseá objetar que tal oposição clara ao nível das idéias deixa de sêlo ao nível dos fatos pressupondo que as unidades políticas sejam cir cunscritas identificáveis Este é o caso sem dúvida quando tais unidades são representadas por diplomatas e soldados isto é quando exercem efe tivamente o monopólio dá violência legítima e se reconhecem reciproca mente como tal Na ausência de nações conscientes da sua existência e de Estadosjuridicamente organizados a política interna tende a se confundir com a política externa deixando uma de ser essencialmente pacífica e a outra de ser radicalmente belicosa Sob que título classificaremos as relações entre soberano e vassalos na Idade Média quando o rei ou o imperador não contavam com forças ar madas que lhe obedecessem incondicionalmente e os barões prestavam juramento de fidelidade mas não de disciplina Por definição as fases de soberania difusa e de poder armado disperso são rebeldes à conceituação apropriada às unidades políticas delimitadas no espaço e separadas umas das outras pela consciência dos homens e pelo rigor das idéias A incerteza da distinção entre os conflitos entre as várias unidades políticas e os conflitos dentro de cada uma dessas unidades é reconhecida legalmente mesmo nos períodos de soberania concentrada Basta que numa província parte integrante do território de um Estado uma parte da população se recuse a submeterse ao poder central e empreenda luta armada contra esse poder para que o conflito bélico guerra civil de acordo com o direito internacional seja visto como guerra plena pelos que consideram os rebeldes intérpretes de uma nação existente ou em vias de nascimento Se a Confederação americana tivesse tido melhor sorte os Estados Unidos se teriam dividido em dois Estados e a Guerra da Secessão que começou como guerra civil teria terminado como guerra internacional Imaginese agora um futuro Estado universal englobando toda a hu manidade Em teoria não haveria mais exército e sim polícia Se uma pro víncia ou um partido se levantasse em armas o Estado único mundial os consideraria como rebeldes tratandoos como tais Mas esta guerra civil episódio da política interna do mundo pareceria retrospectivamente o re torno à política internacional se a vitória dos rebeldes levasse à desagrega ção do Estado universal Este equívoco a respeito das relações internacionais não deve ser atribuído à insuficiência dos nossos conceitos tem raízes na própria reali dade Lembra uma vez mais se isto é necessário que o propósito das guer ras é a existência a criação e a eliminação dos Estados À força de estudar o Paz e Guerra Entre as Nações 55 intercâmbio entre os Estados organizados os especialistas terminam por esquecer que o excesso de fraqueza não é menos comprometedor para a paz do que o excesso de força As regiões que servem como causa de con flitos armados são muitas vezes áreas de decomposição das unidades polí ticas Os Estados que sabem estar condenados à desaparição ou que acre ditam nessa condenação despertam ambições ou então provocam a ex plosão que os consome numa tentativa desesperada de salvarse Por se estender do nascimento à morte dos Estados o estudo das rela ções internacionais perde sua originalidade os limites do seu campo específico Os que imaginavam antecipadamente que as relações interna cionais são separáveis concretamente ficarão decepcionados com esta análi se Uma decepção que não sejustifica Tendo por tema principal o signifi cado específico das relações internacionais isto é sua característica de alternativa de paz e de guerra esta disciplina não pode abstrair as diver sas modalidades de intercâmbio existentes entre as nações e os impérios os múltiplos determinantes da diplomacia mundial e as circunstâncias em que os Estados aparecem e desaparecem Uma ciência ou filosofia total da política englobaria as relações internacionais como um dos seus capítulos mas este capítulo guardaria sua originalidade por tratar das relações entre unidades políticas que reivindicam odireito defazerjustiça ede escolher entre a paz e a guerra 2 Procuraremos estudar as relações internacionais em três níveis concei tuais para examinar em seguida os problemas éticos e pragmáticos que se colocam diante do homem de ação Antes porém de caracterizar esses três níveis desejaríamos demonstrar que dois outros campos onde se exerce a ação humana uma atividade esportiva e a economia se pres tam a distinção comparável Consideremos o futebol A sua teoria explica aos leigos a natureza do jogo e suas regras Quantosjogadores se defrontam de cada lado da linha média do campo Que recursos são permitidos aosjogadores Por exem plo é possível tocar a bola com a cabeça mas não com a mão Como se distribuem os jogadores no campo De que modo combinam seus esfor ços e se defendem dos adversários Esta teoria abstrata é bem conhecida dos praticantes e dos torcedores O treinador não precisa lembrála aos jogadores do seu time Contudo dentro do quadro geral traçado pelas re gras do futebol surgem múltiplas situações concretas intencionais ou não que osjogadores precisam enfrentar Antes de cadajogo o treinador pre para um plano define a missão de cada um determina suas obrigações e 56 Raymond Aron responsabilidades em certas circunstâncias típicas ou previsíveis Nesta se gunda etapa a teoria se decompõe dirigindose de modo particular a cada um dos atores em cena existe uma teoria do comportamento eficaz de cada um dos jogadores bem como uma teoria do comportamento efi caz da equipe em circunstâncias definidas Na etapa seguinte o especialista teórico em futebol não é mais profes sor ou treinador mas sociólogo como se desenvolvem os jogos não no quadronegro mas no campo Quais são as características dos jogadores deste ou daquele país Existe um futebol inglês ou latinoamericano Qual a importância relativa do virtuosismo técnico e da moral no rendi mento das equipes São perguntas que não é possível responder sem o estudo da história É necessário assistir a muitosjogos observar a evolução dos métodos a diversidade de técnicas e de temperamentos O sociólogo do futebol poderia investigar por exemplo o que explica as vitórias fre qüentes de determinado país Gogadores excepcionais a importância na cional do futebol o apoio dado pelo Estado O sociólogo é tributário ao mesmo tempo do pensador teórico e do historiador Se não compreender a lógica do jogo não conseguirá acom panhar a evolução dosjogadores no campo descobrir o sentido das táticas adotadas da marcação individual ou por zona Mas as proposições teóri cas gerais sobre os fatores da eficácia dos times e as causas das vitórias não bastam para explicar a derrota da Hungria no jogo final de determinada Copa do Mundo O desenvolvimento de uma partida isolada não é deter minado apenas pela lógica do jogo ou pelas causas gerais do êxito fute bolístico certas partidas como certas guerras exemplares são dignas do relato que os historiadores consagram às proezas heróicas Depois do pensador abstrato do sociólogo e do historiador há uma quarta figura inseparável dos atores do futebol e das relações internacio nais o árbitro As regras dojogo estão consignadas em textos mas como interpretálas O fato que é condição para uma penalidade um toque de mão por exemplo ocorreu efetivamente A decisão do árbitro não ad mite apelo mas os jogadores e os espectadores julgam inevitavelmente o juiz em silêncio ou com vaias As atividades desportivas levando à con frontação de equipes suscitam uma onda de julgamentos laudatórios ou críticos que osjogadores fazem uns a respeito dos outros e os especta dores a respeito dos jogadores e do árbitro Todos esses julgamentos os cilam entre a apreciação da eficácia Jogou bem da correção respeitou as regras e da moralidade esportiva mantevese dentro do espírito do jogo Mesmo no futebol tudo o que não é estritamente proibido não é por isto moralmente defensável Enfim a teoria do futebol pode conce ber esta atividade desportiva isoladamente com relação aos homens que Paz e Guerra Entre as Nações 57 o praticam ou no contexto de toda a sociedade Tratase de uma ativi dade favorável à saúde física e moral dos jogadores Deve o governo favorecêlo Encontramos assim os quatro níveis de conceituação que já distingui mos a esquematização dos conceitos e sistemas as causas gerais dos acon tecimentos a evolução do esporte ou de uma partida isolada osjulgamen tos pragmáticos ou éticos sobre os tipos de comportamento dentro do setor considerado ou com respeito ao setor visto como um todo O comportamento diplomático ou estratégico apresenta certas analo gias com a conduta esportiva comportando simultaneamente a coopera ção e a competição Toda coletividade está cercada de inimigos de amigos de atores neutros ou indiferentes Não há um terreno diplomático preci samente delimitado mas há um campo diplomático no qual aparecem to dos os atores que podem vir a intervir no caso de um conflito generalizado A colocação dos jogadores não está fIXada em caráter definitivo pelas re gras e táticas costumeiras mas há certos agrupamentos característicos dos atores que constituem situações traçadas esquematicamente Cooperativa e competitiva a conduta política externa tem igual mente pela sua natureza alguma coisa de aventura O diplomata e o es trategista tomanl decisões e agem antes de reunir todos os conhecimentos desejáveis de ter certeza dos fatos Sua ação se fundamenta em probabili dades deixaria de ser razoável se recusassem o risco é razoável na medida em que calculam este risco Nunca será possível eliminar a incerteza que decorre da imprevisibilidade das reações humanas que fará o outro ge neral ou estadista Hitler ou Stalin do segredo de que se revestem os Estados da impossibilidade de saber tudo o que é relevante antes de agir A incerteza gloriosa do esporte tem seu equivalente na ação política vio lenta ou não Não devemos imitar os historiadores que suprimem a di mensão humana dos acontecimOentos As expressões que empregamos aqui para caracterizar a sociologia as causas do êxito as características nacionais e a história do futebol ou de uma partida se aplicam igualmente à sociologia e à história das relações internacionais É na teoria racional e na praxeologia que os dois campos diferem essencialmente Comparada ao futebol a política externa parece singularmente indeterminada o objetivo dos atores não é simples como levar a bola ao gol adversário As regras dojogo diplomático não estão per feitamente codificadas e algunsjogadores as violam quando isto lhes traz vantagem Não há um árbitro e mesmo quando o conjunto dos atores as Nações Unidas pretendem fazer umjulgamento os atores nacionais não se submetem às decisões desse árbitro coletivo cuja imparcialidade é dis 58 Raymond Aron cutível Se a rivalidade das naçôes faz lenIbrar um esporte é a luta livre um autêntico calclt De maneira nIais geral o conlportanlento esportivo apresenta três traços peculiares o objetivo e as regras dojogo são claramente definidos a partida é disputada dentro de um espaço deternIinado e o núnIero dos participantes é fixo o sistenla é limitado externanIente e estruturado por si mesmo o conlportamento dos atores é subnIetido a regras de eficácia e às decisôes do árbitro de nlodo que osjulgamentos nIorais ou semimorais dizem respeito ao espírito com que osjogadores praticanl o jogo Quanto às ciências slciais é lícito perguntar enl que medida suas regras e objetivo são definidos em que medida os atores se organizanl nunl sistenIa enl que medida o comportamento individual se subnIete a obrigaçües de eficá cia ou de nIoralidade Passemos do esporte à economia roda sociedade vive unI problenla econtnlico tenha ou não consciência dele que ela resolve de unI certo nIodo toda sociedade precisa satisfazer as necessidades dos seus nIem bros e dispüe para isto de recursos linlitados A desproporção entre neces sidades de um lado e bens e serviços disponíveis de outro nem sempre é sentida conlO tal Uma coletividade pode aceitar como normal um modo de vida que não a faça aspirar a mais do quejá tenl será unIa coletividade intrinsecamente pobre As sciedades nunca fram tão conscientes da sua pobreza conlO enl nossos dias a despeito do crescimento prodigioso da riqueza o que só aparentemente é um paradoxo De fato as necessidades cresceram mais depressa do que os recursos cuja limitação parece escandalosa a partir do nIomento em que a capacidade de produzir passa equivocadamente por ilimitada A econômica é uma categoria fundamental do pensamento uma di mensão da existência individual e coletiva que não se confunde com a es cassez ou a pobreza desproporção entre desejos ou necessidades e recur sos A economia como problema pressupõe a escassez ou a pobreza a eco nomia como solução implica em que os homens possam vencer a pobreza de diversas nIaneiras que tenham a possibilfdade de escolher entre os vários modos de utilizar os recursos existentes Em outras palavras pres supüe a necessidade de escolher a qual o próprio Robinson Crusoe na sua ilha tinha que enfrentar Robinson era dono do seu tempo e podia distribuílo entre trabalho e o lazer entre o trabalho dirigido para pro duzir bens de consumo recolher alimentos e para investir construir sua casa O que é verdadeiro com respeito ao indivíduo neste caso é ainda mais verdadeiro com relação à coletividade Como a força de trabalho é o recurso fundamental das sociedades humanas a nlultiplicidade dos usos Paz e Guerra Entre as Nações 59 possíveis dos recursos está na origem do processo econôlllico À n1edida que a economia se torna n1ais complexa as possibilidades de escolha se multiplicam e os bens se tornanl cada vez nlais substituíveis o n1esn10 ob jeto pode ter várias utilidades e vários objetos podell1 ter a n1esn1a utili dade Pobreza e escoluI definem a din1ensão econônlica da vida hUll1ana a pobreza é o problen11 enfrentado pelas coletividades tUlla certa escolha representa Ulna solução adotada efetivalllente s hOlllens que ignoran1 a pobreza porque ignoranl o desejo de aquisição não tên1 consciência da di mensão econômica vivem conlO os seus ancestrais costun1e é tão forte que exclui os sonhos a insatisfação a vontade de progresso Haverá Ullla fase púseconônlica na qual a obrigação da escolha e do trabalho desa parecerãojunto COlll a escassez Trotsky escreveu que a abundé1nciajl era visível no horizonte da história e que só os pequenos buruesesse recusa vall1 a crer neste futuro radioso considerando a l11aldiçáo do evangelho COll10 eterna UIl1 período póseconônlico é perfeitalllente concebível a capacidade de produçfl cresceria de tal fornla que todos poderian1 consu nlir confrn1e a sua hlntasia retirando do caldeirél0 sua justa parte por respeito aos outros sjogadores de futelx1 queren1 levar a bola até o gol adverséírio En quanto atores econônlicos os hon1ens desjan1 flzero elhoruso de recur sos que são insuficientes utilizandoos de l11aneira a produzir aquilo que lhes der a satiáii lJUíxiJIU1 s econolllistas reconstruíran1 e elauoraran1 de diversos 1l10dos a lógica dessa escolha individual A teoria n1arginalista é hjea versélo n1ais corrente desta racionalização do con1portéllllento econôlllico do indivíduo a partir da sua escala de preferências Elllbora a teoria percorra o itinerário que vai das escolhas individuais ao equilíbrio global pareceIlle preferível do ponto de vista lógico con10 téllllbén1 do ponto de vista filosófico partir da coletividade De fltO as características específicas da realidade econôlllica só poden1 ser vis tasno cOIjunto social As escalas individuais de preferência não diferen1 fundalllentaln1ente dentro de unla sociedade dada porque todos os indi víduos participanllllais ou Illenos de unl sisten1a con1un1 de valores on tudo as atividades destinadas ú n1axinlÍaçél0 das satishlçües individuais serian1 n1al definidas se a n10eda não trouxesse a possibilidade de unla Ille dida rigorosa universaln1ente reconhecível s negros da costa afriLana agian1 racionalnlente quando trocavan1 o 111arfin1 por quinquilharias Illas só enquanto essas n1ercadorias pertenciéllll a n1ercados diferentes e não tinhan1 seu preço definido en1 dinheiro A quantificação nlonetlria perlnite reconhecer as igualdades contá beis da econonlia total Essàs igualdades do ableau fisiocrltico aos estu 60 Raymond Aron dos contemporâneos de contabilidade social não explicam as alterações dentro do sistema econômico mas fornecem dados a partir dos quais a ciência econômica procura identificar variáveis primárias e secundárias determinantes e determinadas Ao mesmo tempo impõese ao observa dor a solidariedade recíproca dessas variáveis a interdependência dos ele mentos da economia Modificar um preço é indiretamente modificar to dos os preços Reduzir ou aumentar o investimento diminuir ou aumen tar a taxa de juros é agir sobre o produto nacional e sobre a sua distri buição Todas as teorias econômicas sejam micro ou macroscópicas de inspira ção socialista ou liberal acentuam a interdependência das variáveis econô micas A teoria do equilíbrio no estilo de Walras ou de Pareto reconstrói o conjunto da economia a partir das decisões individuais definindo um ponto de equilíbrio que seria também o ponto de maximização da produ ção e das satisfações dada uma certa distribuição de renda A teoria de Keynes e as outras teorias macroscópicas focalizam diretamente a unidade total do sistema e Se esforçam por determinar as variáveis principais sobre as quais é preciso agir para evitar o subemprego aumentar ao máximo o produto nacional etc O fim da atividade econômica à primeira vista pode ser assim defi nido a maximização da satisfação para o indivíduo que escolhe racional nlente a maximização dos recursos monetários quando a moeda serve como intermediário universal entre os bens e serviços Mas esta definição deixa lugar a algumas incertezas a partir de que momento por exemplo o indivíduo passa a preferir o lazer desprezando o aumento da sua renda Esta incerteza ou indeterminação se torna essencial quando se considera a coletividade O problema econômico se impõe a uma coletividade mas é ela que vai escolher uma solução determinada um certo modo de organizar a produção as trocas e a distribuição de renda Esta solução implica ao mesmo tempo a cooperação e a competição entre os indivíduos Nem a coletividade tomad em conjunto nem os atores econômicos se encon tram jamais em situações que imponham como racional uma só decisão Maximizar o produto nacional ou reduzir as desigualdades maximi zar o crescimento ou manter um nível elevado de consumo maximizar a cooperação imposta autoritariamente pelrpoder público ou dar livre cur so à competição estas três alternativas são resolvidas de fato por todas as sociedades mas a solução encontrada não é uma conseqüência deduzível logicamente de um objetivo imanente da atividade eonômica Dada a plu ralidade dos objetivos das sociedades qualquer solução econômica com porta sempre um passivo e um ativo Basta que se considere o tempo que Paz e Guerra Entre as Nações 61 sacrifícios devem fazer os que estão vivos em favor dos que virão depois e a diversidade dos grupos sociais que repartição da renda vai resultar de uma certa organização da produção para que se recuse o caráter de obri gatoriedade racional a qualquer solução determinada do problema econô mico O objetivo Imanente da atividade econômica não determina de forma unívoca a escolha ds coletividades ou dos atores tomados indivi dualmente Em função desta análise quais são as modalidades da teoria do tipo racional da economia Como o problema econômico é fundamental o es pecialista teórico procura antes de mais nada elaborar os principais concei tos econômicos produção troca distribuição consumo moeda entre a fase da inconsciência e a possível fase da abundância futura O segundo capítulo que é o mais importante diz respeito à análise elaboração ou reconstrução dos sistemas econômicos As teorias margi nalista keynesiana dosjogos a contabilidade nacional quaisquer que se jam as suas diferenças procuram igualmente com igual êxito apreender a textura inteligível do countoeconômico as relações recíprocas entre as variáveis As controvérsias que surgem não se referem a essa textura ex pressa por igualdades contábeis Ninguém põe em dúvida por exemplo a igualdade contábil entre poupança e investimento mas ela é um resultado estatístico ex post que implica mecanismos complexos muitas vezes obs Cllros O problema é saber em que circunstâncias o excesso de poupança pode provocar o subemprego em que circunstâncias a poupança não ori gina reações que eliminem o subemprego em que circunstâncias é possí velo equilíbrio sem o pleno emprego Em outros termos nem o esquema walrasiano de equilíbrio nem os esquemas modernos de contabilidade nacional se prestam à refutação en quanto simples esquerrws Por outro lado os nl0delos de subemprego ou de crise retirados das teorias podem ser contestados na medida em que expli cam ou prevêem acontecimentos Os nl0delos de crise relações deter minadas entre as diversas variáveis do sistema são comparáveis aos es quemas de situação dosjogos com a dferença de que os atores ecnômi cos se arriscam a não conhecer a situação exata criada pelo relacionamento entre variáveis enquanto os jogadores de futebol podem ver a posição exata dos seus parceiros e rivais A teoria econômica conforme a esboçamos aqui procura isolar o con junto econômico conjunto de comportamentos que resolvem bem ou mal o problema da pobreza acentuando a racionalidade desses com portamentos isto é a escolha no enlprego dos recursos linlitados diante de unla multiplicidade de usos possíveis roda teoria qualquer que seja a sua inspiração substitui os homens reais por atores econômicos cuja con 62 Raymond Aron duta é simplificada e racionalizada reduz as IlUlllerosas circunstâncias que influem sobre a atividade econômica a unl pequeno núluero de deter minantes A teoria considera certas causas como exóge1UL 1l1aS a distinção entre os fatores endógenos e os fatores exógenos não é constante através do tempo A sociologia é um intermediário indispensável entre a teoria e a realidade e o encaminhamento da teoria à sociologia pode se fazer de di versos modos A conduta dos atores econômicos empresários trabalhadores C0I11 sumidores nunca é determinada de fornla unívoca pela noção de uni l1UI xÍ1no a escolha entre o aumento da renda e a dinlinuição do esfórço apli cado à produção depende de elementos psicológicos irredutíveis a unla frmula genérica De um modo mais geral o conlportamento efetivo dos empresários e dos consumidores é influenciado pelos nlodos de vida as concepções morais e metafísicas a ideologia ou os valores da coletividade Existe assim uma ideologia e uma psicologia social da econonlia cujo obje tivo é compreender a conduta dos atores econômicos cOlllparandoa conl os esquemas da teoria ou precisando as escolhas efetivanlente feitas entre os diversos tipos de maximização elaborados pela teoria A sxiologia pode assim adotar como finalidade a compreensão do sis tema econônlÍco dentro do conjunto social o acompanhanlento da ação recíprxa que os diversos setores da ação hunlana exercenl uns sobre os outros A sociologia pode ter também por objeto Ulua tipologia histórica das econonlÍas A teoria determina as funçôes que devenl ser exercidas elll to das as econonlias nlede os valores a sua conservação a distribuição dos recursos coletivos pelos vários empregos possíveis a adequação dos pro dutos aos desjos dos consumidores todas essas funçôes são senlpre preenchidas benl ou 1l1al ada reginle é caracterizado pela fúrll1a C0l110 as funçôes indispensá veis são exercidas De nlodo especial para nos aternlOS à época atual cada regillle atribui unla illlportância nlaior ou 111enOr à planificação central ou ao nlercado a prinleira representa a ação cooperativa subluetida a un1a autoridade superior o segundo Ul11a fúrnla de ação c0l11petitiva a cOll1pe tição de acordo com as regras assegura a função de distribuição da renda entre os indivíduos e chea a resultados que não foran1 concebidos decidi dos ou pretendidos por ninlléll1 historiador da econolllia é tributtrio do especialista teúrico qu lhe frnece os instrllll1entos de cOlllpreensão da realidade estudada concei tos funçües lllodelos e do sociúlogo que lhe indica o quadro no qual se vão desenrolar os acontecinlentos judandoo a perceber a diferença dos tipos sociais técnico o nlinistro e o filúsofú isto é aqueles que aconse Paz e Guerra Entre as Nações 63 Ihanl decidenl e agenl precisanl de conhecer os esquenlas racionais os deternlinantes do sistenla e as regularidades da cojuntura Alénl disso para tonlar partido favorável ou contrário a unl reginle e não contra ou a hlvor de unIa nledida deternlinada dentro de unl regilne é preciso antes le Inais nada conhecer os nléritos e dellléritos provlveis de Glda rehrinle e o que se peIe enl cada caso à econonlia qual é a boa sociedade e que in fluência as instituiçües econônlicas exercenl sobre a existência A praxeo logia que se segue necessarialllent l teoria l sociologiél e à história ques tiona as prenlissas desta cOIlIpreensüo progressiva qual é o sentido hu InallO da dinIensrlo econtJnica oljetivoda açflo econônlica nlOé tão silllples quanto o da atividade esportiva lHas elnhora hjaunIa variedade de noçües de nllxinloas teo rias podenl reconstruir o conlportalnento dos atores econtnlicos defi nindo de unI certo Illodo o 111lxinlo visado e enl seguida as iln plicaüesda racionalidade sistenIa econtlnico se estrutura 111enos rigorosalnente do que tllna partida de futehol nenl os linliles físicos nelll os jogadores SflO deternlinados onl precisão neste sistenIa l11as a solidariedade recíproca das suas variáveis e as identidades contábeis perl11itenl desde que se ad nlita a hipótese da racionalidade perceber a textura do cOIjunto a partir dos elelllentos que o conlpÜenl Quanto aos preceitos relativos à açélo de venl ser racionais no nível da teoria e razoáveis no nível concreto consa grando a iâiaquando se propüe unI oljetivo unívoco a lJ1oralúltUf quando se trata de respeitar as regras da cOlllpetição os i 1aoH últilllo quando se indaga sobre a dinlensão econtnlica da vida sohre o trabalho e o lazer a abundflncia e o poder 3 Retornenlos à política externa para perguntarnos COI110 podenl ser caracterizados no seu donlínio os níveis de conceituaçélo rodo conlportanlento hUlllano pode ser conlpreendido na l11edida enl que não se constitua nllllla alienação Mas há diferentes nHdos de en tendêlo conlportalllento do estudante que assiste a tUlla aula porque flZfrio na rua ou porque não tenl o que flzerno nIonlento é conlpreell sível e pode nIeSlllO ser qualificado de Hlúgico segundo a expressélo de Pareto ou de racional segundo a terl11inologia de Max Weher se o seu oljetivo é evitar o frio ou preencher unIa hora vaga Mas esse cOIlIporta l11ento não tel11 as nleSlllaS características da conduta do estudante que aconlpanha unI curso porque acha que hél a possihilidade de vir a ser inter rogado no exallle final sohre a 111atéria desenvolvida pelo professor ou a conduta do enIpresário que tonla todas as suas decisües tendo COI110 re 64 Raymond Aron ferência o balanço anual da firma ou ainda a do jogador de futebol que dribla um adversário para passar a bola a um companheiro mais avan çado Quais são os traços comuns a esses três atores o estudante o empre sário ojogador de futebol Não se trata de uma determinação psicológica o empresário pode ser pessoalmente ávido de lucro ou ao contrário indi ferente em relação a ele o estudante que escolhe os cursos a seguir em função do tempo disponível e da probabilidade de ser examinado pode gostar dos assuntos estudados ou detestálos pretender um diploma por amorpróprio ou por necessidade profissional Do mesmo modo o joga dor de futebol pode ser amador ou não mas estará preso às exigências de eficácia que resultam do próprio jogo Em outras palavras os comporta mentos descritos implicam um cálculo mais ou menos consciente uma combinação de meios com relação aos fins a aceitação de um risco em fun ção de probàbilidades Este cálculo é ditado por uma hierarquia de pre ferências e pela conjuntura e esta última tem nojogo e na economia uma textura inteligível O comportamento do diplomata e do estrategista apresenta algumas dessas características embora de acordo com a nossa definição o seu objetivo não seja tão deternlinado quanto o dosjogadores de futebol nem seja um objetivo que possa ser expresso de forma racional por um má ximo como o dos atores econômicos A conduta do diplomata estrategistá de fato como sentido específico o risco da guerra a competi ção de adversários numa rivalidade incessante na qual cada unl se reserva o direito de recorrer à razão última isto é à violência A teoria do es porte desenvolvese a partir de uma finalidade por exemplo marcar um tento A teoria econômica também se refere a uma finalidade por meio da noção de maximização embora seja possível conceber várias modalida des desse máximo Ma5 a teoria daç relações internacionais toma como ponto de partida a pluralidade dos centros autônomos de decisão admitirulo orisco de guerra e deste risco dedz a necessidade de calcular os meios Certos estudiosos procuraram encontrar o equivalente no campo das relações internacionais do objetivo racional do esporte e da economia O general ingênuo estabelece um objetivo exclusivo a vitória esquecendo que a vitória militar nem sempre traz vantagens políticas embora sempre convenha ao amorpróprio O especialista teórico quase tão ingênuo qanto o general proclama um só imperativo o interesse nacional como se bastasse ligar o adjetivo nacional ao conceito de interesse para tornálo unívoco A política entre os Estados é uma luta pelo poder e pela segurança afirma outro teórico como se nunca houvesse contradição entre o poder e a segurança Paz e Guerra Entre as Nações 65 leren10s oportunidade mais adiante de examinar estas tentativas teóricas Inicialmente limitemonos a postular que o comportamento di plon1áticoestratégico não tem um fim evidente mas que o risco de guerra obriga a calcular as forças e os meios disponíveis Como procuraremos mostrar na prin1eira parte deste livro a alternativa da paz e da guerra per mite elaborar os conceitos fundamentais das relações internacionais A alternativa nos permite também colocar o problema da política ex terna da mesma forma colocamos o problema da economia Durante milênios os homens viveram em sociedades fechadas que nunca se sub meteran1 plenan1ente a uma autoridade superior Para sobreviver cada coletividade precisava contar antes de mais nada consigo mesma mas também devia participar da luta geral das cidades inimigas entre si amea çadas de perecer juntas à força de se combater O duplo problema da sobrevivência individual e coletiva não fói re solvido de forn1a duradoura e só poderia sêlo en1 caráter definitivo pelo in1pério do direito internacional ou por um Estado universal Podese chamar de prédiplornátira a época em que as coletividades não mantinham ainda relações regulares de pósdiplornática a futura era do Estado univer sal onde só haverá lugar para as lutas intestinas Enquanto cada coletivi dade tiver que pensar na sua própria salvação e ao n1esn10 ten1po na so brevivência do sistema diplomático e da espécie humana o comporta mento diplon1áticoestratégico não será detern1inado racionaln1ente n1esn10 em teoria Esta relativa indeterminação não nos proíbe de elaborar na prin1eira parte deste livro uma teoria do tipo racional com base nos conceitos fun damentais estratégia e diplomacia n1eios e fins poder e força força gló ria e idéia nos sistemas e tipos de sistemas Os sistemas diplomáticos não apresentam un1 contorno nítido como un1 campo de futebol nem são unificados por igualdades contábeis e pela interdependência das variáveis como os sisten1as econôn1icos mas cada ator sabe bem de um modo geral como se situar com relação aos adversários e aos companheiros de equipe A teoria esboçando n10delos e distinguindo situações típicas em grandes traços inlÍta a teoria econômica que elaixra modelos de crise ou de subemprego Contudo à falta de um objetivo unívoco para a conduta diplon1ática a análise racional das relaçôes internacionais não ten1 condi çôes de se desenvolver con10 uma teoria global Capítulo VI consagrado à tipologia da paz das guerras serve de transição entre a primeira e a segunda partes entre a interpretação in1a nente dos comportanlentos de política externa e a explicação sociológica através de causas materiais ou sociais do curso dos acontecimentos A sociologia procura descobrir as circunstâncias que influencianl os nlolÍvos 66 Raymond Aron de conflito entre os Estados os objetivos dos atores enl cena a sorte das nações e dos impérios A teoria põe em relevo a textura inteligível do con junto social A sociologia mostra a variação dos determinantes das situa ções espaço número recursos e dos sujeitos nações regimes civiliza ções das relações internacionais A terceird parte do livro dedicada à conjuntura atual procura antes de nlais nada pôr à prova o tipo de análise proposto pelas duas prinleiras partes Sob certos pontos de vista devido à extensão nlundial do campo diplomático e à presença das arnlas ternIonucleares a conjuntura atual é única sem precedentes e comporta situaçôes que se prestanl à análise por meio de modelos Neste sentido a terceira parte conl um nível de abs tração menos elevado contém ao nlesnlO tenIpo unIa teoria racionalizante e uma teoria sociológica da diplomacia da nossa era mundial e ternlonu clear Por outro lado constitui uma introdução necessária à últinla parte normativa e filosófica que reexanlina as hipóteses iniciais À medida que a escassez dinlinui a econonlia se atenua A abundân cia deixará subsistir os problenlas de organização mas não o cálculo eco nômico Do mesmo modo a guerra deixaria de ser um instrumento da política no dia em que levasse ao suicídio comum dos beligerantes A capa cidade de produção industrial dá plausibilidade à utopia da abundância e a capacidade destrutiva das armas nlodernas reanima os sonhos de paz eterna rodas as sociedades já viveram o problenla das relaçôes internacio nais muitas culturas se arruinaranl porque não puderanllimitar as guer ras Em nossos dias não só uma cultura mas a humanidade inteira sente se ameaçada por uma guerra hiperbólica A prevenção dessa guerra tor nouse para todos os atores dojogo diplomático um objetivo tão evidente quanto a defesa dos interesses puramente nacionais De acordo com a profunda e talvez profética visão de Kant a humani dade dev percorrer o caminho sangrento das guerras para chegar um dia à paz É através da história que se realiza a repressão da violência natural a educação do homem à luz da razão I PARTE TEORIA ONEITS E SISTEMAS CAPÍTULO I Estratégia e Diplomacia ou A Unidade da Política Externa A guerra é um ato de violência destinado a obrigar o adversário a reali zar nossa vontadel Essa célebre definição de Clausewitz servirá como ponto de partida para este estudo ela não é menos válida hoje do que quando foi escrita A guerra enquanto ato social pressupõe a contraposi ção de vontades isto é pressupõe coletividades politicamente organiza das cada uma das quais quer sobreporse às outras A violência isto é a violência física pois não há violência moral fra dos conceitos de Estado e da lei é portanto um meio e o fim é a imposição da nossa vontade 1 Guerra absoluta e lfUerras reais Desta definição Clausewitz deduz a tendência da guerra a escalar até assu mir a sua forma absoluta A razão profunda disto é o que se pode chamar de dialética da luta A guerra é um ato de violência e não há limites à manifestação desta violência Cada um dos adversários legisla para o outro de onde resulta uma ação recíproca que conceitualmente deve chegar a um extremo3 Aquele que se recusa a recorrer a certas brutalidades teme que o adver sário faça disto uma vantagem afastando qualquer escrúpulo As guerras entre países civilizados não são necessariamente menos cruéis do que as guerras entre povos selvagens A causa profunda da guerra é a intenção hostil não o sentimento de hostilidade A maior parte das vezes quando há intenção hostil dos dois lados as paixões e o ódio não tardam a animar os combatentes contudo em teoria podese conceber uma grande guerra sem ódio Pelo menos podese dizer a respeito dos povos civilizados que l Clausewitz I I p j J 2 Ibidem p 5 J t Ibidl1l1 p 5 70 Raymond Aron a inteligência ocupa um lugar mais importante na maneira como fazem a guerra ensinandolhes a empregar a força de modo mais eficaz do que a manifestação brutal do instinto1 Mas a vontade de destruir o inimigo inerente ao conceito da guerra não foi anulada ou reduzida pelo progres so da civilização O objetivo das operações militares de um modo abstrato é desarmar o adversário Ora como queremos obrigar o adversário por um ato de guerra a cumprir a nossa vontade é preciso ou desarmálo realmente ou então pôlo numa situação em que ele se sinta ameaçado por esta pro babilidade Mas o adversário não é uma massa morta A guerra é o cho que entre duas forças vivas Enquanto não derroto o adversário temo que ele me abata Deixo de ser dono de mim mesmo porque ele me impõe a sua lei como eu lhe imponho a minha A guerra somente é ganha quando o adversário submetese à nossa vontade Para isto avaliamse os meios de que ele dispõe proporcionan dose em conseqüência o esforço a ser feito Contudo a vontade de resis tência não pode ser medida O adversário age do mesmo modo e como cada um aumenta a sua pressão para fazer face à vontade hostil do adver sário a competição leva a extremos Esta dialética da luta é puramente abstrata e não se aplica às guerras reais conforme estas ocorrem na história Ela formula o que aconteceria num duelo instantâneo entre dois adversários únicos definidos como tal por uma hostilidade recíproca e pela vontade de vencer Ao mesmo tempo tal dialética abstrata nos recorda o que pode acontecer efetiva mente cada vez que a paixão ou as circunstâncias fazem com que um con flito histórico se aproxime do modelo ideal da guerra ou seja da guerra absoluta No mundo real a guerra não é um ato isolado que ocorre brusca mente sem conexões com a vida anterior do Estado Ela não consiste numa decisão única ou em várias decisões simultâneas e não implica uma decisão completa em si mesmali Os adversários se conhecem po dem avaliar respectivamente os recursos de qU dispõem talvez até mesmo a vontade de cada um Suas forças nunca sê encontram inteira mente reunidas A sorte das nações não é jogada num só instanteiAs in tenções do inimigo em caso de vitória não trazem sempre um desastre 4 IhidJII p l Ihidell p 4 l Ihidell pp 7 A preparaçél0 para unl encontro único e decisivo levaria à guerra absoluta segundo Clausewitz No século XX tenlese que as arnlélS nHdernas crienl tal silltação o que Ilunca ocorreu até o presenle Paz e Guerra Entre as Nações 71 irreparável para os vencidos Desde que intervêm estas considerações múltiplas a substituição da idéia pura do inimigo por adversários reais a duração das operações as intenções prováveis dos beligerantes a ação guerreira muda de natureza não é mais ação técnica a acumulação e o emprego de todos os meios com o objetivo de vencer e desarmar o adver sário senão que se transforma numa aventura num cálculo de proba bilidades em função de dados só acessíveis aos membrosadversários do jogo político A guerra é um jogo Exige ao mesmo tempo coragem e cálculo este nunca chega a excluir o risco e em todos os níveis a aceitação do perigo se manifesta como prudência e como audácia Juntamse a esse jogo possi bilidades e probabilidades a boa e a má sorte que se estendem ao longo de cada fio fino ou grosso com que se tece a trama o que faz com que a guer ra seja a atividade humana que mais se parece com um jogo de cartasS A guerra não deixa de ser entretanto um meio sério de se atingir um objetivo sério O elemento inicial animal tanto quanto humano é a animosidade que consideramos um impulso natural e cego A ação bélica em si mesma que é um segundo elemento implica umjogo de azar e de probabilidades que constituem uma atividade livre da alma A estes se vem juntar um terceiro elemento que comanda por fim os dois outros a guerra é um ato político surge de uma situação política e resulta de uma razão política Pertence por natureza ao diálogo puro por tratarse de um instrumento da política O elemento passional interessa sobretudo ao povo o elemento aleatório ao exército e ao seu comandante o elemento intelectual ao governo este último é decisivo e deve ordenar o conjunto A famosa fórmula de Clausewitz a guerra não é apenas um ato polí tico mas um instrumento real da política uma busca de relações políticas uma realização de relacionamento político por outros meios9 não é ab solutamente a manifestação de uma filosofia belicista mas a simples cons tatação de uma evidência a guerra não é um fim em si mesma a vitória não é por si um objetivo O intercâmbio entre as nações não cessa no mo mento em que as armas tomam a palavra o período belicoso inscrevese numa continuidade de relações que é sempre comandada pelas intenções mútuas das coletividades A subordinação da guerra à política como a de um instrumento a um fim implícita na fórmula de Clausewitz fundamenta ejustifica a distinção entre a guerra absoluta e as guerras reais A escalada aos extremos a apro ximação das guerras reais ao modelo da guerra absoluta tornase mais H Ibidnll p 65 9 Ibidnll p 67 72 Raymond Aron provável à medida que a violência escapa à direção do chefe do Estado A política parece desaparecer quando se adota como fim único a destruição do inimigo ontudo mesmo neste caso a guerra assume uma forma que resulta da vontade política Seja a política visível ou não na ação guerreira esta é sempre dominada pela política definida como a personificação da inteligência do Estado É ainda a política isto é a consideração global de todas a circunstâncias pelos estadistas que decide com ou sém razão estabelecer como objetivo exclusivp a destruição das forças armadas do inimigo sem considerar os objetivos ulteriores sem refletir sobre as conse qüências prováveis da própria vitória Clausewitz é um teórico da guerra absoluta não um doutrinário da guerra total ou do militarismo assim como Walras é um teórico do equilí brio e não um doutrinário do liberalismo A análise conceitual que busca identificar a essência de um ato humano pode ser confundida erronea mente com a determinação de um objetivo É verdade que Clausewitz parece às vezes admirar o tipo de guerra que tende a realizar plenamente sua natureza desprezando por assinl dizer as guerras imperfeitas do sé culo XVIII nas quais negociações e manobras reduziam a um mínimo os engajamentos militares a brutalidade e o furor dos combates Supondo contudo que estes sentimentos de fato transparecem em alguns pontos eles exprimem apenas simples emoções Diante da idéia da guerra levada ao extremo Clausewitz sente uma espécie de horror sagrado de fascínio comparável ao que seria inspirado por uma catástrofe atômica A guerra na qual os adversários vão até o fim da violência para vencer a vontade do inimigo que resiste obstinadamente aparece aos olhos de Clausewitz como grandiosa e terrível Toda vez que houver uma confrontação de grandes interesses a guerra tenderá a se aproximar da sua forma absolu ta Filósofo Clausewitz nem se congratula nem se indignaom isto Teóri co da ação razoável lembra aos responsáveis pela guerra e pela paz o prin cípio que todos devem respeitar o primado da política já que a guerra não passa de um instumento a serviço de objetivos fixados pela política um momento ou um aspecto das relações entre os Estados E os Estados devem obedecer à política isto é à inteligência dos interesses duráveis da coletividade Chamemos de estratégia o comportamento relacionado com o con junto àas operações miiitares e àe diplorruuia a conàução ào intercâmbio com outras unidades políticas Tanto a estratégia quanto a dplomacia es tarão subordinadas à política isto é à concepção que a coletividade ou aqueles que assumem a responsabilidade pela vida coletiva fazem do in teresse nacional Em tempo de paz a política se utiliza de meios diplomá ticos sem excluir o recurso às armas pelo menos a título de ameaça Paz e Guerra Entre as Nações 73 Durante a guerra a política não afasta a diplomacia que continua a con duzir o relacionamento com os aliados e os neutros e implicitamente continua a agir com relação ao inimigo ameaçandoo de destruição ou abrindolhe uma perspectiva de paz Estamos considerando aqui a unidade política como um ator com in teligência e vontade Cada Estado se relaciona com os outros enquanto os Estados permanecem em paz precisam viver em conjunto Em vez de re correr à violência procuram então convencerse mutuamente Quando entram em guerra buscam imporse uns aos outros Neste sentido a di plomacia pode ser definida como a arte de convencer sem usar a força e a estratégia como a arte de vencer de um modo mais direto Mas imporse é também um modo de convencer Uma demonstração de força pode fazer com que o adversário ceda sua posição simboliza a imposição possível que não chega a executar Quem tem superioridade de armamento em tem pos de paz convence os aliados os rivais ou os adversários sem precisar utilizar suas armas Inversamente o Estado que adquire uma reputação de eqüidade e moderação tem maior probabilidade de alcançar seus obje tivos sem precisar para isto da vitória militar Mesmo em tempo de guerra usará um processo de persuasão em lugar da imposição A distinção entre diplomacia e estratégia é relativa Os dois termos de notam aspectos complementares da arte única da política a arte de diri gir o intercâmbio com os outros Estados em benefício do interesse nacio nal Se a estratégia que por definição orienta as operações militares não tem uma função fora do teatro militar os meios militares por sua vez são um dos instrumentos de que a diplomacia se utiliza Inversamente as declarações notas promessas as garantias e as ameaças fazem parte do arsenal do chefe de Estado durante a guerra com respeito aos seus alia dos aos neutros e talvez também com relação aos inimigos do dia isto é os aliados de ontem ou de amanhã A dualidade complementar da arte de convencer e da arte de impor reflete uma dualidade mais essencial que a definição inicial de Clausewitz nos revela a guerra é uma prova de vontades Fenômeno humano en quanto prova de vontades ela possui por natureza um elemento psicoló gico ilustrado pela frase célebre só é derrotado quem se reconhece como tal Clausewitz escreveu que ao invadir a Rússia Napoleão só tinha uma possibilidade de vitória fazer com que Alexandre se confessasse batido depois da tomada de Moscou Se Alexandre mantivesse sua coragem Na poleão em Moscou aparentemente vitorioso estariajá virtualmente der rotado O plano de guerra de Napoleão era o único possível e se baseava numa aposta que a determinação de Alexandre fez o imperador francês perder Emjulho de 1940 Hitler gritava que os ingleses estavam derrota 74 Raymond Aron dos mas que eram tolos demais para perceber isto Contudo não se consi derar vencida era para a Inglaterra a condição prévia do êxito final Cora gem ou inconsciência Pouco importa O importante era a resistência da vontade inglesa Na guerraabsoluta na qual a violência levada ao extremo força a des truição de um dos adversários o elemento psicológico termina por se des vanecer Mas este é um caso extremo Todas as guerras reais nos mostram o confronto de coletividades no qual cada uma delas se une e se manifesta com uma vontade Deste ponto de vista todas as guerras são psicológicas 2 Estratégia e obJetivo de guerra A relação entre a estratégia e a política se manifesta sob o aspecto de uma dupla fórmula A guerra deve corresponder inteiramente às intenções políticas a política deve adaptarse aos meios de guerra disponíveiso Num certo sentido as duas partes da fórmula podem parecer contradi tórias porque a primeira subordina a conduta da guerra às intenções polí ticas e a segunda faz com que as intenções políticas dependam dos meios disponíveis Mas o pensamento de Clausewitz e a lógica da ação não se pres tam a dúvidas sobre este ponto a política não pode determinar os objeti vos a adotar sem levar em conta os meios disponíveis por outro lado a política não penetra profundamente nos pormenores da guerra não se colocam sentinelas nem se enviam patrulhas por motivos políticos Mas a sua influência é absolutamente decisiva no plano do conjunto de uma guerra de uma campanha e às vezes mesmo de uma batalha Ilustrarei com exemplos o significado destas proposições abstratas A guerra exige um plano estratégico toda guerra deve ser compre endida antes de tudo à luz do seu caráter provável e dos seus traços domi nantes que podem ser ded uzidos dos dados e das circunstâncias políticas 12Em 1914 todos os beligerantes equivocaramse a respeito da natureza da guerra Em nenhum país o governo concebeu ou preparou a mobilização da indústria e da população Nem os Aliados nem os Impérios Centrais esperavam um conflito prolongado cuja decisão resultasse dos recursos superiores de um dos campos Os generais lançaramse numa guerra fresca e alegre convencidos de que os primeiros encontros seriam decisivos comó ocorrera em 1870 Uma estratégia de aniquilação levaria à vitória e os estadistas vitoriosos ditariam soberanamente os ter mos da paz ao inimigo vencido 10 Clausewitz VII I 6 p 708 11 Ibidem p 705 12 Ibidem p 706 Paz e Guerra Entre as Nações 75 Quando a vitória francesa no Marne e a estabilidade das frentes orien tal e ocidental dissiparam a ilusão de uma guerra curta a política deveria ter reassumido seus direitos que só desaparecem nos momentos de paroxismo bélico quando a violência é desencadeada sem reservas e os beligerantes só pensam em aplicar a força De fato a política continuou ativa de 1914 a 1918 Todavia e sobretudo entre os Aliados não parece ter tido outro objetivo a não ser o de alimentar a guerra A vitória que os Aliados tinham procurado obter inicialmente empregando a estratégia de aniquilação passou a ser perseguida mediante uma estratégia de atrito Contudo nunca houve uma indagação séria sobre o objetivo que poderia ser alcançado sem uma vitória absoluta o desarmamento do inimigo A paz ditad e não negociada passou a ser a finalidade suprema da guerra a mesma que se aproximou da sua forma absoluta na medida em que os estadistas abdicaram da sua posição em benefício dos chefes militares substituindo o objetivo político que eram incapazes de definir por um ob jetivo estritamente militar a destruição das forças inimigas Pode ser que este afastamento da política tenha sido nas circunstân cias inevitável A Alemanha por exemplo poderia renunciar à Alsácia Lorena a não ser pela imposição de uma derrota Poderseia ter obtido que a opinião pública francesa aceitasse uma paz negociada sem anexa ções e sem indenizações depoisde todos os sacrifícios impostos ao povo e de tantas promessas feitas pelos governantes Os tratados secretos concluí dos pelos Aliados consagraram tantas reivindicações e registraram tantas promessas solenes que qualquer veleidade de negociação arriscaria desa gregar a frágil coalizão dos futuros vencedores Por fim as próprias hos tilidades criaram um fato novo inescapável que alterava a conjuntura an terior o estatuto da Europa inteira parecia questionado e os estadistas não acreditavam que o retorno ao statu quo ante oferecesse estabilidade É possível que as grandes guerras sejam precisamente aquelas que pelas paixões desencadeadas terminám por escapar ao controle dos ho mens que têm a ilusão de dirigilas Retrospectivamente o observador nem sempre percebe os interesses que teriam justificado as paixões ex cluindo a negociação Pode ser como estou tentado a acreditar que a própria natureza da batalha industrializada terminou por transmitir às massas uma fúria de destruição e por inspirar aos governantes o desejo de revolucionar o mapa do Velho Continente A verdade é que a primeira guerra deste século ilustrou a aproximação da forma absoluta de conflito armado no qual o beligerantes se tornam incapazes de precisar as razões políticas da guerra A substituição dos objetivos de paz por um objetivo militar a vitória se evidencia ainda mais claramente na Segunda Guerra Mundial O ge 76 Raymond Aron neral Giraud um militar que não refletiu sobre as lições de Clausewitz repetia em 1942 um só objetivo a vitória Porém o mais grave é que o presidente Roosevelt que não havia pronunciado esta frase agiu como se acreditasse nela A destruição tão rápida quanto possível das forças do ini migo tornouse o imperativo supremo ao qual se subordinava a condução das operações militares Ao exigir a capitulação incondicional revelavase a incompreensão ingênua dos vínculos que ligam a estratégia à política A idéia da capitulação incondicional respondia à lógica da Guerra da Secessão norteamericana que a originou O motivo da guerra era então a existência dos Estados Unidos com a proibição de que os Estados federa dos pudessem abandonar a Federação A vitória do Norte traria a ruína da Confederação A exigência da capitulação incondicional tinha naquela oportunidade uma significação racional para os chefes políticos da on federação do Sul e para o general Lee comandante do remanescente exército sulista O caso da Alemanha em 1945 nada tinha de semelhante nem os soviéticos nem os norteamericanos pretendiam suprimir a exis tência da Alemanha como Estado A suspensão temporária da sua existên cia traria tantos inconvenientes quanto vantagens para os vencedores Em todo caso a estratégia adotada que tinha por objetivo único a destruição das forças armadas da Alemanha e a capitulação incondicional do Reich prestase a três críticas Admitindose que é preferível alcançar a vitória ao custo mais baixo fórmula que ocupa na estratégia posição senlelhante à da fórmula do preço mais baixo na economia exigir a capitulação incondicional incitava o povo alemão a uma resistência desesperada COIU o aumento do custo da vitória Os governantes norteamericanos diziam querer evitar a repeti ção do que acontecera em 19181919 os protestos da Alemanha pela vio lação das promessas constantes dos 14 pontos do presidente Wilson Na verdade aqueles protestos em nada ou quase nada contribuíram para o insucesso da paz da Versailles A vitória aliada de 1918 tinha sido estéril porque a própria guerra havia desencadeado as forças revolucionárias e porque os anglosaxões não quiseram defender o estatuto que havianl aju dado a estabelecer Se tivessem deixado adivinhar o destino reservado para Alemanha vencida os Estados Unidos não chegariam a alienar sua liberdade de manobra mas criariam uma possibilidade suplenlentar de obter a vitória sem descer ao fundo do poço da violência A maneira de conseguir a vitória militar influi necessariamente sobre o rumo dos acontecimentos Em 1944 não era indiferente saber se a Euro pa seria liberada a partir do Leste do Sul ou do este Não importa que especulemos sobre o que teria ocorrido se as forças anglonorte americanas tivessem desembarcado nos Bálcãs Seria este um plano Paz e Guerra Entre as Nações 77 realizável Qual teria sido a reação de Stalin Do ponto de vista teórico é um erro considerar que a decisão norteamericana tenha sido determi nada pela preocupação exclusiva de destruir o grosso do exército alemão e que Roosevelt tenha considerado o exame das coneqüências políticas dos métodos disponíveis como uma intrusão ilegítima da política na estra tégia A condução da guerra dentro de uma coalizão deve levar em conta as rivalidades potenciais entre os aliados além da hostilidade comum com relação ao inimigo Impõese uma distinção radical entre aliados permanen tes e aliados ocasionais Podem ser considerados como aliados permanentes os Estados que não concebem a possibilidade de se encontrarem em cam pos opostos no futuro previsível qualquer que seja a oposição de alguns dos seus interesses No século XX a GrãBretanha e os Estados Unidos são aliados permanentes uma vez que a classe dirigente inglesa teve a sabedoria de decidir que havendo a Inglaterra perdido o domínio dos mares a pax americanna era o único substituto aceitável para a pax britannica A França e a GrãBretanha deveriam considerarse mutuamente como aliados per manentes a partir de 1914 A GrãBretanha deveria ver sem inquitação nem ressentimento um excesso temporário e frágil do poder fran cês pois o revigoramento de uma aliado permanente não deve suscitar ciúme Mas o crescimento do poder de um aliado ocasional pode ser uma anIeaça a médio ou longo prazo Com efeito os aliados ocasionais não têm outro laço senão o da hostilidade comum com respeito a um inimigo cujo temor é suficiente para inspirar um esforço de acomodação da sua rivali dade no futuro os interesses de Estados que se aliam provisoriamente po derão entrar novamente em conflito Pode acontecer aliás que esses alia dos ocasionais sejam no fundo inimigos permanentes queremos com isto dizer que por ideologia ou pela posição que ocupam no tabuleiro de xadrez da diplomacia podenl estar devotados a uma inimizade funda mental Ao deixar de conduzir a guerra tanlbém em função do nIundo de pósguerra sonhando corrI UIn diretório duplo ou tríplice para dirigir o universo denunciando o império inglês e o francês em lugar do sovié tico Roosevelt por exeInplo confundiu unl aliado ocasional com um ali ado permanente fingindo não ver a hostilidade essencial que se ocultava sob a cooperação tenIporária As conseqüências desastrosas da guerra hiperbólica foram atribuídas em parte à obsessão da vitória militar a qualquer preço É possível que as derrotas políticas dos ocidentais ocorridas duas vezes sucessivas após uma vitória rrülitar derrota pela tentativa de revanche do vencido na prinleira vez pelo revigoramento excessivo de um inimigo permanente que era ali 78 Raymond Aron ado ocasional na segunda contribuíram para dar aos estadistas a cons ciência do primado da política A guerra da Coréia é um exemplo contrá rio quase sem impurezas de uma guerra conduzida o tempo todo e função da política sem se fixar exclusivamente na vitória militar Quando o general MacArthur proclamou Não há substituto para a vitória3 parecia estar retomando a concepção de Roosevelt aceitando como obje tivo a destruição das forças armadas do inimigo e a paz ditada após o seu completo desarmamento O presidente Truman e seus conselheiros hesitaram a respeito dos ob jetivos políticos que deveriam adotar rebater a agressão nortecoreana restabelecendo o statu quo ante isto é a partição da Coréia seguindo uma linha traçada à altura do paralelo 38 ou aceitar a unificação dos dois Esta dos coreanos de conformidade com uma decisão das Nações Unidas Não há dúvida de que os governantes norteamericanos teriam preferido este último objetivo Porém ao contrário do que acontecera durante as duas grandes guerras sua premissa não era o imperativo da vitória militar que traria como conseqüências a mobilizaçâo total o recrutamento de aliados a luta impiedosa etc a base do seu raciocínio era agora o imperativo de evitar a transformação de uma guerra localizada em guerra generalizada O problema que se colocava para eles assim era a identificação dos objeti vos compatíveis com os limites traçados pela recusa da generalização do conflito Depois do desembarque de Imchon e da destruição das forças da Coréia do Norte o presidente Truman seguindo o conselho do general MacArthur que não acreditava na possibilidade de uma intervenção chinesa assumiu o risco de cruzar o paralelo 38 A intervenção de voluntários chineses levou a uma primeira expansão do conflito tornan dose a China um beligerante nãooficial Mas os governantes norte anlericanos uma vez mais decidiram seguir o objetivo principal a limita ção das hostilidades prosseguindo a guerra num teatro de operaçôes cu jas fronteiras espaciais tinham um valor simbólico Uma última vez se con siderou na primavera de 1951 quais objetivos seriam acessíveis sem a am pliação da guerra Mas a questão foi logo abandonada e renunciando a uma vitória local ou parcial os dirigentes norteamericanos passaram a ambicionar apenas uma paz que equivalia praticamente ao statu quo ante Quenl teria saído vitorioso do conflito s norteamericanos porque repeliram a agressão da Coréia do Norte u os chineses porque impe diram a tentativa norteamericana de liqüidar a República Popular da oréiado Norte Deixando de ser vencidos pela maior potência nülitardo