·
Cursos Gerais ·
Direito Internacional
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
1
Avaliação de Direito Internacional Público - Questões Objetivas Justificadas
Direito Internacional
PUC
4
Avaliação de Direito Internacional Público - Questões Objetivas e Justificadas
Direito Internacional
PUC
13
Direito Internacional Privado - Contratos e Obrigações - Jacob Dolinger
Direito Internacional
PUC
66
Paz e Guerra entre as Nações de Raymond Aron - Coleção Clássicos IPRI
Direito Internacional
PUC
9
Relações Internacionais e Direito Internacional - Abordagens e Interfaces
Direito Internacional
PUC
6
Resenha Critica do Acordao sobre Divida de Jogo e Ordem Publica - TDE
Direito Internacional
PUC
16
Arbitragem Privada Internacional Solucao de Conflitos e Globalizacao
Direito Internacional
PUC
12
Guerra de Donbas e Tratados de Minsk Analise dos Direitos Humanos de Refugiados no Direito Internacional
Direito Internacional
PUC
8
Trabalho sobre Julgamento do Stf
Direito Internacional
PUC
2
Prova Direito Internacional Privado - Questões e Respostas
Direito Internacional
PUC
Preview text
Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 70 OS LIMITES DO DIREITO INTERNACIONAL FACE À POLÍTICA Salem Hikmat Nasser Introdução Em 2002 Israel deu início à edificação de uma barreira um muro de separação entre o que é internacionalmente reconhecido como território israelense e os territórios palestinos ocupados O objetivo declarado da edificação era a proteção contra ataques terroristas e com base nesse mesmo objetivo declarado os trabalhos de construção ainda perduram O traçado da barreira penetra nos territórios ocupados por Israel desde 1967 Em longos trechos tanto nos segmentos já concluídos da barreira quanto naqueles projetados mas não concluídos faixas de território palestino aquelas localizadas entre a fronteira de Israel e a barreira encontramse isoladas do restante Além disso a construção desse muro expropria propriedades privadas e destrói uma parte delas na sua maioria terras agrícolas ricas em água e em árvores frutíferas Em conseqüência a liberdade de movimento da população palestina fica restrita assim como o seu acesso ao trabalho à saúde e à educação Os palestinos e boa parte da comunidade internacional se insurgiram contra a edificação dessa barreira de separação Não havendo recuo por parte de Israel em 14 de outubro de 2003 a questão foi levada ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ONU onde um projeto de resolução que tratava da construção do muro foi rejeitado tendo sofrido o veto dos Estados Unidos O tema permaneceu na pauta do Conselho que no entanto não cuidou mais do assunto nas suas reuniões subseqüentes Estando a matéria bloqueada no Conselho de Segurança a Assembléia Geral das Nações Unidas resolveu discutila e aprovou em 21 de outubro de 2003 uma resolução1 que ainda que com força apenas recomendatória2 exigia a interrupção da construção e o cancelamento do projeto isaraelense e requisitava que o Secretário Geral da organização acompanhasse o cumprimento da resolução e lhe apresentasse relatórios periódicos A Parte operativa da Resolução dizia o que segue 1 A Assembléia Geral Exige que Israel interrompa a construção do muro no território palestino ocupado inclusive Jerusalém oriental e seu entorno e retroceda nesse projeto que se distancia da linha de armistício de 1949 e que é contrário às disposições pertinentes do direito internacional 2 Exorta as duas partes a cumprirem as obrigações que lhes cabem em virtude das disposições pertinentes do mapa do caminho a Autoridade palestina a se esforçar visivelmente no terreno para parar e para desorganizar os indivíduos e os grupos que executam e organizam atentados violentos e para impedilos de agir e o Governo israelense a não tomar medidas que sabotam Salem Hikmat Nasser junho 2006 71 a confiança notadamente as expulsões os ataques contra a população civil e as execuções extrajudiciais 3 Pede ao Secretário Geral que preste contas periodicamente sobre a maneira como a presente resolução é respeitada devendo o seu primeiro relatório sobre a aplicação do parágrafo 1 acima ser apresentado no prazo de um mês após o que novas medidas deveriam ser consideradas caso necessário pelos organismos das Nações Unidas Em 8 de dezembro de 2003 a Assembléia Geral adotou nova resolução com relação ao tema solicitando à Corte Internacional de Justiça CIJ que respondesse com urgência à seguinte pergunta Quais são em direito as conseqüências da edificação do muro que Israel potência ocupante está construindo no território palestino ocupado inclusive no interior e no entorno de Jerusalém oriental de acordo com o exposto no relatório do Secretário geral levandose em conta as regras e princípios do direito internacional notadamente a quarta convenção de Genebra de 1949 e as resoluções consagradas à questão pelo Conselho de Segurança e pela Assembléia Geral3 A Assembléia Geral exercia assim a prerrogativa que lhe é dada pela Carta das Nações Unidas4 e pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça5 de solicitar a esta última um parecer consultivo A Corte emitiu seu parecer em 9 de julho de 20046 Considerouse competente para responder ao pedido da Assembléia Geral e decidiu que era apropriado fazêlo Respondeu dizendo que a edificação do muro e o regime a ela associado eram contrários ao direito internacional que Israel tinha a obrigação de colocar um termo às violações cessar os trabalhos desmantelar a obra e privar de efeitos o conjunto de atos legislativos e regulamentares que se referissem à edificação que Israel tinha a obrigação de reparar os danos causados que todos os demais Estados estavam obrigados a não reconhecerem a situação ilícita decorrente da construção do muro7 Essas conseqüências jurídicas da edificação as obrigações para Israel e para os demais Estados a Corte as estabelece tendo primeiramente determinado o direito aplicável ao caso e em seguida analisando os fatos à luz desse direito A Corte buscou e encontrou as normas aplicáveis em costumes internacionais oponíveis a Israel e em tratados pelos quais Israel estivesse obrigado Por tratarse de um parecer consultivo pedido pela Assembléia Geral da ONU a resposta da Corte não se dirige aos Estados partes da contenda nem impõe obrigações de implementação aos mesmos A resposta é dirigida à Assembléia que solicitou o parecer e não resolve de modo definitivo a controvérsia Em outras palavras apesar de dizer o direito identificar os direitos e obrigações diferenciar o lícito do ilícito e estabelecer as conseqüências decorrentes de atos contrários ao direito internacional a Corte nesse caso não pode obrigar Israel ao cumprimento do direito A exemplo da indiferença demonstrada com relação à condenação de grande parte da comunidade internacional no momento do início da construção do muro Israel decide então ignorar o parecer da Corte Considerao desprovido de autoridade mas também entende que o parecer era um modo dissimulado encontrado por uma maioria Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 72 dos Estados da Assembléia Geral de fazer com que a Corte decidisse um contencioso entre duas partes quando uma delas Israel não havia dado seu consentimento em participar de tal contencioso diante daquela jurisdição Finalmente considera como o faziam outros governos que o contencioso entre palestinos e israelenses necessitava de uma solução política e não jurídica Com relação ao último aspecto referido é interessante notar que alguns juristas ao comentar o parecer entenderam igualmente que este era um tema em que o direito não tinha um papel positivo a desempenhar e que o parecer poderia ser inclusive um elemento nocivo aos esforços políticos empreendidos para resolver essa contenda específica8 Esse caso serve como ponto de partida e como ilustração da problemática que se pretende explorar neste trabalho por um lado carrega em si algumas das limitações mais flagrantes do ordenamento jurídico internacional e por outro anuncia a relação diferenciada que parece entreter o direito internacional com a política 1 Limitações do direito internacional O direito internacional é direito É claro que essa afirmação implica a aceitação por quem a faz de um determinado conceito de direito e a correspondência essencial entre as características do direito internacional e os critérios dados pelo conceito O conceito genérico aqui adotado diz ser o direito um conjunto razoavelmente organizado de normas obrigatórias criadas ou reveladas por mecanismos e procedimentos formais e reconhecidas pelos atores sociais como sendo diferenciadas dos demais tipos de normas por esse seu caráter obrigatório9 O direito internacional é um conjunto de normas obrigatórias e prevê certo número de mecanismos e procedimentos aptos a revelarem e criarem essas normas Os componentes da sociedade internacional os Estados principalmente mas também as instituições os tribunais os doutrinadores os indivíduos reconhecem a existência desse conjunto normativo e seu caráter obrigatório Alguns autores no entanto por conceituarem o direito de modo diverso não hesitam em negar ao direito internacional o status de direito Weber por exemplo ao trabalhar os conceitos sociológicos fundamentais considera ser necessária ao conceito de direito a existência de um quadro coativo ou seja um grupo de pessoas apoiado pelo poder político especialmente destinado a manter seu cumprimento Portanto não se poderia chamar de direito o direito internacional ao qual falta esse quadro coativo a não ser que se tenha outro conceito de direito possibilidade que Weber não descarta Weber 1964 28 Entre os que reconhecem o caráter jurídico do direito internacional há os que chamam a atenção para as características diferenciadoras em relação ao modelo Estatal de ordem jurídica Hart que pensa o direito como um conjunto de normas primárias e normas secundárias considera o direito internacional uma espécie de direito primitivo já que só contém segundo ele normas primárias de comportamento10 O conceito genérico de direito que adotamos se aplica tanto ao direito estatal quanto ao direito internacional Não se diferenciam essas ordens portanto no que Salem Hikmat Nasser junho 2006 73 respeita à essência do jurídico Diferenciamse nas características que os marcam enquanto ordenamentos jurídicos O ordenamento jurídico internacional opera em uma sociedade composta por Estados que pensam a si mesmos como igualmente dotados de soberania e independentes É uma sociedade que carece de um poder supraestatal não apenas coativo mas também produtor das normas Essa característica essencial determina alguns traços do que se está chamando de limitações desse direito Por serem soberanos e porque falta uma autoridade supraestatal aos Estados não se pode impor a sujeição às normas jurídicas As duas fontes principais do direito internacional dependem essencialmente do comportamento dos Estados ou de sua aceitação para que surjam normas que os obriguem Nos tratados internacionais cada Estado individual precisa voluntariamente expressar seu consentimento em comprometerse com aquele conjunto específico de normas de direitos e de obrigações Já os costumes internacionais constituídos de uma conjugação de prática generalizada e de convicção de juridicidade necessitam justamente do comportamento dos Estados para se revelarem É recente em direito internacional a idéia de que determinadas normas costumeiras se aplicam a todos os Estados ainda que um Estado individualmente não tenha participado da prática nem comungue da convicção de juridicidade11 Ainda assim resta o fato de que não se trata de normas postas por uma autoridade e oponíveis a cada Estado Isto faz com que nessa sociedade em qualquer circunstância em que seja necessário conhecer o que diz o direito ou aplicálo será necessário investigar se cada Estado individual está obrigado por cada norma específica seja ela convencional ou costumeira As normas do direito internacional estão portanto estruturadas de modo diverso daquele que organiza as normas dos direito estatais Enquanto o direito interno parece apresentar uma unicidade e uma organicidade dadas pela existência de um poder central e pela sujeição indiscriminada dos atores sociais ao ordenamento jurídico em que as normas estão hierarquicamente organizadas o direito internacional se apresenta como um ordenamento complexo em que coexistem diferentes regimes normativos compostos por normas entre as quais não há hierarquia congregando conjuntos diferentes de Estados A crescente institucionalização da sociedade internacional é apenas uma evolução dentro desse cenário que se mantém essencialmente o mesmo Afinal as instituições mais especificamente as organizações intergovernamentais são criadas por tratados internacionais com os quais os Estados aceitam comprometerse As estruturas criadas por grandes tratados internacionais em matéria ambiental por exemplo que também resultam desse processo de institucionalização dependem igualmente da vontade dos Estados Para determinar o funcionamento dos regimes jurídicos específicos eg direitos humanos meio ambiente segurança em dimensão regional ou global etc com suas normas suas instituições seus mecanismos de controle e mais importante com seus eventuais mecanismos de adjudicação e imposição de soluções é preciso o concurso das vontades dos Estados E esse concurso de vontades será encontrado com facilidade Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 74 variável segundo o regime com que se está lidando ou melhor para cada regime o concurso de vontades determinará características e força variáveis Retornemos ao exemplo que abriu este artigo A questão envolvendo palestinos e israelenses está evidentemente inserida na problemática da paz e da guerra Existe em direito internacional um regime jurídico da paz da sua manutenção do afastamento da guerra e das condições em que esta pode ser travada Na verdade a preocupação com a paz e a segurança internacionais se encontra no centro das razões para a criação da ONU e está no centro de seus objetivos igualmente A ONU é a mais universal das organizações internacionais composta pela quase totalidade dos Estados do mundo que compõem um de seus órgãos principais a Assembléia Geral Outro de seus órgãos principais é o Conselho de Segurança que tem como principal atribuição velar pela paz e pela segurança internacionais Finalmente a ONU conta entre seus órgãos com a principal e a mais universal igualmente entre as Cortes Internacionais a CIJ Quando um Estado incidentalmente um membro da ONU comportase de modo flagrantemente ilegal como reagem as instituições e como funciona o regime jurídico O Conselho de Segurança falha em dar uma resposta porque um dos membros permanentes se opõe As normas sobre o funcionamento do Conselho já prevêem a possibilidade dessa recusa e essa possibilidade de bloqueio A Assembléia Geral por uma grande maioria de seus membros12 resolve condenar aquele comportamento e exigir sua interrupção Mas a Assembléia Geral pode apenas recomendar É o que prevêem as normas da Carta da ONU A CIJ não pode conhecer de um contencioso envolvendo Israel porque seu Estatuto prevê que um Estado precisa aceitar a jurisdição da Corte para ser julgado por ela A Corte pode dizer o direito e dizer as conseqüências da violação do direito respondendo a um pedido de parecer consultivo feito pela Assembléia Geral mas um parecer não obriga Israel a nada Assim o direito ainda que cristalino encontra os seus limites porque além disso não pode nada mais 2 Direito internacional e política Política significa a mesma coisa na esfera doméstica estatal e na esfera internacional Talvez caiba uma investigação preliminar ainda que superficial sobre o significado genérico do termo Tipicamente política é associada com a noção de arte de governar Bobbio Matteucci Pasquino 1998 954 ligada portanto à idéia de poder político e seus detentores e a perguntas como quem governa ou como se governa13 É política pensada fundamentalmente como fenômeno das sociedades estatais em que há um poder central um governo Na ausência de poder supraestatal e de um governo mundial não se pode falar de política como arte de governar na esfera internacional Tampouco se pode fazer com o mesmo sentido ao menos as perguntas quem governa ou como governa Mas a política pode ser também entendida como disputa e organização de poder14 e contraposição ou composição de interesses A política nesse sentido existe e opera tanto nas sociedades internas quanto na sociedade internacional Salem Hikmat Nasser junho 2006 75 Alan Lamborn 1997 187214 afirma que existe um corpo do que chama de pressuposições metateóricas que são partilhadas pelos estudiosos das várias correntes teóricas das relações internacionais e que se referem ao processo de interação estratégica na política Essas mesmas pressuposições são comuns segundo o autor à política doméstica e à política internacional Algumas dinâmicas afirma estão sempre presentes nessa interação estratégica da política 1 Os atores sociais têm preferências objetivos interesses que são interdependentes e poder envolve a capacidade de ver realizados esses resultados desejados 2 A importância que os atores darão à legitimidade é relevante no processo político que se dá necessariamente em comunidade humanas e em que há contraposição de interesses e diferenças relativas de poder 3 A extensão do horizonte temporal com o qual trabalham os atores ao considerarem preferências poder e legitimidade é igualmente relevante 4 É preciso considerar as preferências dos atores no que respeita à tomada de riscos e escolhas estratégicas 5 Política envolve ligações linkages entre várias arenas políticas aquelas envolvendo indivíduos ou grupos organizados facções dentro de cada grupo etc Assim por exemplo a política mundial seria condicionada pela interação entre política internacional a política que opera entre facções de determinadas coalizões e a política interna Se é verdade que essas pressuposições são comuns à política interna e à política internacional e se é verdade que essas dinâmicas perpassam qualquer teoria que queira explicar a política podese dizer que enquanto jogo enquanto competição a essência da política é a mesma dentro dos Estados e entre os Estados O que irá diferenciar o estudo de uma e de outra do mesmo modo que diferencia uma teoria da outra é o que se poderia chamar de condições iniciais consideradas nos valores das variáveis incluídas nas dinâmicas da política como interação estratégica idem 211 Assim quando se pretende interpretar ou teorizar sobre a política nas relações internacionais cada teórico ou intérprete escolherá seus pontos de partida para pensar a interação estratégica na política internacional a partir das dinâmicas das preferências e do poder da legitimidade do horizonte temporal do apetite para riscos e da interligação entre âmbitos políticos Esses pontos de partida serão diferentes daqueles usados para interpretar a política interna e diversos daqueles que podem ser escolhidos por outros teóricos ou intérpretes da política internacional Ainda que se possa emprestar maior ou menor importância a cada uma das dimensões elas estarão todas sempre presentes Não é minha intenção elaborar ou escolher um modelo interpretativo das relações internacionais mas sim tentar perceber como se pode dar a relação entre a política na esfera internacional e o direito internacional No âmbito interno aos Estados a política competitiva existe e como já se admitiu é na essência de igual natureza que a política competitiva que opera na esfera internacional Diferentemente do direito internacional no entanto o direito interno funciona enquanto ordem jurídica hierarquizada encimada por uma constituição formando um todo que se quer coerente O direito interno conta igualmente com o instrumental coativo e com instituições responsáveis por encontrar e dizer o direito em qualquer circunstância e por dirimir virtualmente qualquer contenda com base no Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 76 direito vigente Em outras palavras o direito interno mesmo quando é desmentido pelos fatos se pretende um verdadeiro reino do direito Nessas circunstâncias a competição política deve em princípio darse segundo parâmetros estabelecidos pela ordem jurídica mais comumente pela normatividade constitucional mas não necessariamente apenas por ela O direito pretende portanto designar os espaços da competição política e sobretudo definir as regras que organizam o jogo político Em todos os casos fica resguardada a possibilidade para os atores sociais e políticos de recorrerem ao direito e a suas instituições É verdade que o jogo político exerce influência sobre o direito Afinal é também a resultante de jogos de poder da composição de interesses e de cálculos estratégicos que define as normas dos ordenamentos jurídicos e que define as eventuais mudanças nessas normas Mas esses jogos e essas composições que resultam em normas e que transformam as normas devem obedecer às regras do jogo constantes do ordenamento Se não o fizerem tanto procedimentos quanto resultados podem ser tachados de ilegalidade Mais uma vez podese sempre recorrer ao direito em alguma instância É igualmente verdade que os direitos internos em seus momentos inaugurais resultaram de uma configuração de poderes e interesses que dão por assim dizer ao direito a sua cara constituições normas instituições As sociedades internas podem conhecer também novos momentos inaugurais em que novas configurações de poder transformarão a cara do direito e de suas instituições No entanto quando se trata de relacionar a política com uma ordem jurídica ou com um tipo de ordem jurídica a doméstica ou a internacional não se pode pensar nesse momento inaugural Devese pensar a relação quando a ordem jurídica já existe e funciona sobretudo se o que se pretende é descobrir o espaço relativo ocupado pelo direito e pela política competitiva na organização da vida em sociedade Com relação aos direitos internos há uma subordinação de princípio que opera no nível formal dos jogos de política ao direito e isto porque as interações políticas estão necessariamente submetidas aos preceitos constitucionais no limite e porque no direito interno sempre se poderá recorrer aos tribunais Esse controle final pelo direito falta na ordem jurídica internacional No direito internacional sentese é claro o peso das diferenças de poder das composições ou imposições de interesses dos cálculos estratégicos no processo criador de normas sejam elas inseridas em tratados negociados ou parte de costumes internacionais As normas que resultam desses processos refletem os jogos de poder assim como o fazem as normas de direito interno Há igualmente no direito internacional aquelas normas que organizam ou pretendem fazêlo o jogo político Algumas são genéricas como aquelas que proíbem o uso da força e a intervenção em assuntos internos de outros Estados Outras são mais específicas aos regimes jurídicos particulares Outras ainda organizam a atuação política no seio das organizações internacionais Em vista das características básicas do direito internacional descritas no primeira parte deste trabalho é de se esperar que essa organização do jogo político pelo direito internacional não consiga impor limites ou constrangimentos a esse jogo que sejam comparáveis ao que ocorre na esfera interna Assim a distribuição dos espaços relativos ocupados por direito e política nas relações internacionais é também diferenciada Salem Hikmat Nasser junho 2006 77 Primeiramente com a possível exceção de alguns grandes princípios costumeiros do direito internacional que são vistos como oponíveis a todos os Estados qualquer tentativa de limitar as possibilidades de livre atuação política por meio de instrumentos de direito internacional precisaria contar com o consentimento dos Estados mais especificamente com o consentimento de cada estado a ser assim limitado Em seguida um direito ou normas que não são postas por uma autoridade política central e não são aptas a obrigar indistintamente o conjunto dos atores sociais só podem resultar diretamente do jogo de poder e de interesses Nessas condições as normas do direito internacional incorporam e reconhecem as disparidades entre os Estados assim como o fazem as instituições criadas por essas normas Assim por exemplo alguns Estados se vêem reconhecer direitos que outros não têm por exemplo condições diferenciadas nos processos de tomada de decisão nas organizações tais como o voto proporcional e o direito de veto Mais ainda incorporando as relações de força as normas jurídicas e as instituições por elas criadas não só reservam privilégios a alguns Estados como também reservam os espaços em que a atuação política será preponderante ainda que no processo dessa atuação o direito seja ignorado ou violado O exemplo típico desta possibilidade é a atuação do Conselho de Segurança da ONU já que as suas decisões podem obrigatórias sem estarem necessariamente fundadas em direito Finalmente quando o jogo da política não se dá de acordo com as normas que pretendem organizálo ou quando a decisões ou os resultados que emanam desse jogo político contrariam o direito as instituições mais especificamente as cortes não têm uma competência reconhecida pelas normas jurídicas para receber reclamações a não ser com a anuência dos Estados e para em qualquer circunstância buscar e aplicar o direito Não existe o último recurso ao direito Mas esse espaço relativamente maior deixado à política pode ser essencialmente creditado às limitações próprias ao direito internacional às suas normas e às suas estruturas Há no entanto um aspecto desse espaço preponderante da política que não é diretamente ocasionado pelas faltas do direito ainda que seja possibilitado por elas Na sociedade internacional os atores os Estados especialmente aqueles mais dotados de poder relativo tendem a pensar como normal o afastamento ou a desconsideração do jurídico do legal e a sua contração tímida diante do jogo político ainda quando o direto existe e determina os direitos e as obrigações e mostra o ilegal e prevê as conseqüências da ilegalidade Alguns exemplos tirados de acontecimentos recentes e muito relevantes nas relações internacionais podem ilustrar essa afirmação assim como não deixam de ilustrar as afirmações anteriormente feitas sobre as limitações do direito internacional Em 2003 os Estados Unidos tendo tomado a decisão política de iniciar uma guerra contra o Iraque tentaram fazer aprovar uma resolução no Conselho de Segurança que autorizasse a sua operação armada O Conselho como se sabe é soberano para decidir sobre o uso da força em nome da paz e da segurança internacionais Já foi dito que suas decisões são essencialmente políticas e não precisam se referir ao direito Em outras palavras esse órgão está autorizado pela Carta da ONU a tomar uma decisão política que pode muito bem ir num sentido ou no outro Se o Conselho tivesse aprovado a guerra os Estados Unidos estariam agindo em conformidade com uma Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 78 decisão política é verdade mas reconhecida pelo direito como obrigatória Não tendo obtido sucesso na aprovação da resolução os Estados Unidos foram à guerra ainda assim E o direito não podia nada Do episódio recente do conflito entre Israel e Hezbollah no Líbano podese pensar em pelo menos duas questões que têm a ver com o tema do direito e da política o desarmamento do Hezbollah e o debate em torno da legalidade das ações militares de Israel A necessidade do desarmamento do Hezbollah havia sido decidida numa resolução do Conselho de Segurança em 200415 Essa decisão era o resultado de uma composição política entre os membros do Conselho não estando fundada em imperativos legais e nem mesmo considerava o debate político interno que se desenrolava no Líbano sobre o mesmo assunto A ação demandada o desarmamento em princípio colocava na ilegalidade o Hezbollah por manter as armas e impunha ao governo libanês uma obrigação que não estava em condições de cumprir admitindose que o Líbano quisesse desarmar o Hezbollah Quando Israel ataca o Líbano inclui entre seus objetivos declarados o de desarmar o Hezbollah como exigiria segundo ele o direito internacional Por outro lado quando são levantadas objeções à ação militar de Israel no Líbano fundadas na convicção de que ataques a civis às instalações da ONU e outros atos constituem crimes ou ilícitos internacionais o Conselho de Segurança falha em construir o consenso político necessário por objeção dos Estados Unidos para emitir qualquer condenação a Israel Também na questão atualíssima do programa nuclear iraniano podese encontrar uma ilustração dessa relação problemática Há toda uma discussão jurídica a fazer sobre as obrigações e os direitos que cabem ao Irã segundo o regime de nãoproliferação nuclear mas essa discussão está ausente do processo negociador eminentemente político que se está desenrolando Ou melhor o Irã chama a atenção para o fato de que tem o direito de seguir com um programa nuclear para fins pacífico os Estados Unidos e outros dizem que não acreditam que os fins sejam pacíficos e desinteressados do direito buscam o acerto político que fará com que o Irã interrompa seu programa nuclear Finalmente no caso que iniciou este artigo quando se pediu à CIJ que desse seu parecer sobre as conseqüências jurídicas da edificação do muro por Israel várias vozes se levantaram dizendo que aquele não era um assunto a ser discutido na arena do direito mas que sua consideração era devida no campo das negociações políticas Dado o parecer tendo a Corte dito que o direito tinha muito a dizer sobre aquele fato e apontava direitos e obrigações claros essas vozes continuam a sustentar que a solução deve ser política Considerações finais Não se pode pretender que o direito possa tudo Ficou abundantemente claro que o direito internacional por suas características próprias pode ainda menos do que podem os direitos internos Na relação dialética que entretêm direito e política é verdade que a política desempenha papel primordial porque ainda que o direito pretenda e consiga em Salem Hikmat Nasser junho 2006 79 alguma medida organizar o jogo político é a política que determina o direito e não o contrário A política é maior nesse sentido do que o direito A política ainda quando nos referimos a ela como interação estratégica e não como o governo e o gerenciamento da coisa pública como faço neste artigo não dispensa a dimensão da legitimidade A dimensão da legitimidade tanto nos modos como se dá e é organizada a interação estratégica quanto nos temas específicos que são objeto dessa interação e nos resultados dela está necessariamente conectada ao jurídico e ao papel do direito Um direito limitado uma ordem jurídica que espelha uma distribuição desigual do poder enfraquece a dimensão da legitimidade na sociedade internacional porque não parece apto a proteger ou mesmo levar em consideração os diversos interesses Num meio político em que o direito é facilmente ignorado ainda quando tem algo a dizer fica minimizada aos olhos dos atores sociais a legitimidade dos processos pelos quais se dá a interação estratégica e dos resultados da mesma e fica enfraquecido e deslegitimado o direito Notas 1 ONU Assembléia Geral AG Resolução ARESES1013 adotada em 21102003 Resolução traduzida pelo autor 2 ONU Carta Artigo 10º A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e com exceção do estipulado no Artigo 12 poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles conjuntamente com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos e também Artigo 11 2º A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais que a ela forem submetidas por qualquer Membro das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança ou por um Estado que não seja Membro das Nações unidas de acordo com o Artigo 35 parágrafo 2º e com exceção do que fica estipulado no Artigo 12 poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados ou ao Conselho de Segurança ou a ambos Qualquer destas questões para cuja solução for necessária uma ação será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembléia Geral antes ou depois da discussão 3 ONU AG Resolução ARESES1014 8122003 Resolução traduzida pelo autor 4 ONU Carta Artigo 96 1 A Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre qualquer questão de ordem jurídica 2 Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas que forem em qualquer época devidamente autorizadas pela Assembléia Geral poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades 5 Estatuto da CIJ Artigo 65 1 A Corte poderá dar parecer consultivo sobre qualquer questão jurídica a pedido do órgão que de acordo com a Carta das Nações Unidas ou por ela autorizado estiver em condições de fazer tal pedido 6 ICJ Advisory Opinion Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory 972004 httpwwwicjcijorgicjwwwidecisionshtm acesso em 26 de agosto de 2006 7 Para uma análise mais detalhada do parecer consultivo ver Nasser 2005b 8 Ver por exemplo Eugenia LópezJacoiste Díaz 2004 467491 9 Essa concepção do direito se encontra detalhada em Nasser 2005 45 10 A ausência destas instituições poder legislativo internacional tribunais com jurisdição obrigatória e sanções centralmente organizadas significa que as regras aplicáveis aos Estados se assemelham Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 80 àquela forma simples de estrutura social composta apenas de regras primárias de obrigação a qual quando a descobrimos nas sociedades de indivíduos nos acostumamos a contrastar com um sistema jurídico desenvolvido É na verdade sustentável como iremos mostrar que o direito internacional não só não dispõe de regras secundárias de alteração e de julgamento que criem um poder legislativo e tribunais como ainda lhe falta uma regra de reconhecimento unificadora que especifique as fontes do direito e que estabeleça critérios gerais de identificação de suas regras Hart 1994 230 11 É a noção de direito internacional geral Para conhecer seu aspecto recente e uma crítica contundente ver Weil 2000 12 A Resolução ARESES1013 foi votada favoravelmente por 144 países Quatro países votaram contra Estados Unidos Ilhas Marshall Israel e Micronésia e 12 países se abstiveram Dados disponíveis em httpwwwunorgNewsPressdocs2003ga10179dochtm acesso em 30 de agosto de 2006 13 Cláudio Couto chama a política designada por essas perguntas de política constitucional Couto 2005 14 Que Cláudio Couto designa de política competitiva citando Weber para quem política seria o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder seja entre Estados seja no interior de um único EstadoCouto 2005 15 ONU Conselho de Segurança Resolução 1559 2004 292004 Referências bibliográficas BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco 1998 Dicionário de Política 11ª ed Brasília Editora da Universidade de Brasília vol 2 CARBONIER Jean 2001 Flexible Droit Pour une Sociologie du Droit sans Rigueur 10ª ed Paris LGDJ COUTO Cláudio 2005 Constituição Competição e Políticas Públicas Lua Nova São Paulo nº 65 pp 95135 HART H L A 1994 O Conceito de Direito 2ª ed Lisboa Fundação Calouste Gulbekian LAMBORN Alan 1997 Theory and the Politics in World Politics International Studies Quarterly vol 41 nº 2 pp 187214 LÓPEZJACOISTE DÍAZ Eugenia 2004 Algunas Reflexiones sobre la Opinión Consultiva sobre el Muro de Israel La Solución Está en Ramallah y Gaza y No en la Haya Ni en Maniatan Anuario de Derecho Internacional Pamplona vol 20 pp 467 491 NASSER Salem Hikmat 2005a Fontes e Normas do Direito Internacional um Estudo Sobre a Soft Law São Paulo Atlas 2005b Consequências Jurídicas da Edificação de um Muro no Território Palestino Ocupado Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça de 9 de julho de 2004 in Araminta Mercadante e José Carlos Magalhães orgs Reflexões sobre os 60 anos da ONU Ijuí Unijuí WEBER Max 1964 Economia y Sociedad 2ª ed México FCE WEIL Prosper 2000 Vers une Normativité Relative en Droit International in Prosper Weil ed Écrits de D roit international Public Paris PUF Resumo O direito internacional é direito e é reconhecido como tal pelos Estados e demais atores da sociedade internacional É no entanto uma ordem jurídica limitada em virtude das características essenciais da sociedade em que atua a horizontalidade e a ausência de poder central As limitações se fazem sentir na estrutura do ordenamento no alcance de suas normas e no funcionamento de suas instituições Além da limitações Salem Hikmat Nasser junho 2006 81 próprias ao direito internacional cabe analisar a sua relação com a política e o espaço relativo ocupado por cada um na organização da sociedade internacional Para isso aproximase e distinguese a política enquanto interação estratégica no âmbito internacional da política no âmbito interno assim como são traçadas as distinções entre a relação do direito com a política nas sociedades Estatais e na sociedade internacional As limitações do direito internacional e relação deste direito com a política são ilustradas pelos exemplos recentes da relações internacionais tirados do cenário do Oriente Médio Abstract International law is a limited legal order Its limitations result from the basic characteristics of the international society the fact that it is a horizontal society and the absence of a power center a central political authority The limitations are present in the very structure of the legal order in the reach of its norms and in the functioning of its institutions Besides the limitations that are inherent to international law the relationship between this legal order and politics and the relative roles played by each of the two in organizing international society deserve to be analyzed For this purpose an exercise in comparing and differentiating between internal and international politics understood as strategic interaction is undertaken A similar exercise is operated by comparing and differentiating between the interactions of politics and law in domestic and international societies The limitations as well as the relationship between law and politics are illustrated by recent examples taken from the international relations scenario in the Middle East Palavraschave Limites do Direito Internacional Direito Internaciona Política Internacional Direito e Política Conselho de Segurança Corte Internacional de Justiça ONU Keywords International law limitations International Law International Politics Law and Politics Security Council International Court of Justice UN
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
1
Avaliação de Direito Internacional Público - Questões Objetivas Justificadas
Direito Internacional
PUC
4
Avaliação de Direito Internacional Público - Questões Objetivas e Justificadas
Direito Internacional
PUC
13
Direito Internacional Privado - Contratos e Obrigações - Jacob Dolinger
Direito Internacional
PUC
66
Paz e Guerra entre as Nações de Raymond Aron - Coleção Clássicos IPRI
Direito Internacional
PUC
9
Relações Internacionais e Direito Internacional - Abordagens e Interfaces
Direito Internacional
PUC
6
Resenha Critica do Acordao sobre Divida de Jogo e Ordem Publica - TDE
Direito Internacional
PUC
16
Arbitragem Privada Internacional Solucao de Conflitos e Globalizacao
Direito Internacional
PUC
12
Guerra de Donbas e Tratados de Minsk Analise dos Direitos Humanos de Refugiados no Direito Internacional
Direito Internacional
PUC
8
Trabalho sobre Julgamento do Stf
Direito Internacional
PUC
2
Prova Direito Internacional Privado - Questões e Respostas
Direito Internacional
PUC
Preview text
Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 70 OS LIMITES DO DIREITO INTERNACIONAL FACE À POLÍTICA Salem Hikmat Nasser Introdução Em 2002 Israel deu início à edificação de uma barreira um muro de separação entre o que é internacionalmente reconhecido como território israelense e os territórios palestinos ocupados O objetivo declarado da edificação era a proteção contra ataques terroristas e com base nesse mesmo objetivo declarado os trabalhos de construção ainda perduram O traçado da barreira penetra nos territórios ocupados por Israel desde 1967 Em longos trechos tanto nos segmentos já concluídos da barreira quanto naqueles projetados mas não concluídos faixas de território palestino aquelas localizadas entre a fronteira de Israel e a barreira encontramse isoladas do restante Além disso a construção desse muro expropria propriedades privadas e destrói uma parte delas na sua maioria terras agrícolas ricas em água e em árvores frutíferas Em conseqüência a liberdade de movimento da população palestina fica restrita assim como o seu acesso ao trabalho à saúde e à educação Os palestinos e boa parte da comunidade internacional se insurgiram contra a edificação dessa barreira de separação Não havendo recuo por parte de Israel em 14 de outubro de 2003 a questão foi levada ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ONU onde um projeto de resolução que tratava da construção do muro foi rejeitado tendo sofrido o veto dos Estados Unidos O tema permaneceu na pauta do Conselho que no entanto não cuidou mais do assunto nas suas reuniões subseqüentes Estando a matéria bloqueada no Conselho de Segurança a Assembléia Geral das Nações Unidas resolveu discutila e aprovou em 21 de outubro de 2003 uma resolução1 que ainda que com força apenas recomendatória2 exigia a interrupção da construção e o cancelamento do projeto isaraelense e requisitava que o Secretário Geral da organização acompanhasse o cumprimento da resolução e lhe apresentasse relatórios periódicos A Parte operativa da Resolução dizia o que segue 1 A Assembléia Geral Exige que Israel interrompa a construção do muro no território palestino ocupado inclusive Jerusalém oriental e seu entorno e retroceda nesse projeto que se distancia da linha de armistício de 1949 e que é contrário às disposições pertinentes do direito internacional 2 Exorta as duas partes a cumprirem as obrigações que lhes cabem em virtude das disposições pertinentes do mapa do caminho a Autoridade palestina a se esforçar visivelmente no terreno para parar e para desorganizar os indivíduos e os grupos que executam e organizam atentados violentos e para impedilos de agir e o Governo israelense a não tomar medidas que sabotam Salem Hikmat Nasser junho 2006 71 a confiança notadamente as expulsões os ataques contra a população civil e as execuções extrajudiciais 3 Pede ao Secretário Geral que preste contas periodicamente sobre a maneira como a presente resolução é respeitada devendo o seu primeiro relatório sobre a aplicação do parágrafo 1 acima ser apresentado no prazo de um mês após o que novas medidas deveriam ser consideradas caso necessário pelos organismos das Nações Unidas Em 8 de dezembro de 2003 a Assembléia Geral adotou nova resolução com relação ao tema solicitando à Corte Internacional de Justiça CIJ que respondesse com urgência à seguinte pergunta Quais são em direito as conseqüências da edificação do muro que Israel potência ocupante está construindo no território palestino ocupado inclusive no interior e no entorno de Jerusalém oriental de acordo com o exposto no relatório do Secretário geral levandose em conta as regras e princípios do direito internacional notadamente a quarta convenção de Genebra de 1949 e as resoluções consagradas à questão pelo Conselho de Segurança e pela Assembléia Geral3 A Assembléia Geral exercia assim a prerrogativa que lhe é dada pela Carta das Nações Unidas4 e pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça5 de solicitar a esta última um parecer consultivo A Corte emitiu seu parecer em 9 de julho de 20046 Considerouse competente para responder ao pedido da Assembléia Geral e decidiu que era apropriado fazêlo Respondeu dizendo que a edificação do muro e o regime a ela associado eram contrários ao direito internacional que Israel tinha a obrigação de colocar um termo às violações cessar os trabalhos desmantelar a obra e privar de efeitos o conjunto de atos legislativos e regulamentares que se referissem à edificação que Israel tinha a obrigação de reparar os danos causados que todos os demais Estados estavam obrigados a não reconhecerem a situação ilícita decorrente da construção do muro7 Essas conseqüências jurídicas da edificação as obrigações para Israel e para os demais Estados a Corte as estabelece tendo primeiramente determinado o direito aplicável ao caso e em seguida analisando os fatos à luz desse direito A Corte buscou e encontrou as normas aplicáveis em costumes internacionais oponíveis a Israel e em tratados pelos quais Israel estivesse obrigado Por tratarse de um parecer consultivo pedido pela Assembléia Geral da ONU a resposta da Corte não se dirige aos Estados partes da contenda nem impõe obrigações de implementação aos mesmos A resposta é dirigida à Assembléia que solicitou o parecer e não resolve de modo definitivo a controvérsia Em outras palavras apesar de dizer o direito identificar os direitos e obrigações diferenciar o lícito do ilícito e estabelecer as conseqüências decorrentes de atos contrários ao direito internacional a Corte nesse caso não pode obrigar Israel ao cumprimento do direito A exemplo da indiferença demonstrada com relação à condenação de grande parte da comunidade internacional no momento do início da construção do muro Israel decide então ignorar o parecer da Corte Considerao desprovido de autoridade mas também entende que o parecer era um modo dissimulado encontrado por uma maioria Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 72 dos Estados da Assembléia Geral de fazer com que a Corte decidisse um contencioso entre duas partes quando uma delas Israel não havia dado seu consentimento em participar de tal contencioso diante daquela jurisdição Finalmente considera como o faziam outros governos que o contencioso entre palestinos e israelenses necessitava de uma solução política e não jurídica Com relação ao último aspecto referido é interessante notar que alguns juristas ao comentar o parecer entenderam igualmente que este era um tema em que o direito não tinha um papel positivo a desempenhar e que o parecer poderia ser inclusive um elemento nocivo aos esforços políticos empreendidos para resolver essa contenda específica8 Esse caso serve como ponto de partida e como ilustração da problemática que se pretende explorar neste trabalho por um lado carrega em si algumas das limitações mais flagrantes do ordenamento jurídico internacional e por outro anuncia a relação diferenciada que parece entreter o direito internacional com a política 1 Limitações do direito internacional O direito internacional é direito É claro que essa afirmação implica a aceitação por quem a faz de um determinado conceito de direito e a correspondência essencial entre as características do direito internacional e os critérios dados pelo conceito O conceito genérico aqui adotado diz ser o direito um conjunto razoavelmente organizado de normas obrigatórias criadas ou reveladas por mecanismos e procedimentos formais e reconhecidas pelos atores sociais como sendo diferenciadas dos demais tipos de normas por esse seu caráter obrigatório9 O direito internacional é um conjunto de normas obrigatórias e prevê certo número de mecanismos e procedimentos aptos a revelarem e criarem essas normas Os componentes da sociedade internacional os Estados principalmente mas também as instituições os tribunais os doutrinadores os indivíduos reconhecem a existência desse conjunto normativo e seu caráter obrigatório Alguns autores no entanto por conceituarem o direito de modo diverso não hesitam em negar ao direito internacional o status de direito Weber por exemplo ao trabalhar os conceitos sociológicos fundamentais considera ser necessária ao conceito de direito a existência de um quadro coativo ou seja um grupo de pessoas apoiado pelo poder político especialmente destinado a manter seu cumprimento Portanto não se poderia chamar de direito o direito internacional ao qual falta esse quadro coativo a não ser que se tenha outro conceito de direito possibilidade que Weber não descarta Weber 1964 28 Entre os que reconhecem o caráter jurídico do direito internacional há os que chamam a atenção para as características diferenciadoras em relação ao modelo Estatal de ordem jurídica Hart que pensa o direito como um conjunto de normas primárias e normas secundárias considera o direito internacional uma espécie de direito primitivo já que só contém segundo ele normas primárias de comportamento10 O conceito genérico de direito que adotamos se aplica tanto ao direito estatal quanto ao direito internacional Não se diferenciam essas ordens portanto no que Salem Hikmat Nasser junho 2006 73 respeita à essência do jurídico Diferenciamse nas características que os marcam enquanto ordenamentos jurídicos O ordenamento jurídico internacional opera em uma sociedade composta por Estados que pensam a si mesmos como igualmente dotados de soberania e independentes É uma sociedade que carece de um poder supraestatal não apenas coativo mas também produtor das normas Essa característica essencial determina alguns traços do que se está chamando de limitações desse direito Por serem soberanos e porque falta uma autoridade supraestatal aos Estados não se pode impor a sujeição às normas jurídicas As duas fontes principais do direito internacional dependem essencialmente do comportamento dos Estados ou de sua aceitação para que surjam normas que os obriguem Nos tratados internacionais cada Estado individual precisa voluntariamente expressar seu consentimento em comprometerse com aquele conjunto específico de normas de direitos e de obrigações Já os costumes internacionais constituídos de uma conjugação de prática generalizada e de convicção de juridicidade necessitam justamente do comportamento dos Estados para se revelarem É recente em direito internacional a idéia de que determinadas normas costumeiras se aplicam a todos os Estados ainda que um Estado individualmente não tenha participado da prática nem comungue da convicção de juridicidade11 Ainda assim resta o fato de que não se trata de normas postas por uma autoridade e oponíveis a cada Estado Isto faz com que nessa sociedade em qualquer circunstância em que seja necessário conhecer o que diz o direito ou aplicálo será necessário investigar se cada Estado individual está obrigado por cada norma específica seja ela convencional ou costumeira As normas do direito internacional estão portanto estruturadas de modo diverso daquele que organiza as normas dos direito estatais Enquanto o direito interno parece apresentar uma unicidade e uma organicidade dadas pela existência de um poder central e pela sujeição indiscriminada dos atores sociais ao ordenamento jurídico em que as normas estão hierarquicamente organizadas o direito internacional se apresenta como um ordenamento complexo em que coexistem diferentes regimes normativos compostos por normas entre as quais não há hierarquia congregando conjuntos diferentes de Estados A crescente institucionalização da sociedade internacional é apenas uma evolução dentro desse cenário que se mantém essencialmente o mesmo Afinal as instituições mais especificamente as organizações intergovernamentais são criadas por tratados internacionais com os quais os Estados aceitam comprometerse As estruturas criadas por grandes tratados internacionais em matéria ambiental por exemplo que também resultam desse processo de institucionalização dependem igualmente da vontade dos Estados Para determinar o funcionamento dos regimes jurídicos específicos eg direitos humanos meio ambiente segurança em dimensão regional ou global etc com suas normas suas instituições seus mecanismos de controle e mais importante com seus eventuais mecanismos de adjudicação e imposição de soluções é preciso o concurso das vontades dos Estados E esse concurso de vontades será encontrado com facilidade Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 74 variável segundo o regime com que se está lidando ou melhor para cada regime o concurso de vontades determinará características e força variáveis Retornemos ao exemplo que abriu este artigo A questão envolvendo palestinos e israelenses está evidentemente inserida na problemática da paz e da guerra Existe em direito internacional um regime jurídico da paz da sua manutenção do afastamento da guerra e das condições em que esta pode ser travada Na verdade a preocupação com a paz e a segurança internacionais se encontra no centro das razões para a criação da ONU e está no centro de seus objetivos igualmente A ONU é a mais universal das organizações internacionais composta pela quase totalidade dos Estados do mundo que compõem um de seus órgãos principais a Assembléia Geral Outro de seus órgãos principais é o Conselho de Segurança que tem como principal atribuição velar pela paz e pela segurança internacionais Finalmente a ONU conta entre seus órgãos com a principal e a mais universal igualmente entre as Cortes Internacionais a CIJ Quando um Estado incidentalmente um membro da ONU comportase de modo flagrantemente ilegal como reagem as instituições e como funciona o regime jurídico O Conselho de Segurança falha em dar uma resposta porque um dos membros permanentes se opõe As normas sobre o funcionamento do Conselho já prevêem a possibilidade dessa recusa e essa possibilidade de bloqueio A Assembléia Geral por uma grande maioria de seus membros12 resolve condenar aquele comportamento e exigir sua interrupção Mas a Assembléia Geral pode apenas recomendar É o que prevêem as normas da Carta da ONU A CIJ não pode conhecer de um contencioso envolvendo Israel porque seu Estatuto prevê que um Estado precisa aceitar a jurisdição da Corte para ser julgado por ela A Corte pode dizer o direito e dizer as conseqüências da violação do direito respondendo a um pedido de parecer consultivo feito pela Assembléia Geral mas um parecer não obriga Israel a nada Assim o direito ainda que cristalino encontra os seus limites porque além disso não pode nada mais 2 Direito internacional e política Política significa a mesma coisa na esfera doméstica estatal e na esfera internacional Talvez caiba uma investigação preliminar ainda que superficial sobre o significado genérico do termo Tipicamente política é associada com a noção de arte de governar Bobbio Matteucci Pasquino 1998 954 ligada portanto à idéia de poder político e seus detentores e a perguntas como quem governa ou como se governa13 É política pensada fundamentalmente como fenômeno das sociedades estatais em que há um poder central um governo Na ausência de poder supraestatal e de um governo mundial não se pode falar de política como arte de governar na esfera internacional Tampouco se pode fazer com o mesmo sentido ao menos as perguntas quem governa ou como governa Mas a política pode ser também entendida como disputa e organização de poder14 e contraposição ou composição de interesses A política nesse sentido existe e opera tanto nas sociedades internas quanto na sociedade internacional Salem Hikmat Nasser junho 2006 75 Alan Lamborn 1997 187214 afirma que existe um corpo do que chama de pressuposições metateóricas que são partilhadas pelos estudiosos das várias correntes teóricas das relações internacionais e que se referem ao processo de interação estratégica na política Essas mesmas pressuposições são comuns segundo o autor à política doméstica e à política internacional Algumas dinâmicas afirma estão sempre presentes nessa interação estratégica da política 1 Os atores sociais têm preferências objetivos interesses que são interdependentes e poder envolve a capacidade de ver realizados esses resultados desejados 2 A importância que os atores darão à legitimidade é relevante no processo político que se dá necessariamente em comunidade humanas e em que há contraposição de interesses e diferenças relativas de poder 3 A extensão do horizonte temporal com o qual trabalham os atores ao considerarem preferências poder e legitimidade é igualmente relevante 4 É preciso considerar as preferências dos atores no que respeita à tomada de riscos e escolhas estratégicas 5 Política envolve ligações linkages entre várias arenas políticas aquelas envolvendo indivíduos ou grupos organizados facções dentro de cada grupo etc Assim por exemplo a política mundial seria condicionada pela interação entre política internacional a política que opera entre facções de determinadas coalizões e a política interna Se é verdade que essas pressuposições são comuns à política interna e à política internacional e se é verdade que essas dinâmicas perpassam qualquer teoria que queira explicar a política podese dizer que enquanto jogo enquanto competição a essência da política é a mesma dentro dos Estados e entre os Estados O que irá diferenciar o estudo de uma e de outra do mesmo modo que diferencia uma teoria da outra é o que se poderia chamar de condições iniciais consideradas nos valores das variáveis incluídas nas dinâmicas da política como interação estratégica idem 211 Assim quando se pretende interpretar ou teorizar sobre a política nas relações internacionais cada teórico ou intérprete escolherá seus pontos de partida para pensar a interação estratégica na política internacional a partir das dinâmicas das preferências e do poder da legitimidade do horizonte temporal do apetite para riscos e da interligação entre âmbitos políticos Esses pontos de partida serão diferentes daqueles usados para interpretar a política interna e diversos daqueles que podem ser escolhidos por outros teóricos ou intérpretes da política internacional Ainda que se possa emprestar maior ou menor importância a cada uma das dimensões elas estarão todas sempre presentes Não é minha intenção elaborar ou escolher um modelo interpretativo das relações internacionais mas sim tentar perceber como se pode dar a relação entre a política na esfera internacional e o direito internacional No âmbito interno aos Estados a política competitiva existe e como já se admitiu é na essência de igual natureza que a política competitiva que opera na esfera internacional Diferentemente do direito internacional no entanto o direito interno funciona enquanto ordem jurídica hierarquizada encimada por uma constituição formando um todo que se quer coerente O direito interno conta igualmente com o instrumental coativo e com instituições responsáveis por encontrar e dizer o direito em qualquer circunstância e por dirimir virtualmente qualquer contenda com base no Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 76 direito vigente Em outras palavras o direito interno mesmo quando é desmentido pelos fatos se pretende um verdadeiro reino do direito Nessas circunstâncias a competição política deve em princípio darse segundo parâmetros estabelecidos pela ordem jurídica mais comumente pela normatividade constitucional mas não necessariamente apenas por ela O direito pretende portanto designar os espaços da competição política e sobretudo definir as regras que organizam o jogo político Em todos os casos fica resguardada a possibilidade para os atores sociais e políticos de recorrerem ao direito e a suas instituições É verdade que o jogo político exerce influência sobre o direito Afinal é também a resultante de jogos de poder da composição de interesses e de cálculos estratégicos que define as normas dos ordenamentos jurídicos e que define as eventuais mudanças nessas normas Mas esses jogos e essas composições que resultam em normas e que transformam as normas devem obedecer às regras do jogo constantes do ordenamento Se não o fizerem tanto procedimentos quanto resultados podem ser tachados de ilegalidade Mais uma vez podese sempre recorrer ao direito em alguma instância É igualmente verdade que os direitos internos em seus momentos inaugurais resultaram de uma configuração de poderes e interesses que dão por assim dizer ao direito a sua cara constituições normas instituições As sociedades internas podem conhecer também novos momentos inaugurais em que novas configurações de poder transformarão a cara do direito e de suas instituições No entanto quando se trata de relacionar a política com uma ordem jurídica ou com um tipo de ordem jurídica a doméstica ou a internacional não se pode pensar nesse momento inaugural Devese pensar a relação quando a ordem jurídica já existe e funciona sobretudo se o que se pretende é descobrir o espaço relativo ocupado pelo direito e pela política competitiva na organização da vida em sociedade Com relação aos direitos internos há uma subordinação de princípio que opera no nível formal dos jogos de política ao direito e isto porque as interações políticas estão necessariamente submetidas aos preceitos constitucionais no limite e porque no direito interno sempre se poderá recorrer aos tribunais Esse controle final pelo direito falta na ordem jurídica internacional No direito internacional sentese é claro o peso das diferenças de poder das composições ou imposições de interesses dos cálculos estratégicos no processo criador de normas sejam elas inseridas em tratados negociados ou parte de costumes internacionais As normas que resultam desses processos refletem os jogos de poder assim como o fazem as normas de direito interno Há igualmente no direito internacional aquelas normas que organizam ou pretendem fazêlo o jogo político Algumas são genéricas como aquelas que proíbem o uso da força e a intervenção em assuntos internos de outros Estados Outras são mais específicas aos regimes jurídicos particulares Outras ainda organizam a atuação política no seio das organizações internacionais Em vista das características básicas do direito internacional descritas no primeira parte deste trabalho é de se esperar que essa organização do jogo político pelo direito internacional não consiga impor limites ou constrangimentos a esse jogo que sejam comparáveis ao que ocorre na esfera interna Assim a distribuição dos espaços relativos ocupados por direito e política nas relações internacionais é também diferenciada Salem Hikmat Nasser junho 2006 77 Primeiramente com a possível exceção de alguns grandes princípios costumeiros do direito internacional que são vistos como oponíveis a todos os Estados qualquer tentativa de limitar as possibilidades de livre atuação política por meio de instrumentos de direito internacional precisaria contar com o consentimento dos Estados mais especificamente com o consentimento de cada estado a ser assim limitado Em seguida um direito ou normas que não são postas por uma autoridade política central e não são aptas a obrigar indistintamente o conjunto dos atores sociais só podem resultar diretamente do jogo de poder e de interesses Nessas condições as normas do direito internacional incorporam e reconhecem as disparidades entre os Estados assim como o fazem as instituições criadas por essas normas Assim por exemplo alguns Estados se vêem reconhecer direitos que outros não têm por exemplo condições diferenciadas nos processos de tomada de decisão nas organizações tais como o voto proporcional e o direito de veto Mais ainda incorporando as relações de força as normas jurídicas e as instituições por elas criadas não só reservam privilégios a alguns Estados como também reservam os espaços em que a atuação política será preponderante ainda que no processo dessa atuação o direito seja ignorado ou violado O exemplo típico desta possibilidade é a atuação do Conselho de Segurança da ONU já que as suas decisões podem obrigatórias sem estarem necessariamente fundadas em direito Finalmente quando o jogo da política não se dá de acordo com as normas que pretendem organizálo ou quando a decisões ou os resultados que emanam desse jogo político contrariam o direito as instituições mais especificamente as cortes não têm uma competência reconhecida pelas normas jurídicas para receber reclamações a não ser com a anuência dos Estados e para em qualquer circunstância buscar e aplicar o direito Não existe o último recurso ao direito Mas esse espaço relativamente maior deixado à política pode ser essencialmente creditado às limitações próprias ao direito internacional às suas normas e às suas estruturas Há no entanto um aspecto desse espaço preponderante da política que não é diretamente ocasionado pelas faltas do direito ainda que seja possibilitado por elas Na sociedade internacional os atores os Estados especialmente aqueles mais dotados de poder relativo tendem a pensar como normal o afastamento ou a desconsideração do jurídico do legal e a sua contração tímida diante do jogo político ainda quando o direto existe e determina os direitos e as obrigações e mostra o ilegal e prevê as conseqüências da ilegalidade Alguns exemplos tirados de acontecimentos recentes e muito relevantes nas relações internacionais podem ilustrar essa afirmação assim como não deixam de ilustrar as afirmações anteriormente feitas sobre as limitações do direito internacional Em 2003 os Estados Unidos tendo tomado a decisão política de iniciar uma guerra contra o Iraque tentaram fazer aprovar uma resolução no Conselho de Segurança que autorizasse a sua operação armada O Conselho como se sabe é soberano para decidir sobre o uso da força em nome da paz e da segurança internacionais Já foi dito que suas decisões são essencialmente políticas e não precisam se referir ao direito Em outras palavras esse órgão está autorizado pela Carta da ONU a tomar uma decisão política que pode muito bem ir num sentido ou no outro Se o Conselho tivesse aprovado a guerra os Estados Unidos estariam agindo em conformidade com uma Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 78 decisão política é verdade mas reconhecida pelo direito como obrigatória Não tendo obtido sucesso na aprovação da resolução os Estados Unidos foram à guerra ainda assim E o direito não podia nada Do episódio recente do conflito entre Israel e Hezbollah no Líbano podese pensar em pelo menos duas questões que têm a ver com o tema do direito e da política o desarmamento do Hezbollah e o debate em torno da legalidade das ações militares de Israel A necessidade do desarmamento do Hezbollah havia sido decidida numa resolução do Conselho de Segurança em 200415 Essa decisão era o resultado de uma composição política entre os membros do Conselho não estando fundada em imperativos legais e nem mesmo considerava o debate político interno que se desenrolava no Líbano sobre o mesmo assunto A ação demandada o desarmamento em princípio colocava na ilegalidade o Hezbollah por manter as armas e impunha ao governo libanês uma obrigação que não estava em condições de cumprir admitindose que o Líbano quisesse desarmar o Hezbollah Quando Israel ataca o Líbano inclui entre seus objetivos declarados o de desarmar o Hezbollah como exigiria segundo ele o direito internacional Por outro lado quando são levantadas objeções à ação militar de Israel no Líbano fundadas na convicção de que ataques a civis às instalações da ONU e outros atos constituem crimes ou ilícitos internacionais o Conselho de Segurança falha em construir o consenso político necessário por objeção dos Estados Unidos para emitir qualquer condenação a Israel Também na questão atualíssima do programa nuclear iraniano podese encontrar uma ilustração dessa relação problemática Há toda uma discussão jurídica a fazer sobre as obrigações e os direitos que cabem ao Irã segundo o regime de nãoproliferação nuclear mas essa discussão está ausente do processo negociador eminentemente político que se está desenrolando Ou melhor o Irã chama a atenção para o fato de que tem o direito de seguir com um programa nuclear para fins pacífico os Estados Unidos e outros dizem que não acreditam que os fins sejam pacíficos e desinteressados do direito buscam o acerto político que fará com que o Irã interrompa seu programa nuclear Finalmente no caso que iniciou este artigo quando se pediu à CIJ que desse seu parecer sobre as conseqüências jurídicas da edificação do muro por Israel várias vozes se levantaram dizendo que aquele não era um assunto a ser discutido na arena do direito mas que sua consideração era devida no campo das negociações políticas Dado o parecer tendo a Corte dito que o direito tinha muito a dizer sobre aquele fato e apontava direitos e obrigações claros essas vozes continuam a sustentar que a solução deve ser política Considerações finais Não se pode pretender que o direito possa tudo Ficou abundantemente claro que o direito internacional por suas características próprias pode ainda menos do que podem os direitos internos Na relação dialética que entretêm direito e política é verdade que a política desempenha papel primordial porque ainda que o direito pretenda e consiga em Salem Hikmat Nasser junho 2006 79 alguma medida organizar o jogo político é a política que determina o direito e não o contrário A política é maior nesse sentido do que o direito A política ainda quando nos referimos a ela como interação estratégica e não como o governo e o gerenciamento da coisa pública como faço neste artigo não dispensa a dimensão da legitimidade A dimensão da legitimidade tanto nos modos como se dá e é organizada a interação estratégica quanto nos temas específicos que são objeto dessa interação e nos resultados dela está necessariamente conectada ao jurídico e ao papel do direito Um direito limitado uma ordem jurídica que espelha uma distribuição desigual do poder enfraquece a dimensão da legitimidade na sociedade internacional porque não parece apto a proteger ou mesmo levar em consideração os diversos interesses Num meio político em que o direito é facilmente ignorado ainda quando tem algo a dizer fica minimizada aos olhos dos atores sociais a legitimidade dos processos pelos quais se dá a interação estratégica e dos resultados da mesma e fica enfraquecido e deslegitimado o direito Notas 1 ONU Assembléia Geral AG Resolução ARESES1013 adotada em 21102003 Resolução traduzida pelo autor 2 ONU Carta Artigo 10º A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e com exceção do estipulado no Artigo 12 poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles conjuntamente com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos e também Artigo 11 2º A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais que a ela forem submetidas por qualquer Membro das Nações Unidas ou pelo Conselho de Segurança ou por um Estado que não seja Membro das Nações unidas de acordo com o Artigo 35 parágrafo 2º e com exceção do que fica estipulado no Artigo 12 poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados ou ao Conselho de Segurança ou a ambos Qualquer destas questões para cuja solução for necessária uma ação será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembléia Geral antes ou depois da discussão 3 ONU AG Resolução ARESES1014 8122003 Resolução traduzida pelo autor 4 ONU Carta Artigo 96 1 A Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça sobre qualquer questão de ordem jurídica 2 Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas que forem em qualquer época devidamente autorizadas pela Assembléia Geral poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades 5 Estatuto da CIJ Artigo 65 1 A Corte poderá dar parecer consultivo sobre qualquer questão jurídica a pedido do órgão que de acordo com a Carta das Nações Unidas ou por ela autorizado estiver em condições de fazer tal pedido 6 ICJ Advisory Opinion Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory 972004 httpwwwicjcijorgicjwwwidecisionshtm acesso em 26 de agosto de 2006 7 Para uma análise mais detalhada do parecer consultivo ver Nasser 2005b 8 Ver por exemplo Eugenia LópezJacoiste Díaz 2004 467491 9 Essa concepção do direito se encontra detalhada em Nasser 2005 45 10 A ausência destas instituições poder legislativo internacional tribunais com jurisdição obrigatória e sanções centralmente organizadas significa que as regras aplicáveis aos Estados se assemelham Os limites do direito internacional face à política pp 7081 Cena Internacional ano 8 nº 1 80 àquela forma simples de estrutura social composta apenas de regras primárias de obrigação a qual quando a descobrimos nas sociedades de indivíduos nos acostumamos a contrastar com um sistema jurídico desenvolvido É na verdade sustentável como iremos mostrar que o direito internacional não só não dispõe de regras secundárias de alteração e de julgamento que criem um poder legislativo e tribunais como ainda lhe falta uma regra de reconhecimento unificadora que especifique as fontes do direito e que estabeleça critérios gerais de identificação de suas regras Hart 1994 230 11 É a noção de direito internacional geral Para conhecer seu aspecto recente e uma crítica contundente ver Weil 2000 12 A Resolução ARESES1013 foi votada favoravelmente por 144 países Quatro países votaram contra Estados Unidos Ilhas Marshall Israel e Micronésia e 12 países se abstiveram Dados disponíveis em httpwwwunorgNewsPressdocs2003ga10179dochtm acesso em 30 de agosto de 2006 13 Cláudio Couto chama a política designada por essas perguntas de política constitucional Couto 2005 14 Que Cláudio Couto designa de política competitiva citando Weber para quem política seria o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder seja entre Estados seja no interior de um único EstadoCouto 2005 15 ONU Conselho de Segurança Resolução 1559 2004 292004 Referências bibliográficas BOBBIO Norberto MATTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco 1998 Dicionário de Política 11ª ed Brasília Editora da Universidade de Brasília vol 2 CARBONIER Jean 2001 Flexible Droit Pour une Sociologie du Droit sans Rigueur 10ª ed Paris LGDJ COUTO Cláudio 2005 Constituição Competição e Políticas Públicas Lua Nova São Paulo nº 65 pp 95135 HART H L A 1994 O Conceito de Direito 2ª ed Lisboa Fundação Calouste Gulbekian LAMBORN Alan 1997 Theory and the Politics in World Politics International Studies Quarterly vol 41 nº 2 pp 187214 LÓPEZJACOISTE DÍAZ Eugenia 2004 Algunas Reflexiones sobre la Opinión Consultiva sobre el Muro de Israel La Solución Está en Ramallah y Gaza y No en la Haya Ni en Maniatan Anuario de Derecho Internacional Pamplona vol 20 pp 467 491 NASSER Salem Hikmat 2005a Fontes e Normas do Direito Internacional um Estudo Sobre a Soft Law São Paulo Atlas 2005b Consequências Jurídicas da Edificação de um Muro no Território Palestino Ocupado Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça de 9 de julho de 2004 in Araminta Mercadante e José Carlos Magalhães orgs Reflexões sobre os 60 anos da ONU Ijuí Unijuí WEBER Max 1964 Economia y Sociedad 2ª ed México FCE WEIL Prosper 2000 Vers une Normativité Relative en Droit International in Prosper Weil ed Écrits de D roit international Public Paris PUF Resumo O direito internacional é direito e é reconhecido como tal pelos Estados e demais atores da sociedade internacional É no entanto uma ordem jurídica limitada em virtude das características essenciais da sociedade em que atua a horizontalidade e a ausência de poder central As limitações se fazem sentir na estrutura do ordenamento no alcance de suas normas e no funcionamento de suas instituições Além da limitações Salem Hikmat Nasser junho 2006 81 próprias ao direito internacional cabe analisar a sua relação com a política e o espaço relativo ocupado por cada um na organização da sociedade internacional Para isso aproximase e distinguese a política enquanto interação estratégica no âmbito internacional da política no âmbito interno assim como são traçadas as distinções entre a relação do direito com a política nas sociedades Estatais e na sociedade internacional As limitações do direito internacional e relação deste direito com a política são ilustradas pelos exemplos recentes da relações internacionais tirados do cenário do Oriente Médio Abstract International law is a limited legal order Its limitations result from the basic characteristics of the international society the fact that it is a horizontal society and the absence of a power center a central political authority The limitations are present in the very structure of the legal order in the reach of its norms and in the functioning of its institutions Besides the limitations that are inherent to international law the relationship between this legal order and politics and the relative roles played by each of the two in organizing international society deserve to be analyzed For this purpose an exercise in comparing and differentiating between internal and international politics understood as strategic interaction is undertaken A similar exercise is operated by comparing and differentiating between the interactions of politics and law in domestic and international societies The limitations as well as the relationship between law and politics are illustrated by recent examples taken from the international relations scenario in the Middle East Palavraschave Limites do Direito Internacional Direito Internaciona Política Internacional Direito e Política Conselho de Segurança Corte Internacional de Justiça ONU Keywords International law limitations International Law International Politics Law and Politics Security Council International Court of Justice UN